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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS
O Desafio da Metagovernação na
Implementação de Políticas Públicas:
(in)compatibilidades entre estilos de governação e
estratégias de coordenação no domínio da
educação e formação de adultos em Portugal
Luís Filipe Oliveira Mota
Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Engrácia Carvalho dos Reis Janela Cardim
Prof. Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de
Doutor em Ciências Sociais, na especialidade em Administração Pública
2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS
O Desafio da Metagovernação na Implementação de Políticas Públicas: (in)compatibilidades entre estilos de governação e estratégias de coordenação
no domínio da educação e formação de adultos em Portugal
Luís Filipe Oliveira Mota
Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Engrácia Carvalho dos Reis Janela Cardim
Prof. Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, na especialidade em Administração Pública
Júri:
Presidente:
Doutor João Bilhim, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa
Vogais:
Doutor Joaquim Filipe Araújo, Professor Associado com Agregação da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
Doutor Ricardo Ramos Pinto, Professor Associado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de coorientador
Doutora Maria Engrácia Cardim, Professora Auxiliar Aposentada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientadora
Doutora Elisabete dos Reis Carvalho, Professora Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa
Doutor Filipe Teles Nunes, Professor Auxiliar do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Unidade de Aveiro
Doutor Pedro Adão e Silva Pereira, Professor Auxiliar Convidado da Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
2015
i
AGRADECIMENTOS
A cooperação é, para mim, mais do que um tema de investigação que me desperta interesse.
É, sobretudo, um modo de estar na minha vida profissional e pessoal, que exige um esforço
permanente mas que considero ter resultados bastante recompensadores. O trabalho que
aqui apresento é, de facto, fruto do imenso apoio que recebi e que desejo agora agradecer.
Os primeiros agradecimentos são dirigidos à minha orientadora, Maria Engrácia Cardim, não
apenas pela orientação e estímulo constantes nos últimos oito anos de colaboração, mas
sobretudo pela amizade e valiosos conselhos profissionais e pessoais com que sempre me
presenteou. Ao meu coorientador, Ricardo Ramos Pinto, agradeço pelo sistemático
encorajamento, desde os tempos do PIAPP.
Gostaria igualmente de agradecer aos membros do júri da prova de doutoramento,
composto pelo Professores(as) Doutores(as) João Bilhim, Joaquim Filipe Araújo, Elisabete
Carvalho, Filipe Teles e Pedro Adão e Silva, pelos valiosos comentários e questões que
formularam ao longo do processo de avaliação da tese, que permitiram que elaborasse
diferentes melhorias ao texto original, algumas das quais plasmadas já nesta versão da tese.
Expresso ainda o meu reconhecimento ao ISCSP e ao CAPP, nomeadamente aos seus
dirigentes, ao coordenador e docentes do Doutoramento em Administração Pública, bem
como a todos aqueles com quem interagi, pelo desafiante ambiente de acolhimento.
Às pessoas que inquiri, agradeço pela amabilidade de terem partilhado o seu conhecimento
e pela forma afável com que me receberam nas suas instituições aquando das entrevistas.
Expresso ainda a minha gratidão aos meus colegas de trabalho do CAPP, do DCSPT e da FCT
– em especial à Luísa Pereira, Diana Teixeira, Patrícia Silva, Marta Calvache, Maria Manatos,
Sara Diogo, Carlos Jalali, Filipe Teles, Artur Rosa Pires, Pedro Goulart, Paula Mesquita, Ana
Castro e Ana Quartin – pelas constantes demonstrações de encorajamento e apoio.
A todos os meus amigos, alguns já referidos, agradeço pelos momentos de companheirismo
e descompressão que me ajudaram a esquecer as pressões inerentes a este trabalho.
Um especial agradecimento vai também para o Daniel, cujo carinho e apoio foram essenciais
para conseguir terminar este trabalho e para encarar os desafios do presente e futuro.
À minha família, em particular à minha mãe, agradeço todo o apoio e carinho que me deram
ao longo da vida e por toda a compreensão que demonstraram face às ausências, em corpo
e em espírito, que esta tese acarretou.
Por tudo isto e muito mais, expresso, a todos, a minha enorme e profunda gratidão!
ii
RESUMO
As redes de governança constituem-se como um dos modos de governação mais comuns nas
sociedades ocidentais. Não obstante tenham diversas vantagens, as redes enfrentam
igualmente diferentes desafios, nomeadamente na sua relação com modos de governação
hierárquicos e de mercado, já que existe um conjunto de potenciais influências positivas e
negativas entre diferentes modos de governação, o que requer esforços de metagovernação
para fomentar mixes mais eficazes.
O tema das redes de governança e da metagovernação tem sido pouco estudado em
Portugal, ao contrário de outras temáticas relacionadas com a governação pública. Este
trabalho pretende, assim, ser um contributo para mitigar essa escassez através do estudo
compreensivo da forma como os processos de criação e gestão das Redes Locais para a
Qualificação foram influenciadas e influenciaram o sistema de governação da educação de
adultos em Portugal.
As principais conclusões desta análise referem que o sucesso colaborativo das redes é
positivamente impulsionado, quer pelo apoio de organismos da tutela, quer pela existência
de estruturas e práticas de governança formais das redes, sobretudo quando existam
antecedentes de rivalidade entre os seus membros. Por outro lado, conclui-se também que
as redes podem gerar enormes mais-valias ao nível da coordenação vertical e horizontal de
atores.
Palavras-chave:
Governação Pública em Rede; Estratégias de Metagovernação; Implementação de Políticas
Públicas; Reformas da Governação Pública; Políticas de Educação e Formação de Adultos;
Tradição Administrativa; Estado neo-weberiano; Portugal; Abordagem bottom-up; Neo-
institucionalismo
iii
ABSTRACT
Governance networks are nowadays one of the most common governance modes on
western societies. Although they produce several advantages, networks have also to deal
with different challenges, namely the ones related with their intersection with hierarchical
and market governance modes, since there is a set of potential positive and negative
influences between different governance modes, which require metagovernance efforts to
determine more effective mixes.
Unlike other themes related with public governance, the topic of governance networks and
metagovernance is understudied in Portugal. This thesis aims to be a contribution to
mitigate this gap by doing a comprehensive study on the ways the processes of formation
and management of the Local Networks of Qualification were influenced and influenced the
Portuguese adult education governance system.
The main conclusions of this analysis stress that the collaborative success of networks is
positively boosted by both the sponsoring from tutelage central public organizations and the
existence of formal network governance structures and practices, particularly when network
members have rivalry antecedents. On the other hand, networks proved to generate
valuable benefits on inter-actor vertical and horizontal coordination.
Key-words:
Networked Public Governance; Metagovernance strategies; Public Policy Implementation;
Public Governance Reforms; Adult Education and Training Policies; Administrative Tradition;
Neo-weberian State; Portugal; Bottom-up approach; Neo-institutionalism
iv
ÍNDICE
ÍNDICE DE FIGURAS ...........................................................................................................................VI
I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 8
I-1. Pertinência do Estudo e Objetivos ......................................................................................................... 8
I-2. Apresentação do Objeto de Estudo Empírico e Breves Notas Metodológicas ....................................... 15
I-3. Estrutura da Tese................................................................................................................................. 19
II. CONTORNOS DO ESTUDO E ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................. 22
II-1. Emergência e Afirmação da Ciência das Políticas Públicas.................................................................. 28
II-2. Diversidade Epistemológica, Teórica e Metodológica na Ciência das Políticas Públicas ...................... 37
II-3. Frameworks de Análise do Processo de Políticas Públicas e suas funções heurísticas: Vantagens e Problemas da Framework Estagista e Emergência da Framework de Governança Múltipla ...................... 44
II-4. Presente e Futuro do Estudo do Processo de Políticas Públicas ........................................................... 53
III. A CENTRALIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................ 57
III-1. O Estudo da Implementação de Políticas: Complexidade Conceptual e Multiplicidade de Atores ...... 61
III-2. Gerações de Estudos de Implementação............................................................................................ 64
III-2.1. Evolução Histórica das Gerações de Estudos de Implementação ..................................................... 65
III-2.2. Análise Comparativa das Gerações dos Estudos de Implementação ................................................ 92
III-3. Presente e Futuro dos Estudos da Implementação: Entre o Abandono, o Revivalismo e a Reconceptualização ................................................................................................................................. 107
IV. GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE: DO ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS À ANÁLISE DOS
DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE METAGOVERNAÇÃO DE REDES .....................................................................111
IV-1. Novos Modos de Governação Pública Interativa: Emergência e Diferenciação ................................ 117
IV-1.1. A emergência dos Novos Modos de Governação: contextos históricos e principais diferenças .... 118
IV-1.2. Novos Modos de Governação Pública Interativa, Hibridismo e Metagovernação.......................... 137
IV-2. Desafios da Governação Pública Interativa em Rede e Estratégias para a sua Metagovernação: Contornos Conceptuais e Teóricos ........................................................................................................... 144
IV-2.1. Redes e Parcerias de Governação Pública: características, tipologias, benefícios e desafios ......... 149
IV-2.2. Fatores Críticos para os Processos Colaborativos e Estratégias de Metagovernação de Redes ..... 157
IV-3. Abordagens Teóricas e Metodológicas para o Estudo das Novas Formas de Governação e das Redes de Governação Pública ............................................................................................................................ 171
V. DESENHO DE PESQUISA DO ESTUDO DAS RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS DE QUALIFICAÇÃO E O
SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS ................................................................................178
V-1. Posicionamentos Epistemológicos, Ontológicos, Teóricos e Metodológicos de Base ........................ 180
V-2. Desenho de Pesquisa: Objeto de Estudo, Pergunta de Partida, Objetivos e Pressupostos Teóricos ... 185
V-3. Processo de Recolha e Análise de Dados .......................................................................................... 193
VI. RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO DE
EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉC. XXI ..............................................196
v
VI-1. O Sistema de Governação de Educação e Formação de Adultos em Portugal no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades: Alinhamento Internacional, Antecedentes, Instrumentos e Estrutura de Implementação e Desafios de Governação .............................................................................................. 201
VI-1.1. A emergência de uma nova geração de políticas públicas de educação de adultos ao nível internacional ............................................................................................................................................... 203
VI-1.2. Os primórdios e as primeiras iniciativas da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal ...................................................................................................................................................... 209
VI-1.3. Instrumentos e Estrutura de Implementação do Eixo dos Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades ............................................................................................................................................ 219
VI-1.4. Concretizações e Desafios à Governação do Eixo Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades ...... 235
VI-2.Desafios e Estratégias da Governação das Redes Locais para a Qualificação e sua Relação com o Sistema de Educação de Adultos ............................................................................................................. 253
VI-2.1. Análise dos Processos de Criação e Gestão de Redes Locais de Qualificação e dos seus Impactos: Apresentação dos Estudos de Caso ............................................................................................................ 260
VI-2.2. Relações de Influência entre as Redes Locais de Qualificação e o Sistema de Educação e Formação de Adultos: Análise Comparada e Principais Conclusões ........................................................................... 281
VII- CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES PARA A GOVERNAÇÃO PÚBLICA E PISTAS DE INVESTIGAÇÃO FUTURA................291
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................................299
ANEXOS ......................................................................................................................................326
Anexo 1. Entrevista Exploratória a Dirigente de Topo da Agência Nacional para a Qualificação ............. 326
Anexo 2. Autorização de Aplicação do Questionário................................................................................ 351
Anexo 3. Guião do Questionário .............................................................................................................. 353
Anexo 4. Principais Resultados do Questionário Aplicado ....................................................................... 361
Anexo 5. Guião de Entrevista Aplicado .................................................................................................... 371
Anexo 6. Transcrição das Entrevistas ....................................................................................................... 372
Anexo 6.1. Entrevista do Estudo de Caso A ................................................................................................ 373
Anexo 6.2. Entrevista do Estudo de Caso B ................................................................................................ 393
Anexo 6.3. Entrevista do Estudo de Caso C ................................................................................................ 403
Anexo 6.4. Entrevista do Estudo de Caso D ................................................................................................ 428
Anexo 6.5. Entrevista do Estudo de Caso E ................................................................................................ 444
Anexo 6.6. Entrevista do Estudo de Caso F................................................................................................. 459
Anexo 6.7. Entrevista do Estudo de Caso G ................................................................................................ 471
Anexo 6.8. Entrevista do Estudo de Caso H ................................................................................................ 480
vi
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Distinção entre ‘Análise de Políticas Públicas’ e ‘Estudos de Políticas Públicas’ ................... 39
Figura 2. Principais influências disciplinares da Ciência das Políticas Públicas ..................................... 43
Figura 3. Fases da Framework Estagista e sua relação com a Resolução de Problemas ...................... 47
Figura 4: Quadro Síntese da Framework do ‘Ciclo de Políticas Públicas’ .............................................. 48
Figura 5. Framework de Governança Múltipla ...................................................................................... 53
Figura 6. Diferenças entre Investigação em Implementação e Avaliação ............................................ 63
Figura 7. Impacto dos Tipos de Políticas Públicas na Implementação por Ripley e Franklin ................ 80
Figura 8. Matriz Ambiguidade-Conflito: Processos de Implementação de Políticas ............................ 82
Figura 9. Modelo de Comunicação de Implementação Intergovernamental de Políticas’ ................... 83
Figura 10. Mudança no Processo de Implementação ao Longo do Tempo, por R. Stoker ................... 86
Figura 11. Modelo Integrado de Implementação de Winter ................................................................ 89
Figura 12. Análise comparativa das Abordagens Top-Down e Bottom-Up ......................................... 105
Figura 13. Tipologia de Posições face ao Futuro da Implementação .................................................. 108
Figura 14. Análise comparada dos modelos Administração Pública Tradicional e Nova Gestão Pública ............................................................................................................................................................. 126
Figura 15. Análise comparada dos modelos Nova Gestão Pública e (Nova) Governança Pública ...... 134
Figura 16. Comparação entre os três modelos de Administração ...................................................... 136
Figura 17. Funções das Redes nas diferentes fases do Processo de Políticas Públicas ...................... 151
Figura 18. Funções estratégicas das redes de governação, segundo Milward e Provan .................... 152
Figura 19. Comparação entre as tipologias de redes de Agranoff e de Keast, Brown e Mandell ....... 154
Figura 20. Framework da Governança Colaborativa ........................................................................... 161
Figura 21. Formas Alternativas de Governança de Redes................................................................... 166
Figura 22. Comparação das perspetivas de gestão clássica e de redes .............................................. 168
Figura 23. Formas de metagovernação de redes ................................................................................ 170
Figura 24. Tradições no Estudo de Redes no Processo de Políticas Públicas e suas características ... 174
Figura 25. Fases na análise de Atores, ‘Jogos’ e Redes ....................................................................... 177
Figura 26. Variáveis de análise das Redes Locais para a Qualificação e respetivas Categorias .......... 191
Figura 27. Modelos de Governação da Educação segundo a OCDE.................................................... 198
Figura 28. Fases centrais ao processo de Reconhecimento e Validação de Competências ............... 207
Figura 29. Fases do Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências ........ 224
Figura 30. Organograma da Agência Nacional para a Qualificação .................................................... 227
Figura 31. Fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades ..................... 231
Figura 32. Distribuição dos CNOs por Tipologia Institucional da Entidade ......................................... 233
Figura 33. Imagens de campanhas publicitárias da Iniciativa Novas Oportunidades ......................... 237
vii
Figura 34. Número de Entidades Promotoras de Cursos para Adultos (2005-2010) .......................... 238
Figura 35. Evolução do número de Centros RVCC/CNOs (2000-2010), por tipologia de Entidade Promotora ........................................................................................................................................... 240
Figura 36. Número de modalidades de qualificação de adultos, por distrito (2005-2010) ................ 241
Figura 37. Distribuição geográfica dos 456 Centros Novas Oportunidades ........................................ 242
Figura 38. Evolução da percentagem de inscritos nos CNOs, segundo a condição perante o trabalho (2007-2010) ......................................................................................................................................... 243
Figura 39. Quadro Relacional dos Centros Novas Oportunidades ...................................................... 251
Figura 40. Quadro comparativo das Redes Locais para a Qualificação em estudo ............................ 288
Figura 41. Distribuição de CNOs por Distrito (%) ................................................................................ 361
Figura 42. Distribuição dos CNOs por Entidade Promotora (%) .......................................................... 362
Figura 43. Distribuição de CNOs por Classes de Anos de Constituição (%) ......................................... 362
Figura 44. Distribuição de CNOs por Escalão de Objetivos (%) ........................................................... 362
Figura 45. Distribuição de CNOs por Nível de Dificuldade no Cumprimento de Objetivos (%) .......... 363
Figura 46. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com a ANQ em diferentes domínios ...... 363
Figura 47. Distribuição de CNOs por Entidade Coordenadora além da ANQ...................................... 364
Figura 48. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com as Direções Regionais de Educação em diferentes domínios ............................................................................................................................ 364
Figura 49. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com os Centros Distritais do IEFP em diferentes domínios ............................................................................................................................ 365
Figura 50. Grau de Frequência Médio de Interação dos CNOs com diferentes tipologias de Entidades Formadoras ......................................................................................................................................... 366
Figura 51. Distribuição de CNOs por Perceção de Tipologia de Trabalho dos CNOs em geral (%) ..... 366
Figura 52. Distribuição de CNOs por Participação em Redes (%) ....................................................... 366
Figura 53. Distribuição de CNOs por motivo para não pertença a rede (%) ....................................... 367
Figura 54. Distribuição de CNOs por Elementos de Afinidade da Rede a que pertencem (%) ........... 367
Figura 55. Distribuição de CNOs por situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras ............................................................................................................................................................. 367
Figura 56. Distribuição de CNOs por Tipologia de Atores Coordenadores da Rede ........................... 368
Figura 57. Frequência Média da Ocorrência de Diferentes Tipos de Atividades no âmbito das Redes ............................................................................................................................................................. 368
Figura 58. Grau de Adequação Médio das Redes em relação a diversos domínios ........................... 369
Figura 59. Paradigma de Relações entre CNOs por Situação de Pertença a Rede ............................. 370
Figura 60. Paradigma de Relações entre CNOs por Tipologia de Entidades Promotoras ................... 370
Figura 61. Paradigma de Relações entre CNOs por Nível de Metas ................................................... 370
Figura 62. Paradigma de Relações entre CNOs por Ano de Criação ................................................... 370
8
I. INTRODUÇÃO
I-1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO E OBJETIVOS
A primeira frase de Klijn (2010, p. 118) acima referida é expressiva de uma das principais
mudanças ocorridas no âmbito da governação pública de diversos países ocidentais no
decurso das últimas décadas – o crescente recurso a modos de governação pública em rede,
através da participação de um maior número e diversidade de atores dos setores privado e
não-lucrativo nos processos de formulação e implementação de políticas públicas, com o
intuito de colmatar alguns problemas dos modos de governação hierárquicos e de mercado.
Não obstante as múltiplas vantagens do recurso a estes modos de governação que serão
abordadas ao longo deste trabalho, o recurso aos mesmos tem implicado também amplos
desafios na governação pública de diversos países, tal como é percetível pela segunda frase
de Klijn (2010, p. 118).
Um dos desafios inerentes ao recurso a modos de governação pública em rede será, desde
logo, a coordenação de diversos atores com perspetivas e interesses diversos, já que as
redes são, tal como referem Sørensen e Torfing (2007b, p. 9) formas de articulação entre
atores interdependentes, embora operacionalmente autónomos, através do
“O mundo da formulação e da implementação parece estar cheio de redes. De facto, evidências empíricas indicam que os governos por todo o mundo estão em busca de novas formas de governança para lidar com a orientação para redes de formulação e implementação.”
(Klijn, 2010, p. 118)
“A emergência da teoria da governança desde o início da década de 90 em diante tem sido um dos principais desenvolvimentos da administração pública e, de forma mais ampla, daquela parte da ciência política orientada para o estudo da produção de políticas públicas”
(Chhotray & Stoker, 2009, p. 16)
9
estabelecimento de relações de negociação informais e horizontais no sentido de concretizar
finalidades públicas.
Um outro desafio inerente ao recurso a modos de governação pública em rede serão os
relacionados com a articulação dos mesmos com os modos de governação mais tradicionais,
na medida em que esta articulação pode gerar complementaridades, mas também
conflitualidades, na medida em que ideias e culturas de governação são diferentes
(Meuleman, 2008, pp. 51-55; Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014,
pp. 23, 29; Keast, Mandell, & Brown, 2006, p. 40).
As mudanças no conteúdo e no processo de políticas públicas descritas – que diferem entre
distintos domínios de políticas públicas e diferentes (grupos) de países (John, 2006, pp. 12-
13; Knill & Tosun, 2012, p. 4) – acarretam igualmente, como será de esperar, a necessidade
do desenvolvimento de novas abordagens analíticas ao estudo do processo de políticas
públicas face à maior complexidade e caráter contextual do objeto de estudo (Peters &
Pierre, 2006, p. 6).
A afirmação da designada abordagem da ‘governance’ como um dos principais
desenvolvimentos no âmbito do estudo da Administração e Políticas Públicas no final do séc.
XX (Chhotray & Stoker, 2009, p. 16) resultou precisamente do contexto de desenvolvimento
destas novas formas de governação interativa, particularmente das redes de governança
(Levi-Faur, 2012, pp. 5-6). De acordo com Pierre e Peters (2000, p. 1), a popularidade desta
abordagem deve-se, exatamente, à sua capacidade para analisar uma maior variedade de
instituições e tipologias de relações nos processos de governação.
Não obstante a crescente relevância da abordagem da governance nas áreas científicas
referidas, esta tem sido alvo de algumas críticas, nomeadamente por ser demasiado
ambígua, bem como por incorporar ainda significativos debates. Um dos debates que ainda
caracteriza a abordagem da ‘governance’ diz respeito ao nível de influência que os atores
tradicionais mantêm, tal como Pierre e Peters (2005, p. 1) dão conta: por um lado, existem
alguns autores que advogam que o Estado foi esvaziado em termos dos seus poderes; e, por
outro lado, existem outros autores que defendem que o Estado ainda mantém um papel
crítico, apenas existindo uma mudança dos poderes do Estado. As duas posições descritas
10
refletem não apenas diferentes orientações quanto ao papel do Estado, bem como relações
com diferentes vagas da reforma da governação pública acima descrita. Como refere
Kooiman (2000, p. 146), a primeira vaga de reformas defendia uma menor participação
direta do Estado na sociedade, nomeadamente através do recurso a formas de governação
de mercado e de redes, ao passo que a segunda vaga de reformas defendia uma articulação
entre os modelos tradicionais e os novos modelos de governação pública, (re)introduzindo
algumas preocupações de coordenação.
As duas orientações acima descritas deram origem, de acordo com Rhodes (2012, pp. 34-36),
a diferentes ‘vagas’ de estudos sobre os fenómenos da governação’: a primeira vaga
dedicou-se, sobretudo, às transformações na natureza do Estado, ao passo que a segunda se
dedica aos assuntos da metagovernação, ou seja, às formas de conjugação da atuação do
setor público e dos atores não oficiais no sentido de assegurar a coordenação da governação
pública. No mesmo sentido, Sørensen e Torfing (2007b, p. 14) referem que os estudos sobre
redes de governação têm também duas gerações: a primeira geração debruçava-se,
sobretudo, sobre as características que distinguem as redes em relação às formas de
governação hierárquicas e de mercado, ao passo que a segunda geração se debruça sobre a
explicação das condições de (in)sucesso inerentes aos processos de formação,
desenvolvimento e metagovernação das redes.
A maior atenção às questões da metagovernação referida vem, assim, ao encontro da
constatação do caráter híbrido das realidades da governação pública, que integram
elementos dos novos e tradicionais modos de governação pública, os quais podem ser
complementares, mas também conflituantes, entre si (Meuleman, 2008, pp. 51-55;
Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 29; Keast, Mandell, &
Brown, 2006, p. 40) e que apresentam distintas geometrias que variam de acordo com os
domínios de políticas públicas, os países e até os momentos do tempo (vide, inter alia,
Christensen e Lægreid (2011, p. 419) e Torfing et al (2012, pp. 10-11)). De acordo com
Christensen e Lægreid (2012, pp. 262-263), estas diferentes conjugações são o resultado da
combinação de tendências e pressões reformistas ‘convergentes’ e de mecanismos de ‘path
dependency’ associados às designadas ‘tradições administrativas’, descritas por Painter e
11
Peters (2010, p. 6) como padrões relativamente duráveis “... do estilo e substância da
administração pública de um país particular ou de um grupo de países”.
Os contextos de governação pública dos países da Europa do Sul têm sido apontados nos
últimos anos como claros exemplos da conjugação de tendências reformistas uniformizantes
e das peculiaridades das suas tradições administrativas (vide, inter alia, Pollitt e Bouckaert
(2011, p. 10), Ongaro (2008) e Kickert (2011)).
No mesmo sentido, a governação pública em Portugal não tem sido exceção às tendências
internacionais de reforma, sendo um claro exemplo da influência combinada, e por vezes
conflituante, das tradições administrativas e de pressões reformistas (vide, inter alia, Araújo
(2001), Corte-Real (2008), Magone (2011), Mota et al (2014)).
Por um lado, Portugal mantém uma administração pública ainda bastante influenciada pela
sua tradição administrativa napoleónica, muito embora Ongaro (2013) considere que é o
país da Europa do Sul cuja governação pública menos se assemelha com o modelo
napoleónico puro. Os exemplos de características da governação pública em Portugal de
orientação napoleónica mais marcantes serão a predominância de uma cultura legalista,
uma estrutura de tomada de decisão excessivamente centralizadora e ainda politizada, bem
como com problemas de coordenação intersectorial e interserviços e de articulação com
atores da sociedade civil (vide, inter alia, Araújo (2001), Carvalho (2007), Rocha e Araújo
(2007), Corte-Real (2008), Magone (2011), Jalali et al (2012), Neves e Zorrinho (2012), Mota
et al (2014)).
Por outro lado, diversos estudos dão conta que Portugal tem vindo a adotar um conjunto de
reformas da governação pública baseadas numa agenda managerialista e sob a influência de
experiências de outros países e da adesão à União Europeia e à União Económica e
Monetária, cujos principais enfoques e sucessos se concentram ao nível da promoção da
transparência, da redução da burocracia e da gestão por resultados (vide, inter alia, Carvalho
(2007), Rocha e Araújo (2007), Magone (2011), Mota et al (2014)).
Não obstante os sucessos referidos, os resultados de um estudo recente sobre dinâmicas de
reforma da governação pública em Portugal no qual foram inquiridos 296 dirigentes de topo
12
da administração pública portuguesa indicam, contudo, que os inquiridos consideram que o
processo de reforma não tem sido genericamente bem-sucedido (Mota, Pereira, Cardim,
Neves, & Cordovil, 2014).
Um dos aspetos negativos mais salientes evidenciado pelo estudo acima referido é a fraca
coordenação, não apenas entre políticas, mas também entre atores, quer seja entre
organismos governamentais nacionais, entre estes últimos e organismos desconcentrados e
do setor público com stakeholders privados (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014,
p. 27). De igual modo, os resultados do estudo indicam também uma forte tendência para a
coordenação se desenrolar através de mecanismos de hierarquia e para a politização da
tomada de decisão (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, pp. 24-27, 36)
Os resultados acima referidos vão, assim, ao encontro das conclusões de outros estudos
recentes que identificaram fortes debilidades de coordenação entre atores no processo de
políticas públicas, quer ao nível da decisão de topo (Neves & Zorrinho, 2012), quer ao nível
da implementação (Cardim, Pereira, & Mota, 2011). No mesmo sentido, Teles (2012, p. 868)
refere que os níveis muito baixos de capital social em Portugal constituem um claro
problema, considerando as evidentes necessidades de cooperação entre atores no âmbito
da governação pública, nomeadamente ao nível local. A este propósito, Rodrigues e Silva
(2012, p. 18) referem ainda que a falta de uma cultura de parceria e negociação entre atores
aos mais diversos níveis é um claro problema para as políticas públicas em Portugal.
O fraco desempenho ao nível da coordenação entre atores contrasta, contudo, com a
indicação da colaboração e cooperação entre diferentes atores como uma das principais
tendências de reforma da governação pública portuguesa por parte dos inquiridos (Mota,
Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, p. 29). Tal aposta deve-se, em grande medida, à
influência de organismos internacionais como a OCDE e a processos de benchmarking
internacional, bem como à pressão, mais ou menos coerciva, exercida por diversos
organismos da União Europeia, no sentido da promoção de relações de cooperação entre
diferentes organismos da administração pública de cada estado-membro – exemplo disso é
atualmente a promoção da cooperação intermunicipal como forma privilegiada de acesso a
fundos comunitários (vide, inter alia, Teles (2014a) e Pires et al (2014)).
13
O cenário descrito demonstra, assim, a extrema importância de perceber quais os fatores
críticos para que as inevitáveis experiências de governação em rede sejam bem-sucedidas no
país e consigam articular-se com outras formas de governação mais tradicionais.
A necessidade acima descrita colide, contudo, com a escassez de estudos que analisem, com
maior detalhe, as dinâmicas processuais de governação pública e as redes e parcerias
colaborativas de governação pública em Portugal. Esta lacuna revela-se particularmente
problemática, considerando que as dificuldades de cooperação e coordenação entre atores
são frequentemente apontadas como expressivos entraves à boa governação pública no
país. A escassez de estudos com abordagens processuais e com enfoque na temática das
redes acima identificada poderá dever-se, em parte, ao facto do estudo da Administração e
Políticas Públicas em Portugal só ter tido um maior desenvolvimento a partir do final da
década de 90 e de continuar a ter ainda uma abordagem muito focada nas instituições e nas
leis, em detrimento das dinâmicas processuais da elaboração de políticas públicas (vide, inter
alia, Bilhim (2006, pp. 34-35; 2008, pp. 100-101, 118-120), Araújo (2006, pp. 72-76), Tavares
e Alves (2006, pp. 393-397), Moreira e Alves (2008)). Constituem exceções a esta tendência
um conjunto limitado de estudos, dos quais se destacam os trabalhos de Cardim, Pereira e
Mota (Cardim M. , 2006; Cardim, Pereira, & Mota, 2011), de Neves e Zorrinho (Neves, 2010;
Neves & Zorrinho, 2012), de Firmino e Mendes (2012), ou de Pires, Teles, Silva, Calvache e
Mota (2014).
O estudo desenvolvido tenciona, assim, ajudar a contornar essa lacuna ao analisar quais os
desafios e as estratégias de articulação entre diferentes modos de governação pública em
Portugal, nomeadamente a forma como as dinâmicas de criação e gestão de redes são
influenciadas por outros modos de governação e, em retorno, os influenciam.
Tendo em atenção os objetivos deste estudo acima apresentados, deduz-se um conjunto de
posicionamentos do mesmo face às tradições e gerações de estudo das temáticas em
apreço. Em primeiro lugar, é possível concluir que o estudo proposto se posiciona na
segunda geração dos estudos de governação, na medida em que se debruça sobre a análise
das questões da metagovernação, ao analisar as dinâmicas de conjugação entre tradicionais
e novos modos de governação. Depreende-se, de igual modo, que o estudo se enquadra na
14
segunda geração dos estudos de rede, ao debruçar-se sobre os fatores que influenciam as
dinâmicas de criação e gestão das redes de governação, bem como nos seus impactos de
governação. Por fim, importa destacar que o estudo empreendido se insere na tradição de
estudo das redes de governança, na medida em que se debruça sobre as questões da gestão
de relações de governação horizontal e da ligação de redes com instituições tradicionais, ao
mesmo tempo que se socorre, sobretudo, de influências teóricas da Ciência da
Administração Pública.
No mesmo sentido, importa destacar que o enfoque da análise se concentra no processo de
implementação de políticas públicas, aqui entendido de forma mais ampla do que a
prestação de bens e serviços propriamente dita. A opção pelo enfoque no processo de
implementação advém do facto de este ser considerado como um elemento central ao
processo de políticas públicas, sobretudo no contexto português, em que a produção de
legislação bastante inovadora contrasta frequentemente com graves falhas em termos de
resultados e impactos (Cardim M. , 2006). Este trabalho surge, assim, na senda de
investigação subordinada às questões da implementação de políticas públicas em Portugal
com enfoque processual iniciada por Cardim (2006) e posteriormente desenvolvida em
diferentes trabalhos enquadrados no âmbito do projeto de investigação “Implementação e
Avaliação de Políticas Públicas em Portugal”, de entre os quais a dissertação de mestrado do
autor deste trabalho (Mota, 2010).
A decisão pelo enfoque do presente trabalho nos processos de colaboração
interorganizacional no âmbito da implementação de políticas públicas surge, assim, face à
identificação da sua importância pelos estudos acima referidos, que contrasta com os claros
défices de investigação neste domínio em Portugal nas áreas disciplinares da Administração
e Políticas Públicas existentes no início de 2010, aquando do início deste trabalho.
Finalizada que está a apresentação dos objetivos do estudo, da sua pertinência e do seu
enquadramento, este capítulo prossegue com a apresentação do objeto de estudo e com
breves considerações metodológicas.
15
I-2. APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO EMPÍRICO E BREVES NOTAS METODOLÓGICAS
O estudo que aqui se apresenta tem por principal finalidade, tal como acima referido,
analisar os desafios e estratégias de conjugação entre diferentes estilos de governação em
Portugal, com um particular enfoque na forma como as dinâmicas de criação e gestão de
redes de governação são influenciadas e influenciam outros modos de governação. As
finalidades deste estudo vão, assim, ao encontro das recomendações de Torfing (2007, p.
23) que refere ser essencial analisar os fatores críticos aos processos de criação,
desenvolvimento e metagovernação de redes de governação, bem como os contributos das
redes de governação para uma governação eficaz.
Face ao contexto descrito, a política pública de educação e formação de adultos, que vigorou
em Portugal entre 2005 e 2012, assumiu-se como um objeto de estudo particularmente
indicado, considerando um amplo conjunto de características. Por um lado, a sua
intervenção destinava-se a lidar com o problema dos défices de qualificação da população
portuguesa, que se afirma ainda como um dos mais gravosos para a economia do país
(Gomes, 2012, p. 79). Por outro lado, assumiu-se como uma das políticas públicas mais
emblemáticas da primeira década do séc. XXI, sobretudo no período 2005-2011, não só ao
nível do debate político, como também ao nível do financiamento envolvido e do número de
beneficiários (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96; Carneiro, 2011, pp. 54-55; Araújo L. , 2014, p.
381). Por outro lado ainda, destacou-se pelo caráter inovador de muitos dos seus
instrumentos, bem como pelas opções de estruturação da governação do sistema (Gomes,
2012, pp. 91-92), a qual incorporava diferentes modos de governação.
Focando especial atenção neste último aspeto, por ser aquele que mais interessa a este
trabalho, a estruturação da governação desta política pública afirmava-se pela sua
aproximação às tendências internacionais de reforma da governação públicas,
nomeadamente devido ao seu modelo de governação neocontratualista (Gomes, 2012, pp.
91-92). Em traços gerais, o modelo de implementação da política suportava-se na
contratualização de atores do setor público, privado e não-lucrativo (Centros Novas
Oportunidades) por parte de uma agência reguladora que os orientava e monitorizava
16
(Agência Nacional para a Qualificação - ANQ), no sentido de implementarem a política de
acordo com metas e parâmetros pré-definidos.
Estudos antecedentes demonstraram que o modelo de governação daquela política pública
era efetivamente inovador e havia tido pontos positivos, sobretudo nas fases iniciais de
implementação da política pública, de entre os quais se poderá destacar a capacidade
técnica e de acompanhamento da ANQ aos CNOs (vide, inter alia, Gomes (2012, p. 78),
Cardim (2006, pp. 145-152) e Mota (2010, pp. 78-79)). Não obstante estes pontos positivos,
os mesmos estudos demonstraram existir também alguns problemas em termos de
coordenação vertical e horizontal após processos de expansão dos objetivos e do número de
implementadores realizados em 2006 e 2008, relacionados, sobretudo, com uma certa
dependência de orientações dos CNOs face à ANQ, conjugada como a perda de alguma
capacidade de monitorização por parte da ANQ face ao elevado número de CNOs, bem
como com a emergência de dinâmicas de ‘concorrência agressiva’ entre CNOs (vide, inter
alia, Cardim (2006, pp. 153-155) e Mota (2010, pp. 85, 90-93)).
Face a alguns desses problemas de coordenação, a Agência Nacional para a Qualificação e os
seus parceiros de coordenação – Direções Regionais de Educação e estruturas nacionais e
regionais do Instituto de Emprego e Formação Profissional – iniciaram ou reforçaram
diferentes estratégias de coordenação em 2010, entre as quais a promoção do aumento e
diversificação das designadas Redes Locais para a Qualificação (RLQs) que congregavam
atores implementadores locais, com o objetivo de esbater algumas situações de rivalidade
entre estes e de promover a partilha de boas práticas (Cardim, Pereira, & Mota, 2011).
Importa referir, a este propósito, que antes de 2010, já existiriam algumas Redes Locais para
a Qualificação, criadas por iniciativa dos próprios Centros Novas Oportunidades e
‘apadrinhadas’ por diferentes estruturas de coordenação nacionais e regionais.
Os processos de criação e gestão das RLQs, que tinham o propósito de resultar em impactos
processuais, iriam deparar-se, assim, com fortes desafios, colocados, não apenas pelo
contexto de governação pública em Portugal habitualmente adverso a redes de governação,
mas também pela necessidade de se conjugar com outros modos de governação presentes
no sistema de governação da política pública (modo hierárquico, desenvolvido através do
17
acompanhamento e da monitorização da ANQ; e, modo de mercado, desenvolvido através
da contratualização dos CNOs e das dinâmicas de competição desenvolvidas entre estes).
Considerando o contexto acima descrito, os processos de criação e gestão das RLQs
assumiam-se, portanto, como um objeto de estudo particularmente pertinente enquanto
estudos de caso exemplificativos de redes de governação em Portugal, dando, origem à
seguinte pergunta de partida:
De que forma o processo de criação e gestão das RLQs foi influenciado e influenciou os
outros modos de governação do sistema de educação e formação de adultos?
Face a esta pergunta de partida e ao enquadramento acima descrito, este estudo terá duas
grandes finalidades:
1. analisar e compreender o tipo de influência que os modos de governação do sistema de
educação e formação de adultos (de hierarquia e mercado) exerceram sobre processos de
criação e gestão das RLQs;
2. analisar e compreender os impactos processuais governativos das Redes Locais para a
Qualificação sobre o sistema de educação e formação de adultos e os seus modos de
governação (de hierarquia e mercado).
No sentido de responder à questão formulada e de prosseguir as finalidades acima referidas,
será necessário cumprir dois objetivos operacionais: por um lado, analisar o sistema de
educação e formação de adultos; e, por outro lado, analisar o processo de criação e gestão
das Redes Locais para a Qualificação, bem como os seus impactos.
A concretização do primeiro objetivo operacional será realizada através da análise dos 3
elementos que a literatura (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p. 4)) aponta como
fundamentais na análise de qualquer política pública (veja-se capítulo II): o conteúdo (policy
content), a estrutura de desenho e implementação (polity) e o processo de interação entre
atores (politics), bem como os desafios de governação. Para tal, proceder-se-á à análise de
18
fontes documentais secundárias, tais como legislação, estatísticas e estudos anteriores
referentes à política pública em apreço, bem como à aplicação de um questionário que
analisa as dinâmicas de relacionamento entre os diferentes atores do sistema de educação e
formação de adultos.
A concretização do segundo objetivo operacional será efetuada, por sua vez, através da
análise dos processos de criação e gestão de 8 Redes Locais para a Qualificação e dos seus
resultados e impactos, com um particular enfoque num conjunto de dimensões identificados
por diferentes frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia, Bryson,
Crosby e Stone (2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008)). Para
tanto, proceder-se-á à análise comparativa destas redes, com base em informação recolhida
através de entrevistas aplicadas a representantes das mesmas, as quais serão
complementadas, sempre que possível, pela análise de fontes documentais, tais como
protocolos.
Concluídas as duas análises acima referidas, proceder-se-á à análise do sistema de relações
entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de governação da política
pública de educação e formação de adultos em Portugal à luz de pressupostos identificados
através da revisão da literatura subordinada à temática da relação entre modos de
governação pública. Essa análise permitirá ainda a produção de um conjunto de
recomendações para o desenho de sistemas de governação.
Muito embora todas as finalidades e objetivos tenham sido concretizados, importa destacar
a existência de algumas dificuldades operacionais no decurso do processo de recolha de
dados, as quais estiveram relacionadas com as mudanças políticas ocorridas em 2011
decorrentes da mudança de Governo, e a decorrente instabilidade e posterior terminação da
política pública em estudo. Estas dificuldades implicaram que o processo de recolha de
dados se iniciasse num período em que algumas Redes Locais para a Qualificação ainda não
tinham ‘amadurecido’ o suficiente para serem analisadas e em que muitos atores se
encontravam pouco recetivos a processos de inquirição, quer por se encontrarem
desmotivados, quer por encararem estudos sobre o assunto com alguma desconfiança. No
mesmo sentido, o processo de recolha de dados foi também condicionado pela eliminação
19
de informação de websites institucionais e programáticos, pela sucessiva indisponibilidade
da nova direção da ANQ para processos de inquirição ou de colaboração na facilitação de
acesso aos representantes das Redes Locais para a Qualificação.
I-3. ESTRUTURA DA TESE
O presente trabalho é composto por sete capítulos.
No capítulo I foi apresentada uma introdução ao trabalho, na qual se explicitou a pertinência
da análise do tema, bem como as principais razões subjacentes à escolha do objeto de
estudo, os objetivos analíticos e as principais estratégias metodológicas de análise.
No capítulo II procede-se à identificação dos principais contornos do estudo e análise do
processo de políticas públicas. Começa-se por identificar quais as principais componentes de
análise do processo de políticas públicas, a que se segue uma breve resenha histórica da
evolução da Ciência das Políticas Públicas. Prossegue-se com uma análise das diferentes
correntes epistemológicas, teóricas e metodológicas inerentes à Ciência das Políticas
Públicas. No terceiro ponto do segundo capítulo são analisadas as mais relevantes
frameworks de estudo do processo de políticas públicas. Finaliza-se o capítulo com uma
análise das tendências atuais de investigação no domínio da Ciência das Políticas Públicas. O
principal contributo deste capítulo para o trabalho será a identificação dos principais
elementos para o estudo e análise das políticas públicas (policy content, polity e politics), a
identificação dos contornos da abordagem dos Estudos de Políticas Públicas que tem uma
orientação para a análise do processo, ao invés dos resultados, ou mesmo a identificação
das condicionantes inerentes à utilização da framework estagista face à emergência de
novos instrumentos e atores de políticas públicas.
O capítulo III debruça-se sobre o estudo do processo de implementação de políticas públicas,
começando pelo reconhecimento da sua complexidade conceptual e da multiplicidade de
atores que atuam neste processo. Segue-se um segundo ponto em que são analisadas as
diferentes gerações do estudo de implementação, primeiramente em termos cronológicos e
posteriormente procedendo-se a uma análise comparativa das mesmas no respeitante às
20
dimensões conceptuais, epistemológicas, ontológicas e metodológicas. O capítulo é
finalizado com uma análise das principais tendências presentes e futuras dos estudos de
implementação. O principal contributo deste capítulo para o trabalho é o reconhecimento
da complexidade do (sub-)processo da implementação de políticas públicas, a identificação
dos principais elementos identificadores da pouco utilizada abordagem bottom-up, em
termos conceptuais, epistemológicos, ontológicos e metodológicos, bem como o
reconhecimento da reorientação do campo de investigação para o estudo das relações
interorganizacionais.
O capítulo IV é dedicado à análise dos novos modos de governação pública em geral e das
redes de governança em específico. No primeiro ponto deste capítulo analisam-se os
contextos históricos de emergência dos novos modos de governação pública, as principais
diferenças que apresentam face aos modos tradicionais de governação pública, bem como
os desafios inerentes ao hibridismo dos contextos de governação pública. No segundo ponto
são analisadas as especificidades das redes enquanto modos de governação pública,
nomeadamente as suas principais características, os seus benefícios e desafios, bem como
os principais fatores críticos dos processos colaborativos e as principais estratégias de
metagovernação das redes. Os principais contributos deste capítulo serão a identificação dos
principais conflitos e complementaridade que poderão surgir da interação entre diferentes
modos de governação, a identificação das principais tipologias de redes e dos respetivos
desafios de gestão, bem como a identificação das principais dimensões para análise dos
processos de criação e gestão de redes e dos seus impactos.
O capítulo V tem o propósito de apresentar o desenho de pesquisa do estudo empírico
desenvolvido. Começa-se por apresentar os principais pressupostos epistemológicos e
ontológicos e por explicitar os quadros analíticos e conceptuais que servirão de base à
análise empírica. Prossegue-se com a identificação das razões subjacentes à escolha do
objeto de estudo, seguindo-se com a apresentação da pergunta de partida, dos objetivos e
das estratégias metodológicas.
O capítulo VI debruça-se sobre a análise do objeto de estudo empírico deste trabalho. Em
primeiro lugar, é analisada o sistema de educação e formação de adultos em Portugal tal
21
como enquadrada no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, nomeadamente o seu
alinhamento internacional, os seus antecedentes, os instrumentos, os atores do seu
processo de implementação e as dinâmicas de interação estabelecidas entre estes, bem
como os principais desafios da sua governação. O segundo ponto deste trabalho debruça-se
sobre a realidade das Redes Locais para a Qualificação, nomeadamente através do estudo
compreensivo de 8 estudos de caso e da análise comparativa quanto aos processos de
criação e gestão e dos seus impactos.
No último e sétimo capítulo apresentam-se algumas conclusões sobre a forma como o
estudo empírico pode contribuir para a compreensão da governação pública em Portugal,
sugerindo também um conjunto de potenciais percursos de investigação futura.
22
II. CONTORNOS DO ESTUDO E ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A Ciência das Políticas Públicas é uma disciplina das Ciências Sociais que, apesar de ser
bastante recente, se caracteriza por uma particular diversidade de abordagens analíticas e
teóricas. De acordo com Peters e Pierre (2006, pp. 2-3), esta diversidade deve-se, sobretudo,
à complexidade e à multidimensionalidade do próprio objeto de estudo.
A elevada complexidade substantiva advém, em primeiro lugar, do facto de o estudo das
políticas públicas ter múltiplos enfoques de análise. Com efeito, o estudo das políticas
públicas não se debruça apenas sobre a componente técnica dos objetivos e meios das
políticas, mas também sobre a dimensão política inerente à interação entre diferentes
atores no âmbito dos processos de formulação e implementação das políticas, ou mesmo
sobre os impactos que essas políticas produzem (Peters & Pierre, 2006, p. 2; Howlett,
Ramesh, & Perl, 2009, p. 4).
As formulações de Lasswell e Dye, que definiram o conceito de ‘políticas públicas’,
respetivamente, como “as decisões mais importantes” (Lasswell, (1951) 2003, p. 88) e
“qualquer coisa que o governo decide fazer ou não fazer” (Dye, (1972) 1981, p. 1), são, de
facto, atualmente consideradas demasiado simples e até desatualizadas. Aliás, as definições
apresentadas por Anderson (1975) e por Jenkins (1978) alguns anos depois da definição
proposta por Dye demonstravam já uma maior complexidade. De acordo com Jenkins (1978,
p. 15), o termo políticas públicas deveria ser entendido como “um conjunto de decisões
interrelacionadas tomadas por um ator político ou por um grupo de atores relativamente à
seleção de objetivos e dos meios para os alcançar …”. Através desta definição, o autor
assumia, portanto, a perspetiva de que as políticas públicas são compostas por um conjunto
de decisões, e não apenas por uma única decisão, que o processo de tomada de decisão
poderia envolver mais do que um ator, e que essas decisões deveriam reportar-se, não
“O estudo das políticas públicas é um tópico muito complexo, e qualquer tentativa de compelir as políticas num qualquer quadro teórico estreito deverá ser considerada com algum ceticismo.”
(Peters & Pierre, 2006, p. 2)
23
apenas aos fins a atingir, mas também aos meios necessários para os alcançar. Anderson,
por sua vez, definiu políticas públicas como “um curso de ação intencional seguido por um
ator ou um conjunto de atores para lidar com um problema ou uma questão preocupante”
(Anderson, 2006 (1975), p. 6). Com esta definição o autor reforçava, assim, a conceção das
políticas públicas enquanto um processo contínuo, que poderia envolver diversos atores e
que teria subjacente uma lógica de problem-solving.
Como se pode verificar pelas diferentes definições acima apresentadas, o conceito de
políticas púbicas é claramente multidimensional, o que explica que as definições
ultimamente apresentadas sejam geralmente bastante longas e complexas e que alguns
autores optem por enunciar um conjunto de atributos e elementos que consideram estarem
subjacentes ao conceito. A este propósito, poder-se-á destacar a lista de elementos
apresentada por Knoepfel, Larrue, Varone e Hill (2007, pp. 21-22, 26-29), no âmbito da qual
se refere que as políticas públicas são habitualmente compostas por:
a solução para um problema, na medida em que uma política pública se constitui
geralmente como a proposta de intervenção de um sistema político-administrativo para
lidar com um determinado problema social, o qual terá sido reconhecido como sendo do
domínio público, cuja perpetuação foi considerada como politicamente inaceitável e para
o qual se considera haver uma solução;
um grupo-alvo, já que as políticas públicas têm, habitualmente, o objetivo de afetar o
comportamento de um grupo de indivíduos, mais ou menos delimitado, ou os contextos
em que esse grupo de indivíduos se insere;
uma coerência intencional, uma vez que a política pública deve pressupor um curso de
ação com um determinado sentido, tendo, geralmente, subjacente a existência de uma
‘teoria de mudança social’;
a existência de diversas decisões e atividades, visto que a política pública é composta por
mais do que uma decisão isolada;
24
um programa de intervenção, considerando que no conjunto de decisões tomadas, para
além de objetivos gerais, deverão existir também decisões de âmbito mais concreto,
específico e operacional;
um papel central dos atores públicos, na medida em que as decisões serão tomadas por
atores que têm legitimidade para agir, quer porque esse poder lhes está atribuído
legalmente ou porque lhes foi delegado.
Considerando as características apresentadas, Knoepfel et al (2007, p. 30) definem políticas
públicas como um “conjunto de decisões e atividades coerentes, pelo menos na sua
intenção, tomadas por atores públicos, que têm diferentes níveis de concretização, que são
traduzidas em ações individuais formais que tentam moldar o comportamento de grupos-
alvo, por forma a resolver um problema”.
Muito embora a definição acima apresentada dê conta de uma relativa complexidade
inerente às políticas públicas ao enunciar um vasto conjunto de elementos de uma política
pública, esta poderá, contudo, transmitir uma ideia algo simplista dos processos inerentes à
elaboração de políticas públicas. De facto, esta definição poderá dar a entender que será
definida e implementada uma intervenção coerente cada vez que se deteta um problema
considerado politicamente inaceitável, esperando que os impactos dessa intervenção
resultem na resolução ou mitigação do problema. Como os próprios autores da definição
reconhecem, esta aparente simplicidade está, no entanto, longe de existir na realidade, já
que nem todos os problemas sociais dão origem a políticas públicas, quer pelo facto de estes
ainda não terem sido tornados visíveis, quer por não existir um modo de intervenção que
seja exequível ou que reúna o consenso necessário (Knoepfel, Larrue, Varone, & Hill, 2007,
p. 21). Acrescente-se ainda a possibilidade de o problema não ter recolhido a atenção e o
interesse de diferentes atores públicos e grupos sociais. Com efeito, é frequente que os
problemas que motivam a elaboração de políticas públicas sejam, devido à sua natureza
complexa, percecionados de forma diversa quanto ao seu “dimensionamento, extensão,
incidência, gravidade e consequências” (Cardim M. , 2006, p. 38).
25
Para além destas dissonâncias quanto aos contornos dos problemas, importa ainda atentar
que existem também frequentes desacordos quanto ao nível e à tipologia de intervenção do
Estado, debate esse que está profundamente relacionado com as difusas fronteiras entre os
domínios ‘público’ e ‘privado’ e que tem originado diferentes correntes ideológicas sobre as
funções do Estado (Parsons, 1995, pp. 3-8). Neste sentido, a ideia de que as políticas
públicas são criadas em nome do ‘interesse público’ ou da ‘causa pública’ entra
frequentemente em confronto com o facto de ser necessário proceder à compatibilização de
“interesses, visões e vontades que entre si colidem ou se interligam” (Cardim M. , 2006, p.
28). Como refere Lewis (2006, p. 696), a ideia de ‘interesse público’ apela mais a uma
conceção de processo infindável do que propriamente a uma figura de produto final.
Como se pode constatar pelo descrito, importa reconhecer que o processo de elaboração de
políticas públicas é mais do que um mero exercício técnico de definição de objetivos e meios
inerentes à intervenção sobre um problema, sendo também claramente o resultado de um
exercício político de interação entre diferentes atores quanto à formulação e
implementação de políticas (Peters & Pierre, 2006, p. 2; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p.
4). Será, portanto, neste sentido que diversos autores (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p.
4)) referem que o estudo e análise de políticas públicas devem ter em consideração três
dimensões inerentes ao conceito:
a dimensão material, ou seja, o conteúdo da política pública, materializado no conjunto
de objetivos e meios inerentes à proposta de intervenção e nos resultados efetivos dessa
intervenção (policy ou policy content);
a dimensão institucional, composta pelas estruturas institucionais responsáveis pelo
desenho e implementação da política e pelo conjunto de procedimentos formais que
regulam as relações entre estas estruturas (polity);
a dimensão processual, referente à interação efetiva entre atores no sentido de
influenciarem os processos de tomada de decisão e de aplicação aos mais diversos níveis
(politics).
26
Para além da complexidade inerente à multiplicidade do conceito, é necessário frisar que os
estudos de políticas públicas têm concluído que existem relevantes variações ao nível de
conteúdo e processo entre distintos domínios de políticas públicas (ex.: educação, defesa,
proteção social, saúde, cultura, etc.) ou entre diferentes (grupos de) países com distintas
tradições de estado (John, 2006, pp. 12-13; Knill & Tosun, 2012, p. 4). Por fim, importa
reconhecer que o conteúdo e processo de políticas públicas em muitos países ocidentais têm
feito um crescente uso de ‘novas’ formas de governação, as quais são mais “contextuais e
mais confusas que a maioria dos anteriores modelos de governação (…) [o que] coloca um
desafio significativo aos observadores dos processos de produção de políticas…” (Peters &
Pierre, 2006, p. 6).
De acordo com Sabatier (2007, pp. 3-4), a perspetiva dinâmica inerente ao estudo da
políticas públicas comporta maior dificuldade de análise, uma vez que o processo de
políticas públicas tende a ser um objeto de estudo particularmente complexo, considerando
o facto de ser um processo bastante demorado no tempo, o facto de envolver diferentes
programas de diferentes níveis governativos, mas, sobretudo, o facto de envolver diversos
(grupos de) atores, os quais têm habitualmente diferentes valores, interesses, perceções
sobre as situações e sobre os contornos das intervenções necessárias.
Face a este cenário de complexidade substantiva, Sabatier (2007, p. 5) considera que será
compreensível (ou até inevitável) que os analistas de políticas públicas adotem estratégias e
pressuposições de simplificação da realidade, nomeadamente através do desenvolvimento
de frameworks de análise e de teorias1. Na mesma linha, Peters e Pierre (2006, pp. 2-3)
referem que o estudo das políticas públicas é um tópico demasiado complexo para conseguir
ser compelido num único quadro teórico, considerando, assim, natural a existência de uma
elevada multiplicidade de abordagens analíticas, suportadas em diferentes teorias,
estratégias metodológicas e influências disciplinares.
1 Importa, a este propósito, frisar a distinção conceptual entre framework de análise, teoria e modelo De
acordo com Ostrom (2007, pp. 25-26), a principal diferença situa-se ao nível dos objetivos analíticos, já que as frameworks ajudam a identificar quais as variáveis que deverão ser usadas na análise de um fenómeno, não referindo, necessariamente, os tipos de relações entre variáveis, ao passo que as teorias especificam um conjunto de relações entre variáveis com coerência lógica. Por sua vez, um modelo especifica assunções precisas sobre um conjunto limitado de parâmetros e variáveis, os quais se reportam a uma situação específica (Ostrom, 2007, pp. 25-26).
27
A propósito da diversidade de abordagens analíticas, importa, desde logo, frisar que a
Ciência das Políticas Públicas tinha, desde a sua origem na segunda metade do séc. XX, a
dupla finalidade de produzir conhecimento de aplicação prática e conhecimento teórico
sobre o processo de políticas públicas (Lasswell, (1951) 2003, p. 86), situação que acabou por
dar azo à emergência de duas correntes de investigação – a ‘Análise de Políticas Públicas’ e
os ‘Estudos de Políticas Públicas’.
Para além da diferenciação acima referida, importa reconhecer que é frequente os
investigadores em políticas públicas terem um enfoque analítico num conjunto delimitado
de variáveis de análise por forma a lidar com toda a complexidade substantiva, quer sejam
os instrumentos de políticas pública, os resultados e/ou impactos das políticas públicas, ou
os diferentes determinantes que influenciam o processo de políticas públicas (Howlett,
Ramesh, & Perl, 2009, pp. 8-9). Ademais, o próprio estudo dos determinantes tem dado
origem a diferentes teorias de análise, que atribuem particular ênfase a diferentes conjuntos
de determinantes, tais como as instituições, grupos e redes, atores racionais, ideias ou
fatores exógenos (John, 2006, pp. 15-16).
Para além das teorias associadas a estes conjuntos de determinantes, importa ainda
destacar a importância de algumas frameworks do estudo das políticas públicas,
nomeadamente a designada Framework Estagista, a qual, apesar de ser alvo de diversas
críticas, é ainda bastante utilizada no âmbito da Ciência das Políticas Públicas.
Face a este cenário de complexidade, o objetivo do primeiro capítulo deste trabalho é
apresentar, ainda que em de forma breve em alguns pontos, os principais debates e
abordagens que têm caracterizado o estudo do processo de políticas públicas.
Primeiramente analisar-se-á o percurso histórico de emergência e evolução da Ciência das
Políticas Públicas. Em segundo lugar, serão exploradas as principais abordagens analíticas da
Ciência das Políticas Públicas. Por fim, o capítulo será concluído com algumas notas sobre
quais as principais tendências de investigação que se preveem vir a caracterizar esta
disciplina num futuro próximo.
28
II-1. EMERGÊNCIA E AFIRMAÇÃO DA CIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Tal como deLeon e Vogenbeck (2007, p. 503) referem num ensaio sobre a história do estudo
das Políticas Públicas, as “Policy Sciences são caracterizadas por um longo passado mas por
uma curta história”. De facto, muito embora a emergência da Ciência das Políticas Públicas
remonte apenas ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, as bases desta disciplina
são bastante mais antigas, já que existem políticas públicas e aconselhamento político desde
os primórdios da história (deLeon & Martell, 2006, p. 31; deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 504;
Santos, 2013, pp. 256-259). Tal como refere Lasswell (1971, p. 10), os primeiros códigos
legais – tais como o Código de Ur-Nammu, do reino de Ur no séc. XXI a.C., ou o Código de
Hammurabi, do reino da dinastia Amorite da Babilónia no séc. XVIII a.C. – contêm já uma
visão sistemática de organização social, ao passo que os escritos de Confúcio, Platão ou
Aristóteles (séc. VI a IV a.C.) se afirmam como verdadeiros tratados sobre a decisão e a
ordem pública.
Não obstante as influências das primeiras civilizações e da antiguidade clássica, terá sido,
sobretudo, nos períodos renascentista e iluminista que o aconselhamento político
sistemático e, por vezes, institucionalizado terá ganho particular expressão, destacando-se,
neste âmbito, os nomes de Machiavel, Thomas More, Bacon, Locke e Hume, ou mesmo
Montesquieu e Rousseau (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 505). Apesar de reconhecerem a
importância destas influências, deLeon e Martell (2006, p. 31) destacam que existirá “uma
clara distinção entre os primórdios do aconselhamento político e o que mais tarde veio a ser
conhecido por Ciência das Políticas Públicas, nomeadamente porque os conselheiros dos
governantes raramente se baseavam em investigação extensiva nem em relatórios
cuidadosamente trabalhados”. deLeon e Vogenbeck (2007, p. 505) referem ainda que as
análises destes autores eram, também, frequentemente pouco objetivas e neutras.
No decurso dos séculos XVIII e XIX assistiu-se, entretanto, à emergência e/ou
desenvolvimento de diversas Ciências Sociais e da investigação empírica aplicada, bem como
a uma maior consciência para os graves problemas sociais, os quais apelavam ao
desenvolvimento de programas de proteção social (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 505). De
igual modo, emergia nos Estados Unidos da América uma linha de pensamento filosófico de
29
orientação pragmática e instrumental, a qual contrariava a procura de verdades absolutas e
acolhia, no âmbito da análise científica, a perceção humana, as interpretações mútuas e o
debate, bem como a importância do contexto (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 506).
Como reconhecido pelo próprio Lasswell ((1951) 2003, pp. 99-100) – entendido como o pai
da Ciência das Políticas Públicas –,a perspetiva pragmática acima descrita deveria estar
subjacente à Ciência das Políticas Públicas, já que, no seu entender, “o cientista de políticas
públicas está muito mais interessado em avaliar e reconstruir as práticas da sociedade do
que no seu raciocínio privado sobre as grandes abstrações a partir das quais os seus valores
derivam”.
A invocação da necessidade de produção de conhecimento aplicado é, com efeito, uma das
principais características distintivas da ‘policy orientation’ das Ciências Sociais propostas por
Lasswell. A propósito desta invocação de aplicabilidade, Lasswell ((1951) 2003, pp. 89,92)
destaca dois nomes que terão dado um especial contributo para o desenvolvimento da
orientação para o estudo das políticas públicas: por um lado, Charles Merriam, professor da
Universidade de Chicago e mentor de Lasswell, que advogava a importância de quebrar as
barreiras entre diferentes disciplinas das ciências sociais e de aprofundar os enfoques
metodológicos no estudo e na prática dos processos de governação2; e, por outro lado,
Robert Lynd, nomeadamente através da organização, em 1939, de um conjunto de sessões
académicas sob o mote ‘knowledge for what’, nas quais defendia a indispensabilidade do
desenvolvimento de conhecimento para fazer face aos problemas da sociedade. Para além
destes nomes, deLeon & Vogenbeck (2007, p. 507) destacam ainda Robert Merton, o qual
advogava, igualmente, que os cientistas sociais tinham a função de sensibilizar os decisores
políticos para novos objetivos e formas mais eficazes de os alcançar.
Não obstante a importância dos esforços iniciais referidos, será importante referir que os
apelos destes percursores terão recolhido pouco entusiasmo no início do séc. XX, sobretudo
por questões relacionadas com a defesa das fronteiras disciplinares e da independência da
ciência face à comunidade exterior (Parsons, 1995, p. 17; deLeon & Vogenbeck, 2007, p.
2 Charles Merriam terá ajudado, alias, a fundar o Social Sciences Research Council, organização que defendia
uma orientação transdisciplinar da investigação na abordagem aos problemas sociopolíticos (McCool, 1995a, p. 1).
30
507). Além disso, a Ciência Política tendia a negligenciar as políticas públicas enquanto
objeto de estudo, já que, devido ao predomínio da tradição behaviorista, os principais focos
de interesse eram fenómenos mais facilmente observáveis, tais como as votações e as
estratégias eleitorais dos partidos (John, 2006, p. 3). Por outro lado, os estudos sobre a
Administração Pública haviam-se desenvolvido no final do séc. XIX com uma orientação para
a análise descritiva das estruturas e dos procedimentos administrativos, dedicando pouca
atenção aos processos de elaboração de políticas, já que diferentes autores, de entre os
quais se destaca W. Wilson, defendiam que deveria existir uma separação Política-
Administração na prática e na análise científica (Henry, 1975, p. 379; John, 2006, p. 3). Além
desta defesa da dicotomia política-administração e da procura de princípios universais de
administração preconizada por W. Wilson, F. Goodnow, L. White e W. Willoughb que marcou
o primeiro quartel do séc. XX, seguiu-se uma fase de defesa de uma ciência da administração
pura com base na psicologia social e em princípios behavioristas, da qual H. Simon é um dos
expoentes máximos (Henry, 1975, pp. 379-380).
Muito embora a influência behaviorista de H. Simon tenha sido bastante forte no âmbito da
Ciência da Administração durante o segundo quartel do séc. XX, em paralelo começava a
ganhar força uma linha de investigação com base na economia política que se dedicava,
sobretudo, à formulação de prescrições para o processo de políticas públicas (Henry, 1975,
pp. 379-380). Como refere John (2006, p. 3), existia, assim, “a necessidade de uma
subdisciplina para compreender a totalidade do processo de tomada de decisão pública e
para investigar as relações complexas entre as rudimentares exigências públicas e a
implementação detalhada das escolhas de políticas públicas”.
Foi, portanto, neste contexto que se deu a proposição de uma ‘policy orientation’ no âmbito
das Ciências Sociais no início da década de 50, facto que estará relacionado, sobretudo, com
um certo esbatimento da defesa da dicotomia política-administração ocorrido durante a
guerra e com o aumento dos níveis de intervenção pública e, por conseguinte, das
necessidades de planeamento e atuação pública informada (Parsons, 1995, p. 17; John,
2006, p. 4; Hill & Hupe, 2009, p. 84).
31
Tal como atrás referido, terá sido Lasswell quem lançou, em 1951, a proposta de criação de
uma ‘policy orientation’, a qual, indo ao encontro dos apelos anteriormente formulados, se
deveria estruturar em torno de três características (Lasswell, (1951) 2003, pp. 86-96):
um carácter multidisciplinar, já que esta disciplina deveria tentar ‘romper’ com as
especializações existentes, muito embora não devesse ser entendida como outra forma
de falar de ciências sociais ou de ciências psicológicas, nem ser entendida como tendo
um objeto de estudo sobreposto ao da Ciência Política;
um pendor contextual e uma orientação para os problemas, já que o autor advogava que
a Ciência das Políticas Públicas deveria ser uma ciência social aplicada e ter um pendor
mais pragmático, que não se cingisse apenas ao debate académico;
uma componente valorativa, dado que o autor entendia que nenhum problema social
estaria incólume de elementos valorativos, uma vez que lida com relações sociais e
interpessoais, daí que uma política pública implique uma preferência por uma
determinada sequência de eventos.
Muito embora Lasswell seja hoje reconhecido como o pai da Ciência das Políticas Públicas,
será importante referir que os apelos do autor também não terão encontrado, de imediato,
‘terreno fértil’, tendo a afirmação científica desta disciplina ocorrido apenas a partir de
meados da década de 60 do séc. XX (Sabatier, 1991a, p. 144; deLeon & Vogenbeck, 2007, p.
509). Tal como referem deLeon e Vogenbeck (2007, pp. 516-523) e Farah (2011, p. 817), o
início da afirmação da Ciência das Políticas Públicas neste período histórico estará
relacionado, em grande medida, com as crescentes necessidades de planeamento e
avaliação dos largos programas públicos então em desenvolvimento, bem como pelo
decorrente interesse despertado na comunidade académica.
Com efeito, as administrações Kennedy (1961-1963) e Johnson (1963-1969) apostaram
bastante nas funções de planeamento (ex.: introdução do ‘Program Planning Budgeting
System’ (PPBS), primeiramente no Departamento de Defesa e, posteriormente, em diversos
outros departamentos), bem como na contratação de ‘analistas de políticas públicas’ (Hill &
32
Hupe, 2009, p. 84). Esta procura de ‘analistas de políticas públicas’ terá, por sua vez, dado
origem à criação, em diversas universidades, de programas de formação académica e de
investigação no domínio das políticas públicas que, contrariando o enfoque tradicional da
Administração Pública, se baseavam mais em ‘técnicas analíticas duras’ – são exemplos disso
a Kennedy School of Government, na Universidade de Harvard (criada em 1966, substituindo
a designada Littauer School of Public Administration) ou a Graduate School of Public Policy na
Universidade de Berkeley (fundada em 1969) (Hill & Hupe, 2009, p. 84).
No âmbito deste processo de afirmação científica, Parsons (1995, pp. 27-28) destaca ainda a
organização de duas conferências subordinadas à temática das políticas públicas por parte
do American Social Science Research Council nos Estados Unidos da América no final da
década de 60 e a fundação de associações científicas subordinadas à temática, entre as quais
a Policy Sciences Organization, em 1972.
Ainda a propósito do percurso de afirmação da Ciência das Políticas Públicas no decurso da
década de 60, importa destacar que este se deu também, em grande medida, como
consequência da disponibilização de abundantes fundos públicos e privados destinados à
avaliação de políticas públicas, situação que terá contribuído para uma grande concentração
de esforços em torno da investigação em avaliação de políticas (deLeon & Vogenbeck, 2007,
p. 516). Como referem deLeon e Vogenbeck (2007, p. 512), os primeiros a enveredar pela
‘policy orientation’ terão sido os analistas mais ligados à Investigação Operacional e à
Economia, cujas abordagens defendiam que os problemas e soluções inerentes aos
processos de elaboração de políticas poderiam ser definidos de forma compreensiva e
racional e submetidos a análise quantitativa. Estas abordagens são geralmente designadas
por ‘policy analysis’ (análise de políticas públicas), distinguindo-se de outras abordagens
geralmente designadas por ‘policy studies’, tal como será explorado em maior detalhe no
ponto II-2 deste trabalho.
Muito embora esta ‘vaga’ de investigação em avaliação de políticas tenha contribuído para o
desenvolvimento científico da Ciência das Políticas Públicas através da sua preocupação com
o rigor metodológico, será importante registar que terá conduzido também a algum
ceticismo quanto à aplicabilidade da Ciência das Políticas Públicas, já que se terá revelado
33
pouco sensível às necessidades dos decisores políticos (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 516-
517). De acordo com deLeon e Martell (2006, p. 35), um exemplo que ilustra esta desilusão
estará relacionado com as análises referentes à Guerra do Vietname ou às Crises
Petrolíferas, já que estas terão sido acusadas de terem ignorado variáveis políticas. Desta
feita, as análises de políticas públicas mais sistémicas preconizadas por especialistas em
Investigação Operacional e Economia terão sido criticadas por defensores da abordagem dos
‘estudos de políticas públicas’, a qual atribui maior importância aos contextos e é mais
orientada para os problemas, atribuindo maior importância às variáveis políticas – o artigo
de Wildavsky ‘Rescuing Policy Analysis from PPBS’, de 1969, é exemplo disso (deLeon &
Vogenbeck, 2007, p. 513).
É, portanto, no contexto das críticas acima referidas que, a partir de meados da década de
70 do séc. XX, os ‘estudos de políticas públicas’ começaram a atribuir maior importância à
abordagem processual do ciclo de políticas públicas e a análises da fase de implementação,
as quais tendiam a ser baseadas em estudos de caso qualitativos e a ter preocupações
prescritivas (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 513, 517-518). Muito embora este enfoque na
implementação tenha produzido também conhecimento bastante útil, alguns autores
defendem que terá “produzido mais confusão do que clarificação” (deLeon & Vogenbeck,
2007, p. 518).
Perante o contexto acima descrito, imperava no início da década de 80 do séc. XX um certo
sentimento de ceticismo quanto à utilidade prática da análise de políticas públicas, situação
que se devia não apenas às dúvidas quanto à credibilidade dos métodos e das teorias da
Ciência das Políticas Públicas, mas também ao incremento dos movimentos de defesa de
‘redução do Estado’ (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 524). Terá sido neste contexto que
surgiu o movimento do estudo da Gestão Pública, o qual se tornou num parceiro natural da
Ciência das Políticas Públicas tendo em atenção que comungava do seu enfoque
multidisciplinar, orientação para os problemas e natureza normativa, ainda que diferindo
pela sua perspetiva menos sistémica e mais centrada nas organizações ou em programas
específicos (deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 527).
34
De acordo com Parsons (1995, p. 28), a década de 80 é ainda marcada pela afirmação da
Ciência das Políticas Públicas para além das fronteiras dos E.U.A., através do seu
desenvolvimento em outros países, sobretudo na Europa, de onde o autor considera terem
vindo algumas das mais inovadoras perspetivas nesse período. Com efeito, o
desenvolvimento da ‘análise de políticas públicas’ tal e qual se praticava nos Estados Unidos
da América começou a ganhar maior destaque na Europa apenas na década de 70 e 80 do
séc. XX, não sem que tivesse encontrado algumas resistências.
No Reino Unido, por exemplo, a ‘análise de políticas públicas’ enquanto atividade do
Governo teve início no começo da década de 70 do séc. XX, mas, face a alguma indiferença e
hostilidade por parte da academia e dos quadros dirigentes da Administração Pública, foi de
maior interesse apenas nas décadas de 80 e 90, muito por influência do managerialismo
(Parsons, 2007, pp. 539, 544-545). Para tal indiferença contribuía, por exemplo, o facto de os
académicos e a Administração Pública considerarem que o estudo e análise de políticas
públicas já vinha sendo realizada, ainda que sob outras designações (Hogwood, 1995, pp. 67-
68). Por outro lado, Parsons (2007, pp. 542-544) dá conta que o campo disciplinar que mais
contribuiu para o desenvolvimento da abordagem às políticas públicas no Reino Unido não
terá sido o da Economia, mas antes o da Administração e Política Social, bem como o da
Ciência Política.
Esta reticência inicial teve igualmente lugar em alguns países da Europa Continental, tais
como a Alemanha. Como refere Saretzki (2007, pp. 588-591, 599), a análise de políticas
públicas foi importada dos E.U.A. no final da década de 60 e início da década de 70, como
consequência da necessidade crescente de conhecimentos orientados para as políticas
públicas para apoiar diversos programas de reformas internas, suscitando um crescente
interesse durante a década de 70 e início da década de 80, mas só registando uma aceitação
considerável desde meados da década de 80. Para tal reticência terão contribuído, entre
outros aspetos, as dificuldades de introdução de métodos e procedimentos de análise de
políticas públicas na Administração Pública sentida por diversos académicos que estariam a
acompanhar os ditos processos de reformas internas, o que fez com que estes se tivessem
dedicado aos temas das dificuldades da implementação de políticas aquando do regresso à
35
academia, ao mesmo tempo que criticavam o otimismo irrefletido do planeamento (Saretzki,
2007, p. 589).
Tal como aconteceu na Alemanha, a introdução da ‘análise de políticas públicas’ de estilo
americano na Holanda teve também lugar no final da década de 60 e início da década de 70,
como consequência das necessidades de planeamento advindas do forte crescimento do
Estado Social (Mayer, 2007, p. 556). Esta abordagem, que se alinhava, de certo modo, com
as práticas de planeamento mais tecnocráticas que vinham sendo desenvolvidas pelo Central
Planning Bureau (fundado em 1945), e que terá sido amplamente adotada durante a década
de 70, gerou, contudo, diversos problemas, acabando por ser abandonada no início da
década de 80 (Mayer, 2007, pp. 555-558). Tal como refere Mayer (2007, p. 558), alguns
desses problemas estarão relacionados com a rigidez e burocracia associada à
implementação das técnicas de análise, mas sobretudo à pouca atenção dedicada às
dimensões políticas da formulação de políticas, nomeadamente à presença de múltiplos
atores. Terá sido, neste sentido, que surgiram, na década de 80, diversas escolas de
administração pública na Holanda com académicos bastante críticos do paradigma
racionalista e que se dedicaram amplamente ao estudo dos contextos de decisão pública
com diversos atores e deram lugar ao desenvolvimento dos métodos participativos no
estudo das políticas públicas (Mayer, 2007, p. 560).
Como se pode observar pelo que foi descrito relativamente ao desenvolvimento da
abordagem das políticas públicas em alguns países da Europa, registou-se alguma adesão à
análise de políticas públicas de estilo americano no decurso da década de 70 em países
como a Alemanha ou a Holanda, a que se seguiu um período de desilusão. A este propósito,
importa relembrar que a abordagem da ‘análise de políticas públicas’ já vinha sendo
criticada nos E.U.A. desde a década de 60. Já no caso do Reino Unido, o ceticismo face à
‘análise de políticas públicas’ só começou a ser efetivamente desfeito através do movimento
da Gestão Pública na década de 80, do qual este país foi um dos principais preconizadores,
tal como será abordado em maior detalhe no capítulo IV.
De igual modo, e em linha com o argumento de Parsons (1995, p. 28), importa assinalar que
foi na Europa que se registaram dos mais significativos desenvolvimentos, não só no estudo
36
da implementação de políticas públicas, sobretudo numa perspetiva multiator, mas também
nos métodos participativos de análise de políticas públicas – para maior detalhe, veja-se
capítulo IV. São exemplo disso, as obras pioneiras de M. Hill no Reino Unido (Parsons, 2007,
p. 543), de Mayntz e Scharpf na Alemanha (Saretzki, 2007, p. 593), e de todo um conjunto de
escolas na Holanda (Mayer, 2007, p. 558).
Como foi possível observar, a Ciência das Políticas Públicas desenvolveu-se bastante a partir
de meados da década de 60, muito embora apresentando diferenças face à proposta de
Lasswell, se se atentar às três características enunciadas pelo autor.
Por um lado, existiu alguma dificuldade em implementar a multidisciplinaridade proposta,
na medida em que se verificou uma forte resistência à quebra de barreiras entre disciplinas
científicas, mas também porque se verificou uma certa autonomização científica da Ciência
das Políticas Públicas, através do desenvolvimento de terminologia e metodologias próprias
(Parsons, 1995, p. 28; deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 511; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p.
19).
Por outro lado, a orientação para o desenvolvimento de uma ciência social quase
exclusivamente aplicada ter-se-á esbatido um pouco, não apenas porque as entidades
públicas se demonstraram algo resistentes aos estudos elaborados por académicos (Howlett,
Ramesh, & Perl, 2009, p. 19), mas também porque esta orientação prática terá sido
considerada prejudicial para as aspirações de reconhecimento científico da disciplina
(deLeon & Vogenbeck, 2007, p. 512). Desta feita, terá ocorrido uma divisão da Ciência das
Políticas Públicas em duas correntes, uma mais académica e outra mais pragmática e virada
para a vida política.
Por outro lado ainda, a questão da normatividade e do desejo de prescrição diminuiu face à
consciencialização da intratabilidade de alguns problemas, o que terá levado a que alguns
investigadores se foquem em dimensões mais simples, tais como a eficácia e a eficiência
(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 19).
Para além desta evolução face à proposta da ‘policy orientation’ formulada por Lasswell, foi
também possível observar neste último ponto que a Ciência das Políticas Públicas é
37
particularmente profícua em diferentes abordagens, as quais têm distintos radicais
disciplinares, teóricos e metodológicos. Estas diferenças serão alvo de análise mais
aprofundada no próximo ponto do trabalho.
II-2. DIVERSIDADE EPISTEMOLÓGICA, TEÓRICA E METODOLÓGICA NA CIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A Ciência das Políticas Públicas é uma disciplina caracterizada por uma significativa
diversidade analítica, não obstante a sua afirmação científica apenas ter ocorrido há cerca
de 5 décadas. Com efeito, e como já atrás referido, a complexidade substantiva inerente ao
estudo e análise de políticas públicas conduz à situação, praticamente inevitável, de
diferentes investigadores desenvolverem modelos e técnicas que permitam a redução da
complexidade através do enfoque num conjunto limitado de elementos do processo de
políticas públicas e da adoção de diferentes estratégias analíticas (Howlett, Ramesh, & Perl,
2009, p. 8).
As diferentes estratégias analíticas utilizadas para estudar políticas públicas não diferem,
contudo, apenas quanto aos pontos de enfoque, apresentando igualmente diferentes
pressupostos epistemológicos, bases disciplinares, estratégias metodológicas e até
comunidades analíticas, facto que tem dado origem à emergência de diferentes correntes de
investigação no âmbito da Ciência das Políticas Públicas.
Uma das principais distinções de correntes no âmbito da Ciência das Políticas Públicas é
aquela que contrapõe a corrente da ‘análise de políticas públicas’ (policy analysis) e ‘estudos
de políticas públicas (policy studies)3, anteriormente referida neste trabalho. Tal como
referido por Howlett et al (2009, pp. 8-10), estas duas correntes de investigação da Ciência
das Políticas Públicas diferem em relação a diversos aspetos, nomeadamente enfoques de
análise, estratégias metodológicas e até comunidades analíticas, já que apresentam as
seguintes características: por um lado, a corrente da ‘análise de políticas públicas’ é
3 De referir que esta distinção clara entre a utilização das expressões ‘análise’ e ‘estudos’ só é válida para este
ponto do trabalho. Nos restantes pontos, a utilização de uma ou de outra expressão será feita indiferenciadamente, a não ser quando se utilize a expressão entre aspas e na sua forma completa – ‘estudos de políticas públicas’ ou ‘análise de políticas públicas’.
38
desenvolvida maioritariamente por analistas que trabalham para os próprios organismos
estatais ou por grupos de interesse, que tendem a debruçar-se sobre a avaliação formal ou a
previsão dos impactos ou resultados das políticas públicas, utilizando, sobretudo, técnicas de
análise quantitativa; e, por outro lado, a corrente dos ‘estudos de políticas públicas’ é
desenvolvida, sobretudo, por académicos, os quais tendem a estudar, não apenas as
políticas públicas e os seus efeitos, mas também as suas causas e pressupostos, bem como
os processos envolvidos nas fases de formulação e implementação das políticas.
Muito embora não referisse as designações destas duas correntes, esta divisão de
perspetivas foi reconhecida pelo próprio Lasswell (1970, p. 3) quando se referiu à existência
de duas orientações da Ciência das Políticas Públicas que, embora separadas, se
interligavam: o conhecimento do processo de elaboração de políticas públicas; e, o
conhecimento no processo de elaboração de políticas públicas (itálico no original). Esta
divisão tinha, aliás, já sido referida pelo próprio autor no ensaio iniciático da ‘policy
orientation’, nomeadamente quando refere o seguinte:
“A orientação é dupla. Em parte é direcionada para o processo de produção de políticas, e em
parte para as necessidades de conhecimento da política. A primeira tarefa, que é o
desenvolvimento de uma ciência da formação e execução das políticas, usa os métodos da
investigação social e psicológica. A segunda tarefa, que é a melhoria do conteúdo concreto da
informação e das interpretações disponíveis para os decisores políticos, tipicamente vai para
além das fronteiras da ciência social e da psicologia.” (Lasswell, (1951) 2003, p. 86)
Para além das diferenças acima referidas, Howlett et al (2009, p. 8) referem ainda que estas
duas correntes estarão também frequentemente associadas a diferentes pressupostos
epistemológicos: por um lado, estudos com base em pressupostos positivistas, os quais se
baseiam em análises concretas dos objetivos e impactos das políticas; e, por outro lado,
estudos com base em pressupostos pós-positivistas, que se debruçam frequentemente
sobre a interpretação dos objetivos, intenções e ações dos atores envolvidos nos processos
de elaboração de políticas públicas.
39
No mesmo sentido, deLeon e Vogenbeck (2007, p. 512) destacam que a ‘análise de políticas
públicas’ é geralmente desenvolvida por analistas das áreas da Investigação Operacional e
da Economia e que a mesma se baseia no pressuposto que os problemas e as soluções
podem ser definidos com precisão racional e sujeitos a uma análise empírica precisa. Por sua
vez, ‘os estudos de políticas públicas’ foram desenvolvidos, sobretudo, por académicos da
Ciência Política, os quais atribuíam bastante importância ao contexto das políticas públicas,
considerando igualmente que o processo de políticas públicas era resultado de processos
incrementais resultantes de ajustamentos mútuos.
Como foi possível constatar pelo descrito, a Ciência das Políticas Públicas encontra-se, assim,
dividida em torno das correntes da ‘análise de políticas públicas’ e dos ‘estudos de políticas
públicas’, cujas principais características estão sistematizadas na figura que se segue.
Figura 1. Distinção entre ‘Análise de Políticas Públicas’ e ‘Estudos de Políticas Públicas’
Análise de Políticas Públicas (Policy
Analysis) Estudos de Políticas Públicas
(Policy Studies)
Principal Comunidade Analítica
Analistas das próprias Organizações Públicas e de Grupos de Interesse
Académicos
Principal Objetivo
Melhorar o desenho, implementação e avaliação das
políticas existentes
(conhecimento no processo)
Compreender o processo de elaboração de políticas públicas e
produzir teoria
(conhecimento do processo)
Principal Objeto de Estudo
Resultados e Impactos das Políticas Processo de elaboração das Políticas
Principal Assunção Problemas e Soluções vistos de
forma racional e otimizada
Problemas e Soluções como resultado de acordos e negociações
plurais
Metodologias Predominantes
Quantitativa Qualitativa
Princípio Metodológico Subjacente
Procura de respostas mais universais
Atenção ao Contexto
Princípio Epistemológico
Subjacente
Positivismo
(analisa as atividades efetivas das organizações)
Interpretativismo
(estuda os objetivos e intenções subjacentes às decisões)
Principal Disciplina de Inspiração
Economia e
Investigação Operacional
Ciência Política e
Ciências do Comportamento
Fonte: produção própria, baseado em Howlett et al (2009, pp. 8-10), deLeon e Vogenbeck (2007, pp. 512-513) e Lasswell ((1951) 2003, p. 86; 1970, p. 3)
40
A existência destas duas correntes, que se iniciou de forma mais profunda na década de 60
do séc. XX, tal como referido no ponto anterior, perdura até à atualidade, não obstante a
existência de algumas tentativas de conciliação (deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 511, 513)
Para além destas duas correntes, Howlett et al (2009, p. 20) referem ainda que a enorme
diversidade que caracteriza a Ciência das Políticas Públicas na atualidade é ainda visível nos
métodos de análise e nos princípios epistemológicos subjacentes (positivismo vs. pós-
positivismo) e nas unidades de análise (indivíduo, grupos e estrutura).
No que se refere ao princípio epistemológico subjacente, Howlett et al (2009, pp. 21, 26)
destacam que as abordagens positivistas tendem a desenvolver análises formais que utilizam
princípios da Economia, sobretudo do ramo da Economia do Bem-Estar, produzindo modelos
elegantes e lógicos, mas que tendem a não analisar variáveis políticas, facto pelo qual são
frequentemente criticadas. Por outro lado, os autores dão conta que as abordagens pós-
positivistas surgiram na década de 90 em reação à orientação tecnocrática que considerava
que a disciplina estaria a adotar, defendendo um conjunto de convicções, tais como a não
existência de compreensões ‘objetivas’ dos problemas e soluções, a necessidade de
promoção da democracia e da participação e que os argumentos deverão ser a unidade
básica de análise (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, pp. 26-28).
Em relação às unidades de análise, Howlett et al (2009, p. 31) referem que existem
diferentes teorias que assumem que o processo de elaboração de políticas públicas é
altamente politizado, mas que atribuem maior enfoque a distintas unidades de análise,
nomeadamente:
- o comportamento de nível micro dos indivíduos, como por exemplo, a Teoria da Escolha
Pública, que assume que o comportamento individual dos atores políticos é guiado pelo
autointeresse e pela maximização da sua satisfação;
- a interação entre grupos de interesse organizados, como por exemplo as Teorias de
Classe, que assumiam que as sociedades tendem a estruturar-se em torno de disputas
dicotómicas entre classes, as Teorias Pluralistas que tomam por princípio que o processo
41
de políticas públicas é o resultado da conciliação dos interesses defendidos por
diferentes grupos de interesse, e as Teorias Corporativistas, que se assemelham às
Teorias Pluralistas mas que tomam em consideração os padrões de institucionalização
de relações entre o Estado e determinados Grupos de Interesse;
- a estrutura dos arranjos políticos e económicos, como por exemplo o Institucionalismo
Centrado no Ator, que defende que os comportamentos dos indivíduos motivados pelo
autointeresse são condicionados pelas regras, normas e símbolos das instituições, ou o
Institucionalismo Socio-histórico, que assume que as estruturas institucionais que
perduram ao longo do tempo são a base da vida política e social e que a influência
destas sobre o comportamento dos indivíduos ocorre, sobretudo, através da
interiorização das normas e regras institucionais.
No mesmo sentido, John (2006, pp. 15-16) refere a existência de diferentes abordagens que
explicam as mudanças e estabilidades no âmbito das políticas públicas através do enfoque
em diferentes variáveis de análise, nomeadamente as instituições, os grupos de interesse e
as redes, os fatores socioeconómicos de nível macro, o comportamento racional de atores
individuais, ou ainda as ideias.
Para além da influência das diferentes abordagens epistemológicas e de enfoque de análise,
a multiplicidade de abordagens no âmbito da Ciência das Políticas deve-se ainda às
diferentes inspirações disciplinares. Neste âmbito, muito embora se possa referir que a
Ciência das Políticas Públicas recebe influências de um número bastante diversificado de
disciplinas (Birkland, 2001, pp. 8-9), poder-se-á destacar a importância da Economia, da
Sociologia e da Ciência Política, as quais apresentam um certo grau de rivalidade e
distanciamento entre si, no referente aos pressupostos de análise, à principal unidade de
análise e às fases do processo de políticas mais analisadas (Pierre, 2006, p. 481). Assim,
segundo Pierre (2006, pp. 482-490), os contributos destas três disciplinas organizam-se nos
seguintes moldes:
42
- Economia: a análise economicista tem geralmente como assunção a racionalidade de
comportamento dos atores individuais e tende a focar-se na análise das diferentes
opções políticas ou na avaliação das políticas, através da análise da eficiência e eficácia
das intervenções desenvolvidas, sendo geralmente criticada pela dificuldade em
incorporar variáveis políticas como o conflito político ou a inércia institucional;
- Ciência Política: a análise politológica concentra-se primordialmente na ‘luta’ de poder
entre diferentes atores, quer sejam indivíduos, grupos ou instituições, focando-se, por
isso, sobretudo nas fases do agendamento e da tomada de decisão, sendo geralmente
criticada pela dificuldade de integrar as perspetivas da agência e da estrutura numa
mesma teoria ou pela tendência em centrar-se nas elites;
- Sociologia: a análise sociológica tende a concentrar-se no estudo dos problemas sociais e
na aferição dos impactos das políticas públicas na mitigação desses problemas, bem
como na análise dos contextos organizacionais das estruturas implementadoras,
focando-se por isso, sobretudo, nas fases da identificação de problemas,
implementação e avaliação de políticas, sendo geralmente criticada pelo limitado
interesse pelos processos de tomada de decisão ou por considerar que as relações de
poder são definidas por variáveis relacionadas com a economia ou o status social.
Tendo em consideração o descrito, poder-se-á proceder à sistematização dos contributos de
cada uma das Ciências Sociais acima referidas da forma apresentada na figura que se segue.
43
Figura 2. Principais influências disciplinares da Ciência das Políticas Públicas Economia Ciência Política Sociologia
Pri
nci
pal
En
foq
ue
Comportamento individual
‘Luta’ de poder entre atores (indivíduos, grupos e
instituições)
- Problemas sociais que originaram as políticas
- Efeitos das políticas sobre os problemas;
- Contextos organizacionais
Fase
mai
s an
alis
ada - Escolha Instrumentos
- Avaliação (eficiência e eficácia)
- Agendamento
- Tomada de Decisão
- Identificação Problema
- Implementação
- Avaliação (impacto)
Pri
nci
pai
s C
ríti
cas - Dificuldade em
incorporar conflito político e inércia institucional
- Dificuldade integrar indivíduo e estrutura num mesmo modelo
- Enfoque exacerbado das elites
- Limitado interesse pela tomada de decisão
- Considera que relações poder são definidas por Economia e status social
Fonte: produção própria, baseado em Pierre (2006, pp. 482-490)
Como é possível observar pelo descrito ao longo deste ponto do trabalho, a Ciência das
Políticas Públicas está envolta numa enorme diversidade de perspetivas, as quais dão, por
vezes, origem a conclusões bastante díspares, o que tem contribuído para aumentar a
(perceção de) complexidade da Ciência das Políticas Públicas (Howlett & Ramesh, 2003, p.
11). É, portanto, neste sentido que estes autores se congratulam pela emergência de
diferentes frameworks de análise, as quais constituem esforços de simplificação da análise,
ao sintetizarem diferentes correntes teóricas e abordagens analíticas (Howlett & Ramesh,
2003, p. 11).
Na próxima secção proceder-se-á à apresentação da Framework Estagista, que constitui a
abordagem mais frequente na análise do processo de políticas públicas.
44
II-3. FRAMEWORKS DE ANÁLISE DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS FUNÇÕES HEURÍSTICAS:
VANTAGENS E PROBLEMAS DA FRAMEWORK ESTAGISTA E EMERGÊNCIA DA FRAMEWORK DE GOVERNANÇA
MÚLTIPLA
Tal como anteriormente referido, a complexidade do processo de elaboração de políticas
públicas torna praticamente inevitável a adoção de estratégias de simplificação no estudo
das políticas públicas. Para além do enfoque num conjunto limitado de variáveis e unidades
de análise, uma outra estratégia de simplificação bastante comum tem sido o recurso à
utilização de frameworks de análise. Recorde-se, a este propósito, que o objetivo de uma
framework de análise consiste em ajudar a identificar as variáveis mais importantes no
estudo de um fenómeno, não especificando, habitualmente, as relações existentes entre
variáveis, sendo, portanto, suficientemente abrangente para abarcar diferentes teorias
sobre um mesmo fenómeno (Ostrom, 2007, p. 25).
Uma das mais populares frameworks do estudo de políticas públicas é a designada
Framework Estagista, que analisa a elaboração de políticas públicas como um processo que
se divide num conjunto de fases interrelacionadas (Sabatier, 2007, p. 6; Howlett, Ramesh, &
Perl, 2009, p. 10). Para além de ter sido, até à década de 80 do séc. XX, a framework mais
influente na análise e compreensão do processo de políticas públicas (Sabatier, 2007, p. 6), a
Framework Estagista destaca-se ainda por ter contribuído para quebrar a hegemonia, quer
da análise institucionalista tradicional, quer do enfoque exacerbado nos inputs (Jann &
Wegrich, 2007, p. 44; deLeon, 1999a, p. 22).
Apresentada pela primeira vez em 1956 por Harold Lasswell no seu livro ‘The Decision
Process: Seven Categories of Functional Analysis’, a Framework Estagista constitui-se, na
perspetiva do próprio autor, como “um mapa conceptual [que] deverá disponibilizar um guia
para obter uma imagem generalista das principais fases de qualquer ato coletivo” (Lasswell,
1971, p. 28). Estabelecendo um paralelo entre o processo de políticas públicas e o processo
de decisão, Lasswell (1971, pp. 28-29) referia que o processo de políticas públicas se compõe
das seguintes 7 fases:
Inteligência: recolha, processamento e disseminação de informação para o uso de todos
os participantes do processo de decisão;
45
Promoção: defesa de uma particular opção pelos atores envolvidos na tomada de
decisão;
Prescrição: resolução do curso de ação que irá ser tomado por parte dos decisores;
Invocação: definição das sanções a aplicar a quem não cumprir as prescrições;
Aplicação: concretização das políticas por parte dos tribunais e da burocracia;
Terminação: finalização de uma política;
Apreciação: avaliação da forma como a política foi aplicada.
Apesar de se ter revelado como bastante influente, esta framework de Lasswell terá sido
significativamente criticada, sobretudo por se focar demasiado no processo de tomada de
decisão por um conjunto limitado de atores estatais e muito pouco no ambiente externo
(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11). Uma outra crítica apontada referia-se à sequência
das fases apresentada, nomeadamente a apresentação da terminação antes da apreciação,
sugerindo, assim, que as políticas públicas só poderiam ser avaliadas após a sua terminação
(Jann & Wegrich, 2007, p. 43; Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11). Por fim, será
importante referir também que a abordagem do processo de políticas de Lasswell seria de
teor mais prescritivo e normativo do que descritivo e analítico, na medida em que a
sequência das fases segue uma orientação de problem-solving de inspiração racional (Jann &
Wegrich, 2007, pp. 43-44). Jann e Wegrich (2007, p. 44) defendem, aliás, que uma das razões
para o sucesso desta framework terá sido exatamente o facto de ter subjacente este apelo à
racionalidade.
Não obstante as críticas acima referidas, a Framework Estagista passou a ter uma utilização
bastante difundida, tendo sido uma das bases para a organização e sistematização do
conhecimento dos ‘Estudos de Políticas Públicas’, os quais terão conhecido uma elevada
expansão durante as décadas de 60 e 70 do séc. XX (Jann & Wegrich, 2007, p. 43; Parsons,
1995, p. 28). Desta feita, não será de estranhar que a framework de Lasswell tenha dado
origem à formulação de uma série de outras versões, sobretudo na segunda metade da
década de 70 do séc. XX.
46
Uma das versões decorrentes da formulação de Lasswell foi proposta por Brewer (1974, pp.
240-241), um estudante de Lasswell em Yale, o qual terá introduzido algumas melhorias à
framework do seu professor, entre as quais uma nova proposta de divisão por fases:
Invenção/iniciação: (re)conceptualização de um problema, definição de um conjunto de
possíveis soluções, e início da busca por potenciais soluções ‘ótimas’ no seio dessas
opções;
Estimação: predeterminação dos riscos, custos e benefícios associados a cada opção, por
forma a reduzir o leque de soluções plausíveis (por exemplo, ao eliminar as soluções
inviáveis) e a ordenar as opções restantes de acordo com critérios científicos e
normativos bem-definidos;
Seleção: decisão sobre as opções em análise;
Implementação: execução da opção selecionada, o que inclui perceber o que realmente
está a acontecer e avaliar a diferença entre a realidade e o que estava perspetivado;
Avaliação: deliberação sobre se uma política ou programa está a ser bem-sucedida, se
bem que tendo uma abordagem mais retrospetiva do que na implementação;
Terminação: ajustamento de políticas e programas que se tenham tornado,
nomeadamente, disfuncionais, redundantes, desnecessárias.
Tal como é possível observar, a proposta de Brewer revela algumas semelhanças óbvias face
à versão de Lasswell. No entanto, apresenta também algumas mudanças face à versão do
seu professor, nomeadamente ao considerar a discussão e reconhecimento dos problemas
para além das organizações governamentais e ao incluir a ideia de continuidade no processo
(Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 11), nomeadamente ao incorporar a noção de feedback
loop, a qual terá sido importada da framework sistémica de David Easton (Jann & Wegrich,
2007, p. 44).
Não obstante estas alterações face à framework proposta por Lasswell, o enfoque na lógica
de problem-solving – uma das críticas apresentadas à versão de Lasswell – não desapareceu
na versão de Brewer, tendo inclusivamente permanecido nas versões da framework
estagista que terão surgido nos anos que se seguiram. Com efeito, as versões da framework
47
estagista inspiradas pelos trabalhos de Lasswell e de Brewer – tais como a de Jones4 e a de
Anderson5, as quais foram apresentadas nos dois primeiros manuais dedicados ao processo
de políticas públicas, ou a de May e Wildavsky (1978)6, ou Brewer e deLeon (1983)7, entre
outros – terão todas mantido esta lógica de problem-solving (deLeon, 1999a, p. 21). Como se
pode observar na figura seguinte, a sequência de fases que atualmente é mais utilizada
(agendamento, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação) pode ter ainda,
de facto, subjacente uma lógica de problem-solving.
Figura 3. Fases da Framework Estagista e sua relação com a Resolução de Problemas
Lógica de problem-solving Fases do Ciclo de Políticas Públicas
Reconhecimento do Problema Agendamento
Proposta de possíveis soluções Formulação
Escolha de uma solução Tomada de decisão
Colocação da solução em prática Implementação
Monitorização dos resultados Avaliação
Fonte: Howlett, Ramesh e Perl (2009, p. 12)
Muito embora alvo de críticas desde a década de 80 do séc. XX e com perda da supremacia
quase absoluta de que gozava anteriormente, a Framework Estagista (ou do ‘Ciclo de
Políticas Públicas’, como passou a ser designada mais tarde) é, ainda assim, muito
provavelmente, a framework mais utilizada para “organizar e sistematizar a investigação em
políticas públicas” (Jann & Wegrich, 2007, p. 45). Com efeito, a mais importante vantagem
desta framework é o facto de ser uma ferramenta analítica que possibilita a redução da
complexidade do processo de políticas públicas num conjunto de fases ou subfases, já que
cada uma envolve um conjunto de atividades e atores distintos, tal como é possível verificar
na figura seguinte (Knoepfel, Larrue, Varone, & Hill, 2007, pp. 33-35; Howlett, Ramesh, &
Perl, 2009, p. 12).
4 Jones, Charles (1970). An Introduction to the Study of Public Policy. Belmont: Wadsworth Publishing Company
5 Anderson, James E. (1975). Public Policymaking. New York: Praeger.
6 May, Judith e Aaron Wildavsky (Eds) (1978). The Policy Cycle. Beverly Hills: Sage.
7 Brewer, Gary e Peter deLeon. (1983). The Foundations of Policy Analysis. Monterey: Brooks, Cole.
48
Figura 4: Quadro Síntese da Framework do ‘Ciclo de Políticas Públicas’
Fonte: produção própria, baseado em Dye ((1972) 1981, p. 24), Cardim (2006, p. 45), Kraft e Furlong
(2007, p. 71), Caeiro (2008, p. 105), e Knoepfel, Larrue, Varone e Hill (2007, p. 31)
FASE ATIVIDADES PARTICIPANTES
Agendamento
Perceção da existência de um problema
Identificação das suas possíveis causas e dos seus contornos
Representação do problema e de modelos de causalidade
Agregação de apoios em torno de diferentes representações
Pedidos expressos para ações governativas
Seleção (filtragem) dos problemas emergentes
Reconhecimento da necessidade de intervenção por parte dos poderes públicos
Meios de comunicação
Grupos de interesses
Partidos
Deputados
Iniciativas de cidadãos
Opinião Pública
Formulação de soluções
Desenvolvimento de propostas políticas tendentes à resolução de questões e à diminuição da dimensão, do impacto e da gravidade dos problemas
Estudo das vantagens e desvantagens das diferentes soluções
Definição das soluções adequadas e aceitáveis para o problema definido
Filtragem entre a solução ideal e os recursos disponíveis
Desenvolvimento de apoios políticos e coligações
Governo
Assembleia da República
Grupos de interesse
Think-tanks
Tomada de Decisão e
Legitimação
Seleção da proposta e tradução em lei;
Decisão sobre a sua constitucionalidade.
Governo,
Assembleia da República
Tribunal Constitucional
Implementação da política
Definição das estratégias e dos instrumentos operacionais de intervenção
Estruturação das necessidades de recursos humanos, financeiros e logísticos
(Re)Organização de departamentos e agências;
Disponibilização de orçamentos e serviços;
Execução das políticas;
Produção de efeitos no terreno;
Monitorização e controlo da atividade;
Governo
Departamentos executivos e/ou outras instituições vocacionadas
Beneficiários e comunidade envolvente
Outros Stakeholders
Avaliação da política
(seguida de reformulação
ou terminação da política)
Apreciação sobre os outputs dos programas;
Aferição dos níveis de eficácia e eficiência;
Avaliação dos impactos das políticas junto dos grupos abrangidos e não abrangidos;
Aferição das diferenças entre os objetivos e os resultados;
Análise reflexiva dos produtos resultantes da avaliação, dando azo a uma de 3 situações:
o Continuação da implementação tal e qual está a decorrer;
o Proposta de alterações e reformas;
o Terminação da Política.
Departamentos executivos e/ ou outras Instituições vocacionadas
Secções parlamentares
Meios de comunicação
Think-tanks e instituições de investigação
Outros stakeholders
49
Como é possível verificar pelo exposto e resumido na figura anterior, as diferentes fases
envolvem diferentes conjuntos de atores e atividades, facto que terá dado origem a
subdisciplinas especializadas em cada uma das fases, com questões analíticas, hipóteses e
teorias parciais próprias (Jann & Wegrich, 2007, p. 45; Sabatier, 2007, p. 7; Knoepfel, Larrue,
Varone, & Hill, 2007, p. 35). A propósito da emergência destas diferentes subdisciplinas,
importa, contudo, referir que o enfoque separado em diferentes fases terá contribuído para
que o processo, no seu todo, passasse a ser um pouco negligenciado (deLeon, 1999a, p. 23).
Não obstante as vantagens referidas, a Framework Estagista tem também alguns problemas,
que têm sido apontados por diversos críticos, o que tem conduzido à perda da sua
supremacia hegemónica e à emergência e consolidação de frameworks alternativas
(Sabatier, 2007, p. 7).
No âmbito dessas críticas, que começaram a ganhar maior expressão através de Nakamura
(1987) e de Sabatier (1988; 1991b), encontram-se os seguintes argumentos de oposição à
Framework Estagista (Sabatier, 2007, p. 7; Jann & Wegrich, 2007, pp. 55-56; Hill, 2005, pp.
20-21):
A framework não se afirma como uma teoria causal, uma vez que não apresenta as
causas motrizes responsáveis pelo ‘movimento’ de uma fase para a outra;
A sequência de fases não apresenta uma base empírica, já que o processo não tem de
percorrer, necessariamente, todas as fases e pode ocorrer por uma ordem diferente da
sugerida;
Não existe uma separação tão definida entre diferentes fases, sobretudo entre as fases da
formulação e implementação, tal como viria a ser demonstrado por alguns estudos de
implementação (veja-se o ponto III-1. deste trabalho);
Utilização de um pressuposto legalista e top-down, que tende a definir que os políticos
tomam decisões, os dirigentes de topo da administração pública os transformam em
legislação mais operacional, e os dirigentes intermédios e funcionários de base
implementam as decisões;
Análise frequente de um único programa, quando a realidade revela que o processo de
políticas públicas envolve diversos programas de diferentes níveis governativos;
50
Menosprezo pela influência das políticas já existentes sobre as novas políticas;
Não consideração de alguns elementos que não estão relacionados com a típica conceção
de problem-solving, como por exemplo, a disputa de poder ou a aprendizagem.
Tentando responder a algumas das críticas que foram acima referidas, deLeon (1999a, p. 24)
refere que importa reconhecer que os autores proponentes da Framework Estagista
admitiam a possibilidade de a sucessão de fases não ser unidirecional e de existirem
processos de feedback, ao mesmo tempo que reconheciam que a framework não seria um
modelo teórico, mas antes um instrumento heurístico.
Para além dos argumentos acima referidos, Hupe e Hill (2006, p. 26) consideram que o
recurso a esta framework tenderá a persistir também devido à sua atratividade normativa,
na medida em que se funda nos princípios da democracia representativa, supõe um maior
controlo da ação pública e incorpora ideias de racionalidade e ordem da ação política.
Por todas estas razões, deLeon (1999a, pp. 25-26) considera que a Framework do Ciclo de
Políticas Públicas não terá perdido, necessariamente, a sua legitimidade e viabilidade, até
porque constitui a base sobre a qual assentam diferentes frameworks que têm vindo a surgir
nas últimas décadas. Com efeito, muitas destas frameworks que têm surgido desde a década
de 80 do séc. XX – as mais célebres8 sendo, muito provavelmente, a ‘Framework dos Fluxos
Múltiplos’ de John Kingdon, a ‘Framework do Equilíbrio Pontuado’, originalmente formulada
por Baumgartner e Jones, e a ‘Advocacy Coalition Framework’, apresentada por Sabatier e
Jenkins-Smith – centram-se em apenas algumas fases do ciclo de políticas públicas,
nomeadamente no agendamento, formulação e tomada de decisão.
Para além das frameworks acima referidas, as quais são tidas como alternativas à framework
estagista mas que alguns consideram que se centram na ‘fase’ da iniciação de políticas, foi
proposta no início do séc. XXI a ‘framework dos três níveis de governança’ (Hill & Hupe,
2002, pp. 182-187), que mais tarde viria a ser designada de ‘framework da governança
múltipla’ (multiple governance framework) (Hupe & Hill, 2006; Hill & Hupe, 2009, p. cap. 6).
8 Para uma abordagem global destas três frameworks, veja-se Sabatier (2007a: caps. 3, 6 e 7).
51
Na formulação da ‘framework da governança múltipla’, os autores começam por concordar
com as múltiplas críticas de que a framework estagista tem sido alvo, muito embora
reconheçam também as funções e virtudes, sobretudo históricas, desta última framework
(Hill & Hupe, 2009, p. 116). Entre outros aspetos, os autores distanciam-se da framework
estagista ao rejeitarem a sua associação intrínseca entre atores, atividades e níveis
hierárquicos, uma vez que rejeitam também a tradicional divisão de trabalho associada à
divisão política-administração e reconhecem a cada vez mais comum participação de atores
não oficiais no processo de políticas públicas (Hupe & Hill, 2006, p. 14). Adotando o conceito
de ‘governança’ (governance) como central à framework que propõem, os autores
consideram que a “questão de quem é o ‘ator governante’ está empiricamente aberta, [o
que] implica que o número e legitimidade dos atores efetivamente envolvidos num
determinado processo de política pública poderá diferir do que seria expectável em termos
normativos” (Hupe & Hill, 2006, p. 114).
Inspirados por outras frameworks, nomeadamente as de Lynn Jr.9, de Parsons10, de Lynn,
Heinrich e Hill11, e, sobretudo, de Kiser e Ostrom12, Hupe e Hill formularam a ‘framework de
governança múltipla’, cuja representação é uma matriz na qual se cruzam três tipos de níveis
de ação com três níveis de escalas de ação (veja-se figura seguinte).
9 Lynn Jr., Laurence E.. (1981). Managing the Public’s Business: The Job of the Government Executive. New York:
Basic Books. Lynn Jr., Laurence E.. (1987). Managing Public Policy. Boston: Little Brown. 10
Parsons, Wayne. (1995). Public Policy. Aldershot: Edward Elgar. 11
Heinrich, Carolyn J. & Laurence E. Lynn Jr.. (2000). Governance and Performance: New Perspectives. Washington: Georgetown University Press. Lynn, Laurence E., Carolyn J. Heinrich e Carolyn J. Hill. (2001). Improving Governance: A New Logic for Empirical Research. Washington: Georgetown University Press. 12
Kiser, Larry L. & Ostrom, Elinor. (1982). “The Three Worlds of Action: A Metatheoretical Synthesis of Institutional Approaches.” In Elinor Ostrom, ed., Strategies of Political Inquiry, pp. 179–222. Beverly Hills, CA: Sage Ostrom, Elionor. (2007). “Institutional Rational Choice: an assessment of the institutional analysis and development framework”, in Paul Sabatier (Ed.), Theories of the Policy Process. Boulder: Westview Press, pp. 3-17
52
Em relação aos níveis de ação, Hupe e Hill (2006, p. 22) referem a existência de três níveis de
governança no âmbito do processo de políticas públicas, nomeadamente:
a governança constitutiva, na qual se procede à definição das regras de funcionamento
e estruturação dos arranjos organizacionais de definição e provisão de políticas
públicas, ou seja, as regras de enquadramento dos dois outros níveis de governança;
a governança direcional, no âmbito da qual se definem quais os resultados e impactos
coletivamente desejados para a política pública, o que facilita as condições para a
concretização da mesma; e,
a governança operacional, que se relaciona com a gestão do processo de concretização
da política, propriamente dito.
De acordo com os autores, estes níveis de ação relacionam-se, respetivamente, com a
estrutura, o conteúdo e o processo de políticas públicas, corporizando, assim, aquilo que os
autores designam da ‘trindade da governança’: criar os contextos, definir uma direção e
concretizar as coisas (Hill & Hupe, 2009, p. 126).
Por sua vez, Hupe e Hill (2006, p. 23) referem que existem três escalas de ação,
nomeadamente o sistema político-administrativo, a organização e respetivas relações
interinstitucionais, e, por fim, o indivíduo.
No cruzamento entre os níveis de ação e as escalas de ação decorrerão um conjunto de
atividades, que vão desde o desenho institucional, o desenho das relações contextuais ou o
desenvolvimento de normas de ética profissional (governança constitutiva), à definição de
regras gerais, formulação de missões e definição de regras orientadores de situações de
trabalho (governança direcional), até à gestão de trajetórias, de relações e de contactos
(governança operacional) – veja-se figura seguinte.
53
Figura 5. Framework de Governança Múltipla
Nível de ação
Escala de ação
Governança Constitutiva
Governança Direcional Governança Operacional
Sistema Desenho institucional Definição de regras
gerais Gestão das trajetórias
Organização Desenho das relações
contextuais Formulação de missões Gestão das relações
Indivíduo Desenvolvimento das normas profissionais
Definição de regras orientadoras de
situações Gestão dos contactos
Fonte: conjugação de Hupe e Hill (2006, p. 23) e Hill e Hupe (2009, p. 128)
De acordo com os autores proponentes, esta framework, apesar de apresentar claras
semelhanças com a framework de Ostrom e seus associados, tem a vantagem de se focar no
conceito de ‘governança’ e, por conseguinte, no domínio das ações e nas bases da
Administração Pública, ao invés de se focar nas instituições no sentido tradicional legalista
em assunções microeconómicas (Hill & Hupe, 2009, p. 127).
Ao introduzir uma conceção mais aberta do processo de políticas públicas, com a inclusão da
lógica da ‘governança’, esta framework vai assim ao encontro das recentes tendências de
análise do processo de políticas públicas, as quais serão abordadas no próximo ponto deste
trabalho.
II-4. PRESENTE E FUTURO DO ESTUDO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Tal como foi possível observar ao longo do capítulo, o estudo do processo de políticas
públicas caracteriza-se por uma particular complexidade, a qual advém não apenas da
multidimensionalidade do seu objeto de estudo, mas também da profusão de estratégias
analíticas existentes.
54
No âmbito desta diversidade, destaca-se a existência de diferentes teorias que focam
distintas variáveis enquanto determinantes mais importantes na explicação da mudança e
estabilidade no processo de políticas públicas, nomeadamente instituições, grupos e redes,
fatores exógenos, atores individuais racionais e ideias (John, 2006, pp. 14-16). Muito embora
estas abordagens teóricas apresentem significativas diferenças entre si, importa referir que
as mesmas não são necessariamente incompatíveis, já que traduzem visões referentes a
diferentes níveis e enfoques de análise, sendo importante qualquer investigador explicitar
devidamente a abordagem utilizada, por forma a evitar ‘falsos debates teóricos’ (Knill &
Tosun, 2012, p. 287). Tal como referem Knill e Tosun (2012, p. 287), as abordagens com
enfoque nas ‘instituições’ e nos ‘interesses individuais’ demonstram, inclusivamente,
algumas complementaridades entre si, na medida em que a primeira é especialmente
adequada para a análise de padrões mais amplos de mudança nas políticas públicas, ao
passo que a última permite a compreensão de escolhas concretas.
A emergência de frameworks e teorias sintéticas que conjuguem diferentes abordagens
constitui-se como um exercício particularmente importante para o avanço da Ciência das
Políticas Públicas. As três frameworks alternativas referidas no ponto II-3 deste trabalho são,
de acordo com Ayres e Marsh (2013, p. 645), exemplo disso mesmo. Apesar desta
desejabilidade do estabelecimento de ligações entre diferentes abordagens, estes autores
referem, no entanto, que há que ter em atenção que tal esforço pode ser inviável, na
medida em que essas teorias têm princípios ontológicos subjacentes que nem sempre são
compatíveis entre si (Ayres & Marsh, 2013, p. 645).
As diferentes abordagens ontológicas têm, de facto, sido responsáveis por alguns dos
principais debates atuais na Ciência das Políticas Públicas, havendo uma clara disputa entre
positivistas e pós-positivistas. De acordo com Ayres e Marsh (2013, pp. 645-646), no centro
do debate entre estas duas correntes ontológicas está o ‘monismo metodológico’, ou seja, a
(in)desejabilidade da aproximação das Ciências Sociais relativamente às Ciências Naturais
em termos metodológicos – por um lado, a corrente positivista defende essa aproximação,
ao focar-se no teste de hipóteses, na utilização de métodos quantitativos e na estimação
estatística de modelos; por outro lado, a corrente pós-positivista advoga a diferenciação
metodológica, ao defender estratégias metodológicas qualitativas que permitam a
55
compreensão dos significados, visando proceder à análise das subjetividades, da
ambiguidade e das interpretações.
De acordo com deLeon e Martell (2006, p. 39), a disputa entre estas duas correntes tem
vindo a acentuar-se já que, muito embora o positivismo seja ainda a corrente dominante na
Ciência das Políticas Públicas, o designado pós-positivismo tem vindo a ganhar um crescente
espaço no cenário da disciplina. Tal como referem Fischer, Lin e Dryzek (apud deLeon e
Martell (2006, p. 40)), o pós-positivismo tem a vantagem de incorporar novos métodos sem
rejeitar os antigos e de reconstruir categorias inerentes ao contexto, ao invés de utilizar
noções gerais pré-concebidas sendo, portanto, mais adequada ao estudo de contextos
complexos. Em contrapartida, esta abordagem é criticada por estar imbuída de
ambiguidades e relativismos, criando, desta forma, mais problemas para o estudo e análise
de políticas públicas do que soluções (Lawlor (1996) apud deLeon e Martell (2006, p. 40)).
Ao debate entre positivismo e pós-positivismo que caracteriza, de certo modo, todas as
Ciências Sociais, aduz-se ainda a dificuldade de as Ciências Sociais, no geral, e a Ciência das
Políticas Públicas, em particular, terem não apenas objetivos de descrição e análise, mas
também objetivos de prescrição e transformação, dependendo da abordagem
epistemológica subjacente (Ayres & Marsh, 2013, pp. 645-646). Será importante recordar, a
este propósito, que Lasswell advogava, precisamente, a utilização do conhecimento
científico em prol de uma tomada de decisão política mais informada e esclarecida como um
dos princípios orientadores da designada ‘policy orientation’. No entanto, e como houve
oportunidade de explorar ao longo do capítulo, este apelo não terá sido muito bem
acolhido, tendo-se registado, aliás, a divisão da Ciência das Políticas Públicas em duas
correntes: por um lado, a ‘Análise das Políticas Públicas’, com objetivos mais preditivos e de
produção de conhecimento ‘para’ as políticas públicas; e, por outro lado, os ‘Estudos de
Políticas Públicas’, com objetivos mais descritivos e analíticos, através da produção de
conhecimento ‘sobre’ as políticas públicas (para maior detalhe sobre esta divisão, veja-se o
ponto II-2.2 deste capítulo). Deste modo, os apelos à orientação para os problemas que
estiveram na génese desta disciplina não terão sido cumpridos, nomeadamente porque “… a
‘oferta’ analítica não tem coincidido com a ‘procura’ da decisão política” (deLeon & Martell,
2006, p. 38).
56
Para além dos debates referidos, o presente e futuro da Ciência das Políticas Públicas é ainda
marcado pela constatação da crescente complexificação dos problemas e das estratégias de
governação pública (deLeon & Martell, 2006, p. 39). Face a estas constatações, têm-se
constituído como importantes tendências de investigação em políticas públicas o hibridismo
dos modelos, uma maior atenção atribuída aos fatores contextuais e aos indivíduos (Ayres &
Marsh, 2013, pp. 655-656), a par de uma maior atenção às questões da mudança e da
aprendizagem (Knill & Tosun, 2012, pp. 290-292). Será, pois, neste sentido que têm ganho
maior expressão o recurso às técnicas de análise participativas e de relacionamento em
rede, as quais abrem novas perspetivas de recurso à abordagem pós-positivista e de maior
aplicabilidade (deLeon & Martell, 2006, pp. 39-42; deLeon & Vogenbeck, 2007, pp. 531-533;
Ayres & Marsh, 2013). De igual modo, tem sido atribuída maior importância à emergência de
análises contextuais a partir de taxonomias contingenciais, bem como à combinação entre
diferentes abordagens teóricas e diferentes técnicas de investigação (Knill & Tosun, 2012,
pp. 283-290).
O apelo a uma maior tolerância teórica e empírica quanto às estratégias de investigação,
bem como a escolha da estratégia de acordo com o problema a investigar, constituem-se,
com efeito, como as principais invocações na Ciência das Políticas Públicas da atualidade
(Ayres & Marsh, 2013, p. 649). No entanto, permanece a dúvida sobre se o ecletismo
continuará a ser uma das principais características desta disciplina ou se, pelo contrário, a
direção futura será o desenvolvimento de um paradigma mais uniforme face à ainda
predominância do positivismo (Peters & Pierre, 2006, p. 8).
Face ao exposto, poder-se-á concluir que a Ciência das Políticas Públicas se encontra, na
atualidade, em processo de transição (deLeon & Martell, 2006, p. 43) e que, apesar dos
avanços que se têm registado desde a origem desta disciplina, permanecem muitos desafios
a ultrapassar (Knill & Tosun, 2012, p. 283). Como foi possível concluir, alguns desses desafios
prendem-se exatamente com o estudo dos fenómenos das redes de governança pública,
precisamente o tema central deste trabalho.
57
III. A CENTRALIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Tendo em atenção as primeiras versões da Framework Estagista e a sua lógica de problem-
solving, a implementação é habitualmente entendida como a fase do processo de
elaboração de políticas públicas na qual a burocracia aplica/ concretiza as políticas
anteriormente definidas pelos decisores políticos (Lasswell, 1971, pp. 28-29) (ver ponto II-
2.3 deste trabalho).
Muito embora esta conceção geral de Implementação seja genericamente verdadeira,
importa registar que a mesma pode incorporar um entendimento demasiado simplista. Por
um lado, será necessário assinalar que, muito embora as tarefas inerentes à implementação
sejam, em grande medida, asseguradas pelos diversos níveis (central, regional ou local) das
estruturas administrativas dos ministérios ou pelas estruturas dos governos regionais ou
locais em grande parte dos sistemas político-administrativos, tem-se verificado uma
tendência de transferência de competências para agências (semi)autónomas e para
organizações do setor privado e da sociedade civil (Knill & Tosun, 2012, p. 150) (para maior
detalhe, ver ponto IV-1). Além desta tendência, importa ainda ter em consideração a
crescente influência sobre a implementação dos próprios grupos-alvo, quer estes sejam
agentes económicos mais poderosos (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 163), ou os próprios
cidadãos, através de processos de coprodução de políticas públicas (Martin, 2003, pp. 191-
193; Callahan, 2007, pp. 157-158). Por outro lado, os Estudos de Implementação têm
concluído que a implementação não se resume à mera execução técnica dos objetivos
anteriormente definidos, na medida em que será comum que estes sofram algumas
adaptações e/ou especificações de operacionalização (Palumbo, 1987, p. 95).
“A implementação de políticas públicas é um dos aspetos mais difíceis do processo de políticas públicas (…) [e] é tão frustrante como fascinante. Fascinante porque (…) congrega diversos atores e forças que cooperam e se confrontam entre si para concretizar (…) os objetivos da política. Frustrante porque o seu processo tem-se demonstrado particularmente difícil de modelizar”.
(Birkland, 2001, p. 193)
58
Será, pois, neste sentido que se poderá referir que a implementação é uma das fases (ou
subprocessos) mais complexas do processo de elaboração de políticas públicas,
nomeadamente por ser provavelmente aquela que envolve maior multiplicidade de atores,
os quais nem sempre têm posições confluentes quanto às formas mais adequadas de intervir
para lidar com determinados problemas (Birkland, 2001, p. 193). Este desafio remete, assim,
para a necessidade de coordenação dos múltiplos atores envolvidos na implementação de
políticas públicas, tema central deste trabalho.
Muito embora a complexidade referida tenha funcionado como fator mobilizador de
atenção por parte de diversos académicos e profissionais, esta tem também contribuído
para dificultar a tarefa de modelização da implementação (Birkland, 2001, p. 193). A este
propósito, importa destacar que no âmbito da análise da implementação de políticas
públicas persiste, aliás, a ausência de uma teoria geral (Winter, 2003a, p. 206), alguma falta
de clareza conceptual (deLeon, 1999b, p. 314) e um enorme desacordo face às unidades e
estratégias de análise (Winter, 2003b, p. 212; Sætren, 2014, p. 85) – factos que têm
contribuído para alguma desmobilização face ao estudo da implementação nas últimas
décadas.
Não obstante a importância vital da implementação para que se consiga solucionar ou
minorar o problema social que motiva a criação de uma política pública, esta fase nem
sempre foi alvo de grande atenção. Com efeito, a atenção dedicada à implementação era
praticamente inexistente entre a década de 50 do séc. XX – período em que Lasswell terá
feito referência a esta fase no âmbito da proposição da framework estagista – e o início da
década de 70 do mesmo século (deLeon & deLeon, 2002, p. 468). Para esta ‘desatenção’,
contribuía, entre outros aspetos, a assunção de que a implementação não seria uma fase
crítica do processo de elaboração de políticas públicas, já que era entendida como a mera
execução técnica das decisões previamente formuladas (vide, inter alia, Pülzl e Treib (2007,
p. 89) e Hill e Hupe (2009, p. 43)). Além desta razão, deLeon e deLeon (2002, p. 469)
consideram que tal desatenção se poderia dever também à demasiada complexidade da
implementação e à consequente dificuldade de estudo.
59
Não obstante a desatenção à implementação que se verificou até à década de 70, será
importante ter em consideração que disciplinas como a Ciência da Administração, a Teoria
Organizacional, ou mesmo a Ciência Política, já se debruçariam, anteriormente, sobre temas
que viriam a figurar como objeto de análise dos Estudos de Implementação (Howlett,
Ramesh, & Perl, 2009, p. 163), ainda que com abordagens relativamente diferentes (Hill &
Hupe, 2009, p. 19).
A propósito da emergência dos Estudos de Implementação, Barrett (2004, pp. 250-251)
refere que o interesse pela fase da implementação terá surgido na sequência de
preocupações crescentes com a eficácia das políticas públicas registadas no final da década
de 60 e início da década de 70 do séc. XX, as quais terão dado origem a importantes
desenvolvimentos teóricos nas seguintes áreas: 1) análise de políticas públicas, preocupada
com o conteúdo das políticas públicas e o processo de tomada de decisão; 2) estudos de
avaliação, preocupados com os impactos (outcomes) das políticas, por forma a avaliar a
eficácia das mesmas; 3) estudos organizacionais: preocupados com o funcionamento das
organizações políticas e administrativas, produzindo prescrições para melhorar o
desempenho das mesmas.
Tal como refere Winter (2003a, p. 205), os primeiros Estudos de Implementação
propriamente ditos terão tido origem, exatamente, a partir de estudos de avaliação de
diversas políticas públicas, nomeadamente as do programa Great Society da administração
Johnson (1963-1969), tendo sido neste âmbito que surgiu, aliás, o livro ‘Implementation’, da
autoria de Pressman e Wildavsky, tido, por muitos, como a obra seminal dos Estudos de
Implementação. Na sequência daqueles estudos de avaliação, ter-se-á começado a
equacionar a hipótese de que as falhas na concretização dos efeitos perspetivados poderiam
estar relacionadas com a fase da execução, contrariando, assim, a interpretação clássica de
que os problemas advinham de um mau planeamento dos programas (Winter, 2003a, p.
205). Considerando-se, assim, que poderia ser problemático entender o ‘processo’ entre a
formulação de uma política pública e os impactos da mesma como um mero e quase
automático exercício administrativo, ter-se-á desenvolvido uma preocupação com o estudo
da implementação (Hill & Hupe, 2009, p. 42).
60
Perante a crescente importância atribuída ao processo da implementação, os Estudos de
Implementação terão registado uma grande expansão ao nível da produção científica
durante as décadas de 70 e 80 do séc. XX. Esse interesse viria, contudo, a esbater-se na
década seguinte (Barrett, 2004, p. 257), registando-se, inclusivamente, a desmobilização de
alguns académicos relativamente ao estudo da implementação (Sætren, 2005, p. 573), por
motivos diversos que serão explorados adiante. Alguns autores são, contudo, da opinião que
os Estudos de Implementação nunca terão estado verdadeiramente ‘fora de moda’, já que o
seu aparente desvanecimento se terá devido a uma redefinição das suas fronteiras
metodológicas e de objeto de estudo (Schofield & Sausman, 2004, pp. 236-237; O'Toole Jr.,
2004, p. 315; Barrett, 2004, p. 236).
Como se pode verificar pelo exposto, o campo de investigação dos Estudos de
Implementação tem vindo a sofrer diversas alterações ao longo das últimas décadas e, tal
como acontece com os Estudos de Políticas Públicas, comporta diversas abordagens teóricas
e metodológicas (Winter, 2003b, p. 212).
O capítulo que aqui se inicia pretende, precisamente, sistematizar algumas dessas diferenças
conceptuais, teóricas e metodológicas. Para tal, e após uma contextualização do que se
entende por implementação e qual o seu posicionamento no âmbito do processo de
elaboração de políticas, proceder-se-á a uma análise histórica e comparativa das várias
abordagens que compõem os Estudos de Implementação. Com base na apresentação dessa
descrição histórica e sistemática das ‘gerações de estudos’ que marcam o desenvolvimento
da Teoria da Implementação, prosseguir-se-á com uma análise crítica das principais
dissonâncias e consonâncias entre as diferentes gerações e/ou abordagens. Finalizar-se-á o
capítulo com uma reflexão sobre os principais desafios presentes e futuros que se
apresentam aos Estudos de Implementação e àqueles que a estes se dedicam.
61
III-1. O ESTUDO DA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS: COMPLEXIDADE CONCEPTUAL E MULTIPLICIDADE DE
ATORES
Tal como referido anteriormente, as primeiras referências à fase da implementação de
políticas públicas terão surgido na década de 50 do séc. XX no âmbito da proposição da
framework estagista (deLeon & deLeon, 2002, p. 468), a qual, apesar do seu valor heurístico,
tinha algumas limitações, tais como as assunções de uma clara separação entre as funções
política e administrativa, e da racionalidade da tomada de decisão (vide, inter alia, Hupe e
Hill (2006, pp. 15, 19), Sabatier (2007, p. 7) e Jann e Wegrich (2007, pp. 55-56)).
No respeitante à implementação, as limitações da framework estagista conduzem
frequentemente à ideia de que existe uma separação clara entre as atividades e os atores
envolvidos nas fases da formulação e da implementação de políticas, ao mesmo tempo que
é alimentada a conceção de que apenas os decisores políticos têm legitimidade para tomar
decisões e que os objetivos das políticas que estes formulam são claros e suportados em
teorias sólidas de mudança social (Nakamura, 1987, pp. 145-150). Será importante registar,
a este propósito, que os ideais da administração clássica que advogavam uma burocracia
neutra e apolítica e a separação politics-administration (defendidos, entre outros, por Max
Weber ou Woodrow Wilson) foram dominantes durante grande parte do séc. XX e mantêm
ainda uma forte expressão em diversos sistemas político-administrativos, muito embora
sejam alvo de críticas desde a década de 40, nomeadamente por autores como Robert
Merton ou Dwight Waldo (Bilhim, 2013, pp. 27-28). Merton (1940, pp. 560-566) refere, por
exemplo, que a aplicação da conceção weberiana de estrutura burocrática poderá
comportar mais-valias decorrentes da promoção da eficiência, mas que poderá também
comportar problemas diversos, tais como o excessivo apego às regras com as decorrentes
rigidez e incapacidade de adaptação, a excessiva ‘categorização’ dos grupos-alvo das
políticas, ou a criação de um ‘espírito de corpo’ autocentrado.
Desta feita, persistia no início da segunda metade do séc. XX a ideia de que a implementação
não seria problemática, já que era entendida como a simples execução, por parte dos
implementadores, dos objetivos formulados pelos decisores políticos de topo (Hudson &
Lowe, 2004, p. 204).
62
Esta conceção ‘estagista’ da implementação tem vindo, contudo, a ser contestada por alguns
Estudos de Implementação, os quais têm concluído que a tomada de decisão tende a não ser
um processo puramente racional e que os múltiplos agentes implementadores
desempenham uma influência considerável, quiçá decisiva, no processo de políticas públicas
(Palumbo & Calista, 1990, p. 4; Hudson & Lowe, 2004, p. 204). De facto, uma das grandes
conclusões dos Estudos de Implementação aponta para o facto de “a implementação de
políticas públicas est[ar] longe de ser uma atividade trivial [, já que] [e]nvolve múltiplos
atores localizados em diferentes (…) entidades que podem, ou não, ter as mesmas
preferências relativamente à forma como uma determinada política deve ser
implementada.” (Knill & Tosun, 2012, p. 151). Desta feita, os contextos de implementação
que envolvem múltiplos atores comportam sérios desafios ao nível de coordenação e
negociação interorganizacional (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 160).
Face a esta necessidade de negociação e coordenação, as recomendações de alguns Estudos
de Implementação apontam para a necessidade de não se ter em consideração apenas os
objetivos centralmente definidos, na medida em que os ‘desvios’ que estes sofrem ao longo
do processo não deverão ser considerados, necessariamente, perniciosos (Knill & Tosun,
2012, p. 151). Assim, os Estudos de Implementação têm demonstrado que o processo de
elaboração de políticas públicas (policy-making process) não termina com a formulação
(Parsons, 1995, p. 462), uma vez que a política pública pode ser redesenhada, redefinida ou
inclusivamente totalmente modificada no decurso da sua implementação (Hill & Hupe, 2009,
p. 7) – terá sido, neste sentido, que Anderson referiu que “a política pública é feita à medida
que é administrada e administrada à medida que é feita” (Anderson, 2006 (1975), p. 79).
Neste sentido, muito embora se reconheça que o processo de implementação pressupõe,
regra geral, a prévia formulação de uma política pública, considera-se necessário reforçar a
ideia de que não existem fronteiras claras e sequenciais entre as fases da formulação e
implementação. Será, pois, neste sentido que se tem advogado a utilização das expressões
‘policy formulation’ ou ‘policy formation’, em detrimento da expressão ‘policy-making’, para
fazer referência à fase que antecede a implementação, na medida em que os feedbacks
decorrentes das fases da implementação e da avaliação poderão realimentar e/ou
complementar a formulação original da política (Hill & Hupe, 2009, p. 8).
63
Para além de ser mais conforme com a realidade, esta abordagem mais ampla da
implementação tem também a vantagem de evitar conclusões precipitadas quanto ao
(in)sucesso da implementação. Com efeito, a análise da implementação com base na simples
aferição do nível de concretização de objetivos (goal achievement) tenderá a conduzir a
conclusões precipitadas de ‘implementation gap’ (Hill & Hupe, 2009, pp. 9-10),
nomeadamente, por não considerar os eventuais, e não necessariamente perniciosos,
‘desvios’ face aos objetivos inicialmente definidos.
De acordo com alguns autores (vide, inter alia, Winter (2003a, p. 206) e Hill e Hupe (2009, p.
137)), a comparação entre objetivos e resultados das políticas não é sequer uma forma
adequada para analisar a implementação, sobretudo porque os resultados e impactos
(outcomes) são também fortemente influenciados por fatores externos à intervenção. Para
Hill e Hupe (2009, p. 11), a análise dos resultados e impactos (outcomes) será, sobretudo, do
domínio dos Estudos de Avaliação de Políticas, os quais, apesar de terem algumas áreas de
sobreposição com os Estudos de Implementação, serão conceptualmente diferentes, tal
como se pode observar pela figura de seguida apresentada.
Figura 6. Diferenças entre Investigação em Implementação e Avaliação
Implementação Avaliação
Objeto
- Processo/ Comportamento
- Produtos (outputs)
- Resultados (outcomes)
- Relações causais
- Resultados (outcomes) / Ligações valorativas
Atividades
de
Investigação
- Descrição
- Explicação
- Desenho e teste de teoria
- Juízos analíticos
- Juízos de valor
Fonte: Hill e Hupe (2009, p. 12)
Muito embora esta conceção mais lata de implementação tenha cada vez mais defensores, o
‘cumprimento dos objetivos’ (goal achievement) tende a ser, ainda, a variável dependente
dominante (Winter, 2003a, p. 205), o que tem conduzido a que grande parte da investigação
em implementação se debruce sobre falhas (Fox, 1987, p. 128; Birkland, 2001, pp. 187-189).
64
De acordo com Fox (1987, p. 129), a persistente predominância do ‘cumprimento dos
objetivos’ enquanto variável dependente estará relacionada com o facto do modelo
‘racional-compreensivo’, ou clássico, da implementação ser “simples, claro e elegante”. Para
o autor (Fox, 1987, pp. 129-131), este enviesamento deve-se sobretudo a três aspetos: por
um lado, à ainda primazia da abordagem que defende a divisão politics-administration; por
outro lado, a expectativas demasiado elevadas, as quais tenderão a conduzir à desilusão dos
analistas face à dificuldade em implementar políticas que se debruçam sobre problemas
sociais profundos; e, por outro lado ainda, as análises demasiado estreitas, já que a
abordagem ‘racional compreensiva’ tende a não analisar aprofundadamente os efeitos das
políticas que estejam para além dos impactos mensuráveis.
Como é possível constatar pelo que foi exposto nesta secção, a análise da implementação é
particularmente complexa, tendo em conta os múltiplos atores envolvidos neste processo,
os próprios conceitos analíticos subjacentes, ou, ainda, os próprios padrões de aferição do
sucesso ou insucesso da implementação. Esta complexidade e ambiguidade será, quiçá, a
razão pela qual existe uma tão grande profusão de abordagens nos Estudos de
Implementação – temática que será abordada na secção que se segue.
III-2. GERAÇÕES DE ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO
A propósito da história dos Estudos de Implementação, S. Winter, um dos mais reputados
académicos neste domínio, refere que o campo de estudo da Implementação de Políticas
Públicas prima pela diversidade, por vezes concorrencial, de abordagens conceptuais,
metodológicas e teóricas (Winter, 2003b, p. 212; Sætren, 2014, p. 85). Não obstante esta
enorme diversidade, as diferentes abordagens poderão, ainda assim, ser agrupadas de
acordo com classificações que sistematizam a produção científica dos Estudos de
Implementação de acordo com diferentes critérios.
Uma das classificações mais comuns é a apresentada por Goggin et al (Goggin, 1986; Goggin,
Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990) e está relacionada com uma procura crescente pela
65
cientificidade nos Estudos de Implementação, nomeadamente através do desenvolvimento
de estratégias de investigação que permitissem a produção de teoria. Nesta classificação
distinguem-se: 1) uma primeira geração de estudos13 composta, na sua maioria, por estudos
de caso e sem grandes pretensões de produção de teoria generalizável; 2) uma segunda
geração de estudos, que revela maiores preocupações científicas ao debruçar-se sobre a
produção de quadros de análise (frameworks of analysis), e no seio da qual emergiu uma
clara oposição entre as abordagens top-down e bottom-up; 3) uma terceira geração de
estudos, no âmbito da qual se advogava a produção de análises sintetizadoras e
contingenciais das duas abordagens da geração anterior, bem como a produção de estudos
com amostras de larga dimensão, com vista a proceder à identificação do grau de relevância
das diversas variáveis em análise e à produção de teorias generalizáveis.
É precisamente esta classificação que irá nortear a primeira parte deste ponto do capítulo.
Seguir-se-á uma análise sistemática das diferentes gerações de estudo, de acordo com um
conjunto de critérios.
III-2.1. Evolução Histórica das Gerações de Estudos de Implementação
Como acima referido, esta parte do trabalho debruçar-se-á sobre a descrição das principais
características de cada uma das gerações de Estudos de Implementação – a primeira
geração, que se situa temporalmente no início da década de 70 do séc. XX, seguida da
segunda geração, que terá tido início em meados da década de 70 e desenvolvimento mais
sólido na década de 80, finalizando-se com a apresentação da terceira geração, a qual terá
sido proposta no final da década de 80.
13
Os quais alguns autores consideram apenas ‘estudos primórdios’ e, como tal, não passíveis de serem considerados como teoria.
66
III-2.1.1) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE PRIMEIRA GERAÇÃO OU ESTUDOS PRIMÓRDIOS
Tal como mencionado anteriormente, diversos autores (vide, inter alia, Birkland (2001, p.
178) Hudson e Lowe (2004, pp. 203-204) e Barrett (2004, p. 252)) referem que terão sido
realizados poucos estudos subordinados à temática da implementação até ao início da
década de 70 do séc. XX. Esta ideia é, aliás, expressa pelos próprios Pressman e Wildavsky
naquela que é considerada como a obra seminal dos Estudos de Implementação. No prefácio
da primeira edição do livro ‘Implementation’ (Pressman & Wildavsky, 1984 (1973), p. xxi), os
autores referiam que a implementação havia sido anteriormente “… muito discutida mas
raramente estudada [considerando, portanto, não haver] (…) literatura prévia para poder
tomar como orientadora”, referindo o estudo ‘New Towns in Town: why a federal program
failed’ (1972) de Martha Derthick como uma exceção a essa tendência.
De facto, muito embora diferentes disciplinas, tais como a Teoria Organizacional ou a Ciência
da Administração Pública, já se tivessem debruçado sobre temas que viriam a ser objeto de
análise dos Estudos de Implementação (Howlett, Ramesh, & Perl, 2009, p. 163) – facto que
motivou Van Meter e Van Horn a criticarem Pressman e Wildavsky pelas afirmações acima
apresentadas –, importa referir que a larga maioria desses estudos não estaria diretamente
relacionada com a implementação de políticas (Hargrove (1983)14 apud Hill e Hupe (2009, p.
19)). Esta ideia é reforçada por Sætren (2005, pp. 569-570) que, através de uma análise
bibliométrica sobre a temática da implementação, dá conta da existência de
aproximadamente 30 livros e mais de 200 artigos com títulos contendo as palavras
‘implementation’ ou ‘implementing’ publicados antes de 1973, mas refere que a grande
maioria destes estudos não provinha de académicos das áreas da Ciência Política ou da
Administração Pública.
Perante tal contexto de escassez de referências teóricas, não será de estranhar que os
Estudos de Implementação da designada primeira geração – da qual as obras de Derthick
(publicada em 1972) e de Pressman e Wildavsky (publicada em 1973) são os exemplos mais
emblemáticos – se constituíssem como estudos de caso tipicamente exploratórios,
descritivos e indutivos (Goggin, 1986, p. 328; Winter, 2003b, p. 213; Sætren, 2014, pp. 87,
14
Hargrove, E. (1983). The search for implementation theory. In R. Zeckhauser e D. Leebaert, What Role for Government? Lessons from Policy Research (pp. 280-294). Durham: Duke University Press
67
89). É, portanto, neste sentido, que Goggin (1986, p. 328) refere que a “primeira geração de
estudos da implementação é constituída, na sua maior parte, por descrições detalhadas de
como uma única decisão foi executada....”.
Para além das características anteriormente mencionadas, Goggin (1986, p. 328) refere
ainda que a grande maioria dos Estudos de Implementação de primeira geração se
destacava também por um tom pessimista quanto à possibilidade da implementação ser
bem-sucedida, tendo em atenção a complexidade e a diversidade de atores que caracteriza
este processo. Exemplo disso é o estudo de Pressman e Wildavsky (1984 (1973), p. xx), no
âmbito do qual os autores concluem que o elevado número e diversidade de atores
envolvidos e a falta de coordenação entre os mesmos (que eles designam por ‘complexidade
da ação conjunta’) constituíam claras ameaças ao sucesso da implementação daquela
política. De acordo com Lester et al (1987, p. 201), este tom pessimista será igualmente
visível nas obras de Derthick (1972)15, Murphy (1973)16 e Bardach (1977)17. A este propósito,
importa referir que o conceito de ‘implementation deficit’ – termo introduzido por Pressman
e Wildavsky –, estaria associado ao ‘modelo racional’, na medida em que, segundo estes
autores, o estudo da implementação se deveria focar na análise das dificuldades de
prossecução dos objetivos centralmente definidos (Pressman & Wildavsky, 1984 (1973), pp.
xxii-xxiii).
Não obstante este tom negativista da maioria dos autores de primeira geração, será
importante assinalar que estes estudos terão sido responsáveis por terem alertado para a
complexidade da implementação de políticas e, por conseguinte, por terem despertado o
interesse pela análise da implementação por parte de académicos e profissionais (Schofield,
2001, p. 249; deLeon & deLeon, 2002, p. 469). Por sua vez, esta geração de Estudos de
Implementação será criticável, sobretudo, por não ter formulado modelos generalizáveis
(Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, p. 201; Birkland, 2001, p. 178), já que não
avançavam variáveis teóricas centrais (Winter, 2003b, p. 213). Será, pois, exatamente na
15
Derthick, M. (1972). New Towns in Town: why a federal program failed. Washington: Urban Institute. 16
Murphy, J. (1973). The education bureaucracies implement novel policy: The Politics of Title I of ESEA. In A. Sindler. Policy and politics in America. Bonston: Little Brown 17
Bardach, E. (1977). The implementation game: What happens after a bill becomes a law. Cambridge: MIT Press.
68
tentativa de suprir essa lacuna que terá surgido a designada segunda geração de Estudos de
Implementação, que irá ser abordada no próximo ponto.
III-2.1.2) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE SEGUNDA GERAÇÃO: O DESENHO DE FRAMEWORKS E O DEBATE
TOP-DOWN VS. BOTTOM-UP
Com um nível de sofisticação e consciência teórica muito maiores do que os Estudos de
Implementação de primeira geração (deLeon & deLeon, 2002, p. 469), a segunda geração de
Estudos de Implementação destaca-se pela produção de frameworks de análise que tinham
o objetivo de auxiliar na identificação dos fatores que facilitariam e dificultariam a
implementação (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, p. 202; Sætren, 2014, p. 90).
Com início nos finais da década de 70 do séc. XX e no início da década de 80, esta geração de
estudos é caracterizada por um largo debate entre as abordagens top-down e bottom-up, as
quais diferem em diversos aspetos, tais como os enfoques, os métodos de estudo, ou
mesmo as conceções de democracia subjacentes (Pülzl & Treib, 2007, pp. 93-95). Para que
se possa compreender melhor ambas as abordagens e as diferenças entre as mesmas,
proceder-se-á de seguida a uma descrição detalhada das suas características.
A) ABORDAGEM TOP-DOWN
Iniciada na segunda metade da década de 70 do séc. XX, a abordagem top-down dos Estudos
de Implementação segue, de certo modo, o legado dos Estudos de Implementação de
primeira geração, muito embora tentando introduzir um cunho de maior cientificidade ao
comportar uma maior estruturação analítica (Sabatier, 1986, pp. 21-22). Nesse sentido, esta
abordagem tem como principal base de análise o diploma legal e os objetivos tal como
formulados pelos decisores centrais (top), analisando, posteriormente, se as tarefas
desempenhadas pelos implementadores locais (bottom) são congruentes com as ditas
decisões (Birkland, 2001, p. 178; Schofield, 2001, p. 250). Tomando, assim, por base a
política pública tal como formulada pelos decisores públicos centrais, a abordagem top-
69
down analisa a implementação aferindo: a) em que medida as ações foram consistentes com
as decisões; b) em que medida os impactos foram consistentes com os objetivos; c) quais os
fatores que afetaram os produtos e os impactos; d) quão profunda terá sido a reformulação
da política (Sabatier, 1986, p. 22).
Encarando os desvios face aos objetivos centralmente definidos como disfuncionais
(Palumbo, 1987, p. 93), os defensores desta abordagem (os top-downers) debruçam-se
particularmente sobre as condições para atingir uma ‘implementação perfeita’ (conceito
cunhado pelo top-downer C. Hood) (Parsons, 1995, p. 465). Neste sentido, a abordagem top-
down adquire frequentemente um pendor prescritivo, já que um dos objetivos expressos da
análise será, não raras vezes, a provisão de aconselhamento aos decisores políticos
(Matland, 1995, p. 149).
Neste sentido, diversos top-downers ter-se-ão debruçado sobre o desenvolvimento e teste
de frameworks analíticas compostas por fatores, e clusters de fatores, determinantes para “a
concretização (ou não concretização) dos objetivos da política” (Lester, Bowman, Goggin, &
O'Toole, 1987, p. 202). Analisando as listas referidas por alguns dos mais proeminentes top-
downers (Van Meter & Van Horn, 1975; Hood, 1976; Gunn, 1978; Hogwood & Gunn, 1984),
identificam-se fatores como: obediência e controlo; clareza dos objetivos e dos standards;
comunicação e coordenação intra e interorganizacional perfeitas; a disponibilização
atempada e em quantidade suficiente de recursos; presença de uma linha de comando
única; e, estabilidade do ambiente externo.
Já ao nível da produção de frameworks, destacam-se, em primeiro lugar, Van Meter e Van
Horn (1975), que terão desenvolvido o primeiro esforço de sistematização de fatores que
contribuíam para o (in)sucesso da implementação. Para além desta, será ainda merecedora
de destaque a framework de Mazmanian e Sabatier, originalmente formulada em 198018, na
qual os autores referem a existência de três clusters de fatores (Mazmanian & Sabatier,
1989, p. 22): os relacionados com a ‘tractability’ do problema; os relacionados com a
capacidade de estruturar a implementação através de um documento estatutário; e, por fim,
18
Sabatier, P. & Mazmanian, D. (1980). The Implementation of Public Policy: A Framework of Analysis. Policy Studies Journal, 8(4), 538–560.
70
os relacionados com condições não relacionadas com o estatuto legal, nomeadamente
condições de contexto e comportamento dos implementadores. Já no que se refere aos
fatores propriamente ditos, poder-se-á referir que Mazmanian e Sabatier (1989, pp. 41-42)
seguem a mesma linha de raciocínio que outros top-downers e autores da primeira geração
de Estudos da Implementação, na medida em que se destacam os seguintes fatores
essenciais: 1) objetivos claros e consistentes; 2) teoria causal adequada; 3) estruturação legal
para promover o cumprimento dos implementadores e dos grupos-alvo; 4)
implementadores empenhados e competentes; 5) apoio dos grupos de interesse e dos
decisores soberanos ao longo de todo o processo; e, 6) um contexto socioeconómico cujas
mudanças não debilitem o apoio político ou a teoria causal subjacente à formulação da
política.
Designando a abordagem top-down por Modelo Instrumental no âmbito da sua abordagem
sintetizadora, Stoker (1989, pp. 32-33) terá referido que as principais características desta
abordagem seriam: entendimento da implementação como um meio de executar as
diretivas superiormente definidas; valorização da centralização da autoridade; separação
clara entre formulação e implementação; assunção de que a deficiente comunicação ou
distorção das intenções formuladas seriam os principais problemas da implementação e
consequente observação do desvio face aos objetivos centralmente definidos como
comportamento disfuncional e ilegítimo; valorização da conformidade (compliance) em
detrimento da cooperação. Neste contexto, Barrett (2004, p. 252) considera que, na
perspetiva dos top-downers, os principais problemas da implementação são: “1) a falta de
objetivos claros, deixando espaço para a interpretação diferencial e para a
discricionariedade na ação; 2) a multiplicidade de atores e agências envolvidos na
implementação, [gerando] problemas de comunicação e coordenação entre os ‘elos’ da
corrente; 3) diferenças de valores e de interesses entre atores e agências, [gerando]
problemas de perspetivas e prioridades divergentes que afetariam as interpretações quanto
à política e às motivações para a implementação; 4) a autonomia relativa das agências
implementadoras, [o que] limitaria o controlo administrativo”.
O argumento de que muitos destes ‘problemas’ dificilmente serão evitáveis e que não serão,
necessariamente, origem de uma implementação mal sucedida constitui-se, assim, como a
71
base das críticas apresentadas à abordagem top-down. De acordo com Matland (1995: 147-
148), a abordagem top-down será, frequentemente, alvo de três grandes críticas, as quais
estão relacionadas com: 1) a assunção da linguagem estatutária como ponto de partida e
como algo racional, desvalorizando, assim, o nível de negociação subjacente aos processos
de formulação dos diplomas legais; 2) o entendimento da implementação como um
processo administrativo de cumprimento de objetivos claros e libertos de qualquer disputa
política; 3) o enfoque exacerbado nos formuladores da política enquanto atores-chave, o
que representa, para os críticos desta abordagem, um duplo erro, não só porque os
implementadores locais estão na posse de maior conhecimento para darem resposta aos
problemas a intervencionar (erro normativo), mas também porque o poder discricionário
dos funcionários de base será inevitável (erro positivista). Para além destas críticas, Stoker
(1989, pp. 33-34) refere, ainda, que a abordagem top-down falha nos seguintes aspetos:
debruça-se mais sobre o processo de formulação do que na implementação propriamente
dita; tem um desejo irrealista de controlar o processo de implementação; considera que a
legitimidade do conflito entre atores está circunscrita ao processo de formulação.
Acrescente-se, por fim, o facto de a abordagem top-down presumir que a implementação
ocorre sempre com base numa cadeia hierárquica de um único universo organizacional, ao
mesmo tempo que delimita o contexto da implementação ao menosprezar frequentemente
variáveis exógenas e fluxos relacionais.
Muitas destas críticas apresentadas terão constituído a base da emergência da abordagem
bottom-up, cujas características serão apresentadas de seguida.
B) ABORDAGEM BOTTOM-UP
Surgida, igualmente, no final dos anos 70 e início dos anos 80 do séc. XX, a abordagem
bottom-up foi formulada como uma clara crítica às teorias top-down, advogando que os
Estudos da Implementação deveriam dedicar maior atenção às relações que os funcionários
de base estabelecem com os grupos-alvo das políticas, bem como à influência que os
contextos locais poderão exercer sobre a implementação (Matland, 1995, p. 148; Pülzl &
Treib, 2007, p. 92).
72
De acordo com os autores que defendem esta abordagem (os bottom-uppers), o que
realmente se constitui como política pública é, sobretudo, aquilo que se passa ao nível da
implementação local das políticas. A este propósito, refira-se Lipsky (1980, p. xii), por muitos
entendido como o pai desta abordagem, que defende que “as decisões dos street-level
bureaucrats, as rotinas que estes estabelecem, e as ferramentas que estes inventam para
lidar com as incertezas e pressões do trabalho, tornam-se efetivamente nas políticas
públicas que eles implementam”. Tendo, portanto, em atenção que estes agentes
desenvolvem as suas atividades num sistema complexo e que dispõem, frequentemente, de
um significativo grau de poder discricionário, poderá considerar-se que o sucesso ou
insucesso da intervenção dependerá, em larga medida, dos níveis de compromisso e de
competências destes atores (Pülzl & Treib, 2007, p. 93).
Para além desta questão relacionada com a influência que os funcionários de base poderão
ter na implementação de uma política, a abordagem bottom-up advoga, ainda, a enorme
relevância dos contextos locais e, por conseguinte, a necessidade de se atribuir maior
liberdade de adaptação dos programas e políticas públicas às condições locais, sob a pena de
os mesmos falharem (Matland, 1995, p. 148).
Rejeitando a ideia de que os implementadores têm de seguir os objetivos de forma rígida,
esta abordagem defende, portanto, que a análise da implementação deverá atribuir um
especial destaque às redes e atores locais envolvidos na política, sobretudo às relações entre
estes (Hjern & Porter, 1981, pp. 223-224; Hjern & Hull, 1982, pp. 107, 114). Na exploração
desta temática destacam-se os trabalhos de B. Hjern e seus associados (D. Porter, K. Hanf e
C. Hull), os quais foram influenciados pelos estudos sociológicos de organizações da década
de 70 do séc. XX que começavam a atribuir uma crescente atenção à dimensão
interorganizacional (Hjern & Hull, 1982, p. 111), tais como os de Hanf e Scharpf19, de Aldrich
(1986)20 e de Benson (1977)21 (Hill & Hupe, 2009, p. 53). No rol de trabalhos destes autores
sobre a temática das redes merece destaque um artigo de Hjern e Porter (1981, pp. 214,
218), no qual os autores advogam que a unidade de análise dos Estudos de Implementação
19
Hanf, K., & Scharpf, F. ((Eds) 1978). Interorganizational Policy Making: Limits to Coordination and Central Control. London: Sage. 20
Aldrich, H. (1976). “Resource dependency and inter-organizational relations: local employment service offices and social services setor organizations”. Administration and Society, 7 (4): 419-454. 21
Benson, J. K. (1977). “Organizations: a dialectical view”. Administrative Science Quarterly, 22 (1): 1-21.
73
não deverá ser a ‘organização’, mas antes as ‘estruturas de implementação’, ou seja, redes
constituídas por múltiplos atores organizadas em torno de um programa específico.
A temática da negociação entre atores no âmbito da implementação terá sido, por sua vez,
amplamente analisada por Barrett e Fudge, dois autores britânicos cujo trabalho terá sido
influenciado pela noção de ‘estruturas de implementação’ de Hjern e Porter (1981) e, tal
como aconteceu com estes últimos, por estudos no domínio da Teoria Organizacional (Hill &
Hupe, 2009, p. 54). Entre outras ideias, Barrett e Fudge (1981, p. 251) advogam na sua obra
‘Policy and Action’ que a ‘política’ (aqui entendida enquanto conjunto de objetivos
centralmente definidos) não deverá ser vista como uma constante, já que esta será
necessariamente modificada pela ‘ação’ ao nível da implementação. Ademais, os autores
defendem ainda que as atividades dos implementadores poderão ser ‘controladas’ pelos
decisores centrais, não apenas através de incentivos ou ameaças de sanções (postulado top-
downer), mas também através de mecanismos de negociação e compromisso, ou o que os
autores designam por ‘ordem negociada’22 – colocando, assim, a interação entre atores no
centro da análise (Barrett & Fudge, 1981, p. 21). Por fim, será importante evidenciar que
Barrett e Fudge (1981, pp. 21, 26) defendiam que os Estudos de Implementação deveriam
atribuir maior destaque ao desempenho (performance) em detrimento da conformidade
(conformance).
Tendo em atenção este interesse da abordagem bottom-up pelos contextos, atores e
dinâmicas locais, Hjern et al (vide, inter alia, Hjern e Hull (1982, p. 107)) terão ainda
desenvolvido uma metodologia que, ao invés de ter como base os objetivos centralmente
definidos e uma alegada unidade de comando (que designam de constitucionalismo formal),
sujeitava as unidades de análise a uma lógica indutiva de empiricismo (a que designa de
constitucionalismo empírico). Para tanto, os autores propunham uma abordagem
metodológica que se distinguia por começar por identificar os diversos atores intervenientes
no processo de implementação, inquirindo-os não apenas quanto aos objetivos pessoais e
organizacionais subjacentes às estratégias de implementação utilizadas, mas também
quanto às redes de contacto erigidas, o que permitiria mapear a estrutura de
22
A noção de ‘ordem negociada’ terá sido tomada de empréstimo da obra de Anselm Strauss “Negotiations: Varieties, Contexts, Processes and Social Order”, publicada em 1978.
74
implementação inerente à intervenção sobre um determinado problema (Hjern & Hull,
1982, p. 110). A propósito desta metodologia, importa ainda referir que estes autores
defendiam o recurso a uma estratégia fenomenológica, por forma a analisar os motivos para
a participação dos diferentes atores envolvidos nas estruturas de implementação, bem como
as suas estratégias de mobilização e utilização de recursos (Hjern & Porter, 1981, p. 221). De
acordo com a análise comparativa entre as abordagens top-down e bottom-up de Sabatier
(1986, pp. 33-34), esta metodologia tem a vantagem de aferir a importância relativa de uma
variedade de programas, de conseguir identificar um importante conjunto de consequências
inesperadas e de conseguir analisar domínios de políticas públicas com diversos programas.
Designando a abordagem bottom-up por Modelo de Acomodação na sua análise
sintetizadora, Stoker (1989, p. 34) terá referido que as principais características desta
abordagem seriam: a conceção do processo de implementação como uma arena política e
de relações de troca, ao invés de um simples cumprimento de objetivos superiormente
definidos; a valorização da autoridade difusa e do conhecimento particular e situacional; a
defesa da ideia de que a política pública evolui ao longo da implementação, daí que não faça
especial sentido conceber a separação estanque entre formulação e implementação; o
entendimento da incapacidade de acomodação das diferenças dos contextos locais e das
mudanças nas práticas, perspetivas e valores ou dos contextos locais, como os principais
problemas da implementação; a valorização da resolução de conflitos, em detrimento da
conformidade com os objetivos inicialmente definidos.
Muito embora reconhecendo diversas virtudes à abordagem bottom-up, nomeadamente à
metodologia desenvolvida por Hjern e seus colegas, Sabatier (1986, pp. 34-36) aponta
algumas críticas a esta abordagem, no geral, e à metodologia referida, em concreto,
nomeadamente: a não consideração da capacidade que o ‘centro’ tem em influenciar a
estrutura de implementação, quer seja por sanções, quer seja por poder decidir quais os
atores que têm legitimidade para participar na implementação; e, a incapacidade de
formulação de uma teoria explícita, já que, ao basear-se sobretudo em perceções dos
participantes, não consegue determinar que fatores influenciam indiretamente o
comportamento destes. Para além destas críticas, Matland (1995, p. 149) refere, ainda, que
esta abordagem é recorrentemente alvo de uma crítica normativa relacionada com a defesa
75
da provisão de autonomia e flexibilidade a atores não eleitos pelos cidadãos. Por sua vez,
Stoker (1989, pp. 36-37) acrescenta que a abordagem bottom-up poderá ser também
criticada por três razões: 1) por supor que os funcionários de base seriam, necessariamente,
agentes facilitadores e problem-solvers e não agentes de bloqueio de mudanças; 2) por não
ter ‘standards’ para avaliar as variáveis de desempenho dos implementadores; e, 3) por não
conseguir explicar porque é que é possível alcançar a cooperação entre atores em alguns
cenários e noutros não.
***
Tal como foi possível constatar, as abordagens top-down e bottom-up apresentam claras
diferenças quanto ao principal enfoque de análise, à variável dependente, à estratégia
metodológica, aos objetivos de análise e até à própria conceção de democracia – aspetos
que serão analisados no ponto III-2.2 deste trabalho.
Considerando as pronunciadas diferenças e que ambas as abordagens tendiam a ignorar-se
mutuamente (Palumbo, Introduction, 1987, p. 91; Winter, 2003b, p. 215) e a extremar
claramente as suas posições (Pülzl & Treib, 2007, p. 95), diversos autores terão optado por
abandonar o “campo estéril da disputa entre top-down/bottom-up (…) [procedendo à
elaboração] de algumas propostas de perspetivas sintetizadoras e contingenciais” (O'Toole
Jr., 2004, p. 315).
Para além destes problemas de cumulatividade face ao antagonismo das abordagens,
Goggin (1986, p. 329) considera que os estudos de segunda geração poderão ser igualmente
criticados por não terem sido capazes de estabelecer verdadeiros modelos causais. Assim, a
terceira geração de Estudos da Implementação revela preocupações de conciliar as
abordagens top-down e bottom-up através de perspetivas sintetizadoras ou contingenciais,
mas também de promoção teórica e metodológica. No ponto que se segue, são
apresentadas os principais autores e linhas orientadoras desta geração.
76
III-2.1.3) ESTUDOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE TERCEIRA GERAÇÃO OU TEORIAS HÍBRIDAS
Tal como anteriormente referido, em meados da década de 80 registavam-se diversas
críticas aos Estudos de Implementação, que posteriormente viriam a ser designados de
segunda geração. Tal como refere Palumbo (1987, p. 92) no artigo introdutório de um
simpósio inteiramente dedicado à temática da implementação, as críticas aos Estudos de
Implementação seriam, por essa altura, mais numerosas do que os elogios. De acordo com
este autor, havia na comunidade académica alguma desilusão quanto à enorme dificuldade
em lidar com a complexidade do estudo da implementação, bem como quanto aos parcos
resultados na produção de conhecimento quanto à forma de melhorar a implementação,
argumentando-se inclusivamente que se estaria apenas a repetir velhas verdades (Palumbo,
1987, p. 92).
De acordo com alguns autores que publicaram artigos no âmbito do simpósio referido (vide,
inter alia, Fox (1987, pp. 128-130) e Yanow (1987, pp. 107-108)), os Estudos de
Implementação realizados até então padeciam de alguns problemas decorrentes de um
forte enviesamento para a utilização da abordagem top-down, do modelo racional-
compreensivo e de uma orientação ontológica. Para estes autores, os problemas daí
decorrentes prendiam-se com a assunção de que apenas os atores políticos teriam
legitimidade para formular os objetivos e de que os eventuais desvios face a estes deveriam
ser entendidos como disfuncionalidades (Fox, 1987, pp. 128-130; Yanow, 1987, pp. 107-108).
Além disso, estes autores referem ainda que a as perspetivas até então dominantes tinham
o problema de não considerar a cultura, valores e história dos contextos de implementação
(Fox, 1987, pp. 128-130; Yanow, 1987, pp. 107-108).
Tal como referem Palumbo e Calista (1990, pp. 4-5), estes problemas advinham sobretudo
dos erros das assunções quanto à clara separação entre os processos de formulação e
implementação de políticas, em linha com a dicotomia politics-administration advogada por
W. Wilson no final do séc. XIX, e quanto à racionalidade e clareza da definição de problemas
e formulação de objetivos por parte dos atores políticos. Considerando que estes dois
pressupostos já há muito tempo vinham sendo criticados no âmbito do estudo das
organizações públicas, Denhardt considerou, em 1984, que “o estudo da implementação de
77
políticas representava uma regressão no estudo das organizações públicas…” (Denhardt,
(1984) 2000, p. 136).
Face aos problemas identificados, os autores acima referidos formularam algumas
propostas. Fox (1987, pp. 138-139) propôs, por exemplo, que não se julgasse o
comportamento dos implementadores apenas com base nos objetivos centralmente
definidos e que não se considerassem os desvios como necessariamente disfuncionais, que
não existisse uma concentração excessiva em desenhos de investigação positivistas e que se
atribuísse maior atenção às circunstâncias históricas dos fenómenos. Palumbo e Calista
(1990, pp. 14-15; Palumbo, 1987, p. 100) referiram, por sua vez, que seria necessário que se
assumisse a implementação como um processo político e em constante adaptação e que não
existisse uma separação clara entre os processos de formulação e implementação de
políticas. Já Yanow (1987, pp. 108-111) formulou uma proposta de uma abordagem cultural
ao estudo da implementação, no âmbito da qual defendia que se deveria atribuir maior
importância no estudo da implementação aos significados atribuídos pelos implementadores
às atividades, sendo, portanto, importante desenvolver uma abordagem analítica de radical
interpretativo.
Por outro lado, alguns autores defendiam que o principal problema da dita segunda geração
de Estudos de Implementação seria a falta de cumulatividade de saber e a inexistência de
proposição e teste de hipóteses e consequente formulação de teorias. Esta é exatamente a
posição defendida por Lester, Bowman, Goggin e O’Toole (1987, pp. 208-210) num artigo
publicado no âmbito daquele mesmo simpósio, no qual os autores defendem que os
principais problemas subjacentes aos Estudos de Implementação de primeira e segunda
geração estariam relacionados com três aspetos: 1) excessivo pluralismo teórico, ou seja, um
muito elevado número de variáveis em análise, as quais seriam, geralmente, apresentadas
como check-lists, não havendo preocupações de parcimónia ao identificar quais seriam as
mais importantes e em que condições; 2) natureza restrita da investigação em
implementação, que se revelava ao nível das restrições de análise no tempo, no número de
casos analisados e no número de tipologias de políticas em análise; 3) natureza não-
cumulativa da investigação, ou seja, pouca preocupação dos investigadores em integrarem
as indicações e ideias anteriormente desenvolvidas.
78
Para além destes problemas de carácter mais genérico, Goggin (1986, pp. 331-334)
identificou aquilo que o autor terá designado por problema dos “poucos casos para muitas
variáveis” (“too few cases/ too many variables”). Para este problema, o autor terá sugerido
que se utilizassem três estratégias: 1) diminuir o número de variáveis, quer ao nível das
variáveis independentes, quer ao nível das variáveis dependentes; 2) aumentar o número de
casos, quer através da adição de casos de diferentes locais, ou através de casos de diferentes
políticas; 3) selecionar casos com base na sua semelhança ou comparabilidade, por forma a
manter constante um conjunto de variáveis.
No sentido de ultrapassar estes problemas, Goggin et al (Goggin, 1986, pp. 335-342; Lester,
Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-213; Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr.,
1990, pp. 15-19) elaboraram ainda um conjunto de sugestões para os estudos de
implementação vindouros que se relacionavam com a clarificação das variáveis em análise e
das ‘variáveis cruciais’, a formulação e teste de hipóteses teoricamente fundamentadas, um
maior recurso a dados quantitativos e a técnica de análise estatística, ou ainda o
desenvolvimento de estudos comparativos (entre contextos e entre políticas) e
longitudinais.
Muito embora referindo a necessidade de se adotarem as sugestões acima descritas, o
próprio Goggin (1986, p. 334) terá reconhecido que seria difícil produzir teoria que
permitisse a identificação de variáveis de desempenho de implementação devido à
complexidade da unidade de análise, aos elevados custos na recolha dos mesmos, ou
mesmo à dificuldade de medir as variáveis independentes e dependentes – dificuldades que
haviam sido, e poderiam continuar a ser, responsáveis pela adoção de estratégias de análise
da implementação baseadas em estudos de caso ideográficos ou através da aplicação de
frameworks teóricas na interpretação dos casos.
Terá sido, portanto, na tentativa de promoção de Estudos de Implementação que
incorporassem as soluções propostas que Goggin et al (1990, pp. 15-19; Lester, Bowman,
Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-213) propuseram uma terceira geração de Estudos de
Implementação, a qual deveria ter a preocupação de acolher a diversidade metodológica e
de construir e testar teoria.
79
Neste sentido, foi desenvolvido desde o final da década de 80 do séc. XX um conjunto de
estudos que ultrapassaram, de certo modo, a disputa estéril entre as abordagens top-down
e bottom-up, ao prosseguirem abordagens sintetizadoras e contingenciais (O'Toole Jr., 2004,
p. 315).
Por um lado, os estudos contingenciais destacam-se por abandonar a ideia de uma
estratégia ‘ideal’ de implementação, já que defendem que diferentes condições de contexto
requerem diferentes estratégias de implementação (deLeon & deLeon, 2002, p. 471).
Incluem-se nesse grupo, entre outros, os estudos de Ripley e Franklin (1982) e de Matland
(1995).
Ripley e Franklin (1982) consideram que os níveis de conflito e de interferência externa ao
sistema político-administrativo no âmbito do processo de implementação diferem
consoante o tipo de políticas públicas. Para tal, analisam estes parâmetros dos processos de
implementação de acordo com uma tipologia de políticas, inspirada na de Lowi (1972), que
distingue quatro tipos de políticas: políticas redistributivas; políticas distributivas; ‘políticas
reguladoras de competição’; e, ‘políticas reguladoras de proteção’. Muito embora esta
tipologia comungue dos mesmos problemas que a de Lowi quanto à dificuldade de
classificação de algumas políticas, esta formulação de Ripley e Franklin tem a mais-valia de
enfatizar que o sucesso da implementação de uma política também poderá ser afetado por
fatores como o grau de estabilidade dos atores envolvidos, o grau de conflito e de oposição,
ou o grau de debate ideológico em torno da político (veja-se figura seguinte). Por exemplo, a
partir da formulação de Ripley e Franklin é possível concluir que as ‘políticas redistributivas’
e as ‘políticas reguladoras de proteção’ tenderão a ter uma implementação mais difícil, na
medida em que são geralmente geradoras de maior conflito entre grupos e de um elevado
nível de debate ideológico, sobretudo em torno do nível e do tipo de intervenção estatal.
80
Figura 7. Impacto dos Tipos de Políticas Públicas na Implementação por Ripley e Franklin
Tip
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olít
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a
Pro
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ade
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Esta
tal
Distributiva Elevada Elevado Baixo Baixo Baixo Baixo
Reguladora de Competição
Moderada Baixo Moderado Moderado Moderado a Elevado
Moderado a Elevado
Reguladora de Proteção
Baixa Baixo Elevado Elevado Elevado Elevado
Redistributiva Baixa Elevado Elevado Elevado Muito
Elevado Elevado
Fonte: Hill e Hupe (2009, p. 77), adaptado de Ripley e Franklin (1982, p. 193)
Igualmente empreendendo um exercício contingencial, Matland (1995, p. 153) critica os
Estudos de Implementação de primeira e segunda geração por utilizarem demasiadas
variáveis-chave, referindo ainda que a literatura da implementação necessitaria de estrutura
e de estudar “as condições nas quais estas variáveis são importantes e as razões porque
deveremos esperar que sejam importantes”. Assim, em alternativa a um modelo sintetizador
das abordagens top-down e bottom-up, Matland (1995, pp. 154-155) considera mais
pertinente o desenho de um modelo que explique as condições em que cada abordagem
será mais adequada. Para tal, o autor (Matland, 1995, pp. 156-159) focou-se em dois fatores
que considerava serem características inerentes e inevitáveis de uma política pública:
por um lado, o nível de ‘ambiguidade’ quanto aos objetivos e recursos, o qual influencia a
capacidade de monitorização da política pelos atores do topo, a probabilidade de
compreensão uniforme da política em diferentes contextos de implementação, a
probabilidade de maior impacto dos fatores contextuais locais, ou ainda a diversidade
de stakeholders envolvidos entre diferentes contextos;
por outro lado, o nível de ‘conflito’ no que se refere às visões e interesses de diferentes
stakeholders, o qual produz efeito sobre a facilidade de acesso ao processo de
81
implementação e sobre os tipos de ações de resolução de conflitos (negociação vs.
coerção).
Tendo em atenção estas duas variáveis, Matland (1995, pp. 160-170) elaborou uma matriz
2X2 (ver figura seguinte), na qual refere quatro situações:
- as políticas públicas que sejam claras e em que exista pouco conflito, tendem a ter um
processo de implementação de carácter administrativo e em que os decisores de topo
têm maior nível de influência, daí que a abordagem top-down tradicional seja mais
adequada;
- as políticas públicas que tenham elevado nível de ambiguidade de objetivos mas que
tenham pouco conflito quanto aos objetivos e interesses envolvidos, tendem a ter
processos de implementação de natureza experimental e em que micro-
implementadores tenham maior poder e as variações entre locais sejam geralmente
incentivadas, pelo que a abordagem bottom-up seria a mais adequada;
- as políticas públicas que tenham elevados níveis de conflito mas com níveis de
ambiguidade reduzidos, tendem a ter um processo de implementação de natureza
política, no qual o acesso e a provisão de recursos estarão envoltos numa atmosfera
politizada, revelando-se os novos modelos top-down como mais adequados;
- as políticas públicas que têm elevados níveis de ambiguidade e conflito tendem a ter
processos de implementação de caráter simbólico e em que os atores locais
desempenham papéis bastante relevantes, mas em que existe uma elevada carga
política, pelo que ambas as abordagens são adequadas à análise.
82
Figura 8. Matriz Ambiguidade-Conflito: Processos de Implementação de Políticas
CONFLITO
Reduzido Elevado A
MB
IGU
IDA
DE
Red
uzi
da Implementação Administrativa
Resultados determinados pelos recursos
Implementação Política
Resultados determinados pelo
poder
Elev
ada
Implementação Experimental
Resultados determinados pelas condições contextuais
Implementação Simbólica
Resultados determinados pela
força da coligação
Fonte: Matland (1995, p. 160)
Do lado dos sintetizadores, situam-se entre os primeiros autores: Elmore (1985), também
considerado bottom-upper, que advogava a utilização de métodos mistos (conjugação das
abordagens ‘backward mapping’ e ‘forward mapping’); o top-downer Sabatier (1986, pp. 38-
39) que, após analisar as vantagens comparativas das abordagens top-down e bottom-up, as
conjugava na advocacy coalition framework. Sem deixar de se concentrar nos decisores de
topo, se dedica ao estudo das redes ao nível dos subsistemas. No entanto, os estudos que
mais se destacam no âmbito dos estudos sintetizadores são o ‘Modelo de Comunicação de
Implementação Intergovernamental de Políticas’ desenvolvido por M. Goggin e seus
associados J. Lester, A. Bowman e L. O’Toole (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987;
Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990), a ‘Framework de Regimes de Implementação’
de R. Stoker (1989) e, por fim, o ‘Modelo Integrado de Implementação’ de S. Winter (1990).
Começando a análise pelo Modelo de Goggin e seus associados, importa, desde logo, referir
que este tem o objetivo de compreender as dinâmicas da implementação
intergovernamental americana que, recorde-se, tem 3 níveis governativos – federal,
estadual e local. Dirigindo especial atenção ao nível estadual, Goggin e seus associados
consideram que a implementação neste nível é influenciada por 3 conjuntos de variáveis:
estímulos e constrangimentos do ‘topo’ (nível federal); estímulos e constrangimentos da
‘base’ (nível local); resultados decisórios e a capacidade estadual (ver figura seguinte).
83
Figura 9. Modelo de Comunicação de Implementação Intergovernamental de Políticas’
Fonte: Goggin, Bowman, Lester e O’Toole (1990, p. 32)
No que concerne à variável dependente desta framework, os autores consideram que a
implementação deverá ser entendida como um processo e que a noção de cumprimento
(compliance) dos objetivos estabelecidos na lei deverá ser a base da análise da
implementação (Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990, p. 34). Na aferição deste
cumprimento, Goggin et al (1990, p. 173) terão utilizado um continuum com 4 gradações:
‘desobediência imediata’ (outright defiance); ‘atraso’ (delay); ‘atraso estratégico’ (strategic
delay) e ‘cumprimento’ (compliance).
84
Por sua vez, Goggin et al (1990, pp. 174-186) consideram que o cumprimento dos objetivos
estabelecidos na lei de forma imediata e sem modificações ao nível estadual estará
dependente de um conjunto de fatores, ou variáveis independentes, nomeadamente:
as ‘mensagens’ federais serem: a) acompanhadas por recursos; b) credíveis enquanto
soluções viáveis para o problema; c) claras; d) consistentes com outras políticas; e)
frequentemente repetidas; f) efetivamente recebidas; g) proferidas por decisores federais
percecionados como possuidores de legitimidade e credibilidade;
as ‘mensagens’ provenientes de atores estaduais e locais cumprirem os mesmos critérios
que as mensagens federais e existirem, ao nível estadual, coligações alargadas, fortes e
apoiantes da política e os órgãos legislativos estaduais apoiarem essa política;
existir capacidade organizacional, expressa através de um reduzido número de unidades
organizacionais envolvidas no processo de implementação e de uma significativa
quantidade de recursos humanos e financeiros alocados à política;
existir capacidade ecológica, revelada através de disponibilidade de recursos financeiros e
de estabilidade política ao nível estadual e da saliência pública e mediática do problema.
Por fim, será necessário referir ainda um grupo de variáveis relacionado com o designado
feedback, o qual resulta do processo de implementação e influencia os ‘estímulos e
constrangimentos’ do topo’ e das ‘bases’. De acordo com os autores (Goggin, Bowman,
Lester, & O’Toole Jr., 1990, p. 186), a probabilidade dos decisores acolherem os feedbacks
será tanto maior, quanto maior for: a) a legitimidade, credibilidade e capacidade dos
implementadores; b) a experiência e competência coletiva da organização implementadora;
c) a clareza, a consistência e a credibilidade da mensagem; d) a personalização dos canais de
comunicação usados; e) a proximidade política e ideológica entre o decisor e o
implementador; f) o conhecimento do decisor quanto à política pública, a sua experiência
política e a competitividade do seu contexto político.
Como foi possível observar, o ‘Modelo de Comunicação de Implementação
Intergovernamental de Políticas’ incorpora um conjunto de hipóteses passíveis de teste
85
sobre os fatores que facilitam e constrangem a comunicação entre os diferentes níveis de
atores intervenientes na implementação.
Não obstante ter sido reconhecida como uma tentativa cuidadosa e elaborada de
formulação de uma framework científica para os Estudos de Implementação, esta poderá ser
alvo de críticas por se concentrar num aspeto particular da implementação, a comunicação
entre níveis, e pela dificuldade de manuseamento de um tão elevado número de variáveis
(Hill & Hupe, 2009, p. 65).
Dedicando-se, igualmente, às questões dos desafios da implementação de políticas públicas
em contextos federais, R. Stoker (1989) apresenta uma framework que incorpora também
aportações das abordagens top-down e bottom-up, ou daquilo que o autor designa,
respetivamente, por Modelo Instrumental e Modelo de Acomodação. Stoker (1989, p. 29)
considera, aliás, que o próprio sistema de governação federal será uma tentativa de superar
uma disputa entre o valor da liderança central (valorizado por questões de escala, partilha
de risco e coordenação) e o valor da autoridade de implementação difusa (incentivado como
forma de evitar a centralização e de tornar as políticas mais ajustadas aos contextos e
problemas locais).
Da análise da framework de Stoker (1989, p. 31) é possível constatar, desde logo, que a
cooperação entre atores e níveis ocupa especial destaque, já que o autor considera que “a
principal tarefa da implementação seria criar o contexto no qual os participantes estivessem
dispostos a cooperar para concretizarem os objetivos da política apesar da ausência de uma
autoridade dominante.”. Desta feita, esta framework contraria a abordagem top-down que
valoriza o cumprimento em detrimento da cooperação, apresentando, assim, maiores
semelhanças com a abordagem bottom-up, ao atribuir particular atenção ao dinamismo do
próprio processo (Stoker R. , 1989, pp. 31, 38). De acordo com Stoker (1989, pp. 38-39), este
carácter dinâmico do processo de implementação reflete-se em duas tendências que se
revelam com o desenrolar do tempo (veja-se figura seguinte):
a diminuição do custo/risco de cooperação ao longo do processo, já que, após um período
inicial em que os atores adotam uma postura de desconfiança para evitar
comportamentos abusivos, as relações de confiança começam a desenvolver-se por
86
força do historial de interações que torna o comportamento mais previsível e reduz o
risco de ‘exploração’;
o aumento do custo/risco de abandono por parte dos atores intervenientes ao longo do
processo, já que, após um período em que o habitual elevado turnover de atores inicial
não comporta problemas por ainda não estar criado um grupo coeso de elementos,
segue-se uma fase em que o grupo já está coeso e em que a perda de um parceiro
significa uma maior perda.
Figura 10. Mudança no Processo de Implementação ao Longo do Tempo, por R. Stoker
Fonte: Stoker (1989, p. 39); Nota (da fonte original): estas são linhas de tendência, as quais não devem ser, por isso, assumidas como procurando um ponto de equilíbrio
Considerando estas duas dinâmicas de evolução ao longo do processo, Stoker (1989, p. 39)
refere que as expectativas de bom desempenho deverão ser menores no início do processo
de implementação, já que, à medida que o tempo for passando e o regime de
implementação se for desenvolvendo, a cooperação e a adaptação mútua tornar-se-ão mais
prováveis. A propósito destas dinâmicas, Stoker (1989, pp. 40-41) menciona, ainda, que a
87
complexidade e a elevada multiplicidade de atores tende a dificultar os processos de
implementação, já que se torna mais difícil identificar e reconhecer os interesses dos
restantes parceiros, coordenar os atores em torno de um interesse comum e monitorizar os
diferentes participantes. Muito embora esta última ideia vá, de certo modo, ao encontro do
que é defendido pelos top-downers, Stoker (1989, p. 45) afirma que a complexidade não
deverá ser encarada como uma necessária perda de eficácia, já que esta pode servir
propósitos como a proteção da representação de interesses ou do abuso de poder da parte
dos atores centrais.
Como se pode observar pela exposição apresentada, apesar de ambas as frameworks se
proporem a proceder a uma conjugação das abordagens top-down e bottom-up na análise
das relações entre atores em regimes federais, é possível constatar que ambas apresentam
uma clara identificação com uma das abordagens da segunda geração dos Estudos de
Implementação. Na sua comparação entre as duas frameworks, Cline (2000, p. 551) terá
chegado a essa mesma conclusão, referindo que “a forma como se define o problema da
implementação molda, quer a análise dos assuntos chave no processo, quer as
recomendações que resultam dessa análise”. No âmbito desta comparação entre o Modelo
Comunicacional (CM) e a Framework de Regimes de Implementação (IRF), a qual se terá
baseado em diferentes critérios (entre outros, o papel da comunicação, o nível de
conflito/cooperação no processo e a aplicabilidade ao conceito das redes), Cline (2000, pp.
558-567) identifica as seguintes diferenças:
- Ao nível do papel da comunicação, o CM concebe a comunicação como forma de
aumentar a eficácia da implementação e os programas formais como os modos mais
eficazes de comunicação, ao passo que a IRF encara a comunicação como um
solucionador de conflitos que contribui para construir confiança e desenvolver
cooperação a longo prazo e concebe a comunicação face-a-face como a mais proveitosa
forma de comunicação;
- No que se refere ao conflito, o CM conceptualiza o conflito como um problema de gestão
organizacional, que poderá ser dirimido através da formulação e do desenho da política,
ao mesmo tempo que aborda qualquer tipo de negociação ou discussão política como
88
ilegítima, ao passo que a IRF concebe o conflito como um processo legítimo, já que o
mesmo é encarado como pertencendo a um contexto social e político mais amplo,
encarando a cooperação como forma de resolução do conflito;
- Em relação à aplicabilidade ao contexto de redes, o CM adota uma visão instrumental dos
contextos de implementação em rede, já que continua a advogar a presença de um ator
‘dirigente’ (neste caso, os formuladores federais), ao passo que a IRF assume a
implementação como um processo de cooperação com autoridade dispersa e em que a
eventual institucionalização ocorre através de regras e normas.
Perante esta análise comparativa, Cline (2000, p. 568) conclui que a framework de Stoker
será mais adequada para analisar os contextos de implementação multiatores.
Para além das duas frameworks acima referidas, destaca-se ainda no âmbito da Terceira
Geração de Estudos de Implementação a framework apresentada por Winter (ver figura
seguinte), cujo propósito “não é estabelecer uma verdadeira síntese entre as abordagens
top-down e bottom-up, mas sim integrar um conjunto dos elementos teóricos mais frutíferos
a partir de várias peças de investigação de implementação…” (Winter, 2003b, p. 216). Esta
framework foi originalmente formulada em 1990 (Winter, 1990), sendo atualmente
considerada como uma das mais completas e integradoras do campo de estudo da
implementação, o que se comprova por ter constituído a base de uma secção do ‘Sage
Handbook of Public Administration’ (editado por Peters e Pierre em 2003 e em 2012)
dedicada exclusivamente ao tema da implementação (Winter, 2003a; 2003b).
89
Figura 11. Modelo Integrado de Implementação de Winter
Fonte: Winter (2003a, p. 207)
No âmbito da formulação desta framework, Winter (2003a, p. 208; 2003b, p. 217) destaca,
entre outros aspetos, que as variáveis dependentes mais adequadas para os Estudos de
Implementação não seriam o mero ‘cumprimento dos objetivos’ nem mesmo o impacto das
políticas, mas sim os produtos diretos do desempenho dos implementadores (outputs) e os
impactos no comportamento dos grupos-alvo (outcomes)23. A este propósito, Winter
(2003b, p. 218) refere que esta abordagem implica um esforço para tentar conceptualizar e
categorizar o desempenho dos implementadores ao nível da organização e dos
trabalhadores individualmente, bem como um esforço para tentar identificar conceitos e
categorias que sejam transversais a um maior número possível de contextos, sendo, para tal,
23
Num dos mais conceituados manuais sobre implementação de políticas públicas da atualidade, Hill e Hupe (2009, p. 139) referem explicitamente a sua concordância com Winter a propósito desta questão da variável dependente.
90
útil utilizar as grandes tipologias de políticas públicas. Para tanto, o autor considera que os
Estudos de Implementação deverão procurar inspiração nos estudos da teoria da Política
Burocrática e da Teoria Organizacional, os quais têm uma longa tradição no estudo do
comportamento das organizações e dos burocratas (Winter, 2003b, p. 219).
Já em relação às variáveis independentes, Winter (2003a, pp. 208-209) destaca diversos
grupos de variáveis24 que podem influenciar, positiva ou negativamente, os processos de
implementação, nomeadamente:
Os processos de formulação e desenho das políticas, nomeadamente porque uma
elevada conflitualidade no decorrer destes processos pode gerar falta de clareza nos
objetivos das políticas ou uma fraca coerência entre os objetivos e os meios
disponibilizados;
O comportamento organizacional e interorganizacional, nomeadamente porque cenários
de implementação que envolvam necessariamente vários atores requerem um elevado
grau de compromisso e coordenação entre atores;
Os comportamentos dos funcionários do terreno (street-level bureaucrats), na medida em
que as estratégias que esses indivíduos adotam para lidar com as pressões inerentes aos
processos de disponibilização de bens e serviços (geralmente, muitas requisições e
poucos recursos) pode conduzir a alterações da política face ao estabelecido
estatutariamente;
O comportamento dos grupos-alvo, já que as atitudes de maior ou menor resistência à
mudança destes grupos (sejam eles, cidadãos ou organizações) condicionam geralmente
a atuação dos funcionários do terreno;
O contexto socioeconómico, na medida em que fatores como a riqueza disponível num
determinado contexto territorial ou a estabilidade do sistema político influenciam
claramente o contexto no qual as políticas são formuladas e implementadas.
24
Os grupos de variáveis destacados por Winter no âmbito da sua framework são praticamente os mesmos que os apresentados por Hill e Hupe (2009, pp. 139-156) no seu manual sobre implementação.
91
O feedback, na medida em que a análise dos processos de implementação e dos seus
resultados e impactos pode dar origem a processos de aprendizagem e consequentes
processos de reformulação e/ou reajuste da implementação.
Não obstante a formulação destas e de outras frameworks sintetizadoras e contingenciais e
das respetivas recomendações para a produção de Estudos de Implementação com um
carácter científico reforçado no âmbito da terceira geração de Estudos de Implementação,
alguns dos problemas da segunda geração de estudos mantiveram-se. Neste contexto,
O’Toole (2004, p. 310) refere que, apesar do enorme esforço de produção de síntese, esta
nova geração não terá sido capaz de prosseguir consensos e terá continuado a lidar ainda
com demasiadas variáveis, não tendo sido capaz de formular recomendações ajustadas. A
este propósito deLeon (1999b, p. 313) referiu que os Estudos de Implementação, tal como
vinham sendo realizados, haviam atingido um ‘beco sem saída’.
Muito embora O’Toole (2000, p. 267) se tenha demonstrado desanimado quanto à evolução
que os Estudos de Implementação estariam a ter por não se prever, quer um consenso
teórico, quer uma explicação ‘simplificadora’, o autor ter-se-á oposto a deLeon,
argumentando que o (suposto) ‘beco sem saída’ se deveria à reconceptualização do campo
de estudo da implementação. De acordo com o autor (O'Toole Jr., 2000, p. 267), o enfoque
tradicional terá sido substituído por um enfoque nas relações de governança e na gestão de
redes (Schofield & Sausman, 2004, pp. 236-237; O'Toole Jr., 2004, p. 315; Barrett, 2004, p.
236).
Como se pode constatar, a terceira geração de Estudos de Implementação não conseguiu
produzir a desejada síntese entre as abordagens da segunda geração, o que terá conduzido a
que muitos académicos deixassem de se dedicar a este campo de investigação e se tivessem
dedicado a outras áreas científicas. Esta procura pela síntese é, no entanto, entendida por
muitos como inatingível e até infrutífera, na medida em que as abordagens top-down e
bottom-up apresentam diferenças bastante profundas, nomeadamente até ao nível dos seus
metapropósitos, o que faz com que a adoção de perspetivas contingenciais seja considerada
mais adequada.
92
Neste sentido, no próximo ponto deste trabalho proceder-se-á a uma síntese das principais
diferenças entre as abordagens top-down e bottom-up e explorar-se-á as condições em que
cada uma destas se revela mais adequada.
III-2.2. Análise Comparativa das Gerações dos Estudos de Implementação
Não obstante o investimento já produzido no âmbito dos Estudos de Implementação, o
processo de implementação de políticas públicas tem vindo a ser analisado de acordo com
numerosas perspetivas, cada uma delas incorporando diferentes estratégias de pesquisa,
padrões de análise, conceitos, enfoques e metodologias (Winter, 2003b, p. 212; Sætren,
2014, pp. 85-86). Neste contexto, as abordagens top-down e bottom-up emergem como
representativas daquelas divergências, consolidando, em seu torno, grande parte do acervo
de pesquisa desenvolvido a propósito da temática da implementação. Recorde-se, a este
propósito, que a abordagem top-down segue o legado da primeira geração de Estudos de
Implementação e que a terceira geração de estudos, apesar de pretender contornar o
debate ‘estéril’ entre as abordagens top-down e bottom-up, se baseia nestas duas
abordagens através de perspetivas sintetizadoras ou contingenciais.
Com o propósito de proceder a uma revisão crítica das diferentes abordagens teórico-
conceptuais, metodológicas e normativas presentes na Teoria da Implementação, apresenta-
se de seguida uma sistematização comparativa sobre a correspondente produção científica.
Começar-se-á com a análise das diferentes perspetivas conceptuais, prosseguir-se-á com a
análise dos diferentes locus, objetivos e estratégias metodológicas de análise, a que se
seguirá a apresentação das diferenças quanto às conceções epistemológicas e ontológicas.
Finalizar-se-á com a apresentação de um quadro síntese desta análise.
93
III-2.2.1) DIFERENÇAS QUANTO ÀS PERSPETIVAS CONCEPTUAIS DE IMPLEMENTAÇÃO E ENQUADRAMENTO NO
ÂMBITO DO PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Tal como foi possível observar ao longo do ponto III-2.1, muita da complexidade subjacente
ao campo de estudo da implementação provém, desde logo, da falta de clareza quanto ao
conceito de implementação (May, 199925 apud Winter, 2003a: 207).
Com efeito, existe uma clara oposição entre a tradicional compreensão da implementação
enquanto execução, administrativa e neutra, de decisões centralmente definidas (que colhe
inspiração na conceção tradicional de administração pública) e uma abordagem 'adaptativa’
e ‘interativa’ da implementação (Mazmanian & Sabatier, 1989, p. 7). Como exemplo da
primeira conceção, poder-se-á referir a definição de implementação como a “simples
prossecução de uma decisão, geralmente incorporada numa lei…” por parte dos top-
downers Mazmanian e Sabatier (1989, p. 7). Por oposição, representa um claro exemplo da
segunda abordagem a definição de “implementação como um continuum política/ação no
qual ocorre, ao longo do tempo, um processo interativo e negocial entre aqueles que
procuram colocar a política em prática e aqueles de quem a ação depende.” apresentada
pelos bottom-uppers Barrett e Fudge (1981, p. 25). A este propósito, Lane (1987, p. 528)
refere que a primeira conceção encara a implementação como ‘uma situação final ou uma
concretização’ (ou seja, um produto), enquanto que a segunda conceção considera a
implementação como ‘um processo’. Nesta diferença entre conceções da implementação de
políticas públicas denota-se, portanto, uma clara oposição entre os princípios da democracia
representativa e os da democracia participativa (Pülzl & Treib, 2007, p. 95).
Nesta dualidade de entendimentos da implementação revela-se subjacente o debate entre
os que defendem uma dicotomia politics-administration e, portanto, o estudo separado
entre formulação e implementação (conceção estagista de implementação, estudos de
primeira geração e estudos top-down da segunda geração), e aqueles que defendem o
estudo integrado e interdependente das duas ‘fases’ (estudos bottom-up e modelos
contextuais) (Stoker R. , 1989, pp. 32-34; Pülzl & Treib, 2007, p. 94). Como será de esperar,
cada uma das abordagens critica a outra neste domínio. Por exemplo, os bottom-uppers
25
May, Peter J..(1999). “Toward a Future Agenda for Implementation Research: A Panelist’s Notes”. Annual meeting of the Western Political Science Association. Seattle
94
Barrett e Fudge (1981) e Hjern e Hull (1982, p. 114) consideram que a distinção clara entre
formulação e implementação preconizada pelos top-downers é criticável, já que existem
atores envolvidos em ambas as fases e os implementadores locais e os grupos-alvo nem
sempre seguem os objetivos e cursos de ação centralmente definidos. Por outro lado, o top-
downer Sabatier (1986, p. 31) considera que a eliminação da distinção entre formulação e
implementação defendida pelos bottom-uppers poderá ser problemática, na medida em que
dificulta a distinção da influência relativa de diferentes atores, sugere que o processo de
políticas públicas não é mais do que um conjunto de fluxos contínuos sem pontos de decisão
e, impossibilita a avaliação das políticas.
Muito embora esta dicotomia das abordagens top-down e bottom-up tenha dado origem à
proposição de abordagens sintetizadoras, uma análise atenta ao Modelo Comunicacional
(CM) e à Framework de Regimes de Implementação (IRF) revela que as diferenças entre as
duas abordagens da segunda geração se perpetuaram nestes estudos sintetizadores. Por um
lado, Goggin et al (1990, p. 34) defendem que “a característica essencial do processo de
implementação estadual é o desempenho atempado e satisfatório de tarefas relacionadas
com a prossecução dos objetivos da lei”. Por outro lado, Stoker (1989, p. 45) concebe o
processo de implementação como uma interação entre atores e, muito embora não formule
‘standards’ de avaliação do desempenho da avaliação, advoga que os mesmos deverão ser
dependentes do contexto. Na sua análise comparativa entre estes dois modelos de terceira
geração, Cline (2000, p. 559) advoga que, efetivamente, o CM se aproxima mais da
abordagem top-down, ao passo que a IRF apresenta maiores semelhanças com a abordagem
bottom-up.
Muito embora esta dicotomia conceptual e de enquadramento da relação formulação-
implementação entre as abordagens top-down e bottom-up seja evidente em grande parte
dos Estudos de Implementação, existem alguns autores que defendem que estas são
complementares, já que se referem a processos diferentes. A obra de Berman (1978) retrata
bem esta complementaridade. De acordo com o autor (Berman, 1978), a implementação
ocorre a dois níveis, os quais integram atores e processos bastante diferentes: o nível da
macro-implementação, no âmbito do qual se idealizam e estruturam os programas
governamentais e que é geralmente constituído pelos Governos, estruturas ministeriais,
95
tribunais, e grupos de interesse, cujas interações estão geralmente institucionalizadas
através de papéis bem definidos, ‘regras do jogo’ tácitas, e procedimentos rotinizados; e, o
nível da micro-implementação, no qual as diferentes organizações e atores/ clientes locais
desenvolvem e implementam os seus próprios programas em reação aos planos centrais, e
cujas interações se sustentam, sobretudo, em relações de domínio interpessoal, as quais são
de difícil análise.
Como se verifica pelas afirmações de Berman e pelo que foi acima descrito, as divergências
entre as abordagens top-down e bottom-up devem-se, em parte, ao facto destas
conceptualizarem a implementação de forma diferente e conceberem a relação formulação
– implementação de diferentes formas.
Uma análise mais atenta permite constatar que esta divisão é bastante profunda, já que se
baseia, tal como acontece com a divisão entre as correntes do Estudo e Análise de Políticas
Públicas, em divisões quanto aos princípios epistemológicos e ontológicos.
III-2.2.2) DIFERENÇAS QUANTO ÀS CONCEÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E ONTOLÓGICAS
Tal como referido no final ponto anterior, na dicotomia de entendimentos sobre o processo
de implementação encontra-se subjacente, ainda, a tradicional dicotomia das Ciências
Sociais entre Estrutura e Agência, bem como diferentes posições ontológicas e
epistemológicas.
A assunção de que a implementação se refere à prossecução administrativa das decisões
centralmente formuladas (divisão politics-administration) – defendida, quer pela abordagem
tradicional da Administração Pública (enquanto suposição da realidade), quer pela primeira
geração de estudos e pela abordagem top-down (enquanto o que deveria acontecer) – terá,
claramente, um pendor estrutural-funcionalista. Recorde-se, a este propósito, que, quer o
estruturalismo, quer o funcionalismo, enfatizam a importância do controlo e da segurança,
da primazia da estrutura sobre o processo e observam o conflito como uma disfunção
(Wallace & Wolf, 1995, p. 74) – características que são observáveis na análise das listas de
fatores para uma ‘implementação ideal’ dos top-downers (veja-se ponto III-2.1.2 A) deste
96
trabalho). Ao considerar-se os objetivos tal como formulados como ponto de partida da
análise, está-se, portanto, perante uma ótica ontológica fundacionalista, já que se entendem
as ações individuais como exteriormente ‘determinadas’ (neste caso pelos objetivos
centralmente definidos) e, como tal, passíveis de controlo e previsão (Wallace & Wolf, 1995,
pp. 6-7; Marsh & Furlong, 2002, pp. 18-20). Desta feita, apenas os resultados condicentes
com os objetivos definidos e observáveis são importantes, o que revela, portanto, uma forte
associação aos princípios epistemológicos positivistas.
Já a conceção da implementação enquanto processo interativo entre os níveis de decisão e
de implementação com recurso a relações de conflito e negociação no qual os
implementadores locais desenvolvem frequentemente atividades de interpretação das leis e
de tomadas de decisão autónomas, incorpora uma abordagem interacionista-simbólica e
fenomenológica. Com efeito, a conceção de Lipsky quanto aos street-level workers vai ao
encontro dos postulados do interacionismo simbólico e da fenomenologia, que defendem
que os indivíduos deverão ser entendidos enquanto construtores ativos das suas condutas,
na medida em que as interpretam, avaliam, definem e mapeiam constantemente (Wallace &
Wolf, 1995, pp. 183, 241). Está-se, por conseguinte, perante a assunção de uma posição
ontológica não-fundacionalista, que sustenta a máxima de que o ‘mundo exterior’ é
socialmente e discursivamente construído, postulando a visão que o indivíduo é um ser
criativo e movido por interesses próprios (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; Marsh & Furlong,
2002, pp. 18-20). Para este fim, os bottom-uppers (nomeadamente Hjern e os seus
associados) baseiam as suas análises sobretudo na recolha de testemunhos dos atores
envolvidos na implementação ao nível local (Hjern & Porter, 1981, pp. 220-221), adotando,
por conseguinte, uma perspetiva construtivista.
Como é possível observar, coexistem duas abordagens bastante diferentes no que se reporta
a posições ontológicas e epistemológicas, ambas tendo conquistado o seu espaço. Fox
(1987, p. 129) e Winter (2003a, p. 205) referem, no entanto, que existe ainda uma
predominância do recurso ao modelo ‘racional-compreensivo’ no âmbito da análise da
implementação. De acordo com Fox (1987, pp. 130-131, 137-138), este modelo será
desadequado para a investigação em implementação, na medida em que contribui para
conclusões precipitadas de insucesso, já que não contempla as mudanças de objetivos que
97
vão ocorrendo, analisa apenas os impactos mensuráveis e ambiciona a produção de teoria
generalizável, a qual desconsidera, portanto, os contextos históricos e espaciais.
Esta recusa da hegemonia dos estudos positivistas e fundacionalistas é ainda apresentada
por Yanow (1987, p. 107), que reflete sobre os problemas de investigação originados pelo
facto da maioria dos estudos de investigação à data terem como ponto de partida o ‘texto
escrito da lei’ e, por conseguinte, o seu sentido literal. Para a autora, os problemas
subjacentes a esta perspetiva relacionam-se com o facto de se assumir que o texto da lei é
inequívoco e de advogar que os implementadores estão isolados dos seus contextos
históricos e dos seus sistemas de valores no decorrer dos processos de implementação
(Yanow, 1987, p. 108). Neste sentido, Yanow (1987, pp. 109-110) propõe a ‘abordagem
cultural à implementação’, que se afigura como uma lógica de investigação interpretativa e
não-fundacionalista, a qual, ao invés de tentar analisar apenas a ‘realidade observável’, se
debruça também sobre a forma como os atores percebem a implementação, conseguindo,
desta forma, analisar a negociação entre os diferentes significados e a reinterpretação
evolutiva das atividades de implementação.
Como se pode constatar, estas duas críticas à primazia do positivismo e do fundacionalismo
na investigação em implementação datam do período em que Goggin et al (1990, pp. 15-19;
Goggin, 1986, pp. 331-334; Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 210-212) terão
proposto uma nova geração de Estudos de Implementação com uma abordagem mais
dedutiva, no sentido de se promover o desenvolvimento posterior de uma teoria geral da
implementação. Apesar de algumas evoluções a registar neste sentido, nomeadamente
quanto à crescente formulação e teste de hipóteses e à utilização de técnicas quantitativas
de análise de dados (Sætren, 2014, p. 91), um dos proponentes daquelas sugestões referia,
no início do milénio, que pouco havia sido feito no sentido de alcançar uma explicação
parcimoniosa (O'Toole Jr., 2000, p. 267).
Discordando da ambição da procura (quanto a eles, infrutífera) do ‘holy grail’, deLeon
(1999b; deLeon & deLeon, 2002) e Winter (2003b) adotam posições que, embora
dissonantes relativamente a alguns aspetos, apresentam fortes semelhanças. Demonstrando
algum pessimismo quanto ao ‘rumo’ que os Estudos de Implementação estariam a seguir,
98
deLeon (1999b, p. 330; deLeon & deLeon, 2002, pp. 487-489) defende que, face à
complexidade do processo de produção de políticas públicas, se deveriam adotar
crescentemente perspetivas contingenciais, bem como abordagens pós-positivistas. Winter
(2003b, p. 217), por sua vez, afirma que “ao invés de procurar uma teoria da implementação
global e universal, se deverá acolher a diversidade, tanto nas perspetivas teóricas, como nas
metodologias aplicadas [acrescentando que seria] mais útil utilizar recursos no
desenvolvimento de teorias parciais e hipóteses relacionadas com problemas de
implementação diferentes e mais limitados e submetê-los a testes empíricos sérios”.
Como se pode observar, existe ainda na atualidade uma discórdia quanto às melhores
estratégias para analisar o (sub)processo de implementação de políticas públicas. Assim, não
será de estranhar que ambas as abordagens difiram também quanto ao locus de análise e às
estratégias metodológicas, já que, como refere Cline (2000, p. 551), “a forma como se define
o problema da implementação molda, quer a análise dos assuntos chave no processo, quer
as recomendações que resultam dessa análise”.
No ponto que se segue serão, portanto, analisadas as diferenças entre as abordagens top-
down e bottom-up quanto ao locus, aos objetivos e às estratégias metodológicas de análise.
III-2.2.3) DIFERENÇAS QUANTO AO LOCUS, OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DE ANÁLISE
As diferentes abordagens conceptuais recorrem a diferentes estratégias metodológicas, as
quais estão relacionadas com o que cada uma entende por implementação bem-sucedida
(Matland, 1995: 154). Por um lado, os defensores da perspetiva da ‘implementação como
ato administrativo’ advogam que uma implementação bem-sucedida significa o
‘cumprimento dos objetivos’ tal como centralmente definidos, daí que o sucesso da política
pública deva ser medido através da comparação entre os objetivos e resultados, por forma a
avaliar o grau de conformidade entre ambos (Matland, 1995, p. 154). Por oposição, os
defensores da perspetiva da ‘implementação adaptativa’ advogam que a implementação é
bem-sucedida quando os impactos no local são positivos, o que requer que as políticas
centrais devem permitir flexibilidade de adaptação ao contexto local, daí que a análise da
99
implementação deva debruçar-se sobre a capacidade e o desempenho de resolução (ou
mitigação) de um problema ao nível local (Stoker R. , 1989, pp. 32-34; Matland, 1995, p.
154).
Neste sentido, a análise top-down tem por foco o diploma legal e os seus objetivos e
prossegue no sentido descendente, já que esta se centra na comparação da congruência
entre os objetivos, tal como formulados pelos decisores centrais (top) e as tarefas
desempenhadas pelos implementadores locais (bottom) (Birkland, 2001, p. 178; Schofield,
2001, p. 250). Tal como Sabatier (1986, p. 36) refere, esta estratégia é particularmente
adequada para analisar questões de eficácia de um programa e quando se pretende obter
uma visão do desempenho médio dos implementadores. No entanto, esta abordagem
poderá ser criticável por se concentrar demasiado nos decisores centrais e por negligenciar
os restantes atores, nomeadamente os implementadores locais (Lipsky, 1980, p. xii).
Em contraponto a esta análise de sentido descendente, encontra-se uma estratégia analítica
de sentido ascendente desenvolvida por um grupo de bottom-uppers (Hjern e seus
associados), a qual adota as dinâmicas locais de abordagem a um determinado problema
como ponto de partida e, a partir daí, mapeia os objetivos, estratégias e atores envolvidos
(Hjern & Hull, 1982, p. 110). De acordo com Sabatier (1986, pp. 36-37), esta estratégia
metodológica tem a mais-valia de se revelar adequada para contextos de análise com
múltiplos atores e múltiplos programas e em que se pretende aferir a variação entre
diferentes dinâmicas locais. No entanto, este mesmo autor considera que a estratégia
metodológica da abordagem bottom-up poderá ser criticável por atribuir demasiada
importância aos atores locais e por subestimar a capacidade que os decisores centrais têm
em controlar a implementação local (Sabatier, 1986, p. 34).
Para além destas diferenças quanto ao locus e à estratégia metodológica de análise, as
abordagens top-down e bottom-up diferem, ainda, quanto à utilização que fazem da teoria e
aos objetivos subjacentes. A este propósito, importa referir que a abordagem top-down se
terá dedicado, sobretudo, à produção e teste empírico de frameworks através da análise da
implementação com base num conjunto de fatores definidos a priori (assumindo, assim,
uma estratégia dedutiva), ambicionando ‘prever’ os impactos das políticas públicas
100
(Sabatier, 1986, p. 37; deLeon, 1999b, p. 322) e prescrever ‘receitas’ aos decisores políticos
(Matland, 1995, p. 149). Por sua vez, a abordagem bottom-up destaca-se mais pela produção
das já referidas metodologias de análise e compreensão de sentido ascendente, as quais
tinham, sobretudo, o objetivo de descrever a realidade efetiva e de explicar o ‘como’ e o
‘porquê’ das diferenças entre dinâmicas locais de implementação (Barrett & Fudge, 1981, p.
12; Hjern & Hull, 1982, p. 110; deLeon, 1999b, p. 322), daí que adote uma estratégia de
análise indutiva, não utilizando variáveis de análise definidas a priori (Matland, 1995, p. 149;
Pülzl & Treib, 2007, p. 93). Para Sabatier (1986, pp. 35, 37), esta incapacidade em formular
uma teoria explícita quanto aos fatores que afetam o processo de implementação será uma
das principais limitações da abordagem bottom-up, ao passo que o maior desenvolvimento
teórico da abordagem top-down se afirma como uma das suas principais vantagens
comparativas.
Muito embora reconhecessem as mais-valias de ambas as abordagens acima referidas,
Goggin et al (Lester, Bowman, Goggin, & O'Toole, 1987, pp. 208-210) – proponentes da
terceira geração de Estudos de Implementação – referem que os estudos de segunda
geração padeciam de diversos problemas, tais como o excessivo pluralismo teórico, o
elevado número de variáveis em análise, ou o reduzido número de casos analisados. Tal
como refere Goggin (1986, p. 329), a complexidade do objeto de análise teria conduzido os
precursores das gerações anteriores a recorrerem, sobretudo, a estudos de caso – estratégia
que, não obstante ter permitido o desenvolvimento de um largo espectro de conhecimento
relativo à implementação, teria dificultado, quer a ‘redução’ de variáveis, quer a
generalização de resultados. Assim, Goggin et al sugeriram que os estudos de terceira
geração deveriam ter a preocupação de proceder à formulação e teste de hipóteses, de
tentar aumentar o número de casos, de utilizar técnicas de análise estatística e de
procederem a estudos longitudinais (Goggin, 1986, pp. 335-342; Lester, Bowman, Goggin, &
O'Toole, 1987, pp. 210-213; Goggin, Bowman, Lester, & O’Toole Jr., 1990, pp. 17-19).
Muito embora reconhecidas como válidas e necessárias, estas recomendações de Goggin e
seus associados não terão sido seguidas de forma expressiva, tal como conclui Sætren (2014)
a partir de uma análise bibliométrica subordinada à temática das estratégias metodológicas
101
nos Estudos de Implementação26. De acordo com este autor (Sætren, 2014, p. 91), a
percentagem de artigos sobre implementação que formularam e testaram hipóteses
(abordagem dedutiva) e que utilizaram técnicas de análise estatística (quantitativa) no
período posterior a 1990 é muito maior do que a percentagem de artigos nas mesmas
condições em período anterior. No entanto, este mesmo autor assinala, também, que a
larga maioria dos estudos continua, ainda, a não ter uma formulação e teste explícito de
hipóteses e continua a utilizar apenas dados qualitativos (Sætren, 2014, p. 91). Tal tendência
poderá dever-se às dificuldades inerentes à adoção das recomendações de Goggin e seus
associados, vaticinadas pelo próprio Goggin (1986, p. 334), e que se relacionam com a
complexidade da unidade de análise, com os elevados custos na recolha de dados e com as
dificuldades em medir as variáveis independentes e dependentes. Para além destas
dificuldades, Winter (2003b, p. 216) e Sætren (2014, p. 86) alertam, ainda, para a elevada
exigência, morosidade e complexidade inerentes às propostas formuladas por Goggin e seus
associados.
Face às dificuldades de aplicação desta estratégia metodológica sintetizadora, tem vindo a
ganhar relevo a recomendação da utilização contingencial de abordagens metodológicas. Na
proposição destas abordagens metodológicas contingenciais merecem destaque as
propostas que Sabatier já havia avançado em 1986, as propostas de Matland (1995, pp. 160-
170), ou ainda as conclusões de Hill e Hupe (2009, pp. 156-160).
Por um lado, Sabatier (1986, p. 36) refere que a escolha da abordagem metodológica a
utilizar depende, em grande medida, da política pública em estudo, uma vez que “a
perspetiva top-down é útil (…) nos casos em que há um programa público dominante numa
área política ou quando o analista está interessado unicamente na eficácia de um programa
(…) [ao passo que em] áreas políticas (…) que envolvam necessariamente uma multitude de
atores públicos e privados a abordagem bottom-up é mais apropriada”.
Por outro lado, Matland (1995, pp. 160-170) afirma que a abordagem bottom-up e
respetivas metodologias de orientação ascendente são mais adequadas para estudar
26
Sætren analisou as estratégias metodológicas de todos os artigos cujos títulos continham as palavras ‘implementation’ ou ‘implementing’ que foram publicados nas principais revistas das áreas da administração e políticas públicas entre 1953 e 2009.
102
contextos com elevada ambiguidade, ao passo que a abordagem top-down e a metodologia
descendente é especialmente adequada para a análise de contextos de reduzida
ambiguidade.
Por outro lado ainda, Hill e Hupe (2009, pp. 156-160) consideram que a escolha da estratégia
metodológica a adotar deverá depender do número de casos e unidades de análise em
questão, averiguando a adequação das diferentes estratégias metodológicas da seguinte
forma:
- organização única, evento único: contexto de investigação mais provável será a utilização
de dados qualitativos;
- organização única, eventos múltiplos: o contexto de investigação mais provável será,
talvez, a utilização de dados qualitativos, se bem que exista espaço para analisar
quantitativamente a evolução temporal das decisões ou o desempenho de diferentes
divisões ou unidades locais da organização;
- múltiplas organizações, único evento: as possibilidades de utilização de dados
quantitativos serão basicamente as mesmas que na categoria anterior, principalmente a
segunda situação, muito embora possam emergir, nesta categoria, os problemas
inerentes à análise de contextos de implementação com colaboração multiator;
- múltiplas organizações, múltiplos eventos: as possibilidades de utilização de dados
quantitativos serão imensas, podendo dar inclusivamente azo à utilização e técnicas de
regressão estatística.
Não obstante a possibilidade de se estar perante casos em que seja mais fácil proceder a
comparações quantificadas, Hill e Hupe (2009, p. 160) consideram que a utilização de dados
qualitativos será, ainda assim, preferível ou primordial quando se estiver perante a
exploração da forma como determinados atores perceberam ou interpretaram os processos,
ou se a operacionalização/quantificação do fenómeno for particularmente difícil. Perante
estes postulados, não será de estranhar que Hill e Hupe (2009) refiram que o recurso a
dados qualitativos é bastante frequente na análise do desenho de políticas públicas,
103
considerando a necessidade de realizar uma análise interpretativa aos ‘jogos’ entre atores
(pp. 140-141), ou na análise das relações interorganizacionais (p. 148).
Será, portanto, face a este contexto que Winter (2003b, p. 217) considera que os Estudos de
Implementação deverão saber acolher a diversidade metodológica e teórica e deverão
dedicar-se à produção e teste empírico de teorias parciais relacionadas com um número
mais limitado de variáveis. No entanto, Winter considera que o ‘cumprimento dos objetivos’
e os ‘impactos das políticas’ não são os melhores padrões de análise da implementação. Por
um lado, o autor rejeita o ‘cumprimento dos objetivos’ como variável dependente por dois
grandes motivos: em primeiro lugar porque o ‘cumprimento dos objetivos’ representa uma
fração na qual o numerador (concretizações) e o denominador (objetivos) são influenciados
por fatores diferentes, o que torna a construção de teoria particularmente difícil; em
segundo lugar porque os objetivos oficiais são geralmente de difícil operacionalização, na
medida em que os objetivos estão imbuídos de incerteza e ambiguidades e em que a maioria
dos diplomas legais não definem padrões de comportamentos ou metas para os
implementadores (Winter, 2003b, pp. 217-218). Por outro lado, o autor refere que, muito
embora os estudos sobre os impactos (outcomes) sejam importantes e necessários, a análise
destes terá de ser realizada de forma diferenciada da análise dos outputs, já que os impactos
estarão sobretudo relacionados com os grupos-alvo e a forma como estes reagem à política
pública (Winter, 2003b, pp. 219-220). Neste sentido, Winter (2003b, p. 218) refere que a
melhor variável dependente para os Estudos de Implementação será o produto direto do
desempenho dos implementadores (output).
III-2.2.4) SISTEMATIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS CONCEPTUAIS, METODOLÓGICAS E NORMATIVAS
Como foi possível observar ao longo dos três últimos pontos, as abordagens top-down e
bottom-up dos Estudos de Implementação apresentam diferenças bastante substanciais
entre si. Apesar de terem sido consideradas responsáveis pela dificuldade na cumulatividade
de conhecimento, estas diferenças continuam a revelar-se em diferentes estudos ditos
sintetizadores, ainda que de forma menos evidente. Aliás alguns autores (vide, inter alia,
Matland (1995, pp. 154-155)) referem que a procura de uma perspetiva sintetizadora não
104
fará muito sentido, já que as diferenças entre as duas abordagens são demasiadamente
marcadas para permitir uma efetiva integração, pelo que se deverá optar por abordagens
contingenciais.
Concordando, de certo modo, com esta perspetiva defendida por Matland, ao longo dos
últimos três pontos deste trabalho procedeu-se à análise das diferenças entre as abordagens
top-down e bottom-up no que se refere a questões conceptuais, epistemológicas e
ontológicas e metodológicas – as quais serão sintetizadas neste ponto do trabalho. Para tal,
procedeu-se à elaboração da figura da página seguinte, na qual se comparam as duas
abordagens ao longo de um conjunto de dimensões.
Começando pela questão conceptual, as abordagens top-down e bottom-up apresentam
claramente diferenças quanto ao conceito de implementação subjacente e quanto à forma
como concebem a relação formulação-implementação. Por um lado, a abordagem top-down
concebe a implementação como a execução administrativa das decisões centralmente
definidas, defende uma clara separação entre formulação e implementação e analisa a
implementação no seu estado de ‘produto’. Por outro lado, a abordagem bottom-up
concebe a implementação como um processo contínuo de negociação entre os decisores
centrais e os implementadores locais e de adaptação aos contextos locais, defende o estudo
integrado da formulação e da implementação, e analisa a implementação enquanto
‘processo’.
No que diz respeito às questões epistemológicas e ontológicas, as duas abordagens em
análise também diferem. Por um lado, a abordagem top-down tem claramente princípios de
investigação positivistas, já que tende a analisar apenas os resultados observáveis e tem
como base princípios estrutural-funcionalistas, por dar primazia à estrutura em detrimento
da agência, e fundacionalistas, por considerar que a ‘lei’ é uma realidade externa que
determina a ação dos indivíduos. Por outro lado, a abordagem bottom-up recorre não
apenas a ‘factos observáveis’ mas também à recolha de perceções dos implementadores e
dos grupos-alvo, o que revela uma posição construtivista. Denota-se, ainda, uma clara
orientação interacionista-simbólica e fenomenológica, na medida em que se valoriza o
105
indivíduo em detrimento da estrutura, bem como uma posição ontológica não-
fundacionalista, já que a realidade é entendida enquanto algo socialmente construído.
Figura 12. Análise comparativa das Abordagens Top-Down e Bottom-Up
CRITÉRIOS ABORDAGEM TOP-DOWN ABORDAGEM BOTTOM-UP
conceito de implementação
execução administrativa e neutra de uma decisão
execução adaptativa e interativa
abordagem à implementação
‘produto’ ‘processo’
relação formulação-implementação
estudo diferenciado entre formulação e implementação
estudo integrado e interdependente da formulação e
implementação
modelo de democracia subjacente
representativa participativa
critério para aferição do sucesso
‘cumprimento dos objetivos’ centralmente definidos
impactos positivos na ‘resolução do problema’
foco inicial de atenção
diploma legal relações funcionários – grupos-alvo
e contextos locais
estratégia de análise análise descendente:
comparação entre objetivos e resultados
análise ascendente:
análise das dinâmicas locais de intervenção num problema e posterior mapeamento das
estruturas e programas de apoio
resultado pretendido
desempenho médio dos implementadores
variação entre diferentes contextos locais
estratégia de utilização da teoria
dedutiva indutiva
objetivos dos estudos
prever e prescrever descrever e compreender
Teorias Sociais Subjacentes
Estrutural-Funcionalismo Interacionismo-Simbólico e
Fenomenologia
Princípio Ontológico Subjacente
Fundacionalismo
(realidade exterior ao indivíduo)
Não-Fundacionalismo
(realidade socialmente construída)
Princípio Ontológico Subjacente
positivismo construtivismo
Objetivos quanto à produção de teoria
teoria universal teorias contingenciais e parciais
Fontes: produção própria a partir de Barrett e Fudge (1981), Sabatier (1986), Lane (1987),
Mazmanian e Sabatier (1989), Stoker (1989), Matland (1995), Schofield (2001), deLeon e deLeon
(2002), Winter (2003b) e Pülzl & Treib (2007).
106
Em relação à questão metodológica, abordagens top-down e bottom-up diferem, também,
quanto ao focus e locus inicial de atenção e às estratégias metodológicas de análise. Por um
lado, a abordagem top-down utiliza uma estratégia analítica de sentido descendente por
forma a aferir o grau de conformidade entre os objetivos centralmente definidos e os
resultados da implementação, estratégia essa que se revela particularmente útil para
analisar o desempenho médio dos implementadores. Ademais, a abordagem top-down
tende a utilizar uma estratégia dedutiva, já que tem por objetivo o teste da teoria
apresentada no âmbito das suas frameworks. Por outro lado, a abordagem bottom-up utiliza
estratégias analíticas de sentido ascendente, já que se dedica, primeiramente, à análise dos
atores e das atividades relacionadas com as intervenções direcionadas a um determinado
problema e só posteriormente se preocupa em mapear a estrutura de decisão e as políticas
que suportam essas dinâmicas locais. Nesta estratégia analítica, que se revela adequada
para analisar as variações interlocais, a abordagem bottom-up utiliza frequentemente uma
abordagem indutiva, já que não se foca a priori em teorias ou conjuntos delimitados de
fatores.
Por fim, há também uma divergência quanto às aspirações de produção teórica, as quais não
estão relacionadas diretamente com as abordagens top-down e bottom-up, mas antes com
autores bem mais recentes. Por um lado, estarão autores como Goggin, Lester, Bowman e
O’Toole que advogam a procura de uma teoria parcimoniosa. Por outro lado, estarão
autores como Winter, que defende a procura de teorias parciais, ou deLeon, que advoga a
maior adequação de abordagens contingenciais.
***
Como se pode observar ao longo do ponto I-2 deste trabalho, existia em meados da década
de 80 do séc. XX um excessivo pluralismo teórico e uma certa disputa estéril entre as
abordagens top-down e bottom-up, situação que era entendida por muitos como
problemática e que dava origem a diversas críticas.
107
Muito embora esta situação tenha gerado a proposição de uma terceira geração de Estudos
de Implementação, a qual se propunha a proceder a uma síntese das duas abordagens e a
imprimir uma maior cientificidade ao campo, a partir de meados da década de 80 do séc. XX
assistiu-se, em paralelo, a uma tendência para uma certa desmobilização face ao estudo da
implementação.
Nas últimas três décadas temos vindo a testemunhar a atitudes ambíguas face ao estudo da
implementação que oscilam entre o abandono e o revivalismo, sendo esse exatamente o
mote para o último ponto deste capítulo, no qual se analisa o passado mais recente, o
presente e o futuro do campo dos Estudos de Implementação.
III-3. PRESENTE E FUTURO DOS ESTUDOS DA IMPLEMENTAÇÃO: ENTRE O ABANDONO, O REVIVALISMO E A
RECONCEPTUALIZAÇÃO
Tal como atrás referido, diversos autores abandonaram os Estudos de Implementação a
partir de meados da década de 80 do séc. XX, não obstante a sugestão de abordagens
contingenciais e de síntese e da proposição de recomendações para o reforço da sua
cientificidade. No entanto, outros autores mantiveram-se firmes na defesa da continuidade
dos Estudos da Implementação, muito embora divididos quanto ao futuro que este campo
científico deveria tomar.
A propósito desta diversidade de posições face ao futuro do campo de estudo da
implementação, Lester e Goggin (1998, p. 2) definiram uma matriz (ver figura seguinte) na
qual classificaram estas posturas relativamente a dois eixos: o posicionamento (positivo ou
negativo) face à necessidade de continuação da existência de Estudos de Implementação; e,
a necessidade (sim ou não) de se proceder a alterações na forma de investigar este domínio.
108
Figura 13. Tipologia de Posições face ao Futuro da Implementação
Posição face à continuidade da
Investigação sobre Implementação
Positiva Negativa
Nec
essi
dad
e d
e M
od
ific
açõ
es
Sim
‘Reformadores’ ‘Céticos’
Nã
o
‘Testadores’ ‘Terminadores’
Fonte: Lester e Goggin (1998, p. 2)
De acordo com estes autores (Lester & Goggin, 1998, pp. 2-3), perfilar-se-iam naquele
período quatro grupos de académicos com diferentes posições face ao futuro dos Estudos de
Implementação, nomeadamente:
os ‘reformadores’, em cujo grupo se incluíam eles próprios, Stoker e Matland e que
defendiam a continuidade dos Estudos de Implementação, advogando, todavia, a
necessidade de mudanças nas abordagens conceptuais e metodológicas;
os ‘testadores’, tais como Mazmanian e Sabatier, que se apresentavam bastante
confortáveis com a forma como a investigação em implementação de políticas públicas
vinha sendo desenvolvida, pretendendo apenas testar e validar as frameworks que
haviam desenvolvido;
os ‘céticos’, entre os quais se destacava deLeon, e que apresentavam uma perspetiva
negativa face à continuidade dos Estudos de Implementação, pelo menos se
continuassem a ser desenvolvidos da mesma forma;
os ‘terminadores’, que, perante argumentos relativos à falta de clareza conceptual e ao
esgotamento intelectual do estudo da implementação, advogavam a deriva para outros
objetos de investigação, tais como a mudança e a aprendizagem (Sabatier, no âmbito da
proposição da Advocacy Coalition Framework), ou o desenho de políticas públicas
(Ingram e Schneider).
109
Muito embora existissem também autores que advogavam a necessidade e o interesse dos
Estudos de Implementação, importa, contudo, tentar perceber o porquê do desânimo e
desmobilização de outros autores. A este propósito, Sætren (2005, pp. 572-573) refere que
tal se devia, sobretudo, a um conjunto de seis motivos: 1) a esterilidade e confusão
normativa, metodológica e teórica do debate ‘top-down-bottom-up’; 2) o esbatimento das
relações hierárquicas em detrimento das relações recíprocas no domínio da implementação;
3) a inclinação dos Estudos de Implementação para a análise de ‘policy failures’; 4) o debate
sobre o valor heurístico do modelo estagista, que era acusado de simplificar demasiado o
processo de produção de políticas públicas; 5) a tentação em enveredar por novos ‘rótulos’
de investigação, de forma a aumentar as possibilidades de publicação; 6) a suscetibilidade a
novas ‘modas’ por parte dos ‘analistas de políticas públicas’.
Contrapondo alguns destes argumentos, Sætren (2005, p. 573) refere, por exemplo, que o
modelo estagista ainda mantém muito do seu valor heurístico ou que os Estudos de
Implementação terão perdido parte da sua tendência de análise exclusiva do insucesso,
defendendo, assim, que os Estudos de Implementação não teriam perdido a sua relevância.
Aliás, o autor é da opinião que as mudanças nas relações Estado-Sociedade registadas nas
últimas décadas terão feito crescer o desafio e a preocupação com a implementação
(Sætren, 2005, p. 573).
Com efeito, após uma diminuição de interesse pela implementação durante a segunda
metade da década de 80 e o início da década de 90 do séc. XX, que se deve, entre outras
razões já referidas, também à ascensão do Managerialismo (Barrett, 2004, p. 257), tem-se
assistido ao retomar das preocupações com a implementação de políticas a partir do início
do séc. XXI, muito por força da emergência do ‘paradigma da governance’ e da ‘era do
neointervencionismo’ (Hill & Hupe, 2009, p. 106). Do mesmo modo, Schofield e Sausman
(2004, pp. 241-45; Schofield, 2004, p. 287) dão conta que os Estudos de Implementação se
terão dedicado a temas relacionados com novos contextos de implementação,
nomeadamente a governação pós-burocrática e multinível, as novas formas de organização
e estruturação das organizações implementadoras, ou as mudanças na relação entre Estado
e os cidadãos. Terá sido, pois, neste sentido que O’Toole (2004, p. 315) menciona que o
campo de Estudos de Implementação havia sido alvo de uma reconceptualização, tendo sido
110
afetado por influências teóricas como a ‘análise institucionalista’, a ‘governance’ ou a
‘gestão de redes’. De acordo com as conclusões do recente estudo bibliométrico de Sætren
(2014, p. 94), as perspetivas teóricas institucionalista e da governação de redes são, de facto,
aquelas que maior crescimento têm registado nos últimos anos no campo dos Estudos de
Implementação.
Assumindo esta hipótese da reconceptualização, este trabalho debruça-se sobre muitos dos
novos temas a que os Estudos de Implementação se têm dedicado, tais como as novas
formas de organização e estruturação das organizações implementadoras, a governação
multinível e a gestão de redes (Schofield & Sausman, 2004, pp. 241-245; O'Toole Jr., 2004, p.
315), ou mesmo a influência da cultura nacional nas formas de atuação do Estado (Pülzl &
Treib, 2007, p. 101).
111
IV. GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE: DO ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS À ANÁLISE
DOS DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE METAGOVERNAÇÃO DE REDES
O termo ‘governance’27 tem assumido uma importância crescente nas áreas científicas da
Administração e Políticas Públicas nas últimas décadas, sobretudo desde a década de 90 do
séc. XX, tal como sugerido anteriormente neste trabalho e na frase acima citada (vide, inter
alia, Pierre e Peters (2000, p. 50; Peters & Pierre, 2006, pp. 5-6) e Chhotray e Stoker (2009,
p. 16)). Apesar de este interesse ser efetivamente recente, o termo propriamente dito não é
novo, uma vez que o termo ‘government’, que tem sido bastante utilizado no mundo
anglófono desde o séc. XVI, deriva do termo medieval francês ‘gouvernance’ (Torfing, Peters,
Pierre, & Sørensen, 2012, p. 12). Terá sido, aliás, a ampla utilização do termo ‘government’
com o significado de ‘ação de governar’ ou ‘sistemas para governar’, que parece ter
contribuído para que o termo ‘governance’ tivesse ficado fora de moda até bastante
recentemente (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 12).
O termo ‘governance’ terá sido, com efeito, pouco usado, e quase incompreendido, até à
década de 80 do séc. XX, período a partir do qual se tornou numa ‘palavra de ordem’ (Pierre
& Peters, 2000, p. 1; Meuleman, 2008, p. 9; Chhotray & Stoker, 2009, p. 1; Levi-Faur, 2012,
p. 5). Como refere Bevir (2007, p. 364), a crescente utilização deste termo nestas áreas
científicas no decorrer das últimas décadas está relacionada com “mudanças na natureza e
papel do Estado na sequência das reformas do setor público das décadas de 80 e 90 do séc.
XX (…) [que estão relacionadas com] uma convicção generalizada de que o Estado depende
de outras organizações para assegurar as suas intenções, implementar as suas políticas e
27
O termo ‘governance’ pode ser traduzido para Português como ‘governação’ se se estiver a atribuir o significado dos diferentes estilos de coordenação pública, ou como ‘governança’, caso se esteja a utilizar o significado de novos modos de coordenação da ação pública – veja-se mais adiante os argumentos referentes ao significado mais amplo e ao significado mais estrito do termo.
“Governance tornou-se numa palavra de ordem política durante a década de 90. Profissionais e cientistas políticos num número de subcampos e contextos político-administrativos abraçaram a ideia da governança como uma nova forma de pensar as capacidades do Estado e as relações Estado-Sociedade.”
(Pierre & Peters, 2000, p. 50)
112
estabelecer um padrão normativo”. De acordo com Stoker (1998, p. 18), este movimento de
reformas consubstanciou-se em cinco grandes mudanças no domínio da ação pública: 1) o
empowerment de um conjunto de instituições e atores para além das agências
governamentais; 2) o esbatimento de fronteiras entre os setores público e privado; 3) a
interdependência entre as instituições envolvidas; 4) a emergência de redes de atores
autónomos e autogovernáveis; 5) a utilização de novos instrumentos e técnicas para gerir o
destino coletivo.
O interesse pelas questões da ‘governance’ não tem sido, contudo, exclusivo das áreas
científicas acima referidas, sendo, na verdade, um movimento mais amplo no âmbito das
Ciências Sociais, que ganhou alguma expressão a partir da década de 80 (Levi-Faur, 2012, pp.
4-5). Tal como refere Levi-Faur (2012, pp. 5-6), este movimento teve início, sobretudo, no
âmbito do estudo da governança corporativa nas áreas científicas do Direito e da Economia
durante a década de 80 do séc. XX, muito embora tenha sido, apenas, na década seguinte
que ganhou maior visibilidade, algo observável pelo aumento do número de artigos
dedicados ao tema28 e pela maior diversidade de Ciências Sociais a debruçarem-se sobre
este29.
A afirmação do interesse pelas questões da ‘governança’ na década de 90 foi marcada por
um particular enfoque sobre a temática das redes enquanto novo modo de governação
(Levi-Faur, 2012, pp. 5-6), influenciado pelos trabalhos de Powell (1990) e de Rhodes (1990)
no respeitante à governação das Empresas e dos Estados, respetivamente. Por um lado,
Powell (1990, p. 296) referia a existência de um número significativo de investigações que
analisavam práticas organizacionais com uma orientação de rede, padrões de troca
horizontais e de interdependência de recursos e a reciprocidade comunicacional. Por outro
28
De acordo com um levantamento de artigos subordinados à temática da governança realizado por Levi-Faur, foram publicados 349 artigos durante a década de 80 do séc. XX, 3.773 artigos na década seguinte e 18.648 entre 2000 e 2009 (Levi-Faur, 2012, p. 5). 29
Analisando as abordagens disciplinares de artigos publicados nas bases de dados em Ciências Sociais e Humanas da ISI, Levi-Faur (2012, pp. 5-6) concluiu que dos 158 artigos publicados no período 1981-1985, a maioria provinha de jornais de Direito (44 artigos), um número muito maior do que os artigos publicados em revistas de Ciência Política (22), Economia (13) e Administração Pública (10). Já nos 9.366 artigos publicados entre 2006 e 2009, a área científica com maior representação era a Economia (1.312 artigos), seguida pela Gestão (1.121), Ciência Política (1.086), Estudos Ambientais (993), Administração Pública (911), Planeamento e Desenvolvimento (788), Geografia (758), Relações Internacionais (642), Direito (578), Urbanismo (436), Sociologia (383) e outras mais de 50 áreas científicas.
113
lado, Rhodes (1990) dava conta de diferentes formas de analisar as redes existentes na
tomada de decisão pública.
O crescente interesse pela abordagem da ‘governance’ está, portanto, relacionado com a
intensificação ou modificação de padrões de interdependência e interação entre diferentes
tipos de atores, os quais derivam de tendências societais de diferenciação30 e de integração
que têm vindo a desenvolver-se crescentemente desde a década de 80 do séc. XX (Kooiman,
2000, p. 139). De acordo com Chhotray e Stoker (2009, pp. 7-10), estas tendências
decorrem, sobretudo, das dinâmicas de crescente globalização e democratização iniciadas
na década de 70 do séc. XX, que terão conduzido à complexificação dos contextos de
atuação dos Estados e das Empresas devido às suas dinâmicas de internacionalização e à
afirmação do poder de influência dos seus stakeholders.
A noção de interdependência e de interação entre atores está, portanto, patente nas
palavras de Chhotray e Stoker (2009, p. 3) quando estes autores referem que o estudo da
governança se debruça sobre as “regras da tomada de decisão coletiva em contextos em que
existe uma pluralidade de atores ou organizações e em que nenhum sistema formal de
controlo pode ditar [, pelo menos unilateralmente,] os termos da relação entre estes atores
ou organizações”. Na sequência da apresentação desta definição, Chhotray e Stoker (2009,
p. 4) referem que a abordagem da governança reforça, deste modo, os seguintes aspetos:
o facto das regras em análise serem, não apenas as decorrentes dos contextos formais,
mas também as referentes às práticas informais;
o facto da análise das decisões coletivas ter passado a reconhecer, não apenas que um
conjunto mais alargado de indivíduos ou organizações está envolvido, mas também a
capacidade de influência e controlo mútuo que estes têm;
o facto dos processos de tomada de decisão em análise serem, não apenas os do nível
estratégico, mas também os de nível mais operacional e quotidiano.
30
Em alternativa ao termo ‘diferenciação’, Castells refere-se ao termo ‘especialização’.
114
Face ao que foi acima abordado, não será de estranhar que Levi-Faur (2012, p. 3) considere
que a ascensão do interesse pela temática da ‘governança’ está relacionada com o
fortalecimento do neo-institucionalismo na década de 80. Recorde-se que o neo-
institucionalismo se debruça sobre a influência conjugada de constituições formais e
informais, bem como sobre a influência bidirecional entre indivíduos e estruturas (Lowndes,
2002, p. 91; Schmidt, 2006, p. 99). Este alinhamento da análise da governança com o neo-
institucionalismo é ainda comprovado pelas afirmações de Kooiman (2003, pp. 14-15)
quando este refere a necessidade de incorporar os níveis acional e estrutural na análise dos
sistemas de governação.
Focando atenção apenas nas disciplinas da Ciência Política e da Administração e Políticas
Públicas, Pierre e Peters (2000, p. 1) consideram que a popularidade da abordagem da
governança advém, precisamente, da sua propensão para abarcar uma maior variedade de
instituições e relações envolvidas nos processos de governação, ao contrário do que
acontece com o termo ‘governo’. De acordo com Peters (2012, pp. 19-20), a abordagem da
‘governança’ tem, portanto, a vantagem de realçar a ligação do sistema político com o seu
ambiente envolvente e, por conseguinte, permitir que a Ciência Política se recentre nas suas
raízes ao focar-se na forma como o Setor Público, em conjugação com outros atores, dirige e
controla a Sociedade e a Economia, já que analisa os comportamentos individuais através do
seu posicionamento em contextos de governação mais amplos.
A abertura de análise da abordagem da ‘governance’ referida tem, no entanto, concorrido
para a ambiguidade do conceito, o que tem contribuído para uma certa dificuldade de
desenvolvimento de uma abordagem mais clara no estudo da Administração e Políticas
Públicas (Peters, 2012, pp. 19-20; Chhotray & Stoker, 2009, pp. 1, 3; Levi-Faur, 2012, p. 3;
Hughes, 2010, p. 87). Esta ambiguidade deve-se, antes de mais, ao facto de o termo
‘governance’ ser utilizado por diversas Ciências Sociais para objetos de estudo diferentes,
mas também ao facto de este conceito ter, mesmo na área disciplinar da Administração e
Políticas Públicas, um significado mais amplo e outro mais estrito31 (Bevir, 2007, p. 364; Knill
& Tosun, 2012, pp. 200-201; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 14). Em termos
31
Esta duplicidade de significados ajuda a explicar as duas traduções para Português do termo ‘governance’, já que geralmente se utiliza o termo ‘governação’ para significados mais amplos, ao passo que para o significado mais estrito são geralmente utilizadas as expressões ‘governança’ ou ‘novas formas de governação’.
115
latos, o termo ‘governance’ poderá ser utilizado enquanto sinónimo de ‘direção política’,
abarcando, quer as formas de governação mais tradicionais, quer as novas formas de
governação mais horizontais acima referidas (Bevir, 2007, p. 364). O significado mais estrito
do termo ‘governance’ refere-se, por sua vez, apenas às ‘novas formas não-hierárquicas’ de
direção da ação coletiva, nas quais o Estado interage crescentemente com atores não oficiais
(Knill & Tosun, 2012, pp. 200-201). Com o propósito de evitar esta confusão, alguns autores
optam por outras expressões para se referirem ao significado mais estrito do termo
‘governance’, nomeadamente ‘nova governança’ (‘new governance’) (vide, inter alia, Bevir
(2007), Osborne (2006; 2010a)), ou ‘governança interativa’ (‘interactive governance’) (vide,
inter alia, Kooiman et al (2008) e Torfing et al (2012)).
Além da multiplicidade de sentidos referida, a dificuldade de circunscrição do conceito na
área disciplinar da Administração e Políticas Públicas deve-se ainda a um amplo debate
quanto ao nível de influência que os atores tradicionais ainda têm (Pierre & Peters, 2005, p.
1). A este propósito, Pierre e Peters (2005, p. 1) dão conta de dois posicionamentos: por um
lado, uma abordagem que negligencia o papel do Estado e que atribui primazia quase
absoluta às redes de governança; e, por outro lado, abordagens que criticam a conceção
anterior e que defendem que o Estado continua a desempenhar um papel crítico, apesar de
já não ter um papel tão omnipresente como antigamente. De acordo com Pierre e Peters
(2005, pp. 1-2), a referida dicotomia entre perspetivas não faz sentido, já que as formas mais
eficazes de governação requerem um posicionamento forte dos atores oficiais e dos atores
não oficiais. No mesmo sentido, Peters (2012, p. 23) afirma que se terá exagerado na
negação do papel do Estado, apelando, por conseguinte, à integração de várias abordagens
com vista a conseguir-se um entendimento mais completo dos contextos de governação.
Ainda a propósito dos diferentes tipos de relações entre atores oficiais e não oficiais nos
processos de governação, Kooiman (2003, p. 7) alerta para a necessidade de se reconhecer a
existência de diferentes modos de governação, nomeadamente a ‘governação hierárquica’, a
‘autogovernação’ e a ‘cogovernação’. No mesmo sentido, estudos mais recentes têm
concluído que os contextos de governação pública na grande maioria dos países ocidentais
são claramente híbridos, na medida em que conjugam características dos modos de
governação mais tradicionais e dos novos modos de governação (Osborne, 2010a, p. 2;
116
Christensen & Lægreid, 2011, pp. 407-408, 419 ; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 26, 29;
Klijn, 2012, pp. 202, 211-212).
Tal como será explorado mais adiante neste trabalho, o maior ou menor poder dos atores
estatais e não-estatais advém, entre outras razões, da existência de diferentes ideologias
políticas quanto ao papel do Estado, as quais estão relacionadas com a ocorrência de
diferentes vagas de reforma do setor público com orientações distintas anteriormente
referidas (Kooiman, 2000, p. 146). Tal como será explorado adiante neste capítulo, a
primeira vaga de reformas, que marcou a década de 80 e o início da década de 90 do séc. XX,
terá implicado uma clara diminuição da intervenção (pelo menos direta) do Estado e um
reforço do recurso a atores e mecanismos de gestão do setor privado. Por seu turno, a
segunda vaga de reformas, que surgiu na segunda metade da década de 90, pretendia
contornar os problemas introduzidos pela primeira vaga de reformas, advogando a
necessidade da conjugação de mecanismos de descentração de responsabilidades com uma
certa reativação de mecanismos de controlo estatal.
A perspetiva defendida por Kooiman está, portanto, alinhada com a observação de Rhodes
(2012) quanto à existência de diferentes ‘vagas na literatura da governança’. De acordo com
este último autor, a primeira vaga de ‘estudos de governança’ está mais relacionada com as
transformações na natureza do Estado ocorridas na sequência das reformas da década de
80, ao passo que a segunda vaga se debruça sobre a temática da ‘metagovernação’, ou seja,
na conjugação da atuação do setor público e dos atores não oficiais por forma a assegurar a
coordenação da governação pública (Rhodes, 2012, pp. 34-36).
O capítulo que aqui se inicia estrutura-se, portanto, em torno da evolução descrita quanto à
literatura da governança. Neste sentido, este capítulo terá início com uma análise do
contexto histórico da emergência das principais reformas ocorridas no processo de políticas
públicas desde a década de 80 do séc. XX, bem como as diferenças entre os ideais-tipo dos
modos de governação mais tradicionais e mais recentes (IV-1). De seguida, proceder-se-á a
uma exploração mais detalhada da abordagem da governança em rede, bem como dos
principais desafios e estratégias de metagovernação das mesmas, também designada por
gestão de redes (IV-2).
117
IV-1. NOVOS MODOS DE GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA: EMERGÊNCIA E DIFERENCIAÇÃO
A emergência da atenção ao paradigma da governança nas áreas científicas da Ciência
Política e da Administração e Políticas Públicas surgiu na sequência das reformas do setor
público ocorridas desde a década de 80 do séc. XX (Bevir, 2007, p. 364). Estas reformas, que
se constituíram como “mudanças deliberadas nas estruturas e processos das organizações
do setor público com o objetivo de as fazer (de alguma forma) funcionarem melhor” (Pollitt
& Bouckaert, 2011, p. 2), implicaram, de acordo com Bevir (2007, p. 364), uma mudança no
papel e na natureza do Estado, bem como uma maior participação de atores não oficiais no
processo de elaboração de políticas públicas.
Os processos de reforma da governação pública acima referidos implicaram, de igual modo,
mudanças nas dinâmicas de interação entre Estado e Sociedade (Chhotray & Stoker, 2009, p.
16). Como menciona Kooiman (1993b, p. 4), a abordagem da governança emerge,
exatamente, de uma conceção de um crescente recurso a padrões de interação entre atores
‘governantes’ e ‘governados’ de orientação mais bidirecional, em detrimento das
tradicionais relações unilaterais e de orientação verticalizada. No entanto, importa
reconhecer que esta última tipologia de relações não deixou de existir, antes coexistindo
com as novas formas de governação, as quais são, também elas, de tipologia diversa.
A referência, por parte de Kooiman (2003), à existência de diferentes modos de governação
(‘autogovernação’, ‘governação hierárquica’ e ‘cogovernação’) vem, assim, ao encontro da
conceção mais ampla do conceito de ‘governance’, ou seja, enquanto ‘direção da ação
coletiva’, abarcando, por conseguinte, todas as possíveis formas de coordenação do mesmo
(Knill & Tosun, 2012, pp. 200-201).
Neste sentido, antes de se proceder ao estudo mais aprofundado dos desafios dos novos
modos de governação, importa perceber quais as grandes diferenças entre as principais
formas de coordenação, sendo, neste âmbito, comum a referência às diferenças entre
Hierarquia, Mercado e Redes (vide, inter alia, Powell (1990); Kickert, Klijn e Koppenjan
(1997d, p. 10); Pierre e Peters (2000, pp. 14-22); Osborne (2010a, p. 10), Bouckaert, Peters e
Verhoest (2010, p. 35)).
118
Neste ponto do capítulo proceder-se-á, assim, à exposição das principais características
diferenciadoras entre estas três grandes tipologias de modos de coordenação, antecedendo
esta análise com a exposição dos contextos de desenvolvimento histórico que têm
conduzido a uma maior ou menor primazia de cada um destes no decurso do séc. XX e início
do séc. XXI.
IV-1.1. A emergência dos Novos Modos de Governação: contextos históricos e principais
diferenças
Muito embora seja hoje aceite que as conceções que expressam um completo abandono de
formas tradicionais de governação são claramente exageradas (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 10), será necessário reconhecer a ocorrência de diferentes vagas de
significativas reformas da governação pública em diversos países ocidentais. Será neste
sentido que Bovaird e Löffler (2003b, p. 22) referem que os “paradigmas da produção de
políticas públicas mudaram significativamente durante as últimas (…) décadas – a
‘administração pública tradicional’ foi substituída parcialmente pelo ‘new public
management’, que por sua vez foi parcialmente suplantado pelo movimento de ‘public
governance’ ”.
Nos pontos que se seguem, proceder-se-á à exposição das principais características de cada
um dos acima referidos paradigmas de governação pública, bem como os contextos
históricos associados à sua emergência e consolidação.
IV-1.1.1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TRADICIONAL: CARACTERÍSTICAS E CRÍTICAS
Tal como atrás referido, os novos modos de governação diferem dos modos de governação
baseados em processos de controlo e comando unicêntrico, os quais foram, de acordo com
Torfing (2012, p. 99), particularmente predominantes numa parte considerável do séc. XX
nos Estados Unidos da América, mas sobretudo na Europa, na sequência da emergência e
expansão do designado Estado de Welfare. Estruturando-se em torno da desejabilidade da
119
intervenção estatal, este período histórico veio, assim, romper com a primazia do modelo de
Estado Liberal32 (ou Estado de Laissez-Faire) que vigorou até às primeiras décadas do séc. XX
(Pereirinha, 2008, p. 19; Bilhim, 2013, p. 58).
A expansão do Estado de Welfare marcou efetivamente o contexto social e político do séc.
XX em grande parte dos países ocidentais, sobretudo entre as décadas de 4033 e 70 – a
designada época de ouro –, registando-se neste período um forte crescimento das despesas
do Estado com matérias sociais (Baldock, Manning, & Vickerstaff, 2003, p. 20). Por um lado,
nos E.U.A. destacam-se programas como o ‘New Deal’ da administração Roosevelt, bem
como os programas da Great Society da administração Johnson nas décadas de 60 e início de
70, no âmbito dos quais foram desenvolvidos programas de emprego, de política social e
regulação económica (Hill & Hupe, 2009, p. 82; Bilhim, 2013, p. 59). Por outro lado, o
desenvolvimento de programas mais intervencionistas na Europa ocorreu a partir da década
de 40, através dos planos de revitalização posteriores à Segunda Guerra Mundial (Hill &
Hupe, 2009, p. 82), bem como da posterior difusão de medidas de política social em diversos
países, influenciadas pelo Relatório de Beveridge que defendia uma conceção de proteção
social mais holística e com uma participação estatal mais direta (Pereirinha, 2008, pp. 18, 22-
23, 29; Carmo, 2011, pp. 140-142).
Como será de esperar, a crescente tendência intervencionista descrita implicou uma enorme
expansão do Setor Público, não apenas ao nível da maior variedade de funções, mas
também ao nível do número de funcionários (Rocha J. A., 2013, p. 79), bem como a uma
32
O Modelo de Estado Liberal (ou de Laissez-Faire) baseia-se no Liberalismo Clássico e tinha como principais bases a obra de Adam Smith e os seus postulados sobre a liberdade de iniciativa individual e a limitação da intervenção estatal (Catarino, 2009, pp. 66-67, 80-81; Carmo, 2011, pp. 129-130). 33
Muito embora o maior desenvolvimento dos ideais de intervencionismo do Estado na economia e sociedade tenha acontecido efetivamente após a Segunda Guerra Mundial, importa destacar a sua origem mais remota. Refira-se, a este propósito, a criação dos primeiros seguros sociais obrigatórios na Alemanha e na Escandinávia no final do séc. XIX (Pereirinha, 2008, p. 17), ou a implementação de algumas medidas de regulação da atividade económica, como a criação de uma comissão reguladora nos E.U.A. em 1887, a aprovação do Clayton Act nos E.U.A. em 1914, ou a aprovação da primeira Constituição com uma secção dedicada exclusivamente ao enquadramento da atividade económica na Alemanha no início do séc. XX (Bilhim, 2013, pp. 58-59). Terá sido neste contexto que Keynes publicou, em 1926, a sua obra ‘The End of Laissez Faire’ (Bilhim, 2013, pp. 58-59).
120
maior ênfase em atividades de planeamento e controlo central34 (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 17).
Foi no contexto de desenvolvimento da máquina administrativa do Estado que se deu,
igualmente, uma aposta na profissionalização dos funcionários da administração pública,
sobretudo de funcionários de topo35. É neste sentido que alguns autores referem que terá
emergido neste período a Administração Profissional enquanto modelo de estruturação da
Administração Pública, o qual apelava a um reforço do papel dos profissionais nos processos
de elaboração de políticas públicas (Rocha J. A., 2013, pp. 79-80). Desta feita, este novo
modelo de estruturação da administração pública contrariava, de alguma forma, a
predominância do designado Modelo Clássico, o qual, com base nas obras de W. Wilson, F.
Taylor ou M. Weber, advogava princípios como a separação política-administração, a
neutralidade da administração pública, a determinação clara das tarefas dos trabalhadores,
ou o enfoque nos regulamentos e no controlo (Rocha J. A., 2013, pp. 76-80).
Muito embora a emergência da Administração Profissional esteja, de facto, relacionada com
a apresentação de algumas críticas ao Modelo Clássico, Rocha (2013, p. 80) alerta para o
facto de a Administração Profissional ter coexistido com a Burocracia Tradicional weberiana,
que incorporava alguns ideais do Modelo Clássico. Tal como referido por Meuleman (2008,
pp. 21-22) e Araújo (2013a, p. 92), a realidade da Administração Pública em diversos países
ocidentais durante grande parte do séc. XX foi dominada pelos princípios da Burocracia
Tradicional, que se estrutura em torno da divisão vertical do trabalho e da autoridade, da
definição de regras formais de funcionamento, da divisão de tarefas, ou mesmo da disciplina
hierárquica.
A atuação do Setor Público em grande parte dos países ocidentais no período posterior à
Segunda Guerra Mundial caracterizou-se, assim, por um Estado bastante intervencionista,
por uma tentativa de reforço do poder dos profissionais no processo de políticas públicas e
34
Recorde-se que foi neste contexto histórico de expansão da atividade estatal que se deu a emergência e consolidação da Ciência das Políticas Públicas, nos contornos referidos no ponto II-2.1. 35
Recorde-se que foi neste período que foram criadas diversas escolas nas áreas da administração e políticas públicas, tais como a Kennedy School of Government em Harvard, a Graduate School of Public Policy em Berkeley, a École Nationale d'Administration, ou a University of Administrative Sciences Speyer (Hill & Hupe, 2009, pp. 84-85).
121
por uma consequente aposta na formação dos administradores de topo (Rocha J. A., 2013,
pp. 79-80). De igual modo, imperavam também bastante evidentes práticas de planeamento
top-down, princípios de controlo hierárquico e comando burocrático unicêntrico, bem como
uma forte orientação legalista e um forte foco nos procedimentos, por forma a garantir
uniformidade dos serviços na sua relação com os cidadãos (Meuleman, 2008, pp. 21-26;
Osborne, 2010a, pp. 2-3).
Não obstante a sua primazia durante uma parte significativa do séc. XX, o modelo de
atuação do Setor Público com base na Burocracia Tradicional weberiana não esteve
obviamente incólume a críticas36. Algumas dessas críticas relacionam-se com o apego
excessivo às regras, um excessivo departamentalismo e a consequente dificuldade de
coordenação intersectorial, ou uma certa desumanização da burocracia (vide, inter alia,
Merton (1940, pp. 560-566)), ou a desadequação da estrutura burocrática a ambientes
complexos e dinâmicos (vide, inter alia, Burns e Stalker ((1961) 1996)). Estes e outros
problemas poderão constituir possíveis razões para explicar alguma ineficácia dos programas
sociais atrás referidos, apesar dos avultados investimentos financeiros (Kickert, Klijn, &
Koppenjan, 1997d, p. 4).
Face aos problemas e críticas descritos, ter-se-á criado a ideia de que a capacidade de
‘direção’ e ‘intervenção’ por parte dos Governos seria limitada (Kickert, Klijn, & Koppenjan,
1997d, p. 1), quer fosse pelo facto do Estado estar a tornar-se alegadamente
‘sobrecarregado’ (overloaded) por cada vez mais responsabilidades e exigências (Skelcher,
2000; Pierre, 2000a, p. 4), quer fosse pela ideia de uma crescente complexificação dos
problemas societais (Baldock, Manning, & Vickerstaff, 2003, p. 21; Goldsmith & Eggers,
2004, p. 7). Terá sido, assim, neste contexto que terão ganho força os ideais neoliberais37
que defendiam, de uma forma genérica, a redução do peso do Estado, dado que a
36
Tal como referem Clegg (1998, pp. 47-55), Bilhim (2013, pp. 27-28) e Rocha (2013, pp. 78-79), algumas das principais críticas à Administração Científica e à Burocracia Tradicional encontram-se em trabalhos de R. Merton (1940, pp. 560-566), H. Simon ((1946) 2004, pp. 136-140, 144-145), P. Selznick ((1948) 1996, pp. 127-129), ou D. Waldo ((1948) 2004, pp. 150-152), bem como C. Lindblom ((1959) 2005, pp. 26-29), P. Blau e R. Scott, R. Dahl, ou A. Etzioni. 37
Entre outros autores, aqueles que melhor incorporam esta corrente de pensamento são, talvez, F. Hayek, bem como todos os autores que endossam as ideias subjacentes à Teoria da Escolha Pública, dos quais se destacam M. Friedman, A. Downs, G. Tullock, W. Niskanen, bem como J. Buchanan (Catarino, 2009, pp. 96-97; Rocha J. A., 2013, pp. 82-83).
122
intervenção deste produzia efeitos nefastos sobre a eficiência económica e o
empreendedorismo empresarial, promovendo assim uma cultura de dependência social
(Domingues L. , 2005, pp. 18-19).
Estas e outras críticas ao paradigma da intervenção estatal como ‘receita ideal’ ganharam,
entretanto, maior expressão na sequência da recessão económica que se seguiu ao choque
petrolífero da década de 70 do séc. XX, que implicou fortes défices públicos e demonstrou
que os níveis de despesas associados aos Estados de Providência seriam incomportáveis
(Kickert W. , 1997a, p. 17). Perante tal situação e a dificuldade em aumentar os impostos por
forma a arrecadar mais receita, as soluções que se afirmavam mais viáveis seriam a redução
das funções apoiadas pelo Estado, bem como um aumento do esforço por uma maior
eficiência no desempenho das tarefas desempenhadas pelo Setor Público (Kickert W. ,
1997a, p. 17). Nesse contexto, ganhou igualmente expressão a defesa da ideia de que o
Setor Público deveria adotar técnicas de gestão privada por forma a reduzir as despesas, a
ser mais eficiente e a proporcionar serviços com maior qualidade (Kickert, Klijn, &
Koppenjan, 1997d, p. 4; Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 6).
Tal como será explicitado na próxima secção, foi precisamente neste contexto de crise
financeira do Estado e de críticas ao seu elevado intervencionismo e falta de eficácia e
eficiência que surgiu a primeira vaga de reformas do setor público.
IV-1.1.2. A PRIMEIRA VAGA DE REFORMAS DO SETOR PÚBLICO E AS SUAS CRÍTICAS
Tal como referido na secção anterior, diversos Governos do designado mundo ocidental
depararam-se, no início do terceiro quartel do séc. XX, com diversos problemas de
governação que levaram à contestação quanto à forma como o Setor Público estaria a ser
governado e quanto aos elevados níveis de intervencionismo estatal na Economia.
Além das críticas referidas na secção anterior, crescia um certo descontentamento quanto
ao desempenho do Estado, sobretudo perante as dificuldades de redução das desigualdades
sociais através dos largos e dispendiosos programas a que se aludiu anteriormente (Kickert
et al., 1997b: 4) reveladas através da aposta na avaliação de políticas públicas na década de
123
60 (vide, inter alia, deLeon e Vogenbeck (2007, p. 516)). Terá sido neste contexto de
descontentamento que ganhou expressão a ideia de que o Estado estaria a ficar demasiado
sobrecarregado (overloaded), a qual ter-se-á tornado particularmente evidente no contexto
dos primeiros encontros da Comissão Trilateral (Trilateral Commission) no decorrer da
década de 70 (Skelcher, 2000; Pierre, 2000a, p. 4; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012,
pp. 17-18).
Ao contexto de ‘crise política’ referido juntou-se, entretanto, um contexto de crise
económica gerada pelas crises petrolíferas da década de 70 do séc. XX, as quais vieram
desestabilizar o crescimento económico e as taxas de desemprego de muitos países
industrializados, o que teve claras repercussões na capacidade fiscal de muitos Estados
(Kickert W. , 1997a, p. 17; Pierre & Peters, 2000, pp. 52-53). Recorde-se ainda que a década
de 70 foi igualmente marcada por crescentes dinâmicas de globalização e democratização
das sociedades, o que fez com que os contextos de atuação do Setor Público se tornassem
mais complexos e os seus diversos stakeholders tivessem ganho maior poder de influência
(Chhotray & Stoker, 2009, p. 2).
Tal como referem Torfing et al (2012, p. 18), este contexto de ‘crise política e económica’
terá, assim, aberto caminho ao surgimento de Governos e políticas neoliberais, de acordo
com os quais o problema do ‘sobrecarregamento’ do Estado deveria ser resolvido através de
programas de privatização, de contratualização externa da provisão dos serviços públicos e
da introdução de mecanismos de gestão privada nas organizações do setor público.
Na adoção destes princípios reformistas destacam-se, em primeira instância, os governos da
designada ‘Nova Direita’ de M. Thatcher (1979-1990) no Reino Unido e de R. Reagan (1981-
1989) nos Estados Unidos da América, bem como governos de outros países anglófonos
como a Austrália e a Nova Zelândia38 (Carvalho, 2008, p. 72), a que se seguiram muitos
outros países, um pouco por todo o ‘mundo ocidental’ (Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 6). Para
este processo de difusão terão contribuído diversas organizações internacionais, tais como a
OCDE, as Nações Unidas, o Banco Mundial e o FMI, na medida em que defendiam os
38
David Lange (1984-1989) e Sir Geoffrey Palmer (1989-1990), na Nova Zelândia e Robert Hawke (1983-1991), na Austrália (Carvalho, Agendas e Reforma Administrativa em Portugal [Tese de Doutoramento em Ciências Sociais, especialidade de Administração Pública], 2008, p. 72).
124
princípios referidos como mapas de boa governação pública (Carvalho, 2008, p. 73; Pollitt &
Bouckaert, 2011, p. 156). No âmbito desta influência merece destaque o Consenso de
Washington, um evento realizado em 1989 que reuniu personalidades como Reagan,
Thatcher e representantes de entidades como o FMI ou o Banco Mundial, no âmbito do qual
se terão advogado alguns princípios que se pretendia que funcionassem como regras
universais (Bilhim, 2013, pp. 61-62): disciplina orçamental; redução dos gastos sociais;
liberalização financeira e desregulação da atividade económica; privatização de empresas
estatais; liberalização do comércio exterior e abertura ao investimento estrangeiro direto.
Muito embora as pretensões de universalidade dos ideais reformistas aludidos nunca
tenham sido totalmente cumpridas, importa reconhecer que muitas das ideias e medidas
referidas estão subjacentes aos processos de reforma do funcionamento do Estado que
diversos países têm desenvolvido desde a década de 80, quer ao nível económico, quer ao
nível administrativo (Kickert W. , 1997a, p. 18; Pollitt & Bouckaert, 2011, pp. 11-14).
Ao nível económico, estas reformas ter-se-ão baseado, sobretudo, na redução da
intervenção do Estado na economia e na atribuição de um maior papel ao Mercado,
nomeadamente através de políticas de desregulamentação e desregulação da atividade
económica, mas também através da privatização de empresas públicas e da contratualização
externa de serviços públicos com base em princípios de concorrência (Klijn, 2012, pp. 203-
204; Bilhim, 2013, p. 65).
Já ao nível administrativo, este movimento de reforma do Setor Público advogava, entre
outras medidas, uma clara separação das funções de formulação e implementação, bem
como a adoção de técnicas e princípios de gestão privada por parte do Setor Público, tais
como o enfoque na eficiência, na produtividade, na profissionalização da gestão, mas,
sobretudo, na gestão por resultados (em detrimento da gestão por processos) (Klijn, 2012,
pp. 203-204; Araújo J. , 2013a, p. 93).
Concentrando atenção nas reformas de índole mais administrativo, importa, desde logo,
apelar-se à expressão New Public Management (NPM), que é um termo de ‘abreviação útil’
para designar grande parte das reformas administrativas no Setor Público ocorridas em
diversos países ocidentais desde a década de 80, e que pretende traduzir a ideia de
125
aproximação da gestão das organizações do setor público da gestão das organizações do
setor privado (Dunleavy & Hood, 1994, p. 9). A partir do artigo de sistematização de C. Hood
(1991), é possível concluir-se que o NPM se baseava nas seguintes doutrinas:
profissionalização e empoderamento dos gestores públicos, para que pudessem gerir as
suas organizações de forma mais eficiente;
explicitação clara de objetivos de desempenho, por forma a permitir a aferição do
desempenho com base nos resultados;
fragmentação das grandes unidades administrativas em pequenas unidades
(semi)autónomas orientadas para um único fim, por forma a que estas pudessem
especializar-se e ter maior liberdade de gestão e atingir ganhos de eficiência;
contratualização de entidades do setor público e do setor privado para desenvolverem
atividades de provisão de bens e serviços, com base em princípios de competição entre
potenciais implementadores, para fomentar a redução dos custos de produção e maior
qualidade de provisão;
adoção de práticas de gestão de recursos humanos do setor privado, por forma a
aumentar a flexibilidade da gestão do setor público;
disciplina na utilização de recursos, por forma a reduzir os gastos do setor público,
seguindo o mote de “fazer mais com menos”.
Para além destes princípios enunciados por Hood, será necessário referir outros princípios
bastante marcantes do NPM como a conceção do cidadão enquanto cliente e a consequente
introdução de modelos de gestão da qualidade, ou o estabelecimento de parcerias com
atores dos setores privado e não-lucrativo no sentido dos mesmos serem agentes de
implementação de políticas ou agentes de consulta na formulação de políticas (Carvalho,
2008, pp. 75-76; Pierre, 2012, p. 191; Araújo J. , 2013a, p. 95).
Como se pode observar pelo exposto, os processos de governação pública ter-se-ão alterado
bastante no decurso das décadas de 80 e 90 do séc. XX, já que terão colocado em causa um
conjunto significativo de princípios que estariam subjacentes à Burocracia Tradicional e ao
Estado de Welfare. Na tabela abaixo apresentada sumariam-se algumas das mais
importantes diferenças entre os dois modelos.
126
Figura 14. Análise comparada dos modelos Administração Pública Tradicional e Nova Gestão Pública
1940s-1970s 1980s-1990s
Cultura
Estado Intervencionista Ethos Neoliberal de redução da
Intervenção do Estado
Especificidade da gestão pública Adoção de regras de gestão privada
Controlo direto da formulação e da provisão com linhas de autoridade verticalizadas com diferentes níveis
Responsabilidades políticas na formulação mas ‘contratualização’ da
provisão com base em relações principal-agente
Accountability ascendente e ‘julgamento público’ através das
eleições (democracia representativa)
Accountability com maior responsabilização dos gestores
perante os seus clientes
Estrutura e Processos
de Atuação
Estruturas monolíticas e multipropósito
Agências uni-propósito e parcerias/ contratualização com atores dos setores privado e não-lucrativo
Planeamento ao nível da macroestrutura
Planeamento ao nível das unidades organizacionais (nível meso)
Liderança baseada no cumprimento da lei e dos procedimentos
(uniformidade ao nível das regras)
Liderança gestionária, baseada na escolha entre soluções alternativas
(autonomia dos agentes do terreno)
Controlo direto, através de regras e fiscalização
Controlo indireto, através dos resultados de desempenho
Fonte: produção própria, com base em Hudson e Lowe (2004, p. 93) e complementado por Carvalho
(2008, pp. 88-90) e Bilhim (2013, p. 40).
Considerando as diferenças apresentadas, merece, desde logo, destaque o facto de o Estado
Neoliberal advogar a redução da intervenção do Estado e a atribuição de um maior papel ao
Mercado, bem como a adoção de regras e mecanismos de gestão do setor privado para
atingir os fins do aumento da eficiência e eficácia do funcionamento do setor público (Klijn,
2012, pp. 203-204). Para além destes princípios mais gerais, advogava-se ainda a
concentração do poder político em questões mais estratégicas, deixando este de se
preocupar tanto com questões de carácter mais operacional e administrativo como
acontecia anteriormente (Araújo J. , 2013a, p. 95). Neste sentido, defendia-se uma clara
separação das funções de formulação e implementação, na medida em que esta última
deveria ser contratualizada, quer com as ditas agências públicas (semi-)autónomas e
orientadas para um único fim, quer com atores dos setores privado e não-lucrativo (Hood,
127
1991, p. 5; Bouckaert, Peters, & Verhoest, 2010, p. 8). Desta feita, a tradicional
accountability ascendente e de responsabilização política, baseada num ‘julgamento’ da
qualidade dos serviços públicos através de eleições, dá lugar a uma maior responsabilização
dos gestores relativamente às suas decisões e às consequências das mesmas (Carvalho,
2008, p. 89), inclusivamente perante os cidadãos, os quais, de acordo com os princípios do
NPM, deverão ser entendidos enquanto clientes.
Face a todo este contexto, o Setor Público deixa de ser constituído maioritariamente por
grandes estruturas monolíticas e que agregavam múltiplos propósitos para passar a
acomodar também agências uni-propósito e a relacionar-se muito mais frequentemente
com atores dos setores privado e não-lucrativo, na medida em que procedia à
contratualização dos mesmos para a provisão de serviços públicos (Skelcher, 2000, p. 7;
Araújo J. , 2013a, p. 93). De igual modo, considerava-se necessário que os gestores das
unidades implementadoras não tivessem de estar restringidos ao cumprimento de regras
uniformes mas que tivessem maior autonomia de gestão (Araújo J. , 2013a, p. 95). Para que
tal autonomia fosse possível, o controlo das atividades destas unidades já não deveria fazer-
se seguindo uma definição a priori de regras e procedimentos a serem cumpridos, mas antes
através da definição prévia de metas e do controlo a posteriori dos resultados – havendo
assim, um enfoque nos resultados em detrimento dos processos (Hood, 1991, pp. 4-5).
A aposta no modelo de implementação de políticas descrito segue, portanto, a lógica que os
“governos atuam como compradores hábeis que decidem o que querem, especificam os
resultados, e decidem que organização – pública, se bem que autónoma, sem fins lucrativos
ou privada – poderá melhor disponibilizar o serviço” (Klijn, 2012, p. 205). Para Klijn (2012, p.
205), o eventual sucesso deste modelo de estruturação da implementação dependerá de
duas condições: por um lado, da especificação clara do produto e dos objetivos a alcançar,
necessária para que o desempenho do contratado possa ser avaliado; e, por outro lado, da
capacidade de monitorização efetiva, nomeadamente para garantir que o contratado
desempenha as suas funções com a qualidade suficiente.
Muito embora o New Public Management seja ainda um movimento de reforma
administrativa com significativa expressão ao nível mundial, a aplicação dos seus princípios
128
tem sido alvo de diversas críticas. A propósito das críticas mais comuns ao NPM, Dunleavy e
Hood (1994, pp. 10-13) dão conta de quatro grupos de análises:
as críticas fatalistas, que referem que o NPM não conseguiu corrigir grande parte dos
problemas da governação pública a que se propunha;
as críticas individualistas, que advogam que o NPM foi pouco longe na adoção de
soluções de mercado;
as críticas hierárquicas, que temem que o NPM se foque demasiado na gestão e perca a
visão estratégica;
as críticas igualitárias, que temem que a adoção do NPM gere situações de corrupção e
clientelismo pela perda dos circuitos tradicionais de accountability.
Para além das críticas acima referidas, uma outra frequente crítica ao NPM é ter ignorado as
especificidades do setor público face ao setor privado e ter assumido que este último era
necessariamente superior (Meuleman, 2008, p. 29). De igual modo, é frequente referir-se
que as pretensões universalistas do NPM não acautelaram devidamente os contextos, na
medida em que a matriz anglófona do NPM nem sempre se revela adequada à realidade de
outros países, nomeadamente os que têm uma cultura mais legalista, como é o caso da
Alemanha, da França ou dos países da Europa do Sul (Pollitt & Bouckaert, 2011, p. 10).
Para além destas críticas mais genéricas, Rhodes (1997, p. 55) considera que as principais
desvantagens do New Public Management estarão relacionadas, sobretudo, com o excessivo
foco intraorganizacional das organizações implementadoras, advindo da obsessão
exacerbada com os objetivos e resultados. No mesmo sentido, alguns autores referem que a
excessiva especialização e autonomia das unidades implementadoras conduziu a problemas
relacionados com a menor capacidade de controlo político das atividades, o menor carácter
estratégico da tomada de decisões com a perda de coordenação e coerência entre políticas e
a excessiva segmentação dos problemas (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Dahlström,
Peters, & Pierre, 2011a, pp. 4-7; Araújo J. , 2013a, p. 96). De referir, por fim, as críticas
relativas à possibilidade do NPM poder promover uma debilitação de valores democráticos
129
como a equidade, a justiça ou a representação, em consequência do seu enfoque na
eficiência organizacional (Denhardt & Denhardt, 2000, p. 550).
Perante estas críticas, que terão ganho particular expressão na década de 90 do séc. XX,
começou a surgir um conjunto de medidas que pretendiam reverter alguns dos problemas
resultantes do NPM, ao qual se poderá atribuir a designação de segunda vaga de reformas
do setor público ou Reformas Pós-NPM (vide, inter alia, Christensen e Lægreid (2007b)). Para
alguns autores, esta segunda vaga de reforma deu origem a um novo modelo de
estruturação da governação pública – a (Nova) Governança Pública (New Public Governance)
(vide, inter alia, Bovaird e Löffler (2003a) e Osborne (2006)).
IV-1.1.3. A SEGUNDA VAGA DE REFORMAS DO SETOR PÚBLICO E AS SUAS POTENCIAIS CRÍTICAS
Tal como referido na secção anterior, a governação pública em diversos países ocidentais foi
alvo de expressivas reformas na década de 80 e início da década de 90 do séc. XX, quer ao
nível económico, quer ao nível gestionário e estrutural (estas últimas sob a frequente
designação de New Public Management).
A propósito das reformas descritas no último ponto deste trabalho, sobretudo as de nível
gestionário e estrutural, importa frisar que, muito embora estas tenham tido (e ainda
tenham) forte expressão em diversos países, têm também dado origem a diversos
problemas. Destacam-se, no rol de problemas, a obsessão excessiva das organizações
públicas com o cumprimento dos seus próprios objetivos e resultados em detrimento dos
impactos das políticas públicas, bem como a diminuição da capacidade de controlo da
governação pública por parte dos atores políticos, ou mesmo uma certa perda de
coordenação e coerência entre políticas e de uma visão mais estratégica e sistémica
(Rhodes, 1997, p. 55; Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters,
2007, p. 326; Dahlström, Peters, & Pierre, 2011a, pp. 4-7). Estes desafios colocados à
coordenação intersetorial e interorganizacional tornaram-se, entretanto, particularmente
prementes no final da década de 90 e início do séc. XXI com a crescente preocupação com
alguns problemas complexos que requeriam intervenções intersetoriais e multinível (wicked
130
issues), dos quais se destacam as questões ambientais e as questões de segurança interna
(Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060).
A segunda vaga de reformas do setor público ocorridas desde a segunda metade da década
de 90 do séc. XX, frequentemente referidas como ‘reformas de governança’ ou ‘reformas
Pós-NPM’, tem precisamente como enfoque principal solucionar ou minorar alguns destes
problemas, através de uma particular atenção aos desafios da integração e coordenação
entre atores, na sua dimensão horizontal, mas também vertical (Pollitt C. , 2003, p. 34; 6,
2004, p. 103; Christensen & Lægreid, 2007a, pp. 1059-1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters,
2007, p. 326). Tal como referem Christensen e Lægreid (2012, p. 255), as medidas
relacionadas com a dimensão horizontal da coordenação pretendiam, sobretudo, quebrar a
lógica setorial da administração pública, permitindo o desenvolvimento harmonioso de
programas e projetos intersectoriais, ao passo que o enfoque na dimensão vertical da
coordenação tinha por propósito a recuperação de algum controlo por parte do poder
político e o desenvolvimento de políticas com uma maior consistência entre níveis de
governo.
Relativamente à dimensão horizontal, têm sido formuladas propostas de incremento da
participação de atores societais na formulação e implementação de políticas públicas através
de novas configurações de governação negociada e de orientação horizontal, tais como as
parcerias público-privadas, alianças estratégicas, comités consultivos, ou redes
interorganizacionais (Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3). Neste conjunto de configurações
de governação merecem particular destaque as redes de governação, as quais se revelam
particularmente adequadas para os wicked issues, na medida em que estes estão
frequentemente envoltos em divergências quanto à sua natureza e às propostas de
intervenção (Klijn, 2012, p. 207). Desta feita, a proposição e posterior adoção destas formas
de governação advém das suas potencialidades em termos de coordenação, flexibilidade,
inovação, aprendizagem mútua e partilha de recursos e riscos (vide, inter alia, Goldsmith e
Eggers (2004, pp. 25-38), Meuleman (2008, p. 31) ou McQuaid (2010, pp. 130-133)).
De acordo com Hill e Hupe (2009, p. 92), a aposta numa lógica de atuação em rede e
parcerias entre atores por diversos Governos ocidentais terá sido particularmente inspirada
131
pelo exemplo holandês, nomeadamente pela sua tradição de governação com base na
procura de consensos através de práticas de consulta, descentralização e participação, que
terá sido incrementada pelo governo de coligação de partidos de esquerda e direita entre
1994 e 2002. Esta ideia é também partilhada por Kickert (1997b, p. 748) que, em 1997, se
referia ao modelo holandês – que apelidou de ‘public governance’ – como uma potencial
alternativa ao NPM, na medida em que não tinha uma lógica intraorganizacional, mas um
enfoque nas relações entre as organizações públicas e os seus ambientes sociopolíticos.
Esta ótica de promoção de práticas de governação interorganizacional terá sido, por sua vez,
também adotada por outros governos ‘progressistas’ eleitos na década de 90, tais como os
executivos de T. Blair no Reino Unido (1997-2007), de B. Clinton nos E.U.A. (1993-2001), de
G. Schröder na Alemanha (1998-2005), de L. Jospin na França (1997-2002) ou de G.
Verhofstadt na Bélgica (1997-2008) (Hill & Hupe, 2009, p. 93). Tal como sugerido por Hill e
Hupe (2009, p. 93), algumas destas administrações terão sido também influenciadas pela
designada ideologia de ‘Terceira Via’39, proposta por A. Giddens40, que advogava medidas
como a promoção da participação e corresponsabilização dos cidadãos e da sociedade civil.
Para além desta maior aproximação do setor público em relação a atores societais, a
segunda vaga de reformas implicou ainda diversas medidas de promoção da coordenação
horizontal entre organizações do setor público. Tal esforço consubstanciou-se em medidas
como fusões entre organismos estatais, reintegrações de agências nos ministérios,
estandardização da atuação das agências, mas também em esforços para promover uma
maior coordenação e colaboração entre diferentes organizações e diferentes setores de
políticas públicas (Bouckaert, Peters, & Verhoest, 2010, p. 260; Van Thiel, Verhoest,
Bouckaert, & Lægreid, 2012, pp. 435-438). De acordo com Christensen e Lægreid (2012, p.
260), este tipo de objetivos relacionados com a promoção da coordenação entre
organizações foi particularmente premente nos designados ‘assuntos transversais’ (wicked
39
Tal como referem Baldock et al (2003, p. 21), a expressão ‘Terceira Via’ referia-se a um conjunto de ideias e propostas que se posicionam ideologicamente entre os ideais neoliberais do Partido Conservador Britânico, que defendia a privatização e a individualização, e o ‘Old Labour’ que era apologista de um Estado centralizado e redistributivo. 40
A propósito da influência da conceção da ‘terceira via’ nestes movimentos de reforma, importa frisar que Giddens foi ideólogo de muitas das reformas do governo de T. Blair, tendo sido, inclusivamente, seu assessor político.
132
issues) e deu origem a um vasto conjunto de iniciativas, tais como a criação de comités,
unidades interministeriais ou interorganizacionais, grupos de trabalho, ou projetos e
programas intersectoriais.
No decurso deste mesmo período, sobretudo desde o início da primeira década do séc. XXI,
assistiu-se ainda à adoção de diversas estratégias de ‘recentramento’ como reação a uma
certa perda de controlo da governação pública por parte do poder político (Dahlström,
Peters, & Pierre, 2011a, pp. 8-17). De acordo com Dahlström et al (2011a, pp. 11-17; 2011b,
pp. 265-269), estas estratégias de ‘recentramento’ tiveram um duplo alinhamento: por um
lado, estratégias direcionadas para a recuperação de maiores níveis de controlo por parte do
Governo Central (holding on strategies), nomeadamente através de nomeações políticas dos
cargos de topo da administração pública e/ou do aumento do poder dos assessores
políticos, as quais terão sido particularmente incrementadas em países como o Reino Unido
ou a Suécia, que tinham tradicionalmente baixos níveis de politização; e, por outro lado,
estratégias mais direcionadas para o reforço da capacidade de coordenação e atuação
estratégica por parte do Governo (restoring the centre strategies) e que terá implicado a
adoção de medidas como o desenvolvimento de serviços de apoio ao chefe de Governo (ex.:
comités ou grupos de trabalho) com maior capacidade analítica, o reforço do poder de
chefes de Governo, ou mesmo a intensificação de sistemas de reporte e controlo
relativamente a agências (semi-)autónomas e a níveis subnacionais de Governo.
Considerando que estas estratégias de promoção da coordenação vertical e sobretudo
horizontal entre organismos públicos surgiram, em certa medida, como forma de contornar
os problemas da excessiva e centrífuga fragmentação e especialização, não será de
estranhar que as mesmas tenham tido particular importância em países em que o NPM teve
maior expressão (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1059; Dahlström, Peters, & Pierre,
2011b, p. 264). Destaca-se, neste âmbito, o executivo de Blair (1997-2007)41,
nomeadamente através de um conjunto de iniciativas que recebeu a designação de ‘joined-
up government’ (vide, inter alia, Pollitt (2003)). No mesmo sentido, este movimento de
reformas (cuja designação agregadora passou, entretanto, a ser ‘whole-of-government’)
41
Muito embora reconheça que esta preocupação terá tido maior expressão através do Executivo de Tony Blair, Perri 6 (2004, p. 121) chama a atenção para o facto do Executivo de John Major (1990-1997) ter já anteriormente demonstrado preocupação com estas questões.
133
rapidamente assumiu também bastante importância em diversos outros países ocidentais42,
como é o caso da Nova Zelândia, Austrália, alguns países Escandinavos, bem como os
Estados Unidos da América, este último sob a designação de ‘collaborative public
management’ (Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1059). Tal como refere Perri 6 (2004, pp.
119-120), desenvolveram-se também alguns esforços desta natureza em países da Europa
Continental, ainda que não tenha havido uma mudança drástica tão grande, uma vez que a
Alemanha e a França não haviam adotado o NPM de forma tão expressiva, e alguns países
como a Holanda, que já tinham uma longa tradição de fomento de relações
interorganizacionais.
Focando atenção, sobretudo, na dimensão da coordenação horizontal promovida por esta
segunda vaga de reformas, é possível observar um significativo conjunto de alterações na
governação sugeridas pelo modelo da ‘nova governança pública’, das quais se destacam as
apresentadas na figura que se segue.
Como foi possível observar pelo descrito, a grande marca distintiva desta segunda vaga de
reformas do setor público foi a sua orientação interorganizacional, cuja aposta resultou da
crescente perceção de interdependência entre atores e a consequente necessidade de
coordenação por forma a fomentar uma tomada de decisão mais estratégica, fundamentada
e, em alguns casos, mais legitimada (Klijn, 2012, pp. 206-207; Christensen & Lægreid, 2012,
pp. 256-257). Terá sido, portanto, neste âmbito que o recurso a redes interorganizacionais
no âmbito da governação pública começou a ser encarado, não apenas como uma
inevitabilidade, mas também como um mecanismo de coordenação legítimo e
potencialmente eficaz para intervir em diferentes domínios, sobretudo nos mais complexos
(Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 2; Christensen & Lægreid, 2012, p. 257). Será,
portanto, considerando este contexto de relações interorganizacionais que Klijn (2012, p.
207) e Christensen e Lægreid (2012, p. 258) referem que os atores políticos e os funcionários
públicos têm, necessariamente, de desenvolver competências ao nível da facilitação e
gestão de redes, o que implica, entre outras atividades, a ativação de atores, a harmonização
das interações, ou ainda a definição de regras processuais.
42
Para maiores detalhes sobre as experiências de diferentes países, veja-se Christensen e Lægreid (2007b), Bouckaert, Peters e Verhoest (2010) e Dahlström, Peters, & Pierre (2011a).
134
Figura 15. Análise comparada dos modelos Nova Gestão Pública e (Nova) Governança Pública
Nova Gestão Pública (Nova) Governança Pública
Foco Enfoque intraorganizacional Orientação interorganizacional, entre atores do setor público e entre estes e
atores do setor privado
Principal objetivo Melhoria da eficiência e eficácia
organizacional Coordenação e qualidade
da tomada de decisão
Principais ideias/ técnica de
gestão
Utilização de instrumentos de gestão empresarial (mecanismos de mercado, indicadores de desempenho, conselhos
de consumidores) para melhorar a provisão dos serviços
Utilização de instrumentos de gestão de redes (ativação de atores,
investigação e recolha de informação conjunta, harmonização das
interações, regras processuais, etc)
Estruturação da implementação
Desagregação de funções para unidades especializadas,
contratualização e privatização
Padrão misto de provisão através de serviços internalizados, de serviços
contratualizados e de redes de provisão
Papel dos políticos
Políticos têm um papel estratégico de definição de objetivos a serem
contratualizados com implementadores
Políticos são vistos como ‘sponsors’ de acordos com compromissos de
múltiplos stakeholders
Papel dos funcionários
públicos
Funcionários públicos devem ser gestores públicos com autonomia
Funcionários públicos são gestores de redes e líderes de parcerias
Padrões de controlo de
desempenho
Padrões de desempenho explícitos e controlo dos resultados
Foco mais processual e baseado em regras de imparcialidade e de ética e com um controlo centralizado mais
forte
Relação com a complexidade
A sociedade é complexa, sendo portanto necessário definir objetivos claros de implementação, ao mesmo tempo que se deve evitar interações
complexas com a sociedade
A sociedade é complexa e interdependente, pelo que a interação com atores societais é não só inevitável como necessária para atingir impactos
satisfatórios
Fonte: com base em Klijn (2012, p. 209) e Christensen e Lægreid (2012, p. 256)
De igual modo, esta segunda vaga de reformas distingue-se por não ter tanto um enfoque na
melhoria dos níveis de eficácia e eficiência das organizações e dos serviços públicos, mas
antes na eficácia das políticas públicas na melhoria das condições de vida dos cidadãos
135
(Bovaird & Löffler, 2003b, p. 18; Löffler, 2003, pp. 165-166), ou seja, naquilo que Moore43
designou por criação de ‘valor público’ (Stoker G. , 2006, p. 47).
Não obstante as mais-valias desta orientação interorganizacional, esta comporta também
alguns problemas, nomeadamente processos de decisão mais morosos, com conflitos entre
atores quanto à natureza dos problemas e das intervenções, uma divisão de
responsabilidades pouco clara, e processos de participação pouco abertos a atores para
além dos grupos de interesse poderosos (vide, inter alia, Pollitt (2003, pp. 38-39), Goldsmith
e Eggers (2004, pp. 39-52), Meuleman (2008, pp. 34-35) e McQuaid (2010, pp. 134-138)). A
este mesmo propósito, Peters (2010, pp. 41-43) refere que existem quatro tipologias de
problemas, nomeadamente ao nível da decisão, da participação, da coordenação e da
accountability.
***
Como é possível observar, a emergência dos novos modelos de governação pública – ‘Nova
Gestão Pública’ e ‘(Nova) Governança Pública’ –, que ocorreu no último quartel do séc. XX e
no início do séc. XXI, foi responsável por profundas mudanças na estrutura e processos de
funcionamento da governação pública em diversos países do designado mundo ocidental.
Foi, portanto, no âmbito dessas transformações que se estruturaram dois modelos de
governação pública alternativos à Administração Pública Tradicional – a ‘Nova Gestão
Pública’ e a ‘(Nova) Governança Pública’ – aos quais (é útil recordar) estavam inerentes
propostas de reforma que tinham inerentes diversas virtudes, mas também problemas
recorrentes. Nesse sentido, importa sumariar quais as principais características, virtudes e
potenciais problemas destes dois novos modelos de governação pública (ver figura abaixo).
43
Moore, Mark. 1995. Creating public value. Cambridge: Harvard University Press.
136
Figura 16. Comparação entre os três modelos de Administração
Modelo de Administração
Pública
Administração Pública Tradicional
Nova Gestão Pública (Nova) Governação
Pública
Agenda Política Disponibilizar amplos programas públicos
Promover a redução do Estado
Solucionar questões transversais
Tipo de relação Hierárquica Autónomas Interdependentes
Gestão de relações
Clareza nas tarefas e nas funções e garantia de recursos suficientes
(gestão via inputs)
Padrões de desempenho e cumprimento de contratos
(gestão via outputs)
Ativação e gestão de parcerias e prossecução de
objetivos
(gestão via outcomes)
Principais virtudes
- Firmeza e rapidez
- Equidade, confiança e objetividade
-Responsabilidades claras
-Orientação para os custos e incentivos à eficiência
- Decisões legitimadas e validadas
- Sinergias e promoção de aprendizagem
Problemas recorrentes
- Falta de flexibilidade - Ineficácia
-Demasiada ênfase no autointeresse organizacional
- Instabilidade do sistema - Desequilíbrio de
informação
- Lentidão e morosidade de processos de tomada de decisão
- Falta de clareza de responsabilidades
- Falta de capacidade de enforcement
Fonte: produção própria, com base em Kickert, Klijn and Koppenjan (1997d, p. 10), Osborne (2010a,
p. 10) e Bouckaert, Peters e Verhoest (2010, p. 35)
Apesar da ampla influência que estes novos modelos acarretaram, é particularmente
importante frisar que a sua emergência não implicou o completo desaparecimento do
modelo de administração pública tradicional. Assim, o próximo ponto analisa as principais
mudanças ao nível da governação destes novos modelos de administração pública, bem
como os desafios inerentes ao carácter híbrido da governação pública na atualidade.
137
IV-1.2. Novos Modos de Governação Pública Interativa, Hibridismo e Metagovernação
As estruturas e os processos de governação pública de um largo conjunto de países do
designado ‘mundo ocidental’ foram alvo de diversas mudanças no decurso das últimas
décadas, através de diferentes vagas de reforma, tal como abordado ao longo do ponto IV-
1.1 deste trabalho. De acordo com Pierre e Peters (2000, pp. 52-66; Pierre, 2000a, pp. 1-2),
estas dinâmicas de mudança na governação dos Estados devem-se à confluência de um
conjunto de fatores anteriormente descritos, tais como a discussão quanto à ‘sobrecarga dos
Governos’, a crise financeira do Estado, a afirmação da ideologia do Neoliberalismo, a
globalização económica e política, a frustração quanto ao desempenho do Estado, a
reivindicação de maior poder de decisão por parte de atores públicos subnacionais, bem
como a maior importância atribuída a assuntos transversais (wicked issues).
Face aos desafios económicos e políticos descritos, tornou-se cada vez mais evidente a
necessidade de se proceder a algumas alterações na estrutura e processos de governação
pública, já que os modos tradicionais de governação estavam a demonstrar-se
desadequados por serem demasiado fechados, formalistas e rígidos (Torfing, Peters, Pierre,
& Sørensen, 2012, p. 9). Desta feita, imperava a ideia da necessidade de, por um lado,
redefinir o papel do Estado na governação e na prestação de serviços públicos e de, por
outro lado, aumentar os pontos de interação entre Estado e Sociedade Civil (Pierre, 2012, p.
191).
É precisamente no âmbito destas reformas que surgem novos modos de governação que
alguns autores apelidaram, de forma genérica, de governação pública interativa, que tem
inerente um “processo complexo através do qual uma pluralidade de atores sociais e
políticos com interesses divergentes interagem por forma a formularem, promoverem e
concretizarem objetivos comuns através da mobilização, troca e aplicação de um conjunto
de ideias, regras, e recursos” (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 14).
138
A partir da definição de governação pública interativa apresentada, Torfing et al (2012, pp.
14-15) consideram que existem algumas características particularmente relevantes que
sobressaem desta nova conceção de governação, nomeadamente:
- a complexidade do processo, em detrimento de uma abordagem às estruturas e
instituições formais organizadas de forma linear, focando, assim, os processos de
interação entre atores governativos e não-governativos no âmbito dos processos de
políticas públicas que se caracterizam, por conseguinte, por dinâmicas de troca;
- a definição e prossecução de objetivos comuns, não obstante a existência de interesses,
vontades e convicções diferentes, por vezes até conflituantes, dando lugar à produção de
valor público;
- a decentralização do processo, na medida em que os objetivos são definidos, formulados
e concretizados através da interação entre uma pluralidade de atores estatais, privados e
da sociedade civil, não obstante a possibilidade de alguns atores poderem ter uma
posição diferenciada.
Tal como se torna evidente pela caracterização dos novos modos de governação interativa
apresentada, uma das principais alterações na governação pública de muitos países
ocidentais foi, com efeito, o crescente envolvimento no processo de políticas públicas por
parte de atores não-públicos, bem como de atores públicos supranacionais e subnacionais,
ou mesmo atores públicos (semi-)autónomos. É, portanto, neste sentido, que alguns autores
(vide, inter alia, Jessop (2002, pp. 193-201) e Levi-Faur (2012, p. 7)) referem que a
autoridade tradicionalmente adstrita aos governos nacionais centrais tem vindo a
institucionalizar-se também em outras arenas, ‘deslocando-se’ em três direções: 1)
ascendente (upwards), nomeadamente para atores supranacionais, tais como a U.E. ou a
W.T.O.; 2) descendente (downwards), designadamente para atores subnacionais, tais como
as regiões ou os municípios; 3) horizontal (outwards), quer seja para atores públicos com
alguma autonomia face ao poder político ministerial, quer seja para atores dos setores
privado e não-lucrativo. Terá sido perante este cenário de ‘transferência de autoridade’ que
139
alguns autores (vide, inter alia, Rhodes (1997, p. 57) e Milward e Provan (2000)) começaram
a utilizar a noção de ‘esvaziamento do Estado’.
Considerando o contexto acima descrito, os próprios focos de atenção da governação
pública mudaram, deixando de ser tanto as instituições oficiais, o comando e controlo, os
procedimentos e os diferentes recursos (inputs), para passar a ser o processo, a interação, o
desempenho e os resultados (outputs) (Pierre, 2012, p. 187).
É, portanto, neste contexto que a noção de ‘governança’ tem vindo a ganhar cada vez mais
popularidade, na medida em que encerra, em si mesma, promessas de maior interação
entre atores, de processos de decisão mais baseados no conhecimento, de soluções para os
problemas societais mais inovadoras, de uma implementação de políticas públicas mais
flexível e mais coordenada, bem como da concretização de ideais democráticos de inclusão e
empoderamento da sociedade civil (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 9).
Apesar das transformações descritas, Torfing et al consideram que a noção de ‘deriva do
governo para a governança’ (shift from government to governance) ou ‘esvaziamento do
Estado’ são perigosas. De acordo com estes mesmos autores (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 10), esta conceção de mudança completa de modos de governação não
só está a menorizar os aspetos negativos que poderão advir da governação interativa, como
tem também alguns outros perigos implícitos, nomeadamente: a propagação de uma ideia
demasiado simplista de transição entre passado e presente; a assunção destas mudanças
como um jogo soma-zero, ao considerar que o aumento das novas formas de governança se
faz à custa da retirada do Governo; bem como, a negação ou ofuscação do papel do
Governo. De facto, não obstante se admita habitualmente que o “Estado já não tem o
monopólio sobre o conhecimento ou os recursos económicos e institucionais necessários
para governar” (Pierre & Peters, 2000, p. 68), há que reconhecer também que a emergência
destas ‘novas formas de governança’ não terá ditado o fim das tradicionais formas de
governação (Pierre, 2000a, p. 3; Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 10-11).
É, portanto, face ao contexto acima descrito que Kooiman (2000, p. 139) refere que será
mais adequado a referência à expressão ‘mudança dos papéis do Estado’ do que ‘diminuição
dos papéis do Estado’. Tal como aduzem Pierre e Peters (2005, pp. 3-5), apesar de ser
140
claramente percetível que o Estado tem cada vez mais dificuldades em governar num estilo
de ‘comando e controlo’, este continua a desempenhar um papel central nas quatro
principais atividades das novas formas de governança: articulação de objetivos e prioridades;
criação de coerência entre atividades; coordenação e gestão de diversos atores e atividades
na prossecução dos objetivos; e, garantir a accountability. Estes autores referem, aliás, que
estas novas formas de governança requerem ainda maior capacidade institucional do Estado
do que as tradicionais formas de governação pública, tanto ao nível dos recursos humanos,
financeiros e de conhecimento, como ao nível da confiança e da legitimidade (Pierre &
Peters, 2005, p. 7).
Tal como referem Christensen e Lægreid (2011, p. 419) e Torfing et al (2012, pp. 10-11), as
realidades da governação pública atuais são claramente ‘mixes’ de características estruturais
e culturais de diferentes modos de governação, as quais apresentam geometrias variáveis
entre diferentes domínios de políticas públicas, diferentes países e diferentes momentos do
tempo.
O hibridismo de modos de governação é, com efeito, uma das mais evidentes características
da governação pública do século XXI, já que a realidade da governação pública dos países
ocidentais combina diferentes elementos dos modos tradicionais de governação pública com
elementos dos novos modos de governação (Osborne, 2010a, p. 2; Christensen & Lægreid,
2011, pp. 407-408, 419 ; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 26, 29; Klijn, 2012, pp. 202, 211-
212).
A propósito das diferentes conjugações de maior ou menor intervenção de diferentes atores
sociais e políticos, importa referir o trabalho de Kooiman (2000, p. 145; 2003, pp. 79-131),
que refere que coexistem na atualidade três grandes modos de governação:
- autogovernação: modo de governação composto predominantemente por entidades
sociais autónomas e com capacidade de se autogovernarem, situação que origina a
criação de sistemas autorreferenciados, auto-organizados e autogeridos, e em que a
maioria das relações são relativamente abertas, flexíveis e espontâneas (‘interferences’,
tal como designadas pelo autor), sendo a governação de algumas profissões ou a
conceptualização da governação dos bens comuns de Ostrom exemplos disso mesmo;
141
- cogovernação: modo de governação que agrega entidades que colaboram e cooperam
entre si, na medida em que são interdependentes, ainda que autónomos entre si, daí que
as interações entre estes sejam geralmente horizontais e semiformais (‘interplays’, tal
como designadas pelo autor), tal como acontece nos casos das parcerias público-privadas
ou nas redes;
- governação hierárquica: modo de governação que se baseia essencialmente em relações
de autoridade entre entidades, com interações predominantemente ‘verticais’ e formais
(‘interventions’, tal como designadas pelo autor), tal como sucede entre o Estado e os
seus cidadãos através de leis e políticas públicas.
De acordo com Christensen e Lægreid (2012, pp. 262-263), os ditos processos de
sedimentação poderão ocorrer devido aos seguintes conjuntos de fatores: em primeiro
lugar, porque a inclusão de características de diferentes modos de governação nos processos
de reforma tendem a gerar menos conflitos políticos e a facilitar a concretização de
compromissos; em segundo lugar, porque as medidas de reforma são ‘vendidas’ como novas
e mais modernas, quando na verdade são, muito frequentemente, propostas de
continuidade mas com diferentes designações; e, por último, devido a mecanismos de ‘path-
dependency’, que dificultam a introdução de novidades nas organizações.
Muito embora as ‘conjugações’ de diferentes modos de governação possam dar origem a
complementaridades que serão discutidas adiante, estas podem, contudo, ser também uma
fonte de potenciais falhas de governação, não só porque cada um dos modos de governação
tem potenciais desvantagens anteriormente descritas, mas também porque poderão estar a
ser conjugadas ideias e culturas de governação potencialmente conflituantes (Meuleman,
2008, pp. 51-55; Christensen & Lægreid, 2011, p. 410; Emery & Giauque, 2014, pp. 23, 29;
Keast, Mandell, & Brown, 2006, p. 40).
Em relação aos potenciais problemas de cada um dos modos de governação (ver Figura 16),
importa recordar que as hierarquias tradicionalmente associadas à Administração Pública
Tradicional tendiam a causar problemas ao nível da falta de flexibilidade e da ineficácia. Por
142
sua vez, os (quasi-)mercados geralmente associados à Nova Gestão Pública tendem a causar
problemas associados com a excessiva fragmentação do sistema e consequentemente
demasiada ênfase no autointeresse organizacional. Por fim, as redes interorganizacionais
usualmente associadas ao modelo da ‘(Nova) Governança Pública’ tendem a gerar
problemas de lentidão e morosidade nos processos de decisão, falta de clareza de
responsabilidades, bem como algumas dificuldades de concretização.
Já no respeitante aos potenciais conflitos entre modos de governação, Meuleman (2008, pp.
52-55) e Sørensen e Torfing (2007e, pp. 298-299) destacam, por sua vez, os seguintes
aspetos: as hierarquias poderão prejudicar as redes ao definir ‘regras de funcionamento’
demasiado rígidas, ao forçar a existência de redes ou pelo facto de alguns parceiros das
redes terem problemas de ‘double-hat’; as lógicas de mercado podem prejudicar as redes ao
criar um clima de concorrência que dificulta a confiança necessária para as atividades da
rede; as redes podem prejudicar as lógicas de mercado se os processos de tomada de
decisão forem muito lentos.
Não obstante os potenciais problemas que possam causar, as ‘conjugações’ entre modos de
governação não devem, contudo, ser vistas como necessariamente nefastas, já que poderão
comportar vantagens em termos de flexibilidade e adaptabilidade (Sørensen & Torfing,
2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 55-57; Christensen & Lægreid, 2011, p. 420). Ao
nível das potenciais complementaridades entre modos de governação, Meuleman (2008, pp.
55-57)44 e Sørensen and Torfing (2007e, pp. 298-299) referem os seguintes exemplos: o
facto de as redes resultarem frequentemente da iniciativa de hierarquias; o facto das
estratégias em rede darem lugar a hierarquias após processos de formalização; o facto de as
redes estarem, em alguns casos, a promover a ‘reunião’ de atores que se haviam separado
como resultado das estratégias de fragmentação da governação por mercado; o facto de a
lógica concorrencial dos mercados poder dar origem a inovações que poderão ser
posteriormente partilhadas em rede.
44
B. Guy Peters (2010, pp. 37-38) referia, em 2010, que esta obra de Meuleman “tinha disponibilizado a discussão mais completa do conceito de metagovernação disponível no momento, focando-se na sua relação com os três modos de governação convencionais: hierarquias, mercados e redes”.
143
A frequente expressão ‘mix is what matters’ depara-se, no entanto, com a dificuldade de
determinar o ‘mix’ ideal, o que também é resultado da reduzida investigação desenvolvida
sobre as melhores formas de conjugar diferentes modos de governação (Keast, Mandell, &
Brown, 2006, pp. 37-38; Christensen & Lægreid, 2011, p. 420; Kooiman, 2000, p. 154).
Terá sido, portanto, face à constatação da existência de potenciais problemas em cada um
dos modos de governação e na conjugação entre estes que, na década de 90, surgiram os
estudos subordinados à temática da metagovernação, através de autores como Jessop,
Kooiman, Dunsire ou Mayntz e Scharpf, e que se debruçam sobre a identificação e análise de
formas mais eficazes de coordenação das estruturas e práticas de governação (Jessop, 2011,
pp. 106-108; Meuleman, 2008, pp. 52-55; Peters, 2010, p. 37). Tendo, portanto, por base os
três principais modos de governação anteriormente descritos, Jessop (2011, p. 114)
considera que os principais modos de governação serão o redesenho dos mercados, a
promoção da inovação e (re)desenho da organização do setor público, bem como a mudança
na composição ou articulação das redes. Recorde-se, a este propósito, que a questão da
coordenação, quer vertical, quer horizontal, era, de facto, um dos principais pontos de
enfoque do modelo da Nova Governação Pública (Pollitt C. , 2003, p. 34; 6, 2004, p. 103;
Christensen & Lægreid, 2007a, pp. 1059-1060; Verhoest, Bouckaert, & Peters, 2007, p. 326).
Não menosprezando os dois primeiros tipos de metagovernação identificados, o restante
capítulo dará um particular relevo à questão da metagovernação de redes, dada a enorme
importância desta forma de governação na atualidade e de as redes serem o principal
enfoque deste trabalho.
144
IV-2. DESAFIOS DA GOVERNAÇÃO PÚBLICA INTERATIVA EM REDE E ESTRATÉGIAS PARA A SUA
METAGOVERNAÇÃO: CONTORNOS CONCEPTUAIS E TEÓRICOS
A abordagem da governação pública interativa tem vindo a assumir, como foi descrito
anteriormente, uma importância crescente nas áreas da Ciência Política e da Administração
e Políticas Públicas nas últimas décadas, na sequência das transformações ocorridas na
natureza e papel do Estado e na decorrente maior participação dos atores societais no
processo de elaboração de políticas públicas (Bevir, 2007, p. 364; Chhotray & Stoker, 2009,
p. 16).
A propósito da emergência da perspetiva da governação pública, recorde-se que tal sucedeu
devido a um amplo conjunto de fatores, dos quais se poderão destacar a crescente
especialização entre entidades públicas e a decorrente fragmentação do poder resultantes
do New Public Management, o aumento da atitude crítica face às autoridades políticas
tradicionais e de novos movimentos cívicos participativos, bem como a complexificação dos
contextos de atuação dos Estados e dos problemas societais (Rhodes, 1997, p. 55;
Christensen & Lægreid, 2007a, p. 1060; Chhotray & Stoker, 2009, pp. 2, 7-10; Klijn, 2010, pp.
118-119). É, portanto, neste contexto que terá aumentado a consciência do
desenvolvimento crescente das tendências societais de especialização e de fragmentação de
recursos e da decorrente interdependência e necessidade de interação colaborativa entre
atores (Kooiman, 2000, p. 139; Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 6).
Face a este cenário de interdependência e de necessidade de interação entre atores públicos
e societais tem vindo a surgir um amplo conjunto de novas formas de governação interativa,
tais como iniciativas comunitárias, contratos, joint-ventures, redes de governação, parcerias
público-privadas, alianças estratégicas, entre outras (Sullivan & Skelcher, 2002, p. 4;
Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3; Klijn, 2010, p. 119). De entre o amplo leque de novas
formas de governação interativa, Torfing et al (2012, pp. 15-17) e Sullivan e Skelcher (2002,
145
pp. 2-6) consideram que merecem particular destaque os quasi-mercados (ou contratos45),
as parcerias e as redes, que se caracterizam da seguinte forma:
- Quasi-mercados: mecanismos de caráter formal e vinculativo, através dos quais
organismos do poder central do Estado (geralmente ministérios) contratam organismos
não-estatais (ex.: empresas, ou organizações do terceiro setor) ou organismos estatais
especializados (agências) para fornecer serviços públicos nas quantidades, qualidades e
custos estipulados, e que tinham como objetivo solucionar o problema da ineficiência dos
monopólios públicos através da promoção da competição;
- Parcerias: formas relacionais de mais difícil circunscrição, já que oscilam entre acordos
informais e contratos formais, mas que comungam de um conjunto de características, tais
como a partilha de responsabilidade pela definição e concretização de projetos do
domínio público e a definição de compromissos de médio ou longo-prazo, tentando assim
contornar o problema da falta de recursos públicos através da promoção de iniciativas
conjuntas;
- Redes: formas relacionais de articulação de perspetivas entre atores interdependentes,
embora operacionalmente autónomos, através do estabelecimento de relações de
negociação informais e horizontais, com a finalidade de partilha de conhecimento,
coordenação de esforços entre atores, bem como de discutir problemas comuns e
encontrar soluções para problemas, tentando, desta forma, lidar com o problema da
complexidade e fragmentação da governação através do fomento de trocas e
negociações entre atores.
Não menosprezando a importância dos quasi-mercados no âmbito da governação pública
atual, até porque a sua compreensão é importante para a análise do objeto de estudo deste
trabalho, apenas as redes e as parcerias serão analisadas com maior detalhe daqui em
45
Sullivan e Skelcher (2002, p. 4) utilizam o termo ‘contrato’, ao passo que Torfing et al (2012, p. 15) utilizam o termo ‘quasi-mercados’. A leitura dos argumentos presentes em ambas as obras permitem estabelecer um paralelo entre os dois termos.
146
diante, tendo em atenção a sua centralidade no campo científico da governação pública e a
importância crucial na exploração do objeto empírico deste trabalho.
A propósito da centralidade das redes e das parcerias na compreensão dos fenómenos da
governação atual, importa recordar que estas são formas de governação preponderantes no
âmbito do modelo da ‘(Nova) Governança Pública’, que se tem desenvolvido desde a
segunda metade da década de 90 do séc. XX (Sørensen & Torfing, 2007b, pp. 2-3; Osborne,
2010a, p. 9; Klijn, 2012, p. 207; O’Toole Jr. & Meier, 2010, p. 324). Aliás, de acordo com Levi-
Faur (2012, pp. 5-6), foi através da análise das redes que a abordagem da governação
pública assumiu maior preponderância nos campos científicos da Administração e Políticas
Públicas e da própria Ciência Política.
De acordo com Sørensen e Torfing (2007b, p. 3), a maior atenção ao fenómeno das redes e
das parceiras na década de 90 acima referida deveu-se essencialmente ao contributo dado
por artigos seminais, tais como ‘Policy Networks: A British Perspective’ de Rhodes (1990), ou
pelos volumes ‘Modern Governance: New Government–Society Interactions’, editado por
Kooiman (1993a), 'Understanding Governance: Policy Networks, Governance, Reflexivity and
Accountability’, editado por Rhodes (1997), ou ainda 'Managing Complex Networks’, editado
por Kickert, Klijn e Koppenjan (1997c).
Muito embora tenha sido na década de 90 que o tema das redes ganhou, efetivamente,
maior relevância, Klijn (2010, p. 120) frisa que as raízes do estudo das redes de governança
remontam às décadas de 60 e 70, quando o tema das relações interorganizacionais começou
a ganhar alguma importância no âmbito da Teoria Organizacional, da Ciência Política e da
Ciência das Políticas Públicas. A este propósito, Klijn refere ainda que existem diferenças
assinaláveis entre a influência destas três disciplinas , ao ponto de terem dado origem às três
seguintes tradições de investigação, as quais diferem quanto ao foco, principais questões de
investigação e autores principais (veja-se Figura 24 no ponto IV-3 deste capítulo):
- pesquisa em ‘Policy Networks’ (Redes de Formulação de Políticas), que é influenciada
sobretudo pela Ciência Política e que se debruça sobre a identificação das redes de
atores que participam nos processos de tomada de decisão e quais os que têm maior
poder;
147
- pesquisa em ‘Service Delivery Networks’ (Redes de Provisão), que é bastante
influenciada pela Teoria Organizacional e que se foca atualmente sobre a identificação
de mecanismos mais eficazes de articulação entre atores em formas de governação
interativa e nos resultados desses processos;
- pesquisa em ‘Governance Networks’ (Redes de Governança), que é baseada nas
disciplinas da Administração Pública e Políticas Públicas e que analisa, sobretudo, a
gestão de relações de governação horizontal decorrentes de processo de deliberação,
questionando-se igualmente sobre como organizar as redes e ligá-las às instituições
tradicionais.
Não menosprezando a importância da tradição de pesquisa baseada na Ciência Política, este
trabalho irá debruçar-se, sobretudo, nas tradições das ‘Redes de Governança’ e das ‘Redes
de Provisão’, haja em vista as semelhanças entre si, na medida em que ambas se debruçam
sobre “… a complexidade das interações entre atores e os esforços de gestão para organizar
as redes.” (Klijn, 2010, p. 129), sendo exatamente esse o principal enfoque deste trabalho.
Ademais, a área científica da Administração Pública, debruça-se essencialmente sobre estas
duas tradições, tendo um enfoque residual sobre as ‘redes de formulação de políticas’ (Lecy,
Mergel, & Schmitz, 2013, pp. 649-650).
A aproximação entre as tradições das ‘Redes de Governança’ e das ‘Redes de
Implementação’ acima identificada ajuda, por sua vez, a explicar a dificuldade de destrinça
entre ‘redes’ e ‘parcerias’ enquanto formas de governação, sendo até frequente a utilização
indiscriminada dos dois termos na literatura (McGuire, 2006, p. 36). Assim sendo, optou-se
por se utilizar estes termos de forma praticamente indiscriminada, preferindo-se a
designação ‘redes de governação’, muito embora tendo a consciência de que o termo
‘parceria’ se aplica sobretudo a situações de articulação mais formal de parceiros para a
provisão de bens ou serviços, ao passo que o termo ‘rede’ se aplica habitualmente a relações
informais entre atores para a debate das causas, contornos e potenciais soluções de
determinados problemas (Sullivan & Skelcher, 2002, pp. 5-6; Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, pp. 16-17). Esta opção encontra alinhamento com a afirmação de Mandell
148
(2014, p. 3), uma das mais conceituadas e antigas especialistas neste domínio de
investigação, que atribui a designação agregadora de ‘network-governance-based
arrangements’ a diferentes formas de governação, tais como colaborações, alianças,
parcerias e joined-up ventures.
Como é possível verificar pelo descrito nesta introdução ao ponto IV-2, o recurso às redes e
parcerias enquanto formas de governação pública tem vindo a desenvolver-se bastante nas
últimas décadas, o mesmo acontecendo com o estudo científico deste fenómeno, muito
embora ainda se caracterize por muitos dilemas que importa clarificar. Em primeiro lugar,
será necessário reconhecer que as relações desenvolvidas entre atores no âmbito das redes
e parcerias são significativamente diferentes das que se desenvolvem no âmbito de
hierarquias ou (quasi-)mercados, ao mesmo tempo que importa reconhecer que existe uma
enorme variedade de diferentes tipos de redes, que diferem consoante as funções que
desempenham e o contexto em que desenvolvem essas funções. De igual modo, importa
destacar que o recurso às redes e parcerias está longe de ser uma panaceia, na medida em
que acarreta diversos potenciais problemas e desafios, e que se afirma como necessário
desenvolver estratégias de metagovernação nos processos de criação e gestão das redes.
Por fim, importa frisar que o estudo das redes de governança está ainda longe de produzir
uma teoria coerente, o que decorre não apenas da enorme diversidade de funções acima
referida, mas também da falta de clareza conceptual que frequentemente caracteriza este
campo de estudo.
A análise que se empreende no ponto IV-2 começa, assim, por analisar as principais
características diferenciadoras das redes e parcerias enquanto formas de governação, bem
como as suas principais funções e mais-valias (IV-2.1). Seguir-se-á uma análise aos principais
potenciais problemas e desafios inerentes ao recurso das redes e parcerias, bem como as
principais estratégias de metagovernação nos processos de criação e gestão de redes (IV-
2.2).Finalizar-se-á este capítulo com uma análise das principais teorias que ajudam na
compreensão dos processos de formação, funcionamento e desenvolvimento das redes de
governação (IV-3).
149
IV-2.1. Redes e Parcerias de Governação Pública: características, tipologias, benefícios e
desafios
As redes (e parcerias) formadas por atores públicos e societais assumiram, como já
anteriormente referido, uma importância acrescida, e até quase central, no âmbito da
governação pública em diversos países ocidentais, no decorrer da década de 90 do séc. XX
(vide, inter alia, Klijn (2010, pp. 118-119), Sørensen & Torfing (2007b, pp. 2-3), O’Toole Jr. e
Meier (2010, p. 324), McQuaid (2010, p. 128) e Mandell (2014, p. 3)).
Para Torfing et al (2012, p. 31), o fenómeno de maior participação de atores não oficiais no
processo de elaboração de políticas públicas decorre de duas grandes tendências: 1) por um
lado, da consciência por parte dos decisores públicos de que estaria a tornar-se mais difícil
manter um estilo de governação predominantemente hierárquico, tendo em atenção a
crescente complexidade dos problemas, as tendências de diferenciação e fragmentação
funcional entre diferentes atores públicos e privados, bem como as decorrentes
interdependências entre estes; 2) e, por outro lado, as crescentes pressões por parte de
atores não oficiais no sentido de participarem nos processos de elaboração de políticas,
demonstrando-se mais capazes e reivindicativos.
É, portanto, face ao contexto de consciência da interdependência e da necessidade de
colaboração interatores acima referida que a noção de ‘rede de governação’ assume
especial destaque, enquanto “1. articulação relativamente estável e horizontal de atores
[dos setores público e/ou privado] interdependentes, embora operacionalmente
autónomos; 2. que interagem através de negociações; 3. que têm lugar num quadro
regulativo, normativo, cognitivo e imaginário; 4. que é autorregulado dentro dos limites
definidos pelas agências externas; 5. e que contribui para a prossecução de fins públicos.”
(Sørensen & Torfing, 2007b, p. 9). Esta definição encerra, assim, de acordo com Torfing
(2012, pp. 101-102), um conjunto de características-base, nomeadamente:
- a dependência mútua entre atores, enquanto principal força motriz, na medida em que
os atores tendem a interagir de forma mais proveitosa e a partilhar informação,
conhecimento e ideias, se tiverem a perceção de que necessitam dos recursos de
outros atores, embora mantendo a sua autonomia operacional;
150
- o carácter negocial das interações, que envolvem conflitos, jogos de poder e formação
de compromissos e que se distinguem, assim, das relações de subordinação nas
hierarquias e das relações de competição dos mercados;
- a tendência progressiva para a institucionalização, na medida em que, após processos
de emergência habitualmente informais, é habitual que surjam padrões de interação
que se sedimentam através de normas, códigos cognitivos e perceções comuns;
- a autorregulação da rede, na medida em que a rede muitas vezes tem capacidade de
tomar decisões vinculativas, a qual é, contudo, condicionada frequentemente pelos
poderes que as estruturas decisórias dos diferentes atores intervenientes lhes
delegam;
- a finalidade de produção de regulação pública, no sentido lato de definição de valores,
cenários ou planos ou processos de tomada de decisão comuns sobre assuntos
públicos
Para além destas características, outro aspeto bastante importante que importa salientar em
relação às redes e parcerias é que constituem formas de governação que podem assumir
uma enorme diversidade de formatos e desempenhar um amplo e diversificado conjunto de
funções, as quais se desenrolam ao longo de diferentes fases do processo de políticas
públicas e que envolvem um amplo conjunto de operações (Koliba, Meek, & Zia, 2011, pp.
115-129; Torfing, 2012, p. 102).
Ao nível dos formatos, Torfing (2012, p. 102) refere, por exemplo, que as redes e parcerias
podem ser iniciadas pelas autoridades públicas de topo ou a partir da vontade dos
funcionários e/ou organizações das bases, com maior ou menor proximidade entre
parceiros, e ter uma duração curta ou permanente.
Por sua vez, Koliba et al (2011, pp. 120-124) referem que as redes podem ser mobilizadas em
qualquer um dos momentos do processo de políticas públicas (veja-se figura seguinte), quer
seja na definição e enquadramento de problemas, no agendamento de determinados
151
assuntos, no desenho e planeamento de políticas públicas, na coordenação da
implementação, na própria provisão de bens e serviços, ou até mesmo no acompanhamento
e monitorização da implementação das políticas.
Figura 17. Funções das Redes nas diferentes fases do Processo de Políticas Públicas
Função Descrição da Atividade das Redes
Definição de Problemas Redes são mobilizadas no alinhamento de visões do âmbito, severidade e causas de um problema
Alinhamento Político Redes são mobilizadas para fazer avançar a agenda política
Desenho e Planeamento de Políticas
Redes são mobilizadas para examinar alternativas e/ou planear a escolha do instrumento ou conjunto de instrumentos
Coordenação de Políticas Após a decisão sobre o instrumento ou conjunto de instrumentos, as redes podem existir para coordenar a implementação de uma política
Implementação de Políticas (Provisão)
Redes são mobilizadas em torno da provisão de algum tipo de bem ou serviço
Avaliação e Monitorização de Políticas
Redes são organizadas em torno da monitorização ou avaliação da implementação de políticas
Fonte: adaptação de Koliba et al (2011, p. 122)
Já ao nível das operações que executam, Koliba et al (2011, pp. 117-120) referem que as
redes de governação poderão desempenhar as funções de coordenação da ação entre
atores, de mobilização e troca de recursos, difusão e partilha de informação, de capacitação
de atores da rede ou de atores externos, ou mesmo de aprendizagem e transferência de
conhecimento. A propósito destas diferentes funções operativas, alguns autores têm vindo a
apresentar tipologias de redes às quais associam diferentes propósitos.
Uma das tipologias acima referidas é apresentada por Milward e Provan (2006), que
distinguem quatro tipos de redes: as Redes de Provisão de Serviços, as Redes de Difusão de
Informação, as Redes de Resolução de Problemas e as Redes de Capacitação da
Comunidade. Estas redes diferem consoante a sua principal função e possuem um conjunto
de funções e de exigências em termos de gestão (que serão abordadas com maior detalhe
no ponto IV-2.2 deste trabalho), que se encontram sumariadas na figura seguinte.
152
Figura 18. Funções estratégicas das redes de governação, segundo Milward e Provan
Tipo de Rede Principais Características
Redes de Provisão de Serviços
- Através de um contrato, o Governo financia o serviço, o qual é produzido em conjunto por uma ou mais organizações;
- A gestão horizontal dos ‘prestadores’ é essencial e inclui o encorajamento da cooperação, a negociação de contratos, o planeamento da constituição da rede, etc;
- A estabilidade da composição da rede está positivamente relacionada com a sua eficácia, bem como a centralização da sua gestão.
Redes de Difusão de Informação
- O principal foco é a partilha de informação, nomeadamente novo conhecimento e melhores práticas, entre atores que são interdependentes em algum domínio;
- O principal objetivo é mais definir os contornos de um problema e moldar a capacidade de resposta do Governo a problemas através da melhoria da comunicação do que a resolução de problemas propriamente dita;
- Assegurar a diversidade de parceiros, que podem até estar em conflito em relação às suas posições, é uma tarefa essencial.
Redes de Resolução de Problemas
- O principal foco é no debate de contornos de um problema e na proposição de potenciais soluções e, assim, ajudar a definir as propostas de intervenção nesse determinado domínio;
- Deve existir uma preocupação de mobilização do máximo de recursos, que geralmente são escassos;
- A coordenação entre atores é essencial, pelo que a estrutura de comando deve ser arrojada e previamente designada;
Redes de Capacitação da Comunidade
- O principal objetivo é construir capital social em contextos comunitários, tendo, assim, objetivos orientados de capacitação da comunidade;
- Envolve frequentemente um amplo conjunto de atores, os quais podem pertencer a sub-redes, e pode ser criada pelos participantes da rede (bottom-up) ou pelos agentes financiadores (top-down);
- É essencial mapear os atores-chave da comunidade e envolver os líderes comunitários em todas as fases do processo.
Fonte: produção própria, com base em Milward e Provan (2006, pp. 10-17)
Para além desta tipologia apresentada por Milward e Provan, existem duas outras tipologias
que apresentam algumas semelhanças com a anteriormente apresentada, mas nas quais os
diferentes tipos de redes revelam um grau crescente de exigência.
153
Uma dessas tipologias é a apresentada por Agranoff (2003, pp. 10-11; 2007, pp. 10, 51-82),
que distingue quatro grandes tipologias de redes:
- Redes de Informação, nas quais os parceiros se juntam exclusivamente para trocar
informação, analisar a profundidade dos problemas e ouvir como é que outros estão
a resolver os problemas;
- Redes de Desenvolvimento, nas quais a troca de informação é combinada com a
formação dos membros da rede, por forma a capacitá-los para implementarem
soluções nas suas próprias organizações;
- Redes de Outreach, nas quais os membros trocam informação e recursos, dando azo
a planeamento conjunto;
- Redes de Ação, nas quais os parceiros se juntam para fazer ajustes nas organizações
uns dos outros, adotando formalmente linhas de ação conjuntas e disponibilizando
serviços partilhados.
A outra tipologia que merece destaque neste âmbito é a de Keast, Brown e Mandell (2007)
que enunciam a existência de três tipos de redes: as redes de cooperação, as redes de
coordenação e as redes de colaboração. De acordo com os autores (Keast, Brown, &
Mandell, 2007, p. 12), os três termos em questão – cooperação, coordenação e colaboração
– estão localizados em diferentes pontos de um continuum de diferente intensidade das
conexões ou relações, muito embora sejam frequentemente confundidos na literatura.
Desta feita, Keast et al (2007, p. 27) distinguem, com base num estudo empírico, os três
tipos de redes da seguinte forma:
- Redes de Cooperação: redes com a finalidade de partilha de informação e de construção
inicial de relações, com ligações pouco estreitas entre membros e que são geralmente de
curto-prazo e de natureza informal;
154
- Redes de Coordenação: redes de médio-prazo com o propósito de alinhar recursos e
estratégias para atingir objetivo(s) predeterminado(s), muito embora os membros
mantenham a sua autonomia;
- Redes de Colaboração: redes de longo-prazo, cujo objetivo é criar sinergias entre
parceiros para criar um sistema novo ou alterar substantivamente o existente,
derrubando algumas fronteiras organizacionais, o que requer dos parceiros maiores níveis
de contribuições e compromisso.
Como é possível observar, as tipologias de Keast e seus associados e de Agranoff refletem
tipos de redes com diferentes níveis de ambição e, consequentemente, de compromisso
entre os parceiros. Na figura seguinte, estabelece-se um paralelo entre as duas tipologias,
tendo em conta um grau crescente de ambição.
Figura 19. Comparação entre as tipologias de redes de Agranoff e de Keast, Brown e Mandell
Agranoff (2003; 2007) Keast, Brown e Mandell (2007)
Ação
ajustes nas organizações, adotando formalmente linhas de ação conjuntas e
disponibilizando serviços partilhados
+ Colaboração
criação de sinergias derrubando fronteiras organizacionais
Nív
el d
e A
mb
içã
o e
Co
mpr
om
isso
Outreach
troca de informação e recursos,
dando azo a planeamento conjunto Coordenação
partilha e alinhamento de recursos e estratégias
Desenvolvimento
troca de informação e formação dos membros da rede para capacitação para
ações individualizadas
Cooperação
partilha de informação e construção inicial de relações
Informação
troca de informação sobre formas de atuação e perspetivas quanto a problemas comuns -
Fonte: produção própria, baseado em Agranoff (2003, pp. 10-11; 2007, pp. 10, 51-82) e Keast, Brown
e Mandell (2007, p. 27)
155
Estes diferentes níveis de exigência apresentados pelas tipologias de redes de Agranoff e
Keast, Brown e Mandell fazem ainda apologia aos dois diferentes tipos de coordenação em redes
apontados por Scharpf (1994, pp. 38-40, 47-49), diferindo em termos de níveis de ambição e de
requisitos processuais, nomeadamente:
- Coordenação positiva: tem por propósito maximizar a eficácia e eficiência das intervenções ao
fomentar e utilizar estratégias conjuntas de diferentes organizações, o que implica
negociações multilaterais e a consideração das perspetivas de todos os parceiros, o que
implica elevados graus de confiança e compromisso entre os parceiros;
- Coordenação negativa: tem por propósito assegurar que as iniciativas de um parceiro não se
sobrepõem ou interferem com as iniciativas e interesses de outros parceiros, o que implica
apenas ‘esclarecimentos’ bilaterais e não exige elevados níveis de confiança, mas tende a
reduzir a capacidade de inovação.
Tendo em atenção a enorme multiplicidade de funções que as redes e parcerias poderão
desempenhar, não será de estranhar que o apelo ao recurso a redes e parcerias no âmbito
da governação pública esteja associado a um amplo conjunto de potenciais benefícios.
Kickert et al (1997e, p. 171) referem, a este propósito, que o envolvimento de um conjunto
mais diversificado de atores que ocorre nestas formas de governação poderá permitir, por
exemplo, a aportação para o processo de políticas públicas de conhecimento e informação
mais diversificados, o aumento da aceitação social de novas medidas de políticas públicas,
ou mesmo o incremento da participação democrática da sociedade civil. Já McQuaid (2010,
pp. 130-134) enuncia um conjunto mais diversificado de potenciais benefícios das parcerias,
nomeadamente:
- Promovem decisões reforçadas por um alto nível de legitimidade e validade;
- Têm condições para desenvolver soluções flexíveis e mais rápidas, por serem menos
politizadas;
- Promovem a inovação;
- Fomentam a partilha de recursos físicos e de conhecimento, promovendo a criação de
sinergias;
156
- Desenvolvem coerência nos serviços;
- Melhoram a eficiência e a accountability.
Não obstante este amplo conjunto de vantagens, o recurso às redes e parcerias enquanto
formas de governação não pode ser considerado como uma panaceia, na medida em que
tem também diversas desvantagens e limitações.
Em primeiro lugar, Kickert et al (1997e, pp. 170-171) destacam que as críticas mais
frequentemente referidas em relação às redes, sobretudo às redes de tomada de decisão,
dizem respeito à possibilidade de ‘captura’ dos atores públicos por parte de interesses
privados, à reduzida transparência dos processos de interação entre atores e à insuficiente
legitimidade democrática da participação de atores não eleitos nos processos de tomada de
decisão. De igual modo, estes mesmos autores referem que os interesses privados presentes
nas redes de tomada de decisão tendem a bloquear a emergência de soluções inovadoras
para os problemas societais (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997e, pp. 170-171).
De acordo com Peters (2010, pp. 41-43), estes problemas mais relacionados com as redes de
tomada de decisão podem ser agrupados nos seguintes quatro grandes tipos:
ao nível da decisão: decisões de reduzida qualidade dada a potencial tendência para a
negociação entre parceiros se realizar pelo ‘mínimo denominador comum’;
ao nível da participação: a atuação em rede, em vez de ser inclusiva, poderá ter a
tendência a tornar-se elitista e circunscrita a um conjunto de grupos de interesse;
ao nível da coordenação: dificuldade de coordenar a atuação de diferentes
organizações públicas, dada a excessiva fragmentação e especialização durante a
‘Nova Gestão Pública’;
ao nível da accountability: diminuição da capacidade de controlo das ações dos
diversos atores intervenientes, por parte do poder político.
157
Para além destas questões mais circunstanciadas às redes de tomada de decisão, as redes e
parcerias em geral podem ainda ter problemas associados com a morosidade dos processos
de decisão e os respetivos custos, com o conflito entre atores no respeitante à natureza dos
problemas e das intervenções, com as diferenças organizacionais em termos de práticas e
filosofias de ação, com a definição pouco clara de papéis e responsabilidades e com a falta
de preparação e empoderamento de alguns atores-chave (ex.: grupos de cidadãos) (vide,
inter alia, Pollitt (2003, pp. 38-39), Goldsmith e Eggers (2004, pp. 39-52), Meuleman (2008,
pp. 34-35) e McQuaid (2010, pp. 134-138)).
Face à constatação da existência dos problemas acima identificados, os estudos sobre redes
de governação têm vindo a debruçar-se sobre a identificação de fatores críticos para que as
redes sejam bem-sucedidas. De acordo com Sørensen and Torfing (2007a, pp. 14-15; 2007e,
pp. 299, 306-307) e Rhodes (2012, pp. 33, 43-44), estas preocupações com a identificação de
fatores críticos situam-se no âmbito daquilo que designa por segunda geração, ou segunda
vaga, da investigação sobre governação. O próximo ponto deste capítulo debruça-se
exatamente sobre a reflexão relativa aos fatores críticos associados ao sucesso das redes de
governação.
IV-2.2. Fatores Críticos para os Processos Colaborativos e Estratégias de Metagovernação
de Redes
O recurso às redes e parcerias tornou-se, como referido nos pontos anteriores, uma prática
bastante comum no âmbito da governação pública de diversos países ocidentais (vide, inter
alia, Klijn (2010, pp. 118-119), Sørensen & Torfing (2007b, pp. 2-3), O’Toole Jr. e Meier
(2010, p. 324) e McQuaid (2010, p. 128) e Mandell (2014, p. 3)). Não obstante a ampla
utilização destas formas de governação e as diversas mais-valias que podem daí decorrer,
importa destacar também a existência de diversos potenciais problemas e limitações no
recurso a redes e parcerias, enquanto formas de governação pública.
Tendo em atenção os potenciais problemas identificados no ponto anterior deste trabalho,
diversos autores têm vindo a debruçar-se sobre a identificação de fatores críticos a ter em
158
consideração para que as redes possam ter processos de colaboração fortuitos e ser eficazes
na prossecução dos seus objetivos.
Antes de avançar para a análise mais aprofundada dos fatores críticos, importa referir que
na avaliação do sucesso colaborativo não se deverá utilizar as tradicionais noções de
eficiência de custos ou de eficácia operacional, as quais são mais adequadas para a análise
de sistemas hierárquicos (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 167-168; Klijn, Van
Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 294). Torfing et al (2012, pp. 168-169) referem, por exemplo,
que a utilização da eficiência em termos de custos será de difícil utilização neste contexto de
investigação, uma vez que a governação em rede tem resultados difíceis de quantificar,
considerando a sua intangibilidade, tais como o desenho de entendimentos e valores
comuns e de visões futuras, ou mesmo a capacitação dos atores envolvidos. Por sua vez, a
aferição da eficácia operacional torna-se também difícil, considerando que a medição do
cumprimento dos objetivos se reporta a diferentes atores envolvidos nas redes, com
objetivos distintos, estando sujeitos a alterações no tempo (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 296). Como referem Ansell
e Gash (2008, p. 549), a maioria dos estudos sobre governação em rede debruça-se sobre os
resultados dos processos de colaboração (process outcomes) e não sobre os resultados das
políticas públicas (policy outcomes).
A propósito dos resultados da colaboração interorganizacional, Chen (2010, pp. 389-390)
refere que a aferição da eficácia dos processos de colaboração deverá ser realizada com
recurso à perceção dos parceiros envolvidos e tendo por base critérios como a concretização
dos objetivos relacionados com a provisão de bens e serviços, o fomento de aprendizagem
interorganizacional e a melhoria das interações entre parceiros. Já Bryson et al (2006, p. 51)
destacam três níveis de efeitos: os efeitos de primeira ordem, que se referem ao
desenvolvimento de capital social, intelectual e político, bem como a promoção de
estratégias de atuação mais inovadoras; os efeitos de segunda ordem, que se relacionam
com a coordenação da ação conjunta e a aprendizagem conjunta; e, os efeitos de terceira
ordem, que se referem à criação de novas parceiras e/ou de novas instituições, bem como a
criação de um ambiente sistémico menos conflituoso e mais harmonioso.
159
Considerando o contexto acima descrito, Torfing et al (2012, p. 172) propõem, com base no
trabalho prévio de um conjunto de outros autores46, que o processo de governação em rede
seja avaliado face às promessas que as redes comportam, enquanto forma de governação,
nomeadamente a capacidade de cumprir os seguintes critérios:
- produzir uma compreensão clara e bem-informada dos problemas societais e das
possibilidades de intervenção em causa;
- gerar opções de políticas públicas inovadoras, proativas e exequíveis que se adequem
às perceções dos problemas e dos desafios definidos pelos atores da rede;
- tomar decisões conjuntas que vão para além do mínimo denominador comum,
evitando, ao mesmo tempo, custos excessivos;
- assegurar uma implementação tranquila com base numa coordenação contínua e num
elevado grau de legitimidade e responsabilidade de todos os atores envolvidos;
- promover ajustes flexíveis das propostas de intervenção e dos serviços face aos
feedbacks positivos e negativos e às alterações nas condições, exigências e
preferências;
- criar as condições favoráveis a futuras cooperações através de processos de
aprendizagem cognitiva, estratégica e institucional que construam quadros comuns,
estimulem um desenvolvimento interdependente e desenvolvam confiança mútua.
A propósito deste conjunto de critérios, importa ainda acrescentar que os seus autores
referem que estes não se aplicam de forma igual a todos os tipos de redes, exemplificando
com o facto de dificilmente as redes de implementação e prestação de serviços conseguirem
cumprir os dois primeiros critérios (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 173).
46
Os quatro primeiros objetivos baseiam-se no seguinte trabalho: Provan, K. e H. B. Milward (2001). “Do networks really work? A framework for evaluating public-setor organizational networks”, Public Administration Review, 61(4): 414-423. O quinto objetivo baseia-se na seguinte obra: Jessop, B. (2002). The Future of the Capitalist State. Cambridge: Polity Press. O sexto objetivo baseia-se na obra: Koppenjan, J. e E.-H. Klijn (2004). Managing Uncertainties in Networks: A Network Approach to Problem Solving and Decision Making. London: Routledge.
160
Em relação aos fatores críticos para o sucesso dos processos colaborativos inerentes à
governação em rede, Sandfort e Milward (2010, p. 159) e Hibbert et al (2010, pp. 392-404)
dão conta de uma significativa diversidade de abordagens. Em primeiro lugar, Hibbert e seus
et al (2010, p. 393) distinguem três tipologias de fatores de acordo com o nível de incidência:
fatores de nível micro, mais relacionados com práticas concretas dos indivíduos participantes
nas redes; fatores de nível macro, relacionados sobretudo com a forma como o ambiente
institucional externo influencia o funcionamento das redes; e, por fim, fatores de nível meso,
mais relacionados sobre os processos de gestão propriamente ditos e a forma como os
desafios das redes evoluem ao longo do tempo. Por seu lado, Hibbert et al (2010, pp. 398-
399) e Sandfort e Milward (2010, p. 159) referem a existência de duas abordagens de
investigação: por um lado, os investigadores com abordagens positivistas, que se focam num
fator específico e o utilizam como variável para explicar o sucesso colaborativo; e, por outro
lado, os investigadores que adotam uma abordagem interpretativa e, sem grandes ambições
preditivas, tentam analisar os efetivos processos relacionais de cada rede.
No âmbito da última abordagem acima referida têm sido propostas diversas listas de fatores
críticos (para um resumo sobre os fatores mais importantes, vide, inter alia, McQuaid (2010)
e Hibbert et al (2010, pp. 399-400)), bem como diferentes frameworks de análise que
propõem uma organização desses fatores em clusters de variáveis consideradas essenciais
para explicar o sucesso colaborativo das redes. No âmbito da análise da literatura realizada
para este trabalho, considerou-se que se destacam as frameworks propostas por Bryson,
Crosby e Stone (2006), por Thomson e Perry (2006), por Chen (2010), bem como por Ansell e
Gash (2008). Esta última é, talvez, a mais completa de todas, o que levou à decisão da sua
representação esquemática na figura seguinte, que serve o propósito de orientar a análise
que se segue.
161
Figura 20. Framework da Governança Colaborativa
Fonte: Ansell e Gash (2008, p. 550)
Focando atenção nas frameworks acima referidas, sobretudo a de Ansell e Gash (2008) e
Bryson et al (2006), considera-se importante distinguir, desde logo, os fatores relacionados
com o processo de colaboração propriamente dito daqueles que são relativamente
‘externos’ ao mesmo, nomeadamente, os antecedentes da rede, a estrutura de
administração da rede e os processos de liderança.
Ao nível dos fatores relacionados com os processos de cooperação propriamente ditos, as
frameworks referidas destacam que a eficácia destes processos depende essencialmente da
capacidade das redes em promover o diálogo, em construir relações de confiança e lógicas
de ação recíproca, em assegurar a dedicação e o compromisso dos diferentes parceiros, em
criar entendimentos e visões comuns, bem como em conseguir resultados intermédios.
162
Ao nível do diálogo, Ansell e Gash (2008, p. 558) referem, por exemplo, que este deve ser,
tanto quanto possível, presencial, por forma a mais facilmente promover a diminuição de
eventuais conflitos e estereótipos anteriores.
Já no referente à construção de confiança e de lógicas de reciprocidade, diferentes autores
referem a extrema importância desta preocupação, sobretudo quando existe um historial de
rivalidade entre alguns parceiros, o que implica não só que os diferentes parceiros se
conheçam entre si e demonstrem ter competência, boas intenções e vontade de partilha de
informação e conhecimento, mas também o desenvolvimento de estratégias de gestão de
conflitos e de eventuais desequilíbrios de poder (Ansell & Gash, 2008, p. 558; Thomson &
Perry, 2006, pp. 27-28; Bryson, Crosby, & Stone, 2006, pp. 47-48).
Em relação às questões da dedicação e compromisso por parte dos parceiros, Ansell e Gash
(2008, p. 558) referem que se deverá apostar em táticas de demonstração da
interdependência entre parceiros e dos benefícios que os parceiros poderão extrair da
participação na rede, bem como no envolvimento efetivo dos mesmos no processos de
tomada de decisão da rede, por forma a promover a ‘apropriação’ dos processos (ownership
of the processes).
No respeitante à criação de entendimentos e visões comuns, Thomson e Perry (2006, pp. 26-
27) referem, por exemplo, que deverá ser necessário tentar harmonizar os interesses,
expectativas e perspetivas de todos os parceiros no processo de definição dos objetivos
comuns, sendo, para tal, necessário que os parceiros tenham uma atitude de partilha e
transparência, mas também de concessão de parte da sua autonomia. Por fim, Ansell e Gash
(2008, p. 561) referem a importância de ter a oportunidade de celebrar ‘pequenas vitórias’
intermédias como forma de gerar confiança entre atores e de mobilizar os atores para a sua
continuidade na rede.
Direcionando agora a atenção para os fatores críticos ao sucesso da colaboração ‘externos’
ao processo colaborativo propriamente dito, mas que são determinantes para a sua eficácia,
as frameworks referidas começam por destacar a importância de um cluster de variáveis
relacionadas com as condições iniciais ou antecedentes à rede. Neste cluster encontram-se
variáveis como condições contextuais externas e o historial de desempenho no setor, a
163
legitimidade dos atores, as características dos parceiros, bem como os antecedentes diretos
(Ansell e Gash (2008, pp. 550-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e Stone
(2006, pp. 45-46) e Chen (2010, pp. 382-386)).
Em relação às condições contextuais externas e ao historial de desempenho no setor, alguns
autores referem que existe maior probabilidade de surgirem relações interorganizacionais
quando o ambiente é complexo, quando existe um historial de problemas de desempenho
individual anterior, e quando existe uma interdependência ao nível de recursos, na medida
em que essas condições vêm reforçar a necessidade de se empreenderem relações de
cooperação interorganizacional (vide, inter alia, Bryson et al (2006, pp. 45-46), Thomson e
Perry (2006, pp. 23-24) e O’Toole (O'Toole Jr, 1997)).
Já no que se refere à legitimidade organizacional, Chen (2010, p. 384), Bryson et al (2006, pp.
45-46) e Ansell e Gash (2008, p. 552) referem que existe maior probabilidade de criação de
uma cooperação interorganizacional quando este comportamento for encorajado ou
mandatado por uma organização financiadora, reguladora ou tutelar, puder contribuir para
o aumento da reputação da organização, ou contribuir para construir uma relação futura de
cooperação. A este propósito, Bryson et al (2006, p. 46) referem a extrema importância do
papel facilitador e mobilizador de organizações ou atores mediadores com legitimidade
reforçada (brokering organizations, legitimate conveners e powerful sponsors) que ajudam a
chamar a atenção para os problemas e a dirimir barreiras organizações (boundary-spanning).
No respeitante às características dos parceiros, Chen (2010, p. 385) e Bryson et al (2006, pp.
46, 50) refere que há maior probabilidade de as relações interorganizacionais serem mais
fortuitas quando os parceiros têm, à partida, visões relativamente semelhantes quanto aos
problemas societais subjacentes às redes e aos potenciais objetivos da rede, já que a
divergência de visões pode gerar conflitos interorganizacionais. Por sua vez, Ansell e Gash
(2008, p. 551) e Bryson et al (2006, p. 50) referem que a existência de desequilíbrios entre
potenciais parceiros em termos de capacidade, organização, reputação ou recursos
(competências, tempo, energia ou liberdade de ação ou infraestrutura organizacional)
poderá ser um fator inibidor à mobilização de potenciais parceiros da rede, na medida em
164
que poderá conduzir a situações de desconfiança e menor compromisso dos atores mais
desfavorecidos, a não ser que existam estratégias de empoderamento dos mesmos.
Já em relação aos antecedentes diretos, todas as frameworks em causa apontam eventuais
historiais prévios de colaboração como fatores facilitadores à criação de redes e ao sucesso
do processo colaborativo, na medida em que tende a aumentar os níveis de confiança mútua
e de incorporação (embeddedness) dos atores na rede, e os atores já têm alguma
experiência de trabalho em rede, situação que faz diminuir os ‘custos de transação’ (vide,
inter alia, Ansell e Gash (2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e
Stone (2006, p. 46) e Chen (2010, p. 385)). Caso esse historial não exista, Bryson et al (2006,
p. 46) consideram que tende a existir uma tendência para parcerias mais incrementais e que
iniciam com acordos informais e menos ambiciosos. Já no caso em que existe um historial de
rivalidade entre os alguns potenciais parceiros, Ansell e Gash (2008, pp. 550, 553-554)
consideram que a criação de parcerias só será possível se existir uma elevada
interdependência entre atores ou se existir uma clara estratégia para ultrapassar os
problemas de desconfiança, desrespeito e ‘estereotipagem’ .
Direcionando agora atenção para as questões da estrutura de governança, diversos autores
referem ser bastante importante que sejam definidos protocolos e regras básicas não só
quanto a que entidades podem ser parceiras na rede, mas também à forma como os
parceiros devem relacionar-se entre si (Ansell & Gash, 2008, p. 555).
A propósito da afiliação na rede, Ansell e Gash (2008, pp. 550, 553-554) e Powell e Grodal
(2006, p. 79) consideram que deve existir a maior abertura e efetiva possibilidade de
participação ativa possível, por forma a que todos os stakeholders relevantes sejam
incluídos, mesmo até aqueles que podem ser elementos problemáticos para a rede. A
posição destes autores não reúne, contudo, consenso em todas as situações. Por um lado,
Bryson et al (2006, p. 49) referem que será desejável para o sucesso da rede evitar um
elevado nível de rotação de parceiros (membership turnover), por forma a manter algum
nível de estabilidade em termos dos recursos disponíveis mas também em termos de
desenvolvimento de laços relacionais de confiança entre parceiros. No mesmo sentido,
Nooteboom (2010, p. 611) refere que o desejo de diversidade deverá ser acautelado devido
165
ao perigo de se comprometer a ‘capacidade absortiva’ de alguns parceiros devido à
potencial ‘distância cognitiva’ entre parceiros. De igual modo, Nooteboom (2010, p. 607)
considera necessário proceder-se à distinção entre situações de redes de exploração
(exploration) e de utilização (exploitation) de inovação, na medida em que as duas situações
exigem níveis diferenciados de densidade relacional: por um lado, nas situações de
exploração de inovação há uma maior necessidade de densidade relacional, na medida em
que não se sabe ainda qual o conhecimento e quais os parceiros relevantes, daí que se possa
apostar na diversidade de parceiros e as situações de ‘rotação de parceiros’ (membership
turnover) não sejam muito gravosas; por outro lado, há menor necessidade de densidade
relacional nas situações de utilização de inovação, uma vez que já se tornou mais claro o tipo
de conhecimento que se está a desenvolver, o que exige maior estabilidade ao nível dos
membros do projeto.
Ainda ao nível da estrutura de administração das redes, quer Ansell e Gash (2008, p. 557),
quer Bryson et al (2006, p. 49) consideram desejável formalizar a estrutura da rede, através
da definição dos objetivos da rede, das tarefas de cada parceiro, das regras de
relacionamento e das estruturas de autoridade. A propósito deste último aspeto, diferentes
estudos têm vindo a confirmar ser geralmente vantajoso para as redes a existência de uma
figura de liderança ou coordenação, desempenhada, quer seja por um dos membros, quer
seja por uma entidade externa ou criada no seio da própria rede, sobretudo em situações de
elevado número e diversidade de parceiros e de elevada desconfiança entre parceiros, tal
como se pode verificar na figura seguinte (Provan & Milward, 1995; Milward & Provan, 2006;
Provan & Kenis, 2008).
166
Figura 21. Formas Alternativas de Governança de Redes
Tipo de Forma de Governança
Governança Partilhada Organização Líder Organização de Administração
da Rede (NAO)
Configuração gráfica
Estrutura
Inexistência de estrutura administrativa;
Participação na gestão da rede por todos os membros
A entidade administrativa (e gestora da rede) é um membro da rede mais
poderoso
Entidade administrativa distinta desenhada para gerir a
rede, na qual o gestor é geralmente contratado
Tipo de Decisão Descentralizada Centralizada Mista
Número de participantes
Baixo Número moderado Elevado
Consenso de objetivos
Elevado Moderadamente baixo Moderadamente elevado
Nível de Confiança Elevado Baixa Moderada, já que a NAO é
monitorizada pelos parceiros
Necessidade de Profissionalização
Baixa Moderada Alta
Vantagens
Participação e compromisso de todos os membros;
De fácil formação
Eficiência;
Clareza de direção
Eficiência nas operações quotidianas; envolvimento estratégico dos membros-
chave
Problemas
Ineficiência devido a encontros frequentes com dificuldade de consenso;
Ausência de representante da rede
Domínio pela organização líder;
Falta de compromisso dos restantes parceiros
Perceção de hierarquia;
Custos de operações;
Complexidade da administração
Fonte: conjugação de Milward e Provan (2006, pp. 22-23) e de Provan e Kenis (2008, p. 237)
Para além das questões relacionadas com a estrutura propriamente dita, as frameworks
acima referidas destacam também a extrema importância da existência de uma, ou mais,
pessoas ou organizações que desempenhem, mesmo que de forma informal, funções de
‘liderança facilitadora’. De acordo com Ansell e Gash (2008, p. 557), a importância da
‘liderança facilitadora’ advém da necessidade de haver um processo consciente de
desenvolvimento de regras de interação, de promoção de confiança, de facilitação do
diálogo e de exploração de ganhos mútuos, que se afirma como particularmente importante
167
quando os incentivos à participação são baixos, existe assimetria de poder e existe um
historial de antagonismos. Estas funções são, contudo, diversificadas, daí que Bryson et al
(2006, p. 47) se refiram às funções de apoio (sponsoring), mais relacionadas com atividades
de quebra de barreiras organizacionais (boundary spanning) e geralmente desempenhadas
por pessoas ou organizações bastante prestigiadas, e às funções de liderança propriamente
dita (championing), mais relacionadas com a promoção do eficaz funcionamento da rede e
de gestão relacional (relationship manager).
Ainda a propósito da liderança facilitadora, importa destacar as quatro funções centrais à
gestão de redes enunciadas por Agranoff e McGuire (2001, pp. 298-300): a) a ativação
(activation), ou seja, a identificação e incorporação das pessoas certas que possuam recursos
financeiros, de conhecimento, de autoridade e de capacidade de trabalho; b) a
contextualização (framing), através da qual deverá ser definida uma estrutura de trabalho e
por conseguinte a distribuição de papéis e se deverão ser desenvolvidas uma cultura e
identidade da rede; c) mobilização (mobilizing), por forma a induzir o compromisso dos
parceiros; e, d) sintetização (synthesizing), que se caracteriza pela facilitação da interação
das relações entre atores, por forma a promover o desenvolvimento de confiança e partilha
de informação entre atores.
As atividades acima referidas ao nível da definição da estrutura de governança da rede e da
liderança facilitadora vão, por conseguinte, ao encontro daquilo que foi descrito no final do
ponto IV-1.2. como metagovernação ou gestão de redes. De facto, ao contrário do que
frequentemente se afirmava nos primeiros estudos sobre a temática das redes, estudos
recentes têm vindo a demonstrar que as redes de governação não são completamente
autorreguláveis, já que os processos de governança das redes não são espontâneos e têm de
ser induzidos de forma propositada (O’Toole Jr. & Meier, 2010, p. 324). Neste sentido,
começou a ser evidente a necessidade de promoção da gestão de redes, que poderá ser
vista como um conjunto de atividade para “promover o ajustamento mútuo do
comportamento de atores com objetivos e ambições diversos em relação à intervenção
direcionada a problemas no âmbito de um determinado quadro de relações
interorganizacionais” (Kickert & Koppenjan, 1997, p. 44).
168
A propósito das atividades de gestão de redes, importa referir que o estilo de gestão
utilizado para as redes não pode ser igual ao utilizado no âmbito das estruturas hierárquicas.
Tal como é possível observar na figura seguinte, a abordagem da gestão de redes difere da
tradicional por se posicionar num campo organizacional com uma estrutura de autoridade
dividida e em que as definições dos problemas e objetivos são diversificadas e evolutivas,
pelo facto de o gestor ter sobretudo funções de mediação, gestor de processos e de
edificador da rede e de gerir as interações, desempenhando atividades de mobilização de
atores e recursos (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 12).
Figura 22. Comparação das perspetivas de gestão clássica e de redes
Perspetivas Perspetiva Clássica Perspetiva de Rede
Contexto organizacional Estrutura de autoridade única Estrutura de autoridade dividida
Estrutura de objetivos Atividades baseadas em objetivos claros e problemas bem definidos
Definições de problemas e objetivos diversos e evolutivos
Papel do gestor Controlador do sistema Mediador, gestor de processos e
edificador de redes
Tarefas de gestão Planeamento e gestão de processos organizacionais
Gerir interações e disponibilizar oportunidades
Atividades de gestão Planeamento, desenho e
liderança
Selecionar atores e recursos, influenciar as condições da rede e
lidar com a complexidade estratégica
Fonte: Kickert, Klijn, & Koppenjan (1997d, p. 12)
Para além das diferenças referidas, Torfing (2012, p. 107) refere que uma outra diferença na
abordagem da gestão de redes se relaciona com o facto de as funções acima referidas não
terem de ser desempenhadas necessariamente por decisores públicos de topo mas por
qualquer ator da rede, desde que este disponha dos recursos da tipologia de instrumentos
de políticas públicas ‘NATO’ enunciada por Christopher Hood: ocupar um lugar central da
rede (nodality); ser considerado pelos outros atores como um ator com legitimidade
(authority); ter acesso e comandar recursos chave (treasure); e, ter capacidade
organizacional para monitorizar e gerir as redes (organization). Não obstante esta maior
abertura de possibilidade quanto aos atores que desempenham as atividades de gestão das
redes, Torfing (2012, p. 108) refere que os atores do setor público tendem a desempenhar
169
estas funções com mais frequência, sobretudo nas redes de formulação de políticas, tendo a
atenção a sua ancoragem política e democrática e o acesso privilegiado que tem a
determinados recursos.
Importa ainda referir que, de acordo com Klijn e Teisman (1997, pp. 105-112) e Kickert e
Koppenjan (1997, pp. 46-53), a função da metagovernação ou gestão de redes pode ser
realizada através de diferentes tipos de atividades, as quais se distinguem de acordo com
diferentes tipos de abordagem:
por um lado, a gestão dos processos ou interações, que implica uma intervenção mais
direta (hands-on) e que passa por atividades como a exploração de pontos de
convergência e divergência entre atores no sentido de conseguir congruência de objetivos
(convenating); a (des)convocação de atores na rede que têm determinados recursos
(selective (de)activation), ou mesmo pela criação ou sustentação de condições que
permitam uma apropriada interação entre grupos (arranging);
por outro lado, a gestão da estruturação da rede, que implica uma intervenção mais
indireta (hands-off), e que passa por atividades como a definição de orientações gerais
sobre os objetivos das redes por forma a alterar as perceções dos atores sobre a mesma
(reframing), a mobilização de novos atores ou a mudança de tarefas entre atores já
existentes (network (de)activation), ou ainda a alteração de regras e recursos existentes
nas redes (constitutional reform).
Ainda a propósito das diferentes formas de metagovernação, Torfing et al consideram que
estas podem diferir quanto ao nível de intervenção, que pode ser mais ou menos restrita, e
quanto à abordagem de intervenção, que pode ser direta (hands-on) ou indireta (hands-off)
– ver figura seguinte.
170
Figura 23. Formas de metagovernação de redes
Intervenção Limitada Intervenção Forte
Intervenção Indireta
(hands-off)
Enquadramento de objetivos e do contexto
(goal and framework steering)
Desenho Institucional
(institutional design)
Intervenção Direta
(hands-on)
Gestão de Processos
(process management)
Participação
(participation)
Fonte: Torfing et al (2012, p. 182)
Como se pode observar pela figura, o metagovernador pode adotar estratégias de
intervenção indireta, quer seja através da construção de narrativas sobre a missão conjunta
da rede e da clarificação e moldagem dos interesses, por forma a alinhar os objetivos dos
parceiros (goal and framework framing), quer seja através da definição clara dos objetivos
da rede, dos membros da mesma e das regras de interação (institutional design) (Torfing,
Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 182-183). De igual modo, o metagovernador pode
também adotar uma perspetiva mais interventiva, assumindo funções de gestão de
processos para reduzir as tensões através do controlo da agenda, da arbitragem dos
conflitos e da promoção de aprendizagem mútua (process management), quer seja através
da participação direta nas atividades da rede (participation) (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 184).
Como é possível verificar, as atividades de metagovernação das redes contrariam,
claramente, a ideia de que as redes são autorreguláveis e que não necessitam de qualquer
hierarquia.
171
IV-3. ABORDAGENS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DAS NOVAS FORMAS DE GOVERNAÇÃO E
DAS REDES DE GOVERNAÇÃO PÚBLICA
Como foi possível verificar ao longo deste capítulo, o campo de estudo das novas formas de
governação, em geral, e das redes de governança, em particular, é pautado por uma
particular diversidade de abordagens e complexidade. Tal deve-se, em larga medida, ao
facto da abordagem de análise da governança abarcar uma maior variedade de instituições e
relações do que a tradicional abordagem da administração pública (Pierre & Peters, 2000, p.
1). Como referem Chhotray e Stoker (2009, p. 23), a abordagem tradicional da administração
pública centra-se, sobretudo, na relação política-administração (politics-administration) no
âmbito do setor público e enfatiza as questões da certeza e dos impactos esperados face ao
espírito da lei. A abordagem da governança foca-se, por sua vez, num conjunto complexo de
relações entre organizações dominadas por lógicas de negociação e troca de recursos, com
um particular enfoque nos impactos efetivos, ao invés de apenas os esperados (2009, p. 22).
Tal como referido no início deste capítulo, a abertura de análise acima referida foi
responsável, por um lado, pela popularidade do campo de estudo da governança (Pierre &
Peters, 2000, p. 1), mas também por uma certa ambiguidade que tem contribuído para a
dificuldade do estabelecimento de uma teoria coerente (Peters, 2012, pp. 19-20; Chhotray &
Stoker, 2009, pp. 1, 3; Levi-Faur, 2012, p. 3; Hughes, 2010, p. 87). Em primeiro lugar, esta
ambiguidade advém, em larga medida, da literatura da governança ter diversas abordagens
e influências disciplinares, que vão desde as Relações Internacionais, os Estudos de
Desenvolvimento, o Urbanismo, a Economia, a Sociologia, o Direito, bem como a Ciência
Política e a Administração e Políticas Públicas – para maior detalhe sobre cada uma destas
abordagens disciplinares, veja-se Torfing et al (2012, pp. 33-47).
De igual modo, focando atenção apenas nas áreas da Administração e Políticas Públicas
assiste-se a uma multiplicidade de abordagens teóricas, que atribuem diferentes funções e
poderes aos atores oficiais e não-oficiais, algumas das quais sendo, inclusivamente,
contraditórias entre si (Pierre & Peters, 2005, p. 1). A este propósito, Levi-Faur (2012, pp. 10-
14) dá conta da existência das abordagens do Hollowing-out of State, que argumenta que se
está a assistir a um esvaziamento dos poderes do setor público nacional para outras esferas
172
de poder, do Degovernancing, que defende que se está a assistir ao esvaziamento do poder
político, da State Centred Governance, que alega que o Estado ainda é o ator mais poderoso,
não obstante as suas funções tenham mudado, e da Big Governance, que refere que o
Governo Central está a ficar com ainda mais poderes, tendo em consideração as suas
funções reguladoras. Na mesma linha de argumentação sobre a diversidade de perspetivas,
Chhotray e Stoker (2009, pp. 26-46) dão conta da existência de 5 tópicos teóricos no âmbito
da abordagem da governança, nomeadamente as teorias da delegação, as teorias
interpretativas, a escola da racionalidade limitada, a teoria do institucionalismo cultural e as
teorias da gestão de redes.
Muito embora esta profusão de abordagens no âmbito do estudo da governança possa ser,
de facto, prejudicial, Peters (2012, pp. 19, 23) considera que esses contornos difusos
poderão ser também uma robustez, já que a sua diversidade de posições teóricas e
disciplinares poderá melhorar a compreensão dos fenómenos. Tal como este mesmo autor
refere, a abordagem da governança poderá, se adequadamente conceptualizada, contribuir
de forma bastante positiva para a integração de diferentes outras abordagens e tornar a
Ciência Política mais integradora (Peters, 2012, pp. 19-20). Para além disso, o autor
considera que a abordagem da ‘governança’ tem o mérito de ter recentrado a Ciência
Política nas suas raízes e de ter terminado com a primazia das abordagens centradas no
indivíduo, já que analisa os comportamentos individuais através do seu posicionamento em
contextos de governação mais amplos (Peters, 2012, pp. 19-20). Uma das características
principais da abordagem da governança é, com efeito, a conjugação das abordagens focadas
nos indivíduos e nas estruturas, a qual se revela um desafio particularmente difícil, tal como
acontece com as dificuldades das Ciências Sociais em geral em conjugar as perspetivas da
agência e da estrutura (Peters, 2012, p. 27).
Considerando o contexto acima referido, é comum referir-se que o neo-institucionalismo –
que se debruça sobre a influência conjugada de constituições formais e informais, bem como
sobre a influência bidirecional entre indivíduos e estruturas (Lowndes, 2002, p. 91; Schmidt,
2006, p. 99) – é uma das principais correntes teóricas inerentes à abordagem da governança
(vide, inter alia, Levi-Faur (2012, p. 3), Kooiman (2003, pp. 14-15), Sørensen & Torfing
(2007a)).
173
Para além desta diversidade de enfoques teóricos, importa ainda destacar que os estudos da
governança têm sofrido algumas evoluções ao longo do tempo. A este propósito, Rhodes
(2012, pp. 34-36) dá conta da existência de diferentes ‘vagas na literatura da governança’:
uma primeira vaga mais dedicada às transformações na natureza do Estado ocorridas na
sequência das reformas da década de 80; e, uma segunda vaga que se debruça sobre a
conjugação da atuação do setor público e dos atores não oficiais por forma a assegurar a
coordenação da governação pública, ou seja, na temática da ‘metagovernação’.
A literatura sobre redes de governança – que, de acordo com Levi-Faur (2012, pp. 5-6), foi a
principal responsável pelo aumento do interesse pelas questões da governança no domínio
da Administração e Políticas Públicas a partir da década de 90 – sofreu igualmente algumas
evoluções ao longo das últimas décadas. Muito embora a análise do fenómeno das redes e
das parcerias enquanto formas de governação não seja propriamente novo, o interesse
acrescido na década de 90 trouxe, com efeito, algumas novidades. Tal como Sørensen e
Torfing (2007b, p. 4) e Kickert et al (1997d, p. 2) mencionam, a novidade então introduzida
referia-se ao facto de as redes terem começado a ser vistas como um mecanismo de
governança potencialmente eficaz e legítimo para definir e implementar intervenções
direcionados para problemas societais.
A nova postura acima referida contrapunha-se, assim, à tradicional visão das redes como
sinónimo de resistência por parte de grupos de interesse poderosos e, por conseguinte, a
razão pela qual as políticas falhavam (Kickert, Klijn, & Koppenjan, 1997d, p. 2) – relembre-se,
a propósito, as conclusões de Pressman e Wildavsky (1984 (1973), p. xx) quanto ao facto de
o elevado número e diversidade de atores envolvidos ser a principal causa das falhas na
implementação de políticas. Como referem Torfing et al (2012, p. 11)., a abordagem da
Governança Interativa difere da Teoria Pluralista, na medida em que esta última encara os
atores não-governamentais como grupos de pressão que competem entre si na tentativa de
influenciar o processo de políticas públicas, ao passo que a primeira enfatiza a interação
negociada entre diversos atores através da partilha de conhecimento, recursos e ideias.
A propósito das diferentes raízes teóricas, importa ainda destacar que os estudos das redes
de governança foram amplamente influenciados pela abordagem do tema das relações
174
interorganizacionais realizada por diferentes disciplinas, nomeadamente a Teoria
Organizacional, a Ciência Política e a Administração Pública/ Ciência das Políticas Públicas, as
quais deram inclusivamente origem a três diferentes tradições de investigação, que diferem
quanto à raiz disciplinar e aos principais enfoques e questões de investigação, tal como é
possível observar na figura abaixo: as policy (formulation) networks; as service provision
networks; e as governance networks.
Figura 24. Tradições no Estudo de Redes no Processo de Políticas Públicas e suas características
Redes de Formulação de Políticas Públicas
(Policy Networks)
Redes de Governança (Governance Networks)
Redes de Provisão
(Service Delivery Networks)
Raiz Disciplinar
Ciência Política Administração Pública Teoria
Interorganizacional
Enfoque
Tomada de Decisão e seus efeitos
Enclausuramento e relações de poder nas fases de identificação do problema e agendamento
Resolução de problemas societais
Gestão de relações de governação horizontal
Ligação de redes de governance com instituições tradicionais
Processos de deliberação
Coordenação Interorganizacional
Eficácia das Políticas e da Provisão
Integração das políticas e dos serviços
Principais campos de análise e questões
de pesquisa
Que atores estão envolvidos na tomada de decisão?
Quais são as relações de poder e quais os seus efeitos na tomada de decisão?
Como gerir redes de governance?
Como organizar essas redes e ligá-las às instituições tradicionais?
De que forma se poderá melhorar a variedade de conteúdo e combinar diversos juízos de valor?
De que forma os serviços complexos integrados poderão ser coordenados?
Que mecanismos são eficazes e eficientes (contratualização, parcerias, etc)?
Fonte: Klijn (2010, p. 123)
Focando atenção nas duas últimas tradições, importa destacar o papel pioneiro das obras de
Mayntz e Scharpf no âmbito do estudo das políticas públicas, bem como de bottom-uppers
como Hjern e seus associados, que começaram a colocar em causa a primazia absoluta do
planeamento central e desenvolveram metodologias de backward mapping (Sørensen &
Torfing, 2007b, p. 3).
175
Para além da mudança de paradigma ocorrida na década de 90, importa ainda destacar que
os estudos sobre redes têm evoluído desde então, podendo ser agrupados, de acordo com
Sørensen e Torfing (2007b, p. 14), em duas gerações de estudo: uma primeira geração de
estudos, que se preocupava, sobretudo, em explicar quais as motivações para a criação das
redes, de que forma estas diferiam face às hierarquias e aos mercados, e quais as potenciais
mais-valias das mesmas; e, por outro lado, uma segunda geração, que tenta responder às
seguintes perguntas:
- Como se poderá explicar a formação, funcionamento e desenvolvimento das redes de
governança?
- Quais são as fontes de falhas das redes de governança e as condições de sucesso?
- Como poderão as autoridades públicas, ou outras, regular as redes de governança
autorreguláveis através de diferentes tipos de metagovernação?
- Quais os problemas e potenciais democráticos inerentes à governação de redes?
Ainda a propósito da diversidade de abordagens, importa, por fim, destacar que a própria
tradição das redes de governança – que é central a este trabalho – tem também uma
enorme diversidade de abordagens teóricas. Adotando uma perspetiva neoinstitucionalista,
Sørensen e Torfing (2007b, pp. 15-17; Torfing, 2012, pp. 105-107) identificam quatro
abordagens teóricas, nomeadamente:
Teoria da interdependência, fortemente ancorada no institucionalismo histórico que
define as redes de governança como uma mediação de interesses entre atores
interdependentes, embora conflituantes, que entende a formação de redes como forma
de os atores envolvidos encontrarem soluções conjuntas para problemas comuns e para
contornar a fragmentação institucional, que considera que as redes são formadas por
processos bottom-up incrementais, embora motivadas por autoridades públicas
superiores, e, que defende que as redes se mantém coesas pela interdependência mútua
e pelo desenvolvimento de normas e perceções comuns;
176
Teoria da Governabilidade, fortemente influenciada pelo institucionalismo de escolha
racional que define as redes como formas de coordenação horizontal entre atores que
interagem entre si, que observa as redes como estruturas de ‘jogos’ que promovem a
negociação entre atores e que considera que as redes se mantém coesas pela noção
antecipada de ganhos e de partilha de recursos;
Teorias Institucionais de Integração Normativa, que interpreta as redes como espaços de
interação que congregam atores relevantes e afetados, que são formadas por processos
bottom-up que, se avaliados positivamente, dão origem a situações de isomorfismo, e
que se mantêm coesas através da emergência de regras e valores comuns;
Teoria da Governamentalidade, que define as redes como tentativas desenvolvidas pelo
Estado no sentido de mobilizar e enquadrar ações livres de atores, que considera que as
redes são desenhadas e enquadradas por narrativas que tentam mobilizar esses atores
para exercerem poder.
Muito embora a diversidade de abordagens acima referida seja um claro sinal de que o
fenómeno das redes ocupa um espaço central na Ciências Política e nas disciplinas da
Administração e Políticas Públicas, esta tem sido também, de acordo com Mandell (2014, p.
7), responsável pela dificuldade em desenvolver uma framework coerente sobre o desenho,
gestão e avaliação de redes.
Para além destes problemas de coerência teórica, os estudos das redes deparam-se também
com claros dilemas no respeitante ao desenvolvimento de investigação. Em primeiro lugar,
existe um dilema quanto à unidade de análise a utilizar, que podem ser as redes, as
interações ou os atores, e que dão origem a diferentes fases e enfoques de investigação, tal
como se pode observar na figura de seguida apresentada.
Em segundo lugar, está ainda um dilema quanto às metodologias de recolha de dados mais
indicadas. A este propósito, Peters (2012, p. 28) refere que é difícil utilizar métodos
quantitativos na análise de redes, e que a abordagem de process-tracing é claramente a
mais indicada.
177
Figura 25. Fases na análise de Atores, ‘Jogos’ e Redes
Tipologia de Análise e fases Intenção
An
ális
e d
os
Ato
res
Adotar formulação provisória do problema ou iniciativa
como ponto de partida
Mapeamento do ponto de situação do problema ou iniciativa para análise mais profunda
Identificar os atores envolvidos
Identificação dos atores que é necessário tomar em consideração
Reconstruir as perceções dos atores
Mapeamento das imagens dos atores relativamente aos problemas, soluções e aos outros atores
Analisar a posição e dependências dos atores
Identificação das posições dos atores relativamente ao problema e do seu nível de dependência face a outros atores
An
ális
e d
e ‘j
ogo
s’
Determinar as arenas relevantes
Reconhecimento dos grupos de atores e das situações de interação em torno de determinados assuntos ou
iniciativas de políticas públicas que sejam significativos para a iniciativa inicial ou para o ‘jogo’
Identificar e analisar as estagnações
Inventariação das estagnações no ‘jogo’ e determinação da natureza e estrutura da mesma como ponto de partida
para a gestão de intervenções
An
ális
e d
as R
edes
Inventariar os padrões de interação dos atores
Mapeamento da frequência e diversidade das interações dos atores, por forma a determinar as redes e os seus membros
Inventariar os padrões nas perceções dos atores
Determinação da relação dos atores através de perceções, por forma a descobrir a que redes os atores pertencem
Inventariar as provisões institucionais que ligam os
atores nas redes
Inventariação e análise das regras do jogo formais e informais e outros arranjos organizacionais da rede relevantes para o jogo
Fonte: Klijn (2010, pp. 139-140)
Por último, existe um dilema quanto à atribuição de maior enfoque aos resultados das redes
ou aos processos, nomeadamente às motivações, às barreiras e às práticas das redes
(Sandfort & Milward, 2010, pp. 155-160).
Como se pode observar, os estudos de rede estão envoltos em grandes dilemas, o que tem
dificultado o seu desenvolvimento e consolidação teóricos e metodológicos. O estudo
empírico que se projeta nos capítulos seguintes tenta exatamente dar expressão a estes
desafios.
178
V. DESENHO DE PESQUISA DO ESTUDO DAS RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS DE
QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS
As frases de Torfing acima citadas constituíram uma clara inspiração para a definição dos
objetivos principais deste trabalho expressos na introdução – analisar os fatores críticos
inerentes aos processos de formação, desenvolvimento e metagovernação das Redes Locais
para a Qualificação, bem como os seus contributos para uma governação eficaz,
nomeadamente no contexto de relação com outros modos de governação.
Os objetivos deste trabalho estão, assim, alinhados com a segunda geração dos estudos de
redes que, de acordo com Sørensen e Torfing (2007b, p. 14), abandonou a mera descrição
das características distintivas das redes face às hierarquias e redes da primeira geração, e se
concentrou no estudo dos fatores que influenciam o sucesso e insucesso dos processos de
formação, institucionalização, desenvolvimento e metagovernação das redes. De igual
modo, os objetivos deste trabalho em analisar as relações entre redes e outros modos de
governação alinham-se com a segunda geração de estudos de governação descrita por
Rhodes (2012, pp. 34-36), a qual, recorde-se, se debruça sobre a temática da
‘metagovernação’, ao analisar a conjugação de diferentes modos de governação por forma a
assegurar a coordenação da governação pública, em detrimento de uma mera descrição das
transformações na natureza do Estado preconizada no âmbito da primeira geração.
Para além dos alinhamentos referidos, os objetivos enunciados enquadram este trabalho na
tradição de investigação em ‘Redes de Governança’ referida no ponto IV-3 (ver figura 24), a
“A governação interativa através de redes de atores interdependentes e ainda assim operacionalmente autónomos é crescentemente concebida como um meio para governar as nossas sociedades complexas, fragmentadas e crescentemente dinâmicas. Assim, é crucial analisar porquê e como é que as redes de governança são formadas e institucionalizadas; como é que elas funcionam e se desenvolvem ao longo do tempo; como é que elas são metagovernadas (…); e como é que contribuem para uma governação eficaz e democrática.” (sublinhados adicionados)
(Torfing, 2007, p. 23)
179
qual, recorde-se, tem na Administração Pública a sua principal raiz disciplinar e tem como
enfoque analítico a gestão de relações de governação horizontal decorrentes de processos
de deliberação, questionando-se igualmente sobre como organizar as redes e ligá-las às
instituições tradicionais (Klijn, 2010, p. 123). Desta feita, este trabalho afasta-se das tradições
das ‘Redes de Formulação de Políticas’ e ‘Redes de Provisão de Serviços’, cujos enfoques são
os ‘jogos’ de poder e de influência no processo de formulação de políticas públicas, ou as
formas mais eficazes e eficientes de articulação entre diferentes atores no âmbito da
provisão de serviços complexos integrados. Não obstante esta distinção entre as três
tradições em termos de enfoques analíticos, importa referir que a tradição de investigação
em ‘Redes de Governança’ pode analisar redes que tenham existência em qualquer uma das
diferentes fases do processo de elaboração de uma política – a propósito da função das
redes em diferentes fases, veja-se figura 17 do ponto IV-2.1.
Tendo em atenção que as Redes Locais para a Qualificação têm, como referido no capítulo
introdutório, os objetivos centrais de ajudar a dirimir situações de rivalidade entre atores
implementadores e de promover a partilha de boas práticas entre estes (Cardim, Pereira, &
Mota, 2011), é possível verificar que a atividade das redes em análise se debruça sobre o
processo de implementação, nomeadamente ao nível da coordenação da implementação, e
não tanto da provisão propriamente dita – veja-se figura 17 no capítulo IV-2.1.
Face ao contexto acima descrito, a revisão da literatura sobre implementação de políticas
públicas elaborada no capítulo III torna-se particularmente pertinente para a estruturação
do desenho de pesquisa, sobretudo ao nível da definição dos posicionamentos
epistemológicos, ontológicos e metodológicos (ver ponto III-2.2). Importa recordar, a este
propósito, relembrar que alguns autores referem existir diferenças significativas ao nível
destes três tipos de pressupostos, consoante se adote uma abordagem top-down ou
bottom-up da implementação de políticas públicas (vide, inter alia, Sabatier (1986), Matland
(1995) ou Pülzl e Treib (2007)) – veja-se também ponto III-2.2, sobretudo o ponto III-2.2.4. A
este propósito, importa destacar a análise de Sabatier (1986, pp. 36-37) que refere que a
abordagem top-down se revela mais adequada para analisar questões de eficácia de um
programa e quando se pretende obter uma visão do desempenho médio dos
implementadores, ao passo que a abordagem bottom-up se revela mais adequada para
180
contextos de análise com múltiplos atores e múltiplos programas e em que se pretende
aferir a variação entre diferentes dinâmicas locais.
Tendo em atenção que a análise das redes de governança se debruça primordialmente sobre
as dinâmicas de relacionamento entre atores, o estudo que se empreende neste trabalho
alinha-se, assim, com a abordagem bottom-up da implementação. Este alinhamento da
análise das redes de governança com a abordagem bottom-up é, aliás, confirmado por
Kickert et al (1997d, p. 9), que referem que a análise de redes de governança se baseia
bastante no pensamento da abordagem bottom-up da implementação – sobretudo a noção
de ‘estruturas de implementação’ de Hjern e Porter (1981, pp. 214, 218) –,diferindo desta
última abordagem apenas no seu tom mais realista.
Considerando os posicionamentos identificados, importa analisar com maior detalhe um
conjunto de posicionamentos epistemológicos, ontológicos, teóricos e metodológicos
subjacentes à abordagem bottom-up e à análise de redes de governança, os quais servirão
de base ao trabalho empírico realizado no capítulo VI deste trabalho. Seguidamente
proceder-se-á à explicitação do desenho de pesquisa, com informação quanto à questão e
objetivos de investigação, às frameworks de análise e ao processo de recolha e análise de
dados.
V-1. POSICIONAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS, ONTOLÓGICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DE BASE
A análise de redes de governança implica, como anteriormente referido, uma especial
atenção ao carácter dinâmico e interativo das relações entre atores organizacionais ou
individuais no âmbito das redes, bem como à necessidade de ter em consideração os
contextos das ações. Desta feita, a análise de redes de governança alinha-se com a
orientação processual da abordagem bottom-up dos Estudos da Implementação, a qual
difere da abordagem top-down não apenas quanto aos enfoques metodológicos, mas
também quanto aos posicionamentos ontológicos e epistemológicos (veja-se ponto III-2.2
deste trabalho). Neste sentido, importa, portanto, relembrar os contornos destes
posicionamentos da abordagem bottom-up, tendo em atenção que, tal como referem Marsh
181
e Furlong (2002, p. 17), o posicionamento ontológico e epistemológico de cada autor é, de
facto, essencial para compreender a abordagem que desenvolve em relação ao seu objeto
de estudo, nomeadamente quanto às teorias e metodologias que utiliza.
Em primeiro lugar, importa recordar que a abordagem bottom-up entende a implementação
de políticas públicas como um processo ‘adaptativo e interativo’ e negocial que envolve os
decisores de topo, os implementadores locais e a população-alvo, rejeitando, assim, a
conceção de implementação como a simples execução dos objetivos tal como formulados
pelos decisores de topo (Barrett & Fudge, 1981, p. 25; Stoker R. , 1989, p. 45; Hjern & Hull,
1982, p. 114). Esta conceção alinha-se, portanto, com a análise de redes de governança, na
medida em que estas últimas são, por excelência, formas de governação pública em que as
interações têm um carácter negocial e envolvem frequentemente conflitos, jogos de poder e
compromissos, ao contrário das relações de subordinação existentes nas formas de
governação hierárquicas (Torfing, 2012, pp. 101-102).
De igual modo, importa referir que a abordagem bottom-up rejeita a orientação estrutural-
funcionalista, que tende a dar primazia ao controlo e segurança e a considerar eventuais
disputas de entendimentos quanto aos objetivos como uma disfunção, bem como a ótica
fundacionalista, que entende que as ações dos implementadores deverão ser entendidas
como exteriormente determinadas pelos objetivos formulados nas leis pelos decisores de
topo (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; 74). Em alternativa, a abordagem bottom-up aceita a
possibilidade de os objetivos das políticas serem alvo de interpretações próprias por parte
dos implementadores, estando, portanto, subjacente uma perspetiva interacionista-
simbólica e fenomenológica e uma posição ontológica não-fundacionalista, já que se advoga
que os indivíduos são construtores ativos das suas condutas e são seres criativos e movidos
por interesses (Wallace & Wolf, 1995, pp. 6-7; Marsh & Furlong, 2002, pp. 18-20). A este
propósito, importa destacar as posições defendidas por Hjern e seus associados que
defendiam que a análise da implementação deveria atribuir particular atenção às redes e
atores locais envolvidos, sobretudo às dinâmicas relacionais estabelecidas entre estes (Hjern
& Porter, 1981, pp. 223-224; Hjern & Hull, 1982, pp. 107, 114). Recorde-se, de igual modo, a
estratégia metodológica desenvolvida por estes autores que, ao invés de tomar como base
os objetivos centralmente definidos e as estruturas de controlo formais, começava por
182
identificar os diferentes atores efetivamente intervenientes no processo de implementação
e inquiria-os quanto aos motivos da sua participação e às suas estratégias de mobilização e
utilização de recursos, utilizando, assim, uma estratégia fenomenológica (Hjern & Porter,
1981, p. 221; Hjern & Hull, 1982, p. 110).
Face aos pressupostos identificados, a abordagem bottom-up advoga que se deverá evitar a
utilização do modelo ‘racional-compreensivo’, em que se avalia o sucesso da implementação
através da variável ‘cumprimento dos objetivos’, já que este não contempla eventuais
negociações dos objetivos, analisa apenas impactos mensuráveis e desconsidera diferenças
contextuais (Fox, 1987, pp. 130-131, 137-138). No mesmo sentido, autores como Yanow
(1987, pp. 109-110) ou deLeon (1999b, p. 330; deLeon & deLeon, 2002, pp. 487-489)
advogam a adoção de uma abordagem interpretativa da implementação, que tenha em
consideração as perceções que os atores têm relativamente ao processo de implementação,
as quais influenciam os processos de negociação e reinterpretação de significados.
A posição interpretativa acima descrita vai, assim, ao encontro que foi dito no ponto IV-2.2.
quanto à inadequação da utilização de variáveis de eficácia operacional para a avaliação do
sucesso colaborativo, já que a aferição do cumprimento dos objetivos se torna difícil quando
estes diferem entre atores e sofrem evoluções ao longo do tempo (Torfing, Peters, Pierre, &
Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, & Edelenbos, 2010, p. 296). Em alternativa a esta
abordagem propõe-se, assim, a aferição do sucesso colaborativo a partir da perceção dos
atores envolvidos quanto aos process outcomes, tais como o desenvolvimento de capital
social, a coordenação e a aprendizagem interorganizacional, ou ainda a maior harmonia e
sustentabilidade do sistema de governação (Ansell & Gash, 2008, p. 549; Bryson, Crosby, &
Stone, 2006, p. 51).
O entendimento da implementação defendido pela abordagem bottom-up vai, assim, ao
encontro da Teoria da Interdependência, que, recorde-se, encara as redes como uma
mediação de interesses entre atores interdependentes, embora conflituantes, que entende
a formação de redes como forma de encontrar soluções conjuntas para problemas comuns e
contornar a fragmentação institucional, ao mesmo tempo que considera que as redes são
formadas por processos bottom-up incrementais, embora motivadas por autoridades
183
públicas superiores (Sørensen & Torfing, 2007b, p. 18). Este alinhamento com a Teoria da
Interdependência é, aliás, comprovado pela breve descrição do objeto de estudo que foi
elaborada na introdução e que descreve as Redes Locais para a Qualificação como redes que
ambicionam minorar a competição entre atores implementadores e cuja criação foi
fomentada pelos próprios atores implementadores, embora apoiados pelos atores de tutela.
Importa referir, por fim, que o alinhamento com a abordagem bottom-up implica ainda
alguns posicionamentos quanto à utilização da teoria e da adoção de estratégias
metodológicas. A este propósito, é necessário destacar, por exemplo, que a abordagem
bottom-up tende a ter objetivos de descrição da realidade e de compreensão do ‘como’ e do
‘porquê’ das diferenças locais, o que explica que faça uso frequente de estratégias de análise
indutiva (Barrett & Fudge, 1981, p. 12; Hjern & Hull, 1982, p. 110; deLeon, 1999b, p. 322).
Esta posição é igualmente defendida por Meuleman (2008, p. 104), que considera que o
estudo das estratégias de metagovernação implica a análise de “tópicos de investigação
altamente complexos, com falta de estrutura e ambíguos (…) [pelo que] deverão ser
investigados com uma abordagem qualitativa e relativamente construtivista (…) e
essencialmente interpretativa porque visa analisar significados, convicções e cultura por
detrás de práticas sociais e políticas…”.
A propósito da adoção dos posicionamentos epistemológicos e ontológicos anteriormente
mencionados, recorde-se o que foi referido no ponto II-4 quanto ao facto de existir no
âmbito do Estudo das Políticas Públicas um crescente recurso a abordagens pós-positivistas,
as quais advogam a adoção de estratégias metodológicas qualitativas que permitam a
compreensão dos significados, visando proceder à análise das subjetividades, da
ambiguidade e das interpretações (Ayres & Marsh, 2013, pp. 645-646), que se revelam,
portanto, mais adequadas ao estudo de contextos complexos (deLeon & Martell, 2006, p.
40).
A adoção desta perspetiva mais indutiva não significa, contudo, que se irá ignorar a
produção científica existente, mas tão-somente que a mesma irá ser encarada sobretudo
enquanto framework de análise, permitindo, assim, a identificação teoricamente orientada
dos elementos-chave que permitam uma análise mais sistemática. Importa, aliás, destacar
184
que, tal como é possível verificar nos capítulos III e IV, os estudos da implementação e da
governação em rede têm sentido alguma dificuldade em formular teorias tendo em atenção
a complexidade dos seus objetos de estudo, optando pela formulação de frameworks de
análise que incluem os diferentes grupos de fatores-chave.
A utilização destas frameworks para a análise de fenómenos como os processos de
implementação (veja-se a framework de Winter no ponto III-2.1.3) ou os processos de
cooperação no âmbito de redes (veja-se a framework de Ansell e Gash no ponto IV-2.2),
fazem, portanto, um apelo à utilização do process tracing para determinar ou confirmar
relações causais entre grupos de possíveis variáveis independentes e variáveis dependentes
(vide, inter alia, George and Bennett (2004, p. 6). Esta ferramenta é, de acordo com Kittel e
Kuehn (2013, p. 3), particularmente adequada para analisar fenómenos de mudança
institucional, já que os eventos dinâmicos e altamente contingenciais dificilmente se
articulam com análise quantificada.
Face a este contexto, Bogason e Zølner (2007, p. 10) consideram que será desejável que o
desenho de pesquisa seja flexível e aberto quanto aos métodos a utilizar, daí que expressem
um apelo à triangulação de métodos e refiram uma multiplicidade de métodos, que vão
desde relatórios de experts, documentos formais, entrevistas, observação, diários,
entrevistas de focus groups, entre outros. No mesmo sentido, Borrás e Olsen (2007, p. 207)
consideram que a pesquisa da temática das redes de governança aconselha a combinação de
metodologias qualitativas, no sentido de “decifrar os contextos institucionais e culturais das
redes de governança bem como o papel dos indivíduos (…) [mas também de] metodologias
quantitativas (…) que permitam o mapeamento rigoroso das relações sociais e a
identificação da importância relativa das várias atividades das redes”.
Terminada a apresentação dos pressupostos epistemológicos, ontológicos, teóricos e
metodológicos que mais se adequam aos objetivos e objetos de estudo deste trabalho,
importa prosseguir com a apresentação do desenho de pesquisa.
185
V-2. DESENHO DE PESQUISA: OBJETO DE ESTUDO, PERGUNTA DE PARTIDA, OBJETIVOS E PRESSUPOSTOS
TEÓRICOS
A grande finalidade deste trabalho é, como referido anteriormente, analisar os desafios e
estratégias de conjugação entre diferentes estilos de governação em Portugal, com um
particular enfoque na forma como as dinâmicas de criação e gestão de redes de governação
são influenciadas e influenciam outros modos de governação. Desta feita, torna-se essencial
analisar os fatores críticos aos processos de criação, desenvolvimento e metagovernação de
redes de governação, bem como os contributos das redes de governação para uma
governação eficaz, tal como Torfing (2007, p. 23) recomenda no excerto com que se inicia
este capítulo.
No sentido de cumprir estas finalidades mais gerais, selecionou-se como objeto de estudo o
sistema de governação de educação de adultos português em vigor entre 2005 e 2012, em
geral, e as Redes Locais para a Qualificação, em particular. Importa recordar, a este
propósito que o sistema português de governação da educação de adultos tinha, no período
em causa, um pendor contratualista e tinha uma estrutura de implementação composta por
uma agência nacional (Agência Nacional para a Qualificação) que coordenava e monitorizava
um largo conjunto de atores de provisão dos setores público, privado e não-lucrativo
(Centros Novas Oportunidades) com os quais eram contratualizadas metas de desempenho.
Muito embora este sistema de governação tenha sido inovador e tenha inclusivamente sido
considerado como um exemplo de boas práticas internacionais, teve também alguns
problemas de coordenação vertical e horizontal, os quais estiveram relacionados, em grande
medida, com os processos de elevada expansão do número de atores de provisão em 2006 e
2008. Por um lado, ao nível vertical, a ANQ perdeu alguma capacidade de monitorização e
de acompanhamento, havendo igualmente, um ‘paradoxo’ de autonomia, uma vez que os
agentes de provisão se queixavam, simultaneamente, de falta autonomia de gestão e de
falta de orientações pedagógicas mais concretas. Por outro lado, ao nível horizontal, a
concentração, por vezes excessiva, de um maior número de agentes de provisão num
mesmo território e a pressão pelo cumprimento das metas geraram situações de
concorrência mais agressiva entre atores, que implicavam, não apenas tentativas de ‘roubo
de candidatos’, mas também situações de diminuição de qualidade de provisão.
186
No sentido de resolver ou minorar estes problemas de coordenação, a ANQ e outras
estruturas de tutela iniciaram, em 2010, um conjunto de ações de coordenação, entre as
quais o fomento da criação de mais Redes Locais para a Qualificação para além das já
existentes, as quais juntavam atores de provisão de uma base territorial (regional ou
municipal), com o objetivo de esbater algumas situações de rivalidade entre estes e de
promover a partilha de boas práticas.
Face a estes objetivos, as tipologias de redes referidas por Keast et al (2007, p. 27) que
melhor se adequam à realidade Redes Locais para a Qualificação são as ‘Redes de
Cooperação’, caso as RLQ ambicionassem apenas a partilha de informações, ou as ‘Redes de
Coordenação’, caso as RLQ ambicionassem a articulação de atividades e o desenvolvimento
de projetos conjuntos. Estabelecendo um paralelo com a tipologia de situações de
coordenação apresentada por Scharpf (1994, pp. 38-40, 47-49), os primeiros objetivos das
RLQ descritos serão de índole de ‘coordenação negativa’, o que implica apenas
‘esclarecimentos’ bilaterais e não exige elevados níveis de confiança mas tende a reduzir a
capacidade de inovação, ao passo que os segundos objetivos das RLQ descritos são de
coordenação positiva, o que o que implica elevados graus de confiança e compromisso entre
os parceiros.
Os processos de criação e gestão das RLQ iriam deparar-se, contudo, com fortes desafios,
colocados não apenas pelo contexto de governação pública em Portugal habitualmente
adverso às redes de governação, mas também pela necessidade de se conjugar com outros
modos de governação presentes no sistema de governação da política pública (modo
hierárquico, desenvolvido através do acompanhamento e da monitorização da ANQ; e,
modo de mercado, desenvolvido através da contratualização dos CNOs e das dinâmicas de
competição desenvolvidas entre estes).
Considerando o contexto acima descrito, os processos de criação e gestão das RLQs
assumiam-se, portanto, como um objeto de estudo particularmente pertinente enquanto
estudos de caso exemplificativos de redes de governação em Portugal, dando, origem à
seguinte pergunta de partida:
187
De que forma o processo de criação e gestão das RLQs foi influenciado e influenciou os
outros modos de governação do sistema de educação e formação de adultos?
Face a esta pergunta de partida e ao enquadramento acima descrito, este estudo terá dois
grandes objetivos:
1. analisar e compreender o tipo de influência que os modos de governação do sistema
de educação e formação de adultos (de hierarquia e mercado) exerceram sobre
processos de criação e gestão das RLQs;
2. analisar e compreender os impactos processuais governativos das Redes Locais para a
Qualificação sobre o sistema de educação e formação de adultos e os seus modos de
governação (de hierarquia e mercado).
A análise destas relações de influência entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros
modos de governação do sistema português de educação de adultos será, assim, socorrida
pela literatura que reflete sobre as complementaridades e conflitualidades entre modos de
governação apresentada no ponto IV-1.2 deste trabalho (Sørensen & Torfing, 2007e, pp.
298-299; Meuleman, 2008, pp. 52-57), bem como da literatura sobre os processos de criação
e gestão das redes apresentada no ponto IV-2.2 deste trabalho (Ansell & Gash, 2008). A
partir dessa literatura foi possível extrair um conjunto de pressupostos teóricos que
auxiliarão a análise da informação apresentada no ponto VI-2 deste trabalho, dos quais se
destacam os seguintes:
1. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser prejudicados por uma
Hierarquia demasiado ‘dominante’ e impositiva de regras.
2. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser prejudicados por
dinâmicas de demasiada concorrência causada por mecanismos de Mercado.
3. Os processos de criação e funcionamento das Redes podem ser favorecidos pelo apoio
da Hierarquia.
188
4. Os contextos de cooperação que têm antecedentes de rivalidade elevados têm: (1)
objetivos mais modestos ou (2) requerem instrumentos de gestão mais ativos, tais
(2.1.) como intervenção de agente mobilizador ou (2.2) a definição de regras bem
claras.
5. As Redes podem ter impactos prejudiciais à flexibilidade e dinamismo das dinâmicas
de Mercado se os processos de tomada de decisão forem muito lentos.
6. As Redes podem ter impactos benéficos de aproximação de atores separados por
dinâmicas concorrenciais de Mercado.
7. As Redes podem ter impactos benéficos ao gerar informação que auxilia as Hierarquias
na monitorização.
No sentido de responder à questão formulada e de prosseguir as finalidades acima referidas,
será necessário cumprir dois objetivos operacionais: 1) analisar o sistema de educação e
formação de adultos; e, 2) analisar o processo de criação e gestão das Redes Locais para a
Qualificação, bem como os seus impactos.
A concretização do primeiro objetivo operacional será realizada através da análise dos 3
elementos que a literatura (vide, inter alia, Knill e Tosun (2012, p. 4)) aponta como
fundamentais na análise de qualquer política pública (veja-se capítulo II): o conteúdo (policy
content), a estrutura de desenho e implementação (polity) e o processo de interação entre
atores (politics), bem como os desafios de governação.
Desta feita, a política pública de educação e formação de adultos que esteve em vigor entre
2005 e 2012 será analisada ao nível do seu agendamento internacional e nacional (ponto VI-
1.1) e das experiências precursoras no final da década de 90 e início do séc. XXI (ponto VI-
1.2), ao nível dos instrumentos e implementação da política pública (ponto VI-1.3), bem
como ao nível das concretizações e desafios de governação (ponto VI-1.4).
Essa análise será feita através da análise de fontes documentais secundárias, tais como
documentos da Comissão Europeia e da OCDE, legislação nacional, estatísticas e estudos
189
anteriores referentes à política pública em apreço, bem como à aplicação de um
questionário que analisa as dinâmicas de relacionamento entre os diferentes atores do
sistema de educação e formação de adultos (ver ponto V-3 para maior detalhe).
O segundo objetivo foi concretizado, por sua vez, através da análise dos processos de criação
e gestão de Redes Locais para a Qualificação e dos seus resultados e impactos, com um
particular enfoque num conjunto de variáveis de análise identificados por diferentes
frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia, Bryson, Crosby e Stone
(2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008)).
A primeira dessas variáveis são os antecedentes relacionais entre membros da rede, os quais
influenciam, de acordo com todas as frameworks anteriormente referidas (Ansell e Gash
(2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson, Crosby e Stone (2006, p. 46) e
Chen (2010, p. 385)), o processo de criação e gestão das redes. Tal como estes autores
referem, historiais de colaboração prévia entre membros da rede tendem a aumentar os
níveis de confiança, ao passo que historiais de rivalidade anterior inibem a criação de redes
ou requerem uma clara estratégia de gestão das mesmas para ultrapassar os problemas de
desconfiança (Ansell e Gash (2008, pp. 553-554), Thomson e Perry (2006, p. 21), Bryson,
Crosby e Stone (2006, p. 46) e Chen (2010, p. 385)).
A segunda variável reporta-se aos principais atores mobilizadores da criação das redes, por
forma a perceber se as redes terão sido criadas maioritariamente por iniciativa dos próprios
membros da rede ou, por outro lado, pelos atores da tutela. Desta forma, pretende-se
perceber a importância das dinâmicas de sponsoring por parte dos atores de tutela e se essa
importância varia consoante as condições da rede. Recorde-se que as atividades de
sponsoring são consideradas como essenciais para para legitimar e facilitar a criação da rede,
nomeadamente através da mobilização dos membros da rede eda quebra de eventuais
barreiras organizacionais (Bryson, Crosby, & Stone, 2006, pp. 46-47)
A terceira variável é o período em que a rede foi criada, por forma a perceber se a rede terá
sido criada antes do aumento exponencial do número de atores de provisão que gerou os
problemas de coordenação (2008) ou, pelo contrário, antes desse período e, por isso, de
uma forma muito mais natural.
190
A quarta variável é a tipologia de objetivos da rede, que, de acordo com Scharpf (1994),
podem ser de coordenação negativa, implicando meramente a partilha de informação por
forma a evitar sobreposições e interferências mútuas, ou, por outro lado, de coordenação
positiva, através da articulação de objetivos e atividades e do desenvolvimento de atividades
em conjunto.
A quinta variável são as práticas de institucionalização das redes em estudo, nomeadamente
quanto à produção de normas de funcionamento da rede, tendo em atenção que a
formalização da estrutura da rede, através da definição dos objetivos da rede, das tarefas de
cada parceiro, das regras de relacionamento e das estruturas de autoridade tem sido
considerada uma atividade essencial por diferentes autores (vide, inter alia, Ansell e Gash
(2008, p. 557) e Bryson et al (2006, p. 49)). Neste âmbito, será analisado se as redes terão
desenvolvido, ou não, um protocolo e, em caso afirmativo, se esse protocolo foi definido
logo no início da atividade da rede ou, pelo contrário, já depois de algum tempo de atividade
da rede.
A sexta variável são as dinâmicas de liderança da rede, nomeadamente se as mesmas são de
âmbito informal, não implicando a definição clara da distribuição de responsabilidades de
liderança, ou de âmbito formal, através da definição clara de quais os atores que têm essas
responsabilidades. Recorde-se que a definição de estruturas e/ou figuras de liderança terá
sido identifcada como uma atividade fundamental, sobretudo em situações de elevado
número e diversidade de parceiros e de elevada desconfiança entre estes, no sentido de
desempenharem funções mais relacionadas com a promoção do eficaz funcionamento da
rede e de gestão relacional (Milward & Provan, 2006; Bryson, Crosby, & Stone, 2006, p. 47).
A sétima e última variável são os impactos da atividade da rede. A este propósito, importa
recordar que os impactos das redes que importa analisar são, sobretudo, os resultados dos
processos de colaboração (process outcomes), ao invés dos resultados das políticas públicas
(policy outcomes) (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 169; Klijn, Van Buuren, &
Edelenbos, 2010, p. 296; Ansell & Gash, 2008, p. 549). Bryson et al (2006, p. 51) aduz que
estes efeitos podem ser agrupados em três níveis: os efeitos de primeira ordem, que se
referem ao desenvolvimento de capital social, intelectual e político, bem como a promoção
191
de estratégias de atuação mais inovadoras; os efeitos de segunda ordem, que se relacionam
com a coordenação da ação conjunta e a aprendizagem conjunta; e, os efeitos de terceira
ordem, que se referem à criação de novas parceiras e/ou de novas instituições, bem como a
criação de um ambiente sistémico menos conflituoso e mais harmonioso.
Em súmula, os processos de criação e gestão das Redes Locais para a Qualificação e os seus
impactos foram analisados com base em sete variáveis, às quais correspondem os ‘valores’
apresentados no quadro abaixo:
Figura 26. Variáveis de análise das Redes Locais para a Qualificação e respetivas Categorias
Variável Categorias
Antecedentes relacionais Rivalidade reduzida/ inexistente; Rivalidade elevada
Principais atores mobilizadores Membros da rede; Atores de suporte (sponsors)
Período de primeiras dinâmicas Anteriores a 2008; Posteriores a 2008
Tipologia de objetivos Coordenação Negativa; Coordenação Positiva
Dinâmicas de Institucionalização Protocolo Imediato vs. Protocolo Posterior vs. Sem Protocolo
Dinâmicas de Liderança Liderança Informal vs. Liderança Formal
Principais Impactos Melhoria das Relações; Encaminhamentos + fáceis;
Regulação da Oferta Formativa; Harmonização das Práticas; Atividades conjuntas
Fonte: produção própria
Tendo em atenção os objetivos acima referidos, a metodologia do estudo de caso afirmou-se
como a mais adequada, na medida em que propicia o conhecimento em profundida e a
exploração do contexto em que se insere o fenómeno que se pretende estudar e permite o
manuseio de várias variáveis (Yin, 1994, p. 13; Yeager, 2007, pp. 855-857). Yin (1994, p. 3)
refere, a este propósito, que o “… estudo de caso permite uma investigação que retém as
características holísticas e significativas dos eventos da vida-real…”, de entre os quais
processos organizacionais e gestionários.
Por forma a acolher na análise a diversidade de Redes Locais para a Qualificação, optou-se
por um desenho de pesquisa baseado na comparação de estudos de casos, que basicamente
analisa o mesmo fenómeno em diferentes ‘locais’ e se baseia numa lógica de replicação e
192
não de amostragem (Stewart, 2012, p. 71; Yin, 1994, p. 46). Cada um desses estudos de caso
será, portanto, entendido como um ‘estudo de caso teoricamente orientado’, na medida em
que “… são explicitamente estruturados por uma framework conceptual bem-desenvolvida
que foca atenção em alguns aspetos da realidade teoricamente especificados e negligencia
outros.” (Levy, 2008, pp. 4-5).
Face a este contexto, foram analisados diferentes casos de Redes Locais para a Qualificação
com diferenças quanto aos antecedentes e tipologia de objetivos. Importa referir que, face à
inexistência de informação consolidada sobre as redes existentes, a identificação dos casos
passíveis de análise decorreu, sobretudo, da consulta da newsletter da Agência Nacional
para a Qualificação e de informação recolhida através da aplicação do questionário. Após
essa identificação, procedeu-se a uma tentativa de contacto com representantes de cada
uma das redes identificadas, por forma a aferir as características das redes e a
disponibilidade de um representante para realização de entrevista. A seleção das redes em
análise resulta, por conseguinte, da disponibilidade para realização de entrevista
demonstrada por representantes das mesmas, havendo, no entanto, o cuidado de existirem
casos representativos de cada uma das situações desejadas: antecedentes de rivalidade,
antecedentes de cooperação e antecedentes neutros; e, objetivos de coordenação negativa
e de coordenação positiva.
A análise dos diferentes estudos de caso baseou-se, por sua vez, na recolha e análise de
documentos enquadradores das redes (ex.: protocolos de cooperação), mas, sobretudo, na
aplicação de entrevistas a representantes dessas redes47. Tais entrevistas representam,
segundo Zølner, Rasmussen e Hansen (2007, p. 128) uma mais-valia, na medida em que
permitem recolher relatos relativamente à história, formação e funcionamento da rede que
o entrevistado representa que, apesar de refletirem o seu ponto de vista pessoal, irão conter
também factos que, de outra forma, dificilmente poderiam ser obtidos. Face a estes
objetivos, revela-se particularmente pertinente a aplicação de uma ‘entrevista centrada no
problema’, uma vez que esta tipologia de entrevista possui uma orientação processual,
mostra-se adequada à elaboração de teoria, e permite a obtenção de conhecimento sobre
factos e processos de socialização (Flick, 2005, p. 91). Como refere Yin (1994, p. 84), nesta
47
As entrevistas a representantes das redes foram realizadas entre janeiro e abril de 2012.
193
situação o entrevistado funciona mais como informante do que propriamente como
‘inquirido’, na medida em que disponibiliza informação sobre a questão em análise e
frequentemente disponibiliza acesso a outras fontes de informação.
A inquirição de representantes das Redes Locais para a Qualificação alinha-se, assim, com os
estudos mais recentes sobre redes, que recomendam que a pesquisa nesta área temática
seja feita através da inquirição dos próprios membros da rede sobre os acima referidos
process outcomes (vide, inter alia, Klijn e Teisman (1997, pp. 115-117), Kickert, Klijn e
Koppenjan (1997e, p. 172), Klijn, Van Buuren e Edelenbos (2010, pp. 296-297) e Chen (2010,
pp. 389-390)). De acordo com Whelan (2007, pp. 845-846), esta estratégia de inquirição dos
próprios atores envolvidos constitui-se, aliás, como uma das tendências atuais de
investigação na Administração Pública.
A prossecução dos dois objetivos operacionais referidos permitirá, assim, proceder à análise
do sistema de relações entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de
governação da política pública de educação e formação de adultos em Portugal à luz de
pressupostos acima identificados. Essa análise permitirá ainda a produção de um conjunto
de recomendações para o desenho de sistemas de governação.
Face a este quadro, resta apenas descrever com maior detalhe o processo de recolha e
análise de dados propriamente dito. Essa descrição é feita no ponto que se segue deste
capítulo.
V-3. PROCESSO DE RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS
Tal como referido anteriormente, a análise empírica teve início com a análise da legislação e
documentação técnica nacional e internacional enquadradora da política pública de
educação e formação de adultos em Portugal, bem como estudos anteriores sobre esta
política, no sentido de analisar o conteúdo da política, a sua estrutura de implementação, o
processo de interação entre atores e os respetivos desafios de governação e o contexto que
194
a emergência das Redes Locais para a Qualificação. Esta informação foi, ainda,
complementada pela realização de uma entrevista exploratória aplicada a um informador
qualificado, em junho de 2011.
Terminada essa fase, procedeu-se à aplicação de um questionário online48 à totalidade dos
implementadores da política de educação e formação e adultos, nomeadamente
representantes dos 456 Centros Novas Oportunidades. Obtiveram-se 113 respostas válidas,
que cobriam todas as tipologias de CNOs mais relevantes (ver Anexo 4 e ponto VI-1.3.2. c)
deste trabalho). Em linha com o que foi acima referido, este questionário tinha o propósito
de recolher informação sobre as dinâmicas relacionais entre atores envolvidos na
implementação da política, bem como dinâmicas de envolvimento nas redes – veja-se anexo
3. Além disso, tinha também o propósito de identificar um conjunto de redes a analisar em
fase posterior, já que não havia qualquer registo consolidado das redes existentes.
Numa última fase, foi utilizada metodologia qualitativa no sentido de analisar
compreensivamente os contextos de criação e gestão de 8 Redes Locais para a Qualificação,
bem como os seus impactos. Importa referir, a este propósito, que o processo de seleção
das redes a analisar foi amplamente condicionado pela inexistência de informação
consolidada sobre as redes existentes, o que implicou que a identificação dos casos passíveis
de análise tivesse decorrido, sobretudo, através da consulta da newsletter da Agência
Nacional para a Qualificação e de informação recolhida através da aplicação do questionário.
Após essa identificação, procedeu-se a uma tentativa de contacto com representantes de
cada uma das redes identificadas, por forma a aferir as características das redes e a
disponibilidade de um representante para realização de entrevista. A seleção das redes em
análise resulta, por conseguinte, da disponibilidade para realização de entrevista
demonstrada por representantes das mesmas, havendo, no entanto, o cuidado de existirem
casos representativos de cada uma das situações desejadas: antecedentes de rivalidade,
antecedentes de cooperação e antecedentes neutros; e, objetivos de coordenação negativa
e de coordenação positiva.
48
O questionário esteve disponível na plataforma online survs.com entre 13 de julho de 2011 e 31 de agosto de 2011.
195
A análise dos diferentes estudos de caso baseou-se, por sua vez, na recolha e análise de
documentos enquadradores das redes (ex.: protocolos de cooperação) e na aplicação de
entrevistas a representantes dessas redes49. Tais entrevistas representam, segundo Zølner,
Rasmussen e Hansen (2007, p. 128) uma mais-valia, na medida em que permitem recolher
relatos relativamente à história, formação e funcionamento da rede que o entrevistado
representa que, apesar de refletirem o seu ponto de vista pessoal, irão conter também
factos que, de outra forma, dificilmente poderiam ser obtidos. Face a estes objetivos, revela-
se particularmente pertinente a aplicação de uma ‘entrevista centrada no problema’, uma
vez que esta tipologia de entrevista possui uma orientação processual, mostra-se adequada
à elaboração de teoria, e permite a obtenção de conhecimento sobre factos e processos de
socialização (Flick, 2005, p. 91). Como refere Yin (1994, p. 84), nesta situação o entrevistado
funciona mais como informante do que propriamente como ‘inquirido’, na medida em que
disponibiliza informação sobre a questão em análise e frequentemente disponibiliza acesso a
outras fontes de informação.
Uma vez que esta tipologia de entrevista não apela à utilização de um método específico de
interpretação, na sua análise revela-se pertinente o recurso à técnica de análise de conteúdo
(Flick, 2005, p. 91), nomeadamente de âmbito temático e transversal, haja em vista a
adequabilidade desta técnica à análise descritiva e à dimensão interpretativa, permitindo
assim uma análise inferencial e indutiva (Bardin, 2004).
Através deste desenho de pesquisa com triangulação de fontes cumpriu-se, portanto, o
desígnio de Bardach (2000, p. 50) que considerava os ‘documentos’ e as ‘pessoas’ como as
principais fontes de informação nos estudos de políticas públicas.
49
As entrevistas a representantes das redes foram realizadas entre janeiro e abril de 2012.
196
VI. RELAÇÕES DE INFLUÊNCIA ENTRE AS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO
DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉC. XXI
No excerto do Decreto-Lei n.º 387/99 – o diploma legal de criação da Agência Nacional de
Educação e Formação de Adultos (ANEFA) e um dos primeiros passos formais para o
desenvolvimento de uma estratégia de educação e formação de adultos em Portugal – é
possível vislumbrar algumas das tendências de governação pública do final da década de 90
do séc. XX descritas no capítulo IV deste trabalho. Os apelos à conjugação entre as lógicas de
serviço público e de programa e ao estímulo da responsabilização comunitária no
desenvolvimento e empoderamento local e regional, presentes no excerto acima citado
demonstram, efetivamente, uma clara orientação desta estratégia com a filosofia da
Terceira Via defendida por Giddens.
O alinhamento com a filosofia da Terceira Via e com as reformas do Pós-NPM, descritas no
capítulo IV, foi, aliás, uma tendência no desenvolvimento das estratégias de educação e
formação de adultos em diversos países ocidentais, incluindo Portugal. Na Declaração de
Hamburgo sobre Aprendizagem de Adultos (UNESCO, 1997), na qual o DL 387/99 se inspira
(veja-se Preâmbulo do Documento) há, com efeito, um claro apelo a que as transformações
dos sistemas de aprendizagem de adultos se desenvolvam através do crescente
desenvolvimento de parcerias entre os setores privados e comunitários e o Setor Público, o
qual deverá assumir, não apenas o papel de implementador direto, mas também os novos
papéis de conselheiro, financiador e monitorizador. Do mesmo modo, este documento faz
também apelo a que o tema da educação de adultos não fique circunscrito aos ministérios
“… a estratégia para a educação e formação de adultos deve combinar uma lógica de serviço público e uma lógica de programa, que se traduza no estímulo e apoio à iniciativa e à responsabilidade individual e de grupos, no sentido de uma capacitação crescente das pessoas e das comunidades, privilegiando para isso a dimensão local e regional e mobilizando a sociedade civil”
Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 387/99
197
da Educação, sendo sim abordado por diversos ministérios, os quais deverão coordenar a
sua atividade (UNESCO, 1997).
Estas preocupações com a coordenação e o estabelecimento de parcerias
interorganizacionais já haviam sido, aliás, expressas no ‘Livro Branco sobre a Educação e a
Formação Ensinar e Aprender: Rumo à Sociedade Cognitiva’ de 1995 e continuaram a ocupar
um lugar de destaque em outras publicações da União Europeia, da UNESCO e da OCDE. São
exemplo disso os documentos ‘Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao longo da vida
uma realidade’ de 2001, ‘Declaração de Copenhaga’ de 2002, ‘Princípios Comuns Europeus
na Identificação e Validação das Aprendizagens não Formal e Informal’ de 2004, ‘Quadro
Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida’ de 2008, ‘European
Guidelines on Validating non-formal and informal learning’ de 2009, ou a ‘UNESCO
Guidelines for the Recognition, Validation and Accreditation of the Outcomes of Non-Formal
and Informal Learning’ de 2012.
Como é possível constatar pelo descrito, os sistemas de educação e formação têm vindo a
ser alvo de alterações desde a década de 70 do séc. XX, fruto das dinâmicas de globalização
e consequentes necessidades de adaptação, flexibilidade e inovação anteriormente
referidas. Uma dessas mudanças refere-se à atribuição de uma maior destaque à função
económica da educação e formação, que se foca na preparação do indivíduo para o
desempenho de atividades profissionais, em detrimento da função social, a qual se foca na
transmissão cultural, integração e reprodução social (Vickerstaff, 2007, pp. 363, 382-383).
De igual modo, ocorreu também a emergência de novas formas de estruturação da
governação do setor da educação e da formação para além do tradicional e centralizado
‘controlo de qualidade’ estatal, incluindo também modos de governação alternativos com
base nos princípios de devolução de responsabilidades de implementação para atores
públicos subnacionais e de um apelo a uma maior participação de atores não oficiais, quer
seja numa lógica de competição, quer seja numa lógica de parceria comunitária (Marton,
2006, pp. 235-236). Na figura seguinte é possível observar um conjunto de 4 grandes
tipologias de modelos de governação do setor da educação, que oscilam consoante o ator
primordial seja o Setor Público ou a Sociedade Civil, ou consoante a lógica de atuação seja a
competição ou a parceria.
198
Figura 27. Modelos de Governação da Educação segundo a OCDE
LÓGICA DE ATUAÇÃO
Concorrencial Parceria
ATO
R P
RIM
OR
DIA
L
Esta
tal
Quality Control
O Estado controla o desempenho das escolas ao nível dos processos e produtos através de requisitos burocráticos de qualidade, custos e resultados
As Escolas têm uma ‘Guided Autonomy’, já que a sua atividade é condicionada por princípios orientadores centrais
A Escola presta uma ‘Contractual Accountability’, já que responde perante públicos específicos, nomeadamente níveis hierárquicos centrais, dando assim lugar a ‘Hierarchical Accountability’
Local Empowerment
Os poderes de decisão gestionários são atribuídos ao poder local, sendo a escola parte de um sistema local de educação
A Escola possui ‘Consultative Autonomy’, na medida em que pertence a um órgão consultivo de âmbito local
A accountability é prestada perante um ‘Community Forum’, já que esta é do tipo ‘Responsive Accountability’, na medida em que a sua lógica de atuação em parceria obriga a Escola a ouvir os principais stakeholders
Soci
etal
Competitive Market
A Escola é vista como um negócio, competindo com as escolas em redor por alunos e por financiamento
A Escola, neste modelo, é praticamente autónoma, possuindo aquilo que se designa por ‘Substantial autonomy’
A Escola presta uma ‘Consumerist Accountability’, já que o seu dever de informação é para com os seus clientes (alunos e pais), havendo assim uma ‘Contractual Accountability’ perante este público específico
School Empowerment
Os poderes de decisão gestionários são atribuídos à Escola, que atua numa ótica de parceria e de empowerment da comunidade
A Escola possui uma ‘Devolved Autonomy’
A Escola, possuindo uma ‘Responsive Accountabilty’, já que consulta os principais stakeholders, tem a obrigação de prestar uma ‘Dual Accountability’, perante profissionais especializados (ex.: professores) e não especializados (ex.: comunidade em geral)
Fonte: produção própria, baseado em Marton (2006, pp. 235-236)
Para além destas mudanças em termos das estruturas e processos de governação, importa
ainda destacar que o domínio das políticas de educação na Europa tem sido alvo da
influência de organizações internacionais e de exercícios de benchmarking, no sentido da
harmonização e partilha de práticas. Um desses exemplos é, desde logo, a União Europeia,
na medida em que apesar de se verificarem “movimentos diversificados e reversíveis de
convergência (…) [assiste-se também a] processos de compatibilização e harmonização de
políticas, de percursos e de organização dos sistemas educativos.” (Martins, 2014, p. 701).
Um outro exemplo da influência das organizações internacionais, talvez até mais
199
emblemático do que o anterior, é o da OCDE, organização que, apesar de não ter funções
regulatórias nem instrumentos coercivos, tem desempenhado uma importante função ao
nível da difusão e convergência de políticas de educação, sobretudo desde a década de 60
do séc. XX, após a adoção do conceito de capital humano como central à sua atuação
(Lemos, 2014, pp. 294-295).
Como será possível verificar no próximo ponto, o domínio mais específico da educação e
formação de adultos seguiu também estas tendências de evolução, nomeadamente porque
a sua entrada em agenda política se deu, sobretudo, no 4.º quartel do séc. XX. Por um lado,
têm sido organizações internacionais como a União Europeia, a OCDE ou a UNESCO as
principais responsáveis pela entrada em agenda e desenvolvimento deste domínio de
políticas nos campos políticos nacionais (Aníbal, 2013a, pp. 2-3) – como é referido no ponto
VI-1.1 deste trabalho. Por outro lado, a evolução deste domínio de políticas públicas nas
últimas décadas tem-se caracterizado por claras inovações ao nível do conteúdo das
políticas, como por exemplo a maior valorização dos contextos informais e não-formais de
educação no desenvolvimento de competências necessárias à empregabilidade, bem como a
personalização (tailor-made) das intervenções (Comissão das Comunidades Europeias, 1995,
pp. 18-20; 2000, pp. 9-10; 2001, p. 10).
O desenvolvimento da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal no final da
década de 90 do séc. XX e na primeira década do séc. XXI não ficou alheio a estas tendências.
Como será analisado no ponto que se segue, a Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida
em Portugal está claramente em linha com as mudanças de paradigma ao nível do conteúdo,
dos atores e do processo de políticas públicas sugeridas pelas organizações internacionais
anteriormente referidas. Ao nível do conteúdo, Gomes (2012, pp. 91-92) refere que esta
estratégia ficou marcada por diversos aspetos, nomeadamente a ambição das metas
propostas e o carácter inovador das medidas de intervenção ao romper com o paradigma
escolarizante e ao definir novos métodos de trabalho com a população adulta. Já ao nível do
processo, Gomes (2012, pp. 91-92) destaca a tentativa de articulação dos sistemas de
educação e de formação profissional, bem como o modelo de governação neocontratualista,
na medida em que os implementadores são estruturas públicas, privadas ou do terceiro
setor (Centros Novas Oportunidades - CNOs) que contratualizam um determinado nível de
200
metas a atingir com uma agência reguladora (Agência Nacional para a Qualificação - ANQ),
que os orienta e monitoriza.
Muito embora a Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida em Portugal, enquadrada no
âmbito da INO no período entre 2005 e 2012, tenha sido reconhecida como um exemplo de
boas práticas pelo CEDEFOP (European Centre for the Development of Vocational Training)
em 2012 (Aníbal, 2013a, p. 23), a sua efetiva implementação deparou-se com algumas
dificuldades. Um dos principais problemas relacionava-se com a existência de práticas de
menor rigor e facilitismo no desenvolvimento dos processos de reconhecimento, validação e
certificação de competências, bem como práticas de rivalidade entre diferentes CNOs,
ambas as situações motivadas, sobretudo, pela pressão para o cumprimento das metas
contratualizadas (Mota, 2010, pp. 85-96).
No sentido de solucionar ou mitigar alguns destes problemas de coordenação, foram
definidas, no final da primeira década e no início da segunda década do séc. XXI, diversas
medidas orientadas para a melhoria da governação da INO.
Uma das medidas para a melhoria da governação da INO consistiu no fomento, por parte da
CNO e também de atores envolvidos na implementação desta política ao nível local, do
desenvolvimento de Redes Locais de Qualificação, algumas das quais orientadas
exclusivamente para a qualificação de adultos. Os processos de surgimento e
desenvolvimento das diferentes redes não foram, contudo, homogéneos entre si quanto ao
nível de ambição inicial e ao nível da concretização, na medida em que se depararam com
diferentes fatores inibidores e facilitadores. Para além das dificuldades no desenvolvimento
e gestão de redes já anteriormente identificadas na literatura (ver ponto IV-2 deste
trabalho), importa ter em consideração que existe em Portugal uma escassa tradição de
cooperação e coordenação interorganizacional no âmbito da governação pública, não
obstante a relevância que este tema tem assumido no âmbito das reformas do setor público
em Portugal (Mota, Pereira, Cardim, Neves, & Cordovil, 2014; Pires, Teles, Silva, Calvache, &
Mota, 2014).
201
A análise das diferentes estratégias de metagovernação das Redes Locais de Qualificação e
dos seus sucessos e dificuldades assume-se, assim, como um objeto de análise empírica
particularmente relevante.
Antes de proceder ao estudo dos desafios e estratégias de metagovernação das Redes Locais
de Qualificação, importa, contudo, compreender em detalhe qual o contexto que propiciou
o seu surgimento. Assim, o capítulo que aqui se inicia começa por analisar, no ponto VI-1., a
política pública Iniciativa Novas Oportunidades, nomeadamente o seu alinhamento com
tendências internacionais (VI-1.1), os seus primórdios e o seu processo de entrada em
agenda (VI-1.2), os seus instrumentos e estrutura de implementação (VI-1.3), bem como as
suas principais concretizações e desafios à sua governação (VI-1.4).
Após este estudo detalhado da política pública em causa, prosseguir-se-á, então, no ponto
VI-2 com a análise empírica do fenómeno das Redes Locais de Qualificação, começando pela
sua caracterização geral (VI-2.1), com o auxílio de análises prévias deste fenómeno, bem
como pela análise dos resultados do questionário aplicado e de uma entrevista exploratória
realizada com uma dirigente de topo da ANQ. A análise prosseguirá com a apresentação
detalhada da história de formação e desenvolvimento de 8 Redes Locais de Qualificação, que
representam os estudos de caso deste trabalho (VI-2.2). O capítulo terminará com a análise
comparada destes 8 estudos de caso, com um especial enfoque sobre as estratégias de
metagovernação das Redes Locais de Qualificação (VI-2.3).
VI-1. O SISTEMA DE GOVERNAÇÃO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS EM PORTUGAL NO ÂMBITO DA
INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES: ALINHAMENTO INTERNACIONAL, ANTECEDENTES, INSTRUMENTOS E
ESTRUTURA DE IMPLEMENTAÇÃO E DESAFIOS DE GOVERNAÇÃO
Lançada oficialmente em dezembro de 2005, a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) foi, de
acordo com Carneiro (2011, p. 37), uma das mais ambiciosas e emblemáticas políticas
públicas no domínio da educação em Portugal das últimas décadas, trazendo maior
expressão à estratégia nacional de aprendizagem ao longo da vida.
202
Como será abordado mais adiante, a Iniciativa Novas Oportunidades assumia-se como um
novo estímulo no sentido da qualificação dos portugueses, tendo o ensino secundário como
objetivo de referência para a qualificação dos jovens e adultos (MTSS & ME, 2005, pp. 2-3).
Como o próprio Primeiro-Ministro de então frisou no prefácio do Documento de
Apresentação da INO, existia há muito um consenso alargado na sociedade quanto à
importância da opção na qualificação, mas persistia a necessidade de fazer mais, melhor e
mais rápido, assumindo-se a INO como uma agenda de intervenção para o período 2005-
2010 (MTSS & ME, 2005, p. 2)50.
Estruturada em dois eixos, um mais dedicado aos jovens e outro mais dedicado aos adultos,
a INO distinguia-se de anteriores esforços por ter um carácter agregador de diferentes
medidas, mas sobretudo pela centralidade política que assumiu, o que se revela não apenas
pelo elevado envelope financeiro a si adstrito, bem como pelo empenho direto de políticos
de topo, desde logo, o Primeiro-Ministro (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96; Carneiro, 2011, pp.
54-55).
Além dos fatores acima referidos, o arranque da INO, sobretudo do seu Eixo dos Adultos,
beneficiou igualmente do facto da educação e formação de adultos ter um lugar central na
agenda política internacional e de existir um amplo conjunto de recomendações
provenientes de organizações internacionais, como a UE, a OCDE ou a UNESCO, e, por outro
lado, de experimentações exploratórias que haviam sido desenvolvidas em Portugal no início
da primeira década do séc. XXI.
Dada a sua importância para o arranque da INO, os dois aspetos referidos serão analisados
com maior detalhe nos pontos VI-1.1 e VI-1.2 deste trabalho. Após esta introdução,
proceder-se-á a uma análise detalhada dos instrumentos e estrutura de implementação do
eixo dos adultos da INO, no ponto VI-1.3 deste trabalho, e a uma análise das concretizações
e desafios da governação desse mesmo eixo, no ponto VI-1.4, analisando, assim, os três
pontos que a literatura refere serem essenciais para a análise de uma política pública –
conteúdo (policy content), a estrutura (polity) e o processo de governação (politics).
50
Para uma visão geral sobre o esforço empreendido até então e as debilidades que ainda se mantinham, ver o ponto 2 do Documento de Apresentação da Iniciativa Novas Oportunidades (MTSS & ME, 2005, pp. 9-14).
203
VI-1.1. A emergência de uma nova geração de políticas públicas de educação de adultos ao
nível internacional
Muito embora o desenvolvimento de sistemas de ensino público na Europa seja uma
preocupação que remonta ao séc. XIX na sequência das revoluções liberais, do advento da
industrialização e das revoluções operárias (Giddens, 1993, p. 426; Serra, 1998, p. 62; Cardim
J. , 2005a, pp. 95-96), a área específica da Educação de Adultos começou a entrar na agenda
internacional apenas na segunda metade do séc. XX. Tal como refere Aníbal (2013a, pp. 2-3),
este processo de agendamento tem sido particularmente influenciado pela atuação de
organizações internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Económico (OCDE), a União Europeia (UE), ou a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
A propósito da influência das organizações internacionais no domínio de políticas de
educação de adultos, Aníbal (2013a, pp. 2-3) destaca o particular papel da UNESCO,
sobretudo através das diferentes Conferências Internacionais de Educação de Adultos
(CONFITEA) – 1949 na Dinamarca; 1960 no Canadá; 1972 no Japão; 1985 em França; 1997 na
Alemanha; e, 2009 no Brasil. Como refere esta autora, terá sido no âmbito destas
conferências que terão surgido duas diferentes conceções da Educação de Adultos que têm
marcado as últimas décadas, a da ‘Educação Permanente’, na conferência de 1972, e a de
‘Aprendizagem ao Longo da Vida’, na conferência de 1997 (Aníbal, 2013a, pp. 2-3). Tal como
refere esta autora, estas duas conceções diferem bastante entre si, já que a primeira tem
uma tónica de transformação social e de aquisição de saberes e conhecimentos dos
domínios culturais, políticos e económicos, ao passo que a segunda se foca numa lógica de
desenvolvimento de competências para aumento da empregabilidade, sendo por isso
criticada por ter uma abordagem neoliberal e de individualização (Aníbal, 2013a, pp. 4-5).
Como é possível verificar pelo descrito, estas duas conceções da Educação de Adultos estão,
portanto, alinhadas com as duas funções da Educação acima descritas, a Social e a
Económica.
204
Não sendo o objeto de estudo deste trabalho a reflexão sobre as potenciais mais-valias e
menos-valias da conceção da Aprendizagem ao Longo da Vida, importa, sobretudo, destacar
que esta tem ocupado, nas últimas décadas, uma posição central no discurso relativo à
Educação de Adultos de duas organizações que influenciam bastante as políticas públicas
portuguesas, a OCDE e a UE. A este propósito, Aníbal (2013a, pp. 9-12) destaca um conjunto
de importantes iniciativas tomadas por estas duas organizações no âmbito da Educação e
Formação de Adultos: a celebração do Ano Europeu da Educação e Formação ao Longo da
Vida em 1996, no seguimento da publicação, por parte da Comissão Europeia, do Livro
Branco ‘Educação e Formação: Ensinar e Aprender-Rumo à Sociedade Cognitiva’ em 1995; a
definição de uma estratégia de desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida, em
1996, por parte dos ministros da Educação, Trabalho e Assuntos Sociais dos países da OCDE,
dando lugar à publicação do relatório ‘Lifelong learning for All’; bem como a publicação do
‘Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida’, na sequência do Conselho Europeu de
Lisboa, realizado em 2000, e do documento ‘Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao
longo da vida uma realidade’ em 2001.
Uma das novidades em termos de conteúdo da abordagem da Aprendizagem ao Longo da
Vida apresentada, desde logo, no Livro Branco acima referido diz respeito ao
reconhecimento da validade dos contextos formais e não-formais de educação no
desenvolvimento de competências necessárias à empregabilidade (Comissão das
Comunidades Europeias, 1995, pp. 18-20). Esta ideia é posteriormente desenvolvida nos
documentos ‘Memorando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida’ e ‘Tornar o espaço
europeu de aprendizagem ao longo da vida uma realidade’, no âmbito dos quais é referido
que a conceção de ‘Aprendizagem ao Longo da Vida’ abarca uma noção temporal (lifelong)
mas também uma noção de transversalidade a todos os domínios da vida (lifewide), a última
das quais acentuando a complementaridade entre três tipos de aprendizagem:
aprendizagem formal; aprendizagem não-formal; e, aprendizagem informal (Comissão das
Comunidades Europeias, 2000, pp. 9-10; 2001, p. 10). Estas três tipologias de aprendizagem
podem, de acordo com Werquin (2010a, pp. 21-23), ser distinguidas da seguinte forma:
Aprendizagem formal é aquela que ocorre em ambiente organizado e estruturado e
que tem como principal objetivo a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de
205
competências, sendo o sistema formal de educação ou os cursos de formação
profissional exemplos disso mesmo;
Aprendizagem Informal é aquela que resulta de atividades diárias relacionadas com a
vida, seja no contexto de trabalho, família, lazer, entre outros domínios, e que não é
organizada em termos de objetivos, tempo e apoio à aprendizagem, sendo até muitas
vezes não intencional;
Aprendizagem não-informal é aquela que resulta de atividades planeadas, mas que
não estão necessariamente orientadas para a aprendizagem em termos de objetivos,
tempo e apoio, sendo exemplos disso mesmo a aprendizagem de competências como
o trabalho em equipa ou o espírito de iniciativa no âmbito de um curso de formação,
ou ainda processos conscientes de autoaprendizagem de manuseamento de um
software.
Para além desta conceção mais alargada de fontes de aprendizagem, os dois documentos
referidos destacam-se ainda pela exortação ao estabelecimento de parcerias entre
diferentes atores. A este nível, o Memorando começa por frisar a necessidade de
cooperação entre diferentes ministérios e autoridades públicas, no sentido da promoção de
uma maior coordenação entre políticas, enfatizando igualmente a importância do
envolvimento de diferentes parceiros sociais nos processos de formulação e implementação
das políticas (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 11; 2001, pp. 12-13). Ademais,
sublinham ainda a desejabilidade do desenvolvimento de uma ótica de subsidiariedade, ao
apelar ao envolvimento ativo de organizações públicas e da sociedade civil de âmbito
regional e local, considerando o seu maior conhecimento das necessidades específicas das
comunidades (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 11; 2001, p. 13).
Considerando os princípios acima referidos quanto à valorização das aprendizagens não-
formais e informais, tornou-se evidente que os diferentes Estados-membro deveriam criar
ou consolidar sistemas de validação destas aprendizagens e que esses sistemas deveriam
seguir alguns princípios de comparabilidade e uniformização, tal como referido no âmbito da
206
Declaração de Copenhaga (Comissão Europeia, 2002, p. 3). Neste sentido, têm sido
aprovados um conjunto de documentos da União Europeia que contêm princípios comuns
orientadores para este domínio, nomeadamente os ‘Princípios Comuns Europeus na
Identificação e Validação das Aprendizagens não Formal e Informal’, em 2004, o ‘Quadro
Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida’, em 2008, o ‘European
Guidelines on validating non-formal and informal learning’, em 2009, ou a ‘Recomendação
sobre a Validação de Aprendizagem Não-Formal e Informal’, em 2012.
Para além destas iniciativas da União Europeia, importa ainda destacar algumas iniciativas
de outras instituições já referidas. Por um lado, merece destaque a publicação do
documento ‘UNESCO Guidelines for the Recognition, Validation and Accreditation of the
Outcomes of Non-Formal and Informal Learning’, em 2012, na sequência da CONFITEA VI.
Por outro lado, será relevante salientar a publicação, por parte da OCDE, de dois estudos,
nos quais é feito um levantamento dos principais benefícios e desafios da implementação de
sistemas de Reconhecimento de Aprendizagens Não-Formais e Informais (Werquin, 2010a) e
um levantamento de práticas de um significativo conjunto de países membros desta
organização (Werquin, 2010b).
Tomando em atenção o primeiro dos documentos da OCDE referidos, Werquin (2010a)
começa por clarificar o conteúdo de um conjunto de conceitos e práticas inerentes ao
reconhecimento de aprendizagens não-formais e informais. Assim, após clarificar as
diferenças entre aprendizagens formais, não-formais e informais a que já se aludiu
anteriormente, o autor procede à descrição das diferentes fases envolvidas no processo de
reconhecimento, validação e certificação de competências, as quais são descritas na figura
seguinte.
207
Figura 28. Fases centrais ao processo de Reconhecimento e Validação de Competências
Fases Atividades envolvidas (e atores incluídos)
Identificação Identificar o que alguém sabe ou consegue fazer
(Fase individual de autoidentificação, eventualmente com orientação)
Aferição
Determinar o que alguém sabe ou consegue fazer, nomeadamente através da produção de evidências que se alinhem com standards previamente definidos
(Pode ser uma fase individual ou, quando há uma formalização significativa, envolver um avaliador externo)
Validação
Verificar se o que alguém sabe ou consegue fazer satisfaz certos requisitos, ou standards
(Um nível de desempenho é definido, o que requer o envolvimento de um terceiro agente)
Certificação
Declarar que o que alguém sabe ou consegue fazer satisfaz certos requisitos, e emitir um documento que ateste isso mesmo
(Necessita do envolvimento de uma autoridade acreditada para certificar o desempenho)
Fonte: Adaptação de Werquin (2010a, p. 35)
Após esta clarificação de conceitos e a exposição dos benefícios que os sistemas e processos
de reconhecimento de aprendizagens não-formais e informais poderão acarretar para
diferentes atores, Werquin (2010a, p. cap. 3) apresenta um conjunto de opções de políticas
públicas necessárias à implementação destes sistemas, das quais se poderão destacar as
seguintes:
ao nível da comunicação e promoção do sistema, estabelecer uma posição oficial
nacional, ao mesmo tempo que se deverá apostar também no desenvolvimento de
estratégias locais e descentralizadas;
ao nível da integração do sistema, coordenar os sistemas de educação inicial e de
educação de adultos;
ao nível da melhoria dos procedimentos e processos de reconhecimento, assegurar a
seriedade e a qualidade dos processos de reconhecimento, através da sua integração
em quadros de qualificação, do reforço da qualidade dos portefólios através da aposta
na recolha de evidências sobre a detenção de competências, ou da adequada
preparação dos avaliadores;
208
ao nível da avaliação do sistema, desenvolver processos de recolha de dados que
permita avaliar a qualidade dos processos e os impactos.
Por outro lado, no documento mais dedicado às práticas de diferentes países, Werquin
(2010b) dá conta de um significativo nível de variação entre sistemas nacionais de
reconhecimento de competências quanto às suas origens e tradições de reconhecimento,
bem como de modos de governação do sistema. Focando atenção neste segundo ponto, o
autor refere que a grande maioria dos países tem um sistema de responsabilidade
partilhada, referindo o exemplo da Islândia, Dinamarca, Áustria, parte flamenga da Bélgica,
África do Sul, Chile, Austrália, Irlanda, ou República Checa (Werquin, 2010b, pp. 36-37). Por
contraponto, o autor refere também a existência de alguns sistemas mais centralizados, tais
como os da Hungria, Noruega, Itália, Espanha ou Eslovénia, bem como de sistemas como os
da Suíça e da Holanda em que a responsabilidade está, em grande medida, entregue a
organizações privadas (Werquin, 2010b, pp. 37-38).
Ainda ao nível da estrutura e modos de governação, Werquin (2010b, pp. 56-57) dá conta de
que a maioria dos sistemas não tem organismos especificamente dedicados à atividade do
reconhecimento, sendo a situação mais comum a partilha de infraestruturas com centros de
aprendizagem formal já estabelecidos. A principal exceção a essa tendência acontece na
Noruega, bem como, em certas circunstâncias, na Holanda e na parte flamenga da Bélgica
(Werquin, 2010b, pp. 56-57).
Para além destas diferenças ao nível dos modos de governação, Werquin (2010b, pp. 38-41)
refere ainda a existência de duas abordagens distintas quanto aos quadros regulamentares
do sistema, existindo, por um lado, alguns sistemas baseados em leis, sobretudo os de
tradição latina, ao passo que a grande maioria dos sistemas estão baseados em acordos
entre parceiros sociais.
Para além destes documentos da OCDE, a comparação entre países é também possível
através de uma base de dados organizada pelo CEDEFOP (European Centre for the
Development of Vocational Training), designada ‘Inventário Europeu da Validação de
209
Aprendizagem não Formais e Informais’, e da decorrente produção de pontos de situação
periódicos. Citando o ponto de situação realizado em 2010, Aníbal (2013a, p. 18) refere que
o desenvolvimento dos sistemas de reconhecimento tem conhecido uma evolução irregular
na Europa, na medida em que apenas três países tinham, nesse ano, sistemas de
reconhecimento altamente desenvolvidos, nomeadamente França, Noruega e Portugal.
De facto, o sistema português de reconhecimento e validação de aprendizagens não-formais
e informais tem sido reconhecido como um dos mais desenvolvidos na Europa, destacando-
se pela sua elevada integração no sistema nacional de qualificações e pela sua elevada
capacidade de concretização, sobretudo desde a sua integração na Iniciativa Novas
Oportunidades (Aníbal, 2013a, p. 23).
Tal como será explorado no próximo ponto, o domínio da Educação e Formação de Adultos
esteve, efetivamente, em agenda durante a primeira década do séc. XXI, sobretudo desde
2005, através da Iniciativa Novas Oportunidades.
VI-1.2. Os primórdios e as primeiras iniciativas da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da
Vida em Portugal
Tal como referido por Carneiro (2011, p. 51), a Iniciativa Novas Oportunidades surgiu num
contexto claramente marcado por um ‘sentido de urgência’ de definição de um plano de
atuação para ajudar Portugal a recuperar o atraso ao nível dos défices de qualificação que já
se acumulavam por mais de dois séculos.
De facto, muito embora o ensino primário tenha sido formalmente criado em Portugal, tal
como em outros países da Europa, no decorrer do séc. XVIII – nomeadamente em 1759, por
iniciativa do Marquês de Pombal (Domingues D. , 1998, p. 369) – a sua efetiva
implementação só viria a acontecer na segunda metade do séc. XX (Cardim J. , 2005a, pp.
113-125). Para além de resultado de ‘incapacidade’ implementadora do Estado, este
fenómeno ficou a dever-se igualmente a um amplo desinteresse pela educação por parte da
população, principalmente das populações rurais (Cardim J. , 2005a, p. 122; Mata, 2014, pp.
327-328). A este propósito, Cardim (2005a, p. 116) refere, por exemplo, que no início do séc.
210
XX aproximadamente 75% da população portuguesa era analfabeta, ao passo que a taxa de
analfabetismo era bem menor em países com raízes culturais próximas de Portugal, tais
como a Espanha (cerca de 55% da população) ou a França (cerca de 10%).
Embora no início da segunda metade do séc. XX, Portugal tivesse uma taxa de analfabetismo
cerca de 25 pontos percentuais abaixo do que registava no início do século, a situação era
ainda vista como crítica, sobretudo em termos comparativos e no âmbito da comunidade
internacional (Mata, 2014, pp. 331-332; Araújo L. , 2014, p. 355). Face a este contexto e
perante a ideia de que a alfabetização poderia ser um instrumento de legitimação do
regime, o Governo de então decidiu criar o ‘Plano Nacional de Educação Popular’ (Decreto-
Lei 38.968, de 27 de outubro de 1952) que incluía medidas de promoção do reforço da
escolaridade obrigatória e uma ‘Campanha Nacional para Educação de Adultos’ (CNEA)
(Mata, 2014, pp. 331-338). O primeiro conjunto destas medidas conduziria a uma
significativa diminuição da taxa de analfabetismo no grupo etário 10-14 anos, que em 1950
era de 24,5% e, em 1960, era de 2,9% (Mata, 2014, p. 355). Por sua vez, a CNAE, que se
afirmava como um programa intensivo de transmissão de conhecimentos básicos de leitura,
escrita e cálculo a indivíduos analfabetos entre os 14 e os 35 anos (cerca de um milhão de
portugueses) no decorrer dos anos de 1953 e 1954, teve um impacto reduzido, facto
reconhecido por uma avaliação realizada pelo próprio Governo (Mata, 2014, pp. 336-337;
Araújo L. , 2014, pp. 355-356).
De igual modo, durante este período registou-se também uma forte aposta no Ensino
Profissional, nomeadamente através da aprovação do Estatuto do Ensino Profissional
Industrial e Comercial (DL n.º 37029/48), em 1948, e da continuação da aposta nas Escolas
Técnicas no âmbito do II Plano de Fomento (1959-1964) (Mendonça & Carneiro, 2011, pp.
86, 88). Neste mesmo âmbito, destaca-se ainda a criação, em 1962, do Fundo de
Desenvolvimento da Mão de Obra (DL n.º 44506/62) e do Instituto de Formação Profissional
Acelerada (DL 44538/62) (Mendonça & Carneiro, 2011, p. 88). De acordo com Cardim
(2005a, pp. 151-152), esta tipologia de ensino terá recebido grande aceitação por parte do
tecido empresarial e terá sido responsável pela qualificação de significativas franjas da
população, muito embora fosse criticada por não estar devidamente integrada com o
sistema de educação tradicional.
211
Como é possível verificar pelo exposto, a situação da educação de crianças e jovens em
Portugal começou a registar algumas melhorias consideráveis no início da segunda metade
do séc. XX, o mesmo não ocorrendo, contudo, ao nível da educação e formação de adultos
(Mata, 2014, p. 338; Araújo L. , 2014, pp. 355-356).
A Educação de Adultos só viria a conhecer um maior protagonismo quando, em 1971, o
ministro da Educação Veiga Simão decidiu criar, no âmbito da reforma do sistema de
educação, a Direção-Geral da Educação Permanente (DGEP) (DL n.º 408/71) (Gomes, 2012,
p. 60; Aníbal, 2013b, p. 6; Mata, 2014, p. 338; Araújo L. , 2014, p. 357). No mesmo sentido,
são criados os primeiros Cursos de Educação Básica para Adultos (DL 489/73), bem como os
Cursos de Ensino Primário Supletivos para Adultos (CEPSA) (Portaria 774/73). Muito embora
estes cursos tenham registado uma adesão inicial entusiasta (Gomes, 2012, p. 61), a
mudança de regime em 1974 impediu que muitas destas medidas tenham tido um efetivo
impacto (Araújo L. , 2014, p. 357).
A partir do descrito é possível verificar-se que as iniciativas legislativas acima referidas
estavam alinhadas, pelo menos ao nível do discurso, com o conceito de Educação
Permanente, introduzido na agenda política internacional em 1972, no âmbito da CONFITEA
III (Gomes, 2012, p. 61; Araújo L. , 2014, p. 357).
Face ao cenário descrito referente ao período entre 1950 e 1974, é possível verificar que
este terá sido marcado, em termos de educação, por uma aposta na alfabetização da
população portuguesa, a qual teve resultados mais positivos na população em idade escolar
do que entre os jovens e adultos. A menor atenção e correspondente menor impacto na
alfabetização dos adultos ajuda, portanto, a explicar que Portugal tivesse uma taxa de
analfabetismo no ano de 1974 de cerca de 25% (Araújo L. , 2014, p. 357).
A mudança de regime ocorrida em abril de 1974 conduziu, de igual modo, a algumas
mudanças no sistema de educação. Uma dessas mudanças terá sido a unificação da
educação técnica com a educação tradicional no ano letivo de 1975/76 (Mendonça &
Carneiro, 2011, p. 93), que se deveu, sobretudo, às acusações que recaíam sobre a primeira
quanto à promoção de discriminação por não permitir o prosseguimento de estudos (Cardim
J. , 2005a, pp. 151-152). Este período foi ainda marcado pela emergência de variadíssimos
212
movimentos de educação popular, os quais desenvolveram ações locais de
alfabetização/educação de grupos mais desfavorecidos da população e que assentavam,
sobretudo, em métodos comunitários de animação sociocultural (Gomes, 2012, p. 63).
Durante os anos de 1974 e 1975, estas iniciativas registavam um muito reduzido nível de
intervenção estatal, tendo posteriormente ocorrido uma tentativa de enquadramento
destas iniciativas no final de 1975, nomeadamente através da DGEP, sob a liderança de
Alberto Melo (Araújo L. , 2014, pp. 358-359). Esta tentativa de enquadramento terá sido,
contudo, interrompida pela eleição de um novo governo, na sequência das eleições
constituintes de 1976 e pela diminuição da aposta no domínio da educação durante o
resgate financeiro ocorrido no final da década de 70 (Araújo L. , 2014, p. 359). Além disso,
Gomes (2012, p. 63) considera que estes movimentos não terão desenvolvido, ao nível da
educação, uma intervenção suficientemente marcante, quer em escala, quer em natureza,
nem sequer podendo ser considerados como uma política pública, posto que advinham de
iniciativas voluntaristas que não chegavam a ser monitorizadas pela tutela governativa.
De acordo com Gomes (2012, p. 63), o efetivo regresso da educação de adultos à agenda
política terá ocorrido apenas no final da década de 70, nomeadamente através da criação,
quer do Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (PNAEBA) (Lei n.º
3/79), que pretendia eliminar a iliteracia e assegurar o acesso de todos os interessados aos
vários graus de educação obrigatória, quer da Comissão Nacional de Alfabetização e
Educação de Base de Adultos, que congregava vários atores públicos e da sociedade civil que
tinham por missão acompanhar a definição e avaliação desse plano (Mendonça & Carneiro,
2011, p. 93; Aníbal, 2013b, p. 7; Gomes, 2012, p. 65). Importa referir, a este propósito, que o
PNAEBA contava com a participação de grande parte da equipa técnica que havia sido
liderada por Alberto Melo alguns anos antes e que muitas das intervenções propostas
seguiam a filosofia das medidas anteriormente propostas, nomeadamente quanto à
pequena escala e à adequação ao contexto regional. No entanto, a concretização deste
plano havia de ficar também muito aquém das expectativas, sobretudo devido à
instabilidade política e financeira que marcou o início da década de 80 do séc. XX em
Portugal (Araújo L. , 2014, pp. 360-363).
213
Como se pode antever pelo descrito, os problemas do analfabetismo e do abandono escolar
precoce permaneciam em meados da década de 80 do séc. XX, não obstante os significativos
decréscimos registados desde a década de 40 do séc. XX (Mendonça & Carneiro, 2011, pp.
95-96).
Na segunda metade da década de 80 do séc. XX ocorreram, entretanto, grandes reformas no
domínio da educação em Portugal, marcadas pela promulgação da Lei de Bases do Sistema
Educativo em Portugal (Lei 46/86), e pela adesão de Portugal à Comunidade Económica
Europeia, que implicou, por sua vez, o benefício de fundos estruturais (Mendonça &
Carneiro, 2011, p. 95; Gomes, 2012, p. 66). No âmbito destas reformas, destaca-se a
extensão da escolaridade obrigatória até ao 9.º ano e o fortalecimento das vias de ensino
geral nas escolas públicas, relegando o ensino profissional para escolas profissionais de
natureza privada (Gomes, 2012, p. 67).
Muito embora a Lei de Bases do Sistema Educativo em Portugal tenha representado,
efetivamente, um marco de viragem no setor da educação em Portugal, a atenção dedicada
à problemática da educação de adultos era bastante escassa. Apesar desta menor atenção,
importa destacar o pedido de elaboração de um estudo sobre a reorganização do
subsistema da educação de adultos dirigido à Universidade do Minho por parte da Comissão
para a Reforma do Sistema Educativo, cujo relatório final, apresentado em 1988, propunha
uma significativa autonomização do subsistema e o fomento de vertentes, quer escolar, quer
extraescolar (Araújo L. , 2014, pp. 365-366). De acordo com Araújo (2014, pp. 367-368), o
Decreto-Lei 74/91, que estabelecia o quadro geral da organização da educação de adultos,
viria, contudo, a desconsiderar as recomendações deste relatório ou os pareceres do
entretanto criado Conselho Nacional de Educação, sendo inclusivamente alvo de críticas de
subjugar a educação de adultos ao modelo escolar.
De facto, muito embora a reforma do Sistema da Educação de Adultos previsse quatro
grandes dimensões – formação de base de alfabetização; ensino recorrente com vista à
obtenção da escolaridade obrigatória; projetos de formação de desenvolvimento pessoal e
social; e, projetos de animação social e de desenvolvimento comunitário –, a vertente
claramente predominante acabou por ser o Ensino Recorrente, que tinha uma orientação
214
escolarizante, tendo impacto, sobretudo, em jovens e jovens adultos (Gomes, 2012, pp. 68-
71; Araújo L. , 2014, pp. 368-369).
Ao contrário do que aconteceu com a educação de adultos no início da década de 90 do séc.
XX, a área da formação profissional foi alvo de uma forte aposta, através de inúmeros cursos
ministrados pelos centros de formação profissional, dispersos por todo o país, do entretanto
estabelecido Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), bem como por escolas
profissionais e centros de formação de índole privada, que passaram a ser subsidiadas pelo
Estado (Araújo L. , 2014). A implementação desta aposta no subsistema da formação
profissional deparou-se, contudo, com sérios problemas, nomeadamente relacionados com
o número e diversidade excessivos dos promotores e a consequente dificuldade de gestão e
controlo, o que afetou claramente a credibilidade do subsistema (Araújo L. , 2014). Tendo
em atenção estes problemas, o forte investimento de fundos comunitários em múltiplas
atividades de formação profissional durante a década de 90 é habitualmente considerado
como uma ‘oportunidade perdida’ na promoção da efetiva qualificação da população
(Cardim J. , 2005b, pp. 149, 241; Gomes, 2012, p. 73).
Este quadro contribuía, assim, para que Portugal fosse, no final do séc. XX, o país da União
Europeia com o mais baixo nível de habilitações, um dos que menor proporção de
trabalhadores tinha em ações de formação e dos que menos gastava com a formação dos
trabalhadores (Cardim J. , 2005b, pp. 149, 241). Os principais problemas reportados
situavam-se ao nível das elevadas taxas de insucesso e abandono escolar precoce, da
formação de adultos demasiadamente escolarizante, ou ainda da desarticulação entre os
sistemas educação-formação-emprego (Ramos, 2003, p. 215; Cardim J. , 2005b, p. 239;
Gomes, 2012, pp. 69-71; Araújo L. , 2014, p. 371).
O combate ao problema do défice de qualificação da população que persistia em Portugal
foi, entretanto, assumido como uma aposta pelo Governo Socialista eleito em 1995, dando
origem à elaboração, em 1996, do Pacto Educativo para o Futuro, que resultou de um amplo
processo de participação de todos os stakeholders do processo educativo (Araújo L. , 2014,
p. 371). Uma das novidades aportadas por este Pacto foi, desde logo, a referência à
necessidade da educação e formação ao longo da vida, nomeadamente através de uma clara
215
aposta na educação de adultos (Araújo L. , 2014, p. 371), indo, assim, ao encontro da agenda
europeia nestes domínios. Importa recordar, a este propósito, que entre outras iniciativas
propostas no âmbito dos documentos internacionais referidos na última secção, estariam o
fortalecimento da oferta de soluções de educação e formação de adultos, entre estas o
desenvolvimento de sistemas de reconhecimento, validação e certificação de competências
adquiridas em contextos não-formais e informais.
Foi precisamente neste contexto mais favorável que a entretanto empossada Secretária de
Estado da Educação e da Inovação, Ana Benavente, que representou Portugal na CONFITEA
V, decorrida em julho de 1997 em Hamburgo, decidiu criar o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento da Educação de Adultos (Despacho n.º 1053/97), coordenado por Alberto
Melo (Gomes, 2012, pp. 76-77; Aníbal, 2013b, pp. 9-10; Araújo L. , 2014, p. 371). Entre
outras propostas apresentadas por este grupo51, destacava-se a da criação de um sistema de
validação de aprendizagens prévias, na medida em que se reconhecia que muitos cidadãos
dispunham de competências e qualificações dispersas que necessitavam de certificação
escolar, nomeadamente decorrentes dos amplos programas de formação profissional
(Cardim M. , 2006, pp. 130-131). Daqui se denota, portanto, que a proposta de criação de
um sistema desta natureza surge em Portugal ainda antes da publicação do ‘Memorando
sobre Aprendizagem ao Longo da Vida’, em 2000 (Aníbal, 2013b, p. 9).
Em paralelo à criação daquele grupo de trabalho, o Ministro da Educação do Governo
Socialista de então, Marçal Grilo, solicitou a Roberto Carneiro (que havia sido Ministro da
Educação num anterior governo liderado por outro partido) que coordenasse um amplo
estudo prospetivo sobre a educação em Portugal, o qual decorreu entre 1997 e 1999
(Carneiro, 2011, p. 50; Mendonça & Carneiro, 2011, p. 98). Tal como referem Mendonça e
Carneiro (2011, p. 98), os resultados deste estudo, publicados em 2000, destacaram que um
dos grandes problemas de Portugal continuava a ser o défice de qualificações da sua
população, ao mesmo tempo que definiam prioridades ao nível das políticas públicas para os
anos seguintes, das quais se poderão destacar as seguintes: 1) desenvolvimento de um plano
consolidado para a Aprendizagem ao Longo da Vida; 2) reforço do Ensino Secundário, em
51
Para um maior detalhe sobre as propostas apresentadas por este Grupo de Trabalho, veja-se: Melo et al., (1998), Uma Aposta Educativa na Participação de Todos. Documento de Estratégia para o Desenvolvimento da Educação de Adultos, Lisboa, Ministério da Educação.
216
particular através da dignificação dos percursos tecnológicos, profissionais e vocacionais; 3)
devolução de responsabilidades de direção e gestão dos centros educativos para níveis de
decisão regionais e locais.
Muito embora as propostas acima referidas não tenham reunido consenso, já que eram
consideradas demasiado ambiciosas por alguns setores da sociedade portuguesa, acabaram
por ganhar visibilidade política ao serem utilizadas no âmbito dos estudos preparatórios do
Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (PNDES) para o período 2000-2006
(Carneiro, 2011, p. 53). A necessidade de se realizar uma forte aposta no domínio da
educação foi, com efeito, claramente confirmada no âmbito do PNDES e apoiada pelo
Conselho Económico e Social (Carneiro, 2011, p. 53). Já no respeitante ao financiamento, a
estratégia de educação e formação de adultos foi enquadrada no PRODEP III (2000-2006),
que beneficiava de um significativo envelope financeiro proveniente de fundos comunitários
(Carneiro, 2011, p. 54).
Entretanto, o Grupo de Trabalho acima referido deu lugar ao ‘Grupo de Missão para o
Desenvolvimento da Educação da Formação de Adultos’, criado através da RCM 92/98, e que
resultava de uma forte articulação interministerial apoiada pelos Secretários de Estado da
Educação e da Inovação e do Trabalho e Formação do XIII Governo Constitucional (1995-
1999), e que ia ao encontro das recomendações da União Europeia quanto às políticas de
educação da população adulta (Araújo L. , 2014, p. 371). Entre outras missões, este grupo
teria a incumbência de criar a Agência Nacional para a Educação e Formação de Adultos
(ANEFA), o que viria a concretizar-se em 1999, e de promover a articulação de organismos
dos dois ministérios e de outros atores, como autarquias ou entidades de formação
privadas, por forma a desenvolver projetos-piloto inovadores (Aníbal, 2013b, p. 10; Araújo L.
, 2014, p. 373).
A ANEFA, organização pública semiautónoma tutelada pelo Ministério da Educação e pelo
Ministério do Trabalho e Solidariedade e instituída através do Decreto-Lei 387/99, afirmou-
se, assim, como uma peça essencial no processo de desenvolvimento da educação e
formação de adultos em Portugal, nomeadamente ao assumir um importante conjunto de
missões (ver art. 4.º do DL 387/99): conceção de modelos, metodologias e materiais de
217
intervenção pedagógica, nomeadamente através da construção dos referenciais de
competências-chave; a criação de cursos de Educação e Formação de Adultos (daqui em
diante, Cursos EFA); bem como, a implementação do Sistema Nacional de Reconhecimento,
Validação e Certificação de Competências (daqui em diante, SNRVCC), através da criação e
acompanhamento de Centros RVCC.
Como referido no parágrafo anterior, um dos principais e primeiros instrumentos
pedagógicos a ser criado pela ANEFA foi o Referencial de Competências-Chave do Ensino
Básico, que se divide em três níveis (B1, B2 e B3, numa aproximação aos três ciclos do Ensino
Básico) e em quatro áreas nucleares: Linguagem e Comunicação (LC); Tecnologias da
Informação e Comunicação (TIC); Matemática para a Vida (MV) e Cidadania e
Empregabilidade (CE).
Por sua vez, os Cursos EFA, regulamentados através do Despacho Conjunto n.º 1083/2000,
assumiam-se como cursos estruturados numa lógica de módulos, ou unidades de formação,
organizados por competências, por forma a possibilitar o desenvolvimento de percursos
flexíveis de formação, ao permitir o reconhecimento de competências já adquiridas (ver Art.
3.º do Regulamento Anexo ao Despacho).
Por fim, foi criada uma rede de Centros RVCC, através da Portaria n.º 1082-A/2001 de 5 de
setembro, após a prévia criação de seis centros de observação em diferentes pontos do país,
em novembro de 2000 (ver art. 3.º). Tal como referido neste mesmo diploma legal, os
Centros RVCC seriam promovidos por organizações, públicas ou privadas, com significativa
implantação a nível local, regional ou nacional (ver art. 2.º), tendo como funções
desenvolver processos de RVCC, formações complementares, ou mesmo cursos de educação
e formação de adultos, através da sua entidade promotora (ver art. 9.º).
Após esta fase de regulamentação da estratégia nacional de aprendizagem ao longo da vida
de Portugal, seguiu-se o início do seu processo de desenvolvimento, que teve uma
abordagem experimental, facto que será compreensível face à clara rutura com os
anteriores paradigmas da educação e formação em Portugal (Gomes, 2012, p. 100). Apesar
deste carácter experimental, Gomes (2012, p. 102) destaca que a ANEFA deixou uma clara
marca no setor pelo seu papel dinamizador, não apenas pelo cariz inovador do projeto que
218
empreendeu, mas sobretudo pela competência técnica da sua equipa e pela sua forte
liderança. Ademais, Cardim (2006, pp. 145-152) e Gomes (2012, p. 78) destacam um
conjunto de outras conquistas da estratégia entre 2001 e 2005, nomeadamente a
capacidade de desenvolvimento de um modelo de intervenção sólido em termos técnicos e
científicos, a capacidade de mobilização de agentes do terreno, bem como a consolidada
expansão do número de Centros RVCC.
Apesar de reconhecerem estas conquitas, estas mesmas autoras destacam ainda um
conjunto de problemas registados após o arranque promissor. Por um lado, Cardim (2006,
pp. 153-155) refere como principais problemas uma certa perda da consistência da ideia
inicial dos processos RVCC, como consequência da precipitação no alargamento da rede de
Centros RVCC, a pressão para a apresentação de resultados e o estabelecimento de metas
que os operadores do terreno consideravam impraticáveis, o que poderia conduzir ao
desenvolvimento de processos RVCC demasiado permissivos. Por sua vez, Gomes (2012, pp.
78-79) destaca o reduzido investimento financeiro e a fraca aposta política no sistema, bem
como o desmembramento da gestão do sistema aquando da extinção da ANEFA em 2002,
através da divisão de atribuições pela Direção-Geral de Formação Vocacional (DGFV) e o
Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). A propósito da substituição da ANEFA
pela DGFV em 2002, Cardim (2006, p. 205) Gomes (2012, p. 102) e Araújo (2014, p. 376)
referem que, não obstante a continuidade da implementação das principais medidas, o
projeto inicial ter-se-á dissipado devido às enormes mudanças ocorridas ao nível
institucional e técnico, o que se terá refletido na desmobilização dos diferentes operadores e
na saída de muitos técnicos da própria agência tutelar. A fragilização técnica e gestionária
acompanhou, assim, o desmembramento estrutural, consequência de um desinvestimento
na estratégia integrada anteriormente desenvolvida.
219
Este era, portanto, o contexto da estratégia de educação e formação de adultos em Portugal
quando se chegou a 2005, ano em que foi eleito um novo Governo, o qual definiu como
prioridade a intervenção no combate ao défice de qualificações da população portuguesa
(Gomes, 2012, p. 79). No ponto dedicado à Educação do Capítulo ‘Novas Políticas Sociais’ do
Programa de Governo do XVII Governo Constitucional, é possível ler-se o seguinte excerto:
“Um novo impulso à educação de adultos
Em matéria de educação de adultos, é necessário recuperar o impulso perdido desde a
liquidação da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), de modo
a aumentar o investimento público e induzir a participação da sociedade civil na
formação académica e profissional relevante para mulheres e homens adultos.
Cumpre-se estender progressivamente ao nível do ensino secundário os processos de
reconhecimento, validação e certificação das competências adquiridas e os cursos de
educação-formação que tão bons resultados já demonstraram ter ao nível da educação
básica. A rede de escolas secundárias e profissionais constitui, a este respeito, um
recurso não negligenciável”. (XVII Governo Constitucional, 2005, p. 48)
Foi precisamente neste âmbito que foi lançada, no final de 2005, a Iniciativa Novas
Oportunidades, que será apresentada com maior detalhe no próximo ponto.
VI-1.3. Instrumentos e Estrutura de Implementação do Eixo dos Adultos da Iniciativa Novas
Oportunidades
Tal como referido anteriormente, a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) foi lançada no final
de 2005, “num contexto político de assunção da necessidade urgente de intervenção para
combater o défice de qualificações da população portuguesa” (Gomes, 2012, p. 79). A
Iniciativa Novas Oportunidades (INO) apresentava-se, assim, como “um forte e decisivo
impulso à qualificação”, no qual o nível secundário era assumido como “o objetivo de
220
referência para a qualificação dos (…) jovens e adultos”, seguindo, assim, as recomendações
da União Europeia e da OCDE (MTSS & ME, 2005, pp. 3, 6).
No sentido de fazer cumprir esse objetivo, a INO estruturava-se em dois grandes eixos (MTSS
& ME, 2005, p. 3): por um lado, fazer do ensino secundário profissionalizante uma efetiva
opção, dando assim ‘oportunidades novas’ aos jovens, almejando, entre outros fins, diminuir
os níveis de insucesso e abandono escolar; e, por outro lado, dar ‘novas oportunidades’ aos
adultos menos escolarizados para elevarem os seus níveis de formação e qualificação,
nomeadamente através do Sistema de RVCC e de ofertas de formação complementares.
Concentrando atenção apenas no eixo dos adultos por ser esse o enfoque deste trabalho, a
INO apostava, assim, na adaptação e reforço de instrumentos que já haviam sido
desenvolvidos no início da década (MTSS & ME, 2005, p. 20): por um lado, o Sistema de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (SRVCC); e, por outro lado, os
Cursos de Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA).
Não obstante estas semelhanças do eixo dos adultos da INO com as iniciativas anteriores,
Gomes (2012, pp. 79-80, 96) considera que existem algumas alterações dignas de registo. A
este propósito, a autora destaca, em primeiro lugar, a centralidade que a INO assumiu na
agenda governamental e no âmbito da programação do Fundo Social Europeu,
nomeadamente através do Programa Operacional Temático Potencial Humano (POPH)
(Gomes, 2012, pp. 79-80, 96). De acordo com Carneiro (2011, p. 54) e Araújo (2014, p. 381),
esta centralidade é demonstrável pelo elevado envelope financeiro destinado à INO por
parte do PRODEP III e do POPH. No mesmo sentido, Carneiro (2011, pp. 54-55) destaca
também como um fator particularmente relevante para a implementação bem-sucedida da
INO o investimento político por parte do Governo, nomeadamente pelo próprio Primeiro-
Ministro, que se tornou visível, desde logo, pela grande atenção política e mediática
suscitada pela sessão pública de apresentação da INO.
Além da centralidade na agenda política, o eixo dos adultos da INO destacava-se da anterior
estratégia por se propor expandir a escala das ofertas acima referidas e alargar a sua
incidência para o nível secundário e profissional, mas também por ter o objetivo de
221
introduzir uma maior integração entre as diferentes ofertas e entre os sistemas educativo e
de formação profissional (Gomes, 2012, pp. 79-80, 96).
O objetivo da INO em dar um forte impulso à estratégia de educação e formação de adultos
estaria, aliás, expresso no documento de apresentação da INO através da explicitação das
seguintes medidas (MTSS & ME, 2005, pp. 22-24):
1. Alargar ao nível do ensino secundário o referencial de competências-chave a ser
aplicado nos processos de RVCC e também nos Cursos EFA (meta 4 do documento);
2. Realizar uma campanha alargada de informação e sensibilização, nos meios de
comunicação social (meta 7 do documento);
3. Reforçar a oferta de cursos profissionalizantes para adultos – ao nível do 9º e do 12º
ano –, inclusivamente realinhando o modelo de Ensino Recorrente no sentido dos
Cursos EFA, de forma a abranger nestes percursos cerca de 350.000 adultos durante o
período 2006-2010 (metas 1 e 2 do documento);
4. Expansão da Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências de modo a atingir 500 Centros em 2010, e que mais de 650.000 pessoas
obtenham uma certificação de competências (metas 3 e 5 do documento);
5. Alargar substancialmente as possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo
em vista privilegiar o acesso à população empregada, e garantir prioridade a colocação
de desempregados inscritos nos Centros de Emprego nos cursos de formação
profissional (metas 9 e 10 do documento);
6. Rever e melhorar o funcionamento do sistema de RVCC e dos cursos EFA, simplificando
processos e descentralizando competências, assegurando melhores mecanismos de
acompanhamento e maior proximidade entre os serviços e os promotores (meta 6 do
documento).
Face à definição destas metas e medidas da INO, assumia-se o desafio de implementar esta
estratégia ambiciosa e de articular efetivamente as diferentes ofertas. A este propósito,
importa referir que, muito embora a INO tenha arrancado logo em 2006, apenas terá
começado a consolidar-se efetivamente em 2007, nomeadamente após a criação da Agência
222
Nacional para a Qualificação e da aprovação do Sistema Nacional de Qualificações (Gomes,
2012, p. 105).
De acordo com Gomes (2012, p. 105), esta consolidação ficou a dever-se efetivamente à
aprovação do Sistema Nacional de Qualificações, que veio regulamentar todas as outras
componentes do sistema, dando, assim, “um forte e decisivo impulso de formalização e
consolidação destas medidas de política”. Tal como se pode ler no preâmbulo do diploma
legal do Sistema Nacional de Qualificações (Decreto-Lei n.º 396/2007), este prossegue os
mesmos objetivos anteriormente definidos pela INO, definindo, para tal, um conjunto de
instrumentos de educação e formação e um modelo institucional, os quais serão
apresentados de seguida.
VI-1.3.1. INSTRUMENTOS DO EIXO DOS ADULTOS DA INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES
Ao nível dos instrumentos52, o diploma de enquadramento do Sistema Nacional de
Qualificações (Decreto-Lei n.º 396/2007) estabelece que as qualificações poderão ser
obtidas através de formações enquadradas no Catálogo Nacional de Qualificações, ou
através de processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (art.
4.º). Estes dois instrumentos irão ser desenvolvidos de seguida.
A) CURSOS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS DO CATÁLOGO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES
O Catálogo Nacional de Qualificações afirma-se como um instrumento de “regulação da
oferta de formação de dupla certificação [de nível não superior], quer ela se desenvolva em
contexto de formação inicial, quer no âmbito da aprendizagem ao longo da vida”
(Preâmbulo da Portaria nº 781/2009), tendo por funções estruturar ofertas formativas ao
definir, para cada qualificação, os respetivos perfil profissional, referencial de formação e
52
Considerando que o principal enfoque deste trabalho se centra sobre as estruturas de implementação e relações entre estas e não sobre os instrumentos de educação e formação propriamente ditos, este ponto referente aos instrumentos não será muito detalhado.
223
referencial de RVCC (website do CNQ53). Neste âmbito, são consideradas modalidades de
formação do Sistema Nacional de Qualificações um vasto conjunto de cursos, dos quais os
potencialmente destinados a um público adulto são os Cursos de Educação e Formação de
Adultos (Cursos EFA) e as Formações Modulares de Curta Duração (UFCD).
Os Cursos EFA são, de acordo com a Portaria n.º 230/2008, cursos de longa-duração de nível
básico ou secundário, de dupla certificação ou certificação escolar, destinados a pessoas
com idade igual ou superior a 18 anos (ou 23 anos, quando se trate de cursos de nível
secundário) e que têm um plano curricular composto por formação de base e formação
tecnológica em contexto de trabalho. Tal como disposto no art. 7.º desse mesmo diploma,
os Cursos EFA são compostos por unidades de formação capitalizáveis que, não obstante
devam ter uma organização integrada e coerente, devem permitir a flexibilidade suficiente
para percursos não contínuos, nomeadamente por parte de adultos que tenham realizado
processos de RVCC.
Já as Formações Modulares são, de acordo com o mesmo diploma legal, formações de nível
básico, secundário ou pós-secundário, e que têm uma menor duração, por forma a permitir
aos adultos o desenvolvimento de percursos flexíveis de duração variável (arts. 36.º e 37.º
da Portaria 230/2008).
Tal como estipulado no diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), o
permanente desenvolvimento e atualização do Catálogo Nacional de Qualificações é
responsabilidade da ANQ, em colaboração com os Conselhos Setoriais para a Qualificação
(art.º 6.º/5). Por sua vez, a promoção dos Cursos EFA e das UFCD cabe a uma vasta rede de
Entidades Formadoras (art. 3.º da Portaria 230/2008), cuja atividade será analisada mais
adiante, ao passo que as funções de acompanhamento e avaliação do funcionamento dos
Cursos são da responsabilidade da ANQ e de outros serviços dos ministérios tutelares (art.
48.º da Portaria 230/2008).
53
http://www.catalogo.anqep.gov.pt/Home/CNQ/. Última consulta em 19 de agosto de 2014.
224
B) PROCESSOS DE RECONHECIMENTO, VALIDAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Os processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências foram, por sua
vez, regulados pela Portaria n.º 370/2008, e estruturam-se através das etapas descritas na
figura abaixo apresentada:
Figura 29. Fases do Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
Fases Atividades envolvidas (e atores incluídos)
Anteriores ao Processo
Acolhimento Atendimento e inscrição dos adultos, incluindo esclarecimento sobre fases do processo e possibilidades de encaminhamento para diferentes ofertas educativas e formativas
Diagnóstico Análise de perfil do adulto através de análise curricular e entrevistas e identificação das potenciais ofertas disponíveis ao nível local ou regional
Encaminhamento Encaminhamento do adulto para oferta de educação ou formação ou para processo RVCC, resultante do acordo entre profissionais e adulto, com base nas características e aspirações deste último
No âmbito do Processo
Reconhecimento Identificação de saberes e competências adquiridas através da metodologia de balanço de competências e da construção de um portefólio reflexivo de aprendizagens
Validação
Avaliação do portefólio reflexivo de aprendizagens do adulto por parte de profissionais, podendo dar-se a situação da necessidade de encaminhamento do adulto para formação complementar de curta-duração (até 50h) ou de maior duração
Certificação
Apresentação do adulto perante um júri, composto pelos profissionais que acompanharam o adulto e por um avaliador externo, que tem por missão avaliar se o adulto tem efetivamente as competências previstas nos referenciais do Catálogo Nacional de Qualificações, podendo dar-se uma certificação parcial ou total
Fonte: produção própria, com base nos arts. 13.º a 20.º da Portaria n.º 370/2008
Tal como é referido no diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), o
desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências
seria competência dos Centros Novas Oportunidades (art. 12.º), estruturas criadas para
substituir os Centros RVCC. Por sua vez, a autorização para a criação de CNOs e o
225
acompanhamento e avaliação do seu funcionamento é assegurado pela Agência Nacional
para a Qualificação (art. 15.º), em articulação com serviços competentes dos ministérios
tutelares (art. 23.º da Portaria 230/2008).
***
Concluída que está a apresentação dos principais instrumentos de educação e formação de
adultos previstos no Sistema Nacional de Qualificações, prossegue-se com a apresentação
das principais estruturas envolvidas no processo de implementação do eixo dos adultos da
Iniciativa Novas Oportunidades.
VI-1.3.2. ESTRUTURA DE DESENHO E IMPLEMENTAÇÃO DO EIXO DOS ADULTOS DA INICIATIVA NOVAS
OPORTUNIDADES
Ao nível das estruturas de desenho e implementação do eixo dos adultos do Sistema
Nacional de Qualificações, os arts. 1.º e 15.º a 17.º do Decreto-Lei n.º 396/2007 estabelecem
que os principais atores envolvidos são: 1) a Agência Nacional para a Qualificação e outros
serviços com competências nos domínios da conceção e da execução das políticas de
educação e formação profissional; 2) os estabelecimentos de ensino básico e secundário, os
centros de formação e reabilitação profissional de gestão direta e protocolares, bem como
outras entidades com estruturas formativas certificadas, na qualidade de Entidades
Formadoras; 3) os Centros Novas Oportunidades.
Nos pontos que se seguem explorar-se-ão as principais funções destes atores, bem como a
forma como estão estruturadas.
A) AGÊNCIA NACIONAL PARA A QUALIFICAÇÃO E OUTROS SERVIÇOS MINISTERIAIS
Começando a análise pela Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), importa referir que a
mesma terá sido criada formalmente através do Decreto-Lei n.º 276-C/2007 de 31 de julho,
sendo um organismo público semiautónomo com tutela conjunta do Ministério da Educação
226
e do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, que veio concentrar as funções dos então
extintos Direção-Geral de Formação Vocacional e Instituto para a Qualidade da Formação.
De acordo com o diploma legal referido, a principal função da ANQ seria assegurar a
coordenação da execução das ofertas de educação e formação profissional de jovens e
adultos, bem como do sistema de RVCC (art. 3.º/ 1), sendo, para tal, necessário desenvolver
um conjunto de atribuições adjacentes nestes domínios, das quais se destacam:
Participar na definição da orientação estratégica de opções políticas;
Propor orientações para modelos de financiamento e de afetação de recursos;
Coordenar, dinamizar, gerir, acompanhar, monitorizar e regular a oferta de educação e
formação profissional de dupla certificação, destinada a jovens e adultos;
Conceber e manter atualizado o Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) com o apoio
dos Conselhos Setoriais para a Qualificação (CSQ)54;
Assegurar a conceção de percursos de educação e formação de jovens e adultos, de
carácter flexível, modular e capitalizável;
Desenvolver e gerir o sistema de reconhecimento, validação e certificação de
competências escolares e profissionais, assegurando a coordenação e monitorização
da rede de Centros Novas Oportunidades, em estreita colaboração com as demais
entidades, públicas e privadas, de formação e certificação;
Mobilizar a procura das ofertas acima referidas, por parte de jovens e adultos;
Participar no desenvolvimento de referenciais de formação, inicial e contínua, de
profissionais envolvidos na gestão e provisão das ofertas acima referidas;
Participar na definição de mecanismos de avaliação integrada e de incentivo à
qualidade, no âmbito das ofertas de educação e formação de jovens e adultos;
Dinamizar a investigação e a inovação nos domínios do currículo, das metodologias e
dos recursos pedagógicos, promovendo a disseminação do conhecimento,
nomeadamente através da dinamização e participação em redes e parcerias de
informação, experimentação e transferência de conhecimento.
54
De acordo com o art. 17.º do diploma legal do Sistema Nacional de Qualificações (DL 396/2007), os CSQ são compostos, entre outros atores, por: “especialistas indicados pelo ministério que tutele o respetivo setor de atividade, por associações sindicais e associações de empregadores representativas dos correspondentes setores de atividade, empresas de referência, entidades formadoras com maior especialização setorial ou regional e peritos independentes …”.
227
Já ao nível da sua estrutura interna, a ANQ tinha, para além de uma direção e de um
conjunto de departamentos de funções de apoio, três departamentos mais orientados para
as políticas que coordena: o Departamento de Referenciais de Qualificação; o Departamento
de Coordenação e Gestão de Centros Novas Oportunidades; e o Departamento de Gestão
Integrada de Sistemas de Qualificação (ver figura seguinte).
Figura 30. Organograma da Agência Nacional para a Qualificação
Fonte: Plano de Atividades de 2008 da Agência Nacional para a Qualificação, p. 7
Importa, por fim, referir que as funções de acompanhamento e avaliação dos processos de
RVCC e dos Cursos EFA eram igualmente desempenhados por serviços competentes dos
ministérios tutelares. No caso dos processos de RVCC, os números 1 e 2 do art. 23.º da
Portaria 370/2008 estipula que as funções de acompanhamento e avaliação do
funcionamento dos Centros Novas Oportunidades devem ser realizadas pela ANQ e por
serviços nacionais e regionais dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social (leia-se
IEFP) e da Educação (leia-se Direções Regionais de Educação - DREs). No caso dos Cursos
228
EFA, a alínea a) do n.º 1 do art. 17.º da Portaria 230/2008 define que a autorização de
funcionamento dos cursos é responsabilidade da direção regional de educação ou da
delegação regional do IEFP, de acordo com a tipologia de entidade formadora. Já as funções
de acompanhamento e avaliação dos Cursos EFA são desempenhadas pela Agência Nacional
para a Qualificação, em articulação com os órgãos nacionais e regionais competentes do
Ministério da Educação (DREs) e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (IEFP)
(n.º 1 do art. 48.º da Portaria 230/2008).
B) ENTIDADES FORMADORAS
Um outro ator fundamental no Sistema Nacional de Qualificações são as Entidades
Formadoras, as quais têm por responsabilidade promover diferentes cursos enquadrados no
âmbito do Sistema Nacional de Qualificações (ver art. 16.º do DL nº 396/2007).
No caso dos Cursos EFA e das UFCD, a Portaria 230/2008 estipula que estas tipologias de
formação poderão ser promovidas por “entidades de natureza pública, privada ou
cooperativa, designadamente estabelecimentos de ensino, centros de formação profissional,
autarquias, empresas ou associações empresariais, sindicatos e associações de âmbito local,
regional ou nacional.” (art. 3.º/1). Como se pode verificar pela composição da rede de
Entidades Formadoras que poderão promover estes cursos de formação, estão integradas
neste grupo organismos dos subsistemas de educação e formação profissional, um facto que
Carmo (2012, p. 132) considera ser revelador do carácter integrador do Sistema Nacional de
Qualificações.
Tal como estipulado na Portaria 230/2008, as entidades acima descritas interessadas em
desenvolver Cursos EFA ou UFCDs devem solicitar autorização de funcionamento dos
respetivos cursos às Direções Regionais de Educação (entretanto extintas) ou às Delegações
Regionais do IEFP territorialmente competentes, apresentando argumentos quanto ao nível
de procura pelos destinatários, às necessidades reais de formação na região, bem como à
sua própria capacidade de resposta em termos de recursos (art. 17.º).
229
Neste sentido, o art. 3.º deste mesmo diploma legal define que compete às Entidades
Promotoras destas tipologias de formação assegurar as seguintes atividades: apresentar os
procedimentos relativos à autorização de funcionamento dos cursos; a apresentar
candidaturas a financiamento; divulgar as ofertas formativas; identificar e selecionar
candidatos; bem como disponibilizar informação que permita o acompanhamento e controlo
do funcionamento dos cursos.
Em relação aos processos de formação propriamente ditos, compete a estas mesmas
entidades, já na qualidade de Entidades Formadoras, assegurar o seguinte (art. 4.º/2 da
Portaria 230/2008):
O planeamento das ações de formação;
Os recursos humanos e físicos necessários ao desenvolvimento dos cursos;
O desenvolvimento das ofertas em conformidade com os referenciais constantes do
Catálogo Nacional de Qualificações;
Os procedimentos relativos à avaliação e certificação das aprendizagens dos
formandos;
A organização e disponibilização de toda a informação necessária para os processos de
acompanhamento e controlo por parte das entidades competentes.
Tal como estipulado na Portaria 230/2008, o funcionamento destes cursos é coordenado por
um Representante da Entidade Formadora, a quem cabe a responsabilidade de organizar e
gerir os cursos (art. 23.º), bem como por uma equipa pedagógica composta por um
Mediador Pessoal e Social e por um conjunto de Formadores (art. 24.º). Ao Mediador cabe,
entre outras funções, as tarefas de acompanhamento e orientação pessoal, social e
pedagógica dos formandos, bem como de dinamização da restante equipa técnico-
pedagógica (art. 25.º). Já os Formadores estão responsáveis por elaborar o plano de
formação, os materiais pedagógicos e instrumentos de avaliação, bem como por
desenvolver a formação propriamente dita (art. 26.º).
230
O funcionamento destes cursos e das Entidades Formadoras é, por sua vez, acompanhado
pelos serviços e estruturas competentes, de âmbito nacional e regional, dos ministérios da
tutela (art. 48.º da Portaria 230/2008).
C) CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES
É ainda relevante destacar o papel dos Centros Novas Oportunidades (CNOs) no âmbito do
Sistema Nacional de Qualificações (art. 15.º do DL 396/2007), estruturas que foram
formalmente criadas através da Portaria n.º 370/2008, em substituição dos Centros de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC).
De acordo com a Portaria n.º 370/2008, a missão dos Centros Novas Oportunidades seria
acolher cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos que não tivessem completado o 12.º
ano de escolaridade e/ou não tivessem uma certificação profissional (art. 1.º),
desenvolvendo as seguintes atribuições (art. 2.º): a) encaminhamento dos adultos para
ofertas de educação e formação que se adequassem ao seu perfil e necessidades; b)
desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências
escolares e profissionais, quer fosse com a finalidade de posterior posicionamento em
percurso de qualificação, quer fosse para fins de certificação escolar e/ou profissional.
A propósito do desempenho das duas atividades acima referidas, importa recordar que está
previsto que a intervenção dos Centros Novas Oportunidades se inicie pela etapa do
acolhimento e diagnóstico do adulto, após a qual o adulto deverá ser encaminhado para um
percurso de formação exterior ao CNO ou para um percurso de RVCC que será desenvolvido
no próprio CNO. Por sua vez, no decorrer do processo de reconhecimento e validação de
competência propriamente dito (ver ponto VI-1.3.1 B) poderá ocorrer uma de três situações:
1) a constatação de que o adulto dispõe de competências suficientes para obter uma
certificação; 2) a identificação de que o adulto necessita de formação adicional de carácter
residual (até 50 horas), o que implica que o adulto frequente formação de curta-duração,
geralmente ministrada por parte do próprio CNO; 3) a identificação de que o adulto
necessita de formação adicional de carácter significativo (mais de 50 horas), o que implica a
231
certificação parcial de competências e o posterior encaminhamento do adulto para soluções
de formação exteriores ao CNO (EFAs e UFCDs). A figura que se segue representa um
fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades e da sua relação
com as Entidades Formadoras.
Figura 31. Fluxograma das etapas de intervenção dos Centros Novas Oportunidades
Fonte: baseado em Gomes e Simões (2007, p. 20)
Considerando os dois grandes grupos de atividades acima descritos, cada CNO deveria
contar com uma equipa composta pelos seguintes elementos:
- Diretor, que tem por funções representar institucionalmente o CNO, de nomear o
presidente de júri de certificação, bem como de homologar as decisões desse mesmo
júri e os diplomas e certificados emitidos (art. 7.º);
- Coordenador (função que pode ser desempenhada em acumulação com a de Diretor),
cuja principal missão é dinamizar a atividade do CNO e a sua gestão pedagógica,
nomeadamente através da elaboração do Plano Estratégico de Intervenção do CNO, da
coordenação das diversas atividades inerentes às diferentes intervenções do CNO, da
realização do diagnóstico local e da promoção de ações de divulgação, bem como da
formação contínua dos elementos da equipa (art. 8.º);
232
- Técnico de Diagnóstico e Encaminhamento, que tem por principal função coordenar e
desenvolver tarefas inerentes ao processo de acolhimento, diagnóstico e
encaminhamento anteriormente descritas (art. 9.º);
- Profissional de RVC, que tem por missão acompanhar os adultos na construção dos
seus portefólios reflexivos de aprendizagem, identificar necessidades de formação e
proceder aos eventuais respetivos encaminhamentos, dinamizar o trabalho dos
formadores, e organizar o júri de certificação (art. 10.º);
- Formador, cujas principais funções são apoiar o adulto e o profissional de RVC no
processo de reconhecimento e validação de competências, bem como de organizar e
desenvolver ações de formação complementar (art. 11.º).
Tal como estipulado na Portaria 370/2008, os Centros Novas Oportunidades poderiam ser
criados por um vasto conjunto de entidades promotoras públicas ou privadas,
nomeadamente “estabelecimentos de ensino, centros de formação profissional, autarquias,
empresas e associações, com significativa expressão territorial ou setorial e capacidade
técnica instalada, em função sobretudo dos setores e públicos a que se dirigem.” (art. 3.º).
Como é possível verificar na figura seguinte, em agosto de 2010, a maioria dos 454 Centros
Novas Oportunidades então existentes encontrava-se sedeada em Escolas Básicas e/ou
Secundárias (43%) e em Centros de Formação Profissional do IEFP (19%). Denota-se, no
entanto, uma considerável variedade de tipologias de entidades promotoras.
233
Figura 32. Distribuição dos CNOs por Tipologia Institucional da Entidade
Fonte: CAINO (2011)
No sentido de poderem constituir um CNO, a Portaria 370/2008 estipula que as potenciais
entidades promotoras deveriam dirigir candidatura à ANQ (art. 4.º), definindo um Plano
Estratégico de Intervenção (PEI) a 2 anos, que deveria conter um conjunto de informações,
das quais se destacam as seguintes (art. 5.º): área de intervenção territorial; áreas de
educação e formação e saídas profissionais em que pretende desenvolver processos de
RVCC; modelo de organização do CNO; parcerias e ações de dinamização local; constituição
da equipa; e, resultados anuais esperados. Do conjunto de informações que deveria constar
do PEI de cada CNO, importa destacar que cada uma destas estruturas estaria circunscrita a
uma determinada área geográfica e contratualizava com a ANQ e o POPH um conjunto de
metas quanto ao número de adultos inscritos e certificados: nível A – 500 inscritos; nível B –
800 inscritos; nível C – 1.300 inscritos; nível D – 1.800 inscritos.
Para além de ter a responsabilidade de analisar as candidaturas das entidades proponentes
à constituição de CNOs, a ANQ tinha também a função de orientar, acompanhar e avaliar o
desempenho das funções dos CNOs uma vez constituídos (art. 23.º). De acordo com a
234
Portaria 370/2008, as atividades de acompanhamento e avaliação dos CNOs por parte da
ANQ deveriam decorrer de forma articulada com os serviços competentes, de âmbito
nacional e regional, dos ministérios tutelares (art. 23º/2), nomeadamente as Direções
Regionais de Educação (entretanto extintas) e as Delegações Regionais do IEFP, nos casos de
CNOs sedeados em escolas e centros de formação profissional.
No âmbito das atividades de orientação dos CNOs, a ANQ produziu, em 2008 e em 2009, um
conjunto de 5 Guias Metodológicos destinados aos CNOs, com informação de apoio
respeitante às seguintes temáticas: 1) ‘Instrumentos de apoio à construção de um projeto
vocacional nos Centros Novas Oportunidades’; 2) ‘A operacionalização de processos de
reconhecimento, validação e certificação de competências profissionais – guia de apoio’; 3)
‘Metodologia de Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento de adultos’; 4) ‘A sessão de
júri de certificação: momentos, atores, instrumentos - roteiro metodológico’; 5) ‘Guia de
operacionalização de cursos de educação e formação de adultos’. Para além destes guias
metodológicos produzidos pela ANQ, os CNOs dispunham ainda de outros documentos de
orientação produzidos pela ANEFA e pela DGFV, nomeadamente o ‘Referencial de
Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível Básico’ de 2002, o
‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível
Secundário’ de 2006, e o ‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação
de Adultos – Nível Secundário: Guia de Operacionalização’, também de 2006.
Ainda a propósito da atividade dos Centros Novas Oportunidades, importa, por fim, salientar
a existência de uma Carta de Qualidade dos Centros Novas Oportunidades elaborada pela
ANQ (Gomes & Simões, 2007). Este documento contém um conjunto de princípios
orientadores da atuação dos CNOs quanto aos processos de acolhimento, diagnóstico e
encaminhamento e de RVCC, bem como quanto ao horário de funcionamento e à
constituição da equipa técnico-pedagógica, ou mesmo ainda quanto à constituição de redes
e parcerias ou à disseminação de resultados, boas práticas e formação.
235
VI-1.4. Concretizações e Desafios à Governação do Eixo Adultos da Iniciativa Novas
Oportunidades
Tal como atrás referido, a Iniciativa Novas Oportunidades foi lançada formalmente em
dezembro de 2005, no âmbito de uma estratégia mais ampla que visava combater o défice
de qualificações da população portuguesa. Para concretizar esse objetivo mais global, foi
definido um conjunto de metas e medidas para o Eixo dos Adultos, no âmbito do documento
de apresentação da Iniciativa Novas Oportunidades (MTSS & ME, 2005, pp. 22-24), das quais
se poderão destacar as seguintes:
1. Alargar ao nível do ensino secundário o referencial de competências-chave a ser
aplicado nos processos de RVCC e também nos Cursos EFA (meta 4 do documento);
2. Realizar uma campanha alargada de informação e sensibilização, nos meios de
comunicação social (meta 7 do documento);
3. Reforçar a oferta de cursos profissionalizantes para adultos – ao nível do 9º e do 12º
ano –, inclusivamente realinhando o modelo de Ensino Recorrente no sentido dos
Cursos EFA, de forma a abranger nestes percursos cerca de 350.000 adultos durante o
período 2006-2010 (metas 1 e 2 do documento);
4. Expansão da Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências de modo a atingir 500 Centros em 2010, e que mais de 650.000 pessoas
obtenham uma certificação de competências (metas 3 e 5 do documento);
5. Alargar substancialmente as possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo
em vista privilegiar o acesso à população empregada, e garantir prioridade a colocação
de desempregados inscritos nos Centros de Emprego nos cursos de formação
profissional (metas 9 e 10 do documento);
6. Rever e melhorar o funcionamento do sistema de RVCC e dos cursos EFA, simplificando
processos e descentralizando competências, assegurando melhores mecanismos de
acompanhamento e maior proximidade entre os serviços e os promotores (meta 6 do
documento).
236
Tendo por base os objetivos acima enunciados, importa analisar se os mesmos terão sido
cumpridos.
Em relação ao primeiro objetivo, foi lançado em setembro de 2006 o documento
‘Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível
Secundário’, ainda editado pela Direção-Geral de Formação Vocacional. Tal como acontecia
com o Referencial de Competências-Chave do Ensino Básico, este documento contemplava
diferentes áreas de competências-chave, nomeadamente nas áreas de ‘Cidadania e
Profissionalidade’, ‘Sociedade, tecnologia e Ciência’ e ‘Cultura, Língua e Comunicação’.
No que diz respeito ao segundo objetivo, foram lançadas quatro campanhas publicitárias
referentes ao Eixo Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades55, cujas principais imagens de
campanha podem ser vistas na figura seguinte.
A primeira dessas campanhas iniciou-se a 7 de março de 2007, tendo como objetivo “...
sensibilizar a população adulta para a importância da qualificação, numa perspetiva de
aprendizagem ao longo da vida, promover e divulgar o Sistema de Reconhecimento,
Validação e Certificação de Competências (RVCC) e o conhecimento da rede nacional de
Centros Novas Oportunidades em funcionamento” (MTSS & ME, 2007, p. 3). Sob o mote
“Agora a minha experiência conta”, esta campanha apresentava três pessoas a
desempenhar as suas tarefas profissionais (um empregado de mesa, uma administrativa e
um operário fabril), que referiam o seu desejo de obter uma qualificação (ver Figura da
página seguinte, imagem do canto superior esquerdo).
Após esta campanha de lançamento, seguiu-se uma outra que envolvia figuras públicas
(entre elas, a jornalista Judite de Sousa, o treinador de futebol Carlos Queiróz e o músico
Pedro Abrunhosa) e que utilizava o mote “Este/a é o/a [Nome da Pessoa] que não acabou os
estudos!”, apelando, assim, às mais-valias profissionais do prosseguimento de estudos (Ver
Figura da página seguinte, imagem do canto superior direito).
55
Para além destas campanhas destinadas aos Adultos, tiveram lugar duas campanhas destinadas aos Jovens, sob os motes “Faz o Secundário aprendendo uma profissão” e “Há cada vez mais profissões na tua escola”.
238
Em jeito de resposta ao mote lançado pela primeira campanha “Aprender compensa”,
surgiu, em setembro de 2008, uma campanha com o título “Aprender já compensou”, a qual
contava com o testemunho de 3 adultos que haviam participado na Iniciativa Novas
Oportunidades e da diretora de formação de uma empresa que havia estabelecido
protocolos com a ANQ no âmbito da INO (Figura da página anterior, duas imagens do
centro).
Em março de 2009 surgiu uma nova campanha, tendo, desta feita, como figura central a
triatleta Vanessa Fernandes (que havia participado na INO), por forma a transmitir a
mensagem da valorização da aprendizagem enquanto investimento pessoal e profissional
(Figura da página anterior, imagem de baixo).
No que concerne ao terceiro objetivo, é possível verificar através da Figura seguinte que
ocorreu, efetivamente, um claro incremento no número de Entidades Promotoras de Cursos
para Adultos, sobretudo em 2008, no caso dos Cursos EFA, e em 2010, no caso das
Formações Modulares. De acordo com Gomes (2012, p. 148), o enorme incremento de
Cursos EFA no ano de 2008 e o interregno em 2006 e 2007, deveu-se, não apenas à
regulamentação destes cursos apenas ter ocorrido em março de 2008, mas também à
abertura de candidaturas a fundos do novo programa quadro 2007-2013 (POPH) para estas
modalidades de formação.
Figura 34. Número de Entidades Promotoras de Cursos para Adultos (2005-2010)
Fonte: Gomes (2012, p. 148), com base em dados do SIGO (31 dezembro de 2010)
190
0 0
1094
767 902
0 0 0
150
347
923
0
200
400
600
800
1000
1200
2005 2006 2007 2008 2009 2010Promotores de Cursos EFA Promotores de Formações Modulares
239
Já no que diz respeito ao número de inscritos, o Documento de Apresentação da INO (MTSS
& ME, 2005, p. 23) determinava que o objetivo para o período 2006-2010 seria certificar
650.000 adultos. De acordo com Carneiro (2011, p. 35), estariam inscritos 8.000 adultos em
Cursos EFA de 9.º ano e não existia qualquer inscrição em Cursos EFA de 12.º ano em 200556,
ao passo que em dezembro de 2010, estariam inscritos 88.012 adultos em Cursos de 9.º ano
e 79.574 adultos em Cursos de 12.º ano. Já ao nível das certificações, Aníbal (2013b: 13) dá
conta de que no período 2006 - Jul. 2011, teriam ocorrido 85.589 certificações totais e
12.635 certificações parciais em Cursos EFA, bem como 981 certificações totais e 349.042
certificações parciais em Formações Modulares. A partir destes resultados é possível
verificar que, muito embora o número de inscrições fosse consentâneo com as metas
definidas, o número de certificações terá ficado claramente aquém do esperado.
Relativamente ao quarto objetivo, é possível verificar-se, através da Figura da página
seguinte, que ocorreu efetivamente uma larga expansão da rede de Centros de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (os quais passaram a ter,
entretanto, a designação Centros Novas Oportunidades), sobretudo nos anos de 2006 e
2008. Como resultado desta expansão da rede existiam em 2010 454 CNOs, um número
relativamente próximo dos 500 inicialmente previstos.
Como também é possível observar através da Figura da página seguinte, o alargamento da
rede fez-se, sobretudo, através do incremento de envolvimento de duas tipologias de
entidades públicas, as Escolas Básicas e Secundárias e os Centros de Formação Profissional
do IEFP. Estas duas tipologias de Entidades Promotoras de CNOs representavam, aliás, cerca
de 62% do universo total em 2010.
56
Não existia ainda esta oferta em 2005.
240
Figura 35. Evolução do número de Centros RVCC/CNOs (2000-2010), por tipologia de Entidade Promotora
Fonte: CAINO (2011), com base em dados da ANQ de 31 de agosto de 2010
Essa expansão permitiu ainda uma significativa profusão regional da qualificação de adultos
em Portugal, já que todos os distritos de Portugal continental dispunham de um significativo
número de Centros Novas Oportunidades e de Promotores de Cursos EFA e de Formações
Modulares – veja-se figura seguinte.
241
Figura 36. Número de modalidades de qualificação de adultos, por distrito (2005-2010)
Fonte: Gomes (2012, p. 157), com base em dados do SIGO, à data de 31/12/2010
242
Atentando à distribuição dos Centros Novas Oportunidades em termos espaciais – veja-se
figura seguinte –, verifica-se ainda que existe uma forte concentração territorial nas cidades
de Lisboa e do Porto e arredores.
Figura 37. Distribuição geográfica dos 456 Centros Novas Oportunidades
Fonte: Apresentação de Power Point “Iniciativa Novas Oportunidades: Principais Resultados” de
junho de 2009
No que se refere às inscrições, certificações e encaminhamentos, Aníbal (2013b, p. 13) dá
conta de que, entre 2006 e julho de 2011, terão ocorrido 1.163.885 inscrições, 410.126
certificações totais, 14.542 certificações parciais e 237.925 encaminhamentos. A partir
destes valores é possível constatar que o número de certificações (totais e parciais) ficou
243
claramente aquém das 650.000 certificações inicialmente previstas. De acordo com Carneiro
(2011, p. 36), o enorme hiato entre o número de inscritos e o número de certificações
concentrava-se, sobretudo, nos objetivos para as certificações no Ensino Secundário, o que
se devia essencialmente ao início tardio da oferta de certificações neste nível de ensino.
No que diz respeito ao quinto objetivo, não foi possível recolher dados quanto aos horários
dos CNOs. Importa salientar, contudo, que a Carta da Qualidade dos CNOs definia que 25%
do número de horas semanais de abertura do CNO deveria ser em horário pós-laboral
(Gomes & Simões, 2007, p. 33). Além disso, o facto de existir um número bastante
significativo de indivíduos empregados inscritos (ver figura seguinte) indicia que um número
considerável de Centros Novas Oportunidades funcionava em horário pós-laboral.
Figura 38. Evolução da percentagem de inscritos nos CNOs, segundo a condição perante o trabalho (2007-2010)
Fonte: Gomes (2012, p. 180)
Além dos indivíduos empregados que se inscreviam nos Centros Novas Oportunidades a
título individual, importa ainda destacar o elevado número de protocolos realizados com
entidades empregadoras, quer seja com Centros Novas Oportunidades singulares (cerca de
8.200), quer seja a nível nacional com a Agência Nacional para a Qualificação (cerca de 120)
(Gomes, 2012, p. 135).
No respeitante ao envolvimento de desempregados nas atividades desenvolvidas pelos
CNOs, os dados da Figura anterior demonstram que existiu um aumento significativo da
244
percentagem de desempregados inscritos em CNOs, sobretudo a partir de 2009, o que se
deveu ao aumento da taxa de desemprego da população portuguesa desde esse ano. Aliás,
em novembro de 2010 viria a ser aprovada legislação que estabelecia que todos os
desempregados inscritos nos Centros de Emprego do IEFP e que não estivessem envolvidos
em processos de formação, deveriam ser encaminhados para Centros Novas Oportunidades
(Despacho n.º 17658/2010).
Por fim, o sexto objetivo concretizou-se através da promoção de um largo conjunto de
iniciativas no âmbito da qualidade, avaliação e regulação, das quais se poderão destacar as
seguintes 57 (Gomes, 2012, pp. 134-136; Aníbal, 2013b; Araújo L. , 2014, pp. 380-381):
Ao nível da qualidade:
o Carta de Qualidade dos Centros Novas Oportunidades, publicada em 2007;
o Sistema de Apoio Informativo e Técnico aos Operadores do Sistema Nacional de
Qualificações, nomeadamente através da elaboração de um conjunto de orientações
técnicas e documentos metodológicos58;
o Bolsa de avaliadores externos do Sistema RVCC e respetivos modelos de acreditação e
avaliação;
o Modelo bottom-up de autoavaliação dos Centros Novas Oportunidades, baseado na
metodologia Common Assessment Framework, desenvolvido pela Universidade
Católica Portuguesa em 2009 e 2010;
o Planos e modelos nacionais, regionais e setoriais de acompanhamento e ações de
formação às equipas dos Centros Novas Oportunidades e dos restantes operadores das
modalidades de educação e formação de adultos, desenvolvidos pela ANQ em
articulação com os organismos regionais dos ministérios tutelares;
57
Recorde-se que Maria do Carmo Gomes é considerada, neste âmbito, uma informadora qualificada, considerando as funções de vice-presidente que desempenhou na Agência Nacional para a Qualificação. 58
Destacam-se, neste âmbito a elaboração, em 2008 e 2009, de 5 guias metodológicos com os seguintes títulos: “Instrumentos de apoio à construção de um projeto vocacional nos Centros Novas Oportunidades”, “A operacionalização de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências profissionais - guia de apoio”, “Metodologia de acolhimento, diagnóstico e encaminhamento de adultos - Centros Novas Oportunidades”, “A sessão de júri de certificação: momentos, atores, instrumentos - roteiro metodológico” e “Guia de operacionalização de cursos de educação e formação de adultos”. Estes guias estão disponíveis em www.anqep.gov.pt (Menu Edições/ Edições a partir de 2008)
245
Ao nível da avaliação e regulação:
o Comissão de Acompanhamento da Iniciativa Novas Oportunidades (CAINO), criada
pela Portaria 73/2010, composta por representantes de diversos organismos dos dois
ministérios tutelares (ANQ; IEFP; GEP-MTSS; GEPE; DGERT; POPH; DREs), das centrais
sindicais e das confederações patronais
o Sistema de Informação e Gestão da Oferta Educativa e Formativa (SIGO) para as
modalidades de educação e formação de adultos, desenvolvido em 2008 com o
objetivo de sistematizar a informação em tempo real e permitir a produção de
relatórios de monitorização mensais, trimestrais, semestrais e anuais;
o Sistemas e estudos de avaliação externa nacionais e internacionais, dos quais se
destacam o estudo encomendado pela DGFV ao CIDEC (Centro Interdisciplinar de
Estudos Económicos), cujos resultados foram publicados em 2007, e, sobretudo, o
estudo encomendado pela ANQ à Universidade Católica, com resultados publicados
em 2010.
Como é possível verificar pelos dados apresentados referentes aos resultados decorrentes
dos objetivos definidos, os objetivos assumidos no âmbito da primeira fase da INO (2005-
2011) foram genericamente cumpridos, à exceção do número de certificações, que ficou
aquém dos objetivos, um facto que Carneiro (2011, p. 37) considera se dever, em grande
medida, ao atraso no arranque efetivo da oferta de nível secundário.
Esta ideia de sucesso, embora relativo, da Iniciativa Novas Oportunidades foi, de igual modo,
confirmada pelos resultados dos primeiros estudos de avaliação da INO. O primeiro desses
estudos de avaliação, desenvolvido pelo CIDEC em 2007, que surgia como aperfeiçoamento
de um outro publicado em 2004, apontava significativas repercussões positivas do
envolvimento dos adultos em soluções de RVCC ao nível da sua autovalorizarão, mas
também ao nível da sua situação face ao emprego e à sua remuneração (CIDEC, 2007, p. 9).
Além disso, o estudo referia ainda que o principal fator crítico do funcionamento do sistema
era a flexibilidade de práticas, o que poderia funcionar como mais-valia ou como risco, tal
como é revelado pela citação abaixo apresentada.
246
“A grande flexibilidade de práticas é, talvez, um dos pontos mais fortes da rede de
Centros de RVCC. Mantém as equipas motivadas e permite adequar o processo às
necessidades específicas dos diferentes públicos (…) [mas] encerra o risco da perda da
qualidade pedagógica, sendo necessário um esforço acrescido de articulação e troca de
informação entre os diferentes atores de modo a garantir diferentes ofertas de
educação e formação de adultos… ” (CIDEC, 2007, p. 54).
Após estes estudos preliminares, a Agência Nacional para a Qualificação contratou, em 2008,
a Universidade Católica para realizar um estudo que tinha por objetivos “por um lado, a
recolha de dados confiáveis sobre a qualidade e os impactos da Iniciativa Novas
Oportunidades (…) e, por outro lado, a capacitação do sistema para a sua autorregulação
futura, através de instrumentos de monitorização permanente (…).” (Carneiro, et al., 2010,
p. 9).
De acordo com os resultados do estudo acima referido (Carneiro, et al., 2010, pp. 9, 11, 18-
20), a Iniciativa Novas Oportunidades destaca-se, em primeiro lugar, por ter registado uma
enorme adesão, quer do lado da procura (adultos), quer do lado da oferta (instituições de
educação e formação), ao ponto de se ter tornado uma ‘marca’ publicamente reconhecida.
O documento destaca também que os adultos inquiridos demonstraram uma elevada
satisfação com a qualidade dos serviços e que sentiram maiores repercussões ao nível das
suas competências de literacia, informáticas e soft-skills em geral, bem como ao nível da sua
autoestima e da motivação para continuar a aprender, ao mesmo tempo que destaca os
impactos na carreira como os menos expressivos (Carneiro, et al., 2010, pp. 10-11, 22-39,
62-72).
No que concerne ao objetivo da capacitação do sistema através do desenvolvimento e
aplicação de um modelo de autoavaliação dos CNOs com base no CAF, a grande maioria dos
diversos profissionais dos CNOs inquiridos consideram que este instrumento foi bastante
relevante para o seu trabalho e para o funcionamento do CNO em geral, na medida em que
permitiu o desenvolvimento de planos de melhoria e de ações corretivas (Carneiro, et al.,
2010, pp. 11, 74-77).
247
O estudo desenvolvido pela Universidade Católica permitiu ainda identificar um conjunto de
desafios para o próximo ciclo da INO (2011-2015), nomeadamente reduzir os tempos de
espera e os atrasos nos CNOs, reforçar a eficácia de outras ofertas, tais como os Cursos EFA,
manter os níveis de qualidade, bem como transformar os CNOs em ‘portas de entrada’ para
a Aprendizagem ao Longo da Vida (Carneiro, 2011, p. 63). Numa apresentação com o
propósito de tornar público este novo ciclo da INO (2011-2015)59, proferida em 2011 pelo
então presidente da ANQ, Luís Capucha (2011), é possível observar um conjunto de
objetivos, dos quais se destacam os seguintes:
- continuar a disponibilizar as medidas que provaram eficácia e eficiência;
- diversificar as ofertas existentes;
- acompanhar/apoiar ex-alunos com projetos de prosseguimento de estudos;
- promover as funções dos CNOs ao nível das funções de orientação, aconselhamento e
encaminhamento, tornando-os ‘portas de entrada’ na formação e na aprendizagem ao
longo da vida;
- reorganizar a rede de CNOs, definindo patamares de contratualização consoante a partir
do desempenho passado60;
- reforçar mecanismos de planeamento da oferta de cursos de dupla certificação;
- envolver crescentemente parceiros no planeamento e numa prospeção permanente do
futuro da rede de ofertas;
- lançar Redes Locais de Qualificação em todo o território.
Em paralelo a estes planos de melhoria, iniciou-se em 2011 um projeto designado ‘Going
Lifelong Learning’ (Going LLL), resultante de uma parceria entre a ANQ e a UCP, que tinha
por objetivos identificar e disseminar boas práticas na INO, bem como modelizar a criação
59
Esta apresentação baseia-se num documento mais pormenorizado intitulado “Linhas Orientadoras para o futuro da Iniciativa Novas Oportunidades”, que se encontra disponível em http://www.anqep.gov.pt/default.aspx?cn=6571AAAAAAAAAAAAAAAAAAAA 60
Numa apresentação proferida em 15/03/2015 e intitulada “Proposta de reorganização da rede de Centros Novas Oportunidades” (CAINO, 2011), é possível observar 3 propostas concretas em relação a este ponto: “1 – Encerramento de Centros Novas Oportunidades com nível de execução muito baixo (considerando a hipótese de substituir alguns); 2 – Reposicionamento dos Centros Novas Oportunidades com baixa execução em patamares de resultados inferiores aos atualmente contratualizados; 3 – Redução do número de patamares e consequente revisão dos resultados associados aos Centros Novas Oportunidades.”
248
de Centros de Aprendizagem ao Longo da Vida (CALVs), enquanto substitutos dos CNOs. De
acordo com a página web deste projeto61, os objetivos mais específicos desta modelização e
do projeto seriam refletir sobre as melhores formas de permitir que os CALVs conseguissem:
a) induzir hábitos de aprendizagem ao longo da vida nos adultos portugueses; b) melhorar os
padrões de qualidade e eficiência dos CNOs; c) melhor ajustar a oferta de modalidades de
qualificação ao mercado de trabalho; d) fortalecer a criação e sustentabilidade de Redes
Locais de Qualificação.
Como é possível observar pelo exposto, a implementação do primeiro ciclo da INO revelava
resultados e impactos positivos, ainda que aquém das expectativas, existindo igualmente um
plano de melhorias a implementar no segundo ciclo, o que demonstrava uma clara vontade
de aperfeiçoamento do sistema. Os resultados positivos da INO descritos deviam-se, de
acordo com Carneiro (2011, pp. 38-39, 56), à conjugação de um conjunto de fatores,
nomeadamente: a) uma liderança e apoio político mobilizadores; b) a criação da ANQ em
2006; c) a publicação da maioria da legislação de enquadramento geral da INO até 2007; d) a
mobilização de financiamento em abundância para suportar a criação/ ampliação do
sistema; e) uma ampla e inesperada adesão da parte da população-alvo; f) o
desenvolvimento crescente de protocolos entre os atores do sistema e empresas; g) o
desenvolvimento do SIGO, um sistema informático de (auto-)monitorização da
implementação da política; h) a criação da Comissão de Acompanhamento da Iniciativa
Novas Oportunidades; i) o desenvolvimento de um processo de avaliação externa da INO,
que tinha por objetivos recolher informação de monitorização mas também de capacitar o
sistema.
Não obstante os resultados positivos apontados pelo estudo desenvolvido pela Universidade
Católica Portuguesa, a INO foi alvo de bastantes críticas, nomeadamente por se considerar
que o método biográfico era promotor de facilitismo e que a pressão da existência de metas
e objetivos impostos aos operadores contratados conduzia a que estes cedessem a práticas
menos regulares (Araújo L. , 2014, p. 385; Capucha, Iniciativa Novas Oportunidades, o
Tempo da Igualdade, 2014, p. 397). Estas críticas iam, assim, ao encontro das preocupações
demonstradas no âmbito do estudo do CIDEC, de 2007, quanto ao risco de perda de
61
http://www.anqep.gov.pt/pagina.aspx?back=1&codigono=65746583AAAAAAAAAAAAAAAA
249
qualidade de práticas pedagógicas, relacionado com a grande flexibilidade de práticas
(CIDEC, 2007, p. 54). De acordo com os críticos da INO, este facilitismo estaria relacionado
com o objetivo de ‘manipulação’ das estatísticas da educação e de propaganda política
(Araújo L. , 2014, p. 385; Capucha, 2014, pp. 396-397). A propósito destas últimas críticas,
importa frisar que a Iniciativa Novas Oportunidades foi uma forte aposta política do XVII e
XVIII Governos Constitucionais (2005-2009; 2009-2011), inclusivamente do Primeiro-
Ministro, o que poderá explicar o facto dessas críticas se terem tornado ainda mais incisivas
durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de junho de 2011. Construi-se uma
representação social de personalização da política, atribuindo-lhe significado enquanto
‘produto’ de um ator do palco eleitoral e desvalorizando a sua substância e finalidades.
Além das críticas já referidas, um estudo encomendado pelo recém-eleito XIX Governo
Constitucional ao Centro de Estudos de Gestão do Instituto Superior Técnico, publicado em
maio de 201262, aponta também o muito reduzido impacto, em termos de empregabilidade
e de remunerações, da frequência de Cursos EFA e de processos de RVCC, sobretudo estes
últimos (Lima, 2012a; 2012b). Estas críticas iam, assim, ao encontro de algumas das
conclusões do estudo anteriormente desenvolvido pela Universidade Católica, que apontava
os impactos na carreira como os menos expressivos da Iniciativa Novas Oportunidades
(Carneiro, et al., 2010, p. 11).
Todas estas críticas foram o principal móbil para o termo da Iniciativa Novas Oportunidades
por iniciativa do XIX Governo Constitucional (2011-2015), cujo programa de governo referia
claramente a necessidade de se proceder à “[r]eestruturação do Programa Novas
Oportunidades, com vista à sua melhoria em termos de valorização do capital humano dos
Portugueses e à sua credibilização perante a sociedade civil” (XIX Governo Constitucional,
2011, p. 115).
Segundo Capucha (2014, pp. 400-401), o processo de termo da INO referido teve início com
um processo de encerramento progressivo de CNOs, começando pelos promovidos por
estruturas do IEFP, e de diminuição da oferta dos que subsistiam, sem anunciar as suas
intenções de forma clara e veiculando a mensagem de que o programa teria terminado, o
62
Este estudo foi publicado já depois da recolha de dados através de questionários e entrevistas, cujos resultados serão analisados mais adiante neste capítulo.
250
que conduziu ao desmantelamento da oferta e à desmobilização da procura. De seguida,
procedeu-se à extinção da ANQ e à sua substituição pela Agência Nacional para a
Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP), através do DL 36/2012, e à extinção formal da
figura dos Centros Novas Oportunidades e sua substituição pelos Centros para a Qualificação
e Ensino Profissional (CQEP), através da Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de maio. De acordo
com Araújo (2014, p. 388), muito embora a Portaria n.º 135-A/2013 preveja a substituição
dos CNOs pelos CQEP, é possível perceber que as atribuições destas novas estruturas se
focam, sobretudo, nas funções de informação, orientação e encaminhamento, ao invés dos
processos de RVCC.
Face ao contexto descrito, Capucha conclui que a “… decisão de liquidação da Iniciativa
Novas Oportunidades foi resultado de opções ideológicas de orientação elitista…” (2014, p.
407), sendo ainda da opinião que a controvérsia em torno da INO se devia ao seu sucesso e
dimensão, e não ao conteúdo dos seus instrumentos, já que estes eram bastante
semelhantes aos implementados no início do séc. XXI pela ANEFA e DGFV (Capucha, 2014, p.
395). A este propósito, Capucha (2014, p. 400) e Aníbal (2013a, p. 23), relembram ainda que
a Iniciativa Novas Oportunidades se suportava em instrumentos que seguiam orientações e
práticas europeias e que a própria INO foi considerada como um caso de boas práticas por
diversas instituições internacionais, tais como a OCDE, a ONU ou a União Europeia.
Em resposta às críticas geralmente apresentadas à INO, Capucha (2014, p. 400) considera
ainda que as teses de facilitismo do sistema não têm qualquer razão de ser, uma vez que a
significativa diferença entre o número de adultos certificados face ao número de adultos
inscritos demonstra bem a dificuldade sentida por estes em concretizar os processos de
RVCC. Nesse mesmo sentido, Aníbal (Aníbal, 2013b, p. 37) observa também que é
particularmente penoso proceder a uma avaliação da INO em termos da empregabilidade
num período de crise económica e de retração do mercado de trabalho.
Além das respostas às críticas apresentadas, Capucha (2014, pp. 403-406) e Araújo (2014,
pp. 391-392) destacam ainda que a INO comportou ganhos não apenas para os adultos
envolvidos, mas também ao nível do próprio sistema, já que possibilitou a efetiva entrada
em agenda da temática da educação e formação de adultos em Portugal, permitiu uma
251
articulação entre atores dos setores da educação e formação, permitiu o desenvolvimento
de um corpo de profissionais especializado nesta tipologia de ações educativas, ao mesmo
tempo que conseguiu mobilizar autarquias e empresas para as temáticas da qualificação.
A criação de um quadro institucional consistente e a continuidade dos atores envolvidos são,
de acordo com Araújo (2014, p. 391), duas grandes conquistas da Iniciativa Novas
Oportunidades e dois fatores essenciais para o sucesso alcançado pela mesma.
No sentido de aferir esta conquista quanto ao quadro institucional, o autor deste trabalho
desenvolveu, no final de 2009 e início de 2010, um estudo (Mota, 2010) em que se
analisavam, entre outros aspetos, as relações estabelecidas entre os Centros Novas
Oportunidades e outros atores institucionais da INO, cujo conteúdo da relação é resumido
na figura seguinte: ANQ e Entidades Regionais de Educação (DREs) e de Formação (Centros
Distritais do IEFP) que funcionavam enquanto estruturas de supervisão, orientação e
monitorização dos CNOs; Entidades Formadoras, para as quais os CNOs encaminhavam
adultos que necessitavam de formação mais prolongada (Cursos EFA e UFCDs); e, outros
CNOs cuja relação poderia passar pela mera transferência de adultos, mas também por
práticas de parceria.
Figura 39. Quadro Relacional dos Centros Novas Oportunidades
Fonte: produção própria, baseado em Mota (2010, p. 78)
CNO
(Estrut. de Implement. Local)
Estrut. do ME e do MTSS
(DREs e CD-IEFP)
- Autorização de funcionamento de cursos EFA
- Orientação e Monitorização (c/ ANQ)
- Autorização de contratação de RH
ANQ
(Coordenação Nacional)
Avaliação da candidatura e do PEI -
Orientação e Monitorização -
Clarificações e Formação Contínua -
Avaliação -
Ent. Formadoras Externas
(de Cursos EFA e UFCDs)
- Informações sobre oferta de cursos
- Receção dos adultos encaminhados para formação
Outros CNOs
(do mesmo território ou não)
- Transferência de Adultos
- Partilha de práticas
252
De acordo com os resultados do estudo acima referido, que tinha uma carácter exploratório
e implicou a aplicação de questionários e de entrevistas a dirigentes de CNOs da região de
Lisboa, a relação entre os CNOs e a ANQ tendia a ser particularmente adequada, sobretudo
ao nível da comunicação, da monitorização de resultados e da disponibilidade para
esclarecer dúvidas e ajudar a resolver problemas (Mota, 2010, pp. 78-79). Os únicos aspetos
negativos referidos são uma certa morosidade na resposta a questões que se prendem com
a plataforma tecnológica de registo de adultos, bem como o difícil cumprimento das metas
de desempenho estabelecidas (Mota, 2010, p. 79). Esta opinião genericamente positiva não
se mantinha, contudo, no respeitante às Estruturas Regionais dos ministérios tutelares,
sobretudo a DRE, estando a crítica mais comum relacionada com a excessiva burocracia e
inflexibilidade de procedimentos quanto à contratação de pessoal e à abertura de Cursos
EFA e UFCDs por parte das Entidades Promotoras dos CNOs (Mota, 2010, pp. 80-81).
Através do estudo foi ainda possível concluir que existia uma significativa tendência para os
CNOs encaminharem adultos para Cursos EFA e UFCDs desenvolvidos pela sua própria
Entidade Promotora, fenómeno que se devia não apenas ao sentimento de necessidade de
‘alimentação’ da oferta formativa in-house, mas também pela dificuldade de deslocação dos
próprios adultos (Mota, 2010, p. 82). Não obstante a incidência deste fenómeno de
‘encaminhamento interno’, os inquiridos neste estudo destacaram também que os CNOs
estariam a aumentar progressivamente o número de protocolos celebrados com Entidades
Formadoras ‘externas’ e que a sua equipa técnica tentava estar sempre atenta à oferta
disponível na região, para que a decisão final do adulto quanto à solução formativa fosse
esclarecida (Mota, 2010, pp. 82-83).
Os resultados do estudo demonstraram ainda não existir uma relação totalmente saudável
entre CNOs. Por um lado, foi possível concluir que as relações entre CNOs se cingiam,
frequentemente, a procedimentos administrativos relacionados com encaminhamentos de
adultos para Entidades Formadoras Externas e com pedidos de transferência entre CNOs
solicitados pelos adultos (Mota, 2010, p. 85). Por outro lado, foi possível também identificar
algumas rivalidades entre CNOs, decorrentes de algumas práticas agressivas de (tentativa)
de ‘recrutamento’ de adultos já inscritos em outros CNOs, bem como de suspeitas de menor
exigência nos processos de RVCC, factos que eram motivados pela pressão do cumprimento
253
das metas de desempenho definidas, que muitos consideravam ser demasiado elevadas
(Mota, 2010, pp. 90-93).
Por forma a resolver alguns dos problemas descritos, alguns dos entrevistados no âmbito do
estudo apontaram a necessidade de se desenvolverem guias metodológicos mais rigorosos e
de se promover maior partilha e reflexão de práticas entre CNOs, não apenas no âmbito de
reuniões entre CNOs organizadas pela ANQ, DREs e IEFP, mas também através da criação de
comissões inter-CNOs (Mota, 2010, pp. 92-96). Através das entrevistas realizadas no âmbito
deste estudo foi, com efeito, possível identificar a emergência de algumas experiências de
parceria entre CNOs, as quais, apesar de estarem em estado ainda incipiente,
demonstravam potencial de desenvolvimento futuro. A pertinência destas sugestões
referidas pelos entrevistados quanto à necessidade de se promover maior partilha e reflexão
de práticas entre CNOs e de estabelecerem mais parcerias entre estas estruturas viria a ser
confirmada pelos objetivos pensados para o novo ciclo da INO (2011-2015), bem como pelos
objetivos do projeto Going LLL anteriormente referidos.
A referência tão clara quanto à necessidade de desenvolvimento de um trabalho em
parceria entre os CNOs, por forma a contornar alguns problemas resultantes de práticas de
competição mais aguerridas, constitui a principal motivação para a realização do estudo
empírico que se apresenta no ponto VI-2 deste trabalho. Aquela necessidade alinha-se,
assim, com as tendências de governação pública descritas no capítulo IV.
VI-2.DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DA GOVERNAÇÃO DAS REDES LOCAIS PARA A QUALIFICAÇÃO E SUA RELAÇÃO
COM O SISTEMA DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS
A Iniciativa Novas Oportunidades foi, como anteriormente referido, uma política pública
particularmente emblemática no panorama da governação pública em Portugal, não apenas
no domínio da Educação, como também em termos gerais. Para além de se debruçar sobre o
grave problema do défice de qualificações da população adulta em Portugal, a INO destacou-
se pela sua dimensão, expressa em termos do financiamento, do número de beneficiários
254
envolvidos e da imensa projeção mediática que conheceu, mas também do carácter
inovador de muitos dos seus instrumentos, ou mesmo ainda das opções de estruturação da
governação do sistema adotadas.
Focando atenção nas questões da estruturação da governação por serem aquelas que mais
interessam para este trabalho, importa recordar as palavras de Gomes (2012, p. 91) que
considerava que um dos aspetos mais marcantes da intervenção da INO seria o seu modelo
de governação neocontratualista. Tal designação decorre do facto de o Governo Central
(neste caso, a ANQ) estar a utilizar um modelo de governação de orientação neoliberal e
suportado na Nova Gestão Pública (veja-se ponto IV-1.1.2), que se baseia no
estabelecimento de um contrato com agentes externos à sua estrutura hierárquica (CNOs)
para a provisão de serviços públicos, no qual são estipulados determinados níveis de
desempenho a atingir.
A propósito da utilização da contratualização externa enquanto modelo de provisão de
serviços públicos por parte da Administração Pública, importa relembrar que a principal
finalidade desta opção é solucionar o problema da ineficiência dos monopólios públicos
através da promoção da competição (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, pp. 15-17;
Sullivan & Skelcher, 2002, pp. 2-6). Tal como anteriormente referido, este modelo relacional
principal-agente poderá comportar, contudo, graves dificuldades por exigir uma clara
especificação do produto e dos objetivos a alcançar, bem como uma capacidade de
monitorização efetiva (Klijn, 2012, p. 205), além de não ser geralmente muito propenso à
emergência de soluções inovadoras devido ao ambiente competitivo geralmente existente
entre implementadores (Torfing, Peters, Pierre, & Sørensen, 2012, p. 15).
Como foi atrás descrito, um estudo desenvolvido pelo autor deste trabalho no início de 2010
identificava exatamente alguns dos problemas acima identificados: por um lado, a
dificuldade de precisão das intervenções dado o seu teor personalizante (tailor-made) e a
extensa e diversificada rede de implementadores adivinhava algumas dificuldades de
monitorização por parte da ANQ, apesar de esta ter disponibilizado diversos instrumentos
de orientação aos CNOs e de os dirigentes dos CNOs inquiridos terem avaliado a capacidade
de monitorização da ANQ de forma bastante satisfatória; por outro lado, alguns dos
255
dirigentes dos CNOs inquiridos queixavam-se quanto ao facto de as metas de desempenho
serem de difícil cumprimento, sobretudo após o processo de expansão da rede ocorrido em
2008 (Mota, 2010, pp. 90-91).
De acordo com os inquiridos do estudo acima referido, as dificuldades de monitorização por
parte da ANQ e a dificuldade de cumprimento das metas eram responsáveis pela
emergência de más práticas no desenvolvimento dos processos de RVCC, bem como de
situações de concorrência bastante aguerrida entre alguns CNOs, sobretudo em territórios
com bastantes CNOs (Mota, 2010, p. 91). Além destas consequências diretas, adivinhava-se
ainda a possibilidade de vir a existir um efeito contagioso de más práticas, face ao
sentimento de que estas compensavam, bem como à deterioração das relações entre CNOs,
instalando-se bastante insegurança na partilha de experiências (Mota, 2010, p. 92).
Estes problemas foram igualmente identificados numa entrevista exploratória realizada no
âmbito deste trabalho, em junho de 2011, com fonte qualificada. Por um lado, naquela
entrevista admitiu-se que a ANQ havia tido, efetivamente, uma reduzida capacidade de
monitorização no arranque da INO e que existia alguma inconsequência aquando da deteção
de problemas. Por outro lado, assumiu-se a existência de momentos de bastante tensão
entre CNOs aquando do alargamento da rede em 2008.
Com o objetivo de contornar as dificuldades em relação à monitorização acima referidas, na
entrevista foi referido que a ANQ, em articulação com as Estruturas Regionais, implementou
um plano de acompanhamento e monitorização em 2008 (entretanto consolidado em 2009
e 2010), que tinha por base 4 níveis: 1) uma reunião anual nacional, se bem que dinamizada
pelas Entidades Regionais; 2) uma visita de monitorização pedagógica e financeira, com uma
amostra de 50 CNOs em cada ano; 3) duas reuniões por ano da ANQ com as Estruturas
Setoriais (DREs, IEFP, etc.) para decisão de questões mais estratégicas; 4) uma task-force
para casos de denúncias de más práticas. Além deste plano, foi ainda referida na entrevista a
importância do SIGO enquanto ferramenta de monitorização permanente, bem como da
Avaliação Externa que havia sido desenvolvida pela Universidade Católica Portuguesa, o qual
havia permitido o desenvolvimento de planos de melhoria e de ações corretivas por parte
dos CNOs.
256
Em relação aos problemas de relação entre CNOs, recolheu-se informação de que a ANQ
apelava, já desde 2008, a soluções de articulação de base territorial, tais como as Redes
Locais de Qualificação que começaram, entretanto, a emergir em alguns pontos do país e
que tinham as potenciais finalidades de definir harmoniosamente as ofertas educativas e
formativas da região e de resolver os problemas entre CNOs.
As duas grandes linhas de intervenção para a melhoria da governação do eixo dos adultos da
INO descritas estão, por conseguinte, alinhadas com as principais preocupações
enquadradas no âmbito da segunda vaga de reformas do setor público ou do modelo da
(Nova) Governação Pública. Por um lado, é possível observar uma maior preocupação de
reforço da capacidade de coordenação vertical, ao aumentar a capacidade de orientação e
monitorização da ANQ e das Entidades Regionais dos ministérios tutelares. Por outro lado,
assiste-se à emergência de parcerias e redes ao nível local no sentido de aumentar a
coordenação horizontal entre os agentes implementadores e de contornar os problemas de
fragmentação e de competição exacerbada decorrentes da estratégia neocontratualista de
estruturação da implementação.
Face a este contexto, importa perceber qual o impacto ao nível da coordenação da adoção
destas estratégias. No sentido de se aferir os impactos destas medidas na governação do
eixo dos adultos da Iniciativa Novas Oportunidades, foi enviado um questionário, em julho
de 2011, para os diretores e/ou coordenadores de todos os 456 CNOs então existentes, com
questões relacionadas com a coordenação vertical e horizontal do eixo dos adultos da
Iniciativa Novas Oportunidades (ver Anexo 4), tendo sido obtidas 113 respostas válidas.
No que diz respeito à coordenação vertical, os resultados do questionário demonstram que
os diretores dos CNOs estavam genericamente muito satisfeitos com o trabalho
desempenhado pela Agência Nacional para a Qualificação (ver Anexo 4, Figura 46). Tendo
por base uma escala de satisfação de 1 a 4, os inquiridos consideram que a ANQ tinha um
desempenho bastante bom em quase todos os domínios identificados (médias superiores a
3). Desta lista de domínios, poder-se-ão destacar a elevada satisfação em relação à
comunicação institucional (µ= 3,42), à produção de orientações que auxiliem a atividade dos
CNOs (µ= 3,35), à promoção da autonomia do CNO na tomada de decisões (µ= 3,35), à
257
promoção da relação dos CNOs com outros atores (µ= 3,19) e com outros CNOs (µ= 3,14) ou
mesmo à monitorização de resultados (µ= 3,12). O único domínio que constitui exceção a
esta avaliação muito positiva do trabalho da ANQ refere-se à ‘promoção da harmonização de
práticas entre CNOs’ (µ= 2,77), em que se registava, no entanto, um nível de satisfação
positivo. Este resultado não tão positivo poderá ser explicado pelo facto de a ANQ
considerar vantajoso atribuir alguma autonomia de trabalho aos CNOs, o que prejudicava,
como já analisado, a harmonização de práticas.
Os resultados do questionário referentes à perceção dos dirigentes dos CNOs em relação ao
trabalho das Direções Regionais de Educação (Anexo 4, Figura 48) revelavam também um
generalizado nível de satisfação, muito embora menos evidente do que o nível de satisfação
em relação ao trabalho da ANQ. É possível verificar, por exemplo, que os domínios com
médias de resultados mais elevadas em relação ao trabalho das DREs eram o da promoção
da relação entre CNOs (µ= 2,85), o da promoção da autonomia do CNO na tomada de
decisão (µ= 2,79), o da promoção da relação dos CNOs com outros atores (µ= 2,77), bem
como o da comunicação institucional (µ= 2,73). Os únicos domínios com avaliação média
negativa foram mesmo os da promoção da harmonização de práticas entre CNOs (µ= 2,37) e
da produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (µ= 2,27).
Os resultados referentes às perceções dos dirigentes dos CNOs em relação ao trabalho dos
Centros Distritais do IEFP (Anexo 4, Figura 49) revelam, por sua vez, um nível de satisfação
bastante inferior, já que todos os domínios têm valores médios iguais ou inferiores a 2,5
(ponto médio da escala). Os domínios que tiveram uma avaliação particularmente negativa
da parte dos dirigentes dos CNOs tutelados pelos Centros Distritais do IEFP foram os da
produção de orientações que auxiliem o trabalho dos CNOs (µ= 2,17), bem como o
encorajamento para produção de metodologias inovadoras (µ= 2,17).
Como se pode verificar pelos resultados apresentados, existia, em meados de 2011, uma
generalizada satisfação com o trabalho de coordenação, orientação e monitorização vertical
realizado pela Agência Nacional para a Qualificação, bem como pelas Direções Regionais de
Educação, resultados que poderiam ter decorrido dos esforços de reforço da coordenação
vertical acima referidos.
258
Em relação à coordenação horizontal, os resultados do questionário relativos às relações dos
CNOs com Entidades Formadoras (Anexo 4; Figura 50) indicam que, muito embora as
entidades formadoras de encaminhamento preferencial fossem a própria entidade
promotora do CNO (µ= 3,60 numa escala de frequência de 1-4), era também bastante
frequente o encaminhamento de adultos para entidades formadoras externas (µ= 3,29).
Relativamente às relações entre Centros Novas Oportunidades, os resultados do
questionário referentes à principal tipologia de relação entre CNOs (Anexo 4; Figura 51)
indicam que mais de metade dos dirigentes dos CNOs inquiridos consideravam que a relação
entre CNOs era primordialmente concorrencial (51,3%), ao invés de a considerarem como
colaborativa (46%) ou isolacionista (2,7%).
Face a estes resultados, tentou perceber-se se as perceções quanto às relações entre CNOs
enquanto concorrenciais eram predominantes em alguns tipos de CNOs, ao cruzar estes
resultados com as variáveis de caracterização do início do questionário (tipologia de
entidade promotora; ano de criação do CNO; nível de metas; e dificuldade na concretização
das metas).
Os resultados destes cruzamentos indicam, por exemplo, que a grande maioria (10 em 12)
dos dirigentes de CNOs cuja entidade promotora pertence à estrutura do IEFP consideravam
que o principal tipo de relação entre CNOs era a concorrência (Anexo 4; Figura 60). De igual
modo, o número de dirigentes de CNOs enquadrados em Escolas Básicas ou Secundárias e
em Entidades Privadas que considerava as relações entre CNOs como concorrenciais era
maior do que aqueles que as percecionam como colaborativas, embora existisse um maior
equilíbrio. Registava-se um predomínio, embora também equilibrado, do número de
dirigentes que consideravam as relações entre CNOs como colaborativas apenas entre os
dirigentes de CNOs enquadrados em Entidades Sem Fins Lucrativos e Outras Entidades
Públicas. De igual modo, foi possível concluir que existia um maior predomínio de perceções
das relações entre CNOs como concorrenciais entre os inquiridos que admitiam que o CNO
que dirigiam tinha bastante dificuldade em concretizar os objetivos de desempenho
contratualizados. Importa assinalar, por fim, que a perceção quanto à principal tipologia de
259
relação entre CNOs parece não ser influenciada pelo ‘nível de metas’ ou o ‘ano de criação’
dos CNOs.
Os resultados apresentados estão, assim, alinhados com alguns dos indícios que já haviam
sido identificados num trabalho anterior (Mota, 2010), que apontavam para o facto de a
dificuldade de concretização dos objetivos de desempenho contribuir para a deterioração da
relação entre CNOs, e para o facto de os CNOs enquadrados em estruturas do IEFP terem
uma postura muito mais concorrencial e orientada para a concretização das metas
contratualizadas.
O predomínio da perceção das relações entre CNOs enquanto concorrenciais contrastava,
contudo, com os resultados que indicavam que 81% dos CNOs, cujos dirigentes foram
inquiridos, pertenciam a redes inter-CNOs (Anexo 4; Figura 52). Estes resultados indicam,
portanto, que existia um significativo número de inquiridos (N=36 – ver Anexo 4; Figura 59)
que consideravam que o principal tipo de relação de CNOs era concorrencial, muito embora
os CNOs de que eram dirigentes pertencessem a redes inter-CNOs.
A partir destes últimos resultados pode-se depreender, portanto, que as redes inter-CNOs
eram, em meados de 2011, uma realidade bastante significativa no panorama da
implementação do eixo dos Adultos da Iniciativa Novas Oportunidades, muito embora
existisse um claro desafio à sua gestão, pelo facto de muitos dirigentes considerarem que as
relações se mantinham como concorrenciais.
Face ao indício acima apresentado, tornava-se necessário perceber com maior detalhe as
dinâmicas internas de metagovernação das redes inter-CNOs, não só quanto ao historial de
criação das redes, aos seus objetivos, às atividades desenvolvidas, como também às
dinâmicas de gestão internas, ou mesmo quanto aos principais resultados alcançados com o
trabalho em rede.
Os pontos VI-2.1 e VI-2.2 deste trabalho debruçam-se exatamente sobre a análise dessas
dinâmicas. No ponto VI-2.1 procede-se a uma análise das dinâmicas acima referidas de 8
Redes Locais para a Qualificação com base na informação recolhida através de entrevistas
aplicadas a representantes de cada uma dessas redes e a outros documentos dessa rede
260
(ex.: protocolos). No ponto VI-2.2 prossegue-se com uma análise das dinâmicas de
metagovernação das Redes Locais para a Qualificação, com base na comparação dos 8 casos
estudados.
VI-2.1. Análise dos Processos de Criação e Gestão de Redes Locais de Qualificação e dos
seus Impactos: Apresentação dos Estudos de Caso
O desenvolvimento das Redes Locais para a Qualificação (RLQ) foi, como atrás referido, uma
realidade bastante evidente nos últimos anos da Iniciativa Novas Oportunidades. Estas redes
resultavam essencialmente da constituição de parcerias, formais ou informais, compostas
por diversos operadores de educação e formação de um determinado território (município,
NUT III, ou região) que se uniam no sentido de promover uma maior articulação naquele
território no âmbito da implementação das políticas públicas de educação e formação,
sobretudo as destinadas aos adultos.
Tal como aponta um documento do projeto Going LLL já referido, os primeiros passos no
sentido da criação das experiências pioneiras das RLQ tiveram lugar em 2007 e 2008 (UCP &
ANQ, 2012, p. 8), muito embora o apelo à colaboração entre operadores fosse já bem mais
antigo. Com efeito, a referência à necessidade de maior articulação entre os operadores
locais de educação e formação (de adultos) surge, desde logo, na Portaria n.º 1082-A/2001
de 5 de setembro – documento legal que estabelecia a criação do Sistema Nacional de
Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências –, nomeadamente no
número 1 do seu art. 14.º, que referia ser da “responsabilidade de todas as entidades
envolvidas a divulgação dos resultados, com vista à melhoria contínua do Sistema Nacional,
a disseminação de boas práticas e a troca de experiências.”.
Já no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, o apelo à colaboração entre operadores
está plasmado na Carta de Qualidade dos CNOs (Gomes & Simões, 2007, p. 35),
nomeadamente no ponto “M – Disseminação de resultados, boas práticas e formação”, que
refere a necessidade de cada CNO cumprir os seguintes requisitos: fazer-se representar em
encontros, seminários e conferências inter-centros; organizar ações de formação internas
261
sobre as dimensões da atividade do Centro; participar em ações de formação/ encontros
promovidos pela ANQ; e, participar em reuniões de acompanhamento. Por outro lado, o
diploma legal que definia os Estatutos da ANQ (Portaria n.º 959/2007) estabelecia na sua
alínea h) do art. 5.º, que competia ao Departamento de Coordenação e Gestão da Rede de
Centros Novas Oportunidades, uma das unidades orgânicas da ANQ, “dinamizar o
estabelecimento de parcerias entre os atores do sistema RVCC e dos sistemas de educação e
formação, promovendo a disseminação de boas práticas”. A este propósito, importa ainda
recordar que o estudo de avaliação desenvolvido pelo CIDEC (ver ponto VI-1.4) apontava a
necessidade de se desenvolver “… um esforço acrescido de articulação e troca de informação
entre os diferentes atores de modo a garantir diferentes ofertas de educação e formação de
adultos… ” (CIDEC, 2007, p. 54), por forma a contornar a potencial fragilidade que poderia
decorrer da grande flexibilidade de práticas.
Não obstante a referência à necessidade do estabelecimento de parcerias e/ou partilha de
práticas entre implementadores locais fosse, como se observa, antiga, não só não existia
uma clara referência à necessidade de constituição de redes ou parcerias propriamente
ditas, como a própria necessidade de colaboração era muitas vezes incompreendida, tal
como é referido na entrevista exploratória (Anexo 1).
Tal como aludido num documento do projeto Going LLL (UCP & ANQ, 2012, p. 8), os
primeiros contactos institucionais, ainda que informais, que viriam a conduzir à criação das
RLQ tiveram lugar, de facto, apenas em 2007 e 2008, muito por força do aumento, em cerca
de 70%, do número de CNOs em 2008. Tal como se depreende da análise anteriormente
realizada e que se confirma em informação recolhida junto de fonte qualificada (Anexo 1),
este aumento do número de CNOs terá implicado não só o aumento de muitos CNOs cujas
equipas não tinham ainda suficiente experiência de desenvolvimento de processos RVCC,
mas também o aumento do número de problemas relacionais entre CNOs pela necessidade
de partilha de territórios de intervenção.
De acordo com o documento referido no último parágrafo (UCP & ANQ, 2012, pp. 8-9), os
principais objetivos subjacentes às Redes Locais para a Qualificação seriam, em primeiro
lugar, a compilação de informação referente às ofertas de educação e formação disponíveis
262
num dado território, por forma a facilitar o trabalho dos técnicos dos CNOs no
encaminhamento dos adultos para percursos de formação63. Além destes objetivos mais
simples, esse mesmo documento refere que as redes poderiam ter objetivos de
racionalização dos recursos disponíveis e de evitação de sobreposição das ofertas, através
de uma maior articulação entre a oferta e a procura de ofertas educativas e formativas
naquele território (UCP & ANQ, 2012, p. 10). Por fim, poderiam as ditas Redes Locais para a
Qualificação servir propósitos de partilha de dificuldades e experiências entre profissionais,
bem como de harmonização e melhoria de procedimentos (UCP & ANQ, 2012, p. 10).
Tendo a atenção a tipologia de redes proposta por Keast, Brown e Mandell (2007, p. 27) (ver
ponto IV-2.1. deste trabalho), os possíveis tipos de redes que poderiam surgir face aos
diferentes objetivos das Redes Locais para a Qualificação seriam Redes de Cooperação,
quando os objetivos fossem somente de partilha de informação básica e de tentativa de não
sobreposição, e Redes de Coordenação, quando os objetivos das redes fossem mais
ambiciosos e passassem por uma partilha de experiências e harmonização de práticas.
Apesar da adequação desta tipologia aos casos de estudo, a tipologia de Scharpf (1994)
parece ser ainda mais adequada a esta situação, já que as grandes diferenças entre objetivos
das RLQ se resumem a uma coordenação de atividades por forma a evitar sobreposições
(coordenação negativa), ou a uma coordenação de atividades com a finalidade de
harmonização e melhoria de práticas (coordenação positiva).
Como se poderá imaginar face ao descrito, os processos de criação e gestão das Redes Locais
para a Qualificação terão estado envoltos num amplo conjunto de desafios de
metagovernação, aos quais terão estado associadas diferentes estratégias para os tentar
solucionar.
Nos pontos que se seguem serão analisados exatamente os processos relativos a 8 Redes
Locais para a Qualificação, de acordo com os parâmetros já referidos no ponto V-2: 1)
antecedentes de relacionais; 2) principais atores mobilizadores; 3) primeiras dinâmicas; 4)
tipologia de objetivos; 5) dinâmicas de institucionalização; 6) dinâmicas de liderança; 7)
Impactos. Esta análise terá por base informação recolhida através de entrevistas aplicadas a
63
Para maiores detalhes sobre os motivos para estes encaminhamentos, ver ponto VI-1.3 deste trabalho.
263
representantes de cada uma dessas redes, complementadas, sempre que possível, com
fontes documentais, tais como protocolos de cooperação.
VI-2.1.1. A REDE DE CENTRO NOVAS OPORTUNIDADES DO ALGARVE (CASO A)
A Rede de Centros Novas Oportunidades do Algarve foi uma rede composta por 17 CNOs da
região NUT II do Algarve64 promovidos por um diversificado conjunto de entidades: 10
escolas secundárias; 1 escola de hotelaria e turismo, 1 centro de formação profissional do
IEFP; 4 associações sem fins lucrativos; e, 1 associação empresarial.
De acordo com informação recolhida (Anexo 6.1), os primeiros contactos que deram, mais
tarde, origem à constituição desta rede surgiram na sequência do alargamento da rede de
CNOs em 2006, sobretudo através do aumento do número de escolas enquanto entidades
promotoras. Tal como reportado, as primeiras reuniões entre CNOs terão sido fomentadas
pelos diretores e/ou coordenadores de CNOs promovidos por 3 Escolas Secundárias, com o
objetivo de interpretar a legislação enquadradora do funcionamento dos CNOs e de começar
a colocar os seus próprios CNOs a funcionar. Como referido na entrevista, outro facto
essencial no processo de criação da rede terá sido também a criação, em 2008, da figura do
Técnico de Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento (ADE) em todos os CNOs, os quais
se depararam com a falta de informação consolidada sobre a oferta formativa disponível na
região. A identificação desta dificuldade terá sido, então, reportada por estes técnicos aos
diretores, que, por sua vez, reportaram à Direção Regional de Educação do Algarve (DREAlg).
Face a este problema, a DREAlg começou a promover reuniões que incluíam operadores de
educação e formação de toda a região do Algarve em 2008, no sentido de organizar a oferta
formativa da região.
64
Os CNOs pertencentes à Rede eram promovidos pelas seguintes entidades: Escola Secundária Júlio Dantas – Lagos; Escola Secundária Poeta António Aleixo – Portimão; Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes – Portimão; Escola Secundária Padre António Manuel Oliveira – Lagoa; Escola Secundária de Silves; Escola Secundária de Albufeira; Escola Secundária de Loulé; Escola Secundária Dr. Francisco F. Lopes – Olhão; Escola Secundária 3EB Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira; Escola Secundária de Vila Real de Santo António; Escola de Hotelaria e Turismo de Faro; Instituto Emprego Formação Profissional – Centro de Formação Profissional de Faro; Vicentina - Associação para o Desenvolvimento do Sudoeste – Bensafrim; Santa Casa da Misericórdia de Albufeira; ASMAL, Associação de Saúde Mental do Algarve – Loulé; Associação IN LOCO – São Brás de Alportel; NERA, Associação Empresarial da Região do Algarve – Loulé.
264
O momento que poderá ser indicado como fundador da Rede de CNOs do Algarve terá sido,
por sua vez, um encontro sobre ofertas formativas promovido pelo CNO da Escola
Secundária de Silves, em janeiro de 2009. De acordo com informação recolhida, o ritmo da
rede foi, portanto, inicialmente imposto precisamente pelos Técnicos de ADE, mas
rapidamente começou a existir a vontade de alargar a participação aos Profissionais de RVCC
e, posteriormente, aos Coordenadores, o que acabou por aportar um maior nível de
formalidade ao trabalho da rede.
Tal como consta do Protocolo da Rede de CNOs do Algarve, os principais objetivos desta
rede eram: a) reflexão e desenvolvimento conjunto de metodologias e estratégias de
intervenção; b) realização de encontros territoriais para troca de experiências com
frequência trimestral; c) planificação e organização de atividades conjuntas de divulgação e
promoção da INO; d) articulação da oferta formativa às necessidades da região. Esta
informação foi confirmada através da informação recolhida em entrevista, que referiu que
os principais objetivos da rede seriam, num primeiro momento, a compreensão dos
instrumentos do processo RVCC, a que se seguiram objetivos de compilação de informação
sobre a oferta formativa da região, bem como de partilha de dificuldades e experiências, o
que poderia constituir uma forma de suprir lacunas de formação contínua dos profissionais e
técnicos dos CNOs.
No referente às atividades da rede, a partir da entrevista foi possível identificar um amplo
conjunto de atividades, as quais eram desenvolvidas, sobretudo, no quadro de sub-redes,
uma por cada das 5 sub-regiões do Algarve. Em primeiro lugar, importa referir as reuniões
de Técnicos de ADE, que começaram a realizar-se em 2008, uma a duas vezes por ano. A
partir de 2009, começou a ter lugar também um trabalho de articulação entre Profissionais
de RVCC e Formadores de toda a região, com o intuito de partilhar casos e experiências. Por
fim, importa ainda referir que os coordenadores dos CNOs começaram a reunir-se
trimestralmente a partir de 2010. Além destes encontros, existia um encontro anual que
juntava diferentes pessoas de CNOs de toda a região do Algarve, o qual tinha por objetivos a
promoção do convívio entre os diferentes trabalhadores dos CNOs e de momentos de
formação em conjunto.
265
Em relação às dinâmicas de gestão da rede, importa referir, desde logo, a assinatura de um
protocolo entre parceiros a 5 de dezembro de 2011, que continha apenas um conjunto de
objetivos e compromissos bastante genéricos. De acordo com informação recolhida, a rede
de CNOs do Algarve preferiu ir desenvolvendo o trabalho no terreno e apenas
posteriormente formalizar a cooperação, uma necessidade que surgiu na sequência do início
das reuniões entre coordenadores. Nas dinâmicas de liderança/ coordenação, verificou-se
não existir uma liderança formal, muito embora se registasse uma coordenação informal,
baseada em processos de voluntarismo individual.
Quanto aos resultados e impactos, foi destacada a criação de um espírito de equipa regional,
decorrente de um estreitamento das relações entre os recursos humanos dos diferentes
CNOs. Apontou-se ainda o desenvolvimento de uma atitude de partilha e de transparência
entre CNOs no respeitante às suas atividades, o que terá gerado uma maior harmonização
de práticas. Além destes aspetos, foi ainda destacada uma perceção de maior eficácia e
eficiência na condução dos processos de RVCC e de Encaminhamento para Ofertas
Formativas, bem como o desenvolvimento de planos de ação e melhoria da qualidade
conjuntos. Por fim, sublinhou-se a maior proximidade que se estabeleceu com os próprios
atores de tutela, já que alguns contactos passaram a ser realizados pela Rede após uma
articulação entre parceiros, referindo-se até que a Rede estaria porventura a diminuir o
fluxo de contactos dos CNOs com a ANQ para esclarecimento de dúvidas.
Enquanto principais fatores facilitadores para a constituição e desenvolvimento da Rede
foram destacados o apoio da ANQ e da DRE através do acarinhamento das iniciativas da
Rede, a informalidade relacional pré-existente e entretanto desenvolvida, bem como o
reduzido nível de conflito entre CNOs anterior à constituição da Rede, apesar de existir um
estilo de trabalho isolacionista.
As principais dificuldades identificadas incidiram sobre a elevada distância geográfica que
separava os diferentes CNOs, o que dificultava a promoção de reuniões com todos os CNOs
da região do Algarve. Foi ainda referida a dificuldade que os CNOs promovidos por Centros
de Formação do IEFP tinham em ‘libertar’ os seus profissionais para as reuniões, o que se
devia, sobretudo, à estrutura bastante hierarquizada do IEFP. Por fim, foi referido a
266
indefinição existente face ao futuro do funcionamento dos CNOs e da própria INO. Na
entrevista foi referido, por fim, que a informalidade da liderança aportava, por vezes,
algumas dificuldades na exigência de maior agilização no trabalho em conjunto.
VI-2.1.2. O FÓRUM DE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES DO VALE DO AVE (CASO B)
O Fórum de Centros Novas Oportunidades do Vale do Ave era uma estrutura composta por
um conjunto de CNOs da região NUT III do Ave65. Esta estrutura foi constituída formalmente
em 2009 e era inicialmente composta por 15 CNOs66 promovidos por 7 Escolas Secundarias e
Básicas, 1 associação de municípios, 3 agências ou associações de desenvolvimento regional,
3 associações empresariais e de 1 centro tecnológico industrial. Posteriormente, o Fórum
passou a incluir também mais 8 CNOs67 promovidos por 4 Escolas Secundárias, 2
cooperativas de ensino, 1 centro de formação profissional do IEFP e 1 associação para a
educação. Além dos CNOs indicados, faziam ainda parte do Fórum 3 Entidades de Apoio
Técnico68, a Direção Regional de Educação do Norte (DREN), bem como representantes de
duas redes de CNOs dos municípios de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que estavam
inclusas no Fórum. Considerando a totalidade de CNOs da região, não faziam parte do Fórum
os CNOs promovidos por 2 Escolas Básicas ou Secundárias, 1 Escola Profissional, 1 associação
empresarial e 1 centro de formação do IEFP.
65
A região NUT III do Ave é composta pelos municípios de Cabeceiras de Basto, Fafe, Guimarães, Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Vizela. Fizeram parte desta NUT III num passado recente os concelhos de Santo Tirso e Trofa. 66
Os CNOs pertencentes ao Fórum eram os seguintes: CNO Vale do Ave, da AMAVE; CNO Escola Secundária das Caldas das Taipas; CNO Sol do Ave; CNO ADCL; CNO CITEX; CNO ADRAVE; CNO Associação Empresarial de Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto; CNO Escola Secundária de Fafe; CNO Mútua de Basto; CNO Câmara Municipal de Santo Tirso; CNO Escola Secundária Francisco de Holanda; CNO Escola Secundária Camilo Castelo Branco; CNO Escola Secundária Padre Benjamim Salgado; CNO EB 2,3 Gil Vicente; CNO Escola Secundária Martins Sarmento. 67
Os CNOs que se juntaram ao Fórum mais tarde eram: CNO CIOR – Cooperativa de Ensino de Vila Nova de Famalicão, C.R.L; CNO CITEX – Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil; CNO da Escola Secundária Caldas de Vizela; CNO da Escola Secundária da Trofa; CNO da Escola Secundária de Tomaz Pelayo; CNO da Escola Secundária D. Afonso Henriques; CNO Didaxis Cooperativa de Ensino, C.R.L; CNO FORAVE – Associação para a Educação do Vale do Ave. 68
As entidades em questão são as seguintes: DSI - Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho; CCG – Centro de Computação Gráfica de Guimarães; Régie Cooperativa VARD 2015 – Vale do Ave Região Digital
267
Tal como referido no preâmbulo da Declaração de Princípios do Fórum assinado em 24 de
abril de 2009, os contactos que deram, mais tarde, origem à constituição deste Fórum
surgiram na sequência de uma parceria regional estabelecida em 2001 no sentido da
constituição do Centro RVCC da Associação de Municípios do Ave (AMAVE), localizado em
Guimarães. Como referido neste mesmo documento, a posterior constituição de CNOs em
algumas das entidades envolvidas nesta parceria terá aberto uma oportunidade para o
estabelecimento de parcerias entre o CNO da AMAVE e outras entidades da região, das
quais se destaca a parceria com a Escola Secundária das Caldas das Taipas. De acordo com
informação recolhida em entrevista (Anexo 6.2) e em documento já referido, terá sido no
âmbito desta parceria que se terá considerado a possibilidade de dirigir um convite a todas
as entidades que estivessem a promover CNOs na região do Ave, o qual foi acolhido com
bastante interesse por diversas entidades, e que deu origem a uma reunião preparatória.
Como é referido na Declaração de Princípios do Fórum, a atividade do Fórum tinha por
principal objetivo ser uma estrutura de fomento do diálogo, cooperação e articulação entre
as diversas entidades gestoras de CNOs da região, nomeadamente através de um largo
conjunto de atividades, das quais se poderão destacar as seguintes: a) construção de uma
plataforma tecnológica para disponibilização de informação, nomeadamente da oferta
formativa; b) organização de reuniões de trabalho de cooperação e articulação entre
coordenadores dos CNOs; c) organização de oficinas de formação para membros das equipas
técnico-pedagógicas dos CNOs; d) organização de seminários e encontros subordinados à
temática da educação e formação de adultos; e) promoção de eventos de partilha de
experiências dos adultos; f) celebração de protocolos com empresas e associações
empresariais. Os objetivos das Redes de CNOs enquadradas dentro do Fórum seriam
inicialmente de promoção da gestão do território, por forma a evitar situações de
concorrência aguerrida, a que se seguiu uma fase de maior consciência coletiva, à medida
que as dificuldades relacionais se foram esbatendo.
Quanto às atividades do Fórum, importa destacar a criação de diferentes grupos de trabalho
que se dedicaram a um amplo conjunto de atividades, das quais se destacam a criação da
268
plataforma tecnológica69, em 2009, a realização de 2 Encontros de Técnicos de ADE e de 1
encontro de Profissionais RVCC, a organização do 4.º Encontro Nacional de CNOs, em 2010,
bem como a realização de uma análise SWOT aos CNOs do Fórum70 e de um Estudo de
Avaliação de Impacto da Certificação de Nível Básico de Adultos71. Além destas atividades,
importa ainda destacar o apoio disponibilizado para a criação da ‘Associação de Adultos
Fórum CNO do Vale do Ave’ (AANOVA), bem como a produção de um documento de
reflexão sobre o Futuro da Iniciativa Novas Oportunidades, no âmbito do 3.º Encontro de
Centros Novas oportunidades do Vale do Ave, realizado em 2011.
Em relação às dinâmicas de gestão da rede, importa referir a assinatura da Declaração de
Princípios relativamente pormenorizada, em 24 de abril de 2009, o que significa que este
momento de formalização teve lugar logo no início do funcionamento do Fórum.
Já quanto às dinâmicas de liderança, a Declaração de Princípios refere a criação de uma
Comissão Executiva, a qual deveria ser integrada por representantes de 3 entidades
parceiras e que teria por missão assegurar a coordenação do funcionamento do Fórum. De
acordo com a pessoa entrevistada, a constituição desta Comissão Executiva e dos Grupos de
Trabalho acima referidos terá sido uma forma para combater situações de oportunismo por
alguns atores e para promover consensos.
No referente aos resultados e impactos, recolheu-se informação que destaca diferentes
aspetos, de entre os quais uma maior proximidade relacional entre as equipas técnico-
pedagógicas dos diferentes CNOs, a possibilidade da partilha e harmonização de práticas,
bem como a criação de uma lógica de rede nos processos de encaminhamento de adultos.
Além destas mais-valias, é ainda referido como mais-valia do trabalho em parceria um certo
esbatimento da rivalidade entre CNOs anteriormente existente.
69
O endereço da Plataforma Tecnológica é http://www.forumcnos.avedigital.pt, encontrando-se ainda ativa em agosto de 2014. 70
O documento resultante desta análise SWOT pode ser consultado em https://drive.google.com/file/d/0B8_nTu_7XqwNMDg3MDM3ZjAtMjJjZi00OWQ4LWE5MTYtZWU1ZjgxOTQwNDNl/view?pli=1 71
Este estudo foi realizado no âmbito de uma dissertação de mestrado e pode ser consultado em http://www.forumcnos.avedigital.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=115:avaliacao-do-impacto-das-certificacoes-rvcc-nos-cno-do-vale-do-ave&catid=37:ultimas-noticias&Itemid=59
269
As principais dificuldades identificadas referem-se à viabilização de reuniões entre os
parceiros devido à distância geográfica, a existência de algumas tensões devido à
competição entre CNOs, bem como as dificuldades de compatibilização entre diferentes
tipologias de entidades promotoras, sendo dado o exemplo dos CNOs promovidos por
centros de formação do IEFP. Além destes aspetos, uma outra dificuldade identificada foi a
indefinição quanto ao futuro da INO.
VI-2.1.3. A REDE DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS E JOVENS DE BRAGA (CASO C)
A Rede de Educação de Adultos e Jovens de Braga (REAJ) constitui-se como uma rede
composta por organismos do município de Braga dedicados à educação de adultos mas
também de jovens, embora particularmente orientada para os primeiros. Faziam parte desta
rede os 9 CNOs existentes no município de Braga72, que eram promovidos por 3 escolas
secundárias, 1 escola profissional, 1 centro de formação do IEFP, 1 empresa de consultoria, 2
associações comerciais ou industriais e 1 associação de ligação universidade-empresas. Além
destes CNOs, faziam também parte da rede 12 agrupamentos de escolas, 6 escolas e 4
escolas profissionais, bem como a Câmara Municipal de Braga, a Direção Regional do Norte
(DREN) e a Delegação Regional Norte do IEFP.
De acordo com informação recolhida na entrevista (Anexo 6.3), os primeiros contactos que
viriam a dar origem à rede foram desenvolvidos na sequência do alargamento do número de
CNOs no final de 2008, por iniciativa da Equipa de Apoio às Escolas da DREN, que, no âmbito
do seu trabalho de articulação e regulação da oferta de formação, assumiram a iniciativa de
mobilização dos atores para a criação desta rede. Não obstante a importância deste papel
mobilizador da DREN, os CNOs envolvidos rapidamente assumiram a iniciativa de
estruturação das ações e dos projetos da rede no sentido de facilitarem a articulação entre a
procura e a oferta de formação, segundo informação recolhida em entrevista.
72
Os CNOs em questão eram promovidos pelas seguintes entidades: Escola Profissional de Braga, Escola Secundária Alberto Sampaio, Escola Secundária Carlos Amarante, Escola Secundária de Maximinos, ACB – Associação Comercial de Braga, AIMinho – Associação Industrial do Minho, IPME – Instituto PME Formação S.A., TecMinho e Centro de Formação Profissional de Braga.
270
Tal como consta do Protocolo da REAJ, os objetivos desta rede seriam: a) promover a
regulação da oferta de educação e formação; b) facilitar a mobilização dos adultos para as
ofertas; c) promover a melhoria da qualidade de intervenção dos elementos da rede,
nomeadamente através da partilha e reflexão de práticas metodológicas; d) fomentar a
reflexão aprofundada sobre as políticas de educação e formação municipais. Esta
informação é confirmada em entrevista, onde se refere que o principal objetivo inicial seria a
regulação da oferta formativa, a que se seguiram objetivos de promoção de articulação
entre oferta e procura de formação e de capacitação das equipas técnico-pedagógicas dos
CNOs recém-criados.
Através da entrevista foi possível identificar também que as principais atividades da rede
foram, numa primeira instância, a criação, em 2009, da ‘Plataforma Novas Oportunidades
em Braga’73 na qual seria divulgada toda a oferta educativa e formativa do município, bem
como a realização de reuniões de articulação da oferta formativa. Recolheu-se ainda a
informação de que após a assinatura do protocolo de cooperação no início de 2010, foram
promovidas atividades mais amplas, tais como a realização de reuniões de partilha, reflexão
e harmonização de práticas entre equipas técnico-pedagógicas de CNOs, a promoção de
atividades conjuntas de divulgação integrada da oferta formativa de todos os parceiros, bem
como a organização de um seminário de reflexão sobre a articulação das necessidades de
formação do município, já no início de 2011. Além destas atividades desenvolvidas, importa
destacar a referida intenção da REAJ em criar um Observatório sobre Educação, Formação e
Emprego no concelho de Braga.
Em relação às dinâmicas de gestão interna da rede, importa, antes de mais, mencionar a
assinatura de um protocolo, a 19 de fevereiro de 2010, no qual são definidos, com algum
grau de detalhe, os parceiros envolvidos, os fundamentos e os objetivos da REAJ, as
atividades a desenvolver, bem como a estrutura de gestão.
A estrutura de coordenação/liderança referida no âmbito do protocolo surgia na figura de
uma Comissão de Acompanhamento, a qual era composta por um representante de cada
73
Esta plataforma pode ser consultada em http://cno.bragadigital.pt/ (acesso em agosto de 2015)
271
uma das 9 tipologias74 de entidades presentes na rede. De acordo com o protocolo, a
Comissão de Acompanhamento deveria reunir bimestralmente e teria como principais
funções convocar reuniões que envolvessem todos os parceiros, dinamizar e aprofundar os
eixos de atuação da cooperação, e analisar os aspetos relativos ao funcionamento da rede. A
informação recolhida aponta ainda para o facto de esses membros da Comissão de
Acompanhamento terem desempenhado diferentes tarefas de acordo com as suas
apetências e competências pessoais.
A rede teve impactos de diversas ordens. Em primeiro lugar, foi destacado a aproximação
relacional entre diferentes agentes de educação e formação, o que se afirma como uma
clara mudança face à situação anterior à rede. De igual modo, foi destacado como mais-valia
da REAJ uma maior regulação da oferta de educação e formação e adequação desta à efetiva
procura, ao ponto de ter existido candidaturas conjuntas a financiamento do POPH. Por fim,
foi ainda referido o impacto ao nível da formação das equipas técnico-pedagógicas e do
aumento da qualidade das intervenções, bem como uma maior aproximação nas práticas
metodológicas desenvolvidas por cada CNO, por vias da ‘autorregulação’ existente no seio
da própria rede.
No que concerne aos principais fatores facilitadores dos resultados colaborativos, refere-se
o grau de informalidade da rede e voluntarismo das relações, bem como o envolvimento de
um amplo e diversificado conjunto de parceiros operacionais e de parceiros com
responsabilidades mais estratégicas.
Como principais fatores inibidores realçam-se a reduzida cultura de parceria existente, o que
fez com que alguns parceiros estivessem sistematicamente a aferir quais os ganhos a curto-
prazo em participar na rede. De igual modo, foi referido que existia demasiada dependência
da dedicação de um conjunto limitado de indivíduos, o que acarretava dificuldades até no
equilíbrio com o trabalho desenvolvido para as suas entidades de ‘origem’. Foram ainda
mencionadas dificuldades operacionais relacionadas com o facto de financiamento de
atividades desenvolvidas no âmbito da rede, considerando os problemas associados à
74
As 9 tipologias em questão eram: Câmara Municipal de Braga; Direção Regional de Educação do Norte; Instituto de Emprego e Formação Profissional; Agrupamentos de Escolas; Centros Novas Oportunidades das entidades privadas; Centros Novas Oportunidades das escolas públicas; Escolas Profissionais; Escolas Secundárias; Escolas Particulares e Cooperativas.
272
partilha de custos e à sua justificação contabilística. Por fim, são referidos problemas de
articulação com os parceiros mais institucionais da rede, tais como a Câmara Municipal de
Braga, a Direção Regional de Educação do Norte e a Delegação Regional do IEFP, por serem
estruturas mais formais e, por isso, menos flexíveis.
VI-2.1.4. A REDE DE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES DA FRENTE RIBEIRINHA DO TEJO (CASO D)
A Rede de Centros Novas Oportunidades da Frente Ribeirinha do Tejo foi uma rede
composta por 4 Centros Novas Oportunidades dos municípios do Barreiro, Moita e Montijo,
promovidos por 3 escolas secundárias e 1 escola profissional75. Considerando a totalidade de
CNOs destes municípios, ficaram de fora da rede 3 CNOs promovidos por centros de
formação do IEFP, 1 associação de formação profissional e 1 escola secundária.
Os primeiros passos para a constituição desta rede ocorreram no final de 2008, aquando do
evento de inauguração de um dos CNOs da rede, que contou com a presença da direção da
ANQ, e durante o qual se chegou à conclusão que seria benéfico criar uma rede regional de
CNOs. Terá sido precisamente o CNO inaugurado nesse evento o principal agente de
mobilização da criação da rede e de envolvimento dos diferentes parceiros, o que decorreu
dos próprios hábitos de trabalho em parceria da sua entidade promotora.
No que se refere aos objetivos, importa destacar, desde logo, a questão da autoformação
das equipas de forma articulada, considerando que os CNOs haviam sido criados há pouco
tempo e a formação disponibilizada pela ANQ era considerada insuficiente, daí que as
equipas dos CNOs se sentissem mais seguros ao fazer a ‘descodificação’ das orientações e
referenciais em conjunto, promovendo a harmonização de práticas. De igual modo, era
também objetivo da rede proporcionar um maior conhecimento sobre as ofertas de
formação disponíveis na região, por forma a facilitar os processos de encaminhamento.
75
O protocolo foi assinado pelas seguintes entidades: Escola Secundária Alfredo da Silva, do Barreiro; Escola Secundária Poeta Joaquim Serra, do Montijo; Escola Profissional do Montijo e a Escola Técnica Profissional da Moita.
273
As principais atividades desenvolvidas centraram-se, por conseguinte, na realização de
reuniões específicas para diferentes tipos de profissionais, inicialmente quase com uma base
mensal, na dinamização de eventos e workshops subordinados às temáticas da educação e
formação, em como na criação de uma plataforma de Gestão da Oferta Formativa, a qual foi
bastante incentivada pela Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).
Em relação às dinâmicas internas de gestão da rede, importa destacar a assinatura de um
protocolo em 2008, logo no início da rede.
Já em relação às dinâmicas de liderança, foi referido não existir qualquer liderança formal,
muito embora fosse importante destacar o posicionamento mais ativos de alguns CNOs,
nomeadamente do que havia estado envolvido no processo de criação da rede.
Em relação aos impactos e resultados, destacou-se a maior segurança com que as equipas
trabalhavam, ao ponto de não terem também o receio de partilharem dúvidas entre pares
de outros CNOs, bem como uma maior atitude de partilha e de proximidade relacional entre
equipas dos diferentes CNOs. Esta atitude acabou por ser bastante importante ao nível da
harmonização de práticas, o que se revelou essencial, tendo em atenção o elevado número
de pedidos de transferência entre CNOs naquela região devido a situações de mudança de
emprego dos adultos. Por fim, foram ainda destacados os ganhos ao nível da coordenação
territorial da oferta formativa.
Enquanto principais fatores facilitadores sublinharam-se a experiência que a entidade
mobilizadora da criação da rede tinha em relação ao trabalho em rede, os incentivos e
disponibilidade por parte da ANQ e da DREL nas mais diferentes atividades desenvolvidas,
bem como o reduzido nível de conflito prévio à constituição da rede.
Já no referente aos principais fatores inibidores, são destacadas apenas algumas diferenças
de filosofia entre diferentes CNOs, o que dificultou o alargamento da rede a outros CNOs da
região.
274
VI-2.1.5. A REDE NOVAS OPORTUNIDADES DA LEZÍRIA DO TEJO (CASO E)
A Rede Novas Oportunidades da Lezíria do Tejo foi uma rede composta por 5 Centros Novas
Oportunidades da NUT III da Lezíria do Tejo, os quais eram promovidos por 3 escolas
secundárias, 1 universidade privada e 1 confederação de agricultores. Considerando a
totalidade de 8 CNOs na região, ficaram de fora da rede 2 CNOs promovidos por centros de
formação do IEFP e 1 de uma escola profissional.
A iniciativa da constituição desta rede partiu inicialmente da ANQ em outubro de 2010,
nomeadamente através de um desafio colocado aquando de uma reunião de
acompanhamento, bem como da consciência dos próprios parceiros em relação à
necessidade de trabalhar em rede.
Enquanto objetivos da rede destacaram-se os relacionados com a possibilidade de definição
conjunta de intervenção concertada e de complementaridade em termos das ofertas
formativas, bem como dos territórios de intervenção, por forma a evitar ‘atropelos’ e
sobreposições anteriormente existentes.
Em relação às atividades desenvolvidas, foi referido que, numa primeira instância, se criou
uma base de dados com todas as ofertas de formação da região, por forma a facilitar os
processos de encaminhamento. Após essa primeira fase com objetivos mais relacionados
com as ofertas formativas, foi realizada, em outubro de 2011, a primeira reunião que juntou
técnicos de diferentes CNOs, a que se seguiu a fase de tentativa de alargamento da rede a
outros parceiros, que se encontrava em desenvolvimento aquando da entrevista no início de
2012.
No que se refere às dinâmicas internas de gestão, foi reportado que havia existido a
assinatura de um protocolo em outubro de 2011, bem como a existência da posição de
coordenação da rede, ocupada por 1 CNO eleito pelos seus congéneres alguns meses após o
início da rede. Importa destacar, a este propósito, que o entendimento inicial da rede era
que esse papel de coordenação deveria ser desempenhado por um ator externo à rede,
nomeadamente a Direção Regional de Educação, que recusou o pedido.
275
Os principais impactos reportados dizem respeito, em primeiro lugar, à concertação de
ofertas, ao ponto de as candidaturas a financiamento dos CNOs da rede de 2012 terem sido
harmonizadas. Em segundo lugar, referiu-se o desenvolvimento de uma relação cooperativa
mais fortuita ao longo do desenrolar das atividades da rede, que vinha predispondo os
elementos da rede a partilharem entre si informação sobre o seu próprio funcionamento
interno, o que se contrapunha com situações prévias demonstrativas de significativa
rivalidade entre CNOs. Estas atitudes de partilha de informação, bem como a promoção de
reuniões de formação conjuntas, terão gerado, por sua vez, uma considerável harmonização
de práticas entre CNOs, considerado como um elemento essencial para reforçar a imagem
da Iniciativa Novas Oportunidades.
Em relação aos principais fatores facilitadores, destacaram-se o apoio da Agência Nacional
para a Qualificação e da Direção Regional de Educação, bem como a adesão imediata dos
elementos da rede ao desafio do trabalho em parceria, mesmo que a esse entusiasmo inicial
tenham sucedido algumas dificuldades pouco tempo depois.
Por sua vez, os principais fatores inibidores relatados dizem respeito, por um lado, à falta de
cultura de partilha que atrasou o desenvolvimento mais profundo da rede após o fim do
entusiasmo inicial, bem como à falta de liderança formal durante alguns meses que
dificultou o processo de articulação entre parceiros. Foram ainda referidas as dificuldades
inerentes às diferenças culturais entre CNOs promovidos por entidades de diferentes
tipologias, que acabaram por motivar a não adesão à rede de CNOs promovidos por centros
de formação do IEFP, o que se deveu, em parte, à falta de apoio ao projeto da parte das
estruturas de topo do IEFP. Por fim, foi referido como dificuldade a enorme instabilidade da
política pública que teve início em 2011 e das próprias posições da direção da ANQ que
assumiu, então, funções.
VI-2.1.6. A REDE DE OFERTAS FORMATIVAS PARA OS ADULTOS DE ALMADA E SEIXAL (CASO F)
A Rede de Ofertas Formativas para os Adultos de Almada e Seixal (ROFAAS) foi uma rede
composta por operadores de educação e formação para Adultos de dois municípios (NUT IV)
276
do distrito de Setúbal, que congregava 24 parceiros. A lista de parceiros era composta pelos
7 CNOs76 existentes nos dois municípios, promovidos por 5 escolas secundárias, 1 empresa
de formação e 1 centro de formação do IEFP, bem como por um conjunto de outros atores77,
tais como entidades de formação e educação de adultos, da sociedade civil e entidades
autárquicas.
Tal como referido em entrevista, esta rede foi constituída em 2008 através da iniciativa de
dois dos parceiros que já tinham algum histórico de parceria, constituindo uma rede de
agentes de educação e formação de adultos do município de Almada, a que se seguiu uma
extensão através da inclusão de agentes homólogos do município do Seixal, em grande
medida por influência da Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).
A criação desta rede terá surgido na sequência de dificuldades sentidas no âmbito das
atividades de encaminhamento de adultos pelas tais duas entidades fomentadoras da
criação da rede, quer ao nível do desconhecimento da oferta de formação de adultos
disponível no município, quer ao nível do relacionamento existente entre algumas entidades
e CNOs.
A ROFAAS tinha como principais objetivos a partilha de informação sobre todas as ofertas
formativas existentes nos dois municípios no sentido de facilitar os encaminhamentos dos
adultos, bem como promover uma relação mais próxima entre entidades, por forma a
facilitar as relações e a promover a articulação entre as ofertas e a evitar a sua sobreposição.
Face aos objetivos enunciados, uma das primeiras atividades promovidas foi a criação de
uma plataforma eletrónica com informação sobre a oferta formativa disponível78, por forma
76
As entidades em questão são: Escola Secundária de Cacilhas-Tejo; Escola Secundária Anselmo de Andrade; Escola Secundária do Monte de Caparica; Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira; Escola Secundária de Amora; Partner Hotel - Formação Consultoria e Projetos para Serviços Hoteleiros, Lda.; Centro de Formação Profissional do Seixal. 77
Faziam também parte da rede os seguintes parceiros: Escola Básica 2/3 do Monte de Caparica; Escola Básica D. António da Costa; Escola Básica 2/3 da Costa da Caparica; Escola Básica 2/3 da Trafaria; Escola Secundária Emídio Navarro; Escola Secundária Fernão Mendes Pinto; Equipa de Apoio às Escolas - Escola Secundária Casquilhos; Escola Profissional de Educação para o Desenvolvimento / eForgest; Escola Profissional de Almada (PROFORAL); FormAjuda - Gabinete de Formação e Projetos da Ajuda, Lda.; Quinta dos Centro de Emprego de Almada; Universidade Sénior de Almada; Santa Casa da Misericórdia de Almada; Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM); União da Associação de Pais do Agrupamento Vertical de Escolas da Costa da Caparica; Câmara Municipal de Almada; Junta de Freguesia da Charneca da Caparica. 78
A plataforma estava alojada no seguinte endereço http://moodle.escacilhastejo.org/
277
a permitir encaminhamentos mais céleres e direcionados. Além da criação desta plataforma,
foram ainda dinamizadas reuniões entre parceiros, ainda que de forma muito pontual e
direcionadas apenas para as temáticas relacionadas com as ofertas de formação.
Em relação às dinâmicas internas de gestão da rede, importa registar que a ROFAAS não
estava baseada em qualquer protocolo de cooperação, suportando-se, sobretudo, em
contactos pessoais e informais entre profissionais das diversas entidades envolvidas.
Recolheu-se ainda informação que apontava não existir qualquer mecanismo de liderança/
coordenação da rede, muito embora tenha sido referido que os dois parceiros ‘fundadores’
assumiam, de certo modo, um papel mais ativo na dinamização da rede.
Considerando os objetivos acima descritos, não será de estranhar que os
resultados/impactos identificados estejam mais relacionados com a agilização da procura de
informação sobre a oferta formativa de adultos nos dois municípios, o que se traduziu em
processos de ‘encaminhamento externo’ mais frequentes e menos morosos. De igual modo,
a rede permitiu também a aproximação relacional e à construção de confiança entre
parceiros, o que conduziu a alguns casos, embora pontuais, de partilha entre parceiros para
além das questões de ofertas formativas. A ROFAAS veio ainda a permitir uma maior
articulação entre as diferentes ofertas, por forma a evitar a sobreposição das mesmas.
Os principais fatores facilitadores no processo de dinamização da rede foram, por um lado, a
existência de experiências de cooperação anteriores entre alguns atores e o grande
interesse e envolvimento inicial das instituições, bem como o apoio prestado pela equipa de
apoio às escolas da DREL.
Os principais fatores constrangedores identificados estão relacionados com a falta de
motivação para o trabalho em rede demonstrado por alguns parceiros, bem como a
dificuldade de ultrapassar a lógica de competição e de individualismo de algumas entidades
participantes na rede. De igual modo, foi ainda reportada a dificuldade em fazer progredir a
rede perante a inexistência de uma figura de liderança ou de moderação. Por fim, foram
destacados alguns problemas técnicos de utilização e gestão da plataforma eletrónica, o
278
que, por vezes, funcionava como elemento desmobilizador de atores que já não
demonstravam grande apetência para a atualização constante da oferta formativa.
VI-2.1.7. A REDE TERRITORIAL PARA A QUALIFICAÇÃO DO VALE DO SOUSA E BAIXO TÂMEGA (CASO G)
A Rede Territorial para a Qualificação do Tâmega e Sousa foi uma rede composta por 22
Centros Novas Oportunidades dos 12 municípios da NUT III do Tâmega e Sousa, promovidos
por um diversificado conjunto de entidades79, nomeadamente: 12 escolas básicas,
secundárias ou agrupamentos de escola; 4 entidades de ensino profissional ou ensino
superior; 5 associações empresariais ou industriais; e, 1 empresa.
De acordo com informação recolhida, a rede foi constituída formalmente em 2008, com a
presença de 7 dos 9 CNOs existentes na altura: Associação Empresarial de Amarante;
Associação Empresarial de Paredes; Associação Industrial de Lousada; EPF - Ensino
Profissional de Felgueiras, Lda.; Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de
Amarante; LFM – Contabilidade, Auditoria, Consultadoria e Formação Informática, Lda.;
Profisousa – Associação de Ensino Profissional do Vale do Sousa.
A iniciativa de criação partiu dos próprios CNOs na sequência das dúvidas de aplicação de
metodologias de trabalho dos CNOs, que seriam novidade para muitas das equipas, a e a
consequente necessidade de partilhar e aprender. Além disso, foi referido também que já
existia algumas experiências de cooperação entre entidades dos diferentes municípios, já
que existia uma agenda para a empregabilidade comum aos 12 municípios, bem como algum
79
As entidades em questão eram: CNO da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos de Cinfães; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amarante; CNO do Agrupamento de Escolas de Vale de Ovil; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Felgueiras; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Lousada; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Marco de Canaveses; CNO da Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico de Alpendurada; CNO da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos Dr. Manuel Pinto Vasconcelos; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Daniel Faria; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Joaquim de Araújo; CNO do Agrupamento de Escolas de Pinheiro; CNO do Agrupamento Vertical de Escolas de Castelo de Paiva; CNO da Escola Profissional António do Lago Cerqueira; CNO da EPF - Ensino Profissional de Felgueiras, Lda.; CNO da PROFISOUSA - Associação de Ensino Profissional do Vale do Sousa; CNO da CESPU - Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário, CRL; CNO da Associação Empresarial de Amarante; CNO da Associação Industrial da Lousada; CNO da Associação Empresarial de Paredes; CNO da Associação Empresarial de Penafiel; CNO da Penafiel Ativa, E.M.; CNO da LFM - Contabilidade, Auditoria, Consultadoria e Formação Informática, Lda.
279
trabalho de cooperação desenvolvido pelo CNO da PROFISOUSA, já que a entidade
promotora tem um âmbito de atuação de nível regional, existindo igual.
Face ao referido, não será de estranhar que os principais objetivos enunciados tenham sido
a criação de momentos de partilha e discussão conjunta de problemas e metodologias,
através da promoção de reuniões e encontros entre parceiros, a produção de documentos
técnicos e temáticos de reflexão resultantes da partilha acima referida, bem como a partilha
de dados sobre a oferta formativa que permitisse um planeamento estratégico da mesma a
nível regional.
Tendo em atenção estes objetivos, as principais atividades desenvolvidas foram a criação e
dinamização de uma plataforma online para a partilha de informação sobre oferta formativa
e sobre os processos de reflexão80, a realização de encontros entre parceiros gerais e outras
dedicadas a temas e profissionais específicos, que posteriormente deram origem à produção
de cadernos temáticos em 2010.
Em relação às dinâmicas de gestão interna da rede, foi referido que havia sido assinado um
protocolo de cooperação entre os 7 CNOs fundadores logo em 2008, o qual foi estendido a
todos os restantes atores apenas em abril de 2012. Daqui se conclui que diversos CNOs
estiveram a colaborar durante algum tempo sem que tivessem um protocolo assinado.
Já no que se refere às dinâmicas de liderança, foi referido não existir uma liderança formal,
havendo apenas um grupo de 2 CNOs que orientam os trabalhos relacionados com os
cadernos temáticos.
Em relação aos impactos, existe largo conjunto de mais-valias, que se alinham bastante com
os objetivos da rede. Em primeiro lugar, foi identificada uma muito maior harmonização de
práticas, sobretudo decorrente dos trabalhos em torno da produção dos cadernos
temáticos. Ademais, foi ainda referido ainda que a rede permitiu o desenvolvimento de uma
maior proximidade relacional, muito embora não tenham sido reportados situações de
competição aguerrida antes da constituição da rede. Por fim, foi referido também que a rede
propiciou uma maior coordenação das diferentes ofertas em todo o território da NUT III.
80
Esta plataforma estava alojada no endereço http://www.redeterritorial.com, que se encontrava inativa em agosto de 2015.
280
No que diz respeito aos fatores facilitadores da criação e sustentabilidade da rede, refere-se
a enorme importância do sucesso inicial da rede e do desenvolvimento de uma postura
aberta de aprendizagem com as diferenças, ao invés da postura de crítica face às mesmas, o
que possibilitou que mais parceiros quisessem juntar-se à rede, após um período de dúvida.
VI-2.1.8. A REDE ATLÂNTICA NO CONCELHO DE OEIRAS (CASO H)
A Rede Atlântica era uma rede composta por 4 CNOs do município de Oeiras, todos
promovidos por Escolas Secundárias81.
A ideia de constituição da rede partiu de um desafio lançado pela Agência Nacional para a
Qualificação no âmbito de uma reunião de monitorização e avaliação conjunta entre os
diferentes CNOs do município, realizada em maio de 2011. Importa destacar, a este
propósito, que alguns dos CNOs que mais tarde viriam a constituir a rede já tinham alguma
experiência de cooperação entre si e com outros CNOs de outas áreas geográficas com base
em afinidades pessoais
Os principais objetivos da rede estavam mais alinhados com a divulgação da oferta formativa
da região por forma a facilitar os encaminhamentos, bem como a concertação de ofertas e
de estratégias de divulgação de atividade dos CNOs e Entidades Formadoras, ou mesmo
ainda, embora com menor incidência, a promoção de momentos de formação conjunta e de
partilha de informação.
Em relação às atividades desenvolvidas, importa sublinhar a promoção de reuniões entre
diferentes elementos das equipas técnico-pedagógicas, nas quais se discutiam boas práticas
nos diferentes CNOs, e que terão sido bastante participadas. Essas reuniões eram, por sua
vez, complementadas por seminários plenários no final dessas reuniões, para as quais eram
convidados especialistas na área das Ciências da Educação. Por fim, foi registado também a
81
As entidades promotoras dos CNOs que pertenciam à rede são: Escola Secundária Sebastião e Silva; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Camilo Castelo Branco (Carnaxide); CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Miraflores; CNO da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Luís de Freitas Branco.
281
presença de representantes da rede em seminários nacionais e até internacionais
subordinados à temática da educação de adultos.
No que concerne às dinâmicas internas da rede, foi destacada a assinatura de um protocolo
em abril de 2012, o qual teve como principal motivação dar visibilidade à rede e com isso
conseguir algum reconhecimento da ANQ e de eventuais novos parceiros.
Foi ainda destacada a ausência de qualquer figura de liderança.
Os principais impactos reportados dizem respeito à partilha de boas práticas, o que terá
promovido a multiplicação de iniciativas inovadoras relacionadas com a atividade junto dos
adultos, por vezes muito para além dos processos de RVCC e das ofertas de formação. A
melhoria ao nível do relacionamento entre CNOs constituía-se como um impacto ainda
incerto.
Em relação aos principais fatores facilitadores, foi referida a importância do desafio lançado
pela Agência Nacional para a Qualificação, bem como a situação de instabilidade e de
incerteza que se gerou perante a mudança de Governo e de direção da ANQ em meados de
2011, a qual terá unido os parceiros face à adversidade.
Enquanto principais fatores inibidores referiram-se, em primeiro lugar, a falta de uma
cultura de promoção de relações de cooperação, havendo claros hábitos de trabalho
individualista e uma enorme dificuldade de transparência. De igual modo, foi referida a
dificuldade em alargar a rede a outras entidades, nomeadamente entidades formadoras
privadas e ligadas ao IEFP, sobretudo pelas diferenças de cultura organizacional. Foi ainda
referido a dificuldade de articulação com a instabilidade criada pela indefinição face ao
futuro da Iniciativa Novas Oportunidades.
VI-2.2. Relações de Influência entre as Redes Locais de Qualificação e o Sistema de
Educação e Formação de Adultos: Análise Comparada e Principais Conclusões
Tal como foi possível observar pela apresentação dos diferentes estudos de caso analisados
ao longo do ponto VI-2.1 deste trabalho, a realidade das Redes Locais para a Qualificação
282
primou pela diversidade em termos de processos de criação e de gestão, bem como de
resultados. Neste sentido, importa fazer uma análise comparativa às dimensões que foram
objeto de análise para cada um dos casos de estudo – ver tabelas comparativas no final da
secção.
Começando pelos contextos de criação das redes, foi possível verificar que os primeiros
contactos entre CNOs que depois viriam a dar origem às Redes Locais para a Qualificação
terão surgido, na sua maioria, em 2008, aquando da enorme expansão da oferta de Cursos
EFA e da rede de CNOs, que implicou a quase duplicação no número de CNOs – veja-se
ponto VI-1.4 deste trabalho. Como anteriormente referido, a maior parte dos novos CNOs
criados em 2008 eram promovidos por Escolas Secundárias e/ou Básicas cujas equipas não
tinham qualquer experiência no desenvolvimento de processos RVCC, o que mobilizou
alguns CNOs a procederem à interpretação dos referenciais e outras orientações
metodológicas em conjunto com as equipas de outros CNOs na mesma situação de
inexperiência ou com maior experiência – os estudos de caso das redes do Algarve (caso A),
da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G) são os
casos mais evidentes dessa realidade, facto que se acredita estar relacionado com o facto de
serem os três contextos em que foi reportado não existir situações de rivalidade anterior à
criação da rede.
Uma outra situação que conduziu a que algumas Redes Locais para a Qualificação fossem
criadas diz respeito à falta de conhecimento por parte dos Técnicos de Acolhimento,
Diagnóstico e Encaminhamento das ofertas formativas disponíveis na região, o que
dificultava os processos de encaminhamento dos adultos. De igual modo, chegou-se à
conclusão que havia necessidade de se proceder a uma articulação das ofertas formativas
em diferentes regiões, já que existiam situações de duplicação de ofertas formativas em
diferentes Entidades Formadoras da mesma região e existia carência de outras ofertas
formativas. Considerando este contexto, diferentes Direções Regionais de Educação,
nomeadamente as suas equipas de apoio às escolas, tomaram a iniciativa de promoção de
reuniões de articulação de oferta formativa, que vieram criar condições para a criação de
algumas RLQ – são os casos das redes de Braga (caso C), de Almada e Seixal (caso F), da
Frente Ribeirinha do tejo (caso D) e do Algarve (caso A). A propósito deste papel mais
283
interventivo das DREs, importa recordar a entrevista de Maria do Carmo Gomes na qual foi
referido que a ANQ iniciou, em 2008, um plano de reforço do acompanhamento e
monitorização da atividade dos CNOs, em articulação com as DREs e os Centros Distritais do
IEFP.
As exceções a esta tendência de início dos trabalhos preliminares em 2008 são apenas as
Redes da Lezíria do Tejo (caso E) e Atlântica (caso H), nas quais a mobilização ocorreu apenas
alguns anos mais tarde, após um apelo expresso por parte da Agência Nacional para a
Qualificação no âmbito de reuniões de monitorização conjuntas em contextos em que foi
reportado existir um significativo nível de rivalidade anterior à constituição da rede.
Em relação aos objetivos e atividades desenvolvidas, é possível verificar que a grande
maioria das Redes analisadas tinha um largo espetro de ambições, que ia desde a
sistematização de informação sobre a oferta formativa disponível na região para facilitar
encaminhamentos de adultos, à regulação dessa mesma oferta por forma a evitar
sobreposições e lacunas, à reflexão metodológica e partilha de experiências com vista ao
reforço do conhecimento e à harmonização de práticas, ou mesmo à promoção de
atividades conjuntas. Fazendo a apologia com a tipologia de redes proposta por Scharpf,
quase todas as redes incluíam-se na categoria de ‘redes de coordenação positiva’ bastante
ambiciosas, à exceção da Rede Atlântica (caso H) e da Rede da Lezíria do Tejo (caso E) que
eram um pouco menos ambiciosas, talvez até por serem mais recentes, e da Rede de
Almada/Seixal (Caso F) que claramente só tinham objetivos relacionados de ‘coordenação
negativa’. Através de uma maior atenção à importância relativa atribuída aos diferentes
objetivos em cada uma das redes, é possível verificar que havia uma preponderância, pelo
menos inicial, da reflexão metodológica e da formação conjunta nas Redes do Algarve (caso
A), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G). Por
sua vez, os objetivos de sistematização e harmonização da oferta formativa eram
predominantes nas Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C), para além dos já
referidos casos das Redes da Lezíria do Tejo (caso E), Atlântica (caso H) e Almada/Seixal (caso
F).
284
No respeitante às dinâmicas internas de gestão, é possível observar-se que praticamente
todas as Redes analisadas estabeleceram um protocolo de cooperação pouco tempo depois
do início das operações da rede. A única rede analisada em que não existia qualquer
protocolo era mesmo a Rede Almada/Seixal (caso F), o que se deve aos mais limitados
objetivos da rede. Além desta exceção, importa ainda destacar o caso da Rede do Algarve
(caso A), na qual o protocolo só foi assinado cerca de 3 anos depois da rede ter começado a
funcionar, bem como o caso da Rede do Vale do Sousa e do Baixo Tâmega (caso G), na qual
diversos parceiros não pertencentes ao grupo inicial ficaram bastante tempo sem assinar um
protocolo de extensão.
Já em relação às dinâmicas de liderança, é possível verificar uma maior variedade de
situações. Por um lado, temos os casos das Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C)
e da Lezíria do Tejo (caso E) em que existe claramente um ou mais líderes formais, sendo o
caso mais extremo a rede de Braga em que a estrutura de liderança tinha 9 membros. Por
outro lado, temos os casos das Redes do Algarve (caso A), do Vale do Sousa e Baixo Tâmega
(caso G), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D), e, de certo modo, da Rede Almada/Seixal
(caso F), em que a liderança era feita de forma informal e de forma um pouco voluntarista e
limitada a assuntos específicos. Por outro lado ainda, temos os casos da Rede Atlântica (caso
H) em que não havia qualquer liderança, o que também se poderia dever à reduzida
antiguidade da rede.
Os impactos reportados são, por sua vez, bastante consentâneos com os objetivos traçados,
ao mesmo tempo que bastante diversificados. Por um lado, em quase todas as redes
analisadas foi reportada uma clara melhoria das relações entre CNOs, na medida em que as
diferentes atividades das redes os aproximaram e criaram relações de informalidade, muito
embora as redes não tenham conseguido fazer desaparecer algumas atitudes de rivalidade –
informação que é consentânea com os resultados do questionário reportados na secção
introdutória do ponto VI-2. Por outro lado, foram reportados ganhos resultantes da partilha
e harmonização de práticas em quase todas as redes, que comportavam maior segurança no
trabalho desenvolvido, fizeram diminuir conflitos e contribuíam para credibilizar a INO face
ao exterior. Por outro lado, na grande maioria das Redes também passou a existir uma maior
regulação da oferta formativa, bem como encaminhamentos mais fáceis.
285
Em relação aos principais fatores facilitadores, importa destacar o apoio de organismos
tutelares como a ANQ e a DRE, não apenas no fomento da criação das redes mas também no
acarinhamento das diferentes iniciativas, ou mesmo na participação de algumas redes. De
igual modo, um outro frequente fator facilitador estava relacionado com a existência de
relações informais ou formais de parceria noutros domínios prévias à constituição da rede,
bem como no elevado envolvimento dos diferentes parceiros no início da rede.
Os principais fatores inibidores mais frequentemente reportados foram, por sua vez, a
reduzida cultura de parceria de alguns parceiros, bem como a existência de CNOs da região
cujas entidades promotoras demonstravam uma cultura muito pouco cooperante (centos de
formação do IEFP, nomeadamente), ou mesmo a dificuldade de gerir uma rede sem
mecanismos de liderança formal.
A partir desta análise comparada, é possível extrair algumas conclusões sobre o sistema de
relações entre as Redes Locais para a Qualificação e os outros modos de governação do
sistema de educação de adultos. Importa recordar, a este propósito, a definição de dois
objetivos deste trabalho: por um lado, analisar o tipo de influência que os modos de
governação do sistema de governação da política de educação de adultos exerceram nos
processos de criação e gestão das RLQs; e, por outro lado, analisar e compreender os
impactos processuais governativos das RLQs sobre o sistema de governação da política de
educação de adultos.
Em relação ao primeiro destes objetivos, foi possível concluir, em primeiro lugar, que os
antecedentes de rivalidade (por vezes significativa) entre diferentes CNOs não impediram a
emergência de parcerias entre estes, nem conduziram genericamente a situações de
objetivos menos ambiciosos. Os casos mais destacados neste âmbito são os das Redes do
Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C) e da Lezíria do Tejo (caso E), em que foram
projetados e concretizados objetivos muito para além da ‘coordenação negativa’ e em que
as redes contribuíram para a melhoria das relações entre CNOs, embora não tenha
contribuído para o término da rivalidade. A principal exceção a esta tendência é mesmo a
Rede Almada/Seixal (caso F), na qual existiam alguns parceiros que não demonstravam
grande interesse em que os objetivos da rede fossem para além da ‘coordenação negativa’,
286
ou sequer em melhorar a relação entre CNOs. No mesmo sentido, a pessoa entrevistada da
Rede Atlântica (caso H) revelou ter algumas dúvidas quanto a possibilidade da rede permitir
obter grandes ganhos relacionais, tendo em atenção a natureza ‘artificial’ e ‘forçada’ da
rede. Importa destacar que estas duas redes foram criadas ou expandidas por influência do
‘apadrinhamento’ da ANQ. O que pode conduzir à questão sobre se valerá a pena insistir na
criação de ‘redes artificiais’.
Atentando às Redes em que foram definidos objetivos ambiciosos apesar dos antecedentes
de rivalidade, conclui-se, contudo, que foram os únicos casos em que foi definida uma
liderança formal. Como relevado pelos entrevistados das Redes do Vale do Ave (caso B) e de
Braga (caso C), a liderança formal era vista como forma de evitar o oportunismo de alguns
parceiros, ao mesmo que a liderança partilhada pretendia ser uma forma de assegurar o
compromisso e dedicação dos parceiros.
Contrariamente, parece não ter havido necessidade de definir uma liderança formal nas
redes cujos antecedentes não tinham situações de rivalidade significativa – as Redes do
Algarve (caso A), da Frente Ribeirinha do Tejo (caso D) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega
(caso G) são exemplo disso mesmo. Outro aspeto comum a estas três redes é o facto de
terem sido criadas, sobretudo, com a finalidade de promover a reflexão conjunta sobre
metodologias e a formação conjunta, ao invés de pacificar as relações entre CNOs. A
definição de lideranças formais não foi assim considerada como uma atividade prioritária.
Um outro ponto a destacar que parece ter contribuído para dirimir alguns problemas de
rivalidade será o apoio (sponsoring) de entidades tutelares, como as DREs e a ANQ.
Atentando às redes que tinham antecedentes de rivalidade mas que tinham objetivos
ambiciosos – Redes do Vale do Ave (caso B), de Braga (caso C) e da Lezíria do Tejo (caso E) –
verifica-se que as ditas entidades tutelares desempenharam um papel bastante
preponderante nos seus processos de criação. Importa ainda destacar que as Redes cuja
criação foi apoiada de forma mais direta pela ANQ se localizam na região de Lisboa, que é
considerada menos prolífera para parcerias devido à elevada concentração territorial de
CNOs e, por conseguinte, a potenciais situações de antecedentes de rivalidade (Mota, 2010).
Por sua vez, as redes em que os atores de tutela tiveram menor influência nos processos de
287
criação foram as do Algarve (A) e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (G), nas quais não
existiam rivalidades prévias, existindo até dinâmicas de cooperação já estabelecidas.
Por fim, é possível verificar que a assinatura de protocolos se assumiu como uma tendência
transversal a quase todas as redes analisadas, à exceção da Rede Almada/Seixal, o que se
poderá explicar pela menor ambição de objetivos. Ademais, importa destacar que estes
protocolos foram genericamente assinados pouco depois do início das dinâmicas das redes,
o que demonstra uma certa necessidade de definir regras de conduta por forma a regular as
relações e a comprometer os parceiros. As exceções são a Rede do Algarve (caso A), que
funcionou vários anos sem protocolo, e a Rede do Vale do Sousa e Baixo Tâmega (caso G),
que teve vários membros não-fundadores a cooperar sem assinarem protocolo, situações
que decorrerão da ausência de situações de rivalidade anterior.
A partir desta análise é possível identificar que as redes analisadas se dividem em 3 grupos
(ver figura 40): por um lado, as redes que tinham antecedentes de rivalidade e apenas
objetivos de coordenação negativa (Redes Almada/Seixal e Atlântica) – situação 1; por outro
lado, as redes que tinham antecedentes de rivalidade mas que conseguiram desenvolver
redes com objetivos de ‘coordenação positiva’ (Redes do Vale do Ave, de Braga e da Lezíria
do Tejo) – situação 2; e, por outro lado ainda, as redes que não tinham antecedentes de
rivalidade e tinham objetivos de ‘coordenação positiva’ (Redes do Algarve, da Frente
Ribeirinha do Tejo e do Vale do Sousa e Baixo Tâmega) – situação 3. Como se pode verificar,
o apoio de organismos tutelares foi fundamental para a criação ou expansão das redes nas
situações 1 e 2, em que existia situações de rivalidade. Do mesmo modo, a constituição de
situações de liderança formal parece ter sido essencial para as Redes que tinham
antecedentes de rivalidade mas que construíram redes ambiciosas (situação 2), ao contrário
das redes que não tinham antecedentes de rivalidade e não tinham lideranças formais. Por
fim, importa registar que a assinatura de protocolos foi uma necessidade de quase todos os
parceiros, tendo havido, contudo, uma menor urgência nas Redes sem antecedentes de
rivalidade (situação 3).
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290
Já ao nível do objetivo de analisar e compreender os impactos processuais governativos das
RLQs sobre o sistema de governação da política de educação de adultos, foi possível concluir
que as RLQs tiveram impactos que foram para além da maior facilidade de
encaminhamentos e a aprendizagem interorganizacional, através da partilha e harmonização
de práticas (efeitos de primeira e segunda ordem). Com efeito, as RLQs produziram também
efeitos sistémicos, ao reduzir a rivalidade e os ‘atropelos’ territoriais, ao diminuir a
dependência dos CNOs face à ANQ, considerando que a reflexão conjunta sobre problemas e
práticas diminuía a necessidade de orientações da tutela, e ao flexibilizar a relação dos CNOs
com a ANQ, na medida em que as estruturas das RLQs serviam, por vezes, de interlocutores.
Face a estas conclusões, é possível confirmar alguns dos pressupostos teóricos. Em primeiro
lugar, foi possível observar que os processos de criação e gestão das RLQs foram,
efetivamente, genericamente condicionados por antecedentes de rivalidade entre membros,
situação que confirma o pressuposto 2. De igual modo, a análise realizada permitiu verificar
que os processos de criação e gestão das RLQs foram genericamente favorecidos pelo apoio
(sponsoring) disponibilizado pelos atores da tutela (hierarquia), o que confirma o
pressuposto 3. A este propósito, importa referir que foi registado como fator facilitador o
facto do apoio desses atores da tutela não ter implicado a definição de condições e de regras
apertadas, evitando, assim, a confirmação do pressuposto 1.
De igual modo, o pressuposto 4 foi também confirmado, na medida em que a rivalidade
entre atores conduziu, efetivamente, a objetivos mais modestos, exceto quando se
empreenderam esforços de gestão e houve apoio.
Por outro lado, a análise realizada permitiu concluir que as redes permitiram diminuir a
rivalidade causadas pelas dinâmicas de mercado (confirmando-se o pressuposto 6), ao
mesmo que prestaram um auxílio à hierarquia, ao facilitarem a monitorização horizontal e
vertical do sistema (confirmando-se pressuposto 8).
291
VII- CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES PARA A GOVERNAÇÃO PÚBLICA E PISTAS DE INVESTIGAÇÃO FUTURA
As redes são, tal como foi possível verificar ao longo dos diferentes capítulos teóricos deste
trabalho e referido na primeira frase acima citada, formas de governação pública cada vez
mais eminentes em diversos países ocidentais. A sua importância enquanto formas de
governação pública aumentou no âmbito das designadas reformas do setor público que
tiveram lugar em muitos países ocidentais (e não só) no decorrer das últimas décadas,
sobretudo no âmbito da segunda vaga de reformas que teve início em meados da década de
90 do séc. XX.
Entre outras características, as formas de governação pública em rede destacam-se das
formas de governação pública de orientação hierárquica e de mercado pelo facto de
promoverem uma articulação mais horizontal e negocial entre atores, ao invés das relações
hierárquicas ou relações contratuais.
Não obstante as inúmeras vantagens que as formas de governação pública em rede podem
comportar, nomeadamente quanto ao reforço da legitimidade e validade das decisões e da
promoção de sinergias, da flexibilidade e inovação das suas respostas, bem como da partilha
de recursos, importa também reconhecer que as mesmas podem comportar desvantagens
relacionadas, por exemplo, com a morosidade da tomada de decisão, a falta de clareza de
responsabilidades, ou a falta de capacidade de cumprimento de atividades.
“Contextos de implementação em rede, colaborativos e interorganizacionais são claramente a regra em vez da exceção.”
(O’Toole Jr. & Meier, 2010)
“A Iniciativa Novas Oportunidades está na origem da construção de uma rede de cooperação entre escolas, centros de formação profissional, associações locais para o desenvolvimento, empresas privadas de formação e empresas, cultivando uma cultura de parceria num contexto em que predominava a competição e a rivalidade entre estas instituições.”
(Capucha, 2014, p. 405)
292
Além das eventuais desvantagens inerentes às redes enquanto formas de governação
pública, existem também outras dificuldades associadas com a conjugação das mesmas com
outras formas ou estilos de governação, resultantes do caráter híbrido dos contextos de
governação atuais. A título de exemplo, as redes podem ser prejudicadas pelas hierarquias
se estas últimas definirem regras de funcionamento demasiado rígidas ou se forçarem a
existência de redes, bem como pelo clima de concorrência fomentado pelos mercados
(Sørensen & Torfing, 2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 52-55).
Não obstante a relevância destas potenciais incompatibilidades, os diferentes estilos de
governação podem também ser complementares entre si. Por exemplo, as redes podem
beneficiar da atuação das hierarquias na sua emergência ou da inovação advinda da lógica
concorrencial dos mercados, podendo ser também benéficas a outros estilos, na medida em
que podem servir o propósito de aproximação de atores separados pela fragmentação
promovida pelas lógicas de mercado e a sua institucionalização pode gerar hierarquias
(Sørensen & Torfing, 2007e, pp. 298-299; Meuleman, 2008, pp. 55-57).
A segunda geração da literatura das redes de governança debruça-se exatamente sobre a
identificação dos fatores de sucesso e insucesso inerentes à formação, desenvolvimento,
funcionamento das redes, nomeadamente os referentes à metagovernação, ou gestão de
redes, contrapondo-se, portanto, a uma primeira geração que era claramente laudatória das
vantagens das redes e das suas características distintivas face às hierarquias e mercados
(Sørensen & Torfing, 2007b, p. 14). No âmbito dessa segunda geração, têm sido
desenvolvidas diversas frameworks de análise de redes de governança (vide, inter alia,
Bryson, Crosby e Stone (2006), Thomson e Perry (2006), Chen (2010) e Ansell e Gash (2008))
que identificaram como principais fatores críticos do sucesso do processo colaborativo os
seguintes elementos: antecedentes da rede, nomeadamente de relações anteriores de
cooperação ou rivalidade entre parceiros e dos eventuais desequilíbrios de poder entre
estes; e, estratégias de gestão de redes, tais como a formalização de regras ou a promoção
de estruturas ou figuras de liderança.
Como referido na introdução deste trabalho, a investigação sobre as questões da
metagovernação de redes, sobretudo aquelas que se dedicam à implementação de políticas
293
públicas ou à definição de planos, afirma-se particularmente pertinente em Portugal. Como
referido anteriormente, estudos recentes apontam para um maior número de esforços de
cooperação e coordenação entre atores no âmbito da governação pública em Portugal na
última década, referindo, no entanto, que estes têm genericamente falhado na
concretização do objetivo de aumentar a coerência e a eficácia das políticas (Mota, Pereira,
Cardim, Neves, & Cordovil, 2014, pp. 27-29). Com efeito, estudos anteriores têm apontado
para o facto da falta de uma cultura de cooperação entre atores ser um claro problema no
âmbito da governação pública em Portugal, quer seja a nível nacional (Rodrigues & Silva,
2012, p. 18), quer seja a nível local (Teles, 2012, p. 868).
Tendo em atenção a análise teórica realizada a propósito da conjugação dos estilos de
governação, considera-se que o insucesso destas experiências de cooperação se poderá
dever, entre outras razões, à tradição administrativa de Portugal que se caracteriza por
processos de intervenção muito hierarquizados, legalistas e procedimentais. De igual modo,
as dificuldades de estabelecimento de uma cultura de parceria poderá dever-se também à
adoção de diferentes mecanismos managerialistas, tais como a introdução (talvez excessiva)
de uma cultura de gestão por objetivos e resultados (Magone, 2011) ou a ampla adesão à
figura dos organismos semiautónomos e de contratualização externa por forma a fomentar a
flexibilização da gestão da implementação (Corte-Real, 2008; Araújo J. , 2001; Mendes,
Gomes, & Araújo, 2012).
Alguns estudos recentes têm, no entanto, apontado para a possibilidade de as experiências
de cooperação em Portugal não estarem inevitavelmente condenadas ao fracasso, já que
estas podem ser claramente facilitadas por estratégias de gestão de redes, por dinâmicas de
liderança facilitadora, bem como por experiências anteriores de cooperação entre parceiros
(Pires, Teles, Silva, Calvache, & Mota, 2014; Teles, 2014a).
Na mesma senda que os estudos referidos no último parágrafo, um dos quais contando com
a participação do autor desta tese precisamente na análise da gestão de parcerias, o
presente trabalho teve como objetivo principal proceder à identificação e análise de fatores
facilitadores e inibidores inerentes a experiências de cooperação interorganizacional e de
294
conjugação destas com outros estilos de governação no âmbito da governação pública em
Portugal.
No sentido de cumprir os objetivos acima propostos, procedeu-se à análise detalhada das
estruturas e processos de governação inerentes à política de educação e formação de
adultos em Portugal. A opção por esta política pública em concreto decorreu, entre outros
motivos, do facto de o seu processo de governação congregar diferentes estilos de
governação pública, nomeadamente porque conjuga a atuação de uma agência nacional
coordenadora e reguladora (hierarquia) e um diversificado leque de atores públicos e
privados contratualizados para cumprirem determinados metas na prestação de serviços
(mercado), a que se juntou posteriormente a emergência de experiências de cooperação e
coordenação entre atores implementadores (redes).
O sistema de governação da política pública de educação e formação de adultos começou a
conhecer alguns problemas de coordenação vertical e horizontal após um processo de
alargamento (talvez excessivo) do número e diversidade de operadores contratualizados
para proceder à prestação de bens e serviços. Alguns desses problemas passavam pela
dificuldade que a agência coordenadora passou a ter em proceder a uma monitorização e
acompanhamento mais próximos, mas também à emergência de práticas de competição
aguerrida entre alguns agentes de implementação, decorrentes de situações de excessiva
concentração territorial e de pressão pelo cumprimento das metas contratualizadas.
Os problemas acima descritos alinham-se, por conseguinte, com algumas dos principais
problemas reportados pela literatura em relação à Nova Gestão Pública, dando origem à
emergência de estratégias de intervenção perfiladas com o modelo da Nova Governação
Pública: o reforço de instrumentos de coordenação vertical e o desenvolvimento de
instrumentos de coordenação horizontal através da constituição de redes.
As Redes Locais para a Qualificação – principal objeto de estudo deste trabalho –
começaram, de facto, a emergir com o intuito de resolver alguns problemas de coordenação
horizontal entre os atores implementadores e de ajudar a colmatar os problemas de
coordenação vertical.
295
Considerando a falta de hábitos de cooperação interorganizacional no contexto da
governação pública em Portugal e os problemas de coordenação do sistema da política de
educação acima descritas, seria de esperar que o processo de constituição e
desenvolvimento das Redes Locais de Qualificação se pautasse por diversos problemas e
obstáculos.
A análise empírica a processos de criação egestão das Redes Locais para a Qualificação
desenvolvida no ponto VI-2 deste trabalho demonstrou que alguns dos problemas
antecipados se verificaram na realidade. Em diversos dos casos analisados existiam, com
efeito, situações de alguns parceiros das redes que demonstravam um claro défice de
hábitos de cooperação e de uma visão instrumental da mesma, as quais demonstravam ser
limitadoras do desenvolvimento mais profícuo das redes.
As dificuldades acima referidas contrastaram, contudo, com diversas situações de
cooperação profícua entre implementadores no âmbito das Redes Locais para a Qualificação
analisadas, dando origem à aproximação relacional entre atores implementadores, a uma
maior coordenação de atividades, à harmonização de práticas e inclusivamente à
emergência de práticas inovadoras. Desta feita, as Redes Locais para a Qualificação foram
responsáveis pela mitigação de alguns dos problemas de coordenação existentes no sistema
de governação da política de educação e formação de adultos em Portugal.
Importa referir que as consequências positivas acima referidas foram expressivas, quer em
situações em que existiam antecedentes de cooperação prévia entre parceiros ou existiam
antecedentes ‘neutros’, quer em situações em que existiam antecedentes de rivalidade
entre os parceiros. As grandes diferenças entre estes dois contextos antecedentes
expressam-se, sobretudo, na facilidade com que o processo de cooperação decorreu. Por
um lado, os processos de cooperação decorreram de forma muito mais tranquila quando
não existiam antecedentes de rivalidade entre parceiros e ainda mais quando já existiam
inclusivamente antecedentes de cooperação. Por outro lado, os processos de interação no
âmbito das Redes Locais para a Qualificação cujos parceiros tinham antecedentes de
rivalidade exigiram a mobilização de estratégias de metagovernação de redes.
296
Entre as diferentes estratégias de metagovernação de redes utilizadas para contornar os
antecedentes de rivalidade encontram-se, em primeiro lugar, as práticas de sponsoring por
parte dos organismos tutelares (Agência Nacional para a Qualificação e Direções Regionais
de Educação), bem como a ação mobilizadora de parceiros da rede mais ativos. A propósito
do apoio dos organismos tutelares, importa destacar que este foi frequentemente
disponibilizado num formato hands-off, por forma a permitir alguma flexibilidade na
constituição das parcerias e a fomentar o dinamismo e responsabilização dos parceiros pela
rede. Os organismos tutelares apenas tiveram uma postura mais interventiva em situações
em que verificaram ser difícil a constituição de práticas cooperativas por iniciativa dos
próprios parceiros.
Além destas atividades mais concentradas no processo de constituição destas redes, importa
ainda destacar a importância da formalização de protocolos de cooperação e da definição de
figuras, ou até de estruturas, de liderança formal para assegurar a sustentabilidade das
Redes Locais para a Qualificação, sobretudo as que tinham antecedentes de rivalidade entre
parceiros.
Os contextos descritos nos últimos três parágrafos vêm, assim, confirmar o que foi dito
anteriormente quanto às possíveis complementaridades entre estilos de governação, na
medida em que a hierarquia funcionou, no sistema de governação analisado, como
mobilizador de redes, ao mesmo tempo que as redes funcionaram como agregadores de
atores que desenvolviam uma atuação fragmentada fruto de uma lógica de mercado.
A importância dos mecanismos de metagovernação das Redes Locais para a Qualificação
acima identificados vem, de igual modo, confirmar a relevância que a coordenação vertical e
a adoção de mecanismos formais ainda ocupam na governação pública portuguesa, o que
poderá ser explicado pela tradição administrativa portuguesa. Face ao descrito, é possível
concluir, portanto, que a tradição administrativa portuguesa centralizadora e formalista não
é incompatível com o sucesso de formas de governação mais horizontais e negociais.
Muito embora se reconheça que o sistema de governação da educação e formação de
adultos e as Redes Locais para a Qualificação constituem estudos de caso e as conclusões
específicas deste estudo são contextuais, considera-se que se poderão retirar algumas
297
ilações e lições da experiência que poderão dar origem a formatos a replicar noutros
sistemas de governação. Carneiro (2011, p. 71) considera aliás que a Iniciativa Novas
Oportunidades que incorporava, no período de análise deste trabalho, a política pública de
educação e formação de adultos, pode ser entendida como um “… caso de boas práticas
para inspirar a transformação do setor público em Portugal.”
Entre essas ilações poder-se-á apontar o facto de a constituição de redes de governação
exigir, sobretudo em contextos de reduzido capital social como é o caso da governação
pública em Portugal, a mobilização de estratégias de metagovernação da parte de
organismos tutelares, bem como dos próprios parceiros. Em relação aos atores tutelares, foi
possível verificar a importância de estes permitirem que as redes se constituam, quando
possível, por iniciativa dos próprios parceiros e nos moldes mais ajustados aos contextos
territoriais.
De igual modo, foi possível verificar ainda que os antecedentes de cooperação facilitaram os
processos de cooperação, o que permite concluir também que o trabalho em rede com
antecedentes de rivalidade deverá ser menos ambicioso, pelo menos numa primeira fase,
por forma a permitir a construção gradual de relações de confiança, que permitirão
processos de cooperação posteriores mais profícuos.
Importa ainda destacar a relevância da existência de práticas de reflexão conjunta entre os
diferentes atores implementadores, não só para fomentar a aprendizagem ao nível
organizacional, mas também como forma de promover a aprendizagem sistémica (policy
learning), a qual poderá resultar em feedbacks que alimentem processos de reformulação da
política.
Os hábitos de cooperação resultam, com efeito, também de um processo de aprendizagem
local. Para que tal seja possível é necessário, no entanto, que as redes de governança e as
políticas públicas que lhes estão associadas gozem de estabilidade. Estas condições não são,
contudo, frequentes na governação pública em Portugal, que é habitualmente pautada por
uma fraca cultura de avaliação e por um excesso de reformismo (Corte-Real, 2008;
Mozzicafreddo & Gouveia, 2011; Rodrigues & Silva, 2012, p. 19).
298
Não obstante a relevância destas conclusões, considera-se essencial que sejam
desenvolvidos mais estudos sobre processos de cooperação e inovação em Portugal,
nomeadamente estudos que permitam a validação em extensão do conhecimento
apresentado nesta tese e num conjunto de outros estudos entretanto desenvolvidos (vide,
inter alia, Pires et al (2014)).
De todo este contexto se depreende, portanto, que existem condições de articulação entre o
desenvolvimento de hábitos de cooperação profícua e os elementos mais tradicionais da
governação pública portuguesa. Desta feita, poder-se-á concluir que a governação pública
portuguesa se alinha com o conceito de ‘estado neo-weberiano’ que Ongaro (2009, pp. 263-
265) considera caracterizar os processos de governação pública dos países da Europa do Sul,
já que estes tendem a ser um misto de elementos de governação pública tradicionais de
inspiração weberiana e de novos modos de governação pública. Esta conclusão vai, assim, ao
encontro de uma das principais conclusões propostas por um estudo recente dedicado ao
processo de reforma da governação pública em Portugal (Mota, Pereira, Cardim, Neves, &
Cordovil, 2014).
299
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326
ANEXOS
ANEXO 1. ENTREVISTA EXPLORATÓRIA A DIRIGENTE DE TOPO DA AGÊNCIA NACIONAL PARA A QUALIFICAÇÃO
1. Pedia-lhe que falasse por favor um pouco do contexto em que surgiu a Iniciativa Novas
Oportunidades.
A Iniciativa Novas Oportunidades é um programa associado muito ao Governo. Foi um
programa lançado há três legislaturas, no contexto do XVII Governo Constitucional e, nesse
momento, foi lançado como um programa de política pública na área de Educação e
Formação, de jovens e adultos, com um duplo propósito muito claro. Isso penso que é das
primeiras marcas distintivas da Iniciativa Novas Oportunidades porque, até ao momento, o
que nós tínhamos, principalmente na área de educação de adultos, era um conjunto de
políticas que, de alguma maneira, ou contrariavam algumas das estratégias que eram
reivindicadas pelos atores que estavam no terreno, ou eram coladas àquilo que a educação
jovem ia fazendo.
E o que a Iniciativa trouxe foi esta ideia de que era necessário, ao mesmo tempo, combater
os dois maiores constrangimentos estruturais na área da educação e da formação em
Portugal: por um lado, o abandono escolar dos nossos jovens que, abandonando
precocemente a escola e com baixas qualificações, engrossavam rapidamente a população
ativa de baixas qualificações; e, ao mesmo tempo, fazer com que os adultos que já
pertenciam à população ativa regressassem aos estudos e se envolvessem em percursos de
requalificação e qualificação que tinham como objetivo o 12.º ano de escolaridade como o
patamar mínimo de qualificação. Portanto, esta dupla lógica que era trabalhar dois objetos
mas com um mesmo propósito (ao mesmo tempo reduzir o abandono escolar precoce e
colocar os adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida), permitiria a elevação
dos patamares de qualificação da população portuguesa, entendido o 12º ano como o
mínimo de qualificação.
327
Interessante também perceber que, no contexto da Iniciativa, desde o início que está
claríssimo o conceito da dupla certificação - nos documentos que a apresentam essa é um
dos conceitos que o preâmbulo apresenta. E porquê esta dupla certificação? Ao mesmo
tempo que aparece este duplo propósito de alcançar os jovens e os adultos, a dupla
certificação pretendia também atacar, ao mesmo tempo, o problema da qualificação escolar
e o da qualificação profissional.
Hoje já se utiliza a palavra qualificação numa lógica daquilo que na UE também se entende
por qualificação. A qualificação já abarca o escolar e o profissional, mas o que nós fizemos
em Portugal, no âmbito das Políticas Públicas, foi sempre separar estas duas vertentes. Por
um lado, apostávamos na formação profissional, através do Ministério do Trabalho que se
encarregava dessa componente, muito por via do Instituto de Emprego e Formação
Profissional, e, por outro lado, tínhamos a educação de adultos, mais relacionada com as
intervenções do lado do Ministério da Educação. Ora a Iniciativa vem romper muito com
essa ideia, dizendo que é preciso atacar, ao mesmo tempo, a questão da certificação escolar
e da certificação profissional. E estes dois propósitos traduziram-se numa enorme revolução.
Já disse várias vezes, até em público, que é uma revolução demasiado silenciosa e
incompreendida por muitas das pessoas que olham, do ponto de vista público, para a
Iniciativa e só veem uma pequeníssima parte, ou só veem uma das modalidades, ou só a
relacionam com determinado público, e não é nada disso. A Iniciativa é muito abrangente,
tem uma enorme amplitude e tinha esta determinação de combater um problema estrutural
do país: o problema das baixas qualificações.
E este problema não poderia ser abordado sem ser desta forma: muito abrangente, muito
empenhada e com mobilização de muitos atores. Pela primeira vez nós tivemos a
mobilização de atores do lado da educação e do lado da formação profissional em
simultâneo e com o mesmo propósito.
Tínhamos ensaiado em 2000 com as atividades experimentais da ANEFA, dos Centros RVCC,
dos primeiros Cursos EFA de dupla certificação e a educação e formação de adultos poderia
ir por esta via. Tínhamos feito um bom ensaio geral, mas não tínhamos colocado isto à prova
em todo o país, em todos os operadores, com a dimensão com que a Iniciativa surge a partir
328
de 2005. E foi exatamente isso que a Iniciativa fez. Para se fazer isto foram necessários,
antes de mais, muitos recursos financeiros (e aí os fundos estruturais foram aproveitados
como a “alavanca de financiamento” que era necessária para uma política deste género),
mas ao mesmo tempo dizer: “isto não pode ser mais do mesmo, não se pode continuar a
apostar, por um lado, em políticas do lado da educação, para garantir que os adultos voltam
à escola e acabam os seus ciclos escolares, e, por outro lado, na formação profissional fazer
também qualificação de ativos. Portanto, juntaram-se as duas áreas de política – um pouco
outra vez na lógica daquilo que tinha sido a ANEFA, que tinha sido o primeiro organismo
público com dupla tutela na área da educação e formação profissional de adultos – e surge
assim a Agência Nacional para a Qualificação como o pivô institucional da concretização da
Iniciativa Novas Oportunidades.
Agora, mais importante que tudo foi a aprovação, em 2007, do Sistema Nacional de
Qualificações, que se afirmava como a peça legislativa que resulta do acordo de reforma da
formação profissional e que, de alguma forma, sustenta formalmente a Iniciativa Novas
Oportunidades. Hoje ninguém fala do Sistema Nacional de Qualificações (e, muito
provavelmente, a maior parte das pessoas não saberá o que é o Sistema Nacional de
Qualificações) e falam da Iniciativa Novas Oportunidades até de forma muitas vezes
parcelar. Mas o Sistema é, para mim, uma das peças mais importantes deste conjunto de
políticas públicas, uma vez que a Iniciativa é programática, enquanto que o Sistema é a
formalização regulamentar de tudo aquilo que nós temos hoje e, principalmente, resulta de
um acordo consensualizado entre os diferentes agentes da educação e da formação – por
um lado, o Governo e, por outro lado, os parceiros sociais, as estruturas sindicais, e por aí
fora. Portanto, nós temos aqui como que peças, que são paralelas e completamente
interligadas, ou seja, um programa governamental para as políticas públicas e, ao mesmo
tempo, uma peça regulamentadora que se liga com a Iniciativa, mas liga com outro
elemento igualmente importante que é toda a estratégia de políticas europeias da educação
e da formação que estão neste momento em vigor.
Os Estados-membros são obrigados a adotar um Sistema Nacional de Qualificações que tem
um conjunto de instrumentos que assentam num conjunto de modalidades e que é
conduzido por um conjunto de operadores. E aquilo que temos hoje é exatamente isso, ou
329
seja, temos um sistema com todas estas peças a funcionar em simultâneo e estamos a dar
alguns passos, que até são considerados exemplares no contexto da UE neste domínio. Há
quem não queira ver, e queira considerar que isto é só uma questão de propaganda que
passa pela entrega de uns diplomas, mas não tem nada a ver com isso. É um sistema que,
neste momento, é entendido, até no contexto da UE, como um sistema com uma
capacidade de integração e de mobilização dos atores que encontra muito pouco paralelo
nos restantes países europeus. Porque há muitos países que têm sistema, fizeram uma
legislação fantástica, que têm tudo do melhor do ponto de vista teórico, mas que depois
perante a pergunta de quantas pessoas têm envolvidas, referem que têm muito poucas.
Claro que quando falamos na maioria dos países da UE isso não acontece… por exemplo, a
participação na aprendizagem ao da longa da vida nos países nórdicos não se compara com a
nossa, embora nós tenhamos evoluído significativamente nestes últimos seis anos.
2. Pedia-lhe que falasse por favor um pouco da estrutura de implementação da Iniciativa
Novas Oportunidades, na vertente adultos, nomeadamente quem são os atores e como é
que os mesmos se relacionam entre si?
Voltamos novamente ao Sistema Nacional de Qualificações que considero ser importante. O
Sistema Nacional de Qualificações identificou como estruturas do sistema dois grandes
grupos de organizações: por um lado, a rede de Centros Novas Oportunidades, e um outro
grande conjunto de operadores que são todas as entidades de educação e formação, que
possam providenciar atividades de educação e formação. Portanto, nós temos como
estruturas, por um lado, os Centros Novas Oportunidades e, por outro, os operadores do
sistema que são as escolas públicas básicas e secundárias, as escolas profissionais privadas,
os Centros de Formação Profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional de
gestão participada e gestão direta, todas as entidades formadoras privadas acreditadas pelo
Estado Português (que são mais de 150 entidades). Este grupo de operadores faz parte
daquilo que hoje são as entidades que podem ministrar, em igualdade de circunstâncias,
educação e formação de adultos em Portugal, daqui se denotando a ideia de que a educação
e a formação estão interligadas e estão a trabalhar no mesmo objetivo.
330
Como é que nós jogamos isto na gestão quotidiana?
A Agência tem, estatutariamente, a missão e a atribuição de gerir os processos de RVCC, o
que significa que a Agência tem como atribuição direta gerir e coordenar a Rede Nacional de
Centros Novas Oportunidades. Nós gerimos diretamente toda a rede. Só que esta rede é
composta por entidades da educação e de formação profissional e outras que são privadas
(empresas, associações, temos de tudo e mais alguma coisa). O que nós fazemos? Nós, para
todas as atividades que temos que desenvolver junto dos Centros Novas Oportunidades,
independentemente dos seus promotores, temos que fazer em articulação com as Direções
Regionais da Educação e as Delegações Regionais e Serviços Centrais do Instituto de
Emprego e Formação Profissional. É como se nós tivéssemos um nível intermédio que não
pode ser visto como hierárquico, porque nós não mandamos nas Direções Regionais de
Educação nem nas Delegações Regionais do IEFP, mas temos aqui uma lógica matricial de
gestão e coordenação em que nós, como entidade de regulação, emanamos as orientações,
produzimos legislação, fazemos a monitorização, o acompanhamento e avaliação e ao nível
de articulação com as estruturas regionais e com os serviços centrais. Eu não posso chegar a
uma escola diretamente, só porque tem o Centro Novas Oportunidades, e interferir na
escola sem dar conhecimento disso à Direção Regional de Educação. Não posso fazer uma
legislação que tem uma série de implicações no funcionamento dos Centros de Formação
Profissional do IEFP sem o fazer em articulação com o IEFP.
Acho que temos aqui uma lógica de gestão de geometria variável que é: há assuntos que a
Agência pode intervir diretamente no contexto dos Centros Novas Oportunidades, dando
conhecimento às estruturas regionais ou aos serviços centrais; há outros em que nós não
podemos partir para essa intervenção sem convocarmos os respetivos elementos dessas
estruturas.
Isso não é fácil. Por um lado, estamos na articulação entre dois subsistemas de enormíssima
dimensão e que, habitualmente, trabalhavam de costas voltadas: a educação e a formação
profissional. Só isto é uma loucura porque nós queremos dizer à modalidade que tem
educação e formação e, portanto, temos todos que trabalhar em conjunto e temos por
detrás duas máquinas gigantescas que sempre trabalharam separadas e que agora se tocam
331
por via deste organismo que é a Agência. Por outro lado, temos que gerir as nossas
atribuições sempre com este cuidado e esta sensibilidade de que temos reportes
hierárquicos de entidades onde nós estamos a intervir. E, portanto, estes dois mecanismos
estão sempre presentes na nossa intervenção. Sempre!
Mas é um ganho enorme termos uma dupla tutela. Eu acho que a Iniciativa Novas
Oportunidades nunca poderia ter alcançado os objetivos que alcançou, quer no eixo jovens,
quer no eixo adultos, se nós não tivéssemos a dupla tutela. Mas isso tem imensos problemas
de gestão. Este governo é um governo que está a apostar muito mais em duplas tutelas do
que o governo anterior, já que nós éramos quase caso único. Na educação somos nós e a
Agência Nacional PROALV que tínhamos mais do que uma tutela e isto é partir a
administração por dentro porque a AP está sempre muito bem a pensar que só tem que ver
com o seu quintal. E aqui nós, Agência, temos que fazer este trabalho que é um trabalho
exigente, de relação com culturas organizacionais muito diferentes, com orientações e
práticas muito distintas e por aí fora. É assim que nós fazemos esta nossa relação.
Há momentos formais claríssimos. Há uma Comissão de Acompanhamento da Iniciativa
Novas Oportunidades e do Sistema Nacional de Qualificações que reúne, sob coordenação
do presidente da Agência, uma vez por mês, e que reúne com todos os organismos do
Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e com os parceiros sociais para aferir
orientações estratégicas, assuntos pendentes de determinada dimensão. Mas depois há
outro conjunto de reuniões formais, de nível mais baixo, que é o nosso quotidiano, quer
dizer, o nosso planeamento de monitorização e do acompanhamento e tudo isto.
Só para dar alguns exemplos de ofertas que os operadores têm, por exemplo, os Cursos EFA,
ou as formações modulares certificadas, e os CNOs. Nós somos responsáveis por fazer o
acompanhamento e a monitorização e avaliação destas ofertas, mas não fazemos só isso. Ou
seja, em princípio, vai uma equipa da Agência Nacional para a Qualificação a uma escola e ao
mesmo tempo que vai ver naquela escola, vê também os Centros Novas Oportunidade, mas
é tudo numa mesma visita. Mas vai com elementos das direções regionais a essas visitas, até
porque, depois do ponto de vista local, do ponto de vista territorial, é muito importante que
essa ligação se faça.
332
Acho que ensaiamos aqui alguns modos inovadores de relação institucional que colidem,
muitas vezes, com práticas, não diria ancestrais, mas muito enraizadas, das estruturas
regionais, por exemplo, ou de até alguma administração pública mais conservadora. A
Agência é uma agência muito ágil, é pequena, tem um corpo de funcionários muito novo, e
portanto, com gente que quer fazer coisas diferentes e com uma dedicação muito grande,
utiliza muito as tecnologias de informação.
Nós temos um Sistema de Informação e Gestão de toda a oferta formativa e educativa, o
SIGO, que nos permite ter, à distância, um conjunto de informações que dispensa
completamente, por exemplo, o papel das direções regionais, que estava muito habituada a
recolher informação própria. Podemos dispensar completamente as direções regionais para
isso porque os operadores colocam no SIGO e nós, a qualquer momento, podemos ir ao
SIGO e tirar a informação agregada e trabalhar essa informação para efeitos de
monitorização e por aí fora. E isso, às vezes, é visto como uma coisa centralizadora e eu não
acho que seja porque nós depois devolvemos toda essa informação, também, às equipas
regionais e aos outros organismos.
O problema é aquilo que depois se faz com essa informação. Ou seja, eu acho que se nós
estivéssemos na Alemanha provavelmente o nosso sistema funcionava que nem um relógio
suíço. Porque com o conjunto de informação que nós temos hoje, nós podemos fazer isto.
Mas o que acontece? Funciona à boa maneira latina que é “pois é, há aqui uns desvios e tal”
e “o que podemos fazer para corrigir?” e faz-se umas reuniões muito importantes, uns
diagnósticos, umas reflexões sobre os assuntos, mas depois, no local, perde-se
completamente a dinâmica de intervenção.
Claro que se for falar com uma direção regional o que vão dizer é: “mas nós não fazemos
porque a ANQ é que manda”. E se falar com eles, vai ver que é isso que eles irão dizer e
porque aquilo é um modelo altamente centralizado que a ANQ é que manda em tudo. Mas
não é verdade. No caso dos Centros Novas Oportunidades há um nível de acompanhamento
nacional, em que todos os Centros estão envolvidos e que é feito pelas estruturas regionais
e nós vamos lá para estar presentes. Não somos nós que dinamizamos. E esse
acompanhamento deve ter resultados, deve ter consequências: identificar coisas que não
333
estão bem, modificar o que for necessário e, às vezes, é difícil porque é este descurar de
“não somos nós que mandamos”, “nós só vamos ao pedido de não sei quem”, “se calhar são
os outros que têm essa responsabilidade” e aqui há uma engrenagem que precisa de tempo,
precisa de ser oleada.
Tudo isto é muito recente. Isto é um facto inegável e nós não podemos tirar conclusões
precipitadas, sobre nada em educação e formação, com quatro anos de intervenção, ou
mesmo, se nós quiséssemos ser benevolentes, com dez anos, para considerar que isto
começou com a ANEFA. Tudo isto é muito recente. Precisamos de estabelecer
procedimentos, precisamos de modificar o que não está bem. Por exemplo, precisamos, se
calhar, de codificar os papéis de cada um: o que cada um faz nesta gestão do Sistema
Nacional de Qualificações.
Claro que há estas tensões, há sempre tensões. Agora acho que já ganhamos um espaço de
articulação muitíssimo importante, principalmente este espaço de sentar à mesma mesa. Em
2007 fazer uma reunião com a educação e a formação, era para mim claríssimo que num
lado eu tinha a educação e no outro lado a formação profissional. E estas pessoas, em vez de
se juntarem por territórios, sentavam-se por sector em que trabalhavam. Isto era o mais
comum. Era assim normalmente a disposição “natural” das pessoas numa sala de reuniões.
Hoje é muito interessante verificar que se fizer uma coisa destas, as pessoas sentam-se
muito mais por afinidades territoriais - que é este um dos nossos objetivos, que haja uma
gestão local da educação e da formação integrada. E já começam a aparecer sinais disso e
há, por exemplo, regiões que são exemplares nesse ponto de vista. O Algarve é exemplar, o
Alentejo também é exemplar. Estão num nível de articulação institucional entre a formação
e a educação que dá corpo àquilo que eram as propostas da Iniciativa do Sistema Nacional
de Qualificações.
3. Tem referido a importância da monitorização do sistema. Pode falar-me um pouco
melhor dos instrumentos de monitorização?
334
Nos Centros há um plano de acompanhamento que é um documento que foi reestruturado
pela Agência em articulação com as Estruturas Regionais de Educação, Formação, do
Turismo, de todas essas com quem temos trabalhado. Portanto, foi feito um documento que
foi avaliado por todos e é um documento que tem quatro níveis de acompanhamento, com
responsabilidades claras de quem faz o quê em cada um desses níveis.
Ora, a Iniciativa foi lançada em Dezembro de 2005, 2006 foi um ano essencialmente de
construção de alguns dos instrumentos que eram fundamentais e em 2007 é que começou a
sério, com a criação da Agência e com uma dimensão visível na sua intervenção já efetiva e
real. E desde 2007 nós fomos fazendo sempre acompanhamento, avaliação e monitorização,
mas o plano e o modelo foram mudando porque, num primeiro momento, nem sequer os
próprios técnicos da Agência estavam capacitados para ir fazer monitorização, avaliação e
acompanhamento.
E, portanto, este plano de acompanhamento foi concebido em 2008, foi estabilizado em
2009, depois de um ano de intervenção, e foram agora feitas ligeiras adaptações em 2010
para este ano que está a decorrer. É um plano anual, em que por ano todos os Centros
Novas Oportunidades têm uma reunião de acompanhamento de nível nacional e em que
essa é dinamizada pelas Estruturas Regionais da Educação e do Trabalho e nós participamos
sempre que é possível.
Depois tem um nível acompanhamento amostral. Como é que isto é feito? Nós somos o
organismo intermediário do POPH para efeitos das candidaturas para financiamento dos
Centros Novas Oportunidades e, por terem financiamento público, os Centros são objeto de
verificação no local, para efeitos de financiamento e por equipas da Agência. O que nós
fazemos é: o POPH retira uma amostragem todos os anos de cerca de 50 Centros, essa
amostragem é-nos dada e, a partir daí, nós organizamos. Aí tem que ser equipas da Agência,
com uma componente pedagógica e uma componente financeira. Os técnicos da Agência
passam lá um dia a verificar não só todas as questões administrativo-financeiras, como
também a ver portefólios de formandos selecionados aleatoriamente, a falar com os
elementos da equipa técnico-pedagógica, a fazer entrevistas para recolher informação sobre
questões de coisas que não estão bem.
335
Depois há um nível de acompanhamento sectorial que é: duas vezes por ano a Agência
reúne com todos os parceiros, aqui normalmente com a minha presença. Eu tenho a tutela
da componente dos adultos e, portanto, faço a reunião com todos os elementos das
Direções Regionais do IEFP, do Turismo de Portugal, uma série de entidades com quem nós
temos que articular a tal gestão de geometria variada. Essas reuniões são para definir
orientações, são para falar de questões mais estratégicas.
Num quarto nível é uma espécie de task-force para resolver problemas graves, ou seja, se
houver uma denúncia de alguém que nos diz que um Centro Novas Oportunidades está a
funcionar num sítio onde não tem condições, ou que foram feitas coisas que não são
corretas do ponto de vista pedagógico. Nós temos uma equipa que, no prazo máximo de 15
dias, está no terreno a fazer o relatório e a identificar qual é o problema e como se pode
resolver.
Nas ofertas formativas de adultos (EFAs, formações modulares, todas essas ofertas que
temos neste momento) a mesma coisa. Há um plano, há um guião de visita técnica e o que
nós temos agora a fazer, para efeitos de gestão otimizada dos recursos é: sempre que vai
uma equipa para uma verificação no local a um Centro Novas Oportunidades, vão também
um ou dois elementos da equipa das Oferta Educativas e Formativas e fazem o
acompanhamento integrado. Isto é uma das inovações de 2010, e bem.
Isto é o que nós fazemos de visitas técnicas e tal. Depois temos relatórios mensais de
avaliação de informação que está no SIGO, com uma série de indicadores que estão
estabelecidos. Temos um conjunto de instrumentos… Por exemplo, a Carta de Qualidade dos
CNOs.
Depois ainda temos as avaliações externas. Contratualizámos estudos para a componente do
eixo adultos. E há uma componente muito importante desses estudos, que a Universidade
Católica desenvolveu, que é a autoavaliação, que permitiu que os Centros tivessem acesso a
um dispositivo de autoavaliação, baseado no CAF (Common Assessment Framework) e que
permite ter, não só, uma ferramenta muito interessante do ponto de vista organizacional,
como terem elaborado um plano de melhoria que depois pode ser monitorizado. E a equipa
de consultores é uma equipa da Universidade Católica que está em relação direta com os
336
Centros, em que a Agência deu o guião do que queria, o que necessita, para quê aquilo deve
servir, mas não temos interferência direta para se sentir que uma coisa é a autoavaliação,
outra coisa é aquilo que nós temos que atribuir como entidade de regulação.
Para falar de uma forma mais detalhada sobre o assunto diria estas coisas.
4. Relativamente aos eventuais stakeholders que não pertençam propriamente a estas
estruturas – estou a lembrar-me do exemplo das entidades empregadoras – como é que
veem o papel destes atores e como articulam com eles?
Eu, se calhar, destacava aí dois conjuntos muito interessante de stakeholders da sociedade
civil, se quisermos dizer assim. Uns são as empresas, definitivamente. Nós até fomos muito
acusados pelos teóricos mais relacionados com a educação de adultos, como algumas das
pessoas que tinham formado a educação de adultos em Portugal, que a Iniciativa Novas
Oportunidades era economicista e que estava a vender-se ao paradigma neoliberal da UE e
tal. Eu não vejo as coisas assim. A minha proposta de reflexão teórica sobre esse assunto é
um pouco mais complexa, mas efetivamente houve um aproximar do mercado de trabalho e
houve um aproximar às necessidades efetivas de qualificação da mão-de-obra e das
qualificações dos trabalhadores. E o quê é que nós fizemos? Fizemos um esforço que veio
muito por via das empresas – muito interessante –, nomeadamente grandes grupos
empresariais que chegavam ao pé de nós e nos diziam: “nós queremos fazer um protocolo
convosco porque nós queremos qualificar os trabalhadores”. E os grandes grupos
económicos sabem que isto conta para os balanços sociais das empresas, contam para os
concursos públicos internacionais, contam para estas coisas todas. E, num segundo
momento, nós próprios fizemos algum trabalho de angariação de empresas porque
achávamos que era um trabalho muito interessante. Neste momento, esse conjunto de
protocolos assinados, ao nível nacional, já ultrapassou a centena de protocolos com grandes
grupos empresariais e que envolve mais do que 60 mil pessoas já em percurso de formação.
Algumas dessas empresas é um trabalho muito interessante connosco porque estão também
a ser parceiras para a atualização do Catálogo Nacional de Qualificações, para a introdução
337
de referenciais mais adaptados às necessidades do mercado de trabalho. Há aqui uma
ligação ao mundo empresarial muito interessante.
E a nível regional e local este interesse também se replicou, ou seja, houve Pequenas e
Médias Empresas que, ou porque os CNO foram angariar os trabalhadores, ou porque os
próprios acharam que era importante qualificar as pessoas, fizeram protocolo a nível local.
Esses são mais de 8 mil e tal protocolos estabelecidos a nível local.
Por outro lado, um outro conjunto de stakeholders que são os Avaliadores Externos. A rede
de Centro Novas Oportunidades trabalha com uma bolsa de cerca de 600 avaliadores
externos acreditados pela Agência e que são pessoas da sociedade civil de todo o país, que
se candidataram à acreditação como avaliadores externos da Iniciativa. E cada um deles tem
que participar no júri de certificação no CNO, quer para a certificação parcial, quer para
certificação total. Fizemos algumas modificações importantes a esse respeito. Não é um
sistema perfeito. Eu acho que nós estamos ainda na discussão entre: se deveriam ser os
Centros a escolher ou se deveria haver uma espécie de sistema aleatório que distribuía os
avaliadores pelos Centros em função de critérios de proximidade e por aí fora. E acho que
pode haver melhorias interessantes e até que deem alguns critérios de maior transparência
e de melhor fiabilidade daquilo que é o papel do avaliador externo no contexto do Sistema
Nacional de Qualificações. Mas temos pessoas de todas as profissões, de todos os sectores:
temos grandes empresários, temos professores universitários, temos pessoas destacadas,
por exemplo, do poder local, temos muito professores aposentados que acham que podem
ter um papel interventivo na educação e formação, formadores…
5. Relativamente à divulgação de resultados, se quisermos chamar de accountability, quer
ao nível interno, quer a nível externo, como é que devolvem à estrutura os resultados que
estão a ser atingidos e, por outro lado, como é que divulgam para fora, para a sociedade
civil (media, poder político). Como é que as coisas estão a correr?
Nós temos um problema enorme mas não de accountability. Nós, Agência, produzimos
relatórios com informação sobre a intervenção, estão públicos alguns dos indicadores da
338
atividade do Sistema Nacional de Qualificações na Internet, qualquer pessoa pode aceder.
Inclusive há alguns fóruns de discussão, seminários importantes, em que se discutiu, por
exemplo, os resultados da avaliação externa. Têm toda informação na Internet, podem ver
os vídeos, as intervenções. Não cortámos nenhum milímetro. Desse ponto de vista até tenho
orgulho em dizer que toda a nossa atuação foi feita de uma forma muito transparente. E, às
vezes, o facto de ser feito de forma transparente não quer dizer que seja entendido que
tenha sido feito de forma transparente, isso é outra coisa.
O que acho que nós temos é um enorme problema de compreensão pública da Iniciativa. É
nova, tem um conjunto de dimensões inovadoras. Muitas pessoas não sabem o que é o
Reconhecimento, Valorização e Certificação de Competências, nem as metodologias em que
se baseia, nem o que vai ser validado, nem o que são competência-chaves, nem o que são
referenciais de competência-chave, nem como se valida a reconversão profissional de RVCC.
Nada disto sabem, mas sabem dizer que nada disto presta. Outros não sabem o que são
Cursos de Educação e Formação de Adultos, que carga horária têm, que áreas de
competências-chave são trabalhadas, mas sabem dizer que aquilo não é Ensino Secundário
ou o Ensino Básico.
E isto é um problema de accountability que nós não podemos resolver por nós próprios. Ou
seja, nós podemos fornecer toda a informação, podemos fazer fóruns de reflexão, podemos
dar a informação toda que nos for solicitada mas a forma como ela é interpretada e como
ela é divulgada… Em determinada altura, numa conversa que tivemos sobre isto, eu dizia
“mas porque que ninguém, por exemplo, nenhum jornalista acha que é importante fazer
uma peça sobre o Sistema Nacional de Qualificações” e alguém me dizia “um jornalista
nunca fará uma coisa sobre isto” e de repente “ah se calhar, eu conheço um que se interessa
assim por umas coisas…”. Mas isto não são “as coisas”! Quer dizer, se alguém quiser
compreender o que são os Centros Novas Oportunidades, o que se faz num processo de
RVCC, tem que compreender o que é o Sistema Nacional de Qualificações e porque é que ele
existe, e porque é que os Alemães acham extremamente importante ter um Sistema
Nacional de Qualificações, mas os portugueses não acham. Havia aqui um trabalho dos
académicos, dos agentes políticos, dos jornalistas, de todas as pessoas com responsabilidade
nesta área, de tradução destas coisas para fora e de uma forma correta. E esse trabalho
339
deve ser feito. Nunca houve interesse em nada disso. O que havia interesse era: se o
portefólio era vendido ou não era vendido, muitas das vezes com posições falsas e
acusações falsas sobre o assunto e isso é o que nós temos. Portanto, a accountability
também vem por aí.
Nós nunca tivemos nenhum problema. A avaliação externa pediu-nos toda a informação que
quis sobre o sistema, nada lhes foi negado, nada. Os Centros Novas Oportunidades, as bases
de dados dos Centros, escolham os que quiserem! Quais são os critérios pelos quais querem
trabalhar? Decidam vocês! Se há mecanismo de accountability que se possa utilizar é o
conhecimento científico e académico ao serviço das políticas públicas.
Saíram os resultados da avaliação externa e dos resultados todos que saíram até se podia
discutir cientificamente. Vamos lá, vamos a essa discussão! São válidos? Não são válidos? As
metodologias utilizadas não foram? Podiam discutir por aí, mas não. Vamos é discutir os não
sei quanto % que dizem que não são reconhecidos no mercado de trabalho, que eu até acho
que isso não se pode medir agora.
Nós fizemos o esforço enorme de divulgação da informação, mas acho que há um problema
enormíssimo, imenso, de compreensão do sistema. Falhámos com certeza nisso. Falhámos
na visibilidade. Eu digo muitas vezes isso, acho que a Iniciativa Novas Oportunidades ocultou
a visibilidade que o Sistema Nacional de Qualificações poderia ter. E isso pode ter sido um
problema grave nesta lógica de interpretação e até de transparência. Depois, como a
Iniciativa era programática, discutiram-se outras coisas que não as questões que me estava a
perguntar. Se nós divulgamos informação, se colocamos a disposição das pessoas e por aí
fora.
Temos tido também, e acho que isso é muito importante, muitos investigadores a querem
fazer trabalhos académicos sobre a Iniciativa. Essa é uma forma de accountability muito
interessante. Por exemplo, eu não lhe encomendei nada, não é? Mas não temos só o Luís,
nós temos tido imensos contactos do país inteiro, muita gente interessada sobre muitas
dimensões, a fazerem coisas sobre a Iniciativa Novas Oportunidades. E isso há-se ser muito
interessante e há-de ter resultados que depois podem ser novamente reutilizáveis pelos
fazedores de política para melhorar a intervenção.
340
Não conseguimos é modificar algumas das lógicas de apropriação que são, do ponto de vista
sociológico, muito culturalmente enraizadas. Nós temos um problema enorme com a
administração pública. Eu também o tinha… Eu, por exemplo, fui agradavelmente
surpreendida. Tinha uma série de preconceitos. Achamos sempre que quando vamos ao
serviço público vamos ser pior atendidos do que se formos a um serviço privado. Achamos
sempre que a administração pública é burocrática e que está em princípio a fazer mal aos
cidadãos, e na verdade não tem que ser necessariamente assim. Se calhar se nós
conseguirmos despir um pouco esses preconceitos e olharmos de uma forma mais isenta
para as coisas, conseguimos ver isto.
Eu gostava muito que os investigadores e os jornalistas que fossem trabalhar sobre a
Iniciativa não partissem para ela com o estigma do facilitismo. E partem! Caso contrário, não
produziam textos como na maior parte dos casos, principalmente a comunicação social, se
produz. Quando se vai à procura do facilitismo, muito dificilmente se vai encontrar outra
coisa que não aquilo que se quer provar. E isto é um problema de preconceito e de estigma
sobre a Iniciativa Novas Oportunidades que não se conseguiu combater, por mais dados que
eu apresente. Temos dados sobre a duração médias dos processos de certificação, o volume
das cargas horárias, por aí fora, e até a própria tecnicidade específica dos processos.
Ninguém liga nenhuma a isso, mas está lá. Está tudo publicado na Internet. Ainda por cima
hoje temos esta coisa maravilhosa que é poder disponibilizar tudo para toda a gente puder
verificar.
6. Está a falar de algum desconhecimento até de alguns agentes do terreno, notou na
altura que iniciou, ou eventualmente se ainda notará, alguma resistência dos próprios
agentes do terreno, nomeadamente ex-professores ou ex-formadores relativamente à esta
quebra de paradigma, esta mudança de paradigma? Ou, por outro lado, foi uma coisa
facilmente aceite?
Não foi nada. E digo-lhe mais, acho que uma das maiores dificuldades é exactamente que os
professores mais convencionais e que sempre trabalharam no ensino básico e secundário
em modalidade de educação que são consideradas do ensino regular – não gosto nada dessa
341
expressão. Significa que os outros são todos irregulares e não acho que seja assim – mas são
dos maiores críticos e dos maiores detractores do sistema. Muitas das vezes… Eu não estou
a dizer que o sistema é isente de críticas. Nenhum sistema de educação e formação pode ser
isento de críticas porque então estaríamos num mundo que não é um mundo dos humanos
e nossa convivência social. Não é isso. O sistema tem falhas, e falhas que precisam ser
corrigidas. E tomara, se calhar, a nós que houvesse agora a vontade política. Também
porque se a Iniciativa é o que é, se houve o envolvimento dos actores, se houve adesão da
população, isso deve-se à centralidade política que foi atribuída a este programa, que nunca
tinha sido atribuída, de igual forma, em democracia, à educação e formação de adultos. Só
tinha sido atribuído em 1952 com o Presidente do Conselho quando fez o Plano Nacional da
Educação Popular. E aí apareceu coisas do género, muito semelhantes à Iniciativa Novas
Oportunidades, (certificar um milhão de adultos com o primeiro ciclo do ensino básico e
coisas do género) e nunca mais houve nada semelhante. Isso foi muito importante para a
Iniciativa.
Mas os nossos críticos, e quem teve maior dificuldade em se apropriar ou em compreender,
são exactamente professores das modalidades de ensino regular que acham que tudo isto
não deveria existir. E que a única forma de ensinar e de aprender é um professor dar aulas a
um grupo de alunos que, aparentemente, são homogéneos, têm mais ou menos a mesma
idade e que no fim têm que ser submetidos a determinado tipo de teste e de exames para
terem um determinado tipo de classificação. E que essa é a única maneira de ensinar e de
aprender nas sociedades modernas.
Eu não acho nada disso. Eu acho que, tal e qual como a história tem vindo a demonstrar, há
inúmeras maneiras de ensinar e de aprender. E cultutal e sociologicamente há diversas
maneiras de demonstrar isso.
O momento em que nós estamos na Europa, o que nós é dito e o que nós pedido é que os
Estados-membros: primeiro que tudo, reconheçam que há um conjunto muito diverso de
maneiras de aprender e de ensinar, e por isso dizem “para além das vias gerais e das vias
clássicas de ensino, deve haver outras formas de ensinar e de aprender, nomeadamente
para populações como a população adulta”. Depois, essas, devem estar intimamente
342
relacionadas com o mercado de trabalho e então é necessário ter um Sistema Nacional de
Qualificações. Depois, no fim, o que o Sistema Nacional de Qualificações diz, o Quadro
Europeu de Qualificações, é que “agora pouco importa o sítio por onde se vai, o que
interessa é que a saída, nós, os sistemas, os países, os Estados-membros, possam dizer que
aqueles indivíduos atingiram os mesmos resultados de aprendizagem.
E esta é que é a tal mudança de paradigma que os professores não reconhecem. Os
professores classificam. Classificam. À primeira as ofertas dos jovens - já falamos não é o
objectivo - as ofertas jovens são completamente rotuladas: os cursos bons são os cursos
generalistas, a seguir são aqueles menos bons e que são para os meninos que têm
problemas em aprender porque são todos profissionais e, portanto, têm que ir aprender
uma profissão e a esses não vale a penas ser tão exigente com a matemática. Ninguém lhes
disse para não serem tão exigentes com a matemática! Os professores é que acham que não
podem ser tão exigentes com a matemática. E depois há ainda os cursos piores, que são os
CEF’s, que são só para os manter na escola. E depois criam-se imagens sobre o que isto é.
Vai à uma escola, fala sobre o CEF e ouve as coisas mais mirabolantes sobre o CEF. Em
nenhum sítio da legislação, daquilo que é preconizado no modelo pedagógico se diz que os
CEF’s deve ser uma alternativa de terceira escolha. Não deve, pelo contrário, deveria estar
os professores dos quadros, com mais experiências, a lidar com aqueles miúdos, que são
miúdos que tiveram trajectórias de insucesso e de retenção para que eles possam evoluir na
sua trajectória escolar. Mas depois todo o sistema educativo está organizado ao contrário.
Aqui, encaram isto – e isso é uma das críticas que faço muitas vezes e que faço directamente
às pessoas que trabalham no sistema – que é: os próprios técnicos do sistema rotularam
muito a Iniciativa Novas Oportunidades como algo – vou utilizar uma palavra muito forte –
como algo que tem a ver um pouco com caridade educativa. Não era nada disto. Em nenhum
documento! Em nenhum documento se diz assim: o senhor tem o direito a ter o diploma do
9º ano porque a sua vida foi muito sofrida, porque teve imensos problemas, porque… Isso
não é dito em lado nenhum! O que se diz é: atribui-se diplomas de 9º ano quando são
verificadas determinadas competências-chave que estão nos referenciais, e isto está dito até
à exaustão.
343
Qual é que é a tradução, muitas vezes dos próprios professores… dos próprios professores… É
que como não sabem lidar com este tipo de materiais, muitos deles nunca trabalharam com
um referencial de competências-chave, tiveram formação pela primeira vez para trabalhar
ali, não sabem “não ensinar”. Só sabem transmitir, não sabem validar, que é uma coisa
diferente. Não sabem reconhecer que o outro pode ter conhecimentos idênticos, tendo
aprendido em contextos diferentes. Então, tem esta lógica caricativa, que é: “uma vez por
outra por outras a gente vai lá e…”. Aquela pessoa claro que tem uma vida espantosa e que
tem o direito a ter o 9º ano. No final, se calhar – mas depois aqui emprego-lhe o “se calhar” –
a avaliação que podemos fazer é que aquele fulano inequivocamente deveria ter o diploma
de 9º ano por ter as competências-chave associadas ao referencial, mas então todo o
processo tem que ser feito dessa maneira.
Então, eu acho que aqui é uma das grandes falhas desse sistema: precisávamos de ter muito
mais formação para as pessoas, ter tempo para amadurecer estas metodologias, e depois ter
reconhecimento pelos subsistemas, de que estas modalidades não são modalidades nem de
segunda, nem de terceira, nem de quarta, mas que são modalidades de igual valor que estão
ao mesmo nível. E isso, às vezes, não passa, por exemplo… vou dar um exemplo muito
concreto: um director de uma escola, que acha que o Centro Novas Oportunidades – e se for
entrevistar directores de escola sobre isto, e se lhe perguntar: “então, mas e o centro de
novas oportunidades?” e se esse director lhe diz: “ah, isso é ali o projecto do professor de
não-sei-quantos”, está tudo dito. Porque ele quer e vai-lhe falar é dos horários, dos
professore, que é a questão do ensino regular, básico e secundário. E depois vai-lhe
perguntar sobre os cursos profissionais: “ah, isso é ali com aquela coordenadora pedagógica
que e não-sei-quê…”. Portanto, é uma espécie de, há um núcleo central na escola que é
muito importante, e depois há um conjunto de satélites à volta. E hoje, o Sistema Nacional de
Qualificações é mero satélite, quando do ponto de vista da dimensão, o Sistema Nacional de
Qualificações representa 60% do Sistema de Educação e Formação. Se nós juntássemos toda
a gente no país, em todos os operadores, nas ofertas do Sistema Nacional de Qualificações,
com jovens e adultos, temos 60% dos nossos... [que já ultrapassam o ensino regular] que já
ultrapassam o ensino regular, desde o pré-escolar até ao 12º ano. Mas isso não é
minimamente entendido pela maior parte das pessoa. Entendido assim desta forma… claro
há aqui estas questões para resolver.
344
Portanto, estava-lhe dizer, uns são os professores… esta lógica de uma escola, que é uma
escola feita de determinada maneira, e que ainda não encontrou este sítio para todas as
outras possibilidades… e depois, eu acho que temos este problema: temos o problema de
algumas elites ainda que, efectivamente, acham que não devia haver estas novas
oportunidades para ninguém. Não é a Iniciativa Novas Oportunidades, é novas
oportunidades para ninguém. Porque aquelas pessoas estão no seu lugar social certo,
daquele ponto de vista. E, portanto, cabe agora alguém achar que alguém que tinha ficado
com a 4ª classe possa ir agora para a faculdade? Isso é uma coisa impensável para muita
gente - estou a ser irónica – e não aceitam, não querem sequer pensar que muitas das
pessoas que às vezes até foram pessoas que eram suas subordinadas, que podiam ter, do
ponto de vista da igualdade de oportunidades, a mesma possibilidade de progressão. Muitas
das vezes os mesmo que defendem o mérito como a maior alavanca social que existe nas
nossas organizações sociais. E não é verdade. Nós só podemos premiar o mérito, se
pudermos – a meu ver – a partir do momento que podemos dar as mesmas oportunidades a
toda a gente, e sabemos que as condições sociais não as permitem. Sabemos também, basta
fazer uma análise muito simples para perceber quem são estas pessoas que estão a ir à
Iniciativa Novas Oportunidades, do ponto vista social são, claro, as pessoas mais pobres da
nossa sociedade. Não são as pessoas mais favorecidas do ponto de vista sociológico. Há aqui
também esse problema, que é o problema - que às vezes entra no discurso fácil, num
discurso um bocadinho mais fraccionário – de alguém que acha que há lugares
hierarquicamente distribuídos, e que essa hierarquia não pode agora aqui ser posta em
causa por causa assim porque… o que é que a Iniciativa veio fazer? Veio pôr em causa…
Porque uma coisa era a ANEFA com os quarenta mil envolvidos em cinco anos. Outra coisa é
de repente – e foi de repente – nós termos mais de um 1,8 milhões de pessoas, adultos, que
voltaram a fazer alguma coisa do ponto de vista da formação profissional ou da qualificação.
E desses, mais de meio milhão, avançou um nível numa das modalidades de qualificação.
Este sim, é um verdadeiro choque sociológico. Então de repente esta gente… mexemos nas
estruturas sociais… e este problema é um problema, do ponto de vista do conjunto de
pessoas mais conservadoras, faz mossa… e portanto, se tiverem palco e se tiverem voz na
comunicação social, claro que são os primeiros a dizer: “aquilo não vale nada”, porque
aquela pessoa nunca poderia ter tido aquele diploma porque não era possível, do ponto de
345
vista da ordem natural das coisas. Esse é outro tipo de nível de crítica e de tradução da
Iniciativa que, muitas das vezes, é baseado apenas em questões ideológicas de um enorme
conservadorismo.
7. Na minha tese de mestrado detectei a existência de algumas redes entre CNOs e, tanto
quanto pude ter informação na altura, algumas resultaram um pouco de um incentivo
sistemático da ANQ que depois acabou por resultar na constituição das redes, enquanto
que outras surgiram quase de forma espontânea. Gostaria, assim, de saber como é que a
ANQ vê essas redes de CNOs e a forma como as mesmas se articulam, e se têm
naturalmente sugestões de melhoria para o funcionamento?
Nós achamos fundamentais essas redes que se estabeleceram.
Ainda na Carta de Qualidade havia um conjunto de indicadores que tinham a ver com o
funcionamento do Centro que davam pistas para que isso pudesse acontecer, de coisas que
até na altura se calhar os próprios operadores não compreenderam muito bem porque é
que elas lá estavam. Para quê organizar um seminário ou uma reunião com o conjunto de
operadoras por ano? Para que as pessoas se sentassem e conversassem sobre os assuntos
que lhes eram comuns. O que é importante é num determinado território, se há problemas
comuns para se resolver, que esses Centros se sentem a mesa, os discutam, que haja
reuniões de diferentes elementos das equipas. Por exemplo uma coisa é haver uma reunião
de coordenadores, outra coisa é elementos técnicos, os profissionais de RVCC, ou os
técnicos de diagnóstico. E isso foi muito fomentado por nós porque as primeiras reuniões de
acompanhamento que fizemos em 2007 tinham exactamente essa lógica, e que ainda se
mantém ao nível nacional, que é juntar os Centros da mesma NUT3. Ou quando as NUTs são
muito grandes, como por exemplo Lisboa ou nas áreas metropolitanas do Porto, ter por
concelho.
A maneira de fazer uma intervenção articulada e coordenada era até construir essas redes.
Agora até há um nome para isso, nós demos no documento que informa o segundo ciclo da
Iniciativa que é a existências de Redes Locais para a Qualificação. E essa ideia é uma ideia
346
que é completamente acarinhada, incentivada e estimulada pela Agência, com um objectivo
muito diferente. Por exemplo, essas Redes podem servir como pivôs para a definição das
ofertas formativas que devem ser estabelecidas em cada região, quer para jovens, quer para
adultos. Essas redes devem servir para resolver os problemas inter-Centros Novas
Oportunidades.
Houve momentos de tensão enorme, por exemplo, quando se alargou a rede de Centros e
houve de repente um movimento de transferências de candidatos porque estavam
concentrados. Em 2007 houve, assim em três ou quatro meses, 400 mil inscrições para uma
rede de 270 e, em 2008, quando quase duplicámos a rede, aqueles que estavam
concentrados na rede 270 claro que se mudaram. E aí houve maior tensão porque “os
Centros vão roubar”, “porque não-sei-quê”, aquelas coisas. E nós sempre dissemos que a
lógica era resolver isso em acompanhamento numa base territorial com todos os Centros a
falarem entre vocês e a resolverem os problemas.
Como eu dizia, acarinhamos isto até a exaustão. Inclusive… Isto é inorgânico o que é um dos
maiores problemas. Nós até gostávamos que tivesse alguma regulamentação, não uma coisa
pesada, mas que dissesse que em cada NUT3 deve ser constituída uma Rede Local para a
Qualificação, quem é integrado, quais os objectivos… Porque às vezes em Portugal há esta
lógica que é: se a administração pública diz, é porque é burocrática, mas se a administração
pública não diz… Nós gostávamos de fazer alguma regulamentação sobre isso.
É engraçado perceber também que elas nascem de forma muito diferente, como dizia.
Algumas estruturaram-se espontaneamente, até com outros autores que não tinham nada a
ver com e educação e a formação, pelo menos num primeiro momento. Envolveram, por
exemplo, a autarquia. Outros, por exemplo, com muito impulso das Estruturas Regionais. As
Redes do Algarve, por exemplo, foram muito constituídas porque a direcção e delegação
regional já trabalhavam muito em conjunto e, portanto, promoveram a que elas
estabelecessem em rede regional. E há outras que efectivamente nascem de uma vontade
de um Centro ou de dois Centros que querem puxar os outros, que querem resolver
problemas e que são mais voluntaristas, e que acham que aquilo pode ser a solução.
347
Mas mais interessante ainda é perceber que há sítios onde isto não é possível de todo. Por
exemplo, a área de Lisboa é uma das zonas onde não acontece rede. E onde são capazes de
andar permanentemente em conflito, e em que a Agência tem que andar a fazer a mediação
porque não são capazes de se sentarem a mesma mesa ou pegar num telefone e resolver o
problema.
Eu que acho que o modelo de governação destes Centros é um modelo muito aberto e um
modelo de muita autonomia, confrontei-me muitas vezes com o que se confronta qualquer
pessoa que acredita que a autonomia é uma coisa boa no contexto da administração: se nós
damos a autonomia desta maneira, o que nós vamos ter do outro lado é a desconfiança
sobre a autonomia. E isso é muito curioso! Neste modelo de governação muito aberto que
nós temos nos Centros, nós muitas vezes mandamos coisas para os Centros e dizemos
“façam”, a seguir recebemos, pelo menos, uns trezentos e-mails dos Centros a perguntar:
“mas querem que nós façamos, mas como?”, “e qual é o enquadramento legal?”. E nós só
temos a dizer “façam! Vocês têm autonomia e capacidade para fazer e, portanto, façam”.
E estas redes deveriam ter sido assim, deveriam surgir espontaneamente e com esta lógica.
Eu acho que elas funcionam muito melhor assim. Funcionam quando estão a dar resposta
aos problemas que os elementos da rede sentem e gostava muito que elas se
transformassem, efectivamente, numa realidade dispersa por todo o território e fosse, no
fim, unidades que apoiassem a Agência. Eu acho que a existência de redes formalizadas
desta maneira poderia dispensar o trabalho ou a existência de Estruturas Regionais, mas
para isso precisávamos de ter operadores responsáveis e que consigam trabalhar com esta
lógica de autonomia e que não estejam cada um deles a pensar no seu ‘quintal’ ou na sua
intervenção. Ou seja, numa lógica de criar uma rede de organismos responsáveis e com
capacidade de intervenção que fossem estes os parceiros da administração. E podia
perfeitamente ser este o modelo. Ou seja, a Agência poderia perfeitamente viver com este
modelo, tinha era que ter os interlocutores, regionais e locais, certos para poder fazer isto.
Mas não estamos nesse nível, porque depois elas têm uma enorme fragilidade. Redes que
foram criadas porque há dois Centros que se dão muito bem e que acham que podem mudar
o mundo naquele território. Se mudar a coordenadora do Centro a rede acabou. Ou há uma
348
autarquia que se dedicou imenso e tal, mas há uma eleição e muda o presidente ou sai o
vereador da educação e a rede acabou porque estava assente naquele pilar.
E acho outra coisa, acho que muitas das vezes as Redes têm um problema de identificação
do seu programa de trabalho. Nesse ponto é que acho que deveria ser formalizado por eles,
ou seja, deveriam claramente identificar, em vez de ser tertúlias desagradáveis sobre os
problemas em que se fazem diagnósticos e tal, deveriam ser “nós agora identificamos os
problemas, vamos fazer aqui um planeamento: onde é que nós queremos chegar, como é
que lá vamos chegar e que resultados é que vamos obter daqui há seis meses, e quem é que
vai fazer o quê. E ainda não estamos lá. Não chegámos lá.
8. Não sei se quer acrescentar alguma coisa… (01h17)
Eu só gostava de adicionar uma questão mesmo para concluir que é: eu acho que nós temos
uma dimensão histórica nesta intervenção e isso é uma coisa, no ponto de vista das políticas
públicas, que às vezes não se consegue fazer grande justiça objectiva. Quer dizer, eu sou
capaz de dizer que, mesmo não concordando com ideologias de um determinado ponto de
vista, há coisas que foram bem-feitas e que atingiram determinados resultados. E, às vezes,
há este custo de assumir que pode haver intervenções das políticas públicas que têm
resultados muito importantes para o país.
Eu acredito que - isto é muito polémico, sou eu o que vou dizer, não é a vice-presidente –se
calhar, agora neste momento, a Iniciativa Novas Oportunidades podia perfeitamente sair de
cena, no sentido em que, do ponto de vista programático, nós não precisávamos de ter uma
bandeira “Novas Oportunidades”. E isso hoje pode até ser contraproducente por causa de
todos os rótulos e estereótipos que tem associado, mas agora fazer de nossa enorme
bandeira o Sistema Nacional de Qualificações, como uma coisa técnica, séria, robusta, de
acordo com as políticas europeias, a darmos conta de um conjunto de problemas que outros
países andam a tentar perceber como é que vão conseguir. E nós temos o Quadro Nacional
de Qualificações, temos o Catálogo Nacional de Qualificações, temos a rede de operadores.
349
Agora, isto só se faz com vontade política. As políticas públicas só se fazem com vontade
política. Se quiser mudar políticas públicas, far-se-á outra coisa. Mas estas, tal e qual como
se têm feito até agora, normalmente não se faz. E só se faz com uma intervenção que é uma
intervenção tecnicamente rigorosa e sempre numa lógica de melhora gradual. Não há
sistemas perfeitos, não há. Em educação e formação não há. Nós temos um conjunto de
instrumentos que são muito bons, nalgumas dimensões, mas há áreas a melhorar. Então,
vamos trabalhar essas áreas a melhorar.
E, portanto, só assim é que nós conseguiríamos, provavelmente, convergir numa situação
tão difícil como esta. Era partir de um lugar completamente desfavorável em 2005, em que
estávamos negativos na média europeia (por exemplo na população activa com ensino
secundário completo) e conseguir convergir em quinze anos. Era um efeito histórico. Eu
acho que Portugal era capaz de fazer isso. E nós temos ainda os financiamentos, porque eles
estão ainda alocados para isto.
Neste momento, a vontade política para querer prosseguir e melhorar. Se fizermos estas
duas coisas, conseguiremos fazer. Agora sem dúvida que este é um dos maiores
constrangimentos estruturais que Portugal tem que precisava de o resolver com
enormíssima rapidez e não podemos estar a espera, nem podemos estar com medos de que
“ah não, mas a gente daqui há trinta anos vamos ter as gerações todas com doutoramento”,
“daqui há trinta anos…”, como dizia a professora Márcia Trigo numa intervenção que eu
estava a dizer isto, que “Portugal fez um enorme esforço” e ela só dizia: “mas os outros
avançaram sempre e os outros estão sempre a avançar” – e é verdade – “os outros estão a
avançar…”. Mesmo na Suécia estava a avançar.
Se chegássemos a 2020 a convergir com aquilo que são os indicadores do benchmarking
europeu, estaríamos em condições de começar a pensar que tínhamos que olhar para a
educação e formação para atingir os três melhores. Para ficar entre os três melhores, porque
entrar na média, em 27, significa mesmo assim, para nós, um enorme esforço mas não está
tão bem quanto deveria de estar.
Essa era a minha mensagem final que é: fizemos uma coisa que é histórica e deveríamos
todos, enquanto país, perceber. Porque é mesmo uma coisa de todos, a educação e a
350
formação é de todos e não só o dos jovens, é dos adultos também. Nós não podemos
esperar apenas pela geração mais jovem, até porque qualificando apenas a geração mais
jovem já vimos o quê acontece. Se não qualificarmos a população adulta, nomeadamente os
nossos empresários, os nossos empresários não têm capacidade de recepcionar a geração
mais qualificada. Portanto, precisamos de o fazer ao mesmo tempo.
351
ANEXO 2. AUTORIZAÇÃO DE APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO
Anexo 2.1. Autorização de Aplicação do Questionário concedida pelo Instituto de Emprego
e Formação Profissional
352
Anexo 2.2. Autorização de Aplicação do Questionário concedida pela Direção-Geral de
Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC)
353
ANEXO 3. GUIÃO DO QUESTIONÁRIO
RELAÇÕES INTER-ORGANIZACIONAIS NO ÂMBITO DA INICIATIVA NOVAS OPORTUNIDADES
Este questionário destina-se aos Diretores ou Coordenadores de todos os Centros Novas
Oportunidades do país.
O questionário é composto por 18 questões, após as quais haverá um espaço para comentários e/ ou
sugestões relativamente ao questionário.
As respostas são anónimas e confidenciais e terão como uso exclusivo a elaboração de uma tese de
doutoramento subordinada ao tema acima referido.
Não constitui nossa pretensão realizar qualquer tipo de avaliação à atividade propriamente dita dos
Centros Novas Oportunidades ou de qualquer outra entidade referida ao longo do questionário.
Este objetivo académico não invalida, contudo, que os resultados tenham uma utilidade e utilização
prática, nomeadamente na identificação de pontos fortes e aspetos a melhorar nas relações
interorganizacionais no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades. Se tal vier a verificar-se,
obviamente que todos os direitos de anonimato e confidencialidade serão respeitados.
Relembramos que a sua colaboração constitui um elemento fundamental para que o conhecimento
da realidade da temática em apreço seja cada vez maior e mais fidedigno, na medida em que nos
permitirá ter acesso a informações que espelham a realidade no terreno.
Apelamos assim à sua colaboração através do preenchimento deste questionário.
Lista de abreviaturas
Apesar da lista seguinte de abreviaturas fazer parte do quotidiano dos Centros Novas Oportunidades,
peço-vos alguma atenção à mesma.
INO – Iniciativa Novas Oportunidades
ANQ – Agência Nacional para a Qualificação
ME – Ministério da Educação
DRE – Direção Regional de Educação
IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional
CNO – Centro Novas Oportunidades
RVCC – Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
ADE – Acolhimento, Diagnóstico e Encaminhamento
EFA – Educação e Formação de Adultos
354
I. CARACTERIZAÇÃO GERAL DO CENTRO NOVAS OPORTUNIDADES
1. Distrito do Centro Novas Oportunidades: _____________________________________________
2. Tipo de Entidade Promotora
(Escolher apenas a 1 opção)
Escola Básica e/ou Secundária
Centro de Formação Profissional
Escola Profissional
Associação Empresarial
Associação de Desenvolvimento Regional
Empresas de Formação
Instituição de Solidariedade Social
Autarquias, Empresas Municipais ou Associação de Municípios
Instituição de Ensino Superior
Empresa
Estabelecimento de Ensino Particular
Escola tutelada por outros Ministérios
Escola tutelada pelo Turismo de Portugal
Outra entidade. Qual? ___________________________________________________
3. Em que ano foi constituído o CNO (ou Centro RVCC) que representa? _______________________
4. Por favor assinale o escalão de objetivos de inscrição a que o CNO que representa está adstrito
no presente ano de atividade.
Nível A - 500 inscritos
Nível B - 800 inscritos
Nível C - 1300 inscritos
Nível D - 1800 inscritos
5. Em que medida o CNO que representa sente dificuldades em cumprir as metas contratualizadas?
1-Bastante Difícil
2-Relativamente difícil
3-Relativamente Fácil
4-Bastante Fácil
355
II. RELAÇÃO INSTITUCIONAL DOS CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES (CNOS) COM A AGÊNCIA NACIONAL PARA A
QUALIFICAÇÃO (ANQ), ESTRUTURAS REGIONAIS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E
SOLIDARIEDADE SOCIAL E ENTIDADES FORMADORAS
6. Como classificaria a relação da ANQ com o CNO que representa relativamente aos aspetos que
se seguem?
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
1 2 3 4
Comunicação institucional
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de
ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões
Encorajamento para produção de metodologias inovadoras
Promoção da relação dos CNOs com outros atores
Promoção de relação entre CNOs
Acompanhamento e Monitorização de resultados
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs
Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados
7. Haja em vista a diversidade tipológica de CNOs, por favor indique qual a entidade regional ou
nacional com a qual o CNO que representa se relaciona (ou seria suposto relacionar-se) para além
da ANQ?
Com nenhuma entidade
Direção Regional de Educação
Centro Distrital do IEFP
Serviços Nacionais do IEFP (p. ex. no caso dos Centros de Formação Profissional de Gestão
Participada)
Outra. Qual? ________________________________________________________________
356
8. Como classificaria a relação dessa Estrutura Regional (ou Nacional) com o CNO que representa
relativamente aos aspetos que se seguem?
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
1 2 3 4
Comunicação institucional
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de
ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões
Encorajamento para produção de metodologias inovadoras
Promoção da relação dos CNOs com outros atores
Promoção de relação entre CNOs
Acompanhamento e Monitorização de resultados
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs
Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados
9. Com que frequência o CNO que representa encaminha adultos para as seguintes entidades?
Escala: 0-Não existe relação com este tipo de entidade; 1- Raramente;
2-Com pouca frequência; 3- Com alguma Frequência; 4- Frequentemente
0 1 2 3 4
Entidade promotora do CNO, enquanto entidade formadora
Entidades formadoras com as quais a entidade promotora do CNO que
representa já possuía relações anteriormente à Iniciativa Novas
Oportunidades
Entidades formadoras com as quais foram desenvolvidas relações no
âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades
357
V. RELAÇÕES ENTRE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES
10. Como classificaria o paradigma de trabalho entre Centros Novas Oportunidades?
Isolacionista
Concorrencial
Colaborativo/ Complementar
11. O CNO que representa está envolvido em redes inter-CNOs que se reúnam com uma certa
regularidade?
(pf, não considere, para este efeito, os encontros promovidos pela ANQ, DREs ou IEFP)
Sim (se respondeu sim, o questionário continua na pergunta 13)
Não (se respondeu sim, o questionário continua na pergunta 12)
12. Qual(is) o(s) motivo(s) porque o CNO que representa não está envolvido em qualquer rede
inter-CNOs? (mais do que uma hipótese é permitida)
Não considerarem que tal iria trazer valor acrescentado à atividade do CNO
Nunca terem sido convidados, apesar da existência de “redes” a que poderiam pertencer
Não existir qualquer “rede” a que pudessem fazer parte
Nunca terem considerado essa possibilidade
Dificuldade de conciliação das atividades diárias do CNO com outras atividades
A relação entre CNOs desenvolvida no âmbito das conferências e formações inter-CNOs
organizadas pela ANQ, ME e IEFP revela-se suficiente para as necessidades do CNO
Outro motivo. Qual? __________________________________________________________
Por o CNO que representa não possuir qualquer parceria com outros CNOs, o questionário termina
agora. Muito obrigado pela sua colaboração!
Por favor consulte o final deste questionário para informações finais. Obrigado!
358
VI. PARCERIAS E REDES ENTRE CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES
Caso o CNO que representa pertença a mais do que uma rede inter-CNOs, por favor reporte-se nas
questões que se seguem à rede com que se relaciona mais frequentemente.
13. Qual o nome dessa rede e quantos CNOs pertencem à mesma? (opcional por questões de
anonimato)
[Esta questão prende-se com a possibilidade de podermos identificar, de facto, quantas
redes estão representadas na nossa amostra, já que a obtenção de resposta de vários
membros de uma mesma rede poderia levar-nos a considerar que estaríamos perante a
presença de diversas redes.]
14. Qual o principal elemento de afinidade entre os CNOs envolvidos na rede a que pertence?
Tipologia do CNO (ex.: Escola, Centro do IEFP, ...)
Localização geográfica
População-alvo com características muito semelhantes
Outro ponto em comum. Qual?_________________________________________________
15. A rede inter-CNOs em que o CNO que representa está envolvido definiu, formal ou
informalmente, algum tipo de regras de interação entre atores individuais/institucionais?
16. A rede inter-CNOs a que pertence é coordenada por algum ator?
Não
Sim, pelo Diretor e/ou Coordenador de um dos CNO
Sim, por um Profissional de RVCC, de ADE ou Formador
Sim, pela Agência Nacional para a Qualificação
Sim, por uma Entidade Regional do Ministério da Educação
Sim, por uma Entidade Regional do IEFP
Sim, por um Avaliador Externo
Sim, por um outro ator. Qual?_____________________________________________
359
17 Com que frequência as seguintes situações ocorrem no âmbito das redes em que o CNO que
representa participa?
Escala: 1-Praticamente nunca; 2-Com pouca frequência;
3-Com alguma frequência; 4-Praticamente sempre
1 2 3 4
Convite de técnico/dirigente da ANQ, DREL ou IEFP para esclarecimento de
dúvidas comuns
Convite de “pessoa externa” para palestra
Debate de ideias relacionadas com orientações (provenientes da ANQ e das
estruturas regionais do ME e do IEFP)
Discussão e partilha de práticas administrativas
Discussão e partilha de práticas metodológicas
Discussão de questões relacionadas com relação com entidades
coordenadoras (seja ANQ ou quaisquer outras)
Discussão de questões relacionadas com Ent. Empregadoras e Formadoras
Discussão de questões relacionadas com relação entre CNOs
Discussão de questões relacionadas com o público-alvo
18. Como classificaria a relação entre CNOs no âmbito dessa(s) rede(s) relativamente aos aspetos
que se seguem?
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
1 2 3 4
Comunicação institucional
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos CNOs (processos de
ADE, RVCC e Encaminhamentos, entre outros)
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas e problemas
Partilha dos resultados das reuniões com outros CNOs para além da rede
Partilha dos resultados das reuniões com a ANQ
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de decisões
Encorajamento para produção de metodologias inovadoras
Promoção da relação dos CNOs com outros atores
Promoção de relação entre CNOs
Acompanhamento de resultados
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs
Promoção da divulgação pública de boas práticas e resultados
360
Este espaço está reservado para comentários e/ou sugestões de melhoria que nos queira dirigir.
Esta investigação prosseguirá com a realização de entrevistas junto de alguns diretores de Centros
Novas Oportunidades para esclarecer e/ou aprofundar os resultados que advirão da análise dos
questionários respondidos.
Caso esteja disponível para continuar a colaborar com este estudo, e para que a regra do anonimato
não seja quebrada, poderá enviar-nos um e-mail para [email protected] ou [email protected]
fornecendo-nos os seguintes dados
(Nome, CNO que representa, Contacto Telefónico e Disponibilidade de Agenda)
GRATOS PELA SUA COLABORAÇÂO!
361
ANEXO 4. PRINCIPAIS RESULTADOS DO QUESTIONÁRIO APLICADO
Figura 41. Distribuição de CNOs por Distrito (%)
Distrito de Implantação do CNO %
Aveiro 5 4,6
Beja 7 6,5
Braga 11 10,2
Bragança 2 1,9
Castelo Branco 2 1,9
Coimbra 9 8,3
Évora 3 2,8
Faro 7 6,5
Guarda 3 2,8
Leiria 6 5,6
Lisboa 5 4,6
R. A. Madeira 2 1,9
Portalegre 2 1,9
Porto 17 15,7
Santarém 8 7,4
Setúbal 5 4,6
Viana do Castelo 5 4,6
Vila Real 2 1,9
Viseu 7 6,5
Total
N= 108
NOTA: Resultados relativos à pergunta 1 do questionário
362
Figura 42. Distribuição dos CNOs por Entidade Promotora (%)
Tipo de Entidade Promotora N %
Escola Básica e/ou Secundária 43 38,1
Centro de Formação Profissional 12 10,6
Escola Profissional 9 8,0
Associação Empresarial 13 11,5
Associação de Desenvolvimento Regional 7 6,2
Empresas de Formação 5 4,4
Instituição de Solidariedade Social 8 7,1
Autarquias, Empresas Municipais ou Associação de Municípios 2 1,8
Instituição de Ensino Superior 4 3,5
Empresa 4 3,5
Estabelecimento de Ensino Particular 0 0
Escola tutelada por outros Ministérios 2 1,8
Escola tutelada pelo Turismo de Portugal 0 0
Outra entidade. 4 3,5
N= 113
NOTA: Resultados relativos à pergunta 2 do questionário
Figura 43. Distribuição de CNOs por Classes de Anos de Constituição (%)
Classes de Anos de Constituição %
Criado até 2005 24,3
Criado entre 2006 e 2007 35,1
Criado desde 2008 40,5
N= 111
NOTA: Resultados relativos à pergunta 3 do questionário
Figura 44. Distribuição de CNOs por Escalão de Objetivos (%)
Escalão de Objetivos %
Nível A - 500 inscritos 24,8
Nível B - 800 inscritos 56,6
Nível C - 1300 inscritos 13,3
Nível D - 1800 inscritos 5,3
N= 113
NOTA: Resultados relativos à pergunta 4 do questionário
363
Figura 45. Distribuição de CNOs por Nível de Dificuldade no Cumprimento de Objetivos (%)
Nível de Dificuldade %
1-Bastante Difícil 50,9
2-Relativamente difícil 44,3
3-Relativamente Fácil 4,7
4-Bastante Fácil 0
N= 106
NOTA: Resultados relativos à pergunta 5 do questionário
Figura 46. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com a ANQ em diferentes domínios
% µ
1 2 3 4
Comunicação institucional 0 3,5 49,6 46,9 3,42
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos
CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,
entre outros)
0 3,5 57,5 38,9 3,35
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas
e problemas
1,8 12,4 54,0 31,9 3,16
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de
decisões
1,8 10,6 47,8 39,8 3,26
Encorajamento para produção de metodologias
inovadoras
4,4 12,4 45,1 38,1 3,17
Promoção da relação dos CNOs com outros atores 2,7 10,6 52,2 34,5 3,19
Promoção de relação entre CNOs 2,7 14,2 49,6 33,6 3,14
Acompanhamento e Monitorização de resultados 1,8 15,9 50,4 31,9 3,12
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 9,7 20,4 53,1 16,8 2,77
Promoção da divulgação pública de boas práticas e
resultados
1,8 12,4 54,9 31,0 3,15
N= 113
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
NOTA: Resultados relativos à pergunta 6 do questionário
364
Figura 47. Distribuição de CNOs por Entidade Coordenadora além da ANQ
Tipologia de Relação N
Com nenhuma entidade 10
Direção Regional de Educação 68
Centro Distrital do IEFP 20
Serviços Nacionais do IEFP (p. ex. no caso dos Centros de Formação Profissional de
Gestão Participada)
9
Outra. Qual? ________________________________________________________ 0
N= 107
NOTA: Resultados relativos à pergunta 7 do questionário
Figura 48. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com as Direções Regionais de Educação em diferentes domínios
% µ
1 2 3 4
Comunicação institucional 16,4 16,4 44,8 22,4 2,73
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos
CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,
entre outros)
32,8 19,4 35,8 11,9 2,27
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas
e problemas
13,6 28,8 39,4 18,2 2,62
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de
decisões
19,7 12,1 37,9 30,3 2,79
Encorajamento para produção de metodologias
inovadoras
26,9 9,0 35,8 28,4 2,66
Promoção da relação dos CNOs com outros atores 24,2 7,6 34,8 33,3 2,77
Promoção de relação entre CNOs 20,9 10,4 31,3 37,3 2,85
Acompanhamento e Monitorização de resultados 18,8 20,3 40,6 20,3 2,63
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 29,9 17,9 37,3 14,9 2,37
Promoção da divulgação pública de boas práticas e
resultados
25,4 14,9 41,8 17,9 2,52
N= 67
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
NOTA: Resultados relativos à pergunta 8 do questionário
365
Figura 49. Grau de Adequação Médio da Relação do CNO com os Centros Distritais do IEFP em diferentes domínios
% µ
1 2 3 4
Comunicação institucional 16,7 33,3 38,9 11,1 2,44
Produção de orientações que auxiliem a atividade dos
CNOs (processos de ADE, RVCC e Encaminhamentos,
entre outros)
33,3 22,2 38,9 5,6 2,17
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas
e problemas
23,5 35,3 29,4 11,8 2,29
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de
decisões
27,8 22,2 44,4 5,6 2,28
Encorajamento para produção de metodologias
inovadoras
38,9 16,7 33,3 11,1 2,17
Promoção da relação dos CNOs com outros atores 22,2 16,7 50,0 11,1 2,5
Promoção de relação entre CNOs 27,8 22,2 38,9 11,1 2,33
Acompanhamento e Monitorização de resultados 22,2 22,2 38,9 16,7 2,5
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 33,3 16,7 33,3 16,7 2,33
Promoção da divulgação pública de boas práticas e
resultados
27,8 33,3 27,8 11,1 2,22
N=
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Desadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
NOTA: Resultados relativos à pergunta 8 do questionário
366
Figura 50. Grau de Frequência Médio de Interação dos CNOs com diferentes tipologias de Entidades Formadoras
% µ
0 1 2 3 4
Entidade promotora do CNO, enquanto entidade
formadora 2,7 1,8 5,3 23,0 67,3 3,60
Entidades formadoras com as quais a entidade
promotora do CNO que representa já possuía relações
anteriormente à Iniciativa Novas Oportunidades
8,0 8,0 11,5 43,4 29,2 2,78
Entidades formadoras com as quais foram
desenvolvidas relações no âmbito da Iniciativa Novas
Oportunidades
0 4,4 7,1 43,4 45,1 3,29
N= 113
Escala: 0-Não existe relação com este tipo de entidade; 1- Raramente;
2-Com pouca frequência; 3- Com alguma Frequência; 4- Frequentemente
NOTA: Resultados relativos à pergunta 9 do questionário
Figura 51. Distribuição de CNOs por Perceção de Tipologia de Trabalho dos CNOs em geral (%)
Tipologia de Relação %
Isolacionista 2,7
Concorrencial 51,3
Colaborativo/ Complementar 46,0
N= 113
NOTA: Resultados relativos à pergunta 10 do questionário
Figura 52. Distribuição de CNOs por Participação em Redes (%)
Participação em Rede %
Sim 81
Não 31
N= 112
NOTA: Resultados relativos à pergunta 11 do questionário
367
Figura 53. Distribuição de CNOs por motivo para não pertença a rede (%)
Motivo para não pertença a Rede %
Não considerarem que tal iria trazer valor acrescentado à atividade do CNO
Nunca terem sido convidados, apesar da existência de “redes” a que poderiam
pertencer
Não existir qualquer “rede” a que pudessem fazer parte
Nunca terem considerado essa possibilidade
Dificuldade de conciliação das atividades diárias do CNO com outras atividades
A relação entre CNOs desenvolvida no âmbito das conferências e formações inter-
CNOs organizadas pela ANQ, ME e IEFP revela-se suficiente para as necessidades
do CNO
Outro motivo. Qual? __________________________________________________
N=
NOTA: Resultados relativos à pergunta 12 do questionário
Figura 54. Distribuição de CNOs por Elementos de Afinidade da Rede a que pertencem (%)
Elementos de Afinidade %
Tipologia do CNO (ex.: Escola, Centro do IEFP, ...) 8,8
Localização geográfica 78,8
População-alvo com características muito semelhantes 8,8
Outro ponto em comum: Afinidades pessoais entre membros de equipas de
diferentes CNOs
2,5
Outro ponto em comum: Projetos Anteriores 1,3
N= 80
NOTA: Resultados relativos à pergunta 14 do questionário
Figura 55. Distribuição de CNOs por situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras
Situação da Rede a que pertencem face à Constituição de Regras %
Não há formalização de regras 39,3
Apenas se definiram regras de nível operacional 18,0
Existe um protocolo em fase de definição ou prestes a ser assinado 19,7
Protocolo já foi assinado 23,0
N= 61
NOTA: Resultados relativos à pergunta 15 do questionário
368
Figura 56. Distribuição de CNOs por Tipologia de Atores Coordenadores da Rede
Tipologia de Atores Coordenadores de Redes %
Nenhum 42,3
Diretor e/ou Coordenador de um dos CNO 42,3
Profissional de RVCC, de ADE ou Formador 0
Agência Nacional para a Qualificação 0
Entidade Regional do Ministério da Educação 5,6
Entidade Regional do IEFP 2,8
Avaliador Externo 0
Atores locais ou regionais (ex.: autarquias, associação de municípios, etc.) 1,4
N= 71
NOTA: Resultados relativos à pergunta 16 do questionário
Figura 57. Frequência Média da Ocorrência de Diferentes Tipos de Atividades no âmbito das Redes
% µ
1 2 3 4
Convite de técnico/dirigente da ANQ, DREL ou IEFP para
esclarecimento de dúvidas comuns
25,0 39,5 30,3 5,3 2,16
Convite de “pessoa externa” para palestra 31,6 39,5 23,7 5,3 2,03
Debate de ideias relacionadas com orientações (da ANQ
e das estruturas regionais do ME e do IEFP)
2,6 17,1 48,7 31,6 3,09
Discussão e partilha de práticas administrativas 5,3 15,8 51,3 27,6 3,01
Discussão e partilha de práticas metodológicas 1,3 7,9 47,4 43,4 3,33
Discussão de questões relacionadas com relação com
entidades coordenadoras (ANQ ou quaisquer outras)
5,3 21,1 51,3 22,4 2,91
Discussão de questões relacionadas com Ent.
Empregadoras e Formadoras
10,5 30,3 42,1 17,1 2,66
Discussão de questões relacionadas com relação entre
CNOs
2,6 17,1 48,7 31,6 3,09
Discussão de questões relacionadas com o público-alvo 0 10,5 35,5 53,9 3,43
N=
Escala: 1-Praticamente nunca; 2-Com pouca frequência; 3-Com alguma frequência; 4-Praticamente sempre
NOTA: Resultados relativos à pergunta 17 do questionário
369
Figura 58. Grau de Adequação Médio das Redes em relação a diversos domínios
% µ
1 2 3 4
Comunicação institucional 5,6 4,2 55,6 34,7 3,19
Produção de orientações que auxiliem a atividades
dos CNOs (processos de ADE, RVCC e
Encaminhamentos, entre outros)
16,7 9,7 55,6 18,1 2,75
Disponibilidade e capacidade para resposta a dúvidas
e problemas
4,2 12,5 45,8 37,5 3,17
Partilha dos resultados das reuniões com outros CNOs
para além da rede
31,9 22,2 31,9 13,9 2,28
Partilha dos resultados das reuniões com a ANQ 16,7 20,8 40,3 22,2 2,68
Promoção da Autonomia do CNO na tomada de
decisões
13,9 9,7 50,0 26,4 2,89
Encorajamento para produção de metodologias
inovadoras
4,2 16,7 40,3 38,9 3,14
Promoção da relação dos CNOs com outros atores 8,3 20,8 38,9 31,9 2,94
Promoção de relação entre CNOs 1,4 8,3 36,1 54,2 3,43
Acompanhamento de resultados 15,3 18,1 44,4 22,2 2,74
Promoção da harmonização de práticas entre CNOs 2,8 13,9 44,3 38,9 3,19
Promoção da divulgação pública de boas práticas e
resultados
8,3 19,4 38,9 33,3 2,9
N=
Escala: 1- Desadequada por ser inexistente; 2-Deadequada ainda que existente;
3-Adequada se bem que com algumas falhas; 4-Bastante Adequada
NOTA: Resultados relativos à pergunta 18 do questionário
370
Figura 59. Paradigma de Relações entre CNOs por Situação de Pertença a Rede
Pertença a Redes Total
Paradigma de Relações entre CNOs Sim Não
Isolacionista 1 1 2
Concorrencial 36 22 58
Colaborativo 44 8 52
Total 81 31 112
Figura 60. Paradigma de Relações entre CNOs por Tipologia de Entidades Promotoras
Tipologia de Entidades Promotoras
Total Paradigma de Relações
entre CNOs
Escolas Centros
do IEFP
Entidades
Privadas
Entidades Sem
Fins Lucrativos
Outras Ent.
Públicas
Isolacionista 0 0 0 2 0 2
Concorrencial 23 10 5 12 7 57
Colaborativo 20 2 4 14 10 50
Total 43 12 9 28 17 112
Figura 61. Paradigma de Relações entre CNOs por Nível de Metas
Nível de Metas Total
Paradigma de Relações entre CNOs A B C e D
Isolacionista 2 1 0 3
Concorrencial 13 35 10 58
Colaborativo 13 28 11 52
Total 28 64 21 113
Figura 62. Paradigma de Relações entre CNOs por Ano de Criação
Ano de Criação
Total Paradigma de Relações
entre CNOs
Até 2005 Entre 2006 e
2007
Desde
2008
Isolacionista 1 2 0 3
Concorrencial 16 19 23 58
Colaborativo 10 18 33 52
Total 27 39 45 113
371
ANEXO 5. GUIÃO DE ENTREVISTA APLICADO
NOTA: o guião era meramente indicativo. Apenas se pretendia que os entrevistados abordassem
todos os pontos em análise.
1) Qual o processo de constituição da rede?
2) Quais os objetivos da rede?
3) Quais as atividades desenvolvidas pela rede?
4) Quais as dinâmicas de gestão interna da rede, em termos de formalização de
procedimentos?
5) Quais as dinâmicas de liderança ou coordenação da rede?
6) Quais os principais resultados/ impactos da rede?
7) Quais os principais fatores facilitadores e inibidores dos processos de criação e
desenvolvimento da rede?