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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE OFTALMOLOGIA, OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO TARCISO SCHIRMBECK AVALIAÇÃO BIOMECÂNICA E MICROBIOLÓGICA DE ESCLERAS HUMANAS PRESERVADAS EM GLICERINA Ribeirão Preto 2006

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE OFTALMOLOGIA, OTORRINOLARINGOLOGIA

E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

TARCISO SCHIRMBECK

AVALIAÇÃO BIOMECÂNICA E MICROBIOLÓGICA DE ESCLERAS HUMANAS

PRESERVADAS EM GLICERINA

Ribeirão Preto

2006

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE OFTALMOLOGIA, OTORRINOLARINGOLOGIA

E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

TARCISO SCHIRMBECK

AVALIAÇÃO BIOMECÂNICA E MICROBIOLÓGICA DE ESCLERAS HUMANAS

PRESERVADAS EM GLICERINA

Tese apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção de Título de Doutor em Oftalmologia Programa de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Orientador: Prof. Dr. Antonio Augusto V. e Cruz

Ribeirão Preto

2006

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DEDICATÓRIA

Ao meu estimado pai, Ildefonso, e à minha querida mãe, Iara, por todo seu

carinho, atenção e apoio durante minha formação e amadurecimento.

Aos meus irmãos, Alexandre e Celina, por seu apoio incondicional em todos os

momentos em que precisei.

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Ao Prof. Dr. Antonio Augusto Velasco e Cruz, Docente da Faculdade de Medicina

de Ribeirão Preto da USP, orientador desta tese, por sua confiança e apoio

depositados; e, sobretudo, pelo aprendizado obtido durante a residência em

oftalmologia e na realização deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Erasmo Romão, Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão

Preto da USP, que me apoiou desde o início para a realização desta tese, mesmo

nos momentos em que o trabalho se mostrava inviável; e, principalmente, por sua

excepcional dedicação e paciência para o meu aprendizado na residência em

oftalmologia.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Ricardo Bentes, Professor do Departamento de Morfologia da

Universidade de Brasília, pelo grande apoio e disponibilidade na realização da

parte de avaliação histológica deste trabalho.

Ao Prof Dickran Berberian, Professor do Departamento de Engenharia Civil da

Universidade de Brasília, pelas excelentes orientações na realização dos testes

de avaliação mecânica.

À querida Greice, por seu carinho e paciência, e, principalmente, toda sua

dedicação durante a execução deste trabalho.

Ao amigo André Fabiano, pela dedicação e competência na realização das figuras

deste trabalho.

Ao técnico Djalma Santos, funcionário do Departamento de Morfologia da

Universidade de Brasília, pela paciência, colaboração e orientação na realização

dos trabalhos de avaliação histológica.

Aos colegas de Ribeirão Preto, Dra Naiara Faria Xavier, Dr. Alexandre Pacchioni,

Dr Daniel Carvalho e Dra.Gabriela Carvalho, por todo o acolhimento e incentivo

durante a realização deste trabalho.

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RESUMO

O emprego de tecido escleral humano tem-se tornado bastante rotineiro na

oftalmologia atual. Vários procedimentos cirúrgicos como a reparação de

afilamento escleral, a reconstrução palpebral, a enucleação e o implante de

válvulas em glaucoma utilizam segmentos esclerais para a obtenção de um

resultado mais apropriado. A preservação de escleras visa disponibilizar tecidos

que mantenham sua integridade estrutural e não transmitam patologias ao

receptor. Este estudo objetivou avaliar a qualidade da preservação do tecido

escleral em glicerina sob refrigeração entre 4 e 8 º C. Foram utilizadas 114

escleras distribuídas em seis grupos conforme o tempo de preservação - 0, 7, 15,

30, 90 e 180 dias-. Cada grupo foi analisado quanto à contaminação por bactérias

e fungos, pesquisada em cultura nos meios tioglicolato e Sabouraud; quanto à

preservação estrutural através da avaliação histológica com as colorações

hematoxilina-eosina (HE) e tricrômio de Mallory; e quanto às características

mecânicas de rigidez e alongamento por meio de testes de tração. Os resultados

do estudo microbiológico não revelaram isolamento fúngico em nenhuma

amostra; mas houve crescimento bacteriano nas amostras não preservadas

(Staphylococcus coagulase negativo e Acinetobacter baumanii/haemolyticus), e

nas amostras com 7 dias de armazenamento (Staphylococcus aureus,

Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus coagulase negativo). A partir de 15

dias de preservação, não houve crescimento bacteriano. A avaliação

microscópica revelou a manutenção da arquitetura histológica do tecido escleral

em todos os tempos de preservação, não havendo degenerações nas fibras

colágenas. A partir de 90 dias de preservação, o tecido apresentou elevação da

resistência mecânica e diminuição da elasticidade (p<0,0001). Conclui-se que a

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preservação da esclera em glicerina é um método eficiente para manter a

integridade estrutural, resultando num tecido com maior rigidez e menor

elasticidade, e livre de contaminação fúngica e bacteriana após 15 dias de

armazenamento.

Palavras chaves: Esclera, preservação, glicerina, microbiologia, histologia,

propriedades mecânicas.

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ABSTRACT

The use of human sclera in ophthalmology has become common in the last

decades. Eyelid reconstruction, enucleation, scleromalacia repair and glaucoma´s

artificial drainage shunts are among the procedures that employ sclera tissue. The

purpose of sclera preservation is to obtain a pathogen free tissue without altering

its structural integrity. This work intends to evaluate glycerol preservation of sclera

at temperatures between 4º and 8 Celsius. One hundred and fourteen sclera were

divided into 6 groups according to how long they had been preserved – 0, 7, 15,

30, 90 or 180 days. In each group bacterial and fungal contamination was

evaluated using thioglycolate broth and Sabouraud medium. Optic microscope

analysis of the tissue stained with hematoxylin-eosin and Mallory tricromy was

analyzed with the use of an optic microscope and its mechanical characteristics

were studied with a stress-strain test . No fungi were isolated during the study. The

non preserved sclera presented coagulase negative Staphylococcus and

Acinetobacter baumanii/haemolyticus growth while in the group of sclera

preserved for 07 days the growth of Staphylococcus aureus, Pseudomonas

aeruginosa and coagulase negative Staphylococcus was detected. After 15 days

in storage no contamination was identified. Microscopic evaluation revealed

integrity of the structure of all studied tissue, even those stored for 180 days. After

90 days of storage, the rigidity of the sclera increased, therefore presenting with a

reduction in its elasticity (p<0,0001). Thus we conclude that glycerol preservation

of sclera is a good method for maintaining tissue architecture integrity with no

contaminating fungus or bacteria after 15 days of storage even though it leads to a

tissue a little more rigid and less elastic.

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Key words: Sclera, glycerol, tissue preservation, microbiology, histology,

mechanical properties

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LISTA DE FIGURAS Figura 1- Área de estricção em material submetido a forças de tração de

intensidade F.........................................................................................................22

Figura 2- Anel de esclera da região equatorial de esclera humana medindo

10 mm de largura ..................................................................................................30

Figura 3- Sistema simples de pesos para avaliação da carga de rotura de

escleras humanas. ................................................................................................30

Figuras 4- Sistemas de pesos associado a um deflectômetro para avaliação

das características elásticas de escleras humanas segundo o tempo de

preservação em glicerina (a), foto do experimento (b). .........................................31

Figuras 5- Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) não preservadas. .....................................33

Figuras 6- Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 7 dias. ............................34

Figuras 7- Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 15 dias. ..........................34

Figuras 8- Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 30 dias ..........................34

Figuras 9- Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 90 dias. ..........................35

Figuras 10- otografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas

com HE (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 180 dias .........................35

Figuras 11- Fotografia de lâmina histológica de esclera humana corada com

HE mostrando feixes colágenos em diversas direções e angulações...................35

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Figura 12- Fotografia de lâmina histológica de esclera humana corada com

Tricrômio de Mallory preservadas por 30 dias mostrando fibras multi-

anguladas..............................................................................................................36

Figuras 13- Fotografia de lâmina histológica de esclera humana corada com

HE mostrando esclerócitos bem preservados (a) e vasos sanguíneos

atravessando o tecido escleral (b).........................................................................36

Figura 14- Número de escleras com resultado positivo para crescimento

bacteriano em função do tempo de preservação. .................................................37

Figura 15- Curva de distensão escleral com carga fixa (1110g) em função do

tempo ....................................................................................................................40

Figura 16- Curva de distensão escleral com carga fixa (1650g) em função do

tempo. ...................................................................................................................41

Figura 17- Curva de distensão escleral com carga fixa (2220g) em função do

tempo. ...................................................................................................................41

Figura 18- Efeito de 90 dias de preservação na função distensão versus

tempo. ...................................................................................................................42

Figura 19- Distensão do tecido segundo a carga aplicada conforme o tempo

de preservação......................................................................................................43

Figura 20- Distribuições de cargas de rotura em função do tempo de

preservação...........................................................................................................44

Figura 21- Evolução da carga rotura escleral com o tempo de preservação........45

Figura 22- Anel de esclera humana submetido a teste de tração

apresentando área de estricção ............................................................................65

Figura 23- Área de anel de esclera humana onde ocorreu a rotura por

cisalhamento. ........................................................................................................65

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LISTA DE TABELAS Tabela 1- Agentes etiológicos identificados em escleras humanas doadas

segundo o tempo de preservação em glicerina entre 4 e 8º C..............................38

Tabela 2- Bactérias isoladas em escleras humanas de olhos doados e seus

respectivos antibiogramas.....................................................................................39

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

Ǻ - Angstrom

APABO - Associação Pan-americana de Bancos de Olhos

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BO-DF - Banco de Olhos do Distrito Federal

ºC - Celsius (graus)

EBAA - Eye Bank American Association

g - Grama

HE - Hematoxilina-eosina

HIV - Vírus da imunodeficiência humana

µm - Micrômetro

mm - Milímetro

mm2 - Milímetro quadrados

N - Newton

PVPI - Polivinilpirrolidona-iodo

PCR - Polimerase Chain Reaction

% - Porcentagem

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ÍNDICE

1 - Introdução.........................................................................................................1 1.1. Esclera Humana ....................................................................................2 1.2. Emprego da Esclera Humana em Cirurgias Oftalmológicas ..................6 1.3. Preservação de Tecidos Humanos......................................................10 1.4. Contaminação Biológica de Tecidos Preservados...............................16 1.5. Propriedades Mecânicas da Esclera Humana .....................................19

2 - Objetivos.........................................................................................................25 3 – Materiais e Métodos ......................................................................................26

3.1. Escleras ...............................................................................................26 3.2. Avaliação Microbiológica .....................................................................28 3.3. Avaliação Histológica...........................................................................28 3.4. Avaliação Mecânica .............................................................................29 3.5. Avaliação Estatística............................................................................32

4 - Resultados......................................................................................................33

4.1. Avaliação Histológica...........................................................................33 4.2. Avaliação Microbiológica .....................................................................36 4.3. Avaliação Mecânica .............................................................................40

4.3.1. Distensão em função do tempo...................................................40 4.3.2. Distensão em função da carga....................................................42 4.3.3. Comparação do efeito dos diferentes períodos de preservação .43

5 - Discussão .......................................................................................................46 6 - Conclusões.....................................................................................................70 7 - Referências Bibliográficas ............................................................................71 8 - Anexos ............................................................................................................88

8.1. Anexo I - Termo de doação utilizado pelo Banco de Olhos do Distrito Federal ...............................................................................................88

8.2. Anexo II - Parecer do Comitê de Ética e Pesquisa. .............................89 8.3. Anexo III - Distribuição das cargas de rotura nos diversos tempos de

preservação.................................................................... .......................90 8.4. Anexo IV - Anexo de publicação...........................................................91

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1 – INTRODUÇÃO

O desenvolvimento dos procedimentos cirúrgicos oftalmológicos trouxe,

nas últimas décadas, inúmeros benefícios e possibilidades de novos tratamentos.

A cirurgia de catarata realizada ambulatorialmente e a cirurgia refrativa

representam exemplos destes avanços (Allen; Oberle, 1993; Kuo et al., 2005).

Num outro campo, a execução de algumas intervenções cirúrgicas, sobretudo na

área da oculoplástica, demandou o emprego de materiais biocompatíveis para

substituição de tecidos excisados ou passíveis de serem utilizados em técnicas

específicas.

A partir de 1909 (Beyer; Albert, 1981), alguns cirurgiões iniciaram o uso de

fáscia lata no tratamento de ptose congênita, e, desde então, inúmeros outros

materiais foram utilizados em cirurgias oculoplásticas: tendões, pericárdio bovino,

fáscia temporal, fáscia parietal, fáscia lata, cartilagem auricular ou nasal, palato

duro, esclera e produtos sintéticos como o polyglactin e o silicone (Debacker et

al., 2000; Sheikh et al., 2005; Detorakis et al., 2005; Flanagan; Campbell, 1981;

Arat; Shetlar; Boniuk, 2003; Beyer; Albert, 1981; Custer et al., 2003; Oh; Kim,

2005; Li; Shen; Duffy, 2001).

A variabilidade de materiais disponíveis representa, sem dúvida, uma

grande vantagem; todavia, no uso de tecidos sintéticos ou biológicos, homólogos

ou heterólogos, deve-se considerar a capacidade do material em realizar a função

esperada, a facilidade de sua obtenção, além de sua inocuidade ao tecido

hospedeiro. Assim sendo, os inúmeros relatos de reações inflamatórias intensas,

rejeições e necrose, a possibilidade de transmissão de doenças e a verificação de

degradação do enxerto após alguns meses de seu implante revelam a

necessidade de um contínuo estudo e desenvolvimento destes e de novos

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materiais para utilização na oftalmologia (Sheikh et al., 2005; Detorakis et al.,

2005; Oh; Kim, 2005; Li; Shen; Duffy, 2001; Cárdenas-Camarena, 1998;

Hildebrand e Haguenoer 1994).

A esclera preservada é um dos tecidos mais freqüentemente utilizados nos

procedimentos cirúrgicos. Este material biológico apresenta algumas vantagens

importantes como a facilidade de sua obtenção, visto que se encontra

rotineiramente disponível em bancos de olhos; acentuada estabilidade estrutural,

mesmo após meses de cirurgia, e baixa indução de reação inflamatória por parte

do receptor (Kadoi et al., 2000). Dessa forma, a obtenção de informações

adicionais sobre este tecido torna-se extremamente necessária.

1.1. ESCLERA HUMANA

A esclera forma os 5/6 posteriores do bulbo ocular, sendo uma das

principais responsáveis pela manutenção da forma esférica do olho. A sua

estrutura mecânica auxilia na sustentação dos demais tecidos oculares, bem

como permite a ação dos músculos extra-oculares na movimentação ocular sem

que ocorra aumento significativo da pressão intra-ocular ou deformação das

estruturas intra-oculares. A opacidade escleral, resultante da irregularidade da

disposição de suas fibras colágenas (Harkness, 1961), impede a entrada

excessiva de luz, e sua rigidez atua na proteção mecânica a traumas.

As medidas do olho, nos eixos antero-posterior, transversal e vertical, são

de aproximadamente 24 mm, e suas circunferências horizontal e equatorial de

77mm e a sagital de 76mm. Watson e Young (2004) observaram que a espessura

da esclera varia ao longo de sua extensão: é mais espessa na região do nervo

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óptico (1,0-1,35mm), e mais fina no limbo (0,6-0,8mm), no equador (0,4-0,6mm) e

nos segmentos abaixo das inserções musculares (0,3-0,4mm).

A avaliação histológica da esclera permite identificar os componentes

responsáveis pela manutenção dos aspectos biomecânicos e ópticos do tecido. A

esclera apresenta três camadas distintas: episclera, estroma e lâmina fusca.

A episclera é a parte mais superficial situada logo abaixo da cápsula de

Tenon; apresenta vascularização importante derivada das artérias ciliares

anteriores e ciliares posteriores. É constituída por tecido colágeno com arranjo

circular, além de pequena quantidade de tecido elástico, macrófagos e

melanócitos.

O estroma é a camada mais espessa da esclera, sendo composta

principalmente pelo colágeno (Gross, 1964), que representa 50-75% do seu peso

seco. Este componente da matriz extracelular é o principal responsável pelas

características apresentadas por este tecido. O tipo de colágeno predominante na

esclera humana é o tipo I (95%), seguido pelo tipo III (5%) e, em pequenas

quantidades, pelos tipos IV e VI (Watson; Young, 2004).

O colágeno é uma proteína composta, principalmente, por glicina,

hidroxiprolina e hidroxilisina (30%, 20% e 2%, respectivamente) (Harkness, 1961)

e apresenta-se estruturalmente disposto em três cadeias helicoidais unidas por

pontes de hidrogênio entre a glicina e as terminações CO e NH dos peptídeos

adjacentes. A sua unidade molecular básica é denominada tropocolágeno e

possui comprimento de 2800 Ǻ e diâmetro de 14 Ǻ. As moléculas de

tropocolágeno unem-se terminalmente formando uma fibrila de colágeno, não

sendo observadas ramificações (Yamabayashi et al., 1991). Exames de difração

em raios X revelaram um padrão em bandas das fibrilas com regularidade de 650

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Ǻ (Harkness, 1961). As fibrilas apresentam diâmetro variando de 25 a 310 nm e

com periodicidade de 65 a 77 nm e se unem formando fibras de colágeno mais

espessas (Leonardi et al., 1983). As fibras mais finas são encontradas nas

camadas externas, no trabeculado e na lâmina cribiforme, enquanto as mais

espessas na região equatorial do bulbo ocular (Meller D; Peters; Meller K, 1997).

As fibras de colágeno agrupam-se formando feixes com disposição variada

conforme sua localização. Na camada mais superficial, ocorre um entrelaçamento

com arranjo reticular, ao contrário das camadas mais profundas, onde os feixes

dispõem-se de maneira rômbica, seguindo cursos irregulares (Tale; Tillmann,

1993). Nesta região, observam-se feixes dispostos em planos oblíquos,

transversais e longitudinais, e, mesmo aqueles situados em planos semelhantes,

apresentam direções distintas -perpendiculares, paralelos ou angulados-. Nos

tecidos submetidos à tensão, como os tendões, observa-se que os feixes de

colágeno apresentam orientação no sentido da maior força aplicada (Tale;

Tillmann, 1993).

A estabilidade do colágeno provavelmente está relacionada à presença de

pontes de hidrogênio entre as fibrilas e à constituição de mucopolissacarídeos da

matriz extracelular (Van den Hoof, 1962). Acredita-se que haja a formação de

ligações cruzadas entre as hexoses das proteínas de colágenos adjacentes

resultando em fortalecimento intra e intermolecular. O compartimento interfibrilar

escleral é composto por proteoglicanos, sendo as principais a decorina e a

biglican (Watson; Young, 2004). A agrecan é encontrada principalmente na

esclera posterior e apresenta tamanho e espessura maiores que a decorina e a

biglican. A deficiência destas proteínas, bem como uma alteração do estado de

hidratação da matriz, está relacionada à alteração das características do

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colágeno, como, por exemplo, o aumento da elasticidade (Watson; Young, 2004).

Da mesma forma, a renovação do colágeno, normalmente com duração de

meses, pode acelerar-se em circunstâncias especiais, como em cicatrizações e

no período pós-parto (Harkness, 1961). Alterações na expressão genética dos

fibroblastos ou deficiências nutricionais podem alterar o metabolismo e a

biomecânica do colágeno (Cui et al., 2004; Young et al., 2003; Mao; Bristol, 2001;

Kipp et al., 1996).

As fibras de elastina também estão presentes na esclera, onde

correspondem a aproximadamente 2% do tecido e encontram-se dispostas

paralelamente entre as fibras de colágeno. São constituídas principalmente pelas

proteínas elastina, elaunina e oxitalana, que também diferem entre si pela

variabilidade quanto à presença de material amorfo na região central das fibrilas

(Marshal, 1995). Sua localização mais freqüente é na região do trabeculado, do

esporão escleral e da lâmina cribiforme, podendo estar relacionada à patologia

glaucomatosa (Moses et al., 1978). Observou-se, também, uma maior

predominância da elastina nas camadas mais internas, possivelmente para

absorver flutuações agudas da pressão intra-ocular sem comprometer as demais

estruturas oculares (Marshal, 1995).

A presença de células no estroma é bastante reduzida, sendo identificados,

predominantemente, os esclerócitos, responsáveis pela produção do colágeno e

da matriz extracelular. Alguns melanócitos e células inflamatórias, como linfócitos

e neutrófilos também podem ser detectados no tecido escleral normal. Eosinófilos

e mastócitos localizam-se preferencialmente na região limbar (Watson; Young,

2004).

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A lâmina fusca situa-se imediatamente acima da coróide e se caracteriza

por possuir lamelas formando feixes mais finos e com o colágeno disposto mais

frouxamente. Apresenta uma celularidade maior em relação ao estroma, sendo

encontrados macrófagos e melanócitos (Watson; Young, 2004).

1.2. EMPREGO DA ESCLERA HUMANA EM CIRURGIAS OFTALMOLÓGICAS

A cirurgia de reconstrução palpebral pode ser necessária em pacientes que

apresentem coloboma, vítimas de trauma ou submetidos a exérese de tumores

que necessitem a excisão de grande extensão de tecido.

As inúmeras técnicas desenvolvidas para este procedimento são utilizadas

conforme as particularidades de cada paciente, ou mesmo, segundo as

preferências do cirurgião. Entretanto, as limitações e complicações dos

procedimentos podem ser comuns à maioria das técnicas (Fischer et al., 2001).

A utilização de retalhos constituídos somente de derme e epiderme pode

resultar, em muitos casos, na retração da pele e na rotação interna do tecido

(Kadoi et al., 2002). Kamyia e Kitajima (2003) constataram que, nos casos em que

a necessidade de reconstrução é extensa, o uso de um tecido de suporte torna o

resultado cirúrgico melhor e mais estético. Wesley e McCord (1980) também

verificaram que o uso de tecido escleral permitiu obter um excelente tecido de

suporte para a sutura dos retalhos de pele, resultando numa maior estabilidade

palpebral. Além disso, constataram que o uso de escleras de doadores mais

idosos revelou-se vantajoso, visto que o tecido era mais rígido e,

conseqüentemente, mais estável.

O emprego de esclera revelou adequada biocompatibilidade com a derme,

havendo pequena reação inflamatória e ausência de rejeição, ao contrário do uso

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de polyethylene (Tan et al., 2004). Através da análise microscópica, Beyer e

Albert (1981) confirmaram o aspecto normal do tecido com a presença de poucas

células e ausência de tecido inflamatório ou fibrose. A possibilidade de

reabsorção da esclera após meses de cirurgia era questionada por alguns

pesquisadores, contudo, a esclera manteve sua resistência e rigidez preservadas

por 2 a 3 anos após o transplante (Kamyia; Kitajima, 2003; Beyer; Albert, 1981).

A doença de Graves resulta em comprometimento importante das

estruturas orbitárias, dentre elas a retração palpebral. Várias técnicas cirúrgicas

são utilizadas para a correção desta disfunção, como a Müllerectomia e a

ressecção da aponeurose do músculo levantador da pálpebra (Doxanas; Dryden,

1981). Quando se observa uma retração maior que 1,5mm, estes procedimentos

podem se mostrar insuficientes, sendo necessária a presença de um “spacer”

para um melhor resultado funcional e estético. A esclera é um material biológico

passível de utilização neste procedimento, pois possibilita a realização de

“spacers” de diversas dimensões e resulta numa excelente estética, além de

apresentar mínimas complicações e ser bem tolerado pelo receptor (Doxanas;

Dryden, 1981; Debacker et al., 2000).

A cirurgia de enucleação é indicada em uma série de alterações oculares

como a presença de tumor intra-ocular ou trauma ocular grave (Custer et al.,

2003; Clauser et al., 2004). Procura-se preservar o volume orbitário e, em alguns

casos, manter a mobilidade, por meio da colocação de um implante de material

sintético. As complicações estão relacionadas ao tipo de implantes utilizado e à

técnica cirúrgica empregada, sendo as principais a presença de infecção,

extrusão do implante e enoftalmia (Hornblass; Biessman; Eviatar, 1995).

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A exposição do implante orbitário pode resultar em inflamação crônica,

secreção contínua, dor e extrusão do mesmo (Molteno et al., 1976; Sheikh et al.,

2005). Alguns tecidos heterólogos foram avaliados para emprego em cirurgias de

enucleação, sobretudo devido ao risco de transmissão de infecções por tecidos

homólogos (Arat; Shetlar; Boniuk, 2003). O pericárdio bovino mostrou-se

inadequado por apresentar uma alta taxa de inflamação, infecção e exposição

(23%), não sendo recomendada a sua utilização. A análise histológica e

sorológica deste material revelou acentuada reação imunológica revelando a

presença de histiócitos, linfócitos, eosinófilos, corpúsculos de corpo estranho,

além de anticorpos anticolágeno bovino (Ellingsworth et al., 1986).

O uso de outros materiais biológicos homólogos como fáscia lata ou

periósteo (Sheikh et al., 2005; Detorakis et al., 2005) também apresentou bons

resultados. Constatou-se excelente compatibilidade, pouca inflamação, rápida

vascularização, além da ausência de transmissão de doenças; entretanto, envolve

um aumento importante do tempo cirúrgico.

Um levantamento de 5.439 cirurgias de implantes orbitários revelou que

59% dos cirurgiões utilizavam tecido escleral para o recobrimento do implante

visando reduzir a incidência de exposição (Hornblass; Biesmann; Eviatar, 1995).

O uso de esclera resulta numa menor taxa de extrusão do implante, variando de

zero a 3,8%, independentemente do tipo de material utilizado no implante (Custer

et al., 2003). O uso de material biológico torna-se ainda mais recomendável em

pacientes jovens ou com antecedente de trauma (Li; Shen; Duffy, 2001). Inkster e

Leatherbarrow (2002) referiram que nos tecidos recobertos com esclera, mesmo

que haja exposição, não foi necessária a remoção do implante, havendo

cicatrização por segunda intenção após algumas semanas.

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A utilização de implantes de drenagem representa uma importante opção

cirúrgica no tratamento de glaucomas refratários (Molteno, 1969). Mills et al.

(1996) (97) constataram uma taxa de sucesso de 57% em pacientes com

acompanhamento médio de 44 meses. A presença de exposição do tubo é motivo

de grande preocupação, visto que aumenta consideravelmente o risco de

desenvolvimento de endoftalmites (Ollila; Falk; Airaksinen, 2005). Dessa forma, a

colocação de um segmento escleral entre o tubo e a conjuntiva diminuiu

sensivelmente a taxa de extrusão para valores de 2,4 a 5% (Melamed et al., 1991;

Mills et al., 1996). A tentativa de realização de um túnel escleral associado à

colocação do retalho está em aperfeiçoamento, mas apresentou uma maior

freqüência de complicações (Ollila; Falk; Airaksinen, 2005).

A esclera também é empregada em cirurgias de descolamento de retina.

Uma grande vantagem de seu uso é a facilidade de obtenção de retalhos de

variadas formas e tamanhos, associado à pequena reação inflamatória produzida

(François; Verbraeken; Hansens, 1979). Dessa forma, revelou-se um excelente

material biológico para este procedimento.

O afilamento escleral pode ocorrer após cirurgias oculares (pterígio,

descolamento de retina, etc), queimaduras químicas ou reações imunológicas.

Esta área de fragilidade escleral pode resultar em prolapso das estruturas intra-

oculares e infecção (Oh; Kim, 2003). O tratamento cirúrgico, além da terapêutica

da doença de base, em alguns casos, faz-se imprescindível. A esclera

preservada, em glicerina ou álcool, é o material de preferência para o tratamento,

sendo relatados excelentes resultados (Oh; Kim, 2003; Reynolds; Alfonso, 1991).

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1.3. PRESERVAÇÃO DE TECIDOS HUMANOS

A preservação de tecidos humanos para utilização no tratamento de

diversas doenças ou cirurgias é de fundamental importância. O método ideal deve

possuir características de alta eficiência, fácil realização, baixo custo, não

transmitir doenças ao receptor, ser atóxico, não gerar reação imunológica

acentuada e, sobretudo, manter a integridade estrutural e a funcionalidade do

tecido (Huang; Pegg, Kearney, 2004).

Vários métodos de preservação têm sido utilizados em bancos de tecidos

em todo o mundo para o fornecimento de material para as diversas

especialidades médicas (Keros et al., 2005; Sabates et al., 1967; Colvard et al.,

1979; Salai et al., 1997). A técnica utilizada está intimamente relacionada ao tipo

de tecido a ser preservado, visto que a manutenção da integridade estrutural da

matriz extracelular nem sempre está relacionada a uma equivalente preservação

das células do tecido. Dessa forma, inúmeros métodos vêm sendo aperfeiçoados

através da alteração da temperatura, da velocidade e do tempo de adição do meio

de preservação, da substância utilizada ou da intensidade da radiação (Kito et al.,

2005; Dziedzic-Goclawska et al., 2005; Fahner et al., 2004; Rajaei et al., 2005).

A redução da temperatura nos tecidos resulta numa diminuição acentuada

do metabolismo celular, através da inibição de reações térmicas e da ação de

enzimas catalíticas, como as envolvidas no processo de apoptose (Kito et al.,

2005; Hibino et al., 1996). O uso de crioprotetores foi descrito inicialmente por

Polge, Smith e Parzes (1949), desde então, o estudo da criobiologia tem sido

desenvolvido com o objetivo de permitir melhor preservação de tecidos a serem

utilizados em transplantes (Fahy, 1986). Contudo, o próprio processo de

resfriamento resulta em degradação celular, devido à formação de cristais de gelo

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intracelulares e ao aumento inadequado da concentração intracitoplasmática de

eletrólitos (Kito et al., 2005). A adição de substâncias como o dimetil sulfóxido e a

glicerina foi resultante da tentativa de se atenuar estes efeitos (Fahy,1986). A

ação dos crioprotetores promoveria um controle na permeabilidade da membrana

celular, inibindo a concentração de eletrólitos, e, associada à redução gradual da

temperatura, impediria a formação de gelo intracelular (Kito et al., 2005; Hibino et

al., 1996).

Outros trabalhos mostraram que apesar dos benefícios em reduzir lesões

induzidas pelo resfriamento, os próprios crioprotetores podem causar lesões às

células. Estima-se que o processo osmótico, a desidratação e o estresse químico

sejam os responsáveis pela lesão tecidual (Kito et al., 2005; Rajaei et al., 2005).

Kito et al. (2005) observaram uma excelente manutenção da morfologia de

células epiteliais de ratos com a crioproteção com glicerina, obtendo uma taxa de

preservação de 70% em 4 semanas de armazenamento. Confirmando estas

observações, Hibino et al. (1996) constataram uma adequada condição estrutural

de células epiteliais humanas utilizando o mesmo método. O uso de

dimetilssulfóxido e de glicerina na conservação de tecido de mucosa humana

resultou na obtenção de uma viabilidade celular de 62%, sendo a degeneração

vacuolar mais freqüente no primeiro meio (Hibino et al., 1996).

Por outro lado, inúmeros estudos mostraram degradação tecidual com o

uso da criopreservação. Tecidos testiculares humanos apresentaram intenso

comprometimento com a criopreservação em dimetilssulfóxido, propanediol e,

principalmente, glicerina. Observou-se ruptura do estroma e das conexões

intercelulares, edema mitocondrial e lesão nuclear (Keros et al., 2005). O uso dos

crioprotetores propanediol, etilenoglicol e glicerina a 10% resultou na

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fragmentação do DNA de blastocistos de porcos (Rajaei et al., 2005). O uso de

glicerina em concentração acima de 5% revelou-se extremamente tóxica à

conservação de espermatozóides a baixas temperaturas (Polge; Smith; Parzes,

1949). As plaquetas apresentam dano acentuado intimamente relacionado à

concentração de glicerina (Arnaud; Pegg, 1990). Em células hepáticas, a

presença de edema provavelmente é resultado do processo de criopreservação

(Bickis et al., 1967).

Alguns bancos de tecidos utilizam a irradiação como método para

preservação e, principalmente, esterilização dos tecidos (Dziedzic-Goclawska et

al., 2005; Salai et al., 1997). Tecidos ósseos, cartilagens, válvulas cardíacas e

fáscia lata são alguns dos tecidos processados satisfatoriamente com este

método. Contudo, o principal objetivo para a sua utilização está relacionado à

possibilidade de transmissão de doenças, sobretudo as que ocorrem por meio

viral, nos quais os demais métodos não se mostram tão eficientes na eliminação

destes agentes. A radiação ionizante atua promovendo a degradação do DNA dos

microorganismos, através da quebra das ligações covalentes das hélices do DNA

(Dziedzic-Goclawska et al., 2005; Colvard et al., 1979). Todavia, este método

resulta, também, em importante degradação das estruturas teciduais limitando,

desse modo, a sua ampla utilização. No caso do colágeno, observa-se a quebra

das cadeias polipeptídicas e a ocorrência de ligações cruzadas inter e

intramoleculares resultando num aumento da solubilidade, da susceptibilidade à

ação de enzimas degradativas e, conseqüentemente, no aumento da taxa de

reabsorção (Dziedzic-Goclawska et al., 2005).

A preservação com o uso do calor e do ácido peracético mostrou-se capaz

de eliminar vírus e bactérias na preservação de válvulas cardíacas. Contudo,

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ambos métodos alteraram as estruturas elásticas do tecido e, no caso do calor,

verificou-se um importante desarranjo do colágeno (Farrington et al., 2002).

O álcool etílico também é utilizado para a preservação de tecidos. Atua

promovendo a fixação protéica e impede a degradação tecidual por desnaturar as

enzimas proteolíticas. Contudo, muitos cirurgiões questionam a ação tóxica do

etanol residual no tecido receptor. O estudo do tecido escleral humano

preservado em etanol a 95% e submetido à lavagem em solução salina

balanceada (BSS), mostrou que após 30min em BSS, mais de 99% do álcool é

eliminado do tecido (Enzenauer et al., 1999).

A glicerina é um dos meios freqüentemente utilizados para a preservação

de diversos tecidos. Apresenta capacidade de manter íntegras a constituição

bioquímica e as características estruturais da matriz extracelular, com pequena ou

nenhuma presença celular (Fahner et al., 2004). Estima-se que esta preservação

deva-se à alta viscosidade da glicerina e à substituição da maior parte da água

intracelular, o que inibiria as reações enzimáticas de degradação das estruturas

teciduais. A penetração da glicerina no tecido ocorreria, provavelmente, por

difusão e ligação ao tecido, promovendo uma estabilização da estrutura helicoidal

do colágeno, através de ligações de radicais hidroxil à superfície da molécula de

colágeno, possivelmente associada à presença de pontes de hidrogênio (Na,

1986; Penkova et al., 1999). A possível formação de pontes de hidrogênio entre a

glicerina e hidroxiprolina de grupos adjacentes nas cadeias da tripla hélice poderia

explicar a estabilização obtida (Penkova et al., 1999).

Avaliou-se o uso de diferentes concentrações de glicerina na preservação

de aorta de ratos, constatando-se que tanto as fibras colágenas e como as de

elastina mantiveram a integridade inalterada. Além disso, a carga e pressão

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necessárias para a rotura do tecido mantiveram-se constantes por até três meses

de preservação (Huang; Pegg; Kearney, 2004; Fahner et al., 2004). A integridade

dos hemidesmosssomos também foi observada (Huang; Pegg; Kearney, 2004).

Todavia, constata-se que a integridade das células teciduais não acontece

de modo semelhante. Apesar de Richters et al. (1996) observarem a manutenção

da integridade de ceratócitos e células de Langerhans na preservação da pele, a

maioria dos estudos revela que as células dos tecidos preservados apresentaram

fragmentação parcial, ou total, com comprometimento irreversível de sua

funcionalidade (Fahner et al., 2004; Salai et al., 1997). Por outro lado, a ausência

de células viáveis resultaria numa diminuição da reação imunológica do tecido

hospedeiro e um conseqüente aumento da taxa de sucesso do transplante

(Sabates et al., 1967). Arat, Shetlar e Boniuk (2003) mostraram a intensa reação

inflamatória associada, inclusive, à presença de anticorpos, com o uso de

pericárdio bovino, inviabilizando sua utilização.

A preservação em glicerina é o principal método utilizado em bancos de

olhos para a conservação de escleras. Geralmente o tecido é imerso em glicerina

estéril a 98% e armazenamento a 4-8 ºC ou à temperatura ambiente (EBAA,

2000). Uma das principais vantagens deste método é sua facilidade de realização

e seu baixo custo. Além disto, este método resulta em excelente preservação da

estrutura histológica da matriz extracelular do tecido, com a manutenção de suas

características biomecânicas (Huang; Pegg; Kearney, 2004; Richters et al., 1996;

Sabates et al., 1967; Na, 1986). Richters et al. (1996) mostraram a preservação

adequada dos elementos de colágeno e elastina; Fahner et al. (2004) (39)

confirmaram estes achados em aortas de rato e DeBacker et al. (2000) em

escleras de coelhos. Romanchuk, Mair e Grahn (2003) em avaliações de escleras

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preservadas por um extenso período de 19 anos observaram que a estrutura

microscópica do colágeno mantinha-se intacta.

Todavia, a preservação celular não é tão eficiente, encontrando-se a

esclera predominantemente acelular no momento do transplante (Sabates et al.,

1967), o que, como mencionado anteriormente, poderia representar uma

vantagem pela diminuição da antigenicidade do tecido. Sabates et al. (1967)

mostraram uma excelente aceitação do enxerto pelo receptor, havendo pequena

reação inflamatória após 24 horas de cirurgia. Após 10 dias, não era mais

observada presença de células inflamatórias, e sim, atividade proliferativa do

tecido fibroso. Aos doze meses não se podia diferenciar o enxerto do tecido

hospedeiro.

Apesar de não haver, na literatura estudada, relato de reações adversas

pela presença residual de glicerina no tecido persiste a preocupação sobre a

toxicidade do meio. Huang et al. (2004) demonstraram que mesmo após a

lavagem em BSS por 30 min antes de sua utilização estima-se que ainda

permaneçam 20% da glicerina no tecido.

Não existe, ainda, consenso sobre o tempo de armazenamento

recomendável. As dúvidas estariam relacionadas à presença de infecção e à

manutenção da integridade histológica. A legislação brasileira exige descarte

após quatro meses de preservação (ANVISA, 2003), apesar de diversos relatos

na literatura de manutenção da integridade tecidual após anos de armazenamento

(Romanchuk; Mair; Grahn, 2003). Desta forma, a troca de material preservado

nos bancos de olhos neste curto espaço de tempo, poderia ser evitada caso

novos estudos comprovassem estes achados.

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1.4. CONTAMINAÇÃO BIOLÓGICA DE TECIDOS PRESERVADOS

A presença de microorganismos formando a flora normal da conjuntiva e

das pálpebras humanas é constatada desde os primeiros dias de vida, passando

por alterações qualitativas durante o decorrer da vida (Araújo; Scarpi, 2004).

Desta forma, o risco de transmissão de doenças ao receptor deve ser

considerado em cirurgias com o uso de escleras doadas (Pels; Vrensen, 1999).

Diversos trabalhos mostraram que a positividade em culturas de “swabs”

conjuntivais sem tratamento prévio situava-se entre 43 a 100% dos doadores de

bulbos oculares (Araújo; Scarpi, 2004; Nash; Lindquist; Kalina, 1991; Albon;

Armstrong; Tullo, 2001; Chu, 2000; Chittun et al., 1985). Chittun et al. (1985)

observaram uma elevada positividade (92%) em amostras conjuntivais de

pacientes com infecção sistêmica e cultura sanguínea positiva.

Os principais organismos isolados da flora conjuntival variam segundo a

região pesquisada, sendo o Staphylococcus coagulase negativo é o agente mais

freqüente (36%) na maioria dos trabalhos (Araújo; Scarpi, 2004; Nash; Lindquist;

Kalina, 1991). O Staphylococcus aureus (23%) e o Bacillus sp (8%) são outros

gram-positivos identificados. As bactérias gram-negativas mais comuns são a

Pseudomonas aeruginosa (27%) e a Escherichia coli (10,7%). A presença de

fungos ocorre em aproximadamente 0,6% das amostras (Pels; Vrensen, 1999).

A presença de endoftalmite após a realização de transplante de córnea

varia de 0,1 a 0,7% (Kloess; Stulting; Warring, 1993). Relatos de infecções

causadas pelo tecido escleral ainda não foram descritos nos trabalhos

pesquisados, mas sua ocorrência é teoricamente possível. Por isso, existe uma

grande preocupação quanto à possibilidade de transmissão de organismos

contaminantes ao receptor. Em uma análise retrospectiva de 55 casos de

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endoftalmites, Kloess, Stulting e Warring (1993) verificaram que em 54,5% dos

casos o agente isolado era da mesma espécie identificada no botão córneo-

escleral do doador. Todavia, na análise de 4.167 doadores, Pardos e Gallagher

(1982) não observaram nenhuma relação estatisticamente significativa entre a

positividade da cultura da rima do botão córneo-escleral e a ocorrência de

endoftalmite.

Acredita-se que a transmissão por meio de escleras de doenças de

etiologia viral (hepatites B e C, raiva e HIV) também seja possível, visto que já

foram relatados casos de transmissão em transplante de córnea (Chu, 2000). A

análise através de PCR confirmou a presença de seqüências de DNA de HIV-1

em tecidos esclerais, contudo este achado não significa absolutamente que os

vírus ainda permaneçam com capacidade de causar infecção no receptor (Seiff et

al., 1994).

Considerando-se estas informações, várias condutas e recomendações

são seguidas com o objetivo de reduzir a possibilidade de transmissão de

doenças nos transplantes de tecidos oculares. Efetuam-se testes sorológicos para

hepatite B e C e HIV-1 e 2 em todos doadores, pesquisa-se detalhadamente o

histórico médico e se avaliam as condições do corpo do doador, investigando-se

sinais de uso de drogas intravenosas e de tatuagens recentes.

Durante a enucleação do bulbo ocular, o Eye Bank American Association

(EBAA) recomenda a adoção de rígida assepsia, com limpeza prévia da pele com

polivinilpirrolidona-iodine tópico (PVPI), lavagem vigorosa do saco lacrimal com

SF 0,9% e instilação de PVPI a 5% no saco conjuntival por, pelo menos, 2 min

antes do início do procedimento. Gopinathan et al. (1998), Nash, Lindquist e

Kalina (1991) e Pels e Vrensen (1999) confirmam a diminuição dos

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microorganismos na conjuntiva após a lavagem com PVPI a 5%. Goldman et al.

(1978) revelaram o mesmo efeito com a irrigação do saco conjuntival com SF

0,9%. A associação dos dois métodos resultou numa redução da possibilidade de

contaminação a 3% segundo Pels e Vrensen (1999). Além disto, constatou-se que

a quantidade de PVPI que penetra no tecido não é suficiente para causar dano às

fibras ou células.

Outras formas de preservação também visam a eliminação de micro-

organimos dos tecidos utilizados. Neste sentido, a radiação ionizante é um dos

métodos mais eficientes, eliminando bactérias (inclusive esporos), fungos e vírus

(Rutala; Gergen; Weber, 1998; Cardenas-Camarena, 1998; Farrington et al.,

2002). Porém, resulta em importante alteração estrutural do tecido, além de haver

toxicidade do gás residual nos materiais (Cardenas-Camarena, 1998).

O álcool absoluto ou a 70 % mostrou-se capaz de eliminar a maioria dos

patógenos, inclusive vírus, mas não foi capaz de eliminar o Bacillus sp (Lucci; Yu;

Höfling-Lima, 1999). Apresenta, todavia, o inconveniente de ser recomendada sua

troca a cada 5 dias para manutenção de sua eficiência (APABO, 2000).

A glicerina apresentou uma atuação bastante satisfatória, promovendo a

eliminação de fungos e bactérias do tecido após oito dias de preservação (Lucci;

Yu; Höfling-Lima, 1999; Dailey; Rossenwasser, 1994). Além disto, em tecidos de

pele, Marshal et al. (1995) revelaram a eliminação de herpes-vírus e poliovírus

após quatro semanas de preservação em glicerina a 98%, a 20ºC. No mesmo

tecido, Van Baare et al. (1998) mostraram a inativação do HIV-1 em glicerina com

concentração acima de 70%, a qualquer temperatura, após 30 minutos.

O tempo em que o tecido permanece estéril ainda não está

satisfatoriamente esclarecido, apesar de Romanchuk, Nair e Grahn (2003)

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relatarem a ausência de microorganismos em escleras preservadas por 19 anos,

recomenda-se o uso de esclera somente até quatro meses de preservação (Min.

Saúde, 2004).

O mecanismo pelo qual cada método de preservação atuaria na eliminação

do microorganismo ainda necessita maiores esclarecimentos. Estima-se que a

atividade bactericida do etanol seja resultante da desnaturação causada nas

proteínas bacterianas (Lucci; Yu; Höfling-Lima, 1999). O óxido de etileno agiria

formando radicais livres e eliminando os microorganismos (Cárdenas-Camarena,

1998; Virtanen, 1963; Raunio; Taipale, 1961). A ação da glicerina estaria

relacionada à sua alta viscosidade, à diminuição da disponibilidade de água aos

microorganismos com resultante aumento da concentração intrabacteriana de

eletrólitos, bem como através da inibição da captação de glicose através da

inibição de enzimas na membrana e/ou parede celular resultando na morte celular

(Chirife et al., 1983; Walter; Morris; Kell, 1987).

1.5. PROPRIEDADES MECÂNICAS DA ESCLERA HUMANA

As propriedades mecânicas de um material biológico dependem

principalmente de três fatores: sua composição química, sua arquitetura tecidual e

seu grau de hidratação (Timoshenko, 1966). A esclera, como descrita

previamente, é composta principalmente por fibras colágenas, e, em menor

quantidade, por fibras elásticas e material interfibrilar constituído de

proteoglicanos. O colágeno organiza-se em fibrilas que formam feixes primários

de aproximadamente 2,5 µ de diâmetro, os quais se agregam em feixes mais

largos de 20 a 40 µ. A organização destes feixes varia segundo a sua localização,

sendo circulares e com angulação acentuada entre as fibras da região limbar

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(anterior) e ao redor do nervo óptico. Nas demais regiões, observa-se uma faixa

superficial de feixes dispostos circularmente e, nas camadas mais internas, uma

distribuição aleatória com angulação menos acentuada entre os feixes (Curtin,

1969).

A elasticidade, de um tecido está intimamente relacionada à intensidade de

sua hidratação e ao afastamento entre suas fibras constituintes (Curtin, 1969).

Acredita-se que o edema promoveria uma hidratação da matriz extracelular entre

os feixes de tecido colágeno, aumentando seu poder lubrificante e facilitando um

deslizamento destes feixes. A avaliação do colo do útero de mulheres e de ratas

grávidas confirmou estas observações (Harkness M; Harkness R, 1959; Elden,

1964). Estima-se que a ação de enzimas também exerça importante papel neste

processo de distensão durante o período final da gestação. Harkness e Harkness

(1959) observaram um aumento da distensão do tecido do colo uterino de

gestante através da ação da enzima tripsina.

Inicialmente, o tecido escleral humano teve suas propriedades mecânicas

estudadas para a obtenção de informações relacionadas a uma adequada medida

da pressão intra-ocular. Há algumas décadas, esta medida era realizada com o

uso do tonômetro de Schiotz e estava intimamente relacionada à rigidez ocular

(Richards; Tittel, 1973; Gloster; Perkins; Pommier, 1957; Gloster; Perkins, 1959).

Estes estudos mostraram aspectos importantes da mecânica escleral, como o fato

de não haver diferença estatisticamente significativa do coeficiente de rigidez

escleral até 32 horas da enucleação (Gloster; Perkins, 1959; Curtin, 1969).

Observou-se, também, uma diminuição da distensibilidade escleral com o

aumento da força aplicada, além de uma diminuição do coeficiente de rigidez

ocular com o aumento da pressão intra-ocular (Gloster; Perkins, 1959).

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A esclera apresenta o comportamento de um tecido visco-elástico quando

submetida a testes de distensão. Nota-se um alongamento rápido e acentuado

nos 15 segundos iniciais, seguido de uma distensão mais suave e lenta nos

próximos minutos, sendo necessários cerca de 6 minutos para a estabilização

completa (Gloster; Perkins; Pommier, 1957).

Supõe-se que no processo de alongamento escleral alguns mecanismos

estejam envolvidos: alongamento da própria fibrila de colágeno, direcionamento

dos feixes no sentido da força aplicada e deslizamento das fibrilas entre si (Curtin,

1969; Shames, 1964). A fase inicial de alongamento rápido seria devido ao

alinhamento e a segunda, mais lenta, à distensão e deslizamento da fibrila, que

pode alongar-se de 10 a 20% de seu tamanho original sem rompimento.

St Helen e McEwen (1961) compararam o comportamento da esclera a um

corpo de Maxwell em que o alongamento ocorre em dois momentos: o inicial,

mais rápido e acentuado, onde se observa a extensão da mola, e o seguinte, mais

lento e menos intenso, relacionado ao deslocamento do pistão. Considerando-se

o tecido escleral, relaciona-se a primeira fase ao alinhamento das fibras e a

segunda ao deslizamento e alongamento das fibrilas de colágeno.

Durante o processo de distensão, o tecido apresenta aumento do

comprimento, associado à diminuição do diâmetro e da espessura, formando uma

região denominada área de estricção (figura 1). O local do tecido onde se

observará a estricção está intimamente relacionado à presença de áreas de

imperfeições. Dessa forma, devido a sua maior fragilidade, é neste ponto que a

rotura acontece (Shames, 1964).

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Figura 1 – Material apresentando área de estricção no ponto A ao ser submetido a forças de tração de intensidade F.

A análise do comportamento escleral após a retirada da tensão aplicada

revela outro aspecto importante. Gloster, Perkins e Pommier (1957) mostraram

que o tecido permanece alongado não retornando mais a seu comprimento inicial,

revelando uma característica de material plástico e supôs haver uma alteração

histológica definitiva. Por outro lado, Curtin (1969) argumenta que em seus

experimentos, apesar de haver uma recuperação de 56 a 86% nos minutos

iniciais, uma completa recuperação ao tamanho original ocorreria após 30

minutos. Esta diferença no comportamento de um material nos momentos de

carga e descarga da tensão durante um teste de distensão é denominada

histerese (Curtin, 1969).

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Entretanto, os estudos de materiais utilizados na engenharia civil revelam

que toda substância submetida à distensão sofre uma distribuição não uniforme

da tensão aplicada. Desse modo, ocorre maior concentração de tensões em

determinados pontos, e, mesmo que a carga seja retirada, a existência de

tensões residuais resultará numa deformação definitiva do material. Além disso,

quando se aplica uma tensão a um material acima de seu limite elástico, este se

torna, em certo grau, inelástico, apresentando, também, uma deformação

irreversível (Timoshenko, 1966; Shames, 1964).

A região do bulbo ocular estudada também apresenta padrões específicos,

sobretudo quando se compara os achados dos padrões de distensão da esclera

situada no pólo posterior, em relação às demais localizações (Curtin, 1969).

Estima-se que esta diferença provavelmente esteja relacionada à sua

característica histológica constituída de feixes mais grossos e havendo maior

presença de material interfibrilar. Por outro lado, na avaliação das regiões

equatorial e anterior não se observaram variações significativas, mesmo

estudando-se amostras retiradas de diferentes direções (meridional, diagonal ou

longitudinal) (Gloster; Perkins; Pommier, 1957; Curtin 1969).

Ainda há dúvidas sobre a presença de alteração no coeficiente de rigidez

escleral quando se avaliam diferentes faixas etárias. Richards e Tittel (1973) não

observaram diferenças entre escleras variando de 60 a 80 anos, Curtin (1969)

também não as identificou entre escleras maturas e imaturas. Todavia, estima-se

que o tecido escleral do pólo posterior de crianças seja mais distensível, visto que

esta região do olho aumenta seu tamanho em até 3 vezes desde o nascimento

até os 14 anos de idade, ao contrário do aumento de 1,25 a 1,33 vezes nos

demais setores (Salzmann, 1912).

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Friberg e Lace (1988) constataram que o módulo de elasticidade da esclera

anterior é maior que o da posterior (2,9 ± 1,4 x 10 -6 Nm-2 e 1,8 ± 1,1 x 10 -6 Nm-

2, respectivamente), sendo, portanto, a anterior mais rígida. Este fato poderia ser

explicado pela maior presença de colágeno na região posterior e sua disposição

menos uniforme (Bryant; Weeks, 1967; Avetisov et al., 1983).

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2- Objetivos

Avaliar a preservação da esclera humana em glicerina, considerando-se os

seguintes aspectos:

a) Presença de fungos e bactérias;

b) Manutenção da arquitetura histológica escleral;

c) Variação da resistência mecânica a rotura e da elasticidade tecidual.

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3 – Materiais e Métodos 3.1 – Escleras

Foram utilizadas 114 escleras de 72 doadores, obtidas no Banco de Olhos

do Distrito Federal (BO-DF). A faixa etária média dos doadores das escleras

utilizadas neste estudo foi de 46 anos, variando de 15 a 83 anos. Observou-se a

predominância do sexo masculino, havendo 44 doadores deste sexo. O período

de tempo desde o óbito até a enucleação variou de 1 hora a 17 horas. Utilizaram-

se 90 escleras para a avaliação histológica, microbiológica e primeira etapa da

avaliação mecânica; posteriormente, outras 24 escleras foram empregadas para a

segunda etapa da avaliação mecânica. Todas as escleras foram doadas após

consentimento formal e esclarecido da família do doador (anexo I), conforme

legislação estabelecida pelo Ministério da Saúde (2004) e ANVISA (2003). O

presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria de

Estado da Saúde do Governo do Distrito Federal (Parecer 007/06 – Anexo II).

O BO-DF realiza o processamento dos tecidos oculares seguindo as

recomendações do EBAA (2000), do Min. da Saúde (2004) e da APABO (2000).

Dessa forma, a história clínica do doador é pesquisada e uma amostra de sangue

colhida para avaliação sorológica de hepatites B e C e HIV-1 e 2. A enucleação é

realizada preconizando-se a assepsia e manutenção da integridade do tecido

doado com a utilização de produtos e instrumentais esterilizados, e seguindo-se

técnicas cirúrgicas padronizadas. Inicia-se o procedimento com a limpeza da pele

e anexos oculares com PVPI tópico a 10%, colocação de campo cirúrgico,

seguido da instilação de 3 gotas de PVPI a 5% no saco conjuntival. Após 2

minutos, realiza-se lavagem exaustiva com solução fisiológica a 0,9% (SF 0,9%) e

procede-se a peritomia límbica de 360 graus e miotomia dos músculos retos

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atentando-se para a preservação de parte do reto-lateral para suporte. Secciona-

se, então, o nervo óptico, músculos oblíquos e tecidos conectivos adjacentes. O

bulbo ocular retirado é envolvido em um cachecol feito de gaze e colocado em um

frasco umedecido denominado câmara úmida e transportado, sob refrigeração, ao

BO-DF.

No BO-DF o tecido é submetido à avaliação quanto a sua qualidade e,

caso seja aprovado, é encaminhado à preservação. Os bulbos oculares são

processados em uma capela de fluxo laminar onde é realizada a retirada do botão

córneo-escleral com aproximadamente 3 mm de faixa de esclera e colocado em

meio de preservação para córnea. A seguir, procede-se à secção do nervo óptico

e a retirada do conteúdo intra-ocular e dos restos de músculos, vasos e gorduras

aderidas ao bulbo. A esclera é, então, colocada em um frasco com glicerina a

98% e armazenado sob refrigeração (4 a 8 ºC). O tecido escleral somente é

liberado para utilização após cinco dias de armazenamento e com a confirmação

da negatividade das sorologias (EBAA, 2000; Min. Saúde, 2004).

Foram utilizadas 19 escleras para cada um dos tempos do estudo: sem

preservação, 7, 15, 30, 90 e 180 dias de preservação. Toda manipulação do

tecido antes da colocação do mesmo nos meios para cultura foi realizada em

capela de fluxo laminar, com instrumentais estéreis e realizando-se a troca de

todo material após a manipulação de cada amostra. As escleras preservadas

foram colocadas por 30 minutos em SF 0,9% para hidratação antes de serem

processadas; as amostras que ainda se apresentavam pouco hidratadas eram

mantidas por 60 min.

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Os critérios estabelecidos para a não utilização da esclera foram diâmetro

axial maior que 28mm (miopia elevada), lesão traumática observável no tecido ou

antecedente de cirurgia oftalmológica com manipulação do tecido escleral.

3.2. AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA

Em capela de fluxo laminar, sob condições adequadas de assepsia, foram

retirados dois fragmentos retangulares medindo aproximadamente 3X3mm da

região anterior da esclera; um deles foi colocado em um frasco com meio de

cultura tioglicolato para pesquisa de crescimento bacteriano e o outro em um

frasco com o meio de cultura Sabouraud, para avaliação fúngica. Os tecidos

foram colocados em incubação a 37º C com resultado final obtido após 7 e 30

dias para proliferação de bactérias e fungos, respectivamente. Nas culturas com

resultado positivo, o micro-organismo era identificado e, no caso de bactérias, seu

antibiograma era pesquisado.

3.3. AVALIAÇÃO HISTOLÓGICA

Um fragmento retangular medindo 6X3mm foi retirado da região anterior da

esclera e enviado para avaliação histológica. Este tecido foi dividido e submetido

à rotina universal de fixação em formol, desidratação e inclusão em parafina. A

seguir, o tecido foi seccionado transversalmente com espessura de cinco micras,

corado com hematoxilina-eosina e tricrômio de Mallory e montado em lâminas

para avaliação em microscopia óptica.

A avaliação histológica procurou analisar a preservação da arquitetura do

tecido, a integridade celular, o estado da matriz extracelular e a presença de

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alteração da integridade das fibras de colágeno. Realizou-se a comparação

destas características nos diversos tempos do estudo٭.

.Avaliação histológica realizada pelo Prof. Dr. Ricardo Bentes (Universidade de Brasília)٭

3.4. AVALIAÇÃO MECÂNICA

As características mecânicas do tecido foram avaliadas em duas etapas.

Na primeira foram utilizadas 90 escleras, divididas em seis grupos, conforme o

tempo de preservação – sem preservação, 7, 15, 30, 90 e 180 dias de

preservação - para a avaliação da carga de rotura. Na segunda etapa, foram

utilizadas outras 24 escleras, divididas nos mesmos tempos, para a avaliação de

aspectos relacionados à elasticidade e à distensão.

Após a hidratação do tecido em SF 0,9%, um anel escleral de 10 mm de

largura foi retirado da região equatorial a 8mm da borda escleral anterior de cada

uma das escleras (figura 2). A largura foi cuidadosamente verificada em toda

extensão do anel escleral. Como o objetivo do estudo era avaliar a alteração da

elasticidade segundo o tempo de preservação, e não de acordo com a localização

anterior ou posterior do globo, padronizou-se a região equatorial, para minimizar

diferenças específicas do tecido (Gloster; Perkins; Pommier, 1957; Curtin, 1969;

Friberg; Lace, 1988).

Na primeira etapa, avaliou-se a resistência mecânica da esclera a fresco e

nos diversos tempos de preservação através do uso de um sistema simples de

pesos. O anel escleral, após medição de seu diâmetro, era colocado entre dois

mosquetes cilíndricos (figura 3), seguindo-se a adição progressiva de pesos. Após

cada incremento, era aguardado um minuto para nova adição de carga; e, nos

casos em que se observava uma rotura iminente, este tempo era estendido.

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Dessa forma, foi estabelecida a carga necessária para o rompimento de cada anel

escleral avaliada.

Figura 2 (a, b) – Anel de esclera da região equatorial (a) de esclera humana medindo 10 mm de largura (b).

Figura 3 – Sistema simples de pesos para avaliação da carga de rotura de escleras humanas.

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Na segunda etapa promoveu-se a avaliação do comportamento do tecido

escleral para distensão a uma carga fixa, por um tempo determinado. Utilizou-se

um aparato composto por um sistema de pesos associado a um deflectômetro

com sensibilidade de 0,01mm (figuras 4 a e b).

Figuras 4 - Sistemas de pesos associado a um deflectômetro para avaliação das características elásticas de escleras humanas segundo o tempo de preservação em glicerina (a), foto do experimento (b).

O anel escleral, após a medição de seu diâmetro, era colocado entre dois

mosquetes cilíndricos para o início do estudo mecânico. Cada anel escleral teve

seu alongamento analisado a partir da adição sucessiva de cargas fixas de 20%

do peso necessário para rotura. Para cada acréscimo de carga, a distensão era

medida nos tempos 0, 2, 4, 8, 15, 30 e 60 minutos. A partir da colocação da

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carga, era efetuado o acompanhamento da distensão apresentada pelo tecido e

medida no deflectômetro, nos tempos determinados.

A avaliação da distensão para cada carga era encerrada,

independentemente do tempo decorrido, assim que se verificava a estabilização

da distensão. Considerava-se que a estabilização havia sido atingida quando a

distensão entre uma medida e a seguinte era inferior a 5% de toda extensão até

então observada (Timoshenko, 1966; Shames, 1964).

Após a estabilização, adicionava-se mais 20% da carga e repetia-se o

procedimento a partir do início. O acréscimo de pesos era efetuado até a rotura

do anel escleral. Este tipo de estudo é realizado rotineiramente na área da

engenharia civil para a avaliação da resistência e das características elásticas dos

materiais sob análise (Timoshenko, 1966).

3.5. AVALIAÇÃO ESTATÍSTICA

Para a comparação de variáveis com mais de um grupo (carga necessária

para a rotura em diferentes tempos de preservação) foram utilizados a análise de

variância unifatorial e o teste de Tukey.

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4 - RESULTADOS

4.1 - AVALIAÇÃO HISTOLÓGICA

Como mostram as figuras 6, 7, 8, 9 e 10, a estrutura histológica do material

coletado a 7, 15, 30, 90 e 180 dias foi semelhante à das escleras não preservadas

(figura 5), ou seja, a análise histológica não detectou sinais de degradação do

material em nenhum dos tempos estudados.

Na região superficial da esclera foram observados feixes de fibras

colágenas em disposição lamelar, com uma lamela paralela seguida de outra

oblíqua à superfície; esta disposição repetia-se algumas vezes. Na região mais

profunda, os feixes estavam dispostos em várias direções do espaço, formando

angulações distintas entre as fibras (figuras 11 e 12). Entre os feixes observaram-

se esclerócitos bem preservados (figura 13).

Figuras 5 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) não preservadas mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 50 µm).

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Figuras 6 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 7 dias mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 50 µm e 100 µm, respectivamente).

Figuras 7 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 15 dias mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 50 µm).

Figuras 8 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 30 dias mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 400 µm e 50, respectivamente).

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Figuras 9 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 90 dias mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 50 µm).

Figuras 10 - Fotografias de lâminas histológicas de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina (a) e Tricrômio de Mallory (b) preservadas por 180 dias mostrando manutenção da arquitetura histológica. (barra = 100 µm e 50 µm, respectivamente).

Figuras 11 (a) e (b) - Microscopia óptica de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina mostrando feixes colágenos em diversas direções e angulações. (barra = 50 µm).

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Figura 12 - Fotografia de lâmina histológica de esclera humana corada com Tricrômio de Mallory preservadas por 30 dias mostrando fibras multi-anguladas. (barra = 20 µm).

Figuras 13 - Microscopia óptica de escleras humanas coradas com Hematoxilina-Eosina mostrando esclerócitos bem preservados (a) e vasos sanguíneos atravessando o tecido escleral (b). (barra = 50 µm).

4.2. AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA

Não foi observado crescimento fúngico em nenhuma das amostras.

Contudo, houve crescimento bacteriano em 3 das 15 amostras estudadas nas

escleras não preservadas e nas analisadas após 7 dias de armazenamento. A

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0 7 15 30 90 1800123456789

101112131415

Núm

ero

de E

scle

ras

Tempo (dias)

Positivo

Negativo

partir de 15 dias de preservação não mais se detectou crescimento bacteriano

(Figura 14).

Figura 14 – Número de escleras com resultado positivo para crescimento bacteriano em função do tempo de preservação.

Os agentes etiológicos isolados neste estudo estão mostrados na tabela 1.

Notar a presença de crescimento de Staphylococcus coagulase negativo até o

sétimo dia de preservação em escleras não preservadas e com 7 dias de

preservação. Observar o isolamento do Acinetobacter baumanii / haemolyticus em

escleras não preservadas.

Deve-se ressaltar que, pela metodologia aplicada, as amostras foram

pesquisadas de forma independente uma das outras; por isto, observa-se o

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isolamento de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa somente nas

amostras com sete dias de preservação.

Tabela 1 - Agentes etiológicos identificados em escleras humanas doadas segundo o tempo de preservação em glicerina entre 4ºC e 8ºC

Tempo de Preservação (dias) Agente Biológico

(nº de cepas) Sem preservação 7 15 30 90 180

Staphylococcus coagulase negativo (3)

2 1 Ø Ø Ø Ø

Staphylococcus aureus (1) Ø 1 Ø Ø Ø Ø Pseudomonas aeruginosa (1)

Ø 1 Ø Ø Ø Ø

Acinetobacter baumanii/ haemolyticus (1) 1 Ø Ø Ø Ø Ø

Fungos Ø Ø Ø Ø Ø Ø

A tabela 2, na próxima página, relaciona os agentes etiológicos

encontrados nas amostras positivas e suas respectivas sensibilidades a

antibióticos.

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Tabela 2 – Bactérias isoladas em escleras humanas de olhos doados e seus respectivos antibiogramas

Staphylococcus coagulase

negativo (3)

Staphylococcus aureus (1)

Pseudomonas aeruginosa (1)

Acinetobacter baumanii/

haemolyticus (1)

Amicacina *** *** 100 100 Amoxicilina 66 (2) 0 *** *** Ampicilina 66 (2) 0 *** 0 Aztreonam *** *** 0 0 Cefazolina 66 (2) 0 *** *** Cefepime *** *** 100 100 Cefotaxima *** *** intermediário intermediário Ceftazidina *** *** 0 100 Ceftriaxona 66 (2) 0 intermediário 100 Ciprofloxacina 66 (2) 0 100 100 Clindamicina 66 (2) 0 *** *** Eritromicina 0 (0) 0 *** *** Gatifloxacina 66 (2) 0 *** *** Gentamicina 100 (3) 100 100 100 Imipenem *** *** 100 100 Levofloxacina 66 (2) 0 100 100 Linezolide 100 (3) 100 *** 100 Meropenem *** *** 100 100 Oxacilina 66 (2) 0 *** *** Penicilina 0 0 *** *** Piperacilina *** *** 0 100 Rifampicina 100 (3) 100 *** *** Sinercide 100 (3) 100 *** *** Tetraciclina 100 (3) 100 *** *** Ticarcilina *** *** 0 0 Tobramicina *** *** 100 100 Trimetropin-Sulfa

66 (2) 100 *** 0

Vancomicina 100 (3) 100 *** *** Obs: Valores, em porcentagem, dos agentes sensíveis ao antibiótico pesquisado, os

algarismos entre parênteses indicam o número de agentes. (***) não pesquisado.

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40

0 5 10 15 20 25 30

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0 2 4 6 8

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

Dis

ten

o (

mm

)

Tempo (min)

Dis

ten

são

(m

m)

Tempo (min)

4.3. AVALIAÇÃO MECÂNICA

4.3.1. DISTENSÃO EM FUNÇÃO DO TEMPO

As figuras 15, 16 e 17, nas páginas seguintes, mostram exemplos da

distensão do tecido escleral em função do tempo com uma determinada carga.

Essas funções apresentam uma forma típica caracterizada por uma fase inicial

linear crescente, seguida de uma porção horizontal onde o aumento da distensão

é mínimo ou ausente. Em algumas curvas notou-se atenuação momentânea da

distensão, fenômeno conhecido como “ponto de endurecimento”. A posição do

ponto de endurecimento não é constante, variando conforme a amostra analisada.

Figura 15 – Curva de distensão escleral com carga fixa (1110g) em função do tempo. Notar no detalhe, a perda momentânea da linearidade na parte inicial da curva (ponto de endurecimento).

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41

0 5 10 15 20 25 30

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

1.2

0 2 4 6 8 10 12 14 16

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

Dis

ten

são

(m

m)

Tempo (min)

Dis

ten

são

(m

m)

Tempo (min)

0 5 10 15 20 25 30

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

-2 0 2 4 6 8 10 12 14 16

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

Dis

tens

ão (m

m)

Tempo (min)

Dis

ten

são

(m

m)

Tempo (min)

Figura 16 – Curva de distensão escleral com carga fixa (1650g) em função do tempo. Notar no detalhe, a perda momentânea da linearidade na parte inicial da curva (ponto de endurecimento).

Figura 17 – Curva de distensão escleral com carga fixa (2220g) em função do tempo. Notar no detalhe, ausência do ponto de endurecimento.

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42

0 10 20 30 40 50 60

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

1.2

1.4

Dis

ten

são

(m

m)

Tempo (min)

0 90

A figura 18, a seguir, ilustra o efeito do tempo de preservação na função

distensão versus tempo. Pode-se notar que com a preservação o material torna-

se menos distensível.

Figura 18 – Efeito de 90 dias de preservação na função distensão versus tempo. Notar que com a preservação a inclinação da curva se acentua e amplitude da distensão diminui.

4.3.2. DISTENSÃO EM FUNÇÃO DA CARGA

A figura 19 mostra o efeito da preservação na distensão do tecido. A

função é linear até o ponto de rotura. Nota-se, também, menor coeficiente de

distensão do tecido (inclinação da reta) preservado em relação ao não

preservado. No caso, a preservação por 30 dias provocou redução de 86 % no

coeficiente de distensão.

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43

0 500 1000 1500 2000 2500 3000

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

30 dias (y = -0.11 + 0. 0007X)

Dis

ten

são

(m

m)

Peso (g)

PreservaçãoNão (y = -0.05 + 0.0013 X)

Figura 19 - Distensão do tecido segundo a carga aplicada conforme o tempo de preservação. Notar a diminuição do coeficiente de distensão na esclera preservada (inclinação da reta expressa pelo parâmetro “b” da equação da reta). As setas representam o ponto de rotura.

4.3.3. COMPARAÇÃO DO EFEITO DOS DIFERENTES PERÍODOS DE PRESERVAÇÃO

O parâmetro escolhido para se analisar estatisticamente o efeito do tempo

de preservação no tecido escleral foi a carga necessária para o rompimento da

esclera (carga de rotura)(anexo II). A figura 20, a seguir, mostra as distribuições

das cargas de rotura nas escleras preservadas e não preservadas.

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44

0 7 15 30 90 1800

2000

4000

6000

8000

Car

ga

de

rotu

ra (

g)

Tempo (dias)

Figura 20 – Distribuições de cargas de rotura em função do tempo de preservação. O limite inferior do retângulo representa o percentil 25, o superior o percentil 75 e as linhas verticais os percentis 5 e 95. No interior do retângulo, a linha horizontal representa a mediana e o quadrado a média.

A análise da figura seguinte mostra que há uma nítida tendência do

aumento da carga necessária para rotura com o incremento do tempo de

preservação.

Análise de variância unifatorial (ANOVA) revelou que há diferença entre os

diversos grupos.(F = 18,11 , p < 0,00001). O teste de Tukey mostrou que as

cargas de rotura das escleras preservadas por 90 e 180 dias não diferem entre si

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e são significativamente maiores que às de todos os outros tempos, as quais não

são diferentes das escleras não preservadas, Figura 21.

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

2500

3000

3500

4000

4500

5000

5500

6000C

arg

a d

e ro

tura

(g

)

Tempo (dias)

Figura 21 – Evolução da carga rotura escleral com o tempo de preservação.

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46

5 - Discussão

A delimitação da faixa etária dos doadores de um banco de olhos está

relacionada, principalmente, à utilização de córneas para transplantes. No Brasil,

esta determinação fica a critério de seu responsável técnico (ANVISA, 2003).

Normalmente emprega-se tecidos de pacientes com idade entre 2 e 75 anos,

regra adotada no BO-DF.

O estabelecimento da idade mínima de 2 anos deve-se ao fato de o tecido

corneano abaixo dessa idade apresentar excessiva flexibilidade e deformação o

que dificulta a realização de suturas durante ceratoplastias, além da indução de

astigmatismos bastante irregulares no pós-operatório. Por outro lado, o uso de

córneas de doadores com idade avançada é limitado pela qualidade do endotélio

(Wiffen et al, 1995; Rao; Waldron; Aquavella, 1980). Com efeito, Adib (2000)

determinou a densidade endotelial média para as diversas faixas etárias e

constatou que córneas de pacientes com 75 anos de idade apresentam uma

densidade média de 2300 células por mm2. Além disto, estima-se que haja perda

de aproximadamente 25% das células endoteliais do tecido doador durante o

procedimento de transplante de córnea.

Na utilização de tecido escleral não se observam estas limitações, pois seu

uso está predominantemente associado a suas características mecânicas, mesmo

assim, deve-se considerar o crescimento neonatal do olho até 2 anos (Salzmann,

1912), evitando-se cirurgias com tecidos de doadores abaixo dessa idade.

A faixa etária dos doadores que forneceram tecidos para o presente estudo

-15 a 83 anos - corresponde à disponibilidade de escleras da maioria dos bancos

de olhos do país. A presença de somente duas escleras de doadores acima de 65

anos e a ausência de tecido abaixo de 2 anos, não permitiu uma avaliação

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estatística da influência da idade nas propriedades biomecânicas das escleras

preservadas.

A arquitetura colágena da esclera humana é condicionada por vários

fatores associados à função que esse tecido exerce. Diferente do que ocorre com

a córnea, que anatomicamente faz parte da túnica externa do olho, não há

necessidade na esclera de transparência. Assim, ao contrário da córnea, não

ocorre um espaçamento regular entre as fibrilas, resultando, desta forma, numa

dispersão acentuada dos feixes luminosos. O maior diâmetro apresentado pelas

fibras da esclera em relação às da córnea, compromete, também, a passagem

regular e sem desvios da luz. As fibras presentes em áreas de cicatrização

corneana, geralmente opacas, apresentam um diâmetro duas vezes maior que as

fibras constituintes da córnea normal (Bryant; Weeks, 1967).

Além disso, sabe-se que a córnea possui um contínuo processo ativo de

deturgescência, executado por sua camada endotelial; ao contrário da esclera,

que apresenta cerca de 68% de água em sua composição. A presença de água

diminui a transparência de um meio (Harkness, 1961), fato observado, por

exemplo, em córneas edemaciadas nos quadros de glaucoma agudo. Essa é,

provavelmente, a explicação do aumento da transparência das escleras

preservadas em glicerina, já que este método promove a retirada da água do

meio extracelular.

Um outro fator que explica a irregularidade da disposição das fibras

colágenas na esclera é o fato dessa membrana não sofrer efeitos tracionais

unidirecionais, como os tendões. Por exemplo, Elden (1964), em tendões de

ratos, observou feixes predominantemente alinhados. Essa característica não é

verificada na esclera.

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A comparação histológica entre as escleras preservadas e não

preservadas (figura 4) mostrou que o processo de preservação com a glicerina

pouco modifica a arquitetura tecidual normal, fato já observado em outros tecidos.

Por exemplo, Richters et al. (1996) constataram, em pele humana, a manutenção

da integridade das fibras de colágeno e elastina presentes na derme.

A esclera é um tecido denso constituído predominantemente por colágeno

disposto em feixes de fibras com diferentes orientações (Komai; Ushiki, 1991;

Meller D; Peters; Meller K, 1997). A análise das lâminas das escleras preservadas

revelou a manutenção da integridade das fibras de colágeno não se observando

quebras ou irregularidades em sua superfície. A disposição das fibras, bem como

sua orientação espacial, mantiveram-se inalteradas nas camadas superficiais e

profundas do tecido.

Nas escleras preservadas, observou-se nas camadas superficiais, uma

disposição reticular, com muitas fibras formando lamelas dispostas paralelamente

ao bulbo ocular, fato esse também observado em escleras não preservadas

(Thale; Tillman, 1993; Watson; Young, 2004). Nas camadas mais profundas as

fibras entrelaçavam-se formando ângulos em diversas direções e planos sem

apresentar nenhum padrão regular de alinhamento (figura 11), caracterizando

uma disposição aleatória típica do olho humano normal (Komai; Ushiki, 1991).

Assim, a análise dos feixes de colágenos mostrou fibras seccionadas em diversos

sentidos - longitudinal, transversal e oblíquo - além de fibras com diâmetros

variados, localizando-se as mais finas, principalmente, na região superficial

(Komai; Ushiki, 1991). Não foram identificadas ramificações das fibras.

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Entre as fibras foram observados alguns espaços vazios, provavelmente

correspondendo às áreas preenchidas pela matriz extracelular rica em conteúdo

aquoso, as quais foram desidratadas pelo processo de fixação e coloração.

Constatou-se uma ligeira diminuição da quantidade de esclerócitos nos

tecidos preservados. A degradação celular de tecidos preservados em glicerina é

bem descrita na literatura. Sabates et al. (1967) relataram pequena quantidade de

células encontradas em escleras após 24 horas de implante em tecido receptor.

Fahner et al. (2004) revelaram a fragmentação das células endoteliais de tecido

aórtico de ratos após utilização de glicerina na preservação. Keros et al. (2005),

utilizando menor concentração de glicerina (12%), confirmaram a presença de

alterações acentuadas no tecido testicular, verificando rotura das adesões

intercelulares, edema mitocondrial e degradação nuclear. A presença de edema

observada na avaliação de células hepáticas de hepatoma Novikoff foi

considerada sinal de comprometimento da viabilidade celular por Bickis et al.

(1967). O possível mecanismo causador desta alteração deve estar relacionado

ao estresse osmótico e à toxicidade química causados pela alta concentração da

glicerina (Kito et al., 2005).

Por outro lado, já foi demonstrado a manutenção satisfatória da integridade

celular em outros tecidos. Estudos sobre a preservação de pele verificaram que

ceratócitos e células de Langerhans mantiveram-se intactas na epiderme

(Richters et al., 1996) e células epiteliais de córneas de coelho apresentaram

somente pequenas alterações na preservação em glicerina a baixas temperaturas

(-80 º e -196º C) (Kito et al., 2005).

A perda de células nos tecidos preservados não é um problema. Ao

contrário, nas cirurgias oftalmológicas em que o uso de escleras preservadas se

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faz necessária, a integridade celular não é fundamental. Considera-se, inclusive,

que esta degradação celular seja vantajosa, pois resultaria numa menor

antigenicidade do enxerto e, conseqüentemente, numa menor reação inflamatória

por parte do receptor (Fahner et al., 2004; Samouillan et al., 2003). Sabates et al.

(1967) observaram mínimas reações inflamatórios nas primeiras 72 horas pós-

cirúrgicas, provavelmente ocasionadas pelo colágeno e pela elastina que são

minimamente antigênicos. Doxanas e Dryden (1981) e Wesley e McCord (1980)

observaram excelente tolerabilidade do tecido palpebral em cirurgias de enxerto

escleral. A partir do décimo dia pós-cirúrgico, os esclerócitos degradados do

enxerto começam ser substituídos por fibroblastos do tecido hospedeiro, os quais,

posteriormente, integrarão o tecido tornando-se responsáveis pela manutenção

da renovação da estruturas teciduais (Sabates et al., 1967).

No presente estudo, alguns esclerócitos aparentemente íntegros foram

observados nas amostras estudadas nos diversos tempos de preservação, mas

sobretudo, até o 30º dia . Além dos esclerócitos, em alguns pontos, puderam-se

observar vasos sanguíneos que atravessavam o tecido (figura 13).

Em resumo, pode-se afirmar que o uso de glicerina na preservação das

fibras de colágeno apresenta resultados excelentes quando se avalia a

integridade estrutural da porção colágena do tecido, observa-se a manutenção

das fibras e da matriz extracelular.

Vários estudos têm procurado esclarecer o mecanismo pelo qual a glicerina

atua nos diversos tecidos promovendo sua preservação. A glicerina é um poli-

álcool que possui três grupos hidroxil em cada molécula. Levando-se em conta

que um terço da composição do colágeno é constituído por glicina; é possível que

ocorra a formação de múltiplas pontes de hidrogênio entre estas moléculas e a

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glicerina substituindo as ligações do colágeno com moléculas de água (Penkova

et al., 1999).

Constatou-se, também, que o colágeno interage preferencialmente com a

glicerina em altas concentrações, o que diminuiria acentuadamente as reações

enzimáticas degradativas dependentes de água. Na (1986) observou que a

glicerina diminuiu as taxas de desnaturação da proteína, resultando num

conseqüente aumento da estabilidade da estrutura de tripla hélice. Penkova et al.

(1999) observaram que a presença de glicerina aumentou a estabilidade do

colágeno na presença de calor e de agentes químicos. Van den Hoof (1962)

postulou que para haver degradação do colágeno deve ocorrer, inicialmente, uma

desorganização de sua estrutura tridimensional promovendo a exposição de sítios

susceptíveis à degradação enzimática. Assim sendo, a constatação de que a

glicerina tem maior afinidade pelo colágeno em seu estado natural em que as

cadeias hidrofóbicas estão direcionadas ao interior da molécula, explicaria as

observações de Na (1986) e Penkova et al. (1999).

Uma das desvantagens do uso da glicerina está relacionado ao tempo

necessário para sua retirada do tecido preservado. No estudo de pele humana,

após 30 minutos de lavagem com solução salina, conduta geralmente adotada na

prática diária, ainda permanece 20% de glicerina no tecido. Prolongando-se este

tempo até uma hora, ainda resta 5% da substância no tecido (Huang et al., 2004).

Outros métodos, além da glicerina, são empregados na preservação de

esclera e de outros tecidos. As particularidades de cada técnica visam solucionar

as necessidades e limitações da prática médica atual.

Polge, Smiyh e Parzes (1949) descreveram o primeiro episódio de

utilização de criopreservação de material biológico com resultados satisfatórios,

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este estudo inicial revelou o uso de glicerol como crioprotetor para melhoria da

viabilidade de espermatozóides. A criopreservação objetiva submeter tecidos a

baixas temperaturas (abaixo de -70ºC) para promover a diminuição do

metabolismo celular e, conseqüentemente, a ação de enzimas catabólicas,

obtendo a manutenção da integridade do tecido utilizado. Todavia, o processo de

resfriamento ocasiona importantes lesões celulares decorrentes da formação de

gelo intracelular, da rotura da membrana celular e da alteração da concentração

de eletrólitos (Hibino et al., 1996).

Outra dificuldade enfrentada foi a determinação da temperatura adequada

para cada tecido e cada espécie. Por estes motivos, buscou-se utilizar

substâncias que atuassem como crioprotetores impedindo a formação de gelo

intracelular e interferindo na permeabilidade da membrana celular, minimizando

as degradações celulares inerentes ao processo de criopreservação (Hibino et al.,

1996). Várias substâncias vêm sendo estudadas desde então: dimetilssulfóxido,

etilenoglicol, etanol, glicerina, etc (Fahy, 1986). Apesar das acentuadas melhorias

obtidas nas taxas de sobrevivência e viabilidade dos tecidos, constatou-se que os

próprios crioprotetores promoviam degeneração celular (Arnaud; Pegg, 1990).

Rajaei et al. (2005) verificaram uma diminuição da taxa de sobrevivência e um

aumento na fragmentação do DNA em embriões de porcos submetidos à

criopreservação. Atribuiu-se estas alterações ao estresse osmótico promovido e à

própria toxicidade das substâncias crioprotetoras. Com isto, observa-se que uma

baixa concentração de crioprotetor resulta em lesões decorrentes do resfriamento

e uma elevada concentração ocasiona danos pela ação da própria substância.

Assim sendo, procura-se, atualmente, o estabelecimento e o aprimoramento de

protocolos de crioproteção que resultem numa melhor taxa de aproveitamento do

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tecido, a partir do ajuste da temperatura, do tempo de resfriamento, da

concentração do crioprotetor e da determinação da substância ideal para cada

tecido (Fahy, 1986).

O emprego da radiação ionizante, apesar da excelente esterilização obtida,

resulta em importante dano celular por lesão do DNA e alterações nas fibras

colágenas (Colvard et al., 1979; Salai et al., 1997).

O óxido de etileno é um método extremamente eficiente em eliminar todos

os organismos presentes (Rutala; Gergen; Weber, 1998); contudo, existem relatos

de dano celular após uso deste método (Salai et al., 1997). Além disso, Cardenas-

Camarena (1998) relatou uma série de casos de implantes mamários de silicone

esterilizados por este método que apresentaram intensas e graves reações

inflamatórias, havendo, inclusive, pacientes com extensa necrose de pele.

Reações inflamatórias oculares também foram descritas após o implante de

lentes intra-oculares (Stark et al., 1980). Por seu potencial tóxico residual este

método foi recentemente considerado mutagênico e carcinogênico, o que levou a

uma restrição do seu uso (Huang et al., 2004).

O etanol é uma das substâncias mais utilizadas na preservação de

escleras em bancos de olhos; o EBAA (2000) e o Ministério da Saúde (2004)

recomendam sua utilização em concentrações que variam de 70% a 98%. Kadoi

et al. (2000) e Doxanas e Dryden (1981) referiram excelentes resultados e

mínimas complicações ao utilizarem escleras preservadas em álcool na

realização de cirurgias palpebrais. A preservação das estruturas de colágeno

mostra-se bastante eficaz, contudo existem relatos de lesão celular na

preservação de hemácias e colágeno (Fahy, 1986). Samouillan et al. (2003)

revelaram a presença de importantes alterações no comportamento térmico e

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dielétrico do colágeno com o uso de etanol. A possibilidade de toxicidade pela

presença residual de etanol no enxerto levou Enzenauer et al. (1999) a

recomendarem a lavagem do tecido em solução salina balanceada durante pelo

menos 40 minutos, o que resultaria em presença residual inferior a 0,1% de etanol

no tecido, reduzindo acentuadamente a possibilidade de efeitos tóxicos. Todavia,

a recomendação da APABO de se promover a troca do etanol de cada frasco a

cada 5 dias para manutenção da esterilidade, resulta em desgastante trabalho

adicional (APABO, 2000; Lucci; Yu; Höfling-Lima, 1999).

No tocante à avaliação microbiológica, o presente estudo mostrou a

ausência de crescimento fúngico nos tecidos estudados, tanto nas amostras não

preservadas, como naquelas conservadas em glicerina. Em relação à presença

de bactérias identificou-se contaminação em três das escleras sem preservação e

em outras três armazenadas em glicerina por sete dias (tabela 1). Após 15 dias

de preservação nenhuma bactéria foi isolada. A presença de vírus não foi

estudada.

Os agentes identificados foram: Staphylococcus coagulase negativo (50%),

Staphylococcus aureus (16,6%), Pseudomonas aeruginosa (16,6%) e

Acinetobacter baumanii / haemolyticus (16,6%). A maior proporção de

Staphylococcus coagulase negativo encontrada confirma estudos anteriores, Pels

e Vrensen (1999) observaram uma predominância deste agente (36%) na

contaminação de bulbos oculares doados, complementando os achados de

Pardos e Gallagher (1982), Moeller et al (2005) e Kaspar et al. (2004). A

contaminação por Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa foi

identificada em menos de 10% dos casos estudados por Pardos e Gallagher

(1982).

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55

No Brasil, Araújo e Scarpi (2004), observaram as seguintes bactérias em

culturas de “swab” conjuntival de doadores de córnea: Staphylococcus coagulase

negativo (27.3%), Staphylococcus aureus (24,8%), Pseudomonas aeruginosa

(12,4%) e Acinetobacter baumanii/haemolyticus (11,2%), revelando a

predominância dos mesmos agentes identificados neste trabalho.

Os resultados do presente estudo confirmaram os achados descritos por

Lucci, Yu e Höfling-Lima (1999) e Dailey e Rossenwasser (1994) que

identificaram a presença de S.aureus em até sete dias de preservação em

glicerina. Contudo, revelaram um prolongamento do tempo de sobrevivência da

P.aeruginosa, antes limitado a dois dias, e revelaram a resistência do

S.epidermidis, agente ainda não avaliado anteriormente, apesar de ser o

microorganismo mais prevalente na flora conjuntival. Os dados sugerem que o

armazenamento do tecido em glicerina antes de sua utilização deve ter seu tempo

estendido para 15 dias, e não apenas 5 dias, como recomenda a legislação atual

(ANVISA, 2003), sob risco de transmissão de organismos patogênicos.

A identificação do Acinetobacter baumanii/haemolyticus no tecido escleral

não constituiu um fato inesperado, já que uma importante parte dos doadores de

bulbo ocular apresenta antecedentes de internação hospitalar prévia. Este bacilo

gram-negativo tem se tornado um agente etiológico bastante freqüente em

infecções intra-hospitalares. A sua transmissão ocorre, principalmente, por

contaminação cruzada, mas está bastante relacionado ao uso de respiradores

artificiais (Tennant et al., 2005; Von Dolinger de Brito, 2005). O doador do bulbo,

cuja esclera apresentou-se positiva, esteve internado em uma Unidade de

Tratamento Intensivo por 12 dias antes do óbito. A cepa identificada apresentou

elevada sensibilidade aos principais antibióticos testados, mas a presença deste

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56

agente é preocupante, pois já foram descritos casos de infecção pós-transplante

de córnea e após o uso de lente de contato causadas pelo Acinetobacter spp

(Bergogne-Bérézin; Towner, 1996).

A possibilidade de transmissão de doenças através de transplantes de

órgãos e tecidos é motivo de grande preocupação por parte de médicos e de

bancos de tecidos em todo mundo. A realização de sorologias, de exame físico e

de história clínica adequados permitem reduzir este risco, mesmo considerando-

se a possibilidade de resultados sorológicos falso-negativos em pacientes

situados no período de janela imunológica. Outros cuidados específicos devem

ser adotados para se evitar a contaminação do tecido doado com

microorganismos da flora normal do doador.

A incidência de endoftalmite pós-transplante de córnea, apesar de baixa –

0,1% a 0,7% (Kloess et al., 1993; Chu, 2000; Nash; Lindquist; kalina, 1991) –,

causa preocupação aos cirurgiões por seus prognósticos geralmente

desfavoráveis (Schirmbeck et al., 2000). Muitos estudos revelam que

determinados casos de endoftalmite são causados por agentes presentes na

córnea doadora, Chu (2000) revela casos em que a concordância do agente é de

45%, Kloess et al. (1993) observou que em 54,5% dos casos esta constatação

era verdadeira. Entretanto, outros autores não corroboraram esta relação entre os

agentes causadores da endoftalmite e o agente isolado no botão córneo-escleral

(Pardos; Gallagher, 1982; Albon; Armstrong; Tullo, 2001).

A positividade de cultura de “swabs” de conjuntivas sem qualquer

tratamento prévio, tanto em pacientes pré-cirúrgicos, como em doadores de bulbo

ocular, ocorre em mais de 75% das amostras (Pardos; Gallagher, 1982;

Gopinathan et al., 1998; Moeller et al., 2003; de Kaspar et al., 2004). Desta forma,

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a realização da assepsia da pele com PVPI tópico, a irrigação do saco conjuntival

com pelo menos 20 ml SF 0,9% e a instilação de PVPI a 5%, ou antibiótico, por

dois minutos antes de se efetuar a enucleação resulta numa importante

diminuição da presença de microorganismos (Gain et al., 2001). Pardos e

Gallagher (1982) obtiveram positividade em somente 12,4% das culturas, quando

promoveram a limpeza do saco conjuntival com SF 0,9%. Gopinathan et al. (1998)

detectaram contaminação em 56% das amostras com o uso de PVPI e mais de

75% com uso de antibióticos (gentamicina e ciprofloxacina). Pels e Vrensen

(1999) observaram 36% de positividade quando efetuavam lavagem com SF 0,9%

associada a PVPI 5% por 2 minutos.

A rotina adotada pelo BO-DF, e seguida neste estudo, consiste na lavagem

vigorosa do saco conjuntival com 20ml de SF 0,9% e na instilação de PVPI 5%

por 2 minutos antes da enucleação. Esta conduta, possivelmente, é um dos

motivos da baixa positividade das culturas das escleras não preservadas obtida

neste trabalho (20%), visto que promove a retirada mecânica dos organismos e, a

seguir, atua quimicamente na sua eliminação. Outro item que explicaria esta baixa

taxa está relacionado à localização subconjuntival da esclera, que impede a sua

contaminação por microorganismos da flora conjuntival. Todavia, sabe-se que

durante a enucleação microorganismos podem atingir a esclera após a peritomia

límbica e durante a retirada do bulbo ocular da órbita.

A maioria dos estudos emprega meios padronizados para a avaliação da

presença de contaminação, o tioglicolato é um dos meios geralmente utilizados

para a investigação de bactérias e o Sabouraud para fungos. Pardos e Gallagher

(1982) utilizaram os meios ágar-sangue e o tiglicolato, Gopinathan et al. (1998)

usaram ágar-chocolate e Sabouraud. Moeller et al. (2005) observaram uma maior

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positividade das culturas quando utilizaram meio líquido, relacionando o achado à

heterogeneidade da disponibilidade de oxigênio no meio líquido de acordo com a

profundidade, o que possibilitaria o desenvolvimento de organismos aeróbicos,

aeróbicos facultativos e, até mesmo, anaeróbicos. Além disso, recomendaram a

utilização de uma grande variedade de meios, inclusive meios enriquecidos, para

uma melhoria da chance de identificação de contaminantes.

Conforme os resultados deste estudo, mesmo após os cuidados tomados

na seleção do paciente e na realização da captação do bulbo ocular, foi possível

encontrar organismos patológicos nos tecidos oculares. Fungos, bactérias e vírus

foram identificados na córnea e na esclera de tecidos doados (Chu, 2000; Seiff et

al., 1994). Conseqüentemente, torna-se necessário que os meios de preservação

empregados também atuem na eliminação destes agentes.

O provável mecanismo pelo qual a glicerina atua na eliminação dos

microorganismos é através do estresse osmótico na membrana citoplasmática

comprometendo o funcionamento da glicose-fosfotransferase e inibindo a

captação de glicose, resultando em morte celular (Walter; Morris; Kell, 1987).

Além disso, a presença de glicerina promove uma diminuição acentuada da

quantidade de água intracelular e aumento da concentração de eletrólitos, o que

reduz, conseqüentemente, o metabolismo celular (Chirife et al., 1983).

Em relação aos vírus, que não foram objeto desse trabalho, é possível que

a glicerina também tenha alguma atuação descontaminante. Van Baare et al.

(1998), estudando a preservação de pele humana em glicerina a 85%, revelou a

eliminação de HIV-1 extra e intracelular, após 30 minutos de preservação em

glicerina a 70% a 4ºC ou 37ºC. Marshal et al. (1995) constataram a eliminação do

herpesvírus e do poliovírus extra e intracelular, com o uso de glicerina a 98%,

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após duas semanas de preservação. Por outro lado, Seiff et al. (1994), utilizando

o método PCR, identificaram a presença de HIV-1 em tecido escleral preservado

em álcool, o que, entretanto, não representa que estes vírus estejam viáveis.

As propriedades mecânicas da esclera, tanto em seu estado natural, como

após preservação nos diversos meios, estão intimamente relacionadas às fibras

de colágenos e à sua interação com as substâncias presentes na matriz

extracelular. A conservação da forma do olho, a mínima deformação apresentada

durante a movimentação ocular e a manutenção constante do volume ocular,

mesmo quando se observa um importante aumento da pressão intra-ocular,

resultam da integridade das fibras colágenas (Komai; Ushiki, 1991). Acredita-se

que o maior diâmetro das fibras esclerais, em relação à córnea, esteja

relacionado à necessidade de resistência mecânica exigida no bulbo ocular

(Harkness, 1961). Afecções que resultem num acometimento destas fibras

causam um enfraquecimento da parede ocular podendo ocorrer extrusão de

tecidos localizados no interior do olho (Watson e Young, 2004). Oh e Kim (2003)

relataram sete casos de exposição de coróide após afilamento escleral

secundário a diversas etiologias.

As utilizações mais freqüentes de tecido escleral na cirurgia oftalmológica

estão intimamente relacionadas à resistência mecânica deste material. O seu

emprego em cirurgias de reconstrução palpebral e em cirurgias de enucleação

com recobrimento do implante orbitário fundamentam-se na resistência e na

durabilidade do enxerto (Hornblass; Biesmann; Eviatar, 1995; Kadoi et al., 2000).

Com isso, uma eficiente manutenção da integridade do tecido colágeno é um

aspecto fundamental na avaliação da qualidade da preservação escleral.

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Fahner et al. (2004) destacaram a ausência de alterações nas

propriedades biomecânicas do tecido colágeno de aortas de ratos preservadas

em glicerina, enquanto que Richters et al. (1996) confirmaram a manutenção das

fibras colágenas e elásticas presentes em pele humana utilizando-se o mesmo

meio. Outros estudos revelaram que o colágeno do tecido escleral também

mantém suas características histológicas pouco alteradas com o uso de glicerina

como meio de preservação (Sabates et al., 1967; Beyer e Albert (1981);

Romanchuk; Nair; Grahn, 2003).

As propriedades mecânicas da esclera não preservada foram

extensivamente estudadas, sobretudo nas décadas de 50 e 60, quando o uso do

tonômetro de Schiotz era rotineiro. Verificou-se que o coeficiente de rigidez ocular

mantinha-se inalterado até 32 horas após o óbito (Gloster; Perkins, 1959;

Richards; Tittel, 1972).

A realização de testes de deformação em fragmentos de esclera não

preservada revelou aspectos interessantes deste tecido. Gloster, Perkins e

Pommier (1956) observaram que o tecido colocado sob tração comporta-se

apresentando um padrão bifásico, com distensão inicial, rápida, com duração de

aproximadamente 15 segundos, seguida de alongamento bem menos intenso e

mais duradouro (6 minutos), achados corroborados por Curtin (1969). Outro

aspecto constatado pelos dois estudos é o menor alongamento apresentado pelo

tecido à medida que um aumento da tensão era aplicado, ou seja, após uma

rápida extensão inicial, mesmo que a tensão aplicada fosse elevada, o

alongamento seria, proporcionalmente, menos intenso. Durante o processo de

alongamento do tecido, Gloster, Perkins e Pommier (1956) verificaram uma

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diminuição da espessura e da largura do tecido na região central do fragmento,

revelando o fenômeno de estricção.

Todavia, os autores chegaram a resultados díspares ao observarem a

intensidade de retorno do tecido ao comprimento inicial após a retirada da tração

aplicada. Gloster, Perkins e Pommier (1956) verificaram que o fragmento nunca

mais retornava ao seu comprimento original, sugerindo a ocorrência de uma

alteração estrutural irreversível do arranjo das fibras do tecido estudado. Ao

contrário, Curtin (1969) confirmou a recuperação, nos primeiros minutos, de cerca

de 86% do comprimento original, e recuperação do tamanho inicial após 30

minutos.

Para a correta compreensão destes resultados devemos nos reportar aos

conceitos da engenharia. O teste de tração ou tensão é empregado

rotineiramente, na área da construção civil, pois o profissional necessita de dados

referentes às propriedades elásticas e às características de resistência do

material a ser utilizado (Shames, 1964). Dessa forma, há necessidade de

avaliação das características do material até os seus limites elásticos e o seu

comportamento acima destes.

O teste de tração permite identificar a carga necessária para se obter um

alongamento do material - limite de escoamento -, a intensidade deste

alongamento - alongamento plástico - e a carga necessária para a rotura do

material - tensão de rotura - (Timoshenko, 1966).

Durante a realização do teste verifica-se um alongamento homogêneo do

corpo de prova, em todo seu comprimento, associado a uma diminuição uniforme

da sua largura, de forma que seu volume mantém-se constante. Quando a tração

atinge sua intensidade máxima, a deformação torna-se localizada havendo

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afilamento de determinado setor do material, denominado área de estricção

(figura 21). O sítio onde se observa a estricção está relacionado à presença de

imperfeições do material. Com o alongamento do material, ocorre um

endurecimento por deformação, com conseqüente aumento da resistência ao

deslizamento e à separação; assim, são necessárias tensões crescentes para a

continuação do processo de alongamento. Tal processo é denominado efeito de

revigoramento (Shames, 1964).

O presente estudo mostrou uma diminuição da intensidade da distensão do

tecido escleral preservado à medida que o tempo de preservação era ampliado.

Submetendo-se um segmento de anel escleral a um teste de tração a peso fixo,

observou-se um alongamento desse tecido até a sua estabilização após

determinado período de tempo; este alongamento foi menor nas amostras com

maior tempo de preservação (fig. 18). Além disso, quando o tecido foi submetido a

um acréscimo progressivo de carga, o alongamento observado também foi menor

nos tecidos com maior tempo de preservação (fig. 19).

Os estudos da área de engenharia com cristais puros como o alumínio

mostram que um determinado material alonga-se, quando submetido à tração, por

meio de três mecanismos distintos: inicialmente, há um alinhamento de seus

cristais, seguido de deslizamento entre os mesmos e posterior rotura do corpo de

prova (Curtin, 1969). A intensidade de cada uma destas fases está relacionada à

constituição do material, à velocidade do teste e à temperatura em que foi

realizado. O alongamento inicial ocorre devido ao deslizamento do material em

planos altamente específicos. Este deslizamento se processa nos planos

orientados mais desfavoravelmente; dessa forma, a carga de tração depende não

somente das propriedades mecânicas do material, mas também da orientação

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espacial de seus cristais constituintes. Quando, posteriormente, retira-se a carga

aplicada, estes cristais deslocados podem não retornar à sua conformação inicial

devido à presença de tensões residuais, resultando numa deformação

irreversível.

As figuras 14, 15 e 16 mostram o comportamento do tecido escleral

quando se adiciona um peso específico e se observa o alongamento com o

decorrer do tempo. Constata-se que a extensão do tecido ocorre em dois

momentos: um inicial e rápido relacionado ao alinhamento das fibras de colágeno

no sentido da força empregada (Harkness, 1959) e um segundo, menos

acentuado e mais lento em que ocorre o alongamento da própria fibra associado a

um deslizamento das fibras adjacentes entre si.

O alinhamento das fibras, que acontece inicialmente, tem sua extensão

limitada até o ponto em que todas as fibras estejam alinhadas na direção da força

aplicada. Rigby (1964), por meio da análise de difração em raios-X, mostrou um

acentuado alinhamento das fibras após extensões repetidas. O período de

endurecimento observado em algumas amostras (Fig. 15 e 16) está,

provavelmente, relacionado ao alinhamento inicial das fibras direcionadas

desfavoravelmente, seguido da diminuição da distensão até que se inicie o

deslizamento entre as fibras. A partir desse momento, o alongamento do tecido

somente ocorrerá com o deslizamento das fibras entre si e da própria rotura das

fibras. Desse modo, caso a carga aplicada não atinja o limiar de rotura, o tecido

se estenderá somente até um limite, estabilizando-se então; para uma nova

distensão, uma carga adicional deverá ser acrescida.

O tecido escleral preservado em glicerina revelou um aumento de sua

resistência mecânica com o aumento do tempo de preservação (fig 20 e 21). A

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carga necessária para que houvesse a rotura da esclera era mais elevada nos

tecidos preservados por mais tempo. Esta diferença foi estatisticamente

significativa (p < 0,00001) nos tecidos conservados em glicerina por mais de 90

dias (Fig 21).

A resistência de um material está relacionada às suas características de

resistência à separação e ao deslizamento. Quando um material apresenta maior

resistência ao deslizamento ocorre uma rotura coesiva, sem deformação

apreciável do material; por outro lado, em materiais com maior resistência à

separação, observamos um alongamento com formação de área de estricção

(figura 22) e processando-se a rotura por cisalhamento com o aspecto tronco-

cônico característico (figura 23) (Timoshenko, 1966).

A força tensil, ou força necessária para rotura das fibras de colágeno, é de

10 a 50 Kg/mm2; todavia, a avaliação em tecido apresenta valores particulares

relacionados à quantidade de colágeno presente, à hidratação e à constituição do

meio extracelular (Harkness, 1959). Estima-se que cada fibra de colágeno, em

situações normais, possa se alongar até 10% de seu comprimento antes de se

romper, porém, a partir de 2 a 3% já se observam deformações irreversíveis

(Rigby, 1964). Por outro lado, na rotura de tecidos observa-se uma quebra das

ligações peptídicas entre as fibras e não somente a fragmentação da própria fibra

(Harkness, 1959).

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Figura 22 - Anel de esclera humana submetido a teste de tração apresentando área de estricção.

Figura 23 - Área de anel de esclera humana no qual ocorreu a rotura por cisalhamento.

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As constatações deste estudo são explicadas pelo mecanismo de atuação

da glicerina. Este meio de preservação age promovendo uma desidratação

acentuada do tecido escleral, sobretudo no meio extracelular, resultando em

maior dificuldade de deslizamento das fibras de colágeno. Além disto, supõe-se

que as moléculas de glicerina, através de seus grupos hidroxila, estabeleçam

interações com as fibras de colágeno aumentando ainda mais sua resistência ao

alongamento. Estas alterações, assim como o incremento do aço ao material aço-

carbono, tornam o tecido mais resistente, diminuindo, porém, sua distensão antes

da rotura. Desse modo, pode-se verificar uma ligeira transição de um parâmetro

de rotura do tecido por cisalhamento, precedido de alongamento e deformação,

para rotura por cisão, onde se observa quebra das fibras sem alongamento

apreciável.

O aumento do tempo de preservação permite que a maior parte da água

presente no tecido seja substituída pela glicerina, resultando em

comprometimento dos mecanismos acima descritos e em uma maior resistência

da esclera.

As propriedades mecânicas do tecido colágeno dependem de sua

arquitetura molecular, de sua composição química e do seu grau de hidratação

(Curtin, 1969). Harkness e Harkness (1959) estudaram o colo uterino de ratas

grávidas para entender o processo de aumento acentuado da distensão daquele

tecido. Constataram que durante a fase final da gestação, ocorre um aumento do

volume tecidual resultando do incremento da matriz extracelular e do conteúdo

aquoso, associado a uma diminuição do tecido colágeno. Estas alterações

resultaram numa maior duração e intensidade da extensão do tecido,

provavelmente pelo maior deslizamento das fibras de colágeno resultante da

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hidratação (Harkness, 1961; Elden, 1964). Consideraram, também, a presença de

enzimas específicas que atuariam promovendo a liberação das ligações

interfibrilares, hipótese compartilhada por Curtin (1969).

Alguns trabalhos relacionaram o aumento da idade com uma maior rigidez

do tecido; provavelmente esta maior rigidez não se deve a alterações das fibras

colágenas, mas à diminuição da relação colágeno/mucopolissacáride e da

hidratação, resultando, possivelmente, numa maior adesão entre as moléculas de

colágeno e na conseqüente diminuição da elasticidade do tecido (Friberg; Lace,

1988). Wesley e McCord (1980) referiram melhor estabilidade na reconstrução de

pálpebras superiores com o uso de escleras de doadores com faixa etária

avançada, provavelmente devido à diminuição da elasticidade tecidual. Essa

constatação corrobora a suposição de Curtin (1969) de que a menor capacidade

de absorção de água do tecido destes doadores seja a responsável pelo seu

menor alongamento quando submetido a tensões. Watson e Young (2003)

atribuíram esse fato à alteração da composição da matriz extracelular observada

no envelhecimento. Todavia, Elden (1964) não constatou nenhuma alteração no

módulo de elasticidade do tendão de ratos com o envelhecimento.

Com este estudo, verificou-se que o uso da glicerina, meio barato e de fácil

utilização, na preservação de tecido escleral em bancos de olhos resultou num

material de alta qualidade. Constatou-se a eliminação de patógenos após 15 dias

de armazenamento, a preservação da integridade histológica das fibras e a

manutenção dos aspectos mecânicos, exceto pelo aumento da resistência e pela

diminuição da distensão com o aumento do tempo de preservação. Contudo,

estas alterações não resultam em comprometimento de seu uso e podem

representar benefícios na realização de cirurgias em que o enxerto é utilizado

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como “spacer” (Tan et al, 2004) ou no recobrimento de implantes orbitários. Por

outro lado, a menor elasticidade da esclera preservada indica que esse material,

quando usado para o revestimento de implantes, deve ser utilizado em uma

quantidade suficiente para que o fechamento da sutura se dê sem tensão.

Este estudo apresentou dados importantes sobre a preservação de esclera

em glicerina à temperatura de 4 a 8 º C. Entretanto, há necessidade de novas

pesquisas para a confirmação dos achados e para abordagem de aspectos ainda

não esclarecidos, como a presença e a viabilidade de vírus em tecidos em

glicerina e a capacidade deste meio em eliminá-los do tecido escleral.

Os recentes avanços na seleção do doador e novos testes sorológicos

contribuíram grandemente para a redução do risco de transmissão de doenças

virais, bacterianas e fúngicas. O uso de técnicas mais sofisticadas como

irradiação poderia reduzir esse risco, porém, implica em alteração da integridade

estrutural do tecido ou em adição de substância tóxica ao mesmo. A adição de

ácido peracético à glicerina para redução de eventuais contaminações, sugerida

por Huang et al. (2004) e Farrigton et al. (2003), deve ser investigada.

A determinação do tempo que a esclera pode ser armazenada em glicerina

sem comprometimento de suas características deve ser melhor avaliada; a

recomendação do Min. da Saúde de quatro meses não encontra justificativa na

literatura pesquisada e nos resultados deste estudo. Com 180 dias de

preservação as escleras estavam em perfeitas condições de uso, Huang et al.

(2004) sugeriram que o material preservado em glicerina poderia ser armazenado

por anos e Romanchuk, Nair e Grahn (2003) observaram o mesmo em escleras

conservadas por até nove anos.

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Além disto, deve-se considerar que após 30 minutos de lavagem com SF

0,9% ainda existem 20% de glicerina no tecido (Huang et al., 2004). A

possibilidade de toxicidade residual da glicerina deve ser pesquisada, e, caso

comprovada, o tempo para lavagem do tecido deve ser estendido para pelo

menos uma hora, o que resultaria em somente 5 % da glicerina no tecido (Huang

et al., 2004).

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6 – CONCLUSÕES

� O tecido escleral não apresentou alterações histológicas do tipo degradação

das fibras de colágeno com a preservação em glicerina a temperaturas entre

4º C a 8 ºC por até 180 dias. Escleras preservadas possuem diminuição do

número de núcleos celulares de esclerócitos.

� A partir do 15º dia de preservação em glicerina, não foram encontradas

bactérias no tecido escleral. A presença de fungos não ocorreu em nenhum

tempo de preservação.

� O tecido escleral apresenta uma diminuição de sua elasticidade com o

aumento do tempo de preservação em glicerina. A partir de 90 dias de

conservação, a esclera torna-se mais resistente e necessita do emprego de

uma maior carga de tração para sua rotura.

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88

8.-.ANEXOS

ANEXO I

Termo de doação utilizado pelo Banco de Olhos do Distrito Federal

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89

ANEXO II

Parecer do Comitê de Ética e Pesquisa

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90

ANEXO III Distribuição das cargas de rotura nos diversos tempos de preservação.

Tempo (dias) A fresco 7 15 30 90 180

3130 3700 2000 5600 6100 5600 1950 3550 2280 4700 4400 4800 4000 2220 2280 3110 6700 5650 3120 2700 2280 1980 3850 4000 2650 2850 4760 4080 2790 7600 3680 2130 5200 4100 5800 5740 2860 1850 1900 4480 3000 5700 1890 2870 1820 3020 6100 3800 3120 2550 2700 2920 6400 5100 1980 3500 2820 2850 4550 4850 3080 4300 5100 3130 4530 6100 1650 2700 4550 3020 5760 5300 2670 1920 2850 4130 6230 5230 2860 3420 2550 3260 2880 5550

Peso (gramas)

2700 3180 4450 4680 5550 5130

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91

ANEXO IV

Anexo de publicação.

Avaliação biomecânica de escleras humanas preservadas em glicerina

Tarciso Schirmbeck

Antonio Augusto V. Cruz

Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e

Pescoço, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

Correspondência: Prof. Dr. Antonio Augusto Velasco e Cruz, Departamento

de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço,

Hospital das Clínicas-Campus, Ribeirão Preto, 14049-900, São Paulo, Brasil.

E-mail: [email protected]

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92

Resumo

Objetivo: Avaliar a variação da resistência mecânica e da elasticidade tecidual,

além da manutenção da arquitetura histológica de escleras humanas preservadas

em glicerina. Métodos: 114 escleras foram divididas em 6 grupos (não

preservadas e preservadas em glicerina nos tempos 7, 15, 30, 90 e 180 dias) e

submetidas a avaliação histológica e a testes mecânicos para avaliação de sua

resistência e distensão. Resultados: A preservação em glicerina não provocou

alterações na arquitetura histológica do tecido escleral. Observou-se um aumento

da resistência mecânica e diminuição da distensão do tecido escleral com o

incremento do tempo de preservação. Conclusões: A preservação escleral em

glicerina mantém a integridade tecidual e resulta num material mais resistente e

menos distensível a partir de 90 dias de preservação.

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Introdução

Desde o início do século XIX quando a fáscia lata começou a ser utilizada

em cirurgia palpebral 1 ,tem havido um grande interesse no emprego de diferentes

materiais e tecidos em cirurgia oftalmológica 2. A esclera humana preservada, em

virtude da facilidade de obtenção, estabilidade estrutural e baixa indução de

inflamação no receptor 3 , é um dos tecidos mais utilizados não só em

oculoplástica, para recobrimento de implantes orbitários, como também para

proteção de válvulas filtrantes e reparo de afilamentos esclerais 4,5,6.

Vários métodos de preservação tem sido empregados 7,8,9, no entanto, o

mais usado no Brasil é o uso da a glicerina. As propriedades esterilizantes da

glicerina são bem conhecidas, mas o efeito da preservação nas propriedades

biomecânicas do material ainda não foram caracterizados.

Este trabalho procurou avaliar a variação da resistência mecânica e da

elasticidade tecidual, além da manutenção da arquitetura histológica de escleras

humanas preservadas em glicerina.

Materiais e Métodos

Foram utilizadas 114 escleras de 72 doadores obtidas no Banco de Olhos

do Distrito Federal. A rotina de preservação da esclera consistia na remoção do

tecido e sua introdução em um frasco com glicerina a 98% e armazenado sob

refrigeração (4 a 8 ºC).

A análise foi efetuada em 6 grupos de 19 escleras definidos por diferentes

tempos de preservação, ou seja, grupos sem preservação e grupos com 7, 15, 30,

90 e 180 dias de preservação. Antes dos experimentos cada esclera preservada

foi colocada por 30 minutos em solução fisiológica a 0,9% para hidratação. De

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cada esclera foi retirado um fragmento medindo 3X3mm que foi submetido à

rotina universal de coloração com hematoxilina-eosina e tricrômio de Mallory e

submetido à análise em microscopia óptica.

Para a avaliação biomecânica, um anel escleral de 10 mm de largura foi

retirado da região equatorial a 8mm da borda escleral anterior de cada uma das

escleras. Numa primeira etapa, avaliou-se a resistência mecânica do tecido

escleral a fresco e nos diversos tempos de preservação através do uso de um

sistema simples de pesos. Cada anel escleral foi colocado entre dois mosquetes

cilíndricos, seguindo-se a adição progressiva de pesos até a rotura do anel. Após

cada incremento, foi aguardado um minuto para nova adição de carga. Dessa

forma, foi estabelecida a carga necessária para o rompimento de cada anel

escleral avaliado.

Na segunda etapa, promoveu-se a avaliação do comportamento do tecido

escleral para distensão a uma carga fixa, por um tempo determinado. Utilizou-se

um aparato composto por um sistema de pesos associado a um deflectômetro

com sensibilidade de 0,01mm. Cada anel escleral teve seu alongamento

analisado a partir da adição sucessiva de cargas fixas de 20% do peso necessário

para rotura. Para cada acréscimo de carga, a distensão era medida nos tempos 0,

2, 4, 8, 15, 30 e 60 minutos. O experimento era encerrado, independentemente do

tempo decorrido, assim que se verificava a estabilização da distensão.

Considerava-se que a estabilização havia sido atingida quando a distensão entre

uma medida e a seguinte era inferior a 5% de toda extensão até então

observada7. Após a estabilização, adicionava-se mais 20% da carga e repetia-se

o procedimento a partir do início. O acréscimo de pesos era efetuado até a rotura

do anel escleral.

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A avaliação estatística utilizada para a comparação de variáveis com mais

de um grupo (carga necessária para a rotura em diferentes tempos de

preservação) foi a análise de variância unifatorial e o teste de Tukey.

Resultados

A avaliação histológica do tecido escleral preservado em glicerina

por 7, 15, 30, 90 e 180 dias foi semelhante às das escleras não preservadas

(figura 1 a e b ), ou seja, a análise histológica não detectou sinais de degradação

do material em nenhum dos tempos estudados. Na região superficial da esclera

foram observados feixes de fibras colágenas em disposição lamelar, com uma

lamela paralela seguida de outra perpendicular à superfície. Na região mais

profunda, os feixes estavam dispostos em várias direções do espaço, formando

angulações distintas entre as fibras. Foram visualizados alguns esclerócitos

preservados, principalmente nas escleras a fresco.

A B Figura 1 a , b - Avaliação histológica do tecido escleral a fresco(Hematoxilina-eosina) e preservado por 90 dias (Mallory), respectivamente.

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A avaliação biomecânica revelou um aumento da carga necessária para

rotura com o incremento do tempo de preservação (figura 2). A análise de

variância unifatorial (ANOVA) revelou que havia diferenças entre os diversos

grupos.(F = 18,11, p < 0,00001). O teste de Tukey mostrou que as cargas de

rotura das escleras preservadas por 90 e 180 dias não diferiam entre si e eram

significativamente maiores que às de todos os outros tempos, as quais não eram

diferentes das escleras não preservadas.

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

2500

3000

3500

4000

4500

5000

5500

6000

Car

ga

de

rotu

ra (

g)

Tempo (dias)

Figura 2 – Evolução da carga rotura escleral com o tempo de preservação

A análise da distensão do tecido escleral revelou que o tecido preservado

apresentava menor coeficiente de distensão em relação ao não preservado (figura

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0 500 1000 1500 2000 2500 3000

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

30 dias (y = -0.11 + 0. 0007X)

Dis

ten

são

(m

m)

Peso (g)

PreservaçãoNão (y = -0.05 + 0.0013 X)

3). As escleras preservadas por 30 dias mostraram uma redução de 86 % do

coeficiente de distensão em relação às não preservadas.

Figura 3 - Distensão do tecido segundo a carga aplicada conforme o tempo de preservação. Notar a diminuição do coeficiente de distensão na esclera preservada (inclinação da reta expressa pelo parâmetro “b” da equação da reta). As setas representam o ponto de rotura.

Discussão

A esclera é um tecido denso constituído predominantemente por colágeno

disposto em feixes de fibras com diferentes orientações 10. A análise das lâminas

das escleras preservadas revelou a manutenção da integridade das fibras de

colágeno não se observando quebras ou irregularidades em sua superfície. A

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disposição das fibras, bem como sua orientação espacial, mantiveram-se

inalteradas nas camadas superficiais e profundas do tecido. O espaço interfibrilar

também manteve a mesma proporção das amostras não preservadas.

A manutenção da integridade da disposição do tecido escleral com o uso

da glicerina, mesmo após 180 dias de armazenamento, está relacionada ao seu

mecanismo de ação. A glicerina atua promovendo a formação de múltiplas pontes

de hidrogênio entre a glicina do colágeno e os grupos hidroxil da glicerina

substituindo as ligações do colágeno com moléculas de água 11. Além disso, a

desidratação promovida pela alta concentração da glicerina promoveria uma

inibição das reações enzimáticas degradativas dependentes de água, resultando

numa diminuição das taxas de desnaturação protéica e aumentando a

estabilidade da estrutura de tripla hélice 11.

A diminuição da quantidade de esclerócitos nos tecidos preservados

provavelmente está relacionada ao estresse osmótico e à toxicidade química

causados pela alta concentração da glicerina. Esta diminuição celular também foi

observada na preservação de tecido aórtico de ratos que apresentaram

fragmentação das células endoteliais 12. Entretanto, a perda de células nos

tecidos preservados não constitui um problema; ao contrário, nas cirurgias

oftalmológicas em que o uso de escleras preservadas se faz necessário, a

integridade celular não é fundamental. Considera-se, inclusive, que esta

degradação celular seja vantajosa, pois resultaria numa menor antigenicidade do

enxerto e, conseqüentemente, numa menor reação inflamatória por parte do

receptor 12.

As propriedades mecânicas da esclera, tanto em seu estado natural, como

após preservação nos diversos meios, estão intimamente relacionadas às fibras

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colágenas e à sua interação com as substâncias presentes na matriz extracelular

13. O seu emprego em cirurgias de reconstrução palpebral e em cirurgias de

enucleação com recobrimento do implante orbitário fundamentam-se na

resistência e na durabilidade do enxerto.

A avaliação das características mecânicas do tecido escleral foi realizada

através de testes de tração permitindo identificar a carga necessária para se obter

um alongamento do material - limite de escoamento -, a intensidade deste

alongamento - alongamento plástico - e a carga necessária para a rotura do

material - tensão de rotura -14.

Vários estudos mostram que um determinado material alonga-se, quando

submetido à tração, por meio de três mecanismos distintos: inicialmente, há um

alinhamento de seus cristais, seguido de deslizamento entre os mesmos e

posterior rotura do material 14. O alongamento inicial ocorre devido ao

deslizamento do material em planos altamente específicos. Este deslizamento se

processa nos planos orientados mais desfavoravelmente; dessa forma, a carga de

tração depende não somente das propriedades mecânicas do material, mas

também da orientação espacial de seus cristais constituintes. Na esclera observa-

se inicialmente um alongamento rápido, resultante do alinhamento das fibras,

seguido de posterior deslizamento entre as fibras.

O presente estudo mostrou uma diminuição da intensidade da distensão e

aumento da resistência mecânica do tecido escleral preservado à medida que o

tempo de preservação era ampliado. A força necessária para rotura das fibras de

colágeno depende da quantidade de colágeno presente, da hidratação e da

constituição do meio extracelular. As constatações observadas estão relacionadas

ao pelo mecanismo de atuação da glicerina que age promovendo uma

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desidratação acentuada do tecido escleral, sobretudo no meio extracelular,

resultando em uma maior dificuldade de deslizamento das fibras de colágeno.

Além disso, supõe-se que as moléculas de glicerina, através de seus grupos

hidroxila, estabeleçam interações com as fibras de colágeno aumentando ainda

mais sua resistência ao alongamento. Estas alterações tornam o tecido mais

resistente, diminuindo, porém, sua distensão antes da rotura. O aumento do

tempo de preservação permite que a maior parte da água presente no tecido seja

substituída pela glicerina, resultando em uma aumenta da força necessária para a

distensão e posterior rotura da esclera.

O uso da glicerina na preservação de tecido escleral humano resultou num

material de alta qualidade, com preservação da arquitetura tecidual e manutenção

dos aspectos mecânicos, exceto pelo aumento da resistência e pela diminuição

da distensão com o aumento do tempo de preservação. Contudo, estas

alterações não resultam em comprometimento de seu uso e podem representar

benefícios na realização de cirurgias em que o enxerto é utilizado como “spacer”

ou no recobrimento de implantes orbitários. Por outro lado, a menor elasticidade

da esclera preservada indica que esse material, quando usado para o

revestimento de implantes, deve ser utilizado em uma quantidade suficiente para

que o fechamento da sutura se dê sem tensão.

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