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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA ARACÊ MARIA MAGENTA MAGALHÃES O Brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear São Paulo 2012

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA€¦ · O Brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

ARACÊ MARIA MAGENTA MAGALHÃES

O Brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear

São Paulo

2012

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ARACÊ MARIA MAGENTA MAGALHÃES

O Brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Área de concentração:Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

Orientadora: Profª Drª Edda Bomtempo

São Paulo

2012

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na publicaçãoBiblioteca Dante Moreira Leite

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Magalhães, Aracê Maria Magenta.O Brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante

coclear / Aracê Maria Magenta Magalhães; orientadora Edda Bomtempo. -- São Paulo, 2012.

78 f.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

1. Crianças. 2. Winnicott, Donald Woods, 1896-1971. 3. Implantecoclear.4. Surdez. 5. Brincar (Winnicott). I. Título.

HQ767.8

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Nome: Aracê Maria Magenta Magalhães

Título: O brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Área de concentração:Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

Aprovado em: ...... /...... /......

Banca Examinadora

Prof. Dr .........................................................................................................................

Instituição:................................................. Assinatura: ................................................

Prof. Dr .........................................................................................................................

Instituição:................................................. Assinatura: ................................................

Prof. Dr .........................................................................................................................

Instituição:................................................. Assinatura: .................................................

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Para Hendrick e Alexander, que me ensinaram a ser mãe, que me ensinaram a ser.

À meu pai e ao Gui (in memorium), por tanto amor.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, irmãs e filhos que sempre me apoiaram.

À Prof. Dra Edda Bomtempo por ter aceito este “brincar”, pela orientação serena –compreensão e disposição.

À Prof. Dra Aidyl Macedo Q. Perez-Ramos por ter-me apresentado o Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn, pelas contribuições que deu a este trabalho, acolhida e amizade.

Ao Prof. Dr. Manoel Henrique Salgado pelo auxílio na análise dos dados estatísticos.

Aos colegas e funcionários do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em especial do Programa de Pós Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, que contribuíram para o bom funcionamento deste trabalho.

Aos colegas, pacientes e funcionários do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, em especial da Seção de Implante Coclear, onde foi realizado esta dissertação.

A todas as crianças que, mesmo sem o saber, estão mais perto do que intuitivamente buscamos, a joie de vivre, o encanto de viver.

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RESUMO

Magalhães, A. M. M. (2012). O brincar, o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Certos progressos científicos vêm possibilitando melhoria, na qualidade de vida de pessoas profundamente surdas, promovendo-lhes a audição em nível tal que podem captar a especificidade da voz humana. O implante coclear constitui um desses importantes avanços. A presente dissertação vem contribuir para o conhecer e o aprender de crianças com implante coclear , anteriormente com surdez profunda. O apoio teórico é fundamentado em Winnicott, presente em todo o desenvolvimento da pesquisa. Selecionam-se dez crianças e suas famílias, com base nos critérios do hospital onde são atendidos e também nos de homogeinização. Realizam-se, individualmente, avaliações psicológicas contextualizadas nas crianças, com apoio de suas famílias, empregando-se entrevistas, observação participante e o Jogo Estruturado com Bonecos elaborado por Lynn. Compõe-se este de treze cenas lúdicas, pelas quais as crianças brincam e trazem a sua realidade. Baseando-se em bibliografia aplicável, a pesquisa apresenta inovações sobre o conhecimento do processo evolutivo destas crianças, cujo desenvolvimento é em parte interceptado pela surdez profunda e pela cirurgia invasiva da audição, seguida de follow-up. São atendidos, entre outros, o principal propósito deste trabalho que consiste no conhecer destas crianças e sua aprendizagem, através do seu brincar, dirigido a rotina diária delas.

Palavras-chave: Crianças. Winnicott, Donald Woods, 1896-1971. Implante coclear. Surdez. Brincar (Winnicott).

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ABSTRACT

Magalhães, A. M. M. (2012). The playing, knowing and learning of children with cochlear implants. Master Thesis. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Certain scientific developments have improved the life quality of profoundly deaf people, by enhancing their hearing at such a level that can capture the specificity of the human voice. The cochlear implant is one of these important advances. This dissertation contributes to the knowing and learning of previously profoundly deaf children, now fitted with these devices. The theoretical support based on Winnicott, present throughout the development of the research, is studied. Ten cases are selected based on criteria of the hospital where these children and their families are assisted and homogenization criteria are used for a group of children in the age range four to six years, and for their respective families. Contextualized psychological assessments are performed individually (child and environment) through interviews, participating observation and the application of Lynn’s Structured Doll Play, with ludic scenes, through which the children play and bring their own reality. Based on the applicable literature and these psychological evolutions, the research presents innovations on the knowledge of the developmental process of these children, whose development is partially impaired by their profound deafness, by the invasive hearing surgery and subsequent follow-up. The main purpose of this work, with others, are to achieve the research objectives, i.e., learn more about these children and their learning processes through their playing, directed to their daily routine. Keywords: Child. Winnicott, Donald Woods, 1896-1971. Cochlear implant. Deafness. Playing (Winnicott).

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Eleição Parental do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (J.E.B.L.)(Caso 1) . 34

Tabela 2 – Eleição de Objetos do J.E.B.L (Caso 1) .................................................................34

Tabela 3 – Eleição Parental do J.E.B.L (Caso 2) .....................................................................41

Tabela 4 – Eleição de Objetos do J.E.B.L (Caso 2) .................................................................41

Tabela 5 – Faixa etária e gênero das crianças ..........................................................................43

Tabela 6 – Época da cirurgia do I.C., por faixa etária .............................................................44

Tabela 7 – Tempo de uso do I.C., por faixa etária ...................................................................46

Tabela 8 – Escolaridade dos Pais .............................................................................................47

Tabela 9 – Número de filhos nas famílias estudadas ...............................................................47

Tabela 10 – Ordenação filial nas famílias ................................................................................48

Tabela 11 – Procedências das Famílias ....................................................................................49

Tabela 12 – Áreas dos distúrbios de comportamento ..............................................................51

Tabela 13 – Figuras predominantes para a maternagem ..........................................................51

Tabela 14 – Quadro geral das respostas no J. E. B.L. ..............................................................56

Tabela 15 – Seleção de Objetos – J.E.B.L. ..............................................................................56

Tabela 16 – Eleição parental – Apoio – J.E.B.L. .....................................................................58

Tabela 17 – Intercorrências entre pais e crianças- J.E.B.L. .....................................................59

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Época da cirurgia do I.C., por faixa etária ............................................................45

Gráfico 2 – Tempo de uso do I.C., por etária ...........................................................................46

Gráfico 3 – Número de filhos nas famílias estudadas ..............................................................48

Gráfico 4 – Procedências das Famílias ....................................................................................49

Gráfico 5 – Áreas dos distúrbios de comportamento ..............................................................51

Gráfico 6 – Figura predominante para a maternagem .............................................................53

Gráfico 7 – Eleição parental – Apoio – J.E.B.L. .....................................................................58

Gráfico 8 – Intercorrências entre pais e crianças – J.E.B.L. ....................................................60

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................11

2. APOIO TEÓRICO .......................................................................................14

2.1 A relação criança e ambiente .............................................................................14

2.2 O brincar como elemento transicional ...............................................................17

2.3 A importância do brincar ...................................................................................20

2.4 O brincar criativo e sua carência .......................................................................21

3. METODOLOGIA .........................................................................................23

3.1 Integrantes da pesquisa: criança e família .........................................................23

3.2 Instrumentos de coleta de dados ........................................................................25

3.3 Comprovantes da metodologia: estudos de casos .............................................28

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................43

4.1 Análise Demográfica .........................................................................................43

4.2 Resultantes da integração de dados: criança-família .........................................50

4.3 Respostas obtidas na aplicação do Jogo Estruturado de Lynn (J.E.B.L.) ........55

5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ..................................................61

Conclusões ...............................................................................................................61

Recomendações .......................................................................................................65

REFERÊNCIAS ...............................................................................................67

ANEXOS

Nº. 1 – Roteiro de entrevista ....................................................................................70

Nº. 2 – Jogos Estruturados com Bonecos de Lynn

– Protocolo de aplicação e interpretação dos dados .............................................75

– Quadros para anotação quantitativa ...................................................................77

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João e Maria

Agora eu era o heróiE o meu cavalo só falava inglêsA noiva do cowboyEra vocêAlém das outras trêsEu enfrentava os batalhõesOs alemães e seus canhõesGuardava o meu bodoqueE ensaiava um rockPara as matinês

Agora eu era o reiEra o bedel e era também juizE pela minha leiA gente era obrigada a ser felizE você era a princesaQue eu fiz coroarE era tão linda de se admirarQue andava nua pelo meu país

Não, não fuja nãoFinja que agora eu era o seu brinquedoEu era o seu piãoO seu bicho preferidoSim, me dê a mãoA gente agora já não tinha medoNo tempo da maldadeAcho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatalQue o faz-de-conta terminasse assimPra lá deste quintalEra uma noite que não tem mais fimPois você sumiu no mundoSem me avisarE agora eu era um louco a perguntarO que é que a vida vai fazer de mim

Música de Sivuca (1947)

Letra: Chico Buarque de Holanda (1976)

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1 INTRODUÇÃO

Os progressos científicos, em relação à saúde audiológica, vêm, na atualidade

beneficiando intensamente a qualidade de vida do ser humano que, desde o nascimento é

privado profundamente da audição. O implante coclear é hoje um dos principais recursos

cirúrgicos que, utilizados bem cedo na vida da criança, possibilita-a a ouvir, inclusive a

especificidade da voz humana. Abre-se para ela uma nova perspectiva de vida, o que pode

facilitar melhor convivência com os demais e maior exploração do brincar, do aprender e do

conhecer o contexto que a cerca, interagindo com os estímulos ambientais, em particular com

aqueles que antes, era privada de captá-los e compreende-los.

A experiência de equipes interprofissionais, sobretudo do psicólogo, aliada à

observação e interpretação winnicottiana, tem possibilitado adentrar o conhecimento da

problemática dessa criança e sua relação com o ambiente, sobretudo com a figura que exerce

a maternagem.

Por outro lado, tem-se a considerar que todo o processo de reabilitação auditiva,

particularmente com os progressos do implante coclear, vem beneficiar a criança, mas sérias

conseqüências podem afetar o seu desenvolvimento e bem-estar, não somente devido à

dificuldade da comunicação esperada, como também das experiências adversas ao tratamento.

A problemática estende-se à família que compartilha das dificuldades dessa criança, sem

estar, muitas vezes, preparada para enfrentá-las.

Tais considerações, aliadas as vicissitudes do tratamento hospitalar, em especial a

internação, pode alterar o processo evolutivo da criança, condição que se agrava quando esta é

retirada do seu ambiente, periodicamente, para corresponder às etapas necessárias do seu

tratamento, muito embora o hospital acolha a família do paciente atendido. Em contrapartida,

os referidos progressos científicos facilitam a aquisição das habilidades auditivas e a

aprendizagem da linguagem verbal, compreensiva e expressiva. O tratamento passa a fazer

parte da rotina da criança e também de sua família, o que constituem, por si só, alterações na

dinâmica de ambos.

A situação decorrente desse tratamento consegue ser amenizada, até nos momentos

mais críticos, com a inserção do brincar como forma da criança expressar-se livremente. Tem-

se que o brincar aparece como elemento indispensável no desenvolvimento infantil e em

especial na fase do “faz-de-conta” onde a atividade lúdica flui com maior expressividade,

através de representações, também conhecidas como dramatizações.

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Prevê-se que a criança estando mais livre para entrosar-se com o ambiente, poderá

brincar criativamente, conforme o que é afirmado pelas idéias de Winnicott (1896-1971).

Uma das contribuições mais marcantes do autor refere-se à importância do brincar, e de ser

criativo:

É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser

criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o

indivíduo descobre o eu (self) (1971/1975a, p.80).

Este estudo, utilizando-se do brincar, pretende compreender o processo evolutivo

dessas crianças, envolvidas em situações de reabilitação oral, conseqüentes do uso e

manutenção do implante coclear, como também dos reflexos nos ambientes dos quais aquelas

pertencem.

Tendo em vista tais considerações, a presente pesquisa fundamenta-se na teoria de

Winnicott, especialmente referente à relação da criança e o ambiente e daquela com o brincar,

ambas amplamente estudadas pelo autor, que pontua a necessidade de um ambiente

suficientemente bom para garantir-lhe a sobrevivência e um desenvolvimento saudável.

Quanto às crianças deste estudo, privadas intensamente da audição e, atualmente,

beneficiadas pelo implante coclear (em grego caracol - semelhante à forma de parte existente

no ouvido interno) necessitam, como qualquer outra, de um ambiente suficientemente bom

para promover-lhes um processo evolutivo saudável e de aprendizagem verbal.

Esta importante aquisição científica vem sendo empregada no Hospital de Reabilitação

de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da Universidade de São Paulo, em Bauru/SP, na Seção

de Implante Coclear, unidade do Centro de Pesquisas Audiológicas, vinculado a esta

instituição-escola. No que respeita ao atendimento de crianças com Implante Coclear (I.C.),

objeto deste estudo, o hospital oferece atendimento interprofissional, especializado, não só

responsável pela cirurgia do implante como também pelo follow-up dessas crianças e de suas

famílias. Neste grupo de profissionais, o psicólogo tem seu lugar efetivo, o que favorece a

realização de investigações neste campo de atuação.

A presente pesquisa vem contribuir para a compreensão do processo evolutivo dessas

crianças, proporcionando-lhes, através da representação lúdica, melhores meios para

possibilitar o conhecimento delas e dos ambientes sócio-familiares dos quais fazem parte. Em

complemento, esta estratégia lúdica lhes favorece o bem estar, que se estende aos lares onde

vivem.

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Para efetuar esta pesquisa, o primeiro passo foi submeter o seu projeto ao Comitê de

Ética em Pesquisa da citada instituição. Uma vez aceito, foi solicitado e obtido a participação

dos pais ou responsáveis pelas crianças estudadas, o seu Consentimento Livre e Esclarecido.

Tratando-se das crianças na idade pré-escolar, (4 a 6 anos) objeto deste trabalho, a elas

também foi solicitado, oralmente, sua colaboração. Todos os dados foram coletados

diretamente pela autora desta dissertação e interpretados, como já foi referido, à luz das

contribuições de Donald Woods Winnicott.

Espera-se que esta contribuição possa proporcionar novas vias de conhecimento em

prol do processo evolutivo das crianças estudadas e do seu ambiente familiar. A estas são

proporcionados importantes avanços científicos, mas que, por si só, não garantem seu efetivo

desenvolvimento, próprio da idade, e sua plena interação com o contexto familiar e

educacional dos quais faz parte. Há necessidade de se conhecer psicologicamente essas

crianças que, antes eram privadas de ouvir e sua integração com o ambiente, para se verificar,

através do lúdico, as possibilidades para que ocorra nestas condições, o processo de um

desenvolvimento saudável.

Com base no exposto, a pesquisa em foco, teve como objetivo conhecer

individualmente um grupo de crianças, com profunda deficiência auditiva, ora minimizada

pelo implante coclear, bem como o ambiente em que esta está inserida.

Para tal fim, utiliza-se do brincar em cenas sistematizadas e interpretadas em função

do que a criança se expressa. A estas são proporcionadas situações com brinquedos que

estimulam a representação criativa do seu viver, aliadas a uma observação participante com as

mesmas e entrevista com seus pais, tudo isto à luz das concepções de Winnicott. Assim, como

já referido, o objetivo desta pesquisa é o de conhecer a criança com implante coclear (I.C) por

meio do seu brincar, mediante estudo de casos nos quais é focalizado seu processo evolutivo

em função de um suprimento ambiental, que segundo o autor, pode ser suficientemente bom

ou não.

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2 APOIO TEÓRICO

Nesta parte do trabalho pretende-se apresentar as principais idéias e pressupostos de

Winnicott aplicáveis à compreensão da criança (com implante coclear) e suas inter-relações,

basicamente com o ambiente familiar.

2.1 A relação criança e ambiente

Que inquietante estranheza, quando as mãesvacilam, elas que, só elas, ficam entre nós e a redenção. Freud em Carta a Fliess, citado por Cesar (2009)

Em toda a sua obra, Winnicott enfatiza a vital importância que o ambiente,

principalmente o da família, desempenha na vida e no desenvolvimento infantil. O autor já

afirmava (1969/1999b) que “a criança possui uma tendência herdada para o

desenvolvimento” (p.141). E que “(...) o suprimento ambiental ou fornece uma oportunidade

para que ocorra o processo interno de crescimento, ou então impede que tal aconteça” (p.

148).

Por ambiente da criança, Winnicott (1951/2000) identifica a própria pessoa da mãe,

suas características pessoais e situacionais, incluindo neste contexto o pai, os irmãos, se, por

ventura existirem, a família estendida e as especificidades do lar onde aquela vive. O autor

salienta ainda que a mãe em questão, não se trata da genitora, mas da pessoa que exerce a

maternagem junto à criança.

Com efeito, não há como pensar na criança pequena sem a figura materna. É esta

última que lhe deve proporcionar acolhimento e cuidados essenciais para o pleno

desenvolvimento do seu filho. Dos cuidados que este necessita, o teórico em evidência

(1969/1999b) inclui afeto e calor, fatores importantes para que o pequeno desenvolva certa

dose de confiança nas pessoas.

Segundo este autor (1969/1999b), é previsível que os pais, em determinado momento

de suas vidas, estejam absorvidos pelos próprios problemas e não possam prodigalizar aos

filhos os devidos cuidados e assistência que eles necessitam. Se mesmo assim, houver no lar,

pais que revelem uma determinada convivência entre si, providenciem juntos o sustento

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doméstico e que as crianças possam observar esta situação, isto é, se houver certa

previsibilidade do ambiente, estas podem suportar certa tensão que ali se apresente. Com isto,

o autor precisa o conceito de “pais suficientemente bons”, afirmando que estes podem ser

qualquer um de nós – não perfeitos, mas que “podem ser usados por bebês e crianças

pequenas.” (Winnicott, 1969/1999b, p. 141).

Anteriormente, Winnicott (1951/1975) enfatiza a importância da existência de uma

“mãe suficientemente boa” para a criança , sendo que nesse momento, a figura materna inclui

a idéia de pai, entre outras especificações próprias de um ambiente suficientemente bom.

Mãe suficientemente boa é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades da criança, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade desta em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração. (p. 25)

Se tudo corre bem, quando do nascimento de um bebê, ele está em estado fusional

com a mãe ao que o autor denominou de dependência absoluta (Winnicott, 1960/1983a).

Neste começo, a mãe suficientemente boa fornece uma adaptação quase completa às

necessidades de seu bebê, dando a oportunidade para que este tenha a ilusão de sua

onipotência (a mãe oferece o objeto quando o bebê necessita dele).

Como se sabe, a dependência, segundo o autor, só consegue ser instalada quando

houver plena confiança da criança no ambiente (mãe). Tal confiança/crença, quando do

estágio inicial do desenvolvimento da criança, está em processo de construção e tem-se que

ter cuidados para que algo não dificulte ou abale a confiabilidade no ambiente e assim

acontece a instalação da dependência, essencial nos estádios mais primitivos do

desenvolvimento humano.

Com o passar do tempo e gradativamente a mãe vai fornecendo ao seu bebê falhas à

adaptação, ou limites e frustração que possibilitam a desilusão e a percepção de algo externo a

si mesmo e que se desloca, sendo na verdade, a primeira percepção que ele tem de sua mãe.

Ao mesmo tempo, toma consciência desta dependência e adquire a capacidade de fazer saber

ao ambiente quando necessita de atenção. Neste estágio não existe mais o estado fusional

mãe-bebe e também não existe a dependência absoluta, estabelecendo-se, então, uma

dependência relativa. A partir desta dependência, começa a luta pessoal da criança pela

independência, ao que o autor denominou de um estágio rumo à independência (Winnicott

1960/1983a, p. 46).

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Sabe-se que as crianças pequenas, como é o caso das deste estudo, necessitam de

cuidados contínuos e seguros para desenvolver-se de forma apropriada, e isto independente de

sua condição de surdez relativa em estágio de aprendizagem verbal (compreensiva e

expressiva). Elas, segundo o autor (1969/1999b), como todas as crianças, possuem uma

tendência inata para viver, alimentar-se, respirar, crescer e desenvolver-se. Cada uma se

apresenta com ritmo e singularidade próprios, que a faz diferente uma das outras. Os

processos de desenvolvimento individualizados das crianças trazem mudanças que, por vezes,

são muito aguardadas pelos pais.

No contexto competitivo em que se vive, os pais desejam que seus filhos estejam bem

preparados para enfrentar os desafios pertinentes e é comum que alguns deles comparem os

avanços no desenvolvimento de seu filho com outros, desconsiderando a singularidade deste.

Os pais das crianças deste estudo, não são diferentes - após a colocação do implante na cóclea

de seu filho, aguardam com ansiedade, mudanças que correspondem não somente à aquisição

da linguagem que lhe facilitará a comunicação oral, como também seu desenvolvimento em

geral. Acontece que esta criança é inserida num processo lento e gradual de aprendizagem que

necessita de um suprimento ambiental suficientemente bom, como toda e qualquer criança.

Além disto, as condições derivadas da própria deficiência e também da cirurgia

invasiva e follow up, podem provocar nesta criança um estado de stress que aumenta ainda

mais seu desconforto. Nesse sentido, Winnicott apresenta suas contribuições.

O autor (1969/1999b) concebe o stress que se desenvolve na criança como resultante

do fracasso parcial ou total do suprimento ambiental, ou ainda das tensões inerentes ao seu

crescimento. Como exemplo dessas dificuldades cita o problema universal de ambivalência,

como o do amor e ódio a uma dada pessoa/coisa que ocorre em um mesmo momento.

No presente estudo, tem-se como exemplo o stress resultante em ambas, mãe e

criança, pelas constantes expectativas sobre os diversos deslocamentos do lar ao hospital, para

fim de tratamento, tendo em vista que 70% destas residem em outros Estados.

No caso das crianças com I.C., objeto da presente pesquisa, pode ocorrer intenso

stress consequente de fortes tensões no ambiente, oriundas do conhecimento do diagnóstico

da surdez, pelos pais. Nos dias atuais, isto ocorre frequentemente ainda na maternidade,

quando do nascimento do bebê, através da aplicação do teste da orelhinha utilizado para o

diagnóstico da saúde auditiva do recém-nascido ou um pouco mais tarde, auxiliado pela

observação dos pais. Ambas as situações podem intensificar os sentimentos ambivalentes em

relação ao afeto dos pais para com seu próprio filho que, de certa forma, não corresponde ao

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ideal filial esperado, tendo em vista a deficiência auditiva. Nesse sentido Winnicott, no seu

livro Conversando com os Pais, (1957/1999c) assim se expressa:

Penso haver muitíssimo a fazer nessa questão de aceitar o que as pessoas sentem, pensam e realizam, e a partir dessa base, desenvolver uma discussão ou um ensino que propicie uma melhor compreensão. (p. 4)

Quando os pais se sentem estressados, eles se colocam em dúvida quanto à educação

a ser proporcionada ao filho, procurando informações sobre o rumo a seguir com a sua

criança, sem ao menos perceberem a própria problemática pela qual, eles próprios, estão

passando (Winnicott,1960/1999a).

Essas considerações revelam a importância do contexto em que a criança está

inserida, em especial o conceito de suprimento ambiental suficientemente bom, onde se inclui

todo o entorno da criança, em especial os pais, com demais filhos se houverem, e

particularmente a mãe.

Khan (2001) ressalta que: Winnicott observa e compreende o bebê e a criança mais

velha, como uma pessoa inteira, inserida no meio ambiente de cuidado que lhe é oferecido.

Esse posicionamento faz muita diferença na forma de observar as crianças, bem como na justa

compreensão do seu viver.

Ao nascer, o bebê é inserido num ambiente (mãe) onde, neste contexto, havendo uma

mãe suficientemente boa, surge entre esta e a criança, uma área intermediária, que é a do

brincar, a qual será tratada seguidamente.

2.2 O brincar como elemento transicional

Na realidade, nunca renunciamos a nada:apenas trocamos uma coisa por outra.Freud (1908/1996, p.136)

Os conceitos abaixo descritos servem para compreender a constituição do brincar e

este como elemento transicional, mas sem aplicação direta no material colhido nesta pesquisa.

Desde o nascimento da criança, pode-se observar uma série de fenômenos que serão

descritos como uma tendência desta em levar os punhos e dedos à boca, buscando satisfazer

os instintos ligados a zona erógena oral, ou manifestados em momentos tranqüilos.

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Com alguns meses, os bebês manipulam bonecos, objetos, panos e é comum as mães

perceberem e respeitarem a eleição de algum objeto especial que a criança privilegia, sem

sombra de dúvidas.

Este uso do objeto pela criança pode ser de variedade infinita; ainda, segundo

Winnicott (1951/2000), nem mesmo precisaria ser um brinquedo, mas um pedaço de pau ou

de pano, uma linha, enfim, não importando o que seja, mas sim poder ser usado por ela,

amado e odiado, conservado e destruído, fantasiado e desiludido, dando vazão à dualidade, à

ambivalência da busca e seu contrário, enfim, experienciando diferença e similaridade,

tornando-se então capaz de aceitá-las.

É hoje geralmente reconhecido, acredito, que aquilo a que me refiro nesta parte de meu trabalho não é o pano nem o ursinho que o bebê usa: não tanto o objeto usado quanto o uso do objeto. (Winnicott, 1971/1975d, p. 10)

Para o autor citado, brincar é fazer e para que isso aconteça há necessidade de um

determinado espaço (potencial) e um tempo, essenciais para que essa experiência se efetive.

(Winnicott, 1971/1975d, p. 62).

Há a necessidade de retornar-se, junto com o autor, a idéia da unidade fusional, mãe-

bebê, quando ocorre a dependência absoluta ou dupla dependência (mãe-bebê e bebê-mãe),

momento este que provavelmente derivou a conhecida fala de Winnicott em uma reunião da

Sociedade Britânica de Psicanálise, citado por Safra (2009): “O bebê não existe” – não existe

separado de sua mãe. Quando da passagem desta fase para a da dependência relativa ocorre

um espaço e momento em que a mãe passa a ser percebida como algo externo e separado -

objetivamente percebido.

Aí surge o brincar que, segundo Winnicott (1971/1975d), ocorre inicialmente no

espaço intermediário entre a mãe e a criança e num momento intermediário que, para

abandonar a mãe como objeto subjetivamente percebido e percebê-la como objeto,

objetivamente percebido, a criança cria um objeto transicional (concreto), que seria a

primeira possessão original não-eu, a que o autor denominou objeto transicional.

Segundo Winnicott (1951/2000), o brincar é possível a partir da constituição de um

espaço potencial, ou seja: “existe uma terceira parte na vida do indivíduo, parte essa que não

podemos ignorar, uma região intermediária de experimentação, para a qual contribuem

tanto a realidade interna quanto a vida externa.” (p. 318).

No mesmo texto, o autor refere-se que é nesta terceira área de experimentação, que

ocorre os fenômenos transicionais (o balbucio do bebê, o cantarolar da criança, a brincadeira

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com a fraldinha na hora de dormir), ou seja, a utilização de um objeto transicional, assim

denominado porque não está dentro, nem fora do indivíduo; não pertencente à sua realidade

interna, nem inteiramente à externa; mas pertence a uma área intermediária, um lugar de

descanso para o indivíduo permanentemente engajado na tarefa humana de manter as

realidades interna e externa separadas, e ao mesmo tempo inter-relacionadas (Winnicott

1951/2000, p. 318).

Ainda, segundo o autor (1971/1975d), o objeto transicional pode ser uma bola de lã,

uma melodia, um balbucio, algo fora do corpo da criança, mas quase inseparável, enfim, este

algo que passa a constituir-se uma defesa contra a ansiedade, e sua importância, logo é

percebida pelos pais que permitem que este seja usado pela criança no momento de ir dormir,

alimentar-se e passear. Neste uso é acariciado, amado e mutilado e só deve mudar se for

mudado pela própria criança.

Esse objeto representa aquele da primeira relação (a mãe) e o seu uso pelo bebê

possibilita que este passe da ilusão de onipotência e controle mágico para a experiência da

desilusão e controle pela manipulação (cf. Winnicott, 1971/1975d, p. 23). A criação do objeto

transicional pela criança depende, portanto, da constituição da dependência absoluta, da

oportunidade da experiência de ilusão e posterior desilusão, que por sua vez necessitam

ambas da existência da mãe suficientemente boa, sem a qual tais experiências não

aconteceriam.

Assim como em determinado momento, o objeto transicional passa a ter uma

importância primordial para a criança, em outro, a posteriori, passa a ser relegado,

oportunamente, por ela.

Perde o significado, e isso se deve ao fato de que os fenômenos transicionais se tornaram difusos, se espalharam por todo o território intermediário entre a “realidade psíquica interna” e “o mundo externo, tal como percebido por duas pessoas em comum”, isto é, por todo o campo cultural. (Winnicott, 1971/1975d, p.19)

Assim como os pais suficientemente bons percebem e respeitam a importância dada

pela criança ao objeto transicional, geralmente também aguardam que o valor deste vá se

desintegrando aos poucos, pulverizado nas experiências culturais.

Nesta exposição, foi colocada em destaque a importância do brincar e também como

fenômeno transicional, elemento fundamental para o desenvolvimento emocional e para todo

o processo evolutivo da criança.

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2.3 A importância do brincar

Brincar é coisa séria. Freud (1908/1996, p. 133)

Nesta unidade é apresentado o brincar, fenômeno de grande importância, tendo em

vista estar presente nas diferentes fases do desenvolvimento humano, universal e evidente

especialmente nas crianças. Brincar é fundamental para o processo evolutivo infantil, sendo

a própria saúde que facilita o crescimento e os relacionamentos com as pessoas que cercam a

criança, sendo uma forma de comunicação consigo mesmo e com os outros (Winnicott,

1971/1975d).

O tema em questão, o brincar, elencado nesta pesquisa como verbo no infinitivo,

fornecedor de uma idéia de ação ou estado, é assim utilizado por Winnicott (1971/1975d)

para enfatizar que a importância dada não se encontra no brinquedo ou na brincadeira

(substantivos), mas sim no brincar, isto é, o enfoque está centralizado no que a criança faz

com o objeto. Embora tenhamos o foco desta pesquisa nas crianças, o brincar, como o

concebe Winnicott, não se limita apenas a elas, mas se estende aos adultos também.

Voltando um pouco no tempo, em Escritores Criativos e Devaneios, Freud

(1908/1996) compara o comportamento da criança ao brincar, com o de um escritor criativo:

cria um mundo próprio, melhor dizendo, rearranja as coisas de seu mundo numa nova ordem

que lhe agrada, sendo sua ocupação favorita, a brincadeira. Para a criança, brincar é coisa

séria e esta se dedica a esta atividade com emoção, afinco e seriedade – retira elementos das

coisas visíveis e tangíveis do mundo real e transporta para situações e objetos imaginados.

Essa ligação diferencia o brincar infantil do devaneio onipotente. O que vem a se opor ao

brincar não é a seriedade, é justamente o que é real, muito embora este último forneça

suporte à atividade de brincar.

Em sua obra magna, a Interpretação dos Sonhos, Freud (1900/1996) refere-se a dois

campos de experiência dos indivíduos: a realidade psíquica interna de cada um e a realidade

externa e compartilhada socialmente.

Winnicott (1951/2000) por sua vez, propõe que o brincar pertence a uma terceira área

de experiência dos indivíduos, o espaço potencial, que faz a transição entre os dois campos

de experiência freudianos: o mundo psíquico e o mundo socialmente compartilhado.

Nesta terceira área da experiência, a criança vai gradualmente perceber e aceitar a

realidade socialmente construída: passa da ilusão de onipotência de criação de tudo para uma

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crescente aceitação da realidade externa. Esse espaço potencial não tem fronteiras definidas,

tratando-se de uma área de jogo, que tece nossa realidade.

Segundo Winnicott (1971/1975d), é nesta zona de experimentação intermediária que

se dá o processo de emergência simultânea do sujeito e do mundo entendido como ambiente

cultural compartilhado. Ao mesmo tempo gera a realidade interior e exterior. É nesse lugar

que acontece o brincar, o jogo sem regras, desde que existam as condições favoráveis. Para o

autor, esse espaço une e separa, ao mesmo tempo, a criança e seu ambiente, engendrando

isolamento e comunicação, solitude e presença, identidade subjetiva e alteridade cultural.

Ao brincar, a criança experimenta uma sensação delicada de prazer, de controle, em

que sua subjetividade emerge juntamente com os objetos reais. A criança brinca com a

realidade – o ambiente de confiança e sintonia que desfruta com sua mãe proporciona o

relaxamento necessário a esta experiência. A princípio brinca só, na presença da mãe. Esta

última experiência de ficar sozinha, na presença da mãe, lhe capacita para esquecer-se dessa

presença confiável, uma vez que pode ser contatada no momento que quiser.

A delicadeza da experiência do brincar da criança é percebida pela mãe que não

rompe com o dinamismo do brincar infantil. Brinca também só e com sua criança quando

esta está pronta para experimentar um brincar que não lhe é próprio, mas que pode ser

compartilhado. Daí poderá passar para o estágio mais avançado, ou seja, conseguir brincar só

– a mãe suficientemente boa (ambiente) está internalizada.

A confiabilidade e a previsibilidade da mãe proporcionam à criança a credibilidade

necessária no ambiente para que esta, finalmente, possa adquirir a capacidade de estar só,

isto é devido sentir a segurança necessária, para o seu viver.

2.4 O brincar criativo e sua carência

Quanto a esta parte, o brincar criativo, já foi tratado nas outras partes do trabalho. Por

esta razão, apenas são abordados alguns aspectos do mesmo.

Verificou-se anteriormente , segundo a teoria de Winnicott (1971/1975d) que, se tudo

corre bem, e isto significa entre outras coisas, a existência da mãe suficientemente boa que

possibilite à criança pequena a experiência de ilusão/desilusão, esta poderá constituir o

objeto transicional quando toma para si a fraldinha ou outro objeto qualquer em seu mundo,

apropriando-se dele.

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Ao criar o objeto transicional, a criança concebe sua primeira possessão não-eu, o

primeiro uso de um símbolo e da experiência do brincar, este último essencial porque através

dele consegue manifestar sua criatividade (Winnicott, 1971/1975d).

Winnicott (1962/1983c) ressalta em uma de suas obra, a importância do ser criativo,

da criatividade mesma que, por seu intermédio, pode-se ter sucesso numa busca maior, ou

seja, a do indivíduo pelo seu eu (self), podendo utilizar sua personalidade integral, existir

como unidade e portanto poder expressá-la: (...) eu sou, eu existo, eu adquiro experiências,

enriqueço-me (...) p.60. Quando o indivíduo, criança ou adulto, consegue reunir-se e existir

como uma unidade, alcança o viver total, onde tudo é criativo. Para tanto, faz-se necessário

uma condição essencial, a de relaxamento, só obtida se houver fidedignidade no ambiente.

A falta de confiança, previsibilidade e fidedignidade do ambiente acirra a ansiedade

e, por conseguinte, a organização de defesas. Nas crianças, Winnicott (1935/2000) destaca

especial atenção ao cansaço e à inquietação delas, que não conseguem dar conta da excitação

e da ansiedade que as afeta, através do brincar. Neste insucesso, transformam a excitação e

ansiedade sentidas em comportamentos inadequados e irritantes.

É bastante comum, inclusive nas crianças deste estudo, a presença de

comportamentos tais como agitação, perturbações do sono, do apetite, da eliminação, medos,

insegurança e animosidades. Segundo o autor (1935/2000), esta é uma forma intrapsíquica

de lidar com ansiedades que tem contrapartidas comportamentais.

Winnicott (1935/2000) compara a realidade externa com a realidade interna. Esta

também pareceu ser uma boa perspectiva para o estudo das crianças deste trabalho.

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3 METODOLOGIA

Esta parte do trabalho teve por objetivo a seleção das crianças e de suas famílias, a

elaboração do perfil demográfico de ambas, para obter-se uma apreciação geral dos

integrantes selecionados para a pesquisa. A seguir, foram explicitados os instrumentos de

coleta de dados. Para sua interpretação foram utilizados certos conceitos de Winnicott,

particularmente aqueles referidos no apoio teórico. Como comprovante da metodologia

empregada, foram apresentados dois estudos de casos, nos quais são utilizados os

instrumentos metodológicos previstos.

3.1 Integrantes da Pesquisa: criança e família

As crianças e seus familiares analisados neste estudo foram previamente selecionados

pelo próprio hospital e posteriormente pelos critérios de homogeneização utilizados na

pesquisa.

Primeiramente apresentam-se os critérios de elegibilidade dos candidatos a implante

utilizados pelo Centro de Pesquisas Audiológicas, no que se refere à Seção de Implante

Coclear do citado hospital. São eles considerados por Costa Filho, Bevilacqua e Moret (1996)

aperfeiçoados na atualidade, pelos dois primeiros autores, incluindo Amantine (2005) e

individualmente Moret (2005). Os mesmos são sintetizados por Magalhães e outros (2007), os

quais são aqui apresentados:

a) Tipo e intensidade do déficit auditivo

Há necessidade que o déficit auditivo seja de natureza neurossensorial, isto é,

identificado por distúrbios que provém das células ciliadas da cóclea, com alterações na

amplitude da audição e conseqüente ausência ou diminuição profunda da intensidade sonora e

da discriminação auditiva (Santos & Russo, 1991). Além disso, que sejam bilaterais e em grau

profundo.

b) Idade e tempo da privação auditiva

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Os dois primeiros anos de vida vêm a ser o período mais indicado para a cirurgia do

implante, uma vez que há maior plasticidade neural que facilita a reorganização cerebral a

novos estímulos e também pela necessidade da aprendizagem verbal no período previsto para

a aquisição normal da linguagem (de um a dois anos de idade). Segundo Moraes, Zeigelboin,

Bevilacqua e Jacob (2000), quanto menor for o tempo de privação auditiva, maiores são as

chances de conseguir-se adequada expressão e compreensão verbais.

c) Desenvolvimento saudável das crianças

Elas devem ser isentas de comprometimento acentuado de natureza cognitiva e

emocional, como são as acometidas de deficiência mental média ou profunda ou de autismo.

Estes quadros clínicos podem impedir a colaboração da criança na proteção da prótese, bem

como no uso das habilidades que proporcionam a aprendizagem verbal. Juntam-se a esses

critérios, as de deficiências motoras, como a criança que sofre de paralisia cerebral, cujos

movimentos abruptos podem arrancar a prótese e não apresentar condições para essa

aprendizagem.

d) Condições favoráveis dos familiares

Constituem também critérios de elegibilidade a motivação, compenetração e

disponibilidade dos familiares para acompanharem a criança na cirurgia e a orientarem no

processo da reabilitação, sobretudo na aprendizagem verbal. Também é propício que a família

nuclear conte com rede de apoio da estendida que, quando bem informada, constitui elemento

valioso na reabilitação da criança.

e) Recursos comunitários condizentes ao follow up da criança com I.C.

É importante a existência de recursos educacionais e de equipes inter-profissionais na

localidade na qual a criança selecionada e sua família nuclear residam ou em regiões

próximas e de fácil acesso.

Uma vez atendidas essas exigências é necessário prever um processo de intercambio

de informações entre os recursos escolhidos pelos pais e os da Seção de Implante Coclear do

referido Hospital.

Com respeito à pesquisa em foco, utilizaram-se critérios de homogeneização do grupo

de crianças e de seus pais ou representantes, resultando-se em dez conjuntos criança e família.

Nota-se que o respeito à individualidade é preservada nesses conjuntos. Complementa-se

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como critério, a faixa etária de maior expressividade lúdica que, segundo Bomtempo (2007)

corresponde ao período de quatro a seis anos.

São estes os seguintes critérios de homogeinização:

- da própria criança:

- ser usuária do I.C., no mínimo, por um ano;

- contar com a idade de quatro a seis anos;

- estar em tratamento no Centro de Pesquisas Audiológicas – Seção de Implante

Coclear, do citado hospital.

- da família:

- ser constituída pelos dois pais presentes no lar onde vive a criança;

- ter convivência regular com o pai que não mora com ela, no caso de separação dos

genitores.

Eliminam-se aqueles casos onde a separação dos pais da criança, prejudica a

convivência desta com um deles.

3.2 Instrumentos de coleta de dados

São especificados abaixo os seguintes instrumentos:

- Entrevista semi-estruturada com os pais, cujo roteiro apresenta-se no anexo nº1,

incluindo dados dos prontuário da criança no hospital.

- Observação lúdica participante para fins de rapport e conhecimento inicial da

criança.

- Administração e interpretação do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (1989).

Com relação ao roteiro da entrevista (anexo nº1), este é constituído de instruções e de

itens conceituais para a sua aplicação. Abrange dados sobre a história da deficiência auditiva

da criança, seu desenvolvimento psicológico, com ênfase nos distúrbios de comportamento e

suas áreas. Estes são considerados como reações inadequadas da criança que se mantém fora

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da idade e objeto de regressão, ambas situações responsáveis por dificultar o desenvolvimento

saudável da criança resultando em meios que prejudiquem o seu relacionamento,

especialmente com a figura que exerce a maternagem.

A respeito das crianças pré-escolares com implante coclear, encontram-se apenas

alguma bibliografia disponível. Mellon (2000) apontou como distúrbios de comportamento

em crianças com deficiência auditiva o isolamento, a impulsividade, o egocentrismo e a

esteriotipia. Este é um exemplo de trabalho efetuado com crianças que são privadas de

audição mas não se referiu à aquelas com implante coclear. Como outro exemplo, cita-se o

trabalho de Cariola (2006) que, por meio do Desenho da Figura Humana, segundo Koppitz,

detectou distúrbios como timidez, inibição e isolamento em crianças escolares. Estes são

trabalhos aproximativos, encontrados, mas não diretamente com crianças pré-escolares com

implante coclear, objeto do presente estudo.

São detectados os distúrbios em suas respectivas áreas. Note-se que esta classificação

foi obtida da experiência profissional da autora, especialmente dos casos estudados nesta

pesquisa.

Áreas: Distúrbios de comportamento

Linguagem: - atraso na expressão ou compreensão da linguagem verbal;linguagem infantilizada; dissonorização; dislalias;

emissão telegráfica na composição de frases.

Alimentação - seletividade de alimentos; falta de horários; inapetência; dependência dos demais para comer; lentidão; uso

inadequado de guloseimas; alimentação líquida e pastosa, fora de época.

Sono -agitação; bruxismo; parasonias; interrupções freqüentes; pesadelos; necessidade de companhia para dormir; falta de cumprimento nos horários de acordar e adormecer; sonolência frequente. Eliminação - enurese diurna e/ou noturna; dependência dos demais;

carência de condutas socializadas;

Manipulação - uso tardio da chupeta e de paninhos; chupar dedos;onicofagia.

Inter-relação - apatia; isolamento; dependência dos demais;

agressividade; indisciplina; teimosia; negativismo.

Medos: - pessoas (familiares, estranhos, médicos); do escuro; de

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figuras imaginárias; de situações novas; do hospital.

Ansiedade - crise de birra; irritabilidade; choro ou manhas freqüentes.

Ciúmes - dos irmãos; de outras pessoas; de um dos pais; dospróprios pertences.

Além dos dados pessoais da criança e da família desta, diretamente relatados à

pesquisadora, a entrevista apresenta conceitos em relação à criança x mãe, criança x pai,

criança x irmãos, e situações que podem alterar o desenvolvimento da família como: mudança

de domicílio, doenças, separação e conflitos entre genitores. Inclui também limitações e

concessões educacionais em relação ao filho com privação parcial ou total da audição. Além

do lar, há itens referentes à instituição educacional na qual a criança poderia frequentar.

Quanto à observação lúdica da criança, foram disponibilizados brinquedos diferentes

dos utilizados no Jogo Estruturado de Lynn, mas adequados ao período de vida da criança,

objeto de estudo.

Em relação ao Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (adaptado por Perez-Ramos em

1989), apresenta-se uma informação sintética e uma idéia do protocolo utilizado para sua

aplicação e interpretação. Trata-se de uma técnica de natureza lúdica apropriada a crianças

pré-escolares (4 a 6 anos) para verificar os desajustamentos mais leves em relação ao

ambiente familiar. Vale dizer, que a finalização das cenas propostas à criança, são livres.

O Jogo consta de várias cenas/situações incompletas, organizadas com diferentes

brinquedos que representam momentos da rotina da criança. Um dos critérios por que foi

escolhido este jogo é devido poder vir a ser um complemento da limitada linguagem verbal da

criança em foco. Este instrumento foi ainda escolhido por corresponder a utilização do lúdico

e também pela faixa etária da criança de 4 a 6 anos, período escolhido para a homogeinização

das crianças, como já foi referido antes.

O material lúdico que compõe o jogo consta de uma família de bonecos e de pequenos

móveis e brinquedos representativos da vida quotidiana. Com estes brinquedos, são montadas

diversas cenas, previstas nas instruções do instrumento, como as de dormir, alimentar-se, usar

o banheiro, acrescidas de cenas de jogos e brigas entre os pares, passeio dos pais e de

hospitalização da criança. Tais cenas são oferecidas a esta para que, através da dramatização,

complete-as. Ao iniciar o processo, oferece-se ao examinando (a) um bonequinho(a)

representativo de um(a) menino(a) do seu próprio sexo, o qual seria ele(a) próprio(a), a fim de

facilitar-lhe o envolvimento nas diversas situações preparadas. O formulário de aplicação das

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situações lúdicas (anexo nº2) consta de quadros destinados à anotação qualitativa e

quantitativa dos dados.

3.3 Comprovantes da metodologia: estudos de casos

A seguir são apresentados dois estudos de casos que comprovam o valor da teoria

empregada, bem como da metodologia e os instrumentos previstos para a presente pesquisa.

Informa-se que, os casos apresentados abaixo já foram publicados sucintamente, mas sem a

interpretação devida, por Magalhães e outros (2007) na Revista Academia Paulista de

Psicologia. Estes estudos de casos são retomados nesta pesquisa, ora com a análise

winnicottiana tanto em um caso em que se verifica falha no suprimento ambiental da criança

como no outro em que há um ambiente “suficientemente bom”.

CASO nº1 – A (abreviação do nome)

1) Dados da Entrevista e do Prontuário.

São estes referentes às informações em relação à criança, obtidos pela avó paterna.

Parte do início da gestação da paciente, passa pela história de sua deficiência auditiva, seu

processo evolutivo, os distúrbios de comportamento apresentados, entre outros. Prevê também

a obtenção de dados sobre o ambiente familiar e oportunamente sobre a instituição escolar na

qual a criança frequenta. São estes:

a-) Dados Pessoais

- da criançaNome: A (abreviação); idade 5;6 meses; sexo feminino; posição na família: filha única;

- da famíliaPai: técnico de segurança do trabalho; 31 anos; ensino médio completo.Mãe: auxiliar odontológico; 29 anos; ensino médio completo.

b-) Desenvolvimento da criança

Diagnosticada pela existência de: neuropatia no nervo coclear provocando perda

auditiva neurossensorial profunda. Não reagia aos sons domésticos, o que ocasionou conflitos

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entre os pais. O implante, efetuado no ouvido direito, foi realizado quando a criança tinha 2

anos e nove meses.

Gestação não planejada e nascimento prematuro com cinco meses e meio, pesando

oitocentos e sessenta gramas, permanecendo dois meses e vinte e um dias na incubadora, o

que ocasionou, já de início, perturbação na maternagem, especialmente devido ao período em

que a criança permaneceu hospitalizada em risco de vida.

Houve atraso no desenvolvimento psicomotor da criança, com compensação gradual

até os seis meses de idade. Alguns distúrbios de comportamento foram detectados atualmente,

a fim de verificar-se as condições emocionais da criança. Foram eles:

- linguagem: - dissonorizada, lambidacismo, dificuldade nadiscriminação de fonemas e na linguagem compreensiva.

- sono: - irregularidade no ritmo do sono, com frequentes períodos devigília.

- manipulação: - sucção frequente do polegar.

- inter-relação: - dificuldade de relacionamento com outras crianças, isolando-se delas e insistência na atenção dos pais para com ela.

- medo: - do escuro, de barata, de ficar sozinha.

-ansiedade: - crises de birra iniciadas ao redor de um ano e meio, o que veioprovocar atitude impositiva por parte da mãe;

- agitação e nervosismo, intensificados por ocasião dainternação hospitalar materna.

- ciúmes: - ciumenta e possessiva de todos no lar.

Estes distúrbios podem, em parte, ser explicados pela situação conflitiva da

maternagem, agravados pela instabilidade no lar, superproteção e rejeição à criança, o que

corroborou para o seu atraso em freqüentar um jardim da infância, fato que foi realizado

apenas quando a criança tinha quatro anos e meio.

c-) Ambiente na família e na instituição escolar.

A entrevista foi realizada com a avó paterna da criança, uma vez que a mãe estava

hospitalizada e o pai estava trabalhando e estudando. Devido à mãe estar doente já há algum

tempo, a maternagem, que era dividida entre a genitora e a avó paterna, ficou mais ainda

prejudicada.

A proximidade de moradia entre ambas facilitava a troca da “figura que exerce a

maternagem junto à criança” (Winnicott, 1971/1975). Com a intensificação da doença da mãe

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(anorexia grave), esta ficou hospitalizada durante um largo período, passando os cuidados da

criança à avó paterna. Pode-se perceber que essa criança ficou dividida na atenção que recebia

entre a mãe e a avó, situação em que ocasionava sentimentos ambivalentes para com estas,

devido em parte, às diferenças intergeracionais e culturais.

Por sua vez, o pai não era figura atuante na vida da criança, a não ser ocasionalmente,

quando a levava para passear. Sendo a filha diagnosticada com deficiência auditiva profunda

e indicada como candidata para realizar o implante coclear (I.C.) sendo que este manifestou-

se contra, o que gerou intensa situação conflitiva entre os cônjuges, manifestada,

oportunamente,, na presença da própria criança. A partir dessa época, a mãe adoeceu

gravemente e o pai, voltando a fazer faculdade no período noturno, ausentou-se mais do lar e,

por conseguinte, da paternagem.

Denota-se que o conflito entre os pais começou com o conhecimento do diagnóstico

da deficiência auditiva da filha, quando a figura paterna passou a rejeitar a esposa

sexualmente. A partir desse período, o pai passou também a rejeitar e depreciar a filha sendo

que a avó paterna, paulatinamente, foi assumindo a maternagem junto à criança, sendo esta

discrepante daquela exercida pela mãe. Nestas circunstâncias a genitora sentia-se mais rígida

e menos capaz do que a avó nos cuidados da criança. Usava da agressividade física para

impor-lhe disciplina. Com isso a freqüência à escola foi postergada. Atualmente a criança

frequenta a escola regular aparentando certas dificuldades na expressão e compreensão

verbais.

2) Observação da criança

A criança manifestou-se acessível ao atendimento da examinadora, além de mostrar-se

inquieta, sem limites na aceitação das normas, excitada, empregando linguagem verbal pobre

e solicitando constantemente a atenção da avó.

Este comportamento, segundo Winnicott (1971/1975) corresponde a regressão como

um desejo de dependência a uma época em que a criança se sentia segura pelo acolhimento

dos pais, resultando certo grau de confiabilidade e previsibilidade do ambiente no lar.

3) Avaliação e interpretação do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn

Com respeito ao Jogo Estruturado de Lynn, as cenas foram preparadas seguidamente,

em função das situações previstas no instrumento, nas quais a criança se envolveu com certa

facilidade, embora muitas vezes, solicitasse a atenção da avó que foi orientada a não

interromper as atividades lúdicas que a criança realizava.

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Em cada uma das cenas lúdicas apresentadas à criança, esta respondia utilizando-se

dos brinquedos, de acordo com o que lhe era solicitado, também com alguma verbalização.

Cada uma delas era anotada em formulário próprio para posterior análise do conteúdo

manifestado pela criança.

Cita-se o exemplo da cena 09 referente à arrumação para dormir, preparada por uma

cena composta de quatro camas, sendo uma de casal, outra de solteiro, um berço, o boneco

pai, a boneca mãe e a “boneca ego” (representando a própria criança). A examinadora oferece

os bonequinhos a criança e pede que os coloque para dormir, dizendo: -“É de noite, todos vão

dormir, o papai, a mamãe e a menina. Mostre-me aonde dormem e o que acontece”.

A criança colocou os bonecos pais na cama de casal e pegou a boneca-ego colocando-

a no meio deles. Posteriormente junta a cama de solteiro com a do casal e expressa:

-“E fica os tês, ali.”

Pode-se interpretar que a resposta da criança nesta situação corresponde a um desejo

intenso de estar e permanecer junto aos pais. Isto é explicado devido aos sentimentos da

criança frente ao afastamento destes (mãe hospitalizada; pai trabalhando durante o dia e

estudando a noite, o que faz com que permaneça distante do lar e, por conseguinte, da filha),

podendo indicar um bloqueio na maternagem.

Citam-se, a seguir, as interpretações de cada cena, em função dos dados da entrevista e

dos aspectos teóricos de Winnicott. Nas tabelas respectivas tem-se os dados quantitativos da

eleição parental (tabela 1) e da eleição de objetos (tabela 2) que reiteram a preferência da

criança por ambos os pais juntos a ela.

Avaliação pormenorizada do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (Caso nº 1).

Situação nº. 1A – Seleção entre berço e cama

A boneca ego (be) escolhe a cama; depois troca-a pelo berço. O boneco pai (bp) chega e pega a boneca ego (be) no colo.

Insegurança para aceitar o papel que lhe é próprio da idade. Na situação de dormir, ocasionalmente regride para fases anteriores no desenvolvimento. Prefere o pai e o carinho dele.

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Situação nº. 1B – Seleção de mamadeira e xícara ou copo

Escolhe primeiramente a mamadeira, depois a xícara e depois o copo, empregando-os ao be (ego). A boneca mãe (bm) chega e o be (ego) a abraça e fala “mamãe e papai, tô com saudade”.

Assume papel inferior à idade na alimentação e gradualmente vai alcançando a situação própria de sua fase de vida. Sente a ausência dos pais na rotina diária e quer o seu aconchego.

Situação nº. 2 – Seleção de amiguinho

A criança escolhe o boneco menino (bm) para brincar. Brincam “de rodando” (de rodar).

Preferência masculina de criança para brincar, mostrando-se envolvida na cena lúdica.

Situação nº. 3 – Briga

O be (ego) aparta a briga entre crianças e pede para pararem de brigar, quando então chegam os bonecos pais (bp e bm). A criança conta a eles que a menina machucou o menino.

Percebe brigas entre as crianças e intervém para apartá-las. A criança provavelmente associa a situação com conflitos entre os pais e interfere para pararem de brigar. Percepção da criança aos danos provocados pela briga.

Situação nº. 4 – Alimentação

A criança despeja o conteúdo da mamadeira na xícara e depois no copo e com a colher faz o gesto de comer e fala “papô tudo”.

A criança passa da fase de vida de criança menor à própria de sua idade. Utiliza da linguagem para explicar a cena lúdica.

Situação nº. 5A – Perseguição

O be (ego) é perseguido por ambos os bonecos pais (bp e bm), parando em frente à sua mãe e diz: "vai pegar".

Percebe a mãe como agressiva e impositora na disciplina. Emprega a linguagem para completar a cena.

Situação nº. 5B – Repreensão

A boneca mãe (bm) fala que a boneca menina (ego) é malvada.

Sente que a mãe lhe imprime um papel depreciativo. Uso da linguagem.

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Situação nº. 6 – Relações Parentais

A boneca ego (be) não considera que os pais (bp e bm) estão conversando e vem para junto deles.

Necessidade de aconchego dos pais, mesmo nas situações de diálogo entre eles.

Situação nº. 7A – Saída dos pais

A boneca (ego) vai se esconder da “vovó (bm) e do papai (bp)” para eles poderem achá-la.

Brincadeiras: aceita o pai e a avó nas suas atividades lúdicas. Não se envolve na cena indicada.

Situação nº. 7B – Hospital

O papai (bp) vai ao quarto da criança (ego), na cama desta. Busca a menina e leva para a cama dos pais. Em seguida a mãe (bm) vai para a cama da menina. Depois o pai (bp) troca com a mãe. O pai (bp) leva a menina ao hospital, senta-se e espera que melhore, por acompanhamento verbal.

Inicialmente mostra preferência pelo pai, eliminando a mãe da situação, o que, posteriormente, é invertida a situação pela posse da mãe. Tem consciência da ajuda do pai, até quando está doente.

Situação nº. 8 – Eliminação

A criança (ego) faz xixi e cocô na privada.

Ambos os pais (bp e bm) chegam e colocam a criança (ego) na banheira.

Necessidade de acolhimento por parte de ambos os pais. Utiliza o papel de criança própria da idade na rotina diária de eliminação.

Situação nº. 9 – Arrumação para dormir

A menina (ego) vai para a cama de casal e fica no meio dos pais (bp e bm). Depois junta as camas e ficam os três ali, e a menina no meio deles.

Ela deseja a posse dos pais vivenciando situações de criança menor. Deseja o aconchego deles.

Situação nº. 10 – Pesadelo

Na situação de pesadelo, a menina (ego) vai para a cama dos pais, ficando no meio destes.

Busca os pais na sua situação de angústia, desejando o aconchego de ambos.

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Tabela 1 - Eleição Parental do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (J.E.B.L.)

Situações (Caso 1)

Sit.Pessoa

1ABerço

1BAlim.

3Briga

4Alim Liq.

5APerse

5BRepr.

6Rel Par.

7ASaída

7BHosp.

8Elim

9Dorm.

10Pesad.

Total

Pai X - - - - - - X X - - - 03

Mãe - - - - - X - - - - - - 01

Ambos - - X - X - X - - X X X 07

Outros - - - - - - - X - - - - 01

Total 1 - 1 - 1 1 1 2 1 1 1 1 11

Legenda: X existência / - não existência.

Tabela 2 – Eleição de Objetos do J.E.B.L (Caso 1)

Situações

Sit.Obj

1ABerço

1BAlimentação

4Alimentação Líquida

8Eliminação TOTAL

Berço X - - - 01

Cama X - - - 01

Mamadeira - X X - 02

Copo/Xícara - X X - 02

Prato - - X - 01

WC - - - X 01

Urinol - - - - 0

Total 2 2 3 1 8

Legenda: X existência / - não existência.

Analisando os dados das demais situações, incluindo a nº 9, observa-se uma

freqüência alta na preferência de ambos os pais nas situações que representam diretamente as

atividades da rotina diária. Estas circunstâncias confirmam a interpretação da existência de

um desejo de dependência da criança para com seus pais, conforme Winnicott (1971/1975).

No caso da eleição de objetos (tabela 2), a criança está dividida em sua preferência entre

aqueles próprios da idade em que está e aqueles de idades inferiores.

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As informações obtidas pelo brincar da criança neste Jogo, dão margem para verificar

a dependência desta, especialmente pela figura paterna. Nesse sentido ela manifesta medo e

ansiedade de ficar sozinha, distúrbios que se agravam no período de internação de sua mãe.

Quer ter exclusividade na atenção paterna, desejando até eliminar a mãe do seu convívio. Em

sua fantasia gostaria de ver os pais juntos e ela gozando da convivência destes.

Na realidade atual, a mãe passa por um quadro grave de depressão com internação

subseqüente. Sente-se incapaz de cuidar de si própria e também da filha. Na realidade é

agressiva e disciplinadora, utilizando-se de castigos físicos no trato com sua criança, o que

justificaria a preferência da criança pela figura paterna. O quadro de anorexia e depressão

profundas da mãe, com grave risco da própria vida, explica a atitude desta frente à vida e

consequentemente à filha.

Já o pai encontra-se ausente do lar na maior parte do tempo e não consegue aceitar o

implante coclear da filha e seus componentes visíveis. Como pontua Winnicott (1969/1999b),

muitas vezes aos pais deve ser dito que a aceitação pode vir com o tempo e que o amor não é

incondicional, mas comporta ambigüidades que alternam.

Atualmente a avó paterna estuda, com certas reservas, a proposta efetuada pela nora,

em assumir a guarda da neta, devido o estado doentio por que passa aquela. Com efeito, a

paciente não está encontrando a almejada estabilidade no lar, nem os cuidados contínuos e

seguros que, segundo Winnicott (1969/1999b) são condições necessárias para que uma

criança se desenvolva de forma apropriada. Não que o autor queira pais perfeitos, muito pelo

contrário, considera que as crianças necessitam de seres humanos à sua volta que tenham

êxitos e fracassos, mas coerentes, previsíveis para os próprios filhos, devendo ser

“suficientemente bons”.

No caso em questão, pode-se verificar um fracasso relativo no suprimento ambiental

desta criança, devido às deficiências em termos de confiabilidade, previsibilidade e certo

padrão de continuidade da linha da vida da criança. (Winnicott 1969/1999b, p. 151). O que

acontece então, é a busca, da criança, pela dependência – e isto possui significado.

A criança procura buscar no ambiente, a segurança de que necessita, em termos de

confiabilidade, acolhimento e afeto. Não encontrando estas condições para o seu

desenvolvimento, ela regride a fases anteriores deste, passando a ser mais dependente e

possessiva dos pais.

Ainda pode-se verificar que nessa busca acentuadamente regredida, a criança não está

livre para brincar independentemente. Necessita assegurar-se do que na realidade não tem – a

previsibilidade e a confiabilidade do ambiente, requerendo atenção por não se sentir segura.

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Conforme o teórico (1958/1983b), a criança não adquiriu a capacidade para estar só na

presença de alguém, o que requer a existência de mãe suficientemente boa e menos ainda

ficar realmente só.

Em síntese, pode-se afirmar que se trata de uma criança em busca da independência

relativa, mas que o suprimento ambiental não é satisfatório. Então regride rumo à

dependência absoluta, a fim de obter dos adultos a atenção afetuosa que necessita.

CASO nº2 – R (abreviação do nome)

1) Dados da entrevista e do prontuário:

a-) Dados Pessoais:

- da criançaNome: R (abreviação); idade 5;11 meses; sexo: masculino; posição na família segundo filho, com irmã de 10;5 meses.

- da famíliaPai: técnico projetista; 39 anos; ensino superior incompleto.Mãe: professora de magistério/do lar; 38 anos; ensino médio completo.

b-) Desenvolvimento da criança

A criança nasceu de parto normal, a termo e com Icterícia neunatorum, causa provável

da deficiência auditiva profunda bilateral, com dissincronia do nervo coclear, não reagindo

desde cedo a estímulos auditivos, sendo diagnosticado deficiência auditiva o que ocasionou

intensa insegurança por parte da mãe. O menino submeteu-se a cirurgia do I.C. tardiamente,

com três anos e nove meses, após três tentativas fracassadas devido não atender as condições

de saúde necessárias para tal. Apresentou desenvolvimento neuromotor normal. Com o uso do

I.C., passou a compreender, paulatinamente, a expressão verbal dos demais. A criança

demonstrou certa independência no brincar.

Alguns distúrbios de comportamento detectados:

- Linguagem verbal: - presença de sinais de surdez, afetando o contato verbal comos demais.

- Inter-relação: - autoritarismo, retraimento, brigas e agressividade frequentesem relação à irmã, egocentrismo.

-Medos: - medo do escuro e de figuras autoritárias.

-Ansiedade: - irritabilidade e nervosismo freqüentes.

-Ciúmes: - da irmã, em relação aos seus pertences; dos pais ao atender outra criança.

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Estes distúrbios podem ser explicados em parte devido à dificuldade de expressar a

linguagem verbal aliada à ansiedade de entender e se fazer entender, em parte devido à

educação permissiva dos pais ministrada à criança.

c-) Ambiente familiar e institucional

A entrevista foi realizada com a mãe da criança que, de forma calma, reservada e

interessada respondeu ao que lhe era solicitado. Demonstrou buscar informações que

pudessem auxiliar a criança, especialmente quanto a sua educação e uso da linguagem, como

meio de comunicação e interação com os demais.

A família nuclear constituída de dois filhos, sendo o examinando o caçula, morava

numa pequena cidade que não lhe oferecia os recursos profissionais necessários à reabilitação

auditiva. Embora a família estendida da criança ainda more lá, seus pais mudaram-se para

outra cidade de porte médio em busca de melhores condições para seu filho e, por

conseguinte, toda a família nuclear. Nesse sentido também efetuaram cursos sobre crianças

surdas e seu desenvolvimento, inteirando-se de progressos científicos como o do implante

coclear, como esperança de melhoria auditiva de seu filho. Isto proporcionou aos pais maior

segurança.

O ambiente familiar e conjugal é harmonioso e comprometido com o bem estar e as

necessidades dos filhos. Os pais têm boa aceitação da deficiência auditiva da criança e do

implante coclear, disponibilizando recursos para o contínuo tratamento fonoaudiológico.

A criança tem uma adequada convivência com a irmã, apesar de demonstrar certa

rivalidade em relação à atenção dos pais para com ela. Os pais têm dificuldades em impor

limites ao filho com deficiência e oportunamente utiliza castigos físicos à criança, como meio

disciplinar.

Pode-se perceber que a figura que exerce a maternagem junto à criança é a própria

genitora, tratando-se de mãe suficientemente boa, conforme os conceitos de Winnicott, já

abordados anteriormente. O pai é figura presente na educação da criança.

Denota-se que no ambiente do lar há um grau satisfatório de previsibilidade,

confiabilidade e continuidade da linha de vida da criança, condições estas que apontam para

um bom suprimento ambiental e a oportunidade para impulsionar o desenvolvimento da

criança.

Esta iniciou a freqüência na pré-escola com três anos de idade e permanece na mesma

até hoje. Apresentou boa adaptação desde o início, sendo que para isto tem contribuído o

acompanhamento da fonoaudióloga, que o atende, na escola. Denota-se que apesar das

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dificuldades auditivas, a criança participa, como qualquer outra, da educação familiar e

escolar.

2) Observação da criança

A criança manifestou-se, inicialmente, reservada e ao sentir-se segura passou a atuar

com maior liberdade e independência nas atividades propostas. Também demonstrou certa

tranqüilidade, pouco solicitando a ajuda dos demais. Suas produções gráficas estão de acordo

com sua idade, também utilizando de algumas palavras escritas, inclusive seu nome.

3) Avaliação e interpretação do Jogo Estruturado com Bonecos, de Lynn

Durante a aplicação do Jogo, aceitou-o com naturalidade, participando das cenas de

forma livre e espontânea. Os resultados revelam independência na sua rotina diária e também

no uso da liberdade para brincar. Na situação 7ª - Saída dos pais, extra limitou-se,

desobedecendo e percebendo a debilidade dos pais na imposição da disciplina filial.

Demonstra claramente perceber a fraqueza disciplinar dos pais encontrando aí a oportunidade

de escapar-se de seus controles. Percebe o pai afetuoso, mas controlador do seu

comportamento. Quando isolado por castigo, aceita-o naturalmente.

Cita-se o exemplo da situação 5, a da perseguição, do Jogo Estruturado de Lynn,

preparada por uma cena composta do boneco pai, da boneca mãe e do boneco ego. A

examinadora oferece o boneco ego a criança diz: -“ O papai, a mamãe ou os dois correm atrás

do menino. Qual deles corre? Por que faz(em)? O que acontece? Mostre-me”.

A criança pega o boneco ego e dramatiza a fuga dos bonecos pais dizendo: -“Ele não

que. Que brinca com amigos” e pegando os bonecos pais fala a estes:-”Fraquinho e

fraquinha.” Esta situação vem comprovar a percepção da criança em relação a debilidade das

normas disciplinares a ele dirigidas e o desejo de independizar-se. Essa situação de acordo

com Winnicott (1971/1975d) pode representar o desejo e a direção da criança rumo à

independência, muito embora os pais não estejam preparados, neste momento, para

oportunizarem estratégias para o bom uso da liberdade.

A seguir, encontram-se as interpretações de cada situação/cena, em função dos dados

da entrevista, de observações do comportamento da criança feito pela pesquisadora e dos

aspectos teóricos de Winnicott.

Posteriormente, apresentam-se os dados quantitativos da eleição parental (tabela 3) e

da eleição de objetos (tabela 4).

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Avaliação pormenorizada do Jogo Estruturado com Bonecos, de Lynn (Caso nº 2).

Situação nº. 1A – Seleção entre berço e cama

A boneca ego (be) escolhe a cama para dormir em vez do berço. Chega o boneco pai (bp) e a boneca mãe (bm). "Vão dormir na cama com a criança", diz o examinando.

Inicialmente se mantém na fase de vida em que está. Na presença dos pais infantiliza-se, o que é alimentado por eles (a criança é colocada na cama pelos genitores).

Situação nº. 1B – Seleção de mamadeira e xícara ou copo

A be (ego) escolhe a xícara e bebe.Os bonecos bp (pai) e bm (mãe)

chegam.O be continua bebendo leite na

xícara.

Independência nos hábitos alimentares e sem mudança na presença dos pais.

Situação nº. 2 – Seleção de amiguinho

O be (ego) escolhe o boneco do mesmo sexo para brincar. Brincam com carrinhos e pulam.

Preferência masculina para brincar. Brinca bem com outras crianças.

Situação nº. 3 – Briga

O be (ego) vê duas crianças brigando, entra na briga e também briga e chuta. As crianças brigam porque “são nervoso, são bravo”, explica o examinando.

Chegam os bonecos pais. O bp (pai) vai dar uns tapas nas três crianças. O be (ego) foge.

Manifesta comportamento agressivo com outras crianças, o que é reprimido fortemente pelo pai. O menino procura se defender da represália agressiva paterna.

Situação nº. 4 – Alimentação

O be (ego) toma “toddy” na mamadeira e come comida no prato.

Utiliza das vantagens de criança menor e dos privilégios da maior.

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Situação nº. 5A – Perseguição

O be (ego) e uma boneca menina brigam e a boneca "cai no rio".

O be (ego) “queria pegar, mas não conseguiu”. O bp (pai) perseguiu o be (ego) pois “ia dar uns tapas e queria prender ele”.

O pai é a pessoa que o reprime fisicamente, especialmente no comportamento agressivo. Briga entre companheiros e quer ajudá-los. Defende-se da agressividade paterna.

Situação nº. 5B – Repreensão

O bp (pai) fala que o be (ego) é malvado porque “ele bateu na colega dele”.

O pai é a figura que julga e condena a agressividade manifestada pela criança.

Situação nº. 6 – Relações Parentais

O bp (pai) e a bm (mãe) estão conversando que o be (ego) pergunta se "já podia sair do castigo”.

Os pais são as figuras repressoras que o castigam e o liberam deste quando ele obedece.

Situação nº. 7A – Saída dos pais

O bp (pai) chega e pergunta: -“ O que você está fazendo?” - Xixi, responde o be (ego).

O bp (pai) fala: “Se você tá com fome, vai comer”.

O be (ego) vai tomar banho no chuveiro e o bp (pai) fala: -“Tá tomando banho, filhinho? Tá fazendo o que aí?”. Ao que o be (ego) responde: “To tomando banho”.

Percebe o pai presente como inquisidor e controlador como quanto a suas atividades rotineiras.

Situação nº. 7B – Hospital

O be (ego) vai para a cama dos pais e fala que está doente. Os pais dão remédio. O be (ego) volta para sua cama.

Quando doente/indefeso, procura a atenção dos pais. Parece utilizar da doença para obter a atenção dos seus genitores.

Situação nº. 8 – Eliminação

O be (ego) faz xixi em pé no vaso e cocô na privada.

Independência nos hábitos de eliminação, com comportamento próprio da idade.

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Situação nº. 9 – Arrumação para dormir

O be (ego) dorme em sua cama e com os bonecos pais.O “filhinho dorme mais”. Os pais acordam e vão dormir na cama deles.

Aceita em termos a separação de ambiente para dormir; dependência alimentada pelos pais.

Situação nº. 10 – Pesadelo

O be (ego) tomou café. Parece não entender o que lhe foi pedido.

Tabela 3 – Eleição Parental do J.E.B.L (Caso 2)

Situações

Sit.Pessoa

1ABerço

1BAlim

3Briga

4Alim Liq.

5APerse

5BRepr.

6Rel Par.

7ASaída

7BHosp.

8Elim

9Dorm.

10Pesad.

Total

Pai - - X - - X - - - - X - 03

Mãe - - - - - - - - - - X - 01

Ambos X X X X X - X - - X - - 07

Outros - - - - - - - - - - - - -

Total 1 1 2 1 1 1 1 - - 1 2 - 11

Legenda: X existência / - não existência.

Tabela 4 – Eleição de Objetos do J.E.B.L (Caso 2)

Situações

Sit.Obj.

1ªBerço

1BAlimentação

4Alim. Líquida

8Eliminação

TOTAL

Berço X - - - 01

Cama - - - - -

Mamadeira - - - - -

Copo/Xícara - X X - 02

Prato - - X - 01

WC - - - X 01

Urinol - - - - -

Total 1 1 2 1 5

Legenda: X existência / - não existência.

Analisando-se as reações da criança perante as situações, inclusive a de nº 5A,

observa-se alta freqüência na preferência de ambos os pais nas situações que representam as

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atividades da rotina diária e também no uso da liberdade e hospitalização. No caso da eleição

de objetos, a criança prefere aqueles próprios da idade em que está (ver tabela 4).

Comparando as tabelas dos dois casos, percebe-se que enquanto no primeiro caso a

criança deseja a dependência dos pais e regride a fases anteriores de seu desenvolvimento

onde encontrava certa confiabilidade e previsibilidade no ambiente, no segundo caso, trata-

se da inversão. A criança 2 deseja a sua independência e caminha rumo a ela com a

previsibilidade e confiabilidade que encontra num suprimento ambiental suficientemente

bom. Ao mesmo tempo a criança sente-se tolhida pelos pais que, estes sim, talvez devido a

deficiência auditiva do filho, não se independizaram após o estágio da dupla-dependência ,

como se espera.

________________________

Diante dessas considerações metodológicas, pode-se inferir que foram tomados todos

os cuidados possíveis para a seleção homogênea das crianças selecionadas, tanto em função

das variáveis que lhes concernem, como do ambiente em que vivem.

Além disso, as suas unidades tiveram como apoio teórico as idéias de Donald Woods

Winnicott e sua vasta contribuição bibliográfica. Dois estudos de casos foram comprovantes

da pertinência metodológica, uma vez que houve ineditismo no cruzamento dos fundamentos

teóricos winnicottianos com a prática de estudos de casos, incluindo os Jogos Estruturados

de Lynn (1989) pouco divulgado no Brasil.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fundamentado na adequação do apoio teórico e dos instrumentos metodológicos

selecionados para esta pesquisa, prosseguiu-se, com segurança, para as fases seguintes desta

investigação, isto é, para os resultados obtidos e sua discussão, bem como, as devidas

conclusões.

Realizou-se um perfil tanto da criança quanto do ambiente em que ela vive e em

seguida, um estudo da interdependência entre eles pelo brincar, fundamentado no enfoque

winnicottiano.

Comparando-se tais resultados com o apoio teórico previsto, pôde-se verificar a

convergência entre eles, ambos baseados em bibliografia atualizada e apropriada.

4.1 Análise demográfica

Estes dados dão uma idéia do perfil do grupo das dez crianças, objeto de estudo, onde

são utilizadas as variáveis: gênero, faixa etária, época e tempo de uso do implante coclear.

Quanto ao perfil da família, são estudados: sua composição, procedência, escolaridade dos

pais e ordenação filial.

No que se refere ao perfil das crianças, em estudo, foram analisados, primeiramente

sua faixa etária e gênero. Os dados referentes se apresentam na tabela 5.

Neste estudo resolveu-se integrar as duas variáveis acima citadas (gênero e faixa

etária), as quais já foram, isoladamente, estudadas em um trabalho realizado sobre crianças

com implante coclear efetuado por Magalhães e outros (2007).

Tabela 5 - Faixa etária e gênero das crianças

Faixa Etária M F TotalFr

TotalFr %

4;0 – 4;5 1 1 2 204;6 – 4;11 1 - 1 105;0 – 5;5 2 1 3 305;6 – 6;0 2 2 4 40

Total 6 4 10 100Legenda: M: masculino / F: feminino

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A análise da citada tabela demonstra que o grupo de crianças estudadas se concentra

nas idades entre 5 e 6 anos, quase não havendo diferença de gênero, digna de nota. Observa-

se a mesma tendência na freqüência de ambos os sexos e também pouca diferença em seus

totais, o que leva a eliminação da variável gênero. Acrescenta-se a informação de que para

este estudo, o mais importante é o processo evolutivo da criança em seu ambiente. O apoio

teórico desta pesquisa, cujo autor é Donald W. Winnicott, privilegia o processo evolutivo da

criança em seu contexto ambiental, sendo que no estudo dele, não encontrou diferença

significativa entre gênero (1971/1975d).

O processo evolutivo dessas crianças, sofre interferências desde o nascimento, pelo

quadro de surdez total e posterior cirurgia do I.C., bem como sua reabilitação através de uma

equipe interprofissional (psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, otorrinolaringologista,

entre outros).

As tabelas 6 e 7 e gráficos correspondentes indicam dados referentes às variáveis

citadas:

Tabela 6 - Época da cirurgia do I.C., por faixa etária

Época do implanteCrianças

Fr Fr%1,1 – 2,0 2 202,1 – 3,0 4 403,1 – 4,0 3 304,1 – 5,0 1 10

Total 10 100

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Gráfico 1 – Época da cirurgia do I.C. por faixa etária

Analisando a idade da criança na qual foi efetuada a cirurgia, pode-se verificar que a

maior freqüência delas se situa nas idades entre 2 a 4 anos. Note-se que a atual exigência para

o candidato realizar a cirurgia de I.C., no hospital referido e quanto a faixa etária, corresponde

ao primeiro ano de vida da criança, explicável devido a maior plasticidade neural e menor

tempo de privação da criança no mundo dos sons.

Vários fatores explicam o por quê da cirurgia ter sido efetuadas após os dois anos de

idade da criança: interrupções da realização desta cirurgia no respectivo hospital,

intercorrências clínicas das próprias crianças, conflitos familiares e outros.

Uma variável que pode ajudar o processo evolutivo da criança é o tempo em que ela

se utiliza do implante. Neste período, ela começa a conhecer os meios pelos quais pode

beneficiar-se do uso do aparelho: o novo acesso ao mundo dos sons e o inicio de sua

aprendizagem verbal como também dos relacionamentos permeados por esta. Por outro lado,

estes benefícios conduzem a algumas exigências e limitações: uso diário do componente

externo do I.C. para possibilitar a audição; certos cuidados para a preservação do aparelho, o

que pode, inicialmente, constituir-se em certas limitações no comportamento da criança, como

no brincar ativo (correr, pular) e em certos cuidados com a própria saúde audiológica (Costa

Filho, Bevilacqua & Amantini 2005).

Essas atitudes trazem em si, sentimentos contraditórios na própria criança, uma vez

que auxilia na sua audição, mas limita o seu comportamento até mesmo no lúdico, e no

aspecto estético, que lhe é estranho devido ao uso do componente externo do I.C.. Como

Winnicott (1971/1975d) explica, que o processo de tornar-se capaz de aceitar diferenças e

similaridades nunca é finalizado e traz tensões, cujo alívio se dá numa área intermediária do

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ser humano (nem dentro, nem fora) onde o brincar ocorre, facilitando a oportunidade para a

criança aceitar a realidade.

Tabela 7 - Tempo de uso do I.C., por faixa etária

Tempo de uso do I.C.,por faixa etária

CriançasFr

Tempo deFr%

0,1 – 1,0 1 101,1 – 2,0 3 302,1 – 3,0 5 503,1 – 4,0 _ _4,1 – 5,0 1 10

Total 10 100

Gráfico 2 - Tempo de uso do I.C., por faixa etária

Da tabela 7 e gráfico 2, pode-se verificar que a maior freqüência do uso do implante

corresponde ao período de um a três anos, onde se espera que, salvo diferenças individuais,

neste período, a criança já deveria estar familiarizada com o componente externo do I.C. e sua

manutenção.

Em relação ao perfil do ambiente familiar, constata-se que, embora a presença do pai

na vida da criança tenha sido um dos critérios exigidos para a aceitação desta no programa

I.C., tem-se que em cinqüenta por cento dos casos estudados houve a separação dos pais, com

deserção da figura paterna. Este dado corrobora com a inferência, que necessita de

investigação comprobatória, de que a ferida narcísica dos pais, ao ter um filho com

deficiência auditiva profunda, agregado a outros fatores dificultadores e inerentes, constituem

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um grave abalo no esquema familiar até então estabelecido. Com a separação dos pais, é

esperado certo prejuízo no contato diário da criança com a figura paterna.

No entanto, como um ponto positivo a ser focalizado, é a escolaridade de ambos os

pais, o que se pode verificar na tabela 8.

Tabela 8 - Escolaridade dos Pais

Grau de Escolaridade Pai Mãe Total Total

Fr Fr %Fundamental 1 1 2 10

Médio 6 7 13 65Superior 3 2 5 25

Total 10 10 20 100

Com relação aos dados da tabela 8, nota-se que quase não há diferença quanto à

escolaridade de ambos os pais, apenas uma leve superioridade paterna quanto ao terceiro gráu.

A maioria deles (pai e mãe) se situa no nível do ensino médio (65%), cujo conhecimento

poderá facilitar a compreensão da problemática da criança e sua reabilitação, evitando até a

interferência de fatores de risco sociais, conforme Azevedo, 2006 (In Bomtempo, Antunha &

Oliveira):

As crianças em situação de risco social, no geral, são provenientes de famílias

desestruturadas, marginalizadas pela sociedade e que vivem em precária condição

econômica e social (p.144).

Quanto à constituição familiar, esta é identificada pela tabela 9, que aponta a

quantidade de filhos que as famílias estudadas possuem.

Tabela 9 - Número de filhos nas famílias estudadas

Número de Filhos FamíliasFr Fr%

1 filho 6 60 2 filhos 2 203 filhos 2 20Total 10 100

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61

Gráfico 3 – Nº de filhos nas famílias estudadas

A tabela 9 e gráfico 3 indica alta freqüência de filhos únicos nas famílias em questão.

Complementa-se com a informação de que em uma das famílias com dois filhos, a criança

com deficiência auditiva é a caçula. A outra também com dois filhos, segundo a fala da

própria genitora, esta quis ter mais um filho para saber como é ter uma criança normal. Estas

informações são indicativas de que algo deva estar acontecendo nesses ambientes familiares,

para justificar a limitação do número de filhos e que pode ser devida a interferência do

aparecimento da deficiência auditiva em um deles.

Estuda-se em que ordem as crianças em foco situam-se nas respectivas famílias (tabela

10).

Tabela 10 - Ordenação filial nas famílias

Ordenação FilialCrianças

Fr Fr%Primogênito 1 10

Do meio 2 20Caçula 1 10Único 6 60Total 10 10

A ordem do nascimento dos filhos, nas famílias estudadas, constitui também uma

variável comprometedora da sua constituição. À alta freqüência de filhos únicos (60%),

incluem-se todos os demais casos assim resumidos: o primogênito que tem a deficiência

auditiva, sua mãe quis mais um filho, como já referido, para ter um normal; o caçula com

deficiência auditiva profunda, por si só aponta que seus pais não tiveram mais filhos após

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este; em um dos casos em que o filho do meio apresenta surdez profunda, a gravidez

posterior deu-se antes do conhecimento do diagnóstico da deficiência no filho anterior; no

outro caso, a terceira gravidez deu-se num período de conturbação familiar com posterior

separação do casal. Esta variável de ordenação filial é considerada por Winnicott em seus

estudos de casos, como se expressa no livro O Brincar & a Realidade (1971/1975d),

considerando a posição da filha caçula como variável incidente.

Outro fator que deve ser levado em consideração é a procedência da família da criança

com implante.

Tabela 11 - Procedência das Famílias

Procedência (Estado)

FamíliasFr Fr%

Goiás 1 10Minas Gerais 5 50Rio de Janeiro 1 10

São Paulo 3 30Total 10 100

Gráfico 4 – Procedência das Famílias

Conforme a tabela 11 e gráfico 4, observa-se que apenas três famílias das crianças em

foco vivem no Estado de São Paulo, mas não na cidade em que está localizado o hospital

referido. As outras procedem dos Estados circunvizinhos que, apesar de pertencerem ao

mesmo país, guardam diferenças culturais entre si. Esse componente cultural é enfatizado por

Winnicott (1971/1975d) que o considera como um elemento proeminente na vida do ser

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humano, não podendo ser dicotomizado desta. As famílias em referência, empreendem longo

percurso, para atender as exigências advindas da cirurgia e follow up, fator que interfere no

processo interno de crescimento da criança (Winnicott, 1969/1999b, p.148) e também em seu

ambiente familiar, muito embora os períodos de atendimento restrinjam-se em poucos dias.

Como síntese da comparação entre os dois perfis, criança e ambiente, percebe-se que a

deficiência auditiva profunda dá origem a uma situação de crise familiar, demandando ou

acarretando um processo de reorganização da criança, dos pais e toda a família, o que motiva

a análise de comportamentos específicos decorrentes tanto da criança como da família e a

inter-relação entre ambas.

4.2 Resultantes da interação de dados: criança-família

De um lado, consideram-se os distúrbios de comportamento da criança e de outro, a

maternagem, como indicadores da relação mãe-criança. Posteriormente, serão analisadas

situações decorrentes da rotina diária em que as crianças e suas famílias estão inseridas.

Os distúrbios de comportamento que as crianças apresentaram na convivência com

seus familiares, foram retirados das informações obtidas da entrevista com a mãe e, por vezes,

decorrentes da observação da criança, efetuada pela pesquisadora.

Tais distúrbios, aqui apresentados, foram classificados por áreas, a fim de facilitar o

estudo dos mesmos nesta pesquisa. Winnicott (1954/1990) referiu-se à necessidade de

classificação dos distúrbios menores da criança, o que a bibliografia disponível esboça essa

tendência.

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Tabela 12 - Áreas dos distúrbios de comportamento

Áreas dos distúrbios de comportamento

CriançasFr Fr%

Ansiedade 10 100Inter-relação 10 100Linguagem 10 100Sono 9 90Alimentação 7 70Manipulação 7 70Medos 7 70Eliminação 1 10Total 61 76

Gráfico 5 – Áreas dos Distúrbios de Comportamento

Analisando a tabela 12 e gráfico 5, verifica-se que todas as crianças, objeto deste

estudo, apresentaram maior frequência de distúrbios de linguagem , ansiedade e de inter-

relação. Os primeiros foram expressados por: dislalias, linguagem telegráfica e

dissonorização, o que já era esperado, visto estarem em processo de aprendizagem da

compreensão e expressão verbais. Percebeu-se que as crianças faziam grande esforço para

comunicar-se e inter-relacionar-se, o que era acompanhado e relatado pelas suas próprias

famílias (Minha filha faz frases com três palavras, agora). Vale ressaltar, que tais

comportamentos são próprios das fases anteriores, do processo evolutivo verbal. Só

constituem distúrbios com sua manutenção, em períodos posteriores, como é o atual. É

evidente que a aprendizagem verbal envolva vários processos, inclusive a superação de certas

dificuldades de inter-relação.

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65

Este quadro de distúrbios da linguagem, leva a acentuado quadro de ansiedade e

manifestações desta, como agitação, crises de birra e teimosia.

Estas idéias são apoiadas, em algum sentido pelos conceitos de Winnicott

(1954/1990), que conceitua os distúrbios menores como alterações do funcionamento corporal

associado com o emocional.

Seguindo, por freqüência, os distúrbios de comportamento, estão os de sono (90%),

ciúmes(80%), medos(70%) e de alimentação (70%).

Como se observou anteriormente, todas estas crianças manifestaram distúrbios de

ansiedade, o que corroborou para o aparecimento de outros mais, como os de sono e de medo.

Tem-se a considerar que a maior parte dessas crianças (60%) são filhos únicos, o que

facilita a possessidade deles , provocando crises de ciúmes de seus pertences e de familiares.

O mesmo acontecendo com os transtornos de alimentação, devido ao uso de guloseimas como

agrado, provocando inapetência e dependência dos pais para comer, o que prejudica a rotina

alimentar.

A todas as crianças desta pesquisa, foi necessário um período de adaptação ao uso e

manuseio diário da prótese externa do I.C., o que exigiu dela um esforço extra nesse sentido e

de sua família, um suprimento ambiental que a apoie nessas ocasiões. Nesse difícil processo,

as crianças, externalizaram tensões internas através de crises de birra, teimosia e outros

comportamentos comuns em crianças menores da faixa etária em que se encontravam (4 a 6

anos). Este quadro de ansiedade exacerbada, reflete o nível de tensões e de stress na criança, o

que é destacado por Winnicott (1969/1999b):

(...) o estresse pode ser descrito em termos de fracasso do suprimento ambiental, justamente onde a confiabilidade se faz necessária. (p.149)

Tabela 13 - Figuras predominantes para a maternagem

Figura predominante Família

Fr Fr%

Mãe 6 60

Mãe e Pai 2 20

Mãe e avó 2 20

Total 10 100

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Gráfico 6 – Figura predominante para a maternagem

A tabela 13 e gráfico 6 indicam que há maior prevalência da genitora na função da

maternagem, o que já foi confirmado por Winnicott (1971/1975d), embora este pontue que tal

função pode ser exercida por qualquer outra pessoa que se responsabilize pela criança. No

presente estudo, a maternagem se restringe a figura da mãe que é apoiada em dois casos pela

figura do pai e em outros dois, pela da avó.

Analisando os dados coletados sobre esse conceito, verifica-se que o ambiente (mãe)

conforme pontua Winnicott (1969/1999b) ou oferece oportunidade para o desenvolvimento da

criança ou o impede.

Tratando-se das crianças deste estudo, um dado relevante se apresenta: um período de

surdez intensa nos primeiros anos de vida, seguido pelo da cirurgia do I.C., o que facilita a

aprendizagem da linguagem compreensiva e expressiva daqueles que estavam destinados à

nunca ouvir. Por outro lado, conforme estudos e a experiência profissional da autora, a criança

é inserida num processo de aprendizagem que requer um tempo prolongado e esforço para a

aquisição da linguagem, o que muitas vezes frustra seus pais.

Este processo lento, gradual e custoso pode entrar em contradição com as expectativas

imediatas dos pais e vir a constituir um abalo no ambiente, tendo em vista que, a partir do

conhecimento do diagnóstico da deficiência auditiva, toda a família é atingida por esta

problemática (Costa Filho, Bevilacqua & Amantini, 2005).

Este fato em si mesmo, pode vir a ser um abalo em dois fatores importantes que

Winnicott (1969/1999) destaca nas suas contribuições: a confiabilidade e a previsibilidade do

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ambiente (mãe, abrangendo com isto a figura paterna, os irmãos, avós, a atmosfera do lar,

entre outros).

É importante lembrar que o autor (1969/1999b) não se refere à família como tendo que

ser perfeita, mas suficientemente boa para facilitar provimentos ambientais a seus filhos.

O que se pode concluir das famílias estudadas, na visão de Winnicott, é que algumas

ultrapassam o trauma inicial, ou seja, em nosso caso, aquele resultante do conhecimento da

profunda deficiência auditiva em um de seus filhos. Estas buscaram recursos que auxiliassem

o desenvolvimento de sua criança, o que consequentemente refletiu no ambiente do lar das

crianças com I.C., deste estudo. Outras, não conseguiram superar o trauma sofrido e os

conflitos resultantes destes e procuraram não a solução dos problemas, mas a fuga destes.

Realizaram o I.C., mas não aderiram ao tratamento, deixando que a criança utilizasse da

prótese a seu bel prazer. Com o surgimento dos problemas subsequentes, o núcleo familiar ou

se reorganizou ou se desestruturou, com a deserção de um dos pais. Isto não significa que não

possa haver a possibilidade de uma nova organização, com um suprimento ambiental

suficientemente bom, que, segundo Winnicott (1969/1999b), é imprescindível ao adequado

desenvolvimento da criança.

Frente a estes problemas, é justo que a criança e sua família tenham uma alternativa

favorável a sua saúde física e mental. O implante coclear pode ser uma alternativa viável se

resultar na aderência dos pais e existir uma mãe suficientemente boa que se responsabilize

pela maternagem desta criança. Ainda de acordo com as idéias de Winnicott, principalmente

na ênfase que dá à existência da mãe suficientemente boa, sendo aquela que fornece a

oportunidade para que ocorra o processo interno de crescimento da criança, uma vez que faz

ajustes em sua maternagem, conforme as necessidades desta. É também responsável por

oportunizar o primeiro brincar da criança, a constituição de sua primeira possessão de objeto

não-eu, ou seja do objeto transicional, que se traduz no primeiro brincar do seu filho.

Segundo o autor (1971/1975d), a criança quando brinca, sai do estado de passividade

para o de atividade, modificando com isto, a sua realidade externa.

Neste brincar, a criança pode representar as suas atividades da rotina diária, seus

sentimentos, desejos, tensões e também comportamentos que expressam as características do

seu viver.

Esta análise, pelo brincar, considerando a fase de vida destas crianças, é traduzida pelo

jogo simbólico, dramatizações, ou faz-de-conta, que traduz a realidade vivenciada por elas.

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Neste estudo utiliza-se do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (1989) para poder

analisar o dia-a-dia da criança, junto com o seu ambiente familiar. Tem sido ultimamente

utilizado por Magalhães e outros (2007) com colaboração da adaptadora deste instrumento.

4.3 Respostas obtidas na aplicação do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn (J.E.B.L.)

A fim de facilitar a análise das respostas lúdicas obtidas com a aplicação do referido

jogo, são apresentadas abaixo as cenas que o compõe, incluindo também uma delas (2) que foi

retirada por não ser aplicável à natureza da pesquisa. Seguem, as cenas propostas por Lynn

(1989):

• 1A- Dormir: berço ou cama

• 1B – Alimentação: mamadeira, xícara ou copo

• 2- Seleção de amiguinhos (excluída)

• 3– Briga entre pares

• 4– Alimentação : mesa posta ou mamadeira.

• 5A – Perseguição

• 5B – Repreensão

• 6- Relações Parentais

• 7A – Passeio dos pais

• 7B – Hospital,

• 8- Eliminação

• 9A- Arrumação para Dormir

• 10- Pesadelo

A tabela 14 apresenta o quadro geral da finalização das cenas apresentadas, excluindo

a cena 2 por motivos já referidos.

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Tabela 14 - Quadro geral das respostas no Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn

Observa-se que, pelos dados obtidos (tabela 14) que a figura materna por si só, conta

com freqüência diminuta, especialmente quando comparada a ambos os pais (alta frequência).

Estas diferenciações foram especificadas pela análise dos resultados das divisões em grupo,

segundo a natureza das respectivas cenas.

Seguindo em parte as divisões propostas pelo próprio Lynn (1989), foram elas

classificadas em três grupos: as referidas à eleição dos objetos, as que os pais prestam apoio à

criança e as demais que exploram as intercorrências entre pais/crianças.

No primeiro grupo, o da eleição de objetos, são incluídas as cenas 1A, 1B e 4. Os

resultados desta distribuição constam da tabela 15.

Tabela 15 - Seleção de Objetos – J.E.B.L.

Cenas

Objetos CriançasFr

CriançasFr %

1Aberço 7 70cama 1 10

berço/cama 2 20

1Bmamadeira 3 30copo/xícara 5 50mamadeira e copo/xícara

2 20

4mamadeira 2 20mesa posta 5 50

mamadeira e mesa posta

3 30

Na primeira cena (1A) observa-se que a maior parte das crianças apresentou

comportamento infantilizado, correspondente às condutas de criança menor ao escolher o

berço para seu boneco dormir (70%).

SituaçõesSit.Pessoa

1ABerço

1BAlim

3Briga

4Alim

5APerse

5BRepr.

6Rel Par.

7ASaída

7BHosp.

8Elim

9Dorm.

10Pesad.

Total

Pai 2 1 2 1 3 5 2 2 2 2 1 1 24Mãe - 2 - 1 1 1 - - 1 1 - 2 9Ambos 8 7 4 4 6 2 7 2 4 4 8 1 57Total 10 10 6 6 10 8 9 4 7 7 9 4 90

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Já em outra cena (1B), elas expressaram, em maior freqüência, condutas próprias da

idade, ao escolher o copo e xícara para alimentação, aumentando na terceira cena (4), a

posição ao nível da idade. Desta última escolha, pode-se inferir que a criança, sentindo-se

mais motivada ao observar uma situação organizada dos utensílios para alimentação, acende à

posição de criança pré-escolar (de 4 a 6 anos).

Nas três cenas ora discutidas, encontra-se certo número de freqüências nas duas

posições (berço/cama; mamadeira/copo ou xícara; mamadeira/mesa-posta). Essas duplas

escolhas poderão indicar insegurança por parte da criança, de não querer dispensar os

prováveis benefícios que recebiam quando menor e querer gozar daqueles próprios da idade.

Complementa-se, ao analisar qualitativamente estas cenas, que mesmo aquelas

crianças que apresentaram comportamentos próprios de sua idade em determinada situação do

jogo, por vezes voltavam a regredir em outras cenas, apresentando comportamentos próprios

de fases menores que a sua.

Este vai e vem comprova que as crianças estudadas, na sua maioria, sentem-se

inseguras, adotando comportamentos regredidos a estágios da sua vida em que encontravam a

segurança de que necessitavam. Como exemplifica Winnicott, no caso de uma criança, no

livro O Brincar e a Realidade (1971/975), este compara a evolução deste comportamento da

criança ao das marés, enchentes e vazantes, em que a criança tanto expressa comportamentos

regredidos, como avança para os de sua idade e vice-versa. Supõe-se que este vai e vem deva

ir diminuindo até se estabelecer no patamar das condutas próprios da idade, se o ambiente for

suficientemente bom.

Com respeito ao apoio dos pais nas situações como as de alimentação, de dormir, de

passeio deles, de hospitalização e de pesadelos, a tabela 16 indica, através de dramatizações

expressas pelas crianças, a eleição parental de apoio efetuada em cada uma das cenas

mencionadas.

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Tabela 16 - Eleição parental – Apoio – J.E.B.L.

CenasMãe Pai Ambos Total

Fr Fr%

1Aberço/cama

- 2 8 10 100

1Balimentação

2 1 7 10 100

4Mesa posta

1 1 4 6 60

7APasseio dos pais

- 2 2 4 40

7BHospitalização

1 2 4 7 70

9Ato de dormir

- 1 8 9 90

10Pesadelo

2 1 1 4 40

Total 6 10 34 50 500

Gráfico 7 - Eleição Parental – Apoio J.E.B.L.

A análise revela que nem todas as cenas foram respondidas na totalidade, mas de todas

elas, pode-se abstrair conteúdos significativos para este estudo.

Um aspecto que se destaca é a alta frequência de solicitação de ambos os pais, em

especial, no ato de dormir. Nesse sentido, recorre-se a Winnicott (1958//1983b) que analisa a

necessidade de determinadas condições para que a criança desenvolva a capacidade de estar

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só. Ainda segundo o autor, esta capacidade é um dos sinais mais importantes do

amadurecimento do desenvolvimento emocional da criança.

Com respeito à alimentação, apesar da pouca frequência de respostas na situação 4

(mesa posta), a escolha pelo apoio de ambos os pais, é alta, o que é um indicativo de que as

crianças, em estudo, ainda não se independizaram deles, evidenciando, com isto, que elas

ainda não desenvolveram a confiabilidade ambiental.

Em relação à cena referente ao hospital, que é uma situação presente na vida das

crianças estudadas, estas, em sua maioria, também solicitam ambos os pais para enfrentar tal

situação que, embora frequente, ainda lhes causa ansiedade e medo, necessitando da presença

acolhedora dos dois. O mesmo acontece, embora em menor frequência, com a cena de

pesadelo.

Como síntese da análise da tabela 16, pode-se inferir que estas crianças não

desenvolveram ainda a independência necessária para o seu viver, aspecto muito focalizado

por Winnicott.

Na rotina diária, como pontua Winnicott (1969/1999b), as crianças não necessitam de

pais perfeitos, mas aqueles que lhes fornecem um ambiente suficientemente bom para facilitar

um desenvolvimento emocional saudável ao filho. Com isto, é admissível que os pais, ao

educar sua criança, tenham que colocar limites e mesmo, repreendê-las. Com respeito ao

grupo de crianças e seus pais, objeto deste estudo, procurou-se verificar, através do Jogo

Estruturado com Bonecos de Lynn, como isto acontece.

Tabela 17 - Intercorrências entre pais e crianças – J.E.B.L.

PessoasCenas

Mãe Pai Ambos TotalFr

TotalFr %

3Briga entre pares

- 2 4 6 60

5APerseguição

1 3 6 10 100

5BRepreensão

1 5 2 8 80

6Interferência na

convivência dos pais

- 2 7 9 90

Total 2 12 19 33 330

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Gráfico 8 – Intercorrências entre pais e crianças – J.E.B.L.

Da observação da tabela 17 e gráfico 8, infere-se que nas intercorrências com os pais,

reveladas nas dramatizações alusivas, as crianças, em geral, percebem ambos os pais como

pessoas repressoras de seus comportamentos. É curioso que, quando a percepção é dirigida a

apenas um dos pais, a figura paterna é vista como repressora e a mãe é resguardada dessa

situação, isto é, apenas duas (20%) das crianças percebem a mãe como figura impositora.

_______________________

Os dados resultantes da aplicação do Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn revelam,

em síntese, que as crianças, na sua rotina diária, apresentam comportamentos regredidos e em

ensaios de vai e vem, não apresentando a confiança necessária no ambiente para alcançar e

permanecer numa fase mais evoluída, própria do seu desenvolvimento.

Apresentam-se dependentes dos pais e ao mesmo tempo os percebem como pessoas

repressoras. Quando citados pelas crianças, em separado, as percepções delas são bem

diferentes, como foi explicado anteriormente.

Segundo Winnicott (1960/1999a), os pais assumem plena responsabilidade e controle

da criança em seus primeiros anos de vida. Paulatinamente, ela vai desenvolvendo a

capacidade de compreender o ambiente que a cerca e os pais obtém certo alívio porque seu

filho cresceu, o bastante, para não necessitar dos controles deles, tornando-se mais

independente.

Trazendo esses enfoques para as crianças e seu ambiente, objeto deste estudo, pode-se

verificar que o quadro é justamente ao contrário: crianças dependentes dos pais com raros

avanços para alcançar o nível maturacional próprio de sua idade. Os pais seguem

controladores, em períodos que a criança não necessita mais da sua constante atuação.

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74

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Conclusões

Quanto às conclusões, estas serão limitadas ao próprio trabalho, sem elaborarem-se

generalizações, uma vez que este estudo se limita à natureza de amostra intencional. Assim,

de cada unidade que compõe a pesquisa, exceto a da introdução, extraem-se deduções

particulares, deixando-se para a segunda parte, algumas recomendações de caráter teórico-

prático.

Quanto à parte introdutória desta pesquisa, esta consiste em uma apresentação sintética

das diferentes fases do desenvolvimento do trabalho: apoio teórico, metodologia, resultados e

sua interpretação e, posteriormente, a unidade que ora se desenvolve. Optou-se por não incluir

bibliografia nesta etapa, porque a mesma é centralizada na do apoio teórico e também aparece

diluída nos temas em estudo, como a que se refere ao implante coclear e sobre o Jogo

Estruturado com Bonecos de Lynn. Dados comprobatórios da realização desta pesquisa e os

princípios éticos que permeiam sua realização são inferidos desta unidade em referência.

Diante destas deduções cientificas faz-se um chamado aos autores para a consecução

de novos trabalhos na área, resultante dos progressos científicos atinentes à saúde audiológica,

em investigações como estas.

Pode-se concluir que o objetivo da pesquisa foi atendido, ou seja, o de conhecer o

desenvolvimento da criança com implante coclear e o seu aprender utilizando-se do brincar,

na sua fase simbólica, mediante estudos de casos, nos quais se analisa o processo evolutivo da

criança/ambiente, em função do apoio teórico de Winnicott.

Deste contexto extraem-se conclusões específicas derivadas das unidades:

metodologia e resultados e sua interpretação, que são expressivas ao propósito deste trabalho.

1. O apoio teórico é integrado por quatro divisões. Da primeira, A relação: criança e

ambiente deduz-se que os princípios dessa unidade foram relevantes e permearam todo o

desenvolvimento da pesquisa. Como elemento diferencial, o autor compreende a criança

como uma pessoa inteira inserida no ambiente de cuidado que lhe é oferecido, enfatizando

sua singularidade, traduzidas por expressivas diferenças individuais. Esta consideração que

Winnicott faz à singularidade é fator de importância para as crianças e famílias deste trabalho.

Aqui se estendem aos movimentos utilizados, atualmente, sobre inclusão de crianças com

necessidades especiais no ambiente familiar, educacional e social. São exemplos de inclusão

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os que no presente estão sendo feitos pelas escolas, hospitais e até nas brinquedotecas, com

metodologias individualizadas e recursos lúdicos e pedagógicos adaptados para crianças com

necessidades especiais, como as que são enfocadas nesta pesquisa.

Na análise desses contextos, principalmente o da família com criança pequena, chama

a atenção as idéias de Winnicott sobre o ambiente que identifica como mãe, o qual inclui todo

o entorno da criança, em especial os pais com os irmãos e particularmente a mãe.

O autor pontua que o suprimento ambiental ou fornece uma oportunidade para que

ocorra o processo interno de crescimento, ou então impede que tal aconteça. Essas

diferenças são encontradas nos casos em estudo, onde a criança com deficiência auditiva

minimizada pelo implante coclear, ora segue aprendendo e superando dificuldades ou se

paralisa e regride a fases inferiores de seu desenvolvimento.

Quanto ao ambiente, separado para fins didáticos, este ou se organiza para vencer

vários entraves, inclusive os decorrentes da surdez (em sua criança e reabilitação oral desta) e

das condições do próprio meio familiar, ou se desestrutura e fragmenta como fuga a situações

de crise, podendo, também, se reorganizar após isto. Este princípio, que aqui se reitera, é

devido à sua importância nesta fase do trabalho.

A segunda unidade do apoio teórico, O brincar como elemento transicional, embora

esta não tenha sido utilizada diretamente no decorrer da análise do trabalho, foi de

fundamental importância para o entendimento do conceito de brincar, onde este se dá, ou seja,

num espaço de experimentação intermediário, entre a mãe (suficientemente boa) e a criança

pequena, bem como a constituição da primeira possessão (da criança) de objeto não-eu

(objeto transicional). Tudo isto está interligado ao desenvolvimento da criança que parte da

dependência absoluta (da mãe) para a relativa e após, rumo à independência.

Da terceira unidade, a importância do brincar, deduz-se que este é a própria saúde do

ser humano, essencial para o seu desenvolvimento. O conceito do brincar, que é o núcleo de

toda a pesquisa, se baseia no próprio verbo no infinitivo, dando a idéia do que se passa na

realidade: brincar é fazer, demanda um tempo e um espaço. Nesta atividade, a criança sai da

passividade e parte para a atividade, modificando a realidade e com isto, experimentando

certa sensação de prazer e controle.

Dentro deste contexto de atividade, caracterizado no brincar, decorreu a escolha do

Jogo Estruturado de Lynn (1989), por apresentar cenas com brinquedos, próprias da idade

das crianças estudadas (4 a 6 anos), para que estas brincando, terminassem as cenas a elas

propostas.

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Da quarta unidade, o brincar criativo e sua carência, verifica-se que certos conceitos

do brincar criativo foram aplicados no uso que a criança fazia ao completar as cenas do Jogo

Estruturado de Lynn. Percebia-se que elas, no brincar de faz-de-conta, eram livres para

dramatizar as respostas de cada cena, sendo que as mesmas sempre traduziam algo de sua

realidade.

Winnicott põe em relevo, na sua obra O brincar e a Realidade (1971/1975) o valor

que concebe a criatividade, uma vez que é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o

eu (self). O indivíduo-criança, ao nascer, parte de um estado de não-integração, atemporal,

aespacial, onde não há separação entre o finito e o infinito, entre o eu e o não eu, o tudo e o

nada, para viver uma série de experiências de confiabilidade, credibilidade e continuidade em

seu próprio ritmo e necessidade, passando a estabelecer certas integrações que nunca se

completam mas que fazem parte de uma busca maior, a do indivíduo pelo seu eu (self),

conseguindo reunir-se e existir como uma unidade, utilizando sua personalidade integral,

alcançando um viver total, onde tudo é criativo.

Em relação às quatro unidades escolhidas pela autora, referente ao apoio teórico,

deduz-se que os conceitos elencados de Winnicott com relação ao ambiente, tais como mãe

suficientemente boa, suprimento ambiental suficientemente bom,

confiabilidade/previsibilidade/continuidade no ambiente, cultura; por parte da criança

dependência/independência, maturação, stress, o brincar, o brincar criativo, entre outros,

foram amplamente utilizados na presente pesquisa, especialmente na unidade resultados e

discussão dos dados obtidos.

2.Quanto à metodologia, pode-se concluir que sua abrangência e variabilidade

facilitaram a inclusão de procedimentos científicos adequados a esta etapa da pesquisa, sendo

esta identificada como amostra intencional. Selecionaram-se devidamente, os participantes,

mediante dois grupos de critérios: um deles advindo do próprio hospital como garantia de

prognóstico favorável e o outro, para fins desta pesquisa, qual seja, homogeinização dos

grupos criança e família, embora constituía-se pequenos grupos.

O Jogo Estruturado com Bonecos de Lynn continua sendo utilizado no exercício

profissional e em pesquisas de autores americanos realizadas principalmente pelo casal Lynn,

e na atualidade por brasileiros, como a autora deste trabalho em pesquisas com crianças

privadas de audição, e no presente estudo, com as que fizeram cirurgia de implante coclear.

O conteúdo das cenas do Jogo foi concretamente destinado à rotina diária das crianças

no período de quatro a seis anos, consistiu em um material motivador devido a sua natureza

lúdica e que possibilita o brincar, senão dizer, o brincar criativo destas.

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A escolha deste instrumento foi um achado oportuno que possibilitou, além da

participação ativa e entusiástica das crianças, a integração com a teoria de Winnicott,

especialmente no que se referente ao viver delas e ao seu contexto familiar. Alguns momentos

do jogo foram dirigidos à convivência com os pares, outros ao ambiente familiar e à

experiência vivida no hospital. Neste brincar, a criança pôde expressar seus sentimentos,

afetos e medos na convivência diária com seus pais e algumas vezes outras pessoas.

A metodologia empregada foi efetiva dando lugar ao conhecimento integral da criança

e seu ambiente, oferecendo dados relevantes para conhecer o aprender e o brincar desta.

3. Dos resultados e discussão, extraíram-se conclusões expressivas com respeito ao

processo evolutivo da criança, em sua individualidade, caracterizada por pesquisa de campo e

em amostra intencional, como a presente. Foram efetuados perfis tanto das crianças como de

suas famílias, por dados quantitativos e também por informações obtidas da autora, no contato

direto com estes integrantes. Da análise das famílias, advieram conceitos de valor como a

limitação da prole centralizada em filhos únicos, e também naquelas com um maior número

de filhos, todas elas eram abaladas pela existência de uma criança surda em seu meio. O

conhecimento da possibilidade da cirurgia de implante coclear, abriu-lhes perspectivas mais

otimistas para esses lares comprometidos.

As famílias tiveram que se reorganizar perante aos novos desafios que a cirurgia e o

novo tratamento propiciavam a seu filho. Muitas delas se desestruturaram, e se fragmentaram

pela deserção paterna, o que requereu nova reestruturação destas, tarefa difícil mas não

impossível quando ainda há uma mãe suficientemente boa que está atenta em sua maternagem

ao filho que lhe requer cuidados especiais.

Os perfis serviram de base para interpretação do material colhido dos instrumentos

utilizados em cada caso. Desta integração, concluiu-se que o desenvolvimento de tais crianças

foi interceptado por um período de surdez profunda e pelos benefícios audiológicos obtidos

pela cirurgia de implante coclear e posterior follow-up, concorrente a aprendizagem verbal,

especialmente.

Os resultados afirmam que a criança apresenta padrão de comportamento inferior ao

de sua idade, quer pelos distúrbios de comportamento manifestados, próprios de criança

menor, quer pela dramatização de sua rotina através de cenas lúdicas do Jogo que lhe foi

apresentado. Mostram-se dependentes de um ambiente nem sempre acolhedor e

suficientemente bom, em fase regredida, mas com tentativas para alcançar um patamar próprio

de sua fase evolutiva. Nesses momentos regredidos, ela recebia acolhimento próprios de fase

anterior. Isto também ocorreu na época da realização da cirurgia, fase em que recebeu toda

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atenção dos seus familiares e dos profissionais do hospital que lhe prodigalizaram as atenções

necessárias ao cuidado que este momento exigiu.

Na atualidade, a criança tem que lidar com a ambiguidade de sentimentos oriundos do

uso diário dos componentes externos do implante coclear, uma vez que ao mesmo tempo que

possibilita ganhos em sua audição, de certa forma impõe certos cuidados com o aparelho que

a limitam no seu proceder e também a diferencia esteticamente dos seus pares, familiares e

outros.

Recomendações

1. Uma vez que esta pesquisa se ateve a amostra intencional, portanto sem

generalizações, fica para o futuro bem próximo alcançar este horizonte, mediante estudo de

variáveis populacionais, uma vez que, por informações diretas, o hospital registrou

recentemente mil casos de cirurgia de implante coclear. Contando com essa população,

poderão ser destacadas variáveis que servirão de apoio para pesquisas com amostras

estratificadas, tomando-se em conta os parâmetros encontrados na presente investigação.

2. Tendo em vista esta pesquisa que estudou exaustivamente dez crianças e seu

ambiente e que detectou certos problemas ainda não resolvidos, há necessidade de enriquecer

o follow-up que realizam com essas crianças e suas respectivas famílias no hospital onde são

atendidas, fornecendo informações e dados de real valor que podem complementar a

continuidade do atendimento interprofissional promovido por essa instituição. São oportunas

as reavaliações periódicas objetivando verificar o desenvolvimento da criança e a evolução do

meio familiar, se possível no mesmo referencial winnicottiano, como ferramenta auxiliar na

prossecução dos referidos casos.

Trata-se de crianças com necessidades especiais que necessitam integrar-se ao

movimento de inclusão educacional e social, podendo contar com o apoio de um hospital de

referência, no qual essas crianças e suas famílias são atendidas.

São recomendáveis estratégias de acessibilidade para facilitar o ajustamento das

crianças estudadas que, por certo, continuam em reabilitação. Acessibilidades estas, que se

iniciam no lar, procurando minimizar ruídos ambientais que possam prejudicar o iniciante

aprendiz auditivo, como também a disponibilidade de brinquedos com sons e vibrações

adaptados a especificidade de cada estímulo lúdico a ela oferecido.

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Neste caso, os pais e outros familiares devem ser instruídos no trato com sua criança,

objetivando uma comunicação apropriada que estimule a inter-relação desta com o ambiente.

Passa por isto, a aceitação dela com suas visíveis diferenças individuais, especialmente quanto

a suas limitações verbais presentes, em processo de aprendizagem e ao uso do componente

externo do implante coclear.

Tendo em vista que para a aceitação desta, há, muitas vezes, a exigência de quebra de

estigmas e barreiras, faz-se necessário um trabalho de cunho psicológico comprometido com a

inclusão educacional, social, familiar e cultural das crianças com necessidades especiais,

como as aludidas. Neste caso, sugere-se que o hospital em referência, através do Centro de

Pesquisas Audiológicas, promova cursos pontuais, presenciais e a distância, de

aperfeiçoamento aos profissionais que atendem estas crianças, suas famílias e instituições

escolares, como um programa de apoio, principalmente naqueles Estados dos quais provém

estas crianças. Tal recomendação tem sua viabilidade, uma vez que o hospital é escola e

proporciona cursos de aperfeiçoamento e de especialização, entre outros, possuindo

profissionais especializados e qualificados para operacionalizar essas recomendações.

A aceitação da criança com suas limitações, por sua família, evidentemente lhe

propiciará a segurança/confiabilidade/previsibilidade no ambiente de que necessita para a

integração do seu próprio eu (self) e consequentemente, o alcance de um adequado

desenvolvimento. Nesta linha de pensamento, tem-se que priorizar a aplicação de

determinados conceitos de Winnicott, como o suprimento ambiental suficientemente bom que

proporciona entre outras coisas, acolhimento, calor e afeto que a criança necessita. Tais

conceitos e outros foram introduzidos na pesquisa que ora se apresenta e devem ser

expandidos na prática profissional e em outros trabalhos que se realizem a respeito.

Nas instituições escolares, a começar pelo jardim da infância e no início do ensino

fundamental, os quais são recomendáveis às fases de vida na qual as crianças estudadas se

encontram, é fundamental ater-se aos mesmos cuidados recomendados ao lar no qual a

criança vive. Acrescentam-se certas recomendações como a colocação adequada da criança

em sala de aula de modo a facilitar-lhe a audição (a pessoa com deficiência auditiva percebe

melhor os sons que são emitidos diretamente a ela, na mesma altura e direção desta).

Um ensino individualizado é imprescindível para a integração de crianças como estas,

na aprendizagem do conteúdo escolar, atendo-se mais as suas habilidades do que em suas

limitações. Nestes casos, a integração não somente inclui o professor na sala de aula, como as

autoridades de ensino, funcionários da escola e principalmente os pares desses alunos.

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Anexo: nº. 1

Roteiro da entrevista

Recomendações:

O presente roteiro tem por finalidade orientar a realização de uma entrevista para fins

de psicodiagnóstico. É dirigida à mãe, ou a quem a substitua, de um pré-escolar submetido ao

implante coclear. Objetiva conhecer as condições psicológicas deste e especialmente as

derivadas da surdez, da(s) cirurgia(s) e dos resultados obtidos. Priorizam-se também as inter-

relações criança-família e vice-versa, a atitude dos pais perante o(a) filho(a) com a deficiência

e as condições ambientais em que a família vive.

Para que a entrevista seja efetiva aos fins a que se destina, são necessários

procedimentos de natureza semidirigida, utilizando-se de um esquema composto de palavras

conceituais para a sua condução. Consideram-se relevantes quanto à forma os seguintes

aspectos: a flexibilidade na entrevista; as características individuais da entrevistada; o

“rapport” que se estabelece com ela; a forma de estruturar as perguntas, sua ordem; bem como

o uso de linguagem coloquial adaptada ao nível cultural e estilo de vida daquela. Faz-se

necessário também explicar o que se pretende obter dela e da criança, os benefícios que

podem resultar da entrevista e de outros procedimentos que complementam a avaliação

contextualizada prevista.

Inicialmente, fazem-se perguntas mais simples e de maior motivação, de forma tal que

a entrevistada possa sentir-se à vontade, passando então, às mais delicadas e difíceis de serem

respondidas. Sugere-se também que sejam apresentados à entrevistada exemplos ilustrativos

dos benefícios resultantes de procedimentos como este, de forma a induzi-la a participar da

entrevista, com real motivação. Esclarece-lhe que os dados obtidos na entrevista, além de

contribuir para o desenvolvimento da sua criança, poderão auxiliar outras mais submetidas ao

implante coclear, sempre respeitando as normas éticas do sigilo profissional. Além disso,

poderão auxiliar na realização de estudos científicos para enriquecer o conhecimento na área.

Esta entrevista é um exemplo para o que se lhe solicita o consentimento livre e esclarecido.

O roteiro compreende as unidades referentes aos dados pessoais da entrevistada, da

criança e de sua família, a história do diagnóstico e tratamento da deficiência auditiva; o

desenvolvimento psicológico e distúrbios de comportamento da criança; e o ambiente familiar

e institucional. Incorporadas a essas unidades encontram-se outras divisões que incluem

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palavras consideradas como conceituais. Estas serão transformadas em perguntas no momento

da entrevista, cuja forma subordinar-se-á às condições pessoais da entrevistada, como também

a outras variáveis que possam conduzir a uma efetiva entrevista semidirigida e

individualizada.

Assim constituído, o roteiro segue uma estruturação que servirá para orientar a

realização da entrevista e ao mesmo tempo sistematizar os dados dela coletados aos que serão

acrescidos com informações obtidas do prontuário da criança matriculada no hospital,

constituindo assim, a anamnese.

2. Conteúdo do roteiro

Pessoa entrevistada: (mãe, pai, avó etc.) Data: ___/___/___

1 – Dados Pessoais

1.a – da criança

Nome (1º. nome, apelido ou sigla):

Data de Nascimento:

Idade:

Sexo:

Localização na constelação familiar (filho único, primogênito etc.)

1.b – da família

Nome do pai (1º. nome, apelido ou sigla):

Profissão:

Idade:

Escolaridade:

Nome da mãe (1º. nome, apelido ou sigla):

Profissão:

Idade:

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Escolaridade:

Filhos:

Número:

Idade:

Sexo:

Escolaridade:

1.c - Outros parentes que moram com a família:

2 – Em relação à criança

2.a – História da deficiência auditiva

– Origem/causa: genética ou adquirida; época do desenvolvimento da criança em quefoi descoberta a deficiência; conhecimento do diagnóstico pelos familiares e suasreações perante ele e a de outros membros da família (grau de parentesco).

– Implante Coclear (I.C.): idade da criança na cirurgia de I.C.; reimplante; preparo paracirurgia (participação da família e reação do examinando); aceitação e uso da prótesepela criança.

– Tratamento: Acompanhamento pela equipe interprofissional (médico, psicólogo, fonoaudiólogo)

– Outro(s) quadro(s) clínico(s) menor(es), associado(s): tipo; e tratamento.

2b – Desenvolvimento psicológico

– Nascimento: prematuridade, atraso no choro, peso e comprimento ao nascer. Primeiro ano de vida e fases posteriores.

– Linguagem; comunicação verbal ou mímica antes e depois da cirurgia; vocalizações;

balbucios; intenção comunicativa; uso de intermediários na comunicação; palavras – frases e sentenças.

– Socioemocional: sociabilidade, comunicação; participação na família; amizades; lúdico individual e/ou em grupo.

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– Psicomotor: controle de cabeça; sentar-se; engatinhar; andar, correr, saltar... e psicomotora fina: garatujas e desenho figurativo.

2c – Distúrbios de comportamento

– Linguagem: atraso na expressiva e/ou na compreensiva; linguagem infantilizadadissonorizada; dislalias; emissão telegráfica.

– Alimentação: seletividade; falta de horário; inapetência; dependência dos demais; lentidão; uso inadequado de guloseimas e de alimentação líquida.

– Sono: agitação; bruxismo; notilalias, interrupções freqüentes, pesadelos; necessidade de companhia para dormir; dificuldades para adormecer e acordar nos horários previstos; sonolência diurna.

– Eliminação: enurese diurna ou noturna; dependência dos demais; carência de condutas socializadas.

– Manipulação: uso tardio da chupeta e de paninhos; e de chupar dedos; onicofagia.

– Distúrbios de inter-relação: apatia; isolamento; dependência dos demais; brigas; agressividade; indisciplina; teimosia.

– Medos: pessoas (familiares, estranhos, médicos); escuro; figuras imaginárias; situações novas; do hospital.

– Ansiedade: crise de birra; irritabilidade; choro ou manhas freqüentes.

– Ciúmes: dos irmãos; de outras crianças; de um dos pais. Manifestação do ciúmes.

3 – Ambiente familiar

– Da família: inter-relações pai x criança, mãe x criança, irmãos x criança, pai x mãe.

Variáveis situacionais: mudanças de domicílio, nascimento/morte/doença na família; emprego/desemprego, separações e conflitos entre os genitores.

– Limitações educacionais à criança implantada: proibição para brincar inclusive fora do lar; cuidados excessivos quanto ao uso da prótese; limitação no uso de roupas. Inconsistência nas normas disciplinares; fragilidade e rigidez; castigos físicos na educação disciplinar.

– Concessões educacionais: dormir no quarto dos pais (na própria cama ou na cama dos pais); faltas à creche ou pré-escola sem motivo justo; atendimento a todos os

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desejos da criança; deixar fazer o que ela quer. Presentes mais freqüentes à criança com I. C. do que a outros filhos; flexibilidade na rotina diária; superproteção.

Nota: No caso de ter mais filhos, valem-se as mesmas normas.

4 – Ambiente institucional

– Creche, escola especializada, escola regular: isolamento, agressividade, amizades, dependência dos adultos, choro por sentir falta dos familiares. Freqüência, participação e desempenho.

Observações da entrevistada

Timidez, centralização nos problemas de ordem pessoal, respostas evasivas, nervosismo, cooperação, interesse por receber orientação etc.

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Anexo: nº. 2

Protocolo de Aplicação e Interpretação dos Dados –

Jogos Estruturados de Lynn

a) Análise Qualitativa:

Aplicação Interpretação

1 A – Seleção: berço ou cama

1 B – Seleção: mamadeira ou copo

2 A – Seleção: amiguinho(a) / brincar

3 – Agressividade / amiguinhos

4 – Alimentação

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5A – Perseguição

5B – Repreensão

6 – Relações parentais

7A – Saída dos pais

7B – Hospital

8 – Eliminação

9 – Arrumação para dormir

10 – Pesadelo

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b) Quadros para anotação quantitativa:

Quadro nº. 1 - Eleição Parental

Situações

GENITORES 1A 1B 2A 3 4 5A 5B 6 7A 7B 8 9 10 T

Pai

Mãe

Ambos

Quadro nº. 2 – Eleições de Objetos

Situações

OBJETOS 1A 1B 4 8 9 TOTAL

Berço

Cama

Mamadeira

Copo/Xic./Prato

W.C.

Urinol

Cama/Casal

Cama/Solteiro

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c) Integração dos Resultados

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Local e data Aplicador

São Paulo, de de

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Aracê Maria M. Magalhães