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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ELIZE CARPES DE MORAES IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO Florianópolis 2015

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ELIZE CARPES DE MORAES

IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO

Florianópolis

2015

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ELIZE CARPES DE MORAES

IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Ferreira, Ms.

Florianópolis

2015

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ELIZE CARPES DE MORAES

IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e aprovado em sua forma final pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.

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When you talk about influence, various factors make a certain country influential. In the Middle East, in our region, you have the same society, the same ideology, many similar things, the same tribes, going across borders. So if you have influence on one factor, your influence will be crossing the border. This is part of our nature. (FOREINGNER AFFAIRS, BASHAR AL-ASSAD, 2015)

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender como a rivalidade entre o Irã e a Arábia

Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio atualmente. Assim, para que fosse

alcançado, foram verificadas, primeiro, as abordagens e os conceitos acerca da

política internacional, da economia política internacional e da Teoria Realista,

relevantes para o entendimento da atuação dos atores. Também foram abordadas

as relações saudi-iranianas e a relevância da segregação religiosa entre sunismo e

xiismo. Posteriormente, foi desenhado o histórico de conflitos importantes a partir da

Revolução Islâmica de 1979. O resgate foi finalizado na Primavera Árabe, e, por fim,

foi feita uma análise da perspectiva dos rivais por meio da Questão Palestina, do

Programa Nuclear iraniano e dos conflitos atuais, após as revoluções populares de

2011, na zona árabe asiática. Este apanhado incluiu a Síria, o Bahrein e terminou

com o caso do Iêmen. Concluiu-se, então, que a disputa travada por Irã e Arábia

Saudita transforma a região do Oriente Médio em um palco onde os mais fracos

ficam a mercê das vontades dos maiores, o qual impossibilita o crescimento positivo

da região, servindo de mantenedor da instabilidade e fragilidade de suas nações. Os

métodos utilizados foram permeados pela dialética através de procedimentos

históricos e comparativos.

Palavras-chave: Irã; Arábia Saudita; Oriente Médio; EUA; Segurança

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ABSTRACT

The subject of this work is to understand how the rivalry between Iran and Saud

Arabia affects the conflicts in Middle East nowadays. In order to achieve its goal first

were verified approaches and concepts related to international politics, international

political economy e Realistic Theory, all relevant for the player’s performance

comprehension. Also, were addressed the “saud-iranian” relations and the

importance of the religious segregation between sunnism and shiism. Subsequently,

a historical of the important conflicts was drawn from the Islamic Revolution of 1979.

The rescue was finalized on the Arab Spring. Finally, it was made an analysis of the

rivals’ perspective through the Palestine Question, the Iranian Nuclear Program and

current conflicts (all after the popular revolutions on 2011) in the Arabian zone. This

summary included Syria, Bahrein and ended with the Yemen case. The conclusion

was that the dispute waged by Iran and Saud Arabia transforms the region of Middle

East into a ring where the weakest are at the mercy of the will of the greatest. This

ring makes impossible the region’s growth, serving as a maintainer of the instability

and fragility of its nations. The methods used were permeated by the dialectic

through historical and comparative procedures.

Keywords: Iran; Saudi Arabia; Middle East; USA; Security

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA ............................................................ 12

1.2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 14

1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................................ 14

1.2.2 Objetivos específicos .............................................................................................. 14

1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 14

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 16

2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES IRÃ E ARÁBIA SAUDITA .................................. 19

2.1 ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL DO PETRÓLEO ................................. 19

2.1.1 Organização Dos Países Exportadores De Petróleo ...................................... 24

2.2 DILEMA DE SEGURANÇA .......................................................................................... 29

2.2.1 Guerra Proxy ............................................................................................................. 33

2.2.2 Conceito de Complexo de Segurança ................................................................ 38

2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO .................................. 41

2.3.1 Relações entre Arábia Saudita e Irã .................................................................... 43

2.3.2 Sunismo e Xiismo .................................................................................................... 47

2.3.3 Interferência norte-americana no Oriente Médio ............................................. 50

3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-CRISE DE 1979 ..................................................................................................................... 56

3.1 REVOLUÇÃO ISLAMICA DE 1979 E A CRISE DO PETRÓLEO ......................... 56

3.2 GUERRA IRÃ-IRAQUE ................................................................................................ 61

3.3 GUERRA DO GOLFO .................................................................................................. 65

3.4 PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE .................................................................... 69

3.5 PRIMAVERA ARÁBE ................................................................................................... 75

3.6 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO .......................................................................... 78

4 A PERSPECTIVA DOS RIVAIS IRÃ E ARÁBIA SAUDITA NOS CONFLITOS ATUAIS ................................................................................................................................... 81

4.1 CONFLITOS ENTRE ISRAEL E GRUPOS DE RESISTÊNCIA PALESTINOS .. 81

4.2 PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO .......................................................................... 85

4.3 CONFLITO NA SÍRIA ................................................................................................... 89

4.4 INTERVENÇÃO EM BAHRAIN ................................................................................... 94

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4.5 CONFLITO NO IÊMEN ................................................................................................ 97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 105

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tenciona compreender como a relação entre Arábia

Saudita e Irã afeta a dinâmica do Oriente Médio. Assim, no primeiro capítulo estão

descritos os elementos iniciais da pesquisa, destacando-se a exposição do tema e

do problema proposto, os objetivos gerais e específicos que a pesquisa almeja

alcançar, a justificativa da escolha do tema e a metodologia científica que será

aplicada para o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Em conseguinte, estão apresentados capítulos de desenvolvimento os

quais, cada um, procura atingir um objetivo específico apresentado neste primeiro

momento. Por último serão apontadas as conclusões obtidas no decorrer do estudo.

Assim, dá-se início ao tema.

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA

O critério geopolítico, no que diz respeito ao aproveitamento geográfico

para obtenção de poder, sempre fez parte das sociedades humanas e engloba, hoje,

tudo o que é relacionado à política através de espaços territoriais. E isto não

significa, nos tempos contemporâneos, simplesmente considerar os vizinhos

imediatos de cada país, mas ponderar sobre as consequências de cada ato em um

cenário internacional.

Nesta linha de pensamento, talvez não haja exemplo prático melhor para

aplicação de seu estudo, se não o Oriente Médio, ponto de convergência de vias

marítimas, três continentes: Europa, África, Ásia, e local naturalmente estratégico

onde se situam as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo com cerca

de um terço de todo o insumo disponível. Área extremamente visada

internacionalmente por grandes potências para exploração de riquezas,

desenvolvimento do mercado bélico beneficiado pela instabilidade local e, ainda,

meio através do qual essas potências também mantém o Status quo.

Vale lembrar que “Oriente Médio” são todos os países do oeste e

sudoeste asiático, sendo a região limitada pelos Mares Negro, Cáspio, Mediterrâneo,

Vermelho, pelo Golfo Pérsico e pelo Oceano Índico (Mar Arábico e Golfo do Áden).

(OLIC, 1991, p.8). Ao todo são quinze os países integrantes: Afeganistão, Arábia

Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel,

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Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e Turquia. Este ponto no mundo é conhecido

por pertencer ao “Mundo árabe islâmico” que inclui também alguns países da África.

(OLIC, 1991)

Nesse contexto, e para uma análise mais acurada, deve-se considerar

que os países nesta zona têm uma interdependência delicada, a exemplo do Irã e da

Arábia Saudita, que se auto conclamam a vanguarda do mundo mulçumano e

disputam entre si “a liderança da religião islâmica” (FRANCO, 2012). Deste modo,

seus problemas acabam tendo reflexos que ultrapassam os limites geográficos.

Segundo Olic (1991, p.5), “no Oriente Médio se digladiam cotidianamente

classes sociais, comunidades étnico-religiosas, envolvendo interesses locais,

regionais e internacionais”. E, embora haja um emaranhado de conflitos ocorrendo,

estes Estados necessitam uns dos outros para manutenção individual dentro de sua

área geográfica.

Atualmente, na região, os dois Estados têm ganhado força a frente de

duas vertentes opostas em um conflito, ousa-se dizer uma mini “Guerra Fria”, que

não gera confronto direto, mas interpõe interesses aos mais fracos e dá novos

desenhos a um desentendimento tão antigo quanto a religião islâmica: a divisão

entre sunitas e xiitas. Este fator é um dos elementos que são colocados como pano

de fundo nos pretensos ensaios sobre o Oriente Médio e a dinâmica de segurança

do seu sistema atual.

Ademais, a relação entre os Estados e aliados, ainda que estratégica,

sofre constantes golpes advindos de guerrilhas entre as nacionalidades – e às vezes

mesmo embates internos auxiliados de alguma forma por outras nações.

Assim, para entender de forma analítica como se dá o funcionamento

deste quadro e seus atuais conflitos, é necessário compreender primeiramente a

relação entre Irã e Arábia Saudita em um ponto tão crucial para o mundo

industrializado moderno. A disputa de influência exercida na zona da Península

Arábica e Golfo Pérsico afeta os sistemas políticos da região e pode alterar tanto as

dinâmicas domésticas quanto as agendas de potências capazes de atuar no mundo

todo, como os EUA. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Por fim, o exame dessas questões dá luz à pergunta central da pesquisa,

que direciona e aprofunda o desenvolvimento do trabalho: Como a rivalidade Irã x Arábia Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio atualmente?

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1.2 OBJETIVOS

Considerando tais apontamentos, em seguida são explicitados o alvo

desta investigação e as metas para sua consecução.

1.2.1 Objetivo geral

O objetivo geral do trabalho de conclusão de curso é compreender como

a rivalidade entre o Irã e a Arábia Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio

atualmente.

1.2.2 Objetivos específicos

De forma a atingir e complementar o objetivo geral se apresentam a

seguir alguns objetivos específicos a serem alcançados no decorrer do trabalho:

Estudar as principais abordagens da política internacional e da

economia política internacional que auxiliam no entendimento dos conflitos no

Oriente Médio.

Descrever o histórico de conflitos envolvendo Arábia Saudita e Irã após

a crise de 1979

Analisar os principais conflitos atuais que envolvem os interesses de Irã

e Arábia Saudita no Oriente Médio.

1.3 JUSTIFICATIVA

Com base no exposto, nota-se que a investigação proposta envolve a

análise de países situados em uma região bastante conflituosa. O projeto, portanto,

contribui para o aperfeiçoamento de um olhar holístico no que tange à atuação dos

Estados regionalmente, em vias de garantir o interesse doméstico individual. Ainda,

o objeto da pesquisa é de extrema relevância, historicamente, para as relações

internacionais desde o nascimento da disciplina, depois da Primeira Guerra Mundial.

Outrossim, devido a tal complexidade de fatos intrincados, o tema

escolhido necessariamente aborda questões outras fundamentais para a economia

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política internacional, como, por exemplo, a questão do petróleo e o interesse de

grandes potências na região. Desta forma, como afirma Akceruld:

A expressão Oriente Médio é recente criação de cunho técnico e é marcada por nítida influência militar. Foi selecionada em 1902 para designar a área entre Arábia e Índia, tendo como centro, do ponto de vista de estratégia naval, o Golfo Pérsico. É uma denominação que identifica o momento preciso em que os interesses petrolíferos entraram definida e definitivamente no planejamento estratégico dos estados-maiores das grandes potências. Faz parte do mapa-múndi desenhado pelo imperialismo no despontar do século XX. (AKCELRUD, 1985 apud MAGNOLI 2006, p.425)

Isto posto, dentre os motivos para realização da investigação, está o

interesse da autora em entender as causas e as consequências da rivalidade entre

os mais influentes países do Oriente Médio a partir da perspectiva da economia

política internacional. Além disso, estudar o assunto se torna instigante, pois

possibilita o entendimento desta área geoestratégica extremamente pertinente nas

Relações Internacionais. Logo, a pesquisa permite o uso de conhecimentos de

disciplinas aprendidas durante a graduação, tal como Teorias das Relações

Internacionais. Ademais, a realização da monografia pode servir como porta de

entrada para pós-graduação istricto senso no futuro próximo e para uma possível

carreira acadêmica.

No curso de Relações Internacionais da UNISUL, o prestígio do conteúdo

está presente em várias disciplinas: Política Internacional, Geopolítica, Relações

Internacionais Contemporâneas, Economia Política Internacional, dentre outras,

oferecendo resultados que auxiliam seus estudos; e, bem como, auxiliando para

simulações de organizações internacionais, devido sua demanda por questões

concernentes à cooperação, diplomacia e solução e análise de conflitos.

Socialmente, destaca-se por fornecer conhecimento daquilo além das

fronteiras brasileiras – fatos oriundos do Oriente Médio podem afetar a economia e a

política: cotação de petróleo, alianças políticas, configuração regional, etc... Este

entendimento elucida então aqueles que pretendem viajar para a região e os que

tencionam fazer negócios com os países envolvidos ou investir.

No âmbito governamental, este estudo auxilia na definição e análise das

relações internacionais do Brasil com Oriente Médio.

Ato contínuo são descritos a partir deste ponto os critérios para formação

da pesquisa.

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1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Pesquisar é primordial para a melhoria contínua da sociedade, pois tem

como sinônimo a indagação e a busca por soluções aos conflitos humanos das

diversas naturezas.

Para Castilho, Borges e Pereira (2011, p. 8), no alcance de tal

qualificação são empregados métodos no processo de investigação que o tornam

cientifico (racional, sistemático, exato, verificável, falível, certo e real). Dentro destas

funções, como cita Marconi (2010, p. 204):

A especificação da metodologia da pesquisa é a que abrange maior número de itens, pois responde, a um só tempo, as questões como? com quê? onde? quanto? (...). Partindo desse pressuposto, cabe aos procedimentos metodológicos definir a abordagem do problema, os processos, instrumentos de coleta e os dados utilizados para obtenção de uma resposta ao trabalho de conclusão de curso.

Acordando com esta colocação, a seguir serão descritos os seguintes

critérios: natureza da pesquisa, abordagem, procedimentos, métodos aplicados e

técnicas de coletas de dados.

Ao verificar-se a natureza do presente trabalho ficou claro de que se trata

de uma pesquisa básica, pois possui fim em si mesma. Ela objetiva gerar

conhecimentos novos sem emprego previsto. Conforme Castilho, Borges e Pereira

(2011, p.10), “é majoritariamente intelectual e impulsionada pelo desejo de

conhecimento, sem aplicação imediata no desenvolvimento prático”.

Quanto à abordagem, optou-se principalmente pelo uso da dialética. Para

Stalin, tal método considera que nenhum fenômeno da natureza pode ser

compreendido quando encarado isoladamente; ao contrário, pode ser explicado

quando considerado do ponto de vista de sua ligação com os fenômenos que o

rodeiam. (STALIN apud MARCONI, 2010, p. 83). Desta forma, tendo em vista a

dependência dos fatos relacionados ao assunto principal, tornou-se evidente a

necessidade de um tratamento que ajuizasse fenômenos complexos e a ligação

entre os processos no sistema internacional.

Outra abordagem escolhida, concomitantemente, foi a qualitativa,

tratando da interpretação aprofundada de aspectos do ser humano complexo e seu

comportamento em forma de sociedade, ainda de acordo com Marconi (2010).

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Para realização concreta da investigação foram elencados como

principais meios de análise o método de procedimento histórico, inevitavelmente

escolhido observando a pergunta central do problema.

Partindo do principio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função. Assim, o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje. (MARCONI, 2010, p 89)

E o método de procedimento comparativo no qual serão analisados os

dois principais atores em questão, Irã e Arábia Saudita, na busca de uma resposta à

investigação.

Considerando que o estudo das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma melhor compreensão do comportamento humano, este método realiza comparações com a finalidade de verificar similitudes e explicar divergências. (MARCONI, 2010, p. 89)

Com propósito de desenvolver e esclarecer conceitos, a pesquisa será

permeada pelo empenho exploratório para pontuar informações sobre o objeto. “Seu

objetivo é a caracterização inicial do problema, sua classificação e de sua definição.

Constitui o primeiro estágio de toda pesquisa científica. ” (RODRIGUES, 2007, p. 06)

Como forma de obtenção dos intentos, a pesquisa documental e

bibliográfica para coleta de dados, caracterizada como documentação indireta

(MARCONI, 2010, p. 205), foi escolhida. Esta pesquisa será norteada através dos

objetivos específicos já citados no projeto.

A saber, o primeiro objetivo específico buscará os temas que permeiam a

política internacional e a economia política internacional do petróleo, como, por

exemplo, a OPEP, o mercado internacional do petróleo, a cotação do barril,

conceitos de equilíbrio de poder, a interação entre os países árabes, a atuação dos

EUA na região, dilema de segurança e guerra proxy; no segundo objetivo será feita

uma retrospectiva dos principais conflitos envolvendo Irã e Arábia Saudita a partir de

1979 para elucidação dos fatores que influenciaram no desgaste das relações entre

os Estados estudados – contendas e ameaças, interdependência dos países da

região médio-oriental; por fim, no terceiro e último objetivo específico do trabalho

será feita uma análise das principais conflagrações que envolvem Irã e Arábia

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Saudita atualmente (casos no Iêmen e na Síria, acordo nuclear iraniano, etc.) a fim

de compreender como a rivalidade entre os dois Estados afeta sua região,

cumprindo, assim, com o objetivo primeiro desta busca.

Desta forma, finaliza-se o primeiro capítulo da pesquisa, que objetiva o

esclarecimento quanto à investigação e os meios de realizá-la. Em diante dá-se

início ao desenvolvimento.

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2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES IRÃ E ARÁBIA SAUDITA

Nesta sessão serão demonstrados assuntos conexos ao tema principal da

pesquisa e que detém relevância para entendimento das interações entre os

Estados do Oriente Médio, principalmente Irã e Arábia Saudita.

As questões aqui apresentadas servirão como embasamento para as

conclusões ao final do Trabalho de Conclusão de Curso.

2.1 ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL DO PETRÓLEO

O termo Economia Política é bastante amplo e explorado de maneiras

diferentes pelas diversas perspectivas econômicas. Ele também teve sua

significância alterada ao longo do tempo, uma vez que os economistas clássicos

usavam a expressão para definir o estudo do que chamamos hoje de “ciência

econômica”.

Entretanto, independentemente do prisma sobre o qual este assunto é

abordado, sua análise se torna impossível sem a presença de dois entes primordiais:

o Estado e o mercado. É a coexistência e a interação entre eles que cria, na

sociedade moderna, a Economia Política. Sem a presença de um ou de outro, esta

matéria não existiria. (GILPIN, 2008, p. 25)

Para Gilpin (2008), o vocábulo é usado, portanto, para indicar “o conjunto

de questões [fatores econômicos e não econômicos] que devem ser examinadas

com uma mistura eclética de métodos analíticos e perspectivas teóricas” (GILPIN,

2008, p. 26).

Em uma visão levemente distinta, Braz e Netto (2006, p. 54) apresentam

o estudo da economia política como àquele que compreende as relações sociais

estabelecidas pelo homem na produção de bens que asseguram a manutenção e a

reprodução da vida social. Assim, ainda citando Braz e Netto (2006, p. 17), a esta

matéria interessa entender o conjunto de relações sociais atinentes às categorias e

instituições econômicas, tais como: o dinheiro, o trabalho, o capital, o lucro, o salário,

o mercado, a propriedade privada, etc.

Aplicando-a ao cenário internacional contemporâneo, a economia política

pode ser entendida como uma abordagem que analisa os aspectos diferentes do

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sistema: mercado financeiro, mercado de ações, organizações internacionais

especializadas, política, Estados, fluxo de cambio, dentre outros, através da

influência dos interesses humanos, bem como as consequências das ações do

homem para o funcionamento do sistema internacional integralmente.

Logo, buscando a definição de Gilpin (2008), este conhecimento procura

investigar de que forma o Estado e seus processos políticos conexos afetam a

produção e distribuição de riqueza. Inversamente, também indaga qual o efeito dos

mercados e das forças econômicas sobre a distribuição do poder e do bem-estar

entre os Estados e outros atores políticos. Mas, principalmente, como essas forças

alteram a distribuição internacional do poder político e militar. (GILPIN, 2008, p. 26)

Ao mesmo tempo, torna-se premente destacar que “a Economia Política

aborda questões ligadas diretamente a interesses materiais (econômicos e sociais)

e, em face deles, não há nem pode haver ‘neutralidade’: suas teses e conclusões

estão sempre conectadas a interesses de grupos e classes sociais” (BRAZ E

NETTO, 2006, p. 15).

Com este entendimento, azeita-se o porquê da relevância do petróleo

para as análises de Economia Política no mundo contemporâneo.

Segundo Betts, Eagleton e Roemer (2006), a economia global atual é

baseada no consumo energético. Para os autores, tanto o setor industrial quanto os

meios de transporte estão no coração do desenvolvimento humano, e ambos

dependem do acesso aos hidrocarbonetos – em especial do petróleo. Apesar dos

demais combustíveis fósseis, como carvão e gás, a commodity ainda é amplamente

utilizada na produção industrial (desde remédios e cosméticos até polímeros com os

mais diversos usos) e tem poucos substitutos confiáveis ou de igual eficiência para o

transporte. De acordo com documento da Secretaria de Relações Públicas e

Relacionamento da OPEP (2010), cerca de 90% dos combustíveis usados em

motores de transporte são originários do petróleo bruto.

Ademais, a compreensão da mecânica dessa matéria no setor dos

hidrocarbonetos, para Monaldi (2010), deve ser pautada na analise de alguns

fatores: a dotação de recursos em cada país, o potencial geológico, as reservas e se

é deficitário ou superavitário em hidrocarbonetos (importador ou exportador); as

características do marco institucional e contratual, incluindo o sistema tributário; a

etapa do ciclo de investimentos em que se encontra um país, a mudança

tecnológica, a dependência das rendas do petróleo por parte do fisco estatal e o

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ciclo de preços. Acrescentam-se aqui as tendências ideológicas que também

influenciam nas políticas energéticas dos países, ainda de acordo com o mesmo

autor. Monaldi (2010) diz que a importância estratégica do petróleo se dá nas

implicações que a área energética tem na governabilidade e nas instituições, pois

imobiliza altos custos de investimento, gera rendas bastante significativas, a

exploração implica em alto risco geológico, os produtos derivados da commodity, a

exemplo da gasolina, são amplamente consumidos pela população e o preço e a

renda provenientes do insumo são voláteis. Estas características implicam em

conflitos contratuais entre governos, consumidores e companhias.

Em complementação a essa ideia, Betts e demais autores ponderam:

“significativamente, contudo, as implicações do consumo, exploração e extração do

petróleo vão além da economia; elas são profundamente políticas”. (BETTS,

EAGLETON, ROEMER, 2006, p.3).

Assim, o surgimento de duas superpotências antagônicas após a

Segunda Guerra, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), e a luta para manter e ampliar áreas de influência,

demonstra a delicada relação entre a política e a economia. Na disputa por

hegemonia os dois Estados criaram situações bastante delicadas em função do jogo

de alianças e interesses para manutenção do poder sobre o petróleo (OLIC, 1991,

p.19):

As atividades econômicas afetam diretamente o bem-estar político, social e econômico de vários grupos e Estados. O mundo real é um universo de lealdades exclusivas, muitas vezes contrastantes, e de fronteiras políticas em que a divisão do trabalho e a distribuição dos seus frutos são determinados tanto pelo seu poder e a sua sorte como pelas leis do mercado e do mecanismo dos preços. (GILPIN, 2008, p. 40)

Seguindo esta lógica, a descoberta e a exploração de um número cada

vez maior e poços petrolíferos no Oriente Médio durante o século XX fizeram com

que as principais potências da época e grandes empresas se interessassem cada

vez mais por aquela área e fonte energética (OLIC, 1991). Tal situação fez com que

o insumo estivesse em posição determinante para e elaboração da política externa

desses atores. Para Betts e demais (2006), a Crise no Canal de Suez em 1956, o

embargo árabe de 1973, as consequências da Guerra Irã-Iraque em 1980 e as duas

Guerras do Golfo de 1990 e 2003 são os conflitos que mais visivelmente ilustram

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como o petróleo pode implicar nas relações internacionais entre Estados –

principalmente.

Além disso, conforme os mesmos autores, a presença dos EUA na

“guerra contra o terror” no Afeganistão e Iraque levanta questões sobre em que

medida assegurar o acesso ao petróleo tem motivado estes conflitos e, de forma

geral, a elaboração de uma política externa norte-americana.

É importante dizer que os Estados Unidos sempre foram fortemente

dependentes do insumo para lubrificar as engrenagens da sua máquina econômica,

política e social. Em 2010, segundo dados da OPEP do mesmo ano, a potência tinha

a maior demanda pelo combustível do mundo. Ela absorvia sozinha

aproximadamente 25% da produção global de petróleo e, no caso da gasolina, 45%

da produção global. Hoje, apesar de ter cedido o primeiro lugar para a China,

continua extremamente dependente de importações e seus interesses no Oriente

Médio podem ser entendidos através de seus aliados como o Japão e a Alemanha

e, também, ao se considerar a lista dos dez maiores produtores globais da British

Petroleum de 2015. Dentre os dez primeiros estão: Arábia Saudita – o segundo

maior exportador mundial – Irã, Iraque, Emirados Árabes Unidos e Kuwait (todos na

Península Arábica e parte do mundo “em desenvolvimento”).

Tais fatos, além de fornecerem um escopo para a luz da atuação

americana no Oriente Médio, trazem à tona outra questão importante para o

assunto: as relações norte-sul ou as relações entre os desenvolvidos e os em

desenvolvimento. Este fator ajuda a elucidar razões para o surgimento de conflitos

nos países em fases diferentes de evolução. Alguns estudiosos consideram que os

grupos de interesse e os fatores domésticos de uma nação explicam a relação da

economia política nos conflitos, a exemplo de Monaldi (2010). Mas, para Gilpin

(2006), esses princípios dão apenas explicações parciais. Ele observa que é preciso

levar em conta a mudança de estrutura a nível internacional. Nas palavras do autor:

Todos os Estados querem possuir indústrias modernas em razão da associação entre a indústria e o desenvolvimento econômico [...] e, portanto, da independência nacional. Essa inclinação nacionalista pelo poder industrial leva os Estados a promover sua industrialização mediante a importação de tecnologias estrangeiras. As economias menos desenvolvidas procuram adquirir as tecnologias mais avançadas das potências hegemônicas e de outras economias desenvolvidas. O Estado que se desenvolve tem, além disso, a grande vantagem se saltar etapas econômicas para ultrapassar o líder industrial. As consequências políticas dessa difusão de vantagens comparativas e do surgimento de novas

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potências industriais são muito afetadas pelo ritmo em que ocorrem as mudanças e pelo tempo necessário para que uma economia em crescimento adquira uma presença significativa no mercado mundial. Quanto menor esse período, maior será o problema de reajuste imposto a outros Estados, e maior será a resistência dos interesses internos. Mudanças rápidas nas vantagens comparativas provocam conflitos econômicos intensos entre as economias crescentes e declinantes. (GILPIN, 2006, p.133)

Ainda sobre conflitos, na área energética é notável a predominância de

países periféricos com grande dependência da exportação de petróleo – Sudão,

Nigéria, Angola, Venezuela, Arábia Saudita, etc. Essa relação se dá graças ao fato

da receita externa desses países sustenta-los mais do que a receita proveniente de

impostos; o que afasta a administração da população em geral. Para Betts, Eagleton

e Roemer (2006), a falta de necessidade de prestar contas à grande massa

doméstica faz com que o Estado sobreviva de arrendamentos oriundos da indústria

petrolífera. Esse cenário cria os “petro-estados”, sujeitos a corrupção e propícios a

redes de patrocínio que minam a democracia.

Destarte, para ilustrar a relação entre Estado e negócios, devido a enorme

concentração de capital nas mãos de poucas companhias internacionais e ao papel

estratégico do setor energético dentro dos países, grandes corporações detêm

imenso poder de viés na política pública para que esta seja favorável ao mercado e

as políticas de investimento, segundo Betts, Eagleton e Roemer (2006). Dizem os

autores:

Companhias como a Exxon Mobil detêm enorme influência política dentro dos Estados que necessitam de investimentos externos para exploração de reservas, e os contratos há longo prazo dão a elas um significante papel da provisão de bens públicos e regulação interna. Haliburton e TotalFina estão entre algumas companhias de petróleo com ligações próximas a política largamente documentadas. Além disso, o petróleo continua a ser uma indústria a qual companhias se mantêm nacionalizadas ou têm um forte caráter estatal. (BETTS, EAGLETON, ROEMER, 2006, P.8, tradução nossa)

Nesse contexto, a defesa dos interesses nacionais e regionais dentro do

setor de energia e o uso do petróleo como trunfo negocial, criou, no cenário das

décadas de 50 e 60, a necessidade dos países exportadores de petróleo se

organizarem em bloco para conseguirem mais voz internacionalmente através da

pressão sobre os países consumidores (essa imposição muitas vezes foi feita para a

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consecução de metas não relacionadas ao mercado de energia). Com este objetivo

e visando vencer as tradicionais regras de centro e periferia da época, surgiu a

Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)

2.1.1 Organização Dos Países Exportadores De Petróleo

De acordo com o Boletim de cinquenta anos feito pela OPEP (2010), a

criação e fundação da organização se deu em meio a um cenário de divisão mundial

em dois grandes blocos rivais: a antiga URSS e as principais economias planificadas

ocidentais lideradas pelos Estados Unidos da América.

Outra parte deste ambiente contextual para o surgimento da organização

foi a consciência da situação de subdesenvolvimento em que viviam os países do

Oriente Médio advinda do intenso crescimento demográfico, urbanização e

desenvolvimento econômico após 1945. (OLIC, 1991)

Nesse âmbito e em um mundo fortemente influenciado pela necessidade

energética para obtenção de avanços tecnológicos, e assim vantagens estratégicas,

as grandes empresas petrolíferas desempenhavam papel crucial no

desenvolvimento das políticas dos Estados produtores. Eram elas que dominavam

todo o processo de exploração do petróleo; desde sua retirada nas reservas até o

produto final, transporte e propaganda (MAHADOLA E FATTOUH, 2013):

Naquela época, as companhias multinacionais eram atores esmagadoramente dominantes no mercado internacional de petróleo, exercendo um papel chave e se beneficiando de todos os processos negociais; da exploração à distribuição. (OPEP SECRETARIAT, 2010, tradução nossa).

Dentro desse quadro, os grandes investimentos feitos pela URSS para

reconstrução do país que havia sido bastante castigado pela guerra (OLIC, 1991,

p.20), auxiliaram na recuperação do seu setor energético e assim, no final dos anos

50, a indústria de energia russa tornou a ganhar forças; o que gerou um movimento

contrário das grandes companhias na tentativa de evitar a perda de mercado.

Dessa maneira, em 1959 as Sete Irmãs multinacionais de petróleo:

Standard Oil of New Jersey (Exxon), Standart Oil of New York (Mobil), Standard Oil

of California, Texaco, Gulf; British Petroleum (BP) e Royal Dutch/Shell, reduziram o

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preço da commodity, o que afetou diretamente os países produtores – em sua

maioria no Oriente Médio (OPEP SECRETARIAT, 2010):

A entrada no mercado de novos atores de longo alcance, como a União Soviética no final da década de 1950, provocou uma grande mudança com um enorme excedente de produção. Em reação, o chamado cartel das Sete Irmãs decidiu cortar em 10% os preços afixados no mercado para salvaguardar sua fatia de mercado. Este fator pode ser considerado como o elemento chave o qual causou a criação da OPEP em 1960. (BRÉMOND; HACHE; MIGNON, 2011, tradução nossa)

Para melhor entendimento, no inicio da exploração da commodity pelas

Companhias Internacionais de Petróleo (o termo usual em inglês é International Oil

Companies – OIC) no começo do século XX, foi estabelecido um preço base a ser

pago por barril do produto bruto ao governo do país que cedesse o território para

exploração. Esse valor pode ser chamado de regalia: “o percentual de renda bruta

que o Estado cobra pela exploração de seus recursos minerais” (MONALDI, 2010, p.

12).

Assim, conforme explica Monaldi (2010, p. 12): “se o preço do petróleo é

de $20 por barril, e o custo do barril $10, uma regalia de 25% capta, para o Estado,

$5 por barril (0,25 x 20 = 5), que representam 50% do lucro do barril (20 – 10 = 10) ”.

Tal funcionamento de divisão de receitas passou a vigorar a partir da Lei

do Imposto sobre a Renda, na Venezuela em 1948, onde as taxas e os royalties

poderiam ser aumentados até o ponto em que a parcela do governo se igualasse

aos lucros líquidos das empresas. Assim foi postulado o conceito de fifty-fifty.

(SOUZA, 2003, p.14) A partir deste postulado os países árabes, começando através

da Arábia Saudita, também passaram a atuar dentro dos mesmos moldes

venezuelanos junto as IOC’s. (SOUZA, 2003, pg 15):

No coração desse sistema de concessões estava o conceito de preço fixado, que era usado pelas companhias para calcular o fluxo de receitas advindas dos países produtores. Sendo um parâmetro fiscal, o preço fixado não respondia as forças de oferta e demanda do mercado e assim não exercia nenhuma função de alocação. A formação da OPEP foi para tentar prevenir o declínio dos preços fixados, dessa forma a OPEP agiu, por boa parte dos anos 60, como um “sindicato” cujo maior objetivo era que a renda de seus membros não caísse. (MAHADEVA; FATTOUH, 2013, P.4, tradução nossa)

Com isso, criou-se uma dependência orçamentária por parte dos países

produtores do insumo. Em 1955, os recursos provenientes das receitas petrolíferas

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correspondiam a 40% do orçamento do Irã, 54% do orçamento do Iraque, 71% do

orçamento da Arábia Saudita e 97% do orçamento do Kuwait. (MARINHO JR apud

SOUZA, 2003, p. 15).

Estes fatores, somados às turbulências no cenário internacional a partir

da segunda metade da década de 50, tais como Crise no Canal de Suez de 1956 e

a Revolução Iraniana de 1958, quando os governos dos países dos grandes

consumidores interviram militarmente no Oriente Médio a fim de assegurarem suas

posições estratégicas, levaram a uma consciência de que o preço do petróleo seguia

sendo determinado pelas grandes companhias e não pelos países hospedeiros.

(SOUZA, 2003, p. 15).

Como resultado desses eventos, delegações de cinco países produtores

– Irã, Arábia Saudita, Kuwait, Venezuela e Iraque – se encontraram em Bagdá em

10 de setembro de 1960 para discutir tais reduções e suas consequências aos

Estados exportadores. Segundo o site da própria organização:

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) é uma organização intergovernamental permanente, criada durante a Conferência de Bagdá no período entre 10 e 14 de setembro de 1960, por Irã, Kuwait, Iraque, Arábia Saudita e Venezuela. Os cinco membros fundadores juntaram-se posteriormente a nove outros membros: Qatar (1961), Indonésia (1962) – que suspendeu sua participação em janeiro de 2009, Líbia (1962), Emirados Árabes Unidos (1967), Algéria (1969), Nigéria (1971), Equador (1973) – que suspendeu sua participação entre dezembro de 1992 e outubro de 2007, Angola (2007) e Gabão (1975 – 1994). A OPEP teve sua sede em Gênova, Suíça, em seus primeiros cinco anos de existência. Esta foi transferida para Viena, Áustria, em primeiro de setembro de 1965 (tradução nossa).

O objetivo da organização foi definido entre os membros:

Coordenar e unificar as políticas do petróleo dos países-membros e assegurar a estabilização dos mercados do petróleo com o fim em um fornecimento eficiente, econômico e regular a seus consumidores, um rendimento estável aos produtores e um retorno justo de capital para aqueles que investem na indústria do petróleo. (OPEC, 2015).

Ainda assim, Brémond, Hache e Mignon (2011) afirmam que a

Organização levou treze anos para obter poder no mercado internacional de

combustível.

E, para Souza (2003, p. 18), havia razões para isto: no início de sua

atuação, com exceção do Irã, as reservas pertenciam, por contrato, as companhias

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concessionárias, o que limitada o controle dos países-membros. Aliás, o mercado

mundial estava com excesso de oferta e os países exportadores eram concorrentes

que precisavam manter seus mercados consumidores, o que impedia os países-

membros de isolarem as companhias e aumentava a dependência dessas nações às

empresas para ter acesso aos mercados.

Portanto, como os países, os chamados petro-estados, não participavam

da precificação ou da produção do petróleo bruto, mas eram majoritariamente

dependentes do petróleo para movimentação de sua economia doméstica através

de impostos sobre as receitas e royalties – ”petrodólares”, a queda no valor do barril

afetou diretamente suas balanças causando imediatas insatisfações. (MAHADEVA;

FATTOUH, 2013),

Somente com a Crise do Petróleo de 1973 e o aumento rápido dos preços

devido à falta de abastecimento mundial, logo no período de maior procura pela

commodity desde o fim da Segunda Guerra, foi que a OPEP passou a ser mais bem

considerada no ambiente internacional. (YERGIN, 1992 apud SOUZA, 2003)

A Crise ocorreu devido a um embargo dos países árabes a todos aqueles

no cenário internacional que apoiassem o Estado de Israel durante a Guerra do Yom

Kippur, quando, em 6 de outubro de 1973, Egito e Síria invadiram Israel visando

recuperar seus territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias de 1967. Os países

participantes do embargo se comprometiam a reduzir imediatamente a produção de

petróleo, de um mínimo de 5%, e de mais 5% nos meses seguintes, até que Israel

se retirasse dos territórios ocupados desde o último conflito. Também proibiram a

exportação do insumo aos apoiadores do Estado judeu, a exemplo dos EUA

(SOUZA, 2003, p.31)

Este embargo foi encabeçado pela Arábia Saudita, proeminente membro

da OPEP e também parceiro estratégico dos EUA na região, causando uma crise

diplomática entre as duas nações. Apesar da relação lucrativa entre os atores, a

monarquia Saud é contra a criação de um Estado Judeu na região e, por

consequência, contra Israel, protegido dos EUA. (SPOHR, 2013)

As reduções feitas na produção pelos países árabes afetaram

drasticamente os níveis de fornecimento disponíveis e maximizaram as incertezas

no mercado internacional, como mostra o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada:

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As retaliações causam pânico global: em 16 de outubro, as vendas para os EUA, maiores importadores mundiais, e para a Europa são embargadas; a produção sofre firme redução em tempos de alta demanda, forçando o preço do barril a subir cerca de 400% em três meses, de US$ 2,90, em outubro de 1973, para US$ 11,65, em janeiro do ano seguinte. O governo norte-americano lança mão de controle sobre a oferta da gasolina vendida no país. Cenas de motoristas em longas filas ilustram dramaticamente a extensão do problema. "Ninguém está mais profundamente consciente do que está em jogo: o petróleo e nossa posição estratégica" declarou o presidente Richard Nixon, no dia do anúncio do embargo, que durou até março de 1974. (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA, 2010)

Em complemento a esta ideia, Souza (2003, p. 31) diz que “o embargo

assinalou uma nova era para o petróleo mundial. O petróleo agora era um problema

importante demais”.

A indústria petrolífera também testemunhou outra grande transformação

no início de 1970, quando alguns governos começaram a reivindicar participação no

capital de suas concessões existentes, com alguns ainda optando pela

nacionalização completa. As companhias petrolíferas multinacionais perderam

grandes reservas de petróleo bruto e viram-se cada vez mais dependentes dos

fornecimentos da OPEP. Foi neste período que pela primeira vez na história a OPEP

assumiu o papel de tomadora de decisões de forma unilateral. (FATTOUH;

MAHADEVA, 2013):

Embora a segurança do suprimento fosse garantida pelo sofisticado mecanismo do comércio internacional de petróleo, sob a base dos Acordos de Genebra, a ordem política do petróleo estava ameaçada, na medida em que cresciam temas como nacionalização, a participação acionária e o fortalecimento da OPEP. (SOUZA, 2003, pg 30)

Para entendimento, os Acordos de Genebra foram assinados em 1972,

ajustando os preços do petróleo em um aumento de 8,49% sobre os preços de

referência, e em 1973, subindo o valor mais 6,1%. Essas medidas comerciais foram

tomadas visando à proteção dos “petrodólares” (denominação das receitas em dólar

recebidas pelos países da OPEP através da exploração do petróleo e derivados) em

um cenário de desvalorização do dólar devido a sua desvinculação do ouro.

(SOUZA, 2003)

Com isso, acordando com Souza (2003, p. 30), fica clara a politização do

petróleo e a integração deste no cenário internacional como arma de pressão dos

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29

países árabes. Diz a autora: “para se obter o petróleo árabe, além de aumentar o

preço de referência [preço fixado do produto], era preciso cobrar um preço político. ”

A organização ainda passou por momentos de muito poder na década de

70, “a ‘Era de Ouro’ da OPEP, período o qual a organização chegou a ser

responsável pela produção de dois terços do petróleo cru consumido no mundo”

(SOUZA, 2003, p. 40), conforme a citada crise de 1973 e também a crise de 1979 –

com a Revolução islâmica ocorrida no Irã através da queda do Xá Phalevi do poder,

consequente parada da produção iraniana de petróleo, que representava junto com

a Arábia Saudita 48% da produção da OPEP, e uma reação especulativa do

mercado – e outros de pouca influência, como o choque de 1986, quando o mercado

se tornou favorável ao comprador com o aumento da oferta mundial do produto; os

exportadores passaram a brigar por espaço no mercado, em vez dos compradores

por suprimentos, como nos dois choques anteriores.

Entretanto, com o exposto, fica visível que o surgimento desta instituição

e seu papel no cenário internacional destacou a ligação entre segurança energética

e desenvolvimento econômico.

Tais colocações reforçam a delicada relação entre o Estado e mercado, e,

mais ainda, esclarecem quanto à importância de alguns setores da economia, como

o energético, para a manutenção da segurança nacional de cada país e para a

obtenção de poder dentro do sistema internacional.

Esta análise elucida quanto a incerteza política internacional, que pode

ser caracterizada, dentre tantos outros aspectos, através do Dilema de Segurança.

2.2 DILEMA DE SEGURANÇA

O “Dilema de Segurança” (DS) é um termo utilizado por muitos estudiosos

realistas das áreas de Relações Internacionais para se referirem à incerteza política

que os Estados enfrentam. Ela é causada pela falta de soberania e consequente

anarquia no sistema internacional.

Segundo Posen, “a teoria Realista afirma que a condição de anarquia faz

da segurança a primeira preocupação dos Estados”. (POSEN, 1993, p. 28, tradução

nossa), e esta preocupação serve de premissa para o surgimento do Dilema de

Segurança.

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Assim, com base neste entendimento, John H. Henz cunhou o termo

Security Dilemma em sua obra homônima, no ano de 1951, que adota uma

concepção estrutural do sistema a qual é definida, de acordo com Rudzit (2005),

pela seguinte lógica:

Os Estados têm que obter por sua própria conta os meios necessários para sua segurança, sem depender de ninguém (o que o autor [Jonh Henz] classifica como auto-ajuda). Entretanto, esta busca tende, não obstante, a seguir a intenção de somente se defender, e, assim, aumentar a insegurança dos outros, pois cada governo pode interpretar essas medidas tomadas pelos demais como potenciais ameaças, e procurará aumentar os seus próprios meios de defesa, daí o dilema de segurança. (RUDZIT, 2005, p.300)

Segundo Posen (1993, p. 28-29), há duas situações que intensificam a

questão:

Quando as forças militares ofensivas e defensivas são mais ou menos idênticas, os Estados não conseguem sinalizar suas intenções de defesa (...). Qualquer força desenvolvida é apta para campanhas ofensivas. Por exemplo: muitos acreditam que forças armadas são o melhor meio de defesa contra um ataque por outras forças armadas. Contudo, porque os armamentos têm muito potencial ofensivo, Estados tão equipados não conseguem distinguir um a intenção do outro. Eles devem assumir o pior porque o pior é possível. A segunda condição vem da efetividade do ataque versus a defesa. Se operações ofensivas são mais efetivas que as defensivas, os Estados vão escolher a ofensiva se quiserem sobreviver. Isto pode encorajar guerras preventivas na ocasião de uma crise política porque a superioridade percebida da ofensa cria incentivos para atacar primeiro onde a guerra parecer possível. (...). Assim, a vantagem ofensiva pode causar guerra preventiva se o Estado atingir vantagem militar, embora passageira. (POSEN, 1993, Tradução nossa)

Com efeito, o que parece defensivo para um Estado pode ser considerado

ofensivo para seus vizinhos e gerar uma reação. Esta percepção pode ser

desencadeada mesmo que os Estados não tenham inclinação expansionista. Isto

porque um estado que se torna mais seguro em um cenário internacional, faz do

outro menos seguro. (POSEN, 1993).

Logo, a aplicação do Dilema de Segurança é usada pelo realismo clássico

no intento de explicar condições especiais que surgem entre grupos próximos que se

veem, cada grupo, responsáveis por sua própria segurança. (POSEN, 1993). Este

conceito está notadamente ligado à noção de Segurança Nacional e esta só pode

ser entendida como um problema quando há uma ameaça e se há uma visão

razoavelmente clara da sua natureza. (ART, 1973, apud RUDZIT, 2005)

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Outro ponto importante é dizer que para que haja dilema de segurança, é

preciso que haja também um entendimento, por parte do objeto que sofre a ameaça,

de suas vulnerabilidades. Assim o Estado pode procurar reduzir sua insegurança

através da diminuição das vulnerabilidades ou do enfraquecimento de suas

ameaças. Neste último caso o enfraquecimento se dá através de negociação ou de

ataques armados diretos. (ART, 1973, apud RUDZIT, 2005)

Entretanto, cada Estado tem uma visão de sua segurança e, dentro deste

conceito, dois fatores são vistos como primordiais: a tecnologia e a geografia. Assim,

segurança relativa diz respeito a como o Estado percebe aqueles a sua volta. Seu

posicionamento geográfico pode auxiliar nesta visão das intenções dos outros para

consigo e com o mundo. Isto também deve ser levado em conta no Dilema de

Segurança. (JERVIS, 1978)

Ademais, os efeitos do dilema também atuam entre grupos de interesse

dentro dos Estados, o que torna nações com diversos grupos (étnicos, religiosos

e/ou políticos), mais vulneráveis, pois têm conflitos internos para dominação do

poder estatal.

Isto posto, o processo de colapso imperial advindo da luta interna pela

liderança em um país ou região produz condições que tornam as capacidades

ofensivas e defensivas indistinguíveis, no sentido das partes não saberem se o outro

se empodera militarmente simplesmente para garantir sua segurança ou se pretende

de fato um ataque, fazendo da ofensiva superior a defensiva pelo simples fato de

esta parecer mais atrativa em um cenário conflituoso. Além disso, o progresso

desigual na formação das estruturas de Estado, potencialmente cria janelas de

oportunidades e vulnerabilidades, que têm uma poderosa influência na probabilidade

de conflitos, independentemente das politicas internas dos grupos emergentes neste

contexto. (POSEN, 1993). Assim, um ameaça externa pode fazer com que os

oposicionistas em um governo aproveitem o cenário de vulnerabilidade para atuar no

âmbito doméstico e tentar retirar o regime atuante do poder. (JERVIS, 1978)

Talvez isto explique também porque é mais fácil cooperar com Estados

não tão próximos, pois quanto maior o Dilema de Segurança, maiores os riscos de

contendas; quanto menores, também menores os riscos de conflitos. Um Estado

distante, muitas vezes preocupa-se mais com os seus vizinhos. (JERVIS, 1978)

Entretanto, a noção de segurança pode ser alterada em um cenário

estável. Num contexto o qual os atores saibam ou acreditem muito mais que terão

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apoio de outros para alcance de seus objetivos, isto gerará uma possibilidade de

cooperação bastante grande. O que evita que os países todos entrem em guerras e

que o mundo seja destruído pela “ameaça” da anarquia no sistema. (JERVIS, 1978)

Outro ponto, ainda sobre segurança relativa, é que as vantagens

estratégicas, ou necessidades estratégicas dos países, também podem influenciar

de forma positiva o sistema: se o país é dependente das fronteiras do outro, mais

fácil que haja cooperação para que os itens trafeguem livremente e para que os

custos sejam menores. (JERVIS, 1978)

Logo, mesmo em alguns cenários é possível que os Estados cooperem

por considerarem que, ainda que a outra parte, ou partes, alterem seu alinhamento,

esta aposta vale mais a pena, seja política ou econômica, do que seguir uma troca

de hostilidades velada. Para Jervis (1978, p. 172-173):

Quando os custos de “cooperar-malograr” são toleráveis, não só é a segurança mais fácil de alcançar, mas, o que é ainda mais importante aqui, o relativamente baixo nível de exércitos e a política externa relativamente pacífica que um status quo [potência] será capaz de adotar são menos prováveis de ameaçar outros. (Tradução nossa)

Isto explica porque os EUA tendem a agir de forma cooperativa mais do

que de forma intervencionista direta. Continua Jervis (1978, p. 173): “Assim, é mais

fácil para os Estados status quo agir em seus interesses comuns se eles são difíceis

de serem conquistados”. (Tradução nossa)

Este ponto expressa que Estados bem colocados no sistema e

beneficiados pelo status quo não precisam entrar em guerras por ameaças, mas sim

por defesas de interesses. Esta é uma diferença entre um Estado forte e um Estado

fragilizado. E também marca porque os mais fracos se mantém em risco de guerra

constante. Isto gera uma apreensão nos países mais vulneráveis e os faz procurar

maneiras de se fortalecerem. Conforme aponta Jervis (1978, p. 169):

A fim de se protegerem, Estados procuram controlar, ou ao menos neutralizar, áreas em suas fronteiras. Mas tentativas de estabilizar zonas tampão podem alarmar outros que têm interesses nestas áreas, os quais temem que precedentes indesejáveis sejam criados, ou os que acreditam que suas próprias vulnerabilidades serão aumentadas. (JERVIS, 1978, p. 169, tradução nossa)

Quanto a desestabilização do Oriente Médio e o interesse dos EUA em

manter a região sem a ascensão de uma hegemonia, isto pode estar baseado nas

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considerações realistas de que um mundo (ou área dele) sem uma balança de poder

equilibrada se torna mais inóspito, inseguro e propenso a guerra. Poderes iguais são

o mesmo que poder nenhum. Poder nenhum significa ser ameaçado pelo vizinho.

Isto traz desconfiança e busca por vantagens (muitas vezes militares). E estas

podem ser alcançadas através daqueles que as provenham de “boa-vontade”.

Ainda com Jervis (1978, p. 173): “(...) um mundo de Estados pequenos

sentirá os efeitos da anarquia muito mais que um mundo de Estados grandes.

Fronteiras defensíveis, bom tamanho e proteção contra ataques repentinos não só

auxiliam o Estado, mas facilitam a cooperação”. (Tradução nossa)

Quanto aos Estados mais vulneráveis, o que se encaixa no contexto dos

países do Oriente Médio:

Quando o preço que um Estado pagará por malograr [situação “defeat-defeat”] é baixo, este deixa os outros com poucas garantias para seu bom comportamento. O outros que são mais vulneráveis irão se tornar apreensivos, o que os levará a adquirir mais exércitos e reduzirá as chances de cooperação. (JERVIS, 198, p. 173, tradução nossa)

Tais apontamentos, aparentemente, demonstram porque a região da

Península Arábica é tão complicada. E a intervenção externa certamente não torna

nada mais claro e simples.

Em acréscimo a estes conceitos se encontra o termo “Guerra Proxy” ou

Guerra por Procuração, bastante utilizado ao redor do globo por Estados mais fortes

para manutenção de seus interesses, conforme apontado anteriormente.

Versa-se sobre o assunto a seguir.

2.2.1 Guerra Proxy

Antes da própria definição de Guerra Proxy, principalmente para o que

concerne o Oriente Médio, é interessante entender condições que auxiliam na

criação de uma problemática de segurança nos países em desenvolvimento.

Segundo Gunther Rudzit (2005), citando Mohammed Yaoob em sua idéia de State

Building, um fato importante para o grande número de contentas entre os países

emergentes é o processo de formação de Estado. Para o autor, Yaoob enfatiza sua

conotação política, uma vez que a maior empreitada dos países não desenvolvidos

desde a descolonização é a formação do Estado. De forma simples: o autor

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considera que a maior sensação de insegurança destes países está dentro de suas

fronteiras, em vez de fora delas. Embora isto não signifique a falta de ameaças no

sistema externo, as ameaças internas têm maior visibilidade, sendo estas tais

compartilhadas pelos vizinhos e, desta forma, frequentemente transbordadas e

transformadas em conflitos interestatais:

As fissuras internas desses países têm ajudado na transformação destes conflitos internos em disputas interestatais, pois elas provêm as oportunidades e justificativas para Estados intervirem em disputas de seus vizinhos. Portanto, a principal causa dessa situação ocorre em decorrência das debilidades desses Estados. Os baixos níveis de coesão social, legitimidade tanto do Estado quanto do seu regime, são as raízes das causas da situação de insegurança em que se encontram os países não desenvolvidos. [...] [Isto] ocorre por estarem nos primeiros estágios do processo de formação do Estado, e devido a falta de tempo que os mesmos tiveram para completar as diversas fases desse processo, ao contrário do que ocorreu na Europa Ocidental e América do Norte. (RUDIZIT, 2005, p. 305)

Para Jervis (1978), a instabilidade interna de um Estado pode representar

a seus vizinhos também uma ameaça e, assim, levá-los a intervir nos assuntos

domésticos do outro com desculpas de que isto seria, na verdade, uma atitude para

cuidar de seus interesses soberanos:

Contudo, qualquer passo falso ou pernicioso dado por qualquer Estado sobre seus interesses internos, pode perturbar o repouso de outro Estado; e este consequente distúrbio do repouso do outro constitui uma interferência nos assuntos internos daquele Estado. Portanto, cada Estado, ou, mais que isso, todo soberano de um grande poder tem o dever, em nome do sagrado direito de independência de todo Estado, de supervisionar o governo de Estados menores e de preveni-los quanto a dar passos falsos e perniciosos em seus assuntos internos. (METTERNICH apud JERVIS, 1978, p. 169, tradução nossa)

Em complemento a esta ideia, Buzan e Waever (2003, p. 311) apontam

que o equilíbrio de poder pode ser facilmente distorcido pelos movimentos dos

recursos de abrangência global das grandes potências; fazendo surgir, assim, outras

variáveis no sistema que alteram seu equilíbrio.

As chamadas Guerras Proxy (Proxy Wars), são conflitos entre países,

mas não de forma direta ou sob as bandeiras daqueles que as financiam. São um

artifício realista bastante utilizado no Oriente Médio: governos de determinado país

financiam guerrilhas ou auxiliam de alguma forma grupos armados (os proxies)

dentro dos Estados para que estes sejam enfraquecidos internamente. Ou para que

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outros países sejam enfraquecidos através da obstrução de seus interesses no

território do primeiro. (BUZAN e WAEVER, 2003) Diz Jervis (1978):

Quando se acredita haver relações muito próximas entre a política doméstica e a política externa ou entre as políticas domésticas de dois Estados, a busca por segurança pode conduzir os Estados a intervir preventivamente na política interna dos outros com intuito de fornecerem uma zona tampão ideológica. (JERVIS, 1978, p. 168, Tradução nossa).

Como se vê este tipo de relação pode ser entre países fortes do sistema

internacional ou em uma região – Irã e Arábia Saudita, por exemplo, interveem em

conflitos nos países da sua zona de influência na busca por vantagens estratégicas

e políticas – mas o que acontece na prática são que os países mais fracos e alvo do

interesse externo, separadamente enfrentam guerrilhas que não levam os nomes

dos governos que as financiam, e as quais também podem ter objetivos diferentes

de seus patrocinadores.

A utilização dos proxies pode ser melhor entendida por meio da aliança

entre Irã, o Hezbollah e o Hamas:

O Oriente Médio é dividido em dois polos: De um lado, estão os Estados que prezam pelo status quo regional e apoiam as políticas do Ocidente, principalmente dos EUA, como o Egito, a Arábia Saudita, a Jordânia e Israel. Do outro lado, os países e atores que antagonizam a hegemonia ocidental e a contestam, como o Irã, a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestino. (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 74)

O financiamento destes grupos armados está intimamente ligado com a

política externa iraniana, assim como a relação com a Síria.

Tal interação entre os Estados surgiu após a Revolução Islâmica de 1979

– que alterou radicalmente a política externa do Irã com a derrubada do xá persa e o

rompimento das relações com os Ocidente e Israel – e durante a Guerra Irã-Iraque.

Nessa conjuntura a Síria se encontrava isolada, pois rivalizava com o Iraque e havia

rompido relações com o Egito após a aproximação deste com Israel. Ademais,

durante o conflito entre o Irã e o Iraque, a Síria se mostrou fundamental para o Irã

conseguir vantagem entre 1981 e 1982, como observado na citação a seguir:

Iniciada a guerra, a Síria foi o único Estado árabe a culpar o Iraque e apoiar o Irã. O regime de Assad mandou diversos carregamentos de armas soviéticas a Teerã através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de inteligência sobre as capacidades de Bagdá. Além de

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apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a guerra. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 76)

A contrapartida à ajuda veio no mesmo ano, quando israelenses

invadiram território libanês durante a Operação Paz na Galileia – deve-se lembrar de

que boa parte do território do Líbano faz fronteira com a Síria e esta é, sabidamente,

contra a presença de Israel. Desta forma, Teerã, aliado da Síria, passou armar uma

nova milícia na região do Vale do Beqaa, na cidade de Baalbek, região libanesa

situada perto da fronteira, para que eles auxiliassem a equilibrar o conflito local.

(VISENTINI E ROBERTO, 2015)

O grupo promovido com o financiamento de Estados adotou seu nome

(Hezbollah) em 1982 e passou a atuar com mais presença dentro da invasão ao

Líbano. Os dois objetivos principais da milícia eram: estabelecer uma ordem islâmica

no seu país segundo o modelo iraniano e desencadear uma Jihad (Guerra Santa)

contra Israel.

O investimento em grupos armados teve retorno e em 1985 Israel

começou a se retirar do Líbano e deixar de ameaçar a Síria. Visentini e Roberto

(2015) demonstram:

Devido aos altos custos do atrito e a progressiva perda de legitimidade da operação militar – principalmente após os massacres nos campos palestinos de Sabra e Shatila –, Israel começou a se retirar do Líbano em 6 de junho de 1985. Israel, entretanto, temendo que uma revolução islâmica aos moldes do Irã pudesse ocorrer em seu vizinho ao norte, não se retirou completamente e permaneceu ocupando uma “faixa de segurança” no sul do Líbano, onde permaneceu até o ano 2000. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 77)

Porém, foi a permanência israelense em solo libanês, em área de

predominância xiita, que deu ao Hezbollah legitimidade nacional. Com apoio sírio e

iraniano, o Hezbollah permaneceu existindo, já que tomava para si a missão de

resistir à ocupação de Israel. E, com o passar do tempo o grupo foi adotando uma

postura cada vez mais pragmática e voltada para o próprio Líbano, procurando apoio

na sociedade libanesa e, inclusive se tornando um partido político com agenda

doméstica, além de milícia armada. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

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37

Quanto ao Hamas, o Irã aproximou-se deste depois da primeira Intifada

palestina, revolta ocorrida em 1987 contra a ocupação israelense aos territórios

invadidos na Guerra dos Seis Dias de 1967. Embora a organização palestina mais

conhecida na época fosse a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma

facção localizada na Faixa de Gaza, Hamas, braço da Irmandade Muçulmana na

Palestina, alinhava-se melhor com os ideais iranianos que clamavam pela revolução

islâmica. A partir de então, o Irã passou a apoiar o Hamas financeira e militarmente,

como já fazia com o Hezbollah. Por intermédio deste grupo, o Irã conseguiu cruzar a

fronteira de apoiar apenas grupos xiitas para apoiar-se numa base não sectária, mas

política e que visasse à resistência antiocidental. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Este pequeno panorama explica as estratégias de segurança iranianas.

Segundo Visentini e Roberto (2015), citando Cordesman (2013) e Wehrey et al

(2009), o governo do Teerã dá importante ênfase a capacidades militares

assimétricas, conforme demonstrado.

As capacidades assimétricas incluem qualquer tipo de capacidade que

seja utilizada de forma irregular e híbrida, indo desde armamentos baratos, leves,

rápidos em grande quantidade, até grupos armados não estatais que ajam ao

encontro com o interesse iraniano no Oriente Médio. Estes últimos, conforme já

citado, são os chamados “proxies”. Eles se tornam importantes ao Irã pelo fato de

que seus possíveis agressores são Estados com superioridade tecnológica, como os

EUA, Israel, Arábia Saudita e/ou as demais monarquias do Golfo. (VISENTINI E

ROBERTO, 2015)

Esses dois tipos de capacidades assimétricas – armamentos e os grupos armados não estatais – objetivam impor custos tão altos a um possível agressor que este será dissuadido de atacar, seja tanto pelo fato de ter de enfrentar uma guerra de atrito desgastante ligada ao território iraniano, quanto por tais grupos poderem retaliar contra outros países. Importa notar que esses atores não estatais ligados a Teerã também servem para diminuir o risco de uma escalada em caso de ação peremptória iraniana, visto ser de mais difícil detecção a ligação explícita e direta com o Irã. (...). Inegavelmente, a rede de alianças e relações com grupos armados, além da Síria, dá ao Irã a capacidade em potencial de desferir guerras indiretas e de baixa intensidade contra inimigos ao mesmo tempo em que pode pressionar rivais regionais com ameaças de apoio a dissidentes (CORDESMAN, 2013 apud VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 80)

Com base nos apontamentos nota-se que o apoio a tais atores, fazendo-

os proxies, tornou-se um componente importante na manutenção do poder iraniano

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no Oriente Médio, contribuindo para sua estratégia de dissuasão ao oferecer, em

caso de ataque ao seu território ou a seus interesses, a possibilidade de retaliações

em toda a região.

Conforme dito, este fenômeno não acontece somente entre vizinhos, mas

também é bem visível na atuação das grandes potências em pontos de seu

interesse. De modo geral, durante a Guerra Fria EUA e URSS promoveram diversos

conflitos entre os orientais árabes a fim de conseguir vantagens na corrida por se

tornarem a hegemonia mundial.

Logo, estas exposições levam a reflexão sobre o quanto um Estado pode

influir sobre o outro. E, isto posto, faz-se, então, factível a compreensão do que são

complexos de Segurança e porque ocorrem.

2.2.2 Conceito de Complexo de Segurança

Diante das explanações, evidencia-se que a segurança nacional de um

país não pode ser entendida sem a consideração do padrão internacional em que se

encontra. Por consequência é preciso lembrar que todos os Estados do sistema

fazem parte de um emaranhado global de interdependência.

Portanto, através da Teoria do Complexo de Segurança Regional de

Buzan (Regional Security Complex Theory – RSCT) é possível avaliar o equilíbrio de

poder do sistema internacional, mas principalmente, para este estudo, na região do

Oriente Médio; e o relacionamento dentro dos aglomerados e entre as tendências de

globalização. (BUZAN e WAEVER, 2003)

Ainda segundo os autores, um Complexo de Segurança Regional

(Regional Security Complex – RSC) deve ser qualificado como uma subestrutura do

sistema internacional – um grupo de Estados ou outros atores que devem possuir

um grau de segurança interdependente o suficiente para estabilizar seus membros

como um conjunto e para diferenciar este conjunto das demais regiões de

segurança:

“Os Complexos de Segurança podem ser extensamente penetrados

pelas potências globais, mas as dinâmicas regionais sem dúvida têm um substancial

nível de autonomia das diretrizes traçadas pelas grandes potências”. (BUZAN e

WAEBER, 2003, p. 4, tradução nossa)

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Tal citação permite a compreensão de como EUA, a antiga URSS e

outras potências mundiais conseguiram, e conseguem acesso ainda hoje aos

países, muitos de regimes fechados, do Oriente Médio. A penetração ocorre quando

essas potências se alinham estrategicamente com um determinado membro de um

RSC e geralmente é oportunizada pela rivalidade entre os elementos mais fortes

deste complexo. Explicam os autores: “A lógica da balança de poder trabalha

naturalmente para encorajar os rivais locais a chamar ajuda de fora, e por meio

deste mecanismo o padrão local de rivalidade se torna ligado aos padrões globais”.

(BUZAN E WEABER, 2003, p. 46, tradução nossa)

Entretanto, ainda sobre a primeira citação de Buzan e Waeber (2003), os

países pertencentes ao complexo ainda têm um nível de independência. Logo, a

teoria busca dar o devido peso aos fatores locais em uma análise de segurança.

Em complemento a esta visão, Rudzit (2005) considera que, como a

maior parte das ameaças, políticas e militares, podem ser mais facilmente

percebidas na curta distância, a insegurança é vista com mais afluxo associada à

proximidade geográfica entre os atores.

Destarte, para a maior parte dos players, a segurança política-militar se

encontra em um aglomerado de segurança regional. Isso porque a grande porção

dos países teme mais a seus vizinhos do que a potências distantes.

Assim, países pequenos vão primeiramente se encontrar em Complexos

de Segurança Regionais com seus vizinhos; os países mais fortes, por terem mais

poder, conseguirão penetrar em regiões próximas, e as superpotências terão uma

zona de acesso mundial (BUZAN E WAEBER, 2003)

Complementando esta ideia, Buzan e Waeber (2003) ponderam:

A Teoria do Complexo de Segurança Regional [Regional Security Complex Theory – RSCT] faz distinção entre o nível de interação dos poderes globais no sistema, cujos recursos lhes possibilitam transcender distâncias, e o nível de interação dos subsistemas de menor poder, cujo principal ambiente de segurança é a sua região local. (BUZAN E WAEBER, 2003, p.4, tradução nossa)

Também, como subestruturas, eles servem de mediadores entre as

superpotências e os Estados locais, bem como das interações desses Estados em

suas regiões. Outrossim, os Complexos de Segurança constituem uma realidade

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40

social, a qual é capaz de intervir entre intentos e resultados. (BUZAN e Weaber,

2003)

Além disso, para Buzan (1991) a força da interdependência entre

complexos de segurança tem diferentes níveis. Em algumas regiões essa relação

pode ser fraca, e em outras, muito forte; em alguns casos positiva e, em outros,

ainda, bastante negativa, como no caso dos países focos desse estudo: Irã e Arábia

Saudita. Rudzit (2005) acrescenta:

O fator principal para se definir um complexo de segurança normalmente é o alto nível de ameaça que é mutuamente percebido entre dois ou mais grandes Estados, e a não ser que eles sejam potências de nível global, estes Estados habitualmente são vizinhos próximos. Um dos melhores indicadores continua sendo as guerras travadas anteriormente. (RUDZIT, 2005, p. 314)

Ademais, em virtude de esses complexos serem, em parte, geográficos,

geralmente eles incluem Estados menores e de influência não tão determinante

regionalmente. Visto que o poder desses países é pouco se comparado com os

vizinhos, eles tendem a se alinhar com os grandes para garantir sua própria

segurança, a qual estará, então, intimamente ligada com o padrão dos Estados mais

influentes. (BUZAN, 1991). Com isso, explica Jervis (1978):

O quanto mais fácil for destruir um Estado, maior a razão para este juntar-se a uma unidade maior e mais segura, ou, mais, de ser especialmente desconfiado dos outros, para requerer um exército maior e, se as condições forem favoráveis, para atacar no menor sinal de provocação, mais do que esperar ser atacado. (JERVIS, 1978, p. 172, tradução nossa)

Contudo, para se ter uma visão ampla, e a mais holística possível, da

aplicação da segurança mundialmente, é preciso observar os dois níveis (global e

subsistemas) independentemente, assim como a interação entre eles. (BUZAN E

WAEBER, 2003). Desta forma, deve-se, portanto, entender como os Estados

interagem entre si.

Vale frisar que os Complexos de Segurança Regional são definidos mais

pelos padrões e prática de segurança dos países do que por cultura. (BUZAN e

WAEBER, 2003)

A seguir, procura-se entender esta dinâmica através da descrição de

como os Estados do Oriente Médio interatuam regionalmente e são afetados

mundialmente.

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2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO

Os Estados do Oriente Médio são tradicionalmente ligados pelo comércio

e pela religião. Até o século XIX esta área esteve dominada quase que inteiramente

pelo Império Otomano, e posteriormente sob o controle dos países europeus,

representados mais fortemente pela França e a Grã-Bretanha, que dividiram os

despojos otomanos com o fim da Primeira Guerra (1914 – 1918). Olic (1991 p.11)

complementa que: “a fé islâmica foi espalhada pelos árabes entre os séculos VI e

VIII d.C. através de guerras, principalmente. O que levou tanto a doutrina como a

língua majoritariamente através Oriente Médio e regiões próximas”. Assim, com base

nos textos do autor é possível entender a interação nesta área geográfica.

Entre o período citado e o desenrolar da Segunda Guerra, a situação

política e econômica da região passou por importantes mudanças: o crescimento de

movimentos de independência e autonomia política; a crença de que por terem a

mesma raiz cultural esses povos deveriam ter o mesmo destino, ideia que ganhou

força após a Segunda Guerra e acabou conhecida como pan-arabismo; o

crescimento do movimento sionista, que visava criar um Estado judeu na região da

Palestina (muito impulsionado pela perseguição nazista); a descoberta e exploração

de um número cada vez maior de poços de petróleo na Península Arábica (a região

ainda hoje detém as maiores jazidas e reservas naturais do mundo). (OLIC, 1991)

Posteriormente, com os acontecimentos internacionais, a situação se

tornou mais complexa: o aparecimento das superpotências acabou por criar

situações políticas bastante delicadas em função do jogo de alianças; o surgimento

de Israel em 1948, o Estado “estranho”, que provocou massiva oposição no mundo

árabe e nos dias atuais ainda é foco de tensões regionais; os movimentos de

oposição organizados pelos árabes da Palestina agrupados em torno da

Organização pela Libertação da Palestina (OLP) criada em 1964; a Revolução

Islâmica que mudou profundamente a relação do Irã com os demais países da

região; além do intenso crescimento demográfico a partir de 1945. (OLIC, 1991)

De forma específica, uma experiência prática de briga entre vizinhos e da

relação delicada entre eles pode ser observada com o surgimento do Estado de

Israel. Em 1948, com a formal retirada do controle britânico sobre a Palestina, a

Organização das Nações Unidas votou em Assembleia Geral e aprovou o

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surgimento de um novo país, dividido entre Israel e Palestina e com Jerusalém como

cidade internacional.

O advento deste Estado trouxe grande insatisfação entre os árabes da

região, inclusive de outros países, o que gerou uma imediata guerra entre Israel e

Líbano, Síria, Jordânia, Iraque, Egito e o Exercito de Libertação Árabe da própria

Palestina. Esta deflagração gerou grandes alterações nas fronteiras do país: o

Estado palestino praticamente deixou de existir, a região da Cisjordânia passou para

as mãos da Jordânia, e a Faixa de Gaza ficou sob a soberania egípcia. (OLIC, 1991)

Em 1956, houve a crise no Canal de Suez, no Egito, causada pela

nacionalização da empresa responsável de administrar a área de ligação entre o Mar

Vermelho e o Mediterrâneo. Essa ação trouxe consequências para Israel que teve

seu porto no Golfo de Ákaba fechado e seus navios impedidos de trafegar pelo

canal. A nacionalização foi comandada por Gamal Abdel Nasser, militar egípcio que

derrubou em golpe militar a antiga monarquia no ano de 1952. Por ser nacionalista e

contra a intervenção estrangeira nos países árabes, Nasser promovia a união do

mundo árabe – o pan-arabismo. E esta união se dava com a destruição de Israel.

(OLIC, 1991; BARBOSA, 2015)

Como reação, o país judeu se juntou com França e Grã-Bretanha (antigos

donos de empresa que controlava o local) para enfrentar de forma armada o Egito.

Ao final desta luta Egito perdeu, mas conseguiu manter a Faixa de Gaza em troca da

permissão de transito ilimitado para as nacionalidades que quisessem navegar pelas

águas de Suez. (OLIC, 1991)

Nos anos seguintes a tensão entre árabes e israelenses só aumentou e,

na tentativa de uma demonstração de força, Egito, novamente, deslocou exércitos

para junto da fronteira de Israel e exigiu a retirada das forças de paz da ONU da

região, incitando os demais países árabes sobre o momento de expulsar os judeus

do Oriente Médio. Dada a situação, Israel não contou tempo e atacou as forças

armadas de Egito, Síria e Jordânia. O inesperado e eficiência da ação definiram o

conflito em seis dias, na chamada Guerra dos Seis dias. Israel também conquistou

novos territórios, o que era inadmissível: Faixa de Gaza e Península de Sinai (Egito),

a Cisjordânia (Jordânia) e as Colinas de Golan (Síria). (OLIC, 1991)

Todos estes fatos levaram a conhecida Guerra de Yom Kippur de 1973

que causou desconforto internacional com o uso do petróleo como arma política por

parte dos árabes a todos que fossem simpatizantes a Israel. (OLIC, 1991)

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Contudo, além de entender a relação delicada entre os Estados

pertencentes ao Oriente Médio, faz-se primordial para a compreensão de como os

conflitos são afetados pelas potencias regionais, o entendimento das interações

entre os governos iranianos e sauditas, os mais fortes da zona árabe.

2.3.1 Relações entre Arábia Saudita e Irã

A Arábia Saudita e o Irã sempre mantiveram uma rivalidade desde a

formação de ambos os Estados. Dentre as causas da concorrência entre eles,

entretanto, duas sempre se fizeram presentes: a questão da proeminência religiosa

no mundo muçulmano (xiitas e sunitas) e as desavenças em torno dos preços do

petróleo depois do início de sua exploração no século XX. Soma-se a isto, o fato de

tanto a Arábia Saudita sunita (wahabita) quanto o Irã xiita se auto conclamarem a

vanguarda do mundo muçulmano, pretendendo-se, cada um deles, líderes da região

islâmica. Diz Spohr (2013):

A própria nomeação do Golfo Pérsico é tema de disputa entre o Teerã o os países do Conselho de Cooperação do Golfo (em sua maioria monarquias árabes). Enquanto as monarquias preferem chamá-lo de Golfo Árabe, o Irã vê nisso uma afronta ao multiculturalismo iraniano e se recusa a aceitar a mudança do nome do golfo, que demonstraria uma perda de poder na espera regional. (SPOHR, 2013, p. 59)

Estes fatores podem ser responsáveis pelas desavenças observadas

entre os dois países nas últimas décadas, além de, possivelmente, por diversos

conflitos nos países vizinhos em disputas de influência. No texto de Franco (2012):

A Arábia Saudita e o Irã mantêm uma relação inconstante e de disputa por influência no Oriente Médio, sobretudo na região do Golfo. Numa espécie de Guerra Fria há muito travada entre os dois países, o ganho de um é visto como a perda do outro, em um claro jogo de soma-zero (BOUCEK, 2011 apud FRANCO, 2012, p. 13)

No âmbito internacional, na década de 1970, tanto o Irã quanto a Arábia

Saudita gozavam de boas relações com os Estados Unidos, que os tinha como

pilares fundamentais de sua política na região do Golfo Pérsico. Porém, com o

advento da Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o regime autocrático iraniano,

a interação sauditas/iranianos sofreu um grande abalo: os revolucionários que

ascenderam ao poder trouxeram consigo uma postura fortemente opositora das

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monarquias, e passaram a desafiar os regimes dos demais países árabes do Golfo

(FRANCO, 2012):

Além de uma ameaça para a estabilidade regional, a República Islâmica do Irã passou a representar um desafio às posições internacionais sauditas em suas principais áreas de atuação: seu papel no mundo islâmico e seu poder no mercado de petróleo. (SPOHR, 2013, p. 63)

Este evento, além de representar uma ameaça a monarquia saudita,

também causou altercações no território do país. E a estabilidade regional é de

extrema importância para este Estado, pois facilita e viabiliza suas atividades

econômicas e políticas. (SPOHR, 2013)

Em novembro de 1979, motivados pelos acontecimentos no Irã, xiitas que

habitavam a Província do Leste na Arábia Saudita violaram uma proibição contra as

manifestações religiosas e iniciaram procissão para celebrar o dia da Ashura (dia

do martírio de Husayn ibn Ali, neto do profeta Maomé), comemoração sagrada no

xiismo. Naquela oportunidade, os manifestantes carregaram fotos do pai da

revolução iraniana, Aiatollá Ruhollah Khomeini, bem como faixas de protesto contra

o governo oficial e os Estados Unidos. O regime reprimiu fortemente a procissão,

que acabou se estendendo durante três dias e resultou em diversas mortes entre

civis (FRANCO, 2012; PALAZZO, 2014). Esta situação causou, além de dor de

cabeça para os sauditas, uma desconfiança mútua entre os lados, aumentando a

rivalidade uma vez latente.

A partir de então, o regime saudita passou a propagar a ideia de que o Irã

era o verdadeiro instigador das massas contra as monarquias do Golfo,

responsabilizando-o por seus problemas internos.

Em 1986, protestos de peregrinos iranianos nas cidades sagradas sobre a

legitimidade saudita em ser guardiã destas, resultaram em morte de cerca de 400

pessoas e causaram o rompimento das relações diplomáticas entre os países até a

subida de Khatami à presidência do Irã, quando os Estados se reaproximaram.

(SPOHR, 2013)

Nota-se, portanto, que uma importante ameaça a estabilidade da

Monarquia Saud eram os xiitas iranianos, incluso a população xiita dentro de seu

território, que habitava principalmente a Província Oriental, onde se desenvolvia a

exploração do petróleo. Atualmente o cenário não se alterou, pois, “os xiitas não

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gozam dos mesmos direitos dos sunitas, gerando um sentimento de ressentimento e

insatisfação com os Saud por parte da minoria religiosa. ” (SPOHR, 2013, p. 33)

Depois, com a guerra entre Irã-Iraque, e a invasão do Irã pelo exército de

Sadam Hussein, Arábia Saudita, bem como diversos outros países da região,

financiou o conflito (embora esta não fosse muito a favor do Iraque) no intuito de

diminuir o poder dos xiitas e neutralizar o discurso de Khomeini; que era forte não só

para o povo iraniano, mas para as minorias não representadas dentro de outras

fronteiras árabes. Ainda mais, esta guerra e as sanções aplicadas ao Irã, bem como

a redução na produção de petróleo do país e as restrições de investimentos

estrangeiros, levou a Arábia Saudita a conquistar uma grande vantagem no mercado

de energia. Assim, o apoio aos iraquianos no conflito da década de 1980 foi reflexo

não só do receio da revolução xiita, mas do intendo saudita em manter o controle

regional e interno. (SPOHR, 2013; FRANCO, 2012)

Com a morte do Ayatollah Khomeini, em 1989, as relações entre os Irã e

Arábia Saudita experimentaram uma significante melhoria, sobretudo durante o

governo de Mohammad Khatami entre 1997 e 2005, que buscou aproximar-se para

apaziguar o isolamento do Irã. No entanto, desde a eleição do presidente Mahmoud

Ahmadinejad, em 2005, a atmosfera de desconfiança voltou a imperar, sobretudo em

razão do programa nuclear iraniano e das ações iranianas em outros países do

Oriente Médio, principalmente o Iraque. (FRANCO, 2012; BORBA, BRANCHER,

CEPIK, 2012)

Quanto ao Irã, após a crise entre a embaixada estadunidense e o Teerã

em 1979, o principal foco passou a ser sua região – a exemplo de seu concorrente.

Desta forma, a intenção de expandir os ideais xiitas tomou grande parte da agenda

iraniana na década de 80, aproximando o país de diversos grupos islâmicos no

Oriente Médio. Os principais focos da política externa iraniana foram: Iraque, Síria,

Afeganistão, países do CCG (Conselho de Segurança do Golfo), Palestina, Israel e

países que compõe a ECO – Organização de Cooperação Econômica. (SPOHR,

2013). Sobre o último, Spohr (2013) aponta:

Além do Oriente Médio, o Irã busca manter boas relações com seus vizinhos na Ásia Central. Tais esforços levaram a criação da Organização de Cooperação Econômica (ECO) em 1985 por Irã, Paquistão e Turquia. A ECO só atingiu seu atual status para a política externa iraniana a partir de 1992, com a adesão de outros sete membros e aparece como importante espaço de proteção internacional do Irã, que busca cooperar em diversos

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setores, entre eles a produção de energia, criação de infraestrutura, conciliação de política econômicas e comercias, etc. (SPOHR, 2013, p. 60)

No que diz respeito ao petróleo, até pouco tempo atrás, a Arábia Saudita

figurava soberana no topo da lista de países com maiores reservas de petróleo do

mundo (tendo perdido a posição para a Venezuela, em 2011), restando ao Irã o

segundo lugar (OPEP, 2010).

Devido às reservas, as maiores documentadas do mundo, Arábia Saudita

exerce ainda hoje um papel vital no mercado energético mundial. Por causa disso e

do receio de um crescente xiita no oriente, a melhora de sua econômica advinda dos

petrodólares fez com que o Estado desenvolvesse uma política mais ativa no mundo

islâmico com envio de recursos a outros países a fins de ajudar a melhoria da

qualidade de vida de mulçumanos. O país também oferece auxilio para peregrinos

que não tem condições de fazer viagem as cidades sagradas. A busca pelo

crescimento do islamismo, leia-se wahabismo, levou o regime a financiar a criação

de mesquitas e a formação de profissionais dessas instituições. (SPOHR, 2013)

O pan-islamismo, então, também foi uma resposta a criação do pan-

arabismo de Nasser e teve resultados positivos para a influência do Estado no

mundo árabe. Com essas medidas o país se coloca como centro do islã e tem sua

posição fortalecida como líder dentro do Oriente Médio, sendo ameaçado apenas

pelo Irã. (SPOHR, 2013)

Ademais, apesar de sua atuação no Oriente Médio, a Arábia Saudita é

extremamente dependente do sistema internacional, uma vez que sua economia

está intimamente ligada a necessidade mundial de petróleo. Além disso, os sauditas

recebem um grande fluxo de peregrinos e têm para com os muçulmanos a obrigação

de permitir a entrada às cidades sagradas de Meca e Medina, na região de Hijaz.

(SPOHR, 2013).

De posse dessas duas cidades importantes, a Arábia Saudita, justifica a

sua “superioridade” no fato de ser o berço do islamismo e da língua árabe. O rei

saudita ainda se vangloria de possuir o título de guardião dos dois lugares mais

sagrados para a religião. (FRANCO, 2012)

Quanto ao âmbito político econômico, Spohr (2013) explica a interação

saudita:

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A principal área de influência da política externa saudita é o grupo de monarquias que compõe o Conselho de Cooperação do Golfo: Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. A cooperação entre esses países no campo econômico (...) e a comunhão de posições para a região, tornam o grupo um especial componente da inserção internacional saudita. A preponderância do reino saudita sobre os demais países lhe confere um maior peso no processo de tomada de decisão desse grupo, especialmente no que se refere ao mercado mundial de petróleo. ” (SPOHR, 2013, p. 47)

O Irã, por sua vez, recorre à sua história antiga para difundir uma

supremacia cultural e civilizacional perante os demais países do Golfo. Além disso,

confia que possui uma superioridade estratégica e tática na região, mesmo ciente de

que não detém o mesmo aporte de recursos financeiros da Arábia Saudita.

(FRANCO, 2012)

Disputas a parte, os dois países também têm ensejos onde há

cooperação, tais como os canais de diálogo para debater relações bilaterais (a

exemplo da Organização da Conferência Islâmica). (BORBA, BRANCHER, CEPIK,

2012)

No mais, a demonstração do porquê da rivalidade entre os dois grandes

do Oriente Médio dá luz a relevância da religião nesta área do globo e, mais, expõe

a segregação entre os lados do islã. Logo, para que se possa compreender a

relação de disputa entre Irã e Arábia Saudita, é primordial saber o que é ser sunita e

xiita para um muçulmano. O capítulo a seguir versa de forma breve sobre estas

questões.

2.3.2 Sunismo e Xiismo

O sunismo e o xiismo constituem as principais vertentes religiosas do Islã;

sendo a interpretação de quem deveria suceder o Profeta Maomé depois de sua

morte em 632 d.C. (calendário ocidental), a primordial diferença entre estes dois

pensamentos. Segundo Palazzo (2014, p. 162):

O processo sucessório não ocorreu sem discussões e, desde cedo, Ali [primo e genro de Maomé, casado com sua filha Fátima] e seus seguidores defenderam a posição de que os califas [sucessores de Maomé] deveriam pertencer à família de Maomé e não se constituiriam apenas em líderes políticos da comunidade, mas seriam também divinamente inspirados para guiar os fiéis enquanto intermediários entre eles e Deus. No entanto, para o outro grupo que não defendia a sucessão pelo sangue, mas pelas normas da tradição das lideranças tribais, o califado era de ordem política e caberia a seu líder garantir a prática da religião sem exercer, porém, o papel de intermediário com o divino.

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É importante destacar que “as normas da tradição das lideranças tribais”

estavam perfeitamente alinhadas com o posicionamento político da maioria na

região, fazendo com que os sunitas se tornassem maioria no Oriente Médio. E ainda

de acordo com Palazzo (2014), com o tempo, Ali veio a se tornar o quarto califa.

Após sua morte no início de 661 d.C., a disputa sobre quem o sucederia tornou-se

um ponto sensível entre os seus partidários – os quais ficaram conhecidos como

xiit’Ali, partidários de Ali, ou xiitas – e os sunitas:

[Os xiitas] apontaram primeiramente Hasan, filho mais velho de Ali, para assumir o califado. Este, no entanto, cedeu às pressões em favor de Muawiya ibn Abi Sufyan, da família Omíada, que se tornou califa dentro das regras sunitas, sendo depois sucedido por seu filho Yazid I. Inconformados, os xiitas já bem organizados insistiram no apoio a outro filho de Ali, Husayn, como o quinto califa. Tal não era, porém, a opinião do grupo dominante, o dos sunitas, e após inúmeras desavenças e confrontos, na batalha de Karbala, no dia 10 do primeiro mês do calendário muçulmano, no ano de 680, Husayn foi morto junto com 72 companheiros e membros da família. Tal evento marcou a ruptura completa entre as duas principais facções do Islã, sunitas e xiitas. (Palazzo, 2014, p. 164)

As ponderações de Franco (2012, p. 06) complementam esta ideia:

A cisão histórica entre sunitas e xiitas deve-se, em suma, a uma disputa política pela definição do herdeiro legítimo da autoridade religiosa do profeta. Entretanto, ao longo da história, o dissenso foi em larga medida reforçado por questões étnicas, políticas, sociais, econômicas e nacionalistas do mundo Islâmico, tendo sido amplamente manipulado por governantes em prol da satisfação de seus interesses específicos.

Isto posto, conforme dados publicados em relatório do Pew Research

Center (2009), estima-se que dentre a população muçulmana apenas de 10 a 13%

sejam xiitas, um número que equivaleria a 154 e 200 milhões de seguidores dessa

vertente.

A saber, algo entre três-quartos do valor se encontra na Ásia, sobretudo

na Índia, Paquistão, Irã e Iraque, e um-quarto especificamente no Oriente Médio e

Norte da África. Apenas em quatro países os xiitas representam a maioria da

população, sendo eles o Azerbaijão, o Bahrain, o Iraque e o Irã (este, sozinho,

representa cerca de 40% da população mundial de xiitas). Entre os países do

Oriente Médio, depois do Irã, o Iraque é o que mais detém religiosos xiitas, com mais

ou menos 70% de seu povo crente nesta vertente islâmica.

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Em complemento aos dados estatísticos, a população xiita corresponde a

cerda de 70% no Bahrain; 50% no Líbano; 40% no Iêmen; 25% no Kuwait; 20% na

Síria; 15% na Arábia Saudita; 10% no Qatar; e por volta de 10% nos Emirados

Árabes Unidos (PEW RESEARCH CENTER, 2009).

Vale frisar que, apesar do baixo percentual total do grupo na região do

Oriente Médio, é de interesse dos países do Golfo manter esta parcela da população

sobre absoluto controle e repressão, uma vez que esta vive geralmente em locais

estratégicos e/ou trabalha em empresas de base, tais como petrolíferas: “70% da

força de trabalho empregada na extração é xiita” (ESCOBAR, 2006 apud FRANCO,

2012); e uma rebelião poderia gerar claros problemas econômicos.

Por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos há uma forte influência

iraniana sobre o comércio e negócios; e na região nordeste da Arábia Saudita, Al-

Hasa, que se segue até a fronteira com o Qatar e o Kuwait, povo xiita é bastante

expressivo e povoa a área deste o século X. (FRANCO, 2012)

[Na Arábia Saudita], sunitas ocupam áreas urbanas e dominam os centros de poder e os xiitas configuram a parte pobre e marginalizada da população. O fato deste último grupo habitar a área onde praticamente toda a riqueza do país está concentrada é motivo mais do que suficiente para as monarquias promoverem um regime repressor e tentarem estimular a migração de sunitas para a região. (FRANCO, 2012, 2012, p. 7)

Com estas informações, para Palazzo (2014, p.165), “o sunismo se

estabeleceu, desde os seus primórdios, associado a um estado centralizado e

burocraticamente organizado em torno de uma corte absolutista com uma clara

autoridade político-militar que era exercida pelos califas”. Tais explanações auxiliam

no entendimento da preocupação desta vertente em manter os xiitas sob julgo e de,

ainda hoje, haverem disputas sobre quem deve deter a supremacia sobre o povo

muçulmano-islâmico.

Afora os fatores regionais e religiosos, outros elementos são igualmente

significativos para a compreensão da dinâmica no Oriente Médio contemporâneo.

Dentre eles está a intervenção estrangeira e, primeiramente, a interposição

estadunidense na região. Sobre isso fala o tópico a seguir.

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2.3.3 Interferência norte-americana no Oriente Médio

Um excelente exemplo da interferência norte-americana no Oriente Médio

provavelmente venha do período da Guerra Fria. Com a transformação do petróleo

em uma significativa fonte de matéria-prima para os mais diversos fins, e com as

descobertas de importantes jazidas na Península Arábica, os EUA passaram a

considerar o local como estratégico para manutenção de sua hegemonia e, por

conseguinte, da segurança nacional. A zona também atuava, e atua, como ponto

chave de ligação entre Oriente e Ocidente, conforme aponta Ebraico (2005):

O Golfo Pérsico, o coração energético mundial, era de grande importância estratégica para os EUA. Esta região possuía dois terços das reservas mundiais de petróleo e era responsável pelo suprimento energético da Europa Ocidental e do Japão, os aliados mais fortes dos EUA no contexto de Guerra Fria. (EBRAICO, 2005, p. 46)

Deste modo, na tentativa de manter o maior número possível de aliados

políticos, a superpotência mundial fez uso de planos de assistência econômica e/ou

militar e de acordos bilaterais e multilaterais com os Estados daquele ponto

geográfico. Tais planos visavam não só manter um campo de poder dentro destes

países, mas conter o florescimento de movimentos nacionalistas e revolucionários

surgidos durante o processo de descolonização que poderiam favorecer a URSS.

(OLIC, 1991) Dentro destas estratégias estava também a relação de cooperação

estabelecida com os dois “pilares” do Oriente Médio, Arábia Saudita e Irã – os dois

maiores exportadores de petróleo do século passado.

A Arábia Saudita, por exemplo, na criação de seu Estado era um dos

países mais pobres do mundo, sendo a descoberta de petróleo no ano de 1938 o

passe para recuperação econômica do país financiada pelos Estados Unidos. A

sobrevivência da monarquia, portanto, só foi possível graças ao empréstimos norte-

americanos, o que deu início a importante parceria estratégica entre os dois países

que perdura até hoje (SPOHR, 2013):

A relação foi então fortalecida através de empréstimos concedidos aos sauditas a partir de 1943 no intento norte-americano de manter o país com as maiores reservas do mundo próximo e dependente. E esta aliança “garantiu a preservação dos interesses estadunidenses sobre a comercialização do petróleo no mundo, apesar de certas tensões na negociação de preços, especialmente na década de 1970”. (SPOHR, 2013, p. 44)

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Assim, no contexto de Guerra Fria, com a invasão soviética ao

Afeganistão, a Revolução Islâmica de 1979 e a Guerra Irã-Iraque, as crises ocorridas

no Golfo Pérsico se mostraram uma grande ameaça ao balanço global positivo dos

EUA. (EBRAICO, 2005)

As armas soviéticas, bem como a influência da URSS nos países em

desenvolvimento na década de 1970, cresceram de forma a preocupar o Ocidente,

principalmente porque boa parte de onde a atual Rússia exercia influência,

encontrava-se próxima ao Golfo Pérsico. (EBRAICO, 2005)

Anteriores a isso estavam a retirada da Grã-Bretanha do Oriente Médio, e

do Canal de Suez no Egito, e a seguinte crise do petróleo em 1973; o que levou à

consideração de que haveria um vácuo de poder perigoso na região. Logo

Washington, no governo do Presidente Nixon, desenvolveu uma política para limitar

o aumento dos preços do barril de petróleo e para manter-se sempre próximo dos

assuntos da Península Arábica. Este acordo entre EUA, Irã e Arábia Saudita ficou

conhecido como Surrogate Strategy e garantiu o equilíbrio geopolítico na região até

a Revolução Islâmica. (CORREIA, 2009). Para entender isto, Ebraico (2005)

esclarece que: “o Irã era o segundo maior exportador do Golfo Pérsico, e em

conjunto com a Arábia Saudita representava 48% das exportações da OPEP. ”

(EBRAICO, 2005, p. 52).

Esta estratégia também visava impedir que um líder regional surgisse

contra os interesses americanos; dessa forma, Arábia Saudita e Irã, serviriam como

guardiões dos interesses ocidentais em troca de substancial assistência militar dos

EUA e orientação estratégica. (EBRAICO, 2005)

Demonstração desse acordo foram as bases militares estadunidenses por

anos mantidas em território saudita, que só foram encerradas em 2003, após a

invasão do Iraque. O relacionamento dos dois Estados também foi fundamental para

a segurança da Arábia Saudita em uma área do mundo de fortes rivalidades, e a

cooperação militar com Washington certamente ofereceu vantagens para o país.

(SPOHR, 2013)

O modelo foi seguido até 1979 e segundo esta política os EUA venderam

armamentos para o projeto do Xá Reza Phalevi no Irã de transformar seu país numa

potência bélica. Para tal, foram comercializados mais de US$ 20 bilhões em

armamentos sofisticados na década de 1970, construindo em poucos anos uma

potência militar. (EBRAICO, 2005)

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Ironicamente, todo este poderio não foi o suficiente para que o Irã

enfrentasse seu maior inimigo: seu povo, fazendo com que o regime do Xá caísse

em 1979 e assim, fosse finda a aliança EUA-Irã.

A Arábia Saudita era fraca militarmente para manter a Surrogate Strategy

sem o Irã e os EUA tiveram que assumir um papel mais direto no Golfo Pérsico para

garantir a manutenção de seus interesses.

Portanto, em meados da década de 80, receoso de que o provimento de

petróleo fosse prejudicado novamente, o presidente americano Jimmy Carter

declarou que qualquer coação externa ao Golfo Pérsico seria considerada um

constrangimento aos interesses vitais dos Estados Unidos e que este seria reprimido

por todos os meios necessários; inclusive militares. Este princípio de defender o uso

da força ficou conhecido como “Doutrina Carter” e marcou a mudança das relações

entre EUA e Oriente Médio que desde o fim da Segunda Guerra era pautada na não

intervenção direta por poderio militar. (EBRAICO, 2005; FUSER, 2006)

Atualmente, embora os EUA tenham desenvolvido tecnologia e reduzido

consideravelmente a dependência do petróleo da OPEP, a commodity ainda é de

suma importância para as grandes potências mundiais, muitas aliadas ao país.

(EBRAICO, 2005)

Depois, a partir de 1980 e já no governo de Ronald Reagan, aconteceu o

conflito entre Irã e Iraque. E os EUA, embora fortemente criticados por Khomeini

(também respondiam da mesma maneira na mídia), fizeram um acordo com o país

no qual venderiam armas para o Irã. Ao mesmo tempo, na América Central, a

potência ocidental poiava um grupo armado terrorista na Nicarágua chamado os

Contras, para evitar que este último Estado se tornasse socialista.

Conforme cita Olic (1991):

Os EUA por terem criado uma grande rede de interesses não só junto aos países do Oriente Médio, mas também por quase todo o mundo, ficaram numa situação curiosa: não havia possibilidade de defender todos os interesses ao mesmo tempo, assim como não era possível abandoná-los sem correr o risco do avanço da influência soviética. (OLIC, 1991, p.21)

Neste cenário com duas frentes de atuação, o presidente americano e

sua administração criaram um projeto chamado Irã-Contras, o qual objetivava: maior

aproximação entre o Estado americano e o Aiatolá Khomeini; conseguir a libertação

dos reféns de xiitas no Líbano e financiar os Contras uma vez que as armas

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vendidas para este grupo seriam revendidas duas ou três vezes mais caras por eles

ao Irã. (EBRAICO, 2005). Esta operação foi desaprovada pelo Congresso americano

e, portanto, realizada em segredo.

Importante reforçar que em vez de ajudar o Irã simplesmente, a intenção

principal dos EUA era manter o pluralismo geopolítico no Golfo Pérsico, já que o país

também vendia armas e oferecia auxilio estratégico e militar ao Iraque.

Uma vez que a Surrogate Strategy havia sido abandonada, o vácuo de

poder no Oriente Médio facilitaria a realização de manobras favoráveis aos

interesses “nacionais” estadunidenses (EBRAICO, 2005). Tal estratégia, embora os

tempos tenham avançado, ainda é fortemente aplicada e isso é demonstrado não só

nos entendimentos da Teoria do Dilema de Segurança, mas também exemplificados

nos conflitos observados na região árabe até hoje.

Com o fim da Guerra Fria e a invasão do Kuwait, EUA emitiram em vinte

de agosto de 1990 a Diretriz de Segurança Nacional nº 45, que versava sobre o

Golfo Pérsico. Em suma o documento dizia que o acesso do petróleo aos EUA e aos

“Estados amigos” era de importância vital a segurança nacional e que o país se

comprometia a defender seus interesses, inclusive com o uso da força contra

“interesses hostis”. Conforme aponta Fuser (2006, p. 29-30):

O verdadeiro desafio aos “interesses vitais” dos EUA no Golfo Pérsico não veio de uma superpotência com bombas nucleares e sim do Iraque de Saddam Hussein – um país subdesenvolvido em busca da hegemonia regional, que invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990 (...) O inimigo declarado na NSD-45 já não era mais um rival externo e, sim, algum ator político do próprio Golfo Pérsico que desafiasse os “interesses vitais” dos EUA.

Esta invasão ameaçava tanto o suprimento de petróleo quando o

equilíbrio no Oriente Médio. Assim, Estados Unidos deram cabo ao aviso de intervir

diretamente no Oriente e, junto com diversas outras potências do mundo, criou uma

coalisão para retirada das forças iraquianas do Kuwait. Entretanto, o retorno do

domínio do Kuwait por seu original regime não resolvia por definitivo os problemas

enfrentados pelos EUA localmente. Diz Fuser (2006):

Com o fim do conflito, a derrota do Iraque não resolveu o desafio estratégico de garantir a “segurança” regional a partir do ponto de vista de Washington. O Irã, que se manteve à margem do conflito, permaneceu um adversário dos EUA e a Arábia Saudita não possuía nem a capacidade militar nem a disposição para exercer a hegemonia regional em apoio aos interesses

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norte-americanos. O impasse levou o governo de Bill Clinton a adotar a política da “dupla contenção” (dual containment), voltada simultaneamente contra o Iraque e o Irã. Dessa maneira, os EUA garantiam uma justificativa para a presença militar nessa região vital para os seus interesses, conforme prescreve a Doutrina Carter. (Fuser 2006, p. 30)

Seguindo a tendência dos governos estadunidenses, o governo de Bill

Clinton reafirmou a prioridade estratégica ao controle das fontes externas de

petróleo. Em 1997, o secretário de Defesa William Cohen incluiu entre os interesses

vitais dos EUA a garantia do acesso desimpedido a mercados chaves, suprimentos

de energia e recursos estratégicos. Essa preocupação ganhou grande saliência no

governo de George H. W. Bush (“Bush pai”), antes mesmo dos ataques terroristas

de 11 de setembro. (FUSER, 2006)

Em 2001, a mudança de governo estadunidense para a liderança de Bush

H. W. trouxe mais um elemento à política dos EUA para com o Oriente Médio: o

Relatório Cheney. Este relatório falava sobre a política energética americana e

sugeria o ‘fortalecimento das Alianças Globais” – o que significava na prática a

obtenção de acesso a fontes e petróleo no exterior, diz Fuser (2006, p. 34), “com

ênfase na remoção de obstáculos políticos, econômicos, legais e logísticos”. Uma

dessas recomendações era que o governo dos EUA pressionasse países a

revogarem parcial ou totalmente as leis adotadas no período da nacionalização das

concessões petrolíferas (estas estabelecem o monopólio dos seus respectivos

Estados nacionais na exploração das reservas de petróleo). (FUSER, 2006)

Quanto as relações com a Arábia Saudita, estas se mantem fortes até os

dias de hoje; mas no período imediatamente após os atentados de 11 de setembro

de 2001, em que aviões sequestrados pela al-Qaeda atacaram as torres Gêmeas de

Nova York a mando do saudita Osama Bin Laden (frisa-se que Bin Laden se dizia

contra o regime monárquico Saud também, devido ao fato de este ser aliado dos

EUA no Oriente Médio. O visto saudita de Bin Laden foi revogado em 1994 e ele

vivia no exílio, portanto não tinha relação com os interesses do governo central).

Estes ataques provocaram uma onda de repúdio e preconceito contra os árabes e

os muçulmanos. Afora isso, as relações têm sido tranquilas entre o país árabe e os

americanos. Inclusive, a dificuldade causada pelo terrorismo foi amenizada com a

adesão dos sauditas da Guerra Contra o Terror. (SPOHR, 2013)

Por conseguinte, estas colocações demonstram que os EUA têm como

objetivo primordial, ainda nos dias atuais, a manutenção do acesso ao petróleo para

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si e para aliados, independente de considerações acerca de soberania de Estados e

autonomia de vontades. Se preciso for, como constantemente tem feito ao longo dos

anos, seja através de guerras proxy, financiamentos ou mesmo intervenções diretas

(e desaprovações da ONU), todas as ações serão tomadas para que o Status quo

em favor da potência hegemônica continue imutável.

Logo, os interesses estratégicos da potência americana, bem como de

demais países, só demonstram o quanto a situação é complexa e que as soluções

de problemas políticos e regionais não são nada fáceis. Talvez este fator ajude a

explicar porque as nações nativas do Oriente Médio tendem a recorrer tão

frequentemente à guerra na busca por resoluções para seus problemas.

Considerando as explanações acerca dos assuntos pertinentes a política

internacional e também a política econômica internacional, faz-se possível que

sejam discorridos os principais conflitos ocorridos no Oriente Médio a partir de 1979.

Portanto, o trabalho, deste ponto em diante, procurará descrever como se

deram algumas contendas na zona oriental árabe.

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3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-CRISE DE 1979

Para atingir o segundo objetivo do trabalho, este capítulo visa, além de

descrever de forma breve os principais conflitos no Oriente Médio desde 1979 e a

Segunda Crise do Petróleo, demonstrar o papel exercido pelos dois atores

estudados nas contendas aqui descritas. Desta forma, far-se-á viável o

entendimento da influência de ambos os Estados na região onde se localizam.

Portanto, antes de se dissertar sobre a crise do petróleo em si, é

importante entender o que deflagrou a instabilidade no mercado internacional do

petróleo, causando pela segunda vez na mesma década, alta de preços. E a causa

teve início político.

3.1 REVOLUÇÃO ISLAMICA DE 1979 E A CRISE DO PETRÓLEO

Segundo Silva (2015), até o ano de 1978, o Irã foi aliado dos Estados

Unidos, detendo uma série de acordos militares com os norte-americanos e estando,

ao final da mesma década, entre os dez maiores arsenais militares do mundo.

Entretanto, ainda de acordo com o autor, enquanto a política externa do

país prosperava no que concerne relacionamento com grandes potências,

internamente, a política de modernização, as custas do mercado interno e do povo,

aplicada pelo Xá Reza Phalevi, governante e ditador do país, desencadeou, em

meados de 1978 e início de 1979, uma rebelião popular liderada por dirigentes

religiosos – particularmente o Aiatolá Ruhollah al-Khomeini, que vivia exilado em

Paris – e por frentes políticas de esquerda. A saber, a Frente Nacional, pelo partido

marxista Tudeh e pelas organizações político-militares dos Fedayins (nacionalistas)

e dos Mujahedins (combatentes religiosos fundamentalistas). (PEREIRA, 2008)

Especificamente, Hobsbawm (2006) explica:

A derrubada do Xá do Irã em 1979 foi a maior das revoluções da década de 1970. Reza Phalevi tentou implementar um programa relâmpago de modernização e industrialização do país, apoiado pelos Estados Unidos, em virtude da riqueza petrolífera do Irã. Porém, ‘o Xá dependia cada vez mais de uma industrialização financiada pelo petróleo, a qual, incapaz de competir no mundo, era promovida e protegida internamente’. A indústria que se formou era deficiente e eram necessárias importações maciças de gêneros alimentícios, têxteis e, inclusive, armamentos, o que elevou muito a inflação iraniana. (HOBSBAWM, 2006, p. 440 apud PEREIRA, 2008, p.60)

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O sentimento de frustação e revolta direcionado ao ditador Phalevi e aos

EUA apoiava-se primeiramente na Crise de 1953 quando o primeiro-ministro

Moahamed Mosadegh, líder escolhido pelo povo em uma eleição democrática contra

Reza Phalevi, foi deposto do poder através de golpe militar arquitetado pelos

americanos e pelo serviço secreto inglês, insatisfeitos com a nacionalização das

petrolíferas promovida pelo dirigente iraniano. Em seu lugar, foi alçado ao poder

novamente, Reza Phalevi. (TRAUMANN, 2015)

Segundo Traumann (2015), em 1962 o xá passou a demonstrar apoio à

Israel, sendo recompensado com pesados investimentos vindos do Ocidente, mas

sem encontrar acolhimento pelas massas iranianas, favoráveis aos palestinos.

Ademais, os lucros adquiridos pelo governo, em vez de serem reinvestidos em

programas sociais, eram utilizados para desenvolvimento de tecnologia militar. As

consequências foram: o Irã se tornar o maior comprador bélico dos EUA, o êxodo

rural pela falta de suporte a população mais necessitada, aumento das favelas em

torno dos grandes centros urbanos e, principalmente, crescimento do abismo entre a

elite (ocidentalizada) e os pobres (tradicionalistas). “À título de exemplo, às vésperas

da revolução de 1979, apenas 1% da população concentrava 80% da renda privada

do país”. (JORNAL DO BRASIL, 1979 apud TRAUMANN, 2015, p. 5).

Assim, o regime do ditador sofreu forte oposição de intelectuais, marxistas

e religiosos, tornando-se cada vez mais autoritário e opressor. Em 1975, a polícia

invadiu uma escola religiosa durante um protesto dos estudantes, atirou um deles do

telhado, matando-o, e fechou a instituição em clara demonstração de que

contestações não seriam toleradas. (TRAUMANN, 2015)

Neste contexto, diversos iranianos se voltaram para os líderes religiosos

em busca de auxílio, dando eco cada vez maior a voz do Aiatolá Ruhollah Khomeini

que havia sido preso em 1963 por ideias contrárias ao regime e exilado no Iraque.

Posteriormente, a pedido do próprio xá iraniano, Khomeini foi expulso do país

vizinho e encontrou exilio em Paris. (TRAUMANN, 2015)

Com desgosto para com os EUA e, consequentemente, tudo relacionado

ao ocidente, a ideia de um governo islâmico total promovida pelo líder xiita da

oposição ganhou a simpatia do povo e principalmente dos jovens, que eram

influenciados a participar de manifestações contra o governo através de fitas-

cassetes gravadas e enviadas da França. (PEREIRA, 2008)

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Mas a atmosfera tensa entre governo e população só atingiu níveis

críticos no final de 1977 com a morte por envenenamento de Mustafá, filho de

Khomeini, no Iraque, e com a proibição de manifestações de luto no Irã. A suspeita

era de que a Savak (polícia secreta iraniana) estava por trás de sua morte.

(TRAUMANN, 2015). O cenário estava armado e qualquer faísca poderia dar inicio

ao fim do regime ditador.

Foi o que aconteceu no ano seguinte, quando, em um erro crasso de

estratégia, Reza Pahlevi mandou distribuir panfletos que acusavam o Aiatolah

Khomeini de trabalhar para o serviço secreto inglês, pondo em dúvida sua

moralidade. Isto fez com que milhares de estudantes saíssem às ruas em busca de

liberdade de expressão e pedindo, dentre outras coisas, o retorno de Khomeini ao

Irã. Depois, a morte de 400 pessoas em um incêndio de um cinema (também

atribuída a Savak) e ainda a morte de mais 900 em um massacre contra a população

que protestava, tornaram a revolução irrefreável. (TRAUMANN, 2015)

Com isso, em janeiro de 1979, sem resistir à pressão popular e com o

retorno de Khomeini depois de quatorze anos vivendo fora, o ditador Xá Reza

Phalevi fugiu para o Egito abandonando o cargo político. Em 11 de fevereiro do

mesmo ano, caiu o último representante da monarquia, com a deposição do primeiro

ministro Shapour Bakhtiar e a tomada do Palácio Imperial pelos rebeldes. As forças

armadas recuaram para evitar serem aniquiladas pela insurreição e aderiram ao

novo regime, que eliminou a cúpula de mando anterior, mas conservou o essencial

da sua estrutura. Teve início um período de disputas internas pelo poder que

envolveram a própria sucessão de Khomeini como condutor espiritual do país, fator

que paralisou o processo de mudanças iniciado com a derrubada do Xá. Enquanto

isso, as relações com os Estados Unidos foram fortemente abaladas (estudantes

iranianos tomaram funcionários da Embaixada norte americana como reféns em

protesto ao acolhimento de Reza Pahlevi em território americano) e Estados Unidos

e Irã romperam suas relações diplomáticas. (OLIC, 1991)

Schilling (2011) elucida quanto a situação:

O exército dissolveu-se, assim como a Savak, a polícia secreta, e a Majlis, a assembléia dos deputados que sustentavam o regime deposto. Todo o sistema politico-militar iraniano, apoiado pelo Ocidente desde 1953, ruíra como um castelo de cartas, assombrado pela fúria das multidões que saíram as ruas de Teerã pedindo a cabeça do Xá. Porém, a euforia durou pouco. A luta eclodiu entre as várias agrupações de esquerda e os líderes

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religiosos. Não demorou para que a balança se inclinasse para os aiatolás, os guias espirituais do povo iraniano. Enquanto isso a sociedade era varrida de cima a baixo de todos os símbolos que podiam identificá-la com os valores ocidentais. (SCHILLING, 2011)

Então, em 1979 estabeleceu-se uma República Islâmica no lugar da

antiga monarquia, com leis conservadoras inspiradas no Islamismo e com o controle

político nas mãos do clero. Este regime tinha como Chefe Máximo do Irã o Aiatolá

Ruhollah Khomeini. Os Governos iranianos pós-revolucionários, criticaram o

Ocidente e os Estados Unidos da América, em particular, pelo apoio dado pelo

antigo líder. Assim, acordando com Schilling (2011):

A Revolução Iraniana de 1979 é a matriz do renascimento do fundamentalismo islâmico, seja de inclinação xiita ou sunita, no Oriente Médio e na Ásia Central. Desde 1979, com a derrota das forças do Xá da Pérsia e a ascensão do aiatolá Khomeini, uma visão mais estreita, teocrática, xenófoba e anti-moderna passou a imperar na região inteira. A vitória das massas iranianas, desarmadas, sobre um exército poderoso, municiado e treinado pelos Estados Unidos, infundiu uma notável confiança nos setores mais atrasados das sociedades islâmicas. Se tal feito era impensável, a vitória do movimento liderado pelos fundamentalistas alterou radicalmente as perspectivas. De minoritários, eles passaram a ser predominantes, tendo como inimigos os governos islâmicos que se propõem a colaborar com o Ocidente ou com a Rússia, e no fronte externo contra Israel, os Estados Unidos, a Rússia e a Índia. (SCHILLING, 2011).

Posteriormente, houve tentativas de exportar a Revolução Islâmica e

apoio a grupos militantes anti-Ocidente, como o Hezbollah, do Líbano, mas a

Revolução Islâmica de 1979 não gerou o tão temido efeito dominó do levantamento

das massas, porém uma desconfiança dos países fronteiriços, a exemplo do Iraque

que tinha boa parte da população xiita, e próximos. Atualmente, o Irã está

plenamente ciente do seu isolamento internacional, o que o faz perseguir uma

política de aproximação com os demais países da região, não sendo conveniente a

criação de inimizades com seus vizinhos (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2011

apud FRANCO, 2012; OLIC, 1991):

Após a Revolução antimonárquica de 1979, o Irã passou a ser considerado o maior inimigo dos países do Golfo, pois muitos deles alegaram haver sofrido tentativas iranianas de exportar a sua revolução. O Bahrain teria sido, inclusive, uma dessas supostas vítimas. (FRANCO, 2012, p. 21)

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De acordo com o Estado, a Revolução Iraniana foi uma revolução

islâmica, e não uma revolução xiita como muitos países árabes alegam.

Porém, para Franco (2012, p.13) “o país prefere projetar-se como um

defensor do pan-islamismo em geral, sem sectarismos, colocando-se como inimigo

apenas do imperialismo, dos Estados Unidos e de Israel”.

Além do distanciamento entre o Irã e o mundo ocidental, a crise política

iraniana desorganizou todo o setor produtivo do Estado e acabou interferindo na

produção de petróleo do país, importante membro da OPEP e segundo maior

exportador da organização atrás da Arábia Saudita. Tal fato, associado ao início da

Guerra Irã-Iraque, foi responsável pela chamada 2ª Crise do Petróleo, que fez o

preço do barril saltar de US$ 5 o preço oficial para US$13,33 e depois, em 1980,

para US$ 30. (SOUZA, 2003; PEREIRA 2008)

Quanto ao cenário mundial, considerando o ponto de vista econômico, é

possível dizer também que o consequente Choque do petróleo de 1979 teve um

motivo muito mais especulativo internacionalmente do que de mercado, uma que vez

que a confirmação da revolução islâmica no Irã e a suspensão do abastecimento

devido a greves de operários contra o regime, causaram medo de que houvesse

falta de abastecimento de petróleo no futuro e, assim, uma compra excessiva da

commodity por parte dos países consumidores e das grandes indústrias. Essa

aquisição além do consumo previsto, associada à especulação, levou a mais um

exacerbado aumento de preços. (SOUZA, 2003) Aborda Souza (2003):

No começo de 1979 o petróleo iraniano começou a voltar ao mercado mundial, embora em níveis menores que antes. Nesse mesmo ano a produção da OPEP estava de volta aos 31 milhões de barris diários, o que mesmo computando a interrupção da produção iraniana, era de 3 milhões acima da média de 1978. (SOUZA, 2003, p. 42)

As alterações ocorridas no Irã não só foram determinantes para definir as

diretrizes do país dali em diante, mas para consolidar o antigo rival, Arábia Saudita,

como grande parceiro dos americanos no Oriente ao lado de Israel. (CAIRUS, 2015)

A partir de 1980, o Irã e o Iraque enfrentaram-se numa guerra destruidora

que durou oito anos e pôs em risco tanto o abastecimento mundial de petróleo

quando o equilíbrio político internacional.

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3.2 GUERRA IRÃ-IRAQUE

Antes de adentrar ao conflito em si, é importante para o entendimento das

razões iraquianas, explicar rapidamente o contexto do Iraque na época: o país era

uma “república” controlada pelo partido Baat (partido socialista da ressureição árabe

de origem sunita) que tinha como líder Ahmad Hasan al-Bakr. Ao seu lado, o braço

direito, governava Saddam Hussein e ambos conduziam politicamente o país.

Em coincidência com o momento histórico no Irã, no ano de 1979 foram

convocadas as primeiras eleições nacionais no Iraque após a deposição da

monarquia em 1958. Na prática era necessário preparar Saddan Hussein como

sucessor a al-Bakr, visto que o segundo estava doente. Para tal, Hussein precisava

se legitimar com os militares e assegurar sua liderança em alguns setores do

partido. (EBRAICO, 2005)

Em adendo, salienta-se que a maior parte da população iraquiana era (e

ainda hoje é) xiita; o que preocupou o regime, tendo em conta que o país era

dominado por uma minoria sunita. “Os xiitas representavam nos anos oitenta 65 a

70% da população, e 10% eram Curdos. A elite árabe sunita de Bagdá era uma

minoria em seu próprio centro de poder, respondendo a não mais que 20% da

população”. (EBRAICO, 2005, p.55). Além disso, a efervescência de fenômenos

ocorrendo no vizinho causou também comoção no Iraque. O Aiatolá Khomeini tentou

se aproximar desta população xiita não representada através do iraquiano, Aiatolá

Mohammed Baqr al Sadr, decidido defensor da revolução islâmica nos países

árabes – este por sua vez foi preso e executado em 1980. Esta intervenção do Irã

em “assuntos nacionais” foi tida como uma ação externa nos interesses do país,

deteriorando a relação entre os dois Estados.

Desta forma, para se aproveitar da situação, um possível conflito entre os

Atores “era visto por Saddan Hussein como uma oportunidade de formar a coesão

nacional necessária para legitimar seu governo. Uma guerra teria a capacidade de

abafar as dissidências internas de curdos e Xiitas”. (EBRAICO, 2005, p. 55) Além

disso, vencer uma guerra contra o Irã e tomar territórios produtores de petróleo,

maior ponto de refinarias iranianas, tornaria o Iraque uma potência no Golfo, líder

regional do Oriente Médio e ainda o país mais rico em petróleo do mundo.

(BERTONHA, 1996)

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Portanto, utilizando-se do momento de confusão generalizada no Irã, o

ditador iraquiano Saddam Hussein, apoiado pelo Ocidente, visava atacar o vizinho

com o pretexto de que o seu governo não inspirava confiança, visto que procurava

“exportar” a revolução para outros países do Oriente Médio.

Com ato de guerra em vista, de acordo com Ebraico (2005), em junho de

1979, Iraque invadiu as fronteiras do Irã durante operações contra dissidentes

curdos. A partir daí os dois governos seguiram trocando farpas até abril de 1980,

quando Irã retirou todo seu corpo diplomático do Iraque e ambos os países

colocaram as forças armadas em alerta.

Os demais regimes do Golfo foram em defesa do Iraque temendo a expansão da revolução promovida pelo Aiatolá no Irã. (...). No fim de maio o conflito armado teve início, a força aérea iraquiana atacou o Irã num território próximo a Qasr-e-Shirin, e a partir deste momento, ataques violentos entre os dois países se seguiram. (EBRAICO, 2005, p. 57)

A intenção do Estado iraquiano era obter vantagem do enfraquecimento

interno do Irã e da desorganização das forças armadas, bem como do isolamento do

país, para recuperar o domínio do Estreito de Chatt Al Arab (saída do rio de mesmo

nome para o Golfo Pérsico) perdido em 6 de março de 1975 através do Acordo de

Argel, que cedia a margem esquerda do rio da região ao Irã e dividia o local entre as

duas nações. Esta fronteira era de extrema importância para o Iraque uma vez que

era a única forma de escoamento do petróleo do país. (OLIC, 1991; EBRAICO,

2005) MAPA

É importante dizer que devido a rixa de longa data por Chatt Al Arab, Irã

chegou a auxiliar, entre as décadas de 1960 e 1970, os curdos nos conflitos entre o

governo oficial do Iraque e rebeliões da minoria étnica. Da mesma forma fez o Iraque

para tentar desestabilizar o governo central do vizinho. (OLIC, 1991)

A cessão da margem do rio foi estabelecida, portanto, na esperança que

o xá iraniano deixasse de apoiar as rebeliões curdas no Iraque. (EBRAICO, 2005)

Assim, em setembro de 1980, depois de alguns ataques trocados entre as

tropas, no dia 22 de setembro, aviões iraquianos atacaram alvos dentro do Irã muito

além das fronteiras. O Iraque reuniu forças e realizou uma massiva invasão ao Irã,

dominando, até 1982, cerca de 10.000 quilômetros do território iraniano. No ano

seguinte, o Irã recuperou quase todo o território perdido e chegou a tomar alguns

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locais no Iraque, fazendo com que, em 1983, a guerra entrasse em um relativo

equilíbrio de forças. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)

Para que isto fosse possível, o regime de Assad na Síria, aliada

estratégica do Irã, mandou diversos carregamentos de armas soviéticas ao Teerã

através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de

inteligência sobre as capacidades de Bagdá. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Além de apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando

a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o

Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio

IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário

do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a

guerra. A Síria se mostrou fundamental para o Irã conseguir virar a sorte contra o

Iraque, o que ocorreu entre 1981-82. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Neste interim atuava os EUA com fins de preservar seus “interesses

nacionais” na região chamada de o coração do mundo, dada sua importância

estratégica não só para a potência ocidental, mas para todos os seus aliados,

principalmente os europeus e o Japão. E também para seus inimigos, a URSS.

Os americanos agiam de forma a ajudar o Iraque, devido ao medo de que

a Revolução Islâmica espelhasse insurreições nacionalistas pelo Oriente Médio,

diminuindo a influência norte-americana no local e, por consequência, aumentando a

influência russa justamente onde era produzido o combustível que fazia girar os

motores do globo industrializado. Por razões obvias, o país também não podia

ajudar um Estado que o declarou inimigo e “a cabeça da serpente ocidental”.

(EBRAICO, 2005)

Entretanto, em manobras escusas, o Governo de Ronald Reagan,

enquanto discursava contra o Irã para a imprensa, desenvolveu um programa de

ações chamado Contra-Irã que permitia a venda de armas ao país persa através de

Guerrilheiros na Nicarágua. Assim, o país hegemônico do mundo ocidental se dizia

neutro (para evitar intervenção direta da URSS no Oriente Médio), mas também

auxiliava ambos os lados do conflito. Um deles abertamente, o Iraque, e o outro de

forma velada na tentativa de recuperar seu antigo aliado na região. Claro que a

intenção dos EUA era, acima de tudo, a derrota do Irã e a retomada “do controle”

sobre o país. (EBRAICO, 2005). Ademais, manter o Oriente Médio instável

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impedindo o surgimento de uma potência regional, auxiliava na manutenção do

poder americano naquela área.

Tendo dificuldades para avançar a terminar com as batalhas, Iraque

decidiu pôr em prática uma nova estratégia de se manter a qualquer custo: fazer uso

de armas de destruição em massa, bombardear alvos civis, poços de petróleo e

navios que tentassem se abastecer da commodity nos portos iranianos para, assim,

cortar a fonte que possibilitava a compra de armas do país persa. A resposta não

ficou por menos: alvos civis iraquianos também sofreram ataques em algo que a

empresa chamou de “guerra de cidades”. (OLIC, 1991)

Houve neste período também um pedido do Irã para que a ONU

verificasse o uso de armas químicas, condenadas desde 1925 no Protocolo de

Genebra, por parte do Iraque; fato que, apesar de confirmado por uma comissão

enviada pela Organização, não fez com que resolução alguma fosse tomada pelo

Conselho de Segurança. “Os membros do Conselho da ONU atribuíram ao Irã a

responsabilidade pela continuação da guerra, e acreditavam que ‘sob as mesmas

circunstancias, outros, talvez eles, pudessem usar tais armas’”. (KING, 1987, apud

EBRAICO, 2005, p. 68)

Então algo de dimensões internacionais aconteceu: a guerra foi ao mar.

Iraque anunciou que todo país que pretendesse abastecer no Irã seria alvo de

ataques. Irã retrucou dizendo que quem se dirigisse ao Golfo Pérsico poderia ser

afundado. Navios de guerra de diversas nações fortes passaram a escoltar as

embarcações para abastecimento de petróleo na região. Esta parte do conflito ficou

conhecida como “guerra dos petroleiros”.

Vale frisar que, ainda que o objetivo declarado dos EUA no conflito fosse

“manter-se imparcial e proteger as nações amigas”, a participação do país

americano foi determinante para seu desfecho, pois os navios norte-americanos

destruíram pelo menos duas plataformas petrolíferas off-shore e uma boa dezena de

navios de guerra iranianos. (EBRAICO, 2005)

Em 1988 a falta de perspectiva de vitória em ambos os lados levou a um

acordo orquestrado pela ONU. O fim da guerra manteve as fronteiras internacionais

sem nenhuma mudança e teve como resultado um saldo muito negativo para ambos

os Estados soberanos, embora tenha transformado o Iraque em uma potência bélica

que terminou por atacar o Kuwait dois anos depois. Para o Irã, a morte de Khomeini

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em 1989 e a necessidade de recuperar o país levou-o a adotar uma postura política

mais moderada. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)

“O Irã gastou 220 bilhões de dólares para manter seu esforço de guerra, na qual ele teve, além disso, 300 mil mortos e 600 mil mutilados. (...) O Iraque também estava esgotado (180 bilhões de dólares gastos, 200 mil mortos e 400 mil mutilados), mas a situação econômica era ainda pior que a do Irã devido a um agravante, a dívida externa” (BERTONHA, 1996, p. 118)

Com a dívida externa extremamente alta e a falta de perspectiva de tê-la

perdoada, o Iraque acabou por enxergar uma saída mais fácil de seus problemas:

invadir o Kuwait (maior credor do país, junto com a Arábia Saudita), apoderar-se de

seus recursos de petróleo e, ainda, melhorar sua posição estratégica no Golfo

Pérsico. E assim o fez em 1990.

3.3 GUERRA DO GOLFO

Conforme visto, durante todo o período que esteve em guerra contra o Irã,

o Iraque teve apoio tanto das potências mundiais, quanto de vários países no

Oriente Médio receosos com a revolução xiita. O país recebeu neste tempo enormes

quantias em dinheiro e modernos armamentos viabilizados principalmente pela

URSS e vários países ocidentais. Em 1990, sua conta somava 90 bilhões de dólares

e seu maior débito era para com a monarquia do Kuwait a qual devia suntuosos 10

bilhões de dólares; fato preocupante para um país destruído da guerra e sem

recursos. (OLIC, 1991; BERTONHA, 1996)

Dada à situação e somados a isso fatores como desejo de Hussein em se

tornar o líder árabe do cenário internacional, suas pretensões anexionistas na região

e a necessidade do dirigente iraquiano em evitar uma crise política interna e manter

os baatistas no poder dentro de seu país depois de uma “não vitória” contra o Irã,

fez-se a próxima vítima: o Kuwait.

Em dois de agosto de 1990, contrariando as expectativas da maioria dos analistas internacionais, Sadam Hussein – militar iraquiano que, há quase duas décadas, governava o Iraque com mão de ferro – invadiu o Kuwait, dando inicio a uma grave crise na região do Golfo Pérsico. (OLIC, 1991, p.48)

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Com esta ação o país de Sadam poderia resolver seus problemas

imediatos “obtendo o perdão da dívida externa” com seu maior credor,

reabastecendo seus cofres com os dólares do Estado vizinho e ainda melhorando

sua posição estratégica com o aumento das reservas petrolíferas. (BERTONHA,

1996)

Internacionalmente, as principais justificativas para o ditador invadir o

vizinho foram: ampliar a saída marítima, uma vez que a sua única saída, Chatt al

Arab, além de compartilhada com o Irã, em decorrência da última contenda estava

praticamente inavegável devido aos destroços resultantes do conflito; a alegação de

que as fronteiras do mundo árabe foram definidas por europeus no início do século

XX e não eram “naturais” – no caso, o Kuwait deveria ser parte de uma colônia

iraniana; e a acusação de que o país ao sul da fronteira extraia petróleo (poços em

Raumailá-sul) na divisa entre os dois países e “absorvia” as reservas que estavam

do lado iraquiano. (OLIC, 1991)

Ademais o governante achou que não encontraria grande oposição

mundial, pois era aliado de quase todos os países ocidentais e árabes, detinha

grande poder bélico e as relações EUA e Kuwait não eram as melhores.

(BERTONHA, 1996)

Entretanto as pretensões do Iraque foram logradas internacionalmente,

uma vez que seus pretensos aliados diminuíram o apoio ao país com o fim do

conflito com o Irã e, assim, condenaram veementemente a ação do líder iraquiano e

moveram-se no sentido a reaver o “equilíbrio” da região asiática. Os EUA, como de

costume, tomaram para si a responsabilidade de defender a região.

Embora o discurso usual para a mídia tenha sido a defesa da liberdade de

um povo contra um tirano ditador, a pesquisa mostra que isto não procede e que, na

verdade, a preocupação americana era conter uma possível ascensão do Iraque

localmente e manter os preços do ouro negro. “Com a invasão do Kuwait, o barril do

petróleo que em meados de 1990 custava menos de 20 dólares, passou em poucas

semanas para aproximadamente 40 dólares”. (OLIC, 1991, p. 51)

No mais, segundo Bertonha (1996, p. 121):

“(...) tudo leva a crer que foram preocupações de ordem econômica e estratégica que levaram à intervenção. Washington não podia permitir que alguém como Hussein controlasse – tanto de forma direta como indiretamente, via intimidação dos emirados do Golfo – parte tão expressiva das reservas mundiais de petróleo; que o equilíbrio estratégico regional

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fosse alterado (...) – e nem que fosse aberto o precedente de uma nação pequena desafiar impunimente a ordem internacional. Por tudo isso os Estados se voltaram contra Bagdá. ”

Isto posto, foram deslocadas tropas, a principio americanas, fortemente

equipadas para o Golfo e foi montada uma barreira militar principalmente ao sul da

Arábia Saudita, próxima das fronteiras com Iraque e Kuwait, para impedir o avanço

das tropas iraquianas e para pressionar o governo beligerante. No inicio de 1991,

com a chegada de exércitos diversos, mais de vinte países mantiveram soldados de

coalisão prontos para confronto.

Enquanto isto, a nível diplomático, americanos e aliados conduziram um

embargo econômico total ao Iraque (ninguém vendia ou comprava mercadora

alguma do país).

Como a retirada iraquiana estava tardando a acontecer, em novembro de

1990, o Conselho de Segurança da ONU determinou prazo para que o Iraque

deixasse o território do Kuwait: 15 de janeiro de 1991. Tal resolução permitia o uso

de todos os meios necessários para que esta fosse cumprida. (BERTONHA, 1996)

Em sua defesa, Sadam Hussein tentou transformar a crise em uma luta

do Oriente versus o Ocidente, chegando a chamar os muçulmanos para o Jihad

(Guerra Santa) sob alegações de que os ocidentais estavam maculando o solo

sagrado do Islã – isto considerando que tropas americanas estavam alocadas

principalmente nas cidades sagradas Meca e Medina na Arábia Saudita. Ademais,

ele tentou chamar a atenção do povo árabe a seu favor, declarando que se fosse

atacado, seus primeiros mísseis iriam para Israel. (OLIC, 1991)

O Iraque, então, recusou-se a cooperar com as tentativas diplomáticas de

solução do problema até o dia do prazo final definido pela ONU, o que causou uma

ofensiva com intenso bombardeio sobre o território ocupado no Kuwait e sobre o

Iraque, conforme explicado por Bertonha (2006):

Os EUA e Aliados fizeram cerca de 100 mil ataques aéreos e despejaram cerca de 1 milhão de toneladas de bombas sobre o Iraque. Esse enorme volume de fogo foi dirigido contra alvos militares e estratégicos do Iraque: tropas, usinas de armas químicas e nucleares, alvos econômicos, etc. Com estes ataques, os EUA tencionavam forçar a retirada iraquiana e também cumprir o objetivo (...) de eliminar as fontes de poder militar de Sadam Hussein. (BERTONHA, 1996, p. 124)

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Para Hussein, desistir da guerra seria suicídio político, então a estratégia

passou a ser resistir, em vez de vencer, aguardando uma ebulição das massas

árabes contra os ocidentais e uma crise com o aumento do preço do petróleo que

forçaria os aliados ocidentais buscarem um acordo. Isto não aconteceu.

(BERTONHA, 1996)

Foi mais de um mês de ataques incessantes e quase exclusivamente

aéreos com pouca resistência oferecida. O contra-ataque veio em forma de mísseis

contra Israel e contra Arábia Saudita. E, em 23 de fevereiro, forças de coalisão

terrestre dos aliados entraram nas terras tomadas no Kuwait e chegaram até o sul

do Iraque. Só não foram até Bagdá por medo dos efeitos políticos.

Por fim, em 28 de fevereiro, os rádios na capital iraquiana anunciaram a

retirada de tropas do Kuwait e o acatamento das resoluções da ONU.

Este conflito se mostrou importante para o Oriente Médio porque tornou o

local mais seguro para Israel, uma vez que uma potência militar perigosa foi

bastante enfraquecida; mudou a balança de poder na região agora que o Iraque

levaria mais tempo para se recuperar, mas também fez com que os EUA se

tornassem mais influentes naquela zona.

Quanto ao cenário de pós guerra-fria, como diz Olic (1991):

A crise do Golfo mostrou que parte das alianças tradicionais criadas durante o período da Guerra Fria começava a desmoronar. Por exemplo, os EUA receberam o apoio da Síria, até então inimiga ferrenha da política norte-americana no Oriente Médio. O Irã, antigo inimigo do Iraque, mostrou-se reticente em tomar atitudes que pudessem prejudicar seu ex-adversário. Israel ficou, até certo ponto, à margem do assunto, por se tratar, originalmente, de uma crise entre países árabes. A OLP tomou atitudes francamente pró-Iraque. A URSS, que nas últimas décadas estivera do lado do Iraque, passou a apoiar, de forma discreta, as ações norte-americanas. (OLIC, 1991, p. 51-52)

Ademais, para o Irã o resultado terminou por ser positivo. Ironicamente, o

Ocidente, que lutou por quase dez anos para enfraquecer o poder do Estado e dos

integralistas islâmicos, terminou por fortalecer e provocar o crescimento do Estado

através da Guerra contra o antigo aliado, o Iraque. (BERTONHA, 1996)

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3.4 PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE

A primeira década do século XXI trouxe um aumento da influência de

Teerã na sua região, principalmente depois da invasão estadunidense ao Iraque em

2003 que iniciou a erosão da influência de Washington no Oriente Médio. A invasão

dos EUA ao Iraque em 2003 criou uma nova situação para as relações entre Teerã e

Bagdá. Embora o Irã tenha criticado a invasão e temesse a ameaça estadunidense,

oportunidades de cooperar com novas lideranças iraquianas e de influenciar no

processo de estabilização política surgiram. A presença de uma maioria xiita no

Iraque, anteriormente subjugada aos sunitas pelo regime de Sadam Hussein foi um

importante elemento. (SPOHR, 2013; VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Ademais, a invasão ao Iraque de 2003 pode ser vista com uma política de

governo mal elaborada por parte da administração do presidente W. Bush nos EUA.

A operação, bem como a ocupação do Afeganistão em 2001, foi resposta aos

atentados realizados em território americano no dia nove de setembro de 2001 e

resultados da “Doutrina Bush” (exportação da democracia alicerçada no poder militar

estadunidense) que visava a Guerra ao Terror e maior participação dos EUA na

política externa pós-Guerra Fria.

Em 09 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram

sequestrados por terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos. Os

sequestradores colidiram intencionalmente dois aviões contra as Torres Gêmeas do

complexo empresarial World Trade Center, em Nova York, derrubando-as e também

prédios ao redor. O terceiro avião colidiu contra o Pentágono, sede do Departamento

de Defesa dos Estados Unidos na Pensilvânia, e o último avião caiu em um campo

rural do mesmo estado, após tripulantes tentarem retomar o controle da aeronave –

suspeita-se que esta era voltada à Casa Branca. Não houve sobreviventes em

nenhum dos voos. 2996 pessoas morreram. (NATIONAL COMMISSION ON

TERRORIST ATTACKS UPON THE UNITED STATES, 2004 apud OLIVEIRA,

2014).

Este evento alterou a tendência política dos americanos em manter

isolamento político ao conhecido Eixo do Mal (Irã, Iraque, Coreia do Norte e

posteriormente a Líbia) para um discurso de atuação mais efetiva, visto a

constatação de que os novos inimigos do líder ocidental eram grupos terroristas

difíceis de dissuadir. A proliferação de armas de destruição em massa em países

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instáveis e de ideologia contrária aos EUA, em conjunto com o patrocínio do

terrorismo por seus regimes instáveis, criou um novo nexo de insegurança – esses

Estados poderiam transferir armas de destruição em massa (nucleares, químicas

e/ou biológicas) às milícias que não teriam problema em usá-las contra os Estados

Unidos. (OLIVEIRA, 2014)

Assim, a primeira ação da nova estratégia foi invadir, conforme citado, o

Afeganistão para mudança de seu regime um mês após os atentados em Nova York.

Isto porque o país, embora não fizesse parte do Eixo do Mal, protegia a Al-Qaeda,

grupo fundamentalista responsável pelo planejamento dos ataques em solo

americano, e se recusou a revelar a localização dos líderes do movimento em seu

território.

Quanto ao pretenso Eixo, dos atores, o Iraque era o mais temido, pois

havia uma desconfiança de que este possuísse armas de destruição em massa.

Logo, em março de 2003, o país foi invadido e o regime de Saddam Hussein

derrubado para que fosse instaurada uma democracia. (OLIVEIRA, 2014) A invasão

ao Iraque não só teve repercussões dentro de seu território, mas acendeu a luz de

alerta do Irã de que a ameaça dos EUA era real e que estratégias de defesa para

conter o país eram necessárias. (SPOHR, 2013)

Portanto, o Irã, que já tinha como estratégia o financiamento de grupos

armados para proteger-se e manter uma posição estratégica, fez desse alinhamento

ainda mais essencial durante os anos 2000. Quando o país se sentiu pressionado

por Washington através das invasões aos seus vizinhos, este passou a cultivar

forças anti-EUA tanto no Afeganistão quanto no Iraque, além de reforçar seu apoio

ao Hezbollah e ao Hamas. O Estado também intensificou seu programa nuclear,

aumentando, desta forma, seu perímetro de segurança. (VISENTINI E ROBERTO,

2015). Ainda sobre este tópico, Spohr (2013) também pontua:

Contudo, a ocupação estadunidense do Afeganistão de do Iraque representa uma ameaça para o Irã pela hostilidade dos EUA para com o Teerã. Em discurso à Assembleia Geral da ONU, Ahmadinejad criticou a permanência das tropas estadunidenses nos dois países, defendendo que o controle pelos cidadãos seja restaurado, uma vez que foram vítimas de regimes autoritários criados devido a intervenções internas”. (SPOHR, 2013, p. 58)

Neste ponto é importante falar que os EUA acreditavam que a imposição

de um regime democrático levaria a estabilização e neutralização do Iraque, uma

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vez que, de acordo com Bush, as democracias não lutavam entre si e o fato de

terem de prestar contas a sua população desestimularia o uso de recursos para fins

escusos. Também havia a crença de que uma democracia levaria esta onda para os

demais países do Golfo. O que faltou foi uma análise profunda dos problemas

domésticos e de como seria feita a manutenção do novo regime.

Assim, em julho de 2003, foi nomeada uma autoridade interina do país, o

Iraqi Governing Council (IGC), que era composto por 25 representantes de seis

partidos políticos, a maioria deles xiitas que estiveram exilados durante o governo de

Saddam Hussein. (OLIVEIRA, 2014)

Com esta mudança na balança interna de poder no Iraque, ao final de

2004, um ano após a invasão pelos Estados Unidos, o Rei Abdullah da Jordânia,

preocupado com a situação do vizinho, fez declarações que deixaram temerárias as

monarquias do Oriente Médio: um Crescente Xiita estaria se formando na região e

nenhum país com comunidades xiitas entre suas populações estaria eximido da

ameaça que isso representaria. Segundo ele, a Guerra contra o Iraque teria como

resultado último a formação de um Crescente Xiita, que se estenderia a partir do Irã

em direção ao Iraque, à Síria e ao Líbano. Nas palavras de Franco (2012):

Aquela, no entanto, não foi a primeira vez em que o temor do empoderamento xiita foi externalizado na forma de um discurso promovido por sunitas. Em 1991, após levantes xiitas no Iraque, o clérigo Wahabbi da Arábia Saudita, Sefr al-Hawali, alertou para a formação de um arco xiita a partir do Afeganistão, que se estendia para o Paquistão, Irã, Iraque, Turquia, Síria e Líbado (FRANCO, 2012, p. 10)

A retomada do discurso de 1991 no contexto da invasão do Iraque em

2003 deveu-se ao temor de desfiguração da balança de poder no Oriente Médio.

Isso porque, a instauração de um governo democrático em um país de maioria xiita e

dotado de grande poder de influência na região representava uma suposta ameaça

aos déspotas sunitas que governavam os países vizinhos. (FRANCO, 2012)

No mesmo ano, relatório elaborado pela CIA através da Iraq Survey

Group comprovou que não havia armas de destruição em massa no Iraque e,

portanto, também não havia razão sólida para a invasão. De acordo com Oliveira

(2014, p. 32) retórica então mudou: “A Casa Branca afirmava que Estados

autoritários eram propensos a fornecer abrigo e armas de destruição em massa para

grupos terroristas”.

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72

Em 2005 foram marcadas as primeiras eleições do Iraque e foi eleito o

xiita Ibrahim al-Jaafari para Primero Ministro, substituído um ano depois por Nouri al-

Maliki, também xiita. (OLIVEIRA, 2014)

Motivações a parte, a intervenção americana e a falta de preparação para

lidar com as rusgas étnico-religiosas, auxiliaram na mudança do equilíbrio entre as

frentes xiitas e sunitas do país, levando a uma quase guerra civil entre grupos nos

anos de 2006 e 2007 (Esta situação só melhorou quando os EUA iniciaram uma

estratégia de ação chamada The Surge que enviou 20 mil soldados para reforçar a

segurança de Bagdá). (OLIVEIRA, 2014). Os xiitas, que passaram a ser maioria no

governo, temiam voltarem a ser subjugados pelos sunitas e estes, por sua vez,

tinham medo de represálias pelo antigo regime. Mais ainda se forem consideradas

as colocações de Cairus (2015):

No Iraque, os sunitas apesar de minoria, estão presentes em números consideráveis (42%) e historicamente sempre desfrutaram de grande poder. Dessa maneira, a despeito de considerações humanitárias e morais sobre o regime deposto, o equilíbrio de poder e outros arranjos tradicionais no Iraque foram subitamente alterados dando início a um período de ocupação, violência a níveis incontroláveis e massacres sectários mútuos. (CAIRUS, 2015)

Tais fatos levaram a insurgência de grupos iraquianos, em sua maioria de

sunitas, desejosos da retirada estrangeira de seu território – Al-Qaeda, por exemplo.

A maioria dos grupos acreditava que todos os meios eram legítimos para libertar o

Iraque das forças de ocupação e, consequentemente, faziam uso de atentados a

alvos civis, principalmente mesquitas xiitas, igrejas cristãs e instituições curdas.

Entretanto, com o sucesso da estratégia The Surge e a diminuição da

violência, em dezembro de 2008, os Estados Unidos assinaram um acordo bilateral

com o governo iraquiano que previa a retirada completa das tropas americanas do

país até 31 de dezembro de 2011. A troca de governo em 2009 e a entrada de

Barack Obama, não alterou este alinhamento (OLIVEIRA, 2014):

(...) o presidente anunciou que pretendia retirar as tropas norte-americanas de combate do país até agosto de 2010. Após essa data, haveria uma presença residual de 35 a 50 mil dos 142 mil soldados, principalmente para treinar a força de segurança iraquiana e realizar missões de terrorismo contra a Al-Qaeda no Iraque, grupo terrorista que se tornava cada vez mais ativo. Esses últimos iriam se retirar aos poucos do país até dezembro de 2011, prazo combinado pelo acordo entre o governo Bush e o Iraque. (OLIVEIRA, 2014, p. 51-52)

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73

Esta atitude foi fortemente criticada pela elite iraquiana, não sendo

suficiente, pois o país hegemônico sofria grande pressão para retirada das tropas.

Principalmente após a comprovação de que não havia armas de destruição em

massa no Iraque e o aumento da violência entre os anos de 2006 e 2007. O prazo

de retirada foi cumprido.

Porém, a violência interna no Iraque aumentou imediatamente após a

saída das tropas norte-americanas do país. Houve diversos ataques à civis por parte

dos grupos que tinham sido aparentemente pacificados com a presença militar dos

Estados Unidos e as tensões entre sunitas e xiitas, curdos e árabes, mulçumanos e

cristãos irromperam novamente frente ao despreparo das forças de segurança

iraquiana e à instabilidade institucional do país.

Para ilustrar a situação, no texto de Oliveira (2014, p. 54):

Segundo estimativas da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (UNAMI), 3238 civis foram mortos pela violência armada e em ataques terroristas no país em 2012. Em 2013, esse número subiu para 7818, um índice comparável aos níveis de 2008, durante o período de guerra civil no país (UNAMI, 2014). Holmes (2014) ressalta que esse aumento maior do que 100% no número de civis mortos pela violência interna é em parte explicado pelas respostas mais truculentas do governo de maioria árabe xiita contra manifestantes sunitas.

Entretanto, conforme demonstrado, havia um senso comum entre os

árabes de que a instauração de um regime democrático no Iraque fortaleceu o

processo de empoderamento dos xiitas, obrigando os governantes a reconhecerem

uma parcela até então esquecida da população. (FRANCO, 2012)

A solução encontrada foi o crescente xiita:

A invasão do Iraque significou a queda de um longevo ditador e a instauração forçada de um regime democrático, fazendo do país um possível prelúdio do que os Estados Unidos desejavam que acontecesse em todo o Oriente Médio. Os Estados árabes, portanto, viram-se diante do seguinte dilema: se por um lado precisavam da proteção dos Estados Unidos numa região extremamente instável, por outro se viram compelidos a promover reformas políticas que ameaçavam seus regimes totalitários. A solução encontrada pelo Rei Abdullah para desviara atenção do mundo foi sugerir a formação de um Crescente Xiita que visava a expansão do domínio iraniano – no que foi prontamente acompanhado pelo Egito e pela Arábia Saudita. (FRANCO, 2012, p. 11-12)

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Portanto, em um contexto onde o Iraque estava enfraquecido, o Irã

despontava como uma nova liderança regional, o que indubitavelmente representava

uma ameaça, sobretudo aos países do Golfo. Estes, então, aproveitaram-se da

ascensão dos xiitas iraquianos ao poder e da inabilidade dos Estados Unidos em

conter o programa nuclear iraniano para livrarem-se de dois problemas de uma só

vez. Tanto a onda de democratização quanto a liderança iraniana na região

poderiam ser contidas com a difusão da retórica do Crescente Xiita supostamente

promovido pelo Irã. (FRANCO, 2012)

No entanto, de acordo com Franco (2012), isso não significou que um

bloco xiita estaria se formando para confrontar os sunitas da região. Isto porque,

conforme pontua a autora, a população xiita não formava um bloco coeso e

monolítico, sendo bastante fragmentada e sujeita a diversas autoridades políticas de

interesses distintos. Essa característica faz desmoronar qualquer acusação de que

um eixo xiita estaria se orientando a partir de uma lógica militar expansionista.

Ademais, a fragilidade do Iraque na primeira década dos anos 2000, levou

não só ao aparecimento de frentes contra a ocupação americana, mas também

propiciou, principalmente devido à falta de preparo e engajamento estadunidense, o

surgimento de novos grupos armados. Um deles foi o Estado Islâmico (EIIL),

formado em abril de 2013 por insurgentes árabes sunitas e antigos combatentes

experientes que já haviam lutado em países como Afeganistão, Líbia e Iêmen. A

ideia do movimento é estabelecer um califado que englobe o território entre Bagdá e

a Síria. (OLIVEIRA, 2014) Para Oliveira (2014):

O grupo é uma ramificação da Al-Qaeda no Iraque e é conhecido por empreender ataques violentos a civis, por meio de carros bomba, atentados suicidas e assassinatos (OTTAVIANI, 2014). A partir de dezembro de 2013, houve um aumento nos protestos de árabes sunitas contra o que eles percebem como discriminação do líderes árabes xiitas, afirmando que são alvo de medidas antiterrorismo por parte do governo central, mesmo não pertencendo a grupos jihadistas. (OLIVEIRA, 2014, p. 61)

Em abril de 2014, ocorreram as primeiras eleições parlamentares desde a

retirada completa das tropas norte-americanas. As semanas que antecederam o

evento foram muito violentas, principalmente devido a ações do EIIL, mas o partido

do Primeiro Ministro ainda foi o mais votado, mantendo a nova configuração do

cenário iraquiano e, ainda, trazendo novos elementos de ameaça ao Oriente Médio,

visto que o grupo não tem as limitações políticas de um Estado e tem intensões de

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anexar áreas em diferentes países da região. Esta dinâmica certamente teve

influência dos fatos advindos da intervenção américa. (OLIVEIRA, 2014)

Juntamente com as influências resultantes da invasão ao Iraque, em

2011, novas variáveis acrescentaram temor quanto ao futuro da região árabe. Estas

foram as revoltas populares contra os regimes despóticos na busca por mais direitos

civis. E, estas são, portanto, mais um ponto de vem alterando a situação

geoestratégica no mundo árabe.

3.5 PRIMAVERA ARÁBE

A Primavera Árabe ficou conhecida por uma série de movimentos em

forma de protesto que começaram no Norte da África entre 2010 e 2011, nos países

de predominância muçulmana e árabe, e teve maior significância no Egito e na

Tunísia, se espalhando posteriormente para vários países do Oriente Médio, tais

como: Iêmen, Síria, Jordânia, Omã, Líbia, Bahrain, dentre outros. Esses protestos

buscavam reformas políticas, econômicas e sociais. (FRANCO, 2012; CONNOLLY,

2013)

Ademais, a ausência de um modelo de desenvolvimento capaz de gerar

oportunidades de trabalho para a parcela da população mais jovem, e mais

desempregada, bem como a crise social que dela adveio, foi o pano de fundo sobre

o qual os levantes árabes ocorreram. (FERABOLLI, 2012). Para melhor

compreensão, explicam sobre o assunto Oliveira e Marcondes (2015):

A Tunísia e o Egito sofreram uma revolução e tiveram seus governantes defenestrados. A Líbia, uma guerra civil. Em países como Argélia, Baherein, Dibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Lêmen, protestos populares de grande monta repercutiram e ainda repercutem na mídia internacional. O Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental foram menos afetados, mas nem por isso deixaram de sofrer manifestações populares clamando por liberdade, por democracia e por melhores condições de vida (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015, p. 2-3)

Assim, os protestos que tiveram início na Tunísia levaram primeiro o

ditador, al-Abidine Ben Ali, a deixar o poder depois de 20 anos no comando. Em

seguida, no Egito, caiu o presidente Hosni Mubarak e, na Líbia, o resultado foi o fim

do regime de Muammar Khadafi. (CONNOLLY, 2013)

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Neste ponto é interessante destacar que enquanto Egito e Tunísia não

sofreram intervenções externas, apesar de grande cobertura da mídia, a Líbia, muito

rica em petróleo, recebeu auxilio tanto de países europeus quanto da Organização

do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e dos Estados unidos, os quais interviram

militarmente e ajudaram financeiramente o país. (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015)

A Primavera Árabe também marcou o início do levante sírio, tornando o

local hoje em um palco de guerra civil como será demonstrado mais à frente.

(CONNOLLY, 2013) Na Síria, o chefe das forças de paz das Nações Unidas, Hervé Ladsous, disse em junho de 2012 que os confrontos já haviam se tornado uma Guerra Civil, pois mais de 14 mil pessoas já haviam morrido desde o início das revoltas populares, sendo a maioria civis. (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015, p. 5-6)

Estes eventos preocuparam sobremaneira os governantes despóticos da

região, fazendo-os reagir de forma a evitar que a onda revoltosa causasse perdas

irreversíveis para os regimes – fosse através de repressão ou de algumas reformas.

E, apesar do cenário de descontrole, para os países que buscavam

influência no Oriente foi uma oportunidade de medir forças através dos conflitos em

territórios alheios.

A princípio as manifestações egípcias foram bastante positivas para o Irã,

uma vez que Hosni Mubarak era um grande opositor do Estado. Assim, a

possibilidade da instauração de um regime islâmico e reestabelecimento das

relações diplomáticas fizeram o Líder Supremo iraniano, Aiatolá Ali Khamenei,

sugerir que esses eventos seriam reflexo da Revolução Iraniana. (FRANCO, 2012)

Entretanto, para o Irã, que saiu fortalecido da invasão ao Iraque, a

situação tornou-se muito perigosa a partir do momento em que ao regime de Bashar

al-Assad foi ameaçado por rebeldes e pela intervenção externa. (VISENTINI E

ROBERTO, 2015)

Além disso, apesar da passagem do tempo e de uma distância de quase

uma década desde o retorno do discurso do “crescente xiita” através do rei da

Jordânia, novamente este termo foi usado; desta vez capitaneado pela Arábia

Saudita, em uma tentativa de enfraquecer oportunamente seu, cada vez mais claro,

rival, o Irã. Assim: A manipulação do antigo discurso de que o Irã seria responsável pela criação de um Crescente Xiita tem sido uma arma poderosa para desviar as atenções do problema da falta de democracia dentre as monarquias e

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reforçar ainda mais os temores da comunidade internacional quanto à política externa do Irã. (FRANCO, 2012, p. 4)

Do ponto de vista iraniano, o discurso do “crescente xiita” é uma forma

dos países árabes promoverem um maior isolamento do Estado na região e

aumentarem a atmosfera de repressão e intolerância. Vozes dissonantes afirmavam

que o país estaria aproveitando a situação para ampliar sua influência política a

partir do financiamento de revoltas nos países do Golfo.

Ainda, pode-se afirmar que a retomada do discurso do Crescente Xiita no

contexto da Primavera Árabe teve como objetivo também distrair a comunidade

internacional dos problemas internos dos países árabes no que tange os seus

regimes antidemocráticos. Para Franco (2012):

O período de turbulência provocado pela Primavera Árabe apenas contribuiu para que as relações entre Irã e Arábia Saudita experimentassem uma considerável deterioração, tendo atingido seu ápice na intervenção promovida pelo Conselho de Cooperação do Golfo no Bahrain. (FRANCO, 2012, p. 13)

Contudo, é importante notar que a verdadeira intenção de países

autocráticos como Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Bahrain era,

principalmente, conter qualquer aspiração democrática por parte de suas

populações. Neste âmbito, houve a reestruturação do Conselho de Cooperação do

Golfo (CCG), o qual esses países fazem parte junto com Omã e Kuwait, no sentido

de aproximar as monarquias do Oriente Médio contra levantes populares. Isto

ratificou a Arábia Saudita como importante centro de poder na região. (FRANCO,

2012)

Com a queda do líder egípcio, Kuwait e Arábia Saudita prontamente se

dispuseram a investir bilhões na reconstrução do Egito – o primeiro prometeu 1

bilhão e meio de dólares de seu Fundo de Riqueza Soberana e o segundo, 4 bilhões

de dólares. Isto para evitar qualquer aliança entre o país e o Irã e tentar controlar a

revolução através da orientação de sua reconstituição. Neste sentido, o CCG tem se

tornando mais militarizado e influente, buscando ampliar-se, conforme argumenta

Ferabolli (2012):

O capital do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – o Khaliji – tem-se expandido agressivamente por todo o Oriente Médio e Norte da África. O CCG já supera os Estados Unidos e a União Europeia em termos de IDE

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[Investimento Direto Externo] no mundo árabe, respondendo por 70% do total de IDE na Síria e no Líbano e por grande parte do IDE no Iraque, além de praticamente controlar o setor bancário iraquiano. Aos países “atingidos” pela Primavera Árabe, o CCG já garantiu ajuda financeira: US$ 20 bilhões para Bahrein e Omã (BAHGAT, 2011) e investimentos na casa dos bilhões de dólares para Egito e Tunísia. Contudo, esses investimentos não devem ser entendidos dentro de uma lógica de solidariedade árabe-muçulmana. (FERABOLLI, 2012, p.103)

Soma-se a isto a luta contrarrevolucionária promovida pelo CCG. Na

invasão da Líbia, por exemplo, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos enviaram

tropas, dinheiro e equipamentos, além de oferecerem legitimidade política ao

ataque. (FERABOLLI, 2012)

Com efeito, os Estados monárquicos, principalmente Arábia Saudita,

lutam contra situações de insegurança e incerteza, primando pela preservação do

Status quo, o que fazem através da injeção de voluptuosas quantias a seus aliados

e do discurso religioso. (FRANCO, 2012)

Isto demonstra que os países do Oriente Médio têm tomado cada vez

mais as rédeas de seus próprios problemas. Assim, parece haver um novo arranjo

político na região o qual não tem mais os EUA como principal parceiro estratégico,

mas sim os próprios membros daquela zona em algo que alguns autores estão

chamando de um futuro Consenso de Riad. (FRANCO, 2012; FERABOLLI, 2012)

Quanto às revoluções da Primavera Árabe, o que se teme, no entanto, em

face das próprias características culturais desses povos, da falta de lideranças

populares e do despreparo das grandes massas para tomarem em suas mãos a

tarefa de transformar seu país, é que todo o processo se transforme numa mera

troca de uma ditadura aberta e conhecida, por outra, imprevisível e sob o disfarce de

democracia (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015)

Tendo em vista essas e demais colocações do capítulo três, busca-se a

seguir um entendimento mais aprofundado dos conflitos atuais para, portanto, ser

alcançado nível de análise e, depois, a verificação do cumprimento do objetivo

primeiro deste estudo.

3.6 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO

Com os apontamentos descritos anteriormente, compreende-se o papel

dos atores cerne deste estudo nos conflitos iniciados depois da Revolução Islâmica.

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Durante os anos de 1978 e 1979 o Irã passou por uma profunda mudança

em seu posicionamento político e em suas diretrizes internas. Estas alterações

afetaram imediatamente os Estados-Unidos que eram os maiores parceiros do

regime deposto pela população – de Reza Pahlevi – e transformaram antigo aliado

em inimigo, colocando um religioso radical como Líder Supremo da única República

Islâmica do mundo.

Os acontecimentos no Irã não afetaram somente a seu povo e parceiros

imediatos, mas causaram pânico internacional devido à possibilidade de

desabastecimento de petróleo, criando um cenário de instabilidade econômica

mundial, conhecida como a Segunda Crise do Petróleo. Ademais, esta revolução

marcou vigorosamente uma alteração na balança de poder do Oriente Médio, que é

observada ainda nos dias de hoje e segue influenciando desestabilidades, como as

intervenções do CCG feitas nos países monárquicos mais afetados pelas

manifestações populares de 2011 por medo do crescimento do poder iraniano.

O Irã deixou de ser parte da Surgate Strategy americana, passou a

exortar as revoluções xiitas para aumentar sua influência, começou a ameaçar

diretamente a Arábia Saudita com sua posição, deixando de ser uma autocracia

monárquica, e também iniciou o financiamento de grupos armados como o

Hezbollah e o Hamas. Soma-se a isso o clima de desconfiança causado entre

árabes sunitas e persas xiitas.

Este cenário oportunizou, portanto, o fortalecimento das alianças entre

Arábia Saudita e Estados-Unidos, bem como forneceu ferramentas para o

crescimento do Iraque de Sadam Hussein, que recebeu vultosas quantias em

dinheiro e armamentos para lutar contra o novo estranho da região entre os anos de

1980 e 1988. E criou um novo eixo de parceria entre Riad e Damasco a qual é

observada atualmente e muito na Guerra Civil síria.

O papel da Arábia Saudita neste contexto foi, principalmente, de tentar

enfraquecer o Irã através do apoio a seus inimigos, como no caso do Iraque

enquanto a guerra da década de 1980 ocorria; além de ter papel crucial em conflitos

que poderiam, mais uma vez, dar viés diferente ao destino desenhado por seus

interesses e por seus aliados na Península Arábica, como durante a Guerra do

Golfo, quando permitiu que tropas aliadas ficassem baseadas em seu território para

atingirem o Iraque e o forçarem a sair do Kuwait.

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A virada do século representou outro ponto importante no porvir do

Oriente Médio com a mudança do discurso americano após o atentado ao World

Trade Center e ao Pentágono e com as invasões ao Afeganistão em 2001 e ao

Iraque em 2003.

Arábia Saudita e EUA passaram por um pequeno período de tensão

devido à onda de preconceito causada pelos incidentes, mas sem mudanças graves

em seus posicionamentos estratégicos. Já o Irã foi beneficiado indiretamente, apesar

da ameaça latente da presença americana em seus dois maiores vizinhos.

As ações desastradas e inconsequentes dos estadunidenses no Iraque

levaram a implementação de uma democracia de maioria xiita no Iraque que não

agrada aos monarcas sunitas.

Por fim, a Primavera Árabe, que representou uma série de movimentos na

busca por direitos civis e políticos, abriu uma nova série de acontecimentos que

serviram de gangorra no sobe e desce da disputa de influência entre Irã e Arábia

Saudita.

A chamada Primavera, não só fez retornar a pregação do crescente xiita

orquestrado pelo Irã, ou assim é dito, mas diluiu-se em um encadeamento de

contendas que serão analisadas a seguir com ênfase na perspectiva dos rivais e sua

atuação nos conflitos dos anos recentes.

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4 A PERSPECTIVA DOS RIVAIS IRÃ E ARÁBIA SAUDITA NOS CONFLITOS ATUAIS

Tendo em vista a descrição dos principais confrontos do século passado e

de dois acontecimentos importantes dos primeiros anos deste para o direcionamento

político do Oriente Médio, é possível tentar entender como o sectarismo entre Irã e

Arábia Saudita tem afetado seu espaço de influência nos últimos anos.

Em uma análise final do estudo, seguem alguns apontamentos sobre o

programa nuclear iraniano e dos conflitos resultantes da Invasão ao Iraque e da

Primavera Árabe, auxiliadores na criação de um quadro cada vez mais distinto entre

seus elementos.

4.1 CONFLITOS ENTRE ISRAEL E GRUPOS DE RESISTÊNCIA PALESTINOS

É importante destacar que a intenção principal deste tópico não é

descrever as contendas envolvendo diretamente os Estados de Israel e a Palestina,

mas demonstrar a importância destas na configuração do Oriente Médio e como elas

influenciaram o desenvolvimento do Irã e da Arábia Saudita.

Primeiro, deve-se entender que, como aconteceu com muitas áreas no

Oriente Médio, a Palestina sofreu a influência de diversos povos com o passar dos

séculos, sendo sua herança histórica mais forte, dos judeus e dos árabes. Assim, a

influência judaica começou com os hebreus vindos da Mesopotâmia por volta de

2000 a.C. e os quais realizaram diversas incursões de ida e retorno a região ao

longo dos séculos – a Palestina ficou conhecida por eles como Canaã, “a terra

prometida por Deus”. No início da era cristã, Adriano reprimiu brutalmente a revolta

judaica de Bas-Korheba e dispensou o povo judeu, que se dispersou por diversas

regiões do Império Romano. A Diáspora, como povoação judaica fora de Israel,

iniciou-se, então. (OLIC, 1991; ROCHE, 2012)

No intervalo entre a Diáspora e 1948, o surgimento de Israel, a Palestina

foi dominada pelos árabes (a partir do século VIII a.C.), pelos turcos otomanos (1516

até 1918) e depois pelos britânicos (1918-1947), que cederam o controle da região

para a ONU tendo em vista a incapacidade de lidar com questões internas por

reinvindicações de terra entre judeus e árabes. (OLIC,1991)

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O sionismo, surgido na Europa no início do século passado, somado aos

pogroms, perseguições aos judeus, fortaleceram a visão deste povo de que só

estariam seguros se retornassem a Palestina. Essa migração teve novo impulso

durante a Segunda Guerra Mundial, com a perseguição nazista aos judeus, o que

aumentou a densidade judia na Palestina e, inevitavelmente, as animosidades entre

estes e os moradores árabes da região. (ROCHE, 2012)

Frisa-se aqui que os judeus europeus, com concepções e técnicas

europeias, com a mentalidade europeia, se consideravam mais avançados, inclusive

culturalmente, que os palestinos.

Os constantes conflitos, a saída da Grã-Bretanha da região e a comoção

internacional com o sofrimento dos judeus nas mãos dos nazistas, levou a ONU, em

1947, a propor um plano de partilha da Palestina em dois Estados, com Jerusalém,

cidade sagrada para as duas religiões, considerada internacional e administrada

pela instituição. Sobre a divisão, diz OLIC (1991, p. 57-58):

Essa partilha dava ao estado judeu cerca de 56,5% do território da Palestina e ao estado árabe cerca de 42,9%. O critério para tal divisão, até onde foi possível usá-lo, baseou-se na repartição geográfica da população das duas comunidades. (...). Além disso, como o critério não pôde ser aplicado a todas as áreas da Palestina, houve casos de regiões com maioria de população árabe que ficaram dentro de estado judeu, ocorrendo o contrário em outras regiões. (OLIC, 1991, p. 57-58)

Essa divisão, embora tenha sido positiva para os judeus, teve grande

rejeição dos árabes que se sentiram lesados. Em 1948, assim que a proposta da

ONU foi votada e aprovada, imediatamente os judeus proclamaram seu Estado:

Israel. Já os árabes, estes declaram guerra para “fazer valer seus direitos”. Formou-

se, então, um quadro conflituoso e difícil que segue influenciando os atores do

Oriente Médio até os dias atuais. (OLIC, 1991)

Quanto à situação palestina, Roche (2012) analisa que foi o

antissemitismo violento da Segunda Guerra Mundial que tornou o povo judeu um

mártir e que as consequências foram a desconsideração da situação do povo árabe

na Palestina. Israel fora construído sobre um povo vivo e as grandes potências

tinham boa parcela de responsabilidade. Kanter e Pereira (2012) complementam

esta ideia destacando que o único nome a desaparecer do mapa da região foi o da

Palestina. Os “palestinos” foram expulsos, anexados, administrados ou reduzidos ao

estado de refugiados ao longo dos anos. Foram transformados em um povo errante

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83

e miserável que encontrou na vendeta razões para criação de seu Estado. E fazem

o que julgam necessário para conflagração desses objetivos.

No mais, ousa-se dizer que, as grandes potências, influenciadas, não só

pela comoção em favor dos judeus, mas em um cenário de Guerra Fria onde a

Rússia expandia seu poder para o local próximo, através do Afeganistão, por

exemplo, também viram na criação de Israel a oportunidade de colocar uma base

aliada próxima no Oriente Médio, expandindo seu alcance de poder através da

Arábia Saudita e do Irã. Regionalmente, os árabes, feridos e desconfiados com a

dominação estrangeira, consideraram esta atitude uma intervenção desrespeitosa

para com o seu povo e sua soberania.

Assim, A “Questão Palestina” deve ser entendida, não apenas como um

problema local, mas como um problema regional, e internacional, que ocasionou

desdobramentos os quais atingiram a sociedade mundial ao longo dos anos.

(KANTER, PEREIRA, 2012)

E segue, ainda hoje, evidente a importância desta questão nos conflitos

atuais, uma vez que grupos como Hamas, o al-Fath e o Hezbollah se dizem

engajados na recuperação das terras dos palestinos e na eliminação de Israel.

Esses são pesadamente financiados por Estados árabes aumentando a instabilidade

regional.

A saber, os principais conflitos depois da criação do Estado de Israel

foram: 1948-1949 (Independência de Israel); 1956-1957 (Crise de Suez); 1967

(Guerra dos Seis Dias); 1973-1974 (Yom Kippur); 1982 (Invasão do Líbano), os

quais foram brevemente abordados no começo do estudo. Na sequência,

aconteceram a Primeira e a Segunda Intifada palestinas. (KANTER, PEREIRA,

2012).

Depois disso, encurralados entre o deserto e o mar, três a quatro milhões

de judeus encontraram-se cercados por dezenas de milhões de árabes humilhados

e revanchistas. Esta ideia é exemplificada na intervenção no Líbano, descrita por

ROCHE (2012):

Israel interveio duas vezes no Líbano, em 1978, depois em 1982, avançando até Beirute para defender a existência dos cristãos libaneses e para impedir a criação de um governo palestino. Pior, os palestinos, refugiados nos campos financeiros pela ONU, formaram exércitos que se instalaram desde 1973-1974 no Líbano, usurpando os poderes do governo libanês, formando verdadeiros quadros governamentais e instalando

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84

administração e autoridades militares. Durante esse tempo, a Síria, sob o pretexto de uma instabilidade nas suas fronteiras, instala-se no Líbano. (ROCHE, 2012, P. 40-41)

Somados a isto, os fatos advindos da Primavera Árabe não auxiliaram

para a diminuição das tensões israelenses: apesar de um início de protestos árabes

por democracia, boa parte deles foi contida por seus governos; a Turquia, parceiro

desprezado pelos europeus, voltou-se para o Oriente Médio com um discurso cada

vez mais “islâmico”, e com a clara intenção de disputar um espaço de liderança no

mundo muçulmano; no Golfo Pérsico, o Irã seguiu avançando com seu projeto

nuclear; a situação do Iraque se manteve estagnada, à espera da retirada total das

tropas norte-americanas, além de uma possível influência iraniana sob os setores

xiitas. Depois, quanto à guerra civil na Síria, ainda que o governo hostil possa ser

substituído, supostamente em decorrência dos desdobramentos do violento conflito

(ou da intervenção estrangeira), fica a incógnita sobre o futuro do Oriente Médio e,

por consequência, de Israel também. (KANTER, PEREIRA, 2012)

No entanto, as tendências expansionistas e as técnicas pautadas no

realismo e no poderio militar, demonstram o quanto Israel é um ator forte e perigoso.

Kanter e Pereira (2012) explanam sobre isso:

No final de 2011, houve o teste de mísseis balísticos israelenses, que intensificou os temores de um ataque militar ao Irã, somado à permissão saudita (não confirmada) de uso de seu espaço aéreo pela força israelense para bombardear as instalações nucleares iranianas. Quanto a isso, vale ainda mencionar o provável envolvimento israelense com o vírus de computador Stuxnet, que atacou e danificou 1/3 das centrífugas do programa nuclear iraniano em 2010, forçando a reposição do equipamento. Evidentemente, é objeto de profunda preocupação israelense a existência de outra força militar (e nuclear) na região. (KANTER, PEREIRA, 2012, p. 99)

Para Israel, qualquer esforço iraniano para aumentar sua capacidade

nuclear é uma potencial ameaça. A desconfiança israelense é baseada na conexão

que eles fazem entre o regime iraniano e a hostilidade quanto à rejeição de sua

legitimidade como um Estado. Tal evidência de animosidades entre os dois players

começou com a Revolução Islâmica, mas se tornou mais evidente depois da eleição

de Ahmadinejad em 2005. O atual presidente iraniano não hesita em soltar farpas

anti-israelitas em seus discursos. (RAMOS, 2012)

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Mas há mudanças na região que impactam diretamente sobre Israel. Com

o fim do governo de Mubarak, no Egito, principal aliado regional de Israel, o futuro do

acordo de paz vigente desde 1979 está sendo colocado em dúvida por alguns

políticos, especialmente dado o desempenho da Irmandade Muçulmana nas

eleições egípcias no final de 2011. O governo pós-Mubarak também facilitou um

acordo entre Fatah e Hamas, buscando compor um governo palestino tecnocrático

de coalizão, até a realização de eleições. (KANTER, PEREIRA, 2012)

Por outro lado, através do lobby político com os EUA e com a mídia, que

age geralmente a favor de Israel, é possível compreender que a sua verdadeira força

é ainda a diáspora, embora as manifestações de seu poderio militar operacional

tenham retirado, com os massacres dos acampamentos palestinos, a auréola de

Mártir que a opinião pública internacional lhe havia outorgado. (ROCHE, 2012)

Postas estas considerações, fica a reflexão de que a questão Israel x

Palestina serviu também como fator para o desenvolvimento dos atuais conflitos no

mundo árabe, tendo em vista que a maioria dos países na região é contra a

existência israelense.

Os esforços iranianos em seu programa nuclear sinalizam a respeito

destas questões, pois, apesar de ainda não haver confirmações quanto ao poderio

bélico nuclear israelense, o apoio da superpotência norte-americana alarma o Irã,

fazendo-o manter um projeto que garanta sua segurança e inquiete Israel, EUA,

Arábia Saudita e demais nações interessadas no Oriente Médio. (RAMOS, 2012)

Sobre este, será a dissertação a seguir.

4.2 PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO

O Programa Nuclear Iraniano teve início na década de 1950, apoiado

pelos Estados-Unidos, até então grande parceiro do país. Este programa fez parte

do projeto Átomos da Paz e sempre teve, segundo alegações de seu governo, fins

pacíficos voltados para a produção de energia elétrica limpa à população e para a

medicina nuclear. Mas, em uma região marcada pela instabilidade e onde qualquer

vantagem estratégica pode significar alteração de posicionamento na balança de

poder, este programa é também fonte de desconfianças. (RAMOS, 2012)

Depois da Revolução de 1979, projetos nucleares foram abandonados e

tornaram a ser foco com o aumento da população iraniana e com o maior consumo

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86

de energia. Como o país é majoritariamente exportador e dependente do petróleo,

um barril consumido internamente pode representar lucro a menos para o Estado.

Externamente, com declarações explicitas de Khomeini quanto aos EUA serem “a

cabeça da serpente imperialista” na década de 1980, estes projetos levantaram

suspeitas sobre o quão pacíficos eram os objetivos iranianos. (RAMOS, 2012)

Em 2002, em decorrência da desconfiança internacional, principalmente

dos EUA e aliados regionais, como Arábia Saudita e Israel, começou-se um vasto

programa de investigação, promovido pela AIEA (International Atomic Energy

Agency) depois que satélites tiraram fotos revelando instalações em construção. A

justificativa da organização era de que, com algumas modificações, a planta

dedicada a produzir combustível nuclear também seria capaz de ser usada para a

produção de dispositivos de bombas nucleares. (RAMOS, 2012)

Assim, Kerr (2012, p. 1, tradução nossa) aponta sobre as investigações:

“A agência não estabeleceu definitivamente que o Irã buscava armas nucleares, mas

também não foi capaz de concluir que o programa nuclear do país é exclusivamente

para propósitos pacíficos. A IAEA segue investigando o programa”. Razão das

apurações continuarem é a falta de informações completas fornecidas por

autoridades iranianas.

O autor continua explicando a razão das preocupações com as

instalações:

A construção do Teerã de instalações de enriquecimento de uranio baseado em centrífugas a gás é atualmente a principal fonte de preocupação. As centrífugas a gás enriquecem o uranio girando o gás hexafluorido de uranio em altas velocidades para aumentar a concentração do isótopo uranio-235. Tais centrífugas podem produzir tanto uranio pouco enriquecido (low-enriched uranium - LEU), o qual pode ser usado em reatores nucleares, quanto uranio muito enriquecido (highly enriched uranium - HEU), o qual é um dos dois tipos de material fóssil usado em armas nucleares. (...) Teerã afirma que intenta produzir LEU para seus reatores nucleares de agora e do futuro. (KERR, 2012, p. 1, tradução nossa)

A saber, em 1970 foi ratificado pelo Irã o Tratado de Não Proliferação

Nuclear (Nuclear Nonproliferation Treaty – NPT), o qual definia como autorizados a

deter poder atômico para fins militares EUA, França, Rússia, China e Reino Unido,

países que detinham este tipo de armamento antes de 1º de janeiro de 1967. Porém

outros países passaram a produzir estas armas fora do acordo, como Coreia do

Norte, Índia, Paquistão e, talvez, Israel. Em 1974 o Irã também firmou acordo de

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salvaguardas abrangente com a IAEA que dava a agencia autoridade de inspecionar

e monitorar as instalações nucleares iranianas. (KERR, 2012)

Isto posto e tendo em vista a dificuldade de se obter acesso a

informações no Irã, em 2010, o Conselho de Segurança da ONU adotou resolução

1929 requerendo que o Irã colaborasse com a IAEA e suspendesse seu programa

de enriquecimento de uranio, a construção de um reator a base de água pesada

(também importante no uso de armas nucleares) e parasse com projetos correlatos,

freando qualquer atividade relacionada a produção de mísseis balísticos capazes de

carregarem armamento nuclear. Oficiais iranianos afirmaram que não suspenderiam

o programa, o que não colaborou para o sossego das autoridades mundiais. (KERR,

2012)

De todo modo, defrontado com as acusações globais, o Irã sempre

afirmou buscar a defesa do desenvolvimento pacífico para fins nucleares. O

presidente da virada do século, Seyed Muhammad Khatami, eleito em 1997 e

reeleito em 2001, defendia, por exemplo, a política nuclear positiva. Dizia-se a favor

da abolição de armas químicas e biológicas. Khatami, inclusive, sentou-se junto de

Moshe Katsav, primeiro-ministro de Israel, no funeral de João Paulo II em 2005 e

apertou-lhe a mão. Este ato, apesar de fortemente criticado pela oposição iraniana,

representou o primeiro diálogo entre os dois países desde 1979. Importante dizer

que em 2005 o presidente do Irã já era Mahmoud Ahmadinejad que no mesmo ano

fez um discurso em Nova York, no World Summit, declarando sobre “riscar Israel do

mapa”. (RAMOS, 2012)

Ahmadinejad, que tinha o perfil antagônico ao predecessor –

ultraconservador e muito religioso, com sua política mais radical – foi de suma

influência para a mudança no rumo das políticas nucleares do país, afetando a

segurança da região. (RAMOS, 2012)

Vale salientar que o programa nuclear iraniano não representa um tom

ameaçador na mesma proporção a todos os países do Oriente Médio. Há Estados

que se destacam, sendo eles Israel e Iraque, por questões históricas, territoriais e

religiosas, conforme abordagens anteriores. Também, conforme apontado no tópico

anterior por Kanter e Pereira (2012), há registros de ataques a reatores nucleares

iranianos e ataques aéreos envolvendo Israel em 1980. (RAMOS, 2012)

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Pelo ângulo iraniano, é possível observar que todo esse impacto de seu

programa nuclear tem base na questão de equilíbrio regional, uma vez que Israel,

Paquistão e Índia são potências nucleares.

Sobre a estrutura do programa nuclear do Irã, afirma Bandeira (2012, p.

204):

O Irã possui cerca de 12 a 20 instalações nucleares, espalhadas por diversas regiões. Alguns agentes de inteligência da França, Reino Unido e Estados Unidos suspeitam que, em Fordo, com 3.000 reatores, os cientistas iranianos estejam tentando enriquecer o urânio com uma concentração superior a 20% de pureza o que capacitaria o governo de produzir artefatos nucleares, se fosse estocada quantidade suficiente para o uso militar. Essa usina está construída parcialmente dentro de uma montanha, a nordeste da mesquita de cidade de Qom, altamente protegida, com uma bateria de mísseis anti-aéreo, montada pela Guarda Islâmica Revolucionária. A de Natanz, na província de Isfaham, distante de Israel quase 1.609 km. Encontra-se cerca de oito metros abaixo do nível do solo, protegida por várias camadas de cimento. Lá operam aproximadamente 5.000 centrífugas, alimentadas com urânio hexafluoride.

Porém, por não haver confirmação oficial da parte dos principais atores –

Israel e Irã - sobre seu programa nuclear com fins bélicos, a análise é baseada em

hipóteses. Primeiramente, considerando a possibilidade do Irã ter um programa

nuclear secreto para fins bélicos, apenas evidências já alteram a posição pacífica

dos atores do Oriente Médio. Mas, considerando essa hipótese, é notório que se

houvesse essa intensão bélica, tornar-se-ia uma atitude de segurança internacional

e equilíbrio de poder. (RAMOS, 2012)

Em adendo, visto que Índia e Rússia possuem armas nucleares, assim

como o Afeganistão e possivelmente Israel, a região pode ser considerada um

conjunto de barris de pólvoras, em que se um explode, há grandes possibilidades

dos outros terem a mesma atitude. (RAMOS, 2012)

Assim, a atenção vigilante caracteriza bem como as relações do Oriente

se dão. Em uma região em que as informações não têm registro oficial, isto se torna

um critério para jogadas políticas. Logo, o programa nuclear do Irã não constitui

exclusivamente um passo para o desenvolvimento interno do país, mas também é

encarado como um avanço bélico do Estado do Irã dentre os Estados Árabes,

acarretando em uma instabilidade naquele plano, representando uma constante

ameaça a partir do século XXI. (RAMOS, 2012)

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As explanações demonstram, com a recusa em liberar informações a

instituições especializas e com a continuação de seu programa, que a política

externa do Irã, embora pareça ideológica, é norteada pela percepção dos interesses

do país.

O Conflito na Síria segue esta mesma lógica e, apesar de ser muito

custoso para o Teerã, tem forte o envolvimento do país na batalha velada pelo

posicionamento no Oriente Médio.

4.3 CONFLITO NA SÍRIA

Conforme apontado diversas vezes ao longo do trabalho, a Síria é o

grande trunfo do Irã no Oriente Médio, atuando como um canal para Hezbollah e

também aumentando o seu potencial de retaliação contra ameaças, principalmente

os norte-americanos e os israelenses, seguidos pela Arábia Saudita atualmente.

Dentro dessa estratégia, acordando com Visentini e Roberto (2015), a Síria

funcionaria como um buffer (uma zona) estratégico e uma forma de o Irã projetar sua

influência:

O desenvolvimento da relação entre a Síria e o Irã pós-revolução de 1979 foi uma resposta aos desafios enfrentados por ambos os países frente ao Iraque, Israel e EUA no Levante e no Golfo Pérsico durante os anos 1980. Segundo Goodarzi (2009), a aliança surgida entre Damasco e Teerã foi essencialmente defensiva, tendo emergido diretamente como resposta aos atos de agressão do Iraque em 1980 contra o Irã e por Israel em 1982 contra o Líbano. (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 75)

Depois da primavera árabe, a ciência dos rivais regionais do Teerã da

importância de Damasco, fez com que estes se aproveitassem da situação para

transformar a crise síria, que também teve levantes populares pró-democracia em

março de 2011, em uma disputa regional a fim de enfraquecer a posição

geoestratégica iraniana. A Arábia Saudita, por exemplo, sempre foi receosa com

relação à Síria, um país que se define como republicano e é governado pelos

alawitas – uma ramificação do xiismo. (FRANCO, 2012; VISENTINI E ROBERTO,

2015).

Além disso, não só a Primavera poderia tornar oportuno o

empoderamento do Irã, mas a presença de um Estado democrático em si na região

do Oriente Médio poderia representar uma grande ameaça às monarquias, o que

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90

será demonstrado através das intervenções no Bahrein e no Iêmen citadas nos

próximos tópicos.

No mais, para Franco (2012, p. 18): “a Arábia Saudita é, acima de tudo,

um país ultraconservador, que dificilmente toleraria uma vitória revolucionária pró-

democracia na sua vizinhança” Ver o Irã perder o seu maior aliado no Oriente Médio

não seria suficiente. Tão ruim quanto a presença de um opositor xiita, seria um país

democrático na região. (FRANCO, 2012)

Em adendo aos fatos externos, internamente, segundo Cairus (2015),

existe na Síria a Irmandade Muçulmana, organização política sunita surgida no Egito

nas primeiras décadas do século XX, nos moldes do nacionalismo de Nasser, que

tem ramificações as quais nunca aceitaram o regime despótico, muito menos uma

ditadura controlada por uma minoria xiita de cerca de 10% da população (PEW

RESEARCH CENTER, 2009). Esta Irmandade foi atacada no início dos anos 1980

em repressão brutal promovida pelas forças de segurança de Damasco, deixando

em seus membros o desejo de acerto de contas. (CAIRUS, 2015)

Portanto, a Primavera Árabe na Síria, além do descontentamento popular

e busca por mais direitos civis e políticos, foi rapidamente engolfada por velhas

questões sectárias, por grupos radicais de várias partes do mundo islâmico, por uma

renitente crise econômica e, sobretudo, pelo desejo saudita e de países do Golfo

Pérsico de realinhar a Síria no eixo “sunita-wahabita” (CAIRUS, 2015)

Os protestos eclodiram em Da’ra, em março de 2011, no sul do país,

pedindo o fim do estado de emergência que vigorava desde a troca de governo em

1990 com a morte de Hafez al-Assad. Queriam também a legalização dos partidos

políticos e o expurgo de oficiais corruptos do governo. Alguns meses após o inicio

dos levantes, a oposição começou a reivindicar a queda do regime de Bashar al-

Assad. (VISENTINI et al, 2012)

Várias cidades foram palco de manifestações, incluindo a capital,

Damasco, e a segunda maior cidade, Aleppo, tradicional reduto de movimentos

islâmicos. Desertores do exército sírio e militantes armados vindos do exterior

alteraram o perfil das manifestações, gerando uma luta armada. Conforme a crise se

alastrava em direção ao norte do país, o exército continha os manifestantes;

inclusive com tanques nas principais zonas de tumulto. O país caminhava para uma

guerra civil. (VISENTINI et al, 2012)

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Diante disso, o governo tentou fazer algumas concessões para mitigar a

insatisfação popular. Em concordância com Visentini et al (2012, p. 66):

O estado de emergência, em vigor nos últimos 48 anos, foi suspenso o oficialmente em abril, e o conselho de ministros foi dissolvido a pedido do presidente Assad. Adel Safar foi nomeado primeiro-ministro, e seu gabinete tomou posse em 14 de abril. Entretanto, o presidente não afirmou ter a intenção de afastar-se do poder até o fim do seu mandato, alegando estar enfrentando gangues terroristas armadas e acusando parte da comunidade internacional de insuflar esses grupos contra a autoridade nacional e conspirar contra o país. (VISENTINI et al, 2012, p.66)

Levando esses fatores em consideração, o conflito passou a sofrer com a

interferência de potências externas contrárias a Damasco e Teerã, como a Arábia

Saudita, Qatar e Emirados Árabes. Estes passaram a fornecer armas, treinamento e

financiamento aos rebeldes contrários ao regime de Assad para que, derrubando-o,

tornassem um episódio da chamada Primavera Árabe em algo que servisse a seus

próprios interesses: o enfraquecimento do campo aliado ao Irã. (VISENTINI E

ROBERTO, 2015). Conforme dizem Visentini e Roberto (2015, p. 84):

O antigo emir do Qatar, Shaykh Hamad bin Khalifa al-Thani, defendeu o envio de tropas à região. Em 2012, mais de 10.000 líbios foram treinados na Jordânia para participar da guerra na Síria, recebendo cerca de mil dólares por mês da Arábia Saudita e do Qatar (RT, 2012). O próprio New York Times relatou o envio de engradados com material bélico para os rebeldes, oriundos da firma ucraniana Lugansk Cartridge Works (LCW), que teriam sido compradas originalmente pela Royal Saudi Arabian Land Forces e depois reenviadas à Síria (CHIVERS, 2012). O mesmo jornal apontou que os armamentos mais letais, entretanto, eram enviados pela Arábia Saudita aos grupos rebeldes mais radicais da Síria (SANGER, 2012). A própria revista estadunidense, Time, apontou a Arábia Saudita e o Qatar como os financiadores internacionais dos rebeldes sírios (ABOUZEID, 2012). (Visentini e Roberto, 2015, p. 84)

Concomitantemente a isso, elementos do EI (Estado Islâmico), migraram

para a Síria e iniciaram uma insurreição em áreas de presença sunita – financiados,

como visto, pelas monarquias da região do golfo. O que, segundo Araújo (2015)

significou a possibilidade de pagamento de salário para os integrantes do grupo que

nem o regime sírio de Bashar al-Assad podia pagar. (ARAÚJO, 2015)

O avanço do EI também colocam a posição iraniana em risco: não só o

Teerã perderia um regime amigável em Bagdá, que foi cultivado desde a subida de

Nouri Al-Maliki como Primeiro Ministro no Iraque, como mais uma barreira seria

colocada entre o Irã e a Síria. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

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Os apontamentos, logo, elucidam a situação Síria: a guerra civil se

transformou na manifestação de um conflito regional mais amplo, onde, de um lado,

encontraram-se o Irã e seus aliados e, de outro, a Arábia Saudita e as petro-

monarquias do Golfo – com o apoio velado de Israel. (VISENTINI E ROBERTO,

2015). Ambos os lados do conflito seguem para uma polarização dos campos

regionais e disputam a supremacia do Oriente Médio.

No entanto, a atual situação da Síria não afetou as relações entre Irã e o

país, tendo o Irã defendido a posição do governo sírio e criticado a ameaça de

invasão externa. Mas, por outro lado, a posição iraniana passou a ser abalada, em

grande medida devido ao alto nível de penetração externa nos embates. (VISENTINI

E ROBERTO, 2015; SPOHR, 2013)

Abdullah, rei da Arábia Saudita, desenvolveu uma política clara de

orquestrar a queda de Assad em Damasco como forma de forçar um revés

estratégico para o Irã. Portanto, além do financiamento a grupos de oposição sírios

armados, as economias autocráticas do Golfo têm acusado o Irã de ajudar o governo

sírio a reprimir os opositores do regime. (FRANCO, 2012)

De fato, num primeiro momento, o Irã seria o maior perdedor na hipótese

de uma queda definitiva do governo de Bashar al-Assad, sobretudo porque a

ascensão de um governo sunita ou pró-Estados Unidos certamente significaria o fim

definitivo da aliança entre aqueles países. Isto, em consonância com as diversas

sanções impostas contra o Irã, é um dos principais motivos para uma mudança nos

rumos da política externa atual do país a favor da moderação, como vem sendo

pregado pelo presidente Hassan Rouhani. (VISENTINI E ROBERTO, 2015;

FRANCO, 2012)

As potências de fora deste Complexo de Segurança também

responderam ao conflito na Síria. Por exemplo, Estados Unidos e a União Europeia

reforçaram sanções ao país, pois, segundo os atores, esta estaria atentando contra

a democracia. Sabendo da proximidade entre Damasco e Teerã, Washington apoiou

uma mudança de regime a fim de derrubar Assad do poder.

Ademais, a despeito de entenderem o papel da Síria como condutora de

ajuda iraniana ao Hezbollah e ao Hamas, os EUA também evitaram realizar uma

nova intervenção militar direta no Oriente Médio que poderia aumentar a atmosfera

de tensão e incerteza, bem como espalhar os conflitos para o resto do complexo.

Também, para auxiliar nesta postura, as considerações de Washington são que o

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Irã, sob a ameaça de perder sua aliada e a consequente ligação com grupos como o

Hezbollah, amenizaria sua posição confrontacionista com o seu poder de barganha

diminuído. (VISENTINI E ROBERTO, 2015). Por enquanto esta estratégia tem se

mostrado eficiente. Sobre isto, poderam Visentini e Roberto (2015, p. 88-89):

Um Irã moderado e pragmático serve aos interesses dos EUA na região, principalmente no que tange à estabilização do Afeganistão e do Iraque – algo que é de interesse de ambos os países, visto que tanto Teerã quanto Washington se beneficiariam de uma cooperação tácita para conter a crescente onda de radicalismo que emana do conflito na Síria e no Iraque – ainda mais necessário agora dado o extremismo do Estado Islâmico. Tal acomodação entre Irã-EUA traria impactos tanto a nível global, por tornar o pivô para a Ásia dos EUA mais factível na medida em que se corta custos de engajamento de Washington no Oriente Médio, quanto a nível regional, refletindo na continuação ou não do Eixo de Resistência como hoje ele se constitui e na forma como o Irã passará a se portar na região e em relação a seus atuais rivais.

Quanto ao posicionamento iraniano, o apoio dado à Síria desde 2011

para sustentar Assad tem se mostrado muito custoso, tanto em termos materiais

quanto em termos para sua reputação regional – o regime sírio é visto como

ilegítimo pela maioria das populações da região. Entretanto, o Irã tem consciência de

que os custos de perder a Síria seriam ainda maiores: o rompimento do Eixo de

Resistência contra os Ocidentais e seus aliados. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Outro ponto de resistência de Assad e dos persas, o Hezbollah, também

veio prestar socorro aos sírios. Desde 2013, o Hezbollah oficialmente declarou estar

presente na Síria lutando ao lado do exército nacional, tendo ganhado batalhas

importantes ao lado do regime de Assad, como na cidade de Qusayr em maio de

2013. Razão disto foi o risco de ter suas rotas de suprimento rompidas por um novo

regime sunita na Síria, a perda de sua profundidade estratégica e o consequente

enfraquecimento de sua capacidade dissuasória frente a Israel. (VISENTINI E

ROBERTO, 2015)

No que tange ao Hamas, é possível identificar um rompimento com o Irã e

Síria, graças ao problema atual de guerra civil. Diferente do Hezbollah e do Irã, o

Hamas, liderado por Khaled Mashal, evitou comprometer-se ao apoiar Assad por

temer que fosse perder legitimidade frente ao povo palestino – processo semelhante

ao qual o Hezbollah enfrenta ao ter assumido o posto ao lado da Síria. O Hamas

tentou posicionar-se afirmando que não interferiria em assuntos internos sírios, visto

que sua aliança era puramente contra um inimigo em comum – Israel. Entretanto, ao

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continuar sendo pressionado pelos seus principais Estados financiadores, que

supostamente diminuiram a ajuda financeira ao grupo, o Hamas decidiu abandonar a

base em Damasco e seus líderes espalharam-se por outros países árabes ou

voltaram para Gaza (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Como se vê, o conflito na Síria foi agravado e internacionalizado por

afetar todo o elo de atores relacionados ao Irã. Por um lado, potências regionais

interviram visando enfraquecer o ator, e por outro, este reagiu para que seu

posicionamento fosse mantido, o que fez grupos armados, como o Hezbollah,

agirem em território sírio. E, ainda, criou um empoderamento do EI, fortemente

auxiliado por petro-monarquias e que segue cada vez mais tomando territórios para

sí e transformando a Síria em mais um Estado Frágil.

As consequências da Primavera árabe e dos levantes do povo, embora

vistas com mais ênfase na Síria – principalmente pela cobertura da mídia

internacional e das atrocidades promovidas pelo EI – afetaram outros países na

Península Arábica e levaram a intervenção em seus territórios. Entre eles o Bahrain,

pequeno Estado no Golfo Pérsico que faz fronteira com Irã, Arábia Saudita e Qatar.

4.4 INTERVENÇÃO EM BAHRAIN

A principal atividade econômica do país é o petróleo, que responde a 60%

das exportações e 30% do PIB. O caso de sua invasão foi o mais significativo para a

reestruturação da balança de poder no Oriente Médio, sendo a intervenção no país

um fator crucial para a ascensão da Arábia Saudita como o novo polo de poder da

região. (FRANCO, 2012)

Inspirados pelas manifestações exitosas ocorridas na Tunísia e no Egito, a população do Bahrain reuniu-se em um protesto cuja data – 14 de fevereiro – fazia remissão aos dez anos do referendo que aprovou a Carta de Ação Nacional, um plano lançado pelo rei Hamad Al Khalifa que prometia reformas políticas graduais. Na prática, no entanto, essas reformas nunca foram completamente efetivadas, o que somado ao descontentamento generalizado diante da discriminação institucionalizada e perpetrada quase que explicitamente pelo governo, levou os bareinitas a se insurgirem no contexto da Primavera Árabe. (FRANCO, 2012, p.19)

A maioria da população é constituída por xiitas que, no entanto, e

conforme tendência regional, são totalmente marginalizados na sociedade. O

sistema eleitoral distrital é manipulado de modo a garantir uma maioria sunita no

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95

Parlamento. Os cargos públicos, quando não estão ocupados por membros da

família real, são majoritariamente dominados por estrangeiros. (BORBA,

BRANCHER, CEPIK, 2012)

Há inúmeros egípcios empregados no Poder Judiciário, enquanto que

Iemenitas, Jordanianos, Paquistaneses e outros árabes sunitas ocupam os postos

das Forças Armadas do país – formando o que a população define como um exército

de mercenários. Isto uniu a população, durante o período de Primavera Árabe,

enquanto bareinitas, sem distinção entre sunitas ou xiitas. (BORBA, BRANCHER,

CEPIK, 2012)

No mais, segundo citação de Franco (2012, p.): “Especula-se que o

governo promova políticas que visam alterar a composição religiosa do país, através

da concessão de nacionalidade Bareinita a árabes sunitas. ” (INTERNATIONAL

CRISIS GROUP, 2011:4 apud FRANCO, 2012).

Assim, foi a insatisfação generalizada com o governo e os altos índices de

desemprego em um país onde dois terços da população tem menos de trinta anos,

que começou os protestos. Inicialmente estes eram pacíficos e buscavam reformas

políticas, sociais e econômicas, mas acabaram por evoluir para um clamor pelo fim

do regime monárquico no Bahrain. (FRANCO, 2012)

Isto gerou um movimento repressivo por parte do regime e, ao contrário

do que ocorreu na Tunísia e no Egito, as forças armadas e de segurança não se

voltaram para o lado dos seus compatriotas – notadamente por serem formadas por

estrangeiros que não se sentiam parte da população. Ademais, no cenário regional,

Arábia Saudita e demais monarquias, através do CCG, exigiram do Bahrain medidas

robustas que não deixassem a onda de protestos por democracia tomar “proporções

desmesuradas”. (FRANCO, 2012)

Este tema, as revoltas, foi prioritário na agenda de segurança saudita

durante a Primavera Árabe. O país queria garantir a estabilidade de seu reino e

impedir as sublevações xiitas, principalmente no Bahrain que detém metade das

produções sauditas de petróleo offshore. (BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012)

Nos últimos dias também houve manifestações na saudita Província Oriental, majoritariamente xiita e ligada ao Bahrein por uma passagem elevada de 26 quilômetros. Ali está a maior parte das instalações petroleiras sauditas. “Os sauditas temiam que as manifestações no Bahrein contagiassem os xiitas da Província Oriental. Assim, simplesmente tiveram que avançar”, disse Simon Henderson, analista de temas do Golfo no

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Washington Institute for Near East Policy. (SLAVIN, INTER PRESS SERVICE, 16/03/2011)

Diante da inabilidade do Bahrain em conter sozinho os ímpetos da sua

população, o rei deste – Hamad Bin Isa al-Khalifa – solicitou aos países do Golfo

que enviassem auxílio e intervissem. Desta forma, com a aprovação do CCG, só a

Arábia Saudita enviou ao país cerca de mil soldados e 150 tanques blindados para

auxiliar o regime da família reinante sunita Al Khalifa. (BORBA, BRANCHER, CEPIK,

2012)

O principal elemento que propulsionou a intervenção foi o temor que

pairava dentre os monarcas do CCG de que qualquer êxito na revolta bareinita

servisse de inspiração às suas próprias populações oprimidas, propagando o

problema por toda região. Isso porque todos os países mantêm um regime

fortemente repressor, altos índices de desemprego e desigualdade social, além de

possuírem parcelas de população xiita, em grande medida tiranizadas pelos

governantes sunitas. A ameaça às monarquias, portanto, era praticamente

existencial (FRANCO, 2012).

Contudo, mais do que uma ação para restaurar a ordem no Bahrain, a

intervenção foi um aviso explícito das monarquias para as suas respectivas

populações no sentido de que não iriam tolerar manifestações contrárias ao regime,

demonstrando, sobretudo, a sua capacidade de reprimir e punir violentamente os

revoltosos. Além disso, a mensagem deveria atingir as massas xiitas e alertá-las

para as consequências de eventuais atividades em aliança com o Irã.

Os meios de comunicação sauditas acusam o xiita Irã de fomentar os protestos nos dois países, mas os analisas afirmam que há poucas provas disso. “O Irã não é a força-guia nessas ações”, disse Afshin Molavi, especialista em temas do Irã na New American Foundation em uma audiência no Woodrow Wilson International Center for Scholars. Molavi disse que a imprensa estatal iraniana que se dirige aos cidadãos de fala persa, praticamente não menciona a situação no Bahrein. (SLAVIN, INTER PRESS SERVICE, 16/03/2011)

O Irã, por sua vez, apesar de inicialmente ser beneficiado pela situação e

ter se posicionado contra a intervenção no território do vizinho, não tomou atitudes

diretas na região com intenção de deixar que as próprias ações dos Saud

exortassem uma reação mais forte das populações. (SLAVIN, 2011)

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Estas explanações evidenciam a preocupação saudita com o desenrolar

das revoltas reformistas nas monarquias árabes. E tal preocupação fez com que o

país, além de afirmar que o Irã era responsável pelos levantes através da

exportação de seu modelo, intervisse diretamente no Bahrain onde a população é

predominantemente xiita, de acordo com relatório do Pew Research Center (2009),

mais de 50% do povo bareinita é xiita, local estratégico importante devido a suas

plataformas offshore, e, notadamente, vizinho de fronteira esmagado entre os dois

gigantes, Irã e Arábia Saudita. (BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012; FRANCO,

2012)

O efeito dominó da situação no Bahrein poderia afetar a posição da

Arábia Saudita tanto regionalmente, quanto internamente, atingindo inclusive, a

monarquia no poder. Esta perda estratégica também enfraqueceria as relações com

os EUA e a influência do último no cenário do Oriente Médio, uma vez que o país é

um grande parceiro saudita. Assim, o destino do Bahrain poderia desenhar novos

padrões estratégicos naquela zona geográfica.

Cabe aqui a reflexão quanto a atitude dos sauditas. Esta pode ter sido

efetiva em uma contenção momentânea dos levantes xiitas e das minorias, mas

certamente serviu apenas como combustível para as incertezas e ódio

segregacionista entre as diferentes religiões e etnias dos países árabes.

De todo modo, a intervenção foi uma mensagem explicita dos

governantes dos regimes autocráticos, não apenas para suas populações, mas para

toda a comunidade internacional, de que eles não hesitariam em suprimir toda e

qualquer ameaça revolucionária na região. O mesmo aconteceu no Iêmen.

4.5 CONFLITO NO IÊMEN

O Iêmen é de suma importância para a região do Oriente Médio e para os

atores externos interessados no complexo de segurança, não por seu peso

econômico, mas por sua posição geográfica estratégica para o comercio e por ser

principal sede da al-Qaeda na Península Arábica. É, portanto, um país pobre, mas

importante para a logística do Oriente.

Ele confronta a norte a Arábia Saudita, a oriente o Omã e permite

controlar, a ocidente, a entrada para o Mar Vermelho e o acesso dos barcos que se

dirigem ao Mediterrâneo via Canal de Suez. É dividido entre norte agrário e sul

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urbano que foi unificado em 1990. Também é morada de diversas tribos e clãs

diferentes que ainda têm influencia no país, sendo apenas 30% de sua população

urbana. Esses grupos distintos interferem nas políticas de governo através de seus

diversos interesses. (VISENTINI et al, 2012; BARBOSA, 2015)

Dentre eles, merecem destaque os xiitas al-Houthi advindos do norte e

oposicionistas ao governo. Em 2009 a Arábia Saudita interveio nas manifestações

destes quando invadiram seu território sul. Portanto o problema de falta de controle

do Iêmen de seus rebeldes, fez do país foco de preocupação do vizinho. Isto se

explica nas considerações de que a população xiita da Arábia Saudita é recriminada

e segregada, causando receio de contágio rebelde nas ricas províncias de Najran e

Jiran. Também há a questão da disputa com o Irã, xiita e “berço” da revolução

islâmica no final do século passado, que deve ser mantida sobre controle.

(BARBOSA, 2015)

Tamanha a preocupação que, inspirados pelos sauditas, em 28 de

Janeiro de 2011 a Al-Qaeda da Península Arábica declarou guerra aos al-Houthi.

Lembra-se aqui que a al-Qaeda é sunita e de origem saudita. (BARBOSA, 2015)

Ainda, para análise, deve-se considerar o fato de o Estado ser

extremamente dependente de petróleo e, como os demais petro-estados, morada de

uma população pobre, detentor de estruturas de Estado fracas e elevados níveis de

corrupção e desemprego. Segundo Visentini et al (2012), o país figura entre os mais

pobres do mundo árabe com cerca de 42% da população vivendo com menos de

US$2 por dia. Os autores completam:

O Iêmen possui uma economia altamente dependente do petróleo, cujas rendas correspondem a 92% das exportações, número preocupante, dado que a produção tem decaído à medida que os poços se esgotam. O país falhou nas tentativas de diversificação da economia, deixando-a suscetível a mudanças bruscas dos preços do petróleo. O desemprego atinge cerca de 16% da população, taxa ainda maior entre os jovens. Além disso, a alta taxa de crescimento populacional, estimada em 3% no censo de 2004, agrava a escassez de água e a fome que assolam o país. (Visentini et al, 2012, p. 68)

Assim, parte da população se volta para atividades ilícitas, como a

pirataria e o tráfico de armas, de pessoas e de drogas, o que faz da sociedade

iemenita uma das mais armadas do mundo. (VISENTINI et al, 2012)

Ademais, o governo da república iemenita é parceiro dos EUA, e,

contrariamente ao movimento clandestino de bens e pessoas, com o início da

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campanha americana da Guerra Contra o Terror, estreitou seus laços com a

superpotência, tornando-se um forte aliado. Parte deste estreitamento de laços foi

estimulada pelo auxílio financeiro e pelos treinamentos americanos. (VISENTINI et

al, 2012)

Contudo, apesar dos esforços do Iêmen em combater forças e

financiamento terroristas em seu território, a al-Qaeda vem se fortalecendo no país.

Em 2006, houve a fuga de mais de 20 terroristas experientes de uma prisão

iemenita, que voltaram a contribuir para a organização, e em 2009, as “sucursais” do

Iêmen e da Arábia Saudita se uniram para formar a Al-Qaeda na Península Árabe,

que opera no Iêmen. (VISENTINI et al, 2012)

Dado o quadro de instabilidade interna no Iêmen, as manifestações de

2011, portanto, criaram um vácuo de poder no país que beneficiou os grupos

armados, levando poderes externos a exercer pressão no presidente para que ele

saísse e desse fim a guerra civil que se instaurou. Essas forças externas foram os

países membros do CCG, que assinaram um tratado no âmbito da organização

dizendo que Ali Abdullah Saleh não seria julgado por crimes de guerra, EUA, França

e Grã-Bretanha principalmente, além da ONU. Em 2012, o ministro das Relações

Exteriores francês chegou a declarar que sanções contra o Iêmen seriam discutidas

no âmbito da União Europeia em breve, indicando que a permanência de Saleh no

poder era vista como inviável pelos países europeus. (VISENTINI et al, 2012)

Tal atitude se explica no receio de uma ascensão da al-Qaeda quando a

queda de Saleh se fez, foi julgada desta forma, inevitável. Com isso, EUA, grande

parceiro do país, passou a aproximar-se dos manifestantes. (VISENTINI et al, 2012)

Em junho de 2012, a mesquita onde o presidente estava foi atingida por

um míssil e ele sofreu graves queimaduras, viajando para a Arábia Saudita para

receber tratamento médico. Formalmente, a autoridade passou para o vice-

presidente, Abd al-Rab Mansur al-Hadi, também o candidato mais provável do

Congresso Geral do Povo (GPC), partido de Saleh, no caso de uma transição

forçada. Sobre as revoluções, Visentini et al apontam:

A instabilidade política deixou um vácuo de poder que podia agravar os problemas já existentes dos rebeldes houtis, do separatismo do sul do país e do fortalecimento da Al-Qaeda. O governo dedicou seus maiores esforços às manifestações na capital, Sanaa, e arredores, mas, enquanto isso, os houtis obtinham o controle de boa parte da fronteira com a Arábia Saudita, os separatistas do sul controlavam as principais estradas da região, e a Al-

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Qaeda tomava cidades costeiras também no sul do país. Dia 19 de maio, a tomada da capital provinciana Zanjibar pelos militantes islâmicos provocou críticas da oposição, que acusam Saleh de permitir que a Al--Qaeda se apoderasse da região para sustentar sua alegação de que, sem ele, o grupo dominaria o país, buscando assim apoio internacional para permanecer no poder. Além disso, disputas entre as próprias tribos pelo poder podiam acontecer. (VISENTINI et al, 2012, p. 71)

O presidente renunciou o cargo e o deixou para seu vice, que ficaria

responsável em estabelecer um novo governo. Entretanto, devido a repressão nos

meses de revoltas, os revolucionários ainda querem que Saleh seja julgado por

crimes de guerra e seguem lutando. A situação é instável. (VISENTINI et al, 2012)

As intervenções observadas pelos países monárquicos nos mais fracos

(frisa-se a participação da Arábia Saudita) deixam clara a relevância destes locais,

não por força de Estado, mas por serem campos férteis para a proliferação de

políticas e ideologias consideradas perigosas para os regimes mais fortes.

A onda de revoluções surgidas a partir de 2011 não só demonstrou a

vontade dos populares por mais direitos nesses países fechados, como expôs a

fragilidade dos regimes árabes. E estas revoltas, principalmente próximas da zona

de influência da Arábia Saudita, seus vizinhos mais ainda, precisaram ser contidas

de todas as maneiras necessárias.

Isto, em oposição ao movimento iraniano tem transformado o Oriente

Médio numa arena na disputa pela hegemonia local.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É incontestável, que apesar dos percalços nas últimas décadas, o Irã

consolidou uma posição geopolítica invejável no Oriente Médio resultante do caos

nos países árabes e das limitações sauditas. Hoje, sobretudo, o Irã assumiu o

protagonismo na luta direta com os radicais do EI, subprodutos das intervenções

estrangeiras na região e, também, do regime saudita. Na Síria, o país garante a

sobrevivência do regime de Damasco, vital para a sua estratégia de manter o apoio

ao Hezbollah, além de expandir sua presença na fronteira litigiosa das Colinas de

Golan. Em Gaza, apoia politicamente e logisticamente o Hamas. No Líbano financia

grupos radicais cristãos e contra Israel. E também segue com o seu programa

nuclear que o transforma em um dos poucos países do mundo a deter armamento

atômico (embora isto não seja comprovado) e o único na Península Arábica capaz

de rivalizar Israel neste sentido. (CAIRUS, 2012)

Quanto à Arábia Saudita, esta que sempre adotou postura menos

intervencionista, preferindo fazer uso de proxies a se envolver diretamente nos

problemas da região, viu-se impelida por um vácuo de poder deixado pelo Egito,

Iraque e Síria, a assumir o papel de protagonista contra as políticas iranianas.

Ademais, ao longo dos últimos anos, a crise monárquica que assolou os países

despóticos a partir de 2011 também forçou o Estado a agir conforme necessário

para seus interesses e tomar frente em organizações internacionais, como o CCG e

a OPEP. (CAIRUS, 2012)

Sobre os EUA, estes parecem contidos em suas atitudes para com o

Oriente Médio, assumindo uma posição menos direta na região atualmente. Em

parte, crê-se, pelas lições aprendidas com a Invasão ao Iraque, em parte por receio

das ambições nucleares dos iranianos. De todo modo, esta atitude não deve ser

confundida com desinteresse da superpotência; embora algumas variáveis tenham

mudado, como a redução de sua dependência do petróleo por meio do

desenvolvimento de novas tecnologias, é preciso lembrar que os aliados americanos

ainda necessitam do insumo para manter suas economias e que há uma

preocupação muito grande de que as supostas armas nucleares caiam nas mãos de

jihadistas proxies iranianos, acabando por assolar a região e talvez outros locais do

mundo em uma onda de instabilidade sem precedentes. Assim, as estratégias

podem ter se alterado, mas o interesse estadunidense continua.

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Os americanos se aproveitaram dos levantes por democracia no Mundo

Árabe para obter a simpatia da massa, que era antiamericana e antiocidental, e

tentar recuperar sua imagem no Oriente Médio. Desta forma, passaram a instigar a

derrubada de velhos regimes amigos, até ontem “respeitáveis”, para direcionar a

população a uma postura mais moderada com relação aos EUA. Uma estratégia que

não deixa de ser perigosa, porque os EUA podem ficar sem alternativas nas petro-

monarquias e/ou aumentar a oposição, como vem acontecendo na Síria.

(VISENTINI et al, 2012)

Isto é importante porque a alteração de comportamento americano afetou

a Arábia Saudita, acostumada ao apoio Ocidental, e esta está cada vez mais

dependente de si mesma em um local dominado por países fracos internamente e,

assim, passivos de sofrerem fortes influências externas, o que só eleva os níveis de

incerteza para sua nação. (BARBOSA, 2013)

As pesquisas levaram, portanto, a conclusão de que não só o Irã e a

Arábia Saudita influenciam os conflitos no Oriente Médio, mas são também vítimas

de uma série de fatores que os levam a agir de determinada forma em prol de seus

interesses. Portanto, em vez de se ter uma visão superficial da influência dos atores,

o estudo permitiu um entendimento maior de que estes são igualmente afetados

pelo Oriente Médio e entes internacionais, embora representem forças relevantes

nesta zona geográfica e devam ser levados em consideração em análises futuras.

Vale dizer ainda que a ideia inicial da pesquisa do TCC era entender

como a luta de influência travada por Irã e Arábia Saudita afetava o Oriente Médio, e

a percepção foi que a Guerra Fria entre os atores afeta negativamente o local, pois é

perpetuada através de discursos religiosos e ideológicos, financiamento a grupos

armados, intervenções aos países mais fracos e, também por meio de organismos

internacionais e parceiros regionais, fatores que em nada ajudam o desenvolvimento

sustentável e duradouro das nações fragilizadas. Desta forma, toda a região se torna

arena de sua disputa. Isto mostra que Arábia Saudita e Irã desempenham, sem

dúvidas, um importante papel na situação do Oriente Médio, para estabilização o

não do cenário, possuindo relações intensas com os demais países de seu

Complexo de Segurança, sejam elas marcadas por atritos ou cooperação.

Ademais, em um resgate do trabalho, o objetivo primeiro foi, acima de

todos, fazer um apanhado de temas da política internacional e da economia política

internacional relevantes para a compreensão da atuação dos Estados analisados; e

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necessários também para o entendimento das interações dentro do Oriente Médio.

Assim, buscou-se com o primeiro objetivo elucidar questões quanto à função da

OPEP, à relação estreita da religião com a política para os muçulmanos e

abordagens relacionadas à segurança internacional que são de forma mais fácil

vistas no Mundo Árabe e que certamente foram necessárias para a compreensão da

política externa dos atores, principalmente neste estudo.

No segundo objetivo o intento maior foi resgatar os fatos importantes que

levaram ao desfecho de Guerra Fria entre os objetos do estudo, e, portanto, optou-

se por iniciar as explanações com a mudança de alinhamento iraniano em 1979, o

que acirrou as disputas entre persas xiitas e árabes sunitas e também fez com que a

Arábia Saudita adotasse uma postura de vigilância constante das populações xiitas

em todo o Golfo Pérsico/Arábico.

No capítulo que a esse objetivo responde, exorbitaram-se os limites do fim

do século para que também fosse possível descrever fatos marcantes, como a

Invasão ao Iraque em 2003 por parte dos EUA, que gerou uma reação sunita no

país – grupo deposto do poder e ameaçado pelo governo xiita – além de ser o

contexto que deu origem ao temido Estado Islâmico o qual vem tomando conta da

Síria. Também se procurou versar sobre a Primavera Árabe, que se caracterizou não

só por movimentos revolucionários, como é apregoado por aí, mas também pôs em

evidência a fragilidade dos regimes despóticos. E, mais ainda, ousa-se dizer,

aprofundou de forma irreversível as relações negativas entre Arábia Saudita e Irã

através dos jogos de poder expostos pela mídia deste os anos 2011. Soma-se a isso

um fato relevante: o enfraquecimento da região através do desmoronamento das

questões domésticas que abriram precedentes para um vácuo de poder.

Esta instabilidade, apesar de não ter sido criada nem por Irã e nem por

Arábia Saudita, foi aproveitada por eles para consecução da disputa regional dentro

dos Estados mais fracos. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Por fim, em um capítulo que buscou o entendimento final dos conflitos

atuais, como as intervenções no Iêmen, no Bahrein e na Síria, para compreensão da

atuação dos players sauditas e iranianos, foram feitos pequenos apanhados sobre

estas contendas, bem como breves análises da importância da Questão Palestina,

que, acredita a autora, deve ser sempre lembrada quando se estuda o Oriente

Médio atual. E, claro, como não podia faltar, foi feito também um texto sobre o

Programa Nuclear Iraniano, o qual serve não só de “produtor de fontes de energia”

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para o povo do Irã, mas indubitavelmente é estratégico para a segurança nacional

do país. Se assim não fosse, os segredos principais deste projeto não seriam

guardados a sete chaves pelos iranianos causando a perda de sono dos oficiais

americanos, israelenses e sauditas.

Após estas explanações, fica como observação a grande limitação pela

falta de literatura brasileira analisando o Oriente Médio afora da atuação brasileira.

Os trabalhos encontrados eram constantemente ligados ao Brasil, o que dificultou

encontrar textos mais aprofundados sobre o assunto da pesquisa. Desta fora grande

parte das referencias aqui citadas são oriundas de teses e dissertações acadêmicas,

tendo poucas as referencias de livros acerca do tema desenvolvido. Muitos dos

textos tiveram de ser buscados em inglês, principalmente no que concerne

explicações acerca das teorias realistas, o que abre oportunidades a estudiosos que

queiram explorar esta área e fornecer conteúdo brasileiro para a academia.

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