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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ELIZE CARPES DE MORAES
IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO
Florianópolis
2015
ELIZE CARPES DE MORAES
IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Prof. Paulo Roberto Ferreira, Ms.
Florianópolis
2015
ELIZE CARPES DE MORAES
IRÃ X ARÁBIA SAUDITA: AS CONSEQUÊNCIAS DA RIVALIDADE NO ORIENTE MÉDIO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e aprovado em sua forma final pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.
When you talk about influence, various factors make a certain country influential. In the Middle East, in our region, you have the same society, the same ideology, many similar things, the same tribes, going across borders. So if you have influence on one factor, your influence will be crossing the border. This is part of our nature. (FOREINGNER AFFAIRS, BASHAR AL-ASSAD, 2015)
RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender como a rivalidade entre o Irã e a Arábia
Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio atualmente. Assim, para que fosse
alcançado, foram verificadas, primeiro, as abordagens e os conceitos acerca da
política internacional, da economia política internacional e da Teoria Realista,
relevantes para o entendimento da atuação dos atores. Também foram abordadas
as relações saudi-iranianas e a relevância da segregação religiosa entre sunismo e
xiismo. Posteriormente, foi desenhado o histórico de conflitos importantes a partir da
Revolução Islâmica de 1979. O resgate foi finalizado na Primavera Árabe, e, por fim,
foi feita uma análise da perspectiva dos rivais por meio da Questão Palestina, do
Programa Nuclear iraniano e dos conflitos atuais, após as revoluções populares de
2011, na zona árabe asiática. Este apanhado incluiu a Síria, o Bahrein e terminou
com o caso do Iêmen. Concluiu-se, então, que a disputa travada por Irã e Arábia
Saudita transforma a região do Oriente Médio em um palco onde os mais fracos
ficam a mercê das vontades dos maiores, o qual impossibilita o crescimento positivo
da região, servindo de mantenedor da instabilidade e fragilidade de suas nações. Os
métodos utilizados foram permeados pela dialética através de procedimentos
históricos e comparativos.
Palavras-chave: Irã; Arábia Saudita; Oriente Médio; EUA; Segurança
ABSTRACT
The subject of this work is to understand how the rivalry between Iran and Saud
Arabia affects the conflicts in Middle East nowadays. In order to achieve its goal first
were verified approaches and concepts related to international politics, international
political economy e Realistic Theory, all relevant for the player’s performance
comprehension. Also, were addressed the “saud-iranian” relations and the
importance of the religious segregation between sunnism and shiism. Subsequently,
a historical of the important conflicts was drawn from the Islamic Revolution of 1979.
The rescue was finalized on the Arab Spring. Finally, it was made an analysis of the
rivals’ perspective through the Palestine Question, the Iranian Nuclear Program and
current conflicts (all after the popular revolutions on 2011) in the Arabian zone. This
summary included Syria, Bahrein and ended with the Yemen case. The conclusion
was that the dispute waged by Iran and Saud Arabia transforms the region of Middle
East into a ring where the weakest are at the mercy of the will of the greatest. This
ring makes impossible the region’s growth, serving as a maintainer of the instability
and fragility of its nations. The methods used were permeated by the dialectic
through historical and comparative procedures.
Keywords: Iran; Saudi Arabia; Middle East; USA; Security
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12
1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA ............................................................ 12
1.2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 14
1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................................ 14
1.2.2 Objetivos específicos .............................................................................................. 14
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 14
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 16
2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES IRÃ E ARÁBIA SAUDITA .................................. 19
2.1 ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL DO PETRÓLEO ................................. 19
2.1.1 Organização Dos Países Exportadores De Petróleo ...................................... 24
2.2 DILEMA DE SEGURANÇA .......................................................................................... 29
2.2.1 Guerra Proxy ............................................................................................................. 33
2.2.2 Conceito de Complexo de Segurança ................................................................ 38
2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO .................................. 41
2.3.1 Relações entre Arábia Saudita e Irã .................................................................... 43
2.3.2 Sunismo e Xiismo .................................................................................................... 47
2.3.3 Interferência norte-americana no Oriente Médio ............................................. 50
3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-CRISE DE 1979 ..................................................................................................................... 56
3.1 REVOLUÇÃO ISLAMICA DE 1979 E A CRISE DO PETRÓLEO ......................... 56
3.2 GUERRA IRÃ-IRAQUE ................................................................................................ 61
3.3 GUERRA DO GOLFO .................................................................................................. 65
3.4 PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE .................................................................... 69
3.5 PRIMAVERA ARÁBE ................................................................................................... 75
3.6 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO .......................................................................... 78
4 A PERSPECTIVA DOS RIVAIS IRÃ E ARÁBIA SAUDITA NOS CONFLITOS ATUAIS ................................................................................................................................... 81
4.1 CONFLITOS ENTRE ISRAEL E GRUPOS DE RESISTÊNCIA PALESTINOS .. 81
4.2 PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO .......................................................................... 85
4.3 CONFLITO NA SÍRIA ................................................................................................... 89
4.4 INTERVENÇÃO EM BAHRAIN ................................................................................... 94
4.5 CONFLITO NO IÊMEN ................................................................................................ 97
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 101
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 105
12
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tenciona compreender como a relação entre Arábia
Saudita e Irã afeta a dinâmica do Oriente Médio. Assim, no primeiro capítulo estão
descritos os elementos iniciais da pesquisa, destacando-se a exposição do tema e
do problema proposto, os objetivos gerais e específicos que a pesquisa almeja
alcançar, a justificativa da escolha do tema e a metodologia científica que será
aplicada para o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Em conseguinte, estão apresentados capítulos de desenvolvimento os
quais, cada um, procura atingir um objetivo específico apresentado neste primeiro
momento. Por último serão apontadas as conclusões obtidas no decorrer do estudo.
Assim, dá-se início ao tema.
1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA
O critério geopolítico, no que diz respeito ao aproveitamento geográfico
para obtenção de poder, sempre fez parte das sociedades humanas e engloba, hoje,
tudo o que é relacionado à política através de espaços territoriais. E isto não
significa, nos tempos contemporâneos, simplesmente considerar os vizinhos
imediatos de cada país, mas ponderar sobre as consequências de cada ato em um
cenário internacional.
Nesta linha de pensamento, talvez não haja exemplo prático melhor para
aplicação de seu estudo, se não o Oriente Médio, ponto de convergência de vias
marítimas, três continentes: Europa, África, Ásia, e local naturalmente estratégico
onde se situam as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo com cerca
de um terço de todo o insumo disponível. Área extremamente visada
internacionalmente por grandes potências para exploração de riquezas,
desenvolvimento do mercado bélico beneficiado pela instabilidade local e, ainda,
meio através do qual essas potências também mantém o Status quo.
Vale lembrar que “Oriente Médio” são todos os países do oeste e
sudoeste asiático, sendo a região limitada pelos Mares Negro, Cáspio, Mediterrâneo,
Vermelho, pelo Golfo Pérsico e pelo Oceano Índico (Mar Arábico e Golfo do Áden).
(OLIC, 1991, p.8). Ao todo são quinze os países integrantes: Afeganistão, Arábia
Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel,
13
Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e Turquia. Este ponto no mundo é conhecido
por pertencer ao “Mundo árabe islâmico” que inclui também alguns países da África.
(OLIC, 1991)
Nesse contexto, e para uma análise mais acurada, deve-se considerar
que os países nesta zona têm uma interdependência delicada, a exemplo do Irã e da
Arábia Saudita, que se auto conclamam a vanguarda do mundo mulçumano e
disputam entre si “a liderança da religião islâmica” (FRANCO, 2012). Deste modo,
seus problemas acabam tendo reflexos que ultrapassam os limites geográficos.
Segundo Olic (1991, p.5), “no Oriente Médio se digladiam cotidianamente
classes sociais, comunidades étnico-religiosas, envolvendo interesses locais,
regionais e internacionais”. E, embora haja um emaranhado de conflitos ocorrendo,
estes Estados necessitam uns dos outros para manutenção individual dentro de sua
área geográfica.
Atualmente, na região, os dois Estados têm ganhado força a frente de
duas vertentes opostas em um conflito, ousa-se dizer uma mini “Guerra Fria”, que
não gera confronto direto, mas interpõe interesses aos mais fracos e dá novos
desenhos a um desentendimento tão antigo quanto a religião islâmica: a divisão
entre sunitas e xiitas. Este fator é um dos elementos que são colocados como pano
de fundo nos pretensos ensaios sobre o Oriente Médio e a dinâmica de segurança
do seu sistema atual.
Ademais, a relação entre os Estados e aliados, ainda que estratégica,
sofre constantes golpes advindos de guerrilhas entre as nacionalidades – e às vezes
mesmo embates internos auxiliados de alguma forma por outras nações.
Assim, para entender de forma analítica como se dá o funcionamento
deste quadro e seus atuais conflitos, é necessário compreender primeiramente a
relação entre Irã e Arábia Saudita em um ponto tão crucial para o mundo
industrializado moderno. A disputa de influência exercida na zona da Península
Arábica e Golfo Pérsico afeta os sistemas políticos da região e pode alterar tanto as
dinâmicas domésticas quanto as agendas de potências capazes de atuar no mundo
todo, como os EUA. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Por fim, o exame dessas questões dá luz à pergunta central da pesquisa,
que direciona e aprofunda o desenvolvimento do trabalho: Como a rivalidade Irã x Arábia Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio atualmente?
14
1.2 OBJETIVOS
Considerando tais apontamentos, em seguida são explicitados o alvo
desta investigação e as metas para sua consecução.
1.2.1 Objetivo geral
O objetivo geral do trabalho de conclusão de curso é compreender como
a rivalidade entre o Irã e a Arábia Saudita afeta os conflitos no Oriente Médio
atualmente.
1.2.2 Objetivos específicos
De forma a atingir e complementar o objetivo geral se apresentam a
seguir alguns objetivos específicos a serem alcançados no decorrer do trabalho:
Estudar as principais abordagens da política internacional e da
economia política internacional que auxiliam no entendimento dos conflitos no
Oriente Médio.
Descrever o histórico de conflitos envolvendo Arábia Saudita e Irã após
a crise de 1979
Analisar os principais conflitos atuais que envolvem os interesses de Irã
e Arábia Saudita no Oriente Médio.
1.3 JUSTIFICATIVA
Com base no exposto, nota-se que a investigação proposta envolve a
análise de países situados em uma região bastante conflituosa. O projeto, portanto,
contribui para o aperfeiçoamento de um olhar holístico no que tange à atuação dos
Estados regionalmente, em vias de garantir o interesse doméstico individual. Ainda,
o objeto da pesquisa é de extrema relevância, historicamente, para as relações
internacionais desde o nascimento da disciplina, depois da Primeira Guerra Mundial.
Outrossim, devido a tal complexidade de fatos intrincados, o tema
escolhido necessariamente aborda questões outras fundamentais para a economia
15
política internacional, como, por exemplo, a questão do petróleo e o interesse de
grandes potências na região. Desta forma, como afirma Akceruld:
A expressão Oriente Médio é recente criação de cunho técnico e é marcada por nítida influência militar. Foi selecionada em 1902 para designar a área entre Arábia e Índia, tendo como centro, do ponto de vista de estratégia naval, o Golfo Pérsico. É uma denominação que identifica o momento preciso em que os interesses petrolíferos entraram definida e definitivamente no planejamento estratégico dos estados-maiores das grandes potências. Faz parte do mapa-múndi desenhado pelo imperialismo no despontar do século XX. (AKCELRUD, 1985 apud MAGNOLI 2006, p.425)
Isto posto, dentre os motivos para realização da investigação, está o
interesse da autora em entender as causas e as consequências da rivalidade entre
os mais influentes países do Oriente Médio a partir da perspectiva da economia
política internacional. Além disso, estudar o assunto se torna instigante, pois
possibilita o entendimento desta área geoestratégica extremamente pertinente nas
Relações Internacionais. Logo, a pesquisa permite o uso de conhecimentos de
disciplinas aprendidas durante a graduação, tal como Teorias das Relações
Internacionais. Ademais, a realização da monografia pode servir como porta de
entrada para pós-graduação istricto senso no futuro próximo e para uma possível
carreira acadêmica.
No curso de Relações Internacionais da UNISUL, o prestígio do conteúdo
está presente em várias disciplinas: Política Internacional, Geopolítica, Relações
Internacionais Contemporâneas, Economia Política Internacional, dentre outras,
oferecendo resultados que auxiliam seus estudos; e, bem como, auxiliando para
simulações de organizações internacionais, devido sua demanda por questões
concernentes à cooperação, diplomacia e solução e análise de conflitos.
Socialmente, destaca-se por fornecer conhecimento daquilo além das
fronteiras brasileiras – fatos oriundos do Oriente Médio podem afetar a economia e a
política: cotação de petróleo, alianças políticas, configuração regional, etc... Este
entendimento elucida então aqueles que pretendem viajar para a região e os que
tencionam fazer negócios com os países envolvidos ou investir.
No âmbito governamental, este estudo auxilia na definição e análise das
relações internacionais do Brasil com Oriente Médio.
Ato contínuo são descritos a partir deste ponto os critérios para formação
da pesquisa.
16
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Pesquisar é primordial para a melhoria contínua da sociedade, pois tem
como sinônimo a indagação e a busca por soluções aos conflitos humanos das
diversas naturezas.
Para Castilho, Borges e Pereira (2011, p. 8), no alcance de tal
qualificação são empregados métodos no processo de investigação que o tornam
cientifico (racional, sistemático, exato, verificável, falível, certo e real). Dentro destas
funções, como cita Marconi (2010, p. 204):
A especificação da metodologia da pesquisa é a que abrange maior número de itens, pois responde, a um só tempo, as questões como? com quê? onde? quanto? (...). Partindo desse pressuposto, cabe aos procedimentos metodológicos definir a abordagem do problema, os processos, instrumentos de coleta e os dados utilizados para obtenção de uma resposta ao trabalho de conclusão de curso.
Acordando com esta colocação, a seguir serão descritos os seguintes
critérios: natureza da pesquisa, abordagem, procedimentos, métodos aplicados e
técnicas de coletas de dados.
Ao verificar-se a natureza do presente trabalho ficou claro de que se trata
de uma pesquisa básica, pois possui fim em si mesma. Ela objetiva gerar
conhecimentos novos sem emprego previsto. Conforme Castilho, Borges e Pereira
(2011, p.10), “é majoritariamente intelectual e impulsionada pelo desejo de
conhecimento, sem aplicação imediata no desenvolvimento prático”.
Quanto à abordagem, optou-se principalmente pelo uso da dialética. Para
Stalin, tal método considera que nenhum fenômeno da natureza pode ser
compreendido quando encarado isoladamente; ao contrário, pode ser explicado
quando considerado do ponto de vista de sua ligação com os fenômenos que o
rodeiam. (STALIN apud MARCONI, 2010, p. 83). Desta forma, tendo em vista a
dependência dos fatos relacionados ao assunto principal, tornou-se evidente a
necessidade de um tratamento que ajuizasse fenômenos complexos e a ligação
entre os processos no sistema internacional.
Outra abordagem escolhida, concomitantemente, foi a qualitativa,
tratando da interpretação aprofundada de aspectos do ser humano complexo e seu
comportamento em forma de sociedade, ainda de acordo com Marconi (2010).
17
Para realização concreta da investigação foram elencados como
principais meios de análise o método de procedimento histórico, inevitavelmente
escolhido observando a pergunta central do problema.
Partindo do principio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função. Assim, o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje. (MARCONI, 2010, p 89)
E o método de procedimento comparativo no qual serão analisados os
dois principais atores em questão, Irã e Arábia Saudita, na busca de uma resposta à
investigação.
Considerando que o estudo das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma melhor compreensão do comportamento humano, este método realiza comparações com a finalidade de verificar similitudes e explicar divergências. (MARCONI, 2010, p. 89)
Com propósito de desenvolver e esclarecer conceitos, a pesquisa será
permeada pelo empenho exploratório para pontuar informações sobre o objeto. “Seu
objetivo é a caracterização inicial do problema, sua classificação e de sua definição.
Constitui o primeiro estágio de toda pesquisa científica. ” (RODRIGUES, 2007, p. 06)
Como forma de obtenção dos intentos, a pesquisa documental e
bibliográfica para coleta de dados, caracterizada como documentação indireta
(MARCONI, 2010, p. 205), foi escolhida. Esta pesquisa será norteada através dos
objetivos específicos já citados no projeto.
A saber, o primeiro objetivo específico buscará os temas que permeiam a
política internacional e a economia política internacional do petróleo, como, por
exemplo, a OPEP, o mercado internacional do petróleo, a cotação do barril,
conceitos de equilíbrio de poder, a interação entre os países árabes, a atuação dos
EUA na região, dilema de segurança e guerra proxy; no segundo objetivo será feita
uma retrospectiva dos principais conflitos envolvendo Irã e Arábia Saudita a partir de
1979 para elucidação dos fatores que influenciaram no desgaste das relações entre
os Estados estudados – contendas e ameaças, interdependência dos países da
região médio-oriental; por fim, no terceiro e último objetivo específico do trabalho
será feita uma análise das principais conflagrações que envolvem Irã e Arábia
18
Saudita atualmente (casos no Iêmen e na Síria, acordo nuclear iraniano, etc.) a fim
de compreender como a rivalidade entre os dois Estados afeta sua região,
cumprindo, assim, com o objetivo primeiro desta busca.
Desta forma, finaliza-se o primeiro capítulo da pesquisa, que objetiva o
esclarecimento quanto à investigação e os meios de realizá-la. Em diante dá-se
início ao desenvolvimento.
19
2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES IRÃ E ARÁBIA SAUDITA
Nesta sessão serão demonstrados assuntos conexos ao tema principal da
pesquisa e que detém relevância para entendimento das interações entre os
Estados do Oriente Médio, principalmente Irã e Arábia Saudita.
As questões aqui apresentadas servirão como embasamento para as
conclusões ao final do Trabalho de Conclusão de Curso.
2.1 ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL DO PETRÓLEO
O termo Economia Política é bastante amplo e explorado de maneiras
diferentes pelas diversas perspectivas econômicas. Ele também teve sua
significância alterada ao longo do tempo, uma vez que os economistas clássicos
usavam a expressão para definir o estudo do que chamamos hoje de “ciência
econômica”.
Entretanto, independentemente do prisma sobre o qual este assunto é
abordado, sua análise se torna impossível sem a presença de dois entes primordiais:
o Estado e o mercado. É a coexistência e a interação entre eles que cria, na
sociedade moderna, a Economia Política. Sem a presença de um ou de outro, esta
matéria não existiria. (GILPIN, 2008, p. 25)
Para Gilpin (2008), o vocábulo é usado, portanto, para indicar “o conjunto
de questões [fatores econômicos e não econômicos] que devem ser examinadas
com uma mistura eclética de métodos analíticos e perspectivas teóricas” (GILPIN,
2008, p. 26).
Em uma visão levemente distinta, Braz e Netto (2006, p. 54) apresentam
o estudo da economia política como àquele que compreende as relações sociais
estabelecidas pelo homem na produção de bens que asseguram a manutenção e a
reprodução da vida social. Assim, ainda citando Braz e Netto (2006, p. 17), a esta
matéria interessa entender o conjunto de relações sociais atinentes às categorias e
instituições econômicas, tais como: o dinheiro, o trabalho, o capital, o lucro, o salário,
o mercado, a propriedade privada, etc.
Aplicando-a ao cenário internacional contemporâneo, a economia política
pode ser entendida como uma abordagem que analisa os aspectos diferentes do
20
sistema: mercado financeiro, mercado de ações, organizações internacionais
especializadas, política, Estados, fluxo de cambio, dentre outros, através da
influência dos interesses humanos, bem como as consequências das ações do
homem para o funcionamento do sistema internacional integralmente.
Logo, buscando a definição de Gilpin (2008), este conhecimento procura
investigar de que forma o Estado e seus processos políticos conexos afetam a
produção e distribuição de riqueza. Inversamente, também indaga qual o efeito dos
mercados e das forças econômicas sobre a distribuição do poder e do bem-estar
entre os Estados e outros atores políticos. Mas, principalmente, como essas forças
alteram a distribuição internacional do poder político e militar. (GILPIN, 2008, p. 26)
Ao mesmo tempo, torna-se premente destacar que “a Economia Política
aborda questões ligadas diretamente a interesses materiais (econômicos e sociais)
e, em face deles, não há nem pode haver ‘neutralidade’: suas teses e conclusões
estão sempre conectadas a interesses de grupos e classes sociais” (BRAZ E
NETTO, 2006, p. 15).
Com este entendimento, azeita-se o porquê da relevância do petróleo
para as análises de Economia Política no mundo contemporâneo.
Segundo Betts, Eagleton e Roemer (2006), a economia global atual é
baseada no consumo energético. Para os autores, tanto o setor industrial quanto os
meios de transporte estão no coração do desenvolvimento humano, e ambos
dependem do acesso aos hidrocarbonetos – em especial do petróleo. Apesar dos
demais combustíveis fósseis, como carvão e gás, a commodity ainda é amplamente
utilizada na produção industrial (desde remédios e cosméticos até polímeros com os
mais diversos usos) e tem poucos substitutos confiáveis ou de igual eficiência para o
transporte. De acordo com documento da Secretaria de Relações Públicas e
Relacionamento da OPEP (2010), cerca de 90% dos combustíveis usados em
motores de transporte são originários do petróleo bruto.
Ademais, a compreensão da mecânica dessa matéria no setor dos
hidrocarbonetos, para Monaldi (2010), deve ser pautada na analise de alguns
fatores: a dotação de recursos em cada país, o potencial geológico, as reservas e se
é deficitário ou superavitário em hidrocarbonetos (importador ou exportador); as
características do marco institucional e contratual, incluindo o sistema tributário; a
etapa do ciclo de investimentos em que se encontra um país, a mudança
tecnológica, a dependência das rendas do petróleo por parte do fisco estatal e o
21
ciclo de preços. Acrescentam-se aqui as tendências ideológicas que também
influenciam nas políticas energéticas dos países, ainda de acordo com o mesmo
autor. Monaldi (2010) diz que a importância estratégica do petróleo se dá nas
implicações que a área energética tem na governabilidade e nas instituições, pois
imobiliza altos custos de investimento, gera rendas bastante significativas, a
exploração implica em alto risco geológico, os produtos derivados da commodity, a
exemplo da gasolina, são amplamente consumidos pela população e o preço e a
renda provenientes do insumo são voláteis. Estas características implicam em
conflitos contratuais entre governos, consumidores e companhias.
Em complementação a essa ideia, Betts e demais autores ponderam:
“significativamente, contudo, as implicações do consumo, exploração e extração do
petróleo vão além da economia; elas são profundamente políticas”. (BETTS,
EAGLETON, ROEMER, 2006, p.3).
Assim, o surgimento de duas superpotências antagônicas após a
Segunda Guerra, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), e a luta para manter e ampliar áreas de influência,
demonstra a delicada relação entre a política e a economia. Na disputa por
hegemonia os dois Estados criaram situações bastante delicadas em função do jogo
de alianças e interesses para manutenção do poder sobre o petróleo (OLIC, 1991,
p.19):
As atividades econômicas afetam diretamente o bem-estar político, social e econômico de vários grupos e Estados. O mundo real é um universo de lealdades exclusivas, muitas vezes contrastantes, e de fronteiras políticas em que a divisão do trabalho e a distribuição dos seus frutos são determinados tanto pelo seu poder e a sua sorte como pelas leis do mercado e do mecanismo dos preços. (GILPIN, 2008, p. 40)
Seguindo esta lógica, a descoberta e a exploração de um número cada
vez maior e poços petrolíferos no Oriente Médio durante o século XX fizeram com
que as principais potências da época e grandes empresas se interessassem cada
vez mais por aquela área e fonte energética (OLIC, 1991). Tal situação fez com que
o insumo estivesse em posição determinante para e elaboração da política externa
desses atores. Para Betts e demais (2006), a Crise no Canal de Suez em 1956, o
embargo árabe de 1973, as consequências da Guerra Irã-Iraque em 1980 e as duas
Guerras do Golfo de 1990 e 2003 são os conflitos que mais visivelmente ilustram
22
como o petróleo pode implicar nas relações internacionais entre Estados –
principalmente.
Além disso, conforme os mesmos autores, a presença dos EUA na
“guerra contra o terror” no Afeganistão e Iraque levanta questões sobre em que
medida assegurar o acesso ao petróleo tem motivado estes conflitos e, de forma
geral, a elaboração de uma política externa norte-americana.
É importante dizer que os Estados Unidos sempre foram fortemente
dependentes do insumo para lubrificar as engrenagens da sua máquina econômica,
política e social. Em 2010, segundo dados da OPEP do mesmo ano, a potência tinha
a maior demanda pelo combustível do mundo. Ela absorvia sozinha
aproximadamente 25% da produção global de petróleo e, no caso da gasolina, 45%
da produção global. Hoje, apesar de ter cedido o primeiro lugar para a China,
continua extremamente dependente de importações e seus interesses no Oriente
Médio podem ser entendidos através de seus aliados como o Japão e a Alemanha
e, também, ao se considerar a lista dos dez maiores produtores globais da British
Petroleum de 2015. Dentre os dez primeiros estão: Arábia Saudita – o segundo
maior exportador mundial – Irã, Iraque, Emirados Árabes Unidos e Kuwait (todos na
Península Arábica e parte do mundo “em desenvolvimento”).
Tais fatos, além de fornecerem um escopo para a luz da atuação
americana no Oriente Médio, trazem à tona outra questão importante para o
assunto: as relações norte-sul ou as relações entre os desenvolvidos e os em
desenvolvimento. Este fator ajuda a elucidar razões para o surgimento de conflitos
nos países em fases diferentes de evolução. Alguns estudiosos consideram que os
grupos de interesse e os fatores domésticos de uma nação explicam a relação da
economia política nos conflitos, a exemplo de Monaldi (2010). Mas, para Gilpin
(2006), esses princípios dão apenas explicações parciais. Ele observa que é preciso
levar em conta a mudança de estrutura a nível internacional. Nas palavras do autor:
Todos os Estados querem possuir indústrias modernas em razão da associação entre a indústria e o desenvolvimento econômico [...] e, portanto, da independência nacional. Essa inclinação nacionalista pelo poder industrial leva os Estados a promover sua industrialização mediante a importação de tecnologias estrangeiras. As economias menos desenvolvidas procuram adquirir as tecnologias mais avançadas das potências hegemônicas e de outras economias desenvolvidas. O Estado que se desenvolve tem, além disso, a grande vantagem se saltar etapas econômicas para ultrapassar o líder industrial. As consequências políticas dessa difusão de vantagens comparativas e do surgimento de novas
23
potências industriais são muito afetadas pelo ritmo em que ocorrem as mudanças e pelo tempo necessário para que uma economia em crescimento adquira uma presença significativa no mercado mundial. Quanto menor esse período, maior será o problema de reajuste imposto a outros Estados, e maior será a resistência dos interesses internos. Mudanças rápidas nas vantagens comparativas provocam conflitos econômicos intensos entre as economias crescentes e declinantes. (GILPIN, 2006, p.133)
Ainda sobre conflitos, na área energética é notável a predominância de
países periféricos com grande dependência da exportação de petróleo – Sudão,
Nigéria, Angola, Venezuela, Arábia Saudita, etc. Essa relação se dá graças ao fato
da receita externa desses países sustenta-los mais do que a receita proveniente de
impostos; o que afasta a administração da população em geral. Para Betts, Eagleton
e Roemer (2006), a falta de necessidade de prestar contas à grande massa
doméstica faz com que o Estado sobreviva de arrendamentos oriundos da indústria
petrolífera. Esse cenário cria os “petro-estados”, sujeitos a corrupção e propícios a
redes de patrocínio que minam a democracia.
Destarte, para ilustrar a relação entre Estado e negócios, devido a enorme
concentração de capital nas mãos de poucas companhias internacionais e ao papel
estratégico do setor energético dentro dos países, grandes corporações detêm
imenso poder de viés na política pública para que esta seja favorável ao mercado e
as políticas de investimento, segundo Betts, Eagleton e Roemer (2006). Dizem os
autores:
Companhias como a Exxon Mobil detêm enorme influência política dentro dos Estados que necessitam de investimentos externos para exploração de reservas, e os contratos há longo prazo dão a elas um significante papel da provisão de bens públicos e regulação interna. Haliburton e TotalFina estão entre algumas companhias de petróleo com ligações próximas a política largamente documentadas. Além disso, o petróleo continua a ser uma indústria a qual companhias se mantêm nacionalizadas ou têm um forte caráter estatal. (BETTS, EAGLETON, ROEMER, 2006, P.8, tradução nossa)
Nesse contexto, a defesa dos interesses nacionais e regionais dentro do
setor de energia e o uso do petróleo como trunfo negocial, criou, no cenário das
décadas de 50 e 60, a necessidade dos países exportadores de petróleo se
organizarem em bloco para conseguirem mais voz internacionalmente através da
pressão sobre os países consumidores (essa imposição muitas vezes foi feita para a
24
consecução de metas não relacionadas ao mercado de energia). Com este objetivo
e visando vencer as tradicionais regras de centro e periferia da época, surgiu a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
2.1.1 Organização Dos Países Exportadores De Petróleo
De acordo com o Boletim de cinquenta anos feito pela OPEP (2010), a
criação e fundação da organização se deu em meio a um cenário de divisão mundial
em dois grandes blocos rivais: a antiga URSS e as principais economias planificadas
ocidentais lideradas pelos Estados Unidos da América.
Outra parte deste ambiente contextual para o surgimento da organização
foi a consciência da situação de subdesenvolvimento em que viviam os países do
Oriente Médio advinda do intenso crescimento demográfico, urbanização e
desenvolvimento econômico após 1945. (OLIC, 1991)
Nesse âmbito e em um mundo fortemente influenciado pela necessidade
energética para obtenção de avanços tecnológicos, e assim vantagens estratégicas,
as grandes empresas petrolíferas desempenhavam papel crucial no
desenvolvimento das políticas dos Estados produtores. Eram elas que dominavam
todo o processo de exploração do petróleo; desde sua retirada nas reservas até o
produto final, transporte e propaganda (MAHADOLA E FATTOUH, 2013):
Naquela época, as companhias multinacionais eram atores esmagadoramente dominantes no mercado internacional de petróleo, exercendo um papel chave e se beneficiando de todos os processos negociais; da exploração à distribuição. (OPEP SECRETARIAT, 2010, tradução nossa).
Dentro desse quadro, os grandes investimentos feitos pela URSS para
reconstrução do país que havia sido bastante castigado pela guerra (OLIC, 1991,
p.20), auxiliaram na recuperação do seu setor energético e assim, no final dos anos
50, a indústria de energia russa tornou a ganhar forças; o que gerou um movimento
contrário das grandes companhias na tentativa de evitar a perda de mercado.
Dessa maneira, em 1959 as Sete Irmãs multinacionais de petróleo:
Standard Oil of New Jersey (Exxon), Standart Oil of New York (Mobil), Standard Oil
of California, Texaco, Gulf; British Petroleum (BP) e Royal Dutch/Shell, reduziram o
25
preço da commodity, o que afetou diretamente os países produtores – em sua
maioria no Oriente Médio (OPEP SECRETARIAT, 2010):
A entrada no mercado de novos atores de longo alcance, como a União Soviética no final da década de 1950, provocou uma grande mudança com um enorme excedente de produção. Em reação, o chamado cartel das Sete Irmãs decidiu cortar em 10% os preços afixados no mercado para salvaguardar sua fatia de mercado. Este fator pode ser considerado como o elemento chave o qual causou a criação da OPEP em 1960. (BRÉMOND; HACHE; MIGNON, 2011, tradução nossa)
Para melhor entendimento, no inicio da exploração da commodity pelas
Companhias Internacionais de Petróleo (o termo usual em inglês é International Oil
Companies – OIC) no começo do século XX, foi estabelecido um preço base a ser
pago por barril do produto bruto ao governo do país que cedesse o território para
exploração. Esse valor pode ser chamado de regalia: “o percentual de renda bruta
que o Estado cobra pela exploração de seus recursos minerais” (MONALDI, 2010, p.
12).
Assim, conforme explica Monaldi (2010, p. 12): “se o preço do petróleo é
de $20 por barril, e o custo do barril $10, uma regalia de 25% capta, para o Estado,
$5 por barril (0,25 x 20 = 5), que representam 50% do lucro do barril (20 – 10 = 10) ”.
Tal funcionamento de divisão de receitas passou a vigorar a partir da Lei
do Imposto sobre a Renda, na Venezuela em 1948, onde as taxas e os royalties
poderiam ser aumentados até o ponto em que a parcela do governo se igualasse
aos lucros líquidos das empresas. Assim foi postulado o conceito de fifty-fifty.
(SOUZA, 2003, p.14) A partir deste postulado os países árabes, começando através
da Arábia Saudita, também passaram a atuar dentro dos mesmos moldes
venezuelanos junto as IOC’s. (SOUZA, 2003, pg 15):
No coração desse sistema de concessões estava o conceito de preço fixado, que era usado pelas companhias para calcular o fluxo de receitas advindas dos países produtores. Sendo um parâmetro fiscal, o preço fixado não respondia as forças de oferta e demanda do mercado e assim não exercia nenhuma função de alocação. A formação da OPEP foi para tentar prevenir o declínio dos preços fixados, dessa forma a OPEP agiu, por boa parte dos anos 60, como um “sindicato” cujo maior objetivo era que a renda de seus membros não caísse. (MAHADEVA; FATTOUH, 2013, P.4, tradução nossa)
Com isso, criou-se uma dependência orçamentária por parte dos países
produtores do insumo. Em 1955, os recursos provenientes das receitas petrolíferas
26
correspondiam a 40% do orçamento do Irã, 54% do orçamento do Iraque, 71% do
orçamento da Arábia Saudita e 97% do orçamento do Kuwait. (MARINHO JR apud
SOUZA, 2003, p. 15).
Estes fatores, somados às turbulências no cenário internacional a partir
da segunda metade da década de 50, tais como Crise no Canal de Suez de 1956 e
a Revolução Iraniana de 1958, quando os governos dos países dos grandes
consumidores interviram militarmente no Oriente Médio a fim de assegurarem suas
posições estratégicas, levaram a uma consciência de que o preço do petróleo seguia
sendo determinado pelas grandes companhias e não pelos países hospedeiros.
(SOUZA, 2003, p. 15).
Como resultado desses eventos, delegações de cinco países produtores
– Irã, Arábia Saudita, Kuwait, Venezuela e Iraque – se encontraram em Bagdá em
10 de setembro de 1960 para discutir tais reduções e suas consequências aos
Estados exportadores. Segundo o site da própria organização:
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) é uma organização intergovernamental permanente, criada durante a Conferência de Bagdá no período entre 10 e 14 de setembro de 1960, por Irã, Kuwait, Iraque, Arábia Saudita e Venezuela. Os cinco membros fundadores juntaram-se posteriormente a nove outros membros: Qatar (1961), Indonésia (1962) – que suspendeu sua participação em janeiro de 2009, Líbia (1962), Emirados Árabes Unidos (1967), Algéria (1969), Nigéria (1971), Equador (1973) – que suspendeu sua participação entre dezembro de 1992 e outubro de 2007, Angola (2007) e Gabão (1975 – 1994). A OPEP teve sua sede em Gênova, Suíça, em seus primeiros cinco anos de existência. Esta foi transferida para Viena, Áustria, em primeiro de setembro de 1965 (tradução nossa).
O objetivo da organização foi definido entre os membros:
Coordenar e unificar as políticas do petróleo dos países-membros e assegurar a estabilização dos mercados do petróleo com o fim em um fornecimento eficiente, econômico e regular a seus consumidores, um rendimento estável aos produtores e um retorno justo de capital para aqueles que investem na indústria do petróleo. (OPEC, 2015).
Ainda assim, Brémond, Hache e Mignon (2011) afirmam que a
Organização levou treze anos para obter poder no mercado internacional de
combustível.
E, para Souza (2003, p. 18), havia razões para isto: no início de sua
atuação, com exceção do Irã, as reservas pertenciam, por contrato, as companhias
27
concessionárias, o que limitada o controle dos países-membros. Aliás, o mercado
mundial estava com excesso de oferta e os países exportadores eram concorrentes
que precisavam manter seus mercados consumidores, o que impedia os países-
membros de isolarem as companhias e aumentava a dependência dessas nações às
empresas para ter acesso aos mercados.
Portanto, como os países, os chamados petro-estados, não participavam
da precificação ou da produção do petróleo bruto, mas eram majoritariamente
dependentes do petróleo para movimentação de sua economia doméstica através
de impostos sobre as receitas e royalties – ”petrodólares”, a queda no valor do barril
afetou diretamente suas balanças causando imediatas insatisfações. (MAHADEVA;
FATTOUH, 2013),
Somente com a Crise do Petróleo de 1973 e o aumento rápido dos preços
devido à falta de abastecimento mundial, logo no período de maior procura pela
commodity desde o fim da Segunda Guerra, foi que a OPEP passou a ser mais bem
considerada no ambiente internacional. (YERGIN, 1992 apud SOUZA, 2003)
A Crise ocorreu devido a um embargo dos países árabes a todos aqueles
no cenário internacional que apoiassem o Estado de Israel durante a Guerra do Yom
Kippur, quando, em 6 de outubro de 1973, Egito e Síria invadiram Israel visando
recuperar seus territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias de 1967. Os países
participantes do embargo se comprometiam a reduzir imediatamente a produção de
petróleo, de um mínimo de 5%, e de mais 5% nos meses seguintes, até que Israel
se retirasse dos territórios ocupados desde o último conflito. Também proibiram a
exportação do insumo aos apoiadores do Estado judeu, a exemplo dos EUA
(SOUZA, 2003, p.31)
Este embargo foi encabeçado pela Arábia Saudita, proeminente membro
da OPEP e também parceiro estratégico dos EUA na região, causando uma crise
diplomática entre as duas nações. Apesar da relação lucrativa entre os atores, a
monarquia Saud é contra a criação de um Estado Judeu na região e, por
consequência, contra Israel, protegido dos EUA. (SPOHR, 2013)
As reduções feitas na produção pelos países árabes afetaram
drasticamente os níveis de fornecimento disponíveis e maximizaram as incertezas
no mercado internacional, como mostra o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada:
28
As retaliações causam pânico global: em 16 de outubro, as vendas para os EUA, maiores importadores mundiais, e para a Europa são embargadas; a produção sofre firme redução em tempos de alta demanda, forçando o preço do barril a subir cerca de 400% em três meses, de US$ 2,90, em outubro de 1973, para US$ 11,65, em janeiro do ano seguinte. O governo norte-americano lança mão de controle sobre a oferta da gasolina vendida no país. Cenas de motoristas em longas filas ilustram dramaticamente a extensão do problema. "Ninguém está mais profundamente consciente do que está em jogo: o petróleo e nossa posição estratégica" declarou o presidente Richard Nixon, no dia do anúncio do embargo, que durou até março de 1974. (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA, 2010)
Em complemento a esta ideia, Souza (2003, p. 31) diz que “o embargo
assinalou uma nova era para o petróleo mundial. O petróleo agora era um problema
importante demais”.
A indústria petrolífera também testemunhou outra grande transformação
no início de 1970, quando alguns governos começaram a reivindicar participação no
capital de suas concessões existentes, com alguns ainda optando pela
nacionalização completa. As companhias petrolíferas multinacionais perderam
grandes reservas de petróleo bruto e viram-se cada vez mais dependentes dos
fornecimentos da OPEP. Foi neste período que pela primeira vez na história a OPEP
assumiu o papel de tomadora de decisões de forma unilateral. (FATTOUH;
MAHADEVA, 2013):
Embora a segurança do suprimento fosse garantida pelo sofisticado mecanismo do comércio internacional de petróleo, sob a base dos Acordos de Genebra, a ordem política do petróleo estava ameaçada, na medida em que cresciam temas como nacionalização, a participação acionária e o fortalecimento da OPEP. (SOUZA, 2003, pg 30)
Para entendimento, os Acordos de Genebra foram assinados em 1972,
ajustando os preços do petróleo em um aumento de 8,49% sobre os preços de
referência, e em 1973, subindo o valor mais 6,1%. Essas medidas comerciais foram
tomadas visando à proteção dos “petrodólares” (denominação das receitas em dólar
recebidas pelos países da OPEP através da exploração do petróleo e derivados) em
um cenário de desvalorização do dólar devido a sua desvinculação do ouro.
(SOUZA, 2003)
Com isso, acordando com Souza (2003, p. 30), fica clara a politização do
petróleo e a integração deste no cenário internacional como arma de pressão dos
29
países árabes. Diz a autora: “para se obter o petróleo árabe, além de aumentar o
preço de referência [preço fixado do produto], era preciso cobrar um preço político. ”
A organização ainda passou por momentos de muito poder na década de
70, “a ‘Era de Ouro’ da OPEP, período o qual a organização chegou a ser
responsável pela produção de dois terços do petróleo cru consumido no mundo”
(SOUZA, 2003, p. 40), conforme a citada crise de 1973 e também a crise de 1979 –
com a Revolução islâmica ocorrida no Irã através da queda do Xá Phalevi do poder,
consequente parada da produção iraniana de petróleo, que representava junto com
a Arábia Saudita 48% da produção da OPEP, e uma reação especulativa do
mercado – e outros de pouca influência, como o choque de 1986, quando o mercado
se tornou favorável ao comprador com o aumento da oferta mundial do produto; os
exportadores passaram a brigar por espaço no mercado, em vez dos compradores
por suprimentos, como nos dois choques anteriores.
Entretanto, com o exposto, fica visível que o surgimento desta instituição
e seu papel no cenário internacional destacou a ligação entre segurança energética
e desenvolvimento econômico.
Tais colocações reforçam a delicada relação entre o Estado e mercado, e,
mais ainda, esclarecem quanto à importância de alguns setores da economia, como
o energético, para a manutenção da segurança nacional de cada país e para a
obtenção de poder dentro do sistema internacional.
Esta análise elucida quanto a incerteza política internacional, que pode
ser caracterizada, dentre tantos outros aspectos, através do Dilema de Segurança.
2.2 DILEMA DE SEGURANÇA
O “Dilema de Segurança” (DS) é um termo utilizado por muitos estudiosos
realistas das áreas de Relações Internacionais para se referirem à incerteza política
que os Estados enfrentam. Ela é causada pela falta de soberania e consequente
anarquia no sistema internacional.
Segundo Posen, “a teoria Realista afirma que a condição de anarquia faz
da segurança a primeira preocupação dos Estados”. (POSEN, 1993, p. 28, tradução
nossa), e esta preocupação serve de premissa para o surgimento do Dilema de
Segurança.
30
Assim, com base neste entendimento, John H. Henz cunhou o termo
Security Dilemma em sua obra homônima, no ano de 1951, que adota uma
concepção estrutural do sistema a qual é definida, de acordo com Rudzit (2005),
pela seguinte lógica:
Os Estados têm que obter por sua própria conta os meios necessários para sua segurança, sem depender de ninguém (o que o autor [Jonh Henz] classifica como auto-ajuda). Entretanto, esta busca tende, não obstante, a seguir a intenção de somente se defender, e, assim, aumentar a insegurança dos outros, pois cada governo pode interpretar essas medidas tomadas pelos demais como potenciais ameaças, e procurará aumentar os seus próprios meios de defesa, daí o dilema de segurança. (RUDZIT, 2005, p.300)
Segundo Posen (1993, p. 28-29), há duas situações que intensificam a
questão:
Quando as forças militares ofensivas e defensivas são mais ou menos idênticas, os Estados não conseguem sinalizar suas intenções de defesa (...). Qualquer força desenvolvida é apta para campanhas ofensivas. Por exemplo: muitos acreditam que forças armadas são o melhor meio de defesa contra um ataque por outras forças armadas. Contudo, porque os armamentos têm muito potencial ofensivo, Estados tão equipados não conseguem distinguir um a intenção do outro. Eles devem assumir o pior porque o pior é possível. A segunda condição vem da efetividade do ataque versus a defesa. Se operações ofensivas são mais efetivas que as defensivas, os Estados vão escolher a ofensiva se quiserem sobreviver. Isto pode encorajar guerras preventivas na ocasião de uma crise política porque a superioridade percebida da ofensa cria incentivos para atacar primeiro onde a guerra parecer possível. (...). Assim, a vantagem ofensiva pode causar guerra preventiva se o Estado atingir vantagem militar, embora passageira. (POSEN, 1993, Tradução nossa)
Com efeito, o que parece defensivo para um Estado pode ser considerado
ofensivo para seus vizinhos e gerar uma reação. Esta percepção pode ser
desencadeada mesmo que os Estados não tenham inclinação expansionista. Isto
porque um estado que se torna mais seguro em um cenário internacional, faz do
outro menos seguro. (POSEN, 1993).
Logo, a aplicação do Dilema de Segurança é usada pelo realismo clássico
no intento de explicar condições especiais que surgem entre grupos próximos que se
veem, cada grupo, responsáveis por sua própria segurança. (POSEN, 1993). Este
conceito está notadamente ligado à noção de Segurança Nacional e esta só pode
ser entendida como um problema quando há uma ameaça e se há uma visão
razoavelmente clara da sua natureza. (ART, 1973, apud RUDZIT, 2005)
31
Outro ponto importante é dizer que para que haja dilema de segurança, é
preciso que haja também um entendimento, por parte do objeto que sofre a ameaça,
de suas vulnerabilidades. Assim o Estado pode procurar reduzir sua insegurança
através da diminuição das vulnerabilidades ou do enfraquecimento de suas
ameaças. Neste último caso o enfraquecimento se dá através de negociação ou de
ataques armados diretos. (ART, 1973, apud RUDZIT, 2005)
Entretanto, cada Estado tem uma visão de sua segurança e, dentro deste
conceito, dois fatores são vistos como primordiais: a tecnologia e a geografia. Assim,
segurança relativa diz respeito a como o Estado percebe aqueles a sua volta. Seu
posicionamento geográfico pode auxiliar nesta visão das intenções dos outros para
consigo e com o mundo. Isto também deve ser levado em conta no Dilema de
Segurança. (JERVIS, 1978)
Ademais, os efeitos do dilema também atuam entre grupos de interesse
dentro dos Estados, o que torna nações com diversos grupos (étnicos, religiosos
e/ou políticos), mais vulneráveis, pois têm conflitos internos para dominação do
poder estatal.
Isto posto, o processo de colapso imperial advindo da luta interna pela
liderança em um país ou região produz condições que tornam as capacidades
ofensivas e defensivas indistinguíveis, no sentido das partes não saberem se o outro
se empodera militarmente simplesmente para garantir sua segurança ou se pretende
de fato um ataque, fazendo da ofensiva superior a defensiva pelo simples fato de
esta parecer mais atrativa em um cenário conflituoso. Além disso, o progresso
desigual na formação das estruturas de Estado, potencialmente cria janelas de
oportunidades e vulnerabilidades, que têm uma poderosa influência na probabilidade
de conflitos, independentemente das politicas internas dos grupos emergentes neste
contexto. (POSEN, 1993). Assim, um ameaça externa pode fazer com que os
oposicionistas em um governo aproveitem o cenário de vulnerabilidade para atuar no
âmbito doméstico e tentar retirar o regime atuante do poder. (JERVIS, 1978)
Talvez isto explique também porque é mais fácil cooperar com Estados
não tão próximos, pois quanto maior o Dilema de Segurança, maiores os riscos de
contendas; quanto menores, também menores os riscos de conflitos. Um Estado
distante, muitas vezes preocupa-se mais com os seus vizinhos. (JERVIS, 1978)
Entretanto, a noção de segurança pode ser alterada em um cenário
estável. Num contexto o qual os atores saibam ou acreditem muito mais que terão
32
apoio de outros para alcance de seus objetivos, isto gerará uma possibilidade de
cooperação bastante grande. O que evita que os países todos entrem em guerras e
que o mundo seja destruído pela “ameaça” da anarquia no sistema. (JERVIS, 1978)
Outro ponto, ainda sobre segurança relativa, é que as vantagens
estratégicas, ou necessidades estratégicas dos países, também podem influenciar
de forma positiva o sistema: se o país é dependente das fronteiras do outro, mais
fácil que haja cooperação para que os itens trafeguem livremente e para que os
custos sejam menores. (JERVIS, 1978)
Logo, mesmo em alguns cenários é possível que os Estados cooperem
por considerarem que, ainda que a outra parte, ou partes, alterem seu alinhamento,
esta aposta vale mais a pena, seja política ou econômica, do que seguir uma troca
de hostilidades velada. Para Jervis (1978, p. 172-173):
Quando os custos de “cooperar-malograr” são toleráveis, não só é a segurança mais fácil de alcançar, mas, o que é ainda mais importante aqui, o relativamente baixo nível de exércitos e a política externa relativamente pacífica que um status quo [potência] será capaz de adotar são menos prováveis de ameaçar outros. (Tradução nossa)
Isto explica porque os EUA tendem a agir de forma cooperativa mais do
que de forma intervencionista direta. Continua Jervis (1978, p. 173): “Assim, é mais
fácil para os Estados status quo agir em seus interesses comuns se eles são difíceis
de serem conquistados”. (Tradução nossa)
Este ponto expressa que Estados bem colocados no sistema e
beneficiados pelo status quo não precisam entrar em guerras por ameaças, mas sim
por defesas de interesses. Esta é uma diferença entre um Estado forte e um Estado
fragilizado. E também marca porque os mais fracos se mantém em risco de guerra
constante. Isto gera uma apreensão nos países mais vulneráveis e os faz procurar
maneiras de se fortalecerem. Conforme aponta Jervis (1978, p. 169):
A fim de se protegerem, Estados procuram controlar, ou ao menos neutralizar, áreas em suas fronteiras. Mas tentativas de estabilizar zonas tampão podem alarmar outros que têm interesses nestas áreas, os quais temem que precedentes indesejáveis sejam criados, ou os que acreditam que suas próprias vulnerabilidades serão aumentadas. (JERVIS, 1978, p. 169, tradução nossa)
Quanto a desestabilização do Oriente Médio e o interesse dos EUA em
manter a região sem a ascensão de uma hegemonia, isto pode estar baseado nas
33
considerações realistas de que um mundo (ou área dele) sem uma balança de poder
equilibrada se torna mais inóspito, inseguro e propenso a guerra. Poderes iguais são
o mesmo que poder nenhum. Poder nenhum significa ser ameaçado pelo vizinho.
Isto traz desconfiança e busca por vantagens (muitas vezes militares). E estas
podem ser alcançadas através daqueles que as provenham de “boa-vontade”.
Ainda com Jervis (1978, p. 173): “(...) um mundo de Estados pequenos
sentirá os efeitos da anarquia muito mais que um mundo de Estados grandes.
Fronteiras defensíveis, bom tamanho e proteção contra ataques repentinos não só
auxiliam o Estado, mas facilitam a cooperação”. (Tradução nossa)
Quanto aos Estados mais vulneráveis, o que se encaixa no contexto dos
países do Oriente Médio:
Quando o preço que um Estado pagará por malograr [situação “defeat-defeat”] é baixo, este deixa os outros com poucas garantias para seu bom comportamento. O outros que são mais vulneráveis irão se tornar apreensivos, o que os levará a adquirir mais exércitos e reduzirá as chances de cooperação. (JERVIS, 198, p. 173, tradução nossa)
Tais apontamentos, aparentemente, demonstram porque a região da
Península Arábica é tão complicada. E a intervenção externa certamente não torna
nada mais claro e simples.
Em acréscimo a estes conceitos se encontra o termo “Guerra Proxy” ou
Guerra por Procuração, bastante utilizado ao redor do globo por Estados mais fortes
para manutenção de seus interesses, conforme apontado anteriormente.
Versa-se sobre o assunto a seguir.
2.2.1 Guerra Proxy
Antes da própria definição de Guerra Proxy, principalmente para o que
concerne o Oriente Médio, é interessante entender condições que auxiliam na
criação de uma problemática de segurança nos países em desenvolvimento.
Segundo Gunther Rudzit (2005), citando Mohammed Yaoob em sua idéia de State
Building, um fato importante para o grande número de contentas entre os países
emergentes é o processo de formação de Estado. Para o autor, Yaoob enfatiza sua
conotação política, uma vez que a maior empreitada dos países não desenvolvidos
desde a descolonização é a formação do Estado. De forma simples: o autor
34
considera que a maior sensação de insegurança destes países está dentro de suas
fronteiras, em vez de fora delas. Embora isto não signifique a falta de ameaças no
sistema externo, as ameaças internas têm maior visibilidade, sendo estas tais
compartilhadas pelos vizinhos e, desta forma, frequentemente transbordadas e
transformadas em conflitos interestatais:
As fissuras internas desses países têm ajudado na transformação destes conflitos internos em disputas interestatais, pois elas provêm as oportunidades e justificativas para Estados intervirem em disputas de seus vizinhos. Portanto, a principal causa dessa situação ocorre em decorrência das debilidades desses Estados. Os baixos níveis de coesão social, legitimidade tanto do Estado quanto do seu regime, são as raízes das causas da situação de insegurança em que se encontram os países não desenvolvidos. [...] [Isto] ocorre por estarem nos primeiros estágios do processo de formação do Estado, e devido a falta de tempo que os mesmos tiveram para completar as diversas fases desse processo, ao contrário do que ocorreu na Europa Ocidental e América do Norte. (RUDIZIT, 2005, p. 305)
Para Jervis (1978), a instabilidade interna de um Estado pode representar
a seus vizinhos também uma ameaça e, assim, levá-los a intervir nos assuntos
domésticos do outro com desculpas de que isto seria, na verdade, uma atitude para
cuidar de seus interesses soberanos:
Contudo, qualquer passo falso ou pernicioso dado por qualquer Estado sobre seus interesses internos, pode perturbar o repouso de outro Estado; e este consequente distúrbio do repouso do outro constitui uma interferência nos assuntos internos daquele Estado. Portanto, cada Estado, ou, mais que isso, todo soberano de um grande poder tem o dever, em nome do sagrado direito de independência de todo Estado, de supervisionar o governo de Estados menores e de preveni-los quanto a dar passos falsos e perniciosos em seus assuntos internos. (METTERNICH apud JERVIS, 1978, p. 169, tradução nossa)
Em complemento a esta ideia, Buzan e Waever (2003, p. 311) apontam
que o equilíbrio de poder pode ser facilmente distorcido pelos movimentos dos
recursos de abrangência global das grandes potências; fazendo surgir, assim, outras
variáveis no sistema que alteram seu equilíbrio.
As chamadas Guerras Proxy (Proxy Wars), são conflitos entre países,
mas não de forma direta ou sob as bandeiras daqueles que as financiam. São um
artifício realista bastante utilizado no Oriente Médio: governos de determinado país
financiam guerrilhas ou auxiliam de alguma forma grupos armados (os proxies)
dentro dos Estados para que estes sejam enfraquecidos internamente. Ou para que
35
outros países sejam enfraquecidos através da obstrução de seus interesses no
território do primeiro. (BUZAN e WAEVER, 2003) Diz Jervis (1978):
Quando se acredita haver relações muito próximas entre a política doméstica e a política externa ou entre as políticas domésticas de dois Estados, a busca por segurança pode conduzir os Estados a intervir preventivamente na política interna dos outros com intuito de fornecerem uma zona tampão ideológica. (JERVIS, 1978, p. 168, Tradução nossa).
Como se vê este tipo de relação pode ser entre países fortes do sistema
internacional ou em uma região – Irã e Arábia Saudita, por exemplo, interveem em
conflitos nos países da sua zona de influência na busca por vantagens estratégicas
e políticas – mas o que acontece na prática são que os países mais fracos e alvo do
interesse externo, separadamente enfrentam guerrilhas que não levam os nomes
dos governos que as financiam, e as quais também podem ter objetivos diferentes
de seus patrocinadores.
A utilização dos proxies pode ser melhor entendida por meio da aliança
entre Irã, o Hezbollah e o Hamas:
O Oriente Médio é dividido em dois polos: De um lado, estão os Estados que prezam pelo status quo regional e apoiam as políticas do Ocidente, principalmente dos EUA, como o Egito, a Arábia Saudita, a Jordânia e Israel. Do outro lado, os países e atores que antagonizam a hegemonia ocidental e a contestam, como o Irã, a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestino. (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 74)
O financiamento destes grupos armados está intimamente ligado com a
política externa iraniana, assim como a relação com a Síria.
Tal interação entre os Estados surgiu após a Revolução Islâmica de 1979
– que alterou radicalmente a política externa do Irã com a derrubada do xá persa e o
rompimento das relações com os Ocidente e Israel – e durante a Guerra Irã-Iraque.
Nessa conjuntura a Síria se encontrava isolada, pois rivalizava com o Iraque e havia
rompido relações com o Egito após a aproximação deste com Israel. Ademais,
durante o conflito entre o Irã e o Iraque, a Síria se mostrou fundamental para o Irã
conseguir vantagem entre 1981 e 1982, como observado na citação a seguir:
Iniciada a guerra, a Síria foi o único Estado árabe a culpar o Iraque e apoiar o Irã. O regime de Assad mandou diversos carregamentos de armas soviéticas a Teerã através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de inteligência sobre as capacidades de Bagdá. Além de
36
apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a guerra. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 76)
A contrapartida à ajuda veio no mesmo ano, quando israelenses
invadiram território libanês durante a Operação Paz na Galileia – deve-se lembrar de
que boa parte do território do Líbano faz fronteira com a Síria e esta é, sabidamente,
contra a presença de Israel. Desta forma, Teerã, aliado da Síria, passou armar uma
nova milícia na região do Vale do Beqaa, na cidade de Baalbek, região libanesa
situada perto da fronteira, para que eles auxiliassem a equilibrar o conflito local.
(VISENTINI E ROBERTO, 2015)
O grupo promovido com o financiamento de Estados adotou seu nome
(Hezbollah) em 1982 e passou a atuar com mais presença dentro da invasão ao
Líbano. Os dois objetivos principais da milícia eram: estabelecer uma ordem islâmica
no seu país segundo o modelo iraniano e desencadear uma Jihad (Guerra Santa)
contra Israel.
O investimento em grupos armados teve retorno e em 1985 Israel
começou a se retirar do Líbano e deixar de ameaçar a Síria. Visentini e Roberto
(2015) demonstram:
Devido aos altos custos do atrito e a progressiva perda de legitimidade da operação militar – principalmente após os massacres nos campos palestinos de Sabra e Shatila –, Israel começou a se retirar do Líbano em 6 de junho de 1985. Israel, entretanto, temendo que uma revolução islâmica aos moldes do Irã pudesse ocorrer em seu vizinho ao norte, não se retirou completamente e permaneceu ocupando uma “faixa de segurança” no sul do Líbano, onde permaneceu até o ano 2000. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 77)
Porém, foi a permanência israelense em solo libanês, em área de
predominância xiita, que deu ao Hezbollah legitimidade nacional. Com apoio sírio e
iraniano, o Hezbollah permaneceu existindo, já que tomava para si a missão de
resistir à ocupação de Israel. E, com o passar do tempo o grupo foi adotando uma
postura cada vez mais pragmática e voltada para o próprio Líbano, procurando apoio
na sociedade libanesa e, inclusive se tornando um partido político com agenda
doméstica, além de milícia armada. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
37
Quanto ao Hamas, o Irã aproximou-se deste depois da primeira Intifada
palestina, revolta ocorrida em 1987 contra a ocupação israelense aos territórios
invadidos na Guerra dos Seis Dias de 1967. Embora a organização palestina mais
conhecida na época fosse a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma
facção localizada na Faixa de Gaza, Hamas, braço da Irmandade Muçulmana na
Palestina, alinhava-se melhor com os ideais iranianos que clamavam pela revolução
islâmica. A partir de então, o Irã passou a apoiar o Hamas financeira e militarmente,
como já fazia com o Hezbollah. Por intermédio deste grupo, o Irã conseguiu cruzar a
fronteira de apoiar apenas grupos xiitas para apoiar-se numa base não sectária, mas
política e que visasse à resistência antiocidental. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Este pequeno panorama explica as estratégias de segurança iranianas.
Segundo Visentini e Roberto (2015), citando Cordesman (2013) e Wehrey et al
(2009), o governo do Teerã dá importante ênfase a capacidades militares
assimétricas, conforme demonstrado.
As capacidades assimétricas incluem qualquer tipo de capacidade que
seja utilizada de forma irregular e híbrida, indo desde armamentos baratos, leves,
rápidos em grande quantidade, até grupos armados não estatais que ajam ao
encontro com o interesse iraniano no Oriente Médio. Estes últimos, conforme já
citado, são os chamados “proxies”. Eles se tornam importantes ao Irã pelo fato de
que seus possíveis agressores são Estados com superioridade tecnológica, como os
EUA, Israel, Arábia Saudita e/ou as demais monarquias do Golfo. (VISENTINI E
ROBERTO, 2015)
Esses dois tipos de capacidades assimétricas – armamentos e os grupos armados não estatais – objetivam impor custos tão altos a um possível agressor que este será dissuadido de atacar, seja tanto pelo fato de ter de enfrentar uma guerra de atrito desgastante ligada ao território iraniano, quanto por tais grupos poderem retaliar contra outros países. Importa notar que esses atores não estatais ligados a Teerã também servem para diminuir o risco de uma escalada em caso de ação peremptória iraniana, visto ser de mais difícil detecção a ligação explícita e direta com o Irã. (...). Inegavelmente, a rede de alianças e relações com grupos armados, além da Síria, dá ao Irã a capacidade em potencial de desferir guerras indiretas e de baixa intensidade contra inimigos ao mesmo tempo em que pode pressionar rivais regionais com ameaças de apoio a dissidentes (CORDESMAN, 2013 apud VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 80)
Com base nos apontamentos nota-se que o apoio a tais atores, fazendo-
os proxies, tornou-se um componente importante na manutenção do poder iraniano
38
no Oriente Médio, contribuindo para sua estratégia de dissuasão ao oferecer, em
caso de ataque ao seu território ou a seus interesses, a possibilidade de retaliações
em toda a região.
Conforme dito, este fenômeno não acontece somente entre vizinhos, mas
também é bem visível na atuação das grandes potências em pontos de seu
interesse. De modo geral, durante a Guerra Fria EUA e URSS promoveram diversos
conflitos entre os orientais árabes a fim de conseguir vantagens na corrida por se
tornarem a hegemonia mundial.
Logo, estas exposições levam a reflexão sobre o quanto um Estado pode
influir sobre o outro. E, isto posto, faz-se, então, factível a compreensão do que são
complexos de Segurança e porque ocorrem.
2.2.2 Conceito de Complexo de Segurança
Diante das explanações, evidencia-se que a segurança nacional de um
país não pode ser entendida sem a consideração do padrão internacional em que se
encontra. Por consequência é preciso lembrar que todos os Estados do sistema
fazem parte de um emaranhado global de interdependência.
Portanto, através da Teoria do Complexo de Segurança Regional de
Buzan (Regional Security Complex Theory – RSCT) é possível avaliar o equilíbrio de
poder do sistema internacional, mas principalmente, para este estudo, na região do
Oriente Médio; e o relacionamento dentro dos aglomerados e entre as tendências de
globalização. (BUZAN e WAEVER, 2003)
Ainda segundo os autores, um Complexo de Segurança Regional
(Regional Security Complex – RSC) deve ser qualificado como uma subestrutura do
sistema internacional – um grupo de Estados ou outros atores que devem possuir
um grau de segurança interdependente o suficiente para estabilizar seus membros
como um conjunto e para diferenciar este conjunto das demais regiões de
segurança:
“Os Complexos de Segurança podem ser extensamente penetrados
pelas potências globais, mas as dinâmicas regionais sem dúvida têm um substancial
nível de autonomia das diretrizes traçadas pelas grandes potências”. (BUZAN e
WAEBER, 2003, p. 4, tradução nossa)
39
Tal citação permite a compreensão de como EUA, a antiga URSS e
outras potências mundiais conseguiram, e conseguem acesso ainda hoje aos
países, muitos de regimes fechados, do Oriente Médio. A penetração ocorre quando
essas potências se alinham estrategicamente com um determinado membro de um
RSC e geralmente é oportunizada pela rivalidade entre os elementos mais fortes
deste complexo. Explicam os autores: “A lógica da balança de poder trabalha
naturalmente para encorajar os rivais locais a chamar ajuda de fora, e por meio
deste mecanismo o padrão local de rivalidade se torna ligado aos padrões globais”.
(BUZAN E WEABER, 2003, p. 46, tradução nossa)
Entretanto, ainda sobre a primeira citação de Buzan e Waeber (2003), os
países pertencentes ao complexo ainda têm um nível de independência. Logo, a
teoria busca dar o devido peso aos fatores locais em uma análise de segurança.
Em complemento a esta visão, Rudzit (2005) considera que, como a
maior parte das ameaças, políticas e militares, podem ser mais facilmente
percebidas na curta distância, a insegurança é vista com mais afluxo associada à
proximidade geográfica entre os atores.
Destarte, para a maior parte dos players, a segurança política-militar se
encontra em um aglomerado de segurança regional. Isso porque a grande porção
dos países teme mais a seus vizinhos do que a potências distantes.
Assim, países pequenos vão primeiramente se encontrar em Complexos
de Segurança Regionais com seus vizinhos; os países mais fortes, por terem mais
poder, conseguirão penetrar em regiões próximas, e as superpotências terão uma
zona de acesso mundial (BUZAN E WAEBER, 2003)
Complementando esta ideia, Buzan e Waeber (2003) ponderam:
A Teoria do Complexo de Segurança Regional [Regional Security Complex Theory – RSCT] faz distinção entre o nível de interação dos poderes globais no sistema, cujos recursos lhes possibilitam transcender distâncias, e o nível de interação dos subsistemas de menor poder, cujo principal ambiente de segurança é a sua região local. (BUZAN E WAEBER, 2003, p.4, tradução nossa)
Também, como subestruturas, eles servem de mediadores entre as
superpotências e os Estados locais, bem como das interações desses Estados em
suas regiões. Outrossim, os Complexos de Segurança constituem uma realidade
40
social, a qual é capaz de intervir entre intentos e resultados. (BUZAN e Weaber,
2003)
Além disso, para Buzan (1991) a força da interdependência entre
complexos de segurança tem diferentes níveis. Em algumas regiões essa relação
pode ser fraca, e em outras, muito forte; em alguns casos positiva e, em outros,
ainda, bastante negativa, como no caso dos países focos desse estudo: Irã e Arábia
Saudita. Rudzit (2005) acrescenta:
O fator principal para se definir um complexo de segurança normalmente é o alto nível de ameaça que é mutuamente percebido entre dois ou mais grandes Estados, e a não ser que eles sejam potências de nível global, estes Estados habitualmente são vizinhos próximos. Um dos melhores indicadores continua sendo as guerras travadas anteriormente. (RUDZIT, 2005, p. 314)
Ademais, em virtude de esses complexos serem, em parte, geográficos,
geralmente eles incluem Estados menores e de influência não tão determinante
regionalmente. Visto que o poder desses países é pouco se comparado com os
vizinhos, eles tendem a se alinhar com os grandes para garantir sua própria
segurança, a qual estará, então, intimamente ligada com o padrão dos Estados mais
influentes. (BUZAN, 1991). Com isso, explica Jervis (1978):
O quanto mais fácil for destruir um Estado, maior a razão para este juntar-se a uma unidade maior e mais segura, ou, mais, de ser especialmente desconfiado dos outros, para requerer um exército maior e, se as condições forem favoráveis, para atacar no menor sinal de provocação, mais do que esperar ser atacado. (JERVIS, 1978, p. 172, tradução nossa)
Contudo, para se ter uma visão ampla, e a mais holística possível, da
aplicação da segurança mundialmente, é preciso observar os dois níveis (global e
subsistemas) independentemente, assim como a interação entre eles. (BUZAN E
WAEBER, 2003). Desta forma, deve-se, portanto, entender como os Estados
interagem entre si.
Vale frisar que os Complexos de Segurança Regional são definidos mais
pelos padrões e prática de segurança dos países do que por cultura. (BUZAN e
WAEBER, 2003)
A seguir, procura-se entender esta dinâmica através da descrição de
como os Estados do Oriente Médio interatuam regionalmente e são afetados
mundialmente.
41
2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO
Os Estados do Oriente Médio são tradicionalmente ligados pelo comércio
e pela religião. Até o século XIX esta área esteve dominada quase que inteiramente
pelo Império Otomano, e posteriormente sob o controle dos países europeus,
representados mais fortemente pela França e a Grã-Bretanha, que dividiram os
despojos otomanos com o fim da Primeira Guerra (1914 – 1918). Olic (1991 p.11)
complementa que: “a fé islâmica foi espalhada pelos árabes entre os séculos VI e
VIII d.C. através de guerras, principalmente. O que levou tanto a doutrina como a
língua majoritariamente através Oriente Médio e regiões próximas”. Assim, com base
nos textos do autor é possível entender a interação nesta área geográfica.
Entre o período citado e o desenrolar da Segunda Guerra, a situação
política e econômica da região passou por importantes mudanças: o crescimento de
movimentos de independência e autonomia política; a crença de que por terem a
mesma raiz cultural esses povos deveriam ter o mesmo destino, ideia que ganhou
força após a Segunda Guerra e acabou conhecida como pan-arabismo; o
crescimento do movimento sionista, que visava criar um Estado judeu na região da
Palestina (muito impulsionado pela perseguição nazista); a descoberta e exploração
de um número cada vez maior de poços de petróleo na Península Arábica (a região
ainda hoje detém as maiores jazidas e reservas naturais do mundo). (OLIC, 1991)
Posteriormente, com os acontecimentos internacionais, a situação se
tornou mais complexa: o aparecimento das superpotências acabou por criar
situações políticas bastante delicadas em função do jogo de alianças; o surgimento
de Israel em 1948, o Estado “estranho”, que provocou massiva oposição no mundo
árabe e nos dias atuais ainda é foco de tensões regionais; os movimentos de
oposição organizados pelos árabes da Palestina agrupados em torno da
Organização pela Libertação da Palestina (OLP) criada em 1964; a Revolução
Islâmica que mudou profundamente a relação do Irã com os demais países da
região; além do intenso crescimento demográfico a partir de 1945. (OLIC, 1991)
De forma específica, uma experiência prática de briga entre vizinhos e da
relação delicada entre eles pode ser observada com o surgimento do Estado de
Israel. Em 1948, com a formal retirada do controle britânico sobre a Palestina, a
Organização das Nações Unidas votou em Assembleia Geral e aprovou o
42
surgimento de um novo país, dividido entre Israel e Palestina e com Jerusalém como
cidade internacional.
O advento deste Estado trouxe grande insatisfação entre os árabes da
região, inclusive de outros países, o que gerou uma imediata guerra entre Israel e
Líbano, Síria, Jordânia, Iraque, Egito e o Exercito de Libertação Árabe da própria
Palestina. Esta deflagração gerou grandes alterações nas fronteiras do país: o
Estado palestino praticamente deixou de existir, a região da Cisjordânia passou para
as mãos da Jordânia, e a Faixa de Gaza ficou sob a soberania egípcia. (OLIC, 1991)
Em 1956, houve a crise no Canal de Suez, no Egito, causada pela
nacionalização da empresa responsável de administrar a área de ligação entre o Mar
Vermelho e o Mediterrâneo. Essa ação trouxe consequências para Israel que teve
seu porto no Golfo de Ákaba fechado e seus navios impedidos de trafegar pelo
canal. A nacionalização foi comandada por Gamal Abdel Nasser, militar egípcio que
derrubou em golpe militar a antiga monarquia no ano de 1952. Por ser nacionalista e
contra a intervenção estrangeira nos países árabes, Nasser promovia a união do
mundo árabe – o pan-arabismo. E esta união se dava com a destruição de Israel.
(OLIC, 1991; BARBOSA, 2015)
Como reação, o país judeu se juntou com França e Grã-Bretanha (antigos
donos de empresa que controlava o local) para enfrentar de forma armada o Egito.
Ao final desta luta Egito perdeu, mas conseguiu manter a Faixa de Gaza em troca da
permissão de transito ilimitado para as nacionalidades que quisessem navegar pelas
águas de Suez. (OLIC, 1991)
Nos anos seguintes a tensão entre árabes e israelenses só aumentou e,
na tentativa de uma demonstração de força, Egito, novamente, deslocou exércitos
para junto da fronteira de Israel e exigiu a retirada das forças de paz da ONU da
região, incitando os demais países árabes sobre o momento de expulsar os judeus
do Oriente Médio. Dada a situação, Israel não contou tempo e atacou as forças
armadas de Egito, Síria e Jordânia. O inesperado e eficiência da ação definiram o
conflito em seis dias, na chamada Guerra dos Seis dias. Israel também conquistou
novos territórios, o que era inadmissível: Faixa de Gaza e Península de Sinai (Egito),
a Cisjordânia (Jordânia) e as Colinas de Golan (Síria). (OLIC, 1991)
Todos estes fatos levaram a conhecida Guerra de Yom Kippur de 1973
que causou desconforto internacional com o uso do petróleo como arma política por
parte dos árabes a todos que fossem simpatizantes a Israel. (OLIC, 1991)
43
Contudo, além de entender a relação delicada entre os Estados
pertencentes ao Oriente Médio, faz-se primordial para a compreensão de como os
conflitos são afetados pelas potencias regionais, o entendimento das interações
entre os governos iranianos e sauditas, os mais fortes da zona árabe.
2.3.1 Relações entre Arábia Saudita e Irã
A Arábia Saudita e o Irã sempre mantiveram uma rivalidade desde a
formação de ambos os Estados. Dentre as causas da concorrência entre eles,
entretanto, duas sempre se fizeram presentes: a questão da proeminência religiosa
no mundo muçulmano (xiitas e sunitas) e as desavenças em torno dos preços do
petróleo depois do início de sua exploração no século XX. Soma-se a isto, o fato de
tanto a Arábia Saudita sunita (wahabita) quanto o Irã xiita se auto conclamarem a
vanguarda do mundo muçulmano, pretendendo-se, cada um deles, líderes da região
islâmica. Diz Spohr (2013):
A própria nomeação do Golfo Pérsico é tema de disputa entre o Teerã o os países do Conselho de Cooperação do Golfo (em sua maioria monarquias árabes). Enquanto as monarquias preferem chamá-lo de Golfo Árabe, o Irã vê nisso uma afronta ao multiculturalismo iraniano e se recusa a aceitar a mudança do nome do golfo, que demonstraria uma perda de poder na espera regional. (SPOHR, 2013, p. 59)
Estes fatores podem ser responsáveis pelas desavenças observadas
entre os dois países nas últimas décadas, além de, possivelmente, por diversos
conflitos nos países vizinhos em disputas de influência. No texto de Franco (2012):
A Arábia Saudita e o Irã mantêm uma relação inconstante e de disputa por influência no Oriente Médio, sobretudo na região do Golfo. Numa espécie de Guerra Fria há muito travada entre os dois países, o ganho de um é visto como a perda do outro, em um claro jogo de soma-zero (BOUCEK, 2011 apud FRANCO, 2012, p. 13)
No âmbito internacional, na década de 1970, tanto o Irã quanto a Arábia
Saudita gozavam de boas relações com os Estados Unidos, que os tinha como
pilares fundamentais de sua política na região do Golfo Pérsico. Porém, com o
advento da Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o regime autocrático iraniano,
a interação sauditas/iranianos sofreu um grande abalo: os revolucionários que
ascenderam ao poder trouxeram consigo uma postura fortemente opositora das
44
monarquias, e passaram a desafiar os regimes dos demais países árabes do Golfo
(FRANCO, 2012):
Além de uma ameaça para a estabilidade regional, a República Islâmica do Irã passou a representar um desafio às posições internacionais sauditas em suas principais áreas de atuação: seu papel no mundo islâmico e seu poder no mercado de petróleo. (SPOHR, 2013, p. 63)
Este evento, além de representar uma ameaça a monarquia saudita,
também causou altercações no território do país. E a estabilidade regional é de
extrema importância para este Estado, pois facilita e viabiliza suas atividades
econômicas e políticas. (SPOHR, 2013)
Em novembro de 1979, motivados pelos acontecimentos no Irã, xiitas que
habitavam a Província do Leste na Arábia Saudita violaram uma proibição contra as
manifestações religiosas e iniciaram procissão para celebrar o dia da Ashura (dia
do martírio de Husayn ibn Ali, neto do profeta Maomé), comemoração sagrada no
xiismo. Naquela oportunidade, os manifestantes carregaram fotos do pai da
revolução iraniana, Aiatollá Ruhollah Khomeini, bem como faixas de protesto contra
o governo oficial e os Estados Unidos. O regime reprimiu fortemente a procissão,
que acabou se estendendo durante três dias e resultou em diversas mortes entre
civis (FRANCO, 2012; PALAZZO, 2014). Esta situação causou, além de dor de
cabeça para os sauditas, uma desconfiança mútua entre os lados, aumentando a
rivalidade uma vez latente.
A partir de então, o regime saudita passou a propagar a ideia de que o Irã
era o verdadeiro instigador das massas contra as monarquias do Golfo,
responsabilizando-o por seus problemas internos.
Em 1986, protestos de peregrinos iranianos nas cidades sagradas sobre a
legitimidade saudita em ser guardiã destas, resultaram em morte de cerca de 400
pessoas e causaram o rompimento das relações diplomáticas entre os países até a
subida de Khatami à presidência do Irã, quando os Estados se reaproximaram.
(SPOHR, 2013)
Nota-se, portanto, que uma importante ameaça a estabilidade da
Monarquia Saud eram os xiitas iranianos, incluso a população xiita dentro de seu
território, que habitava principalmente a Província Oriental, onde se desenvolvia a
exploração do petróleo. Atualmente o cenário não se alterou, pois, “os xiitas não
45
gozam dos mesmos direitos dos sunitas, gerando um sentimento de ressentimento e
insatisfação com os Saud por parte da minoria religiosa. ” (SPOHR, 2013, p. 33)
Depois, com a guerra entre Irã-Iraque, e a invasão do Irã pelo exército de
Sadam Hussein, Arábia Saudita, bem como diversos outros países da região,
financiou o conflito (embora esta não fosse muito a favor do Iraque) no intuito de
diminuir o poder dos xiitas e neutralizar o discurso de Khomeini; que era forte não só
para o povo iraniano, mas para as minorias não representadas dentro de outras
fronteiras árabes. Ainda mais, esta guerra e as sanções aplicadas ao Irã, bem como
a redução na produção de petróleo do país e as restrições de investimentos
estrangeiros, levou a Arábia Saudita a conquistar uma grande vantagem no mercado
de energia. Assim, o apoio aos iraquianos no conflito da década de 1980 foi reflexo
não só do receio da revolução xiita, mas do intendo saudita em manter o controle
regional e interno. (SPOHR, 2013; FRANCO, 2012)
Com a morte do Ayatollah Khomeini, em 1989, as relações entre os Irã e
Arábia Saudita experimentaram uma significante melhoria, sobretudo durante o
governo de Mohammad Khatami entre 1997 e 2005, que buscou aproximar-se para
apaziguar o isolamento do Irã. No entanto, desde a eleição do presidente Mahmoud
Ahmadinejad, em 2005, a atmosfera de desconfiança voltou a imperar, sobretudo em
razão do programa nuclear iraniano e das ações iranianas em outros países do
Oriente Médio, principalmente o Iraque. (FRANCO, 2012; BORBA, BRANCHER,
CEPIK, 2012)
Quanto ao Irã, após a crise entre a embaixada estadunidense e o Teerã
em 1979, o principal foco passou a ser sua região – a exemplo de seu concorrente.
Desta forma, a intenção de expandir os ideais xiitas tomou grande parte da agenda
iraniana na década de 80, aproximando o país de diversos grupos islâmicos no
Oriente Médio. Os principais focos da política externa iraniana foram: Iraque, Síria,
Afeganistão, países do CCG (Conselho de Segurança do Golfo), Palestina, Israel e
países que compõe a ECO – Organização de Cooperação Econômica. (SPOHR,
2013). Sobre o último, Spohr (2013) aponta:
Além do Oriente Médio, o Irã busca manter boas relações com seus vizinhos na Ásia Central. Tais esforços levaram a criação da Organização de Cooperação Econômica (ECO) em 1985 por Irã, Paquistão e Turquia. A ECO só atingiu seu atual status para a política externa iraniana a partir de 1992, com a adesão de outros sete membros e aparece como importante espaço de proteção internacional do Irã, que busca cooperar em diversos
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setores, entre eles a produção de energia, criação de infraestrutura, conciliação de política econômicas e comercias, etc. (SPOHR, 2013, p. 60)
No que diz respeito ao petróleo, até pouco tempo atrás, a Arábia Saudita
figurava soberana no topo da lista de países com maiores reservas de petróleo do
mundo (tendo perdido a posição para a Venezuela, em 2011), restando ao Irã o
segundo lugar (OPEP, 2010).
Devido às reservas, as maiores documentadas do mundo, Arábia Saudita
exerce ainda hoje um papel vital no mercado energético mundial. Por causa disso e
do receio de um crescente xiita no oriente, a melhora de sua econômica advinda dos
petrodólares fez com que o Estado desenvolvesse uma política mais ativa no mundo
islâmico com envio de recursos a outros países a fins de ajudar a melhoria da
qualidade de vida de mulçumanos. O país também oferece auxilio para peregrinos
que não tem condições de fazer viagem as cidades sagradas. A busca pelo
crescimento do islamismo, leia-se wahabismo, levou o regime a financiar a criação
de mesquitas e a formação de profissionais dessas instituições. (SPOHR, 2013)
O pan-islamismo, então, também foi uma resposta a criação do pan-
arabismo de Nasser e teve resultados positivos para a influência do Estado no
mundo árabe. Com essas medidas o país se coloca como centro do islã e tem sua
posição fortalecida como líder dentro do Oriente Médio, sendo ameaçado apenas
pelo Irã. (SPOHR, 2013)
Ademais, apesar de sua atuação no Oriente Médio, a Arábia Saudita é
extremamente dependente do sistema internacional, uma vez que sua economia
está intimamente ligada a necessidade mundial de petróleo. Além disso, os sauditas
recebem um grande fluxo de peregrinos e têm para com os muçulmanos a obrigação
de permitir a entrada às cidades sagradas de Meca e Medina, na região de Hijaz.
(SPOHR, 2013).
De posse dessas duas cidades importantes, a Arábia Saudita, justifica a
sua “superioridade” no fato de ser o berço do islamismo e da língua árabe. O rei
saudita ainda se vangloria de possuir o título de guardião dos dois lugares mais
sagrados para a religião. (FRANCO, 2012)
Quanto ao âmbito político econômico, Spohr (2013) explica a interação
saudita:
47
A principal área de influência da política externa saudita é o grupo de monarquias que compõe o Conselho de Cooperação do Golfo: Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. A cooperação entre esses países no campo econômico (...) e a comunhão de posições para a região, tornam o grupo um especial componente da inserção internacional saudita. A preponderância do reino saudita sobre os demais países lhe confere um maior peso no processo de tomada de decisão desse grupo, especialmente no que se refere ao mercado mundial de petróleo. ” (SPOHR, 2013, p. 47)
O Irã, por sua vez, recorre à sua história antiga para difundir uma
supremacia cultural e civilizacional perante os demais países do Golfo. Além disso,
confia que possui uma superioridade estratégica e tática na região, mesmo ciente de
que não detém o mesmo aporte de recursos financeiros da Arábia Saudita.
(FRANCO, 2012)
Disputas a parte, os dois países também têm ensejos onde há
cooperação, tais como os canais de diálogo para debater relações bilaterais (a
exemplo da Organização da Conferência Islâmica). (BORBA, BRANCHER, CEPIK,
2012)
No mais, a demonstração do porquê da rivalidade entre os dois grandes
do Oriente Médio dá luz a relevância da religião nesta área do globo e, mais, expõe
a segregação entre os lados do islã. Logo, para que se possa compreender a
relação de disputa entre Irã e Arábia Saudita, é primordial saber o que é ser sunita e
xiita para um muçulmano. O capítulo a seguir versa de forma breve sobre estas
questões.
2.3.2 Sunismo e Xiismo
O sunismo e o xiismo constituem as principais vertentes religiosas do Islã;
sendo a interpretação de quem deveria suceder o Profeta Maomé depois de sua
morte em 632 d.C. (calendário ocidental), a primordial diferença entre estes dois
pensamentos. Segundo Palazzo (2014, p. 162):
O processo sucessório não ocorreu sem discussões e, desde cedo, Ali [primo e genro de Maomé, casado com sua filha Fátima] e seus seguidores defenderam a posição de que os califas [sucessores de Maomé] deveriam pertencer à família de Maomé e não se constituiriam apenas em líderes políticos da comunidade, mas seriam também divinamente inspirados para guiar os fiéis enquanto intermediários entre eles e Deus. No entanto, para o outro grupo que não defendia a sucessão pelo sangue, mas pelas normas da tradição das lideranças tribais, o califado era de ordem política e caberia a seu líder garantir a prática da religião sem exercer, porém, o papel de intermediário com o divino.
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É importante destacar que “as normas da tradição das lideranças tribais”
estavam perfeitamente alinhadas com o posicionamento político da maioria na
região, fazendo com que os sunitas se tornassem maioria no Oriente Médio. E ainda
de acordo com Palazzo (2014), com o tempo, Ali veio a se tornar o quarto califa.
Após sua morte no início de 661 d.C., a disputa sobre quem o sucederia tornou-se
um ponto sensível entre os seus partidários – os quais ficaram conhecidos como
xiit’Ali, partidários de Ali, ou xiitas – e os sunitas:
[Os xiitas] apontaram primeiramente Hasan, filho mais velho de Ali, para assumir o califado. Este, no entanto, cedeu às pressões em favor de Muawiya ibn Abi Sufyan, da família Omíada, que se tornou califa dentro das regras sunitas, sendo depois sucedido por seu filho Yazid I. Inconformados, os xiitas já bem organizados insistiram no apoio a outro filho de Ali, Husayn, como o quinto califa. Tal não era, porém, a opinião do grupo dominante, o dos sunitas, e após inúmeras desavenças e confrontos, na batalha de Karbala, no dia 10 do primeiro mês do calendário muçulmano, no ano de 680, Husayn foi morto junto com 72 companheiros e membros da família. Tal evento marcou a ruptura completa entre as duas principais facções do Islã, sunitas e xiitas. (Palazzo, 2014, p. 164)
As ponderações de Franco (2012, p. 06) complementam esta ideia:
A cisão histórica entre sunitas e xiitas deve-se, em suma, a uma disputa política pela definição do herdeiro legítimo da autoridade religiosa do profeta. Entretanto, ao longo da história, o dissenso foi em larga medida reforçado por questões étnicas, políticas, sociais, econômicas e nacionalistas do mundo Islâmico, tendo sido amplamente manipulado por governantes em prol da satisfação de seus interesses específicos.
Isto posto, conforme dados publicados em relatório do Pew Research
Center (2009), estima-se que dentre a população muçulmana apenas de 10 a 13%
sejam xiitas, um número que equivaleria a 154 e 200 milhões de seguidores dessa
vertente.
A saber, algo entre três-quartos do valor se encontra na Ásia, sobretudo
na Índia, Paquistão, Irã e Iraque, e um-quarto especificamente no Oriente Médio e
Norte da África. Apenas em quatro países os xiitas representam a maioria da
população, sendo eles o Azerbaijão, o Bahrain, o Iraque e o Irã (este, sozinho,
representa cerca de 40% da população mundial de xiitas). Entre os países do
Oriente Médio, depois do Irã, o Iraque é o que mais detém religiosos xiitas, com mais
ou menos 70% de seu povo crente nesta vertente islâmica.
49
Em complemento aos dados estatísticos, a população xiita corresponde a
cerda de 70% no Bahrain; 50% no Líbano; 40% no Iêmen; 25% no Kuwait; 20% na
Síria; 15% na Arábia Saudita; 10% no Qatar; e por volta de 10% nos Emirados
Árabes Unidos (PEW RESEARCH CENTER, 2009).
Vale frisar que, apesar do baixo percentual total do grupo na região do
Oriente Médio, é de interesse dos países do Golfo manter esta parcela da população
sobre absoluto controle e repressão, uma vez que esta vive geralmente em locais
estratégicos e/ou trabalha em empresas de base, tais como petrolíferas: “70% da
força de trabalho empregada na extração é xiita” (ESCOBAR, 2006 apud FRANCO,
2012); e uma rebelião poderia gerar claros problemas econômicos.
Por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos há uma forte influência
iraniana sobre o comércio e negócios; e na região nordeste da Arábia Saudita, Al-
Hasa, que se segue até a fronteira com o Qatar e o Kuwait, povo xiita é bastante
expressivo e povoa a área deste o século X. (FRANCO, 2012)
[Na Arábia Saudita], sunitas ocupam áreas urbanas e dominam os centros de poder e os xiitas configuram a parte pobre e marginalizada da população. O fato deste último grupo habitar a área onde praticamente toda a riqueza do país está concentrada é motivo mais do que suficiente para as monarquias promoverem um regime repressor e tentarem estimular a migração de sunitas para a região. (FRANCO, 2012, 2012, p. 7)
Com estas informações, para Palazzo (2014, p.165), “o sunismo se
estabeleceu, desde os seus primórdios, associado a um estado centralizado e
burocraticamente organizado em torno de uma corte absolutista com uma clara
autoridade político-militar que era exercida pelos califas”. Tais explanações auxiliam
no entendimento da preocupação desta vertente em manter os xiitas sob julgo e de,
ainda hoje, haverem disputas sobre quem deve deter a supremacia sobre o povo
muçulmano-islâmico.
Afora os fatores regionais e religiosos, outros elementos são igualmente
significativos para a compreensão da dinâmica no Oriente Médio contemporâneo.
Dentre eles está a intervenção estrangeira e, primeiramente, a interposição
estadunidense na região. Sobre isso fala o tópico a seguir.
50
2.3.3 Interferência norte-americana no Oriente Médio
Um excelente exemplo da interferência norte-americana no Oriente Médio
provavelmente venha do período da Guerra Fria. Com a transformação do petróleo
em uma significativa fonte de matéria-prima para os mais diversos fins, e com as
descobertas de importantes jazidas na Península Arábica, os EUA passaram a
considerar o local como estratégico para manutenção de sua hegemonia e, por
conseguinte, da segurança nacional. A zona também atuava, e atua, como ponto
chave de ligação entre Oriente e Ocidente, conforme aponta Ebraico (2005):
O Golfo Pérsico, o coração energético mundial, era de grande importância estratégica para os EUA. Esta região possuía dois terços das reservas mundiais de petróleo e era responsável pelo suprimento energético da Europa Ocidental e do Japão, os aliados mais fortes dos EUA no contexto de Guerra Fria. (EBRAICO, 2005, p. 46)
Deste modo, na tentativa de manter o maior número possível de aliados
políticos, a superpotência mundial fez uso de planos de assistência econômica e/ou
militar e de acordos bilaterais e multilaterais com os Estados daquele ponto
geográfico. Tais planos visavam não só manter um campo de poder dentro destes
países, mas conter o florescimento de movimentos nacionalistas e revolucionários
surgidos durante o processo de descolonização que poderiam favorecer a URSS.
(OLIC, 1991) Dentro destas estratégias estava também a relação de cooperação
estabelecida com os dois “pilares” do Oriente Médio, Arábia Saudita e Irã – os dois
maiores exportadores de petróleo do século passado.
A Arábia Saudita, por exemplo, na criação de seu Estado era um dos
países mais pobres do mundo, sendo a descoberta de petróleo no ano de 1938 o
passe para recuperação econômica do país financiada pelos Estados Unidos. A
sobrevivência da monarquia, portanto, só foi possível graças ao empréstimos norte-
americanos, o que deu início a importante parceria estratégica entre os dois países
que perdura até hoje (SPOHR, 2013):
A relação foi então fortalecida através de empréstimos concedidos aos sauditas a partir de 1943 no intento norte-americano de manter o país com as maiores reservas do mundo próximo e dependente. E esta aliança “garantiu a preservação dos interesses estadunidenses sobre a comercialização do petróleo no mundo, apesar de certas tensões na negociação de preços, especialmente na década de 1970”. (SPOHR, 2013, p. 44)
51
Assim, no contexto de Guerra Fria, com a invasão soviética ao
Afeganistão, a Revolução Islâmica de 1979 e a Guerra Irã-Iraque, as crises ocorridas
no Golfo Pérsico se mostraram uma grande ameaça ao balanço global positivo dos
EUA. (EBRAICO, 2005)
As armas soviéticas, bem como a influência da URSS nos países em
desenvolvimento na década de 1970, cresceram de forma a preocupar o Ocidente,
principalmente porque boa parte de onde a atual Rússia exercia influência,
encontrava-se próxima ao Golfo Pérsico. (EBRAICO, 2005)
Anteriores a isso estavam a retirada da Grã-Bretanha do Oriente Médio, e
do Canal de Suez no Egito, e a seguinte crise do petróleo em 1973; o que levou à
consideração de que haveria um vácuo de poder perigoso na região. Logo
Washington, no governo do Presidente Nixon, desenvolveu uma política para limitar
o aumento dos preços do barril de petróleo e para manter-se sempre próximo dos
assuntos da Península Arábica. Este acordo entre EUA, Irã e Arábia Saudita ficou
conhecido como Surrogate Strategy e garantiu o equilíbrio geopolítico na região até
a Revolução Islâmica. (CORREIA, 2009). Para entender isto, Ebraico (2005)
esclarece que: “o Irã era o segundo maior exportador do Golfo Pérsico, e em
conjunto com a Arábia Saudita representava 48% das exportações da OPEP. ”
(EBRAICO, 2005, p. 52).
Esta estratégia também visava impedir que um líder regional surgisse
contra os interesses americanos; dessa forma, Arábia Saudita e Irã, serviriam como
guardiões dos interesses ocidentais em troca de substancial assistência militar dos
EUA e orientação estratégica. (EBRAICO, 2005)
Demonstração desse acordo foram as bases militares estadunidenses por
anos mantidas em território saudita, que só foram encerradas em 2003, após a
invasão do Iraque. O relacionamento dos dois Estados também foi fundamental para
a segurança da Arábia Saudita em uma área do mundo de fortes rivalidades, e a
cooperação militar com Washington certamente ofereceu vantagens para o país.
(SPOHR, 2013)
O modelo foi seguido até 1979 e segundo esta política os EUA venderam
armamentos para o projeto do Xá Reza Phalevi no Irã de transformar seu país numa
potência bélica. Para tal, foram comercializados mais de US$ 20 bilhões em
armamentos sofisticados na década de 1970, construindo em poucos anos uma
potência militar. (EBRAICO, 2005)
52
Ironicamente, todo este poderio não foi o suficiente para que o Irã
enfrentasse seu maior inimigo: seu povo, fazendo com que o regime do Xá caísse
em 1979 e assim, fosse finda a aliança EUA-Irã.
A Arábia Saudita era fraca militarmente para manter a Surrogate Strategy
sem o Irã e os EUA tiveram que assumir um papel mais direto no Golfo Pérsico para
garantir a manutenção de seus interesses.
Portanto, em meados da década de 80, receoso de que o provimento de
petróleo fosse prejudicado novamente, o presidente americano Jimmy Carter
declarou que qualquer coação externa ao Golfo Pérsico seria considerada um
constrangimento aos interesses vitais dos Estados Unidos e que este seria reprimido
por todos os meios necessários; inclusive militares. Este princípio de defender o uso
da força ficou conhecido como “Doutrina Carter” e marcou a mudança das relações
entre EUA e Oriente Médio que desde o fim da Segunda Guerra era pautada na não
intervenção direta por poderio militar. (EBRAICO, 2005; FUSER, 2006)
Atualmente, embora os EUA tenham desenvolvido tecnologia e reduzido
consideravelmente a dependência do petróleo da OPEP, a commodity ainda é de
suma importância para as grandes potências mundiais, muitas aliadas ao país.
(EBRAICO, 2005)
Depois, a partir de 1980 e já no governo de Ronald Reagan, aconteceu o
conflito entre Irã e Iraque. E os EUA, embora fortemente criticados por Khomeini
(também respondiam da mesma maneira na mídia), fizeram um acordo com o país
no qual venderiam armas para o Irã. Ao mesmo tempo, na América Central, a
potência ocidental poiava um grupo armado terrorista na Nicarágua chamado os
Contras, para evitar que este último Estado se tornasse socialista.
Conforme cita Olic (1991):
Os EUA por terem criado uma grande rede de interesses não só junto aos países do Oriente Médio, mas também por quase todo o mundo, ficaram numa situação curiosa: não havia possibilidade de defender todos os interesses ao mesmo tempo, assim como não era possível abandoná-los sem correr o risco do avanço da influência soviética. (OLIC, 1991, p.21)
Neste cenário com duas frentes de atuação, o presidente americano e
sua administração criaram um projeto chamado Irã-Contras, o qual objetivava: maior
aproximação entre o Estado americano e o Aiatolá Khomeini; conseguir a libertação
dos reféns de xiitas no Líbano e financiar os Contras uma vez que as armas
53
vendidas para este grupo seriam revendidas duas ou três vezes mais caras por eles
ao Irã. (EBRAICO, 2005). Esta operação foi desaprovada pelo Congresso americano
e, portanto, realizada em segredo.
Importante reforçar que em vez de ajudar o Irã simplesmente, a intenção
principal dos EUA era manter o pluralismo geopolítico no Golfo Pérsico, já que o país
também vendia armas e oferecia auxilio estratégico e militar ao Iraque.
Uma vez que a Surrogate Strategy havia sido abandonada, o vácuo de
poder no Oriente Médio facilitaria a realização de manobras favoráveis aos
interesses “nacionais” estadunidenses (EBRAICO, 2005). Tal estratégia, embora os
tempos tenham avançado, ainda é fortemente aplicada e isso é demonstrado não só
nos entendimentos da Teoria do Dilema de Segurança, mas também exemplificados
nos conflitos observados na região árabe até hoje.
Com o fim da Guerra Fria e a invasão do Kuwait, EUA emitiram em vinte
de agosto de 1990 a Diretriz de Segurança Nacional nº 45, que versava sobre o
Golfo Pérsico. Em suma o documento dizia que o acesso do petróleo aos EUA e aos
“Estados amigos” era de importância vital a segurança nacional e que o país se
comprometia a defender seus interesses, inclusive com o uso da força contra
“interesses hostis”. Conforme aponta Fuser (2006, p. 29-30):
O verdadeiro desafio aos “interesses vitais” dos EUA no Golfo Pérsico não veio de uma superpotência com bombas nucleares e sim do Iraque de Saddam Hussein – um país subdesenvolvido em busca da hegemonia regional, que invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990 (...) O inimigo declarado na NSD-45 já não era mais um rival externo e, sim, algum ator político do próprio Golfo Pérsico que desafiasse os “interesses vitais” dos EUA.
Esta invasão ameaçava tanto o suprimento de petróleo quando o
equilíbrio no Oriente Médio. Assim, Estados Unidos deram cabo ao aviso de intervir
diretamente no Oriente e, junto com diversas outras potências do mundo, criou uma
coalisão para retirada das forças iraquianas do Kuwait. Entretanto, o retorno do
domínio do Kuwait por seu original regime não resolvia por definitivo os problemas
enfrentados pelos EUA localmente. Diz Fuser (2006):
Com o fim do conflito, a derrota do Iraque não resolveu o desafio estratégico de garantir a “segurança” regional a partir do ponto de vista de Washington. O Irã, que se manteve à margem do conflito, permaneceu um adversário dos EUA e a Arábia Saudita não possuía nem a capacidade militar nem a disposição para exercer a hegemonia regional em apoio aos interesses
54
norte-americanos. O impasse levou o governo de Bill Clinton a adotar a política da “dupla contenção” (dual containment), voltada simultaneamente contra o Iraque e o Irã. Dessa maneira, os EUA garantiam uma justificativa para a presença militar nessa região vital para os seus interesses, conforme prescreve a Doutrina Carter. (Fuser 2006, p. 30)
Seguindo a tendência dos governos estadunidenses, o governo de Bill
Clinton reafirmou a prioridade estratégica ao controle das fontes externas de
petróleo. Em 1997, o secretário de Defesa William Cohen incluiu entre os interesses
vitais dos EUA a garantia do acesso desimpedido a mercados chaves, suprimentos
de energia e recursos estratégicos. Essa preocupação ganhou grande saliência no
governo de George H. W. Bush (“Bush pai”), antes mesmo dos ataques terroristas
de 11 de setembro. (FUSER, 2006)
Em 2001, a mudança de governo estadunidense para a liderança de Bush
H. W. trouxe mais um elemento à política dos EUA para com o Oriente Médio: o
Relatório Cheney. Este relatório falava sobre a política energética americana e
sugeria o ‘fortalecimento das Alianças Globais” – o que significava na prática a
obtenção de acesso a fontes e petróleo no exterior, diz Fuser (2006, p. 34), “com
ênfase na remoção de obstáculos políticos, econômicos, legais e logísticos”. Uma
dessas recomendações era que o governo dos EUA pressionasse países a
revogarem parcial ou totalmente as leis adotadas no período da nacionalização das
concessões petrolíferas (estas estabelecem o monopólio dos seus respectivos
Estados nacionais na exploração das reservas de petróleo). (FUSER, 2006)
Quanto as relações com a Arábia Saudita, estas se mantem fortes até os
dias de hoje; mas no período imediatamente após os atentados de 11 de setembro
de 2001, em que aviões sequestrados pela al-Qaeda atacaram as torres Gêmeas de
Nova York a mando do saudita Osama Bin Laden (frisa-se que Bin Laden se dizia
contra o regime monárquico Saud também, devido ao fato de este ser aliado dos
EUA no Oriente Médio. O visto saudita de Bin Laden foi revogado em 1994 e ele
vivia no exílio, portanto não tinha relação com os interesses do governo central).
Estes ataques provocaram uma onda de repúdio e preconceito contra os árabes e
os muçulmanos. Afora isso, as relações têm sido tranquilas entre o país árabe e os
americanos. Inclusive, a dificuldade causada pelo terrorismo foi amenizada com a
adesão dos sauditas da Guerra Contra o Terror. (SPOHR, 2013)
Por conseguinte, estas colocações demonstram que os EUA têm como
objetivo primordial, ainda nos dias atuais, a manutenção do acesso ao petróleo para
55
si e para aliados, independente de considerações acerca de soberania de Estados e
autonomia de vontades. Se preciso for, como constantemente tem feito ao longo dos
anos, seja através de guerras proxy, financiamentos ou mesmo intervenções diretas
(e desaprovações da ONU), todas as ações serão tomadas para que o Status quo
em favor da potência hegemônica continue imutável.
Logo, os interesses estratégicos da potência americana, bem como de
demais países, só demonstram o quanto a situação é complexa e que as soluções
de problemas políticos e regionais não são nada fáceis. Talvez este fator ajude a
explicar porque as nações nativas do Oriente Médio tendem a recorrer tão
frequentemente à guerra na busca por resoluções para seus problemas.
Considerando as explanações acerca dos assuntos pertinentes a política
internacional e também a política econômica internacional, faz-se possível que
sejam discorridos os principais conflitos ocorridos no Oriente Médio a partir de 1979.
Portanto, o trabalho, deste ponto em diante, procurará descrever como se
deram algumas contendas na zona oriental árabe.
56
3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-CRISE DE 1979
Para atingir o segundo objetivo do trabalho, este capítulo visa, além de
descrever de forma breve os principais conflitos no Oriente Médio desde 1979 e a
Segunda Crise do Petróleo, demonstrar o papel exercido pelos dois atores
estudados nas contendas aqui descritas. Desta forma, far-se-á viável o
entendimento da influência de ambos os Estados na região onde se localizam.
Portanto, antes de se dissertar sobre a crise do petróleo em si, é
importante entender o que deflagrou a instabilidade no mercado internacional do
petróleo, causando pela segunda vez na mesma década, alta de preços. E a causa
teve início político.
3.1 REVOLUÇÃO ISLAMICA DE 1979 E A CRISE DO PETRÓLEO
Segundo Silva (2015), até o ano de 1978, o Irã foi aliado dos Estados
Unidos, detendo uma série de acordos militares com os norte-americanos e estando,
ao final da mesma década, entre os dez maiores arsenais militares do mundo.
Entretanto, ainda de acordo com o autor, enquanto a política externa do
país prosperava no que concerne relacionamento com grandes potências,
internamente, a política de modernização, as custas do mercado interno e do povo,
aplicada pelo Xá Reza Phalevi, governante e ditador do país, desencadeou, em
meados de 1978 e início de 1979, uma rebelião popular liderada por dirigentes
religiosos – particularmente o Aiatolá Ruhollah al-Khomeini, que vivia exilado em
Paris – e por frentes políticas de esquerda. A saber, a Frente Nacional, pelo partido
marxista Tudeh e pelas organizações político-militares dos Fedayins (nacionalistas)
e dos Mujahedins (combatentes religiosos fundamentalistas). (PEREIRA, 2008)
Especificamente, Hobsbawm (2006) explica:
A derrubada do Xá do Irã em 1979 foi a maior das revoluções da década de 1970. Reza Phalevi tentou implementar um programa relâmpago de modernização e industrialização do país, apoiado pelos Estados Unidos, em virtude da riqueza petrolífera do Irã. Porém, ‘o Xá dependia cada vez mais de uma industrialização financiada pelo petróleo, a qual, incapaz de competir no mundo, era promovida e protegida internamente’. A indústria que se formou era deficiente e eram necessárias importações maciças de gêneros alimentícios, têxteis e, inclusive, armamentos, o que elevou muito a inflação iraniana. (HOBSBAWM, 2006, p. 440 apud PEREIRA, 2008, p.60)
57
O sentimento de frustação e revolta direcionado ao ditador Phalevi e aos
EUA apoiava-se primeiramente na Crise de 1953 quando o primeiro-ministro
Moahamed Mosadegh, líder escolhido pelo povo em uma eleição democrática contra
Reza Phalevi, foi deposto do poder através de golpe militar arquitetado pelos
americanos e pelo serviço secreto inglês, insatisfeitos com a nacionalização das
petrolíferas promovida pelo dirigente iraniano. Em seu lugar, foi alçado ao poder
novamente, Reza Phalevi. (TRAUMANN, 2015)
Segundo Traumann (2015), em 1962 o xá passou a demonstrar apoio à
Israel, sendo recompensado com pesados investimentos vindos do Ocidente, mas
sem encontrar acolhimento pelas massas iranianas, favoráveis aos palestinos.
Ademais, os lucros adquiridos pelo governo, em vez de serem reinvestidos em
programas sociais, eram utilizados para desenvolvimento de tecnologia militar. As
consequências foram: o Irã se tornar o maior comprador bélico dos EUA, o êxodo
rural pela falta de suporte a população mais necessitada, aumento das favelas em
torno dos grandes centros urbanos e, principalmente, crescimento do abismo entre a
elite (ocidentalizada) e os pobres (tradicionalistas). “À título de exemplo, às vésperas
da revolução de 1979, apenas 1% da população concentrava 80% da renda privada
do país”. (JORNAL DO BRASIL, 1979 apud TRAUMANN, 2015, p. 5).
Assim, o regime do ditador sofreu forte oposição de intelectuais, marxistas
e religiosos, tornando-se cada vez mais autoritário e opressor. Em 1975, a polícia
invadiu uma escola religiosa durante um protesto dos estudantes, atirou um deles do
telhado, matando-o, e fechou a instituição em clara demonstração de que
contestações não seriam toleradas. (TRAUMANN, 2015)
Neste contexto, diversos iranianos se voltaram para os líderes religiosos
em busca de auxílio, dando eco cada vez maior a voz do Aiatolá Ruhollah Khomeini
que havia sido preso em 1963 por ideias contrárias ao regime e exilado no Iraque.
Posteriormente, a pedido do próprio xá iraniano, Khomeini foi expulso do país
vizinho e encontrou exilio em Paris. (TRAUMANN, 2015)
Com desgosto para com os EUA e, consequentemente, tudo relacionado
ao ocidente, a ideia de um governo islâmico total promovida pelo líder xiita da
oposição ganhou a simpatia do povo e principalmente dos jovens, que eram
influenciados a participar de manifestações contra o governo através de fitas-
cassetes gravadas e enviadas da França. (PEREIRA, 2008)
58
Mas a atmosfera tensa entre governo e população só atingiu níveis
críticos no final de 1977 com a morte por envenenamento de Mustafá, filho de
Khomeini, no Iraque, e com a proibição de manifestações de luto no Irã. A suspeita
era de que a Savak (polícia secreta iraniana) estava por trás de sua morte.
(TRAUMANN, 2015). O cenário estava armado e qualquer faísca poderia dar inicio
ao fim do regime ditador.
Foi o que aconteceu no ano seguinte, quando, em um erro crasso de
estratégia, Reza Pahlevi mandou distribuir panfletos que acusavam o Aiatolah
Khomeini de trabalhar para o serviço secreto inglês, pondo em dúvida sua
moralidade. Isto fez com que milhares de estudantes saíssem às ruas em busca de
liberdade de expressão e pedindo, dentre outras coisas, o retorno de Khomeini ao
Irã. Depois, a morte de 400 pessoas em um incêndio de um cinema (também
atribuída a Savak) e ainda a morte de mais 900 em um massacre contra a população
que protestava, tornaram a revolução irrefreável. (TRAUMANN, 2015)
Com isso, em janeiro de 1979, sem resistir à pressão popular e com o
retorno de Khomeini depois de quatorze anos vivendo fora, o ditador Xá Reza
Phalevi fugiu para o Egito abandonando o cargo político. Em 11 de fevereiro do
mesmo ano, caiu o último representante da monarquia, com a deposição do primeiro
ministro Shapour Bakhtiar e a tomada do Palácio Imperial pelos rebeldes. As forças
armadas recuaram para evitar serem aniquiladas pela insurreição e aderiram ao
novo regime, que eliminou a cúpula de mando anterior, mas conservou o essencial
da sua estrutura. Teve início um período de disputas internas pelo poder que
envolveram a própria sucessão de Khomeini como condutor espiritual do país, fator
que paralisou o processo de mudanças iniciado com a derrubada do Xá. Enquanto
isso, as relações com os Estados Unidos foram fortemente abaladas (estudantes
iranianos tomaram funcionários da Embaixada norte americana como reféns em
protesto ao acolhimento de Reza Pahlevi em território americano) e Estados Unidos
e Irã romperam suas relações diplomáticas. (OLIC, 1991)
Schilling (2011) elucida quanto a situação:
O exército dissolveu-se, assim como a Savak, a polícia secreta, e a Majlis, a assembléia dos deputados que sustentavam o regime deposto. Todo o sistema politico-militar iraniano, apoiado pelo Ocidente desde 1953, ruíra como um castelo de cartas, assombrado pela fúria das multidões que saíram as ruas de Teerã pedindo a cabeça do Xá. Porém, a euforia durou pouco. A luta eclodiu entre as várias agrupações de esquerda e os líderes
59
religiosos. Não demorou para que a balança se inclinasse para os aiatolás, os guias espirituais do povo iraniano. Enquanto isso a sociedade era varrida de cima a baixo de todos os símbolos que podiam identificá-la com os valores ocidentais. (SCHILLING, 2011)
Então, em 1979 estabeleceu-se uma República Islâmica no lugar da
antiga monarquia, com leis conservadoras inspiradas no Islamismo e com o controle
político nas mãos do clero. Este regime tinha como Chefe Máximo do Irã o Aiatolá
Ruhollah Khomeini. Os Governos iranianos pós-revolucionários, criticaram o
Ocidente e os Estados Unidos da América, em particular, pelo apoio dado pelo
antigo líder. Assim, acordando com Schilling (2011):
A Revolução Iraniana de 1979 é a matriz do renascimento do fundamentalismo islâmico, seja de inclinação xiita ou sunita, no Oriente Médio e na Ásia Central. Desde 1979, com a derrota das forças do Xá da Pérsia e a ascensão do aiatolá Khomeini, uma visão mais estreita, teocrática, xenófoba e anti-moderna passou a imperar na região inteira. A vitória das massas iranianas, desarmadas, sobre um exército poderoso, municiado e treinado pelos Estados Unidos, infundiu uma notável confiança nos setores mais atrasados das sociedades islâmicas. Se tal feito era impensável, a vitória do movimento liderado pelos fundamentalistas alterou radicalmente as perspectivas. De minoritários, eles passaram a ser predominantes, tendo como inimigos os governos islâmicos que se propõem a colaborar com o Ocidente ou com a Rússia, e no fronte externo contra Israel, os Estados Unidos, a Rússia e a Índia. (SCHILLING, 2011).
Posteriormente, houve tentativas de exportar a Revolução Islâmica e
apoio a grupos militantes anti-Ocidente, como o Hezbollah, do Líbano, mas a
Revolução Islâmica de 1979 não gerou o tão temido efeito dominó do levantamento
das massas, porém uma desconfiança dos países fronteiriços, a exemplo do Iraque
que tinha boa parte da população xiita, e próximos. Atualmente, o Irã está
plenamente ciente do seu isolamento internacional, o que o faz perseguir uma
política de aproximação com os demais países da região, não sendo conveniente a
criação de inimizades com seus vizinhos (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2011
apud FRANCO, 2012; OLIC, 1991):
Após a Revolução antimonárquica de 1979, o Irã passou a ser considerado o maior inimigo dos países do Golfo, pois muitos deles alegaram haver sofrido tentativas iranianas de exportar a sua revolução. O Bahrain teria sido, inclusive, uma dessas supostas vítimas. (FRANCO, 2012, p. 21)
60
De acordo com o Estado, a Revolução Iraniana foi uma revolução
islâmica, e não uma revolução xiita como muitos países árabes alegam.
Porém, para Franco (2012, p.13) “o país prefere projetar-se como um
defensor do pan-islamismo em geral, sem sectarismos, colocando-se como inimigo
apenas do imperialismo, dos Estados Unidos e de Israel”.
Além do distanciamento entre o Irã e o mundo ocidental, a crise política
iraniana desorganizou todo o setor produtivo do Estado e acabou interferindo na
produção de petróleo do país, importante membro da OPEP e segundo maior
exportador da organização atrás da Arábia Saudita. Tal fato, associado ao início da
Guerra Irã-Iraque, foi responsável pela chamada 2ª Crise do Petróleo, que fez o
preço do barril saltar de US$ 5 o preço oficial para US$13,33 e depois, em 1980,
para US$ 30. (SOUZA, 2003; PEREIRA 2008)
Quanto ao cenário mundial, considerando o ponto de vista econômico, é
possível dizer também que o consequente Choque do petróleo de 1979 teve um
motivo muito mais especulativo internacionalmente do que de mercado, uma que vez
que a confirmação da revolução islâmica no Irã e a suspensão do abastecimento
devido a greves de operários contra o regime, causaram medo de que houvesse
falta de abastecimento de petróleo no futuro e, assim, uma compra excessiva da
commodity por parte dos países consumidores e das grandes indústrias. Essa
aquisição além do consumo previsto, associada à especulação, levou a mais um
exacerbado aumento de preços. (SOUZA, 2003) Aborda Souza (2003):
No começo de 1979 o petróleo iraniano começou a voltar ao mercado mundial, embora em níveis menores que antes. Nesse mesmo ano a produção da OPEP estava de volta aos 31 milhões de barris diários, o que mesmo computando a interrupção da produção iraniana, era de 3 milhões acima da média de 1978. (SOUZA, 2003, p. 42)
As alterações ocorridas no Irã não só foram determinantes para definir as
diretrizes do país dali em diante, mas para consolidar o antigo rival, Arábia Saudita,
como grande parceiro dos americanos no Oriente ao lado de Israel. (CAIRUS, 2015)
A partir de 1980, o Irã e o Iraque enfrentaram-se numa guerra destruidora
que durou oito anos e pôs em risco tanto o abastecimento mundial de petróleo
quando o equilíbrio político internacional.
61
3.2 GUERRA IRÃ-IRAQUE
Antes de adentrar ao conflito em si, é importante para o entendimento das
razões iraquianas, explicar rapidamente o contexto do Iraque na época: o país era
uma “república” controlada pelo partido Baat (partido socialista da ressureição árabe
de origem sunita) que tinha como líder Ahmad Hasan al-Bakr. Ao seu lado, o braço
direito, governava Saddam Hussein e ambos conduziam politicamente o país.
Em coincidência com o momento histórico no Irã, no ano de 1979 foram
convocadas as primeiras eleições nacionais no Iraque após a deposição da
monarquia em 1958. Na prática era necessário preparar Saddan Hussein como
sucessor a al-Bakr, visto que o segundo estava doente. Para tal, Hussein precisava
se legitimar com os militares e assegurar sua liderança em alguns setores do
partido. (EBRAICO, 2005)
Em adendo, salienta-se que a maior parte da população iraquiana era (e
ainda hoje é) xiita; o que preocupou o regime, tendo em conta que o país era
dominado por uma minoria sunita. “Os xiitas representavam nos anos oitenta 65 a
70% da população, e 10% eram Curdos. A elite árabe sunita de Bagdá era uma
minoria em seu próprio centro de poder, respondendo a não mais que 20% da
população”. (EBRAICO, 2005, p.55). Além disso, a efervescência de fenômenos
ocorrendo no vizinho causou também comoção no Iraque. O Aiatolá Khomeini tentou
se aproximar desta população xiita não representada através do iraquiano, Aiatolá
Mohammed Baqr al Sadr, decidido defensor da revolução islâmica nos países
árabes – este por sua vez foi preso e executado em 1980. Esta intervenção do Irã
em “assuntos nacionais” foi tida como uma ação externa nos interesses do país,
deteriorando a relação entre os dois Estados.
Desta forma, para se aproveitar da situação, um possível conflito entre os
Atores “era visto por Saddan Hussein como uma oportunidade de formar a coesão
nacional necessária para legitimar seu governo. Uma guerra teria a capacidade de
abafar as dissidências internas de curdos e Xiitas”. (EBRAICO, 2005, p. 55) Além
disso, vencer uma guerra contra o Irã e tomar territórios produtores de petróleo,
maior ponto de refinarias iranianas, tornaria o Iraque uma potência no Golfo, líder
regional do Oriente Médio e ainda o país mais rico em petróleo do mundo.
(BERTONHA, 1996)
62
Portanto, utilizando-se do momento de confusão generalizada no Irã, o
ditador iraquiano Saddam Hussein, apoiado pelo Ocidente, visava atacar o vizinho
com o pretexto de que o seu governo não inspirava confiança, visto que procurava
“exportar” a revolução para outros países do Oriente Médio.
Com ato de guerra em vista, de acordo com Ebraico (2005), em junho de
1979, Iraque invadiu as fronteiras do Irã durante operações contra dissidentes
curdos. A partir daí os dois governos seguiram trocando farpas até abril de 1980,
quando Irã retirou todo seu corpo diplomático do Iraque e ambos os países
colocaram as forças armadas em alerta.
Os demais regimes do Golfo foram em defesa do Iraque temendo a expansão da revolução promovida pelo Aiatolá no Irã. (...). No fim de maio o conflito armado teve início, a força aérea iraquiana atacou o Irã num território próximo a Qasr-e-Shirin, e a partir deste momento, ataques violentos entre os dois países se seguiram. (EBRAICO, 2005, p. 57)
A intenção do Estado iraquiano era obter vantagem do enfraquecimento
interno do Irã e da desorganização das forças armadas, bem como do isolamento do
país, para recuperar o domínio do Estreito de Chatt Al Arab (saída do rio de mesmo
nome para o Golfo Pérsico) perdido em 6 de março de 1975 através do Acordo de
Argel, que cedia a margem esquerda do rio da região ao Irã e dividia o local entre as
duas nações. Esta fronteira era de extrema importância para o Iraque uma vez que
era a única forma de escoamento do petróleo do país. (OLIC, 1991; EBRAICO,
2005) MAPA
É importante dizer que devido a rixa de longa data por Chatt Al Arab, Irã
chegou a auxiliar, entre as décadas de 1960 e 1970, os curdos nos conflitos entre o
governo oficial do Iraque e rebeliões da minoria étnica. Da mesma forma fez o Iraque
para tentar desestabilizar o governo central do vizinho. (OLIC, 1991)
A cessão da margem do rio foi estabelecida, portanto, na esperança que
o xá iraniano deixasse de apoiar as rebeliões curdas no Iraque. (EBRAICO, 2005)
Assim, em setembro de 1980, depois de alguns ataques trocados entre as
tropas, no dia 22 de setembro, aviões iraquianos atacaram alvos dentro do Irã muito
além das fronteiras. O Iraque reuniu forças e realizou uma massiva invasão ao Irã,
dominando, até 1982, cerca de 10.000 quilômetros do território iraniano. No ano
seguinte, o Irã recuperou quase todo o território perdido e chegou a tomar alguns
63
locais no Iraque, fazendo com que, em 1983, a guerra entrasse em um relativo
equilíbrio de forças. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)
Para que isto fosse possível, o regime de Assad na Síria, aliada
estratégica do Irã, mandou diversos carregamentos de armas soviéticas ao Teerã
através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de
inteligência sobre as capacidades de Bagdá. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Além de apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando
a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o
Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio
IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário
do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a
guerra. A Síria se mostrou fundamental para o Irã conseguir virar a sorte contra o
Iraque, o que ocorreu entre 1981-82. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Neste interim atuava os EUA com fins de preservar seus “interesses
nacionais” na região chamada de o coração do mundo, dada sua importância
estratégica não só para a potência ocidental, mas para todos os seus aliados,
principalmente os europeus e o Japão. E também para seus inimigos, a URSS.
Os americanos agiam de forma a ajudar o Iraque, devido ao medo de que
a Revolução Islâmica espelhasse insurreições nacionalistas pelo Oriente Médio,
diminuindo a influência norte-americana no local e, por consequência, aumentando a
influência russa justamente onde era produzido o combustível que fazia girar os
motores do globo industrializado. Por razões obvias, o país também não podia
ajudar um Estado que o declarou inimigo e “a cabeça da serpente ocidental”.
(EBRAICO, 2005)
Entretanto, em manobras escusas, o Governo de Ronald Reagan,
enquanto discursava contra o Irã para a imprensa, desenvolveu um programa de
ações chamado Contra-Irã que permitia a venda de armas ao país persa através de
Guerrilheiros na Nicarágua. Assim, o país hegemônico do mundo ocidental se dizia
neutro (para evitar intervenção direta da URSS no Oriente Médio), mas também
auxiliava ambos os lados do conflito. Um deles abertamente, o Iraque, e o outro de
forma velada na tentativa de recuperar seu antigo aliado na região. Claro que a
intenção dos EUA era, acima de tudo, a derrota do Irã e a retomada “do controle”
sobre o país. (EBRAICO, 2005). Ademais, manter o Oriente Médio instável
64
impedindo o surgimento de uma potência regional, auxiliava na manutenção do
poder americano naquela área.
Tendo dificuldades para avançar a terminar com as batalhas, Iraque
decidiu pôr em prática uma nova estratégia de se manter a qualquer custo: fazer uso
de armas de destruição em massa, bombardear alvos civis, poços de petróleo e
navios que tentassem se abastecer da commodity nos portos iranianos para, assim,
cortar a fonte que possibilitava a compra de armas do país persa. A resposta não
ficou por menos: alvos civis iraquianos também sofreram ataques em algo que a
empresa chamou de “guerra de cidades”. (OLIC, 1991)
Houve neste período também um pedido do Irã para que a ONU
verificasse o uso de armas químicas, condenadas desde 1925 no Protocolo de
Genebra, por parte do Iraque; fato que, apesar de confirmado por uma comissão
enviada pela Organização, não fez com que resolução alguma fosse tomada pelo
Conselho de Segurança. “Os membros do Conselho da ONU atribuíram ao Irã a
responsabilidade pela continuação da guerra, e acreditavam que ‘sob as mesmas
circunstancias, outros, talvez eles, pudessem usar tais armas’”. (KING, 1987, apud
EBRAICO, 2005, p. 68)
Então algo de dimensões internacionais aconteceu: a guerra foi ao mar.
Iraque anunciou que todo país que pretendesse abastecer no Irã seria alvo de
ataques. Irã retrucou dizendo que quem se dirigisse ao Golfo Pérsico poderia ser
afundado. Navios de guerra de diversas nações fortes passaram a escoltar as
embarcações para abastecimento de petróleo na região. Esta parte do conflito ficou
conhecida como “guerra dos petroleiros”.
Vale frisar que, ainda que o objetivo declarado dos EUA no conflito fosse
“manter-se imparcial e proteger as nações amigas”, a participação do país
americano foi determinante para seu desfecho, pois os navios norte-americanos
destruíram pelo menos duas plataformas petrolíferas off-shore e uma boa dezena de
navios de guerra iranianos. (EBRAICO, 2005)
Em 1988 a falta de perspectiva de vitória em ambos os lados levou a um
acordo orquestrado pela ONU. O fim da guerra manteve as fronteiras internacionais
sem nenhuma mudança e teve como resultado um saldo muito negativo para ambos
os Estados soberanos, embora tenha transformado o Iraque em uma potência bélica
que terminou por atacar o Kuwait dois anos depois. Para o Irã, a morte de Khomeini
65
em 1989 e a necessidade de recuperar o país levou-o a adotar uma postura política
mais moderada. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)
“O Irã gastou 220 bilhões de dólares para manter seu esforço de guerra, na qual ele teve, além disso, 300 mil mortos e 600 mil mutilados. (...) O Iraque também estava esgotado (180 bilhões de dólares gastos, 200 mil mortos e 400 mil mutilados), mas a situação econômica era ainda pior que a do Irã devido a um agravante, a dívida externa” (BERTONHA, 1996, p. 118)
Com a dívida externa extremamente alta e a falta de perspectiva de tê-la
perdoada, o Iraque acabou por enxergar uma saída mais fácil de seus problemas:
invadir o Kuwait (maior credor do país, junto com a Arábia Saudita), apoderar-se de
seus recursos de petróleo e, ainda, melhorar sua posição estratégica no Golfo
Pérsico. E assim o fez em 1990.
3.3 GUERRA DO GOLFO
Conforme visto, durante todo o período que esteve em guerra contra o Irã,
o Iraque teve apoio tanto das potências mundiais, quanto de vários países no
Oriente Médio receosos com a revolução xiita. O país recebeu neste tempo enormes
quantias em dinheiro e modernos armamentos viabilizados principalmente pela
URSS e vários países ocidentais. Em 1990, sua conta somava 90 bilhões de dólares
e seu maior débito era para com a monarquia do Kuwait a qual devia suntuosos 10
bilhões de dólares; fato preocupante para um país destruído da guerra e sem
recursos. (OLIC, 1991; BERTONHA, 1996)
Dada à situação e somados a isso fatores como desejo de Hussein em se
tornar o líder árabe do cenário internacional, suas pretensões anexionistas na região
e a necessidade do dirigente iraquiano em evitar uma crise política interna e manter
os baatistas no poder dentro de seu país depois de uma “não vitória” contra o Irã,
fez-se a próxima vítima: o Kuwait.
Em dois de agosto de 1990, contrariando as expectativas da maioria dos analistas internacionais, Sadam Hussein – militar iraquiano que, há quase duas décadas, governava o Iraque com mão de ferro – invadiu o Kuwait, dando inicio a uma grave crise na região do Golfo Pérsico. (OLIC, 1991, p.48)
66
Com esta ação o país de Sadam poderia resolver seus problemas
imediatos “obtendo o perdão da dívida externa” com seu maior credor,
reabastecendo seus cofres com os dólares do Estado vizinho e ainda melhorando
sua posição estratégica com o aumento das reservas petrolíferas. (BERTONHA,
1996)
Internacionalmente, as principais justificativas para o ditador invadir o
vizinho foram: ampliar a saída marítima, uma vez que a sua única saída, Chatt al
Arab, além de compartilhada com o Irã, em decorrência da última contenda estava
praticamente inavegável devido aos destroços resultantes do conflito; a alegação de
que as fronteiras do mundo árabe foram definidas por europeus no início do século
XX e não eram “naturais” – no caso, o Kuwait deveria ser parte de uma colônia
iraniana; e a acusação de que o país ao sul da fronteira extraia petróleo (poços em
Raumailá-sul) na divisa entre os dois países e “absorvia” as reservas que estavam
do lado iraquiano. (OLIC, 1991)
Ademais o governante achou que não encontraria grande oposição
mundial, pois era aliado de quase todos os países ocidentais e árabes, detinha
grande poder bélico e as relações EUA e Kuwait não eram as melhores.
(BERTONHA, 1996)
Entretanto as pretensões do Iraque foram logradas internacionalmente,
uma vez que seus pretensos aliados diminuíram o apoio ao país com o fim do
conflito com o Irã e, assim, condenaram veementemente a ação do líder iraquiano e
moveram-se no sentido a reaver o “equilíbrio” da região asiática. Os EUA, como de
costume, tomaram para si a responsabilidade de defender a região.
Embora o discurso usual para a mídia tenha sido a defesa da liberdade de
um povo contra um tirano ditador, a pesquisa mostra que isto não procede e que, na
verdade, a preocupação americana era conter uma possível ascensão do Iraque
localmente e manter os preços do ouro negro. “Com a invasão do Kuwait, o barril do
petróleo que em meados de 1990 custava menos de 20 dólares, passou em poucas
semanas para aproximadamente 40 dólares”. (OLIC, 1991, p. 51)
No mais, segundo Bertonha (1996, p. 121):
“(...) tudo leva a crer que foram preocupações de ordem econômica e estratégica que levaram à intervenção. Washington não podia permitir que alguém como Hussein controlasse – tanto de forma direta como indiretamente, via intimidação dos emirados do Golfo – parte tão expressiva das reservas mundiais de petróleo; que o equilíbrio estratégico regional
67
fosse alterado (...) – e nem que fosse aberto o precedente de uma nação pequena desafiar impunimente a ordem internacional. Por tudo isso os Estados se voltaram contra Bagdá. ”
Isto posto, foram deslocadas tropas, a principio americanas, fortemente
equipadas para o Golfo e foi montada uma barreira militar principalmente ao sul da
Arábia Saudita, próxima das fronteiras com Iraque e Kuwait, para impedir o avanço
das tropas iraquianas e para pressionar o governo beligerante. No inicio de 1991,
com a chegada de exércitos diversos, mais de vinte países mantiveram soldados de
coalisão prontos para confronto.
Enquanto isto, a nível diplomático, americanos e aliados conduziram um
embargo econômico total ao Iraque (ninguém vendia ou comprava mercadora
alguma do país).
Como a retirada iraquiana estava tardando a acontecer, em novembro de
1990, o Conselho de Segurança da ONU determinou prazo para que o Iraque
deixasse o território do Kuwait: 15 de janeiro de 1991. Tal resolução permitia o uso
de todos os meios necessários para que esta fosse cumprida. (BERTONHA, 1996)
Em sua defesa, Sadam Hussein tentou transformar a crise em uma luta
do Oriente versus o Ocidente, chegando a chamar os muçulmanos para o Jihad
(Guerra Santa) sob alegações de que os ocidentais estavam maculando o solo
sagrado do Islã – isto considerando que tropas americanas estavam alocadas
principalmente nas cidades sagradas Meca e Medina na Arábia Saudita. Ademais,
ele tentou chamar a atenção do povo árabe a seu favor, declarando que se fosse
atacado, seus primeiros mísseis iriam para Israel. (OLIC, 1991)
O Iraque, então, recusou-se a cooperar com as tentativas diplomáticas de
solução do problema até o dia do prazo final definido pela ONU, o que causou uma
ofensiva com intenso bombardeio sobre o território ocupado no Kuwait e sobre o
Iraque, conforme explicado por Bertonha (2006):
Os EUA e Aliados fizeram cerca de 100 mil ataques aéreos e despejaram cerca de 1 milhão de toneladas de bombas sobre o Iraque. Esse enorme volume de fogo foi dirigido contra alvos militares e estratégicos do Iraque: tropas, usinas de armas químicas e nucleares, alvos econômicos, etc. Com estes ataques, os EUA tencionavam forçar a retirada iraquiana e também cumprir o objetivo (...) de eliminar as fontes de poder militar de Sadam Hussein. (BERTONHA, 1996, p. 124)
68
Para Hussein, desistir da guerra seria suicídio político, então a estratégia
passou a ser resistir, em vez de vencer, aguardando uma ebulição das massas
árabes contra os ocidentais e uma crise com o aumento do preço do petróleo que
forçaria os aliados ocidentais buscarem um acordo. Isto não aconteceu.
(BERTONHA, 1996)
Foi mais de um mês de ataques incessantes e quase exclusivamente
aéreos com pouca resistência oferecida. O contra-ataque veio em forma de mísseis
contra Israel e contra Arábia Saudita. E, em 23 de fevereiro, forças de coalisão
terrestre dos aliados entraram nas terras tomadas no Kuwait e chegaram até o sul
do Iraque. Só não foram até Bagdá por medo dos efeitos políticos.
Por fim, em 28 de fevereiro, os rádios na capital iraquiana anunciaram a
retirada de tropas do Kuwait e o acatamento das resoluções da ONU.
Este conflito se mostrou importante para o Oriente Médio porque tornou o
local mais seguro para Israel, uma vez que uma potência militar perigosa foi
bastante enfraquecida; mudou a balança de poder na região agora que o Iraque
levaria mais tempo para se recuperar, mas também fez com que os EUA se
tornassem mais influentes naquela zona.
Quanto ao cenário de pós guerra-fria, como diz Olic (1991):
A crise do Golfo mostrou que parte das alianças tradicionais criadas durante o período da Guerra Fria começava a desmoronar. Por exemplo, os EUA receberam o apoio da Síria, até então inimiga ferrenha da política norte-americana no Oriente Médio. O Irã, antigo inimigo do Iraque, mostrou-se reticente em tomar atitudes que pudessem prejudicar seu ex-adversário. Israel ficou, até certo ponto, à margem do assunto, por se tratar, originalmente, de uma crise entre países árabes. A OLP tomou atitudes francamente pró-Iraque. A URSS, que nas últimas décadas estivera do lado do Iraque, passou a apoiar, de forma discreta, as ações norte-americanas. (OLIC, 1991, p. 51-52)
Ademais, para o Irã o resultado terminou por ser positivo. Ironicamente, o
Ocidente, que lutou por quase dez anos para enfraquecer o poder do Estado e dos
integralistas islâmicos, terminou por fortalecer e provocar o crescimento do Estado
através da Guerra contra o antigo aliado, o Iraque. (BERTONHA, 1996)
69
3.4 PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE
A primeira década do século XXI trouxe um aumento da influência de
Teerã na sua região, principalmente depois da invasão estadunidense ao Iraque em
2003 que iniciou a erosão da influência de Washington no Oriente Médio. A invasão
dos EUA ao Iraque em 2003 criou uma nova situação para as relações entre Teerã e
Bagdá. Embora o Irã tenha criticado a invasão e temesse a ameaça estadunidense,
oportunidades de cooperar com novas lideranças iraquianas e de influenciar no
processo de estabilização política surgiram. A presença de uma maioria xiita no
Iraque, anteriormente subjugada aos sunitas pelo regime de Sadam Hussein foi um
importante elemento. (SPOHR, 2013; VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Ademais, a invasão ao Iraque de 2003 pode ser vista com uma política de
governo mal elaborada por parte da administração do presidente W. Bush nos EUA.
A operação, bem como a ocupação do Afeganistão em 2001, foi resposta aos
atentados realizados em território americano no dia nove de setembro de 2001 e
resultados da “Doutrina Bush” (exportação da democracia alicerçada no poder militar
estadunidense) que visava a Guerra ao Terror e maior participação dos EUA na
política externa pós-Guerra Fria.
Em 09 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram
sequestrados por terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos. Os
sequestradores colidiram intencionalmente dois aviões contra as Torres Gêmeas do
complexo empresarial World Trade Center, em Nova York, derrubando-as e também
prédios ao redor. O terceiro avião colidiu contra o Pentágono, sede do Departamento
de Defesa dos Estados Unidos na Pensilvânia, e o último avião caiu em um campo
rural do mesmo estado, após tripulantes tentarem retomar o controle da aeronave –
suspeita-se que esta era voltada à Casa Branca. Não houve sobreviventes em
nenhum dos voos. 2996 pessoas morreram. (NATIONAL COMMISSION ON
TERRORIST ATTACKS UPON THE UNITED STATES, 2004 apud OLIVEIRA,
2014).
Este evento alterou a tendência política dos americanos em manter
isolamento político ao conhecido Eixo do Mal (Irã, Iraque, Coreia do Norte e
posteriormente a Líbia) para um discurso de atuação mais efetiva, visto a
constatação de que os novos inimigos do líder ocidental eram grupos terroristas
difíceis de dissuadir. A proliferação de armas de destruição em massa em países
70
instáveis e de ideologia contrária aos EUA, em conjunto com o patrocínio do
terrorismo por seus regimes instáveis, criou um novo nexo de insegurança – esses
Estados poderiam transferir armas de destruição em massa (nucleares, químicas
e/ou biológicas) às milícias que não teriam problema em usá-las contra os Estados
Unidos. (OLIVEIRA, 2014)
Assim, a primeira ação da nova estratégia foi invadir, conforme citado, o
Afeganistão para mudança de seu regime um mês após os atentados em Nova York.
Isto porque o país, embora não fizesse parte do Eixo do Mal, protegia a Al-Qaeda,
grupo fundamentalista responsável pelo planejamento dos ataques em solo
americano, e se recusou a revelar a localização dos líderes do movimento em seu
território.
Quanto ao pretenso Eixo, dos atores, o Iraque era o mais temido, pois
havia uma desconfiança de que este possuísse armas de destruição em massa.
Logo, em março de 2003, o país foi invadido e o regime de Saddam Hussein
derrubado para que fosse instaurada uma democracia. (OLIVEIRA, 2014) A invasão
ao Iraque não só teve repercussões dentro de seu território, mas acendeu a luz de
alerta do Irã de que a ameaça dos EUA era real e que estratégias de defesa para
conter o país eram necessárias. (SPOHR, 2013)
Portanto, o Irã, que já tinha como estratégia o financiamento de grupos
armados para proteger-se e manter uma posição estratégica, fez desse alinhamento
ainda mais essencial durante os anos 2000. Quando o país se sentiu pressionado
por Washington através das invasões aos seus vizinhos, este passou a cultivar
forças anti-EUA tanto no Afeganistão quanto no Iraque, além de reforçar seu apoio
ao Hezbollah e ao Hamas. O Estado também intensificou seu programa nuclear,
aumentando, desta forma, seu perímetro de segurança. (VISENTINI E ROBERTO,
2015). Ainda sobre este tópico, Spohr (2013) também pontua:
Contudo, a ocupação estadunidense do Afeganistão de do Iraque representa uma ameaça para o Irã pela hostilidade dos EUA para com o Teerã. Em discurso à Assembleia Geral da ONU, Ahmadinejad criticou a permanência das tropas estadunidenses nos dois países, defendendo que o controle pelos cidadãos seja restaurado, uma vez que foram vítimas de regimes autoritários criados devido a intervenções internas”. (SPOHR, 2013, p. 58)
Neste ponto é importante falar que os EUA acreditavam que a imposição
de um regime democrático levaria a estabilização e neutralização do Iraque, uma
71
vez que, de acordo com Bush, as democracias não lutavam entre si e o fato de
terem de prestar contas a sua população desestimularia o uso de recursos para fins
escusos. Também havia a crença de que uma democracia levaria esta onda para os
demais países do Golfo. O que faltou foi uma análise profunda dos problemas
domésticos e de como seria feita a manutenção do novo regime.
Assim, em julho de 2003, foi nomeada uma autoridade interina do país, o
Iraqi Governing Council (IGC), que era composto por 25 representantes de seis
partidos políticos, a maioria deles xiitas que estiveram exilados durante o governo de
Saddam Hussein. (OLIVEIRA, 2014)
Com esta mudança na balança interna de poder no Iraque, ao final de
2004, um ano após a invasão pelos Estados Unidos, o Rei Abdullah da Jordânia,
preocupado com a situação do vizinho, fez declarações que deixaram temerárias as
monarquias do Oriente Médio: um Crescente Xiita estaria se formando na região e
nenhum país com comunidades xiitas entre suas populações estaria eximido da
ameaça que isso representaria. Segundo ele, a Guerra contra o Iraque teria como
resultado último a formação de um Crescente Xiita, que se estenderia a partir do Irã
em direção ao Iraque, à Síria e ao Líbano. Nas palavras de Franco (2012):
Aquela, no entanto, não foi a primeira vez em que o temor do empoderamento xiita foi externalizado na forma de um discurso promovido por sunitas. Em 1991, após levantes xiitas no Iraque, o clérigo Wahabbi da Arábia Saudita, Sefr al-Hawali, alertou para a formação de um arco xiita a partir do Afeganistão, que se estendia para o Paquistão, Irã, Iraque, Turquia, Síria e Líbado (FRANCO, 2012, p. 10)
A retomada do discurso de 1991 no contexto da invasão do Iraque em
2003 deveu-se ao temor de desfiguração da balança de poder no Oriente Médio.
Isso porque, a instauração de um governo democrático em um país de maioria xiita e
dotado de grande poder de influência na região representava uma suposta ameaça
aos déspotas sunitas que governavam os países vizinhos. (FRANCO, 2012)
No mesmo ano, relatório elaborado pela CIA através da Iraq Survey
Group comprovou que não havia armas de destruição em massa no Iraque e,
portanto, também não havia razão sólida para a invasão. De acordo com Oliveira
(2014, p. 32) retórica então mudou: “A Casa Branca afirmava que Estados
autoritários eram propensos a fornecer abrigo e armas de destruição em massa para
grupos terroristas”.
72
Em 2005 foram marcadas as primeiras eleições do Iraque e foi eleito o
xiita Ibrahim al-Jaafari para Primero Ministro, substituído um ano depois por Nouri al-
Maliki, também xiita. (OLIVEIRA, 2014)
Motivações a parte, a intervenção americana e a falta de preparação para
lidar com as rusgas étnico-religiosas, auxiliaram na mudança do equilíbrio entre as
frentes xiitas e sunitas do país, levando a uma quase guerra civil entre grupos nos
anos de 2006 e 2007 (Esta situação só melhorou quando os EUA iniciaram uma
estratégia de ação chamada The Surge que enviou 20 mil soldados para reforçar a
segurança de Bagdá). (OLIVEIRA, 2014). Os xiitas, que passaram a ser maioria no
governo, temiam voltarem a ser subjugados pelos sunitas e estes, por sua vez,
tinham medo de represálias pelo antigo regime. Mais ainda se forem consideradas
as colocações de Cairus (2015):
No Iraque, os sunitas apesar de minoria, estão presentes em números consideráveis (42%) e historicamente sempre desfrutaram de grande poder. Dessa maneira, a despeito de considerações humanitárias e morais sobre o regime deposto, o equilíbrio de poder e outros arranjos tradicionais no Iraque foram subitamente alterados dando início a um período de ocupação, violência a níveis incontroláveis e massacres sectários mútuos. (CAIRUS, 2015)
Tais fatos levaram a insurgência de grupos iraquianos, em sua maioria de
sunitas, desejosos da retirada estrangeira de seu território – Al-Qaeda, por exemplo.
A maioria dos grupos acreditava que todos os meios eram legítimos para libertar o
Iraque das forças de ocupação e, consequentemente, faziam uso de atentados a
alvos civis, principalmente mesquitas xiitas, igrejas cristãs e instituições curdas.
Entretanto, com o sucesso da estratégia The Surge e a diminuição da
violência, em dezembro de 2008, os Estados Unidos assinaram um acordo bilateral
com o governo iraquiano que previa a retirada completa das tropas americanas do
país até 31 de dezembro de 2011. A troca de governo em 2009 e a entrada de
Barack Obama, não alterou este alinhamento (OLIVEIRA, 2014):
(...) o presidente anunciou que pretendia retirar as tropas norte-americanas de combate do país até agosto de 2010. Após essa data, haveria uma presença residual de 35 a 50 mil dos 142 mil soldados, principalmente para treinar a força de segurança iraquiana e realizar missões de terrorismo contra a Al-Qaeda no Iraque, grupo terrorista que se tornava cada vez mais ativo. Esses últimos iriam se retirar aos poucos do país até dezembro de 2011, prazo combinado pelo acordo entre o governo Bush e o Iraque. (OLIVEIRA, 2014, p. 51-52)
73
Esta atitude foi fortemente criticada pela elite iraquiana, não sendo
suficiente, pois o país hegemônico sofria grande pressão para retirada das tropas.
Principalmente após a comprovação de que não havia armas de destruição em
massa no Iraque e o aumento da violência entre os anos de 2006 e 2007. O prazo
de retirada foi cumprido.
Porém, a violência interna no Iraque aumentou imediatamente após a
saída das tropas norte-americanas do país. Houve diversos ataques à civis por parte
dos grupos que tinham sido aparentemente pacificados com a presença militar dos
Estados Unidos e as tensões entre sunitas e xiitas, curdos e árabes, mulçumanos e
cristãos irromperam novamente frente ao despreparo das forças de segurança
iraquiana e à instabilidade institucional do país.
Para ilustrar a situação, no texto de Oliveira (2014, p. 54):
Segundo estimativas da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (UNAMI), 3238 civis foram mortos pela violência armada e em ataques terroristas no país em 2012. Em 2013, esse número subiu para 7818, um índice comparável aos níveis de 2008, durante o período de guerra civil no país (UNAMI, 2014). Holmes (2014) ressalta que esse aumento maior do que 100% no número de civis mortos pela violência interna é em parte explicado pelas respostas mais truculentas do governo de maioria árabe xiita contra manifestantes sunitas.
Entretanto, conforme demonstrado, havia um senso comum entre os
árabes de que a instauração de um regime democrático no Iraque fortaleceu o
processo de empoderamento dos xiitas, obrigando os governantes a reconhecerem
uma parcela até então esquecida da população. (FRANCO, 2012)
A solução encontrada foi o crescente xiita:
A invasão do Iraque significou a queda de um longevo ditador e a instauração forçada de um regime democrático, fazendo do país um possível prelúdio do que os Estados Unidos desejavam que acontecesse em todo o Oriente Médio. Os Estados árabes, portanto, viram-se diante do seguinte dilema: se por um lado precisavam da proteção dos Estados Unidos numa região extremamente instável, por outro se viram compelidos a promover reformas políticas que ameaçavam seus regimes totalitários. A solução encontrada pelo Rei Abdullah para desviara atenção do mundo foi sugerir a formação de um Crescente Xiita que visava a expansão do domínio iraniano – no que foi prontamente acompanhado pelo Egito e pela Arábia Saudita. (FRANCO, 2012, p. 11-12)
74
Portanto, em um contexto onde o Iraque estava enfraquecido, o Irã
despontava como uma nova liderança regional, o que indubitavelmente representava
uma ameaça, sobretudo aos países do Golfo. Estes, então, aproveitaram-se da
ascensão dos xiitas iraquianos ao poder e da inabilidade dos Estados Unidos em
conter o programa nuclear iraniano para livrarem-se de dois problemas de uma só
vez. Tanto a onda de democratização quanto a liderança iraniana na região
poderiam ser contidas com a difusão da retórica do Crescente Xiita supostamente
promovido pelo Irã. (FRANCO, 2012)
No entanto, de acordo com Franco (2012), isso não significou que um
bloco xiita estaria se formando para confrontar os sunitas da região. Isto porque,
conforme pontua a autora, a população xiita não formava um bloco coeso e
monolítico, sendo bastante fragmentada e sujeita a diversas autoridades políticas de
interesses distintos. Essa característica faz desmoronar qualquer acusação de que
um eixo xiita estaria se orientando a partir de uma lógica militar expansionista.
Ademais, a fragilidade do Iraque na primeira década dos anos 2000, levou
não só ao aparecimento de frentes contra a ocupação americana, mas também
propiciou, principalmente devido à falta de preparo e engajamento estadunidense, o
surgimento de novos grupos armados. Um deles foi o Estado Islâmico (EIIL),
formado em abril de 2013 por insurgentes árabes sunitas e antigos combatentes
experientes que já haviam lutado em países como Afeganistão, Líbia e Iêmen. A
ideia do movimento é estabelecer um califado que englobe o território entre Bagdá e
a Síria. (OLIVEIRA, 2014) Para Oliveira (2014):
O grupo é uma ramificação da Al-Qaeda no Iraque e é conhecido por empreender ataques violentos a civis, por meio de carros bomba, atentados suicidas e assassinatos (OTTAVIANI, 2014). A partir de dezembro de 2013, houve um aumento nos protestos de árabes sunitas contra o que eles percebem como discriminação do líderes árabes xiitas, afirmando que são alvo de medidas antiterrorismo por parte do governo central, mesmo não pertencendo a grupos jihadistas. (OLIVEIRA, 2014, p. 61)
Em abril de 2014, ocorreram as primeiras eleições parlamentares desde a
retirada completa das tropas norte-americanas. As semanas que antecederam o
evento foram muito violentas, principalmente devido a ações do EIIL, mas o partido
do Primeiro Ministro ainda foi o mais votado, mantendo a nova configuração do
cenário iraquiano e, ainda, trazendo novos elementos de ameaça ao Oriente Médio,
visto que o grupo não tem as limitações políticas de um Estado e tem intensões de
75
anexar áreas em diferentes países da região. Esta dinâmica certamente teve
influência dos fatos advindos da intervenção américa. (OLIVEIRA, 2014)
Juntamente com as influências resultantes da invasão ao Iraque, em
2011, novas variáveis acrescentaram temor quanto ao futuro da região árabe. Estas
foram as revoltas populares contra os regimes despóticos na busca por mais direitos
civis. E, estas são, portanto, mais um ponto de vem alterando a situação
geoestratégica no mundo árabe.
3.5 PRIMAVERA ARÁBE
A Primavera Árabe ficou conhecida por uma série de movimentos em
forma de protesto que começaram no Norte da África entre 2010 e 2011, nos países
de predominância muçulmana e árabe, e teve maior significância no Egito e na
Tunísia, se espalhando posteriormente para vários países do Oriente Médio, tais
como: Iêmen, Síria, Jordânia, Omã, Líbia, Bahrain, dentre outros. Esses protestos
buscavam reformas políticas, econômicas e sociais. (FRANCO, 2012; CONNOLLY,
2013)
Ademais, a ausência de um modelo de desenvolvimento capaz de gerar
oportunidades de trabalho para a parcela da população mais jovem, e mais
desempregada, bem como a crise social que dela adveio, foi o pano de fundo sobre
o qual os levantes árabes ocorreram. (FERABOLLI, 2012). Para melhor
compreensão, explicam sobre o assunto Oliveira e Marcondes (2015):
A Tunísia e o Egito sofreram uma revolução e tiveram seus governantes defenestrados. A Líbia, uma guerra civil. Em países como Argélia, Baherein, Dibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Lêmen, protestos populares de grande monta repercutiram e ainda repercutem na mídia internacional. O Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental foram menos afetados, mas nem por isso deixaram de sofrer manifestações populares clamando por liberdade, por democracia e por melhores condições de vida (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015, p. 2-3)
Assim, os protestos que tiveram início na Tunísia levaram primeiro o
ditador, al-Abidine Ben Ali, a deixar o poder depois de 20 anos no comando. Em
seguida, no Egito, caiu o presidente Hosni Mubarak e, na Líbia, o resultado foi o fim
do regime de Muammar Khadafi. (CONNOLLY, 2013)
76
Neste ponto é interessante destacar que enquanto Egito e Tunísia não
sofreram intervenções externas, apesar de grande cobertura da mídia, a Líbia, muito
rica em petróleo, recebeu auxilio tanto de países europeus quanto da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e dos Estados unidos, os quais interviram
militarmente e ajudaram financeiramente o país. (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015)
A Primavera Árabe também marcou o início do levante sírio, tornando o
local hoje em um palco de guerra civil como será demonstrado mais à frente.
(CONNOLLY, 2013) Na Síria, o chefe das forças de paz das Nações Unidas, Hervé Ladsous, disse em junho de 2012 que os confrontos já haviam se tornado uma Guerra Civil, pois mais de 14 mil pessoas já haviam morrido desde o início das revoltas populares, sendo a maioria civis. (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015, p. 5-6)
Estes eventos preocuparam sobremaneira os governantes despóticos da
região, fazendo-os reagir de forma a evitar que a onda revoltosa causasse perdas
irreversíveis para os regimes – fosse através de repressão ou de algumas reformas.
E, apesar do cenário de descontrole, para os países que buscavam
influência no Oriente foi uma oportunidade de medir forças através dos conflitos em
territórios alheios.
A princípio as manifestações egípcias foram bastante positivas para o Irã,
uma vez que Hosni Mubarak era um grande opositor do Estado. Assim, a
possibilidade da instauração de um regime islâmico e reestabelecimento das
relações diplomáticas fizeram o Líder Supremo iraniano, Aiatolá Ali Khamenei,
sugerir que esses eventos seriam reflexo da Revolução Iraniana. (FRANCO, 2012)
Entretanto, para o Irã, que saiu fortalecido da invasão ao Iraque, a
situação tornou-se muito perigosa a partir do momento em que ao regime de Bashar
al-Assad foi ameaçado por rebeldes e pela intervenção externa. (VISENTINI E
ROBERTO, 2015)
Além disso, apesar da passagem do tempo e de uma distância de quase
uma década desde o retorno do discurso do “crescente xiita” através do rei da
Jordânia, novamente este termo foi usado; desta vez capitaneado pela Arábia
Saudita, em uma tentativa de enfraquecer oportunamente seu, cada vez mais claro,
rival, o Irã. Assim: A manipulação do antigo discurso de que o Irã seria responsável pela criação de um Crescente Xiita tem sido uma arma poderosa para desviar as atenções do problema da falta de democracia dentre as monarquias e
77
reforçar ainda mais os temores da comunidade internacional quanto à política externa do Irã. (FRANCO, 2012, p. 4)
Do ponto de vista iraniano, o discurso do “crescente xiita” é uma forma
dos países árabes promoverem um maior isolamento do Estado na região e
aumentarem a atmosfera de repressão e intolerância. Vozes dissonantes afirmavam
que o país estaria aproveitando a situação para ampliar sua influência política a
partir do financiamento de revoltas nos países do Golfo.
Ainda, pode-se afirmar que a retomada do discurso do Crescente Xiita no
contexto da Primavera Árabe teve como objetivo também distrair a comunidade
internacional dos problemas internos dos países árabes no que tange os seus
regimes antidemocráticos. Para Franco (2012):
O período de turbulência provocado pela Primavera Árabe apenas contribuiu para que as relações entre Irã e Arábia Saudita experimentassem uma considerável deterioração, tendo atingido seu ápice na intervenção promovida pelo Conselho de Cooperação do Golfo no Bahrain. (FRANCO, 2012, p. 13)
Contudo, é importante notar que a verdadeira intenção de países
autocráticos como Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Bahrain era,
principalmente, conter qualquer aspiração democrática por parte de suas
populações. Neste âmbito, houve a reestruturação do Conselho de Cooperação do
Golfo (CCG), o qual esses países fazem parte junto com Omã e Kuwait, no sentido
de aproximar as monarquias do Oriente Médio contra levantes populares. Isto
ratificou a Arábia Saudita como importante centro de poder na região. (FRANCO,
2012)
Com a queda do líder egípcio, Kuwait e Arábia Saudita prontamente se
dispuseram a investir bilhões na reconstrução do Egito – o primeiro prometeu 1
bilhão e meio de dólares de seu Fundo de Riqueza Soberana e o segundo, 4 bilhões
de dólares. Isto para evitar qualquer aliança entre o país e o Irã e tentar controlar a
revolução através da orientação de sua reconstituição. Neste sentido, o CCG tem se
tornando mais militarizado e influente, buscando ampliar-se, conforme argumenta
Ferabolli (2012):
O capital do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – o Khaliji – tem-se expandido agressivamente por todo o Oriente Médio e Norte da África. O CCG já supera os Estados Unidos e a União Europeia em termos de IDE
78
[Investimento Direto Externo] no mundo árabe, respondendo por 70% do total de IDE na Síria e no Líbano e por grande parte do IDE no Iraque, além de praticamente controlar o setor bancário iraquiano. Aos países “atingidos” pela Primavera Árabe, o CCG já garantiu ajuda financeira: US$ 20 bilhões para Bahrein e Omã (BAHGAT, 2011) e investimentos na casa dos bilhões de dólares para Egito e Tunísia. Contudo, esses investimentos não devem ser entendidos dentro de uma lógica de solidariedade árabe-muçulmana. (FERABOLLI, 2012, p.103)
Soma-se a isto a luta contrarrevolucionária promovida pelo CCG. Na
invasão da Líbia, por exemplo, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos enviaram
tropas, dinheiro e equipamentos, além de oferecerem legitimidade política ao
ataque. (FERABOLLI, 2012)
Com efeito, os Estados monárquicos, principalmente Arábia Saudita,
lutam contra situações de insegurança e incerteza, primando pela preservação do
Status quo, o que fazem através da injeção de voluptuosas quantias a seus aliados
e do discurso religioso. (FRANCO, 2012)
Isto demonstra que os países do Oriente Médio têm tomado cada vez
mais as rédeas de seus próprios problemas. Assim, parece haver um novo arranjo
político na região o qual não tem mais os EUA como principal parceiro estratégico,
mas sim os próprios membros daquela zona em algo que alguns autores estão
chamando de um futuro Consenso de Riad. (FRANCO, 2012; FERABOLLI, 2012)
Quanto às revoluções da Primavera Árabe, o que se teme, no entanto, em
face das próprias características culturais desses povos, da falta de lideranças
populares e do despreparo das grandes massas para tomarem em suas mãos a
tarefa de transformar seu país, é que todo o processo se transforme numa mera
troca de uma ditadura aberta e conhecida, por outra, imprevisível e sob o disfarce de
democracia (OLIVEIRA E MARCONDES, 2015)
Tendo em vista essas e demais colocações do capítulo três, busca-se a
seguir um entendimento mais aprofundado dos conflitos atuais para, portanto, ser
alcançado nível de análise e, depois, a verificação do cumprimento do objetivo
primeiro deste estudo.
3.6 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO
Com os apontamentos descritos anteriormente, compreende-se o papel
dos atores cerne deste estudo nos conflitos iniciados depois da Revolução Islâmica.
79
Durante os anos de 1978 e 1979 o Irã passou por uma profunda mudança
em seu posicionamento político e em suas diretrizes internas. Estas alterações
afetaram imediatamente os Estados-Unidos que eram os maiores parceiros do
regime deposto pela população – de Reza Pahlevi – e transformaram antigo aliado
em inimigo, colocando um religioso radical como Líder Supremo da única República
Islâmica do mundo.
Os acontecimentos no Irã não afetaram somente a seu povo e parceiros
imediatos, mas causaram pânico internacional devido à possibilidade de
desabastecimento de petróleo, criando um cenário de instabilidade econômica
mundial, conhecida como a Segunda Crise do Petróleo. Ademais, esta revolução
marcou vigorosamente uma alteração na balança de poder do Oriente Médio, que é
observada ainda nos dias de hoje e segue influenciando desestabilidades, como as
intervenções do CCG feitas nos países monárquicos mais afetados pelas
manifestações populares de 2011 por medo do crescimento do poder iraniano.
O Irã deixou de ser parte da Surgate Strategy americana, passou a
exortar as revoluções xiitas para aumentar sua influência, começou a ameaçar
diretamente a Arábia Saudita com sua posição, deixando de ser uma autocracia
monárquica, e também iniciou o financiamento de grupos armados como o
Hezbollah e o Hamas. Soma-se a isso o clima de desconfiança causado entre
árabes sunitas e persas xiitas.
Este cenário oportunizou, portanto, o fortalecimento das alianças entre
Arábia Saudita e Estados-Unidos, bem como forneceu ferramentas para o
crescimento do Iraque de Sadam Hussein, que recebeu vultosas quantias em
dinheiro e armamentos para lutar contra o novo estranho da região entre os anos de
1980 e 1988. E criou um novo eixo de parceria entre Riad e Damasco a qual é
observada atualmente e muito na Guerra Civil síria.
O papel da Arábia Saudita neste contexto foi, principalmente, de tentar
enfraquecer o Irã através do apoio a seus inimigos, como no caso do Iraque
enquanto a guerra da década de 1980 ocorria; além de ter papel crucial em conflitos
que poderiam, mais uma vez, dar viés diferente ao destino desenhado por seus
interesses e por seus aliados na Península Arábica, como durante a Guerra do
Golfo, quando permitiu que tropas aliadas ficassem baseadas em seu território para
atingirem o Iraque e o forçarem a sair do Kuwait.
80
A virada do século representou outro ponto importante no porvir do
Oriente Médio com a mudança do discurso americano após o atentado ao World
Trade Center e ao Pentágono e com as invasões ao Afeganistão em 2001 e ao
Iraque em 2003.
Arábia Saudita e EUA passaram por um pequeno período de tensão
devido à onda de preconceito causada pelos incidentes, mas sem mudanças graves
em seus posicionamentos estratégicos. Já o Irã foi beneficiado indiretamente, apesar
da ameaça latente da presença americana em seus dois maiores vizinhos.
As ações desastradas e inconsequentes dos estadunidenses no Iraque
levaram a implementação de uma democracia de maioria xiita no Iraque que não
agrada aos monarcas sunitas.
Por fim, a Primavera Árabe, que representou uma série de movimentos na
busca por direitos civis e políticos, abriu uma nova série de acontecimentos que
serviram de gangorra no sobe e desce da disputa de influência entre Irã e Arábia
Saudita.
A chamada Primavera, não só fez retornar a pregação do crescente xiita
orquestrado pelo Irã, ou assim é dito, mas diluiu-se em um encadeamento de
contendas que serão analisadas a seguir com ênfase na perspectiva dos rivais e sua
atuação nos conflitos dos anos recentes.
81
4 A PERSPECTIVA DOS RIVAIS IRÃ E ARÁBIA SAUDITA NOS CONFLITOS ATUAIS
Tendo em vista a descrição dos principais confrontos do século passado e
de dois acontecimentos importantes dos primeiros anos deste para o direcionamento
político do Oriente Médio, é possível tentar entender como o sectarismo entre Irã e
Arábia Saudita tem afetado seu espaço de influência nos últimos anos.
Em uma análise final do estudo, seguem alguns apontamentos sobre o
programa nuclear iraniano e dos conflitos resultantes da Invasão ao Iraque e da
Primavera Árabe, auxiliadores na criação de um quadro cada vez mais distinto entre
seus elementos.
4.1 CONFLITOS ENTRE ISRAEL E GRUPOS DE RESISTÊNCIA PALESTINOS
É importante destacar que a intenção principal deste tópico não é
descrever as contendas envolvendo diretamente os Estados de Israel e a Palestina,
mas demonstrar a importância destas na configuração do Oriente Médio e como elas
influenciaram o desenvolvimento do Irã e da Arábia Saudita.
Primeiro, deve-se entender que, como aconteceu com muitas áreas no
Oriente Médio, a Palestina sofreu a influência de diversos povos com o passar dos
séculos, sendo sua herança histórica mais forte, dos judeus e dos árabes. Assim, a
influência judaica começou com os hebreus vindos da Mesopotâmia por volta de
2000 a.C. e os quais realizaram diversas incursões de ida e retorno a região ao
longo dos séculos – a Palestina ficou conhecida por eles como Canaã, “a terra
prometida por Deus”. No início da era cristã, Adriano reprimiu brutalmente a revolta
judaica de Bas-Korheba e dispensou o povo judeu, que se dispersou por diversas
regiões do Império Romano. A Diáspora, como povoação judaica fora de Israel,
iniciou-se, então. (OLIC, 1991; ROCHE, 2012)
No intervalo entre a Diáspora e 1948, o surgimento de Israel, a Palestina
foi dominada pelos árabes (a partir do século VIII a.C.), pelos turcos otomanos (1516
até 1918) e depois pelos britânicos (1918-1947), que cederam o controle da região
para a ONU tendo em vista a incapacidade de lidar com questões internas por
reinvindicações de terra entre judeus e árabes. (OLIC,1991)
82
O sionismo, surgido na Europa no início do século passado, somado aos
pogroms, perseguições aos judeus, fortaleceram a visão deste povo de que só
estariam seguros se retornassem a Palestina. Essa migração teve novo impulso
durante a Segunda Guerra Mundial, com a perseguição nazista aos judeus, o que
aumentou a densidade judia na Palestina e, inevitavelmente, as animosidades entre
estes e os moradores árabes da região. (ROCHE, 2012)
Frisa-se aqui que os judeus europeus, com concepções e técnicas
europeias, com a mentalidade europeia, se consideravam mais avançados, inclusive
culturalmente, que os palestinos.
Os constantes conflitos, a saída da Grã-Bretanha da região e a comoção
internacional com o sofrimento dos judeus nas mãos dos nazistas, levou a ONU, em
1947, a propor um plano de partilha da Palestina em dois Estados, com Jerusalém,
cidade sagrada para as duas religiões, considerada internacional e administrada
pela instituição. Sobre a divisão, diz OLIC (1991, p. 57-58):
Essa partilha dava ao estado judeu cerca de 56,5% do território da Palestina e ao estado árabe cerca de 42,9%. O critério para tal divisão, até onde foi possível usá-lo, baseou-se na repartição geográfica da população das duas comunidades. (...). Além disso, como o critério não pôde ser aplicado a todas as áreas da Palestina, houve casos de regiões com maioria de população árabe que ficaram dentro de estado judeu, ocorrendo o contrário em outras regiões. (OLIC, 1991, p. 57-58)
Essa divisão, embora tenha sido positiva para os judeus, teve grande
rejeição dos árabes que se sentiram lesados. Em 1948, assim que a proposta da
ONU foi votada e aprovada, imediatamente os judeus proclamaram seu Estado:
Israel. Já os árabes, estes declaram guerra para “fazer valer seus direitos”. Formou-
se, então, um quadro conflituoso e difícil que segue influenciando os atores do
Oriente Médio até os dias atuais. (OLIC, 1991)
Quanto à situação palestina, Roche (2012) analisa que foi o
antissemitismo violento da Segunda Guerra Mundial que tornou o povo judeu um
mártir e que as consequências foram a desconsideração da situação do povo árabe
na Palestina. Israel fora construído sobre um povo vivo e as grandes potências
tinham boa parcela de responsabilidade. Kanter e Pereira (2012) complementam
esta ideia destacando que o único nome a desaparecer do mapa da região foi o da
Palestina. Os “palestinos” foram expulsos, anexados, administrados ou reduzidos ao
estado de refugiados ao longo dos anos. Foram transformados em um povo errante
83
e miserável que encontrou na vendeta razões para criação de seu Estado. E fazem
o que julgam necessário para conflagração desses objetivos.
No mais, ousa-se dizer que, as grandes potências, influenciadas, não só
pela comoção em favor dos judeus, mas em um cenário de Guerra Fria onde a
Rússia expandia seu poder para o local próximo, através do Afeganistão, por
exemplo, também viram na criação de Israel a oportunidade de colocar uma base
aliada próxima no Oriente Médio, expandindo seu alcance de poder através da
Arábia Saudita e do Irã. Regionalmente, os árabes, feridos e desconfiados com a
dominação estrangeira, consideraram esta atitude uma intervenção desrespeitosa
para com o seu povo e sua soberania.
Assim, A “Questão Palestina” deve ser entendida, não apenas como um
problema local, mas como um problema regional, e internacional, que ocasionou
desdobramentos os quais atingiram a sociedade mundial ao longo dos anos.
(KANTER, PEREIRA, 2012)
E segue, ainda hoje, evidente a importância desta questão nos conflitos
atuais, uma vez que grupos como Hamas, o al-Fath e o Hezbollah se dizem
engajados na recuperação das terras dos palestinos e na eliminação de Israel.
Esses são pesadamente financiados por Estados árabes aumentando a instabilidade
regional.
A saber, os principais conflitos depois da criação do Estado de Israel
foram: 1948-1949 (Independência de Israel); 1956-1957 (Crise de Suez); 1967
(Guerra dos Seis Dias); 1973-1974 (Yom Kippur); 1982 (Invasão do Líbano), os
quais foram brevemente abordados no começo do estudo. Na sequência,
aconteceram a Primeira e a Segunda Intifada palestinas. (KANTER, PEREIRA,
2012).
Depois disso, encurralados entre o deserto e o mar, três a quatro milhões
de judeus encontraram-se cercados por dezenas de milhões de árabes humilhados
e revanchistas. Esta ideia é exemplificada na intervenção no Líbano, descrita por
ROCHE (2012):
Israel interveio duas vezes no Líbano, em 1978, depois em 1982, avançando até Beirute para defender a existência dos cristãos libaneses e para impedir a criação de um governo palestino. Pior, os palestinos, refugiados nos campos financeiros pela ONU, formaram exércitos que se instalaram desde 1973-1974 no Líbano, usurpando os poderes do governo libanês, formando verdadeiros quadros governamentais e instalando
84
administração e autoridades militares. Durante esse tempo, a Síria, sob o pretexto de uma instabilidade nas suas fronteiras, instala-se no Líbano. (ROCHE, 2012, P. 40-41)
Somados a isto, os fatos advindos da Primavera Árabe não auxiliaram
para a diminuição das tensões israelenses: apesar de um início de protestos árabes
por democracia, boa parte deles foi contida por seus governos; a Turquia, parceiro
desprezado pelos europeus, voltou-se para o Oriente Médio com um discurso cada
vez mais “islâmico”, e com a clara intenção de disputar um espaço de liderança no
mundo muçulmano; no Golfo Pérsico, o Irã seguiu avançando com seu projeto
nuclear; a situação do Iraque se manteve estagnada, à espera da retirada total das
tropas norte-americanas, além de uma possível influência iraniana sob os setores
xiitas. Depois, quanto à guerra civil na Síria, ainda que o governo hostil possa ser
substituído, supostamente em decorrência dos desdobramentos do violento conflito
(ou da intervenção estrangeira), fica a incógnita sobre o futuro do Oriente Médio e,
por consequência, de Israel também. (KANTER, PEREIRA, 2012)
No entanto, as tendências expansionistas e as técnicas pautadas no
realismo e no poderio militar, demonstram o quanto Israel é um ator forte e perigoso.
Kanter e Pereira (2012) explanam sobre isso:
No final de 2011, houve o teste de mísseis balísticos israelenses, que intensificou os temores de um ataque militar ao Irã, somado à permissão saudita (não confirmada) de uso de seu espaço aéreo pela força israelense para bombardear as instalações nucleares iranianas. Quanto a isso, vale ainda mencionar o provável envolvimento israelense com o vírus de computador Stuxnet, que atacou e danificou 1/3 das centrífugas do programa nuclear iraniano em 2010, forçando a reposição do equipamento. Evidentemente, é objeto de profunda preocupação israelense a existência de outra força militar (e nuclear) na região. (KANTER, PEREIRA, 2012, p. 99)
Para Israel, qualquer esforço iraniano para aumentar sua capacidade
nuclear é uma potencial ameaça. A desconfiança israelense é baseada na conexão
que eles fazem entre o regime iraniano e a hostilidade quanto à rejeição de sua
legitimidade como um Estado. Tal evidência de animosidades entre os dois players
começou com a Revolução Islâmica, mas se tornou mais evidente depois da eleição
de Ahmadinejad em 2005. O atual presidente iraniano não hesita em soltar farpas
anti-israelitas em seus discursos. (RAMOS, 2012)
85
Mas há mudanças na região que impactam diretamente sobre Israel. Com
o fim do governo de Mubarak, no Egito, principal aliado regional de Israel, o futuro do
acordo de paz vigente desde 1979 está sendo colocado em dúvida por alguns
políticos, especialmente dado o desempenho da Irmandade Muçulmana nas
eleições egípcias no final de 2011. O governo pós-Mubarak também facilitou um
acordo entre Fatah e Hamas, buscando compor um governo palestino tecnocrático
de coalizão, até a realização de eleições. (KANTER, PEREIRA, 2012)
Por outro lado, através do lobby político com os EUA e com a mídia, que
age geralmente a favor de Israel, é possível compreender que a sua verdadeira força
é ainda a diáspora, embora as manifestações de seu poderio militar operacional
tenham retirado, com os massacres dos acampamentos palestinos, a auréola de
Mártir que a opinião pública internacional lhe havia outorgado. (ROCHE, 2012)
Postas estas considerações, fica a reflexão de que a questão Israel x
Palestina serviu também como fator para o desenvolvimento dos atuais conflitos no
mundo árabe, tendo em vista que a maioria dos países na região é contra a
existência israelense.
Os esforços iranianos em seu programa nuclear sinalizam a respeito
destas questões, pois, apesar de ainda não haver confirmações quanto ao poderio
bélico nuclear israelense, o apoio da superpotência norte-americana alarma o Irã,
fazendo-o manter um projeto que garanta sua segurança e inquiete Israel, EUA,
Arábia Saudita e demais nações interessadas no Oriente Médio. (RAMOS, 2012)
Sobre este, será a dissertação a seguir.
4.2 PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO
O Programa Nuclear Iraniano teve início na década de 1950, apoiado
pelos Estados-Unidos, até então grande parceiro do país. Este programa fez parte
do projeto Átomos da Paz e sempre teve, segundo alegações de seu governo, fins
pacíficos voltados para a produção de energia elétrica limpa à população e para a
medicina nuclear. Mas, em uma região marcada pela instabilidade e onde qualquer
vantagem estratégica pode significar alteração de posicionamento na balança de
poder, este programa é também fonte de desconfianças. (RAMOS, 2012)
Depois da Revolução de 1979, projetos nucleares foram abandonados e
tornaram a ser foco com o aumento da população iraniana e com o maior consumo
86
de energia. Como o país é majoritariamente exportador e dependente do petróleo,
um barril consumido internamente pode representar lucro a menos para o Estado.
Externamente, com declarações explicitas de Khomeini quanto aos EUA serem “a
cabeça da serpente imperialista” na década de 1980, estes projetos levantaram
suspeitas sobre o quão pacíficos eram os objetivos iranianos. (RAMOS, 2012)
Em 2002, em decorrência da desconfiança internacional, principalmente
dos EUA e aliados regionais, como Arábia Saudita e Israel, começou-se um vasto
programa de investigação, promovido pela AIEA (International Atomic Energy
Agency) depois que satélites tiraram fotos revelando instalações em construção. A
justificativa da organização era de que, com algumas modificações, a planta
dedicada a produzir combustível nuclear também seria capaz de ser usada para a
produção de dispositivos de bombas nucleares. (RAMOS, 2012)
Assim, Kerr (2012, p. 1, tradução nossa) aponta sobre as investigações:
“A agência não estabeleceu definitivamente que o Irã buscava armas nucleares, mas
também não foi capaz de concluir que o programa nuclear do país é exclusivamente
para propósitos pacíficos. A IAEA segue investigando o programa”. Razão das
apurações continuarem é a falta de informações completas fornecidas por
autoridades iranianas.
O autor continua explicando a razão das preocupações com as
instalações:
A construção do Teerã de instalações de enriquecimento de uranio baseado em centrífugas a gás é atualmente a principal fonte de preocupação. As centrífugas a gás enriquecem o uranio girando o gás hexafluorido de uranio em altas velocidades para aumentar a concentração do isótopo uranio-235. Tais centrífugas podem produzir tanto uranio pouco enriquecido (low-enriched uranium - LEU), o qual pode ser usado em reatores nucleares, quanto uranio muito enriquecido (highly enriched uranium - HEU), o qual é um dos dois tipos de material fóssil usado em armas nucleares. (...) Teerã afirma que intenta produzir LEU para seus reatores nucleares de agora e do futuro. (KERR, 2012, p. 1, tradução nossa)
A saber, em 1970 foi ratificado pelo Irã o Tratado de Não Proliferação
Nuclear (Nuclear Nonproliferation Treaty – NPT), o qual definia como autorizados a
deter poder atômico para fins militares EUA, França, Rússia, China e Reino Unido,
países que detinham este tipo de armamento antes de 1º de janeiro de 1967. Porém
outros países passaram a produzir estas armas fora do acordo, como Coreia do
Norte, Índia, Paquistão e, talvez, Israel. Em 1974 o Irã também firmou acordo de
87
salvaguardas abrangente com a IAEA que dava a agencia autoridade de inspecionar
e monitorar as instalações nucleares iranianas. (KERR, 2012)
Isto posto e tendo em vista a dificuldade de se obter acesso a
informações no Irã, em 2010, o Conselho de Segurança da ONU adotou resolução
1929 requerendo que o Irã colaborasse com a IAEA e suspendesse seu programa
de enriquecimento de uranio, a construção de um reator a base de água pesada
(também importante no uso de armas nucleares) e parasse com projetos correlatos,
freando qualquer atividade relacionada a produção de mísseis balísticos capazes de
carregarem armamento nuclear. Oficiais iranianos afirmaram que não suspenderiam
o programa, o que não colaborou para o sossego das autoridades mundiais. (KERR,
2012)
De todo modo, defrontado com as acusações globais, o Irã sempre
afirmou buscar a defesa do desenvolvimento pacífico para fins nucleares. O
presidente da virada do século, Seyed Muhammad Khatami, eleito em 1997 e
reeleito em 2001, defendia, por exemplo, a política nuclear positiva. Dizia-se a favor
da abolição de armas químicas e biológicas. Khatami, inclusive, sentou-se junto de
Moshe Katsav, primeiro-ministro de Israel, no funeral de João Paulo II em 2005 e
apertou-lhe a mão. Este ato, apesar de fortemente criticado pela oposição iraniana,
representou o primeiro diálogo entre os dois países desde 1979. Importante dizer
que em 2005 o presidente do Irã já era Mahmoud Ahmadinejad que no mesmo ano
fez um discurso em Nova York, no World Summit, declarando sobre “riscar Israel do
mapa”. (RAMOS, 2012)
Ahmadinejad, que tinha o perfil antagônico ao predecessor –
ultraconservador e muito religioso, com sua política mais radical – foi de suma
influência para a mudança no rumo das políticas nucleares do país, afetando a
segurança da região. (RAMOS, 2012)
Vale salientar que o programa nuclear iraniano não representa um tom
ameaçador na mesma proporção a todos os países do Oriente Médio. Há Estados
que se destacam, sendo eles Israel e Iraque, por questões históricas, territoriais e
religiosas, conforme abordagens anteriores. Também, conforme apontado no tópico
anterior por Kanter e Pereira (2012), há registros de ataques a reatores nucleares
iranianos e ataques aéreos envolvendo Israel em 1980. (RAMOS, 2012)
88
Pelo ângulo iraniano, é possível observar que todo esse impacto de seu
programa nuclear tem base na questão de equilíbrio regional, uma vez que Israel,
Paquistão e Índia são potências nucleares.
Sobre a estrutura do programa nuclear do Irã, afirma Bandeira (2012, p.
204):
O Irã possui cerca de 12 a 20 instalações nucleares, espalhadas por diversas regiões. Alguns agentes de inteligência da França, Reino Unido e Estados Unidos suspeitam que, em Fordo, com 3.000 reatores, os cientistas iranianos estejam tentando enriquecer o urânio com uma concentração superior a 20% de pureza o que capacitaria o governo de produzir artefatos nucleares, se fosse estocada quantidade suficiente para o uso militar. Essa usina está construída parcialmente dentro de uma montanha, a nordeste da mesquita de cidade de Qom, altamente protegida, com uma bateria de mísseis anti-aéreo, montada pela Guarda Islâmica Revolucionária. A de Natanz, na província de Isfaham, distante de Israel quase 1.609 km. Encontra-se cerca de oito metros abaixo do nível do solo, protegida por várias camadas de cimento. Lá operam aproximadamente 5.000 centrífugas, alimentadas com urânio hexafluoride.
Porém, por não haver confirmação oficial da parte dos principais atores –
Israel e Irã - sobre seu programa nuclear com fins bélicos, a análise é baseada em
hipóteses. Primeiramente, considerando a possibilidade do Irã ter um programa
nuclear secreto para fins bélicos, apenas evidências já alteram a posição pacífica
dos atores do Oriente Médio. Mas, considerando essa hipótese, é notório que se
houvesse essa intensão bélica, tornar-se-ia uma atitude de segurança internacional
e equilíbrio de poder. (RAMOS, 2012)
Em adendo, visto que Índia e Rússia possuem armas nucleares, assim
como o Afeganistão e possivelmente Israel, a região pode ser considerada um
conjunto de barris de pólvoras, em que se um explode, há grandes possibilidades
dos outros terem a mesma atitude. (RAMOS, 2012)
Assim, a atenção vigilante caracteriza bem como as relações do Oriente
se dão. Em uma região em que as informações não têm registro oficial, isto se torna
um critério para jogadas políticas. Logo, o programa nuclear do Irã não constitui
exclusivamente um passo para o desenvolvimento interno do país, mas também é
encarado como um avanço bélico do Estado do Irã dentre os Estados Árabes,
acarretando em uma instabilidade naquele plano, representando uma constante
ameaça a partir do século XXI. (RAMOS, 2012)
89
As explanações demonstram, com a recusa em liberar informações a
instituições especializas e com a continuação de seu programa, que a política
externa do Irã, embora pareça ideológica, é norteada pela percepção dos interesses
do país.
O Conflito na Síria segue esta mesma lógica e, apesar de ser muito
custoso para o Teerã, tem forte o envolvimento do país na batalha velada pelo
posicionamento no Oriente Médio.
4.3 CONFLITO NA SÍRIA
Conforme apontado diversas vezes ao longo do trabalho, a Síria é o
grande trunfo do Irã no Oriente Médio, atuando como um canal para Hezbollah e
também aumentando o seu potencial de retaliação contra ameaças, principalmente
os norte-americanos e os israelenses, seguidos pela Arábia Saudita atualmente.
Dentro dessa estratégia, acordando com Visentini e Roberto (2015), a Síria
funcionaria como um buffer (uma zona) estratégico e uma forma de o Irã projetar sua
influência:
O desenvolvimento da relação entre a Síria e o Irã pós-revolução de 1979 foi uma resposta aos desafios enfrentados por ambos os países frente ao Iraque, Israel e EUA no Levante e no Golfo Pérsico durante os anos 1980. Segundo Goodarzi (2009), a aliança surgida entre Damasco e Teerã foi essencialmente defensiva, tendo emergido diretamente como resposta aos atos de agressão do Iraque em 1980 contra o Irã e por Israel em 1982 contra o Líbano. (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 75)
Depois da primavera árabe, a ciência dos rivais regionais do Teerã da
importância de Damasco, fez com que estes se aproveitassem da situação para
transformar a crise síria, que também teve levantes populares pró-democracia em
março de 2011, em uma disputa regional a fim de enfraquecer a posição
geoestratégica iraniana. A Arábia Saudita, por exemplo, sempre foi receosa com
relação à Síria, um país que se define como republicano e é governado pelos
alawitas – uma ramificação do xiismo. (FRANCO, 2012; VISENTINI E ROBERTO,
2015).
Além disso, não só a Primavera poderia tornar oportuno o
empoderamento do Irã, mas a presença de um Estado democrático em si na região
do Oriente Médio poderia representar uma grande ameaça às monarquias, o que
90
será demonstrado através das intervenções no Bahrein e no Iêmen citadas nos
próximos tópicos.
No mais, para Franco (2012, p. 18): “a Arábia Saudita é, acima de tudo,
um país ultraconservador, que dificilmente toleraria uma vitória revolucionária pró-
democracia na sua vizinhança” Ver o Irã perder o seu maior aliado no Oriente Médio
não seria suficiente. Tão ruim quanto a presença de um opositor xiita, seria um país
democrático na região. (FRANCO, 2012)
Em adendo aos fatos externos, internamente, segundo Cairus (2015),
existe na Síria a Irmandade Muçulmana, organização política sunita surgida no Egito
nas primeiras décadas do século XX, nos moldes do nacionalismo de Nasser, que
tem ramificações as quais nunca aceitaram o regime despótico, muito menos uma
ditadura controlada por uma minoria xiita de cerca de 10% da população (PEW
RESEARCH CENTER, 2009). Esta Irmandade foi atacada no início dos anos 1980
em repressão brutal promovida pelas forças de segurança de Damasco, deixando
em seus membros o desejo de acerto de contas. (CAIRUS, 2015)
Portanto, a Primavera Árabe na Síria, além do descontentamento popular
e busca por mais direitos civis e políticos, foi rapidamente engolfada por velhas
questões sectárias, por grupos radicais de várias partes do mundo islâmico, por uma
renitente crise econômica e, sobretudo, pelo desejo saudita e de países do Golfo
Pérsico de realinhar a Síria no eixo “sunita-wahabita” (CAIRUS, 2015)
Os protestos eclodiram em Da’ra, em março de 2011, no sul do país,
pedindo o fim do estado de emergência que vigorava desde a troca de governo em
1990 com a morte de Hafez al-Assad. Queriam também a legalização dos partidos
políticos e o expurgo de oficiais corruptos do governo. Alguns meses após o inicio
dos levantes, a oposição começou a reivindicar a queda do regime de Bashar al-
Assad. (VISENTINI et al, 2012)
Várias cidades foram palco de manifestações, incluindo a capital,
Damasco, e a segunda maior cidade, Aleppo, tradicional reduto de movimentos
islâmicos. Desertores do exército sírio e militantes armados vindos do exterior
alteraram o perfil das manifestações, gerando uma luta armada. Conforme a crise se
alastrava em direção ao norte do país, o exército continha os manifestantes;
inclusive com tanques nas principais zonas de tumulto. O país caminhava para uma
guerra civil. (VISENTINI et al, 2012)
91
Diante disso, o governo tentou fazer algumas concessões para mitigar a
insatisfação popular. Em concordância com Visentini et al (2012, p. 66):
O estado de emergência, em vigor nos últimos 48 anos, foi suspenso o oficialmente em abril, e o conselho de ministros foi dissolvido a pedido do presidente Assad. Adel Safar foi nomeado primeiro-ministro, e seu gabinete tomou posse em 14 de abril. Entretanto, o presidente não afirmou ter a intenção de afastar-se do poder até o fim do seu mandato, alegando estar enfrentando gangues terroristas armadas e acusando parte da comunidade internacional de insuflar esses grupos contra a autoridade nacional e conspirar contra o país. (VISENTINI et al, 2012, p.66)
Levando esses fatores em consideração, o conflito passou a sofrer com a
interferência de potências externas contrárias a Damasco e Teerã, como a Arábia
Saudita, Qatar e Emirados Árabes. Estes passaram a fornecer armas, treinamento e
financiamento aos rebeldes contrários ao regime de Assad para que, derrubando-o,
tornassem um episódio da chamada Primavera Árabe em algo que servisse a seus
próprios interesses: o enfraquecimento do campo aliado ao Irã. (VISENTINI E
ROBERTO, 2015). Conforme dizem Visentini e Roberto (2015, p. 84):
O antigo emir do Qatar, Shaykh Hamad bin Khalifa al-Thani, defendeu o envio de tropas à região. Em 2012, mais de 10.000 líbios foram treinados na Jordânia para participar da guerra na Síria, recebendo cerca de mil dólares por mês da Arábia Saudita e do Qatar (RT, 2012). O próprio New York Times relatou o envio de engradados com material bélico para os rebeldes, oriundos da firma ucraniana Lugansk Cartridge Works (LCW), que teriam sido compradas originalmente pela Royal Saudi Arabian Land Forces e depois reenviadas à Síria (CHIVERS, 2012). O mesmo jornal apontou que os armamentos mais letais, entretanto, eram enviados pela Arábia Saudita aos grupos rebeldes mais radicais da Síria (SANGER, 2012). A própria revista estadunidense, Time, apontou a Arábia Saudita e o Qatar como os financiadores internacionais dos rebeldes sírios (ABOUZEID, 2012). (Visentini e Roberto, 2015, p. 84)
Concomitantemente a isso, elementos do EI (Estado Islâmico), migraram
para a Síria e iniciaram uma insurreição em áreas de presença sunita – financiados,
como visto, pelas monarquias da região do golfo. O que, segundo Araújo (2015)
significou a possibilidade de pagamento de salário para os integrantes do grupo que
nem o regime sírio de Bashar al-Assad podia pagar. (ARAÚJO, 2015)
O avanço do EI também colocam a posição iraniana em risco: não só o
Teerã perderia um regime amigável em Bagdá, que foi cultivado desde a subida de
Nouri Al-Maliki como Primeiro Ministro no Iraque, como mais uma barreira seria
colocada entre o Irã e a Síria. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
92
Os apontamentos, logo, elucidam a situação Síria: a guerra civil se
transformou na manifestação de um conflito regional mais amplo, onde, de um lado,
encontraram-se o Irã e seus aliados e, de outro, a Arábia Saudita e as petro-
monarquias do Golfo – com o apoio velado de Israel. (VISENTINI E ROBERTO,
2015). Ambos os lados do conflito seguem para uma polarização dos campos
regionais e disputam a supremacia do Oriente Médio.
No entanto, a atual situação da Síria não afetou as relações entre Irã e o
país, tendo o Irã defendido a posição do governo sírio e criticado a ameaça de
invasão externa. Mas, por outro lado, a posição iraniana passou a ser abalada, em
grande medida devido ao alto nível de penetração externa nos embates. (VISENTINI
E ROBERTO, 2015; SPOHR, 2013)
Abdullah, rei da Arábia Saudita, desenvolveu uma política clara de
orquestrar a queda de Assad em Damasco como forma de forçar um revés
estratégico para o Irã. Portanto, além do financiamento a grupos de oposição sírios
armados, as economias autocráticas do Golfo têm acusado o Irã de ajudar o governo
sírio a reprimir os opositores do regime. (FRANCO, 2012)
De fato, num primeiro momento, o Irã seria o maior perdedor na hipótese
de uma queda definitiva do governo de Bashar al-Assad, sobretudo porque a
ascensão de um governo sunita ou pró-Estados Unidos certamente significaria o fim
definitivo da aliança entre aqueles países. Isto, em consonância com as diversas
sanções impostas contra o Irã, é um dos principais motivos para uma mudança nos
rumos da política externa atual do país a favor da moderação, como vem sendo
pregado pelo presidente Hassan Rouhani. (VISENTINI E ROBERTO, 2015;
FRANCO, 2012)
As potências de fora deste Complexo de Segurança também
responderam ao conflito na Síria. Por exemplo, Estados Unidos e a União Europeia
reforçaram sanções ao país, pois, segundo os atores, esta estaria atentando contra
a democracia. Sabendo da proximidade entre Damasco e Teerã, Washington apoiou
uma mudança de regime a fim de derrubar Assad do poder.
Ademais, a despeito de entenderem o papel da Síria como condutora de
ajuda iraniana ao Hezbollah e ao Hamas, os EUA também evitaram realizar uma
nova intervenção militar direta no Oriente Médio que poderia aumentar a atmosfera
de tensão e incerteza, bem como espalhar os conflitos para o resto do complexo.
Também, para auxiliar nesta postura, as considerações de Washington são que o
93
Irã, sob a ameaça de perder sua aliada e a consequente ligação com grupos como o
Hezbollah, amenizaria sua posição confrontacionista com o seu poder de barganha
diminuído. (VISENTINI E ROBERTO, 2015). Por enquanto esta estratégia tem se
mostrado eficiente. Sobre isto, poderam Visentini e Roberto (2015, p. 88-89):
Um Irã moderado e pragmático serve aos interesses dos EUA na região, principalmente no que tange à estabilização do Afeganistão e do Iraque – algo que é de interesse de ambos os países, visto que tanto Teerã quanto Washington se beneficiariam de uma cooperação tácita para conter a crescente onda de radicalismo que emana do conflito na Síria e no Iraque – ainda mais necessário agora dado o extremismo do Estado Islâmico. Tal acomodação entre Irã-EUA traria impactos tanto a nível global, por tornar o pivô para a Ásia dos EUA mais factível na medida em que se corta custos de engajamento de Washington no Oriente Médio, quanto a nível regional, refletindo na continuação ou não do Eixo de Resistência como hoje ele se constitui e na forma como o Irã passará a se portar na região e em relação a seus atuais rivais.
Quanto ao posicionamento iraniano, o apoio dado à Síria desde 2011
para sustentar Assad tem se mostrado muito custoso, tanto em termos materiais
quanto em termos para sua reputação regional – o regime sírio é visto como
ilegítimo pela maioria das populações da região. Entretanto, o Irã tem consciência de
que os custos de perder a Síria seriam ainda maiores: o rompimento do Eixo de
Resistência contra os Ocidentais e seus aliados. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Outro ponto de resistência de Assad e dos persas, o Hezbollah, também
veio prestar socorro aos sírios. Desde 2013, o Hezbollah oficialmente declarou estar
presente na Síria lutando ao lado do exército nacional, tendo ganhado batalhas
importantes ao lado do regime de Assad, como na cidade de Qusayr em maio de
2013. Razão disto foi o risco de ter suas rotas de suprimento rompidas por um novo
regime sunita na Síria, a perda de sua profundidade estratégica e o consequente
enfraquecimento de sua capacidade dissuasória frente a Israel. (VISENTINI E
ROBERTO, 2015)
No que tange ao Hamas, é possível identificar um rompimento com o Irã e
Síria, graças ao problema atual de guerra civil. Diferente do Hezbollah e do Irã, o
Hamas, liderado por Khaled Mashal, evitou comprometer-se ao apoiar Assad por
temer que fosse perder legitimidade frente ao povo palestino – processo semelhante
ao qual o Hezbollah enfrenta ao ter assumido o posto ao lado da Síria. O Hamas
tentou posicionar-se afirmando que não interferiria em assuntos internos sírios, visto
que sua aliança era puramente contra um inimigo em comum – Israel. Entretanto, ao
94
continuar sendo pressionado pelos seus principais Estados financiadores, que
supostamente diminuiram a ajuda financeira ao grupo, o Hamas decidiu abandonar a
base em Damasco e seus líderes espalharam-se por outros países árabes ou
voltaram para Gaza (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Como se vê, o conflito na Síria foi agravado e internacionalizado por
afetar todo o elo de atores relacionados ao Irã. Por um lado, potências regionais
interviram visando enfraquecer o ator, e por outro, este reagiu para que seu
posicionamento fosse mantido, o que fez grupos armados, como o Hezbollah,
agirem em território sírio. E, ainda, criou um empoderamento do EI, fortemente
auxiliado por petro-monarquias e que segue cada vez mais tomando territórios para
sí e transformando a Síria em mais um Estado Frágil.
As consequências da Primavera árabe e dos levantes do povo, embora
vistas com mais ênfase na Síria – principalmente pela cobertura da mídia
internacional e das atrocidades promovidas pelo EI – afetaram outros países na
Península Arábica e levaram a intervenção em seus territórios. Entre eles o Bahrain,
pequeno Estado no Golfo Pérsico que faz fronteira com Irã, Arábia Saudita e Qatar.
4.4 INTERVENÇÃO EM BAHRAIN
A principal atividade econômica do país é o petróleo, que responde a 60%
das exportações e 30% do PIB. O caso de sua invasão foi o mais significativo para a
reestruturação da balança de poder no Oriente Médio, sendo a intervenção no país
um fator crucial para a ascensão da Arábia Saudita como o novo polo de poder da
região. (FRANCO, 2012)
Inspirados pelas manifestações exitosas ocorridas na Tunísia e no Egito, a população do Bahrain reuniu-se em um protesto cuja data – 14 de fevereiro – fazia remissão aos dez anos do referendo que aprovou a Carta de Ação Nacional, um plano lançado pelo rei Hamad Al Khalifa que prometia reformas políticas graduais. Na prática, no entanto, essas reformas nunca foram completamente efetivadas, o que somado ao descontentamento generalizado diante da discriminação institucionalizada e perpetrada quase que explicitamente pelo governo, levou os bareinitas a se insurgirem no contexto da Primavera Árabe. (FRANCO, 2012, p.19)
A maioria da população é constituída por xiitas que, no entanto, e
conforme tendência regional, são totalmente marginalizados na sociedade. O
sistema eleitoral distrital é manipulado de modo a garantir uma maioria sunita no
95
Parlamento. Os cargos públicos, quando não estão ocupados por membros da
família real, são majoritariamente dominados por estrangeiros. (BORBA,
BRANCHER, CEPIK, 2012)
Há inúmeros egípcios empregados no Poder Judiciário, enquanto que
Iemenitas, Jordanianos, Paquistaneses e outros árabes sunitas ocupam os postos
das Forças Armadas do país – formando o que a população define como um exército
de mercenários. Isto uniu a população, durante o período de Primavera Árabe,
enquanto bareinitas, sem distinção entre sunitas ou xiitas. (BORBA, BRANCHER,
CEPIK, 2012)
No mais, segundo citação de Franco (2012, p.): “Especula-se que o
governo promova políticas que visam alterar a composição religiosa do país, através
da concessão de nacionalidade Bareinita a árabes sunitas. ” (INTERNATIONAL
CRISIS GROUP, 2011:4 apud FRANCO, 2012).
Assim, foi a insatisfação generalizada com o governo e os altos índices de
desemprego em um país onde dois terços da população tem menos de trinta anos,
que começou os protestos. Inicialmente estes eram pacíficos e buscavam reformas
políticas, sociais e econômicas, mas acabaram por evoluir para um clamor pelo fim
do regime monárquico no Bahrain. (FRANCO, 2012)
Isto gerou um movimento repressivo por parte do regime e, ao contrário
do que ocorreu na Tunísia e no Egito, as forças armadas e de segurança não se
voltaram para o lado dos seus compatriotas – notadamente por serem formadas por
estrangeiros que não se sentiam parte da população. Ademais, no cenário regional,
Arábia Saudita e demais monarquias, através do CCG, exigiram do Bahrain medidas
robustas que não deixassem a onda de protestos por democracia tomar “proporções
desmesuradas”. (FRANCO, 2012)
Este tema, as revoltas, foi prioritário na agenda de segurança saudita
durante a Primavera Árabe. O país queria garantir a estabilidade de seu reino e
impedir as sublevações xiitas, principalmente no Bahrain que detém metade das
produções sauditas de petróleo offshore. (BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012)
Nos últimos dias também houve manifestações na saudita Província Oriental, majoritariamente xiita e ligada ao Bahrein por uma passagem elevada de 26 quilômetros. Ali está a maior parte das instalações petroleiras sauditas. “Os sauditas temiam que as manifestações no Bahrein contagiassem os xiitas da Província Oriental. Assim, simplesmente tiveram que avançar”, disse Simon Henderson, analista de temas do Golfo no
96
Washington Institute for Near East Policy. (SLAVIN, INTER PRESS SERVICE, 16/03/2011)
Diante da inabilidade do Bahrain em conter sozinho os ímpetos da sua
população, o rei deste – Hamad Bin Isa al-Khalifa – solicitou aos países do Golfo
que enviassem auxílio e intervissem. Desta forma, com a aprovação do CCG, só a
Arábia Saudita enviou ao país cerca de mil soldados e 150 tanques blindados para
auxiliar o regime da família reinante sunita Al Khalifa. (BORBA, BRANCHER, CEPIK,
2012)
O principal elemento que propulsionou a intervenção foi o temor que
pairava dentre os monarcas do CCG de que qualquer êxito na revolta bareinita
servisse de inspiração às suas próprias populações oprimidas, propagando o
problema por toda região. Isso porque todos os países mantêm um regime
fortemente repressor, altos índices de desemprego e desigualdade social, além de
possuírem parcelas de população xiita, em grande medida tiranizadas pelos
governantes sunitas. A ameaça às monarquias, portanto, era praticamente
existencial (FRANCO, 2012).
Contudo, mais do que uma ação para restaurar a ordem no Bahrain, a
intervenção foi um aviso explícito das monarquias para as suas respectivas
populações no sentido de que não iriam tolerar manifestações contrárias ao regime,
demonstrando, sobretudo, a sua capacidade de reprimir e punir violentamente os
revoltosos. Além disso, a mensagem deveria atingir as massas xiitas e alertá-las
para as consequências de eventuais atividades em aliança com o Irã.
Os meios de comunicação sauditas acusam o xiita Irã de fomentar os protestos nos dois países, mas os analisas afirmam que há poucas provas disso. “O Irã não é a força-guia nessas ações”, disse Afshin Molavi, especialista em temas do Irã na New American Foundation em uma audiência no Woodrow Wilson International Center for Scholars. Molavi disse que a imprensa estatal iraniana que se dirige aos cidadãos de fala persa, praticamente não menciona a situação no Bahrein. (SLAVIN, INTER PRESS SERVICE, 16/03/2011)
O Irã, por sua vez, apesar de inicialmente ser beneficiado pela situação e
ter se posicionado contra a intervenção no território do vizinho, não tomou atitudes
diretas na região com intenção de deixar que as próprias ações dos Saud
exortassem uma reação mais forte das populações. (SLAVIN, 2011)
97
Estas explanações evidenciam a preocupação saudita com o desenrolar
das revoltas reformistas nas monarquias árabes. E tal preocupação fez com que o
país, além de afirmar que o Irã era responsável pelos levantes através da
exportação de seu modelo, intervisse diretamente no Bahrain onde a população é
predominantemente xiita, de acordo com relatório do Pew Research Center (2009),
mais de 50% do povo bareinita é xiita, local estratégico importante devido a suas
plataformas offshore, e, notadamente, vizinho de fronteira esmagado entre os dois
gigantes, Irã e Arábia Saudita. (BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012; FRANCO,
2012)
O efeito dominó da situação no Bahrein poderia afetar a posição da
Arábia Saudita tanto regionalmente, quanto internamente, atingindo inclusive, a
monarquia no poder. Esta perda estratégica também enfraqueceria as relações com
os EUA e a influência do último no cenário do Oriente Médio, uma vez que o país é
um grande parceiro saudita. Assim, o destino do Bahrain poderia desenhar novos
padrões estratégicos naquela zona geográfica.
Cabe aqui a reflexão quanto a atitude dos sauditas. Esta pode ter sido
efetiva em uma contenção momentânea dos levantes xiitas e das minorias, mas
certamente serviu apenas como combustível para as incertezas e ódio
segregacionista entre as diferentes religiões e etnias dos países árabes.
De todo modo, a intervenção foi uma mensagem explicita dos
governantes dos regimes autocráticos, não apenas para suas populações, mas para
toda a comunidade internacional, de que eles não hesitariam em suprimir toda e
qualquer ameaça revolucionária na região. O mesmo aconteceu no Iêmen.
4.5 CONFLITO NO IÊMEN
O Iêmen é de suma importância para a região do Oriente Médio e para os
atores externos interessados no complexo de segurança, não por seu peso
econômico, mas por sua posição geográfica estratégica para o comercio e por ser
principal sede da al-Qaeda na Península Arábica. É, portanto, um país pobre, mas
importante para a logística do Oriente.
Ele confronta a norte a Arábia Saudita, a oriente o Omã e permite
controlar, a ocidente, a entrada para o Mar Vermelho e o acesso dos barcos que se
dirigem ao Mediterrâneo via Canal de Suez. É dividido entre norte agrário e sul
98
urbano que foi unificado em 1990. Também é morada de diversas tribos e clãs
diferentes que ainda têm influencia no país, sendo apenas 30% de sua população
urbana. Esses grupos distintos interferem nas políticas de governo através de seus
diversos interesses. (VISENTINI et al, 2012; BARBOSA, 2015)
Dentre eles, merecem destaque os xiitas al-Houthi advindos do norte e
oposicionistas ao governo. Em 2009 a Arábia Saudita interveio nas manifestações
destes quando invadiram seu território sul. Portanto o problema de falta de controle
do Iêmen de seus rebeldes, fez do país foco de preocupação do vizinho. Isto se
explica nas considerações de que a população xiita da Arábia Saudita é recriminada
e segregada, causando receio de contágio rebelde nas ricas províncias de Najran e
Jiran. Também há a questão da disputa com o Irã, xiita e “berço” da revolução
islâmica no final do século passado, que deve ser mantida sobre controle.
(BARBOSA, 2015)
Tamanha a preocupação que, inspirados pelos sauditas, em 28 de
Janeiro de 2011 a Al-Qaeda da Península Arábica declarou guerra aos al-Houthi.
Lembra-se aqui que a al-Qaeda é sunita e de origem saudita. (BARBOSA, 2015)
Ainda, para análise, deve-se considerar o fato de o Estado ser
extremamente dependente de petróleo e, como os demais petro-estados, morada de
uma população pobre, detentor de estruturas de Estado fracas e elevados níveis de
corrupção e desemprego. Segundo Visentini et al (2012), o país figura entre os mais
pobres do mundo árabe com cerca de 42% da população vivendo com menos de
US$2 por dia. Os autores completam:
O Iêmen possui uma economia altamente dependente do petróleo, cujas rendas correspondem a 92% das exportações, número preocupante, dado que a produção tem decaído à medida que os poços se esgotam. O país falhou nas tentativas de diversificação da economia, deixando-a suscetível a mudanças bruscas dos preços do petróleo. O desemprego atinge cerca de 16% da população, taxa ainda maior entre os jovens. Além disso, a alta taxa de crescimento populacional, estimada em 3% no censo de 2004, agrava a escassez de água e a fome que assolam o país. (Visentini et al, 2012, p. 68)
Assim, parte da população se volta para atividades ilícitas, como a
pirataria e o tráfico de armas, de pessoas e de drogas, o que faz da sociedade
iemenita uma das mais armadas do mundo. (VISENTINI et al, 2012)
Ademais, o governo da república iemenita é parceiro dos EUA, e,
contrariamente ao movimento clandestino de bens e pessoas, com o início da
99
campanha americana da Guerra Contra o Terror, estreitou seus laços com a
superpotência, tornando-se um forte aliado. Parte deste estreitamento de laços foi
estimulada pelo auxílio financeiro e pelos treinamentos americanos. (VISENTINI et
al, 2012)
Contudo, apesar dos esforços do Iêmen em combater forças e
financiamento terroristas em seu território, a al-Qaeda vem se fortalecendo no país.
Em 2006, houve a fuga de mais de 20 terroristas experientes de uma prisão
iemenita, que voltaram a contribuir para a organização, e em 2009, as “sucursais” do
Iêmen e da Arábia Saudita se uniram para formar a Al-Qaeda na Península Árabe,
que opera no Iêmen. (VISENTINI et al, 2012)
Dado o quadro de instabilidade interna no Iêmen, as manifestações de
2011, portanto, criaram um vácuo de poder no país que beneficiou os grupos
armados, levando poderes externos a exercer pressão no presidente para que ele
saísse e desse fim a guerra civil que se instaurou. Essas forças externas foram os
países membros do CCG, que assinaram um tratado no âmbito da organização
dizendo que Ali Abdullah Saleh não seria julgado por crimes de guerra, EUA, França
e Grã-Bretanha principalmente, além da ONU. Em 2012, o ministro das Relações
Exteriores francês chegou a declarar que sanções contra o Iêmen seriam discutidas
no âmbito da União Europeia em breve, indicando que a permanência de Saleh no
poder era vista como inviável pelos países europeus. (VISENTINI et al, 2012)
Tal atitude se explica no receio de uma ascensão da al-Qaeda quando a
queda de Saleh se fez, foi julgada desta forma, inevitável. Com isso, EUA, grande
parceiro do país, passou a aproximar-se dos manifestantes. (VISENTINI et al, 2012)
Em junho de 2012, a mesquita onde o presidente estava foi atingida por
um míssil e ele sofreu graves queimaduras, viajando para a Arábia Saudita para
receber tratamento médico. Formalmente, a autoridade passou para o vice-
presidente, Abd al-Rab Mansur al-Hadi, também o candidato mais provável do
Congresso Geral do Povo (GPC), partido de Saleh, no caso de uma transição
forçada. Sobre as revoluções, Visentini et al apontam:
A instabilidade política deixou um vácuo de poder que podia agravar os problemas já existentes dos rebeldes houtis, do separatismo do sul do país e do fortalecimento da Al-Qaeda. O governo dedicou seus maiores esforços às manifestações na capital, Sanaa, e arredores, mas, enquanto isso, os houtis obtinham o controle de boa parte da fronteira com a Arábia Saudita, os separatistas do sul controlavam as principais estradas da região, e a Al-
100
Qaeda tomava cidades costeiras também no sul do país. Dia 19 de maio, a tomada da capital provinciana Zanjibar pelos militantes islâmicos provocou críticas da oposição, que acusam Saleh de permitir que a Al--Qaeda se apoderasse da região para sustentar sua alegação de que, sem ele, o grupo dominaria o país, buscando assim apoio internacional para permanecer no poder. Além disso, disputas entre as próprias tribos pelo poder podiam acontecer. (VISENTINI et al, 2012, p. 71)
O presidente renunciou o cargo e o deixou para seu vice, que ficaria
responsável em estabelecer um novo governo. Entretanto, devido a repressão nos
meses de revoltas, os revolucionários ainda querem que Saleh seja julgado por
crimes de guerra e seguem lutando. A situação é instável. (VISENTINI et al, 2012)
As intervenções observadas pelos países monárquicos nos mais fracos
(frisa-se a participação da Arábia Saudita) deixam clara a relevância destes locais,
não por força de Estado, mas por serem campos férteis para a proliferação de
políticas e ideologias consideradas perigosas para os regimes mais fortes.
A onda de revoluções surgidas a partir de 2011 não só demonstrou a
vontade dos populares por mais direitos nesses países fechados, como expôs a
fragilidade dos regimes árabes. E estas revoltas, principalmente próximas da zona
de influência da Arábia Saudita, seus vizinhos mais ainda, precisaram ser contidas
de todas as maneiras necessárias.
Isto, em oposição ao movimento iraniano tem transformado o Oriente
Médio numa arena na disputa pela hegemonia local.
101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É incontestável, que apesar dos percalços nas últimas décadas, o Irã
consolidou uma posição geopolítica invejável no Oriente Médio resultante do caos
nos países árabes e das limitações sauditas. Hoje, sobretudo, o Irã assumiu o
protagonismo na luta direta com os radicais do EI, subprodutos das intervenções
estrangeiras na região e, também, do regime saudita. Na Síria, o país garante a
sobrevivência do regime de Damasco, vital para a sua estratégia de manter o apoio
ao Hezbollah, além de expandir sua presença na fronteira litigiosa das Colinas de
Golan. Em Gaza, apoia politicamente e logisticamente o Hamas. No Líbano financia
grupos radicais cristãos e contra Israel. E também segue com o seu programa
nuclear que o transforma em um dos poucos países do mundo a deter armamento
atômico (embora isto não seja comprovado) e o único na Península Arábica capaz
de rivalizar Israel neste sentido. (CAIRUS, 2012)
Quanto à Arábia Saudita, esta que sempre adotou postura menos
intervencionista, preferindo fazer uso de proxies a se envolver diretamente nos
problemas da região, viu-se impelida por um vácuo de poder deixado pelo Egito,
Iraque e Síria, a assumir o papel de protagonista contra as políticas iranianas.
Ademais, ao longo dos últimos anos, a crise monárquica que assolou os países
despóticos a partir de 2011 também forçou o Estado a agir conforme necessário
para seus interesses e tomar frente em organizações internacionais, como o CCG e
a OPEP. (CAIRUS, 2012)
Sobre os EUA, estes parecem contidos em suas atitudes para com o
Oriente Médio, assumindo uma posição menos direta na região atualmente. Em
parte, crê-se, pelas lições aprendidas com a Invasão ao Iraque, em parte por receio
das ambições nucleares dos iranianos. De todo modo, esta atitude não deve ser
confundida com desinteresse da superpotência; embora algumas variáveis tenham
mudado, como a redução de sua dependência do petróleo por meio do
desenvolvimento de novas tecnologias, é preciso lembrar que os aliados americanos
ainda necessitam do insumo para manter suas economias e que há uma
preocupação muito grande de que as supostas armas nucleares caiam nas mãos de
jihadistas proxies iranianos, acabando por assolar a região e talvez outros locais do
mundo em uma onda de instabilidade sem precedentes. Assim, as estratégias
podem ter se alterado, mas o interesse estadunidense continua.
102
Os americanos se aproveitaram dos levantes por democracia no Mundo
Árabe para obter a simpatia da massa, que era antiamericana e antiocidental, e
tentar recuperar sua imagem no Oriente Médio. Desta forma, passaram a instigar a
derrubada de velhos regimes amigos, até ontem “respeitáveis”, para direcionar a
população a uma postura mais moderada com relação aos EUA. Uma estratégia que
não deixa de ser perigosa, porque os EUA podem ficar sem alternativas nas petro-
monarquias e/ou aumentar a oposição, como vem acontecendo na Síria.
(VISENTINI et al, 2012)
Isto é importante porque a alteração de comportamento americano afetou
a Arábia Saudita, acostumada ao apoio Ocidental, e esta está cada vez mais
dependente de si mesma em um local dominado por países fracos internamente e,
assim, passivos de sofrerem fortes influências externas, o que só eleva os níveis de
incerteza para sua nação. (BARBOSA, 2013)
As pesquisas levaram, portanto, a conclusão de que não só o Irã e a
Arábia Saudita influenciam os conflitos no Oriente Médio, mas são também vítimas
de uma série de fatores que os levam a agir de determinada forma em prol de seus
interesses. Portanto, em vez de se ter uma visão superficial da influência dos atores,
o estudo permitiu um entendimento maior de que estes são igualmente afetados
pelo Oriente Médio e entes internacionais, embora representem forças relevantes
nesta zona geográfica e devam ser levados em consideração em análises futuras.
Vale dizer ainda que a ideia inicial da pesquisa do TCC era entender
como a luta de influência travada por Irã e Arábia Saudita afetava o Oriente Médio, e
a percepção foi que a Guerra Fria entre os atores afeta negativamente o local, pois é
perpetuada através de discursos religiosos e ideológicos, financiamento a grupos
armados, intervenções aos países mais fracos e, também por meio de organismos
internacionais e parceiros regionais, fatores que em nada ajudam o desenvolvimento
sustentável e duradouro das nações fragilizadas. Desta forma, toda a região se torna
arena de sua disputa. Isto mostra que Arábia Saudita e Irã desempenham, sem
dúvidas, um importante papel na situação do Oriente Médio, para estabilização o
não do cenário, possuindo relações intensas com os demais países de seu
Complexo de Segurança, sejam elas marcadas por atritos ou cooperação.
Ademais, em um resgate do trabalho, o objetivo primeiro foi, acima de
todos, fazer um apanhado de temas da política internacional e da economia política
internacional relevantes para a compreensão da atuação dos Estados analisados; e
103
necessários também para o entendimento das interações dentro do Oriente Médio.
Assim, buscou-se com o primeiro objetivo elucidar questões quanto à função da
OPEP, à relação estreita da religião com a política para os muçulmanos e
abordagens relacionadas à segurança internacional que são de forma mais fácil
vistas no Mundo Árabe e que certamente foram necessárias para a compreensão da
política externa dos atores, principalmente neste estudo.
No segundo objetivo o intento maior foi resgatar os fatos importantes que
levaram ao desfecho de Guerra Fria entre os objetos do estudo, e, portanto, optou-
se por iniciar as explanações com a mudança de alinhamento iraniano em 1979, o
que acirrou as disputas entre persas xiitas e árabes sunitas e também fez com que a
Arábia Saudita adotasse uma postura de vigilância constante das populações xiitas
em todo o Golfo Pérsico/Arábico.
No capítulo que a esse objetivo responde, exorbitaram-se os limites do fim
do século para que também fosse possível descrever fatos marcantes, como a
Invasão ao Iraque em 2003 por parte dos EUA, que gerou uma reação sunita no
país – grupo deposto do poder e ameaçado pelo governo xiita – além de ser o
contexto que deu origem ao temido Estado Islâmico o qual vem tomando conta da
Síria. Também se procurou versar sobre a Primavera Árabe, que se caracterizou não
só por movimentos revolucionários, como é apregoado por aí, mas também pôs em
evidência a fragilidade dos regimes despóticos. E, mais ainda, ousa-se dizer,
aprofundou de forma irreversível as relações negativas entre Arábia Saudita e Irã
através dos jogos de poder expostos pela mídia deste os anos 2011. Soma-se a isso
um fato relevante: o enfraquecimento da região através do desmoronamento das
questões domésticas que abriram precedentes para um vácuo de poder.
Esta instabilidade, apesar de não ter sido criada nem por Irã e nem por
Arábia Saudita, foi aproveitada por eles para consecução da disputa regional dentro
dos Estados mais fracos. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)
Por fim, em um capítulo que buscou o entendimento final dos conflitos
atuais, como as intervenções no Iêmen, no Bahrein e na Síria, para compreensão da
atuação dos players sauditas e iranianos, foram feitos pequenos apanhados sobre
estas contendas, bem como breves análises da importância da Questão Palestina,
que, acredita a autora, deve ser sempre lembrada quando se estuda o Oriente
Médio atual. E, claro, como não podia faltar, foi feito também um texto sobre o
Programa Nuclear Iraniano, o qual serve não só de “produtor de fontes de energia”
104
para o povo do Irã, mas indubitavelmente é estratégico para a segurança nacional
do país. Se assim não fosse, os segredos principais deste projeto não seriam
guardados a sete chaves pelos iranianos causando a perda de sono dos oficiais
americanos, israelenses e sauditas.
Após estas explanações, fica como observação a grande limitação pela
falta de literatura brasileira analisando o Oriente Médio afora da atuação brasileira.
Os trabalhos encontrados eram constantemente ligados ao Brasil, o que dificultou
encontrar textos mais aprofundados sobre o assunto da pesquisa. Desta fora grande
parte das referencias aqui citadas são oriundas de teses e dissertações acadêmicas,
tendo poucas as referencias de livros acerca do tema desenvolvido. Muitos dos
textos tiveram de ser buscados em inglês, principalmente no que concerne
explicações acerca das teorias realistas, o que abre oportunidades a estudiosos que
queiram explorar esta área e fornecer conteúdo brasileiro para a academia.
105
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