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Universidade de São Paulo Faculdade de Educação Vanisio Luiz da Silva A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática São Paulo 2008

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Educação

Vanisio Luiz da Silva

A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática

São Paulo

2008

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Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática

Dissertação apresentada como exigência parcial para

obtenção do grau de Mestre em Educação, pela

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática.

Orientadora: Profª. Drª. Maria do Carmo Santos Domite

Vanisio Luiz da Silva

São Paulo

2008

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVUGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação na Publicação Serviço de Documentação Educacional

Faculdade de educação da Universidade de São Paulo

375.3 Silva, Vanisio Luiz da S586c A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática / Vanisio Luiz da Silva; orientadora Maria do Carmo Santos Domite – São Paulo, 2008. 205 p.: il. ; tabs. ; anexos Dissertação (Mestrado – Programa de Pós- Graduação em Educação. Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 1. Educação 2. Matemática – Educação 3. Etnomatemática – 4. Negros – Cultura I. Domite, Maria do Carmo Santos, orient.

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Folha de aprovação

Vanisio Luiz da Silva

A cultura negra na escola pública: uma perspectiva “etnomatemática”

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre.

Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Doutor_________________________________________________________________

Instituição: ___________________________Assinatura: _____________________________

Prof. Doutor_________________________________________________________________

Instituição: ___________________________Assinatura: ____________________________

Prof. Doutor_________________________________________________________________

Instituição: ___________________________Assinatura: _____________________________

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Dedicatória

Este trabalho é dedicado ao meu filho, a minha mãe e aos companheiros de uma vida

inteira, pessoas sem as quais a vida não teria sentido. Ele é dedicado aqueles com quem

aprendi compartilhar a alegria e a tristeza, aos companheiros cujas presenças ou ausências

foram sentidas nos momentos bons e nos difíceis.

São pessoas que ao longo dos anos têm compartilhado da luta e da esperança em mundo

mais justo. Alguns nomes serão cuidadosamente omitidos, mas cuja participação na

construção do mesmo é evidente.

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Agradecimentos

Meus especiais agradecimentos a Professora Maria do Carmo, que soube tratar com

sabedoria e candura nas orientações de um trabalho como este, cujo desenvolvimento natural

foi dificultado alguma vezes pela falta de estudos que pudessem favorecer as fundamentações,

pela compreensão do que possa representar para a comunidade negra a existência de trabalhos

abordando temas como esse e, principalmente pelo modo freireano com que conduziu a minha

aprendizagem. Estou convicto, que poucas pessoas tenham assimilado tão profundamente as

atitudes e modos de Paulo Freire.

Especiais agradecimentos aos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Etnomatemática, GEPEm / FE-USP. Aos amigos Cláudio, Benê, Régis, Hidéo, Helenalda,

Sônia, Cláudia, José Pedro, Rogério, Rita, Andréia, Rita, Clécio, Kleber, Cristiane, Mary,

Kátia, Regina, Silvanio, Diana e Gilberto. Mesmo com a certeza que nomes foram deixados

de fora, fica a certeza da minha gratidão.

A amiga Wanderléia e família, pela presença tão marcante no trabalho, no grupo e na

minha aprendizagem, assim como a paciência da família em dividi-la.

A Amiga Keli, pelas broncas tão verdadeiras.

Aos amigos Rubens e Vanilza, Vitor e Maisa, José e Débora, assim como aos sobrinhos

Aos funcionários da Faculdade que tão bem me receberam nestes três anos.

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Resumo

A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática

Pesquisas sobre a escola pública brasileira revelam a existência de diferenciações no

desempenho dos educandos negros em relação aos demais, notadamente na disciplina de

Matemática. Desse pressuposto e, a partir de relação entre identidade cultural e cognição

presente nas proposições da Etnomatemática, afloraram questões que levaram as indagações

iniciais do trabalho que podem ser assim colocadas: como aconteceram as manifestações de

resistência negra urbana nos séculos XIX e XX? Qual a realidade vivenciada pelos negros no

processo e no desenvolvimento da educação brasileira, sobretudo no período indicado? Que

contribuições a Etnomatemática pode oferecer para a reconstrução dos currículos escolares

que se proponham a valorizar os supostos saberes negros gerados dos processos de

resistência? A partir desses pressupostos o trabalho se propõe investigar essas possibilidades

por meio de um estudo de caso que toma como referência duas escolas de região de Pirituba,

no município de São Paulo, ambas situadas num raio próximo ao núcleo de uma região

indiciada como o primeiro quilombo urbano do município. Daí a questão da pesquisa, que

busca: "analisar a maneira como os educadores matemáticos trabalham a herança

cultural do educando no cotidiano e nas aulas de Matemática".

Palavras chave: Educação - Educação matemática - Etnomatemática - Cultura negra.

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Abstract

The black culture in public school: an ethnomathematics approach Researches about Brazilian public school reveal that there is a differentiation in the

performance of the black students in relation to the others, mainly in Mathematics. We

presupposed that and, from the relation between cultural identity and cognition present on the

propositions of the Ethnomathematics, appeared questions that lead us to the first indagations

of the work, which are: how did the Negro resistance manifestations occur in the XIX and XX

centuries? Which is the reality of the black people in the process and during the Brazilian

educational development, mainly in the indicated period? What contributions can the

Ethnomathematics give to the reconstruction of the educational curriculums to valorize the

supposed black knowledge that was brought from the resistance process? From these

considerations, the work intends to investigate these possibilities through a study of a case of

two schools in the region of Pirituba, in São Paulo, both situated in a ray next to the nucleon

of a region that was the first hiding-place of fugitive Negro slaves of the city. So, the question

of the research intends “to analyze the manner as the Mathematics teachers work the

cultural heritage of the student daily and at the Mathematics classes.”

Key-words: education – Mathematics education – ethnomathematics – black cultural

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Sumário

Resumo ............................................................................................................... 7

Abstract .............................................................................................................. 8

Listas de abreviaturas e siglas........................................................................ 11

Introdução........................................................................................................ 12

1 – Minha trajetória rumo à educação e a pesquisa .................................... 15

Um jovem: seus conflitos e seus ideais ..............................................................................16

O militante cultural que encontra o educador.....................................................................18

A relação entre o homem e o educador ..............................................................................18

1.1 Reflexões acerca da dialética inclusão / exclusão ........................................................20

2 – A pesquisa: o desafio do estudo e outras confidências........................... 24

2.1 O questionário como instrumento de análise................................................................27

2.2 A entrevista como instrumento de análise....................................................................28

2.3 Problematizando a relação do professor com o ensino de matemática ........................29

2.4 Problematizando a relação do professor com o educando negro..................................30

3 – A cultura negra brasileira e a Educação................................................. 33

3.1 A Educação olhada de dentro (uma visão negra) .........................................................35

3.2 Uma análise da presença negra na educação brasileira ................................................37

3.2.1 A educação colonial jesuítica no Brasil.....................................................................38

3.2.2 Educação colonial pombalina....................................................................................42

3.2.3 A Educação, do Reino Unido à República ................................................................44

3.2.4 A educação brasileira na virada do século XX..........................................................49

4 – Um olhar sobre a identidade sociocultural do negro no Brasil ............ 55

4.1 A contradição inclusão/exclusão e a resistência cultural..............................................58

4.2 A construção da resistência nas agremiações culturais ................................................59

4.3 A estética estigmatizada e a construção da identidade. ................................................60

5 – Considerações acerca de educação, Etnomatemática e cultura negra. 62

5.1 Por uma Pedagogia libertária e plural no século XXI. .................................................63

5.2 A educação plural como direito....................................................................................66

5.3 Uma leitura da Educação do século XXI......................................................................70

6 – O distrito Pirituba: do Guarani ao CECI............................................... 76

6.1 A presença negra no bairro...........................................................................................78

6.2 Os negros em Pirituba — uma perspectiva socioeconômica........................................79

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6.3 A resistência cultural negra em Pirituba.......................................................................80

6.4 As escolas de samba .....................................................................................................80

6.4.1 A escola de samba “Prova de Fogo” .........................................................................81

6.5 Os salões de baile em Pirituba e a busca de identidade................................................83

6.5.1 Os salões de baile em Pirituba...................................................................................84

6.6 Os terreiros de candomblé ............................................................................................86

6.6.1 O candomblé e a umbanda em Pirituba .....................................................................89

7 – O projeto de Educação municipal e a região.......................................... 91

7.1 Projetos que buscaram novos significados para os currículos......................................93

7.2 As escolas municipais, no entorno do quilombo de Pirituba........................................96

7.2.1 A EMEF “Desembargador Sílvio Portugal”..............................................................96

7.2.2 A EMEF “Jairo Ramos” ............................................................................................97

8 – A pesquisa: analisando o estudo e confidências ..................................... 99

8.1 As entrevistas e o ensino de matemática: uma análise ...............................................100

8.2 As entrevistas e as relações raciais na escola: uma análise ........................................107

Considerações ................................................................................................ 116

9 – Anexos....................................................................................................... 120

Anexo 1 – Questionário aos educadores...........................................................................120

Anexo 2 – Questionário aos educadores (outra versão) ...................................................122

Anexo 3 - Trabalho de Valeria Rosado, EPEM ...............................................................125

Anexo 4 – Entrevista com a PROFESSOR (A)-1 ............................................................130

Anexo 5 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-2 ............................................................148

Anexo 6 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-3 ............................................................164

Anexo 7 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-4 ............................................................177

Anexo 8 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-5 ............................................................186

Anexo 9 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-6 ............................................................191

10 – Referências Bibliográficas .................................................................... 199

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Listas de abreviaturas e siglas

AIDS............. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

APM............. Associação de Pais e Mestres.

CECI............ Centro de Educação e Cultura Indígena.

CEERT........ Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades.

CIDAN......... Centro de Informação e Documentação do Artista Negro.

CNE.............. Conselho Nacional de Educação.

CONE........... Coordenadoria Especial de Assuntos da População Negra.

DUDH........... Declaração Universal dos Direitos Humanos.

EJA............... Educação de Jovens e Adultos.

FCC-SP........ Fundação Carlos Chagas de São Paulo.

FNB.............. Frente Negra Brasileira.

IDH............... Índice de Desenvolvimento Humano.

LDBN........... Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

MEC............. Ministério da Educação e Cultura.

MNU............. Movimento Negro Unificado.

MUCDR....... Movimento Unificado contra a Discriminação Racial.

ONU............. United Nations Organization.

PCN.............. Parâmetros Curriculares Nacionais.

PIB................ Produto Interno Bruto.

PPP............... Projeto Político-Pedagógico.

PUC-RJ........ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. SAEB/RJ...... Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

SAP............... Sala de Apoio Pedagógico.

SARESP....... Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado São Paulo.

SECOVI-SP. Sindicato de Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de

Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo.

SEPPIR........ Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

SIMDH......... Sistema Intra-urbano de Monitoramento dos Direitos Humanos.

SME/SP........ Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

TEN.............. Teatro Experimental do Negro.

UFJF............. Universidade Federal de Juiz de Fora. UNESCO...... United Nations Educational Scientific and Cultural Organization.

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Introdução

Este trabalho explicita um momento de transição na minha trajetória, um homem negro

que, a exemplo de outros, assume a educação e o ensino de Matemática como modo de

realização profissional, como forma de humanização e de participar do mundo. Os dezenove

anos dedicados ao ensino fundamental, nas escolas públicas do município de São Paulo,

permitiram acumular uma base de experiências que contabilizo como importante orientação

aos novos caminhos que ora objetivo trilhar.

As observações e percepções conseqüentes dessas experiências aguçaram de alguma

forma o meu modo de refletir, analisar e questionar os enunciados que explicam os dados

publicados pelo jornal Folha de São Paulo, em dezoito de maio de maio de 2003. Eles foram

resultantes das pesquisas realizadas por Ângela Albernaz, Francisco Ferreira e Creso Franco,

da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que tomaram como dados

empíricos os resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB/RJ). O

mesmo ocorreu em São Paulo, quando Rose Neubauer orientou a pesquisa da Fundação

Carlos Chagas de São Paulo (FCC-SP), sobre Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar

do Estado São Paulo (SARESP).

As duas pesquisas comprovaram o mau desempenho dos educandos negros das escolas

públicas brasileiras, notadamente na área de Matemática. Porém, ambas as pesquisas

mantiveram-se abertas para interpretação e análise dos aspectos qualitativos do entorno dessa

situação denunciada, já que as conclusões apresentadas não abordam, suficientemente, as

dificuldades conseqüentes das barreiras raciais presentes nas propostas curriculares, no

cotidiano das escolas e na sociedade brasileira de modo geral. De certo modo, ao longo deste

trabalho, essas barreiras serão expostas e a análise dessa questão — o mau desempenho de

educandos negros em Matemática — dar-se-á a partir da concepção de educação libertadora e

de Etnomatemática, como propostas, respectivamente, por Freire e por D’Ambrosio. Tais

conceitos permitiram, inclusive, uma reflexão sobre a minha vivência estudantil, sobre a

minha prática docente e, principalmente, sobre a minha forma de participar da reconstrução

do mundo. Um mundo que penso desejo pautado em sociedades sem distinções baseadas em

critérios de raça, cultura, cor, gênero ou religião, um mundo onde o processo de alteridade

seja um valor concreto do cotidiano.

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Desse modo essas motivações, aliadas à intenção de viver os desafios propostos pelo

mundo acadêmico, constituíram as referências para elaboração de um projeto de pesquisa que

se transformou num projeto de vida, entendido no contexto dos conceitos e das perspectivas

psicanalíticas e sartreanas:

O sujeito humano é criador de projetos, o que o leva a participar de sua cultura, de sua história e a ser sujeito de seu corpo. Participar de projetos, imaginá-los, sonhá-los, realizá-los, elaborá-los, destruí-los, abandoná-los representa laborar na construção da civilização. Porém, tal participação é experimentada diferentemente pelos sujeitos (individual e coletivo), pois ela inclui elementos do lugar social ocupado pelos mesmos. Toda participação evoca um sujeito em situação, sendo sua conduta e escolhas reveladoras de sua maneira de estar sendo. Nenhuma escolha pode escapar a evidência de ser “escolha em situação”, incluindo dimensões sócio-psico-históricas. As escolhas sempre se realizam em campo de possibilidades que podem ter diferentes níveis de abertura e de fechamento (CARRETEIRO, 2001, p. 9).

Na verdade, a minha história de vida orientou-me para um projeto, para uma questão que

ressalta as relações entre a aprendizagem e as questões raciais, colocando em foco o educando

negro. Mas essa mesma história levou-me também a uma determinada concepção de ciência

que valoriza sobremaneira os aspectos culturais, políticos, sociais e históricos presentes nos

fenômenos que desejo investigar e a um envolvimento pessoal com o objeto desta pesquisa.

Ao dissertar sobre as características qualitativas de um trabalho de pesquisa e reflexão

acadêmica, fica ressaltado o valor e o papel de tal trabalho conter características pessoais,

com autonomia, criatividade e rigor.

a temática deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lhe dizer respeito. Não, obviamente, num nível puramente sentimental, mas no nível da avaliação da relevância e da significação dos problemas abordados para o próprio pesquisador, em vista do universo que o envolve. A escolha de um tema de pesquisa, bem como a sua realização, necessariamente é um ato político. Também, neste âmbito não existe neutralidade (SEVERINO, 2002, p. 145).

Temos, neste cenário, dois autores, Carreteiro e Severino, que, partindo de diferentes

concepções do conhecimento, indicam aspectos relevantes ao perfil dos pesquisadores

contemporâneos, em especial na Educação Matemática, área na qual pesquisas classificadas

como qualitativas ganham especial destaque pela possibilidade de análise das subjetividades.

Os estudos desses autores encorajam-me a reconhecer-me como alguém com um histórico

de fatos que indicam um adjetivo relevante para um alinhamento entre os itens propostos e o

perfil do pesquisador. Nessa perspectiva, esta primeira parte deste trabalho tem por objetivo

demonstrar como minhas vivências, tanto no espaço escolar, quanto em outros espaços,

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podem ser relevantes na produção de conhecimentos no campo da Educação Matemática.

Assim, apoiado na consideração de Carreteiro, organizei a discussão a seguir, constitutiva

ainda desta etapa inicial, em quatro relatos da minha história de vida que, em diferentes

momentos, tiveram interferência nesta trajetória rumo à educação e à pesquisa.

Seguindo a análise sartreana, ser o projeto um dos organizadores da existência ao qual o ser humano não pode escapar [...], se coloca como um momento de integração: da subjetivação, da objetivação e da dimensão temporal, onde o passado e futuro se fundem. O projeto se inscreve como afirmação do homem pela ação que ao mesmo tempo inclui lembranças da infância e escolhas amadurecidas, sendo, sendo simultaneamente uma “bruma de irracionalidade” (CARRETEIRO, 2001, pág. 89).

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1 – Minha trajetória rumo à educação e a pesquisa

Fui criado no alto do morro popularmente conhecido como Morro do Soquete, onde o

sonho ganhou asas nos olhos que assistiam, do lado de fora da cerca, à construção do campus

da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O acolhimento naquele lugar sagrado parecia

ser negado pelas circunstâncias históricas, políticas, sociais e raciais, muito antes dos exames

seletivos. Mas, antes até mesmo de a obra ser inaugurada, esse acolhimento passou a ser uma

meta na minha vida.

Da época, ficou marcado o acesso restrito aos fins de tarde, quando os seguranças

deixavam recolher retalhos de madeira, sobras da gigantesca construção, que serviam de

combustível ao fogão de lenha da casa de chão batido, onde eu vivia com minha avó materna.

Não sabiam os guardas de segurança - e nem eu - que aquela lenha não servia somente de

combustível para o fogão no canto da cozinha. Ela servia, principalmente, como o

combustível que alimentava o sonho de um dia pertencer àquele mundo de curiosos, que tanto

me enchia os olhos.

Dona Maria ou Sá Ormezinda, a avó de oitenta e poucos anos, era conhecida de muitos,

por ser, como diziam, uma benzedeira de “mão cheia”. Na sua cozinha, ao calor do fogo da

lenha, ao aroma do café e da comida pouca, mas saborosa, conversávamos. Ela reproduzia as

histórias contadas pelos ancestrais, histórias que buscavam - na sabedoria e no conhecimento

dos africanos e dos brasileiros escravizados - explicar e entender o mundo. Determinar as

fundamentações, os conceitos do bem-viver, da moral, da ética e da dignidade eram alguns

dos seus objetivos, tidos como essenciais à sobrevivência da família, conduzida com mãos de

ferro por ela. Naturalmente, as raízes estruturais eram recentes, para uma família que vivia a

transição da terceira para a quarta geração conhecida de descendentes de escravizados.

Não raramente, os conceitos apresentados fugiam à minha compreensão, da mesma forma

que o meu inconformismo por não fazer parte daquele mundo refletido na universidade. Mas

aprendi a aprender, ouvindo as histórias à beira do fogo de lenha, onde o místico estava

presente, interferindo no desenrolar das tramas que mais pareciam contos sobrenaturais, cujo

fundo moral só compreendi muito depois, aliado à compreensão do significado e do papel da

educação. Foi quando percebi a pedagogia de conto de terror aplicada por meio das histórias,

nas quais as personagens e as punições pelos pecados cometidos, na quase totalidade,

mostravam aberrações humanas como a “mula sem cabeça” e o “lobisomem”, dentre outras.

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Tais monstros constituíam-se a partir de pessoas e atos que sucumbiam aos encantos de

projetos de vida fora dos padrões éticos da família e dos padrões desse bem-viver proclamado

nas narrativas da velha senhora.

Era muito comum, nas histórias narradas por ela, a ocorrência de personagens que, por

diferentes ambições, agiam contrariamente ou rompiam com as orientações e os interesses das

instituições familiares e por isso eram mutiladas ou deformadas, no corpo e na alma, por

forças místicas, ao romperem com ritos e mitos sagrados. Desse modo, roubar os pais ou

praticar incesto resultava em punições como a perda ou necrose das mãos ou outros membros

usados no ato, e até uma possível transformação em seres bestiais. Violar uma oferenda às

divindades poderia levar a ser punido da mesma forma. Entretanto, o que interessa destacar

aqui é a importância dessas histórias na formação do caráter de quem cresceu com a

consciência de que nada lhe seria entregue gratuitamente, principalmente fora daquele

contexto social.

As narrativas da minha avó sempre ofereciam a possibilidade de êxito aos projetos de

vida, mas somente com muita luta e preparação para tal empreitada. Assim, eu, representante

de uma família de escravizados, parti em busca do sonho. Fiz-me acompanhar das histórias de

minha avó, ouço-as ecoando intensamente na formação do caráter; foram elas que fizeram

com que eu mantivesse meus ideais, mesmo que, muitas vezes, o curso da história indicasse

fortemente que era impossível tornar real o sonho de menino. Nesse caminhar e na luta por

tais ideais, deparei com fatos marcantes de reencontro com um processo coletivo histórico

muito mais antigo.

Um jovem: seus conflitos e seus ideais

Um destes reencontros aconteceu num cursinho preparatório para o vestibular em São

Paulo, não mais do menino, mas do jovem que, seguindo seu percurso, acreditava ser

importante conseguir juntar forças, apesar do exaustivo dia de trabalho, da vida difícil, e

terminar as noites naquele núcleo. Fui ali tomado, mais uma vez, de surpresa, no dia em que o

professor de História do Brasil discutiu o trabalho escravo nas lavouras do Estado de São

Paulo. Ele desafiou a todos que fizessem uma análise da situação — assim como de suas

possíveis causas — de um grupo de pessoas, descendentes dos escravizados que, apesar do

tempo passado, não conseguiam mobilidade, nem aceitação dentro da sociedade. A avaliação

do professor tinha uma dimensão bem diferente daquelas nas quais eu acreditava. Ele

apontou, então, naquela sala de aula, para as disparidades conseqüentes dessa estagnação e

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solicitou uma contagem dessas diferenças, tomando como referência o contexto de conclusão

do ensino médio e o próprio vestibular.

A cena que se seguiu foi de muito estranhamento, pois, num grupo de duzentos alunos,

pelo menos cento e noventa e nove olhares voltaram-se para mim, por ser o único negro

naquele ambiente. Naquele instante, tive a percepção de que deveria ter algo mais

representativo do que a força de vontade. Aquela situação de destaque parecia-se mais com

uma distorção da realidade, uma distorção social, no sentido mais representativo da palavra.

Tal movimento encaminhou-me, daquele dia em diante, a estar mais próximo da realidade

daqueles que, como eu, tiveram a história de suas raízes ancestrais, suas histórias, seus

saberes, seus fazeres, suas facilidades, suas dificuldades, seus valores e emoções

determinados pela escravidão. Ocorreu possivelmente nesse movimento o reencontro com

alguns dos ensinamentos da minha avó e o desvelamento dos fundos morais contidos nas

histórias por ela narradas. A insistência dela na educação pareceu-me adequada diante da

realidade, e com ela se revelou a importância da contribuição do educador para o

desenvolvimento dos negros na sociedade brasileira.

Nessa mesma perspectiva, fui percebendo como educador, ao longo dos anos, que

algumas barreiras encontradas pelos negros, além de não serem combatidas pela sociedade,

eram sistematicamente reproduzidas dentro do ambiente escolar. Assisti reações indignadas às

denúncias sobre tais barreiras, porém observo que a omissão, no ambiente escolar, tem-se

mantido e tem-se apresentado como um agente silencioso de oposição ao desenvolvimento do

negro. Sua face muito pouco revelada impossibilita reações diretas, sempre escondeu o

inimigo na penumbra. Aqui se inclui a postura de muitos educadores que nem sempre se

percebem como produtores ou reprodutores de conceitos e preconceitos; portanto, não

avaliam as conseqüências de sua “não-atitude” sobre a vida de uma quantidade enorme de

pessoas que, no período de escolarização, passam por um processo frágil de construção da

identidade, que pode ser facilmente afetado. Esse descaso, como indicam inúmeras

constatações no decorrer de minhas vivências e convivências, tem conseqüências na formação

da personalidade do educando, dificultando que este venha a exercer as atividades cotidianas

com auto-aceitação e comprometendo a valorização do sujeito que ele é — tanto o sujeito

coletivo, fruto da história dos negros do País, quanto o sujeito individual, fruto da sua própria

historicidade.

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O militante cultural que encontra o educador

No ano de 1987, fui levado, pela influência de amigos universitários, a participar da

organização de um encontro estadual de estudantes. O objetivo do evento era buscar

entendimentos e ações que pudessem resultar em perspectivas e caminhos para aquele grupo

de pessoas que se dispuseram a enfrentar as barreiras que se impunham aos negros

universitários. Embora representativo em números absolutos e para o contexto político e

histórico do movimento negro, o evento não foi significativo para o quadro estatístico. Porém,

qualitativamente, teve significados importantes para alguém que acabou de confessar nos

relatos anteriores que, até a adolescência, não compreendia as dificuldades do outro. Perceber

que as adversidades eram comuns configurou-se como um choque positivo, pois o momento

concretizou o entendimento dos problemas de toda a comunidade negra como fenômeno

político, social e histórico, e não como uma questão de desenvolvimento pessoal.

No evento, ficou marcado o encontro com um grupo de atuação artística, política e

cultural, chamado “Grupo Afro Banda-lá, de canto dança e percussão” que, em sua prática,

procurava pontes entre as manifestações artístico-culturais e o sentimento de pertença na

comunidade negra, buscando resgatar a auto-estima tão necessária na luta por dignidade e

apropriação do conhecimento.

Tornei-me um membro pesquisador e parte do corpo de percussão por cinco anos; nesse

período, participei ativamente do momento mais produtivo da história do grupo. Foi essa

militância que firmou minha consciência como negro e como alguém que faz parte dessa

comunidade e de suas particularidades.

Posso afirmar que a passagem pela “Banda-lá” foi uma contribuição importante para a

formação do educador que, nesses dezenove anos, tem observado particularidades acerca do

desempenho do educando negro, principalmente na disciplina de Matemática. Não há como

negar que, notadamente nessa área, ainda persistem alguns estigmas do conceito de

inteligência genética que trazem graves conseqüências no desempenho, na formação

acadêmica e no exercício da cidadania de um considerável grupo de brasileiros.

A relação entre o homem e o educador

Outro ponto de relevância na condução deste trabalho está relacionado ao fato de a região

de Pirituba, onde atuo como professor de ensino fundamental, em escolas da rede municipal,

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desde 1996, ser citada numa reportagem publicada em 20/11/2005, pelo jornal Folha de São

Paulo, que a apresenta como um pólo histórico importante para a comunidade negra

paulistana. Segundo o artigo, essa região está indiciada como um possível foco de resistência

nas lutas pela liberdade dos negros escravizados no município de São Paulo (Quilombo). Os

relatos e as memórias das pessoas nascidas e criadas neste local dão conta da existência, num

passado recente, de artigos e artefatos possivelmente manuseados pelos quilombolas que ali

habitavam. Há a possibilidade de que atividades ali praticadas pela comunidade remanescente

venham mantendo vivos fazeres próprios do modo de ser, de viver, de explicar e de entender

o mundo a partir de elementos culturais.

Este projeto foi elaborado antes de essas informações serem reveladas ao público. No

entanto, a publicação contribuiu relevantemente para a tomada de decisão final no sentido de

manter a (as) escola (as) e a região como referências para a reflexão proposta, que tem como

objetivo central “analisar a maneira como os educadores matemáticos trabalham com a

herança cultural do educando negro no cotidiano e nas aulas de Matemática”.

As afirmações contidas nesta consideração inicial confessam um trabalho impregnado por

uma história de vida. Entretanto, a finalidade é justificar a escolha dos objetos e dos objetivos,

visto que eles representam a continuidade de uma história cujos fatos vêm se desvelando aos

olhos do educador ao longo do tempo. A convicção da escolha acertada na adoção da pesquisa

qualitativa está, entre outros fatores, na possibilidade de essa história de vida constituir uma

interessante base de observáveis para as análises e as avaliações dos contextos sociais e

históricos, contidos objetiva e subjetivamente nos discursos dos interlocutores; e por isso

constitui um facilitador no manuseio da bibliografia, dos questionários e das entrevistas. Com

isso, ela se configura de algum modo como um estudo de caso, na análise e no levantamento

dos dados empíricos, nos moldes propostos por Gil (1991, p. 70-80).

A consciência dessa possibilidade de impregnação despertou especiais cuidados, empenho

e esforços na intenção de evitar que ela venha a interferir nos resultados da pesquisa.

Entretanto, este trabalho está fortemente influenciado por essa vivência.

Na história da minha vida, muitas lutas, derrotas e vitórias impuseram-se; porém o sonho

se manteve inalterado até o ano de 2005, quando a luz da oportunidade rompeu as frestas e a

utopia apresentou-se arrebatadora. Como conseqüência, a vida ofereceu ao menino a

incumbência de reescrever, no universo da academia, mais um capítulo da história, que, nas

suas particularidades, reproduz histórias da coletividade negra. Entretanto, a construção dos

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projetos de vida, definidos anteriormente, encarregou-se de impulsionar as ações do educador

que tem se transformado continuamente por meio da reflexão sobre a prática.

Quero afirmar, entretanto, que este relato não tem vínculos com vaidade, mas é uma

tentativa de justificar as escolhas e as opções pessoais que me conduziram - pela ordem - ao

movimento negro, ao magistério, à formação de professores. À pesquisa e, finalmente, ao

primeiro passo rumo à concretização do sonho do menino que, do morro, olhava para a

universidade com sede de colaborar e interferir nos processos que dela decorrem.

1.1 Reflexões acerca da dialética inclusão / exclusão

Na elaboração da pesquisa, foi tomado como referência bibliográfica, principalmente, o

livro Artimanhas da exclusão, Sawaia (2001), no qual as perspectivas da Psicologia Social

são consideradas nas reflexões não apenas acerca das sensações, das emoções e das reações

dos indivíduos vitimados pelos processos de exclusão social, como também sobre as

conseqüências desse processo na construção das identidades. Três conceitos foram tomados

como orientadores: inclusão perversa, sofrimento ético-político e identidade. A escolha das

instituições para análise na pesquisa empírica deveu-se ao fato de elas estarem presentes no

cotidiano das comunidades urbanas e populares no século XX; por serem elas, entre outras,

signos da presença e da resistência das culturas negras no Brasil e por contribuírem com uma

proposta de nação brasileira, pautada nos valores da ancestralidade, configurando um modo

de ser e estar no mundo, fundamentado na fraternidade, na convivência, no respeito às

tradições, às individualidades e às diferenças.

Entendo que as práticas e as ações pedagógicas das instituições culturais selecionadas

estão diluídas nas ações cotidianas, de tal maneira que os valores são transmitidos dessa

forma, no que diz respeito tanto às técnicas de manuseio dos processos, quanto à transmissão

dos conhecimentos sagrados e dos elementos culturais mais gerais. Isso se dá

preponderantemente pela tradição oral e pela corporeidade, o que se constitui em mais uma

das práticas ancestrais desse modo de ser e de estar no mundo.

O primeiro conceito referido por Sawaia (2004) é o de inclusão perversa, determinada

pela distribuição dos estratos sociais; é ela que define os grupos privilegiados e os grupos

excluídos dos bens e dos valores morais, políticos e sociais dentro de uma sociedade.

Conseqüentemente, é entendida como desencadeadora das sensações, das emoções e

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sofrimentos — o sofrimento ético-político”, o segundo conceito abordado conseqüência da

inclusão perversa vivida pelos excluídos desse conjunto de bens.

Por sua vez, o sofrimento ético-político tem como conseqüência o reagrupamento dos

indivíduos excluídos desses bens pelas condições sociais, históricas e políticas a que são

expostos. Criam-se, assim, novas condições para a retomada do processo de identidade, que

merece uma descrição mais detalhada em função da relevância dessa referência na análise da

exclusão. Nessa análise, a identidade não só é descrita como busca de novos espaços de

representação e de construção do “eu” como sujeito único e igual a si mesmo, mas também é

vista como referência de liberdade, felicidade e cidadania nas relações interpessoais,

intergrupais e internacionais.

A Psicologia Social busca lugares onde a identidade possa ser consciência para si e para o

outro. Entretanto, na reflexão, Sawaia (2004) alerta para os paradoxos que caracterizam os

estudos de exclusão: entende que os referenciais identitários permitem fugir da metanarrativa

homogeneizadora e do relativismo absoluto, mas alerta que o uso do argumento de defesa das

diferenças é comumente usado como proteção contra o estranho e como legitimador dos

comportamentos xenofóbicos.

Do outro lado, Munanga (2004) descreve a construção da identidade negra brasileira

como conseqüência do processo imposto pela sociedade brasileira para legitimar o uso do

trabalho escravo como mão-de-obra barata, afirmando, portanto, as identidades negras como

construção política, ainda que o discurso biológico tenha sido usado como legitimador do

processo. “A inexistência científica da raça e a inoperância do próprio conceito justificam o

uso do conceito como realidade social e política, considerando a raça como uma construção

sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão” (MUNANGA, 2004, p. 23).

Desse modo, apoiado nas afirmações de Munanga e Sawaia, ao longo deste trabalho, o

termo “negro” e suas derivações serão usados para referir-me aos grupos de descendentes de

africanos escravizados no Brasil Colonial, pelo entendimento de que esse termo foi criado

pelas circunstâncias históricas, sociais e políticas e os fatores, culturais, econômicos e étnicos

a que foram submetidos esses grupos, em função dos fatores sociais, culturais, econômicos e

étnicos.

Sawaia aborda dialeticamente inclusão e exclusão, consciência e identidade e elege o

termo exclusão como atualidade nas Ciências Sociais. Alerta para a multiplicidade de

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conceitos que dele emerge, justificando assim a opção de muitos pesquisadores por outros

termos mais precisos. No entanto, o conceito de inclusão/exclusão é um facilitador no estudo

da complexidade e da natureza contraditória da exclusão social. A exclusão é uma forma de

“inclusão perversa”, afirma; daí que a dialética inclusão/exclusão introduz a ética e a

subjetividade na análise das desigualdades sociais, ampliando assim o campo de

interpretações possíveis.

A exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social; ao contrário, ele é um produto do funcionamento do sistema. (SAWAIA, 2001. p. 9).

Na abordagem psicológica, segundo a educadora, a lógica dialética inverte a idéia de

inclusão social, desatrelando-a das noções de adaptação, de normatização e de culpabilidade

individual. Desse modo e exclusão é entendida como um processo que objetiva a manutenção

da ordem social.

A pesquisadora analisa, também, de que maneira os processos de inclusão/exclusão social

influenciam a consciência e o sentimento de identidade do indivíduo, como eles se refletem

nas práticas cotidianas e como se (re)constroem as identidades a partir das circunstâncias

criadas por esses processos.

O trecho abaixo oferece algumas evidências frente às reflexões da autora sobre o tema. Na

verdade, é resultado de suas pesquisas, construídas a partir de observações e relatos sobre

pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a questão, que oferecem visões mais bem

contextualizadas sobre ela.

A dialética inclusão/exclusão gesta subjetividades específicas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado ou revoltado. Essas subjetividades não podem ser explicadas unicamente pela determinação econômica, elas determinam e são determinadas por formas diferenciadas de legitimação social, individual, e manifesta-se no cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência (SAWAIA, 2001, p. 9).

Entendo que tomar o livro como referência se justifica pela possibilidade de oferecer

outras visões e reflexões sobre os temas e de contribuir para a construção da identidade

nacional brasileira. É necessário destacar que essas reflexões não têm pretensões conclusivas,

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principalmente no que se refere aos negros como classe ou como movimento social. A

análise, nessa perspectiva, demandaria tempo e qualificação não disponíveis neste trabalho.

A obra foi selecionada pela possibilidade de pesquisar os reflexos das relações

inclusão/exclusão, diferença/igualdade e de estabelecer paralelos com o contexto no qual se

deu a inclusão social do negro brasileiro em diferentes momentos da nossa história,

principalmente, na virada do século XX; pela importância desse processo na construção das

identidades individuais, nas práticas, nas manifestações cotidianas e nos processos de

cognição do negro; e por possibilitar a reflexão sobre a configuração dos movimentos na

construção das identidades raciais no Brasil.

É importante destacar que pesquisas têm sido produzidas pelas Ciências Sociais que,

juntamente com a Educação e a Saúde, têm contribuído significativamente com a produção de

conhecimentos neste campo. Os temas têm sido encaminhados de acordo com as afinidades,

criando abrangências de experiências nas relações pessoais, interpessoais, socioculturais e nas

relações de poder, contribuindo sobremaneira para o processo de produção do conhecimento.

Entretanto, este trabalho foi constituído na perspectiva da Educação, e diferentemente do

que ocorre nas Ciências Sociais, não tem abrangência nos movimentos organizados. De fato,

as leituras encaminham as visões e as reflexões para as relações: educador, educando, escola e

educação. Alimentadas pelas convicções, formadas nas minhas vivências como integrante de

grupos culturais negros e na sala de aula.

As diversas perspectivas e os diversos enfoques apontados indicam que, em muitos

momentos, será necessário recorrer aos relatos das minhas memórias, na constituição de

referências da dualidade diferença /identidade ou inclusão/exclusão. Desse modo, objetivo

usar esses conceitos e fundamentos da Psicologia Social para analisar a inserção do negro no

contexto social brasileiro e as instituições que sustentaram essa resistência cultural, desde os

primeiros momentos da colonização até a contemporaneidade, com especial atenção para a

virada do século XX.

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2 – A pesquisa: o desafio do estudo e outras confidências

Este trabalho está inserido em um projeto pessoal e, portanto, os modos de investigação e

análise contêm questões e processos, especialmente subjetivos. De algum modo, a pesquisa

foi desenvolvida a partir da reflexão proposta por Garnica acerca do adjetivo “qualitativo/a”,

na qual cinco pontos são considerados relevantes aos trabalhos em Educação Matemática.

Segundo o autor:

O adjetivo 'qualitativa' estará adequado às pesquisas que reconhecem: (a) a transitoriedade de seus resultados; (b) a impossibilidade de uma hipótese a priori, cujo objetivo da pesquisa será comprovar ou refutar; (c) a não neutralidade do pesquisador que, no processo interpretativo, se vale de suas perspectivas e filtros vivenciais prévios dos quais não consegue se desvencilhar; (d) que a constituição de suas compreensões dá-se não como resultado, mas numa trajetória em que essas mesmas compreensões e também os meios de obtê-las podem ser (re) configurados; (e) a impossibilidade de estabelecer regulamentações, em procedimentos sistemáticos, prévios, estáticos e generalistas (GARNICA, 2004, p. 86).

Considero que a fundamentação e a dinâmica de operacionalização da pesquisa foram

orientadas pelas normas próprias de uma investigação dessa natureza, segundo as quais as

entrevistas e os questionários foram os meios geradores do diálogo com os educadores das

duas instituições escolares: a EMEF “Jairo Ramos” e a EMEF “Desembargador Silvio

Portugal”, com a compreensão de que eles oferecessem pistas e informações relevantes aos

objetivos propostos. Naturalmente, no transcorrer do percurso, houve alterações e adequações

em virtude do cruzamento das informações levantadas nas entrevistas e nos questionários com

os professores, nos quais havia indagações acerca dos modos de inserção do negro no sistema

educacional brasileiro.

Vale ressaltar, mais uma vez, que tais estudos demonstraram que os debates acerca da

democratização do ensino público iniciados com o projeto da Escola Nova, na década de vinte

do século XX podem ser interpretados como as primeiras ações institucionais de inserção da

população negra no processo de educação escolar. Entretanto, ações efetivas aconteceram

somente com a implementação da Lei 4.024/611, ou seja, quarenta anos depois.

Impulsionada pelos movimentos sociais envolvidos com a questão da educação do negro

e pela constituição de 1946 e inspirada nos propósitos da ONU e da UNESCO, a Lei

1 A Lei 4.024/61 é entendida por Maria Luiza Ribeiro como a primeira lei de diretrizes e bases da Educação nacional (LDB). Ela é resultado de um projeto de lei que permaneceu em debate por 13 anos no Congresso Nacional

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4.024/61, possibilitou o ingresso sistemático dos educando negros no ensino primário da

escola pública. Porém os processos de adaptação mostraram-se inócuos, pois tal abertura

naturalmente necessitava de ações de cunho afetivo, político e estrutural da rede escolar para

receber a clientela.

Com efeito, era preciso, por um lado, criar condições emocionais e pedagógicas para o

acolhimento e o apoio aos educadores e aos educandos negros, visto que estas crianças negras

não contavam, entre outros fatores, com estrutura familiar capaz de dar sustentação à

permanência delas na escola, assim como os educadores não estavam preparados para a nova

realidade da escola pública. Por outro lado, a falta de estrutura para tal acolhimento e para a

organização do trabalho escolar determinada, pelas circunstâncias sócio-históricas, fez com

que esses educandos não se sentissem agentes no processo que se iniciava.

Do considerado, e em busca de uma reflexão em termos de análise, é importante destacar

as inconveniências da falta de referências identitárias nas intervenções práticas escolares em

relação ao cotidiano da clientela, denunciadas por Freire (1987), no sentido de que tais

intervenções contribuam significativamente na formação da consciência crítica e da auto-

estima do educando. Essa dificuldade nas intervenções constitui um importante fator gerador

do mau desempenho do educando negro da escola pública, que não via, naquele momento,

suas construções coletivas representadas nos processos escolares.

E, naturalmente, a mesma falta de referências e de estrutura ainda influenciam na

diferenciação do desempenho dos educandos negros, uma vez que modificações mais

significativas ainda não foram percebidas na sociedade e na educação brasileira, de modo

mais acentuado na disciplina de Matemática que, por sua vez, segundo D’Ambrosio (2005),

tem servido como elemento de distinção e de classificação social ao longo da história do

Ocidente.

Em sentido contrário à distinção, portanto, na trilha da democratização da Matemática, as

discussões geradas a partir do grupo de Bourbaki tomaram corpo no movimento da Educação

Matemática a partir da segunda metade do século XX, - um modelo estrutural de ensino de

Matemática que, no Brasil, ficou conhecido com o nome de “Matemática Moderna”. E,

independentemente dos méritos, o movimento, ao ser influenciado pelo saber tecnicista-

científico promovido pela Guerra Fria, distanciou-se das propostas que contemplavam as

peculiaridades e das diferenças próprias de cada comunidade.

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A Matemática Moderna, como estudo científico, tem relevante contribuição no

desenvolvimento das ciências e da Educação, na unificação e na universalização da linguagem

matemática. Entretanto, como abordagem didática, criou um universo abstrato, simbólico e de

relações complexas que não favoreceu a aprendizagem.

É possível afirmar que as práticas escolares fundamentadas na Matemática Moderna estão

se perdendo com o tempo, mas suas marcas estão incorporadas nas propostas de atuação dos

núcleos de formação de professores, gerando representações e modelos que, de algum modo,

organizam a prática pedagógica dos professores, as quais foram muito bem configuradas por

Machado (2001, p. 56). O Autor explicita tais representações ao descrever os cinco slogans

comumente usados pelos professores para justificar as dificuldades no ensino/aprendizagem

da disciplina de matemática: a Matemática é exata, a Matemática é abstrata, a capacidade

para Matemática é inata, a Matemática desenvolve o raciocínio e a Matemática justifica-se

pelas aplicações práticas.

Em outra perspectiva, muitos pesquisadores em Educação têm tratado das relações entre

os conhecimentos desenvolvidos pelos negros no Brasil e a aprendizagem significativa dos

conteúdos escolares. O programa de Etnomatemática assume tais referências em suas

propostas, mas, concretamente, as abordagens ainda são pouco exploradas no que diz respeito

às pesquisas que relacionem o conjunto de saberes desenvolvidos pelos negros brasileiros e o

ensino/aprendizagem de Matemática. Vale aqui ressaltar o trabalho de Lukes (2006) sobre o

“Estado da Arte da Etnomatemática”, pois ele demonstra que, dentre os aproximados setenta

trabalhos acadêmicos categorizados no programa de Etnomatemática, até aquele momento,

nenhum abordava diretamente a questão dos conhecimentos desenvolvidos pelos negros

brasileiros.

Tal constatação deixa abertos espaços para questionamentos e naturalmente justificam

pesquisas que, como essa, alia os saberes desenvolvido pelos negros, com potencial para

serem explorados na sala de aula, e os conhecimentos científicos difundidos na escola.

Este estudo visa também reflexões acerca de conceitos, posturas e valores que possam

interferir na aprendizagem da disciplina. Não somente entre os negros, mas no conjunto da

clientela da escola pública que, por afinidade ou convivência cotidiana, incorporam os valores

e as racionalidades da cultura negra.

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Os aspectos levantados nas fundamentações foram considerados na pesquisa, como

possíveis pontos de tensão entre o real e um ideal de educando — por isso, promotores de

ruídos e distorções na leitura dos códigos e dos valores a que são expostos os educadores e os

educandos negros na escola.

Minha vivência no magistério público tem-me sensibilizado para essas tensões e suas

conseqüências no desempenho e na diferenciação de postura na sala de aula, promovida por

esse modelo de “aluno ideal” dentro de um “ideal de aluno”, desvinculado da nossa realidade,

em contradição a Freire (2002, p. 70), que afirma que a “educação como prática da liberdade,

ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato,

isolado, solto, desligado do mundo, assim como uma realidade ausente nos homens”.

Desse modo, considerando os fatores colocados, proponho-me aqui a encaminhar

respostas ao problema de pesquisa: compreender os sentimentos, racionalidades e lógicas de

atuação do professor de matemática diante da atitude de levar em conta a cultura2 (negra)

no ambiente escolar ( Nessa perspectiva, o objetivo central desta pesquisa está em perceber

se, ao adotar posturas e práticas que levem em conta a cultura negra no ambiente escolar,

podemos contribuir para a modificação da Educação, no sentido de valorizar as

particularidades dos saberes e das trajetórias – histórica e política - das populações negras do

Brasil.

2.1 O questionário como instrumento de análise.

A opção pelos questionários aos educadores matemáticos das escolas vem do

entendimento de serem estes últimos os atores do processo de educação escolar e atende às

orientações propostas por Gil (1991) para este tipo de investigação. Na análise, as respostas

apresentadas são confrontadas com as orientações pedagógicas da administração municipal no

período 2001 - 2004, ou seja, as primeiras orientações na Educação Municipal de São Paulo

depois da aprovação da Lei 9.294/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação e dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Nestes documentos, a questão da diversidade

cultural brasileira foi considerada como um dos temas transversais a serem abordados nos

currículos escolares e na sala de aula.

2 A cultura é um conjunto complexo de objetos materiais, de comportamentos, de idéias, adquiridos numa medida variável por cada um dos membros de uma comunidade, segundo conceituado por Munanga (2007).

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O questionário está estruturado em duas fases: uma primeira, com questões fechadas e

pessoais para identificar dados sobre o educador em sua formação. Essas informações foram

cruzadas com as respostas da segunda fase, na qual questões abertas objetivaram aflorar

crenças, sentimentos, emoções e valores que possam ser identificados como provocadores de

ruídos e/ou dificultadores na implementação das metas contidas na orientação da SME/SP

2001 - 2004 para o trato com as relações raciais na educação. A análise e o cruzamento das

respostas buscaram perceber indícios relevantes de como esses sentimentos e emoções são

transmitidos na formação, na prática e na cultura desses educadores e como se configuram

como dificultadores na aprendizagem da disciplina de Matemática.

2.2 A entrevista como instrumento de análise

As entrevistas foram direcionadas aos educadores matemáticos das duas unidades

escolares, também pelo mesmo entendimento de serem eles os atores mais diretamente

envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Portanto, ali estão presentes nuances do modo

de atuar nos saberes e nos fazeres do processo didático-pedagógico dessas instituições e da

educação escolar.

A análise das entrevistas, fundamentada em tais saberes e fazeres contribuiu

relevantemente nas reflexões acerca das (re)configurações dos currículos. Desse modo, é

possível a este trabalho contribuir com ações que dinamizem as relações entre educador-

educando, educando-educando, comunidade-escola, compreendendo resultados significativos

para a aceitação e a valorização da diversidade étnica e cultural brasileira, notadamente a de

matriz africana, de modo tornar a relação ensino-aprendizagem significativa aos educandos e

ao conjunto da sociedade brasileira.

As entrevistas, da mesma maneira que os questionários, foram orientadas pela proposta

Gil (1991), na qual o autor destaca a relevância desses instrumentos de análise, assim como as

principais contestações a ele levantadas. Elas foram encaminhadas dentro da categorização

do autor como “entrevista semi-estruturada”; neste tipo de entrevista, a orientação é para que

seja bastante aberta, ou seja, os interlocutores deverão ter total liberdade na expressão de suas

idéias, devendo apenas haver direcionamento na intenção de aflorar o tema proposto — neste

caso, para os possíveis saberes e fazeres contidos na prática, assim como para o desvelamento

das tramas presentes nas relações entre as pessoas e as instituições.

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2.3 Problematizando a relação do professor com o ensino de matemática

Em estudo acerca dos vários modelos dos cursos de formação, inicial ou continuada,

oferecidos aos professores de matemática, Domite (2006) destaca o fato de, dentre eles,

alguns poucos estarem voltando suas orientações para a formação do professor no papel de

sujeito de ações sociais dentro da educação. Portanto, no geral o professor tem sido preparado

para manter o papel do sujeito transmissivo e impositivo, concluindo dessa forma que os

modelos parecem manter as tendências de uma escola dita tradicionalista, na qual os alunos

são tratados padronizadamente, ou seja, os métodos, os conteúdos e os conceitos

universalizantes são aplicados indistintamente na sala de aula, espaço no qual o professor

mantém o papel do elemento que detém o conhecimento e somente ele é capaz de oferecer as

transposições e a compreensão necessária à visão cientifica do conhecimento.

Na contramão dessa tendência, afirma a autora, alguns modelos de formação não têm

colocado como prioridade a preparação dos professores voltada para a reprodução dos

conteúdos matemáticos. Eles têm buscado preparar para a reflexão profissional em processos

nos quais as necessidades emocionais, intelectuais e sociais do educando devam ser

entendidas como parte importante do processo educacional, portanto como constituintes dos

projetos político-pedagógicos (PPP).

A autora afirma, ainda, que repensar os (PPP) nessa perspectiva pressupõe compreender

mais adequadamente os modos do educando, o que exige do profissional a disponibilidade

para conhecer mais profundamente o grupo e o espaço social que o envolve, criando dessa

maneira um ciclo de reflexão constante sobre a ação, de modo que a reflexão e a ação se

modifiquem constantemente.

A autora revela ainda no estudo que, do ponto de vista da etnomatemática mais

especificamente, a orientação aos professores e as reflexões contemplem também os

processos pelos quais emergem os modos de raciocinar, medir, contar e tirar conclusões

próprias do educando, assim como compreender os modos como a cultura desenvolve e

potencializa a aprendizagem. Pode, desse modo, levar em conta os saberes e os mecanismos

primeiros do educando, na perspectiva de transformar a aprendizagem num movimento

significativo e autônomo.

Do estudo de Domite (2006), foram introduzidos nesta pesquisa quatro elementos para

serem considerados na análise das entrevistas acerca do ensino de matemática. São eles: a) as

influências da formação inicial na prática docente; b) o conteúdo como preocupação central

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da prática docente; c) a prática docente em transformação; d) ações motivadoras de interesse

do aluno; e) o papel da família no processo educacional.

2.4 Problematizando a relação do professor com o educando negro

Muitas reflexões sobre educação escolar foram produzidas nos últimos cinqüenta anos,

tanto no âmbito da sala de aula, quanto na formação dos educadores. Essas reflexões têm

apontado insistentemente para a necessidade de maior participação e engajamento político dos

educadores com a escola e com a comunidade, na expectativa de que tal engajamento

fortaleça os vínculos entre o conhecimento científico e as necessidades cotidianas do entorno

sócio-político da unidade educacional, ou seja, o bairro, a cidade ou o país, tornando assim

tais conteúdos escolares mais concretos e significativos.

Neste sentido Freire (1997) defende que educar é uma forma de intervir no mundo;

portanto, as ações do educador devem transcender os conteúdos que, por sua vez, devem ser

utilizados como instrumentos de desvelamento da complexidade e do desmascaramento das

ideologias presentes no processo educacional, tornando assim o papel da escola, do educador

e da Educação exponencialmente relevante para os educandos e para a comunidade escolar.

A educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. A dialética é contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia dominante (FREIRE, 1997, p. 98)

Tendo em vista essa reflexão, vale ressaltar no trabalho de H. Santos (2001), que analisou

do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-1996), um indicador criado pela ONU para

dimensionar a qualidade de vida no mundo. Pautado em três parâmetros básicos: o Produto

Interno Bruto (PIB), as avaliações e indicadores educacionais e de saúde das nações

signatárias, tal estudo coloca o Brasil como 63º classificado, entre os 174 países pesquisados,

se considerado o total da população. Porém, se considerados os dados da população negra

brasileira isoladamente, a classificação passa para 120ª posição. Dessa analise é possível

concluir que as condições sócio-históricas e econômicas ainda interferem acentuadamente na

falta de estrutura das famílias e no desenvolvimento das comunidades negras brasileiras;

conseqüentemente, no desempenho do educandos negros e nas relações que se estabelecem

dentro da sala de aula e na sociedade.

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Se de um lado, as condições sócio-históricas têm sido cada vez mais reconhecidas como

um fator a ser levado em conta no desempenho do educando negro; de outro, as inquietações

entre os pesquisadores e os educadores envolvidos com a questão da diversidade cultural e

racial na escola pública demonstram a existência de ações e práticas por parte de agentes

educacionais que reproduzem modelos e crenças racistas remanescentes da virada do século

XIX, o que – como bem narra I. A. Santos (2001) — contraria, de algum modo, as orientações

educacionais e as legislações vigentes acerca da questão. Entretanto, o destaque desta

narrativa está na existência da incompreensão e da não-aceitação e no desconhecimento da

escola e dos professores quanto à necessidade de promover ações de combate a essas práticas

e ações de igualdade na diferença.

A não-aceitação, a incompreensão e a inação, por parte dos agentes educacionais, foram

interpretadas por Cavalleiro (2006) como omissão diante do contexto, o que tende a perpetuar

e a agravar as desigualdades sócio-históricas no âmbito da população negra brasileira. A

educadora afirma também que “ao silenciar a escola grita inferioridade, desrespeito e

desprezo”, reforçando as crenças e os estereótipos acerca da população negra. Tais fatores

revelam tensões que se estabelecem nas relações socioculturais e nas relações de poder no

ambiente escolar, que também têm dado foco a outras discussões.

Do ponto de vista da lingüística, tem sido destacado que ao refletirmos sobre significados

e significantes dentro dos contextos sociais, há diversas leituras e interpretações de um

mesmo código de comunicação de acordo com o grupo no qual eles são utilizados (Chomsky,

1998), destacando as distorções e os ruídos nas leituras desses símbolos em função dos

interlocutores e da relação que se estabelece entre eles — comuns na sala de aula, em

conseqüência das diferenças nas representações e nos valores entre educador e educando,

entre educador e educando negro. Tais distorções parecem reproduzir e perpetuar processos,

valores e modos constituídos nos estigmas dos 350 anos de escravização, assim como uma

visão de mundo pautada nessa concepção histórica da nossa realidade.

Fundamentadas em fatores semelhantes, I.A. Santos (2001) e Cavaleiro (2006) analisaram

os modos como à educação infantil lida com a diferença e a discriminação racial no cotidiano

escolar. Estas pesquisadoras elegeram quatro referências, entre outras, para análise dessas

práticas. As quais, embora, estruturadas para a educação infantil, serão aqui tomadas como

uma referencia importante para a analise — pelo entendimento de que podem orientar e

organizar a problemática da relação educador/ educando negro no contexto da Educação

Matemática a partir das quatro categorias de referencias propostas, são elas: a) a

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representação do negro no livro didático; b) as perspectivas quanto à aprendizagem do

educando negro; c) a auto-estima do educando negro; d) a diluição das especificidades do

educando negro.

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3 – A cultura negra brasileira e a Educação

Das inúmeras conversas na cozinha, com minha avó, algumas ficaram mais fortemente

registradas na memória por explicitarem uma aparente contradição embutida nas narrativas

acerca do nosso desenvolvimento social. Minha avó insistia em reafirmar a importância para

nós, “os pretos”, de freqüentar a escola e obter os diplomas do primário e do ginásio, na

intenção de “ser alguém na vida”. De outro lado, ela demonstrava grande apreensão com os

malefícios que a escolarização poderia nos causar. Contava e recontava histórias dos “tempos

antigos”, nas quais relatava o uso que alguns de nós fizeram dos conhecimentos resultantes do

saber ler, escrever e contar ou do privilegio de ter freqüentado a escola.

Nas narrativas acerca dos “tempos de cativeiro”, eram constantes os exemplos de

negros destacados em função desses conhecimentos e/ou práticas que ora beneficiavam e

compunham a luta pela liberdade, ora beneficiavam o sistema e os interesses dos senhores. As

apreensões da minha avó, no entanto, estavam centradas nas pessoas que se voltaram contra a

própria origem e contra a comunidade escravizada. Pessoas que, em troca de privilégio, de

destaque e de reconhecimento, serviam e servem ao sistema como exemplo de subserviência,

de desestímulo à rebeldia e à indignação.

Ela falava com orgulho de um exemplo de rebeldia e de uso do conhecimento tomado

do domínio popular das Gerais: a história do tal “Chico Rei”, cuja luta pela libertação do seu

povo contradiz a subserviência e a negação assumida nas histórias dos capitães do mato.

Todas as histórias tinham um cunho pedagógico - ainda que em certos casos a pedagogia

aplicada fosse o terror, como já relatado em outro episódio.

Somente anos depois pude compreender que essa sabedoria de vida da minha avó

revelava, ainda que de modo especialmente intuitivo, a delicada relação que se constitui entre

a escola e a cultura, no processo de inclusão dos negros na sociedade e na educação escolar

brasileira. Mesmo não tendo freqüentado a escola, ela sabia avaliar a importância, assim como

os problemas, da escolarização para o nosso desenvolvimento social e pessoal. Por isso,

nunca deixou de alertar para os perigos da alienação conseqüente dessa escolarização.

Não consegui registrar se minha avó tinha ou não consciência de que as mesmas

apreensões dela constavam das pautas, dos debates e das manifestações das comunidades

negras organizadas nas grandes cidades no final do século XIX. Naquele instante já se

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observavam apreensões com os modos e as formas de sobrevivência impostos ou assumidos

pelos negros, assim como as conseqüências desses atos para o conjunto da comunidade. Sobre

esse mesmo sentimento frente ao conhecimento de grupos culturais específicos – em especial

dos negros.

A contradição acerca da escolarização do negro e suas conseqüências, de certa maneira

está expressa na constituição dos processos aplicados na Educação. Ghiraldelli Jr. (2006), em

um dos seus estudos sobre a história da educação brasileira, retoma as raízes etimológicas do

termo, determinadas por duas palavras, uma das quais é “educere”, cujo significado é “dirigir

exteriormente” ou “conduzir pela força”. A outra palavra, “educare”, tem o significado de

“alimentar”, “instruir”, conduzindo pela afetividade. O autor usa esses conceitos para

justificar a contradição existente nos caminhos filosóficos assumidos pela Pedagogia e pela

escola: um é determinado por regras exteriores ao aprendiz e o outro, determinado pela

intenção de eles construírem suas próprias regras na tomada de posse do conhecimento. Ele

entende os tais conceitos como divisores da Educação em dois campos: o das políticas

educacionais e o dos ideais pedagógicos, culturais e filosóficos.

Freire (1997) também demonstra muita apreensão com a contradição existente na

convivência entre os conhecimentos científicos, propostos pela escola, e os conhecimentos

culturais, oriundos das práticas cotidianas e culturais. Ele entende que as linguagens, as

lógicas e os valores trazidos do ambiente social são freqüentemente tratados com preconceito

no ambiente escolar, que por sua vez tende a formas que cumprem os interesses dos grupos e

das estruturas de poder. Neste sentido, a disciplina de Matemática tem assumido papel

relevante ao longo da história da Educação. Daí, a necessidade de o educador — e a Educação

Matemática — perceber, entender e legitimar os saberes e as práticas reconhecidas como

heranças culturais do educando nas abordagens escolares.

As preocupações da minha avó, as de Freire, assim como as afirmações de Ghiraldelli,

indiciam a existência de duas perspectivas importantes a serem consideradas na tomada do

conhecimento na escola. A cultural, que é conseqüência das construções históricas e práticas

dos diferentes grupos que compõem a sociedade. A científica, legitimada pelas estruturas de

poder, que determinam objetivos da educação e da difusão do conhecimento na escola.

Desse modo, refletir sobre a educação brasileira implica também situar a presença do

negro nessas duas perspectivas. Para tanto, e considerando que a escola é uma instituição cuja

atuação não ocorre isoladamente, fez-se necessário abordar a questão, observando diferentes

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ângulos, tais como: o econômico, o político, o histórico e o cultural. A abordagem sobre as

diversas dimensões ampliou as possibilidades de entendimento do processo de inserção do

negro na sociedade e na Educação – um dos focos deste trabalho, principalmente na virada do

século XX, período no qual o País viveu intensas mudanças políticas, econômicas e sociais.

Nesta busca apoiei-me em autores que analisaram a história da Educação brasileira a partir de

distintas perspectivas para, assim, ampliar o leque de interpretações.

Estabelecer paralelos entre diferentes visões teve por objetivo demonstrar como as

especificidades dos negros aparecem na constituição do nosso projeto educacional e como

elas são concebidas cotidianamente na escola, uma vez que é possível considerar que o

raciocínio matemático desenvolvido pelos negros gradativamente se incorporou às ações

cotidianas do povo, podendo hoje ser percebido com certo destaque na música, nos esportes,

na língua e na linguagem, entre outros aspectos da nossa cultura.

Essa abordagem permite e fundamenta a reflexão sobre o distanciamento entre a lógica de

pensar do negro, em contraposição à lógica identitária/aristotélica, assumida como universal

pela escola, o que pode ter influenciado no distanciamento e nas tensões entre as

racionalidades oriundas das vivências culturais e a racionalidade científica escolar.

3.1 A Educação olhada de dentro (uma visão negra)

Os anos que compuseram o período 1980 / 2000 foram fortemente marcados por ações

dos movimentos sociais ligados às comunidades negras brasileiras. Nesse período tive

oportunidade de participar de varias reuniões, simpósios e congressos, nos quais se abordava

a problemática da inserção do negro na sociedade.

Nesses eventos, ressaltava-se freqüentemente a certeza de que na formação econômica do

País, nos quinhentos anos da nossa história, dois terços foram constituídos, principalmente,

pela força do trabalho dos negros escravizados. Com a abolição, esses negros perderam a

condição de escravizados, mas não tiveram a condição de cidadania legitimada ou respeitada,

configurando, desse modo, o segundo momento de inclusão perversa conceituado por Sawaia

(2004).

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No processo, os negros que até então serviram a sociedade como mão-de-obra

escravizada, foram jogados na marginalidade, tendo sido percebida no sentido contrário pouca

ou nenhuma ação institucional com a intenção de modificar esse quadro durante o século XX.

Com isso, os descendentes desses “ex-escravizados” não tiveram reconhecidas as condições

de direitos, de igualdade de oportunidades e de transcendência. Portanto, é preciso entender

que esse resgate de cidadania — assim como a percepção da necessidade de movimentos

globais que equacionem a questão — é uma questão da sociedade.

O ensaio de João Cezar de Castro Rocha, publicado em 29 de fevereiro de 2004, no

Caderno “Mais” da Folha de São Paulo, discute a transformação da marginalidade dos setores

carentes da população brasileira em criminalidade como uma das conseqüências das

condições históricas que foram impostas às comunidades e às famílias negras, no fim do

sistema escravista.

Em sentido contrário, os núcleos familiares e as comunidades negras, em sua maioria,

encontraram como forma de sobrevivência, um profundo apego às questões da moral e da

ética, ainda que, de certa forma, a busca pela sobrevivência tenha criado uma linha tênue com

a criminalidade proposta por leis como a lei de vadiagem3, entre outras, implantadas

simultaneamente ao processo de abolição. Mesmo que a moral e a ética das famílias negras

encontre lugar privilegiado na Educação, a escola, no papel de reguladora da convivência

entre os diferentes, vem merecendo um olhar especial, na busca de uma maior abrangência

deste segmento da sociedade.

No tocante aos intelectuais negros, em dezembro de 2003, na cidade de São Paulo, o

seminário “Educar Para a Igualdade Racial”, promovido pelo Centro de Estudos das Relações

do Trabalho e Desigualdades (CEERT), elegeu a educação escolar como instrumento

orientador dos debates sociais e políticos acerca da superação das barreiras impeditivas ao

desenvolvimento da comunidade negra. Foram abordadas, no seminário, as precariedades e as

condições em que estão envolvidas essas comunidades no Brasil, assim como a relevância da

educação escolar no processo de transformação dessa realidade.

Educação pautada nos princípios freireanos — que visam contemplar particularidades

culturais, históricas e o modo de ser, de ver e de estar no mundo — em especial quando se

3 Do Código Penal de 1890 (dec. no. 847, de 11 de out. 1890), "Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de habilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem; andar em correrias [...]: Pena – Prisão celular por 2 a 6 meses." Lúcio Ronaldo Pereira Ribeiro - Pós Graduando em Direito pela UGFo./RJ - http://www.infojus.com.br/area6/lucio.html em 02/02/2007

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refere à riqueza e à urgência de representação das diferenças nos conteúdos e na convivência

escolar, na perspectiva de composição de um cenário onde as diferenças sejam entendidas

como elementos importantes para a configuração das sociedades do século XXI e para a

reinserção das populações incluídas perversamente.

O seminário discutiu também a necessidade de estimular produções acadêmicas que

abordem as relações entre a cultura negra e os conhecimentos científicos reproduzidos na

escola. Neste sentido, Romão (2005) destaca a relevância da busca por alternativas dentro da

comunidade negra, pela falta de informações e de pesquisas disponíveis.

Diante do quadro de carências de informações sobre a história da educação do afro-brasileiro em épocas mais remotas, e principalmente devido a sua omissão nos conteúdos oficiais da disciplina de historia história da educação, torna-se necessário e urgente o incentivo à pesquisa nesta área. A produção de conhecimentos e a introdução de tema e conteúdos sobre as trajetórias educacionais dos afro-brasileiros nos cursos de formação de professores em condição de lidar solidariamente com a diversidade cultural do Brasil. (Cunha Jr, 2005, p. 30)

Entretanto, nos trabalhos apresentados, pôde-se perceber que as pesquisas até então

desenvolvidas demonstram que as circunstâncias históricas e políticas foram e são

determinantes para as condições de desigualdade, de oportunidades e de cidadania dos negros,

principalmente no tocante à Educação.

Desse modo, as apreensões de minha avó e as de Freire, assim como as constatações

desses pesquisadores envolvidos com a questão do negro e com a Educação, reafirmam a

relevância do papel a ser desempenhado pela escola no processo de construção da nação e no

movimento de reinserção dos negros na sociedade brasileira.

3.2 Uma análise da presença negra na educação brasileira

Para estabelecer parâmetros para a análise comparativa da Educação brasileira, tendo

como enfoque a presença do negro, recorri à pesquisa de M.L. Ribeiro (2004), por seu estudo

ser entendido como um dos referenciais acerca do sistema educacional brasileiro, com

abrangência que vai dos primeiros momentos da colonização, em 1548, até a aprovação da

Lei 5.540/68.

Nesse estudo, a autora elabora um quadro, no qual oito etapas do desenvolvimento

brasileiro são relacionadas à educação escolar, às circunstâncias históricas e econômicas.

Algumas dessas etapas serão aqui abordadas por oferecerem bases para a análise acerca da

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presença do negro nesse processo, tanto como elemento integrante na constituição do povo,

como na participação como cidadão no direito de uso da instituição escola, nos princípios e

nas idéias propostos para ela.

Diferentemente, a pesquisa de Ghiraldelli Jr (2006), embora configurada nas mesmas

etapas, objetiva as questões pedagógicas e filosóficas da Educação. Ambas serão analisadas

paralelamente aos trabalhos de Mattoso (2001) e Romão (2005), que ressaltam o caráter

político, histórico e racial do modelo de inserção social do negro no Brasil Colonial, no

Império e na República.

As análises visam potencializar as leituras e o entendimento das circunstâncias e do

processo de inclusão/exclusão do negro na sociedade e no sistema educacional — onde as tais

diferenciações no desempenho escolar puderam ser comprovadas, com destaque para a

disciplina de Matemática —, desde o primeiro momento de colonização até a

contemporaneidade.

3.2.1 A educação colonial jesuítica no Brasil

M.L.Ribeiro (1987) inicia seu retrato da educação brasileira pelo Regimento de D. João

III-(1548), documento que orienta os objetivos educacionais dos jesuítas na Colônia,

juntamente com o Ratio Studiorum (ordem dos estudos), da Companhia de Jesus (1599).

Esses documentos, embora conflitantes, foram os orientadores teóricos das ações

educacionais no Brasil até 1759, quando da expulsão dos jesuítas de Portugal.

A educadora salienta o item do Regimento que explicita a conversão do indígena à fé

católica pela catequese e pela instrução como o início da sistematização da educação escolar.

Para dar cumprimento a essa determinação, chegou com a expedição de Tomé de Souza, em

1549, um grupo de padres e jesuítas, chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega.

Até então, para as populações indígenas nativas, a Educação não dependia da

escolarização, pois a participação das crianças nas atividades cotidianas era suficiente à

formação da vida social. Contudo, a necessidade portuguesa da colonização, determinada pelo

esgotamento do pau-brasil, pela existência de ouro, pelo perigo de ocupação por outras

potências, pela necessidade de transição do capitalismo mercantil para o industrial, pela

obsessão das camadas dominantes metropolitanas por lucro, entre outros fatores, impôs ao

governo português uma política de povoamento, de cultivo e de fixação na terra. Houve,

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então, um movimento para que uma pequena burguesia portuguesa organizasse a empresa

colonial.

Desse modo, ainda segundo a educadora, o plano educacional do padre Manoel da

Nóbrega objetivava atender ao explicitado no Regimento de D. João, mas percebeu-se de

imediato a necessidade de atender também os filhos dos colonos, já que os jesuítas eram os

únicos educadores disponíveis e não contavam com estruturas capazes de dar conta de dois

sistemas educacionais distintos. Assim, o sistema atendeu tanto aos colonos quanto aos

indígenas, pois os jesuítas contavam com a possibilidade de recrutar as vocações sacerdotais

indígenas, que logo foram percebidos como não adequados para essa formação. Foram, então,

os indígenas conduzidos para a formação agrícola, atividade essencial à sobrevivência da

Colônia, ficando a escola para os filhos dos colonos.

A publicação do Ratio Studiorum, plano de organização de estudos da Companhia de

Jesus, orientou o ensino jesuítico para uma cultura européia e evidenciou mais uma vez o

desinteresse pela prática de instruir o indígena, reafirmando o distanciamento entre os

objetivos legais e os reais da educação escolar, uma vez que os colégios jesuítas acabaram

formando a elite colonial. Aos negros, aos indígenas e aos mestiços, que compunham a

maioria da população, coube a educação profissional, ou seja, uma aprendizagem que se dava

no convívio do trabalho, conclui.

Ao analisar o mesmo período, Ghiraldelli Jr (2006) procura uma perspectiva mais

filosófica e pedagógica da educação jesuítica. Por essa razão, destaca a formação do padre

Manoel de Nóbrega – que estudou nas universidades de Salamanca e Coimbra – na sua

missão de implantar o projeto de educação escolar no Brasil. O padre ingressou na

Companhia de Jesus em 1544, quatro anos após ela ter sido ela oficializada pela Igreja

Católica, num momento em que esta vivia conflitos e divisões conseqüentes da Reforma

protestante, da expansão geográfica, da descoberta de novos caminhos para a Ásia, da

descoberta da América e das radicais mudanças no campo das ciências.

As circunstâncias justificaram o interesse da Igreja e da Coroa portuguesa em instruir e

catequizar os indígenas, pois tal ação garantia a expansão do catolicismo e também a política

de povoamento da Colônia. A Companhia de Jesus propôs-se a dar respostas positivas às

questões que se impuseram à Europa e à Igreja Católica. Usou para essa realização as

estratégias de propagação da fé cristã nas colônias e a educação dos jovens e adultos, sendo

que a segunda se transformou na principal atividade dos jesuítas. Tanto que foi desta

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experiência que originou o Ratio Studiorum, que continha, entre seus objetivos, a gratuidade

do ensino e a formação do “homem cristão”, de acordo com a fé e a cultura da época.

Nos estudos apresentados por M. L. Ribeiro (2004) e por Ghiraldelli Jr (2006), foi

possível detectar três referências objetivas sobre o negro, para esse primeiro período da

educação colonial. O primeiro descreve a opção da burguesia em adotar a mão-de-obra

escravizada, pelo baixo custo da produção e pela possibilidade de lucro na venda dessas

pessoas. O segundo descreve a educação para o trabalho, destinada aos negros e aos

indígenas. O terceiro é uma referência que veio já do século XVII e foi denominada como a

questão dos “moços pardos”: diz respeito à proibição pelos jesuítas da matrícula dos mestiços

nas escolas, “por serem eles muitos e arruaceiros”.

Desse modo, foi necessário recorrer aos estudos de Mattoso (2001), cujo trabalho aborda

perspectivas históricas e psicológicas do ser escravo no Brasil: descreve situações de

afetividade que auxiliam no entendimento do processo educacional imposto aos negros na

colonização, assim como as conseqüências dele na construção das culturas, das resistências e

das identidades negras. A autora faz considerações acerca do sofrimento que se impunha ao

africano recém-inserido na sociedade.

Inserção que Sawaia (2004) conceituou como inclusão perversa, aqui tomada como o

primeiro momento desse modo de inclusão do negro na sociedade brasileira. Envolvido por

um ambiente estranho, hostil, adverso, repressivo e, sobretudo, aviltante. Desse modo, ao

recém-desembarcado da África, o primeiro desafio era administrar os conflitos de integrar-se

simultaneamente a dois universos contraditórios e estranhos ao seu campo de conhecimento.

De um lado, havia a necessidade de adaptar-se ao mundo do senhor, no qual da

aprendizagem dos códigos e comandos dependia a sobrevivência nos engenhos de açúcar

baianos e pernambucanos –, para os quais a mão-de-obra do africano escravizado foi

fundamental. Os engenhos adotavam de 80 até 100 pessoas, de origens diversas,

preferencialmente, na intenção de dificultar revolta.

A educação dedicada aos escravizados restringia-se ao manuseio dos instrumentos de

trabalho na lavoura, na produção do açúcar, nas tarefas da casa-grande, nos trabalhos de

ofício. E nessa aprendizagem, a pedagogia aplicada parece em conformidade com o modelo

definido por Ghiraldelli Jr (2006), quando se refere à condução pela força, não somente pela

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força física, mas principalmente pela força da aviltação moral, que era empregada na

adaptação africanos e dos crioulos4.

Do outro lado, os laços de infortúnio, de fraternidade e a necessidade de transcendência

faziam com que o africano escravizado optasse pelo mundo constituído nos subterrâneos da

senzala. Ainda que este também fosse completamente estranho, pois lá os mais antigos de

cativeiro já elaboravam sistemas de comunicação oral, em geral, composto por uma mistura

das línguas e dos dialetos africanos, principalmente do tronco iorubano, com as línguas

indígenas e a língua portuguesa.

Os vocabulários serviram à comunicação e aos primeiros modelos e práticas da

religiosidade afro-brasileira, estas compostas dos elementos universais da religiosidade

africana e dos elementos da religiosidade indígena, sincretizados no catolicismo. Práticas que

emprestavam às ialorixás não só o papel de lideres espiritual, mas principalmente o poder

decisório dentro dessas famílias fraternais e na sociedade paralela que constituíam, já que as

famílias de sangue eram proibidas pelo sistema escravista.

Tais fatos evidenciam que na senzala se forjaram- estruturas de sociedade com modelos

próprios de linguagem, família, religiosidade e poder, fundamentadas nos princípios e valores

da africanidade que Munanga (2007) conceituou da seguinte maneira: “Na diversidade que

caracteriza o mundo africano, há, também, numerosas semelhanças. Podem ser observadas em

diversos aspectos da vida: do uso da palavra e do gesto à conduta social, da relação com o

sagrado à concepção de morte”.

Sobre as noções de cultura D’ Ambrosio afirma que:

Os indivíduos de uma comunidade, de um grupo compartilham seus conhecimentos, tais como a linguagem, os sistemas de explicações, os mitos e cultos, a culinária e os costumes, e têm seus comportamentos compatibilizados e subordinados a sistemas de valores acordados pelo grupo, dizemos que esses indivíduos pertencem a uma mesma cultura.

Ainda sobre resistência e cultura, Munanga defende que:

Colocar a questão da africanidade nas diásporas equivale a colocar a questão das resistências culturais que por sua vez desembocaram em identidades culturais de resistência em todos os países do mundo que foram beneficiados pelo tráfico negreiro. O Brasil é um deles, ou melhor, é o maior dos países beneficiados pelo tráfico transatlântico e também aquele que oferece

4 Crioulo era o nome dado aos escravos nascidos em terras brasileiras.

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diversas experiências da africanidade em todas as suas regiões, do norte ao sul, do leste ao oeste. (MUNANGA, 2007, p. 13).

É possível concluir daí que a senzala forjou os elementos básicos das identidades culturais

negras brasileiras e que estas determinaram a existência, a resistência, a transcendência e os

modos próprios de lidar e de controlar as ações no ambiente, assim como formas de

relacionar-se com o tempo e o espaço.

Desse modo, parece razoável pensar que havia naquele ambiente um raciocínio

matemático capaz de dar conta das necessidades de contagem, de inferências, de mensurações

e de avaliações, desenvolvido pelas necessidades de resolver as questões de sobrevivência e,

sobretudo, de transcendência na senzala, fundamentado na africanidade.

Também parece razoável pensar na existência de uma racionalidade resultante dessas

práticas, o que pressupõe admitir a influência desses conhecimentos, procedimentos e lógicas

— fruto das circunstâncias históricas e sociais que promoveram essa vivência na senzala

durante a primeira fase da colonização — na constituição da sociedade brasileira.

3.2.2 Educação colonial pombalina

O retrato que M.L. Ribeiro (2004) fez da segunda fase da educação colonial inicia pela

expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, atendendo aos interesses da Coroa, que não

conseguiu acumular o capital necessário para transpor o capitalismo mercantil rumo ao

industrial, devido ao tratado comercial entre Portugal e Inglaterra. Sebastião José do Carvalho

e Mello, o marquês de Pombal, assumiu o cargo de ministro do Rei com a missão de

recuperar a economia e modernizar a cultura portuguesa.

Pombal impôs a obrigatoriedade dos cargos de mando na Colônia aos metropolitanos, na

intenção de melhorar a fiscalização e ter maior proveito sobre as atividades e produção. Tais

mudanças impuseram ao Brasil a ampliação dos quadros burocráticos. Entretanto, apenas as

atividades secundárias foram destinadas aos nascidos na Colônia que tivessem, como preparo

elementar, as técnicas de leitura, que passaram ser uma exigência da função; a escola

encarregou-se, por isso, de administrar a instrução de primeiras letras, que no período

jesuítico era responsabilidade das famílias.

O desenvolvimento do ciclo econômico se deslocou-se para a região das Minas e

provocou mudanças internas impulsionadas por fatores que vão do estreitamento dos vínculos

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entre as diferentes regiões do País ao descontentamento da camada média e da elite colonial,

com as discriminações impostas pela Metrópole, passando pelo aumento do custo da mão-de-

obra escrava e pela rebeldia do escravizado. Esses, dentre outros, são fatores que aconteceram

em conjunto com a decadência intelectual e institucional da Metrópole e da Colônia,

reforçando o estado de crise.

Boa parte da intelectualidade portuguesa expressou essa consciência na literatura e

produziu um programa de modernização do ensino inspirado no movimento iluminista que

Pombal tentou tornar concreto. Entretanto, as reformas não representaram uma ruptura na

filosofia educacional, já que a orientação da Coroa era formar nobres transformados em

negociantes e burocratas. Nesse momento, surgiu o ensino público, financiado pela Coroa

para atender aos interesses da elite metropolitana.

No Brasil, tanto a falta de gente especializada, quanto a falta de recursos financeiros para

a manutenção e ampliação do sistema de ensino, tiveram como conseqüência a continuidade

da atuação dos professores de formação jesuítica, segundo um modelo externo e “civilizado”,

o qual atendia aos interesses daqueles que visavam o ensino superior, a ser cursado na

Europa. Com isso, o modelo recém-criado atendeu a proposta de modernização da elite

metropolitana, na exigência de que a elite colonial cumprisse a função articuladora dos

interesses daquela.

Ghiraldelli Jr (2006), em suas considerações a respeito da reforma pombalina, destaca os

princípios orientadores da reforma implantada pelo marquês de Pombal. E afirma que, embora

estivessem pautados em pontos congruentes com o Iluminismo, ou seja, o materialismo e o

otimismo quanto ao progresso por intermédio da educação e a perspectiva utilitarista da

sociedade e da ética, elas não se efetivaram como liberalização das idéias. Contribuiu para

isso o fato de que muitos autores e obras tivessem sido censurados no momento em que o

Estado assumiu a Educação, tanto na Metrópole como na Colônia.

No Brasil, a administração das escolas ficou por conta dos professores, ainda de formação

jesuítica, que se organizavam em cooperativas e que por sua vez requisitavam do governo o

pagamento pelo trabalho de ensino. Pela falta de melhor acompanhamento do Estado, as

cooperativas não representaram mudanças importantes no sistema escolar.

As duas obras, assim como outras pesquisadas sobre a história da Educação brasileira,

oferecem poucas informações que possam contextualizar o negro dentro do sistema

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educacional no período pombalino. Entretanto, as considerações de Mattoso (2001) destacam

o fato de a colonização, em escala macroeconômica, seguir a rota norte-sul e naquele

momento deslocar-se para a região das Minas em função do ciclo do ouro. Com esse

deslocamento houve um reposicionamento do trabalho do escravizado na sociedade, que

passou ter uma maior proximidade com os ambientes urbanos. A convivência entre os

escravizados fez intensificar a residência.

Aumentaram as revoltas, as fugas, o desvio da produção para a compra de alforria e as

formações de quilombos, como a de Palmares, em Pernambuco, o maior e o mais duradouro

entre todos. E os conhecimentos da senzala estendiam-se agora ao ambiente urbano e aos

domínios da Igreja católica, onde se usavam os modelos de irmandades portuguesas, como

forma de manutenção da luta e da resistência. As irmandades, com o objetivo promover a

liberdade dos crioulos e africanos escravizados, principalmente nas Gerais, juntaram-se a

outras instituições e alastraram-se de norte a sul do país. Desse episódio da história, trago a

lembrança da minha avó sorrindo com muito orgulho, quando narrava o exemplo de rebeldia

e de uso do conhecimento crioulo empregado na história do tal “Chico Rei”, cuja luta em prol

do seu povo contradiz a subserviência e a negação da liberdade.

A análise acerca da educação colonial conduz à percepção, ainda que rudimentar, das duas

perspectivas que a estruturam: um projeto de educação escolar de divulgação de

conhecimentos e valores, proposto pelas e para as elites metropolitana e colonial, partindo de

uma visão de mundo eurocêntrica e, portanto, incongruentes com da imensa maioria da

população brasileira, principalmente os negros escravizados. Um segundo de projeto

educação, aflorado das práticas cotidianas dos grupos que não tinham poder político, mas que

compunham e compõem a maioria do conjunto da sociedade serviu à resistência e à

transcendência desses povos. São os indícios de existência dessas perspectivas na Educação

do século XX que, provavelmente, justificaram as apreensões da minha avó e de Freire acerca

dos conhecimentos escolares.

3.2.3 A Educação, do Reino Unido à República

M.L. Ribeiro (2004) afirma em seus estudos que o desenvolvimento da Educação

brasileira, no século XIX, esteve diretamente relacionado às circunstâncias políticas,

econômicas e sociais metropolitanas e coloniais. Foi nesse período que vieram à tona a

insatisfação das elites com as reformas pombalinas e a proposta de retomada das tradições

como maneira de resolver os problemas que vinham se acumulando no Brasil e em Portugal.

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No Brasil do século XVIII, as insatisfações das elites e das camadas médias da população

com os três séculos de submissão começavam fugir ao controle, alimentando, assim,

sentimentos de emancipação que se arrastaram por toda a segunda metade do século, já que a

Metrópole, enfraquecida no cenário internacional, não conseguia garantir preços nem

mercado para os produtos brasileiros. Foi nesse contexto que em 1808, quando a família real

chegou ao Brasil, o príncipe regente se viu obrigado abrir os portos, procurando contemplar

tanto os brasileiros quanto os ingleses, ávidos pela expansão do mercado para os seus

produtos.

A abertura dos portos e a transferência do governo português provocaram mudanças

significativas na educação e na cultura brasileira, pelo contato com outros povos,

principalmente os franceses. Também pelo fato de o Brasil, como sede da Coroa, necessitar

de pessoas com educação de primeiras letras para cumprir as funções burocráticas menos

importantes, já que as demais eram exercidas pelos nascidos na Metrópole. Tais modificações

promoveram grandes fomentos à intelectualidade e à Educação, pois determinaram à Coroa a

criação de escolas e de cursos diversificados, além de instituições diversas, para atender às

novas necessidades, dentre as quais a Biblioteca Pública, o Museu Nacional e a Imprensa

Régia.

No tocante à educação superior, a Academia Real de Marinha, a Academia Real Militar, a

Escola Politécnica e os primeiros cursos de Medicina e Cirurgia são exemplos de instituições

criadas para atender às necessidades políticas e militares da Coroa, cuja sede naquele

momento estava instalada no Brasil. Foram criados também cursos técnicos para atender aos

mesmos interesses. Esse conjunto de ações representou a inauguração do nível superior de

ensino no Brasil.

Do seu ponto de vista, M.L. Ribeiro (2004) afirma que essas criações tiveram como

mérito o fato de terem surgido das necessidades brasileiras e por terem rompido com o ensino

jesuítico colonial, ainda que parcialmente, já que não houve, à época, reformulações

profundas nos níveis primários e secundários do ensino.

Enquanto isso, em Portugal, aumentava o descontentamento da população com o fato de a

Corte ter abandonado o país nas mãos dos ingleses, e por isso os portugueses promoveram a

Revolução Constitucionalista, objetivando o enfraquecimento do absolutismo real. Esse fato,

dentre outros, determinou a volta de D. João VI para Portugal e, conseqüentemente, a

emancipação política do Brasil.

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Entretanto, a autonomia impôs ao Brasil a necessidade de uma constituição própria,

outorgada em 1824, cujo artigo 179 trata da “inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos

cidadãos brasileiros, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do

Império”, dentre outras maneiras, pela “instrução primeira gratuita a todos os cidadãos”. Na

continuidade, foi aprovada a lei geral relativa ao ensino elementar no Brasil, no ano de 1827.

Ela tratou da distribuição racional das escolas de primeiras letras pelo País e de capacitá-la

para receber todos em idade escolar. No entanto, a distribuição restringiu-se aos centros

urbanos, de uma sociedade de escravocrata e ruralista. Portanto, a clientela resumiu-se aos

filhos dos homens urbanos e livres. Com isso, a escola pública atendeu, naquele momento,

dez por cento da clientela potencial.

A autora ainda afirma que as condições econômicas impostas ao Brasil em função dos

deficits comerciais fizeram com que a Educação não fosse, de fato, uma prioridade e conclui

que esta, na primeira metade do século, passou por sérias dificuldades, entre elas: a falta de

pessoal preparado para o magistério, devido ao desinteresse pela carreira; a falta de

instituições formadoras; e, principalmente, o desamparo à profissão. Ribeiro registra nos

estudos apenas quatro instituições de formação implantadas até 1846: uma em Niterói, uma na

Bahia, uma em São Paulo e a outra no Recife.

O mesmo período do século XIX é analisado por Ghiraldelli Jr (2006), priorizando o

enfoque dado às ações pedagógicas na Educação. Porém, afirma ele que as modificações

acontecidas com a chegada da Coroa tiveram a intenção de tornar o ambiente colonial mais

parecido com a Metrópole. Desse modo, a criação de novos cursos e a reestruturação dos

níveis básicos não teriam acontecido com a mesma intencionalidade descrita por M.L. Ribeiro

(2004), já que o objetivo era atender somente aos interesses da Coroa e da elite colonial.

De toda forma, essa reestruturação trouxe enriquecimentos à educação colonial,

possibilitando a expansão significativa da rede e das disciplinas nos três níveis da educação

formal, inclusive no secundário, embora este mantivesse o esquema das “aulas régias”. O

autor afirma também que o capítulo sobre a Educação na Constituição de 1824 inspirava um

sistema nacional e designava ao Império a responsabilidade de constituir as escolas primárias,

secundárias e superiores.

Criou-se, então, um modelo de ensino que previa o monitoramento, sistema no qual os

alunos mais adiantados serviam de orientadores para os demais, e estes por sua vez eram

chefiados por inspetores que mantinham contato com o professor. Entretanto, afirma o autor,

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o ensino só se estruturou adequadamente na segunda metade do século, quando, em 1854, foi

criada a Inspetoria Geral de Instrução do Rio de Janeiro.

A Inspetoria orientou e supervisionou o ensino primário e secundário público e privado,

estabeleceu as regras gerais, mas não diminuiu a distância que o ensino mantinha das

necessidades práticas ou científicas. A inspetoria também não conseguiu articular uma

política integrada entre o governo central e as províncias, permitindo diferenciações de

qualidade, importantes para a análise da Educação brasileira da época. Houve, no período,

muitas reformulações curriculares que oscilavam entre a formação literária e a científica, em

função das disputas entre os positivistas comtinianos, que pregavam o ensino sem qualquer

especulação, portanto, ligado somente aos tratados das ciências experimentais, e os

humanistas, que, por sua vez, defendiam um ensino literário.

Outro momento importante para a Educação do século XIX, segundo o autor, foi a

implementação da Lei 7.247/79, que possibilitava a todos que se julgassem capazes de ensinar

a fazê-lo, inclusive com a adoção de método próprio. Estabeleceu-se que os alunos poderiam

estudar com quem fosse conveniente e que apenas deveriam prestar os exames finais nas

instituições oficiais, transformando o ensino num sistema de exames, cujos efeitos, segundo o

autor, ainda estão presentes em muitas instâncias da educação brasileira.

No tocante à comunidade negra, os trabalhos de M.L. Ribeiro (2004) e de Ghiraldelli Jr

(2006) trazem poucas informações acerca do período, a não ser quando narram as

conseqüências das revoltas dos escravizados nos custos da produção e na economia brasileira.

Entretanto, Schumaher e Brazil (2007) demonstram em seus estudos que o século XIX

recebeu como herança do anterior uma grande expectativa da população negra brasileira, em

relação à educação escolar, destacando-se os muitos esforços de um grupo de mulheres negras

no processo de escolarização dos filhos.

Outra herança do século XVIII para a educação dos negros foi o deslocamento de parte

dos escravizados das zonas rurais para o trabalho de ganho nas zonas urbanas, principalmente

em Minas, Bahia e Pernambuco, onde houve um aumento do número de mestiços

encaminhados aos colégios internos, para esconder o constrangimento dos senhores diante da

condição dos filhos ilegítimos. Acerca destes, para ilustrar esse movimento, os autores

destacam uma ordem expressa de D. João VI ao governador de Minas, datada de 1721, na

qual exigia que cada vila da província pagasse os mestres-escolas para que os ilegítimos que

não paravam de chegar pudessem ir à escola aprender a contar, ler e escrever em português e

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em latim. Contudo, a ordem não foi acatada pelo governador, sob a alegação de que essas

crianças eram filhas de negras.

Houve também um aumento no número de negros alforriados e revoltosos que se

utilizavam dos mais variados meios e possibilidades para se escolarizar, aproveitando as

brechas do sistema. Cabe ressaltar, mais uma vez, o papel das irmandades religiosas e das

sociedades beneficentes, com seus fundos constituídos para a compra de alforria, para

acolhimento e financiamento da educação aos filhos de associados.

A principal característica das irmandades, neste período, era a autonomia. Através da mesa administrativa, procurava gerir seus negócios e decidir todas as questões internas e externas [...] Além das atividades religiosas que se manifestavam na organização de procissões, festas casamentos, coroação de reis e rainhas, essas congregações também exerciam atribuições de caráter social: ajuda aos necessitados, assistência aos doentes, visitas aos prisioneiros, concessão de dotes, proteção contra os maus-tratos dos escravocratas e auxílio para a compra da carta de alforria. (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 159 e 160)

Esses, entre outros, são fatores que contribuíram acentuadamente com os índices de

escolarização de setores da população negra e pressupõem um novo movimento da resistência

negra no sentido da educação escolar.

Neste sentido, Minas Gerais revelou notórias e radicais experiências de inserção dos

negros na educação escolar. Um dos registros ressaltados pelos autores para ilustrar essas

experiências, mais uma vez coincide com as narrativas de minha avó – certamente não

construídas com fundamentos nos livros acerca da lutas das mulheres negras pela

escolarização dos filhos. Entretanto, a história da luta de Chica da Silva que, por volta de

1760, para não perder o contato com as nove filhas, ou quem sabe por medo de elas serem

afetadas na constituição da identidade, impôs ao contratador João Fernandes, com quem vivia

maritalmente, a construção de um sobrado próximo escola, para poder visitá-las quando fosse

conveniente.

As nove filhas do casal eram, todas, alunas do recolhimento Nossa Senhora de Monte Alegre de Macaúbas, misto de educandário e convento, especializado na formação de moças, para onde as meninas eram encaminhadas assim que completavam cinco anos. Ali aprendiam as primeiras letras, doutrina cristã, trabalhos de agulha a cantochão. Chica da Silva podia visitar suas filhas quando quisesse. E, para que esses encontros ocorressem com maior comodidade, ela e o desembargador construíram um sobrado próximo ao acolhimento. (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 212)

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Até mesmo entre os cativos das senzalas da Bahia e Pernambuco, os registros constatam

experiências de leitura e escrita em árabe para estudo do Alcorão. Há também o registro de

uma notória experiência alfabetizadora no Quilombo da Fazenda da Lagoa Amarela, no

Maranhão, onde o líder quilombola construiu uma escola para ensinar os pequenos a ler e

escrever.

Ainda nesse início de século XIX, as boas novas sobre o Haiti chegavam aos escravizados

por intermédio dos portos, onde se encontravam com os ideais do iluminismo francês e as

aspirações de liberdade dos abolicionistas. Juntos realimentaram o fôlego daqueles que viam

na educação escolar um caminho a ser trilhado na luta pelo fim da escravatura. Desse modo,

ao romper o século XIX, a educação escolar já se configurava como um objetivo da

população negra, pois as experiências independentes de escolarização, que já marcavam

presença nos século XVIII, agora se multiplicavam.

Entretanto, as mesmas novas que ajudavam a alimentar os sonhos de liberdade dos

escravizados também alimentavam o pesadelo das elites e dos senhores de escravos, por medo

de o Brasil transformar-se num segundo Haiti. Esse conjunto de circunstâncias contribuiu

para que o século XIX iniciasse com muitos entraves ao acesso dos negros às informações,

principalmente por intermédio da escola.

3.2.4 A educação brasileira na virada do século XX

A virada do século XX, aqui representada pelo período de 1850 até 1930,

aproximadamente 80 anos, foi, segundo os estudos de Ribeiro (1987) e Ghiraldelli JR (2006),

de férteis realizações para a educação brasileira. Os autores destacam as profundas mudanças

ocorridas na sociedade, que passou de imperial, agrícola e escravocrata para republicana,

urbana e em industrialização. Um movimento que, além de permitir o surgimento dos

trabalhadores livres, inseriu no País aproximadamente seis milhões de imigrantes europeus,

com valores, culturas e visões de mundo próprias desses povos.

A partir de movimentos como esses, os autores procuram analisar o papel das elites e

dos intelectuais na configuração do projeto educacional do período, relacionando-o aos

avanços e interesses das elites brasileiras, do capital interno e externo, apoiando-se nas

implicações naturais desses eventos no desenvolvimento da educação brasileira. As análises

dão conta de que a reestruturação econômica, no período, foi determinada pela

disponibilidade de capitais obtidos com o lucro das exportações de café, com a entrada do

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capital externo, em forma de empréstimos e investimentos e, principalmente, pela

disponibilidade do capital que antes estava comprometido com tráfico de escravos.

A mesma reestruturação possibilitou o surgimento dos trabalhadores livres, grupo

formado principalmente por trabalhadores de oficio, burocratas, militares, trabalhadores

domésticos e trabalhadores do comércio, entre outros, alimentados pelo sonho de ascensão

social por intermédio da educação e do trabalho.

No que diz respeito à escola, Ribeiro (1987) e Ghiraldelli Jr (2006) destacam a

urbanização crescente, o movimento abolicionista, os trabalhadores livres e mais tarde os

imigrantes como os principais responsáveis pelo crescimento da demanda por escolas

públicas. Entretanto, tais reivindicações não foram suficientemente fortes para estimular

reformas abrangentes no sistema educacional, já que os interesses das elites nesse sentido

estavam contemplados. A reforma de 1854 foi a primeira de uma série de aproximadamente

nove que ficaram restritas ao município da corte, de modo que a maioria das ações no resto do

País ficou por conta de indivíduos que, por convicção ou lucro, procuraram dar atendimento

às necessidades locais.

A educação, que no início do século não tinha sido considerada como prioridade do

poder público e nem das elites dominantes, continuou nesse momento em segundo plano.

Porém, ela contava agora com a atenção dos intelectuais, na maioria de formação positivista,

que se propuseram a pensar o projeto educacional, a partir de modelos liberais importados da

Europa e que na prática priorizaram os níveis médios e superiores do ensino, atendendo mais

uma vez aos interesses das elites dominantes, das quais a maioria deles era originária.

Considerada por ambos os autores como o ponto de partida das mudanças na

Educação, a reforma de 1854, de algum modo, compunha um conjunto de mudanças que

buscavam acompanhar as transformações da sociedade. Dentre tais mudanças, vale destacar a

Lei Leôncio de Carvalho, de 1879, que liberou a prática do magistério no ensino primário

para todos que se julgassem capazes. Tal reforma também falou pela primeira vez em

educação pública para todos, caracterizando, dessa forma, um fundo universalizante.

Entretanto, ela, assim como as outras, restrita ao município da Corte.

Em geral, as reformas alternavam entre o realismo científico e o humanismo clássico,

sem conseguir, no entanto, atender aos avanços necessários aos níveis primários da Educação,

principalmente no que dizia respeito à universalização, deixando de contemplar a maioria da

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população, composta dos trabalhadores e de grupos nos quais a demanda era crescente.

Somente o manifesto da Escola Nova, datado das primeiras décadas do século XX, foi capaz

de defender concretamente as propostas de educação pública e gratuita para todos, já que em

1920, 75% ou mais da população em idade escolar era analfabeta, isto setenta anos depois da

reforma de 1854.

No tocante à população negra, o trabalho de Schumaher e Brazil (2007) demonstrou

que a virada do século ficou marcada pela intensidade da luta por liberdade e cidadania, em

contraposição à negação do direito de serem os negros inseridos com dignidade na sociedade

brasileira, na qual o debate sobre a abolição era promovido pelo movimento abolicionista

desde o século XVIII.

No que diz respeito ao acesso à educação, o primeiro documento institucional

destinado à população negra foi o Decreto 1.331, também de 1854, que estabeleceu a

proibição de escravos nas escolas públicas, assim como o condicionamento dos estudos

primários para os adultos libertos à disponibilidade de professores.

Os homens e mulheres negras, diante de um cenário eivado de preconceitos e permeado por medidas e posturas restritivas, criaram, com uma resistência tenaz, diferentes maneiras de adquirir conhecimentos, aprender a ler e a escrever. Incentivadas por um ambiente mais favorável à disseminação do ensino e pelo avanço dos ideais abolicionistas, as afro-descendentes ocupariam um papel de destaque nesse processo de integração, fundando escolas, escrevendo manifestos, pressionando as autoridades para que tomassem atitudes mais definitivas com relação às enormes diferenças existentes na sociedade brasileira da época. (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 215).

A população negra, que já tinha assumido a educação escolar como fundamental ao

desenvolvimento e à inserção social desde o século XVIII, foi obrigada mais uma vez a

utilizar-se de iniciativas próprias e das brechas de leis para escolarizar seus filhos. Tais

recursos, porém, apenas eram usados pelos poucos que podiam ter acesso à educação escolar.

Em 1882, o clube dos libertos contra a escravidão, criado em São Domingos de Niterói, determinava nos estatutos, aprovados por carta do governador da província do Rio de Janeiro em junho daquele ano, que seu principal objetivo era “libertar o maior número possível de escravos”. Previam ainda assistência aos sócios em caso de “moléstias ou perseguição” e a criação de escolas primárias noturnas e gratuitas para seus associados e demais interessados, “devendo os escravos que as freqüentarem apresentar consentimento expresso de seus senhores”. (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 214).

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Dentre as instituições “destinadas aos pobres e seus filhos”, destacava-se o colégio Cesarino, ou Perseverança, especializado no ensino de jovens negras e pobres. O espaço educacional era dirigido conjuntamente pelo mulato Custodio Cesarino, sua mulher e as três filhas do casal, Amância, Bernadina e Balbina, que também ministravam aulas. Em 1865, contava com 44 alunas, entre brancas e negras; dez anos depois, esse número crescera para 51. (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 214).

Desse modo, é possível perceber que a educação escolar se transformou em mais uma

frente de luta pela liberdade, num cenário de muitas tensões e conflitos, no qual vários setores

da sociedade se viam obrigados a tomar partido, seja quer em favor dos interesses do capital,

quer em favor da causa libertária e humanitária.

Os estudos de Mendonça (2001) acerca dos debates parlamentares enfocam os

aspectos jurídicos e sociais do processo de abolição e revelam que no início do século XIX a

questão da abolição já estava colocada para o parlamento e para a sociedade brasileira, tanto

que a Declaração de Independência de 1822 trazia a afirmação de que a escravidão era uma

instituição transitória, ainda que a inclusão de tal item tenha sido por imposição dos ingleses.

A autora defende que os argumentos favoráveis e contrários ao conjunto de leis que

compuseram o processo de abolição refletiam muito mais o conflito entre os interesses do

capital interno em contradição ao externo do que o processo social defendido pelos

abolicionistas. E revela ironias contidas nos fragmentos de discursos recolhidos no

parlamento, logo após a proibição do tráfico em 1850, para demonstrar como escravocratas

avaliaram os avanços da lei e o fim da escravidão.

Desaparecendo os africanos, seus filhos os substituíram no cativeiro. E, nesse ponto, o deputado introduzia uma fábula dentro da outra “Uma lei, que os sábios têm provado com multiplicadas observações”, contava ele, “determina que as raças puras entre si adquirem a maior fecundidade possível”. E então concluía “da fecundidade exuberante” dos africanos – que nem mesmo a morte compensava – resultara a evidência de que “era necessário estancar esta outra fonte” para que a escravidão não ficasse permanente entre nós. Então veio a lei de 1871 para satisfazer esta “necessidade do nosso progresso”. (MENDONÇA, 2001, p. 49)

Na seqüência, a Lei de 1871, conhecida como a Lei do Ventre Livre, libertava do

cativeiro os negros nascidos a partir da promulgação dela, o que representava o terceiro passo

dos debates e das ações parlamentares acerca da abolição. Ela determinava ao senhor de

escravos a formação dos recém-nascidos até os sete anos de idade, quando então passariam a

prestar trabalhos até os vinte e um anos, como forma de compensação, ou seriam entregues às

instituições do Governo, que indenizariam os ex-senhores pelos investimentos. O artigo 4º

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garantia ao escravizado a constituição de pecúlios para compra de alforria, desde que

acordada com o senhor.

Desse modo, ao ser aprovada a lei, os escravocratas afirmaram ter estancado as duas

fontes de fornecimento da mão-de-obra escravizada; o tempo encarregar-se-ia de liquidar a

questão, mas os fragmentos de Mendonça (2001) agora demonstram a ironia dos

abolicionistas diante da situação colocada:

Nos debates em torno da lei de 1871 vários libelos abolicionistas incluíram cálculos, apresentados em tom sarcástico, sobre o alcance da escravidão sob a influência exclusiva da libertação do ventre. Joaquim Nabuco, por exemplo, calculou que, considerado o “cativeiro provisório” em que se encontravam os ingênuos, haveria escravos no Brasil até aproximadamente 1932. Rui Barbosa apontava que se um escravo nascido em 1871 alcançasse os 80 anos de vida “somente em 1950, em meados do século XX, a morte acabaria a sua obra”. (MENDONÇA, 2001, p. 49)

Seguindo o rumo do processo, usando do mesmo raciocínio surgiu a Lei 1.885,

representando o quarto passo da abolição, que tornava livres todos os escravizados com mais

de sessenta anos de idade, mas condicionava sua libertação ao cumprimento de três anos de

trabalhos aos seus ex-senhores, como forma de compensação pelos investimentos. Cabe

ressaltar o descontentamento de muitos cafeicultores, que no recenseamento de 1872 haviam

aumentado a idade de seus escravos para esconder os ingênuos5 introduzidos na escravidão

por contrabando após a Lei do Ventre Livre.

Ficam aqui evidenciados alguns dos muitos aspectos que interferiram no processo

educacional da virada do século XX. No tocante à comunidade negra, em especial, as

questões envolvem mais diretamente os conflitos e os interesses do capital interno e externo,

até o surgimento de demandas em prol de escola pública, passando pelos aproximados

sessenta anos de debates no parlamento brasileiro sobre a abolição, até culminar com

assinatura da Lei Áurea, em 1888, que declarava livres todos os escravos no Brasil.

Entretanto, a lei foi assinada em um momento da história do Brasil em que até mesmo

os abolicionistas acreditavam nas limitações intelectuais, culturais e morais impostas aos

negros pelo darwinismo social — existia a crença de que os negros não eram adequados para

a educação escolar e para o trabalho assalariado. Essa foi mais uma dentre as muitas barreiras

encontradas pela comunidade negra nas tentativas de inserir-se dignamente na sociedade por

meio do acesso à educação escolar de seus filhos. Tais barreiras, dentre outros itens,

5 MENDONÇA (2001). O termo “ingênuas”, comum à época, foi usado pela autora para caracterizar as crianças nascidas da Lei do Ventre Livre.

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caracterizaram o segundo momento de inclusão — aqui entendida como inclusão perversa,

conforme conceituada por Sawaia (2001) — dos negros.

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4 – Um olhar sobre a identidade sociocultural do negro no Brasil

Para Verger (1992), o termo iorubá conceitua um grupo lingüístico de indivíduos que,

além da linguagem comum, estão unidos por uma mesma cultura e por tradições de sua

origem, na cidade de Ifé, mas que não constituíram uma entidade política ou geográfica, nem

um nome comum. Outros registros estudados por ele fazem referência aos nagôs como povos

distantes da região de Oyó, mas pertencentes ao mesmo grupo lingüístico e cultural. Conclui o

autor, então, que os nagôs e os iorubás são oriundos de regiões diferentes. Por isso, adota em

seu livro a expressão “Os indivíduos que falam iorubá”, para dar conta da significação de

língua à expressão que foi posteriormente aplicada a um povo, a uma nação ou a um território

que livros e mapas de antigos viajantes, entre 1656 e 1730, chamam de Ulkumy. A região,

descrita como dos iorubás, era assim chamada até 1734; depois disso, o termo Ulkumy

desapareceu e foi substituído por Oyó, um grande país composto por várias regiões.

Essa abordagem é importante para a reflexão acerca da pesquisa de H. Santos (2001, p.

65-80), quando descreve como os milhões de crioulos - nome dado aos negros nascidos nas

Américas Coloniais - se somaram aos milhões de africanos (bantos e iorubás na maioria)

seqüestrados de suas casas e trazidos nos tumbeiros para trabalhar como escravizados na

construção do recém-colonizado Brasil, entre 1534 e 1850, em ação fortalecida pela crença da

Igreja Católica e dos europeus na inferioridade intelectual e moral dos negros, legitimada pelo

discurso de superioridade/inferioridade humana surgido, na Europa nos séculos XVIII e XIX,

com o nome eugenia ou determinismo biológico — mais tarde denominado darwinismo

social.

Dentre os divulgadores dessa crença, Gobineau destaca-se em função de ter vivido e feito

pesquisas no Brasil. Seus estudos davam conta de que a miscigenação entre os brancos e as

raças inferiores, como negros e indígenas, traria danos irreversíveis à nação brasileira, pois

teriam como resultado sub-raças, conforme a descrição abaixo.

Embora católico, esse radical defensor do determinismo social, mais adiante denominado darwinismo social, era poligenista e via com bastante pessimismo o futuro das populações miscigenadas, já que o produto das mestiçagens seria ainda inferior às raças mais primitivas como negros e índios (LOBO, 2004).

Lobo entende que os pensamentos de Gobineau foram incorporados por muitos

intelectuais brasileiros, dentre os quais ela destaca como principais adeptos: Nina Rodrigues,

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Silvio Romero e Henrique Roxo, de cujos textos resgata fragmentos, para demonstrar como

eram vistos os negros brasileiros no século XIX e no início do século XX.

Quanto mais mestiço, mais degradado, descaracterizado, débil, sujeito a toda sorte de doenças. A hereditariedade híbrida poderia produzir produtos ainda piores que os negros. (NINA RODRIGUES, 1976, p. 263 apud LOBO, 2004).

Do mesmo modo que nos negros, a ossificação precoce não é a causa da inferioridade mental dos idiotas e imbecis, ambas se subordinam a uma causa evolutiva. (NINA RODRIGUES, 1976, p. 263 apud LOBO, 2004).

Justificando as diferenças raciais pelos graus de evolução, Henrique Roxo (1904, p.160) qualifica os pretos como retardatários [...] não evoluíram, não progrediram. Apegando-se ao passado. Verdadeiros inimigos do progresso, não por sua constituição física ou por sua “cor escura”. O que lhe marca ”o ferrete da inferioridade é a evolução que não se deu” (ROXO, 1904, p. 182). Já os brancos avantajaram-se a eles e progrediram mais que todos, chegaram à perfeição no tempo atual. (apud LOBO, 2004).

A difusão dessa crença na sociedade brasileira do século XIX e no início do século XX

determinou um momento da história que, para H. Santos (2001, p. 78-81), ficou marcado pela

política de branqueamento e de europeização da população. Tal política obteve resultados

contundentes, conforme esse pesquisador demonstra em quadros comparativos baseados em

fontes do IGBE, que indicam o crescimento da população branca na ordem de 25% no

período aproximado de sessenta anos, enquanto a população negra decresceu na ordem de 5%

e a população parda, 23% no mesmo período. Ainda no que se refere à composição do

quadro, o Brasil recebeu, nesse período, um número aproximado de quatro milhões de

imigrantes europeus, ou seja, o País recebeu, em sessenta anos, a mesma quantidade de

imigrantes europeus que de africanos, em trezentos e cinqüenta anos de escravização.

TABELA – 1: Censos da população brasileira de 1872 e 1940

CLASSIFICAÇÃO QTE % CLASSIFICAÇÃO QTE %

Branca 3.853.500 38 Branca 26.206.600 63

Preta 1.996.300 20 Preta 6.043.500 15

Parda 4.262.300 42 Parda 8.759.600 21

Amarelos --- --- Amarelos 243.200 1

TOTAL 10.112.100 100 TOTAL 41.252.900 100

Fonte: IBGE/censo 1872 apud H. Santos (2001) Fonte: IBGE/censo 1940 apud H. Santos (2001).

Estavam fortemente presentes na sociedade brasileira no decorrer do período de transição do

século XIX para o XX:

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• Os estigmas conseqüentes dos trezentos e cinqüenta anos de escravidão.

• A concorrência desleal com a mão-de-obra imigrante, tida como mais adequada

para o trabalho assalariado.

• A maior exposição às endemias presentes no País, na virada do século XIX para

o XX, num quadro de precárias condições da saúde pública.

• Os problemas com alcoolismo, marginalidade, prostituição e loucura.

Esse panorama de dificuldades impôs uma nova realidade aos negros na virada do século.

Eles, que até então haviam servido à sociedade brasileira como mão-de-obra barata durante o

período colonial, foram, nesse momento, transformados em problema social insolúvel: mesmo

os abolicionistas, que colaboraram com a luta pela abolição da escravatura, incorporaram as

idéias das limitações morais e intelectuais dos negros, assim como sua suposta inabilidade

para o trabalho assalariado.

Na virada do século XX, a política de branqueamento, a difusão na sociedade das crenças

nas degenerações raciais, os estigmas da escravidão foram alguns dos fatores que alicerçaram

o segundo momento de inserção dos negros na sociedade brasileira, caracterizando a situação

que, na reflexão, SAWAIA denominou de “inclusão perversa”.

A sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico (SAWAIA, 2001, p. 8).

Os sofrimentos conseqüentes das circunstâncias históricas e políticas da colonização

brasileira para os negros são fartamente registrados em diversos estudos do século XIX,

conforme pode ser constatado em muitas obras do próprio Nina Rodrigues, segundo as

referências de LOBO. As distorções, provavelmente, estejam nos enfoques dados, pois,

contraditoriamente aos crentes do determinismo biológico, os problemas de alcoolismo, de

marginalidade e de demência apontados como fatores da degeneração dos negros, parecem ser

conseqüências desse processo de “inclusão perversa” e não causas. Alguns autores associam

esses processos com o BANZO, que outrora representou uma prática comum aos escravos,

considerado por muitos como a forma de eliminar os sofrimentos a que eram expostos.

O sofrimento ético-politico retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação como inferior, como subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade

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social, da negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto (SAWAIA, 2001, p. 105).

Todo “sofrimento ético-politico” gera no indivíduo sentimentos, emoções que

impulsionam os mecanismos de defesa em forma de (re)agrupamentos de classes, na luta por

aceitação, dignidade e felicidade, elementos fundamentais na construção e na reconstrução

das individualidades.

Um dos imperativos da modernidade contemporânea, indiscutivelmente, é a busca da identidade, isto é, da representação e construção do eu como sujeito único e igual a si mesmo e o uso desta como referência de liberdade, felicidade e cidadania, tanto nas relações interpessoais como nas intergrupais e internacionais. (SAWAIA, 2001, p. 119).

De fato, creio mesmo que foi a percepção de que eu próprio era vítima do “sofrimento

ético-politico” que me levou à elaboração de um projeto de pesquisa acadêmica que,

confundindo-se com meu projeto de vida, insere-se na luta maior da comunidade negra para

reafirmar e valorizar sua identidade.

4.1 A contradição inclusão/exclusão e a resistência cultural

A partir do que foi exposto, é possível afirmar que, tanto a ancestralidade comum à grande

maioria dos negros trazidos ao Brasil, quanto as aviltações morais sistemáticas que sofreram,

alimentaram o desejo de liberdade e a resistência negra durante e após a escravidão, por meio

das revoltas, das fugas e da formação de quilombos como Palmares, que já no século XVI

marcaram a luta pelo desejo de existir como homens plenos de liberdade e direitos; por meio

da prática da religiosidade ancestral; ou ainda por meio da rede de informações constituída

muitas vezes dentro da própria Igreja Católica, por intermédio das irmandades. Tais

manifestações, conduzidas na clandestinidade ou não, durante o período escravista,

constituíram a rede que manteve vivas as culturas negras dos brasileiros, os sentimentos e os

ideais de liberdade e de dignidade desse povo.

Foram essas instituições que, no período pós-abolição, juntaram-se com as outras criadas

na época e sustentaram a resistência cultural no século XX. Entre as novas instituições,

fizeram-se notar a imprensa negra, os sindicatos e as agremiações recreativas, conforme

afirma Correia Leite, o jornalista fundador do Clarim da Alvorada, considerado como um dos

mais atuantes militantes do movimento negro paulista no início do século XX. Leite e Cuti

(1992) mostram-nos que os movimentos organizados de São Paulo na virada do século já

promoviam discussões sobre o caráter histórico, político e ideológico das condições sociais às

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quais estavam submetidos os negros paulistanos, paulistas e brasileiros. Eles destacam a

relevância da imprensa negra e das agremiações culturais, a quem cabia o papel de ser a voz

desse povo.

Nós soltamos a idéia da realização de um congresso com o nome de Congresso de Mocidade Negra, agora, você pode imaginar o espanto desse evento, numa época em que se procurava negar a existência de qualquer questão ou problema racial no Brasil. No entender de muitos era mais um atrevimento, de queremos criar um quesito racial. Isso em 1928. (LEITE e CUTI, 1992, p. 128).

Por meio delas eram ressaltados o orgulho de ser negro - por terem resistido à escravidão

—, as virtudes da negritude, a divulgação das festas dos terreiros, as manifestações do

catolicismo popular, os eventos dos sindicatos e dos clubes de bailes. Nestes dois últimos,

eram comuns as homenagens às figuras de destaque da resistência que se configurava para o

século XX. Foi principalmente a partir do trabalho de Leite e Cuti (1992, p. 128) que se deu

destaque a algumas instituições da resistência cultural.

4.2 A construção da resistência nas agremiações culturais

A prática das agremiações recreativas que, de alguma forma, sustentou e sustenta um pólo

importante da resistência cultural do negro brasileiro no ambiente urbano, esteve e está sujeita

a reelaborações constantes, propostas pelas circunstâncias artísticas, históricas e

comportamentais. As intenções declaradas são: o lazer, o entretenimento e a religiosidade,

motivados pela capacidade de agregar pessoas que cotidianamente convivem com os efeitos

das barreiras raciais presentes na sociedade. Os elementos identitários, dentre outros, estão

contidos nas seleções musicais e nos ambientes que contemplam os conhecimentos, no modo

de ser, de viver e na ancestralidade africana presente na corporeidade do povo.

O caráter festivo, traço marcante nas práticas das agremiações, parece ser uma herança das

festas de terreiro, que marcavam o encerramento das cerimônias do candomblé nos

quilombos, nos quintais das fazendas e no encerramento das cerimônias do catolicismo

popular e nas demais manifestações de religiosidade de matrizes africanas. Elas representam o

lúdico da religiosidade, mas, tacitamente, tinham o compromisso de fortalecer a resistência

cultural. É possível que esse espírito tenha se transferido às agremiações recreativas,

transformando-as em focos de resistência nas cidades no início do século.

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4.3 A estética estigmatizada e a construção da identidade.

Dissertar sobre a questão da estética permite-me — e encoraja-me — resgatar

inicialmente, das memórias do menino, uma cena representativa do cotidiano das famílias

negras brasileiras urbanas nas décadas de cinqüenta e sessenta. Num ambiente onde os

padrões estéticos propostos pela sociedade eram fortemente influenciados pelos estigmas e

estereótipos impostos aos negros durante todo o período colonial e que eram contraditórios à

realidade objetiva dos mesmos, o padrão estético então adotado impunha situações de

constrangimentos, sofrimentos e sacrifícios inexplicáveis ao menino, na busca por adaptações

e adequações aos modelos propostos.

Ainda é presente a imagem da mãe, juntamente com as tias e os tios, que costumavam ir aos

bailes do Elite Clube Mineiro, do Sindicato dos Sapateiros e do Sindicato dos Metalúrgicos,

três pontos de encontro das comunidades populares negras e jovens de Juiz de Fora, naqueles

tempos. Dessa memória, cabe destacar os dois primeiros clubes de baile, com normas tácitas

para o acesso traduzidas como trajes finos, sapatos lustrosos e “cabelos alinhados” para as

mulheres e homens. Corrêa afirma que tais imposições geraram, em São Paulo, a necessidade

de um comércio de usados, especificamente para atender à clientela dos bailes.

As lembranças a serem ressaltadas aqui não estão diretamente relacionadas aos bailes, mas

aos preparativos ritualísticos a que se impunham os tios, as tias e a mãe para se adequarem às

tais normas estéticas de boa aparência propostas naquela época. O padrão de penteado e de

cabelos, classificado como “bons”, quando alisados, e “ruins”, quando não alisados, é o item

mais representativo desse processo. Partindo de tais conceitos, aos negros, que tinham cabelos

“ruins”, mas não se queriam rotulados dessa forma, restava, então, como solução, adequá-los

aos padrões impostos. O menino assistia ao processo a que se impunham as pessoas da família

na busca dessa adequação, para a qual existiam duas técnicas muito comuns na época: o

alisamento a “frio” e a “quente”.

Para o alisamento a frio, existiam disponíveis alguns produtos industriais à base de soda

cáustica, cujos efeitos colaterais variavam da queda dos cabelos até ulcerações no couro

cabelo. Embora houvesse consciência das conseqüências desastrosas para a saúde, as pessoas

negras insistiam nessa técnica de alisamento por ser mais resistente ao tempo e às

intempéries. O alisamento a quente tinha no “pente de ferro” seu instrumento principal e

consistia em, primeiramente, as pessoas untarem os cabelos com vaselina de farmácia para,

em seguida, separá-los em mechas, que eram submetidas ao pente de ferro em brasa, aquecido

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no fogão a gás. O efeito colateral desse processo não tinha reflexo na saúde, a não ser o

enfraquecimento, a queda constante dos cabelos e a auto-estima das pessoas que, ao tomarem

chuva, viam os cabelos voltarem ao estado natural imediatamente. Ou seja, as pessoas que

alisavam a quente não podiam tomar chuva e nem lavar o cabelo. Esse relato que

supostamente traria impressões pessoais coincide com a história da grande maioria da

população negra que foi jovem ou adolescente na década de cinqüenta e sessenta e é presente

ainda hoje entre muitas famílias negras.

Em décadas passadas era comum as mulheres negras usarem ferro de alisar cabelo [...] o resultado era bem artificial, distante do cabelo liso, que significava “cabelo bom” por revelar um modelo hegemônico e dominante da biotipologia européia – idealmente liso e loiro (LODY, 2004).

Aparentemente, o constrangimento causado pela sensação de ser discordante do modelo, a

dificuldade de adaptação aos padrões estéticos, as dificuldades de aceitação social conduziam

essas pessoas à busca de aproximação com iguais, fazendo-as freqüentar os mesmos

ambientes sociais. Dentre esses ambientes estão as agremiações de baile, que se

transformaram, ao longo do tempo, num dos maiores pilares da resistência cultural dos negros

urbanos e, por sua capacidade aglutinadora, impunham e impõem aos freqüentadores padrões

morais, estéticos e comportamentais que se configuram num modo de vida próprio de uma

juventude negra urbana. É importante destacar que a moda reinante nesses locais resgata

padrões das culturas ancestrais na roupa e no cabelo.

Lody (2004) discute a relevância do resgate da auto-estima pela cabeça (ORÍ) 6 e pelos

cabelos, pois nas culturas africanas e afro-brasileiras, principalmente dentro da religiosidade,

existe algo que caminha para além do simbólico nesse sentido e se aproxima do sagrado. Ele

justifica a cabeça como portadora do axé 7, a energia cósmica do indivíduo; a cabeça e o

cabelo têm o poder de dizer sobre a pessoa: quem é, o que faz e qual é seu lugar no mundo.

Assim, finalizo o relato que tinha como objetivo abordar a contradição existente entre a

necessidade de ser visto na diversidade, mas sem diferenciação no exercício da cidadania; os

exemplos de particularidades, “sofrimentos éticos” conseqüentes das relações sociais

impostas em diferentes momentos da história e que possibilitam reflexões acerca das

manifestações sociais e focos de resistência cultural e política; e também os ambientes onde

elas emergem.

6 Termo de origem iorubá, que designa a cabeça, o lugar onde está concentrado o axé de cada um, o Deus do indivíduo. 7 Termo também de origem iorubá, que representa o poder vital, a força e a magia de cada ser e cada coisa.

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5 – Considerações acerca de educação, Etnomatemática e cultura

negra.

Tanto no contexto desta pesquisa como em outros, meu objetivo está em juntar esforços

de aproximação entre as propostas do programa de Etnomatemática, a DUDH, a LDBN/96, a

Lei 10.639/038, os pareceres e as resoluções do Conselho Nacional de Educação/ Ministério

da Educação e Cultura (CNE/ MEC nº. 03/04)9 e a proposta educacional da administração do

Município de São Paulo no quadriênio 2001/2004. A intenção maior dessa junção é refletir

sobre modos de tornar a relação ensino-aprendizagem de Matemática mais eficiente e

significativa a uma parcela importante de educandos da escola pública brasileira e assim

contribuir para com a reversão do quadro de mau desempenho relatado na introdução.

Estou convicto de que esse conjunto de esforços pode ser promissor à configuração de

horizontes, de processos e de posturas críticas acerca da Educação Matemática e por isso

representa uma significativa contribuição para a reversão desse quadro, no qual crianças

negras têm o desempenho escolar prejudicado, possivelmente por reminiscências históricas e

por pensamentos que já há muito foram superados pela vanguarda da ciência. As análises e as

reflexões acerca de relatos de experiências educacionais, de propostas pedagógicas, de

entrevistas com os educadores estão pautadas na certeza de que tais eventos podem fornecer

subsídios importantes à construção de projetos e caminhos relevantes ao processo educacional

brasileiro.

Desse modo, tais reflexões e análises procuram envolver a relação entre a educação

escolar - como direito da pessoa e dos grupos de minorias políticas - com práticas

pedagógicas mais adequadas aos contextos. Este trabalho alinha-se, assim, aos esforços da

comunidade nacional e internacional para a superação das barreiras impeditivas do acesso à

educação e do desenvolvimento pleno desses indivíduos e dessas populações. Nesse sentido,

vale lembrar as propostas educacionais de vanguarda, fundamentadas em princípios éticos e

políticos, que colocam o indivíduo e sua história pessoal no centro do processo. Elas instigam

a aproximação das práticas pedagógicas escolares às instituições de resistências culturais,

assim como as possibilidades de contribuição destas para as práticas escolares.

8 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.639.htm> consultado em 29/01/2008 9 http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ccs/Diretor2006/DiretorF_parecer3_2004_resolucao1_04.pdf em 30/01/2008

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5.1 Por uma Pedagogia libertária e plural no século XXI.

Do ponto de vista das ações legais, a educação é um direito fundamental da pessoa

humana, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pela

Constituição, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e pelos Parâmetros

Curriculares (PCN). Independentemente de essas ações legais tomarem a questão como

prioritária, é particularmente importante relacionar pensamentos de Paulo Freire e de Ubiratan

D’Ambrosio em um trabalho sobre negro e educação, não somente pela legitimidade

acadêmica ou pelos notáveis saberes acumulados por ambos ao longo dos anos, mas por

serem intelectuais que trouxeram grandes contribuições para a Educação do século XXI e para

a Educação Matemática. Entre as contribuições desses dois professores, destaco as discussões

e as teorizações acerca do valor dos saberes do educando na escolarização, assim como a

importância de levar em conta o convívio entre os diferentes na construção do conhecimento.

A compreensão do indivíduo como agente do próprio destino, como detentor de

conhecimentos resultantes das experiências de vida - como herdeiro dos conhecimentos

acumulados ao longo de gerações em seu ambiente e grupo social — não pode ser um fato

esquecido na sala de aula e na escola. Tais conhecimentos estão presentes nas palavras, nas

ações, nas emoções, nas sensações e nas leituras do mundo dos indivíduos. São resultantes

das elaborações e representações pessoais, refletindo os valores do universo que os

circundam: a família, o bairro, a cidade, a religiosidade e, principalmente, o sentimento de

pertença são fundamentais na construção de como ver, de como ser e por isso devem ser

considerados pela educação escolar.

Esse complexo de emoções e saberes não-acadêmicos ganhou vulto no instante em que foi

reconhecido por educadores como Freire, fazendo ecoar as vozes das minorias políticas, que

sempre tiveram violentado o direito universal de tomar as rédeas do próprio destino. A luta

das minorias pela igualdade na diferença tem sido respaldada nas reflexões provenientes do

tratado de uma educação libertadora no sentido que “a educação como prática da liberdade, ao

contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do ser abstrato, isolado,

solto, desligado do mundo, assim como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 2002, p.

70).

Ao dissertar sobre a universalização da Matemática proposta pela sociedade moderna e

suas características racionalistas desenvolvidas a partir do século XVI, D’Ambrosio define-a

como um instrumento selecionador das elites e, portanto, servindo aos processos de exclusão

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e de seleção social — uma interpretação que mostra um importante componente político para

a configuração da Etnomatemática.

Nos referimos a uma “matemática dominante”, que é um instrumento desenvolvido nos países centrais e muitas vezes utilizado como instrumento de dominação. Essa matemática e os que a dominam se apresentam com posturas de superioridade, com o poder de deslocar e mesmo eliminar a ‘matemática do dia-a-dia’. O mesmo se dá com outras formas culturais, (D’AMBROSIO, 2005, p. 77)

A Etnomatemática, por sua vez é uma das vertentes da Educação Matemática, que se volta

para as minorias políticas e assume com elas a luta em favor do reconhecimento e da

valorização desses saberes étnicos como forma de gerar, difundir e utilizar conhecimentos

matemáticos.

Ela tem mostrado, dentre outros, que existe uma forte relação entre os saberes lógico-

matemáticos, as técnicas de mensuração, a avaliação de possibilidades desenvolvidas por

esses grupos e a aprendizagem dos conhecimentos validados pela escola.

Entretanto, D’Ambrosio (2005, p. 43) adverte que “conhecer e assimilar a cultura do

dominador se torna positivo desde que as raízes do dominado sejam fortes. Na educação

matemática, a etnomatemática pode fortalecer estas raízes”.

Questionada acerca do lugar da formação de professores na Educação Matemática do

século XXI, Domite (2004) faz uma síntese do movimento das pesquisas nesse sentido. A

educadora destaca o fato de que vários pesquisadores têm-se dedicado ao tema, ressaltando o

papel do professor como sujeito de suas ações sociais. Porém, as relações entre a formação

profissional e a diversidade cultural ainda deixa abertos muitos espaços de problematização.

Domite reconhece a necessidade de os pesquisadores e os educadores envolvidos com a

formação de professores como área de pesquisa compreenderem e avaliarem mais

profundamente o potencial de levar em conta o conhecimento primeiro (étnico) do educando

nos processos de ensino/aprendizagem (de Matemática) na escola, de forma a torná-la mais

democrática.

De fato, a educação ou o conhecimento primeiro do aluno é um valor adquirido e um

direito fundamental, o que pressupõe entendê-los também como instrumentos de combate às

práticas racistas e discriminatórias, como meio de promoção das potencialidades humanas,

como afirmação das diferenças nas sociedades plurais, como reconhecimento e respeito à

alteridade, entre outros aspectos.

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Esses pressupostos, no entendimento de Domite (2004), são questões que se impõem à

sociedade contemporânea. Neste sentido, para a prática docente do século XXI, serão

desejáveis “leituras de mundo” que reflitam a complexidade e as vivências cotidianas dos

educandos como valores socioculturalmente construídos; portanto, como referência relevante

nas abordagens dos conteúdos acadêmicos propostos pela escola.

O desafio que se coloca a partir desse pressuposto é difundir entre os educadores esse

leque de possibilidades na expectativa de aprendizagens significativas, dentro de um ambiente

escolar afetado por uma herança, na formação de professores, que manteve/mantém a crença

de que o domínio dos conteúdos matemáticos clássicos é suficiente para uma competente

prática docente.

O modelo predominante na formação dos educadores é contestado desde o século XIX,

quando surgiram indagações a respeito de outros componentes da Pedagogia, importantes à

aprendizagem, que não eram considerados no processo. Entretanto, há reminiscências dessa

formação clássica ainda presentes nas ações, no cotidiano e nos valores educacionais, até

mesmo nos centros de formação dos educadores matemáticos. Domite (2004) conclui

reafirmando a posição de que a formação se constitui em um lugar de forte concentração

ideológica.

Nesse sentido, educadores brasileiros libertários há muito têm apontado para a

necessidade de a escola e a Educação entenderem e abordarem a pluralidade cultural e com

ela lidarem como um qualitativo da sociedade brasileira. Freire e D’Ambrosio salientam que:

Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas nem há homens isolados. O homem é um ser de raízes espaço-temporais (FREIRE, 2001, pág. 61).

A proposta pedagógica da etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar o aqui agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na educação a importância das várias culturas e tradições na formação de uma civilização, transcultural e transdiciplinar,(D’AMBROSIO, 2005, p 46).

Os educadores e pesquisadores envolvidos com a Etnomatemática constituem um pequeno

grupo que, em suas reflexões acerca da formação de professores de Matemática, coloca a

diversidade cultural no centro das atenções, voltando as suas preocupações para o

entendimento dos valores, das emoções, das lógicas e para o lidar com o conhecimento

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matemático primeiro do educando. E neste nesse sentido, as pesquisas e os estudos do

Programa de Etnomatemática, como definido por D’Ambrosio, têm demonstrado muita

eficiência na pretensão de trazer para o ambiente acadêmico as elaborações e as práticas

matemáticas dos diversos grupos étnicos, dentro das dimensões referidas, como: abordagem

didática, postura pedagógica e programa de pesquisa.

Pelos motivos expostos, entendo os olhares e os compromissos éticos do Programa de

Etnomatemática de D’Ambrosio e as propostas de Freire como pensamentos confluentes às

lutas em favor de uma escola comprometida com a diversidade e com a alteridade. A partir

daí, reafirmo a possibilidade de um encontro promissor entre as pesquisas em Etnomatemática

e o raciocínio matemático devolvido pelos negros escravizados e por seus descendentes no

Brasil. Na dinâmica desse encontro, a certeza de processos mais democráticos nas relações

entre os diferentes grupos humanos que constituem a nação brasileira - seguindo as

orientações e o espírito do documento assinado em 26 de junho de 1945, denominado a “Carta

de São Francisco”.

5.2 A educação plural como direito

A Carta de São Francisco, documento que deu vida à Organização das Nações Unidas,

marcando, na construção desta, um momento de transição e de construção coletiva importante

para a história da humanidade, registrou, na verdade, a necessidade de preservar e de regular

as relações de interdependência entre os Estados.

Em dezembro de 1948, por intermédio de assembléia geral, foi aprovada a Declaração

Universal dos Direitos Humanos (DUDH) - contendo trinta artigos que tratam dos direitos

fundamentais da pessoa humana. A declaração foi entendida como:

O ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades e pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição (DUDH).

Frente a essas colocações, vale lembrar que as bombas atômicas sobre o céu de Hiroshima

e Nagasaki demonstram heroísmo nos filmes sobre a Segunda Guerra. Esta ótica -

freqüentemente apresentada pelos vencedores omite, cuidadosamente, práticas e discursos que

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as lembranças dos terrores de Auschwitz teimam fazer lembrar. Adorno (1995), em seus

escritos a esse respeito oferece de fato, uma extraordinária oportunidade de reflexão acerca da

capacidade que grupos atrelados ao poder têm de se apropriar do conhecimento e do discurso

científico para conduzir à destruição pessoas, ideais e culturas, pela ação ou pela omissão.

Como é sabido, os líderes nazistas fundamentaram-se nas teorias da eugenia e do

determinismo biológico para conduzir o povo alemão à crença de que, por direito, seriam eles

os responsáveis pelos destinos do mundo e das “raças inferiores”, reconhecidas na construção

dessas teorias como danosas ao desenvolvimento da espécie humana e ao progresso das

sociedades.

Como também é difícil perceber, países de grande poder econômico e tecnológico, como

os Estados Unidos, colocaram-se no direito, em nome da paz, de arbitrar sobre a vida de

milhares de pessoas, para impor ao mundo sua liderança e poderio bélico. Fatos como esses,

em geral, momentos tácitos, revelam a necessidade de as nações se unirem na intenção de se

proteger das investidas contra os direitos básicos dos indivíduos, dos grupos e das culturas.

A Carta de São Francisco, da qual vários países foram signatários, foi assinada em um

momento de comoção mundial - aflorada em razão dos milhões de judeus assassinados nos

campos de concentração da Alemanha e dos milhares de japoneses mortos pelas bombas

americanas durante a Segunda Guerra Mundial. Ela aborda, em diversos trechos, o

compromisso dos países membros na luta contra os processos discriminatórios, por meio da

educação e da cultura, conforme descrito no preâmbulo e no artigo XXII da Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (DUDH - 1948).

A Declaração tem no seu cerne o reconhecimento do direito da pessoa de ser respeitada no

seu modo de vida, na sua cultura e nos seus valores tradicionais, explicitando a existência em

âmbito internacional de práticas discriminatórias no interior dos grupos sociais, políticos,

culturais e religiosos. É, portanto, dentro desse espírito que a ONU, como instituição

reguladora das tensões e dos conflitos internacionais, por determinação da assembléia geral e

por meio da United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (UNESCO),

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tem produzido, ao longo dos anos, documentos e ações de erradicação do racismo e das

práticas discriminatórias.

Para as populações negras do Brasil, o início do século XX ficou marcado pelos estigmas

da escravidão, pelas teorias raciais e pelas condições sociais do período pós-abolição, fatos

que serão abordados com mais detalhes posteriormente. Foi neste cenário que a educação

escolar apareceu como a melhor possibilidade de inclusão na sociedade. Silva e Araujo (2005)

revelam que, na São Paulo da virada do século XX, um pequeno grupo de negros, por ter

gozado do privilégio de freqüentar a escola formal, constituiu uma elite responsável pela

ativação de movimentos sociais ligados à educação dos negros. Por sua vez, os movimentos,

além das reivindicações, promoveram individualmente ações de superação das barreiras

raciais por intermédio da educação e da cultura.

Dois exemplos de experiências educacionais são a Frente Negra Brasileira (FNB),

instituição fundada em 16 de setembro de 1931 em São Paulo que, apesar de sua relação

contraditória com o Estado, é vista como uma referência dessas experiências de superação e o

Teatro Experimental do Negro (TEN), criado no Rio de Janeiro em 1944 para atender as

necessidades de um teatro de negros e para negros e que, por força das circunstâncias,

alfabetizou mais de seiscentas pessoas.

Entretanto, do meu ponto de vista, o “mito de democracia racial” 10, como um valor

recorrente na sociedade da época, retardou significativamente as ações de superação das

barreiras raciais impostas aos negros no início do século XX. A lei Afonso Arinos - nº. 190/51

—, uma das primeiras a propor ações de superação, foi aprovada somente sessenta anos após

a abolição, já sob forte influência desses movimentos sociais amparados na DUDH.

O texto da lei rezava o seguinte:

Art. 1º Constitui contravenção penal, punida nos termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor.

Parágrafo único. Será considerado agente da contravenção o diretor, gerente ou responsável pelo estabelecimento.

10 A expressão “mito da democracia racial” foi aqui emprestada aos movimentos sociais ligados à comunidade negra, para contestar a difusão de um ideal de convivência entre brancos e negros brasileiros dos anos trinta do século XX e que se propagou até o seu final.

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No tocante à educação, a Lei 4.024/6111 iniciou os esforços de superação, garantindo o

direito de acesso das crianças oriundas dos grupos de minorias12 ao ensino primário na escola

pública, mesmo que em condições adversas, pois a referida lei não garantiu as condições

mínimas de permanência dessa nova clientela, e a escola não se preparou para recebê-la.

Em seguida, a XI Conferência da UNESCO, em 1962, aprovou a Convenção Contra a

Discriminação na Educação, assinada pelos países-membros, dentre eles o Brasil, que só veio

a ratificá-la em 1968. Esse documento, para a entidade, foi o desencadeador das outras

propostas de combate às práticas discriminatórias: a Declaração sobre Raça e Preconceito

Racial, em 1978; a Declaração sobre Princípios de Tolerância, em 1995; a Declaração

Universal sobre Diversidade Cultural, em 2001, aprovada na Conferência Mundial contra o

Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância Correlata (Durban, África do Sul),

que mais recentemente, em 2005, aprovou também a Convenção sobre a Proteção e Promoção

da Diversidade das Expressões Culturais.

As convenções e os protocolos gerados a partir das ações da ONU, da UNESCO e demais

instituições correlatas demonstram os esforços empregados pelas nações, no campo da

Educação, para superar os obstáculos e as barreiras impeditivas ao desenvolvimento das

potencialidades de pessoas, povos e culturas. No Brasil, para as comunidades negras, o dia 7

de julho 1978 ficou marcado pelo ato público na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo.

Este ato, que legitimou o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR),

agregou as instituições ligadas às lutas dessas comunidades no Brasil em uma nova

instituição, batizada de Movimento Negro Unificado (MNU), com o objetivo de agregar em

torno de si a luta contra as práticas racistas da sociedade brasileira.

A existência desses esforços, sessenta anos depois da DUDH e das primeiras ações de

superação, indica a presença de forças e pensamentos contrários ao processo de direito

desenvolvido e proposto pela ONU, fato que configura uma grave transgressão aos direitos

fundamentais da pessoa humana e impõe aos governos, às sociedades e aos indivíduos a

obrigação e o dever de ampliar esforços para que tais impedimentos sejam superados.

A não-superação, por sua vez, implica na co-responsabilidade pelos atrasos no

desenvolvimento da humanidade; pela miséria; pelas culturas exterminadas; e,

11 A Lei 4.024/61 é considerada como a primeira lei de diretrizes e bases da Educação brasileira; uma curiosidade sobre ela é o fato de ter transitado por um período de anos pelo Congresso Nacional. 12 Fica aqui entendido que o termo “minorias” e “minoritários” faz referência às minorias de representação econômica e política.

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principalmente, pelas vidas perdidas nas ações desses contraditórios. Contudo, os esforços

pela erradicação das práticas racistas ganharam status de política de Estado somente na

década de 80, quando o Brasil, signatário da Carta de Intenções de 1962, assumiu a

Declaração sobre Raça e Preconceito Racial, de 1978. A partir da ação dos movimentos

sociais, surgiram as primeiras políticas públicas na direção de atender a especificidades dos

grupos minoritários nos campos da saúde e da educação, entre outros.

Desse modo, vêem-se intensificadas as propostas de trabalhos científicos, produzindo

dados estatísticos e conhecimentos teóricos, para serem utilizados como base de sustentação

no tratamento das especificidades dos negros.

No âmbito da educação, foram implementadas várias ações conseqüentes desse processo.

A LDB nº. 9.394/96 é um exemplo, pois pela primeira vez na história do País uma lei

procurou contemplar a pluralidade cultural que compõe a sociedade brasileira. Os PCN, por

sua vez, trataram essa questão como temas transversais a serem incorporados pelos currículos

escolares e pelas práticas pedagógicas.

Dentro da temática da pluralidade, os afrodescendentes (negros) ganharam um tratamento

específico pelo entendimento da problemática como uma emergência nacional, oferecendo a

oportunidade de debates sobre as circunstâncias históricas da inclusão perversa do negro na

sociedade.

A Lei nº. 10.639/03 complementou a LDB, propondo o ensino de história da África e dos

afrodescendentes no ensino básico; o Parecer CNE/CP nº. 03/04, do Conselho Nacional de

Educação e a Resolução do MEC, entre outras propostas, determinam aos centros de

formação em educação a obrigatoriedade de fundamentar os graduandos de todas as áreas do

conhecimento para o trato com as diferenças.

5.3 Uma leitura da Educação do século XXI

No campo da Educação Matemática, no artigo sobre Etnomatemática e cultura negra,

Costa e Silva (2005) considera que as diferentes concepções, abordagens e enfoques

explorados pela Etnomatemática permitem que ela não se caracterize somente como um

programa de pesquisa, mas também como uma postura política ou um processo didático, entre

outros.

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Apesar desse enfoques diferenciados, a maioria dos pesquisadores dessa área fundamenta-

se em princípios comuns, entre os quais destacamos alguns que consideramos fundamentais.

O uso da Matemática como instrumento capaz de auxiliar na construção da consciência crítica

do indivíduo, necessária às lutas pelas transformações sociais, é um deles; o compromisso e a

luta pelo reconhecimento dos valores socioculturais, das técnicas e das práticas das minorias

representam outro orientador relevante; e o compromisso com a educação transformadora, na

busca de uma sociedade justa e igualitária, também tem sido de importância crucial.

Esses princípios são evidências significativas do envolvimento da Etnomatemática com a

luta dessas minorias, sejam elas os povos do campo, os jovens nas periferias dos centros

urbanos ou os povos indígenas, dentre outros. Reconhecer e revelar valores étnicos e culturais

desses povos, as práticas e as formas particulares de se relacionarem com o universo - seja na

dimensão das representações simbólicas que buscam explicar o mundo ou nas técnicas do

lidar com o cotidiano - está se configurando como o grande compromisso político da

Etnomatemática.

Ela dialoga intensa e cotidianamente com o envolvimento que decorre de inspirações nos

ideais marxistas, humanistas, freireanos e sócio-construtivistas. São essas inspirações que

permitem ao pesquisador escolher o enfoque, a concepção teórica e a abordagem que melhor

se enquadre às possibilidades dos trabalhos a serem desenvolvidos, seja no campo da pesquisa

acadêmica, na prática docente ou na (re)construção dos currículos escolares.

Há algum tempo, as várias dimensões do Programa de Etnomatemática vêm sendo

utilizadas nas pesquisas junto às populações indígenas que, como os negros e outros grupos

minoritários, tiveram seus saberes silenciados durante o processo de constituição da nação

brasileira. Entretanto, os saberes afro-brasileiros ainda não se constituíram como foco

privilegiado de investigação no Programa.

A luta pela sobrevivência e pela transcendência — fundamentada na ancestralidade —,

desenvolvida pelas comunidades negras urbanas, configurou as resistências e as formas de

pensar e de agir sobre os problemas impostos a essas comunidades pelas circunstâncias

históricas, políticas e sociais. Contudo, como salienta D’Ambrosio:

O novo mundo passou, e ainda passa, por grandes transformações na conjunção das culturas indígenas, africanas e européias. A transferência e preservação de culturas africanas no Novo Mundo, incorporando e modificando tradições lingüísticas, religiosas, artísticas e, sobretudo, cientificas, é ainda pouco analisada pelos historiadores. (D’AMBROSIO, 2005, p. 40).

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Levar essas práticas para o campo da Educação Matemática evidencia a Etnomatemática

como possibilidade relevante à construção e à reconstrução dos currículos e das práticas

pedagógicas que contemplem as especificidades desses grupos, particularmente nas

dimensões política, pedagógica e educacional, onde ela entende a necessidade do

reconhecimento, do respeito e da valorização dos saberes primeiros do educando trazidos da

família, do bairro, da cidade, da religiosidade e do sentimento de pertença.

A Etnomatemática pode configurar-se como um orientador relevante às posturas e às

ações educacionais que levem à aprendizagem significativa de conceitos e conteúdos

matemáticos, não somente aos negros, mas ao conjunto que compõe a clientela majoritária da

escola pública. Clientela que compartilha os espaços geográficos, históricos, sociais e

culturais, ainda que o compartilhamento não contemple na totalidade as especificidades

individuais.

Neste sentido, em Costa e Silva (2005) analisamos também a existência de uma lógica

negra, de matriz africana, na formação da capoeira de Angola, um instrumento de defesa e

ataque, constituído por um intrincado jogo de pernas, braços e movimentos do corpo. No

jogo, construções geométricas e relações de tempo e espaço objetivam confundir a mente do

adversário, na busca de um ponto frágil na guarda do outro e, assim, poder aplicar o golpe

certeiro e desequilibrante — um jogo cerebral de negociação do espaço. A iniciação ocorre

através da ginga que, em síntese, são movimentos de pernas e corpo que projetam no solo um

triângulo imaginário a partir do qual os golpes são executados.

Todo esse processo, ao ser desenvolvido à vista dos opressores, teve de ser disfarçado em

dança, tomando como base os conhecimentos trazidos, principalmente, do centro-oeste da

África. Ele traz um forte acento da religiosidade, por meio da qual, o uso do corpo, o

elemento maior da expressão, pois toda a herança trazida das tradições africanas, na diáspora

do povo negro para o continente americano, teve nele o elemento de expressão e resistência

cultural. “Toda a religiosidade e cultura do povo negro no Brasil se caracterizam pelo uso do

corpo e de seus movimentos Seja pela dança, pela música, pela religiosidade, ou mesmo, pela

luta” (TAVARES, 1997, p. 216).

Inspirada nas sugestões que constam no artigo de Costa e Silva (2005), Pinheiro (2006)

relata - em um pôster apresentado no VIII EPEM - a experiência vivida com a aprendizagem

de semelhanças de triângulos a partir dessa posição básica do jogo de capoeira. Penso ainda

que, nesse sentido, há também a possibilidade de explorar o fator que diferencia o jogador de

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futebol brasileiro dos demais, ou seja, a relação do corpo com o tempo e o espaço, o que pode

se constituir em mais uma herança trazida da capoeira e das tradições africanas e afro-

brasileiras.

Os dois pontos de maior reconhecimento da cultura brasileira no mundo são: o futebol e a música, que não por acaso são os setores onde o Brasil permitiu que a diversidade acontecesse de forma intensa, associando os valores e culturas africanas com as outras trazidas da Europa pelas muitas colônias de imigrantes (SANTOS, 2001).

A afirmação de H. Santos e a experiência de Pinheiro afloram o questionamento acerca

dos outros saberes e fazeres desenvolvidos pelos negros, assim como as possibilidades de uso

daqueles como orientadores de ações pedagógicas, objetivando a aprendizagem significativa

de conteúdos de Matemática. As lógicas, as técnicas, as tecnologias de uso do corpo

desenvolvidas nas resoluções dos problemas podem contribuir para a construção de

identidades matemáticas brasileiras, a partir das maneiras de relacionar o tempo e o espaço a

uma cosmovisão própria.

As elaborações matemáticas existentes em alguns elementos das culturas negras

desenvolvidas no Brasil são muito evidentes. Ao tomarmos como exemplo o jogo dos búzios -

comum nas práticas cotidianas daqueles que assimilaram a religiosidade negra -, percebemos

e uma composição básica das dezesseis contas, que são lançadas duas vezes para cada

resposta pretendida. Uma dentre as leituras possíveis para o jogo está representada pela

combinação dos búzios abertos com os fechados (para cima ou para baixo) nos dois

lançamentos, dando início a um processo de análise probabilística, que tem no centro o

elemento místico próprio das religiões negras, conforme descrito no modelo – que não

consegue incorporar a variável referente ao misticismo:

Se denotarmos por X o número de búzios fechados, temos que X pode assumir os valores

de zero até dezesseis, isto é, X = {0,1,2,3,...,16}. Dessa forma, para determinarmos a

probabilidade de acontecer cada uma destas configurações, devemos observar que, ao lançar

os búzios, não se leva em consideração a ordem em que eles aparecem e, como são lançados

todos juntos, eles se tornam independentes entre si. Assim, para calcular a probabilidade de

sair exatamente um búzio fechado, devemos adicionar as probabilidades de todas as possíveis

disposições desta configuração e multiplicar a probabilidade dos resultados em cada uma das

disposições, isto é:

P(X=1) = P(FAA...A) + P(AFA...A) + P(AAF...A) +...+P (AAA...F)

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= [P(F)P(A)P(A)...P(A)] + [P(F)P(A)P(A)...P(A)] +...+ [P(A)P(A)P(A)...P(F)]

= [qpp...p] + [pqp...p] +...+ [ppp...q]

= 16qp15

Assim,

P(X=0)= p16, P(X=1)= 16qp15,...,P(X=r)= C16,r qrp16-r,..., P(X=15)= 16q15p1, P(X=16)= q16, onde C16, r é o número de combinações de 16 elementos tomado r a r.

Em valores numéricos, temos, então, que cada búzio tem probabilidade p=1/2 de estar aberto

e q=(1- p)=1/2, de estar fechado.

P(X = 0) = (1/2)16 = 0,000015 P(X = 1) = 16(1/2)16 = 0,000244 P(X = 2) = 120(1/2)16 = 0,001831

P(X = 3) =560(1/2)16 = 0,008545 P(X = 4) = 1820(1/2)16 = 0,027770 P(X = 5) = 4368(1/2)16 = 0,066650

P(X = 6) = 8008(1/2)16 = 0,122192 P(X = 7) = 11440(1/2)16 = 0,174560 P(X = 8) =12870(1/2)16 = 0,196380

P(X = 9) = 11440(1/2)16 = 0,174560 P(X = 10) = 8008(1/2)16 = 0,122192 P(X= 11) = 4368(1/2)16 = 0,066650

P(X = 12) = 1820(1/2)16 = 0,027770 P(X = 13) = 560(1/2)16 = 0,008545 P(X = 14) = 120(1/2)16 = 0,001831

P(X = 15) = 16(1/2)16 = 0,000244 P(X = 16) = (1/2)16 = 0,000015

Essa formulação não se propõe a ser o foco das análises a serem realizadas aqui; ademais,

é uma argumentação inspirada em Muleka (1989), que enfoca dois jogos de adivinhação,

populares nas culturas africanas, e faz uma brilhante transposição das adivinhações do jogo

em modelos de probabilidades matemáticas.

O objetivo não é detalhar as elaborações matemáticas existentes nessas práticas, embora

sejam necessários estudos mais detalhados sobre elas. É, sim, entendê-las como

conhecimentos matemáticos que são constituintes da resistência cultural que vem sendo

transmitida através de gerações dentro das instituições, por processos pedagógicos de base

ancestral, onde os mitos da religiosidade interferem na construção da maneira própria do

pensar as relações de tempo e espaço, principalmente pelo uso do corpo.

Perceber como esses processos se constroem pode ser um grande desafio para o

entendimento de outras maneiras de lidar com o pensamento matemático na sala de aula e,

assim, contribuir para a reconstrução da postura do educador e para a desconstrução do aluno

ideal, tão distante das gentes brasileiras. Considerar a riqueza da pluralidade de pensamentos,

de comportamento e de crenças no processo educacional afetará positivamente a construção

da auto-estima do educando e o reencontro com as identidades primeiras, livres dos

estereótipos que, nestes quinhentos anos, colocaram essas crianças oriundas das minorias na

condição de cidadãos de terceira categoria.

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A seriedade e o respeito foram explicitados por D’Ambrosio (2005) na afirmação de que

“a responsabilidade maior dos teóricos da educação é alertar para os danos irreversíveis que

se podem causar a uma cultura, a um povo e a um indivíduo se o processo for conduzido

levianamente, muitas vezes até com boa intenção”.

Fundamentado nas reflexões apresentadas, entendo que os estudos desenvolvidos nas

relações corpo e espaço na busca da aprendizagem e de práticas matemáticas possam

contribuir de modo significativo, não somente para com a aprendizagem das crianças negras,

mas da grande maioria dos educandos da escola pública, se entendermos que valores das

culturas negras brasileiras estão amplamente difundidos e incorporados ao cotidiano da

população. É nesse sentido que a Etnomatemática surge como possibilidade, não só pelo

compromisso com a seriedade e o rigor, mas, principalmente, pelo respeito aos diferentes na

construção de seus saberes e visão do mundo.

A constatação de tais possibilidades propostas pelo Programa de Etnomatemática face ao

mau desempenho dos educandos negros na disciplina levou-me a pensar nas fundamentações

desta pesquisa a partir de três momentos importantes de inserção das populações negras no

contexto social brasileiro, tendo como pano de fundo os projetos educacionais adotados no

Brasil Colonial, no Brasil do século XIX e ao longo do século XX, para assim poder analisar

outras circunstâncias que possam revelar indícios desse mau desempenho dos educando

negros.

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6 – O distrito Pirituba: do Guarani ao CECI

O Distrito de Pirituba está localizado à margem direita do Rio Tietê, na fronteira

administrativa entre as zonas norte e oeste no município de São Paulo. Tem uma área de 54,7

km2 constituída por 74 bairros. Conta, atualmente, com uma população de cerca de 410 mil

pessoas, das quais, aproximadamente 125 mil são crianças ou adolescentes. Há uma forte

presença industrial na região, cujos marcos datam dos primeiros anos do século XX. Um

desses marcos é o frigorífico Armour que, depois da ferrovia, foi o grande responsável pela

presença de ingleses, holandeses, japoneses e italianos no local.

A presença dessas culturas está registrada em muitos monumentos da região: o castelinho

inglês ― erguido para ser a casa do chefe da estação; o clube holandês ― popularmente

conhecido como Casa de Nassau; o campo de basebol e as muitas florestas de eucaliptos

remanescentes das plantações que sustentaram as caldeiras do frigorífico e das demais

indústrias do início do século XX ― registram a presença dos japoneses contratados para

plantá-los.

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O distrito comemorou 120 anos recentemente, mas compõe a região que é conhecida dos

paulistanos desde o século XVI, por estar no caminho das bandeiras e pela presença do Pico

do Jaraguá, que podia ser visualizado de diferentes pontos da cidade. Destaca-se o fato de o

pico despertar a cobiça dos portugueses pela possibilidade de existência de ouro, o que

justificou a tentativa do bandeirante Afonso Sardinha de estabelecer-se na região Jaraguá, em

1580, para a exploração dessa riqueza. Na ocasião, ele foi impedido pelos índios guaranis.

Porém, em 1592, conseguiu seu intento de expulsar os índios e estabelecer as suas minas no

sopé do morro, das quais se podia encontrar um dos tanques de lavagem de ouro, soterrado

recentemente, mas ainda é possível visitar a casa onde o bandeirante morou até 1615.

Hoje, essa casa é sede do Parque Estadual do Jaraguá. Na medida em que os filões de ouro

se esgotaram, os bandeirantes caminharam em direção a Goiás e a Minas Gerais,

abandonando a região, que só voltou a ser ocupada no século XVIII, com a formação de

grandes fazendas de café, sendo as principais: a Fazenda Barreto, a Fazenda Anastácio e a

Fazenda Jaraguá.

Mais recentemente, índios de etnia guarani retomaram uma área no pé do parque e à

margem da Rodovia dos Bandeirantes. Lá reconstruíram duas aldeias: a Jaraguá e a Jaraguá

Ytu. Como elemento simbólico, vale registrar o fato de elas estarem instaladas em volta da

velha casa de Afonso Sardinha. A retomada foi reconhecida e encampada pelo poder público,

que ali implantou uma unidade do Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI), nos

moldes propostos para a educação indígena no município.

A estação de trem de Pirituba, cujo nome origina-se do Tupi “taboa grande”, foi

inaugurada em 1885, por influência dos fazendeiros que a utilizavam para o escoamento da

produção destinada ao Porto de Santos. Ela é um marco importante para o desenvolvimento

da região. Entretanto, foi a falência das três grandes propriedades que possibilitou o

surgimento do distrito. A fazenda Barreto, primeira a ser loteada, deu origem a diversos

bairros; a fazenda Jaraguá, conservada em parte pelo parque, teve a outra parte loteada,

originando uma série de sítios; e a fazenda Anastácio, cujo loteamento originou o Parque São

Domingos, Vila Mangalot, Jardim Santo Elias e o Jardim Líbano, entre outros bairros. Ela

teve como particularidade o fato de ter pertencido ao Coronel Tobias Barreto e à sua mulher,

Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos.

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6.1 A presença negra no bairro

Não encontrei registros bibliográficos ou históricos a respeito o início da presença de

negros nesta região. Contudo, talvez isso tenha ocorrido por ocasião da consolidação das

fazendas citadas anteriormente, visto que, por um longo período, o trabalho nas fazendas

brasileiras esteve a cargo de negros escravizados. De todo modo, a presença marcante de

negros em Pirituba foi destacada pelo Jornal Folha de São Paulo na edição de 20/11/2005,

que fez um levantamento acerca dessa população e constatou um percentual de 45% de negros

na Vila Mangalot, número em evidente discrepância com a média da cidade.

A reportagem também tornou pública a investigação da prefeitura paulistana sobre a

evidência de uma população remanescente quilombola, existente na Vila. Os investigadores

pautaram-se nos testemunhos de idosos, que afirmaram, em seus depoimentos, que

antigamente era comum encontrar, nos terrenos baldios, correntes e grilhões ―

provavelmente retirados de escravos fugidos e que ali se estabeleceram. Hoje, essas famílias

negras remanescentes constituem um foco de resistência aos objetivos do mercado

imobiliário, que têm buscado expansão na região.

As pesquisas e os relatos dos moradores mais velhos indiciam a existência de sítios

arqueológicos que pode facilitar o reconhecimento daquele que pode ter sido o primeiro

quilombo urbano da cidade de São Paulo. Segundo a reportagem, documentos da Faculdade

de História da Universidade de São Paulo vinculam a Marquesa de Santos, herdeira da

fazenda Anastácio, com grupos de escravos fugidos, numa relação de parceria e tolerância. O

jornal informa ainda que a equipe responsável pela investigação alegou dificuldades para

encontrar registros históricos capazes de provar que a Marquesa de Santos tenha doado parte

das terras da fazenda Anastácio aos negros que ali viviam e com quem, segundo o folclore,

tinha o hábito de fumar e papear nos fins de tarde, no quintal do quilombo. Contudo, a história

oral que circula a esse respeito reforça ainda mais a idéia da parceria então existente.

A habilidade na realização de pesquisas antropológicas poderá revelar, na vivência dessas

famílias remanescentes, práticas, técnicas, tradições e visões do mundo importantes para a

compreensão dos valores a serem desenvolvidos nas escolas, na intenção de tornar mais

eficiente o desempenho das ações pedagógicas voltadas para a valorização da cultura negra.

Por outro lado, a existência de escolas de samba, clubes de bailes, terreiros de candomblé,

assim como as relações familiares constituem, na atualidade, redutos de manifestações de

culturas dessa reminiscência. Nesse sentido, é importante ressaltar que, embora sejam

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constituídas por núcleos independentes, as famílias e as instituições do bairro interagem,

estabelecendo relações de identidade, de pertencimento, de resistência cultural e econômica.

6.2 Os negros em Pirituba — uma perspectiva socioeconômica

O Sistema Intraurbano de Monitoramento dos Direitos Humanos (SIMDH), órgão ligado à

Comissão Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, analisou alguns

indicadores sociais fundamentados em dados do senso de 2003/2004 e classificou as regiões

da cidade em cinco categorias, conforme as garantias sociais que apresentam. Elas variaram

de: alta, boa, média, baixa, até precária garantia. A região de Pirituba foi classificada como de

média garantia; entretanto, o mesmo estudo mostra diferenciações acentuadas entre os dados

globais em comparação com a comunidade negra.

Algumas dessas diferenciações são: a taxa de desemprego é 33% maior entre a população

negra; a renda per capita inferior a ½ salário mínimo tem a incidência 59% maior entre os

negros; o número de homicídios de adolescentes é 2,13 vezes maior entre os negros; a

gravidez precoce é 20% maior entre as adolescentes negras. Esses dados oferecem subsídios

para as propostas de reflexão deste trabalho, pois eles constatam a necessidade de abordagens

específicas das questões descritas como temas transversais nos PCN e estão entre outros

intrinsecamente ligados aos objetivos do projeto educacional da SME/SP na gestão

2001/2004.

TABELA – 2: Alguns indicadores sociais da população na região. POPULAÇÃO TOTAL - 413.120

NÃO NEGRA NEGRA 291.280 69,51% 121.840 29,49% Incidência Desemprego 47.461 16,29 30.618 25,13% + 33%

Renda per capita inferior a ½ salário comparada

24.955 11,37% 22.016 18,07% + 59%

Gravidez Precoce 6.245 7,05% 2.576 8,46% + 20% Sistema Intraurbano de Monitoramento dos Direitos Humanos (SIMDH - 2000 /2004)

De outro lado, a maciça presença de negros; suas manifestações de resistência e de

identidade cultural; as propostas de ações pedagógicas da SME/SP - 2001/2004; as condições

sociais a que estão expostos os jovens negros são fatores que estimulam a intenção de

pesquisar como essas singularidades são tratadas pelas práticas cotidianas das escolas

municipais do entorno da região, indiciada como de remanescentes de quilombolas. Estes

fatores também são compreendidos por mim como possibilidades de pesquisar acerca de um

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pensamento etnomatemático específico, que possa ser tomado como base de uma abordagem

cultural capaz de interferir no desempenho matemático dos alunos ― apontado, na pesquisa

do SAEB e do SARESP, como ruim, se comparado com os demais.

6.3 A resistência cultural negra em Pirituba

Do mesmo modo que nos demais grupamentos humanos em Pirituba, muitos monumentos

registram a presença da comunidade negra. Entretanto, são as instituições de resistência

cultural que representam mais acentuadamente essa presença, pois elas mantêm as

peculiaridades e as características das instituições do século XIX e XX, conforme descrito por

Leite e Cuti (1992). Nesse sentido, vale destacar a presença dos núcleos familiares

remanescentes, das escolas de Samba, dos salões de baile e dos terreiros de candomblé e

umbanda, entre outros. Em vista das diferentes histórias e formas de atuação dessas

instituições, cada uma delas será tratada em separado, nos itens seguintes.

Inicialmente, dedicarei a atenção ao Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba

“Prova de Fogo” ― uma instituição nascida dentro dos núcleos familiares do bairro e que

representa mais um marco dessa resistência que merecerá algumas considerações, assim como

outras instituições negras com presença marcante na região.

6.4 As escolas de samba

O entrudo chegou ao Brasil como extensão das festas carnavalescas européias. Em países

como Itália e França, o carnaval ocorria em forma de desfiles urbanos, nos quais os

carnavalescos usavam máscaras e fantasias de personagens como Colombina, o Pierrô e o Rei

Momo, que também foram incorporados ao carnaval brasileiro, no final do século XVII. No

século XIX, surgiram os primeiros cordões, os “corsos", desfiles nos quais as pessoas se

fantasiavam, decoravam seus carros e, em grupos, desfilavam pelas ruas das cidades. O

carnaval cresceu e transformou-se numa festa popular, com a ajuda das marchinhas e dos

ranchos carnavalescos, que o deixavam cada vez mais animado.

No Rio de Janeiro, um grande número de ex-escravos oriundos das fazendas de café do

Vale do Paraíba juntou-se à massa de ex-escravizados trazidos da Bahia para trabalhar no cais

do porto e aos soldados baianos recém-chegados de Canudos, com suas mulheres baianas —

iniciadas nos segredos do candomblé, além de organizadoras das festas — que, com seus

cantos, inspiravam os músicos dos ranchos. Esse contingente de negros ocupou a região

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portuária, as periferias e os morros cariocas, que, de imediato, ganharam o nome de favelas,

em alusão à semelhança com os faveleiros abundantes na cidade de Canudos, dominada por

Antônio Conselheiro.

Tinhorão (1983) afirma que as mulheres trazidas pelos soldados foram fundamentais na

conjunção de fatores que levaram ao surgimento do samba, ritmo surgido da necessidade de

marcar o andamento dos desfiles. A estilização de uma festa rural de origem religiosa –

provavelmente o afoxé — e as demais manifestações da religiosidade aproximaram esses

negros do carnaval de rua que, mais tarde, veio a se transformar nos desfiles de ranchos, nos

cordões e nas escolas de samba. Quanto aos ranchos, João da Baiana, um personagem

lendário do carnaval carioca, em entrevista a Tinhorão, revela o papel do capoeira no desfile

dos ranchos:

Eu fui porta-machado de rancho e de cordão. Porta-machado era tudo garoto bom de capoeira que ia na frente dançando e fazendo capoeiragem. A gente tinha que proteger a porta bandeira por que quando dois rancho ou dois cordão se cruzava dava briga. (JOÃO DA BAIANA apud TINHORÃO. 1983).

A primeira escola de samba a desfilar na Praça Onze chamava-se “Deixa Falar” e foi

criada pelo sambista carioca chamado Ismael Silva. Anos mais tarde, a “Deixa Falar”

transformou-se na escola de samba Estácio de Sá. A partir daí, o carnaval de rua começou a

ganhar um novo formato. Surgiram novas escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo,

organizadas em Ligas de Escolas de Samba, que iniciaram os primeiros campeonatos para

verificar qual delas era a mais bonita e animada.

O carnaval de rua manteve suas tradições originais na região Nordeste do Brasil: em

cidades como Recife e Olinda, as pessoas saem às ruas ao ritmo do frevo e do maracatu. Na

cidade de Salvador, existem os trios elétricos, embalados por músicas dançantes de cantores e

grupos típicos da região. Nela, destacam-se também os blocos negros como o Olodum e o

Ileyaê, além dos blocos de rua e do Afoxé Filhos de Gandhi. Assim como no Brasil, a

comunidade negra de Pirituba foi responsável pelo desenvolvimento de agremiações em torno

do samba e de outras manifestações culturais provenientes da cultura negra.

6.4.1 A escola de samba “Prova de Fogo”

A “Prova de Fogo”, dentre outras agremiações do bairro, nasceu na Avenida Elísio

Cordeiro de Siqueira, mas hoje conta com sede própria à Rua Monteiro de Araújo, 1.007, Vila

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Jaguará. Segundo seu site, a agremiação ― que defende as cores vermelho, verde, preto e

branco e que comemorou 31 anos em 21/04/2006 ― teve origem num piquenique promovido

por torcedores e jogadores do Santista Futebol Clube, time de várzea da região. Foi idealizada

na oportunidade por Akimilson de Oliveira Camargo, o “Ceará”, que sugeriu o nome “Prova

de Fogo”, em homenagem a um bloco do Ceará, de quem ela empresta o nome até hoje.

Dona Valdevina cedeu sua casa para as primeiras reuniões do grupo que, em 16 de junho

de 1974, elegeu Ceará como primeiro presidente da agremiação. No ano seguinte, a escola

conquistou o primeiro título e, desde então, tem participado de todos os carnavais paulistanos,

abordando os mais variados temas.

Uma das particularidades da “Prova de Fogo” que merece especial atenção neste trabalho,

é o fato de ter nascido e permanecido até muito recentemente a menos de 300 metros da área

mapeada como o núcleo desse possível primeiro quilombo urbano.

A atual administração, presidida por Celso Lima, a exemplo das anteriores, tem dedicado

a gestão, além do carnaval, às questões sociais da comunidade. Nesse sentido, tem realizado

projetos em convênio com órgãos públicos e entidades da sociedade civil, objetivando a

formação cultural, educacional e profissional dos jovens e dos freqüentadores da agremiação

em geral. Esses projetos são:

• O “Barracão”, que oferece oficinas de percussão, violão, canto e dança, entre

outras, beneficiando cerca de 500 jovens e adolescentes desde a sua implantação.

• “Aprender para Crescer” ― projeto que, em associação com a entidade de mesmo

nome, visa à construção de uma unidade do Programa Ampliar: um projeto social

apoiado pelo Sindicato de Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração

de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo (SECOVI-SP). Esse projeto,

por meio de parcerias, promove a educação e a profissionalização de adolescentes

de baixa renda, fornecendo instrumental básico para que possam ocupar seu lugar

no mercado formal de trabalho. As obras da unidade Pirituba, ao lado da sede

social da “Prova de Fogo”, deverão ser iniciadas em 2006 e será o maior núcleo de

formação profissional do Programa Ampliar.

• A agremiação mantém um time de futebol de campo e também realiza torneios e

festivais, principalmente para a confraternização da comunidade do bairro e de

outras regiões da cidade. Futuramente, a “Prova de Fogo” pretende construir uma

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quadra de futebol-society em sua sede, para a realização de torneios e eventos

esportivos.

6.5 Os salões de baile em Pirituba e a busca de identidade

Na contemporaneidade, novos formatos de agremiações e clubes de baile configuram-se

como sucessores dos clubes de baile da virada do século XIX e aparecem em pesquisas como

os novos núcleos dos movimentos comportamentais e como focos de resistência cultural nos

ambientes urbanos. Seus objetivos poucas vezes são declarados como tais; no entanto, as

descrições demonstram o mesmo acolhimento aos negros e aos excluídos dos bens sociais, em

função de características físicas, morais, culturais e comportamentais discordantes dos

padrões estabelecidos.

A atuação está muitas vezes associada aos movimentos musicais e comportamentais

importados, principalmente dos Estados Unidos e da América Central, que encontram eco

também no Brasil, visto que reproduzem as essências temáticas, o modo de ser e a condição

social do negro. Félix (2000), ao discutir as dificuldades de aproximação do movimento negro

com as equipes organizadoras dos bailes black - CHIC SHOW E ZIMBÁBUE - e seus

freqüentadores, acaba revelando o papel dos bailes como herdeiros da resistência cultural e

como elemento de manutenção de identidades ancestrais para a juventude negra no município

de São Paulo e no Brasil.

Ele descreve a miscigenação de modelos musicais brasileiros com os importados, que vão

da soul music dos anos sessenta até o reggae dos anos noventa, passando pelo funk dos anos

setenta; pela melody, dos anos oitenta, entre outros. Dos movimentos brasileiros são

destacados: o samba, o samba-rock e o pagode. Revela também a miscigenação de modelos

comportamentais norte-americanos com os modelos brasileiros originados nas senzalas

brasileiras.

Movimentos comportamentais embalados em todos os momentos pela música determinam

a maneira de vestir e de transformar os cabelos em referência identitária. Seguindo os moldes

descritos por Correia Leite, no início do século XX, temos como exemplo desse tipo de

atividade os movimentos: black is beautiful; a moda do funk; o movimento rastafári entre

outros. Mais recentemente Gomes (2002), em uma pesquisa sobre o movimento hip-hop

(sacudir o quadril) define-o como um movimento comportamental fundamentado na música

(rap), na dança (o break) e no grafite (expressão por meio do desenho), movimento de origem

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jamaicana, difundido nos EUA, donde veio para o Brasil. O hip-hop traz consigo um grande

apelo à contestação social e representa na contemporaneidade um dos pontos fortes da

resistência nos salões de bailes das periferias dos centros urbanos, principalmente no Estado

de São Paulo.

6.5.1 Os salões de baile em Pirituba

Como relatado na pesquisa de Gomes (2002), o movimento hip-hop representa importante

manifestação da resistência negra urbana na contemporaneidade. Os salões, os clubes e os

grupos que têm se multiplicado pelas periferias brasileiras, notadamente em São Paulo,

caracterizam-se por propostas objetivas do uso dos ritmos, da oralidade, do corpo, das

criações gráficas para resgatar a auto-estima, os valores da africanidade e também para

denunciar as conseqüências do racismo no cotidiano da juventude negra; o mesmo ocorre na

comunidade negra piritubana.

O hip-hop, como manifestação cultural, está presente na região com todos os elementos

descritos na pesquisa de Gomes ― principalmente na figura do rap, de onde surgiu com

muita vitalidade o grupo chamado “Rapaziada da Zona Oeste”, artisticamente divulgado e

conhecido como RZO. Embora o grupo tenha cessado as atividades, ele ainda figura como um

dos grupos de maior sucesso no cenário do rap nacional.

A convivência entre os membros desse grupo multiplicou a proposta do movimento e

possibilitou o surgimento de importantes personagens do cenário musical brasileiro, tais como

Helião e Negra Lee, entre outros. As letras de maior sucesso no circuito retratam a relação de

amor pela região, mas marcam a repulsa pela situação a que a juventude negra está exposta.

Segundo depoimento de Helião, um dos fundadores do grupo, os bailes acontecem nas

quebradas, como o campo do comercial da Vila Líder, na favela do Mangue, nas ruas da Vila

Mirante e da Vila Zatti.

Entretanto, mais do que quaisquer palavras que foram ditas durante o depoimento, são as

próprias letras das músicas que mostram esta realidade, como se pode perceber por meio da

transcrição abaixo:

Ói nois na ativa... Vários malucos novamente... / Pirituba assim que é ainda é a mesma coisa / Quem ouviu já boto fé, pois a zica tá solta / Eu quero vê quem vai recorre. Vai resolve / Melhor então é não da sopa. Pode crer / Humilde com a mente afoita. Língua solta no Rap / Então cresce. Alto estima na rima. Não é só a roupa. / Confere quem ensina. Jesus conduz e

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determina / Igual aqui na vila. Vila mire ou mirante desde antes dominantes / Veraneio cinza a noite. Ou a Blazer de hoje a baratinha de ontem / Não importa. Sempre incomoda. É foda os home / Se é da conde não esconde. Se é do Brooklin não se ilude / Pirituba tem os mano e tem nois. Tem atitude./Você já tá ligado. Policia não tem dó. Você vai ver que é aquilo / Pá pá... Em Pirituba na vila castiga sem do. E se nos pega só... /É Pá Pá / Eu já cansei de ouvir morte aqui morte ali. Ta cada vez pior... /Pá Pá / Então confira. Meu é Rap assim. Sentimento na rima / Igual ali na ferradura a vida é dura e insegura / Me lembro do tempo da fartura. Que eu não entendo. Saudade me perturba. /Cadê os mano do role morreu porque? Você vai ver não tem porque. / Sempre o mesmo motivo. Porque governo que fodê. Poder e dinheiro / Bocada puteiro futebol. Cobre o direito dos homens como um lençol / Novela das sete cobre o das mulheres. Sistema sabe onde investe / Confere confere. Só tem vaga pra trampar na policia militar / Corrupção vai aumentar. Os mano vai arrebentar / Então como esperar um bom lugar. Assim não dá... / Os mano as mina skatista ladrão união / Esta sendo a chave do problema. Sem ciúme sem inveja sem intriga /Enfrenta. A policia ensinou que a justiça é sem valor / Somente quem te ama por você tem amor. Nosso Senhor então assiste / Um filme triste. Periferia assim mesmo ainda resiste / Periferia assim mesmo ainda resiste / Em Pirituba na vila castiga sem do. E se nos pega só... Pá Pá / Eu já cansei de ouvir morte aqui morte ali. Ta cada vez pior... / Pá Pá (2x)

Vejo na rua assim que é Vacilou não para em pé / Vários manos vão na fé. É muita treta / E o mundão lindão e perigoso como um alçapão / Trago ou sinto a falta de vários irmãos / Se liga na missão coisa do coração. Sofrimento traz a razão / No fim quem vai rir ri melhor Periferia segue então / E quem eu sou. Eu não sei não importa. O que importa é o respeito / Você chegou respeitou se fumou eu não sei mais eu respeito / Eu admiro os ladrão tudo irmão mais no crime eu não penso / Então vou seguir por ai sempre assim humildão daquele jeito / Malandro e não ladrão. Aqui Helião. Eu tenho a solução / Bem melhor. Vou correr pelo certo. Vou correr pelo RZO / É Sandrão Dj Cia. To contigo naquela idéias moro Truta / O direito dos irmão tem que ser respeitado / O direito de ir e vir sem ser descriminado / Mano eu queria um dia te trombar você e sua mina sossegada / Assim que é. Pode crer. “Mi que compra. Mi gosta ganha dinhero.” / Com nóis mesmo como ser feliz. Mano Cascão me diz: “Sabotage Rap num é viaje”. (Pirituba – RZO).

No ano de 2007, não foi o rap o registro mais marcante da resistência cultural e da

juventude negra de Pirituba, mas uma série de outros ritmos divulgados por intermédio dos

tradicionais bailes black da Casa de Nassau, conforme é insistentemente lembrado nas

emissoras de FM, cuja programação está voltada para as comunidades negras paulistanas na

sua luta constante por um processo de inserção mais igualitário.

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6.6 Os terreiros de candomblé

Verger (1992) afirma que a religião dos orixás está ligada à noção de família, uma família

numerosa e originária de um mesmo antepassado. O orixá é, em princípio, um ancestral

divinizado, que estabelecerá vínculos que garantam um controle sobre as forças da natureza,

assegurando a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais

ou adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e sua utilização.

Variações locais demonstram que certos orixás, que ocupam posição dominante em alguns

lugares, estão totalmente ausentes em outros; a sua posição é profundamente dependente da

história da cidade onde figuram como protetores. No entanto, a divindade da criação do

mundo abrange todo o território iorubá e os territórios vizinhos. Salienta Verger que nas

aldeias independentes, onde o poder civil é fraco, o impacto das religiões tradicionais é muito

forte na sociedade; são os chefes ”fetichistas” que garantem a coesão social. A religião dos

iorubás, tal como se apresenta atualmente no Brasil, tornou-se gradativamente homogênea.

Sua unificação é o resultado de adaptações e amálgamas progressivos de crenças vindas de

várias regiões.

Tavares (1997) define as circunstâncias da diáspora negra pelas Américas como

reveladora do corpo, como elemento de dispersão das manifestações de um modo de ser, de

ver, de perceber e de estar no mundo. No Brasil, entre essas manifestações que merecem

destaque pelo papel que assumiram na (re)elaboração das práticas culturais dos povos

africanos e, conseqüentemente, do povo brasileiro, está o candomblé, originário,

principalmente, do centro-oeste africano, de onde vieram 95% dos negros trazidos para o

Brasil, segundo uma pesquisa ainda não concluída do geneticista Antônio Salas, mas cujos

resultados preliminares foram publicados pelo jornal Folha de São Paulo, em 21 de março de

2004 Possíveis traços dessas origens são evidenciados nas nações do candomblé que, mesmo

depois de sincretizadas, guardam seus traços nos nomes e em suas práticas. Gegê, Keto,

Angola, Nagô, Igexa, Congo e Bengela são nomes reveladores dessas origens.

Se originalmente, cada clã, reino ou tribo tinha seu culto particular, quando os negros foram trazidos para cá como escravos, a unidade dos clãs é rompida, promovendo a desagregação familiar e a mistura tribal. Neste contexto, a necessidade de preservação de um ethos cultural negro como forma de contraposição à dominação se sobreporá às diferenças tribais, estabelecendo, assim, o sincretismo religioso entre diferentes deuses africanos. (CARNEIRO, 1997).

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Dentro das senzalas ou nos quilombos, essas manifestações do corpo tornaram-se

concretas, depois tiveram continuidade nos rituais da religiosidade, no candomblé, no tambor

de mina ou no catolicismo popular, mas não se limitaram ao campo da espiritualidade e da fé,

pois estiveram no centro da resistência à repressão, das lutas pela liberdade e pela construção

de uma cultura negra. A religiosidade foi responsável pela difusão de uma estrutura social e

de poder que impôs aos seus filhos os modelos de sociedade e de família baseados na

ancestralidade e nos matizes africanos.

Na organização social do candomblé se procurará reviver a estrutura social e hierárquica de reinos africanos (especialmente de Oyô), que a escravidão destruiu; porém, na diáspora esta forma de organização visará organizar a família negra, perpetuar a memória cultural africana e garantir a sobrevivência étnica. A transmutação nos Deuses africanos será uma das formas de sustentação dessas mulheres para o confronto com a sociedade hostil. (CARNEIRO, 1997).

Dessa forma, os candomblés ficam caracterizados, juntamente com as outras ramificações

da religiosidade de origem africana, como o instrumento fundador na elaboração e na

resistência das culturas negras brasileiras. Seja nas senzalas, no campo ou nos meios urbanos,

elas sempre estiveram presentes e espalhadas por todos os cantos do país, desde os primeiros

momentos da presença do negro - apesar de a repressão severa fazer parte da quase totalidade

da sua existência.

No universo da senzala e dos quilombos, cabia às ialorixás, mães-de-santo, o papel de

cuidar dos rituais com seus símbolos e significados mágicos, pautados em elementos da

natureza, cujo objetivo declarado era restabelecer a aliança do humano com o divino

(religare). Entretanto, subjetivamente, à mãe-de-santo, além de cuidar da saúde espiritual de

todos por meio de sua liderança, cabia normatizar as relações no grupo, determinar as funções

de cada um, segundo as habilidades e aptidões, e manter vivas as tradições. Cabia-lhe, enfim,

recriar os laços de família, pois, como já foi observado anteriormente, as famílias sangüíneas

eram inviabilizadas pelo sistema escravista, que permitia ao senhor arrancar os filhos dos

braços das mães naturais logo depois do nascimento. Nesse processo, o negro era visto como

bem de capital e, portanto, podia ser negociado e deslocado a qualquer instante, segundo a

vontade de seu proprietário.

É como se essas mulheres trouxessem para o presente, imagens sacralizadas de seu passado, evidenciadas na mitologia preservada e na estrutura religiosa que aqui criaram. A mitologia africana apontando insistentemente, através da tradição oral – lhes abre a possibilidade de criar mecanismos de defesa para sobreviver e conservar seus traços culturais de origem, destacando deles,

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principalmente, os aspectos que responderão às necessidades que a nova realidade lhes impunha. (CARNEIRO, 1997)

As mãos das ialorixás conduziram todas as manifestações das tradições e da religiosidade

afro-brasileiras. Elas foram e são, juntamente com o candomblé, as inspiradoras de todas as

demais manifestações das culturas negras, não só pelo exemplo de resistência, mas

principalmente por serem “fundadoras” de uma visão de mundo, de filosofias e práticas de

estar no mundo, próprias do negro brasileiro.

Por intermédio dessas práticas, as teias de informação, proteção e resistência alastraram-se

por todo o território, de maneira a perpetuar os valores e o modo de vida desse povo, apesar

da repressão.

Na pesquisa sobre as origens do candomblé em São Paulo, Prandi (1991) traz fatos

relevantes para o entendimento do processo de estruturação da religião e de como esta se

expandiu nos centros urbanos. A pesquisa fundamenta-se nos registros cartorários dos

terreiros de umbanda e candomblé, recolhe apontamentos históricos, como os registros do

diário de Keith Ewbank – um viajante norte-americano que passou vários meses morando na

Corte, escrevendo um diário sobre as coisas que presenciou na capital do Império brasileiro,

de dezembro de 1845 a julho do ano seguinte. No registro do dia 31 de julho de 1846, faz

referência à ocorrência policial da prisão de um feiticeiro africano e de seu arsenal para as

práticas do candomblé.

Ele relata a presença de estudos sobre as casas de candomblé na Bahia no período de 1890

até 1970, mas somente nas décadas de cinqüenta e sessenta do século XX é que as

manifestações começaram a acontecer de forma significativa em São Paulo. Embora não seja

intenção da abordagem dada por ele, a pesquisa deixa transparecer que o candomblé paulista

surgiu como um processo de purificação das tradições, que até então, no Estado, vinham

acontecendo de forma sincrética dentro do kardecismo, da umbanda e nas manifestações do

catolicismo popular.

No século XIX, o desafio de reestruturar a rede de proteção impôs-se às instituições

religiosas dos centros urbanos, para onde foram deslocadas as massas de negros expulsas das

fazendas no período pós-abolição e a quem os ambientes urbanos negaram as aptidões para o

trabalho assalariado. Nesse momento, o papel da mãe-de-santo renovou-se na mesma prática

de acolher seus filhos, dentro da miserabilidade imposta a eles pelo processo de inclusão

perversa a que foram expostos nessa nova realidade.

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Socialmente, existe algo que, no limite, pode ser chamado de um “estereotipo” atribuído a esse grupo (o que mostra que também no contexto da cidade ele se define de modo distintivo). Ele é constituído por elementos que vão desde a atribuição de um caráter racial envolvido nesse estilo de vida (“coisa de negros”), de classe (“cultura da pobreza”) ou ainda moral (pessoas feiticeiras, malévolas, orgulhosas, perigosas, oportunistas, envolventes, altivas. (AMARAL, 2005)

Suas práticas, apesar de terem incorporado e assimilado as necessidades da sociedade

moderna e pós-moderna, têm-se mantido fiéis aos matizes e aos modos de estar no mundo das

origens afro-brasileiras, fato descrito pela autora como Ethos13 do povo de Santo, que se

expandiu para outras instituições, onde foi possível sua identificação, conforme é o caso das

escolas de samba e os salões de baile.

6.6.1 O candomblé e a umbanda em Pirituba

O pesquisador Reginaldo Prandi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

— FFLCH – da USP, é tido como um referencial importante sobre os estudos de religiosidade

negra em São Paulo. Ele registrou em seu site (http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi) a

presença de nove terreiros de umbanda e candomblé em Pirituba. Vale destacar que o número

de terreiros e templos existentes é bem maior, mas o site registra apenas aqueles cujos

orientadores manifestam o interesse em divulgar a casa: a) Ilê Axé Odé Kitalecy – Babalorixá

(Aulo de axóssi); b) Ilê Axé Ossaim Darê – Babaloxixá (Jorge Luiz Alonso); c) Templo e

Escola de Umbanda Luz da Aruanda, teu lar – Pai (Sérgio Martins); d) Ilê Axé Ossain Darê –

Ialorixá (Tereza dos Santos Rosa); e) Ilê Axé Ossaim Darê Omó Babá Aguéssi (Pai Doda) –

Ialorixá (Tereza de Omulu); f) T. U. Cacique Pena Vermelha e Oxum Apará – Pai (Wagner

Polido); g) Tenda de Umbanda Baiano Genésio – Mãe (Walkíria Silva Pereira); h) Inzo

Tumbabsi Ia Nzambi Ngana Kavungu – Tata (Walmir Katuvanjesi Damasceno); i) Templo de

Umbanda Caridade é Amor – Pai (Wagner Fonseca Venezi).

O terreiro de Umbanda Luz da Aruanda reafirma no site (www.teular.org.br) da entidade,

os compromissos com os modos de ser e estar no mundo – descritos por Amaral (2005), em

um estudo acerca da religiosidade negra brasileira, como sendo o ethos do povo de santo.

Aqui foi tomada como exemplo a mensagem constante do Terreiro

13O ethos do povo de santo é descrito pelo modo de crer, de viver no candomblé, ou seja, a forma de ser, de estar e de participar do mundo, fundamentada em conceitos e valores éticos próprios da religiosidade ancestral aprendidos principalmente nos terreiros de umbanda e candomblé. (AMARAL, 2005, p. 57 a 92).

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A casa se define como um templo de Umbanda que tem seus fundamentos em três grandes princípios: o culto aos Orixás, a preservação da natureza e a prática da caridade. Ela entende que, como umbandistas, a obrigação de cultuar os Orixás e Guias, que orientam a caminhada humana, transmitindo ensinamentos e encorajando o desenvolvimento pessoal e coletivo dos filhos, preservam a natureza, por ser ela o seu ponto de força vital, principalmente. A prática da caridade é um ensinamento. A partir de 2003, foi constituída a ONG Teu Lar, que vem desenvolvendo ações sociais, mostrando assim a preocupação em minimizar as conseqüências das injustiças sociais. Outro ponto de atuação do TEU LAR são os cursos ministrados, dentre eles: curso de curimba, curso de doutrina umbandista, curso sobre ervas na Umbanda.

A partir das afirmações acima percebe-se a amplitude das ações do Terreiro de

Umbanda Luz da Aruanda. Desse modo, em conjunto com seus congêneres, ele constitui um

espaço de exercício não somente de religiosidade, mas também de cidadania e de resistência

negra.

Acredito, ao final deste capítulo, ter ressaltado algumas ações empreendidas em

Pirituba por algumas importantes instituições em favor da cultura negra. Contudo, não se

pode negar, a escola constitui, e não só neste bairro, um importante instrumento de divulgação

cultural. Nas suas práticas cotidianas, os professores e outros profissionais que atuam nessa

instituição transmitem mais que saberes específicos de suas áreas: eles veiculam valores,

crenças, representações e, por vezes, diferentes formas de preconceito ou de valorização da

cultura negra. Em vista disto e considerando o foco deste trabalho, as escolas, em suas ações,

são assunto do próximo capítulo.

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7 – O projeto de Educação municipal e a região

O caderno temático de formação e a revista EducAção, distribuídos pela Secretaria

Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP) aos docentes em exercício na rede no período

de 2001 – 2004, buscavam orientar as ações pedagógicas da rede e as diretrizes daquela

administração. No caderno e nas revistas foram detalhadas propostas e etapas fundamentais à

construção dessas diretrizes, conforme ficou especificado no caderno temático nº. 1.

Na revista nº. 4, os termos “qualidade social da educação”, “rede de proteção social” e

“cidade educadora” foram resignificados nas perspectivas das diretrizes da administração, da

Lei 9.394/96 LDBN e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A qualidade social da

educação na perspectiva da SME compreendia, naquele momento, a reorganização das ações

pedagógicas de forma que as mesmas contribuíssem efetivamente para a auto-organização e

para a emancipação de cidadania, objetivando a preservação do meio ambiente e a superação

das desigualdades sociais.

Nesse sentido, a escola deveria ser transformada em um espaço público institucional de

difusão, de criação cultural e de produção de conhecimentos. Um espaço do qual a população

pudesse se apropriar e onde tivesse as diferenças reconhecidas e consideradas como

qualitativo da sociedade. No que diz respeito à qualidade social da aprendizagem escolar

institucional, a Secretaria propôs o aproveitamento das diversas fontes de cultura do entorno,

para com elas construir uma trajetória de liberdade, autonomia e inclusão social, com

capacidade de levar em conta a dimensão simbólica dos espaços educativos.

A proposta implicava processos de reorientação do currículo, de maneira que pudesse

transformar os tempos, os espaços e as rotinas escolares, dentro das possibilidades previstas

na Lei 9.394/96. As orientações propunham também criar espaços e condições de trabalho e

formação aos educadores, educandos e comunidade, para lidarem com as diretrizes. Nesse

sentido, os aparelhos públicos deveriam ser otimizados e equipados, compreendendo aí a

soma dos esforços de diversas Secretarias, tais como: Educação, Esportes, Promoção Social e

Cultura, entre outras, de maneira a atender a abrangência de tais diretrizes educacionais e

propiciar a (re)significação do conceito de cidade educadora.

Entretanto, os processos de alfabetização e letramento, elementos fundamentais à

aprendizagem em todas as áreas do conhecimento, deveriam ser aperfeiçoados e seus espaços

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ampliados e assumidos por todos os agentes do processo educacional. A secretária de

educação do município propôs, então, na apresentação do caderno nº1, o tema: Leitura de

Mundo, Letramento e Alfabetização: Diversidade Cultural, Etnia, Gênero e Sexualidade,

como orientador nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas e nos processos de

formação continuada dos educadores.

Leal (2003), no caderno nº1, apresenta reflexões acerca da necessidade de a Educação

assumir uma postura mais abrangente dos conceitos de leitura de mundo, letramento e

alfabetização. Ela entende que somente leituras de mundo significativas aos agentes do

processo educacional seriam capazes de reverter o quadro de analfabetismo funcional presente

na sociedade ― fenômeno este que ela afirma ser conseqüência do distanciamento que os

processos escolares mantêm da realidade dos educandos, dos educadores, da comunidade

escolar e da sociedade.

Na expectativa de modificar esse quadro, as reflexões propostas no artigo de Leal (2003)

estabelecem relações entre linguagem, produção de sentido e sociedade. Também situam a

linguagem e seu lugar na cultura, objetivando dois enfoques: de um lado, reflete sobre as

relações entre o seu uso como bem cultural e como fator de constituição do sujeito na relação

com a diversidade —, portanto, como uma questão política. De outro lado, reflete sobre a

forma como a prática de uso da linguagem se manifesta nos discursos dentro dos grupos

sociais e como se revela nos diferentes grupos, em contexto de diversidade — portanto, como

uma questão lingüística.

Dessa forma, para a autora, ler o mundo não significa somente ler e escrever, mas assumir

um posicionamento de igualdade diante das diferenças e entender esses domínios discursivos

em uma sociedade que precisa se fortalecer democraticamente. A partir desse entendimento,

Leal (2003) propõe aos educadores a reflexão sobre como a escola tem ensinado a ler, a

escrever, a falar e a ouvir. Nesse contexto o sujeito deve ser compreendido como um ser de

linguagem, visto que se utiliza dela para construir sentido(s) na interação social. De fato, é

por meio da linguagem que o sujeito produz textos orais e escritos nos quais são reproduzidos

os sentimentos, as idéias, as ações e as representações de mundo, na interação social com os

semelhantes, num processo dialógico, em que o sujeito age na e pela linguagem.

Ainda segundo Leal (2003), se entendermos os diferentes textos como produções

organizadas com intenção e função, ler e escrever passam a ser instrumentos de desvelamento

das ações e do discurso na linguagem. As práticas de uso da linguagem permitem perceber os

Page 93: Universidade de São Paulo Faculdade de Educação Vanisio ... · Listas de abreviaturas e siglas AIDS ... anos dedicados ao ensino fundamental, nas escolas públicas do município

93

efeitos de sentido(s) dos textos e, por esta razão, afirma ela, o letramento escolar permite o

uso efetivo dessa linguagem e conduz a uma aproximação ou a um afastamento da realidade

em todas as suas nuances.

O desafio que se impõe à Educação e aos educadores, segundo a autora, é possivelmente

dotar os educandos de saberes e de práticas de leitura e escrita que os habilitem como usuários

de linguagem, capazes e motivados a compreender os direitos e os deveres do cidadão. Letrar-

se, diz ela, é ter a habilidade não somente do ler e escrever, mas também de compreender o

mundo, a diversidade e a complexidade cultural; portanto, o letramento ganhou significado de

prática social necessária. Finalmente, Leal (2003) propôs ainda a reflexão acerca da

possibilidade de encontrar significado para a alteridade, pois nesta se encontra a compreensão

do diferente, das realidades distintas e a necessidade de combater as condutas que ameacem a

diversidade, enquanto direito.

É verdade que o texto de Leal versa sobre o uso da linguagem, mas é verdade também que

somos “seres de linguagem” e que a comunicação estabelecida entre professores e alunos, de

quaisquer que sejam as áreas, faz-se por esta via. Em vista disso, suas afirmações dizem

respeito a professores de todas as disciplinas. Em particular, a partir do que foi escrito por

Leal (2003), penso que os professores de Matemática foram chamados a compreender que

enfrentam o desafio de dotar os educandos de saberes e práticas de leitura e escrita

matemática de uma forma tal que os auxilie a compreender, a respeitar e a valorizar as

realidades e saberes distintos; as diferentes culturas; e, quem sabe, também, as diversas

formas de matematizar, isto é, as diferentes Etnomatemáticas.

7.1 Projetos que buscaram novos significados para os currículos

A Revista EducAção nº05 também retoma o tema da diversidade, enfocando a

reconstrução do currículo escolar e partindo do pressuposto de que este fosse tomado na

concepção ampliada do conceito, para além dos conhecimentos científicos escolares, dando

espaço para os conhecimentos e técnicas resultantes das práticas culturais. A revista destaca

também as propostas, as ações e as experiências vividas pela rede, no período de 2001 a 2003,

que abordaram essa questão na intenção de ampliar a visão das demais unidades sobre tais

possibilidades. Tomou como referência projetos que reorganizaram o currículo, o espaço e o

tempo escolar, de maneira que as manifestações e os conhecimentos culturais pudessem ser

assimilados pela escola, permitindo a interação entre esses dois campos do conhecimento

humano e (re)significando a aprendizagem escolar.

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94

Os projetos apontados nas referências dessas incorporações evidenciaram a possibilidade

de operacionalização do currículo nos diversos tempos e espaços escolares: na convivência

entre pessoas dentro dos pátios, da sala dos professores e nos demais espaços das unidades

escolares. Os momentos de intervalo, assim como o das refeições, foram considerados

espaços e momentos que também compõem pontos de produção de saberes e de construção de

identidades que se estabelecem na relação com o outro.

Aqui, os seguintes projetos foram destacados, entre outros, pelo fato de encamparem mais

diretamente as questões da diversidade cultural negra, objeto de análise desta pesquisa. Os

projetos são: Escola Aberta; Bibliografia Adequada; Educom.radio e a Cor da Cultura.

Projeto Escola Aberta: Visava estimular a utilização dos espaços das unidades escolares pela

comunidade, em atividades culturais, esportivas e de lazer, nas quais a maior parte da

população é carente. Promovia a abertura das escolas da rede municipal de ensino nos finais

de semana, oferecendo atividades diferenciadas. Dessa forma, buscava favorecer o resgate,

por parte da comunidade, do conceito de bem público, numa perspectiva de democratização

dos equipamentos sociais.

Por outro lado, propunha-se a atuar também como medida de prevenção à violência

mediante a oferta de opções de cultura e lazer nos fins de semana, períodos nos quais se

verifica o maior índice de mortes entre os jovens. A constituição do material de apoio previa,

por parte das diversas secretarias, a oferta de ferramentas necessárias ao desenvolvimento de

atividades musicais, desportivas, de dança, artesanato, teatro, entre outras, dentro de uma

proposta pedagógica que visava trabalhar com múltiplas linguagens.

A educadora Marilandia Frazão, em entrevista concedida ao site do Portal Afro

(http://www.portalafro.com.br/noticias/cone/internet/marilandia.htm) , em 18 de março de

2003, definiu o Projeto Escola Aberta como parte do Projeto Vida e definiu o Projeto Escola

Aberta como parte do Projeto Vida e informou que este, em parte, atendia aos esforços de

(re)significação do espaço escolar, possibilitando as múltiplas vivências culturais locais e não

locais no resgate da cidadania. Ela destacou a relevância do projeto para a comunidade negra,

que ganhou espaço nas oficinas, nos locais onde foi o projeto implantado.

Bibliografia Adequada: Na mesma entrevista, Marilandia Frazão ― que é membro da

Coordenadoria Especial do Negro e uma das pessoas responsáveis pela recomposição e

readequação da bibliografia para as escolas municipais ― afirmou que tal ação também

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95

atendia ao Projeto Vida e tinha como objetivo principal subsidiar educadores e educandos da

rede, redimensionando os múltiplos saberes e as múltiplas culturas. Por exemplo, no que diz

respeito às relações raciais, em uma bibliografia afro-brasileira, foram incorporados aos

acervos das bibliotecas e da sala de leitura quarenta (40) títulos, que incluíam desde a

literatura infantil, juvenil e adulta até obras para a formação dos educadores de uma forma

geral.

Projeto Educom.radio: O projeto foi uma parceria com a Escola de Comunicação e Arte da

Universidade de São Paulo, previa sete fases de desenvolvimento, que abrangiam desde

equipar material e tecnicamente 453 unidades escolares da rede para trabalhar com a

transmissão e recepção restrita de rádio, até a formação de educando, dos educadores e da

comunidade escolar como educomunicadores, profissionais capazes de usar dos

conhecimentos radiofônicos e escolares nas articulações e na apropriação dos espaços

escolares.

Do ponto de vista das ações pedagógicas, o projeto propunha ser um facilitador nas

interações entre os diferentes modos de comunicação e linguagem dentro da sala de aula e nos

demais espaços educativos, alinhando-se e servindo, desse modo, aos processos de inclusão

necessários à convivência escolar.

Cor da Cultura: Um projeto de valorização da cultura afro-brasileira, resultante de parcerias

entre a Petrobras, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

(SEPPIR), o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN) e o Canal

Futura. Contou com o apoio e a participação das Secretarias de Educação de diversos

municípios brasileiros, dentre eles São Paulo.

Iniciado em 2004, produzido pelo Canal Futura, o projeto é composto de cinco séries

especiais de TV que foram reunidas e juntadas a um Kit Educativo, usado como recurso de

capacitação para professores. Objetivou valorizar a história africana na formação da

identidade do povo brasileiro. O kit foi suplementado com encontros de acompanhamento e

instruções de uso de materiais pedagógicos para educadores que deveriam se transformar em

multiplicadores nas suas unidades. A iniciativa teve como objetivo valorizar e enriquecer as

escolas municipais, contribuindo para a efetivação da Lei n° 10.639, que prevê a inclusão da

história e cultura afro-brasileira no currículo escolar.

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96

Todo esse conjunto de atividades do Projeto Vida, entre outras, era parte da proposta de

letramento e, embora fizesse parte das orientações das ações da SME/SP, deveria ser

entendido como opção a ser encampada ou não pelas unidades escolares.

Desse modo, também as escolas de Pirituba, como unidades dessa rede de ensino, tinham

diante de si essa opção.

7.2 As escolas municipais, no entorno do quilombo de Pirituba.

As duas unidades escolares analisadas nesta pesquisa pertencem à Coordenadoria de

Educação de Pirituba. São as escolas da rede municipal mais próximas da área indiciada como

remanescente. Vale destacar o fato de uma delas estar localizada a menos de quinhentos

metros do “quilombo” e a outra a aproximadamente mil metros. Portanto, é natural concluir

que uma parte da clientela é oriunda dessa comunidade “quilombola”.

Ambas assumiram, nos seus projetos político-pedagógicos, as orientações propostas pela

SME no tocante à questão da alfabetização e do letramento. Conseqüentemente alguns dos

projetos embutidos nas propostas da referida Secretaria foram implementados.

Desse modo, em conjunto, as orientações da SME, as circunstâncias históricas, as

condições sociais da juventude negra piritubana, as ações e as produções culturais negra de

resistência na região, possibilitam-me investigar e “analisar a maneira como os educadores

matemáticos trabalham a herança cultural do educando no cotidiano e nas aulas de

Matemática”.

7.2.1 A EMEF “Desembargador Sílvio Portugal”

É uma unidade escolar situada à Rua Francisco Savério Orlandi, 141, Jardim Líbano.

Surgida em 27/03/1969, pelo Decreto nº. 8.076, tem treze (13) salas e um (1) prédio de

alvenaria que possui área construída de 2.684 m² e está destinada ao Ensino Fundamental,

oferecendo duas modalidades de ensino: regular Ciclo I (1º; 2º; 3º e 4º anos) e Ciclo II (1º; 2º,

3º e 4º anos), correspondentes ao ensino de 1º a 8º anos do Ensino Fundamental e EJA, Ciclo

II (1º; 2º; 3º e 4º anos), correspondente ao ensino de 5º a 8º anos do Ensino Fundamental,

distribuído em quatro períodos diários.

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97

O site da escola (http://www.emefsilvioportugal.ubbihp.com.br/ em 03/02/2007.) registra

que ela se caracteriza por seu trabalho pedagógico, estando sempre presente em todos os

eventos divulgados pela SME, com um corpo docente participativo e uma APM atuante. Tem

por finalidade oferecer escolaridade gratuita e obrigatória, desenvolvendo atividades

pedagógicas contínuas e progressivas, atendendo às características bio-psico-econômicas das

crianças e dos adolescentes do curso Regular e da Suplência, ambos do Ensino Fundamental.

Conta, desde 1986, com um Projeto de Teatro que vem envolvendo todos os segmentos da

Unidade Escolar e incorporando-se aos trabalhos pedagógicos. A partir de 1998, conta

também com a Sala de Apoio Pedagógico (SAP).

A análise dos registros institucionais disponíveis na escola revelou o acolhimento das

orientações da SME e dos PCN no trato com a diversidade, em especial, no tocante à cultura

negra. Dos quatro projetos referenciados nesta pesquisa como de interesse da comunidade

negra, três foram de alguma maneira encampados dentro das ações educativas:

Educom.radio –A escola foi uma das quatrocentas e cinqüenta e três (453)

unidades contempladas com o equipamento e com a formação de um grupo de

educadores e educandos para esse projeto.

Escola Aberta – O projeto foi acolhido por intermédio de uma das suas

variações chamada “Recreio nas férias”, projeto assumido na proposta

pedagógicas da escola.

Cor da Cultura – Projeto de formação para o qual a escola enviou duas

educadoras com o objetivo de se fazerem multiplicadoras dentro da escola.

7.2.2 A EMEF “Jairo Ramos”

Unidade escolar situada à Rua General Cavalcanti de Farias, 438, Vila Mangalot. Surgida

em 03/03/1972, pelo Decreto nº. 10.331, tem doze (12) salas e um (1) prédio de alvenaria.

Está destinada ao Ensino Fundamental e oferece duas modalidades de ensino: regular Ciclo I

(1º; 2º; 3º e 4º anos) e Ciclo II (1º; 2º, 3º e 4º anos), correspondente ao ensino de 1º a 8º anos

do Ensino Fundamental e EJA, Ciclo II (1º; 2º; 3º e 4º anos), correspondente ao ensino de 5º a

8º anos do Ensino Fundamental, distribuído em quatro períodos diários.

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98

O Plano Político-Pedagógico da Escola registra que ela se caracteriza por formar

indivíduos autônomos, capazes de enfrentar e resolver problemas de seu cotidiano e com

competência para buscar as informações disponíveis ― reconhecendo que este universo no

qual ele se encontra está em constante transformação. A escola visa garantir-se como espaço

capaz de proporcionar aos educandos as habilidades necessárias à participação na sociedade,

por meio do projeto especial de ação intitulado “ALUNOS VALORIZADOS, INTEGRADOS

E ENVOLVIDOS NO ESPAÇO ESCOLAR”. Visa, também, proporcionar a alfabetização

plena dos alunos, por meio de ações e de planos pedagógicos, garantindo, assim, a

possibilidade de desenvolvimento da capacidade de interpretação, análise, síntese e crítica das

diversas formas de expressão humana, tais como as contidas nas linguagens escrita, visual,

cênica, plástica e tecnológica.

A clientela da escola está caracterizada como originária dos bairros: Vila Mangalot,

Jardim Santa Mônica e Jardim Nardini, predominantemente. A maioria reside em casa térrea,

sendo que 50% das famílias residem no mesmo domicílio há mais de cinco anos e possui casa

própria.

Da mesma maneira que a outra escola, a análise dos registros institucionais

disponíveis revelou o acolhimento das orientações da SME e dos PCN no trato com a

diversidade, em especial, no tocante à cultura negra. Dos quatro projetos referenciados nesta

pesquisa como de interesse da comunidade negra, três foram de alguma maneira encampados

por esta escola dentro das ações educativas, são eles:

Educom.radio – A escola foi uma das quatrocentas e cinqüenta e três (453)

unidades contempladas com o equipamento e com a formação de um grupo de

educadores e educandos para esse projeto.

Escola Aberta – O projeto foi acolhido por intermédio de uma das suas

variações, chamada “Recreio nas férias”, projeto que a escola encampou como

componente do projeto pedagógico.

Cor da Cultura – Projeto de formação para o qual a escola enviou duas

educadoras com o objetivo de se fazerem multiplicadoras dentro da escola.

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99

8 – A pesquisa: analisando o estudo e confidências

As considerações acerca da pesquisa devem ser iniciadas pelo perfil do grupo de

professores envolvidos no processo, pelo fato de esse perfil de alguma forma representar os

sujeitos com suas visões de mundo, valores e sonhos constituintes dos projetos de vida e,

portanto, com implicações nas análises acerca do desempenho dos educandos e nos

condicionantes desse desempenho.

O sujeito humano é criador de projetos, o que o leva a participar de sua cultura, de sua história e a ser sujeito de seu corpo. Participar de projetos, imaginá-los, sonhá-los, realizá-los, elaborá-los, destruí-los, abandoná-los representa laborar na construção da civilização. Porém, tal participação é experimentada diferentemente pelos sujeitos (individual e coletivo), pois ela inclui elementos do lugar social ocupado pelos mesmos. Toda participação evoca um sujeito em situação, sendo sua conduta e escolhas reveladoras de sua maneira de estar sendo. Nenhuma escolha pode escapar à evidência de ser “escolha em situação”, incluindo dimensões sócio-psico-históricas. As escolhas sempre se realizam em campo de possibilidades que podem ter diferentes níveis de abertura e de fechamento (CARRETEIRO, 2001. p. 9).

E, nesse sentido, vale ressaltar o meu papel, pois, além de pesquisador, eu compunha o

quadro de professores de uma dessas unidades escolares no período; neste caso em especial, a

distinção entre mim e os demais, se é que existe, deve-se ao fato de ser eu oriundo de grupos

de movimentos sociais envolvidos com a questão da inserção do negro na sociedade

brasileira, fato que mantém meu olhar sensibilizado para a questão.

As entrevistas foram direcionadas aos professores de matemática, titulares de cargo

nas EMEF “Jairo Ramos” e “Silvio Portugal”, entre 2001 e 2004, período da primeira

administração do município de São Paulo após a implementação da LDB (1996) e dos PCN

(1998). Foram consultados, no total, nove professores: seis mulheres e três homens,

ressaltando-se o fato que uma é titular de dois cargos; outra esteve afastada das atividades por

problemas de saúde e não pôde atender à entrevista em tempo. A inclusão da professora de

história, que ficou responsável pela divulgação das informações acerca do projeto “A cor da

cultura” em uma das escolas, ocorreu por entendermos, eu e ela, que as impressões colhidas

da experiência pudessem contribuir para as avaliações e considerações. Desse modo, as seis

entrevistas procuraram alcançar satisfatoriamente o universo das escolas envolvidas no

processo.

Os professores têm em média vinte anos de magistério público, fato relevante ao

acumulo de vivências, conhecimentos, informações e consciência acerca da problemática que

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envolve a educação brasileira, em especial, no ensino de matemática das escolas municipais

de São Paulo. E, nesse sentido, eles proporcionaram importantes reflexões acerca da

complexa trama que envolve o projeto educacional paulistano e brasileiro.

8.1 As entrevistas e o ensino de matemática: uma análise

No quadro a seguir, estão sintetizadas algumas das manifestações resultantes das

entrevistas com os professores, agrupadas segundo interpretações frente às questões propostas

sobre a educação matemática e estão entre as manifestações mais significativas do trabalho.

Presentes no estudo de Domite (2006), aqui foram agrupadas, conforme citado anteriormente,

nas seguintes categorias: a) as influências da formação inicial na prática docente; b) o

conteúdo como preocupação central da prática docente; c) a prática docente em

transformação; d) ações motivadoras do interesse do aluno; e) o papel da família no processo

educacional.

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102

a) As influências da formação inicial na prática docente: os professores, que nas

entrevistas assumiram em maior ou menor grau um viés tradicionalista, conteudista e

idealista14, responsabilizam a formação inicial, assim como os cursos de formação continuada

oferecidos pelas diferentes administrações no município, por tais concepções e características,

reafirmando, desse modo, a constatação de Domite (2006) acerca dos modelos de formação

propostos — somente alguns poucos voltados para a formação do educador como sujeito

social das suas ações, fato que tem como conseqüência a manutenção das concepções dos

profissionais da educação geradoras de práticas do tipo transmissiva, impositiva, conforme

indiciado nos fragmentos das falas abaixo:

Quando vim para sala de aula, eu não me senti preparada, e o programa eram os conteúdos que eu aprendi enquanto eu estudava, enquanto eu fiz o colégio e tudo mais. Então a princípio a minha aula sempre foi conteudista, era conteúdo e conteúdo. Assim como eu aprendi. Professor (a)-1 (2007: p. 131).

Outro aspecto que eu queria deixar bem claro é com relação a minha visão de matemática ao longo da minha formação, é algo assim de execução de cálculos, então quando eu fiz a reflexão, realmente eu acreditei que a minha visão é mais de transmitir aos alunos algoritmos de resolução. Resolução de equações, resoluções de problemas e está sendo então, a minha prática. Professor (a)-2 (2007: p. 149).

Esses 31 anos eu posso dizer que em relação ao ensino, esse trabalho todo que eu tive foi praticamente dentro do ensino da matemática, da maneira como já foi colocada, tradicional e clássica, usando muito livro didático e muito também sem livros didáticos, aulas expositivas, poucas aulas práticas no sentido de colocar algumas experiências novas, não por falta de vontade, mas dentro de uma formação que a gente como professor recebeu e que foi em cima da matemática mesmo. Professor (a)-3 (2007: p.165).

Na formação você não revê o que vai ensinar. Você vê uma matemática mais elevada, eu achei, quando entrei na sala, que seria uma maravilha era tudo muito novo, quando fui para sala de aula me frustrei, eu vi que eu não ia aplicar nada daquilo. Primeira vez que trabalhei, eu peguei uma classe de ensino médio de segundo ano, quando fui ver o que eles estavam vendo, não tinha nada a ver. Professor (a)-4 (2007: p. 183).

b) O conteúdo como preocupação central da prática docente: quando se considera

a relação conteúdo e prática, temos, de um lado, as reflexões de Domite (2006), destacando

que as discussões acerca da formação de professores que leva em conta o programa

14 Ficam entendidos neste estudo os adjetivos: tradicionalista, conteúdista e idealista como a forma de ensino pautada em aulas expositivas, centradas nos conteúdos e direcionadas para um grupo de alunos que atende às expectativas de um modelo de sociedade idealizada.

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103

etnomatemático orientam os professores a privilegiar ações que façam emergir modos

próprios dos educandos de raciocinar, medir, contar e inferir, assim como de compreender a

forma como a cultura potencializa e desenvolve a aprendizagem, de maneira a dar mais

autonomia ao educando sobre a própria aprendizagem, tornando-a mais significativa.

Do outro lado, as entrevistas evidenciam que a maioria dos professores associa a

constituição da grade curricular às fases do desenvolvimento da criança e do jovem e distribui

os conteúdos pelas séries, em um processo no qual o termo “abstração” divide as águas entre

os anos dos ciclos e reproduz, ao que parece, o modo estruturalista/cartesiano das práticas da

matemática moderna – do mais simples para o mais complexo conteúdo, em seqüência.

Revelaram também que as exigências dos exames vestibulares e a preparação para as carreiras

do ensino superior são fatores que interferem intensamente na constituição da grade curricular

e das práticas pedagógicas, assim como determinam certa insegurança dos professores em

trabalhar a formação para a cidadania dentro disciplina. Esse fato deixa evidenciada, mais

uma vez, a possível desconexão entre as propostas e as práticas pedagógicas no cotidiano.

Então eu coloco um assunto de 7ª série que é meio abstrato e aí? Como é que você acha nesta situação? Como é que eu devo ensinar para o meu aluno e colocar na realidade e no dia-a-dia dele? E daí eu nunca tenho respostas para isto. Professor (a)-1 (2007: p. 137).

Se o cidadão quer um curso que permita a chegar a ser engenheiro, também tem que ter acesso a isto, eu acho que seria uma coisa até mais difícil, mas [...] o pessoal de universidade continua mantendo o nível lá em cima e o pessoal do ensino médio trabalha, talvez por projetos, outros ficam felizes no meio caminho, aí sei lá, aí vai lá... Professor (a)-2 (2007: p.159).

Eu converso com colegas de oitava série, eles me falam que trabalham um semestre com a fórmula de Báscara e quando os alunos chegam ao nível médio a gente vai fazer algumas equações e eles já esqueceram, não sabem como é. Então, esse trabalho repetitivo que é dado na maioria das escolas, é um trabalho que tem que ser dado, mas não com essa intensidade ou com essa quantidade e tem que começar um trabalho de reflexão com exploração, porque também só problema vai ser uma coisa. Tem que começar um trabalho de reflexão, mesmo que forem poucos, mas são problemas que vão ficar para a classe pensar e discutir. Professor (a)-3 (2007: p.169).

É quando começa álgebra, no segundo semestre, acho que é mais ou menos por aí que começa fugir um pouco das coisas do cotidiano, às vezes fica complicado, porque muitas pessoas, perguntam: eu vou multiplicar número, como vou somar letra? Então que começa certa dificuldade, fica um grupo maior que começa a se perder. Professor (a)-4 (2007: p.179).

Na época do Jânio Quadros os professores de matemática suspenderam aulas para decidir se trabalhariam na sexta série as frações positivas, os racionais positivos, ou introduziriam números inteiros e invertiam. Como eu

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104

estava dando revisão da aritmética no primeiro semestre da quinta série e no segundo semestre introduziam números inteiros e na sexta começaria com as frações já conhecendo números inteiros. Professor (a)-5 (2007: pág. 188).

c) A prática docente em transformação: do ponto de vista da etnomatemática, a

preparação do professor não tem como foco ou prioridade o ensino dos conteúdos em si, mas

sim a formação do educador como profissional reflexivo, cujo desenvolvimento depende da

capacidade de refletir sobres fatores culturais, sociais, morais e afetivos que interferem e/ou

podem ser levados em conta nos processos-aprendizagem. Nesse sentido a aproximação com

outras áreas das ciências sociais, tais como a antropologia e a sociologia tem sido bastante

desejada e explorada.

Desse modo, se análises anteriores demonstraram certa desconexão entre as propostas

das administrações públicas e as teorizações mais recentes em termos de

educação/cultura/prática docente, as entrevistas revelaram, por sua vez, a sensibilidade dos

professores quanto à inadequação dos processos ditos tradicionais e a convicção de que o

domínio dos conteúdos matemáticos não é mais suficiente para a prática docente

contemporânea. Assim, as manifestações dos professores expuseram um movimento de

transformação no sentido das expectativas acima, constituindo-se em compreensão e alguma

tomada de consciência acerca de outros possíveis aspectos que interferem na relação ensino-

aprendizagem escolar.

Daí eu percebi que de uns tempos pra cá não é só o fato de trabalhar matemática de uma forma ou de outra, mas eu percebo que os alunos estão diferentes [...] que não adianta ficar dando conteúdo e conteúdo, porque eles podiam até fazer, aprender, mas nunca sabiam aplicar. Então era aquela velha história dos problemas, que você dava um problema simples e o aluno não sabia explorar [...] foi então que eu comecei trabalhar com situações problemas aproveitando mais o livro didático. Professor (a)-1 (2007 p. 131).

Hoje o que eu fico preocupado é realmente quando você submete as pessoas à avaliação de matemática, a avaliação também é questionável, mas os resultados da avaliação estão sendo fracos. Então eu fico com a dúvida, será que não existe, por não ter mais como era no passado, aquela visão de: vamos formar os engenheiros, não vai ter mais isto? Será que o pessoal agora está sem rumo? De repente a criação de um modelo mais ligado a uma visão social, mas ligado aos grupos onde está se realizando o processo educativo, de repente seja uma saída, mas tem que ser também uma questão de possibilidade. Se o cidadão quer um curso que permita chegar a ser engenheiro, também tem que ter acesso a isto e eu acho que seria uma coisa até mais difícil, mas... Professor (a)-2 (2007: p. 159).

A partir dos anos 90 começaram discutir um pouco mais a educação matemática para atrelar aquilo que a gente passava para os alunos com

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uma questão mais prática, mais do cotidiano. Infelizmente isso ficou muito no papel, do meu trabalho eu consegui muito pouco da implantação do trabalho nesse sentido, não foi por falta de vontade, mas por uma questão mesmo prática. Nós tivemos muita dificuldade com relação a projetos coletivos, onde talvez a gente pudesse de uma maneira mais prática desenvolver um trabalho. Professor (a)-3 (2007: p. 165).

Eu acho que as pessoas têm que ser ajudadas para entender aquilo que ela está fazendo, qual é a intenção? Então eu não conseguia perceber, a partir do momento que eu comecei chegar mais perto, pude ter um tempo maior, eu chegava mais cedo na escola. Ao entrar em contato com essas pessoas você vai vendo que se insistir, se motivar, se realmente disser para ela o que ela tem que olhar, elas acabam entendendo. Professor (a)-4 (2007: p. 182).

A escola é feita para o aluno classe média antigo. De uns anos para cá isso mudou, mudou para ser o pobre “babaca” e para ele ficar como está. Está tudo sendo feito para manter o estabelecimento, para ele não aprender, para fazer de conta que o professor está dando aula, como eles fazem de conta que estão dando aumento e curso para professor. Nesses últimos anos é só fazer de conta, pegam um bando de professores e orientadores pedagógicos que odeia matemática e dão curso para o coitado vir aqui e colocar a cara para bater com um especialista na área. Eles não têm a mínima noção do que estão falando e fazem de conta que fazem tudo. Professor (a)-5 (2007: p.190)

d) Ações motivadoras de interesse do aluno: A relação motivação/interesse é outro

fator relevante a ser destacado das entrevistas, assim como o distanciamento entre as

propostas das administrações públicas e a realidade dos educandos, pois, segundo os

professores, elas se apresentam como fatores de desconexão entre os supostos objetivos da

educação, as necessidades da clientela escolar e a relação educando/escola. Os professores

alegaram que tais desconexões são geradoras de desinteresse do aluno e um dos elementos

importantes da queda de rendimento e da evasão escolar.

Segundo Domite (2006), todos esses fatores podem ser importantes no que diz respeito

à motivação do educando; entretanto, ela destaca que, no que diz respeito à ação pedagógica,

a possibilidade de tomar como ponto de partida ou fazer conexões com o conhecimento

matemático do aluno construído de modo contextualizado pode dar a ele mais poder

intelectual, emocional ,político e racial.

Abaixo, alguns relatos acerca das possíveis desconexões entre as propostas e as

práticas.

Eles não sabem mais ler, não sabem mais interpretar e não têm estímulo nem vontade. Eu não sei se posso chegar aí, mas atribuo ao ciclo, na minha cabeça não tem outra justificativa não, o ciclo é responsável por esta falta de interesse. Em minha opinião, quando o aluno tinha medo da reprovação, entre aspas, ele tinha o medo e então se via obrigado a prestar atenção e

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106

nesta de ter que prestar atenção ele acabava entendendo ou não. Hoje ele não se dá o trabalho de prestar atenção, então ele nem sabe se vai gostar ou não. Professor (a)-1 (2007 p.131).

Não sou muito tradicionalista, mas percebo que eles cobram um pouco disto. Como é que foi feita esta avaliação? Por exemplo, se você propõe às vezes outras atividades, mesmo que seja um vídeo, eles acham que aquilo é enrolação. Então aqueles mais jovens, mais ativos acabam até extrapolando um pouco, bagunçando demais [...] então a gente acaba sendo um pouco reprodutor. Eu tomo cuidado na educação dos jovens e adultos em não procurar fazer uma coisa muito diferente, mas também tem o outro lado que é minha autocrítica e muitas vezes, eu até procurei ter outros caminhos. Professor (a)-2 (2007: p.153).

As famílias quando vê um caderno que tem muitos exercícios, eu acho que a família pensa, o meu filho está tendo bastante coisa. E mesmo a gente tem esse trabalho, a gente cobra às vezes muitos exercícios e está precisando mais é reflexão. Esse trabalho que eu digo que tem que ser repensado e tem que começar, é o trabalho de reflexão, matemática é reflexão, é pensamento. A gente quando trabalha a matemática coloca problemas e hoje em dia se fala muito de problemas relacionados com aquilo que acontece no dia-dia, pode ser isso e não necessariamente isso, o importante que falta de modo geral, é desenvolver um trabalho mais no sentido de refletir, de pensar. Professor (a)-3 (2007: p. 168).

Eu mando fazer tarefa, acompanho quem tem dúvida na classe e nem assim vai, eu não tenho o que fazer. Eles não têm hábito por causa desse maldito ciclo, não têm compromisso, de quinta à sétima série, os professores brigam, mas os pais perguntam se o filho vai passar. Professor (a)-5 (2007: p.189).

e) O papel da família no processo educacional: A critica feita pelos professores

sobre o papel da família no processo educacional revela, de algum modo, que a atuação

familiar é de fundamental importância, pois algumas falas destacam que é perceptível a

necessidade de tal presença e participação nas atitudes e no desempenho dos educandos,

assim como para o reconhecimento - valor e papel - da educação escolar para a família e para

os alunos.

Domite (2006), por sua vez, ao sugerir a aproximação dos cursos de formação de

professores com os estudos da Antropologia e Sociologia, parece indicar a necessidade de a

educação atentar para possíveis mudanças de paradigmas da educação e para as possíveis

transformações no modelo dito tradicional, de família nuclear e de alguns valores

socioculturais - e conseqüências dessa reconfiguração nas práticas escolares. Lidar

adequadamente com os novos modelos é certamente um grande desafio para as práticas

docentes do século XXI, dado o entendimento de que o modelo clássico de família não pode

mais ser entendido como um valor absoluto nas práticas cotidianas.

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A família fica confortável para ela também a questão de que o filho vai, entre aspas, passar de ano e aquela história que vai ser aprovado. Eu via as famílias mais preocupadas com os alunos antes e a própria reunião de pais e era grande o comparecimento da família querendo saber e pegando no pé para o filho estudar, porque o pai não quer a reprovação do filho. A família dificilmente está preocupada e às vezes nem tem estudo para saber o quanto o filho deve saber, o quanto ele deve aprender, então para eles é se passou de ano está bom. Se passar de ano, entre aspas, você está entendendo. E aí a família se acomoda, não olha mais nada, não olha um caderno, não acompanha o professor também desanima. Professor (a)-1 (2007 p.135).

Na primeira semana de aula a gente não ia dar matéria, iria só conversar com os alunos e fazer algumas atividades diversificadas para um maior entrosamento e no terceiro dia nós pedimos para que eles trouxessem gibis e tudo mais, como a gente pediu isso para eles os pais começaram a ligar para a escola falando assim: - Como já se viu o meu filho levar gibis para a escola. Os pais não estavam entendendo o porquê disso. Então, isso também tem que ser um trabalho que tem que ser conversado com os pais e ser esclarecido que é um trabalho que vai ser por esse caminho para que eles participem mais. Professor (a)-3 (2007: p. 169).

Tenho uma história que aconteceu, tinham três irmãos que vieram de outra escola com notas péssimas de matemática, perguntei para a mãe o que acontecia, ela respondeu que na casa deles era normal todos irem mal em matemática. Eu fiquei pensando naquilo, fiquei inconformada, eu acho que se criou uma idéia, que não ser um aluno razoável na matemática não será socialmente aceito, por exemplo, se meu filho tirar dois ou três de matemática, ele vai entender, eu também não sou tão assim, vai ver que é genético, mas ele não vai aceitar tirar dois ou três em português. Então eu acho assim é uma coisa que se criou que a matemática é difícil, que a matemática não é para todo mundo. Professor (a)-4 (2007: p.180).

Quando põe esse povo pobre lá dentro, e os pais não fizeram nem a quinta série, então se o filho chegar à oitava está de bom tamanho. A criança pobre veio para escola pública, mas ela não tinha o ambiente alfabetizador que as outras crianças tinham, então tinha que ter um espaço a mais, um tratamento extra, a questão do ciclo de passar sem saber não ajuda ninguém. Eu volto, o pobre lutou para resolver o problema e ele pode alfabetizar até a oitava série. Professor (a)-5 (2007: p.189).

8.2 As entrevistas e as relações raciais na escola: uma análise

A análise das relações raciais no ambiente escolar merece aqui uma descrição mais

detalhada pela relevância do tema, neste trabalho. E, dentre as muitas perspectivas que se

apresentaram ao longo da história como ações diretas de impedimento ao desenvolvimento da

comunidade negra, as ações de inserção no sistema educacional, que são conseqüências das

circunstâncias históricas, ganharam aqui especial atenção. Nesse sentido, os capítulos de

fundamentação buscaram demonstrar a constituição dessas barreiras nos quinhentos anos da

nossa história, destacando-se três momentos importantes desse processo: na primeira fase da

colonização, quando ocorreu a introdução do negro escravizado na sociedade brasileira e

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quando se constituiu o sistema educacional; na virada do século XX, quando a abolição

supostamente “libertou” os escravos sem dar aos mesmos as condições mínimas de cidadania;

com a implementação da Lei 4;024/61, que supostamente abriu as portas da educação

brasileira para a comunidade negra, sem os devidos cuidados com o acolhimento e o

acompanhamento necessário a essa clientela.

Se, de um lado, os esforços de resistência cultural da comunidade negra na escolarização

das suas crianças/adolescentes e na manutenção das identidades serviram também de

referência para esta análise, conforme ficou demonstrado nas fundamentações, do outro, as

entrevistas com professores de educação infantil revelaram que, por desconhecimento ou

inação, as práticas escolares, de algum modo, ainda contribuem para a reprodução dos

processos pelos quais o racismo fundamentou suas bases e que ainda são reproduzidos no

sistema educacional, como já foi constatado nas pesquisas de I.A. Santos (2001) e Cavalleiro

(2006), no caso da educação infantil.

No quadro a seguir estão sintetizadas algumas das manifestações, resultantes das

indagações frente às questões propostas aos professores de matemática e que foram

reagrupadas, segundo os objetivos desta pesquisa, nas seguintes categorias: a) a representação

(da invisibilidade) do negro no livro didático; b) as perspectivas dos professores quanto à

aprendizagem do educando negro; c) a auto-estima do educando negro; d) a diluição das

especificidades do educando negro; e) os professores e o trato com a diversidade.

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a) A representação (da invisibilidade) do negro no livro didático: as pesquisadoras

I.A. Santos (2001) e Cavalleiro (2006) criaram essa categoria para análise, por seu potencial

de levar em conta os debates acerca da invisibilidade e das visões estereotipadas do negro,

assim como pela possibilidade de análise da postura dos professores diante dessa

invisibilidade e de possíveis leituras críticas na sala de aula, justificando assim a escolha do

livro didático pela influência que exerce na vida das crianças e dos adolescentes negros.

Tal categoria não foi aqui incorporada para análise do livro didático, mas pelas

dificuldades que os professores de matemática demonstraram em perceber, entender e lidar

com as especificidades do educando negro, no tocante às referências identitárias em relação

com a aprendizagem escolar. Essa falta de percepção e de compreensão por parte dos

professores emerge, naturalmente, como mais uma das barreiras ao desenvolvimento da

comunidade negra.

Quando indagados sobre o racismo na sociedade brasileira e na escola, os

entrevistados explicitaram tais dificuldades, conforme percebido nos fragmentos abaixo:

As pessoas falam que não são racistas, mas são e as pessoas não se acham racistas, mas são. Ninguém se acha racista e eu não me acho racista também, mas eu devo ser em muitos momentos e às vezes não é nem consciente, mas o fato da gente falar que aquele negro é negro e é bom, já é uma forma de racismo. Por que ele não poderia ser bom? Não é verdade? Ele não é igual? Mas a experiência e estas pesquisas acabam mostrando que acontece isto e não é um fator só e são vários fatores. Professor (a)-1 (2007, p.146).

Eu acredito que se nós formos ver a questão da visão de renda, eu acho que a gente vai ter uma grande parte da população de baixa renda sendo negro e se ele tem baixa renda e é negro, ele vai ter dificuldade na sua vida profissional e na sua vida educacional. De repente ingressando no mercado de trabalho mais cedo, não tendo acesso em materiais educativos. Então aí você acaba tendo a situação em que o cidadão ele acaba não tendo acesso aos meios, não tendo acesso a melhor educação e ele acaba então tendo o menor rendimento então aplicasse uma prova menor rendimento. Professor (a)-2 (2007, p. 162).

Eu nunca tive um exemplo de um aluno que fosse negro e fosse discriminado, eu não consegui enxergar isso nem na aula e muito menos no esporte. Os negros eram bons mesmo no esporte, só se fossem discriminados ao contrário porque eles eram queridos, eles não pensavam em cor, eu não vi de jeito nenhum essa questão. Na minha carreira toda eu não tive nenhum exemplo que me marcou com relação à discriminação de cor. Se eu percebesse alguma coisa assim eu entraria com certeza e não aceitaria de jeito nenhum. Professor (a)-3 (2007, p.162).

A gente percebe, eu não tenho nada contra, eu procuro ver se o pessoal está abusando, e tento acalmar as coisas. Eu não tenho nenhum problema em

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lidar com isso. Eles humilham todos que são diferentes gordos, magros e baixos. Então eu procuro mostrar para eles que isso é preconceito, e que se ele conviver com ela não vai fazer diferença se ele é diferente, porque eu acho uma falta de respeito total, dentro da sala de aula você vai respeitar ele e tratar ele normal. Professor (a)-4 (2007 p.185)

Eu nunca trabalhei nisso, eu trabalhei em sindicato, teve uma discussão uma vez no PSTU que mandou um formulário para a gente preencher que entre as perguntas tinha: cor, raça, e tudo mais. Nosso grupo respondeu raça humana homo sapiens, e a cor nós respondemos, bolinhas amarelinhas. Professor (a)-5 (2007, p. 191).

b) As expectativas quanto à aprendizagem do educando negro: para I.A. Santos

(2001) e Cavalleiro (2006), a escolha desse tema foi pautada na grande incidência de relatos

dos professores de educação infantil, que revelaram uma menor expectativa quanto à

aprendizagem do educando negro em relação aos demais. Dessa forma, elas entenderam ser

conveniente analisar algumas representações desses professores acerca dessa diferenciação de

aprendizagem, que ficaram entendidas como natural e conseqüente das condições

econômicas, sociais e familiares da criança negra, portanto como um problema não possível

de ser resolvido no âmbito da escola.

Neste trabalho, entretanto, a incorporação desta categoria deve-se ao fato de as

entrevistas revelarem novamente a grande dificuldade que os professores encontraram para

perceber as especificidades e as necessidades do educando negro e também ao fato de em

muitos casos nem estarem alertados para essa diferenciação, que ficou comprovada pelas

pesquisas Góis (2005) referidas na introdução deste trabalho. Portanto, também não passíveis

de serem resolvidas no âmbito da educação matemática, conforme parece estar representado

nas falas a seguir.

Um aluno falou que tinha ser melhor por isto mesmo, pelo fato de ser negro, quer dizer, ele deveria estar pensando assim - Eu já estou no mundo de racismo, de preconceito, se eu não me destacar... Eu tenho que achar o outro lado aí para me dar bem porque eu sou negro ou eu sou feio. Agora a questão financeira, cultural e não sei se chega por aí também, porque assim os negros não são as pessoas melhores sucedidas e de ter famílias com pais alfabetizados e que dêem toda aquela estrutura que eu acho que o meu filho tem mais e muito mais do que eu e tipo assim, eu posso não dar um brinquedo para ele, mas se ele quiser um livro eu compro e pode ser o preço que for. Professor (a)-1 (2007, p. 146).

Eu não tenho dados quantitativos, vamos dizer, com relação ao desempenho e raça. Então com relação a isto se eu falar é no campo das possibilidades, mas não que eu tenha isto na prática e nem que eu tenha percebido. Eu apenas não tenho a avaliação que eu gostaria, quando você me falou, eu falei: “Poxa vida tantos anos e eu nunca relacionei estas duas matrizes.” Você entendeu. Professor (a)-2 (2007, p.161).

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Nunca me fizeram essa pergunta e quando você me faz essa pergunta é interessante, porque na minha cabeça eu nem penso na questão de aluno negro e aluno não negro. A minha cabeça lida com aluno independente da cor, se tivesse que analisar do ponto de vista que você colocou, a experiência que eu tenho é que eu tive alunos negros ótimos em matemática, assim como eu tive também alunos que tiveram muita dificuldade em matemática, mas comparando com os outros eu não vejo na minha cabeça nada que me desse à idéia que ele foi bem por causa disso ou daquilo. Professor (a)-3 (2007 p.173).

Eu acho que independente de raça, ou não a auto-estima da pessoa colabora para que saia bem ou não. Normalmente os negros têm a auto-estima muito baixa, e acaba prejudicando ela mesma isso não só na escola, em qualquer coisa que ela for fazer. Tenho dois alunos negros que são muito bons, mas eu vejo que para eles a questão da cor não importa, eles não têm esse tipo de problema, ou se tem não demonstram. Professor (a)-4 (2007 p. 185)

c) A auto-estima do educando negro: Do mesmo modo que as questões anteriores,

I.A. Santos (2001) e Cavalleiro (2006) definiram a escolha desse tema como categoria de

analise, pautadas também em relatos de professores de educação infantil que justificaram as

dificuldades de aprendizagem dos educandos negros, como conseqüência das dificuldades do

próprio educando e da família em se aceitar como tal, e pela indisposição dos negros para a

conquista de novos espaços.

Do mesmo modo, as entrevistas com os professores de matemática, neste trabalho

parecem evidenciar a existência de uma crença de que a responsabilidade pela diferenciação

no desempenho, assim como a reversão deste processo, é de responsabilidade dos educandos,

das famílias e dos movimentos sociais evolvidos com as comunidades negras. Os relatos

sugerem que as competências individuais, em muitos casos, são suficientes para que as

barreiras impeditivas sejam superadas, tirando desse modo a responsabilidade da escola e dos

professores de matemática de se envolver mais intensamente com tais particularidades.

Eu percebo isto que as crianças mais bonitas elas são melhor tratadas que as crianças mais feias, independente de ser negro ou não. Como o negro não é considerado uma raça muito bonita, assim como os pardos e os nordestinos e a questão do preconceito contra os nordestinos também. Eu acho que isto tem sim, não só com relação a negro, mas pode ser que o negro esteja aí dentro do que eu falei também, mas não só com o negro. Professor (a)-1 (2007, p. 145).

Ser igual para mim é a pessoa ter oportunidade e agarrar essa oportunidade e através do seu esforço e competência conseguir as coisas. Alguns talvez pelo berço tivessem mais facilidade e outros não, mas a gente tem exemplos de pessoas que tiveram a vida muito batalhadora e chegaram onde estão porque souberam aproveitar aquilo que foi possível e hoje estão muito bem. Eu me lembro do caso do supremo tribunal federal que nós tivemos um ministro que agora eu não me lembro o nome, esse ministro é respeitado e ele chegou aonde chegou porque ele agarrou as oportunidades que ele teve.

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Em toda área que a gente pegar com certeza tem. A USP teve um professor de geografia que já faleceu, mas que vai ficar para história, são pessoas que tiveram uma história de vida que são exemplos para nós que somos brancos e para todos. Professor (a)-3 (2007 p.174)

Os negros têm a auto-estima muito baixa, [...] eu acho que falta nas comunidades negras que a gente vê é alguém para mostrar a essas pessoas que eles têm condição de ir para frente. Por exemplo, um grupo de migrantes, como eles se sustentam? Vivem sem problemas, unidos dentro de suas raças, se orgulham disso. Deveria haver esse tipo de união entre eles, pois sozinho é mais difícil, seria interessante que tivesse esses grupos para ajudar essas crianças de periferia que ficam sem os pais, que não tem conversa com os pais. Professor (a)-4 (2007 p. 185)

Não tem como lidar com isso na aula de matemática. Quando tem as situações na classe, eu discuto sobre isso, eu falo do conceito de racismo, falo o porquê a cultura branca sobrepôs à cultura negra, mas na matéria de matemática não dá, mesmo porque não é meu foco, eu tenho muita coisa com que me preocupar do que ficar em cima disso. Professor (a)-5 (2007, p.190).

d) A diluição das especificidades do educando negro: I.A. Santos (2001) e

Cavalleiro (2006), mais uma vez, entrevistaram os professores de educação infantil, que

pareceram revelar dificuldades em aceitar e lidar com as especificidades, culturais e históricas

do educando negro, diluindo-as entre outras questões, como a questão do gênero, a condição

social, a condição econômica ou mesmo entre outros grupos de minorias discriminadas, como

portadores de HIV, gordos, etc. Tal fato foi interpretado por elas como uma possível fuga da

reflexão acerca da questão racial na escola, em função das tensões e da carga emocional

contidas nos debates sobre o tema.

Neste trabalho, não destaquei falas, fragmentos ou pensamentos que indiciaram esta

questão, pois, os mesmos apareceram em vários momentos das análises anteriores, quando a

questão é associada à condição econômica, à auto-estima, à classe social, aos méritos

individuais e até mesmo à questão dos valores estéticos presentes na sociedade. Fato que de

certa forma parece demonstrar as mesmas dificuldades entre os professores de matemática em

tratar objetivamente com questão.

e) Os professores e o trato de diversidade: Entendo que na análise desta questão seja

necessário retomar a entrevista de Marilandia Frazão, apresentada na fundamentação deste

trabalho, para descrever a proposta de trato com a diversidade, da administração municipal no

período 2001 – 2004. Nessa entrevista a educadora, membro de movimentos sociais

envolvidos com a questão da inserção social da comunidade negra e coordenadora do projeto,

trouxe informações importantes a esta análise, pois ela entende os projetos: educom.radio,

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escola aberta, Recreio nas férias, A cor da cultura e A bibliografia adequada, entre outros,

representavam parte dos esforços daquela administração na intenção de reverter o processo de

inclusão perversa caracterizado no momento da implementação Lei 4.024/61.

Entretanto, as entrevistas com os professores de matemática deixam transparecer,

também, certa desconexão entre os objetivos e a aplicação dos projetos, pois, conforme

poderá ser constatado nos fragmentos, nenhum dos educadores entrevistados demonstrou

razoável conhecimento acerca dos projetos, a não ser aqueles que têm interesses pessoais,

como pode ser comprovado no caso da professora de história, cujo depoimento — assim

como algumas observações que ela faz acerca da implementação e da difusão de tais projetos

entre os professores — consta nos anexos deste trabalho. Ela foi responsável pela divulgação

entre os professores do material disponibilizado pelo projeto “A cor da cultura” em uma das

escolas. Entendo também que as falas abaixo são representativas desta desconexão e

entrosamento.

Eu fiz o curso do Educom, péssimo por sinal, a gente ficava o sábado inteiro e quando tinham palestras eram ótimas, porque como eram jornalistas e então era gostoso de ouvir, então até ao meio dia eram as palestras e depois eram as oficinas. As pessoas eu acho que eram a primeira vez e não estavam muito preparadas então – olha vocês aí peguem este gravador e criem um programa de rádio – mas cria da onde? Do nada? Você entendeu? A gente tinha que ter uma base, mas não tinha. Acabou o curso meses depois vieram e instalaram o rádio na escola e chamaram um dia as pessoas que fizeram o curso e falaram: o rádio funciona assim e assado. E eu não quis nem saber depois o que deu. Professor (a)-1 (2007, p. 147).

Eu não acompanhei o trabalho da cor da cultura. Houve sim, alguns grupos de formação que tratou um pouco a respeito da cultura. Na verdade era mais sobre a exclusão e da inclusão, e eles trabalharam um pouco a respeito da cultura e aí no caso do negro. A gente fez junto com o pessoal do Silvio Portugal. Quanto aos livros até bons livros que chegaram à biblioteca, ficou assim: “Olha pessoal este canto da estante.” estão os livros para os professores que são voltados para parte pedagógica, mas aí volto a falar, não sei se no horário pedagógico se foi comentado que tinha lá coisas importantes desta bibliografia, mas, por exemplo, um dos livros que eu vi para ser usado com a educação dos jovens e adultos da EJA, interpolava está questão já da cultura negra e eu achei isto aí bem interessante e mais ainda quando você falou: “Olha realmente a coisa está.”... Professor (a)-2 (2007, p. 164).

O curso que a gente fez do Educon foi muito bom, mas eu não sei, tinha problemas com o uso daquele equipamento, infelizmente não deu resultados práticos por uma série de fatores. O equipamento era até usado, mas não usado como deveria ser. Quanto aos livros, eu não me lembro de ter sido passado para gente os livros e os assuntos dos livros que tinham chegado. Eu só lembrei você e estou falando isso, porque as inúmeras leituras que eu fiz e raríssimos são aqueles que falam sobre esse assunto e que me incentivou a fazer a leitura. Você agora está me despertando para uma coisa

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que eu como brasileiro acho que tenho que saber um pouco mais e vou com certeza procurar alguns temas sobre o assunto para que eu possa ter argumentação para um assunto tão delicado como esse que você colocou. Eu não esperava, eu sabia que você tinha um projeto assim, mas eu não imaginava que fosse assim, de modo que eu até te agradeço por ter despertado em mim esse assunto. Professor (a)-3 (2007 p. 177).

O projeto do Rádio eu não participei, mas lembro que teve algo do Educon, fizeram alguns trabalhos, mas nós tínhamos que fazer um curso aos sábados e depois teve alguns trabalhos de alguns alunos, mas quanto à música ligada à cultura negra, eu não sei, mas teve algumas coisas. Quanto ao projeto a cor da cultura, aconteceu que estava com outro projeto bem enrolado da história do lixo, na verdade nenhum projeto aquele ano foi muito bem: o projeto teve muita briga discussão, eu acho que foi positivo por isso. Eu acho que são coisas simples, quando se fala em projetos as pessoas pensam em coisas grandiosas, quando são coisas simples. Professor (a)-4 (2007 p. 186).

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Considerações

Não sei se é possível tecer considerações a respeito das transformações que um

trabalho como este foi capaz de causar no pesquisador, pois certamente tais transformações

abrangem sentimentos e emoções difíceis de serem transpostas para um texto. Entretanto, é

possível avaliar situações que marcaram a trajetória e a jornada do estudo. Neste caso, por

exemplo, os estudos sobre a história da educação brasileira e as circunstâncias de

escolarização da comunidade negra aumentaram minhas convicções acerca da necessidade de

atitudes diferenciadas frente à educação escolar e ao desenvolvimento das comunidades

tradicionais, assim como às minorias políticas, com o objetivo de uma melhor inserção e

participação delas no mundo que se configura para o século XXI. Tal estudo acentuou

também a convicção de que este trabalho não poderia trilhar caminhos em busca de inovações

pedagógicas ou propostas para a educação matemática, pois com o decorrer do tempo as

leituras levaram-me a reflexões e ao entendimento sobre as nuances do projeto educacional

brasileiro - provocadoras de ruídos na comunicação e na configuração dos valores sociais que

interferem na formatação dos projetos da nação.

Nesse sentido, estudar a história da educação, tendo em vista a perspectiva da

comunidade negra, levou-me a entender melhor os movimentos em busca de sobrevivência,

de transcendência, de inserção digna e, principalmente, da manutenção da cultura e da

escolarização dos filhos dessa comunidade. E, desse momento da jornada, algumas passagens

também me marcaram mais fortemente. A primeira delas foi a própria constituição da

educação e da /cultura negra brasileira que, de dentro da senzala, reelaborou saberes, fazeres,

modos, costumes e usos particulares do pensamento matemático pautados em valores da

africanidade - embora os estudos a respeito dessas elaborações careçam de análises e

fundamentações. Também vale destacar deste momento - assim como de toda a história da

resistência negra brasileira - o papel das mulheres, em especial das ialorixás, na construção da

estrutura de família, de poder, de sociedade e, principalmente, na eleição da educação escolar

como prioridade no processo de desenvolvimento.

Outra passagem que ficou fortemente marcada nesta jornada foi o resgate de algumas

histórias da resistência promovida pelas instituições culturais e sua importância na luta contra

as ações de impedimento ao desenvolvimento das comunidades negras durante o século XX.

Neste contexto, pude resgatar histórias que se confundiram com a minha história pessoal e, de

algum modo, fizeram com que meus relatos de vida tivessem o objetivo de ilustrar a luta da

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comunidade negra numa perspectiva mais internalista e chegar a um melhor entendimento da

importância da educação escolar para o povo negro.

Ao resgatar, por exemplo, preocupações e propostas de vida contidas nas narrativas da

minha avó acerca da escolarização, percebi que os conhecimentos de vida contidos em sua

fala apontavam a educação como o perigoso – porém, valioso e necessário - caminho para o

nosso desenvolvimento. Tais narrativas estavam fundamentadas, ao que parece, nos

conhecimentos adquiridos desde a senzala, como forma de reagir às barreiras e à negação

sistemática aos direitos pelos grupos de poder ao longo da historia, por meio de ações diretas

e indiretas. Das ações consideradas como direito negado - grande parte fundamentada no

fenótipo, na pigmentação, na crença em uma suposta deficiência intelectual e moral extraída

das teorias raciais da virada do século XX e nos estigmas dos trezentos e cinqüenta anos de

escravização - muitas ainda orientam atitudes e valores que vitimam a nação cotidianamente.

Em sentido contrário, o estudo também possibilitou perceber que as reações são

alimentadas pelo apoio, pela compreensão e pela parceria dos indivíduos e dos segmentos

sociais que entendem a configuração de um “projeto de nação” que passa obrigatoriamente

pelo reconhecimento de todos os componentes da sua formação. Projeto no qual as crenças, os

modos e os valores sejam representados, sem exclusão ou diluição das especificidades.

Nessa perspectiva, as ações diretas de impedimento são entendidas como mal social,

devendo ser tratado no campo da psicologia e/ou das ações judiciais, áreas do conhecimento

com que os órgãos governamentais contam para dar sustentação às reações, embora os

trâmites dos processos legais ainda encontrem muitas dificuldades. Entretanto, o foco central

desta análise são as ações e não-ações que permeiam a educação e constituem-se como

barreiras indiretas, invisíveis, sutilmente diluídas nas práticas cotidianas da escola pública.

Desse modo, como comentado, as considerações não poderiam ser iniciadas por outro

ponto que não pelas impressões dos professores entrevistados, pois estas podem se constituir,

neste caso, o mais importante instrumento (dialógico) da percepção e da conscientização da

trama da educação escolar.

As entrevistas contemplaram todos os professores de matemática, titulares de cargo de

duas escolas e demonstraram que os vinte anos em média no magistério público levaram a

diferentes elaborações e expectativas frente à educação, que vão do descrédito total a um

grande entusiasmo com as mínimas atividades do dia-a-dia.

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Vale aqui destacar, inicialmente, que, apesar de atuar com a mesma clientela, os

professores - ao responderem as entrevistas, sem rodeios ou subterfúgios - parecem ter

diferentes relações afetivo-emocionais em relação à carreira, assim como revelam de modo

diferenciado sinceridade, desprendimento, verdade e fidelidade frente aos valores assumidos

ao longo da carreira e da vida.

Quanto aos objetivos da educação escolar, desde os anos quarenta do século XX, ela é

entendida pela UNESCO como um bem e um patrimônio da humanidade. Além de constituir-

se no mais eficiente instrumento de combate em favor do desenvolvimento dos povos e da

inserção digna do indivíduo nas sociedades, respeitando, sobretudo, os modos de ser de cada

um. Portanto, fica entendido que as ações de impedimento ao acesso ou à permanência na

escola, ou mesmo qualquer omissão ou silêncio diante de tais ações devem ser consideradas

como mais uma barreira a ser combatida.

As investigações, de um lado, revelaram o desconforto dos professores em lidar com

qualquer outro modo de ensino de matemática, fundamentado nas propostas mais atuais no

campo da educação matemática, optando ao que parece pelas formas e modos ditos

tradicionalistas – processo no qual o conteúdo é o objetivo central das práticas escolares – e,

neste sentido, grande parte deles responsabiliza a formação inicial e continuada por tal atitude.

Essa confissão indicia, primeiro, certo descompasso entre as práticas docentes cotidianas e os

debates acerca da formação de professores de matemática, conforme foi explicitado nas

reflexões de Domite (2004). Por outro lado, as evidências da pesquisa demonstram a

necessidade dos cursos de formação de levar em conta a preparação do professor como agente

social e profissional reflexivo, de maneira que compreenda mais claramente o papel da

educação pública nos processos de inserção social do educando e a responsabilidade pela

própria formação continuada.

No que diz respeito aos temas transversais na educação, as entrevistas revelaram, em

grau mais acentuado, o desconhecimento, o desconforto e a insegurança dos professores em

trabalhar os temas. Tal constatação demonstra primeiramente que as diretrizes das políticas

educacionais não estão sendo corretamente aplicadas na escola de ensino fundamental e,

dentre as muitas justificativas encontradas, parecem aflorar novamente os descompassos entre

as propostas das administrações públicas e a realidade docente, desta vez com relação à

aplicação das diretrizes do poder público. Se considerarmos a diversidade racial e as

especificidades da comunidade negra na educação, as entrevistas mais uma vez demonstram o

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total despreparo dos professores para lidar com as diretrizes da LDBN/96, dos PNC e da Lei

10.639.

Tais despreparo, percebido anteriormente à pesquisa, está diretamente ligado ao não-

aparelhamento, em termos teórico-práticos, dos centros de formação para atender aos

pareceres e às resoluções do Conselho Nacional de Educação/ Ministério da Educação e

Cultura (CNE/ MEC nº. 03/04) referentes à formação dos profissionais da educação para o

trato a história da África e dos afro-descendentes. Sendo assim, e com base nas respostas dos

professores, tanto na relação com o ensino-aprendizagem de matemática, quanto nas questões

sociais que envolvem a clientela de escola pública, os resultados da pesquisa parecem indicar

ou pedir uma reconfiguração da formação profissional do professor de matemática, de forma a

incluir o debate sobre a diversidade cultural e as diferenças educacionais nos projetos

curriculares e nos cursos de formação - conforme determinado pela Lei.

Do que foi analisado é possível concluir, que cabe aos centros de formação de

professores atender as demandas atuais dos educandos negros, as determinações legais e

sociais, no tocante a inclusão da história da África e dos afro-descendentes em todas as áreas

do conhecimento contempladas nos currículos escolares. Preparar os professores para lidar

adequadamente com a adversidade cultural, com os saberes e fazeres que correspondam aos

processos cotidianos do educando, além de assumir as práticas tradicionais e cotidianas, nas

abordagens escolares.

Neste sentido, a Etnomatemática que vem demonstrando grande interesse com os

processos que abordam as práticas tradicionais de uso do conhecimento matemático, além

valorizar os saberes, fazeres e práticas cotidianas e tradicionais. Surge como importante

facilitador da relação do ensino-aprendizagem escolar, pela possibilidade de aproximar os

conhecimentos matemáticos escolares aos conhecimentos cotidianos.

Desse modo, as abordagens sugeridas no programa de Etnomatemática podem

apresentar importantes contribuições ao desenvolvimento dos educando negros, assim como

todos aqueles que de alguma forma assumem valores da cultura negra nas práticas cotidianas.

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9 – Anexos

Anexo 1 – Questionário aos educadores Funcional: 1. Sexo: a) M( ) b) F ( ) 2. Cor/raça ou etnia: (conforme IBGE) a) Branca ( ) b) Preta ( ) c) Parda ( ) d) Indígena ( ) e) Amarela ( ) 3. Faixa etária: a) 20 a30 anos b) 30 a40 anos c) 40 a50 anos d) Mais de 50 anos 4. Tempo de atuação no Magistério: a) Menos de 05 anos b) Entre 05 anos e 10 anos c) Entre 10 anos e 15 anos d) Entre 15 anos e 20 anos e) Mais de 20 anos 5. Tempo na unidade escolar: a) Menos de 05 anos b) Entre 05 anos e 10 anos c) Entre 10 anos e 15 anos d) Entre 15 anos e 20 anos e) Mais de 20 anos

6. Bairro onde mora é: a) O mesmo da escola b) Próximo à escola c) Distante da escola 7. Você tem participado de cursos de

formação nos últimos seis anos? Quantos?

8. Qual o seu nível de formação? Em

quê? a) Complementação pedagógica b) Graduação c) Especialização d) Mestrado e) Doutorado 9. Você tem participado de formação

continuada promovida pela SME/SP, nos últimos seis anos?

Sim ( ) Não ( ) Quais? 10. Você tem participado de grupos políticos ou de ações sociais? a) Sim ( ) b) Não ( )

Pedagógico

1. São freqüentes os relatos de alunos com grandes dificuldades na aprendizagem da disciplina no ensino fundamental. A que você atribui essas dificuldades? Como você identifica esses alunos no cotidiano da sala de aula? Fale sobre seu ponto de vista.

2. AIDS, homossexualismo, condição feminina, gravidez precoce, droga e racismo aparecem nos PCN, como parte dos temas transversais a serem trabalhados pela escola. Do seu ponto de vista, é possível abordar esses temas na disciplina de Matemática? Disserte sobre a questão.

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3. O texto acima faz referência a um dos slogans referidos e sugere que predisposições naturais influenciam a aprendizagem de Matemática. No cotidiano do ensino fundamental, é possível perceber essas predisposições? Disserte sobre.

4. A Matemática é ensinada da mesma maneira para todos os alunos do ensino fundamental, sem que sejam respeitadas as diferenças individuais. Diante desse quadro é possível imaginar que as escolas deveriam adotar conteúdos distintos para os alunos, segundo alguns fatores. Do seu ponto de vista, no ensino fundamental, é possível perceber a relevância desses fatores no desempenho dos alunos?

5. Estudos têm mostrado que o desempenho dos alunos negros, notadamente na Matemática, tem sido pior que os demais. De acordo com sua experiência de sala de aula, como você observa isso?

6. Nos PCN de Matemática há referência à Etnomatemática como uma possibilidade no ensino de Matemática, você tem conhecimento desse programa? Como avalia essa possibilidade?

7. Entre 2001 e 2004, a SME/SP publicou cinco (5) volumes da revista chamada EducAção. Elas supostamente foram encaminhadas a todos os professores da rede e continham os elementos da proposta de: leitura, letramento e alfabetização; ela é e foi orientadora do currículo e do Plano Político-Pedagógico (PPP). De que forma ela modificou as ações praticadas nas aulas de Matemática?

8. Existe um projeto em curso que alcança a SME/SP, chamado “A Cor da Cultura”. Você de algum modo participou ou teve informação sobre ele? Ele foi trabalhado na sua escola? De que modo?

9. As questões apresentadas neste questionário estão ligadas a elementos externos aos conteúdos propostos para a Matemática. Você acredita que eles sejam significativos para a aprendizagem da disciplina? Por quê?

10. Esta questão é aberta para que possa fazer considerações a respeito das suas experiências e vivências no ensino de Matemática.

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Anexo 2 – Questionário aos educadores (outra versão) Funcional: 1. Sexo: a) M( ) b) F ( ) 2. Cor/raça ou etnia (conforme IBGE) a. Branca ( ) b. Preta ( ) c. Parda ( ) d. Indígena ( ) e. Amarela ( )

3. Qual a sua faixa de etária: a. 20 anos até 30 anos b. 30 anos até 40 anos c. 40 anos até 50 anos d. Mais de 50 anos

4. Tempo de atuação no Magistério: a. Menos de 05 anos b. Entre 05 anos e 10 anos c. Entre 10 anos e 15 anos d. Entre 15 anos e 20 anos e. Mais de 20 anos 5. Tempo de unidade escolar: a. Menos de 05 anos b. Entre 05 anos e 10 anos c. Entre 10 anos e 15 anos d. Entre 15 anos e 20 anos e. Mais de 20 anos

6. O bairro onde mora é: a. O mesmo que a escola b. Próximo à escola c. Distante da escola 7. Você participou de formação

continuada nos últimos seis anos? a. Nenhum b. Entre 01 e 02 c. Entre 02 e 04 d. Mais de quatro 8. Qual o seu nível de formação na área

de Matemática ou Educação? a. Complementação pedagógica b. Graduação c. Especialização d. Mestrado e. Doutorado 9. Você participou de cursos

promovidos pela SME/SP, nos últimos seis anos?

a. Nenhum b. Entre 01 e 02 c. Entre 02 e 04 d. Mais de quatro 9. Você participa de grupos políticos ou de ações sociais? a) Sim ( ) b) Não ( )

Pedagógico

Na obra intitulada: Matemática e língua materna o professor Nilson José Machado referencia cinco slogans que são considerados como senso comum no ensino de Matemática. Alguns deles, assim como trechos dos PCN de Matemática, foram usados nas fundamentações deste questionário, em função da sua importância para esta pesquisa.

Com relação às conexões entre matemática e pluralidade cultural, destaca-se, no campo da educação matemática brasileira, um trabalho que busca explicar, entender e conviver com os procedimentos, técnicas e habilidades matemáticas desenvolvidas no entorno sociocultural próprio a certos grupos sociais. Trata-se do programa etnomatemática, com suas propostas para a ação pedagógica (PCN/MATEMÁTICA, p. 33).

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1. São freqüentes os relatos de alunos com grandes dificuldades na aprendizagem da disciplina no ensino fundamental. A que você atribui essas dificuldades? Como você identifica esses alunos no cotidiano da sala de aula? Disserte sobre seu ponto de vista.

O ensino de matemática muito pode contribuir para a formação ética à medida que se direciona a aprendizagem para o desenvolvimento de atitudes ( PCN/MATEMÁTICA, p. 33).

2. AIDS, homossexualismo, condição feminina, gravidez precoce, droga e racismo aparecem nos PCN, como parte dos temas transversais a serem trabalhados pela escola. Do seu ponto de vista, é possível abordar esses temas na disciplina de Matemática? Disserte sobre a questão.

Com relação às notórias dificuldades enfrentadas pela maior parte das pessoas em seus contatos institucionais com a matemática, a frase: “A capacidade para a matemática é inata” ocupa lugar de destaque (MACHADO, 2001, p. 56).

3. O texto acima faz referência a um dos slogans referidos e sugere que predisposições naturais influenciam a aprendizagem de Matemática. No cotidiano do ensino fundamental, é possível perceber essas predisposições? Disserte sobre.

A matemática é ensinada de modo compulsório nas escolas a todos os alunos. Em conseqüência, as dificuldades enfrentadas não passariam de resultados naturais e previsíveis. A radicalização deste ponto de vista conduz à conclusão de que, para a superação das dificuldades generalizadas, bastaria não exigir igualmente de todos os alunos o conhecimento da matemática( MACHADO, 2001, p. 56).

4. Da mesma forma que a questão anterior, a frase acima sugere a distinção de conteúdos e alunos, segundo alguns fatores. Do seu ponto de vista, no ensino fundamental, é possível perceber a relevância desses fatores no desempenho dos alunos?

Os resultados das duas pesquisas com base no SARESP/SP e no SAEB/RJ comprovaram que o desempenho dos alunos negros é pior que os demais, notadamente em matemática, mesmo quando comparados com os alunos da mesma turma (Folha de São Paulo, 20/11/2005).

5. Pautado na sua vivência em sala de aula, como você justificaria essa diferenciação no desempenho desses alunos?

Ao admitir-se a existência de predisposições inatas para o desempenho em matemática, esvazia a expectativa de que esse conhecimento seja partilhado por todos (MACHADO, 2001, p.56).

6. Nos PCN de Matemática há a referência à Etnomatemática como uma possibilidade no ensino de Matemática. Você tem conhecimento desse programa? Como avalia essa possibilidade?

7. Entre 2001 e 2004, a SME/SP, publicou cinco (5) volumes da revista chamada EDUC AÇÂO. Elas supostamente foram encaminhadas a todos os professores da rede e continham os elementos da proposta de: leitura, letramento e alfabetização; ela é e foi

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orientadora do currículo e do Plano Político-Pedagógico (PPP). De que forma ela modificou as ações praticadas nas aulas de Matemática?

8. Existe um projeto em curso que alcança a SME/SP, chamado “A Cor da Cultura”. Você de algum modo participou ou teve informação sobre ele? Ele foi trabalhado na sua escola? De que modo?

9. As questões apresentadas neste questionário estão ligadas a elementos externos aos conteúdos propostos para a Matemática. Você acredita que eles sejam significativos para a aprendizagem da disciplina? Por quê?

10. Esta questão é aberta para que possa fazer considerações a respeito das suas experiências e vivências no ensino de Matemática.

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Anexo 3 - Trabalho de Valeria Rosado, EPEM

O ENSINO DA GEOMETRIA PELOS MOVIMENTOS DA CAPOEIRA: UMA CONTRIBUIÇÃO DA ETNOMATEMÁTICA

Chang Kuo Rodrigues – CES-JF e PUC-SP

Gizele Carvalho Debortoli – CES/JF Tatiana Fayer de Campos – CES/JF

Valéria Rosado Pinheiro – CES/JF Resumo

Num mundo em que a dependência mútua entre os paises é cada vez maior e que os povos encontram-se cada vez mais próximos, faz-se necessário criar um pensamento global e procurar uma solução para a humanidade como um todo. Não há hesitações de que o princípio para essa mudança é realizar uma transformação de paradigma, seja na maneira de ver as coisas, seja nas estratégias utilizadas para enfrentar os problemas e as situações reais.

O sistema educacional não pode estar à margem dessa realidade. Assim, no intuito de corroborar os trabalhos que valorizam a diversidade cultural entre os povos, a etnomatemática e, sem desvencilhar a importância do processo de ensino-aprendizagem no Ensino Fundamental, apresentamos os movimentos que advém da capoeira como forma de aprender a geometria plana com alunos de uma escola municipal da cidade de Juiz de Fora - MG.

A capoeira representa a inculturação entre as práticas africanas e brasileiras, resultando na cultura afro-brasileira. Apesar de ser bastante divulgada na maioria dos estados brasileiros, ainda sobre preconceitos quanto à sua prática nas escolas. A maior preocupação pode ser que implicitamente as questões raciais representam obstáculos a serem efetivamente adotadas na vida escolar. Entretanto, através da prática da capoeira, pode-se constatar socialização, integração e união entre as diferentes classes sociais, raças e crenças religiosas.

Daí o interesse deste projeto de iniciação científica, que surgiu no intuito de interagir os movimentos da capoeira nas aulas de matemática, rompendo assim, com as tradicionais aulas com carteiras enfileiradas e monólogo apenas de um sujeito: o professor. A aula passa ser mais dinâmica, os alunos participam de forma integral e, o mais interessante, possibilita outras formas de aprender geometria sem os emblemas e mitos negativos que muitas vezes acompanha a maioria dos estudantes.

As atividades contemplam tanto as meninas quanto os meninos, ou seja, independe do gênero. A geometria plana passa a estar presente nos movimentos como, por exemplo, os segmentos paralelos, os ângulos opostos pelo vértice, o estudo de triângulos etc. Desta forma, propicia ao aluno aprendizagem mais significativa sobre os objetos matemáticos.

Palavras-chave: Etnomatemática, geometria plana, Educação Matemática.

Introdução

Na busca de reconhecer a capoeira como um programa de pesquisa que pode

ser profícuo em conjunto com os conceitos geométricos, tentar-se-á resgatar a cultura Afro-

brasileira que vem sendo marginalizada desde o século XVII na vida escolar. Valorizando

esta cultura, fica claro de ela pode ser aplicada dentro do contexto matemático, visando ensino

dinâmico, participativo e prático com base histórica, a fim de legitimar através do caráter

científico.

Como a etnomatemática é arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender

os diversos contextos culturais, é possível relacioná-la à cultura Afro-brasileira, na

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compreensão dos objetos geométricos que fazem parte do programa de Matemática do Ensino

Fundamental, especificamente de 5a a 8a séries.

A Capoeira e a Geometria

A matemática tem seu papel fundamental, visto que seu ensino deve ser

absorvido pelos alunos de modos distintos e em circunstâncias também distintas e

inesperadas. É uma beleza que possui como conseqüência a apreciação, sensibilidade de

estados emocionais diversos, associados a estudos de história da arte, religião, cultura e

sociedade.

O tratamento da matemática com as diferentes formas culturais, forma-se o

conceito de Etnomatemática, onde propõe romper com o ensino tradicional arraigada de mitos

e crenças gerada na concepção eurocêntrica. Por outro lado, outros mitos e crenças religiosas

a partir de uma mesma raiz podem favorecer diferentes formas de integrar os objetos

matemáticos e a cultura. (CUNHA - 2001) afirma que idéias matemáticas são exibidas nas

formas simbólicas da dança e da arte advindas de uma religiosidade com raízes mitológicas,

dentro do pensamento africano. E, segundo (D’AMBROSIO - 1993: pág. 6) “..., a

etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos

contextos culturais”.

No cotidiano de muitos negros brasileiros emerge um tipo de matemática que é

produzida pelo próprio corpo, considerado instrumento de ligação do ser humano com o

sagrado. Representa uma forma de expressão de religiosidade que se baseia em mitos

ancestrais. Os antigos africanos escravizados no país buscavam na religiosidade força para

superar a degradante situação de opressão em que se encontravam. Ela lhes incitava a

inteligência, levando-os a desenvolver diferentes tipos de conhecimentos, inclusive

matemáticos, além de estratégias de sobrevivência.

Uma expressão importante das “africanidades brasileiras” é a capoeira. O

corpo dos escravos encerrava em si toda a herança trazida da África para o Brasil.

A capoeira, assim como suas variações, são lutas, instrumentos de defesa e

ataque, constituídos por um intrincado jogo de pernas, braços e movimentos do corpo,

limitados por um círculo no chão chamado de roda-viva, com projeções no espaço. Nela se

observa a ação dos corpos em uma projeção constante em um espaço tridimensional, onde são

desenhadas figuras geométricas que se transformam numa seqüência rápida na medida em que

os braços e as pernas dos combatentes constroem uma geometria dinâmica. (CAPOEIRA,

1985)

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De acordo com Carvalho (1993, p.2), a Geometria tem sido por séculos um dos

melhores modelos de uma teoria matemática exata, onde os resultados são demonstrados

usando argumentos lógicos a partir de alguns fatos tomados como ponto inicial.

Há indicações de que desde 2000 a.C, os babilônios desenvolveram um grande

conhecimento geométrico. Pitágoras e Platão, filósofos gregos, relacionavam o estudo da

Geometria espacial ao da metafísica e da religião, devido às formas abstratas que os sólidos

possuíam. Arquimedes e Euclides agruparam todos os conhecimentos obtidos pelo seu povo,

naquela época, e os apresentaram como uma linguagem cientifica.

O empenho pelo estudo dos Poliedros e da Geometria Espacial, que era assunto

privilegiado entre filósofos gregos e matemáticos, parece ter ficado estagnado por mais de mil

anos (Idade das Trevas), até despertar novamente de acordo com os interesses dos pensadores

durante os séculos que se seguiram, conhecida também como o “Renascimento Italiano”.

No século XIX, a geometria passa pela maior reestruturação desde os seus estudos

primordiais da Grécia Antiga. Até então todos os raciocínios instituídos eram alicerçados no

postulados do grego Euclides na obra que composta de vários livros e era chamada de “Os

Elementos”. É a chamada Geometria Euclidiana. .

Em 1899 a geometria passa pela reforma mais profunda desde sua criação. O

alemão David Hilbert (1862-1943) faz uma análise geral de todas as inovações incorporadas à

matemática dos séculos anteriores e a geometria é reescrita. Atualmente, ainda é possível

constatar o tratamento da geometria de maneira formal sem muita praticidade, o que a torna

cada vez mais complexa no que tange à compreensão dos alunos.

O ensino da geometria, principalmente a espacial, tem sido abordado de forma

muito abstrato. Segundo Vigotsky (1987, p.26), os alunos são sujeitos sócio-históricos e

partem do princípio de que a passagem do concreto para o abstrato favorece a capacidade de

abstrair, de operar com seu próprio pensamento. Neste contexto, levantamos a questão: pode a

capoeira ajudar a minimizar os obstáculos existentes no processo de aprendizagem na

geometria? De que forma a cultura Afro-brasileira pode ser inserida no contexto matemático

como um método ou instrumento de ensino?

A partir destas questões, realizamos atividades com alunos da periferia de Juiz

de Fora, escola municipal, onde as pesquisadoras atuarão em prol de um projeto comunitário

incentivado pela Pró-reitoria de Assuntos Comunitários do Centro de Ensino Superior de Juiz

de Fora. A pesquisa ainda está sendo executada, mas já foi possível observar aspectos

positivos quanto à receptividade dos alunos ao receberem as pesquisadoras. Além disso, foi

possível detectar a postura dos alunos desprovidos da resistência quanto ao processo de

aprendizagem da geometria.

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A metodologia adotada foi pesquisa-ação, com a contribuição da etnografia,

pois é um processo encaminhado preponderantemente pelo senso questionador do etnógrafo.

Deste modo, a utilização de técnicas e procedimentos etnográficos não segue padrões

rigorosos ou pré-determinados, mas sim, o senso que o etnógrafo desenvolve a partir do

trabalho de campo no contexto social da pesquisa. Estas técnicas, muitas vezes, têm que ser

formuladas ou criadas para atenderem à realidade do trabalho de campo. Nesta perspectiva, o

processo de pesquisa será determinado explícita ou implicitamente pelas questões propostas.

A etnografia terá fundamental importância no desenvolvimento deste projeto,

pois ela estará auxiliando na constatação dos resultados de forma direta e indireta. Além

disso, ao integrar outras áreas do conhecimento a utilização da etnografia será efetivada no

reconhecimento e integração da sociedade pesquisada.

Os procedimentos utilizados na pesquisa estão relacionados com a cultura afro-

brasileira envolvendo a micro-sociedade escolar, buscando facilitar a aprendizagem da

geometria através da cultura.

Análises comportamentais, questionários e entrevistas informais serão

utilizadas como instrumento de coleta de informações na tentativa de identificar o sucesso ou

fracasso diante da proposta do projeto.

Os professores terão um papel fundamental na constatação dos dados coletados

durante a pesquisa, pois estarão auxiliando os pesquisadores a se integrarem com as turmas

que serão trabalhadas, além de acompanhar a evolução do pensamento geométrico mesclado

com movimentos do corpo. Esperamos que desta forma, o trabalho seja também uma pequena

contribuição na prática dos professores, pois a ausência da formação continuada do

profissional, compromete o processo de ensino-aprendizagem.

Conclusão

O programa etnomatemática proposta por D'Ambrosio assume postura de

transgredir o ensino tradicional da matemática. Em contrapartida, não diminui em momento

algum a trajetória histórica pelo qual esta área do conhecimento testemunhou e constatou a

necessidade de sua evolução no decorrer da história da humanidade. Os avanços tecnológicos

são os principais focos de evidência consolidação da matemática nas diversas atividades de

produção das sociedades de diferentes sistemas.

Outro fator interessante a ser destacado neste trabalho refere-se nas questões

sociais que estão implicitamente ou explicitamente clamando por soluções que podem surgir

através da educação. O conhecimento matemático não pode ocupar um espaço exclusivo para

uma minoria que visa apenas pisotear os oprimidos e ainda, levando vantagens ao enriquecer

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cada vez mais num sistema excludente e perverso, onde a maioria da humanidade não tem

sequer a oportunidade de adquirir a única herança que pode ser passada, sem ser larapiada, de

geração a geração: o saber.

Referências bibliografia

COSTA, W. N. G; SILVA, V. L. Matemática mítico-religiosa-corporal do negro brasileiro. Scientific American. São Paulo, n.11, p.94-98, 2005. COSTA, L.P. Capoeira sem mestre. Rio de Janeiro: Tecnoprint S.A. 1995. D’AMBRÓSIO, U. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1993. ____________. Educação Matemática. São Paulo: Papirus, 2005. FERREIRA, E. S. Etnomatemática: uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: MEM/USU, 1997. LÍBANO, C.E. Golpes de mestres. Nossa História. São Paulo, n.5, p.14-20. 2004. MATTOS, C. L. G. A abordagem etnográfica na investigação científica. Disponível em:http://www.ines.org.br/paginas/revista/A%20bordag%20_etnogr_para%20Monica.htm. Acesso em 21 out.2005. MENDES, I. A. O uso da história no ensino da matemática: reflexões teóricas e experiências. Belém: EDUEPA, 2001. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986. VIEIRA, L. R. História da Capoeira. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd14b/capoeira.htm.>Acesso em: 03 out. 2005.

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Anexo 4 – Entrevista com a PROFESSOR (A)-1 Cidade: São Paulo

Apresentação da pesquisa fazendo uma explicação.

ENTREV: Como é que você encara o ensino de matemática? Como é que você enquadraria a sua maneira de dar aula hoje dentro desta proposta que buscar trabalhar esta coisa do conteúdo e uma outra proposta que, não sei se eu coloco o conteúdo como segundo plano, mas acaba sendo assim.

PROFESSOR (A)-1: Olha desde que eu me formei e que eu estudei a matemática, sempre foi puro conteúdo e eu nunca tive aula de matemática desta forma de educação para matemática e aula era conteúdo. Na minha época, na sua e eu acho que era na sua também, matemática era sempre arme e efetue, então tinha uns problemas lá e aqueles problemas dentro do arme e efetue e nunca uma coisa dentro do seu dia a dia e que você aplicasse e sempre muito distante. Mesmo na universidade sempre foi muito distante teorema tudo mais. Quando você vem para sala de aula, eu não me senti preparada para chegar à sala e o programa da sala de aula eram os conteúdos que eu aprendi enquanto eu estudava, então enquanto eu fiz o colégio e tudo mais. Então a princípio a minha aula sempre foi conteúdista e era conteúdo e conteúdo, assim como eu aprendi. De uns tempos para cá eu aprendi também que não adianta ficar dando conteúdo e conteúdo, porque eles podiam até fazer, aprender, mas nunca sabiam aplicar. Então naquela velha historias dos problemas, que você dava um problema simples e o aluno não sabia explorar, então arma uma conta para mim que eu faço, mas objetivo não é este, porque a conta você aprende para depois aplicar naquela situação problema que você vai, a gente dá todo este esquema para vocês aplicar e nem falar arme e resolva a equação. Então você vai ter que saber aplicar e então chegou o momento de você aplicar. Então eu comecei a fazer um trabalhinho diferente e o livro didático está diferente de antigamente que era o arme e efetue.

ENTREV: Você percebe esta mudança?

PROFESSOR (A)-1: Eu percebo, muito, eu percebo muito esta mudança.

ENTREV: Como é que fica isto para você?

PROFESSOR (A)-1: Como fica para mim? Em que sentido?

ENTREV: Trabalhar como livro didático que não isto para você.

PROFESSOR (A)-1: É mais difícil trabalhar e é mais fácil trabalhar arme e efetue, entendo, aplicando ou não é bem mais fácil trabalhar arme e efetue e porque os alunos ainda acham que a matemática tem que ser arme e efetue e eles ainda têm este pensamento. Quando você começa a escrever demais, quando você começa a fazer pensar demais e que você está saindo fora da sua matéria e que está parecendo aula de português, parecendo aula de história. Então eu comecei a fazer este trabalho, então estar trabalhando estas situações problemas e estar aproveitando o livro didático que eu acho que estava super bom e de ter de repente um fato histórico incluindo a matemática e tal, mas só que a dificuldade é muito maior. Daí eu percebo que de uns tempos para cá não é só o fato de trabalhar matemática de uma forma ou de outra, mas eu percebo que os alunos estão diferentes assim, então eles não sabem mais ler, não sabem mais interpretar e eles não têm estimulo e nem vontade. Eu não sei se eu posso chegar aí, mas eu atribuo ao ciclo e na minha cabeça não tem outra justificativa eu não o ciclo desta falta de interesse. Em minha opinião, quando o aluno tinha o medo da reprovação, entre aspas, então ele tinha o medo e então ele se via obrigado a prestar atenção e nesta de ter que prestar atenção e lê acabava entendendo ou não. Hoje ele não se dá o trabalho de prestar atenção, então ele nem sabe se vai gostar ou não.

ENTREV: Seria um elo motivador?É isto?

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PROFESSOR (A)-1: A retenção era.

ENTREV: A aprovação.

PROFESSOR (A)-1: A aprovação era motivadora e agora eu digo para eles: vocês nem param para olhar e de repente é legal, de repente é fácil, de repente, você entendeu? Então eu tenho diversos alunos assim. Então eu comecei a trabalhar com problemas e tudo mais e muito mais difícil e as minhas provas estavam bem elaboradas, com diversos tipos de exercícios, em minha opinião, provas assim que eu sempre queria dar e estava dando, mas só que os resultados péssimos. Aí eu falei: meu deus, não posso mais ficar trabalhando arme e efetue – eu particularmente comecei com as provas mais elaboradas e terminei com arme e efetue. E assim, arme e efetue no sentido assim, um exemplo: você vai dar produto notável e é lógico que primeiro você ensinar dar a regra e tal e depois você vai dar os exercícios e tudo mais na parte geométrica e tal. Não fiz e assim, pura e simplesmente decorar uma regrinha, porque aquilo era decorar uma regrinha, mas não saí porque não há um interesse, porque eu não tenho caso de alunos esforçados, mas todos que são esforçados e que tem uma proposta, eles conseguem tudo. Eu tenho alunos que não estão nem aí, não abrem caderno, não abrem à mochila. Então eu não considero que as pessoas não estão conseguindo aprender, eu considero que as pessoas não tenham interesse algum. Eu não vejo o meu aluno com dificuldade, sabe dificuldade de aprender matemática?

ENTREV: Você os vê sem buscar mesmo.

PROFESSOR (A)-1: Isto anos e não é agora na 7ª série, mas na 5ª, na 6ª, na 4ª.

ENTREV: Vamos parar um pouco na história do ciclo que é um ponto interessante nisto tudo, uma espécie de divisor de água, porque assim; quando eu comecei a trabalhar era muito comum os conselhos de classe e o pessoal ficar esperando o professor de matemática e de português que reprovava ou aprovava o aluno. Você chegou a trabalhar dentro desta fase?

PROFESSOR (A)-1: Sim.

ENTREV: Para mim aquilo era um terror. Era uma responsabilidade enorme e se ele aprovar a gente aprova e se ele não aprovar a gente não aprova, isto professor de matemática ou português e aquilo dava certo poder para o professor de matemática, eu particularmente não gostava.

PROFESSOR (A)-1: Nem eu e não concordo com isto.

ENTREV: E como é que você se resolvia com isto?

PROFESSOR (A)-1: Na época?

ENTREV: Já emendando assim aquela coisa da época e agora também na hora de aprovar. Ficar na mão do juiz e vou aprovar. Estas coisas que a gente pensa na hora.

PROFESSOR (A)-1: Eu particularmente nunca deixei para resolver a situação do aluno na hora do conselho e até hoje, embora há muito tempo eu não pego uma série que vá reter ou não, no caso 8ª série do nível dois, eu nunca cheguei ao conselho na dúvida se eu aprovo ou reprovo o aluno e até assim eu não mudo o meu conceito NS ou S, independentemente do eu vão falar aqui no conselho, mesmo que seja 8ª série e tudo mais. Então, quando eu chegava ao conselho e meu aluno era bom, o meu aluno tinha sido aprovado e independentemente de quem tenha que aprovar. Eu não me lembro de ter mudado uma nota, um conceito, nunca me lembro disto. Nem hoje e mesmo não reprovando a série que eu dou aula, eu não mudo nenhum conceito. Então assim, eu não senti esta responsabilidade se ele aprovar, eu aprovo, porque eu jamais faria isto. Eu já escutei assim, muitos preconceitos assim: madrasta, porque matemática é uma matéria madrasta, porque o povo consegue ir bem em história, geografia e em matemática as notas. Então eu já escutei isto muito de coordenadora e tal, mas isto nunca me incomodou mesmo. Podia o fato de me chamar de madrasta, mas nunca me incomodou ao

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ponto deu falar não, então este eu vou aprovar e este reprovar. Eu também nunca fiquei pensando, mesmo na época, que este não vai ser aprovado por meio ponto, nunca e nem sou desta época e esta época é da época que eu estudava e reprovava um aluno por causa de décimos de pontos. A minha época como professora nunca reprovei um aluno por causa de meio ponto, enquanto professora. Então assim, eu ainda sou a favor da nota de 0 a 10 e eu acho mais fácil e até eu ia falar classificar, mas eu prefiro classificar assim, você entendeu? Do que este conceito de que qualquer coisa é S, porque eu vejo que as pessoas entendem que qualquer coisa que realizam é S e eu não concordo com isto, não sei se eu sou antiga, quadrada. Então eu nunca me senti pressionada com a responsabilidade. Então se aprovaram porque eu aprovei, para mim não é a minha responsabilidade é a dele e é quem foi atrás de mim.

ENTREV: Vou puxar para uma outra coisa, mas só que assim, tem um momento em que você faz esta avaliação. Você, você sozinha com a consciência e no momento de dizer assim: NS ou S e significa que ele aprova ou não. Como é que você considera? Na hora de fazer este juízo aí o que você?

PROFESSOR (A)-1: Com o que eu conto?

ENTREV: Com o que você conta? O que você pensa?

PROFESSOR (A)-1: NO meu caso não no sentido de aprovação há anos e a 7ª série você sabe que não reprova, mas na hora deu fechar à média e vou dizer este sentido, principalmente na média final, vamos dizer assim. Então na hora de fechar a média final e se ele vai ficar com S ou com NS e aprovado ele vai ser de qualquer maneira, mas este aluno merece estar com S. é neste sentido que você está perguntando?

ENTREV: Na verdade o que você leva em consideração para dizer se este aluno merece ou não merece? São as provas ou em outras coisas?

PROFESSOR (A)-1: Não, tem outras coisas. As provas, com certeza e o que ele conseguiu o dia a dia do que ele produz na sala de aula, o interesse que ele tem de estar fazendo, aprendendo e às vezes a pessoa tem interesse, são poucos casos hoje em dia, então a pessoa tem interesse e não se dá bem nas avaliações, mas o interesse do dia a dia, as tarefas que eu proponho e não copiando e a gente sabe que só copiam e tem alunos que não se dão ao trabalho de copiar. Então assim, quando você chega e principalmente no final de ano, você já conhece assim um pouco os seus alunos e eu acho que alguns até bastante, então você sabe quem tenta quem te procura e eu gosto de ser procurada e eu procuro também quem me procura. É até chato falar isto, mas eu tento muito falar “eh pessoal vamos tentar fazer e tal”, mas depois eu não tento mais, entendeu?

ENTREV: Você tenta estimular?

PROFESSOR (A)-1: Eu tento estimular, mas não sou muito insistente com algumas pessoas. É verdade o que eu estou falando e eu poderia até falar que fico tentando o ano inteiro, mas eu não fico.

ENTREV: Eu quero que você seja sincera.

PROFESSOR (A)-1: Eu não fico. Eu tento muito no começo e principalmente aqueles alunos que você sabe que são problemáticos que vão te dar muito trabalho, disciplina e tal, e tenta cativar logo no começo e às vezes eu consigo e às vezes não consigo e às vezes eu consigo por pouco tempo. Então assim, eu não olho só a avaliação, eu olho um todo geral. A participação, o esforço, o interesse e eu sei que acontece e algumas pessoas estão sempre ali tentando e aqueles que não fazem nada, não querem nada não preciso nem pensar para dar o meu conceito.

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ENTREV: Então deixa eu dar uma desviada no assunto. Eu estava conversando aqui a pouco de que a gente tem uma carreira muito próxima aí nos 12/15 anos, mas você disse que tem 16 anos de magistério é isto?

PROFESSOR (A)-1: 16 anos.

ENTREV: E aí? Como que é isto? Encheu a paciência?Cansou ou não cansou, você gosta ou não gosta?

PROFESSOR (A)-1: Eu gosto de dar aula, eu não gosto da situação que a gente está vivendo e a situação que a gente aqui na nossa escola está vivendo há muito tempo é a situação de não dar aula, de ficar até em constante estresse, tipo assim, eu vejo várias vezes dando a minha aula com meia dúzia, no máximo, prestando atenção. Embora eu consiga o silencio da minha sala, mas eu percebo e a gente sabe disto que mesmo com silencio as pessoas não estão prestando atenção e não estão nem aí com o que você está falando. Então olham para fora, amarra o cadastro, rabisca e quando não fica te interrompendo e eu não consigo falar com alguém falando e nem que seja pedacinho, mas eu não consigo falar. Então eu me vejo assim: naquela situação de estresse, interrompendo a minha situação, chamando a atenção do fulano que não está se comportando, e não vou continuar falando enquanto ele ao fica quieto, então depois volta e daí eu fico pensando, para mim é difícil, imagina para aquele aluno que está lá prestando atenção e que já não é muito fácil e ter um professor que fala interrompe, volta à fala e chama atenção, então é complicado. Estou dando a minha aula lá explicando e isto vai dando um desanimo, um desanimo e penso “o que estou fazendo aqui”? Eu já tive situações na prefeitura de dar aula mesmo, pelo menos na grande maioria interessados e aqueles que eram esforçados e não conseguiam muito e que tinha um esforço e que era muito gratificante. Então eu adoro estar na minha sala de aula quando você está fazendo exercício e fica um comunicando com o outro e não preciso colocar em dupla não. Quanto deu o seu? Ou então aquela questão assim: vou falar com o professor e eu estava certa e volta lá e troca com a turma. Então isto me dá um prazer que você não tem noção.

ENTREV: Eu tenho noção sim, eu sou professor de matemática.

PROFESSOR (A)-1: Mas assim, eu tenho este prazer, mas faz muito tempo que eu não tenho este prazer, é verdade. Eu gosto muito e acho que ensinar é muito legal, mas é legal ensinar e você ter um retorno do que estão aprendendo. Então que seja na hora da sala de aula, que seja na hora que você dê uma avaliação, porque a avaliação nada mais é do que um retorno e vamos ver como é que eles estão e o meu retorno está assim péssimo.

ENTREV: Tem dois encaminhamentos de pose da sua fala. Primeiro, a minha expectativa não é e nem nunca foi avaliar o seu trabalho e você enquanto pessoa e esta pergunta que eu vou te fazer, estou te explicando antes para não fazer você a pensar nisto, porque a pergunta é: o ensino de matemática a gente sabe que vai mal graças a deus no Brasil inteiro e a gente sabe disto. Tem as chamadas avaliações e eu não acredito muito nas avaliações externas.

ENTREV: Para São Paulo?

ENTREV: São Paulo, Brasília, Saresp e um monte de outras coisas aí que mostram que o aluno está mal e que de matemática está pior ainda.

PROFESSOR (A)-1: Que são extremamente conteúdistas e o pouco que eu vi, não vi a prova, mas eu vi um dado anterior que a gente recebeu um livrinho e eu achei extremamente conteúdista. Então era: resolva a expressão numérica, arme e efetue, porque assim tem discurso e que você já deve ter ouvido: ah vocês ainda são da época do arme e efetue? Não é? De repente a prova vem arme e efetue, mas por aí vai.

ENTREV: Mas às vezes a gente não usa a palavra, mas o processo. Mas a pergunta é: por que este desinteresse do aluno?

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PROFESSOR (A)-1: Então, pelo que eu acho.

ENTREV: Você com os seu achais.

PROFESSOR (A)-1: Eu como eu coloquei aí que eu acho, eu acredito e senti muita diferença depois de entrou o ciclo. No começo as pessoas ainda não estavam muito acostumadas com o ciclo e a questão de reprovar ou não reprovar. Eu ainda acredito e não acredito só no aluno não e que o aluno não é o único responsável pelo ciclo, mas eu acho que é assim, o professor está envolvido nisto e a família está envolvida nisto. Então assim, culpas todos nós temos. Então eu não estou falando: o professor não tem responsabilidade, tem responsabilidade. A família tem responsabilidade. Então eu acho que o ciclo foi lançado e isto ninguém tira da minha cabeça, mas com o aluno na faixa etária que para mim eles não são maduros, não tem maturidade para perceber que eles precisam aprender e eu não sei se nós teríamos na nossa época também, eu não sei. Eu era uma boa aluna e era uma aluna que gostava de estudar, mas eu não sei se dissesse para mim: olha você bate papo aí, não faz nada, vai para escola que você vai ser aprovada e se eu iria estar me interessando, me esforçando, não sei te responder isto, mas eu não tinha maturidade para isto. E aí eu acho que assim, a família fica confortável para ela também a questão de que o filho vai, entre aspas, passar de ano e aquela história que vai ser aprovado. Eu via as famílias mais preocupadas com os alunos antes e a própria reunião de pais e era grande o comparecimento da família querendo saber e pegando no pé para o filho estudar, porque o pai não quer a reprovação do filho. A família dificilmente está preocupada e às vezes nem tem estudo para saber o quanto o filho deve saber, o quanto ele deve aprender, então para eles é se passou de ano está bom. Se passar de ano, entre aspas, você está entendendo. E aí a família se acomoda, não olha mais nada, não olha um caderno, não acompanha, o professor também desanima. Embora que eu esteja desanimada eu dou a minha aula, porque assim, se eu tiver meia dúzia que estiver ouvindo eu não acho justo eu largar de lado, entendeu? Então eu dou a minha aula, eu explico, mas por estes e se você for parar para pensar mesmo você não faz mais nada. Então sempre têm alguns lá para te ouvir.

ENTREV: Ontem eu comecei a entrevista com o PROFESSOR (A)-2 e não deu tempo de terminar, mas aí ele teve que ir para sala atender aos alunos, mas eu entendi a prioridade dele, mas eu conversei um pouco com a PROFESSOR (A)-5, porque PROFESSOR (A)-5 que tem a maior militância e tal, mas só que eu notei uma diferença tão grande, porque o PROFESSOR (A)-2 é uma pessoa entusiasmada e tento cativar os meus alunos de toda maneira e sei que matemática é difícil e tal, então o meu caminho, o caminho que eu achei é ser amigos deles e que através da amizade, através da criatividade a gente chega a um ponto comum. Eu quase diria que ele está feliz e o passo que eu vi a PROFESSOR (A)-5 tão triste e eu até comentei isto com ela: PROFESSOR (A)-5 você está tão triste! Eu estou usando os como parâmetros, porque na verdade o que a gente vê por aí é que a gente sabe que professor esta adoecendo, a gente está tento problemas, muitos problemas de audição, problema de calo e sobre tudo muitos problemas de transtorno emocional e que vai desde ansiedade mais simples e esta coisa, esta tristeza e esta coisa que você acabou de relatar, puxa se eu for parar para pensar.

PROFESSOR (A)-1: Insatisfação mesmo.

ENTREV: Então, por que você acha? Porque as outras áreas também têm dificuldade, mas matemática.

PROFESSOR (A)-1: Mas eu vou te dizer uma coisa, esta diferença entre o PROFESSOR (A)-2 e PROFESSOR (A)-5 e a PROFESSOR (A)-5 está mais perto de mim, próxima do que eu disse.

ENTREV: Não.

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PROFESSOR (A)-1: Mas eu atribuiria o fato dele estar dando aula na suplência. Então eu já dei aula na suplência desta escola, embora a realidade da suplência também está mudando um pouco e teve muito problema este ano e tinham muitos adolescentes na suplência. No começo do ano a sala de suplência da 8ª série era reclamação dia e noite porque não conseguia dar aula, ameaças a professores, carros quebrados na rua e o da PROFESSOR (A)-5 inclusive. Violência mesmo, ameaça de morte e não só a PROFESSOR (A)-5, mas a professora Luciane e tudo mais. Mas estas salas, este pessoal mais velho e mais idoso e tal, mas era prazeroso, porque eu recebi um pessoal na suplência que eu trabalhava o dia inteiro, mas tinha muito mais dificuldade do que o povo do regular, que são crianças ainda, mas que eles vinham com esta vontade. Então eles vinham para escola, depois de um dia de serviço e deixavam de ver a novela, mas com o objetivo de estudar. O aprendizado é mais lento, mas fluía. Então assim, é gratificante escutar falar assim: poxa professora, eu nunca aprendi matemática, e eu escuta muito isto aqui e agora eu estou conseguindo aprender, entendeu? Eu escuto isto direto aqui à noite. Nossa matemática era difícil e com você não é! Eu escuto até hoje alguns alunos falarem que entendia tudo comigo e eu: agora que você vem me falar isto? Não é! Isto é do regular, mas agora que você vem me falar isto? Então a noite tem muito disto, muito do aluno driblar, conseguir e o aluno te procura e você está em cima, você está ali auxiliando e ele está tentando, ele está fazendo e ele não está nesta onde de que ele vai ser aprovado. É lógico que tem um ou outro que está por conta da realidade e parece que a suplência também mudou, mas na minha época era muito interessante. Por isto que eu vejo que de repente, o PROFESSOR (A)-2 entusiasmado e principalmente as séries iniciais e tal tem uma turma boa e com vontade de aprender. O conteúdo não deslancha, mas meu, o que eu digo é o seguinte e eu sempre falava isto para eles: eu não vou dar todo o conteúdo para vocês, porque eu sei se aquilo que eu der vocês aprenderem, eu sei que eu vou sair daqui muito satisfeitas. A gente tinha umas prioridades de porcentagem e aquelas coisas que eles tinham mais vontade em aprender e é o que no dia a dia eles ficam escutando: aumentou 30%. Então a gente tinha umas prioridades e eles ficavam felizes a gente também ficava feliz. Aí que eu acho que é diferente, mas eu não sei se o PROFESSOR (A)-2 em um ensino regular ele estaria com a mesma satisfação. Pode ser que eu esteja enganada, mas é o que eu penso assim.

ENTREV: Ele nunca trabalhou lá e sempre na suplência.

PROFESSOR (A)-1: Sempre lá.

ENTREV: Até porque ele tem uma outra profissão e na verdade a formação dele nem é de professor, inclusive a gente estava falando isto ontem.

PROFESSOR (A)-1: Ele é químico.

ENTREV: Ele é químico, mas isto me obriga a te cutucar em um outro departamento, que é assim: para que ensinar matemática? Para que aprender matemática?

PROFESSOR (A)-1: Matemática está na nossa vida, não está?

ENTREV: Eu não sei.

PROFESSOR (A)-1: Lógico que você sabe você é professor de matemática!

ENTREV: A resposta é sua e eu não sei se nada.

PROFESSOR (A)-1: Matemática eu acho que é fundamental, mas eu concordo que alguns conteúdos de repente não precisem ser aprendidos, mas a básica da matemática.

ENTREV: Mas qual que é a básica da matemática, já que a gente está falando?

PROFESSOR (A)-1: A base da matemática são as quatro operações, inclusive técnica e não tenho nada com a técnica e eu acho que isto até ajuda, mas eu não tenho nada contra a pessoa decorar a tabuada, embora eu não obrigue ninguém e não tenho este perfil que tem que saber, eu acho que tem que saber, mas eu acho que é importante saber como funciona e

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entender a tabuada, porque aí se vira. Eu falo para o meu filho de nove anos que não sabe a tabuada de cor e salteado e eu falo: você sabe esta? E com esta você não consegue segurar? Não consegue se virar? Vai demorar um pouco mais, não tem problema. Então a questão do decorar a tabuada é importante para a questão de rapidez e se não souber também, porque se entendeu como ela funciona e se quiser somar juntar, fica a vontade e eu nunca tive este problema com tabuada, às quatro operações fundamentais. Eu acho que assim, a matemática está ligada ao português, porque se você não lê e os nossos alunos não estão lendo muito hoje em dia e você não entende e daí você não resolve, você não consegue resolver nada e mesmo sabendo a técnica das quatro operações, vamos dizer assim, e se você não lê e não consegue entender o que leu.

ENTREV: Um abraço.

PROFESSOR (A)-1: Um abraço. Mas agora tem coisas, tem assuntos e conteúdos que até para mim ficam meio vagos, assim, toda vez que eu vou a curso Entrevistador e faz muito tempo que eu não vou a cursos que a prefeitura dá e eles colocam umas pessoas lá para falar com a gente de que a gente tem que ensinar matemática com a realidade do aluno e eles começam a dar aula para gente. Não que eu não posso receber aula, aliás, eu precisaria de muitas aulas, mas só que a aula sempre é assim: pega um assunto de 6ª série e falam assim: quando vocês vão dar números negativos, vocês têm que se colocar na situação do aluno, no cheque, no banco para ele poder entender e tal. Então eu penso assim “mas eu nunca fiz diferente disto”, a questão dos números negativos perfeita e a gente sempre deu conforme a realidade, mas então vamos lá. Então eu coloco um assunto de 7ª série que é meio abstrato e aí? Como é que você acha nesta situação?Como é que eu devo ensinar para o meu aluno e colocar na realidade e no dia a dia dele? E aí eu não tenho respostas e daí eu nunca tenho respostas para isto. E aí eu falo que por isto que me irritam estes cursos e eu acabo não indo, porque o que você já faz, eles mandam você fazer e o que você não faz, porque de repente você nem sabe fazer, ninguém sabe como te ajudar, por que, que obrigação à gente tem em saber? Me fala! Você aprendeu, não sei se eu posso fazer pergunta para você também.

ENTREV: Pode claro.

PROFESSOR (A)-1: Mas você aprendeu você foi preparado para ensinar matemática?

ENTREV: Não. Na verdade se eu for falar da minha graduação já foi uma coisa difícil, mas nem vou falar assim, mas a gente aprendeu a fazer à matemática e parte dela.

PROFESSOR (A)-1: Todos nós da nossa época.

ENTREV: Tem uma série de questões que não me passaram e definitivamente não passaram pela minha formação, inclusive de como ser professor, como abordar aluno, como chegar à sala de aula, aliás, nem diário eu conhecia.

PROFESSOR (A)-1: Nada, aliás, nem um quadro negro eu conhecia. Te juro por deus! Nem um quadro negro eu conhecia e modéstia parte eu uso bem o quadro, mas nunca me ensinaram a dar aula, mas tudo bem e a gente aprende sozinho e no dia a dia, mas aí vêm aquelas questões assim: você está fazendo errado! Vêm uns discursos e muda a administração e como a questão do construtivismo, como a questão de que ter que construir. Também a gente pega o nosso aluno e eu não sou uma alfabetizadora e nem sei como faz e tal, mas a gente pega o nosso aluno no ginásio e esperando algumas coisas deles para você e eu acho que seria o natural mesmo e você só avançar e você já recebe assim isto cru. Aí vem aquela questão prova, prepara e totalmente conteúdista e eu recebo o meu aluno, mas ao mesmo tempo tem o projeto ler e escrever e que eu vou ensinar a ler e que eu tenho que ensinar as operações básicas da matemática e que são as prioridades e ao mesmo tempo Aprova Brasil está terminando lá em Pitágoras, terminando lá em Tales na 8ª série e que o professor nem chega a ir, mas há muito tempo, ações biquadradas e há anos que não vejo isto mais e nem sei mais o que é isto, sei, mas...

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ENTREV: Mas aí você mexeu em uma outra história e estas coisas das administrações e tal. Numa das questões que me fizeram fazer esta pesquisa tem a ver no lugar onde estão estas duas escolas, o Jairo Portugal, não, o Jairo Ramos e o Ciro Portugal, porque vocês e vocês não, nós, porque eu faço parte deste grupo somos os professores de matemática, titulares de cargos destas duas escolas no período de 2001 a 2004 e esta administração tinha proposta de algumas intervenções que para todas as disciplinas propunham outras coisas que estavam fora do conteúdo e a idéia era fazer que isto fizesse o aluno se interessar mais pelo conteúdo. Tem um monte de projeto e eu acho que o Educom é um deles, a Escola Aberta, era outro deles e a Escola Aberta tinha a ver com abrir a escola aos sábados e parte do Educom.

PROFESSOR (A)-1: Para o aluno ficar mais próximo da escola e ficar na escola. Eu acho que o aluno gosta de ficar na escola.

ENTREV: Não sei se a intenção era esta.

PROFESSOR (A)-1: Eu acho não, eu tenho certeza.

ENTREV: O aluno gosta de estar na escola?

PROFESSOR (A)-1: O aluno gosta de estar na escola com certeza.

ENTREV: E do que ele não gosta é de estar nas aulas? Por que ele vem na escola? Para fazer um social?

PROFESSOR (A)-1: Para fazer um social. Eu escuto muito isto: eu não tenho nada para fazer em casa e se eu ficar em casa eu preciso arrumar a cozinha, e coisas deste tipo, então eu quero vir para a escola. Então eu tenho alunos que vieram o ano inteiro, mas não abriram à mochila, mas não faltam e daí chega ao final do ano você fala que acabou e sabem eu não vai dar mais nada de importante e que já está fechando e tal, mas ele quer vir ele quer estar aqui na escola ele quer estar aqui na sala, batendo papo, zoando e ele gosta do ambiente da escola, mas ele não gosta da aula. Aí tem aquela questão: imagine você, eu acho que você deve ter parado para pensar isto muitas vezes, mas imagina você não aprendeu muito legal e tal, mas você vai para a 2ª e o professor está defasado e tal, mas o professor está tentando, mas ele está com uma sala de 40 alunos ali também, e tem que seguir, tem que dar um atendimento especial, mas você vai para a 3ª, mas você já vem com milhões de dificuldades. Aí ele chega ao bendito do ginásio e não tem aquele professor com ele todo aquele tempo e esperando todo tempo que ele tem para terminar aquela atividade e que tem troca e aquela bagunça e aí não reprova mais também e aí já não sei nada, e aí eu estou na 5ª série e não tem ninguém mais para ficar me paparicando, eu não sei nada e vou ser promovido e vou para 6ª, 7ª. Quando chega, às vezes, alguns casos que você fala que você pensa a noite que você vai cativar que você vai tentar mesmo e aquela questão de amizade, de amor mesmo e você se propõe: eu vou ensinar aquele menino, mas só se você for a casa dele dar aula particular para ele, porque aí ele vem de uma defasagem que ele não consegue pegar, porque mesmo que você esteja disponível para ele o tempo todo e você tem uma sala toda e ele até entra nesta de querer aprender, mas como para ele tudo é mais difícil, matemática tem pré-requisito e não adianta e você não pode dar aquela atenção especial o tempo todo e você não é só dele. Então ele acaba desanimando então de novo e volta lá para o lugar onde ele está e pouco importa. Para ele fica muito difícil e é difícil porque ele fala: hoje eu vou tentar me interessar, mas é difícil porque eu não consigo nem saber do que se trata, entendeu? Eu acho que é diferente de uma aula de história, ciências e que não tem tantos pré-requisitos e o tema hoje interessou e mesmo que eu não saiba alguns acontecimentos, mas eu posso ir atrás, mas a matemática é difícil procurar sozinho. Eu não sei se o outro tipo de matemática aí e eu nem sei como é que é direito, seria mais fácil e eu teria até que aprender. Eu sei estas conteúdistas e conteúdos e de uma forma de estar colocando problemas, situações do dia a dia e tal, mas não passa muito disto também.

ENTREV: Quando você fala deste aluno que vem com dificuldades desde lá da 3ª/4ª ou da 5ª série e tem um momento aí que enrosca e alguns já têm algumas dificuldades que sei lá,

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será que a gente pode chamar de dificuldades que sejam naturais?Não sei, mas o fato é que algumas pessoas aprendem à matemática e algumas não.

ENTREV: Isto sempre.

ENTREV: Por que você acha que uns aprendem e outros não? Parou, então tem uma hora que todo mundo vem andando, mas tem um que para ou um lá no começou, sei lá. Ouço aluno dizer assim: eu sabia até a 4ª série e chegou na 5ª série travou e não sei mais. Por que você acha que isto acontece?

PROFESSOR (A)-1: Porque assim, eu acho que até a 4ª série e eu acredito ser um pouco mais concreto e você não precisa abstrair e você trabalha com o concreto o tempo todo, pelo menos deveria trabalhar com o concreto o tempo todo. A partir da 5ª série, não digo a 5ª, mas a 7ª série tem bastante abstração, assim, por que disto e por que daquilo? E muitas vezes o professor não sabe por quê? Ele dá o conteúdo e não sabe o porquê e às vezes não sabe mesmo e aí... agora a questão de aprender ou não matemática eu acredito que exista no ser humano, no cérebro do ser humano que por que você gosta mais de amarelo e eu gosto mais de verde? Isto pode acontecer e por que algumas pessoas estão mais ligadas na área de humanas e outras na área de exatas?Eu acho que tem algumas implicações aí e que eu desconheço, mas que faz uns serem melhores em matemática e outros em português, mas eu acho que dá para todo mundo aprender.

ENTREV: Mas é uma questão de gosto ou é uma questão de inteligência? Eu me lembro também, aliás, que acho que até hoje para mim é um peso e todo mundo chegar para você e falar: matemática vocês são um gênio, vocês sabem tudo, vocês são inteligentes.

PROFESSOR (A)-1: Que é uma mentira.

ENTREV: Eu não sei e é esta pergunta que eu quero te fazer, aliás, o questionário que eu te passei eu indiquei falas de um professor lá a universidade mesmo e ele é muito conhecido aqui no Brasil, chamado Luis Nelson Machado e que ele coloca cinco pontos que ele chama de slogan e que são argumentos que os professores usam para explicar as dificuldades de matemática. Uns desses argumentos são assim: tem pessoa que nasce com a capacidade para matemática. A leitura que eu fiz disto foi que tem pessoas que capacidades para matemática, nas entrelinhas o que ele disse é que são pessoas mais inteligentes.

PROFESSOR (A)-1: Mais inteligentes e eu não concordo com isto.

ENTREV: Mas você ouve isto?

PROFESSOR (A)-1: Ouço.

ENTREV: Mas inclusive fora da escola?

PROFESSOR (A)-1: Ouço, mas eu não sei, mas é um mito que se criou aí que quem sabe matemática é inteligente. Eu acho que existem vários tipos de inteligência e não considero que quem saiba é inteligente mais do que quem saiba mais qualquer outro assunto aí. Existem diversos tipos de inteligência e eu acredito sim, que as pessoas tenham uma tendência a gostar de mais coisas e de se aprofundar mais e aprender mais, portanto até ficar mais inteligente naquilo se for o caso e até porque você estudou mais e se interessou mais. Eu, na época que eu estudava eu eram mais inteligente em matemática, porque eu me dava melhor com os cálculos, porque matemática era puro calculo mesmo e para mim aquilo era uma delícia e mesmo que não tivesse tido, e aí é que é engraçado. A matemática quando eu estudei não tinha muito sentido e então expressões algébricas, que sentido tinha aquilo? Nenhum, mas eu tinha uma facilidade em faturar, de cortar e cancelar e chegar ali, embora as expressões algébricas não concordo muito com isto, mas na verdade eu tinha uma facilidade e tenho até hoje, mandar, por exemplo, eu vejo meu marido que é super inteligente em matemática e ele é engenheiro químico, mas ele não vai montar uma equação, a tendência do professor de

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matemática é que ele vai montar uma equação, vai montar uma coisa para resolver aquilo e mostrar como aquilo saiu. Ele resolve aqui e de repente nem mostra como saiu, mas às vezes ele consegue ver de uma outra maneira e eu acho que às vezes muito mais inteligência e muito mais sacou, sabe aquilo? Do que depender de algum cálculo, de ter aprendido alguma coisa para se virar naquela situação.

ENTREV: Então a gente pode entender como sendo verdade é assim, a idéia de que existem outras maneiras de se lidar com matemática?

PROFESSOR (A)-1: Com certeza.

ENTREV: Por que as escolas não assumem isto?

PROFESSOR (A)-1: Não sei.

ENTREV: Então eu vou entrar em um outro fato e vou usar o PROFESSOR (A)-2 de novo. O PROFESSOR (A)-2 estava falando que fez o ensino médio e era comum e são uns testes muito usados em tipologia e na psicanálise em especial, mas que é aquela coisa que eles te davam as figuras de umas manchas para você formar figuras e você olhar aí e falar que isto é uma coisa. Você já viu este tipo de teste?

PROFESSOR (A)-1: não.

ENTREV: Bom, então deixa eu tentar contar a nossa história de ontem para você entender. Ele estava falando que era uma folha impressa de computador e nesse formulário tinha uma imagem que pareciam algumas coisas manchadas, mas que ele bateu o olho e viu Jesus cristo e na verdade outras pessoas viram um conjunto de ilhas e outras coisas. Na verdade eu até conheço esta figura de ilhas na Grécia mesmo, mas que na hora que você tira uma fotografia de cima destas ilhas parece o rosto de Jesus Cristo mesmo.

PROFESSOR (A)-1: Eu acho que já vi.

ENTREV: Eu não sei.

PROFESSOR (A)-1: Mas tem várias coisas que parecem algumas formas e a junção de ilhas e a gente recebe muito isto por e-mail e você vira a foto e consegue enxergar.

ENTREV: Então a gente estava discutindo...

PROFESSOR (A)-1: Deixa eu só te interromper um minuto, mas até de desenhos propositais que as pessoas fazem para você estar enxergando de um lado uma coisa e de outro lado outra coisa e não sei nem se tem a ver, mas existem desenhos propositais que você vira de um lado e enxerga uma coisa e você vira do outro lado e enxerga outra coisa e fica outra coisa.

ENTREV: Matemática é muito difícil, porque trabalha com dimensão, com simetria e um monte de coisa. Mas assim, ele ficou bravo e assim que ele bateu o olho eu via Jesus Cristo, mas ninguém via e via um monte de coisa, mas não via Jesus Cristo. Aí eu estava tentando discutir com ele que esta é uma idéia que ele tem e que ele é evangélico e que...

FINAL DE FITA.

ENTREV: Mas assim, ele tinha uma cultura e a cultura dele o ajuda a olhar a figura de um jeito, mas quem tinha outra cultura ajuda a ver a figura de um outro jeito ou mais ainda, aquilo tem a ver com o que a pessoa está preocupada na hora.

PROFESSOR (A)-1: Ou que ela vive.

ENTREV: Exatamente. Isto quer dizer, eu tentado discutir com ele de que isto tem a ver com a formação de cada um, porque é por um acaso do acaso que os portugueses lá em um determinado momento pegaram e vamos dizer eu eles saíram ao mar e a nossa civilização é conseqüência disto. A nossa África hoje, da América hoje é conseqüência deste processo.

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Quer dizer, que lá se fazia à matemática a gente faz esta matemática aqui hoje porque se faz lá, mas assim, os chineses, os japoneses, os árabes, os africanos e mesmo os indígenas eles faziam matemática de outro jeito, estilos de fazer matemática. alias, tem estudos no Brasil hoje que mostram isto os indígenas brasileiros que tem coisas muito bem elaboradas com relação a matemática, mas só que não é da maneira que a gente faz. Então estas pessoas elas contam de uma forma diferente, elas medem de formas diferentes, elas avaliam de formas diferentes e que são os princípios básicos da matemática. Será que na sala de aula hoje você não tem pessoas que vêem de outras formações, de outros lugares, por exemplo, se você pegar um nordestino hoje, eles lidam com a matemática de outra maneira. Será que isto não interfere?

PROFESSOR (A)-1: Com certeza.

ENTREV: E como resolver isto? Como lidar com isto?

PROFESSOR (A)-1: Não sei.

ENTREV: Obrigado.

PROFESSOR (A)-1: Mas eu vou inventar uma coisa! Eu não sei.

ENTREV: Fale pensando.

PROFESSOR (A)-1: Eu não sei, mas eu sei que você sabe alguma coisa a respeito.

PROFESSOR (A)-1: É que a gente vive em um dilema e você disse logo no começo, e as questões destas provas Brasil, prova São Paulo que você nem acredita muito nisto, e por aí e que eles medem o quanto o aluno sabe ou não de matemática, não é isto? Então eles dão lá uma prova conteúdista e com os conteúdos e eles acham que eles devem saber em determinadas séries e com o tal do verdão, amarelão ou a cor que eles quiserem colocar, mas que o aluno na 6ª tem que saber isto, na 7ª isto e na 8ª tem que saber aquilo, mas eu não concordo não. Eu acho que nós,enquanto professores, ocupamos muito este papel, agora é a 5ª série é o momento de aprender isto. Agora é a 6ª série é o momento de aprender isto, isto durante uma vida toda e aquela preocupação. Então eu vou sair deste lado e eu acho importante que o meu aluno aprenda isto, isto e isto e daí vem mais um resultado negativo, porque aquilo não vai cair na prova Brasil e na prova São Paulo que é o que está medindo. Quando e como que os alunos vão se provar e eles vão achar que o aluno sabe matemática? Às vezes o aluno sabe mais matemática do que ele imagina, do que eu professor imagino, porque ele não está conseguindo acompanhar ou de repente não está querendo aqueles conteúdos que de repente são chatos e não tem o menor interesse na vida deles, mas que de repente eu vejo alguns alunos que não sabem nada de matemática, mas que desenham maravilhosamente bem e como é que eles têm estas perspectiva? Como é que eles têm esta visão e eu não tenho! Ele não sabe matemática?

ENTREV: Então existe outra matemática ou outras matemáticas?

PROFESSOR (A)-1: Lógico que existe. Existem outras matemáticas, mas matemática esta que você nem sabe como abordar, como lidar ou não faz parte do currículo, vamos dizer assim, então você vai cumprir o currículo e ainda em uma prefeitura eu acho e a gente é muito livre para ensinar o que quiser. Eu tenho total liberdade e ninguém me questiona o que eu estou dando na minha sala de aula. Então se eu quiser dar uma matemática diferente lá e está pouco me lixando para o prova Brasil, para vestibular e tiver uma, como é que eu falo, não é uma segurança, mas tiver uma tranqüilidade para estar ensinando... PAROU A GRAVAÇÃO

ENTREV: Não, mas antes de qualquer coisa que a gente tem com a honestidade é super importante.

PROFESSOR (A)-1: Eu sou super honesta nas coisas que eu falo, eu sou super honesta em dizer o que eu não sei e inclusive dentro da minha matéria graças a deus.

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ENTREV: Eu só acho que você esconde muito a sua inteligência. Eu já fiz observação com muita gente – eu não estou entendendo – está bom que você não está entendendo e eu sei muito bem da sua perspicácia.

PROFESSOR (A)-1: Aliás, eu sempre comento que eu não te entendo.

ENTREV: Eu acho que você sempre me entende.

PROFESSOR (A)-1: Então, eu falei da para ele assim, pior que eu não entendo muito do Entrevistador assim e eu acho que ele fala tanto nas entrelinhas assim, sabe assim?Deixando alguma coisa que você tem que entender, sabe? Às vezes eu converso com o Entrevistador e não entendo a metade do que ele sabe! (risos). Não só em matemática, em entrevistas, mas em tudo e às vezes você fala alguma coisa assim, então eu penso: o que será que ele quis dizer com isto. Entrevistador pode parecer, mas eu sou super ingênua e eu acho que as pessoas têm uma impressão um pouco falsa assim de mim mesmo, porque assim, eu não me entendo tudo que me falam e eu falo às vezes – eu não entendi – e eu fico boiando e eu não percebo muito as coisas e em todos os sentidos.

ENTREV: Será que não tem a ver com este professor de matemática?Vai ver é isto.

PROFESSOR (A)-1: Tem aquela história que professor de matemática sabe tudo e tem aquela história que professor de matemática, isto eu vejo em outras escolas, mas é não admitir que não sabe, por exemplo, isto acontece muito e não se isto é importante você gravar, mas isto acontece demais. Então vem lá um aluno seu do colegial te pedir uma ajuda e eu nunca dei aula para o colegial e coisas do colegial eu aprendi lá no colegial e não uso mais e tem coisas que eu aprendi e esqueci e tem coisas que eu nem aprendi. E aí o professor tem medo de dizer para o aluno que não sabe isto ou dizer para um colega, por exemplo, para você que é professor de matemática. Então você fala; PROFESSOR (A)-1 tem um negócio aqui e eu começo a sair fora, entendeu? Para não falar, porque eu não sei ao invés deu dizer: eu não sei mesmo, mas eu vou procurar e se eu não souber eu vou falar, não sei. Eu tenho esta facilidade em dizer que não sei. Eu vou procurar porque eu não sei e por isto que eu vou procurar ou quando eu tive isto eu sabia, mas se eu procurar vou achar e vou fazer. Então assim, eu passo por muitas situações nas escolas assim, as pessoas, professores de matemática não admitem que não sabem ou que não lembra, ou esqueceu. Não se você tem esta mesma impressão por onde você anda. Então eles preferem fugir da pessoa, eu não sei no seu caso como funciona isto e eu nunca me deparei em uma situação de ter perguntado alguma coisa e que eu me lembre pelo menos, mas eu procuro. A Claudete me passou umas questões outro dia que a irmã dela precisava e – meu deus! O que é isto? Nunca vi isto na minha vida! Eu fui procurar e não achei em livro de colegial.

ENTREV: E o que era?

PROFESSOR (A)-1: Não me lembro o nome para falar a verdade. Eu cheguei para a Madalena que dá aula no colegial: - Madalena, o que o que é isto? Não sei, mas eu vou procurar, porque eu dou aula para o ensino médio e procurou e achou. Era equação polinomial, mas não daquela forma que tem no livro, mas daquela forma certinha e que dá certo, mas é que não dá certo e que no livro, na maioria dos livros de colégio não aparecem e ela achou em um dos livros que mostrava e tinha um caminho muito absurdo difícil de ser prático, de ser fácil de entender e no momento que ela ficou curiosa também. E assim, eu percebo muito isto que sou muito franca e falei – não sei e nunca vi isto na vida – e as pessoas tem muita vergonha de dizer que não sabem.

ENTREV: Deixa eu te pôr na parede?

PROFESSOR (A)-1: Põe.

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ENTREV: PROFESSOR (A)-1, você é professora de matemática e acabou de dizer que o que você aprendeu no colegial nunca mais eu vi e não me serve para nada. Se você não tivesse tido matemática no colegial não ia fazer diferença?

PROFESSOR (A)-1: Então, onde é que faz a diferente, que eu acho. Porque faculdade de matemática é uma porcaria, porque a minha faculdade e eu entrei na Osvaldo Cruz, ela explicava assim: teoremas, mais teorema, mais teoremas e Z1/Z2, álgebra e todo mundo ficava em álgebra, porque todo mundo ficava em álgebra e eu não fiquei porque eu vi que todo mundo ficava e eu falei que naquela eu não iria ficar, porque senão eu iria ficar também. Então era assim, demonstre e prove. Então ficava aqueles teoremas de não sei das quantas e o pessoal e você tinha que provar algumas coisas que você já sabia que valia então, você deve lembra na sua faculdade e nem sei se a sua faculdade era assim, mas você ficava lá no teorema que eu tenho que provar algumas coisas, mas sabia que valia propriedade comutativa, mas você não podia usar a propriedade comutativa e tinha que se virar e daí à gente usava muitos artifícios. Então por artifício você provava isto e aquilo. Um dia eu ficava pensando: para que serve toda esta porcaria aqui? Porque se eu quiser um teorema eu vou a um livro, procuro, acho e ponto final. Mas eu acho que uma universidade, não sei hoje em dia, mas pelo menos na minha época, ela abre o seu raciocínio, ela abre o seu horizonte, eu acho que você não fica tão bitolada, porque eu acho que na aula bitola, mas quando você está estudando, como eu estou estudando agora, então eu acho que você fica uma pessoa mais aberta até para pensar, porque quem lê muito tem muita facilidade para ler depois e quem não lê tem mais dificuldade. Eu acho que a faculdade ela não serve para você aprender conteúdos, mas ela serve para você pensar mais amplamente. Outra vez que eu fiquei artifício aí para fazer um teorema, não sei se você está me entendendo, mas abriu o meu horizonte e você tem mais capacidade de que uma pessoa que está lá no colegial.

ENTREV: Ampliou a sua capacidade de abstrair.

PROFESSOR (A)-1: O meu marido fala muito isto, então às vezes eu falo para ele que estou me sentindo tão burra, que estou emburrecendo dando aula para o ginásio e eu sabia muito mais. Então ele fala assim: presta algum concurso se você quer sair da profissão, mas eu acho que eu não vou passar. Mas você sabe muita coisa e tem este diferencial e o fato de você ter se formado e você se menospreza, mas você sabe muito. Então é isto que ele me fala. Quando alguém fala sobre algum assunto ou mesmo sobre a sua matéria que você não lembra nada e daí você tem a sacada, você mesmo não sabendo acha um outro caminho e isto é importante. Mas eu fico me menosprezando e eu achava que era muito mais inteligente do que hoje e não é verdade.

ENTREV: Mas a matemática do colégio?

PROFESSOR (A)-1: Instantaneamente eu não lembro mesmo, mas se eu sentar e olhar eu rapidinho eu lembro ou então eu consigo me virar.

ENTREV: Mas volta?

PROFESSOR (A)-1: Sim.

ENTREV: Uma professora de matemática que não usa na vida na sua vida nada que você aprendeu no colégio. Para que você aprendeu matemática no colégio?

PROFESSOR (A)-1: Mas tem muitas coisas que a gente vai questionar para que você aprendeu?

ENTREV: Mas a gente é professor de matemática e a gente está questionando para que aprendeu matemática!

PROFESSOR (A)-1: Veja, o aluno me falou: por que eu tenho que aprender matemática? Já me perguntaram várias vezes e por que eu tenho que aprender matemática se nem perto da

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matemática eu vou passar e eu vou fazer história ou eu vou cuidar das crianças. Então eles acham que não vão nem passar perto da matemática, mas eu acho base serve para isto mesmo. Eu digo para ele: se fosse possível você aprender tudo que você aprendeu na escola, no colegial, na vida toda e no momento que você decidisse o que você vai fazer, então seria o ideal. Então eu não iria ficar perdendo tempo com outras coisas, mas quando você está na escola e fez todas aquelas matérias que você não vai usar e muitas matérias você não vai mesmo, então você está tendo uma base e se futuramente você decidir ser matemático mesmo e não é nem um professor de matemática, mas um matemático, como é que de repente tudo isto vai entrar na sua cabeça? Então de repente você acha que não sabe um monte de coisa e eu acho que não sei nada do colégio, mas eu sei, eu posso saber resolver aquela situação naquele momento, aquele problema envolvendo uma forma de logaritmo e eu tenho uma idéia, eu tenho um raciocínio de quem aprendeu a ensinar ou a fazer. Então isto é importante para a carreira que eu vou seguir ou não, mas isto faz parte desta base e todo mundo tem que ter para poder se decidir. Então não tem como você dizer que agora eu me decidi por isto e agora...

ENTREV: Não preciso mais daquilo.

PROFESSOR (A)-1: É e está embutido tudo na sua vida que você aprendeu e algumas coisas você usa e outras você não usa, mas de alguma forma está guardado, não está?

ENTREV: Algum lugar na sua mente.

PROFESSOR (A)-1: Aquela aula de história que eu achava horroroso que o professor lia, tem alguma coisa guardada. Eu tenho um exemplo muito assim de que eu nunca soube história, eu nunca gostei de história e tive professores que para mim, eu tirava 10 em história, mas eu decorava e aquelas situações que a gente tinha muito e hoje não tem muito, eu acho. Eu decorava e tal e tirava 10. Agora eu fui para Itália e o meu sonho era ir para a Itália e aí lá no momento eu aprendi tanta coisa ou relacionei com alguma coisa que eu aprendi lá e que falava disto e eu estou aqui, quer dizer, eu achava que não sabia nada, mas eu sabia sim, porque tinha coisas que eu lembrei, que eu relacionei, vivenciei.

ENTREV: Isto é abstrair.

PROFESSOR (A)-1: Fica guardado. Tudo do colegial que eu falo que não me serve para nada, não me serve no dia a dia e exatamente na questão do conteúdo, daquele conteúdo, mas é lógico que serve e tudo que você aprende serve e tudo em todos os sentidos.

ENTREV: Vamos à parte pauleira?

PROFESSOR (A)-1: Vamos. Por que é pauleira? Você vai começar naquela coisa assim: o que você faz com o aluno melhorar? Aquela questão da culpa do professor?

ENTREV: Não, não tem culpa de professor e até porque a 3ª parte da minha pesquisa.

PROFESSOR (A)-1: Qual era a sua tese mesmo? Você não disse qual era. Você pode falar?

ENTREV: Posso e era isto exatamente que eu iria falar neste instante para você, porque de alguma maneira é o fechamento. (fala sobre a tese e sobre o pessoal da Usp).

PROFESSOR (A)-1: Vai falando que eu quero ver.

ENTREV: (continua a explicação falando das pesquisas e publicações de jornal).

PROFESSOR (A)-1: Eu fiquei sabendo isto por você, parece e pediram até que a gente indicasse um aluno negro, e com isto indiquei um aluno maravilhoso chamado Edson, mas eu na estava entendendo muito bem e eu acho eu você veio aqui, mas não lembro de ninguém da Usp.

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ENTREV: Eu vim aqui, não que eu vim, mas o pessoal foi me procurar (continua a explicação). A pergunta que eu tenho para de fazer depois disto é a seguinte: eu não sei se você tem esta percepção de que o aluno negro tem mais dificuldade. Então eu vou pedir para você primeiro tipo fazer aquela coisa assim se olhar para os seus alunos agora e neste instante e entre aqueles que têm dificuldade e tem ou não tem? Sei lá, por que você acha que eles aprendem menos ou por que você acha que a pesquisa mostrou isto? E assim, como lidar com isto e aí é os seu achais.

PROFESSOR (A)-1: Eu fico pensando, embora existam muitos negros aí e eu não tenho nem conta e nem noção, mas o Jaime não tem tantos alunos negros e em uma sala de aula tem mais alunos brancos do que negros. Eu acho que na maioria das escolas pelo menos da região. No Silvio tem muitos negros? Quanto? Eu estou falando em percentual, quantos alunos negros para quantos brancos? Porque assim, se eu fizesse uma média na minha sala agora os brancos estariam entre os piores do que os negros, porque eu tenho dois, três em cada sala.

ENTREV: Mas o problema que é assim, conhecer os nossos alunos, porque ser negro às vezes...

PROFESSOR (A)-1: Não é questão de cor de pele?

ENTREV: Não é questão de cor de pele, porque um aluno que tem mãe branca, um pai branco, mas ele incorpora toda uma série de atitudes e comportamento de negros, mas ele tem a pele branca e a gente não enxerga nele esta pessoa negra.

PROFESSOR (A)-1: Eu também não enxergo.

ENTREV: A gente olha mais a pele, mas tem outras questões. Então tem atitude, comportamento e a própria identidade, o que a gente chama da identidade deles e dele se ver como negro, dele se assumir como negro. Você nunca se deparou situações de alunos que você vai ver a mãe e que mãe é esta? Não tem nada a ver.

PROFESSOR (A)-1: Sim.

ENTREV: A mãe é negra e tal.

PROFESSOR (A)-1: Lógico que já me deparei com situações assim.

ENTREV: Então esta é a dificuldade de enxergar quem é branco ou é negro, mas o que você pensa disto tudo?

PROFESSOR (A)-1: Olha entrevistador, eu já partiria para uma outra questão que é a questão do belo e do feio. Eu acho que no nosso mundo, na nossa vida quem é mais bonito tem mais chance de se dar melhor. Eu percebo isto que as crianças mais bonitas elas são melhores tratadas que as crianças mais feias e independente de ser negro ou não. Como o negro não é considerado uma raça muito bonita, exceto para as pessoas que gostam da raça e tudo mais e que acha a raça bonita e tudo mais. Mas a maioria não acha e a maioria da nossa população, a maioria dos brancos, e alguns negros também. Então eu levo até para este lado, então a criança que para nós aqui do Sudeste, então a criança loirinha do olho azul e eu nem digo lá do sul que é uma coisa comum, mas o lorinho do olho azul para nós é a coisa mais fofa e é o que todo mundo quer em uma adoção e ela já é melhor tratada desde que ela nasce pelas pessoas. Então passa um bebê – que foto, que lindo, que bonitinho – independentemente de ser negro e já não tem tanta gente fazendo tanta gracinha com ele, mas negro muito menos, não é?Já começa por aí. Na escola, eu acho e não que seja de propósito, de jeito nenhum, mas inconscientemente e é lógico que ele não vai fazer isto pensando nisto, mas ele também acaba tratando melhor os mais bonitos e isto eu sempre achei isto na minha vida. Então as pessoas que já nascem bonitas já é meio caminho andado e a pessoa tem que ser esforçar menos para uma vida melhor. Então o fato de ter beleza e aqueles que não têm então, eles tem que se sobressair de uma outra maneira. Até para conquistar uma mulher, conquistar um homem as

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pessoas falam, eu tenho consciência que eu não sou bonito, embora a beleza seja relativa, mas eu tenho consciência e eu já ouvi professoras amigas minhas me dizerem isto, eu sempre tive consciência e me achei feia, e como eu não sou bonita eu tinha que mostrar que eu sou inteligente, eu tinha que conquistar a pessoa pelo papo e aí sim eu conquistava até mais que as outras que de repente tinha uma cabeça vazia e tudo mais. Então eu acho que a questão da beleza já está aí e como os negros não são considerados os mais bonitos e pelo contrário são considerados feios e tudo mais, e você sabe disto e não sei se sabe também ou se já percebeu, mas eu acho que já começa por aí. Os negros, como você diz também, os que são chamados de pardos que é a mistura total aí e os nordestinos e aquela questão do preconceito contra os nordestinos também e aquele preconceito de cabeça de não sei o que e tudo mais. Eu acho que isto tem sim, mas não só com relação a negro, mas pode ser que o negro esteja aí dentro do que eu falei também, mas não só com o negro. Eu particularmente e lá na minha sala de aula não tenho tantos negros, mas assim, de olhar e ver que é negro, mas agora saber se a mãe ou os pais são negros eu não sei te dizer, é verdade, mas tem muitos que não vão bem mesmo e a maioria não vai e tanto quando tem um bom, maravilhoso o comentário é: este menino é negro e ele é maravilhoso, este menino é negro e é bom aluno e os comentários surgem. Então vamos indicar aquele negro e este próprio menino falou para a Silvana, pelo fato de ser negro e ele foi meu aluno e foi aluno dele, ele falou que ele tinha que ser melhor por isto mesmo, pelo fato de ser negro, quer dizer, não deveria estar pensando assim e ele já está no mundo de racismo, de preconceito e tipo assim, se eu não me destacar e como a questão do feio ou da feia, mas eu tenho que achar o outro lado aí para me dar bem porque eu sou negro ou eu sou feio. Então não vou conseguir rapazes bonitos, então eu acho que é bem parecida esta questão. Agora questão financeira, cultural e não sei se chega por aí também, porque assim os negros não são as pessoas melhores sucedidas e de ter famílias com pais alfabetizados e que dêem toda aquela estrutura que eu acho que o meu filho tem mais e muito mais do que eu e tipo assim, eu posso não dar um brinquedo para ele, mas se ele quiser um livro eu compro e pode ser o preço que for. Então - mãe eu quero um brinquedo. Não tenho dinheiro, mas se ele falar que quer um livro, então eu compro. Então às vezes eu fico incentivando ele se não quer um livro e tem este acesso a computador aquilo e coisas que famílias mais pobres e o negro está incluso nesta faixa de mais pobre, não tem este acesso. Então isto é um dos fatores que também contribui, mas tem a questão do racismo, tem a questão de que as pessoas falam que não são racistas, mas são e as pessoas não se acham racistas, mas são. Ninguém se acha racista e eu não me acho racista também, mas eu devo ser em muitos momentos e às vezes não é nem consciente, mas o fato da gente falar que aquele negro é negro e é bom, já é uma forma de racismo. Por que ele não poderia ser bom? Não é verdade? Ele não é igual? Mas a experiência e estas pesquisas acabam mostrando que acontece isto e não é um fator só e são vários fatores.

ENTREV: Ufa! Esta era a parte mais temida.

PROFESSOR (A)-1: Esta?

ENTREV: Eu ainda me sinto constrangido para falar sobre este tipo de questão e eu penso muito sobre isto, eu estudo muito sobre isto, mas ainda.

PROFESSOR (A)-1: Você, eu vou dizer uma coisa para você, mas você, eu nunca tinha pensando em algumas coisas e o pouco que a gente teve de convivência aqui na escola ou lá no Alto e não foi tanta assim, mas é uma das pessoas que me ensinou um pouco a enxergar diferente, não assim diferente, mas me ensinou o seguinte: eu não preciso me preocupar em falar o termo negro ou falar o termo preto e isto não é que vale e o que vale é o que você mostra a intenção e tudo mais. Então tem muita gente está preocupada que não pode falar que é de cor, não pode falar que é preto, não pode não sei o que lá e você me disse um dia: PROFESSOR (A)-1, você pode falar o que você quiser, mas é a maneira com que você fala e que você aborda é o que faz a diferença e não pretinho gostoso e encher o saco, então assim,

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de uma forma carinhosa o pessoal está pouco aí escutar que é preto ou se é de cor estes termos que as pessoas estão preocupadas que não pode falar isto, senão eu vou ser preconceituoso e se eu falar negro eu vou estar falando corretamente não vou ser preconceituosa. Então você me ensinou que eu posso falar o que eu quiser e que eu posso contar piada, que eu posso fazer o que eu quiser e não é isto que vai mostrar o preconceito e não é isto que vai ofender e pessoa ou não, porque eu posso estar usando o termo negro e estar acabando com a pessoa – seu negro filho da puta.

ENTREV: Afro-descendente é a expressão correta.

PROFESSOR (A)-1: Eu nunca falei isto na minha vida.

ENTREV: É o que é politicamente correto e, aliás, tem se colocado muito esta questão.

PROFESSOR (A)-1: Verdade.

ENTREV: Agora só mais duas perguntinhas e estas curtas mesmo. Chegou aqui para vocês a informação do projeto chamado A cor da cultura?

PROFESSOR (A)-1: Se chegou eu não sei, porque não prestei atenção.

ENTREV: Chegou à informação sobre livros sobre a cultura negra que foi comprada na administração da inaudível. Para discutir esta questão e para que os professores lessem e se informasse a respeito disto?

PROFESSOR (A)-1: Que eu tenha lido em algum grupo que eu me lembre não.

ENTREV: Não foi passado para vocês?

PROFESSOR (A)-1: Não, mas o que eu sei que alguns professores e eu acho que a Silvana trabalha muito esta questão do negro, o Marco e são projetos individuais, mas eu nunca senti em um projeto ter esta questão ou ler algo sobre isto.

ENTREV: O Educom funciona aqui? O rádio Educom?

PROFESSOR (A)-1: Não funciona.

ENTREV: Eu vi as caixas lá embaixo.

PROFESSOR (A)-1: Só tem as caixas. Eu fiz o curso na época do Educom e péssimo por sinal e depois parece que quem fez foi legal e a gente ficava com este gravado aí e a gente nunca teve acesso durante o curso ao rádio, ao aparelho do rádio durante todo o curso. Você fez o curso?

ENTREV: Lá ou aqui?

PROFESSOR (A)-1: No curso.

ENTREV: Não, não fiz o curso.

PROFESSOR (A)-1: Então a gente ficava o sábado inteiro e quando tinham palestras eram ótimas, porque como eram jornalistas e então era gostoso de ouvir, então até ao meio dia eram as palestras e depois eram as oficinas. As pessoas eu acho que eram a primeira vez e não estavam muito preparadas então – olha vocês aí peguem este gravador e criem um programa de rádio – mas cria da onde? Do nada? Você entendeu? A gente tinha que ter uma base, mas não tinha. Então começava aquela coisinha ridícula de ficar imitando um programa de rádio que a gente ouviu um dia e que seja Eli Correia, mas a gente nunca teve acesso ao rádio. Acabou o curso meses depois vieram e instalaram o rádio na escola e chamaram um dia as pessoas que fizeram o curso e falaram: o rádio funciona assim e assado. A Sonia que fez o curso comigo e na época ela era até professora junto comigo e na época ela até teve interesse e depois passou e depois ninguém quis saber daqui. O professor Franklin, um professo negro inclusive, ele adorou este Educom e ele chegou com a maior vontade aqui para fazer este

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trabalho, mas ele era um professor e não sei se era adjunto ou se era contratado, mas ele ficou pouco tempo na escola substituindo e eu não quis nem saber depois o que deu e não queria saber desta porcaria e não vim fazer nada.

ENTREV: Beleza. Esta é a última eu juro. Não falaram nada sobre a cultura negra no Educom?

PROFESSOR (A)-1: Não lembro.

ENTREV: Não devem ter falado, porque senão teria voltado a sua memória.

PROFESSOR (A)-1: È. Eu acho que sim.

ENTREVISTADOR FINALIZA AGRADECENDO A PARTICIPAÇÃO.

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Anexo 5 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-2 Cidade: São Paulo

Apresentação da pesquisa fazendo uma explicação.

ENTREVISTADOR: Então, eu acho que o primeiro questionamento que eu gostaria de fazer com você é sobre esta visão que você tem sobre o ensino de matemática.

PROFESSOR (A)-2: Eu gostei muito da introdução que você me proporcionou, eu queria agradecer a oportunidade de está participando do seu trabalho. Além de você ter também já dado outros materiais para que eu fosse lendo pensando, e realmente isto mexeu muita reflexão, reflexão inicialmente da prática e depois também que eu espero-me leve também ter uma reflexão da teoria e da base, vamos dizer que me leva a trabalhar os conteúdos que eu acabo desenvolvendo na sala de aula. Então, eu gostaria também de fazer um breve histórico com relação a minha atividade como professor de matemática, como se originou isto. Na verdade eu sou licenciado em química. E como licenciado em química na década de 80 eu tive a oportunidade de ingressar como professor de matemática, eu gostei e acabei ficando tanto é que eu acabei prestando concurso para química fui aprovado, mas o trabalho com a matemática é algo que me satisfaz e o relacionamento com os alunos mais ainda. Com está disciplina eu consigo ter um contato maior com o estudante, com o aluno e consigo sentir um diálogo onde ele coloca suas, eu coloco alguma informação, ele observa, ele apresenta suas dúvidas e assim vai caminhando o trabalho. Outro aspecto que eu queria deixar bem claro é com relação, talvez a minha visão de matemática ter sido ao longo da minha formação, algo assim de execução de cálculos, então quando eu fiz a reflexão, realmente eu acredito que aminha visão é mais de transmitir aos alunos algoritmos de resolução. Resolução de equações, resoluções de problemas e esta sendo então a minha prática.Em cima daquela situação de reproduzir um pouco aquilo que ao longo da vida foi sendo trabalhada. Então muitas vezes a gente acaba percebendo, falando da mesma forma que aquele professor falou com você, chamando a atenção dos alunos da mesma forma que aquele professor lá do passado falou com você e chamando atenção dos seus alunos e da mesma forma que aquele professor chamou a atenção de um detalhe em matemática com você. Por exemplo, dentro desta avaliação crítica eu percebi, por exemplo, aquela visão da história da matemática eu não consigo, bom primeiro que eu não tenho muita informação sobre ela, então eu acabo muitas vezes transferindo a informação um pouco desconexo desta visão histórica da matemática. Por outro lado eu procuro trabalhar muito àquela visão, relacionamento com os alunos, de tal forma que eles ficam bem à vontade, perguntando de como se faz a operação, executa aquele algoritmo de resolução. E é neste sentido que nós estamos aqui conversando, mais uma vez eu gostaria de agradecer e coloco então, submeto a sua orientação aqui ou sua orientação de assuntos.

ENTREVISTADOR: A minha orientação coisa nenhuma, para com isto. Vamos tentar bater papo aqui, que eu acho que talvez fique menos... A partir que momento de deixar de ficar tenso, porque eu cheguei aqui uma pilha, você não acredita como eu estava tenso, tremendo, literalmente tremendo e agora até por conta desta coisa do tempo eu não tinha tido a resposta da Teresa, da Denise, então ficou muito confuso, mas vamos lá. Diante do que você me falou, esta pergunta fica inevitável, eu vou usar um destes deturpadores do ensino de matemática para centrar um pouco a nossa conversa. Tem um pensador sobre a educação matemática no Brasil, que, aliás, é uma área que está se afastando do pensamento matemático, que ela trabalha outras propostas para matemática e ele coloca uma coisa assim: “O grande risco do professor de matemática é de repente o aluno perceber que ele não precisa ir à escola para aprender a matemática que ele usa.” O que você pensa de uma coisa como esta? O porquê isto de repente remete assim, a seguinte questão: Qual a importância que tem o ensino

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de matemática ou partindo da gente, professor de matemática, qual a importância que o ensino de matemática tem para este aluno?

PROFESSOR (A)-2: Então, eu fiz esta questão no início deste semestre, que eu estava com turmas novas e eram turmas equivalentes à oitava série, então estava no final e por ser jovens e adultos e último termo e realmente fiz esta pergunta e aí grande maioria fala que é importante no dia a dia e fica nisto. A parte de quando você tenta falar no concreto e no que você usa, muitas vezes é para cálculos mais simples, coisas que hoje em dia uma calculadora pode fazer muito bem e um ou outro que tinha uma visão um pouco maior. E às vezes eu fico preocupado com relação a isto, não sei se é porque a gente trabalha com isto, qualquer texto que nós tocamos nós vemos os elementos de matemática lá. Eu quero estar compartilhando que existe a construção de uma ponte hoje na Marginal Pinheiros que é uma obra de engenharia e que possivelmente vai ser um cartão postal da cidade e por trás daquela obra você tem todo um cálculo de estrutura, tem toda uma quantidade de materiais que são empregados ali e que fazem com que eu pense, não a matemática vai muito além do cálculo simples e este olhar, a grande preocupação minha, foi e este olhar ele tem estar se ampliando e não só na questão da engenharia,mas nas próprias questões aí econômicas, como atualmente temos as questões de CPMF, o quanto equivale isto? O quanto que vale na renda? O quanto isto vai está refletindo no custo final dos produtos. Talvez não seja uma coisa muito simples, mas a idéia é chamar atenção do educando de que aquilo são coisas que passam por matemática.

ENTREVISTADOR: Deixa-me por pimenta, deixa por tempero nesta comida aí que o trem está começando a ficar bom. Está coisa do óculos aqui espero que você não se incomode, porque para escrever eu vou ter que, mas vamos lá. Você está me dizendo então, que ter uma visão, é importante para as pessoas terem uma visão de toda está referência que a matemática traz em tudo que está ao seu redor...

PROFESSOR (A)-2: Sim.

ENTREVISTADOR: E o conteúdo leva a gente para isto?

PROFESSOR (A)-2: Esta seria a grande interrogação que ficou na minha cabeça. O quanto às atividades são desenvolvidas na sala de aula, ou elas estão levando a isto ou estão levando a criar uma base, uma estrutura de conhecimento sobre a qual o aluno possa construir e chegar nesta visão. E quando a gente trabalha com ensino fundamental é um pouco mais, realmente está trabalhando mais na base. Eu não tenho experiência com ensino médio, mas retornando na história aí de quando, eu lembro que no ensino médio era muito mais fácil de você está trabalhando coisas voltadas para prática.

ENTREVISTADOR: Bom só para te ajudar então é assim: a grande reclamação de qualquer professor de terceiro colegial é de que o aluno não sabe fazer divisão de números decimais. Que, aliás, me leva a fazer outra degradação para você.

PROFESSOR (A)-2: A grande pergunta é: pode vento de calculadoras, de micro computadores, será que a necessidade de fazer conta com números decimais ou você refletir este número, verificar aquele número o que lê que dizer dentro do conteúdo que ele foi gerado?

ENTREVISTADOR: Eu não sei de nada, quem tem que responder isto é você. Você é o entrevistado. Você já se fez está pergunta?

PROFESSOR (A)-2: Já. Porque uma coisa assim, quando você trabalha um pouco de porcentagem, você acaba desenvolvendo isto daí. Você vai fazer a porcentagem sempre acaba gerando números decimais, então hoje as pessoas não usam até celular que calcula e aí minha preocupação é isto, é muito, é pouco 10.9 não pode ser 11.

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ENTREVISTADOR: Mas PROFESSOR (A)-2 diante do nosso querido governador que diz que um dos maiores escalabros do ensino de matemática do estado de São Paulo é que um menino de quarta série ou de oitava série não sabe tabuada. Porque parece que isto que você está me falando contradiz está história da tabuada ou não?

PROFESSOR (A)-2: O que mais me preocupa quando eu vejo estas coisas não é perceber que o aluno não sabe tabuada, mas ele não ter, não sentir aquilo como algo que ele tem que ir atrás, isto que mais me preocupa. Não saber tabuada é uma informação, agora você não querer saber tabuada é isto que me assusta, porque em alguns momentos a necessidade de você ter a tabuada, a necessidade de você usar. Minha experiência própria e eu usei muita tabuada, aí quando eu ingressei no ensino médio a gente podia usar a calculadora, então eu entrei com tudo na calculadora, então interessava era avaliar o número gerado pela calculadora. Quando eu estava para prepara para o vestibular, eu tive que rever todas as operações que eu estava já mal acostumado, mas o meu posicionamento foi este, eu vou assumir que eu tenho que rever e tenho que ir atrás, eu tenho que ir lá voltar, recordar até algumas coisas de tabuada, por que não? Volto a falar que o meu problema não é estar, mas se acomodar com a doença, se conformar com a doença, não perceber que você pode tomar coisas que vão te aliviar com está doença, vão a certo momento até resolver esta doença.

ENTREVISTADOR: Ou seja, o papel do professor se desloca um pouco aí, ao invés de ensinar, invés de buscar o resultado, buscar o caminho talvez seja mais interessante é isto?

PROFESSOR (A)-2: Sim. Uma das coisas que a gente tem que trabalhar.

ENTREVISTADOR: Aquela coisa de dar o peixe.

PROFESSOR (A)-2: Sim.

ENTREVISTADOR: Ou aquela coisa de ensinar a pescar.

PROFESSOR (A)-2: Justamente. Hoje em dia existe está grande colocação. Hoje em dia você dá escola, a escola está lá, mas será que você está conseguindo dar educação ao povo?

ENTREVISTADOR: Bom aí tem o a grande polêmica do que é educação. Mas você tocou na história do vestibular, esta é uma questão bem interessante para a gente, porque assim: vamos fazer um exercício aqui. Se todo mundo fizer um ensino fundamental ótimo, um ensino médio ótimo, este vestibular ainda vai selecionar.

PROFESSOR (A)-2: Sim. Na verdade historicamente quando chegavam se poucos lá, a universidade ainda selecionava dentro destes poucos aqueles que eram melhores, não sei se você teve...

ENTREVISTADOR: Ainda hoje é assim, se você pega uns Institutos mais tradicionais como o Instituto de matemática da USP, você sabe que você, me parece, este ano ainda está funcionando assim, você faz o primeiro ano, as melhores notas vão para o bacharelado, as não melhores notas vão para licenciatura. Quer dizer ,eles já fazem uma distinção, na verdade seria um segundo vestibular lá dentro. A gente sabe inclusive a universidade pública tem está vocação para pesquisa tal, mas eles não abrem à mão desta questão da educação, quer dizer, eles querem não que eles querem ensinar os professores, ensinar o cara a ser professor de matemática, mas eles colocam o professor de matemática, o cara que vai fazer licenciatura como um matemático de segunda categoria. Que dizer um outro vestibular dentro do vestibular que inclusive remete a está questão da matemática, este valor social da matemática que é uma coisa que eu também gostaria, historicamente é isto, matemática é o grande. Eu me lembro quando eu comecei no magistério tinha aquelas coisas assim de conselho de classe, fica todo mundo esperando a nota do professor de matemática e de português, se o professor de matemática reprovasse o aluno, então era porque aquele aluno não tinha condição. A matemática era determinante na aprovação e reprovação do aluno. Hoje eu não sei se isto

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acontece assim, aliás, é uma coisa que eu gostaria de ouvir você falando a respeito da importância do professor de matemática, do poder que a matemática tem?

PROFESSOR (A)-2: Eu já olho com outros olhos e assim um olhar um pouco diferente, porque o professor de matemática e de português é que tem a maior carga horária, então eles são geralmente que conhecem um pouco mais o aluno, então realmente isto direciona. Eu queria lembrar que experiência de vida, eu dava aula de química duas vezes por semana, quando eu passei a dar aula de matemática cinco vezes por semana, eu me senti realizado, porque eu conhecia os meus alunos. Está questão de você perguntar ao professor de português e de matemática são porque eles têm mais tempo com o aluno para desenvolver mais atividades com os alunos, então realmente você pode está vendo se este aluno ele está tendo progresso nesta maior carga horária em relação aos outros. Isto que você falou e eu falo que no passado era mais e o pessoal esperava as notas do professor de matemática e ainda tem uns professores de matemática que assumem isto, realmente no conselho é que mais detona.

ENTREVISTADOR: E você assume?

PROFESSOR (A)-2: Me falaram que eu sou meio paizão.

ENTREVISTADOR: Meu papel é te pôr contra parede, por favor.

PROFESSOR (A)-2: Eu sou mais paizão. Mas tem outros professores que eles chamam de padrasto, madrasta.

ENTREVISTADOR: Ou seja, o professor de matemática, você reconhece o professor de matemática ainda sendo uma pessoa que tem isto, que detém um pouco este poder?

PROFESSOR (A)-2: Detém, mas eu vejo com outros olhos, não é só com relação agora, mas também de conhecer, saber se o aluno tem tido alguma reação de busca, reação de olhar para coisa e não virar as costas, mas olhar para coisa como um desafio e tentar superar.

ENTREVISTADOR: A coisa é o conteúdo?

PROFESSOR (A)-2: Conteúdo, perdão. Conteúdo formal.

ENTREVISTADOR: Desculpa. O questionamento tem que passar por aí. A coisa do modo, você já tocou numa questão, eu particularmente acho muito importante que é a questão da afetividade, proximidade e esta relação de parentesco que agente cria.

PROFESSOR (A)-2: Sim. Eu vou até ler de novo para você o texto que a aluna acabou de me entregar.

ENTREVISTADOR: Por favor.

PROFESSOR (A)-2: “PROFESSOR (A)-2 ensina bem, faz com amor e prazer. Ele tem tanta paciência, um santo parece ser. Na matemática faz milagre, todos conseguem aprender.”.

ENTREVISTADOR: Nossa o cara de deve até um e soltou o lado ator do PROFESSOR (A)-2, mas é bom, eu sei que é gratificante e já passei por uma ou duas situações assim que o aluno reconhece ou então aquela coisa de anos depois, dez anos depois, 15 anos depois, nossa você puxa tal. O cara virar e falar: “Vou fazer matemática por sua causa.” Aí você não sabe se...

PROFESSOR (A)-2: Eu não tive está felicidade ainda.

ENTREVISTADOR: Você não sabe se sente culpado, mas de qualquer maneira é uma sensação muito boa.

PROFESSOR (A)-2: Eu ainda não tive está informação.

ENTREVISTADOR: Eu já passei por isto.

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PROFESSOR (A)-2: Mas muitos já trilham atividades aí, falaram: “Olha estou bem.” Isto já me deixa muito satisfeito, quer dizer, da pessoa ter avançado em informações e ter si desenvolvido. A gente se sente participante nestes momentos. E uma coisa que me veio na memória agora, certa vez estando com minha mãe encontrou uma ex-professora a minha mãe falou: “Conta para ele até aonde vocês, assim.” E a idéia dela que este professor tinha sido participante de eu ter chegado lá. Então realmente isto de ver o aluno e ver que ele está bem, mesmo que ele não reconheça, a gente como profissional sente realizado, porque é isto um dos aspectos da educação é transformação das pessoas, transformação de um ser que não consegue perceber muito do seu ambiente, em um ser que consegue perceber, consegue ser critico, consegue tomar ações de tal forma a procurar o melhor não somente na sua vida, mas o ambiente que está ao seu redor.

ENTREVISTADOR: Antes que eu esqueça. A nossa conversa está me levando a duas indagações aqui que eu não posso me esquecer dela, então deixa eu te fazer a primeira. Você já passou por alguma situação em que você tentasse trabalhar matemática dentro de outra proposta e que o grupo de alunos rejeitasse, porque acha que aquilo não é matemática, aquilo é uma coisa diferente?

PROFESSOR (A)-2: Então, neste período, neste tempo que eu estou nesta unidade escolar que é a escola municipal de ensino fundamental Jairo Ramos, trabalhando com educação de jovens e adultos, a gente percebe que eles acabam sendo um pouco críticos neste sentido.

ENTREVISTADOR: Críticos no sentido de?

PROFESSOR (A)-2: De mudar muito do que...

ENTREVISTADOR: Ou seja, você está me dizendo que de alguma maneira eles pedem para que você seja tradicionalista é isto?Ou eles reagem?

PROFESSOR (A)-2: Isto. Não plenamente tradicionalista, mas você percebe que eles cobram um pouco disto. Como é que foi feita esta avaliação? Por exemplo, se você propõe às vezes outras atividades, mesmo que seja um vídeo, eles acham que aquilo é enrolação, que aquilo sabe. Então eu lembro que assim aqueles mais jovens, mais ativos eles acabam indo até, extrapolando um pouco, bagunçando de mais. Neste caso que nem eu falei que tive duas coisas, primeiro os mais jovem acabaram extrapolando, bagunçando e os mais velhos acharam que era um pouco enrolaçao na atividade com vídeo. Então isto é um e não é o que determina, volto a falar que a gente acaba sendo um pouco reprodutor é uma coisa assim que eu tomo cuidado na educação dos jovens e adultos com relação não procurar fazer uma coisa muito diferente, mas agora também tem o outro lado que é minha alto crítica e eu até acabei aqui na sua avaliação, só um minutinho aqui para eu encontrar. Que muitas vezes, eu até coloquei ter outros caminhos e você acabou falando aí da Sociedade Brasileira de Matemática e a visão...

ENTREVISTADOR: Sociedade Brasileira de Educação e Matemática...

PROFESSOR (A)-2: Por exemplo, não está participando nem de uma e nem de outra, quer dizer, por não está vivenciando estas idéias então eu também não tenho como trazer estas coisas para sala de aula. Então no outro lado, porque eu não trago para sala de aula é justamente por não está participando destes grupos de pesquisa e de discussão da atividade educadora em matemática. Então realmente existe está deficiência, da minha parte, também tem este outro lado se geralmente se há alguma modificação, alguma inovação, geralmente eu acabo tratando como algo a mais, então eu continuou com o meu problema então o a mais eu acabo trabalhando este adicional. Por exemplo, aula de informática geralmente eu acabo trazendo eles para sala de informática e a visão é ver se eles percebem algumas ferramentas, percebem os meios de comunicação que estão ali no computador, outra coisa a questão social. Certa vez eu também, como algo a parte, tentei trabalhar os alunos e foi muito curioso. Eu comecei a trabalhar com relação à visão da agressividade dentro da sala de aula, até em cima de um texto aqui do Dráuzio Varella, ele intitulou na época de Reis e Sociais da Violência.

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ENTREVISTADOR: Eu não conheço este texto e depois você me da uma cola.

PROFESSOR (A)-2: Não é um texto assim, mas eu achei era interessante e ele dava algumas idéias como forma do aluno pensar um pouco. Levei os alunos para sala de informática e pedi que eles em um programa que é o Paint Branch, fizessem um desenho tratando um pouco da violência, então teve um, por exemplo, que fez uma faca pingando sangue. Eu pedi a eles que tentassem escrever um pouco sobre está violência, então começando usando dentro do Word, usando aquelas letras assim, mas dentro do Word Path, mas só que eu não consegui fechar este trabalho, porque houve um aspecto de violência, roubaram uma Webcam dentro da sala de informática. Então fiquei sem moral de continuar a minha atividade.

ENTREVISTADOR: É uma violência. Mas é engraçado isto que você está falando, porque violência é uma coisa e a representação que se tem de violência é está violência física que ferre que machuca as outras violências eu não se a educação não consegue incorporar, porque as pessoas sabem o que é violência eu acho que é uma questão muito parecida com a questão da sexualidade. Eu acho que não da para dizer que os jovens não conheçam os caminhos, não conheçam prevenção, não é informação a questão é da formação. E parece que a violência é muito próxima a isto e a violência fica muito sinônimo de agressão. Agressão física e não sei se só este tipo de violência que existe, existe outras violências que ainda...

PROFESSOR (A)-2: Isto, na verdade...

ENTREVISTADOR: Elas são discutidas.

PROFESSOR (A)-2: Na verdade eu comentei isto, me deixa só da uma corrigida aí no curso. Eu comentei isto em cima daquilo que eu tinha falado. Quando eu trato outros assuntos, até assuntos transversais eu não consigo transportá-los para dentro da matemática, eu os trabalho como sendo algo a mais. Então dentro desta visualização que eu comentei que eu fiz este trabalho com eles, infelizmente não deu para a gente fechar, então não sobrou e acabou não ficando nenhum documento. O outro foi a respeito da utilização da ferramenta PowerPoint, então eu fiz aqui junto com a professora Neli e também com a professora Sonia uma apresentação no PowerPoint que abordava um aspecto de saúde, mas tentava solicitar a questão do uso de drogas e este a gente consegui fechar bem, a gente discutiu bastante, fechou bem. Então eu uso isto daí, de vez em quando eu pego estas turmas e é um dos trabalhos que eu acabo mostrando para eles na sala de informática. Depois eu gostaria até de te mostrar uma coisa simples, mas volto a falar, estas relações ou estas coisas sócio culturais eu sempre acabo não consigo está incorporando, eu sempre acabo trazendo ela como algo paralelo àquilo que eu desenvolvo do meu tempo com os alunos, de contato com os alunos.

ENTREVISTADOR: Bom lá vou eu te espetar, você que levou para este lado aí. Porque assim, está questão do social ela remete antes de qualquer coisa uma visão de mundo que cada um de nós tem. Assim como principalmente a visão crítica que se tem do mundo, a minha avaliação hoje é de que o mundo hoje, a matemática é um instrumento cruel de dominação, não dominação, até política também, mas não é desta dominação política que eu estou tentando abordar neste momento. Eu estou tentando pensar neste domínio deste consumismo exagerado. Sabe você pegar, por exemplo, a questão das Casas Bahia que é uma questão cruel, ela dá acesso, primeiro é assim tem todo um processo de mídia e acho que São Paulo é muito forte, mas isto no Brasil todo que te induz a crer, principalmente o jovem adolescente, que ele para ser precisa ter e desde o celular, o Mp3, Ipod, Mp4.

PROFESSOR (A)-2: Já estou vendo o Mp5 já.

ENTREVISTADOR: Pois é. E assim o meu questionamento é: as pessoas viveriam tão mal assim sem um celular, sem um Mp4, um Mp5? Quer dizer, não estou desqualificando as necessidades que as pessoas por ventura possam ter, mas agora o que eu fico pensando é será que todas as pessoas precisam ter isto assim nesta renovação absurda? E isto tem um

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elemento matemático e as Casas Bahia eu acho que entra aí, porque ela facilita de uma maneira que é estranha, ela deixa a crítica para as pessoas, que é assim: “Compre e pague 10 reais por mês.” As pessoas vão lá, dez reais cabem no meu orçamento, mas elas não conseguem fazer uma crítica sobre o valor daquilo, sobre a questão dos juros embutido, sobre a questão, porque assim todo mundo tem celular, então eu quero ter celular, a está 10 reais por mês eu compro, então ele nem se quer faz uma crítica a respeito da necessidade do uso deste celular, como a gente está vendo agora uma explosão no consumo de automóveis e aí de alguma maneira parece que as pessoas estão menos sufocadas, mas a questão também tem o outro lado, porque a gente está vendendo carros aí para pagar em 100 prestações, 99 para ser mais preciso. Eu vi estes dias. Quer dizer, você leva tanto tempo pagando um carro quanto você leva para pagar um apartamento. E aí este uso crítico da matemática não aparece na sala de aula ou aparece?

PROFESSOR (A)-2: Não, da minha parte eu estou devendo neste aspecto.

ENTREVISTADOR: Mas como que você faria isto?

PROFESSOR (A)-2: Na questão da matemática?

ENTREVISTADOR: Pensando aqui entre nós.

PROFESSOR (A)-2: Bom se é pensando entre nós eu começo com uma coisa atrás. Para você comprar alguma coisa deveria ser e acho até dentro de uma visão mais antiga de crescimento de nação você ter uma poupança interna, no caso de nação é claro. Mas as pessoas, eu lembro quando eu era garoto havia ainda está visão de poupança, quer dizer você vai você não vai sair comprando as coisas, você vai poupar e poupando você acaba adquirindo uma ou outra coisa. Então, a sociedade perdeu está visão matemática de poupar e ela ganhou a visão do crediário fácil e está trazendo esta visão crítica para sala de aula, eu também acho que é uma questão histórica estão mudando, a história mudou. Antes as pessoas pensavam de uma forma e agora estão pensando de outra e pensando desta outra forma está levando um prejuízo muito maior do que antes, está levando a uma concentração de renda muito maior do que antes em que as pessoas podiam não ter muitas coisas, mas a diferença entre as pessoas não eram tão grande.

ENTREVISTADOR: Desculpa pensei que tinha acabado, quebrei você.

PROFESSOR (A)-2: E trazer isto para sala de aula, eu acho assim nesta conversa que a gente teve, eu acho talvez que até tenha que resgatar está coisa da história e do que a mídia está fazendo com a mente das pessoas. A situação atual cegou um pouco as pessoas com relação a esta... (não finalizou a frase)

ENTREVISTADOR: Se a gente está conversando entre nós, eu acho que muito, mas em fim está visão aí. Outra pergunta PROFESSOR (A)-2 e são muitas. Esta visão que a sociedade tem de quem sabe matemática é inteligente e que o professor de matemática é inteligente. Você já passou por isto? Ah o cara é professor de matemática, ele é um gênio. Você é professor de matemática, você conhece matemática, acho matemática difícil, só vocês mesmo.” Como você encara isto?

PROFESSOR (A)-2: Isto ao longo dos anos apareceu gente falando diversas coisas. Eu acho posso dizer agora, eu sempre me achei normal, aliás, como químico eu dizia que de química e de louco todo mundo tem um pouco e aí com a visão química eu costumo brincar com o pessoal de que nós não devemos ser muitos precipitados em nossas reações, pois a sempre uma solução e todos estes conceitos são conceitos químicos. Então o pessoal brinca, eu brinco muito neste sentido. Eu nunca me achei um cidadão superior aos outros, na verdade eu sempre procurei em me situar numa situação de facilitador, o que aconteceu foi isto. Eu talvez tivesse mais facilidade em ver algo do que o colega ao lado. Uma coisa assim até voltando aí à infância, acho que eu estou ficando velho.

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ENTREVISTADOR: Lembrança de infância é um caso sério, viu meu.

PROFESSOR (A)-2: Eu lembro que eu estava no ensino fundamental, antigo primeiro grau e um professor de português trouxe um cartaz e não sei se você sabe, mas antigamente os computadores tinham aquelas folhas continuas, lados contínuos.

ENTREVISTADOR: Destas aqui?

PROFESSOR (A)-2: Isto, destas aí.

ENTREVISTADOR: Não é este aqui. Aqueles tinham as listrinhas, as zebrinhas.

PROFESSOR (A)-2: As listrinhas, as zebrinhas. E o pessoal conseguia formar figura com “X” e pontinho e você só conseguia perceber a figura se você ficasse de longe. E aí a professora abriu aquele estágio e perguntou: “Que figuras você estão vendo aí? Vocês estão vendo alguma figura?” Eu bati o olho e vi a figura imediatamente e aí: “O que vocês estão vendo? Ah parece um nariz, parece. Ah isto aí eu já vi desde o começo.” Aí eu comecei a pensar se eu não tivesse visto e tivesse como os outros. Aí eu comecei a olhar ao invés daquele ponto central que você conseguia perceber mais, olhar para os outros pontos e aquilo parecia uma grande mancha e eu fiquei assustado falei: “Não eu quero voltar a ver a figura.” Então eu foquei novamente no ponto central ali e dali então eu consegui ver a figura. Então porque eu estou comentando isto, buscar com olhar do outro. Então para mim eu bati o olho e percebi, então para mim eu tive facilidade, mas muitos ainda levaram um tempo para poder bater o olho no ponto certo e dali abrir, relacionar aquela figura com alguma outra imagem mental. E quantos destes às vezes, não estou nesta situação? A coisa está lá e eles precisam um pouco mais de tempo, um pouco mais de trabalhar, um pouco mais de olhar para que eles possam descortinar o conhecimento que está ali, que não é tanto difícil acesso. Então neste aspecto que eu procuro sempre me ver como um facilitador, como alguém que simplesmente teve a possibilidade de perceber a imagem que está lá na frente, na frente dos outros e falar: “Olha bem aqui para aquele ponto que você vai perceber que tem ali parece um nariz, parece uma boca, parece.”.

ENTREVISTADOR: Ah vou por lenha na fogueira, PROFESSOR (A)-2 eu sinto muito, mas você está perdido na minha mão. É que é assim eu me lembro destas...

PROFESSOR (A)-2: Eu só quero que a...

ENTREVISTADOR: Ah não este lenha na fogueira não.

PROFESSOR (A)-2: Não, não, não. Eu só espero que as informações que estão aqui sendo registradas elas sejam úteis aí para...

ENTREVISTADOR: Olha eu não posso me tomar pela emoção do momento, mas com certeza assim...

PROFESSOR (A)-2: Espero que você esteja até melhor aí, mais animado depois...

ENTREVISTADOR: Estou vibrando aqui. Mas assim, eu me lembro destas figuras e me lembro que uma figura representativa deste processo era um conjunto de ilhas gregas que você olhava ou você via as ilhas ou você via a figura, o rosto de Jesus Cristo.

PROFESSOR (A)-2: É acho que foi este daqui que eu acabei...

ENTREVISTADOR: Até que ponto você acha que seu envolvimento com a religião, já que você é uma pessoa evangélica, conseqüentemente tem determinados princípios, determinadas, não são normas, mas são determinados valores. Até que ponto você acha que está tua visão de mundo a partir da religião te ajudou a olhar para...

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PROFESSOR (A)-2: Não, este é um dos fatores que possivelmente me ajudou neste caso específico, mas volto a falar, o que eu estou comparando é: você bater o olho, você perceber alguma coisa e você bater o olho e você não perceber alguma coisa. Você entendeu?

ENTREVISTADOR: Pois é, eu estou tentando olhar está sua resposta.

PROFESSOR (A)-2: Então é bem neste sentido. É claro possivelmente eu consegui olhar por causa desta questão de origem evangélica, está certo, está bom. Mas eu não toquei tanto.

ENTREVISTADOR: Mas eu acho que qualquer pessoa muito próxima da religião teria mais facilidade. Mas o que eu quero discutir a partir disto é assim: a gente vai entender está questão da religiosidade como uma questão cultural sua.

PROFESSOR (A)-2: Sim.

ENTREVISTADOR: Então a sua questão culturas de alguma maneira ela pode ter interferido neste teu olhar, nesta.

PROFESSOR (A)-2: Ah está entendi, eu sei já.

ENTREVISTADOR: Ah pergunta é...

PROFESSOR (A)-2: A origem, a cultura anterior ela vai influenciar o meu olhar ou vai influenciar a minha crítica na leitura de um texto, ela vai influenciar no entendimento de uma palestra, de uma exposição. Isto é claro não só cultural, mas em termo de conhecimento vai. Eu tive oportunidade de ter um professor no ensino médio que ele gostava de uma parte da aula dele era discurso, então ele fazia um discurso longo e neste discurso ele usava alguns termos que não era muito comum, isto forçava que os alunos fossem atrás destes termos para saber o que ele quis dizer. Então é claro toda e qualquer base cultural ela vai influenciar a sua possibilidade de percepção do que está sendo passado e aí vai. De repente, deixa aproveitar a questão aí religiosa, uma história religiosa, está bem. Diz que em certo momento estava lá o rapaz morto no chão e passou seu Zé: “O cidadão era da função, o cara era mal, era bravo, era violento, eu acho que teve o fim que deveria ter ou teve o fim que acabou tendo.” Aí diz que passou uma senhora olhou para ele e falou: “Puxa vida que dó, ele tinha um sorriso tão bonito.” Entendeu, então existe isto.

ENTREVISTADOR: É uma coisa tão estava tão desfocada daquilo que todo mundo via.

PROFESSOR (A)-2: Justamente. Então você também tem esta e com que olhos você quer ver? Com que olhar você quer ver? Será que você só quer ver a parte assim, você quer só a parte negativa? Você quer também um pouco a parte positiva? Você quer ver a coisa como...

ENTREVISTADOR: Isto interfere?

PROFESSOR (A)-2: Interfere. Mas é claro eu entendi o que você quis dizer a pouco com relação a uma base cultural vai facilitar e vai mesmo, vai facilitar para algumas coisas e também vai dificultar para outras, eu também tenho está impressão. Eu devido está coisa assim sempre com está visão carismática, eu não consigo entender bem...

ENTREVISTADOR: Carismática lá do nosso amigo...

PROFESSOR (A)-2: Não, não, não com esta visão...

ENTREVISTADOR: Não renovação carismática.

PROFESSOR (A)-2: Não, não.

ENTREVISTADOR: Que a gente falou de religião aí você fala de carismática aqui.

PROFESSOR (A)-2: Não. Uma visão assim de carisma, como...

ENTREVISTADOR: Simpatia.

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PROFESSOR (A)-2: Simpatia com as pessoas está visão de criar empatia com as pessoas. Então, como eu tenho muito isto daí, eu fico eu me sinto mal quando eu vejo as pessoas justamente trabalhando ao contrário com os outros e principalmente comigo mesmo. Passei por processo como este em que você tenta, eu uso bem está forma, olha eu estou fazendo o melhor que eu posso e o cidadão chega para você e fala: “É pouco.” Ou fala: “Não me interessa.” Então este tipo de coisa me choca muito, porque toda está visão cultural de você querer sabe? De valores que você tem. Quando você pega pessoas que tem uma visão de valores um pouco mais bem diferente e o que vale é o benefício próprio, o individualismo acima de tudo, isto ainda me choca e outros, por exemplo, que não tivesse toda está formação própria teve o cara numa boa separar cidadão é de um jeito, cidadão é do outro. Então é neste aspecto que quero ver se eu consigo ser claro, porque assim a formação cultural vai permitir que eu tenha determinados olhares, determinada visão, determinada crítica e outras coisas. Eu não consigo entender direto então, também tem este lado do filantrópico. Então pode até esta parte aqui como eu coloquei pode até lançar, que dizer, porque determinadas pessoas vêem aquele que aprendeu matemática como sendo algo diferente.

ENTREVISTADOR: Esta aí uma grande pergunta.

PROFESSOR (A)-2: Por que isto? Simplesmente talvez mudar um pouco a visão desta matemática ou mudar um pouco a visão da prática não sei, mas sabe não demonstrar como algo diferente, algo impossível, algo inacessível.

ENTREVISTADOR: Mas ainda nós estamos falando daquela matemática, daquela proposta tradicional que a gente para o currículo.

PROFESSOR (A)-2: Sim.

ENTREVISTADOR: Se bem que assim, eu também estou provocando você, mas eu acho que ela está aí, ela não é, ela não nasceu universal, mas ela foi universalizada e as pessoas precisam dela.

PROFESSOR (A)-2: Sim. De certa forma a gente não pode esquecer que ela é fruto...

ENTREVISTADOR: Ela é um capital...

PROFESSOR (A)-2: Fruto do desenvolvimento de toda sociedade e volto a falar como comentei no início lá, a questão da ponte na prática está aí, todo cálculo estrutural de uma ponte é um cálculo baseado em algoritmos bem clássicos.

ENTREVISTADOR: Mas eu vou te provocar. Porque a ponte é, aí eu to preocupado com isto PROFESSOR (A)-2 está um barulhinho aqui, eu não quero perder está entrevista por nada no mundo. Mas então PROFESSOR (A)-2, dá à impressão quando você levanta esta questão da ponte que a gente está na sala de aula ensinando matemática, pressupondo que todos os alunos vão trabalhar em construções de pontes e aquelas pessoas que vão tomar outros rumos. Eu vou cruzar um pouquinho as questões da entrevista aqui, mas agora pouco eu estive falando com a Denise ela acabou me revelando coisas do tipo assim: Entrevistador tem um monte de coisa que eu trabalhei no colegial que eu nunca mais vi que eu nunca mais usei e que vieram me perguntar e eu nem lembro mais o que eu fui fazer.” E a prorrogação que eu fiz para ela foi assim: “Bom então se você não tivesse tido aula de matemática no colegial não iria fazer nenhuma diferença para você.” E é lógico que eu não vou fazer este jogo com você, tão profundamente, mas a verdade é que se eu entendi aquela questão assim, a gente ensina matemática para todos os alunos como se eles fossem ser engenheiros. É isto?

PROFESSOR (A)-2: Na verdade, a experiência que nós vivenciamos de quanto nós fizemos o ensino fundamental e o ensino médio era bem isto daí. Ouve naquela época a intenção de transferir informação de matemática para engenheiros, quer dizer, houve muito isto, mas isto já faz antes era fruto de outra lei de diretrizes e base, onde você precisava ir de criação de um corpo técnico de nível superior para desenvolvimento e progresso do país,

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porque havia indústrias, havia necessidades de abrir um mercado de trabalho e o capital precisava destes recursos humanos para poder crescer. Então nós vivenciamos isto, agora os tempos são outros, você não vai poder ensinar hoje como no passado, para se formar engenheiros, para se formarem técnicos. Só que o pessoal parar e discutir isto daí ou caminhar, mesmo caminhadas individuais fica difícil, volto a falar, as pessoas acabam reproduzindo o que aconteceu com ele mesmo e nesta indefinição se por um lado permite que pessoas criem, pessoas deslumbrem uma matemática que não seja para formação de engenheiro, por outro lado muitos vão ficaram no meio do caminho sem saber para onde ir. E aí volto a falar, a linguagem matemática tem suas dificuldades e dentro do que eu tenho procurado trabalhar, como eu já falei, é ser um facilitador dentro desta linguagem. Existe uma linguagem própria, existem conceitos próprios na matemática e existe aquela coisa como também nós falamos anteriormente do aluno ver a matemática como algo muito difícil e muitas vezes, como já falamos, a sociedade vê como quem aprende é uma coisa assim diferente. Na verdade não é, são capacidades de leitura diferentes e tem alguém que lê mais rápido e vai, faz, entende, compreende, memoriza e faz as coisas e outros que tem dificuldades. Hoje o que eu fico preocupado é realmente quando você submete as pessoas à avaliação de matemática, a avaliação também é questionável, mas os resultados da avaliação estão sendo fracos. Então eu fico com a dúvida, será que não existe, por não ter mais como era no passado aquela visão de vamos formar os engenheiros, você não ter mais isto? Será que o pessoal agora está sem rumo? De repente a criação de um modelo mais ligado a uma visão social, mas ligado aos grupos onde está se realizando o processo educativo, de repente seja uma saída, mas tem que ser também uma questão de possibilidade. Se o cidadão quer um curso que permita a chegar a ser engenheiro, também tem que ter acesso a isto e eu acho que isto seria uma coisa até mais difícil, mas.

ENTREVISTADOR: Um caminho do meio?

PROFESSOR (A)-2: Não, você teria que permitir que as pessoas tivessem opção, então àquele que fala: “Eu quero ir para parte de ciências exatas.” Fosse permitido a ele um curso que realmente seguisse este caminho. “Ah não, eu tenho uma série de dificuldade, mas eu quero aprender uma matemática que permita com que eu consiga ter uma visão crítica do ambiente, uma visão crítica daquilo que eu leio uma visão crítica em cima das minhas contas domésticas, ter uma visão crítica em cima até deste universo consumista e que eu não me perca aí neste bolo consumista e acabe sendo o inadimplente fichado nestes órgãos aí de proteção ao crédito".

ENTREVISTADOR: Mas não tem aí talvez um problema lá no ensino superior que acaba travando a gente? Fiquei com está impressão ouvindo sua fala, porque assim: se o cara vai fazer matemática é talvez o curso de matemática devesse pegar ele em um nível mais baixo e não, porque não a educação básica deixar ele em um nível tão alto ao ponto dele já chegar na, porque está é uma das tradições brasileiras que a gente prepara para a universidade e a universidade já pega dentre os bons ainda pega os melhores. Talvez não seja uma questão aí para ser repensada assim, ao invés da gente abrir mão do que é fundamental para a gente trabalhar para preparar para universidade, o que a gente faz? A gente tenta preparar para universidade e abre mão do que é fundamental.

PROFESSOR (A)-2: É a gente poderia seguir neste caminho, mas o processo histórico não está indo neste caminho, quer dizer, o modelo que está aí pelo jeito ele vai ficar. O que se procura hoje em dia talvez aumentar o tempo no ensino fundamental seria então, a gente já está vendo a prática aí de oito para nove anos. Então, quer dizer, esta regressão no modelo eu acho difícil. Aliás, quando você falou isto me lembrou de algo que se pensou no meio do caminho, isto na década de 80, quando diminuiu aquela ênfase de você fazer aquela preparação para o trabalho 82 por aí, se pensou o seguinte: se nós definirmos um programa, talvez para o ensino médio, a universidade acate isto e não fique colocando os níveis lá em

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cima de exigência, a baixa de exigência no vestibular. Foi uma coisa que surgiu no meio da conversa dos professores de química em 82, mas nunca se tornou realidade. Que dizer, o pessoal de universidade continua mantendo o nível lá em cima e o pessoal do ensino médio aí trabalha, aí talvez por projetos, outros ficam felizes no meio caminho, aí sei lá, aí vai lá...

ENTREVISTADOR: E aí na verdade a gente acaba tirando a possibilidade das pessoas é isto?

PROFESSOR (A)-2: Oi!

ENTREVISTADOR: Por que no meio disto tem o aluno e este aluno que...

PROFESSOR (A)-2: Sim.

ENTREVISTADOR: Se você faz a opção aqui, o ensino superior não muda lá, que dizer, este aluno ficou no meio do caminho.

PROFESSOR (A)-2: Justamente. E aí fale uma coisa, não sei se eu vou conseguir contar com tanta graça, mas eu sei que aconteceu comigo e todo mundo que estava em volta morreu de dar risada. Eu estava em uma festa sentado em uma cadeira de plástico, sabe aquelas cadeiras de plástico?

ENTREVISTADOR: Sim.

PROFESSOR (A)-2: E estávamos discutindo a respeito da educação, eram pais, eles estavam inconformados da sua filha não conhecer bem as coisas, eles falavam: “Poxa vida quando eu fiz o ensino fundamental eu conhecia mais coisas ela não sabe, a culpa é dos professores.” Aí eu falei: “Não, eu tenho que defender, não vou aqui ouvir e ficar quieto.” Então eu procurei trazer a idéia de que o professor não é o único responsável por aquilo que ele disse que faltou no ensino da filha, falei que havia todo um sistema, sistema de leis, havia um governo. Naquele momento eu falei: “Olha o governo inclusive que a gente está, que sua filha estudou é um governo que ele começou falando a respeito de qualidade de educação, aí mudou secretario, mudou tudo, aí ficou tudo perdido e depois você não sabia bem qual que era a condução para que se deveria se dar dentro da escola do ensino fundamental.A hora que eu falei o nome do governante minha cadeira caiu, ela quebrou, o pé da cadeira literalmente quebrou, sabe o nome deste cidadão?

ENTREVISTADOR: Não.

PROFESSOR (A)-2: Maluf. Cabei de falar Maluf a cadeira quebrou. Tal peso que certas pessoas deixaram na sociedade.

ENTREVISTADOR: E na sua atenção também, porque eu imagino na hora que você falou Maluf você...

PROFESSOR (A)-2: “PRONF” a cadeira...

ENTREVISTADOR: Gente que caso sério.

PROFESSOR (A)-2: Mas enfim, esta falta de natureza ou está mudança quando entra um secretario de vamos trabalhar nesta forma, mudar não, totalmente diferente. Então existe esta questão da grande mudança e muitos professores acabam ficando pelo caminho e aí faz assim uma mais fácil reprodução do que fizeram com ele. Veja bem, na questão da reprodução boa parte dos professores que estão aí já com 20 anos pegou uma época aí que você tinha uma cobrança muito grande de notas, bem que seria ação e hoje com educação em ciclo, principalmente dois ciclos como estamos atualmente, destes professores não me passa uma sensação de perda de poder. Então eu vejo muitas vezes a gente conversa: Ah vamos trabalhar para cá, o outro - Ah estou trabalhando para o outro lado – é isto. Eu acho que as coisas poderiam ser ao menos mais claras, vamos ter uma preparação, uma inclusão, vamos e vamos transformar isto no concreto e vamos fazer só que o governo assume e não ficar na culpa do

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professor lá que fez ou que não fez. Tem que assumir que diante da sociedade que é ele que está conduzindo a educação pública neste País.

ENTREVISTADOR: E talvez até a sociedade, porque eu acho que a gente enquanto grupo social a escola ficou meio perdida. A gente não valoriza mais a educação tanto quanto valorizava. Mas PROFESSOR (A)-2 vamos partir para um...

PROFESSOR (A)-2: Eu consegui responder a sua pergunta?

ENTREVISTADOR: Com certeza.

PROFESSOR (A)-2: Então está bem.

ENTREVISTADOR: Vamos partir para um ponto mais, talvez seja o ponto mais, para mim eu tenho muita dificuldade ainda, por mais que eu pense, por mais que eu estude, por mais que eu viva e conviva com isto eu ainda tenho muita dificuldade em lidar com isto, mas quer queria quer não, é um ponto crucial na pesquisa e eu tenho e quero abordar isto com você, mas eu quero que você se sinta livre para colocar da maneira que você quiser ou até entender, se entender que não deva se colocar que não coloque. Está questão tem a ver com este, com a minha escolha do Jairo Ramos, com a minha escolha do Silvio Portugal. (Conta história sobre TV USP, Pirituba e sobre pesquisas). O aluno negro tem um desempenho pior em matemática que os demais, ainda que os dois estejam em uma mesma classe, com o mesmo professor e more no mesmo bairro. Diante disto a gente tem algumas possibilidades e uma dela é: não aí eu não posso falar para você das possibilidades, porque na verdade eu queria que primeiro você falasse o que você pensa sobre isto?

PROFESSOR (A)-2: Então, quando a gente conversou, acho que a gente até conversou por telefone e você colocou isto daí, eu senti que eu não tinha dados quantitativos, por quê?Porque na educação de jovens e adultos, você também tem muito adulto, independente realmente o adulto que tem certa dificuldade, deficiência por ter uma cabeça ocupada, etc. Então ele na verdade o que a gente percebe na educação dos jovens e adultos é que o jovem ele tem mais facilidade de aprender, mas é mais difícil você segurar a atenção dele, o adulto ele tem toda atenção para você, mas ele tem dificuldades para entender ou compreender aquilo que você está escrevendo, ou dizendo. Então eu não tenho dados quantitativos, vamos dizer, com relação ao desempenho e raça. Então com relação a isto se eu falar é no campo das possibilidades, mas não que eu tenha isto na prática e nem que eu tenha percebido.

ENTREVISTADOR: Bom aí então nós temos duas possibilidades ou você diz assim: não tenho uma avaliação, ou trabalha com está especulação mesmo, porque assim...

PROFESSOR (A)-2: Mas foi isto que eu comentei, eu não tenho uma avaliação que eu gostaria, a te quando você me falou, eu falei: “Poxa vida tantos anos e eu nunca relacionei estas duas matrizes.” Você entendeu.

ENTREVISTADOR: E até, porque eu tenho a impressão de que hoje para quem não está muito próximo da comunidade negra, identificar o negro ou eu não gosto do termo, mas enfim, os afro-descendentes, porque este termo veio no sentido de encampar um grupo maior, que tem algumas pessoas que você não percebe fisicamente, pelo fenótipo você não sabe que ela é negra ou não e às vezes ela é negra e tem toda uma história, todo um envolvimento. Mas assim o fato é que as duas pesquisas estão aí, elas se comprovam...

PROFESSOR (A)-2: E só um comentário. Você falou aí no fenótipo, você sabe que têm antecedentes e parte é negra. É que meu bisavô casou com uma portuguesa, meu avô casou com uma descendente de espanhola e meu pai casou com outra portuguesa, aí a cor que eu fiquei.

ENTREVISTADOR: Bom isto faz parte do processo histórico brasileiro.

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PROFESSOR (A)-2: Você entendeu. Então eu não sei se até por causa disto, de não ter esta ou de que dizer que eu tenho um pouco da raça negra, para mim são todos iguais você entendeu? Então eu só estou fazendo um comentário, acho que talvez me veio à mente quando você falou de fenótipo me veio à mente deixa eu colocar isto daí também, que eu nunca mostrei minha foto de família para você. Então eu acho que por causa até desta questão de nascença, eu não perceba estas diferenças assim em sala de aula. Mas vamos para o campo das hipóteses. Vamos dizer que justamente você tem déficit aí com relação à falta de investimento de posses, você vê quer queira quer não, foi no final do século XIX, não é isto?

ENTREVISTADOR: Sim.

PROFESSOR (A)-2: Que realmente houve a alforria é isto?

ENTREVISTADOR: Abolição.

PROFESSOR (A)-2: Abolição. Que houve a abolição e este pessoal estava distante do capital de posses nenhuma e literalmente eram escravos totalmente dependentes do senhor, dependentes fazendeiro, dependente infelizmente de quem os possuísse, era posse. Inclusive tem alguns filmes que tratam bem desta visão, que dizer, o escravo era posse do seu senhor e o que acontece? Este pessoal para poder crescer nesta sociedade teve muita dificuldade. Então eu acredito que se nós formos ver a questão da visão de renda, eu acho que a gente vai ter uma grande parte da população de baixa renda sendo negro e se ele baixa renda e negro, ele vai ter dificuldade na sua vida profissional e na sua vida educacional. De repente ingressando no mercado de trabalho mais cedo, não tendo acesso em materiais educativos. Então aí você acaba tendo a situação em que o cidadão ele acaba não tendo acesso aos meios, não tendo acesso a melhor educação e ele acaba então tendo o menor rendimento então aplicasse uma prova menor rendimento. Diga-se de passagem, voltando no tempo, eu me lembro que eu estava na segunda série e até hoje é aquela sensação, poxa vida havia uma coisa tão interessante naquela época, se perdeu. Tinha um pessoal da minha sala, da segunda série e boa parte era classe média e tal, grupo e tal, também aqui em Pirituba. Mas havia naquela segunda série uma menina que era muito pobre e se percebia que tinha poucos materiais, quer dizer, era muito pobre e olha o rendimento dela era muito pequeno em relação aos outros da sala, muito pequeno mesmo. E o que é chato, criança é criança segunda série olha, eu me lembro até hoje quanto ela foi excluída. Então toda vez que se fala de inclusão eu me lembro desta colega.

ENTREVISTADOR: E ela era negra?

PROFESSOR (A)-2: Não, não chegava a ser negra não.

ENTREVISTADOR: Era pobre mesmo, questão da pobreza.

PROFESSOR (A)-2: Pobre. Questão da pobreza mesmo está. Então, porque é esta visão que eu quero dizer; o acesso à riqueza, o acesso a bens acaba prejudicando realmente o acesso a uma melhor educação. E aí vale, eu acho que a gente começou isto, aliás, acho que não foi aqui foi no outro serviço que a gente comentou, vale dizer que uma reportagem descente estava falando que no Rio de Janeiro as pessoas de classe mais baixas estavam fazendo um esforço adicional para poder colocar seus filhos em escolas particulares para poder tentar dar um ensino um pouquinho melhor para eles do que as escolas públicas estavam dando. Então realmente está questão de possibilidade, de se ter dinheiro, de se ter capital está diretamente ligado com educação, quer dizer, se todo mundo quer ter uma educação melhor você tem que ter capital para você poder colocar o filho em alguma escola, em alguma coisa deste tipo.

ENTREVISTADOR: Mas então você acredita que está mais ligada a questão social do que a questão racial?

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PROFESSOR (A)-2: Esta é minha avaliação. Digo pelas vivencias, te falei até desta colega minha, que não era negra, mas eu senti muito isto. Poxa vida a gente excluía ela e até hoje eu fico assim: poxa o que aconteceu com está colega? A gente sabe.

ENTREVISTADOR: Por que eu fiz?

PROFESSOR (A)-2: O que a gente fez.

ENTREVISTADOR: Eu tenho umas passagens também bem. Se bem que as minhas são muito ligadas à questão racial, mas assim eu vou tentar lidar com você com a questão racial em dois aspectos e tentar ver isto como não sendo uma questão pessoal, porque tem a questão da lei 10.639 que é um ponto que eu quero está discutindo com você também. Mas assim, e aí eu estou partindo de uma interpretação pessoal minha de situações. (Fala sobre o racismo, suas leis e cita exemplos). Como e de que maneira você acha que isto possa estar afetando a aprendizagem desta criança? Este é o primeiro ponto. O segundo ponto tem uma lei que é a 10.639 que obriga a escola dando prioridade aos cursos de história, língua portuguesa e artes em trabalhar a África e a cultura negra brasileira na escola. É prioridade para estas três frentes, mas assim todas as disciplinas deveriam está trabalhando ou devem está trabalhando está questão da cultura negra dentro da escola, e aí a segunda pergunta: Você acha viável? De que maneira você acha que isto possa ser aplicado assim em um primeiro momento, numa primeira reflexão sua a respeito. São questões difíceis?

PROFESSOR (A)-2: É. Com relação à primeira pergunta que a escola realmente esta ou não esta preparada para receber este aluno negro, eu acho que realmente a escola não esta e até por uma questão de analogia com o portador de deficiência. Com relação à segunda pergunta que é a transação que obriga, impõe, determina realmente um trabalho na escola com relação à cultura negra eu acho isto muito positivo e eu acho que isto foi um avanço e eu tenho reparado realmente materiais, livros e etc. que tem chegado à unidade neste sentido. O que seria interessante seria ver se existe um acompanhamento pedagógico, ou seja, se isto realmente está sendo efetuado na sala de aula. E eu não sei se os coordenadores da escola estão tomando este cuidado. Volto a falar, se você fala para o professor é importante isto daí e ele assume está importância, ele vai trabalhar isto daí, mas agora se não houver nenhuma cobrança possivelmente vai ficar no formato da lei ou a lei não vai pegar, não sei se é o termo que o pessoal usa então a lei não pegou. Vamos então para próxima pergunta está certo.

ENTREVISTADOR: Ah é as quatro questões básicas. (Fala sobre as datas de foco da entrevista). Ele encampou um projeto do governo federal chamado A Cor da Cultura, você teve contato com este projeto aqui na escola?

PROFESSOR (A)-2: Então como neste período aí, só um ano que eu tive envolvido, neste um ano não houve e eu não acompanhei este trabalho A Cor da Cultura. Houve sim, alguns grupos de formação que dentro das coisas eles trataram um pouco a respeito da cultura. Na verdade era mais sobre a inclusão e da inclusão eles trabalharam um pouco a respeito da cultura e aí no caso do negro. Tanto é que eu achei muito curioso, eles passaram um filme onde eles faziam à inversão, quer dizer, quem detinha o poder econômico, a liderança era os negros e quem, vamos dizer operariado, mais pobres eram os brancos. O filme brincou com está visão da cor para chamar a atenção da questão racial. Então vamos dizer, quando você falou para resgatar, eu até andei olhando os escritos e o meu material foi este, sobre inclusão que incluía a questão racial.

PROFESSOR (A)-2: Qual que era a pergunta?

ENTREVISTADOR: A pergunta era se você, se a escola te colocou a par do projeto chamado A Cor da Cultura?

PROFESSOR (A)-2: Não me lembro. Agora tem o seguinte, fazendo o JB eu acabo não tendo estes horários pedagógicos e o horário a mais é uma hora atividade em CCH, mas agora

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CCH é prioridade em sala de aula. Então tudo esta entidade que inclui pedagógico realmente acaba ficando um pouco distante.

ENTREVISTADOR: Por fora. Só para...

PROFESSOR (A)-2: Só para não dizer que fico por fora.

ENTREVISTADOR: Meu filho trabalhou neste filme, Vista Minha Pele.

PROFESSOR (A)-2: Isto, este mesmo, Vista Minha Pele.

ENTREVISTADOR: (Conta sobre o papel que seu filho teve no filme e sobre o filme).

PROFESSOR (A)-2: Mas aquilo ficou daquele grupo de formação ficou.

ENTREVISTADOR: Foi feito aqui na escola?

PROFESSOR (A)-2: Olha foi feito no grupo saía daqui e ia para o Silvio Portugal.

ENTREVISTADOR: Ah Silvio Portugal?

PROFESSOR (A)-2: Para Silvio Portugal. A gente fez junto com o pessoal do Silvio Portugal.

ENTREVISTADOR: Ah eu já sei, é outro projeto e eu trabalhava no Silvio Portugal nesta época, mas era outro projeto. E para você aquilo foi interessante?

PROFESSOR (A)-2: Foi muito interessante.

ENTREVISTADOR: Trouxe alguma coisa de nova?

PROFESSOR (A)-2: Sim. É aquela questão de você usar o meio de comunicação que é o cinematográfico, abordando está questão do racismo e a inversão dos valores.

ENTREVISTADOR: A outra.

PROFESSOR (A)-2: Está inversão de papeis não de valores, de papéis.

ENTREVISTADOR: A outra questão PROFESSOR (A)-2 é a Teresa já foi? Com relação à bibliografia que a escola recebeu e que os professores deveriam estar e ter sido participado e se eu não me engano são 40 títulos que vão desde a primeira série até a uma bibliografia pedagógica mesmo direcionada ao professor de como lidar. Isto passou por você de alguma maneira?

PROFESSOR (A)-2: Eu não. Olha na verdade este livro, até bons livros que chegaram à biblioteca, ficou assim: “Olha pessoal este canto da estante.” Para você ter uma idéia, este canto estão os livros para os professores que é voltado para parte pedagógica, mas aí volto a falar, não sei se no horário pedagógico se foi comentado que tinha lá coisas importantes desta bibliografia, mas, por exemplo, um dos livros que eu vi para ser usado com a educação dos jovens e adultos da EJA, eu vi que ele interpolava está questão já da cultura negra e eu achei isto aí bem interessante e mais ainda quando você falou: “Olha realmente a coisa está.”...

ENTREVISTADOR: Está ganhando cor.

PROFESSOR (A)-2: Está ganhando cor. Por isto volto a falar em um país onde as coisas pegam outras não, você acredita que a coisa vai interagir, vai passar a resistir.

ENTREVISTADOR: Tomara. PROFESSOR (A)-2 eu quero agradecer você, acho que sua fala foi de muita qualidade para mim. (Faz agradecimentos e comentários).

FINALIZA A ENTREVISTA.

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Anexo 6 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-3 ENTREVISTA COM O SR. PROFESSOR (A)-3.

Transcrição: Cristiane Appel.

ENTREVISTADOR APRESENTA E INICIA A ENTREVISTA.

ENTREVISTADOR: eu gostaria de começar ouvindo o seu posicionamento de como deva ser o ensino de matemática para você.

PROFESSOR (A)-3: eu tenho 35 anos trabalhando no magistério e quatro anos fora do magistério, e esses 35 anos eu passei praticamente na sala de aula. Com cinco ou seis anos na prefeitura eu sai da sala de aula e fui para o laboratório de informática, sem experiência nenhuma. A gente quando assumimos, nós tínhamos feito um curso de uma semana para ter a idéia do projeto que iria ser implantado em relação à informática, mas praticamente eu tenho 31 anos em sala de aula. Esses 31 anos eu posso dizer que em relação ao ensino da matemática, esse trabalho todo que eu tive foi praticamente dentro do ensino da matemática, da maneira como0 já foi colocada, tradicional e clássica, usando muito livro didático e muito também sem livros didáticos, aulas expositivas, poucas aulas práticas no sentido de colocar algumas experiências novas, não por falta de vontade, mas dentro de uma formação que a gente como professor recebeu e que dali para frente o ensino foi encima da matemática mesmo. Pouquíssima discussão em termos de educação matemática nos anos 80 e 90, a partir dos anos 90 começaram a se discutir um pouco mais a educação matemática para atrelar aquilo que a gente passava para os alunos com uma questão mais prática, mais do cotidiano. Infelizmente isso ficou muito no papel, do meu trabalho eu consegui muito pouco da implantação do trabalho nesse sentido, não for por falta de vontade, mas por uma questão mesmo prática. Nós tivemos muita dificuldade com relação a projetos coletivos, onde talvez a gente pudesse de uma maneira mais prática desenvolver um trabalho e infelizmente eu consegui pouco isso na minha carreira. Hoje eu estou me aposentando e tenho a consciência tranqüila de que eu fiz um trabalho, porque sempre fiz com objetivo na cabeça, com relação à matemática, sempre procurei fazer com que os meus alunos pelo menos com relação às operações básicas que eles deveriam saber das operações matemáticas básicas e interpretar um pouco daquilo que a gente colocava como exposição, entender aquilo e através de algumas propostas de repetição, de colocar essa parte teórica e alguns exemplos e a partir daí desenvolver o trabalho e tentando sempre associar com problemas, mas de modo geral o trabalho eu não sei se eu poderia dizer que foi satisfatório, mas sempre levando em conta o objetivo que a gente traça no final do ano, o objetivo da escola em primeiro lugar e o objetivo dos planos com os colegas professores.

ENTREVISTADOR: eu estive recentemente com uma colega nossa que tem uma carreira no magistério em vias de se aposentar, e eu me permiti fazer uma analise daquilo que eu estava percebendo nela naquele instante. Você se aposentando e seguindo essa idéia que você estava trabalhando em cima de um projeto tradicionalista, mas a impressão que eu tenho é que essa pessoa é uma pessoa muito guerreira, muito ligada a categoria, mas ela estava tomada de um desanimo enorme. Eu não estou vendo isso em você, eu estou vendo você até cansado, mas eu estou vendo você com a cabeça erguida.

PROFESSOR (A)-3: exatamente. Eu acho que valeu. Eu tive uma formação até chegar a dar aula que foi uma formação acadêmica, onde no ginásio eu fiz um ginásio industrial, e nesse ginásio industrial que tinha a parte prática nas oficinas à tarde, eu fiz mecânica de máquinas, e eu aprendi ali que para a minha vida seria muito importante. Eu diria que a organização que a gente tinha enquanto pessoa de organizar as coisas e planejar as coisas, eu aprendi muito nesse curso que eu fiz, mesmo sendo ginásio. Isso ficou para mim como uma coisa importante na minha vida, organização, cumprir horários e procurar fazer aquilo que me

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foi proposto, isso eu levei para vida toda. Eu acabei o ginásio industrial e fiz um estágio e só foi parte prática e logo depois do estágio eu já fui convidado para trabalhar como instrutor, e como instrutor essas coisas ficaram bem enraizadas em mim, a questão da ordem, do planejamento, então a gente tinha que fazer assim, inclusive no estágio que eu fiz a gente tinha que fazer uma produção que lhe foi dada, chegava no final do mês a gente tinha um salário, mas você recebia porque você tinha produzido alguma coisa. Isso na minha vida ficou como uma coisa interessante, eu quando comecei como instrutor, eu fiquei esses quatro anos que eu disse que não foram de magistério, foi na mecânica. Eu via nesses quatro anos o resultado daquilo que eu fazia e depois desses quatro anos essa escola que eu trabalhei era uma escola que precisava de um professor de matemática, porque eles tinham problemas que não paravam professores de matemática na escola. Como eu já tinha feito o colegial e já estava começando na faculdade, eu já estava habilitado parcialmente para dar aulas de matemática. Comecei sem muito pensamento ou coisa que era aquilo que eu queria e foi assim. Então, o que me deixou essa parte de alguém que trabalhou em uma mecânica, que dava produção e no final do mês via o resultado daquele trabalho. Comparando com as aulas de matemática eu ficava muito invocado porque, às vezes quando chagava no final do ano a gente fazia um conselho de classe, a gente discutia os casos de alunos que tinham passado de ano e ficava analisando qual o conhecimento que ele tinha adquirido, e eu ficava invocado, porque tinham várias, naquela época repetia mesmo, o aluno tirava 4,9 estava retido, naquele tempo não tinha muita chance como tem hoje. Com isso eu ficava muito invocado, porque nos tempos que eu fazia mecânica e produtividade eu via resultados e na educação eu não conseguia ver muito esse resultado e esse tempo todo que eu estou no magistério, eu ainda me cobro isso, mas eu estou falando que eu saio de cabeça erguida, porque eu fui fiel aos meus princípios de ter um horário para trabalhar, eu não faltava, então na minha cabeça ficou isso, de fazer um trabalho com responsabilidade e sempre aberto para fazer um trabalho diferenciado. Mas dentro dessa proposta infelizmente eu não consegui muito, mas senti, porque quando eu tive alguma oportunidade de fazer, a gente chegou a fazer um trabalho onde se lia um livro que falava muito do cidadão de papel, a gente leu e fez um trabalho de português, matemática, geografia e história. Em matemática a gente entrou e fez estatística, fez pesquisa, para mostrar a associação que deve ter as coisas. Então, até teve um ou outro trabalho, mas de um modo geral não teve, eu nunca desanimei e procurei contribuir mesmo que de modo tradicional, procurei sempre me entender com os alunos, nesse tempo todo eu tive pouquíssimos casos de alunos que me deram trabalho no sentido de encrencar comigo, mas sinto que poderia ter feito muito mais com relação ao trabalho coletivo. Então, na pouca experiência que eu tive no trabalho profissional como mecânico, que a gente via um resultado, na escola faltou isso, eu não chegava a ver isso, eu achava que passava conhecimento para o aluno, mas nesse ponto faltava um resultado melhor.

ENTREVISTADOR: como você entende a sua relação com os alunos hoje em função disso? Você é uma pessoa que cobra, que tem a sua maneira de trabalhar, como você chega a um acordo com os alunos a respeito disso?

PROFESSOR (A)-3: hoje em dia eu estou tendo muita dificuldade, com o passar do tempo as coisas se complicaram mais, não com o tratamento autoritário que eu pudesse ter com os alunos e através dele pudesse conseguir disciplina. Há uns 10 anos atrás a gente conseguia a disciplina de certa maneira que talvez eles sentissem mais quando tiravam uma nota baixa. Hoje em dia com esse sistema a coisa ficou pior, porque a idéia entrou em 89 e colocou o sistema de progressão continuada, a idéia era interessante, mas os pais não aceitavam, porque os pais não entendiam como um aluno poderia passar de ano sem saber. Depois veio o estado que passou de dois para quatro anos. Hoje nós estamos pegando alunos de nível médio que realmente tem uma diferença muito grande entre eles com relação à aprendizagem, então nem pensar hoje em pegar um livro que agora o governo manda e começar a desenvolver como se estivesse tudo bem, infelizmente não é assim. Então a gente está formando uma classe muito

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heterogênea em termos de conhecimento e isso traz problemas de disciplina, é aí que entra a questão que você falou de como lidar com isso. O meu modo de ser é conversar, é através do dialogo, da minha seriedade e do meu compromisso, fazer com que o aluno perceba isso e que haja uma reciprocidade. Então, através disso de um modo geral eu me dou bem com a classe e consigo desenvolver o meu trabalho, mas cada ano que passa fica muito mais difícil, porque você fala uma linguagem que às vezes não atende a expectativa do aluno, porque eles muitas vezes não estão entendendo. Quando a gente está levando no ensino tradicional, a gente faz uma parte teórica e mostra um problema, como no primeiro ano que a gente trabalha com funções de primeiro e segundo grau e outras que muitas vezes a gente não consegue nem chegar. O aluno vê aqueles cálculos mais elaborados na lousa, devido toda essa problemática desde o ensino fundamental, ele simplesmente não tem interesse e não tendo interesse realmente a disciplina fica pior. Então, a gente tem que saber lidar com isso, se tem um conteúdo que a gente tem que dar em um plano que a gente sempre faz, eu chão importante deixar isso em conta, a gente tem que ter sempre na cabeça o objetivo que a gente traçou e tentar cumpri-lo. Isso fica cada vez mais difícil, a disciplina, a aprendizagem, o conhecimento que de um modo geral não está muito compatível com o que eles estão vivendo lá fora, porque fica muito na teoria. Em segundo lugar devido a essa falta de conhecimento também, eles tem dificuldade de ver um exercício daqueles na lousa, só de olhar eles já se acham incapazes, então fica muito difícil.

ENTREVISTADOR: da maneira como você fala, parece que tem outra coisa no meio. A matemática mudou, a escola mudou, o aluno mudou?

PROFESSOR (A)-3: o aluno mudou e a escola falta alguma coisa no sentido de que o aluno sinta que aquilo que eles estão recebendo da escola é importante para eles. Isso de modo geral é difícil, mas eu vejo que lá fora eles têm um estilo de vida com o meio de comunicação cada vez mais rápido. Na aula eu vejo assim, por exemplo, este ano todos estão com celular, mais de 80% estão com Ipod, e aqui na escola eles tem um regimento que é assim, uma das normas disciplinares é que o aluno não traga rádios e outros objetos do gênero na aula, então fica aquela coisa de saber administrar até isso. Eles estão em outra e então o interesse fica cada vez mais prejudicado. Nessa escola que a gente poderia ter usado o laboratório de informática, infelizmente não é possível porque tem problemas de manutenção, tem problemas de loca também, porque era uma sala e depois passou para outra e com isso a gente não consegue incrementar alguma coisa diferente que para eles será melhor.

PROFESSOR (A)-3: eu não tenho o mesmo tempo que você no magistério, mas eu passei durante muito tempo por uma fase em que todos ficavam esperando o professor de matemática para saber se o aluno reprovava ou não. Isso dava um certo poder para o professor de matemática e talvez tivesse um respaldo da sociedade que permanece até hoje, primeiro que a matemática é difícil, que só consegue ir bem em matemática quem é mais inteligente e outras coisas nessa linha. O que você pensa a respeito disso?

PROFESSOR (A)-3: eu acho que tem um pouco disso mesmo, tanto é que para nós aqui da escola estadual, a secretaria já lançou como uma proposta de trabalho que o ano 2008 comece com os primeiros 45 dias só com português e matemática, então quem é de outra área de alguma maneira dentro da sua disciplina vai ter que levar em consideração a leitura, a interpretação de texto e na matemática as funções básicas que são fundamentais e lendo e interpretando as resoluções de problemas. Então, eu acho que continua um pouco assim, embora esse problema que foi criado para cabeça do aluno eu vejo que no nível médio eles levam sim. Para a cabeça deles, o português e a matemática, eles ainda têm certo olhar diferenciado para essas disciplinas, eu acho que pela dificuldade do jeito que é trabalhado, realmente eu acho que tem tudo haver e ainda continua assim, embora a gente está em uma situação que hoje, por exemplo, a gente teve conselho de classe e aqui a gente leva em consideração que de 11 disciplinas que eles têm, se o aluno chegar aqui e tem dificuldade em

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três disciplinas, ele acaba sendo promovido, levando em consideração o que ele fez no global. Então, tem alunos que são espertos que escolhem as três disciplinas que eles acham que não devem se esforçar e eles sabem que eles vão ter essa chance, então conforme o tempo vai passando, eu acho que até isso está diminuindo agora. Não é levar em consideração que a matemática ou o português é mais importante, na minha cabeça nunca passou isso, para mim importante são todos, sem duvida nenhuma, mas esse tabu da matemática tem até hoje mesmo.

ENTREVISTADOR: o que você acha a matemática é alguma coisa para algumas pessoas só, é só para as pessoas mais inteligentes?

PROFESSOR (A)-3: eu acho que dentro do nosso ensino tradicional, para a cabeça de alguns alunos fica assim mesmo. Quando ele não tem interesse pela matemática, como eu tive muitos alunos nesse ano, eu não sei qual a tática que eu deveria usar para que eles tivessem um pouco mais de incentivo e quisessem fazer alguma coisa. Do trabalho como é desenvolvido o aluno que tem dificuldade, realmente...

ENTREVISTADOR: mas é uma questão de interesse ou é a questão de inteligência, de facilidade?

PROFESSOR (A)-3: eu acho que tem um pouco de inteligência também, porque na parte das exatas, pelo menos com a experiência que eu tenho eu vejo que tem alunos que tem muita dificuldade, mas eu não sei se isso também foi por falta de um trabalho no ensino fundamental. Eu acho que todos têm uma mente para poder compreender as coisas e desenvolver pelo menos o básico, não tem porque não desenvolver o básico.

ENTREVISTADOR: o erro de alguma maneira pode até ser da matemática?

PROFESSOR (A)-3: eu acho que sim.

ENTREVISTADOR: eu fico pensando às vezes nessa coisa da matemática. Eu não sou a favor de eliminar conteúdo, mas eu fico pensando do muito que se trabalha em matemática e que fica perdido. Em outra entrevista eu tive uma pessoa falando para mim de algumas coisas que ela nunca mais viu na vida. Aí eu me pergunto, se você que é professora de matemática nunca mais viu, porque ensinar isso? A gente corre o risco de alguém pensar, a gente aprende tudo isso e depois não usa para nada, tira a matemática do currículo. Como é isso, porque se ensina matemática, ou porque se aprende matemática?

PROFESSOR (A)-3: as coisas são difíceis de mudar, é uma coisa que já vem a tanto tempo que a mudança na educação pode acontecer a longo prazo, eu acho que só vão acontecer se realmente for desenvolvida uma proposta de trabalho que eu acho que apara sair dos professores eu acho difícil. Teria que ser uma proposta que deve vir do governo municipal ou estadual. Uma proposta no sentido de começar a desenvolver a matemática ou outras disciplinas com os alunos da primeira série do ensino fundamental. Só que as coisas não podem ser fragmentadas, quando eu vou falar de matemática eu não posso não associar a matemática com leitura, com entender o que está lendo, as coisas tem que andar juntas. Então, enquanto não começar um trabalho de compromisso com as crianças de primeira série, vai ser difícil mudar isso que vem há tanto tempo, eu acho que tem que ser por aí.

ENTREVISTADOR: uma coisa que eu tenho ouvido dos professores é que qualquer tentativa que você tenha de mudar o trabalho, até o próprio aluno parece que tem uma cultura do que seja matemática, que ele acha que o professor está enrolando. Esses professores me disseram inclusive que as famílias têm uma resistência. Você percebe isso?

ENTREVISTADOR: as famílias querem que a gente olhe o caderno das crianças, que a gente converse. As famílias quando vê um caderno que tem muitos exercícios, eu acho que a família pensa, o meu filho está tendo bastante coisa. E mesmo a gente quando tem esse trabalho, trabalha por aí, é um trabalho que a gente cobra às vezes muitos exercícios e está

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precisando mais é reflexão. Esse trabalho que eu digo que tem que ser repensado e tem que começar, é o trabalho de reflexão, matemática é reflexão, é pensamento. A gente quando trabalha a matemática a gente coloca problemas e hoje em dia se fala muito de problemas relacionados com aquilo que acontece no dia-dia, pode ser isso e não necessariamente isso, o importante que falta de modo geral, é desenvolver um trabalho mais no sentido de refletir, de pensar. Quando você trabalha com problemas, o aluno não vai nem tentar fazer porque já não tem esse hábito, porque chegou ao ponto que era muito, eu dei uma equação ele fez 50. No ano seguinte você pede para ele resolver uma equação daquela, ele talvez não resolva, equação de segundo grau, eu converso com colegas de oitava série, eles me falam que ficaram um semestre com a fórmula de báscara e quando chega no nível médio, a gente vai fazer algumas equações e eles já esqueceram, não sabem como é. Então, esse trabalho repetitivo que é dado na maioria das escolas, é um trabalho que tem que ser dado, mas não com essa intensidade ou com essa quantidade e tem que começar um trabalho de reflexão com exploração, porque também só problema vai ser uma coisa. Tem que começar um trabalho de reflexão, mesmo que forem poucos, mas são problemas que vão ficar para a classe pensar e discutir. Então, são duas coisas que tem que ser aliadas, a primeira a pensar mais, que falta isso e para isso cultivar um pouco o hábito da perseverança que na matemática falta isso também, então quem sabe a longo prazo eles trabalhem nesse sentido, com atividades que façam pensar mais associadas com as coisas mais concretas e do cotidiano.

ENTREVISTADOR: e os pais?

PROFESSOR (A)-3: nós tivemos um exemplo aqui uma vez, na primeira semana de aula a gente não ir dar matéria, iria só conversar com os alunos e fazer algumas atividades diversificadas para um maior entrosamento e no terceiro dia nós pedimos para que eles trouxessem gibis e tudo mais, como a gente pediu isso para eles os pais começaram a ligar para a escola falando assim: - Como já se viu o meu filho levar gibis para a escola. Os pais não estavam entendendo o porquê disso. Então, isso também tem que ser um trabalho que tem que ser conversado com os pais e ser esclarecido que é um trabalho que vai ser por esse caminho para que eles participem mais.

ENTREVISTADOR: precisa educar os pais também?

PROFESSOR (A)-3: isso.

ENTREVISTADOR: eu já te conheço há algum tempo, já assisti as suas experiências, todos esses trabalhos e esses processos de atualizações que você busca, você acha que interferiu de alguma maneira na questão da sala de aula?

PROFESSOR (A)-3: muito pouco, porque o trabalho que a gente faz na escola, estou falando dessa escola, a maior dificuldade que a gente teve foi fazer trabalho coletivo. Antes porque não tinha coordenação e mesmo agora que tem coordenação a comp0licação é que a gente, na minha cabeça o trabalho deve ser coletivo e é uma dificuldade grande que as colegas nossos, e eu também fui assim, geralmente trabalham os três períodos, então é uma correria e esse trabalho coletivo fica muito difícil de implementar. Então, quando a gente faz uma pós graduação, como eu fiz o ano passado, fiz porque me aposentei na prefeitura, então o meu período de trabalho é das sete até a uma da tarde, então eu fiz porque eu achei que tinha um tempo e que eu teria condições de fazer as atividades que eram propostas na pós e tinha tempo de dar conta do que foi proposto lá. De um modo geral com os colegas, é uma coisa a tem muita dificuldade, porque o grupo que eu estava na pós, todos os meus colegas trabalhavam três períodos e a gente fez a pós de sábado o dia inteiro, para mim foi mais fácil, mas para eles teve muito mais dificuldade. Dar conta de todas as coisas que tem que fazer na escola é muito complicado, quando chega na hora de corrigir provas e dar as notas é uma correria. Então, com mais de 10 salas é muito difícil. Sempre que eu pude eu fiz esses cursos, mas fiz sempre dentro dessa vida corrida e de um modo geral isso me ajudou em sala de aula, mas eu acho

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que poderia ser muito melhor, porque a gente realmente tem muita dificuldade para implementar não tudo aquilo que a gente viu, mas alguma coisa que a gente viu. Eu só vejo que essa coisa tem resultado quando a gente não individualiza muito os conhecimentos, essa dificuldade em reunião para passar e executar as coisas sempre foi muito problemática, a gente faz o magistério sentindo muita falta disso.

ENTREVISTADOR: você acha que a questão da valorização, me parece que é por causa do acúmulo de trabalho e da falta de tempo? Você está me dizendo que a não valorização do magistério interfere de alguma forma?

PROFESSOR (A)-3: sem dúvida, a não valorização do magistério, principalmente na escola pública, faz com que a gente tenha que trabalhar em duas ou mais escolas e o trabalho fica um pouco comprometido, principalmente em relação ao trabalho coletivo que exige um compromisso de reunião e de coisas mais concretas, e você quando fala coletivo, você fala de um grupo e o grupo quando está nessa situação de ter duas ou mais escolas e essa coisas toda. Quando a gente fala isso, nós estamos falando de pais e mães de família, que além da correria ainda tem os seus compromissos domésticos. Então eu sinto que nos estados poderia ter tido uma melhora quando foi feito uma reestruturação de valorização, quando em 98 o Mário Covas reestruturou toda a escola estadual e fez uma mudança grande em relação às escolas e aos planos de carreira e a partir daí poderia ter um eixo diferente do que aconteceu. Hoje em dia nas escolas estaduais, eu vejo muitos jovens entrando e falo para eles: - Você está entrando em uma escola pública onde você tem um plano de carreira onde você só tem cinco níveis para evoluir e de um nível para o outro você recebe 5%, portanto você vai evoluir 25%, e fora isso você tem os qüinqüênios que são cinco ou seis no Maximo, então se você chegar aos qüinqüênios você vai ter uma valorização de quem sabe 60%. Então é uma coisa que eu senti bastante, eu acho que quando foi feito isso em 98 eles poderiam ter melhorado na base, e a partir daí quem já tivesse o tempo teria a sua valorização, mas a base ficou desvalorizada e com essa coisa de trabalhar em vários períodos fica complicado.

ENTREVISTADOR: essa sua fala revela um profundo conhecimento de matemática que é aquela que não aparece no currículo. É uma matemática que te possibilita uma analise critica de colocações, porque essa matemática não aparece na escola?

PROFESSOR (A)-3: você tem razão, às vezes ela não aparece por causa do trabalho muito individualizado que acaba acontecendo. O trabalho quando é individualizado as coisas ficam muito desassociadas, eu acho que a coisa deveria fluir mais em equipe, infelizmente por causa dessa problemática toda as coisas não vão acontecendo. Eu como devo me aposentar o ano que vem, eu acredito que com essa preocupação toda, as coisas tendem a começar a melhorar. A gente tem exemplos de alunos brasileiros que em desafios e olimpíadas se saem muito bem, inclusive alunos que chegaram a ganhar medalha de ouro em olimpíadas de matemática internacionais. Eu acredito que não é possível ficar mais difícil do que está agora.

ENTREVISTADOR: o aluno não é burro!

PROFESSOR (A)-3: de jeito nenhum, o que existe é um trabalho que precisa ser repensado e olhado de uma maneira onde os alunos comecem a pensar mais para fazer as coisas. Mas com também a escola, como você até colocou está muito defasada, então isso também tem que ser levado em consideração para procurar outro caminho que eu tenho esperança que comece a aparecer e que dê certo.

ENTREVISTADOR: vamos voltar ao assunto da escola pública e a política pública. O meu trabalho tem haver com o Silvio Portugal e o Jairo Ramos, tem haver com essas duas escolas na administração de 2001 a 2004, e tem haver inclusive com um projeto que eu sei em off que você participou. Essa administração tentou trazer uma série de atividades onde o objetivo era fazer com que o aluno tomasse mais posse da escola, tornasse a escola mais sua em que as questões culturais aparecessem dentro da escola. Então, houve uma discussão

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muito intensa sobre currículo, a proposta de mudar o conceito de currículo para que nessa nova proposta essas ações fossem... Está embutida nessa proposta a história da escola aberta, do recreio nas férias, do Educon.rádio, e eu sei que você fez parte do Educon. Eu acho que a própria proposta da sala de informática ela tinha um viés assim também. Primeiro eu queria saber as suas intenções de todo esse processo e se ele deu certo até que ponto deu certo e se não deu certo o porquê não deu certo?

PROFESSOR (A)-3: nesse período que você falou eu estava no laboratório de informática do Silvio Portugal. Quando começou esse trabalho no laboratório de informática foram convidados os professores que quisessem trabalhar no laboratório e feita essa proposta teve três professores que se interessaram. Como eu já te disse, nós tivemos três semanas de treinamento, esse treinamento visou mais o mega lobo que é um trabalho que a gente começou a desenvolver com os alunos e foi interessante porque é um trabalho de comando, de raciocínio lógico. Praticamente esse trabalho que eu comecei no laboratório foi um dos pioneiros, eu acho que deu certo no sentido que muitos alunos não só do ensino fundamental como do supletivo tiveram a oportunidade de se familiarizar um pouco mais com o equipamento, que até então há oito ou nove anos trás já estava em evidencia, mas nem tanto. Muitos alunos não tinham computadores em casa, principalmente os do supletivo, nós tínhamos alunos no supletivo com mais de 50 anos. Então, foi muito bom porque nós demos a oportunidade para quem não tinha o equipamento em casa de mexer com isso, do supletivo de perder o medo, porque eles tinham até medo de mexer no teclado. Então foi uma experiência interessante, porque em termos de se familiarizar com o equipamento e perceber a importância daquilo na vida prática, isso foi um ponto muito positivo, não só para a garotada de primeira série como para os alunos do supletivo. Foi importante nesse sentido e foi importante também no sentido de fazer algumas construções no mega lobo como foi falado, nós tínhamos alunos que compreendiam os comandos e faziam como se fosse uma programação a proposta que tinha sido dada para eles e alguns trabalhos de pesquisa depois que começou com a internet. O Entrevistador, eu tive pouco tempo com ele no laboratório, mas ele teve uma proposta de fazer faixas decorativas de mosaicos onde o aluno tinha uma visão de um pouco das figuras geométricas.

(VIRADA DE FITA)

ENTREVISTADOR: você estava me falando do projeto mega lobo.

PROFESSOR (A)-3: como ponto positivo com relação aos alunos o mega lobo foi muito importante, eu n sei se ainda está sendo usado o mega lobo, mas no inicio era só ele e sem dúvida nenhuma eu achava muito importante porque dava condições ao aluno para pensar, para programas e sempre usando muito a criatividade e a organização. Esse foi um programa muito interessante, outro ponto positivo é que algumas atividades que a gente fez foi no programa Clic, e esse programa também davam condições de mexer com parágrafo, de embaralhar e acertar o parágrafo, fazer palavras cruzadas e caça palavras que eles gostavam muito de fazer. Esse programa foi uma coisa bastante positiva que ficou tanto de primeira a oitava quanto para suplência. As pesquisas na internet eu posso até colocar como ponto negativo porque na suplência a gente teve problemas com alunos adultos que sabendo um pouco tentavam entrar em sites inadequados e no laboratório às vezes a gente se prendia um pouco mais com uma dupla de alunos e outros se aproveitavam disso para ver alguns sites que não eram adequados no momento. Em termos de pesquisa foi muito interessante no supletivo, porque as pessoas com mais de 40 ou 50 anos que não tinham tido essa chance ainda, olhavam admirados e outra coisa positiva é que o professor ia junto e sabia o horário do ano inteiro, ele poderia não ir, mas ele sabia que a classe dele iria ao mês uma ou duas vezes. A gente fazia um horário no inicio do ano e dava para o professor ficar sabendo qual o horário que ele tinha que ir e qual a classe que ele tinha que levar, então não levava por levar de jeito nenhum. A idéia nunca foi essa, a idéia sempre foi eles saberem o que o laboratório poderia

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oferecer de trabalho e a gente procurou sempre fazer esse trabalho. Então, eu acho que foi positiva também essa pesquisa na internet, embora tivessem alguns problemas. De negativo nós tivemos problemas no laboratório quando às vezes acabava a tinta do cartucho da impressora e demorava a chegar e às vezes nem chegava, mas foi muito interessante e positivo.

ENTREVISTADOR: e o Educon?

PROFESSOR (A)-3: o Educon foi muito bom o curso que a gente fez, mas eu não sei, tinha problemas com aquele equipamento lá, eu não sei se era o caso de alguém que mexia no equipamento e ficava com problemas, eu se que depois do Educon eu trabalhei mais um ano e me aposentei. Nesse ano que eu poderia ter feito alguma coisa com o Educon não foi feito, o equipamento era até usado, mas não usado como deveria ser. O curso de aprendizagem que a gente teve no Educon, infelizmente não deu resultados práticos por uma série de fatores.

ENTREVISTADOR: qual era a proposta do curso, o que se pretendia com o curso?

PROFESSOR (A)-3: a proposta era que os alunos usassem os equipamentos para criarem programas, não só no sentido de colocar a música como um fator importante para eles na hora do intervalo, mas no sentido de criação de programas na área de ciências ou de geografia e história. Criação de programas que eles pudessem através de entrevistas e através de programas nesse sentido, com orientação do professores, trabalhar qualquer problema. Problema interessante para eles com relação à sexualidade, com relação a trabalho ou a alguma coisa nesse sentido, trabalho com os pais no sentido de formar uma equipe e que nessa equipe tivessem pessoas escaladas para fazer um determinado tipo de atividade, muito diferenciadas com entrevistas e tudo certinho. Teoricamente seria uma coisa muito boa na escola e depois cada classe tendo uma chance de receber esse som, esse programa sendo uma vez feito por essa equipe ser mostrado na sala de aula, mas sempre em conjunto com o professor e o trabalho coletivo. A gente sempre vai cair no trabalho coletivo, onde as coisas aí já não eram tão fáceis, embora teoricamente não fosse muito interessante, mas na prática era muito complicado também. Os problemas que a gente tinha era de manutenção de equipamentos e a questão de formar a equipe com alunos, professores, pais e funcionários e através de um compromisso implementar, infelizmente eu sai e me aposentei e não foi implementado.

ENTREVISTADOR: com relação à questão da música, eu acabei assistindo isso lá no Silvio Portugal, tinha gente demais que determinava e pouca gente que executava. Eu me lembro de ter professor lá em alguns momentos que falavam que tinha que colocar música clássica para os alunos, que esse tipo de música não faz sentido. Vocês no curso foram orientados de alguma maneira para esse tipo de coisa?

PROFESSOR (A)-3: no curso a orientação era que essa equipe teria que ter autonomia para orientar e executar. Claro que quando você fala em equipe o diretor está envolvido, a coordenação também e é isso que tem que acontecer. Então, qualquer coisa diferente disso não faz parte de um planejamento que se precise executar.

ENTREVISTADOR: só para justificar isso, eu não tenho nada contra a música clássica, mas me parece que na proposta tinham umas coisas que permitia essa autonomia e que parece que todos na escola interferiam nesse processo e que de alguma maneira não deixavam acontecer. Eu queria saber se vocês foram orientados na questão do tipo de música, se era para conduzir, para induzir ou para determinar mesmo?

ENTREVISTADOR: de jeito nenhum, a gente teve amostras de trabalho que alguns alunos fizeram que estava funcionando Educon, e era um grupo feliz da vida porque eles tinham a autonomia de colocar a música que queriam depois de conversado e conduzido e não tinha essa coisa que tinha que ser essa ou aquela música. A música tinha que ser da equipe, não adianta querer formar uma equipe que não tenha um tempo para poder planejar e formar

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as coisas, porque essa equipe tinha que ter uma parte técnica, tinha que ter gente nessa equipe que entendesse de ligar, desligar, conservar o equipamento. O problema é formar uma equipe assim, porque se você não tem uma pessoa que tenha um tempo para executar e planejar a coisa não sai. A gente não conseguiu criar no Silvio Portugal uma equipe que tivesse um tempo, por isso que não aconteceu, saiam coisas que careciam de um maior planejamento e das pessoas saberem o que estava acontecendo.

ENTREVISTADOR: lá também teve um problema muito sério com a coisa do manuseio. Eu muitas vezes vi isso e até participei de muitas polemicas. Vamos entrar em outra parte dessa história que é assim: - O ensino de matemática no mundo vai mal, graças a Deus, no Brasil vai pior ainda e eu vou me reportar a duas dessas avaliações externas. Uma das pesquisas é encima de estatísticas, feita no SAEB no Rio de Janeiro e outra feita encima do SARESP, essa foi coordenada por uma pessoa que a pouco você citou indiretamente, mas eu não sei se é de tão saudosa lembrança na educação. Nessas duas pesquisas aconteceram resultados em uma ordem que eu queria comentar com você e pedir para que você comentasse isso. A avaliação dos alunos brasileiros foi muito mal, em matemática foi pior ainda, e a terceira fase, o aluno negro em matemática foi pior que os outros alunos. Inclusive se você pegasse dois alunos na mesma sala de aula, a média daquele aluno que se declarava negro foi muito pior, mas de uma maneira que se você transpusesse os resultados para o vestibular essa média não aprovaria nenhum dos alunos negros. Porque o desempenho aluno negro é pior do que os outros em matemática?

PROFESSOR (A)-3: nunca me fizeram essa pergunta e quando você me faz essa pergunta é interessante, porque na minha cabeça eu nem penso na questão de aluno negro e aluno não negro. A minha cabeça lida com aluno independente da cor, se tivesse que analisar do ponto de vista que você colocou, a experiência que eu tenho é que eu tive alunos negros ótimos em matemática, assim como eu tive também alunos que tiveram muita dificuldade em matemática, mas comparando com os outros eu não vejo na minha cabeça nada que me desse a idéia que ele foi bem por causa disso ou daquilo. Evidente que aqueles que foram bem, eu aqui nessa escola eu conheci alguns pais, eu sou muito de conversar com os pais, apesar de eles virem muito pouco a escola, eu quando tenho chance eu converso e tento explicar que a escola pública é uma escola que a gente tem que participar mais e falo sempre do conselho de escola e quando falo eu não distingo a questão da cor, isso não passa pela minha cabeça. Eu vejo que os alunos que vão bem, eles vem de famílias que dão mais importância a questão da educação, que acompanham mais, então isso sem dúvida nenhuma é fundamental também com relação ao desempenho do aluno na escola. Eu não pensei em uma analise dessa questão da cor, para mim não tem essa que o aluno negro foi pior, ou melhor. Se tivesse dentro de uma sala oito ou 10 alunos negros, eles faziam parte de um todo, na minha cabeça eu não fiz a distinção de saber será que eles foram melhor ou pior, eu nunca olhei por esse lado, portanto eu não tenho opinião, eu nunca parei para pensar nesse ponto de vista. Nenhum me marcou no sentido de eu perceber que ele tivesse problemas na aula de matemática que me chamasse atenção.

ENTREVISTADOR: visto que há um dado de pesquisa, você não consegue trabalhar com a questão como essa que você acabou de dizer: “aluno que vai bem é porque tem uma família bem estruturada.” O que eu entendo é que você quer dizer que talvez porque eles não tenham uma família bem estruturada, isso é uma das hipóteses levantadas na pesquisa e que eu concordo como um dos fatores, mas tem outra coisa que eu queria discutir, mas se eu falar sobre isso eu poderia estar te induzindo a essa resposta e isso eu não quero. Eu quero que você tente usar de uma tranqüilidade para pensar isso com você agora, mas a gente conhece as circunstâncias do aluno na escola. Você acha que de alguma maneira a escola se preparou para receber esse aluno, a estrutura da escola poderia ser melhor para esse aluno?

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PROFESSOR (A)-3: a desigualdade na minha cabeça é uma coisa meio complicada. Eu concordo que tenha desigualdade, mas não faço análises mais profundas para buscar alguns motivos pelos quais isso acontece, é complicado para a minha cabeça lidar com isso.

ENTREVISTADOR: a gente tem vista a questão da sexualidade aflorando mais cedo hoje, principalmente a questão da homossexualidade. Hoje você olha para um aluno de oitava série e você vê de alguma maneira assumindo isso, eu imagino que isso torne uma situação difícil de lidar com isso na sala de aula. Será que a escola está preparada para ele?

PROFESSOR (A)-3: você me coloca umas questões que a gente não discute muito. Eu percebo de uns três anos para cá, mais claramente alguns casos assim, como as meninas, por exemplo, elas não entravam em uma quadra para jogar futebol de jeito nenhum, hoje nós temos aqui time de alunas excelentes, as meninas têm o horário delas, os meninos saem da quadra e elas fazem a parte delas e os alunos encaram isso sem diferença. Outra coisa que eu percebo com relação à homossexualidade, esse ano mesmo, eles tem comportamentos que eles mostram que são um pouco diferenciados com relação à maneira de lidar com os outros e até mesmo de falar. Hoje em dia de um modo geral os colegas estão respeitando e encarando com muita naturalidade essa questão e isso há um tempo eu não via. Se alguém tivesse alguma manifestação nesse sentido ele iria ser debochado e iria até apanhar, hoje em dia eles estão encarando isso com mais naturalidade e estão respeitando. Outra coisa que eu estou vendo é que nós temos exemplos de garotas que namoram garotas, isso eu comecei a perceber o ano passado, porque até então eu não percebia isso. O ano passado havia uma rejeição quando a isso, alguns colegas e professores ou mesmo entre eles, já ficavam com um olhar bem sem entender muito o que estava acontecendo. Esse ano essas meninas continuam aqui e outras já saíram, eu tenho alunas que namoram alunas e pelo menos as minhas alunas são ótimas em matemática, são alunas que a gente tem um relacionamento educado, respeitoso, só que elas têm uma preferência e é uma coisa que hoje em dia está começando a ser mais aceito, não está tendo uma discriminação como tinha há tempos atrás. As pessoas estão encarando com mais respeito essa questão.

ENTREVISTADOR: e com relação à questão da raça?

PROFESSOR (A)-3: eu nunca tive um exemplo de um aluno que fosse negro e fosse descriminado, eu não consegui enxergar isso nem na aula e muito menos no esporte. Os negros eram bons mesmo no esporte, só se fossem descriminados ao contrário porque eles eram super queridos, eles não pensavam em cor, eu não vi de jeito nenhum essa questão. Na minha carreira toda eu não tive nenhum exemplo que me marcou com relação à descriminação de cor. Se eu percebesse eu alguma coisa assim eu entraria com certeza e não aceitaria de jeito nenhum.

ENTREVISTADOR: como é brincar com a questão da matemática com conceito de igualdade? Como é o ser igual para você?

PROFESSOR (A)-3: ser igual para mim é as pessoas terem oportunidades e agarrarem essa oportunidade e através do seu esforço e competência conseguir as coisas. Alguns talvez pelo berço tiveram mais facilidade e outros não, mas a gente tem exemplos de pessoas que tiveram a vida muito batalhadora a e chegaram onde estão porque souberam aproveitar aquilo que foi possível e hoje estão muito bem. Eu me lembro do caso do supremo tribunal federal que nós tivemos um ministro que agora eu não me lembro o nome, esse ministro é super respeitado e ele chegou aonde chegou porque ele agarrou as oportunidades que ele teve. Em toda área que a gente pegar com certeza tem, a USP teve um professor de geografia que já faleceu, mas que vai ficar para história, são pessoas que tiveram uma história de vida que são exemplos para nós que somos brancos e para todos. Então, eu acho que aqui no Brasil as pessoas têm oportunidades, então a questão e igualdade as pessoas têm que lutar, mesmo na sua simplicidade, na sua maneira pobre de viver. Por isso que eu digo, se a pessoa é obre e

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está em uma situação difícil de viver, mas tem um pai e uma mãe que mostra para ela durante a sua infância que existem muitos caminhos para você seguir, mas se é alguém que tem conversa e que é encaminhado no sentido que através do esforço pode conseguir as coisas, essa pessoa pode conseguir.

ENTREVISTADOR: e os que não conseguem? Da maneira como você fica assim: - Quem se esforça consegue. Então quem não consegue é porque não se esforça?

PROFESSOR (A)-3: quando eu falo a pessoa se esforçar é no sentido da pessoa ter a oportunidade e agarrá-la. É complicado, existem muitos caminhos, tem gente que tem sucesso e que não forma pelo caminho da competência, no Brasil a gente está cheio de pessoas assim, mas eu acho que esse caminho que tem na minha cabeça é um caminho que pode dar certo. Eu tenho um filho só, ele tem 24 anos, ele está se formando na USP e o ano passado ele poderia se formar, ele faz letras, português japonês, eu estou falando isso porque estudar japonês, eu vejo estudar e ele conseguiu uma bolsa de estudos para estudar no Japão, ele fez uma prova com japoneses para conseguir essa bolsa. Só tinha uma vaga e ele a conseguiu no meio de 20 alunos, ele ficou um ano no Japão para aperfeiçoar a língua japonesa e ele participou a um ano atrás do primeiro concurso de oratório em japonês, onde você tinha no mínimo 4 minutos para falar da migração japonesa, sem olhar em coisa nenhuma. Então eu estou dando esse exemplo que ele mostrou que através do sacrifício as pessoas podem conseguir coisas que às vezes nem se imagina. Quando eu o vejoele estudando aquilo eu acho super complicado, porque para mim é muito difícil no meu modo de entender. Então o ser humano é assim, se ele tem uma meta, se ele foi bem formado e bem conduzido, e tiver boa vontade e se sacrificar ele consegue aquilo que ele quer.

ENTREVISTADOR: você percebe que quando você falou de boa vontade ela ficou como último dos itens. Quando você fala, quando ele é bem conduzido, eu tive a impressão que você está falando da família, de alguém que o orientasse. Eu não sei nem se isso é papel da escola, mas eu estou falando isso em função de uma lei que é resultado de muita luta, ela está desde 2003 que é a Lei 10.639, que determina as escolas que ensine sobre a história da África, a história do afro descendente, porque a história da África durante 500 anos não apareceu nas escolas. Eu fico pensando nessa criança negra que está lá dentro de uma escola, que ele tem uma historia e que essa história não aparece. Na verdade, até que ponto isso interfere nesse estímulo e nessa aprendizagem dele. Até porque a matemática também tem a responsabilidade de encampar isso dentro da sala de aula. Como você pensa isso?

PROFESSOR (A)-3: eu penso que como é um tema polemico, histórico e doloroso, quanto mais às pessoas não falarem disso, esquecerem disso, como a sociedade na sua maioria é composta por pessoas que não querem nem pensar muito nisso, as pessoas não fazem um esforço no sentido de implementar isso. Eu tenho uma colega que já se aposentou que falava muito da questão do afro descendente, dessa lei que saiu e que já deveria até ter começado com atividades na escola para se falar mais disso. Eu não sei se as pessoas têm algum receio nesse sentido, de começar a falar muito disso e criar entre as próprias pessoas de como vai se pensar mais nessa questão do negro e começar a ter mais conflitos entre o branco e o negro. Porque na medida em que o branco que nunca pensou nisso, nunca você conversou muito sobre isso e quando ele começa a estudar mais sobre o negro e ver tudo que eles passaram para chegar onde estão hoje em dia, quando as pessoas começarem a entender melhor esse problema, eu não sei até que ponto isso vai gerar um conflito, ou resolver o conflito que já existe.

ENTREVISTADOR: ouvir você dizer que as pessoas não querem falar, para mim dá impressão que já existe um conflito e que é melhor não se falar sobre ele.

PROFESSOR (A)-3: eu acho que você tem razão, mas no meu ponto de vista, aí é que está, quando as coisas para acontecer dependem de uma estrutura ou da escola, as pessoas não

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estão preparadas para fazer esse tipo de coisa. As pessoas quando não se sentem preparadas para argumentar ou para fazer um trabalho, elas vão empurrando com a barriga e as coisas não acontecem, não tem como.

ENTREVISTADOR: eu acho que a sua franqueza, o fato de você estar abrindo o seu coração é o que há de mais importante para a análise da nossa pesquisa, então eu gostaria de te agradecer porque foi muito valioso e eu queria te pedir mais uma reflexão. A PROFESSOR (A)-6 do colégio Silvio Portugal, ela fez um projeto chamado Projeto a Cor da Cultura que ela foi ganhar informações para poder socializar com o grupo. Ela é umas das pessoas que eu entrevistei e ela tem uma avaliação de como foi o trabalho com o grupo de vocês, eu não sei se você participou de algumas reuniões, eu queria que você pensasse como foi essa experiência lá com o grupo?

PROFESSOR (A)-3: eu não participei especificamente com a PROFESSOR (A)-6.

ENTREVISTADOR: mas você teve outros momentos?

PROFESSOR (A)-3: eu tive momentos que eu participei do currículo da suplência e se levantou uma professora e falou dessa problemática que você está colocando, mas ficaram uma ou duas professoras em reuniões que não tiveram conseqüências.

ENTREVISTADOR: mas faça um passeio pela sua lembrança e tenha ver como as pessoas reagiram. Como você pode pensar hoje apesar de muitos anos depois, de como as pessoas responderam ali, naquele momento?

PROFESSOR (A)-3: as pessoas sempre tiveram com a idéia de um resgate desse sofrimento todo que aconteceu e de ter algumas políticas para compensar esse sofrimento todo que aconteceu com os negros, então a conversa era que deveria ter sim algumas propostas nesse sentido, como já acontece na relação à entrada nas universidades que existem as cotas, mas de um modo geral, sempre gerava uma polemica porque tinham alguns que entendiam que talvez não fosse esse o melhor caminho, estou falando com relação às cotas. Quem não concordava, eu, por exemplo, não tive muita firmeza com relação a isso, as pessoas que não concordavam é que com relação a entrar na faculdade o que deveria ter era um preparo, na medida em que após esse preparo as pessoas tivessem em condições de igualdade para poder entrar. Mas houve algumas iniciativas nesse sentido de fazer vestibulinho e fazer uma preparação para essas pessoas para que elas pudessem ter chance igual às outras, só que não é possível igualdade de condições, isso nem pensar.

ENTREVISTADOR: eu não entendi.

PROFESSOR (A)-3: as famílias que são brancas, de um modo geral, se a gente olhar bem, eu não sei o percentual de negros que estudam na USP, mas pensar em igualdade de condições, realmente não há essa possibilidade. Então, eu sou a favor que se crie esses percentuais, essas cotas para que os negros tenham a oportunidade e a mesma chance de poder cursar uma faculdade. Então, essa compensação de quando eu fiz o curso e que todos concordaram que deveria ter, eu acho que a implementação dela que já acontece em alguns estados, umas deram certo e outras não. Porque quando se falava às vezes para as pessoas dos alunos como eles tinham que se definir para usar as cotas, às vezes criava problema porque a pessoa às vezes não era negra, olhando nem era negro, mas ele se colocava desse modo para ter essa oportunidade. Então é um a coisa de louco, eu sinto por não ter firmeza na minha argumentação com relação a isso, porque é como eu te disse, deixa a coisa como está, não se pensa muito nisso, eu tenho os meus amigos como você, mas se a coisa ficar quieta sem abrir polemica, as coisas vão acontecendo e vai se levar 100 anos para melhorar isso. Eu acho que já deveria ter começado a ter uma discussão, a conseqüência disso, eu não sei na minha cabeça o que pode acontecer, mas que vai dar mais condições para se criar políticas nesse sentido eu acho que vai.

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ENTREVISTADOR: você foi informado de alguma maneira que naquela administração de 2001 a 2004 todas as escolas da prefeitura receberam uma bibliografia extensa sobre a questão do negro na escola?

PROFESSOR (A)-3: eu gosto muito de ler, nessa época que você falou eu não cheguei a ler nenhum livro, então eu acho que realmente a gente que já tem um determinado nível como educador, a gente carece muito de leituras sobre esse assunto, nessa época se apareceram os livros eu não me lembro de ter lido nenhum.

ENTREVISTADOR: mas você pelo menos se lembra de ter sido informado sobre a existência desses livros?

PROFESSOR (A)-3: realmente eu não me lembro de ter sido informado, ou passado para gente os livros e os assuntos dos livros que tinham chegado. Eu só lembrei você e estou falando isso, porque as inúmeras leituras que eu fiz. Muitos livros que eu li, seu sou muito de olhar nas resenhas para ver indicações de livros, e raríssimos são aqueles que falam sobre esse assunto e que me incentivou a fazer a leitura. Você agora está me despertando para uma coisa que eu como brasileiro acho que tenho que saber um pouco mais e vou com certeza procurar alguns temas sobre o assunto para que eu possa ter argumentação para um assunto tão delicado como esse que você colocou. Eu não esperava, eu sabia que você tinha um projeto assim, mas eu não imaginava que fosse assim, de modo que eu até te agradeço por ter despertado em mim esse assunto.

ENTREVISTADOR: na verdade eu que te agradeço por somar mais alguma coisa no meu histórico de vida e essa nossa conversa vai ficar registrada aqui no meu coração.

ENTREVISTADOR AGRADECE E ENCERRA A ENTREVISTA.

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Anexo 7 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-4 TRANSCRIÇÃO: CRISTIANE APPEL

ENTREVISTADOR: A minha pesquisa trabalha em princípio com a idéia de algumas dificuldades com o ensino e a aprendizagem de matemática. Uma das referências dela vem a partir dessa idéia que a matemática hoje na escola, está vinculada a duas frentes de pensamento, essas duas frentes de pensamento são bastante caracterizadas por duas entidades que existem no Brasil hoje que de alguma maneira capitalizam isso. Uma das entidades é Associação Brasileira de Educação Matemática.

PROFESSOR (A)-4: e a outra é aquela que faz as provas?

ENTREVISTADOR: as duas acabam fazendo provas na verdade, porque até isso ficou divido, a Associação Brasileira de Educação Matemática e a Associação Brasileira de Matemática. Uma delas trabalha a questão de uma seguinte maneira: - A Associação de Educação Matemática entende mais claramente essa coisa de duas matemáticas, que é uma linha de matemática mais voltada para pesquisa. Eles são chamados de matemáticos de carreira, trabalham especificamente com matemática. Na outra linha de matemática que está mais ligada ao cotidiano, que está voltada para outros fatores, que possam intervir na relação do ensino e da aprendizagem. E a associação Brasileira de Matemática trabalha especificamente a questão da matemática, então existe uma matemática, existe uma linha de raciocínio que as questões da matemática vêm e pronto. Isso colocado de alguma maneira a gente imagina que as pessoas acabem se posicionando e não tem que ser uma posição assim fundamentada, mas as pessoas têm visões sobre isso. A minha primeira pergunta para você estaria nessa linha. De que maneira você se enquadra dentro das duas posturas e como você enxerga uma e outra?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que é difícil para os jovens e para as crianças você ficar naquela matemática muito formal, então eu acho que na verdade dentro da medida do possível eu procuro, mesclar as duas coisas. Então na verdade, nas experiências que eu tive, você tem que pegar um problema cotidiano, fazer a pessoa pensar encima daquilo, resolver aquilo, testar aquele resultado, vendo se funciona ou não, onde errou, de onde vai ter que voltar, você formalizar. Porque não adianta você tentar pegar a coisa pronta, tentar fazer uma pessoa tão jovem, e fazer com que ela pense de um jeito muito formal. Então na verdade eu acho que tem que haver uma mistura das duas coisas, se bem que muitas vezes, principalmente em ensino médio fica difícil você fazer esse intercâmbio com algumas matérias que você vai dar. Por exemplo, eu tentei fazer com progressão geométrica, mas exigia um conhecimento que meus alunos não tinham, exigia conhecimento de música, escala nota musical, mas sempre que é possível você fazer, dentro do que a pessoa conhece você conseguir a fazer pensar, resolver aquele problema, e depois você colocar aquela matemática mais estruturada eu acho que fica mais fácil pra pessoa entender. Agora você chegar e jogar o conteúdo, a mesma coisa “equações do segundo grau” eu tentei muitas vezes deduzir a fórmula, mas os alunos não estavam entendendo nada, então às vezes eu faço ao contrário, então primeiro eu deu a fórmula e expliquei o que era e falei: - Olha, nós vamos aprender a mexer com isso aqui e analisar os resultados. Depois quando eles tinham conhecimento melhor da fórmula eu deduzi a fórmula para eles, eu acho assim que não tem muito de você ser de um lado nem de outro, porque eu acho assim quem vai no caso seguir uma carreira que envolva muitas áreas exatas, tem que conhecer a parte formal, não tem como porque na universidade ninguém vai mudar a linguagem, ninguém vai mudar o jeito que deve ser o que as pessoas acham que tem que ser, porque você não domina! Eu acho que na verdade tem que ser um mesclado de tudo aprender raciocinar em cima de coisas que eles conhecem, ou teoricamente conhece e depois estruturar. Eu acho que uma coisa não pode ficar sem a outra.

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ENTREVISTADOR: pois é ai você diz assim: - Estruturar em cima do que eles conhecem. Você diz de uma coisa mais cotidiana?

PROFESSOR (A)-4: bom vamos dar um exemplo clássico, você vai ensinar função do primeiro grau, você começa a falar “f de x”. Não, isso não resolve, então na verdade você tem que começar com um problema, alguma coisa que leve a resolução, leve os passos da resolução, leve o “cara” a entender que aquilo é uma função e o que significa aquilo. E assim não é 1, 2 nem três são vários que você tem que fazer e no final de três ou quatro, você vai nomeando as coisas. Então isso é aquilo, aquilo é outro, e você vai dando nome ás coisas, é isso que eu entendo que funcione. Mas assim, tem algumas coisas que são muito complicadas como, por exemplo, entre função trigonométrica complica. Se as coisas, o conhecimento que eles teriam que ter para estar desenvolvendo aquilo, está muito longe do que eles têm de conhecimento, por exemplo, dá para fazer com probabilidade você deduz aquelas formas de arranjo, tudo com exercícios que vai se resolvendo e você vai encaminhando para ele chegar naquilo. Na verdade no final das contas ele vai usar aquela fórmula se ele quiser, porque ele aprendeu a raciocinar. Então eu acho que é assim, eu vejo que muitas vezes eles usam uma coisa ou outra e não faz muita falta, mas, por exemplo, (problema na fita) duas versões quando ele encontrar um lugar que só vai dar a fórmula para ele, ele vai se dar mal, e ao mesmo tempo em que a gente vê várias provas, que muitas vezes você resolve os problemas de vestibular sem fórmula nenhuma, só raciocínio.

ENTREVISTADOR: é uma tendência, há uma busca para isso. Pensando nisso algumas pessoas colocam a idéia que todo mundo tem o conhecimento do cotidiano de matemática, aquilo que ela faz, aquilo que ela ouve, na casa, no bairro. Você vê isso uma possibilidade, de usar isso na escola?

PROFESSOR (A)-4: Eu acho que sim, principalmente se for séries iniciais que é muito assim, você pega aqueles problemas que são passados nos livros didáticos aquilo lá é pura “doidera” entendeu. Então, isso não faz sentido, eu acho que muita coisa da pra você pegar do ponto cotidiano e usar.

Quando entra no ensino médio, começa na sétima série algumas coisas eu acho que já fica mais complicado, na oitava série tem algumas coisas também, e no ensino médio você consegue fazer cada vez menos, eu vejo assim. Mas eu acho que da pra pegar algumas coisas que todo mundo conhece e colocar ali na fórmula matemática.

ENTREVISTADOR: Onde e porque dá problema na sétima série?

PROFESSOR (A)-4: é quando começa álgebra, no segundo semestre, acho que é mais ou menos por ai, começa fugir um pouco já, das coisas do cotidiano, às vezes fica complicado, porque muitas pessoas, perguntam para mim, eu vou multiplicar número, como vou somar letra? Então que ai começa uma certa dificuldade, ai já fica um grupo maior que começa a se perder. Teve uma época que eu tentei fazer com eles, preço de mercadoria usando símbolos, mas é uma coisa que vai muito devagar e começam esses tipos de problemas, operações. Na verdade ENTREVISTADOR, o que eu encontro mais dificuldade hoje, que as crianças não vem com uma bagagem muito boa, você pega alunos de sexta e sétima série que tem dificuldades para fazer operações mais básicas. Então, eu acho que não deveria acontecer, todo mundo compra, todos vão ao supermercado, todos pagam suas contas de água e luz e não deveria existir essa dificuldade.

ENTREVISTADOR: quer dizer que as pessoas sabem matemática?

PROFESSOR (A)-4: sim sabem, na verdade o que está faltando e você fazer essa ponte, as pessoas pensam que matemática na escola é uma e fora é outra.

ENTREVISTADOR: você deve ver muito isso nos suplentes?

PROFESSOR (A)-4: não tenho suplentes nesse ano.

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ENTREVISTADOR: eu já tive essa experiência de ouvir isso. No ensino de matemática e aprendizagem graças a Deus vai mal no mundo inteiro.

PROFESSOR (A)-4: chega dar vergonha.

ENTREVISTADOR: porque você acha que isso acontece?

PROFESSOR (A)-4: tenho uma história que aconteceu, tinham três irmãos que vieram de outra escola com notas péssimas de matemática, perguntei para a mãe o que acontecia, ela respondeu que na casa deles era normal todos vão mal em matemática. Eu fiquei pensando naquilo, fiquei inconformada, eu acho que se criou uma idéia, que não ser um aluno razoável na matemática não será socialmente aceito, por exemplo, se meu filho tirar dois ou três de matemática, ele vai entender, eu também não sou tão assim, vai ver que é genético, mas ele não vai aceitar tirar dois ou três em português. Então eu acho assim é uma coisa que se criou que a matemática é difícil, que a matemática não é para todo mundo. Eu até concordo em parte quando é uma coisa muito avançada, quando você começa com as teorias sim, mas isso já na pós graduação, ai eu acho que não é todo mundo que vai entender, mas essa matemática básica todo mundo tem capacidade de aprender, às vezes eu penso Entrevistador que assim, é falta de ter um tempo na escola de ter alguém que explique para quem estiver com dificuldade como funciona. Eu me lembro que eu tinha um aluno no ensino médio que ele não conseguia fazer nem soma de número decimal, ele não entendia aquela posição que você coloca dezena... e ai um dia ele falou assim “a não é possível” e na sala tinha o armário e o material dourado e eu fique quase meia hora com ele explicando o material dourado. Coloquei a conta lá pra ele, expliquei como montava unidade dezena e centena, usei aquelas expressões de décimo, e o menino entendeu. Será que se a gente tivesse mais tempo de estar parando mostrando porque faz, como faz, de onde veio, eu acho que ai sim. Eu acho assim é muito corrido, é muita gente, nos últimos anos tenho notado mais gente com dificuldades, e assim não se tem um tempo.

ENTREVISTADOR: tempo de um lado e conteúdo do outro, é isso? Quando você fala não tem tempo de parar significa que você não tem tempo para explicar?

PROFESSOR (A)-4: não é isso, é assim eu tenho em uma sala trinta alunos, então o que acontece, ele aprendeu operações decimais na quarta serie, teve na quinta série aquela que antes não era essa espiral não parava, e ele está lá no primeiro de novo e ele vai ter problemas, porque vai ter coisas que ele vai ter que usar decimal. Como ele você vai fazer? Você vai parar tudo e vai rever números decimais, você pode até fazer, mas e aquele que mesmo com a revisão... Porque uma revisão é rápido você faz em uma aula ou duas aulas, mas e aquele que mesmo com a revisão não entendeu como funciona? Esse que eu acho que a gente tinha que ter um olhar mais atento e tinha que vir em outro período dar um jeito, porque não é possível a pessoa não tem nenhum problema de entendimento, a pessoa não tem nenhum problema de saúde sério que esta atrapalhando então, eu acho que muitas vezes é falta de ter alguém que sente e explique para ele, olha funciona assim, por causa disso, ensinar o mecanismo.

ENTREVISTADOR: se um aprende e o outro não aprende você acha que não tem nenhuma questão genética?

PROFESSOR (A)-4: não.

ENTREVISTADOR: porque você pega na quinta série você vê que tem alguns alunos com mais facilidade outros tem menos.

PROFESSOR (A)-4: sim mais isso não quer dizer que, o que tem menos facilidade seja menos inteligente. Entrevistador vamos pegar e vamos passar para o esporte, por exemplo, vamos ao Maicon Jordam, por que o salto dele é tão mais alto do que os outros? São raças? Não porque tem um monte de pessoas da mesma raça que não fazem isso. Constituição genética? Foi feito exame e nada. Eu acho que na verdade Entrevistador, tem coisas que

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algumas pessoas enxergam sem ajuda e tem outras coisas que você tem que mostrar. Então eu acho assim essas pessoas que se saem melhor, seja em qualquer ramo que for, elas tem uma visão melhor, elas conseguem ver algumas coisas que o outro não vê. Digamos que você esta dirigindo no trânsito, de repente você está lá naquela fila enorme, e a outra pista está parada e você pensa porque esse pessoal não vai para a outra, porque gosta de ficar na fila? Talvez porque não seja um motorista nato, mas se você for explicar várias vezes olha você... Eu acho que ajuda, tem coisas que você vê, a mesma coisa com as oportunidades da vida, são coisas que só você vê, estamos olhando para a mesma coisa, mas o outro não vê do mesmo jeito.

ENTREVISTADOR: não pode ser uma coisa de formação?

PROFESSOR (A)-4: formação?

ENTREVISTADOR: é porque, por exemplo, você ia falar de oportunidade e eu estou achando que você ai falar de alguma coisa assim uns aproveitam outros não.

PROFESSOR (A)-4: não, não é aproveita, uns enxergam outros não.

ENTREVISTADOR: é mais esse enxergar vem em função até de ser treinado para enxergar isso.

PROFESSOR (A)-4: olha Entrevistador eu acho que o maior número de informações que você tem vai facilitar a sua vida em muitas coisas, mas como é que você explica uma pessoa que veio de uma família analfabeta, com pais que com o perdão da palavra não sabem fazer um “ó com a bunda”, não tem expectativa nenhuma e a pessoa sai daquilo e se da super bem. Eu acho que lógico que a informação ajuda, mas eu acho que é uma coisa nata da pessoa eu acho que nasce com a pessoa, mas eu acho que pode ser ensinado.

ENTREVISTADOR: nato, eu gosto dessa palavra.

PROFESSOR (A)-4: é assim Entrevistador a mesma coisa, por exemplo, porque que eu não consigo desenhar nem um elefante de costas e tem um cara que nunca foi bom na escola e desenha maravilhosamente bem, ele vê alguma coisa que eu não vejo.

ENTREVISTADOR: eu entendo, mas não posso concordar e nem discordar. Um dos maiores educadores matemáticos do Brasil chamado Nilson José machado, ele escreveu um livro chamado “Matemática e língua materna” e nesse livro ele pega os cinco argumentos que o professor mais usa pra justificar a dificuldade que o aluno tem com matemática, e um deles é exatamente esse a capacidade para matemática é inata de algum jeito a pessoa nasce com certa facilidade.

PROFESSOR (A)-4: eu acho que nasce, mas isso não é determinante para aprender.

ENTREVISTADOR: e o que é determinante para aprender?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que quem esta em contato que seria o professor, detectar que aquela criança está com dificuldade e você entender qual é a dificuldade dele, pra você dar caminhos para ele pra ajudar a entender. Então eu acho que a função do professor é isso, mas eu não consigo fazer isso a não ser que a pessoa tenha um problema de saúde, porque é impossível que uma pessoa não tenha e não consiga integrar, mas eu acho assim que as coisas básicas têm, mas você tem que ensinar o “despertar” esse olhar como é que eu olho para aquilo, para enxergar aquilo que estão querendo que eu veja. Então quando eu digo que a pessoa nasce com aquela facilidade, nasce sim, mas isso não quer dizer que quem não nasceu com aquilo não vai ter jeito não vai aprender nunca, então você tem que explicar para pessoa o que ela tem que entender. O meu filho hoje esta formado, está trabalhando tudo direitinho, quando ele entrou na primeira série ele não conseguia entender ele decorava as lições, até que eu percebi que ele decorava e falei: - E agora! Então assim, ele ouvia mais ele não conseguia, pra ele as sílabas que terminavam em A ele só ouvia o A, pra ele tudo era A, E, I, O, U. Então eu tive que fazer assim, eu nem sei se eu fiz certo, eu falava assim: “MA”, tem esse som e

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esse, e não adiantava e então ele ficava, “MA” e foi até que caiu a ficha e depois disso deslanchou. Ele estudou na escola municipal, a professora falou: - Não dá, ele não lê. Só que eu tenho quarenta alunos, como é que eu vou fazer? Mas acontece que eu não sei alfabetizar, e ela falou assim: - Você tem que deitar no chão. Eu perguntei, mas como assim deitar no chão? Fiquei um tempo sentada com ele e percebi que a consoante para ele não tinha valor e quando eu percebi falei e agora, como eu vou fazer essa criatura entender essa consoante? Então, o jeito foi repetir várias vezes. Eu falava assim, você mudou a letra da frente, você viu como muda? Porque ele não ouvia, então eu acho que isso acontece, se eu não tivesse percebido isso, hoje meu filho talvez não tivesse conseguido ir para frente, ia desanimar porque ele não conseguia. A pessoa que não consegue falar ela é incapaz porque não tem alguém que mostre pra ela, o que ela tem que olhar, o que ela tem que ouvir.

ENTREVISTADOR: um dos professores que eu entrevistei, nós estávamos discutindo exatamente esse ponto, que é a dificuldade ou a facilidade que alguns têm na matemática e ele associou essa coisa da matemática com umas figuras que se usava muito antigamente por alguns psicólogos em especial, eles davam as manchas e diziam, olha o que você esta enxergando ali? Tem um desenho desses que é clássico, eu acho que é um conjunto de ilhas que dependendo da pessoa que olha vê Jesus Cristo. Assim ele argumentou comigo dizendo que ele viu Jesus Cristo, porque ele tinha uma formação religiosa muito forte, então ele estava propenso, ele passou a vida inteira naquela formação religiosa, então a tendência dele maior era ver Jesus Cristo, assim como outro que tinha outra formação e a gente chamou isso de cultura. Essa cultura que vem de casa, que vem dos pais, será que isso pode intervir?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que pode. Por exemplo, em uma das salas que eu dou aula tem um menino que é muito diferente dos outros, ele fala bem ele se expressa bem, mas não faz não escreve, escreve muito mal ele não consegue entender o que ele precisa entender, a única coisa que ele faz é copiar muito devagar, mas não resolve nada e ai eu fique curiosa, porque ele até tem uma aparência estranha, sabe ele tem aparência de um homem-de-neandertal.

ENTREVISTADOR: ou seja, uma coisa assim meio de antepassados.

PROFESSOR (A)-4: ele tem um maxilar mais rústico não é assim fininho, o tipo do cabelo, aquele cabelo... Ai veio a família e você percebe que isso não tem nada a ver essa aparência estranha dele, mas para a família dele, a família dele sempre se virou sem a escola bem ou mal eles estão bem. Porque na verdade eles estão preocupados com as coisas básicas da sobrevivência. Então o que acontece é o seguinte, pra ele a escola nunca vai ser uma coisa muito importante, muito pelo contrário para ele a escola é um estorvo e eu acho que se a família dele fosse diferente ele poderia ser melhor, mas eu não vejo estimulo. Então pra eles a educação não é um bem, para eles um bem é uma casa, que não deixa de ser, mas eu acho que influencia muito o lugar onde você vive como é a sua família, o que as pessoas valorizam no seu grupo, eu acho que acaba influenciando também.

ENTREVISTADOR: escola é para todo mundo?

PROFESSOR (A)-4: teve um tempo que eu achei que não, mas eu acho que sim, escola é para todo mundo, tem que ser para todo mundo.

ENTREVISTADOR: quando você achou que não, por que agora você acha que sim?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que sim porque é o que eu te falei, eu acho que as pessoas têm que ser ajudadas para entender aquilo que ela está fazendo, qual é a intenção? Então eu não conseguia perceber, a partir do momento que eu comecei chegar mais perto, que eu pude ter um tempo maior, eu chegava mais cedo na escola, você entra em contato com essas pessoas você vai vendo que se você insistir, se você motivar, se você realmente disser para ela o que ela tem que olhar, elas acabam entendendo. Pode ser que elas não virem professoras de

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matemática, mas elas vão dominar a matemática básica, então foi trabalhando com pessoas que tinham dificuldades que eu mudei de idéia, e eu acho que é para todo mundo sim.

ENTREVISTADOR: eu me lembro de alguns momentos do magistério em que o conselho de classe ficava esperando os professores de matemática para aprovar ou não aprovar alunos.

PROFESSOR (A)-4: isso no tempo que reprovava.

ENTREVISTADOR: se ele tiver nota em matemática, ele tem condição de passar como todo mundo, se ele não tiver nota em matemática ele não tem condição de passar. O que você acha disso?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que, às vezes é muita sacanagem dos outros professores com os professores de matemática e de português, mas na minha cabeça não cabe, por exemplo, um cara que vai pessimamente em matemática e ele ir bem em física e em química, não dá. Mas eu entendo, por exemplo, um aluno que vai muito mal em matemática e se dá bem em humanas. Hoje em dia com essa coisa de não haver mais reprovação saiu um pouco esse peso do professor de matemática.

ENTREVISTADOR: mas você não estava falando agora pouco e sugeriu que as pessoas entendem a dificuldade de matemática, porque matemática é uma coisa difícil. Isso não é uma coisa dá sociedade com relação á matemática?

PROFESSOR (A)-4: eu acho assim Entrevistador, se a matemática está puxando, o pai não vai achar tão ruim. Isso já aconteceu tantas vezes, meu filho vai tão bem em matemática, com ele foi mal em outras coisas. Eu acho que na verdade, se a pessoa tem certa facilidade em ir bem em matemática ela pode ir bem em outras matérias, porque a mesma lógica que você usa para cálculos você usa para outras coisas, é muito parecido matemática com português. Em português tirando aquelas análises sintéticas, você aprendeu a ler você vai sentir sozinho, você vai bem em história, em geografia e você tem onde pesquisar. Agora que temos a Internet, você abre e quer falar da revolução Russa, e tem vários sites. Agora tenta achar um site de matemática, se ela estiver com dificuldades, vê se ela consegue sozinha! É complicado! Então eu acho que na verdade, as acham que pessoas quem tem facilidade em matemática ,vai ocupar um lugar melhor na sociedade, que isso vai ajudar, mas na verdade não é só isso, eu não acho que é só isso não adianta ser um gênio da matemática e ser um troglodita.

ENTREVISTADOR: tem uma pessoa que diz que o grande problema do ensino de matemática, principalmente no ensino fundamental, é as pessoas de repente descobrirem que elas podem viver perfeitamente sem aprender matemática, e corre um risco de as pessoas descobrirem que a matemática na escola é algo que pode ser desprezado, que pode até acabar.

PROFESSOR (A)-4: se você for pensar numa vida que não envolva estudo, como um comerciante, ele pode se dar bem sabendo o mínimo, a matemática básica. Eu sempre gostei, então para mim sempre foi muito gostoso porque eu entendia, e me dava prazer quando resolvia e via que estava certo. Mas acho que dá para viver fora da escola, porque com quatro operações você se vira muito bem e você pode aprender com os seus pais.

ENTREVISTADOR: e não precisa nem as quatro operações, porque a divisão acho que é um nó.

PROFESSOR (A)-4: na verdade ali você pode usar muitos artifícios, principalmente se não for números muito grandes.

ENTREVISTADOR: me fale da sua experiência, de matemática, desde quando você começou até os dias de hoje.

PROFESSOR (A)-4: na formação você não revê o que vai ensinar. Você vê uma matemática mais elevada, eu achei quando entrei, vai ser uma maravilha era tudo muito novo,

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quando fui para sala de aula me frustrei um pouco, eu vi que eu não ia aplicar nada daquilo. Primeira vez que trabalhei, eu peguei um classe de ensino médio de segundo ano, quando fui ver o que eles estavam vendo, não tinha nada haver, estavam bem atrasados e vi que eu não ia aplicar tudo aquilo que eu tinha em mãos. Quando eu comecei a trabalhar com matemática, eu ainda estava no terceiro ano, fui substituir uma amiga que estava gestante. Eu achei horrível depois de três semanas que dei aula teve conselho de classe, eu achei aquilo um absurdo, isso não é uma coisa séria.

ENTREVISTADOR: por quê?

PROFESSOR (A)-4: porque era assim, as notas eram (A, B, C, D), comentamos de um aluno que estava mal quase em todas as matérias ,e que se ele ficasse em várias ele reprovaria, sugeriram que fosse mudado a nota de D, para C. Se você deu um D, é porque não dava para dar C, então se faziam conchavos ou para promover e ou para reter absurdos. Eu não entendi o porquê daquilo, até que no ano seguinte eu senti na própria pele. Na verdade quando a supervisora vinha, se o aluno tivesse ficado em uma matéria só, e tivesse balançando em outras, ela aprovava, sem mesmo conhecer o aluno sem saber o histórico dele, ai então comecei a entender como funcionava o mecanismo. Eu decidi que não ia fazer isso, e que não deixaria o lado pessoal interferir na coisa, muitas vezes quebrei a cara, outras vezes e deu certo e funcionou. Na época que me formei ninguém era preparado para a sala de aula, eles ensinam os fundamentos, mas não te prepara para o que você vai encontrar na sala de aula, como fazer com o aluno, como identificar problemas de mal acompanhamento, depois de quatro meses é que vamos identificar todos esses problemas. Na verdade, as faculdades nem sabem o que acontece, nem nesses cursos de especialização, eles estão preocupados em mostrar o que você tem saber como professor de matemática, mas não te preparam para os problemas.

ENTREVISTADOR: você fez ensino médio e fundamental na escola pública?

PROFESSOR (A)-4: fiz.

ENTREVISTADOR: você vê diferença do aluno de sua época do aluno hoje?

PROFESSOR (A)-4: vejo, na época que eu era estudante não tinha essas tecnologias de hoje, mesmo assim era novo para mim, tinha aquela história de reprovação, os pais cobravam muito, eu não podia ter notas baixas, tive ajuda em casa até quarta série ,e daí para frente tive que seguir sozinha. Hoje fora encontrar com amigos na escola, não acho que tenha mais alguma coisa de interessante.

ENTREVISTADOR: as pessoas de trinta anos atrás, que vinham para escola, era outro tipo de pessoas então?

PROFESSOR (A)-4: tinha gente com dinheiro, outros com menos, na escola municipal tinha de tudo, mas o que eu noto é que as pessoas com menos informação. Nem sempre era por falta de grana e outros tinham de tudo, e achavam que não precisavam estudar. Eu tinha amigos que tiveram que trabalhar e começaram a estudar a noite e acabaram desistindo, na minha sala não foram muitos alunos para quinta série.

ENTREVISTADOR: foram reprovados?

PROFESSOR (A)-4: alguns reprovaram, mas na minha sala não teve muitos reprovados, uns quatro numa turma de vinte e oito alunos.

ENTREVISTADOR: então essas coisas já existiam mesmo?

PROFESSOR (A)-4: tiveram muitos motivos um deles o pai da garota disse que mais um, ou dois anos ela ia casar e para fazer comida e lavar roupas não precisava ter o ginásio.

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ENTREVISTADOR: isso é uma coisa que eu tenho notado, que tem um monte de gente na escola hoje que não tinha antes. Eu estou falando de problemas emocionais, até neurológicos, físicos, tem essa questão da sexualidade que está aflorando mais cedo. Como você tem se sentido com isso dentro da escola? Por exemplo, homossexualidade de sétima e oitava série, como você vê isso?

PROFESSOR (A)-4: a gente percebe, eu não tenho nada contra, eu procuro ver se o pessoal está abusando, e tento acalmar as coisas. Eu não tenho nenhum problema em lidar com isso. Eles humilham todos que são diferentes gordos, magros e baixos. Tento usar a linguagem deles para que me ouçam, às vezes eu acho que se entra uma supervisora eu seria exonerada, mas eu falo para eles, qual é o problema? Você está interessado? O que está te incomodando se ele é diferente? Então eu procuro mostrar para eles que isso é preconceito, e que se ele conviver com ela não vai fazer diferença se ele é diferente, ou não é isso que eu tento passar, normalmente eu pego o “engraçadinho” porque eu acho uma falta de respeito total, e falo com ele e porque você fez isso? Ah, ele é veado, e daí! Você está interessado nele, ele é seu parente pra você está tão preocupado com ele, ele está te incomodando? É a opção dele se ele é ou não, é opção dele não é problema meu nem seu, mas dentro da sala de aula você vai respeitar ele e tratar ele normal.

ENTREVISTADOR: Uma das pesquisas é encima de estatísticas, feita no SAEB no Rio de Janeiro e outra feita encima do SARESP, essa foi coordenada por uma pessoa que a pouco você citou indiretamente, mas eu não sei se é de tão saudosa lembrança na educação. Nessas duas pesquisas aconteceram resultados em uma ordem que eu queria comentar com você e pedir para que você comentasse isso. A avaliação dos alunos brasileiros foi muito mal, em matemática foi pior ainda, e a terceira fase, o aluno negro em matemática foi pior que os outros alunos. Inclusive se você pegasse dois alunos na mesma sala de aula, a média daquele aluno que se declarava negro foi muito pior, mas de uma maneira que se você transpusesse os resultados para o vestibular essa média não aprovaria nenhum dos alunos negros. Porque o desempenho aluno negro é pior do que os outros em matemática?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que independente de raça, ou não a auto-estima da pessoa colabora para que saia bem ou não. Normalmente os negros têm a auto-estima muito baixa, e acaba prejudicando ela mesma isso não só na escola, em qualquer coisa que ela for fazer. Tenho dois alunos negros que são muito bons, mas eu vejo que para eles a questão da cor não importa, eles não tem esse tipo de problema, ou se tem não demonstra

ENTREVISTADOR: Eu não sei nem se isso é papel da escola, mas eu estou falando isso em função de uma lei que é resultado de muita luta, ela está desde 2003 que é a Lei 10.639, que determina as escolas que ensine sobre a história da África, a história do afro descendente, porque a história da África durante 500 anos não apareceu nas escolas. Eu fico pensando nessa criança negra que está lá dentro de uma escola, que ele tem uma historia e que essa história não aparece. Na verdade, até que ponto isso interfere nesse estímulo e nessa aprendizagem dele. Até porque a matemática também tem a responsabilidade de encampar isso dentro da sala de aula. Como você pensa isso?

PROFESSOR (A)-4: a gente sempre fala doa egípcios, eles não são de descendência negra, então agente sempre está mostrando como eram as pessoas. Eu acho que falta nas comunidades que a gente vê, alguém para mostrar a essas pessoas que eles tem condição de ir para frente. Por exemplo, um grupo de migrantes, como eles se sustentam? Vivem sem problemas, unidos dentro de suas raças, se orgulham disso. Deveria haver esse tipo de união entre eles, pois sozinho é mais difícil, seria interessante que tivesse esses grupos para ajudar essas crianças de periferia que ficam sem os pais, que não tem conversa com os pais.

ENTREVISTADOR: vamos voltar ao assunto da escola pública e a política pública. O meu trabalho tem haver com o Silvio Portugal e o Jairo Ramos, tem haver com essas duas

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escolas na administração de 2001 a 2004, e tem haver inclusive com um projeto que eu sei em off que você participou. Essa administração tentou trazer uma série de atividades onde o objetivo era fazer com que o aluno tomasse mais posse da escola, tornasse a escola mais sua em que as questões culturais aparecessem dentro da escola. Então, houve uma discussão muito intensa sobre currículo, a proposta de mudar o conceito de currículo para que nessa nova proposta essas ações fossem... Está embutida nessa proposta a história da escola aberta, do recreio nas férias, do Educon.rádio, e eu sei que você fez parte do Educon. Eu acho que a própria proposta da sala de informática ela tinha um viés assim também. Primeiro eu queria saber as suas intenções de todo esse processo e se ele deu certo até que ponto deu certo e se não deu certo o porquê não deu certo?

PROFESSOR (A)-4: eu já estava por aqui e lembro que teve algo do Educon, fizeram alguns trabalhos, mas nós tínhamos que fazer um curso aos sábados e depois teve alguns trabalhos de alguns alunos, mas quanto a música ligada a cultura negra, eu não sei, mas teve algumas coisas. O Projeto A Cor da Cultura, foi aquele que a Mariza fez para gente, aconteceu que estávamos com outro projeto bem enrolado da história do lixo, e eu acho que no fim algumas turmas trabalharam. Na verdade nenhum projeto aquele ano foi muito bem, a partir do ano passado eu fiquei muito fora, não sei como está indo a questão dos projetos, mas o projeto da Educon, pelo menos em horário de aula eu não vejo.

ENTREVISTADOR: você como professora, de que maneira, esses projetos informaram, tocaram, ou até mesmo criaram condições de interferir na sala de aula?

PROFESSOR (A)-4: O projeto do Rádio eu não participei, mas o Projeto a Cor da Cultura teve muita briga, discussão, eu acho que foi positivo por isso. Eu acho que são coisas simples, quando se fala em projetos as pessoas pensam em coisas grandiosas, quando são coisas simples. Você está lá dando uma aula de Gregos e Romanos, você tem que comentar os Indús, o sistema numérico e colocar alguma coisa a mais ou pedir para eles pesquisarem, para eles verem como era. Você acaba colocando para as pessoas que o preconceito existe, mas existe porque as pessoas foram tiradas de onde estavam, elas vieram para cá e não se falava a mesma língua e eles não conseguiam se comunicar. Você tem que mostrar para as pessoas que todo mundo tem coisas legais, independente da raça, se ela está em uma situação de desvantagem, não foi por incompetência nem por ser menos inteligente, foi uma situação da vida que a colocou ali, e se você não for atrás não vai melhorar, porque para você ir para frente você tem a acreditar.

ENTREVISTADOR: você acha que a escola enxerga isso as diferença?

PROFESSOR (A)-4: não sei Entrevistador.

ENTREVISTADOR: tirando o Egito da África, como você consegue enxergar a África?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que tem Angola, muitas histórias de lutas.

ENTREVISTADOR: mas você está falando da história recente. Eu quero saber das histórias antigas?

PROFESSOR (A)-4: se eu não me engano os Mesopotâmicos também eram negros.

ENTREVISTADOR: tira o Egito e traga para a sua lembrança como fica a África?

PROFESSOR (A)-4: eu vejo coisas muito coloridas, pessoas muito alegres.

ENTREVISTADOR: cabe matemática nisso ai?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que cabem, eles tem animais, fazem trocas, eles devem ter alguma coisa para a passagem dos dias, eles têm alguma coisa para marcar. Eu acho que não dá para viver sem matemática, pode não ser tão rígido, mas devem ter algum método para controlar as coisas todo ser humano precisa controlar as coisas.

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ENTREVISTADOR: a gente consegue passar isso para nossas crianças?

PROFESSOR (A)-4: eu acho que não, porque a história é feita pelos conquistadores, pelos que dominam uma tecnologia, que o outro não conhecia. Talvez alguém saiu e voltou, passou para os outros lugares mas não registrou. Na verdade a gente não passa isso por que a gente também não sabe, estou pensando nisso agora, mas se você for procurar sobre Gregos e Romanos tem muita coisa escrita, arquivada, também na arte e na cultura negra pode ter também, mas a gente não tem acesso a arte deles não é divulgado. Eu fui uma vez no Anhembi, naquela exposição de Artesanato Mundial, se você visse cada coisa linda que tinha de madeira e ferro, eu não me lembro em que país, mas eu nunca imaginei que na África tinham artesões que faziam aquele tipo de trabalho. Isso não é divulgado, propositalmente, não por ser negro, mas pela dominação. Os negros precisavam de mão de obra, então eles acabaram com a cultura negra. Eu acho que não é aquela coisa de acabar com esse povo porque eles são negros, não é isso. Eu preciso sub-julgar um povo com uma tecnologia maior e eu acho que eles nunca imaginaram que isso iria durar tanto tempo.

ENTREVISTADOR: quer dizer que a escola então não percebe a existência dessa criança negra e nota a diferença?

PROFESSOR (A)-4: muitas vezes até percebe, mas ela não sabe o que fazer.

ENTREVISTADOR: tem até medo de mudar uma coisa tão antiga.

PROFESSOR (A)-4: eu não acho isso, para mim criança é sempre criança, todas merecem atenção e cuidados. Eu percebo, mas eu me sinto totalmente incapaz de ensinar alguma coisa para uma pessoa que tem algum tipo de síndrome, eu não sei como abordar Então eu faço aquilo que eu acho que devo fazer, eu tinha uma menina na classe que era limítrofe, então eu dava os meus deveres para ela e quando eu percebia que ela ficava nervosa eu mudava, mas eu não sei se isso é certo. Sei que tem pessoas que vão dizer, eu não gosto por que ela negra, ou não sei o que fazer com aquela criança, e tem aquelas que tentam fazer algo, mas não sabe com agir.

ENTREVISTADOR: o que me preocupa hoje, que a maioria do movimento negro, não conseguir mudar isso, e o fato de imaginar, a escola nesses quinhentos anos não entendeu, que a criança negra, ela é diferente, porque ela tem uma cultura diferente. E a escola não se preparou para receber essa criança, então é isso, que hoje se denominam de racismo. A escola foi criada por determinadas pessoas que excluem outras, e a minha pesquisa vem na expectativa de discutir exatamente isso, de alguma maneira você acabou dizendo para mim: - A gente não foi preparado e nós não sabemos como lidar com isso.

ENTREVISTADOR AGRADECE E ENCERRA A ENTREVISTA.

Anexo 8 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-5 ENTREVISTA COM: PROFESSOR (A)-5

TRANSCRIÇÃO: CRISTIANE APPEL.

PROFESSOR (A)-5: eu tenho uma grande facilidade para trabalhar com crianças com problemas de aprendizagem. Só que todos que tem problema de aprendizagem, o que aprender está bom, eles entregam o aluno para você na quinta série que sabe teoricamente montar as quatro operações, mas como ele consulta cada conta na tabuada, o “nego” demora

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duas horas para fazer uma única conta. Quando chega na quinta série que você tem 45 minutos, já é um problema, na sexta que você tem que dar os divisores, múltiplos e outras operações que é muita divisão, o “nego” não anda. Eles não têm noção nenhuma do que faz, não querem fazer rascunho, querem fazer de cabeça como você faz na lousa, você explica que ele tem que montar a conta para depois fazer e ele espera você fazer para depois copiar.

ENTREVISTADOR: você tem uma vida dentro do sindicato e do magistério, você está bem próxima a se aposentar, e eu estou te vendo um pouco cansada e desgostosa, é isso mesmo?

PROFESSOR (A)-5: eu estou cansada, não estou dando conta do que eu trabalhava antes e de dois anos para cá, o que eles esperavam da gente mudou de uma hora pra outra. Desde quando eu entrei na escola, você pegava o aluno sabendo as quatro operações para você trabalhar matemática, você fazia revisão da aritmética na metade da quinta série e do meio do ano para frente você já entrava em fração. Depois você fazia na sexta série com fração, você podia explorar equação de primeiro grau, você chegava em sistema, você até chagava em geometria até o final da sexta série. Na época do Jânio Quadros os professores de matemática suspenderam aulas para decidir o currículo, se você trabalharia na sexta série as frações positivas, os racionais positivos, ou você introduzia números inteiros ou você invertia. Como você estava dando revisão da aritmética no primeiro semestre da quinta série e no segundo semestre você introduzia números inteiros e na sexta você já começaria com as frações já com ele conhecendo números inteiros. Teve discussões homéricas do que fazer, e a grande maioria decidiram fazer a quinta série com fração e a sexta com números inteiros. Eu cheguei aqui na escola a trabalhar inteiros na quinta e fração na sexta sem nenhum problema, porque eu trabalharia com a mesma classe dois anos e seguiria. Naquela época tinha desenho geométrico, então o aluno tinha noção de fração e noção de decimais, porque ele trabalhava com medida, usava régua esquadro, transferidor, ele tinha noção de coisas exatas. Quando eu entrei você tinha toda essa condições de trabalho, e depois começou o descomprometi mento, o aluno não fazia tarefa e tudo bem, começou uma discussão e eu sou filha de professores. A minha mãe me contava que na época dela ela tinha a responsabilidade de alfabetiza a grande maioria da classe até o final do primeiro ano, para isso valia tudo, o que eles conseguissem pegar. Hoje em dia vieram com essa cosa que a alfabetização é continua, você não precisa alfabetizar na primeira série porque o ciclo de conhecimento é maior, eles empurraram tanto que hoje vai até a oitava série sem saber ler.

ENTREVISTADOR: o que acontecia com esses que não aprendiam na época da sua mãe?

PROFESSOR (A)-5: eram excluídos, mas na turma tinha o comprometimento dos professores para ensinar, os alunos que não faziam e que tinham problemas sérios eram os meninos pobres. O que nós temos hoje? O menino pobre freqüenta, mas eu tenho aqui muitos meninos pobres da minha época que hoje são professores, muitos não tiveram pais que pudessem ajudar, porque na época eles não tinham estudos. A escola deu condição para os alunos interessados correrem atrás do que eles queriam, o que eu vejo hoje é que estão fazendo o contrário, não dão condições de o aluno interessado ir atrás, a escola trabalha voltada para o aluno problema, eles valorizam mais o aluno problema do que o bom, o bom fica de lado porque eu tenho que atender aquele que não quer fazer tarefa, e eu não tenho condições de resolver isso. Então, eu não posso avançar com a matéria com os bons que fizeram todas as tarefas, porque eu tenho metade da turma que não fez nada, se eu acompanhar os bons eu deixo os ruins para traz. Eu fiz duas experiências esse ano, e ano passado eu segui de acordo com a maioria da classe, conclusão eu acabei a oitava série, onde eu deveria ter começado, com os alunos em condições de freqüentarem a oitava.

ENTREVISTADOR: condições de freqüentar a oitava significa o que?

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PROFESSOR (A)-5: condições de conteúdo. Eu achei judiação porque eu tinha alunos ótimos que foram para o colegial e eu tive que avisar os pais que eles não tiveram a matéria da oitava, porque os ruins nem isso fizeram. Esse ano eu não esperei ninguém, eu revisei a sétima série até o meio do ano, inclui fatoração por várias vezes, já comecei a dar dicas do que seria equação de segundo grau, no segundo semestre eu aprofundei a fatoração e dei báscara e agora teorema de Pitágoras. Eu não esperei muito não, dei muita revisão, dei provas, explicava várias vezes, cobrava tarefas, mas eu não fiquei parada esperando o pessoal chegar. Com isso eu vi que eu tive um resultado muito melhor.

ENTREVISTADOR: para todos ou só para quem estava interessado?

PROFESSOR (A)-5: no final de ano o aluno que não consegue fazer uma divisão e nem tentar fazer, me desculpa eu não tenho o que fazer. Eu mando fazer tarefa acompanho, quem tem dúvida faz na classe e nem assim vai, eu não tenho o que fazer. Eles não têm hábito por causa desse maldito desse ciclo, eles não têm compromisso de quinta à sétima série, os professores brigam, mas os pais só perguntam se vai passar.

ENTREVISTADOR: nós estávamos falando da família.

PROFESSOR (A)-5: a família pagava tudo, material, uniforme, alimentação. O meu pai e minha mãe eram professores, mas eles estavam construindo uma casa, eu estudei no Campos Salles, depois eu fui para escola pública e fui até o colegial. Na escola pública tudo tinha que ser pago, e as mães que tinham cinco filhos e que no começo do ano tinham que comprar material e uniforme para todos era muito difícil. Então, por conta disso muita gente parava de estudar, não tinha dinheiro para estudar. Na minha casa teve uma época que a situação estava tão difícil que a gente não levava lanche e eu depois de seis aulas de educação física, eu estava voltando para casa e desmaiei no meio da rua. Isso afastava muito os pobres da escola, grande parte deles eram negros, mas eram os pobres que estavam sendo afastados, voltamos aquela coisa dos pobres. A escola não se preparou, já na minha época em 80 eu via aluno ser reprovado por causa de 0,25 pontos e era branco. Na Parada de Taipas tinha essas coisas, eu achava um absurdo, mas tinha e ainda por cima era por causa de inglês, se ainda fosse por causa de matemática! Quando começou a abrir, não dá para tratar de maneira igual os desiguais.

ENTREVISTADOR: os desiguais você está falando dos pobres e ricos?

PROFESSOR (A)-5: isso.

ENTREVISTADOR: mas o recorte negro e não negro?

PROFESSOR (A)-5: eu nunca fiz.

ENTREVISTADOR: eu estou falando na sua análise.

PROFESSOR (A)-5: eu nunca fiz essa diferença. Uma família como a minha, não precisa de leite, não precisaria de uniforme, eu tenho condição de dar isso para os meus filhos, mas a família que precisa, só o leite não resolve, só o uniforme também não, então, tratar de maneira igual os desiguais não é justo. Quando põe esse povo pobre lá dentro, os pais não fizeram nem a quinta série, então se o filho chegar na oitava está de bom tamanho. A criança pobre veio para escola pública, mas ela não tinha o ambiente alfabetizador que as outras crianças tinham, então tinha que ter um espaço a mais, um tratamento extra, a questão do ciclo de passar sem saber não ajuda ninguém. Eu volto, o pobre lutou para resolver o problema e ele pode alfabetizar até a oitava série, a minha mãe falava que ela era responsável, ela se matava para ensinar até a primeira série, pelo menos ler de carreirinha. Agora ninguém é responsável, então acaba a oitava série sem saber, é um ciclo para ninguém mais ser responsável, agora culpa-se o professor isso é fácil, por qualquer motivo. É assim, se você vier trabalhar eu te pago, se você não vier eu te pago também, por mais responsável que você seja, você não vem todos os dias. Eu não estudava porque eu gostava de aprender, eu estudava para passar de ano,

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se eu fechasse até Novembro, eu entrava de férias e voltava só em Março, eu estudava para fazer o sete que eu precisava, eu nunca fiquei de exame porque eu queria ficar de férias. Agora eu não preciso mais, porque não reprova, então eles não tem a menor responsabilidade. Eu acho, ao contrario do que vocês acham que a reprovação é uma chance que nós temos para aprender, teve um menino que falou que reprovou porque ele ia no embalo dos meninos, esse ano eu tive que estudar e eu vi que não é tão difícil assim. O aluno cresceu, foi bom para ele a reprovação, ele teve que rever as coisas, ele foi atrás.

ENTREVISTADOR: isso vale para todo mundo que reprova?

PROFESSOR (A)-5: depende, tem pessoas e pessoas, tem aqueles que vão reprovar novamente, porque não tentam, mas tem aqueles que vão estudar e vão passar. A hora que você passa o aluno sem nenhuma condição, você fecha a porta para ele, porque nunca mais ele vai ter acesso para aquilo.

(FALAM MUITO BAIXO – INAUDÍVEL).

ENTREVISTADOR: a Lei 10.639, que determina as escolas que ensine sobre a história da África, a história do afro descendente, porque a história da África durante 500 anos não apareceu nas escolas. Eu fico pensando nessa criança negra que está lá dentro de uma escola, que ele tem uma historia e que essa história não aparece. Na verdade, até que ponto isso interfere nesse estímulo e nessa aprendizagem dele. Até porque a matemática também tem a responsabilidade de encampar isso dentro da sala de aula. Como você pensa isso?

PROFESSOR (A)-5: não tem como lidar com isso na aula de matemática. Quando tem as situações na classe, eu discuto sobre isso, eu falo do conceito de racismo, falo o porquê a cultura branca sobrepôs a cultura negra, mas na matéria de matemática não dá, mesmo porque não é meu foco, eu tenho muita coisa com que me preocupar do que ficar encima disso.

ENTREVISTADOR: não se fazia matemática na África?

PROFESSOR (A)-5: eu não sei por que eu nunca estudei isso, mas deveriam fazer, porque são poucas as tribos que não faziam algum tipo de contagem. Me parece que só descobriram uma tribo que conhecia só o 1 2 e 3, depois disso não conheciam mais nada.

ENTREVISTADOR: você está falando do Brasil?

PROFESSOR (A)-5: não, da África. Deve ter tido muita matemática, principalmente na Arábia, que está na África e agora no final da minha carreira eu não quero pesquisar mais nada.

ENTREVISTADOR: pensando na lei 10.639, ela vem como reivindicação em função de algumas coisas assim. Principalmente a criança negra não se ver na escola, tudo na escola está pensado no aluno idealizada e a criança negra não está nesse ideal.

PROFESSOR (A)-5: nem o pobre, a escola é feita para o aluno classe média antigo. De três anos para cá isso mudou, mudou para ser o pobre “babaca” e para ele ficar como está. Está tudo sendo feito para manter o estabelecimento, para ele não aprender, para fazer de conta que está dando aula, como eles fazem de conta que estão dando aumento, e estão dando curso para professor. Nesses últimos três anos é só fazer de conta, eu pego um bando de professores e orientadores pedagógicos que odeiam matemática e dou curso para o coitado vir aqui e colocar a cara para bater com um especialista na área. Eles não têm a mínima noção do que eles estão falando, ele fazem de conta que fazem tudo.

ENTREVISTADOR: têm alguns trabalhos que são específicos da criança negra, freqüentemente a criança não quer voltar para escola por causa de um conflito, de um choque. Você acredita que isso aconteça com pobre em geral?

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PROFESSOR (A)-5: essa parte eu nunca pensei, não faço diferenças, já briguei em congressos com movimento negro por conta disso. Eu não tenho descriminação, eu sei de pessoas que tem, inclusive de pessoas negra que não se reconhecem negros. Tem professores aqui que tem todos os traços e que pintou o cabelo de loiro e se considera loira, ela acreditou na caixa.

ENTREVISTADOR: porque você acha que isso acontece?

PROFESSOR (A)-5: por toda a questão de preconceito que tem. Aqui mesmo na escola, ela já me processou, eu tive que responder por causa de uma situação em sala de aula. Eu entrei na classe e quando eu vi a classe estava pixada, eu peguei um menino de quinta série e falei: vai lá e pede para a Neusa vir aqui para eu mostrar para ela que a sala está pixada por vocês. Ele me perguntou: quem é a Dona Neusa? Eu respondi: é aquela senhora negra que está lá fora. Como eu vou diferenciar ela das outras que estão lá fora? Você poderia falar aquela preta! Eu disse a ele que não, preta é cor e negra é raça. E morena? Morena sou eu e isso não é ofensa. (PROFESSORA FALA MUITO BAIXO – INAUDÍVEL).

Depois de duas aulas ela chegou e eu expliquei o que eu tinha falado, ela ficou brava e começou a gritar com o menino que foi chamá-la. Ela ficou irritada e achou que eu a tivesse ofendido. A classe explicou que era justamente ao contrario que eu estava falando. Ela já me disse que ela é negra, então tem que ser limpinha senão fica pior. Essa exclamação já é um grande preconceito da parte dela.

ENTREVISTADOR: isso não é preconceito, isso é uma auto-estima baixa dela. Ela viveu tanto na parede que talvez a saída dela tenha que ser esta. Há muitos trabalhos na área de psicanálise, que demonstram isso, que às vezes uma situação dessas, que a professora tinha um aluno queridinho e esse aluno não era negro. Uma situação de a professora dizer que o aluno era escuro e que escuro parecia sujeira e ela chegou em casa e queria lavar o braço com cândida para poder ficar branca. Isso faz com que as pessoas carreguem ao longo da vida algumas situações.

PROFESSOR (A)-5: eu não me sinto assim, eu ser descriminado, pelo contrario, eu já tive discussão com aluno porque ele chamou o outro de negro. Eu falei para ele: o negro quando veio da África era príncipe, eram os guerreiros que vinham. Agora eu nunca fui ensinada a trabalhar a ética do negro na escola. O meu filho adotivo é negro, eu trabalho com ele nessa parte, não tenho o menor problema de falar com ele, ele também não tem o menor problema de falar que é negro. Eu nunca trabalhei nisso, eu trabalhei em sindicato, teve uma discussão uma vez no PSTU que mandou um formulário para a gente preencher que entre as perguntas tinha: cor, raça, e tudo mais. Nosso grupo respondeu raça humana homo sapiens, e a cor nós respondemos, bolinhas amarelinhas.

ENTREVISTADOR: dentro do PSTU essa questão de raça e classe também não é resolvida. Eu tive muito próximo do PSTU e para eles a questão da classe sobrepõe a raça.

PROFESSOR (A)-5: mas eu acho que é, não duvido que tenha preconceito.

ENTREVISTADOR: embora não tenha sido um projeto da administração municipal, ele foi encampando, mas é o Projeto a Cor da Cultura.

PROFESSOR (A)-5: eu nunca ouvi falar.

ENTREVISTADOR: você ficou sabendo da bibliografia que as escolas receberam?

PROFESSOR (A)-5: eu ouvi falar.

ENTREVISTADOR: pelos meios normais da escola?

PROFESSOR (A)-5: o que eles estão conseguindo é as pessoas cada vez mais se...

ENTREVISTADOR: não é essa administração, é a administração de 2001 a 2004.

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PROFESSOR (A)-5: essa administração está conseguindo, eu digo do jeito como tem tratado a gente, desde a outra administração começou e essa aprofundou, como se nós fossemos a “ameba do coco do cavalo do bandido”. As pessoas estão fugindo de qualquer tipo de discussão, porque qualquer coisa que se fale volta contra a gente. Eu mesmo não estou nem aí, mesmo porque eu estou cansada. Você já leu o questionário que se faz para adoção? Eles perguntam assim: qual a sua cor e raça? Você aceita traços negróides? Que tipo de cabelo você aceita? Você já escolheu a raça, mas qual o grau de raça negra que você quer! Depois vêm as perguntas de doença. Eles querem saber o grau de negritude que você quer, mas ninguém pergunta para você se você quer um japonês com o olho menos ou mais puxado.

ENTREVISTADOR: eu quero te agradecer muito pela sua participação. Mas eu quero que você me responda o questionário que eu mandei em duas versões e também em duas partes, eu preciso que você me responda a primeira parte do questionário em qualquer uma das duas versões.

PROFESSOR (A)-5: (INAUDÍVEL).

ENTREVISTADOR: eu acho que não entra.

PROFESSOR (A)-5: mas deveria.

ENTREVISTADOR: eu realmente não pensei nisso.

PROFESSOR (A)-5: você já está indo para o lado da cor.

ENTREVISTADOR: mas o meu recorte é esse.

PROFESSOR (A)-5: sim, mas você não pode dizer, esse é o problema que eu acho que o movimento negro tem que fazer. A cor com o social, a hora que cruzar isso daqui é que a gente vai saber o quanto que um é responsável e o quanto não são.

ENTREVISTADOR AGRADECE E ENCERRA A ENTREVISTA.

Anexo 9 – Entrevista com o PROFESSOR (A)-6 ENTREVISTADOR APRESENTA E INICIA A ENTREVISTA.

ENTREVISTADOR: o que é o Projeto a Cor da Cultura?

MARISA: primeiro você nas suas colocações iniciais você fez umas relações ao Projeto a Cor da Cultura e que eu tinha encorpado o projeto. Eu gostaria de comentar o seguinte: - Primeiro que foi uma proposta da Prefeitura, em parceria com o Governo Federal e o Canal Futura, e eu não vejo muito como um projeto, se abriu esse espaço para que os professores tomassem contato com o material. Então, necessariamente ir tomar contato com essa material, não significaria que a pessoa estaria envolvida com o Projeto a Cor da Cultura.

ENTREVISTADOR: aí você está falando do seu caso?

PROFESSOR (A)-6: do meu caso e do que eu senti lá na hora. Então, havia a preocupação de você mostrar o material e como o material lá na hora poderia ser utilizado. Mas o entendimento que eu tenho é que o fato de você participar às vezes de uma apresentação, não quer dizer que você está encampando algum projeto. Tanto é que lá, eles apresentaram o material, trouxeram palestrantes de diversas universidades que tinham um trabalho significativo na área, desenvolveram o trabalho de uma forma bem lúdica, foi muito bom, só que eu percebi o seguinte: - Houve a preocupação de convocar das escolas dois professores e um coordenador, e muitas escolas ou não foram ninguém, ou foi um só professor e outras só foi o coordenador. Então, fica difícil a multiplicação dentro dessa visão.

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ENTREVISTADOR: qual é a experiência dessa escola?

PROFESSOR (A)-6: eu fui. A coordenadora se inscreveu, mas não houve a possibilidade de ela estar participando, então eu trouxe o material e iria mostrar o material para o pessoal, tentar discutir o material e ver se era possível a gente desenvolver algum projeto em cima daquele material. Até porque aqui na escola a gente tem altos e baixos, então a gente tem que trabalhar projetos, eu acho que foram raros os momentos que a gente conseguiu efetivamente trabalhar projetos, isso projetos que às vezes não geravam tantos conflitos e esse foi mais complicado ainda. Primeiro assim, já ficou problemático porque nós temos quatro grupos de JEI e nem todas as pessoas faziam JEI e eu não me propus em momento algum em estar trabalhando, vindo da escola nos horários para trabalhar com todos os grupos, que isso é uma preocupação da coordenadora, embora eu tenha interesse em todos os temas eu não sou a coordenadora. Então, já ficou complicado isso, porque alguns grupos nem tomaram conhecimento porque nem faziam os horários e eu conversei mais com o pessoal que eu trabalho à tarde. Então eu parti mais para mostrar àquela parte mais lúdica do material, as falas, as lendas africanas, porque o pessoal se queixava muito assim: - Como eu vou começar algum trabalho se eu não tenho a mínima idéia? Então, a tentativa foi de tentar mostrar como outras pessoas desenvolveram o trabalho nessa área, e uma parte do material sugeriam algumas idéias nesse sentido. Foi sugerido lá no projeto que a gente não discutisse a questão das cotas, que se a gente discutisse essa questão com a experiência que o pessoal estava tendo, ficaria inviável depois você dar prosseguimento e foi mais ou menos o que aconteceu aqui.

ENTREVISTADOR: obrigado pela parte que me toca!

PROFESSOR (A)-6: querendo ou não, alguns grupos você tem que trabalhar dentro das possibilidades que aquele grupo oferece. O ideal às vezes seria você aprofundar algumas discussões, mas como você sabe do aproveitamento do grupo, você tenta ir um pouco mais devagar, quase parando, para ver se é possível fazer alguma coisa. Até porque não foi fácil para o grupo, essa coisa não é fácil para mim, porque meche muito com a questão emocional de cada um, tanto das outras pessoas às vezes para manter os seus privilégios, como os meus próprios questionamentos. Então eu digo assim, eu participei, mas eu não coloquei isso enquanto um projeto que eu abraçaria para desenvolver, até porque eu estou passando por um processo que eu mesma estou tentando construir a minha identidade nesse sentido. Então tem coisa para mim que ainda não estão muito claras, que eu ainda estou trabalhando. Então eu acho muito difícil às vezes tocar essas duas coisas juntas.

ENTREVISTADOR: desculpa PROFESSOR (A)-6, mas eu vou ser obrigado a desviar, mas me fala mais da sua construção ou reconstrução de identidade.

PROFESSOR (A)-6: é a questão do que é ser negro, de separar o como se deu a minha formação, a coisa que eu acreditei durante muito tempo na minha vida e que agora eu estou colocando em xeque. Eu acho que é uma coisa que a grande maioria dos negros falharam. A questão da auto-valorização, da auto-estima, porque foram anos você ouvindo que negro não dá para nada e que não tem nada de bonito. Então, eu acho que é um processo muito difícil para você ainda se envolver com outros a sua volta, então, por isso que a minha intenção é começar algo bem simples para que eu possa estar atuando e ao mesmo tempo cuidando dessa minha parte interna.

ENTREVISTADOR: ou seja, você vai estar se preparando emocionalmente para lidar com isso?

PROFESSOR (A)-6: isso.

ENTREVISTADOR: nessa sua experiência, como foi a coisa da emoção? Como você emocionalmente viu? Como o grupo emocionalmente viu?

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PROFESSOR (A)-6: primeiro já foi complicado porque dava impressão que era uma coisa da PROFESSOR (A)-6, então, a impressão que me deu é que as pessoas pensavam que era algo que me dizia respeito, que eles não tinham nada haver com essa questão, isso já foi uma coisa que teve que ser discutida de inicio. Em outro grupo do segundo período que eu apresentei, o que eu achei interessante foi que no momento que eu estava apresentando o material as pessoas estavam preocupadas em sair para almoçar. Então, tinha um grupo com umas seis ou sete pessoas que foram almoçar. Com aquilo eu fiquei imaginando como um aluno às vezes você está falando e vem para frente e fala que vai jogar o papel no lixo. Depois no grupo da noite eu tive outros tipos de problemas, foi passado o material a parte que foi aquele documentário.

ENTREVISTADOR: o “Vista a minha pele”?

PROFESSOR (A)-6: não foi esse, foi aquele que você havia gravado para ficar aqui na escola, o “Olhos Azuis”. Essa experiência foi traumática, porque ainda que eu ache que houvesse alguma relação à fita em si, que as pessoas achavam que estava chuviscando e o som estava um pouco difícil, mas eu acho que isso não justificaria você sair para tomar café e não voltar, para corrigir provas, tudo isso para mim dava indicações da resistência.

ENTREVISTADOR: isso não tem haver com uma possível fragilidade sua, pelo fato que você já está olhando assim. Porque eu vi agora pouco que os negros têm algumas dificuldades com a auto-estima, eles se olham como se estivessem em um patamar mais baixo?

PROFESSOR (A)-6: pode até ser, mas pode ser que não, tem essa parte também. Foram anos de desconstrução, foi batido e continua sendo, então que nós não passamos por todo esse processo e saímos luz do outro lado, mas isso não é só um problema dos negros. Pode ser que envolva a questão da auto-estima, mas e as outras pessoas, pode ser que envolva a questão dos privilégios também. Então, se a gente tem uma contra partida, eles também têm a deles para resolver.

ENTREVISTADOR: eu não entendi a questão dos privilégios?

PROFESSOR (A)-6: por exemplo, aqui tanto a questão da cota, ou a questão de achar que não é necessário discutir isso, vocês ficam só como vitimas, só se lamentando e eu vejo assim: - Como as pessoas estão situadas em um patamar diferente do dos negros, então eu acho que é fácil você falar assim. Mas elas não falam porque elas não têm interesse, esses interesses respondem alguns dos interesses delas, como algo que interessa aos alunos o professor pode achar que não tem interesse nenhum nessa problemática. Os alunos já cobraram que isso seja discutido.

ENTREVISTADOR: não pode ser uma coisa assim como os gordinhos também querem, os baixinhos também querem, isso tem diferença?

PROFESSOR (A)-6: lógico que tem. Primeiro que eu acho que essa questão, não tem como a pessoa deixar de ser negra, eu não posso modificar isso. Então, eu acho que é diferente das outras instancias, não que as outras não tentem buscar o seu espaço para serem discutidas, só que eu acho que isso está acontecendo em um setor que representa a maior parte da população brasileira. Então, não dá para passar como se não fosse uma coisa importante que está sendo discutida e é lógico que isso também bate um pouco com essa questão nossa cultural, da dificuldade de lidar com os conflitos e da dificuldade de se discutir. Eu acho que é assim, no geral nós temos uma dificuldade muito grande em lidar com a questão da discussão do conflito, da diferença é complicado, até em outros temas, não só nesse.

ENTREVISTADOR: mas tem um acento forte quando se trata da questão racial.

PROFESSOR (A)-6: reluzente de Novembro, a complicação que deu, as pessoas que nunca se colocaram nem nada e todos os canais estavam fazendo um combate, e de repente em 21 de Abril e em outras datas você não questiona. Não sei se no Brasil está a maior

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população católica atualmente, para todos os dias santificados serem considerados feriados, isso ninguém questiona.

ENTREVISTADOR: o discurso econômico e social é sempre usado para amenizar, de novo 20 de Novembro passou por aí.

PROFESSOR (A)-6: é porque eu vi o empresário, inclusive médio empresário, que teve um prejuízo de R$ 800.000,00 por dia, aquele dia que ele ficaria parado. Uma empresa que fatura R$ 800.000,00 por dia não é média, e a outra coisa que eu fiquei pensativa é: - O que nós temos haver com o faturamento dos empresários? Vai ser dividida a renda dele? Não vai. Só que aí tem um amparo que esse discurso acaba casando, que o país precisa desenvolver, ou precisa crescer, então mais um dia parado.

ENTREVISTADOR: parece que o aumento é muito próximo de todas as vezes que a gente discute as cotas, não é que a gente seja contra. Teve alguém que disse assim: - toda vez que é a vez dos negros os caras arrumam uma desculpa para discutir as questões de outro patamar. Como você encara uma declaração dessas?

PROFESSOR (A)-6: eu acho que essa declaração é por conta de que passa pelas questões de manutenção e por perda de privilégios.

ENTREVISTADOR: e essa questão emocional da raça? Se bem que é outro ponto que eu não sei se vale a pena discutir. Mas a necessidade de algumas pessoas serem melhores que as outras, não pela perda dos privilégios, mas pelo fato de se verem mesmo. Você não acha que os negros não precisam disso porque eles não são tão bons quanto à gente. Você já ouviu esse discurso?

PROFESSOR (A)-6: eu já ouvi esse discurso, mas eu acho que isso responde a certa manutenção de algumas coisas, para mim passa um pouco por ai.

ENTREVISTADOR: a manutenção dos privilégios, pode se dizer assim?

PROFESSOR (A)-6: eu acho que tem também essa questão e outras, eu não sei se é isso que você está colocando, mas têm certas dificuldades de se lidar com o que é diferente no certo sentido e essa dificuldade eu não sei se é algo triste para nós humanos, essa coisa de lidar com o outro, eu acho que tem essas questões também, mas eu não tenho bem elaborado isso para mim.

ENTREVISTADOR: é interessante ouvir você falando dessa coisa de reconstrução da sua identidade, de repensar posturas e valores. Mas faz esse repensar a partir da experiência do “A Cor da Cultura” que você viveu aqui com os professores dessa escola, de que maneira isso... Porque você é uma professora que está há muitos anos aqui, você é uma guerreira, mas você teve muito poucos embates com os professores aqui.

PROFESSOR (A)-6: não, mas eu particularmente acho que existem várias estratégias para você atingir os seus objetivos, eu acho que cada um deve escolher aquela que você se sente mais a vontade. A que eu me sinto mais a vontade é que eu percebi assim, se às vezes você vai de frente com um grupo de pessoas e como eu não pretendo sair do grupo, para mim a estratégia que eu busco atingir é ir por fora, é fazer o convencimento como se não estivesse convencendo. De início às vezes eu prefiro ir aos poucos, as pessoas vão subindo degrau por degrau e não percebem, mas aos poucos elas já estão trabalhando naquilo. A resistência quando se coloca não sai mais nada, porque as pessoas criam uma resistência em relação a você, porque as pessoas têm dificuldades de diferenciar você de seus projetos, e quando você vai por embate mais direto e de inicio, cria uma resistência que tudo que vier de você não vale nada.

ENTREVISTADOR: mas esse momento do Projeto a Cor da Cultura foi um momento de tensão para você aqui?

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PROFESSOR (A)-6: de alguma maneira foi. Você imagina que as pessoas têm dificuldade de lidar com certas questões, essa questão de preconceito, mas às vezes você não imagina a intensidade daquilo e isso te dá um choque inicial. Por exemplo, você vê o pessoal questionando o dia 20 de Novembro aqui, são pessoas que não questionam nem o dia-dia do seu trabalho. Nesses casos eu tive que colocar pontualmente, eu não te vejo preocupado com nada, nem com o seu nariz, agora você está preocupado com essa questão, você já se perguntou por que isso mexeu tanto com você, se você não se preocupa com nada, nem com o trabalho que você faz aqui dentro e agora está preocupado com o dia 20 de Novembro, está preocupado com as cotas? Então, isso me deu um choque, porque você vê situações, presencia, mas às vezes dentro de escolas você pensa que é um pouco diferente, que as pessoas acessam certas discussões e informações e com o tempo você vai vendo que não é isso, que não tem nada haver com essa questão. Você pode ver várias palestras nesse sentido e não incorporar aquilo de fato, fica só uma coisa teórica.

ENTREVISTADOR: você está falando pelos outros ou por você?

PROFESSOR (A)-6: eu estou falando por parte dos outros e do choque que eu tive que eu não imaginava. Eu me relacionava com as pessoas e ainda me relaciono, mas eu não imaginava que o preconceito de algumas fosse tão intenso e com isso você fica pensativa em relação a algumas coisas. As desculpas que as pessoas davam eram a seguinte: - Eu não trabalho porque eu não tenho material e nem informação. A gente sabe que isso é válido até certo ponto, você constatou que não tem, o que você vai fazer a partir daí? Você vai em busca disso, você vai cobrar para que se tenha isso?

ENTREVISTADOR: você acha que isso é obrigação das pessoas?

PROFESSOR (A)-6: eu acho que tem os dois lados, o lado enquanto política pública, que você não pode falar que a prefeitura está desenvolvendo esse projeto, na minha opinião a prefeitura não está fazendo nada, é a questão de verbas e trâmites com o Governo Federal e essas parcerias todas que no final você tem que apresentar uma satisfação. Inclusive, eu acho que depois do governo da Marta, algumas iniciativas que estavam tendo nesse sentido, como aquelas palestras que a gente assistia, nesse governo isso foi deixado de lado, os livros que na época na Marta eles mandavam de biografia afro, também não mandam mais, então você não sente mais a política atuando. Isso é algo que demanda de políticas públicas, não é uma coisa que funciona com um professor do Jaraguá e outro de Pirituba fazendo um trabalho, eu acho que para que se veja uma mudança significativa, tem que ser abraçado como uma política pública, que tem um acompanhamento para ver se realmente a coisa está dando certo e eu vejo que por enquanto não há essa preocupação. O ano que vem o pessoal começa a ministrar, até por conta da lei, história da África e a maioria das pessoas não receberam informação nesse sentido e eu não estou vendo nenhum movimento da prefeitura no sentido de informar e ela poderia fazer isso, uma vez que ela deu a oportunidade dos professores que tinham só magistério de concluírem o curso de pedagogia. Então, eu acho que esse mesmo trabalho deveria ser feito nessa questão, não adianta só colocar no currículo.

ENTREVISTADOR: a impressão que eu tenho é que virou festa. É mais ou menos assim, se faz um projeto, se discute esse projeto por um ano e resolvemos o problema, falamos sobre a cultura negra e acabou.

PROFESSOR (A)-6: na escola foi apresentada uma proposta assim: - Já que a gente tem que dar uma satisfação para prefeitura, vamos fazer uma festa no sábado, as pessoas vêm e está pronto, não precisa ficar discutindo. Nessa época você ainda estava aqui, e eu tinha entendido que o trabalho que você iria fazer de capoeira, seriam com alunos nossos, seria uma coisa nesse sentido. Depois contrataram um grupo de capoeira, trouxeram e ficou por isso mesmo.

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ENTREVISTADOR: nessa administração de 2001 a 2004, eu na minha pesquisa estou abordando quatro tópicos, e são projetos da administração. Eles não são diretamente voltados a comunidade negra a não ser o Projeto a Cor da Cultura, mas são projetos que buscam lidar com as diferenças. Nós temos dois projetos ligados à comunidade negra, um é o Projeto a Cor da Cultura, e o outro é o que eles chamaram de Bibliografia Adequada, que foi uma série de títulos tanto pedagógicos como infanto-juvenis que era para ser difundido pela escola. O ________ tinha uma conotação forte, uma das perspectivas dele era que a cultura negra fosse difundida na escola, ainda que fosse fora da sala de aula e outra era a escola aberta que permitia trabalhos como capoeira entre outros. A pergunta na verdade é: - De que maneira você entende que esses quatro projetos vingaram?

PROFESSOR (A)-6: eu acho que na verdade eles não vingaram. Eu acho que nessa escola a gente tem certa dificuldade de trabalhar com projetos, porque os projetos necessitam de um acompanhamento, uma avaliação, e na escola a gente tem certa dificuldade para responder essa questão de fazer o projeto.

ENTREVISTADOR: você está dizendo que a escola tem um viés mais tradicionalista, mais conteudista?

PROFESSOR (A)-6: eu entendo que nós estamos um pouco meio à deriva, então quando você fala assim mais tradicionalista, eu acho que se fosse totalmente assim, você teria a sensação de não é isso, mas é isso.

ENTREVISTADOR: está sendo direcionada para isso.

PROFESSOR (A)-6: agora você não tem uma coisa e nem outra, nós estamos meio à deriva, procurando um caminho que eu não sei qual.

ENTREVISTADOR: mas a deriva nós todos, ou cada um procura um caminho?

PROFESSOR (A)-6: a impressão que me dá é assim: o mundo está passando por uma crise então, vamos esperar para ver se essa crise passa e quando ela passar a gente vê o que faz. Eu sinto algo assim, então trabalhar a temática em qualquer que seja o sentido é muito difícil.

ENTREVISTADOR: pelo que você me coloca parece um problema da educação ou dá sociedade, vai além dessa escola.

PROFESSOR (A)-6: ela está além, mas o que eu me questiono é assim, por mais que essa crise seja algo real, mas eu acho que você não deixa de educar o seu filho porque o mundo está em crise. Você acredita que mesmo dentro dessa crise é possível se dar uma resposta, não sei se vão ser as ideais, se vão ser as melhores, mas você vai tentando se posicionar diante daquilo, o que não dá para fazer é não, sei lá, o que eu sinto é isso. O ano que vem com as crianças de quinta e sexta série eu pretendo tentar trabalhar em cima da questão do preconceito, então o que acontece? Eu já sei de ante mão que vão ser poucas as pessoas que vão ter interesse em trabalhar conjuntamente, e das que tem esse interesse, acontecem várias coisas pelo caminho dentro de escolas públicas, hoje eu posse estar aqui e amanhã posso não estar mais, eu tenho que contar com isso. Então, tentar ver algo mais modesto, por isso que eu falo para você que a questão de bater de frente é complicado, porque eu vou ter que começar de algo bem simplificado, porque eu sei que no grupo vão ser poucas as pessoas interessadas. Então, não vai adiantar você pensar em algo muito profundo porque depois você não vai ter pernas para chegar até o final.

ENTREVISTADOR: agora eu vou te provocar. Da maneira como você está falando de criar uma estratégia para lidar com a situação, coloca em xeque uma visão que eu tenho de escola e de educação. Agora eu penso nisso, eu não sei se um professor é um intelectual, mas o bom ofício do professor é uma pessoa que tem um trabalho intelectual, então ela tem que estar muito ligada, muito envolvida com as coisas que estão acontecendo no mundo. Você

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está me dizendo de alguma maneira que isso não é um fato. Talvez o homem, a emoção esteja na frente do intelectual?

PROFESSOR (A)-6: eu vejo assim atualmente, eu estou me isentando disso, eu não estou analisando o grupo ou me isentando disso. Mas eu no momento veja da seguinte forma, por exemplo, uma das coisas que eu sinto dificuldade na escola é assim, de repente nós temos um espaço que poderíamos utilizar para fazer discussões sobre o que ocorre na sociedade, de que maneira isso afeta o nosso trabalho e os nossos alunos, e a gente não consegue fazer isso.

ENTREVISTADOR: faz-se discussão sobre gênero aqui? Sobre sexualidade do ponto de vista desse professor que tem que lidar com isso?

PROFESSOR (A)-6: não.

ENTREVISTADOR: e porque você acha que isso não acontece?

PROFESSOR (A)-6: o que me parece é que as pessoas estão sem esperanças, a impressão é que não adianta, que tudo vai ficar na mesma, que isso não tem jeito. Vamos esperar a chuva cair e a hora que ela passar a gente vê o que vai fazer.

ENTREVISTADOR: e o aluno no meio disso?

PROFESSOR (A)-6: eu sempre penso que dá para fazer algo dentro do que é possível. Não sei se depois, daqui uns tempos você vai achar que deu a melhor resposta, mas eu acho que você deu a melhor resposta que você poderia que estava dentro das possibilidades naquele momento. Agora eu insisto em dizer que não dá para ficar sem pensar e sem agir sobre esse fato.

ENTREVISTADOR: eu tenho quatro entrevistas com professores de matemática e dá para gente perceber. A escola que chegou ao Brasil em 1540, ela tinha uma cara e um estilo, não importa quem tenha entrado quem tenha saído, ela continua a mesma, a escola continua do mesmo jeito e vivendo as mesmas coisas, a impressão que se tem é que no imaginário de cada professor se enxerga o mesmo tipo de aluno que era para ter sido visto em 1600. É claro que essas pessoas se modernizaram, mas o aluno continua sendo o mesmo, e quando a gente abre os olhos a gente vê que em um grupo de 40 só são dois que são assim. Talvez essa seja a face mais perversa do racismo, então na minha análise eu já cheguei a conclusão que eu vou tentar entender por aí. O racismo no ponto de vista das ações pessoais, primeiro a pessoa que comete um ato desses é doente, ela sofre de um mal social que é passível de ser tratado com psicólogo e psiquiatra e passível de ser punido pela lei, mas o que incomoda é essa coisa da invisibilidade da criança negra. Parece-me que muitas das coisas que você fala me mostram que a escola é isso e quem quiser tem que vir e aceitar do jeito que é.

PROFESSOR (A)-6: você fala da questão de uma doença, mas eu acho que isso passa também pelo modelo de sociedade que nós temos, eu não poderia resultar talvez em outros tipos de pessoas. Tem coisas que você fala e pensa sobre, você tem aquela compreensão lógica do processo, mas não sentiu ainda de fato. A semana passada eu estava com uns alunos aqui e estava comentando com eles que seria a ultima atividade em sala de leitura, que nós estaríamos encerrando o ano e no ano que vem eu volto a desenvolver as minhas atividades com a professora de história. Eu estava conversando com eles e eles me perguntaram: - O que a gente vai fazer hoje? – Hoje vocês vão fazer leitura livre, mas quem não quiser, fica em aberto, vocês façam da forma com que vocês acharem melhor. Eu estava lendo, alguns outros alunos também estavam lendo, outros jogando, enfim. Eu saí um pouco da minha leitura e comecei a observar a sala, eu percebi que alguns alunos que a gente tem dificuldades de lidar com eles, ou por questões disciplinares, ou porque não fazem as atividades, e que eles de repente tem esse outro lado que a gente quase não olha, a impressão é que a gente tem uma visão tão direcionada que eu só consigo ver o aluno enquanto aluno, enquanto fazedor de atividades, que se está fazendo tudo bem, mas se não esta fazendo tem algo errado. Aí um

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desses alunos, eu estava com um problema com um livro que tinha desmontado e eu não sabia como montar de novo, e ele veio e providenciou tudo que precisava para remontar as figuras, para fazer a colagem e depois me mostrou para que servia aquilo. Eu fiquei olhando para ele e pensando: - Pensar que a gente só consegue vê-lo só enquanto faz ou não e ele tem tantas outras facetas que você não consegue incorporar no dia-dia da sala de aula.

ENTREVISTADOR: isso é um resgate de auto-estima até, você enxergar isso, significa que automaticamente ele vai responder melhor.

PROFESSOR (A)-6: eu cheguei em casa e fui comentar isso com o meu marido. Porque na escola você não tem muito espaço, às vezes, para mim foi algo de muita importância e para os outros pode ser algo obvio que muita gente já tenha chegado a essa conclusão há 100 anos, mas para mim foi naquele momento que caiu a ficha.

ENTREVISTADOR: ele é muito mais do que um aluno.

PROFESSOR (A)-6: exatamente. Logicamente e intelectualmente você compreende isso com facilidade, agora outra coisa é você incorporar, você sentir aquilo de fato. Agora como eu incorporo isso no meu trabalho, como eu dou conta disso? E eu queria conversar, dividir isso com outras pessoas, dizer a eles: - Hoje me aconteceu uma coisa muito boa. Para eles pode parecer bobeira, mas para mim aquilo foi maravilhoso, estar vendo aquelas crianças criando outras coisas e sem aquela coisa de você ficar mandando ficar quieto. Essa sala que eu estava é considerada uma das mais complicadas para ser trabalhada, e de repente eu vi que eles estavam fazendo as suas coisas e dando conta. Eu fico pensando, ter a paciência que um garoto e depois uma garota tiveram para me explicar algumas coisas, eu fico pensando, é lógico que ele estava lidando só comigo e a gente às vezes tem que lidar com 40, 200, 300 alunos, isso faz com que a sua paciência às vezes não seja tanta. Mas eu fiquei pensando, às vezes a tolerância que eles também têm para com a gente.

ENTREVISTADOR: a gente é sempre o cobrador, eles também têm muita dificuldade de enxergar a gente como gente também.

PROFESSOR (A)-6: embora na sala de leitura, isso me deu uma margem, um trânsito melhor com os alunos.

ENTREVISTADOR: a sala de leitura tem diversas magias.

PROFESSOR (A)-6: porque eu posso usar diversos materiais e como não tem essa pressão da avaliação e nem da freqüência, então o trabalho desenrola mais fácil.

ENTREVISTADOR: se bem que isso também pode ter haver com essa valise que está se questionando. Eles estão se revendo e até se conhecendo como gente.

ENTREVISTADOR AGRADECE E ENCERRA A ENTREVISTA.

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