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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Graduação em Gestão de Políticas Públicas
Representação e democracia em conselhos de políticas públicas:
o caso da educação em São Bernardo do Campo
Tamara Ilinsky Crantschaninov
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Graduação em Gestão de Políticas Públicas
Representação e democracia em conselhos de políticas públicas:
o caso da educação em São Bernardo do Campo
Tamara Ilinsky Crantschaninov
Monografia apresentada para o Trabalho de
conclusão de curso como requisito final para
obtenção de diploma de bacharelado em Gestão
de Políticas Públicas, sob orientação da Prof. Dra.
Ursula Dias Peres.
São Paulo
2010
Alienação significa privação de poder, ausência de participação. A alienação leva à falta de compromisso. Quem não participa da decisão não se sente responsável. É na construção de um sistema educacional que se revela, de forma mais contundente, a relação entre educação e política.
Moacir Gadotti
5 Sumário
Sumário
Resumo ............................................................................................................................................................................................ 6
1. Introdução ........................................................................................................................................................................... 6
1.1. Objetivo ...................................................................................................................................................................... 8
1.2. Hipóteses e Questionamentos ......................................................................................................................... 9
1.3. Metodologia ............................................................................................................................................................. 9
1.4. Justificativa ............................................................................................................................................................ 10
2. Revisão bibliográfica ................................................................................................................................................... 11
2.1. Da legitimidade de representação: duas dualidades .......................................................................... 11
2.2. Teoria da democracia e da participação .................................................................................................. 13
2.3. A prática da gestão participativa ................................................................................................................. 21
2.4. Conselhos de Políticas Públicas ................................................................................................................... 25
3. Contextualização ........................................................................................................................................................... 28
3.1. Formação do Estado patrimonialista brasileiro: relações com a percepção de representação ...................................................................................................................................................................... 28
3.2. Abertura Política para participação no Brasil ....................................................................................... 30
3.3. Conselhos na realidade da gestão participativa brasileira .............................................................. 34
3.3.1. Conselhos Municipais de Educação brasileiros: histórico e atualidade .......................... 36
3.4. Objeto de estudo ................................................................................................................................................. 39
3.4.1. A realidade de São Bernardo do Campo: a cidade e seu aparato educacional ............. 39
3.4.2. O Conselho municipal de Educação ................................................................................................. 40
3.4.3. Transição de poder em São Bernardo do Campo ...................................................................... 44
4. O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa ................................................................................. 45
4.1. Os conselheiros do CMED e sua percepção de representação ....................................................... 46
4.2. Diagnóstico da situação ................................................................................................................................... 47
4.2.1. O CMED de São Bernardo do Campo e as características do movimento conselhista brasileiro atual ............................................................................................................................................................... 51
5. Caminhos possíveis ...................................................................................................................................................... 57
5.1. As explicações de duas teorias: o pluralismo político e a teoria econômica da democracia 57
5.2. Estratégias de encaminhamento para um Conselho responsável ................................................ 59
6. Conclusões e considerações finais ......................................................................................................................... 63
7. Bibliografia ....................................................................................................................................................................... 66
6 Resumo
Resumo
Esta dissertação tem por objetivo analisar como se dá o empoderamento popular
através dos mecanismos representativos proporcionados pelos Conselhos de Políticas
Públicas, com foco em Conselhos Municipais de Educação. O estudo se faz necessário
frente aos diferentes mecanismos de eleição e divisão do poder existentes nestes novos
centros – como são, legalmente, dotados de prerrogativas de deliberação, é preciso saber
se estes espaços estão sendo ocupados de forma democrática e obedecendo aos limites do
controle social. Assim, busca-se entender de que maneira os conselhos utilizam o seu
potencial de rompimento com a democracia puramente representativa, sendo mecanismos
de diálogo entre a população e o Estado, numa perspectiva de gestão participativa. Para
tal, utiliza-se de revisão bibliográfica e discussão teórica no que tange as concepções de
democracia e representação, bem como o atual cenário dos conselhos brasileiros. Uma
contextualização da abertura para a democracia no Brasil, até chegar ao objeto de estudo –
o Conselho Municipal de Educação de São Bernardo do Campo – dá base para a pesquisa
de caráter exploratório/exemplificativo, que visa constatar, com concretude, a pontuação
teórica. Foi possível observar, dessa maneira, que os conselhos ainda estão em vias de
organização, e que precisam ainda se fundar como instituição estável para prestar uma
representação adequada, baseada em accountability e diálogo. Ainda não é comum a
prática de trazer ao Conselho as demandas das categorias representadas, e sim os pontos
de vista de cada indivíduo eleito. Para tal, quatro frentes de otimização são propostos: a
comunicativa, a institucional/gerencial, a estruturante de rede e a regulatória.
1. Introdução
A pesquisa em questão visa estudar processos relativos à gestão participativa, tendo
como foco os Conselhos de Políticas Públicas. Mais especificamente, busca avaliar quais
são as reais limitações dos conselhos em relação a condicionantes da própria democracia,
e, de acordo com esta ponderação, verificar em qual grau conseguem se tornar um
mecanismo legítimo de participação social.
Esta legitimação, aparentemente presente por força de lei, é frágil quando se analisam
questões como a transparência nas eleições dos conselhos, o próprio perfil dos eleitos (se
representam a comunidade de forma igualitária), o processo de deliberação dos conselhos
(ou seja, a real proporção entre as decisões tomadas entre conselheiros da população e
conselheiros governamentais), a relevância ou própria existência do debate dentro deste
aparelho, entre outros aspectos. Dessa maneira, busca-se entender qual é a verdadeira
7 Introdução
contribuição dos conselhos de políticas públicas para uma sociedade mais igualitária
quanto ao acesso a mecanismos de poder, tendo em vista o recente processo de ampliação
democrática brasileira, o que torna esta questão ainda mais relevante.
Foram escolhidos como objeto de estudo os conselhos de políticas públicas por sua
evidente perenidade e legalidade frente a outros instrumentos de participação social,
como, por exemplo, o orçamento participativo, que não é regulado e tão pouco obrigatório,
variando de região para região do país.
Bartholo et al. (2003) acredita que exista uma crise de legitimidade proveniente da
democracia representativa, quando a representação reduz as possibilidade de
participação de grupos minoritários. A democracia participativa, exteriorizada, por
exemplo, nos conselhos, tende a sanar esta crise. Contudo, a maneira com que este
processo é feito precisa, de fato, englobar os excluídos para ser legítimo.
Este estudo também se faz necessário a fim acompanhar a formulação e
implementação destes novos centros de poder. A partir do momento em que as eleições
não são mais o único instrumento legal de punição ou reconhecimento do governo, já que
não permitem um controle em tempo real, mas somente uma avaliação retrospectiva
(MANIN, PRZEWORSKI e STOKES, 2006) quando os danos já foram causados, é preciso
repensar e reavaliar como estão sendo construídas as novas instâncias de
empoderamento. O estudo destes instrumentos de poder que são dados, legalmente, nas
mãos da sociedade civil, é ainda de grande importância em um país onde,
tradicionalmente, a política é feita de cima para baixo, com planos implantados de forma
centralizada. A reversão destes papéis, se é que de fato acontece, representa uma mudança
estrutural que busca compensar séculos de disparidades na forma de condução do Estado
brasileiro. Existe uma redefinição de atribuições entre sociedade e governo, marcada pela
participação e descentralização (BARTHOLO et al., 2003). Além de ser uma nova
tendência, configura-se como uma nova alternativa de democratização popular. Contudo,
até que ponto é democrática, e até que nível é popular? Os conselhos permitem a
transparência entre sociedade e governo ou continuam como espelho das velhas
gramáticas brasileiras?
Com o objetivo de verificar a praticidade e concretude do que é discutido
teoricamente, será analisada a gestão atual (2010) do Conselho Municipal de Educação -
CMED do município de São Bernardo do Campo. Esta escolha foi dada devido à longa
atividade do conselho em questão, já que sua lei de criação data de 1976 (lei municipal nº
2.240/76), e a maior facilidade e acessibilidade da pesquisadora às documentações e
reuniões do Conselho, permitindo um estudo de caso mais aprofundado. O órgão, desde o
início, foi criado com funções consultivas, normativas e deliberativas, e as mantém até a
8 Introdução
atualidade. As atribuições citadas na lei ainda garantem uma função fiscalizadora. Assim, o
CMED foi escolhido por seu amplo leque de funções e solidez histórica, permitindo a
investigação de diversos pontos de escopo democrático.
O trabalho é estruturado em três grandes fases: a primeira retoma, no capítulo 2,
através de revisão bibliográfica, os conceitos das teorias democráticas e seus principais
autores, bem como as relações entre a democracia representativa e a participativa. Nesta
ocasião também é realizado um levantamento do que se têm estudado atualmente sobre
gestão participativa e, mais propriamente, conselhos. Num segundo momento, no capítulo
3, é feita a contextualização do objeto de estudo, levando em conta o surgimento dos
conselhos no Brasil, a conjuntura da política local e as bases legais do conselho em
questão. Em seguida, no capítulo 4, é feita uma explanação do desenvolvimento da
pesquisa, seguida de seus resultados e conclusões, que se desenvolvem entre os capítulos
5 e 6.
1.1. Objetivo
O objetivo geral deste estudo é analisar o empoderamento da população local de São
Bernardo do Campo através de seu Conselho Municipal de Educação, por meio da
representação proporcionada por ele. O empoderamento, neste contexto, é visto com o
processo de equiparação de oportunidades de acesso ao poder, tornando os “setores
sociais excluídos em atores, e de elevação para cima de atores débeis” (BARTHOLO et al.,
2003: 03). Empoderamento também pode ser visto como a tomada de consciência de seu
papel na sociedade, que proporciona uma ampliação das forças pré-existentes
(BARTHOLO et al., 2003). Apesar de seu marco legal, investiga-se se o seu funcionamento
corresponde ao de um instrumento verdadeiro de participação popular. Ou seja, o
conselho perpetua ou quebra o paradigma clássico da democracia representativa que se
esgota no voto? A representação proposta é legítima, tendo em vista o dialogo entre
representantes e representados?
Como objetivos específicos, irão ser considerados o estudo dos instrumentos clássicos
de accountability e sua aplicação no caso dos conselhos brasileiros, o nível de
transparência dos conselhos e prestação de contas destes para a sociedade representada,
o estudo das eleições para conselheiro, de acordo com a representatividade populacional,
o relacionamento entre conselheiros da população e do governo, discutir os reais
interesses dos envolvidos, além de outras características que possam ser explicativas do
processo estudado.
9 Introdução
1.2. Hipóteses e Questionamentos
Partiu-se da hipótese de que os conselhos de políticas públicas contribuem de fato
para o desenvolvimento de uma democracia direta e participativa, através do
envolvimento da população na tomada de decisões.
A pergunta em questão pode ser sintetizada no seguinte enunciado: “Quais são as
verdadeiras contribuições dos conselhos para a evolução de uma democracia participativa
no Brasil, no que tange o rompimento com o modelo tradicional de representação?”
1.3. Metodologia
O estudo privilegia a pesquisa em moldes qualitativos, buscando criar relações entre o
objeto de estudo e seu devido contexto. Ao considerar o conselho como um fenômeno,
fruto da situação de abertura democrática vivida no Brasil nos últimos 30 anos, pode ser
considerado este estudo como fenomenológico-hermenêutico (MARTINS, 2002), já que as
suposições a partir dos resultados partem das interpretações dos fatos.
Primeiramente foi realizado um estudo sobre a teoria da democracia e o que ela traz
de substancial para analisarmos a efetividade democrática dos conselhos de políticas
públicas. O levantamento teórico então se baseou na evolução do estudo da democracia,
bem como na discussão atual sobre instrumentos participativos e conselhos. A análise
teórica foi complementada por um levantamento documental sobre o objeto de estudo. Em
seguida, uma análise da posição do Brasil neste ponto funciona como elo entre a teoria e o
objeto de estudo.
Após esta pesquisa, foram realizadas consultas ao próprio conselho para que fossem
analisados os pontos citados nos objetivos específicos, através de entrevistas semi-
estruturadas em profundidade. Instrumentos disponibilizados pelo conselho, como atas de
reunião e relatórios das atividades também foram analisados.
Os principais pontos de análise para verificar a legitimidade dos conselhos são a
representatividade (ou seja, quem ou quais interesses os conselheiros realmente
representam) e a publicidade de suas ações (como são divulgadas as eleições e as ações do
conselho). Estes pontos foram escolhidos por tratarem, basicamente, de aspectos
informacionais básicos que garantem um bom funcionamento democrático, e serão
detalhados na justificativa no trabalho.
10 Introdução
1.4. Justificativa
A importância deste tema tem sua base na atual discussão brasileira sobre a
importância da accountability e do controle social como formas de garantir a eficiência das
políticas públicas. A participação da sociedade civil é vista como uma forma de coibir a
ação imperativa de governos, fortalecer o empoderamento popular, reforçar a
responsabilidade política da sociedade, monitorar as ações dos governantes, e melhorar a
governança (BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, 2002). Com parte da responsabilidade
transferida do Estado para a sociedade, como é possível, então avalizar o funcionamento
deste controle? Fernando Abrucio e Maria Rita Loureiro (2005) chamam a atenção para a
importância de se levar a democracia para além do voto. O controle social depende,
segundo eles, dos mesmos instrumentos necessários para uma eleição legítima:
informação e debate entre os cidadãos, instituições fiscalizadoras, pluralismo e coibição de
privilégios de grupos organizados frente à maioria desordenada (ABRUCIO e LOUREIRO,
2005). Se estas características estão presentes na formação de uma gestão participativa
através de conselhos, é mais provável que exista uma accountability eficaz.
Apesar de ser uma instituição empoderada legalmente, Gurza Lavalle, Houtzager e
Castello (2006a) acreditam que o questionamento da legitimidade destes órgãos é
contundente por apresentarem mecanismos diferentes dos tradicionais – basicamente o
mecanismo eleitoral por si só. Como seu processo acontece de forma distinta, através de
uma reconfiguração da representação, é preciso pensar em como ela é organizada a fim de
não representar uma ameaça para a linha de pensamento que lhe deu origem. Estes
perigos podem advir enquanto conseqüências da falta de mecanismos de accountability
entre os conselheiros e os grupos representados (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e
CASTELLO, 2006a) quanto da própria inexistência de diálogo entre representantes e
representados, para compatibilizar as demandas efetivas com as discutidas em âmbito do
Conselho. Como foram as organizações da sociedade civil que repensaram e formataram
os novos modelos democráticos da atualidade no Brasil, tende-se a imaginar a atuação
destes órgãos como imperativamente democrática e representativa (LÜCHMANN, 2007),
ainda mais claro no caso dos conselhos de políticas públicas, onde a imediata relação
entre:
organizações da sociedade civil e defesa de direitos dos setores
excluídos vem tornando quase que automático o vínculo entre
sociedade civil, participação e representação, o que requer uma maior
problematização acerca do grau de legitimidade da representação
destes atores no interior destes espaços. (LÜCHMANN, 2007:149)
11 Revisão bibliográfica
Assim, é preciso quebrar o pressuposto de que existe uma compatibilidade total entre
sociedade e sociedade civil organizada, dado que o fato da representação acontecer no
estrato social não é garantia para uma dinâmica real de representação. Mesmo nestas
esferas, existe espaço para a proliferação de clientelismos e patrimonialismos, ainda que
de forma inercial e fruto da fragilidade da instituição, e não necessariamente da má
vontade dos representantes. Gurza Lavalle, Houtzager e Castello (2006a) deixam claro que
os atores da sociedade civil obedecem a lógicas que não necessariamente são compatíveis
com a ampliação democrática. (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006a)
Dado isso, é de suma importância o exame dos novos meios de representação numa
sociedade que passa por um processo de reconfiguração de suas instâncias de acesso ao
Estado.
2. Revisão bibliográfica
A revisão bibliográfica compreende quatro vertentes: a primeira trata da definição
sobre a legitimidade de representação, ou seja, sob quais aspectos a representação
consegue empoderar a população; a segunda, sobre teorias da democracia e da
participação, com ênfase para as teorias da democracia participativa. A terceira vertente
se concentra em questões da prática da gestão participativa, considerações acerca da
accountability e da democracia direta. A quarta e última parte traz o debate específico
sobre o papel dos conselhos no contexto democrático.
2.1. Da legitimidade de representação: duas dualidades
O conceito de legitimidade pode ser entendido em duas esferas: a legal/institucional e
a também a sociológica. Seu significado também depende do contexto democrático em que
se definem: ou o representativo, ou o participativo (LÜCHMANN, 2007).
Pela via legal/institucional, a legitimidade para ser o representante da sociedade se dá
no momento em que é reconhecido pelo Estado através de seu ordenamento jurídico.
Assim, considerando o decreto de criação do Conselho, ele é um representante legítimo,
legalmente, de seus representados.
O que é simples definir na esfera legal torna-se mais árduo no quesito sociológico.
Apesar de eleitos pelas vias institucionais, como é possível garantir que estes estão
realmente trabalhando em prol do interesse público, e não à margem dos mesmos? A
12 Revisão bibliográfica
legitimidade, neste ponto, coincide com a confluência de demandas pela parte da
sociedade com os planos e projetos dos governantes – o que deveria, via de regra, ser a
condição básica para determinação do voto (DOWNS, 1999). Contudo, três fatores,
essencialmente, transformam a escolha de candidatos que factualmente represente os
interesses do público em uma via penosa: a assimetria de informação existente no
contexto eleitoral (DOWNS, 1999), a falta de mecanismos de sanção legais (além do voto)
para os que não foram fiéis a seus planos de governo (MANIN, PRZEWORSKI e STOKES,
2006), e também a inerte dificuldade de transformar o agregado de votos num diagnóstico
claro do interesse popular (ARROW, 1951).
Desta maneira, defronta-se com um problema de legitimidade de representação
política, já que a representatividade só tem sentido quando a vontade do representante
está alinhada com a do representado (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO,
2006b).
A segunda dualidade para se pensar na questão da legitimidade é o modelo
democrático em debate. No caso da democracia representativa, a legitimidade está
vinculada diretamente aos mecanismos de eleição, instituídos e consolidados não só pela
legislação, mas ideologicamente através da História, através dos aparelhos de reprodução
do Estado (ALTHUSSER, 1970). Quando esta discussão é transferida para a esfera
democrática participativa, as relações de poder e representação não estão mais alocadas
nas regras tradicionais, ou seja, não existe um parâmetro que delimite quais são os limites
e contornos da representação. Isto acontece pela própria essência da participação, já que é
pressuposto, neste contexto, que o próprio cidadão seja responsável por articular-se e dar
força a voz de suas demandas. Assim, a participação cidadã cancelaria a representação
(GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006a).
No entanto, mesmo em contextos de democracia participativa, são instituídos
representantes que, por questões práticas, irão dialogar com os outros setores da
sociedade a fim de ampliarem o debate sobre as questões agendadas pelos círculos de
discussão, formados por interesses comuns – seja em educação, em saúde, em direitos das
minorias, e tantos outros. Como não é possível, devido ao alto custo e pressuposto de
comprometimento de todos os envolvidos, conduzir todas as reuniões com todos os
membros da sociedade, são eleitos mediadores (conselheiros) que irão atuar em prol de
questões específicas pertinentes ao grupo que o indicou. Como teoriza Lüchmann (2007),
a participação acaba por se dar através dos instrumentos de representação. Young (2006)
também coloca que
A representação é necessária porque a rede da vida social moderna
freqüentemente vincula a ação de pessoas e instituições num
13 Revisão bibliográfica
determinado local a processos que se dão em muitos outros locais e
instituições. Nenhuma pessoa pode estar presente em todos os
organismos deliberativos cujas decisões afetam sua vida, pois eles são
numerosos e muito dispersos. (YOUNG, 2006: 144)
O dilema da legitimidade de representação na democracia participativa situa-se
exatamente na transição de poder da sociedade (entendida como a totalidade da
população e soberana no contexto democrático) para a sociedade civil organizada que a
representará, assim como na democracia representativa. Gurza Lavalle, Houtzager e
Castello (2006b) advogam que a preposição de confluência entre os mediadores,
supostamente emergentes dos setores representados, e a população não pode ser visto
como natural e conseqüentemente legítimo, ou seja, não pode ser suposta uma pactuação
de interesses entre mediadores e novos representados. A representação deve funcionar
como uma via de mão dupla (LAMOUNIER, 2005): assim como o povo está representado
diante do poder, o poder está diante (e acessível) do povo. Assim, a representação não é
somente uma nomeação, e sim um poder de nomeação, que deve ser contínuo durante o
mandato (LAMOUNIER, 2005).
Assim, para delineamento no contexto desta pesquisa, legitimidade será entendida
como o emparelhamento de pensamentos entre representantes e representados,
privilegiando o elemento sociológico da conceitualização. Este fenômeno é externalizado
em dois momentos: antes da composição do conselho, quando os candidatos justificam
porque devem ser indicados ou eleitos; e depois, durante seus mandatos, quando são
monitorados pelos seus pares (pelos quais foram eleitos) e também prestam contas de
suas ações, numa via de mão dupla.
2.2. Teoria da democracia e da participação
A teoria da democracia divide-se, basicamente, entre a teoria hegemônica, ligada à
teoria liberal democrática, e a corrente anti-hegemônica, a qual contém a elucidação da
democracia participativa e da democracia deliberativa. Esta revisão abordará
primeiramente os dois contextos, já que a teoria anti-hegemônica vem em resposta aos
conceitos da teoria liberal da democracia, em relação à insuficiência da democracia
representativa em dar voz a sociedades plurais e multiculturais, com demandas
complexas. Pode-se considerar que a diferença básica entre as correntes é o papel dado à
participação da sociedade civil nas decisões governamentais (além do voto puro).
14 Revisão bibliográfica
Benjamin Constant, em 1819, em sua obra Da liberdade dos antigos comparada à dos
modernos, considera que as formas que a democracia toma dependem do tipo de liberdade
pela qual a sociedade está cercada. Ele começa seu estudo no século XIX a partir da
comparação entre a liberdade dos antigos, entre eles os romanos, e os modernos – os
ingleses e os americanos. A principal divergência entre as duas liberdades se refere a sua
esfera: os antigos dispunham de grande liberdade pública, enquanto os modernos
dispõem de uma ampla liberdade em seus meios privados. Esta distinção será
fundamental para estabelecer o conceito de democracia representativa, visto que a falta de
tempo para engajamento em atividades de interesse público também é um fator que faz o
indivíduo passar o seu poder constitucional de soberania para outro, através do voto
(CONSTANT, 1985).
Na Antiguidade, todos eram extremamente oprimidos em suas vidas privadas, sempre
sujeitos à severa vigilância do Estado. Podiam discutir livremente sobre os assuntos
governamentais, as guerras, a administração pública, mas não tinha sequer a liberdade de
ir e vir, e de formar sua própria cultura. Vivenciamos, na atualidade, o inverso: um homem
nunca poderá ser considerado, particularmente, como influenciador e moldador da
política mundial. Dessa forma, podemos concluir que os antigos eram muito mais
apegados a sua liberdade coletiva, ao sacrifício pelo bem comum, do que o homem
moderno, que se apega a seus ensejos particulares e só protesta por algo publicamente
quando algo fere sua liberdade de conquistar seu ideal de felicidade. A liberdade
individual se configura, então, como a verdadeira liberdade moderna (CONSTANT, 1985).
O estudo da democracia continua com Tocqueville (1835), que a trata como uma força
irresistível que permanecerá como modelo social para as gerações vindouras. A igualdade
entre as partes envolvidas na democracia é um de seus fatores mais irresistíveis. Segundo
Tocqueville (1835), existe uma tendência histórica para o nivelamento universal. Os
limites eleitorais recuam cada vez mais, até chegarmos ao voto universal. Assim, o povo
escolhe diretamente seus representantes e legisladores, se autogovernando. Nos Estados
Unidos, tema do estudo do autor, um cidadão raramente recorre ao governo para resolver
seus problemas – ele se reúne com outros cidadãos com fins políticos, religiosos,
comerciais, e tem liberdade para tal. Estas organizações da sociedade civil são necessárias
para evitar a tirania da maioria, que se dá quando os que ocupam legitimamente o governo
tem mais força do que a sociedade em si. A minoria, apesar de sua condição, precisa ter o
direito de se expressar tanto quanto a maioria. O direito de associação, então, é tão
precioso quanto o próprio direito a vida. O voto universal, neste ponto, é também muito
necessário, já que todos têm o direito de expressar sua opinião particular. Esta liberdade
associativa é inerente ao processo de democracia participativa, onde as soluções são
15 Revisão bibliográfica
buscadas em conjunto – pessoas com os mesmos problemas se associam para ter mais
peso e maior representatividade. Além do associativismo, o individualismo é outro
conceito presente na democracia. À medida que as condições se igualam, os homens
tendem a ser cada vez mais egoístas. Não se dedicam mais uns aos outros, mas só a si
mesmos. São necessários grandes esforços para que se largue o particular e torne sua
atenção para o público. Isso porque consideram que sues esforços terminaram na eleição
de seus representantes, além de disporem de pouco tempo para estas atividades. O que
lhes preocupa é sua liberdade, e para isso dão cada vez mais poder a seus representantes.
Com isso, nos tornamos fortes e fracos ao mesmo tempo – apesar de termos o nosso
direito de soberania garantido, não nos esforçamos para que ele seja exercido de maneira
plena através da monitoria das atividades dos que elegemos (TOCQUEVILLE, 1835).
Em relação ao individualismo proposto por Tocqueville (1835), Michels (1982)
acredita que a multidão anularia o indivíduo. Dessa forma, o governo não seria realmente
democrático. Outro ponto que inviabiliza a democracia é o fato de o povo confiar suas
tarefas de participação política a um líder, que seria como um “servidor da massa”. Estes
líderes são treinados para exercer esta função, criando assim uma “elite” operária,
responsável por representar os anseios da massa. Assim sendo, a organização criaria uma
tendência para a oligarquia, já que a organização vai dividir e especializar o trabalho,
criando maiorias dirigidas e minorias dirigentes. À medida que a instituição se organiza,
menos democrática ela se torna, devido sua burocracia. O sistema representativo também
é criticado por Michels (1982). Segundo ele, o povo perde sua soberania ao votar, ao invés
do contrário. Isso porque aceita ser representado, ao invés de pessoalmente defender seus
interesses. A heterogeneidade das vontades individuais não podem ser resumidas num
único representante. Seu único direito passa ser o de eleger novos senhores de tempos em
tempos. Citando Mosca (1968), ele mostra que a partir do momento em que é finito o
momento eleitoral, o eleito perde contato com o povo e passa a governar segundo seus
próprios interesses.
A partir deste primeiro momento de análise dos componentes democráticos, Dahl
(1997) irá tratar de dois aspectos da democracia para analisar seu avanço ou retrocesso: a
universalização do voto e a possibilidade de contestação política. Estes dois processos não
são idênticos, mas relativamente simples de serem constatados e observados. O autor
parte de um modelo de democracia onde o governo funciona para atender exclusivamente
a demanda dos cidadãos, que são iguais, e, portanto, não podem ter suas demandas
preferidas em detrimentos de outras dos outros membros da mesma sociedade. Para
verificar se o governo é responsivo às necessidades de seus indivíduos, eles devem ter
oportunidades plenas de formular e expressar suas preferências, além de ser
16 Revisão bibliográfica
indispensável à igualdade entre elas. Para isto, oito requisitos são indicados: liberdade de
formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito de voto, elegibilidade para
cargos públicos, direito de líderes políticos disputarem apoio e votos, fontes alternativas
de informação, eleições livres e idôneas e instituições para fazer com que as políticas
governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência. A
comparação do nível em que se encontra cada um desses requisitos seria uma maneira de
observar o grau de abertura política de dada sociedade. Assim, será comparado também o
grau de inclusão no processo eleitoral e de contestação pública. Estes fatores devem ser
considerados conjuntamente e levando em conta as circunstâncias do ambiente. Quando
consideramos os dois aspectos, a maximização de ambos leva a um estado plenamente
democrático. Contudo, como num sistema político estão envolvidas outras variáveis, a
maximização de ambos resulta em uma poliarquia. Qualquer mudança que resulte num
maior nível de qualquer um dos dois, pode ser lido como avanço democrático. A maior
abertura de poder eleitoral e de contestação pública também afeta os governantes. Com a
abertura, surge a possibilidade de novos conflitos com grupos de interesse que agora terão
voz, além de possibilidade de conflito com os opositores, que tentarão minimizar a
participação da outra parte no jogo político.
Em suma, a única arma que o cidadão tem é o voto. Através dele, o indivíduo tem que
avaliar políticas, governantes, e decidir quem continua com o poder. Mas existem
momentos em que não é possível eleger os melhores políticos e as melhores políticas. O
voto também é custoso, porque se informar sobre os melhores políticos e políticas custa
algo, seja tempo ou dinheiro. O controle do eleitor se quebra quando nunca se têm
informações suficientes para saber que votaram na pessoa certa, e estão sempre pensando
que o concorrente era melhor. Sabendo que, na próxima eleição, o concorrente será eleito,
o atual governante escolhe extrair rendas privadas de sua posição pública, deixando de
lado os desejos da população (DAHL, 1997).
Para que se aumente o nível de representação, Manin, Przeworski e Stokes (2006)
sugerem que os eleitores devem ter capacidade para responsabilizar o governo por suas
ações, assim como devem ter poder para tirar do governo políticos ruins. Este poder,
contudo, deve estar institucionalizado além do voto – e preciso mais do que isso para que
as políticas sejam realmente avaliadas, para que o governo seja monitorado, e além disso,
é preciso mais do que eleições para que as demandas reais da população não se percam
em meio ao emaranhado da vida pública. A democracia liberal, representada pela
liberdade de escolher seus representantes, mas sem a garantia de efetiva
representatividade, deixa obscuros os grupos minoritários que não tem força suficiente
para se eleger.
17 Revisão bibliográfica
A partir desta falha da teoria representativa, surgem modelos que buscam suavizar
esta disparidade entre sociedade civil e representantes, a fim de que a sociedade se auto-
represente. Neste sentido surgem as teorias de democracia participativa, que partem da
pressuposto de que um governo verdadeiramente democrático é aquele organizado por
instituições construídas num processo coletivo de discussão e deliberação pública entre
todos os cidadãos (LÜCHMANN, 2007).
A primeira autora que se propõe analisar esta corrente divergente é Amy Gutmann
(1995), que trata do ideal da democracia através de quatro pontos: o ideal populista, a
crítica liberal a democracia populista, a democracia deliberativa, e a tentativa de
reconciliar a democracia com o liberalismo.
No primeiro deles, Amy retrata o ideal populista a partir da comoção pela
democratização do leste europeu. Este sentimento mostra que a democracia é valorizada
principalmente em meio a regimes ditatoriais que não prestam contas a população – este
senso será importante como paralelo à emergência de associações da sociedade civil no
Brasil após o regime militar. A democracia, no senso comum, é composta também pela
liberdade de expressão, de imprensa, de oposição política e de disputa nas eleições. No
entanto, quando aplicada a visão de Schumpeter, a democracia deixa de ser um ideal, e a
exaltação pela democratização passa a ser infundada. Este ideal também pode conflitar
com o que uma maioria decide, em termos éticos. Ou seja, o governo da maioria também
pode ser antidemocrático, se decidir acabar com a liberdade de expressão ou de
associação política. Os rousseaunianos rebatem este ponto dizendo que, quando isto
acontece, as pessoas não estão pensando no bem comum, e sim em seus interesses
privados. Gutmann (1995) acredita que não se está tirando poder democrático do povo
quando esta é limitada para produzir resultados democraticamente aceitos, através de,
por exemplo, a revisão judicial ou da educação da opinião pública.
O segundo ponto começa por definir o liberalismo negativo como uma doutrina
política, e não uma filosofia de vida, que visa garantir autonomia e condições para que
cada pessoa busque seus interesses privados. As escolhas coletivas não podem influenciar
nesta prerrogativa. Mais uma vez, a democracia entra em conflito. Apesar das liberdades
pessoais estarem entre as características da democracia, elas representam o ápice do
liberalismo por si só, e não por serem símbolo democrático. Tomemos o caso da liberdade
de expressão. Devemos defender uma lei que restringe a publicação de conteúdo obsceno?
A publicação fere o bem coletivo, mas a restrição fere o bem privado. Além disso, como, em
grandes comunidades, o esforço que devemos fazer pelo bem público resulta em
benefícios muito pequenos (afinal, temos pouca condição de alterar rumos políticos
18 Revisão bibliográfica
somente com a nossa voz), é racionalmente melhor escolher a expansão da liberdade
individual.
A democracia deliberativa é quem pode resolve as tensões entre o liberalismo e a
democracia. Nesta linha teórica, o que se deve priorizar é a autonomia como
autodeterminação, ou seja, a capacidade do individuo de deliberar e ter influência sobre os
rumos públicos e privados que lhe dizem respeito. Essa autonomia surge a partir da
deliberação pública, com as pessoas se relacionam e influenciam umas às outras. Outro
ponto crucial é a prestação de contas. É através dela que os indivíduos podem fazer
escolhas racionais sobre política.
A obra de Fung (2004) trata modelos práticos para as sugestões de Gutmann (1995).
O autor sugere que a sociedade se organize em minipúblicos – esferas públicas que
associam civis em quantidade suficiente para a deliberação de algum assunto interessante
a todos e que seja de responsabilidade tradicionalmente estatal. Os minipúblicos
representam o engajamento cívico que deveria ser levado em conta pelos formuladores de
políticas públicas.
Numa primeira concepção, a responsabilidade básica de um minipúblico é
proporcionar um espaço de educação e deliberação pública, nos moldes da democracia
deliberativa. Através desta deliberação, os indivíduos adquirem autonomia para tomar
decisões razoáveis e informadas sobre quais são suas opiniões políticas. Para ser legítimo,
o minipúblico deve contar com uma representação eqüitativa das vozes que formam a
sociedade. Um minipúblico também pode ser um conselho consultivo participativo, que
estabelece uma comunicação com o governo do que está sendo deliberado pela
comunidade. Dessa forma, o governo tem a possibilidade de alinhar suas políticas com a
vontade popular. Um terceiro estilo são os minipúblicos de cooperação para a resolução
participativa de problemas. Os cidadãos agora têm a responsabilidade de deliberar e criar
soluções para problemas públicos, e contam com este espaço cedido pelo governo. A
accountability e a fiscalização são contribuições primárias desta concepção. O Estado é,
literalmente, o povo, através da incorporação deste na formulação das políticas públicas
(FUNG, 2004).
A seleção para um minipúblico é geralmente voluntária. No entanto, tendem a
participar os que possuem melhores condições de vida, reafirmando a teoria de Benjamin
Constant sobre a liberdade dos modernos. Por isso, ações concretas de recrutamento em
meio às classes menos favorecidas são essenciais para um real retrato da sociedade. Ao
verem que os minipúblicos representam uma forma de mudar sua condição, são
estimulados a participar, como acontece com o policiamento comunitário de Chicago: os
19 Revisão bibliográfica
que vivem em áreas mais pobres, e conseqüentemente têm mais problemas com a
criminalidade, são os que mais participam (FUNG, 2004).
Os problemas tratados nos minipúblicos são todos os que interessam seus membros.
Contudo, temáticas especificas condicionam a um maior debate sobre um determinado
assunto. Existem assuntos que envolvem conhecimentos específicos, que nem sempre
estão ao alcance da população. Ou seja, é mais fácil e mais efetivo escolher assuntos que
façam parte diretamente da vida dos envolvidos no debate. A estruturação da discussão
deve ser conduzida de forma que todos os presentes tenham espaço para opinar, e que
todos tenham condições de formar uma opinião sobre o assunto.
Mas afinal, para que se reunir e discutir assuntos públicos? Os lucros políticos
começam na educação civil, mas só acontecem se os participantes estiverem interessados
no que estão fazendo. Esse interesse se manifesta se a discussão está sendo levada a um
nível superior, e se os envolvidos fazem apostas altas de que aquela deliberação pode
mudar a situação em que vivem. O empoderamento é essencial para a continuidade de um
minipúblico. Não obstante, um minipúblico só deve ser empoderado se suas decisões não
estiverem sendo dominadas por interesses privados.
O bom andamento de um minipúblico pode contribuir inestimavelmente para a
formação de uma gestão mais democrática. Os benefícios são diversos, a começar pelo
engajamento cívico, relacionado com a quantidade de participação e a qualidade desta,
que dependem da capacidade dos organizadores de recrutar pessoas e estimular o debate.
Uma deliberação de alta qualidade acontece quando os participantes são razoáveis e
respeitam a opinião um dos outros, além de ser igual e inclusiva. A elevação da
accountability e da legitimidade do governo também são lucros positivos. Os minipúblicos
também podem ser capazes de aumentar a justiça das políticas, se suas ações forem
efetivas e consideradas. A partir disso, Fung (2004) conclui que os minipúblicos são
extremamente responsáveis pelo aumento da qualidade de debate e das atitudes cívicas
associadas à participação, além de apresentarem soluções de deliberação para as
sociedades complexas da modernidade.
Para compactar o estudo da democracia com foco no o papel da participação popular,
Carole Pateman (1992) realiza uma grande resenha de diversos autores da linha
democrática. Segundo ela, a democracia ortodoxa prega um papel muito pequeno para a
participação, e seria necessária uma revisão das antigas teorias para discutir a questão da
participação versus a estabilidade do sistema político. Pateman (1992) analisará autores
que contribuíram para a teoria participativa da democracia, a começar por Rousseau
(1762). Este filósofo baseia toda a sua teoria na participação popular, apesar da refuta
atual de que o civil comum não conta com espírito cívico naturalmente. Para Rousseau
20 Revisão bibliográfica
(1762), cada participação, de cada individuo, tem poder para mudar o rumo da política.
Isso seria correto se vivêssemos em pequenos grupos. No entanto, nos grandes centros e
grandes comunidades, é cada vez mais difícil uma só voz alterar o cenário. Rousseau
(1762) defendia também a igualdade econômica, para que a possibilidade de compra e
influência na opinião política do próximo fosse nula. A relação entre eles também deveria
ser de interdependência, como afirma Tocqueville (1835), a fim de impedir o
individualismo. Como todos têm sua própria opinião e não podem ser comprados, é
preciso formar grupos para compartilhar e dividir os custos e benefícios do processo
democrático. De volta à participação, ela aconteceria na tomada de decisões de cunho
público. Quanto mais o individuo participa e se interessa por isso, mais se torna capacitado
a fazê-lo, criando um sistema auto-sustentável.
A partir desta teorização de Rousseau (1762), unida à Stuart Mill (1861) e Cole,
Pateman (1992) formula uma teoria da democracia participativa. O pressuposto é de que
não podemos considerar isoladamente as instituições nem os indivíduos. Ou seja, eles
dependem um do outro para que o sistema funcione, e precisam estar em contato para
isso. O sistema político depende da educação de seus membros, que acontece a partir do
próprio processo de participação, se tornando auto-sustentável. Num sistema
participativo, todos os canais políticos estão abertos a qualquer um, a começar pela
indústria. A participação em si se deve a igual participação na tomada de decisões. Esta
teoria se desenvolve ou cai em desuso através da importância dada ao caráter educativo
da participação popular.
Pateman (1992) ressalta a contribuição de cada linha de autores para a composição
de uma teoria democrática. Os teóricos clássicos contribuíram com o estudo da relação
entre governo e sociedade. A participação da elite minoritária e a não-participação do civil
trouxeram uma nova dimensão a partir da teoria contemporânea. A teoria contemporânea
também se apresenta mais descritiva e menos investigativa, filosófica. A teoria
participativa garante que é necessária a ampliação do debate político para a consolidação
da democracia, cobrindo todas as áreas, do local ao global. O processo de socialização e
educação política seria fundamental para a evolução deste modelo, a começar pelas
indústrias. A democratização da indústria, no entanto, gera controvérsias quando pensado
a luz da eficiência econômica, ou seja, até que ponto é possível democratizar sem perder a
competitividade econômica. Esta suposta perda de eficiência, no entanto, é compensada
pelos altos níveis de segurança e estabilidade gerados pela democratização, que
incentivaria o trabalhador a ter um melhor desempenho (PATEMAN, 1992).
Apesar das pretensões da teoria participativa serem altas, ela não entra em conflito
com a definição democrática de escolha dos líderes pela população, principalmente em se
21 Revisão bibliográfica
tratando de áreas extensas, já que a influência de um só indivíduo é mínima. O desafio
então é dar incentivo suficiente para que a população participe e se interesse pelos
assuntos públicos, quando sabe que não é capaz de mudar isoladamente a situação em que
vive.
Boaventura de Souza Santos (2002) discute o surgimento da prática dos modelos
participativos em diversos locais. A inclusão de temáticas desconhecidas pelo governo,
mas próximas do cotidiano da população, no agendamento é motivo de disputa política
entre os grupos já estabelecidos - os eleitos, e a população que demanda introdução no
embate político. O objetivo é criar uma nova gramática política, que reconhece a
pluralidade humana como uma limitação simples à representatividade pura da
democracia liberal. Este modelo configura-se como uma ruptura à tradição hegemônica da
democracia. A democracia é muito mais do que isso, muito mais do que a representação, é
na verdade um processo de “apresentação” igualitária de problemáticas pelos afetados.
Contudo, a participação é um processo vulnerável, que pode ser facilmente cooptado por
grupos de pressão, por lideranças organizadas ou pelo próprio governo, como pode
ocorrer no caso dos conselhos municipais, e cujo problema será discutido posteriormente,
nesta revisão.
A partir deste referencial teórico sobre democracia e participação, passaremos para a
explanação de como se deu, em termos práticos, a complementação da democracia
representativa pelos instrumentos participativos.
2.3. A prática da gestão participativa
Questões reais baseadas em modelos de democracia participativa surgiram a partir da
terceira onda de democratização e da crise da democracia tradicional, apresentada por
Boaventura de Souza Santos (2002) como a crise de dupla patologia: a da participação em
si, tendo em vista os altos índices de abstencionismo, e a da representação, já que os
cidadãos se vêem cada vez menos representados. Esta crise deu força ao movimento de
busca de mecanismos alternativos que pudessem representar de forma mais clara os
interesses dos cidadãos frente ao Estado. Passou-se a dar um valor maior à importância da
mobilização coletiva na construção de uma democracia palpável, e as eleições deixam de
esgotar todas as formas de influência publica no governo. Mas afinal, é possível que o povo
governe diretamente? Se for possível, com que qualidade e executabilidade? São questões
como estas que os autores desta seção da revisão buscam responder através dos
instrumentos inspirados pela democracia participativa. Estas práticas nascem da
22 Revisão bibliográfica
discussão sobre o papel dos atores da sociedade e uma possível reconfiguração dos
mesmos.
Boaventura, através de argumentação de Paoli, considera que a luta pela deliberação
participativa no Brasil iniciou-se a partir da visibilidade encontrada por movimentos
sociais nas décadas de 70 e 80, que ganharam espaço para manifestar suas demandas.
Contudo, o movimento foi duplo – não só de pressão pela sociedade organizada, mas
também de abertura do governo à novas formas de representação que resultaram na carta
de 1988, o símbolo máximo da democracia conquistada no país. Houve uma janela de
oportunidade, através da qual a confluência dos fluxos de necessidades resultou num
avanço participativo. O governo também precisou tomar a atitude de abrir mão da decisão
plena em favor de um modelo plural de decisão e consulta. É necessário, entretanto,
verificar o que leva o governo a promover esta abertura (quais são as vantagens de tal
ato), e como ela é de fato feita. O autor também põe em cheque a democracia ideal com a
praticada na atualidade, e acredita que hoje vivemos numa situação praticamente caricata
em contraponto ao imaginário ideal. A prática da gestão participativa é uma forma de
abrir um caminho contra esta caricatura da democracia que obriga os cidadãos a, na
verdade, não participarem das deliberações governamentais.
Leonardo Avritzer (2003) analisa a concretização desta oportunidade através de
certos princípios gerais que marcam as novas relações de poder nos círculos de debate: a
participação é aberta a todos os cidadãos, sem distinção de status ou conhecimento
específico; a combinação da democracia representativa e direta; e a alocação de recursos
através do consenso dos especialistas com a população, idéia predominante nos conselhos.
Estes princípios desdobram-se de diversas formas, moldando-se às características
regionais, para formar conselhos, orçamentos participativos, observatórios, entre outros.
A redefinição das formas de fazer política proposta por Boaventura de Souza Santos
(2002) é dada, segundo Avritzer (2003), pela emergência das organizações sociais no
contexto pós-ditadura brasileiro, além da maneira específica de se relacionar com o Estado
– como cooperador, complementador ou opositor. O fenômeno do associativismo é
responsável, então, pelo surgimento da discussão sobre o papel da organização da
sociedade no Estado, principalmente a partir do movimento de construção popular da
Constituição de 1988, através das emendas populares. Avritzer (2003) centra seu estudo
no orçamento participativo como uma vertente da democracia modificada ao longo dos
tempos e o encaixa como um instrumento de participação popular que rompe com o
antigo modelo de política que Avritzer (2003) fundamenta, basicamente, na visão
23 Revisão bibliográfica
schumpeteriana de democracia, onde a democracia é o governo dos escolhidos pela
população, e não o governo da população em si1.
A partir do seu estudo sobre associativismo na cidade de São Paulo, Avritzer (2007)
conclui que um número alto de pessoas que não estão inseridos na sociedade organizada
gostaria de participar deste movimento. Muitas vezes faltam vias de acesso não só ao
Estado, mas também às alternativas a ele. A partir desta reflexão, pode-se questionar se o
acesso aos conselhos é livre o suficiente para que os que não estão engajados passem a
fazer parte do movimento democrático, ou se é um instrumento restrito aos que já estão
inseridos na sociedade civil organizada. Avritzer (2007) opina que a posição ocupada pelo
indivíduo no associativismo é diretamente afetada pela renda, onde os menos
privilegiados socialmente tendem a ter menos participação em tais organizações,
preservando, dessa forma, o poder centrado nas mãos dos que menos necessitam dele.
Abrucio e Loureiro (2005) irão discorrer sobre a utilização da accountability como
ferramenta de inclusão democrática. Muitas vezes a democracia é vista como o jogo de
satisfazer a vontade de quem está no poder, quando, na verdade, exige uma conciliação
dos interesses dos diversos atores envolvidos para seu sucesso. O autor parte da
preposição da responsabilização dos atores por seus atos governamentais, que devem ser
regidos em sistema de autogoverno – ou seja, tendo a população como soberana. A
responsabilização dos atos, na democracia representativa clássica, é realizada durante as
eleições, onde os cidadãos contam com suas experiências passadas para reeleger ou
escolher outro representante. Esta seria a única maneira da sociedade civil relatar um
feedback retroativo das ações passadas, como explicitado anteriormente nas teorias da
democracia. Entretanto, como nem sempre o acesso às informações é perfeito e sempre
existe a possibilidade de cooptação eleitoreira, este método de fiscalização permite várias
brechas que podem resultar em baixa efetividade da sua própria função. Além do processo
eleitoral, existem ainda os mecanismos institucionais de controle, como o Tribunal de
Contas e o contrapeso elementar entre os Poderes da Federação.
A criação de mecanismos alternativos de responsabilidade da sociedade civil torna o
monitoramento do governo ininterrupto, indo além da eleição. Ela depende dos mesmos
conceitos dos quais depende a democracia: acesso à informação, igual representação de
interesses plurais, respeito à legislação vigente. O controle das ações do Estado, segundo
os autores, deve ser exercido diretamente por seus eleitores, sem necessariamente passar
pelo crivo da tecnocracia instaurada pela burocracia, já que o governo é a representação
direta de toda a sociedade e não só de seus técnicos. Este controle é realizado pelas
1 SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.
24 Revisão bibliográfica
instituições criadas pela democracia participativa. A formação do orçamento é o momento
ideal para este debate, já que é o momento de acertar a destinação dos recursos
necessários às ações do Estado. O planejamento do orçamento instituído pela Constituição
de 88 solidifica o espaço para os debates2. Este recurso é explicitado no parágrafo único do
artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000):
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante
incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,
durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de
diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Celina Souza (2001) irá focar sua apresentação sobre o papel da deliberação popular no
governo na discussão sobre uma real chance de participação da população através do
orçamento participativo. Ou seja, se este seria apenas uma forma consultiva de política,
isto é, pensa mais na ação política – a qual está mais ligada a políticas eleitoreiras do que a
realpolitk – do que na ação pública (SUREL, 2006). A autora considera que a emergência da
democracia participativa no Brasil deu-se por três principais motivos:
I. experiências democráticas durante o Regime Militar: cidades como Piracicaba (SP) e
Lajes (SC) já na década de 80 adotaram prática de cunho deliberativo-social e
participativo, que futuramente seriam um arcabouço, em termos de estrutura, para o
Orçamento Participativo. Nem todos obtiveram êxitos, segundo a autora, já que a adesão
popular não era representativa – herança militar – e o município era extremamente
dependente de políticas do estado;
II. aumento dos recursos municipais como resultado da democratização: com a nova
Constituição em voga, novas leis que tratavam dos repasses das verbas municipais foram
criadas, o que levou a um aumento dos recursos nas cidades, não somente aos estados.
Outro ponto essencial foi o início de um movimento de ajuste fiscal nas cidades
promovendo melhores condições de criarem-se programas redistributivos;
III. presença de partidos considerados de esquerda no governo dos municípios em
questão: o Partido dos Trabalhadores, maior força da ala esquerda do país no início da
década de 90, começou a ganhar, cada vez mais, espaço nas prefeituras, como por
exemplo, no caso de Porto Alegre e como os partidos de esquerda tomaram o OP como
compromisso eleitoral, esse projeto foi colocado em prática. Muitas vezes não conseguiu
emplacar rapidamente, mas funcionou como uma experiência válida e de futuro para
outras cidades e partidos.
2 Art. 174 da Constituição Federal Brasileira de 1988
25 Revisão bibliográfica
A partir destes incentivos, a organização da sociedade pressionou o Estado por mais
espaço como interventor de políticas públicas e agendamento de suas demandas. Contudo,
é necessário pensar em qual é a sociedade civil que está sendo organizada e de que forma
ela realmente representa a população. Esta questão é discutida por Dagnino (2004).
Evelina Dagnino (2004) acredita que transformar a sociedade civil até então apagada
em um organismo vibrante responsável pelo sucesso de políticas públicas através de seu
ativismo político é uma tarefa mais complicada do que o disposto na Constituição de 88.
Apesar da disposição governamental em aderir a estas práticas, a jovialidade das
experiências de participação democrática, às quais são atribuídas grandes
responsabilidades, não é capaz de desempenhar com clareza o seu papel, o que resulta
numa perversidade da abertura democrática. Este processo pode acabar, na verdade,
servindo aos interesses consolidados do Estado, ao invés de privilegiar a população,
através da cooptação dos mecanismos de participação que ainda não são sólidos. O campo
de disputa formado pela emergência dos mecanismos participativos pode ser a causa
desta captura por grupos de poder que precarizam a real função dos mesmos.
Dagnino (2004) também ressalta que a sociedade civil brasileira, organizada ou não,
passou a ser representada unicamente através das ONGs e do terceiro setor. Assim, a
sociedade civil que não está inserida dentro deste movimento permanece calada, o que
não significa, necessariamente, que não tem demandas e problemáticas a serem
repassadas ao Estado. Esta transformação de conceitos resulta na perversidade analisada
acima, onde os interlocutores da sociedade civil são as ONGs vistas como parceiros
confiáveis do Estado, mas que não são necessariamente representantes da diversidade
cultural da população. Isto cria agências que se responsabilizam perante o Estado, mas
deixam a desejar na accountability com a própria sociedade civil. Afinal, a questão em jogo
é saber quão representativas são estas entidades da realidade cotidiana da sociedade em
geral. Dagnino (2004) adverte que esta descaracterização da representatividade não é
inocente e serve a propósitos específicos de captura do poder repassado a sociedade pelo
Estado através da Constituição de 88. Com isso, o acesso direto ao Estado é bloqueado, e
não mais facilitado, seja por ONGs, seja pelos conselhos em questão.
2.4. Conselhos de Políticas Públicas
A partir da contribuição destes autores no traço das vias da democracia participativa, é
possível discutir com maior especificidade a questão dos conselhos de políticas públicas
no Brasil.
26 Revisão bibliográfica
Os conselhos vieram para suprir a carência de instituições de diálogo entre o governo
e a sociedade após a abertura democrática. São instrumentos empoderados para repassar
demandas aos responsáveis e negociar condições diretamente e sem interrupções, receber
informações do governo e continuar com esta dinâmica de forma contínua. Por quebrarem
um paradigma antigo brasileiro do distanciamento entre as duas esferas, seu
funcionamento pode, muitas vezes, ter falhas pela resistência dos tradicionais donos do
poder – os políticos eleitos, a burocracia, os legisladores. Os conselhos participativos no
Brasil existem para complementar a ação da democracia representativa, aumentando a
sensibilidade dos governantes às reais necessidades da sociedade. Esta coexistência se
reflete na paridade entre membros da sociedade e membros do governo na composição de
sua estrutura, para garantir um dialogo entre as duas forças legítimas. Os conselhos
podem ser consultivos (a população opina sobre as decisões do governo, que decide sobre
o futuro de tal ação) ou deliberativos (a população tem poder de voto direto sobre as
atitudes que serão tomadas pelo governo). Através do seu contato intimo com o poder
público, tem a capacidade de monitorá-lo e repassar ao resto da população o que está
sendo feito ou não. Assim, são uma forma de resolver o problema da assimetria de
informações na hora do voto.
Avritzer (2007) mostra que existem, atualmente, cerca de 28 mil conselhos de
políticas públicas no Brasil (IBGE, 2001). São conselhos setoriais provenientes do debate
constituinte de 88, e que se tornaram ferramentas para a área de saúde, assistência social,
educação, turismo, cultura, meio ambiente, entre outros. Os conselhos são constituídos de
representantes da sociedade civil e do governo. Segundo o autor, “o papel dos
participantes no conselho é deliberar, juntamente com o poder público, [...], exercer
controle direto e regular as ações do governo” (AVRITZER, 2007: 24). Os conselhos, por
sua legalidade e extensa rede de cobertura, tornaram-se um dos principais instrumentos
de transmissão de demandas para o governo, diretamente pela sociedade. É uma tentativa
de reversão de prioridades através do poder de deliberar entregue à população. Apesar
deste avanço democrático, Avritzer (2007) explana que não se pode considerar de olhos
vendados a relação entre a institucionalização dos conselhos e uma melhora efetiva nas
condições de vida da população. Ainda existem discussões sobre a pressão real que os
conselhos são capazes de exercer na definição da agenda, e se os conselhos realmente
promovem o acesso geral da sociedade à discussão deliberativa. Além disso, não existe
uma relação demarcada entre participação e redução da pobreza, sendo o primeiro capaz
de modificar o segundo.
A relação entre conselhos e democracia participativa é explicitada por Tatagiba
(2005). Segundo ela, a alocação dos recursos de forma eficiente depende da participação
27 Revisão bibliográfica
da sociedade como ator deliberativo desta questão. A autora constatou, no entanto,
segundo pesquisa de campo, que existe uma tendência clara de elitização dos conselheiros,
onde grande maioria está ligada profissionalmente ao setor público. Os conselheiros
direcionam-se estrategicamente para as áreas onde sabem que suas demandas serão
ouvidas e entram na disputa por elas, ainda mais quando articulados com outros
instrumentos de pressão, por exemplo, ao Legislativo. Tatagiba (2005) constata que os
conselheiros da sociedade civil apresentam dificuldades em compactar os interesses de
uma sociedade plural em um espaço aberto, mas restrito, além de lutarem contra a
resistência do Estado em abrir mão de poder de deliberação. Inclusive, são as atores
governamentais quem ditam os interesses temáticos, mantendo a centralidade no Estado e
mantendo os conselheiros da sociedade civil como consultivos, como uma maneira de
legitimar suas próprias proposições. A autora ressalta que praticamente não existe debate
entre os dois setores do conselho e que as decisões são tomadas por consenso. Tatagiba
(2005) acredita que, apesar dos conselhos representarem um grande avanço para a
abertura à participação da sociedade, hoje seu poder está mais centrado no controle social
do que na proposição de políticas.
Coelho (2004) considera que o poder delegado aos conselhos, de reversão de falhas
distributivas, depende exatamente da capacidade de legitimação destes frente a população
que representam e frente ao Estado. Contudo, essa legitimidade enfrenta dificuldade
quando confronta a herança brasileira de autoridade suprema do Estado. Assim, os
conselhos dependem também dos fatores culturais que o envolvem para serem
caracterizados como agentes de modificação. Coelho (2004) também cita a elitização dos
conselhos quando faltam recursos aos mais carentes para articular suas demandas, num
processo de alimentação perpétua das desigualdades. Ou seja, a legalidade não é a única
condição para que os conselhos sejam uma forma válida de representação democrática.
Os conselheiros do conselho de saúde de São Paulo, objeto de estudo de Coelho (2004),
são representantes de associações da sociedade civil. Contudo, não existe uma averiguação
da real representatividade destas associações, para constatar se todos os interesses dos
cidadãos estão colocados no conselho. As eleições são divulgadas somente entre a rede de
contato dos gestores e dos movimentos sociais já conhecidos, o que restringe a
possibilidade de eleição de novos grupos. Coelho (2004) caracteriza estes representantes
como os “excluídos organizados” que se tornam novos incluídos, num processo de
aparente falta de legitimidade frente ao resto da sociedade que não tem como se
organizar. Ela acredita que o espaço reservado aos conselhos ainda não é suficiente para
fazer serem ouvidas as necessidades da sociedade, já que muitas vezes sua participação é
fadada a processos meramente consultivos.
28 Contextualização
3. Contextualização
Este capítulo serve de base para o estudo de caso, ao trazes diversos pontos
relacionados com o afastamento e aproximação do Estado com a sociedade, bem como as
conseqüências destes movimentos para as noções de representação e participação
construídas historicamente no país. Para tanto, serão considerados desde os processos de
colonização, o coronelismo, os governos populistas, a ação de associações da sociedade
civil durante a ditadura, entre outros marcos que podem elucidar características
encontradas hoje nos conselhos de políticas públicas e, especialmente, nos conselhos
municipais de educação.
Além deste panorama histórico, serão apresentadas também, nesta seção, as
características do objeto de estudo – o Conselho Municipal de Educação de São Bernardo
do Campo.
3.1. Formação do Estado patrimonialista brasileiro: relações com a percepção
de representação
Segundo Ferreira (1993), a evidente fragilidade através da qual se desenvolve a
cultura política no Brasil é resultado direto do processo de colonização implementado pela
metrópole, assim como da formação de um governo elitista destacado da sociedade
comum. Faoro (1925) descreve a influência da formação da burocracia brasileira, reflexo
da portuguesa, como principal razão do estabelecimento de um sistema patrimonialista no
Estado brasileiro, onde os cargos públicos não são exercidos em nome do bem-estar social,
mas na expectativa de benefícios privados. A imagem que se forma do Estado não é a do
povo soberano, e sim do Estado-pai, o Estado-coronel, distante e apático às necessidades
populares. Esta imagem é alimentada por uma burocracia tecnocrática, presente até hoje
no cotidiano do cidadão que busca, muitas vezes sem sucesso, resolver seus problemas por
vias governamentais. Os séculos de exploração escravista, que delineiam um sistema
senhorial, é outro fator histórico que distancia os governados dos capazes de governar.
A partir deste ideário que, já de início, frustra a construção de uma sociedade
democrática e cidadã, o representante se torna o líder que é herói, e não o que faz parte do
coletivo (FERREIRA, 1993). Não se busca representação, e sim proteção de alguém maior,
mais forte, capaz de defender a sociedade por ser mais, e não por ser igual. Este paradigma
fica claro na formação do governo Vargas (1930 – 1945), um Estado populista, baseado na
idéia do governo protetor, “pai dos pobres”, como se as políticas de garantia de direitos
29 Contextualização
fundamentais fossem um favor à população. Por diversos motivos, apesar da consolidação
dos direitos trabalhistas, o período Vargas foi avesso ao contato com a população, de
forma a empoderá-la. O populismo do governante contribuiu para o distanciamento do
governo e sociedade também pelo excesso de centralização no nível federal, anulando as
oportunidades da população em intervir localmente nas políticas que lhes afetam
(MIRANDA, 2006), já que o planejamento e agendamento das políticas não são
distribuídas pelo país, de forma a permitir a participação popular. Além disso, é
importante ressaltar o grandioso processo de burocratização do Estado, representado de
forma máxima pelo Departamento Administrativo de Serviço Público – DASP, também na
era Vargas. O DASP era o órgão responsável pelo controle da ditadura Vargas, aliando
centralização e burocratização elitista (as decisões ficam nas mãos da tecnocracia), dois
dos piores inimigos do diálogo para a sociedade (MIRANDA, 2006). O controle que Vargas
exercia sobre os sindicatos ajudou a enfraquecer e desorganizar a atuação dos
trabalhadores (MIRANDA, 2006), outro mecanismo que cortou vias de acesso da sociedade
ao governo.
A cidadania não é ativa, não busca e pressiona por seus direitos, mas os recebe como
presente. A dependência dá espaço para o ressentimento, que bloqueia uma ação de
resposta, por ser gêmea do sentimento de impotência (FERREIRA, 1993). Esta impotência
em se ver como agente formador do Estado transforma a sociedade em cúmplice dos
caminhos não-institucionais para resolução de seus problemas. O universalismo de
procedimentos, que deveria pautar a burocracia, é substituído pela pessoalidade velada,
que privilegia os pequenos grupos que tem meios de barganhar com o governo.
Se por um lado existe o descontentamento, por outro existe o atrelamento, como na
figura dos coronéis dos senhores de engenho. O coronelismo, movimento anterior a
Vargas, típico da Primeira República (1889 – 1930), é posto por Fausto (1930) como
variante do atual clientelismo, onde o poder estava concentrado localmente nas mãos dos
grandes proprietários rurais, e surge da incapacidade do Estado em prestar assistência a
todos os indivíduos (FAUSTO, 1930). A submissão surge da necessidade de sobrevivência,
já que não se pode contar com o Estado como promotor de uma sociedade que lhe ampare
por sua condição humana. Na figura do coronel isto se evidencia – a personificação do
herói que, por sua força, é acreditado. É uma relação de dominação num véu de
cumplicidade (FERREIRA, 1993), que novamente frustra a expectativa de construção de
uma representatividade genuína. Contudo, conforme explica a autora, se de um lado o
coronel é o dominador, ele também é dominado pelo poder central. A rede de conivência
vai desde a comunidade local até os altos círculos de poder, impedindo, do mesmo modo,
uma reforma que venha de cima.
30 Contextualização
Organizado tradicionalmente em currais de poder, a cidadania no Brasil se constituiu
num fenômeno onde o poder decisório nunca está nas mãos dos que necessitam dele. É
preciso ter sempre uma moeda de troca para que os direitos sejam efetivados. O
clientelismo substitui o coronelismo (FERREIRA, 1993), privatizando o que é público,
sendo acessível a pequenos grupos que não refletem/representam de forma igualitária a
sociedade brasileira. O político clientelista continua como o herói que consegue, em troca
da reeleição, trazer os direitos como benefícios para parcelas da sociedade, minando o
universalismo de procedimentos. Dessa forma, a democracia nunca é efetivada
(FERREIRA, 1993), já que o clientelismo pressupõe uma hierarquização entre cidadãos. O
“jeitinho brasileiro” (DAMATTA, 1979), instituição do país, é o modo encontrado para
sobreviver aquém de um Estado inclusivo.
Lamounier (2005) coloca que “o alvo por excelência da descrença nacional sempre
foram os mecanismos de representação política: eleições, partidos e legislativo”
(LAMOUNIER, 2005:15). Carvalho (2004) completa que a relação do povo com o governo é
de “distância, suspeita, quando não de aberto antagonismo” (CARVALHO, 2004:83). Ainda
segundo Ferreira (1993), a ineficiência de nossa democracia representativa se ampara
justamente na personalização de acesso, onde uns tem mais potencialidade de acesso ao
Estado do que outros. A construção de uma democracia participativa, neste cenário,
precisa ser pensada para desvirtuar este paradigma, e não ser conformada como uma
extensão deste. É necessário quebrar a lógica do quem me governa, me governa por não
ser igual a mim, por ser substância central da gestão participativa a auto-administração.
Este processo tem início no fim da década de 80, quando se dá início ao processo
constituinte, produtor da Constituição em voga atualmente. A partir deste marco,
reprocessou-se a democracia enquanto instância que deve ser resguardada, onde abrir
mão desta está fora de questão. Lamounier (2005) considera que se pode falar de uma
“decolagem democrática” já que o jogo eleitoral é regularizado, com a incerteza sobre o
resultado final e a pacificação dos enfrentamentos (LAMOUNIER, 2005).
3.2. Abertura Política para participação no Brasil
Falar sobre participação da sociedade civil no governo, no contexto brasileiro, é falar
sobre uma redefinição da dialética entre Estado e população. Tradicionalmente, o Brasil
apresentou-se apático às movimentações da sociedade, caracterizando-se como um poder
patrimonialista e clientelista, avesso às pressões de baixo e respondendo sempre aos
interesses privados de grupos que concentravam os estoques de capitais, desde as
tradicionais elites agrícolas até os industriais. Neste cenário, apelar para a voz direta da
31 Contextualização
comunidade seria considerado uma afronta direta aos negócios habituais dos quais tratava
o Estado. A própria falta de um sufrágio universal, que, apesar de estabelecido na
república de 1894, era proibido a mendigos, analfabetos, religiosos de ordens monásticas
e mulheres, excluindo mais da metade da população (COSTA, 1999) é um dos fortes
indícios de quais vozes eram ouvidas na decisão dos rumos da política brasileira. Além
disso, o voto não era secreto e, portanto, passível de manipulação (COSTA, 1999), e
também censitário, ou seja, a renda era fator determinante para exercício da cidadania
(FAUSTO, 1930).
A possibilidade de intervir no agendamento e formulação das ações governamentais
surgiu com a onda de organização dos movimentos sociais e da sociedade civil nos anos
80, cuja consolidação veio na Constituição de 88, a “Carta democrática”. O próprio
processo de elaboração da nova carta, aberto a uma comunidade acostumada com o
distanciamento governamental próprio da ditadura militar, já mostrava o tom
participativo que a mesma viria a ter. Bartholo et al. (2003) ressaltam que a constituinte se
deu em torno do movimento de garantia da ampliação de direitos, começando na saúde e
na assistência social para alcançar então os demais setores, como a educação. A criação de
fóruns de discussão entre a população forçou uma perda de poder da burocracia
centralizada e autoritária (BARTHOLO et al., 2003). A nova Constituição também trouxe
um novo modelo federalista, onde os municípios são entes federados. Esta composição
contribuiu para uma descentralização de políticas públicas para que se aproximassem, de
fato, dos indivíduos que são atingidos por elas (BARTHOLO et al., 2003).
Através da CF/88, o brasileiro reconquistou, além do direito de eleger e ser eleito, a
possibilidade de influenciar diretamente no governo, como discorre o artigo 14:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: ... III - iniciativa popular.
A partir deste momento, houve a abertura institucional e política para a participação
da sociedade civil. Esta foi a coroação de uma movimentação da população que se
organizava para reivindicar seus direitos ainda dentro do regime militar. Este processo foi
ainda impulsionado por uma indução externa, que, através das agências internacionais
(como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional), colocava no centro da reforma
política a descentralização do poder e a busca por uma gestão mais eficiente (LEITE,
PERES e IGLECIAS, 2009). A confluência entre as temáticas da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948), e da CF/88 deixam este movimento claro através de seus
artigos XXI e 1º, respectivamente:
32 Contextualização
Art. XXI. I - Todo homem tem o direito a tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. (grifo nosso) (ONU, 1948) Art. 1º. [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso) (BRASIL, 1988)
Ou seja, para exercer plenamente seus direito políticos, a população conta com a
oportunidade de ser agente de mudança, sem necessidade de esperar uma abertura do
governo para opinar. Já o artigo 29, em seus incisos XII e XIII sobre o planejamento
municipal, também dá abertura à participação popular:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: ... XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal; XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado;
A Constituição também dedica um espaço à opinião popular em setores específicos, como na saúde:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: ... III - participação da comunidade.
E na assistência social: Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: ... II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Antes da nova Constituição, o único meio legal de participação direta no governo pela
sociedade civil era através de júris populares, numa iniciativa do Judiciário (BARTHOLO et
al., 2003). Fica claro, através destes artigos, que a sociedade conta com mecanismos legais
33 Contextualização
de participação, principalmente nos dos setores citados acima. Não são claras quanto a
maneira de implementação desta participação, mas a proposição de controles pela
população já é a exemplificação do que se entende por soberania popular.
Assim, as organizações da sociedade civil, que se apresentavam contrárias a ação do
governo tradicionalmente devido à ditadura, passaram a dialogar com este numa nova
instância democrática. Este novo contexto deu origem a multiplicação de organizações da
sociedade que passaram a atuar no governo. Neste ponto, é importante ressaltar que a
esfera da sociedade civil não está mais inserida somente na lógica tradicional das relações
do trabalho, relacionando os direitos civis com os direitos trabalhistas. Amplia-se a gama
de reivindicações populares e os campos de atuação das organizações da sociedade, onde
o corporativismo e o sindicalismo dão lugar a novos caminhos de diálogo entre Estado e
população (LYRA, 2000). Este movimento é representativo da proposta habermasiana de
sociedade civil como o coletivo de sujeitos que se organizam em torno de novas demandas
e questões sociais, geralmente daqueles tradicionalmente excluídos da agenda
governamental (LÜCHMANN, 2007). Contudo, o valor das organizações da sociedade civil
é superestimado (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006b), vistas como a
encarnação do bem, principalmente quando em contraste com o autoritarismo
governamental, o pólo maligno (LÜCHMANN, 2007). O diálogo entre as duas instâncias,
governo e sociedade civil organizada, traz para a realidade a capacidade de representação
destas organizações.
Este fenômeno foi embarcado na reforma gerencial brasileira de 1995, proposta por
Bresser-Pereira (BRESSER-PEREIRA, 2008). O novo modelo se propunha a responder uma
problemática referente ao tamanho do Estado, que passava por uma crise de legitimidade
como provedor único de serviços essenciais. A reforma incluiu o terceiro setor como um
dos braços do aparato estatal, responsável primeiramente pelas atividades de controle
social e defesa dos interesses públicos. O Estado guarda para si funções de cunho
estratégico e de planejamento, repassa a agências autônomas a implementação de
atividades exclusivas, enquanto a oferta de serviços sociais e o monitoramento agora são
das organizações sociais e das instituições filantrópicas. Este novo paradigma sobre a
estruturação das funções estatais é conhecido como publicização, ou seja, quando o Estado
passa à sociedade organizada a prestação de serviços relacionados aos direitos básicos
garantidos constitucionalmente. O objetivo era legitimar as ações estatais a partir da
apropriação pela sociedade das mesmas. Esta mudança confere com a nova proposta
constitucional de inclusão da sociedade no processo governamental (BRESSER-PEREIRA,
2008).
34 Contextualização
Estes dois marcos deram inicio a uma verdadeira corrida das organizações da
sociedade pelos recursos governamentais. Lyra (2000) e Bartholo et al. (2003) ainda citam
a importância do Plano Nacional dos Direitos Humanos, em 1996, quando ONGs de defesa
dos direitos humanos passaram a ser realmente parceiras do governo em todos os níveis
de governo, no objetivo de cumprir as metas do Programa.
A sociedade ganhou aliados, representados por eles mesmos, capazes de reverter a
ótica patrimonialista tradicional do governo brasileiro. Esta reestruturação não fica
circunscrita às organizações prestadoras de serviços, mas passa a abarcar entidades
fiscalizadoras, de defesa dos direitos civis, processos de consulta popular para o plano
diretor, e também os conselhos em questão. Contudo, a confluência entre sociedade civil
organizada e sociedade como um todo não funciona como transição natural apesar de ser
um pressuposto comum (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006b). Como os
novos processos de representação que surgem com a ampliação democrática não estão
sujeitos as mesmas regras da democracia representativa pura, é necessário questionar
quão realmente democráticas são estas instituições (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e
CASTELLO, 2006b).
3.3. Conselhos na realidade da gestão participativa brasileira
A idéia da implantação de conselhos como uma prática participativa surgiu,
obviamente, a partir da discussão constituinte de 88, que instituiu a participação como
condição básica para a gestão das cidades. O conselho foi o modelo administrativo
encontrado para garantir esta inclusão no governo e tornar prática a participação prevista
constitucionalmente. A pressão das organizações civis pela institucionalização de seus
canais de comunicação fez que com o modelo conselhista, seja ele deliberativo, consultivo,
normativo ou fiscalizador, fosse adotado em massa pelos municípios que concordaram
com a descentralização do poder. Como não existe um aparato legal que exija a criação dos
conselhos municipais (exceto para os diretamente relacionados com o repasse de verbas,
como o Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de valorização do Magistério -
CONDEB, que fiscaliza o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de valorização do Magistério - FUNDEF, por exemplo), é optativo aos governos locais
implementá-los em suas gestões. Contudo, é necessário estabelecer uma forma legitima de
participação, garantida na constituição, e a possibilidade de um local onde ocorre um
debate entre governo e representantes da sociedade, sem necessidade de estrutura
35 Contextualização
própria ou remuneração de cargos, é atrativa e viável mesmo nas menores cidades.
Bartholo et. al (2003) descreve:
Em geral, cabem aos conselhos gestores nacionais de políticas sociais
definir as políticas públicas nacionais, atuando na formulação e
elaboração de diretrizes gerais e na definição dos programas federais
prioritários. A partir desta orientação geral, cabem aos conselhos
estaduais e municipais, juntamente com as secretarias executivas
estaduais e municipais, programar, aperfeiçoar e executar os serviços
sociais localmente, além de controlar e fiscalizar o uso e aplicação de
recursos que são transferidos dos Fundos Nacionais para os Fundos
Estaduais e Municipais. (BARTHOLO ET. AL, 2003: 07)
Os conselhos se caracterizam, então, como órgãos públicos colegiados, diretamente
subordinados ao Poder Executivo, e vinculados à Secretaria que lhes diz respeito. Assim,
não tem poder para influenciar em ações e decisões do Poder Legislativo ou Judiciário.
Como citado, os conselhos podem exercer diferentes funções. A função consultiva é
realizada quando o conselho funciona como uma assessoria do poder Executivo. A função
deliberativa se caracteriza quando o conselho tem poder que suas decisões sejam de fato
implementadas em suas área de interesse. Os conselhos normativos são responsáveis por
ditar regras e normas para a aplicação de políticas. Já os conselhos com função
fiscalizadora são responsáveis por observar quais são as ações tomadas pelo governo e
verificar se estão de acordo com as demandas da população.
A composição do conselho obedece a lógica de tanto trazer ao debate os
representantes de setores excluídos quanto os próprios excluídos (LÜCHMANN, 2007).
Assim, sua legitimidade está consolidada na suposição de que estes representantes e
participantes são a essência e o foco das questões tratadas no âmbito conselhista. Esta
representação está intimamente relacionada com o papel das organizações sociais, já que
são estas que geralmente vem ao debate nos conselhos. Assim, a representação nos
conselhos é vinculada (BARTHOLO et al., 2003) a alguma característica inerte ao
representante que o torne capaz de falar em nome dos beneficiários das políticas em
questão, como o pertencimento a algum grupo ou organização, como sindicatos,
organizações não-governamentais, entre outros. Os conselhos geralmente são bipartites,
com representantes da população e do governo. Se os representantes estão em mesmo
número nos dois grupos, o conselho é considerado paritário.
Os primeiros conselhos municipais implementados foram na área de saúde, a partir
de 1991, quando o SUS institui a participação como condição básica para seu
funcionamento (CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR, 2005). Contudo,
36 Contextualização
diversos movimentos conselhistas já tinham surgido anteriormente, a partir da década de
70, período de implementação do CMEDSBC. A partir dos anos 90, diversos outros
conselhos passaram a fazer parte das estruturas municipais de acordo com o modelo atual,
abrangendo as áreas tradicionais de saúde, educação, política urbana, habitação, cultura e
lazer, e também novas proposituras como conselhos da juventude, do meio-ambiente,
esporte, direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, direitos da mulher,
igualdade racial, idosos, pessoas com deficiência e direitos dos LGBTs. Foi a partir da
década de 90, com o florescimento desta nova estrutura, que muitos dos fundos passaram
a ser vinculados à fiscalização de conselhos, como no caso do FUNDEB, o que seria capaz
de explicar um aumento significativo no número destes aparelhos em todo o Brasil
(PRESOTO e WESTPHAL, 2005).
O Brasil tem, hoje, 27776 conselhos setoriais distribuídos em 5565 municípios (IBGE,
2009), nas diversas áreas citadas acima. Destes, 3778 estão no estado de São Paulo. Ou
seja, em âmbito nacional, existem cerca de 5 conselhos para cada município, enquanto
existem 5,85 conselhos para cada um dos 645 municípios do estado de São Paulo. Dos
municípios de São Paulo, 630 (ou seja, 97,6%) tem conselhos de educação (IBGE, 2009).
Destes, 550 tem composição paritária, e 597 realizaram reuniões nos últimos 12 meses
(IBGE, 2009). São números que refletem a popularidade e disseminação da estrutura
conselhista pelo país. Como temos o conselho municipal de educação como objeto de
estudo, será tratado agora da específica trajetória deste órgão setorial.
3.3.1. Conselhos Municipais de Educação brasileiros: histórico e atualidade
Os conselhos de educação, ao contrário dos outros setores, têm uma origem que
remonta os primórdios brasileiros. Segundo o Ministério da Educação (BORDIGNON,
2008), o histórico dos conselhos de educação pode começar ainda no Império, quando
surgiram as primeiras propostas de criação de um conselho, em nível nacional, de
acompanhamento das políticas educacionais. Contudo, somente em 1911 foi criado o
Conselho Superior de Ensino, órgão este que, após sucessivas mudanças de denominação,
ainda funciona, agora sob o nome de Conselho Nacional de Educação. Os conselhos
estaduais, moldados com base no Conselho Nacional, surgiram a partir dos anos 60, com
base na primeira LDB, de 1961.
Já o primeiro conselho municipal de educação nasceu no Rio de Janeiro, em 1854, sob
o nome de Conselho Director, referente aos assuntos da Corte. Em 1936, foi a vez do
município de Candelária, no Rio Grande do Sul, implantar um conselho consultivo.
37 Contextualização
Contudo, o movimento de criação de conselhos só foi intensificado a partir dos anos 70 –
momento de criação do CMED de São Bernardo do Campo, com a LDB de 713, que permitiu
aos conselhos estaduais repassar algumas de suas atribuições para os conselhos
municipais. Obviamente que a Constituição de 88, assim como para todos os conselhos
municipais, foi um marco que estabelece e os legitima legalmente. O Ministério da
Educação considera que a principal conquista dos conselhos em 88 foi a posição de
normatizador, em detrimento do mero papel consultivo até então. (BORDIGNON, 2008).
Neste sentido, o artigo 206 da CF/88 deixa explícito, em seu inciso VI, que a gestão
democrática do ensino é princípio básico da educação em nível nacional.
É importante visualizar também a articulação da criação dos conselhos com a
existência de sistemas e planos de educação municipais. Quanto maior o arcabouço
institucional para tornar a educação uma política planejada (através da elaboração dos
sistemas), mais valor é dado para a presença dos conselhos em suas cidades. Os sistemas
municipais de educação supõem que exista um conhecimento prévio das necessidades
educacionais dos municípios, que pode ser revelado ao governo através das informações
do conselho. O sistema de educação necessita, de igual forma, de um empoderamento da
instância municipal, para que ela mesma seja norteadora dos seus propósitos
educacionais. O gráfico a seguir ilustra como o movimento conselhista acompanha
mutuamente a composição de sistemas e planos de educação municipais.
Figura 1 – Municípios brasileiros com atos legais que criem o Conselho Municipal de Educação, o
Sistema ME e o Plano ME (BORDIGNON, 2008)
Este movimento está diretamente ligado ao funcionamento do conselho, como auxiliar
da expressão de poder local da cidade. Somente na esfera local é possível que os cidadãos
sejam capazes de exercer, de forma efetiva, eficaz e diretamente, influência nas políticas
públicas. Gadotti (1999) reforça que empoderar o local não é necessariamente fortalecer
3 Lei federal nº 5.692/71
38 Contextualização
as políticas locais, e sim dar oportunidades para que a sociedade se expresse diretamente
em seu governo, no que Gramsci (BOBBIO, 1982) chamou de sociedade auto-regulada.
Outros dados relevantes são apresentados pelo Ministério da Educação (BORDIGNON,
2008). Dos conselhos cadastrados em 2007, 84% funcionavam regularmente, sendo o
maior índice (93%) na região sudeste. Nos 16% de municípios onde o conselho não
funciona, 11% acusam a falta de capacitação como principal fator para esta situação,
seguido por falta de interesse em 9% dos municípios. A maioria dos conselhos em
funcionamento tem, como função básica, a consultiva (74%), o que demonstra que o
empoderamento ainda não é completo na maioria das cidades. As principais ações dos
conselhos de educação são propor diretrizes e emitir pareceres.
A maior parte dos conselhos de educação brasileiros é composta por nove vagas, mas
este número varia desde 1 até 35 conselheiros. 72% dos conselhos em funcionamento têm
vagas reservadas aos pais de alunos, enquanto os representantes do governo ocupam, em
média, 1 ou 2 vagas, gerando um resultado de 23% das vagas ocupadas em relação a todos
os conselhos brasileiros. Praticamente quatro vagas por conselho são reservadas aos
representantes de entidades não governamentais (BORDIGNON, 2008).
Região Total de
vagas para
conselheiros
Representantes
Pais Executivo Escolas
Privadas
Escolas
Públicas
Judiciário Legislativo ONGs Total
Centro-Oeste 100% 15% 22% 6% 34% 1% 8% 14% 100%
Nordeste 100% 13% 26% 7% 27% 1% 7% 19% 100%
Norte 100% 15% 27% 5% 26% 2% 5% 20% 100%
Sudeste 100% 15% 21% 6% 37% 1% 5% 14% 100%
Sul 100% 15% 23% 6% 38% 1% 3% 14% 100%
Resultados no
Brasil
100% 14% 23% 6% 34% 1% 5% 16% 100%
Tabela 1 – Porcentagem de representantes por categoria e por região nos Conselhos Municipais de
Educação brasileiros, em relação ao total de vagas (BORDIGNON, 2008)
Ainda segundo Bordignon (2008), no que diz respeito à forma de escolha dos
representantes, 43% dos conselheiros são indicações das categorias que representam,
enquanto 33% foram eleitos pelos mesmos. O restante são indicações diretas dos prefeitos
(6%) ou configuram outras formas de eleição não detalhadas. Mais da metade dos
conselheiros (55%) tem um mandato com duração de dois anos, contudo, em 79% dos
conselhos é permitida a recondução dos mandatos (60% dos conselhos permitem apenas
uma recondução). Os aspectos eleitorais e de composição são de importância fundamental
por serem a legitima expressão da população no conselho. Através destes dados, é possível
39 Contextualização
verificar o quanto da sociedade consegue entrar em contato com o governo através de
seus mecanismos legais de participação.
3.4. Objeto de estudo
3.4.1. A realidade de São Bernardo do Campo: a cidade e seu aparato
educacional
São Bernardo do Campo é um município urbano do estado de São Paulo que concentra
cerca de 811 mil habitantes em 406 quilômetros quadrados (IBGE, 2010). Seu
desenvolvimento remonta a época em que se tornou a principal via de acesso da capital a
Santos, através da linha férrea instalada na cidade, ainda em 1867. Contudo, a
industrialização tomou força com a vinda das grandes montadoras automobilísticas nos
anos 50, o que faz da cidade, até hoje, ser reconhecida como pólo de produção deste setor.
Por esta razão, a cidade de São Bernardo do Campo também é considerada berço dos
movimentos sindicais, representantes dos trabalhadores da indústria em questão. Assim, a
luta por direitos e pressão da sociedade civil sempre foi temática própria da região. A
cidade é atualmente governada por Luiz Marinho, do Partido dos Trabalhadores – PT, mas
nos oito anos anteriores esteve sob controle do Partido Socialista Brasileiro – PSB, tendo
William Dib como prefeito.
O PIB de São Bernardo do Campo é de aproximadamente 25 milhões de reais (IBGE,
2007), sendo que quase metade deste valor está centrado na indústria, e a outra metade
na prestação de serviços. O PIB per capita é de 32,677 mil reais (IBGE, 2007).
A pirâmide etária do município concentra cerca de 16% de sua população na faixa dos
4 aos 24 anos (IBGE, 2010), correspondente à fase de maturação escolar, do ensino básico
ao superior (abrangendo as instâncias representadas no conselho municipal de educação).
Especificamente em relação à educação, a tabela a seguir apresenta os dados
referentes ao setor no município.
Estabelecimentos de
ensino
Docentes Matrículas
Pré-escola 150 1206 26445
Ensino Fundamental 186 4920 111671
Ensino Médio 91 2218 36680
Total 427 8344 174796
Tabela 2 – Dados referentes à educação em São Bernardo do Campo (IBGE, 2008)
40 Contextualização
São Bernardo do Campo também conta com o maior número de universidades da região do grande ABC, com quatorze instituições, dentre as quais um campus da Universidade Federal do ABC – UFABC.
3.4.2. O Conselho municipal de Educação
O Conselho municipal de Educação de São Bernardo do Campo foi criado em 1976 pela
lei municipal nº 2.240, que consolida a reforma administrativa do município. Seu artigo 2º
diz que
Art. 2º A ação administrativa, sempre a serviço do bem comum e dentro do quadro prescrito pela legislação federal, estadual e municipal, obedecerá, permanentemente, aos seguintes princípios fundamentais: I - planejamento; II - coordenação; III - descentralização; IV - delegação de competência; V - controle.
Assim, o conselho de educação surge em um momento de renovação da administração
pública da cidade, que visa criar um sistema de coordenação de políticas, fazendo com que
as mesmas sejam planejadas de forma a garantir a eficiência e eficácia das mesmas.
Todos os itens apontados pelo artigo citado são contemplados na formação de
conselhos de assistência ao poder público. Assim, no artigo nº 129, o Conselho é
apresentado:
Art. 129. Integram a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes os seguintes órgãos de deliberação coletiva: I - Grupo de Planejamento Setorial - GPS-SE; II - Conselho Municipal de Educação - CMED; III - Conselho Municipal de Cultura - CMC; IV - Conselho Municipal de Esportes - CME.
Ressalta-se o fato do conselho ser criado como um órgão de deliberação coletiva, com
o propósito de ser um espaço de expressão popular, mas ainda não define claramente qual
é a função do mesmo dentro da estrutura da Secretaria. Este artigo encontra-se
atualmente em sua sexta versão, dada pela lei municipal nº 5.649, de 15.03.07, que
reestrutura a Secretaria da Educação e Cultura. Através desta lei, o Conselho Municipal de
Educação ganhou novos companheiros de trabalho que também atuam neste setor:
Art. 129. Integram a Secretaria de Educação e Cultura os seguintes órgãos de deliberação coletiva: I - Grupo de Planejamento Setorial - GPS-SEC; II - Conselho Municipal de Educação - CMED; III - Conselho Municipal de Cultura - CMC;
41 Contextualização
IV - Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural - COMPAHC; V - Conselho Municipal de Alimentação Escolar - CMAE, e VI - Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - COMDEB.
Além do Conselho de Educação, o município conta também com o CMAE e o COMDEB,
para fiscalização do FUNDEB.
Se em sua lei de criação, as funções do conselho não foram determinadas claramente,
a Lei Orgânica do Município (datada de 1990) define que:
Art. 181. O Conselho Municipal de Educação é o órgão normativo, consultivo e deliberativo do sistema de ensino no Município, com as suas atribuições, organização e composição definidas em lei. Parágrafo único. Fica assegurada a participação no conselho de que trata este artigo de especialistas em educação, professores, pais e alunos, indicados pela respectiva associação.
O CMED tem em si, então, diferentes funções relativas à sua área de atuação. Este
acúmulo de deveres, apesar de representarem uma vitória para a sociedade, também pode
sobrecarregar o órgão, e torná-lo mais frágil frente ao Poder Executivo, que dominará as
decisões do conselho através dos representantes governamentais. A Lei Orgânica também
definiu a regra básica de composição, mas sem definir números. Assim, o conselho
continua autônomo para determinar estas especificidades.
Em 1995, o governo estadual editou a lei nº 9.143, que dispõe propriamente sobre os
Conselhos Municipais de Educação. O seu artigo 1º define que
§ 1º - As funções normativas e deliberativas, de competência do Conselho Estadual de Educação, só poderão ser exercidas pelos Conselhos Municipais mediante prévia delegação de competência, a partir de expressa solicitação de cada Conselho Municipal, respeitadas as diretrizes básicas da educação nacional e estadual. § 2º - O Conselho Estadual de Educação fixará os critérios e as condições para a delegação de competências referida no parágrafo anterior, bem como para o funcionamento dos Conselhos Municipais.
A partir daí, fica fixado que o CMED de São Bernardo do Campo tem um órgão
superior, que pode tirar determinadas atribuições de seu poder e também delegar as suas
próprias para ele.
Em 2003, um projeto de lei do executivo municipal se transformou na lei nº 5.189,
que fixou a organização do CMED como é hoje. O órgão continua com as funções
legitimadas pela Lei Orgânica de 1990, conforme explicito abaixo:
Art. 1º O Conselho Municipal de Educação é um órgão de caráter normativo, consultivo e deliberativo do Sistema de Ensino no Município.
42 Contextualização
Esta lei também definiu as competências do conselho em seu artigo 2º, a saber: I -
fixar diretrizes para a organização do Sistema Municipal de Ensino, ou para o conjunto das
escolas municipais, colaborando na formulação e elaboração do Plano Municipal de
Educação; II - zelar pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais e normativas
em matéria de educação; III - assistir e orientar o Poder Público na condução dos assuntos
educacionais do Município; IV - opinar sobre assuntos educacionais de natureza
pedagógica, quando solicitado pelo Poder Público; V - articular-se com os outros conselhos
estaduais e municipais de educação e outras organizações comunitárias visando a troca de
experiências, o aprimoramento da atuação do colegiado, bem como a possibilidade de
encaminhamento e propostas educacionais de cunho regional; VI - exercer por delegação,
competências próprias do Poder Público estadual em matéria educacional; VII - colaborar
com o Poder Público no exercício das atribuições, conferidas em lei, em matéria
educacional; VIII - propor normas para instalação e funcionamento de estabelecimentos
de ensino mantidos pela iniciativa privada que ofereçam educação infantil; IX -
pronunciar-se no tocante à instalação e o funcionamento de estabelecimentos de ensino de
todos os níveis, mantidos pelo Poder Público Municipal, e os de educação infantil mantidos
pela iniciativa privada; X - aprovar e acompanhar a execução dos convênios de ação inter-
administrativa que envolvam o Poder Público Municipal e as demais esferas do Poder
Público ou o setor privado, em matéria educacional; XI - propor critérios para o
funcionamento dos serviços escolares de apoio ao educando (merenda escolar, transporte
escolar e outros); XII - elaborar e alterar o seu regimento interno.
Através da análise destas competências, percebe-se uma tendência muito mais
consultiva do que deliberativa do conselho, através da repetição de verbos como “propor”,
“opinar” e “assistir”. Ou seja, apesar do que é enunciado no artigo 1º, o conselho tende a
ser um assessor dos conselheiros governamentais dentro do conselho.
A lei também define a composição do conselho, com 16 membros (artigo 3º): 5 (cinco)
representantes indicados pelo Chefe do Executivo Municipal, escolhidos entre pessoas
com experiência em matéria de educação; 2 (dois) representantes da Secretaria de
Educação e Cultura, indicados pelo Chefe do Executivo Municipal; 2 (dois) representantes
dos professores das escolas de educação básica da rede pública municipal de ensino,
escolhidos por seus pares; 1 (um) representante dos diretores das escolas de educação
básica da rede pública municipal de ensino, indicado por seus pares; 1 (um) representante
de pais de alunos das escolas de educação básica da rede pública municipal de ensino,
indicado pelas Associações de Pais e Mestres ou Conselhos de Escola; 1 (um)
representante de especialista em educação, indicado pelas escolas da rede privada de
ensino sediadas no Município; 1 (um) representante da Rede Estadual de Ensino, indicado
43 Contextualização
pela Diretoria de Ensino - Região São Bernardo do Campo; 1 (um) representante de
especialista em educação, indicado pelas instituições de ensino superior sediadas no
Município, e 2 (dois) representantes da sociedade civil, com experiência em matéria de
educação indicados pela Câmara Municipal.
O CMED tem mais membros do que a maioria dos conselhos brasileiros, e um sua
composição são sete conselheiros governamentais, e nove conselheiros da sociedades e
das entidades relacionadas ao ensino, numa composição quase paritária entre os dois
interesses. Também é claro o peso dado aos conselheiros representantes da rede pública,
apesar do grande número de escolas privadas na região.
Os conselheiros são eleitos por um período de 4 anos (artigo 3º), e podem reconduzir
o cargo por mais um período de igual duração. No entanto, o presidente e vice-presidente
do conselho tem seu mandato nestas determinadas funções por dois anos, com direito a
uma recondução no cargo (artigo 4º).
O artigo 6º caracteriza a relação de subordinação dos membros do conselho ao
Secretário da Educação:
Art. 6º O Secretário de Educação e Cultura poderá submeter ao Conselho Municipal de Educação projetos para deliberação sobre qualquer matéria da competência desse órgão, os quais, se assim for solicitado, deverão ser votados no prazo de até 40 (quarenta) dias, contados de seu recebimento no Conselho.
O Secretário tem poder de veto sobre qualquer ação do conselho (parágrafo 3º do
artigo 6º). O seu artigo 12 garante ainda dotação orçamentária especifica dedicada à
manutenção das atividades do conselho, apesar de nenhuma função ser remunerada.
Em maio de 2004 é aprovado o regimento interno do conselho através do decreto nº
14.764, que dispõe sobre os itens que constam em seu lei de reorganização.
A tabela a seguir faz uma consolidação dos aspectos tratados em nível geral (CME no
Brasil) e no caso específico de nosso objeto de estudo. As porcentagens foram calculadas
de acordo com o número de conselheiros total (em relação ao Brasil, média de 9,3
conselheiros; no caso do CMED de SBC, 16 conselheiros).
Conselhos Municipais de
Educação no Brasil (*)
Conselho Municipal de Educação de SBC
(**)
Funções Consultivo Normativo, consultivo e deliberativo Nº de conselheiros 9,3 (geralmente entre 7 e 12) 16
Nº de representantes do Poder Executivo
2,3 (25,5%) 7 (43,75%)
Nº de representantes dos
pais
1,6 (17,2%) 1 (6,25%)
Nº de representantes de
escolas públicas
3,3 (35,4%) 4 (25%)
Nº de representantes de
escolas privadas
1,4 (15%) 1 (6,25%)
Nº de representantes de
entidades não
governamentais
3,8 (40,8%) 2 (12,5%) (***)
44 Contextualização
Forma de escolha dos
representantes
Indicação pela entidade que representa
Indicação pela entidade que representa
Duração dos mandatos
dos conselheiros
2 anos (1 recondução) 4 anos (1 recondução)
Forma de escolha dos
presidentes
Escolhido pelos conselheiros Escolhido pelo prefeito
Tabela 3 – Comparação de aspectos dos conselhos municipais de educação brasileiros e do CMED de
SBC, em números absolutos e suas porcentagens
(*) Dados retirados do Perfil dos Conselhos de Educação Municipal 2007 (MEC, 2008). Os dados são médias ou a opção mais escolhida nas entrevistas, referentes aos conselhos municipais de educação brasileiros. (**) Segundo a lei municipal nº 5.189/2003 e o decreto nº 14.764/2004. (***) O CMED de SBC não disponibiliza vagas especialmente para representantes de entidades não governamentais, apesar de ter 2 vagas destinadas à representação da sociedade civil, que são as citadas na tabela.
3.4.3. Transição de poder em São Bernardo do Campo
O processo de transição de poder no município também é influenciadora da maneira
com que a população se relaciona com seus representantes. A partir do que é observado
pelos cidadãos durante as eleições e mudanças de poder, são formuladas suas concepções
de confiabilidade e identificação com seus representantes.
Em São Bernardo do Campo, a transição de poder nunca aconteceu de forma brusca.
Contudo, ao contrário de significar continuidade de políticas públicas, a falta de choque
entre gestões sempre foi sinônimo de falta de renovação. De 1952 até 2005 (totalizando
12 transições de poder), todos os eleitos para a prefeitura, assim como para vice-prefeitos,
são sempre os mesmos nomes, e raramente surge uma nova figura de poder que possa ser
alternativa. Lauro Gomes de Almeida, por exemplo, foi prefeito em 1952 e novamente em
1960. Hygino Baptista de Lima, vice de Lauro Gomes em 1960, elegeu-se prefeito no
mandato seguinte, em 1964 – tendo como vice o ex-prefeito Aldino Pinotti, que se elegeu
prefeito pela primeira vez em 1956 e se reelegeria prefeito em 1969. Antônio Tito Costa,
prefeito em 1977, é eleito vice de Walter José Demarchi em 1993. Demarchi, por sua vez,
foi vice de Aron Galante em 1983. Maurício Soares é prefeito pela primeira vez em 1989,
sendo eleito novamente em 1997 e cumpre seu terceiro mandato a partir de 2001. Seu
vice, em 2001, já era William Dib, que ocupou o cargo de prefeito nas eleições seguintes,
em 2003, sendo reeleito em 20054.
Assim, poucas figuras se revezam no poder. Segundo o ex-professor de Psicologia da
Universidade Metodista de São Paulo – UMESP e estudioso da política a região, Silvio Leite
da Silva, a falta de novas personalidades no comando da cidade, sempre dominado pelos
mesmos grupos, impede o cidadão comum de acreditar que possa ter a oportunidade de
4 As informações referentes aos mandatos são do Sumário de Dados 2009 de São Bernardo do Campo, publicado pela prefeitura de São Bernardo do Campo (2009).
45 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
definir as diretrizes de seu município. Mesmo com mudanças no poder, a população
desacredita que possam ser efetivas, por serem promovidas sempre pelas mesmas
pessoas. Ainda segundo o professor, a desconfiança é agravada pela necessidade de cada
novo governo criar sua própria identidade, apesar de não trazer mudanças efetivas. A
necessidade de afirmação, no caso, é fruto da política personalista recorrente no país, onde
o voto está relacionado mais a figura do político do que seus ideais.
Assim, segundo o professor, existe uma desestimularão à participação na cidade pela
idéia de que “eles [os políticos] se resolvem entre eles”, sem espaço para intervenções
populares. A recorrência dos mesmos políticos sem melhorias e sem abertura para a
sociedade finca a distância entre governo e população. A gestão participativa, em todos os
setores, deixa a desejar pela falta de perspectiva de que a participação dê resultado. O
professor ainda ressalta que a burocratização encontrada pelos cidadãos para acessar o
governo cria um “sentimento de que não se pode ir contra a corrente, um conformismo. [O
cidadão] se deixa levar por não se ver representado” naquele sistema.
Uma série de mudanças atingiu o município em 2009, com a eleição de Luiz Marinho
para a prefeitura. O ex-ministro trouxe a cidade mecanismos típicos de gestão
participativa, como o Planejamento Plurianual Participativo e o Orçamento Participativo,
além de abrigar, em 2010, a Conferência Estadual de Participação Popular. Este tipo de
ação, típica dos governos de esquerda, no qual se encontra o Partido dos Trabalhadores –
PT, legenda do prefeito, é inovadora quanto a oportunidade de cidadãos sem capacidade
de organização influenciarem, ainda que minimamente, e repensarem o planejamento da
cidade. Assim, começou-se lentamente uma reversão no típico papel do governo que,
apesar de local, é distante. Contudo, por se tratar de um movimento extremamente
recente, ainda não é possível verificar quais são as mudanças comportamentais da
população frente aos mecanismos de participação.
4. O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
Com embasamento no cenário retratado acima, desde as origens históricas de
representação até o quadro político atual do objeto de estudo, terá lugar agora o processo
de análise do estudo de caso, com as constatações, resultados e conseqüências.
Primeiramente se dará a apresentação dados coletados, seguido de suas devidas
elucidações. Depois, serão apresentadas possíveis explicações e desdobramentos destas.
46 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
4.1. Os conselheiros do CMED e sua percepção de representação
Dos 14 conselheiros atualmente empossados (duas das vagas previstas em regimento
estão em vacância), foram entrevistados 12 representantes (85,7%). Considerando que
dois conselheiros se abstiveram, 10 entrevistas foram utilizadas na composição desta
análise (71,4%). Destes, 70% são mulheres, tendência quando o assunto é educação, e em
sua maioria na faixa de 35 – 50 anos (90%). Quanto aos grupos representados, 20% dos
participantes são provenientes do Poder Executivo municipal (representantes indicados
pelo Chefe do Executivo Municipal) e 20% do Poder Executivo Municipal - Secretaria de
Educação, resultando em 40% da composição governamental. Professores das escolas de
educação básica, pais de alunos das escolas da rede pública de ensino fundamental,
representantes da rede estadual de ensino e representantes do ensino superior somam,
cada categoria, 10% da representação (10% se absteve). São funcionários públicos 70%
dos conselheiros em questão, outros 20% são empregados na iniciativa privada e 10% se
absteve. Mais da metade dos conselheiros (60%) declarou fazer parte de alguma
organização da sociedade civil, em sua maioria ONGs (30%), sindicatos (20%) e partidos
políticos (20%). A maioria dos entrevistados (80%) é conselheiro somente na Educação,
sendo os outros 20% conselheiros também no Conselho da Cidade – ConCidade e no
Conselho Municipal de Saúde.
Em relação ao conselho de educação em si e seu relacionamento com a classe
representada, 70% dos conselheiros indicaram que se reúnem com os respectivos grupos,
sendo que, destes, 50% declararam que as reuniões ocorrem uma vez ao mês (10%
indicaram que as reuniões acontecem conforme a necessidade e 40% se abstiveram de
responder a freqüência das reuniões). Ao serem questionados sobre a prestação de
contas, 50% respondeu que existe algum meio de accountabilty do que ocorre em âmbito
do conselho, seja pelas reuniões (30%) ou de relatórios (20%) – sendo que os outros 50%
indicaram não haver prestação de contas entre representante e representados (são estes
representantes da Secretaria Municipal de Educação, do Executivo Municipal, pais dos
alunos das escolas de educação básica e das instituições de ensino superior). Quando
questionados sobre o motivo de sua participação no conselho, metade (50%) considerou
como único motivo ter sido indicado pela categoria. Escolheram duas opções, a de terem
sido indicados e acreditarem na necessidade de discutir políticas públicas de educação,
20% dos entrevistados. Outros 10% escolheram as duas opções já citadas e mais a opção
de participarem de movimentos sociais. Os outros 20% se candidataram e também
acreditam na necessidade de discutir políticas públicas de educação, sendo que destes
20%, 10% também participam de movimentos sociais.
47 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
Em relação à representação, 90% se consideram representantes das classes que
representam e 10% não se consideram. Entre as justificativas do porque se consideram
representantes, o principal motivo apontado nos comentários foi a participação nas
reuniões e discussões. Sobre como são identificadas as demandas apresentadas no
conselho, a opção mais escolhida (30%) foi a observação da situação da Educação e pensar
no que é preciso melhorar. Em seguida, 20% escolheram a reunião com o grupo
representado para saber de suas demandas, e 20% escolheram as duas opções. 20%
revelaram não trazer demandas específicas da categoria ao conselho, e 10% se absteve.
Ao serem questionados sobre a dificuldade de acompanhamento das reuniões, 50%
não se sente em posição de dificuldade. Outros 40% tem dificuldades, mas relacionadas ao
tempo necessário para dedicação ao conselho, e 10% se abstiveram. 80% dos
entrevistados gostariam de receber alguma capacitação para exercer a função de
conselheiro, mas 60% não teriam disponibilidade de tempo. 10% não gostariam de
receber capacitação e 10% se abstiveram. Das funções previstas em lei para o Conselho,
50% consideram que o órgão, atualmente, só responde por funções consultivas. 20%
consideram o conselho consultivo e deliberativo e somam 10% cada uma as opções
“somente deliberativo”, “normativo e consultivo” e todas as opções.
Avaliando, num aspecto geral, a atuação do Conselho, 100% consideram positiva,
sendo que 80% apresentaram ressalvas a este resultado. A maioria (70%) também
considera o conselho de educação representativo de sua população, 20% o considera em
partes e 10% não o considera representativo.
4.2. Diagnóstico da situação
Tendo em vista os dados apresentados e o acompanhamento do órgão, vê-se
claramente que ele ainda procura o caminho (e caminha) para uma situação estável, não
visualizada neste momento. O perfil dos conselheiros condiz com a situação debatida, ou
seja, são em geral pessoas que já passaram pelo seu próprio processo de educação e agora
discutem a educação de alunos e filhos, sendo a classe naturalmente tendenciosa a
participar das discussões sobre o sistema de ensino municipal – em sua maioria mulheres
na faixa dos 35 – 50 anos. É interessante notar que o representante dos pais dos alunos de
educação básica é homem, o que quebra o paradigma da educação como responsabilidade
da mulher dentro do contexto familiar. Em relação à composição por grupos, a presença
do governo ainda é massiva e, apesar de não ser mais da metade da composição total, é
mais sólida do que os outros grupos que precisam se aliar para defender suas demandas
frente ao órgão, na linha do que é proposto por Tatagiba e Teixeira (2008) – o conselho é
48 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
mero instrumento de apoio ou repúdio às ações governamentais. O representante dos
professores coloca que “o número de membros indicados pela administração ainda é
superior aos outros, o que dificulta nas votações que deveriam ser imparciais”. Nas
reuniões, esta falta de convergência entre as partes é evidente. Prevalece o embate entre
sociedade e governo, resultando em reuniões cansativas, longas e improdutivas. Um dos
representantes do Executivo Municipal garante que “há divergências quanto aos
encaminhamentos, formas de discussão”, pontos que acabam por travar a pauta de
discussão. O representante dos pais acredita que “precisam ser criados meios de
comunicação e confiança entre as partes”. Esta fala pode ser encarada como um resquício
do autoritarismo estatal com o qual todos os brasileiros conviveram até o final dos anos
80. O Estado ainda é visto como avesso a sociedade, e dentro do micro espaço de debate do
Conselho este aspecto se evidencia na falta de concordância.
A ainda latente necessidade de avanço nas questões de eficiência pode ser lida através
dos resultados de avaliação do conselho. É inevitável concordar que a presença do
Conselho, por si só, já é uma conquista não só para os que ali estão, mas para toda a
sociedade envolvida no processo educativo. Contudo, os próprios conselheiros
(governamentais e da sociedade) reconhecem os problemas que enfrentam, como cita um
dos representantes da Secretaria de Educação: “Na medida do possível as ações estão
direcionadas para o que é de atribuição. Estamos nos constituindo.” O representante dos
pais, por sua vez, considera que “talvez após rediscutirmos o regimento interno, dotação
financeira, espaço físico e infra-estrutura para podermos receber as demandas,
encaminhá-las e resolvê-las” seja possível avançar na questão de ordem e gerência do
Conselho. Assim, é observável que o processo de democratização do espaço do Conselho
ainda não acabou, e que passa não só pela questão de representação, mas também da
forma de gerenciamento interno dos debates. Mais importante é a constatação que os
conselheiros tem consciência de que estão em momento de aprendizagem. Neste ponto, é
importante ressaltar que a composição do conselho foi completamente renovada há 2
anos, na ocasião de mudança de governo, sendo reeleita somente uma representante,
como suplente do representante das entidades de nível superior. Desta forma, apesar da
criação do Conselho datar de 1976 5, as renovações constantes de composição, desta
última vez de forma praticamente total, o impede de criar uma cultura da instituição, que
seja preservada e influencie a gestão interna das ações conselhistas. A própria presidente
do Conselho considera que ele está começando seu trabalho agora, depois de se adaptar às
mudanças de governo advindas da eleição.
5 Lei municipal nº 2.240/1976.
49 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
Neste sentido, a colocação de demandas é, ainda, muito governamental, devido às
necessidades que a Secretaria enfrentou de reestruturação e que precisariam passar pelo
Conselho. Assim, só agora, com a estabilização dos planos de governo, será possível pautar
a agenda pelas demandas dos representantes da população e garantir, numa primeira
instância, uma representação dos interesses que chegam via sociedade civil. No entanto, é
notável que as demandas apresentadas no Conselho são principalmente de ordem
governamental, explicito numa das falas de um dos representantes do Poder Executivo,
quando questionado sobre a identificação de demandas: “Observo as necessidades
advindas dos projetos da Secretaria da Educação que serão implementados”. Assim, o
Conselho se torna um receptor de informações das atividades estatais já em curso, e não
um produtor de políticas públicas. A partir da observação do Conselho podemos inferir
que sua função é consultiva, em certo grau até informativa, na expectativa de que aqueles
conselheiros difundam as informações da Secretaria para a população. Apesar de sua
natureza deliberativa – ou seja, tem poder de veto em ações da Secretaria – os assuntos
chegam ao Conselho formatados, previamente deliberados, como mostra a fala do
representante dos pais: “Em parte, esta política é muito recente e complicada. Os gestores
não abrem muito espaço para discutir projetos e planos. Somos mais aprovadores das
idéias e projetos”. A representante dos professores de educação básica considera que o
órgão “necessita avançar no âmbito deliberativo, pois por força do hábito trabalhamos
mais com o âmbito consultivo”, e a representante da sociedade civil crê que os
conselheiros “precisam ser mais atuantes na formulação de políticas públicas”. A própria
Secretaria de Educação, na voz de seus representantes, acredita que “é preciso fortalecer o
conselho”, e que os conselheiros estão, aos poucos, “[se] apropriando das atribuições”, a
fim de cumprir com seus preceitos legais.
Após discutir sobre as atribuições legais e as realmente exercidas, debate diretamente
relacionado ao empoderamento dado à sociedade, entra em pauta a questão da
representação. Mais uma vez, os conselheiros, apesar de se considerarem representantes
da população municipal, crêem que este processo ainda precisa ser desenvolvido e
representado, inclusive através da reforma do Regimento Interno. O Poder Executivo diz
que “o Conselho tem se constituído”, “sua representação atual não consegue garantir
decisões efetivamente democráticas”, “[o Conselho] não possui atualmente instrumentos
que viabilizem a discussão “nas bases” e eleição das prioridades e demandas a serem
discutidas por este coletivo” e que o órgão “não dialoga com as necessidades dos
representados, pois ainda não há mecanismos para tal”. Neste sentido, a presidente do
Conselho considera que as categorias representadas não são capazes de abarcar todas as
necessidades educacionais da cidade, por serem limitadas ou por demais generalizadas.
50 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
No caso dos diretores de escola, por exemplo, somente um representante para todas as
fases educacionais é exigir muito da capacidade de representação e captação de demandas
desta categoria. Uma solução proposta pela mesma é contar com um representante para
cada etapa educacional – creches, educação infantil, fundamental e ensino médio. Contudo,
esta limitação transpõe o campo das relações pessoais, tratando-se basicamente de uma
barreira institucional, contemplada em regimento, confirmado pelo representante dos
pais: “com ressalvas, o Regimento Interno ainda não dá espaços para a representatividade
real”. Assim, a reforma em curso do Regimento Interno deve incluir, impreterivelmente, a
questão dos setores representados e a composição do órgão.
Em relação aos motivos da consideração de representação, a questão propunha
diagnosticar a representação presuntiva (GURZA LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO,
2006b), ou seja, a legitimidade de representação é aferida pelos argumentos defendidos
pelos conselheiros. A maior parte dos argumentos se concentrou na essencial presença no
Conselho. A representante das entidades de ensino superior considerou sucintamente que
“se faço parte, represento em algum grau esse grupo”, opinião compartilhada pelos
representantes da Secretaria de Educação: “[represento] por acompanhar as reuniões que
são organizadas” e “me envolvo com as discussões, procuro buscar informações e propor
alternativas para melhoraria do trabalho realizado em relação à Educação”. Assim, a
representação não está ligada ao relacionamento com os que são representados, e sim com
o processo eleitoral de autorização de representação e seu subseqüente exercício. Apesar
de 50% dos entrevistados garantirem a prestação de contas a seus pares, é difícil que esta
seja feita em nível municipal, principalmente em classes como a sociedade civil e os pais
de alunos, onde convivem mais de 811 mil habitantes e estão em atividade, somente em
nível fundamental, 69 escolas. A representante dos professores acredita que a
representação está presente porque “sempre me coloco, expresso as opiniões tanto do
grupo que represento quanto as minhas”, enquanto a representante da sociedade civil
advoga que “participo das reuniões, discuto políticas públicas para educação e presto
contas ao segmento da sociedade civil da qual faço parte”.
Ao mesmo tempo, a representante da sociedade civil acredita que “precisam ser mais
disseminadas as informações e participação”. O acesso à informação é fator fundamental
para o exercício da cidadania. Sem ela, não se tem subsídio para a cobrança e para a
participação. Hoje, a publicização das resoluções do conselho, assim como a publicação das
atas de reuniões, ocorre através do informativo da Prefeitura, disponível em seu site,
porém pouco conhecido. No site da Secretaria de Educação existe um link para a página do
Conselho Municipal, que, apesar de descrever a natureza do órgão e suas atribuições, não
dá nenhum indicativo de como contatar o Conselho, do processo eleitoral e das reuniões.
51 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
Tendo estes pontos em vista, é questionável se a informação é passada, de fato, para os
envolvidos no processo de educação, sejam funcionários, sejam pais ou a sociedade civil.
As reuniões do Conselho, apesar de acontecerem em espaço supostamente neutro – não na
Secretaria de Educação, mas no Centro de Formação dos Profissionais da Educação, local
utilizado para congressos, conferências e reuniões gerais do município – ocorrem em dias
da semana e durante a tarde, começando às 14h. Ou seja, o Conselho é realmente
acessível? Ele realmente pertence à sua população ou está restrito aos eleitos? Levando
em consideração estes fatos, supõe-se que a cultura conselhista não está disseminada na
população do município, que não tem meios de se apropriar-se dele por limitações de
horário, espaço e acesso à informação.
4.2.1. O CMED de São Bernardo do Campo e as características do movimento
conselhista brasileiro atual
O primeiro questionamento teórico que pode ser problematizado, a partir da situação
retratada, é a capacidade do conselho em responder à problemática da democracia
representativa, sendo uma alternativa própria da gestão participativa. Se considerarmos o
modelo deliberativo de mini-público sugerido por Fung (2004), o invento dos conselhos
deveriam pressupor que mais pessoas estão envolvidas no debate pela educação, e que os
mediadores eleitos – os conselheiros – são um elo entre a comunidade e o governo. De
fato, pode-se considerar que existem mais pessoas inseridas na discussão setorial, com
poder legitimo de deliberação: exatas nove pessoas, considerando o número total de
conselheiros menos o número de conselheiros governamentais – como dois cargos dos
conselheiros da sociedade estão em vacância, este número cai para sete. O governo
consegue, através do que é retratado por estes sete conselheiros, ter uma idéia das
demandas e pontos de vista das categorias representadas, mas não se pode considerar
que, de fato, exista a construção de um espaço apropriado pela sociedade. Assim, os
conselheiros são uma amostra da população que, por sua condição de similaridade com os
demais, é capaz de passar ao Poder Executivo os anseios da população. Ou seja, a
representação não é baseada na deliberação conjunta ou na prestação de contas às
categorias envolvidas, e sim no conceito de substituição dos que não podem estar
presentes, na pessoa do representante (YOUNG, 2006). Assim, no momento em que é finda
a eleição dos conselheiros, “os cidadãos não são mais necessários” (YOUNG, 2006:145),
procedimento típico do pensamento democrático liberal. Rocha (2003) explicita que esta
condição é típica nos conselhos municipais de educação, ainda mais pela falta de legislação
52 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
que imponha o diálogo entre as os representantes e representados. É importante lembrar,
neste momento, que muitos dos conselhos brasileiros podem funcionar somente na lei
como uma forma de legitimação do poder vigente perante a população, mas sem de fato
ampliar/abrir o diálogo e o acesso ao poder. Não se cria uma cultura de participação,
influenciada não somente por este fator, mas por outros como os elencados por Abers e
Keck (2007) – a frágil ligação entre os representantes e representados é um deles, não só
entre os conselheiros da sociedade, mas também os governamentais, que encontram
pouco respaldo de suas ações em seus companheiros.
A segunda critica de Abers e Keck (2007) diz respeito à composição do conselho como
naturalmente elitista, sem representar de fato sua população por características inatas. O
regimento interno do conselho propõe, quando sobre a composição do mesmo, que sejam
especialistas em educação e pessoas com experiência distinta na área. Para exercer os
cargos no órgão, pelas características do que é enunciado, a maioria precisa (com exceção
dos conselheiros da sociedade civil, a quem é pedida experiência na área, e do
representante dos pais de alunos) ter, no mínimo, ensino médio. Essa prerrogativa
corresponde à realidade de São Bernardo? Em 2000, somente 24% da população se
encaixava neste padrão, apesar de 95,4% da população estar alfabetizada. Somente 7,7%
da população municipal têm ensino superior (PREFEITURA DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO, 2008).
O debate que acontece dentro do conselho tem contornos técnicos, que exigem
preparação prévia. Como relatado pela pesquisa de campo, 80% dos conselheiros
gostariam de receber algum tipo de preparo para exercer sua função, dado que revela que
a participação em espaços setoriais, como a educação, ainda demanda uma preparação
que não está ao alcance de todos. Nas reuniões acompanhadas, uma das demandas dos
conselheiros da sociedade foi a necessidade de suporte e assistência técnica, para que os
assuntos tratados tivessem maior embasamento. Ou seja, nem mesmo os que estão ali,
eleitos, conseguem acompanhar em detalhes todos os temas tratados diariamente. Não se
pode esperar que a população participe ativamente se não consegue compreender o que
ocorre no conselho. Cria-se então uma tecnocracia, uma elite que discute os problemas
educacionais da cidade, que acaba por afastar os que não têm o mesmo preparo. Esta tese
é consoante com o proposto por Miranda (2006), quando acredita que ainda conservamos
as marcas de uma sociedade fortemente verticalizada, onde existem sempre seres
descolados da sociedade, escolhidos como representantes justamente pela diferença, e não
pela igualdade, reforçando também a fala de Ferreira (1993) 6. Este constatação, da
6 Ver Capítulo 3, Seção 3.1
53 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
existência de uma elite que predomina nos debates conselhistas, converge para a teoria da
democracia elitista proposta por Mosca (1968) e Pareto (1984), que acreditam não haver
possibilidade de um governo verdadeiramente popular, já que sempre existirá uma classe
com melhores condições de governar e que acaba por se apropriar da gestão.
Abers e Keck (2007) apontam uma terceira proposição, referente à imposição da
agenda dos conselhos por via governamental. Conforme relatado nas entrevistas e
também por Tatagiba (2005; 2008), a agenda ainda é dominada pelas necessidades do
Poder Público, e não da sociedade. Em São Bernardo do Campo, este fato pode ser
explicado pelo advogado pela presidente do Conselho, quando a mesma coloca a
predominância do Executivo como natural ao processo de transição de poder recente no
município. Contudo, este fator pode estar ligado também à centralização do poder – assim
como o poder é passado para organizações colegiadas com participação da sociedade, ele
precisa ser retirado das mãos de alguém. Dessa forma, é preciso analisar a possibilidade
de cooptação destes mecanismos populares pelos tradicionais donos do poder, no caso, os
órgãos governamentais, que vêem na captura uma possibilidade de continuar a regular
serviços, porém através do véu da legitimidade da sociedade organizada. Assim, a gestão
participativa passaria a ser uma máscara para interesses ocultos e possivelmente
inerentes às demandas populares.
Abramovay (2001) acredita, ainda, que o conselho deveria ser um objeto de mudança
de paradigmas institucionais, e não mais um instrumento de política convencional. Se a
sociedade não consegue pautar o debate, existe uma maior possibilidade de se perder
frente às necessidades do governo. Neste ponto precisa ser questionado a serviço de quem
o conselho existe – como representante da população ou como assessor do governo? Em
tese, as duas funções deveriam ser permeáveis a ponto de não serem concorrentes, mas
harmônicas entre si. Na realidade, o conselho deveria funcionar como alternativa ao
modelo de sociedade em oposição ao Estado, mas o próximo item considerado por Abers e
Keck (2007) afirma o contrário: os Poderes Executivos por trás dos conselhos tem
dificuldade de abrir mão de seu próprio poder e passá-lo efetivamente aos colegiados,
hipótese intimamente ligada ao terceiro ponto em debate.
No objeto de estudo em questão, esta hipótese está colocada quando a função do
conselho é predominantemente consultiva, pouco executora ou deliberativa. A dificuldade
de consenso entre as partes, tão evidente no estudo de caso, pode ser um indício que isto
aconteça de fato. Contudo, os próprios conselheiros da sociedade civil, já acostumados
com os destratos governamentais, se colocam em posição de batalha, com aparente
indisponibilidade para um diálogo que conduza a soluções benéficas para as duas partes
envolvidas.
54 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
Voltamos ao ponto de questionar a quem o conselho serve, e para que está sendo
utilizado o espaço disponibilizado e conquistado pela caminhada democrática brasileira.
Muitas vezes, ao invés de centrado em questões deliberativas e busca de um consenso, a
desarmonia impede que o processo seja completado, se tornando o centro da ação do
conselho – a oposição por oposição, que não caminha e não produz. É justificável, então,
que existam categorias na cidade que sequer conseguem eleger representantes: existe
pouco benefício em gastar horas de um dia útil de trabalho em discussões que não
caminham, e que raramente deliberam. Como a esfera conselhista concentra pouco poder,
o trade-off entre participar e não participar, ainda mais quando participar é pesaroso, é
fácil de ser solucionado.
É importante notar que os quatro pontos relatados conversam e estão relacionados
entre si, sendo que um fator influencia o outro, e acaba por agravar a problemática da crise
de representação. Segundo Young (2006), a conseqüência mais grave desta crise é a perda
de legitimidade das instituições participativas frente à população – a sociedade deixa de
acreditar que pode influenciar as políticas locais e deixam de participar, de procurar
informações sobre seus representantes e de cobrar suas ações. Além dos pontos referentes
à representação, que poderiam levar a conseqüência descrita por Young (2006), algumas
outras questões podem ser relevantes como tentativas explicativas da falta de contato
entre representantes e representados e das dificuldade do conselho em se tornar esfera de
deliberação efetiva.
Primeiramente, é preciso pensar no papel da comunicação dentro do conselho. A
comunicação (como informação que é processada e traduzida em significado) dentro do
conselho, e dos conselheiros com seus pares, é falha. A informação que circula através da
comunicação é a capaz de fazer a participação funcionar, já que os cidadãos estão
devidamente informados do que ocorre em âmbito conselhista. Sem o acesso à
informação, que também pode ser representado pela dificuldade da população em
freqüentar as reuniões, dado o horário e dia dos encontros, o cidadão fica impossibilitado
de participar, situação que já era descrita por Dahl (1997) e Abrucio e Loureiro (2005). A
comunicação também é responsável por fomentar o debate e permitir que mais pessoas
estejam em sintonia com o que é tratado, gerando círculos de debate entre os
representados. Assim, tendo a informação como condição básica de participação, e
constatando que a própria é falha, seja pela falta de diálogo, seja pela falta de prestação de
contas, seja pela dificuldade de acesso, o cidadão fica impossibilitado, mesmo que queria,
de participar e de se reconhecer como mandante da política, já que não tem vínculo com
seu conselheiro. A presidente do Conselho admite que existe a necessidade de se criar uma
Comissão de Comunicação, para tornar as ações do conselho acessíveis para além dos
55 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
documentos oficiais (resoluções publicadas no Diário Oficial municipal), contudo, ainda
não foi possível trabalhar nesta questão pela emergência de outros pontos mais urgentes.
O Conselho Municipal de Educação, de fato, conta até com página na internet, dentro do
portal da prefeitura 7. No entanto, nenhuma informação de cunho prático é disponibilizada
na mesma, como horário das reuniões, como concorrer às eleições, ou qualquer outro
modo de acesso às decisões. Assim, a falta de informação implica em condição de
impedimento do exercício da cidadania.
Uma segunda proposta explicativa estaria relacionada à historicidade da instituição. O
Conselho data dos anos 70, mas a composição continuamente renovada, principalmente
em sua última gestão, impede a criação de uma cultura da organização. Sem uma
identidade própria, ainda em construção, como fica aparente na fala dos conselheiros, o
processo de colocação de demandas, discussões e votações internas, ainda sem regras
definidas pelo constante rearranjo de membros, é difícil de ser organizado de modo eficaz.
Mesmo tendo em sua composição diversos professores, diretores e especialistas, a
ausência de um elemento conector, pela própria falta de identificação do conselho, é
barreira para a concretização de processo conduzidos para sua resolução. Abramovay
(2001) coloca que
não se transferem, num passe de mágica, valores, comportamentos, coesão
social e sobretudo a confiança entre os indivíduos que os estimulem a
tomar em conjunto iniciativas inovadoras. (ABRAMOVAY, 2001: 124)
Assim, é preciso pesar, como coloca Tatagiba (2008), em quanto do que esperamos das
instituições participativas pode ser oferecido por elas, neste momento histórico. Levando
em conta que o Brasil passou por uma democratização relativamente recente e ainda se
encontra permeado de práticas patrimonialistas e clientelistas, as expectativas a cerca de
conselhos e outras instituições precisam ser pautadas por uma maior razoabilidade. O
importante, neste momento, é não conformar-se com o aspecto meramente consultivo
destas esferas, e sim continuar trabalhando para que se alcancem as premissas
estabelecidas pela lei, acumulando experiências históricas que sirvam de exemplos para as
futuras gerações do conselho e que mantenham uma linha de continuidade de suas ações.
Boaventura de Souza Santos (2002) considera que a questão não é preparar a instituição –
no caso o Conselho – para a democracia, e sim deixar que através da democracia elas
sejam preparadas. Mais do que um fim a ser alcançado, a democracia também deve ser o
meio utilizado para a aprendizagem histórica.
7 Ver <http://www.saobernardo.sp.gov.br/comuns/pqt_container_r01.asp?srcpg=conselho_index>,
acesso em 23 ago. 2010.
56 O Conselho na prática: desenvolvimento da pesquisa
A própria transição de poder no município, aliado à noção de representação
construída de forma equivocada (FERREIRA, 1993), também podem ter contribuído para
uma baixa representação no conselho. A sensação de “mais do mesmo”, ao se tratar da
política local, e o ressentimento com a inacessibilidade dos representantes, trazem à
realidade a hipótese acima colocada por Young (2006), de distanciamento com as coisas
públicas. Este sentimento, como já explicado, é fruto de décadas de distanciamento entre
governantes e governados. Ao se verem diante de mais uma instância que concentra
poder, não para dividir (já que a prestação de contas e o diálogo são falhos), é coerente
que a inérica histórica prevaleça e haja um descrédito do órgão, ainda mais quando ele é
incapaz de oferecer respostas às demandas de suas categorias.
Acharya, Gurza Lavalle e Houtzager (2004) acreditam, ainda, num outro elemento que
pode explicar a crise de legitimidade de representação nos conselhos - o próprio desenho
institucional do órgão, hipótese confirmada pela presidente do Conselho. Como poucas
pessoas (16 conselheiros) podem participar, poucos se sentem motivados em se envolver
com as atividades conselhistas. A presidente do Conselho acredita que incluir mais
membros na composição do órgão, durante a reforma do regimento, seria uma maneira
adequada de proporcionar uma maior representatividade das categorias, agora reduzidas
a um representante por categoria geral. Ao contar com mais professores, diretores e
especialistas, de diversas categorias (por exemplo, profissionais das creches conveniadas,
professores de todos os níveis educacionais, etc., além de representantes de outras
Secretarias, como Saúde e Obras), seria mais fácil de identificar as demandas de forma
completa. Esta proposta não necessariamente solucionaria os problemas do debate, mas
seria uma contribuição de visões diferenciadas. Com um maior número de membros,
também seria possível organizar o trabalho em comissões, com o objetivo de estudar mais
profundamente os temas tratados, trazendo racionalidade às discussões. Contudo,
imaginar que ouvintes se reuniriam com o Conselho, em horário inacessível, sem poder de
voto e, conforme relatado acima, com desconfianças quanto ao poder mobilizar da
instituição, ainda é uma expectativa muito elevada.
É preciso repensar, também, até que ponto é plausível imaginar a existência de
mecanismos de prestação de contas e diálogo do representante com toda a sua categoria.
Os conselheiros não são remunerados por seu trabalho, o que pressupõe terem suas
próprias obrigações laborais, até mesmo para serem eleitos como representantes das
categorias. Assim, sobra pouco tempo para reuniões e debates que envolvam todos os que
deveriam estar representados naquela instância. Uma alternativa a este problema seria
aumentar o número de representantes, como já proposto, com cada conselheiro sendo
“responsável” por um menor número de pessoas, mas outro caminho que também pode
57 Caminhos possíveis
ser tomado é a criação de uma rede de conselhos, responsáveis pelas discussões que
seriam levadas aos representantes, solução que será desenvolvida posteriormente, como
parte das recomendações.
5. Caminhos possíveis
5.1. As explicações de duas teorias: o pluralismo político e a teoria econômica
da democracia
De acordo com os contornos do Conselho apresentados até então, podemos nos valer
de duas teorias para elucidar os problemas encontrados e também guiar-nos para
possíveis soluções.
O pluralismo proposto por Dahl (1997) prevê que todos os cidadãos, reunidos em
grupos de interesse, tem o direito de participar do governo. O poder é totalmente
desconcentrado, permeado pelo interesse das diversas organizações, no objetivo de
cercearem o Estado à busca pelo poder absoluto. Se pensarmos no Conselho Municipal
como uma sociedade pluralista, veríamos ali os diversos interesses coligados ao setor
sendo representados e num embate pela alocação de suas demandas na agenda de
governo. Contudo, para um sistema pluralista ser eficiente, precisa contar com uma
divisão igualitária de poder entre as organizações, de modo a não haver sobreposição de
agendas (DAHL, 1997) – numa sociedade complexa, onde indivíduos podem estar
presentes em mais de um grupo, de acordo com o interesse em questão (OLSON, 1999;
YOUNG, 2006), e onde as assimetrias de informação são recorrentes, é praticamente
impossível alcançar o ideário pluralista. Dahl (1982) afirma que as organizações da
sociedade civil podem influenciar o surgimento de quatro problemas para a democracia
pluralista, ao estabilizar injustiças, deformar uma consciência cívica, distorcer a agenda
pública e alienar o controle final sobre a agenda pública. Muitos dos problemas relatados
pelo autor, então, como próprios de uma sociedade em que diversos grupos tem a
possibilidade de pautar o governo, estão presentes no Conselho. Ainda, o Estado da teoria
pluralista é suposto neutro, mas na realidade conselhista o Estado tem seus próprios
interesses – por exemplo, de manutenção da ordem vigente, nas palavras de Althusser
(1970), que muitas vezes sobrepõe as necessidades dos conselheiros. Para serem
resolvidos, Dahl (1997) propõe, na teoria da poliarquia, que dois fatores sejam
maximizados: a inclusão no processo eleitoral e a possibilidade de contestação pública. O
estado plenamente democrático – poliarquia, a representação máxima do pluralismo,
58 Caminhos possíveis
ainda que como modelo a ser perseguido – adviria da combinação dos dois. Passando esta
idéia para o Conselho, a inclusão de mais atores no processo eleitoral deve ser garantida
com uma rede de comunicação que informe os interessados nas eleições. Todas as escolas
têm seus centros de poder, nos conselhos escolares, nas Associações de Pais e Mestres e
nas próprias diretorias. É papel também destas instituições abrir mão da centralização e
abrir o debate aos professores, funcionários e pais, para que de fato conheçam o Conselho,
tenham a oportunidade de acessá-lo e participem dos momentos de autorização. Somente
dessa forma (universalização do voto) é possível eleger um Conselho que tenha garantias
de representações, já que todos que deveriam ser representados estão conscientes de seu
espaço. Em relação à possibilidade de contestação, esta só é presumível, mais uma vez,
quando o representado tem a informação de para quem contestar e como aceder a ele.
Simplesmente contar com o nome do conselheiro representante de sua categoria não
basta para que se tenha acesso a ele. A possibilidade de contestação existe, visto que o
Conselho é aberto a todos e ao debate mesmo entre não membros. Contudo, com políticas
de inacessibilidade por poucos conselheiros representarem muitas pessoas, pelos horários
desfavoráveis e pelo acesso às decisões restrito aos informes oficiais da Prefeitura, pode-
se questionar o quão contestável o Conselho se predispõe a ser. Ainda, não existem
mecanismos de sanção aos conselheiros que não representarem de forma adequada os
interesses de suas classes. Mesmo que não concordem com seu comportamento, o único
mecanismo à disposição dos representados é negar a re-autorização de mandato nas
próximas eleições.
A teoria econômica da democracia, proposta por Downs (1999), propõe relacionar a
maximização do voto com a alocação de recursos no mercado. Assim como os indivíduos
fazem escolhas racionais em suas compras, levando em conta as informações que
possuem, também é possível escolher os representantes desta forma. O voto, então, é um
instrumento de utilidade, pois será alocado da melhor forma possível, levando em conta o
seu contexto, e não somente as preferências do eleitor. Contudo, o principal elemento da
teoria econômica da democracia (DOWNS, 1999) que pode ser considerado no caso dos
Conselhos é a questão do trade-off entre participar e não participar, enquanto conselheiro,
e entre fiscalizar e não fiscalizar, enquanto representado. Como o eleitor sabe que o seu
voto individual não é capaz de mudar o rumo das eleições, ou como sabe que não terá
direito a voto caso decida participar das reuniões, o custo de obter informações e
participar das reuniões é muito alto, frente às outras necessidades diárias de trabalho. Se
este trabalho – participar das reuniões, se informar sobre as decisões dos conselheiros –
pudesse resultar em sanções para os membros do Conselho, ou numa defesa de interesses
até então latentes (não advogados pelos conselheiros), o custo diminuiria, já que existiria
59 Caminhos possíveis
uma contrapartida para o que é gasto. Contudo, ao observar a situação do órgão,
funcionando numa perspectiva consultiva e pouco resolutiva, é fácil decidir-se por não
participar, ao realizar uma análise de custo-benefício: não existe uma percepção de ganho,
só do tempo gasto com a participação ou fiscalização do órgão. Com menos pessoas
interessadas, cria-se um ciclo de retroalimentação negativa, já que o sistema não consegue
atrair pessoas que possam alterar esta situação. É preciso lembrar, também, que apesar do
conselho ter poder sobre regulamentação de creches/escolas, e legislativamente contar
com diversas prerrogativas, seu poder de influência sobre o sistema educacional é
pequeno, conforme já relatado. Assim, observando que aquele é um espaço pouco
empoderado, o cidadão vê sua renda de utilidade diminuir ainda mais. O que se ganha ao
gastar horas de um dia útil em discussões aparentemente intermináveis? Na visão de
Downs (1999), ao pesar este dilema, decide-se pela não-participação nestas esferas, que
podem continuar agindo da mesma maneira, por não atrair pessoas responsáveis, ou se
insularem numa elite proprietária de direitos legais, que dizem respeito a toda a sociedade
envolvida no processo educacional. Este insulamento causado pela descrença dos cidadãos
no poder das instituições, que leva a cada vez menos pessoas a se interessarem e se
envolverem, também tem outro viés, descrito por Olson (1999) como o dilema da ação
coletiva – ao crer que existirão outras pessoas tomando conta das instituições públicas,
principalmente quando muitos são os representados, não nos sensibilizamos em agir em
nome delas, acreditando que outras pessoas, num grande grupo, farão isto em nosso lugar,
gerando o comportamento free rider (carona) 8. Já que o poder de fiscalização sobre o
Conselho de um único indivíduo é muito pequeno e não trará conseqüências palpáveis, a
escolha quase sempre é se omitir do processo, situação muito clara no Conselho estudado.
5.2. Estratégias de encaminhamento para um Conselho responsável
Esta seção se destina a procurar alguns caminhos que poderiam ser úteis ao Conselho
em sua tarefa de melhor representar os que, mesmo sem saber, têm no Conselho um
centro fértil de poder – e, portanto, capaz de empoderar.
8 O comportamento free rider (ou carona), determinado pelo campo da Microeconomia, acontece quando um indivíduo não arca com o ônus de um determinado serviço ou bem, na expectativa que
os outros o façam, mas usufrui de seus benefícios da mesma maneira da usufruída pelos que pagaram. Está associado geralmente aos bens públicos, por estes serem não-rivais e não-exclusivos (os seus direitos de propriedade não podem ser atribuídos a alguém). Ver Pindyck e Rubinfeld,
2005.
60 Caminhos possíveis
Young (2006) acredita na necessidade de uma democracia comunicativa, onde os
cidadãos chamam os representantes para os processos de comunicação – prestação de
contas contínua, e não somente nos momentos de autorização (YOUNG, 2006). Fica claro
que a tônica da mudança é a ênfase em mecanismos de entendimento entre
representantes e representados, para que a sociedade inteira se aproprie do Conselho, e
não só seus membros eleitos. Mais do que uma lei que obrigue conselheiros a prestar
contas, é preciso dar condições para que a prestação não só informe, mas construa um
conhecimento sobre o que é trabalho no interior do Conselho e instigue os que estão fora
da arena do debate a participar.
Este debate não precisa acontecer, propriamente, em nível de Conselho Municipal de
Educação. Se houver um esforço para estruturação de uma rede capilar de conselhos,
partindo dos Conselhos Escolares até o Conselho Municipal, se torna mais simplificado o
processo comunicativo. Se, dentro de cada célula educacional, os pais e responsáveis
forem chamados ao debate e “tomarem conta” de seu microcosmos (pequeno mundo),
dialogando com professores, diretores e outros pais, eles se tornam capazes de regular o
Conselho Municipal, por sua coesão interna. Dessa forma, diversos problemas podem ser
solucionados ao olharmos para a estruturação de pequenos grupos. Não se pode exigir que
todos os pais, responsáveis, professores e diretos estejam presentes em todas as reuniões
do Conselho, mas pode-se exigir que compareçam e contribuam ao debate de suas
unidades de ensino. Estas unidades de ensino, uma vez organizadas, podem levar seu
debate interno, através de seus representantes, aos conselheiros de suas categorias. As
demandas organizadas nas bases são mais passiveis de serem decodificadas pelos
Conselheiros, que podem prestar uma representação mais eficiente. Da mesma maneira,
conselhos escolares organizados podem pedir contas das ações de seus representantes, os
regulando. Young (2006) coloca a importância da coesão do grupo como fator chave para
uma representação eficaz. Se o conselheiro não consegue identificar as demandas de sua
classe, por estar demasiadamente diluída entre todos os representados desorganizados, só
lhe resta supor qual são suas vontades de acordo com sua perspectiva equânime, fato
recorrente no Conselho, que pôde ser observado pelas falas dos conselheiros. Não se pode
delegar a representação pela própria falta de identidade do grupo. Só pode ser
devidamente representado o grupo com um mínimo de harmonia (YOUNG, 2006).
Segundo Rocha (2003)
é preciso que outros setores representativos da sociedade sejam chamados a participar ativamente dessa experiência e convidados a refletir sobre a complexidade do que ocorre no interior das instituições de ensino, sobre a importância dos processos pedagógicos. (ROCHA, 2003: 50)
61 Caminhos possíveis
Neste sentindo, o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares,
datado de 2004, já é uma resposta para o que é proposto em diversos documentos, como a
Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional 9 e o Plano Nacional de Educação 10, de
2001, que pressupõe uma gestão democrática das escolas baseadas nos conselhos
escolares. Então, o Programa em questão busca concretizar tais metas, através da
capacitação dos conselheiros, ampliação da participação da comunidade, apoio na
construção de Planos Educacionais para as escolas e promoção de uma cultura de
avaliação e monitoramento para garantia da qualidade educacional (art. 1º da Portaria
Ministerial nº 2896/2004). Diversos órgãos estiveram envolvidos na construção do
Programa, com um grupo de trabalho formado pela Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação, o Conselho Nacional dos Secretários de Educação, a Organização
das Nações Unidas para a Infância, entre outros Esta miscelânea de entidades tinha como
meta garantir o pacto federativo em torno do Programa, legitimá-lo, e também dar
visibilidade ao mesmo. Com esta estratégia, o Programa foi amplamente bem recebido,
especialmente por advogar sobre temas unânimes, como a busca pela qualidade de ensino
(AGUIAR, 2008). O Programa foi estruturado em torno de Cadernos Temáticos, disponíveis
às escolas, que dão diretrizes de como tornar a gestão escolar mais próxima da
comunidade, através do trabalho dos Conselhos. Os aspectos mais inovadores do
programa, segundo Aguiar (2008), estão relacionados a sua formulação, que garantiria a
legitimação da ação pelo envolvimento de diversos atores. Seu alcance, contudo, ainda não
foi analisado. Aguiar (2008) considera, entretanto, que a alta demanda pelo material
favoreceu, generalizadamente, o ideal de que a gestão da educação pode ser coletiva.
Contudo, o fortalecimento dos Conselhos Escolares precisa ser pensado em rede, a fim
de evitar a fragmentação do sistema que se pretende criar, responsável por fiscalizar e se
comunicar com o Conselho Municipal. O excesso de empoderamento das unidades
escolares, sem respaldo sistêmico, pode levar ao insulamento das mesmas, anulando a
necessidade de contarem umas com as outras para promover a transparência do sistema
de ensino em sua totalidade. Dessa maneira, a articulação entre os conselhos também deve
ser pensada dentro deste processo de confirmação dos Conselhos como unidades
apropriadas da gestão escolar.
As vias institucionais podem ser eficazes para a promoção de uma melhor
representação, no sentido de promover grupos mais coesos a serem representados no
9 Art. 14 da LDBEN (Lei nº 9493/1996)
10 Subitem 2 (Objetivos e prioridades) do Item I (Introdução) do Plano Nacional de Educação (Lei nº
10.172/01)
62 Caminhos possíveis
Conselho. Como proposto pela presidente atual do Conselho, trazer membros mais
específicos para cada categoria tornaria os interesses de cada setor mais identificáveis. Os
representados de cada conselheiro teriam mais facilidade para se reunir e dialogar, visto
que enfrentam as mesmas necessidades. Assim, ao invés de um professor para toda a rede
pública fundamental, trazer um professor para cada nível de ensino, ou para cada região,
visto que São Bernardo conta com 33 bairros e taxas de vulnerabilidade de alta até muito
baixa11, revelando as disparidades existentes dentro da própria cidade. Os IDEBs de 2009,
referentes ao município, variam de 4,2 até 6,9 12, o que mostra que as unidades escolares
têm necessidades diferentes a serem debatidas pelo Conselho. Este problema nos remete
novamente à teoria de Downs (1999): se eu sou professor, ou pai, ou diretor, e sei que o
meu conselheiro tem que atender aos interesses de todos os meus semelhantes em toda a
cidade, sei que terei pouca influência sobre ele, e, por isso, deixo de cobrá-lo. Assim, criar
mais setores a serem representados também é uma alternativa para a prestação de contas
eficiente. Além disso, setores complementares à Educação, como Assistência Social,
também poderiam trazer contribuições, no sentido de assistência técnica e informativa, e
por isso devem ser pensados como parceiros a estarem presentes na estrutura do
Conselho, segundo sugestão da presidente do Conselho.
Além da necessidade institucional de tornar a representação mais plural e menos
generalista, é preciso pensar em como o trabalho vem sendo dividido dentro do Conselho.
Apesar de contar com um plano de trabalho para todo o ano, os itens da pauta às vezes se
perdem em meio às discussões, além de serem postergadas em razão das urgências. Além
de tornar o Conselho mais representativo, é preciso torná-lo mais eficiente. Uma das
soluções propostas pela presidente do Conselho é dividi-lo em pequenas comissões, que
seriam então responsáveis por se aprofundar num determinado assunto e trazer o que foi
debatido para o grupo, de forma organizada. Este sistema pouparia um tempo valioso de
discussão que acontece pela falta de conhecimento ou de informações, seja pelo puro
desconhecimento, seja pela informação ser referente a algum setor não representado no
Conselho. Estas duas propostas – aumentar o número de conselheiros e dividir as tarefas –
são então complementares, pois trabalham juntas à medida que trazem mais informação
para os Conselheiros. O feedback das informações para os representados também depende
destes movimentos: é mais fácil prestar contas (e cobrar) na medida em que a classe é
mais específica – aspecto de “quem” cobrar/prestar contas; e quando existem fatos e
11 Segundo o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS, calculado para 2000. Informação do Sumário de Dados 2009 da Prefeitura de São Bernardo do Campo.
12 Segundo tabela fornecida em Reunião do CMED do dia 05 ago. 2010.
63 Conclusões e considerações finais
resoluções concretas advindos do Conselho, é mais fácil saber “o que” cobrar e “do que”
prestar contas.
Portanto, quatro frentes podem ser otimizadas para a melhoria da representação no
Conselho: i) a comunicativa, proposto por Young (2006), objetivado amenizar as
assimetrias de informação; ii) a institucional/gerencial, no sentido de aumentar o
número de conselheiros e dividir o trabalho internamente; iii) a estruturante/sistêmica,
para criação de uma rede desde os Conselhos Escolares até o CMED; e a iv) regulatória,
para que os conselheiros não ajam deliberamente, mas prestem contas de suas ações.
Ressalta-se que as quatro frentes estão completamente interligadas, sendo que uma
melhoria em uma causa efeitos na outra, assim como uma depende das alterações das
outras para ser maximizada. Por exemplo, ao aumentar o número de Conselheiros,
desagregando-os por níveis de ensino ou região, melhora-se a regulação – e também a
comunicativa, já que o público a ser representado é menor e teoricamente mais coeso; ao
fortalecer os conselhos escolares, aumenta-se a eficiência da regulação, pois mais pessoas
estarão atentas às ações com Conselho; e assim por diante.
6. Conclusões e considerações finais
Todo o quadro aqui relatado não difere de maneira generalista do que se observa em
outros conselhos de políticas públicas, tanto em educação como em outros setores. A
prevalência do Poder Executivo ainda é massiva, mais pela necessidade de organização do
que propriamente a indisposição em partilhar o Poder. O Conselho, por seu baixo poder de
negociação entre as partes e excesso de eloqüência, reduz-se a consultivo e, muitas vezes,
referendador das ações governamentais.
No tocante da representação, tópico central deste trabalho, a relação entre
representantes e representados é nebulosa, por questões estruturais e de cunho social, e
até pela crença de que é possível reduzir a representação a poucos membros
especializados, que se dispõe a cumprir um, por vezes, pesaroso papel. Young (2006)
acredita que a representação é, ao mesmo tempo, necessária e impossível: necessária
como condição estrutural da democracia, e impossível por exigir do representante muito
mais do que suas limitações são capazes de cumprir – a antiga dificuldade de concentrar,
em alguém, todas as vontades que fariam a composição do bem público (SCHUMPETER,
1984). Assim, a solução proposta pela autora é mudar o conceito pelo qual enxergamos a
representação. Precisaríamos superar a idéia de representação como substituição de
alguém ausente, passando à definição de representação a partir da relação dos
64 Conclusões e considerações finais
representados entre si e com o conselheiro eleito (YOUNG, 2006). Mais uma vez, ela coloca
que a representação deixa de funcionar quando os eleitores perdem o contato com seu
representante. Tendo em vista a sociedade liberal em que se inserem os conselhos, este
paradigma de contato entre as partes remete à crítica de Michels (1982) sobre a
individualização característica da sociedade contemporânea. A individualização dificulta a
formação de laços, especialmente quando em torno de questões publicas, tornando a
representação um vínculo extremamente frágil. A tentativa de fortalecê-los passa pelas
sugestões apresentadas na seção anterior.
Se levarmos em conta as proposições de O’Donnell (1994), podemos considerar que o
Estado, por sua proposição de contar com um conselho, reconhece que não é capaz de,
sozinho, representar o interesse de todos. Ou seja, o Estado, dispondo de um Conselho,
reconhece em si a quebra com a teoria da representação pura. No entanto, este processo
não necessariamente é completo dentro de suas instituições – e de seus Conselhos. Assim,
por mais que o Estado seja mais democrático por admitir que precise dos conselhos para
melhor representar sua população, este pensamento pode não ser verdadeiro em suas
instituições. O’Donnell (1994) considera este processo – entre a abertura para eleições
democráticas e a democracia institucional de fato – como a fase delegativa da democracia:
a população delega o poder para seus representantes, mas este é seu único papel no jogo
político. E é papel das instituições políticas avançarem democraticamente, através da
inclusão de mais atores no jogo político; e através de ações que possam ser premeditadas
pelos representados, ou seja, se tornam estáveis – mesmo que seus participantes mudem,
que se possa esperar o mesmo comportamento deles (O’DONNELL, 1994). Assim, o
Conselho não pode depender somente do comportamento de seus membros, mas deve
firmar-se como instituição democrática, coerente com o desenvolvimento do Estado. O
objetivo não é transformá-lo em um órgão rígido, mas confiável, que não seja lançado de
um lado para outro por interesses individuais. A transformação do Conselho em
instituição estável faz também que seus membros confiem mais um nos outros e
trabalhem não mais em oposição, mas com objetivos comuns. A estabilidade não significa
fim do conflito, mas conflitos orientados para resolução de problemas comuns. Como
explica o autor,
este círculo virtuoso se completa cuando la mayoría de las instituciones
democráticas logran no sólo un alcance y una fortaleza razonables,
sino también una gran cantidad de interrelaciones múltiples y estables.
(O’DONNELL, 1994:11)
Assim, democracias fortes contam com instituições democratizadas em seu interior. O
Conselho, para ser representativo, precisa ser capaz de fornecer informações, ser
65 Conclusões e considerações finais
contestável, compartilhar poder. Além de servir como informante para o Estado, preciso
usar o seu poder para agir em nome da população, que, de forma organizada, tem como
cobrar o que acontece internamente. Não é preciso que todos os envolvidos neste processo
estejam envolvidos paulatinamente e diariamente com o Conselho, mas que se interessem
e se apropriem do poder que lhes é dado.
Como coloca Santos Lima (1997:04), “educação é um ato coletivo e como tal precisa
ser compartilhada por todos”. Ou seja, todos têm sua função indispensável tanto na
educação básica, quanto na educação para a democracia, que deve estar presente não só
nas instituições, mas na vivência das pessoas em sua rotina, especialmente nos conselhos
de escola, no caso tratado. A chave para o compartilhamento de poder e efetiva
representatividade dos Conselhos é um movimento duplo: de organização da base para
monitorar os conselheiros, e da abertura dos conselheiros para compartilhar o poder com
a sociedade. O Conselho não pode funcionar desprendido da sociedade, assim como
funcionam, tradicionalmente, as representações de poder no Brasil. Já que é proposto
acreditar que podem muito, então que a sociedade, de forma coesa, consiga prover ele sua
devida magnitude, superando o individualismo característico das democracias liberais e
caminhando para a resolução de conflitos em centros de debate.
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