171
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL PROCAM LÚCIA LAURENTINA OMAR OS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMÔNIO CULTURAL NA ILHA DE MOÇAMBIQUE SÃO PAULO 2013

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

PROCAM

LÚCIA LAURENTINA OMAR

OS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMÔNIO

CULTURAL NA ILHA DE MOÇAMBIQUE

SÃO PAULO

2013

Page 2: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

LÚCIA LAURENTINA OMAR

OS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMÔNIO

CULTURAL NA ILHA DE MOÇAMBIQUE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Ciência Ambiental (PROCAM) da Universidade de

São Paulo para obtenção do título de Mestrado em Ciência

Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Euler Sandeville Júnior

Versão Corrigida

(Versão original disponível na Biblioteca da Unidade que aloja o Programa e Biblioteca Digital de Teses e

Dissertações da USP)

São Paulo

2013

Page 3: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

AUTORIZADA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÓNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA

Omar, Lucia Laurentina.

Os Desafios para conservação ambiental e patrimônio

cultural na Ilha de Moçambique/Lucia Laurentina Omar; orientador:

Euler Sandeville Júnior. – São Paulo, 2013.

171 f.; il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em

Ciência Ambiental) – Universidade de São Paulo.

1. Conservação ambiental. 2. Patrimônio Cultural –

Patrimônio da Humanidade. I. Título

Page 4: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

Omar, L.L. Os Desafios para conservação ambiental e patrimônio cultural na

Ilha de Moçambique. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre

na área de concentração em Conservação e Desenvolvimento Socioambiental.

Aprovado em: 01/03/2013

Banca Examinadora

Prof. Dr.____________________________________________________________

Instituição:____________________________Assinatura:_____________________

Prof.(a) Dr(a). _______________________________________________________

Instituição:____________________________Assinatura:_____________________

Prof.(a) Dr(a). _______________________________________________________

Instituição:____________________________Assinatura:_____________________

São Paulo

2013

Page 5: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

Dedico esta dissertação

Á minha mãe Mwamine Saide

À minha filha Neyd Zaina René Abílio

e ao meu marido

Ernesto de N. G. Mirasse Aquimo.

Page 6: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

“Esta ilha pequena, que habitamos

em toda esta terra certa escala

De todos os que as ondas navegamos

De Quíloa, de Mombaça e de Sofala;

E, por ser necessária, procuramos,

Como próprios da terra, de habitá-la;

E por que tudo enfim vos notifique,

Chama-se a pequena ilha Moçambique”

Luís Vaz de Camões

In: Lusíadas – 54

Page 7: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

AGRADECIMENTOS

Nenhum obstáculo é inquebrantável quando confiamos em Deus.

Eu agradeço a Deus por tudo.

Já há anos que sonhava em continuar com os meus estudos. Numa manhã de terça-

feira, em pleno sol escaldante de Agosto de 2009, na Ilha de Moçambique, uma moça colega,

funcionária do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, chamou: Lúcia! Tal como

sempre quis que as pessoas me tratem, ―tem um fax para ti vindo do Maputo‖, peguei no

papel que apenas tinha um parágrafo dizendo: ―Lucia Omar e (...) tem a oportunidade de se

candidatar para uma bolsa de estudo de Pós-Graduação, oferecida pela Fundação Ford...”.

O Fax tinha sido assinado pela Drª Célia Diniz. Na verdade, não sei como e porque o fax

mencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito carinho e

respeito dirijo o meu profundo agradecimento.

O meu muito obrigada a todos: os familiares, professores, amigos e colegas que, com a

sua boa vontade consegui atingir os objetivos pelos quais atravessei o Atlântico; os que

acreditaram em mim e que me ajudaram para que a presente dissertação se tornasse uma

realidade.

Meus agradecimentos vão:

Ao meu marido Liskay que, mesmo com apenas 30 dias de casamento, confiou,

apostou e me liberou para correr pelo mundo da ciência.

Ao meu orientador Prof. Dr Euler Sandeville Júnior, pela orientação,

acompanhamento;

À Professora Dra Sílvia Helena Zanizarto, pelas suas valiosas contribuições nos

Comitês de orientação e que pacientemente, pelo profissionalismo, pela orientação e pelos

conselhos e pela força que me fez acreditar que eu era capaz...

Às minhas amigas, colegas e irmãs em cristo, Mitiko, Tais e Kazue Yamamoto, pelo

amor, carinho, encorajamento, apoio e toda dedicação incondicional que me deram em cada

hora que estive no Brasil, sem as quais, as minha vida se tornaria tímida.

Aos meus professores do Mestrado, Prof. Drs e Dras Euler Sandeville Jr, Paulo

Antônio de Almeida Sinisgalli, Sónia Maria F. Gianesella, Sueli Ângelo Furlan, Yara

Shaefter-Novelli, Ana Paula Fracalanza e Rose Hikiji, pelos conhecimentos e experiências do

mundo científico que sabiamente passaram para mim.

Page 8: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

Às minhas amigas Priscila e Simone, que mesmo conhecendo as minhas dificuldades,

não desanimaram em me apoiar, encorajando-me e me fizeram acreditar que eu podia e devia

seguir em frente, obrigada pelo apoio incondicional. Obrigada Priscila, pelo amor, carinho,

paciência.

À Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental,

pela colaboração que me dispensaram em todas as fases meu trabalho.

Ao Prof. Dr. Orlando Cristiano da Silva, pelo apoio e encorajamento no processo de

elaboração desta dissertação;

Aos colegas do Grupo do Núcleo de Estudo da ―paisagem, Cultura e Participação

Social‖ da FAU/USP, Priscila, Simone, Larissa, Gabriela, Gabriel, Henrique, Rafael, Cláudia,

Melissa e outros, pela amizade, apoio incondicional e pelas tardes partilhadas no processo de

estudo e aprendizagem;

À Drª Cecília Moraes, pela amizade, força, encorajamento e, sobretudo, por me ter

transmitido a sua experiência de trabalho de campo na Brasilândia;

Ao Prof. Dr. Carlos Subuhana, pelo apoio incondicional no meu processo de

integração em São Paulo;

Agradeço à família Santana, por me ter incorporada na sua família e me ter dado o

amor, carinho, amizade, atenção e conforto habitacional em São Paulo;

Aos Colegas e amigos do Mestrado e Bolsistas da Fundação Ford, Drª Lídia

Mondlane, Lina Buque, Papucides Bosco Ntela e outros, pela amizade, força e

encorajamento;

Ao Luciano de Souza, Priscila, Júlia, técnicos acadêmicos da Secretaria de Pós-

Graduação de Ciência Ambiental – PROCAM, pelo apoio prestado enquanto aqui estudei.

Em Moçambique, os meus agradecimentos vão:

Ao Professor Catedrático Armindo Saúl Atelela Ngunga, pelo acompanhamento desde

os primeiros momentos de minha candidatura à bolsa de estudos até ao final desta caminhada

acadêmica.

À minha irmã Fátima Jonasse e meu cunhado Assale Jafar, por terem acreditado nos

meus sonhos e aceite ficar com minha e nossa filhinha Neyd René e feito dela uma menina

feliz.

À minha filha Ney, minha mãe Mwamine Saide e aos meus irmãos, Assane Jackson

Omar, Mateus Baptista Omar, Jaime Omar e Aweto (em memória), Antônio Omar, Rosa,

Luísa e Cássimo, e meus sobrinhos, e cunhadas, a todos, o meu muito obrigada;

Page 9: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

Agradeço ao Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, na pessoa do seu

Diretor, o Dr. Celestino Girimula, por ter acreditado em mim e dado apoio em todo momento

que o procurei.

Ao Arquiteto Jens Hougaard, pela sua disponibilidade e atenção dispensada na

indicação livros, artigos e diversos relatórios do tema em estudo;

Aos Drs. Rajabo Momade Chimalawoonga e Alexandre Antônio, pela força e pelo

apoio na preparação do trabalho de campo;

Mais uma vez, agradeço à Drª Célia Diniz, pelo saber e profissionalismo com que

liderou a African-American Institute, pela cortesia, amizade, humanismo, sensibilidade com

que resolvia as questões de seus bolsistas, respostas rápidas fosse qual fosse o meio usado, e

por todas virtudes;

A toda equipe técnica do Africa-America Institute em Maputo, vai o meu muito

obrigada.

À inesquecível Maria Blandina Barbosa, pela sua dedicação em manter-nos

permanentemente informada de todos os acontecimentos da nossa Pátria Amada –

Moçambique;

Ao International Fellowships Programe da Fundação Ford pela viabilidade da bolsa de

estudos, que tornou realidade um sonho que perdurava em mim há décadas, alocando recursos

necessários para suporte do mestrado;

Ao Ministério da Cultura e Direção Nacional da Cultura, pelo todo apoio.

E, por fim e não menos importante, mas o que considero a base desta dissertação foi

contar em primeira mão com o conhecimento que ao longo do tempo foi produzido, seja de

forma empírica, seja com métodos científicos. Aqui, pretendo referir aqueles com quem

interagi, Dona Flora Magalhães, Chehe Hafiz Jamu, Srs.Momade Ossumane, Amade Ismael,

Arquiteto Jans, Abdul, Abudo, Manuel Balança, Jovenato Mahimba, Dr Júlio, Dona Chamo,

Buanamade Martinho (em memória), mamã Pirice, mamã Ancha, tia Conceição, tia Maria,

Lúcia, Jonas, todos eles, conhecedores da área de estudo, e sem os quais o meu trabalho não

sei o meu trabalho teria sido possível realizar; é, pois, para eles que vão os meus sinceros

agradecimentos, como gesto de profundo reconhecimento pela sua contribuição e

acompanhamento obtidos durante quatro meses de trabalho de campo na Ilha de Moçambique

e que resultou nesta dissertação.

Page 10: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

À minha amiga Josefina Salência, minha intérprete nas entrevistas durante o trabalho

de campo. Ela me acompanhou nas marcações de entrevistas aos diferentes líderes

comunitários da Ilha de Moçambique.

Ao dr. Otávio Waite, pela disponibilidade de fontes primárias de Distrito da Ilha de

Moçambique para consulta, que sem as quais a presente dissertação seria incompleta.

Page 11: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

RESUMO

OMAR, Lúcia Laurentina. OS desafios para conservação ambiental e do patrimônio

cultural na Ilha de Moçambique. 171f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-

Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) Universidade de São Paulo, 2013.

O presente trabalho visa compreender e explicar práticas das populações da Ilha de

Moçambique relativas à conservação do patrimônio cultural e do meio ambiente. A ocupação

desordenada de espaços de habitação, a alteração da estrutura arquitetônica das moradias e do

material tradicionalmente utilizado para a edificação são algumas das práticas que contrariam

recomendações sobre a conservação de lugares que são definidos como Patrimônio da

Humanidade. Além de serem contrárias às normas preconizadas pelas políticas públicas sobre

a conservação ambiental e do Patrimônio Cultural Mundial, essas práticas têm implicações

diretas sobre o meio ambiente urbano e, consequentemente, a redução da qualidade de vida

dos seus habitantes. Nesse contexto, a presente pesquisa parte dos pressupostos de que as

clivagens que se verificam no contexto da conservação ambiental e do patrimônio cultural na

Ilha de Moçambique necessitam ser compreendidas para que seja possível pensar numa

conservação mais compatível com a compreensão da população sobre um bem que lhe

pertence. A pesquisa procurou analisar a origem dos problemas daí advenientes a fim de

propor alternativas de resolução e para atingir os objetivos preconizados, se valeu de pesquisa

bibliográfica e documental e de entrevistas semiestruturadas.

Palavras-chave: Conservação ambiental, Patrimônio cultural, Patrimônio da Humanidade.

Page 12: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

ABSTRACT

OMAR, Lúcia Laurentina. The Challenges for Environmental and Conservation of

Cultural Heritage in the Island of Mozambique. 171f. Thesis Master´s Dissertation –

Graduate Program of Environmental Science, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.

The present work intends to understand and explain some practices of the Mozambique Island

inhabitants regarding cultural heritage and urban environment conservations. Unordered

occupation of public free spaces due to, mainly, the expansion of houses; change of traditional

materials and the architecture structure are some of such practices which are against the

conservation of sites recommendations defined as Humanity Heritage. Apart from being

against the norms approved by the public authorities on the environmental and world cultural

heritage conservation, such practices have direct implications on the urban environment and,

consequently, reduce the life quality of the inhabitants. Thus, the present research presupposes

that the cleavages observed in environmental and cultural heritage in Mozambique Island

need to be understood in order to make possible to tune the kind of conservation with people´s

understanding of theirs good. With this aim, the research analyses the problems origins in

order to come up with possible solutions. The study has been based on bibliographical and

documental research as well as on semi-structured interviews.

Key-words: Environmental Conservation, Cultural Heritage, Humanity Heritage.

Page 13: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Vista aérea da Ilha de Moçambique – área de estudo. .............................................. 19

Figura 2- Localização da área de estudo. ................................................................................. 31

Figura 3- Características da Cidade de Macuti (Africana) e Cidade de Pedra e Cal (Europeia)

.................................................................................................................................................. 32

Figura 4- Dança Tufo. .............................................................................................................. 38

Figura 5- Dança Maulide. ......................................................................................................... 38

Figura 6 - Atividade pesqueira na Ilha de Moçambique. ......................................................... 42

Figura 7- Compradores e revendedores do peixe a espera do regresso dos pescadores. .......... 42

Figura 8- Manguezal preservado .............................................................................................. 44

Figura 9- Processo de degradação do manguezal ..................................................................... 44

Figura 10- Recuperação da área degrada de manguezal........................................................... 44

Figura 11- Salinas - área de produção do sal. ........................................................................... 44

Figura 12- Produção de alimentos na Ilha de Moçambique. .................................................... 46

Figura 13- Mulheres vendendo alimentos diversos nas bermas da praia, junto ao mercado do

peixe. ........................................................................................................................................ 46

Figura 14- Feira comercial realizada nas segundas feiras. ....................................................... 46

Figura 15- Feira comercial na Ilha de Moçambique................................................................. 46

Figura 16- Cruzeiros de turistas que geralmente fazem escala a Ilha de Moçambique entre os

meses de Julho/Outubro. .......................................................................................................... 47

Figura 17- Prática da medicina tradicional na Ilha de Moçambique. ....................................... 51

Figura 18- Imagens da situação precária das moradias da população da Cidade de Macuti. ... 57

Figura 19 - Precariedade de valas de drenagem a céu aberto. .................................................. 60

Figura 20 - Enchentes devido a impermeabilidade do solo urbano na Ilha de Moçambique ... 60

Figura 21- Poço de água caseiro, junto da vala de drenagem................................................... 61

Figura 22- Cidade de Macuti, princípios do Séc. XIX. ............................................................ 68

Figura 23- Mapa descritivo da Cidade de Macuti, 1957. ......................................................... 71

Figura 24- O estado de Conservação de alguns imóveis do patrimônio edificado na Cidade de

Pedra e Cal. ............................................................................................................................... 88

Figura 25- O estado de conservação da maioria dos imóveis do patrimônio edificado na

Cidade de Pedra e Cal – 2012. .................................................................................................. 88

Figura 26- Vala de drenagem assoreada pelo lixo domiciliar ................................................ 147

Page 14: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAIM Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique

ACUMIM Associação Cultural de Mulheres da Ilha de Moçambique

APETUR Associação dos Pequenos Empresário do Turismo

APIE Administração do Parque Imobiliário do Estado

ARPAC Arquivo do Patrimônio Cultura

BAD Banco de Desenvolvimento Africano

CEDH Centro de Estudo e Desenvolvimento Habitacional

CESA Centro de Estudo sobre África e Desenvolvimento

CMIM Conselho Municipal da Ilha de Moçambique

CNMA Conselho Nacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento

CDS Centro de Desenvolvimento Sustentável

DINAC Direção nacional da Cultura

GACIM Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique

GTARIM Gabinete Técnico de Apoio à Reabilitação da Ilha de Moçambique

ICOM – CC Comitê Internacional dos Museus

ICOMUS Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

ICUCN União Internacional de Conservação da Natureza

IGESPAR Instituto de Gestão do Patrimônio do Patrimônio Arquitetônico e

Arqueológico

INPF Instituto Nacional de Planejamento Físico

IPAD Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

IPCIIM Inventariação do Patrimônio Cultural Imaterial da Ilha de Moçambique

WHF Fundo Africano do Patrimônio Mundial (Africa World Heritage Fund)

MEC Ministério da Educação e Cultura

MICOA Ministério para Coordenação da Ação Ambiental

MICULT Ministério da Cultura

ONU Organização das Nações Unida

PDIM Plano de Desenvolvimento Integral da Ilha de Moçambique

Page 15: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

PARPA Plano de Desenvolvimento para Redução da Pobreza Absoluta

PGIM Plano de Gestão da Ilha de Moçambique

PNGA Programa Nacional de Gestão Ambiental

PNHS Programa nacional de Habitação Social

PNMA Política Nacional do Meio Ambiente

SEC Secretaria de Estado da Cultura

TDM Telecomunicações de Moçambique

UCCLA União das Cidades Capitais Luso-África-América-Ásia

UGA Unidade de Gestão Ambiental

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura.

Page 16: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17

1.1 Contextualização ........................................................................................................ 17

1.2. A Pesquisa na Ilha de Moçambique ........................................................................... 22

1.3. Metodologia ................................................................................................................ 23

1.3.1. Trabalho de campo ............................................................................................. 24

1.3.2. Observação direta ............................................................................................... 24

1.3.3. Entrevista semiestruturada .................................................................................. 26

1.3.4. Sistematização e tratamento de dados das entrevistas ........................................ 27

1.3.5. Procedimento de análise de dados recolhidos .................................................... 28

2. Apresentação da área do estudo – Ilha de Moçambique ............................................ 30

2.2. Localização Geográfica e Características Físico-Ambientais .................................... 30

2.3. População e Características Socioeconômicas e Culturais ......................................... 34

2.3.1. População ........................................................................................................... 34

2.3.2. Características Socioculturais ............................................................................. 36

2.3.3. Condições de Vida da população – Laços de entreajuda.................................... 39

2.4. Atividades Socioeconômicas ...................................................................................... 41

2.4.1. Atividade pesqueira ............................................................................................ 41

2.4.2. Atividade Agrícola ............................................................................................. 43

2.4.3. Atividade Industrial ............................................................................................ 43

2.4.4. Atividade Comercial ........................................................................................... 44

2.4.5. Turismo ............................................................................................................... 47

2.5. Serviços Sociais e Infraestruturas ............................................................................... 48

2.5.1. Educação ............................................................................................................. 48

2.5.2. A Rede Sanitária da Ilha de Moçambique .......................................................... 50

2.5.3. Transportes e comunicações ............................................................................... 52

2.5.4. Habitação ............................................................................................................ 52

2.5.5. Saneamento Urbano na Ilha de Moçambique ..................................................... 58

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ILHA DE MOÇAMBIQUE ................................... 62

3.2. Origem do nome Moçambique ................................................................................... 62

Page 17: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

3.3. História do território ................................................................................................... 62

3.4. A Transformação da Paisagem Urbana da Ilha .......................................................... 67

4. O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO COMO CATEGORIAS CONCEITUAIS

PARA SE ENTENDER O PROBLEMA DA PESQUISA ...................................................... 72

4.2. Conservação Ambiental ............................................................................................. 72

4.3. Patrimônio Cultural .................................................................................................... 76

4.4. O papel do Estado e da sociedade civil na conservação do patrimônio cultural e do

meio ambiente urbano .............................................................................................................. 81

4.5. Estado atual da conservação do ambiente urbano e do patrimônio cultural .............. 86

4.6. Patrimônio Cultural e sua relação com a questão ambiental ...................................... 90

4.6.1. Quadro Institucional referente à Conservação do patrimônio na Ilha. ............... 97

4.6.2. Principais instrumentos legais referentes à conservação do patrimônio Cultural

em Moçambique ....................................................................................................................... 99

5. PATRIMÔNIO CULTURAL EM MOÇAMBIQUE ............................................... 101

5.2. Processo Histórico do Patrimônio Cultural em Moçambique e a Formação de órgãos

de tutela 101

5.3. Processo de Patrimonialização da Ilha de Moçambique .......................................... 111

5.4. Ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio cultural ....... 114

5.6. Usos sociais do patrimônio Cultural ........................................................................ 126

6. CONCEPÇÕES DOS ILHEUS A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DA

NATUREZA E DA CULTURA............................................................................................. 131

6.2. Conservação do ambiental e do patrimônio cultural – Ilha de Moçambique ........... 131

6.2.1. Percepções da conservação ambiental .............................................................. 131

6.1.2 Causas da degradação do ambiente urbano ...................................................... 138

6.1.3 Identificação de documentos legislativos sobre meio Ambiente ..................... 143

6.1.4 Coleta e disposição final do lixo na Ilha de Moçambique ................................ 145

6.2 Patrimônio Cultural e percepções da população ...................................................... 148

CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 160

Page 18: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

17

1. INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização

Moçambique faz parte dos 54 países africanos, localizado na Costa Oriental de

África; limitado a norte pela Tanzânia, a noroeste pelo Malawi, a sudoeste pelo Zimbabwe,

África do Sul e Suazilândia e é banhado a leste pelo Oceano Índico, em toda a extensão da sua

costa de 2470 quilômetros. Tem uma extensão territorial de 799.380km². É o país mais

populoso das antigas colônias portuguesa de África com cerca de 20.366.795 (Censo, 2007).

Administrativamente Moçambique está dividido em 11 províncias, a Norte,

encontram-se as Províncias do Niassa, Cabo Delgado e Nampula, no Centro, Zambézia, Tete,

Manica e Sofala e no Sul, Inhambane, Gaza, Maputo e Maputo Cidade e estas, por sua vez,

subdividem-se em distritos que totalizam 150. (INE, 2011).

A agricultura é a base da economia do país, mais de 70% da população vivem em

áreas rurais, dedicando-se principalmente à agricultura, silvicultura e pesca. A sua estrutura

demográfica é característica de um país em desenvolvimento, sendo a sua pirâmide

demográfica de base muito larga e achatada no topo. Metade da população está na faixa etária

entre os 6 a 24 anos de idade sendo a maioria do sexo feminino. Cerca de 80% do

investimento público vai para os sectores sociais (educação e saúde), bem como a agricultura,

transportes e infraestruturas rurais.

A população moçambicana apresenta taxas de analfabetismo superiores à média da

região subsaariana situando-se por volta de 56,19%, sendo a taxa mais elevada registada nas

zonas rurais (61.2%) e é mais saliente nas mulheres (76.9%). A esperança de vida ao nascer é

de 50.9 anos, sendo 52.5 na zona urbana e 50.3 anos na zona rural e entre homens e mulheres,

é de 48.8 e 52.9 anos respectivamente (INE, 2011).

Moçambique é um dos países mais pobres no mundo. O PIB per capita foi estimado

pelo Banco Mundial em 454 dólares americanos em 2010 e no que se refere ao

posicionamento na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano, está em 184º lugar

dos 187 países da lista publicada pelo PNUD (PNUD, 2011).

O presente estudo foi realizado na Província de Nampula, mais especificamente na

cidade da Ilha, inserida no Distrito com o mesmo nome. A Cidade da Ilha de Moçambique é

uma das quatro Cidades Municipais da Província de Nampula, localizada a 180 quilómetros

da capital da província, que tem o mesmo nome. Cerca de 2400 quilómetros separam a Ilha da

capital do país, a cidade de Maputo.

Page 19: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

18

Administrativamente, o Distrito da Ilha de Moçambique encontra-se dividido em

duas porções, a continental (Posto Administrativo de Lumbo) e a insular (Posto

Administrativo da Ilha). Uma ponte com extensão de 4 quilômetros construída nos anos 1960,

liga a porção continental à insular.

A parte insular por sua vez encontra-se subdividida em duas partes, a Cidade de

Pedra e Cal, a designada cidade europeia, e a de Macuti, designada africana; ambas perfazem

uma área de 1,5 quilômetros quadrados. Deste modo, a designação ―Ilha de Moçambique”

refere-se simultaneamente ao Distrito, ao Posto Administrativo e à Cidade/Município, entes

político-administrativos que se encontram sobrepostos no mesmo território.

Dada à localização privilegiada no Oceano Índico, desde os primórdios da sua

história a Ilha de Moçambique foi o centro de confluências de vários povos oriundos de

diferentes pontos do mundo, África, Ásia e Europa entre os séculos X a princípio do século

XX. Após o período da descolonização, a Ilha de Moçambique continuou com o seu papel de

receptor, agora no processo interno de migração de população oriunda do interior da

Província de Nampula e das zonas rurais circunvizinhas.

A guerra de desestabilização ocorrida no período de 1977 a 1992, entre a FRELIMO –

(partido no poder) e a RENAMO – (partido de oposição), provocou o êxodo rural sem

precedentes, e em decorrência dos problemas habitacionais, grande soma dessas famílias

foram habitar em edifícios abandonados de forma precipitada pelos proprietários, sobretudo,

os portugueses que tiveram de abandonar o país logo após independência nacional em 1975,

outras foram ocupar os poucos espaços livres que a Ilha dispunha, constituindo assim,

verdadeiros bolsões de pobreza e de miséria.

Essa crescente concentração trouxe consigo a ampliação das carências sociais, e

também a deterioração do ambiente e da qualidade de vida. A Ilha de Moçambique passou a

expressar problemas de progressiva degradação do patrimônio edificado e do ambiente

urbano. Dado ao reconhecimento internacional do valor histórico-cultural, arquitetônico e

natural e necessitando de uma proteção legal, em 1991, o conjunto urbano da Ilha de

Moçambique foi declarado pela UNESCO, Patrimônio Cultural da Humanidade (figura 1).

Page 20: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

19

Figura 1- Vista aérea da Ilha de Moçambique – área de estudo.

Fonte: (PGIM, 2010).

A aglomeração humana na Ilha de Moçambique e as dificuldades de sobrevivência

da maioria da população que vive em situação de pobreza levou a população moradora do

local a alterar os espaços patrimonializados e a transformação das suas moradias

subdividindo-as e alterando a estrutura anterior para sublocar partes da habitação e assim

conseguir outras formas de rendimento.

As transformações abrangem, sobretudo, alterações das estruturas arquitetônicas, do

material tradicional recomendado nas construções de habitações na Ilha de Moçambique e a

privatização dos espaços públicos no processo das ampliações dessas moradias, criando

conflitos entre essas práticas com os preceitos de proteção recomendados pela Convenção

para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, resultando ainda em problemas de

saneamento e consequentemente a redução de qualidade de vida.

As soluções encontradas pela população da Ilha expressam as práticas cotidianas

discutidas por Canclini (1994, p. 102), para quem ―é compreensível que as classes populares,

enredadas na escassez das moradias e na necessidade de sobrevivência, se sintam pouco

envolvidas na conservação de valores simbólicos, sobretudo, se não são os seus”.

Page 21: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

20

Estas práticas encontram o seu fundamento no fato de que durante cinco séculos da

dominação portuguesa em Moçambique, os bens culturais da população nativa não foram

valorizados e a população interiorizou que o Patrimônio Cultual, classificado pela UNESCO

em 1991, como ―da humanidade‖, era somente aquele constituído pelo conjunto arquitetônico

representado pela Cidade de Pedra e Cal, que em 1955, havia sido classificado como em

―Imóvel de Interesse Público‖ em detrimento da Cidade congénere, a de Macuti.

Assim, ao considerar a parte africana Cidade de Macuti também como patrimônio e

exigir a conservação desse lugar, as políticas de conservação acabaram por impedir que

houvesse transformações no espaço de moradia de uma população que sempre viveu na

penúria, relegando assim esse espaço a permanência na rudimentalidade que sempre o

caracterizou.

Portanto, após a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial da

Humanidade em 1991, o sentimento de rejeição expressou-se na maior parte da população,

devido a ausência e/ou seja, a não articulação entre as políticas públicas de conservação do

patrimônio cultural e as necessidades das comunidades locais, o que condicionou a criação de

dicotomia na percepção do processo da patrimonialização da Ilha de Moçambique.

A contradição entre as políticas que defendem o patrimônio e o entendimento de

parte da população em ver valor no patrimônio chamaram a atenção para a necessidade de

aprofundar o entendimento desta contradição e contemplar no estudo entendimentos sobre a

percepção das pessoas que partilham aquele espaço a respeito da proteção ali definida. Esta

situação tem demandado debates nos ambientes acadêmicos de Moçambique, nas áreas

governamentais e na sociedade em geral, que buscam encontrar mecanismos que possam

resultar em ações que contribuam para a minimização da clivagem entre políticas públicas e a

realidade socioeconômica da população local.

A presente pesquisa parte do pressuposto de que as clivagens que se verificam no

contexto da conservação ambiental e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique devem-se

a existência de medidas políticas que não estão de acordo com a realidade no que diz respeito

ao desenvolvimento das comunidades locais e da falta de articulação entre os propositores e

os receptores das mesmas.

Ao mesmo tempo, são propostas formas alternativas de minimizar essa oposição e

solucionar parte dos problemas que explicam os sentimentos e práticas de rejeição ao

Patrimônio da Ilha de Moçambique. Portanto, o objetivo geral da pesquisa é o de

compreender os motivos por que as populações protagonizam práticas contrárias ao

Page 22: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

21

preconizado pelas políticas públicas sobre a conservação ambiental e do patrimônio cultural

na Ilha de Moçambique. Esse objetivo, por sua vez, está apoiado em quatro procedimentos

específicos:

1º- Analisar os principais fatores que causam a degradação do ambiente urbano e

impedem a sua conservação;

2º- Analisar o grau de articulação entre as políticas de conservação ambiental e

desenvolvimento urbano no contexto do patrimônio cultural;

3º-Investigar as percepções das comunidades locais sobre a conservação do

patrimônio cultura e sua relação com desenvolvimento da sua cidade; e,

4º- Propor medidas que visem a melhoria da conservação integrada do patrimônio

cultural sem por em causa as condições de vida dos seus habitantes.

É com base nessa perspectiva que se apresenta este estudo, tema bastante relevante

no contexto moçambicano: Os desafios da Conservação do Patrimônio Cultural e Ambiental.

Entende-se, portanto, que o estudo deste tema só fará sentido se, de alguma forma, houver a

articulação de políticas nessa direção com o diálogo entre os propositores das normas e os

receptores das mesmas.

Para a análise e compreensão dos assuntos supracitados, a dissertação apresenta um

entendimento sobre a conservação ambiental e do patrimônio cultural que enfatiza a

problemática da degradação ambiental em relação com a salvaguarda do patrimônio cultural.

Com esse propósito o trabalho está estruturado em seis capítulos. Uma parte introdutória,

onde se apresentam o problema e questões de pesquisa, a justificativa, os objetivos e

procedimentos metodológicos.

No segundo capítulo apresenta a área de estudo, que para além de localizar no espaço

e suas características físicas ambientais, se faz uma caracterização da população e atividades e

aspectos socioeconômicos e culturais, serviços e infraestruturas urbana da Ilha de

Moçambique.

No terceiro capitulo, versa sobre a evolução histórica que determinou a ocupação do

território desde os primórdios das migrações das populações bantu1, começando pela origem

do nome Moçambique, as transformações que ocorrem na paisagem urbana ao longo do

tempo No capítulo quatro, apresenta-se o meio ambiente e o patrimônio como categorias

1 Povo bantu é uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares.

Para além das características linguísticas comuns, este povo também manteve no seu processo de fixação em

diferentes pontos de África, uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com

características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados.

Page 23: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

22

conceituais para se entender o problema da pesquisa. De igual modo, neste capítulo se analisa

o papel do Estado e da sociedade civil na conservação do patrimônio cultural e do ambiente

urbano na Ilha, o estado de conservação em que se encontra o patrimônio cultural na Ilha de

Moçambique, o patrimônio e a sua relação com o ambiente, o quadro institucional, no qual se

apontam os principais instrumentos que se apoiam na conservação do patrimônio e no

ambiente. Para o efeito, foram revisadas as convenções internacionais, leis, decretos,

resoluções, posturas camarárias municipais moçambicanas, Planos de Gestão e Planos

Integrados de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique, normas e artigos pertinentes ao

assunto.

No capítulo cinco, faz a análise do processo histórico do patrimônio cultural em

Moçambique e da formação dos órgãos nacionais de tutela, o processo de patrimonialização

da Ilha de Moçambique, ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio

cultural e usos sociais do patrimônio.

No capítulo seis, são expostas e analisadas as percepções da população local a

respeito da conservação do ambiente e da cultura. O trabalho termina com as conclusões sobre

o tema tratado e algumas recomendações políticas para ações futuras e as referencias

bibliográficas usadas na concretização desta dissertação.

1.2. A Pesquisa na Ilha de Moçambique

A população da Ilha de Moçambique, em particular da cidade de Macuti, esteve

durante anos vivendo em habitações sem condições físicas adequadas, construídas com

material frágil e precário (terra socada, palha, capim). As moradias tinham esse material

construtivo, tradição típica de da África. Entretanto, o regime colonial 1498-1975, tornou esse

material obrigatório para a população, impedindo que esse material fosse substituído por

outros tipos e que houvesse novas habitações. E, de acordo com a Miranda (2005, p. 44), a

moradia e posse da terra regularizada constituem condições mínimas para o respeito à vida, à

liberdade e à dignidade, protegendo necessidades indispensáveis à realização da condição de

humanidade, independentemente de suas diferenças. Portanto, as moradias devem ser

habitáveis, tendo condições físicas que não prejudiquem a saúde das pessoas e salubridade

adequada.

A alteração da estrutura arquitetônica, a ampliação, bem como a mudança de material

de construção tradicional para o convencional das moradias dessas populações entra em

Page 24: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

23

contradição com a pertinência e a necessidade de conservação do patrimônio histórico e

cultural e ambiental urbano da Ilha, elevada a Patrimônio Cultural da Humanidade. Esta

situação implica em colocar as seguintes questões:

Em que medidas as políticas públicas de conservação do meio urbano e do

patrimônio cultual entram em contradições com a realidade local

Qual é a percepção da população sobre a importância da Declaração da Ilha de

Moçambique como Patrimônio Mundial nas suas vidas?

De quem é a responsabilidade de manutenção de um imóvel classificado como

patrimônio cultural?

De que forma as políticas públicas incentivam a população local a participar na

conservação ambiental, do patrimônio cultural e desenvolvimento local?

De que forma o proprietário de um imóvel considerado patrimônio cultural

pode manter o seu imóvel?

Em que medidas a substituição das casas da cidade de Macuti por casas

convencionais, o que significa melhoria de condições de vidas dos seus proprietários, entram

em contradição com as políticas de conservação?

1.3. Metodologia

Para o presente estudo, adotou-se o método qualitativo como uma forma de entender

e trabalhar a paisagem adotada pelo grupo de pesquisa: Paisagem, Cultura e Participação

Social, da FAU e PROCAM- USP, o qual esta pesquisa se vincula. Esse método, segundo

Sandeville Jr (2004), possibilita ao pesquisador repartir, conjuntamente com quem produz e

vive a paisagem estudada, sentimentos, memórias e práticas. Este método procura, a partir do

convívio com os protagonistas do processo em estudo, descobrir como e por que as coisas

ocorrem e como ocorrem.

De acordo com Psathas (1973) apud Bogdan & Biklen (1994, p. 51), nesse método o

investigador procura desenvolver empatia para com as pessoas que fazem parte do estudo,

fazendo esforço concertado para compreender vários pontos de vista, com o objetivo de

perceber aquilo que os sujeitos de investigação experimentam, o modo como interpretam as

suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem.

Deve-se atentar também para as contradições em que se tecem as experiências de vida desses

protagonistas.

Page 25: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

24

Com base na opção metodológica adotada foi possível perceber as relações entre as

políticas públicas que promovem um local como Patrimônio Cultural da Humanidade,

aparentemente sem a participação dos sujeitos que habitam a Ilha e que continuam agindo

como agentes transformadores do meio que os rodeia, na perspectiva de melhorar as suas

condições de vida. Por isso, se adotou a investigação qualitativa na perspectiva de

compreender e interpretar a complexidade da situação que ali se vive, bem como encontrar

respostas para algumas das questões de pesquisa.

1.3.1. Trabalho de campo

O trabalho de campo foi feito nas cidades moçambicanas de Maputo e Ilha de

Moçambique, no período de Janeiro a Maio de 2012. Começou com uma visita exploratória

nas primeiras duas semanas de Janeiro às instituições ligadas à gestão do Patrimônio Cultural,

nas Cidades do Maputo e Ilha de Moçambique. Da terceira quinzena de Janeiro a Maio de

2012, desenvolveu-se o trabalho de campo, sobretudo, na Ilha de Moçambique. Junto aos

gestores buscou-se a inteiração das atividades desenvolvidas em prol da conservação do

ambiente urbano, do patrimônio cultural e das dificuldades para a sua efetivação.

1.3.2. Observação direta

De acordo com Marconi e Lakatos, (2008, p. 78), a observação é uma técnica de

coleta de dados para conseguir informações de determinados aspectos da realidade. Além de

ver e ouvir, o observador também examina os fenômenos que se pretende estudar. Portanto, é

uma técnica de coleta de dados que utiliza os sentidos para compreender determinados

aspectos da realidade. Ela permite identificar e obter informações a respeito de situações

sobre as quais os indivíduos não têm clareza, mas que orientam seu comportamento.

Ainda, de acordo com estes autores, a observação direta permite:

• compreender o contexto no qual se desenvolvem as atividades;

• testemunhar os fatos, sem depender de informações de terceiros;

• perceber aspectos que escapam aos participantes, rotineiramente envolvidos

com a situação;

• captar aspectos de determinada situação sobre os quais os participantes não

desejam falar numa entrevista, por ser um tema delicado ou embaraçoso;

Page 26: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

25

• trazer para a análise as percepções do próprio observador, que, ao serem

confrontadas com as percepções dos entrevistados, fornecem uma visão mais completa do

objeto estudado;

• formar impressões que extrapolem o que é possível registrar, mesmo nas mais

detalhadas anotações de campo, e que podem auxiliar na compreensão do objeto de auditoria

e suas interações.

Portanto, a observação direta feita ao longo do trabalho de campo, permitiu uma maior

compreensão de aspectos ligados ao tema e ao cotidiano dos habitantes da Ilha. Através da

observação direta, com procedimentos formais (baseados em protocolos de observação:

entrevistas semiestruturadas) e informais (entrevistas abertas), foi possível registrar os

acontecimentos e avaliar a incidência de certos de tipos de comportamentos, entre os quais a

relação dos habitantes com o meio ambiente urbano, o meio natural circundante, os bens

patrimoniais, as manifestações culturais presentes na Ilha, o trabalho de artesanato, a

construção de moradias e construção naval, atividades de pesca e outras semelhantes.

Por fim, a observação direta ajudou na identificação dos principais interlocutores

(que depois foram entrevistados) na discussão dos problemas do desenvolvimento das

entrevistas. As evidências obtidas nas entrevistas abertas foram úteis para as informações

adicionais sobre o tópico em estudo. De uma forma geral, a observação direta forneceu dados

que permitiram compreender a problemática da conservação do ambiente urbano e do

patrimônio cultural da Ilha de Moçambique.

Durante o período de trabalho de campo, foram desenvolvidos vários debates

relacionados com a situação da conservação e desenvolvimento socioeconômico e cultural da

cidade, alguns organizados pelo Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, outros

pelo Conselho Municipal e pelo Governo do Distrito, que forneceram informações para o

trabalho.

Foi feito também o registro fotográfico, sobretudo, do patrimônio edificado (tanto da

cidade de Pedra e Cal como a de Macuti), do patrimônio imaterial (expressões culturais tais

como os ritos de iniciação, indumentária, gastronomia, arte construtiva, artesanato), atividades

socioeconômicas (a pesca, comércio, turismo, produção do sal, a construção naval e o dia-a-

dia das pessoas).

Page 27: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

26

1.3.3. Entrevista semiestruturada

A entrevista serviu para construir informações pertinentes para objeto de estudo e foi

a principal etapa do trabalho de campo. Para Manzini (1991, p. 154), a importância da

entrevista semiestruturada está no fato dela focalizar em um assunto sobre o qual se elabora o

roteiro de perguntas principais, geralmente complementadas por outras questões que

momentaneamente possam surgiu no decorrer da entrevista, uma vez que as respostas não

estão condicionadas a um padrão de alternativas.

Para assegurar o cumprimento dos objetivos da investigação, foi elaborado um

protocolo de entrevistas que serviu de guia para a condução na interlocução. Nele havia

perguntas que foram colocadas aos interlocutores sobre suas percepções a respeito da

conservação ambiental na Ilha e do Patrimônio Cultural da Humanidade.

Foram entrevistadas 33 pessoas entre gestores, membros da comunidade,

representantes de instituições que trabalham em prol do desenvolvimento da Ilha de

Moçambique, destes 02 residentes em Maputo e 31 na Ilha de Moçambique. As respostas

forneceram informações acerca do que as pessoas sabem, esperam, sentem, ou desejam,

pretendem fazer, aquilo em que creem, bem como suas explicações ou razões a respeito das

políticas públicas de conservação do ambiente e do patrimônio cultural na Ilha de

Moçambique.

Na escolha do método, teve-se em conta a necessidade de descrever e de explicar os

fenômenos abordados pelo projeto, valorizando-os em seus aspectos qualitativos, através do

qual se expõe a complexidade do tema em estudo. Assim, as entrevistas foram aplicadas tanto

individual, como coletivamente.

A identificação dos entrevistados seguiu três categorias de interlocutores

considerados no presente estudo:

• Gestores Públicos:

Profissionais que trabalham diretamente com a gestão e conservação do patrimônio

cultural na Ilha de Moçambique, tais como:

Chefe do Departamento da Cultura e do patrimônio, Diretor do Turismo,

Desenvolvimento e Planejamento Territorial; Diretor dos Serviços Urbanos do CMIM,

Vereador da Área de saneamento Ambiental do CMIM, Diretor do GACIM, Assessor do

GACIM; Coordenador da Rádio Comunitária da Ilha de Moçambique e Representante da

UNESCO na Ilha de Moçambique.

Page 28: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

27

• Organizações Sociais:

Membros da Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique – AAIM (2);

Associação de Pequenos Empresários Turísticos – APETUR (2), Associação dos Pescadores

da Ilha de Moçambique - ASSOPIMO (2), Associação das Mulheres Empreendedoras da Ilha

de Moçambique - ORERA-ORERA (2); Associação Cultural das Mulheres da Ilha de

Moçambique - ACUMIM (2);

• Comunidade em Geral:

Os naturais da Ilha, com mais de 30 anos de idade e outros residentes no local há

mais de 10 anos. Os primeiros contatos com os entrevistados eram feitos de diversas formas

entre as quais telefônica, visitas à locais de trabalho e de residência e encontros ocasionais. A

seguir eram aplicadas as entrevistas. Houve casos em que, a partir de um entrevistado ou de

um grupo de entrevistados se identificaram outros. A marcação das entrevistas incluía

informação sobre o assunto, marcação de data, hora e local, conforme a disponibilidade de

cada entrevistado ou grupo de entrevistados.

As principais línguas de comunicação foram o português e o makhuwa (língua falada

pela população local). A língua makhuwa era usada somente em circunstâncias específicas, e

com recurso a intérpretes, sobretudo, quando o entrevistado mostrasse dificuldades de

comunicação em língua portuguesa, ou quando assim o quisesse.

Todas as entrevistas foram gravadas em aparelho digital, e partes delas registradas

em blocos de apontamentos, como nomes, datas, locais, função, idade, ente outros aspectos.

Por sua vez, estas eram transcritas em formato digital, com vista a facilitar o processo. Para

organizar a informação dos entrevistados foi utilizada a técnica de fichamento, que consistiu

em registrar os dados dos entrevistados (o nome, a data e o local da entrevista, idade e local

de nascimento, profissão, estado civil).

1.3.4. Sistematização e tratamento de dados das entrevistas

A sistematização de dados consistiu na transcrição dos discursos orais recolhidos

através de gravador digital em discursos escritos e da organização dos dados em geral. As

transcrições foram feitas imediatamente ao fim do dia, após a realização das entrevistas, com

vista a possibilitar a recuperação com maior precisão, as impressões do encontro.

Page 29: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

28

Para executar o processo de transcrição das entrevistas, foram utilizados os

procedimentos descritos por Thompson (1992), caracterizados pela transcrição integral do

material gravado.

Para o caso das entrevistas gravadas em língua emakhuwa, foram feitas as

transcrições e respectivas traduções para a língua portuguesa com recurso de intérpretes. As

transcrições e traduções foram incialmente registradas em blocos de apontamentos e depois

digitalizadas. As entrevistas gravadas em língua portuguesa foram transcritas diretamente

num computador para evitar o duplo exercício e possíveis distorções em função da grafia.

Uma vez realizada a primeira etapa da transcrição, fez-se o trabalho de conferência

das transcrições. Nessa etapa, ouviu-se novamente a gravação e comparou-se com o texto

transcrito, e, quando necessário, foram efetuadas correções de datas, nomes de pessoas e

lugares.

1.3.5. Procedimento de análise de dados recolhidos

A análise de dados foi feita com base nas informações bibliográficas, documental,

observação direta e entrevistas, na qual se procurou entender como as políticas públicas,

sendo instrumentos veiculadores e legitimadores de normas/regras socialmente aceites se

configuram numa relação de continuidade ou de descontinuidade com a dinâmica sócio-

política do contexto em que ela se encontra e se desenvolve, isto é, entender a relação

políticas/população como uma relação de interação.

Este fato implica cruzar uma perspectiva de análise documental com o contato direto

com os gestores públicos, para perceber o que tem sido feito para a ligação entre as políticas

públicas e as práticas cotidianas da população local, bem como para compreender as

percepções dos diferentes intervenientes sobre a sua participação na conservação ambiental e

na salvaguarda do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. A análise da informação

coletada durante o estudo é essencialmente temática, uma vez que, segundo Bardin (1994)

apud Cimalawoonga (2011, p.87) é rápida e eficaz por se aplicar a discursos diretos e simples.

E para Bardin (1977, p. 95) & Michel (2005, p. 70), esta técnica permite aprofundar a

análise do conteúdo das informações prestadas pela pessoa que fornece os dados, por um lado,

e, por outro, permite analisar com profundidade a pertinência das respostas, a lógica, a

coerência, a fidedignidade dos mesmos e evita eventuais distorções e omissões voluntárias.

Portanto, constitui a técnica que procura compreender o sentido da comunicação das

Page 30: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

29

entrevistas e descobrir o que está por detrás das mensagens, ou seja, o significado da

mensagem de natureza psicológica, sociológica, política e histórica. Por fim, os resultados da

análise das diferentes categorias foram agrupados em oportunidades e desafios.

Page 31: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

30

2. APRESENTAÇÃO DA ÁREA DO ESTUDO – ILHA DE MOÇAMBIQUE

2.2. Localização Geográfica e Características Físico-Ambientais

A Ilha de Moçambique localiza-se na costa do Oceano Índico, a 180 km, a Leste da

cidade de Nampula, capital e dista cerca de 2.400 km da cidade de Maputo, capital de

Moçambique. É um dos 150 Distritos da República de Moçambique. Tem uma área territorial

de 445 km² e forma um arquipélago de que fazem parte três pequenas ilhas não habitadas, a

Ilha de São Lourenço, onde está localizado o Fortim S. Lourenço, a Ilha de Goa e a Ilha de

Sena (popularmente denominada, Ilha das Cobras).

No que se refere ao aspecto político-administrativo, esse Distrito está integrado ao

território mais amplo da Província de Nampula, administrada por um Governador Provincial.

Esta província compreende 23 distritos cuja gestão está a cargo de Administradores distritais.

Por sua vez, os Distritos dividem-se em Postos Administrativos e localidades.

O Distrito da Ilha de Moçambique encontra-se dividido em duas partes, a porção

continental (Posto Administrativo de Lumbo) e a porção insular (Posto Administrativo da

Ilha), que também é denominado pela população local por ―Omuhipiti”, nome que no capítulo

três se explica. A ligação entre as duas porções é estabelecida por via rodoviária, através de

uma ponte construída na década de 1960, com aproximadamente 4 quilómetros de

comprimento, e por via marítima, através de pequenas embarcações artesanais. Neste

contexto, a denominação ―Ilha de Moçambique” refere-se simultaneamente ao Distrito, ao

Posto Administrativo e à Cidade/Município, entes político-administrativos que se encontram

sobrepostos no mesmo território.

Enquanto Distrito, a Ilha de Moçambique tem como entidade máxima o

Administrador. Para além da estrutura governamental, o Distrito da Ilha de Moçambique

possui quatro regulados (liderança comunitária, escolhida no meio da comunidade local),

sendo dois na parte insular e dois na parte continental. Essa liderança trabalha em estreita

colaboração com os secretários dos 32 bairros do distrito como um todo. Ao nível das

comunidades encontram-se as lideranças comunitárias, que constituem elos entre a população

e as autoridades administrativas e governamentais (Conselho Municipal e Governo da

Cidade).

Page 32: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

31

A parte insular constitui o recorte espacial da área do estudo da presente dissertação,

tem uma área de aproximadamente 1,5 quilómetros quadrados e está orientado no sentido

nordeste - sudoeste à entrada da Baía de Mossuril. Entretanto, os aspectos relacionados,

sobretudo com os setores da Educação, Saúde, Pesca, Indústria e agricultura, serão tratados no

contexto do distrito como um todo. A figura 2 ilustra a localização da área de estudo, no

contexto da África, Província de Nampula e Distrito da Ilha de Moçambique.

Figura 2- Localização da área de estudo.

Fonte: Base Cartográfica dos Serviços de Geografia e Cadastro, 1956. Organização: Priscila Ikematsu

Page 33: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

32

A Ilha é formada por oito bairros agrupados em dois conjuntos urbanos: a "Cidade de

Pedra e Cal", europeia, constituída pelos edifícios construídos com base, principalmente em

pedra e cal, onde se concentram infraestruturas residenciais, comerciais, hoteleiras, serviços

governamentais e não governamentais e monumentos (fortalezas, igrejas, palácios, templos,

museus e capelas); e a "Cidade de Macuti", tipicamente africana, construída com base em

material tradicional (pau-a-pique, argila e com cobertura de palha de palmeiras e capim),

predominantemente residencial, embora tenha pequenos focos de atividade comercial e

artesanal. É na Cidade de Macuti que vive a maior parte da população nativa da Ilha de

Moçambique. A Figura 3 destaca as características dos dois conjuntos urbanos.

Figura 3- Características da Cidade de Macuti (Africana) e Cidade de Pedra e Cal (Europeia)

Fotos: Lucia Omar (2011) Organização: Priscila Ikematsu

No que concerne às características físico-ambientais, a Ilha de Moçambique faz parte

do grupo de Ilhas formadas por grés costeiro através da precipitação de cloreto de cálcio e da

cimentação subsequente das partículas de areia. Sobre essa camada de grés costeiro, uma

formação rochosa mais recente é composta de grés costeiro e organismos marinhos

fossilizados, especialmente corais. Parte dos solos da Ilha é coberta por uma camada de areia

terciária branca e fina.

Page 34: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

33

De uma forma geral, na Ilha de Moçambique predomina a formação de rochas

sedimentares do período Quaternário, mas com algumas formações do Terciário e do

Cretáceo. No entanto, não se conhecem estudos sobre a ocorrência de jazidas de minérios na

região.

A topografia é relativamente plana e o nível varia entre 9,07 metros acima do nível

médio das águas do mar (HATTON et al., 1994). A parte Sudoeste que atinge os bairros

Litine, Macaripe e Esteu, situa-se num nível muito abaixo, criam situações extremamente

desconfortáveis para os seus habitantes no tempo das chuvas, pois o alagamento é inevitável e

o escoamento é sempre lento ou mesmo nulo devido ao tipo do solo e a ocupação que se

configurou ao longo do tempo.

Segundo a Classificação de Köeppen, o clima da Ilha é do tipo Aw, tropical úmido,

caracterizado por apresentar duas estações: uma chuvosa de Novembro a Março e outra seca,

de Abril a Outubro. É uma região que sofre influência da ZIT (Zona de Convergência

Intertropical), que causa variações climáticas ao longo do ano. As médias anuais oscilam entre

27°C a 29°C, no mês mais quente e entre 21ºC a 23ºC no mês mais frio. Em Dezembro

registam-se as temperaturas médias acima de 28ºC.

Os ventos de Leste prevalecem entre Junho e Setembro, na época mais seca,

enquanto os ventos de Sul iniciam em Novembro, com o início da época chuvosa, e

prolongam-se até meados de Abril-Maio. A precipitação média anual é de cerca de 800 mm,

com um máximo de 100 a 150 mm por mês de Janeiro a Março. A umidade relativa é de

79,5% (HATTON et al.,1994).

E por se situar na faixa de ocorrência dos ciclones provenientes do Oceano Índico, a

Ilha de Moçambique também sofre influência de ciclones que ocorrem com maior frequência

nos meses de Janeiro a Março. No entanto, a zona é afetada apenas marginalmente, visto que

os ciclones atingem em geral o litoral de Moçambique e só na fase de dissipação é que se

estendem à costa da Ilha de Moçambique, podendo, no entanto, causar grandes danos, como

os casos dos ciclones Nádia e Jokwe, ocorridos na faixa costeira moçambicana em 1994 e

2008, respectivamente.

No que toca à vegetação, pode-se afirmar que, ao longo dos anos a intervenção

humana gerou profundas modificações na cobertura vegetal original. Atual vegetação da Ilha

é resultante da introdução de várias espécies provenientes da zona continental, bem como da

Ásia, América Latina e da Austrália. Hatton et al (1994, p.10), assinalam a predominância de

árvores ornamentais, tais como a casuarina, plantada ao longo das praias, a palmeira (Coccos

Page 35: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

34

musciferal), jacarandá (Jacaranda mimosifolia), acácia amarela (Cassia simaea), acácia

vermelha (Cassia sp), amargosa (Azadirachta indica) e figueira-brava (Ficus sp), que

contribui com as suas raízes na destruição da maioria das casas na Ilha de Moçambique.

Persistem ainda ao longo das praias alguns manguezais que não só ajudam a prevenir a erosão

da costa, mas também, fornecem habitat para muitas espécies de aves, incluindo os grandes

flamingos, a cegonha-de-bico-amarelo, a garça-cinzenta, as graçolas, a ave-martelo, pica-

peixe, pernaltas (tarambolas, andorinhas, gaivotas e outras).

As extensas comunidades de ervas marinhas e algas que ocorrem nos baixios

arenosos e argilosos em redor da Ilha favorecem um habitat favorável aos mamíferos

marinhos como os golfinhos (Sousa chinensis, Tursiops truncatus e Stenella longirostris) e o

dugongo (Dugong dugon), assim como tartarugas marinhas, diversas espécies de corais duros

e moles, e uma gama variada de espécies de peixes.

A sobrevivência da maior parte da população da Ilha de Moçambique está

estreitamente relacionada aos recursos naturais, seja marítimo, seja florestal e faunístico. Pois,

para esta população os recursos naturais assumem um valor inestimável, já que: as conchas

são utilizadas no artesanato; os peixes constituem a maior fonte de sua alimentação; a pedra

calcária é empregada na construção civil; o manguezal é usado como fonte de energia sob a

forma de combustível lenhoso ou como carvão, dentre vários outros usos cotidianos dos

recursos naturais como plantas medicinais, por exemplo.

2.3. População e Características Socioeconômicas e Culturais

2.3.1. População

A evolução da população da Ilha de Moçambique variou em função das dinâmicas

sócio-políticas e econômicas locais e internacionais. Assim, constata-se que o número da

população da Ilha de Moçambique sofreu um decrescimento de 12.000 habitantes em 1962

para 8.200 habitantes em 1968. Refere-se ainda que esse número apresentou maiores índices

de decrescimento após a Independência em 1975 (HATTON et al, 1994, p. 12).

O primeiro censo populacional realizado em 1980, registrou um número de 6.837

habitantes. Em finais de 1991, registrou-se uma população total de 11.988 pessoas,

distribuídas em 2.077 agregados familiares, o que significa 5,77 pessoas por agregado

familiar. Devido à guerra civil, no período de 1980 a 1991, a Ilha de Moçambique registrou

um crescimento populacional anual em torno de 5% (HATTON et.al, 1994. op.cit).

Page 36: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

35

O crescimento populacional verificado na cidade a partir dos finais da década de 1980

acompanha o que se observou em todas as áreas urbanas do país e é explicado, para além do

crescimento natural, que continua elevado, por um fluxo migratório do campo-cidade muito

acentuado devido à insegurança das áreas rurais durante a guerra civil, assim como ao fraco

desenvolvimento do campo. Isto fez com que a Ilha se transformasse numa espécie de

miragem para se conseguir segurança e melhoria das condições de vida para a população

rural. Este é um fator social muito antigo que explica as migrações campo-cidade, mas que no

caso de Moçambique, de uma forma geral, foi bastante potencializado pela guerra civil que

afligiu o país durante longos anos.

Os dados do levantamento populacional feito entre os anos 1994 e 1997 indicam uma

estabilização da população de 12.000 e 13.000 habitantes, respectivamente, constituída

majoritariamente por jovens em média de 18 anos, fato justificado pela alta taxa de

fecundidade que ali é carcterística (MUTAL, 1998).

Neste contexto, o 3° Recenseamento Geral da População e Habitação realizado em

2007 confirma a tendência crescente do número de habitantes de Ilha de Moçambique, de

13.000 habitantes em 1997 para 17.000 habitantes em 2007, das quais 8.630 homens e 8.370

mulheres. Do total de ambos os sexos, 8.320 habitantes corresponde à população

economicamente ativa.

Arantes (2010) coloca que, para além das razões já apontadas, outros fatores que

estimulam o fluxo contínuo de pessoas do continente para a Ilha são as expectativas

alimentadas pela proclamação da Ilha como Patrimônio da Humanidade, os discursos

subsequentes em torno desse importante acontecimento, os esforços de divulgação através dos

órgãos de comunicação social e pelos projetos, pela grande movimentação dos turistas

nacionais e estrangeiros, pelas reuniões e seminários reforçam nos habitantes a ideia de que

vale a pena aguardar dias melhores na Ilha e não fora dela.

No entanto, a população desta cidade encontra-se concentrada em dois bairros -

Museu, que compõe toda a Cidade de Pedra e Cal e o do Litene, um dos sete bairros da

Cidade de Macuti. As fontes documentais tais como relatórios do Governo do Distrito da Ilha

e do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM) constatam que a

concentração da população nesses dois bairros, como mostram os dados na tabela 1, está

associado ao processo histórico de formação da cidade e ocupação do espaço. O bairro do

Museu (único da Cidade de Pedra e Cal) foi o primeiro a ser criado na Ilha e é onde se

implantaram as primeiras infraestruturas sociais e econômicas como hospital, escolas,

Page 37: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

36

serviços administrativos, porto, estabelecimentos comerciais e correios, entre outros. Tempos

depois, a população, constituída por escravos, migrantes, predominantemente de baixa renda,

começou habitar nos locais da antiga pedreira, nos chamados bairros de Litine e Esteu e

posteriormente os restantes bairros que compõem a Cidade de Macuti.

Tabela 1: Distribuição espacial da população na Ilha de Moçambique em 2011

Cidade Bairro População total %

Pedra e Cal Museu 3.582 21

Macuti

Litine 3.787 22

Esteu 1.879 11

Marangonha 1.253 7

Makaribe 1.595 9

Areal 1.790 11

Quirahi 1.471 9

S Antônio/Unidade 1.643 10

TOTAL 17.000 100

Fonte: Adaptado pela autora com base nos dados do Relatório do GDIM, 2011,

2.3.2. Características Socioculturais

Tradicionalmente, a população da Ilha de Moçambique encontra-se estruturada em

linhagens, onde os membros dos diversos grupos sociais se identificam através da sua própria

filiação. De acordo com Lerma (1987), é dentro dessas linhagens e dos substratos sociais e

econômicos que se analisam as relações de dependência e a posição dos membros dos

diferentes sexos e gerações nos processos produtivos e reprodutivos da sociedade tradicional

emakhuwa, que é predominantemente matrilinear, cujos filhos pertencem ao nihimo

(linhagem) da mulher e a sucessão se faz por via uterina.

Entre os séculos XIX e XX assistiu-se à instalação das confrarias islâmicas na Ilha de

Moçambique que se agregaram com as tradições locais, criando na zona litoral uma grande

sobreposição entre as autoridades tradicionais e as autoridades religiosas islâmicas. Deve se

referir que o Islão tornou-se, ao longo do tempo, “a religião das linhagens das elites e dos

grupos miscigenados do litoral, descendentes dos árabes, indianos, comorianos e malgaxes”.

Só mais tarde, a partir do início do século XX, é que a religião muçulmana se expandiu para

as regiões do interland, atingindo as populações das Províncias de Nampula, Cabo Delgado e

Niassa (LERMA, 1987).

Page 38: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

37

Assim, existem na Ilha de Moçambique duas ordens de confrarias, correspondentes às

duas primeiras que se estabeleceram na zona: a Xadulia, fundada em 1897 por um

descendente do Sultão das Comores, com o nome de Tuarica Xadulia Liaxuruti, e a Cadiria,

fundada em 1904 pelo Chehe Issa Bin Amad, de Zanzibar, com o nome Tuarica Cadiria

Sadate2.

Estas confrarias são predominantemente unidades culturais, com cerimonial e

simbologia litúrgica próprios, organizadas para a gestão dos assuntos religiosos: culto,

educação e ritos de transição. Têm, adicionalmente, responsabilidades na gestão dos conflitos

intra-crentes e dos mecanismos de entreajuda interna. Portanto, elas são um importante

veículo de disseminação do Islão e das formas de organização social e expressões culturais a

ele associados, tendo criado um grande impacto na identidade cultural das populações.

Dados do Plano Estratégico da Ilha de Moçambique (2010, p. 7) indicam que mais de

95% da população da Ilha de Moçambique professa a religião muçulmana e a língua

predominante é emakhuwa. De fato, o islamismo é a religião predominante, ao lado de uma

pequena minoria católica e seguidores de algumas denominações cristãs protestantes. Do

Induísmo, que foi bastante presente na Ilha até algumas décadas atrás, restam apenas um templo

e o crematório que são visitados ou utilizados esporadicamente por indianos ou descedentes de

fora da Ilha.

Na Ilha de Moçambique predominam danças típicas locais expressivas, como são os

casos do Ntsope, Tufo e Maulide, todas de influência islâmica e associável às particularidades

swahilis. Estas expressões artísticas fazem parte das novas formas de ritualização da vida

social da Ilha de Moçambique (CESO-CI, 2008).

Há que se referir que o tufu (Figura 4) é uma dança festiva executada nas mais

diversas ocasiões (casamentos, encerramento dos ritos osinkiya, emwali, nascimentos, entre

outras celebrações de carácter religioso e não religioso) atualmente praticada apenas por

mulheres, anamwina, dirigidas por uma mestra que pode ser uma halifa (esposa de um sheik

ou de um shehe, figuras da hierarquia religiosa muçulmana), também designada rainha ou

raice. Na dança, os homens apenas participam como instrumentistas, tocadores de kotxo-

kotxo (chocalhos de mão) e de batuques, localmente denominado de anatamboro, onde ‗ana‘,

na língua emakhuwa, é o prefixo indicativo de pessoa que faz algo, e tamboro, um

empréstimo da palavra portuguesa ‗tambor‘. (IPCI, 2010).

2Boletim de Arquivo Histórico de Moçambique, 1998, p.61

Page 39: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

38

Figura 4 - Dança Tufo.

Fonte: (Matsinhe, 2010)

A dança de Maulide (Figura 5) é praticada somente por homens, a sua palavra deriva

do árabe Mawlid, o que significa ―aniversário do profeta‖. É uma manifestação de louvor,

agradecimento e reconhecimento a Deus (Allah), razão pela qual a sua prática se inicia com

uma oração, denominada de Duha. Na Ilha de Moçambique esse ritual adquiriu um sentido

mais genérico e significa ―celebração‖ de modo geral, tais como nascimentos, casamentos,

festas populares.

Figura 5- Dança Maulide.

Fonte: In. IPCIM (Matsinhe, 2010)

A integração sociocultural dos jovens nas sociedades africanas, em geral, e a norte de

Moçambique, em particular, é feita através dos ritos de iniciação que constituem a primeira

escola da/do jovem. Os ritos de iniciação subdividem-se em femininos e masculinos.

Page 40: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

39

Os ensinamentos são administrados pelas anamalaka e pelas namuko (tias maternas

em representação das mães que não participam diretamente das encenações) com recurso a

encenações, ilustrações, enigmas, contos e cânticos acompanhados pelo rufar de batuques das

anamalakas, que versam sobre diferentes temáticas associadas ao contexto das tradições

locais como, a hospitalidade, que obriga a mulher educada a acolher bem todos os parentes

(do noivo e da noiva); a equidade, que motiva a mulher a não favorecer os seus próprios

familiares em detrimento do marido; o sigilo sobre os problemas conjugais surgidos no lar;

procurar pessoas idôneas para obter ajudas quanto aos problemas reincidentes (adultério,

ofensas corporais, falta de respeito, insultos, recusa de sustentar a família, entre outros).

2.3.3. Condições de Vida da população – Laços de entreajuda

A vida da população da Ilha de Moçambique não difere tanto em relação a de muitas

cidades cuja separação entre o centro e a preferia se confundem. O crescimento acelerado da

população na Ilha, devido ao longo conflito armado, constituiu um terreno fértil para que as

formas de solidariedade tradicional se transformassem gradualmente em novas formas de

solidariedade no contexto urbano, formas essas baseadas em grupos solidários como a família,

a comunidade de vizinhança ou os grupos religiosos, como são o caso das Confrarias

religiosas que constituem um importante veículo de disseminação do islão e de organização

social da comunidade na Ilha de Moçambique.

Os agrupamentos culturais ligados a expressões artísticas musicais constituem uma

rede institucionalizada de entreajuda e solidariedade e têm importantes dimensões económica

e político-partidária. Os problemas da pobreza e da falta de emprego formal tornaram as

atividades informais centradas no comércio, como uma das principais fontes de rendimento

das famílias quer das nativas, quer das imigrantes, situação que de certa forma, proporcionou

ao ressurgimento/fortalecimento de laços de solidariedade tradicional num espaço citadino,

onde predomina a lógica de sobrevivência das famílias residentes.

Portanto, aqui se considera atividades informais àquelas que desenrolam fora do

controle oficial, à margem dos regulamentos e procedimentos que estruturam o sistema formal

de produção e troca. A Organização das Nações Unidas (ONU, 1996), considera atividade

informal toda atividade econômica que se desenvolve sem a sua formalização junto das

entidades do governo nacional ou local, portanto, compreende essencialmente as chamadas

atividades de sobrevivência. No âmbito das relações sociais, também se destacam as relações

Page 41: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

40

que decorrem da ação direta e recíproca entre as pessoas, isto é, relações sociais decorrentes

da vida familiar e das relações de vizinhança.

Para Rodrigues (2006), as construções de redes de solidariedade no contexto africano

se baseiam no privilégio dos laços de proximidade e de confiança contribuindo, desta forma,

para a informalidade e pessoalidade das relações de base.

As redes sociais de solidariedade e entreajuda no setor informal contribuem de certa

forma para o crescimento e sustento destas atividades comerciais e consequentemente

estimulam a emergência e o fortalecimento das relações sociais no seio das camadas mais

desfavorecidas a nível institucional, uma vez que através do processo produtivo os homens

estabelecem entre si determinadas relações de natureza social, no sentido em que têm de se

associar e cooperar em quaisquer circunstâncias, tal como os entrevistados 10 e 11 se

referiram e que sintetiza nas palavras do entrevistado 10,

Somos pobres e a sobrevivência dos pobres se baseia em relações de entreajuda. Os

pobres, aqueles que vivem dependentes de pequenos negócios e sem rendimentos

estáveis precisam de se ajudar, de se apoiar em tudo e foi graças aos vizinhos, por

exemplo, que conseguimos erguer essa barraca onde confeccionamos alimentos que

vendemos e não podemos afirmar que a vida seja fácil aqui na Ilha e, sobretudo, para

nós pobres, mas mesmo assim, não dá para sairmos daqui e fixar as nossas

residências na parte continental sem ajuda de ninguém por duas razões: uma porque

não temos dinheiros para comprar o terreno e a outra, para construir a casa. Aqui,

apesar de não termos casas próprias e dinheiro para aguentarmos com as despesas do

mês, há sempre vizinhos e amigos que podemos pedir pouco de sal, pouco de óleo

de cozinha, pouco de lenha e assim os dias passam e isso porque amanhã, nós

também daremos o que estiver em nosso alcance ‖3.

As relações de entreajuda entre os membros da mesma confraria também se baseiam,

por exemplo, na organização de trabalhos que envolvem cerimônias diversas relacionadas

com aspectos socioculturais, na construção de casas, embarcações, estiques em dinheiros ou

em sistemas de poupanças e em outras formas de convivência da população.

Existe uma nítida divisão social de trabalho, na qual a pesca e atividades relacionadas

com construções são reservadas aos homens e cabe às mulheres, crianças e velhos os

trabalhos, sobretudo, domésticos e outras atividades consideradas leves. No entanto, uma

característica que mais se destaca na Ilha de Moçambique, é o fato das atividades ligadas à

agricultura serem praticamente reservadas às mulheres e crianças.

Em muitos núcleos familiares na Ilha de Moçambique quem garante o sustento da é a

mulher, principalmente naquelas em que os homens estão desempregados e não possuem

3Os entrevistados 10 e 11 são sócios no negócio de confecção e venda alimentos confeccionados, sobretudo,

aos pescadores que parte muito cedo ao alto-mar para suas diárias atividades.

Page 42: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

41

negócios para o sustento. Nesses casos, as mulheres dedicam-se à pequenos negócios de

venda de chá, mandioca com peixe frito e papinhas de milho para o sustento do seu lar.

2.4. Atividades Socioeconômicas

A economia da Ilha de Moçambique insere-se na mais global economia do Distrito,

com a inclusão da parte do continente. Os recursos pesqueiros são abundantes, mas o aumento

populacional associado à limitação dos meios de produção leva a uma sobre-exploração dos

recursos nas imediações da Ilha, causando baixa nos níveis de capturas e rendimento.

No tocante às atividades socioeconômicas, pode-se inferir que a população da Ilha de

Moçambique é economicamente pobre e a maior parte das suas atividades econômicas estão

baseadas no aproveitamento de recursos naturais existentes na zona, tais como, a pesca,

comércio (formal e informal), produção artesanal de sal e agricultura, atividades praticadas na

zona continental.

O índice de desenvolvimento humano na Ilha de Moçambique é fortemente

condicionado pela situação educacional do país. O baixo nível de instrução da população, por

sua vez, se reflete também na sua baixa capacitação, dificultando a criação de alternativas de

superação das vulnerabilidades e carências sociais, deixando de contribuir no combate à crise

do mercado de trabalho, pois só os mais qualificados são selecionados para as escassas vagas

aqui disponíveis.

2.4.1. Atividade pesqueira

A pesqueira (Figuras 6 e 7) constitui uma das atividades base de sobrevivência da

maior parte das famílias. Esta atividade é principalmente assegurada pelo sector familiar, o

que faz com que a sua prática seja feita em moldes tradicionais, isto é, com o predomínio do

uso de técnicas artesanais, como a rede de arrasto e o uso de canoas e barcos a vela. Esta

atividade é desenvolvida pelos homens, cabendo às mulheres, crianças e velhos, o processo de

apanha de mariscos.

Page 43: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

42

Figura 6 - Atividade pesqueira na Ilha de

Moçambique.

Fonte: (GACIM, 2011).

Figura 7- Compradores e revendedores do peixe a

espera do regresso dos pescadores.

Fonte: (GACIM, 2011)

De acordo com o relatório anual do Governo do Distrito da Ilha de Moçambique

(2011), existe um total de 1028 pescadores que se dedicam a esta atividade em regime de

ocupação exclusiva, empregando um total de 1917 pessoas de forma sazonal, sem contar com

outras centenas de indivíduos, sobretudo, mulheres e crianças que se dedicam a coleta de

mariscos e crustáceos nos períodos de maré baixa.

A organização desses pescadores varia bastante, podendo-se encontrar pescadores

artesanais que operam isoladamente ou em grupos de dois a três sócios.

As principais artes de pesca utilizadas são a draga, o arrasto para a praia, a rede de

cerco a partir de barcos, as armadilhas, a linha de mão e a caça submarina com arpão, sendo

algumas destas artes consideradas predatórias e ilegais devido à agressividade das mesmas

para o meio ambiente, pois é uma pesca que pode limitar a produtividade pesqueira, quer seja

sob ponto de vista biológica, quer econômica, porque retira do ambiente aquático mais do que

ele consegue repor, provocando consequências desastrosas – com impacto social e o

desequilíbrio ecológico.

A indeterminação de período de defeso da pesca é outro problema na Ilha de

Moçambique, pois, limita a reprodução do peixe e acaba prejudicando o repovoamento do

ambiente aquático.

Page 44: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

43

2.4.2. Atividade Agrícola

Dada a inexistência terrenos para roças na parte insular, os dados do relatório anual

do Governo da Ilha de Moçambique (2011), estima-se que 20% da população residente na

Cidade da Ilha de Moçambique desenvolve agricultura na zona continental (Lumbo). As roças

são relativamente pequenas e variam normalmente entre 1,5 a 3 hectares, variando de acordo

com as condições econômicas e meios de produção que cada família possui.

As principais culturas são o milho, mandioca, mapira, arroz, batata-doce, feijões e

diversas hortícolas, que na maioria dos casos serve para a subsistência familiar.

2.4.3. Atividade Industrial

Extração do Sal

Esta é uma das atividades desenvolvida na zona continental e constitui a única

atividade industrial relevante no contexto do Distrito, que apesar da sua existência datar há

séculos, só conheceu a sua expansão nos anos de 1980 e 1990 com a abertura de novas

cooperativas de produção de sal. Até 2011, as 45 unidades salineiras que existiam eram todas

privadas e trabalham com níveis de produtividade muito diferentes, existindo algumas

praticamente em estado de abandono. Destas salinas, apenas 28 possuem titulo e registo na

Geografia e Cadastro.

Não existe um registro confiável da produção alcançada por cada unidade, nem do

número exato de trabalhadores que cada salina emprega, devido à falta de um órgão local e

tutela da atividade que atualize o cadastro industrial. Os dados apresentados pelo Relatório

Anual do Governo do Distrito de 2011 apontam para uma produção de sal de 32.000

toneladas, correspondendo a um aumento na ordem de 9,5% comparados com a produção dos

dois anos anteriores.

A quantidade de sal produzido num canteiro varia principalmente de acordo com o

comportamento das marés. Assim sendo, de Setembro a Novembro pode-se produzir de 50 a

60 kg de sal/canteiro e em Dezembro, a produção pode subir de 80 a 90 kg/canteiro. O

período de produção termina pouco antes do fim de Dezembro, quando começa em geral a

época de chuvas. O sal produzido na Ilha abastece as províncias de Tete, Niassa e Manica,

bem como aos países fronteiriços do Malawi e Zimbabwe.

Page 45: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

44

Esta atividade constitui uma das importantes na economia da população da Ilha de

Moçambique, por um lado, e, por outro, é aquele que mais apresenta impacto negativo direto

sobre o ambiente, devido à devastação de grandes extensões de manguezal para o seu

desenvolvimento. As Figuras 8, 9, 10 e 11 demonstram os impactos da atividade.

Figura 8- Manguezal preservado

Fonte: Arquivo – (GACIM, 2000) Figura 9- Processo de degradação do manguezal

Fonte: Arquivo – (GACIM, 2012)

Figura10- Recuperação da área degrada de manguezal

Fonte Arquivo – (GACIM, 2010)

Figura 21- Salinas - área de produção do

sal. Fonte: Arquivo – (GACIM, 2011)

2.4.4. Atividade Comercial

A Ilha de Moçambique tem mantido ao longo do tempo a sua característica secular de

Entreposto Comercial da Região, portanto, uma intensa atividade comercial. Diariamente

chegam a Ilha centenas de pessoas que compram e vendem produtos diversos. Contrariamente

às atividades acima apontadas, esse setor é o que mais absorve a camada jovem da população

da Ilha de Moçambique e é assegurado principalmente pelo comércio informal, fato geral em

todas as cidades moçambicanas.

Page 46: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

45

A descentralização do sistema de comercialização dos produtos de consumo para

diversos pontos da cidade permitiu que cada parte cidade possuísse um mercado formal e

diversos pontos de comércio informal. Nos mercados formais, os técnicos do Município

cobram taxas e prestam alguma assistência em infraestruturas, apesar de incipiente. Nos

mercados informais são cobradas algumas taxas, que supostamente se dizem destinar às

melhorias das condições de saneamento nos locais onde se localizam, mas que na prática,

pouco se faz sentir essa ação.

A população da Ilha de Moçambique adquire produtos de consumo tanto num sistema

de mercados formais como no outro, independentemente do lugar de residência ou de

localização do mercado. No entanto, a rede de lojas no centro histórico constitui um mercado

de consumo que continua a ser o ponto de convergência de toda a população.

Ainda no sistema de relações de trocas comerciais com o resto do distrito, diariamente

dezenas de pessoas se deslocam à cidade para venderem diversos produtos agrícolas como

manga, abacaxi, mamão e banana, feijão cuté, diversas hortícolas, abóboras, pepinos,

mandioca seca, amendoim; produtos pesqueiros como peixe, camarão, caranguejo e outros

mariscos; ovos, galinhas; objetos artesanais, lenha e carvão. Ali também compram produtos

industrializados tais como sabão, açúcar, arroz, farinha de trigo, óleo alimentar, peças de

roupa, capulanas (canga), diversos utensílios domésticos e petróleo.

Com maior destaque no setor do comércio informal estão as mulheres que

diariamente se deslocam às ruas e às praias para vender os diversos produtos alimentares já

confeccionados (Figuras 12 e 13). Os principais consumidores dos mesmos são, na sua

maioria, os pescadores que partem para o mar muito cedo e retornam às cinco da tarde, bem

como alguns turistas jovens. Estas mulheres trabalham diariamente entre as 5 horas da

manhã até às 5 da tarde, sob intenso calor e em palhotas totalmente degradadas e sem

condições higiênicas para o tipo de atividade.

Page 47: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

46

Figura 12- Produção de alimentos na Ilha de

Moçambique.

Fonte: (Lucia Omar, 2012)

Figura 13 - Mulheres vendendo alimentos diversos nas

bermas da praia, junto ao mercado do peixe.

Fonte: (Lucia Omar, 2012)

É de realçar que o comércio informal tem elevado peso nas trocas comerciais da região

e, concomitante, no emprego e na subsistência da população. Como foi referido, é o setor que

ocupa grande parte da população ativa da Ilha. Esta atividade tem se apresentado como uma

estratégia frente à inexistência de condições adequadas de conservação e transporte de bens

alimentares perecíveis, notadamente o peixe, que é um dos principais produtos da Ilha.

As segundas-feiras são reservadas para a realização da feira comercial na cidade da

Ilha (figuras 14 e 15), que geralmente é realizada no mercado localizado no Bairro Areal, na

chamada ponta da Ilha. E, aos domingos, a feira é revertida para a parte continental.

Figura 14- Feira comercial realizada nas segundas feiras.

Fonte: (Lucia Omar, 2012) Figura 15- Feira comercial na Ilha de Moçambique.

Fonte: (Lucia Omar, 2012)

Page 48: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

47

2.4.5. Turismo

O turismo é considerado uma atividade importante na Cidade da Ilha de

Moçambique. Os dados do relatório do Governo do Distrito da Ilha de Moçambique 2010

indicam que o setor emprega um total de 222 trabalhadores. Os principais polos de atração

são os principais Monumentos, como o Palácio Museu de São Paulo (que contempla os

Museus de Arte Sacra, da Marinha e Decorativa); Largo do Coreto, Estátua de Vasco da

Gama, Igreja da Misericórdia, Fortaleza de São Sebastião que também contempla (a Capela

manuelina de Nossa Senhora de Baluarte); Templo Hindu, Jardim de Memória da Escravatura,

Igreja de Santo Antônio, Capela de São Francisco Xavier, Igreja de Nossa Senhora de Saúde,

Estátua de Luís de Camões, rua dos arcos, Mercado Municipal, Mesquita Grande (Central),

Capitania, Escola de Artes e Ofícios, hospital da ilha de Moçambique, Tribunal, Edifício do

Conselho Municipal da Ilha de Moçambique, Crematório Hindu, Ponte-Cais e a Cidade de

Macuti.

Após a classificação da Ilha como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1991, o

turismo passou a assumir um papel de destaque na economia de uma parcela da população da

Ilha de Moçambique.

Figura 16 - Cruzeiros de turistas internacionais que geralmente fazem escala a Ilha

de Moçambique entre os meses de Julho/Outubro.

Fonte: (Shehe Hafiz Jamu, 2007)

Entretanto, para que a Ilha possa satisfazer os propósitos dos seus visitantes, é

necessário investir na área de infraestruturas e no potencial humano, pois esses constituem os

principais entraves para tornar esse ponto do país como um destino preferencial de turistas.

Page 49: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

48

Na cidade de Macuti, que constitui um dos grandes atrativos de turistas, os seus habitantes

não dispõem de infraestrutura de saneamento ambiental e serviços de qualidade para atender

às suas próprias necessidades e essa situação se agrava quando em função dos fluxos de

visitantes.

O número de visitantes que chega a Ilha varia de ano para ano. Os dados do Governo

do Distrito indicam que o período com pico máximo tem sido entre Agosto a Outubro. Em

2010, a Ilha recebeu um total de 2.740 turistas, dos quais 684 nacionais; em 2011, o número

quase que triplicou para 6.532, sendo 3.048 nacionais4.

De acordo com dados de cadastros efetuados pelo setor do Turismo no Distrito

indicam que os turistas estrangeiros que visitam a Ilha de Moçambique apresentam o seguinte

perfil: 60% têm entre 20 a 65 anos de idade, sendo de 40% entre 24 a 30 anos de idade, pois, a

maior parte desses turistas são estudantes universitários e para os casos de turistas nacionais, a

maior parte é constituída por estudantes do ensino médio e profissional. E isto significa que

quase 70% dos visitantes se encontram na idade ativa e apenas 30% aposentados5.

Em relação à origem dos turistas, os dados não permitem discriminar. No entanto, de

uma forma geral, pode-se ver que a maior parte do grupo de turistas é constituída por

estrangeiros. O contato direto com área de estudo tornou possível observar que a maior parte

de turistas estrangeiros que visita a Ilha de Moçambique tem a sua origem na Europa e,

sobretudo, Portugal e Espanha, seguida pela República de África do Sul.

A gastronomia constitui também o motivo de interesse em visitar a Ilha de

Moçambique, segundo os dados fornecidos pelo relatório do Governo do Distrito. O período

de permanência dos turistas estrangeiros na Ilha é em média três dias, de acordo com as

informações de alguns turistas contatados.

2.5. Serviços Sociais e Infraestruturas

2.5.1. Educação

Uma população educada é fundamental para o desenvolvimento nacional. Combinada

com boas políticas macroeconômicas, a educação é considerada um fator-chave na promoção

do bem-estar social e na redução da pobreza, pois, pode afetar positivamente a produtividade

4Relatório anual do GDIM, (2011.

5Idem.

Page 50: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

49

local ou nacional e, por via disso, determinar padrões de vida da sua população. A educação é

um o processo pelo qual a sociedade prepara os seus membros com vista à sua própria

continuidade e desenvolvimento. Este afirmação é fundamentada por Gruber, apud

Chimalawoonga (2011, p. 52), ao considerar que ―o principal objetivo da educação em

qualquer sociedade é salvaguardar a sua continuidade”.

Ainda de acordo com este autor, a educação constitui o meio que possibilita a

superação e melhoria da condição humana marcada por carências e limitações, pois, ―o

objetivo de toda e qualquer ciência é humanizar, isto é, promover o homem de sua condição

humana menor para a maior”.

No contexto da valorização do patrimônio cultural imaterial, a análise do fator

educação passa necessariamente pela abordagem da educação informal, que compõe os ritos

de iniciação (masculinos e femininos), nubilidade (femininos), parte importante do sistema de

educação tradicional, em virtude do alto valor social e simbólico que lhes é atribuído pelas

sociedades africanas, sobretudo a Norte de Moçambique.

Por se considerar que a Ilha de Moçambique é constituída majoritariamente pela

população que professa a religião muçulmana, a madrassah6 ocupa uma posição de destaque

na educação de jovens neste distrito. Até bem pouco tempo atrás, provavelmente uma década,

a educação informal muçulmana (madrassah) era a primeira preferência dos pais. Para a

população muçulmana, é uma honra ver seu filho a ler e escrever em árabe, a única língua até

agora usada na escrita e na transmissão dos ensinamentos e das leis islâmicas.

Para Novelli (2001, p.8),

a educação proporciona o segundo nascimento do indivíduo porque o torna

autônomo, senhor de si no convívio de seu povo. A autonomia é uma conquista do

indivíduo porque este precisa aderir à proposta de seu povo e renunciar suas

particularidades e exclusivismos. Isso não se dá no âmbito da natureza reduzida ao

em si de si mesmo, ou seja, enclausurada numa existência determinada. Portanto, a

educação diz respeito à existência de indivíduos e de como estes vêm a ser

individualidade coletivizada e coletividade individualizada.

Na Constituição da República de Moçambique (1990, p. 26), no seu artigo 88,

estabelece que,

a educação constitui um direito e um dever de cada cidadão‖ e que o Estado

promove a extensão e o acesso equitativo para que todos os cidadãos beneficiem

deste direito. O art. 113 da mesma Constituição (p.32) sublinha o papel do Estado

moçambicano na promoção de uma estratégia de educação visando ―a unidade

nacional, a erradicação do analfabetismo, o domínio da ciência e da técnica, bem

como a formação moral e cívica dos cidadãos‖

6Escola religiosa muçulmana, onde acriança aprende o abecedário e as leis islâmicas do alcorão em árabe.

Page 51: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

50

É neste contexto que se procurou analisar o estágio de educação na Ilha de

Moçambique como um todo, visto que as estatísticas não permitem avaliar a situação de

forma separada, a parte Continental e Insular (que constitui objeto de estudo da presente

dissertação). Ainda assim, é importante que se tenha uma ideia sobre o nível de escolaridade

no distrito como um todo em anos recentes.

De acordo com os dados do Relatório Anual do Governo do Distrito da Ilha de

Moçambique (2011), o setor da educação conta com 17 escolas públicas, das quais 7 lecionam

da 1ª a 5ª Classe, denominada por Escola Primária (EP1), 7 lecionam da 1ª a 7ª classes,

denominada por Escola Primária Completa (EPC), 2 são do ensino secundário, subdivididas

em 8ª a 9ª classes, denominada, Escola Secundária do Primeiro Grau (ESG 1º) e 10ª a 12ª

classes, denominada, Escola secundária do Segundo Grau (ESG 2º), 1 Escola do Ensino

Técnico Profissional Vocacional. Para além destas, existe 1 Núcleo do Curso Médio à

Distância.

Para a erradicação do analfabetismo, o Distrito conta com 124 Centros de

Alfabetização e educação de Adultos (AEA), dos quais 79 são de regime Regular e 45 são do

Programa Alfa-Radio com 2.754 educandos do 1º ao 3º ano, assistidos por 124

Alfabetizadores. Além disso, 8 Educadores Profissionais facilitam a organização do processo

de Ensino-Aprendizagem nas diversas unidades existentes no distrito. (RELATÓRIO DO

GDIM, 2011).

2.5.2. A Rede Sanitária da Ilha de Moçambique

A saúde tem um papel fundamental no desenvolvimento de uma sociedade, pois, além

de ser uma condição primordial para o bem-estar físico, também está intimamente relacionada

com um conjunto de outras variáveis fundamentais para a promoção do bem-estar social. Dai

que ao promover a saúde da população está-se a promover outras condições sociais, tais como

habitacionais e de educação.

A Rede sanitária da Ilha de Moçambique é constituída por 5 Unidades, sendo 2

Centros de Saúde de tipo 1 e 3 Centros de saúde de tipo 2, dos quais 1 localizado na parte

insular e os restantes na parte continental. O setor é assegurado por apenas 1 médico, 21

enfermeiros e 10 técnicos. Esses dados demonstram o quão grande é a fragilidade do setor de

saúde da Ilha de Moçambique. Esta situação leva a que a maior parte da população opte pelos

Page 52: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

51

tratamentos tradicionais oferecidos pelos curandeiros da comunidade quando afligidos pelas

doenças.

A medicina tradicional foi oficialmente reconhecida em Moçambique, e em 2001 foi

criada a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), que nasceu

com o intuito de chancelar o trabalho dos curandeiros, além de criar padrões de atendimento e

comportamento. É na medicina tradicional que a maioria da população encontra o primeiro

atendimento e que em certas circunstancias, constitui o único. Portanto, essas pessoas são

geralmente procuradas porque se acredita que determinada doença tenha origem sobrenatural,

como feitiçaria ou possessão de espíritos.

A medicina tradicional em Moçambique e, sobretudo, nas zonas rurais desempenha

um papel preponderante nas comunidades, porque os praticantes desta medicina são os que

estão próximos da população, falam a mesma linguagem da população, pertencem à mesma

cultura e, de certa forma, são os fazedores de comportamentos. Boa parte dos problemas de

saúde passa por mudança de comportamento, que poderia associar os saberes tradicionais

sobre cura com a medicina moderna.

Figura 17- Prática da medicina tradicional na Ilha de Moçambique.

Fonte: In: IPCI – (Matsinhe, 2010)

Entretanto, há que realçar que ainda há muito por fazer em todas as áreas ligadas ao

desenvolvimento humano. E isso, passa por uma melhoria das condições de higiene e

salubridade, pelas condições das instituições e equipamentos de saúde, mas também por uma

maior educação e consciencialização das populações em questões de educação e promoção de

saúde pessoal e comunitária.

Page 53: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

52

2.5.3. Transportes e comunicações

A cidade de Ilha de Moçambique conta com três estradas urbanas principais: a da

Contra-costas (Av. da Unidade), em bom estado de conservação, pavimentada em 2009, a

Central (Av. 25 de Junho), encontra-se em estado degradado, aguardando os estudos ligados

ao sistema de drenagem que possam garantir a evacuação das águas pluviais devido à fraca

capacidade de permeabilidade dos solos, e a da Costa (Av. dos Trabalhadores), que até

princípios do ano de 2012, se encontrava em estágio final da pavimentação.

A cidade estabelece comunicação com outros pontos da província através da estrada

nacional número 105 e ainda possui um pequeno aeródromo, localizado na porção

continental. O Distrito ainda conta com o sistema de comunicações constituído pela rede de

telefonia fixa, pertencente às telecomunicações de Moçambique – TDM, com serviços de

Café Internet e duas telefonias móveis das companhias da Mcel e Vodacom, ambos em bom

estado operacional mas sem serviços de atendimento ao cliente na Ilha de Moçambique.

Possui ainda os serviços de correio em funcionamento que asseguram as correspondências e o

pagamento de pensionistas. De igual modo, a cidade se beneficia de uma rádio comunitária e

dois canais de Televisão (TVM e RTP).

A Ilha de Moçambique beneficia-se de uma corrente elétrica da linha de Cahora

Bassa com uma cobertura em 70% na zona insular e cerca 40% na zona continental. A partir

de Outubro de 2007, foi introduzido o sistema de credelec (Relatório do GDIM, 2011).

Possui igualmente uma bomba de combustível de pouca capacidade que funciona

durante um período do dia, das 5 horas da manhã até às 10 horas da noite, localizada na zona

insular da Cidade. No tocante aos meios de transporte, a Ilha conta com uma associação de

transportadores constituído por 48 associados, sendo 31 de transporte de passageiros e 17 de

carga, que estabelecem as ligações entre a Ilha, a cidade de Nampula e Distritos

circunvizinhos. O transporte é também efetuado por via marítima, através de embarcações de

carga e passageiros (majoritariamente a vela). Há uma ponte para atracagem de embarcações

e navios de grande porte, recentemente reabilitada.

2.5.4. Habitação

De acordo com Pandolfo (2001), a habitação constitui a grande base de sustentação

para a existência do ser humano, para tal, a habitação como sendo a relação de equilíbrio entre

Page 54: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

53

três conjuntos de necessidades humanas: abrigo, a acesso e ocupação. O autor ainda salienta

que o valor de habitação para o usuário é a função de que ela pode oferecer e não se restringe

apenas à aparência da estrutura física ou a maneira como é vista pela vizinhança. Neste

sentido, a necessidade de abrigo está vinculada diretamente à estrutura física do ambiente

construído. A função da habitação, ainda segundo este autor, é parcialmente atendida

enquanto essa estrutura protege o seu morador contra agentes externos e, internamente,

proporciona o atendimento das suas exigências.

Refletir sobre a questão da habitação na Ilha de Moçambique, implica reconhecer a

cidade em todos os seus aspectos e momentos. Desde a sua proclamação como primeira

capital colonial até os dias atuais, passando por momentos-chave como no ano de 1868, com a

abertura da cidade à população negra, e que se caracterizou pelas construções de palhotas

frágeis na área anteriormente reservada para a exploração mineral e atividades tidas como

nocivas à cidade; a transferência da capital de para Lourenço Marques (Maputo) em 1898, que

se caracterizou pela saída de uma parte da população ligada às funções públicas, e uma parte

da camada intelectual para outras cidades; a classificação da Cidade de Pedra e Cal como

núcleo urbano de interesse público em 1955 em detrimento da sua congênere, a Cidade de

Macuti; período pós-independência nacional em 1975; a nacionalização do parque imobiliário

em 1976; a guerra civil entre 1977 a 1992, que provocou uma intensa migração da população

rural com culturas diferentes para a Ilha em busca de segurança e melhores condições de vida,

que acarretaram em transformações na cidade cujos reflexos ainda se fazem sentir nos dias

atuais; processo de alienação imobiliária em 1991, em que o Estado assumiu o direito

exclusivo de arrendamento de imóveis, permitindo a cada família apenas os direitos

imobiliários sobre a sua própria habitação e ainda, no mesmo ano, a declaração da Ilha de

Moçambique como Patrimônio Cultural da Humanidade, e em 2006, a criação do Gabinete de

Conservação da Ilha de Moçambique, que assumiu a gestão de imóveis classificados ou em

vias de classificação que outrora estavam na responsabilidade do APIE – Administração

Pública do Parque Imobiliário do Estado.

Em cada uma destas épocas apontadas, a questão habitacional teve uma característica

diferente, tendo-se destacado no período pós-independência nacional de Moçambique em

1975 onde mais de 95% da população portuguesa e os seus descendentes, que constituía a

quase a totalidade de quadros governamentais e empresariais, médicos, enfermeiros,

engenheiros, técnicos, professores, mecânicos, entre outros, abandonaram as cidades

moçambicanas e que quase a maior parte dos edifícios foram ocupados pela população local

Page 55: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

54

economicamente pobre, com necessidades básicas e que não deixaram espaço para os esforços

de conservação desses edifícios.

Após a independência nacional, a esperança do Governo de Moçambique era sem

dúvidas de atingir um desenvolvimento social, econômico e cultural, com a erradicação da

pobreza absoluta e da discriminação social que afetava de certa forma todo o território

moçambicano. A nacionalização de toda a propriedade imobiliária, como medida contra o

mercado capitalista fundiário e imobiliário, foi a intervenção mais determinante sobre o

espaço urbano, tomada pelo novo governo sob comando da FRELIMO (Partido no poder), na

sequência, foi constituída para administração da propriedade imobiliário do Estado (APIE). A

instituição tinha por missão distribuir a habitação em função das necessidades das famílias e

dos níveis salariais, fixar os preços de aluguel e, controlar o número de habitações

consideradas devolvidas ou abandonadas.

Tal como aconteceu em todo o território nacional, após Independência Nacional,

também na Ilha de Moçambique, uma parte da população negra e pobre que vivia em casas

sem condições de habitabilidade na Cidade de Macuti e das zonas circunvizinhas da Ilha,

migrou para o centro da cidade ocupando as habitações abandonadas pelos portugueses

(europeus) e indianos. Esse processo constituiu uma autêntica ―revolução do direto à

habitação aos cidadãos moçambicanos‖.

Deste modo, o art.1 do Decreto-Lei nº 5/76, de 5 de Fevereiro, determinou-se que

―somente a habitação familiar é que tem a garantia como propriedade privada‖. Assim

sendo, o Estado se tornou o único proprietário dos imóveis a partir desse período. Assim

sendo, os edifícios que pertenciam aos que haviam abandonado ou expulsos de Moçambique

logo após a independência, aos estrangeiros que viviam fora de Moçambique (art.3) e aos

demais nacionais que viviam no estrangeiro (art.5) e dos edifícios não ocupados pelos

proprietários ou utentes legais (art.6). Foi nesse contexto que se instituiu APIE -

Administração do Parque Imobiliário do Estado, que passou a ser responsável pelo

arrendamento e manutenção dos imóveis nacionalizados (PEREIRA, 1994).

A situação habitacional na Ilha de Moçambique se tornou em caos nessa época, tal

como Pereira (1994) comenta,

A recém-formada instituição não dispunha de capacidade técnica, de meios

financeiros, materiais e nem de sensibilidade para impedir a pilhagem, travar a

degradação, fazer cumprir as regras e perspectivar uma utilização racional do

patrimônio e isso, teve como consequências, o desmando que se deu durante esse

período. Os edifícios públicos passaram a ter outras funções, casas de habitações e

pátios foram subdivididos, as coberturas, as vigas, os barrotes de madeira, as janelas,

as portas, os fios elétricos, as casas de banho foram sistematicamente pilhados.

―portanto, ação antrópica da degradação do meio ambiente e do próprio patrimônio

Page 56: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

55

edificado foi mais forte que da influência dos fatores climáticos‖(PEREIRA, op.cit.

p.‘18).

Entretanto, apesar das dificuldades apontadas nesse processo, o governo considerou-

o uma ―conquista do povo‖ e que de certo modo, atenuou a problemática habitacional de uma

parte da população no país.

Em 1977, realiza-se o III Congresso da FRELIMO, tido como o I pós-independência, que teve

marco importante no setor de habitação em Moçambique ao reconhecer que o melhoramento

das condições de vida das populações que se debatia nas cidades e vilas representaria uma

grande contribuição para elevação do nível de vida dessas pessoas (CEDH, 2006, p.9).

Também se destacou nesse Congresso a definição das diretivas econômicas e sociais,

centradas em seguintes aspectos cruciais:

• Definição de orientações estratégicas de planificação dos assentamentos

humanos;

• Elaboração de Planos de Urbanização e definição de métodos de controle e de

sua execução;

• Elaborar projetos e apoiar as populações na execução de obras de

infraestrutura e de equipamento social, dando prioridade ao abastecimento de água e ao

saneamento;

• Organizar e enquadrar tecnicamente as populações integradas nos programas

de autoconstrução e cooperativas habitacionais;

• Apoio ao desenvolvimento de mecanismos de acesso ao crédito;

• Criar legislação, tanto para a construção como para a tramitação das

habitações;

• Estudar a normalização dos elementos de construção civil para as habitações,

a concepção de novas tipologias habitacionais e de equipamentos que sejam

acessíveis à população;

• Definir o papel das entidades empregadoras em relação à habitação dos seus

trabalhadores;

• Proceder a um estudo de formas e técnicas tradicionais de construção de

habitação;

Formação de técnicos para participar nos programas de planificação do desenvolvimento

urbano (CEDH, 2006, op.cit).

Page 57: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

56

Para responder a uma série de problemas no âmbito da gestão urbana, a população,

utilizando os seus próprios recursos, iniciou com o processo de construção de suas casas, e na

Ilha de Moçambique, o processo foi-se caracterizando pela contínua transformação de casas

de construção com material precário de pau-a-pique e de cobertura de palmares, para

construções com uso de materiais de alvenaria, para o caso da Cidade de Macuti.

Para o caso da Ilha de Moçambique, a população não teve nenhum apoio nesse

processo, quer em termos financeiros, querem materiais e essa situação deu no que hoje se

pode presenciar, sobretudo, na Cidade de Macuti, uma ocupação desordenada e sem espaços

até para circular. E para Cidade de Pedra e Cal, o fenômeno foi caraterizado pelo processo de

alteração arquitetônica das estruturas, sobretudo, as internas dos imóveis ocupados legalmente

ou ilegalmente pela comunidade local e essas transformações visavam adequar a realidade

familiar.

Dado ao elevado número de famílias que procuravam moradias num período em que

mais da metade de edifícios se encontravam em ruínas, e na tentativa de acolher a todos, a

alternativa era arrendar o número maior possível de famílias numa casa. Assim, numa casa de

tipo 3, arrendava-se a três famílias diferentes, cabendo a cada uma um quarto. De uma forma

geral, a constituição de agregado familiar em Moçambique é em média 6 membros. Sendo

assim, um quarto era subdividido também em dois ou mais compartimentos com recurso a

cangas, esteiras e, em outros casos, com bloco de cimento, sendo um para o casal, para os

rapazes e as raparigas, contribuindo cada vez mais o processo de degradação dos imóveis.

(Relatório do GACIM, 2009).

Esta situação constitui atualmente o calcanhar de alquiles para os técnicos que lidam

com a gestão de imóveis do Estado, pois, havendo interesse de uma das famílias em alienar o

imóvel torna-se praticamente impossível determinar o legitimo proprietário. E isto, se deve ao

fato, como foi referido por Pereira (1994, op.cit.), que APIE não tinha uma estrutura sólida de

gestão, não tinha recursos financeiros e nem sequer tinha punho para por ordem em tais

situações, nada tinha a fazer do que simplesmente contemplar a situação.

A insuficiência de espaços para novas construções quer na Cidade de Pedra e Cal,

quer na Cidade de Macuti, constituiu um dos entraves para os imigrantes e a resolução

imediata encontrada no meio em que há carências em todos os aspectos (financeira, espaços,

etc.) foi a de compartilhar as casas dos anfitriões, na qualidade de inquilinos secundários, isto

é, os que tinham celebrados contratos com APIE, para o caso da Cidade de Pedra e Cal,

passaram, por sua vez, a sublocar os quartos.

Page 58: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

57

A partilha de espaço por grupos de famílias traduz uma realidade comum na Ilha

explicada por fatores estruturais, econômicos, sociais e culturais. Problemas como o

desemprego e a pobreza de muitas famílias (principalmente na Cidade de Macuti) conduziram

a estratégias de vida que encontram nas locações de imóveis um meio de assegurar seu

sustento e resolver inúmeros outros problemas. Assim, pode-se afirmar que o aluguel de

espaço para habitação tornou-se o negócio mais vulgar na Cidade da Ilha de Moçambique.

Famílias utilizam suas próprias residências para o aluguel, cedendo quartos, salas e

outros espaços úteis ainda que minúsculos e muitas vezes insalubres. Há casos em que

compartimentos de uma residência ocupada a título de aluguel são cedidos a outros pelo

mesmo título. Mas a consciência de que tais atos não são lícitos e muitas vezestem dificultado

a identificação dos infratores que agem sempre a coberto dos ―inquilinos‖. O preço do aluguel

varia consoante o tamanho e as condições do lugar (privacidade, acesso à casa de banho,

disponibilidade de água potável, etc.).

Para o caso da Cidade de Macuti, onde as casas são particulares, em cada uma das

casas passou a viver um conjunto de cinco ou mais famílias ou, noutros termos, um ―grupo

domiciliar‖, isto é, por ―grupo domiciliar‖ o conjunto de famílias que partilham o espaço de

uma mesma casa. Os agregados familiares em média na Ilha de Moçambique como foi

referido acima, é em média 6 membros.

Há que destacar que as ―mudanças‖ verificadas na Cidade de Macuti trouxeram duas

consequências negativas no meio ambiente urbano: desaparecimento de espaços livres,

caracterizado agora por uma circulação deficitária entre os moradores e mesmo dos que

visitam e as condições de saneamento se tornaram mais deploráveis, tal como as ilustrações

na Figura 18.

Figura18 - Imagens da situação precária das moradias da população da Cidade de Macuti.

Fonte: (Lucia Omar, 2012).

Page 59: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

58

A pobreza e a falta de recursos e influências típicas de um ambiente rural, as formas

de gestão inadequadas, a superpopulação de residências, entre outros fatores, participaram da

degradação acelerada dos imóveis, explicando esse fato a urgência de um plano global e

integrado, visando a restauração do patrimônio habitacional da Ilha, sem com isso significar a

exclusão dos seus habitantes, como geralmente acontece em cidades patrimoniais.

2.5.5. Saneamento Urbano na Ilha de Moçambique

Ao longo do tempo, a noção de saneamento assumiu conteúdos distintos, variando de

acordo com a cultura, relações existentes entre homem e natureza, classe social, condições

materiais de existência e dos níveis de informação e conhecimento. A incorporação de

questões de ordem ambiental e de ordem sanitária às preocupações no campo do saneamento

resultou na perda de força da visão antropocêntrica que vigorava, dando lugar a uma nova

perspectiva da relação sociedade ambiente. Dessa forma, o saneamento passa a ser tratado

também em termos de saneamento básico e saneamento ambiental (RUBINGER, 2008, p.20).

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS o saneamento é um controle de

todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito deletério

sobre seu bem-estar físico, mental e social, portanto, é um fator importante para a fixação,

desenvolvimento socioeconômico e saúde de uma comunidade.

Existem diversos significados para qualidade de vida, mas é inegável que não se tem

qualidade de vida sem saúde, e para uma boa manutenção da saúde de uma comunidade é

importante o acesso a condições mínimas de saneamento. O saneamento básico é fator na

proteção à qualidade de vida e é por falta deste que a Ilha de Moçambique enfrenta graves

problemas.

A maioria dos problemas sanitários que afeta a população da Ilha de Moçambique

está intrinsecamente relacionada com o meio ambiente. O saneamento urbano é fundamental

para a melhoria de vida da população e em termos genéricos, o saneamento significa higiene e

limpeza (RIBEIRO & ROOKE, 2010, p.22).

E as ações de saneamento são uma série de medidas prévias que garantem a

adequada ocupação do solo urbano. Abrange desde o abastecimento de água, o cuidado com a

destinação de resíduos sólidos e esgotamento sanitário, até obras de drenagem urbana,

Page 60: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

59

controle de vetores e focos de doenças transmissíveis, e mesmo a preocupação com a

melhoria das condições de habitação e a educação sanitária e ambiental.

Dentre as principais atividades de saneamento estão a coleta e o tratamento de

resíduos das atividades humanas tanto sólidos quanto líquidos (lixo e esgoto), prevenir a

poluição das águas subterrâneas e do mar, garantir a qualidade da água utilizada pelas

populações para consumo, bem como seu fornecimento de qualidade, além do controle de

vetores de doenças. Incluem-se ainda no campo de atuação do saneamento, a drenagem das

águas das chuvas, prevenção de enchentes e cuidados com as águas subterrâneas.

A inexistência de condições de saneamento adequadas, aliada à falta de práticas de

educação sanitária na Ilha de Moçambique, tem sido traduzida pela incidência direta de várias

enfermidades que prejudicam o rendimento do trabalho, diminuem a expectativa de vida

média dos indivíduos, trazendo uma situação de mal estar geral para a população e podendo

dificultar, ou mesmo impedir, o progresso social.

Com o aumento desenfreado da população e o desaparecimento de espaços livres a

população ficou mais susceptível a riscos ambientais, devido ao uso das praias para a

satisfação das necessidades biológicas (defecação), que apesar dos esforços do edil do

Município em aumentar o número sanitários públicos ao longo das margens das praias, e a

construção de mais de 53 latrinas caseiras nos últimos dois anos, não resolveu o problema

deste grande mal.

A persistência do fenômeno de fecalismo a céu aberto é justificado pela falta de

condições higiênicas nos tais sanitários públicos e latrinas caseiras, devido ao elevado número

de utentes, pois, por exemplo, as latrinas caseiras não atingem três metros de profundidades

recomendados, devido ao nível alto do lençol freático em alguns bairros da Cidade de Macuti,

e isso não permite a que as mesmas sejam utilizadas por muito tempo. A falta de condições

higiênicas facilita em muitos casos a transmissão de doenças infecciosas.

Considerando-se as condições precárias em que vive exposta grande parcela da

população da Ilha de Moçambique, o saneamento básico é encarado como um desafio para

autoridade municipal.

As inundações verificadas, sobretudo, nos bairros de Litine e Esteu em épocas

chuvosas constituem um dos mais importantes impactos negativos sobre a população e são

provocadas por ocupação, ou seja, a expansão pelos espaços livres que outrora servia de vias

para fluir as águas e que com o tempo sofreram estrangulamento causados pelo lixo jogado

nas valas de drenagem a céu aberto construídas nesses bairros, como se pode observar nas

Page 61: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

60

(Figuras 19 e 20). Outro impacto se configura em relação à produção de sedimentos que tem

consequências ambientais graves para essas áreas, como assoreamento dos drenos com valas

abertas, processo que se mostra ineficaz para a solução do problema de estagnação das águas

pluviais e esgotos.

Figura 19 - Precariedade de valas de

drenagem a céu aberto.

Fonte: (Lucia Omar, 2012)

Figura 20 - Enchentes devido a impermeabilidade do solo

urbano na Ilha de Moçambique

Fonte: (GACIM, 2010)

A outra grande preocupação são as inundações das fossas, levando à superfície

excrementos humanos, o que constitui um atentado à saúde pública, tomando em

consideração que os moradores na sua maior parte consomem água dos poços a céu aberto,

ressalta-se ainda a degradação da qualidade da água drenada pelos esgotos pluviais e

contaminada. A Ilha precisa de uma gestão cuidadosa em termos de saneamento do meio e

gestão do lixo. A precariedade de serviços públicos nessa área acarreta a formação de um

ambiente propício à propagação das mais variadas doenças.

As fontes de água para os habitantes da Ilha de Moçambique têm três origens:

canalizada, poços e cisternas. A água canalizada provém da estação de captação de Ntete,

situada nas margens do Rio Monapo, a cerca de 20 quilômetros da Ilha. O sistema foi

projetado em 1962, para atender a um número reduzido da população e que de lá para cá o

número de consumidores quadriplicou e o sistema manteve-se com a mesma capacidade, o

que tem criando problemas de escassez, mesmo com adoção de rodízio no abastecimento na

cidade.

As cisternas e poços têm constituído uma alternativa para a maior parte da

população, quer para Cidade de Pedra e Cal, quer para a Cidade de Macuti. A postura

Page 62: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

61

camarária de 1878 tornava obrigatória a construção de cisternas em cada casa. As principais

cisternas da Ilha eram as da Fortaleza, do Hospital, da Ponta da Ilha, do Museu, da Escola

Secundária, Escola Profissional e as situadas em algumas praças públicas. As cisternas

localizadas na Cidade de Macuti estão em desuso. Neste momento, ainda fornecem água à

população as cisternas da Fortaleza e a da Praça Pública situadas junto ao edifício onde

funciona o GACIM.

De uma forma geral, a situação de abastecimento de água na Ilha deixa a desejar,

devido às deficiências do sistema e as dificuldades econômicas estruturais da Empresa de

Águas. Entretanto, em Março de 2012, o Governo do Distrito assinou com o Banco

Australiano para reabilitar a ampliação do sistema de abastecimento de água para todo

Distrito, cujo início estava marcado para Agosto de 2012. Talvez essa venha a ser a solução do

problema de água na Ilha de Moçambique nos próximos anos.

Figura 21- Poço de água caseiro, junto da vala de drenagem. Fonte: (Lúcia Omar, 2012)

Page 63: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

62

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ILHA DE MOÇAMBIQUE

3.2. Origem do nome Moçambique

A Ilha de Moçambique aparece mencionada em documentos árabes muito anteriores à

chegada dos portugueses ao Oceano Índico. Entretanto, seria com a fixação dos portugueses

que a Ilha ganharia o nome de Moçambique, que viria a ser o nome do país – Moçambique.

Segundo Rodrigues et al. (2009, p.18), as origens dos nomes, Moçambique e Omuhipiti,

encontram sua explicação na tradição oral. Conforme se relata, a palavra Moçambique

proviria de Mussa, filho de M‘biki, nome do sultão que vivia na Ilha na época em que Vasco

da Gama ali chegou.

Dada a dificuldade em pronunciar os nomes nativos, os portugueses associaram os

nomes Mussa e M´bike, o que resultou em único nome - Moçambique. Por outro lado, os

falantes da língua emakhuwa teriam dado à Ilha o nome de Omuhipiti porque, em tempos

recuados, ali ter-se-ia instalado um pescador makhuwa, de nome Muhipiti, atraído pela

abundância de peixe.

Ainda os mesmos autores, levantam a hipótese de que o vocábulo muhipiti poder ter

derivado do verbo wiphita, cujo significado é esconder-se em língua emakhuwa, que ajustado

ao papel que a Ilha desempenhou na história da escravatura e do tráfico e ao seu impacto na

população, pode levar à interpretação de que ao abrir-se, a ilha se deixou ficar presa ou

escravizada. Atualmente, o nome oficial Ilha de Moçambique, cunhado ao longo do regime

colonial, convive com a designação local de Omuhipiti, nome que os makhuwa mantiveram

para designar a Ilha ao longo dos tempos (Rodrigues et al., 2009, p. 18).

3.3. História do território

A população da Ilha de Moçambique descende das comunidades ―Proto-Swahili‖,

falantes da língua bantu e que se dispersou pela África Austral e Oriental entre os anos 200 a

900 DC (ADAMOWICZ 1987, DUARTE &MINESES, 1996, apud PGIM, 2010, p.17). A

favorável localização geográfica no Oceano Índico, permitiu que muito cedo o território se

tornasse ponto de ligação entre os continentes africano e asiático, cujas primeiras grandes

navegações nesse oceano iniciaram-se com os árabes no século VIII e que perduraram até ao

século XV.

Page 64: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

63

A partir do século XV, a Ilha tornou-se o centro do comércio intercontinental fazendo

a ponte entre Europa e o Oriente. Nesse período os árabes detinham o monopólio do

transporte de mercadorias e promoveram e acentuaram as relações entre povos e culturas

diferentes. A influência islâmica, para além da criação do Sultanato de Delhi e da progressão

no arquipélago indonésio, estendeu-se na costa africana, do Mar vermelho até ao Rio Save, ao

Sul de Moçambique. Foi ao longo desta costa e, sobretudo, nas suas ilhas que surgiu a nova

civilização swahili, fruto de cruzamento da população africana, de origem bantu, com os

comerciantes muçulmanos vindos do Mar Vermelho, Golfo de Aden, Golfo Pérsico e mar da

Arábia, nordeste da Índia e Indonésia. Foi esta fusão cultural que estimulou o aparecimento de

núcleos linguísticos diversos, como é o caso do Naharra na Ilha de Moçambique

(DINAC/IGESPAR, 2007).

Com a expansão comercial e advento do Islão, entrepostos comerciais espalhados ao

longo da costa oriental africana estruturaram‐se em unidades político-administrativas sob a

designação de Xeicados7 e Sultanatos, como são os casos de Lamu, Mombassa (Quénia),

Zanzibar e Quíloa (Tanzania). O Xeicado da Ilha de Moçambique foi fundado por Hassani

Moussa M‘Biki (de onde advém provavelmente o nome de Moçambique). A Ilha foi até cerca

de 1500 um importante porto e centro de construção naval dos Árabes (PEREIRA, 1988, SEC

&ARKITEKTSKOLEN I AARHUS, 1985, apud PGIM, 2010, p. 17).

Segundo IGESPAR (2007), a segunda fase das grandes navegações no Índico

começou em finais do século XV, com a chegada do navegador português Vasco da Gama em

1498. Com apoio de um marinheiro tanzaniano, Vasco da Gama estabeleceu a ligação direta

marítima da África Austral com a Índia. Ainda, segundo a mesma fonte, os períodos entre

século XVI e a primeira metade do século XVII, foram do domínio português na costa

Oriental de África. No entanto, a escolha da Ilha de Moçambique como principal base

portuguesa e politicamente sustentada pelo Governo Português deu-se em 1507, devido a sua

importância estratégica como porto (MEC &ARKITEKTSKOLEN I AARHUS, 1985).

Devido a sua importância estratégica, a Ilha foi alvo de vários ataques árabes e

turcos, inicialmente. Em 1570, a povoação muçulmana foi destruída e substituída pela

portuguesa, que se organizou junto da Torre Velha. Os mouros, antigos moradores foram

afastados para o sul da Ilha.

7Xeicados são reinos dirigidos por altas entidades da hierarquia muçulmana (sheiks)

Page 65: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

64

O século XVII assistiu ao regresso à costa africana dos árabes de Mascate (Capital de

Omã), que criaram uma extensa colônia, o sultanato de Zanzibar (Tanzânia), que duraria até

ao século XIX. A importância crescente da Zambézia8, à conta do ouro, veio a secundarizar a

Ilha, mantendo-se, todavia, o seu porto como indispensável para as escalas de longo curso.

Entretanto, até ao século XVII, a Ilha continuou ser alvo dos ataques, então protagonizados

pelos colonizadores europeus como holandeses, franceses e ingleses. Dos três ataques

holandeses à Ilha, 1604, 1607 e 1608, o mais grave foi o de 1607: foram destruídos os

edifícios como a Ermida, a Fortaleza de São Gabriel, a Igreja do Espírito Santo e o Convento

de São Domingos, bem como todas as palhotas que compunha a cidade e a vegetação da Ilha

de Moçambique foi toda devastada pelo incêndio. Nesta devastação, apenas a Fortaleza de

São Sebastião resistiu à destruição (PEREIRA, 1994:5 & CESO-CI, 2009, p. 21).

A reconstrução da cidade manteve a estrutura anterior, entretanto, os edifícios foram

reconstruídos com o material de pedra e cal. Os pedreiros foram os baneanes (indianos) e

africanos. Os problemas em Diu (na Índia) levaram as autoridades portuguesas, ainda em

1687, a autorizarem a instalação, na Ilha, da Companhia dos Baneanes.

Em 1721, nasceu o comércio regular com as Ilhas francesas do Índico e em 1728

com a colônia portuguesa na América Latina - atual Brasil. Todavia, a situação difícil da Ilha

manteve-se e em 1752, o Marquês de Pombal, Primeiro-Ministro Português, tomou a decisão

de instituir o Governo de Moçambique, desligando-se da administração direta de Goa (Índia

portuguesa).

Os portugueses organizaram os serviços da nova administração, construíram uma

nova alfândega, com uma Ponte-cais e, em 1755, liberalizaram o comércio, acabando os

monopólios. Surgiram novas leis de cidadania em 1762, que abriram os serviços a todos os

cristãos, goeses ou mestiços, e a povoação de Moçambique recuperou a prosperidade e

tornou-se vila em 1763.

Com esta situação, paulatinamente a Ilha foi-se reconstituindo tornando-se assim, nos

anos subsequentes, um importante centro Missionário Católico. Os Dominicanos e os Jesuítas

foram as principais ordens religiosas e que mais contribuíram na construção da maior parte

das igrejas, palácios e conventos na Ilha de Moçambique.

8Zambézia é uma das Províncias de Moçambique, localizada no centro do país.

Page 66: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

65

Na segunda metade do século XVIII, o tráfico de escravos na Ilha foi suplantado pelo

de Sofala, Quelimane e Ibo9, os ―portos de escravos‖ com o destino às Ilhas Mascarenhas,

Madagascar, Zanzibar, Golfo Pérsico, Brasil e Cuba. A captura de escravos aumentou após a

liberalização, em 1787, da venda de armas no interior. As relações com a colônia Portuguesa

na América Latina se tornaram mais intensas, cuja burguesia de armadores e mercadores se

instalou na Ilha e na Índia (DINAC & IGESPAR, 2007).

Entre os finais do século XVIII e durante o século XIX, a Ilha de Moçambique se

tornou um dos principais compradores e fornecedores de escravos depois da Costa Ocidental

ter deixado de fornecer escravos. A Ilha de Moçambique serviu durante todo esse período

como principal ponto de entrada e saída de escravos vindos de diferentes pontos do território

moçambicano (RODRIGUES et al., 2009, p. 21).

O crescimento demográfico derivado do comércio dominante de escravos, uma parte

dos quais acabavam ficando na Ilha, revolucionou o crescimento urbano no período em

alusão, fazendo com que a Ilha fosse elevada ao estatuto de cidade em 17 de Setembro de

1818. A Carta Lei dirigida pelo rei de Portugal conferia aos cidadãos brancos e moradores da

Ilha todas as distinções, franquezas, privilégios e liberdade de que gozavam os cidadãos e

moradores das outras cidades do Reino (PEREIRA, 1994, p. 20).

Durante esse período, a população da Ilha foi caraterizada por uma sazonalidade,

resultante da estada dos comerciantes entre Março a Setembro, que era determinada pelo

regime de monções, crucial para a navegação, e do fluxo de escravos para o tráfico. Os

lugares de campismo para caravanas de escravos, os armazéns nas costas, assim como as

rampas de embarque de escravos, são alguns dos marcos físicos deste período. Enormes

quantidades de pedra calcária foram extraídas na chamada ―ponta da Ilha‖ (atual cidade de

Macuti) para a construção de armazéns para escravos. Entretanto, os habitantes da Ilha na

época eram Portugueses e Indianos (cristãos), enquanto a população de origem luso-africana e

indo-portuguesa viviam em Mossuril e nas Cabaceiras (idem).

Ao longo do século XIX a instabilidade regressou, e novo ciclo descendente se

verificou após a independência do Brasil em 1822. O último barco oficial de escravos com

este destino saiu em 1831. Nova e profunda alteração veio pouco depois, com o triunfo do

9Sofala é uma das províncias de Moçambique, localizada ao centro do país.

Quelimane - capital da província da Zambézia

Ibo – é um distrito pertencente a província de cabo Delgado, localizado a norte do país

Page 67: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

66

liberalismo em Portugal em 1834. A escravatura nas colônias portuguesas foi abolida em 1837

e que só começou diminuir após 1840 (idem.).

Na segunda metade do século XIX, a par das outras potências coloniais, Portugal

avançou em profundidade para o interior do continente africano, enfrentando a revolta das

populações. A capital da colônia portuguesa foi transferida da Ilha de Moçambique para

Lourenço Marques (Maputo, atual capital de Moçambique) em 1898, ficando apenas esta a

servir de capital da Província. Entretanto, construção do caminho de ferro em 1913, a perda

da importância do porto de Mossuril, a transferência da capital da província em 1935 da Ilha

de Moçambique para atual cidade de Nampula e a inauguração do porto de águas profundas

em Nacala, em 1951, contribuíram para o declínio da hegemonia da Ilha de Moçambique

(SEC– Moçambique/ Arkitektskolen I Aarhus, 1985). Todo esse processo contribuiu, em

definitivo, para a perda de importância da Ilha, mesmo diante da construção, em 1966, da

ponte que a uniu à terra firme.

Rodrigues et al. (op.cit, p.18-19), referem que no contexto da perda da importância

econômica, devido aos fatores descritos, a Ilha chegou a ser chamada por Ilha-museu,

designação que significava, para o Governo colonial, um tributo à densidade de peças

arquitetônicas - fortins, igrejas, palacetes - consideradas testemunhos materiais da presença

portuguesa plurissecular e isso reforçava a crença de que o período econômico áureo da Ilha

pertencia definitivamente ao passado.

Após a Independência Nacional de Moçambique, os portugueses tiveram que

abandonar a Ilha, o que resultou no abandono de serviços e comércio que a Ilha ainda tinha.

Parte considerável dos edifícios foi ocupada pela população local que não tinha condições

financeiras e nem materiais para manter a conservação desses imóveis. A partir de então, quer

pelas vicissitudes da organização do país e da guerra civil iniciada em 1977 e terminada em

1992, quer pelo processo de diferenciação e reajustamento da importância dos vários centros

urbanos do país, a Ilha de Moçambique ficou no esquecimento por parte do Estado.

A guerra civil intensificou-se em meados da década de 1980 em Moçambique,

trazendo para a Ilha um grande número de refugiados das zonas rurais, aumentando a pressão

demográfica e contribuindo para a deterioração do patrimônio urbano. Por exemplo, na

Cidade de Macuti, a superlotação obrigou a extensão das casas para os quintais pequenos e

para o espaço público, criando condições caóticas e pouco saudáveis de saneamento (CESO-

CI 2008).

Page 68: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

67

A importância então atribuída às edificações da Ilha de Moçambique contribuiu para

que essa passasse a ser objeto de reflexão, fazendo com o Governo de Moçambique

inscrevesse esse antigo conjunto urbano na Lista do Patrimônio Mundial, pela UNESCO, o

que aconteceu em 1991. A elevação da Ilha à condição de Patrimônio Histórico-Cultural da

Humanidade aumentou a pressão pela conservação do patrimônio ali existente. A inclusão da

Ilha de Moçambique na Lista do Patrimônio Mundial significou o reconhecimento

internacional pelo valor histórico, arquitetônico, natural e ambiental desse local.

3.4. A Transformação da Paisagem Urbana da Ilha

A Ilha de Moçambique foi durante séculos o centro dos principais acontecimentos

históricos que ditaram o desenvolvimento socioeconômico e políticos do país.

A sua estrutura urbana desenvolveu‐se a partir do estremo norte, inicialmente

fortificado para defender a entrada da Baía (Capela Nossa Senhora do Baluarte em 1522 e

Fortaleza de São Sebastião iniciada em 1558). A parte sul da Ilha (a Ponta da Ilha)

localizava‐se fora da cidade e sem interesse particular durante a primeira fase de ocupação,

com exceção das pequenas fortificações, nomeadamente, o Fortim de São Lourenço

(inicialmente construída em 1588) e o Fortim de Santo Antônio (inicialmente construído em

1588), para a proteção da parte sul da Ilha (PGIM, 2010, p. 17-18).

Nos séculos XVI e XVII registrou-se o desenvolvimento do núcleo urbano, marcado

pelas edificações ao longo da baía na costa norte da Ilha; pela fila de estreitos talhões de lojas

com fachadas viradas para as ruas; pelos armazéns de mercadorias e pelos palmares na faixa

central da cidade, virados para a contra costa. O padrão dos arruamentos, hoje aparentemente

labiríntico, teve a sua lógica própria ligando os pontos importantes da época: a ponte de

atração; a praça central, a Fortaleza e o Convento Hospital fora da cidade no lado sul, além da

ligação às fortificações na ponta sul da Ilha (LOBATO, 1975, apud PGIM, 2010, p. 22).

A partir do século XVIII se construíram, sobretudo, na zona sul da Cidade de Pedra e

Cal, as feitorias com dois andares, arruamentos mais regulares e praças amplas. E foi nesse

período que a Praça de Moçambique foi elevada à Vila.

O Convento de São Paulo, construído pelos jesuítas, foi convertido em Palácio do

Governador. Este período foi caracterizado por grandes transformações na paisagem urbana,

os edifícios mais antigos, foram ampliados para o primeiro andar. Na mesma época, a zona

Sul da Ilha, onde hoje se situa a Cidade de Macuti, além do convento de João de Deus, do

Page 69: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

68

lavadouro da Marangonha e do Fortim de Santo Antônio, nada havia além de pedreiras, dunas

e vegetação. Cidade de Pedra e Cal começou a se expandir e para efeito, havia necessidade de

grandes quantidades de pedra, matéria-prima fundamental para a edificação das suntuosas

habitações ocupadas pelas instituições do regime colonial e por seus funcionários. Começou-

se assim a intensa exploração da pedreira localizada na parte sul da Ilha (Idem).

O trabalho da exploração da pedra era executado por escravos vindos em sua maioria

do continente, os quais, numa primeira fase, eram alojados nos quintais das grandes casas

existentes na Cidade de Pedra e Cal. À medida que a pedra para construções se esgotava, o

local era gradualmente ocupado por palhotas para os escravos, como se pode ver na figura 22.

Figura 22- Cidade de Macuti, princípios do Séc. XIX.

Fonte: (IPCIIM, 2010)

A administração autorizava-os a construir palhotas temporárias e precárias com

dimensões não superiores a 25 m² para sua instalação durante o período em que estivessem

envolvidos em trabalhos intensivos, visto que na época eles não tinham direito de ter palhotas

próprias na Ilha (porção insular). Foi neste contexto que começa a nascer a Cidade de Macuti,

que irá se expandir a partir da zona da costa, onde se encontravam o matadouro e o celeiro,

em direção à contra-costa.

Page 70: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

69

No período áureo do tráfico de escravos (1776-1803), observou-se uma expansão da

Cidade de Pedra e Cal em direção à costa ocidental. Enquanto a cidade de Pedra e Cal se

erguia ocupando parte do território, com edificações espaçosas e uma estrutura relativamente

mais sólida, beneficiada por infraestruturas básicas para seu saneamento, abastecimento de

água e vias de acesso, a Cidade de Macuti, com construções mais frágeis, era levantada à

medida que se esgotava a pedra.

Em 1866 foi ampliada a área onde era permitida a construção de palhotas para o

bairro de Marangonha e também para as áreas limítrofes das pedreiras, respeitando

regulamentos específicos, tais como, o alinhamento das obras e a altura, espaçamento entre as

palhotas de 2.5 braças equivalentes a 5,5 m (PGIM, 2010, p. 22-23)

De acordo com Pereira (1994, p. 12), em 1868, a Postura Camarária estabeleceu a

linha divisória da costa (atual mercado do peixe) à contra-costa (Alto Mrangonha). Ao sul da

linha divisória ficaria o denominado ―Bairro Indígena‖. Esta linha limitava também os usos:

só ao sul se permitiam pedreiras, curais, matadouros, fornos de cal, depósitos de lenha ou

carvão. Estabeleceu-se, a partir desse período, a proibição de construir ou reconstruir palhotas

dentro da Cidade e definiu-se que todas anteriormente construídas fossem destruídas num

prazo de cinco anos, tendo, no entanto, a Câmara se responsabilizado por indenizar os

proprietários. Por conseguinte a fronteira, ou a arte da ―di-visão‖ permanece através da

classificação da Unesco. A hegemonia criada entre patrimônio material e patrimônio imaterial

é uma ficção cultural, como de resto revela a persistente ―di-visão‖ que acompanham as

formas de habitar a Ilha.

Segundo Elias (2001) apud Sousa (2011, p. 3), esta demarcação traduz a estrutura

social que se repercute na Ilha até os dias atuais. Na cidade de pedra, em torno do governador,

vivia uma sociedade de corte, composta por funcionários, comerciantes, militares e religiosos.

Na cidade de Macuti, instalavam-se os escravos e trabalhadores nas pedreiras de pedra de

coral.

Em 1887, foi construído o majestoso Hospital da Ilha de Moçambique, no lugar onde

antes havia sido construído o Convento São João de Deus. O Bairro pobre da Contra Costa foi

demolido e novos Bairros de Macuti foram planejados nas antigas pedreiras no sul da cidade,

começando com os Bairros da Contra Costa: Marangonha e Areal, e no interior, no baixo da

zona dos armazéns: Esteu e Litine (PEREIRA, 1998, ARANTES, 2010, PGIM, 2010, p. 22).

Assim, de acordo com os autores, a Cidade de Macuti foi sendo paulatinamente

ocupada e nascendo novos os bairros como o Esteu e Litine em direção a contra-costa, onde

Page 71: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

70

também surgiram os bairros de Marangonha, Areal, Quirahi. Até à década de 1950, nada havia

sido edificado no atual bairro Unidade, que foi um dos últimos a serem ocupados, a partir dos

anos de 1960 (PEREIRA, 1998 e ARANTES, 2010).

No século XIX completou praticamente a urbanização da Ilha, deixando apenas os

palmares e hortas da Contra Costa e as pedreiras na Ponta da Ilha para a expansão. As obras

de destaque no século XX foram as construções da ponte que liga a Ilha ao continente e da rua

ao longo da contra-costa, que liga a ponte com o novo hotel turístico e a Fortaleza.

Houve igualmente uma grande expansão da Cidade de Macuti, principalmente depois

da Independência Nacional em 1975, caracterizada por parcelamentos ao longo das ruas com

um espaçamento que variava de 5 a 10 metros entre as palhotas, dependendo do número do

agregado familiar. Depois desse período a organização do espaço urbano não se alterou e, na

parte da Cidade de Pedra e Cal, considerado o centro histórico, manteve-se a hierarquia

funcional como o centro de comércio e de serviços tal como se constituía no sistema colonial.

As costas da Ilha exprimem diferenças nas suas funções históricas e na consequente

expressão paisagística urbana. A costa virada à Baía tem, na sua maior extensão, caráter de

porto. Foi deste lado que se desenvolveram as atividades ligadas ao comércio pela via

marítima, devido ao ancoradouro protegido na baía. Enquanto que a costa virada ao mar,

chamada Contra Costa, não protegida e não acessível por barcos de maior porte, tinha menos

interesse econômico no período que prevaleciam essas atividades e mantém, em grande parte,

um carácter de praia aberta.

Page 72: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

71

Figura 23- Mapa descritivo da Cidade de Macuti, 1957.

Fonte: SEC – Moçambique &Arkitektskolen i Aarhus – Denmark, 1985

Page 73: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

72

4. O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO COMO CATEGORIAS

CONCEITUAIS PARA SE ENTENDER O PROBLEMA DA PESQUISA

4.2. Conservação Ambiental

Para melhor entendimento do conceito ―conservação ambiental‖, achou-se necessário

destrinchar de forma breve os termos meio e ambiente, já que muitos autores os consideram

polissêmicos e ainda se encontrar em processo de construção, fazendo com que o mesmo seja

definido de modo diferente por especialistas de diferentes áreas de conhecimento.

O ambientalista Fiorillo (2001) considera os termos ―meio‖ e ―ambiente‖ como

sinônimos. De uma forma geral, a terminologia meio ambiente é entendida como tudo aquilo

que nos circunda, por essa razão o uso dos dois termos juntos é considerado pleonástico. De

acordo com autor, o termo ambiente, já por si só, traz em seu conteúdo a ideia que circunda, e

por esta razão, se considera desnecessário o uso da complementação da palavra meio.

Refutando a ideia, Milaré (2001, p. 63-64) refere que o termo meio ambiente não

constitui um pleonasmo porque essas duas palavras não detêm um significado único, tal como

descreve:

Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na

linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de

um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados

diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado

contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo.

Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico,

natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente,

embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço

que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão

consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e

jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de

ambiente apenas.

Portanto, partindo deste princípio, pode-se afirmar que a expressão meio ambiente não

chega a ser redundantes/pleonástica pelo fato das duas assumirem significados distintos e se

complementarem.

Em vista dos motivos expostos autores em obras de direito ambiental tais como Freitas

(1995) e Silva (2004) classificam o meio ambiente, de acordo com os aspectos de sua

composição, em pelo menos quatro tipos:

―Meio ambiente natural, ou físico, local onde se realiza a interação dos seres vivos e

seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas

com o ambiente físico que ocupam; meio ambiente artificial, constituído pelo espaço

urbano construído e Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico,

artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, difere do

Page 74: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

73

anterior pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou e ainda

com o meio ambiente de trabalho, conjunto de condições existente no local de

trabalho relativo à qualidade de vida do trabalhador‖ (SILVA, 2004, p. 21).

Neste contexto, o meio ambiente artificial também considerado ambiente urbano é

entendido como relações dos homens com o espaço construído e com a natureza, em

aglomerações de população e atividades humanas, constituídas por fluxos de energia e de

informação para nutrição e biodiversidade; pela percepção visual e atribuição de significado

às conformações e configurações da aglomeração; e pela apropriação e fruição (utilização e

ocupação) do espaço construído e dos recursos naturais.

Ainda segundo Fiorillo (2008, p. 20), o que se busca com essa didática divisão é

―facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido‖. O autor

lembra ainda que ―o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de

modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores

maiores foram aviltados‖.

Os ambientalistas Milaré (2001) & Fiorillo, (op.cit, p. 21), frisam, nas suas

definições mais amplas e atuais que o meio ambiente não só engloba os aspectos naturais,

aqueles surgiram na decorrência de leis e fatores naturais mas também, abarca o ambiente

artificial, aquele que surge na decorrência de processos e moldes da ação transformadora

humana, por exemplo o espaço urbano (fechado e aberto).

Na constituição moçambicana, o meio ambiente é legalmente definido pela Lei nº.

20/97, em seu art. 1°, ponto 2, como

o meio onde o homem e outros seres vivem e interagem entre si e com o próprio

meio e inclui: a). o ar, a luz, terra e água; b). Os ecossistemas, à biodiversidade e

interações ecológicas; c). toda a matéria orgânica e inorgânica, d) todas as condições

socioculturais e econômicas que afetam as condições das comunidades(CARLOS

SERRA, 2008, p. 18-19).

Portanto, é uma lei que tem em vista as bases legais para uma utilização e gestão

correta do meio ambiente e seus componentes, com vista à materialização de um sistema de

desenvolvimento sustentável do país. É uma definição na visão antropocêntrica, em que o

meio ambiente tem no centro o homem e a razão de ser do ambiente - o lugar em que vivem

as pessoas em interação com tudo aquilo que as cerca, sejam os demais seres vivos ou outros

componentes. Portanto, aqui, verifica-se um direito ao meio ambiente equilibrado como um

bem de interesse da coletividade e essencial à sadia da qualidade de vida.

Page 75: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

74

Em relação ao conceito ―conservação‖, Milaré (op.cit), define como sendo a

utilização racional de um recurso ou bem qualquer, de modo a se obter um rendimento

considerado bom, garantindo-se, entretanto a sua renovação ou a sua auto-sustentação.

Enquanto que o termo ―conservação ambiental‖, o autor define como sendo, ―o uso

apropriado do meio ambiente dentro dos limites capazes de manter a sua qualidade e seu

equilíbrio em níveis aceitáveis”, em outras palavras, significa ―manejar, usar com cuidado”,

diferenciando-se, de acordo com o autor, do termo ―preservação‖ que significa “guardar, não

usar, não permitir intervenção do homem”.

Tanto para Milaré (2001) e Zanirato & Ribeiro (2006, p. 255), consideram os

conceitos ―Conservação e preservação‖, como duas correntes que se contrapõem no que se diz

respeito à relação meio ambiente/espécie humana.

Segundo esses autores, a corrente conservacionista, a conservação ambiental

significa manter uma área protegida, porém, utilizá-la sem colocar em risco sua dinâmica

natural e atributos físicos. Enquanto que a corrente preservacionista é mais radical, o fato de

entender que as áreas naturais protegidas devem ficar sem a presença humana para que apenas

processos naturais influenciem sua dinâmica. Nesta corrente o homem é apontado como o

causador da quebra do ―equilíbrio‖. Portanto, esta tem um caráter explicitamente protetor,

propõe a criação de ―santuários‖, intocáveis.

Os debates entre as duas correntes permanecem até hoje e divide tanto ambientalistas

quanto técnicos e acadêmicos e essa contrariedade tem implicações nas comunidades, onde a

população muitas vezes é compulsivamente retirada em áreas consideradas protegidas, como

por exemplo, em Moçambique, a Lei de terra nº19/97, e a Lei de Florestas e Fauna Bravia

nº10/99, que estabelece os princípios e normas básicas sobre a proteção e conservação e

utilização sustentável dos recursos florestais e com características ambientais especiais.

Estas leis definem os parques e reservas naturais como áreas de proteção total, sendo

assim, não são aceites as comunidades no seu interior. Estas leis não toleram a existência de

assentamentos humanos nas áreas protegidas. Entretanto, a conjuntura social, política e

econômica do país não favorecem a aplicação efetiva das mesmas leis e como solução, foram

criada zonas denominadas por ―tampão‖, estabelecimentos de fronteiras, entre zona de

influência humana e zonas totalmente intocáveis.

No contexto da Política Nacional da Biodiversidade, o conceito pode estar em

consonância com a Convenção sobre Diversidade Biológica, tendo um sentido mais próximo

ao do conceito de preservação.

Page 76: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

75

A conservação in situ significa conservação de ecossistemas e habitats naturais, e a

manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no

caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas

propriedades características.

No contexto patrimonial, o Comitê Internacional dos Museus - ICOM-CC - define a

conservação como:

[...] o conjunto todas as operações que visam a compreensão de uma obra, o

conhecimento da sua história e do seu significado; assegurar a sua salvaguarda

material e, eventualmente, o seu restauro e a sua valorização e, portanto,

compreende todas aquelas medidas ou ações que tenha o objetivo de salvaguardar o

Patrimônio cultural material e imaterial, com vista a assegurar a sua acessibilidade

às gerações atuais e futuras. (ICOM-CC, 1972, p. 115).

Ainda de acordo com este organismo internacional, os termos que se referem à

terminologia ―Conservação‖ se distinguem entre si pelos objetivos, medidas e ações que eles

abrangem, como:

• Conservação Preventiva: todas aquelas medidas e ações que tenham como objetivo

evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas. As ações realizam-se no contexto ou na

área circundante ao bem;

• Conservação curativa: todas aquelas ações aplicadas de maneira direta sobre um

bem ou um grupo de bens culturais, que tenham como objetivo deter os processos danosos

presentes ou reforçar a sua estrutura. Essas ações são realizadas somente quando os bens se

encontram em estado de fragilidade adiantada; e

•Restauração: ações aplicadas diretamente a um bem de forma individual e que

tenha como objetivo facilitar a sua apreciação, compreensão e uso. Só se realiza quando o

bem perde uma parte do seu significado ou função através das alterações passadas,

baseando-se no respeito ao material original. Neste caso, a ação de conservação buscará

cessar as causas de deterioração e procurará dar estabilidade à obra, enquanto que a

restauração irá mais além, buscando aproximar, o mais possível, a obra, estrutural e

esteticamente, da „quantidade inicial de informações‘.

Portanto, ressalta-se que todo o trabalho de restauração deve basear-se em referências

contidas na própria obra ou, em alguns casos, em documentação segura sobre a mesma. O

respeito ao original é fundamental e delineia os limites das intervenções.

Ainda de acordo com ICOM-CC, a expressão ―conservação da natureza‖ deve ser

adotada para se referir-se à exploração racional da mesma, ou seja, uma exploração que leva

em consideração a legislação ambiental, os preceitos éticos e os aspectos técnicos dos

Page 77: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

76

recursos naturais de maneira a mantê-los em condições adequadas para o uso das atuais e

futuras gerações.

4.3. Patrimônio Cultural

A noção de patrimônio advém etimologicamente da concepção de ―herança paterna‖.

Esse termo nas línguas românicas, segundo Funari (2005) apud Pelegrini (2006, p. 116)

deriva do latim patrimonium e faz alusão à ―propriedade herdada do pai ou dos antepassados‖

ou ―aos monumentos herdados das gerações anteriores‖. Ainda, segundo Funari, essas

expressões fazem menção a moneo, que em latim significa ―levar a pensar‖. Portanto, as

noções de patrimônio cultural mantêm-se vinculadas às de lembrança e de memória — uma

categoria básica na esfera das ações patrimonialistas, uma vez que os bens culturais são

conservados em função dos sentidos que despertam e dos vínculos que mantêm com as

identidades culturais.

Este conceito é compartilhado por vários autores como Choay (2001, p. 11), que define o

temo patrimônio como ―bem de herança que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das

mães aos filhos”. É, portanto, um conceito que segundo autor, a sua génese esteve ligado às

estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade e que se situa em certo tempo

e espaço.

Ainda por volta do século XVIII, os monumentos históricos eram restritos aos

antiquários e fundamentados nas antiguidades gregas e romanas, com o fim de confirmação

da história e do estudo dos estilos arquitetônicos. A evolução dá-se no período da Revolução

Francesa, quando o conceito de patrimônio nacional despontou com a finalidade de

salvaguardar os imóveis e as obras de arte de propriedade do clero e da nobreza,

transformados em propriedades do Estado. Diga-se, ademais, que o patrimônio nacional

originou-se de um confronto entre o sentimento nacional e a conveniência econômica.

Conforme Choay (2001, p. 31), o monumento, acrescido do adjetivo histórico, nasce

em Roma, em 1420, configurando-se como obras arquitetônicas remanescentes de épocas

passadas. Por essa razão, o monumento histórico converte-se em um tema importante e muito

estudado dentro do campo disciplinar da arquitetura.

Ao longo do tempo, organismos internacionais e diversos investigadores e arquitetos

ocuparam-se na reflexão sobre suas definições e conceitos, ajudando a estabelecer, a partir

desses estudos, a noção atual de patrimônio cultural. A par da descoberta de novas

Page 78: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

77

centralidades e da expansão da noção de patrimônio, superaram-se os enfoques que

reconheciam os bens culturais apenas aos grandes monumentos artísticos do passado,

interpretados como fatos destacados de uma civilização e avançou para uma concepção do

patrimônio entendido como o conjunto dos bens culturais, referente às identidades coletivas.

Paulatinamente, o patrimônio cultural passou a contemplar as dimensões testemunhais tais

como as múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias, expressões de arte,

documentos e sítios arqueológicos, abarcando potencialmente elementos de todos os grupos e

camadas sociais e a ser reconhecidos e valorizados pelas comunidades e organismos

governamentais na esfera local e nacional ou internacional (ZANIRATO & RIBEIRO, 2006,

p. 1).

No decorrer do século XIX, o patrimônio passa a ser caracterizado como ―uma

coleção simbólica unificada, que se preocupa a dar base cultural idêntica a todos, através de

uma construção social de extrema importância política, buscando ser algo construído para

que se representasse o passado histórico e cultural de uma sociedade” (ZANIRATO, 2006,

p. 2).

Sob esta ótica, Funari et.al. (2009, p. 9) define o patrimônio como o conjunto dos

bens culturais, referente às identidades coletivas, tais como, arquiteturas, expressões,

conhecimentos, práticas, sistemas de valores, representações, técnicas construtivas

tradicionais, ofícios tradicionais, conjunto de sítios mistos, envolvendo os bens naturais,

histórico-culturais e arqueológicos.

A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972,

nos seus Artigos I e II, assinala a definição do patrimônio distinguindo-o em quatro grandes

grupos de categorias, enfatizando sempre a componente o Valor Universal Excepcional que

cada um apresenta. Assim, de acordo com essa distinção se tem o Patrimônio Natural,

Patrimônio Cultural, Patrimônio Misto e a Paisagem Cultural.

Deste modo, o Patrimônio Natural, é definido como sendo

o conjunto formado por monumentos naturais constituídos por formações físicas e

biológicas ou por grupos de tais formações que tenham um Valor Universal

Excepcional do ponto de vista estético ou científico; as formações geológicas e

fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem o habitat de

espécies animais e vegetais ameaçados, que tenham um Valor Universal

Excepcional do ponto de vista estético ou científico; os lugares naturais ou as zonas

naturais estritamente delimitadas, que tenham um Valor Universal Excepcional

desde o ponto de vista científico, da conservação ou da beleza natural.

(CONVENÇÃO DO PATRIMÔNIO, 1972)

Page 79: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

78

O patrimônio Cultural, definido como

O conjunto formado por monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou pinturas

monumentais, elementos ou estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e

grupos de elementos, que tenham um Valor Universal Excepcional desde o ponto de

vista da história, de arte ou de ciência; os conjuntos: grupos de construções, isoladas

ou reunidas, cuja arquitetura, unidade e integração à paisagem tenham um Valor

Universal Excepcional desde o ponto de vista da história, da arte ou da ciência; e, os

lugares: obras do homem ou obras conjuntas do homem e da natureza assim como as

áreas, incluídos os lugares arqueológicos que tenham um Valor Universal

Excepcional desde o ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

Patrimônio Misto constitui os bens que respondam parcial ou totalmente às

definições de patrimônio natural e cultural que figuram na Convenção e, finalmente,

Paisagem Cultural, que

engloba os bens culturais que representam ―obras conjuntas do homem e a natureza‖

e ilustram a evolução da sociedade humana e seus assentamentos ao longo do tempo,

condicionados pelas limitações e/ou pelas oportunidades físicas que apresenta seu

entorno natural e pelas sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto

externas como internas. (IPHAN, 2008, p. 6-11).

Pereiro (2006:3) distingue cinco tipos de posturas que coincidem com nos processos

de interpretação, recuperação e conservação do patrimônio cultural:

• Tradicionalista ou Folclorista, também considerada monumentalista: uma postura

que reduzido o patrimônio a um conjunto de bens materiais e imateriais que

representam a cultura popular pré-industrial. A sua visão é historicista, pois

consideram o patrimônio cultural como objeto e apenas relicário do passado, mas

também é conservacionista, pelo fato de considerar que a finalidade do patrimônio

cultural é a sua conservação, independentemente do seu uso atual.

• Construtivista: postura em que o patrimônio cultural é entendido como o conjunto de

bens culturais, fruto de um processo de construção social, isto é, segundo as épocas e

os grupos sociais dominantes, valorizam-se, legitimam-se e conservam-se uns bens

patrimoniais em detrimento de outros, independentemente do valor que os mesmos

representam.

• Patrimonialista: postura que considera o patrimônio cultural como a recuperação de

memórias do passado, a partir de uma perspectiva presente, para explicar a mudança

dos modos de vida. Segundo esta postura, O patrimônio cultural está integrado por

elementos culturais que adquirem um novo valor e uma nova vida através de um

processo de “patrimonialização” e para definir o que é patrimônio usam-se critérios

de escassez (bem limitado), singularidade, raridade e sobrevivência no tempo;

Page 80: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

79

• Produtivista ou mercantilista, nesta postura, o patrimônio cultural é entendido como

uma nova forma de produção cultural para “os outros” (ex. turistas, mercado), que

pode ajudar a solucionar o problema do desemprego, a revitalizar o consumo e a

atrair turismo cultural; uma estratégia de distinção grupal e territorial que utiliza os

bens patrimoniais como valor acrescentado no mercado. Usa como critério para

selecionar o patrimonial os de espetáculo, consumo, estética, atrativo turístico e

comercialidade e interessa tanto a sua integração na vida quotidiana dos grupos

humanos;

• Participacionista: nesta perspectiva de abordagem considera que a recuperação e

conservação do patrimônio cultural deve estar em consonância com as necessidades

sociais presentes, e com um processo democrático de seleção do que se conserva, deve

estar ligada à participação social com o objetivo de evitar as desigualdades e a

monumentalização e a “coisificação” de objetos, isto é, pensar primeiro nas pessoas e

depois nos bens culturais ou de forma associada. O participacionismo defende uma

política do patrimônio cultural que tenha primeiro em conta o artesão e depois o

artesanato.

Desde esta última perspectiva, o patrimônio cultural é um instrumento de auto

definição e autoconhecimento que promove as chaves de compreensão da cultura e o

fortalecimento da consciência na sua diversidade cultural. Consequência desta óptica é a

aplicação da ciência no conhecimento e na investigação do mesmo, assim como de

metodologias de intervenção comunitárias democráticas e participativas (PEREIRO, 2006, p.

4).

As alterações no entendimento do conceito permitiram, de acordo com Zanirato &

Ribeiro (2006, p. 252), o estabelecimento de relações entre as transformações a respeito do

que se entende por cultura e as modificações na categoria do patrimônio, por um lado, e, por

outro, procurou-se mostrar a aplicabilidade do conceito nas regulações produzidas em escala

internacional por organismos multilaterais, em especial pela UNESCO e pelo PNUMA, no

que diz respeito às políticas de proteção do que se convencionou como patrimônio cultural.

De igual modo, permitiu a abrangência de mais elementos patrimoniais dos povos,

pois, entendeu de que não existia uma cultura superior que a outra e por isso, uma não podia

servir de referência da outra. Cada cultura é uma cultura. As técnicas construtivas, artesanais,

as expressões culturais que são características de um povo e que são transmitidas de geração

Page 81: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

80

para geração, denotam excepcionalidades que merecem essa atenção. Por isso, a cultura

campesina, por exemplo, não pode ser vista como inferior face à industrial.

Assim, de acordo com os diversos conceitos expostos e as Diretrizes Operacionais

apresentadas pela UNESCO, a Legislação moçambicana define o patrimônio cultural no seu

Art.3, como ―o conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo Povo

moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade cultural

moçambicana‖ (Lei 10/88, de 22 de Dezembro). Esta definição abrange igualmente todos os

bens culturais que venham a ser descobertos no território moçambicano, nomeadamente no

solo, subsolo, leitos de águas interiores e plataforma continental, assim como aos bens

culturais de outros países existentes no país que justifiquem a sua relevância cultural. E com

base nessa definição, divide-se o patrimônio cultural em bens culturais materiais e bens

culturais imateriais.

Bens culturais imateriais referem-se ao conjunto que constituem elementos essenciais

memória coletiva do povo, tais como história e a literatura oral, as tradições populares, os

ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras do engenho humano e todas as

formas de criação artística e literária independentemente do suporte ou veículo por que se

manifestem. Enquanto que bens culturais materiais, referem-se ao conjunto bens imóveis e

móveis que pelo seu valor arqueológico, histórico, bibliográfico, artístico e científico, bem

como os elementos naturais, sítios e paisagens protegidas por Lei ou passíveis de tal proteção

em razão do seu valor cultural (Legislação da Cultura, 2007).

No entanto, há que se admitir que embora a definição de patrimônio cultural busque

contemplar as mais diversas formas de expressão dos bens da humanidade, tradicionalmente o

referido conceito continua sendo apresentado de maneira fragmentada, associado às distintas

áreas do conhecimento científico que o definem como patrimônio cultural, natural,

paisagístico, arqueológico e assim por diante. Contudo, nos últimos anos do século XX e

início do século XXI, já se depreende que essas áreas se inter-relacionam e que,

independentemente das suas respectivas categorias, todo o patrimônio se configura e se

engendra mediante suas relações com a cultura e o meio. Sem dúvida, hoje se reconhece que a

cultura é construída historicamente, de forma dinâmica e ininterrupta, alterando-se e

ampliando seu cabedal de geração em geração, a partir do contato com saberes ou grupos

distintos (PELEGRINI, 2006, p. 118).

Page 82: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

81

4.4. O papel do Estado e da sociedade civil na conservação do patrimônio

cultural e do meio ambiente urbano

A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural constitui

um marco na cooperação internacional entre todos os Estados em prol da valorização e

preservação dos bens por ela protegidos como forma de defesa da identidade cultural,

refletindo, portanto, numa ―proteção coletiva‖ desse patrimônio e transmissão deste para as

futuras gerações. Para tal, a Convenção apresenta uma noção de patrimônio como bens

compartilhados por ―todos os povos do mundo‖, por ―toda a humanidade‖, sendo por esse

motivo, de responsabilidade de ―todos os povos do mundo‖, e de ―toda a humanidade‖

(IPHAN, COPEDOC, 2008, p. 23). É ainda, um marco como único documento a incluir as

concepções de conservação da natureza e preservação do patrimônio cultural

O conceito de patrimônio cultural encontra-se na Legislação Cultural de

Moçambique de 1988, na qual contempla uma noção dinâmica ou prospectiva e ampla ou

abrangente de patrimônio cultural, evitando uma concepção marcadamente subjetiva do

direito de fruição cultural e de preservação dos bens culturais. A Legislação Cultural de

Moçambique optou ainda por erigir a defesa do patrimônio cultural em fim do Estado nos

termos do art.4.º do capítulo III ao preceituar que incumbe ao estado “proteger e valorizar o

patrimônio cultural do povo Moçambicano”, muito embora possa ter ficado aquém do

desejável, atento o preponderante carácter defensivo que ainda se alcança nestas matérias.

Assim, o Estado deve assumir esta tarefa fundamental no pressuposto que o

patrimônio cultural constitui um elemento caracterizador da coletividade política a que

empresta uma identidade cultural historicamente configurada. E isso, não significa que se

esteja perante uma simples obrigação unilateral do Estado, mas também, em vários aspectos,

está-se perante verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos - como o direito à fruição do

patrimônio e dever de defendê-lo, no nº 2 do art.4 da Legislação Cultural de Moçambique.

Ainda na alínea f) do art. 4 da mesma Legislação, diz “

o Estado deve estimular a fruição do patrimônio cultural e a participação popular na

proteção e conservação dos bens culturais. o Estado deve promover a

democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os

cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com […] as associações de

defesa do patrimônio cultural‖.

Acrescentam ainda que, ―a realização da democracia cultural baseia-se, por um

lado, na generalização do acesso à cultura e à fruição cultural e, por outro lado, na

participação social na definição da política cultural‖.

Page 83: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

82

Os aludidos direitos culturais ou direitos à cultura é que consubstanciam o conceito

de democracia cultural, daí que se possa dizer que o conceito constitucional de cultura é ―um

conceito aberto e universal‖ que abrange a tradição e o patrimônio.

A partir da altura em que o Governo de Moçambique ratificou em 1982 a Convenção

do Patrimônio Mundial de 1972, passou a ser Estado Parte dessa Convenção e,

automaticamente, a se responsabilizar em:

a) assegurar a identificação, proposta de inscrição, proteção, conservação, valorização

e transmissão às gerações futuras do patrimônio cultural e natural situado no território

moçambicano e ajudar em tais tarefas outros Estados parte que solicitem a ajuda; exposto no

[Artigos 4º e 6º(2) da Convenção do patrimônio Mundial]

b) adotar uma política geral que vise determinar uma função ao patrimônio na vida

coletiva; [Artigo 5º da Convenção do patrimônio Mundial]

c) integrar a proteção do patrimônio nos programas de planejamento geral do País;

d) instituir serviços de proteção, conservação e valorização do patrimônio;

e) empreender estudos científicos e técnicos para determinar as ações susceptíveis de

combater os perigos que ameaçam o patrimônio;

f) tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras

adequadas à proteção do patrimônio;

g) fomentar a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais de

formação no domínio da proteção, conservação e valorização do patrimônio e apoiar a

investigação científica nesses domínios;

h) não tomar deliberadamente qualquer medida susceptível de danificar direta ou

indiretamente o seu patrimônio ou o de outro Estado Parte na Convenção; [Artigo 6º(3) da

Convenção do patrimônio Mundial]

i) apresentar ao Comitê do patrimônio Mundial um inventário (denominado «Lista

Indicativa») dos bens susceptíveis de serem inscritos na Lista do patrimônio Mundial; [Artigo

11º (1) da Convenção do patrimônio Mundial]

j) contribuir regularmente para o Fundo do patrimônio Mundial, no montante que for

decidido pela Assembleia-geral dos Estados parte na Convenção; [Artigo 16º (1) da

Convenção do patrimônio Mundial]

k) estabelecer ou promover a criação de fundações ou de associações nacionais,

públicas e privadas cujo objetivo seja o encorajamento da proteção do patrimônio Mundial;

[Artigo 17º da Convenção do patrimônio Mundial] contribuir nas campanhas internacionais

Page 84: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

83

de coleta organizadas em favor do Fundo do patrimônio Mundial; [Artigo 18º da Convenção

do patrimônio Mundial]

m) utilizar os programas de educação e de informação para reforçar o respeito e o

apego dos seus povos ao patrimônio cultural e natural conforme definido nos artigos 1º e 2º da

Convenção e informar o público das ameaças a que está sujeito esse patrimônio; [Artigo 27º

da Convenção do patrimônio Mundial]

n) fornecer ao Comitê do patrimônio Mundial informações sobre a aplicação da

Convenção do patrimônio Mundial e sobre o estado de conservação dos bens; e [Artigo 29º da

Convenção do patrimônio Mundial. Resolução adotada pela 11ª Assembleia-geral dos Estados

parte (1977)].

Algumas dessas medidas já se encontram desenvolvidas no país, com destaque a

criação de instituições de pesquisas e gestão do patrimônio cultural, a contemplação de

educação patrimonial nas escolas, no âmbito do currículo local.

Ainda no âmbito do patrimônio imaterial, o Governo de Moçambique tem a

responsabilidade de promover estudo e a revitalização das tradições culturais populares, tais

como ritos, folclores, que sendo de valor excepcional gozam de uma proteção especial por

parte do Estado (organização de festivais nacional da musica, canto, dança, teatro,

gastronomia, arte, etc.), envolvendo todas as províncias do país.

Essa perspectiva faz parte da ótica consagrada pela Convenção de 2003 que declara -

em seu Artigo 1, parágrafo 1 - que constituem o patrimônio cultural intangível aqueles

elementos reconhecidos por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte

de seu patrimônio cultural. Ela estabelece também que compete aos Estados membros da

Convenção indicarem quais, dentre esses elementos, devem tornar-se objeto de salvaguarda e

receber os benefícios que decorrem dessa condição específica, seja ao nível nacional (Item III,

Art.11 a 15), seja integrando a Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível da

Humanidade (Art.16) e a Lista do Patrimônio Cultural Intangível que Necessita de

Salvaguarda Urgente (Art.17) (ARANTES, 2010).

Esses dispositivos implicam no reconhecimento do poder de autodeterminação dessas

comunidades e conduzem, necessariamente, ao enfrentamento das questões éticas e jurídicas

daí decorrentes (ARANTES, op.cit). Identificar o que determinada comunidade considera seu

patrimônio e o que o Estado poderá vir a reconhecer como tal é, portanto, o desafio inicial – e

essencial - de todo o trabalho de inventário, mormente no que diz respeito à seleção dos temas

Page 85: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

84

e ocorrências a partir dos quais se configuram os limites geográficos, étnicos, éticos,

temporais e temáticos de tal levantamento.

Ainda, de acordo com Arantes (2009), isso implica a aceitação tácita, pelas

comunidades culturais e pelas instituições de preservação, do compromisso de se envolverem,

conjuntamente, no enfrentamento das vicissitudes que se colocam à continuidade das práticas

e conhecimentos selecionados. Aliás, o envolvimento dos agentes locais na gestão dos bens

patrimoniais é explicitamente estabelecido no Artigo 15 daquele acordo multilateral e essa

participação tem se mostrado, na prática, como condição necessária da sustentabilidade da

preservação. Pode-se dar o exemplo à especificidade que a população faz na conservação dos

cemitérios de seus entes, locais sagrados das comunidades, entre outros.

Paralelamente às responsabilidades dos Estados Parte da Convenção do Patrimônio

Mundial, a missão do Patrimônio Mundial da UNESCO é de entre outras, encorajar à esses

Estados a nomear cada vez mais locais do seu território nacional para serem incluídos na Lista

do Patrimônio Mundial; Ajudar os Estados-membros a salvaguardar os locais classificados

como patrimônio Mundial; Prestando assistência técnica e formação profissional; Apoiar os

Estados-membros nas atividades de consciencialização pública para a conservação do

patrimônio Mundial; Encorajar a participação da população local na preservação do seu

patrimônio cultural e natural. E por sua vez, cabe ao Comitê conceder subsídios dos Fundos

do Patrimônio Mundial aos bens que necessitem de assistência urgente em caso de perigo

iminente, bem como assistência técnica e formação, ou atividades promocionais ou

educativas.

Com vista a garantir a participação da sociedade civil no processo de conservação e

valorização dos bens classificados particulares (pessoais) a Legislação do Patrimônio Cultural

e Natural em Moçambique, no seu artigo 5º estabelece que o Governo de Moçambique deverá

conceder apoio financeiro ou criar formas especiais de crédito, para as obras e para aquisição

de bens necessários a conservação e restauro de bens classificados do patrimônio cultural,

(Lei, 10/88).

No artigo 6º da mesma legislação, responsabiliza aos proprietários e usufrutuários de

bens classificados como patrimônio cultural, pelo uso correto e a salvaguardada dos mesmos e

a obrigatoriedade de velar pela proteção, conservação e correta utilização e de comunicar à

autoridade competente qualquer dano, roubo, deterioração ou outra alteração do estado de

conservação bem como, responder a todos os pedidos de informação apresentados por aquela

elementos.

Page 86: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

85

Desta forma o poder público que assume o interesse da sociedade, passa a exercer a

sua proteção e representá-la. A sociedade em geral tem o dever de manter ambiente sadio,

contribuir na proteção e valorização do patrimônio cultural, participando nas campanhas de

limpeza, manter o meio ambiente limpo, comunicar as entidades competentes os atos de

vandalismo do patrimônio Cultural (alteração da originalidade do patrimônio, denunciar

construções que são feitas sem licenças e outros atos negativos).

Assim, se um bem é tombado seja ele privado como coletivo e recebe a proteção da

lei 10/88, de 22 de Dezembro, o ―legítimo dono‖ nunca deve efetuar qualquer mudança de

local ou realizar trabalhos de escavação, construção, demolição ou qualquer modificação, sem

autorização da autoridade competente. De uma forma geral, o proprietário perde autonomia

sobre esse bem.

Ainda, na mesma Legislação do Patrimônio Moçambicano, no seu artigo 7º,

estabelece que a classificação ou anulação da classificação de bens do patrimônio Cultural é

da competência do Conselho de Ministros. Entretanto, são técnicos dos departamentos do

Patrimônio responsáveis pela inventariação e classificação e por fim, a fundamentação das

razões da contemplação do bem. Cabe ao Conselho de Ministros a tarefa de aprovar ou

reprovar, conforme a fundamentação dada pelos técnicos.

Para conclusão deste ponto é importante referir que a proteção do patrimônio cultural

constitui também um dever fundamental de todos. Um dever fundamental expresso no art.78,

n.º1, da Constituição da República de Moçambique, e do art.11 da Lei do Patrimônio Cultural,

que se desdobra em três deveres fundamentais:

- O dever de preservação;

- O dever de defesa;

- O dever de valorização do patrimônio cultural.

No âmbito local, o Governo de Moçambique, criou por Decreto n.º 28/2006, de 13 de

Julho, o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM), uma instituição pública

subordinada ao MEC, que dentre outras atividades, esta instituição tem a missão de garantir a

autenticidade e integridade do patrimônio Mundial Cultural da Ilha de Moçambique;

promover o conhecimento e respeito pelas leis e princípios nacionais e internacionais sobre a

preservação e conservação do patrimônio edificado; promover programas educativos sobre o

patrimônio cultural e meio ambiente da Ilha de Moçambique e promover o turismo cultural.

No entanto, um aspecto importante a ser tomado em conta é que a proteção do

patrimônio cultural não pode ser objeto de uma visão estatizante, suportada na pretensão de a

Page 87: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

86

mesma caber totalmente ao Estado e demais entidades públicas. Antes exige que o patrimônio

cultural seja assunto também das instituições da sociedade civil a começar pelas que têm

eminentes responsabilidades públicas.

De igual modo, a proteção do patrimônio cultural constitui também assunto de todos

e a cada um dos membros das comunidades em que se inserem, enquanto conjunto de pessoas

livres, responsáveis e minimamente conscientes da sua condição de cidadãos. Neste contexto,

surge então o Direito do patrimônio cultural como conjunto de normas reguladora, assumindo

um papel fundamental no que concerne à conservação e valorização do patrimônio cultural,

sendo este o seu objetivo primordial.

Vale aqui ressaltar que a valorização do patrimônio cultural em qualquer lugar passa

necessariamente pela ação pedagógica com o objetivo de desenvolver o processo permanente

e sistemático de inserção do conhecimento junto à comunidade. O patrimônio cultural assume

um valor coletivo e constitui a riqueza e a herança de um povo.

4.5. Estado atual da conservação do ambiente urbano e do patrimônio cultural

Em relação ao estado de conservação do ambiente urbano, mais detalhadamente está

descrito no ponto de saneamento urbano, onde foram colocados os problemas que, sobretudo,

estão relacionados com aspectos antrópicos, ação de degradante provocada pelo mau

relacionamento que se estabelece entre o homem/meio ambiente, sendo um dos principais

fatores, o congestionamento populacional que se verifica na Ilha de Moçambique.

Para minimizar a situação de saneamento ambiental na cidade da Ilha, o Conselho

Municipal indicou algumas artérias, ao longo das vias públicas para o deposito de lixo

público, proveniente dos mercados, limpezas das vias públicas, a poda de árvores e ainda

domiciliários, nos quais, e foi definida que a coleta do lixo devia ser 4 vezes ao longo da

semana. Entretanto, devido às limitações de vários caracteres tais como, avaria de transporte,

a falta de combustível, esta ordem não tem sido concretizada e o lixo permanece nesses locais

por alguns dias.

A falta de locais apropriados para dispor adequadamente as grandes quantidades de

resíduos produzidos diariamente pela população constitui também um dos principais

problemas nesta cidade.

Geralmente, nos dias marcados para a remoção, o lixo coletado é transportado em

caminhões improvisados para o efeito e é levado para o continente onde é depositado num

Page 88: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

87

grande lixão localizado sensivelmente à 500 metros da orla marítima e não se beneficia de

nenhum tratamento adequado para o chorume (substância líquida resultante do processo de

putrefação de matérias orgânicas).

Já o lixo não coletado é disposto de maneira irregular nas ruas, ou lançado ao longo

das praias e em espaços públicos, e é exatamente este lixo que provoca assoreamento das

valas de drenagem e, consequente o aumento de enchentes em épocas de chuva, do mau

cheiro, a proliferação de moscas, baratas e ratos, todos com graves consequências diretas ou

indiretas para a saúde pública.

Não existem dados oficiais atualizados sobre a quantidade de resíduos sólidos

produzidos quer domiciliário, construções, mercados, restaurantes, quer os gerados pelos

Serviços de Saúde na Ilha de Moçambique. Na Ilha de Moçambique a coleta do lixo não é

seletivo, o que contribui significativamente para esse desconhecimento.

A ausência de uma estrutura de planejamento e gestão dos resíduos na Ilha de

Moçambique é um dos fatores que dificultam uma ação integrada e coordenada entre os

municípios e que poderiam reduzir custos ambientais e financeiros.

A inexistência de sistema de evacuação de dejetos humanos e esgotos domésticos é

outro problema que necessita de medidas no sentido de se encontrar alternativas para

solucionar, pois, toda a eliminação é feita por via direta ao mar. Na Cidade de Pedra e Cal, os

edifícios têm em principio fossas sépticas, mas muitas delas estão fora de uso.

E na Cidade de Macuti existem algumas casas equipadas com fossas sépticas, e a

maioria das casas tem urinol e lugar para tomar banho com dreno. Apesar do aumento do

número de sanitários públicos, latrinas em algumas casas que demonstraram haver relativas

condições para o efeito, uma parte significante da população usa as praias para a satisfação

das suas necessidades fisiológicas.

Por outro lado, a procura excessiva de artefatos como miçangas, moedas de ouro e

prata, fragmentos da porcelana da Dinastia Ming, que datam desde o séc. XIII tem levado a

desenfreadas escavações desencadeadas, principalmente pelos jovens para fins comerciais,

que para além de provocar erosão em vários pontos costeiros, constitui também uma ameaça à

perda de uma parte significativa do patrimônio móvel, porque as instituições de tutela não

conseguem ter registro de diferentes amostras de artefatos de interesse histórico e cultural da

Ilha de Moçambique (CESO‐CI 2009, apud PGIM, 2010:36).

O relatório periódico elaborado pelo Gabinete de Conservação da Ilha de

Moçambique – GACIM, 2011, bem como o relatório do ―Livro Laranja‖, (2011-2012),

Page 89: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

88

apontam para uma relativa melhoria no estado de conservação de alguns edifício do

patrimônio edificado e do conjunto urbano (Figura 24)

Figura 24- O estado de Conservação de alguns imóveis do patrimônio edificado na

Cidade de Pedra e Cal.

Foto: GACIM (2011).

Igualmente houve algumas melhorias em termos de conservação de alguns espaços

públicos (parques e jardins), algumas vias de acesso (a contra-costa e a costa este), as pontes

que ligam a ilha de do continente e a ponte cais.

Os Edifícios que constituem unidades arquitetônicas, como foi referido

anteriormente, foram subdivididos e arrendados parcialmente a inquilinos sem capacidade

técnica e financeira para garantir a sua manutenção e não se beneficiam de qualquer

manutenção quer por parte do Estado que é proprietário, quer pelos seus arrendatários. Grande

parte desse patrimônio encontra-se no estado avançado de degradação, portanto, em ruínas

como se pode observar na figura 25.

Figura 25 - O estado de conservação da maioria dos imóveis do patrimônio edificado na Cidade de Pedra e

Cal – 2012.

Foto: Lúcia Omar (Março, 2012)

Page 90: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

89

Com o processo de alienação iniciado em 1991 em todo o país, a grande parte desses

edifícios está na posse de pessoas singulares que por incapacidade económica, na maioria dos

casos os proprietários não têm os mantido num estado de conservação desejável.

Paralelamente a esta situação, pode-se dizer que os edifícios pertencentes às

instituições governamentais são os que na sua maioria encontram-se em mau estado de

conservação. Não existe uma tradição de manutenção regular dos edifícios do Estado, mas

sim o hábito de intervenções de reabilitação apenas depois de longos períodos de negligência

e degradação. Os edifícios que albergam os serviços da Administração Distrital, que incluem

algumas das grandes feitorias do século XVIII, edifícios de alto valor histórico, encontram‐se

em ruínas.

Entretanto, há que se ressaltar que os edifícios com significado singular, tais como

fortalezas, o Palácio de S. Paulo, as igrejas e mesquitas, o templo hindu e o mercado têm sido

alvos de maior atenção por parte do Governo e de parceiros de desenvolvimento, por isso, têm

se beneficiado de algumas obras de reabilitações e restauros. Assim, estes edifícios estão

relativamente fora de perigo.

No entanto, registam‐se exceções, como o grandioso Hospital da Ilha de

Moçambique, que foi em tempos o maior de África Ocidental e que acolheu feridos da

Segunda Grande Guerra-Mundial em final de 1944, a Alfândega, a Capitania, o Matadouro, as

antigas feitorias, os edifícios administrativos, o consulado francês e os armazéns kaharamo e o

Clube Desportivo, constituem um grupo particularmente problemático, os quais até 2012 se

encontravam em estado avançado de degradação e requerem rápidas intervenções nem que

sejam medidas para suster o colapso.

Ainda de acordo com o Relatório do Plano de Gestão da Ilha de Moçambique (2010),

refere que de um total de 56 edifícios e conjuntos escolhidos para avaliação do seu estado de

conservação em 1983, 39 apresentavam‐se em bom estado, 10 em estado medíocre e 7 em

mau estado de conservação. Na reavaliação dos mesmos edifícios em 2011, o número de

edifícios em bom estado de conservação reduziu-se para 20, e em estado medíocre aumentou

para 14 e finalmente o número de mau estado de conservação triplicou, de 7 para 22 em 2011,

o que levou o relatório a concluir que a tendência geral do patrimônio, sobretudo, o edificado

seja a de degradação evolutiva.

De uma forma geral, o estado de conservação do patrimônio edificado da Ilha de

Moçambique é alarmante. O abandono, o clima excepcionalmente agressivo, a falta de

Page 91: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

90

manutenção e, muitas vezes, a figueira‐brava constitui um dos perigos naturais aos edifícios

sendo esta espécie responsável pela crescente degradação de alguns edifícios.

Muitos destes edifícios estão abandonados ou ocupados por moradores ―informais‖,

que não dispõem condições para a manutenção e dado ao estado avançado da degradação,

esses habitantes fazem construções com material tradicional de pau-a-pique e com cobertura

do macuti no interior das paredes das casas de pedra e cal. Em alguns casos, nesses edifícios

acolhem funcionários da função pública, que chegam a Ilha em missões de serviços,

principalmente enfermeiros e professores.

Já para o caso da cidade de Macuti, as casas situadas nas antigas pedreiras com

coberturas de macuti revela a relação histórica entre a ―cidade colonial‖ e os ―bairros

indígenas‖. Aqui é notável a significativa substituição destas coberturas tradicionais por

coberturas em chapa de zinco, do pau‐pique por blocos e cimento e uma crescente ampliação

das casas em detrimento do espaço público.

De fato, as ruelas nos bairros são na sua maioria muito estreitas e têm uma natureza

semiprivadas, o que obriga os habitantes a ocupar o espaço público com atividades

domésticas. A zona comercial principal dos bairros (caracterizada por lojas, atividades

relacionadas com a pesca, a grande mesquita, armazéns e vistas do plano de água) está em

crescente degradação e com a sua base rochosa já visível (PGIM, 2010, p. 32).

De uma forma geral, os sete bairros que compõem a Cidade de Macuti ainda

continuam delimitados pelas principais ruas. A diferenças em termos de urbanização

(planejada vs irregular) entre os bairros da costa e os da contra-costa ainda é visível. Há,

contudo, ligeiras mudanças que são menos visíveis atualmente, como indicador da crescente

privatização dos mesmos. A privatização dos espaços públicos é mais notória.

Igualmente, o ciclone que assolou a Ilha em 2008, derrubou a grande parte das

árvores das ruas e praças, sobretudo, as acácias, devido principalmente da falta de rotina de

podas para o fortalecimento da sua estrutura. As zonas verdes, em forma de parques e jardins,

têm sido alvos de intervenção nos últimos tempos, o que contribui para a melhoria do

ambiente urbano.

4.6. Patrimônio Cultural e sua relação com a questão ambiental

A preocupação da relação homem-natureza data desde Grécia Antiga, no entanto, só

no século XX que essas relações passam a ser entendidas como partes de uma relação social,

Page 92: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

91

econômica e política, ou seja, é no contexto de pós-guerra que as preocupações com o

ambiente vão gradativamente deixando de ser uma questão restrita aos aspectos naturais e

passam a fazer parte das questões sociais, inclusive atingindo a opinião pública, órgãos

governamentais e a comunidade científica. A partir desse momento que os dilemas passam a

ser socioambientais e não apenas um debate centrado na natureza stricto sensu, e isso ocorre

como consequência de evidências da inter-relação, sobretudo, dos aspectos ambientais com a

qualidade de vida e saúde da população (HOGAN, et.al 2010, p. 27).

De certa forma, as implicações das destruições ocorridas durante a Revolução

Francesa que não só tiveram consequências sobre os bens materiais (monumentos, obras de

arte, etc), mas também se repercutiram na degradação do espaço urbano e do ambiente

envolvente, impulsionou, sobremaneira, a consciência do homem sobre a situação da

deterioração do ambiente, da não regularidade da natureza e da incapacidade de regeneração

de áreas degradadas bem como o desaparecimento de espécies, levando assim às primeiras

preocupações em proteger a natureza, que até então, considerada uma criação destinada

exclusivamente ao desfrute dos homens, lugar do rustico, selvagem, do obscuro e do feio,

oposto da civilização, uma ameaça à ordem crescente (ZANIRATO, 2006, p.86).

Ainda, segundo a autora, tal como o desaparecimento de símbolos da cultura motivou

a defesa da proteção desses bens pelo Estado, de igual modo, a constatação da perda da

natureza resultou em iniciativas semelhantes para a sua proteção, por isso, a proteção do meio

ambiente passou também a ser orientada no decorrer do XX, no cenário internacional, pelas

Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura – UNESCO, criada em

1946. No entanto, a emergência da ―consciência preservacionista‖ na esfera ambiental só se se

consolida a partir da década de 1980, mas essa mobilização não partiu do Estado como

ocorreu com o patrimônio histórico durante a Revolução Francesa, no século XVIII. Pelo

contrário, o movimento em prol do direito e da proteção ao meio ambiente se irradiou através

da comunidade científica e acabou difundido entre organizações não governamentais que

passaram a reivindicar melhor ―qualidade de vida‖ no planeta.

De acordo com Zanirato & Ribeiro (2006, p.3), foi sob esse enfoque que o conceito

de patrimônio ambiental adquiriu dimensões sociais, cujo significado aponta a materialização

dos sentidos atribuídos no decorrer do processo histórico e lhe imprime uma perspectiva

dinâmica, uma conotação que fomenta a consciência do uso comum do meio e,

principalmente, a responsabilidade coletiva pelo espaço. As demandas da modernização

imputam às elites políticas e intelectuais de vários países a necessidade de normatizar as

Page 93: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

92

formas de apropriação dos territórios. No decorrer do século XX, a noção de patrimônio

ambiental urbano amplia-se e também passa a ser considerado fator de reconhecimento dos

núcleos históricos.

Em 1962, a UNESCO aprova as Recomendações saídas da Conferência das Nações

Unidas para a Conservação e Utilização dos Recursos Naturais, realizada em Dublin, Irlanda

em 1949, relativas à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios. Foi também

indicado no mesmo documento medidas de proteção das paisagens naturais e das paisagens

transformadas pela espécie humana, medidas para a inclusão desses espaços no planejamento

urbano e regional e medidas para a criação de parques e reservas naturais (UNESCO,

Recomendações de 1962).

Ainda no mesmo seguimento, em 1965, realiza-se a Conferência de Washington,

onde é criada a Fundação do Patrimônio Mundial com objetivo de estimular a cooperação

internacional a proteger ―as zonas naturais e paisagísticas maravilhosas do mundo e os seus

sítios históricos para o presente e o futuro de toda a humanidade‖ (ZANIRATO, 2006, p. 4)

No entanto, a preocupação com a proteção da natureza começou a ser evidente a

partir da publicação do Relatório do Clube de Roma, lhe limits of growth (os limites do

crescimento) em 1972, que colocava uma perspectiva catastrófica sobre a relação população e

meio ambiente. Embora o relatório tivesse sido rejeitado na época pelos políticos devido à

forma como se expunha a problemática da relação homem-meio ambiente, o mesmo serviu de

alguma forma para alertar a humidade para a necessidade para maior prudência nos seus

estilos de desenvolvimento (DIAS, 2000, p. 35).

Em meados do mesmo ano (1972), realiza-se na Suécia – Estocolmo, a Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que tinha como objetivo estabelecer a

visão global e princípios comuns que serviriam de inspiração e orientação à humidade, para

preservação e melhoria de ambiente humano.

Esse documento teve um papel importante para Estados signatários da Convenção

uma vez que ofereceu orientações no desenho do plano de Ação Mundial, sobretudo, no

estabelecimento de programas internacional de Educação Ambiental visando educar o cidadão

comum, para que este maneje e controle o seu ambiente (DIAS op.cit, p. 36).

A recomendação nº 96 da Conferência reconhece o desenvolvimento da Educação

Ambiental como elemento crítico para o combate à crise do mundo, esta Conferência

constituiu um marco histórico e político internacional, decisivo para o surgimento de políticas

Page 94: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

93

de gerenciamento do ambiente, sobretudo, por ter chamado atenção ao mundo sobre os

problemas ambientais.

E na Declaração aprovada nessa ocasião ficou definida que os recursos naturais da

terra e especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais devem ser

preservados em benefício das gerações atuais e futuras, responsabilizando ao homem a

preservação e administração de forma jurídica o patrimônio representado pela flora e pela

fauna silvestre, bem como o seu habitat (UNESCO, Declaración, 1972 apud DIAS, 2000, p.

369).

Para Ribeiro (2007, p. 38)

esta dualidade indicava a permanência de uma visão na qual o ambiente natural tem

maior valor quando não possui intervenções humanas, e que as construções e demais

artefatos culturais nada têm a ver com o meio (suporte físico). [...] verificando a

existência de bens que podiam ser classificados nas duas categorias, foi

posteriormente criada a classificação de bem misto, para aqueles que tinham sua

inscrição justificada tanto por critérios naturais quanto culturais, mas sem que a

integração entre ambos fosse necessariamente objeto de análise ou de valoração.

Com o passar dos anos, o desenvolvimento de disciplinas como a ecologia política e

a discussão em torno de categorias como a de desenvolvimento sustentável

provocou uma valorização no contexto internacional da relação homem/meio

ambiente.

O entendimento que é partilhado do Milaré (2005) apud Bosch (2011, p. 3), a visão

holística do meio ambiente faz com que seja também considerado seu caráter social, uma vez

que, “ele é definido constitucionalmente como um bem de uso comum do povo, de caráter ao

mesmo tempo histórico, porquanto o meio ambiente resulta das relações do ser humano com

o mundo natural no decorrer do tempo‖. Assim, para o autor, essa visão holística faz incluir

no conceito de ambiente – além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito

humano que se traduzem nas suas múltiplas obras expressas em realizações significativas que

caracterizam os assentamentos humanos e as paisagens do seu entorno.

Neste contexto, Reisewitz (2004) apud Bosch (2011, p. 3), afirma que o Direito

Ambiental não está limitado àquilo que diz respeito à natureza e a todo o equilíbrio ecológico,

sendo muito mais abrangente e compreendendo, em sua tutela, os elementos criados pelo ser

humano, ou seja, ―compreende a ação humana modificadora da natureza, de maneira que

toda a riqueza que compõe o patrimônio ambiental transcende a matéria natural e incorpora

também um ambiente cultural, revelado pelo patrimônio cultural‖.

Ainda, de acordo com este autor, a preocupação com o meio ambiente, assente pela

lógica da sustentabilidade ecológica, caracteriza-se pela garantia de progresso material e bem-

estar social, e isso implica garantir que os recursos não sejam esgotados pela produção, mas

Page 95: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

94

lhes impõem uma gestão racional, pois o crescimento não é infinito, existindo limites físicos

naturais a serem respeitados. Se, por motivações capitalistas, forem extrapolados,

inevitavelmente, levarão à autodestruição dos ecossistemas naturais e, por conseguinte, da

humanidade.

O autor ressalta ainda que ―a preservação do patrimônio cultural incorpora ao

mesmo tempo o direito ambiental e direito cultural. Assim, tanto a cultura como a natureza

são patrimônios suscetíveis de preservação, pois ambos integram o patrimônio ambiental‖

(REISEWITZ, 2004 apud BOSCH, 2011 op.cit.).

O primeiro e único instrumento nacional oficial de proteção do patrimônio cultural e

natural no território moçambicano foi trazido pelo art. 3º da Lei 10/88, de 22 de Dezembro

(conhecido como a Lei de proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio

cultural moçambicano), que determina constituir patrimônio histórico-cultural e artístico

nacional ―ao conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo Povo

moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade cultural

moçambicana. O patrimônio cultural é constituído por bens culturais imateriais e materiais”.

De acordo com a Lei 10/88, são considerados bens culturais imateriais:

todos os elementos essenciais da memória coletiva do povo tais como, a história e a

literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas

nacionais e ainda obras do engenho humano e todas as formas de criação artística e

literária independentemente do suporte ou veículo por que se manifestem ―e, são

considerados bens culturais materiais ―ao conjunto formado por bens imóveis e

móveis que pelo seu valor arqueológico, histórico, bibliográfico, artístico e

científico, bem como os elementos naturais, sítios e paisagens protegidas por Lei ou

passíveis de tal proteção em razão do seu valor cultural‖ (Lei 10/88, de 22 de

Dezembro).

Ainda na mesma Lei, a definição do conceito patrimônio cultural, expande à todos os

bens culturais que venham a ser descobertos no território moçambicano, nomeadamente, no

solo, subsolo, leitos de águas interiores e plataforma continental, assim como aos bens

culturais de outros países existentes em Moçambique.

De acordo com Souza Filho (2010, p. 21), conservar o patrimônio ambiental cultural

constitui fundamental na civilização e na cultura dos povos, e a ameaça de seu

desaparecimento implica o desaparecimento da própria sociedade, uma vez que o patrimônio

cultural é garantia de sobrevivência dos povos, porque é produto e testemunho de sua vida.

―Um povo sem cultura, ou dela afastado, é como um grupo sem norte, sem capacidade de

escrever sua própria história e, portanto, sem condições de traçar o rumo de seu destino”.

Ainda, segundo autor, constitui uma das consequências da falta das possibilidades de

valoração de bens culturais a perda desse patrimônio como referência para as gerações

Page 96: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

95

futuras. Com efeito, apesar de a sociedade transformar-se de forma acelerada devido à

globalização, torna-se imprescindível tutelar os bens culturais no intuito de manter viva a

identidade de um povo.

Para Emília Kashimoto et.al (2002), a efetivação da proteção do patrimônio cultural

requer o incremento do processo de educação patrimonial e de conscientização da

comunidade, seja local, regional ou nacional, a partir de uma reflexão ampla acerca da

memória e de sua relação com a qualidade de vida. O patrimônio cultural subsidia ações de

divulgação dos conhecimentos, para reflexão e formação de consciência social, visando o

conhecimento da realidade local e regional e à promoção de recursos humanos, pois, segundo

autor, ―não se pode falar em vida dotada de qualidade quando não agregados os valores

culturais‖.

Segundo a autora, na definição do meio ambiente, não se deve restringir apenas ao

meio natural (solo, água, ar, fauna e flora), mas também abrangendo o aspecto artificial

(espaço urbano construído), do trabalho e o cultural (patrimônio histórico, artístico,

arqueológico, paisagístico e turístico).

Foi neste contexto que em Moçambique se criou a Unidade de Gestão Ambiental

(UGA) em 1982 – Instituto Nacional de Planejamento Físico (INPF), como forma de

responder a problemática ambiental do país. Em 1985, com assistência do INPF e da IUCN

(União Internacional de Conservação da natureza), criou-se o Conselho do Ambiente. Em

1991, criou-se a Divisão do Meio Ambiente, no INPF, que foi inserido no Aparelho

Constitucional do país e deste, nasceu o Conselho Nacional do Meio Ambiente e

Desenvolvimento – CNMAD. Pelo Decreto presidencial nº 3 de Junho de 1992, cria-se o

Conselho nacional do Meio Ambiente (CNMA).

Em 1994, é criado o Ministério para Coordenação da Ação Ambiental (MICOA),

pelo Decreto Presidencial nº2/94, de 21 de Dezembro que passa a dirigir executar a política

do ambiente, coordenar, assessorar, controlar e incentivar as ações planejamento correto e

utilização sustentável dos recursos naturais do país. No mesmo ano foi institucionalizado o

Programa Nacional de Gestão Ambiental - PNGA desenhado para estabelecer uma política e

estratégias ambientais para direcionar a gestão ambiental.

A Constituição da República de Moçambique no seu art. nº 72 consagra o direito dos

cidadãos a um ambiente equilibrado e o dever de defendê-lo, atribuindo ao Estado a tarefa da

sua materialização através da promoção de iniciativas visando o equilíbrio ecológico, a

conservação e preservação do patrimônio paisagístico. Esta constituição coloca na mesma

Page 97: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

96

escala de igualdade a proteção dos valores históricos e culturais e o meio ambiente como um

todo (PNMA, Resolução nº5/95).

A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivos ―assegurar o

desenvolvimento sustentável do país, considerando as suas condições específicas, através de

um compromisso aceitável e realístico entre o progresso socioeconômico e a proteção do

ambiente”. Com base nesse propósito, a Política Nacional de Meio Ambiente visa:

1º- Assegurar uma qualidade de vida adequada aos cidadãos;

2º- Assegurar a gestão dos recursos naturais e do ambiente em geral, de modo que

se mantenha a sua capacidade funcional e produtiva para as gerações presentes e futuras;

3º- Desenvolver uma consciência ambiental da população, para possibilitar a

participação pública na gestão do meio ambiente;

4º- Assegurar a integração de considerações ambientais no planejamento

socioeconômico;

5º- Promover a participação da comunidade local no planejamento e na tomada de

decisões sobre o uso dos recursos naturais;

6º- Proteger os ecossistemas e os processos ecológicos essenciais;

7º- Integrar os esforços regional e mundial na procura de soluções para os

problemas ambientais (PNMA, 1995, p. 232).

Tanto as preocupações com a preservar ambiental como a do Patrimônio Histórico

Cultural visam afirmar a identidade de um povo, mantendo viva a história de gerações

passadas para conhecimento das presentes e futuras.

Dessa forma, a fim de que prevaleça o interesse coletivo e o bem-estar social, é

imprescindível que haja efetiva preservação do Patrimônio Ambiental Cultural, utilizando-se

do instituto da responsabilidade civil ambiental para apurar responsabilidades e gerar

obrigações na recuperação e/ou compensação de danos causados, uma vez que o Patrimônio

Ambiental Cultural merece ser tutelado por se constituir em forte referência da memória

histórica de um povo (BOSCH, 2011, p.21).

As questões ambientais somente serão implementadas quando houver a integração

entre os vários segmentos da sociedade e os diversos órgãos das três esferas de governo

nacional, provincial e distrital (local), tento em conta que não há como tratar de meio

ambiente sem ao mesmo tempo equacionar os problemas sociais responsáveis pelo caos na

qualidade de vida.

Page 98: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

97

Um estudo completo de planejamento com impacto direto na qualidade de vida só

será realmente eficaz se ocorrer com uma equipe multidisciplinar e com a integração de todos

os segmentos do governo trabalhando com todas as variáveis ambientais, sociais e

econômicos presentes no local em causa.

4.6.1. Quadro Institucional referente à Conservação do patrimônio na Ilha.

Com vista à proteção legal do legado histórico-cultural, a Ilha conta com legislações

no âmbito patrimonial que inclui as convenções internacionais, planos de gestão e

desenvolvimento integrado, planos estratégicos de nível local, provincial e nacional e o

Estatuto Específico da Ilha de Moçambique.

O quadro institucional local é constituído pelo Conselho Municipal (CMIM), pelo

Governo Distrital (GDIM) e pelo Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique

(GACIM). Se junta a este quadro constitucional Organizações não governamentais, a

sociedade civil, que se encontra organizada em associações não governamentais e em

confrarias (organizações religiosas associadas às danças).

No Plano de Gestão da Ilha de Moçambique (2010, p. 55-57), sintetiza as principais

características do quadro institucional da Ilha de Moçambique, de acordo com as suas

responsabilidades dentro do território.

A Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro, institucionaliza as Autarquias como forma do

poder local em Moçambique, cujos objetivos centram-se, sobretudo, na incentivacão da

participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios das suas comunidades e na

promoção do desenvolvimento local, bem como no aprofundamento e a consolidação da

democracia.

Neste contexto, a Lei 2/97, no seu artigo 272, consagra as autarquias municipais às

responsabilidade de ―elaborar e a aprovar os planos de desenvolvimento da autarquia local

de médio e de longo prazo‖, abarcando os aspectos do o desenvolvimento econômico e social

local; a urbanização e gestão do meio ambiente (saneamento básico, criação e manutenção de

espaços verdes e a qualidade de vida de seus habitantes); saúde, educação, cultura, turismo,

lazer, habitação, entre outras.

A pós a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial em 1991, a

responsabilidade do Governo de Moçambique perante o país e as organizações internacionais

Page 99: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

98

de salvaguarda do patrimônio Mundial, foram acrescidas e para tal, criou-se através do

Decreto n.º 27/2006, de 13 de Julho, o Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, um

instrumento que tem como objetivos promover a aplicação das normas da UNESCO relativas

à proteção do Patrimônio Mundial, estabelecer regras e mecanismos de articulação e

coordenação entre os diferentes intervenientes no processo de desenvolvimento e conservação

da Ilha de Moçambique e promover o investimento nacional e estrangeiro na região.

De igual modo, foi criado, por Decreto n.º 28/2006, de 13 de Julho, o Gabinete de

Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM), uma instituição pública subordinada ao

MEC. O mesmo diploma define como áreas setoriais de intervenção do GACIM a proteção

arquitetônica, histórica e arqueológica e a proteção ambiental e o turismo cultural.

Paralelamente a este órgão foi criada a Comissão Técnica do GACIM constituída pelos

membros do governo do Distrito, Conselho Municipal, Membros da Sociedade Civil que se

destacam pelas atividades em prol da conservação do patrimônio cultural na Ilha de

Moçambique. A CTG tem a função de assessorar o GACIM no processo da gestão do

patrimônio.

As organizações e associações profissionais e culturais que constituem um elemento

fundamental no quadro institucional, cultural e econômico constituem formas centrais de

vivência da grande parte da população da Ilha de Moçambique. Igualmente em elevado

número são os agrupamentos ou associações culturais da Ilha de Moçambique, ligados à

expressão artística musical, que também se constituem em redes de solidariedade corporativa

e são, frequentemente, um veículo de mobilização social e política, dada a proximidade dos

grupos com uma ou outra força partidária na Ilha.

Dentre as Associações Civis, destacam-se Associação dos Amigos da Ilha de

Moçambique - AAIM, formada em 1982, Associação dos Pequenos Empresários Turísticos –

APETUR, formada em (1999), e uma recente Associação feminina formada em 2009, com o

apoio da Embaixada da Dinamarca – Associação Cultural das Mulheres da Ilha de

Moçambique – ACUMIM. Essas associações participam de certa forma, nas iniciativas de

desenvolvimento socioeconômica da Ilha de Moçambique. (PGIM, 2010).

Page 100: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

99

4.6.2. Principais instrumentos legais referentes à conservação do patrimônio

Cultural em Moçambique

No domínio da cultura:

• Convenção da UNESCO para a Proteção do patrimônio Mundial, Cultural e

Natural, 1972. Na qualidade de Estado Parte da Convenção do Patrimônio de 1972,

Moçambique compromete‐se a assegurar a identificação, proteção, conservação, apresentação

do patrimônio cultural e natural situado no seu território, e o seu legado às futuras gerações.

• A Lei nº 10/88 de 22 de Dezembro ‐ Lei de Proteção do patrimônio Cultural, que

determina a proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural

moçambicano. A Lei aplica‐se a todos os bens do patrimônio cultural em geral, quer estejam

na posse do Estado e dos organismos de direito público, quer sejam propriedade privada, sem

prejuízo dos direitos de propriedade que couberem aos respectivos titulares.

• O Decreto nº 27/94 de 20 de Julho, que aprova o Regulamento de Proteção de

patrimônio Arqueológico. Este regulamento definido conceitos relativos à conservação do

patrimônio arqueológico, os procedimentos com vista a obtenção de licença para trabalhos

arqueológicos, assim como o uso e exploração de bens classificados do patrimônio

arqueológico para fins comerciais.

• Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do patrimônio Cultural Imaterial de

2003,cuja missão é a adoção de medidas que visam assegurar a viabilidade do patrimônio

cultural imaterial, incluindo a identificação, documentação, investigação, preservação,

proteção, promoção, valorização, transmissão ‐ essencialmente pela educação formal e não

formal – e revitalização dos diversos aspectos deste patrimônio.

• Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios, elaborado em 2003 pelo

Departamento de Monumentos da Direção Nacional do patrimônio Cultural do Ministério da

Cultura e a proposta de Normas para a conservação e critérios de classificação de

monumentos, conjuntos e sítios em Moçambique.

• Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das

Expressões Culturais, 2005. Esta Convenção busca criar um ambiente conducente à afirmação

e à renovação da diversidade de expresses culturais em benefício de todas as comunidades

existentes no país. Um dos objetivos fundamentais da Convenção é ―reafirmar os direitos

soberanos dos Estados, manterem, adotarem e implementarem as políticas e medidas que

julguem apropriadas à proteção e à promoção da diversidade das expressões culturais em

Page 101: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

100

seus territórios, plasmado no Artigo 1 da Convenção. A Convenção promove a interação

entre participantes individuais e institucionais no compartilhamento de responsabilidades e

em nome da diversidade das expressões culturais.

Page 102: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

101

5. PATRIMÔNIO CULTURAL EM MOÇAMBIQUE

5.2. Processo Histórico do Patrimônio Cultural em Moçambique e a Formação

de órgãos de tutela

No presente capítulo, pretende-se fazer uma análise descritiva das primeiras

preocupações com a preservação e a valorização da cultural como instrumento base para o

desenvolvimento socioeconômico e político de Moçambique, desde a definição da lei que

determina a proteção legal do Patrimônio Cultural, como a definição da Política da Cultura e a

criação dos órgãos de tutela do setor da cultura até aos nossos dias.

A questão cultural em Moçambique foi reconhecida desde os primórdios da história da

luta de libertação nacional, conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)

entre os anos de 1964 a 1974, contra o colonialismo português. Nesse período, a cultura

funcionou como o veículo na reafirmação da identidade moçambicana e de protesto contra a

dominação colonial durante os cincos séculos de dominação portuguesa (ARPAC, 2011). Em

1966, em plena guerra, a FRELIMO criou o Departamento da Educação e Cultura (DEC), que

constituiu um valor acrescentado para ambos os setores face à sua complementaridade. Neste

Departamento, o setor da Cultura se destacou como um componente importante da luta de

liberação em virtude da sua relação intrínseca com o despertar da consciência nacionalista.

Kashimoto et al. (2002) ressaltaram a importância da cultura para o desenvolvimento

socioeconômico e cultural numa sociedade e consideram que este é o meio pelo qual as

pessoas encontram soluções criativas para os problemas enfrentados no seu cotidiano,

fortalecendo ainda mais sua identidade e seus valores, pois é ela que gera e transmite os

valores de geração em geração. Por isso, torna-se imprescindível o conhecimento com

profundidade da cultura de um grupo social do local onde a pessoa se insere, porque, de

acordo com o autor, é essa identidade cultural que rege a permanente evolução dos

sentimentos e de diferentes maneiras de perceber as coisas que caracterizam todas as

comunidades.

Através das manifestações culturais, o povo moçambicano pôde transmitir os seus

sentimentos, seus anseios, a sua repulsa contra a dominação estrangeira, reivindicou uma

igualdade de oportunidades no acesso aos serviços sociais e espaços públicos bem como se

impôs ao poderio do governo colonial (ARPAC, 2010 & MICULT, 2011).

Todavia, o conhecimento, a promoção, a valorização e a preservação da cultura em

Moçambique começam a merecer a sua maior atenção pouco antes da proclamação da

Page 103: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

102

Independência Nacional, quando em fevereiro de 1975, foi realizada a I Reunião Nacional dos

Comitês Distritais da FRELIMO, onde pela primeira vez foi criado em Moçambique o

Ministério da Educação e Cultura; cuja Estrutura Orgânica criada através da Portaria n.º

39/76, de 14 de Fevereiro, compreendia: Instituto Nacional da Cultura; Serviço Nacional de

Biblioteca; Serviço Nacional de Rádio Educativa e Biblioteca Nacional de Moçambique

(MICULT, 2011, p. 2).

Durante esta seção, a cultura foi assumida como o instrumento eficaz no processo da

construção da Unidade Nacional e da consolidação da Revolução que acabava de triunfar. Na

mesma reunião se reconheceu que o desenvolvimento econômico e social deve ter a cultura

como ponto de partida e de referência obrigatória e permanente, pois o desenvolvimento só

seria sustentável se tivesse o homem como seu primeiro e último beneficiário.

Nesse sentido, defendeu-se ―a necessidade de criação de condições que pudessem

unificar o povo moçambicano do Rovuma ao Maputo10

, mas para isso era necessário

conhecer esse povo” o que significava conhecer as diversidades culturais desse povo, o que

constituiu o maior anseio do governo moçambicano, sobretudo, no período pós-

independência, quando se reconheceu que a valorização da cultura era a condição

fundamental para a consolidação da Unidade Nacional e da identidade individual e de grupo.

Um dos primeiros passos para responder a esse propósito na década de 1970, foi o

incremento de intercâmbios culturais a nível nacional. Para o efeito, recomendou-se a criação

de comissões para coleta e estudos de todas as manifestações culturais do país, baseando-se na

vida do povo, hábitos culturais, experiências na medicina tradicional, de guerras tribais,

guerras de resistência à penetração estrangeira, períodos antes, durante e depois do

colonialismo português, as experiências na luta clandestina, de Luta Armada de Libertação

Nacional e as experiências que iam sendo adquiridas, entre outros aspectos (ARPAC, 2010).

Portanto, foi a partir desta campanha que se lançou as bases para a promoção, valorização e

preservação do patrimônio Cultural Nacional.

Em 1977 é realizado o III Congresso da FRELIMO (Frente de Libertação de

Moçambique), Partido no poder desde a sua criação em 1962, que, para além de definir os

aspectos da vida socioeconômica e política do país, tratou da cultura como instrumento

preponderante na formação do ―homem novo”, isto é, com nova mentalidade, o homem que

iria criar uma sociedade nova, moderna e desenvolvida dentro dos princípios do sistema

10 Do Rovuma ao Maputo, se refere aos dois estremos da República de Moçambique, a Norte o Rovuma e a Sul, Maputo, que na verdade,

são dos rios que a travessam o território moçambicano e que constituem fronteiras naturais, separando a norte, a República de Moçambique

da República da Tanzânia e a Sul, separa a República de Moçambique da República de África do Sul.

Page 104: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

103

socialista11

. Portanto, mais uma vez, a cultura foi aqui potencializada como uma arma, um

elemento da confrontação ideológica com o ―inimigo‖ ou outros ―exploradores‖, como

condição para o sucesso da produção e, como uma vertente político-social, um elemento de

libertação do homem moçambicano da colonização e sua autovalorização (Documentos do III

Congresso da FRELIMO. FRELIMO, 1977, apud, ARPAC, 2010, p. 6).

Foi neste contexto que em Julho de 1978, a Direção Nacional da Cultura organizou a I

Reunião Nacional dos Museus na Ilha de Moçambique, onde foram discutidas questões

relacionadas com a organização e funcionamento dos museus, bem como a necessidade da

coletar tudo o que construiria elementos do patrimônio histórico cultural do país.

Entretanto, apesar de vários esforços realizados na área da cultura, persistiam ainda

dificuldades na definição do conceito de cultura e da sua área de abrangência, pois, o recém-

criado o Ministério da Educação e Cultura ainda não dispunha de técnicos qualificados para

encarar os desafios que lhes colocavam.

Estas e outras questões suscitaram a realização em 1979 da II Reunião Nacional da

Cultura que teve como principais objetivos melhorar a visão comum sobre os desafios da

gestão e promoção cultural em geral, definir estratégias para maior participação da sociedade

na preservação e divulgação do patrimônio cultural para uma melhor interação como Estado,

contribuir para o desenvolvimento institucional na componente de recursos humanos e no

âmbito da descentralização e desconcentração de competências e responsabilidades, entre

outros pontos.

O Governo de Moçambique reconheceu também nesse período que, o processo

irreversível de que o homem é sujeito podia trazer eventuais descontinuidades no ciclo de

transmissão dos conhecimentos e valores tradicionais entre as gerações, se não se tomasse

medidas para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, sobretudo no momento em que

crescia a instabilidade no meio rural, associado ao processo massivo de migrações das

camadas populacionais mais jovens dessas zonas, significaria a perda do legado histórico do

povo moçambicano.

Neste contexto, de 1978 a 1983, os técnicos do setor da cultura, alunos e professores e

alguns funcionários dos governos provinciais e distritais de todo o país se engajaram no

processo denominado por ―Campanha Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural e

Natural de Moçambique‖, com objetivo de coletar, registrar e descrever vários aspectos da

11

Sistema de organização econômica adotado pela FRELIMO, logo após-independência, em que a economia do

país era em 100% controlada pelo Estado, cujo objetivo era de promover a distribuição justa de riquezas a todos

moçambicanos.

Page 105: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

104

cultura e tradições locais com vista à sua valorização através do seu estudo e análise.

Esperava-se também que através deste trabalho fosse possível realizar ações de reflexão

críticas sobre a história nacional através da interpretação desse mosaico cultural à escala

nacional.

Esta Campanha decorreu em toda a extensão do território moçambicano, abrangendo

distritos, localidades e povoados, um manancial significativo de bens culturais foi coletado,

grande partes dos quais foi posteriormente arquivado e outra parte, encontra-se em ainda em

processo de digitação, sistematização e catalogação, para efeitos de divulgação. Além dos

materiais referidos, foram também coletadas memórias de personalidades que se destacaram

na vida e no desenvolvimento socioeconômico, cultural e político local, histórias e mitos de

origem locais, rituais e práticas associadas à cura, produção agrícola, pesca e caça assim como

danças e cancioneiro locais.

Durante esse período não só se desenvolveram as campanhas de preservação do

patrimônio cultural, como também foram criadas instituições culturais que tinham funções de

gerir a execução das atividades de conhecimento, resgate, proteção, preservação, recuperação

e divulgação do patrimônio cultural material e imaterial do povo moçambicano.

Paralelamente a isso, foram recrutados em instituições de ensino jovens que foram

capacitados de acordo com as condições que o país tinha na altura, para assumir as

instituições que estavam sendo criadas no recém-país independente.

É neste contexto que, em 1979, é criada a Companhia Nacional de Canto e Dança,

conhecida como ―Embaixadora artística e cultural de Moçambique‖, cuja oficialização

aconteceu 17 anos depois através do Decreto n.º 38/96, de 20 de Agosto, objetivando coletar,

preservar, valorizar e difundir, através do espetáculo e outras formas, a manifestação cultural,

especialmente nos domínios da dança, música vocal e/ou instrumental, teatro e atividades

associadas.

Em finais de 1983, através do Decreto Presidencial nº 84/83, de 29 de Dezembro, é

criada a Secretaria do Estado da Cultura como o Órgão Central do Aparelho do Estado

subordinado ao Conselho de Ministros. A Secretaria do Estado da Cultura tinha como funções

dirigir, planificar e controlar a implementação da política cultural da então República Popular

de Moçambique. Para a execução das suas atividades, este órgão definiu a Preservação e a

Valorização do Patrimônio Cultural e Artística, a Formação Técnico-Artística e Intercâmbios-

culturais como principais áreas de concentração e se estruturou em:

Page 106: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

105

• Direção Nacional do patrimônio Cultural, cujas atribuições eram, entre

outras, dirigir, planificar, promover e coordenar a pesquisa, salvaguarda e valorização do

patrimônio cultural; Propor o quadro legislativo para a proteção do patrimônio cultural e as

normas para o funcionamento dos serviços e instituições da área; propor os regulamentos e

outras normas de aplicação da Lei de Proteção do patrimônio Cultural, incluindo a

classificação de bens do patrimônio cultural e a organização e atualização do seu inventário;

promover a educação dos cidadãos na valorização e proteção dos bens do patrimônio cultural;

promover e incentivar a criação de arquivos especializados, na área do patrimônio cultural, de

documentação escrita, sonora, visual e audiovisual, e regulamentar o seu funcionamento; e

estimular a sua utilização para fins educativos e turísticos; promover o conhecimento e

valorização do patrimônio cultural, enquanto elemento da identidade cultural moçambicana.

• Direção Nacional de Ação Cultural; cujas atribuições eram, entre outras,

realizar ações de reconhecimento aos artistas que se destaquem na sociedade pela sua

contribuição nas artes e valorização do patrimônio cultural; promover o intercâmbio artístico

nacional e internacional; promover a valorização do artesanato, através do estímulo à

organização dos produtores em associações, a preservação e o desenvolvimento das técnicas

tradicionais de fabrico; promover o uso das artes e cultura como fator de identidade cultural,

de autoestima e de desenvolvimento socioeconômico; promover o conhecimento e

valorização social das tradições populares e literatura oral, enquanto elementos da identidade

cultural moçambicana.

• Departamento de Relações Internacionais; cujas atribuições eram, entre

outras, as de elaborar, em coordenação com as direções nacionais e instituições do sector,

propostas de políticas e estratégias de desenvolvimento do sector a curto, médio e longo

termo; proceder à recolha, sistematização, análise e disseminação de dados referentes à

cultura; realizar estudos, diagnósticos e elaborar projetos sobre o enquadramento das políticas

setoriais na estratégia global do desenvolvimento nacional; coordenar a elaboração dos planos

de atividades do Ministério da Cultura e das instituições subordinadas; monitorar os

programas de desenvolvimento econômico e social do país;

• Departamento de Administração e Finanças; cujas atribuições, dentre outras

eram coordenar e zelar pela correta utilização dos recursos materiais e financeiros do sector;

controlar e acompanhar a atividade económica e financeira das instituições subordinadas e

tuteladas pela Secretaria do Estado da Cultura; elaborar as propostas de orçamentos de

investimento e funcionamento, em colaboração com as direções nacionais e instituições

Page 107: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

106

subordinadas e tuteladas, bem como controlar a execução financeira dos orçamentos do

sector; e,

• Departamento de Formação e Recursos Humanos, cujas atribuições, dentre

outras são de elaborar propostas de políticas do setor e garantir a sua execução, bem como o

plano de desenvolvimento de recursos humanos; elaborar e gerir o quadro de pessoal; planejar

e coordenar a realização das ações de formação e capacitação profissional dos funcionários e

agentes do Estado dentro e fora do país. (MICULT, 2011, p. 3).

A intensificação da guerra civil entre a FRELIMO (Frente de Libertação de

Moçambique) e a RENAMO (Movimento de Resistência de Moçambique), iniciada em 1977,

dois anos após o termino da Luta de Libertação Nacional dirigida pela FRELIMO contra o

colonialismo e terminada em 1992, vários programas de desenvolvimento socioeconômico do

país ficaram interrompidos ou não tiveram o seu início. Muitas pessoas saíram das suas zonas

de origens para as cidades à procura de segurança e melhores condições de vida. Esta guerra

teve impactos negativos na medida em que os feitos em prol do desenvolvimento da vida

econômica e social do país foram interrompidos.

Em 1981, foi realizado o Seminário de Balanço da Campanha de Preservação do

Patrimônio Cultural, no qual se recomendou a formação profissional de técnicos que estariam

ligados à área do patrimônio cultural, como forma de garantir maior qualidade na análise dos

materiais de bens culturais coletados. E foi isso que determinou a gênese do Projeto que se

denominou de Arquivo do Patrimônio Cultural – ARPAC. Alguns técnicos que estavam

envolvidos no Programa de Campanha de Preservação do Patrimônio Cultural vindos de

diferentes instituições do Governo, como educação, cultura, agricultura, entre outras, foram

integrados neste projeto e posteriormente capacitados para lidar com dados coletados. O

projeto teve suporte financeiro do PNUD, Cooperação Francesa e Fundação Ford (ARPAC,

2010, p. 11).

Devido aos problemas de guerra acima descritos, em 1983 o Programa da Campanha

Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural foi temporariamente interrompido, pois, os

principais pontos de coleta de dados se encontraram severamente afetados pela guerra,

criando dificuldades no processo de transferência de cópias do material coletado das zonas

rurais para as sedes distritais, dali para as capitais provinciais e finalmente para a capital

nacional, onde o material seria catalogado e arquivado para posterior divulgação. Muito

material se perdeu antes de se beneficiar de análise e catalogação, sobretudo, das zonas

Page 108: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

107

recônditas de Moçambique, por falta de condições de armazenamento e pelo abandono

precipitados dos seus guardiões.

Em meados do mesmo ano, foi assinado o acordo entre o Governo de Moçambique e o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para a implementação do

Projeto Moz/82/004, como forma de contribuir para a preservação do patrimônio Cultural de

Moçambique criando assim, os Arquivos do Patrimônio Cultural – ARPAC, cujos principais

objetivos eram pesquisar, arquivar e divulgar os bens patrimoniais no território moçambicano

(SEC, 1986, apud ARPAC, 2010, op.cit.).

Entretanto, a partir de 1984, para além de pesquisar, arquivar e divulgar os dados

coletados, o ARPAC passou também a pesquisar e analisar os dados de forma sistemática e

utilizando métodos científicos com finalidade de estudo e educação. Os avanços dados pelo

setor na área de pesquisa e a divulgação do patrimônio cultural a nível nacional e

internacional, fez com que o Governo de Moçambique o instituísse dando-lhe o Estatuto

próprio. Em 1986, o ARPAC, passa a ter o Estatuto Orgânico próprio e a partir disto

convergiu as suas atenções para a criação de rede de instituições para fins de investigação e

arquivos sobre o patrimônio cultural moçambicano e a implantação de Núcleos Provinciais,

que mais tarde passaram a ser designados por Delegações Provinciais.

Em 1987, através do Decreto Presidencial no 11/87, de 12 de Janeiro, é criado pela

primeira vez m Moçambique, o Ministério da Cultura12

que passou a ser integrado pelo o

Instituto Nacional do Livro e do Disco; os Museus já constituídos; e os monumentos

nacionais, sítios ou áreas de interesse cultural. Na línea a do Art.44 da Constituição da

República de Moçambique, é aprovada a Lei 10/88 de 22 de Dezembro, que determina

proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural no território

moçambicano.

A partir de então, a Constituição da República consagrou, entre os seus princípios

fundamentais, a responsabilidade do Estado na promoção do desenvolvimento da cultura e da

personalidade nacional. Essa ação preconizada pela Lei Fundamental, passa pela

identificação, registro, preservação e valorização dos bens materiais e espirituais que integram

o patrimônio cultural moçambicano.

Cinco anos mais tarde em 1992, através do Decreto Presidencial nº3/92 de 26 de

Junho, o Ministério da Cultura viu-se mais uma vez desfeito e recriado com o Ministério da

12 Só em 1987 que Moçambique teve uma instituição cultural autônoma.

Page 109: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

108

Cultura, Juventude e Desportos, ampliando assim a sua área de ação. O recém-criado

Ministério passou a compor por:

Inspeção-Geral; Direção Nacional do patrimônio Cultural; Direção Nacional de Ação

Cultural; Direção Nacional dos Assuntos da Juventude e Desportos; Gabinete de Estudos;

Departamento de Administração e Finanças; Departamento de Cooperação Internacional;

Departamento de Planificação e Departamento de Recursos Humanos.

Em 1993, se realizou a I Conferência Nacional da Cultura, onde participaram diversas

individualidades nacionais e internacionais ligadas á área do patrimônio cultural, o que

contribuiu em grande medida para interpretação clara do conceito ―Cultura‖, ao contextualizá-

la à realidade de Moçambique; a promoção da participação dos cidadãos na preservação,

valorização e apropriação das singularidades culturais como partes do todo nacional.

(ARPAC, 2010).

As recomendações saídas nesta Conferência, conferiram à Cultura o papel motor na

construção da identidade nacional baseada na diversidade dos seus povos, reconhecendo o

papel fundamental da Cultura no desenvolvimento e a necessidade de fortalecer a produção

artística, de salvaguardar o patrimônio cultural, o papel inter-setorial da Cultura (educação,

ciências, desportos e educação física), assim como o papel da Cultura nas relações de

cooperação internacional. A Conferência adotou a proposta da Política Cultural Nacional e

recomendou a sua aprovação.

Assim, na alínea e do nº 1 do artigo 153 da Constituição da República, o ARPAC

deixa de ser projeto e é legalmente instituída através do Decreto nº 26/93, de 16 de novembro

como Arquivo do Patrimônio Cultural – ARPAC, com autonomia, e sendo integrada no

Ministério da Cultura, Juventude e Desportos. Assim, de acordo com o Art. 5, do Decreto nº

26/93, esta instituição passa a ocupar-se a área do patrimônio cultural imaterial que, de acordo

com a Lei de Proteção Cultural nº 10/88, de 22 de dezembro, são bens que constituem

elementos essenciais de memória coletiva do povo, tais como a história e a literatura oral, as

tradições populares, os ritos e o folclore, as línguas nacionais e ainda obras de engenho

humano e todas as formas de criação artística e literária, independentemente do suporte ou

veículo por que se manifestam (MEC, 2007, p. 63).

Uma das ações marcantes no setor da cultura, foi sem dúvida a aprovação, em 1997,

da Política Cultura e Estratégia da sua Implementação. Assim, na alínea e do nº 1 do Artigo

153 da Constituição da República, através da Resolução nº 12/97, de 10 de julho, o Conselho

de Ministros aprovou a Política Cultural e Estratégia da sua Implementação, como

Page 110: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

109

instrumento regulador da atividade do Governo na sua articulação com os demais

interveniente na promoção e desenvolvimento da cultura.

As prioridades e objetivos estipulados na Política da Cultura serviram de base para

formulação das prioridades estratégicas. A Política Cultura defendeu que o desenvolvimento

só poderá ser sustentável se forem envolvidas as pessoas e consideradas como as primeiras e

principais beneficiárias. Para tal, a integração das questões culturais nos programas e

processos de desenvolvimento é fundamental, e isso justifica a colocação desta prioridade

como a primeira em ambos os instrumentos. Um dos mais importantes papéis da cultura é o

fortalecimento da identidade moçambicana no contexto da unidade na diversidade. As outras

prioridades, como a preservação do patrimônio cultural, o desenvolvimento de instituições

culturais, a promoção da pesquisa e investigação, etc., ocupam também um lugar proeminente

nesta Estratégia, a qual visa à operacionalização das prioridades identificadas.

Neste contexto, se definiram entre outros, como objetivos da Política nacional da

Cultura:

• Promover o desenvolvimento da cultura e personalidade moçambicanas e

garantir a livre expressão dos valores nacionais, em estreita colaboração com as forças vivas

da sociedade;

• Promover a difusão da cultura moçambicana, no plano nacional e

internacional, e desenvolver ações com vista a fazer beneficiar o povo moçambicano das

conquistas culturais de outros povos;

• Promover o respeito, a valorização e a aceitação das manifestações culturais

de cada comunidade;

• Promover a identificação, preservação e valorização do patrimônio cultural e

artístico nacional (MEC, 2007, p. 39).

Portanto, a política Nacional da Cultura, a Lei do Patrimônio Cultura, as

Recomendações da Primeira Conferência Nacional sobre a Cultura e o Programa Quinquenal

do Governo para o setor da Cultura, constituem instrumentos para a intervenção do Estado no

Desenvolvimento Cultural em Moçambique.

O primeiro ponto a se considerar na formulação de uma política nacional de cultura é

uma definição clara do papel do Estado na gestão pública da cultura. Qual sua função e

espaço de atuação? Como pode atuar respeitando a liberdade de criação, mas garantindo os

direitos culturais e a preservação do patrimônio cultural, fomentando a produção e

fortalecendo a economia da cultura?

Page 111: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

110

As respostas a estas questões tem como ponto central o entendimento da cultura como

um direito fundamental do ser humano e ao mesmo tempo um importante vetor de

desenvolvimento econômico e de inclusão social. Assim sendo, deve ser tratada pelo Estado

como uma área estratégica para o desenvolvimento do país. Paralelamente às transformações

ocorridas nas várias instituições criadas em prol da preservação e valorização da cultura em

Moçambique, o Ministério da Cultura também foi sofrendo mudanças ao longo da sua

história, todas elas visando sempre a eficácia e eficiência na prestação de serviços.

Em 2000, o Ministério da Cultura, Juventude e desportos é desintegrado e recriado,

mais uma vez, pelo Decreto presidencial nº 1/2000, o Ministério da Cultura. De acordo com o

Diploma Ministerial nº 171/2000, de 6 de dezembro, o Ministério da Cultura ficou constituído

por duas áreas principais de atividades: Patrimônio Cultural e Ação Cultural e uma Estrutura

Orgânica constituída pela: Inspeção-Geral; Direção Nacional do patrimônio Cultural; Direção

Nacional de Ação Cultural; Direção de Estudos e Planificação; Departamento de Cooperação

Internacional; Departamento de Recursos Humanos; e Departamento de Administração e

Finanças.

O desenvolvimento da capacidade interventiva da sociedade civil manifesta-se a partir

desse momento através do aparecimento e fortalecimento de um amplo movimento

associativo entre os fazedores da cultura, testemunhando a tomada de consciência de

participação na consolidação da Nação e da moçambicanidade.

Em 2005, mais uma vez, o Ministério da cultura é reintegrado no Ministério da

Educação, e pelo Decreto Presidencial nº 13/2005 foi recriado o Ministério da Educação e

Cultura - (MEC). O Decreto Presidencial nº 18/2005, de 31 de março definiu as suas

atribuições e competências. Em conformidade com o respectivo Estatuto Orgânico (Diploma

Ministerial nº 181/2005 de 7 de setembro, o Ministério da Educação e Cultura tinha a seguinte

estrutura:

Direção Nacional de Educação Geral; Direção Nacional de Educação Técnico-

Profissional e Vocacional; Direção Nacional de Alfabetização Educação de Adultos; Direção

nacional da Cultura; Direção de Coordenação do Ensino Superior; Direção de Programas

Especiais; Direção de Planificação e Cooperação; Direção de Recursos Humanos; Direção de

Administração e Finanças; Inspeção Geral; Gabinete do Ministro; Gabinete de Comunicação e

Informação; Departamento de Tecnologias de Informação e Comunicação; e Departamento

Jurídico.

Page 112: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

111

Em 2010, pelo Decreto Presidencial nº 1/2010 de 15 de janeiro, foi criado o atual

Ministério da Cultura, cujas atribuições e competências se encontram definidas pelo Decreto

Presidencial nº 5/2010 de 19 de Março, em conformidade com o seu Estatuto Orgânico,

publicado pela resolução nº 27/2010 de 13 de outubro (MICULT, 2011. p. 2-3).

5.3. Processo de Patrimonialização da Ilha de Moçambique

Após uma visão da evolução histórica da cultura e do nascimento dos órgãos de tutela

deste setor em Moçambique, nesta seção, pretende-se fazer uma análise descritiva do processo

de patrimonialização iniciado em 1955 quando, pela primeira vez, o Governo Português

classificou o núcleo urbano da Ilha de Moçambique como Patrimônio de Interesse Público.

Com efeito, foi principalmente a partir desta data que iniciaram ações concretas de

preservação do patrimônio na Ilha de Moçambique.

Pereiro (2009, p. 147) define a patrimonialização ou ativação do patrimônio cultural

como ―um processo de atribuição de novos valores, sentidos, usos e significativos a objetos,

as formas, os modos de vida, saberes e conhecimentos sociais”. E para que esse processo

ocorra é necessário que se entenda o patrimônio cultural no seu contexto sociocultural e

econômico específico, pois, no entender do autor, a patrimonialização é um processo que está

intimamente associado à institucionalização da cultura e também pode ser entender como um

―processo de ativação de memórias, portanto, um seguro contra o esquecimento‖,

(PEREIRO, op.cit, p. 148).

Alguns documentos consultados como Pereira (1994), indicam que o interesse pela

conservação da Ilha de Moçambique remonta de 1868, quando o governo colonial tomou

medidas de precaução e higiene, aplainamento de terrenos escavados, reabilitação de todos os

edifícios que se encontravam em ruínas na cidade, entre outras medidas que tendiam a

conservação do ambiente urbano para o bem-estar de seus habitantes.

Entre os anos de 1969 e 1972, quando Moçambique ainda era colônia portuguesa,

foram realizados trabalhos de pesquisa tendo o governo português pedido empréstimos de

fundos para compra de diversos bens para a criação de museus. Com os bens comprados

foram instalados três museus na Ilha de Moçambique, nomeadamente, o de Artes Decorativas,

o da Marinha e o de Arte Sacra, este último localizado nos anexos da Igreja da Misericórdia.

Após a independência nacional de Moçambique, o setor estatal da cultura, através do

Serviço Nacional de Museus e Antiguidades e da Direção Nacional do Patrimônio Cultural,

Page 113: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

112

concentrou a sua atenção na Ilha de Moçambique que se encontrava em franco processo de

degradação e levou a cabo ações de conservação dos monumentos e do patrimônio edificado.

Assim, em 1977, foi criada uma brigada subordinada ao Museu de Nampula que tinha

como objetivo preservar os edifícios que tinham sido reabilitados nos finais da colonização

portuguesa. Devido à pressão internacional sobre a necessidade da conservação do patrimônio

da Ilha de Moçambique, foi criado em 1980, o Gabinete de Conservação e Restauro da Ilha de

Moçambique que passou a dirigir a brigada de restauro que já tinha sido criada. Este Gabinete

foi dirigido pelo arquiteto dinamarquês Jeans Hougaard até 1985 e serviu como dinamizador e

executor das principais ações de restauro, desencadeando ações de identificação e registro de

bens móveis passíveis de ser classificados como patrimônio móvel com base nos critérios

estabelecidos pela UNESCO (bens com valor universal excepcional que apresentam valor

arquitetônico, artístico e histórico cultural).

Por ocasião da visita efetuada pelo consultor da UNESCO, Krzystof Pawlowsky a Ilha

em 1981, foi elaborado um relatório que constituiu instrumento importante para o

funcionamento do Gabinete que acabava de ser criado sem bases técnicas. Igualmente, foi

através deste relatório que se constatou a necessidade da Ilha de Moçambique constar na Lista

do Patrimônio Mundial, e daqui se lançou a primeira ideia da patrimonialização.

Em 1982 é criada Associação de Amigos da Ilha de Moçambique (AAIM) - uma

organização não-governamental constituída por pessoas naturais, amigas e simpatizantes da

Ilha, cuja figura de destaque foi o historiador moçambicano nascido na Ilha, o Doutor Luís

Filipe Pereira, que desenvolveu uma série de estudos sócio históricos da região. A partir deste

momento, a Ilha de Moçambique começou a ser o centro de atenções não só a nível nacional,

mas também internacional para questão de salvaguarda do patrimônio histórico cultural.

Para responder aos apelos da comunidade internacional e de alguns membros

influentes da sociedade civil, o Governo de Moçambique ratificou, em 1982, a Convenção da

UNESCO de 1972, para a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural do Mundo (Resolução nº

17/82), o que possibilitou a entrada para a inscrição da Ilha na Lista do Patrimônio Mundial

anos depois.

Na sequência de uma missão realizada pelo Arquiteto Viana de Lima em 1983,

organizou-se uma exposição que foi editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, e um estudo

denominado por ―A Ilha de Moçambique em Perigo de Desaparecimento: Uma Perspectiva

Histórica, Um Olhar para o Futuro‖, que contém um capítulo denominado ―Sugestões para

uma Recuperação Integrada da Estrutura Urbana da Ilha de Moçambique‖ (PGIM, 2010). A

Page 114: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

113

tônica nessa época era a necessidade de classificação da Ilha de Moçambique como

Patrimônio Cultural da Humanidade, bem como de um maior envolvimento da UNESCO.

Entre os anos 1982‐1985, foi elaborado um relatório que resultou do trabalho de

pesquisa arquitetônica realizada com a participação da Escola de Arquitetura de Aarhus

(Dinamarca), em parceria com a Secretaria do Estado da Cultura de Moçambique e da

Associação de Amigos da Ilha de Moçambique, para servir de guia prático para a

concretização da conservação e reabilitação da Ilha de Moçambique. Entre várias atividades,

o trabalho consistiu em levantamento de estrutura dos talhões, elaboração de plantas de

edifícios, registro sobre o estado de conservação, elaboração do material de princípios de

restauro, métodos de restauro, plano para a conservação, infraestruturas técnicas e a

elaboração de um programa de ação.

A partir deste material, foram realizados vários estudos, ações de divulgação

(exposições, seminários, palestras com a população influente, quer ao nível local, quer ao

nível nacional, publicações) e iniciaram trabalhos de conservação, restauro e revitalização

como resultado de esforços desenvolvidos em anos anteriores que permitiram obter apoios em

técnicos qualificados, meios financeiros e materiais.

No entanto, apesar dos progressos dados ao longo de vários anos no campo da

salvaguarda do patrimônio cultural em Moçambique, o setor ainda não dispunha de um

instrumento legal de proteção do patrimônio cultural e natural. O Governo de Moçambique só

veio aprovar a Lei que determina a proteção legal dos bens materiais e imateriais do

patrimônio cultural moçambicano em 1988, através da Lei nº10/88, de 22 de dezembro.

Após aprovação desta lei, em Outubro de 1990, o Governo de Moçambique submeteu

o dossiê de candidatura da Ilha de Moçambique ao Comitê do Patrimônio Mundial da UNESC

com base nos Critérios (iv) e (vi) da Convenção do Patrimônio Cultural, durante a 15ª sessão

em Cartago, Tunísia, entre os 9 a 13 de dezembro de 1991. A Ilha foi declarada Patrimônio

Mundial da Humanidade na qual o Comitê adotou as seguintes declarações:

- Critério IV – ―A cidade e as fortificações da Ilha de Moçambique, e a Ilha de S.

Lourenço, constituem um exemplo excepcional de arquitetura, na qual as tradições locais, a

influência portuguesa e, até certo ponto, a indiana e árabe estão todas entretecidas‖.

- Critério VI – ―A Ilha de Moçambique é testemunha particular do estabelecimento e

desenvolvimento das rotas marítimas portuguesas entre a Europa Ocidental e o

subcontinente Indiano e, consequentemente, toda a Ásia‖ (ICOMOS 1991).

Page 115: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

114

Durante o processo de elaboração do Plano de Gestão da Ilha de Moçambique, foram

revelados outros valores implícitos ou explícitos do sítio, para além daqueles que tinham sido

revelados quando classificada a Ilha como Patrimônio Mundial em 1991, nos quais,

Critério (iv) - Representar um exemplo eminente de um tipo de construção ou de

conjunto arquitetônico ou tecnológico ou de paisagem que ilustre um ou mais períodos

significativos da história humana;

Critério (vi) - Estar direta ou materialmente associado a acontecimentos ou a

tradições vivas, ideias, crenças ou obras artísticas e literárias de significado universal

excepcional (UNESCO 2008, apud PGIM, 2010, p. 16).

5.4. Ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio

cultural

O interesse de se conservar o patrimônio cultural está ligado ao fator político,

econômico e social, porque se preserva a identidade de um povo e sua história. Político,

porque compreende o papel do patrimônio na consolidação dos Estados nacionais ou na

consolidação de um poder local.

Quanto ao fator econômico, relaciona com a sua exploração econômica, em geral,

proporciona renda e trabalho contribuindo para o desenvolvimento local, exemplo no

desenvolvimento do turismo. Quanto ao aspecto social, o patrimônio é tido como um bem

comum e o Estado constitui o democratizador no acesso a esse bem, e tem como função

protegê-lo, resguardá-lo e conservá-lo, cabendo a população compartilhar esse respeito.

Desta forma, são necessárias ações que preservem o patrimônio cultural. Ações, que,

além de manter o patrimônio ligado à vida das pessoas, devem ser revitalizadas através de

projetos culturais. Apresentações artísticas, museus, bibliotecas, salas de cinema e

programações culturais que resgatem o sentido desses bens culturais na vida das pessoas.

Assim, Lemos (1981) apud Torezani (2007, p. 101) afirma que ―preservar é manter vivos,

mesmo que alterados, usos e costumes populares”.

O patrimônio cultural expresso nas edificações pode ser considerado um ―lugar de

memória‖, um elemento capaz de fazer lembrar e de contribuir para a memória social e para o

sentimento de pertencimento coletivo. Esses elementos são sujeitos às transformações

próprias da dinâmica urbana e do passar do tempo, o que colabora para o seu desaparecimento

(NORA, 1993, apud ZANIRATO, 2011, p. 189).

Page 116: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

115

O patrimônio edificado e as ações para a sua conservação e restauro sempre figuraram

como prioritárias nas políticas de patrimônio ao nível do país, pois, nessa esfera, o patrimônio

edificado é assimilado como monumento e símbolo do poder, cuja história deve ser

constituída considerando as elites e que, portanto, devem ser conservados.

A importância da conservação do patrimônio cultural está plasmada na Constituição

da República de Moçambique de 1990, ao referir que,

no patrimônio cultural esta a memória do Povo, a sua proteção assegura a

perenidade e a transmissão às gerações futuras não só do legado histórico, cultural e

artístico dos nossos antepassados como também das conquistas, realizações e

valores contemporâneos. (...) a deterioração, desaparecimento ou destruição de

qualquer parcela do patrimônio cultural constitui uma perda irreparável, competindo

aos diversos organismos públicos e privados e aos cidadãos em geral, a

responsabilidade de impedir este processo de empobrecimento do nosso país (MEC,

2007, p. 11).

Entretanto o setor da Cultura em Moçambique é aquele que mais se recente das

limitações do Orçamento Geral do Estado e como forma de salvaguardar o patrimônio cultural

e natural, o Governo de Moçambique opta por uma estratégia de lobbies e atração de

investimentos privados. Assim foram atraídos alguns parceiros internacionais (UNESCO,

PNUD, SIDA/SAREC, NORAD, BAD, UE, IPAD, etc.) e mobilizados recursos financeiros e

técnicos em prol da salvaguarda do patrimônio da Ilha de Moçambique.

No âmbito de cooperação com esses organismos internacionais foi possível levar a

cabo as obras de restauros e reabilitação do edifício Casa-Girassol, a ponte que liga a Ilha da

porção continental, a ponte-cais para atracagem de navios de grande porte, Escola Secundária

da Ilha de Moçambique, a Escola de Artes e Ofícios da Ilha, Palácio e Museu de São Paulo e

das duas das três principais vias de acesso da Ilha de Moçambique. Destacaram-se também

nesse âmbito, a primeira fase de reabilitação da Fortaleza São Sebastião, um dos maiores

monumentos militar construído na África, que contou com financiamento do Japão, Holanda e

Portugal.

Agora, com a existência do quadro legal sobre a proteção do patrimônio cultural tais

como a Lei nº 10/88, de 22 de dezembro, Decreto no 27/94 e Decreto n.º 27/2006, suportes

importantes para a gestão do Patrimônio Cultural e Natural e ainda assim, a Ilha se ressente da

falta de uma definição clara do que exatamente deve ser considerado como patrimônio

cultural a ser conservado de acordo com as normas estabelecidas nas convenções

internacionais sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural.

Para Barreto (2000, p. 13), ―determinar o que é digno de preservação é uma decisão

político-ideológica, que reflete valores e opiniões sobre quais são os símbolos que devem

Page 117: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

116

permanecer para retratar determinada sociedade ou determinado momento‖. Entretanto, essa

escolha requer que passe pela esfera política em diálogo com a comunidade, para que juntos

possam decidir o que deve ser preservado quanto aos bens culturais da cidade.

Embora na Constituição da República no artigo 153 defenda que na conservação do

patrimônio cultural sejam inclusos bens de natureza material e imaterial, tangível e intangível

que constituem referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores

da sociedade moçambicana, nos quais incluem: as formas de expressão, os modos de criar,

fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas: as obras, objetos, documentos,

edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico culturais; os conjuntos

urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,

ecológico e científico; na prática pouco se faz sentir dessa inclusão, tal como se pode perceber

pelas palavras do entrevistado 4 – (líder e acadêmico na comunidade),

A Ilha de Moçambique pelo que sabemos é Patrimônio Cultural da Humanidade e na

sua classificação foram inclusos todos os componentes que fazem parte do

patrimônio de um povo, ou seja, de povos que ao longo da sua história criaram.

Entretanto, sinto que tudo que faz parte da nossa história como povo nativo daqui

está se apagando e no seu lugar está se substituindo por outra história, a história dos

que sempre colonizaram o mundo. O que é que o Museu de São Paulo, a fortaleza de

São Sebastião, as igrejas, fortins e capelas nos contam da historia do povo nativo da

ilha de Moçambique ou do povo moçambicano? Onde está guardada a nossa

história? Onde estão os contos sobre as nossas benfeitoria, nossas artes, nosso saber

neste patrimônio? Porque é que isso não é referenciado, porque que isso não é

valorizado? Porque é que o Museu de São Paulo, localizado na Ilha de Moçambique,

em nossa terra, deve apenas conservar a história dos portugueses, americanos, dos

asiáticos, porque é que eu não posso preservar a história dos Emakwa, eu sou

Emakwa, e porque não! Porque é que eu não posso criar um museu dos Emakwa,

porque é que eu não posso explicar o mal que fizeram aos Emakwa no passado,

sobre a escravatura e depois o processo de estivadores nos portos da Ilha de

Moçambique. Isso para mim faz parte da nossa história e devia ser preservado.

Portanto, é importante tomar em consideração que a importância de conservar um

objeto que se considera parte de patrimônio de um povo está no fato deste se constituir

registro material da cultura, da expressão artística, da forma de pensar e sentir de uma

comunidade em determinada época e lugar, um registro de sua história, dos saberes, das

técnicas e instrumentos que utilizava.

Para se fazer o registro da cultura é imprescindível a existência de um suporte

material, como um objeto, uma construção ou um documento. Mesmo em relação aos bens

intangíveis – como tradições orais, festas folclóricas, rituais, etc. – é necessário que sejam

registrados em algum material: fotos, vídeos, cd e outros. Esses suportes guardarão seu

registro e necessitam ser igualmente preservados.

Page 118: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

117

Para isso, Pelegrini (2006), ressalta que educação patrimonial e ambiental deve ser

conduzida de modo a contemplar esses aspectos da pesquisa, o registro, a exploração das

potencialidades dos bens culturais e naturais no campo da memória, das raízes culturais e da

valorização da diversidade. À medida que o cidadão se percebe como parte integrante do seu

entorno, tende a elevar sua autoestima e a valorizar a sua identidade cultural.

Portanto, efetiva preservação do patrimônio cultural deve começar pelo

(re)conhecimento e (re)valorização pela própria comunidade e para isso, são necessárias ações

voltadas para a sensibilização de um público amplo da sociedade civil que constituem sujeitos

da transformação social e importantes agentes para se alcançar o desenvolvimento

sociocultural. É importante que a população participe no processo de inventariação e

definição do que realmente considera-se o patrimônio e o porquê da sua conservação.

Essa experiência permite que esse cidadão se torne um agente fundamental da

conservação e preservação do patrimônio em toda sua dimensão. O conhecimento adquirido e

a apropriação dos bens culturais por parte da comunidade constituem fatores indispensáveis

no processo de conservação integral ou preservação sustentável do patrimônio, pois fortalece

os sentimentos de identidade e pertencimento da população residente, e ainda, estimula a luta

pelos seus direitos, bem como o próprio exercício da cidadania.

De acordo com Pelegrini (2006, p. 126), o ensino e a aprendizagem na esfera do

patrimônio devem tratar a população como agentes histórico-sociais e como produtores de

cultura. Para isso, deve-se valorizar em primeiro lugar o que é do povo, os artesanatos locais,

os costumes tradicionais, a sua história, as expressões de linguagem regional, a gastronomia,

as festas e os modos de viver e sentir dessa população.

Ainda, segundo autora, o ensino sistemático e contínuo da população através das

metodologias da Educação Patrimonial e Ambiental precisa partir da ideia de que a sociedade

que não respeita o patrimônio cultural e natural em toda a sua diversidade corre o risco de

perder a identidade e enfraquecer seus valores mais singulares, inviabilizando o exercício da

cidadania.

O patrimônio cultural deve subsidiar ações de divulgação dos conhecimentos, para

reflexão e formação de consciência social, visando ao conhecimento da realidade local e

regional e à promoção de recursos humanos. Essas noções podem ser ilustradas pelas

atividades desenvolvidas pelos diversos Museus criados numa comunidade, localidade,

distrito, provincial ou a nível nacional.

Page 119: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

118

5.5. Desafios à Conservação do Patrimônio Cultural e Meio Ambiente Urbano

da Ilha de Moçambique

Nenhuma intervenção tem sentido se não tiver em perspectiva a valorização e a

sobrevivência da própria comunidade humana, ao lado dos monumentos históricos e

das tradições culturais que se pretendem preservar (Schwalbach e de la Maza, 1983,

p. 19)

Após a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural em 1991, numa época em que o referido patrimônio se encontrava em ruínas e o país

praticamente empobrecido devido, sobretudo, das sucessões guerras de 1964 a 197413

e a de

1977 a 199214

, o Governo de Moçambique sentiu-se na responsabilidade de encontrar

mecanismos para reverter a situação da degradação desse patrimônio.

Desde então, várias ações visando a salvaguarda do patrimônio que acabava de ser

reconhecido pela sua importância a nível mundial, foram desenvolvidas em coordenação com

organismos nacionais e internacionais. Em 1992, Moçambique participou na Exposição

Universal de Sevilha (EXPO 92), na qual a Ilha de Moçambique ocupou um lugar de destaque

no pavilhão de Moçambique, uma iniciativa que veio contribuir em larga medida para a sua

divulgação e chamada de atenção de potenciais investidores da área da Cultura.

Em Janeiro de 1994, é criado o Gabinete Técnico de Apoio à Reabilitação da Ilha de

Moçambique (GTARIM) constituído pelos seguintes membros: Arquiteto José Forjaz, Luís

Filipe Pereira (Historiador), Ricardo Teixeira Duarte (Arqueólogo), Engenheiro Francisco

Pereira e pelo Carlos Trindade (Jurista). Ao GTARIM foi atribuída a responsabilidade de

concepção, coordenação e controle de todo o programa de recuperação da Ilha de

Moçambique (Despacho Ministerial, de 26 de janeiro de 1994).

Por iniciativa do GTARIM foram elaborados estudos mais completos sobre as áreas

técnicas, sociais e econômicas. Promulgou‐se o Decreto nº 27/94 de 20 de julho, que aprova o

Regulamento de Proteção de Patrimônio Arqueológico, onde são definidos os principais

conceitos e princípios relativos à gestão do patrimônio e procedimentos com vista à obtenção

de licenças para trabalhos arqueológicos.

Com a legislação pronta, realizaram-se missões de estudo que de certa forma,

contribuíram na elaboração do Plano Diretor para a reabilitação da Ilha e contou com a

contribuição de vários intervenientes locais, que mais tarde foi apresentado ao Governo e à

13

A luta Armada de Libertação Nacional, conduzida pela FRELIMO contra as tropas coloniais portuguesas, que

culminou com a Independência Nacional em 1975. 14

A luta de resistência, entre a FRELIMO – Partido no poder e a RENANO – Partido de Oposição.

Page 120: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

119

comunidade internacional numa Conferência Internacional sobre a Ilha de Moçambique

realizada em 1999.

Em 1997, é realizada a reunião Évora – Portugal, a qual constituiu um marco

importante para o lançamento da campanha da solidariedade internacional pela causa da

salvaguarda da Ilha de Moçambique. Portugal disponibilizou fundos para o arranjo da Praça

de Luís de Camões. Através do Instituto de Cooperação Portuguesa (ICP) foi realizada uma

pesquisa profunda sobre as coleções dos Museus da Ilha de Moçambique.

No âmbito da Organização das Cidades patrimônio Mundial (OCPM),

desenvolveram‐se várias ações de cooperação entre o Conselho Municipal da Ilha de

Moçambique e outras cidades do mundo, em que se destaca o Município da cidade de Bergen,

na Noruega, com o qual lançaram as bases para o Projeto Ilha‐Bergen (2003/2007).

Em 1997, uma missão do Centro do patrimônio Mundial da UNESCO recomendou ao

Governo de Moçambique a elaboração do Estatuto Específico para a Ilha de Moçambique,

como bem do patrimônio Mundial. Um Consultor da UNESCO, Sílvio Mutal, realizou uma

missão em Maputo e na Ilha de Moçambique, com o objetivo de preparar um Programa de

Desenvolvimento Humano Sustentável e Conservação Integrada da Ilha de Moçambique.

Em coordenação com o Ministério da Cultura, a UNESCO e o PNUD elaboraram o

projeto que resultou num documento base com linhas mestras para um plano diretor de gestão

da Ilha de Moçambique. O referido documento continha 50 projetos individuais que cobriam

as áreas de acesso à Ilha, águas, drenagem, saneamento, reabilitação do patrimônio, habitação,

arruamentos, eletricidade, comunicações, recolha de lixo, transportes, serviços públicos,

formação, pesca, turismo e ambiente. A tônica comum na elaboração destes projetos foi a

noção de sustentabilidade e utilidade.

Foi com base nesse Plano diretor que Embaixada da Noruega disponibilizou o

financiamento da reabilitação do Palácio de São Paulo e dos anexos da Igreja da Misericórdia,

onde funciona o Museu de Arte Sacra, cujas obras foram concluídas em 2000, o que culminou

com a reabertura ao público dos Museus da Ilha de Moçambique, constituído por Museu

Decorativo, Sacra e da Marinha.

Durante a Conferência Internacional de Doadores, França, Holanda e Portugal,

manifestaram interesse de participar no restauro de infraestruturas da Ilha de Moçambique.

No mesmo período a Cooperação Suíça, a França e a Noruega financiaram a recuperação da

rede de abastecimento de água e o restabelecimento da energia elétrica na Ilha de

Moçambique.

Page 121: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

120

Por iniciativa da Associação de Amigos da Ilha de Moçambique - AAIM, com apoio

da Cooperação Suíça, foram lançados os Programas de alargamento da rede sanitária, escolar,

de abastecimento de água e fornecimento de energia ao posto administrativo do Lumbo (parte

continental), com objetivo de beneficiar 400 famílias que estavam interessadas em sair da

parte insular, o que automaticamente implicava na redução da pressão demográfica.

No mesmo período, merece destaque o Seminário sobre o Desenvolvimento da

microrregião de Mossuril e Ilha da Moçambique, realizado por iniciativa do Governo da

Província de Nampula que trouxe novos elementos no contexto geral da reabilitação da Ilha

de Moçambique.

Em 2003, foi feito o primeiro Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios

do Patrimônio Cultural e lançou-se a proposta do documento normativo para a preservação e

critérios de classificação de conjuntos, monumentos e sítios.

No âmbito do Projeto Ilha-Bergan, foram realizadas diversas atividades visando a

conservação e gestão da Ilha de Moçambique, entre as quais se destacam:

• Elaboração do Plano Estratégico para a Gestão do Patrimônio Edificado da Ilha

de Moçambique (2005‐2010);

• Restauração de Monumentos em Risco ‐ Reabilitação da Casa Girassol e da

antiga Residência do Governador da Ilha/Lar Feminino;

• Capacitação Institucional ‐ Capacitação de técnicos do Conselho Municipal da

Ilha de Moçambique (CMIM) em Zanzibar e Bergen;

• Criação de Base de dados para Cadastro;

• Levantamento de antigos arquivos sobre a Ilha;

• Elaboração do Código de Postura Camarária Municipal (2006), instrumento

que permite monitorar atividades relacionadas com a preservação do ambiente histórico da

cidade;

• Integração da Cidade da Ilha de Moçambique na Rede das Cidades

Patrimoniais da África Oriental;

• Formação de técnicos do Município em matéria de gestão e conservação do

patrimônio cultural, ação levada a cabo pelo Arquiteto Português Alexandre Mimoso em

colaboração com a UNESCO.

Em respostas às recomendações da UNESCO, o Governo de Moçambique aprovou

através do Decreto nº 27/2006 de 13 de julho, o Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, o

qual estabelece os mecanismos que garantem a conservação e desenvolvimento do patrimônio

Page 122: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

121

Mundial da Ilha de Moçambique e criou o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique e

o respetivo Estatuto Orgânico.

No seguimento do Plano de Operações assinado entre o Governo de Moçambique e a

UNESCO teve início o projeto de reabilitação da Fortaleza São Sebastião com o

financiamento da UCCLA - União das Cidades Capitais Luso-Afro-América-Ásia e dos

Governos do Japão, Finlândia, Holanda e Portugal.

Em 2008, o Banco Africano de Desenvolvimento – BAD contratou a empresa

portuguesa CESO Consultores Internacionais para elaborar o Plano Integrado de

Desenvolvimento da Ilha de Moçambique cujo objetivo central era identificar as áreas e

projetos prioritários para o desenvolvimento da região bem como coordenar as intervenções

de todos os atores, nacionais e internacionais, que estavam a intervir na Ilha de modo a

contribuir de uma forma estruturada e concertada para o seu desenvolvimento nas mais

diversas vertentes.

Detalhadamente, o plano tinha como objetivos centrais:

• Assegurar o desenvolvimento sustentável da Ilha de Moçambique e da região

continental envolvente quer do ponto de vista humano e econômico, quer patrimonial e

ambiental;

• Dotar a Ilha e a região continental envolvente de infraestruturas econômicas e

sociais adequadas e eficientes;

• Reabilitar e valorizar o patrimônio, nas suas diferentes componentes. (CESO

CI, 2008, p. 222).

Ainda no cumprimento das recomendações da UNESCO para a gestão da Ilha de

Moçambique, foi elaborado em 2010 o Plano de Gestão da Ilha de Moçambique com o

financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento. Este plano tinha como objetivo

coordenar os esforços de todas as partes envolvidas na conservação da Ilha de Moçambique

de modo a permitir:

• Uma maior disseminação do significado cultural do patrimônio tangível e

intangível da Ilha da Moçambique e assegurar a preservação e a sobrevivência deste

patrimônio para as gerações futuras;

• Um desenvolvimento integrado e sustentável da Ilha tomando a reabilitação,

conservação e salvaguarda do patrimônio cultural como agente catalisador para a promoção e

geração de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais;

Page 123: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

122

• Uma maior coordenação entre as autoridades e os planos existentes (Plano de

Desenvolvimento Integral, Planos Estratégicos, etc.) orientados para a proteção do sítio

integrado num ambiente urbano em mudança permanente;

• O estabelecimento de um quadro institucional adequado à coordenação,

implementação e monitoria dos instrumentos de planejamento que forem aprovados, incluindo

do próprio Plano de Gestão da Ilha de Moçambique, na qualidade de Conjunto Urbano

Patrimonial (PGIM, 2010, p. 10).

De acordo com este plano, os pontos descritos foram desenvolvidos na expectativa de

que a publicação e distribuição do Plano de Gestão assegurem um maior conhecimento sobre

a riqueza do patrimônio (tangível e intangível), o seu estado de conservação e uma visão

comum sobre o futuro da Ilha de Moçambique.

No âmbito de Cooperação entre o Governo de Moçambique e de Portugal, através do

IPAD – IGESPAR foram capacitados em Portugal os técnicos do Gabinete de Conservação da

Ilha de Moçambique, com vista a dar respostas aos desafios traçados para a gestão do

Patrimônio Cultural da Humanidade na Ilha de Moçambique.

Na mesma ótica, em 2005, foi concebido oficialmente o Programa Cluster de

Moçambique, Instrumento de Cooperação Internacional Portuguesa para o desenvolvimento

socioeconômico em cidades patrimoniais de origem ou de influência portuguesa, que visava a

promoção da competividade e inovação, com período de vigência de nove anos.

E foi na sequência deste Programa que em 2007 foi lançado o Projeto ―Vilas do

Milênio em Moçambique‖, localizado na porção continental da ilha, um programa conjunto

entre as Nações Unidas e o Governo de Moçambique, com objetivo central de contribuir para

a erradicação da pobreza absoluta. O Programa que contou com a parceria do Ministério de

Ciência e Tecnologia (MCT), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a População

(FNUAP), e esteve ancorado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM),

adotados pelo Governo de Moçambique em 2000, na Cimeira do Milênio das Nações Unidas

(NU).

Na Ilha de Moçambique este programa teve o financiamento direto do Governo de

Portugal, cujo pilar do Programa era criar condições básicas na porção continental (Lumbo)

para atrair a população, implicando a redução de adensamento populacional da Ilha de

Moçambique, o que consequentemente melhoraria a qualidade de vida da população e a

Page 124: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

123

salvaguarda do patrimônio Cultural, tal como foi frisado no discurso do representante do

Governo de Portugal em visita a Ilha de Moçambique em Março de 2008, ―parece-me

totalmente correta a ideia do projeto cujo pilar é desenvolver o Lumbo “(...) criar

oportunidades de emprego e incentivos para atrair a população excedentária da Ilha de

Moçambique que neste momento está a dificulta fazer dela uma atração turística”.

A principal ação no âmbito deste projeto/programa foi a implantação do ―Centro de

Transferência de Tecnologias e Desenvolvimento‖ equipado de computadores e internet, onde

alguns habitantes aprendem o abecedário da informática. O centro também beneficia à todos

que visitam a Ilha por vários motivos.

Neste contexto, para fazer face às ameaças a conservação do patrimônio cultural e do

ambiente urbano, o Relatório do Plano Integrado de Desenvolvimento da Ilha de

Moçambique, definiu como áreas potenciais de intervenção:

• Na área da população e condições de vida:

Elevar, de forma sustentável, as condições de vida da População, garantindo a disponibilidade

de bens e serviços sociais essenciais ao seu bem-estar. Para isso é necessário:

- Aumentar o número de sanitários públicos e latrinas caseiras com vista a reduzir o fenômeno

de fecalismo a céu aberto nas zonas costeiras da Ilha e do Continente;

- Reconhecer, valorizar, proteger e promover a diversidade cultura, através da realização de

programas de resgate, preservação e difusão da memória artística e cultural dos grupos que

compõem a sociedade;

- Alargar a abrangência e melhorar a qualidade de prestação de serviços de saúde na região,

com especial atenção para os grupos vulneráveis e atendendo a critérios de equidade e

eficiência;

- Reduzir a taxa de incidência e letalidade de doenças endêmicas na região, melhorar os níveis

nutricionais e hábitos higiênicos da população;

- Melhorar as condições e qualidade de ensino, de forma equitativa, reduzir as taxas de

analfabetismo e alargar o ensino na região ao ensino superior, contribuindo para tornar a Ilha

de Moçambique num centro de excelência a nível educacional;

- Aumentar os níveis de desenvolvimento psíquico-motor das crianças e jovens, bem como os

níveis de literatura na região;

Page 125: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

124

- Promover o papel da mulher no desenvolvimento da região e envolver a população na

melhoria das próprias condições de vida (CESO-CI, 2009, p. 73).

• Na área do emprego e valorização dos recursos humanos

Como primeiro passo para a valorização dos recursos humanos é reduzir a pobreza na região e

contribuir para a afirmação da Ilha de Moçambique como centro de excelência ao nível

educacional. Para atingir esses objetivos os desafios são:

- Formar e capacitar os recursos humanos nos domínios relevantes para o desenvolvimento da

região;

- Promover emprego decente na região;

- Concretizar a visão traçada no Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, de torná-la num

centro educacional e científico de excelência;

- Valorizar os recursos humanos das áreas estratégicas tais como o turismo, a pesca, extração

de sal, para o desenvolvimento da região;

• Na área da organização espacial do Tecido Urbano

Assegurar, de forma equilibrada e integrada, o desenvolvimento espacial e urbano sustentável

da Ilha de Moçambique e da sua área envolvente. Para a concretização desses objetivos,

definiram-se como ações:

- Reduzir o adensamento populacional para permitir ordenamento e a reabilitação do espaço

urbano e paisagístico, bem como o patrimônio histórico-cultural da Ilha de Moçambique;

- Ordenar a área continental envolvente da Ilha de Moçambique e adequar as infraestruturas

básicas necessárias;

- Proteger a flora e fauna marítimas, bem como a costa e a orla da Baía do Mossuril e as Ilhas

de Goa e de Sena contra a erosão, a degradação e a poluição.

• Na área do patrimônio cultural

Promover e valorizar o patrimônio mundial da Ilha de Moçambique. Para sua concretização

deve-se:

Page 126: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

125

- Promover a valorização e conservação do patrimônio tangível e intangível, através da

criação (música, pintura, esculturas, trabalhos literários, fotografias, manifestações populares,

dança, etc);

- Conservar, travar o processo de degradação do patrimônio e incentivar o seu uso sustentável;

- Estimular a inclusão de conteúdos de educação patrimonial nos currículos escolares e

regulamentar o ensino desses conhecimentos;

- Salvaguardar, estudar e divulgar o patrimônio cultural subaquático e etno-arqueológico

náutico da Ilha de Moçambique e seu entorno, promovendo, simultaneamente, a formação de

massa crítica nacional e local nas áreas técnicas afins;

- Capacitar gestores em todo o território para lidar com as especificidades das políticas de

preservação e acesso ao patrimônio material e imaterial;

- Promover ações que efetivem a vocação dos museus para a comunicação, investigação,

documentação e preservação da herança cultural, bem como para o estímulo do estudo sobre a

produção contemporânea;

- Promover a formação e qualificação de pessoal nas áreas de gestão, conservação preventiva

e requalificação do patrimônio edificado e urbanístico;

• Na área das Infraestruturas Econômicas e Sociais

Garantir a disponibilidade de bens e serviços públicos essenciais ao bem-estar da população.

Para isso é necessário:

- Melhorar as condições de transporte e comunicações da Ilha de Moçambique e respectiva

área envolvente; e

- Assegurar a disponibilidade dos serviços públicos essenciais de educação, saúde, energia

elétrica, água e saneamento básico (CESO-CI, 2009, p. 198).

A problemática de infraestruturas na Ilha de Moçambique é apontada como uma das causas da

exiguidade de investimentos públicos, a falta de manutenção e, em alguns casos, o uso

inadequado das infraestruturas por parte da população (CESO-CI, op.cit).

• Na área do desenvolvimento econômico

Promover o desenvolvimento econômico equitativo e sustentável da Ilha de Moçambique e da

sua área envolvente ―Baía do Mossuril‖. Para isso é necessário:

Page 127: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

126

- Valorizar os Recursos Naturais;

- Elevar o nível nutricional da população e assegurar a redução da pobreza;

- Promover a criação de emprego remunerado, produtivo e durável e;

- Implementar os ―Mini-Clusters Locais‖ – ―Agro Indústria‖ e ―Turismo (CESO-CI, 2009, p.

222).

5.6. Usos sociais do patrimônio Cultural

De acordo com Zanirato (2009, p. 147),

os usos sociais correspondem aos modos socialmente construídos para a participação

da sociedade em geral na identificação, conservação, estudo e difusão dos bens que

configuram a sua identidade. Isso significa que a população deve se sentir

identificada com os elementos a serem conservados, que se reconheça neles, para

que eles se tornem, de fato, representativos dela e para ela.

A percepção de que a conservação do patrimônio constitui um impedimento ao

desenvolvimento, e associado a insuficiência da legislação que evite as perdas, constitui um

dos problemas em cidades patrimoniais como é o caso da Ilha de Moçambique. O

reconhecimento da pertença coletiva dos bens mobiliza esforços comuns para a sua

conservação e, quanto mais coletivos e representativos eles forem, mais protegidos estarão. A

proteção de bens patrimoniais ocorre por meio de medidas políticas destinadas a impedir que

essas ameaças que degradam o ambiente venham a destruir um dado bem. Para que essa ação

estatal se efetive é necessário que haja mobilização social que leve o governo a adotar

políticas de proteção, tal como a Lei nº 10/88, de 22 de dezembro.

Entretanto, uma mobilização só pode surtir efeito se se tiver a consciência dos usos

sociais desse patrimônio, tal como abordado no artigo 5 da Convenção do Patrimônio

Mundial, ―adotar uma política geral que vise determinar uma função ao patrimônio na vida

coletiva”.

Brudasini e Silva (2011, p. 80) consideram que a coexistência de diferentes usos do

patrimônio edificado (comércio, serviços, lazer) pode ser uma condição para o sucesso de

qualquer ação de proteção dos edifícios de valor cultural que priorize a revitalização de áreas

históricas centrais. E ainda, se considera que a melhor maneira de proteger um edifício antigo,

por exemplo, é reintegrá-lo à vida cotidiana da cidade na qual está inserido, sendo o uso

residencial o quê melhor comporta esta reintegração.

Page 128: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

127

Portanto, ressalta-se aqui a necessidade de dotar uma política geral que vise

determinar a função atribuída ao patrimônio cultural e/ou natural na vida coletiva e integrar a

salvaguarda do referido patrimônio nos programas de planificação geral. Destacando-se neste

sentido a necessidade da refuncionalização específica de cada edifício reabilitado, para se

evitar a sua deterioração por falta de utilização.

Entretanto, para uma melhor conservação desse bem como patrimônio cultural é

necessário, inicialmente, conhecê-lo através de inventários e pesquisas realizadas pelos órgãos

de preservação em conjunto com as comunidades, porque o que torna um bem dotado de valor

patrimonial é a atribuição de sentidos ou significados que tal bem possui para determinado

grupo social, justificando assim sua preservação. Assim sendo, torna-se imprescindível

compreender que os múltiplos bens possuem significados diferentes, dependendo do seu

contexto histórico, do tempo e do momento em que estejam inseridos.

O entrevistado 4, (acadêmico e líder da Confraria) se referiu em relação a questão:

a boa conservação do patrimônio depende do nível de desenvolvimento econômico e

social da sua população, isto porque, se as pessoas não têm um entendimento do

valor econômico, ou seja, da importância em termos de rendimentos, consciência de

saber o valor do patrimônio nas suas vidas, então nada se fará. As pessoas devem

saber quais são os benefícios a ter por conservar certo bem, o uso social desse bem.

Se for algo que não resolve nada dos seus problemas sociais, portanto, benefícios

econômicos, claro que as pessoas jamais se importarão pela sua conservação, pois, a

pergunta sempre será: vou conservar isso até quando e que benefício terei?

O interlocutor também se referiu ao longo das entrevistas que, a maior parte da

população que vive na Ilha de Moçambique, quer na Cidade de Pedra e Cal, quer na Cidade

de Macuti, já ouviu falar da questão da conservação do patrimônio em diversas ocasiões, tais

como em reuniões, palestras, comícios públicos, que geralmente são orientadas pelos técnicos

do setor do patrimônio cultural em datas comemorativas. No entanto, o que falta nas pessoas é

ter a noção do valor do patrimônio e dos benefícios concretos do mesmo nas suas vidas.

Considerando a afirmação de Canclini (1997) apud Zanirato (2009, op.cit) os bens

reunidos na história por cada sociedade não pertencem realmente a todos, ainda que

formalmente pareçam ser de todos e estar disponíveis para que todos os usem, pois, em

sociedades desiguais, a apropriação dos valores se faz de modo desigual.

Ainda de acordo com o autor, os conhecimentos, crenças e gostos dependem do modo

como os grupos sociais acessam ao que é considerado um bem. Por isso, não é raro que

objetos e saberes gerados pelos grupos que têm maior informação e formação acabem por ser

majoritariamente considerados como bens patrimoniais. Esses grupos não só definem o que é

Page 129: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

128

digno de conservação, como ainda dispõem de condições para atribuir maior qualidade e

refinamento a esse mesmo bem.

Ainda Canclini (1994, p. 96), afirma:

que não basta que as escolas e os museus estejam abertos a todos, que sejam

gratuitos e promovam palestras para a sua divulgação, pois à medida que descemos

na escala econômica e educacional, diminui a capacidade de apropriação do capital

cultural transmitido por essas instituições.

A participação desigual dos grupos sociais resulta em diferentes formas de

envolvimento com a salvaguarda e pode ocasionar, nos grupos que não têm identidade com o

elemento elevado à condição de patrimônio, certo desprezo em sua conservação. As

diferenciações socioeconômicas entre os habitantes da Cidade de Macuti e da Cidade de Pedra

e Cal, está profundamente marcada a partir do espaço geográfico. Uma diferenciação por

disparidade de interesses que contribui em grande medida, para a fraca coesão social entre os

habitantes no processo da salvaguarda do patrimônio.

Esta realidade constitui uma grande ameaça social, visto que a gestão diária da Ilha

depende, sobretudo, na integração/conjugação de esforços entre todos os estratos sociais da

Ilha. Por outro lado, registra‐se o agravamento do quadro de descrença e de distanciamento

generalizado dos habitantes e das instituições que trabalham na área, pois, são vários os

projetos e planos que resultam em recomendações que anualmente são feitos com promessas

de melhorar as condições dos habitantes, mas que nunca passam do papel para a prática.

Para Zanirato (2009), a desigualdade provém de relações assimétricas, de dominação-

subordinação, que ligam povos com culturas diferentes dentro de uma mesma formação

sociocultural. Esse é um dos motivos que explicam por que há compreensões tão

diferenciadas acerca dos usos sociais do patrimônio.

Ainda segundo esta autora, é inconcebível que as classes populares, vivendo na

penúria das moradias e na urgência de sobreviver, se sintam implicadas com a conservação

dos bens, sobretudo, se não são seus. Associa-se á essa desigualdade também o fato de haver

pouco envolvimento da parte significativa da população com a causa da salvaguarda dos bens

patrimoniais, por posições precárias frente a propostas vindas dessa direção (BATALLA,

1997, apud ZANIRATO, 2009, p. 148).

Neste contexto, Zanirato alerta aos profissionais que lidam com as questões de

patrimônio o desafio que devem empreender no entendimento da construção histórica desse

parco envolvimento, além de buscar meios de mudar esse cenário, de modo que a

Page 130: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

129

preocupação com a salvaguarda dos bens patrimoniais seja compartilhada por um número

maior de pessoas que a detém.

A comunidade deve ser considerada como a verdadeira responsável e guardiã de seus

valores culturais. Não se pode pensar em conservar bens culturais, senão no interesse da

própria comunidade, à qual compete decidir sobre sua destinação no exercício pleno de sua

autonomia e cidadania.

O passo seguinte é a utilização dos meios de comunicação e do ensino formal e

informal para a educação e informação das comunidades, tal como preconiza a Convenção do

Patrimônio Mundial (1972) no seu artigo 27, para desenvolver o sentimento de valorização

dos bens culturais e a reflexão sobre as dificuldades de sua preservação.

A atuação do poder público deve ser exercida em caráter excepcional, quando faltarem

recursos técnicos ou materiais ou organizações coletivas capazes de assumirem as ações de

preservação necessárias. São diversas as formas de proteção do patrimônio cultural, desde o

inventário e cadastro até o tombamento, passando pelo estabelecimento de normas

urbanísticas adequadas, consolidadas nos planos diretores e leis municipais de uso do solo e,

até, por uma política tributária incentivadora da preservação da memória.

Em Moçambique, a seleção de bens patrimoniais até mesmo depois da independência

nacional era realizada de acordo com o valor de arte, da antiguidade e de uma concepção

elitista da história, representativos do Estado, da Igreja e da elite portuguesas. Por isso, os

bens eram dominados por relíquias históricas da colónia portuguesa (igrejas, palácios,

fortalezas, estátuas, praças), e nada constava da população nativa de Moçambique. A seleção

e a valoração dos bens a serem conservados até hoje em Moçambique é uma decisão a critério

dos técnicos que trabalham na área, inseridos no Ministério da Cultura.

No dizer de Zanirato (2009, p. 149), a não participação da população na seleção do

bem a ser patrimonializado implica o não reconhecimento, ou seja, contribui para corporificar

uma forma de conceber o patrimônio como uma prática social da qual ela não participa. O

entendimento de que o bem patrimonial é aquele dotado de monumentalidade, que expressa

os feitos importantes de uma história oficial, ou a arte em seu estado puro, também contribui

para o distanciamento daqueles que não participam na seleção e não se identificam com o bem

selecionado. A política patrimonial é, assim, vista como uma política de especialistas que têm

a capacidade de decidir sobre o valor e a relevância do que deve ser salvaguardado.

De uma forma geral, responder esses desafios socioeconômicos e ambientais exige

uma resposta política estratégica e institucionalmente integrada, em que todos os interessados

Page 131: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

130

partilhem as responsabilidades pela formulação e aplicação de soluções trans-setoriais. A

flexibilidade e o trabalho em parceria são indispensáveis.

A sociedade pode e deve se organizar para transformar os impulsos de crescimento

econômico, geralmente desencadeados por forças externas à região, em desenvolvimento, ou

seja, em melhores níveis de qualidade de vida para todos. É preciso pensar em uma economia

social, a serviço de todos, em favor da melhoria dos indicadores de qualidade de vida da

população. Esses são alguns dos desafios para serem enfrentados na Ilha de Moçambique.

Page 132: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

131

6. CONCEPÇÕES DOS ILHEUS A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DA

NATUREZA E DA CULTURA

6.2. Conservação do ambiental e do patrimônio cultural – Ilha de Moçambique

No presente capítulo se discute as diferentes percepções sobre a conservação

ambiental e do patrimônio cultural e são analisados os dados coletados durante a pesquisa de

campo na Ilha de Moçambique através de um questionário aplicado aos habitantes desta

cidade, no qual foram colocadas questões relacionadas com o meio ambiente urbano e a

conservação do patrimônio cultural. A primeira seção tem como foco a análise das percepções

da população a respeito da conservação ambiental incluindo os fatores que influenciam a

degradação do meio ambiente, além da identificação de documentos legislativos ambientais e

o papel da sociedade civil na promoção das boas práticas para a conservação do ambiente

urbano.

A segunda parte objetiva levantar as percepções da população por meio de seu

entendimento e percepções acerca das politicas que norteiam o desenvolvimento

socioeconômico da Ilha, assim como os atores sociais que interferem no planejamento do

desenvolvimento urbano. A terceira seção tem como fundamento o debate da questão do

patrimônio cultural, problematizando as percepções do que é o patrimônio e a importância da

sua preservação, valorização e dificuldades enfrentadas para a sua salvaguarda.

6.2.1. Percepções da conservação ambiental

Para um melhor planejamento e compreensão do ambiente urbano fazem-se

necessários estudos que enfoquem as percepções da população em relação ao meio ambiente,

afinal no uso cotidiano dos espaços, dos equipamentos e serviços urbanos a população sente

diretamente o impacto da qualidade ambiental.

De acordo com Amante (2001), percepção é o ato, efeito ou faculdade de perceber e

adquirir conhecimento a partir de algo por meio dos sentidos. Dessa maneira, a percepção tem

o sentido de aquisição de informações pelos atores sociais oriundos da realidade do meio

externo e de sua própria interação com o mundo material que os cerca. Assim, observa-se a

percepção como um processo cognitivo/cultural que envolve mecanismos de percepção

externa (os cinco sentidos) e elaboração mental. A compreensão das inter-relações entre o

meio ambiente e os atores sociais expressam como a sociedade percebe o seu meio

Page 133: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

132

circundante, mostra suas opiniões, expectativas e propõe linhas de conduta. Foi neste contexto

que se procurou investigar a maneira como a população da Ilha de Moçambique enxerga,

interpreta, convive e se adapta à realidade do seu meio.

Um dos primeiros aspectos definidos na escolha de entrevistados foi o tempo de

residência, visto que este pode ser determinante na análise de diferentes momentos que

caracterizaram os acontecimentos na Ilha de Moçambique, sobretudo, em relação a variação

temporal da qualidade ambiental, o desenvolvimento urbano, assim como a situação da

conservação do patrimônio cultural da Ilha de Moçambique.

Cabe destacar que dos trinta e três entrevistados selecionados durante a pesquisa de

campo, o conceito empregado foi o de conservação ambiental na visão da população, sendo a

pergunta submetida a catorze entrevistados selecionados aleatoriamente. Na análise dos dados

das entrevistas, os interlocutores são identificados por números e não nomes, a pedidos destes.

Assim, a questão foi respondida de diferentes formas como se pode ver a seguir:

Entrevistado 1 (gestor): Para mim, conservar o ambiente significa cuidar bem de

tudo que nos rodeia no sentido de se evitar doenças e proteger a própria natureza. Remover

lixo, plantar árvores para sombra e proteger os solos contra erosão;

Entrevistado 2 (gestor): Conservar o ambiente significa defender e melhorar o

ambiente humano para as atuais e futuras gerações. Significa manter, guardar para que haja

uma permanência no tempo;

Entrevistado 3 (gestor): Conservar o ambiente, implica o uso racional de um

recurso de forma a garantir bons rendimentos e sem prejudicar o meio ambiente explorado;

Entrevistado 4 ( líder da comunidade e acadêmico):

Conservar o ambiente significar manter o meio onde vivemos limpo e protegido

contra todos os males que possam provocar impactos negativos, evitando

acumulação ou espalhar lixos, retirar as plantas indevidamente, realizar uma pesca

não sustentável, com uso a recursos de redes impróprias, a destruição descontrolada

de pedra coral e areais ao longo das costas para as construções, a destruição de

mangais que promovem sua fixação e que para além de impedir a erosão,

estabilizam a linha costeira assim como as suas raízes funcionam como filtros na

retenção de sedimentos, sendo muito úteis na recuperação de áreas degradadas;

Entrevistado 5 (gestor):

Partindo de principio que o meio ambiente é o espaço que nos envolve, então, no

meu entender, conservar significa cuidado de forma racional esse espaço de modo a

que não seja degradado/destruído. Não jogar lixo, não escavar, não retirar as plantas

sem necessidade ou retirar e repor de acordo com as necessidades.

Page 134: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

133

Entrevistado 6 (educador): Conservar o ambiente é tudo o que diz respeito à

manutenção do espaço onde vivemos, limpeza, abertura de aterros sanitários para o lixo e

tudo aquilo que pode ser nocivo à saúde daqueles que vivem nesse espaço;

Entrevistado 7 (gestor): Conservar o ambiente para mim é o mesmo que dizer

conservar a natureza, então conservar a natureza significa utilizar os recursos que a natureza

nos dá de forma racional, ou seja, utilizar pensar no amanhã;

Entrevistado 8 (gestor)

Conservar o ambiente significar cuidar bem do nosso meio e da volta que nos

envolve, isto é, não jogar lixo ao relento, cuidar das fontes de água que usamos para

vários fins, não fazer escavações ao longo das costas no sentido a evitar a erosão

marinha, plantar árvores que ajudam a proteger os solos, não defecar ao relento,

como acontece aqui na Ilha, que muitas pessoas usam a praias para satisfazer as suas

necessidades;

Entrevistado 9: (gestor)Conservar ambiente para mim constituem todas as ações

que visam manter uma qualidade de vida das pessoas ou de outros seres vivos de forma

saudável;

Entrevistado 10: (cozinheiro) Conservar o ambiente é uma das medidas que visam

minimizar impactos negativos de degradação do ambiente em que vivemos;

Entrevistado 11 (cozinheiro): Conservar o ambiente significa manter o ambiente sadio,

protegê-lo para que o mesmo não seja degradado, destruído e para que as pessoas se sintam

saudáveis;

Entrevistado 12 (líder da comunidade) Conservar o ambiente significa usar de

forma sustentável os recursos naturais que se encontram em nossa volta.

Entrevistado 13: (líder da comunidade) Conservar o ambiente significa usar sem degradar,

não pôr em risco de modo que o mesmo perdure para presentes e futuras gerações.

Entrevistado 14: (gestor do patrimônio)

Conservar o ambiente é cuidar do espaço que nos envolve, limpar a minha casa, à

volta da minha casa Conservar o ambiente significa manter um meio ambiente bem

cuidado, significa preservar todos os seus componentes em boas condições, ou seja,

ecossistemas, comunidades e espécies, isto porque para mim, um meio ambiente

equilibrado oferece uma grande variedade de serviços ambientais ao homem, quer

diretamente ou indiretamente, como, por exemplo: a proteção da água e dos recursos

do solo, pois a nossa sobrevivência está estreitamente ligada ao bom funcionamento

do meio ambiente e das relações que se estabelecem.

As respostas acima incluíram categorias diferentes e generalizadas, entretanto,

mostram que todos os entrevistados têm conhecimento sobre o que é ―conservar o ambiente‖.

O fato de algumas respostas serem mais elaboradas do que outras revela que a questão e o

debate sobre o conceito conservação ambiental tem caráter polissêmico, assim como o

Page 135: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

134

conceito ―meio ambiente‖ variando de acordo com a escolaridade e seu conhecimento

ambiental.

Das diferentes perspectivas/respostas, é possível identificar alguns elementos-chave

no que concerne ao entendimento que existe sobre a conservação ambiental que é

―manter um meio ambiente bem cuidado‖; ―manter o meio ambiente limpo e protegido contra

todos os males que possam provocar impactos negativos”; ―plantar árvores para proteger o

solo contra a erosão, criação de condições básicas de saneamento do meio”.

Além destes aspectos-chave da definição de conservação ambiental presente em

todas as respostas, também se destaca que quase a metade das respostas dadas pelos

entrevistados acerca da conservação ambiental se cruzam na relação homem/meio ambiente.

Isso provavelmente acontece porque empiricamente há uma constatação de que não se pode

conceber ambiente e/ou natureza isoladamente, independente e indiferente a ação humana.

Portanto, a questão ambiental é um tema da atualidade que ainda domina os debates em todas

as esferas da sociedade, tanto em nível local, quanto a nível nacional e/ou internacional, o que

não implicando necessariamente em práticas.

Alguns entrevistados falam de forma mais elaborada e outros exprimem

conhecimentos empíricos ao explicar o que entendem por conservação. Entretanto, os dois

grupos se cruzam no ponto chave, o de cuidar bem o espaço envolvente através de diversas

ações tais como: uso racional dos recursos naturais, manejo adequado do lixo, plantio de

árvores entre outras. Segue abaixo elementos de análise das entrevistas:

• Informações: a definição é a de que a conservação ambiental é a manutenção

de ambiente bem cuidado, isto é, limpo em que a sobrevivência do homem se

associa ao bom funcionamento desse meio e das boas relações que se

estabelece entre o homem/ambiente, sendo uma medida educativa;

• Ação/atitude: são ações práticas, que muitas vezes se circunscrevem a medidas

meramente mitigadoras (limpeza, plantio de árvores, e a controle da poluição)

com categorias mais amplas no que se refere à conservação ambiental (adotar

modelos de desenvolvimento sustentável e de conservação ambiental).

Se comparar as definições dadas pelos diferentes investigadores, acadêmicos e

organizações internacionais tais como COM-CC (1972), Dias (2000), Milaré (2001), e

Zanirato & Ribeiro (2006, p. 255) acerca do que é a conservação ambiental, tem-se a

definição como:

conjunto de ações e medidas que têm por objetivo impedir, ou minorar a ocorrência

dos fatores de degradação. A utilização racional de um recurso qualquer, de modo a

Page 136: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

135

se obter um rendimento considerado bom, garantindo-se, entretanto, sua renovação

ou a sua auto sustentação. O uso apropriado do meio ambiente dentro dos limites

capazes de manter sua qualidade e seu equilíbrio em níveis aceitáveis. Portanto

―conservar‖ implica manejar, usar com cuidado, manter.

Como foi referido acima, nas diferentes definições da percepção sobre a conservação

ambiental é possível notar que parte da população tem informações genéricas do que seja

conservar o ambiente e, na sequência disso, aponta medidas pontuais que vão desde a

mitigação, passando pelo melhoramento das condições de infraestrutura, serviços urbanos e

até mesmo citam o componente educacional.

Na visão de alguns entrevistados, o plantio de árvores e o saneamento básico são

algumas das soluções para se conseguir o bem-estar do homem, e a relação deste com a

natureza, em reconhecimento ao fato de que o meio ambiente está fortemente influenciado

pela ação humana. No entanto, isto não tem trazido resultados nas práticas cotidianas,

especialmente no que se refere ao despejo de esgotos e lixo na cidade, bem como o uso

desenfreado dos poucos recursos naturais costeiros que a Ilha dispõe. Um aspecto importante

neste estudo foi a tentativa de estimar a posição dos moradores sobre as razões pelas quais se

deveria preservar a qualidade ambiental na cidade, cujas respostam se apresenta, de acordo

com o entrevistado quatro (líder da comunidade e acadêmico.

As pessoas têm a noção da importância de conservar o ambiente, ou seja, o seu

espaço, a sua volta, entretanto, as condições econômicas em que vive a maior parte

das pessoas aqui na Ilha, tornam um limitante que talvez eu possa chamar de

intransponível para a sua concretização. Muitas casas estão em ruinas, quer as da

Cidade de Pedra e Cal, quer as da Cidade de Macuti e não tem como valorizá-lo

sentido de se obter algum beneficio a partir delas. Não têm como não cortar, por

exemplo, o manguezal para uso cotidiano como combustível para confeccionar seus

alimentos, não tem redes apropriadas para a pesca, não tem sanitários suficientes

para a satisfação das suas necessidades fisiológicas, não tem contentores para o

depósito do lixo. A população não tem meios e nem se quer tem alternativas para

contornar essa problemática que se poder considerar conjuntural.

Este argumento remente à questão das políticas públicas que geralmente são

desenhadas como instrumentos que ditam normas, regras, comportamentos a serem adotados,

no entanto, sem refletir nas possíveis alternativas da realidade local que é para quem recaem

os tais normativos. Na verdade, se há interesse em preservar as baleias, tal como foi

exemplificado pelo interlocutor, essas baleias devem se converter em fontes de rendimento

para que a população sinta o benefício de preservá-las, daí não haverá nenhuma necessidade

de matá-las porque se tornarão fontes de rendimento na sua economia.

Enquanto as condições econômicas dessa população não forem satisfeitas, jamais ela

se ocupará em conservar bens que acham que não faz diferença na sua vida, pois a

Page 137: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

136

importância para esta população não está no amanhã. Para a população economicamente

pobre, o mais importante é resolver o imediato como se pode percebe nas palavras do

entrevistado quatro:

Pode acreditar que na pobreza, ninguém faz plano para o amanhã, a próxima semana, próximo mês, o importante

é satisfazer as minhas atuais necessidades, ter a lenha para confeccionar a minha comida para matar a minha

fome e da minha criança hoje e pronto. Quanto ao amanhã, Deus saberá e proverá.

Ainda no entender deste entrevistado, conservar o ambiente pode-se entender

também que as pessoas não devem prejudicar o ambiente, evitar o uso das praias para atender

as necessidades fisiológicas, a degradação dos recursos naturais enveredar pelas boas práticas

no relacionamento homem/natureza.

No entanto, ao ditar essas normas, se esquece de aprofundamento do conhecimento

da realidade cultural da população receptora das mesmas. Por exemplo, a Ilha de Moçambique

é habitada por uma população com fortes ligações culturais com a população do Quênia,

Tanzânia e Norte de Moçambique, uma população de origem swahili e que professa a religião

muçulmana, tendo caraterísticas especiais em relação a higiene corporal. Isso quer dizer que a

higiene é realizada com base na água, pois os sanitários públicos são insuficientes e não

reúnem condições para atender as exigências culturais de limpeza que a população necessita,

além de os professantes desta religião não usarem o papel higiênico após as suas necessidades

fisiológicas como se pode perceber no dizer ainda do entrevistado quatro:

Somos muçulmanos, a nossa limpeza corporal é baseada na água e se as pessoas não

têm acesso a água quando vão aos sanitários, têm a opção as praias. É preciso criar

condições para que as pessoas tenham sanitários com água limpa. Se nos sanitários

públicos não tiver essas condições, claro que as pessoas recorrerão às praias. Tanto

que há um ciclo natural que quando a maré enche, limpa tudo quanto a pessoa deixa

num intervalo de mais ou menos duas horas.

Portanto, mais uma vez se coloca a questão da criação de alternativas para que a

população possa escolher. Não basta traçar normas que se distanciem da realidade cultural

porque o problema do fecalismo que se enraizou na Ilha de Moçambique não é somente uma

questão cultural, tal como alguns pesquisadores se referem, mas sim também a falta de

atendimento das necessidades dessa população, argumento que encontra o seu fundamento

nas palavras do Muhammad Yunus (2006) ao se referir que:

a pobreza não é criada pelo povo pobre. Ela é criada pela ordem económica e social.

Portanto, se queremos acabar com a pobreza, temos que introduzir mudanças nessa

ordem. Temos que reprojetar tais instituições [de combate à pobreza] económicas e

sociais, e os conceitos que tiveram seu papel na criação da pobreza. Não está nas

mãos das pessoas pobres. Se lhes dermos oportunidades, elas serão capazes de

cuidar de si mesmas e tirar a si mesmas da pobreza (MUHAMMAD YUNUS,

Prémio Nobel da Paz 2006, apud OSSEMANE & SELEMANE, 2010, p. 20).

Page 138: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

137

Os sanitários públicos construídos ao longo das praias como alternativas para

erradicar o fecalismo a céu aberto, não reúnem condições necessárias para responder as

exigências dos usuários e também os sanitários públicos não dispõem de sistema geral de

esgotos. No bairro do Museu (cidade de pedra e cal) a maioria das casas possuem fossas

sépticas, enquanto que na cidade de macuti praticamente é impossível utilizar esse sistema

devido a elevada densidade populacional, por um lado e, por outro, pela característica do solo

altamente rochoso, além do nível do mar. Tais condições determinam graves problemas de

saneamento particularmente nas inundações verificadas durante o período chuvoso. Essa

população específica requer água corrente e canalizada nos sanitários para que possam se

lavar livremente, tal como salientaram os entrevistados três e o vinte e sete, na qual se

sintetiza na voz do entrevistado vinte e sete:

Os nossos sanitários públicos não possuem torneiras para agente se lavar. A água é posta em baldes em que cada

um retira para se lavar, há pessoas desonestas, maldosas que sujam a água toda e outros utilizam porque não se

pode sair do local sem se lavar, isso é pecado. As pessoas são obrigadas inconscientemente a ir impuras às

mesquitas. Portanto, se os sanitários reunirem todas as condições, eu creio que não haverá necessidade das

pessoas continuarem a ir defecar nas praias.

Esses argumentos reforçam o que foi descrito na hipótese. A ausência ou ineficiência

de diálogo entre a população e os propositores da normas/políticas públicas pode provocar

situações que num ambiente de diálogo aberto poderia resolver.

Portanto, é importante que qualquer ação de tratamento, de prevenção ou de

planejamento esteja atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige.

Dessa forma, a identificação da maneira como a comunidade entende suas condições de vida,

de habitação, de saúde e sua relação com o meio ambiente pode vir a favorecer a

implementação de medidas sobre o saneamento e, consequentemente, a concretização dos

objetivos sobre a promoção da saúde e da qualidade de vida desses habitantes.

Ao indagar o entrevistado quatro sobre os passos para a satisfação das necessidades

básicas da população para a conservação do ambiente ele referiu:

Umas das opções é a redução do adensamento populacional na Cidade de Macuti.

As pessoas têm que ter espaço para criar todas as condições necessárias em suas

casas. Acidade de Macuti precisa de uma restruturação e isso não deve significar a

retirada dos habitantes com intuído de substituí-los por aqueles que têm dinheiro.

Esta visão da população mostra a preocupação com o meio ambiente relacionada a

lógica da sustentabilidade ecológica que se caracteriza pela garantia de progresso material e

bem-estar social, resguardando os recursos e o patrimônio cultural e natural. A conservação

ambiental é vista aqui como um instrumento que visa minimizar impactos e degradação

Page 139: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

138

ambiental e consequentemente do patrimônio cultural. No entanto, não se pode esquecer que a

população que ali vive, precisa de habitação, e de qualidade ambiental.

6.1.2 Causas da degradação do ambiente urbano

A degradação do ambiente pode ser entendida como alteração da qualidade do

próprio meio tendo como consequências os processos resultantes de danos causados pela ação

humana. Os entrevistados 1, 2, 3, 4, 8, 14, 17 e 28 referiram o elevado número de habitantes

como um dos principais fatores da degradação do ambiente urbano da Ilha de Moçambique.

Assim ressaltaram:

aglomeração populacional constitui o maior causador dos problemas relacionados com a poluição do meio

ambiente, devido a ocupação desordenada do espaço urbano, a produção de grandes quantidade de resíduos

sólidos gerados pelas atividades comerciais, domiciliares e do fecalismo a céu aberto.

A Ilha de Moçambique se depara com a falta de contentores para o depósito do lixo,

sendo assim o Conselho Municipal definiu alguns pontos localizados em vias públicas para o

depósito de lixo domiciliar, proveniente das construções e de outros serviços urbanos.

Dada às irregularidades de remoção do mesmo, devido a avaria do transporte e a falta

de combustível que geralmente acontece nos meados e finais dos meses, o lixo acumulado em

vias públicas é espalhado pela ação do vento e de cães vadios, provocando não só a poluição

do ambiente, mas também a multiplicação de ratos e insetos, pontuando assim um grande

impacto a qualidade ambiental e, consequentemente, a saúde dos seus habitantes.

A falta de espaços livres associado ao alto nível freático na maioria dos bairros da

Cidade de Macuti dificulta a abertura de latrinas e aterros sanitários. É praticamente

impossível abrir buracos que ultrapassem 2 metros de profundidade, pois logo encontra-se

água. Partindo de princípio que em média uma família é formada por seis membros e que na

Ilha de Moçambique a maior parte das casas abrigam em média três familiares, isso quer dizer

que em cada uma dessas casas moram dezoito pessoas, tornando assim praticamente

impossível usar uma latrina que tenha menos de três metros de profundidade por mais de seis

meses.

É neste contexto que muitas pessoas são forçadas a recorrer às praias como

alternativa para a satisfação das suas necessidades, tal como salientaram os entrevistados

quatro e dezesseis quando dizem que recorrer às praias constitui a única alternativa, a qual a

maior parte da população da Ilha de Moçambique encontra para atender as suas necessidades

Page 140: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

139

e que isso não constitui cultura, tal como alguns investigadores e visitantes que desconhecem

as condições reais de que a população da Ilha de Moçambique vive e entendem que o

fenômeno de fecalismo a céu aberto como cultura do povo ali residente.

Em relação a este aspecto, foi colocada a questão ‗Como era a situação do

saneamento ambiental antes da independência?‘

De acordo com os entrevistados acima, foi explicado que antes da independência

nacional em 1975, a Ilha tinha poucos habitantes e todas as moradias tinham latrinas privadas

porque havia espaço e em cada moradia vivia apenas um agregado familiar nuclear (pai, mãe

e filhos). Após a independência e, sobretudo, com a eclosão da guerra de desestabilização esta

situação mudou, tal como foi referido nos pontos anteriores. A Ilha de Moçambique recebeu

um contingente de pessoas que superou a capacidade de suporte. Os problemas de várias

formas reproduziram-se, incluindo o de fecalismo a céu aberto que continua a conviver com a

população até os dias atuais.

Este argumento permitiu de certa forma perceber o sentimento e o sofrimento das

pessoas que vivem o dia-a-dia naquelas condições difíceis. Daí impõe-se as autoridades

autárquicas uma série de reflexões no sentido de encontrar soluções para essas questões. No

artigo no

72 da Constituição da República está versado que ―Todos os cidadãos têm o direito

a um ambiente equilibrado e o dever de o defender e atribui ao Estado a tarefa da sua

materialização através da promoção de iniciativas visando o equilíbrio ecológico, a

conservação e preservação da natureza”. Esta é uma questão que necessita de ser posta em

prática para o bem-estar de toda a população.

Os entrevistados 2, 3, 4, 18 e 29, argumentaram que as tentativas de construção de

sanitários públicos como forma de resolver os problemas de fecalismo a céu aberto não

surtem efeitos desejados porque a quantidade dos mesmos é insignificante comparado com o

elevado número de população que necessita para o seu uso. Além disso, foi visto que as

condições higiênicas dos sanitários públicos existentes não motivam o seu uso.

Ao longo do trabalho de campo, foi observado que, há ainda pessoas que usam as

praias para a satisfação das suas necessidades fisiológicas, mesmo com medidas

administrativas adotadas pelos polícias do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique para o

controle desta ação. E ainda, o Municipal fez a distribuição de algumas parcelas de terrenos

junto às aos operadores turísticos para construção de barracas que, de certa forma, contribui

para desencorajar esta prática que virou um ―hábito‖. O fenômeno de fecalismo a céu aberto

na Ilha, segundo entrevistados acima, vai perdurar por muito tempo caso não se encontrem

Page 141: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

140

alternativas adequadas que passam necessariamente, em primeiro lugar pela redução do

adensamento populacional e/ou alternativas que respondam os aspectos culturais locais.

A ação da água da chuva sobre os terrenos foi também apontada como sendo um dos

principais agentes da degradação dos solos na Ilha de Moçambique, tal como se referiu o

entrevistado dezoito:

devido à impermeabilidade dos solos na Ilha, todos os resíduos sólidos que se

encontram espalhados pelas ruas são transportados pelas enxurradas e depositadas

nas valas de drenagem a céu abertos, provocando assoreamento nelas, reduzindo a

sua capacidade de vazamento e consequentemente, ocasionam inundações,

principalmente nos Bairros de Esteu e Litine onde 43% da população da Cidade de

Macuti.

O aumento do tráfego rodoviário, sobretudo, a partir de 2009, foi apontado por

alguns entrevistados como sendo o outro fator que provoca a degradação ambiental na Ilha de

Moçambique. De forma resumida, o entrevistado vinte e oito argumentou:

a Ilha de Moçambique se tornou o centro de cruzadas motoqueiras, principalmente a

partir de 2009, em que muitos jovens adquiriram motos a partir de fundos de apoio

ao desenvolvimento local, introduzido pelo Governo Moçambique a partir de 2005,

com vista a redução da pobreza absoluta que assola o país, sobretudo, nos distritos.

A partir do período de 2009 muitos jovens adquiriram motocicletas e virou uma

autêntica moda fazerem competições ao longo das pacatas vias de acesso, provocando

poluição sonora devido ao excesso de barulho e não só, mas também, as competições em alta

velocidade provocaram a movimentação de solos e alçam enormes quantidades de poluentes.

Por outro lado, essa movimentação provoca fendas nas edificações devido a trepidações

desses veículos nas vielas que não foram construídas para esse fim, constituindo um perigo à

conservação do patrimônio cultural e a degradação do ambiente urbano.

As estatísticas apontam a existência na Ilha de Moçambique de um total de 438

motos e 117 carros particulares, embora certa porcentagem desses veículos pertença às

pessoas residentes na porção continental. Entretanto, esses meios circulam diariamente na

parte insular com apenas numa área de 1,5 km² (INE, 2009, p.5).

De uma forma geral, quase todos os entrevistados apontaram como principais

problemas ambientais na Ilha de Moçambique:

• O adensamento populacional;

• O uso e ocupação irregular ou inadequada do solo, sobretudo na Cidade de

Macuti e ao longo da costa marinha;

• A falta de infraestrutura e saneamento básico;

• A poluição sonora, do ar e dos lençóis freáticos;

Page 142: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

141

• A falta de espaços públicos de lazer;

• A diminuição da cobertura vegetal ao longo da costa;

• Degradação do patrimônio histórico-cultural e natural.

A análise dos resultados neste aspecto permitiu perceber que a própria população,

embora não seja toda, é capaz de perceber as mudanças, os fatores influenciadores dessas

mudanças e consequências na sua vida. Porém, a maior parte dessa população não se

considera como agente causador dos problemas ambientais que afeta a cidade.

Isto mostra de certa forma que o conhecimento expresso pelos entrevistados sobre a

conservação ambiental reportado acima é apenas um conhecimento teórico, pois eles revelam

falta de informação sobre os efeitos práticos da má conservação ambiental. Portanto, urge a

organização de programas de formação sobre questões ambientais sobre os efeitos da

degradação socioambiental que geralmente só são percebidos pelos indivíduos conscientes

das transformações ambientais que afetam as suas condições de moradia, de trabalho e de

saúde.

Confrontados com a opinião de sair da Cidade de Macuti, a qual os gestores do

patrimônio concordam que seja uma das soluções para os problemas ambientais, econômicos

ou ainda, da conservação do Patrimônio Mundial da Humanidade na Ilha, as opiniões são

contrárias, como se pode ver na resposta dada pelo entrevistado onze:

onde é que a minha vida vai mudar? Acha que eu saindo daqui ou outra pessoa pobre sair daqui as coisas vão

mudar na Ilha? Eu não sou responsável dos problemas que a Ilha tem ou que venha a ter. Se o governo ou a

quem de direito quisesse que as coisas mudassem na Ilha, algo já teria sido feito e minimizado alguns problemas

que eu acho que podem ter solução. Há falta de vontade de fazer as coisas, o governo tem condições para

minimizar muitos dos problemas que a Ilha enfrenta.

O pronunciamento do entrevistado ao questionar se achava que sua saída ou de outro

desprovido de posses pudesse resolver o problema da degradação ambiental na Ilha de

Moçambique, pareceu confirmar a ideia de que a condição da pobreza é sinônimo da

degradação ambiental. Esse entendimento parece estar em acordo com que foi escrito em

muitos relatórios nacionais e/ou interacionais, como é o caso do Relatório da Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, publicado em 1987, o conhecido

Relatório Brundtland, que destaca ―o uso de tecnologias poluidoras; o aumento demográfico;

a intensificação e expansão da miséria como causas de deterioração ambiental‖. Segundo o

Relatório Brundtland, ―a pobreza e a deterioração ambiental formam um círculo vicioso, no

qual cada termo é causa e efeito do outro.” (HERCULANO, 1992, apud LIMA &

Page 143: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

142

RONCAGLIO, 2001, p. 57). Não se pode continuar a responsabilizar a pobreza pela

degradação ambiental.

Para Jacob (2000, p. 145), a percepção da questão ambiental é uma resultante não só

do impacto objetivo das condições reais sobre os indivíduos, mas também da maneira como

sua intervenção social e valores culturais agem na vivência dos mesmos impactos. Na

verdade, não é a pobreza em si que provoca a degradação ambiental, mas é o tipo de relação

que se estabelece entre homem/natureza, que pode refletir de forma negativa ou positiva sobre

o meio ambiente. Porém, não se pode descartar a contradição existente nessa relação.

Neste contexto, pode-se refletir que, se o consumo dos recursos naturais for pouco

racional, automaticamente será prejudicial, portanto a pobreza e a baixa qualidade de vida

podem causar danos sérios ao ambiente, devido à ocupação desordenada de áreas impróprias à

habitação, a poluição decorrente da falta de saneamento básico, a agressão ao meio ambiente

pela utilização de técnicas inadequadas de produção, o superpovoamento das cidades em

decorrência de movimentos migratórios de pessoas que fogem de uma situação de pobreza e

miséria nas suas zonas de origem, tal como aconteceu na Ilha de Moçambique.

Ao avaliar os problemas ambientais destacados pelos entrevistados percebe-se que a

maioria desses problemas é de origem social, mas aprofundados pela inexistência de políticas

públicas. A problemática da fragilidade da base econômica em geral, do deficiente acesso da

população à educação básica e ambiental, da permanente contradição verificada entre a

legislação de uso e ocupação do solo urbano e os interesses vinculados à especulação

imobiliária, dentre outras, refletem-se nas desigualdades econômicas e sociais que se verifica

na Ilha de Moçambique.

A base institucional para fazer face aos problemas enumerados é ainda insuficiente.

Enquanto as estruturas ligadas ao meio ambiente a nível central e provincial vão tomando

corpo e vão iniciando suas atividades, a situação de planejamento, gestão e monitoramento

ainda permanecem sem grandes mudanças, além de o nível operativo ser ainda bastante baixo.

Perante essa realidade, a maioria dos entrevistados referiram que a boa gestão

ambiental na Ilha requererá a implementação de políticas de educação básica sobre questões

ambientais junto à população. A educação ambiental permitirá melhorar a gestão dos recursos

naturais e reduzir os danos ao meio ambiente. A Educação ambiental procurará fomentar a

consciência sobre o valor dos recursos naturais e processos ecológicos que os mantêm,

mostrando para a população o que ameaça o bem-estar do meio ambiente e como pode

contribuir para melhorar a relação homem/natureza objetivando melhorar a gestão do meio

Page 144: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

143

ambiente. Nesse exercício, o envolvimento amplo da sociedade local deverá ser o ponto

crucial para o sucesso e caberá, em princípio, aos órgãos autárquicos a responsabilidade de

atuar energicamente criando uma dinâmica de trabalho que encoraje os outros interventores

para intervir nesses problemas.

Os aspectos fortes que se depreendem da análise efetuada relacionam-se basicamente

com a higiene e saneamento do meio, o manejo e a proteção de recursos naturais da terra e do

mar; o planeamento e controle do uso do solo, a preservação do patrimônio edificado, a

formação, a capacitação e a educação comunitária.

A conscientização ambiental das pessoas, vivendo numa cidade como a Ilha de

Moçambique que passa por rápidas transformações, requer um esforço coletivo para ensejar

um processo participativo de resgate ou fortalecimento da autoestima coletiva, no sentido de

possibilitar a esses habitantes um sentido de pertença e fortalecimento dos vínculos de afeto e

cuidado como se estivessem atentando à própria casa. Essa conscientização é a função

principal do poder público local que deve ser articulada com instituições afins quer a nível

provincial, quer a nível ministerial. Assim, a colaboração da comunidade, no sentido do

acompanhamento atento de todas as ações de agressores ambientais, exige uma maior

conscientização e não o inverso.

6.1.3 Identificação de documentos legislativos sobre meio Ambiente

Relativamente aos principais documentos oficiais moçambicanos que promovem a

conservação do meio ambiente se teve os seguintes dados: dos trinta e três entrevistados, o

grupo de desasseis participantes (correspondendo aos entrevistados 10, 11, 12, 13, 20, 21, 22,

23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e, 31) é constituído por pescadores, costureiras, domésticas

cozinheiros, artesão, carpinteiros. Estes afirmaram que nunca ouviram falar de nenhum

documento relativo à conservação do meio ambiente.

Enquanto que o grupo constituído por gestores, académicos, operadores turísticos,

líderes comunitários engajados, que corresponde aos entrevistados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 14,

15, 16, 17, 18, 19, 32 e 33 apontou um ou mais documentos relativos ao assunto listados

abaixo:

• A Constituição da República de Moçambique (Lei Mãe que abarca todas as áreas);

• Resolução nº 5/95, de 3 de Agosto - Política Nacional do Meio Ambiente;

Page 145: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

144

• Lei nº 19/97, de 1 de Outubro – Lei de Terras, que no art.3 (Estabelece que a terra é

propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer forma, alienada, hipotecada ou

penhorada);

• Decreto nº 60/2006 de 26 de Dezembro (Regulamento sobre a Gestão do Solo Urbano

respeitante ao regime de uso e aproveitamento da terra nas áreas de cidades e vilas);

• Lei nº 19/2007 de 18 de Julho (Regulamento sobre o Planejamento e Ordenamento

Territorial, que atribui a competência ao Governo Distrital para elaboração e aprovação dos

instrumentos de ordenamento territorial (planos) ao nível distrital no artigo 13);

• Código das Posturas Municipais de 2006 (Com a responsabilidade dirigir e monitorar as

atividades no território do Município);

• A Lei n° 20/97, de 1 de Outubro (Lei do Ambiente, a qual estabelece como seu objeto geral a

definição das bases para uma utilização e gestão corretas do ambiente e seus componentes);

• Decreto nº 45/2006, de 30 de Novembro (Regulamento sobre a Prevenção da Poluição e

Proteção do Ambiente Marinho e Costeiro);

• Declaração Universal dos Direitos Humanos: Carta Africana dos Direitos do Homem e dos

Povos,

• Convenção Internacional para a Proteção do patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de

1972;

• Convenções Internacionais sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada

na Suíça em 1972 e a de 1992 – Rio 1992.

Portanto, apesar de se reconhecer a existência de abertura por parte do Governo no

sentido de interagir com a sociedade civil através do quadro legislativo nacional, o qual

procura criar oportunidades para a participação dos cidadãos no país, ainda assim, a maior

parte dos entrevistados declarou não conhecer nenhum documento referente à conservação do

meio ambiente e isso reflete a falta da difusão dessa informação no país como um todo.

Da reflexão feita, três razões foram apontadas como sendo as principais causas desta

situação:

• A falta de mecanismos efetivos de divulgação de documentos legislativos

importantes junto à população, associado às dificuldades de comunicação devido a

língua usada (Português) que, apesar de ser língua oficial do país, não é conhecida

pela maioria dos moçambicanos e pela população da Ilha de Moçambique em

particular;

Page 146: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

145

• O baixo nível de escolaridade da maior parte dos habitantes da Ilha de

Moçambique;

• A dificuldade de acesso a esses documentos em nível local podendo apenas

encontrar alguns em circunstâncias particulares, como na Biblioteca do Conselho

Municipal e nos escritórios do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique -

GACIM, e outros apenas por internet, porém a maior parte da população não tem

acesso.

Fazendo alusão aos documentos, os entrevistados 1, 2, 3, e 4 referiram que:

geralmente nos encontros de divulgação de documentos legislativos ou mesmo

consultas sobre aspectos relacionados com a vida da população são convidados

apenas representantes da comunidade – líderes comunitários, os quais não possuem

nenhum nível acadêmico e muito menos percebem o português. Ao convidar essas

personalidades, o intuito é que eles possam levar as informações aos demais da

comunidade. Entretanto, essa informação nunca chega a ser retransmitida aos

receptores finais, por razões óbvias.

No entender de Chimalawoonga (2011, p. 74),

o principal problema centra-se no fato de a língua usada na transmissão da

informação em muitas ocasiões (comícios populares, palestras, workshops, etc.) é o

português, assim como os documentos estão escritos em Português e, muitas vezes,

devido a aspectos técnicos que abordam, exige competências em Português para a

sua compreensão, pois a maioria da sociedade civil não fala ou não domina o

Português.

Portanto, segundo este autor, a exclusão devido à língua mina o início da

participação, pois a língua é e deve ser a ferramenta preponderante no exercício da cidadania

participativa.

6.1.4 Coleta e disposição final do lixo na Ilha de Moçambique

Um questionamento importante feito na pesquisa se referiu à coleta e destinação final

do lixo na Ilha de Moçambique, na qual se procurou saber qual a percepção dos entrevistados

sobre a situação da coleta e destinação final do lixo nas Cidades de Pedra e Cal e de Macuti,

tendo em consideração a quantidade de pessoas que vivem nestas cidades. Em relação a esta

questão o entrevistado quatro sintetizou com as seguintes palavras:

Um aspecto importante a ressaltar neste ponto é que a boa gestão do lixo em uma

comunidade requer o conhecimento dos hábitos diários dos seus habitantes.

Normalmente quase em todo o país, as pessoas quando acordam a primeira coisa que

fazem é varrer e acumular o lixo. As pessoas têm uma determinada hora para coletar

o lixo, geralmente quando o sol nasce, portanto, das 05 às 07 horas. De uma forma

geral, as pessoas em África, e em Moçambique, em particular, não varrem durante a

noite e/ou na escuridão devido aos preconceitos, segundo os quais, varrer a noite

Page 147: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

146

significa expulsar e/ou, retira a riqueza da casa, expulsar os espíritos protetores da

família.

Assim, com esta resposta concluiu-se há falta na Ilha de Moçambique a articulação

entre a comunidade e os gestores da área de saneamento, pois o desejo da população é que

após o término da limpeza, que geralmente é às sete horas, o lixo acumulado devia ser

removido e levado para os depósitos definitivos, locais indicados pelo Conselho Municipal.

Neste contexto, a falta desta coordenação provoca a proliferação do lixo na cidade, como se

pode perceber ainda com o mesmo entrevistado,

Se houvesse uma boa articulação entre a comunidade e os responsáveis pela gestão

de saneamento urbano, todos os dias, a partir das 07 até 8 horas, os carros indicados

para essa atividade deviam recolher o lixo em todos os pontos no sentido a que até

às 8 horas a cidade possa estar limpa. Se esse sistema fosse eficaz, a Ilha não teria o

problema do lixo em vias públicas, porque cada membro da comunidade faz a sua

parte, varrendo até ao limite da sua moradia e junta o lixo em pontos definidos pelo

próprio Conselho Municipal.

Para a efetivação desses objetivos, o sistema de manutenção deve ser eficiente e com

um responsável com capacidade técnica de gestão, que possa trabalhar no período comercial

para facilitar a coordenação do setor de coleta de lixo, começando pelo levantamento dos

caminhões de coleta e monitoramento do trabalho dos motoristas. Pois, acredita-se que caso

esse trabalho seja monitorado devidamente, o problema do lixo na Ilha de Moçambique será

erradicado.

Durante a entrevista, o interlocutor número um informou que o setor de saneamento

urbano possui três caminhões improvisados para coleta do lixo na cidade e todos sob tutela do

Conselho Municipal da Ilha de Moçambique. O lixo coletado e depositado na zona

continental em um espaço previamente escolhido. Esta lixeira foi aprovada pelos investidores

que apoiam as atividades do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique - Centro de

Desenvolvimento Sustentável em coordenação com o Conselho Municipal.

De uma forma geral, as condições de coleta e conservação do lixo na Cidade da Ilha

de Moçambique podem ser consideradas péssimas devido à precariedade em que o mesmo é

manuseado e depositado. O Conselho Municipal definiu alguns pontos de concentração do

lixo, sobretudo produzido por instituições públicas, comércio, resultante da limpeza da cidade

em geral e outros serviços em vias públicas, com destaque para a estrada que constitui a linha

limite entre a Cidade de Pedra e Cal e Cidade de Macuti, junto do Hospital da Ilha de

Moçambique, eu é usada como depósito deste lixo.

Page 148: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

147

O local é considerado pelos diferentes entrevistados como inadequado,

principalmente porque se localiza junto ao hospital e é o espaço onde frequentemente os

comerciantes informais usam como mercado de venda de produtos alimentares. Associado a

esses fatores, o depósito não é feito em contentores, ou seja, em recipientes, portanto o lixo é

jogado diretamente ao chão. Devido aos problemas financeiros do Município, este lixo que

diariamente devia ser removido para o local escolhido para o depósito definitivo não é

coletado e muitas das vezes o lixo fica ai acumulado por mais de uma semana, criando

problemas sérios para a saúde da população e da circulação de pedestres e de carros.

De igual modo, ao longo das praias e/ou em praças públicas não foram tomadas

providências, tais como a colocação de vasilhames coletores de lixo, e ao contrário, tem-se

uma maior produção e o descarte do lixo nas praias, principalmente nos dias festivos, nos

finais de semana e na alta estação turística quando o volume se intensifica.

Embora se tenha determinado hora de coleta do lixo para o caso dos habitantes da

Cidade de Pedra e Cal, os horários não são cumpridos devido ás dificuldades apontadas no

processo de recolha do lixo em vias públicas, fazendo com que a população retire nos seus

quintais para depositar em vias públicas, criando uma proliferação desses resíduos pela cidade

toda.

E para o caso da Cidade de Macuti, a coleta, principalmente nos bairros onde as ruas

não permitem o acesso de viaturas para o efeito, as pessoas guardam o lixo em suas casas em

sacolas plásticas ou em latas, o qual é levado ao veículo quando são chamados. Dadas

irregularidades nesse processo de coleta, como foi referido, muitas vezes os habitantes para se

livrarem de muito lixo em suas pequenas palhotas jogam-no nas praias e/ou nas valas de

drenagens, como pode ver na figura 26.

Figura 26- Vala de drenagem assoreada pelo lixo domiciliar Fonte: (Lucia Omar, 2012)

Page 149: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

148

Em relação aos dejetos humanos, geralmente o Conselho Municipal tem requisitado

trator do vizinho Município de Nacala-Porto, no sentido de apoiar o esvaziamento de fossas

sépticas e de latrinas em instituições públicas e privadas. E lamentavelmente, por razões de

difícil acesso aos Bairros localizados na Cidade de Macuti, esse processo não é efetuado e que

por sinal, são as que mais necessitam se comparar com as da Cidade de Pedra e Cal.

O Conselho Municipal da Ilha de Moçambique (CMIM) necessita de estabelecer

mecanismos de conservação do ambiente que possam ser mais efetivos, visto que a população

não apenas reconhece que a conservação ambiental da cidade é necessária, mas também como

da importância do seu próprio envolvimento nas possíveis iniciativas para melhorar a atual

situação. Por outro lado, as ações desenvolvidas pelo governo municipal no saneamento

básico para proteger o ambiente urbano são consideradas ruins. Neste sentido, mais uma vez,

a educação ambiental será fundamental em todas as esperas da comunidade.

6.2 Patrimônio Cultural e percepções da população

Uma característica especial que se deve ressaltar na Ilha de Moçambique é que toda a

população já ouviu falar do patrimônio cultural em diferentes ocasiões, tais como em

comícios públicos proferidos em datas comemorativas, em palestras, em reuniões nos bairros,

pela rádio comunitária, e, ainda outras em canções do tufu e em músicas. Entretanto, este fato

não significa que todos entendam a sua importância e/ou o seu significado.

Embora não se tenha trabalhado de forma aberta com a variante escolaridade durante

as entrevistas, foi possível perceber que ao se colocar aos diferentes interlocutores a questão

sobre ―o que se entendia por patrimônio cultural e da sua importância‖, percebeu-se que

tanto ao conceito como a atribuição do valor ao patrimônio cultural varia, sobretudo, de

acordo com o nível de escolarização, por um lado, e, por outro, da posição social que

representa na comunidade. Conforme a posição na comunidade é a ligação direta com os

diversos setores de atividades.

As respostas dadas pela maioria dos entrevistados na questão sobre o que era

patrimônio em suas percepções, de certa forma, foram coincidentes, como por exemplo, ―para

mim o patrimônio cultural é a Fortaleza de São Sebastião, Palácio de São Paulo, Igreja da

Misericórdia, é tudo o que o colono deixou” entrevistados 6, 10, 11, 17, 20, 21 e 22;

(...) “tudo aquilo que nos lembra do passado colonial”, entrevistados 24, 27,28 e 30;

―(...) é a coisa da UNESCO, são os edifícios coloniais”, entrevistado 25.

Page 150: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

149

Estas respostas foram dadas por pessoas com certo nível de escolaridade. Entretanto,

pode-se perceber nelas certo conhecimento sobre o que é patrimônio cultural, que se resume

como ―a herança ou coisas antigas”, conceitos dados por alguns autores. Para eles, o

patrimônio é o monumento, não a herança africana, a ancestralidade. O patrimônio cultural

significa a herança portuguesa, no senso comum. Em nenhum momento essas pessoas

responderam que o patrimônio cultural era aquilo que se tenha herdado de seus pais, seus

antepassados, seus pertences. Por isso, pode-se entender que suas palavras expressam um não

valor aos bens portugueses, símbolos da opressão e algo que não lhes pertence. Portanto, o

patrimônio é entendido apenas como coisas antigas dos colonizadores, sobretudo, um

patrimônio material.

O entrevistado um responde a questão como:

Para mim o patrimônio cultural é o conjunto de bens edificados (casas, fortalezas,

fortins, igrejas, capelas, campas, templos, estátuas, pontes), não edificados (a dança,

culinária, artesanato, indumentários, a cultura de um povo) que transmite a história

de geração em geração. É do patrimônio que se consegue retratar a história de um

povo, dele sabemos como os nossos antepassados viviam, faziam, tinha e como as

coisas eram feitas e dele poderemos fazer chegar a nossa história às gerações

vindouras. Patrimônio é o conjunto de bens que devem ser conservados para

transmitir em detalhe aos mais novos a nossa história, a nossa cultura.

Justamente pela formação desse entrevistado é que o patrimônio tem essa

abrangência. Nessa resposta pode perceber que para além dos bens acima apontados, incluiu o

patrimônio imaterial, aspectos culturais de um povo. Ela expressa uma grande diferença com

outras, demonstra um conhecimento mais profundo do que é patrimônio, da sua importância e

das razões da sua conservação.

O entrevistado dois se referiu como patrimônio cultural:

um conjunto de objetos, cultura que traduzem em uma gama complexa de heranças

dos nossos antepassados, das nossas praticas, inovações, ideias, memórias e

sobretudo em monumentos. Portanto, patrimônio se traduz em nossa identidade,

aquilo que nós somos. Eu próprio me considero parte integrante do patrimônio

cultural da Ilha de Moçambique.

E ainda, o mesmo entrevistado afirmou que considera patrimônio cultural na Ilha de

Moçambique os monumentos históricos edificados que destacando em suas palavras:

os monumentos históricos como a Fortaleza se São Sebastião, Palácios, Igrejas,

capelas, Templo Hindu, antigos cemitérios, a Mesquita Central, entre outros muito

antigos, fazem parte do patrimônio cultural porque portam a nossa história, a nossa

identidade, mas também fazem parte os valores culturais tradicionais. O patrimônio

é um complexo de bens legados pelos nossos antepassados

Portanto, é um mesmo nível de entendimento do que é o patrimônio cultural entre os

membros da comunidade.

Page 151: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

150

Houve um entrevistado, morador do Macuti que disse: “a minha casa não tem nada

a ver com o patrimônio cultural”. Este entrevistado parte do principio de que o patrimônio é

tudo que é antigo, monumental e formado pelos edifícios coloniais, aqueles construídos com

base em material de pedra e cal, tal como foi referidos nos pontos anteriores.

A Legislação Moçambicana sobre o Patrimônio Cultural (2007), considera bens

classificados do patrimônio cultural, ―todos os edifícios com valor histórico e arquitetônico

construídos em data anterior de 1920, ano em que marca o fim da 1ª fase da resistência

armada à ocupação colonial”

Considerando a resposta ―minha casa não tem nada a ver com o patrimônio

cultural”, esse entendimento encontra o seu fundamento com o versado na Legislação e nos

discursos proferidos pelos políticos e gestores do patrimônio em diferentes momentos e pelos

destaques que se dão aos monumentos como Museu de São Paulo, Fortaleza de São Sebastião,

Fortins de Santo Antônio e São Lourenço as igrejas, entre outros, todos constituintes do

legado histórico colonial. É neles que se centram ações de conservação e restauro, portanto, é

neles que se encontram o fundamento de muitas respostas da população do que é exatamente

o Patrimônio Cultural da Ilha de Moçambique, ―os edifícios coloniais‖.

A casa de macuti de que a maior parte da população vive e que anualmente é

reconstruída, não é considerada um patrimônio e não é justificada sua conservação. Os

moradores do local entendem como bens não integrantes do referido patrimônio cultural,

adicionando ao fato de que em nenhum momento esse tipo de bem teve alguma atenção por

parte do governo.

Nestes discursos, sem dúvidas, a população conclui que o patrimônio cultural é

constituído por edifícios monumentais deixados por aqueles que os colonizou é o que

constitui "a sua história". Para o povo, há, pois, um sentimento de alienação, como se sua

própria cultura não fosse, de modo algum, relevante ou digna de atenção. E esta pode ser uma

das razões pelas quais a população não presta muita atenção à proteção do patrimônio

cultural, pois, para eles, tudo é de fora e não tem a ver com a sua realidade, e em suas casas

podem fazer o que bem entenderem.

Esta situação reforça o duplo sentimento que os mais velhos têm sobre a Cidade de

Pedra e Cal que de acordo com Sousa (2010);

Em Macuti, para os mais velhos a Cidade de Pedra tem duas leituras. Por um lado os

saudosistas para quem a cidade se confunde com «o tempo dos portugueses»:

memórias de vida, de pequenos empregos, de uma vivência discriminatória mas

protetora. Por outro lado, temos as memórias más da cidade de Pedra: os trabalhos

domésticos desempenhados em servidão «foi muito sofrimento».

Page 152: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

151

Na verdade, de acordo com esta autora, a cidade de Pedra tem pouco significado no

modo de vida da cidade de Macuti, a população que vive na cidade de Macuti quase que tem

um trajeto traçado no seu cotidiano, que constitui - mesquita e a pesca, a praia e os vizinhos e

os amigos, portanto, a sua vida desenrola-se um sentido de comunidade que não foi nunca

reconstituído na outra cidade. A possibilidade de acesso a alguns serviços (escola, hospital,

correios…) não é suficiente para que a cidade de Pedra desempenhe um papel central. Na

verdade muitos confessam nunca lá ir: «Para quê?».

A cidade de Pedra tem vindo a ser ocupada por serviços e por novos residentes que

vem a Ilha em missão de serviço, de diferentes instituições, o que autora considera de

―burguesia nacional‖ ou estrangeira, sobretudo, europeus que se apropriam das residências,

cujos proprietários simplesmente de recolhe na Cidade de Macuti. As suas relações com

Macuti são frágeis.

Os que moram aqui são daqui, e são os estrangeiros que chegam à cidade de Pedra

que não são de cá. [Italianês, português, suecanês, tem muitos Ficam, depois vão]

Quem está alojado na cidade de Pedra, muitas vezes entre escombros, espera o dia

em que possa construir ou comprar na cidade de Macuti. O dia em que um

estrangeiro lhe ofereça dinheiro que o liberte do patrimônio mundial.» 15

Este sentimento de alienação não é só daqueles que não possuem instrução

académica, é da maioria, tal como pode-se perceber o comentário feito pelo Reitor da

Universidade UniLúrio, aquando da apresentação da obra ―Ilha de Moçambique na Alma dos

Poetas‖, de Paulo Pires Teixeira, em 2012, que em suas palavras indagou, ―onde estão os

escritores e poetas macuas que, igualmente, escreveram sobre a sua Ilha? Quem os resgata e

quem os traduz?‖. Durante as entrevistas efetuadas na Ilha de Moçambique, um líder

comunitário também indagou: ―onde está conservada a história dos macuas, a nossa

histórias, as nossa tradições, as nossas danças, nossas técnicas (...)”?.

Na verdade, se esses bens culturais estão conservados, não se encontram na Ilha de

Moçambique. No Museu da Ilha podem-se encontrar as diversas relíquias históricas

portuguesas, indo-portuguesas, entre outras. Tudo o que se pode encontrar sobre a cultura

nativa são as recentes fotografias que datam de menos de dez anos, onde se veem algumas

dançarinas que levaram a dança tufo, típica da Ilha de Moçambique, para além-fronteiras.

15

Trecho retirado da entrevista efetuada pela Clara de Sousa, Ilha de Moçambique, 2010.

Page 153: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

152

Então, onde estão os bens culturais da população acumulados ao longo da sua história na Ilha

de Moçambique?

É uma questão que não tem resposta e que precisa ser desvendada.

Indagado o entrevistado dezessete sobre a importância do patrimônio, respondeu,

―nada posso falar do patrimônio, porque quem deve responder essas questões são as pessoas

ligadas a área e a UNESCO‖. Nesta resposta também se pode perceber que a pessoa já ouviu

falar do patrimônio cultural, mas é uma questão que não lhe diz respeito, porque é de pertença

da UNESCO.

O estabelecimento de limites morais, de direito e o reconhecimento, pelas instâncias

externas, dos agentes culturais locais enquanto autores e intérpretes (ao mesmo tempo

executantes e porta-vozes) de sua própria cultura torna-se uma questão preponderante na

conservação do patrimônio cultural de um povo. Um corolário desse reconhecimento é a

atribuição tácita a esses agentes da condição de sujeitos de direitos (por exemplo, de

propriedade intelectual) relativamente às esferas abrangidas pela salvaguarda.

De uma forma geral, as casas construídas em macuti são funcionais, termicamente

confortáveis e sustentáveis. Elas refletem um modelo arquitetônico no estilo e desenho,

retratando uma rica cultura. Se analisar com profundidade a questão de casa de macuti, pode-

se perceber que afinal, a casa de macuti não é o problema, mas sim, as condições em que as

mesmas são construídas, no contexto das pessoas sem condições econômicas.

A situação da pobreza de que a população da Ilha de Moçambique vive é uma das

razões desse distanciamento com as causas da conservação. A degradação progressiva das

suas moradias e consequentemente a redução da qualidade de vida dos habitantes deixa um

clima de desconfiança em relação à importância em viver num sitio declarado como

patrimônio. Para alguns, a patrimonialização impede o progresso devido às limitações

impostas aos proprietários, a falta de liberdade sobre os seus bens e para outros, não faz

diferença ser ou não patrimônio cultural da humanidade, nada muda em suas vidas.

O entrevistado trinta e um assim se referiu sobre a questão,

Passam 21 anos que a Ilha de Moçambique foi declarada Patrimônio Mundial, de lá

para cá, o que mudou na vida da população? Fala-se de que a Ilha de Moçambique

tem um Estatuto Específico, o que é realmente isso? Onde está a especificidade da

Ilha de Moçambique? O saneamento urbano é péssimo, a população é pobre, não há

emprego, o Centro de Saúde, o único que a Ilha tem, não tem nenhuma condição de

internamento e nem de atendimento, só tem um médico, o único que atende o

Distrito inteiro habitado por mais de 50 mil habitantes. Únicas escolas em boas

condições é a Escola Secundária da ilha de Moçambique e a Profissional. Há

problemas sérios de abastecimento de água num espaço tão pequeno como a Ilha de

Moçambique, por isso, não vejo a importância disso. Onde estão os incentivos que

se referem que devem apoiar a população para conservar o Patrimônio Mundial.

Page 154: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

153

O entrevistado vinte e sete igualmente se referiu:

Essa coisa do patrimônio quem sabe é a UNESCO e o GACIM. O que é que a

população sabe disso? Nunca fui chamado para me explicarem o que é isso de

patrimônio. Eu não tenho patrimônio, a minha casa não tem nada haver com o

patrimônio.

E ainda, o entrevistado vinte e quatro disse:

Nada posso falar da Ilha de Moçambique. Eles dizem que isso é patrimônio cultural

da Humanidade, mas cada dia está se destruindo, a vida das pessoas aqui é péssima.

Daqui há poucos anos a Ilha só vai ficar com aquilo que se considera patrimônio

cultural (Museus, Fortaleza, igrejas) e casas de brancos. O resto é como vocês

podem ver todos os dias a cair uma parede. A população pobre/nativa será aos

poucos retirada ou se retirará por conta própria da Ilha de Moçambique, porque essa

é a ideia de muitos, dai veremos como é que a Ilha poderá ser.

O entrevistado vinte e cinco, quando foi indagado sobre a importância de viver num

lugar declarado patrimônio mundial, disse:

Vinte um anos se passaram desde que a Ilha foi declarada como patrimônio Mundial

da humanidade, de lá para cá nada mudou em mim por conta disso, aminha casa, que

nem sei se posso chamar de casa, ela está aos poucos caindo e não tenho nenhuma

condição para reabilitar, nem com macuti e nem com chapas como outros fazem,(...)

não sei, talvez seja importante para quem se beneficia disso. Para mim o importante

é saber o que eu e os meus filhos vamos comer hoje, pois, o amanhã Deus saberá.

Mas quem vai fazer com que esse patrimônio traga benefícios para a população? Esta

é uma questão que ficou por esclarecer. Portanto, as questões apontadas requerem uma

reflexão profunda por parte dos tomadores de decisão em geral, pelo Governo e pela academia

que devem buscar respostas para uma questão que é crucial para os problemas, investindo na

informação, na educação formal sobre as questões do patrimônio. Sobretudo, deve-se

fortalecer a melhoria da qualidade de vida da população que vive na Ilha, uma vez que a

pobreza e as péssimas condições de vida inibem um engajamento ativo dessa gente na

proteção patrimonial.

O conhecimento e a revitalização do patrimônio é uma alternativa para o

desenvolvimento e viabiliza a inserção social da comunidade. Representa, ainda, um caminho

para a dinamização do turismo que será alcançada se houver uma plena conscientização por

parte de toda a sociedade e dos órgãos públicos do seu significado na construção da

identidade local e da importância da conservação e divulgação dos bens culturais. Acredita-se

que através do reconhecimento do patrimônio e das tradições culturais será possível

desenvolver a atividade turística cultural na região, gerando uma diversidade de benefícios

sociais e econômicos para todos os agentes envolvidos em um mesmo intuito.

Page 155: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

154

CONCLUSÕES

A Ilha de Moçambique pelo que sabemos é Patrimônio Cultural da Humanidade e na

sua classificação foram inclusos todos os componentes que fazem parte do

patrimônio de um povo, ou seja, de povos que ao longo da sua história criaram.

Entretanto, sinto que tudo que faz parte da nossa história como povo nativo daqui

está se apagando e no seu lugar está se substituindo por outra história, a história dos

que sempre colonizaram o mundo. O que é que o Museu de São Paulo, a fortaleza de

São Sebastião, as igrejas, fortins, capelas nos conta da historia do povo nativo da

Ilha de Moçambique ou do povo moçambicano? Onde está guardada a nossa

história? Onde estão os contos sobre as nossas benfeitoria, nossas artes, nosso saber

neste patrimônio? Porque é que isso não é referenciado, porque que isso não é

valorizado? Porque é que o Museu de São Paulo, localizado na Ilha de Moçambique,

em nossa terra deve apenas conservar a história dos portugueses, americanos, dos

asiáticos, porque é que eu não posso preservar a história dos Emakwa, eu sou

Emakwa, e porque não! Porque é que eu não posso criar um museu dos Emakwa,

porque é que eu não posso explicar o mal que fizeram aos Emakwa no passado,

sobre a escravatura e depois o processo de estivadores nos portos da Ilha de

Moçambique. Isso para mim faz parte da nossa história e devia ser preservado16

.

Moçambique a relevância da questão cultural foi reconhecida desde os primórdios da

História e ela funcionou na História do povo moçambicano como um veículo na reafirmação

da identidade moçambicana e de protesto contra a dominação colonial durante os cincos

séculos de dominação. Tanto que logo após a independência nacional, houve uma grande

preocupação do Governo de Moçambique em coletar e classificar todos os elementos que

pudessem constituir a identidade do povo moçambicano com vista à sua salvaguarda.

A proteção de bens culturais como em qualquer outro país é feita por meio de medidas

protetoras como o ―tombamento‖ ou ―classificação‖, termo usual em Moçambique; é,

portanto, um procedimento que declara ou reconhece o valor cultural a bens que, por suas

características especiais, passam a ser conservados no interesse da coletividade.

A criação da Legislação Moçambicana (Lei 10/88, de 22 de Dezembro) que define o

patrimônio cultural como ―o conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados

pelo povo moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade

cultural moçambicana‖, constituiu um marco importante para sua proteção legal no território

moçambicano. Esta lei definiu também de uma forma abrangente o conceito do que é

patrimônio cultural imaterial no contexto moçambicano, abarcando ―todos os elementos

essenciais da memória coletiva do povo tais como, a história e a literatura oral, as tradições

populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras do engenho

16

Chehe Hafiz Jamu. Entrevista 08/03/2012. Ilha de Moçambique, 2012.

Page 156: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

155

humano e todas as formas de criação artística e literária independentemente do suporte ou

veículo por que se manifestem”.

Entretanto, apesar desta definição clara e abrangente, foi possível perceber em campo

a desconcordância existente entre o que os documentos normativos apresentam e a efetivação

do que neles consta, tal como membros da comunidade na Ilha de Moçambique colocam. Foi

neste contexto que o entrevistado quatro demonstrou o seu manifestou em relação à exclusão

dos aspectos relevantes da cultura local, onde na verdade se deram acontecimentos diversos

na construção da identidade desse povo. Esta situação incentiva o surgimento de diferentes

opiniões e interesses na valorização e a salvaguarda do patrimônio cultural,

consequentemente, limita a participação efetiva dessa população.

Com isso, pretende-se dizer que a efetivação da conservação do patrimônio cultural

deve começar pelo (re)conhecimento e (re)valorização pela própria comunidade e sua própria

cultura. Assim, são necessárias ações voltadas para a sensibilização de um público amplo da

sociedade civil que constituem agentes da transformação social e meio para o alcance do

desenvolvimento sociocultural. É importante que a população participe no processo de

inventariação e definição do que realmente no seu contexto considera patrimônio; pois, só

assim saberá o porquê da sua conservação.

A população deve se sentir identificada com os elementos a serem conservados e deve

reconhecer neles, para que eles se tornem, de fato, representativos dela e para ela. O

reconhecimento do pertencimento coletivo dos bens acarreta esforços comuns para sua

conservação, pois, quanto mais coletivos e representativos eles forem, mais protegidos

estarão. Desta forma, a população se tornará agente fundamental da conservação do

patrimônio cultural e do ambiente em toda sua dimensão.

É neste contexto que Pelegrini (2006, p. 126) afirma que o ensino e a aprendizagem na

esfera do patrimônio cultural devem tratar a população como agentes histórico-sociais e como

produtores de cultura. Para isso deve valorizar em primeiro lugar o que é do povo, a língua, os

artesanatos locais, os costumes tradicionais, a sua história, as diferentes expressões locais, a

gastronomia, as festas e os modos de viver e sentir dessa população.

A inclusão da língua como veículo de difusão é outro aspecto que se deve considerar

importante nesse no processo, pois, para o Chimalawoonga (2011, p. 74), a língua usada na

transmissão da informação em muitas ocasiões (comícios populares, palestras, workshops,

etc.) é o português, assim como os documentos estão escritos em Português e, muitas vezes,

Page 157: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

156

devido a aspectos técnicos que abordam, exige competências em Português para a sua

compreensão, pois a maioria da sociedade civil não fala ou não domina o Português. A

exclusão devido à língua limita o início de participação, porque a língua é e deve ser a

ferramenta preponderante no exercício da cidadania participativa, pois a população pensa em

suas línguas.

Por outro lado, Governo deve olhar de forma diferente as condições socioeconômicas

e, sobretudo, habitacionais da população, sem as quais, problemas aqui descritos serão difíceis

de solucionar. Os edifícios degradados e abandonados que se encontram na Cidade de Pedra e

Cal devem ser reabilitados e realocar uma parte da população sem casas.

No entendimento das entidades governamentais, quer nacional, quer local é de que a

redução do adensamento populacional na Ilha de Moçambique poderá permitir a

reordenamento do município no sentido de estabelecer regras para o desenvolvimento das

diversas atividades urbanas e consequentemente a salvaguarda do patrimônio cultural e

melhoria de condições dos seus habitantes. Da análise feita em relação a esse entendimento,

foi visto que esta pode ser uma das alternativas, no entanto, por si só, não poderá,

evidentemente, responder os anseios da população.

Portanto, a construção conjunta do patrimônio na comunidade, a educação ambiental e

patrimonial devem ser encarados também como condições necessárias para a modificação do

quadro da crescente degradação do ambiente urbano e consequentemente do patrimônio

cultural. Nesse processo deve-se tomar em conta que o principal eixo de atuação deve buscar

a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença através de formas democráticas de

atuação baseadas em práticas interativas e dialógicas. A falta de diálogo permanente constitui

um dos problemas para a efetivação de muitas ações em prol da conservação. De uma forma

geral, quatro aspectos importantes foram considerados para a conservação conjunta do

patrimônio cultural, sobretudo, na Ilha de Moçambique:

- O conhecimento histórico, pois a população deve conhecer sua história urbana,

arquitetônica e dos valores que estão agregados a ela e só assim sua participação poderá ser

efetiva no processo de preservação;

- Suporte legal: a existência de legislação específica de conservação a ser considerada

na elaboração dos planos de gestão do patrimônio e do desenvolvimento local, bem como

mecanismos de controle e fiscalização mais eficientes;

Page 158: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

157

- O conhecimento técnico: a escola técnica profissional da Ilha de Moçambique deve

oferecer a oportunidade para capacitação profissional, sobretudo aos empreiteiros, pedreiros,

pintores e outros agentes ligados à construção de edifícios patrimoniais;

- Suporte financeiro: o governo deve estimular a participação da iniciativa privada na

preservação das edificações históricas e na implantação dos planos de revitalização; e a

participação popular deve integrar a proteção do patrimônio nos programas de planejamento

geral.

O envolvimento da população local é um fator importante na legitimação do processo

da preservação, pois, isto significa dar a ela a responsabilidades no processo. Outro aspecto

importante é a busca de parcerias com organismos internacionais como maneira de adicionar

conhecimento a experiência nacional.

O Governo de Moçambique em coordenação com organismos internacionais ligados à

gestão do patrimônio cultural devem definir uma linha de financiamento específico orientado

para a reabilitação do conjunto urbano da Ilha de Moçambique (a cidade de pedra e cal e a de

macuti), procurando, nessas intervenções, a valorização do potencial socioeconômico e

funcional com vista a melhorar as condições de vida das populações locais.

Percebeu-se também que a criação de estaleiros de venda de material tradicionalmente

recomendado nas construções (tais como pedra, cal, areia, estacas, macuti/palmo, kero,

bambu) mais próximas e a custos que atende as condições econômicas da população na Ilha

de Moçambique; a criação de condições básicas à vida humana e a redefinição clara do que é

patrimônio cultural poderão igualmente contribuir como incentivos para a salvaguarda do

patrimônio da Ilha. Pois, na análise das entrevistas, se percebeu as dificuldades que a

população tem em relação aos bens integrantes no patrimônio cultural da ilha de Moçambique

e principalmente em relação às suas habitações.

Ainda, o estudo permite pensar algumas sugestões/ponderações que poderiam ajudar

no direcionamento das questões apontadas e que assentam em:

Investigação: para isso, será necessário o fomento à pesquisa, o registro e a

preservação das práticas socioculturais, valorizando a diversidade e a inclusão social em

espaços como as escolas a todos os níveis e em museus; a promoção de ações que efetivem a

vocação dos museus para a comunicação, investigação, documentação e preservação da

herança cultural, bem como para o estímulo do estudo sobre a produção contemporânea;

ampliar a capacidade de atendimento educacional dos museus e oferecimento de condições

permanentes para que as comunidades reconheçam os bens culturais materiais e imateriais da

Page 159: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

158

sua cidade, visando disseminar noções de identidade e zelo; reconhecer e registrar as mais

diversas expressões culturais (como as práticas, representações, expressões, conhecimentos e

técnicas), bem como os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são

associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem

como parte integrante de seu patrimônio cultural.

Formação: será importante que os técnicos das áreas afins sejam capacitados com vista

a lidar com as especificidades das políticas de preservação e o acesso ao patrimônio material e

imaterial; estimular a inclusão de conteúdos de educação patrimonial nos currículos escolares

e regulamentar o ensino desses conhecimentos nos níveis local e nacional. A criação de uma

política de reprodução de saberes populares, estimular a participação dos idosos no debate em

torno dos processos de tombamento do patrimônio material e registro do patrimônio imaterial,

com vista a fomentar a preservação e a difusão da memória sobre os saberes advindos da

experiência dos cidadãos.

A divulgação: ao divulgar a importância do patrimônio cultural e da conservação do

meio ambiente urbano, devem ser utilizados vários métodos no sentido de abranger a maior

parte da sociedade, incluindo a não escolarizada e que não dispõe de meios de informação

audiovisuais.

Em concreto, esta divulgação e disseminação devem ser realizadas de tal forma a

constituir estratégia para influenciar as mudanças políticas ou de atitudes e comportamentos

por parte dos beneficiários de políticas ou ações. Ela possibilita a difusão das ações e seus

resultados, de modo que tenham maior impacto na sociedade onde acontecem, bem como em

outros contextos.

Assim, tanto o Governo, como os diversos segmentos da sociedade devem agir de

forma articulada nesse sentido. As instituições centrais devem disponibilizar as informações

(principais documentos) às instituições de base que estão diretamente ligadas à gestão do

ambiente urbano e do patrimônio cultural, além de criar facilidades para que estas instituições

consigam divulgá-los de uma forma sistemática com ações objetivas e concretas.

Além disso, ampliar os programas voltados à realização de seminários na comunidade,

a publicação de livros e revistas e uso efetivo da Rádio comunitária e outros canais de

comunicação para a produção e a difusão das diferentes manifestações cultural da população;

fomentar a difusão das manifestações culturais populares por parte das comunidades que as

abrigam, estimulando a auto-gestão de sua memória.

Page 160: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

159

A programação de encontros de auscultação com as comunidades local de modo a

garantir o seu envolvimento nas ações relativas ao tratamento generalizado (conservação,

valorização) do patrimônio cultural.

O desenvolvimento de parceria com ONG‘s locais, rádios comunitárias e as diferentes

associações locais para essa divulgação, garantindo que os principais protagonistas e

implementadores das atividades sejam a própria comunidade. A população deve divulgar e

advogar as ações localmente desenvolvidas em diferentes níveis, local, nacional e

internacional através de diferentes meios de informação.

É também importante promover o crescimento da consciência ambiental e expandir a

possibilidade da população participar em um nível mais alto no processo decisório, que

segundo Jacobi (2003, p. 192) constitui uma forma de fortalecer a co-responsabilidade na

fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental e do patrimônio cultural.

Portanto, o presente estudo mostra de alguma forma que há questões que poderiam ser

resolvidas internamente sem precisar de apoios externos, com uma simples mudança na forma

de gestão do patrimônio.

Deve-se fortalecer na comunidade o sentimento de identidade e pertencimento, e

ainda, estimular o próprio exercício da cidadania, só assim, realmente o patrimônio cultural na

Ilha de Moçambique será efetivamente conservado com a participação de todos.

Page 161: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

160

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adamowicz, L. ―Projeto CIPRIANA 1981‐1985 ‐ Contribuição para o conhecimento

arqueológico entre os rios Lúrio e Ligonha, província de Nampula‖, Trabalhos de

Arqueologia e Antropologia. Maputo, 1987,, pp. 47‐144

AMANTE, Fernanda de Oliveira. Carta de enchente da Praça da Bandeira e Tijuca. 2001. 110

f. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) - Faculdade de Geografia, Universidade

Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

ARANTES, Antônio Augusto. Inventário do Patrimônio Cultural Intangível de Moçambique.

Ilha de Moçambique, 2010.

ARANTES, Antônio Augusto. Patrimônio cultural e cidade. In: FORTUNA, Carlos; LEITE,

Rogério Proença (orgs.). Plural de cidade: novos léxicos urbanos. Coimbra: Almedina; 2009.

ARANTES, Antonio Augusto. Sobre inventários e outros instrumentos de salvaguarda do

patrimônio cultural intangível: ensaio de antropologia pública. Anuário antropológico 2007-

2008. Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, 2009.

ARKITEKSKOLEN, Aarhus. Secretaria do Estado da Cultura. Ilha de Moçambique.

Relatório - Report – Danmark. 1982-85

ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. História da

Transição de Moçambique: Perspectivas do Processo Multipartidário. Síntese do 3º Seminário

de Formação. Maputo, 1994.

ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. Estatuto do

Projeto ARPAC. Maputo, 1986.

ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. 1° Conselho

Científico. Documentos Básicos V. Maputo, 1988.

Page 162: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

161

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edição revista Ampliada. São Paulo. Edições 70,

2011.

Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70

BARRETTO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. 4ª

Edição. Campinas: Papirus, 2003.

BOGDAN, Roberto C. & BIKLEN, Sari Knopp. Características da Investigação Qualitativa.

In: Investigação Qualitativa em Educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto,

Porto Editora, 1994.

Boletim Eletrônica de ABRACOR, nº 1, Junho, 2010. Disponível em

http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf, acesso em

15/07/2011

BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental

Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, 2011.

BRUDASINI, L. Benedini & SILVA, R. Henrique T. O Uso Turístico do Patrimônio Cultural

em Ouro Preto. Revista de Cultura e Turismo, ano 06 - nº 01 - Fev/2012

CANCLINI, Nestór García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.

São Paulo: Edusp, 1998

CANCLINI, Nestór García. La Globalización Imaginada, México, Grijalbo, (1999 a).

CANCLINI, Nestór García. O Patrimônio Cultural e a Construção imaginária do Nacional. In:

Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.23. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994. )

Carta de Washington – 1987: Cartas Sobre a Conservação das Cidades Históricas e das Áreas

Urbanas Históricas. Adotada pela Assembleia Geral do ICOMOS em Washington D.C, 1987.

Page 163: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

162

CESO CI - CONSULTORES INTERNACIONAIS, S.A (Org). Plano de Desenvolvimento da

Ilha de Moçambique. Versão Provisória, Junho, 2008.

CEDH- entro de Estudos de Desenvolvimento do Habitat. Universidade Eduardo Mondlane

(UEM), 2005

CHIMALAWOONGA, M. Rajabo. O Papel das Literacias em Português na Promoção da

Cidadania Democrática em Moçambique. Dos discursos Reguladores às Concepções dos

Professores. Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Educação, Área de

Especialização: Supervisão Pedagógica em Ensino do Português. Universidade de Minho,

Instituto de Educação. Portugal, 2011. Orientador: Doutor José Antônio Brandão Carvalho

CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo. Estação Liberdade: Edição UNESP,

2001.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso

futuro comum. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1991.

Continente Africano: países, economia, relevo, geografia, problemas, população, clima,

vegetação. Google [Internet]. 2011 [citado 2011 Maio 26]. Disponível em:

(http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:rncv2_zTrbwJ:www.suapesquisa.co

m/geografia/continente_africano.htm+Continente+africano&cd=2&hl=pt-.

DIAS, Daniella S. Desenvolvimento Urbano. São Paulo, 2ª ed., 2005

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. 6ª edição Revista e

Ampliada. São Paulo, 2000.

Direção Nacional da cultura (DINAC) e Instituto de Gestão do patrimônio Arquitetônico e

Arqueológico - IGESPAR (Org), 2007

FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de

patrimônio cultural. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.). Memória e patrimônio:

ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

Page 164: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

163

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Direito Ambiental Internacional e Biodiversidade. São

Paulo, 2001. Disponível em http://www.cjf.gov.br/revista/numero8/painel83.htm. Acesso em

15/12/2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo:

Editora Saraiva, 9ª Edição, 2008.

FREITAS, Vladimir Passos. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 1a edição, 2a tiragem,

Curitiba, Juruá, 1995.

FUNARI, Pedro Paulo. Os desafios da destruição e conservação do patrimônio cultural no

Brasil. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto, 41.2001.

FUNARI, Pedro Paulo, PELEGRINI, Sandra C. A. & RAMBELLI, Gilson (orgs). Patrimônio

Cultural e Ambiental: Questões Legais e Conceituais. - São Paulo: Annablume; Fapesp,

Campinas: Nepam, 2009.

FUNARI, P. Paulo & PELEGRINI, S.C. Araújo. O que é Patrimônio Cultural Imaterial. São

Paulo: Brasiliense, 2008.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ªEdição. São Paulo, 2011.

HOGAN, D. Joseph, MARANDOLA Eduardo Jr. & OJIMA, Ricardo. População e Ambiente:

Desafios à Sustentabilidade. V.1, São Paulo, 2010.

ICOM – CC - Committee for Conservation. Reports, Madrid, 1972 /. - [Paris]: The

International Council of Museums, 1972

ICOMOS. Carta de Turismo Cultural - 1976. Disponível em:

http://ipce.mcu.es/pdfs/1976_Carta_turismo_cultural_Bruselas.pdf, acesso a 15/10/2012

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Caderno de Documentos nº

3, Cartas Patrimoniais, Brasília, 1995.

Page 165: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

164

IPHAN. Patrimônio Mundial: Fundamentos para o seu Reconhecimento. Convenção para a

Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972. Brasília, setembro de 2008.

Instituto Nacional de Estatística (INE). III Recenseamento da População e Habitação.

Maputo, 2007

Instituto Nacional de Estatística (INE). Projeções Anuais da população por Província, 97-

2010. Maputo, 2011.

Portal do Governo de Moçambique. Disponível em

http://www.portaldogoverno.gov.mz/ogover, acesso em 20/11/2011.

JACOBI, Pedro.. Do Centro à Periferia – Meio Ambiente e Cotidiano na Cidade de São

Paulo. São Paulo, 2000.

KASHIMOTO, Emília Marico, MARINHO, Marcelo e RUSSEF, Ivan. Cultura, Identidade e

Desenvolvimento local: Conceitos e Perspectivas para Regiões em Desenvolvimento.

Universidade Católica Dom Bosco, 2002.

Hatton, J., Couto, M., Dutton, P., & Lopes, L. A Avaliação da Situação Ambiental da Ilha de

Moçambique e Zonas Adjacentes. Financiado pela UE para o Ministério da Cultura –

Gabinete Técnico. Maputo, 1994.

Lei nº 10/88, de 22 de Dezembro, que determina a proteção legal dos bens matérias e

imateriais do Patrimônio Cultural Moçambicano, Boletim da República nº 51 (I). Maputo,

2007.

LERMA, Martinez. O povo Macua e a sua cultura. Pontífica Universitate Gregoriana, Romae,

1987.

Page 166: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

165

MACAMO, S. Dicionário de Arqueologia e Patrimônio Cultural de Moçambique, Maputo:

MC/UNESCO. MC/DNPC. Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios.

DINAC‐Maputo, 2003.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 4a edição, São Paulo,

Malheiros Editores Ltda, 1992.

MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, 1990/1991.

MARICATO, Ermínia Terezinha Manon. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana.

Petrópolis: Vozes, 2001.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento

e execução de pesquisas, amostras e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação

de dados. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2008

MINED. Plano Estratégico de Educação e Cultura (PEEC-2009-2010/11). Maputo, 2008.

MEC/DINAC. Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios. Maputo, 2003.

MESENTIER, Leonardo Marques de. ―A Renovação Preservadora: um estudo sobre a gênese

de um modo de urbanização no Centro do Rio de Janeiro, entre 1967 e 1987‖. Dissertação de

Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1992.

MICHEL, Maria Helena. Métodos e Pesquisa Científica em Ciências Sociais: Um Guia

prático para Campo. São Paulo, 2ª Ed, 2009

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. Ver

atual e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003.

Page 167: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

166

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MIRANDA, Lívia. Habitação: Um Direito a Poucas Mulheres na Região Metropolitana de

Recife. Recife, 2005.

MUTAL, S. Ilha de Moçambique, Patrimônio Mundial: Desenvolvimento Humano

Sustentável e Conservação Integral. Relatório Global. Project STS/PNUD/UNESCO/WHC,

Maputo, 1988.

NOVELLI, Pedro. O conceito de educação em Hegel. Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/icse/v5n9/05.pdf. Acesso a 20/12/2012

Organização das Nações Unidas - ONU, 1996.

OSSEMANE, Rogério & SELEMANE Tomás (Org). Crescimento, pobreza, desigualdade e

vulnerabilidade em Moçambique. Lichinga, 2010.

PANDOLFO, A. Modelo de avaliação e comparação de projetos de habitação com base no

valor. Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção) – Programa de Pós-

Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, 2001.

PNUD. Moçambique: Desenvolvimento Humano até 2015-Alcançando os Objetivos de

Desenvolvimento do Milénio. Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano. Maputo,

2006.

PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano, 2011.

PELEGRINI, Sandra C. A. Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na

esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2006, v.

26, nº 51, 2006.

PELEGRINI, Sandra C. Cultura e patrimônio histórico. Estratégias de preservação e

reabilitação da paisagem urbana. Latino-américa. Revista de Estudos Latino-americanos.

México, Universidade Nacional de México, n.38, 2004.

Page 168: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

167

PEREIRA, L. Felipe. ―Algumas notas sobre a Ilha de Moçambique – patrimônio histórico

nacional em degradação acelerada‖, in Arquivo, nº 4, Outubro de 1988, Maputo, Arquivo

Histórico de Moçambique. Maputo, 1998

PEREIRA, L. Felipe. As Transformações Urbanas na Ilha de Moçambique. Maputo, 1994.

PEREIRO, Xarardo Pérez. Patrimonialização e transformação das identidades culturais, em

Portela, J. e Castro Caldas, J. (coords.): Portugal Chão. Oeiras: Celta editora. 2006.

PEREIRO, Xarardo Pérez. Turismo Cultural. Uma visão antropológica. Colección PASOS

Edita, Nº2. Espanha, 2009

Plano de Gestão da Ilha da Ilha de Moçambique (Org). Ilha de Moçambique, 2010

Relatório do Governo da Ilha de Moçambique (2011). Ilha de Moçambique, 2011.

Relatório Anual do GACIM, 2011

RIBEIRO. Wagner C. Patrimônio Ambiental Brasileiro. São Paulo: Edusp-Imprensa Oficial

do Estado, 2003.

RIBEIRO, Edaléa & SCHUELTER, Bárbara. A politica de habitação voltada para segmentos

empobrecidos da população - questões para o serviço social. In: XII Encontro Nacional de

Pesquisadores em Serviço Social, 2010, Rio de Janeiro. XII ENPESS. Rio de Janeiro:

ABEPSS, 2010. http://moscopss.blogspot.com.br/p/artigo-sobre-politica-de-habitacao.html.

Acesso a 20/12/2012

RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro:

IPHAN/COPEDOC, 2007.

Page 169: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

168

RIBEIRO, Júlia Werneck e ROOKE, Juliana Maria. Saneamento básico e sua relação com o

meio ambiente e a saúde pública. 28 f. Trabalho de conclusão de curso ( Especialização em

Análise Ambiental) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.

RODRIGUES, A. M. Produção e consumo do e no espaço: problemática ambiental urbana.

São Paulo: Hucitec, 1998.

RODRIGUES, Cristina Udelsmann. O Trabalho dignifica o homem. Estratégias de

sobrevivência em Luanda. Lisboa: Edições Colibri, 2006.

RODRIGUES, Eugénia; ROCHA, Aurélio e NASCIMENTO, Augusto. Ilha de Moçambique.

1ª Edição. Maputo, 2009.

RUBINGER, Sabrina Dionísio. Desvendando o conceito de saneamento no Brasil: uma

análise da percepção da população e do discurso técnico contemporâneo 197 f.; Dissertação

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos

Hídricos da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais,

2008.Orientador: Léo Heller e Co-orientadora: Sonaly Rezende

SANDEVILLE, Euler Jr. Patrimônio Paisagístico Natural e Construído. In: I Encontro sobre

Percepção e Conservação Ambiental: a Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem, 2004,

Rio Claro. Anais do I Encontro sobre Percepção e Conservação Ambiental: a

Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem, 2004d.

SCHWALBACCH, João & DE LA MAZA, Maria Cecília Reyes. Ilha de Moçambique:

Contribuição para um Perfil Sanitário. Edições Eletrônicas CEAUP. Porto, 1983.

SERRA, Carlos Manuel. As Funções do Parlamento Moçambicano na Tutela dos Interesses

Supra individual, Maputo, 2008.

SERRA, Carlos Manuel & CUNHA, Fernando Cunha. Manual de Direito do Ambiente,

Ministério da Justiça, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2.º ed. Revista e atualizada,

Maputo, 2008.

Page 170: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

169

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SOUSA, Carla Almeida. Ilha de Moçambique: Negociando o património colonial em Redor

do turismo cultural. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais: Diversidades e

(Des)Igualdades. Salvador, 07 a 10 de Agosto de 2011.

SOUSA, Carla. 2009. «heritage: discourses and practices in Mozambique island» in sharing

cultures ( org) Sergio Lira ( et alt.), Barcelos: green lines institute, 267-272

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3. ed., 6.

reimp. Curitiba: Juruá, 2010.

TOREZANI, Julianna Nascimento. O Patrimônio Arquitetônico de Ilhéus em Sites

Informativos de Turismo Ilhéus. Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Cultura e

Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz, 2007: Orientadora: Sandra Maria Pereira

do Sacramento. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz. Programa de

Pós-Graduação em Cultura e Turismo.

UNESCO. Convenção para a proteção do patrimônio mundial natural e cultural. 1972.

UNESCO: Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of Cultural

Expressions, Paris, 2005. Disponível em: < http://portal.unesco.org/en/ev.php, acesso a

20/06/2011.

REISEWITZ, Lúcia. Direito ambiental e patrimônio cultural: direito à preservação da

memória, ação e identidade do povo brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

ZANIRATO, S.H e RIBEIRO, W. Costa: Patrimônio cultural: a percepção da natureza como

um bem não renovável. Revista Brasileira de História, 2006, vol. 26, nº 51

Page 171: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE …200.144.182.130/iee/sites/default/files/Lucia Omar corrigida.pdfmencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito

170

ZANIRATO, Sílvia Helena. Patrimônio para todos: promoção e difusão do uso público do

patrimônio cultural na cidade histórica. In: Patrimônio e Memória. São Paulo: Unesp, v. 2, nº

2, 2006.

ZANIRATO, Sílvia Helena. Conhecimento tradicional e propriedade intelectual nas

organizações multilaterais. Ambiente e Sociedade. V. 10, nº 1, 2007.

ZANIRATO, Sílvia Helena. Patrimônio da Humanidade: Controvérsias Conceituais e Legais

na Definição de Bem Comum. Disponível em

http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT15-359-289-20100902115329.pdf, acesso

em 05/11/2012

ZANIRATO, Sílvia Helena. Usos sociais do patrimônio cultural e natural. In: Patrimônio e

Memória. São Paulo: Unesp, v. 5, n. 1, 2009.

ZANIRATO, Sílvia Helena. Desafios para a conservação do patrimônio da humanidade diante

das mudanças climáticas. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las

Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad

de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008.

ZANIRATO, Sílvia Helena. Mobilidade na Cidade Histórica e proteção do patrimônio

cultural. Revista Eletrônica de Turismo Cultural. 2008, Vol 2 nº 2.

ZANIRATO, Sílvia Helena. São Paulo: exercícios de esquecimento do passado. Estudos

Avançados 25 (71), 2011.

Terminologia para definir a Conservação do Patrimônio Cultural Tangível. Boletim

Eletrônico de ABRACOR nº 1, 2010.

http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf. Acesso a

19/11/2012.