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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS O Desafio da Metagovernação na Implementação de Políticas Públicas: (in)compatibilidades entre estilos de governação e estratégias de coordenação no domínio da educação e formação de adultos em Portugal Luís Filipe Oliveira Mota Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Engrácia Carvalho dos Reis Janela Cardim Prof. Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, na especialidade em Administração Pública 2015

UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS ... · Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, ... e do Território da Unidade de Aveiro ... Autorização

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS

O Desafio da Metagovernação na

Implementação de Políticas Públicas:

(in)compatibilidades entre estilos de governação e

estratégias de coordenação no domínio da

educação e formação de adultos em Portugal

Luís Filipe Oliveira Mota

Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Engrácia Carvalho dos Reis Janela Cardim

Prof. Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de

Doutor em Ciências Sociais, na especialidade em Administração Pública

2015

UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS

O Desafio da Metagovernação na Implementação de Políticas Públicas: (in)compatibilidades entre estilos de governação e estratégias de coordenação

no domínio da educação e formação de adultos em Portugal

Luís Filipe Oliveira Mota

Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Engrácia Carvalho dos Reis Janela Cardim

Prof. Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, na especialidade em Administração Pública

Júri:

Presidente:

Doutor João Bilhim, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Vogais:

Doutor Joaquim Filipe Araújo, Professor Associado com Agregação da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

Doutor Ricardo Ramos Pinto, Professor Associado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de coorientador

Doutora Maria Engrácia Cardim, Professora Auxiliar Aposentada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientadora

Doutora Elisabete dos Reis Carvalho, Professora Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Doutor Filipe Teles Nunes, Professor Auxiliar do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Unidade de Aveiro

Doutor Pedro Adão e Silva Pereira, Professor Auxiliar Convidado da Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa

2015

Tese elaborada com apoio de Bolsa de Doutoramento da:

i

AGRADECIMENTOS

A cooperação é, para mim, mais do que um tema de investigação que me desperta interesse.

É, sobretudo, um modo de estar na minha vida profissional e pessoal, que exige um esforço

permanente mas que considero ter resultados bastante recompensadores. O trabalho que

aqui apresento é, de facto, fruto do imenso apoio que recebi e que desejo agora agradecer.

Os primeiros agradecimentos são dirigidos à minha orientadora, Maria Engrácia Cardim, não

apenas pela orientação e estímulo constantes nos últimos oito anos de colaboração, mas

sobretudo pela amizade e valiosos conselhos profissionais e pessoais com que sempre me

presenteou. Ao meu coorientador, Ricardo Ramos Pinto, agradeço pelo sistemático

encorajamento, desde os tempos do PIAPP.

Gostaria igualmente de agradecer aos membros do júri da prova de doutoramento,

composto pelo Professores(as) Doutores(as) João Bilhim, Joaquim Filipe Araújo, Elisabete

Carvalho, Filipe Teles e Pedro Adão e Silva, pelos valiosos comentários e questões que

formularam ao longo do processo de avaliação da tese, que permitiram que elaborasse

diferentes melhorias ao texto original, algumas das quais plasmadas já nesta versão da tese.

Expresso ainda o meu reconhecimento ao ISCSP e ao CAPP, nomeadamente aos seus

dirigentes, ao coordenador e docentes do Doutoramento em Administração Pública, bem

como a todos aqueles com quem interagi, pelo desafiante ambiente de acolhimento.

Às pessoas que inquiri, agradeço pela amabilidade de terem partilhado o seu conhecimento

e pela forma afável com que me receberam nas suas instituições aquando das entrevistas.

Expresso ainda a minha gratidão aos meus colegas de trabalho do CAPP, do DCSPT e da FCT

– em especial à Luísa Pereira, Diana Teixeira, Patrícia Silva, Marta Calvache, Maria Manatos,

Sara Diogo, Carlos Jalali, Filipe Teles, Artur Rosa Pires, Pedro Goulart, Paula Mesquita, Ana

Castro e Ana Quartin – pelas constantes demonstrações de encorajamento e apoio.

A todos os meus amigos, alguns já referidos, agradeço pelos momentos de companheirismo

e descompressão que me ajudaram a esquecer as pressões inerentes a este trabalho.

Um especial agradecimento vai também para o Daniel, cujo carinho e apoio foram essenciais

para conseguir terminar este trabalho e para encarar os desafios do presente e futuro.

À minha família, em particular à minha mãe, agradeço todo o apoio e carinho que me deram

ao longo da vida e por toda a compreensão que demonstraram face às ausências, em corpo

e em espírito, que esta tese acarretou.

Por tudo isto e muito mais, expresso, a todos, a minha enorme e profunda gratidão!

ii

RESUMO

As redes de governança constituem-se como um dos modos de governação mais comuns nas

sociedades ocidentais. Não obstante tenham diversas vantagens, as redes enfrentam

igualmente diferentes desafios, nomeadamente na sua relação com modos de governação

hierárquicos e de mercado, já que existe um conjunto de potenciais influências positivas e

negativas entre diferentes modos de governação, o que requer esforços de metagovernação

para fomentar mixes mais eficazes.

O tema das redes de governança e da metagovernação tem sido pouco estudado em

Portugal, ao contrário de outras temáticas relacionadas com a governação pública. Este

trabalho pretende, assim, ser um contributo para mitigar essa escassez através do estudo

compreensivo da forma como os processos de criação e gestão das Redes Locais para a

Qualificação foram influenciadas e influenciaram o sistema de governação da educação de

adultos em Portugal.

As principais conclusões desta análise referem que o sucesso colaborativo das redes é

positivamente impulsionado, quer pelo apoio de organismos da tutela, quer pela existência

de estruturas e práticas de governança formais das redes, sobretudo quando existam

antecedentes de rivalidade entre os seus membros. Por outro lado, conclui-se também que

as redes podem gerar enormes mais-valias ao nível da coordenação vertical e horizontal de

atores.

Palavras-chave:

Governação Pública em Rede; Estratégias de Metagovernação; Implementação de Políticas

Públicas; Reformas da Governação Pública; Políticas de Educação e Formação de Adultos;

Tradição Administrativa; Estado neo-weberiano; Portugal; Abordagem bottom-up; Neo-

institucionalismo

iii

ABSTRACT

Governance networks are nowadays one of the most common governance modes on

western societies. Although they produce several advantages, networks have also to deal

with different challenges, namely the ones related with their intersection with hierarchical

and market governance modes, since there is a set of potential positive and negative

influences between different governance modes, which require metagovernance efforts to

determine more effective mixes.

Unlike other themes related with public governance, the topic of governance networks and

metagovernance is understudied in Portugal. This thesis aims to be a contribution to

mitigate this gap by doing a comprehensive study on the ways the processes of formation

and management of the Local Networks of Qualification were influenced and influenced the

Portuguese adult education governance system.

The main conclusions of this analysis stress that the collaborative success of networks is

positively boosted by both the sponsoring from tutelage central public organizations and the

existence of formal network governance structures and practices, particularly when network

members have rivalry antecedents. On the other hand, networks proved to generate

valuable benefits on inter-actor vertical and horizontal coordination.

Key-words:

Networked Public Governance; Metagovernance strategies; Public Policy Implementation;

Public Governance Reforms; Adult Education and Training Policies; Administrative Tradition;

Neo-weberian State; Portugal; Bottom-up approach; Neo-institutionalism

iv

ÍNDICE

ÍNDICE DE FIGURAS ...........................................................................................................................VI

I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 8

I-1. Pertinência do Estudo e Objetivos ......................................................................................................... 8

I-2. Apresentação do Objeto de Estudo Empírico e Breves Notas Metodológicas ....................................... 15

I-3. Estrutura da Tese................................................................................................................................. 19

II. CONTORNOS DO ESTUDO E ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................. 22

II-1. Emergência e Afirmação da Ciência das Políticas Públicas.................................................................. 28

II-2. Diversidade Epistemológica, Teórica e Metodológica na Ciência das Políticas Públicas ...................... 37

II-3. Frameworks de Análise do Processo de Políticas Públicas e suas funções heurísticas: Vantagens e Problemas da Framework Estagista e Emergência da Framework de Governança Múltipla ...................... 44

II-4. Presente e Futuro do Estudo do Processo de Políticas Públicas ........................................................... 53

III. A CENTRALIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................ 57

III-1. O Estudo da Implementação de Políticas: Complexidade Conceptual e Multiplicidade de Atores ...... 61

III-2. Gerações de Estudos de Implementação............................................................................................ 64

III-2.1. Evolução Histórica das Gerações de Estudos de Implementação ..................................................... 65

III-2.2. Análise Comparativa das Gerações dos Estudos de Implementação ................................................ 92

III-3. Presente e Futuro dos Estudos da Implementação: Entre o Abandono, o Revivalismo e a Reconceptualização ................................................................................................................................. 107

IV. GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE: DO ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS À ANÁLISE DOS

DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE METAGOVERNAÇÃO DE REDES .....................................................................111

IV-1. Novos Modos de Governação Pública Interativa: Emergência e Diferenciação ................................ 117

IV-1.1. A emergência dos Novos Modos de Governação: contextos históricos e principais diferenças .... 118

IV-1.2. Novos Modos de Governação Pública Interativa, Hibridismo e Metagovernação.......................... 137

IV-2. Desafios da Governação Pública Interativa em Rede e Estratégias para a sua Metagovernação: Contornos Conceptuais e Teóricos ........................................................................................................... 144

IV-2.1. Redes e Parcerias de Governação Pública: características, tipologias, benefícios e desafios ......... 149

IV-2.2. Fatores Críticos para os Processos Colaborativos e Estratégias de Metagovernação de Redes ..... 157

IV-3. Abordagens Teóricas e Metodológicas para o Estudo das Novas Formas de Governação e das Redes de Governação Pública ............................................................................................................................ 171

V. DESENHO DE PESQUISA DO ESTUDO DAS RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS DE QUALIFICAÇÃO E O

SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS ................................................................................178

V-1. Posicionamentos Epistemológicos, Ontológicos, Teóricos e Metodológicos de Base ........................ 180

V-2. Desenho de Pesquisa: Objeto de Estudo, Pergunta de Partida, Objetivos e Pressupostos Teóricos ... 185

V-3. Processo de Recolha e Análise de Dados .......................................................................................... 193

VI. RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO DE

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉC. XXI ..............................................196

v

VI-1. O Sistema de Governação de Educação e Formação de Adultos em Portugal no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades: Alinhamento Internacional, Antecedentes, Instrumentos e Estrutura de Implementação e Desafios de Governação .............................................................................................. 201

VI-1.1. A emergência de uma nova geração de políticas públicas de educação de adultos ao nível internacional ............................................................................................................................................... 203

VI-1.2. Os primórdios e as primeiras iniciativas da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal ...................................................................................................................................................... 209

VI-1.3. Instrumentos e Estrutura de Implementação do Eixo dos Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades ............................................................................................................................................ 219

VI-1.4. Concretizações e Desafios à Governação do Eixo Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades ...... 235

VI-2.Desafios e Estratégias da Governação das Redes Locais para a Qualificação e sua Relação com o Sistema de Educação de Adultos ............................................................................................................. 253

VI-2.1. Análise dos Processos de Criação e Gestão de Redes Locais de Qualificação e dos seus Impactos: Apresentação dos Estudos de Caso ............................................................................................................ 260

VI-2.2. Relações de Influência entre as Redes Locais de Qualificação e o Sistema de Educação e Formação de Adultos: Análise Comparada e Principais Conclusões ........................................................................... 281

VII- CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES PARA A GOVERNAÇÃO PÚBLICA E PISTAS DE INVESTIGAÇÃO FUTURA................291

BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................................299

ANEXOS ......................................................................................................................................326

Anexo 1. Entrevista Exploratória a Dirigente de Topo da Agência Nacional para a Qualificação ............. 326

Anexo 2. Autorização de Aplicação do Questionário................................................................................ 351

Anexo 3. Guião do Questionário .............................................................................................................. 353

Anexo 4. Principais Resultados do Questionário Aplicado ....................................................................... 361

Anexo 5. Guião de Entrevista Aplicado .................................................................................................... 371

Anexo 6. Transcrição das Entrevistas ....................................................................................................... 372

Anexo 6.1. Entrevista do Estudo de Caso A ................................................................................................ 373

Anexo 6.2. Entrevista do Estudo de Caso B ................................................................................................ 393

Anexo 6.3. Entrevista do Estudo de Caso C ................................................................................................ 403

Anexo 6.4. Entrevista do Estudo de Caso D ................................................................................................ 428

Anexo 6.5. Entrevista do Estudo de Caso E ................................................................................................ 444

Anexo 6.6. Entrevista do Estudo de Caso F................................................................................................. 459

Anexo 6.7. Entrevista do Estudo de Caso G ................................................................................................ 471

Anexo 6.8. Entrevista do Estudo de Caso H ................................................................................................ 480

vi

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. Distinção entre ‘Análise de Políticas Públicas’ e ‘Estudos de Políticas Públicas’ ................... 39

Figura 2. Principais influências disciplinares da Ciência das Políticas Públicas ..................................... 43

Figura 3. Fases da Framework Estagista e sua relação com a Resolução de Problemas ...................... 47

Figura 4: Quadro Síntese da Framework do ‘Ciclo de Políticas Públicas’ .............................................. 48

Figura 5. Framework de Governança Múltipla ...................................................................................... 53

Figura 6. Diferenças entre Investigação em Implementação e Avaliação ............................................ 63

Figura 7. Impacto dos Tipos de Políticas Públicas na Implementação por Ripley e Franklin ................ 80

Figura 8. Matriz Ambiguidade-Conflito: Processos de Implementação de Políticas ............................ 82

Figura 9. Modelo de Comunicação de Implementação Intergovernamental de Políticas’ ................... 83

Figura 10. Mudança no Processo de Implementação ao Longo do Tempo, por R. Stoker ................... 86

Figura 11. Modelo Integrado de Implementação de Winter ................................................................ 89

Figura 12. Análise comparativa das Abordagens Top-Down e Bottom-Up ......................................... 105

Figura 13. Tipologia de Posições face ao Futuro da Implementação .................................................. 108

Figura 14. Análise comparada dos modelos Administração Pública Tradicional e Nova Gestão Pública ............................................................................................................................................................. 126

Figura 15. Análise comparada dos modelos Nova Gestão Pública e (Nova) Governança Pública ...... 134

Figura 16. Comparação entre os três modelos de Administração ...................................................... 136

Figura 17. Funções das Redes nas diferentes fases do Processo de Políticas Públicas ...................... 151

Figura 18. Funções estratégicas das redes de governação, segundo Milward e Provan .................... 152

Figura 19. Comparação entre as tipologias de redes de Agranoff e de Keast, Brown e Mandell ....... 154

Figura 20. Framework da Governança Colaborativa ........................................................................... 161

Figura 21. Formas Alternativas de Governança de Redes................................................................... 166

Figura 22. Comparação das perspetivas de gestão clássica e de redes .............................................. 168

Figura 23. Formas de metagovernação de redes ................................................................................ 170

Figura 24. Tradições no Estudo de Redes no Processo de Políticas Públicas e suas características ... 174

Figura 25. Fases na análise de Atores, ‘Jogos’ e Redes ....................................................................... 177

Figura 26. Variáveis de análise das Redes Locais para a Qualificação e respetivas Categorias .......... 191

Figura 27. Modelos de Governação da Educação segundo a OCDE.................................................... 198

Figura 28. Fases centrais ao processo de Reconhecimento e Validação de Competências ............... 207

Figura 29. Fases do Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências ........ 224

Figura 30. Organograma da Agência Nacional para a Qualificação .................................................... 227

Figura 31. Fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades ..................... 231

Figura 32. Distribuição dos CNOs por Tipologia Institucional da Entidade ......................................... 233

Figura 33. Imagens de campanhas publicitárias da Iniciativa Novas Oportunidades ......................... 237

vii

Figura 34. Número de Entidades Promotoras de Cursos para Adultos (2005-2010) .......................... 238

Figura 35. Evolução do número de Centros RVCC/CNOs (2000-2010), por tipologia de Entidade Promotora ........................................................................................................................................... 240

Figura 36. Número de modalidades de qualificação de adultos, por distrito (2005-2010) ................ 241

Figura 37. Distribuição geográfica dos 456 Centros Novas Oportunidades ........................................ 242

Figura 38. Evolução da percentagem de inscritos nos CNOs, segundo a condição perante o trabalho (2007-2010) ......................................................................................................................................... 243

Figura 39. Quadro Relacional dos Centros Novas Oportunidades ...................................................... 251

Figura 40. Quadro comparativo das Redes Locais para a Qualificação em estudo ............................ 288

Figura 41. Distribuição de CNOs por Distrito (%) ................................................................................ 361

Figura 42. Distribuição dos CNOs por Entidade Promotora (%) .......................................................... 362

Figura 43. Distribuição de CNOs por Classes de Anos de Constituição (%) ......................................... 362

Figura 44. Distribuição de CNOs por Escalão de Objetivos (%) ........................................................... 362

Figura 45. Distribuição de CNOs por Nível de Dificuldade no Cumprimento de Objetivos (%) .......... 363

Figura 46. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com a ANQ em diferentes domínios ...... 363

Figura 47. Distribuição de CNOs por Entidade Coordenadora além da ANQ...................................... 364

Figura 48. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com as Direções Regionais de Educação em diferentes domínios ............................................................................................................................ 364

Figura 49. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com os Centros Distritais do IEFP em diferentes domínios ............................................................................................................................ 365

Figura 50. Grau de Frequência Médio de Interação dos CNOs com diferentes tipologias de Entidades Formadoras ......................................................................................................................................... 366

Figura 51. Distribuição de CNOs por Perceção de Tipologia de Trabalho dos CNOs em geral (%) ..... 366

Figura 52. Distribuição de CNOs por Participação em Redes (%) ....................................................... 366

Figura 53. Distribuição de CNOs por motivo para não pertença a rede (%) ....................................... 367

Figura 54. Distribuição de CNOs por Elementos de Afinidade da Rede a que pertencem (%) ........... 367

Figura 55. Distribuição de CNOs por situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras ............................................................................................................................................................. 367

Figura 56. Distribuição de CNOs por Tipologia de Atores Coordenadores da Rede ........................... 368

Figura 57. Frequência Média da Ocorrência de Diferentes Tipos de Atividades no âmbito das Redes ............................................................................................................................................................. 368

Figura 58. Grau de Adequação Médio das Redes em relação a diversos domínios ........................... 369

Figura 59. Paradigma de Relações entre CNOs por Situação de Pertença a Rede ............................. 370

Figura 60. Paradigma de Relações entre CNOs por Tipologia de Entidades Promotoras ................... 370

Figura 61. Paradigma de Relações entre CNOs por Nível de Metas ................................................... 370

Figura 62. Paradigma de Relações entre CNOs por Ano de Criação ................................................... 370

8

I. INTRODUÇÃO

I-1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO E OBJETIVOS

A primeira frase de Klijn (2010, p. 118) acima referida é expressiva de uma das principais

mudanças ocorridas no âmbito da governação pública de diversos países ocidentais no

decurso das últimas décadas – o crescente recurso a modos de governação pública em rede,

através da participação de um maior número e diversidade de atores dos setores privado e

não-lucrativo nos processos de formulação e implementação de políticas públicas, com o

intuito de colmatar alguns problemas dos modos de governação hierárquicos e de mercado.

Não obstante as múltiplas vantagens do recurso a estes modos de governação que serão

abordadas ao longo deste trabalho, o recurso aos mesmos tem implicado também amplos

desafios na governação pública de diversos países, tal como é percetível pela segunda frase

de Klijn (2010, p. 118).

Um dos desafios inerentes ao recurso a modos de governação pública em rede será, desde

logo, a coordenação de diversos atores com perspetivas e interesses diversos, já que as

redes são, tal como referem Sørensen e Torfing (2007b, p. 9) formas de articulação entre

atores interdependentes, embora operacionalmente autónomos, através do

“O mundo da formulação e da implementação parece estar cheio de redes. De facto, evidências empíricas indicam que os governos por todo o mundo estão em busca de novas formas de governança para lidar com a orientação para redes de formulação e implementação.”

(Klijn, 2010, p. 118)

“A emergência da teoria da governança desde o início da década de 90 em diante tem sido um dos principais desenvolvimentos da administração pública e, de forma mais ampla, daquela parte da ciência política orientada para o estudo da produção de políticas públicas”

(Chhotray & Stoker, 2009, p. 16)

9

estabelecimento de relações de negociação informais e horizontais no sentido de concretizar

finalidades públicas.

Um outro desafio inerente ao recurso a modos de governação pública em rede serão os

relacionados com a articulação dos mesmos com os modos de governação mais tradicionais,

na medida em que esta articulação pode gerar complementaridades, mas também

conflitualidades, na medida em que ideias e culturas de governação são diferentes

(Meuleman, 2008, pp. 51-55; Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014,

pp. 23, 29; Keast, Mandell, & Brown, 2006, p. 40).

As mudanças no conteúdo e no processo de políticas públicas descritas – que diferem entre

distintos domínios de políticas públicas e diferentes (grupos) de países (John, 2006, pp. 12-

13; Knill & Tosun, 2012, p. 4) – acarretam igualmente, como será de esperar, a necessidade

do desenvolvimento de novas abordagens analíticas ao estudo do processo de políticas

públicas face à maior complexidade e caráter contextual do objeto de estudo (Peters &

Pierre, 2006, p. 6).

A afirmação da designada abordagem da ‘governance’ como um dos principais

desenvolvimentos no âmbito do estudo da Administração e Políticas Públicas no final do séc.

XX (Chhotray & Stoker, 2009, p. 16) resultou precisamente do contexto de desenvolvimento

destas novas formas de governação interativa, particularmente das redes de governança

(Levi-Faur, 2012, pp. 5-6). De acordo com Pierre e Peters (2000, p. 1), a popularidade desta

abordagem deve-se, exatamente, à sua capacidade para analisar uma maior variedade de

instituições e tipologias de relações nos processos de governação.

Não obstante a crescente relevância da abordagem da governance nas áreas científicas

referidas, esta tem sido alvo de algumas críticas, nomeadamente por ser demasiado

ambígua, bem como por incorporar ainda significativos debates. Um dos debates que ainda

caracteriza a abordagem da ‘governance’ diz respeito ao nível de influência que os atores

tradicionais mantêm, tal como Pierre e Peters (2005, p. 1) dão conta: por um lado, existem

alguns autores que advogam que o Estado foi esvaziado em termos dos seus poderes; e, por

outro lado, existem outros autores que defendem que o Estado ainda mantém um papel

crítico, apenas existindo uma mudança dos poderes do Estado. As duas posições descritas

10

refletem não apenas diferentes orientações quanto ao papel do Estado, bem como relações

com diferentes vagas da reforma da governação pública acima descrita. Como refere

Kooiman (2000, p. 146), a primeira vaga de reformas defendia uma menor participação

direta do Estado na sociedade, nomeadamente através do recurso a formas de governação

de mercado e de redes, ao passo que a segunda vaga de reformas defendia uma articulação

entre os modelos tradicionais e os novos modelos de governação pública, (re)introduzindo

algumas preocupações de coordenação.

As duas orientações acima descritas deram origem, de acordo com Rhodes (2012, pp. 34-36),

a diferentes ‘vagas’ de estudos sobre os fenómenos da governação’: a primeira vaga

dedicou-se, sobretudo, às transformações na natureza do Estado, ao passo que a segunda se

dedica aos assuntos da metagovernação, ou seja, às formas de conjugação da atuação do

setor público e dos atores não oficiais no sentido de assegurar a coordenação da governação

pública. No mesmo sentido, Sørensen e Torfing (2007b, p. 14) referem que os estudos sobre

redes de governação têm também duas gerações: a primeira geração debruçava-se,

sobretudo, sobre as características que distinguem as redes em relação às formas de

governação hierárquicas e de mercado, ao passo que a segunda geração se debruça sobre a

explicação das condições de (in)sucesso inerentes aos processos de formação,

desenvolvimento e metagovernação das redes.

A maior atenção às questões da metagovernação referida vem, assim, ao encontro da

constatação do caráter híbrido das realidades da governação pública, que integram

elementos dos novos e tradicionais modos de governação pública, os quais podem ser

complementares, mas também conflituantes, entre si (Meuleman, 2008, pp. 51-55;

Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 29; Keast, Mandell, &

Brown, 2006, p. 40) e que apresentam distintas geometrias que variam de acordo com os

domínios de políticas públicas, os países e até os momentos do tempo (vide, inter alia,

Christensen e Lægreid (2011, p. 419) e Torfing et al (2012, pp. 10-11)). De acordo com

Christensen e Lægreid (2012, pp. 262-263), estas diferentes conjugações são o resultado da

combinação de tendências e pressões reformistas ‘convergentes’ e de mecanismos de ‘path

dependency’ associados às designadas ‘tradições administrativas’, descritas por Painter e

11

Peters (2010, p. 6) como padrões relativamente duráveis “... do estilo e substância da

administração pública de um país particular ou de um grupo de países”.

Os contextos de governação pública dos países da Europa do Sul têm sido apontados nos

últimos anos como claros exemplos da conjugação de tendências reformistas uniformizantes

e das peculiaridades das suas tradições administrativas (vide, inter alia, Pollitt e Bouckaert

(2011, p. 10), Ongaro (2008) e Kickert (2011)).

No mesmo sentido, a governação pública em Portugal não tem sido exceção às tendências

internacionais de reforma, sendo um claro exemplo da influência combinada, e por vezes

conflituante, das tradições administrativas e de pressões reformistas (vide, inter alia, Araújo

(2001), Corte-Real (2008), Magone (2011), Mota et al (2014)).

Por um lado, Portugal mantém uma administração pública ainda bastante influenciada pela

sua tradição administrativa napoleónica, muito embora Ongaro (2013) considere que é o

país da Europa do Sul cuja governação pública menos se assemelha com o modelo

napoleónico puro. Os exemplos de características da governação pública em Portugal de

orientação napoleónica mais marcantes serão a predominância de uma cultura legalista,

uma estrutura de tomada de decisão excessivamente centralizadora e ainda politizada, bem

como com problemas de coordenação intersectorial e interserviços e de articulação com

atores da sociedade civil (vide, inter alia, Araújo (2001), Carvalho (2007), Rocha e Araújo

(2007), Corte-Real (2008), Magone (2011), Jalali et al (2012), Neves e Zorrinho (2012), Mota

et al (2014)).

Por outro lado, diversos estudos dão conta que Portugal tem vindo a adotar um conjunto de

reformas da governação pública baseadas numa agenda managerialista e sob a influência de

experiências de outros países e da adesão à União Europeia e à União Económica e

Monetária, cujos principais enfoques e sucessos se concentram ao nível da promoção da

transparência, da redução da burocracia e da gestão por resultados (vide, inter alia, Carvalho

(2007), Rocha e Araújo (2007), Magone (2011), Mota et al (2014)).

Não obstante os sucessos referidos, os resultados de um estudo recente sobre dinâmicas de

reforma da governação pública em Portugal no qual foram inquiridos 296 dirigentes de topo

12

da administração pública portuguesa indicam, contudo, que os inquiridos consideram que o

processo de reforma não tem sido genericamente bem-sucedido (Mota, Pereira, Cardim,

Neves, & Cordovil, 2014).

Um dos aspetos negativos mais salientes evidenciado pelo estudo acima referido é a fraca

coordenação, não apenas entre políticas, mas também entre atores, quer seja entre

organismos governamentais nacionais, entre estes últimos e organismos desconcentrados e

do setor público com stakeholders privados (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014,

p. 27). De igual modo, os resultados do estudo indicam também uma forte tendência para a

coordenação se desenrolar através de mecanismos de hierarquia e para a politização da

tomada de decisão (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, pp. 24-27, 36)

Os resultados acima referidos vão, assim, ao encontro das conclusões de outros estudos

recentes que identificaram fortes debilidades de coordenação entre atores no processo de

políticas públicas, quer ao nível da decisão de topo (Neves & Zorrinho, 2012), quer ao nível

da implementação (Cardim, Pereira, & Mota, 2011). No mesmo sentido, Teles (2012, p. 868)

refere que os níveis muito baixos de capital social em Portugal constituem um claro

problema, considerando as evidentes necessidades de cooperação entre atores no âmbito

da governação pública, nomeadamente ao nível local. A este propósito, Rodrigues e Silva

(2012, p. 18) referem ainda que a falta de uma cultura de parceria e negociação entre atores

aos mais diversos níveis é um claro problema para as políticas públicas em Portugal.

O fraco desempenho ao nível da coordenação entre atores contrasta, contudo, com a

indicação da colaboração e cooperação entre diferentes atores como uma das principais

tendências de reforma da governação pública portuguesa por parte dos inquiridos (Mota,

Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, p. 29). Tal aposta deve-se, em grande medida, à

influência de organismos internacionais como a OCDE e a processos de benchmarking

internacional, bem como à pressão, mais ou menos coerciva, exercida por diversos

organismos da União Europeia, no sentido da promoção de relações de cooperação entre

diferentes organismos da administração pública de cada estado-membro – exemplo disso é

atualmente a promoção da cooperação intermunicipal como forma privilegiada de acesso a

fundos comunitários (vide, inter alia, Teles (2014a) e Pires et al (2014)).

13

O cenário descrito demonstra, assim, a extrema importância de perceber quais os fatores

críticos para que as inevitáveis experiências de governação em rede sejam bem-sucedidas no

país e consigam articular-se com outras formas de governação mais tradicionais.

A necessidade acima descrita colide, contudo, com a escassez de estudos que analisem, com

maior detalhe, as dinâmicas processuais de governação pública e as redes e parcerias

colaborativas de governação pública em Portugal. Esta lacuna revela-se particularmente

problemática, considerando que as dificuldades de cooperação e coordenação entre atores

são frequentemente apontadas como expressivos entraves à boa governação pública no

país. A escassez de estudos com abordagens processuais e com enfoque na temática das

redes acima identificada poderá dever-se, em parte, ao facto do estudo da Administração e

Políticas Públicas em Portugal só ter tido um maior desenvolvimento a partir do final da

década de 90 e de continuar a ter ainda uma abordagem muito focada nas instituições e nas

leis, em detrimento das dinâmicas processuais da elaboração de políticas públicas (vide, inter

alia, Bilhim (2006, pp. 34-35; 2008, pp. 100-101, 118-120), Araújo (2006, pp. 72-76), Tavares

e Alves (2006, pp. 393-397), Moreira e Alves (2008)). Constituem exceções a esta tendência

um conjunto limitado de estudos, dos quais se destacam os trabalhos de Cardim, Pereira e

Mota (Cardim M. , 2006; Cardim, Pereira, & Mota, 2011), de Neves e Zorrinho (Neves, 2010;

Neves & Zorrinho, 2012), de Firmino e Mendes (2012), ou de Pires, Teles, Silva, Calvache e

Mota (2014).

O estudo desenvolvido tenciona, assim, ajudar a contornar essa lacuna ao analisar quais os

desafios e as estratégias de articulação entre diferentes modos de governação pública em

Portugal, nomeadamente a forma como as dinâmicas de criação e gestão de redes são

influenciadas por outros modos de governação e, em retorno, os influenciam.

Tendo em atenção os objetivos deste estudo acima apresentados, deduz-se um conjunto de

posicionamentos do mesmo face às tradições e gerações de estudo das temáticas em

apreço. Em primeiro lugar, é possível concluir que o estudo proposto se posiciona na

segunda geração dos estudos de governação, na medida em que se debruça sobre a análise

das questões da metagovernação, ao analisar as dinâmicas de conjugação entre tradicionais

e novos modos de governação. Depreende-se, de igual modo, que o estudo se enquadra na

14

segunda geração dos estudos de rede, ao debruçar-se sobre os fatores que influenciam as

dinâmicas de criação e gestão das redes de governação, bem como nos seus impactos de

governação. Por fim, importa destacar que o estudo empreendido se insere na tradição de

estudo das redes de governança, na medida em que se debruça sobre as questões da gestão

de relações de governação horizontal e da ligação de redes com instituições tradicionais, ao

mesmo tempo que se socorre, sobretudo, de influências teóricas da Ciência da

Administração Pública.

No mesmo sentido, importa destacar que o enfoque da análise se concentra no processo de

implementação de políticas públicas, aqui entendido de forma mais ampla do que a

prestação de bens e serviços propriamente dita. A opção pelo enfoque no processo de

implementação advém do facto de este ser considerado como um elemento central ao

processo de políticas públicas, sobretudo no contexto português, em que a produção de

legislação bastante inovadora contrasta frequentemente com graves falhas em termos de

resultados e impactos (Cardim M. , 2006). Este trabalho surge, assim, na senda de

investigação subordinada às questões da implementação de políticas públicas em Portugal

com enfoque processual iniciada por Cardim (2006) e posteriormente desenvolvida em

diferentes trabalhos enquadrados no âmbito do projeto de investigação “Implementação e

Avaliação de Políticas Públicas em Portugal”, de entre os quais a dissertação de mestrado do

autor deste trabalho (Mota, 2010).

A decisão pelo enfoque do presente trabalho nos processos de colaboração

interorganizacional no âmbito da implementação de políticas públicas surge, assim, face à

identificação da sua importância pelos estudos acima referidos, que contrasta com os claros

défices de investigação neste domínio em Portugal nas áreas disciplinares da Administração

e Políticas Públicas existentes no início de 2010, aquando do início deste trabalho.

Finalizada que está a apresentação dos objetivos do estudo, da sua pertinência e do seu

enquadramento, este capítulo prossegue com a apresentação do objeto de estudo e com

breves considerações metodológicas.

15

I-2. APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO EMPÍRICO E BREVES NOTAS METODOLÓGICAS

O estudo que aqui se apresenta tem por principal finalidade, tal como acima referido,

analisar os desafios e estratégias de conjugação entre diferentes estilos de governação em

Portugal, com um particular enfoque na forma como as dinâmicas de criação e gestão de

redes de governação são influenciadas e influenciam outros modos de governação. As

finalidades deste estudo vão, assim, ao encontro das recomendações de Torfing (2007, p.

23) que refere ser essencial analisar os fatores críticos aos processos de criação,

desenvolvimento e metagovernação de redes de governação, bem como os contributos das

redes de governação para uma governação eficaz.

Face ao contexto descrito, a política pública de educação e formação de adultos, que vigorou

em Portugal entre 2005 e 2012, assumiu-se como um objeto de estudo particularmente

indicado, considerando um amplo conjunto de características. Por um lado, a sua

intervenção destinava-se a lidar com o problema dos défices de qualificação da população

portuguesa, que se afirma ainda como um dos mais gravosos para a economia do país

(Gomes, 2012, p. 79). Por outro lado, assumiu-se como uma das políticas públicas mais

emblemáticas da primeira década do séc. XXI, sobretudo no período 2005-2011, não só ao

nível do debate político, como também ao nível do financiamento envolvido e do número de

beneficiários (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96; Carneiro, 2011, pp. 54-55; Araújo L. , 2014, p.

381). Por outro lado ainda, destacou-se pelo caráter inovador de muitos dos seus

instrumentos, bem como pelas opções de estruturação da governação do sistema (Gomes,

2012, pp. 91-92), a qual incorporava diferentes modos de governação.

Focando especial atenção neste último aspeto, por ser aquele que mais interessa a este

trabalho, a estruturação da governação desta política pública afirmava-se pela sua

aproximação às tendências internacionais de reforma da governação públicas,

nomeadamente devido ao seu modelo de governação neocontratualista (Gomes, 2012, pp.

91-92). Em traços gerais, o modelo de implementação da política suportava-se na

contratualização de atores do setor público, privado e não-lucrativo (Centros Novas

Oportunidades) por parte de uma agência reguladora que os orientava e monitorizava

16

(Agência Nacional para a Qualificação - ANQ), no sentido de implementarem a política de

acordo com metas e parâmetros pré-definidos.

Estudos antecedentes demonstraram que o modelo de governação daquela política pública

era efetivamente inovador e havia tido pontos positivos, sobretudo nas fases iniciais de

implementação da política pública, de entre os quais se poderá destacar a capacidade

técnica e de acompanhamento da ANQ aos CNOs (vide, inter alia, Gomes (2012, p. 78),

Cardim (2006, pp. 145-152) e Mota (2010, pp. 78-79)). Não obstante estes pontos positivos,

os mesmos estudos demonstraram existir também alguns problemas em termos de

coordenação vertical e horizontal após processos de expansão dos objetivos e do número de

implementadores realizados em 2006 e 2008, relacionados, sobretudo, com uma certa

dependência de orientações dos CNOs face à ANQ, conjugada como a perda de alguma

capacidade de monitorização por parte da ANQ face ao elevado número de CNOs, bem

como com a emergência de dinâmicas de ‘concorrência agressiva’ entre CNOs (vide, inter

alia, Cardim (2006, pp. 153-155) e Mota (2010, pp. 85, 90-93)).

Face a alguns desses problemas de coordenação, a Agência Nacional para a Qualificação e os

seus parceiros de coordenação – Direções Regionais de Educação e estruturas nacionais e

regionais do Instituto de Emprego e Formação Profissional – iniciaram ou reforçaram

diferentes estratégias de coordenação em 2010, entre as quais a promoção do aumento e

diversificação das designadas Redes Locais para a Qualificação (RLQs) que congregavam

atores implementadores locais, com o objetivo de esbater algumas situações de rivalidade

entre estes e de promover a partilha de boas práticas (Cardim, Pereira, & Mota, 2011).

Importa referir, a este propósito, que antes de 2010, já existiriam algumas Redes Locais para

a Qualificação, criadas por iniciativa dos próprios Centros Novas Oportunidades e

‘apadrinhadas’ por diferentes estruturas de coordenação nacionais e regionais.

Os processos de criação e gestão das RLQs, que tinham o propósito de resultar em impactos

processuais, iriam deparar-se, assim, com fortes desafios, colocados, não apenas pelo

contexto de governação pública em Portugal habitualmente adverso a redes de governação,

mas também pela necessidade de se conjugar com outros modos de governação presentes

no sistema de governação da política pública (modo hierárquico, desenvolvido através do

17

acompanhamento e da monitorização da ANQ; e, modo de mercado, desenvolvido através

da contratualização dos CNOs e das dinâmicas de competição desenvolvidas entre estes).

Considerando o contexto acima descrito, os processos de criação e gestão das RLQs

assumiam-se, portanto, como um objeto de estudo particularmente pertinente enquanto

estudos de caso exemplificativos de redes de governação em Portugal, dando, origem à

seguinte pergunta de partida:

De que forma o processo de criação e gestão das RLQs foi influenciado e influenciou os

outros modos de governação do sistema de educação e formação de adultos?

Face a esta pergunta de partida e ao enquadramento acima descrito, este estudo terá duas

grandes finalidades:

1. analisar e compreender o tipo de influência que os modos de governação do sistema de

educação e formação de adultos (de hierarquia e mercado) exerceram sobre processos de

criação e gestão das RLQs;

2. analisar e compreender os impactos processuais governativos das Redes Locais para a

Qualificação sobre o sistema de educação e formação de adultos e os seus modos de

governação (de hierarquia e mercado).

No sentido de responder à questão formulada e de prosseguir as finalidades acima referidas,

será necessário cumprir dois objetivos operacionais: por um lado, analisar o sistema de

educação e formação de adultos; e, por outro lado, analisar o processo de criação e gestão

das Redes Locais para a Qualificação, bem como os seus impactos.

A concretização do primeiro objetivo operacional será realizada através da análise dos 3

elementos que a literatura (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p. 4)) aponta como

fundamentais na análise de qualquer política pública (veja-se capítulo II): o conteúdo (policy

content), a estrutura de desenho e implementação (polity) e o processo de interação entre

atores (politics), bem como os desafios de governação. Para tal, proceder-se-á à análise de

18

fontes documentais secundárias, tais como legislação, estatísticas e estudos anteriores

referentes à política pública em apreço, bem como à aplicação de um questionário que

analisa as dinâmicas de relacionamento entre os diferentes atores do sistema de educação e

formação de adultos.

A concretização do segundo objetivo operacional será efetuada, por sua vez, através da

análise dos processos de criação e gestão de 8 Redes Locais para a Qualificação e dos seus

resultados e impactos, com um particular enfoque num conjunto de dimensões identificados

por diferentes frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia, Bryson,

Crosby e Stone (2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008)). Para

tanto, proceder-se-á à análise comparativa destas redes, com base em informação recolhida

através de entrevistas aplicadas a representantes das mesmas, as quais serão

complementadas, sempre que possível, pela análise de fontes documentais, tais como

protocolos.

Concluídas as duas análises acima referidas, proceder-se-á à análise do sistema de relações

entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de governação da política

pública de educação e formação de adultos em Portugal à luz de pressupostos identificados

através da revisão da literatura subordinada à temática da relação entre modos de

governação pública. Essa análise permitirá ainda a produção de um conjunto de

recomendações para o desenho de sistemas de governação.

Muito embora todas as finalidades e objetivos tenham sido concretizados, importa destacar

a existência de algumas dificuldades operacionais no decurso do processo de recolha de

dados, as quais estiveram relacionadas com as mudanças políticas ocorridas em 2011

decorrentes da mudança de Governo, e a decorrente instabilidade e posterior terminação da

política pública em estudo. Estas dificuldades implicaram que o processo de recolha de

dados se iniciasse num período em que algumas Redes Locais para a Qualificação ainda não

tinham ‘amadurecido’ o suficiente para serem analisadas e em que muitos atores se

encontravam pouco recetivos a processos de inquirição, quer por se encontrarem

desmotivados, quer por encararem estudos sobre o assunto com alguma desconfiança. No

mesmo sentido, o processo de recolha de dados foi também condicionado pela eliminação

19

de informação de websites institucionais e programáticos, pela sucessiva indisponibilidade

da nova direção da ANQ para processos de inquirição ou de colaboração na facilitação de

acesso aos representantes das Redes Locais para a Qualificação.

I-3. ESTRUTURA DA TESE

O presente trabalho é composto por sete capítulos.

No capítulo I foi apresentada uma introdução ao trabalho, na qual se explicitou a pertinência

da análise do tema, bem como as principais razões subjacentes à escolha do objeto de

estudo, os objetivos analíticos e as principais estratégias metodológicas de análise.

No capítulo II procede-se à identificação dos principais contornos do estudo e análise do

processo de políticas públicas. Começa-se por identificar quais as principais componentes de

análise do processo de políticas públicas, a que se segue uma breve resenha histórica da

evolução da Ciência das Políticas Públicas. Prossegue-se com uma análise das diferentes

correntes epistemológicas, teóricas e metodológicas inerentes à Ciência das Políticas

Públicas. No terceiro ponto do segundo capítulo são analisadas as mais relevantes

frameworks de estudo do processo de políticas públicas. Finaliza-se o capítulo com uma

análise das tendências atuais de investigação no domínio da Ciência das Políticas Públicas. O

principal contributo deste capítulo para o trabalho será a identificação dos principais

elementos para o estudo e análise das políticas públicas (policy content, polity e politics), a

identificação dos contornos da abordagem dos Estudos de Políticas Públicas que tem uma

orientação para a análise do processo, ao invés dos resultados, ou mesmo a identificação

das condicionantes inerentes à utilização da framework estagista face à emergência de

novos instrumentos e atores de políticas públicas.

O capítulo III debruça-se sobre o estudo do processo de implementação de políticas públicas,

começando pelo reconhecimento da sua complexidade conceptual e da multiplicidade de

atores que atuam neste processo. Segue-se um segundo ponto em que são analisadas as

diferentes gerações do estudo de implementação, primeiramente em termos cronológicos e

posteriormente procedendo-se a uma análise comparativa das mesmas no respeitante às

20

dimensões conceptuais, epistemológicas, ontológicas e metodológicas. O capítulo é

finalizado com uma análise das principais tendências presentes e futuras dos estudos de

implementação. O principal contributo deste capítulo para o trabalho é o reconhecimento

da complexidade do (sub-)processo da implementação de políticas públicas, a identificação

dos principais elementos identificadores da pouco utilizada abordagem bottom-up, em

termos conceptuais, epistemológicos, ontológicos e metodológicos, bem como o

reconhecimento da reorientação do campo de investigação para o estudo das relações

interorganizacionais.

O capítulo IV é dedicado à análise dos novos modos de governação pública em geral e das

redes de governança em específico. No primeiro ponto deste capítulo analisam-se os

contextos históricos de emergência dos novos modos de governação pública, as principais

diferenças que apresentam face aos modos tradicionais de governação pública, bem como

os desafios inerentes ao hibridismo dos contextos de governação pública. No segundo ponto

são analisadas as especificidades das redes enquanto modos de governação pública,

nomeadamente as suas principais características, os seus benefícios e desafios, bem como

os principais fatores críticos dos processos colaborativos e as principais estratégias de

metagovernação das redes. Os principais contributos deste capítulo serão a identificação dos

principais conflitos e complementaridade que poderão surgir da interação entre diferentes

modos de governação, a identificação das principais tipologias de redes e dos respetivos

desafios de gestão, bem como a identificação das principais dimensões para análise dos

processos de criação e gestão de redes e dos seus impactos.

O capítulo V tem o propósito de apresentar o desenho de pesquisa do estudo empírico

desenvolvido. Começa-se por apresentar os principais pressupostos epistemológicos e

ontológicos e por explicitar os quadros analíticos e conceptuais que servirão de base à

análise empírica. Prossegue-se com a identificação das razões subjacentes à escolha do

objeto de estudo, seguindo-se com a apresentação da pergunta de partida, dos objetivos e

das estratégias metodológicas.

O capítulo VI debruça-se sobre a análise do objeto de estudo empírico deste trabalho. Em

primeiro lugar, é analisada o sistema de educação e formação de adultos em Portugal tal

21

como enquadrada no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, nomeadamente o seu

alinhamento internacional, os seus antecedentes, os instrumentos, os atores do seu

processo de implementação e as dinâmicas de interação estabelecidas entre estes, bem

como os principais desafios da sua governação. O segundo ponto deste trabalho debruça-se

sobre a realidade das Redes Locais para a Qualificação, nomeadamente através do estudo

compreensivo de 8 estudos de caso e da análise comparativa quanto aos processos de

criação e gestão e dos seus impactos.

No último e sétimo capítulo apresentam-se algumas conclusões sobre a forma como o

estudo empírico pode contribuir para a compreensão da governação pública em Portugal,

sugerindo também um conjunto de potenciais percursos de investigação futura.

22

II. CONTORNOS DO ESTUDO E ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A Ciência das Políticas Públicas é uma disciplina das Ciências Sociais que, apesar de ser

bastante recente, se caracteriza por uma particular diversidade de abordagens analíticas e

teóricas. De acordo com Peters e Pierre (2006, pp. 2-3), esta diversidade deve-se, sobretudo,

à complexidade e à multidimensionalidade do próprio objeto de estudo.

A elevada complexidade substantiva advém, em primeiro lugar, do facto de o estudo das

políticas públicas ter múltiplos enfoques de análise. Com efeito, o estudo das políticas

públicas não se debruça apenas sobre a componente técnica dos objetivos e meios das

políticas, mas também sobre a dimensão política inerente à interação entre diferentes

atores no âmbito dos processos de formulação e implementação das políticas, ou mesmo

sobre os impactos que essas políticas produzem (Peters & Pierre, 2006, p. 2; Howlett,

Ramesh, & Perl, 2009, p. 4).

As formulações de Lasswell e Dye, que definiram o conceito de ‘políticas públicas’,

respetivamente, como “as decisões mais importantes” (Lasswell, (1951) 2003, p. 88) e

“qualquer coisa que o governo decide fazer ou não fazer” (Dye, (1972) 1981, p. 1), são, de

facto, atualmente consideradas demasiado simples e até desatualizadas. Aliás, as definições

apresentadas por Anderson (1975) e por Jenkins (1978) alguns anos depois da definição

proposta por Dye demonstravam já uma maior complexidade. De acordo com Jenkins (1978,

p. 15), o termo políticas públicas deveria ser entendido como “um conjunto de decisões

interrelacionadas tomadas por um ator político ou por um grupo de atores relativamente à

seleção de objetivos e dos meios para os alcançar …”. Através desta definição, o autor

assumia, portanto, a perspetiva de que as políticas públicas são compostas por um conjunto

de decisões, e não apenas por uma única decisão, que o processo de tomada de decisão

poderia envolver mais do que um ator, e que essas decisões deveriam reportar-se, não

“O estudo das políticas públicas é um tópico muito complexo, e qualquer tentativa de compelir as políticas num qualquer quadro teórico estreito deverá ser considerada com algum ceticismo.”

(Peters & Pierre, 2006, p. 2)

23

apenas aos fins a atingir, mas também aos meios necessários para os alcançar. Anderson,

por sua vez, definiu políticas públicas como “um curso de ação intencional seguido por um

ator ou um conjunto de atores para lidar com um problema ou uma questão preocupante”

(Anderson, 2006 (1975), p. 6). Com esta definição o autor reforçava, assim, a conceção das

políticas públicas enquanto um processo contínuo, que poderia envolver diversos atores e

que teria subjacente uma lógica de problem-solving.

Como se pode verificar pelas diferentes definições acima apresentadas, o conceito de

políticas púbicas é claramente multidimensional, o que explica que as definições

ultimamente apresentadas sejam geralmente bastante longas e complexas e que alguns

autores optem por enunciar um conjunto de atributos e elementos que consideram estarem

subjacentes ao conceito. A este propósito, poder-se-á destacar a lista de elementos

apresentada por Knoepfel, Larrue, Varone e Hill (2007, pp. 21-22, 26-29), no âmbito da qual

se refere que as políticas públicas são habitualmente compostas por:

a solução para um problema, na medida em que uma política pública se constitui

geralmente como a proposta de intervenção de um sistema político-administrativo para

lidar com um determinado problema social, o qual terá sido reconhecido como sendo do

domínio público, cuja perpetuação foi considerada como politicamente inaceitável e para

o qual se considera haver uma solução;

um grupo-alvo, já que as políticas públicas têm, habitualmente, o objetivo de afetar o

comportamento de um grupo de indivíduos, mais ou menos delimitado, ou os contextos

em que esse grupo de indivíduos se insere;

uma coerência intencional, uma vez que a política pública deve pressupor um curso de

ação com um determinado sentido, tendo, geralmente, subjacente a existência de uma

‘teoria de mudança social’;

a existência de diversas decisões e atividades, visto que a política pública é composta por

mais do que uma decisão isolada;

24

um programa de intervenção, considerando que no conjunto de decisões tomadas, para

além de objetivos gerais, deverão existir também decisões de âmbito mais concreto,

específico e operacional;

um papel central dos atores públicos, na medida em que as decisões serão tomadas por

atores que têm legitimidade para agir, quer porque esse poder lhes está atribuído

legalmente ou porque lhes foi delegado.

Considerando as características apresentadas, Knoepfel et al (2007, p. 30) definem políticas

públicas como um “conjunto de decisões e atividades coerentes, pelo menos na sua

intenção, tomadas por atores públicos, que têm diferentes níveis de concretização, que são

traduzidas em ações individuais formais que tentam moldar o comportamento de grupos-

alvo, por forma a resolver um problema”.

Muito embora a definição acima apresentada dê conta de uma relativa complexidade

inerente às políticas públicas ao enunciar um vasto conjunto de elementos de uma política

pública, esta poderá, contudo, transmitir uma ideia algo simplista dos processos inerentes à

elaboração de políticas públicas. De facto, esta definição poderá dar a entender que será

definida e implementada uma intervenção coerente cada vez que se deteta um problema

considerado politicamente inaceitável, esperando que os impactos dessa intervenção

resultem na resolução ou mitigação do problema. Como os próprios autores da definição

reconhecem, esta aparente simplicidade está, no entanto, longe de existir na realidade, já

que nem todos os problemas sociais dão origem a políticas públicas, quer pelo facto de estes

ainda não terem sido tornados visíveis, quer por não existir um modo de intervenção que

seja exequível ou que reúna o consenso necessário (Knoepfel, Larrue, Varone, & Hill, 2007,

p. 21). Acrescente-se ainda a possibilidade de o problema não ter recolhido a atenção e o

interesse de diferentes atores públicos e grupos sociais. Com efeito, é frequente que os

problemas que motivam a elaboração de políticas públicas sejam, devido à sua natureza

complexa, percecionados de forma diversa quanto ao seu “dimensionamento, extensão,

incidência, gravidade e consequências” (Cardim M. , 2006, p. 38).

25

Para além destas dissonâncias quanto aos contornos dos problemas, importa ainda atentar

que existem também frequentes desacordos quanto ao nível e à tipologia de intervenção do

Estado, debate esse que está profundamente relacionado com as difusas fronteiras entre os

domínios ‘público’ e ‘privado’ e que tem originado diferentes correntes ideológicas sobre as

funções do Estado (Parsons, 1995, pp. 3-8). Neste sentido, a ideia de que as políticas

públicas são criadas em nome do ‘interesse público’ ou da ‘causa pública’ entra

frequentemente em confronto com o facto de ser necessário proceder à compatibilização de

“interesses, visões e vontades que entre si colidem ou se interligam” (Cardim M. , 2006, p.

28). Como refere Lewis (2006, p. 696), a ideia de ‘interesse público’ apela mais a uma

conceção de processo infindável do que propriamente a uma figura de produto final.

Como se pode constatar pelo descrito, importa reconhecer que o processo de elaboração de

políticas públicas é mais do que um mero exercício técnico de definição de objetivos e meios

inerentes à intervenção sobre um problema, sendo também claramente o resultado de um

exercício político de interação entre diferentes atores quanto à formulação e

implementação de políticas (Peters & Pierre, 2006, p. 2; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p.

4). Será, portanto, neste sentido que diversos autores (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p.

4)) referem que o estudo e análise de políticas públicas devem ter em consideração três

dimensões inerentes ao conceito:

a dimensão material, ou seja, o conteúdo da política pública, materializado no conjunto

de objetivos e meios inerentes à proposta de intervenção e nos resultados efetivos dessa

intervenção (policy ou policy content);

a dimensão institucional, composta pelas estruturas institucionais responsáveis pelo

desenho e implementação da política e pelo conjunto de procedimentos formais que

regulam as relações entre estas estruturas (polity);

a dimensão processual, referente à interação efetiva entre atores no sentido de

influenciarem os processos de tomada de decisão e de aplicação aos mais diversos níveis

(politics).

26

Para além da complexidade inerente à multiplicidade do conceito, é necessário frisar que os

estudos de políticas públicas têm concluído que existem relevantes variações ao nível de

conteúdo e processo entre distintos domínios de políticas públicas (ex.: educação, defesa,

proteção social, saúde, cultura, etc.) ou entre diferentes (grupos de) países com distintas

tradições de estado (John, 2006, pp. 12-13; Knill & Tosun, 2012, p. 4). Por fim, importa

reconhecer que o conteúdo e processo de políticas públicas em muitos países ocidentais têm

feito um crescente uso de ‘novas’ formas de governação, as quais são mais “contextuais e

mais confusas que a maioria dos anteriores modelos de governação (…) [o que] coloca um

desafio significativo aos observadores dos processos de produção de políticas…” (Peters &

Pierre, 2006, p. 6).

De acordo com Sabatier (2007, pp. 3-4), a perspetiva dinâmica inerente ao estudo da

políticas públicas comporta maior dificuldade de análise, uma vez que o processo de

políticas públicas tende a ser um objeto de estudo particularmente complexo, considerando

o facto de ser um processo bastante demorado no tempo, o facto de envolver diferentes

programas de diferentes níveis governativos, mas, sobretudo, o facto de envolver diversos

(grupos de) atores, os quais têm habitualmente diferentes valores, interesses, perceções

sobre as situações e sobre os contornos das intervenções necessárias.

Face a este cenário de complexidade substantiva, Sabatier (2007, p. 5) considera que será

compreensível (ou até inevitável) que os analistas de políticas públicas adotem estratégias e

pressuposições de simplificação da realidade, nomeadamente através do desenvolvimento

de frameworks de análise e de teorias1. Na mesma linha, Peters e Pierre (2006, pp. 2-3)

referem que o estudo das políticas públicas é um tópico demasiado complexo para conseguir

ser compelido num único quadro teórico, considerando, assim, natural a existência de uma

elevada multiplicidade de abordagens analíticas, suportadas em diferentes teorias,

estratégias metodológicas e influências disciplinares.

1 Importa, a este propósito, frisar a distinção conceptual entre framework de análise, teoria e modelo De

acordo com Ostrom (2007, pp. 25-26), a principal diferença situa-se ao nível dos objetivos analíticos, já que as frameworks ajudam a identificar quais as variáveis que deverão ser usadas na análise de um fenómeno, não referindo, necessariamente, os tipos de relações entre variáveis, ao passo que as teorias especificam um conjunto de relações entre variáveis com coerência lógica. Por sua vez, um modelo especifica assunções precisas sobre um conjunto limitado de parâmetros e variáveis, os quais se reportam a uma situação específica (Ostrom, 2007, pp. 25-26).

27

A propósito da diversidade de abordagens analíticas, importa, desde logo, frisar que a

Ciência das Políticas Públicas tinha, desde a sua origem na segunda metade do séc. XX, a

dupla finalidade de produzir conhecimento de aplicação prática e conhecimento teórico

sobre o processo de políticas públicas (Lasswell, (1951) 2003, p. 86), situação que acabou por

dar azo à emergência de duas correntes de investigação – a ‘Análise de Políticas Públicas’ e

os ‘Estudos de Políticas Públicas’.

Para além da diferenciação acima referida, importa reconhecer que é frequente os

investigadores em políticas públicas terem um enfoque analítico num conjunto delimitado

de variáveis de análise por forma a lidar com toda a complexidade substantiva, quer sejam

os instrumentos de políticas pública, os resultados e/ou impactos das políticas públicas, ou

os diferentes determinantes que influenciam o processo de políticas públicas (Howlett,

Ramesh, & Perl, 2009, pp. 8-9). Ademais, o próprio estudo dos determinantes tem dado

origem a diferentes teorias de análise, que atribuem particular ênfase a diferentes conjuntos

de determinantes, tais como as instituições, grupos e redes, atores racionais, ideias ou

fatores exógenos (John, 2006, pp. 15-16).

Para além das teorias associadas a estes conjuntos de determinantes, importa ainda

destacar a importância de algumas frameworks do estudo das políticas públicas,

nomeadamente a designada Framework Estagista, a qual, apesar de ser alvo de diversas

críticas, é ainda bastante utilizada no âmbito da Ciência das Políticas Públicas.

Face a este cenário de complexidade, o objetivo do primeiro capítulo deste trabalho é

apresentar, ainda que em de forma breve em alguns pontos, os principais debates e

abordagens que têm caracterizado o estudo do processo de políticas públicas.

Primeiramente analisar-se-á o percurso histórico de emergência e evolução da Ciência das

Políticas Públicas. Em segundo lugar, serão exploradas as principais abordagens analíticas da

Ciência das Políticas Públicas. Por fim, o capítulo será concluído com algumas notas sobre

quais as principais tendências de investigação que se preveem vir a caracterizar esta

disciplina num futuro próximo.

28

II-1. EMERGÊNCIA E AFIRMAÇÃO DA CIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Tal como deLeon e Vogenbeck (2007, p. 503) referem num ensaio sobre a história do estudo

das Políticas Públicas, as “Policy Sciences são caracterizadas por um longo passado mas por

uma curta história”. De facto, muito embora a emergência da Ciência das Políticas Públicas

remonte apenas ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, as bases desta disciplina

são bastante mais antigas, já que existem políticas públicas e aconselhamento político desde

os primórdios da história (deLeon & Martell, 2006, p. 31; deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 504;

Santos, 2013, pp. 256-259). Tal como refere Lasswell (1971, p. 10), os primeiros códigos

legais – tais como o Código de Ur-Nammu, do reino de Ur no séc. XXI a.C., ou o Código de

Hammurabi, do reino da dinastia Amorite da Babilónia no séc. XVIII a.C. – contêm já uma

visão sistemática de organização social, ao passo que os escritos de Confúcio, Platão ou

Aristóteles (séc. VI a IV a.C.) se afirmam como verdadeiros tratados sobre a decisão e a

ordem pública.

Não obstante as influências das primeiras civilizações e da antiguidade clássica, terá sido,

sobretudo, nos períodos renascentista e iluminista que o aconselhamento político

sistemático e, por vezes, institucionalizado terá ganho particular expressão, destacando-se,

neste âmbito, os nomes de Machiavel, Thomas More, Bacon, Locke e Hume, ou mesmo

Montesquieu e Rousseau (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 505). Apesar de reconhecerem a

importância destas influências, deLeon e Martell (2006, p. 31) destacam que existirá “uma

clara distinção entre os primórdios do aconselhamento político e o que mais tarde veio a ser

conhecido por Ciência das Políticas Públicas, nomeadamente porque os conselheiros dos

governantes raramente se baseavam em investigação extensiva nem em relatórios

cuidadosamente trabalhados”. deLeon e Vogenbeck (2007, p. 505) referem ainda que as

análises destes autores eram, também, frequentemente pouco objetivas e neutras.

No decurso dos séculos XVIII e XIX assistiu-se, entretanto, à emergência e/ou

desenvolvimento de diversas Ciências Sociais e da investigação empírica aplicada, bem como

a uma maior consciência para os graves problemas sociais, os quais apelavam ao

desenvolvimento de programas de proteção social (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 505). De

igual modo, emergia nos Estados Unidos da América uma linha de pensamento filosófico de

29

orientação pragmática e instrumental, a qual contrariava a procura de verdades absolutas e

acolhia, no âmbito da análise científica, a perceção humana, as interpretações mútuas e o

debate, bem como a importância do contexto (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 506).

Como reconhecido pelo próprio Lasswell ((1951) 2003, pp. 99-100) – entendido como o pai

da Ciência das Políticas Públicas –,a perspetiva pragmática acima descrita deveria estar

subjacente à Ciência das Políticas Públicas, já que, no seu entender, “o cientista de políticas

públicas está muito mais interessado em avaliar e reconstruir as práticas da sociedade do

que no seu raciocínio privado sobre as grandes abstrações a partir das quais os seus valores

derivam”.

A invocação da necessidade de produção de conhecimento aplicado é, com efeito, uma das

principais características distintivas da ‘policy orientation’ das Ciências Sociais propostas por

Lasswell. A propósito desta invocação de aplicabilidade, Lasswell ((1951) 2003, pp. 89,92)

destaca dois nomes que terão dado um especial contributo para o desenvolvimento da

orientação para o estudo das políticas públicas: por um lado, Charles Merriam, professor da

Universidade de Chicago e mentor de Lasswell, que advogava a importância de quebrar as

barreiras entre diferentes disciplinas das ciências sociais e de aprofundar os enfoques

metodológicos no estudo e na prática dos processos de governação2; e, por outro lado,

Robert Lynd, nomeadamente através da organização, em 1939, de um conjunto de sessões

académicas sob o mote ‘knowledge for what’, nas quais defendia a indispensabilidade do

desenvolvimento de conhecimento para fazer face aos problemas da sociedade. Para além

destes nomes, deLeon & Vogenbeck (2007, p. 507) destacam ainda Robert Merton, o qual

advogava, igualmente, que os cientistas sociais tinham a função de sensibilizar os decisores

políticos para novos objetivos e formas mais eficazes de os alcançar.

Não obstante a importância dos esforços iniciais referidos, será importante referir que os

apelos destes percursores terão recolhido pouco entusiasmo no início do séc. XX, sobretudo

por questões relacionadas com a defesa das fronteiras disciplinares e da independência da

ciência face à comunidade exterior (Parsons, 1995, p. 17; deLeon & Vogenbeck, 2007, p.

2 Charles Merriam terá ajudado, alias, a fundar o Social Sciences Research Council, organização que defendia

uma orientação transdisciplinar da investigação na abordagem aos problemas sociopolíticos (McCool, 1995a, p. 1).

30

507). Além disso, a Ciência Política tendia a negligenciar as políticas públicas enquanto

objeto de estudo, já que, devido ao predomínio da tradição behaviorista, os principais focos

de interesse eram fenómenos mais facilmente observáveis, tais como as votações e as

estratégias eleitorais dos partidos (John, 2006, p. 3). Por outro lado, os estudos sobre a

Administração Pública haviam-se desenvolvido no final do séc. XIX com uma orientação para

a análise descritiva das estruturas e dos procedimentos administrativos, dedicando pouca

atenção aos processos de elaboração de políticas, já que diferentes autores, de entre os

quais se destaca W. Wilson, defendiam que deveria existir uma separação Política-

Administração na prática e na análise científica (Henry, 1975, p. 379; John, 2006, p. 3). Além

desta defesa da dicotomia política-administração e da procura de princípios universais de

administração preconizada por W. Wilson, F. Goodnow, L. White e W. Willoughb que marcou

o primeiro quartel do séc. XX, seguiu-se uma fase de defesa de uma ciência da administração

pura com base na psicologia social e em princípios behavioristas, da qual H. Simon é um dos

expoentes máximos (Henry, 1975, pp. 379-380).

Muito embora a influência behaviorista de H. Simon tenha sido bastante forte no âmbito da

Ciência da Administração durante o segundo quartel do séc. XX, em paralelo começava a

ganhar força uma linha de investigação com base na economia política que se dedicava,

sobretudo, à formulação de prescrições para o processo de políticas públicas (Henry, 1975,

pp. 379-380). Como refere John (2006, p. 3), existia, assim, “a necessidade de uma

subdisciplina para compreender a totalidade do processo de tomada de decisão pública e

para investigar as relações complexas entre as rudimentares exigências públicas e a

implementação detalhada das escolhas de políticas públicas”.

Foi, portanto, neste contexto que se deu a proposição de uma ‘policy orientation’ no âmbito

das Ciências Sociais no início da década de 50, facto que estará relacionado, sobretudo, com

um certo esbatimento da defesa da dicotomia política-administração ocorrido durante a

guerra e com o aumento dos níveis de intervenção pública e, por conseguinte, das

necessidades de planeamento e atuação pública informada (Parsons, 1995, p. 17; John,

2006, p. 4; Hill & Hupe, 2009, p. 84).

31

Tal como atrás referido, terá sido Lasswell quem lançou, em 1951, a proposta de criação de

uma ‘policy orientation’, a qual, indo ao encontro dos apelos anteriormente formulados, se

deveria estruturar em torno de três características (Lasswell, (1951) 2003, pp. 86-96):

um carácter multidisciplinar, já que esta disciplina deveria tentar ‘romper’ com as

especializações existentes, muito embora não devesse ser entendida como outra forma

de falar de ciências sociais ou de ciências psicológicas, nem ser entendida como tendo

um objeto de estudo sobreposto ao da Ciência Política;

um pendor contextual e uma orientação para os problemas, já que o autor advogava que

a Ciência das Políticas Públicas deveria ser uma ciência social aplicada e ter um pendor

mais pragmático, que não se cingisse apenas ao debate académico;

uma componente valorativa, dado que o autor entendia que nenhum problema social

estaria incólume de elementos valorativos, uma vez que lida com relações sociais e

interpessoais, daí que uma política pública implique uma preferência por uma

determinada sequência de eventos.

Muito embora Lasswell seja hoje reconhecido como o pai da Ciência das Políticas Públicas,

será importante referir que os apelos do autor também não terão encontrado, de imediato,

‘terreno fértil’, tendo a afirmação científica desta disciplina ocorrido apenas a partir de

meados da década de 60 do séc. XX (Sabatier, 1991a, p. 144; deLeon & Vogenbeck, 2007, p.

509). Tal como referem deLeon e Vogenbeck (2007, pp. 516-523) e Farah (2011, p. 817), o

início da afirmação da Ciência das Políticas Públicas neste período histórico estará

relacionado, em grande medida, com as crescentes necessidades de planeamento e

avaliação dos largos programas públicos então em desenvolvimento, bem como pelo

decorrente interesse despertado na comunidade académica.

Com efeito, as administrações Kennedy (1961-1963) e Johnson (1963-1969) apostaram

bastante nas funções de planeamento (ex.: introdução do ‘Program Planning Budgeting

System’ (PPBS), primeiramente no Departamento de Defesa e, posteriormente, em diversos

outros departamentos), bem como na contratação de ‘analistas de políticas públicas’ (Hill &

32

Hupe, 2009, p. 84). Esta procura de ‘analistas de políticas públicas’ terá, por sua vez, dado

origem à criação, em diversas universidades, de programas de formação académica e de

investigação no domínio das políticas públicas que, contrariando o enfoque tradicional da

Administração Pública, se baseavam mais em ‘técnicas analíticas duras’ – são exemplos disso

a Kennedy School of Government, na Universidade de Harvard (criada em 1966, substituindo

a designada Littauer School of Public Administration) ou a Graduate School of Public Policy na

Universidade de Berkeley (fundada em 1969) (Hill & Hupe, 2009, p. 84).

No âmbito deste processo de afirmação científica, Parsons (1995, pp. 27-28) destaca ainda a

organização de duas conferências subordinadas à temática das políticas públicas por parte

do American Social Science Research Council nos Estados Unidos da América no final da

década de 60 e a fundação de associações científicas subordinadas à temática, entre as quais

a Policy Sciences Organization, em 1972.

Ainda a propósito do percurso de afirmação da Ciência das Políticas Públicas no decurso da

década de 60, importa destacar que este se deu também, em grande medida, como

consequência da disponibilização de abundantes fundos públicos e privados destinados à

avaliação de políticas públicas, situação que terá contribuído para uma grande concentração

de esforços em torno da investigação em avaliação de políticas (deLeon & Vogenbeck, 2007,

p. 516). Como referem deLeon e Vogenbeck (2007, p. 512), os primeiros a enveredar pela

‘policy orientation’ terão sido os analistas mais ligados à Investigação Operacional e à

Economia, cujas abordagens defendiam que os problemas e soluções inerentes aos

processos de elaboração de políticas poderiam ser definidos de forma compreensiva e

racional e submetidos a análise quantitativa. Estas abordagens são geralmente designadas

por ‘policy analysis’ (análise de políticas públicas), distinguindo-se de outras abordagens

geralmente designadas por ‘policy studies’, tal como será explorado em maior detalhe no

ponto II-2 deste trabalho.

Muito embora esta ‘vaga’ de investigação em avaliação de políticas tenha contribuído para o

desenvolvimento científico da Ciência das Políticas Públicas através da sua preocupação com

o rigor metodológico, será importante registar que terá conduzido também a algum

ceticismo quanto à aplicabilidade da Ciência das Políticas Públicas, já que se terá revelado

33

pouco sensível às necessidades dos decisores políticos (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 516-

517). De acordo com deLeon e Martell (2006, p. 35), um exemplo que ilustra esta desilusão

estará relacionado com as análises referentes à Guerra do Vietname ou às Crises

Petrolíferas, já que estas terão sido acusadas de terem ignorado variáveis políticas. Desta

feita, as análises de políticas públicas mais sistémicas preconizadas por especialistas em

Investigação Operacional e Economia terão sido criticadas por defensores da abordagem dos

‘estudos de políticas públicas’, a qual atribui maior importância aos contextos e é mais

orientada para os problemas, atribuindo maior importância às variáveis políticas – o artigo

de Wildavsky ‘Rescuing Policy Analysis from PPBS’, de 1969, é exemplo disso (deLeon &

Vogenbeck, 2007, p. 513).

É, portanto, no contexto das críticas acima referidas que, a partir de meados da década de

70 do séc. XX, os ‘estudos de políticas públicas’ começaram a atribuir maior importância à

abordagem processual do ciclo de políticas públicas e a análises da fase de implementação,

as quais tendiam a ser baseadas em estudos de caso qualitativos e a ter preocupações

prescritivas (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 513, 517-518). Muito embora este enfoque na

implementação tenha produzido também conhecimento bastante útil, alguns autores

defendem que terá “produzido mais confusão do que clarificação” (deLeon & Vogenbeck,

2007, p. 518).

Perante o contexto acima descrito, imperava no início da década de 80 do séc. XX um certo

sentimento de ceticismo quanto à utilidade prática da análise de políticas públicas, situação

que se devia não apenas às dúvidas quanto à credibilidade dos métodos e das teorias da

Ciência das Políticas Públicas, mas também ao incremento dos movimentos de defesa de

‘redução do Estado’ (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 524). Terá sido neste contexto que

surgiu o movimento do estudo da Gestão Pública, o qual se tornou num parceiro natural da

Ciência das Políticas Públicas tendo em atenção que comungava do seu enfoque

multidisciplinar, orientação para os problemas e natureza normativa, ainda que diferindo

pela sua perspetiva menos sistémica e mais centrada nas organizações ou em programas

específicos (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 527).

34

De acordo com Parsons (1995, p. 28), a década de 80 é ainda marcada pela afirmação da

Ciência das Políticas Públicas para além das fronteiras dos E.U.A., através do seu

desenvolvimento em outros países, sobretudo na Europa, de onde o autor considera terem

vindo algumas das mais inovadoras perspetivas nesse período. Com efeito, o

desenvolvimento da ‘análise de políticas públicas’ tal e qual se praticava nos Estados Unidos

da América começou a ganhar maior destaque na Europa apenas na década de 70 e 80 do

séc. XX, não sem que tivesse encontrado algumas resistências.

No Reino Unido, por exemplo, a ‘análise de políticas públicas’ enquanto atividade do

Governo teve início no começo da década de 70 do séc. XX, mas, face a alguma indiferença e

hostilidade por parte da academia e dos quadros dirigentes da Administração Pública, foi de

maior interesse apenas nas décadas de 80 e 90, muito por influência do managerialismo

(Parsons, 2007, pp. 539, 544-545). Para tal indiferença contribuía, por exemplo, o facto de os

académicos e a Administração Pública considerarem que o estudo e análise de políticas

públicas já vinha sendo realizada, ainda que sob outras designações (Hogwood, 1995, pp. 67-

68). Por outro lado, Parsons (2007, pp. 542-544) dá conta que o campo disciplinar que mais

contribuiu para o desenvolvimento da abordagem às políticas públicas no Reino Unido não

terá sido o da Economia, mas antes o da Administração e Política Social, bem como o da

Ciência Política.

Esta reticência inicial teve igualmente lugar em alguns países da Europa Continental, tais

como a Alemanha. Como refere Saretzki (2007, pp. 588-591, 599), a análise de políticas

públicas foi importada dos E.U.A. no final da década de 60 e início da década de 70, como

consequência da necessidade crescente de conhecimentos orientados para as políticas

públicas para apoiar diversos programas de reformas internas, suscitando um crescente

interesse durante a década de 70 e início da década de 80, mas só registando uma aceitação

considerável desde meados da década de 80. Para tal reticência terão contribuído, entre

outros aspetos, as dificuldades de introdução de métodos e procedimentos de análise de

políticas públicas na Administração Pública sentida por diversos académicos que estariam a

acompanhar os ditos processos de reformas internas, o que fez com que estes se tivessem

dedicado aos temas das dificuldades da implementação de políticas aquando do regresso à

35

academia, ao mesmo tempo que criticavam o otimismo irrefletido do planeamento (Saretzki,

2007, p. 589).

Tal como aconteceu na Alemanha, a introdução da ‘análise de políticas públicas’ de estilo

americano na Holanda teve também lugar no final da década de 60 e início da década de 70,

como consequência das necessidades de planeamento advindas do forte crescimento do

Estado Social (Mayer, 2007, p. 556). Esta abordagem, que se alinhava, de certo modo, com

as práticas de planeamento mais tecnocráticas que vinham sendo desenvolvidas pelo Central

Planning Bureau (fundado em 1945), e que terá sido amplamente adotada durante a década

de 70, gerou, contudo, diversos problemas, acabando por ser abandonada no início da

década de 80 (Mayer, 2007, pp. 555-558). Tal como refere Mayer (2007, p. 558), alguns

desses problemas estarão relacionados com a rigidez e burocracia associada à

implementação das técnicas de análise, mas sobretudo à pouca atenção dedicada às

dimensões políticas da formulação de políticas, nomeadamente à presença de múltiplos

atores. Terá sido, neste sentido, que surgiram, na década de 80, diversas escolas de

administração pública na Holanda com académicos bastante críticos do paradigma

racionalista e que se dedicaram amplamente ao estudo dos contextos de decisão pública

com diversos atores e deram lugar ao desenvolvimento dos métodos participativos no

estudo das políticas públicas (Mayer, 2007, p. 560).

Como se pode observar pelo que foi descrito relativamente ao desenvolvimento da

abordagem das políticas públicas em alguns países da Europa, registou-se alguma adesão à

análise de políticas públicas de estilo americano no decurso da década de 70 em países

como a Alemanha ou a Holanda, a que se seguiu um período de desilusão. A este propósito,

importa relembrar que a abordagem da ‘análise de políticas públicas’ já vinha sendo

criticada nos E.U.A. desde a década de 60. Já no caso do Reino Unido, o ceticismo face à

‘análise de políticas públicas’ só começou a ser efetivamente desfeito através do movimento

da Gestão Pública na década de 80, do qual este país foi um dos principais preconizadores,

tal como será abordado em maior detalhe no capítulo IV.

De igual modo, e em linha com o argumento de Parsons (1995, p. 28), importa assinalar que

foi na Europa que se registaram dos mais significativos desenvolvimentos, não só no estudo

36

da implementação de políticas públicas, sobretudo numa perspetiva multiator, mas também

nos métodos participativos de análise de políticas públicas – para maior detalhe, veja-se

capítulo IV. São exemplo disso, as obras pioneiras de M. Hill no Reino Unido (Parsons, 2007,

p. 543), de Mayntz e Scharpf na Alemanha (Saretzki, 2007, p. 593), e de todo um conjunto de

escolas na Holanda (Mayer, 2007, p. 558).

Como foi possível observar, a Ciência das Políticas Públicas desenvolveu-se bastante a partir

de meados da década de 60, muito embora apresentando diferenças face à proposta de

Lasswell, se se atentar às três características enunciadas pelo autor.

Por um lado, existiu alguma dificuldade em implementar a multidisciplinaridade proposta,

na medida em que se verificou uma forte resistência à quebra de barreiras entre disciplinas

científicas, mas também porque se verificou uma certa autonomização científica da Ciência

das Políticas Públicas, através do desenvolvimento de terminologia e metodologias próprias

(Parsons, 1995, p. 28; deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 511; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p.

19).

Por outro lado, a orientação para o desenvolvimento de uma ciência social quase

exclusivamente aplicada ter-se-á esbatido um pouco, não apenas porque as entidades

públicas se demonstraram algo resistentes aos estudos elaborados por académicos (Howlett,

Ramesh, & Perl, 2009, p. 19), mas também porque esta orientação prática terá sido

considerada prejudicial para as aspirações de reconhecimento científico da disciplina

(deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 512). Desta feita, terá ocorrido uma divisão da Ciência das

Políticas Públicas em duas correntes, uma mais académica e outra mais pragmática e virada

para a vida política.

Por outro lado ainda, a questão da normatividade e do desejo de prescrição diminuiu face à

consciencialização da intratabilidade de alguns problemas, o que terá levado a que alguns

investigadores se foquem em dimensões mais simples, tais como a eficácia e a eficiência

(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 19).

Para além desta evolução face à proposta da ‘policy orientation’ formulada por Lasswell, foi

também possível observar neste último ponto que a Ciência das Políticas Públicas é

37

particularmente profícua em diferentes abordagens, as quais têm distintos radicais

disciplinares, teóricos e metodológicos. Estas diferenças serão alvo de análise mais

aprofundada no próximo ponto do trabalho.

II-2. DIVERSIDADE EPISTEMOLÓGICA, TEÓRICA E METODOLÓGICA NA CIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A Ciência das Políticas Públicas é uma disciplina caracterizada por uma significativa

diversidade analítica, não obstante a sua afirmação científica apenas ter ocorrido há cerca

de 5 décadas. Com efeito, e como já atrás referido, a complexidade substantiva inerente ao

estudo e análise de políticas públicas conduz à situação, praticamente inevitável, de

diferentes investigadores desenvolverem modelos e técnicas que permitam a redução da

complexidade através do enfoque num conjunto limitado de elementos do processo de

políticas públicas e da adoção de diferentes estratégias analíticas (Howlett, Ramesh, & Perl,

2009, p. 8).

As diferentes estratégias analíticas utilizadas para estudar políticas públicas não diferem,

contudo, apenas quanto aos pontos de enfoque, apresentando igualmente diferentes

pressupostos epistemológicos, bases disciplinares, estratégias metodológicas e até

comunidades analíticas, facto que tem dado origem à emergência de diferentes correntes de

investigação no âmbito da Ciência das Políticas Públicas.

Uma das principais distinções de correntes no âmbito da Ciência das Políticas Públicas é

aquela que contrapõe a corrente da ‘análise de políticas públicas’ (policy analysis) e ‘estudos

de políticas públicas (policy studies)3, anteriormente referida neste trabalho. Tal como

referido por Howlett et al (2009, pp. 8-10), estas duas correntes de investigação da Ciência

das Políticas Públicas diferem em relação a diversos aspetos, nomeadamente enfoques de

análise, estratégias metodológicas e até comunidades analíticas, já que apresentam as

seguintes características: por um lado, a corrente da ‘análise de políticas públicas’ é

3 De referir que esta distinção clara entre a utilização das expressões ‘análise’ e ‘estudos’ só é válida para este

ponto do trabalho. Nos restantes pontos, a utilização de uma ou de outra expressão será feita indiferenciadamente, a não ser quando se utilize a expressão entre aspas e na sua forma completa – ‘estudos de políticas públicas’ ou ‘análise de políticas públicas’.

38

desenvolvida maioritariamente por analistas que trabalham para os próprios organismos

estatais ou por grupos de interesse, que tendem a debruçar-se sobre a avaliação formal ou a

previsão dos impactos ou resultados das políticas públicas, utilizando, sobretudo, técnicas de

análise quantitativa; e, por outro lado, a corrente dos ‘estudos de políticas públicas’ é

desenvolvida, sobretudo, por académicos, os quais tendem a estudar, não apenas as

políticas públicas e os seus efeitos, mas também as suas causas e pressupostos, bem como

os processos envolvidos nas fases de formulação e implementação das políticas.

Muito embora não referisse as designações destas duas correntes, esta divisão de

perspetivas foi reconhecida pelo próprio Lasswell (1970, p. 3) quando se referiu à existência

de duas orientações da Ciência das Políticas Públicas que, embora separadas, se

interligavam: o conhecimento do processo de elaboração de políticas públicas; e, o

conhecimento no processo de elaboração de políticas públicas (itálico no original). Esta

divisão tinha, aliás, já sido referida pelo próprio autor no ensaio iniciático da ‘policy

orientation’, nomeadamente quando refere o seguinte:

“A orientação é dupla. Em parte é direcionada para o processo de produção de políticas, e em

parte para as necessidades de conhecimento da política. A primeira tarefa, que é o

desenvolvimento de uma ciência da formação e execução das políticas, usa os métodos da

investigação social e psicológica. A segunda tarefa, que é a melhoria do conteúdo concreto da

informação e das interpretações disponíveis para os decisores políticos, tipicamente vai para

além das fronteiras da ciência social e da psicologia.” (Lasswell, (1951) 2003, p. 86)

Para além das diferenças acima referidas, Howlett et al (2009, p. 8) referem ainda que estas

duas correntes estarão também frequentemente associadas a diferentes pressupostos

epistemológicos: por um lado, estudos com base em pressupostos positivistas, os quais se

baseiam em análises concretas dos objetivos e impactos das políticas; e, por outro lado,

estudos com base em pressupostos pós-positivistas, que se debruçam frequentemente

sobre a interpretação dos objetivos, intenções e ações dos atores envolvidos nos processos

de elaboração de políticas públicas.

39

No mesmo sentido, deLeon e Vogenbeck (2007, p. 512) destacam que a ‘análise de políticas

públicas’ é geralmente desenvolvida por analistas das áreas da Investigação Operacional e

da Economia e que a mesma se baseia no pressuposto que os problemas e as soluções

podem ser definidos com precisão racional e sujeitos a uma análise empírica precisa. Por sua

vez, ‘os estudos de políticas públicas’ foram desenvolvidos, sobretudo, por académicos da

Ciência Política, os quais atribuíam bastante importância ao contexto das políticas públicas,

considerando igualmente que o processo de políticas públicas era resultado de processos

incrementais resultantes de ajustamentos mútuos.

Como foi possível constatar pelo descrito, a Ciência das Políticas Públicas encontra-se, assim,

dividida em torno das correntes da ‘análise de políticas públicas’ e dos ‘estudos de políticas

públicas’, cujas principais características estão sistematizadas na figura que se segue.

Figura 1. Distinção entre ‘Análise de Políticas Públicas’ e ‘Estudos de Políticas Públicas’

Análise de Políticas Públicas (Policy

Analysis) Estudos de Políticas Públicas

(Policy Studies)

Principal Comunidade Analítica

Analistas das próprias Organizações Públicas e de Grupos de Interesse

Académicos

Principal Objetivo

Melhorar o desenho, implementação e avaliação das

políticas existentes

(conhecimento no processo)

Compreender o processo de elaboração de políticas públicas e

produzir teoria

(conhecimento do processo)

Principal Objeto de Estudo

Resultados e Impactos das Políticas Processo de elaboração das Políticas

Principal Assunção Problemas e Soluções vistos de

forma racional e otimizada

Problemas e Soluções como resultado de acordos e negociações

plurais

Metodologias Predominantes

Quantitativa Qualitativa

Princípio Metodológico Subjacente

Procura de respostas mais universais

Atenção ao Contexto

Princípio Epistemológico

Subjacente

Positivismo

(analisa as atividades efetivas das organizações)

Interpretativismo

(estuda os objetivos e intenções subjacentes às decisões)

Principal Disciplina de Inspiração

Economia e

Investigação Operacional

Ciência Política e

Ciências do Comportamento

Fonte: produção própria, baseado em Howlett et al (2009, pp. 8-10), deLeon e Vogenbeck (2007, pp. 512-513) e Lasswell ((1951) 2003, p. 86; 1970, p. 3)

40

A existência destas duas correntes, que se iniciou de forma mais profunda na década de 60

do séc. XX, tal como referido no ponto anterior, perdura até à atualidade, não obstante a

existência de algumas tentativas de conciliação (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 511, 513)

Para além destas duas correntes, Howlett et al (2009, p. 20) referem ainda que a enorme

diversidade que caracteriza a Ciência das Políticas Públicas na atualidade é ainda visível nos

métodos de análise e nos princípios epistemológicos subjacentes (positivismo vs. pós-

positivismo) e nas unidades de análise (indivíduo, grupos e estrutura).

No que se refere ao princípio epistemológico subjacente, Howlett et al (2009, pp. 21, 26)

destacam que as abordagens positivistas tendem a desenvolver análises formais que utilizam

princípios da Economia, sobretudo do ramo da Economia do Bem-Estar, produzindo modelos

elegantes e lógicos, mas que tendem a não analisar variáveis políticas, facto pelo qual são

frequentemente criticadas. Por outro lado, os autores dão conta que as abordagens pós-

positivistas surgiram na década de 90 em reação à orientação tecnocrática que considerava

que a disciplina estaria a adotar, defendendo um conjunto de convicções, tais como a não

existência de compreensões ‘objetivas’ dos problemas e soluções, a necessidade de

promoção da democracia e da participação e que os argumentos deverão ser a unidade

básica de análise (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, pp. 26-28).

Em relação às unidades de análise, Howlett et al (2009, p. 31) referem que existem

diferentes teorias que assumem que o processo de elaboração de políticas públicas é

altamente politizado, mas que atribuem maior enfoque a distintas unidades de análise,

nomeadamente:

- o comportamento de nível micro dos indivíduos, como por exemplo, a Teoria da Escolha

Pública, que assume que o comportamento individual dos atores políticos é guiado pelo

autointeresse e pela maximização da sua satisfação;

- a interação entre grupos de interesse organizados, como por exemplo as Teorias de

Classe, que assumiam que as sociedades tendem a estruturar-se em torno de disputas

dicotómicas entre classes, as Teorias Pluralistas que tomam por princípio que o processo

41

de políticas públicas é o resultado da conciliação dos interesses defendidos por

diferentes grupos de interesse, e as Teorias Corporativistas, que se assemelham às

Teorias Pluralistas mas que tomam em consideração os padrões de institucionalização

de relações entre o Estado e determinados Grupos de Interesse;

- a estrutura dos arranjos políticos e económicos, como por exemplo o Institucionalismo

Centrado no Ator, que defende que os comportamentos dos indivíduos motivados pelo

autointeresse são condicionados pelas regras, normas e símbolos das instituições, ou o

Institucionalismo Socio-histórico, que assume que as estruturas institucionais que

perduram ao longo do tempo são a base da vida política e social e que a influência

destas sobre o comportamento dos indivíduos ocorre, sobretudo, através da

interiorização das normas e regras institucionais.

No mesmo sentido, John (2006, pp. 15-16) refere a existência de diferentes abordagens que

explicam as mudanças e estabilidades no âmbito das políticas públicas através do enfoque

em diferentes variáveis de análise, nomeadamente as instituições, os grupos de interesse e

as redes, os fatores socioeconómicos de nível macro, o comportamento racional de atores

individuais, ou ainda as ideias.

Para além da influência das diferentes abordagens epistemológicas e de enfoque de análise,

a multiplicidade de abordagens no âmbito da Ciência das Políticas deve-se ainda às

diferentes inspirações disciplinares. Neste âmbito, muito embora se possa referir que a

Ciência das Políticas Públicas recebe influências de um número bastante diversificado de

disciplinas (Birkland, 2001, pp. 8-9), poder-se-á destacar a importância da Economia, da

Sociologia e da Ciência Política, as quais apresentam um certo grau de rivalidade e

distanciamento entre si, no referente aos pressupostos de análise, à principal unidade de

análise e às fases do processo de políticas mais analisadas (Pierre, 2006, p. 481). Assim,

segundo Pierre (2006, pp. 482-490), os contributos destas três disciplinas organizam-se nos

seguintes moldes:

42

- Economia: a análise economicista tem geralmente como assunção a racionalidade de

comportamento dos atores individuais e tende a focar-se na análise das diferentes

opções políticas ou na avaliação das políticas, através da análise da eficiência e eficácia

das intervenções desenvolvidas, sendo geralmente criticada pela dificuldade em

incorporar variáveis políticas como o conflito político ou a inércia institucional;

- Ciência Política: a análise politológica concentra-se primordialmente na ‘luta’ de poder

entre diferentes atores, quer sejam indivíduos, grupos ou instituições, focando-se, por

isso, sobretudo nas fases do agendamento e da tomada de decisão, sendo geralmente

criticada pela dificuldade de integrar as perspetivas da agência e da estrutura numa

mesma teoria ou pela tendência em centrar-se nas elites;

- Sociologia: a análise sociológica tende a concentrar-se no estudo dos problemas sociais e

na aferição dos impactos das políticas públicas na mitigação desses problemas, bem

como na análise dos contextos organizacionais das estruturas implementadoras,

focando-se por isso, sobretudo, nas fases da identificação de problemas,

implementação e avaliação de políticas, sendo geralmente criticada pelo limitado

interesse pelos processos de tomada de decisão ou por considerar que as relações de

poder são definidas por variáveis relacionadas com a economia ou o status social.

Tendo em consideração o descrito, poder-se-á proceder à sistematização dos contributos de

cada uma das Ciências Sociais acima referidas da forma apresentada na figura que se segue.

43

Figura 2. Principais influências disciplinares da Ciência das Políticas Públicas Economia Ciência Política Sociologia

Pri

nci

pal

En

foq

ue

Comportamento individual

‘Luta’ de poder entre atores (indivíduos, grupos e

instituições)

- Problemas sociais que originaram as políticas

- Efeitos das políticas sobre os problemas;

- Contextos organizacionais

Fase

mai

s an

alis

ada - Escolha Instrumentos

- Avaliação (eficiência e eficácia)

- Agendamento

- Tomada de Decisão

- Identificação Problema

- Implementação

- Avaliação (impacto)

Pri

nci

pai

s C

ríti

cas - Dificuldade em

incorporar conflito político e inércia institucional

- Dificuldade integrar indivíduo e estrutura num mesmo modelo

- Enfoque exacerbado das elites

- Limitado interesse pela tomada de decisão

- Considera que relações poder são definidas por Economia e status social

Fonte: produção própria, baseado em Pierre (2006, pp. 482-490)

Como é possível observar pelo descrito ao longo deste ponto do trabalho, a Ciência das

Políticas Públicas está envolta numa enorme diversidade de perspetivas, as quais dão, por

vezes, origem a conclusões bastante díspares, o que tem contribuído para aumentar a

(perceção de) complexidade da Ciência das Políticas Públicas (Howlett & Ramesh, 2003, p.

11). É, portanto, neste sentido que estes autores se congratulam pela emergência de

diferentes frameworks de análise, as quais constituem esforços de simplificação da análise,

ao sintetizarem diferentes correntes teóricas e abordagens analíticas (Howlett & Ramesh,

2003, p. 11).

Na próxima secção proceder-se-á à apresentação da Framework Estagista, que constitui a

abordagem mais frequente na análise do processo de políticas públicas.

44

II-3. FRAMEWORKS DE ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS FUNÇÕES HEURÍSTICAS:

VANTAGENS E PROBLEMAS DA FRAMEWORK ESTAGISTA E EMERGÊNCIA DA FRAMEWORK DE GOVERNANÇA

MÚLTIPLA

Tal como anteriormente referido, a complexidade do processo de elaboração de políticas

públicas torna praticamente inevitável a adoção de estratégias de simplificação no estudo

das políticas públicas. Para além do enfoque num conjunto limitado de variáveis e unidades

de análise, uma outra estratégia de simplificação bastante comum tem sido o recurso à

utilização de frameworks de análise. Recorde-se, a este propósito, que o objetivo de uma

framework de análise consiste em ajudar a identificar as variáveis mais importantes no

estudo de um fenómeno, não especificando, habitualmente, as relações existentes entre

variáveis, sendo, portanto, suficientemente abrangente para abarcar diferentes teorias

sobre um mesmo fenómeno (Ostrom, 2007, p. 25).

Uma das mais populares frameworks do estudo de políticas públicas é a designada

Framework Estagista, que analisa a elaboração de políticas públicas como um processo que

se divide num conjunto de fases interrelacionadas (Sabatier, 2007, p. 6; Howlett, Ramesh, &

Perl, 2009, p. 10). Para além de ter sido, até à década de 80 do séc. XX, a framework mais

influente na análise e compreensão do processo de políticas públicas (Sabatier, 2007, p. 6), a

Framework Estagista destaca-se ainda por ter contribuído para quebrar a hegemonia, quer

da análise institucionalista tradicional, quer do enfoque exacerbado nos inputs (Jann &

Wegrich, 2007, p. 44; deLeon, 1999a, p. 22).

Apresentada pela primeira vez em 1956 por Harold Lasswell no seu livro ‘The Decision

Process: Seven Categories of Functional Analysis’, a Framework Estagista constitui-se, na

perspetiva do próprio autor, como “um mapa conceptual [que] deverá disponibilizar um guia

para obter uma imagem generalista das principais fases de qualquer ato coletivo” (Lasswell,

1971, p. 28). Estabelecendo um paralelo entre o processo de políticas públicas e o processo

de decisão, Lasswell (1971, pp. 28-29) referia que o processo de políticas públicas se compõe

das seguintes 7 fases:

Inteligência: recolha, processamento e disseminação de informação para o uso de todos

os participantes do processo de decisão;

45

Promoção: defesa de uma particular opção pelos atores envolvidos na tomada de

decisão;

Prescrição: resolução do curso de ação que irá ser tomado por parte dos decisores;

Invocação: definição das sanções a aplicar a quem não cumprir as prescrições;

Aplicação: concretização das políticas por parte dos tribunais e da burocracia;

Terminação: finalização de uma política;

Apreciação: avaliação da forma como a política foi aplicada.

Apesar de se ter revelado como bastante influente, esta framework de Lasswell terá sido

significativamente criticada, sobretudo por se focar demasiado no processo de tomada de

decisão por um conjunto limitado de atores estatais e muito pouco no ambiente externo

(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11). Uma outra crítica apontada referia-se à sequência

das fases apresentada, nomeadamente a apresentação da terminação antes da apreciação,

sugerindo, assim, que as políticas públicas só poderiam ser avaliadas após a sua terminação

(Jann & Wegrich, 2007, p. 43; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11). Por fim, será

importante referir também que a abordagem do processo de políticas de Lasswell seria de

teor mais prescritivo e normativo do que descritivo e analítico, na medida em que a

sequência das fases segue uma orientação de problem-solving de inspiração racional (Jann &

Wegrich, 2007, pp. 43-44). Jann e Wegrich (2007, p. 44) defendem, aliás, que uma das razões

para o sucesso desta framework terá sido exatamente o facto de ter subjacente este apelo à

racionalidade.

Não obstante as críticas acima referidas, a Framework Estagista passou a ter uma utilização

bastante difundida, tendo sido uma das bases para a organização e sistematização do

conhecimento dos ‘Estudos de Políticas Públicas’, os quais terão conhecido uma elevada

expansão durante as décadas de 60 e 70 do séc. XX (Jann & Wegrich, 2007, p. 43; Parsons,

1995, p. 28). Desta feita, não será de estranhar que a framework de Lasswell tenha dado

origem à formulação de uma série de outras versões, sobretudo na segunda metade da

década de 70 do séc. XX.

46

Uma das versões decorrentes da formulação de Lasswell foi proposta por Brewer (1974, pp.

240-241), um estudante de Lasswell em Yale, o qual terá introduzido algumas melhorias à

framework do seu professor, entre as quais uma nova proposta de divisão por fases:

Invenção/iniciação: (re)conceptualização de um problema, definição de um conjunto de

possíveis soluções, e início da busca por potenciais soluções ‘ótimas’ no seio dessas

opções;

Estimação: predeterminação dos riscos, custos e benefícios associados a cada opção, por

forma a reduzir o leque de soluções plausíveis (por exemplo, ao eliminar as soluções

inviáveis) e a ordenar as opções restantes de acordo com critérios científicos e

normativos bem-definidos;

Seleção: decisão sobre as opções em análise;

Implementação: execução da opção selecionada, o que inclui perceber o que realmente

está a acontecer e avaliar a diferença entre a realidade e o que estava perspetivado;

Avaliação: deliberação sobre se uma política ou programa está a ser bem-sucedida, se

bem que tendo uma abordagem mais retrospetiva do que na implementação;

Terminação: ajustamento de políticas e programas que se tenham tornado,

nomeadamente, disfuncionais, redundantes, desnecessárias.

Tal como é possível observar, a proposta de Brewer revela algumas semelhanças óbvias face

à versão de Lasswell. No entanto, apresenta também algumas mudanças face à versão do

seu professor, nomeadamente ao considerar a discussão e reconhecimento dos problemas

para além das organizações governamentais e ao incluir a ideia de continuidade no processo

(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11), nomeadamente ao incorporar a noção de feedback

loop, a qual terá sido importada da framework sistémica de David Easton (Jann & Wegrich,

2007, p. 44).

Não obstante estas alterações face à framework proposta por Lasswell, o enfoque na lógica

de problem-solving – uma das críticas apresentadas à versão de Lasswell – não desapareceu

na versão de Brewer, tendo inclusivamente permanecido nas versões da framework

estagista que terão surgido nos anos que se seguiram. Com efeito, as versões da framework

47

estagista inspiradas pelos trabalhos de Lasswell e de Brewer – tais como a de Jones4 e a de

Anderson5, as quais foram apresentadas nos dois primeiros manuais dedicados ao processo

de políticas públicas, ou a de May e Wildavsky (1978)6, ou Brewer e deLeon (1983)7, entre

outros – terão todas mantido esta lógica de problem-solving (deLeon, 1999a, p. 21). Como se

pode observar na figura seguinte, a sequência de fases que atualmente é mais utilizada

(agendamento, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação) pode ter ainda,

de facto, subjacente uma lógica de problem-solving.

Figura 3. Fases da Framework Estagista e sua relação com a Resolução de Problemas

Lógica de problem-solving Fases do Ciclo de Políticas Públicas

Reconhecimento do Problema Agendamento

Proposta de possíveis soluções Formulação

Escolha de uma solução Tomada de decisão

Colocação da solução em prática Implementação

Monitorização dos resultados Avaliação

Fonte: Howlett, Ramesh e Perl (2009, p. 12)

Muito embora alvo de críticas desde a década de 80 do séc. XX e com perda da supremacia

quase absoluta de que gozava anteriormente, a Framework Estagista (ou do ‘Ciclo de

Políticas Públicas’, como passou a ser designada mais tarde) é, ainda assim, muito

provavelmente, a framework mais utilizada para “organizar e sistematizar a investigação em

políticas públicas” (Jann & Wegrich, 2007, p. 45). Com efeito, a mais importante vantagem

desta framework é o facto de ser uma ferramenta analítica que possibilita a redução da

complexidade do processo de políticas públicas num conjunto de fases ou subfases, já que

cada uma envolve um conjunto de atividades e atores distintos, tal como é possível verificar

na figura seguinte (Knoepfel, Larrue, Varone, & Hill, 2007, pp. 33-35; Howlett, Ramesh, &

Perl, 2009, p. 12).

4 Jones, Charles (1970). An Introduction to the Study of Public Policy. Belmont: Wadsworth Publishing Company

5 Anderson, James E. (1975). Public Policymaking. New York: Praeger.

6 May, Judith e Aaron Wildavsky (Eds) (1978). The Policy Cycle. Beverly Hills: Sage.

7 Brewer, Gary e Peter deLeon. (1983). The Foundations of Policy Analysis. Monterey: Brooks, Cole.

48

Figura 4: Quadro Síntese da Framework do ‘Ciclo de Políticas Públicas’

Fonte: produção própria, baseado em Dye ((1972) 1981, p. 24), Cardim (2006, p. 45), Kraft e Furlong

(2007, p. 71), Caeiro (2008, p. 105), e Knoepfel, Larrue, Varone e Hill (2007, p. 31)

FASE ATIVIDADES PARTICIPANTES

Agendamento

Perceção da existência de um problema

Identificação das suas possíveis causas e dos seus contornos

Representação do problema e de modelos de causalidade

Agregação de apoios em torno de diferentes representações

Pedidos expressos para ações governativas

Seleção (filtragem) dos problemas emergentes

Reconhecimento da necessidade de intervenção por parte dos poderes públicos

Meios de comunicação

Grupos de interesses

Partidos

Deputados

Iniciativas de cidadãos

Opinião Pública

Formulação de soluções

Desenvolvimento de propostas políticas tendentes à resolução de questões e à diminuição da dimensão, do impacto e da gravidade dos problemas

Estudo das vantagens e desvantagens das diferentes soluções

Definição das soluções adequadas e aceitáveis para o problema definido

Filtragem entre a solução ideal e os recursos disponíveis

Desenvolvimento de apoios políticos e coligações

Governo

Assembleia da República

Grupos de interesse

Think-tanks

Tomada de Decisão e

Legitimação

Seleção da proposta e tradução em lei;

Decisão sobre a sua constitucionalidade.

Governo,

Assembleia da República

Tribunal Constitucional

Implementação da política

Definição das estratégias e dos instrumentos operacionais de intervenção

Estruturação das necessidades de recursos humanos, financeiros e logísticos

(Re)Organização de departamentos e agências;

Disponibilização de orçamentos e serviços;

Execução das políticas;

Produção de efeitos no terreno;

Monitorização e controlo da atividade;

Governo

Departamentos executivos e/ou outras instituições vocacionadas

Beneficiários e comunidade envolvente

Outros Stakeholders

Avaliação da política

(seguida de reformulação

ou terminação da política)

Apreciação sobre os outputs dos programas;

Aferição dos níveis de eficácia e eficiência;

Avaliação dos impactos das políticas junto dos grupos abrangidos e não abrangidos;

Aferição das diferenças entre os objetivos e os resultados;

Análise reflexiva dos produtos resultantes da avaliação, dando azo a uma de 3 situações:

o Continuação da implementação tal e qual está a decorrer;

o Proposta de alterações e reformas;

o Terminação da Política.

Departamentos executivos e/ ou outras Instituições vocacionadas

Secções parlamentares

Meios de comunicação

Think-tanks e instituições de investigação

Outros stakeholders

49

Como é possível verificar pelo exposto e resumido na figura anterior, as diferentes fases

envolvem diferentes conjuntos de atores e atividades, facto que terá dado origem a

subdisciplinas especializadas em cada uma das fases, com questões analíticas, hipóteses e

teorias parciais próprias (Jann & Wegrich, 2007, p. 45; Sabatier, 2007, p. 7; Knoepfel, Larrue,

Varone, & Hill, 2007, p. 35). A propósito da emergência destas diferentes subdisciplinas,

importa, contudo, referir que o enfoque separado em diferentes fases terá contribuído para

que o processo, no seu todo, passasse a ser um pouco negligenciado (deLeon, 1999a, p. 23).

Não obstante as vantagens referidas, a Framework Estagista tem também alguns problemas,

que têm sido apontados por diversos críticos, o que tem conduzido à perda da sua

supremacia hegemónica e à emergência e consolidação de frameworks alternativas

(Sabatier, 2007, p. 7).

No âmbito dessas críticas, que começaram a ganhar maior expressão através de Nakamura

(1987) e de Sabatier (1988; 1991b), encontram-se os seguintes argumentos de oposição à

Framework Estagista (Sabatier, 2007, p. 7; Jann & Wegrich, 2007, pp. 55-56; Hill, 2005, pp.

20-21):

A framework não se afirma como uma teoria causal, uma vez que não apresenta as

causas motrizes responsáveis pelo ‘movimento’ de uma fase para a outra;

A sequência de fases não apresenta uma base empírica, já que o processo não tem de

percorrer, necessariamente, todas as fases e pode ocorrer por uma ordem diferente da

sugerida;

Não existe uma separação tão definida entre diferentes fases, sobretudo entre as fases da

formulação e implementação, tal como viria a ser demonstrado por alguns estudos de

implementação (veja-se o ponto III-1. deste trabalho);

Utilização de um pressuposto legalista e top-down, que tende a definir que os políticos

tomam decisões, os dirigentes de topo da administração pública os transformam em

legislação mais operacional, e os dirigentes intermédios e funcionários de base

implementam as decisões;

Análise frequente de um único programa, quando a realidade revela que o processo de

políticas públicas envolve diversos programas de diferentes níveis governativos;

50

Menosprezo pela influência das políticas já existentes sobre as novas políticas;

Não consideração de alguns elementos que não estão relacionados com a típica conceção

de problem-solving, como por exemplo, a disputa de poder ou a aprendizagem.

Tentando responder a algumas das críticas que foram acima referidas, deLeon (1999a, p. 24)

refere que importa reconhecer que os autores proponentes da Framework Estagista

admitiam a possibilidade de a sucessão de fases não ser unidirecional e de existirem

processos de feedback, ao mesmo tempo que reconheciam que a framework não seria um

modelo teórico, mas antes um instrumento heurístico.

Para além dos argumentos acima referidos, Hupe e Hill (2006, p. 26) consideram que o

recurso a esta framework tenderá a persistir também devido à sua atratividade normativa,

na medida em que se funda nos princípios da democracia representativa, supõe um maior

controlo da ação pública e incorpora ideias de racionalidade e ordem da ação política.

Por todas estas razões, deLeon (1999a, pp. 25-26) considera que a Framework do Ciclo de

Políticas Públicas não terá perdido, necessariamente, a sua legitimidade e viabilidade, até

porque constitui a base sobre a qual assentam diferentes frameworks que têm vindo a surgir

nas últimas décadas. Com efeito, muitas destas frameworks que têm surgido desde a década

de 80 do séc. XX – as mais célebres8 sendo, muito provavelmente, a ‘Framework dos Fluxos

Múltiplos’ de John Kingdon, a ‘Framework do Equilíbrio Pontuado’, originalmente formulada

por Baumgartner e Jones, e a ‘Advocacy Coalition Framework’, apresentada por Sabatier e

Jenkins-Smith – centram-se em apenas algumas fases do ciclo de políticas públicas,

nomeadamente no agendamento, formulação e tomada de decisão.

Para além das frameworks acima referidas, as quais são tidas como alternativas à framework

estagista mas que alguns consideram que se centram na ‘fase’ da iniciação de políticas, foi

proposta no início do séc. XXI a ‘framework dos três níveis de governança’ (Hill & Hupe,

2002, pp. 182-187), que mais tarde viria a ser designada de ‘framework da governança

múltipla’ (multiple governance framework) (Hupe & Hill, 2006; Hill & Hupe, 2009, p. cap. 6).

8 Para uma abordagem global destas três frameworks, veja-se Sabatier (2007a: caps. 3, 6 e 7).

51

Na formulação da ‘framework da governança múltipla’, os autores começam por concordar

com as múltiplas críticas de que a framework estagista tem sido alvo, muito embora

reconheçam também as funções e virtudes, sobretudo históricas, desta última framework

(Hill & Hupe, 2009, p. 116). Entre outros aspetos, os autores distanciam-se da framework

estagista ao rejeitarem a sua associação intrínseca entre atores, atividades e níveis

hierárquicos, uma vez que rejeitam também a tradicional divisão de trabalho associada à

divisão política-administração e reconhecem a cada vez mais comum participação de atores

não oficiais no processo de políticas públicas (Hupe & Hill, 2006, p. 14). Adotando o conceito

de ‘governança’ (governance) como central à framework que propõem, os autores

consideram que a “questão de quem é o ‘ator governante’ está empiricamente aberta, [o

que] implica que o número e legitimidade dos atores efetivamente envolvidos num

determinado processo de política pública poderá diferir do que seria expectável em termos

normativos” (Hupe & Hill, 2006, p. 114).

Inspirados por outras frameworks, nomeadamente as de Lynn Jr.9, de Parsons10, de Lynn,

Heinrich e Hill11, e, sobretudo, de Kiser e Ostrom12, Hupe e Hill formularam a ‘framework de

governança múltipla’, cuja representação é uma matriz na qual se cruzam três tipos de níveis

de ação com três níveis de escalas de ação (veja-se figura seguinte).

9 Lynn Jr., Laurence E.. (1981). Managing the Public’s Business: The Job of the Government Executive. New York:

Basic Books. Lynn Jr., Laurence E.. (1987). Managing Public Policy. Boston: Little Brown. 10

Parsons, Wayne. (1995). Public Policy. Aldershot: Edward Elgar. 11

Heinrich, Carolyn J. & Laurence E. Lynn Jr.. (2000). Governance and Performance: New Perspectives. Washington: Georgetown University Press. Lynn, Laurence E., Carolyn J. Heinrich e Carolyn J. Hill. (2001). Improving Governance: A New Logic for Empirical Research. Washington: Georgetown University Press. 12

Kiser, Larry L. & Ostrom, Elinor. (1982). “The Three Worlds of Action: A Metatheoretical Synthesis of Institutional Approaches.” In Elinor Ostrom, ed., Strategies of Political Inquiry, pp. 179–222. Beverly Hills, CA: Sage Ostrom, Elionor. (2007). “Institutional Rational Choice: an assessment of the institutional analysis and development framework”, in Paul Sabatier (Ed.), Theories of the Policy Process. Boulder: Westview Press, pp. 3-17

52

Em relação aos níveis de ação, Hupe e Hill (2006, p. 22) referem a existência de três níveis de

governança no âmbito do processo de políticas públicas, nomeadamente:

a governança constitutiva, na qual se procede à definição das regras de funcionamento

e estruturação dos arranjos organizacionais de definição e provisão de políticas

públicas, ou seja, as regras de enquadramento dos dois outros níveis de governança;

a governança direcional, no âmbito da qual se definem quais os resultados e impactos

coletivamente desejados para a política pública, o que facilita as condições para a

concretização da mesma; e,

a governança operacional, que se relaciona com a gestão do processo de concretização

da política, propriamente dito.

De acordo com os autores, estes níveis de ação relacionam-se, respetivamente, com a

estrutura, o conteúdo e o processo de políticas públicas, corporizando, assim, aquilo que os

autores designam da ‘trindade da governança’: criar os contextos, definir uma direção e

concretizar as coisas (Hill & Hupe, 2009, p. 126).

Por sua vez, Hupe e Hill (2006, p. 23) referem que existem três escalas de ação,

nomeadamente o sistema político-administrativo, a organização e respetivas relações

interinstitucionais, e, por fim, o indivíduo.

No cruzamento entre os níveis de ação e as escalas de ação decorrerão um conjunto de

atividades, que vão desde o desenho institucional, o desenho das relações contextuais ou o

desenvolvimento de normas de ética profissional (governança constitutiva), à definição de

regras gerais, formulação de missões e definição de regras orientadores de situações de

trabalho (governança direcional), até à gestão de trajetórias, de relações e de contactos

(governança operacional) – veja-se figura seguinte.

53

Figura 5. Framework de Governança Múltipla

Nível de ação

Escala de ação

Governança Constitutiva

Governança Direcional Governança Operacional

Sistema Desenho institucional Definição de regras

gerais Gestão das trajetórias

Organização Desenho das relações

contextuais Formulação de missões Gestão das relações

Indivíduo Desenvolvimento das normas profissionais

Definição de regras orientadoras de

situações Gestão dos contactos

Fonte: conjugação de Hupe e Hill (2006, p. 23) e Hill e Hupe (2009, p. 128)

De acordo com os autores proponentes, esta framework, apesar de apresentar claras

semelhanças com a framework de Ostrom e seus associados, tem a vantagem de se focar no

conceito de ‘governança’ e, por conseguinte, no domínio das ações e nas bases da

Administração Pública, ao invés de se focar nas instituições no sentido tradicional legalista

em assunções microeconómicas (Hill & Hupe, 2009, p. 127).

Ao introduzir uma conceção mais aberta do processo de políticas públicas, com a inclusão da

lógica da ‘governança’, esta framework vai assim ao encontro das recentes tendências de

análise do processo de políticas públicas, as quais serão abordadas no próximo ponto deste

trabalho.

II-4. PRESENTE E FUTURO DO ESTUDO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Tal como foi possível observar ao longo do capítulo, o estudo do processo de políticas

públicas caracteriza-se por uma particular complexidade, a qual advém não apenas da

multidimensionalidade do seu objeto de estudo, mas também da profusão de estratégias

analíticas existentes.

54

No âmbito desta diversidade, destaca-se a existência de diferentes teorias que focam

distintas variáveis enquanto determinantes mais importantes na explicação da mudança e

estabilidade no processo de políticas públicas, nomeadamente instituições, grupos e redes,

fatores exógenos, atores individuais racionais e ideias (John, 2006, pp. 14-16). Muito embora

estas abordagens teóricas apresentem significativas diferenças entre si, importa referir que

as mesmas não são necessariamente incompatíveis, já que traduzem visões referentes a

diferentes níveis e enfoques de análise, sendo importante qualquer investigador explicitar

devidamente a abordagem utilizada, por forma a evitar ‘falsos debates teóricos’ (Knill &

Tosun, 2012, p. 287). Tal como referem Knill e Tosun (2012, p. 287), as abordagens com

enfoque nas ‘instituições’ e nos ‘interesses individuais’ demonstram, inclusivamente,

algumas complementaridades entre si, na medida em que a primeira é especialmente

adequada para a análise de padrões mais amplos de mudança nas políticas públicas, ao

passo que a última permite a compreensão de escolhas concretas.

A emergência de frameworks e teorias sintéticas que conjuguem diferentes abordagens

constitui-se como um exercício particularmente importante para o avanço da Ciência das

Políticas Públicas. As três frameworks alternativas referidas no ponto II-3 deste trabalho são,

de acordo com Ayres e Marsh (2013, p. 645), exemplo disso mesmo. Apesar desta

desejabilidade do estabelecimento de ligações entre diferentes abordagens, estes autores

referem, no entanto, que há que ter em atenção que tal esforço pode ser inviável, na

medida em que essas teorias têm princípios ontológicos subjacentes que nem sempre são

compatíveis entre si (Ayres & Marsh, 2013, p. 645).

As diferentes abordagens ontológicas têm, de facto, sido responsáveis por alguns dos

principais debates atuais na Ciência das Políticas Públicas, havendo uma clara disputa entre

positivistas e pós-positivistas. De acordo com Ayres e Marsh (2013, pp. 645-646), no centro

do debate entre estas duas correntes ontológicas está o ‘monismo metodológico’, ou seja, a

(in)desejabilidade da aproximação das Ciências Sociais relativamente às Ciências Naturais

em termos metodológicos – por um lado, a corrente positivista defende essa aproximação,

ao focar-se no teste de hipóteses, na utilização de métodos quantitativos e na estimação

estatística de modelos; por outro lado, a corrente pós-positivista advoga a diferenciação

metodológica, ao defender estratégias metodológicas qualitativas que permitam a

55

compreensão dos significados, visando proceder à análise das subjetividades, da

ambiguidade e das interpretações.

De acordo com deLeon e Martell (2006, p. 39), a disputa entre estas duas correntes tem

vindo a acentuar-se já que, muito embora o positivismo seja ainda a corrente dominante na

Ciência das Políticas Públicas, o designado pós-positivismo tem vindo a ganhar um crescente

espaço no cenário da disciplina. Tal como referem Fischer, Lin e Dryzek (apud deLeon e

Martell (2006, p. 40)), o pós-positivismo tem a vantagem de incorporar novos métodos sem

rejeitar os antigos e de reconstruir categorias inerentes ao contexto, ao invés de utilizar

noções gerais pré-concebidas sendo, portanto, mais adequada ao estudo de contextos

complexos. Em contrapartida, esta abordagem é criticada por estar imbuída de

ambiguidades e relativismos, criando, desta forma, mais problemas para o estudo e análise

de políticas públicas do que soluções (Lawlor (1996) apud deLeon e Martell (2006, p. 40)).

Ao debate entre positivismo e pós-positivismo que caracteriza, de certo modo, todas as

Ciências Sociais, aduz-se ainda a dificuldade de as Ciências Sociais, no geral, e a Ciência das

Políticas Públicas, em particular, terem não apenas objetivos de descrição e análise, mas

também objetivos de prescrição e transformação, dependendo da abordagem

epistemológica subjacente (Ayres & Marsh, 2013, pp. 645-646). Será importante recordar, a

este propósito, que Lasswell advogava, precisamente, a utilização do conhecimento

científico em prol de uma tomada de decisão política mais informada e esclarecida como um

dos princípios orientadores da designada ‘policy orientation’. No entanto, e como houve

oportunidade de explorar ao longo do capítulo, este apelo não terá sido muito bem

acolhido, tendo-se registado, aliás, a divisão da Ciência das Políticas Públicas em duas

correntes: por um lado, a ‘Análise das Políticas Públicas’, com objetivos mais preditivos e de

produção de conhecimento ‘para’ as políticas públicas; e, por outro lado, os ‘Estudos de

Políticas Públicas’, com objetivos mais descritivos e analíticos, através da produção de

conhecimento ‘sobre’ as políticas públicas (para maior detalhe sobre esta divisão, veja-se o

ponto II-2.2 deste capítulo). Deste modo, os apelos à orientação para os problemas que

estiveram na génese desta disciplina não terão sido cumpridos, nomeadamente porque “… a

‘oferta’ analítica não tem coincidido com a ‘procura’ da decisão política” (deLeon & Martell,

2006, p. 38).

56

Para além dos debates referidos, o presente e futuro da Ciência das Políticas Públicas é ainda

marcado pela constatação da crescente complexificação dos problemas e das estratégias de

governação pública (deLeon & Martell, 2006, p. 39). Face a estas constatações, têm-se

constituído como importantes tendências de investigação em políticas públicas o hibridismo

dos modelos, uma maior atenção atribuída aos fatores contextuais e aos indivíduos (Ayres &

Marsh, 2013, pp. 655-656), a par de uma maior atenção às questões da mudança e da

aprendizagem (Knill & Tosun, 2012, pp. 290-292). Será, pois, neste sentido que têm ganho

maior expressão o recurso às técnicas de análise participativas e de relacionamento em

rede, as quais abrem novas perspetivas de recurso à abordagem pós-positivista e de maior

aplicabilidade (deLeon & Martell, 2006, pp. 39-42; deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 531-533;

Ayres & Marsh, 2013). De igual modo, tem sido atribuída maior importância à emergência de

análises contextuais a partir de taxonomias contingenciais, bem como à combinação entre

diferentes abordagens teóricas e diferentes técnicas de investigação (Knill & Tosun, 2012,

pp. 283-290).

O apelo a uma maior tolerância teórica e empírica quanto às estratégias de investigação,

bem como a escolha da estratégia de acordo com o problema a investigar, constituem-se,

com efeito, como as principais invocações na Ciência das Políticas Públicas da atualidade

(Ayres & Marsh, 2013, p. 649). No entanto, permanece a dúvida sobre se o ecletismo

continuará a ser uma das principais características desta disciplina ou se, pelo contrário, a

direção futura será o desenvolvimento de um paradigma mais uniforme face à ainda

predominância do positivismo (Peters & Pierre, 2006, p. 8).

Face ao exposto, poder-se-á concluir que a Ciência das Políticas Públicas se encontra, na

atualidade, em processo de transição (deLeon & Martell, 2006, p. 43) e que, apesar dos

avanços que se têm registado desde a origem desta disciplina, permanecem muitos desafios

a ultrapassar (Knill & Tosun, 2012, p. 283). Como foi possível concluir, alguns desses desafios

prendem-se exatamente com o estudo dos fenómenos das redes de governança pública,

precisamente o tema central deste trabalho.

57

III. A CENTRALIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Tendo em atenção as primeiras versões da Framework Estagista e a sua lógica de problem-

solving, a implementação é habitualmente entendida como a fase do processo de

elaboração de políticas públicas na qual a burocracia aplica/ concretiza as políticas

anteriormente definidas pelos decisores políticos (Lasswell, 1971, pp. 28-29) (ver ponto II-

2.3 deste trabalho).

Muito embora esta conceção geral de Implementação seja genericamente verdadeira,

importa registar que a mesma pode incorporar um entendimento demasiado simplista. Por

um lado, será necessário assinalar que, muito embora as tarefas inerentes à implementação

sejam, em grande medida, asseguradas pelos diversos níveis (central, regional ou local) das

estruturas administrativas dos ministérios ou pelas estruturas dos governos regionais ou

locais em grande parte dos sistemas político-administrativos, tem-se verificado uma

tendência de transferência de competências para agências (semi)autónomas e para

organizações do setor privado e da sociedade civil (Knill & Tosun, 2012, p. 150) (para maior

detalhe, ver ponto IV-1). Além desta tendência, importa ainda ter em consideração a

crescente influência sobre a implementação dos próprios grupos-alvo, quer estes sejam

agentes económicos mais poderosos (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 163), ou os próprios

cidadãos, através de processos de coprodução de políticas públicas (Martin, 2003, pp. 191-

193; Callahan, 2007, pp. 157-158). Por outro lado, os Estudos de Implementação têm

concluído que a implementação não se resume à mera execução técnica dos objetivos

anteriormente definidos, na medida em que será comum que estes sofram algumas

adaptações e/ou especificações de operacionalização (Palumbo, 1987, p. 95).

“A implementação de políticas públicas é um dos aspetos mais difíceis do processo de políticas públicas (…) [e] é tão frustrante como fascinante. Fascinante porque (…) congrega diversos atores e forças que cooperam e se confrontam entre si para concretizar (…) os objetivos da política. Frustrante porque o seu processo tem-se demonstrado particularmente difícil de modelizar”.

(Birkland, 2001, p. 193)

58

Será, pois, neste sentido que se poderá referir que a implementação é uma das fases (ou

subprocessos) mais complexas do processo de elaboração de políticas públicas,

nomeadamente por ser provavelmente aquela que envolve maior multiplicidade de atores,

os quais nem sempre têm posições confluentes quanto às formas mais adequadas de intervir

para lidar com determinados problemas (Birkland, 2001, p. 193). Este desafio remete, assim,

para a necessidade de coordenação dos múltiplos atores envolvidos na implementação de

políticas públicas, tema central deste trabalho.

Muito embora a complexidade referida tenha funcionado como fator mobilizador de

atenção por parte de diversos académicos e profissionais, esta tem também contribuído

para dificultar a tarefa de modelização da implementação (Birkland, 2001, p. 193). A este

propósito, importa destacar que no âmbito da análise da implementação de políticas

públicas persiste, aliás, a ausência de uma teoria geral (Winter, 2003a, p. 206), alguma falta

de clareza conceptual (deLeon, 1999b, p. 314) e um enorme desacordo face às unidades e

estratégias de análise (Winter, 2003b, p. 212; Sætren, 2014, p. 85) – factos que têm

contribuído para alguma desmobilização face ao estudo da implementação nas últimas

décadas.

Não obstante a importância vital da implementação para que se consiga solucionar ou

minorar o problema social que motiva a criação de uma política pública, esta fase nem

sempre foi alvo de grande atenção. Com efeito, a atenção dedicada à implementação era

praticamente inexistente entre a década de 50 do séc. XX – período em que Lasswell terá

feito referência a esta fase no âmbito da proposição da framework estagista – e o início da

década de 70 do mesmo século (deLeon & deLeon, 2002, p. 468). Para esta ‘desatenção’,

contribuía, entre outros aspetos, a assunção de que a implementação não seria uma fase

crítica do processo de elaboração de políticas públicas, já que era entendida como a mera

execução técnica das decisões previamente formuladas (vide, inter alia, Pülzl e Treib (2007,

p. 89) e Hill e Hupe (2009, p. 43)). Além desta razão, deLeon e deLeon (2002, p. 469)

consideram que tal desatenção se poderia dever também à demasiada complexidade da

implementação e à consequente dificuldade de estudo.

59

Não obstante a desatenção à implementação que se verificou até à década de 70, será

importante ter em consideração que disciplinas como a Ciência da Administração, a Teoria

Organizacional, ou mesmo a Ciência Política, já se debruçariam, anteriormente, sobre temas

que viriam a figurar como objeto de análise dos Estudos de Implementação (Howlett,

Ramesh, & Perl, 2009, p. 163), ainda que com abordagens relativamente diferentes (Hill &

Hupe, 2009, p. 19).

A propósito da emergência dos Estudos de Implementação, Barrett (2004, pp. 250-251)

refere que o interesse pela fase da implementação terá surgido na sequência de

preocupações crescentes com a eficácia das políticas públicas registadas no final da década

de 60 e início da década de 70 do séc. XX, as quais terão dado origem a importantes

desenvolvimentos teóricos nas seguintes áreas: 1) análise de políticas públicas, preocupada

com o conteúdo das políticas públicas e o processo de tomada de decisão; 2) estudos de

avaliação, preocupados com os impactos (outcomes) das políticas, por forma a avaliar a

eficácia das mesmas; 3) estudos organizacionais: preocupados com o funcionamento das

organizações políticas e administrativas, produzindo prescrições para melhorar o

desempenho das mesmas.

Tal como refere Winter (2003a, p. 205), os primeiros Estudos de Implementação

propriamente ditos terão tido origem, exatamente, a partir de estudos de avaliação de

diversas políticas públicas, nomeadamente as do programa Great Society da administração

Johnson (1963-1969), tendo sido neste âmbito que surgiu, aliás, o livro ‘Implementation’, da

autoria de Pressman e Wildavsky, tido, por muitos, como a obra seminal dos Estudos de

Implementação. Na sequência daqueles estudos de avaliação, ter-se-á começado a

equacionar a hipótese de que as falhas na concretização dos efeitos perspetivados poderiam

estar relacionadas com a fase da execução, contrariando, assim, a interpretação clássica de

que os problemas advinham de um mau planeamento dos programas (Winter, 2003a, p.

205). Considerando-se, assim, que poderia ser problemático entender o ‘processo’ entre a

formulação de uma política pública e os impactos da mesma como um mero e quase

automático exercício administrativo, ter-se-á desenvolvido uma preocupação com o estudo

da implementação (Hill & Hupe, 2009, p. 42).

60

Perante a crescente importância atribuída ao processo da implementação, os Estudos de

Implementação terão registado uma grande expansão ao nível da produção científica

durante as décadas de 70 e 80 do séc. XX. Esse interesse viria, contudo, a esbater-se na

década seguinte (Barrett, 2004, p. 257), registando-se, inclusivamente, a desmobilização de

alguns académicos relativamente ao estudo da implementação (Sætren, 2005, p. 573), por

motivos diversos que serão explorados adiante. Alguns autores são, contudo, da opinião que

os Estudos de Implementação nunca terão estado verdadeiramente ‘fora de moda’, já que o

seu aparente desvanecimento se terá devido a uma redefinição das suas fronteiras

metodológicas e de objeto de estudo (Schofield & Sausman, 2004, pp. 236-237; O'Toole Jr.,

2004, p. 315; Barrett, 2004, p. 236).

Como se pode verificar pelo exposto, o campo de investigação dos Estudos de

Implementação tem vindo a sofrer diversas alterações ao longo das últimas décadas e, tal

como acontece com os Estudos de Políticas Públicas, comporta diversas abordagens teóricas

e metodológicas (Winter, 2003b, p. 212).

O capítulo que aqui se inicia pretende, precisamente, sistematizar algumas dessas diferenças

conceptuais, teóricas e metodológicas. Para tal, e após uma contextualização do que se

entende por implementação e qual o seu posicionamento no âmbito do processo de

elaboração de políticas, proceder-se-á a uma análise histórica e comparativa das várias

abordagens que compõem os Estudos de Implementação. Com base na apresentação dessa

descrição histórica e sistemática das ‘gerações de estudos’ que marcam o desenvolvimento

da Teoria da Implementação, prosseguir-se-á com uma análise crítica das principais

dissonâncias e consonâncias entre as diferentes gerações e/ou abordagens. Finalizar-se-á o

capítulo com uma reflexão sobre os principais desafios presentes e futuros que se

apresentam aos Estudos de Implementação e àqueles que a estes se dedicam.

61

III-1. O ESTUDO DA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS: COMPLEXIDADE CONCEPTUAL E MULTIPLICIDADE DE

ATORES

Tal como referido anteriormente, as primeiras referências à fase da implementação de

políticas públicas terão surgido na década de 50 do séc. XX no âmbito da proposição da

framework estagista (deLeon & deLeon, 2002, p. 468), a qual, apesar do seu valor heurístico,

tinha algumas limitações, tais como as assunções de uma clara separação entre as funções

política e administrativa, e da racionalidade da tomada de decisão (vide, inter alia, Hupe e

Hill (2006, pp. 15, 19), Sabatier (2007, p. 7) e Jann e Wegrich (2007, pp. 55-56)).

No respeitante à implementação, as limitações da framework estagista conduzem

frequentemente à ideia de que existe uma separação clara entre as atividades e os atores

envolvidos nas fases da formulação e da implementação de políticas, ao mesmo tempo que

é alimentada a conceção de que apenas os decisores políticos têm legitimidade para tomar

decisões e que os objetivos das políticas que estes formulam são claros e suportados em

teorias sólidas de mudança social (Nakamura, 1987, pp. 145-150). Será importante registar,

a este propósito, que os ideais da administração clássica que advogavam uma burocracia

neutra e apolítica e a separação politics-administration (defendidos, entre outros, por Max

Weber ou Woodrow Wilson) foram dominantes durante grande parte do séc. XX e mantêm

ainda uma forte expressão em diversos sistemas político-administrativos, muito embora

sejam alvo de críticas desde a década de 40, nomeadamente por autores como Robert

Merton ou Dwight Waldo (Bilhim, 2013, pp. 27-28). Merton (1940, pp. 560-566) refere, por

exemplo, que a aplicação da conceção weberiana de estrutura burocrática poderá

comportar mais-valias decorrentes da promoção da eficiência, mas que poderá também

comportar problemas diversos, tais como o excessivo apego às regras com as decorrentes

rigidez e incapacidade de adaptação, a excessiva ‘categorização’ dos grupos-alvo das

políticas, ou a criação de um ‘espírito de corpo’ autocentrado.

Desta feita, persistia no início da segunda metade do séc. XX a ideia de que a implementação

não seria problemática, já que era entendida como a simples execução, por parte dos

implementadores, dos objetivos formulados pelos decisores políticos de topo (Hudson &

Lowe, 2004, p. 204).

62

Esta conceção ‘estagista’ da implementação tem vindo, contudo, a ser contestada por alguns

Estudos de Implementação, os quais têm concluído que a tomada de decisão tende a não ser

um processo puramente racional e que os múltiplos agentes implementadores

desempenham uma influência considerável, quiçá decisiva, no processo de políticas públicas

(Palumbo & Calista, 1990, p. 4; Hudson & Lowe, 2004, p. 204). De facto, uma das grandes

conclusões dos Estudos de Implementação aponta para o facto de “a implementação de

políticas públicas est[ar] longe de ser uma atividade trivial [, já que] [e]nvolve múltiplos

atores localizados em diferentes (…) entidades que podem, ou não, ter as mesmas

preferências relativamente à forma como uma determinada política deve ser

implementada.” (Knill & Tosun, 2012, p. 151). Desta feita, os contextos de implementação

que envolvem múltiplos atores comportam sérios desafios ao nível de coordenação e

negociação interorganizacional (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 160).

Face a esta necessidade de negociação e coordenação, as recomendações de alguns Estudos

de Implementação apontam para a necessidade de não se ter em consideração apenas os

objetivos centralmente definidos, na medida em que os ‘desvios’ que estes sofrem ao longo

do processo não deverão ser considerados, necessariamente, perniciosos (Knill & Tosun,

2012, p. 151). Assim, os Estudos de Implementação têm demonstrado que o processo de

elaboração de políticas públicas (policy-making process) não termina com a formulação

(Parsons, 1995, p. 462), uma vez que a política pública pode ser redesenhada, redefinida ou

inclusivamente totalmente modificada no decurso da sua implementação (Hill & Hupe, 2009,

p. 7) – terá sido, neste sentido, que Anderson referiu que “a política pública é feita à medida

que é administrada e administrada à medida que é feita” (Anderson, 2006 (1975), p. 79).

Neste sentido, muito embora se reconheça que o processo de implementação pressupõe,

regra geral, a prévia formulação de uma política pública, considera-se necessário reforçar a

ideia de que não existem fronteiras claras e sequenciais entre as fases da formulação e

implementação. Será, pois, neste sentido que se tem advogado a utilização das expressões

‘policy formulation’ ou ‘policy formation’, em detrimento da expressão ‘policy-making’, para

fazer referência à fase que antecede a implementação, na medida em que os feedbacks

decorrentes das fases da implementação e da avaliação poderão realimentar e/ou

complementar a formulação original da política (Hill & Hupe, 2009, p. 8).

63

Para além de ser mais conforme com a realidade, esta abordagem mais ampla da

implementação tem também a vantagem de evitar conclusões precipitadas quanto ao

(in)sucesso da implementação. Com efeito, a análise da implementação com base na simples

aferição do nível de concretização de objetivos (goal achievement) tenderá a conduzir a

conclusões precipitadas de ‘implementation gap’ (Hill & Hupe, 2009, pp. 9-10),

nomeadamente, por não considerar os eventuais, e não necessariamente perniciosos,

‘desvios’ face aos objetivos inicialmente definidos.

De acordo com alguns autores (vide, inter alia, Winter (2003a, p. 206) e Hill e Hupe (2009, p.

137)), a comparação entre objetivos e resultados das políticas não é sequer uma forma

adequada para analisar a implementação, sobretudo porque os resultados e impactos

(outcomes) são também fortemente influenciados por fatores externos à intervenção. Para

Hill e Hupe (2009, p. 11), a análise dos resultados e impactos (outcomes) será, sobretudo, do

domínio dos Estudos de Avaliação de Políticas, os quais, apesar de terem algumas áreas de

sobreposição com os Estudos de Implementação, serão conceptualmente diferentes, tal

como se pode observar pela figura de seguida apresentada.

Figura 6. Diferenças entre Investigação em Implementação e Avaliação

Implementação Avaliação

Objeto

- Processo/ Comportamento

- Produtos (outputs)

- Resultados (outcomes)

- Relações causais

- Resultados (outcomes) / Ligações valorativas

Atividades

de

Investigação

- Descrição

- Explicação

- Desenho e teste de teoria

- Juízos analíticos

- Juízos de valor

Fonte: Hill e Hupe (2009, p. 12)

Muito embora esta conceção mais lata de implementação tenha cada vez mais defensores, o

‘cumprimento dos objetivos’ (goal achievement) tende a ser, ainda, a variável dependente

dominante (Winter, 2003a, p. 205), o que tem conduzido a que grande parte da investigação

em implementação se debruce sobre falhas (Fox, 1987, p. 128; Birkland, 2001, pp. 187-189).

64

De acordo com Fox (1987, p. 129), a persistente predominância do ‘cumprimento dos

objetivos’ enquanto variável dependente estará relacionada com o facto do modelo

‘racional-compreensivo’, ou clássico, da implementação ser “simples, claro e elegante”. Para

o autor (Fox, 1987, pp. 129-131), este enviesamento deve-se sobretudo a três aspetos: por

um lado, à ainda primazia da abordagem que defende a divisão politics-administration; por

outro lado, a expectativas demasiado elevadas, as quais tenderão a conduzir à desilusão dos

analistas face à dificuldade em implementar políticas que se debruçam sobre problemas

sociais profundos; e, por outro lado ainda, as análises demasiado estreitas, já que a

abordagem ‘racional compreensiva’ tende a não analisar aprofundadamente os efeitos das

políticas que estejam para além dos impactos mensuráveis.

Como é possível constatar pelo que foi exposto nesta secção, a análise da implementação é

particularmente complexa, tendo em conta os múltiplos atores envolvidos neste processo,

os próprios conceitos analíticos subjacentes, ou, ainda, os próprios padrões de aferição do

sucesso ou insucesso da implementação. Esta complexidade e ambiguidade será, quiçá, a

razão pela qual existe uma tão grande profusão de abordagens nos Estudos de

Implementação – temática que será abordada na secção que se segue.

III-2. GERAÇÕES DE ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO

A propósito da história dos Estudos de Implementação, S. Winter, um dos mais reputados

académicos neste domínio, refere que o campo de estudo da Implementação de Políticas

Públicas prima pela diversidade, por vezes concorrencial, de abordagens conceptuais,

metodológicas e teóricas (Winter, 2003b, p. 212; Sætren, 2014, p. 85). Não obstante esta

enorme diversidade, as diferentes abordagens poderão, ainda assim, ser agrupadas de

acordo com classificações que sistematizam a produção científica dos Estudos de

Implementação de acordo com diferentes critérios.

Uma das classificações mais comuns é a apresentada por Goggin et al (Goggin, 1986; Goggin,

Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990) e está relacionada com uma procura crescente pela

65

cientificidade nos Estudos de Implementação, nomeadamente através do desenvolvimento

de estratégias de investigação que permitissem a produção de teoria. Nesta classificação

distinguem-se: 1) uma primeira geração de estudos13 composta, na sua maioria, por estudos

de caso e sem grandes pretensões de produção de teoria generalizável; 2) uma segunda

geração de estudos, que revela maiores preocupações científicas ao debruçar-se sobre a

produção de quadros de análise (frameworks of analysis), e no seio da qual emergiu uma

clara oposição entre as abordagens top-down e bottom-up; 3) uma terceira geração de

estudos, no âmbito da qual se advogava a produção de análises sintetizadoras e

contingenciais das duas abordagens da geração anterior, bem como a produção de estudos

com amostras de larga dimensão, com vista a proceder à identificação do grau de relevância

das diversas variáveis em análise e à produção de teorias generalizáveis.

É precisamente esta classificação que irá nortear a primeira parte deste ponto do capítulo.

Seguir-se-á uma análise sistemática das diferentes gerações de estudo, de acordo com um

conjunto de critérios.

III-2.1. Evolução Histórica das Gerações de Estudos de Implementação

Como acima referido, esta parte do trabalho debruçar-se-á sobre a descrição das principais

características de cada uma das gerações de Estudos de Implementação – a primeira

geração, que se situa temporalmente no início da década de 70 do séc. XX, seguida da

segunda geração, que terá tido início em meados da década de 70 e desenvolvimento mais

sólido na década de 80, finalizando-se com a apresentação da terceira geração, a qual terá

sido proposta no final da década de 80.

13

Os quais alguns autores consideram apenas ‘estudos primórdios’ e, como tal, não passíveis de serem considerados como teoria.

66

III-2.1.1) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE PRIMEIRA GERAÇÃO OU ESTUDOS PRIMÓRDIOS

Tal como mencionado anteriormente, diversos autores (vide, inter alia, Birkland (2001, p.

178) Hudson e Lowe (2004, pp. 203-204) e Barrett (2004, p. 252)) referem que terão sido

realizados poucos estudos subordinados à temática da implementação até ao início da

década de 70 do séc. XX. Esta ideia é, aliás, expressa pelos próprios Pressman e Wildavsky

naquela que é considerada como a obra seminal dos Estudos de Implementação. No prefácio

da primeira edição do livro ‘Implementation’ (Pressman & Wildavsky, 1984 (1973), p. xxi), os

autores referiam que a implementação havia sido anteriormente “… muito discutida mas

raramente estudada [considerando, portanto, não haver] (…) literatura prévia para poder

tomar como orientadora”, referindo o estudo ‘New Towns in Town: why a federal program

failed’ (1972) de Martha Derthick como uma exceção a essa tendência.

De facto, muito embora diferentes disciplinas, tais como a Teoria Organizacional ou a Ciência

da Administração Pública, já se tivessem debruçado sobre temas que viriam a ser objeto de

análise dos Estudos de Implementação (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 163) – facto que

motivou Van Meter e Van Horn a criticarem Pressman e Wildavsky pelas afirmações acima

apresentadas –, importa referir que a larga maioria desses estudos não estaria diretamente

relacionada com a implementação de políticas (Hargrove (1983)14 apud Hill e Hupe (2009, p.

19)). Esta ideia é reforçada por Sætren (2005, pp. 569-570) que, através de uma análise

bibliométrica sobre a temática da implementação, dá conta da existência de

aproximadamente 30 livros e mais de 200 artigos com títulos contendo as palavras

‘implementation’ ou ‘implementing’ publicados antes de 1973, mas refere que a grande

maioria destes estudos não provinha de académicos das áreas da Ciência Política ou da

Administração Pública.

Perante tal contexto de escassez de referências teóricas, não será de estranhar que os

Estudos de Implementação da designada primeira geração – da qual as obras de Derthick

(publicada em 1972) e de Pressman e Wildavsky (publicada em 1973) são os exemplos mais

emblemáticos – se constituíssem como estudos de caso tipicamente exploratórios,

descritivos e indutivos (Goggin, 1986, p. 328; Winter, 2003b, p. 213; Sætren, 2014, pp. 87,

14

Hargrove, E. (1983). The search for implementation theory. In R. Zeckhauser e D. Leebaert, What Role for Government? Lessons from Policy Research (pp. 280-294). Durham: Duke University Press

67

89). É, portanto, neste sentido, que Goggin (1986, p. 328) refere que a “primeira geração de

estudos da implementação é constituída, na sua maior parte, por descrições detalhadas de

como uma única decisão foi executada....”.

Para além das características anteriormente mencionadas, Goggin (1986, p. 328) refere

ainda que a grande maioria dos Estudos de Implementação de primeira geração se

destacava também por um tom pessimista quanto à possibilidade da implementação ser

bem-sucedida, tendo em atenção a complexidade e a diversidade de atores que caracteriza

este processo. Exemplo disso é o estudo de Pressman e Wildavsky (1984 (1973), p. xx), no

âmbito do qual os autores concluem que o elevado número e diversidade de atores

envolvidos e a falta de coordenação entre os mesmos (que eles designam por ‘complexidade

da ação conjunta’) constituíam claras ameaças ao sucesso da implementação daquela

política. De acordo com Lester et al (1987, p. 201), este tom pessimista será igualmente

visível nas obras de Derthick (1972)15, Murphy (1973)16 e Bardach (1977)17. A este propósito,

importa referir que o conceito de ‘implementation deficit’ – termo introduzido por Pressman

e Wildavsky –, estaria associado ao ‘modelo racional’, na medida em que, segundo estes

autores, o estudo da implementação se deveria focar na análise das dificuldades de

prossecução dos objetivos centralmente definidos (Pressman & Wildavsky, 1984 (1973), pp.

xxii-xxiii).

Não obstante este tom negativista da maioria dos autores de primeira geração, será

importante assinalar que estes estudos terão sido responsáveis por terem alertado para a

complexidade da implementação de políticas e, por conseguinte, por terem despertado o

interesse pela análise da implementação por parte de académicos e profissionais (Schofield,

2001, p. 249; deLeon & deLeon, 2002, p. 469). Por sua vez, esta geração de Estudos de

Implementação será criticável, sobretudo, por não ter formulado modelos generalizáveis

(Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, p. 201; Birkland, 2001, p. 178), já que não

avançavam variáveis teóricas centrais (Winter, 2003b, p. 213). Será, pois, exatamente na

15

Derthick, M. (1972). New Towns in Town: why a federal program failed. Washington: Urban Institute. 16

Murphy, J. (1973). The education bureaucracies implement novel policy: The Politics of Title I of ESEA. In A. Sindler. Policy and politics in America. Bonston: Little Brown 17

Bardach, E. (1977). The implementation game: What happens after a bill becomes a law. Cambridge: MIT Press.

68

tentativa de suprir essa lacuna que terá surgido a designada segunda geração de Estudos de

Implementação, que irá ser abordada no próximo ponto.

III-2.1.2) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE SEGUNDA GERAÇÃO: O DESENHO DE FRAMEWORKS E O DEBATE

TOP-DOWN VS. BOTTOM-UP

Com um nível de sofisticação e consciência teórica muito maiores do que os Estudos de

Implementação de primeira geração (deLeon & deLeon, 2002, p. 469), a segunda geração de

Estudos de Implementação destaca-se pela produção de frameworks de análise que tinham

o objetivo de auxiliar na identificação dos fatores que facilitariam e dificultariam a

implementação (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, p. 202; Sætren, 2014, p. 90).

Com início nos finais da década de 70 do séc. XX e no início da década de 80, esta geração de

estudos é caracterizada por um largo debate entre as abordagens top-down e bottom-up, as

quais diferem em diversos aspetos, tais como os enfoques, os métodos de estudo, ou

mesmo as conceções de democracia subjacentes (Pülzl & Treib, 2007, pp. 93-95). Para que

se possa compreender melhor ambas as abordagens e as diferenças entre as mesmas,

proceder-se-á de seguida a uma descrição detalhada das suas características.

A) ABORDAGEM TOP-DOWN

Iniciada na segunda metade da década de 70 do séc. XX, a abordagem top-down dos Estudos

de Implementação segue, de certo modo, o legado dos Estudos de Implementação de

primeira geração, muito embora tentando introduzir um cunho de maior cientificidade ao

comportar uma maior estruturação analítica (Sabatier, 1986, pp. 21-22). Nesse sentido, esta

abordagem tem como principal base de análise o diploma legal e os objetivos tal como

formulados pelos decisores centrais (top), analisando, posteriormente, se as tarefas

desempenhadas pelos implementadores locais (bottom) são congruentes com as ditas

decisões (Birkland, 2001, p. 178; Schofield, 2001, p. 250). Tomando, assim, por base a

política pública tal como formulada pelos decisores públicos centrais, a abordagem top-

69

down analisa a implementação aferindo: a) em que medida as ações foram consistentes com

as decisões; b) em que medida os impactos foram consistentes com os objetivos; c) quais os

fatores que afetaram os produtos e os impactos; d) quão profunda terá sido a reformulação

da política (Sabatier, 1986, p. 22).

Encarando os desvios face aos objetivos centralmente definidos como disfuncionais

(Palumbo, 1987, p. 93), os defensores desta abordagem (os top-downers) debruçam-se

particularmente sobre as condições para atingir uma ‘implementação perfeita’ (conceito

cunhado pelo top-downer C. Hood) (Parsons, 1995, p. 465). Neste sentido, a abordagem top-

down adquire frequentemente um pendor prescritivo, já que um dos objetivos expressos da

análise será, não raras vezes, a provisão de aconselhamento aos decisores políticos

(Matland, 1995, p. 149).

Neste sentido, diversos top-downers ter-se-ão debruçado sobre o desenvolvimento e teste

de frameworks analíticas compostas por fatores, e clusters de fatores, determinantes para “a

concretização (ou não concretização) dos objetivos da política” (Lester, Bowman, Goggin, &

O'Toole, 1987, p. 202). Analisando as listas referidas por alguns dos mais proeminentes top-

downers (Van Meter & Van Horn, 1975; Hood, 1976; Gunn, 1978; Hogwood & Gunn, 1984),

identificam-se fatores como: obediência e controlo; clareza dos objetivos e dos standards;

comunicação e coordenação intra e interorganizacional perfeitas; a disponibilização

atempada e em quantidade suficiente de recursos; presença de uma linha de comando

única; e, estabilidade do ambiente externo.

Já ao nível da produção de frameworks, destacam-se, em primeiro lugar, Van Meter e Van

Horn (1975), que terão desenvolvido o primeiro esforço de sistematização de fatores que

contribuíam para o (in)sucesso da implementação. Para além desta, será ainda merecedora

de destaque a framework de Mazmanian e Sabatier, originalmente formulada em 198018, na

qual os autores referem a existência de três clusters de fatores (Mazmanian & Sabatier,

1989, p. 22): os relacionados com a ‘tractability’ do problema; os relacionados com a

capacidade de estruturar a implementação através de um documento estatutário; e, por fim,

18

Sabatier, P. & Mazmanian, D. (1980). The Implementation of Public Policy: A Framework of Analysis. Policy Studies Journal, 8(4), 538–560.

70

os relacionados com condições não relacionadas com o estatuto legal, nomeadamente

condições de contexto e comportamento dos implementadores. Já no que se refere aos

fatores propriamente ditos, poder-se-á referir que Mazmanian e Sabatier (1989, pp. 41-42)

seguem a mesma linha de raciocínio que outros top-downers e autores da primeira geração

de Estudos da Implementação, na medida em que se destacam os seguintes fatores

essenciais: 1) objetivos claros e consistentes; 2) teoria causal adequada; 3) estruturação legal

para promover o cumprimento dos implementadores e dos grupos-alvo; 4)

implementadores empenhados e competentes; 5) apoio dos grupos de interesse e dos

decisores soberanos ao longo de todo o processo; e, 6) um contexto socioeconómico cujas

mudanças não debilitem o apoio político ou a teoria causal subjacente à formulação da

política.

Designando a abordagem top-down por Modelo Instrumental no âmbito da sua abordagem

sintetizadora, Stoker (1989, pp. 32-33) terá referido que as principais características desta

abordagem seriam: entendimento da implementação como um meio de executar as

diretivas superiormente definidas; valorização da centralização da autoridade; separação

clara entre formulação e implementação; assunção de que a deficiente comunicação ou

distorção das intenções formuladas seriam os principais problemas da implementação e

consequente observação do desvio face aos objetivos centralmente definidos como

comportamento disfuncional e ilegítimo; valorização da conformidade (compliance) em

detrimento da cooperação. Neste contexto, Barrett (2004, p. 252) considera que, na

perspetiva dos top-downers, os principais problemas da implementação são: “1) a falta de

objetivos claros, deixando espaço para a interpretação diferencial e para a

discricionariedade na ação; 2) a multiplicidade de atores e agências envolvidos na

implementação, [gerando] problemas de comunicação e coordenação entre os ‘elos’ da

corrente; 3) diferenças de valores e de interesses entre atores e agências, [gerando]

problemas de perspetivas e prioridades divergentes que afetariam as interpretações quanto

à política e às motivações para a implementação; 4) a autonomia relativa das agências

implementadoras, [o que] limitaria o controlo administrativo”.

O argumento de que muitos destes ‘problemas’ dificilmente serão evitáveis e que não serão,

necessariamente, origem de uma implementação mal sucedida constitui-se, assim, como a

71

base das críticas apresentadas à abordagem top-down. De acordo com Matland (1995: 147-

148), a abordagem top-down será, frequentemente, alvo de três grandes críticas, as quais

estão relacionadas com: 1) a assunção da linguagem estatutária como ponto de partida e

como algo racional, desvalorizando, assim, o nível de negociação subjacente aos processos

de formulação dos diplomas legais; 2) o entendimento da implementação como um

processo administrativo de cumprimento de objetivos claros e libertos de qualquer disputa

política; 3) o enfoque exacerbado nos formuladores da política enquanto atores-chave, o

que representa, para os críticos desta abordagem, um duplo erro, não só porque os

implementadores locais estão na posse de maior conhecimento para darem resposta aos

problemas a intervencionar (erro normativo), mas também porque o poder discricionário

dos funcionários de base será inevitável (erro positivista). Para além destas críticas, Stoker

(1989, pp. 33-34) refere, ainda, que a abordagem top-down falha nos seguintes aspetos:

debruça-se mais sobre o processo de formulação do que na implementação propriamente

dita; tem um desejo irrealista de controlar o processo de implementação; considera que a

legitimidade do conflito entre atores está circunscrita ao processo de formulação.

Acrescente-se, por fim, o facto de a abordagem top-down presumir que a implementação

ocorre sempre com base numa cadeia hierárquica de um único universo organizacional, ao

mesmo tempo que delimita o contexto da implementação ao menosprezar frequentemente

variáveis exógenas e fluxos relacionais.

Muitas destas críticas apresentadas terão constituído a base da emergência da abordagem

bottom-up, cujas características serão apresentadas de seguida.

B) ABORDAGEM BOTTOM-UP

Surgida, igualmente, no final dos anos 70 e início dos anos 80 do séc. XX, a abordagem

bottom-up foi formulada como uma clara crítica às teorias top-down, advogando que os

Estudos da Implementação deveriam dedicar maior atenção às relações que os funcionários

de base estabelecem com os grupos-alvo das políticas, bem como à influência que os

contextos locais poderão exercer sobre a implementação (Matland, 1995, p. 148; Pülzl &

Treib, 2007, p. 92).

72

De acordo com os autores que defendem esta abordagem (os bottom-uppers), o que

realmente se constitui como política pública é, sobretudo, aquilo que se passa ao nível da

implementação local das políticas. A este propósito, refira-se Lipsky (1980, p. xii), por muitos

entendido como o pai desta abordagem, que defende que “as decisões dos street-level

bureaucrats, as rotinas que estes estabelecem, e as ferramentas que estes inventam para

lidar com as incertezas e pressões do trabalho, tornam-se efetivamente nas políticas

públicas que eles implementam”. Tendo, portanto, em atenção que estes agentes

desenvolvem as suas atividades num sistema complexo e que dispõem, frequentemente, de

um significativo grau de poder discricionário, poderá considerar-se que o sucesso ou

insucesso da intervenção dependerá, em larga medida, dos níveis de compromisso e de

competências destes atores (Pülzl & Treib, 2007, p. 93).

Para além desta questão relacionada com a influência que os funcionários de base poderão

ter na implementação de uma política, a abordagem bottom-up advoga, ainda, a enorme

relevância dos contextos locais e, por conseguinte, a necessidade de se atribuir maior

liberdade de adaptação dos programas e políticas públicas às condições locais, sob a pena de

os mesmos falharem (Matland, 1995, p. 148).

Rejeitando a ideia de que os implementadores têm de seguir os objetivos de forma rígida,

esta abordagem defende, portanto, que a análise da implementação deverá atribuir um

especial destaque às redes e atores locais envolvidos na política, sobretudo às relações entre

estes (Hjern & Porter, 1981, pp. 223-224; Hjern & Hull, 1982, pp. 107, 114). Na exploração

desta temática destacam-se os trabalhos de B. Hjern e seus associados (D. Porter, K. Hanf e

C. Hull), os quais foram influenciados pelos estudos sociológicos de organizações da década

de 70 do séc. XX que começavam a atribuir uma crescente atenção à dimensão

interorganizacional (Hjern & Hull, 1982, p. 111), tais como os de Hanf e Scharpf19, de Aldrich

(1986)20 e de Benson (1977)21 (Hill & Hupe, 2009, p. 53). No rol de trabalhos destes autores

sobre a temática das redes merece destaque um artigo de Hjern e Porter (1981, pp. 214,

218), no qual os autores advogam que a unidade de análise dos Estudos de Implementação

19

Hanf, K., & Scharpf, F. ((Eds) 1978). Interorganizational Policy Making: Limits to Coordination and Central Control. London: Sage. 20

Aldrich, H. (1976). “Resource dependency and inter-organizational relations: local employment service offices and social services setor organizations”. Administration and Society, 7 (4): 419-454. 21

Benson, J. K. (1977). “Organizations: a dialectical view”. Administrative Science Quarterly, 22 (1): 1-21.

73

não deverá ser a ‘organização’, mas antes as ‘estruturas de implementação’, ou seja, redes

constituídas por múltiplos atores organizadas em torno de um programa específico.

A temática da negociação entre atores no âmbito da implementação terá sido, por sua vez,

amplamente analisada por Barrett e Fudge, dois autores britânicos cujo trabalho terá sido

influenciado pela noção de ‘estruturas de implementação’ de Hjern e Porter (1981) e, tal

como aconteceu com estes últimos, por estudos no domínio da Teoria Organizacional (Hill &

Hupe, 2009, p. 54). Entre outras ideias, Barrett e Fudge (1981, p. 251) advogam na sua obra

‘Policy and Action’ que a ‘política’ (aqui entendida enquanto conjunto de objetivos

centralmente definidos) não deverá ser vista como uma constante, já que esta será

necessariamente modificada pela ‘ação’ ao nível da implementação. Ademais, os autores

defendem ainda que as atividades dos implementadores poderão ser ‘controladas’ pelos

decisores centrais, não apenas através de incentivos ou ameaças de sanções (postulado top-

downer), mas também através de mecanismos de negociação e compromisso, ou o que os

autores designam por ‘ordem negociada’22 – colocando, assim, a interação entre atores no

centro da análise (Barrett & Fudge, 1981, p. 21). Por fim, será importante evidenciar que

Barrett e Fudge (1981, pp. 21, 26) defendiam que os Estudos de Implementação deveriam

atribuir maior destaque ao desempenho (performance) em detrimento da conformidade

(conformance).

Tendo em atenção este interesse da abordagem bottom-up pelos contextos, atores e

dinâmicas locais, Hjern et al (vide, inter alia, Hjern e Hull (1982, p. 107)) terão ainda

desenvolvido uma metodologia que, ao invés de ter como base os objetivos centralmente

definidos e uma alegada unidade de comando (que designam de constitucionalismo formal),

sujeitava as unidades de análise a uma lógica indutiva de empiricismo (a que designa de

constitucionalismo empírico). Para tanto, os autores propunham uma abordagem

metodológica que se distinguia por começar por identificar os diversos atores intervenientes

no processo de implementação, inquirindo-os não apenas quanto aos objetivos pessoais e

organizacionais subjacentes às estratégias de implementação utilizadas, mas também

quanto às redes de contacto erigidas, o que permitiria mapear a estrutura de

22

A noção de ‘ordem negociada’ terá sido tomada de empréstimo da obra de Anselm Strauss “Negotiations: Varieties, Contexts, Processes and Social Order”, publicada em 1978.

74

implementação inerente à intervenção sobre um determinado problema (Hjern & Hull,

1982, p. 110). A propósito desta metodologia, importa ainda referir que estes autores

defendiam o recurso a uma estratégia fenomenológica, por forma a analisar os motivos para

a participação dos diferentes atores envolvidos nas estruturas de implementação, bem como

as suas estratégias de mobilização e utilização de recursos (Hjern & Porter, 1981, p. 221). De

acordo com a análise comparativa entre as abordagens top-down e bottom-up de Sabatier

(1986, pp. 33-34), esta metodologia tem a vantagem de aferir a importância relativa de uma

variedade de programas, de conseguir identificar um importante conjunto de consequências

inesperadas e de conseguir analisar domínios de políticas públicas com diversos programas.

Designando a abordagem bottom-up por Modelo de Acomodação na sua análise

sintetizadora, Stoker (1989, p. 34) terá referido que as principais características desta

abordagem seriam: a conceção do processo de implementação como uma arena política e

de relações de troca, ao invés de um simples cumprimento de objetivos superiormente

definidos; a valorização da autoridade difusa e do conhecimento particular e situacional; a

defesa da ideia de que a política pública evolui ao longo da implementação, daí que não faça

especial sentido conceber a separação estanque entre formulação e implementação; o

entendimento da incapacidade de acomodação das diferenças dos contextos locais e das

mudanças nas práticas, perspetivas e valores ou dos contextos locais, como os principais

problemas da implementação; a valorização da resolução de conflitos, em detrimento da

conformidade com os objetivos inicialmente definidos.

Muito embora reconhecendo diversas virtudes à abordagem bottom-up, nomeadamente à

metodologia desenvolvida por Hjern e seus colegas, Sabatier (1986, pp. 34-36) aponta

algumas críticas a esta abordagem, no geral, e à metodologia referida, em concreto,

nomeadamente: a não consideração da capacidade que o ‘centro’ tem em influenciar a

estrutura de implementação, quer seja por sanções, quer seja por poder decidir quais os

atores que têm legitimidade para participar na implementação; e, a incapacidade de

formulação de uma teoria explícita, já que, ao basear-se sobretudo em perceções dos

participantes, não consegue determinar que fatores influenciam indiretamente o

comportamento destes. Para além destas críticas, Matland (1995, p. 149) refere, ainda, que

esta abordagem é recorrentemente alvo de uma crítica normativa relacionada com a defesa

75

da provisão de autonomia e flexibilidade a atores não eleitos pelos cidadãos. Por sua vez,

Stoker (1989, pp. 36-37) acrescenta que a abordagem bottom-up poderá ser também

criticada por três razões: 1) por supor que os funcionários de base seriam, necessariamente,

agentes facilitadores e problem-solvers e não agentes de bloqueio de mudanças; 2) por não

ter ‘standards’ para avaliar as variáveis de desempenho dos implementadores; e, 3) por não

conseguir explicar porque é que é possível alcançar a cooperação entre atores em alguns

cenários e noutros não.

***

Tal como foi possível constatar, as abordagens top-down e bottom-up apresentam claras

diferenças quanto ao principal enfoque de análise, à variável dependente, à estratégia

metodológica, aos objetivos de análise e até à própria conceção de democracia – aspetos

que serão analisados no ponto III-2.2 deste trabalho.

Considerando as pronunciadas diferenças e que ambas as abordagens tendiam a ignorar-se

mutuamente (Palumbo, Introduction, 1987, p. 91; Winter, 2003b, p. 215) e a extremar

claramente as suas posições (Pülzl & Treib, 2007, p. 95), diversos autores terão optado por

abandonar o “campo estéril da disputa entre top-down/bottom-up (…) [procedendo à

elaboração] de algumas propostas de perspetivas sintetizadoras e contingenciais” (O'Toole

Jr., 2004, p. 315).

Para além destes problemas de cumulatividade face ao antagonismo das abordagens,

Goggin (1986, p. 329) considera que os estudos de segunda geração poderão ser igualmente

criticados por não terem sido capazes de estabelecer verdadeiros modelos causais. Assim, a

terceira geração de Estudos da Implementação revela preocupações de conciliar as

abordagens top-down e bottom-up através de perspetivas sintetizadoras ou contingenciais,

mas também de promoção teórica e metodológica. No ponto que se segue, são

apresentadas os principais autores e linhas orientadoras desta geração.

76

III-2.1.3) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE TERCEIRA GERAÇÃO OU TEORIAS HÍBRIDAS

Tal como anteriormente referido, em meados da década de 80 registavam-se diversas

críticas aos Estudos de Implementação, que posteriormente viriam a ser designados de

segunda geração. Tal como refere Palumbo (1987, p. 92) no artigo introdutório de um

simpósio inteiramente dedicado à temática da implementação, as críticas aos Estudos de

Implementação seriam, por essa altura, mais numerosas do que os elogios. De acordo com

este autor, havia na comunidade académica alguma desilusão quanto à enorme dificuldade

em lidar com a complexidade do estudo da implementação, bem como quanto aos parcos

resultados na produção de conhecimento quanto à forma de melhorar a implementação,

argumentando-se inclusivamente que se estaria apenas a repetir velhas verdades (Palumbo,

1987, p. 92).

De acordo com alguns autores que publicaram artigos no âmbito do simpósio referido (vide,

inter alia, Fox (1987, pp. 128-130) e Yanow (1987, pp. 107-108)), os Estudos de

Implementação realizados até então padeciam de alguns problemas decorrentes de um

forte enviesamento para a utilização da abordagem top-down, do modelo racional-

compreensivo e de uma orientação ontológica. Para estes autores, os problemas daí

decorrentes prendiam-se com a assunção de que apenas os atores políticos teriam

legitimidade para formular os objetivos e de que os eventuais desvios face a estes deveriam

ser entendidos como disfuncionalidades (Fox, 1987, pp. 128-130; Yanow, 1987, pp. 107-108).

Além disso, estes autores referem ainda que a as perspetivas até então dominantes tinham

o problema de não considerar a cultura, valores e história dos contextos de implementação

(Fox, 1987, pp. 128-130; Yanow, 1987, pp. 107-108).

Tal como referem Palumbo e Calista (1990, pp. 4-5), estes problemas advinham sobretudo

dos erros das assunções quanto à clara separação entre os processos de formulação e

implementação de políticas, em linha com a dicotomia politics-administration advogada por

W. Wilson no final do séc. XIX, e quanto à racionalidade e clareza da definição de problemas

e formulação de objetivos por parte dos atores políticos. Considerando que estes dois

pressupostos já há muito tempo vinham sendo criticados no âmbito do estudo das

organizações públicas, Denhardt considerou, em 1984, que “o estudo da implementação de

77

políticas representava uma regressão no estudo das organizações públicas…” (Denhardt,

(1984) 2000, p. 136).

Face aos problemas identificados, os autores acima referidos formularam algumas

propostas. Fox (1987, pp. 138-139) propôs, por exemplo, que não se julgasse o

comportamento dos implementadores apenas com base nos objetivos centralmente

definidos e que não se considerassem os desvios como necessariamente disfuncionais, que

não existisse uma concentração excessiva em desenhos de investigação positivistas e que se

atribuísse maior atenção às circunstâncias históricas dos fenómenos. Palumbo e Calista

(1990, pp. 14-15; Palumbo, 1987, p. 100) referiram, por sua vez, que seria necessário que se

assumisse a implementação como um processo político e em constante adaptação e que não

existisse uma separação clara entre os processos de formulação e implementação de

políticas. Já Yanow (1987, pp. 108-111) formulou uma proposta de uma abordagem cultural

ao estudo da implementação, no âmbito da qual defendia que se deveria atribuir maior

importância no estudo da implementação aos significados atribuídos pelos implementadores

às atividades, sendo, portanto, importante desenvolver uma abordagem analítica de radical

interpretativo.

Por outro lado, alguns autores defendiam que o principal problema da dita segunda geração

de Estudos de Implementação seria a falta de cumulatividade de saber e a inexistência de

proposição e teste de hipóteses e consequente formulação de teorias. Esta é exatamente a

posição defendida por Lester, Bowman, Goggin e O’Toole (1987, pp. 208-210) num artigo

publicado no âmbito daquele mesmo simpósio, no qual os autores defendem que os

principais problemas subjacentes aos Estudos de Implementação de primeira e segunda

geração estariam relacionados com três aspetos: 1) excessivo pluralismo teórico, ou seja, um

muito elevado número de variáveis em análise, as quais seriam, geralmente, apresentadas

como check-lists, não havendo preocupações de parcimónia ao identificar quais seriam as

mais importantes e em que condições; 2) natureza restrita da investigação em

implementação, que se revelava ao nível das restrições de análise no tempo, no número de

casos analisados e no número de tipologias de políticas em análise; 3) natureza não-

cumulativa da investigação, ou seja, pouca preocupação dos investigadores em integrarem

as indicações e ideias anteriormente desenvolvidas.

78

Para além destes problemas de carácter mais genérico, Goggin (1986, pp. 331-334)

identificou aquilo que o autor terá designado por problema dos “poucos casos para muitas

variáveis” (“too few cases/ too many variables”). Para este problema, o autor terá sugerido

que se utilizassem três estratégias: 1) diminuir o número de variáveis, quer ao nível das

variáveis independentes, quer ao nível das variáveis dependentes; 2) aumentar o número de

casos, quer através da adição de casos de diferentes locais, ou através de casos de diferentes

políticas; 3) selecionar casos com base na sua semelhança ou comparabilidade, por forma a

manter constante um conjunto de variáveis.

No sentido de ultrapassar estes problemas, Goggin et al (Goggin, 1986, pp. 335-342; Lester,

Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-213; Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr.,

1990, pp. 15-19) elaboraram ainda um conjunto de sugestões para os estudos de

implementação vindouros que se relacionavam com a clarificação das variáveis em análise e

das ‘variáveis cruciais’, a formulação e teste de hipóteses teoricamente fundamentadas, um

maior recurso a dados quantitativos e a técnica de análise estatística, ou ainda o

desenvolvimento de estudos comparativos (entre contextos e entre políticas) e

longitudinais.

Muito embora referindo a necessidade de se adotarem as sugestões acima descritas, o

próprio Goggin (1986, p. 334) terá reconhecido que seria difícil produzir teoria que

permitisse a identificação de variáveis de desempenho de implementação devido à

complexidade da unidade de análise, aos elevados custos na recolha dos mesmos, ou

mesmo à dificuldade de medir as variáveis independentes e dependentes – dificuldades que

haviam sido, e poderiam continuar a ser, responsáveis pela adoção de estratégias de análise

da implementação baseadas em estudos de caso ideográficos ou através da aplicação de

frameworks teóricas na interpretação dos casos.

Terá sido, portanto, na tentativa de promoção de Estudos de Implementação que

incorporassem as soluções propostas que Goggin et al (1990, pp. 15-19; Lester, Bowman,

Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-213) propuseram uma terceira geração de Estudos de

Implementação, a qual deveria ter a preocupação de acolher a diversidade metodológica e

de construir e testar teoria.

79

Neste sentido, foi desenvolvido desde o final da década de 80 do séc. XX um conjunto de

estudos que ultrapassaram, de certo modo, a disputa estéril entre as abordagens top-down

e bottom-up, ao prosseguirem abordagens sintetizadoras e contingenciais (O'Toole Jr., 2004,

p. 315).

Por um lado, os estudos contingenciais destacam-se por abandonar a ideia de uma

estratégia ‘ideal’ de implementação, já que defendem que diferentes condições de contexto

requerem diferentes estratégias de implementação (deLeon & deLeon, 2002, p. 471).

Incluem-se nesse grupo, entre outros, os estudos de Ripley e Franklin (1982) e de Matland

(1995).

Ripley e Franklin (1982) consideram que os níveis de conflito e de interferência externa ao

sistema político-administrativo no âmbito do processo de implementação diferem

consoante o tipo de políticas públicas. Para tal, analisam estes parâmetros dos processos de

implementação de acordo com uma tipologia de políticas, inspirada na de Lowi (1972), que

distingue quatro tipos de políticas: políticas redistributivas; políticas distributivas; ‘políticas

reguladoras de competição’; e, ‘políticas reguladoras de proteção’. Muito embora esta

tipologia comungue dos mesmos problemas que a de Lowi quanto à dificuldade de

classificação de algumas políticas, esta formulação de Ripley e Franklin tem a mais-valia de

enfatizar que o sucesso da implementação de uma política também poderá ser afetado por

fatores como o grau de estabilidade dos atores envolvidos, o grau de conflito e de oposição,

ou o grau de debate ideológico em torno da político (veja-se figura seguinte). Por exemplo, a

partir da formulação de Ripley e Franklin é possível concluir que as ‘políticas redistributivas’

e as ‘políticas reguladoras de proteção’ tenderão a ter uma implementação mais difícil, na

medida em que são geralmente geradoras de maior conflito entre grupos e de um elevado

nível de debate ideológico, sobretudo em torno do nível e do tipo de intervenção estatal.

80

Figura 7. Impacto dos Tipos de Políticas Públicas na Implementação por Ripley e Franklin

Tip

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olít

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Pro

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Esta

tal

Distributiva Elevada Elevado Baixo Baixo Baixo Baixo

Reguladora de Competição

Moderada Baixo Moderado Moderado Moderado a Elevado

Moderado a Elevado

Reguladora de Proteção

Baixa Baixo Elevado Elevado Elevado Elevado

Redistributiva Baixa Elevado Elevado Elevado Muito

Elevado Elevado

Fonte: Hill e Hupe (2009, p. 77), adaptado de Ripley e Franklin (1982, p. 193)

Igualmente empreendendo um exercício contingencial, Matland (1995, p. 153) critica os

Estudos de Implementação de primeira e segunda geração por utilizarem demasiadas

variáveis-chave, referindo ainda que a literatura da implementação necessitaria de estrutura

e de estudar “as condições nas quais estas variáveis são importantes e as razões porque

deveremos esperar que sejam importantes”. Assim, em alternativa a um modelo sintetizador

das abordagens top-down e bottom-up, Matland (1995, pp. 154-155) considera mais

pertinente o desenho de um modelo que explique as condições em que cada abordagem

será mais adequada. Para tal, o autor (Matland, 1995, pp. 156-159) focou-se em dois fatores

que considerava serem características inerentes e inevitáveis de uma política pública:

por um lado, o nível de ‘ambiguidade’ quanto aos objetivos e recursos, o qual influencia a

capacidade de monitorização da política pelos atores do topo, a probabilidade de

compreensão uniforme da política em diferentes contextos de implementação, a

probabilidade de maior impacto dos fatores contextuais locais, ou ainda a diversidade

de stakeholders envolvidos entre diferentes contextos;

por outro lado, o nível de ‘conflito’ no que se refere às visões e interesses de diferentes

stakeholders, o qual produz efeito sobre a facilidade de acesso ao processo de

81

implementação e sobre os tipos de ações de resolução de conflitos (negociação vs.

coerção).

Tendo em atenção estas duas variáveis, Matland (1995, pp. 160-170) elaborou uma matriz

2X2 (ver figura seguinte), na qual refere quatro situações:

- as políticas públicas que sejam claras e em que exista pouco conflito, tendem a ter um

processo de implementação de carácter administrativo e em que os decisores de topo

têm maior nível de influência, daí que a abordagem top-down tradicional seja mais

adequada;

- as políticas públicas que tenham elevado nível de ambiguidade de objetivos mas que

tenham pouco conflito quanto aos objetivos e interesses envolvidos, tendem a ter

processos de implementação de natureza experimental e em que micro-

implementadores tenham maior poder e as variações entre locais sejam geralmente

incentivadas, pelo que a abordagem bottom-up seria a mais adequada;

- as políticas públicas que tenham elevados níveis de conflito mas com níveis de

ambiguidade reduzidos, tendem a ter um processo de implementação de natureza

política, no qual o acesso e a provisão de recursos estarão envoltos numa atmosfera

politizada, revelando-se os novos modelos top-down como mais adequados;

- as políticas públicas que têm elevados níveis de ambiguidade e conflito tendem a ter

processos de implementação de caráter simbólico e em que os atores locais

desempenham papéis bastante relevantes, mas em que existe uma elevada carga

política, pelo que ambas as abordagens são adequadas à análise.

82

Figura 8. Matriz Ambiguidade-Conflito: Processos de Implementação de Políticas

CONFLITO

Reduzido Elevado A

MB

IGU

IDA

DE

Red

uzi

da Implementação Administrativa

Resultados determinados pelos recursos

Implementação Política

Resultados determinados pelo

poder

Elev

ada

Implementação Experimental

Resultados determinados pelas condições contextuais

Implementação Simbólica

Resultados determinados pela

força da coligação

Fonte: Matland (1995, p. 160)

Do lado dos sintetizadores, situam-se entre os primeiros autores: Elmore (1985), também

considerado bottom-upper, que advogava a utilização de métodos mistos (conjugação das

abordagens ‘backward mapping’ e ‘forward mapping’); o top-downer Sabatier (1986, pp. 38-

39) que, após analisar as vantagens comparativas das abordagens top-down e bottom-up, as

conjugava na advocacy coalition framework. Sem deixar de se concentrar nos decisores de

topo, se dedica ao estudo das redes ao nível dos subsistemas. No entanto, os estudos que

mais se destacam no âmbito dos estudos sintetizadores são o ‘Modelo de Comunicação de

Implementação Intergovernamental de Políticas’ desenvolvido por M. Goggin e seus

associados J. Lester, A. Bowman e L. O’Toole (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987;

Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990), a ‘Framework de Regimes de Implementação’

de R. Stoker (1989) e, por fim, o ‘Modelo Integrado de Implementação’ de S. Winter (1990).

Começando a análise pelo Modelo de Goggin e seus associados, importa, desde logo, referir

que este tem o objetivo de compreender as dinâmicas da implementação

intergovernamental americana que, recorde-se, tem 3 níveis governativos – federal,

estadual e local. Dirigindo especial atenção ao nível estadual, Goggin e seus associados

consideram que a implementação neste nível é influenciada por 3 conjuntos de variáveis:

estímulos e constrangimentos do ‘topo’ (nível federal); estímulos e constrangimentos da

‘base’ (nível local); resultados decisórios e a capacidade estadual (ver figura seguinte).

83

Figura 9. Modelo de Comunicação de Implementação Intergovernamental de Políticas’

Fonte: Goggin, Bowman, Lester e O’Toole (1990, p. 32)

No que concerne à variável dependente desta framework, os autores consideram que a

implementação deverá ser entendida como um processo e que a noção de cumprimento

(compliance) dos objetivos estabelecidos na lei deverá ser a base da análise da

implementação (Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990, p. 34). Na aferição deste

cumprimento, Goggin et al (1990, p. 173) terão utilizado um continuum com 4 gradações:

‘desobediência imediata’ (outright defiance); ‘atraso’ (delay); ‘atraso estratégico’ (strategic

delay) e ‘cumprimento’ (compliance).

84

Por sua vez, Goggin et al (1990, pp. 174-186) consideram que o cumprimento dos objetivos

estabelecidos na lei de forma imediata e sem modificações ao nível estadual estará

dependente de um conjunto de fatores, ou variáveis independentes, nomeadamente:

as ‘mensagens’ federais serem: a) acompanhadas por recursos; b) credíveis enquanto

soluções viáveis para o problema; c) claras; d) consistentes com outras políticas; e)

frequentemente repetidas; f) efetivamente recebidas; g) proferidas por decisores federais

percecionados como possuidores de legitimidade e credibilidade;

as ‘mensagens’ provenientes de atores estaduais e locais cumprirem os mesmos critérios

que as mensagens federais e existirem, ao nível estadual, coligações alargadas, fortes e

apoiantes da política e os órgãos legislativos estaduais apoiarem essa política;

existir capacidade organizacional, expressa através de um reduzido número de unidades

organizacionais envolvidas no processo de implementação e de uma significativa

quantidade de recursos humanos e financeiros alocados à política;

existir capacidade ecológica, revelada através de disponibilidade de recursos financeiros e

de estabilidade política ao nível estadual e da saliência pública e mediática do problema.

Por fim, será necessário referir ainda um grupo de variáveis relacionado com o designado

feedback, o qual resulta do processo de implementação e influencia os ‘estímulos e

constrangimentos’ do topo’ e das ‘bases’. De acordo com os autores (Goggin, Bowman,

Lester, & O’Toole Jr., 1990, p. 186), a probabilidade dos decisores acolherem os feedbacks

será tanto maior, quanto maior for: a) a legitimidade, credibilidade e capacidade dos

implementadores; b) a experiência e competência coletiva da organização implementadora;

c) a clareza, a consistência e a credibilidade da mensagem; d) a personalização dos canais de

comunicação usados; e) a proximidade política e ideológica entre o decisor e o

implementador; f) o conhecimento do decisor quanto à política pública, a sua experiência

política e a competitividade do seu contexto político.

Como foi possível observar, o ‘Modelo de Comunicação de Implementação

Intergovernamental de Políticas’ incorpora um conjunto de hipóteses passíveis de teste

85

sobre os fatores que facilitam e constrangem a comunicação entre os diferentes níveis de

atores intervenientes na implementação.

Não obstante ter sido reconhecida como uma tentativa cuidadosa e elaborada de

formulação de uma framework científica para os Estudos de Implementação, esta poderá ser

alvo de críticas por se concentrar num aspeto particular da implementação, a comunicação

entre níveis, e pela dificuldade de manuseamento de um tão elevado número de variáveis

(Hill & Hupe, 2009, p. 65).

Dedicando-se, igualmente, às questões dos desafios da implementação de políticas públicas

em contextos federais, R. Stoker (1989) apresenta uma framework que incorpora também

aportações das abordagens top-down e bottom-up, ou daquilo que o autor designa,

respetivamente, por Modelo Instrumental e Modelo de Acomodação. Stoker (1989, p. 29)

considera, aliás, que o próprio sistema de governação federal será uma tentativa de superar

uma disputa entre o valor da liderança central (valorizado por questões de escala, partilha

de risco e coordenação) e o valor da autoridade de implementação difusa (incentivado como

forma de evitar a centralização e de tornar as políticas mais ajustadas aos contextos e

problemas locais).

Da análise da framework de Stoker (1989, p. 31) é possível constatar, desde logo, que a

cooperação entre atores e níveis ocupa especial destaque, já que o autor considera que “a

principal tarefa da implementação seria criar o contexto no qual os participantes estivessem

dispostos a cooperar para concretizarem os objetivos da política apesar da ausência de uma

autoridade dominante.”. Desta feita, esta framework contraria a abordagem top-down que

valoriza o cumprimento em detrimento da cooperação, apresentando, assim, maiores

semelhanças com a abordagem bottom-up, ao atribuir particular atenção ao dinamismo do

próprio processo (Stoker R. , 1989, pp. 31, 38). De acordo com Stoker (1989, pp. 38-39), este

carácter dinâmico do processo de implementação reflete-se em duas tendências que se

revelam com o desenrolar do tempo (veja-se figura seguinte):

a diminuição do custo/risco de cooperação ao longo do processo, já que, após um período

inicial em que os atores adotam uma postura de desconfiança para evitar

comportamentos abusivos, as relações de confiança começam a desenvolver-se por

86

força do historial de interações que torna o comportamento mais previsível e reduz o

risco de ‘exploração’;

o aumento do custo/risco de abandono por parte dos atores intervenientes ao longo do

processo, já que, após um período em que o habitual elevado turnover de atores inicial

não comporta problemas por ainda não estar criado um grupo coeso de elementos,

segue-se uma fase em que o grupo já está coeso e em que a perda de um parceiro

significa uma maior perda.

Figura 10. Mudança no Processo de Implementação ao Longo do Tempo, por R. Stoker

Fonte: Stoker (1989, p. 39); Nota (da fonte original): estas são linhas de tendência, as quais não devem ser, por isso, assumidas como procurando um ponto de equilíbrio

Considerando estas duas dinâmicas de evolução ao longo do processo, Stoker (1989, p. 39)

refere que as expectativas de bom desempenho deverão ser menores no início do processo

de implementação, já que, à medida que o tempo for passando e o regime de

implementação se for desenvolvendo, a cooperação e a adaptação mútua tornar-se-ão mais

prováveis. A propósito destas dinâmicas, Stoker (1989, pp. 40-41) menciona, ainda, que a

87

complexidade e a elevada multiplicidade de atores tende a dificultar os processos de

implementação, já que se torna mais difícil identificar e reconhecer os interesses dos

restantes parceiros, coordenar os atores em torno de um interesse comum e monitorizar os

diferentes participantes. Muito embora esta última ideia vá, de certo modo, ao encontro do

que é defendido pelos top-downers, Stoker (1989, p. 45) afirma que a complexidade não

deverá ser encarada como uma necessária perda de eficácia, já que esta pode servir

propósitos como a proteção da representação de interesses ou do abuso de poder da parte

dos atores centrais.

Como se pode observar pela exposição apresentada, apesar de ambas as frameworks se

proporem a proceder a uma conjugação das abordagens top-down e bottom-up na análise

das relações entre atores em regimes federais, é possível constatar que ambas apresentam

uma clara identificação com uma das abordagens da segunda geração dos Estudos de

Implementação. Na sua comparação entre as duas frameworks, Cline (2000, p. 551) terá

chegado a essa mesma conclusão, referindo que “a forma como se define o problema da

implementação molda, quer a análise dos assuntos chave no processo, quer as

recomendações que resultam dessa análise”. No âmbito desta comparação entre o Modelo

Comunicacional (CM) e a Framework de Regimes de Implementação (IRF), a qual se terá

baseado em diferentes critérios (entre outros, o papel da comunicação, o nível de

conflito/cooperação no processo e a aplicabilidade ao conceito das redes), Cline (2000, pp.

558-567) identifica as seguintes diferenças:

- Ao nível do papel da comunicação, o CM concebe a comunicação como forma de

aumentar a eficácia da implementação e os programas formais como os modos mais

eficazes de comunicação, ao passo que a IRF encara a comunicação como um

solucionador de conflitos que contribui para construir confiança e desenvolver

cooperação a longo prazo e concebe a comunicação face-a-face como a mais proveitosa

forma de comunicação;

- No que se refere ao conflito, o CM conceptualiza o conflito como um problema de gestão

organizacional, que poderá ser dirimido através da formulação e do desenho da política,

ao mesmo tempo que aborda qualquer tipo de negociação ou discussão política como

88

ilegítima, ao passo que a IRF concebe o conflito como um processo legítimo, já que o

mesmo é encarado como pertencendo a um contexto social e político mais amplo,

encarando a cooperação como forma de resolução do conflito;

- Em relação à aplicabilidade ao contexto de redes, o CM adota uma visão instrumental dos

contextos de implementação em rede, já que continua a advogar a presença de um ator

‘dirigente’ (neste caso, os formuladores federais), ao passo que a IRF assume a

implementação como um processo de cooperação com autoridade dispersa e em que a

eventual institucionalização ocorre através de regras e normas.

Perante esta análise comparativa, Cline (2000, p. 568) conclui que a framework de Stoker

será mais adequada para analisar os contextos de implementação multiatores.

Para além das duas frameworks acima referidas, destaca-se ainda no âmbito da Terceira

Geração de Estudos de Implementação a framework apresentada por Winter (ver figura

seguinte), cujo propósito “não é estabelecer uma verdadeira síntese entre as abordagens

top-down e bottom-up, mas sim integrar um conjunto dos elementos teóricos mais frutíferos

a partir de várias peças de investigação de implementação…” (Winter, 2003b, p. 216). Esta

framework foi originalmente formulada em 1990 (Winter, 1990), sendo atualmente

considerada como uma das mais completas e integradoras do campo de estudo da

implementação, o que se comprova por ter constituído a base de uma secção do ‘Sage

Handbook of Public Administration’ (editado por Peters e Pierre em 2003 e em 2012)

dedicada exclusivamente ao tema da implementação (Winter, 2003a; 2003b).

89

Figura 11. Modelo Integrado de Implementação de Winter

Fonte: Winter (2003a, p. 207)

No âmbito da formulação desta framework, Winter (2003a, p. 208; 2003b, p. 217) destaca,

entre outros aspetos, que as variáveis dependentes mais adequadas para os Estudos de

Implementação não seriam o mero ‘cumprimento dos objetivos’ nem mesmo o impacto das

políticas, mas sim os produtos diretos do desempenho dos implementadores (outputs) e os

impactos no comportamento dos grupos-alvo (outcomes)23. A este propósito, Winter

(2003b, p. 218) refere que esta abordagem implica um esforço para tentar conceptualizar e

categorizar o desempenho dos implementadores ao nível da organização e dos

trabalhadores individualmente, bem como um esforço para tentar identificar conceitos e

categorias que sejam transversais a um maior número possível de contextos, sendo, para tal,

23

Num dos mais conceituados manuais sobre implementação de políticas públicas da atualidade, Hill e Hupe (2009, p. 139) referem explicitamente a sua concordância com Winter a propósito desta questão da variável dependente.

90

útil utilizar as grandes tipologias de políticas públicas. Para tanto, o autor considera que os

Estudos de Implementação deverão procurar inspiração nos estudos da teoria da Política

Burocrática e da Teoria Organizacional, os quais têm uma longa tradição no estudo do

comportamento das organizações e dos burocratas (Winter, 2003b, p. 219).

Já em relação às variáveis independentes, Winter (2003a, pp. 208-209) destaca diversos

grupos de variáveis24 que podem influenciar, positiva ou negativamente, os processos de

implementação, nomeadamente:

Os processos de formulação e desenho das políticas, nomeadamente porque uma

elevada conflitualidade no decorrer destes processos pode gerar falta de clareza nos

objetivos das políticas ou uma fraca coerência entre os objetivos e os meios

disponibilizados;

O comportamento organizacional e interorganizacional, nomeadamente porque cenários

de implementação que envolvam necessariamente vários atores requerem um elevado

grau de compromisso e coordenação entre atores;

Os comportamentos dos funcionários do terreno (street-level bureaucrats), na medida em

que as estratégias que esses indivíduos adotam para lidar com as pressões inerentes aos

processos de disponibilização de bens e serviços (geralmente, muitas requisições e

poucos recursos) pode conduzir a alterações da política face ao estabelecido

estatutariamente;

O comportamento dos grupos-alvo, já que as atitudes de maior ou menor resistência à

mudança destes grupos (sejam eles, cidadãos ou organizações) condicionam geralmente

a atuação dos funcionários do terreno;

O contexto socioeconómico, na medida em que fatores como a riqueza disponível num

determinado contexto territorial ou a estabilidade do sistema político influenciam

claramente o contexto no qual as políticas são formuladas e implementadas.

24

Os grupos de variáveis destacados por Winter no âmbito da sua framework são praticamente os mesmos que os apresentados por Hill e Hupe (2009, pp. 139-156) no seu manual sobre implementação.

91

O feedback, na medida em que a análise dos processos de implementação e dos seus

resultados e impactos pode dar origem a processos de aprendizagem e consequentes

processos de reformulação e/ou reajuste da implementação.

Não obstante a formulação destas e de outras frameworks sintetizadoras e contingenciais e

das respetivas recomendações para a produção de Estudos de Implementação com um

carácter científico reforçado no âmbito da terceira geração de Estudos de Implementação,

alguns dos problemas da segunda geração de estudos mantiveram-se. Neste contexto,

O’Toole (2004, p. 310) refere que, apesar do enorme esforço de produção de síntese, esta

nova geração não terá sido capaz de prosseguir consensos e terá continuado a lidar ainda

com demasiadas variáveis, não tendo sido capaz de formular recomendações ajustadas. A

este propósito deLeon (1999b, p. 313) referiu que os Estudos de Implementação, tal como

vinham sendo realizados, haviam atingido um ‘beco sem saída’.

Muito embora O’Toole (2000, p. 267) se tenha demonstrado desanimado quanto à evolução

que os Estudos de Implementação estariam a ter por não se prever, quer um consenso

teórico, quer uma explicação ‘simplificadora’, o autor ter-se-á oposto a deLeon,

argumentando que o (suposto) ‘beco sem saída’ se deveria à reconceptualização do campo

de estudo da implementação. De acordo com o autor (O'Toole Jr., 2000, p. 267), o enfoque

tradicional terá sido substituído por um enfoque nas relações de governança e na gestão de

redes (Schofield & Sausman, 2004, pp. 236-237; O'Toole Jr., 2004, p. 315; Barrett, 2004, p.

236).

Como se pode constatar, a terceira geração de Estudos de Implementação não conseguiu

produzir a desejada síntese entre as abordagens da segunda geração, o que terá conduzido a

que muitos académicos deixassem de se dedicar a este campo de investigação e se tivessem

dedicado a outras áreas científicas. Esta procura pela síntese é, no entanto, entendida por

muitos como inatingível e até infrutífera, na medida em que as abordagens top-down e

bottom-up apresentam diferenças bastante profundas, nomeadamente até ao nível dos seus

metapropósitos, o que faz com que a adoção de perspetivas contingenciais seja considerada

mais adequada.

92

Neste sentido, no próximo ponto deste trabalho proceder-se-á a uma síntese das principais

diferenças entre as abordagens top-down e bottom-up e explorar-se-á as condições em que

cada uma destas se revela mais adequada.

III-2.2. Análise Comparativa das Gerações dos Estudos de Implementação

Não obstante o investimento já produzido no âmbito dos Estudos de Implementação, o

processo de implementação de políticas públicas tem vindo a ser analisado de acordo com

numerosas perspetivas, cada uma delas incorporando diferentes estratégias de pesquisa,

padrões de análise, conceitos, enfoques e metodologias (Winter, 2003b, p. 212; Sætren,

2014, pp. 85-86). Neste contexto, as abordagens top-down e bottom-up emergem como

representativas daquelas divergências, consolidando, em seu torno, grande parte do acervo

de pesquisa desenvolvido a propósito da temática da implementação. Recorde-se, a este

propósito, que a abordagem top-down segue o legado da primeira geração de Estudos de

Implementação e que a terceira geração de estudos, apesar de pretender contornar o

debate ‘estéril’ entre as abordagens top-down e bottom-up, se baseia nestas duas

abordagens através de perspetivas sintetizadoras ou contingenciais.

Com o propósito de proceder a uma revisão crítica das diferentes abordagens teórico-

conceptuais, metodológicas e normativas presentes na Teoria da Implementação, apresenta-

se de seguida uma sistematização comparativa sobre a correspondente produção científica.

Começar-se-á com a análise das diferentes perspetivas conceptuais, prosseguir-se-á com a

análise dos diferentes locus, objetivos e estratégias metodológicas de análise, a que se

seguirá a apresentação das diferenças quanto às conceções epistemológicas e ontológicas.

Finalizar-se-á com a apresentação de um quadro síntese desta análise.

93

III-2.2.1) DIFERENÇAS QUANTO ÀS PERSPETIVAS CONCEPTUAIS DE IMPLEMENTAÇÃO E ENQUADRAMENTO NO

ÂMBITO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Tal como foi possível observar ao longo do ponto III-2.1, muita da complexidade subjacente

ao campo de estudo da implementação provém, desde logo, da falta de clareza quanto ao

conceito de implementação (May, 199925 apud Winter, 2003a: 207).

Com efeito, existe uma clara oposição entre a tradicional compreensão da implementação

enquanto execução, administrativa e neutra, de decisões centralmente definidas (que colhe

inspiração na conceção tradicional de administração pública) e uma abordagem 'adaptativa’

e ‘interativa’ da implementação (Mazmanian & Sabatier, 1989, p. 7). Como exemplo da

primeira conceção, poder-se-á referir a definição de implementação como a “simples

prossecução de uma decisão, geralmente incorporada numa lei…” por parte dos top-

downers Mazmanian e Sabatier (1989, p. 7). Por oposição, representa um claro exemplo da

segunda abordagem a definição de “implementação como um continuum política/ação no

qual ocorre, ao longo do tempo, um processo interativo e negocial entre aqueles que

procuram colocar a política em prática e aqueles de quem a ação depende.” apresentada

pelos bottom-uppers Barrett e Fudge (1981, p. 25). A este propósito, Lane (1987, p. 528)

refere que a primeira conceção encara a implementação como ‘uma situação final ou uma

concretização’ (ou seja, um produto), enquanto que a segunda conceção considera a

implementação como ‘um processo’. Nesta diferença entre conceções da implementação de

políticas públicas denota-se, portanto, uma clara oposição entre os princípios da democracia

representativa e os da democracia participativa (Pülzl & Treib, 2007, p. 95).

Nesta dualidade de entendimentos da implementação revela-se subjacente o debate entre

os que defendem uma dicotomia politics-administration e, portanto, o estudo separado

entre formulação e implementação (conceção estagista de implementação, estudos de

primeira geração e estudos top-down da segunda geração), e aqueles que defendem o

estudo integrado e interdependente das duas ‘fases’ (estudos bottom-up e modelos

contextuais) (Stoker R. , 1989, pp. 32-34; Pülzl & Treib, 2007, p. 94). Como será de esperar,

cada uma das abordagens critica a outra neste domínio. Por exemplo, os bottom-uppers

25

May, Peter J..(1999). “Toward a Future Agenda for Implementation Research: A Panelist’s Notes”. Annual meeting of the Western Political Science Association. Seattle

94

Barrett e Fudge (1981) e Hjern e Hull (1982, p. 114) consideram que a distinção clara entre

formulação e implementação preconizada pelos top-downers é criticável, já que existem

atores envolvidos em ambas as fases e os implementadores locais e os grupos-alvo nem

sempre seguem os objetivos e cursos de ação centralmente definidos. Por outro lado, o top-

downer Sabatier (1986, p. 31) considera que a eliminação da distinção entre formulação e

implementação defendida pelos bottom-uppers poderá ser problemática, na medida em que

dificulta a distinção da influência relativa de diferentes atores, sugere que o processo de

políticas públicas não é mais do que um conjunto de fluxos contínuos sem pontos de decisão

e, impossibilita a avaliação das políticas.

Muito embora esta dicotomia das abordagens top-down e bottom-up tenha dado origem à

proposição de abordagens sintetizadoras, uma análise atenta ao Modelo Comunicacional

(CM) e à Framework de Regimes de Implementação (IRF) revela que as diferenças entre as

duas abordagens da segunda geração se perpetuaram nestes estudos sintetizadores. Por um

lado, Goggin et al (1990, p. 34) defendem que “a característica essencial do processo de

implementação estadual é o desempenho atempado e satisfatório de tarefas relacionadas

com a prossecução dos objetivos da lei”. Por outro lado, Stoker (1989, p. 45) concebe o

processo de implementação como uma interação entre atores e, muito embora não formule

‘standards’ de avaliação do desempenho da avaliação, advoga que os mesmos deverão ser

dependentes do contexto. Na sua análise comparativa entre estes dois modelos de terceira

geração, Cline (2000, p. 559) advoga que, efetivamente, o CM se aproxima mais da

abordagem top-down, ao passo que a IRF apresenta maiores semelhanças com a abordagem

bottom-up.

Muito embora esta dicotomia conceptual e de enquadramento da relação formulação-

implementação entre as abordagens top-down e bottom-up seja evidente em grande parte

dos Estudos de Implementação, existem alguns autores que defendem que estas são

complementares, já que se referem a processos diferentes. A obra de Berman (1978) retrata

bem esta complementaridade. De acordo com o autor (Berman, 1978), a implementação

ocorre a dois níveis, os quais integram atores e processos bastante diferentes: o nível da

macro-implementação, no âmbito do qual se idealizam e estruturam os programas

governamentais e que é geralmente constituído pelos Governos, estruturas ministeriais,

95

tribunais, e grupos de interesse, cujas interações estão geralmente institucionalizadas

através de papéis bem definidos, ‘regras do jogo’ tácitas, e procedimentos rotinizados; e, o

nível da micro-implementação, no qual as diferentes organizações e atores/ clientes locais

desenvolvem e implementam os seus próprios programas em reação aos planos centrais, e

cujas interações se sustentam, sobretudo, em relações de domínio interpessoal, as quais são

de difícil análise.

Como se verifica pelas afirmações de Berman e pelo que foi acima descrito, as divergências

entre as abordagens top-down e bottom-up devem-se, em parte, ao facto destas

conceptualizarem a implementação de forma diferente e conceberem a relação formulação

– implementação de diferentes formas.

Uma análise mais atenta permite constatar que esta divisão é bastante profunda, já que se

baseia, tal como acontece com a divisão entre as correntes do Estudo e Análise de Políticas

Públicas, em divisões quanto aos princípios epistemológicos e ontológicos.

III-2.2.2) DIFERENÇAS QUANTO ÀS CONCEÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E ONTOLÓGICAS

Tal como referido no final ponto anterior, na dicotomia de entendimentos sobre o processo

de implementação encontra-se subjacente, ainda, a tradicional dicotomia das Ciências

Sociais entre Estrutura e Agência, bem como diferentes posições ontológicas e

epistemológicas.

A assunção de que a implementação se refere à prossecução administrativa das decisões

centralmente formuladas (divisão politics-administration) – defendida, quer pela abordagem

tradicional da Administração Pública (enquanto suposição da realidade), quer pela primeira

geração de estudos e pela abordagem top-down (enquanto o que deveria acontecer) – terá,

claramente, um pendor estrutural-funcionalista. Recorde-se, a este propósito, que, quer o

estruturalismo, quer o funcionalismo, enfatizam a importância do controlo e da segurança,

da primazia da estrutura sobre o processo e observam o conflito como uma disfunção

(Wallace & Wolf, 1995, p. 74) – características que são observáveis na análise das listas de

fatores para uma ‘implementação ideal’ dos top-downers (veja-se ponto III-2.1.2 A) deste

96

trabalho). Ao considerar-se os objetivos tal como formulados como ponto de partida da

análise, está-se, portanto, perante uma ótica ontológica fundacionalista, já que se entendem

as ações individuais como exteriormente ‘determinadas’ (neste caso pelos objetivos

centralmente definidos) e, como tal, passíveis de controlo e previsão (Wallace & Wolf, 1995,

pp. 6-7; Marsh & Furlong, 2002, pp. 18-20). Desta feita, apenas os resultados condicentes

com os objetivos definidos e observáveis são importantes, o que revela, portanto, uma forte

associação aos princípios epistemológicos positivistas.

Já a conceção da implementação enquanto processo interativo entre os níveis de decisão e

de implementação com recurso a relações de conflito e negociação no qual os

implementadores locais desenvolvem frequentemente atividades de interpretação das leis e

de tomadas de decisão autónomas, incorpora uma abordagem interacionista-simbólica e

fenomenológica. Com efeito, a conceção de Lipsky quanto aos street-level workers vai ao

encontro dos postulados do interacionismo simbólico e da fenomenologia, que defendem

que os indivíduos deverão ser entendidos enquanto construtores ativos das suas condutas,

na medida em que as interpretam, avaliam, definem e mapeiam constantemente (Wallace &

Wolf, 1995, pp. 183, 241). Está-se, por conseguinte, perante a assunção de uma posição

ontológica não-fundacionalista, que sustenta a máxima de que o ‘mundo exterior’ é

socialmente e discursivamente construído, postulando a visão que o indivíduo é um ser

criativo e movido por interesses próprios (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; Marsh & Furlong,

2002, pp. 18-20). Para este fim, os bottom-uppers (nomeadamente Hjern e os seus

associados) baseiam as suas análises sobretudo na recolha de testemunhos dos atores

envolvidos na implementação ao nível local (Hjern & Porter, 1981, pp. 220-221), adotando,

por conseguinte, uma perspetiva construtivista.

Como é possível observar, coexistem duas abordagens bastante diferentes no que se reporta

a posições ontológicas e epistemológicas, ambas tendo conquistado o seu espaço. Fox

(1987, p. 129) e Winter (2003a, p. 205) referem, no entanto, que existe ainda uma

predominância do recurso ao modelo ‘racional-compreensivo’ no âmbito da análise da

implementação. De acordo com Fox (1987, pp. 130-131, 137-138), este modelo será

desadequado para a investigação em implementação, na medida em que contribui para

conclusões precipitadas de insucesso, já que não contempla as mudanças de objetivos que

97

vão ocorrendo, analisa apenas os impactos mensuráveis e ambiciona a produção de teoria

generalizável, a qual desconsidera, portanto, os contextos históricos e espaciais.

Esta recusa da hegemonia dos estudos positivistas e fundacionalistas é ainda apresentada

por Yanow (1987, p. 107), que reflete sobre os problemas de investigação originados pelo

facto da maioria dos estudos de investigação à data terem como ponto de partida o ‘texto

escrito da lei’ e, por conseguinte, o seu sentido literal. Para a autora, os problemas

subjacentes a esta perspetiva relacionam-se com o facto de se assumir que o texto da lei é

inequívoco e de advogar que os implementadores estão isolados dos seus contextos

históricos e dos seus sistemas de valores no decorrer dos processos de implementação

(Yanow, 1987, p. 108). Neste sentido, Yanow (1987, pp. 109-110) propõe a ‘abordagem

cultural à implementação’, que se afigura como uma lógica de investigação interpretativa e

não-fundacionalista, a qual, ao invés de tentar analisar apenas a ‘realidade observável’, se

debruça também sobre a forma como os atores percebem a implementação, conseguindo,

desta forma, analisar a negociação entre os diferentes significados e a reinterpretação

evolutiva das atividades de implementação.

Como se pode constatar, estas duas críticas à primazia do positivismo e do fundacionalismo

na investigação em implementação datam do período em que Goggin et al (1990, pp. 15-19;

Goggin, 1986, pp. 331-334; Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-212) terão

proposto uma nova geração de Estudos de Implementação com uma abordagem mais

dedutiva, no sentido de se promover o desenvolvimento posterior de uma teoria geral da

implementação. Apesar de algumas evoluções a registar neste sentido, nomeadamente

quanto à crescente formulação e teste de hipóteses e à utilização de técnicas quantitativas

de análise de dados (Sætren, 2014, p. 91), um dos proponentes daquelas sugestões referia,

no início do milénio, que pouco havia sido feito no sentido de alcançar uma explicação

parcimoniosa (O'Toole Jr., 2000, p. 267).

Discordando da ambição da procura (quanto a eles, infrutífera) do ‘holy grail’, deLeon

(1999b; deLeon & deLeon, 2002) e Winter (2003b) adotam posições que, embora

dissonantes relativamente a alguns aspetos, apresentam fortes semelhanças. Demonstrando

algum pessimismo quanto ao ‘rumo’ que os Estudos de Implementação estariam a seguir,

98

deLeon (1999b, p. 330; deLeon & deLeon, 2002, pp. 487-489) defende que, face à

complexidade do processo de produção de políticas públicas, se deveriam adotar

crescentemente perspetivas contingenciais, bem como abordagens pós-positivistas. Winter

(2003b, p. 217), por sua vez, afirma que “ao invés de procurar uma teoria da implementação

global e universal, se deverá acolher a diversidade, tanto nas perspetivas teóricas, como nas

metodologias aplicadas [acrescentando que seria] mais útil utilizar recursos no

desenvolvimento de teorias parciais e hipóteses relacionadas com problemas de

implementação diferentes e mais limitados e submetê-los a testes empíricos sérios”.

Como se pode observar, existe ainda na atualidade uma discórdia quanto às melhores

estratégias para analisar o (sub)processo de implementação de políticas públicas. Assim, não

será de estranhar que ambas as abordagens difiram também quanto ao locus de análise e às

estratégias metodológicas, já que, como refere Cline (2000, p. 551), “a forma como se define

o problema da implementação molda, quer a análise dos assuntos chave no processo, quer

as recomendações que resultam dessa análise”.

No ponto que se segue serão, portanto, analisadas as diferenças entre as abordagens top-

down e bottom-up quanto ao locus, aos objetivos e às estratégias metodológicas de análise.

III-2.2.3) DIFERENÇAS QUANTO AO LOCUS, OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DE ANÁLISE

As diferentes abordagens conceptuais recorrem a diferentes estratégias metodológicas, as

quais estão relacionadas com o que cada uma entende por implementação bem-sucedida

(Matland, 1995: 154). Por um lado, os defensores da perspetiva da ‘implementação como

ato administrativo’ advogam que uma implementação bem-sucedida significa o

‘cumprimento dos objetivos’ tal como centralmente definidos, daí que o sucesso da política

pública deva ser medido através da comparação entre os objetivos e resultados, por forma a

avaliar o grau de conformidade entre ambos (Matland, 1995, p. 154). Por oposição, os

defensores da perspetiva da ‘implementação adaptativa’ advogam que a implementação é

bem-sucedida quando os impactos no local são positivos, o que requer que as políticas

centrais devem permitir flexibilidade de adaptação ao contexto local, daí que a análise da

99

implementação deva debruçar-se sobre a capacidade e o desempenho de resolução (ou

mitigação) de um problema ao nível local (Stoker R. , 1989, pp. 32-34; Matland, 1995, p.

154).

Neste sentido, a análise top-down tem por foco o diploma legal e os seus objetivos e

prossegue no sentido descendente, já que esta se centra na comparação da congruência

entre os objetivos, tal como formulados pelos decisores centrais (top) e as tarefas

desempenhadas pelos implementadores locais (bottom) (Birkland, 2001, p. 178; Schofield,

2001, p. 250). Tal como Sabatier (1986, p. 36) refere, esta estratégia é particularmente

adequada para analisar questões de eficácia de um programa e quando se pretende obter

uma visão do desempenho médio dos implementadores. No entanto, esta abordagem

poderá ser criticável por se concentrar demasiado nos decisores centrais e por negligenciar

os restantes atores, nomeadamente os implementadores locais (Lipsky, 1980, p. xii).

Em contraponto a esta análise de sentido descendente, encontra-se uma estratégia analítica

de sentido ascendente desenvolvida por um grupo de bottom-uppers (Hjern e seus

associados), a qual adota as dinâmicas locais de abordagem a um determinado problema

como ponto de partida e, a partir daí, mapeia os objetivos, estratégias e atores envolvidos

(Hjern & Hull, 1982, p. 110). De acordo com Sabatier (1986, pp. 36-37), esta estratégia

metodológica tem a mais-valia de se revelar adequada para contextos de análise com

múltiplos atores e múltiplos programas e em que se pretende aferir a variação entre

diferentes dinâmicas locais. No entanto, este mesmo autor considera que a estratégia

metodológica da abordagem bottom-up poderá ser criticável por atribuir demasiada

importância aos atores locais e por subestimar a capacidade que os decisores centrais têm

em controlar a implementação local (Sabatier, 1986, p. 34).

Para além destas diferenças quanto ao locus e à estratégia metodológica de análise, as

abordagens top-down e bottom-up diferem, ainda, quanto à utilização que fazem da teoria e

aos objetivos subjacentes. A este propósito, importa referir que a abordagem top-down se

terá dedicado, sobretudo, à produção e teste empírico de frameworks através da análise da

implementação com base num conjunto de fatores definidos a priori (assumindo, assim,

uma estratégia dedutiva), ambicionando ‘prever’ os impactos das políticas públicas

100

(Sabatier, 1986, p. 37; deLeon, 1999b, p. 322) e prescrever ‘receitas’ aos decisores políticos

(Matland, 1995, p. 149). Por sua vez, a abordagem bottom-up destaca-se mais pela produção

das já referidas metodologias de análise e compreensão de sentido ascendente, as quais

tinham, sobretudo, o objetivo de descrever a realidade efetiva e de explicar o ‘como’ e o

‘porquê’ das diferenças entre dinâmicas locais de implementação (Barrett & Fudge, 1981, p.

12; Hjern & Hull, 1982, p. 110; deLeon, 1999b, p. 322), daí que adote uma estratégia de

análise indutiva, não utilizando variáveis de análise definidas a priori (Matland, 1995, p. 149;

Pülzl & Treib, 2007, p. 93). Para Sabatier (1986, pp. 35, 37), esta incapacidade em formular

uma teoria explícita quanto aos fatores que afetam o processo de implementação será uma

das principais limitações da abordagem bottom-up, ao passo que o maior desenvolvimento

teórico da abordagem top-down se afirma como uma das suas principais vantagens

comparativas.

Muito embora reconhecessem as mais-valias de ambas as abordagens acima referidas,

Goggin et al (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 208-210) – proponentes da

terceira geração de Estudos de Implementação – referem que os estudos de segunda

geração padeciam de diversos problemas, tais como o excessivo pluralismo teórico, o

elevado número de variáveis em análise, ou o reduzido número de casos analisados. Tal

como refere Goggin (1986, p. 329), a complexidade do objeto de análise teria conduzido os

precursores das gerações anteriores a recorrerem, sobretudo, a estudos de caso – estratégia

que, não obstante ter permitido o desenvolvimento de um largo espectro de conhecimento

relativo à implementação, teria dificultado, quer a ‘redução’ de variáveis, quer a

generalização de resultados. Assim, Goggin et al sugeriram que os estudos de terceira

geração deveriam ter a preocupação de proceder à formulação e teste de hipóteses, de

tentar aumentar o número de casos, de utilizar técnicas de análise estatística e de

procederem a estudos longitudinais (Goggin, 1986, pp. 335-342; Lester, Bowman, Goggin, &

O'Toole, 1987, pp. 210-213; Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990, pp. 17-19).

Muito embora reconhecidas como válidas e necessárias, estas recomendações de Goggin e

seus associados não terão sido seguidas de forma expressiva, tal como conclui Sætren (2014)

a partir de uma análise bibliométrica subordinada à temática das estratégias metodológicas

101

nos Estudos de Implementação26. De acordo com este autor (Sætren, 2014, p. 91), a

percentagem de artigos sobre implementação que formularam e testaram hipóteses

(abordagem dedutiva) e que utilizaram técnicas de análise estatística (quantitativa) no

período posterior a 1990 é muito maior do que a percentagem de artigos nas mesmas

condições em período anterior. No entanto, este mesmo autor assinala, também, que a

larga maioria dos estudos continua, ainda, a não ter uma formulação e teste explícito de

hipóteses e continua a utilizar apenas dados qualitativos (Sætren, 2014, p. 91). Tal tendência

poderá dever-se às dificuldades inerentes à adoção das recomendações de Goggin e seus

associados, vaticinadas pelo próprio Goggin (1986, p. 334), e que se relacionam com a

complexidade da unidade de análise, com os elevados custos na recolha de dados e com as

dificuldades em medir as variáveis independentes e dependentes. Para além destas

dificuldades, Winter (2003b, p. 216) e Sætren (2014, p. 86) alertam, ainda, para a elevada

exigência, morosidade e complexidade inerentes às propostas formuladas por Goggin e seus

associados.

Face às dificuldades de aplicação desta estratégia metodológica sintetizadora, tem vindo a

ganhar relevo a recomendação da utilização contingencial de abordagens metodológicas. Na

proposição destas abordagens metodológicas contingenciais merecem destaque as

propostas que Sabatier já havia avançado em 1986, as propostas de Matland (1995, pp. 160-

170), ou ainda as conclusões de Hill e Hupe (2009, pp. 156-160).

Por um lado, Sabatier (1986, p. 36) refere que a escolha da abordagem metodológica a

utilizar depende, em grande medida, da política pública em estudo, uma vez que “a

perspetiva top-down é útil (…) nos casos em que há um programa público dominante numa

área política ou quando o analista está interessado unicamente na eficácia de um programa

(…) [ao passo que em] áreas políticas (…) que envolvam necessariamente uma multitude de

atores públicos e privados a abordagem bottom-up é mais apropriada”.

Por outro lado, Matland (1995, pp. 160-170) afirma que a abordagem bottom-up e

respetivas metodologias de orientação ascendente são mais adequadas para estudar

26

Sætren analisou as estratégias metodológicas de todos os artigos cujos títulos continham as palavras ‘implementation’ ou ‘implementing’ que foram publicados nas principais revistas das áreas da administração e políticas públicas entre 1953 e 2009.

102

contextos com elevada ambiguidade, ao passo que a abordagem top-down e a metodologia

descendente é especialmente adequada para a análise de contextos de reduzida

ambiguidade.

Por outro lado ainda, Hill e Hupe (2009, pp. 156-160) consideram que a escolha da estratégia

metodológica a adotar deverá depender do número de casos e unidades de análise em

questão, averiguando a adequação das diferentes estratégias metodológicas da seguinte

forma:

- organização única, evento único: contexto de investigação mais provável será a utilização

de dados qualitativos;

- organização única, eventos múltiplos: o contexto de investigação mais provável será,

talvez, a utilização de dados qualitativos, se bem que exista espaço para analisar

quantitativamente a evolução temporal das decisões ou o desempenho de diferentes

divisões ou unidades locais da organização;

- múltiplas organizações, único evento: as possibilidades de utilização de dados

quantitativos serão basicamente as mesmas que na categoria anterior, principalmente a

segunda situação, muito embora possam emergir, nesta categoria, os problemas

inerentes à análise de contextos de implementação com colaboração multiator;

- múltiplas organizações, múltiplos eventos: as possibilidades de utilização de dados

quantitativos serão imensas, podendo dar inclusivamente azo à utilização e técnicas de

regressão estatística.

Não obstante a possibilidade de se estar perante casos em que seja mais fácil proceder a

comparações quantificadas, Hill e Hupe (2009, p. 160) consideram que a utilização de dados

qualitativos será, ainda assim, preferível ou primordial quando se estiver perante a

exploração da forma como determinados atores perceberam ou interpretaram os processos,

ou se a operacionalização/quantificação do fenómeno for particularmente difícil. Perante

estes postulados, não será de estranhar que Hill e Hupe (2009) refiram que o recurso a

dados qualitativos é bastante frequente na análise do desenho de políticas públicas,

103

considerando a necessidade de realizar uma análise interpretativa aos ‘jogos’ entre atores

(pp. 140-141), ou na análise das relações interorganizacionais (p. 148).

Será, portanto, face a este contexto que Winter (2003b, p. 217) considera que os Estudos de

Implementação deverão saber acolher a diversidade metodológica e teórica e deverão

dedicar-se à produção e teste empírico de teorias parciais relacionadas com um número

mais limitado de variáveis. No entanto, Winter considera que o ‘cumprimento dos objetivos’

e os ‘impactos das políticas’ não são os melhores padrões de análise da implementação. Por

um lado, o autor rejeita o ‘cumprimento dos objetivos’ como variável dependente por dois

grandes motivos: em primeiro lugar porque o ‘cumprimento dos objetivos’ representa uma

fração na qual o numerador (concretizações) e o denominador (objetivos) são influenciados

por fatores diferentes, o que torna a construção de teoria particularmente difícil; em

segundo lugar porque os objetivos oficiais são geralmente de difícil operacionalização, na

medida em que os objetivos estão imbuídos de incerteza e ambiguidades e em que a maioria

dos diplomas legais não definem padrões de comportamentos ou metas para os

implementadores (Winter, 2003b, pp. 217-218). Por outro lado, o autor refere que, muito

embora os estudos sobre os impactos (outcomes) sejam importantes e necessários, a análise

destes terá de ser realizada de forma diferenciada da análise dos outputs, já que os impactos

estarão sobretudo relacionados com os grupos-alvo e a forma como estes reagem à política

pública (Winter, 2003b, pp. 219-220). Neste sentido, Winter (2003b, p. 218) refere que a

melhor variável dependente para os Estudos de Implementação será o produto direto do

desempenho dos implementadores (output).

III-2.2.4) SISTEMATIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS CONCEPTUAIS, METODOLÓGICAS E NORMATIVAS

Como foi possível observar ao longo dos três últimos pontos, as abordagens top-down e

bottom-up dos Estudos de Implementação apresentam diferenças bastante substanciais

entre si. Apesar de terem sido consideradas responsáveis pela dificuldade na cumulatividade

de conhecimento, estas diferenças continuam a revelar-se em diferentes estudos ditos

sintetizadores, ainda que de forma menos evidente. Aliás alguns autores (vide, inter alia,

Matland (1995, pp. 154-155)) referem que a procura de uma perspetiva sintetizadora não

104

fará muito sentido, já que as diferenças entre as duas abordagens são demasiadamente

marcadas para permitir uma efetiva integração, pelo que se deverá optar por abordagens

contingenciais.

Concordando, de certo modo, com esta perspetiva defendida por Matland, ao longo dos

últimos três pontos deste trabalho procedeu-se à análise das diferenças entre as abordagens

top-down e bottom-up no que se refere a questões conceptuais, epistemológicas e

ontológicas e metodológicas – as quais serão sintetizadas neste ponto do trabalho. Para tal,

procedeu-se à elaboração da figura da página seguinte, na qual se comparam as duas

abordagens ao longo de um conjunto de dimensões.

Começando pela questão conceptual, as abordagens top-down e bottom-up apresentam

claramente diferenças quanto ao conceito de implementação subjacente e quanto à forma

como concebem a relação formulação-implementação. Por um lado, a abordagem top-down

concebe a implementação como a execução administrativa das decisões centralmente

definidas, defende uma clara separação entre formulação e implementação e analisa a

implementação no seu estado de ‘produto’. Por outro lado, a abordagem bottom-up

concebe a implementação como um processo contínuo de negociação entre os decisores

centrais e os implementadores locais e de adaptação aos contextos locais, defende o estudo

integrado da formulação e da implementação, e analisa a implementação enquanto

‘processo’.

No que diz respeito às questões epistemológicas e ontológicas, as duas abordagens em

análise também diferem. Por um lado, a abordagem top-down tem claramente princípios de

investigação positivistas, já que tende a analisar apenas os resultados observáveis e tem

como base princípios estrutural-funcionalistas, por dar primazia à estrutura em detrimento

da agência, e fundacionalistas, por considerar que a ‘lei’ é uma realidade externa que

determina a ação dos indivíduos. Por outro lado, a abordagem bottom-up recorre não

apenas a ‘factos observáveis’ mas também à recolha de perceções dos implementadores e

dos grupos-alvo, o que revela uma posição construtivista. Denota-se, ainda, uma clara

orientação interacionista-simbólica e fenomenológica, na medida em que se valoriza o

105

indivíduo em detrimento da estrutura, bem como uma posição ontológica não-

fundacionalista, já que a realidade é entendida enquanto algo socialmente construído.

Figura 12. Análise comparativa das Abordagens Top-Down e Bottom-Up

CRITÉRIOS ABORDAGEM TOP-DOWN ABORDAGEM BOTTOM-UP

conceito de implementação

execução administrativa e neutra de uma decisão

execução adaptativa e interativa

abordagem à implementação

‘produto’ ‘processo’

relação formulação-implementação

estudo diferenciado entre formulação e implementação

estudo integrado e interdependente da formulação e

implementação

modelo de democracia subjacente

representativa participativa

critério para aferição do sucesso

‘cumprimento dos objetivos’ centralmente definidos

impactos positivos na ‘resolução do problema’

foco inicial de atenção

diploma legal relações funcionários – grupos-alvo

e contextos locais

estratégia de análise análise descendente:

comparação entre objetivos e resultados

análise ascendente:

análise das dinâmicas locais de intervenção num problema e posterior mapeamento das

estruturas e programas de apoio

resultado pretendido

desempenho médio dos implementadores

variação entre diferentes contextos locais

estratégia de utilização da teoria

dedutiva indutiva

objetivos dos estudos

prever e prescrever descrever e compreender

Teorias Sociais Subjacentes

Estrutural-Funcionalismo Interacionismo-Simbólico e

Fenomenologia

Princípio Ontológico Subjacente

Fundacionalismo

(realidade exterior ao indivíduo)

Não-Fundacionalismo

(realidade socialmente construída)

Princípio Ontológico Subjacente

positivismo construtivismo

Objetivos quanto à produção de teoria

teoria universal teorias contingenciais e parciais

Fontes: produção própria a partir de Barrett e Fudge (1981), Sabatier (1986), Lane (1987),

Mazmanian e Sabatier (1989), Stoker (1989), Matland (1995), Schofield (2001), deLeon e deLeon

(2002), Winter (2003b) e Pülzl & Treib (2007).

106

Em relação à questão metodológica, abordagens top-down e bottom-up diferem, também,

quanto ao focus e locus inicial de atenção e às estratégias metodológicas de análise. Por um

lado, a abordagem top-down utiliza uma estratégia analítica de sentido descendente por

forma a aferir o grau de conformidade entre os objetivos centralmente definidos e os

resultados da implementação, estratégia essa que se revela particularmente útil para

analisar o desempenho médio dos implementadores. Ademais, a abordagem top-down

tende a utilizar uma estratégia dedutiva, já que tem por objetivo o teste da teoria

apresentada no âmbito das suas frameworks. Por outro lado, a abordagem bottom-up utiliza

estratégias analíticas de sentido ascendente, já que se dedica, primeiramente, à análise dos

atores e das atividades relacionadas com as intervenções direcionadas a um determinado

problema e só posteriormente se preocupa em mapear a estrutura de decisão e as políticas

que suportam essas dinâmicas locais. Nesta estratégia analítica, que se revela adequada

para analisar as variações interlocais, a abordagem bottom-up utiliza frequentemente uma

abordagem indutiva, já que não se foca a priori em teorias ou conjuntos delimitados de

fatores.

Por fim, há também uma divergência quanto às aspirações de produção teórica, as quais não

estão relacionadas diretamente com as abordagens top-down e bottom-up, mas antes com

autores bem mais recentes. Por um lado, estarão autores como Goggin, Lester, Bowman e

O’Toole que advogam a procura de uma teoria parcimoniosa. Por outro lado, estarão

autores como Winter, que defende a procura de teorias parciais, ou deLeon, que advoga a

maior adequação de abordagens contingenciais.

***

Como se pode observar ao longo do ponto I-2 deste trabalho, existia em meados da década

de 80 do séc. XX um excessivo pluralismo teórico e uma certa disputa estéril entre as

abordagens top-down e bottom-up, situação que era entendida por muitos como

problemática e que dava origem a diversas críticas.

107

Muito embora esta situação tenha gerado a proposição de uma terceira geração de Estudos

de Implementação, a qual se propunha a proceder a uma síntese das duas abordagens e a

imprimir uma maior cientificidade ao campo, a partir de meados da década de 80 do séc. XX

assistiu-se, em paralelo, a uma tendência para uma certa desmobilização face ao estudo da

implementação.

Nas últimas três décadas temos vindo a testemunhar a atitudes ambíguas face ao estudo da

implementação que oscilam entre o abandono e o revivalismo, sendo esse exatamente o

mote para o último ponto deste capítulo, no qual se analisa o passado mais recente, o

presente e o futuro do campo dos Estudos de Implementação.

III-3. PRESENTE E FUTURO DOS ESTUDOS DA IMPLEMENTAÇÃO: ENTRE O ABANDONO, O REVIVALISMO E A

RECONCEPTUALIZAÇÃO

Tal como atrás referido, diversos autores abandonaram os Estudos de Implementação a

partir de meados da década de 80 do séc. XX, não obstante a sugestão de abordagens

contingenciais e de síntese e da proposição de recomendações para o reforço da sua

cientificidade. No entanto, outros autores mantiveram-se firmes na defesa da continuidade

dos Estudos da Implementação, muito embora divididos quanto ao futuro que este campo

científico deveria tomar.

A propósito desta diversidade de posições face ao futuro do campo de estudo da

implementação, Lester e Goggin (1998, p. 2) definiram uma matriz (ver figura seguinte) na

qual classificaram estas posturas relativamente a dois eixos: o posicionamento (positivo ou

negativo) face à necessidade de continuação da existência de Estudos de Implementação; e,

a necessidade (sim ou não) de se proceder a alterações na forma de investigar este domínio.

108

Figura 13. Tipologia de Posições face ao Futuro da Implementação

Posição face à continuidade da

Investigação sobre Implementação

Positiva Negativa

Nec

essi

dad

e d

e M

od

ific

açõ

es

Sim

‘Reformadores’ ‘Céticos’

o

‘Testadores’ ‘Terminadores’

Fonte: Lester e Goggin (1998, p. 2)

De acordo com estes autores (Lester & Goggin, 1998, pp. 2-3), perfilar-se-iam naquele

período quatro grupos de académicos com diferentes posições face ao futuro dos Estudos de

Implementação, nomeadamente:

os ‘reformadores’, em cujo grupo se incluíam eles próprios, Stoker e Matland e que

defendiam a continuidade dos Estudos de Implementação, advogando, todavia, a

necessidade de mudanças nas abordagens conceptuais e metodológicas;

os ‘testadores’, tais como Mazmanian e Sabatier, que se apresentavam bastante

confortáveis com a forma como a investigação em implementação de políticas públicas

vinha sendo desenvolvida, pretendendo apenas testar e validar as frameworks que

haviam desenvolvido;

os ‘céticos’, entre os quais se destacava deLeon, e que apresentavam uma perspetiva

negativa face à continuidade dos Estudos de Implementação, pelo menos se

continuassem a ser desenvolvidos da mesma forma;

os ‘terminadores’, que, perante argumentos relativos à falta de clareza conceptual e ao

esgotamento intelectual do estudo da implementação, advogavam a deriva para outros

objetos de investigação, tais como a mudança e a aprendizagem (Sabatier, no âmbito da

proposição da Advocacy Coalition Framework), ou o desenho de políticas públicas

(Ingram e Schneider).

109

Muito embora existissem também autores que advogavam a necessidade e o interesse dos

Estudos de Implementação, importa, contudo, tentar perceber o porquê do desânimo e

desmobilização de outros autores. A este propósito, Sætren (2005, pp. 572-573) refere que

tal se devia, sobretudo, a um conjunto de seis motivos: 1) a esterilidade e confusão

normativa, metodológica e teórica do debate ‘top-down-bottom-up’; 2) o esbatimento das

relações hierárquicas em detrimento das relações recíprocas no domínio da implementação;

3) a inclinação dos Estudos de Implementação para a análise de ‘policy failures’; 4) o debate

sobre o valor heurístico do modelo estagista, que era acusado de simplificar demasiado o

processo de produção de políticas públicas; 5) a tentação em enveredar por novos ‘rótulos’

de investigação, de forma a aumentar as possibilidades de publicação; 6) a suscetibilidade a

novas ‘modas’ por parte dos ‘analistas de políticas públicas’.

Contrapondo alguns destes argumentos, Sætren (2005, p. 573) refere, por exemplo, que o

modelo estagista ainda mantém muito do seu valor heurístico ou que os Estudos de

Implementação terão perdido parte da sua tendência de análise exclusiva do insucesso,

defendendo, assim, que os Estudos de Implementação não teriam perdido a sua relevância.

Aliás, o autor é da opinião que as mudanças nas relações Estado-Sociedade registadas nas

últimas décadas terão feito crescer o desafio e a preocupação com a implementação

(Sætren, 2005, p. 573).

Com efeito, após uma diminuição de interesse pela implementação durante a segunda

metade da década de 80 e o início da década de 90 do séc. XX, que se deve, entre outras

razões já referidas, também à ascensão do Managerialismo (Barrett, 2004, p. 257), tem-se

assistido ao retomar das preocupações com a implementação de políticas a partir do início

do séc. XXI, muito por força da emergência do ‘paradigma da governance’ e da ‘era do

neointervencionismo’ (Hill & Hupe, 2009, p. 106). Do mesmo modo, Schofield e Sausman

(2004, pp. 241-45; Schofield, 2004, p. 287) dão conta que os Estudos de Implementação se

terão dedicado a temas relacionados com novos contextos de implementação,

nomeadamente a governação pós-burocrática e multinível, as novas formas de organização

e estruturação das organizações implementadoras, ou as mudanças na relação entre Estado

e os cidadãos. Terá sido, pois, neste sentido que O’Toole (2004, p. 315) menciona que o

campo de Estudos de Implementação havia sido alvo de uma reconceptualização, tendo sido

110

afetado por influências teóricas como a ‘análise institucionalista’, a ‘governance’ ou a

‘gestão de redes’. De acordo com as conclusões do recente estudo bibliométrico de Sætren

(2014, p. 94), as perspetivas teóricas institucionalista e da governação de redes são, de facto,

aquelas que maior crescimento têm registado nos últimos anos no campo dos Estudos de

Implementação.

Assumindo esta hipótese da reconceptualização, este trabalho debruça-se sobre muitos dos

novos temas a que os Estudos de Implementação se têm dedicado, tais como as novas

formas de organização e estruturação das organizações implementadoras, a governação

multinível e a gestão de redes (Schofield & Sausman, 2004, pp. 241-245; O'Toole Jr., 2004, p.

315), ou mesmo a influência da cultura nacional nas formas de atuação do Estado (Pülzl &

Treib, 2007, p. 101).

111

IV. GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE: DO ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS À ANÁLISE

DOS DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE METAGOVERNAÇÃO DE REDES

O termo ‘governance’27 tem assumido uma importância crescente nas áreas científicas da

Administração e Políticas Públicas nas últimas décadas, sobretudo desde a década de 90 do

séc. XX, tal como sugerido anteriormente neste trabalho e na frase acima citada (vide, inter

alia, Pierre e Peters (2000, p. 50; Peters & Pierre, 2006, pp. 5-6) e Chhotray e Stoker (2009,

p. 16)). Apesar de este interesse ser efetivamente recente, o termo propriamente dito não é

novo, uma vez que o termo ‘government’, que tem sido bastante utilizado no mundo

anglófono desde o séc. XVI, deriva do termo medieval francês ‘gouvernance’ (Torfing, Peters,

Pierre, & Sørensen, 2012, p. 12). Terá sido, aliás, a ampla utilização do termo ‘government’

com o significado de ‘ação de governar’ ou ‘sistemas para governar’, que parece ter

contribuído para que o termo ‘governance’ tivesse ficado fora de moda até bastante

recentemente (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 12).

O termo ‘governance’ terá sido, com efeito, pouco usado, e quase incompreendido, até à

década de 80 do séc. XX, período a partir do qual se tornou numa ‘palavra de ordem’ (Pierre

& Peters, 2000, p. 1; Meuleman, 2008, p. 9; Chhotray & Stoker, 2009, p. 1; Levi-Faur, 2012,

p. 5). Como refere Bevir (2007, p. 364), a crescente utilização deste termo nestas áreas

científicas no decorrer das últimas décadas está relacionada com “mudanças na natureza e

papel do Estado na sequência das reformas do setor público das décadas de 80 e 90 do séc.

XX (…) [que estão relacionadas com] uma convicção generalizada de que o Estado depende

de outras organizações para assegurar as suas intenções, implementar as suas políticas e

27

O termo ‘governance’ pode ser traduzido para Português como ‘governação’ se se estiver a atribuir o significado dos diferentes estilos de coordenação pública, ou como ‘governança’, caso se esteja a utilizar o significado de novos modos de coordenação da ação pública – veja-se mais adiante os argumentos referentes ao significado mais amplo e ao significado mais estrito do termo.

“Governance tornou-se numa palavra de ordem política durante a década de 90. Profissionais e cientistas políticos num número de subcampos e contextos político-administrativos abraçaram a ideia da governança como uma nova forma de pensar as capacidades do Estado e as relações Estado-Sociedade.”

(Pierre & Peters, 2000, p. 50)

112

estabelecer um padrão normativo”. De acordo com Stoker (1998, p. 18), este movimento de

reformas consubstanciou-se em cinco grandes mudanças no domínio da ação pública: 1) o

empowerment de um conjunto de instituições e atores para além das agências

governamentais; 2) o esbatimento de fronteiras entre os setores público e privado; 3) a

interdependência entre as instituições envolvidas; 4) a emergência de redes de atores

autónomos e autogovernáveis; 5) a utilização de novos instrumentos e técnicas para gerir o

destino coletivo.

O interesse pelas questões da ‘governance’ não tem sido, contudo, exclusivo das áreas

científicas acima referidas, sendo, na verdade, um movimento mais amplo no âmbito das

Ciências Sociais, que ganhou alguma expressão a partir da década de 80 (Levi-Faur, 2012, pp.

4-5). Tal como refere Levi-Faur (2012, pp. 5-6), este movimento teve início, sobretudo, no

âmbito do estudo da governança corporativa nas áreas científicas do Direito e da Economia

durante a década de 80 do séc. XX, muito embora tenha sido, apenas, na década seguinte

que ganhou maior visibilidade, algo observável pelo aumento do número de artigos

dedicados ao tema28 e pela maior diversidade de Ciências Sociais a debruçarem-se sobre

este29.

A afirmação do interesse pelas questões da ‘governança’ na década de 90 foi marcada por

um particular enfoque sobre a temática das redes enquanto novo modo de governação

(Levi-Faur, 2012, pp. 5-6), influenciado pelos trabalhos de Powell (1990) e de Rhodes (1990)

no respeitante à governação das Empresas e dos Estados, respetivamente. Por um lado,

Powell (1990, p. 296) referia a existência de um número significativo de investigações que

analisavam práticas organizacionais com uma orientação de rede, padrões de troca

horizontais e de interdependência de recursos e a reciprocidade comunicacional. Por outro

28

De acordo com um levantamento de artigos subordinados à temática da governança realizado por Levi-Faur, foram publicados 349 artigos durante a década de 80 do séc. XX, 3.773 artigos na década seguinte e 18.648 entre 2000 e 2009 (Levi-Faur, 2012, p. 5). 29

Analisando as abordagens disciplinares de artigos publicados nas bases de dados em Ciências Sociais e Humanas da ISI, Levi-Faur (2012, pp. 5-6) concluiu que dos 158 artigos publicados no período 1981-1985, a maioria provinha de jornais de Direito (44 artigos), um número muito maior do que os artigos publicados em revistas de Ciência Política (22), Economia (13) e Administração Pública (10). Já nos 9.366 artigos publicados entre 2006 e 2009, a área científica com maior representação era a Economia (1.312 artigos), seguida pela Gestão (1.121), Ciência Política (1.086), Estudos Ambientais (993), Administração Pública (911), Planeamento e Desenvolvimento (788), Geografia (758), Relações Internacionais (642), Direito (578), Urbanismo (436), Sociologia (383) e outras mais de 50 áreas científicas.

113

lado, Rhodes (1990) dava conta de diferentes formas de analisar as redes existentes na

tomada de decisão pública.

O crescente interesse pela abordagem da ‘governance’ está, portanto, relacionado com a

intensificação ou modificação de padrões de interdependência e interação entre diferentes

tipos de atores, os quais derivam de tendências societais de diferenciação30 e de integração

que têm vindo a desenvolver-se crescentemente desde a década de 80 do séc. XX (Kooiman,

2000, p. 139). De acordo com Chhotray e Stoker (2009, pp. 7-10), estas tendências

decorrem, sobretudo, das dinâmicas de crescente globalização e democratização iniciadas

na década de 70 do séc. XX, que terão conduzido à complexificação dos contextos de

atuação dos Estados e das Empresas devido às suas dinâmicas de internacionalização e à

afirmação do poder de influência dos seus stakeholders.

A noção de interdependência e de interação entre atores está, portanto, patente nas

palavras de Chhotray e Stoker (2009, p. 3) quando estes autores referem que o estudo da

governança se debruça sobre as “regras da tomada de decisão coletiva em contextos em que

existe uma pluralidade de atores ou organizações e em que nenhum sistema formal de

controlo pode ditar [, pelo menos unilateralmente,] os termos da relação entre estes atores

ou organizações”. Na sequência da apresentação desta definição, Chhotray e Stoker (2009,

p. 4) referem que a abordagem da governança reforça, deste modo, os seguintes aspetos:

o facto das regras em análise serem, não apenas as decorrentes dos contextos formais,

mas também as referentes às práticas informais;

o facto da análise das decisões coletivas ter passado a reconhecer, não apenas que um

conjunto mais alargado de indivíduos ou organizações está envolvido, mas também a

capacidade de influência e controlo mútuo que estes têm;

o facto dos processos de tomada de decisão em análise serem, não apenas os do nível

estratégico, mas também os de nível mais operacional e quotidiano.

30

Em alternativa ao termo ‘diferenciação’, Castells refere-se ao termo ‘especialização’.

114

Face ao que foi acima abordado, não será de estranhar que Levi-Faur (2012, p. 3) considere

que a ascensão do interesse pela temática da ‘governança’ está relacionada com o

fortalecimento do neo-institucionalismo na década de 80. Recorde-se que o neo-

institucionalismo se debruça sobre a influência conjugada de constituições formais e

informais, bem como sobre a influência bidirecional entre indivíduos e estruturas (Lowndes,

2002, p. 91; Schmidt, 2006, p. 99). Este alinhamento da análise da governança com o neo-

institucionalismo é ainda comprovado pelas afirmações de Kooiman (2003, pp. 14-15)

quando este refere a necessidade de incorporar os níveis acional e estrutural na análise dos

sistemas de governação.

Focando atenção apenas nas disciplinas da Ciência Política e da Administração e Políticas

Públicas, Pierre e Peters (2000, p. 1) consideram que a popularidade da abordagem da

governança advém, precisamente, da sua propensão para abarcar uma maior variedade de

instituições e relações envolvidas nos processos de governação, ao contrário do que

acontece com o termo ‘governo’. De acordo com Peters (2012, pp. 19-20), a abordagem da

‘governança’ tem, portanto, a vantagem de realçar a ligação do sistema político com o seu

ambiente envolvente e, por conseguinte, permitir que a Ciência Política se recentre nas suas

raízes ao focar-se na forma como o Setor Público, em conjugação com outros atores, dirige e

controla a Sociedade e a Economia, já que analisa os comportamentos individuais através do

seu posicionamento em contextos de governação mais amplos.

A abertura de análise da abordagem da ‘governance’ referida tem, no entanto, concorrido

para a ambiguidade do conceito, o que tem contribuído para uma certa dificuldade de

desenvolvimento de uma abordagem mais clara no estudo da Administração e Políticas

Públicas (Peters, 2012, pp. 19-20; Chhotray & Stoker, 2009, pp. 1, 3; Levi-Faur, 2012, p. 3;

Hughes, 2010, p. 87). Esta ambiguidade deve-se, antes de mais, ao facto de o termo

‘governance’ ser utilizado por diversas Ciências Sociais para objetos de estudo diferentes,

mas também ao facto de este conceito ter, mesmo na área disciplinar da Administração e

Políticas Públicas, um significado mais amplo e outro mais estrito31 (Bevir, 2007, p. 364; Knill

& Tosun, 2012, pp. 200-201; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 14). Em termos

31

Esta duplicidade de significados ajuda a explicar as duas traduções para Português do termo ‘governance’, já que geralmente se utiliza o termo ‘governação’ para significados mais amplos, ao passo que para o significado mais estrito são geralmente utilizadas as expressões ‘governança’ ou ‘novas formas de governação’.

115

latos, o termo ‘governance’ poderá ser utilizado enquanto sinónimo de ‘direção política’,

abarcando, quer as formas de governação mais tradicionais, quer as novas formas de

governação mais horizontais acima referidas (Bevir, 2007, p. 364). O significado mais estrito

do termo ‘governance’ refere-se, por sua vez, apenas às ‘novas formas não-hierárquicas’ de

direção da ação coletiva, nas quais o Estado interage crescentemente com atores não oficiais

(Knill & Tosun, 2012, pp. 200-201). Com o propósito de evitar esta confusão, alguns autores

optam por outras expressões para se referirem ao significado mais estrito do termo

‘governance’, nomeadamente ‘nova governança’ (‘new governance’) (vide, inter alia, Bevir

(2007), Osborne (2006; 2010a)), ou ‘governança interativa’ (‘interactive governance’) (vide,

inter alia, Kooiman et al (2008) e Torfing et al (2012)).

Além da multiplicidade de sentidos referida, a dificuldade de circunscrição do conceito na

área disciplinar da Administração e Políticas Públicas deve-se ainda a um amplo debate

quanto ao nível de influência que os atores tradicionais ainda têm (Pierre & Peters, 2005, p.

1). A este propósito, Pierre e Peters (2005, p. 1) dão conta de dois posicionamentos: por um

lado, uma abordagem que negligencia o papel do Estado e que atribui primazia quase

absoluta às redes de governança; e, por outro lado, abordagens que criticam a conceção

anterior e que defendem que o Estado continua a desempenhar um papel crítico, apesar de

já não ter um papel tão omnipresente como antigamente. De acordo com Pierre e Peters

(2005, pp. 1-2), a referida dicotomia entre perspetivas não faz sentido, já que as formas mais

eficazes de governação requerem um posicionamento forte dos atores oficiais e dos atores

não oficiais. No mesmo sentido, Peters (2012, p. 23) afirma que se terá exagerado na

negação do papel do Estado, apelando, por conseguinte, à integração de várias abordagens

com vista a conseguir-se um entendimento mais completo dos contextos de governação.

Ainda a propósito dos diferentes tipos de relações entre atores oficiais e não oficiais nos

processos de governação, Kooiman (2003, p. 7) alerta para a necessidade de se reconhecer a

existência de diferentes modos de governação, nomeadamente a ‘governação hierárquica’, a

‘autogovernação’ e a ‘cogovernação’. No mesmo sentido, estudos mais recentes têm

concluído que os contextos de governação pública na grande maioria dos países ocidentais

são claramente híbridos, na medida em que conjugam características dos modos de

governação mais tradicionais e dos novos modos de governação (Osborne, 2010a, p. 2;

116

Christensen & Lægreid, 2011, pp. 407-408, 419 ; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 26, 29;

Klijn, 2012, pp. 202, 211-212).

Tal como será explorado mais adiante neste trabalho, o maior ou menor poder dos atores

estatais e não-estatais advém, entre outras razões, da existência de diferentes ideologias

políticas quanto ao papel do Estado, as quais estão relacionadas com a ocorrência de

diferentes vagas de reforma do setor público com orientações distintas anteriormente

referidas (Kooiman, 2000, p. 146). Tal como será explorado adiante neste capítulo, a

primeira vaga de reformas, que marcou a década de 80 e o início da década de 90 do séc. XX,

terá implicado uma clara diminuição da intervenção (pelo menos direta) do Estado e um

reforço do recurso a atores e mecanismos de gestão do setor privado. Por seu turno, a

segunda vaga de reformas, que surgiu na segunda metade da década de 90, pretendia

contornar os problemas introduzidos pela primeira vaga de reformas, advogando a

necessidade da conjugação de mecanismos de descentração de responsabilidades com uma

certa reativação de mecanismos de controlo estatal.

A perspetiva defendida por Kooiman está, portanto, alinhada com a observação de Rhodes

(2012) quanto à existência de diferentes ‘vagas na literatura da governança’. De acordo com

este último autor, a primeira vaga de ‘estudos de governança’ está mais relacionada com as

transformações na natureza do Estado ocorridas na sequência das reformas da década de

80, ao passo que a segunda vaga se debruça sobre a temática da ‘metagovernação’, ou seja,

na conjugação da atuação do setor público e dos atores não oficiais por forma a assegurar a

coordenação da governação pública (Rhodes, 2012, pp. 34-36).

O capítulo que aqui se inicia estrutura-se, portanto, em torno da evolução descrita quanto à

literatura da governança. Neste sentido, este capítulo terá início com uma análise do

contexto histórico da emergência das principais reformas ocorridas no processo de políticas

públicas desde a década de 80 do séc. XX, bem como as diferenças entre os ideais-tipo dos

modos de governação mais tradicionais e mais recentes (IV-1). De seguida, proceder-se-á a

uma exploração mais detalhada da abordagem da governança em rede, bem como dos

principais desafios e estratégias de metagovernação das mesmas, também designada por

gestão de redes (IV-2).

117

IV-1. NOVOS MODOS DE GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA: EMERGÊNCIA E DIFERENCIAÇÃO

A emergência da atenção ao paradigma da governança nas áreas científicas da Ciência

Política e da Administração e Políticas Públicas surgiu na sequência das reformas do setor

público ocorridas desde a década de 80 do séc. XX (Bevir, 2007, p. 364). Estas reformas, que

se constituíram como “mudanças deliberadas nas estruturas e processos das organizações

do setor público com o objetivo de as fazer (de alguma forma) funcionarem melhor” (Pollitt

& Bouckaert, 2011, p. 2), implicaram, de acordo com Bevir (2007, p. 364), uma mudança no

papel e na natureza do Estado, bem como uma maior participação de atores não oficiais no

processo de elaboração de políticas públicas.

Os processos de reforma da governação pública acima referidos implicaram, de igual modo,

mudanças nas dinâmicas de interação entre Estado e Sociedade (Chhotray & Stoker, 2009, p.

16). Como menciona Kooiman (1993b, p. 4), a abordagem da governança emerge,

exatamente, de uma conceção de um crescente recurso a padrões de interação entre atores

‘governantes’ e ‘governados’ de orientação mais bidirecional, em detrimento das

tradicionais relações unilaterais e de orientação verticalizada. No entanto, importa

reconhecer que esta última tipologia de relações não deixou de existir, antes coexistindo

com as novas formas de governação, as quais são, também elas, de tipologia diversa.

A referência, por parte de Kooiman (2003), à existência de diferentes modos de governação

(‘autogovernação’, ‘governação hierárquica’ e ‘cogovernação’) vem, assim, ao encontro da

conceção mais ampla do conceito de ‘governance’, ou seja, enquanto ‘direção da ação

coletiva’, abarcando, por conseguinte, todas as possíveis formas de coordenação do mesmo

(Knill & Tosun, 2012, pp. 200-201).

Neste sentido, antes de se proceder ao estudo mais aprofundado dos desafios dos novos

modos de governação, importa perceber quais as grandes diferenças entre as principais

formas de coordenação, sendo, neste âmbito, comum a referência às diferenças entre

Hierarquia, Mercado e Redes (vide, inter alia, Powell (1990); Kickert, Klijn e Koppenjan

(1997d, p. 10); Pierre e Peters (2000, pp. 14-22); Osborne (2010a, p. 10), Bouckaert, Peters e

Verhoest (2010, p. 35)).

118

Neste ponto do capítulo proceder-se-á, assim, à exposição das principais características

diferenciadoras entre estas três grandes tipologias de modos de coordenação, antecedendo

esta análise com a exposição dos contextos de desenvolvimento histórico que têm

conduzido a uma maior ou menor primazia de cada um destes no decurso do séc. XX e início

do séc. XXI.

IV-1.1. A emergência dos Novos Modos de Governação: contextos históricos e principais

diferenças

Muito embora seja hoje aceite que as conceções que expressam um completo abandono de

formas tradicionais de governação são claramente exageradas (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 10), será necessário reconhecer a ocorrência de diferentes vagas de

significativas reformas da governação pública em diversos países ocidentais. Será neste

sentido que Bovaird e Löffler (2003b, p. 22) referem que os “paradigmas da produção de

políticas públicas mudaram significativamente durante as últimas (…) décadas – a

‘administração pública tradicional’ foi substituída parcialmente pelo ‘new public

management’, que por sua vez foi parcialmente suplantado pelo movimento de ‘public

governance’ ”.

Nos pontos que se seguem, proceder-se-á à exposição das principais características de cada

um dos acima referidos paradigmas de governação pública, bem como os contextos

históricos associados à sua emergência e consolidação.

IV-1.1.1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TRADICIONAL: CARACTERÍSTICAS E CRÍTICAS

Tal como atrás referido, os novos modos de governação diferem dos modos de governação

baseados em processos de controlo e comando unicêntrico, os quais foram, de acordo com

Torfing (2012, p. 99), particularmente predominantes numa parte considerável do séc. XX

nos Estados Unidos da América, mas sobretudo na Europa, na sequência da emergência e

expansão do designado Estado de Welfare. Estruturando-se em torno da desejabilidade da

119

intervenção estatal, este período histórico veio, assim, romper com a primazia do modelo de

Estado Liberal32 (ou Estado de Laissez-Faire) que vigorou até às primeiras décadas do séc. XX

(Pereirinha, 2008, p. 19; Bilhim, 2013, p. 58).

A expansão do Estado de Welfare marcou efetivamente o contexto social e político do séc.

XX em grande parte dos países ocidentais, sobretudo entre as décadas de 4033 e 70 – a

designada época de ouro –, registando-se neste período um forte crescimento das despesas

do Estado com matérias sociais (Baldock, Manning, & Vickerstaff, 2003, p. 20). Por um lado,

nos E.U.A. destacam-se programas como o ‘New Deal’ da administração Roosevelt, bem

como os programas da Great Society da administração Johnson nas décadas de 60 e início de

70, no âmbito dos quais foram desenvolvidos programas de emprego, de política social e

regulação económica (Hill & Hupe, 2009, p. 82; Bilhim, 2013, p. 59). Por outro lado, o

desenvolvimento de programas mais intervencionistas na Europa ocorreu a partir da década

de 40, através dos planos de revitalização posteriores à Segunda Guerra Mundial (Hill &

Hupe, 2009, p. 82), bem como da posterior difusão de medidas de política social em diversos

países, influenciadas pelo Relatório de Beveridge que defendia uma conceção de proteção

social mais holística e com uma participação estatal mais direta (Pereirinha, 2008, pp. 18, 22-

23, 29; Carmo, 2011, pp. 140-142).

Como será de esperar, a crescente tendência intervencionista descrita implicou uma enorme

expansão do Setor Público, não apenas ao nível da maior variedade de funções, mas

também ao nível do número de funcionários (Rocha J. A., 2013, p. 79), bem como a uma

32

O Modelo de Estado Liberal (ou de Laissez-Faire) baseia-se no Liberalismo Clássico e tinha como principais bases a obra de Adam Smith e os seus postulados sobre a liberdade de iniciativa individual e a limitação da intervenção estatal (Catarino, 2009, pp. 66-67, 80-81; Carmo, 2011, pp. 129-130). 33

Muito embora o maior desenvolvimento dos ideais de intervencionismo do Estado na economia e sociedade tenha acontecido efetivamente após a Segunda Guerra Mundial, importa destacar a sua origem mais remota. Refira-se, a este propósito, a criação dos primeiros seguros sociais obrigatórios na Alemanha e na Escandinávia no final do séc. XIX (Pereirinha, 2008, p. 17), ou a implementação de algumas medidas de regulação da atividade económica, como a criação de uma comissão reguladora nos E.U.A. em 1887, a aprovação do Clayton Act nos E.U.A. em 1914, ou a aprovação da primeira Constituição com uma secção dedicada exclusivamente ao enquadramento da atividade económica na Alemanha no início do séc. XX (Bilhim, 2013, pp. 58-59). Terá sido neste contexto que Keynes publicou, em 1926, a sua obra ‘The End of Laissez Faire’ (Bilhim, 2013, pp. 58-59).

120

maior ênfase em atividades de planeamento e controlo central34 (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 17).

Foi no contexto de desenvolvimento da máquina administrativa do Estado que se deu,

igualmente, uma aposta na profissionalização dos funcionários da administração pública,

sobretudo de funcionários de topo35. É neste sentido que alguns autores referem que terá

emergido neste período a Administração Profissional enquanto modelo de estruturação da

Administração Pública, o qual apelava a um reforço do papel dos profissionais nos processos

de elaboração de políticas públicas (Rocha J. A., 2013, pp. 79-80). Desta feita, este novo

modelo de estruturação da administração pública contrariava, de alguma forma, a

predominância do designado Modelo Clássico, o qual, com base nas obras de W. Wilson, F.

Taylor ou M. Weber, advogava princípios como a separação política-administração, a

neutralidade da administração pública, a determinação clara das tarefas dos trabalhadores,

ou o enfoque nos regulamentos e no controlo (Rocha J. A., 2013, pp. 76-80).

Muito embora a emergência da Administração Profissional esteja, de facto, relacionada com

a apresentação de algumas críticas ao Modelo Clássico, Rocha (2013, p. 80) alerta para o

facto de a Administração Profissional ter coexistido com a Burocracia Tradicional weberiana,

que incorporava alguns ideais do Modelo Clássico. Tal como referido por Meuleman (2008,

pp. 21-22) e Araújo (2013a, p. 92), a realidade da Administração Pública em diversos países

ocidentais durante grande parte do séc. XX foi dominada pelos princípios da Burocracia

Tradicional, que se estrutura em torno da divisão vertical do trabalho e da autoridade, da

definição de regras formais de funcionamento, da divisão de tarefas, ou mesmo da disciplina

hierárquica.

A atuação do Setor Público em grande parte dos países ocidentais no período posterior à

Segunda Guerra Mundial caracterizou-se, assim, por um Estado bastante intervencionista,

por uma tentativa de reforço do poder dos profissionais no processo de políticas públicas e

34

Recorde-se que foi neste contexto histórico de expansão da atividade estatal que se deu a emergência e consolidação da Ciência das Políticas Públicas, nos contornos referidos no ponto II-2.1. 35

Recorde-se que foi neste período que foram criadas diversas escolas nas áreas da administração e políticas públicas, tais como a Kennedy School of Government em Harvard, a Graduate School of Public Policy em Berkeley, a École Nationale d'Administration, ou a University of Administrative Sciences Speyer (Hill & Hupe, 2009, pp. 84-85).

121

por uma consequente aposta na formação dos administradores de topo (Rocha J. A., 2013,

pp. 79-80). De igual modo, imperavam também bastante evidentes práticas de planeamento

top-down, princípios de controlo hierárquico e comando burocrático unicêntrico, bem como

uma forte orientação legalista e um forte foco nos procedimentos, por forma a garantir

uniformidade dos serviços na sua relação com os cidadãos (Meuleman, 2008, pp. 21-26;

Osborne, 2010a, pp. 2-3).

Não obstante a sua primazia durante uma parte significativa do séc. XX, o modelo de

atuação do Setor Público com base na Burocracia Tradicional weberiana não esteve

obviamente incólume a críticas36. Algumas dessas críticas relacionam-se com o apego

excessivo às regras, um excessivo departamentalismo e a consequente dificuldade de

coordenação intersectorial, ou uma certa desumanização da burocracia (vide, inter alia,

Merton (1940, pp. 560-566)), ou a desadequação da estrutura burocrática a ambientes

complexos e dinâmicos (vide, inter alia, Burns e Stalker ((1961) 1996)). Estes e outros

problemas poderão constituir possíveis razões para explicar alguma ineficácia dos programas

sociais atrás referidos, apesar dos avultados investimentos financeiros (Kickert, Klijn, &

Koppenjan, 1997d, p. 4).

Face aos problemas e críticas descritos, ter-se-á criado a ideia de que a capacidade de

‘direção’ e ‘intervenção’ por parte dos Governos seria limitada (Kickert, Klijn, & Koppenjan,

1997d, p. 1), quer fosse pelo facto do Estado estar a tornar-se alegadamente

‘sobrecarregado’ (overloaded) por cada vez mais responsabilidades e exigências (Skelcher,

2000; Pierre, 2000a, p. 4), quer fosse pela ideia de uma crescente complexificação dos

problemas societais (Baldock, Manning, & Vickerstaff, 2003, p. 21; Goldsmith & Eggers,

2004, p. 7). Terá sido, assim, neste contexto que terão ganho força os ideais neoliberais37

que defendiam, de uma forma genérica, a redução do peso do Estado, dado que a

36

Tal como referem Clegg (1998, pp. 47-55), Bilhim (2013, pp. 27-28) e Rocha (2013, pp. 78-79), algumas das principais críticas à Administração Científica e à Burocracia Tradicional encontram-se em trabalhos de R. Merton (1940, pp. 560-566), H. Simon ((1946) 2004, pp. 136-140, 144-145), P. Selznick ((1948) 1996, pp. 127-129), ou D. Waldo ((1948) 2004, pp. 150-152), bem como C. Lindblom ((1959) 2005, pp. 26-29), P. Blau e R. Scott, R. Dahl, ou A. Etzioni. 37

Entre outros autores, aqueles que melhor incorporam esta corrente de pensamento são, talvez, F. Hayek, bem como todos os autores que endossam as ideias subjacentes à Teoria da Escolha Pública, dos quais se destacam M. Friedman, A. Downs, G. Tullock, W. Niskanen, bem como J. Buchanan (Catarino, 2009, pp. 96-97; Rocha J. A., 2013, pp. 82-83).

122

intervenção deste produzia efeitos nefastos sobre a eficiência económica e o

empreendedorismo empresarial, promovendo assim uma cultura de dependência social

(Domingues L. , 2005, pp. 18-19).

Estas e outras críticas ao paradigma da intervenção estatal como ‘receita ideal’ ganharam,

entretanto, maior expressão na sequência da recessão económica que se seguiu ao choque

petrolífero da década de 70 do séc. XX, que implicou fortes défices públicos e demonstrou

que os níveis de despesas associados aos Estados de Providência seriam incomportáveis

(Kickert W. , 1997a, p. 17). Perante tal situação e a dificuldade em aumentar os impostos por

forma a arrecadar mais receita, as soluções que se afirmavam mais viáveis seriam a redução

das funções apoiadas pelo Estado, bem como um aumento do esforço por uma maior

eficiência no desempenho das tarefas desempenhadas pelo Setor Público (Kickert W. ,

1997a, p. 17). Nesse contexto, ganhou igualmente expressão a defesa da ideia de que o

Setor Público deveria adotar técnicas de gestão privada por forma a reduzir as despesas, a

ser mais eficiente e a proporcionar serviços com maior qualidade (Kickert, Klijn, &

Koppenjan, 1997d, p. 4; Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 6).

Tal como será explicitado na próxima secção, foi precisamente neste contexto de crise

financeira do Estado e de críticas ao seu elevado intervencionismo e falta de eficácia e

eficiência que surgiu a primeira vaga de reformas do setor público.

IV-1.1.2. A PRIMEIRA VAGA DE REFORMAS DO SETOR PÚBLICO E AS SUAS CRÍTICAS

Tal como referido na secção anterior, diversos Governos do designado mundo ocidental

depararam-se, no início do terceiro quartel do séc. XX, com diversos problemas de

governação que levaram à contestação quanto à forma como o Setor Público estaria a ser

governado e quanto aos elevados níveis de intervencionismo estatal na Economia.

Além das críticas referidas na secção anterior, crescia um certo descontentamento quanto

ao desempenho do Estado, sobretudo perante as dificuldades de redução das desigualdades

sociais através dos largos e dispendiosos programas a que se aludiu anteriormente (Kickert

et al., 1997b: 4) reveladas através da aposta na avaliação de políticas públicas na década de

123

60 (vide, inter alia, deLeon e Vogenbeck (2007, p. 516)). Terá sido neste contexto de

descontentamento que ganhou expressão a ideia de que o Estado estaria a ficar demasiado

sobrecarregado (overloaded), a qual ter-se-á tornado particularmente evidente no contexto

dos primeiros encontros da Comissão Trilateral (Trilateral Commission) no decorrer da

década de 70 (Skelcher, 2000; Pierre, 2000a, p. 4; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012,

pp. 17-18).

Ao contexto de ‘crise política’ referido juntou-se, entretanto, um contexto de crise

económica gerada pelas crises petrolíferas da década de 70 do séc. XX, as quais vieram

desestabilizar o crescimento económico e as taxas de desemprego de muitos países

industrializados, o que teve claras repercussões na capacidade fiscal de muitos Estados

(Kickert W. , 1997a, p. 17; Pierre & Peters, 2000, pp. 52-53). Recorde-se ainda que a década

de 70 foi igualmente marcada por crescentes dinâmicas de globalização e democratização

das sociedades, o que fez com que os contextos de atuação do Setor Público se tornassem

mais complexos e os seus diversos stakeholders tivessem ganho maior poder de influência

(Chhotray & Stoker, 2009, p. 2).

Tal como referem Torfing et al (2012, p. 18), este contexto de ‘crise política e económica’

terá, assim, aberto caminho ao surgimento de Governos e políticas neoliberais, de acordo

com os quais o problema do ‘sobrecarregamento’ do Estado deveria ser resolvido através de

programas de privatização, de contratualização externa da provisão dos serviços públicos e

da introdução de mecanismos de gestão privada nas organizações do setor público.

Na adoção destes princípios reformistas destacam-se, em primeira instância, os governos da

designada ‘Nova Direita’ de M. Thatcher (1979-1990) no Reino Unido e de R. Reagan (1981-

1989) nos Estados Unidos da América, bem como governos de outros países anglófonos

como a Austrália e a Nova Zelândia38 (Carvalho, 2008, p. 72), a que se seguiram muitos

outros países, um pouco por todo o ‘mundo ocidental’ (Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 6). Para

este processo de difusão terão contribuído diversas organizações internacionais, tais como a

OCDE, as Nações Unidas, o Banco Mundial e o FMI, na medida em que defendiam os

38

David Lange (1984-1989) e Sir Geoffrey Palmer (1989-1990), na Nova Zelândia e Robert Hawke (1983-1991), na Austrália (Carvalho, Agendas e Reforma Administrativa em Portugal [Tese de Doutoramento em Ciências Sociais, especialidade de Administração Pública], 2008, p. 72).

124

princípios referidos como mapas de boa governação pública (Carvalho, 2008, p. 73; Pollitt &

Bouckaert, 2011, p. 156). No âmbito desta influência merece destaque o Consenso de

Washington, um evento realizado em 1989 que reuniu personalidades como Reagan,

Thatcher e representantes de entidades como o FMI ou o Banco Mundial, no âmbito do qual

se terão advogado alguns princípios que se pretendia que funcionassem como regras

universais (Bilhim, 2013, pp. 61-62): disciplina orçamental; redução dos gastos sociais;

liberalização financeira e desregulação da atividade económica; privatização de empresas

estatais; liberalização do comércio exterior e abertura ao investimento estrangeiro direto.

Muito embora as pretensões de universalidade dos ideais reformistas aludidos nunca

tenham sido totalmente cumpridas, importa reconhecer que muitas das ideias e medidas

referidas estão subjacentes aos processos de reforma do funcionamento do Estado que

diversos países têm desenvolvido desde a década de 80, quer ao nível económico, quer ao

nível administrativo (Kickert W. , 1997a, p. 18; Pollitt & Bouckaert, 2011, pp. 11-14).

Ao nível económico, estas reformas ter-se-ão baseado, sobretudo, na redução da

intervenção do Estado na economia e na atribuição de um maior papel ao Mercado,

nomeadamente através de políticas de desregulamentação e desregulação da atividade

económica, mas também através da privatização de empresas públicas e da contratualização

externa de serviços públicos com base em princípios de concorrência (Klijn, 2012, pp. 203-

204; Bilhim, 2013, p. 65).

Já ao nível administrativo, este movimento de reforma do Setor Público advogava, entre

outras medidas, uma clara separação das funções de formulação e implementação, bem

como a adoção de técnicas e princípios de gestão privada por parte do Setor Público, tais

como o enfoque na eficiência, na produtividade, na profissionalização da gestão, mas,

sobretudo, na gestão por resultados (em detrimento da gestão por processos) (Klijn, 2012,

pp. 203-204; Araújo J. , 2013a, p. 93).

Concentrando atenção nas reformas de índole mais administrativo, importa, desde logo,

apelar-se à expressão New Public Management (NPM), que é um termo de ‘abreviação útil’

para designar grande parte das reformas administrativas no Setor Público ocorridas em

diversos países ocidentais desde a década de 80, e que pretende traduzir a ideia de

125

aproximação da gestão das organizações do setor público da gestão das organizações do

setor privado (Dunleavy & Hood, 1994, p. 9). A partir do artigo de sistematização de C. Hood

(1991), é possível concluir-se que o NPM se baseava nas seguintes doutrinas:

profissionalização e empoderamento dos gestores públicos, para que pudessem gerir as

suas organizações de forma mais eficiente;

explicitação clara de objetivos de desempenho, por forma a permitir a aferição do

desempenho com base nos resultados;

fragmentação das grandes unidades administrativas em pequenas unidades

(semi)autónomas orientadas para um único fim, por forma a que estas pudessem

especializar-se e ter maior liberdade de gestão e atingir ganhos de eficiência;

contratualização de entidades do setor público e do setor privado para desenvolverem

atividades de provisão de bens e serviços, com base em princípios de competição entre

potenciais implementadores, para fomentar a redução dos custos de produção e maior

qualidade de provisão;

adoção de práticas de gestão de recursos humanos do setor privado, por forma a

aumentar a flexibilidade da gestão do setor público;

disciplina na utilização de recursos, por forma a reduzir os gastos do setor público,

seguindo o mote de “fazer mais com menos”.

Para além destes princípios enunciados por Hood, será necessário referir outros princípios

bastante marcantes do NPM como a conceção do cidadão enquanto cliente e a consequente

introdução de modelos de gestão da qualidade, ou o estabelecimento de parcerias com

atores dos setores privado e não-lucrativo no sentido dos mesmos serem agentes de

implementação de políticas ou agentes de consulta na formulação de políticas (Carvalho,

2008, pp. 75-76; Pierre, 2012, p. 191; Araújo J. , 2013a, p. 95).

Como se pode observar pelo exposto, os processos de governação pública ter-se-ão alterado

bastante no decurso das décadas de 80 e 90 do séc. XX, já que terão colocado em causa um

conjunto significativo de princípios que estariam subjacentes à Burocracia Tradicional e ao

Estado de Welfare. Na tabela abaixo apresentada sumariam-se algumas das mais

importantes diferenças entre os dois modelos.

126

Figura 14. Análise comparada dos modelos Administração Pública Tradicional e Nova Gestão Pública

1940s-1970s 1980s-1990s

Cultura

Estado Intervencionista Ethos Neoliberal de redução da

Intervenção do Estado

Especificidade da gestão pública Adoção de regras de gestão privada

Controlo direto da formulação e da provisão com linhas de autoridade verticalizadas com diferentes níveis

Responsabilidades políticas na formulação mas ‘contratualização’ da

provisão com base em relações principal-agente

Accountability ascendente e ‘julgamento público’ através das

eleições (democracia representativa)

Accountability com maior responsabilização dos gestores

perante os seus clientes

Estrutura e Processos

de Atuação

Estruturas monolíticas e multipropósito

Agências uni-propósito e parcerias/ contratualização com atores dos setores privado e não-lucrativo

Planeamento ao nível da macroestrutura

Planeamento ao nível das unidades organizacionais (nível meso)

Liderança baseada no cumprimento da lei e dos procedimentos

(uniformidade ao nível das regras)

Liderança gestionária, baseada na escolha entre soluções alternativas

(autonomia dos agentes do terreno)

Controlo direto, através de regras e fiscalização

Controlo indireto, através dos resultados de desempenho

Fonte: produção própria, com base em Hudson e Lowe (2004, p. 93) e complementado por Carvalho

(2008, pp. 88-90) e Bilhim (2013, p. 40).

Considerando as diferenças apresentadas, merece, desde logo, destaque o facto de o Estado

Neoliberal advogar a redução da intervenção do Estado e a atribuição de um maior papel ao

Mercado, bem como a adoção de regras e mecanismos de gestão do setor privado para

atingir os fins do aumento da eficiência e eficácia do funcionamento do setor público (Klijn,

2012, pp. 203-204). Para além destes princípios mais gerais, advogava-se ainda a

concentração do poder político em questões mais estratégicas, deixando este de se

preocupar tanto com questões de carácter mais operacional e administrativo como

acontecia anteriormente (Araújo J. , 2013a, p. 95). Neste sentido, defendia-se uma clara

separação das funções de formulação e implementação, na medida em que esta última

deveria ser contratualizada, quer com as ditas agências públicas (semi-)autónomas e

orientadas para um único fim, quer com atores dos setores privado e não-lucrativo (Hood,

127

1991, p. 5; Bouckaert, Peters, & Verhoest, 2010, p. 8). Desta feita, a tradicional

accountability ascendente e de responsabilização política, baseada num ‘julgamento’ da

qualidade dos serviços públicos através de eleições, dá lugar a uma maior responsabilização

dos gestores relativamente às suas decisões e às consequências das mesmas (Carvalho,

2008, p. 89), inclusivamente perante os cidadãos, os quais, de acordo com os princípios do

NPM, deverão ser entendidos enquanto clientes.

Face a todo este contexto, o Setor Público deixa de ser constituído maioritariamente por

grandes estruturas monolíticas e que agregavam múltiplos propósitos para passar a

acomodar também agências uni-propósito e a relacionar-se muito mais frequentemente

com atores dos setores privado e não-lucrativo, na medida em que procedia à

contratualização dos mesmos para a provisão de serviços públicos (Skelcher, 2000, p. 7;

Araújo J. , 2013a, p. 93). De igual modo, considerava-se necessário que os gestores das

unidades implementadoras não tivessem de estar restringidos ao cumprimento de regras

uniformes mas que tivessem maior autonomia de gestão (Araújo J. , 2013a, p. 95). Para que

tal autonomia fosse possível, o controlo das atividades destas unidades já não deveria fazer-

se seguindo uma definição a priori de regras e procedimentos a serem cumpridos, mas antes

através da definição prévia de metas e do controlo a posteriori dos resultados – havendo

assim, um enfoque nos resultados em detrimento dos processos (Hood, 1991, pp. 4-5).

A aposta no modelo de implementação de políticas descrito segue, portanto, a lógica que os

“governos atuam como compradores hábeis que decidem o que querem, especificam os

resultados, e decidem que organização – pública, se bem que autónoma, sem fins lucrativos

ou privada – poderá melhor disponibilizar o serviço” (Klijn, 2012, p. 205). Para Klijn (2012, p.

205), o eventual sucesso deste modelo de estruturação da implementação dependerá de

duas condições: por um lado, da especificação clara do produto e dos objetivos a alcançar,

necessária para que o desempenho do contratado possa ser avaliado; e, por outro lado, da

capacidade de monitorização efetiva, nomeadamente para garantir que o contratado

desempenha as suas funções com a qualidade suficiente.

Muito embora o New Public Management seja ainda um movimento de reforma

administrativa com significativa expressão ao nível mundial, a aplicação dos seus princípios

128

tem sido alvo de diversas críticas. A propósito das críticas mais comuns ao NPM, Dunleavy e

Hood (1994, pp. 10-13) dão conta de quatro grupos de análises:

as críticas fatalistas, que referem que o NPM não conseguiu corrigir grande parte dos

problemas da governação pública a que se propunha;

as críticas individualistas, que advogam que o NPM foi pouco longe na adoção de

soluções de mercado;

as críticas hierárquicas, que temem que o NPM se foque demasiado na gestão e perca a

visão estratégica;

as críticas igualitárias, que temem que a adoção do NPM gere situações de corrupção e

clientelismo pela perda dos circuitos tradicionais de accountability.

Para além das críticas acima referidas, uma outra frequente crítica ao NPM é ter ignorado as

especificidades do setor público face ao setor privado e ter assumido que este último era

necessariamente superior (Meuleman, 2008, p. 29). De igual modo, é frequente referir-se

que as pretensões universalistas do NPM não acautelaram devidamente os contextos, na

medida em que a matriz anglófona do NPM nem sempre se revela adequada à realidade de

outros países, nomeadamente os que têm uma cultura mais legalista, como é o caso da

Alemanha, da França ou dos países da Europa do Sul (Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 10).

Para além destas críticas mais genéricas, Rhodes (1997, p. 55) considera que as principais

desvantagens do New Public Management estarão relacionadas, sobretudo, com o excessivo

foco intraorganizacional das organizações implementadoras, advindo da obsessão

exacerbada com os objetivos e resultados. No mesmo sentido, alguns autores referem que a

excessiva especialização e autonomia das unidades implementadoras conduziu a problemas

relacionados com a menor capacidade de controlo político das atividades, o menor carácter

estratégico da tomada de decisões com a perda de coordenação e coerência entre políticas e

a excessiva segmentação dos problemas (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Dahlström,

Peters, & Pierre, 2011a, pp. 4-7; Araújo J. , 2013a, p. 96). De referir, por fim, as críticas

relativas à possibilidade do NPM poder promover uma debilitação de valores democráticos

129

como a equidade, a justiça ou a representação, em consequência do seu enfoque na

eficiência organizacional (Denhardt & Denhardt, 2000, p. 550).

Perante estas críticas, que terão ganho particular expressão na década de 90 do séc. XX,

começou a surgir um conjunto de medidas que pretendiam reverter alguns dos problemas

resultantes do NPM, ao qual se poderá atribuir a designação de segunda vaga de reformas

do setor público ou Reformas Pós-NPM (vide, inter alia, Christensen e Lægreid (2007b)). Para

alguns autores, esta segunda vaga de reforma deu origem a um novo modelo de

estruturação da governação pública – a (Nova) Governança Pública (New Public Governance)

(vide, inter alia, Bovaird e Löffler (2003a) e Osborne (2006)).

IV-1.1.3. A SEGUNDA VAGA DE REFORMAS DO SETOR PÚBLICO E AS SUAS POTENCIAIS CRÍTICAS

Tal como referido na secção anterior, a governação pública em diversos países ocidentais foi

alvo de expressivas reformas na década de 80 e início da década de 90 do séc. XX, quer ao

nível económico, quer ao nível gestionário e estrutural (estas últimas sob a frequente

designação de New Public Management).

A propósito das reformas descritas no último ponto deste trabalho, sobretudo as de nível

gestionário e estrutural, importa frisar que, muito embora estas tenham tido (e ainda

tenham) forte expressão em diversos países, têm também dado origem a diversos

problemas. Destacam-se, no rol de problemas, a obsessão excessiva das organizações

públicas com o cumprimento dos seus próprios objetivos e resultados em detrimento dos

impactos das políticas públicas, bem como a diminuição da capacidade de controlo da

governação pública por parte dos atores políticos, ou mesmo uma certa perda de

coordenação e coerência entre políticas e de uma visão mais estratégica e sistémica

(Rhodes, 1997, p. 55; Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters,

2007, p. 326; Dahlström, Peters, & Pierre, 2011a, pp. 4-7). Estes desafios colocados à

coordenação intersetorial e interorganizacional tornaram-se, entretanto, particularmente

prementes no final da década de 90 e início do séc. XXI com a crescente preocupação com

alguns problemas complexos que requeriam intervenções intersetoriais e multinível (wicked

130

issues), dos quais se destacam as questões ambientais e as questões de segurança interna

(Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060).

A segunda vaga de reformas do setor público ocorridas desde a segunda metade da década

de 90 do séc. XX, frequentemente referidas como ‘reformas de governança’ ou ‘reformas

Pós-NPM’, tem precisamente como enfoque principal solucionar ou minorar alguns destes

problemas, através de uma particular atenção aos desafios da integração e coordenação

entre atores, na sua dimensão horizontal, mas também vertical (Pollitt C. , 2003, p. 34; 6,

2004, p. 103; Christensen & Lægreid, 2007a, pp. 1059-1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters,

2007, p. 326). Tal como referem Christensen e Lægreid (2012, p. 255), as medidas

relacionadas com a dimensão horizontal da coordenação pretendiam, sobretudo, quebrar a

lógica setorial da administração pública, permitindo o desenvolvimento harmonioso de

programas e projetos intersectoriais, ao passo que o enfoque na dimensão vertical da

coordenação tinha por propósito a recuperação de algum controlo por parte do poder

político e o desenvolvimento de políticas com uma maior consistência entre níveis de

governo.

Relativamente à dimensão horizontal, têm sido formuladas propostas de incremento da

participação de atores societais na formulação e implementação de políticas públicas através

de novas configurações de governação negociada e de orientação horizontal, tais como as

parcerias público-privadas, alianças estratégicas, comités consultivos, ou redes

interorganizacionais (Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3). Neste conjunto de configurações

de governação merecem particular destaque as redes de governação, as quais se revelam

particularmente adequadas para os wicked issues, na medida em que estes estão

frequentemente envoltos em divergências quanto à sua natureza e às propostas de

intervenção (Klijn, 2012, p. 207). Desta feita, a proposição e posterior adoção destas formas

de governação advém das suas potencialidades em termos de coordenação, flexibilidade,

inovação, aprendizagem mútua e partilha de recursos e riscos (vide, inter alia, Goldsmith e

Eggers (2004, pp. 25-38), Meuleman (2008, p. 31) ou McQuaid (2010, pp. 130-133)).

De acordo com Hill e Hupe (2009, p. 92), a aposta numa lógica de atuação em rede e

parcerias entre atores por diversos Governos ocidentais terá sido particularmente inspirada

131

pelo exemplo holandês, nomeadamente pela sua tradição de governação com base na

procura de consensos através de práticas de consulta, descentralização e participação, que

terá sido incrementada pelo governo de coligação de partidos de esquerda e direita entre

1994 e 2002. Esta ideia é também partilhada por Kickert (1997b, p. 748) que, em 1997, se

referia ao modelo holandês – que apelidou de ‘public governance’ – como uma potencial

alternativa ao NPM, na medida em que não tinha uma lógica intraorganizacional, mas um

enfoque nas relações entre as organizações públicas e os seus ambientes sociopolíticos.

Esta ótica de promoção de práticas de governação interorganizacional terá sido, por sua vez,

também adotada por outros governos ‘progressistas’ eleitos na década de 90, tais como os

executivos de T. Blair no Reino Unido (1997-2007), de B. Clinton nos E.U.A. (1993-2001), de

G. Schröder na Alemanha (1998-2005), de L. Jospin na França (1997-2002) ou de G.

Verhofstadt na Bélgica (1997-2008) (Hill & Hupe, 2009, p. 93). Tal como sugerido por Hill e

Hupe (2009, p. 93), algumas destas administrações terão sido também influenciadas pela

designada ideologia de ‘Terceira Via’39, proposta por A. Giddens40, que advogava medidas

como a promoção da participação e corresponsabilização dos cidadãos e da sociedade civil.

Para além desta maior aproximação do setor público em relação a atores societais, a

segunda vaga de reformas implicou ainda diversas medidas de promoção da coordenação

horizontal entre organizações do setor público. Tal esforço consubstanciou-se em medidas

como fusões entre organismos estatais, reintegrações de agências nos ministérios,

estandardização da atuação das agências, mas também em esforços para promover uma

maior coordenação e colaboração entre diferentes organizações e diferentes setores de

políticas públicas (Bouckaert, Peters, & Verhoest, 2010, p. 260; Van Thiel, Verhoest,

Bouckaert, & Lægreid, 2012, pp. 435-438). De acordo com Christensen e Lægreid (2012, p.

260), este tipo de objetivos relacionados com a promoção da coordenação entre

organizações foi particularmente premente nos designados ‘assuntos transversais’ (wicked

39

Tal como referem Baldock et al (2003, p. 21), a expressão ‘Terceira Via’ referia-se a um conjunto de ideias e propostas que se posicionam ideologicamente entre os ideais neoliberais do Partido Conservador Britânico, que defendia a privatização e a individualização, e o ‘Old Labour’ que era apologista de um Estado centralizado e redistributivo. 40

A propósito da influência da conceção da ‘terceira via’ nestes movimentos de reforma, importa frisar que Giddens foi ideólogo de muitas das reformas do governo de T. Blair, tendo sido, inclusivamente, seu assessor político.

132

issues) e deu origem a um vasto conjunto de iniciativas, tais como a criação de comités,

unidades interministeriais ou interorganizacionais, grupos de trabalho, ou projetos e

programas intersectoriais.

No decurso deste mesmo período, sobretudo desde o início da primeira década do séc. XXI,

assistiu-se ainda à adoção de diversas estratégias de ‘recentramento’ como reação a uma

certa perda de controlo da governação pública por parte do poder político (Dahlström,

Peters, & Pierre, 2011a, pp. 8-17). De acordo com Dahlström et al (2011a, pp. 11-17; 2011b,

pp. 265-269), estas estratégias de ‘recentramento’ tiveram um duplo alinhamento: por um

lado, estratégias direcionadas para a recuperação de maiores níveis de controlo por parte do

Governo Central (holding on strategies), nomeadamente através de nomeações políticas dos

cargos de topo da administração pública e/ou do aumento do poder dos assessores

políticos, as quais terão sido particularmente incrementadas em países como o Reino Unido

ou a Suécia, que tinham tradicionalmente baixos níveis de politização; e, por outro lado,

estratégias mais direcionadas para o reforço da capacidade de coordenação e atuação

estratégica por parte do Governo (restoring the centre strategies) e que terá implicado a

adoção de medidas como o desenvolvimento de serviços de apoio ao chefe de Governo (ex.:

comités ou grupos de trabalho) com maior capacidade analítica, o reforço do poder de

chefes de Governo, ou mesmo a intensificação de sistemas de reporte e controlo

relativamente a agências (semi-)autónomas e a níveis subnacionais de Governo.

Considerando que estas estratégias de promoção da coordenação vertical e sobretudo

horizontal entre organismos públicos surgiram, em certa medida, como forma de contornar

os problemas da excessiva e centrífuga fragmentação e especialização, não será de

estranhar que as mesmas tenham tido particular importância em países em que o NPM teve

maior expressão (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1059; Dahlström, Peters, & Pierre,

2011b, p. 264). Destaca-se, neste âmbito, o executivo de Blair (1997-2007)41,

nomeadamente através de um conjunto de iniciativas que recebeu a designação de ‘joined-

up government’ (vide, inter alia, Pollitt (2003)). No mesmo sentido, este movimento de

reformas (cuja designação agregadora passou, entretanto, a ser ‘whole-of-government’)

41

Muito embora reconheça que esta preocupação terá tido maior expressão através do Executivo de Tony Blair, Perri 6 (2004, p. 121) chama a atenção para o facto do Executivo de John Major (1990-1997) ter já anteriormente demonstrado preocupação com estas questões.

133

rapidamente assumiu também bastante importância em diversos outros países ocidentais42,

como é o caso da Nova Zelândia, Austrália, alguns países Escandinavos, bem como os

Estados Unidos da América, este último sob a designação de ‘collaborative public

management’ (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1059). Tal como refere Perri 6 (2004, pp.

119-120), desenvolveram-se também alguns esforços desta natureza em países da Europa

Continental, ainda que não tenha havido uma mudança drástica tão grande, uma vez que a

Alemanha e a França não haviam adotado o NPM de forma tão expressiva, e alguns países

como a Holanda, que já tinham uma longa tradição de fomento de relações

interorganizacionais.

Focando atenção, sobretudo, na dimensão da coordenação horizontal promovida por esta

segunda vaga de reformas, é possível observar um significativo conjunto de alterações na

governação sugeridas pelo modelo da ‘nova governança pública’, das quais se destacam as

apresentadas na figura que se segue.

Como foi possível observar pelo descrito, a grande marca distintiva desta segunda vaga de

reformas do setor público foi a sua orientação interorganizacional, cuja aposta resultou da

crescente perceção de interdependência entre atores e a consequente necessidade de

coordenação por forma a fomentar uma tomada de decisão mais estratégica, fundamentada

e, em alguns casos, mais legitimada (Klijn, 2012, pp. 206-207; Christensen & Lægreid, 2012,

pp. 256-257). Terá sido, portanto, neste âmbito que o recurso a redes interorganizacionais

no âmbito da governação pública começou a ser encarado, não apenas como uma

inevitabilidade, mas também como um mecanismo de coordenação legítimo e

potencialmente eficaz para intervir em diferentes domínios, sobretudo nos mais complexos

(Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 2; Christensen & Lægreid, 2012, p. 257). Será,

portanto, considerando este contexto de relações interorganizacionais que Klijn (2012, p.

207) e Christensen e Lægreid (2012, p. 258) referem que os atores políticos e os funcionários

públicos têm, necessariamente, de desenvolver competências ao nível da facilitação e

gestão de redes, o que implica, entre outras atividades, a ativação de atores, a harmonização

das interações, ou ainda a definição de regras processuais.

42

Para maiores detalhes sobre as experiências de diferentes países, veja-se Christensen e Lægreid (2007b), Bouckaert, Peters e Verhoest (2010) e Dahlström, Peters, & Pierre (2011a).

134

Figura 15. Análise comparada dos modelos Nova Gestão Pública e (Nova) Governança Pública

Nova Gestão Pública (Nova) Governança Pública

Foco Enfoque intraorganizacional Orientação interorganizacional, entre atores do setor público e entre estes e

atores do setor privado

Principal objetivo Melhoria da eficiência e eficácia

organizacional Coordenação e qualidade

da tomada de decisão

Principais ideias/ técnica de

gestão

Utilização de instrumentos de gestão empresarial (mecanismos de mercado, indicadores de desempenho, conselhos

de consumidores) para melhorar a provisão dos serviços

Utilização de instrumentos de gestão de redes (ativação de atores,

investigação e recolha de informação conjunta, harmonização das

interações, regras processuais, etc)

Estruturação da implementação

Desagregação de funções para unidades especializadas,

contratualização e privatização

Padrão misto de provisão através de serviços internalizados, de serviços

contratualizados e de redes de provisão

Papel dos políticos

Políticos têm um papel estratégico de definição de objetivos a serem

contratualizados com implementadores

Políticos são vistos como ‘sponsors’ de acordos com compromissos de

múltiplos stakeholders

Papel dos funcionários

públicos

Funcionários públicos devem ser gestores públicos com autonomia

Funcionários públicos são gestores de redes e líderes de parcerias

Padrões de controlo de

desempenho

Padrões de desempenho explícitos e controlo dos resultados

Foco mais processual e baseado em regras de imparcialidade e de ética e com um controlo centralizado mais

forte

Relação com a complexidade

A sociedade é complexa, sendo portanto necessário definir objetivos claros de implementação, ao mesmo tempo que se deve evitar interações

complexas com a sociedade

A sociedade é complexa e interdependente, pelo que a interação com atores societais é não só inevitável como necessária para atingir impactos

satisfatórios

Fonte: com base em Klijn (2012, p. 209) e Christensen e Lægreid (2012, p. 256)

De igual modo, esta segunda vaga de reformas distingue-se por não ter tanto um enfoque na

melhoria dos níveis de eficácia e eficiência das organizações e dos serviços públicos, mas

antes na eficácia das políticas públicas na melhoria das condições de vida dos cidadãos

135

(Bovaird & Löffler, 2003b, p. 18; Löffler, 2003, pp. 165-166), ou seja, naquilo que Moore43

designou por criação de ‘valor público’ (Stoker G. , 2006, p. 47).

Não obstante as mais-valias desta orientação interorganizacional, esta comporta também

alguns problemas, nomeadamente processos de decisão mais morosos, com conflitos entre

atores quanto à natureza dos problemas e das intervenções, uma divisão de

responsabilidades pouco clara, e processos de participação pouco abertos a atores para

além dos grupos de interesse poderosos (vide, inter alia, Pollitt (2003, pp. 38-39), Goldsmith

e Eggers (2004, pp. 39-52), Meuleman (2008, pp. 34-35) e McQuaid (2010, pp. 134-138)). A

este mesmo propósito, Peters (2010, pp. 41-43) refere que existem quatro tipologias de

problemas, nomeadamente ao nível da decisão, da participação, da coordenação e da

accountability.

***

Como é possível observar, a emergência dos novos modelos de governação pública – ‘Nova

Gestão Pública’ e ‘(Nova) Governança Pública’ –, que ocorreu no último quartel do séc. XX e

no início do séc. XXI, foi responsável por profundas mudanças na estrutura e processos de

funcionamento da governação pública em diversos países do designado mundo ocidental.

Foi, portanto, no âmbito dessas transformações que se estruturaram dois modelos de

governação pública alternativos à Administração Pública Tradicional – a ‘Nova Gestão

Pública’ e a ‘(Nova) Governança Pública’ – aos quais (é útil recordar) estavam inerentes

propostas de reforma que tinham inerentes diversas virtudes, mas também problemas

recorrentes. Nesse sentido, importa sumariar quais as principais características, virtudes e

potenciais problemas destes dois novos modelos de governação pública (ver figura abaixo).

43

Moore, Mark. 1995. Creating public value. Cambridge: Harvard University Press.

136

Figura 16. Comparação entre os três modelos de Administração

Modelo de Administração

Pública

Administração Pública Tradicional

Nova Gestão Pública (Nova) Governação

Pública

Agenda Política Disponibilizar amplos programas públicos

Promover a redução do Estado

Solucionar questões transversais

Tipo de relação Hierárquica Autónomas Interdependentes

Gestão de relações

Clareza nas tarefas e nas funções e garantia de recursos suficientes

(gestão via inputs)

Padrões de desempenho e cumprimento de contratos

(gestão via outputs)

Ativação e gestão de parcerias e prossecução de

objetivos

(gestão via outcomes)

Principais virtudes

- Firmeza e rapidez

- Equidade, confiança e objetividade

-Responsabilidades claras

-Orientação para os custos e incentivos à eficiência

- Decisões legitimadas e validadas

- Sinergias e promoção de aprendizagem

Problemas recorrentes

- Falta de flexibilidade - Ineficácia

-Demasiada ênfase no autointeresse organizacional

- Instabilidade do sistema - Desequilíbrio de

informação

- Lentidão e morosidade de processos de tomada de decisão

- Falta de clareza de responsabilidades

- Falta de capacidade de enforcement

Fonte: produção própria, com base em Kickert, Klijn and Koppenjan (1997d, p. 10), Osborne (2010a,

p. 10) e Bouckaert, Peters e Verhoest (2010, p. 35)

Apesar da ampla influência que estes novos modelos acarretaram, é particularmente

importante frisar que a sua emergência não implicou o completo desaparecimento do

modelo de administração pública tradicional. Assim, o próximo ponto analisa as principais

mudanças ao nível da governação destes novos modelos de administração pública, bem

como os desafios inerentes ao carácter híbrido da governação pública na atualidade.

137

IV-1.2. Novos Modos de Governação Pública Interativa, Hibridismo e Metagovernação

As estruturas e os processos de governação pública de um largo conjunto de países do

designado ‘mundo ocidental’ foram alvo de diversas mudanças no decurso das últimas

décadas, através de diferentes vagas de reforma, tal como abordado ao longo do ponto IV-

1.1 deste trabalho. De acordo com Pierre e Peters (2000, pp. 52-66; Pierre, 2000a, pp. 1-2),

estas dinâmicas de mudança na governação dos Estados devem-se à confluência de um

conjunto de fatores anteriormente descritos, tais como a discussão quanto à ‘sobrecarga dos

Governos’, a crise financeira do Estado, a afirmação da ideologia do Neoliberalismo, a

globalização económica e política, a frustração quanto ao desempenho do Estado, a

reivindicação de maior poder de decisão por parte de atores públicos subnacionais, bem

como a maior importância atribuída a assuntos transversais (wicked issues).

Face aos desafios económicos e políticos descritos, tornou-se cada vez mais evidente a

necessidade de se proceder a algumas alterações na estrutura e processos de governação

pública, já que os modos tradicionais de governação estavam a demonstrar-se

desadequados por serem demasiado fechados, formalistas e rígidos (Torfing, Peters, Pierre,

& Sørensen, 2012, p. 9). Desta feita, imperava a ideia da necessidade de, por um lado,

redefinir o papel do Estado na governação e na prestação de serviços públicos e de, por

outro lado, aumentar os pontos de interação entre Estado e Sociedade Civil (Pierre, 2012, p.

191).

É precisamente no âmbito destas reformas que surgem novos modos de governação que

alguns autores apelidaram, de forma genérica, de governação pública interativa, que tem

inerente um “processo complexo através do qual uma pluralidade de atores sociais e

políticos com interesses divergentes interagem por forma a formularem, promoverem e

concretizarem objetivos comuns através da mobilização, troca e aplicação de um conjunto

de ideias, regras, e recursos” (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 14).

138

A partir da definição de governação pública interativa apresentada, Torfing et al (2012, pp.

14-15) consideram que existem algumas características particularmente relevantes que

sobressaem desta nova conceção de governação, nomeadamente:

- a complexidade do processo, em detrimento de uma abordagem às estruturas e

instituições formais organizadas de forma linear, focando, assim, os processos de

interação entre atores governativos e não-governativos no âmbito dos processos de

políticas públicas que se caracterizam, por conseguinte, por dinâmicas de troca;

- a definição e prossecução de objetivos comuns, não obstante a existência de interesses,

vontades e convicções diferentes, por vezes até conflituantes, dando lugar à produção de

valor público;

- a decentralização do processo, na medida em que os objetivos são definidos, formulados

e concretizados através da interação entre uma pluralidade de atores estatais, privados e

da sociedade civil, não obstante a possibilidade de alguns atores poderem ter uma

posição diferenciada.

Tal como se torna evidente pela caracterização dos novos modos de governação interativa

apresentada, uma das principais alterações na governação pública de muitos países

ocidentais foi, com efeito, o crescente envolvimento no processo de políticas públicas por

parte de atores não-públicos, bem como de atores públicos supranacionais e subnacionais,

ou mesmo atores públicos (semi-)autónomos. É, portanto, neste sentido, que alguns autores

(vide, inter alia, Jessop (2002, pp. 193-201) e Levi-Faur (2012, p. 7)) referem que a

autoridade tradicionalmente adstrita aos governos nacionais centrais tem vindo a

institucionalizar-se também em outras arenas, ‘deslocando-se’ em três direções: 1)

ascendente (upwards), nomeadamente para atores supranacionais, tais como a U.E. ou a

W.T.O.; 2) descendente (downwards), designadamente para atores subnacionais, tais como

as regiões ou os municípios; 3) horizontal (outwards), quer seja para atores públicos com

alguma autonomia face ao poder político ministerial, quer seja para atores dos setores

privado e não-lucrativo. Terá sido perante este cenário de ‘transferência de autoridade’ que

139

alguns autores (vide, inter alia, Rhodes (1997, p. 57) e Milward e Provan (2000)) começaram

a utilizar a noção de ‘esvaziamento do Estado’.

Considerando o contexto acima descrito, os próprios focos de atenção da governação

pública mudaram, deixando de ser tanto as instituições oficiais, o comando e controlo, os

procedimentos e os diferentes recursos (inputs), para passar a ser o processo, a interação, o

desempenho e os resultados (outputs) (Pierre, 2012, p. 187).

É, portanto, neste contexto que a noção de ‘governança’ tem vindo a ganhar cada vez mais

popularidade, na medida em que encerra, em si mesma, promessas de maior interação

entre atores, de processos de decisão mais baseados no conhecimento, de soluções para os

problemas societais mais inovadoras, de uma implementação de políticas públicas mais

flexível e mais coordenada, bem como da concretização de ideais democráticos de inclusão e

empoderamento da sociedade civil (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 9).

Apesar das transformações descritas, Torfing et al consideram que a noção de ‘deriva do

governo para a governança’ (shift from government to governance) ou ‘esvaziamento do

Estado’ são perigosas. De acordo com estes mesmos autores (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 10), esta conceção de mudança completa de modos de governação não

só está a menorizar os aspetos negativos que poderão advir da governação interativa, como

tem também alguns outros perigos implícitos, nomeadamente: a propagação de uma ideia

demasiado simplista de transição entre passado e presente; a assunção destas mudanças

como um jogo soma-zero, ao considerar que o aumento das novas formas de governança se

faz à custa da retirada do Governo; bem como, a negação ou ofuscação do papel do

Governo. De facto, não obstante se admita habitualmente que o “Estado já não tem o

monopólio sobre o conhecimento ou os recursos económicos e institucionais necessários

para governar” (Pierre & Peters, 2000, p. 68), há que reconhecer também que a emergência

destas ‘novas formas de governança’ não terá ditado o fim das tradicionais formas de

governação (Pierre, 2000a, p. 3; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 10-11).

É, portanto, face ao contexto acima descrito que Kooiman (2000, p. 139) refere que será

mais adequado a referência à expressão ‘mudança dos papéis do Estado’ do que ‘diminuição

dos papéis do Estado’. Tal como aduzem Pierre e Peters (2005, pp. 3-5), apesar de ser

140

claramente percetível que o Estado tem cada vez mais dificuldades em governar num estilo

de ‘comando e controlo’, este continua a desempenhar um papel central nas quatro

principais atividades das novas formas de governança: articulação de objetivos e prioridades;

criação de coerência entre atividades; coordenação e gestão de diversos atores e atividades

na prossecução dos objetivos; e, garantir a accountability. Estes autores referem, aliás, que

estas novas formas de governança requerem ainda maior capacidade institucional do Estado

do que as tradicionais formas de governação pública, tanto ao nível dos recursos humanos,

financeiros e de conhecimento, como ao nível da confiança e da legitimidade (Pierre &

Peters, 2005, p. 7).

Tal como referem Christensen e Lægreid (2011, p. 419) e Torfing et al (2012, pp. 10-11), as

realidades da governação pública atuais são claramente ‘mixes’ de características estruturais

e culturais de diferentes modos de governação, as quais apresentam geometrias variáveis

entre diferentes domínios de políticas públicas, diferentes países e diferentes momentos do

tempo.

O hibridismo de modos de governação é, com efeito, uma das mais evidentes características

da governação pública do século XXI, já que a realidade da governação pública dos países

ocidentais combina diferentes elementos dos modos tradicionais de governação pública com

elementos dos novos modos de governação (Osborne, 2010a, p. 2; Christensen & Lægreid,

2011, pp. 407-408, 419 ; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 26, 29; Klijn, 2012, pp. 202, 211-

212).

A propósito das diferentes conjugações de maior ou menor intervenção de diferentes atores

sociais e políticos, importa referir o trabalho de Kooiman (2000, p. 145; 2003, pp. 79-131),

que refere que coexistem na atualidade três grandes modos de governação:

- autogovernação: modo de governação composto predominantemente por entidades

sociais autónomas e com capacidade de se autogovernarem, situação que origina a

criação de sistemas autorreferenciados, auto-organizados e autogeridos, e em que a

maioria das relações são relativamente abertas, flexíveis e espontâneas (‘interferences’,

tal como designadas pelo autor), sendo a governação de algumas profissões ou a

conceptualização da governação dos bens comuns de Ostrom exemplos disso mesmo;

141

- cogovernação: modo de governação que agrega entidades que colaboram e cooperam

entre si, na medida em que são interdependentes, ainda que autónomos entre si, daí que

as interações entre estes sejam geralmente horizontais e semiformais (‘interplays’, tal

como designadas pelo autor), tal como acontece nos casos das parcerias público-privadas

ou nas redes;

- governação hierárquica: modo de governação que se baseia essencialmente em relações

de autoridade entre entidades, com interações predominantemente ‘verticais’ e formais

(‘interventions’, tal como designadas pelo autor), tal como sucede entre o Estado e os

seus cidadãos através de leis e políticas públicas.

De acordo com Christensen e Lægreid (2012, pp. 262-263), os ditos processos de

sedimentação poderão ocorrer devido aos seguintes conjuntos de fatores: em primeiro

lugar, porque a inclusão de características de diferentes modos de governação nos processos

de reforma tendem a gerar menos conflitos políticos e a facilitar a concretização de

compromissos; em segundo lugar, porque as medidas de reforma são ‘vendidas’ como novas

e mais modernas, quando na verdade são, muito frequentemente, propostas de

continuidade mas com diferentes designações; e, por último, devido a mecanismos de ‘path-

dependency’, que dificultam a introdução de novidades nas organizações.

Muito embora as ‘conjugações’ de diferentes modos de governação possam dar origem a

complementaridades que serão discutidas adiante, estas podem, contudo, ser também uma

fonte de potenciais falhas de governação, não só porque cada um dos modos de governação

tem potenciais desvantagens anteriormente descritas, mas também porque poderão estar a

ser conjugadas ideias e culturas de governação potencialmente conflituantes (Meuleman,

2008, pp. 51-55; Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 29;

Keast, Mandell, & Brown, 2006, p. 40).

Em relação aos potenciais problemas de cada um dos modos de governação (ver Figura 16),

importa recordar que as hierarquias tradicionalmente associadas à Administração Pública

Tradicional tendiam a causar problemas ao nível da falta de flexibilidade e da ineficácia. Por

142

sua vez, os (quasi-)mercados geralmente associados à Nova Gestão Pública tendem a causar

problemas associados com a excessiva fragmentação do sistema e consequentemente

demasiada ênfase no autointeresse organizacional. Por fim, as redes interorganizacionais

usualmente associadas ao modelo da ‘(Nova) Governança Pública’ tendem a gerar

problemas de lentidão e morosidade nos processos de decisão, falta de clareza de

responsabilidades, bem como algumas dificuldades de concretização.

Já no respeitante aos potenciais conflitos entre modos de governação, Meuleman (2008, pp.

52-55) e Sørensen e Torfing (2007e, pp. 298-299) destacam, por sua vez, os seguintes

aspetos: as hierarquias poderão prejudicar as redes ao definir ‘regras de funcionamento’

demasiado rígidas, ao forçar a existência de redes ou pelo facto de alguns parceiros das

redes terem problemas de ‘double-hat’; as lógicas de mercado podem prejudicar as redes ao

criar um clima de concorrência que dificulta a confiança necessária para as atividades da

rede; as redes podem prejudicar as lógicas de mercado se os processos de tomada de

decisão forem muito lentos.

Não obstante os potenciais problemas que possam causar, as ‘conjugações’ entre modos de

governação não devem, contudo, ser vistas como necessariamente nefastas, já que poderão

comportar vantagens em termos de flexibilidade e adaptabilidade (Sørensen & Torfing,

2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 55-57; Christensen & Lægreid, 2011, p. 420). Ao

nível das potenciais complementaridades entre modos de governação, Meuleman (2008, pp.

55-57)44 e Sørensen and Torfing (2007e, pp. 298-299) referem os seguintes exemplos: o

facto de as redes resultarem frequentemente da iniciativa de hierarquias; o facto das

estratégias em rede darem lugar a hierarquias após processos de formalização; o facto de as

redes estarem, em alguns casos, a promover a ‘reunião’ de atores que se haviam separado

como resultado das estratégias de fragmentação da governação por mercado; o facto de a

lógica concorrencial dos mercados poder dar origem a inovações que poderão ser

posteriormente partilhadas em rede.

44

B. Guy Peters (2010, pp. 37-38) referia, em 2010, que esta obra de Meuleman “tinha disponibilizado a discussão mais completa do conceito de metagovernação disponível no momento, focando-se na sua relação com os três modos de governação convencionais: hierarquias, mercados e redes”.

143

A frequente expressão ‘mix is what matters’ depara-se, no entanto, com a dificuldade de

determinar o ‘mix’ ideal, o que também é resultado da reduzida investigação desenvolvida

sobre as melhores formas de conjugar diferentes modos de governação (Keast, Mandell, &

Brown, 2006, pp. 37-38; Christensen & Lægreid, 2011, p. 420; Kooiman, 2000, p. 154).

Terá sido, portanto, face à constatação da existência de potenciais problemas em cada um

dos modos de governação e na conjugação entre estes que, na década de 90, surgiram os

estudos subordinados à temática da metagovernação, através de autores como Jessop,

Kooiman, Dunsire ou Mayntz e Scharpf, e que se debruçam sobre a identificação e análise de

formas mais eficazes de coordenação das estruturas e práticas de governação (Jessop, 2011,

pp. 106-108; Meuleman, 2008, pp. 52-55; Peters, 2010, p. 37). Tendo, portanto, por base os

três principais modos de governação anteriormente descritos, Jessop (2011, p. 114)

considera que os principais modos de governação serão o redesenho dos mercados, a

promoção da inovação e (re)desenho da organização do setor público, bem como a mudança

na composição ou articulação das redes. Recorde-se, a este propósito, que a questão da

coordenação, quer vertical, quer horizontal, era, de facto, um dos principais pontos de

enfoque do modelo da Nova Governação Pública (Pollitt C. , 2003, p. 34; 6, 2004, p. 103;

Christensen & Lægreid, 2007a, pp. 1059-1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters, 2007, p. 326).

Não menosprezando os dois primeiros tipos de metagovernação identificados, o restante

capítulo dará um particular relevo à questão da metagovernação de redes, dada a enorme

importância desta forma de governação na atualidade e de as redes serem o principal

enfoque deste trabalho.

144

IV-2. DESAFIOS DA GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE E ESTRATÉGIAS PARA A SUA

METAGOVERNAÇÃO: CONTORNOS CONCEPTUAIS E TEÓRICOS

A abordagem da governação pública interativa tem vindo a assumir, como foi descrito

anteriormente, uma importância crescente nas áreas da Ciência Política e da Administração

e Políticas Públicas nas últimas décadas, na sequência das transformações ocorridas na

natureza e papel do Estado e na decorrente maior participação dos atores societais no

processo de elaboração de políticas públicas (Bevir, 2007, p. 364; Chhotray & Stoker, 2009,

p. 16).

A propósito da emergência da perspetiva da governação pública, recorde-se que tal sucedeu

devido a um amplo conjunto de fatores, dos quais se poderão destacar a crescente

especialização entre entidades públicas e a decorrente fragmentação do poder resultantes

do New Public Management, o aumento da atitude crítica face às autoridades políticas

tradicionais e de novos movimentos cívicos participativos, bem como a complexificação dos

contextos de atuação dos Estados e dos problemas societais (Rhodes, 1997, p. 55;

Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Chhotray & Stoker, 2009, pp. 2, 7-10; Klijn, 2010, pp.

118-119). É, portanto, neste contexto que terá aumentado a consciência do

desenvolvimento crescente das tendências societais de especialização e de fragmentação de

recursos e da decorrente interdependência e necessidade de interação colaborativa entre

atores (Kooiman, 2000, p. 139; Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 6).

Face a este cenário de interdependência e de necessidade de interação entre atores públicos

e societais tem vindo a surgir um amplo conjunto de novas formas de governação interativa,

tais como iniciativas comunitárias, contratos, joint-ventures, redes de governação, parcerias

público-privadas, alianças estratégicas, entre outras (Sullivan & Skelcher, 2002, p. 4;

Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3; Klijn, 2010, p. 119). De entre o amplo leque de novas

formas de governação interativa, Torfing et al (2012, pp. 15-17) e Sullivan e Skelcher (2002,

145

pp. 2-6) consideram que merecem particular destaque os quasi-mercados (ou contratos45),

as parcerias e as redes, que se caracterizam da seguinte forma:

- Quasi-mercados: mecanismos de caráter formal e vinculativo, através dos quais

organismos do poder central do Estado (geralmente ministérios) contratam organismos

não-estatais (ex.: empresas, ou organizações do terceiro setor) ou organismos estatais

especializados (agências) para fornecer serviços públicos nas quantidades, qualidades e

custos estipulados, e que tinham como objetivo solucionar o problema da ineficiência dos

monopólios públicos através da promoção da competição;

- Parcerias: formas relacionais de mais difícil circunscrição, já que oscilam entre acordos

informais e contratos formais, mas que comungam de um conjunto de características, tais

como a partilha de responsabilidade pela definição e concretização de projetos do

domínio público e a definição de compromissos de médio ou longo-prazo, tentando assim

contornar o problema da falta de recursos públicos através da promoção de iniciativas

conjuntas;

- Redes: formas relacionais de articulação de perspetivas entre atores interdependentes,

embora operacionalmente autónomos, através do estabelecimento de relações de

negociação informais e horizontais, com a finalidade de partilha de conhecimento,

coordenação de esforços entre atores, bem como de discutir problemas comuns e

encontrar soluções para problemas, tentando, desta forma, lidar com o problema da

complexidade e fragmentação da governação através do fomento de trocas e

negociações entre atores.

Não menosprezando a importância dos quasi-mercados no âmbito da governação pública

atual, até porque a sua compreensão é importante para a análise do objeto de estudo deste

trabalho, apenas as redes e as parcerias serão analisadas com maior detalhe daqui em

45

Sullivan e Skelcher (2002, p. 4) utilizam o termo ‘contrato’, ao passo que Torfing et al (2012, p. 15) utilizam o termo ‘quasi-mercados’. A leitura dos argumentos presentes em ambas as obras permitem estabelecer um paralelo entre os dois termos.

146

diante, tendo em atenção a sua centralidade no campo científico da governação pública e a

importância crucial na exploração do objeto empírico deste trabalho.

A propósito da centralidade das redes e das parcerias na compreensão dos fenómenos da

governação atual, importa recordar que estas são formas de governação preponderantes no

âmbito do modelo da ‘(Nova) Governança Pública’, que se tem desenvolvido desde a

segunda metade da década de 90 do séc. XX (Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3; Osborne,

2010a, p. 9; Klijn, 2012, p. 207; O’Toole Jr. & Meier, 2010, p. 324). Aliás, de acordo com Levi-

Faur (2012, pp. 5-6), foi através da análise das redes que a abordagem da governação

pública assumiu maior preponderância nos campos científicos da Administração e Políticas

Públicas e da própria Ciência Política.

De acordo com Sørensen e Torfing (2007b, p. 3), a maior atenção ao fenómeno das redes e

das parceiras na década de 90 acima referida deveu-se essencialmente ao contributo dado

por artigos seminais, tais como ‘Policy Networks: A British Perspective’ de Rhodes (1990), ou

pelos volumes ‘Modern Governance: New Government–Society Interactions’, editado por

Kooiman (1993a), 'Understanding Governance: Policy Networks, Governance, Reflexivity and

Accountability’, editado por Rhodes (1997), ou ainda 'Managing Complex Networks’, editado

por Kickert, Klijn e Koppenjan (1997c).

Muito embora tenha sido na década de 90 que o tema das redes ganhou, efetivamente,

maior relevância, Klijn (2010, p. 120) frisa que as raízes do estudo das redes de governança

remontam às décadas de 60 e 70, quando o tema das relações interorganizacionais começou

a ganhar alguma importância no âmbito da Teoria Organizacional, da Ciência Política e da

Ciência das Políticas Públicas. A este propósito, Klijn refere ainda que existem diferenças

assinaláveis entre a influência destas três disciplinas , ao ponto de terem dado origem às três

seguintes tradições de investigação, as quais diferem quanto ao foco, principais questões de

investigação e autores principais (veja-se Figura 24 no ponto IV-3 deste capítulo):

- pesquisa em ‘Policy Networks’ (Redes de Formulação de Políticas), que é influenciada

sobretudo pela Ciência Política e que se debruça sobre a identificação das redes de

atores que participam nos processos de tomada de decisão e quais os que têm maior

poder;

147

- pesquisa em ‘Service Delivery Networks’ (Redes de Provisão), que é bastante

influenciada pela Teoria Organizacional e que se foca atualmente sobre a identificação

de mecanismos mais eficazes de articulação entre atores em formas de governação

interativa e nos resultados desses processos;

- pesquisa em ‘Governance Networks’ (Redes de Governança), que é baseada nas

disciplinas da Administração Pública e Políticas Públicas e que analisa, sobretudo, a

gestão de relações de governação horizontal decorrentes de processo de deliberação,

questionando-se igualmente sobre como organizar as redes e ligá-las às instituições

tradicionais.

Não menosprezando a importância da tradição de pesquisa baseada na Ciência Política, este

trabalho irá debruçar-se, sobretudo, nas tradições das ‘Redes de Governança’ e das ‘Redes

de Provisão’, haja em vista as semelhanças entre si, na medida em que ambas se debruçam

sobre “… a complexidade das interações entre atores e os esforços de gestão para organizar

as redes.” (Klijn, 2010, p. 129), sendo exatamente esse o principal enfoque deste trabalho.

Ademais, a área científica da Administração Pública, debruça-se essencialmente sobre estas

duas tradições, tendo um enfoque residual sobre as ‘redes de formulação de políticas’ (Lecy,

Mergel, & Schmitz, 2013, pp. 649-650).

A aproximação entre as tradições das ‘Redes de Governança’ e das ‘Redes de

Implementação’ acima identificada ajuda, por sua vez, a explicar a dificuldade de destrinça

entre ‘redes’ e ‘parcerias’ enquanto formas de governação, sendo até frequente a utilização

indiscriminada dos dois termos na literatura (McGuire, 2006, p. 36). Assim sendo, optou-se

por se utilizar estes termos de forma praticamente indiscriminada, preferindo-se a

designação ‘redes de governação’, muito embora tendo a consciência de que o termo

‘parceria’ se aplica sobretudo a situações de articulação mais formal de parceiros para a

provisão de bens ou serviços, ao passo que o termo ‘rede’ se aplica habitualmente a relações

informais entre atores para a debate das causas, contornos e potenciais soluções de

determinados problemas (Sullivan & Skelcher, 2002, pp. 5-6; Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, pp. 16-17). Esta opção encontra alinhamento com a afirmação de Mandell

148

(2014, p. 3), uma das mais conceituadas e antigas especialistas neste domínio de

investigação, que atribui a designação agregadora de ‘network-governance-based

arrangements’ a diferentes formas de governação, tais como colaborações, alianças,

parcerias e joined-up ventures.

Como é possível verificar pelo descrito nesta introdução ao ponto IV-2, o recurso às redes e

parcerias enquanto formas de governação pública tem vindo a desenvolver-se bastante nas

últimas décadas, o mesmo acontecendo com o estudo científico deste fenómeno, muito

embora ainda se caracterize por muitos dilemas que importa clarificar. Em primeiro lugar,

será necessário reconhecer que as relações desenvolvidas entre atores no âmbito das redes

e parcerias são significativamente diferentes das que se desenvolvem no âmbito de

hierarquias ou (quasi-)mercados, ao mesmo tempo que importa reconhecer que existe uma

enorme variedade de diferentes tipos de redes, que diferem consoante as funções que

desempenham e o contexto em que desenvolvem essas funções. De igual modo, importa

destacar que o recurso às redes e parcerias está longe de ser uma panaceia, na medida em

que acarreta diversos potenciais problemas e desafios, e que se afirma como necessário

desenvolver estratégias de metagovernação nos processos de criação e gestão das redes.

Por fim, importa frisar que o estudo das redes de governança está ainda longe de produzir

uma teoria coerente, o que decorre não apenas da enorme diversidade de funções acima

referida, mas também da falta de clareza conceptual que frequentemente caracteriza este

campo de estudo.

A análise que se empreende no ponto IV-2 começa, assim, por analisar as principais

características diferenciadoras das redes e parcerias enquanto formas de governação, bem

como as suas principais funções e mais-valias (IV-2.1). Seguir-se-á uma análise aos principais

potenciais problemas e desafios inerentes ao recurso das redes e parcerias, bem como as

principais estratégias de metagovernação nos processos de criação e gestão de redes (IV-

2.2).Finalizar-se-á este capítulo com uma análise das principais teorias que ajudam na

compreensão dos processos de formação, funcionamento e desenvolvimento das redes de

governação (IV-3).

149

IV-2.1. Redes e Parcerias de Governação Pública: características, tipologias, benefícios e

desafios

As redes (e parcerias) formadas por atores públicos e societais assumiram, como já

anteriormente referido, uma importância acrescida, e até quase central, no âmbito da

governação pública em diversos países ocidentais, no decorrer da década de 90 do séc. XX

(vide, inter alia, Klijn (2010, pp. 118-119), Sørensen & Torfing (2007b, pp. 2-3), O’Toole Jr. e

Meier (2010, p. 324), McQuaid (2010, p. 128) e Mandell (2014, p. 3)).

Para Torfing et al (2012, p. 31), o fenómeno de maior participação de atores não oficiais no

processo de elaboração de políticas públicas decorre de duas grandes tendências: 1) por um

lado, da consciência por parte dos decisores públicos de que estaria a tornar-se mais difícil

manter um estilo de governação predominantemente hierárquico, tendo em atenção a

crescente complexidade dos problemas, as tendências de diferenciação e fragmentação

funcional entre diferentes atores públicos e privados, bem como as decorrentes

interdependências entre estes; 2) e, por outro lado, as crescentes pressões por parte de

atores não oficiais no sentido de participarem nos processos de elaboração de políticas,

demonstrando-se mais capazes e reivindicativos.

É, portanto, face ao contexto de consciência da interdependência e da necessidade de

colaboração interatores acima referida que a noção de ‘rede de governação’ assume

especial destaque, enquanto “1. articulação relativamente estável e horizontal de atores

[dos setores público e/ou privado] interdependentes, embora operacionalmente

autónomos; 2. que interagem através de negociações; 3. que têm lugar num quadro

regulativo, normativo, cognitivo e imaginário; 4. que é autorregulado dentro dos limites

definidos pelas agências externas; 5. e que contribui para a prossecução de fins públicos.”

(Sørensen & Torfing, 2007b, p. 9). Esta definição encerra, assim, de acordo com Torfing

(2012, pp. 101-102), um conjunto de características-base, nomeadamente:

- a dependência mútua entre atores, enquanto principal força motriz, na medida em que

os atores tendem a interagir de forma mais proveitosa e a partilhar informação,

conhecimento e ideias, se tiverem a perceção de que necessitam dos recursos de

outros atores, embora mantendo a sua autonomia operacional;

150

- o carácter negocial das interações, que envolvem conflitos, jogos de poder e formação

de compromissos e que se distinguem, assim, das relações de subordinação nas

hierarquias e das relações de competição dos mercados;

- a tendência progressiva para a institucionalização, na medida em que, após processos

de emergência habitualmente informais, é habitual que surjam padrões de interação

que se sedimentam através de normas, códigos cognitivos e perceções comuns;

- a autorregulação da rede, na medida em que a rede muitas vezes tem capacidade de

tomar decisões vinculativas, a qual é, contudo, condicionada frequentemente pelos

poderes que as estruturas decisórias dos diferentes atores intervenientes lhes

delegam;

- a finalidade de produção de regulação pública, no sentido lato de definição de valores,

cenários ou planos ou processos de tomada de decisão comuns sobre assuntos

públicos

Para além destas características, outro aspeto bastante importante que importa salientar em

relação às redes e parcerias é que constituem formas de governação que podem assumir

uma enorme diversidade de formatos e desempenhar um amplo e diversificado conjunto de

funções, as quais se desenrolam ao longo de diferentes fases do processo de políticas

públicas e que envolvem um amplo conjunto de operações (Koliba, Meek, & Zia, 2011, pp.

115-129; Torfing, 2012, p. 102).

Ao nível dos formatos, Torfing (2012, p. 102) refere, por exemplo, que as redes e parcerias

podem ser iniciadas pelas autoridades públicas de topo ou a partir da vontade dos

funcionários e/ou organizações das bases, com maior ou menor proximidade entre

parceiros, e ter uma duração curta ou permanente.

Por sua vez, Koliba et al (2011, pp. 120-124) referem que as redes podem ser mobilizadas em

qualquer um dos momentos do processo de políticas públicas (veja-se figura seguinte), quer

seja na definição e enquadramento de problemas, no agendamento de determinados

151

assuntos, no desenho e planeamento de políticas públicas, na coordenação da

implementação, na própria provisão de bens e serviços, ou até mesmo no acompanhamento

e monitorização da implementação das políticas.

Figura 17. Funções das Redes nas diferentes fases do Processo de Políticas Públicas

Função Descrição da Atividade das Redes

Definição de Problemas Redes são mobilizadas no alinhamento de visões do âmbito, severidade e causas de um problema

Alinhamento Político Redes são mobilizadas para fazer avançar a agenda política

Desenho e Planeamento de Políticas

Redes são mobilizadas para examinar alternativas e/ou planear a escolha do instrumento ou conjunto de instrumentos

Coordenação de Políticas Após a decisão sobre o instrumento ou conjunto de instrumentos, as redes podem existir para coordenar a implementação de uma política

Implementação de Políticas (Provisão)

Redes são mobilizadas em torno da provisão de algum tipo de bem ou serviço

Avaliação e Monitorização de Políticas

Redes são organizadas em torno da monitorização ou avaliação da implementação de políticas

Fonte: adaptação de Koliba et al (2011, p. 122)

Já ao nível das operações que executam, Koliba et al (2011, pp. 117-120) referem que as

redes de governação poderão desempenhar as funções de coordenação da ação entre

atores, de mobilização e troca de recursos, difusão e partilha de informação, de capacitação

de atores da rede ou de atores externos, ou mesmo de aprendizagem e transferência de

conhecimento. A propósito destas diferentes funções operativas, alguns autores têm vindo a

apresentar tipologias de redes às quais associam diferentes propósitos.

Uma das tipologias acima referidas é apresentada por Milward e Provan (2006), que

distinguem quatro tipos de redes: as Redes de Provisão de Serviços, as Redes de Difusão de

Informação, as Redes de Resolução de Problemas e as Redes de Capacitação da

Comunidade. Estas redes diferem consoante a sua principal função e possuem um conjunto

de funções e de exigências em termos de gestão (que serão abordadas com maior detalhe

no ponto IV-2.2 deste trabalho), que se encontram sumariadas na figura seguinte.

152

Figura 18. Funções estratégicas das redes de governação, segundo Milward e Provan

Tipo de Rede Principais Características

Redes de Provisão de Serviços

- Através de um contrato, o Governo financia o serviço, o qual é produzido em conjunto por uma ou mais organizações;

- A gestão horizontal dos ‘prestadores’ é essencial e inclui o encorajamento da cooperação, a negociação de contratos, o planeamento da constituição da rede, etc;

- A estabilidade da composição da rede está positivamente relacionada com a sua eficácia, bem como a centralização da sua gestão.

Redes de Difusão de Informação

- O principal foco é a partilha de informação, nomeadamente novo conhecimento e melhores práticas, entre atores que são interdependentes em algum domínio;

- O principal objetivo é mais definir os contornos de um problema e moldar a capacidade de resposta do Governo a problemas através da melhoria da comunicação do que a resolução de problemas propriamente dita;

- Assegurar a diversidade de parceiros, que podem até estar em conflito em relação às suas posições, é uma tarefa essencial.

Redes de Resolução de Problemas

- O principal foco é no debate de contornos de um problema e na proposição de potenciais soluções e, assim, ajudar a definir as propostas de intervenção nesse determinado domínio;

- Deve existir uma preocupação de mobilização do máximo de recursos, que geralmente são escassos;

- A coordenação entre atores é essencial, pelo que a estrutura de comando deve ser arrojada e previamente designada;

Redes de Capacitação da Comunidade

- O principal objetivo é construir capital social em contextos comunitários, tendo, assim, objetivos orientados de capacitação da comunidade;

- Envolve frequentemente um amplo conjunto de atores, os quais podem pertencer a sub-redes, e pode ser criada pelos participantes da rede (bottom-up) ou pelos agentes financiadores (top-down);

- É essencial mapear os atores-chave da comunidade e envolver os líderes comunitários em todas as fases do processo.

Fonte: produção própria, com base em Milward e Provan (2006, pp. 10-17)

Para além desta tipologia apresentada por Milward e Provan, existem duas outras tipologias

que apresentam algumas semelhanças com a anteriormente apresentada, mas nas quais os

diferentes tipos de redes revelam um grau crescente de exigência.

153

Uma dessas tipologias é a apresentada por Agranoff (2003, pp. 10-11; 2007, pp. 10, 51-82),

que distingue quatro grandes tipologias de redes:

- Redes de Informação, nas quais os parceiros se juntam exclusivamente para trocar

informação, analisar a profundidade dos problemas e ouvir como é que outros estão

a resolver os problemas;

- Redes de Desenvolvimento, nas quais a troca de informação é combinada com a

formação dos membros da rede, por forma a capacitá-los para implementarem

soluções nas suas próprias organizações;

- Redes de Outreach, nas quais os membros trocam informação e recursos, dando azo

a planeamento conjunto;

- Redes de Ação, nas quais os parceiros se juntam para fazer ajustes nas organizações

uns dos outros, adotando formalmente linhas de ação conjuntas e disponibilizando

serviços partilhados.

A outra tipologia que merece destaque neste âmbito é a de Keast, Brown e Mandell (2007)

que enunciam a existência de três tipos de redes: as redes de cooperação, as redes de

coordenação e as redes de colaboração. De acordo com os autores (Keast, Brown, &

Mandell, 2007, p. 12), os três termos em questão – cooperação, coordenação e colaboração

– estão localizados em diferentes pontos de um continuum de diferente intensidade das

conexões ou relações, muito embora sejam frequentemente confundidos na literatura.

Desta feita, Keast et al (2007, p. 27) distinguem, com base num estudo empírico, os três

tipos de redes da seguinte forma:

- Redes de Cooperação: redes com a finalidade de partilha de informação e de construção

inicial de relações, com ligações pouco estreitas entre membros e que são geralmente de

curto-prazo e de natureza informal;

154

- Redes de Coordenação: redes de médio-prazo com o propósito de alinhar recursos e

estratégias para atingir objetivo(s) predeterminado(s), muito embora os membros

mantenham a sua autonomia;

- Redes de Colaboração: redes de longo-prazo, cujo objetivo é criar sinergias entre

parceiros para criar um sistema novo ou alterar substantivamente o existente,

derrubando algumas fronteiras organizacionais, o que requer dos parceiros maiores níveis

de contribuições e compromisso.

Como é possível observar, as tipologias de Keast e seus associados e de Agranoff refletem

tipos de redes com diferentes níveis de ambição e, consequentemente, de compromisso

entre os parceiros. Na figura seguinte, estabelece-se um paralelo entre as duas tipologias,

tendo em conta um grau crescente de ambição.

Figura 19. Comparação entre as tipologias de redes de Agranoff e de Keast, Brown e Mandell

Agranoff (2003; 2007) Keast, Brown e Mandell (2007)

Ação

ajustes nas organizações, adotando formalmente linhas de ação conjuntas e

disponibilizando serviços partilhados

+ Colaboração

criação de sinergias derrubando fronteiras organizacionais

Nív

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e A

mb

içã

o e

Co

mpr

om

isso

Outreach

troca de informação e recursos,

dando azo a planeamento conjunto Coordenação

partilha e alinhamento de recursos e estratégias

Desenvolvimento

troca de informação e formação dos membros da rede para capacitação para

ações individualizadas

Cooperação

partilha de informação e construção inicial de relações

Informação

troca de informação sobre formas de atuação e perspetivas quanto a problemas comuns -

Fonte: produção própria, baseado em Agranoff (2003, pp. 10-11; 2007, pp. 10, 51-82) e Keast, Brown

e Mandell (2007, p. 27)

155

Estes diferentes níveis de exigência apresentados pelas tipologias de redes de Agranoff e

Keast, Brown e Mandell fazem ainda apologia aos dois diferentes tipos de coordenação em redes

apontados por Scharpf (1994, pp. 38-40, 47-49), diferindo em termos de níveis de ambição e de

requisitos processuais, nomeadamente:

- Coordenação positiva: tem por propósito maximizar a eficácia e eficiência das intervenções ao

fomentar e utilizar estratégias conjuntas de diferentes organizações, o que implica

negociações multilaterais e a consideração das perspetivas de todos os parceiros, o que

implica elevados graus de confiança e compromisso entre os parceiros;

- Coordenação negativa: tem por propósito assegurar que as iniciativas de um parceiro não se

sobrepõem ou interferem com as iniciativas e interesses de outros parceiros, o que implica

apenas ‘esclarecimentos’ bilaterais e não exige elevados níveis de confiança, mas tende a

reduzir a capacidade de inovação.

Tendo em atenção a enorme multiplicidade de funções que as redes e parcerias poderão

desempenhar, não será de estranhar que o apelo ao recurso a redes e parcerias no âmbito

da governação pública esteja associado a um amplo conjunto de potenciais benefícios.

Kickert et al (1997e, p. 171) referem, a este propósito, que o envolvimento de um conjunto

mais diversificado de atores que ocorre nestas formas de governação poderá permitir, por

exemplo, a aportação para o processo de políticas públicas de conhecimento e informação

mais diversificados, o aumento da aceitação social de novas medidas de políticas públicas,

ou mesmo o incremento da participação democrática da sociedade civil. Já McQuaid (2010,

pp. 130-134) enuncia um conjunto mais diversificado de potenciais benefícios das parcerias,

nomeadamente:

- Promovem decisões reforçadas por um alto nível de legitimidade e validade;

- Têm condições para desenvolver soluções flexíveis e mais rápidas, por serem menos

politizadas;

- Promovem a inovação;

- Fomentam a partilha de recursos físicos e de conhecimento, promovendo a criação de

sinergias;

156

- Desenvolvem coerência nos serviços;

- Melhoram a eficiência e a accountability.

Não obstante este amplo conjunto de vantagens, o recurso às redes e parcerias enquanto

formas de governação não pode ser considerado como uma panaceia, na medida em que

tem também diversas desvantagens e limitações.

Em primeiro lugar, Kickert et al (1997e, pp. 170-171) destacam que as críticas mais

frequentemente referidas em relação às redes, sobretudo às redes de tomada de decisão,

dizem respeito à possibilidade de ‘captura’ dos atores públicos por parte de interesses

privados, à reduzida transparência dos processos de interação entre atores e à insuficiente

legitimidade democrática da participação de atores não eleitos nos processos de tomada de

decisão. De igual modo, estes mesmos autores referem que os interesses privados presentes

nas redes de tomada de decisão tendem a bloquear a emergência de soluções inovadoras

para os problemas societais (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997e, pp. 170-171).

De acordo com Peters (2010, pp. 41-43), estes problemas mais relacionados com as redes de

tomada de decisão podem ser agrupados nos seguintes quatro grandes tipos:

ao nível da decisão: decisões de reduzida qualidade dada a potencial tendência para a

negociação entre parceiros se realizar pelo ‘mínimo denominador comum’;

ao nível da participação: a atuação em rede, em vez de ser inclusiva, poderá ter a

tendência a tornar-se elitista e circunscrita a um conjunto de grupos de interesse;

ao nível da coordenação: dificuldade de coordenar a atuação de diferentes

organizações públicas, dada a excessiva fragmentação e especialização durante a

‘Nova Gestão Pública’;

ao nível da accountability: diminuição da capacidade de controlo das ações dos

diversos atores intervenientes, por parte do poder político.

157

Para além destas questões mais circunstanciadas às redes de tomada de decisão, as redes e

parcerias em geral podem ainda ter problemas associados com a morosidade dos processos

de decisão e os respetivos custos, com o conflito entre atores no respeitante à natureza dos

problemas e das intervenções, com as diferenças organizacionais em termos de práticas e

filosofias de ação, com a definição pouco clara de papéis e responsabilidades e com a falta

de preparação e empoderamento de alguns atores-chave (ex.: grupos de cidadãos) (vide,

inter alia, Pollitt (2003, pp. 38-39), Goldsmith e Eggers (2004, pp. 39-52), Meuleman (2008,

pp. 34-35) e McQuaid (2010, pp. 134-138)).

Face à constatação da existência dos problemas acima identificados, os estudos sobre redes

de governação têm vindo a debruçar-se sobre a identificação de fatores críticos para que as

redes sejam bem-sucedidas. De acordo com Sørensen and Torfing (2007a, pp. 14-15; 2007e,

pp. 299, 306-307) e Rhodes (2012, pp. 33, 43-44), estas preocupações com a identificação de

fatores críticos situam-se no âmbito daquilo que designa por segunda geração, ou segunda

vaga, da investigação sobre governação. O próximo ponto deste capítulo debruça-se

exatamente sobre a reflexão relativa aos fatores críticos associados ao sucesso das redes de

governação.

IV-2.2. Fatores Críticos para os Processos Colaborativos e Estratégias de Metagovernação

de Redes

O recurso às redes e parcerias tornou-se, como referido nos pontos anteriores, uma prática

bastante comum no âmbito da governação pública de diversos países ocidentais (vide, inter

alia, Klijn (2010, pp. 118-119), Sørensen & Torfing (2007b, pp. 2-3), O’Toole Jr. e Meier

(2010, p. 324) e McQuaid (2010, p. 128) e Mandell (2014, p. 3)). Não obstante a ampla

utilização destas formas de governação e as diversas mais-valias que podem daí decorrer,

importa destacar também a existência de diversos potenciais problemas e limitações no

recurso a redes e parcerias, enquanto formas de governação pública.

Tendo em atenção os potenciais problemas identificados no ponto anterior deste trabalho,

diversos autores têm vindo a debruçar-se sobre a identificação de fatores críticos a ter em

158

consideração para que as redes possam ter processos de colaboração fortuitos e ser eficazes

na prossecução dos seus objetivos.

Antes de avançar para a análise mais aprofundada dos fatores críticos, importa referir que

na avaliação do sucesso colaborativo não se deverá utilizar as tradicionais noções de

eficiência de custos ou de eficácia operacional, as quais são mais adequadas para a análise

de sistemas hierárquicos (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 167-168; Klijn, Van

Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 294). Torfing et al (2012, pp. 168-169) referem, por exemplo,

que a utilização da eficiência em termos de custos será de difícil utilização neste contexto de

investigação, uma vez que a governação em rede tem resultados difíceis de quantificar,

considerando a sua intangibilidade, tais como o desenho de entendimentos e valores

comuns e de visões futuras, ou mesmo a capacitação dos atores envolvidos. Por sua vez, a

aferição da eficácia operacional torna-se também difícil, considerando que a medição do

cumprimento dos objetivos se reporta a diferentes atores envolvidos nas redes, com

objetivos distintos, estando sujeitos a alterações no tempo (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 296). Como referem Ansell

e Gash (2008, p. 549), a maioria dos estudos sobre governação em rede debruça-se sobre os

resultados dos processos de colaboração (process outcomes) e não sobre os resultados das

políticas públicas (policy outcomes).

A propósito dos resultados da colaboração interorganizacional, Chen (2010, pp. 389-390)

refere que a aferição da eficácia dos processos de colaboração deverá ser realizada com

recurso à perceção dos parceiros envolvidos e tendo por base critérios como a concretização

dos objetivos relacionados com a provisão de bens e serviços, o fomento de aprendizagem

interorganizacional e a melhoria das interações entre parceiros. Já Bryson et al (2006, p. 51)

destacam três níveis de efeitos: os efeitos de primeira ordem, que se referem ao

desenvolvimento de capital social, intelectual e político, bem como a promoção de

estratégias de atuação mais inovadoras; os efeitos de segunda ordem, que se relacionam

com a coordenação da ação conjunta e a aprendizagem conjunta; e, os efeitos de terceira

ordem, que se referem à criação de novas parceiras e/ou de novas instituições, bem como a

criação de um ambiente sistémico menos conflituoso e mais harmonioso.

159

Considerando o contexto acima descrito, Torfing et al (2012, p. 172) propõem, com base no

trabalho prévio de um conjunto de outros autores46, que o processo de governação em rede

seja avaliado face às promessas que as redes comportam, enquanto forma de governação,

nomeadamente a capacidade de cumprir os seguintes critérios:

- produzir uma compreensão clara e bem-informada dos problemas societais e das

possibilidades de intervenção em causa;

- gerar opções de políticas públicas inovadoras, proativas e exequíveis que se adequem

às perceções dos problemas e dos desafios definidos pelos atores da rede;

- tomar decisões conjuntas que vão para além do mínimo denominador comum,

evitando, ao mesmo tempo, custos excessivos;

- assegurar uma implementação tranquila com base numa coordenação contínua e num

elevado grau de legitimidade e responsabilidade de todos os atores envolvidos;

- promover ajustes flexíveis das propostas de intervenção e dos serviços face aos

feedbacks positivos e negativos e às alterações nas condições, exigências e

preferências;

- criar as condições favoráveis a futuras cooperações através de processos de

aprendizagem cognitiva, estratégica e institucional que construam quadros comuns,

estimulem um desenvolvimento interdependente e desenvolvam confiança mútua.

A propósito deste conjunto de critérios, importa ainda acrescentar que os seus autores

referem que estes não se aplicam de forma igual a todos os tipos de redes, exemplificando

com o facto de dificilmente as redes de implementação e prestação de serviços conseguirem

cumprir os dois primeiros critérios (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 173).

46

Os quatro primeiros objetivos baseiam-se no seguinte trabalho: Provan, K. e H. B. Milward (2001). “Do networks really work? A framework for evaluating public-setor organizational networks”, Public Administration Review, 61(4): 414-423. O quinto objetivo baseia-se na seguinte obra: Jessop, B. (2002). The Future of the Capitalist State. Cambridge: Polity Press. O sexto objetivo baseia-se na obra: Koppenjan, J. e E.-H. Klijn (2004). Managing Uncertainties in Networks: A Network Approach to Problem Solving and Decision Making. London: Routledge.

160

Em relação aos fatores críticos para o sucesso dos processos colaborativos inerentes à

governação em rede, Sandfort e Milward (2010, p. 159) e Hibbert et al (2010, pp. 392-404)

dão conta de uma significativa diversidade de abordagens. Em primeiro lugar, Hibbert e seus

et al (2010, p. 393) distinguem três tipologias de fatores de acordo com o nível de incidência:

fatores de nível micro, mais relacionados com práticas concretas dos indivíduos participantes

nas redes; fatores de nível macro, relacionados sobretudo com a forma como o ambiente

institucional externo influencia o funcionamento das redes; e, por fim, fatores de nível meso,

mais relacionados sobre os processos de gestão propriamente ditos e a forma como os

desafios das redes evoluem ao longo do tempo. Por seu lado, Hibbert et al (2010, pp. 398-

399) e Sandfort e Milward (2010, p. 159) referem a existência de duas abordagens de

investigação: por um lado, os investigadores com abordagens positivistas, que se focam num

fator específico e o utilizam como variável para explicar o sucesso colaborativo; e, por outro

lado, os investigadores que adotam uma abordagem interpretativa e, sem grandes ambições

preditivas, tentam analisar os efetivos processos relacionais de cada rede.

No âmbito da última abordagem acima referida têm sido propostas diversas listas de fatores

críticos (para um resumo sobre os fatores mais importantes, vide, inter alia, McQuaid (2010)

e Hibbert et al (2010, pp. 399-400)), bem como diferentes frameworks de análise que

propõem uma organização desses fatores em clusters de variáveis consideradas essenciais

para explicar o sucesso colaborativo das redes. No âmbito da análise da literatura realizada

para este trabalho, considerou-se que se destacam as frameworks propostas por Bryson,

Crosby e Stone (2006), por Thomson e Perry (2006), por Chen (2010), bem como por Ansell e

Gash (2008). Esta última é, talvez, a mais completa de todas, o que levou à decisão da sua

representação esquemática na figura seguinte, que serve o propósito de orientar a análise

que se segue.

161

Figura 20. Framework da Governança Colaborativa

Fonte: Ansell e Gash (2008, p. 550)

Focando atenção nas frameworks acima referidas, sobretudo a de Ansell e Gash (2008) e

Bryson et al (2006), considera-se importante distinguir, desde logo, os fatores relacionados

com o processo de colaboração propriamente dito daqueles que são relativamente

‘externos’ ao mesmo, nomeadamente, os antecedentes da rede, a estrutura de

administração da rede e os processos de liderança.

Ao nível dos fatores relacionados com os processos de cooperação propriamente ditos, as

frameworks referidas destacam que a eficácia destes processos depende essencialmente da

capacidade das redes em promover o diálogo, em construir relações de confiança e lógicas

de ação recíproca, em assegurar a dedicação e o compromisso dos diferentes parceiros, em

criar entendimentos e visões comuns, bem como em conseguir resultados intermédios.

162

Ao nível do diálogo, Ansell e Gash (2008, p. 558) referem, por exemplo, que este deve ser,

tanto quanto possível, presencial, por forma a mais facilmente promover a diminuição de

eventuais conflitos e estereótipos anteriores.

Já no referente à construção de confiança e de lógicas de reciprocidade, diferentes autores

referem a extrema importância desta preocupação, sobretudo quando existe um historial de

rivalidade entre alguns parceiros, o que implica não só que os diferentes parceiros se

conheçam entre si e demonstrem ter competência, boas intenções e vontade de partilha de

informação e conhecimento, mas também o desenvolvimento de estratégias de gestão de

conflitos e de eventuais desequilíbrios de poder (Ansell & Gash, 2008, p. 558; Thomson &

Perry, 2006, pp. 27-28; Bryson, Crosby, & Stone, 2006, pp. 47-48).

Em relação às questões da dedicação e compromisso por parte dos parceiros, Ansell e Gash

(2008, p. 558) referem que se deverá apostar em táticas de demonstração da

interdependência entre parceiros e dos benefícios que os parceiros poderão extrair da

participação na rede, bem como no envolvimento efetivo dos mesmos no processos de

tomada de decisão da rede, por forma a promover a ‘apropriação’ dos processos (ownership

of the processes).

No respeitante à criação de entendimentos e visões comuns, Thomson e Perry (2006, pp. 26-

27) referem, por exemplo, que deverá ser necessário tentar harmonizar os interesses,

expectativas e perspetivas de todos os parceiros no processo de definição dos objetivos

comuns, sendo, para tal, necessário que os parceiros tenham uma atitude de partilha e

transparência, mas também de concessão de parte da sua autonomia. Por fim, Ansell e Gash

(2008, p. 561) referem a importância de ter a oportunidade de celebrar ‘pequenas vitórias’

intermédias como forma de gerar confiança entre atores e de mobilizar os atores para a sua

continuidade na rede.

Direcionando agora a atenção para os fatores críticos ao sucesso da colaboração ‘externos’

ao processo colaborativo propriamente dito, mas que são determinantes para a sua eficácia,

as frameworks referidas começam por destacar a importância de um cluster de variáveis

relacionadas com as condições iniciais ou antecedentes à rede. Neste cluster encontram-se

variáveis como condições contextuais externas e o historial de desempenho no setor, a

163

legitimidade dos atores, as características dos parceiros, bem como os antecedentes diretos

(Ansell e Gash (2008, pp. 550-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e Stone

(2006, pp. 45-46) e Chen (2010, pp. 382-386)).

Em relação às condições contextuais externas e ao historial de desempenho no setor, alguns

autores referem que existe maior probabilidade de surgirem relações interorganizacionais

quando o ambiente é complexo, quando existe um historial de problemas de desempenho

individual anterior, e quando existe uma interdependência ao nível de recursos, na medida

em que essas condições vêm reforçar a necessidade de se empreenderem relações de

cooperação interorganizacional (vide, inter alia, Bryson et al (2006, pp. 45-46), Thomson e

Perry (2006, pp. 23-24) e O’Toole (O'Toole Jr, 1997)).

Já no que se refere à legitimidade organizacional, Chen (2010, p. 384), Bryson et al (2006, pp.

45-46) e Ansell e Gash (2008, p. 552) referem que existe maior probabilidade de criação de

uma cooperação interorganizacional quando este comportamento for encorajado ou

mandatado por uma organização financiadora, reguladora ou tutelar, puder contribuir para

o aumento da reputação da organização, ou contribuir para construir uma relação futura de

cooperação. A este propósito, Bryson et al (2006, p. 46) referem a extrema importância do

papel facilitador e mobilizador de organizações ou atores mediadores com legitimidade

reforçada (brokering organizations, legitimate conveners e powerful sponsors) que ajudam a

chamar a atenção para os problemas e a dirimir barreiras organizações (boundary-spanning).

No respeitante às características dos parceiros, Chen (2010, p. 385) e Bryson et al (2006, pp.

46, 50) refere que há maior probabilidade de as relações interorganizacionais serem mais

fortuitas quando os parceiros têm, à partida, visões relativamente semelhantes quanto aos

problemas societais subjacentes às redes e aos potenciais objetivos da rede, já que a

divergência de visões pode gerar conflitos interorganizacionais. Por sua vez, Ansell e Gash

(2008, p. 551) e Bryson et al (2006, p. 50) referem que a existência de desequilíbrios entre

potenciais parceiros em termos de capacidade, organização, reputação ou recursos

(competências, tempo, energia ou liberdade de ação ou infraestrutura organizacional)

poderá ser um fator inibidor à mobilização de potenciais parceiros da rede, na medida em

164

que poderá conduzir a situações de desconfiança e menor compromisso dos atores mais

desfavorecidos, a não ser que existam estratégias de empoderamento dos mesmos.

Já em relação aos antecedentes diretos, todas as frameworks em causa apontam eventuais

historiais prévios de colaboração como fatores facilitadores à criação de redes e ao sucesso

do processo colaborativo, na medida em que tende a aumentar os níveis de confiança mútua

e de incorporação (embeddedness) dos atores na rede, e os atores já têm alguma

experiência de trabalho em rede, situação que faz diminuir os ‘custos de transação’ (vide,

inter alia, Ansell e Gash (2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e

Stone (2006, p. 46) e Chen (2010, p. 385)). Caso esse historial não exista, Bryson et al (2006,

p. 46) consideram que tende a existir uma tendência para parcerias mais incrementais e que

iniciam com acordos informais e menos ambiciosos. Já no caso em que existe um historial de

rivalidade entre os alguns potenciais parceiros, Ansell e Gash (2008, pp. 550, 553-554)

consideram que a criação de parcerias só será possível se existir uma elevada

interdependência entre atores ou se existir uma clara estratégia para ultrapassar os

problemas de desconfiança, desrespeito e ‘estereotipagem’ .

Direcionando agora atenção para as questões da estrutura de governança, diversos autores

referem ser bastante importante que sejam definidos protocolos e regras básicas não só

quanto a que entidades podem ser parceiras na rede, mas também à forma como os

parceiros devem relacionar-se entre si (Ansell & Gash, 2008, p. 555).

A propósito da afiliação na rede, Ansell e Gash (2008, pp. 550, 553-554) e Powell e Grodal

(2006, p. 79) consideram que deve existir a maior abertura e efetiva possibilidade de

participação ativa possível, por forma a que todos os stakeholders relevantes sejam

incluídos, mesmo até aqueles que podem ser elementos problemáticos para a rede. A

posição destes autores não reúne, contudo, consenso em todas as situações. Por um lado,

Bryson et al (2006, p. 49) referem que será desejável para o sucesso da rede evitar um

elevado nível de rotação de parceiros (membership turnover), por forma a manter algum

nível de estabilidade em termos dos recursos disponíveis mas também em termos de

desenvolvimento de laços relacionais de confiança entre parceiros. No mesmo sentido,

Nooteboom (2010, p. 611) refere que o desejo de diversidade deverá ser acautelado devido

165

ao perigo de se comprometer a ‘capacidade absortiva’ de alguns parceiros devido à

potencial ‘distância cognitiva’ entre parceiros. De igual modo, Nooteboom (2010, p. 607)

considera necessário proceder-se à distinção entre situações de redes de exploração

(exploration) e de utilização (exploitation) de inovação, na medida em que as duas situações

exigem níveis diferenciados de densidade relacional: por um lado, nas situações de

exploração de inovação há uma maior necessidade de densidade relacional, na medida em

que não se sabe ainda qual o conhecimento e quais os parceiros relevantes, daí que se possa

apostar na diversidade de parceiros e as situações de ‘rotação de parceiros’ (membership

turnover) não sejam muito gravosas; por outro lado, há menor necessidade de densidade

relacional nas situações de utilização de inovação, uma vez que já se tornou mais claro o tipo

de conhecimento que se está a desenvolver, o que exige maior estabilidade ao nível dos

membros do projeto.

Ainda ao nível da estrutura de administração das redes, quer Ansell e Gash (2008, p. 557),

quer Bryson et al (2006, p. 49) consideram desejável formalizar a estrutura da rede, através

da definição dos objetivos da rede, das tarefas de cada parceiro, das regras de

relacionamento e das estruturas de autoridade. A propósito deste último aspeto, diferentes

estudos têm vindo a confirmar ser geralmente vantajoso para as redes a existência de uma

figura de liderança ou coordenação, desempenhada, quer seja por um dos membros, quer

seja por uma entidade externa ou criada no seio da própria rede, sobretudo em situações de

elevado número e diversidade de parceiros e de elevada desconfiança entre parceiros, tal

como se pode verificar na figura seguinte (Provan & Milward, 1995; Milward & Provan, 2006;

Provan & Kenis, 2008).

166

Figura 21. Formas Alternativas de Governança de Redes

Tipo de Forma de Governança

Governança Partilhada Organização Líder Organização de Administração

da Rede (NAO)

Configuração gráfica

Estrutura

Inexistência de estrutura administrativa;

Participação na gestão da rede por todos os membros

A entidade administrativa (e gestora da rede) é um membro da rede mais

poderoso

Entidade administrativa distinta desenhada para gerir a

rede, na qual o gestor é geralmente contratado

Tipo de Decisão Descentralizada Centralizada Mista

Número de participantes

Baixo Número moderado Elevado

Consenso de objetivos

Elevado Moderadamente baixo Moderadamente elevado

Nível de Confiança Elevado Baixa Moderada, já que a NAO é

monitorizada pelos parceiros

Necessidade de Profissionalização

Baixa Moderada Alta

Vantagens

Participação e compromisso de todos os membros;

De fácil formação

Eficiência;

Clareza de direção

Eficiência nas operações quotidianas; envolvimento estratégico dos membros-

chave

Problemas

Ineficiência devido a encontros frequentes com dificuldade de consenso;

Ausência de representante da rede

Domínio pela organização líder;

Falta de compromisso dos restantes parceiros

Perceção de hierarquia;

Custos de operações;

Complexidade da administração

Fonte: conjugação de Milward e Provan (2006, pp. 22-23) e de Provan e Kenis (2008, p. 237)

Para além das questões relacionadas com a estrutura propriamente dita, as frameworks

acima referidas destacam também a extrema importância da existência de uma, ou mais,

pessoas ou organizações que desempenhem, mesmo que de forma informal, funções de

‘liderança facilitadora’. De acordo com Ansell e Gash (2008, p. 557), a importância da

‘liderança facilitadora’ advém da necessidade de haver um processo consciente de

desenvolvimento de regras de interação, de promoção de confiança, de facilitação do

diálogo e de exploração de ganhos mútuos, que se afirma como particularmente importante

167

quando os incentivos à participação são baixos, existe assimetria de poder e existe um

historial de antagonismos. Estas funções são, contudo, diversificadas, daí que Bryson et al

(2006, p. 47) se refiram às funções de apoio (sponsoring), mais relacionadas com atividades

de quebra de barreiras organizacionais (boundary spanning) e geralmente desempenhadas

por pessoas ou organizações bastante prestigiadas, e às funções de liderança propriamente

dita (championing), mais relacionadas com a promoção do eficaz funcionamento da rede e

de gestão relacional (relationship manager).

Ainda a propósito da liderança facilitadora, importa destacar as quatro funções centrais à

gestão de redes enunciadas por Agranoff e McGuire (2001, pp. 298-300): a) a ativação

(activation), ou seja, a identificação e incorporação das pessoas certas que possuam recursos

financeiros, de conhecimento, de autoridade e de capacidade de trabalho; b) a

contextualização (framing), através da qual deverá ser definida uma estrutura de trabalho e

por conseguinte a distribuição de papéis e se deverão ser desenvolvidas uma cultura e

identidade da rede; c) mobilização (mobilizing), por forma a induzir o compromisso dos

parceiros; e, d) sintetização (synthesizing), que se caracteriza pela facilitação da interação

das relações entre atores, por forma a promover o desenvolvimento de confiança e partilha

de informação entre atores.

As atividades acima referidas ao nível da definição da estrutura de governança da rede e da

liderança facilitadora vão, por conseguinte, ao encontro daquilo que foi descrito no final do

ponto IV-1.2. como metagovernação ou gestão de redes. De facto, ao contrário do que

frequentemente se afirmava nos primeiros estudos sobre a temática das redes, estudos

recentes têm vindo a demonstrar que as redes de governação não são completamente

autorreguláveis, já que os processos de governança das redes não são espontâneos e têm de

ser induzidos de forma propositada (O’Toole Jr. & Meier, 2010, p. 324). Neste sentido,

começou a ser evidente a necessidade de promoção da gestão de redes, que poderá ser

vista como um conjunto de atividade para “promover o ajustamento mútuo do

comportamento de atores com objetivos e ambições diversos em relação à intervenção

direcionada a problemas no âmbito de um determinado quadro de relações

interorganizacionais” (Kickert & Koppenjan, 1997, p. 44).

168

A propósito das atividades de gestão de redes, importa referir que o estilo de gestão

utilizado para as redes não pode ser igual ao utilizado no âmbito das estruturas hierárquicas.

Tal como é possível observar na figura seguinte, a abordagem da gestão de redes difere da

tradicional por se posicionar num campo organizacional com uma estrutura de autoridade

dividida e em que as definições dos problemas e objetivos são diversificadas e evolutivas,

pelo facto de o gestor ter sobretudo funções de mediação, gestor de processos e de

edificador da rede e de gerir as interações, desempenhando atividades de mobilização de

atores e recursos (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 12).

Figura 22. Comparação das perspetivas de gestão clássica e de redes

Perspetivas Perspetiva Clássica Perspetiva de Rede

Contexto organizacional Estrutura de autoridade única Estrutura de autoridade dividida

Estrutura de objetivos Atividades baseadas em objetivos claros e problemas bem definidos

Definições de problemas e objetivos diversos e evolutivos

Papel do gestor Controlador do sistema Mediador, gestor de processos e

edificador de redes

Tarefas de gestão Planeamento e gestão de processos organizacionais

Gerir interações e disponibilizar oportunidades

Atividades de gestão Planeamento, desenho e

liderança

Selecionar atores e recursos, influenciar as condições da rede e

lidar com a complexidade estratégica

Fonte: Kickert, Klijn, & Koppenjan (1997d, p. 12)

Para além das diferenças referidas, Torfing (2012, p. 107) refere que uma outra diferença na

abordagem da gestão de redes se relaciona com o facto de as funções acima referidas não

terem de ser desempenhadas necessariamente por decisores públicos de topo mas por

qualquer ator da rede, desde que este disponha dos recursos da tipologia de instrumentos

de políticas públicas ‘NATO’ enunciada por Christopher Hood: ocupar um lugar central da

rede (nodality); ser considerado pelos outros atores como um ator com legitimidade

(authority); ter acesso e comandar recursos chave (treasure); e, ter capacidade

organizacional para monitorizar e gerir as redes (organization). Não obstante esta maior

abertura de possibilidade quanto aos atores que desempenham as atividades de gestão das

redes, Torfing (2012, p. 108) refere que os atores do setor público tendem a desempenhar

169

estas funções com mais frequência, sobretudo nas redes de formulação de políticas, tendo a

atenção a sua ancoragem política e democrática e o acesso privilegiado que tem a

determinados recursos.

Importa ainda referir que, de acordo com Klijn e Teisman (1997, pp. 105-112) e Kickert e

Koppenjan (1997, pp. 46-53), a função da metagovernação ou gestão de redes pode ser

realizada através de diferentes tipos de atividades, as quais se distinguem de acordo com

diferentes tipos de abordagem:

por um lado, a gestão dos processos ou interações, que implica uma intervenção mais

direta (hands-on) e que passa por atividades como a exploração de pontos de

convergência e divergência entre atores no sentido de conseguir congruência de objetivos

(convenating); a (des)convocação de atores na rede que têm determinados recursos

(selective (de)activation), ou mesmo pela criação ou sustentação de condições que

permitam uma apropriada interação entre grupos (arranging);

por outro lado, a gestão da estruturação da rede, que implica uma intervenção mais

indireta (hands-off), e que passa por atividades como a definição de orientações gerais

sobre os objetivos das redes por forma a alterar as perceções dos atores sobre a mesma

(reframing), a mobilização de novos atores ou a mudança de tarefas entre atores já

existentes (network (de)activation), ou ainda a alteração de regras e recursos existentes

nas redes (constitutional reform).

Ainda a propósito das diferentes formas de metagovernação, Torfing et al consideram que

estas podem diferir quanto ao nível de intervenção, que pode ser mais ou menos restrita, e

quanto à abordagem de intervenção, que pode ser direta (hands-on) ou indireta (hands-off)

– ver figura seguinte.

170

Figura 23. Formas de metagovernação de redes

Intervenção Limitada Intervenção Forte

Intervenção Indireta

(hands-off)

Enquadramento de objetivos e do contexto

(goal and framework steering)

Desenho Institucional

(institutional design)

Intervenção Direta

(hands-on)

Gestão de Processos

(process management)

Participação

(participation)

Fonte: Torfing et al (2012, p. 182)

Como se pode observar pela figura, o metagovernador pode adotar estratégias de

intervenção indireta, quer seja através da construção de narrativas sobre a missão conjunta

da rede e da clarificação e moldagem dos interesses, por forma a alinhar os objetivos dos

parceiros (goal and framework framing), quer seja através da definição clara dos objetivos

da rede, dos membros da mesma e das regras de interação (institutional design) (Torfing,

Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 182-183). De igual modo, o metagovernador pode

também adotar uma perspetiva mais interventiva, assumindo funções de gestão de

processos para reduzir as tensões através do controlo da agenda, da arbitragem dos

conflitos e da promoção de aprendizagem mútua (process management), quer seja através

da participação direta nas atividades da rede (participation) (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 184).

Como é possível verificar, as atividades de metagovernação das redes contrariam,

claramente, a ideia de que as redes são autorreguláveis e que não necessitam de qualquer

hierarquia.

171

IV-3. ABORDAGENS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DAS NOVAS FORMAS DE GOVERNAÇÃO E

DAS REDES DE GOVERNAÇÃO PÚBLICA

Como foi possível verificar ao longo deste capítulo, o campo de estudo das novas formas de

governação, em geral, e das redes de governança, em particular, é pautado por uma

particular diversidade de abordagens e complexidade. Tal deve-se, em larga medida, ao

facto da abordagem de análise da governança abarcar uma maior variedade de instituições e

relações do que a tradicional abordagem da administração pública (Pierre & Peters, 2000, p.

1). Como referem Chhotray e Stoker (2009, p. 23), a abordagem tradicional da administração

pública centra-se, sobretudo, na relação política-administração (politics-administration) no

âmbito do setor público e enfatiza as questões da certeza e dos impactos esperados face ao

espírito da lei. A abordagem da governança foca-se, por sua vez, num conjunto complexo de

relações entre organizações dominadas por lógicas de negociação e troca de recursos, com

um particular enfoque nos impactos efetivos, ao invés de apenas os esperados (2009, p. 22).

Tal como referido no início deste capítulo, a abertura de análise acima referida foi

responsável, por um lado, pela popularidade do campo de estudo da governança (Pierre &

Peters, 2000, p. 1), mas também por uma certa ambiguidade que tem contribuído para a

dificuldade do estabelecimento de uma teoria coerente (Peters, 2012, pp. 19-20; Chhotray &

Stoker, 2009, pp. 1, 3; Levi-Faur, 2012, p. 3; Hughes, 2010, p. 87). Em primeiro lugar, esta

ambiguidade advém, em larga medida, da literatura da governança ter diversas abordagens

e influências disciplinares, que vão desde as Relações Internacionais, os Estudos de

Desenvolvimento, o Urbanismo, a Economia, a Sociologia, o Direito, bem como a Ciência

Política e a Administração e Políticas Públicas – para maior detalhe sobre cada uma destas

abordagens disciplinares, veja-se Torfing et al (2012, pp. 33-47).

De igual modo, focando atenção apenas nas áreas da Administração e Políticas Públicas

assiste-se a uma multiplicidade de abordagens teóricas, que atribuem diferentes funções e

poderes aos atores oficiais e não-oficiais, algumas das quais sendo, inclusivamente,

contraditórias entre si (Pierre & Peters, 2005, p. 1). A este propósito, Levi-Faur (2012, pp. 10-

14) dá conta da existência das abordagens do Hollowing-out of State, que argumenta que se

está a assistir a um esvaziamento dos poderes do setor público nacional para outras esferas

172

de poder, do Degovernancing, que defende que se está a assistir ao esvaziamento do poder

político, da State Centred Governance, que alega que o Estado ainda é o ator mais poderoso,

não obstante as suas funções tenham mudado, e da Big Governance, que refere que o

Governo Central está a ficar com ainda mais poderes, tendo em consideração as suas

funções reguladoras. Na mesma linha de argumentação sobre a diversidade de perspetivas,

Chhotray e Stoker (2009, pp. 26-46) dão conta da existência de 5 tópicos teóricos no âmbito

da abordagem da governança, nomeadamente as teorias da delegação, as teorias

interpretativas, a escola da racionalidade limitada, a teoria do institucionalismo cultural e as

teorias da gestão de redes.

Muito embora esta profusão de abordagens no âmbito do estudo da governança possa ser,

de facto, prejudicial, Peters (2012, pp. 19, 23) considera que esses contornos difusos

poderão ser também uma robustez, já que a sua diversidade de posições teóricas e

disciplinares poderá melhorar a compreensão dos fenómenos. Tal como este mesmo autor

refere, a abordagem da governança poderá, se adequadamente conceptualizada, contribuir

de forma bastante positiva para a integração de diferentes outras abordagens e tornar a

Ciência Política mais integradora (Peters, 2012, pp. 19-20). Para além disso, o autor

considera que a abordagem da ‘governança’ tem o mérito de ter recentrado a Ciência

Política nas suas raízes e de ter terminado com a primazia das abordagens centradas no

indivíduo, já que analisa os comportamentos individuais através do seu posicionamento em

contextos de governação mais amplos (Peters, 2012, pp. 19-20). Uma das características

principais da abordagem da governança é, com efeito, a conjugação das abordagens focadas

nos indivíduos e nas estruturas, a qual se revela um desafio particularmente difícil, tal como

acontece com as dificuldades das Ciências Sociais em geral em conjugar as perspetivas da

agência e da estrutura (Peters, 2012, p. 27).

Considerando o contexto acima referido, é comum referir-se que o neo-institucionalismo –

que se debruça sobre a influência conjugada de constituições formais e informais, bem como

sobre a influência bidirecional entre indivíduos e estruturas (Lowndes, 2002, p. 91; Schmidt,

2006, p. 99) – é uma das principais correntes teóricas inerentes à abordagem da governança

(vide, inter alia, Levi-Faur (2012, p. 3), Kooiman (2003, pp. 14-15), Sørensen & Torfing

(2007a)).

173

Para além desta diversidade de enfoques teóricos, importa ainda destacar que os estudos da

governança têm sofrido algumas evoluções ao longo do tempo. A este propósito, Rhodes

(2012, pp. 34-36) dá conta da existência de diferentes ‘vagas na literatura da governança’:

uma primeira vaga mais dedicada às transformações na natureza do Estado ocorridas na

sequência das reformas da década de 80; e, uma segunda vaga que se debruça sobre a

conjugação da atuação do setor público e dos atores não oficiais por forma a assegurar a

coordenação da governação pública, ou seja, na temática da ‘metagovernação’.

A literatura sobre redes de governança – que, de acordo com Levi-Faur (2012, pp. 5-6), foi a

principal responsável pelo aumento do interesse pelas questões da governança no domínio

da Administração e Políticas Públicas a partir da década de 90 – sofreu igualmente algumas

evoluções ao longo das últimas décadas. Muito embora a análise do fenómeno das redes e

das parcerias enquanto formas de governação não seja propriamente novo, o interesse

acrescido na década de 90 trouxe, com efeito, algumas novidades. Tal como Sørensen e

Torfing (2007b, p. 4) e Kickert et al (1997d, p. 2) mencionam, a novidade então introduzida

referia-se ao facto de as redes terem começado a ser vistas como um mecanismo de

governança potencialmente eficaz e legítimo para definir e implementar intervenções

direcionados para problemas societais.

A nova postura acima referida contrapunha-se, assim, à tradicional visão das redes como

sinónimo de resistência por parte de grupos de interesse poderosos e, por conseguinte, a

razão pela qual as políticas falhavam (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 2) – relembre-se,

a propósito, as conclusões de Pressman e Wildavsky (1984 (1973), p. xx) quanto ao facto de

o elevado número e diversidade de atores envolvidos ser a principal causa das falhas na

implementação de políticas. Como referem Torfing et al (2012, p. 11)., a abordagem da

Governança Interativa difere da Teoria Pluralista, na medida em que esta última encara os

atores não-governamentais como grupos de pressão que competem entre si na tentativa de

influenciar o processo de políticas públicas, ao passo que a primeira enfatiza a interação

negociada entre diversos atores através da partilha de conhecimento, recursos e ideias.

A propósito das diferentes raízes teóricas, importa ainda destacar que os estudos das redes

de governança foram amplamente influenciados pela abordagem do tema das relações

174

interorganizacionais realizada por diferentes disciplinas, nomeadamente a Teoria

Organizacional, a Ciência Política e a Administração Pública/ Ciência das Políticas Públicas, as

quais deram inclusivamente origem a três diferentes tradições de investigação, que diferem

quanto à raiz disciplinar e aos principais enfoques e questões de investigação, tal como é

possível observar na figura abaixo: as policy (formulation) networks; as service provision

networks; e as governance networks.

Figura 24. Tradições no Estudo de Redes no Processo de Políticas Públicas e suas características

Redes de Formulação de Políticas Públicas

(Policy Networks)

Redes de Governança (Governance Networks)

Redes de Provisão

(Service Delivery Networks)

Raiz Disciplinar

Ciência Política Administração Pública Teoria

Interorganizacional

Enfoque

Tomada de Decisão e seus efeitos

Enclausuramento e relações de poder nas fases de identificação do problema e agendamento

Resolução de problemas societais

Gestão de relações de governação horizontal

Ligação de redes de governance com instituições tradicionais

Processos de deliberação

Coordenação Interorganizacional

Eficácia das Políticas e da Provisão

Integração das políticas e dos serviços

Principais campos de análise e questões

de pesquisa

Que atores estão envolvidos na tomada de decisão?

Quais são as relações de poder e quais os seus efeitos na tomada de decisão?

Como gerir redes de governance?

Como organizar essas redes e ligá-las às instituições tradicionais?

De que forma se poderá melhorar a variedade de conteúdo e combinar diversos juízos de valor?

De que forma os serviços complexos integrados poderão ser coordenados?

Que mecanismos são eficazes e eficientes (contratualização, parcerias, etc)?

Fonte: Klijn (2010, p. 123)

Focando atenção nas duas últimas tradições, importa destacar o papel pioneiro das obras de

Mayntz e Scharpf no âmbito do estudo das políticas públicas, bem como de bottom-uppers

como Hjern e seus associados, que começaram a colocar em causa a primazia absoluta do

planeamento central e desenvolveram metodologias de backward mapping (Sørensen &

Torfing, 2007b, p. 3).

175

Para além da mudança de paradigma ocorrida na década de 90, importa ainda destacar que

os estudos sobre redes têm evoluído desde então, podendo ser agrupados, de acordo com

Sørensen e Torfing (2007b, p. 14), em duas gerações de estudo: uma primeira geração de

estudos, que se preocupava, sobretudo, em explicar quais as motivações para a criação das

redes, de que forma estas diferiam face às hierarquias e aos mercados, e quais as potenciais

mais-valias das mesmas; e, por outro lado, uma segunda geração, que tenta responder às

seguintes perguntas:

- Como se poderá explicar a formação, funcionamento e desenvolvimento das redes de

governança?

- Quais são as fontes de falhas das redes de governança e as condições de sucesso?

- Como poderão as autoridades públicas, ou outras, regular as redes de governança

autorreguláveis através de diferentes tipos de metagovernação?

- Quais os problemas e potenciais democráticos inerentes à governação de redes?

Ainda a propósito da diversidade de abordagens, importa, por fim, destacar que a própria

tradição das redes de governança – que é central a este trabalho – tem também uma

enorme diversidade de abordagens teóricas. Adotando uma perspetiva neoinstitucionalista,

Sørensen e Torfing (2007b, pp. 15-17; Torfing, 2012, pp. 105-107) identificam quatro

abordagens teóricas, nomeadamente:

Teoria da interdependência, fortemente ancorada no institucionalismo histórico que

define as redes de governança como uma mediação de interesses entre atores

interdependentes, embora conflituantes, que entende a formação de redes como forma

de os atores envolvidos encontrarem soluções conjuntas para problemas comuns e para

contornar a fragmentação institucional, que considera que as redes são formadas por

processos bottom-up incrementais, embora motivadas por autoridades públicas

superiores, e, que defende que as redes se mantém coesas pela interdependência mútua

e pelo desenvolvimento de normas e perceções comuns;

176

Teoria da Governabilidade, fortemente influenciada pelo institucionalismo de escolha

racional que define as redes como formas de coordenação horizontal entre atores que

interagem entre si, que observa as redes como estruturas de ‘jogos’ que promovem a

negociação entre atores e que considera que as redes se mantém coesas pela noção

antecipada de ganhos e de partilha de recursos;

Teorias Institucionais de Integração Normativa, que interpreta as redes como espaços de

interação que congregam atores relevantes e afetados, que são formadas por processos

bottom-up que, se avaliados positivamente, dão origem a situações de isomorfismo, e

que se mantêm coesas através da emergência de regras e valores comuns;

Teoria da Governamentalidade, que define as redes como tentativas desenvolvidas pelo

Estado no sentido de mobilizar e enquadrar ações livres de atores, que considera que as

redes são desenhadas e enquadradas por narrativas que tentam mobilizar esses atores

para exercerem poder.

Muito embora a diversidade de abordagens acima referida seja um claro sinal de que o

fenómeno das redes ocupa um espaço central na Ciências Política e nas disciplinas da

Administração e Políticas Públicas, esta tem sido também, de acordo com Mandell (2014, p.

7), responsável pela dificuldade em desenvolver uma framework coerente sobre o desenho,

gestão e avaliação de redes.

Para além destes problemas de coerência teórica, os estudos das redes deparam-se também

com claros dilemas no respeitante ao desenvolvimento de investigação. Em primeiro lugar,

existe um dilema quanto à unidade de análise a utilizar, que podem ser as redes, as

interações ou os atores, e que dão origem a diferentes fases e enfoques de investigação, tal

como se pode observar na figura de seguida apresentada.

Em segundo lugar, está ainda um dilema quanto às metodologias de recolha de dados mais

indicadas. A este propósito, Peters (2012, p. 28) refere que é difícil utilizar métodos

quantitativos na análise de redes, e que a abordagem de process-tracing é claramente a

mais indicada.

177

Figura 25. Fases na análise de Atores, ‘Jogos’ e Redes

Tipologia de Análise e fases Intenção

An

ális

e d

os

Ato

res

Adotar formulação provisória do problema ou iniciativa

como ponto de partida

Mapeamento do ponto de situação do problema ou iniciativa para análise mais profunda

Identificar os atores envolvidos

Identificação dos atores que é necessário tomar em consideração

Reconstruir as perceções dos atores

Mapeamento das imagens dos atores relativamente aos problemas, soluções e aos outros atores

Analisar a posição e dependências dos atores

Identificação das posições dos atores relativamente ao problema e do seu nível de dependência face a outros atores

An

ális

e d

e ‘j

ogo

s’

Determinar as arenas relevantes

Reconhecimento dos grupos de atores e das situações de interação em torno de determinados assuntos ou

iniciativas de políticas públicas que sejam significativos para a iniciativa inicial ou para o ‘jogo’

Identificar e analisar as estagnações

Inventariação das estagnações no ‘jogo’ e determinação da natureza e estrutura da mesma como ponto de partida

para a gestão de intervenções

An

ális

e d

as R

edes

Inventariar os padrões de interação dos atores

Mapeamento da frequência e diversidade das interações dos atores, por forma a determinar as redes e os seus membros

Inventariar os padrões nas perceções dos atores

Determinação da relação dos atores através de perceções, por forma a descobrir a que redes os atores pertencem

Inventariar as provisões institucionais que ligam os

atores nas redes

Inventariação e análise das regras do jogo formais e informais e outros arranjos organizacionais da rede relevantes para o jogo

Fonte: Klijn (2010, pp. 139-140)

Por último, existe um dilema quanto à atribuição de maior enfoque aos resultados das redes

ou aos processos, nomeadamente às motivações, às barreiras e às práticas das redes

(Sandfort & Milward, 2010, pp. 155-160).

Como se pode observar, os estudos de rede estão envoltos em grandes dilemas, o que tem

dificultado o seu desenvolvimento e consolidação teóricos e metodológicos. O estudo

empírico que se projeta nos capítulos seguintes tenta exatamente dar expressão a estes

desafios.

178

V. DESENHO DE PESQUISA DO ESTUDO DAS RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS DE

QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS

As frases de Torfing acima citadas constituíram uma clara inspiração para a definição dos

objetivos principais deste trabalho expressos na introdução – analisar os fatores críticos

inerentes aos processos de formação, desenvolvimento e metagovernação das Redes Locais

para a Qualificação, bem como os seus contributos para uma governação eficaz,

nomeadamente no contexto de relação com outros modos de governação.

Os objetivos deste trabalho estão, assim, alinhados com a segunda geração dos estudos de

redes que, de acordo com Sørensen e Torfing (2007b, p. 14), abandonou a mera descrição

das características distintivas das redes face às hierarquias e redes da primeira geração, e se

concentrou no estudo dos fatores que influenciam o sucesso e insucesso dos processos de

formação, institucionalização, desenvolvimento e metagovernação das redes. De igual

modo, os objetivos deste trabalho em analisar as relações entre redes e outros modos de

governação alinham-se com a segunda geração de estudos de governação descrita por

Rhodes (2012, pp. 34-36), a qual, recorde-se, se debruça sobre a temática da

‘metagovernação’, ao analisar a conjugação de diferentes modos de governação por forma a

assegurar a coordenação da governação pública, em detrimento de uma mera descrição das

transformações na natureza do Estado preconizada no âmbito da primeira geração.

Para além dos alinhamentos referidos, os objetivos enunciados enquadram este trabalho na

tradição de investigação em ‘Redes de Governança’ referida no ponto IV-3 (ver figura 24), a

“A governação interativa através de redes de atores interdependentes e ainda assim operacionalmente autónomos é crescentemente concebida como um meio para governar as nossas sociedades complexas, fragmentadas e crescentemente dinâmicas. Assim, é crucial analisar porquê e como é que as redes de governança são formadas e institucionalizadas; como é que elas funcionam e se desenvolvem ao longo do tempo; como é que elas são metagovernadas (…); e como é que contribuem para uma governação eficaz e democrática.” (sublinhados adicionados)

(Torfing, 2007, p. 23)

179

qual, recorde-se, tem na Administração Pública a sua principal raiz disciplinar e tem como

enfoque analítico a gestão de relações de governação horizontal decorrentes de processos

de deliberação, questionando-se igualmente sobre como organizar as redes e ligá-las às

instituições tradicionais (Klijn, 2010, p. 123). Desta feita, este trabalho afasta-se das tradições

das ‘Redes de Formulação de Políticas’ e ‘Redes de Provisão de Serviços’, cujos enfoques são

os ‘jogos’ de poder e de influência no processo de formulação de políticas públicas, ou as

formas mais eficazes e eficientes de articulação entre diferentes atores no âmbito da

provisão de serviços complexos integrados. Não obstante esta distinção entre as três

tradições em termos de enfoques analíticos, importa referir que a tradição de investigação

em ‘Redes de Governança’ pode analisar redes que tenham existência em qualquer uma das

diferentes fases do processo de elaboração de uma política – a propósito da função das

redes em diferentes fases, veja-se figura 17 do ponto IV-2.1.

Tendo em atenção que as Redes Locais para a Qualificação têm, como referido no capítulo

introdutório, os objetivos centrais de ajudar a dirimir situações de rivalidade entre atores

implementadores e de promover a partilha de boas práticas entre estes (Cardim, Pereira, &

Mota, 2011), é possível verificar que a atividade das redes em análise se debruça sobre o

processo de implementação, nomeadamente ao nível da coordenação da implementação, e

não tanto da provisão propriamente dita – veja-se figura 17 no capítulo IV-2.1.

Face ao contexto acima descrito, a revisão da literatura sobre implementação de políticas

públicas elaborada no capítulo III torna-se particularmente pertinente para a estruturação

do desenho de pesquisa, sobretudo ao nível da definição dos posicionamentos

epistemológicos, ontológicos e metodológicos (ver ponto III-2.2). Importa recordar, a este

propósito, relembrar que alguns autores referem existir diferenças significativas ao nível

destes três tipos de pressupostos, consoante se adote uma abordagem top-down ou

bottom-up da implementação de políticas públicas (vide, inter alia, Sabatier (1986), Matland

(1995) ou Pülzl e Treib (2007)) – veja-se também ponto III-2.2, sobretudo o ponto III-2.2.4. A

este propósito, importa destacar a análise de Sabatier (1986, pp. 36-37) que refere que a

abordagem top-down se revela mais adequada para analisar questões de eficácia de um

programa e quando se pretende obter uma visão do desempenho médio dos

implementadores, ao passo que a abordagem bottom-up se revela mais adequada para

180

contextos de análise com múltiplos atores e múltiplos programas e em que se pretende

aferir a variação entre diferentes dinâmicas locais.

Tendo em atenção que a análise das redes de governança se debruça primordialmente sobre

as dinâmicas de relacionamento entre atores, o estudo que se empreende neste trabalho

alinha-se, assim, com a abordagem bottom-up da implementação. Este alinhamento da

análise das redes de governança com a abordagem bottom-up é, aliás, confirmado por

Kickert et al (1997d, p. 9), que referem que a análise de redes de governança se baseia

bastante no pensamento da abordagem bottom-up da implementação – sobretudo a noção

de ‘estruturas de implementação’ de Hjern e Porter (1981, pp. 214, 218) –,diferindo desta

última abordagem apenas no seu tom mais realista.

Considerando os posicionamentos identificados, importa analisar com maior detalhe um

conjunto de posicionamentos epistemológicos, ontológicos, teóricos e metodológicos

subjacentes à abordagem bottom-up e à análise de redes de governança, os quais servirão

de base ao trabalho empírico realizado no capítulo VI deste trabalho. Seguidamente

proceder-se-á à explicitação do desenho de pesquisa, com informação quanto à questão e

objetivos de investigação, às frameworks de análise e ao processo de recolha e análise de

dados.

V-1. POSICIONAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS, ONTOLÓGICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DE BASE

A análise de redes de governança implica, como anteriormente referido, uma especial

atenção ao carácter dinâmico e interativo das relações entre atores organizacionais ou

individuais no âmbito das redes, bem como à necessidade de ter em consideração os

contextos das ações. Desta feita, a análise de redes de governança alinha-se com a

orientação processual da abordagem bottom-up dos Estudos da Implementação, a qual

difere da abordagem top-down não apenas quanto aos enfoques metodológicos, mas

também quanto aos posicionamentos ontológicos e epistemológicos (veja-se ponto III-2.2

deste trabalho). Neste sentido, importa, portanto, relembrar os contornos destes

posicionamentos da abordagem bottom-up, tendo em atenção que, tal como referem Marsh

181

e Furlong (2002, p. 17), o posicionamento ontológico e epistemológico de cada autor é, de

facto, essencial para compreender a abordagem que desenvolve em relação ao seu objeto

de estudo, nomeadamente quanto às teorias e metodologias que utiliza.

Em primeiro lugar, importa recordar que a abordagem bottom-up entende a implementação

de políticas públicas como um processo ‘adaptativo e interativo’ e negocial que envolve os

decisores de topo, os implementadores locais e a população-alvo, rejeitando, assim, a

conceção de implementação como a simples execução dos objetivos tal como formulados

pelos decisores de topo (Barrett & Fudge, 1981, p. 25; Stoker R. , 1989, p. 45; Hjern & Hull,

1982, p. 114). Esta conceção alinha-se, portanto, com a análise de redes de governança, na

medida em que estas últimas são, por excelência, formas de governação pública em que as

interações têm um carácter negocial e envolvem frequentemente conflitos, jogos de poder e

compromissos, ao contrário das relações de subordinação existentes nas formas de

governação hierárquicas (Torfing, 2012, pp. 101-102).

De igual modo, importa referir que a abordagem bottom-up rejeita a orientação estrutural-

funcionalista, que tende a dar primazia ao controlo e segurança e a considerar eventuais

disputas de entendimentos quanto aos objetivos como uma disfunção, bem como a ótica

fundacionalista, que entende que as ações dos implementadores deverão ser entendidas

como exteriormente determinadas pelos objetivos formulados nas leis pelos decisores de

topo (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; 74). Em alternativa, a abordagem bottom-up aceita a

possibilidade de os objetivos das políticas serem alvo de interpretações próprias por parte

dos implementadores, estando, portanto, subjacente uma perspetiva interacionista-

simbólica e fenomenológica e uma posição ontológica não-fundacionalista, já que se advoga

que os indivíduos são construtores ativos das suas condutas e são seres criativos e movidos

por interesses (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; Marsh & Furlong, 2002, pp. 18-20). A este

propósito, importa destacar as posições defendidas por Hjern e seus associados que

defendiam que a análise da implementação deveria atribuir particular atenção às redes e

atores locais envolvidos, sobretudo às dinâmicas relacionais estabelecidas entre estes (Hjern

& Porter, 1981, pp. 223-224; Hjern & Hull, 1982, pp. 107, 114). Recorde-se, de igual modo, a

estratégia metodológica desenvolvida por estes autores que, ao invés de tomar como base

os objetivos centralmente definidos e as estruturas de controlo formais, começava por

182

identificar os diferentes atores efetivamente intervenientes no processo de implementação

e inquiria-os quanto aos motivos da sua participação e às suas estratégias de mobilização e

utilização de recursos, utilizando, assim, uma estratégia fenomenológica (Hjern & Porter,

1981, p. 221; Hjern & Hull, 1982, p. 110).

Face aos pressupostos identificados, a abordagem bottom-up advoga que se deverá evitar a

utilização do modelo ‘racional-compreensivo’, em que se avalia o sucesso da implementação

através da variável ‘cumprimento dos objetivos’, já que este não contempla eventuais

negociações dos objetivos, analisa apenas impactos mensuráveis e desconsidera diferenças

contextuais (Fox, 1987, pp. 130-131, 137-138). No mesmo sentido, autores como Yanow

(1987, pp. 109-110) ou deLeon (1999b, p. 330; deLeon & deLeon, 2002, pp. 487-489)

advogam a adoção de uma abordagem interpretativa da implementação, que tenha em

consideração as perceções que os atores têm relativamente ao processo de implementação,

as quais influenciam os processos de negociação e reinterpretação de significados.

A posição interpretativa acima descrita vai, assim, ao encontro que foi dito no ponto IV-2.2.

quanto à inadequação da utilização de variáveis de eficácia operacional para a avaliação do

sucesso colaborativo, já que a aferição do cumprimento dos objetivos se torna difícil quando

estes diferem entre atores e sofrem evoluções ao longo do tempo (Torfing, Peters, Pierre, &

Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 296). Em alternativa a esta

abordagem propõe-se, assim, a aferição do sucesso colaborativo a partir da perceção dos

atores envolvidos quanto aos process outcomes, tais como o desenvolvimento de capital

social, a coordenação e a aprendizagem interorganizacional, ou ainda a maior harmonia e

sustentabilidade do sistema de governação (Ansell & Gash, 2008, p. 549; Bryson, Crosby, &

Stone, 2006, p. 51).

O entendimento da implementação defendido pela abordagem bottom-up vai, assim, ao

encontro da Teoria da Interdependência, que, recorde-se, encara as redes como uma

mediação de interesses entre atores interdependentes, embora conflituantes, que entende

a formação de redes como forma de encontrar soluções conjuntas para problemas comuns e

contornar a fragmentação institucional, ao mesmo tempo que considera que as redes são

formadas por processos bottom-up incrementais, embora motivadas por autoridades

183

públicas superiores (Sørensen & Torfing, 2007b, p. 18). Este alinhamento com a Teoria da

Interdependência é, aliás, comprovado pela breve descrição do objeto de estudo que foi

elaborada na introdução e que descreve as Redes Locais para a Qualificação como redes que

ambicionam minorar a competição entre atores implementadores e cuja criação foi

fomentada pelos próprios atores implementadores, embora apoiados pelos atores de tutela.

Importa referir, por fim, que o alinhamento com a abordagem bottom-up implica ainda

alguns posicionamentos quanto à utilização da teoria e da adoção de estratégias

metodológicas. A este propósito, é necessário destacar, por exemplo, que a abordagem

bottom-up tende a ter objetivos de descrição da realidade e de compreensão do ‘como’ e do

‘porquê’ das diferenças locais, o que explica que faça uso frequente de estratégias de análise

indutiva (Barrett & Fudge, 1981, p. 12; Hjern & Hull, 1982, p. 110; deLeon, 1999b, p. 322).

Esta posição é igualmente defendida por Meuleman (2008, p. 104), que considera que o

estudo das estratégias de metagovernação implica a análise de “tópicos de investigação

altamente complexos, com falta de estrutura e ambíguos (…) [pelo que] deverão ser

investigados com uma abordagem qualitativa e relativamente construtivista (…) e

essencialmente interpretativa porque visa analisar significados, convicções e cultura por

detrás de práticas sociais e políticas…”.

A propósito da adoção dos posicionamentos epistemológicos e ontológicos anteriormente

mencionados, recorde-se o que foi referido no ponto II-4 quanto ao facto de existir no

âmbito do Estudo das Políticas Públicas um crescente recurso a abordagens pós-positivistas,

as quais advogam a adoção de estratégias metodológicas qualitativas que permitam a

compreensão dos significados, visando proceder à análise das subjetividades, da

ambiguidade e das interpretações (Ayres & Marsh, 2013, pp. 645-646), que se revelam,

portanto, mais adequadas ao estudo de contextos complexos (deLeon & Martell, 2006, p.

40).

A adoção desta perspetiva mais indutiva não significa, contudo, que se irá ignorar a

produção científica existente, mas tão-somente que a mesma irá ser encarada sobretudo

enquanto framework de análise, permitindo, assim, a identificação teoricamente orientada

dos elementos-chave que permitam uma análise mais sistemática. Importa, aliás, destacar

184

que, tal como é possível verificar nos capítulos III e IV, os estudos da implementação e da

governação em rede têm sentido alguma dificuldade em formular teorias tendo em atenção

a complexidade dos seus objetos de estudo, optando pela formulação de frameworks de

análise que incluem os diferentes grupos de fatores-chave.

A utilização destas frameworks para a análise de fenómenos como os processos de

implementação (veja-se a framework de Winter no ponto III-2.1.3) ou os processos de

cooperação no âmbito de redes (veja-se a framework de Ansell e Gash no ponto IV-2.2),

fazem, portanto, um apelo à utilização do process tracing para determinar ou confirmar

relações causais entre grupos de possíveis variáveis independentes e variáveis dependentes

(vide, inter alia, George and Bennett (2004, p. 6). Esta ferramenta é, de acordo com Kittel e

Kuehn (2013, p. 3), particularmente adequada para analisar fenómenos de mudança

institucional, já que os eventos dinâmicos e altamente contingenciais dificilmente se

articulam com análise quantificada.

Face a este contexto, Bogason e Zølner (2007, p. 10) consideram que será desejável que o

desenho de pesquisa seja flexível e aberto quanto aos métodos a utilizar, daí que expressem

um apelo à triangulação de métodos e refiram uma multiplicidade de métodos, que vão

desde relatórios de experts, documentos formais, entrevistas, observação, diários,

entrevistas de focus groups, entre outros. No mesmo sentido, Borrás e Olsen (2007, p. 207)

consideram que a pesquisa da temática das redes de governança aconselha a combinação de

metodologias qualitativas, no sentido de “decifrar os contextos institucionais e culturais das

redes de governança bem como o papel dos indivíduos (…) [mas também de] metodologias

quantitativas (…) que permitam o mapeamento rigoroso das relações sociais e a

identificação da importância relativa das várias atividades das redes”.

Terminada a apresentação dos pressupostos epistemológicos, ontológicos, teóricos e

metodológicos que mais se adequam aos objetivos e objetos de estudo deste trabalho,

importa prosseguir com a apresentação do desenho de pesquisa.

185

V-2. DESENHO DE PESQUISA: OBJETO DE ESTUDO, PERGUNTA DE PARTIDA, OBJETIVOS E PRESSUPOSTOS

TEÓRICOS

A grande finalidade deste trabalho é, como referido anteriormente, analisar os desafios e

estratégias de conjugação entre diferentes estilos de governação em Portugal, com um

particular enfoque na forma como as dinâmicas de criação e gestão de redes de governação

são influenciadas e influenciam outros modos de governação. Desta feita, torna-se essencial

analisar os fatores críticos aos processos de criação, desenvolvimento e metagovernação de

redes de governação, bem como os contributos das redes de governação para uma

governação eficaz, tal como Torfing (2007, p. 23) recomenda no excerto com que se inicia

este capítulo.

No sentido de cumprir estas finalidades mais gerais, selecionou-se como objeto de estudo o

sistema de governação de educação de adultos português em vigor entre 2005 e 2012, em

geral, e as Redes Locais para a Qualificação, em particular. Importa recordar, a este

propósito que o sistema português de governação da educação de adultos tinha, no período

em causa, um pendor contratualista e tinha uma estrutura de implementação composta por

uma agência nacional (Agência Nacional para a Qualificação) que coordenava e monitorizava

um largo conjunto de atores de provisão dos setores público, privado e não-lucrativo

(Centros Novas Oportunidades) com os quais eram contratualizadas metas de desempenho.

Muito embora este sistema de governação tenha sido inovador e tenha inclusivamente sido

considerado como um exemplo de boas práticas internacionais, teve também alguns

problemas de coordenação vertical e horizontal, os quais estiveram relacionados, em grande

medida, com os processos de elevada expansão do número de atores de provisão em 2006 e

2008. Por um lado, ao nível vertical, a ANQ perdeu alguma capacidade de monitorização e

de acompanhamento, havendo igualmente, um ‘paradoxo’ de autonomia, uma vez que os

agentes de provisão se queixavam, simultaneamente, de falta autonomia de gestão e de

falta de orientações pedagógicas mais concretas. Por outro lado, ao nível horizontal, a

concentração, por vezes excessiva, de um maior número de agentes de provisão num

mesmo território e a pressão pelo cumprimento das metas geraram situações de

concorrência mais agressiva entre atores, que implicavam, não apenas tentativas de ‘roubo

de candidatos’, mas também situações de diminuição de qualidade de provisão.

186

No sentido de resolver ou minorar estes problemas de coordenação, a ANQ e outras

estruturas de tutela iniciaram, em 2010, um conjunto de ações de coordenação, entre as

quais o fomento da criação de mais Redes Locais para a Qualificação para além das já

existentes, as quais juntavam atores de provisão de uma base territorial (regional ou

municipal), com o objetivo de esbater algumas situações de rivalidade entre estes e de

promover a partilha de boas práticas.

Face a estes objetivos, as tipologias de redes referidas por Keast et al (2007, p. 27) que

melhor se adequam à realidade Redes Locais para a Qualificação são as ‘Redes de

Cooperação’, caso as RLQ ambicionassem apenas a partilha de informações, ou as ‘Redes de

Coordenação’, caso as RLQ ambicionassem a articulação de atividades e o desenvolvimento

de projetos conjuntos. Estabelecendo um paralelo com a tipologia de situações de

coordenação apresentada por Scharpf (1994, pp. 38-40, 47-49), os primeiros objetivos das

RLQ descritos serão de índole de ‘coordenação negativa’, o que implica apenas

‘esclarecimentos’ bilaterais e não exige elevados níveis de confiança mas tende a reduzir a

capacidade de inovação, ao passo que os segundos objetivos das RLQ descritos são de

coordenação positiva, o que o que implica elevados graus de confiança e compromisso entre

os parceiros.

Os processos de criação e gestão das RLQ iriam deparar-se, contudo, com fortes desafios,

colocados não apenas pelo contexto de governação pública em Portugal habitualmente

adverso às redes de governação, mas também pela necessidade de se conjugar com outros

modos de governação presentes no sistema de governação da política pública (modo

hierárquico, desenvolvido através do acompanhamento e da monitorização da ANQ; e,

modo de mercado, desenvolvido através da contratualização dos CNOs e das dinâmicas de

competição desenvolvidas entre estes).

Considerando o contexto acima descrito, os processos de criação e gestão das RLQs

assumiam-se, portanto, como um objeto de estudo particularmente pertinente enquanto

estudos de caso exemplificativos de redes de governação em Portugal, dando, origem à

seguinte pergunta de partida:

187

De que forma o processo de criação e gestão das RLQs foi influenciado e influenciou os

outros modos de governação do sistema de educação e formação de adultos?

Face a esta pergunta de partida e ao enquadramento acima descrito, este estudo terá dois

grandes objetivos:

1. analisar e compreender o tipo de influência que os modos de governação do sistema

de educação e formação de adultos (de hierarquia e mercado) exerceram sobre

processos de criação e gestão das RLQs;

2. analisar e compreender os impactos processuais governativos das Redes Locais para a

Qualificação sobre o sistema de educação e formação de adultos e os seus modos de

governação (de hierarquia e mercado).

A análise destas relações de influência entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros

modos de governação do sistema português de educação de adultos será, assim, socorrida

pela literatura que reflete sobre as complementaridades e conflitualidades entre modos de

governação apresentada no ponto IV-1.2 deste trabalho (Sørensen & Torfing, 2007e, pp.

298-299; Meuleman, 2008, pp. 52-57), bem como da literatura sobre os processos de criação

e gestão das redes apresentada no ponto IV-2.2 deste trabalho (Ansell & Gash, 2008). A

partir dessa literatura foi possível extrair um conjunto de pressupostos teóricos que

auxiliarão a análise da informação apresentada no ponto VI-2 deste trabalho, dos quais se

destacam os seguintes:

1. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser prejudicados por uma

Hierarquia demasiado ‘dominante’ e impositiva de regras.

2. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser prejudicados por

dinâmicas de demasiada concorrência causada por mecanismos de Mercado.

3. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser favorecidos pelo apoio

da Hierarquia.

188

4. Os contextos de cooperação que têm antecedentes de rivalidade elevados têm: (1)

objetivos mais modestos ou (2) requerem instrumentos de gestão mais ativos, tais

(2.1.) como intervenção de agente mobilizador ou (2.2) a definição de regras bem

claras.

5. As Redes podem ter impactos prejudiciais à flexibilidade e dinamismo das dinâmicas

de Mercado se os processos de tomada de decisão forem muito lentos.

6. As Redes podem ter impactos benéficos de aproximação de atores separados por

dinâmicas concorrenciais de Mercado.

7. As Redes podem ter impactos benéficos ao gerar informação que auxilia as Hierarquias

na monitorização.

No sentido de responder à questão formulada e de prosseguir as finalidades acima referidas,

será necessário cumprir dois objetivos operacionais: 1) analisar o sistema de educação e

formação de adultos; e, 2) analisar o processo de criação e gestão das Redes Locais para a

Qualificação, bem como os seus impactos.

A concretização do primeiro objetivo operacional será realizada através da análise dos 3

elementos que a literatura (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p. 4)) aponta como

fundamentais na análise de qualquer política pública (veja-se capítulo II): o conteúdo (policy

content), a estrutura de desenho e implementação (polity) e o processo de interação entre

atores (politics), bem como os desafios de governação.

Desta feita, a política pública de educação e formação de adultos que esteve em vigor entre

2005 e 2012 será analisada ao nível do seu agendamento internacional e nacional (ponto VI-

1.1) e das experiências precursoras no final da década de 90 e início do séc. XXI (ponto VI-

1.2), ao nível dos instrumentos e implementação da política pública (ponto VI-1.3), bem

como ao nível das concretizações e desafios de governação (ponto VI-1.4).

Essa análise será feita através da análise de fontes documentais secundárias, tais como

documentos da Comissão Europeia e da OCDE, legislação nacional, estatísticas e estudos

189

anteriores referentes à política pública em apreço, bem como à aplicação de um

questionário que analisa as dinâmicas de relacionamento entre os diferentes atores do

sistema de educação e formação de adultos (ver ponto V-3 para maior detalhe).

O segundo objetivo foi concretizado, por sua vez, através da análise dos processos de criação

e gestão de Redes Locais para a Qualificação e dos seus resultados e impactos, com um

particular enfoque num conjunto de variáveis de análise identificados por diferentes

frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia, Bryson, Crosby e Stone

(2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008)).

A primeira dessas variáveis são os antecedentes relacionais entre membros da rede, os quais

influenciam, de acordo com todas as frameworks anteriormente referidas (Ansell e Gash

(2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e Stone (2006, p. 46) e

Chen (2010, p. 385)), o processo de criação e gestão das redes. Tal como estes autores

referem, historiais de colaboração prévia entre membros da rede tendem a aumentar os

níveis de confiança, ao passo que historiais de rivalidade anterior inibem a criação de redes

ou requerem uma clara estratégia de gestão das mesmas para ultrapassar os problemas de

desconfiança (Ansell e Gash (2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson,

Crosby e Stone (2006, p. 46) e Chen (2010, p. 385)).

A segunda variável reporta-se aos principais atores mobilizadores da criação das redes, por

forma a perceber se as redes terão sido criadas maioritariamente por iniciativa dos próprios

membros da rede ou, por outro lado, pelos atores da tutela. Desta forma, pretende-se

perceber a importância das dinâmicas de sponsoring por parte dos atores de tutela e se essa

importância varia consoante as condições da rede. Recorde-se que as atividades de

sponsoring são consideradas como essenciais para para legitimar e facilitar a criação da rede,

nomeadamente através da mobilização dos membros da rede eda quebra de eventuais

barreiras organizacionais (Bryson, Crosby, & Stone, 2006, pp. 46-47)

A terceira variável é o período em que a rede foi criada, por forma a perceber se a rede terá

sido criada antes do aumento exponencial do número de atores de provisão que gerou os

problemas de coordenação (2008) ou, pelo contrário, antes desse período e, por isso, de

uma forma muito mais natural.

190

A quarta variável é a tipologia de objetivos da rede, que, de acordo com Scharpf (1994),

podem ser de coordenação negativa, implicando meramente a partilha de informação por

forma a evitar sobreposições e interferências mútuas, ou, por outro lado, de coordenação

positiva, através da articulação de objetivos e atividades e do desenvolvimento de atividades

em conjunto.

A quinta variável são as práticas de institucionalização das redes em estudo, nomeadamente

quanto à produção de normas de funcionamento da rede, tendo em atenção que a

formalização da estrutura da rede, através da definição dos objetivos da rede, das tarefas de

cada parceiro, das regras de relacionamento e das estruturas de autoridade tem sido

considerada uma atividade essencial por diferentes autores (vide, inter alia, Ansell e Gash

(2008, p. 557) e Bryson et al (2006, p. 49)). Neste âmbito, será analisado se as redes terão

desenvolvido, ou não, um protocolo e, em caso afirmativo, se esse protocolo foi definido

logo no início da atividade da rede ou, pelo contrário, já depois de algum tempo de atividade

da rede.

A sexta variável são as dinâmicas de liderança da rede, nomeadamente se as mesmas são de

âmbito informal, não implicando a definição clara da distribuição de responsabilidades de

liderança, ou de âmbito formal, através da definição clara de quais os atores que têm essas

responsabilidades. Recorde-se que a definição de estruturas e/ou figuras de liderança terá

sido identifcada como uma atividade fundamental, sobretudo em situações de elevado

número e diversidade de parceiros e de elevada desconfiança entre estes, no sentido de

desempenharem funções mais relacionadas com a promoção do eficaz funcionamento da

rede e de gestão relacional (Milward & Provan, 2006; Bryson, Crosby, & Stone, 2006, p. 47).

A sétima e última variável são os impactos da atividade da rede. A este propósito, importa

recordar que os impactos das redes que importa analisar são, sobretudo, os resultados dos

processos de colaboração (process outcomes), ao invés dos resultados das políticas públicas

(policy outcomes) (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, &

Edelenbos, 2010, p. 296; Ansell & Gash, 2008, p. 549). Bryson et al (2006, p. 51) aduz que

estes efeitos podem ser agrupados em três níveis: os efeitos de primeira ordem, que se

referem ao desenvolvimento de capital social, intelectual e político, bem como a promoção

191

de estratégias de atuação mais inovadoras; os efeitos de segunda ordem, que se relacionam

com a coordenação da ação conjunta e a aprendizagem conjunta; e, os efeitos de terceira

ordem, que se referem à criação de novas parceiras e/ou de novas instituições, bem como a

criação de um ambiente sistémico menos conflituoso e mais harmonioso.

Em súmula, os processos de criação e gestão das Redes Locais para a Qualificação e os seus

impactos foram analisados com base em sete variáveis, às quais correspondem os ‘valores’

apresentados no quadro abaixo:

Figura 26. Variáveis de análise das Redes Locais para a Qualificação e respetivas Categorias

Variável Categorias

Antecedentes relacionais Rivalidade reduzida/ inexistente; Rivalidade elevada

Principais atores mobilizadores Membros da rede; Atores de suporte (sponsors)

Período de primeiras dinâmicas Anteriores a 2008; Posteriores a 2008

Tipologia de objetivos Coordenação Negativa; Coordenação Positiva

Dinâmicas de Institucionalização Protocolo Imediato vs. Protocolo Posterior vs. Sem Protocolo

Dinâmicas de Liderança Liderança Informal vs. Liderança Formal

Principais Impactos Melhoria das Relações; Encaminhamentos + fáceis;

Regulação da Oferta Formativa; Harmonização das Práticas; Atividades conjuntas

Fonte: produção própria

Tendo em atenção os objetivos acima referidos, a metodologia do estudo de caso afirmou-se

como a mais adequada, na medida em que propicia o conhecimento em profundida e a

exploração do contexto em que se insere o fenómeno que se pretende estudar e permite o

manuseio de várias variáveis (Yin, 1994, p. 13; Yeager, 2007, pp. 855-857). Yin (1994, p. 3)

refere, a este propósito, que o “… estudo de caso permite uma investigação que retém as

características holísticas e significativas dos eventos da vida-real…”, de entre os quais

processos organizacionais e gestionários.

Por forma a acolher na análise a diversidade de Redes Locais para a Qualificação, optou-se

por um desenho de pesquisa baseado na comparação de estudos de casos, que basicamente

analisa o mesmo fenómeno em diferentes ‘locais’ e se baseia numa lógica de replicação e

192

não de amostragem (Stewart, 2012, p. 71; Yin, 1994, p. 46). Cada um desses estudos de caso

será, portanto, entendido como um ‘estudo de caso teoricamente orientado’, na medida em

que “… são explicitamente estruturados por uma framework conceptual bem-desenvolvida

que foca atenção em alguns aspetos da realidade teoricamente especificados e negligencia

outros.” (Levy, 2008, pp. 4-5).

Face a este contexto, foram analisados diferentes casos de Redes Locais para a Qualificação

com diferenças quanto aos antecedentes e tipologia de objetivos. Importa referir que, face à

inexistência de informação consolidada sobre as redes existentes, a identificação dos casos

passíveis de análise decorreu, sobretudo, da consulta da newsletter da Agência Nacional

para a Qualificação e de informação recolhida através da aplicação do questionário. Após

essa identificação, procedeu-se a uma tentativa de contacto com representantes de cada

uma das redes identificadas, por forma a aferir as características das redes e a

disponibilidade de um representante para realização de entrevista. A seleção das redes em

análise resulta, por conseguinte, da disponibilidade para realização de entrevista

demonstrada por representantes das mesmas, havendo, no entanto, o cuidado de existirem

casos representativos de cada uma das situações desejadas: antecedentes de rivalidade,

antecedentes de cooperação e antecedentes neutros; e, objetivos de coordenação negativa

e de coordenação positiva.

A análise dos diferentes estudos de caso baseou-se, por sua vez, na recolha e análise de

documentos enquadradores das redes (ex.: protocolos de cooperação), mas, sobretudo, na

aplicação de entrevistas a representantes dessas redes47. Tais entrevistas representam,

segundo Zølner, Rasmussen e Hansen (2007, p. 128) uma mais-valia, na medida em que

permitem recolher relatos relativamente à história, formação e funcionamento da rede que

o entrevistado representa que, apesar de refletirem o seu ponto de vista pessoal, irão conter

também factos que, de outra forma, dificilmente poderiam ser obtidos. Face a estes

objetivos, revela-se particularmente pertinente a aplicação de uma ‘entrevista centrada no

problema’, uma vez que esta tipologia de entrevista possui uma orientação processual,

mostra-se adequada à elaboração de teoria, e permite a obtenção de conhecimento sobre

factos e processos de socialização (Flick, 2005, p. 91). Como refere Yin (1994, p. 84), nesta

47

As entrevistas a representantes das redes foram realizadas entre janeiro e abril de 2012.

193

situação o entrevistado funciona mais como informante do que propriamente como

‘inquirido’, na medida em que disponibiliza informação sobre a questão em análise e

frequentemente disponibiliza acesso a outras fontes de informação.

A inquirição de representantes das Redes Locais para a Qualificação alinha-se, assim, com os

estudos mais recentes sobre redes, que recomendam que a pesquisa nesta área temática

seja feita através da inquirição dos próprios membros da rede sobre os acima referidos

process outcomes (vide, inter alia, Klijn e Teisman (1997, pp. 115-117), Kickert, Klijn e

Koppenjan (1997e, p. 172), Klijn, Van Buuren e Edelenbos (2010, pp. 296-297) e Chen (2010,

pp. 389-390)). De acordo com Whelan (2007, pp. 845-846), esta estratégia de inquirição dos

próprios atores envolvidos constitui-se, aliás, como uma das tendências atuais de

investigação na Administração Pública.

A prossecução dos dois objetivos operacionais referidos permitirá, assim, proceder à análise

do sistema de relações entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de

governação da política pública de educação e formação de adultos em Portugal à luz de

pressupostos acima identificados. Essa análise permitirá ainda a produção de um conjunto

de recomendações para o desenho de sistemas de governação.

Face a este quadro, resta apenas descrever com maior detalhe o processo de recolha e

análise de dados propriamente dito. Essa descrição é feita no ponto que se segue deste

capítulo.

V-3. PROCESSO DE RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS

Tal como referido anteriormente, a análise empírica teve início com a análise da legislação e

documentação técnica nacional e internacional enquadradora da política pública de

educação e formação de adultos em Portugal, bem como estudos anteriores sobre esta

política, no sentido de analisar o conteúdo da política, a sua estrutura de implementação, o

processo de interação entre atores e os respetivos desafios de governação e o contexto que

194

a emergência das Redes Locais para a Qualificação. Esta informação foi, ainda,

complementada pela realização de uma entrevista exploratória aplicada a um informador

qualificado, em junho de 2011.

Terminada essa fase, procedeu-se à aplicação de um questionário online48 à totalidade dos

implementadores da política de educação e formação e adultos, nomeadamente

representantes dos 456 Centros Novas Oportunidades. Obtiveram-se 113 respostas válidas,

que cobriam todas as tipologias de CNOs mais relevantes (ver Anexo 4 e ponto VI-1.3.2. c)

deste trabalho). Em linha com o que foi acima referido, este questionário tinha o propósito

de recolher informação sobre as dinâmicas relacionais entre atores envolvidos na

implementação da política, bem como dinâmicas de envolvimento nas redes – veja-se anexo

3. Além disso, tinha também o propósito de identificar um conjunto de redes a analisar em

fase posterior, já que não havia qualquer registo consolidado das redes existentes.

Numa última fase, foi utilizada metodologia qualitativa no sentido de analisar

compreensivamente os contextos de criação e gestão de 8 Redes Locais para a Qualificação,

bem como os seus impactos. Importa referir, a este propósito, que o processo de seleção

das redes a analisar foi amplamente condicionado pela inexistência de informação

consolidada sobre as redes existentes, o que implicou que a identificação dos casos passíveis

de análise tivesse decorrido, sobretudo, através da consulta da newsletter da Agência

Nacional para a Qualificação e de informação recolhida através da aplicação do questionário.

Após essa identificação, procedeu-se a uma tentativa de contacto com representantes de

cada uma das redes identificadas, por forma a aferir as características das redes e a

disponibilidade de um representante para realização de entrevista. A seleção das redes em

análise resulta, por conseguinte, da disponibilidade para realização de entrevista

demonstrada por representantes das mesmas, havendo, no entanto, o cuidado de existirem

casos representativos de cada uma das situações desejadas: antecedentes de rivalidade,

antecedentes de cooperação e antecedentes neutros; e, objetivos de coordenação negativa

e de coordenação positiva.

48

O questionário esteve disponível na plataforma online survs.com entre 13 de julho de 2011 e 31 de agosto de 2011.

195

A análise dos diferentes estudos de caso baseou-se, por sua vez, na recolha e análise de

documentos enquadradores das redes (ex.: protocolos de cooperação) e na aplicação de

entrevistas a representantes dessas redes49. Tais entrevistas representam, segundo Zølner,

Rasmussen e Hansen (2007, p. 128) uma mais-valia, na medida em que permitem recolher

relatos relativamente à história, formação e funcionamento da rede que o entrevistado

representa que, apesar de refletirem o seu ponto de vista pessoal, irão conter também

factos que, de outra forma, dificilmente poderiam ser obtidos. Face a estes objetivos, revela-

se particularmente pertinente a aplicação de uma ‘entrevista centrada no problema’, uma

vez que esta tipologia de entrevista possui uma orientação processual, mostra-se adequada

à elaboração de teoria, e permite a obtenção de conhecimento sobre factos e processos de

socialização (Flick, 2005, p. 91). Como refere Yin (1994, p. 84), nesta situação o entrevistado

funciona mais como informante do que propriamente como ‘inquirido’, na medida em que

disponibiliza informação sobre a questão em análise e frequentemente disponibiliza acesso a

outras fontes de informação.

Uma vez que esta tipologia de entrevista não apela à utilização de um método específico de

interpretação, na sua análise revela-se pertinente o recurso à técnica de análise de conteúdo

(Flick, 2005, p. 91), nomeadamente de âmbito temático e transversal, haja em vista a

adequabilidade desta técnica à análise descritiva e à dimensão interpretativa, permitindo

assim uma análise inferencial e indutiva (Bardin, 2004).

Através deste desenho de pesquisa com triangulação de fontes cumpriu-se, portanto, o

desígnio de Bardach (2000, p. 50) que considerava os ‘documentos’ e as ‘pessoas’ como as

principais fontes de informação nos estudos de políticas públicas.

49

As entrevistas a representantes das redes foram realizadas entre janeiro e abril de 2012.

196

VI. RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO

DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉC. XXI

No excerto do Decreto-Lei n.º 387/99 – o diploma legal de criação da Agência Nacional de

Educação e Formação de Adultos (ANEFA) e um dos primeiros passos formais para o

desenvolvimento de uma estratégia de educação e formação de adultos em Portugal – é

possível vislumbrar algumas das tendências de governação pública do final da década de 90

do séc. XX descritas no capítulo IV deste trabalho. Os apelos à conjugação entre as lógicas de

serviço público e de programa e ao estímulo da responsabilização comunitária no

desenvolvimento e empoderamento local e regional, presentes no excerto acima citado

demonstram, efetivamente, uma clara orientação desta estratégia com a filosofia da

Terceira Via defendida por Giddens.

O alinhamento com a filosofia da Terceira Via e com as reformas do Pós-NPM, descritas no

capítulo IV, foi, aliás, uma tendência no desenvolvimento das estratégias de educação e

formação de adultos em diversos países ocidentais, incluindo Portugal. Na Declaração de

Hamburgo sobre Aprendizagem de Adultos (UNESCO, 1997), na qual o DL 387/99 se inspira

(veja-se Preâmbulo do Documento) há, com efeito, um claro apelo a que as transformações

dos sistemas de aprendizagem de adultos se desenvolvam através do crescente

desenvolvimento de parcerias entre os setores privados e comunitários e o Setor Público, o

qual deverá assumir, não apenas o papel de implementador direto, mas também os novos

papéis de conselheiro, financiador e monitorizador. Do mesmo modo, este documento faz

também apelo a que o tema da educação de adultos não fique circunscrito aos ministérios

“… a estratégia para a educação e formação de adultos deve combinar uma lógica de serviço público e uma lógica de programa, que se traduza no estímulo e apoio à iniciativa e à responsabilidade individual e de grupos, no sentido de uma capacitação crescente das pessoas e das comunidades, privilegiando para isso a dimensão local e regional e mobilizando a sociedade civil”

Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 387/99

197

da Educação, sendo sim abordado por diversos ministérios, os quais deverão coordenar a

sua atividade (UNESCO, 1997).

Estas preocupações com a coordenação e o estabelecimento de parcerias

interorganizacionais já haviam sido, aliás, expressas no ‘Livro Branco sobre a Educação e a

Formação Ensinar e Aprender: Rumo à Sociedade Cognitiva’ de 1995 e continuaram a ocupar

um lugar de destaque em outras publicações da União Europeia, da UNESCO e da OCDE. São

exemplo disso os documentos ‘Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao longo da vida

uma realidade’ de 2001, ‘Declaração de Copenhaga’ de 2002, ‘Princípios Comuns Europeus

na Identificação e Validação das Aprendizagens não Formal e Informal’ de 2004, ‘Quadro

Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida’ de 2008, ‘European

Guidelines on Validating non-formal and informal learning’ de 2009, ou a ‘UNESCO

Guidelines for the Recognition, Validation and Accreditation of the Outcomes of Non-Formal

and Informal Learning’ de 2012.

Como é possível constatar pelo descrito, os sistemas de educação e formação têm vindo a

ser alvo de alterações desde a década de 70 do séc. XX, fruto das dinâmicas de globalização

e consequentes necessidades de adaptação, flexibilidade e inovação anteriormente

referidas. Uma dessas mudanças refere-se à atribuição de uma maior destaque à função

económica da educação e formação, que se foca na preparação do indivíduo para o

desempenho de atividades profissionais, em detrimento da função social, a qual se foca na

transmissão cultural, integração e reprodução social (Vickerstaff, 2007, pp. 363, 382-383).

De igual modo, ocorreu também a emergência de novas formas de estruturação da

governação do setor da educação e da formação para além do tradicional e centralizado

‘controlo de qualidade’ estatal, incluindo também modos de governação alternativos com

base nos princípios de devolução de responsabilidades de implementação para atores

públicos subnacionais e de um apelo a uma maior participação de atores não oficiais, quer

seja numa lógica de competição, quer seja numa lógica de parceria comunitária (Marton,

2006, pp. 235-236). Na figura seguinte é possível observar um conjunto de 4 grandes

tipologias de modelos de governação do setor da educação, que oscilam consoante o ator

primordial seja o Setor Público ou a Sociedade Civil, ou consoante a lógica de atuação seja a

competição ou a parceria.

198

Figura 27. Modelos de Governação da Educação segundo a OCDE

LÓGICA DE ATUAÇÃO

Concorrencial Parceria

ATO

R P

RIM

OR

DIA

L

Esta

tal

Quality Control

O Estado controla o desempenho das escolas ao nível dos processos e produtos através de requisitos burocráticos de qualidade, custos e resultados

As Escolas têm uma ‘Guided Autonomy’, já que a sua atividade é condicionada por princípios orientadores centrais

A Escola presta uma ‘Contractual Accountability’, já que responde perante públicos específicos, nomeadamente níveis hierárquicos centrais, dando assim lugar a ‘Hierarchical Accountability’

Local Empowerment

Os poderes de decisão gestionários são atribuídos ao poder local, sendo a escola parte de um sistema local de educação

A Escola possui ‘Consultative Autonomy’, na medida em que pertence a um órgão consultivo de âmbito local

A accountability é prestada perante um ‘Community Forum’, já que esta é do tipo ‘Responsive Accountability’, na medida em que a sua lógica de atuação em parceria obriga a Escola a ouvir os principais stakeholders

Soci

etal

Competitive Market

A Escola é vista como um negócio, competindo com as escolas em redor por alunos e por financiamento

A Escola, neste modelo, é praticamente autónoma, possuindo aquilo que se designa por ‘Substantial autonomy’

A Escola presta uma ‘Consumerist Accountability’, já que o seu dever de informação é para com os seus clientes (alunos e pais), havendo assim uma ‘Contractual Accountability’ perante este público específico

School Empowerment

Os poderes de decisão gestionários são atribuídos à Escola, que atua numa ótica de parceria e de empowerment da comunidade

A Escola possui uma ‘Devolved Autonomy’

A Escola, possuindo uma ‘Responsive Accountabilty’, já que consulta os principais stakeholders, tem a obrigação de prestar uma ‘Dual Accountability’, perante profissionais especializados (ex.: professores) e não especializados (ex.: comunidade em geral)

Fonte: produção própria, baseado em Marton (2006, pp. 235-236)

Para além destas mudanças em termos das estruturas e processos de governação, importa

ainda destacar que o domínio das políticas de educação na Europa tem sido alvo da

influência de organizações internacionais e de exercícios de benchmarking, no sentido da

harmonização e partilha de práticas. Um desses exemplos é, desde logo, a União Europeia,

na medida em que apesar de se verificarem “movimentos diversificados e reversíveis de

convergência (…) [assiste-se também a] processos de compatibilização e harmonização de

políticas, de percursos e de organização dos sistemas educativos.” (Martins, 2014, p. 701).

Um outro exemplo da influência das organizações internacionais, talvez até mais

199

emblemático do que o anterior, é o da OCDE, organização que, apesar de não ter funções

regulatórias nem instrumentos coercivos, tem desempenhado uma importante função ao

nível da difusão e convergência de políticas de educação, sobretudo desde a década de 60

do séc. XX, após a adoção do conceito de capital humano como central à sua atuação

(Lemos, 2014, pp. 294-295).

Como será possível verificar no próximo ponto, o domínio mais específico da educação e

formação de adultos seguiu também estas tendências de evolução, nomeadamente porque

a sua entrada em agenda política se deu, sobretudo, no 4.º quartel do séc. XX. Por um lado,

têm sido organizações internacionais como a União Europeia, a OCDE ou a UNESCO as

principais responsáveis pela entrada em agenda e desenvolvimento deste domínio de

políticas nos campos políticos nacionais (Aníbal, 2013a, pp. 2-3) – como é referido no ponto

VI-1.1 deste trabalho. Por outro lado, a evolução deste domínio de políticas públicas nas

últimas décadas tem-se caracterizado por claras inovações ao nível do conteúdo das

políticas, como por exemplo a maior valorização dos contextos informais e não-formais de

educação no desenvolvimento de competências necessárias à empregabilidade, bem como a

personalização (tailor-made) das intervenções (Comissão das Comunidades Europeias, 1995,

pp. 18-20; 2000, pp. 9-10; 2001, p. 10).

O desenvolvimento da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal no final da

década de 90 do séc. XX e na primeira década do séc. XXI não ficou alheio a estas tendências.

Como será analisado no ponto que se segue, a Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida

em Portugal está claramente em linha com as mudanças de paradigma ao nível do conteúdo,

dos atores e do processo de políticas públicas sugeridas pelas organizações internacionais

anteriormente referidas. Ao nível do conteúdo, Gomes (2012, pp. 91-92) refere que esta

estratégia ficou marcada por diversos aspetos, nomeadamente a ambição das metas

propostas e o carácter inovador das medidas de intervenção ao romper com o paradigma

escolarizante e ao definir novos métodos de trabalho com a população adulta. Já ao nível do

processo, Gomes (2012, pp. 91-92) destaca a tentativa de articulação dos sistemas de

educação e de formação profissional, bem como o modelo de governação neocontratualista,

na medida em que os implementadores são estruturas públicas, privadas ou do terceiro

setor (Centros Novas Oportunidades - CNOs) que contratualizam um determinado nível de

200

metas a atingir com uma agência reguladora (Agência Nacional para a Qualificação - ANQ),

que os orienta e monitoriza.

Muito embora a Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal, enquadrada no

âmbito da INO no período entre 2005 e 2012, tenha sido reconhecida como um exemplo de

boas práticas pelo CEDEFOP (European Centre for the Development of Vocational Training)

em 2012 (Aníbal, 2013a, p. 23), a sua efetiva implementação deparou-se com algumas

dificuldades. Um dos principais problemas relacionava-se com a existência de práticas de

menor rigor e facilitismo no desenvolvimento dos processos de reconhecimento, validação e

certificação de competências, bem como práticas de rivalidade entre diferentes CNOs,

ambas as situações motivadas, sobretudo, pela pressão para o cumprimento das metas

contratualizadas (Mota, 2010, pp. 85-96).

No sentido de solucionar ou mitigar alguns destes problemas de coordenação, foram

definidas, no final da primeira década e no início da segunda década do séc. XXI, diversas

medidas orientadas para a melhoria da governação da INO.

Uma das medidas para a melhoria da governação da INO consistiu no fomento, por parte da

CNO e também de atores envolvidos na implementação desta política ao nível local, do

desenvolvimento de Redes Locais de Qualificação, algumas das quais orientadas

exclusivamente para a qualificação de adultos. Os processos de surgimento e

desenvolvimento das diferentes redes não foram, contudo, homogéneos entre si quanto ao

nível de ambição inicial e ao nível da concretização, na medida em que se depararam com

diferentes fatores inibidores e facilitadores. Para além das dificuldades no desenvolvimento

e gestão de redes já anteriormente identificadas na literatura (ver ponto IV-2 deste

trabalho), importa ter em consideração que existe em Portugal uma escassa tradição de

cooperação e coordenação interorganizacional no âmbito da governação pública, não

obstante a relevância que este tema tem assumido no âmbito das reformas do setor público

em Portugal (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014; Pires, Teles, Silva, Calvache, &

Mota, 2014).

201

A análise das diferentes estratégias de metagovernação das Redes Locais de Qualificação e

dos seus sucessos e dificuldades assume-se, assim, como um objeto de análise empírica

particularmente relevante.

Antes de proceder ao estudo dos desafios e estratégias de metagovernação das Redes Locais

de Qualificação, importa, contudo, compreender em detalhe qual o contexto que propiciou

o seu surgimento. Assim, o capítulo que aqui se inicia começa por analisar, no ponto VI-1., a

política pública Iniciativa Novas Oportunidades, nomeadamente o seu alinhamento com

tendências internacionais (VI-1.1), os seus primórdios e o seu processo de entrada em

agenda (VI-1.2), os seus instrumentos e estrutura de implementação (VI-1.3), bem como as

suas principais concretizações e desafios à sua governação (VI-1.4).

Após este estudo detalhado da política pública em causa, prosseguir-se-á, então, no ponto

VI-2 com a análise empírica do fenómeno das Redes Locais de Qualificação, começando pela

sua caracterização geral (VI-2.1), com o auxílio de análises prévias deste fenómeno, bem

como pela análise dos resultados do questionário aplicado e de uma entrevista exploratória

realizada com uma dirigente de topo da ANQ. A análise prosseguirá com a apresentação

detalhada da história de formação e desenvolvimento de 8 Redes Locais de Qualificação, que

representam os estudos de caso deste trabalho (VI-2.2). O capítulo terminará com a análise

comparada destes 8 estudos de caso, com um especial enfoque sobre as estratégias de

metagovernação das Redes Locais de Qualificação (VI-2.3).

VI-1. O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO ÂMBITO DA

INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES: ALINHAMENTO INTERNACIONAL, ANTECEDENTES, INSTRUMENTOS E

ESTRUTURA DE IMPLEMENTAÇÃO E DESAFIOS DE GOVERNAÇÃO

Lançada oficialmente em dezembro de 2005, a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) foi, de

acordo com Carneiro (2011, p. 37), uma das mais ambiciosas e emblemáticas políticas

públicas no domínio da educação em Portugal das últimas décadas, trazendo maior

expressão à estratégia nacional de aprendizagem ao longo da vida.

202

Como será abordado mais adiante, a Iniciativa Novas Oportunidades assumia-se como um

novo estímulo no sentido da qualificação dos portugueses, tendo o ensino secundário como

objetivo de referência para a qualificação dos jovens e adultos (MTSS & ME, 2005, pp. 2-3).

Como o próprio Primeiro-Ministro de então frisou no prefácio do Documento de

Apresentação da INO, existia há muito um consenso alargado na sociedade quanto à

importância da opção na qualificação, mas persistia a necessidade de fazer mais, melhor e

mais rápido, assumindo-se a INO como uma agenda de intervenção para o período 2005-

2010 (MTSS & ME, 2005, p. 2)50.

Estruturada em dois eixos, um mais dedicado aos jovens e outro mais dedicado aos adultos,

a INO distinguia-se de anteriores esforços por ter um carácter agregador de diferentes

medidas, mas sobretudo pela centralidade política que assumiu, o que se revela não apenas

pelo elevado envelope financeiro a si adstrito, bem como pelo empenho direto de políticos

de topo, desde logo, o Primeiro-Ministro (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96; Carneiro, 2011, pp.

54-55).

Além dos fatores acima referidos, o arranque da INO, sobretudo do seu Eixo dos Adultos,

beneficiou igualmente do facto da educação e formação de adultos ter um lugar central na

agenda política internacional e de existir um amplo conjunto de recomendações

provenientes de organizações internacionais, como a UE, a OCDE ou a UNESCO, e, por outro

lado, de experimentações exploratórias que haviam sido desenvolvidas em Portugal no início

da primeira década do séc. XXI.

Dada a sua importância para o arranque da INO, os dois aspetos referidos serão analisados

com maior detalhe nos pontos VI-1.1 e VI-1.2 deste trabalho. Após esta introdução,

proceder-se-á a uma análise detalhada dos instrumentos e estrutura de implementação do

eixo dos adultos da INO, no ponto VI-1.3 deste trabalho, e a uma análise das concretizações

e desafios da governação desse mesmo eixo, no ponto VI-1.4, analisando, assim, os três

pontos que a literatura refere serem essenciais para a análise de uma política pública –

conteúdo (policy content), a estrutura (polity) e o processo de governação (politics).

50

Para uma visão geral sobre o esforço empreendido até então e as debilidades que ainda se mantinham, ver o ponto 2 do Documento de Apresentação da Iniciativa Novas Oportunidades (MTSS & ME, 2005, pp. 9-14).

203

VI-1.1. A emergência de uma nova geração de políticas públicas de educação de adultos ao

nível internacional

Muito embora o desenvolvimento de sistemas de ensino público na Europa seja uma

preocupação que remonta ao séc. XIX na sequência das revoluções liberais, do advento da

industrialização e das revoluções operárias (Giddens, 1993, p. 426; Serra, 1998, p. 62; Cardim

J. , 2005a, pp. 95-96), a área específica da Educação de Adultos começou a entrar na agenda

internacional apenas na segunda metade do séc. XX. Tal como refere Aníbal (2013a, pp. 2-3),

este processo de agendamento tem sido particularmente influenciado pela atuação de

organizações internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Económico (OCDE), a União Europeia (UE), ou a Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

A propósito da influência das organizações internacionais no domínio de políticas de

educação de adultos, Aníbal (2013a, pp. 2-3) destaca o particular papel da UNESCO,

sobretudo através das diferentes Conferências Internacionais de Educação de Adultos

(CONFITEA) – 1949 na Dinamarca; 1960 no Canadá; 1972 no Japão; 1985 em França; 1997 na

Alemanha; e, 2009 no Brasil. Como refere esta autora, terá sido no âmbito destas

conferências que terão surgido duas diferentes conceções da Educação de Adultos que têm

marcado as últimas décadas, a da ‘Educação Permanente’, na conferência de 1972, e a de

‘Aprendizagem ao Longo da Vida’, na conferência de 1997 (Aníbal, 2013a, pp. 2-3). Tal como

refere esta autora, estas duas conceções diferem bastante entre si, já que a primeira tem

uma tónica de transformação social e de aquisição de saberes e conhecimentos dos

domínios culturais, políticos e económicos, ao passo que a segunda se foca numa lógica de

desenvolvimento de competências para aumento da empregabilidade, sendo por isso

criticada por ter uma abordagem neoliberal e de individualização (Aníbal, 2013a, pp. 4-5).

Como é possível verificar pelo descrito, estas duas conceções da Educação de Adultos estão,

portanto, alinhadas com as duas funções da Educação acima descritas, a Social e a

Económica.

204

Não sendo o objeto de estudo deste trabalho a reflexão sobre as potenciais mais-valias e

menos-valias da conceção da Aprendizagem ao Longo da Vida, importa, sobretudo, destacar

que esta tem ocupado, nas últimas décadas, uma posição central no discurso relativo à

Educação de Adultos de duas organizações que influenciam bastante as políticas públicas

portuguesas, a OCDE e a UE. A este propósito, Aníbal (2013a, pp. 9-12) destaca um conjunto

de importantes iniciativas tomadas por estas duas organizações no âmbito da Educação e

Formação de Adultos: a celebração do Ano Europeu da Educação e Formação ao Longo da

Vida em 1996, no seguimento da publicação, por parte da Comissão Europeia, do Livro

Branco ‘Educação e Formação: Ensinar e Aprender-Rumo à Sociedade Cognitiva’ em 1995; a

definição de uma estratégia de desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida, em

1996, por parte dos ministros da Educação, Trabalho e Assuntos Sociais dos países da OCDE,

dando lugar à publicação do relatório ‘Lifelong learning for All’; bem como a publicação do

‘Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida’, na sequência do Conselho Europeu de

Lisboa, realizado em 2000, e do documento ‘Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao

longo da vida uma realidade’ em 2001.

Uma das novidades em termos de conteúdo da abordagem da Aprendizagem ao Longo da

Vida apresentada, desde logo, no Livro Branco acima referido diz respeito ao

reconhecimento da validade dos contextos formais e não-formais de educação no

desenvolvimento de competências necessárias à empregabilidade (Comissão das

Comunidades Europeias, 1995, pp. 18-20). Esta ideia é posteriormente desenvolvida nos

documentos ‘Memorando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida’ e ‘Tornar o espaço

europeu de aprendizagem ao longo da vida uma realidade’, no âmbito dos quais é referido

que a conceção de ‘Aprendizagem ao Longo da Vida’ abarca uma noção temporal (lifelong)

mas também uma noção de transversalidade a todos os domínios da vida (lifewide), a última

das quais acentuando a complementaridade entre três tipos de aprendizagem:

aprendizagem formal; aprendizagem não-formal; e, aprendizagem informal (Comissão das

Comunidades Europeias, 2000, pp. 9-10; 2001, p. 10). Estas três tipologias de aprendizagem

podem, de acordo com Werquin (2010a, pp. 21-23), ser distinguidas da seguinte forma:

Aprendizagem formal é aquela que ocorre em ambiente organizado e estruturado e

que tem como principal objetivo a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de

205

competências, sendo o sistema formal de educação ou os cursos de formação

profissional exemplos disso mesmo;

Aprendizagem Informal é aquela que resulta de atividades diárias relacionadas com a

vida, seja no contexto de trabalho, família, lazer, entre outros domínios, e que não é

organizada em termos de objetivos, tempo e apoio à aprendizagem, sendo até muitas

vezes não intencional;

Aprendizagem não-informal é aquela que resulta de atividades planeadas, mas que

não estão necessariamente orientadas para a aprendizagem em termos de objetivos,

tempo e apoio, sendo exemplos disso mesmo a aprendizagem de competências como

o trabalho em equipa ou o espírito de iniciativa no âmbito de um curso de formação,

ou ainda processos conscientes de autoaprendizagem de manuseamento de um

software.

Para além desta conceção mais alargada de fontes de aprendizagem, os dois documentos

referidos destacam-se ainda pela exortação ao estabelecimento de parcerias entre

diferentes atores. A este nível, o Memorando começa por frisar a necessidade de

cooperação entre diferentes ministérios e autoridades públicas, no sentido da promoção de

uma maior coordenação entre políticas, enfatizando igualmente a importância do

envolvimento de diferentes parceiros sociais nos processos de formulação e implementação

das políticas (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 11; 2001, pp. 12-13). Ademais,

sublinham ainda a desejabilidade do desenvolvimento de uma ótica de subsidiariedade, ao

apelar ao envolvimento ativo de organizações públicas e da sociedade civil de âmbito

regional e local, considerando o seu maior conhecimento das necessidades específicas das

comunidades (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 11; 2001, p. 13).

Considerando os princípios acima referidos quanto à valorização das aprendizagens não-

formais e informais, tornou-se evidente que os diferentes Estados-membro deveriam criar

ou consolidar sistemas de validação destas aprendizagens e que esses sistemas deveriam

seguir alguns princípios de comparabilidade e uniformização, tal como referido no âmbito da

206

Declaração de Copenhaga (Comissão Europeia, 2002, p. 3). Neste sentido, têm sido

aprovados um conjunto de documentos da União Europeia que contêm princípios comuns

orientadores para este domínio, nomeadamente os ‘Princípios Comuns Europeus na

Identificação e Validação das Aprendizagens não Formal e Informal’, em 2004, o ‘Quadro

Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida’, em 2008, o ‘European

Guidelines on validating non-formal and informal learning’, em 2009, ou a ‘Recomendação

sobre a Validação de Aprendizagem Não-Formal e Informal’, em 2012.

Para além destas iniciativas da União Europeia, importa ainda destacar algumas iniciativas

de outras instituições já referidas. Por um lado, merece destaque a publicação do

documento ‘UNESCO Guidelines for the Recognition, Validation and Accreditation of the

Outcomes of Non-Formal and Informal Learning’, em 2012, na sequência da CONFITEA VI.

Por outro lado, será relevante salientar a publicação, por parte da OCDE, de dois estudos,

nos quais é feito um levantamento dos principais benefícios e desafios da implementação de

sistemas de Reconhecimento de Aprendizagens Não-Formais e Informais (Werquin, 2010a) e

um levantamento de práticas de um significativo conjunto de países membros desta

organização (Werquin, 2010b).

Tomando em atenção o primeiro dos documentos da OCDE referidos, Werquin (2010a)

começa por clarificar o conteúdo de um conjunto de conceitos e práticas inerentes ao

reconhecimento de aprendizagens não-formais e informais. Assim, após clarificar as

diferenças entre aprendizagens formais, não-formais e informais a que já se aludiu

anteriormente, o autor procede à descrição das diferentes fases envolvidas no processo de

reconhecimento, validação e certificação de competências, as quais são descritas na figura

seguinte.

207

Figura 28. Fases centrais ao processo de Reconhecimento e Validação de Competências

Fases Atividades envolvidas (e atores incluídos)

Identificação Identificar o que alguém sabe ou consegue fazer

(Fase individual de autoidentificação, eventualmente com orientação)

Aferição

Determinar o que alguém sabe ou consegue fazer, nomeadamente através da produção de evidências que se alinhem com standards previamente definidos

(Pode ser uma fase individual ou, quando há uma formalização significativa, envolver um avaliador externo)

Validação

Verificar se o que alguém sabe ou consegue fazer satisfaz certos requisitos, ou standards

(Um nível de desempenho é definido, o que requer o envolvimento de um terceiro agente)

Certificação

Declarar que o que alguém sabe ou consegue fazer satisfaz certos requisitos, e emitir um documento que ateste isso mesmo

(Necessita do envolvimento de uma autoridade acreditada para certificar o desempenho)

Fonte: Adaptação de Werquin (2010a, p. 35)

Após esta clarificação de conceitos e a exposição dos benefícios que os sistemas e processos

de reconhecimento de aprendizagens não-formais e informais poderão acarretar para

diferentes atores, Werquin (2010a, p. cap. 3) apresenta um conjunto de opções de políticas

públicas necessárias à implementação destes sistemas, das quais se poderão destacar as

seguintes:

ao nível da comunicação e promoção do sistema, estabelecer uma posição oficial

nacional, ao mesmo tempo que se deverá apostar também no desenvolvimento de

estratégias locais e descentralizadas;

ao nível da integração do sistema, coordenar os sistemas de educação inicial e de

educação de adultos;

ao nível da melhoria dos procedimentos e processos de reconhecimento, assegurar a

seriedade e a qualidade dos processos de reconhecimento, através da sua integração

em quadros de qualificação, do reforço da qualidade dos portefólios através da aposta

na recolha de evidências sobre a detenção de competências, ou da adequada

preparação dos avaliadores;

208

ao nível da avaliação do sistema, desenvolver processos de recolha de dados que

permita avaliar a qualidade dos processos e os impactos.

Por outro lado, no documento mais dedicado às práticas de diferentes países, Werquin

(2010b) dá conta de um significativo nível de variação entre sistemas nacionais de

reconhecimento de competências quanto às suas origens e tradições de reconhecimento,

bem como de modos de governação do sistema. Focando atenção neste segundo ponto, o

autor refere que a grande maioria dos países tem um sistema de responsabilidade

partilhada, referindo o exemplo da Islândia, Dinamarca, Áustria, parte flamenga da Bélgica,

África do Sul, Chile, Austrália, Irlanda, ou República Checa (Werquin, 2010b, pp. 36-37). Por

contraponto, o autor refere também a existência de alguns sistemas mais centralizados, tais

como os da Hungria, Noruega, Itália, Espanha ou Eslovénia, bem como de sistemas como os

da Suíça e da Holanda em que a responsabilidade está, em grande medida, entregue a

organizações privadas (Werquin, 2010b, pp. 37-38).

Ainda ao nível da estrutura e modos de governação, Werquin (2010b, pp. 56-57) dá conta de

que a maioria dos sistemas não tem organismos especificamente dedicados à atividade do

reconhecimento, sendo a situação mais comum a partilha de infraestruturas com centros de

aprendizagem formal já estabelecidos. A principal exceção a essa tendência acontece na

Noruega, bem como, em certas circunstâncias, na Holanda e na parte flamenga da Bélgica

(Werquin, 2010b, pp. 56-57).

Para além destas diferenças ao nível dos modos de governação, Werquin (2010b, pp. 38-41)

refere ainda a existência de duas abordagens distintas quanto aos quadros regulamentares

do sistema, existindo, por um lado, alguns sistemas baseados em leis, sobretudo os de

tradição latina, ao passo que a grande maioria dos sistemas estão baseados em acordos

entre parceiros sociais.

Para além destes documentos da OCDE, a comparação entre países é também possível

através de uma base de dados organizada pelo CEDEFOP (European Centre for the

Development of Vocational Training), designada ‘Inventário Europeu da Validação de

209

Aprendizagem não Formais e Informais’, e da decorrente produção de pontos de situação

periódicos. Citando o ponto de situação realizado em 2010, Aníbal (2013a, p. 18) refere que

o desenvolvimento dos sistemas de reconhecimento tem conhecido uma evolução irregular

na Europa, na medida em que apenas três países tinham, nesse ano, sistemas de

reconhecimento altamente desenvolvidos, nomeadamente França, Noruega e Portugal.

De facto, o sistema português de reconhecimento e validação de aprendizagens não-formais

e informais tem sido reconhecido como um dos mais desenvolvidos na Europa, destacando-

se pela sua elevada integração no sistema nacional de qualificações e pela sua elevada

capacidade de concretização, sobretudo desde a sua integração na Iniciativa Novas

Oportunidades (Aníbal, 2013a, p. 23).

Tal como será explorado no próximo ponto, o domínio da Educação e Formação de Adultos

esteve, efetivamente, em agenda durante a primeira década do séc. XXI, sobretudo desde

2005, através da Iniciativa Novas Oportunidades.

VI-1.2. Os primórdios e as primeiras iniciativas da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da

Vida em Portugal

Tal como referido por Carneiro (2011, p. 51), a Iniciativa Novas Oportunidades surgiu num

contexto claramente marcado por um ‘sentido de urgência’ de definição de um plano de

atuação para ajudar Portugal a recuperar o atraso ao nível dos défices de qualificação que já

se acumulavam por mais de dois séculos.

De facto, muito embora o ensino primário tenha sido formalmente criado em Portugal, tal

como em outros países da Europa, no decorrer do séc. XVIII – nomeadamente em 1759, por

iniciativa do Marquês de Pombal (Domingues D. , 1998, p. 369) – a sua efetiva

implementação só viria a acontecer na segunda metade do séc. XX (Cardim J. , 2005a, pp.

113-125). Para além de resultado de ‘incapacidade’ implementadora do Estado, este

fenómeno ficou a dever-se igualmente a um amplo desinteresse pela educação por parte da

população, principalmente das populações rurais (Cardim J. , 2005a, p. 122; Mata, 2014, pp.

327-328). A este propósito, Cardim (2005a, p. 116) refere, por exemplo, que no início do séc.

210

XX aproximadamente 75% da população portuguesa era analfabeta, ao passo que a taxa de

analfabetismo era bem menor em países com raízes culturais próximas de Portugal, tais

como a Espanha (cerca de 55% da população) ou a França (cerca de 10%).

Embora no início da segunda metade do séc. XX, Portugal tivesse uma taxa de analfabetismo

cerca de 25 pontos percentuais abaixo do que registava no início do século, a situação era

ainda vista como crítica, sobretudo em termos comparativos e no âmbito da comunidade

internacional (Mata, 2014, pp. 331-332; Araújo L. , 2014, p. 355). Face a este contexto e

perante a ideia de que a alfabetização poderia ser um instrumento de legitimação do

regime, o Governo de então decidiu criar o ‘Plano Nacional de Educação Popular’ (Decreto-

Lei 38.968, de 27 de outubro de 1952) que incluía medidas de promoção do reforço da

escolaridade obrigatória e uma ‘Campanha Nacional para Educação de Adultos’ (CNEA)

(Mata, 2014, pp. 331-338). O primeiro conjunto destas medidas conduziria a uma

significativa diminuição da taxa de analfabetismo no grupo etário 10-14 anos, que em 1950

era de 24,5% e, em 1960, era de 2,9% (Mata, 2014, p. 355). Por sua vez, a CNAE, que se

afirmava como um programa intensivo de transmissão de conhecimentos básicos de leitura,

escrita e cálculo a indivíduos analfabetos entre os 14 e os 35 anos (cerca de um milhão de

portugueses) no decorrer dos anos de 1953 e 1954, teve um impacto reduzido, facto

reconhecido por uma avaliação realizada pelo próprio Governo (Mata, 2014, pp. 336-337;

Araújo L. , 2014, pp. 355-356).

De igual modo, durante este período registou-se também uma forte aposta no Ensino

Profissional, nomeadamente através da aprovação do Estatuto do Ensino Profissional

Industrial e Comercial (DL n.º 37029/48), em 1948, e da continuação da aposta nas Escolas

Técnicas no âmbito do II Plano de Fomento (1959-1964) (Mendonça & Carneiro, 2011, pp.

86, 88). Neste mesmo âmbito, destaca-se ainda a criação, em 1962, do Fundo de

Desenvolvimento da Mão de Obra (DL n.º 44506/62) e do Instituto de Formação Profissional

Acelerada (DL 44538/62) (Mendonça & Carneiro, 2011, p. 88). De acordo com Cardim

(2005a, pp. 151-152), esta tipologia de ensino terá recebido grande aceitação por parte do

tecido empresarial e terá sido responsável pela qualificação de significativas franjas da

população, muito embora fosse criticada por não estar devidamente integrada com o

sistema de educação tradicional.

211

Como é possível verificar pelo exposto, a situação da educação de crianças e jovens em

Portugal começou a registar algumas melhorias consideráveis no início da segunda metade

do séc. XX, o mesmo não ocorrendo, contudo, ao nível da educação e formação de adultos

(Mata, 2014, p. 338; Araújo L. , 2014, pp. 355-356).

A Educação de Adultos só viria a conhecer um maior protagonismo quando, em 1971, o

ministro da Educação Veiga Simão decidiu criar, no âmbito da reforma do sistema de

educação, a Direção-Geral da Educação Permanente (DGEP) (DL n.º 408/71) (Gomes, 2012,

p. 60; Aníbal, 2013b, p. 6; Mata, 2014, p. 338; Araújo L. , 2014, p. 357). No mesmo sentido,

são criados os primeiros Cursos de Educação Básica para Adultos (DL 489/73), bem como os

Cursos de Ensino Primário Supletivos para Adultos (CEPSA) (Portaria 774/73). Muito embora

estes cursos tenham registado uma adesão inicial entusiasta (Gomes, 2012, p. 61), a

mudança de regime em 1974 impediu que muitas destas medidas tenham tido um efetivo

impacto (Araújo L. , 2014, p. 357).

A partir do descrito é possível verificar-se que as iniciativas legislativas acima referidas

estavam alinhadas, pelo menos ao nível do discurso, com o conceito de Educação

Permanente, introduzido na agenda política internacional em 1972, no âmbito da CONFITEA

III (Gomes, 2012, p. 61; Araújo L. , 2014, p. 357).

Face ao cenário descrito referente ao período entre 1950 e 1974, é possível verificar que

este terá sido marcado, em termos de educação, por uma aposta na alfabetização da

população portuguesa, a qual teve resultados mais positivos na população em idade escolar

do que entre os jovens e adultos. A menor atenção e correspondente menor impacto na

alfabetização dos adultos ajuda, portanto, a explicar que Portugal tivesse uma taxa de

analfabetismo no ano de 1974 de cerca de 25% (Araújo L. , 2014, p. 357).

A mudança de regime ocorrida em abril de 1974 conduziu, de igual modo, a algumas

mudanças no sistema de educação. Uma dessas mudanças terá sido a unificação da

educação técnica com a educação tradicional no ano letivo de 1975/76 (Mendonça &

Carneiro, 2011, p. 93), que se deveu, sobretudo, às acusações que recaíam sobre a primeira

quanto à promoção de discriminação por não permitir o prosseguimento de estudos (Cardim

J. , 2005a, pp. 151-152). Este período foi ainda marcado pela emergência de variadíssimos

212

movimentos de educação popular, os quais desenvolveram ações locais de

alfabetização/educação de grupos mais desfavorecidos da população e que assentavam,

sobretudo, em métodos comunitários de animação sociocultural (Gomes, 2012, p. 63).

Durante os anos de 1974 e 1975, estas iniciativas registavam um muito reduzido nível de

intervenção estatal, tendo posteriormente ocorrido uma tentativa de enquadramento

destas iniciativas no final de 1975, nomeadamente através da DGEP, sob a liderança de

Alberto Melo (Araújo L. , 2014, pp. 358-359). Esta tentativa de enquadramento terá sido,

contudo, interrompida pela eleição de um novo governo, na sequência das eleições

constituintes de 1976 e pela diminuição da aposta no domínio da educação durante o

resgate financeiro ocorrido no final da década de 70 (Araújo L. , 2014, p. 359). Além disso,

Gomes (2012, p. 63) considera que estes movimentos não terão desenvolvido, ao nível da

educação, uma intervenção suficientemente marcante, quer em escala, quer em natureza,

nem sequer podendo ser considerados como uma política pública, posto que advinham de

iniciativas voluntaristas que não chegavam a ser monitorizadas pela tutela governativa.

De acordo com Gomes (2012, p. 63), o efetivo regresso da educação de adultos à agenda

política terá ocorrido apenas no final da década de 70, nomeadamente através da criação,

quer do Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (PNAEBA) (Lei n.º

3/79), que pretendia eliminar a iliteracia e assegurar o acesso de todos os interessados aos

vários graus de educação obrigatória, quer da Comissão Nacional de Alfabetização e

Educação de Base de Adultos, que congregava vários atores públicos e da sociedade civil que

tinham por missão acompanhar a definição e avaliação desse plano (Mendonça & Carneiro,

2011, p. 93; Aníbal, 2013b, p. 7; Gomes, 2012, p. 65). Importa referir, a este propósito, que o

PNAEBA contava com a participação de grande parte da equipa técnica que havia sido

liderada por Alberto Melo alguns anos antes e que muitas das intervenções propostas

seguiam a filosofia das medidas anteriormente propostas, nomeadamente quanto à

pequena escala e à adequação ao contexto regional. No entanto, a concretização deste

plano havia de ficar também muito aquém das expectativas, sobretudo devido à

instabilidade política e financeira que marcou o início da década de 80 do séc. XX em

Portugal (Araújo L. , 2014, pp. 360-363).

213

Como se pode antever pelo descrito, os problemas do analfabetismo e do abandono escolar

precoce permaneciam em meados da década de 80 do séc. XX, não obstante os significativos

decréscimos registados desde a década de 40 do séc. XX (Mendonça & Carneiro, 2011, pp.

95-96).

Na segunda metade da década de 80 do séc. XX ocorreram, entretanto, grandes reformas no

domínio da educação em Portugal, marcadas pela promulgação da Lei de Bases do Sistema

Educativo em Portugal (Lei 46/86), e pela adesão de Portugal à Comunidade Económica

Europeia, que implicou, por sua vez, o benefício de fundos estruturais (Mendonça &

Carneiro, 2011, p. 95; Gomes, 2012, p. 66). No âmbito destas reformas, destaca-se a

extensão da escolaridade obrigatória até ao 9.º ano e o fortalecimento das vias de ensino

geral nas escolas públicas, relegando o ensino profissional para escolas profissionais de

natureza privada (Gomes, 2012, p. 67).

Muito embora a Lei de Bases do Sistema Educativo em Portugal tenha representado,

efetivamente, um marco de viragem no setor da educação em Portugal, a atenção dedicada

à problemática da educação de adultos era bastante escassa. Apesar desta menor atenção,

importa destacar o pedido de elaboração de um estudo sobre a reorganização do

subsistema da educação de adultos dirigido à Universidade do Minho por parte da Comissão

para a Reforma do Sistema Educativo, cujo relatório final, apresentado em 1988, propunha

uma significativa autonomização do subsistema e o fomento de vertentes, quer escolar, quer

extraescolar (Araújo L. , 2014, pp. 365-366). De acordo com Araújo (2014, pp. 367-368), o

Decreto-Lei 74/91, que estabelecia o quadro geral da organização da educação de adultos,

viria, contudo, a desconsiderar as recomendações deste relatório ou os pareceres do

entretanto criado Conselho Nacional de Educação, sendo inclusivamente alvo de críticas de

subjugar a educação de adultos ao modelo escolar.

De facto, muito embora a reforma do Sistema da Educação de Adultos previsse quatro

grandes dimensões – formação de base de alfabetização; ensino recorrente com vista à

obtenção da escolaridade obrigatória; projetos de formação de desenvolvimento pessoal e

social; e, projetos de animação social e de desenvolvimento comunitário –, a vertente

claramente predominante acabou por ser o Ensino Recorrente, que tinha uma orientação

214

escolarizante, tendo impacto, sobretudo, em jovens e jovens adultos (Gomes, 2012, pp. 68-

71; Araújo L. , 2014, pp. 368-369).

Ao contrário do que aconteceu com a educação de adultos no início da década de 90 do séc.

XX, a área da formação profissional foi alvo de uma forte aposta, através de inúmeros cursos

ministrados pelos centros de formação profissional, dispersos por todo o país, do entretanto

estabelecido Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), bem como por escolas

profissionais e centros de formação de índole privada, que passaram a ser subsidiadas pelo

Estado (Araújo L. , 2014). A implementação desta aposta no subsistema da formação

profissional deparou-se, contudo, com sérios problemas, nomeadamente relacionados com

o número e diversidade excessivos dos promotores e a consequente dificuldade de gestão e

controlo, o que afetou claramente a credibilidade do subsistema (Araújo L. , 2014). Tendo

em atenção estes problemas, o forte investimento de fundos comunitários em múltiplas

atividades de formação profissional durante a década de 90 é habitualmente considerado

como uma ‘oportunidade perdida’ na promoção da efetiva qualificação da população

(Cardim J. , 2005b, pp. 149, 241; Gomes, 2012, p. 73).

Este quadro contribuía, assim, para que Portugal fosse, no final do séc. XX, o país da União

Europeia com o mais baixo nível de habilitações, um dos que menor proporção de

trabalhadores tinha em ações de formação e dos que menos gastava com a formação dos

trabalhadores (Cardim J. , 2005b, pp. 149, 241). Os principais problemas reportados

situavam-se ao nível das elevadas taxas de insucesso e abandono escolar precoce, da

formação de adultos demasiadamente escolarizante, ou ainda da desarticulação entre os

sistemas educação-formação-emprego (Ramos, 2003, p. 215; Cardim J. , 2005b, p. 239;

Gomes, 2012, pp. 69-71; Araújo L. , 2014, p. 371).

O combate ao problema do défice de qualificação da população que persistia em Portugal

foi, entretanto, assumido como uma aposta pelo Governo Socialista eleito em 1995, dando

origem à elaboração, em 1996, do Pacto Educativo para o Futuro, que resultou de um amplo

processo de participação de todos os stakeholders do processo educativo (Araújo L. , 2014,

p. 371). Uma das novidades aportadas por este Pacto foi, desde logo, a referência à

necessidade da educação e formação ao longo da vida, nomeadamente através de uma clara

215

aposta na educação de adultos (Araújo L. , 2014, p. 371), indo, assim, ao encontro da agenda

europeia nestes domínios. Importa recordar, a este propósito, que entre outras iniciativas

propostas no âmbito dos documentos internacionais referidos na última secção, estariam o

fortalecimento da oferta de soluções de educação e formação de adultos, entre estas o

desenvolvimento de sistemas de reconhecimento, validação e certificação de competências

adquiridas em contextos não-formais e informais.

Foi precisamente neste contexto mais favorável que a entretanto empossada Secretária de

Estado da Educação e da Inovação, Ana Benavente, que representou Portugal na CONFITEA

V, decorrida em julho de 1997 em Hamburgo, decidiu criar o Grupo de Trabalho para o

Desenvolvimento da Educação de Adultos (Despacho n.º 1053/97), coordenado por Alberto

Melo (Gomes, 2012, pp. 76-77; Aníbal, 2013b, pp. 9-10; Araújo L. , 2014, p. 371). Entre

outras propostas apresentadas por este grupo51, destacava-se a da criação de um sistema de

validação de aprendizagens prévias, na medida em que se reconhecia que muitos cidadãos

dispunham de competências e qualificações dispersas que necessitavam de certificação

escolar, nomeadamente decorrentes dos amplos programas de formação profissional

(Cardim M. , 2006, pp. 130-131). Daqui se denota, portanto, que a proposta de criação de

um sistema desta natureza surge em Portugal ainda antes da publicação do ‘Memorando

sobre Aprendizagem ao Longo da Vida’, em 2000 (Aníbal, 2013b, p. 9).

Em paralelo à criação daquele grupo de trabalho, o Ministro da Educação do Governo

Socialista de então, Marçal Grilo, solicitou a Roberto Carneiro (que havia sido Ministro da

Educação num anterior governo liderado por outro partido) que coordenasse um amplo

estudo prospetivo sobre a educação em Portugal, o qual decorreu entre 1997 e 1999

(Carneiro, 2011, p. 50; Mendonça & Carneiro, 2011, p. 98). Tal como referem Mendonça e

Carneiro (2011, p. 98), os resultados deste estudo, publicados em 2000, destacaram que um

dos grandes problemas de Portugal continuava a ser o défice de qualificações da sua

população, ao mesmo tempo que definiam prioridades ao nível das políticas públicas para os

anos seguintes, das quais se poderão destacar as seguintes: 1) desenvolvimento de um plano

consolidado para a Aprendizagem ao Longo da Vida; 2) reforço do Ensino Secundário, em

51

Para um maior detalhe sobre as propostas apresentadas por este Grupo de Trabalho, veja-se: Melo et al., (1998), Uma Aposta Educativa na Participação de Todos. Documento de Estratégia para o Desenvolvimento da Educação de Adultos, Lisboa, Ministério da Educação.

216

particular através da dignificação dos percursos tecnológicos, profissionais e vocacionais; 3)

devolução de responsabilidades de direção e gestão dos centros educativos para níveis de

decisão regionais e locais.

Muito embora as propostas acima referidas não tenham reunido consenso, já que eram

consideradas demasiado ambiciosas por alguns setores da sociedade portuguesa, acabaram

por ganhar visibilidade política ao serem utilizadas no âmbito dos estudos preparatórios do

Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (PNDES) para o período 2000-2006

(Carneiro, 2011, p. 53). A necessidade de se realizar uma forte aposta no domínio da

educação foi, com efeito, claramente confirmada no âmbito do PNDES e apoiada pelo

Conselho Económico e Social (Carneiro, 2011, p. 53). Já no respeitante ao financiamento, a

estratégia de educação e formação de adultos foi enquadrada no PRODEP III (2000-2006),

que beneficiava de um significativo envelope financeiro proveniente de fundos comunitários

(Carneiro, 2011, p. 54).

Entretanto, o Grupo de Trabalho acima referido deu lugar ao ‘Grupo de Missão para o

Desenvolvimento da Educação da Formação de Adultos’, criado através da RCM 92/98, e que

resultava de uma forte articulação interministerial apoiada pelos Secretários de Estado da

Educação e da Inovação e do Trabalho e Formação do XIII Governo Constitucional (1995-

1999), e que ia ao encontro das recomendações da União Europeia quanto às políticas de

educação da população adulta (Araújo L. , 2014, p. 371). Entre outras missões, este grupo

teria a incumbência de criar a Agência Nacional para a Educação e Formação de Adultos

(ANEFA), o que viria a concretizar-se em 1999, e de promover a articulação de organismos

dos dois ministérios e de outros atores, como autarquias ou entidades de formação

privadas, por forma a desenvolver projetos-piloto inovadores (Aníbal, 2013b, p. 10; Araújo L.

, 2014, p. 373).

A ANEFA, organização pública semiautónoma tutelada pelo Ministério da Educação e pelo

Ministério do Trabalho e Solidariedade e instituída através do Decreto-Lei 387/99, afirmou-

se, assim, como uma peça essencial no processo de desenvolvimento da educação e

formação de adultos em Portugal, nomeadamente ao assumir um importante conjunto de

missões (ver art. 4.º do DL 387/99): conceção de modelos, metodologias e materiais de

217

intervenção pedagógica, nomeadamente através da construção dos referenciais de

competências-chave; a criação de cursos de Educação e Formação de Adultos (daqui em

diante, Cursos EFA); bem como, a implementação do Sistema Nacional de Reconhecimento,

Validação e Certificação de Competências (daqui em diante, SNRVCC), através da criação e

acompanhamento de Centros RVCC.

Como referido no parágrafo anterior, um dos principais e primeiros instrumentos

pedagógicos a ser criado pela ANEFA foi o Referencial de Competências-Chave do Ensino

Básico, que se divide em três níveis (B1, B2 e B3, numa aproximação aos três ciclos do Ensino

Básico) e em quatro áreas nucleares: Linguagem e Comunicação (LC); Tecnologias da

Informação e Comunicação (TIC); Matemática para a Vida (MV) e Cidadania e

Empregabilidade (CE).

Por sua vez, os Cursos EFA, regulamentados através do Despacho Conjunto n.º 1083/2000,

assumiam-se como cursos estruturados numa lógica de módulos, ou unidades de formação,

organizados por competências, por forma a possibilitar o desenvolvimento de percursos

flexíveis de formação, ao permitir o reconhecimento de competências já adquiridas (ver Art.

3.º do Regulamento Anexo ao Despacho).

Por fim, foi criada uma rede de Centros RVCC, através da Portaria n.º 1082-A/2001 de 5 de

setembro, após a prévia criação de seis centros de observação em diferentes pontos do país,

em novembro de 2000 (ver art. 3.º). Tal como referido neste mesmo diploma legal, os

Centros RVCC seriam promovidos por organizações, públicas ou privadas, com significativa

implantação a nível local, regional ou nacional (ver art. 2.º), tendo como funções

desenvolver processos de RVCC, formações complementares, ou mesmo cursos de educação

e formação de adultos, através da sua entidade promotora (ver art. 9.º).

Após esta fase de regulamentação da estratégia nacional de aprendizagem ao longo da vida

de Portugal, seguiu-se o início do seu processo de desenvolvimento, que teve uma

abordagem experimental, facto que será compreensível face à clara rutura com os

anteriores paradigmas da educação e formação em Portugal (Gomes, 2012, p. 100). Apesar

deste carácter experimental, Gomes (2012, p. 102) destaca que a ANEFA deixou uma clara

marca no setor pelo seu papel dinamizador, não apenas pelo cariz inovador do projeto que

218

empreendeu, mas sobretudo pela competência técnica da sua equipa e pela sua forte

liderança. Ademais, Cardim (2006, pp. 145-152) e Gomes (2012, p. 78) destacam um

conjunto de outras conquistas da estratégia entre 2001 e 2005, nomeadamente a

capacidade de desenvolvimento de um modelo de intervenção sólido em termos técnicos e

científicos, a capacidade de mobilização de agentes do terreno, bem como a consolidada

expansão do número de Centros RVCC.

Apesar de reconhecerem estas conquitas, estas mesmas autoras destacam ainda um

conjunto de problemas registados após o arranque promissor. Por um lado, Cardim (2006,

pp. 153-155) refere como principais problemas uma certa perda da consistência da ideia

inicial dos processos RVCC, como consequência da precipitação no alargamento da rede de

Centros RVCC, a pressão para a apresentação de resultados e o estabelecimento de metas

que os operadores do terreno consideravam impraticáveis, o que poderia conduzir ao

desenvolvimento de processos RVCC demasiado permissivos. Por sua vez, Gomes (2012, pp.

78-79) destaca o reduzido investimento financeiro e a fraca aposta política no sistema, bem

como o desmembramento da gestão do sistema aquando da extinção da ANEFA em 2002,

através da divisão de atribuições pela Direção-Geral de Formação Vocacional (DGFV) e o

Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). A propósito da substituição da ANEFA

pela DGFV em 2002, Cardim (2006, p. 205) Gomes (2012, p. 102) e Araújo (2014, p. 376)

referem que, não obstante a continuidade da implementação das principais medidas, o

projeto inicial ter-se-á dissipado devido às enormes mudanças ocorridas ao nível

institucional e técnico, o que se terá refletido na desmobilização dos diferentes operadores e

na saída de muitos técnicos da própria agência tutelar. A fragilização técnica e gestionária

acompanhou, assim, o desmembramento estrutural, consequência de um desinvestimento

na estratégia integrada anteriormente desenvolvida.

219

Este era, portanto, o contexto da estratégia de educação e formação de adultos em Portugal

quando se chegou a 2005, ano em que foi eleito um novo Governo, o qual definiu como

prioridade a intervenção no combate ao défice de qualificações da população portuguesa

(Gomes, 2012, p. 79). No ponto dedicado à Educação do Capítulo ‘Novas Políticas Sociais’ do

Programa de Governo do XVII Governo Constitucional, é possível ler-se o seguinte excerto:

“Um novo impulso à educação de adultos

Em matéria de educação de adultos, é necessário recuperar o impulso perdido desde a

liquidação da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), de modo

a aumentar o investimento público e induzir a participação da sociedade civil na

formação académica e profissional relevante para mulheres e homens adultos.

Cumpre-se estender progressivamente ao nível do ensino secundário os processos de

reconhecimento, validação e certificação das competências adquiridas e os cursos de

educação-formação que tão bons resultados já demonstraram ter ao nível da educação

básica. A rede de escolas secundárias e profissionais constitui, a este respeito, um

recurso não negligenciável”. (XVII Governo Constitucional, 2005, p. 48)

Foi precisamente neste âmbito que foi lançada, no final de 2005, a Iniciativa Novas

Oportunidades, que será apresentada com maior detalhe no próximo ponto.

VI-1.3. Instrumentos e Estrutura de Implementação do Eixo dos Adultos da Iniciativa Novas

Oportunidades

Tal como referido anteriormente, a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) foi lançada no final

de 2005, “num contexto político de assunção da necessidade urgente de intervenção para

combater o défice de qualificações da população portuguesa” (Gomes, 2012, p. 79). A

Iniciativa Novas Oportunidades (INO) apresentava-se, assim, como “um forte e decisivo

impulso à qualificação”, no qual o nível secundário era assumido como “o objetivo de

220

referência para a qualificação dos (…) jovens e adultos”, seguindo, assim, as recomendações

da União Europeia e da OCDE (MTSS & ME, 2005, pp. 3, 6).

No sentido de fazer cumprir esse objetivo, a INO estruturava-se em dois grandes eixos (MTSS

& ME, 2005, p. 3): por um lado, fazer do ensino secundário profissionalizante uma efetiva

opção, dando assim ‘oportunidades novas’ aos jovens, almejando, entre outros fins, diminuir

os níveis de insucesso e abandono escolar; e, por outro lado, dar ‘novas oportunidades’ aos

adultos menos escolarizados para elevarem os seus níveis de formação e qualificação,

nomeadamente através do Sistema de RVCC e de ofertas de formação complementares.

Concentrando atenção apenas no eixo dos adultos por ser esse o enfoque deste trabalho, a

INO apostava, assim, na adaptação e reforço de instrumentos que já haviam sido

desenvolvidos no início da década (MTSS & ME, 2005, p. 20): por um lado, o Sistema de

Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (SRVCC); e, por outro lado, os

Cursos de Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA).

Não obstante estas semelhanças do eixo dos adultos da INO com as iniciativas anteriores,

Gomes (2012, pp. 79-80, 96) considera que existem algumas alterações dignas de registo. A

este propósito, a autora destaca, em primeiro lugar, a centralidade que a INO assumiu na

agenda governamental e no âmbito da programação do Fundo Social Europeu,

nomeadamente através do Programa Operacional Temático Potencial Humano (POPH)

(Gomes, 2012, pp. 79-80, 96). De acordo com Carneiro (2011, p. 54) e Araújo (2014, p. 381),

esta centralidade é demonstrável pelo elevado envelope financeiro destinado à INO por

parte do PRODEP III e do POPH. No mesmo sentido, Carneiro (2011, pp. 54-55) destaca

também como um fator particularmente relevante para a implementação bem-sucedida da

INO o investimento político por parte do Governo, nomeadamente pelo próprio Primeiro-

Ministro, que se tornou visível, desde logo, pela grande atenção política e mediática

suscitada pela sessão pública de apresentação da INO.

Além da centralidade na agenda política, o eixo dos adultos da INO destacava-se da anterior

estratégia por se propor expandir a escala das ofertas acima referidas e alargar a sua

incidência para o nível secundário e profissional, mas também por ter o objetivo de

221

introduzir uma maior integração entre as diferentes ofertas e entre os sistemas educativo e

de formação profissional (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96).

O objetivo da INO em dar um forte impulso à estratégia de educação e formação de adultos

estaria, aliás, expresso no documento de apresentação da INO através da explicitação das

seguintes medidas (MTSS & ME, 2005, pp. 22-24):

1. Alargar ao nível do ensino secundário o referencial de competências-chave a ser

aplicado nos processos de RVCC e também nos Cursos EFA (meta 4 do documento);

2. Realizar uma campanha alargada de informação e sensibilização, nos meios de

comunicação social (meta 7 do documento);

3. Reforçar a oferta de cursos profissionalizantes para adultos – ao nível do 9º e do 12º

ano –, inclusivamente realinhando o modelo de Ensino Recorrente no sentido dos

Cursos EFA, de forma a abranger nestes percursos cerca de 350.000 adultos durante o

período 2006-2010 (metas 1 e 2 do documento);

4. Expansão da Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de

Competências de modo a atingir 500 Centros em 2010, e que mais de 650.000 pessoas

obtenham uma certificação de competências (metas 3 e 5 do documento);

5. Alargar substancialmente as possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo

em vista privilegiar o acesso à população empregada, e garantir prioridade a colocação

de desempregados inscritos nos Centros de Emprego nos cursos de formação

profissional (metas 9 e 10 do documento);

6. Rever e melhorar o funcionamento do sistema de RVCC e dos cursos EFA, simplificando

processos e descentralizando competências, assegurando melhores mecanismos de

acompanhamento e maior proximidade entre os serviços e os promotores (meta 6 do

documento).

Face à definição destas metas e medidas da INO, assumia-se o desafio de implementar esta

estratégia ambiciosa e de articular efetivamente as diferentes ofertas. A este propósito,

importa referir que, muito embora a INO tenha arrancado logo em 2006, apenas terá

começado a consolidar-se efetivamente em 2007, nomeadamente após a criação da Agência

222

Nacional para a Qualificação e da aprovação do Sistema Nacional de Qualificações (Gomes,

2012, p. 105).

De acordo com Gomes (2012, p. 105), esta consolidação ficou a dever-se efetivamente à

aprovação do Sistema Nacional de Qualificações, que veio regulamentar todas as outras

componentes do sistema, dando, assim, “um forte e decisivo impulso de formalização e

consolidação destas medidas de política”. Tal como se pode ler no preâmbulo do diploma

legal do Sistema Nacional de Qualificações (Decreto-Lei n.º 396/2007), este prossegue os

mesmos objetivos anteriormente definidos pela INO, definindo, para tal, um conjunto de

instrumentos de educação e formação e um modelo institucional, os quais serão

apresentados de seguida.

VI-1.3.1. INSTRUMENTOS DO EIXO DOS ADULTOS DA INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES

Ao nível dos instrumentos52, o diploma de enquadramento do Sistema Nacional de

Qualificações (Decreto-Lei n.º 396/2007) estabelece que as qualificações poderão ser

obtidas através de formações enquadradas no Catálogo Nacional de Qualificações, ou

através de processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (art.

4.º). Estes dois instrumentos irão ser desenvolvidos de seguida.

A) CURSOS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS DO CATÁLOGO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES

O Catálogo Nacional de Qualificações afirma-se como um instrumento de “regulação da

oferta de formação de dupla certificação [de nível não superior], quer ela se desenvolva em

contexto de formação inicial, quer no âmbito da aprendizagem ao longo da vida”

(Preâmbulo da Portaria nº 781/2009), tendo por funções estruturar ofertas formativas ao

definir, para cada qualificação, os respetivos perfil profissional, referencial de formação e

52

Considerando que o principal enfoque deste trabalho se centra sobre as estruturas de implementação e relações entre estas e não sobre os instrumentos de educação e formação propriamente ditos, este ponto referente aos instrumentos não será muito detalhado.

223

referencial de RVCC (website do CNQ53). Neste âmbito, são consideradas modalidades de

formação do Sistema Nacional de Qualificações um vasto conjunto de cursos, dos quais os

potencialmente destinados a um público adulto são os Cursos de Educação e Formação de

Adultos (Cursos EFA) e as Formações Modulares de Curta Duração (UFCD).

Os Cursos EFA são, de acordo com a Portaria n.º 230/2008, cursos de longa-duração de nível

básico ou secundário, de dupla certificação ou certificação escolar, destinados a pessoas

com idade igual ou superior a 18 anos (ou 23 anos, quando se trate de cursos de nível

secundário) e que têm um plano curricular composto por formação de base e formação

tecnológica em contexto de trabalho. Tal como disposto no art. 7.º desse mesmo diploma,

os Cursos EFA são compostos por unidades de formação capitalizáveis que, não obstante

devam ter uma organização integrada e coerente, devem permitir a flexibilidade suficiente

para percursos não contínuos, nomeadamente por parte de adultos que tenham realizado

processos de RVCC.

Já as Formações Modulares são, de acordo com o mesmo diploma legal, formações de nível

básico, secundário ou pós-secundário, e que têm uma menor duração, por forma a permitir

aos adultos o desenvolvimento de percursos flexíveis de duração variável (arts. 36.º e 37.º

da Portaria 230/2008).

Tal como estipulado no diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), o

permanente desenvolvimento e atualização do Catálogo Nacional de Qualificações é

responsabilidade da ANQ, em colaboração com os Conselhos Setoriais para a Qualificação

(art.º 6.º/5). Por sua vez, a promoção dos Cursos EFA e das UFCD cabe a uma vasta rede de

Entidades Formadoras (art. 3.º da Portaria 230/2008), cuja atividade será analisada mais

adiante, ao passo que as funções de acompanhamento e avaliação do funcionamento dos

Cursos são da responsabilidade da ANQ e de outros serviços dos ministérios tutelares (art.

48.º da Portaria 230/2008).

53

http://www.catalogo.anqep.gov.pt/Home/CNQ/. Última consulta em 19 de agosto de 2014.

224

B) PROCESSOS DE RECONHECIMENTO, VALIDAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Os processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências foram, por sua

vez, regulados pela Portaria n.º 370/2008, e estruturam-se através das etapas descritas na

figura abaixo apresentada:

Figura 29. Fases do Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

Fases Atividades envolvidas (e atores incluídos)

Anteriores ao Processo

Acolhimento Atendimento e inscrição dos adultos, incluindo esclarecimento sobre fases do processo e possibilidades de encaminhamento para diferentes ofertas educativas e formativas

Diagnóstico Análise de perfil do adulto através de análise curricular e entrevistas e identificação das potenciais ofertas disponíveis ao nível local ou regional

Encaminhamento Encaminhamento do adulto para oferta de educação ou formação ou para processo RVCC, resultante do acordo entre profissionais e adulto, com base nas características e aspirações deste último

No âmbito do Processo

Reconhecimento Identificação de saberes e competências adquiridas através da metodologia de balanço de competências e da construção de um portefólio reflexivo de aprendizagens

Validação

Avaliação do portefólio reflexivo de aprendizagens do adulto por parte de profissionais, podendo dar-se a situação da necessidade de encaminhamento do adulto para formação complementar de curta-duração (até 50h) ou de maior duração

Certificação

Apresentação do adulto perante um júri, composto pelos profissionais que acompanharam o adulto e por um avaliador externo, que tem por missão avaliar se o adulto tem efetivamente as competências previstas nos referenciais do Catálogo Nacional de Qualificações, podendo dar-se uma certificação parcial ou total

Fonte: produção própria, com base nos arts. 13.º a 20.º da Portaria n.º 370/2008

Tal como é referido no diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), o

desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências

seria competência dos Centros Novas Oportunidades (art. 12.º), estruturas criadas para

substituir os Centros RVCC. Por sua vez, a autorização para a criação de CNOs e o

225

acompanhamento e avaliação do seu funcionamento é assegurado pela Agência Nacional

para a Qualificação (art. 15.º), em articulação com serviços competentes dos ministérios

tutelares (art. 23.º da Portaria 230/2008).

***

Concluída que está a apresentação dos principais instrumentos de educação e formação de

adultos previstos no Sistema Nacional de Qualificações, prossegue-se com a apresentação

das principais estruturas envolvidas no processo de implementação do eixo dos adultos da

Iniciativa Novas Oportunidades.

VI-1.3.2. ESTRUTURA DE DESENHO E IMPLEMENTAÇÃO DO EIXO DOS ADULTOS DA INICIATIVA NOVAS

OPORTUNIDADES

Ao nível das estruturas de desenho e implementação do eixo dos adultos do Sistema

Nacional de Qualificações, os arts. 1.º e 15.º a 17.º do Decreto-Lei n.º 396/2007 estabelecem

que os principais atores envolvidos são: 1) a Agência Nacional para a Qualificação e outros

serviços com competências nos domínios da conceção e da execução das políticas de

educação e formação profissional; 2) os estabelecimentos de ensino básico e secundário, os

centros de formação e reabilitação profissional de gestão direta e protocolares, bem como

outras entidades com estruturas formativas certificadas, na qualidade de Entidades

Formadoras; 3) os Centros Novas Oportunidades.

Nos pontos que se seguem explorar-se-ão as principais funções destes atores, bem como a

forma como estão estruturadas.

A) AGÊNCIA NACIONAL PARA A QUALIFICAÇÃO E OUTROS SERVIÇOS MINISTERIAIS

Começando a análise pela Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), importa referir que a

mesma terá sido criada formalmente através do Decreto-Lei n.º 276-C/2007 de 31 de julho,

sendo um organismo público semiautónomo com tutela conjunta do Ministério da Educação

226

e do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, que veio concentrar as funções dos então

extintos Direção-Geral de Formação Vocacional e Instituto para a Qualidade da Formação.

De acordo com o diploma legal referido, a principal função da ANQ seria assegurar a

coordenação da execução das ofertas de educação e formação profissional de jovens e

adultos, bem como do sistema de RVCC (art. 3.º/ 1), sendo, para tal, necessário desenvolver

um conjunto de atribuições adjacentes nestes domínios, das quais se destacam:

Participar na definição da orientação estratégica de opções políticas;

Propor orientações para modelos de financiamento e de afetação de recursos;

Coordenar, dinamizar, gerir, acompanhar, monitorizar e regular a oferta de educação e

formação profissional de dupla certificação, destinada a jovens e adultos;

Conceber e manter atualizado o Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) com o apoio

dos Conselhos Setoriais para a Qualificação (CSQ)54;

Assegurar a conceção de percursos de educação e formação de jovens e adultos, de

carácter flexível, modular e capitalizável;

Desenvolver e gerir o sistema de reconhecimento, validação e certificação de

competências escolares e profissionais, assegurando a coordenação e monitorização

da rede de Centros Novas Oportunidades, em estreita colaboração com as demais

entidades, públicas e privadas, de formação e certificação;

Mobilizar a procura das ofertas acima referidas, por parte de jovens e adultos;

Participar no desenvolvimento de referenciais de formação, inicial e contínua, de

profissionais envolvidos na gestão e provisão das ofertas acima referidas;

Participar na definição de mecanismos de avaliação integrada e de incentivo à

qualidade, no âmbito das ofertas de educação e formação de jovens e adultos;

Dinamizar a investigação e a inovação nos domínios do currículo, das metodologias e

dos recursos pedagógicos, promovendo a disseminação do conhecimento,

nomeadamente através da dinamização e participação em redes e parcerias de

informação, experimentação e transferência de conhecimento.

54

De acordo com o art. 17.º do diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), os CSQ são compostos, entre outros atores, por: “especialistas indicados pelo ministério que tutele o respetivo setor de atividade, por associações sindicais e associações de empregadores representativas dos correspondentes setores de atividade, empresas de referência, entidades formadoras com maior especialização setorial ou regional e peritos independentes …”.

227

Já ao nível da sua estrutura interna, a ANQ tinha, para além de uma direção e de um

conjunto de departamentos de funções de apoio, três departamentos mais orientados para

as políticas que coordena: o Departamento de Referenciais de Qualificação; o Departamento

de Coordenação e Gestão de Centros Novas Oportunidades; e o Departamento de Gestão

Integrada de Sistemas de Qualificação (ver figura seguinte).

Figura 30. Organograma da Agência Nacional para a Qualificação

Fonte: Plano de Atividades de 2008 da Agência Nacional para a Qualificação, p. 7

Importa, por fim, referir que as funções de acompanhamento e avaliação dos processos de

RVCC e dos Cursos EFA eram igualmente desempenhados por serviços competentes dos

ministérios tutelares. No caso dos processos de RVCC, os números 1 e 2 do art. 23.º da

Portaria 370/2008 estipula que as funções de acompanhamento e avaliação do

funcionamento dos Centros Novas Oportunidades devem ser realizadas pela ANQ e por

serviços nacionais e regionais dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social (leia-se

IEFP) e da Educação (leia-se Direções Regionais de Educação - DREs). No caso dos Cursos

228

EFA, a alínea a) do n.º 1 do art. 17.º da Portaria 230/2008 define que a autorização de

funcionamento dos cursos é responsabilidade da direção regional de educação ou da

delegação regional do IEFP, de acordo com a tipologia de entidade formadora. Já as funções

de acompanhamento e avaliação dos Cursos EFA são desempenhadas pela Agência Nacional

para a Qualificação, em articulação com os órgãos nacionais e regionais competentes do

Ministério da Educação (DREs) e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (IEFP)

(n.º 1 do art. 48.º da Portaria 230/2008).

B) ENTIDADES FORMADORAS

Um outro ator fundamental no Sistema Nacional de Qualificações são as Entidades

Formadoras, as quais têm por responsabilidade promover diferentes cursos enquadrados no

âmbito do Sistema Nacional de Qualificações (ver art. 16.º do DL nº 396/2007).

No caso dos Cursos EFA e das UFCD, a Portaria 230/2008 estipula que estas tipologias de

formação poderão ser promovidas por “entidades de natureza pública, privada ou

cooperativa, designadamente estabelecimentos de ensino, centros de formação profissional,

autarquias, empresas ou associações empresariais, sindicatos e associações de âmbito local,

regional ou nacional.” (art. 3.º/1). Como se pode verificar pela composição da rede de

Entidades Formadoras que poderão promover estes cursos de formação, estão integradas

neste grupo organismos dos subsistemas de educação e formação profissional, um facto que

Carmo (2012, p. 132) considera ser revelador do carácter integrador do Sistema Nacional de

Qualificações.

Tal como estipulado na Portaria 230/2008, as entidades acima descritas interessadas em

desenvolver Cursos EFA ou UFCDs devem solicitar autorização de funcionamento dos

respetivos cursos às Direções Regionais de Educação (entretanto extintas) ou às Delegações

Regionais do IEFP territorialmente competentes, apresentando argumentos quanto ao nível

de procura pelos destinatários, às necessidades reais de formação na região, bem como à

sua própria capacidade de resposta em termos de recursos (art. 17.º).

229

Neste sentido, o art. 3.º deste mesmo diploma legal define que compete às Entidades

Promotoras destas tipologias de formação assegurar as seguintes atividades: apresentar os

procedimentos relativos à autorização de funcionamento dos cursos; a apresentar

candidaturas a financiamento; divulgar as ofertas formativas; identificar e selecionar

candidatos; bem como disponibilizar informação que permita o acompanhamento e controlo

do funcionamento dos cursos.

Em relação aos processos de formação propriamente ditos, compete a estas mesmas

entidades, já na qualidade de Entidades Formadoras, assegurar o seguinte (art. 4.º/2 da

Portaria 230/2008):

O planeamento das ações de formação;

Os recursos humanos e físicos necessários ao desenvolvimento dos cursos;

O desenvolvimento das ofertas em conformidade com os referenciais constantes do

Catálogo Nacional de Qualificações;

Os procedimentos relativos à avaliação e certificação das aprendizagens dos

formandos;

A organização e disponibilização de toda a informação necessária para os processos de

acompanhamento e controlo por parte das entidades competentes.

Tal como estipulado na Portaria 230/2008, o funcionamento destes cursos é coordenado por

um Representante da Entidade Formadora, a quem cabe a responsabilidade de organizar e

gerir os cursos (art. 23.º), bem como por uma equipa pedagógica composta por um

Mediador Pessoal e Social e por um conjunto de Formadores (art. 24.º). Ao Mediador cabe,

entre outras funções, as tarefas de acompanhamento e orientação pessoal, social e

pedagógica dos formandos, bem como de dinamização da restante equipa técnico-

pedagógica (art. 25.º). Já os Formadores estão responsáveis por elaborar o plano de

formação, os materiais pedagógicos e instrumentos de avaliação, bem como por

desenvolver a formação propriamente dita (art. 26.º).

230

O funcionamento destes cursos e das Entidades Formadoras é, por sua vez, acompanhado

pelos serviços e estruturas competentes, de âmbito nacional e regional, dos ministérios da

tutela (art. 48.º da Portaria 230/2008).

C) CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES

É ainda relevante destacar o papel dos Centros Novas Oportunidades (CNOs) no âmbito do

Sistema Nacional de Qualificações (art. 15.º do DL 396/2007), estruturas que foram

formalmente criadas através da Portaria n.º 370/2008, em substituição dos Centros de

Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC).

De acordo com a Portaria n.º 370/2008, a missão dos Centros Novas Oportunidades seria

acolher cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos que não tivessem completado o 12.º

ano de escolaridade e/ou não tivessem uma certificação profissional (art. 1.º),

desenvolvendo as seguintes atribuições (art. 2.º): a) encaminhamento dos adultos para

ofertas de educação e formação que se adequassem ao seu perfil e necessidades; b)

desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências

escolares e profissionais, quer fosse com a finalidade de posterior posicionamento em

percurso de qualificação, quer fosse para fins de certificação escolar e/ou profissional.

A propósito do desempenho das duas atividades acima referidas, importa recordar que está

previsto que a intervenção dos Centros Novas Oportunidades se inicie pela etapa do

acolhimento e diagnóstico do adulto, após a qual o adulto deverá ser encaminhado para um

percurso de formação exterior ao CNO ou para um percurso de RVCC que será desenvolvido

no próprio CNO. Por sua vez, no decorrer do processo de reconhecimento e validação de

competência propriamente dito (ver ponto VI-1.3.1 B) poderá ocorrer uma de três situações:

1) a constatação de que o adulto dispõe de competências suficientes para obter uma

certificação; 2) a identificação de que o adulto necessita de formação adicional de carácter

residual (até 50 horas), o que implica que o adulto frequente formação de curta-duração,

geralmente ministrada por parte do próprio CNO; 3) a identificação de que o adulto

necessita de formação adicional de carácter significativo (mais de 50 horas), o que implica a

231

certificação parcial de competências e o posterior encaminhamento do adulto para soluções

de formação exteriores ao CNO (EFAs e UFCDs). A figura que se segue representa um

fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades e da sua relação

com as Entidades Formadoras.

Figura 31. Fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades

Fonte: baseado em Gomes e Simões (2007, p. 20)

Considerando os dois grandes grupos de atividades acima descritos, cada CNO deveria

contar com uma equipa composta pelos seguintes elementos:

- Diretor, que tem por funções representar institucionalmente o CNO, de nomear o

presidente de júri de certificação, bem como de homologar as decisões desse mesmo

júri e os diplomas e certificados emitidos (art. 7.º);

- Coordenador (função que pode ser desempenhada em acumulação com a de Diretor),

cuja principal missão é dinamizar a atividade do CNO e a sua gestão pedagógica,

nomeadamente através da elaboração do Plano Estratégico de Intervenção do CNO, da

coordenação das diversas atividades inerentes às diferentes intervenções do CNO, da

realização do diagnóstico local e da promoção de ações de divulgação, bem como da

formação contínua dos elementos da equipa (art. 8.º);

232

- Técnico de Diagnóstico e Encaminhamento, que tem por principal função coordenar e

desenvolver tarefas inerentes ao processo de acolhimento, diagnóstico e

encaminhamento anteriormente descritas (art. 9.º);

- Profissional de RVC, que tem por missão acompanhar os adultos na construção dos

seus portefólios reflexivos de aprendizagem, identificar necessidades de formação e

proceder aos eventuais respetivos encaminhamentos, dinamizar o trabalho dos

formadores, e organizar o júri de certificação (art. 10.º);

- Formador, cujas principais funções são apoiar o adulto e o profissional de RVC no

processo de reconhecimento e validação de competências, bem como de organizar e

desenvolver ações de formação complementar (art. 11.º).

Tal como estipulado na Portaria 370/2008, os Centros Novas Oportunidades poderiam ser

criados por um vasto conjunto de entidades promotoras públicas ou privadas,

nomeadamente “estabelecimentos de ensino, centros de formação profissional, autarquias,

empresas e associações, com significativa expressão territorial ou setorial e capacidade

técnica instalada, em função sobretudo dos setores e públicos a que se dirigem.” (art. 3.º).

Como é possível verificar na figura seguinte, em agosto de 2010, a maioria dos 454 Centros

Novas Oportunidades então existentes encontrava-se sedeada em Escolas Básicas e/ou

Secundárias (43%) e em Centros de Formação Profissional do IEFP (19%). Denota-se, no

entanto, uma considerável variedade de tipologias de entidades promotoras.

233

Figura 32. Distribuição dos CNOs por Tipologia Institucional da Entidade

Fonte: CAINO (2011)

No sentido de poderem constituir um CNO, a Portaria 370/2008 estipula que as potenciais

entidades promotoras deveriam dirigir candidatura à ANQ (art. 4.º), definindo um Plano

Estratégico de Intervenção (PEI) a 2 anos, que deveria conter um conjunto de informações,

das quais se destacam as seguintes (art. 5.º): área de intervenção territorial; áreas de

educação e formação e saídas profissionais em que pretende desenvolver processos de

RVCC; modelo de organização do CNO; parcerias e ações de dinamização local; constituição

da equipa; e, resultados anuais esperados. Do conjunto de informações que deveria constar

do PEI de cada CNO, importa destacar que cada uma destas estruturas estaria circunscrita a

uma determinada área geográfica e contratualizava com a ANQ e o POPH um conjunto de

metas quanto ao número de adultos inscritos e certificados: nível A – 500 inscritos; nível B –

800 inscritos; nível C – 1.300 inscritos; nível D – 1.800 inscritos.

Para além de ter a responsabilidade de analisar as candidaturas das entidades proponentes

à constituição de CNOs, a ANQ tinha também a função de orientar, acompanhar e avaliar o

desempenho das funções dos CNOs uma vez constituídos (art. 23.º). De acordo com a

234

Portaria 370/2008, as atividades de acompanhamento e avaliação dos CNOs por parte da

ANQ deveriam decorrer de forma articulada com os serviços competentes, de âmbito

nacional e regional, dos ministérios tutelares (art. 23º/2), nomeadamente as Direções

Regionais de Educação (entretanto extintas) e as Delegações Regionais do IEFP, nos casos de

CNOs sedeados em escolas e centros de formação profissional.

No âmbito das atividades de orientação dos CNOs, a ANQ produziu, em 2008 e em 2009, um

conjunto de 5 Guias Metodológicos destinados aos CNOs, com informação de apoio

respeitante às seguintes temáticas: 1) ‘Instrumentos de apoio à construção de um projeto

vocacional nos Centros Novas Oportunidades’; 2) ‘A operacionalização de processos de

reconhecimento, validação e certificação de competências profissionais – guia de apoio’; 3)

‘Metodologia de Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento de adultos’; 4) ‘A sessão de

júri de certificação: momentos, atores, instrumentos - roteiro metodológico’; 5) ‘Guia de

operacionalização de cursos de educação e formação de adultos’. Para além destes guias

metodológicos produzidos pela ANQ, os CNOs dispunham ainda de outros documentos de

orientação produzidos pela ANEFA e pela DGFV, nomeadamente o ‘Referencial de

Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível Básico’ de 2002, o

‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível

Secundário’ de 2006, e o ‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação

de Adultos – Nível Secundário: Guia de Operacionalização’, também de 2006.

Ainda a propósito da atividade dos Centros Novas Oportunidades, importa, por fim, salientar

a existência de uma Carta de Qualidade dos Centros Novas Oportunidades elaborada pela

ANQ (Gomes & Simões, 2007). Este documento contém um conjunto de princípios

orientadores da atuação dos CNOs quanto aos processos de acolhimento, diagnóstico e

encaminhamento e de RVCC, bem como quanto ao horário de funcionamento e à

constituição da equipa técnico-pedagógica, ou mesmo ainda quanto à constituição de redes

e parcerias ou à disseminação de resultados, boas práticas e formação.

235

VI-1.4. Concretizações e Desafios à Governação do Eixo Adultos da Iniciativa Novas

Oportunidades

Tal como atrás referido, a Iniciativa Novas Oportunidades foi lançada formalmente em

dezembro de 2005, no âmbito de uma estratégia mais ampla que visava combater o défice

de qualificações da população portuguesa. Para concretizar esse objetivo mais global, foi

definido um conjunto de metas e medidas para o Eixo dos Adultos, no âmbito do documento

de apresentação da Iniciativa Novas Oportunidades (MTSS & ME, 2005, pp. 22-24), das quais

se poderão destacar as seguintes:

1. Alargar ao nível do ensino secundário o referencial de competências-chave a ser

aplicado nos processos de RVCC e também nos Cursos EFA (meta 4 do documento);

2. Realizar uma campanha alargada de informação e sensibilização, nos meios de

comunicação social (meta 7 do documento);

3. Reforçar a oferta de cursos profissionalizantes para adultos – ao nível do 9º e do 12º

ano –, inclusivamente realinhando o modelo de Ensino Recorrente no sentido dos

Cursos EFA, de forma a abranger nestes percursos cerca de 350.000 adultos durante o

período 2006-2010 (metas 1 e 2 do documento);

4. Expansão da Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de

Competências de modo a atingir 500 Centros em 2010, e que mais de 650.000 pessoas

obtenham uma certificação de competências (metas 3 e 5 do documento);

5. Alargar substancialmente as possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo

em vista privilegiar o acesso à população empregada, e garantir prioridade a colocação

de desempregados inscritos nos Centros de Emprego nos cursos de formação

profissional (metas 9 e 10 do documento);

6. Rever e melhorar o funcionamento do sistema de RVCC e dos cursos EFA, simplificando

processos e descentralizando competências, assegurando melhores mecanismos de

acompanhamento e maior proximidade entre os serviços e os promotores (meta 6 do

documento).

236

Tendo por base os objetivos acima enunciados, importa analisar se os mesmos terão sido

cumpridos.

Em relação ao primeiro objetivo, foi lançado em setembro de 2006 o documento

‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível

Secundário’, ainda editado pela Direção-Geral de Formação Vocacional. Tal como acontecia

com o Referencial de Competências-Chave do Ensino Básico, este documento contemplava

diferentes áreas de competências-chave, nomeadamente nas áreas de ‘Cidadania e

Profissionalidade’, ‘Sociedade, tecnologia e Ciência’ e ‘Cultura, Língua e Comunicação’.

No que diz respeito ao segundo objetivo, foram lançadas quatro campanhas publicitárias

referentes ao Eixo Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades55, cujas principais imagens de

campanha podem ser vistas na figura seguinte.

A primeira dessas campanhas iniciou-se a 7 de março de 2007, tendo como objetivo “...

sensibilizar a população adulta para a importância da qualificação, numa perspetiva de

aprendizagem ao longo da vida, promover e divulgar o Sistema de Reconhecimento,

Validação e Certificação de Competências (RVCC) e o conhecimento da rede nacional de

Centros Novas Oportunidades em funcionamento” (MTSS & ME, 2007, p. 3). Sob o mote

“Agora a minha experiência conta”, esta campanha apresentava três pessoas a

desempenhar as suas tarefas profissionais (um empregado de mesa, uma administrativa e

um operário fabril), que referiam o seu desejo de obter uma qualificação (ver Figura da

página seguinte, imagem do canto superior esquerdo).

Após esta campanha de lançamento, seguiu-se uma outra que envolvia figuras públicas

(entre elas, a jornalista Judite de Sousa, o treinador de futebol Carlos Queiróz e o músico

Pedro Abrunhosa) e que utilizava o mote “Este/a é o/a [Nome da Pessoa] que não acabou os

estudos!”, apelando, assim, às mais-valias profissionais do prosseguimento de estudos (Ver

Figura da página seguinte, imagem do canto superior direito).

55

Para além destas campanhas destinadas aos Adultos, tiveram lugar duas campanhas destinadas aos Jovens, sob os motes “Faz o Secundário aprendendo uma profissão” e “Há cada vez mais profissões na tua escola”.

237

Figura 33. Imagens de campanhas publicitárias da Iniciativa Novas Oportunidades

238

Em jeito de resposta ao mote lançado pela primeira campanha “Aprender compensa”,

surgiu, em setembro de 2008, uma campanha com o título “Aprender já compensou”, a qual

contava com o testemunho de 3 adultos que haviam participado na Iniciativa Novas

Oportunidades e da diretora de formação de uma empresa que havia estabelecido

protocolos com a ANQ no âmbito da INO (Figura da página anterior, duas imagens do

centro).

Em março de 2009 surgiu uma nova campanha, tendo, desta feita, como figura central a

triatleta Vanessa Fernandes (que havia participado na INO), por forma a transmitir a

mensagem da valorização da aprendizagem enquanto investimento pessoal e profissional

(Figura da página anterior, imagem de baixo).

No que concerne ao terceiro objetivo, é possível verificar através da Figura seguinte que

ocorreu, efetivamente, um claro incremento no número de Entidades Promotoras de Cursos

para Adultos, sobretudo em 2008, no caso dos Cursos EFA, e em 2010, no caso das

Formações Modulares. De acordo com Gomes (2012, p. 148), o enorme incremento de

Cursos EFA no ano de 2008 e o interregno em 2006 e 2007, deveu-se, não apenas à

regulamentação destes cursos apenas ter ocorrido em março de 2008, mas também à

abertura de candidaturas a fundos do novo programa quadro 2007-2013 (POPH) para estas

modalidades de formação.

Figura 34. Número de Entidades Promotoras de Cursos para Adultos (2005-2010)

Fonte: Gomes (2012, p. 148), com base em dados do SIGO (31 dezembro de 2010)

190

0 0

1094

767 902

0 0 0

150

347

923

0

200

400

600

800

1000

1200

2005 2006 2007 2008 2009 2010Promotores de Cursos EFA Promotores de Formações Modulares

239

Já no que diz respeito ao número de inscritos, o Documento de Apresentação da INO (MTSS

& ME, 2005, p. 23) determinava que o objetivo para o período 2006-2010 seria certificar

650.000 adultos. De acordo com Carneiro (2011, p. 35), estariam inscritos 8.000 adultos em

Cursos EFA de 9.º ano e não existia qualquer inscrição em Cursos EFA de 12.º ano em 200556,

ao passo que em dezembro de 2010, estariam inscritos 88.012 adultos em Cursos de 9.º ano

e 79.574 adultos em Cursos de 12.º ano. Já ao nível das certificações, Aníbal (2013b: 13) dá

conta de que no período 2006 - Jul. 2011, teriam ocorrido 85.589 certificações totais e

12.635 certificações parciais em Cursos EFA, bem como 981 certificações totais e 349.042

certificações parciais em Formações Modulares. A partir destes resultados é possível

verificar que, muito embora o número de inscrições fosse consentâneo com as metas

definidas, o número de certificações terá ficado claramente aquém do esperado.

Relativamente ao quarto objetivo, é possível verificar-se, através da Figura da página

seguinte, que ocorreu efetivamente uma larga expansão da rede de Centros de

Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (os quais passaram a ter,

entretanto, a designação Centros Novas Oportunidades), sobretudo nos anos de 2006 e

2008. Como resultado desta expansão da rede existiam em 2010 454 CNOs, um número

relativamente próximo dos 500 inicialmente previstos.

Como também é possível observar através da Figura da página seguinte, o alargamento da

rede fez-se, sobretudo, através do incremento de envolvimento de duas tipologias de

entidades públicas, as Escolas Básicas e Secundárias e os Centros de Formação Profissional

do IEFP. Estas duas tipologias de Entidades Promotoras de CNOs representavam, aliás, cerca

de 62% do universo total em 2010.

56

Não existia ainda esta oferta em 2005.

240

Figura 35. Evolução do número de Centros RVCC/CNOs (2000-2010), por tipologia de Entidade Promotora

Fonte: CAINO (2011), com base em dados da ANQ de 31 de agosto de 2010

Essa expansão permitiu ainda uma significativa profusão regional da qualificação de adultos

em Portugal, já que todos os distritos de Portugal continental dispunham de um significativo

número de Centros Novas Oportunidades e de Promotores de Cursos EFA e de Formações

Modulares – veja-se figura seguinte.

241

Figura 36. Número de modalidades de qualificação de adultos, por distrito (2005-2010)

Fonte: Gomes (2012, p. 157), com base em dados do SIGO, à data de 31/12/2010

242

Atentando à distribuição dos Centros Novas Oportunidades em termos espaciais – veja-se

figura seguinte –, verifica-se ainda que existe uma forte concentração territorial nas cidades

de Lisboa e do Porto e arredores.

Figura 37. Distribuição geográfica dos 456 Centros Novas Oportunidades

Fonte: Apresentação de Power Point “Iniciativa Novas Oportunidades: Principais Resultados” de

junho de 2009

No que se refere às inscrições, certificações e encaminhamentos, Aníbal (2013b, p. 13) dá

conta de que, entre 2006 e julho de 2011, terão ocorrido 1.163.885 inscrições, 410.126

certificações totais, 14.542 certificações parciais e 237.925 encaminhamentos. A partir

destes valores é possível constatar que o número de certificações (totais e parciais) ficou

243

claramente aquém das 650.000 certificações inicialmente previstas. De acordo com Carneiro

(2011, p. 36), o enorme hiato entre o número de inscritos e o número de certificações

concentrava-se, sobretudo, nos objetivos para as certificações no Ensino Secundário, o que

se devia essencialmente ao início tardio da oferta de certificações neste nível de ensino.

No que diz respeito ao quinto objetivo, não foi possível recolher dados quanto aos horários

dos CNOs. Importa salientar, contudo, que a Carta da Qualidade dos CNOs definia que 25%

do número de horas semanais de abertura do CNO deveria ser em horário pós-laboral

(Gomes & Simões, 2007, p. 33). Além disso, o facto de existir um número bastante

significativo de indivíduos empregados inscritos (ver figura seguinte) indicia que um número

considerável de Centros Novas Oportunidades funcionava em horário pós-laboral.

Figura 38. Evolução da percentagem de inscritos nos CNOs, segundo a condição perante o trabalho (2007-2010)

Fonte: Gomes (2012, p. 180)

Além dos indivíduos empregados que se inscreviam nos Centros Novas Oportunidades a

título individual, importa ainda destacar o elevado número de protocolos realizados com

entidades empregadoras, quer seja com Centros Novas Oportunidades singulares (cerca de

8.200), quer seja a nível nacional com a Agência Nacional para a Qualificação (cerca de 120)

(Gomes, 2012, p. 135).

No respeitante ao envolvimento de desempregados nas atividades desenvolvidas pelos

CNOs, os dados da Figura anterior demonstram que existiu um aumento significativo da

244

percentagem de desempregados inscritos em CNOs, sobretudo a partir de 2009, o que se

deveu ao aumento da taxa de desemprego da população portuguesa desde esse ano. Aliás,

em novembro de 2010 viria a ser aprovada legislação que estabelecia que todos os

desempregados inscritos nos Centros de Emprego do IEFP e que não estivessem envolvidos

em processos de formação, deveriam ser encaminhados para Centros Novas Oportunidades

(Despacho n.º 17658/2010).

Por fim, o sexto objetivo concretizou-se através da promoção de um largo conjunto de

iniciativas no âmbito da qualidade, avaliação e regulação, das quais se poderão destacar as

seguintes 57 (Gomes, 2012, pp. 134-136; Aníbal, 2013b; Araújo L. , 2014, pp. 380-381):

Ao nível da qualidade:

o Carta de Qualidade dos Centros Novas Oportunidades, publicada em 2007;

o Sistema de Apoio Informativo e Técnico aos Operadores do Sistema Nacional de

Qualificações, nomeadamente através da elaboração de um conjunto de orientações

técnicas e documentos metodológicos58;

o Bolsa de avaliadores externos do Sistema RVCC e respetivos modelos de acreditação e

avaliação;

o Modelo bottom-up de autoavaliação dos Centros Novas Oportunidades, baseado na

metodologia Common Assessment Framework, desenvolvido pela Universidade

Católica Portuguesa em 2009 e 2010;

o Planos e modelos nacionais, regionais e setoriais de acompanhamento e ações de

formação às equipas dos Centros Novas Oportunidades e dos restantes operadores das

modalidades de educação e formação de adultos, desenvolvidos pela ANQ em

articulação com os organismos regionais dos ministérios tutelares;

57

Recorde-se que Maria do Carmo Gomes é considerada, neste âmbito, uma informadora qualificada, considerando as funções de vice-presidente que desempenhou na Agência Nacional para a Qualificação. 58

Destacam-se, neste âmbito a elaboração, em 2008 e 2009, de 5 guias metodológicos com os seguintes títulos: “Instrumentos de apoio à construção de um projeto vocacional nos Centros Novas Oportunidades”, “A operacionalização de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências profissionais - guia de apoio”, “Metodologia de acolhimento, diagnóstico e encaminhamento de adultos - Centros Novas Oportunidades”, “A sessão de júri de certificação: momentos, atores, instrumentos - roteiro metodológico” e “Guia de operacionalização de cursos de educação e formação de adultos”. Estes guias estão disponíveis em www.anqep.gov.pt (Menu Edições/ Edições a partir de 2008)

245

Ao nível da avaliação e regulação:

o Comissão de Acompanhamento da Iniciativa Novas Oportunidades (CAINO), criada

pela Portaria 73/2010, composta por representantes de diversos organismos dos dois

ministérios tutelares (ANQ; IEFP; GEP-MTSS; GEPE; DGERT; POPH; DREs), das centrais

sindicais e das confederações patronais

o Sistema de Informação e Gestão da Oferta Educativa e Formativa (SIGO) para as

modalidades de educação e formação de adultos, desenvolvido em 2008 com o

objetivo de sistematizar a informação em tempo real e permitir a produção de

relatórios de monitorização mensais, trimestrais, semestrais e anuais;

o Sistemas e estudos de avaliação externa nacionais e internacionais, dos quais se

destacam o estudo encomendado pela DGFV ao CIDEC (Centro Interdisciplinar de

Estudos Económicos), cujos resultados foram publicados em 2007, e, sobretudo, o

estudo encomendado pela ANQ à Universidade Católica, com resultados publicados

em 2010.

Como é possível verificar pelos dados apresentados referentes aos resultados decorrentes

dos objetivos definidos, os objetivos assumidos no âmbito da primeira fase da INO (2005-

2011) foram genericamente cumpridos, à exceção do número de certificações, que ficou

aquém dos objetivos, um facto que Carneiro (2011, p. 37) considera se dever, em grande

medida, ao atraso no arranque efetivo da oferta de nível secundário.

Esta ideia de sucesso, embora relativo, da Iniciativa Novas Oportunidades foi, de igual modo,

confirmada pelos resultados dos primeiros estudos de avaliação da INO. O primeiro desses

estudos de avaliação, desenvolvido pelo CIDEC em 2007, que surgia como aperfeiçoamento

de um outro publicado em 2004, apontava significativas repercussões positivas do

envolvimento dos adultos em soluções de RVCC ao nível da sua autovalorizarão, mas

também ao nível da sua situação face ao emprego e à sua remuneração (CIDEC, 2007, p. 9).

Além disso, o estudo referia ainda que o principal fator crítico do funcionamento do sistema

era a flexibilidade de práticas, o que poderia funcionar como mais-valia ou como risco, tal

como é revelado pela citação abaixo apresentada.

246

“A grande flexibilidade de práticas é, talvez, um dos pontos mais fortes da rede de

Centros de RVCC. Mantém as equipas motivadas e permite adequar o processo às

necessidades específicas dos diferentes públicos (…) [mas] encerra o risco da perda da

qualidade pedagógica, sendo necessário um esforço acrescido de articulação e troca de

informação entre os diferentes atores de modo a garantir diferentes ofertas de

educação e formação de adultos… ” (CIDEC, 2007, p. 54).

Após estes estudos preliminares, a Agência Nacional para a Qualificação contratou, em 2008,

a Universidade Católica para realizar um estudo que tinha por objetivos “por um lado, a

recolha de dados confiáveis sobre a qualidade e os impactos da Iniciativa Novas

Oportunidades (…) e, por outro lado, a capacitação do sistema para a sua autorregulação

futura, através de instrumentos de monitorização permanente (…).” (Carneiro, et al., 2010,

p. 9).

De acordo com os resultados do estudo acima referido (Carneiro, et al., 2010, pp. 9, 11, 18-

20), a Iniciativa Novas Oportunidades destaca-se, em primeiro lugar, por ter registado uma

enorme adesão, quer do lado da procura (adultos), quer do lado da oferta (instituições de

educação e formação), ao ponto de se ter tornado uma ‘marca’ publicamente reconhecida.

O documento destaca também que os adultos inquiridos demonstraram uma elevada

satisfação com a qualidade dos serviços e que sentiram maiores repercussões ao nível das

suas competências de literacia, informáticas e soft-skills em geral, bem como ao nível da sua

autoestima e da motivação para continuar a aprender, ao mesmo tempo que destaca os

impactos na carreira como os menos expressivos (Carneiro, et al., 2010, pp. 10-11, 22-39,

62-72).

No que concerne ao objetivo da capacitação do sistema através do desenvolvimento e

aplicação de um modelo de autoavaliação dos CNOs com base no CAF, a grande maioria dos

diversos profissionais dos CNOs inquiridos consideram que este instrumento foi bastante

relevante para o seu trabalho e para o funcionamento do CNO em geral, na medida em que

permitiu o desenvolvimento de planos de melhoria e de ações corretivas (Carneiro, et al.,

2010, pp. 11, 74-77).

247

O estudo desenvolvido pela Universidade Católica permitiu ainda identificar um conjunto de

desafios para o próximo ciclo da INO (2011-2015), nomeadamente reduzir os tempos de

espera e os atrasos nos CNOs, reforçar a eficácia de outras ofertas, tais como os Cursos EFA,

manter os níveis de qualidade, bem como transformar os CNOs em ‘portas de entrada’ para

a Aprendizagem ao Longo da Vida (Carneiro, 2011, p. 63). Numa apresentação com o

propósito de tornar público este novo ciclo da INO (2011-2015)59, proferida em 2011 pelo

então presidente da ANQ, Luís Capucha (2011), é possível observar um conjunto de

objetivos, dos quais se destacam os seguintes:

- continuar a disponibilizar as medidas que provaram eficácia e eficiência;

- diversificar as ofertas existentes;

- acompanhar/apoiar ex-alunos com projetos de prosseguimento de estudos;

- promover as funções dos CNOs ao nível das funções de orientação, aconselhamento e

encaminhamento, tornando-os ‘portas de entrada’ na formação e na aprendizagem ao

longo da vida;

- reorganizar a rede de CNOs, definindo patamares de contratualização consoante a partir

do desempenho passado60;

- reforçar mecanismos de planeamento da oferta de cursos de dupla certificação;

- envolver crescentemente parceiros no planeamento e numa prospeção permanente do

futuro da rede de ofertas;

- lançar Redes Locais de Qualificação em todo o território.

Em paralelo a estes planos de melhoria, iniciou-se em 2011 um projeto designado ‘Going

Lifelong Learning’ (Going LLL), resultante de uma parceria entre a ANQ e a UCP, que tinha

por objetivos identificar e disseminar boas práticas na INO, bem como modelizar a criação

59

Esta apresentação baseia-se num documento mais pormenorizado intitulado “Linhas Orientadoras para o futuro da Iniciativa Novas Oportunidades”, que se encontra disponível em http://www.anqep.gov.pt/default.aspx?cn=6571AAAAAAAAAAAAAAAAAAAA 60

Numa apresentação proferida em 15/03/2015 e intitulada “Proposta de reorganização da rede de Centros Novas Oportunidades” (CAINO, 2011), é possível observar 3 propostas concretas em relação a este ponto: “1 – Encerramento de Centros Novas Oportunidades com nível de execução muito baixo (considerando a hipótese de substituir alguns); 2 – Reposicionamento dos Centros Novas Oportunidades com baixa execução em patamares de resultados inferiores aos atualmente contratualizados; 3 – Redução do número de patamares e consequente revisão dos resultados associados aos Centros Novas Oportunidades.”

248

de Centros de Aprendizagem ao Longo da Vida (CALVs), enquanto substitutos dos CNOs. De

acordo com a página web deste projeto61, os objetivos mais específicos desta modelização e

do projeto seriam refletir sobre as melhores formas de permitir que os CALVs conseguissem:

a) induzir hábitos de aprendizagem ao longo da vida nos adultos portugueses; b) melhorar os

padrões de qualidade e eficiência dos CNOs; c) melhor ajustar a oferta de modalidades de

qualificação ao mercado de trabalho; d) fortalecer a criação e sustentabilidade de Redes

Locais de Qualificação.

Como é possível observar pelo exposto, a implementação do primeiro ciclo da INO revelava

resultados e impactos positivos, ainda que aquém das expectativas, existindo igualmente um

plano de melhorias a implementar no segundo ciclo, o que demonstrava uma clara vontade

de aperfeiçoamento do sistema. Os resultados positivos da INO descritos deviam-se, de

acordo com Carneiro (2011, pp. 38-39, 56), à conjugação de um conjunto de fatores,

nomeadamente: a) uma liderança e apoio político mobilizadores; b) a criação da ANQ em

2006; c) a publicação da maioria da legislação de enquadramento geral da INO até 2007; d) a

mobilização de financiamento em abundância para suportar a criação/ ampliação do

sistema; e) uma ampla e inesperada adesão da parte da população-alvo; f) o

desenvolvimento crescente de protocolos entre os atores do sistema e empresas; g) o

desenvolvimento do SIGO, um sistema informático de (auto-)monitorização da

implementação da política; h) a criação da Comissão de Acompanhamento da Iniciativa

Novas Oportunidades; i) o desenvolvimento de um processo de avaliação externa da INO,

que tinha por objetivos recolher informação de monitorização mas também de capacitar o

sistema.

Não obstante os resultados positivos apontados pelo estudo desenvolvido pela Universidade

Católica Portuguesa, a INO foi alvo de bastantes críticas, nomeadamente por se considerar

que o método biográfico era promotor de facilitismo e que a pressão da existência de metas

e objetivos impostos aos operadores contratados conduzia a que estes cedessem a práticas

menos regulares (Araújo L. , 2014, p. 385; Capucha, Iniciativa Novas Oportunidades, o

Tempo da Igualdade, 2014, p. 397). Estas críticas iam, assim, ao encontro das preocupações

demonstradas no âmbito do estudo do CIDEC, de 2007, quanto ao risco de perda de

61

http://www.anqep.gov.pt/pagina.aspx?back=1&codigono=65746583AAAAAAAAAAAAAAAA

249

qualidade de práticas pedagógicas, relacionado com a grande flexibilidade de práticas

(CIDEC, 2007, p. 54). De acordo com os críticos da INO, este facilitismo estaria relacionado

com o objetivo de ‘manipulação’ das estatísticas da educação e de propaganda política

(Araújo L. , 2014, p. 385; Capucha, 2014, pp. 396-397). A propósito destas últimas críticas,

importa frisar que a Iniciativa Novas Oportunidades foi uma forte aposta política do XVII e

XVIII Governos Constitucionais (2005-2009; 2009-2011), inclusivamente do Primeiro-

Ministro, o que poderá explicar o facto dessas críticas se terem tornado ainda mais incisivas

durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de junho de 2011. Construi-se uma

representação social de personalização da política, atribuindo-lhe significado enquanto

‘produto’ de um ator do palco eleitoral e desvalorizando a sua substância e finalidades.

Além das críticas já referidas, um estudo encomendado pelo recém-eleito XIX Governo

Constitucional ao Centro de Estudos de Gestão do Instituto Superior Técnico, publicado em

maio de 201262, aponta também o muito reduzido impacto, em termos de empregabilidade

e de remunerações, da frequência de Cursos EFA e de processos de RVCC, sobretudo estes

últimos (Lima, 2012a; 2012b). Estas críticas iam, assim, ao encontro de algumas das

conclusões do estudo anteriormente desenvolvido pela Universidade Católica, que apontava

os impactos na carreira como os menos expressivos da Iniciativa Novas Oportunidades

(Carneiro, et al., 2010, p. 11).

Todas estas críticas foram o principal móbil para o termo da Iniciativa Novas Oportunidades

por iniciativa do XIX Governo Constitucional (2011-2015), cujo programa de governo referia

claramente a necessidade de se proceder à “[r]eestruturação do Programa Novas

Oportunidades, com vista à sua melhoria em termos de valorização do capital humano dos

Portugueses e à sua credibilização perante a sociedade civil” (XIX Governo Constitucional,

2011, p. 115).

Segundo Capucha (2014, pp. 400-401), o processo de termo da INO referido teve início com

um processo de encerramento progressivo de CNOs, começando pelos promovidos por

estruturas do IEFP, e de diminuição da oferta dos que subsistiam, sem anunciar as suas

intenções de forma clara e veiculando a mensagem de que o programa teria terminado, o

62

Este estudo foi publicado já depois da recolha de dados através de questionários e entrevistas, cujos resultados serão analisados mais adiante neste capítulo.

250

que conduziu ao desmantelamento da oferta e à desmobilização da procura. De seguida,

procedeu-se à extinção da ANQ e à sua substituição pela Agência Nacional para a

Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP), através do DL 36/2012, e à extinção formal da

figura dos Centros Novas Oportunidades e sua substituição pelos Centros para a Qualificação

e Ensino Profissional (CQEP), através da Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de maio. De acordo

com Araújo (2014, p. 388), muito embora a Portaria n.º 135-A/2013 preveja a substituição

dos CNOs pelos CQEP, é possível perceber que as atribuições destas novas estruturas se

focam, sobretudo, nas funções de informação, orientação e encaminhamento, ao invés dos

processos de RVCC.

Face ao contexto descrito, Capucha conclui que a “… decisão de liquidação da Iniciativa

Novas Oportunidades foi resultado de opções ideológicas de orientação elitista…” (2014, p.

407), sendo ainda da opinião que a controvérsia em torno da INO se devia ao seu sucesso e

dimensão, e não ao conteúdo dos seus instrumentos, já que estes eram bastante

semelhantes aos implementados no início do séc. XXI pela ANEFA e DGFV (Capucha, 2014, p.

395). A este propósito, Capucha (2014, p. 400) e Aníbal (2013a, p. 23), relembram ainda que

a Iniciativa Novas Oportunidades se suportava em instrumentos que seguiam orientações e

práticas europeias e que a própria INO foi considerada como um caso de boas práticas por

diversas instituições internacionais, tais como a OCDE, a ONU ou a União Europeia.

Em resposta às críticas geralmente apresentadas à INO, Capucha (2014, p. 400) considera

ainda que as teses de facilitismo do sistema não têm qualquer razão de ser, uma vez que a

significativa diferença entre o número de adultos certificados face ao número de adultos

inscritos demonstra bem a dificuldade sentida por estes em concretizar os processos de

RVCC. Nesse mesmo sentido, Aníbal (Aníbal, 2013b, p. 37) observa também que é

particularmente penoso proceder a uma avaliação da INO em termos da empregabilidade

num período de crise económica e de retração do mercado de trabalho.

Além das respostas às críticas apresentadas, Capucha (2014, pp. 403-406) e Araújo (2014,

pp. 391-392) destacam ainda que a INO comportou ganhos não apenas para os adultos

envolvidos, mas também ao nível do próprio sistema, já que possibilitou a efetiva entrada

em agenda da temática da educação e formação de adultos em Portugal, permitiu uma

251

articulação entre atores dos setores da educação e formação, permitiu o desenvolvimento

de um corpo de profissionais especializado nesta tipologia de ações educativas, ao mesmo

tempo que conseguiu mobilizar autarquias e empresas para as temáticas da qualificação.

A criação de um quadro institucional consistente e a continuidade dos atores envolvidos são,

de acordo com Araújo (2014, p. 391), duas grandes conquistas da Iniciativa Novas

Oportunidades e dois fatores essenciais para o sucesso alcançado pela mesma.

No sentido de aferir esta conquista quanto ao quadro institucional, o autor deste trabalho

desenvolveu, no final de 2009 e início de 2010, um estudo (Mota, 2010) em que se

analisavam, entre outros aspetos, as relações estabelecidas entre os Centros Novas

Oportunidades e outros atores institucionais da INO, cujo conteúdo da relação é resumido

na figura seguinte: ANQ e Entidades Regionais de Educação (DREs) e de Formação (Centros

Distritais do IEFP) que funcionavam enquanto estruturas de supervisão, orientação e

monitorização dos CNOs; Entidades Formadoras, para as quais os CNOs encaminhavam

adultos que necessitavam de formação mais prolongada (Cursos EFA e UFCDs); e, outros

CNOs cuja relação poderia passar pela mera transferência de adultos, mas também por

práticas de parceria.

Figura 39. Quadro Relacional dos Centros Novas Oportunidades

Fonte: produção própria, baseado em Mota (2010, p. 78)

CNO

(Estrut. de Implement. Local)

Estrut. do ME e do MTSS

(DREs e CD-IEFP)

- Autorização de funcionamento de cursos EFA

- Orientação e Monitorização (c/ ANQ)

- Autorização de contratação de RH

ANQ

(Coordenação Nacional)

Avaliação da candidatura e do PEI -

Orientação e Monitorização -

Clarificações e Formação Contínua -

Avaliação -

Ent. Formadoras Externas

(de Cursos EFA e UFCDs)

- Informações sobre oferta de cursos

- Receção dos adultos encaminhados para formação

Outros CNOs

(do mesmo território ou não)

- Transferência de Adultos

- Partilha de práticas

252

De acordo com os resultados do estudo acima referido, que tinha uma carácter exploratório

e implicou a aplicação de questionários e de entrevistas a dirigentes de CNOs da região de

Lisboa, a relação entre os CNOs e a ANQ tendia a ser particularmente adequada, sobretudo

ao nível da comunicação, da monitorização de resultados e da disponibilidade para

esclarecer dúvidas e ajudar a resolver problemas (Mota, 2010, pp. 78-79). Os únicos aspetos

negativos referidos são uma certa morosidade na resposta a questões que se prendem com

a plataforma tecnológica de registo de adultos, bem como o difícil cumprimento das metas

de desempenho estabelecidas (Mota, 2010, p. 79). Esta opinião genericamente positiva não

se mantinha, contudo, no respeitante às Estruturas Regionais dos ministérios tutelares,

sobretudo a DRE, estando a crítica mais comum relacionada com a excessiva burocracia e

inflexibilidade de procedimentos quanto à contratação de pessoal e à abertura de Cursos

EFA e UFCDs por parte das Entidades Promotoras dos CNOs (Mota, 2010, pp. 80-81).

Através do estudo foi ainda possível concluir que existia uma significativa tendência para os

CNOs encaminharem adultos para Cursos EFA e UFCDs desenvolvidos pela sua própria

Entidade Promotora, fenómeno que se devia não apenas ao sentimento de necessidade de

‘alimentação’ da oferta formativa in-house, mas também pela dificuldade de deslocação dos

próprios adultos (Mota, 2010, p. 82). Não obstante a incidência deste fenómeno de

‘encaminhamento interno’, os inquiridos neste estudo destacaram também que os CNOs

estariam a aumentar progressivamente o número de protocolos celebrados com Entidades

Formadoras ‘externas’ e que a sua equipa técnica tentava estar sempre atenta à oferta

disponível na região, para que a decisão final do adulto quanto à solução formativa fosse

esclarecida (Mota, 2010, pp. 82-83).

Os resultados do estudo demonstraram ainda não existir uma relação totalmente saudável

entre CNOs. Por um lado, foi possível concluir que as relações entre CNOs se cingiam,

frequentemente, a procedimentos administrativos relacionados com encaminhamentos de

adultos para Entidades Formadoras Externas e com pedidos de transferência entre CNOs

solicitados pelos adultos (Mota, 2010, p. 85). Por outro lado, foi possível também identificar

algumas rivalidades entre CNOs, decorrentes de algumas práticas agressivas de (tentativa)

de ‘recrutamento’ de adultos já inscritos em outros CNOs, bem como de suspeitas de menor

exigência nos processos de RVCC, factos que eram motivados pela pressão do cumprimento

253

das metas de desempenho definidas, que muitos consideravam ser demasiado elevadas

(Mota, 2010, pp. 90-93).

Por forma a resolver alguns dos problemas descritos, alguns dos entrevistados no âmbito do

estudo apontaram a necessidade de se desenvolverem guias metodológicos mais rigorosos e

de se promover maior partilha e reflexão de práticas entre CNOs, não apenas no âmbito de

reuniões entre CNOs organizadas pela ANQ, DREs e IEFP, mas também através da criação de

comissões inter-CNOs (Mota, 2010, pp. 92-96). Através das entrevistas realizadas no âmbito

deste estudo foi, com efeito, possível identificar a emergência de algumas experiências de

parceria entre CNOs, as quais, apesar de estarem em estado ainda incipiente,

demonstravam potencial de desenvolvimento futuro. A pertinência destas sugestões

referidas pelos entrevistados quanto à necessidade de se promover maior partilha e reflexão

de práticas entre CNOs e de estabelecerem mais parcerias entre estas estruturas viria a ser

confirmada pelos objetivos pensados para o novo ciclo da INO (2011-2015), bem como pelos

objetivos do projeto Going LLL anteriormente referidos.

A referência tão clara quanto à necessidade de desenvolvimento de um trabalho em

parceria entre os CNOs, por forma a contornar alguns problemas resultantes de práticas de

competição mais aguerridas, constitui a principal motivação para a realização do estudo

empírico que se apresenta no ponto VI-2 deste trabalho. Aquela necessidade alinha-se,

assim, com as tendências de governação pública descritas no capítulo IV.

VI-2.DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DA GOVERNAÇÃO DAS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E SUA RELAÇÃO

COM O SISTEMA DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS

A Iniciativa Novas Oportunidades foi, como anteriormente referido, uma política pública

particularmente emblemática no panorama da governação pública em Portugal, não apenas

no domínio da Educação, como também em termos gerais. Para além de se debruçar sobre o

grave problema do défice de qualificações da população adulta em Portugal, a INO destacou-

se pela sua dimensão, expressa em termos do financiamento, do número de beneficiários

254

envolvidos e da imensa projeção mediática que conheceu, mas também do carácter

inovador de muitos dos seus instrumentos, ou mesmo ainda das opções de estruturação da

governação do sistema adotadas.

Focando atenção nas questões da estruturação da governação por serem aquelas que mais

interessam para este trabalho, importa recordar as palavras de Gomes (2012, p. 91) que

considerava que um dos aspetos mais marcantes da intervenção da INO seria o seu modelo

de governação neocontratualista. Tal designação decorre do facto de o Governo Central

(neste caso, a ANQ) estar a utilizar um modelo de governação de orientação neoliberal e

suportado na Nova Gestão Pública (veja-se ponto IV-1.1.2), que se baseia no

estabelecimento de um contrato com agentes externos à sua estrutura hierárquica (CNOs)

para a provisão de serviços públicos, no qual são estipulados determinados níveis de

desempenho a atingir.

A propósito da utilização da contratualização externa enquanto modelo de provisão de

serviços públicos por parte da Administração Pública, importa relembrar que a principal

finalidade desta opção é solucionar o problema da ineficiência dos monopólios públicos

através da promoção da competição (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 15-17;

Sullivan & Skelcher, 2002, pp. 2-6). Tal como anteriormente referido, este modelo relacional

principal-agente poderá comportar, contudo, graves dificuldades por exigir uma clara

especificação do produto e dos objetivos a alcançar, bem como uma capacidade de

monitorização efetiva (Klijn, 2012, p. 205), além de não ser geralmente muito propenso à

emergência de soluções inovadoras devido ao ambiente competitivo geralmente existente

entre implementadores (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 15).

Como foi atrás descrito, um estudo desenvolvido pelo autor deste trabalho no início de 2010

identificava exatamente alguns dos problemas acima identificados: por um lado, a

dificuldade de precisão das intervenções dado o seu teor personalizante (tailor-made) e a

extensa e diversificada rede de implementadores adivinhava algumas dificuldades de

monitorização por parte da ANQ, apesar de esta ter disponibilizado diversos instrumentos

de orientação aos CNOs e de os dirigentes dos CNOs inquiridos terem avaliado a capacidade

de monitorização da ANQ de forma bastante satisfatória; por outro lado, alguns dos

255

dirigentes dos CNOs inquiridos queixavam-se quanto ao facto de as metas de desempenho

serem de difícil cumprimento, sobretudo após o processo de expansão da rede ocorrido em

2008 (Mota, 2010, pp. 90-91).

De acordo com os inquiridos do estudo acima referido, as dificuldades de monitorização por

parte da ANQ e a dificuldade de cumprimento das metas eram responsáveis pela

emergência de más práticas no desenvolvimento dos processos de RVCC, bem como de

situações de concorrência bastante aguerrida entre alguns CNOs, sobretudo em territórios

com bastantes CNOs (Mota, 2010, p. 91). Além destas consequências diretas, adivinhava-se

ainda a possibilidade de vir a existir um efeito contagioso de más práticas, face ao

sentimento de que estas compensavam, bem como à deterioração das relações entre CNOs,

instalando-se bastante insegurança na partilha de experiências (Mota, 2010, p. 92).

Estes problemas foram igualmente identificados numa entrevista exploratória realizada no

âmbito deste trabalho, em junho de 2011, com fonte qualificada. Por um lado, naquela

entrevista admitiu-se que a ANQ havia tido, efetivamente, uma reduzida capacidade de

monitorização no arranque da INO e que existia alguma inconsequência aquando da deteção

de problemas. Por outro lado, assumiu-se a existência de momentos de bastante tensão

entre CNOs aquando do alargamento da rede em 2008.

Com o objetivo de contornar as dificuldades em relação à monitorização acima referidas, na

entrevista foi referido que a ANQ, em articulação com as Estruturas Regionais, implementou

um plano de acompanhamento e monitorização em 2008 (entretanto consolidado em 2009

e 2010), que tinha por base 4 níveis: 1) uma reunião anual nacional, se bem que dinamizada

pelas Entidades Regionais; 2) uma visita de monitorização pedagógica e financeira, com uma

amostra de 50 CNOs em cada ano; 3) duas reuniões por ano da ANQ com as Estruturas

Setoriais (DREs, IEFP, etc.) para decisão de questões mais estratégicas; 4) uma task-force

para casos de denúncias de más práticas. Além deste plano, foi ainda referida na entrevista a

importância do SIGO enquanto ferramenta de monitorização permanente, bem como da

Avaliação Externa que havia sido desenvolvida pela Universidade Católica Portuguesa, o qual

havia permitido o desenvolvimento de planos de melhoria e de ações corretivas por parte

dos CNOs.

256

Em relação aos problemas de relação entre CNOs, recolheu-se informação de que a ANQ

apelava, já desde 2008, a soluções de articulação de base territorial, tais como as Redes

Locais de Qualificação que começaram, entretanto, a emergir em alguns pontos do país e

que tinham as potenciais finalidades de definir harmoniosamente as ofertas educativas e

formativas da região e de resolver os problemas entre CNOs.

As duas grandes linhas de intervenção para a melhoria da governação do eixo dos adultos da

INO descritas estão, por conseguinte, alinhadas com as principais preocupações

enquadradas no âmbito da segunda vaga de reformas do setor público ou do modelo da

(Nova) Governação Pública. Por um lado, é possível observar uma maior preocupação de

reforço da capacidade de coordenação vertical, ao aumentar a capacidade de orientação e

monitorização da ANQ e das Entidades Regionais dos ministérios tutelares. Por outro lado,

assiste-se à emergência de parcerias e redes ao nível local no sentido de aumentar a

coordenação horizontal entre os agentes implementadores e de contornar os problemas de

fragmentação e de competição exacerbada decorrentes da estratégia neocontratualista de

estruturação da implementação.

Face a este contexto, importa perceber qual o impacto ao nível da coordenação da adoção

destas estratégias. No sentido de se aferir os impactos destas medidas na governação do

eixo dos adultos da Iniciativa Novas Oportunidades, foi enviado um questionário, em julho

de 2011, para os diretores e/ou coordenadores de todos os 456 CNOs então existentes, com

questões relacionadas com a coordenação vertical e horizontal do eixo dos adultos da

Iniciativa Novas Oportunidades (ver Anexo 4), tendo sido obtidas 113 respostas válidas.

No que diz respeito à coordenação vertical, os resultados do questionário demonstram que

os diretores dos CNOs estavam genericamente muito satisfeitos com o trabalho

desempenhado pela Agência Nacional para a Qualificação (ver Anexo 4, Figura 46). Tendo

por base uma escala de satisfação de 1 a 4, os inquiridos consideram que a ANQ tinha um

desempenho bastante bom em quase todos os domínios identificados (médias superiores a

3). Desta lista de domínios, poder-se-ão destacar a elevada satisfação em relação à

comunicação institucional (µ= 3,42), à produção de orientações que auxiliem a atividade dos

CNOs (µ= 3,35), à promoção da autonomia do CNO na tomada de decisões (µ= 3,35), à

257

promoção da relação dos CNOs com outros atores (µ= 3,19) e com outros CNOs (µ= 3,14) ou

mesmo à monitorização de resultados (µ= 3,12). O único domínio que constitui exceção a

esta avaliação muito positiva do trabalho da ANQ refere-se à ‘promoção da harmonização de

práticas entre CNOs’ (µ= 2,77), em que se registava, no entanto, um nível de satisfação

positivo. Este resultado não tão positivo poderá ser explicado pelo facto de a ANQ

considerar vantajoso atribuir alguma autonomia de trabalho aos CNOs, o que prejudicava,

como já analisado, a harmonização de práticas.

Os resultados do questionário referentes à perceção dos dirigentes dos CNOs em relação ao

trabalho das Direções Regionais de Educação (Anexo 4, Figura 48) revelavam também um

generalizado nível de satisfação, muito embora menos evidente do que o nível de satisfação

em relação ao trabalho da ANQ. É possível verificar, por exemplo, que os domínios com

médias de resultados mais elevadas em relação ao trabalho das DREs eram o da promoção

da relação entre CNOs (µ= 2,85), o da promoção da autonomia do CNO na tomada de

decisão (µ= 2,79), o da promoção da relação dos CNOs com outros atores (µ= 2,77), bem

como o da comunicação institucional (µ= 2,73). Os únicos domínios com avaliação média

negativa foram mesmo os da promoção da harmonização de práticas entre CNOs (µ= 2,37) e

da produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (µ= 2,27).

Os resultados referentes às perceções dos dirigentes dos CNOs em relação ao trabalho dos

Centros Distritais do IEFP (Anexo 4, Figura 49) revelam, por sua vez, um nível de satisfação

bastante inferior, já que todos os domínios têm valores médios iguais ou inferiores a 2,5

(ponto médio da escala). Os domínios que tiveram uma avaliação particularmente negativa

da parte dos dirigentes dos CNOs tutelados pelos Centros Distritais do IEFP foram os da

produção de orientações que auxiliem o trabalho dos CNOs (µ= 2,17), bem como o

encorajamento para produção de metodologias inovadoras (µ= 2,17).

Como se pode verificar pelos resultados apresentados, existia, em meados de 2011, uma

generalizada satisfação com o trabalho de coordenação, orientação e monitorização vertical

realizado pela Agência Nacional para a Qualificação, bem como pelas Direções Regionais de

Educação, resultados que poderiam ter decorrido dos esforços de reforço da coordenação

vertical acima referidos.

258

Em relação à coordenação horizontal, os resultados do questionário relativos às relações dos

CNOs com Entidades Formadoras (Anexo 4; Figura 50) indicam que, muito embora as

entidades formadoras de encaminhamento preferencial fossem a própria entidade

promotora do CNO (µ= 3,60 numa escala de frequência de 1-4), era também bastante

frequente o encaminhamento de adultos para entidades formadoras externas (µ= 3,29).

Relativamente às relações entre Centros Novas Oportunidades, os resultados do

questionário referentes à principal tipologia de relação entre CNOs (Anexo 4; Figura 51)

indicam que mais de metade dos dirigentes dos CNOs inquiridos consideravam que a relação

entre CNOs era primordialmente concorrencial (51,3%), ao invés de a considerarem como

colaborativa (46%) ou isolacionista (2,7%).

Face a estes resultados, tentou perceber-se se as perceções quanto às relações entre CNOs

enquanto concorrenciais eram predominantes em alguns tipos de CNOs, ao cruzar estes

resultados com as variáveis de caracterização do início do questionário (tipologia de

entidade promotora; ano de criação do CNO; nível de metas; e dificuldade na concretização

das metas).

Os resultados destes cruzamentos indicam, por exemplo, que a grande maioria (10 em 12)

dos dirigentes de CNOs cuja entidade promotora pertence à estrutura do IEFP consideravam

que o principal tipo de relação entre CNOs era a concorrência (Anexo 4; Figura 60). De igual

modo, o número de dirigentes de CNOs enquadrados em Escolas Básicas ou Secundárias e

em Entidades Privadas que considerava as relações entre CNOs como concorrenciais era

maior do que aqueles que as percecionam como colaborativas, embora existisse um maior

equilíbrio. Registava-se um predomínio, embora também equilibrado, do número de

dirigentes que consideravam as relações entre CNOs como colaborativas apenas entre os

dirigentes de CNOs enquadrados em Entidades Sem Fins Lucrativos e Outras Entidades

Públicas. De igual modo, foi possível concluir que existia um maior predomínio de perceções

das relações entre CNOs como concorrenciais entre os inquiridos que admitiam que o CNO

que dirigiam tinha bastante dificuldade em concretizar os objetivos de desempenho

contratualizados. Importa assinalar, por fim, que a perceção quanto à principal tipologia de

259

relação entre CNOs parece não ser influenciada pelo ‘nível de metas’ ou o ‘ano de criação’

dos CNOs.

Os resultados apresentados estão, assim, alinhados com alguns dos indícios que já haviam

sido identificados num trabalho anterior (Mota, 2010), que apontavam para o facto de a

dificuldade de concretização dos objetivos de desempenho contribuir para a deterioração da

relação entre CNOs, e para o facto de os CNOs enquadrados em estruturas do IEFP terem

uma postura muito mais concorrencial e orientada para a concretização das metas

contratualizadas.

O predomínio da perceção das relações entre CNOs enquanto concorrenciais contrastava,

contudo, com os resultados que indicavam que 81% dos CNOs, cujos dirigentes foram

inquiridos, pertenciam a redes inter-CNOs (Anexo 4; Figura 52). Estes resultados indicam,

portanto, que existia um significativo número de inquiridos (N=36 – ver Anexo 4; Figura 59)

que consideravam que o principal tipo de relação de CNOs era concorrencial, muito embora

os CNOs de que eram dirigentes pertencessem a redes inter-CNOs.

A partir destes últimos resultados pode-se depreender, portanto, que as redes inter-CNOs

eram, em meados de 2011, uma realidade bastante significativa no panorama da

implementação do eixo dos Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades, muito embora

existisse um claro desafio à sua gestão, pelo facto de muitos dirigentes considerarem que as

relações se mantinham como concorrenciais.

Face ao indício acima apresentado, tornava-se necessário perceber com maior detalhe as

dinâmicas internas de metagovernação das redes inter-CNOs, não só quanto ao historial de

criação das redes, aos seus objetivos, às atividades desenvolvidas, como também às

dinâmicas de gestão internas, ou mesmo quanto aos principais resultados alcançados com o

trabalho em rede.

Os pontos VI-2.1 e VI-2.2 deste trabalho debruçam-se exatamente sobre a análise dessas

dinâmicas. No ponto VI-2.1 procede-se a uma análise das dinâmicas acima referidas de 8

Redes Locais para a Qualificação com base na informação recolhida através de entrevistas

aplicadas a representantes de cada uma dessas redes e a outros documentos dessa rede

260

(ex.: protocolos). No ponto VI-2.2 prossegue-se com uma análise das dinâmicas de

metagovernação das Redes Locais para a Qualificação, com base na comparação dos 8 casos

estudados.

VI-2.1. Análise dos Processos de Criação e Gestão de Redes Locais de Qualificação e dos

seus Impactos: Apresentação dos Estudos de Caso

O desenvolvimento das Redes Locais para a Qualificação (RLQ) foi, como atrás referido, uma

realidade bastante evidente nos últimos anos da Iniciativa Novas Oportunidades. Estas redes

resultavam essencialmente da constituição de parcerias, formais ou informais, compostas

por diversos operadores de educação e formação de um determinado território (município,

NUT III, ou região) que se uniam no sentido de promover uma maior articulação naquele

território no âmbito da implementação das políticas públicas de educação e formação,

sobretudo as destinadas aos adultos.

Tal como aponta um documento do projeto Going LLL já referido, os primeiros passos no

sentido da criação das experiências pioneiras das RLQ tiveram lugar em 2007 e 2008 (UCP &

ANQ, 2012, p. 8), muito embora o apelo à colaboração entre operadores fosse já bem mais

antigo. Com efeito, a referência à necessidade de maior articulação entre os operadores

locais de educação e formação (de adultos) surge, desde logo, na Portaria n.º 1082-A/2001

de 5 de setembro – documento legal que estabelecia a criação do Sistema Nacional de

Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências –, nomeadamente no

número 1 do seu art. 14.º, que referia ser da “responsabilidade de todas as entidades

envolvidas a divulgação dos resultados, com vista à melhoria contínua do Sistema Nacional,

a disseminação de boas práticas e a troca de experiências.”.

Já no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, o apelo à colaboração entre operadores

está plasmado na Carta de Qualidade dos CNOs (Gomes & Simões, 2007, p. 35),

nomeadamente no ponto “M – Disseminação de resultados, boas práticas e formação”, que

refere a necessidade de cada CNO cumprir os seguintes requisitos: fazer-se representar em

encontros, seminários e conferências inter-centros; organizar ações de formação internas

261

sobre as dimensões da atividade do Centro; participar em ações de formação/ encontros

promovidos pela ANQ; e, participar em reuniões de acompanhamento. Por outro lado, o

diploma legal que definia os Estatutos da ANQ (Portaria n.º 959/2007) estabelecia na sua

alínea h) do art. 5.º, que competia ao Departamento de Coordenação e Gestão da Rede de

Centros Novas Oportunidades, uma das unidades orgânicas da ANQ, “dinamizar o

estabelecimento de parcerias entre os atores do sistema RVCC e dos sistemas de educação e

formação, promovendo a disseminação de boas práticas”. A este propósito, importa ainda

recordar que o estudo de avaliação desenvolvido pelo CIDEC (ver ponto VI-1.4) apontava a

necessidade de se desenvolver “… um esforço acrescido de articulação e troca de informação

entre os diferentes atores de modo a garantir diferentes ofertas de educação e formação de

adultos… ” (CIDEC, 2007, p. 54), por forma a contornar a potencial fragilidade que poderia

decorrer da grande flexibilidade de práticas.

Não obstante a referência à necessidade do estabelecimento de parcerias e/ou partilha de

práticas entre implementadores locais fosse, como se observa, antiga, não só não existia

uma clara referência à necessidade de constituição de redes ou parcerias propriamente

ditas, como a própria necessidade de colaboração era muitas vezes incompreendida, tal

como é referido na entrevista exploratória (Anexo 1).

Tal como aludido num documento do projeto Going LLL (UCP & ANQ, 2012, p. 8), os

primeiros contactos institucionais, ainda que informais, que viriam a conduzir à criação das

RLQ tiveram lugar, de facto, apenas em 2007 e 2008, muito por força do aumento, em cerca

de 70%, do número de CNOs em 2008. Tal como se depreende da análise anteriormente

realizada e que se confirma em informação recolhida junto de fonte qualificada (Anexo 1),

este aumento do número de CNOs terá implicado não só o aumento de muitos CNOs cujas

equipas não tinham ainda suficiente experiência de desenvolvimento de processos RVCC,

mas também o aumento do número de problemas relacionais entre CNOs pela necessidade

de partilha de territórios de intervenção.

De acordo com o documento referido no último parágrafo (UCP & ANQ, 2012, pp. 8-9), os

principais objetivos subjacentes às Redes Locais para a Qualificação seriam, em primeiro

lugar, a compilação de informação referente às ofertas de educação e formação disponíveis

262

num dado território, por forma a facilitar o trabalho dos técnicos dos CNOs no

encaminhamento dos adultos para percursos de formação63. Além destes objetivos mais

simples, esse mesmo documento refere que as redes poderiam ter objetivos de

racionalização dos recursos disponíveis e de evitação de sobreposição das ofertas, através

de uma maior articulação entre a oferta e a procura de ofertas educativas e formativas

naquele território (UCP & ANQ, 2012, p. 10). Por fim, poderiam as ditas Redes Locais para a

Qualificação servir propósitos de partilha de dificuldades e experiências entre profissionais,

bem como de harmonização e melhoria de procedimentos (UCP & ANQ, 2012, p. 10).

Tendo a atenção a tipologia de redes proposta por Keast, Brown e Mandell (2007, p. 27) (ver

ponto IV-2.1. deste trabalho), os possíveis tipos de redes que poderiam surgir face aos

diferentes objetivos das Redes Locais para a Qualificação seriam Redes de Cooperação,

quando os objetivos fossem somente de partilha de informação básica e de tentativa de não

sobreposição, e Redes de Coordenação, quando os objetivos das redes fossem mais

ambiciosos e passassem por uma partilha de experiências e harmonização de práticas.

Apesar da adequação desta tipologia aos casos de estudo, a tipologia de Scharpf (1994)

parece ser ainda mais adequada a esta situação, já que as grandes diferenças entre objetivos

das RLQ se resumem a uma coordenação de atividades por forma a evitar sobreposições

(coordenação negativa), ou a uma coordenação de atividades com a finalidade de

harmonização e melhoria de práticas (coordenação positiva).

Como se poderá imaginar face ao descrito, os processos de criação e gestão das Redes Locais

para a Qualificação terão estado envoltos num amplo conjunto de desafios de

metagovernação, aos quais terão estado associadas diferentes estratégias para os tentar

solucionar.

Nos pontos que se seguem serão analisados exatamente os processos relativos a 8 Redes

Locais para a Qualificação, de acordo com os parâmetros já referidos no ponto V-2: 1)

antecedentes de relacionais; 2) principais atores mobilizadores; 3) primeiras dinâmicas; 4)

tipologia de objetivos; 5) dinâmicas de institucionalização; 6) dinâmicas de liderança; 7)

Impactos. Esta análise terá por base informação recolhida através de entrevistas aplicadas a

63

Para maiores detalhes sobre os motivos para estes encaminhamentos, ver ponto VI-1.3 deste trabalho.

263

representantes de cada uma dessas redes, complementadas, sempre que possível, com

fontes documentais, tais como protocolos de cooperação.

VI-2.1.1. A REDE DE CENTRO NOVAS OPORTUNIDADES DO ALGARVE (CASO A)

A Rede de Centros Novas Oportunidades do Algarve foi uma rede composta por 17 CNOs da

região NUT II do Algarve64 promovidos por um diversificado conjunto de entidades: 10

escolas secundárias; 1 escola de hotelaria e turismo, 1 centro de formação profissional do

IEFP; 4 associações sem fins lucrativos; e, 1 associação empresarial.

De acordo com informação recolhida (Anexo 6.1), os primeiros contactos que deram, mais

tarde, origem à constituição desta rede surgiram na sequência do alargamento da rede de

CNOs em 2006, sobretudo através do aumento do número de escolas enquanto entidades

promotoras. Tal como reportado, as primeiras reuniões entre CNOs terão sido fomentadas

pelos diretores e/ou coordenadores de CNOs promovidos por 3 Escolas Secundárias, com o

objetivo de interpretar a legislação enquadradora do funcionamento dos CNOs e de começar

a colocar os seus próprios CNOs a funcionar. Como referido na entrevista, outro facto

essencial no processo de criação da rede terá sido também a criação, em 2008, da figura do

Técnico de Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento (ADE) em todos os CNOs, os quais

se depararam com a falta de informação consolidada sobre a oferta formativa disponível na

região. A identificação desta dificuldade terá sido, então, reportada por estes técnicos aos

diretores, que, por sua vez, reportaram à Direção Regional de Educação do Algarve (DREAlg).

Face a este problema, a DREAlg começou a promover reuniões que incluíam operadores de

educação e formação de toda a região do Algarve em 2008, no sentido de organizar a oferta

formativa da região.

64

Os CNOs pertencentes à Rede eram promovidos pelas seguintes entidades: Escola Secundária Júlio Dantas – Lagos; Escola Secundária Poeta António Aleixo – Portimão; Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes – Portimão; Escola Secundária Padre António Manuel Oliveira – Lagoa; Escola Secundária de Silves; Escola Secundária de Albufeira; Escola Secundária de Loulé; Escola Secundária Dr. Francisco F. Lopes – Olhão; Escola Secundária 3EB Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira; Escola Secundária de Vila Real de Santo António; Escola de Hotelaria e Turismo de Faro; Instituto Emprego Formação Profissional – Centro de Formação Profissional de Faro; Vicentina - Associação para o Desenvolvimento do Sudoeste – Bensafrim; Santa Casa da Misericórdia de Albufeira; ASMAL, Associação de Saúde Mental do Algarve – Loulé; Associação IN LOCO – São Brás de Alportel; NERA, Associação Empresarial da Região do Algarve – Loulé.

264

O momento que poderá ser indicado como fundador da Rede de CNOs do Algarve terá sido,

por sua vez, um encontro sobre ofertas formativas promovido pelo CNO da Escola

Secundária de Silves, em janeiro de 2009. De acordo com informação recolhida, o ritmo da

rede foi, portanto, inicialmente imposto precisamente pelos Técnicos de ADE, mas

rapidamente começou a existir a vontade de alargar a participação aos Profissionais de RVCC

e, posteriormente, aos Coordenadores, o que acabou por aportar um maior nível de

formalidade ao trabalho da rede.

Tal como consta do Protocolo da Rede de CNOs do Algarve, os principais objetivos desta

rede eram: a) reflexão e desenvolvimento conjunto de metodologias e estratégias de

intervenção; b) realização de encontros territoriais para troca de experiências com

frequência trimestral; c) planificação e organização de atividades conjuntas de divulgação e

promoção da INO; d) articulação da oferta formativa às necessidades da região. Esta

informação foi confirmada através da informação recolhida em entrevista, que referiu que

os principais objetivos da rede seriam, num primeiro momento, a compreensão dos

instrumentos do processo RVCC, a que se seguiram objetivos de compilação de informação

sobre a oferta formativa da região, bem como de partilha de dificuldades e experiências, o

que poderia constituir uma forma de suprir lacunas de formação contínua dos profissionais e

técnicos dos CNOs.

No referente às atividades da rede, a partir da entrevista foi possível identificar um amplo

conjunto de atividades, as quais eram desenvolvidas, sobretudo, no quadro de sub-redes,

uma por cada das 5 sub-regiões do Algarve. Em primeiro lugar, importa referir as reuniões

de Técnicos de ADE, que começaram a realizar-se em 2008, uma a duas vezes por ano. A

partir de 2009, começou a ter lugar também um trabalho de articulação entre Profissionais

de RVCC e Formadores de toda a região, com o intuito de partilhar casos e experiências. Por

fim, importa ainda referir que os coordenadores dos CNOs começaram a reunir-se

trimestralmente a partir de 2010. Além destes encontros, existia um encontro anual que

juntava diferentes pessoas de CNOs de toda a região do Algarve, o qual tinha por objetivos a

promoção do convívio entre os diferentes trabalhadores dos CNOs e de momentos de

formação em conjunto.

265

Em relação às dinâmicas de gestão da rede, importa referir, desde logo, a assinatura de um

protocolo entre parceiros a 5 de dezembro de 2011, que continha apenas um conjunto de

objetivos e compromissos bastante genéricos. De acordo com informação recolhida, a rede

de CNOs do Algarve preferiu ir desenvolvendo o trabalho no terreno e apenas

posteriormente formalizar a cooperação, uma necessidade que surgiu na sequência do início

das reuniões entre coordenadores. Nas dinâmicas de liderança/ coordenação, verificou-se

não existir uma liderança formal, muito embora se registasse uma coordenação informal,

baseada em processos de voluntarismo individual.

Quanto aos resultados e impactos, foi destacada a criação de um espírito de equipa regional,

decorrente de um estreitamento das relações entre os recursos humanos dos diferentes

CNOs. Apontou-se ainda o desenvolvimento de uma atitude de partilha e de transparência

entre CNOs no respeitante às suas atividades, o que terá gerado uma maior harmonização

de práticas. Além destes aspetos, foi ainda destacada uma perceção de maior eficácia e

eficiência na condução dos processos de RVCC e de Encaminhamento para Ofertas

Formativas, bem como o desenvolvimento de planos de ação e melhoria da qualidade

conjuntos. Por fim, sublinhou-se a maior proximidade que se estabeleceu com os próprios

atores de tutela, já que alguns contactos passaram a ser realizados pela Rede após uma

articulação entre parceiros, referindo-se até que a Rede estaria porventura a diminuir o

fluxo de contactos dos CNOs com a ANQ para esclarecimento de dúvidas.

Enquanto principais fatores facilitadores para a constituição e desenvolvimento da Rede

foram destacados o apoio da ANQ e da DRE através do acarinhamento das iniciativas da

Rede, a informalidade relacional pré-existente e entretanto desenvolvida, bem como o

reduzido nível de conflito entre CNOs anterior à constituição da Rede, apesar de existir um

estilo de trabalho isolacionista.

As principais dificuldades identificadas incidiram sobre a elevada distância geográfica que

separava os diferentes CNOs, o que dificultava a promoção de reuniões com todos os CNOs

da região do Algarve. Foi ainda referida a dificuldade que os CNOs promovidos por Centros

de Formação do IEFP tinham em ‘libertar’ os seus profissionais para as reuniões, o que se

devia, sobretudo, à estrutura bastante hierarquizada do IEFP. Por fim, foi referido a

266

indefinição existente face ao futuro do funcionamento dos CNOs e da própria INO. Na

entrevista foi referido, por fim, que a informalidade da liderança aportava, por vezes,

algumas dificuldades na exigência de maior agilização no trabalho em conjunto.

VI-2.1.2. O FÓRUM DE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES DO VALE DO AVE (CASO B)

O Fórum de Centros Novas Oportunidades do Vale do Ave era uma estrutura composta por

um conjunto de CNOs da região NUT III do Ave65. Esta estrutura foi constituída formalmente

em 2009 e era inicialmente composta por 15 CNOs66 promovidos por 7 Escolas Secundarias e

Básicas, 1 associação de municípios, 3 agências ou associações de desenvolvimento regional,

3 associações empresariais e de 1 centro tecnológico industrial. Posteriormente, o Fórum

passou a incluir também mais 8 CNOs67 promovidos por 4 Escolas Secundárias, 2

cooperativas de ensino, 1 centro de formação profissional do IEFP e 1 associação para a

educação. Além dos CNOs indicados, faziam ainda parte do Fórum 3 Entidades de Apoio

Técnico68, a Direção Regional de Educação do Norte (DREN), bem como representantes de

duas redes de CNOs dos municípios de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que estavam

inclusas no Fórum. Considerando a totalidade de CNOs da região, não faziam parte do Fórum

os CNOs promovidos por 2 Escolas Básicas ou Secundárias, 1 Escola Profissional, 1 associação

empresarial e 1 centro de formação do IEFP.

65

A região NUT III do Ave é composta pelos municípios de Cabeceiras de Basto, Fafe, Guimarães, Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Vizela. Fizeram parte desta NUT III num passado recente os concelhos de Santo Tirso e Trofa. 66

Os CNOs pertencentes ao Fórum eram os seguintes: CNO Vale do Ave, da AMAVE; CNO Escola Secundária das Caldas das Taipas; CNO Sol do Ave; CNO ADCL; CNO CITEX; CNO ADRAVE; CNO Associação Empresarial de Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto; CNO Escola Secundária de Fafe; CNO Mútua de Basto; CNO Câmara Municipal de Santo Tirso; CNO Escola Secundária Francisco de Holanda; CNO Escola Secundária Camilo Castelo Branco; CNO Escola Secundária Padre Benjamim Salgado; CNO EB 2,3 Gil Vicente; CNO Escola Secundária Martins Sarmento. 67

Os CNOs que se juntaram ao Fórum mais tarde eram: CNO CIOR – Cooperativa de Ensino de Vila Nova de Famalicão, C.R.L; CNO CITEX – Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil; CNO da Escola Secundária Caldas de Vizela; CNO da Escola Secundária da Trofa; CNO da Escola Secundária de Tomaz Pelayo; CNO da Escola Secundária D. Afonso Henriques; CNO Didaxis Cooperativa de Ensino, C.R.L; CNO FORAVE – Associação para a Educação do Vale do Ave. 68

As entidades em questão são as seguintes: DSI - Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho; CCG – Centro de Computação Gráfica de Guimarães; Régie Cooperativa VARD 2015 – Vale do Ave Região Digital

267

Tal como referido no preâmbulo da Declaração de Princípios do Fórum assinado em 24 de

abril de 2009, os contactos que deram, mais tarde, origem à constituição deste Fórum

surgiram na sequência de uma parceria regional estabelecida em 2001 no sentido da

constituição do Centro RVCC da Associação de Municípios do Ave (AMAVE), localizado em

Guimarães. Como referido neste mesmo documento, a posterior constituição de CNOs em

algumas das entidades envolvidas nesta parceria terá aberto uma oportunidade para o

estabelecimento de parcerias entre o CNO da AMAVE e outras entidades da região, das

quais se destaca a parceria com a Escola Secundária das Caldas das Taipas. De acordo com

informação recolhida em entrevista (Anexo 6.2) e em documento já referido, terá sido no

âmbito desta parceria que se terá considerado a possibilidade de dirigir um convite a todas

as entidades que estivessem a promover CNOs na região do Ave, o qual foi acolhido com

bastante interesse por diversas entidades, e que deu origem a uma reunião preparatória.

Como é referido na Declaração de Princípios do Fórum, a atividade do Fórum tinha por

principal objetivo ser uma estrutura de fomento do diálogo, cooperação e articulação entre

as diversas entidades gestoras de CNOs da região, nomeadamente através de um largo

conjunto de atividades, das quais se poderão destacar as seguintes: a) construção de uma

plataforma tecnológica para disponibilização de informação, nomeadamente da oferta

formativa; b) organização de reuniões de trabalho de cooperação e articulação entre

coordenadores dos CNOs; c) organização de oficinas de formação para membros das equipas

técnico-pedagógicas dos CNOs; d) organização de seminários e encontros subordinados à

temática da educação e formação de adultos; e) promoção de eventos de partilha de

experiências dos adultos; f) celebração de protocolos com empresas e associações

empresariais. Os objetivos das Redes de CNOs enquadradas dentro do Fórum seriam

inicialmente de promoção da gestão do território, por forma a evitar situações de

concorrência aguerrida, a que se seguiu uma fase de maior consciência coletiva, à medida

que as dificuldades relacionais se foram esbatendo.

Quanto às atividades do Fórum, importa destacar a criação de diferentes grupos de trabalho

que se dedicaram a um amplo conjunto de atividades, das quais se destacam a criação da

268

plataforma tecnológica69, em 2009, a realização de 2 Encontros de Técnicos de ADE e de 1

encontro de Profissionais RVCC, a organização do 4.º Encontro Nacional de CNOs, em 2010,

bem como a realização de uma análise SWOT aos CNOs do Fórum70 e de um Estudo de

Avaliação de Impacto da Certificação de Nível Básico de Adultos71. Além destas atividades,

importa ainda destacar o apoio disponibilizado para a criação da ‘Associação de Adultos

Fórum CNO do Vale do Ave’ (AANOVA), bem como a produção de um documento de

reflexão sobre o Futuro da Iniciativa Novas Oportunidades, no âmbito do 3.º Encontro de

Centros Novas oportunidades do Vale do Ave, realizado em 2011.

Em relação às dinâmicas de gestão da rede, importa referir a assinatura da Declaração de

Princípios relativamente pormenorizada, em 24 de abril de 2009, o que significa que este

momento de formalização teve lugar logo no início do funcionamento do Fórum.

Já quanto às dinâmicas de liderança, a Declaração de Princípios refere a criação de uma

Comissão Executiva, a qual deveria ser integrada por representantes de 3 entidades

parceiras e que teria por missão assegurar a coordenação do funcionamento do Fórum. De

acordo com a pessoa entrevistada, a constituição desta Comissão Executiva e dos Grupos de

Trabalho acima referidos terá sido uma forma para combater situações de oportunismo por

alguns atores e para promover consensos.

No referente aos resultados e impactos, recolheu-se informação que destaca diferentes

aspetos, de entre os quais uma maior proximidade relacional entre as equipas técnico-

pedagógicas dos diferentes CNOs, a possibilidade da partilha e harmonização de práticas,

bem como a criação de uma lógica de rede nos processos de encaminhamento de adultos.

Além destas mais-valias, é ainda referido como mais-valia do trabalho em parceria um certo

esbatimento da rivalidade entre CNOs anteriormente existente.

69

O endereço da Plataforma Tecnológica é http://www.forumcnos.avedigital.pt, encontrando-se ainda ativa em agosto de 2014. 70

O documento resultante desta análise SWOT pode ser consultado em https://drive.google.com/file/d/0B8_nTu_7XqwNMDg3MDM3ZjAtMjJjZi00OWQ4LWE5MTYtZWU1ZjgxOTQwNDNl/view?pli=1 71

Este estudo foi realizado no âmbito de uma dissertação de mestrado e pode ser consultado em http://www.forumcnos.avedigital.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=115:avaliacao-do-impacto-das-certificacoes-rvcc-nos-cno-do-vale-do-ave&catid=37:ultimas-noticias&Itemid=59

269

As principais dificuldades identificadas referem-se à viabilização de reuniões entre os

parceiros devido à distância geográfica, a existência de algumas tensões devido à

competição entre CNOs, bem como as dificuldades de compatibilização entre diferentes

tipologias de entidades promotoras, sendo dado o exemplo dos CNOs promovidos por

centros de formação do IEFP. Além destes aspetos, uma outra dificuldade identificada foi a

indefinição quanto ao futuro da INO.

VI-2.1.3. A REDE DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS E JOVENS DE BRAGA (CASO C)

A Rede de Educação de Adultos e Jovens de Braga (REAJ) constitui-se como uma rede

composta por organismos do município de Braga dedicados à educação de adultos mas

também de jovens, embora particularmente orientada para os primeiros. Faziam parte desta

rede os 9 CNOs existentes no município de Braga72, que eram promovidos por 3 escolas

secundárias, 1 escola profissional, 1 centro de formação do IEFP, 1 empresa de consultoria, 2

associações comerciais ou industriais e 1 associação de ligação universidade-empresas. Além

destes CNOs, faziam também parte da rede 12 agrupamentos de escolas, 6 escolas e 4

escolas profissionais, bem como a Câmara Municipal de Braga, a Direção Regional do Norte

(DREN) e a Delegação Regional Norte do IEFP.

De acordo com informação recolhida na entrevista (Anexo 6.3), os primeiros contactos que

viriam a dar origem à rede foram desenvolvidos na sequência do alargamento do número de

CNOs no final de 2008, por iniciativa da Equipa de Apoio às Escolas da DREN, que, no âmbito

do seu trabalho de articulação e regulação da oferta de formação, assumiram a iniciativa de

mobilização dos atores para a criação desta rede. Não obstante a importância deste papel

mobilizador da DREN, os CNOs envolvidos rapidamente assumiram a iniciativa de

estruturação das ações e dos projetos da rede no sentido de facilitarem a articulação entre a

procura e a oferta de formação, segundo informação recolhida em entrevista.

72

Os CNOs em questão eram promovidos pelas seguintes entidades: Escola Profissional de Braga, Escola Secundária Alberto Sampaio, Escola Secundária Carlos Amarante, Escola Secundária de Maximinos, ACB – Associação Comercial de Braga, AIMinho – Associação Industrial do Minho, IPME – Instituto PME Formação S.A., TecMinho e Centro de Formação Profissional de Braga.

270

Tal como consta do Protocolo da REAJ, os objetivos desta rede seriam: a) promover a

regulação da oferta de educação e formação; b) facilitar a mobilização dos adultos para as

ofertas; c) promover a melhoria da qualidade de intervenção dos elementos da rede,

nomeadamente através da partilha e reflexão de práticas metodológicas; d) fomentar a

reflexão aprofundada sobre as políticas de educação e formação municipais. Esta

informação é confirmada em entrevista, onde se refere que o principal objetivo inicial seria a

regulação da oferta formativa, a que se seguiram objetivos de promoção de articulação

entre oferta e procura de formação e de capacitação das equipas técnico-pedagógicas dos

CNOs recém-criados.

Através da entrevista foi possível identificar também que as principais atividades da rede

foram, numa primeira instância, a criação, em 2009, da ‘Plataforma Novas Oportunidades

em Braga’73 na qual seria divulgada toda a oferta educativa e formativa do município, bem

como a realização de reuniões de articulação da oferta formativa. Recolheu-se ainda a

informação de que após a assinatura do protocolo de cooperação no início de 2010, foram

promovidas atividades mais amplas, tais como a realização de reuniões de partilha, reflexão

e harmonização de práticas entre equipas técnico-pedagógicas de CNOs, a promoção de

atividades conjuntas de divulgação integrada da oferta formativa de todos os parceiros, bem

como a organização de um seminário de reflexão sobre a articulação das necessidades de

formação do município, já no início de 2011. Além destas atividades desenvolvidas, importa

destacar a referida intenção da REAJ em criar um Observatório sobre Educação, Formação e

Emprego no concelho de Braga.

Em relação às dinâmicas de gestão interna da rede, importa, antes de mais, mencionar a

assinatura de um protocolo, a 19 de fevereiro de 2010, no qual são definidos, com algum

grau de detalhe, os parceiros envolvidos, os fundamentos e os objetivos da REAJ, as

atividades a desenvolver, bem como a estrutura de gestão.

A estrutura de coordenação/liderança referida no âmbito do protocolo surgia na figura de

uma Comissão de Acompanhamento, a qual era composta por um representante de cada

73

Esta plataforma pode ser consultada em http://cno.bragadigital.pt/ (acesso em agosto de 2015)

271

uma das 9 tipologias74 de entidades presentes na rede. De acordo com o protocolo, a

Comissão de Acompanhamento deveria reunir bimestralmente e teria como principais

funções convocar reuniões que envolvessem todos os parceiros, dinamizar e aprofundar os

eixos de atuação da cooperação, e analisar os aspetos relativos ao funcionamento da rede. A

informação recolhida aponta ainda para o facto de esses membros da Comissão de

Acompanhamento terem desempenhado diferentes tarefas de acordo com as suas

apetências e competências pessoais.

A rede teve impactos de diversas ordens. Em primeiro lugar, foi destacado a aproximação

relacional entre diferentes agentes de educação e formação, o que se afirma como uma

clara mudança face à situação anterior à rede. De igual modo, foi destacado como mais-valia

da REAJ uma maior regulação da oferta de educação e formação e adequação desta à efetiva

procura, ao ponto de ter existido candidaturas conjuntas a financiamento do POPH. Por fim,

foi ainda referido o impacto ao nível da formação das equipas técnico-pedagógicas e do

aumento da qualidade das intervenções, bem como uma maior aproximação nas práticas

metodológicas desenvolvidas por cada CNO, por vias da ‘autorregulação’ existente no seio

da própria rede.

No que concerne aos principais fatores facilitadores dos resultados colaborativos, refere-se

o grau de informalidade da rede e voluntarismo das relações, bem como o envolvimento de

um amplo e diversificado conjunto de parceiros operacionais e de parceiros com

responsabilidades mais estratégicas.

Como principais fatores inibidores realçam-se a reduzida cultura de parceria existente, o que

fez com que alguns parceiros estivessem sistematicamente a aferir quais os ganhos a curto-

prazo em participar na rede. De igual modo, foi referido que existia demasiada dependência

da dedicação de um conjunto limitado de indivíduos, o que acarretava dificuldades até no

equilíbrio com o trabalho desenvolvido para as suas entidades de ‘origem’. Foram ainda

mencionadas dificuldades operacionais relacionadas com o facto de financiamento de

atividades desenvolvidas no âmbito da rede, considerando os problemas associados à

74

As 9 tipologias em questão eram: Câmara Municipal de Braga; Direção Regional de Educação do Norte; Instituto de Emprego e Formação Profissional; Agrupamentos de Escolas; Centros Novas Oportunidades das entidades privadas; Centros Novas Oportunidades das escolas públicas; Escolas Profissionais; Escolas Secundárias; Escolas Particulares e Cooperativas.

272

partilha de custos e à sua justificação contabilística. Por fim, são referidos problemas de

articulação com os parceiros mais institucionais da rede, tais como a Câmara Municipal de

Braga, a Direção Regional de Educação do Norte e a Delegação Regional do IEFP, por serem

estruturas mais formais e, por isso, menos flexíveis.

VI-2.1.4. A REDE DE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES DA FRENTE RIBEIRINHA DO TEJO (CASO D)

A Rede de Centros Novas Oportunidades da Frente Ribeirinha do Tejo foi uma rede

composta por 4 Centros Novas Oportunidades dos municípios do Barreiro, Moita e Montijo,

promovidos por 3 escolas secundárias e 1 escola profissional75. Considerando a totalidade de

CNOs destes municípios, ficaram de fora da rede 3 CNOs promovidos por centros de

formação do IEFP, 1 associação de formação profissional e 1 escola secundária.

Os primeiros passos para a constituição desta rede ocorreram no final de 2008, aquando do

evento de inauguração de um dos CNOs da rede, que contou com a presença da direção da

ANQ, e durante o qual se chegou à conclusão que seria benéfico criar uma rede regional de

CNOs. Terá sido precisamente o CNO inaugurado nesse evento o principal agente de

mobilização da criação da rede e de envolvimento dos diferentes parceiros, o que decorreu

dos próprios hábitos de trabalho em parceria da sua entidade promotora.

No que se refere aos objetivos, importa destacar, desde logo, a questão da autoformação

das equipas de forma articulada, considerando que os CNOs haviam sido criados há pouco

tempo e a formação disponibilizada pela ANQ era considerada insuficiente, daí que as

equipas dos CNOs se sentissem mais seguros ao fazer a ‘descodificação’ das orientações e

referenciais em conjunto, promovendo a harmonização de práticas. De igual modo, era

também objetivo da rede proporcionar um maior conhecimento sobre as ofertas de

formação disponíveis na região, por forma a facilitar os processos de encaminhamento.

75

O protocolo foi assinado pelas seguintes entidades: Escola Secundária Alfredo da Silva, do Barreiro; Escola Secundária Poeta Joaquim Serra, do Montijo; Escola Profissional do Montijo e a Escola Técnica Profissional da Moita.

273

As principais atividades desenvolvidas centraram-se, por conseguinte, na realização de

reuniões específicas para diferentes tipos de profissionais, inicialmente quase com uma base

mensal, na dinamização de eventos e workshops subordinados às temáticas da educação e

formação, em como na criação de uma plataforma de Gestão da Oferta Formativa, a qual foi

bastante incentivada pela Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).

Em relação às dinâmicas internas de gestão da rede, importa destacar a assinatura de um

protocolo em 2008, logo no início da rede.

Já em relação às dinâmicas de liderança, foi referido não existir qualquer liderança formal,

muito embora fosse importante destacar o posicionamento mais ativos de alguns CNOs,

nomeadamente do que havia estado envolvido no processo de criação da rede.

Em relação aos impactos e resultados, destacou-se a maior segurança com que as equipas

trabalhavam, ao ponto de não terem também o receio de partilharem dúvidas entre pares

de outros CNOs, bem como uma maior atitude de partilha e de proximidade relacional entre

equipas dos diferentes CNOs. Esta atitude acabou por ser bastante importante ao nível da

harmonização de práticas, o que se revelou essencial, tendo em atenção o elevado número

de pedidos de transferência entre CNOs naquela região devido a situações de mudança de

emprego dos adultos. Por fim, foram ainda destacados os ganhos ao nível da coordenação

territorial da oferta formativa.

Enquanto principais fatores facilitadores sublinharam-se a experiência que a entidade

mobilizadora da criação da rede tinha em relação ao trabalho em rede, os incentivos e

disponibilidade por parte da ANQ e da DREL nas mais diferentes atividades desenvolvidas,

bem como o reduzido nível de conflito prévio à constituição da rede.

Já no referente aos principais fatores inibidores, são destacadas apenas algumas diferenças

de filosofia entre diferentes CNOs, o que dificultou o alargamento da rede a outros CNOs da

região.

274

VI-2.1.5. A REDE NOVAS OPORTUNIDADES DA LEZÍRIA DO TEJO (CASO E)

A Rede Novas Oportunidades da Lezíria do Tejo foi uma rede composta por 5 Centros Novas

Oportunidades da NUT III da Lezíria do Tejo, os quais eram promovidos por 3 escolas

secundárias, 1 universidade privada e 1 confederação de agricultores. Considerando a

totalidade de 8 CNOs na região, ficaram de fora da rede 2 CNOs promovidos por centros de

formação do IEFP e 1 de uma escola profissional.

A iniciativa da constituição desta rede partiu inicialmente da ANQ em outubro de 2010,

nomeadamente através de um desafio colocado aquando de uma reunião de

acompanhamento, bem como da consciência dos próprios parceiros em relação à

necessidade de trabalhar em rede.

Enquanto objetivos da rede destacaram-se os relacionados com a possibilidade de definição

conjunta de intervenção concertada e de complementaridade em termos das ofertas

formativas, bem como dos territórios de intervenção, por forma a evitar ‘atropelos’ e

sobreposições anteriormente existentes.

Em relação às atividades desenvolvidas, foi referido que, numa primeira instância, se criou

uma base de dados com todas as ofertas de formação da região, por forma a facilitar os

processos de encaminhamento. Após essa primeira fase com objetivos mais relacionados

com as ofertas formativas, foi realizada, em outubro de 2011, a primeira reunião que juntou

técnicos de diferentes CNOs, a que se seguiu a fase de tentativa de alargamento da rede a

outros parceiros, que se encontrava em desenvolvimento aquando da entrevista no início de

2012.

No que se refere às dinâmicas internas de gestão, foi reportado que havia existido a

assinatura de um protocolo em outubro de 2011, bem como a existência da posição de

coordenação da rede, ocupada por 1 CNO eleito pelos seus congéneres alguns meses após o

início da rede. Importa destacar, a este propósito, que o entendimento inicial da rede era

que esse papel de coordenação deveria ser desempenhado por um ator externo à rede,

nomeadamente a Direção Regional de Educação, que recusou o pedido.

275

Os principais impactos reportados dizem respeito, em primeiro lugar, à concertação de

ofertas, ao ponto de as candidaturas a financiamento dos CNOs da rede de 2012 terem sido

harmonizadas. Em segundo lugar, referiu-se o desenvolvimento de uma relação cooperativa

mais fortuita ao longo do desenrolar das atividades da rede, que vinha predispondo os

elementos da rede a partilharem entre si informação sobre o seu próprio funcionamento

interno, o que se contrapunha com situações prévias demonstrativas de significativa

rivalidade entre CNOs. Estas atitudes de partilha de informação, bem como a promoção de

reuniões de formação conjuntas, terão gerado, por sua vez, uma considerável harmonização

de práticas entre CNOs, considerado como um elemento essencial para reforçar a imagem

da Iniciativa Novas Oportunidades.

Em relação aos principais fatores facilitadores, destacaram-se o apoio da Agência Nacional

para a Qualificação e da Direção Regional de Educação, bem como a adesão imediata dos

elementos da rede ao desafio do trabalho em parceria, mesmo que a esse entusiasmo inicial

tenham sucedido algumas dificuldades pouco tempo depois.

Por sua vez, os principais fatores inibidores relatados dizem respeito, por um lado, à falta de

cultura de partilha que atrasou o desenvolvimento mais profundo da rede após o fim do

entusiasmo inicial, bem como à falta de liderança formal durante alguns meses que

dificultou o processo de articulação entre parceiros. Foram ainda referidas as dificuldades

inerentes às diferenças culturais entre CNOs promovidos por entidades de diferentes

tipologias, que acabaram por motivar a não adesão à rede de CNOs promovidos por centros

de formação do IEFP, o que se deveu, em parte, à falta de apoio ao projeto da parte das

estruturas de topo do IEFP. Por fim, foi referido como dificuldade a enorme instabilidade da

política pública que teve início em 2011 e das próprias posições da direção da ANQ que

assumiu, então, funções.

VI-2.1.6. A REDE DE OFERTAS FORMATIVAS PARA OS ADULTOS DE ALMADA E SEIXAL (CASO F)

A Rede de Ofertas Formativas para os Adultos de Almada e Seixal (ROFAAS) foi uma rede

composta por operadores de educação e formação para Adultos de dois municípios (NUT IV)

276

do distrito de Setúbal, que congregava 24 parceiros. A lista de parceiros era composta pelos

7 CNOs76 existentes nos dois municípios, promovidos por 5 escolas secundárias, 1 empresa

de formação e 1 centro de formação do IEFP, bem como por um conjunto de outros atores77,

tais como entidades de formação e educação de adultos, da sociedade civil e entidades

autárquicas.

Tal como referido em entrevista, esta rede foi constituída em 2008 através da iniciativa de

dois dos parceiros que já tinham algum histórico de parceria, constituindo uma rede de

agentes de educação e formação de adultos do município de Almada, a que se seguiu uma

extensão através da inclusão de agentes homólogos do município do Seixal, em grande

medida por influência da Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).

A criação desta rede terá surgido na sequência de dificuldades sentidas no âmbito das

atividades de encaminhamento de adultos pelas tais duas entidades fomentadoras da

criação da rede, quer ao nível do desconhecimento da oferta de formação de adultos

disponível no município, quer ao nível do relacionamento existente entre algumas entidades

e CNOs.

A ROFAAS tinha como principais objetivos a partilha de informação sobre todas as ofertas

formativas existentes nos dois municípios no sentido de facilitar os encaminhamentos dos

adultos, bem como promover uma relação mais próxima entre entidades, por forma a

facilitar as relações e a promover a articulação entre as ofertas e a evitar a sua sobreposição.

Face aos objetivos enunciados, uma das primeiras atividades promovidas foi a criação de

uma plataforma eletrónica com informação sobre a oferta formativa disponível78, por forma

76

As entidades em questão são: Escola Secundária de Cacilhas-Tejo; Escola Secundária Anselmo de Andrade; Escola Secundária do Monte de Caparica; Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira; Escola Secundária de Amora; Partner Hotel - Formação Consultoria e Projetos para Serviços Hoteleiros, Lda.; Centro de Formação Profissional do Seixal. 77

Faziam também parte da rede os seguintes parceiros: Escola Básica 2/3 do Monte de Caparica; Escola Básica D. António da Costa; Escola Básica 2/3 da Costa da Caparica; Escola Básica 2/3 da Trafaria; Escola Secundária Emídio Navarro; Escola Secundária Fernão Mendes Pinto; Equipa de Apoio às Escolas - Escola Secundária Casquilhos; Escola Profissional de Educação para o Desenvolvimento / eForgest; Escola Profissional de Almada (PROFORAL); FormAjuda - Gabinete de Formação e Projetos da Ajuda, Lda.; Quinta dos Centro de Emprego de Almada; Universidade Sénior de Almada; Santa Casa da Misericórdia de Almada; Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM); União da Associação de Pais do Agrupamento Vertical de Escolas da Costa da Caparica; Câmara Municipal de Almada; Junta de Freguesia da Charneca da Caparica. 78

A plataforma estava alojada no seguinte endereço http://moodle.escacilhastejo.org/

277

a permitir encaminhamentos mais céleres e direcionados. Além da criação desta plataforma,

foram ainda dinamizadas reuniões entre parceiros, ainda que de forma muito pontual e

direcionadas apenas para as temáticas relacionadas com as ofertas de formação.

Em relação às dinâmicas internas de gestão da rede, importa registar que a ROFAAS não

estava baseada em qualquer protocolo de cooperação, suportando-se, sobretudo, em

contactos pessoais e informais entre profissionais das diversas entidades envolvidas.

Recolheu-se ainda informação que apontava não existir qualquer mecanismo de liderança/

coordenação da rede, muito embora tenha sido referido que os dois parceiros ‘fundadores’

assumiam, de certo modo, um papel mais ativo na dinamização da rede.

Considerando os objetivos acima descritos, não será de estranhar que os

resultados/impactos identificados estejam mais relacionados com a agilização da procura de

informação sobre a oferta formativa de adultos nos dois municípios, o que se traduziu em

processos de ‘encaminhamento externo’ mais frequentes e menos morosos. De igual modo,

a rede permitiu também a aproximação relacional e à construção de confiança entre

parceiros, o que conduziu a alguns casos, embora pontuais, de partilha entre parceiros para

além das questões de ofertas formativas. A ROFAAS veio ainda a permitir uma maior

articulação entre as diferentes ofertas, por forma a evitar a sobreposição das mesmas.

Os principais fatores facilitadores no processo de dinamização da rede foram, por um lado, a

existência de experiências de cooperação anteriores entre alguns atores e o grande

interesse e envolvimento inicial das instituições, bem como o apoio prestado pela equipa de

apoio às escolas da DREL.

Os principais fatores constrangedores identificados estão relacionados com a falta de

motivação para o trabalho em rede demonstrado por alguns parceiros, bem como a

dificuldade de ultrapassar a lógica de competição e de individualismo de algumas entidades

participantes na rede. De igual modo, foi ainda reportada a dificuldade em fazer progredir a

rede perante a inexistência de uma figura de liderança ou de moderação. Por fim, foram

destacados alguns problemas técnicos de utilização e gestão da plataforma eletrónica, o

278

que, por vezes, funcionava como elemento desmobilizador de atores que já não

demonstravam grande apetência para a atualização constante da oferta formativa.

VI-2.1.7. A REDE TERRITORIAL PARA A QUALIFICAÇÃO DO VALE DO SOUSA E BAIXO TÂMEGA (CASO G)

A Rede Territorial para a Qualificação do Tâmega e Sousa foi uma rede composta por 22

Centros Novas Oportunidades dos 12 municípios da NUT III do Tâmega e Sousa, promovidos

por um diversificado conjunto de entidades79, nomeadamente: 12 escolas básicas,

secundárias ou agrupamentos de escola; 4 entidades de ensino profissional ou ensino

superior; 5 associações empresariais ou industriais; e, 1 empresa.

De acordo com informação recolhida, a rede foi constituída formalmente em 2008, com a

presença de 7 dos 9 CNOs existentes na altura: Associação Empresarial de Amarante;

Associação Empresarial de Paredes; Associação Industrial de Lousada; EPF - Ensino

Profissional de Felgueiras, Lda.; Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de

Amarante; LFM – Contabilidade, Auditoria, Consultadoria e Formação Informática, Lda.;

Profisousa – Associação de Ensino Profissional do Vale do Sousa.

A iniciativa de criação partiu dos próprios CNOs na sequência das dúvidas de aplicação de

metodologias de trabalho dos CNOs, que seriam novidade para muitas das equipas, a e a

consequente necessidade de partilhar e aprender. Além disso, foi referido também que já

existia algumas experiências de cooperação entre entidades dos diferentes municípios, já

que existia uma agenda para a empregabilidade comum aos 12 municípios, bem como algum

79

As entidades em questão eram: CNO da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos de Cinfães; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amarante; CNO do Agrupamento de Escolas de Vale de Ovil; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Felgueiras; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Lousada; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Marco de Canaveses; CNO da Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico de Alpendurada; CNO da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos Dr. Manuel Pinto Vasconcelos; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Daniel Faria; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Joaquim de Araújo; CNO do Agrupamento de Escolas de Pinheiro; CNO do Agrupamento Vertical de Escolas de Castelo de Paiva; CNO da Escola Profissional António do Lago Cerqueira; CNO da EPF - Ensino Profissional de Felgueiras, Lda.; CNO da PROFISOUSA - Associação de Ensino Profissional do Vale do Sousa; CNO da CESPU - Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário, CRL; CNO da Associação Empresarial de Amarante; CNO da Associação Industrial da Lousada; CNO da Associação Empresarial de Paredes; CNO da Associação Empresarial de Penafiel; CNO da Penafiel Ativa, E.M.; CNO da LFM - Contabilidade, Auditoria, Consultadoria e Formação Informática, Lda.

279

trabalho de cooperação desenvolvido pelo CNO da PROFISOUSA, já que a entidade

promotora tem um âmbito de atuação de nível regional, existindo igual.

Face ao referido, não será de estranhar que os principais objetivos enunciados tenham sido

a criação de momentos de partilha e discussão conjunta de problemas e metodologias,

através da promoção de reuniões e encontros entre parceiros, a produção de documentos

técnicos e temáticos de reflexão resultantes da partilha acima referida, bem como a partilha

de dados sobre a oferta formativa que permitisse um planeamento estratégico da mesma a

nível regional.

Tendo em atenção estes objetivos, as principais atividades desenvolvidas foram a criação e

dinamização de uma plataforma online para a partilha de informação sobre oferta formativa

e sobre os processos de reflexão80, a realização de encontros entre parceiros gerais e outras

dedicadas a temas e profissionais específicos, que posteriormente deram origem à produção

de cadernos temáticos em 2010.

Em relação às dinâmicas de gestão interna da rede, foi referido que havia sido assinado um

protocolo de cooperação entre os 7 CNOs fundadores logo em 2008, o qual foi estendido a

todos os restantes atores apenas em abril de 2012. Daqui se conclui que diversos CNOs

estiveram a colaborar durante algum tempo sem que tivessem um protocolo assinado.

Já no que se refere às dinâmicas de liderança, foi referido não existir uma liderança formal,

havendo apenas um grupo de 2 CNOs que orientam os trabalhos relacionados com os

cadernos temáticos.

Em relação aos impactos, existe largo conjunto de mais-valias, que se alinham bastante com

os objetivos da rede. Em primeiro lugar, foi identificada uma muito maior harmonização de

práticas, sobretudo decorrente dos trabalhos em torno da produção dos cadernos

temáticos. Ademais, foi ainda referido ainda que a rede permitiu o desenvolvimento de uma

maior proximidade relacional, muito embora não tenham sido reportados situações de

competição aguerrida antes da constituição da rede. Por fim, foi referido também que a rede

propiciou uma maior coordenação das diferentes ofertas em todo o território da NUT III.

80

Esta plataforma estava alojada no endereço http://www.redeterritorial.com, que se encontrava inativa em agosto de 2015.

280

No que diz respeito aos fatores facilitadores da criação e sustentabilidade da rede, refere-se

a enorme importância do sucesso inicial da rede e do desenvolvimento de uma postura

aberta de aprendizagem com as diferenças, ao invés da postura de crítica face às mesmas, o

que possibilitou que mais parceiros quisessem juntar-se à rede, após um período de dúvida.

VI-2.1.8. A REDE ATLÂNTICA NO CONCELHO DE OEIRAS (CASO H)

A Rede Atlântica era uma rede composta por 4 CNOs do município de Oeiras, todos

promovidos por Escolas Secundárias81.

A ideia de constituição da rede partiu de um desafio lançado pela Agência Nacional para a

Qualificação no âmbito de uma reunião de monitorização e avaliação conjunta entre os

diferentes CNOs do município, realizada em maio de 2011. Importa destacar, a este

propósito, que alguns dos CNOs que mais tarde viriam a constituir a rede já tinham alguma

experiência de cooperação entre si e com outros CNOs de outas áreas geográficas com base

em afinidades pessoais

Os principais objetivos da rede estavam mais alinhados com a divulgação da oferta formativa

da região por forma a facilitar os encaminhamentos, bem como a concertação de ofertas e

de estratégias de divulgação de atividade dos CNOs e Entidades Formadoras, ou mesmo

ainda, embora com menor incidência, a promoção de momentos de formação conjunta e de

partilha de informação.

Em relação às atividades desenvolvidas, importa sublinhar a promoção de reuniões entre

diferentes elementos das equipas técnico-pedagógicas, nas quais se discutiam boas práticas

nos diferentes CNOs, e que terão sido bastante participadas. Essas reuniões eram, por sua

vez, complementadas por seminários plenários no final dessas reuniões, para as quais eram

convidados especialistas na área das Ciências da Educação. Por fim, foi registado também a

81

As entidades promotoras dos CNOs que pertenciam à rede são: Escola Secundária Sebastião e Silva; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Camilo Castelo Branco (Carnaxide); CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Miraflores; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Luís de Freitas Branco.

281

presença de representantes da rede em seminários nacionais e até internacionais

subordinados à temática da educação de adultos.

No que concerne às dinâmicas internas da rede, foi destacada a assinatura de um protocolo

em abril de 2012, o qual teve como principal motivação dar visibilidade à rede e com isso

conseguir algum reconhecimento da ANQ e de eventuais novos parceiros.

Foi ainda destacada a ausência de qualquer figura de liderança.

Os principais impactos reportados dizem respeito à partilha de boas práticas, o que terá

promovido a multiplicação de iniciativas inovadoras relacionadas com a atividade junto dos

adultos, por vezes muito para além dos processos de RVCC e das ofertas de formação. A

melhoria ao nível do relacionamento entre CNOs constituía-se como um impacto ainda

incerto.

Em relação aos principais fatores facilitadores, foi referida a importância do desafio lançado

pela Agência Nacional para a Qualificação, bem como a situação de instabilidade e de

incerteza que se gerou perante a mudança de Governo e de direção da ANQ em meados de

2011, a qual terá unido os parceiros face à adversidade.

Enquanto principais fatores inibidores referiram-se, em primeiro lugar, a falta de uma

cultura de promoção de relações de cooperação, havendo claros hábitos de trabalho

individualista e uma enorme dificuldade de transparência. De igual modo, foi referida a

dificuldade em alargar a rede a outras entidades, nomeadamente entidades formadoras

privadas e ligadas ao IEFP, sobretudo pelas diferenças de cultura organizacional. Foi ainda

referido a dificuldade de articulação com a instabilidade criada pela indefinição face ao

futuro da Iniciativa Novas Oportunidades.

VI-2.2. Relações de Influência entre as Redes Locais de Qualificação e o Sistema de

Educação e Formação de Adultos: Análise Comparada e Principais Conclusões

Tal como foi possível observar pela apresentação dos diferentes estudos de caso analisados

ao longo do ponto VI-2.1 deste trabalho, a realidade das Redes Locais para a Qualificação

282

primou pela diversidade em termos de processos de criação e de gestão, bem como de

resultados. Neste sentido, importa fazer uma análise comparativa às dimensões que foram

objeto de análise para cada um dos casos de estudo – ver tabelas comparativas no final da

secção.

Começando pelos contextos de criação das redes, foi possível verificar que os primeiros

contactos entre CNOs que depois viriam a dar origem às Redes Locais para a Qualificação

terão surgido, na sua maioria, em 2008, aquando da enorme expansão da oferta de Cursos

EFA e da rede de CNOs, que implicou a quase duplicação no número de CNOs – veja-se

ponto VI-1.4 deste trabalho. Como anteriormente referido, a maior parte dos novos CNOs

criados em 2008 eram promovidos por Escolas Secundárias e/ou Básicas cujas equipas não

tinham qualquer experiência no desenvolvimento de processos RVCC, o que mobilizou

alguns CNOs a procederem à interpretação dos referenciais e outras orientações

metodológicas em conjunto com as equipas de outros CNOs na mesma situação de

inexperiência ou com maior experiência – os estudos de caso das redes do Algarve (caso A),

da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G) são os

casos mais evidentes dessa realidade, facto que se acredita estar relacionado com o facto de

serem os três contextos em que foi reportado não existir situações de rivalidade anterior à

criação da rede.

Uma outra situação que conduziu a que algumas Redes Locais para a Qualificação fossem

criadas diz respeito à falta de conhecimento por parte dos Técnicos de Acolhimento,

Diagnóstico e Encaminhamento das ofertas formativas disponíveis na região, o que

dificultava os processos de encaminhamento dos adultos. De igual modo, chegou-se à

conclusão que havia necessidade de se proceder a uma articulação das ofertas formativas

em diferentes regiões, já que existiam situações de duplicação de ofertas formativas em

diferentes Entidades Formadoras da mesma região e existia carência de outras ofertas

formativas. Considerando este contexto, diferentes Direções Regionais de Educação,

nomeadamente as suas equipas de apoio às escolas, tomaram a iniciativa de promoção de

reuniões de articulação de oferta formativa, que vieram criar condições para a criação de

algumas RLQ – são os casos das redes de Braga (caso C), de Almada e Seixal (caso F), da

Frente Ribeirinha do tejo (caso D) e do Algarve (caso A). A propósito deste papel mais

283

interventivo das DREs, importa recordar a entrevista de Maria do Carmo Gomes na qual foi

referido que a ANQ iniciou, em 2008, um plano de reforço do acompanhamento e

monitorização da atividade dos CNOs, em articulação com as DREs e os Centros Distritais do

IEFP.

As exceções a esta tendência de início dos trabalhos preliminares em 2008 são apenas as

Redes da Lezíria do Tejo (caso E) e Atlântica (caso H), nas quais a mobilização ocorreu apenas

alguns anos mais tarde, após um apelo expresso por parte da Agência Nacional para a

Qualificação no âmbito de reuniões de monitorização conjuntas em contextos em que foi

reportado existir um significativo nível de rivalidade anterior à constituição da rede.

Em relação aos objetivos e atividades desenvolvidas, é possível verificar que a grande

maioria das Redes analisadas tinha um largo espetro de ambições, que ia desde a

sistematização de informação sobre a oferta formativa disponível na região para facilitar

encaminhamentos de adultos, à regulação dessa mesma oferta por forma a evitar

sobreposições e lacunas, à reflexão metodológica e partilha de experiências com vista ao

reforço do conhecimento e à harmonização de práticas, ou mesmo à promoção de

atividades conjuntas. Fazendo a apologia com a tipologia de redes proposta por Scharpf,

quase todas as redes incluíam-se na categoria de ‘redes de coordenação positiva’ bastante

ambiciosas, à exceção da Rede Atlântica (caso H) e da Rede da Lezíria do Tejo (caso E) que

eram um pouco menos ambiciosas, talvez até por serem mais recentes, e da Rede de

Almada/Seixal (Caso F) que claramente só tinham objetivos relacionados de ‘coordenação

negativa’. Através de uma maior atenção à importância relativa atribuída aos diferentes

objetivos em cada uma das redes, é possível verificar que havia uma preponderância, pelo

menos inicial, da reflexão metodológica e da formação conjunta nas Redes do Algarve (caso

A), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G). Por

sua vez, os objetivos de sistematização e harmonização da oferta formativa eram

predominantes nas Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C), para além dos já

referidos casos das Redes da Lezíria do Tejo (caso E), Atlântica (caso H) e Almada/Seixal (caso

F).

284

No respeitante às dinâmicas internas de gestão, é possível observar-se que praticamente

todas as Redes analisadas estabeleceram um protocolo de cooperação pouco tempo depois

do início das operações da rede. A única rede analisada em que não existia qualquer

protocolo era mesmo a Rede Almada/Seixal (caso F), o que se deve aos mais limitados

objetivos da rede. Além desta exceção, importa ainda destacar o caso da Rede do Algarve

(caso A), na qual o protocolo só foi assinado cerca de 3 anos depois da rede ter começado a

funcionar, bem como o caso da Rede do Vale do Sousa e do Baixo Tâmega (caso G), na qual

diversos parceiros não pertencentes ao grupo inicial ficaram bastante tempo sem assinar um

protocolo de extensão.

Já em relação às dinâmicas de liderança, é possível verificar uma maior variedade de

situações. Por um lado, temos os casos das Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C)

e da Lezíria do Tejo (caso E) em que existe claramente um ou mais líderes formais, sendo o

caso mais extremo a rede de Braga em que a estrutura de liderança tinha 9 membros. Por

outro lado, temos os casos das Redes do Algarve (caso A), do Vale do Sousa e Baixo Tâmega

(caso G), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D), e, de certo modo, da Rede Almada/Seixal

(caso F), em que a liderança era feita de forma informal e de forma um pouco voluntarista e

limitada a assuntos específicos. Por outro lado ainda, temos os casos da Rede Atlântica (caso

H) em que não havia qualquer liderança, o que também se poderia dever à reduzida

antiguidade da rede.

Os impactos reportados são, por sua vez, bastante consentâneos com os objetivos traçados,

ao mesmo tempo que bastante diversificados. Por um lado, em quase todas as redes

analisadas foi reportada uma clara melhoria das relações entre CNOs, na medida em que as

diferentes atividades das redes os aproximaram e criaram relações de informalidade, muito

embora as redes não tenham conseguido fazer desaparecer algumas atitudes de rivalidade –

informação que é consentânea com os resultados do questionário reportados na secção

introdutória do ponto VI-2. Por outro lado, foram reportados ganhos resultantes da partilha

e harmonização de práticas em quase todas as redes, que comportavam maior segurança no

trabalho desenvolvido, fizeram diminuir conflitos e contribuíam para credibilizar a INO face

ao exterior. Por outro lado, na grande maioria das Redes também passou a existir uma maior

regulação da oferta formativa, bem como encaminhamentos mais fáceis.

285

Em relação aos principais fatores facilitadores, importa destacar o apoio de organismos

tutelares como a ANQ e a DRE, não apenas no fomento da criação das redes mas também no

acarinhamento das diferentes iniciativas, ou mesmo na participação de algumas redes. De

igual modo, um outro frequente fator facilitador estava relacionado com a existência de

relações informais ou formais de parceria noutros domínios prévias à constituição da rede,

bem como no elevado envolvimento dos diferentes parceiros no início da rede.

Os principais fatores inibidores mais frequentemente reportados foram, por sua vez, a

reduzida cultura de parceria de alguns parceiros, bem como a existência de CNOs da região

cujas entidades promotoras demonstravam uma cultura muito pouco cooperante (centos de

formação do IEFP, nomeadamente), ou mesmo a dificuldade de gerir uma rede sem

mecanismos de liderança formal.

A partir desta análise comparada, é possível extrair algumas conclusões sobre o sistema de

relações entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de governação do

sistema de educação de adultos. Importa recordar, a este propósito, a definição de dois

objetivos deste trabalho: por um lado, analisar o tipo de influência que os modos de

governação do sistema de governação da política de educação de adultos exerceram nos

processos de criação e gestão das RLQs; e, por outro lado, analisar e compreender os

impactos processuais governativos das RLQs sobre o sistema de governação da política de

educação de adultos.

Em relação ao primeiro destes objetivos, foi possível concluir, em primeiro lugar, que os

antecedentes de rivalidade (por vezes significativa) entre diferentes CNOs não impediram a

emergência de parcerias entre estes, nem conduziram genericamente a situações de

objetivos menos ambiciosos. Os casos mais destacados neste âmbito são os das Redes do

Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C) e da Lezíria do Tejo (caso E), em que foram

projetados e concretizados objetivos muito para além da ‘coordenação negativa’ e em que

as redes contribuíram para a melhoria das relações entre CNOs, embora não tenha

contribuído para o término da rivalidade. A principal exceção a esta tendência é mesmo a

Rede Almada/Seixal (caso F), na qual existiam alguns parceiros que não demonstravam

grande interesse em que os objetivos da rede fossem para além da ‘coordenação negativa’,

286

ou sequer em melhorar a relação entre CNOs. No mesmo sentido, a pessoa entrevistada da

Rede Atlântica (caso H) revelou ter algumas dúvidas quanto a possibilidade da rede permitir

obter grandes ganhos relacionais, tendo em atenção a natureza ‘artificial’ e ‘forçada’ da

rede. Importa destacar que estas duas redes foram criadas ou expandidas por influência do

‘apadrinhamento’ da ANQ. O que pode conduzir à questão sobre se valerá a pena insistir na

criação de ‘redes artificiais’.

Atentando às Redes em que foram definidos objetivos ambiciosos apesar dos antecedentes

de rivalidade, conclui-se, contudo, que foram os únicos casos em que foi definida uma

liderança formal. Como relevado pelos entrevistados das Redes do Vale do Ave (caso B) e de

Braga (caso C), a liderança formal era vista como forma de evitar o oportunismo de alguns

parceiros, ao mesmo que a liderança partilhada pretendia ser uma forma de assegurar o

compromisso e dedicação dos parceiros.

Contrariamente, parece não ter havido necessidade de definir uma liderança formal nas

redes cujos antecedentes não tinham situações de rivalidade significativa – as Redes do

Algarve (caso A), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega

(caso G) são exemplo disso mesmo. Outro aspeto comum a estas três redes é o facto de

terem sido criadas, sobretudo, com a finalidade de promover a reflexão conjunta sobre

metodologias e a formação conjunta, ao invés de pacificar as relações entre CNOs. A

definição de lideranças formais não foi assim considerada como uma atividade prioritária.

Um outro ponto a destacar que parece ter contribuído para dirimir alguns problemas de

rivalidade será o apoio (sponsoring) de entidades tutelares, como as DREs e a ANQ.

Atentando às redes que tinham antecedentes de rivalidade mas que tinham objetivos

ambiciosos – Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C) e da Lezíria do Tejo (caso E) –

verifica-se que as ditas entidades tutelares desempenharam um papel bastante

preponderante nos seus processos de criação. Importa ainda destacar que as Redes cuja

criação foi apoiada de forma mais direta pela ANQ se localizam na região de Lisboa, que é

considerada menos prolífera para parcerias devido à elevada concentração territorial de

CNOs e, por conseguinte, a potenciais situações de antecedentes de rivalidade (Mota, 2010).

Por sua vez, as redes em que os atores de tutela tiveram menor influência nos processos de

287

criação foram as do Algarve (A) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (G), nas quais não

existiam rivalidades prévias, existindo até dinâmicas de cooperação já estabelecidas.

Por fim, é possível verificar que a assinatura de protocolos se assumiu como uma tendência

transversal a quase todas as redes analisadas, à exceção da Rede Almada/Seixal, o que se

poderá explicar pela menor ambição de objetivos. Ademais, importa destacar que estes

protocolos foram genericamente assinados pouco depois do início das dinâmicas das redes,

o que demonstra uma certa necessidade de definir regras de conduta por forma a regular as

relações e a comprometer os parceiros. As exceções são a Rede do Algarve (caso A), que

funcionou vários anos sem protocolo, e a Rede do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G),

que teve vários membros não-fundadores a cooperar sem assinarem protocolo, situações

que decorrerão da ausência de situações de rivalidade anterior.

A partir desta análise é possível identificar que as redes analisadas se dividem em 3 grupos

(ver figura 40): por um lado, as redes que tinham antecedentes de rivalidade e apenas

objetivos de coordenação negativa (Redes Almada/Seixal e Atlântica) – situação 1; por outro

lado, as redes que tinham antecedentes de rivalidade mas que conseguiram desenvolver

redes com objetivos de ‘coordenação positiva’ (Redes do Vale do Ave, de Braga e da Lezíria

do Tejo) – situação 2; e, por outro lado ainda, as redes que não tinham antecedentes de

rivalidade e tinham objetivos de ‘coordenação positiva’ (Redes do Algarve, da Frente

Ribeirinha do Tejo e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega) – situação 3. Como se pode verificar,

o apoio de organismos tutelares foi fundamental para a criação ou expansão das redes nas

situações 1 e 2, em que existia situações de rivalidade. Do mesmo modo, a constituição de

situações de liderança formal parece ter sido essencial para as Redes que tinham

antecedentes de rivalidade mas que construíram redes ambiciosas (situação 2), ao contrário

das redes que não tinham antecedentes de rivalidade e não tinham lideranças formais. Por

fim, importa registar que a assinatura de protocolos foi uma necessidade de quase todos os

parceiros, tendo havido, contudo, uma menor urgência nas Redes sem antecedentes de

rivalidade (situação 3).

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290

Já ao nível do objetivo de analisar e compreender os impactos processuais governativos das

RLQs sobre o sistema de governação da política de educação de adultos, foi possível concluir

que as RLQs tiveram impactos que foram para além da maior facilidade de

encaminhamentos e a aprendizagem interorganizacional, através da partilha e harmonização

de práticas (efeitos de primeira e segunda ordem). Com efeito, as RLQs produziram também

efeitos sistémicos, ao reduzir a rivalidade e os ‘atropelos’ territoriais, ao diminuir a

dependência dos CNOs face à ANQ, considerando que a reflexão conjunta sobre problemas e

práticas diminuía a necessidade de orientações da tutela, e ao flexibilizar a relação dos CNOs

com a ANQ, na medida em que as estruturas das RLQs serviam, por vezes, de interlocutores.

Face a estas conclusões, é possível confirmar alguns dos pressupostos teóricos. Em primeiro

lugar, foi possível observar que os processos de criação e gestão das RLQs foram,

efetivamente, genericamente condicionados por antecedentes de rivalidade entre membros,

situação que confirma o pressuposto 2. De igual modo, a análise realizada permitiu verificar

que os processos de criação e gestão das RLQs foram genericamente favorecidos pelo apoio

(sponsoring) disponibilizado pelos atores da tutela (hierarquia), o que confirma o

pressuposto 3. A este propósito, importa referir que foi registado como fator facilitador o

facto do apoio desses atores da tutela não ter implicado a definição de condições e de regras

apertadas, evitando, assim, a confirmação do pressuposto 1.

De igual modo, o pressuposto 4 foi também confirmado, na medida em que a rivalidade

entre atores conduziu, efetivamente, a objetivos mais modestos, exceto quando se

empreenderam esforços de gestão e houve apoio.

Por outro lado, a análise realizada permitiu concluir que as redes permitiram diminuir a

rivalidade causadas pelas dinâmicas de mercado (confirmando-se o pressuposto 6), ao

mesmo que prestaram um auxílio à hierarquia, ao facilitarem a monitorização horizontal e

vertical do sistema (confirmando-se pressuposto 8).

291

VII- CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES PARA A GOVERNAÇÃO PÚBLICA E PISTAS DE INVESTIGAÇÃO FUTURA

As redes são, tal como foi possível verificar ao longo dos diferentes capítulos teóricos deste

trabalho e referido na primeira frase acima citada, formas de governação pública cada vez

mais eminentes em diversos países ocidentais. A sua importância enquanto formas de

governação pública aumentou no âmbito das designadas reformas do setor público que

tiveram lugar em muitos países ocidentais (e não só) no decorrer das últimas décadas,

sobretudo no âmbito da segunda vaga de reformas que teve início em meados da década de

90 do séc. XX.

Entre outras características, as formas de governação pública em rede destacam-se das

formas de governação pública de orientação hierárquica e de mercado pelo facto de

promoverem uma articulação mais horizontal e negocial entre atores, ao invés das relações

hierárquicas ou relações contratuais.

Não obstante as inúmeras vantagens que as formas de governação pública em rede podem

comportar, nomeadamente quanto ao reforço da legitimidade e validade das decisões e da

promoção de sinergias, da flexibilidade e inovação das suas respostas, bem como da partilha

de recursos, importa também reconhecer que as mesmas podem comportar desvantagens

relacionadas, por exemplo, com a morosidade da tomada de decisão, a falta de clareza de

responsabilidades, ou a falta de capacidade de cumprimento de atividades.

“Contextos de implementação em rede, colaborativos e interorganizacionais são claramente a regra em vez da exceção.”

(O’Toole Jr. & Meier, 2010)

“A Iniciativa Novas Oportunidades está na origem da construção de uma rede de cooperação entre escolas, centros de formação profissional, associações locais para o desenvolvimento, empresas privadas de formação e empresas, cultivando uma cultura de parceria num contexto em que predominava a competição e a rivalidade entre estas instituições.”

(Capucha, 2014, p. 405)

292

Além das eventuais desvantagens inerentes às redes enquanto formas de governação

pública, existem também outras dificuldades associadas com a conjugação das mesmas com

outras formas ou estilos de governação, resultantes do caráter híbrido dos contextos de

governação atuais. A título de exemplo, as redes podem ser prejudicadas pelas hierarquias

se estas últimas definirem regras de funcionamento demasiado rígidas ou se forçarem a

existência de redes, bem como pelo clima de concorrência fomentado pelos mercados

(Sørensen & Torfing, 2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 52-55).

Não obstante a relevância destas potenciais incompatibilidades, os diferentes estilos de

governação podem também ser complementares entre si. Por exemplo, as redes podem

beneficiar da atuação das hierarquias na sua emergência ou da inovação advinda da lógica

concorrencial dos mercados, podendo ser também benéficas a outros estilos, na medida em

que podem servir o propósito de aproximação de atores separados pela fragmentação

promovida pelas lógicas de mercado e a sua institucionalização pode gerar hierarquias

(Sørensen & Torfing, 2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 55-57).

A segunda geração da literatura das redes de governança debruça-se exatamente sobre a

identificação dos fatores de sucesso e insucesso inerentes à formação, desenvolvimento,

funcionamento das redes, nomeadamente os referentes à metagovernação, ou gestão de

redes, contrapondo-se, portanto, a uma primeira geração que era claramente laudatória das

vantagens das redes e das suas características distintivas face às hierarquias e mercados

(Sørensen & Torfing, 2007b, p. 14). No âmbito dessa segunda geração, têm sido

desenvolvidas diversas frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia,

Bryson, Crosby e Stone (2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008))

que identificaram como principais fatores críticos do sucesso do processo colaborativo os

seguintes elementos: antecedentes da rede, nomeadamente de relações anteriores de

cooperação ou rivalidade entre parceiros e dos eventuais desequilíbrios de poder entre

estes; e, estratégias de gestão de redes, tais como a formalização de regras ou a promoção

de estruturas ou figuras de liderança.

Como referido na introdução deste trabalho, a investigação sobre as questões da

metagovernação de redes, sobretudo aquelas que se dedicam à implementação de políticas

293

públicas ou à definição de planos, afirma-se particularmente pertinente em Portugal. Como

referido anteriormente, estudos recentes apontam para um maior número de esforços de

cooperação e coordenação entre atores no âmbito da governação pública em Portugal na

última década, referindo, no entanto, que estes têm genericamente falhado na

concretização do objetivo de aumentar a coerência e a eficácia das políticas (Mota, Pereira,

Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, pp. 27-29). Com efeito, estudos anteriores têm apontado

para o facto da falta de uma cultura de cooperação entre atores ser um claro problema no

âmbito da governação pública em Portugal, quer seja a nível nacional (Rodrigues & Silva,

2012, p. 18), quer seja a nível local (Teles, 2012, p. 868).

Tendo em atenção a análise teórica realizada a propósito da conjugação dos estilos de

governação, considera-se que o insucesso destas experiências de cooperação se poderá

dever, entre outras razões, à tradição administrativa de Portugal que se caracteriza por

processos de intervenção muito hierarquizados, legalistas e procedimentais. De igual modo,

as dificuldades de estabelecimento de uma cultura de parceria poderá dever-se também à

adoção de diferentes mecanismos managerialistas, tais como a introdução (talvez excessiva)

de uma cultura de gestão por objetivos e resultados (Magone, 2011) ou a ampla adesão à

figura dos organismos semiautónomos e de contratualização externa por forma a fomentar a

flexibilização da gestão da implementação (Corte-Real, 2008; Araújo J. , 2001; Mendes,

Gomes, & Araújo, 2012).

Alguns estudos recentes têm, no entanto, apontado para a possibilidade de as experiências

de cooperação em Portugal não estarem inevitavelmente condenadas ao fracasso, já que

estas podem ser claramente facilitadas por estratégias de gestão de redes, por dinâmicas de

liderança facilitadora, bem como por experiências anteriores de cooperação entre parceiros

(Pires, Teles, Silva, Calvache, & Mota, 2014; Teles, 2014a).

Na mesma senda que os estudos referidos no último parágrafo, um dos quais contando com

a participação do autor desta tese precisamente na análise da gestão de parcerias, o

presente trabalho teve como objetivo principal proceder à identificação e análise de fatores

facilitadores e inibidores inerentes a experiências de cooperação interorganizacional e de

294

conjugação destas com outros estilos de governação no âmbito da governação pública em

Portugal.

No sentido de cumprir os objetivos acima propostos, procedeu-se à análise detalhada das

estruturas e processos de governação inerentes à política de educação e formação de

adultos em Portugal. A opção por esta política pública em concreto decorreu, entre outros

motivos, do facto de o seu processo de governação congregar diferentes estilos de

governação pública, nomeadamente porque conjuga a atuação de uma agência nacional

coordenadora e reguladora (hierarquia) e um diversificado leque de atores públicos e

privados contratualizados para cumprirem determinados metas na prestação de serviços

(mercado), a que se juntou posteriormente a emergência de experiências de cooperação e

coordenação entre atores implementadores (redes).

O sistema de governação da política pública de educação e formação de adultos começou a

conhecer alguns problemas de coordenação vertical e horizontal após um processo de

alargamento (talvez excessivo) do número e diversidade de operadores contratualizados

para proceder à prestação de bens e serviços. Alguns desses problemas passavam pela

dificuldade que a agência coordenadora passou a ter em proceder a uma monitorização e

acompanhamento mais próximos, mas também à emergência de práticas de competição

aguerrida entre alguns agentes de implementação, decorrentes de situações de excessiva

concentração territorial e de pressão pelo cumprimento das metas contratualizadas.

Os problemas acima descritos alinham-se, por conseguinte, com algumas dos principais

problemas reportados pela literatura em relação à Nova Gestão Pública, dando origem à

emergência de estratégias de intervenção perfiladas com o modelo da Nova Governação

Pública: o reforço de instrumentos de coordenação vertical e o desenvolvimento de

instrumentos de coordenação horizontal através da constituição de redes.

As Redes Locais para a Qualificação – principal objeto de estudo deste trabalho –

começaram, de facto, a emergir com o intuito de resolver alguns problemas de coordenação

horizontal entre os atores implementadores e de ajudar a colmatar os problemas de

coordenação vertical.

295

Considerando a falta de hábitos de cooperação interorganizacional no contexto da

governação pública em Portugal e os problemas de coordenação do sistema da política de

educação acima descritas, seria de esperar que o processo de constituição e

desenvolvimento das Redes Locais de Qualificação se pautasse por diversos problemas e

obstáculos.

A análise empírica a processos de criação egestão das Redes Locais para a Qualificação

desenvolvida no ponto VI-2 deste trabalho demonstrou que alguns dos problemas

antecipados se verificaram na realidade. Em diversos dos casos analisados existiam, com

efeito, situações de alguns parceiros das redes que demonstravam um claro défice de

hábitos de cooperação e de uma visão instrumental da mesma, as quais demonstravam ser

limitadoras do desenvolvimento mais profícuo das redes.

As dificuldades acima referidas contrastaram, contudo, com diversas situações de

cooperação profícua entre implementadores no âmbito das Redes Locais para a Qualificação

analisadas, dando origem à aproximação relacional entre atores implementadores, a uma

maior coordenação de atividades, à harmonização de práticas e inclusivamente à

emergência de práticas inovadoras. Desta feita, as Redes Locais para a Qualificação foram

responsáveis pela mitigação de alguns dos problemas de coordenação existentes no sistema

de governação da política de educação e formação de adultos em Portugal.

Importa referir que as consequências positivas acima referidas foram expressivas, quer em

situações em que existiam antecedentes de cooperação prévia entre parceiros ou existiam

antecedentes ‘neutros’, quer em situações em que existiam antecedentes de rivalidade

entre os parceiros. As grandes diferenças entre estes dois contextos antecedentes

expressam-se, sobretudo, na facilidade com que o processo de cooperação decorreu. Por

um lado, os processos de cooperação decorreram de forma muito mais tranquila quando

não existiam antecedentes de rivalidade entre parceiros e ainda mais quando já existiam

inclusivamente antecedentes de cooperação. Por outro lado, os processos de interação no

âmbito das Redes Locais para a Qualificação cujos parceiros tinham antecedentes de

rivalidade exigiram a mobilização de estratégias de metagovernação de redes.

296

Entre as diferentes estratégias de metagovernação de redes utilizadas para contornar os

antecedentes de rivalidade encontram-se, em primeiro lugar, as práticas de sponsoring por

parte dos organismos tutelares (Agência Nacional para a Qualificação e Direções Regionais

de Educação), bem como a ação mobilizadora de parceiros da rede mais ativos. A propósito

do apoio dos organismos tutelares, importa destacar que este foi frequentemente

disponibilizado num formato hands-off, por forma a permitir alguma flexibilidade na

constituição das parcerias e a fomentar o dinamismo e responsabilização dos parceiros pela

rede. Os organismos tutelares apenas tiveram uma postura mais interventiva em situações

em que verificaram ser difícil a constituição de práticas cooperativas por iniciativa dos

próprios parceiros.

Além destas atividades mais concentradas no processo de constituição destas redes, importa

ainda destacar a importância da formalização de protocolos de cooperação e da definição de

figuras, ou até de estruturas, de liderança formal para assegurar a sustentabilidade das

Redes Locais para a Qualificação, sobretudo as que tinham antecedentes de rivalidade entre

parceiros.

Os contextos descritos nos últimos três parágrafos vêm, assim, confirmar o que foi dito

anteriormente quanto às possíveis complementaridades entre estilos de governação, na

medida em que a hierarquia funcionou, no sistema de governação analisado, como

mobilizador de redes, ao mesmo tempo que as redes funcionaram como agregadores de

atores que desenvolviam uma atuação fragmentada fruto de uma lógica de mercado.

A importância dos mecanismos de metagovernação das Redes Locais para a Qualificação

acima identificados vem, de igual modo, confirmar a relevância que a coordenação vertical e

a adoção de mecanismos formais ainda ocupam na governação pública portuguesa, o que

poderá ser explicado pela tradição administrativa portuguesa. Face ao descrito, é possível

concluir, portanto, que a tradição administrativa portuguesa centralizadora e formalista não

é incompatível com o sucesso de formas de governação mais horizontais e negociais.

Muito embora se reconheça que o sistema de governação da educação e formação de

adultos e as Redes Locais para a Qualificação constituem estudos de caso e as conclusões

específicas deste estudo são contextuais, considera-se que se poderão retirar algumas

297

ilações e lições da experiência que poderão dar origem a formatos a replicar noutros

sistemas de governação. Carneiro (2011, p. 71) considera aliás que a Iniciativa Novas

Oportunidades que incorporava, no período de análise deste trabalho, a política pública de

educação e formação de adultos, pode ser entendida como um “… caso de boas práticas

para inspirar a transformação do setor público em Portugal.”

Entre essas ilações poder-se-á apontar o facto de a constituição de redes de governação

exigir, sobretudo em contextos de reduzido capital social como é o caso da governação

pública em Portugal, a mobilização de estratégias de metagovernação da parte de

organismos tutelares, bem como dos próprios parceiros. Em relação aos atores tutelares, foi

possível verificar a importância de estes permitirem que as redes se constituam, quando

possível, por iniciativa dos próprios parceiros e nos moldes mais ajustados aos contextos

territoriais.

De igual modo, foi possível verificar ainda que os antecedentes de cooperação facilitaram os

processos de cooperação, o que permite concluir também que o trabalho em rede com

antecedentes de rivalidade deverá ser menos ambicioso, pelo menos numa primeira fase,

por forma a permitir a construção gradual de relações de confiança, que permitirão

processos de cooperação posteriores mais profícuos.

Importa ainda destacar a relevância da existência de práticas de reflexão conjunta entre os

diferentes atores implementadores, não só para fomentar a aprendizagem ao nível

organizacional, mas também como forma de promover a aprendizagem sistémica (policy

learning), a qual poderá resultar em feedbacks que alimentem processos de reformulação da

política.

Os hábitos de cooperação resultam, com efeito, também de um processo de aprendizagem

local. Para que tal seja possível é necessário, no entanto, que as redes de governança e as

políticas públicas que lhes estão associadas gozem de estabilidade. Estas condições não são,

contudo, frequentes na governação pública em Portugal, que é habitualmente pautada por

uma fraca cultura de avaliação e por um excesso de reformismo (Corte-Real, 2008;

Mozzicafreddo & Gouveia, 2011; Rodrigues & Silva, 2012, p. 19).

298

Não obstante a relevância destas conclusões, considera-se essencial que sejam

desenvolvidos mais estudos sobre processos de cooperação e inovação em Portugal,

nomeadamente estudos que permitam a validação em extensão do conhecimento

apresentado nesta tese e num conjunto de outros estudos entretanto desenvolvidos (vide,

inter alia, Pires et al (2014)).

De todo este contexto se depreende, portanto, que existem condições de articulação entre o

desenvolvimento de hábitos de cooperação profícua e os elementos mais tradicionais da

governação pública portuguesa. Desta feita, poder-se-á concluir que a governação pública

portuguesa se alinha com o conceito de ‘estado neo-weberiano’ que Ongaro (2009, pp. 263-

265) considera caracterizar os processos de governação pública dos países da Europa do Sul,

já que estes tendem a ser um misto de elementos de governação pública tradicionais de

inspiração weberiana e de novos modos de governação pública. Esta conclusão vai, assim, ao

encontro de uma das principais conclusões propostas por um estudo recente dedicado ao

processo de reforma da governação pública em Portugal (Mota, Pereira, Cardim, Neves, &

Cordovil, 2014).

299

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326

ANEXOS

ANEXO 1. ENTREVISTA EXPLORATÓRIA A DIRIGENTE DE TOPO DA AGÊNCIA NACIONAL PARA A QUALIFICAÇÃO

1. Pedia-lhe que falasse por favor um pouco do contexto em que surgiu a Iniciativa Novas

Oportunidades.

A Iniciativa Novas Oportunidades é um programa associado muito ao Governo. Foi um

programa lançado há três legislaturas, no contexto do XVII Governo Constitucional e, nesse

momento, foi lançado como um programa de política pública na área de Educação e

Formação, de jovens e adultos, com um duplo propósito muito claro. Isso penso que é das

primeiras marcas distintivas da Iniciativa Novas Oportunidades porque, até ao momento, o

que nós tínhamos, principalmente na área de educação de adultos, era um conjunto de

políticas que, de alguma maneira, ou contrariavam algumas das estratégias que eram

reivindicadas pelos atores que estavam no terreno, ou eram coladas àquilo que a educação

jovem ia fazendo.

E o que a Iniciativa trouxe foi esta ideia de que era necessário, ao mesmo tempo, combater

os dois maiores constrangimentos estruturais na área da educação e da formação em

Portugal: por um lado, o abandono escolar dos nossos jovens que, abandonando

precocemente a escola e com baixas qualificações, engrossavam rapidamente a população

ativa de baixas qualificações; e, ao mesmo tempo, fazer com que os adultos que já

pertenciam à população ativa regressassem aos estudos e se envolvessem em percursos de

requalificação e qualificação que tinham como objetivo o 12.º ano de escolaridade como o

patamar mínimo de qualificação. Portanto, esta dupla lógica que era trabalhar dois objetos

mas com um mesmo propósito (ao mesmo tempo reduzir o abandono escolar precoce e

colocar os adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida), permitiria a elevação

dos patamares de qualificação da população portuguesa, entendido o 12º ano como o

mínimo de qualificação.

327

Interessante também perceber que, no contexto da Iniciativa, desde o início que está

claríssimo o conceito da dupla certificação - nos documentos que a apresentam essa é um

dos conceitos que o preâmbulo apresenta. E porquê esta dupla certificação? Ao mesmo

tempo que aparece este duplo propósito de alcançar os jovens e os adultos, a dupla

certificação pretendia também atacar, ao mesmo tempo, o problema da qualificação escolar

e o da qualificação profissional.

Hoje já se utiliza a palavra qualificação numa lógica daquilo que na UE também se entende

por qualificação. A qualificação já abarca o escolar e o profissional, mas o que nós fizemos

em Portugal, no âmbito das Políticas Públicas, foi sempre separar estas duas vertentes. Por

um lado, apostávamos na formação profissional, através do Ministério do Trabalho que se

encarregava dessa componente, muito por via do Instituto de Emprego e Formação

Profissional, e, por outro lado, tínhamos a educação de adultos, mais relacionada com as

intervenções do lado do Ministério da Educação. Ora a Iniciativa vem romper muito com

essa ideia, dizendo que é preciso atacar, ao mesmo tempo, a questão da certificação escolar

e da certificação profissional. E estes dois propósitos traduziram-se numa enorme revolução.

Já disse várias vezes, até em público, que é uma revolução demasiado silenciosa e

incompreendida por muitas das pessoas que olham, do ponto de vista público, para a

Iniciativa e só veem uma pequeníssima parte, ou só veem uma das modalidades, ou só a

relacionam com determinado público, e não é nada disso. A Iniciativa é muito abrangente,

tem uma enorme amplitude e tinha esta determinação de combater um problema estrutural

do país: o problema das baixas qualificações.

E este problema não poderia ser abordado sem ser desta forma: muito abrangente, muito

empenhada e com mobilização de muitos atores. Pela primeira vez nós tivemos a

mobilização de atores do lado da educação e do lado da formação profissional em

simultâneo e com o mesmo propósito.

Tínhamos ensaiado em 2000 com as atividades experimentais da ANEFA, dos Centros RVCC,

dos primeiros Cursos EFA de dupla certificação e a educação e formação de adultos poderia

ir por esta via. Tínhamos feito um bom ensaio geral, mas não tínhamos colocado isto à prova

em todo o país, em todos os operadores, com a dimensão com que a Iniciativa surge a partir

328

de 2005. E foi exatamente isso que a Iniciativa fez. Para se fazer isto foram necessários,

antes de mais, muitos recursos financeiros (e aí os fundos estruturais foram aproveitados

como a “alavanca de financiamento” que era necessária para uma política deste género),

mas ao mesmo tempo dizer: “isto não pode ser mais do mesmo, não se pode continuar a

apostar, por um lado, em políticas do lado da educação, para garantir que os adultos voltam

à escola e acabam os seus ciclos escolares, e, por outro lado, na formação profissional fazer

também qualificação de ativos. Portanto, juntaram-se as duas áreas de política – um pouco

outra vez na lógica daquilo que tinha sido a ANEFA, que tinha sido o primeiro organismo

público com dupla tutela na área da educação e formação profissional de adultos – e surge

assim a Agência Nacional para a Qualificação como o pivô institucional da concretização da

Iniciativa Novas Oportunidades.

Agora, mais importante que tudo foi a aprovação, em 2007, do Sistema Nacional de

Qualificações, que se afirmava como a peça legislativa que resulta do acordo de reforma da

formação profissional e que, de alguma forma, sustenta formalmente a Iniciativa Novas

Oportunidades. Hoje ninguém fala do Sistema Nacional de Qualificações (e, muito

provavelmente, a maior parte das pessoas não saberá o que é o Sistema Nacional de

Qualificações) e falam da Iniciativa Novas Oportunidades até de forma muitas vezes

parcelar. Mas o Sistema é, para mim, uma das peças mais importantes deste conjunto de

políticas públicas, uma vez que a Iniciativa é programática, enquanto que o Sistema é a

formalização regulamentar de tudo aquilo que nós temos hoje e, principalmente, resulta de

um acordo consensualizado entre os diferentes agentes da educação e da formação – por

um lado, o Governo e, por outro lado, os parceiros sociais, as estruturas sindicais, e por aí

fora. Portanto, nós temos aqui como que peças, que são paralelas e completamente

interligadas, ou seja, um programa governamental para as políticas públicas e, ao mesmo

tempo, uma peça regulamentadora que se liga com a Iniciativa, mas liga com outro

elemento igualmente importante que é toda a estratégia de políticas europeias da educação

e da formação que estão neste momento em vigor.

Os Estados-membros são obrigados a adotar um Sistema Nacional de Qualificações que tem

um conjunto de instrumentos que assentam num conjunto de modalidades e que é

conduzido por um conjunto de operadores. E aquilo que temos hoje é exatamente isso, ou

329

seja, temos um sistema com todas estas peças a funcionar em simultâneo e estamos a dar

alguns passos, que até são considerados exemplares no contexto da UE neste domínio. Há

quem não queira ver, e queira considerar que isto é só uma questão de propaganda que

passa pela entrega de uns diplomas, mas não tem nada a ver com isso. É um sistema que,

neste momento, é entendido, até no contexto da UE, como um sistema com uma

capacidade de integração e de mobilização dos atores que encontra muito pouco paralelo

nos restantes países europeus. Porque há muitos países que têm sistema, fizeram uma

legislação fantástica, que têm tudo do melhor do ponto de vista teórico, mas que depois

perante a pergunta de quantas pessoas têm envolvidas, referem que têm muito poucas.

Claro que quando falamos na maioria dos países da UE isso não acontece… por exemplo, a

participação na aprendizagem ao da longa da vida nos países nórdicos não se compara com a

nossa, embora nós tenhamos evoluído significativamente nestes últimos seis anos.

2. Pedia-lhe que falasse por favor um pouco da estrutura de implementação da Iniciativa

Novas Oportunidades, na vertente adultos, nomeadamente quem são os atores e como é

que os mesmos se relacionam entre si?

Voltamos novamente ao Sistema Nacional de Qualificações que considero ser importante. O

Sistema Nacional de Qualificações identificou como estruturas do sistema dois grandes

grupos de organizações: por um lado, a rede de Centros Novas Oportunidades, e um outro

grande conjunto de operadores que são todas as entidades de educação e formação, que

possam providenciar atividades de educação e formação. Portanto, nós temos como

estruturas, por um lado, os Centros Novas Oportunidades e, por outro, os operadores do

sistema que são as escolas públicas básicas e secundárias, as escolas profissionais privadas,

os Centros de Formação Profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional de

gestão participada e gestão direta, todas as entidades formadoras privadas acreditadas pelo

Estado Português (que são mais de 150 entidades). Este grupo de operadores faz parte

daquilo que hoje são as entidades que podem ministrar, em igualdade de circunstâncias,

educação e formação de adultos em Portugal, daqui se denotando a ideia de que a educação

e a formação estão interligadas e estão a trabalhar no mesmo objetivo.

330

Como é que nós jogamos isto na gestão quotidiana?

A Agência tem, estatutariamente, a missão e a atribuição de gerir os processos de RVCC, o

que significa que a Agência tem como atribuição direta gerir e coordenar a Rede Nacional de

Centros Novas Oportunidades. Nós gerimos diretamente toda a rede. Só que esta rede é

composta por entidades da educação e de formação profissional e outras que são privadas

(empresas, associações, temos de tudo e mais alguma coisa). O que nós fazemos? Nós, para

todas as atividades que temos que desenvolver junto dos Centros Novas Oportunidades,

independentemente dos seus promotores, temos que fazer em articulação com as Direções

Regionais da Educação e as Delegações Regionais e Serviços Centrais do Instituto de

Emprego e Formação Profissional. É como se nós tivéssemos um nível intermédio que não

pode ser visto como hierárquico, porque nós não mandamos nas Direções Regionais de

Educação nem nas Delegações Regionais do IEFP, mas temos aqui uma lógica matricial de

gestão e coordenação em que nós, como entidade de regulação, emanamos as orientações,

produzimos legislação, fazemos a monitorização, o acompanhamento e avaliação e ao nível

de articulação com as estruturas regionais e com os serviços centrais. Eu não posso chegar a

uma escola diretamente, só porque tem o Centro Novas Oportunidades, e interferir na

escola sem dar conhecimento disso à Direção Regional de Educação. Não posso fazer uma

legislação que tem uma série de implicações no funcionamento dos Centros de Formação

Profissional do IEFP sem o fazer em articulação com o IEFP.

Acho que temos aqui uma lógica de gestão de geometria variável que é: há assuntos que a

Agência pode intervir diretamente no contexto dos Centros Novas Oportunidades, dando

conhecimento às estruturas regionais ou aos serviços centrais; há outros em que nós não

podemos partir para essa intervenção sem convocarmos os respetivos elementos dessas

estruturas.

Isso não é fácil. Por um lado, estamos na articulação entre dois subsistemas de enormíssima

dimensão e que, habitualmente, trabalhavam de costas voltadas: a educação e a formação

profissional. Só isto é uma loucura porque nós queremos dizer à modalidade que tem

educação e formação e, portanto, temos todos que trabalhar em conjunto e temos por

detrás duas máquinas gigantescas que sempre trabalharam separadas e que agora se tocam

331

por via deste organismo que é a Agência. Por outro lado, temos que gerir as nossas

atribuições sempre com este cuidado e esta sensibilidade de que temos reportes

hierárquicos de entidades onde nós estamos a intervir. E, portanto, estes dois mecanismos

estão sempre presentes na nossa intervenção. Sempre!

Mas é um ganho enorme termos uma dupla tutela. Eu acho que a Iniciativa Novas

Oportunidades nunca poderia ter alcançado os objetivos que alcançou, quer no eixo jovens,

quer no eixo adultos, se nós não tivéssemos a dupla tutela. Mas isso tem imensos problemas

de gestão. Este governo é um governo que está a apostar muito mais em duplas tutelas do

que o governo anterior, já que nós éramos quase caso único. Na educação somos nós e a

Agência Nacional PROALV que tínhamos mais do que uma tutela e isto é partir a

administração por dentro porque a AP está sempre muito bem a pensar que só tem que ver

com o seu quintal. E aqui nós, Agência, temos que fazer este trabalho que é um trabalho

exigente, de relação com culturas organizacionais muito diferentes, com orientações e

práticas muito distintas e por aí fora. É assim que nós fazemos esta nossa relação.

Há momentos formais claríssimos. Há uma Comissão de Acompanhamento da Iniciativa

Novas Oportunidades e do Sistema Nacional de Qualificações que reúne, sob coordenação

do presidente da Agência, uma vez por mês, e que reúne com todos os organismos do

Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e com os parceiros sociais para aferir

orientações estratégicas, assuntos pendentes de determinada dimensão. Mas depois há

outro conjunto de reuniões formais, de nível mais baixo, que é o nosso quotidiano, quer

dizer, o nosso planeamento de monitorização e do acompanhamento e tudo isto.

Só para dar alguns exemplos de ofertas que os operadores têm, por exemplo, os Cursos EFA,

ou as formações modulares certificadas, e os CNOs. Nós somos responsáveis por fazer o

acompanhamento e a monitorização e avaliação destas ofertas, mas não fazemos só isso. Ou

seja, em princípio, vai uma equipa da Agência Nacional para a Qualificação a uma escola e ao

mesmo tempo que vai ver naquela escola, vê também os Centros Novas Oportunidade, mas

é tudo numa mesma visita. Mas vai com elementos das direções regionais a essas visitas, até

porque, depois do ponto de vista local, do ponto de vista territorial, é muito importante que

essa ligação se faça.

332

Acho que ensaiamos aqui alguns modos inovadores de relação institucional que colidem,

muitas vezes, com práticas, não diria ancestrais, mas muito enraizadas, das estruturas

regionais, por exemplo, ou de até alguma administração pública mais conservadora. A

Agência é uma agência muito ágil, é pequena, tem um corpo de funcionários muito novo, e

portanto, com gente que quer fazer coisas diferentes e com uma dedicação muito grande,

utiliza muito as tecnologias de informação.

Nós temos um Sistema de Informação e Gestão de toda a oferta formativa e educativa, o

SIGO, que nos permite ter, à distância, um conjunto de informações que dispensa

completamente, por exemplo, o papel das direções regionais, que estava muito habituada a

recolher informação própria. Podemos dispensar completamente as direções regionais para

isso porque os operadores colocam no SIGO e nós, a qualquer momento, podemos ir ao

SIGO e tirar a informação agregada e trabalhar essa informação para efeitos de

monitorização e por aí fora. E isso, às vezes, é visto como uma coisa centralizadora e eu não

acho que seja porque nós depois devolvemos toda essa informação, também, às equipas

regionais e aos outros organismos.

O problema é aquilo que depois se faz com essa informação. Ou seja, eu acho que se nós

estivéssemos na Alemanha provavelmente o nosso sistema funcionava que nem um relógio

suíço. Porque com o conjunto de informação que nós temos hoje, nós podemos fazer isto.

Mas o que acontece? Funciona à boa maneira latina que é “pois é, há aqui uns desvios e tal”

e “o que podemos fazer para corrigir?” e faz-se umas reuniões muito importantes, uns

diagnósticos, umas reflexões sobre os assuntos, mas depois, no local, perde-se

completamente a dinâmica de intervenção.

Claro que se for falar com uma direção regional o que vão dizer é: “mas nós não fazemos

porque a ANQ é que manda”. E se falar com eles, vai ver que é isso que eles irão dizer e

porque aquilo é um modelo altamente centralizado que a ANQ é que manda em tudo. Mas

não é verdade. No caso dos Centros Novas Oportunidades há um nível de acompanhamento

nacional, em que todos os Centros estão envolvidos e que é feito pelas estruturas regionais

e nós vamos lá para estar presentes. Não somos nós que dinamizamos. E esse

acompanhamento deve ter resultados, deve ter consequências: identificar coisas que não

333

estão bem, modificar o que for necessário e, às vezes, é difícil porque é este descurar de

“não somos nós que mandamos”, “nós só vamos ao pedido de não sei quem”, “se calhar são

os outros que têm essa responsabilidade” e aqui há uma engrenagem que precisa de tempo,

precisa de ser oleada.

Tudo isto é muito recente. Isto é um facto inegável e nós não podemos tirar conclusões

precipitadas, sobre nada em educação e formação, com quatro anos de intervenção, ou

mesmo, se nós quiséssemos ser benevolentes, com dez anos, para considerar que isto

começou com a ANEFA. Tudo isto é muito recente. Precisamos de estabelecer

procedimentos, precisamos de modificar o que não está bem. Por exemplo, precisamos, se

calhar, de codificar os papéis de cada um: o que cada um faz nesta gestão do Sistema

Nacional de Qualificações.

Claro que há estas tensões, há sempre tensões. Agora acho que já ganhamos um espaço de

articulação muitíssimo importante, principalmente este espaço de sentar à mesma mesa. Em

2007 fazer uma reunião com a educação e a formação, era para mim claríssimo que num

lado eu tinha a educação e no outro lado a formação profissional. E estas pessoas, em vez de

se juntarem por territórios, sentavam-se por sector em que trabalhavam. Isto era o mais

comum. Era assim normalmente a disposição “natural” das pessoas numa sala de reuniões.

Hoje é muito interessante verificar que se fizer uma coisa destas, as pessoas sentam-se

muito mais por afinidades territoriais - que é este um dos nossos objetivos, que haja uma

gestão local da educação e da formação integrada. E já começam a aparecer sinais disso e

há, por exemplo, regiões que são exemplares nesse ponto de vista. O Algarve é exemplar, o

Alentejo também é exemplar. Estão num nível de articulação institucional entre a formação

e a educação que dá corpo àquilo que eram as propostas da Iniciativa do Sistema Nacional

de Qualificações.

3. Tem referido a importância da monitorização do sistema. Pode falar-me um pouco

melhor dos instrumentos de monitorização?

334

Nos Centros há um plano de acompanhamento que é um documento que foi reestruturado

pela Agência em articulação com as Estruturas Regionais de Educação, Formação, do

Turismo, de todas essas com quem temos trabalhado. Portanto, foi feito um documento que

foi avaliado por todos e é um documento que tem quatro níveis de acompanhamento, com

responsabilidades claras de quem faz o quê em cada um desses níveis.

Ora, a Iniciativa foi lançada em Dezembro de 2005, 2006 foi um ano essencialmente de

construção de alguns dos instrumentos que eram fundamentais e em 2007 é que começou a

sério, com a criação da Agência e com uma dimensão visível na sua intervenção já efetiva e

real. E desde 2007 nós fomos fazendo sempre acompanhamento, avaliação e monitorização,

mas o plano e o modelo foram mudando porque, num primeiro momento, nem sequer os

próprios técnicos da Agência estavam capacitados para ir fazer monitorização, avaliação e

acompanhamento.

E, portanto, este plano de acompanhamento foi concebido em 2008, foi estabilizado em

2009, depois de um ano de intervenção, e foram agora feitas ligeiras adaptações em 2010

para este ano que está a decorrer. É um plano anual, em que por ano todos os Centros

Novas Oportunidades têm uma reunião de acompanhamento de nível nacional e em que

essa é dinamizada pelas Estruturas Regionais da Educação e do Trabalho e nós participamos

sempre que é possível.

Depois tem um nível acompanhamento amostral. Como é que isto é feito? Nós somos o

organismo intermediário do POPH para efeitos das candidaturas para financiamento dos

Centros Novas Oportunidades e, por terem financiamento público, os Centros são objeto de

verificação no local, para efeitos de financiamento e por equipas da Agência. O que nós

fazemos é: o POPH retira uma amostragem todos os anos de cerca de 50 Centros, essa

amostragem é-nos dada e, a partir daí, nós organizamos. Aí tem que ser equipas da Agência,

com uma componente pedagógica e uma componente financeira. Os técnicos da Agência

passam lá um dia a verificar não só todas as questões administrativo-financeiras, como

também a ver portefólios de formandos selecionados aleatoriamente, a falar com os

elementos da equipa técnico-pedagógica, a fazer entrevistas para recolher informação sobre

questões de coisas que não estão bem.

335

Depois há um nível de acompanhamento sectorial que é: duas vezes por ano a Agência

reúne com todos os parceiros, aqui normalmente com a minha presença. Eu tenho a tutela

da componente dos adultos e, portanto, faço a reunião com todos os elementos das

Direções Regionais do IEFP, do Turismo de Portugal, uma série de entidades com quem nós

temos que articular a tal gestão de geometria variada. Essas reuniões são para definir

orientações, são para falar de questões mais estratégicas.

Num quarto nível é uma espécie de task-force para resolver problemas graves, ou seja, se

houver uma denúncia de alguém que nos diz que um Centro Novas Oportunidades está a

funcionar num sítio onde não tem condições, ou que foram feitas coisas que não são

corretas do ponto de vista pedagógico. Nós temos uma equipa que, no prazo máximo de 15

dias, está no terreno a fazer o relatório e a identificar qual é o problema e como se pode

resolver.

Nas ofertas formativas de adultos (EFAs, formações modulares, todas essas ofertas que

temos neste momento) a mesma coisa. Há um plano, há um guião de visita técnica e o que

nós temos agora a fazer, para efeitos de gestão otimizada dos recursos é: sempre que vai

uma equipa para uma verificação no local a um Centro Novas Oportunidades, vão também

um ou dois elementos da equipa das Oferta Educativas e Formativas e fazem o

acompanhamento integrado. Isto é uma das inovações de 2010, e bem.

Isto é o que nós fazemos de visitas técnicas e tal. Depois temos relatórios mensais de

avaliação de informação que está no SIGO, com uma série de indicadores que estão

estabelecidos. Temos um conjunto de instrumentos… Por exemplo, a Carta de Qualidade dos

CNOs.

Depois ainda temos as avaliações externas. Contratualizámos estudos para a componente do

eixo adultos. E há uma componente muito importante desses estudos, que a Universidade

Católica desenvolveu, que é a autoavaliação, que permitiu que os Centros tivessem acesso a

um dispositivo de autoavaliação, baseado no CAF (Common Assessment Framework) e que

permite ter, não só, uma ferramenta muito interessante do ponto de vista organizacional,

como terem elaborado um plano de melhoria que depois pode ser monitorizado. E a equipa

de consultores é uma equipa da Universidade Católica que está em relação direta com os

336

Centros, em que a Agência deu o guião do que queria, o que necessita, para quê aquilo deve

servir, mas não temos interferência direta para se sentir que uma coisa é a autoavaliação,

outra coisa é aquilo que nós temos que atribuir como entidade de regulação.

Para falar de uma forma mais detalhada sobre o assunto diria estas coisas.

4. Relativamente aos eventuais stakeholders que não pertençam propriamente a estas

estruturas – estou a lembrar-me do exemplo das entidades empregadoras – como é que

veem o papel destes atores e como articulam com eles?

Eu, se calhar, destacava aí dois conjuntos muito interessante de stakeholders da sociedade

civil, se quisermos dizer assim. Uns são as empresas, definitivamente. Nós até fomos muito

acusados pelos teóricos mais relacionados com a educação de adultos, como algumas das

pessoas que tinham formado a educação de adultos em Portugal, que a Iniciativa Novas

Oportunidades era economicista e que estava a vender-se ao paradigma neoliberal da UE e

tal. Eu não vejo as coisas assim. A minha proposta de reflexão teórica sobre esse assunto é

um pouco mais complexa, mas efetivamente houve um aproximar do mercado de trabalho e

houve um aproximar às necessidades efetivas de qualificação da mão-de-obra e das

qualificações dos trabalhadores. E o quê é que nós fizemos? Fizemos um esforço que veio

muito por via das empresas – muito interessante –, nomeadamente grandes grupos

empresariais que chegavam ao pé de nós e nos diziam: “nós queremos fazer um protocolo

convosco porque nós queremos qualificar os trabalhadores”. E os grandes grupos

económicos sabem que isto conta para os balanços sociais das empresas, contam para os

concursos públicos internacionais, contam para estas coisas todas. E, num segundo

momento, nós próprios fizemos algum trabalho de angariação de empresas porque

achávamos que era um trabalho muito interessante. Neste momento, esse conjunto de

protocolos assinados, ao nível nacional, já ultrapassou a centena de protocolos com grandes

grupos empresariais e que envolve mais do que 60 mil pessoas já em percurso de formação.

Algumas dessas empresas é um trabalho muito interessante connosco porque estão também

a ser parceiras para a atualização do Catálogo Nacional de Qualificações, para a introdução

337

de referenciais mais adaptados às necessidades do mercado de trabalho. Há aqui uma

ligação ao mundo empresarial muito interessante.

E a nível regional e local este interesse também se replicou, ou seja, houve Pequenas e

Médias Empresas que, ou porque os CNO foram angariar os trabalhadores, ou porque os

próprios acharam que era importante qualificar as pessoas, fizeram protocolo a nível local.

Esses são mais de 8 mil e tal protocolos estabelecidos a nível local.

Por outro lado, um outro conjunto de stakeholders que são os Avaliadores Externos. A rede

de Centro Novas Oportunidades trabalha com uma bolsa de cerca de 600 avaliadores

externos acreditados pela Agência e que são pessoas da sociedade civil de todo o país, que

se candidataram à acreditação como avaliadores externos da Iniciativa. E cada um deles tem

que participar no júri de certificação no CNO, quer para a certificação parcial, quer para

certificação total. Fizemos algumas modificações importantes a esse respeito. Não é um

sistema perfeito. Eu acho que nós estamos ainda na discussão entre: se deveriam ser os

Centros a escolher ou se deveria haver uma espécie de sistema aleatório que distribuía os

avaliadores pelos Centros em função de critérios de proximidade e por aí fora. E acho que

pode haver melhorias interessantes e até que deem alguns critérios de maior transparência

e de melhor fiabilidade daquilo que é o papel do avaliador externo no contexto do Sistema

Nacional de Qualificações. Mas temos pessoas de todas as profissões, de todos os sectores:

temos grandes empresários, temos professores universitários, temos pessoas destacadas,

por exemplo, do poder local, temos muito professores aposentados que acham que podem

ter um papel interventivo na educação e formação, formadores…

5. Relativamente à divulgação de resultados, se quisermos chamar de accountability, quer

ao nível interno, quer a nível externo, como é que devolvem à estrutura os resultados que

estão a ser atingidos e, por outro lado, como é que divulgam para fora, para a sociedade

civil (media, poder político). Como é que as coisas estão a correr?

Nós temos um problema enorme mas não de accountability. Nós, Agência, produzimos

relatórios com informação sobre a intervenção, estão públicos alguns dos indicadores da

338

atividade do Sistema Nacional de Qualificações na Internet, qualquer pessoa pode aceder.

Inclusive há alguns fóruns de discussão, seminários importantes, em que se discutiu, por

exemplo, os resultados da avaliação externa. Têm toda informação na Internet, podem ver

os vídeos, as intervenções. Não cortámos nenhum milímetro. Desse ponto de vista até tenho

orgulho em dizer que toda a nossa atuação foi feita de uma forma muito transparente. E, às

vezes, o facto de ser feito de forma transparente não quer dizer que seja entendido que

tenha sido feito de forma transparente, isso é outra coisa.

O que acho que nós temos é um enorme problema de compreensão pública da Iniciativa. É

nova, tem um conjunto de dimensões inovadoras. Muitas pessoas não sabem o que é o

Reconhecimento, Valorização e Certificação de Competências, nem as metodologias em que

se baseia, nem o que vai ser validado, nem o que são competência-chaves, nem o que são

referenciais de competência-chave, nem como se valida a reconversão profissional de RVCC.

Nada disto sabem, mas sabem dizer que nada disto presta. Outros não sabem o que são

Cursos de Educação e Formação de Adultos, que carga horária têm, que áreas de

competências-chave são trabalhadas, mas sabem dizer que aquilo não é Ensino Secundário

ou o Ensino Básico.

E isto é um problema de accountability que nós não podemos resolver por nós próprios. Ou

seja, nós podemos fornecer toda a informação, podemos fazer fóruns de reflexão, podemos

dar a informação toda que nos for solicitada mas a forma como ela é interpretada e como

ela é divulgada… Em determinada altura, numa conversa que tivemos sobre isto, eu dizia

“mas porque que ninguém, por exemplo, nenhum jornalista acha que é importante fazer

uma peça sobre o Sistema Nacional de Qualificações” e alguém me dizia “um jornalista

nunca fará uma coisa sobre isto” e de repente “ah se calhar, eu conheço um que se interessa

assim por umas coisas…”. Mas isto não são “as coisas”! Quer dizer, se alguém quiser

compreender o que são os Centros Novas Oportunidades, o que se faz num processo de

RVCC, tem que compreender o que é o Sistema Nacional de Qualificações e porque é que ele

existe, e porque é que os Alemães acham extremamente importante ter um Sistema

Nacional de Qualificações, mas os portugueses não acham. Havia aqui um trabalho dos

académicos, dos agentes políticos, dos jornalistas, de todas as pessoas com responsabilidade

nesta área, de tradução destas coisas para fora e de uma forma correta. E esse trabalho

339

deve ser feito. Nunca houve interesse em nada disso. O que havia interesse era: se o

portefólio era vendido ou não era vendido, muitas das vezes com posições falsas e

acusações falsas sobre o assunto e isso é o que nós temos. Portanto, a accountability

também vem por aí.

Nós nunca tivemos nenhum problema. A avaliação externa pediu-nos toda a informação que

quis sobre o sistema, nada lhes foi negado, nada. Os Centros Novas Oportunidades, as bases

de dados dos Centros, escolham os que quiserem! Quais são os critérios pelos quais querem

trabalhar? Decidam vocês! Se há mecanismo de accountability que se possa utilizar é o

conhecimento científico e académico ao serviço das políticas públicas.

Saíram os resultados da avaliação externa e dos resultados todos que saíram até se podia

discutir cientificamente. Vamos lá, vamos a essa discussão! São válidos? Não são válidos? As

metodologias utilizadas não foram? Podiam discutir por aí, mas não. Vamos é discutir os não

sei quanto % que dizem que não são reconhecidos no mercado de trabalho, que eu até acho

que isso não se pode medir agora.

Nós fizemos o esforço enorme de divulgação da informação, mas acho que há um problema

enormíssimo, imenso, de compreensão do sistema. Falhámos com certeza nisso. Falhámos

na visibilidade. Eu digo muitas vezes isso, acho que a Iniciativa Novas Oportunidades ocultou

a visibilidade que o Sistema Nacional de Qualificações poderia ter. E isso pode ter sido um

problema grave nesta lógica de interpretação e até de transparência. Depois, como a

Iniciativa era programática, discutiram-se outras coisas que não as questões que me estava a

perguntar. Se nós divulgamos informação, se colocamos a disposição das pessoas e por aí

fora.

Temos tido também, e acho que isso é muito importante, muitos investigadores a querem

fazer trabalhos académicos sobre a Iniciativa. Essa é uma forma de accountability muito

interessante. Por exemplo, eu não lhe encomendei nada, não é? Mas não temos só o Luís,

nós temos tido imensos contactos do país inteiro, muita gente interessada sobre muitas

dimensões, a fazerem coisas sobre a Iniciativa Novas Oportunidades. E isso há-se ser muito

interessante e há-de ter resultados que depois podem ser novamente reutilizáveis pelos

fazedores de política para melhorar a intervenção.

340

Não conseguimos é modificar algumas das lógicas de apropriação que são, do ponto de vista

sociológico, muito culturalmente enraizadas. Nós temos um problema enorme com a

administração pública. Eu também o tinha… Eu, por exemplo, fui agradavelmente

surpreendida. Tinha uma série de preconceitos. Achamos sempre que quando vamos ao

serviço público vamos ser pior atendidos do que se formos a um serviço privado. Achamos

sempre que a administração pública é burocrática e que está em princípio a fazer mal aos

cidadãos, e na verdade não tem que ser necessariamente assim. Se calhar se nós

conseguirmos despir um pouco esses preconceitos e olharmos de uma forma mais isenta

para as coisas, conseguimos ver isto.

Eu gostava muito que os investigadores e os jornalistas que fossem trabalhar sobre a

Iniciativa não partissem para ela com o estigma do facilitismo. E partem! Caso contrário, não

produziam textos como na maior parte dos casos, principalmente a comunicação social, se

produz. Quando se vai à procura do facilitismo, muito dificilmente se vai encontrar outra

coisa que não aquilo que se quer provar. E isto é um problema de preconceito e de estigma

sobre a Iniciativa Novas Oportunidades que não se conseguiu combater, por mais dados que

eu apresente. Temos dados sobre a duração médias dos processos de certificação, o volume

das cargas horárias, por aí fora, e até a própria tecnicidade específica dos processos.

Ninguém liga nenhuma a isso, mas está lá. Está tudo publicado na Internet. Ainda por cima

hoje temos esta coisa maravilhosa que é poder disponibilizar tudo para toda a gente puder

verificar.

6. Está a falar de algum desconhecimento até de alguns agentes do terreno, notou na

altura que iniciou, ou eventualmente se ainda notará, alguma resistência dos próprios

agentes do terreno, nomeadamente ex-professores ou ex-formadores relativamente à esta

quebra de paradigma, esta mudança de paradigma? Ou, por outro lado, foi uma coisa

facilmente aceite?

Não foi nada. E digo-lhe mais, acho que uma das maiores dificuldades é exactamente que os

professores mais convencionais e que sempre trabalharam no ensino básico e secundário

em modalidade de educação que são consideradas do ensino regular – não gosto nada dessa

341

expressão. Significa que os outros são todos irregulares e não acho que seja assim – mas são

dos maiores críticos e dos maiores detractores do sistema. Muitas das vezes… Eu não estou

a dizer que o sistema é isente de críticas. Nenhum sistema de educação e formação pode ser

isento de críticas porque então estaríamos num mundo que não é um mundo dos humanos

e nossa convivência social. Não é isso. O sistema tem falhas, e falhas que precisam ser

corrigidas. E tomara, se calhar, a nós que houvesse agora a vontade política. Também

porque se a Iniciativa é o que é, se houve o envolvimento dos actores, se houve adesão da

população, isso deve-se à centralidade política que foi atribuída a este programa, que nunca

tinha sido atribuída, de igual forma, em democracia, à educação e formação de adultos. Só

tinha sido atribuído em 1952 com o Presidente do Conselho quando fez o Plano Nacional da

Educação Popular. E aí apareceu coisas do género, muito semelhantes à Iniciativa Novas

Oportunidades, (certificar um milhão de adultos com o primeiro ciclo do ensino básico e

coisas do género) e nunca mais houve nada semelhante. Isso foi muito importante para a

Iniciativa.

Mas os nossos críticos, e quem teve maior dificuldade em se apropriar ou em compreender,

são exactamente professores das modalidades de ensino regular que acham que tudo isto

não deveria existir. E que a única forma de ensinar e de aprender é um professor dar aulas a

um grupo de alunos que, aparentemente, são homogéneos, têm mais ou menos a mesma

idade e que no fim têm que ser submetidos a determinado tipo de teste e de exames para

terem um determinado tipo de classificação. E que essa é a única maneira de ensinar e de

aprender nas sociedades modernas.

Eu não acho nada disso. Eu acho que, tal e qual como a história tem vindo a demonstrar, há

inúmeras maneiras de ensinar e de aprender. E cultutal e sociologicamente há diversas

maneiras de demonstrar isso.

O momento em que nós estamos na Europa, o que nós é dito e o que nós pedido é que os

Estados-membros: primeiro que tudo, reconheçam que há um conjunto muito diverso de

maneiras de aprender e de ensinar, e por isso dizem “para além das vias gerais e das vias

clássicas de ensino, deve haver outras formas de ensinar e de aprender, nomeadamente

para populações como a população adulta”. Depois, essas, devem estar intimamente

342

relacionadas com o mercado de trabalho e então é necessário ter um Sistema Nacional de

Qualificações. Depois, no fim, o que o Sistema Nacional de Qualificações diz, o Quadro

Europeu de Qualificações, é que “agora pouco importa o sítio por onde se vai, o que

interessa é que a saída, nós, os sistemas, os países, os Estados-membros, possam dizer que

aqueles indivíduos atingiram os mesmos resultados de aprendizagem.

E esta é que é a tal mudança de paradigma que os professores não reconhecem. Os

professores classificam. Classificam. À primeira as ofertas dos jovens - já falamos não é o

objectivo - as ofertas jovens são completamente rotuladas: os cursos bons são os cursos

generalistas, a seguir são aqueles menos bons e que são para os meninos que têm

problemas em aprender porque são todos profissionais e, portanto, têm que ir aprender

uma profissão e a esses não vale a penas ser tão exigente com a matemática. Ninguém lhes

disse para não serem tão exigentes com a matemática! Os professores é que acham que não

podem ser tão exigentes com a matemática. E depois há ainda os cursos piores, que são os

CEF’s, que são só para os manter na escola. E depois criam-se imagens sobre o que isto é.

Vai à uma escola, fala sobre o CEF e ouve as coisas mais mirabolantes sobre o CEF. Em

nenhum sítio da legislação, daquilo que é preconizado no modelo pedagógico se diz que os

CEF’s deve ser uma alternativa de terceira escolha. Não deve, pelo contrário, deveria estar

os professores dos quadros, com mais experiências, a lidar com aqueles miúdos, que são

miúdos que tiveram trajectórias de insucesso e de retenção para que eles possam evoluir na

sua trajectória escolar. Mas depois todo o sistema educativo está organizado ao contrário.

Aqui, encaram isto – e isso é uma das críticas que faço muitas vezes e que faço directamente

às pessoas que trabalham no sistema – que é: os próprios técnicos do sistema rotularam

muito a Iniciativa Novas Oportunidades como algo – vou utilizar uma palavra muito forte –

como algo que tem a ver um pouco com caridade educativa. Não era nada disto. Em nenhum

documento! Em nenhum documento se diz assim: o senhor tem o direito a ter o diploma do

9º ano porque a sua vida foi muito sofrida, porque teve imensos problemas, porque… Isso

não é dito em lado nenhum! O que se diz é: atribui-se diplomas de 9º ano quando são

verificadas determinadas competências-chave que estão nos referenciais, e isto está dito até

à exaustão.

343

Qual é que é a tradução, muitas vezes dos próprios professores… dos próprios professores… É

que como não sabem lidar com este tipo de materiais, muitos deles nunca trabalharam com

um referencial de competências-chave, tiveram formação pela primeira vez para trabalhar

ali, não sabem “não ensinar”. Só sabem transmitir, não sabem validar, que é uma coisa

diferente. Não sabem reconhecer que o outro pode ter conhecimentos idênticos, tendo

aprendido em contextos diferentes. Então, tem esta lógica caricativa, que é: “uma vez por

outra por outras a gente vai lá e…”. Aquela pessoa claro que tem uma vida espantosa e que

tem o direito a ter o 9º ano. No final, se calhar – mas depois aqui emprego-lhe o “se calhar” –

a avaliação que podemos fazer é que aquele fulano inequivocamente deveria ter o diploma

de 9º ano por ter as competências-chave associadas ao referencial, mas então todo o

processo tem que ser feito dessa maneira.

Então, eu acho que aqui é uma das grandes falhas desse sistema: precisávamos de ter muito

mais formação para as pessoas, ter tempo para amadurecer estas metodologias, e depois ter

reconhecimento pelos subsistemas, de que estas modalidades não são modalidades nem de

segunda, nem de terceira, nem de quarta, mas que são modalidades de igual valor que estão

ao mesmo nível. E isso, às vezes, não passa, por exemplo… vou dar um exemplo muito

concreto: um director de uma escola, que acha que o Centro Novas Oportunidades – e se for

entrevistar directores de escola sobre isto, e se lhe perguntar: “então, mas e o centro de

novas oportunidades?” e se esse director lhe diz: “ah, isso é ali o projecto do professor de

não-sei-quantos”, está tudo dito. Porque ele quer e vai-lhe falar é dos horários, dos

professore, que é a questão do ensino regular, básico e secundário. E depois vai-lhe

perguntar sobre os cursos profissionais: “ah, isso é ali com aquela coordenadora pedagógica

que e não-sei-quê…”. Portanto, é uma espécie de, há um núcleo central na escola que é

muito importante, e depois há um conjunto de satélites à volta. E hoje, o Sistema Nacional de

Qualificações é mero satélite, quando do ponto de vista da dimensão, o Sistema Nacional de

Qualificações representa 60% do Sistema de Educação e Formação. Se nós juntássemos toda

a gente no país, em todos os operadores, nas ofertas do Sistema Nacional de Qualificações,

com jovens e adultos, temos 60% dos nossos... [que já ultrapassam o ensino regular] que já

ultrapassam o ensino regular, desde o pré-escolar até ao 12º ano. Mas isso não é

minimamente entendido pela maior parte das pessoa. Entendido assim desta forma… claro

há aqui estas questões para resolver.

344

Portanto, estava-lhe dizer, uns são os professores… esta lógica de uma escola, que é uma

escola feita de determinada maneira, e que ainda não encontrou este sítio para todas as

outras possibilidades… e depois, eu acho que temos este problema: temos o problema de

algumas elites ainda que, efectivamente, acham que não devia haver estas novas

oportunidades para ninguém. Não é a Iniciativa Novas Oportunidades, é novas

oportunidades para ninguém. Porque aquelas pessoas estão no seu lugar social certo,

daquele ponto de vista. E, portanto, cabe agora alguém achar que alguém que tinha ficado

com a 4ª classe possa ir agora para a faculdade? Isso é uma coisa impensável para muita

gente - estou a ser irónica – e não aceitam, não querem sequer pensar que muitas das

pessoas que às vezes até foram pessoas que eram suas subordinadas, que podiam ter, do

ponto de vista da igualdade de oportunidades, a mesma possibilidade de progressão. Muitas

das vezes os mesmo que defendem o mérito como a maior alavanca social que existe nas

nossas organizações sociais. E não é verdade. Nós só podemos premiar o mérito, se

pudermos – a meu ver – a partir do momento que podemos dar as mesmas oportunidades a

toda a gente, e sabemos que as condições sociais não as permitem. Sabemos também, basta

fazer uma análise muito simples para perceber quem são estas pessoas que estão a ir à

Iniciativa Novas Oportunidades, do ponto vista social são, claro, as pessoas mais pobres da

nossa sociedade. Não são as pessoas mais favorecidas do ponto de vista sociológico. Há aqui

também esse problema, que é o problema - que às vezes entra no discurso fácil, num

discurso um bocadinho mais fraccionário – de alguém que acha que há lugares

hierarquicamente distribuídos, e que essa hierarquia não pode agora aqui ser posta em

causa por causa assim porque… o que é que a Iniciativa veio fazer? Veio pôr em causa…

Porque uma coisa era a ANEFA com os quarenta mil envolvidos em cinco anos. Outra coisa é

de repente – e foi de repente – nós termos mais de um 1,8 milhões de pessoas, adultos, que

voltaram a fazer alguma coisa do ponto de vista da formação profissional ou da qualificação.

E desses, mais de meio milhão, avançou um nível numa das modalidades de qualificação.

Este sim, é um verdadeiro choque sociológico. Então de repente esta gente… mexemos nas

estruturas sociais… e este problema é um problema, do ponto de vista do conjunto de

pessoas mais conservadoras, faz mossa… e portanto, se tiverem palco e se tiverem voz na

comunicação social, claro que são os primeiros a dizer: “aquilo não vale nada”, porque

aquela pessoa nunca poderia ter tido aquele diploma porque não era possível, do ponto de

345

vista da ordem natural das coisas. Esse é outro tipo de nível de crítica e de tradução da

Iniciativa que, muitas das vezes, é baseado apenas em questões ideológicas de um enorme

conservadorismo.

7. Na minha tese de mestrado detectei a existência de algumas redes entre CNOs e, tanto

quanto pude ter informação na altura, algumas resultaram um pouco de um incentivo

sistemático da ANQ que depois acabou por resultar na constituição das redes, enquanto

que outras surgiram quase de forma espontânea. Gostaria, assim, de saber como é que a

ANQ vê essas redes de CNOs e a forma como as mesmas se articulam, e se têm

naturalmente sugestões de melhoria para o funcionamento?

Nós achamos fundamentais essas redes que se estabeleceram.

Ainda na Carta de Qualidade havia um conjunto de indicadores que tinham a ver com o

funcionamento do Centro que davam pistas para que isso pudesse acontecer, de coisas que

até na altura se calhar os próprios operadores não compreenderam muito bem porque é

que elas lá estavam. Para quê organizar um seminário ou uma reunião com o conjunto de

operadoras por ano? Para que as pessoas se sentassem e conversassem sobre os assuntos

que lhes eram comuns. O que é importante é num determinado território, se há problemas

comuns para se resolver, que esses Centros se sentem a mesa, os discutam, que haja

reuniões de diferentes elementos das equipas. Por exemplo uma coisa é haver uma reunião

de coordenadores, outra coisa é elementos técnicos, os profissionais de RVCC, ou os

técnicos de diagnóstico. E isso foi muito fomentado por nós porque as primeiras reuniões de

acompanhamento que fizemos em 2007 tinham exactamente essa lógica, e que ainda se

mantém ao nível nacional, que é juntar os Centros da mesma NUT3. Ou quando as NUTs são

muito grandes, como por exemplo Lisboa ou nas áreas metropolitanas do Porto, ter por

concelho.

A maneira de fazer uma intervenção articulada e coordenada era até construir essas redes.

Agora até há um nome para isso, nós demos no documento que informa o segundo ciclo da

Iniciativa que é a existências de Redes Locais para a Qualificação. E essa ideia é uma ideia

346

que é completamente acarinhada, incentivada e estimulada pela Agência, com um objectivo

muito diferente. Por exemplo, essas Redes podem servir como pivôs para a definição das

ofertas formativas que devem ser estabelecidas em cada região, quer para jovens, quer para

adultos. Essas redes devem servir para resolver os problemas inter-Centros Novas

Oportunidades.

Houve momentos de tensão enorme, por exemplo, quando se alargou a rede de Centros e

houve de repente um movimento de transferências de candidatos porque estavam

concentrados. Em 2007 houve, assim em três ou quatro meses, 400 mil inscrições para uma

rede de 270 e, em 2008, quando quase duplicámos a rede, aqueles que estavam

concentrados na rede 270 claro que se mudaram. E aí houve maior tensão porque “os

Centros vão roubar”, “porque não-sei-quê”, aquelas coisas. E nós sempre dissemos que a

lógica era resolver isso em acompanhamento numa base territorial com todos os Centros a

falarem entre vocês e a resolverem os problemas.

Como eu dizia, acarinhamos isto até a exaustão. Inclusive… Isto é inorgânico o que é um dos

maiores problemas. Nós até gostávamos que tivesse alguma regulamentação, não uma coisa

pesada, mas que dissesse que em cada NUT3 deve ser constituída uma Rede Local para a

Qualificação, quem é integrado, quais os objectivos… Porque às vezes em Portugal há esta

lógica que é: se a administração pública diz, é porque é burocrática, mas se a administração

pública não diz… Nós gostávamos de fazer alguma regulamentação sobre isso.

É engraçado perceber também que elas nascem de forma muito diferente, como dizia.

Algumas estruturaram-se espontaneamente, até com outros autores que não tinham nada a

ver com e educação e a formação, pelo menos num primeiro momento. Envolveram, por

exemplo, a autarquia. Outros, por exemplo, com muito impulso das Estruturas Regionais. As

Redes do Algarve, por exemplo, foram muito constituídas porque a direcção e delegação

regional já trabalhavam muito em conjunto e, portanto, promoveram a que elas

estabelecessem em rede regional. E há outras que efectivamente nascem de uma vontade

de um Centro ou de dois Centros que querem puxar os outros, que querem resolver

problemas e que são mais voluntaristas, e que acham que aquilo pode ser a solução.

347

Mas mais interessante ainda é perceber que há sítios onde isto não é possível de todo. Por

exemplo, a área de Lisboa é uma das zonas onde não acontece rede. E onde são capazes de

andar permanentemente em conflito, e em que a Agência tem que andar a fazer a mediação

porque não são capazes de se sentarem a mesma mesa ou pegar num telefone e resolver o

problema.

Eu que acho que o modelo de governação destes Centros é um modelo muito aberto e um

modelo de muita autonomia, confrontei-me muitas vezes com o que se confronta qualquer

pessoa que acredita que a autonomia é uma coisa boa no contexto da administração: se nós

damos a autonomia desta maneira, o que nós vamos ter do outro lado é a desconfiança

sobre a autonomia. E isso é muito curioso! Neste modelo de governação muito aberto que

nós temos nos Centros, nós muitas vezes mandamos coisas para os Centros e dizemos

“façam”, a seguir recebemos, pelo menos, uns trezentos e-mails dos Centros a perguntar:

“mas querem que nós façamos, mas como?”, “e qual é o enquadramento legal?”. E nós só

temos a dizer “façam! Vocês têm autonomia e capacidade para fazer e, portanto, façam”.

E estas redes deveriam ter sido assim, deveriam surgir espontaneamente e com esta lógica.

Eu acho que elas funcionam muito melhor assim. Funcionam quando estão a dar resposta

aos problemas que os elementos da rede sentem e gostava muito que elas se

transformassem, efectivamente, numa realidade dispersa por todo o território e fosse, no

fim, unidades que apoiassem a Agência. Eu acho que a existência de redes formalizadas

desta maneira poderia dispensar o trabalho ou a existência de Estruturas Regionais, mas

para isso precisávamos de ter operadores responsáveis e que consigam trabalhar com esta

lógica de autonomia e que não estejam cada um deles a pensar no seu ‘quintal’ ou na sua

intervenção. Ou seja, numa lógica de criar uma rede de organismos responsáveis e com

capacidade de intervenção que fossem estes os parceiros da administração. E podia

perfeitamente ser este o modelo. Ou seja, a Agência poderia perfeitamente viver com este

modelo, tinha era que ter os interlocutores, regionais e locais, certos para poder fazer isto.

Mas não estamos nesse nível, porque depois elas têm uma enorme fragilidade. Redes que

foram criadas porque há dois Centros que se dão muito bem e que acham que podem mudar

o mundo naquele território. Se mudar a coordenadora do Centro a rede acabou. Ou há uma

348

autarquia que se dedicou imenso e tal, mas há uma eleição e muda o presidente ou sai o

vereador da educação e a rede acabou porque estava assente naquele pilar.

E acho outra coisa, acho que muitas das vezes as Redes têm um problema de identificação

do seu programa de trabalho. Nesse ponto é que acho que deveria ser formalizado por eles,

ou seja, deveriam claramente identificar, em vez de ser tertúlias desagradáveis sobre os

problemas em que se fazem diagnósticos e tal, deveriam ser “nós agora identificamos os

problemas, vamos fazer aqui um planeamento: onde é que nós queremos chegar, como é

que lá vamos chegar e que resultados é que vamos obter daqui há seis meses, e quem é que

vai fazer o quê. E ainda não estamos lá. Não chegámos lá.

8. Não sei se quer acrescentar alguma coisa… (01h17)

Eu só gostava de adicionar uma questão mesmo para concluir que é: eu acho que nós temos

uma dimensão histórica nesta intervenção e isso é uma coisa, no ponto de vista das políticas

públicas, que às vezes não se consegue fazer grande justiça objectiva. Quer dizer, eu sou

capaz de dizer que, mesmo não concordando com ideologias de um determinado ponto de

vista, há coisas que foram bem-feitas e que atingiram determinados resultados. E, às vezes,

há este custo de assumir que pode haver intervenções das políticas públicas que têm

resultados muito importantes para o país.

Eu acredito que - isto é muito polémico, sou eu o que vou dizer, não é a vice-presidente –se

calhar, agora neste momento, a Iniciativa Novas Oportunidades podia perfeitamente sair de

cena, no sentido em que, do ponto de vista programático, nós não precisávamos de ter uma

bandeira “Novas Oportunidades”. E isso hoje pode até ser contraproducente por causa de

todos os rótulos e estereótipos que tem associado, mas agora fazer de nossa enorme

bandeira o Sistema Nacional de Qualificações, como uma coisa técnica, séria, robusta, de

acordo com as políticas europeias, a darmos conta de um conjunto de problemas que outros

países andam a tentar perceber como é que vão conseguir. E nós temos o Quadro Nacional

de Qualificações, temos o Catálogo Nacional de Qualificações, temos a rede de operadores.

349

Agora, isto só se faz com vontade política. As políticas públicas só se fazem com vontade

política. Se quiser mudar políticas públicas, far-se-á outra coisa. Mas estas, tal e qual como

se têm feito até agora, normalmente não se faz. E só se faz com uma intervenção que é uma

intervenção tecnicamente rigorosa e sempre numa lógica de melhora gradual. Não há

sistemas perfeitos, não há. Em educação e formação não há. Nós temos um conjunto de

instrumentos que são muito bons, nalgumas dimensões, mas há áreas a melhorar. Então,

vamos trabalhar essas áreas a melhorar.

E, portanto, só assim é que nós conseguiríamos, provavelmente, convergir numa situação

tão difícil como esta. Era partir de um lugar completamente desfavorável em 2005, em que

estávamos negativos na média europeia (por exemplo na população activa com ensino

secundário completo) e conseguir convergir em quinze anos. Era um efeito histórico. Eu

acho que Portugal era capaz de fazer isso. E nós temos ainda os financiamentos, porque eles

estão ainda alocados para isto.

Neste momento, a vontade política para querer prosseguir e melhorar. Se fizermos estas

duas coisas, conseguiremos fazer. Agora sem dúvida que este é um dos maiores

constrangimentos estruturais que Portugal tem que precisava de o resolver com

enormíssima rapidez e não podemos estar a espera, nem podemos estar com medos de que

“ah não, mas a gente daqui há trinta anos vamos ter as gerações todas com doutoramento”,

“daqui há trinta anos…”, como dizia a professora Márcia Trigo numa intervenção que eu

estava a dizer isto, que “Portugal fez um enorme esforço” e ela só dizia: “mas os outros

avançaram sempre e os outros estão sempre a avançar” – e é verdade – “os outros estão a

avançar…”. Mesmo na Suécia estava a avançar.

Se chegássemos a 2020 a convergir com aquilo que são os indicadores do benchmarking

europeu, estaríamos em condições de começar a pensar que tínhamos que olhar para a

educação e formação para atingir os três melhores. Para ficar entre os três melhores, porque

entrar na média, em 27, significa mesmo assim, para nós, um enorme esforço mas não está

tão bem quanto deveria de estar.

Essa era a minha mensagem final que é: fizemos uma coisa que é histórica e deveríamos

todos, enquanto país, perceber. Porque é mesmo uma coisa de todos, a educação e a

350

formação é de todos e não só o dos jovens, é dos adultos também. Nós não podemos

esperar apenas pela geração mais jovem, até porque qualificando apenas a geração mais

jovem já vimos o quê acontece. Se não qualificarmos a população adulta, nomeadamente os

nossos empresários, os nossos empresários não têm capacidade de recepcionar a geração

mais qualificada. Portanto, precisamos de o fazer ao mesmo tempo.

351

ANEXO 2. AUTORIZAÇÃO DE APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO

Anexo 2.1. Autorização de Aplicação do Questionário concedida pelo Instituto de Emprego

e Formação Profissional

352

Anexo 2.2. Autorização de Aplicação do Questionário concedida pela Direção-Geral de

Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC)

353

ANEXO 3. GUIÃO DO QUESTIONÁRIO

RELAÇÕES INTER-ORGANIZACIONAIS NO ÂMBITO DA INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES

Este questionário destina-se aos Diretores ou Coordenadores de todos os Centros Novas

Oportunidades do país.

O questionário é composto por 18 questões, após as quais haverá um espaço para comentários e/ ou

sugestões relativamente ao questionário.

As respostas são anónimas e confidenciais e terão como uso exclusivo a elaboração de uma tese de

doutoramento subordinada ao tema acima referido.

Não constitui nossa pretensão realizar qualquer tipo de avaliação à atividade propriamente dita dos

Centros Novas Oportunidades ou de qualquer outra entidade referida ao longo do questionário.

Este objetivo académico não invalida, contudo, que os resultados tenham uma utilidade e utilização

prática, nomeadamente na identificação de pontos fortes e aspetos a melhorar nas relações

interorganizacionais no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades. Se tal vier a verificar-se,

obviamente que todos os direitos de anonimato e confidencialidade serão respeitados.

Relembramos que a sua colaboração constitui um elemento fundamental para que o conhecimento

da realidade da temática em apreço seja cada vez maior e mais fidedigno, na medida em que nos

permitirá ter acesso a informações que espelham a realidade no terreno.

Apelamos assim à sua colaboração através do preenchimento deste questionário.

Lista de abreviaturas

Apesar da lista seguinte de abreviaturas fazer parte do quotidiano dos Centros Novas Oportunidades,

peço-vos alguma atenção à mesma.

INO – Iniciativa Novas Oportunidades

ANQ – Agência Nacional para a Qualificação

ME – Ministério da Educação

DRE – Direção Regional de Educação

IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional

CNO – Centro Novas Oportunidades

RVCC – Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

ADE – Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento

EFA – Educação e Formação de Adultos

354

I. CARACTERIZAÇÃO GERAL DO CENTRO NOVAS OPORTUNIDADES

1. Distrito do Centro Novas Oportunidades: _____________________________________________

2. Tipo de Entidade Promotora

(Escolher apenas a 1 opção)

Escola Básica e/ou Secundária

Centro de Formação Profissional

Escola Profissional

Associação Empresarial

Associação de Desenvolvimento Regional

Empresas de Formação

Instituição de Solidariedade Social

Autarquias, Empresas Municipais ou Associação de Municípios

Instituição de Ensino Superior

Empresa

Estabelecimento de Ensino Particular

Escola tutelada por outros Ministérios

Escola tutelada pelo Turismo de Portugal

Outra entidade. Qual? ___________________________________________________

3. Em que ano foi constituído o CNO (ou Centro RVCC) que representa? _______________________

4. Por favor assinale o escalão de objetivos de inscrição a que o CNO que representa está adstrito

no presente ano de atividade.

Nível A - 500 inscritos

Nível B - 800 inscritos

Nível C - 1300 inscritos

Nível D - 1800 inscritos

5. Em que medida o CNO que representa sente dificuldades em cumprir as metas contratualizadas?

1-Bastante Difícil

2-Relativamente difícil

3-Relativamente Fácil

4-Bastante Fácil

355

II. RELAÇÃO INSTITUCIONAL DOS CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES (CNOS) COM A AGÊNCIA NACIONAL PARA A

QUALIFICAÇÃO (ANQ), ESTRUTURAS REGIONAIS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E

SOLIDARIEDADE SOCIAL E ENTIDADES FORMADORAS

6. Como classificaria a relação da ANQ com o CNO que representa relativamente aos aspetos que

se seguem?

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

1 2 3 4

Comunicação institucional

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de

ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões

Encorajamento para produção de metodologias inovadoras

Promoção da relação dos CNOs com outros atores

Promoção de relação entre CNOs

Acompanhamento e Monitorização de resultados

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs

Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados

7. Haja em vista a diversidade tipológica de CNOs, por favor indique qual a entidade regional ou

nacional com a qual o CNO que representa se relaciona (ou seria suposto relacionar-se) para além

da ANQ?

Com nenhuma entidade

Direção Regional de Educação

Centro Distrital do IEFP

Serviços Nacionais do IEFP (p. ex. no caso dos Centros de Formação Profissional de Gestão

Participada)

Outra. Qual? ________________________________________________________________

356

8. Como classificaria a relação dessa Estrutura Regional (ou Nacional) com o CNO que representa

relativamente aos aspetos que se seguem?

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

1 2 3 4

Comunicação institucional

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de

ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões

Encorajamento para produção de metodologias inovadoras

Promoção da relação dos CNOs com outros atores

Promoção de relação entre CNOs

Acompanhamento e Monitorização de resultados

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs

Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados

9. Com que frequência o CNO que representa encaminha adultos para as seguintes entidades?

Escala: 0-Não existe relação com este tipo de entidade; 1- Raramente;

2-Com pouca frequência; 3- Com alguma Frequência; 4- Frequentemente

0 1 2 3 4

Entidade promotora do CNO, enquanto entidade formadora

Entidades formadoras com as quais a entidade promotora do CNO que

representa já possuía relações anteriormente à Iniciativa Novas

Oportunidades

Entidades formadoras com as quais foram desenvolvidas relações no

âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades

357

V. RELAÇÕES ENTRE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES

10. Como classificaria o paradigma de trabalho entre Centros Novas Oportunidades?

Isolacionista

Concorrencial

Colaborativo/ Complementar

11. O CNO que representa está envolvido em redes inter-CNOs que se reúnam com uma certa

regularidade?

(pf, não considere, para este efeito, os encontros promovidos pela ANQ, DREs ou IEFP)

Sim (se respondeu sim, o questionário continua na pergunta 13)

Não (se respondeu sim, o questionário continua na pergunta 12)

12. Qual(is) o(s) motivo(s) porque o CNO que representa não está envolvido em qualquer rede

inter-CNOs? (mais do que uma hipótese é permitida)

Não considerarem que tal iria trazer valor acrescentado à atividade do CNO

Nunca terem sido convidados, apesar da existência de “redes” a que poderiam pertencer

Não existir qualquer “rede” a que pudessem fazer parte

Nunca terem considerado essa possibilidade

Dificuldade de conciliação das atividades diárias do CNO com outras atividades

A relação entre CNOs desenvolvida no âmbito das conferências e formações inter-CNOs

organizadas pela ANQ, ME e IEFP revela-se suficiente para as necessidades do CNO

Outro motivo. Qual? __________________________________________________________

Por o CNO que representa não possuir qualquer parceria com outros CNOs, o questionário termina

agora. Muito obrigado pela sua colaboração!

Por favor consulte o final deste questionário para informações finais. Obrigado!

358

VI. PARCERIAS E REDES ENTRE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES

Caso o CNO que representa pertença a mais do que uma rede inter-CNOs, por favor reporte-se nas

questões que se seguem à rede com que se relaciona mais frequentemente.

13. Qual o nome dessa rede e quantos CNOs pertencem à mesma? (opcional por questões de

anonimato)

[Esta questão prende-se com a possibilidade de podermos identificar, de facto, quantas

redes estão representadas na nossa amostra, já que a obtenção de resposta de vários

membros de uma mesma rede poderia levar-nos a considerar que estaríamos perante a

presença de diversas redes.]

14. Qual o principal elemento de afinidade entre os CNOs envolvidos na rede a que pertence?

Tipologia do CNO (ex.: Escola, Centro do IEFP, ...)

Localização geográfica

População-alvo com características muito semelhantes

Outro ponto em comum. Qual?_________________________________________________

15. A rede inter-CNOs em que o CNO que representa está envolvido definiu, formal ou

informalmente, algum tipo de regras de interação entre atores individuais/institucionais?

16. A rede inter-CNOs a que pertence é coordenada por algum ator?

Não

Sim, pelo Diretor e/ou Coordenador de um dos CNO

Sim, por um Profissional de RVCC, de ADE ou Formador

Sim, pela Agência Nacional para a Qualificação

Sim, por uma Entidade Regional do Ministério da Educação

Sim, por uma Entidade Regional do IEFP

Sim, por um Avaliador Externo

Sim, por um outro ator. Qual?_____________________________________________

359

17 Com que frequência as seguintes situações ocorrem no âmbito das redes em que o CNO que

representa participa?

Escala: 1-Praticamente nunca; 2-Com pouca frequência;

3-Com alguma frequência; 4-Praticamente sempre

1 2 3 4

Convite de técnico/dirigente da ANQ, DREL ou IEFP para esclarecimento de

dúvidas comuns

Convite de “pessoa externa” para palestra

Debate de ideias relacionadas com orientações (provenientes da ANQ e das

estruturas regionais do ME e do IEFP)

Discussão e partilha de práticas administrativas

Discussão e partilha de práticas metodológicas

Discussão de questões relacionadas com relação com entidades

coordenadoras (seja ANQ ou quaisquer outras)

Discussão de questões relacionadas com Ent. Empregadoras e Formadoras

Discussão de questões relacionadas com relação entre CNOs

Discussão de questões relacionadas com o público-alvo

18. Como classificaria a relação entre CNOs no âmbito dessa(s) rede(s) relativamente aos aspetos

que se seguem?

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

1 2 3 4

Comunicação institucional

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de

ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas

Partilha dos resultados das reuniões com outros CNOs para além da rede

Partilha dos resultados das reuniões com a ANQ

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões

Encorajamento para produção de metodologias inovadoras

Promoção da relação dos CNOs com outros atores

Promoção de relação entre CNOs

Acompanhamento de resultados

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs

Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados

360

Este espaço está reservado para comentários e/ou sugestões de melhoria que nos queira dirigir.

Esta investigação prosseguirá com a realização de entrevistas junto de alguns diretores de Centros

Novas Oportunidades para esclarecer e/ou aprofundar os resultados que advirão da análise dos

questionários respondidos.

Caso esteja disponível para continuar a colaborar com este estudo, e para que a regra do anonimato

não seja quebrada, poderá enviar-nos um e-mail para [email protected] ou [email protected]

fornecendo-nos os seguintes dados

(Nome, CNO que representa, Contacto Telefónico e Disponibilidade de Agenda)

GRATOS PELA SUA COLABORAÇÂO!

361

ANEXO 4. PRINCIPAIS RESULTADOS DO QUESTIONÁRIO APLICADO

Figura 41. Distribuição de CNOs por Distrito (%)

Distrito de Implantação do CNO %

Aveiro 5 4,6

Beja 7 6,5

Braga 11 10,2

Bragança 2 1,9

Castelo Branco 2 1,9

Coimbra 9 8,3

Évora 3 2,8

Faro 7 6,5

Guarda 3 2,8

Leiria 6 5,6

Lisboa 5 4,6

R. A. Madeira 2 1,9

Portalegre 2 1,9

Porto 17 15,7

Santarém 8 7,4

Setúbal 5 4,6

Viana do Castelo 5 4,6

Vila Real 2 1,9

Viseu 7 6,5

Total

N= 108

NOTA: Resultados relativos à pergunta 1 do questionário

362

Figura 42. Distribuição dos CNOs por Entidade Promotora (%)

Tipo de Entidade Promotora N %

Escola Básica e/ou Secundária 43 38,1

Centro de Formação Profissional 12 10,6

Escola Profissional 9 8,0

Associação Empresarial 13 11,5

Associação de Desenvolvimento Regional 7 6,2

Empresas de Formação 5 4,4

Instituição de Solidariedade Social 8 7,1

Autarquias, Empresas Municipais ou Associação de Municípios 2 1,8

Instituição de Ensino Superior 4 3,5

Empresa 4 3,5

Estabelecimento de Ensino Particular 0 0

Escola tutelada por outros Ministérios 2 1,8

Escola tutelada pelo Turismo de Portugal 0 0

Outra entidade. 4 3,5

N= 113

NOTA: Resultados relativos à pergunta 2 do questionário

Figura 43. Distribuição de CNOs por Classes de Anos de Constituição (%)

Classes de Anos de Constituição %

Criado até 2005 24,3

Criado entre 2006 e 2007 35,1

Criado desde 2008 40,5

N= 111

NOTA: Resultados relativos à pergunta 3 do questionário

Figura 44. Distribuição de CNOs por Escalão de Objetivos (%)

Escalão de Objetivos %

Nível A - 500 inscritos 24,8

Nível B - 800 inscritos 56,6

Nível C - 1300 inscritos 13,3

Nível D - 1800 inscritos 5,3

N= 113

NOTA: Resultados relativos à pergunta 4 do questionário

363

Figura 45. Distribuição de CNOs por Nível de Dificuldade no Cumprimento de Objetivos (%)

Nível de Dificuldade %

1-Bastante Difícil 50,9

2-Relativamente difícil 44,3

3-Relativamente Fácil 4,7

4-Bastante Fácil 0

N= 106

NOTA: Resultados relativos à pergunta 5 do questionário

Figura 46. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com a ANQ em diferentes domínios

% µ

1 2 3 4

Comunicação institucional 0 3,5 49,6 46,9 3,42

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos

CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,

entre outros)

0 3,5 57,5 38,9 3,35

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas

e problemas

1,8 12,4 54,0 31,9 3,16

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de

decisões

1,8 10,6 47,8 39,8 3,26

Encorajamento para produção de metodologias

inovadoras

4,4 12,4 45,1 38,1 3,17

Promoção da relação dos CNOs com outros atores 2,7 10,6 52,2 34,5 3,19

Promoção de relação entre CNOs 2,7 14,2 49,6 33,6 3,14

Acompanhamento e Monitorização de resultados 1,8 15,9 50,4 31,9 3,12

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 9,7 20,4 53,1 16,8 2,77

Promoção da divulgação pública de boas práticas e

resultados

1,8 12,4 54,9 31,0 3,15

N= 113

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

NOTA: Resultados relativos à pergunta 6 do questionário

364

Figura 47. Distribuição de CNOs por Entidade Coordenadora além da ANQ

Tipologia de Relação N

Com nenhuma entidade 10

Direção Regional de Educação 68

Centro Distrital do IEFP 20

Serviços Nacionais do IEFP (p. ex. no caso dos Centros de Formação Profissional de

Gestão Participada)

9

Outra. Qual? ________________________________________________________ 0

N= 107

NOTA: Resultados relativos à pergunta 7 do questionário

Figura 48. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com as Direções Regionais de Educação em diferentes domínios

% µ

1 2 3 4

Comunicação institucional 16,4 16,4 44,8 22,4 2,73

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos

CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,

entre outros)

32,8 19,4 35,8 11,9 2,27

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas

e problemas

13,6 28,8 39,4 18,2 2,62

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de

decisões

19,7 12,1 37,9 30,3 2,79

Encorajamento para produção de metodologias

inovadoras

26,9 9,0 35,8 28,4 2,66

Promoção da relação dos CNOs com outros atores 24,2 7,6 34,8 33,3 2,77

Promoção de relação entre CNOs 20,9 10,4 31,3 37,3 2,85

Acompanhamento e Monitorização de resultados 18,8 20,3 40,6 20,3 2,63

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 29,9 17,9 37,3 14,9 2,37

Promoção da divulgação pública de boas práticas e

resultados

25,4 14,9 41,8 17,9 2,52

N= 67

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

NOTA: Resultados relativos à pergunta 8 do questionário

365

Figura 49. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com os Centros Distritais do IEFP em diferentes domínios

% µ

1 2 3 4

Comunicação institucional 16,7 33,3 38,9 11,1 2,44

Produção de orientações que auxiliem a atividade dos

CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,

entre outros)

33,3 22,2 38,9 5,6 2,17

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas

e problemas

23,5 35,3 29,4 11,8 2,29

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de

decisões

27,8 22,2 44,4 5,6 2,28

Encorajamento para produção de metodologias

inovadoras

38,9 16,7 33,3 11,1 2,17

Promoção da relação dos CNOs com outros atores 22,2 16,7 50,0 11,1 2,5

Promoção de relação entre CNOs 27,8 22,2 38,9 11,1 2,33

Acompanhamento e Monitorização de resultados 22,2 22,2 38,9 16,7 2,5

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 33,3 16,7 33,3 16,7 2,33

Promoção da divulgação pública de boas práticas e

resultados

27,8 33,3 27,8 11,1 2,22

N=

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

NOTA: Resultados relativos à pergunta 8 do questionário

366

Figura 50. Grau de Frequência Médio de Interação dos CNOs com diferentes tipologias de Entidades Formadoras

% µ

0 1 2 3 4

Entidade promotora do CNO, enquanto entidade

formadora 2,7 1,8 5,3 23,0 67,3 3,60

Entidades formadoras com as quais a entidade

promotora do CNO que representa já possuía relações

anteriormente à Iniciativa Novas Oportunidades

8,0 8,0 11,5 43,4 29,2 2,78

Entidades formadoras com as quais foram

desenvolvidas relações no âmbito da Iniciativa Novas

Oportunidades

0 4,4 7,1 43,4 45,1 3,29

N= 113

Escala: 0-Não existe relação com este tipo de entidade; 1- Raramente;

2-Com pouca frequência; 3- Com alguma Frequência; 4- Frequentemente

NOTA: Resultados relativos à pergunta 9 do questionário

Figura 51. Distribuição de CNOs por Perceção de Tipologia de Trabalho dos CNOs em geral (%)

Tipologia de Relação %

Isolacionista 2,7

Concorrencial 51,3

Colaborativo/ Complementar 46,0

N= 113

NOTA: Resultados relativos à pergunta 10 do questionário

Figura 52. Distribuição de CNOs por Participação em Redes (%)

Participação em Rede %

Sim 81

Não 31

N= 112

NOTA: Resultados relativos à pergunta 11 do questionário

367

Figura 53. Distribuição de CNOs por motivo para não pertença a rede (%)

Motivo para não pertença a Rede %

Não considerarem que tal iria trazer valor acrescentado à atividade do CNO

Nunca terem sido convidados, apesar da existência de “redes” a que poderiam

pertencer

Não existir qualquer “rede” a que pudessem fazer parte

Nunca terem considerado essa possibilidade

Dificuldade de conciliação das atividades diárias do CNO com outras atividades

A relação entre CNOs desenvolvida no âmbito das conferências e formações inter-

CNOs organizadas pela ANQ, ME e IEFP revela-se suficiente para as necessidades

do CNO

Outro motivo. Qual? __________________________________________________

N=

NOTA: Resultados relativos à pergunta 12 do questionário

Figura 54. Distribuição de CNOs por Elementos de Afinidade da Rede a que pertencem (%)

Elementos de Afinidade %

Tipologia do CNO (ex.: Escola, Centro do IEFP, ...) 8,8

Localização geográfica 78,8

População-alvo com características muito semelhantes 8,8

Outro ponto em comum: Afinidades pessoais entre membros de equipas de

diferentes CNOs

2,5

Outro ponto em comum: Projetos Anteriores 1,3

N= 80

NOTA: Resultados relativos à pergunta 14 do questionário

Figura 55. Distribuição de CNOs por situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras

Situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras %

Não há formalização de regras 39,3

Apenas se definiram regras de nível operacional 18,0

Existe um protocolo em fase de definição ou prestes a ser assinado 19,7

Protocolo já foi assinado 23,0

N= 61

NOTA: Resultados relativos à pergunta 15 do questionário

368

Figura 56. Distribuição de CNOs por Tipologia de Atores Coordenadores da Rede

Tipologia de Atores Coordenadores de Redes %

Nenhum 42,3

Diretor e/ou Coordenador de um dos CNO 42,3

Profissional de RVCC, de ADE ou Formador 0

Agência Nacional para a Qualificação 0

Entidade Regional do Ministério da Educação 5,6

Entidade Regional do IEFP 2,8

Avaliador Externo 0

Atores locais ou regionais (ex.: autarquias, associação de municípios, etc.) 1,4

N= 71

NOTA: Resultados relativos à pergunta 16 do questionário

Figura 57. Frequência Média da Ocorrência de Diferentes Tipos de Atividades no âmbito das Redes

% µ

1 2 3 4

Convite de técnico/dirigente da ANQ, DREL ou IEFP para

esclarecimento de dúvidas comuns

25,0 39,5 30,3 5,3 2,16

Convite de “pessoa externa” para palestra 31,6 39,5 23,7 5,3 2,03

Debate de ideias relacionadas com orientações (da ANQ

e das estruturas regionais do ME e do IEFP)

2,6 17,1 48,7 31,6 3,09

Discussão e partilha de práticas administrativas 5,3 15,8 51,3 27,6 3,01

Discussão e partilha de práticas metodológicas 1,3 7,9 47,4 43,4 3,33

Discussão de questões relacionadas com relação com

entidades coordenadoras (ANQ ou quaisquer outras)

5,3 21,1 51,3 22,4 2,91

Discussão de questões relacionadas com Ent.

Empregadoras e Formadoras

10,5 30,3 42,1 17,1 2,66

Discussão de questões relacionadas com relação entre

CNOs

2,6 17,1 48,7 31,6 3,09

Discussão de questões relacionadas com o público-alvo 0 10,5 35,5 53,9 3,43

N=

Escala: 1-Praticamente nunca; 2-Com pouca frequência; 3-Com alguma frequência; 4-Praticamente sempre

NOTA: Resultados relativos à pergunta 17 do questionário

369

Figura 58. Grau de Adequação Médio das Redes em relação a diversos domínios

% µ

1 2 3 4

Comunicação institucional 5,6 4,2 55,6 34,7 3,19

Produção de orientações que auxiliem a atividades

dos CNOs (processos de ADE, RVCC e

Encaminhamentos, entre outros)

16,7 9,7 55,6 18,1 2,75

Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas

e problemas

4,2 12,5 45,8 37,5 3,17

Partilha dos resultados das reuniões com outros CNOs

para além da rede

31,9 22,2 31,9 13,9 2,28

Partilha dos resultados das reuniões com a ANQ 16,7 20,8 40,3 22,2 2,68

Promoção da Autonomia do CNO na tomada de

decisões

13,9 9,7 50,0 26,4 2,89

Encorajamento para produção de metodologias

inovadoras

4,2 16,7 40,3 38,9 3,14

Promoção da relação dos CNOs com outros atores 8,3 20,8 38,9 31,9 2,94

Promoção de relação entre CNOs 1,4 8,3 36,1 54,2 3,43

Acompanhamento de resultados 15,3 18,1 44,4 22,2 2,74

Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 2,8 13,9 44,3 38,9 3,19

Promoção da divulgação pública de boas práticas e

resultados

8,3 19,4 38,9 33,3 2,9

N=

Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;

3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada

NOTA: Resultados relativos à pergunta 18 do questionário

370

Figura 59. Paradigma de Relações entre CNOs por Situação de Pertença a Rede

Pertença a Redes Total

Paradigma de Relações entre CNOs Sim Não

Isolacionista 1 1 2

Concorrencial 36 22 58

Colaborativo 44 8 52

Total 81 31 112

Figura 60. Paradigma de Relações entre CNOs por Tipologia de Entidades Promotoras

Tipologia de Entidades Promotoras

Total Paradigma de Relações

entre CNOs

Escolas Centros

do IEFP

Entidades

Privadas

Entidades Sem

Fins Lucrativos

Outras Ent.

Públicas

Isolacionista 0 0 0 2 0 2

Concorrencial 23 10 5 12 7 57

Colaborativo 20 2 4 14 10 50

Total 43 12 9 28 17 112

Figura 61. Paradigma de Relações entre CNOs por Nível de Metas

Nível de Metas Total

Paradigma de Relações entre CNOs A B C e D

Isolacionista 2 1 0 3

Concorrencial 13 35 10 58

Colaborativo 13 28 11 52

Total 28 64 21 113

Figura 62. Paradigma de Relações entre CNOs por Ano de Criação

Ano de Criação

Total Paradigma de Relações

entre CNOs

Até 2005 Entre 2006 e

2007

Desde

2008

Isolacionista 1 2 0 3

Concorrencial 16 19 23 58

Colaborativo 10 18 33 52

Total 27 39 45 113

371

ANEXO 5. GUIÃO DE ENTREVISTA APLICADO

NOTA: o guião era meramente indicativo. Apenas se pretendia que os entrevistados abordassem

todos os pontos em análise.

1) Qual o processo de constituição da rede?

2) Quais os objetivos da rede?

3) Quais as atividades desenvolvidas pela rede?

4) Quais as dinâmicas de gestão interna da rede, em termos de formalização de

procedimentos?

5) Quais as dinâmicas de liderança ou coordenação da rede?

6) Quais os principais resultados/ impactos da rede?

7) Quais os principais fatores facilitadores e inibidores dos processos de criação e

desenvolvimento da rede?

372

ANEXO 6. TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

As transcrições das entrevistas não se encontram anexas a esta dissertação a pedido de

alguns dos entrevistados, constando, contudo, das versões entregues aos júris da prova

pública.