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20.Junho.2012 VEIGA SIMÃO COMEMORAÇÕES DOS 50 ANOS DE ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE Universidade de Lourenço Marques

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20.Junho.2012

VEIGA SIMÃO

COMEMORAÇÕES DOS 50 ANOS DE ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE

Universidade de Lourenço Marques

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SESSÃO DE ABERTURA DAS COMEMORAÇÕES DOS 50 ANOS DE ENSINO

SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE

20 DE JUNHO DE 2012

10H00 – 12H00

Senhor Ministro da Educação, Zeferino Martins

Senhor Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, Orlando Quilambo

Senhor Presidente do Conselho de Reitores, Patricio José

Senhor Presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, Jorge Ferrão

Senhores Reitores das Universidades e Presidentes dos Institutos Politécnicos

Autoridades Civis e Militares

Senhores Professores

Senhores Estudantes

Meus Caros Amigos

Minhas Senhoras e Meus Senhores

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DÍVIDA ETERNA A MOÇAMBIQUE

Por José Veiga Simão

Após os discursos, as conferências, as mesas redondas e as

comunicações do 22º Encontro da Associação das Universidades de

Língua Portuguesa não venho aqui, nas comemorações dos 50 anos do

Ensino Superior em Moçambique, falar dos desafios que a Universidade

Eduardo Mondlane e o ensino superior em Moçambique enfrentam no

que respeita ao equilíbrio do binómio qualidade-quantidade, ao

fortalecimento da credibilidade dos graus e diplomas a nível da

sociedade moçambicana e a nível internacional e à sua

correspondência com títulos profissionais, aos indicadores relacionados

com a criação do conhecimento e em particular a produção de artigos

na literatura científica, designadamente nas revistas ISIS, nem tão

pouco no que respeita a spin offs empresariais a patentes, a marcas, a

transferências de tecnologia, a incubadoras de empresas e a parques

ou pólos tecnológicos, consórcios e parcerias inter-universitárias e

Universidade-Empresa. Também não venho produzir qualquer reflexão

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sobre os desafios emergentes perante as “riquezas energéticas” de

Moçambique e o papel das universidades.

Venho hoje aqui fazer uma confissão: falar sobre a minha dívida

eterna a Moçambique.

Em retratos humanos e geográficos de Portugal ou de

Moçambique, Miguel Torga, Orlando Ribeiro e José Craveirinha, três

Homens que marcaram o seu tempo, invocaram à sua maneira os

deuses e a natureza para melhor se compreender o povo português e o

povo moçambicano, numa busca do perpétuo mistério do ser humano

e numa luta comum contra todas as formas de opressão e humilhação.

Ao lermos os textos que nos deixaram em obras literárias e científicas e

sobretudo em poesias transmitindo-nos Sabores da Vida, Contos sobre

Reinos Maravilhosos e Amores pela Mãe África no Seu Rosto Escuro de

Diamante, quedamo-nos a meditar sobre a complexidade da evolução

do binómio a Terra e o Homem e mesmo sem querermos somos

levados a mobilizar todos os sentidos para alimentar a independência

do pensamento. Assim acontece quando Miguel Torga nos alerta:

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“Não passarão/Para que arde a ceara,/ mas dum simples grão:

nasce o trigal de novo/Morram filhos e filhas da Nação/Não morre um

Povo”.

Assim é quando Orlando Ribeiro em Originalidades da Expansão

Portuguesa escreve: “no desenrolar da civilização europeia foi ela que

essencialmente mudou o futuro do mundo, tornando ubiquistas as suas

formas… mas nos instrumentos de fixação não soube interpretar a

consciência africana”.

Assim fala José Craveirinha ao dizer: “Olá a mestre Cervantes, a

Miguel Ângelo, a Luís de Camões, aos Pablos do Chile e de Guernica, a

Drummond e Manuel Bandeira, a Graciliano Ramos a Charles Gounod, a

Duke Ellington e ao Mano Gabriel Garcia Marques” em preito à

universalidade de valores da justiça e da liberdade, mas que não

esquece o “Olá à sua querida Maria, imerecida esposa de toda a vida

de um tal Zé Craveirinha”.

Assim nos recordam testemunhos sobre a Universidade

reflectindo laços mantidos ao longo dos anos e o espírito reformista e

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de “mudança” que dela emergiu fazendo jus ao lema de que “um

Homem mais culto é um Homem mais livre”. Recordações que são

motivo de orgulho para todos os que vêem na Universidade Eduardo

Mondlane a realização de um sonho tornado realidade. Assim o

afirmaram os funcionários da Universidade Eduardo Mondlane ao

receberem medalhas de bons serviços nas comemorações dos 30 anos

nos jardins do Museu Álvaro de Castro e expressarem a sua gratidão e

adesão ao culto da rara qualidade de saber ouvir e da capacidade de

compreender os seus problemas.

E foi reconfortante nessa altura ouvir Narciso de Matos ao tempo

Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, salientar que a

Universidade de Lourenço Marques soube utilizar “graus de liberdade,

correndo riscos em adoptar métodos modernos de ensino, montar

excelentes laboratórios, alterar planos curriculares e promover

investigação de vanguarda”. Na realidade, disse ele, “foi possível

realizar trabalhos de valor indiscutível na biologia, química, física,

matemática, medicina, veterinária, engenharias e também na história,

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geografia e arqueologia”. Era pois conhecida a abertura da

Universidade à modernidade.

Foi esse espírito de criação que nasceu nas primeiras horas e ao

qual aderiram diversas personalidades da vida moçambicana, que

deram à Universidade em Moçambique um carácter muito específico,

mau grado os períodos difíceis criados por forças obscurantistas. É esse

espírito que a comunidade académica moçambicana revê com orgulho

na Universidade Eduardo Mondlane.

E foi neste clima que a Universidade não se remeteu às Ciências

Técnicas, apesar de limitações impostas, e criou um Centro de Estudos

Humanísticos, consciente de que o Povo moçambicano é um povo com

história singular, e que como disse o Presidente Samora Machel em

Setembro de 1974 “a defesa do conhecimento deve ter como fim a

mobilização da natureza e do potencial humano para o

desenvolvimento e progresso da sociedade”. A qualidade e

independência das actividades da Associação Académica, do Teatro, do

Grupo de Cinema e dos grupos desportivos integram-se nesse espírito

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da Instituição e honram a participação estudantil na vida académica e

nas preocupações sociais. Confesso que sinto uma enorme felicidade

por ter sido sócio honorário da Associação Académica de Moçambique

e ser hoje sócio honorário da actual Associação dos Estudantes

Universitários da Universidade Eduardo Mondlane.

E foi também esse espírito criador e de aposta na juventude, que

me permitiu em 1992 entregar a Narciso de Matos uma mensagem de

solidariedade e fraternidade de reitores e vice-reitores das

universidades portuguesas. Essa mensagem foi assinada por doze

reitores e vice-reitores de nove universidades públicas portuguesas,

todos eles filhos da Universidade-Escola de Moçambique. Aqui estou

eu, pois, em nome de centenas de milhares de portugueses a agradecer

ao Povo moçambicano. Mas a eles juntam-se dezenas de

personalidades que pelo seu desempenho prestigiam esta Universidade

na vida política, na engenharia, na medicina, na agronomia, na cultura

na sociologia em Moçambique, em Portugal, em organizações

científicas e organismos internacionais.

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Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Foram estes sabores da vida, da minha vida, e foram estes valores

comuns às terras beirãs de granito, de courelas e castanheiros e às

terras do Maputo, imensas e sedutoras nos seus cambiantes ecológicos,

na pastorícia, nas culturas tropicais e nas riquezas energéticas e

minerais que guiaram os meus passos em Moçambique. Mas se me

guiaram em várias circunstâncias a ultrapassar vicissitudes e a vencer

obstáculos ensinaram-me a criar e a integrar equipas de eleição,

exigentes no trabalho e respeitadoras de ideias diferentes.

Moçambique segredou-me, ainda, que devia ser fiel a mim

próprio e às minhas raízes, “nunca dobrar e ser de granito”. Neste caso

a fidelidade a um ideal: Universidade em Moçambique. E aqui mais

uma vez recordo José Craveirinha, que sendo doutor honoris causa pela

Universidade Eduardo Mondlane transmitiu a mensagem a todos os

novos doutores de que “devem trazer nas veias a resina das velhas

árvores da floresta e a sina da nascença no meio das badaladas à volta

da fogueira…”.

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Por tudo isto cedo compreendi quais os sabores da vida que

deviam alimentar o meu percurso, até por que se de um lado, como

refere Gaston de Bachelard, estavam as metáforas da altura, da

elevação, da ascensão do movimento; do outro lado esperavam as do

abaixamento, do “status quo”, do imobilismo. Nestas terras aprendi

que não devia hesitar em cultivar as primeiras e não ceder às últimas.

Recordava então que já um filósofo da Roma Antiga dizia que “o vento

só é favorável para aqueles que sabem para onde querem ir” e nós

queríamos uma Universidade na vanguarda do pensamento. Para trás

deixámos os que cultivavam o sono sem tempo, que não só não

queriam ir para lado algum, como não aceitavam acompanhar o

despertar da consciência do povo moçambicano e recusavam o diálogo

criador.

Nesse desafio a Educação era uma das chaves-mestras do

progresso; e a ciência e a tecnologia eram luzes a acender ao serviço do

saber e de nobres ideais, pelo que a Universidade não devia afastar-se

de dar uma contribuição inteligente para resolver problemas básicos

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dos cidadãos, que vão desde aprender a criar riqueza e participar no

combate à fome, à doença e à massificação disforme de meios urbanos.

Por isso como Reitor referia nos meus discursos Marcuse ao salientar o

culto de “uma vida digna de ser vivida”.

Meus Caros Amigos:

É certo que as minhas origens foram sempre a minha referência e

certamente são o meu destino. Só que a imagem que me acompanhou

na Guarda, onde nasci, e em Coimbra e Cambridge onde estudei e me

formei, veio a fortalecer-se, e de que maneira, na convivência com o

povo moçambicano. Em Prados, aldeia de meus pais, junto à Guarda na

Serra da Estrela, seduziu-me a lenda de uma moura encantada que

fugindo à escravidão pousou num rochedo numa pedra enorme, a

Pedra Sobreposta, ali repousando em equilíbrio de pasmar. Essa Pedra

representava na minha infância o querer dos portugueses do interior

que retirando da terra o seu sustento ansiavam pela educação dos seus

filhos, conscientes de que a Educação abre caminhos de Liberdade. A

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“cidade do caniço” em Moçambique alargou, humanizou e deu outra

grandeza a essa imagem, deu-lhe maior força e levou-me a acreditar

numa aposta a que sempre fui fiel, a da “democratização da educação e

a democratização pela educação”.

Na minha vida de peregrino, que acabou por me levar a três

continentes, contam-se inúmeros episódios que “o fio da memória”

continua a reter e reproduz em imagens soltas, recordando certezas e

dúvidas, esperanças e desilusões e evidenciando “nós nesse fio de

memória”, uns de fidelidades e outros, felizmente menos, de

desilusões. Mas, ao olhar para esse meu passado como lição de um

futuro que ainda pretendo existir, continuo a ver Portugal como “quase

cume da cabeça da Europa toda”, parafraseando Camões; sentir a

Inglaterra como a Nação que me ensinou nos anos 50 do século

passado o valor da Democracia e o papel da Educação na sua

construção e sinto que Moçambique emergiu e permanece como “terra

de promissão”, com alicerces hoje já sólidos. É a Terra que continuo a

amar desde o dia em que a conheci na doçura e grandeza da sua

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paisagem, na força e confiança do olhar das suas crianças e jovens que

hoje são metade dos moçambicanos e cujo Povo respira e continua a

respirar pela ambição do alimento sagrado que é “educare”, no

significado que Cícero lhe atribuiu em “De Amicitia”: “conduzir para

longe”, “formar alguém”, “alimentar”, “treinar”, “empreender”…

Ao chegar aos 83 anos, nestas comemorações dos 50 anos da

Universidade em Moçambique, sinto-me feliz por vos dizer que a minha

dívida para com o Povo moçambicano nunca será paga, pela razão

simples que ela faz parte do que fui e sou após ter pisado o chão desta

cidade, onde vivi sete anos desafiantes, dos melhores da minha vida

profissional e familiar. Mas, repito, tal só se tornou possível devido à

participação activa e entusiástica das equipas de eleição a que me

referi - professores, estudantes e funcionários - que ergueram uma

Universidade com espírito novo e que ousou desafiar um

conservadorismo fora do tempo. Não é aqui ocasião para descrever

essa Obra nem recordar episódios da sua evolução, mas tão só para

reafirmar que foi o povo moçambicano, desde o mais simples cidadão,

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que me segredou para nunca desistir. É por isso e com esse espírito que

recordo, prestando homenagem simbólica ao contínuo da Reitoria que

“estudava às escondidas na sua secretária e me segredava que queria

ser doutor”: Uma mensagem que me acompanhou a vida inteira.

Estas foram lições que recebi nesta minha segunda Pátria que é

Moçambique. E quais os desafios que ela me inculcou e perduram até

hoje?

Meus Caros Amigos:

A grandeza dos horizontes e as potencialidades de Moçambique,

o carácter, a gentileza e as ansiedades das suas gentes, em revolta

interior por desigualdades gritantes, deram-me a conhecer e a

conceber nas asas do meu pensamento problemas com dimensões

nunca sonhadas na minha juventude e desafiantes sob o ponto de vista

humano, territorial e material. Os moçambicanos diziam-me, tantas

vezes no seu silêncio, que os portugueses deviam honrar a sua

presença e compreender o significado dos “ventos da história”. E assim

reflecti, por essas e outras razões, como as resultantes de simples

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análises comparativas, que o atraso existente em diversos domínios e

em particular na criação de uma Universidade em Moçambique era a

todos os títulos injustificado.

E sendo o Povo moçambicano um Povo com História, um Povo

que na sua simplicidade compreendia a história dos outros e os valores

alheios, não esquecendo as heranças consentidas e as contestadas, a

voz da inteligência de Moçambique não podia ser abafada por ditames

de uma autoridade que devia associar o passado à construção do

futuro. Por isso mesmo a Universidade não podia ser cópia das

existentes mas antes arrogar-se a desenvolver novas matrizes orgânicas

e novas curriculares e a fomentar parcerias ajustadas ao

desenvolvimento humano e material da sociedade moçambicana.

E foi assim que, após os dois primeiros anos como Reitor, a

resposta a dar à missão a que me devotei, não aceitando quaisquer

ofertas materiais, foi a de colocar a Universidade em Moçambique na

vanguarda das universidades portuguesas e africanas. A designação

inicial de “Studium Generale”, adoptada nos primórdios medievais, não

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podia significar ser uma instituição com apenas cursos preparatórios, o

que ludibriava os anseios legítimos dos moçambicanos e a que se

juntavam vozes do progresso, mas que eram reduzidas ao silêncio por

forças conservadoras. Aos temores de que Universidade significasse

independência a resposta clara era de que a independência em diálogo

com Portugal era melhor do que contra Portugal. E nesse aspecto não

me cansava de dizer que a Universidade devia ter sido criada dez anos

antes. Assim o recordou, também, o Presidente Chissano nas

comemorações dos 30 anos da Universidade Eduardo Mondlane, como

sendo ambição da sua juventude.

Apesar de todos os constrangimentos a Universidade em

Moçambique emergiu com uma liderança académica de que se orgulha.

O New York Times deu conta desse desígnio em 8 de Agosto de 1969

escrevendo “He challenges the conservatives”. Esse artigo transcreve o

meu pensamento sobre uma Universidade multi-racial e a minha

proposta em estabelecer diálogo com as Universidades da Tanzânia, do

Quénia e outras da África Austral.

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Minhas Senhoras e Meus Senhores:

As lições de amor a esta terra dadas por aqueles que aqui

nasceram ou lhe chamavam sua foram essenciais para que, no meu

íntimo, não sentisse amargura em ter abandonado o meu percurso

académico e de investigador.

A verdade é que, como se pôde constatar, as histórias de vida das

pessoas não se identificam com um rio mas com vários rios e são

misturas humanas de causas morais e materiais, de fins e de acasos. E a

voz, sobretudo a silenciosa, do povo de Moçambique revelou-me que

nunca teria paz na consciência se não assumisse com todas as forças

que Deus me concedeu e com a colaboração de homens de boa

vontade que se juntaram, se permitíssemos o bloqueamento da

Universidade e traíssemos a ascensão da “inteligência congelada nas

savanas e nos musseques”. O caminho era o de derrubar as barreiras ao

nosso alcance no caminho da igualdade de oportunidades, dizendo

simbolicamente não ao “colonialismo da exploração do Homem pelo

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Homem”. A Universidade não devia ser cúmplice de um mundo a

desaparecer…

Meus Caros Amigos:

Moçambique ensinou-me que nenhuma Obra com raízes sólidas

se pode desenvolver se não assentar numa comunidade que nela

acredite e não mobilizar vontades e capacidades empreendedoras à sua

volta. Esse princípio levou à aposta singular que a Universidade fez na

juventude ao pôr em prática um Programa Estratégico que permitiu um

elevado número de doutoramentos de jovens licenciados em

universidades portuguesas e estrangeiras, nas melhores Universidades

da Europa e dos Estados Unidos. Como resultado doutoraram-se, sob a

tutela da Universidade de Lourenço Marques, em sete anos nas áreas

do conhecimento nela ministradas, mais assistentes do que em

quarenta anos nas quatro universidades de Portugal Continental, então

existentes. Moçambique foi, assim, fonte inspiradora da Reforma

Educativa dos anos 70 levada a cabo em Portugal.

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Esse Programa Estratégico desenhado para corresponder a

prioridades indicadas pelo povo moçambicano privilegiou a excelência

do ensino e investigação, instalações provisórias dotadas de

equipamentos científicos de vanguarda e nos quais se integravam

novos edifícios da Faculdade de Medicina, do Hospital da Universidade

e da Faculdade de Medicina Veterinária e condições de trabalho

exemplares com laboratórios entre os melhores comparando com a

Europa e África do Sul, permitindo uma formação profissional de

elevada qualidade. Instalações mais condignas foram uma prioridade

sequente a partir do terceiro ano de exercício, traduzida no projecto de

cidade universitária em Sommerchield.

Orgulho-me de ter inaugurado os primeiros edifícios

universitários.

Senhor Reitor Orlando Quilambo:

Nas comemorações dos 40 anos da Universidade Eduardo

Mondlane tive o prazer, correspondendo a amável convite do Reitor

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Brazão Mazula, de falar sobre os desafios de uma Universidade num

país em vias de desenvolvimento.

A Universidade Eduardo Mondlane hoje sob a sua liderança,

Senhor Reitor Orlando Quilambo, saberá desenvolver uma plataforma

de modernidade, essencial para os saltos qualitativos do

desenvolvimento de Moçambique nesta era do conhecimento e assim

“ir lavrando na certeza do amanhã”.

Senhor Ministro da Educação:

A aventura que tem caracterizado a Universidade Eduardo

Mondlane para situar-se na vanguarda do pensamento, ambição que

mantém idêntica ao dos ideais consagrados na Magna Carta das

Universidades Europeias, diz-nos que a Ciência alimenta a Tecnologia

na construção de “aldeias globais” e que, sem prescindir do saber pelo

saber, é urgente que a Universidade cultive “o saber fazer e o fazer” ou

seja, contribua para diminuir o hiato entre a criação do conhecimento e

a sua transformação em bens e serviços económicos, culturais e sociais.

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As modernas Hélices Triplas do Desenvolvimento que associam

Governos, Universidades e Empresas são essenciais nas sociedades

dominadas pelo conhecimento, e são hoje cada vez mais determinantes

do progresso dos países. Mas para que assim seja é urgente substituir

com inteligência as esferas de competência por espaços de cooperação,

uma mudança radical nos comportamentos e um desafio às novas

gerações.

A sua compreensão para estes problemas é conhecida,

assentando na sua experiência em mobilizar a juventude desde as

aldeias comunais às futuras cidades inteligentes.

O espírito desta Universidade continua a ser o da dignidade

humana “verdade dos evangelhos e mística das missangas” no dizer do

poeta Craveirinha, o cidadão anónimo do País que sempre amou

mesmo sem dizer o nome. Hoje é Moçambique, a minha segunda

Pátria.

28.Junho.2012