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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO Cidade Amiga da Criança: Um estudo sobre os espaços públicos de brincadeira para a infância na cidade de Tubarão Maristella Pandini Simiano

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Cidade Amiga da Criança:

Um estudo sobre os espaços públicos de brincadeira para a infância

na cidade de Tubarão

Maristella Pandini Simiano

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

MARISTELLA PANDINI SIMIANO

CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A

INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Tubarão

2014

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MARISTELLA PANDINI SIMIANO

CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A

INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Dissertação apresentada à Banca de Defesa do Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Vera Lúcia Chacon Valença

Tubarão

2014

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MARISTELLA PANDINI SIMIANO

CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A

INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Educação e aprovada em sua forma final pelo curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, setembro de 2014.

____________________________________________

Profª. e Orientadora Vera Lúcia Chacon Valença, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________

Prof. André Cechinel, Dr.

Universidade do Extremo Sul Catarinense

____________________________________________

Profª. Fátima Elizabeti Marcomin, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________

Prof. Gilvan Luiz Machado da Costa, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

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A todas as crianças que convivem comigo, que

diariamente desafiam minhas concepções

adultocêntricas, levam-me a refletir posturas e

a construir novos saberes.

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AGRADECIMENTOS

E aprendi que se depende sempre De tanta muita diferente gente

Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente Onde quer que a gente vá

E é tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho

Por mais que a gente pense estar (Caminhos do coração – GONZAGUINHA)

Quero agradecer a todos aqueles que dão significado a minha vida e que tornaram

possível este trabalho.

À Professora Doutora Vera Lúcia Chacon Valença, pela orientação recebida, por

acreditar em minhas potencialidades, por não modificar a rota de minhas pegadas, por,

simplesmente, deixar-me caminhar.

Às crianças da pesquisa de campo, que sempre me receberam com alegria, e que,

com suas narrativas, seus olhares, ensinaram-me um pouco mais sobre a condição de ser

criança e viver a infância na cidade.

Aos Professores Doutores André Cechinel e Gilvan Luiz Machado da Costa, e à

Professora Doutora Fátima Elizabeti Marcomin, por aceitarem o convite para participar em

banca de defesa, além das contribuições dadas durante o processo de qualificação.

A minha mãe e ao meu pai, que sempre me incentivaram a alcançar caminhos

cada vez mais distantes.

A minha família querida: meus cunhados e cunhada, afilhados, sobrinhos,

sobretudo às minhas irmãs, Marlene, Maricelma, Fabiana e Samuel, que, mesmo sem entender

o porquê de tanta dedicação e ausência, vibram e torcem por minhas conquistas, afinal, somos

parte de uma mesma história de amor que começou há muitos anos.

Em especial a minha querida irmã Luciane, que, carinhosamente, dividiu cada

etapa desta dissertação, sempre me incentivando.

Aos amigos e amigas, que ouviram meus desabafos, minhas angústias e vibraram

com minhas conquistas. Com eles muito aprendi.

A todos que viveram comigo a busca e o sonho realizado, meu eterno

agradecimento. Vocês são essenciais!

Em especial a DEUS, que me carregou quando faltaram forças.

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“O Espaço não é neutro. Sempre educa.” (VIÑAO FRAGO, 2001).

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RESUMO

A presente pesquisa tem por intenção investigar como as crianças veem e narram os espaços

públicos de brincadeira na cidade de Tubarão/SC. Foi realizada com um grupo de 15 crianças,

10 meninas e 5 meninos, com idade entre 8 a 10 anos, de diferentes classes sociais, escolas e

bairros da cidade de Tubarão/SC. O estudo apresenta uma pesquisa de campo com abordagem

qualitativa, utilizando como instrumento metodológico a escrita de uma carta pelas crianças

que procura dar visibilidade ao olhar das mesmas sobre espaços públicos de brincadeira de

sua cidade. Na análise, apostou-se no diálogo com os seguintes autores: Tonucci (1996), Ariès

(1981), Brougère (2001), Friedmann (1996), Sarmento (2008), Corsaro (2005), Santos (1988).

Como resultado, identificou-se que as crianças sabem o que é um espaço público de

brincadeiras, mas, muitas vezes, esses são percebidos por elas como inadequados e perigosos.

As crianças expressaram o desejo de encontrar mais espaços de brincadeira em sua cidade e

suas principais reivindicações são limpeza, segurança e gratuidade a esses locais. Destaca-se a

importância de um olhar sensível e uma escuta atenta às crianças, para poder inventar outras

formas de lidar com os equipamentos, praças, árvores, carros, prédios, ruas, enfim, com os

espaços públicos de brincadeira de toda a cidade. As crianças são sujeitos de direitos e

capazes e, por isso, devem ser consideradas nas discussões e rumos nas cidades em que

habitam. Acredita-se que, juntos, adultos e crianças poderão criar soluções para viver em um

lugar de liberdade, curiosidade, movimento. Um lugar que oportunize encontrar, brincar e

fazer amigos.

Palavras-chave: Criança. Cidade. Espaços Públicos. Brincadeira.

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ABSTRACT

This research is intended to investigate how children see and narrate public spaces to play in

Tubarão/SC. It was performed with a group of 15 children, ten girls and five boys, aged 8-10

years, from different social classes, schools and neighborhoods of Tubarão/SC. This study

shows a field study with a qualitative approach using as a methodological tool, a letter written

by children to give importance to their vision about public spaces to play in your city. In the

analysis is bet in dialogue with the following authors: Tonucci (1996), Ariès (1981), Brougère

(2001), Friedmann (1996), Sarmento (2008), Corsaro (2005), Santos (1988). As a result, it

was found that children know what is a public space to play, but often these are perceived by

them as inadequate and dangerous. Children express a desire to find more spaces to play in

their city and their main demands are cleanliness, safety and gratuity to these places. Featured

the importance of a sensible look and an attentive listening to children, to be able to invent

other ways of dealing with equipment, squares, trees, cars, buildings, streets anyway with

public play spaces in the city. Children are subjects with rights and capable, that's why should

be considered in discussions and directions in the cities they inhabit. It believed that together,

adults and children can create solutions for living in a place of freedom, curiosity, movement.

A place with opportunity to stay together, play and make friends.

Keywords: Child. City. Public Spaces. Play.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Adultos mais infantis ............................................................................................... 12

Figura 2 - Estacionamento em frente à antiga rodoviária x Praça Estação, 1967 .................... 17

Figura 3 - Praça dos Ferroviários ............................................................................................. 18

Quadro 1 - Grupo de crianças ................................................................................................... 21

Figura 4 - Notas para uma nova cultura da infância ................................................................. 24

Figura 5 - Mafalda .................................................................................................................... 25

Figura 6 - A criança tem um corpo e uma história ................................................................... 27

Figura 7 - Ara Pacis .................................................................................................................. 29

Figura 8 - As meninas de Velasquez, 1656 .............................................................................. 30

Figura 9 - Adulto em miniatura ................................................................................................ 32

Figura 10 - Adulto em miniatura .............................................................................................. 32

Figura 11 - Declaração dos direitos da criança, comentada por Mafalda ................................. 35

Figura 12 - O direito ao jogo .................................................................................................... 40

Figura 13 - É melhor com os avós ............................................................................................ 43

Figura 14 - Jogos Infantis, Pieter Brueghel, 1560 .................................................................... 45

Figura 15 - A rua é minha ......................................................................................................... 52

Figura 16 - Estamos jogando, não perturbe .............................................................................. 55

Figura 17 - Com os olhos de criança ........................................................................................ 59

Figura 19 - Se vocês constroem, nós não podemos brincar ..................................................... 60

Figura 20 - Sozinho .................................................................................................................. 63

Figura 21 - Precisamos ser ouvidas .......................................................................................... 70

Figura 22 - Com os olhos de criança ........................................................................................ 75

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Conceito de espaço público de brincadeira ............................................................. 60

Tabela 2 - Existência de locais para brincadeiras. .................................................................... 62

Tabela 3 - Locais utilizados para brincadeiras ......................................................................... 64

Tabela 4 - Pessoas que acompanham as crianças até os locais onde brincam .......................... 66

Tabela 5 - Locais onde mais gostam de brincar ....................................................................... 67

Tabela 6 - Locais onde menos gostam de brincar na cidade de Tubarão ................................. 67

Tabela 7 - Brincadeiras que mais gostam de realizar nos espaços públicos ............................ 69

Tabela 8 - O que você gostaria que tivesse nos espaços públicos que ainda não tem .............. 71

Tabela 9 - Lugar da criança na cidade ...................................................................................... 72

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LISTA DE SIGLAS

CDC - Convenção Internacional dos Direitos da Criança

CF/88 - Constituição Federal de 1988

DDC - Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra

DUDC - Declaração sobre os Direitos da Criança

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

FNRU - Fórum Nacional de Reforma Urbana

ONU - Organização das Nações Unidas

UNCRC - Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 (sigla em

inglês)

UNESC - Universidade do Extremo Sul Catarinense

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

1.1 DOS CAMINHOS DA PESQUISA... ................................................................................ 16

1.1.1 Notas sobre um estudo inicial: desbravando a cidade... ............................................ 17

1.1.2 ... para encontrar com crianças: o percurso da pesquisa ........................................... 19

2 INFÂNCIA, CRIANÇA E CIDADE: CONCEITOS INICIAIS .................................... 24

2.1 INFÂNCIAS E CRIANÇAS: UM OLHAR HISTÓRICO ................................................ 27

2.1.1 A criança como sujeito de direitos ............................................................................... 35

2.2 O DIREITO DAS CRIANÇAS AO JOGO E À BRINCADEIRA .................................... 40

2.2.1 Sobre a importância do brincar ................................................................................... 43

2.3 UMA CIDADE AMIGA DA CRIANÇA .......................................................................... 52

2.3.1 A cidade como espaço de participação, brincadeira e educação ............................... 54

3 COM OLHOS DE CRIANÇA: VISÃO DAS CRIANÇAS SOBRE OS ESPAÇOS

PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA CIDADE .................................................................. 59

3.1 “EU NÃO SEI, MAS DEVE TER, SÓ QUE FICA BEM LONGE DA MINHA CASA”:

SOBRE A AUSÊNCIA/PRESENÇA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA

CIDADE ................................................................................................................................... 60

3.2 “PULA CORDA, ESCORREGA, PEGA RAPOSA, ESCONDE-ESCONDE. EU GOSTO

MESMO É DE BRINCAR!”: CONHECENDO AS PREFERÊNCIAS DE ESPAÇOS,

BRINCADEIRAS E PARCEIROS DAS CRIANÇAS ............................................................ 63

3.3 “LUGAR DE CRIANÇA É NA CIDADE BRINCANDO, PORQUE SER FELIZ É BOM

DEMAIS!” ENTRE NECESSIDADES E SONHOS DAS CRIANÇAS PARA A CIDADE . 70

4 DE VOLTA AO COMEÇO... CONSIDERAÇÕES (FINAIS) SOBRE ESTE ESTUDO

.................................................................................................................................................. 75

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77

APÊNDICES ........................................................................................................................... 82

APÊNDICE A - Questionário ................................................................................................ 83

APÊNDICE B - Autorização dos pais ................................................................................... 84

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1 INTRODUÇÃO

Figura 1 – Adultos mais infantis

Fonte: Tonucci (2005, p. 169).

Há um menino Há um moleque

Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança

Ele vem pra me dar a mão (MÍLTON NASCIMENTO)

Escrever. Rasgar o branco da tela com as primeiras palavras, frases, ideias que

contêm sobre uma experiência de pesquisa. Por onde começar? Platão diz que “o começo é a

metade do todo”, por isso a parte a mais difícil de um trabalho. A imagem dos começos ilustra

os desafios da escrita. As primeiras frases são apontamentos para esse pacto sutil e tortuoso

que envolve a escrita de um texto.

“Começar é preciso! Quem começa, um dia termina!”, retomo a narrativa presente

na fala da minha avó que, ecoada por minha mãe, ouço desde a infância. Nesse instante, me

dou conta de que é ela que me convida a iniciar os primeiros fios que tramam a questão desta

pesquisa.

Meu percurso na “escola” da vida inicia-se em uma família composta por minha

mãe, meu pai, eu e mais cinco irmãos. Morávamos em uma cidadezinha ao pé da serra, e me

recordo dos piqueniques em família que fazíamos sempre aos finais de semana em um

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campinho de várzea. Aquele era o único espaço público de lazer da cidade. As brincadeiras

iniciavam-se logo nos preparativos que antecediam o passeio. O percurso que nos levava ao

campinho era feito a pé, ou melhor, eu ia a cavalo, pois meu pai me levava na “cacunda” e ia

imitando um cavalinho até chegarmos ao campo. Quando chegávamos lá, um mar de

possibilidades se abriam... O encontro com outras crianças, as relações, quantos sentimentos

afloravam.

Recordo-me da chegada de um circo na cidade. Quando eu assisti ao espetáculo,

fiquei maravilhada. A possibilidade de levar alegria para as crianças fez com que eu

arrumasse as minhas malas e quisesse ir embora junto com o circo. Hoje percebo que meu

desejo de pesquisar espaços de lazer permeou toda a minha trajetória, desde a infância.

A paixão pela educação e por ensinar parecem sempre ter existido, nunca cogitei

ser outra coisa se não educadora. Lembro-me de que, quando eu tinha uns oito ou nove anos,

e ia buscar meus irmãos no “Jardim de infância”, todos os seus amigos se sentavam em volta

de mim para que eu “inventasse” alguma brincadeira ou cantasse algumas cantigas. Nos finais

de semana, todos queriam ir brincar na nossa rua, que se transformava em um grande quintal

de brincadeira, com crianças por todos os lados. Pique-esconde, pique-ajuda, pé na bola,

menino pega menina, pião, bambolê, pipa, amigos e brincadeiras eram as palavras que davam

sentido e significado à minha infância.

Mais tarde, no ensino médio já na cidade de Tubarão, cursei o Magistério das

Séries Iniciais em Educação Física. Nessa oportunidade, me engajei nas atividades

relacionadas ao lazer infantil organizando diversas ruas de lazer e oficinas de brincadeiras nos

diferentes bairros desse município e participando delas. Nessa época, comecei a trabalhar

como professora e, aos dezesseis anos, tive a minha primeira oportunidade de trabalho em

uma instituição filantrópica desse município.

No curso de Pedagogia, a partir de uma pesquisa de conclusão de curso que me

deixou sensibilizada pelo pouco espaço de brincadeira para as crianças em idade escolar, tive

a oportunidade de idealizar o projeto “Recreio Socializante”, que concebe o recreio não

apenas como um espaço de refeição, mas também como um espaço de brincadeiras,

relacionamentos e interações sociais. Projeto que ainda permanece em vigor até os dias atuais

no Colégio Dehon.

Nos anos 1990, passei a integrar o corpo docente de professores do Colégio

Dehon, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), e iniciei, na mesma

universidade, uma especialização em Metodologia do Ensino das Séries Iniciais. Ela

contribuiu para a discussão e o lançamento de olhares investigativos sobre como a criança

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pode aprender de forma mais atrativa e significativa através dos jogos e das brincadeiras.

Motivada pelo desejo de seguir os estudos, ingresso, em 2000, no curso de

graduação em Educação Física, na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), onde

comecei a organizar diversas atividades relacionadas à área do lazer e entretenimento com

crianças, jovens e idosos. No mesmo ano, fui convidada, pela instituição onde trabalhava,

para fazer uma experiência no ensino superior, no curso de Turismo. A partir daí, surgiram

novas oportunidades para trabalhar nos cursos de Educação Física, Pedagogia e Nutrição com

disciplinas relacionadas ao jogo, recreação, lazer, brincadeira e ludicidade nas quais atuo

como docente e pesquisadora até os dias atuais.

Relembrando minha experiência de vida de mais de duas décadas de trabalho e

estudos, retorno-a como marca da minha iniciação profissional. Essas marcas me

possibilitaram repensar espaços, tempos e concepções teóricas e pedagógicas que permearam

meu percurso profissional e acadêmico. Em particular, fui me incomodando e passei a

questionar sobre os espaços de brincadeiras das crianças.

Brincar constitui-se a principal forma da criança ser, estar e se relacionar com o

mundo. É um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos das Crianças, que

estabelece: “A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão

estar dirigidos para educação. A sociedade e as autoridades públicas e privadas têm como

compromisso se esforçar para promover o exercício deste direito.” (UNICEF, s/d, p. 3). Esse

direito vem sendo ameaçado. Devido às intensas transformações da vida urbana, limitou-se o

convívio informal das crianças nas ruas, praças e parques. A grande circulação de automóveis

e a falta de segurança nesses locais interferem, significativamente, nas brincadeiras das

crianças e nos espaços do brincar. Nesse contexto, a brincadeira infantil vem se restringido ao

espaço escolar.

As instituições públicas e privadas de educação, muitas vezes, não conseguem

garantir condições físicas de qualidade para promover o direito à brincadeira. Esses aspectos

demandam reflexões e questionamentos: do que as crianças brincam hoje? Com quem

brincam? Diferentes espaços geográficos e culturais implicam diferentes formas de brincar?

Quais os espaços reservados à brincadeira? Como estão organizados? Perguntas essas que

fomentam meu caminhar para perseguir indagações acerca da complexa relação entre criança

e cidade.

No Brasil, os estudos que focam essa temática são recentes. A arquiteta Mayumi

Souza Lima é uma das pioneiras sobre esse assunto na década de 1980. Em seu livro “A

criança e a cidade”, a autora relata sua pesquisa que teve como intenção trazer visibilidade ao

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modo como adultos organizam, planejam e oportunizam os espaços às crianças das camadas

populares. (LIMA, 1989).

Nas últimas décadas, podemos citar as pesquisas de Redin (2007), Santos (1988),

Correa (1989), Lansky (2007) e Debortoli e Resende (2008). Tais pesquisas, com abordagens

teórico-metodológicas distintas, possuem em comum o interesse em identificar, localizar e

pontuar a vida da criança na cidade e sua interação com esse espaço.

No contexto italiano, podemos citar como referência, os estudos de Tonucci

(1996), um importante pesquisador e cartunista, que busca situar o lugar das crianças na

cidade. Em seu livro “La ciudad de los niños”, contextualiza essa temática, ressaltando o

quanto as crianças, na atualidade, vivem presas em “casas fortalezas”. Segundo o autor, isso

está relacionado ao fato de que, para as pessoas, as cidades têm representado perigo, medo,

insegurança e desconfiança. Diante dessa reflexão, ele faz uma leitura interessante e singular

sobre onde morava, mostrando que o perigo para a criança tempos atrás se escondia na

floresta, porque era lá que se escondiam os lobos, os ogros, a escuridão. Hoje, é a cidade que

se converteu em algo perigoso para as crianças, havendo, assim, uma inversão entre o espaço,

tradicionalmente identificado com o perigo, o bosque (principalmente nos contos para

crianças), em confronto com a cidade, sendo, atualmente, a rua, o lugar do perigo e o bosque,

o lugar idealizado da harmonia. A partir dessa metáfora, o autor denuncia o quanto as cidades

têm, gradativamente, afastado-se das crianças e o quanto elas, hoje em dia, têm sido

representadas por espaços de medo, angústia e solidão.

Os espaços das crianças foram tomados; seus tempos, roubados; as cidades foram

totalmente modificadas, tendo como parâmetro a produção e o mundo adulto. Sendo a

brincadeira um modo singular de a criança estar e agir no mundo, acredito que ela deva

permear toda e qualquer ação educativa. A educação não é função exclusiva da escola. As

experiências educativas transcendem os tempos e os espaços escolares. Assim, é preciso

lançar olhares investigativos para a educação, a brincadeira e discutir qual é o lugar das

crianças na cidade.

Trata-se do desafio de inverter o olhar, de buscar compreender, de acordo com

Larrosa (1998, p. 8), “a imagem do outro não como a imagem que olhamos, mas como a

imagem que nos olha e que nos interpela”. Como é ser criança e viver a infância, brincar na

cidade? Quais os sentidos que as crianças conferem às suas experiências de brincadeira na

cidade? Como nós, enquanto adultos, podemos ler suas narrativas e pensar com elas em uma

cidade amiga da criança?

A partir desses questionamentos, minha intenção é refletir e buscar apontamentos

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para pensar na complexa relação entre a criança e a cidade. Busco, por meio de um olhar

atento e uma escuta sensível para com a criança, dar voz e vez aos sujeitos que a habitam,

conforme nos aponta Cruz (2008, p. 12).

As idéias de criança como pessoa completa, competente, curiosa e criativa, com direito a ser ouvida e atendida nas suas necessidades específicas. Tais ideias vêm sendo gestadas em estudos, pesquisas e práticas de profissionais de várias áreas, os quais, por meio da escuta e do olhar sensíveis e livres de pré-conceitos, puderam ver e ouvir crianças concretas, vivas, reais.

Mobilizada por essas ideias e partindo da concepção de criança enquanto sujeito

ativo e competente, capaz de contar sobre si, procuro conhecer os espaços públicos de

brincadeira no município de Tubarão, e problematizar como crianças compreendem essa

cidade, a partir de suas narrativas, de suas experiências cotidianas.

Muito mais do que buscar respostas prontas e acabadas, o que proponho, através

desta pesquisa, é que passemos a compreender a infância como uma categoria social e as

crianças como atores sociais que participam e posicionam-se frente às experiências

vivenciadas em seu cotidiano.

Nesse sentido, a presente pesquisa possui a seguinte questão: como as crianças

veem e narram os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão?

No quadro dessas reflexões iniciais, elegi como objetivo geral: analisar as

narrativas das crianças sobre os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão.

Os objetivos específicos do trabalho são: identificar, nos órgãos públicos competentes,

documentos e registros de espaços públicos municipais de brincadeira. Investigar quais

os lugares de brincadeira na cidade de Tubarão na perspectiva/concepção das crianças.

Compreender como as crianças gostariam que fossem os espaços públicos de

brincadeira em sua cidade.

1.1 DOS CAMINHOS DA PESQUISA...

Pesquisar infâncias e crianças demanda o encontro com uma abordagem

metodológica diversificada, aberta à articulação de diversos procedimentos metodológicos.

Escolher um caminho teórico-metodológico implica abrir possibilidades de produzir sentidos,

de encontrar rotas, atalhos e produzir tantas outras trilhas a percorrer ao longo da pesquisa.

Como forma de conduzir tal itinerário, apresento elementos de um breve estudo

exploratório, da pesquisa de campo e das estratégias metodológicas utilizadas neste trabalho.

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1.1.1 Notas sobre um estudo inicial: desbravando a cidade...

A primeira etapa da pesquisa deu-se no primeiro semestre de 2013, onde realizei

um estudo exploratório sobre os espaços públicos de brincadeiras para as crianças na cidade

de Tubarão.

Nessa direção, contatei a Prefeitura Municipal da cidade para verificar qual era o

departamento responsável pelos espaços públicos de brincadeira das crianças na cidade. Fui

informada que era Secretaria de Urbanismo. Agendei um horário com o responsável por esse

setor e me desloquei até a secretaria. Lá fui informada de que os registros de todos os espaços

públicos de Tubarão encontravam-se na biblioteca pública da mesma cidade. Neste local,

conversei com funcionários antigos que, a partir dos documentos, afirmaram: “Os únicos

espaços públicos de lazer para as crianças na cidade são as pracinhas” (Fragmento do

Diário de campo). A partir de documentos e relatos, realizei um mapeamento, identificando o

endereço de todas as praças públicas da cidade voltadas para as crianças.

Logo depois de ter mapeado tais endereços, efetuei uma visita em cada um desses

locais. Ao todo foram vinte praças visitadas. Lá utilizei o diário de bordo e a fotografia como

forma de registrar os movimentos dos grupos que as frequentavam, suas ações/reações e as

minhas impressões.

Durante a visita às praças, fatos marcantes me afetaram, suscitando reflexões

iniciais em torno do tema:

1) O sumiço das praças: de praças... já não existem mais, pois elas foram, ao longo do

tempo, sendo substituídas por estacionamentos, prédios, centros comerciais ou terrenos

abandonados. Questiono-me: o que gerou e ocasionou tais mudanças?

Figura 2 – Estacionamento em frente à antiga rodoviária x Praça Estação, 1967

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013.

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2) A falta de conservação das que restaram: outro aspecto que me chamou atenção foi

observar os registros de imagens fotográficas do acervo das praças e compará-las com a

situação delas atualmente. Observei que, em sua grande maioria, as praças eram melhor

conservadas do que nos dias atuais.

Figura 3 – Praça dos Ferroviários

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013.

3) O pedido de ajuda dos frequentadores: muitas pessoas, quando me viam fotografando,

vinham ao meu encontro, conversavam comigo pensando que era da prefeitura e me pediam

para revigorar aquele espaço, pois era o único lugar que eles tinham para levar os filhos e os

netos para brincar.

4) O (des)aparecimento de brincadeiras nos espaços das crianças: outro episódio

extremamente marcante foi quando fui visitar uma praça, localizada em uma determinada

comunidade no município, que é tida como perigosa em função de ser uma área bastante

habitada por traficantes de drogas. Uma das crianças que ali estava se aproximou e questionou

minha presença. Expliquei meu interesse de pesquisa brevemente e perguntei a ela se gostava

daquele espaço. A criança rapidamente respondeu: “Sim, a praça é bem boa, principalmente

quando a polícia vem, aí a gente se joga, sai correndo [...] lá tem bastante árvore e mato, é

fácil de se esconder! Lá ninguém acha nós.” (Fragmento do Diário de campo).

Embora sucinto, esse estudo preliminar foi fundamental para educar meu olhar,

fomentar questões e me auxiliar a conhecer melhor o contexto pesquisado. Nele, os dados

coletados mostraram-me que era preciso construir um olhar e uma escuta sensível às

interações das crianças com/nos espaços públicos de brincadeira na cidade.

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1.1.2 ... para encontrar com crianças: o percurso da pesquisa

As pesquisas realizadas no campo da infância, historicamente, têm concebido às

crianças apenas um objeto de pesquisa. De acordo com Cohn (2009), no exercício de

pesquisa, é preciso enxergar a criança para além de um ser inferior, minoritário e sem direito à

voz, portanto, não é mais apenas um ser que passa pela história, mas que também faz história.

Partilhando das concepções da autora, o presente trabalho busca traçar movimentos de

pesquisa que lancem um outro modo de olhar as crianças, um modo que compreenda a sua

participação, na direção de delinear uma pesquisa com crianças e não somente sobre elas.

Para contribuir com o campo de pesquisa da(s) infância(s), considero importante

interrogar a educação das crianças para além da escolarização, a partir de suas experiências de

vida na cidade. Trata-se de atentar a vida cotidiana das crianças em espaços para além da

escola, isto é, predispor-se a “escutar” o que pensam, o que veem e o que vivem na cidade que

habitam.

Barbosa, Kramer e Silva (2005, p. 46) localizam as primeiras pesquisas no campo

da Sociologia da Infância na década de 1940, quando estudos iniciais começam a despontar

no Brasil, mesmo que ainda não fossem extremamente específicos sobre a infância, ou sobre a

criança. Um dos primeiros pesquisadores identificados no Brasil foi Florestan Fernandes, em

sua produção intitulada “Folclore e mudança social na cidade de São Paulo” (1979). Em

seguida, vieram os estudos de Martins (1993), as traduções de Montandon (2001) e Sirota

(2001), entre outros que dão seguimento às pesquisas.

Segundo os preceitos da Sociologia da Infância e da Antropologia da Criança, um

dos meios que o adulto utiliza para se aproximar das crianças é a partir da escuta. É na escuta

criteriosa do adulto, a partir de sua alteridade frente à criança, que os mundos são partilhados,

vividos, constituídos entre os dois. Tal como nos aponta Cohn (2009, p. 27):

A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação de papéis e comportamentos sociais. Reconhecê-lo é assumir que ela não é um ‘adulto em miniatura’, ou alguém que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com os adultos e as outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações.

Considerar a ação de pesquisar com as crianças é a premissa que sustenta este

projeto de pesquisa. Para tanto, foi necessário definir caminhos, escolher um grupo, por fim,

delimitar, circunscrever um campo que permitisse com elas pensar esta relação nos e com os

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espaços públicos de lazer.

Portanto, como metodologia de trabalho, utilizei a pesquisa de campo com

abordagem qualitativa. A pesquisa de campo consiste em buscar informações nos locais

onde os sujeitos se encontram. (RAUEN, 2002, p. 55). Segundo o autor, esse tipo de pesquisa

provém da observação de acontecimentos vividos em campo, na análise e interpretação de

dados, com base numa fundamentação teórica, visando a entender e explicar um determinado

problema.

Escolher o campo diante de uma questão de pesquisa não se constituiu em uma

tarefa simples. Foi necessário estabelecer critérios. O primeiro deles foi o desejo de crianças

que acolhessem esta proposta investigativa, pois pesquisar com crianças exige abertura e

participação dos sujeitos. O segundo critério foi atrair a participação de crianças de diferentes

bairros, diferentes contextos e classes sociais, buscando uma visão ampla dos espaços

públicos de lazer da cidade de Tubarão. E o terceiro e último critério foi delimitar a faixa

etária dos sujeitos da pesquisa, por isso procurei crianças que frequentassem os anos iniciais

de escolas públicas e privadas, especificamente crianças entre oito e dez anos, porque nessa

faixa etária o tema “vida na cidade” é, de modo geral, comumente abordado na escola por

meio do currículo, fato que poderia auxiliar as crianças a narrarem sobre a presente questão.

Ressalto que a intenção desta dissertação não é comparar ou observar práticas

educativas específicas de uma ou de outra escola, muito menos avaliar e analisar os modos de

organização das mesmas. O intuito é promover o encontro com as crianças a partir das

interrogações desta pesquisa, um encontro que pudesse refletir as percepções, sentimentos,

relatos de vivências das crianças com relação à vida cotidiana, suas histórias e narrativas nos

espaços públicos de lazer na cidade de Tubarão/SC.

Os sujeitos da pesquisa são um grupo de quinze crianças, com idade entre 08

e 10 anos, de diferentes escolas e localidades da cidade de Tubarão. Esse grupo foi

composto com base em um trabalho comunitário1 realizado na localidade do bairro Dehon, na

cidade de Tubarão. Embora o grupo esteja inserido nessa localidade, as crianças da pesquisa

habitam em diferentes bairros e são de diferentes escolas e classes sociais. O grupo de

crianças é formado por 10 meninas e 5 meninos com as seguintes idades no início deste

estudo2:

1 O trabalho comunitário é realizado semanalmente e possui vínculo com a Igreja Católica. 2 Através do Termo de Consentimento Esclarecido ficou estabelecida com os familiares a autorização da

realização da pesquisa. Optei pela utilização de nomes fictícios para as crianças. (Apêndice B).

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Quadro 1 – Grupo de crianças

NOME DA CRIANÇA IDADE

Maria 9 anos e 2 meses

Carla 9 anos e 5 meses

Alice 8 anos e 4 meses

Lucia 9 anos e 1 mês

Clara 8 anos e 3 meses

Helena 10 anos e 3 meses

Laura 9 anos e 4 meses

João 9 anos e 4 meses

Pedro3 9 anos

Antônio 10 anos e 4 meses

Samira 9 anos e 8 meses

Joana4 10 anos

Davi 9 anos 2 meses

Julia 8 anos 7 meses

Luiz 10 anos e 3 meses

Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2013.

Minha entrada e permanência no campo aconteceram de forma gradativa. Durante

o período de três meses, visitei as crianças no local onde o grupo se reunia semanalmente.

Procurava fazer visitas em diferentes horários, durante o encontro e na entrada e saída das

crianças, a fim de conhecer e ter uma visão abrangente das suas vidas e da constituição do

grupo. Hammersley e Atkinson (1983) explicam que toda pesquisa de campo é uma pesquisa

social, por isso indicam que é necessário conhecer o contexto e, de certa forma, fazer parte

dele.

A entrada no campo foi marcada pela apresentação da minha pessoa e meus

objetivos a todas as crianças. A chegada, de forma gradativa, deu-se devido à necessidade de

ter certo cuidado com o tempo, por se tratar de uma pesquisa com crianças, pois é necessário

3 Pedro tinha acabado de completar 9 anos na época da pesquisa. 4 Joana completou 10 anos no dia seguinte ao da escrita da carta.

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entender que elas precisam de tempo para estabelecer laços de confiança e empatia com o

pesquisador e para se sentirem à vontade em participar e atender às demandas da pesquisa.

Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2000), ao concordarem com essa proposição,

destacam que, na pesquisa com crianças, é interessante que a coleta de dados aconteça em

dois momentos. O primeiro é a aproximação do pesquisador na situação pesquisada para

aprender os vários elementos envolvidos, propiciando-lhe um primeiro delineamento da rede

de significações.5 O segundo momento ocorre quando o pesquisador revê os procedimentos a

serem empregados para uma coleta mais sistemática. Conforme com as autoras, diferentes

procedimentos podem ser utilizados de forma isolada e associada.

Inspirada em uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF) (VOGEL et al., 1995), a qual buscou compreender “como as crianças

veem sua cidade”, introduzi, como instrumento metodológico, o envio de cartas. As cartas

surgem na presente pesquisa não como simples registro gráfico a ser analisado, mas como

uma preciosa possibilidade de escuta das narrativas das crianças a partir da leitura de suas

vozes e silêncios...

Com o intuito de auxiliá-las no processo de escrita, iniciei enviando uma carta-

convite minha endereçada a elas6 a fim de convidá-las e, ao mesmo tempo, oferecer um

suporte para auxiliá-las na construção de suas narrativas sobre os espaços públicos de

brincadeira na cidade de Tubarão.

Para a leitura, análise e interpretação dos dados, busquei seguir as indicações

de Larrosa (1998, p. 142):

No ato de ler, não se busca respostas. O que busca é a pergunta a qual os textos respondem. [...] a leitura não resolve a questão, mas reabre, a repõe e a re-ativa, na medida em que nos pede correspondência. [...] Na leitura não se busca o que o texto sabe, mas o que pensa.

Na leitura das cartas das cartas, além de encontrar as respostas aos diversos

questionamentos propostos nesta pesquisa, procurei estar aberta às inúmeras possibilidades de

encontrar as narrativas das crianças. Ler as cartas foi um momento muito importante no

percurso da pesquisa. Foi a partir dessa leitura sensível, aberta, curiosa, que me detive na

busca dos pontos relacionados à proposta da pesquisa.

5 A perspectiva teórica e metodológica das redes de significações permanece em constante construção. As redes

são compostas por elementos de ordem pessoal, relacional, e contextual atravessados pela cultura, ideologia e relações de poder compreendida pela matriz sócio-histórica cultural. Ver Rossetti-Ferreira, Amorin e Silva (2004).

6 A carta-convite encontra-se ao final do trabalho (Apêndice A).

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A aventura de ler as cartas para construir as categorias de análise só foi possível

porque estava pautada na visão das crianças sobre o que é um espaço público de brincadeira;

onde estão localizados os espaços públicos para brincadeiras no município de Tubarão; quais

seus espaços, parceiros e brincadeiras preferidas nesses locais; e, finalmente, como seria para

as crianças uma cidade amiga.

Foi acreditando na capacidade das crianças e na possibilidade de construir uma

pesquisa com elas que mergulhei nas análises de modo a contemplar os aspectos que

ofertassem reflexões acerca da temática pesquisada. Como estratégia de análise, no primeiro

momento, destaquei pontos que considerei marcos das escritas. A partir dos marcos, elaborei

tabelas que permitissem uma leitura ampla dos dados. Para garantir também uma leitura

atenta aos detalhes, às singularidades dos sujeitos, selecionei fragmentos das cartas, palavras e

frases das crianças desejando ilustrar, de modo minucioso, a questão abordada.

A partir do entrecruzamento das tabelas/textos categorizados, foi possível

estabelecer os seguintes eixos de análises: “Eu não sei, mas deve ter, só que fica bem longe

da minha casa”: Sobre a ausência/presença dos espaços públicos de brincadeira na cidade;

“Pula corda, escorrega, pega raposa, esconde-esconde. Eu gosto mesmo é de brincar!”:

conhecendo as preferências de espaços, brincadeiras e parceiros das crianças; “Lugar de

criança é na cidade! Eu quero brincar, porque ser feliz é bom demais!” Entre reivindicações

e sonhos das crianças para a cidade.

A fim de apresentar o movimento do percurso teórico-investigativo desta

pesquisa, organizei o estudo em quatro capítulos:

No capítulo 1, introduzo a temática e contextualizo a pesquisa, apresentando o

percurso de metodologia.

No capítulo 2, apresento o referencial teórico que sustenta o presente estudo.

Retomo traços históricos e sociais para a compreensão da infância e da criança, abordando

elementos da perspectiva histórica até a concepção criança como sujeito de direitos. Também

elaboro uma discussão conceitual sobre jogo e brincadeira, enfatizando o direito e a

importância desses aspectos para as crianças. Por último, abordo elementos sobre a cidade

amiga da criança, apresentando-a como espaço de participação, brincadeira e educação.

No capítulo 3, analiso os dados obtidos na pesquisa de campo a partir de eixos

que sustentam o caminho percorrido, para compreender os significados do conteúdo das

narrativas criadas pelas crianças.

No capitulo 4, elaboro uma discussão fazendo considerações finais sobre este

trabalho.

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2 INFÂNCIA, CRIANÇA E CIDADE: CONCEITOS INICIAIS

Figura 4 - Notas para uma nova cultura da infância

Fonte: Tonucci (2005, p. 197).

Saiba Saiba,

Todo mundo foi neném Einstein, Freud e Platão também

Hitler, Bush e Sadam Hussein Quem tem grana e quem não tem

Saiba: Todo mundo teve infância

Maomé já foi criança Arquimedes, Buda, Galileu e também você e eu.

(ARNALDO ANTUNES)

A música “Saiba”, de Arnaldo Antunes, trata da ideia de que todo mundo já foi

criança e já teve infância, isto é, a criança e a infância sempre existiram, independente da

concepção que se tenha sobre elas.

As concepções sobre a infância e a criança variam historicamente e estão em

contínua mudança. Mas a busca pela interpretação das representações infantis de mundo é

objeto de estudo relativamente novo, visa a entender o complexo e multifacetado processo de

construção social da infância e é preocupação central nos círculos acadêmicos, pedagógicos e

familiares constituídos na modernidade. Dessa forma, pode-se dizer que é necessário

desnaturalizar a infância, os conceitos e os termos utilizados para a sua compreensão.

Foucault (1978) auxilia nessa tarefa, quando propõe que é preciso rejeitar as obviedades, é

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necessário estranhar o familiar.

Fortuna afirma que o mundo atual é um mundo de incertezas, um lugar que não

oferece respostas fáceis e simples para compreender o que é a infância. Por essa razão, “corre-

se um grande perigo ao tentar definir o que é uma criança de forma conclusiva, uma vez que,

enquanto o fazemos, a infância já mudou!” (FORTUNA, 2004, p. 19).

A palavra infância, etimologicamente, vem do latim, infantia, e refere-se ao

indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância,

estende-se até os sete anos. A infância, por muito tempo, esteve ligada à falta, à ausência, à

incapacidade. Percebidas, na melhor das hipóteses, as crianças como seres incompletos e

imperfeitos, seu valor não se definia pelo que eram no presente, mas pelo que viriam a ser no

futuro.

Figura 5 - Mafalda

Fonte: Quino (2003, s/p).

A imagem de incompleto, de imperfeito, pertence a uma concepção de infância

em que a criança aparece como um ser em devir, que irá completar-se somente no futuro, ou

seja, quando for adulta. A ideologia de criança que precisa ser transformada pelo adulto

permeou, e ainda permeia, muitos discursos da modernidade. Todavia, Meirieu (2004, p. 18)

diz que o desafio é pensar a infância por outra lógica, a partir daquilo que ela tem e não

daquilo que lhe falta, e ressalta que os seres humanos são seres inacabados, mas que nesse

inacabamento se mostram hombres completos que llevam entera la condición humana.

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[...] con demasiada frecuencia se confunde acabamiento com completud; ahora bien, hay que ser um espíritu superior o um ser totalmente ingenuo para pensar que una persona adulta pueda pretender, un día, considerarse terminada; seguramente, en este punto se advierte la existencia de una insuficiencia que destruye toda esperanza de humanidad. Por adelantado que esté en la vida y por mucha lucidez que tenga sobre sí mismo, ninguno de nosotros termina nunca de pasar cuentas con su infancia, y aquel que crea que se ha librado absolutamente de ella, quizá sea el más esclavo.Un hombre ‘acabado’ nos es un hombre, sino una imagen estereotipada, alguien que ha abolido definitivamente toda inquietud y cualquier clase de pregunta; en este sentido, en un ‘hombre muerto’. (MEIRIEU, 2004, p. 51, grifos do autor).

Partindo do princípio de que, como seres humanos, está-se sempre em construção,

com a criança não seria diferente. A infância não é mais a construção para o amanhã; a

criança está se constituindo agora, as crianças possuem capacidade de construir formas

sistematizadas, de significar o mundo através de uma ação intencional que difere da forma do

adulto significar e agir. Por isso que tentar definir criança e infância não é tarefa fácil, porque

para compreender a infância e os modos de ser da criança, precisa-se entender a criança a

partir das relações que estabelece com seus pares e com suas culturas.

Corsaro (2005), em seus estudos recentes, traz a contribuição de uma abordagem

da socialização na infância que denominou Reprodução Interpretativa. O termo interpretativa,

para ele, mostra os aspectos criativo e participativo das crianças em suas culturas de pares

que, ao se apropriarem de informações do mundo dos adultos, atendem a seus próprios

interesses infantis. Segundo ele, “a produção da cultura de pares pelas crianças não é uma

questão de simples imitação. As crianças apreendem criativamente informações do mundo

adulto para produzir suas culturas singulares”. (s/p). O autor define cultura de pares como:

[...] um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares. Considera a possibilidade de que essas rotinas sejam aspectos universais das culturas de pares em crianças dada sua produção em diferentes espaços e tempos. (CORSARO, 2005, s/p).

Ferreira (2002) refere uma “infância” pensada como categoria social que se pode

supor um conjunto de características sociais, biológicas e culturais partilhadas pelas

generalizações das crianças, com ênfase a todas as crianças, evidenciando a criança como ser

social, considerando a heterogeneidade, a diversidade, a biologia e o desenvolvimento

psicológico e social. É preciso contextualizá-la no tempo e no espaço, a partir do olhar de

diversas ciências. A infância não é outra coisa que o objeto de estudo de um conjunto de

saberes. Larrosa (1998, p. 69) sugere que:

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[...] a infância é o outro: o que, sempre muito além do que qualquer tentativa de captura inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio no qual se abisma o edifício bem construído de nossas instituições de acolhida. Pensar a infância como algo outro é, justamente, pensar essa inquietude, esse questionamento e esse vazio. É insistir mais uma vez: as crianças, esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não entendem nossa língua.

Assim, a infância e a criança têm sido tema de debates políticos e educacionais na

sociedade contemporânea. Sabendo que todas as concepções surgem em momentos históricos

específicos e carregam tanto as descobertas quanto os preconceitos desses momentos, é que se

considera importante iniciar o trabalho procurando estabelecer as linhas gerais sobre as

concepções de infância e de criança, não como um conjunto de ideias fechadas e prontas, mas

sim como reflexões que ajudam a entender o que ela representa na contemporaneidade. Este

capítulo traz elementos que contribuirão para elucidar as diferentes percepções da sociedade

sobre a construção do conceito infância e, principalmente, sobre a singularidade reservada às

crianças que, outrora, nem sempre existiu. A importância histórica desta temática permitirá a

compreensão da infância e da criança como fenômeno histórico, que é construído pela e na

sociedade, mas, sobretudo, permitirá pensar e respeitar a criança como ator social que, além

de se apropriar de elementos da cultura, produz cultura.

2.1 INFÂNCIAS E CRIANÇAS: UM OLHAR HISTÓRICO

Figura 6 – A criança tem um corpo e uma história

Fonte: Tonucci (1997, p. 23).

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Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores. (BARROS, 2010, p. 187).

Nesse texto, Manoel de Barros narra, de forma poética, algumas histórias de sua

infância. Pois história é o estudo dos fatos que marcaram a vida dos povos. Entender a história

é importante para a compreensão de todos os questionamentos do tempo presente. Assim, a

re-construção histórica da infância, da Idade Média até a Idade Contemporânea, tem a

intenção de fazer perceber como o sentimento de infância foi se constituindo com as ideias e

práticas de cada tempo e espaço. Para Batista (2005), a criança, ao longo da história da

humanidade, tem sido depósito de processos e transferências dos adultos. A criança é, para o

adulto, uma imagem que sustenta sua própria identidade.

A história ajuda-nos a compreender esse fenômeno de espelhos que intervém entre o adulto e a criança, eles refletem-se como dois espelhos colocados indefinidamente um diante do outro. A criança é o que acreditamos que ela seja, o reflexo do que queremos que ela seja. Só a história pode fazer-nos sentir até que ponto somos os criadores da ‘mentalidade infantil’. Em parte alguma a tomada de consciência é tão difícil quanto quando se trata de nós, e o fenômeno nos escapa quase sempre quando estamos diretamente implicados na situação. Através da história e da etnografia compreendemos a pressão que fazemos pesar sobre a criança (MERLEAU-PONTY apud BATISTA, 2005, p. 17, grifo do autor).

Dessa forma, ao se percorrer a história, percebe-se que o conceito de infância e de

criança vem sofrendo alterações. Corazza (2002, p. 79) sinaliza que “[...] as crianças estão

ausentes na história no período que compreende a Antiguidade até a Idade Média por não

existir este objeto discursivo que chamamos infância, nem esta figura social e cultural:

criança”.

Com o passar do tempo cresceu o esforço pelo conhecimento da criança em vários

campos do conhecimento. Pode-se citar o historiador francês Philippe Ariès, que publicou,

nos anos 1960, seu estudo sobre a história social da criança e da família. Em suas análises,

afirma que a preocupação com a infância inicia-se a partir do século XIX. Segundo Ariès:

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[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. (ARIÈS, 1981, p. 42).

De acordo com o mesmo autor, nos séculos XIV, XV e XVI, as crianças eram

percebidas como adultos em miniatura. O tratamento social dispensado à criança era igual ao

dos adultos. Ser criança era um período breve da vida, pois logo elas se confundiam aos mais

velhos, participavam de todos os assuntos da sociedade, adquiriam conhecimento pela

convivência social.

Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda atividade social, ou seja, nos

divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias, no domínio das armas, nas festas,

cultos e rituais. O cerimonial dessas celebrações não fazia muita questão em distinguir

claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses grupos sociais

estavam pouco claros em suas diferenciações. Conforme retratado na imagem abaixo:

Figura 7 – Ara Pacis

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

A escultura chamada Ara Pacis retrata o menino Rômulo junto de seu pai, e

ambos viviam em Roma. O menino era considerado adulto em miniatura, por isso tinha

muitos deveres. Na escultura, pode-se vê-lo vestido da mesma maneira que os adultos e

misturado a eles. Isso revela que a criança era conceituada como um adulto em pequeno

tamanho, pois executava as mesmas atividades dos mais velhos. Era como se a criança

pequena não existisse. A infância, nessa época, era vista como um estado de transição para a

vida adulta. O indivíduo só passava a existir quando podia se envolver e participar da vida

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adulta. Ariès (1981) reafirma essa ideia quando

aponta seis etapas de vida. As três primeiras, que correspondem à 1ª idade (nascimento / 7 anos), 2ª idade (7 - 14 anos) e 3ª idade (14 - 21 anos), eram etapas não valorizadas pela sociedade. Somente a partir da 4ª idade, a juventude (21 - 45 anos), as pessoas começavam a ser reconhecidas socialmente. Ainda existiam a 5ª idade (a senectude), considerando a pessoa que não era velha, mas que já tinha passado da juventude; e a 6ª idade (a velhice), dos 60 anos em diante até a morte. Tais etapas alimentavam, desde esta época, a ideia de uma vida dividida em fases. Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. (ARIÈS, 1981, p. 35).

Nessa fase, as crianças eram representadas nas pinturas, nos objetos e na mobília,

em datas solenes para a família. As crianças, quando retratadas, tinham a aparência de adultos

em miniatura. No mundo das fórmulas românicas até o fim do século XIII não existiam

crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido

(ARIÈS, 1981), como mostra a próxima imagem abaixo:

Figura 8 - As meninas de Velasquez, 1656

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

No quadro de Velásquez, “As meninas”, pintado em meados do século XVII, a

figura principal é Margarida, que tem aproximadamente cinco anos. Ela é a alegria e a

distração dos seus pais, pois é a única sobrevivente dos vários filhos que foram nascendo e

falecendo. Com sua vestimenta, que tem saia com uma armação de ferro e o corpete que fica

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bem apertado para lhe dar cintura, não pode correr, brincar, desenhar, etc. É importante

também observar a postura rígida dos corpos, que sugere movimentos contidos.

A forma de se vestir tornava os meninos pequenos homens e as meninas,

pequenas mulheres, o que levaria a criança a entender-se em um mundo de adultos, revelando,

assim, a falta de sentimento quanto a este ser infantil, pois o mesmo irá seguir, nesse período,

os mesmos rumos que o adulto em sua trajetória diária, o mundo que servia ao adulto também

era adequado, nessa época, para a criança.

A criança, como vimos não estava ausente da Idade Média, ao menos a partir do século XIII, mas nunca era o modelo de retrato de uma infância real [...] A descoberta da infância começou, sem dúvida no século XIII, e a sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do século XVI e durante o século XVII. [...] Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também neste século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. (ARIÈS, 1981, p. 21-28).

Ariès (1981) pôde constatar, em seus estudos, que houve progressivas mudanças

no tratamento com as crianças, principalmente entre os séculos XVI e XIX. A mudança na

vestimenta beneficiou, em primeiro lugar, os meninos, em especial, os meninos nobres:

Se nos limitarmos ao testemunho fornecido pelo traje, concluiremos que a particularização da infância durante muito tempo se restringiu aos meninos. O que é certo é que isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje dos adultos: Jamais são representadas usando vestidos compridos ou mangas falsas. (ARIÈS, 1981, p. 81).

A seguir, apresenta-se uma imagem extraída de um banco de dados do Google

(2013) do início do século XX, em que se observam crianças com postura e roupas de adulto,

na porta de uma fábrica, com cigarro na boca, demonstrando que parecia “normal” as crianças

trabalharem e fumarem.

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Figura 9 - Adulto em miniatura

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

O fato de as crianças trabalharem, infelizmente, não pertence ao passado, é ainda

visível nos dias de hoje, seja nos centros urbanos, vendendo em sinais de trânsito, pedindo

esmolas ou exercendo serviços diversos, seja nas áreas rurais, nas lavouras domésticas ou na

monocultura, crianças de várias idades contribuem efetivamente para a economia doméstica,

deixando a escola e a brincadeira em segundo plano. São os trabalhadores invisíveis,

exercendo um papel produtivo com a infância atravessada e sonhos adiados.

A imagem a seguir é de uma revista infantil de março de 2013, que mostra um

menino com tatuagem no braço, roupas e cabelos “descolados”, trazendo à tona dois

questionamentos: será que se deixou de ver a criança como “adulto em miniatura”? É possível

romper com este paradigma?

Figura 10 - Adulto em miniatura

Fonte: REVISTA RECREIO (Online), 2013.

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Não é simples mudar os padrões da infância, pois eles estão presentes desde as

concepções e formas de agir com a criança em âmbito familiar às políticas públicas. Como

evidenciam Sarmento e Pinto (1997, p. 12), pensa-se a criança tanto como alguém dotado de

competências e capacidades, como alguém em falta; discute-se a autonomia da criança e, ao

mesmo tempo, criam-se instrumentos de controle e tutela cada vez mais sofisticados, sabe-se

da necessidade de atenção que a criança pequena necessita e nunca os pais tiveram tão pouco

tempo de convivência com os filhos; condena-se o trabalho e a prostituição infantis e, a cada

dia, o número de crianças vivendo em absoluta pobreza aumenta e não se consegue tirá-las

das situações de risco e violência; discutem-se os direitos da criança, mas não se criam

condições para as suas garantias.

A partir dessas reflexões, é preciso pensar sobre como se está tratando a criança e

a infância nos dias de hoje. Conforme Postman (1999), a infância, da mesma forma como

apareceu ou foi concebida, pode estar prestes a desaparecer, pois com o advento dos meios de

comunicação de massa (televisão, telefone, internet, etc.), as crianças passam a partilhar

novamente (se é que deixaram de partilhar) do mundo dos adultos. Hoje, muitas crianças

cumprem obrigações e compromissos iguais aos adultos, independente da classe social em

que estão inseridas.

Criança pequena com agenda lotada. A televisão que se transforma em babá. Os pais ausentes. Carinho transformado em objeto [...] Erotização da infância. Sexualidade. Publicidade. Cultura do consumo. [...] Individualismo desencadeado pela ausência do outro. Apagamento da relação de alteridade. Criança sozinha. Criança que manda nos pais. Esses são alguns dos fragmentos que compõem o contexto da infância contemporânea. (PEREIRA; SOUZA, 2005, p. 37).

Indagar os critérios utilizados para identificar se as crianças têm ou não infância,

de que forma elas vivem a sua vida, ou usufruem a sua condição de sujeitos infantis, remete às

formas sociais de organização da vida. A partir daí, a infância ou as infâncias estão situadas

nos lugares que as diferentes sociedades reservam para elas: infâncias múltiplas,

diversificadas, constituídas em diferentes culturas, contexto social, tempos e espaços de vida.

Assim, não pode ser vista como uma infância do passado e nem mesmo uma infância do

futuro. Só pode ser vista a partir de outro lugar, de outro olhar.

Ao lançar um olhar atento e sensível sobre a criança e a infância, pode-se ampliar

os olhares para a significação da infância, tendo em vista sua trajetória dentro de uma

sociedade que a concebia à margem das classes sociais, do meio cultural ou das condições

socioeconômicas. Mas é preciso questionar: será que no contexto atual, a particularidade da

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infância é reconhecida da mesma forma para todas as crianças? Delgado (2003) esclarece que,

mesmo havendo todo um processo histórico até a sociedade valorizar a infância, a

especificidade/singularidade da mesma não será reconhecida para todas as crianças.

Na prática, este caráter universal vai perdendo sua extensão com as diferenças de classe, de gênero e de raça. Todas são concebidas como crianças no que diz respeito ao dado biológico, mas nem todas vivem a infância da mesma forma no que diz respeito às condições sociais, culturais e econômicas. (DELGADO, 2003, s/p).

Para a mesma autora (2003), é preciso conhecer mais sobre quem são essas

crianças, o que elas têm em comum, o que partilham entre si, em vários lugares deste país e

fora dele também, e, ainda, o que as distingue umas das outras. É necessário romper as

representações hegemônicas, pois, segundo afirma, as crianças se distinguem umas das outras

nos tempos, nos espaços, nas diversas formas de socialização, interação, nos trabalhos, no

tempo de escolarização, nos tipos de brincadeiras, em seu modo de vestir, nos gostos, ou seja,

nos modos de ser e estar no mundo.

Assim, a infância é historicamente construída a partir de um processo de longa

duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e

referenciais do seu lugar na sociedade. Fazem parte desse processo as variações demográficas,

as relações econômicas e os impactos diferenciados nos diferentes grupos etários, as políticas

públicas, tanto quanto os dispositivos simbólicos, as práticas sociais e os estilos de vida das

crianças e dos adultos. (SARMENTO, 2005, p. 36).

Refletindo sobre a concepção de criança que permeia a contemporaneidade, tempo

em que ela é considerada como sujeito histórico, cidadão de direito, depara-se com a seguinte

indagação: o que significa dizer que a criança é um sujeito de direitos? Como, na atualidade, a

sociedade olha para essa criança? Para responder a essas questões, recorre-se aos estudos de

Sarmento (2005, p. 20), que diz que considerar a criança como sujeito histórico e de direitos é

levar em conta que ela se desenvolve nas interações, nas relações e nas práticas a ela

proporcionadas cotidianamente, bem como nas relações que estabelece com adultos e outras

crianças de diferentes idades, nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. É preciso

garantir à criança um ambiente rico de experiências significativas.

Dessa forma, pode-se dizer que conhecer as infâncias e as crianças é decisivo para

a revelação da sociedade como um todo, nas suas contribuições e complexidade. Mas é

também condição necessária para a construção de políticas integradas para a

infância, capazes de garantir os direitos conquistados ao longo de sua história, dando

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visibilidade às suas falas, expressões e sentimentos.

2.1.1 A criança como sujeito de direitos

Figura 11 - Declaração dos direitos da criança, comentada por Mafalda

Fonte: Quino (2003, p. 120).

O direito da criança Embora eu não seja rei,

Decreto, neste país, Que toda criança

Tem o direito de ser feliz! (RUTH ROCHA)

A criança, desde o princípio da história, teve influência da dominação do adulto,

sendo ele quem, muitas vezes, lhe atribuiu a função social. Cerisara (2004) esclarece que,

durante parte desse tempo, as crianças eram vistas apenas como seres biológicos, não havia

estatuto social que normatizasse ou registrasse sua existência. Considera, ainda, que, apesar

de ter havido sempre crianças, seres biológicos, nem sempre houve infância, com categoria

social de estatuto próprio.

A partir do século XX, e com a confirmação dos direitos humanos, houve a

elevação da criança à condição de sujeito de direito. A caminhada pelo reconhecimento dos

direitos da criança é fortalecida pelos discursos legais e pedagógicos que se assentavam na

especificidade da infância, na busca de sua autonomia e liberdade. Soares (1997, p. 102)

explica que diversas ciências (Pedagogia, Medicina Infantil e Psicologia) contribuíram para

fortalecer a tendência de se separarem as crianças dos adultos “como uma categoria social

especialmente vulnerável com necessidades de proteção”. Nesse sentido, as declarações

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internacionais voltadas para os direitos da criança seguiram a mesma orientação, ou seja,

reconheceram, inicialmente, a ideia de que “as crianças eram as fontes humanas essenciais, de

cuja dimensão maturacional iria depender o futuro da sociedade”. (HART apud SOARES,

1997, p. 102). Além disso, há que se acrescentar a pertinência da conexão íntima entre a

trajetória da constituição da concepção da infância e o processo de reconhecimento dos seus

direitos. Na visão de Soares (1997, p. 101), os conceitos claros e validades acerca do que se

entende por criança ou infância “são aquisições relativamente recentes, também a construção

de direitos que dessem resposta a necessidades específicas desta categoria social têm que ser,

necessariamente, conquistas recentes”.

Atualmente, muitas crianças vivem em condição de exclusão e de invisibilidade.

Essa situação ocorre quando elas não têm acesso a um ambiente que as “proteja contra

violência, abusos e exploração, ou quando não têm acesso a serviços e bens essenciais, sendo

ameaçadas quanto à sua possibilidade de participar plenamente na sociedade no futuro”.

(UNICEF, 2006, p. 7). Nesse contexto, o relatório do UNICEF conclui que as crianças

excluídas “tornam-se invisíveis – tendo seus direitos negados, sendo fisicamente ignoradas

em suas comunidades, impossibilitadas de frequentar a escola, e imperceptíveis para o olhar

oficial”. (UNICEF, 2006, p. 35).

Em casos extremos, as crianças podem tornar-se invisíveis, efetivamente desaparecendo dentro de suas famílias, de suas comunidades e de suas sociedades, assim como desaparecem para governos, doadores, sociedade civil, meios de comunicação e até mesmo para outras crianças. Para milhões de crianças, a principal causa de sua invisibilidade são as violações de seu direito à proteção. É difícil obter evidências consistentes da amplitude dessas violações, porém há diversos fatores que parecem básicos para aumentar os riscos que ameaçam tornar as crianças invisíveis: ausência ou perda de uma identificação formal; proteção inadequada do Estado para crianças que não contam com cuidados por parte dos pais; exploração de crianças por meio do tráfico e de trabalho forçado; e o envolvimento prematuro da criança com papéis que cabem aos adultos, como casamento, trabalho perigoso e conflitos armados. Entre as crianças afetadas por esses fatores estão aquelas que não foram registradas ao nascer, crianças refugiadas e deslocadas, órfãos, crianças de rua, crianças em prisões. (UNICEF, 2006, p. 35).

Para diminuir as diferenças existentes e salvaguardar as crianças de serem

vitimizadas pela sociedade, aos poucos, surgem legislações para que os seus direitos sejam

garantidos. É o caso de três documentos internacionais, voltados para os direitos da criança,

que marcaram a trajetória da concepção atual da criança como sujeito de direitos. São eles: a

Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra (DDC) (ONU7, 1924), a Declaração

sobre os Direitos da Criança (DUDC, 1959) e a Convenção Internacional dos Direitos da

7 ONU – Organização das Nações Unidas.

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Criança (CDC, 1989), essa última ratificada pelo Brasil em 24/9/90. Esses documentos deram

impulso à consolidação do estatuto da infância como um lugar de direitos por terem

reconhecido e assumido, de forma expressa e clara, os compromissos com o modo de ser

infantil.

Sobre a Declaração de Genebra (DDC) (ONU, 1924), apesar de ter sido aprovada

pelos Estados-membros de uma assembleia internacional, é preciso realçar que se caracteriza

por não atender a uma obrigatoriedade da sua aplicação (sem caráter vinculativo), na medida

em que não evocava, de forma precisa e clara, obrigações a serem seguidas pelos Estados

signatários. Cabe frisar que ela é uma declaração e não um acordo e, por isso, tem apenas um

valor moral e não força de uma lei internacional. Mas, apesar disso, foi a partir desse

documento que surgiu o momento-chave de um percurso de construção e consolidação da

ideia das crianças como sujeitos de direitos.

O Brasil possui uma das legislações mais avançadas a respeito dos direitos

voltados à criança e ao adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído

pela Lei Complementar nº 8.069/1990, é “um instrumento jurídico que transpõe para o plano

nacional os direitos previstos na Convenção dos Direitos da Criança, prevê a adoção de

mecanismos e fornece diretrizes para que as políticas públicas possam estar equipadas para

promover os direitos da criança”. (PESSOA, 2005, p. 95). O Relatório Consolidado ao

Comitê sobre os Direitos da Criança (BRASIL, 2003, p. 3) estabelece que:

a caracterização dos direitos das crianças e dos adolescentes como direitos humanos realça a inalienabilidade desses direitos e compromete o Estado, tanto no âmbito interno quanto internacional, a respeitá-los, defendê-los e promovê-los. Ademais, absoluta prioridade deve ser conferida a estes direitos, bem como ao atendimento das necessidades da criança e do adolescente (BRASIL, 2003, p. 10).

Ao entender crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e afirmar a

existência de uma cidadania especial para tais sujeitos, busca-se estabelecer um contraponto à

noção de que crianças e adolescentes são meros objetos de intervenção. Não se trata de um

simples jogo de palavras entre sujeitos e objetos. A passagem da condição de objetos para

sujeitos de direitos significa a mudança de concepções e de princípios norteadores de práticas

que procuram, sim, mudar a realidade. Nessa perspectiva, Soares (1997) elucida que qualquer

sociedade que reconheça os direitos das crianças as considera como pessoas com um estatuto

socialmente reconhecido. No entanto, a autora observa que isso significa não tratá-las como

adultos e sim entender que são vulneráveis e “devido a tal precisam de consideração e

serviços especiais diferentes dos adultos”. (p. 119).

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O Estatuto da Criança e do Adolescente define criança como a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos e adolescente como sendo aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade (artigo 2º), desdobrando, portanto, o conceito de criança contido na Convenção em duas fases da vida e desenvolvimento (BRASIL, 2014, s/p).

Desse modo, na busca por obter o patamar mínimo de igualdade, tão caro à

dignidade humana, a Carta Magna (CF/888) situou os direitos fundamentais da criança e do

adolescente no polo das prestações positivas a fim de assegurar a eles direitos, maior

efetividade, com absoluta prioridade, sendo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

A partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de

1989, uma nova doutrina surgiu. Trata-se da doutrina da Proteção Integral que foi adotada no

Brasil pela Constituição Federal e, de forma mais detalhada, pelo ECA. Criança e adolescente

são definidos não mais pela situação em que se encontram, mas por serem titulares de direitos.

Nesse sentido, o ECA, antes mesmo de detalhar o que fazer em casos das crianças e

adolescentes estarem em situação de risco social, trouxe um rol de direitos. Sua primeira parte

é sobre os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Assim, apresenta uma

extensa lista: o direito à vida e à saúde, o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, o

direito à convivência familiar e comunitária, o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao

lazer, o direito à profissionalização e à proteção no trabalho. É por estabelecer uma gramática

de direitos especiais às crianças e aos adolescentes que se pode falar que a proteção integral

garante a cidadania a essa parcela da população em especial. Tais direitos são estabelecidos

levando-se em consideração a condição peculiar desses sujeitos de direitos, por isso se fala em

cidadania especial. (BRASIL, 2014).

A situação que se pretende superar é aquela na qual criança e adolescente eram

tratados como objetos de tutela seja por parte da família, da sociedade e do próprio Estado. É

dessa forma que a cidadania da criança e do adolescente deve ser compreendida. Crianças e

adolescentes não são o futuro, como muito já se propagou, ao contrário, são o presente. E o

presente é imediato, já que criança e adolescente têm prioridade absoluta, em razão da

8 CF/88 – Constituição Federal de 1988.

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condição de serem pessoas em desenvolvimento. Pois como atesta Tonucci (2005, p. 83), “a

criança não é um futuro homem, uma futura mulher ou um futuro cidadão. Ela é uma pessoa

titular de direitos, com uma maneira própria de pensar e ver o mundo”. Significa, então, que a

família, a sociedade e o Estado estão obrigados a garantir os direitos de cidadania a essa

parcela da população.

A responsabilidade é de todos. Essa foi a aposta feita pela Lei Maior. Mas, para

fazer valer o artigo 227, foi promulgada a Lei Complementar nº 8.069/1990, instituindo o

ECA, onde estão descritos os direitos das crianças e dos adolescentes, bem como as

obrigações da família, da sociedade e do governo para com eles. O essencial é que essa lei diz

que a criança e o adolescente são prioridade no Estado brasileiro e que devem receber todos

os cuidados referentes à sua proteção e desenvolvimento. Como propõe este artigo do ECA:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (PESSOA, 2005, p. 65).

Todavia, atualmente, passado o momento histórico destas conquistas que foram a

criação do ECA e a adoção da doutrina da proteção integral, muitas críticas são feitas ao

Estatuto, muitas no sentido de apontar que se trata de uma lei muito boa, mas que não é

aplicada e que, inclusive, estaria mais adequada a países ditos do primeiro mundo.

De fato, quando se olha para a realidade, percebe-se que, constantemente, criança

e adolescente não são tratados como cidadãos e seus direitos são, com frequência, violados ou

não promovidos. Mas, não se pode esquecer que a lei tem uma função pedagógica, pois

estabelece direitos; embora, muitas vezes, as leis não sejam cumpridas. No entanto, elas

servem também como parâmetro para direcionar cobranças sobre os direitos da criança. Como

disse o professor Emilio Garcia Mendez9, a lei é uma eterna tensão entre os direitos e a

realidade.

Assim, é preciso conhecer as leis que protegem a criança e que a tornam sujeito de

direitos, garantindo uma possibilidade de mudança da realidade.

9 Jurista argentino, professor de criminologia da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires.

Consultor autônomo da UNICEF para a América Latina e Caribe.

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2.2 O DIREITO DAS CRIANÇAS AO JOGO E À BRINCADEIRA

Figura 12 - O direito ao jogo

Fonte: Tonucci (2005, p. 38).

Quintal Brincar no quintal

Prá renascer a criança Moleque levado saci-pererê...

Que quer andar solto no mato,

Mas vive trancado dentro de você (BIA BEDRAN)

No desenho de Tonucci (2005), observa-se uma criança mostrando o artigo 31 da

Declaração dos Direitos da Criança a um policial. Com esse desenho, Tonucci chama atenção

para o fato de que, em muitos países, por várias razões, o trabalho foi valorizado em

detrimento do ócio. A atividade de brincar foi (e ainda é) considerada por alguns grupos como

pura “perda de tempo”. Essa postura causa inúmeros prejuízos ao desenvolvimento de

crianças. Por isso é importante conhecer e respeitar essa Declaração da qual o Brasil faz parte,

e que foi adotada pela Assembleia da ONU em 1959, tendo em conta o compromisso de que a

criança “deve ter plena oportunidade para brincar e recreação”. Este compromisso foi

reforçado na CDC, que, em 1989, reconheceu explicitamente o “direito da criança ao

descanso, lazer, brincar, atividades recreativas e livre e plena participação na vida cultural e

artística”. Como dispõe o artigo 31 da CDC (1989, p. 23):

1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística.

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2. Os Estados Partes respeitarão e promoverão o direito da criança de participar plenamente da vida cultural e artística e encorajarão a criação de oportunidades adequadas, em condições de igualdade, para que participem da vida cultural, artística, recreativa e de lazer.

No Brasil, até o final da década de 1980, nenhuma constituição havia citado os

direitos específicos da criança. Frequentemente, esses direitos estavam contemplados no

Direito da Família e da Assistência e, quando mencionavam a infância, utilizavam termos

como “cuidar”, “assistir” ou “amparar”. Foi somente a partir da Constituição de 1988 que,

pela primeira vez, apareceram os direitos específicos da criança. Logo depois, o governo

brasileiro sanciona a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que estabelece o ECA e, através do

Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro 1990 aprova o texto da Convenção sobre os

Direitos da Criança, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de

1989. Portanto, o Estado tem o dever de garantir os direitos da criança ajustando o seu

contexto na busca de efetivá-los por meio de ações concretas, de mudança de postura e de

transformação. Enfim, o Estado tem que reconhecer a criança como sujeito de direito.

Com o artigo 227 da CF/88, o brincar aparece implicitamente quando se

compreende a junção dos direitos ao lazer, que é muito mais do que um “direito ao ócio”, pois

o brincar é a manifestação mais autêntica de ser criança. Reconhecer o brincar como um

direito é promover o bem-estar da criança e a valorização de sua individualidade como pessoa

e cidadã. (BRASIL, 1988). Por sua vez, o ECA indica, no seu artigo 4º, que

é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. (p. 01).

E, no artigo 16, parágrafo IV, dispõe que “o direito à liberdade compreende os

seguintes aspectos: brincar, praticar esportes e divertir-se” (p. 03). O brincar como

manifestação do direito de liberdade da criança é um dos fundamentos do princípio da

dignidade de sua pessoa. O reconhecimento do direito de brincar exposto no artigo 16 do

ECA demonstra que a luta pelo reconhecimento da dignidade da infância venceu uma prova

importante na aceitação dos ideais e da forma de vida infantil. O brincar consiste no direito de

liberdade de ação da criança no sentido de que ela tem a possibilidade de escolha e de ação de

acordo com suas motivações próprias.

O artigo 12 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de

1989 (UNCRC) vai ao encontro do artigo 16 do ECA quando diz que ter o direito de brincar

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inclui fazer escolhas sobre o tipo de brincadeira que as crianças apreciariam: com quem, onde,

com que e por quanto tempo elas gostariam de brincar. As crianças também podem dar

opinião sobre a forma como elas desejariam que seus ambientes de brincadeira fossem

projetados e construídos e fazer parte desse processo de planejamento desde o início.

A partir do momento em que as crianças são capazes de comunicar sua opinião, as

informações podem ser compartilhadas com elas para ajudar na tomada de decisões sobre a

escolha do brincar. Os adultos também precisam reconhecer que as crianças podem ser

agentes e criadoras do brincar, para isso é imprescindível que as crianças sejam livres para

escolher as atividades que são mais significativas para elas dentre as opções disponíveis. E, tal

como acontece com outros direitos, o direito de brincar das crianças pode ser desfrutado com

a participação e em parceria com os adultos, que podem fazer parte do brincar, ou ficar

mantendo um olhar atento e uma escuta sensível para mediar quando necessário.

Considerar o brincar como um direito da criança é reconhecer e vivenciar as mais

diversificadas possibilidades de interação com o mundo, assegurando à criança a

possibilidade de manifestar vivências insubstituíveis que propiciem o seu desenvolvimento

integral. Além disso, as brincadeiras oferecem oportunidades para o desenvolvimento de

habilidades intelectuais como: propor soluções, negociar, fazer estimativas, contabilizar,

planejar, comparar e julgar. As crianças que aprendem a brincar, controlando livremente as

brincadeiras, sentem um prazer natural com isso e tendem a manter o interesse por essas

atividades. Brincar permite que as crianças explorem o mundo e encontrem seu lugar nele.

Ajuda a aprender, a vencer e a perder, uma vez que influencia o autocontrole. Enquanto

brincam, as crianças adquirem os conceitos de valores, limites e responsabilidades, recebendo

informações sobre o que podem e o que não podem fazer.

É preciso, então, crer no potencial do brincar, pois brincar é muito mais que uma

contribuição para o desenvolvimento individual e coletivo das crianças. Brincar é abertura

para a imaginação, é dar vez a aventuras criativas, é apostar no potencial humano de

construção de uma cultura de paz e implica não apenas reconhecer, mas consolidar de fato o

protagonismo infantil. Vive-se em sociedades marcadas pela desigualdade social que viola

sistematicamente os direitos humanos das crianças. Lutar pela efetivação do direito de brincar

significa, portanto, reforçar a luta pela redução da distância gritante entre os marcos legais

vigentes e a realidade excludente e violadora de direitos.

O brincar é essencialmente um direito da criança que é reconhecida como pessoa

com interesses, desejos e vontades muito singulares. No entanto, sabe-se que o cumprimento

das leis depende tanto da ação dos gestores públicos quanto da postura ética dos cidadãos, que

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podem e devem se engajar na defesa dos direitos por elas assegurados. O engajamento

consciente depende de informações qualificadas e atitudes que efetivamente garantam os

direitos de todas as crianças, sem exceção. Essa é a principal razão pela qual a disseminação

ampla sobre a importância do brincar no desenvolvimento saudável das crianças, bem como a

conscientização sobre a defesa desse direito, precisa destacar a relevância do envolvimento

massivo no processo de educação para todos os públicos, visando a melhorar o entendimento

sobre o tema. Vale lembrar que é preciso comunicar aos legisladores e gestores públicos de

todas as áreas sobre a necessidade de se incluir o brincar em todos os programas voltados para

as crianças; é fundamental também capacitar os profissionais que atuam, ou que vão atuar,

com e para as crianças, no sentido de que compreendam a importância e as estratégias para se

garantir o direito de brincar.

Brincar é um direito de todas as crianças porque é vital para o seu

desenvolvimento e bem-estar. Isso está reconhecido na Convenção das Nações Unidas sobre

os Direitos da Criança (artigo 31) e no ECA do Brasil (artigos 4º e 16) como o direito das

crianças ao brincar, recreação, lazer, arte e atividades culturais. Ambos os documentos

afirmam muito claramente que o brincar não é opcional, é essencial na vida das crianças.

Como visto, a sociedade em geral deve reconhecer o brincar como elemento

primordial para um desenvolvimento pleno e saudável das crianças, aquilo que as ajuda a

compreender e se relacionar com o meio, estimula a cooperação, desenvolve a iniciativa, a

curiosidade, o interesse e o senso de responsabilidade. Assim, precisa-se reconhecer o brincar

como um direito a ser defendido e garantido, como um elemento indispensável para que a

criança se desenvolva de forma plena, saudável e feliz.

2.2.1 Sobre a importância do brincar

Figura 13 - É melhor com os avós

Fonte: Tonucci (2005, p. 81).

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“Nós não paramos de brincar porque envelhecemos. Mas envelhecemos porque paramos de brincar.”

(GEORGE BERNARD SHAW)

Quando se fala em jogo e brincadeira, lembra-se da infância e da criança,

especialmente quando se entende que o jogo e a brincadeira são meios significativos de

interação da criança com a realidade. Por isso, compreender a relação entre o jogo, a

brincadeira e a criança torna-se essencial para que se entenda a criança e seu jeito particular

de ver o mundo.

Pretende-se abordar o jogo e a brincadeira em uma perspectiva da reprodução

social, cultural e histórica, além de conhecer a importância da brincadeira como forma

privilegiada de as crianças conhecerem, compreenderem e se expressarem no mundo, pois

brincar é uma das formas mais clássicas que a criança tem de se expressar; quando brincam

elas se desenvolvem de forma integral. Logo, conhecer e atribuir a importância do brincar

para a infância faz-se necessário.

Nesse cenário, é importante que se identifique como ocorriam os jogos e as

brincadeiras em outros tempos históricos. Ao longo de diferentes processos civilizatórios, o

jogo sempre se fez presente como eixo central nas relações humanas, sob a forma de rituais,

mitos, trabalho, festividades ou divertimentos. Julga-se, portanto, fundamental expor,

brevemente, como os jogos e as brincadeiras foram percebidos, explicados e apresentados na

história.

Ver-se-á, a seguir, uma das obras mais antigas que relatam os jogos e as

brincadeiras. Esta obra, que tem por título Jogos Infantis, datada do ano de 1560, é do artista

Pieter Brueghel. A mesma evidencia 84 brincadeiras, algumas delas não existem mais, foram

apagadas da memória. Outras existem até hoje, com inúmeras variações. Porém, há algo

muito diferente nesta obra. Crianças anônimas, nenhuma delas ri. Assemelham-se a pequenos

adultos tristes, que apenas se ocupam de uma atividade.

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Figura 14 - Jogos Infantis, Pieter Brueghel, 1560

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

Se bem observada, percebem-se, na imagem, crianças vestidas como adultos, ou

adultos brincando como crianças, ou adultos e crianças brincando juntos. Esse dualismo entre

a infância e a idade adulta é evidenciado pelo pintor, pois como esclarece Ariès (1981):

Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda atividade social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias, no domínio das armas, nas festas, cultos e rituais. O cerimonial dessas celebrações não fazia muita questão em distinguir claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses grupos sociais estavam pouco claros em suas diferenciações. (ARIÈS, 1981, p. 21).

Como atividades associadas à infância, os jogos e as brincadeiras requerem

sempre uma atenção especial e precisam ser investigadas em seus múltiplos aspectos. Estudar

o jogo é também estudar por que e como esse termo é empregado. É evidenciar estratégias

linguísticas. Dizer a uma criança para ir brincar não é algo neutro; é situar esse

comportamento em uma lógica social, em que cada atividade tem um sentido preciso. Essa

lógica não é puramente linguística, mas remete à organização da sociedade, das atividades

produtivas e não produtivas (BROUGÈRE, 2003, p. 30).

Os brinquedos podem descrever uma linha de tempo contando o avanço do

homem desde os primórdios até a atualidade social, cultural e até política. Brougère (1998) e

Wajskop (2005) vão além ao considerarem que o brinquedo é um objeto cultural que, como

muitos objetos construídos pelos homens, tem significados e representações. Em outras

palavras, a interpretação do brinquedo sempre se faz no contexto específico de uma cultura.

(BROUGÈRE, 1998, p. 43). Resgatando a história, obter-se-ão elementos capazes de contar

os costumes das civilizações.

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Ariès (1981) relata que até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a

infância, e nem ao menos tentavam representá-la. É difícil imaginar que antigamente as

crianças pudessem brincar e até mesmo desenvolver brinquedos, exercer o seu papel como

deveriam, isto é, elas entravam no mundo dos adultos e não se diferenciavam deles.

Os brinquedos, geralmente, eram objetos do mundo dos adultos que as crianças

adaptavam conforme suas necessidades. Como explica Ariès (1981, p. 75), “alguns deles

nasceram do espírito de emulação das crianças, que as leva a imitar as atitudes dos adultos,

reduzindo-as à sua escala: foi o caso do cavalo de pau, numa época em que o cavalo era o

principal meio de transporte e de tração.” As crianças viam os adultos trabalhando ou

exercendo alguma atividade e, como consequência, queriam imitá-los, tomando certos objetos

como se fossem brinquedos, adaptando-os segundo as suas vontades. Fröebel

expõe que o brinquedo tem um valor simbólico que domina a função do objeto, ou seja, o simbólico torna-se a função do próprio objeto. Um cabo de vassoura pode exemplificar esta relação entre função e valor simbólico. A função de um cabo de vassoura pode mudar nas mãos de uma criança que, simbolicamente, o transforma em um cavalo. O mundo do tempo livre das crianças, especialmente de seus jogos, é cheio de sentido e significação, é simbólico, quer dizer, suas manifestações exteriores e suas formas exprimem certos estados e certos graus de desenvolvimento da vida interior do espírito humano, exprimem propriedades e exigências da própria essência do homem (FRÖEBEL apud BROUGÈRE, 2003, p. 69).

Pode-se perceber que todos os brinquedos das crianças tinham significados e

representações, podendo ser diferentes de acordo com a cultura, com o contexto e com a

época na qual estavam inseridos os objetos. O brinquedo é o produto de uma sociedade e,

como objeto lúdico da infância, possui funções sociais.

Conhecendo a história da origem do brinquedo, é possível ressaltar que é preciso

compreender o papel do jogo e do brinquedo dentro do projeto de modernidade instalado a

partir do século XVIII, com o Iluminismo. Segundo Volpato (2002).

é preciso atentar para as transformações nas relações sociais que interferem e modificam valores, conceitos e atitudes em relação ao jogo e ao brinquedo nas sociedades modernas. Nesse sentido, é importante assinalar que os jogos sempre foram instrumentos importantes nas sociedades como elemento de socialização, inclusive quando o trabalho não tinha a importância que adquiriu na sociedade industrial, quando adultos, crianças e jovens viviam, trabalhavam e jogavam juntos em celebração. (VOLPATO, 2002, p. 39).

Assim, o sentido que se atribui ao brincar e jogar é amplo e as pesquisas

realizadas nesse campo pela História, Psicologia, Antropologia, Filosofia e outras áreas do

conhecimento são insuficientes devido à complexidade da temática. No entanto, é recente a

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preocupação das Ciências Humanas com o brincar enquanto uma particularidade da

“infância”. A psicologia infantil, constituindo-se sob suas diversas formas, tendo origem no

pensamento romântico e na Biologia ao mesmo tempo, apossou-se do jogo, “[...] construindo

uma ciência do jogo que torna totalmente natural esse fenômeno, ocultando sua dimensão

social para fazer dele o lugar de uma expressão espontânea da criança” (BROUGÈRE, 1998,

p. 98).

Na verdade, é necessário distinguir jogo de brincadeira, mas essa tarefa não é

fácil, pois quando se pronuncia essas duas palavras, pode-se entendê-las de modo diferente.

Cada contexto constrói uma imagem do jogo ou de brincadeira conforme seus valores e modo

de vida. Para Kishimoto (1999, p. 21, grifo do autor),

o brinquedo como o objeto suporte da brincadeira: [...] o brinquedo contém sempre uma referência ao tempo da infância do adulto com representações veiculadas pela memória e imaginação. O vocábulo ‘brinquedo’ não pode ser reduzido à pluralidade de sentidos do jogo, pois coloca a criança e tem uma dimensão material para fazer fluir o imaginário infantil. E a brincadeira? É a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Desta forma, o brinquedo e a brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se confundem com o jogo.

Por isso, confere-se, a seguir, o que alguns autores, como Bomtempo e

colaboradores (1986), Friedmann (1996), Kishimoto (1999), Alves (2001) e outros afirmam a

respeito desses dois conceitos.

Inicia-se este estudo, primeiramente, observando a origem da palavra brincar, que

vem do latim, vinculum, que quer dizer laço, algema, e é derivada do verbo vincire, que

significa prender, seduzir, encantar. Vinculum virou brinco e originou o verbo brincar. Dessa

forma, brincar constitui-se uma atividade de ligação ou vínculo. (FERREIRA, 1999).

No Dicionário de Língua Portuguesa Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 286), jogar,

do latim jocare, tem o sentido de “entregar-se ao; tomar parte no jogo de; executar as diversas

combinações de um jogo; aventurar-se ou arriscar-se ao jogo; perder no jogo; dizer ou fazer

brincadeira; harmonizar-se” (p. 439). Brincar, de “brinco+ar”, tem o sentido de “divertir-se

infantilmente; entreter-se em jogos de criança; recrear-se; distrair-se; saltar; pular; dançar” (p.

286). Percebe-se que há uma dificuldade em definir os termos “jogar” e “brincar”, pois ambos

têm uma fronteira comum, indicando um grau de subjetividade, em que estas atividades estão

implícitas.

O Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (BORBA, 2004, p. 811)

conceitua a palavra jogo como: “atividade recreativa sujeita a regras em que se estabelecem

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quem perde e quem ganha, com participantes que disputam uma premiação ou jogam por

prazer; atividade espontânea das crianças; brinquedo; brincadeira.”

Kishimoto (1996) assegura que os verbos brincar e jogar, em português, não têm

significados tão amplos quanto os seus correspondentes em inglês e francês. A mesma autora

aborda que, no cotidiano da língua portuguesa, os verbos brincar e jogar também podem ter

outros sentidos, entretanto, seu significado principal está relacionado à atividade lúdica

infantil. Ainda, na língua portuguesa, existe uma falta de discriminação na utilização dos

termos brincar e jogar. Mesmo estando o vocábulo jogar diferenciado de brincar pelo

aparecimento das regras explícitas, a utilização de ambos, muitas vezes, se confunde. Para

esclarecer essa quantidade de significados dos termos, Brougère (2003) descreve sobre a

necessidade de investigar a utilização dessas palavras no contexto social e cultural no qual se

encontram e são empregadas. Para ele, além de o jogo estar associado ao papel social da

infância, este aparece “[...] mais como um comportamento social do que como um

comportamento natural” (p. 30). Um termo é empregado em um contexto particular, em

função de objetivos.

Bomtempo e colaboradores (1986) referem que a brincadeira é uma atividade

espontânea e que proporciona para a criança condições saudáveis para o seu desenvolvimento

social e biológico. Friedmann (1996) pontua que a brincadeira tem características de uma

situação não estruturada. Para Kishimoto (1999), o brincar oportuniza novas combinações de

ideias e de comportamentos. Alves (2001) ressalta que a brincadeira é qualquer desafio que é

aceito pelo simples prazer do desafio, ou seja, confirma a teoria de que o brincar não possui

um objetivo próprio e tem um fim em si mesmo.

Quando se fala em jogos e brincadeira, imaginam-se, logo, objetos que as crianças

utilizam para brincar. Mas não se pode esquecer que a brincadeira tem uma ligação cultural e

que a mesma possui um caráter lúdico. Porém, tem-se que diferenciá-la do jogo, pois na

brincadeira há uma relação mais íntima com a criança e não existem regras explícitas, a

situação imaginária é implícita. No entender de Brougère (2001):

A brincadeira humana supõe um contexto social e cultural. É preciso efetivamente romper com o mito da brincadeira natural (para Gilles Brougère, a criança não nasce sabendo brincar, ela aprende a entrar no universo da brincadeira a partir das relações que estabelece com o seu meio). A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais (relação de uma pessoa com a outra), portanto, de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social: aprende-se a brincar. A brincadeira

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não é inata (no sentido de que a criança já nasce com esse potencial de brincar). A criança pequena é iniciada na brincadeira por pessoas que cuidam dela. (BROUGÈRE, 2001, p. 97-98).

Kishimoto (1999, p. 139) corrobora as ideias de Brougère quando explica que “a

brincadeira é uma atividade que a criança começa desde seu nascimento no âmbito familiar” e

dá continuidade com os seus coetâneos. Sendo assim, pode-se dizer que brincar é uma

atividade social dotada de significados e varia de cultura para cultura.

Para Vygotsky, Luria e Leontiev (1988, p. 120), a brincadeira é resultado de

processos sociais. É uma situação imaginária, em que a criança representa papéis sociais

desempenhados pelos seus próximos. É a expressão das fantasias mais secretas de

transformar-se em herói ou vilão, de voar, de fazer coisas que na realidade não seriam

possíveis, é viver o impossível. É expressão e ação do que a imaginação cria, é imagem em

ação. A brincadeira é, como salienta Leontiev (1988, p. 59), a atividade principal das crianças

e constitui uma das suas mais importantes linguagens. É expressão que traduz o modo como a

criança vê o mundo adulto nas mais diferentes situações cotidianas: cozinhando, cuidando dos

filhos, dirigindo, trabalhando, etc.

O brincar da criança não é compatível ao jogo para o adulto, pois este, ao

brincar/jogar, afasta-se da realidade; já a criança, quando brinca/joga, avança para novas

etapas de domínio do mundo que a cerca. É preciso saber que o brincar da criança é a forma

que ela tem de experimentar e vivenciar situações novas. Negrine (1994) esclarece que jogar

não é apenas uma atividade e sim uma atitude que emana uma vivência de sentimentos e

sensações que permitem desvendar significados e tomar decisões. Acrescenta que o vínculo

com o objeto não é uma mera questão de apurar os sentidos (ver, ouvir, tocar, etc.), mas o

caráter subjetivo que esses sentidos inspiram tem que ser considerado prioritariamente. O

autor acrescenta: “O fato, além de nos pôr em relação direta com as coisas, nos oferece neste

contato a vivência de nosso próprio existir” (p. 12). Logo, a relação da criança com objetos de

seu mundo não pode ser desmerecida ou vista sob um ângulo simplista como mero

desenvolvimento dos sentidos, o objeto tem uma relação íntima com a criança.

Por outro lado, Negrine (2000) enfatiza que nem toda atividade que a criança

realiza deve ser considerada como jogo, pois, para ele, o jogo pressupõe representação

simbólica. Lembra que a criança, em situações espontâneas, também experimenta outras

atividades que não se configuram como jogo, dentre essas, atividades rotineiras como

ocorrem com qualquer adulto. Com isso, a ideia de que a criança “só brinca”, além de

carregada de um conteúdo simplista em relação ao brincar, reflete equivocadamente um

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mundo infantil impregnado somente de intencionalidades lúdicas minimalistas, o que não se

confirma com a realidade. Como aponta Negrine (2000), além de seu modus vivendi lúdico, a

criança também realiza atividades que não se constituem como sistemas lúdicos

independentes:

Há atividade que a criança executa como exercício que pode ter diferentes finalidades, como por exemplo: 1) servir como reforço às habilidades já adquiridas; 2) imitar aquilo que o outro realiza; 3) testar suas habilidades ou adquirir novas; 4) atrair os outros para a atividade que realiza (p. 19).

Dessa forma, Negrine (2000) adverte que os jogos e as brincadeiras que as

crianças desenvolvem estão diretamente relacionados com a afirmação do seu “eu”. Por

conseguinte, fica claro que a criança não vive apenas para brincar. Há quem pense que o

brincar ocupa na vida infantil lugar de maior relevância – mas não se pode negar que existam

outras intencionalidades subjacentes aos seus atos, que não o lúdico, da mesma maneira como

também ocorre com o adulto em relação ao seu trabalho. Para ilustrar bem a ideia de que não

é somente a criança que brinca, vale citar um pensamento de Negrine (2000, p. 21): “A

concepção de que o brincar está reservado às crianças nada mais é do que a perda da

naturalidade humana, imposta pelo homem, já que – a história nos diz – o adulto costumava

dedicar muitas horas ao lazer.”

Com o advento do capitalismo, houve uma desqualificação do lazer e, por

consequência, do jogo e da brincadeira, ou seja, criou-se a falsa ideia de que o brincar e o

lazer não pertencem ao adulto. No entanto, estudos comprovam que ele também necessita de

momentos de lazer que respondam às suas vontades mais íntimas, pois a capacidade de

simbolizar e de jogar com a realidade por meio da fantasia, da linguagem, dos mitos, religião

e ciência permitem ao homem viver numa nova dimensão da realidade que é o universo

simbólico. Assim, como revela Kishimoto (1999, p. 24), essa representação/simbolização

possibilita a interiorização do mundo social. A existência de regras em todos os jogos é uma

característica marcante. Há regras explícitas, como o xadrez ou amarelinha, regras implícitas

como na brincadeira de faz de conta, em que a menina se faz passar pela mãe que cuida da

filha. São regras internas, ocultas, que ordenam e conduzem a brincadeira.

Sem dúvida, o brincar significa sempre libertação. Rodeadas por um mundo de

gigantes, as crianças criam para si, brincando, o pequeno mundo próprio; mas o adulto, que se

vê acossado por uma realidade ameaçadora, sem perspectivas de solução, liberta-se dos

horrores do mundo através da reprodução miniaturizada. (BENJAMIN, 1984, p. 64). Vale

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destacar que, em grande parte das culturas contemporâneas, um dos traços marcantes da

infância é o brincar contextualizado pelos elementos típicos de cada cultura. A brincadeira, de

um modo geral, permite à criança vivenciar a ludicidade, descobrir a si mesma, apreender a

realidade, interagir com seus pares e desenvolver sua criatividade.

Através da brincadeira, cada criança manifesta a forma como está organizando sua

realidade, vivencia possibilidades, limitações e conflitos dos quais, muitas vezes, não sabe ou

não pode falar. É pelo lúdico que a criança é introduzida de forma gradual, prazerosa e

eficiente ao universo sócio-histórico-cultural, além de fornecer o embasamento para todo o

processo de aprendizagem, pois favorece o raciocínio, a reflexão, a construção da autonomia e

da criatividade.

Entretanto, apesar de estudos comprovarem a importância do brincar para o

desenvolvimento da criança, nas últimas décadas, observou-se uma crescente diminuição à

possibilidade da criança brincar, principalmente, nas grandes cidades. Devido às intensas

transformações da vida urbana, limitou-se o convívio informal das crianças nas ruas, praças e

parques. A grande circulação de automóveis e a falta de segurança nesses locais interferem,

significativamente, nas brincadeiras das crianças e nos espaços do brincar. Desse modo, é

fundamental garantir espaços destinados para a brincadeira. Cabe lembrar, nesse caso, da

própria organização das cidades, que deve ter espaços que respeitem a criança como um

sujeito de direito, isto é, espaços que garantam a segurança e oportunizem o contato com seus

pares e as pessoas que frequentam esses espaços.

Atualmente, esses espaços tornaram-se para a criança lugares de risco, logo elas ficam enclausuradas em suas salas e quartos, em frente às televisões e computadores diminuindo suas interações, ou quando podem brincar, os espaços se restringem aos shoppings e condomínios, sujeitos às regras. E no que se refere às crianças de classes sociais menos favorecidas, a situação torna-se mais grave, pois além de não terem à disposição esses espaços, são obrigadas a assumirem funções domésticas ou são lançadas ao mercado de trabalho precocemente. (SEREDIUK; RAMADAN; GOBBO, 2003, p. 79).

Assegurar o espaço para o exercício do direito de brincar dentro das cidades

importa na consolidação de um dever legal de constituição, de um espaço digno e sadio que

ofereça às crianças o seu pleno desenvolvimento e a ampliação de conhecimentos. Oferecer

condições concretas para a realização do espaço para brincar implica educar com dignidade e

contribuir para a garantia dos direitos de todas as crianças, proporcionando a elas avançar

“para novas etapas de domínio” (ERICKSON, 1971, p. 204). A realização do direito de

brincar passa pela consolidação de políticas públicas que garantam espaços públicos de lazer

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como direito de todos. É preciso traçar ações para a infância que representem a possibilidade

de tornar as conquistas legais em fato concreto. Que a cidade seja um espaço de cidadania, de

cultura e de conhecimento.

2.3 UMA CIDADE AMIGA DA CRIANÇA

Figura 15 – A rua é minha

Fonte: Tonucci (1996, p. 57).

A Cidade Ideal

O sonho é meu e eu sonho que Deve ter alamedas verdes

A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores

Fossem somente crianças (OS SALTIMBANCOS)

Nesse desenho de Frato, o alterego do cartunista e educador italiano Francesco

Tonucci dá uma ideia de que a rua precisa se converter num local de vivência e convivência

das crianças, onde elas tenham espaço para passear, brincar e estar com os seus pares e com

os adultos, isto é, participar da vida na cidade.

Segundo Müller e Nascimento (2008), as cidades são pensadas, projetadas e

construídas por adultos, não se valorizam ou levam em consideração as vozes e pontos de

vista infantis. O mundo adulto e as cidades da forma como são organizadas não consideram as

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crianças como produtoras de um saber próprio sobre o espaço urbano. Assim, o modelo

adultocêntrico ainda permanece nas cidades, com lugares feitos por e para adultos aos quais as

crianças precisam se adequar.

Quando se pensa que as crianças devem se adaptar à cidade ao invés de a cidade

se adequar às crianças, está-se reproduzindo a ideia de crianças como seres inferiores, que não

sabem opinar e criticar. Opondo-se a essa visão, a Sociologia da Infância considera as

crianças sujeitos sociais plenos, dotados de capacidade de ação, participação e ressignificação,

reproduzindo e produzindo culturas em suas relações sociais.

Nessa perspectiva, surge, em 1996, o conceito de “Cidade Amiga das Crianças”,

elaborado pelo UNICEF, no quadro da Resolução da Segunda Conferência das Nações Unidas

para os Assentamentos Humanos (Habitat II), que transforma as cidades em locais habitáveis

por todos. A conferência declarou que o bem-estar da criança é o principal indicador de

um habitat saudável, de uma sociedade democrática e de boa governança. Surge, desde então,

a Cidade Amiga da Criança, que é definida como qualquer sistema local de governança –

urbano ou rural, amplo ou restrito – comprometido com a realização dos direitos da criança

nos termos da Convenção. Isto é, um sistema de governo local, empenhado em fazer cumprir

os direitos das crianças. Conforme o UNICEF (1996):

[...] Cidade Amiga da Criança é uma cidade, ou qualquer sistema de governança local, empenhada em cumprir os direitos das crianças. É uma cidade onde as vozes, necessidades, prioridades e os direitos das crianças são uma parte integrante das políticas públicas, programas e decisões. (UNICEF, 1996, tradução livre).

Nesse sentido, uma Cidade Amiga da Criança tem por finalidade, segundo o

UNICEF (1996), garantir que sejam respeitados os direitos da criança e serviços essenciais de

saúde, educação, abrigo, água limpa e instalações sanitárias decentes, e proteção contra

violência, abusos e exploração. Busca também aumentar o poder de cidadãos jovens para que

possam tomar parte nas decisões sobre sua cidade, expressar sua opinião sobre a cidade em

que desejam viver e participar da vida familiar, comunitária e social. Também estimula os

direitos da criança a andar sozinha nas ruas com segurança, encontrar amigos e brincar, viver

em um ambiente não poluído, com espaços verdes, participar de eventos culturais e sociais e

exercer sua cidadania em condições de igualdade em sua cidade, com acesso a todos os

serviços, sem sofrer qualquer tipo de discriminação.

Uma Cidade Amiga da Criança deve, então, possibilitar à criança o direito à

participação; para isso deve compreendê-la como cidadã, pedestre, estudante, como um ser

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brincante e aprendiz que observa, sugere, opina e vivencia experiências, aprendendo também

fora do espaço escolar. De acordo com Pinto (2003, p. 66, grifo do autor),

devemos pensar a cidade de uma nova maneira, de modo que as crianças possam ter prioridade como usuárias dos espaços, incluindo as mesmas nas decisões referentes à sua construção e organização. As ‘vozes’ das crianças apontam a importância da criação de espaços que possibilitem a elas serem escutadas, levando-se em conta suas opiniões. A participação infantil poderá promover a capacidade das crianças em aprender seus direitos, deveres, criticar, opinar, refletir e avaliar suas próprias decisões.

Portanto, é preciso oportunizar a participação da criança nos espaços urbanos que

garantam a existência das culturas infantis. Para isso, é imprescindível incorporar às políticas

públicas e ao planejamento urbano os pontos de vista e as necessidades das crianças. Somente

assim espaços de sua participação poderão ser incorporados ao planejamento dos espaços que

elas ocupam. Debortoli e Resende (2007) compartilham da importância de novas políticas

públicas que promovam a participação das crianças.

Mesmo reconhecendo que as presenças sociais das crianças no contexto urbano contemporâneo estão envolvidas em uma crescente institucionalização de um mercado globalizado, tal reflexão não pode nublar a importância do discurso da cidadania da infância ou das crianças como sujeitos sociais. Ainda que haja um agravamento das condições de vida das crianças em diferentes domínios, o discurso da cidadania das crianças apresenta o desafio de mudanças políticas e sociais que tencionem formas de inclusão social, de participação na produção da sociedade e suas instituições (DEBORTOLI; RESENDE, 2007, p.264).

Diante do exposto, precisa-se compreender a criança como ser particular, com

desejos, vontades e necessidades próprias, que interage com o espaço em que vive e, ao

mesmo tempo, o transforma. Dessa forma, o acesso das crianças a parques, praças e a outros

locais também representa o exercício da cidadania. Elas têm direito a espaços de qualidade

para viver de forma mais autônoma e espontânea sua infância, onde possam ter contato com a

natureza, de maneira segura e aconchegante. Espaços livres e amplos para poder correr, pular,

saltar, conversar; lugares em que possam viver seus direitos, em que possam opinar, discutir e

participar de sua construção e organização. Por conseguinte, a cidade, então, deve ser

entendida como um local que promova para as crianças a participação, a brincadeira e,

consequentemente, a educação.

2.3.1 A cidade como espaço de participação, brincadeira e educação

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Figura 16 – Estamos jogando, não perturbe

Fonte: Tonucci (1996, capa).

Se essa rua fosse minha Se essa rua

Se essa rua fosse minha Eu mandava [...]

(CANTIGAS POPULARES)

Para iniciar a discussão sobre a cidade como espaço de participação, brincadeira e

educação, apresenta-se uma breve delimitação desses conceitos. Espaço, segundo Viñao e

Escolano (1998), é uma realidade individual e coletivamente construída, que expressa

significados das experiências daqueles que o habitam. Então, o espaço só se constitui a partir

de uma experiência individual produzida coletivamente. Para Brougère (2012), participação é

“tomar parte em”. Nada mais comum, nada mais difundido. Isso remete à ideia de “fazer

com”. Conforme o mesmo autor, educação é um processo contínuo que começa com o

nascimento e termina com a morte, e é durante esse processo, através da participação em

espaços individuais e coletivos, que o sujeito procura se aperfeiçoar.

Sobre o conceito de brincadeira, vale lembrar já foi contemplado no capítulo

anterior.

Esses conceitos estão fundamentados em uma educação ao longo da vida; e

exprimem duas ideias principais: uma, em relação ao tempo e, outra, com o espaço. No

entender de Brougère:

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A educação se inscreve num processo temporal contínuo: nunca se termina de aprender, porque sempre se tem necessidade de atualizar os conhecimentos para continuar sendo operacional num mundo de mutação. No plano espacial, os lugares de formação são múltiplos segundo as ideias e os momentos da vida, desde os espaços situados e institucionalizados dos equipamentos escolares até os diversos locais de todo o tipo de formações, passando pelos lugares informais. (BROUGÈRE, 2012, p. 35).

Assim, as experiências educativas transcendem os tempos e os espaços escolares.

A escola já não é o lugar educativo central e a educação formal já não é a única forma e a

única fonte educativa. Aprender seria, então, participar da vida cotidiana.

Nesse contexto, a cidade, através dos seus espaços públicos, também é um espaço

educativo, pois desempenha importante papel na construção das sociabilidades, visto que é aí

que o ser humano vivencia e exercita sua dimensão social. Quando convive com o outro de

forma ativa, ele aprende. Para entender a cidade como espaço educativo, duas configurações

permitem ilustrar a educação ao longo da cidade: as cidades educadoras e as cidades

ensinantes. De acordo com Brougère (2012, p. 37-39),

a cidade educadora educa por meio de suas instituições educadoras tradicionais, de seus projetos culturais, mas também por meio de seu planejamento urbano, de suas políticas ambientais, de seus meios de comunicação, de seu tecido produtivo e de suas empresas. A cidade ensinante vai permitir descrever um processo de transmissão de saberes que parte dos usos urbanos comuns para adquirir o seu reconhecimento dos saberes urbanos. [...]. A cidade ensinante supõe desde logo o reconhecimento do princípio de reciprocidade, cuja consequência poderia ser expressa da seguinte maneira: já não são os educadores que educam, mas os educados. O que implica um contexto democrático e participativo que permite considerar a igualdade formal dos atores.

Pode-se dizer que, independente da nomenclatura de cidade educadora ou cidade

ensinante, a cidade é sempre um espaço de educação que não é, necessariamente, intencional

e nem sempre consciente; é informal, implícita, incidente. Mas é uma educação que é

construída por via de encontros, atividades, observações e participação. Por isso é importante

recuperar espaços de convivência humana, como as ruas e as praças, nos quais as crianças

possam aprender de modo espontâneo e participativo. E nada mais espontâneo e participativo

para a criança do que a brincadeira.

Pensando as sociedades contemporâneas nas quais o brincar é entendido como

atividade eminentemente infantil, Brougère (2001) afirma que o brinquedo é revelador da

cultura e suporte de relações sociais que lhe conferem razão de ser:

A infância é, consequentemente, um momento de apropriação de imagens e de representações diversas que transitam por diversos canais. [...] O brinquedo é, com

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suas especificidades, uma dessas fontes [...] Parece útil considerar o brinquedo não somente a partir da dimensão funcional, mas também sua dimensão simbólica. [...] É preciso, efetivamente, romper com o mito da brincadeira natural. [...] A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. (BROUGÈRE, 2001, p. 97)

Para Sarmento (2005, p. 27), cultura é “[...] um conjunto estável de atividades ou

rotinas, artefatos, valores e idéias que as crianças produzem e partilham em interação com

seus pares”. Assim, a brincadeira é aqui compreendida como atividade cultural, característica

de um grupo geracional que toma como cena a cidade e seus espaços públicos.

Muito já se falou acerca da importância dos jogos e brincadeiras na infância,

especialmente com referência às vantagens motoras, psicossociais e educacionais, o que é,

obviamente, de grande relevância. Por isso, torna-se essencial destacar a importância dos

espaços urbanos destinados às brincadeiras infantis, [...] Sem poder brincar pela cidade, a

criança perde, não apenas o espaço físico, mas, sobretudo, altera, estruturalmente, suas

condições de produzir e de se relacionar com a cultura, com a sociedade, com a política.

(PERROTTI, 1990, p. 92).

Nos espaços públicos, exercitava-se o contato com o estranho, um contato aceito e

tolerado com o outro, possibilitando múltiplas trocas de experiência, através da participação.

Portanto, lugar onde os indivíduos podiam encontrar-se sem se estranhar pelo fato de serem

estranhos, tornando-se espaço privilegiado para a manutenção de formas de convívio, de

participação e de cidadania. Então, se antes existiam nas cidades espaços de encontros, como

as praças, os cafés, as ruas; atualmente, vive-se um período de crise com intensa

desvalorização e redução de espaços públicos destinados a experiências no âmbito da

brincadeira e, como consequência, de convivência. Esses lugares dão lugar a prédios,

shopping, lojas, carros, etc., características da contemporaneidade. Nesse contexto, a criança é

progressivamente privada da participação na vida social. Ter acesso a espaços públicos como

praças, parques e outros, representa, ainda, o exercício da cidadania. A garantia desse direito

está determinada no ECA, Lei Federal nº 8.069/90.

Nessa direção, surge a necessidade de uma discussão sobre os espaços públicos

que possibilitem o brincar, pois é através da brincadeira que a criança participa com seus

pares e com pessoas de todas as idades de forma mais plena e feliz. Cabe enfatizar que é

participando que se aprende. Em função dessa concepção de que a criança precisa participar

para aprender volta-se o olhar para a infância como construção social resultante da ação

coletiva das crianças com os adultos e entre elas. A infância é considerada como uma forma

estrutural e as crianças como autores sociais que contribuem para a reprodução da infância e

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da sociedade mediante negociações com os adultos e por meio da produção criativa de um

conjunto de culturas de pares com as demais crianças.

Dessa forma, a cidade necessita ter um olhar cuidadoso para as questões da

convivência humana, porque se torna pequena quando se deixa de ver seus espaços públicos

como locais de participação e convivência humana. Fica, então, o desafio de refletir sobre os

espaços públicos de brincadeira no município de Tubarão. Através desta pesquisa

desenvolveu-se um olhar atento e uma escuta sensível das crianças, demonstrando que elas

não são mudas: possuem voz e merecem ser ouvidas.

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3 COM OLHOS DE CRIANÇA: VISÃO DAS CRIANÇAS SOBRE OS ESPAÇOS

PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA CIDADE

Figura 17 – Com os olhos de criança

Fonte: Tonucci (1997, p. 53).

Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. [...]

Então ver-te-ei com os teus olhos E tu ver-me-ás com os meus. (JACOB LEVY MORENO)

Pedir a palavra às crianças sobre a cidade em que vivem requer um exercício de

sensibilidade. Suas narrativas revelam a complexidade de questões que são, muitas vezes,

maiores do que os olhos adultos podem ver.

Tonucci (1997), no livro “Com olhos de criança”, explica que às vezes os adultos

veem as coisas pelas crianças, ignorando como elas veem ou gostariam de ver o mundo.

Nesse sentido, o autor convida a fazer o exercício de tentar ver a cidade, as escolas, os saberes

e a vida a partir da perspectiva infantil.

A discussão deste capítulo aborda essa questão. Com base na interpretação dos dados

coletados na pesquisa de campo, a pesquisadora aventurou-se no exercício proposto por

Tonucci: ver os espaços públicos de lazer da cidade de Tubarão com os olhos das crianças,

buscando conhecer esses espaços com elas.

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3.1 “EU NÃO SEI, MAS DEVE TER, SÓ QUE FICA BEM LONGE DA MINHA CASA”:

SOBRE A AUSÊNCIA/PRESENÇA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA

CIDADE

Figura 18 – Se vocês constroem, nós não podemos brincar

Fonte: Tonucci (2005, p. 136).

A respeito do conceito e da presença dos espaços públicos de brincadeira na cidade,

ideias, percepções e sentimentos rondam as falas/escritas das crianças, conforme se pode

observar na tabela abaixo:

Tabela 1 – Conceito de espaço público de brincadeira

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Local onde todos podem frequentar 06 33,2

Local com brincadeiras e diversão e conhecer amigos 06 33,2

Local limpo 01 5,6

Shopping 01 5,6

Parque 02 11,2

Praças 02 11,2

Total 18 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

Através da tabela acima, pode-se verificar o conceito de espaço público de

brincadeira para o grupo de crianças pesquisadas. Ressalta-se que na categorização das

respostas, devido ao fato de as crianças possuírem vários conceitos, a resposta de uma criança

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foi enquadrada em mais de uma categoria, totalizando, desse modo, 06 categorias e 18

respostas.

Analisando os dados, observa-se que seis crianças (33,2%) conceituam espaço

público como um local onde todos podem ir; outras seis crianças (33,2%) disseram que era

um lugar de brincadeira e diversão e conhecer amigos; uma criança (5,6%) respondeu que é

um local limpo; uma outra criança (5,6%) disse que é o shopping; duas crianças (11,2%)

afirmaram que é um parque e outras duas crianças (11,2%) responderam que é uma praça.

Assim, percebe-se que as crianças têm o conceito de espaço público como sendo um lugar em

que todos podem frequentar e brincar. Tal como aparece no trecho da carta:

“Espaço público é um lugar que todos podem ir para brincar, conversar, se

divertir e conhecer amigos.” Maria (9 anos e 2 meses)

Segundo Santos (1988), espaço público pode ser conceituado como:

Aquele que seja de uso comum e posse de todos. E que compreende os lugares urbanos que, em conjunto com infraestruturas e equipamentos coletivos, dão suporte à vida em comum: ruas, avenidas, praças, parques. Nessa acepção, são bens públicos, carregados de significados, palco de disputas e conflitos, mas também de festas e celebrações. [...] É preciso produzir espaços públicos, com tudo o que possa haver de público nisso. Não se quer apenas que sejam acessíveis fisicamente, mas que sejam lugares de encontro, de tolerância, de mistura de raças, credos, rendas, agradáveis, seguros, de fruição e, principalmente, um lugar onde a cidadania possa se manifestar, é isso que faz a cidade ser cidade: o encontro. (SANTOS, 1988, p. 35).

Nesse contexto, enfatiza-se a necessidade de possibilitar espaços onde as crianças

possam se encontrar, conviver, estar juntos. Tonucci (1996), ao dizer que as crianças estão

cada vez mais se trancando em suas “casas fortaleza” denuncia o quanto elas estão ficando

cada vez mais sem poder conviver com seus pares, e isso poderá trazer alguns prejuízos. Ao

se relacionar com outras crianças e adultos, a criança aumenta seu vocabulário, busca

estratégias para lidar com situações novas, desenvolvendo suas dimensões: social, emocional

e cognitiva, aprendizagens fundamentais na vida humana.

Com base nos direitos das crianças, a Lei Federal nº 8.069/90, em seu artigo 59,

capítulo IV, do ECA, preconiza que “os municípios, com apoio dos Estados e da União,

estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais,

esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”. (BRASIL, 1990). Logo, em se

tratando de um direito, há de se perguntar quem seria responsável pelo cumprimento desse

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direito? Quem deveria oferecer isso à infância? Como respeitar a cidadania das crianças sem

cumprir o que determinam o ECA e a Constituição?

A tabela abaixo aborda a existência desses espaços de acordo com a concepção

das crianças:

Tabela 2 – Existência de locais para brincadeiras

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Sim 15 100

Não 0 0

Total 15 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

Quando questionadas sobre a existência de locais para brincadeiras, percebe-se

que 100% das crianças, isto é, as 15 crianças entrevistadas disseram que existem locais para a

brincadeira na cidade de Tubarão. Mas, como se pode observar em suas falas, os espaços

existentes são poucos. Tal como diz Davi (9 anos e 2 meses):

“Sim, mais [sic] poucos, pois a prefeitura se concentra mais em moradias do que

em áreas de lazer.” (Trecho da carta)

Nota-se que, na visão das crianças, eles existem, mas não são suficientes. Suas

necessidades nem sempre são levadas em consideração. Por omissão das autoridades

competentes, em consequência do desenvolvimento das cidades que foi acompanhado da

expansão imobiliária, e o crescente número de veículos nas ruas, tudo isso contribuiu para

uma redução de áreas livres, aumento da violência e, por conseguinte, maior insegurança nas

cidades. Dessa forma, os espaços públicos, que outrora eram considerados espaços sociais e

que faziam parte do dia a dia das crianças, passaram a ser percebidos como inadequados e

perigosos. A rua passou a ser considerada como um lugar de passagem, de perigo e de

proibição.

As cidades foram pensadas, projetadas e construídas por adultos e para adultos, que adotam como parâmetro o cidadão adulto, abandonando os cidadãos não adultos. As tomadas de decisões relativas à organização dos espaços públicos estão cercadas de barreiras relacionadas à linguagem tecnocrática e com estilos de negociação que diluem a infância na ordem social dos adultos, não valorizando o seu conhecimento urbano. (TONUCCI, 1997, p. 181).

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Ao longo dos anos, o número de crianças nas ruas foi progressivamente reduzido,

de forma que se tornou cada vez mais difícil encontrá-las na cidade. Com a limitação de

lugares específicos para as crianças na cidade, denuncia-se uma situação de exclusão urbana

da infância, já que ela não é vista como ator social pertencente e com direito à cidade. Há um

interesse reduzido por parte dos responsáveis pelas políticas públicas de organização dos

espaços das cidades em inserir as crianças nesses ambientes. Conforme Sarmento (2005), as

crianças vão transitando em um espaço intersticial entre o que é concedido pelos adultos e o

que é reinventado no seu mundo de vida através do imaginário e da cultura lúdica.

Vale salientar que o acesso aos espaços públicos é indispensável à saúde integral

da criança, pois quando a criança frequenta esses lugares, ela brinca, relaciona-se com o

adulto ou com os seus pares, possibilitando a relação com o mundo externo, estimulando a

vida social, permitindo que os grupos se estruturem e que as crianças estabeleçam relações de

trocas.

3.2 “PULA CORDA, ESCORREGA, PEGA RAPOSA, ESCONDE-ESCONDE. EU GOSTO

MESMO É DE BRINCAR!”: CONHECENDO AS PREFERÊNCIAS DE ESPAÇOS,

BRINCADEIRAS E PARCEIROS DAS CRIANÇAS

Figura 19 – Sozinho

Fonte: Tonucci (2005, p. 71).

Tonucci (2005) aponta a necessidade de que todos os espaços públicos sejam

ambientes nos quais as crianças possam conviver com outras crianças e com pessoas de todas

as idades.

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Uma cidade mais atenta para as questões da convivência humana é um espaço de

elaboração de saberes a partir das relações sociais. Atenta a essa questão, aborda-se, neste

eixo de análise, as preferências de espaços, brincadeiras e parceiros das crianças nos espaços

públicos na cidade. A tabela seguinte ilustra os espaços de brincadeira:

Tabela 3 – Locais utilizados para brincadeiras

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Praça 11 31,4

Casa de amigos 07 20

Pista de skate 06 17,1

Shopping 06 17,1

Rua 03 8,6

Campo de futebol 01 2,9

Piscina 01 2,9

Total 35 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

No que diz respeito aos locais em que as crianças vão para brincar, os mais

frequentados são as praças (31,4%), a casa dos amigos (20%), a pista de skate e o shopping

(17,1% cada). Sobre esse aspecto, é importante destacar duas questões: a primeira é que

mesmo as crianças conhecendo o conceito de espaço público, 07 delas (20% da população

amostra) responderam que gostam de brincar na casa de amigos. Isso ocorre porque, segundo

a fala das crianças, em alguns lugares onde elas residem não têm espaços públicos para as

brincadeiras. Como se pode observar nas falas abaixo:

“Não vou muito a estes lugares porque não têm perto da minha casa. Vou à casa

de amigos”. (Helena, 10 anos e 3 meses)

“Casas de amigos porque os espaços públicos são longe da minha casa.” Carla, 8

anos e 3 meses)

Através de suas falas, as crianças sentem falta de espaços públicos que acolham

suas brincadeiras. Esse fato reforça o que foi comentado anteriormente: faltam políticas

públicas relacionadas a essa temática, porque ter acesso a praças, parques e outros espaços

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públicos representa, também, o exercício da cidadania. E, mais uma vez, afirma-se que a

garantia desse direito está determinada no ECA, Lei Federal nº 8.069/90, que, em seu artigo

59, capítulo IV, preconiza que “os municípios, com apoio dos Estados e da União,

estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais,

esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”. (BRASIL, 1990).

A outra questão a ser destacada é que 11 crianças, totalizando 31%, disseram que

vão às praças. De acordo com a fala das crianças, mais especificamente vão à Praça Luiz

Pedro Medeiros, ou como é conhecida, a Praça de Oficinas. Isso deve ocorrer devido a esse

local ser o único10 lugar que apresenta alguns brinquedos em condição de uso para as crianças

nessa faixa etária. Como os trechos das cartas a seguir:

“Quando vou às praças, vou a [sic] de Oficinas.” (Lucia, 9 anos e 1 mês)

“Eu vou ao parque na frente de um restaurante que o nome é Bochecha

Lanches.” (Clara, 8 anos e 3 meses)

“Eu brinco na praça de Oficinas.” (Alice, 8 anos e 4 meses)

O direito ao acesso a praças, parques e outros espaços públicos é uma lei que deve

ser vista como um direito à cidadania e, sucessivamente, uma garantia de cidades

estruturadas, dotadas de infraestrutura adequada e espaços públicos disponíveis para

possibilitar a interação entre os adultos e as crianças e entre as crianças e seus pares em

espaço comunitário. Como pontua Tonucci (2005), essa disponibilização de espaços urbanos

adequados e seguros é uma das ações que precisam ser vistas não como despesa, mas como

investimento, sobretudo para garantir que crianças possam ter espaços adequados para

vivenciar a cultura.

No Brasil, algumas organizações não governamentais, movimentos populares,

associações de classe e instituições de pesquisa criaram o Fórum Nacional de Reforma

Urbana (FNRU), no ano de 1987, que possui entre os seus princípios fundamentais garantir o

direito à cidade. A proposta do Fórum é lutar por políticas que garantam os direitos básicos à

população, incluindo o direito ao lazer. Entre as atribuições, o Fórum estimula a participação

social em conselhos e discute a elaboração de planos diretores para as cidades. Para o Fórum

10 Conforme pesquisa realizada aos espaços públicos por esta pesquisadora em 2013, só foi encontrada uma

praça com brinquedos em condição de uso por crianças no município.

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de Reforma Urbana, os cidadãos precisam participar das decisões fundamentais para o futuro

das cidades. Isso quer dizer que os prefeitos, secretários e vereadores têm a responsabilidade

de conversar com as crianças para ouvir o que elas têm para dizer sobre a cidade.

A tabela abaixo representa as pessoas que acompanham as crianças em suas

brincadeiras na cidade.

Tabela 4 – Pessoas que acompanham as crianças até os locais onde brincam

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Amigos 08 50

Família 08 50

Total 16 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

No que se refere à tabela 4, percebe-se que 50% das crianças vão aos locais de

brincadeira com seus amigos e 50%, com seus familiares. Como nos relatos das crianças:

“Esses lugares eu vou com meus pais e amigos.” (Joana, 10 anos)

¨Eu brinco em praças com amigos e família.” (Julia, 8 anos 7 meses)

“Eu vou na [sic] pista de ‘skate’ com amigos e com a família.” (Antonio, 10 anos

e 4 meses)

Faz-se necessário esclarecer que brincar não significa apenas recrear-se, é, antes, a

forma mais completa que a criança tem de se comunicar consigo mesma, com o outro e com o

mundo. Assim, a criança precisa ter tempo e espaço para brincar em um ambiente que

estimule imaginação, fantasia, criatividade e o contato com seus pares e também com os

adultos.

O brincar com alguém reforça os laços afetivos. Um adulto, ao brincar com uma

criança, está demonstrando-lhe atenção e amor. A participação do adulto na brincadeira eleva

o nível de interesse, enriquece e estimula a imaginação das crianças. Como aponta Tonucci

(1997), em seu livro “Com os olhos de criança”: “Quase sempre os pais parecem ignorar que

a brincadeira é uma oportunidade de criação de fortes laços afetivos com as crianças.” (1997,

p. 95).

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O importante é o vínculo que se estabelece nas brincadeiras; quando o adulto

brinca com a criança, ela vivencia a experiência amorosa com o outro, é nesse brincar que a

criança experimenta o conforto e se sente acolhida.

Tabela 5 – Locais onde mais gostam de brincar

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Praça (parque) 05 26,3

Shopping 05 26,3

Praças 04 21,1

Rua 02 10,5

Pista de skate 02 10,5

Campo de futebol 01 5,3

Total 19 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

Em relação aos locais onde as crianças mais gostam de brincar, pode-se perceber

que os lugares de preferência das crianças são as praças e o shopping, totalizando, cada um,

26,3%; e os locais que elas menos gostam são as praças (26,6%) e a pista de skate e campo de

futebol (6,7% cada um).

Tabela 6 – Locais onde menos gostam de brincar na cidade de Tubarão

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Praças 04 26,6

Pista de skate 01 6,7

Campo de futebol 01 6,7

Não responderam 09 6,0

Total 15 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

Analisando as tabelas 4 e 5, um dado que chama bastante atenção é o fato de as

crianças citarem a praça como o local que elas mais gostam de frequentar e, paralelamente,

também como o local que elas menos gostam. Isso, geralmente, está associado à conservação

e à manutenção desses locais:

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“Eu gosto da praça para brincar ao ar livre. Eu não gosto de alguns lugares

como as praças sujas, eu queria que cuidassem do meio ambiente.” (Laura, 9 anos e 4 meses)

“O lugar que eu menos gosto é a Praça 7 de Setembro porque lá todo mundo joga

lixo e ninguém limpa.” (Joana, 10 anos)

“O lugar que eu menos gosto é a pracinha da minha rua, porque ela é muito

pobrezinha e não tem nada para fazer lá.” (Maria, 9 anos e 2 meses)

“Nenhum, porque são todos muito chatos.” (Davi, 9 anos 2 meses)

Os equipamentos de lazer são considerados bens públicos de grande importância

social, por cumprirem não apenas uma função estética no conjunto da cidade, mas por

possibilitarem diferentes formas de lazer. Assim, as praças, ruas, pista de skate, campos de

futebol e ginásios são equipamentos coletivos de lazer que desempenham importante papel na

qualidade de vida das crianças e população em geral. A carência ou a precariedade desses

equipamentos tem efeitos negativos nas formas de convivência social, implicando no

confinamento dos moradores. Isso acontece porque os equipamentos e os espaços de lazer não

são entendidos como fundamentais e não têm a atenção necessária, nem lhes é atribuída a

importância real numa política de administração urbana. Foi possível verificar esse fato no

estudo exploratório realizado pela pesquisadora, onde foram visitados os espaços públicos de

brincadeira na cidade de Tubarão e se pôde constatar o descuido e a inadequação de muitos

espaços públicos destinados ao uso do brincar e do lazer.

Vale destacar que o acesso aos espaços abertos, à natureza, assim como a

possibilidade de brincar, tem grande significado para a criança, pois é através desses lugares e

da brincadeira que é possibilitado às crianças explorar o ambiente com intensidade,

descobrindo desafios individuais e em grupo. Como pontua Marcellino (1983, p. 35, grifos do

autor),

o lazer possui um caráter ‘revolucionário’, pois é no tempo de lazer, onde procuram a vivência de algumas coisas pela escolha e satisfação, encontro com pessoas, com o ‘novo’ e o ‘diferente’, que se encontram possibilidades de questionamento dos valores da estrutura social, e das relações entre sociedades e espaço.

Por isso é preciso cobrar políticas púbicas voltadas para o lazer, mas um lazer

de qualidade, onde os locais e equipamentos estejam em condições de uso e, principalmente,

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em condições de possibilitar importantes oportunidades de interação, aprendizagem e

brincadeira.

Sobre as preferências de brincadeiras das crianças, pode-se observar a tabela a

seguir:

Tabela 7 – Brincadeiras que mais gostam de realizar nos espaços públicos

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Bicicleta 09 32,2

Pega-pega 05 17,9

Pular corda 02 7,1

Esconde-esconde 02 7,1

Futebol 02 7,1

Roller 02 7,1

Skate 02 7,1

Escorrega 01 3,6

Videogame 01 3,6

Patinete elétrico 01 3,6

Vôlei 01 3,6

Total 28 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

A partir da tabela acima, percebe-se que 32,2% das crianças participantes desta

pesquisa gostam de andar de bicicleta e 17,9% gostam de brincar de pega-pega nos espaços

públicos, como se pode verificar na fala das crianças:

“São andar de skate, de bicicleta, ir no [sic] parque, no campo de futebol, ir na

[sic] casa do meu amigo, brincar de pega-pega, de se esconder e jogar videogame.” (Pedro,

9 anos)

“Andar de ‘roller’, ‘skate’, bicicleta e patinete elétrico.” (Maria (9 anos e 2

meses)

“São pega-pega, esconde-esconde, pular corda.” (Joana, 10 anos)

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É através do ato de brincar que as crianças começam a se relacionar com o

ambiente e as pessoas ao seu redor. Sair do quarto, de casa, frequentar lugares fora de seu

bairro ou escola, circular pela cidade são vivências essenciais para a educação das crianças.

Por isso, é fundamental possibilitar atividades que estimulem o contato com o ambiente, isto

é, com a cidade e com as pessoas a fim de que as crianças possam se desenvolver de forma

plena e feliz.

Para compreender a importância da presença das crianças na cidade é preciso ver

a cidade como um espaço educador com possibilidades de aprendizagens formais e informais.

Todo e qualquer lugar, espaço ou elemento urbano é potencialmente cultural, histórico e

educativo. Uma rua, uma pista, um campo ou uma praça podem possibilitar aprendizagens tão

ricas quanto museus, livros e conhecimentos adquiridos na escola. Segundo Brougère (1995,

p. 61), “o círculo humano e o ambiente formado pelos objetos contribuem para a socialização

da criança e isso através das múltiplas interações, dentre as quais algumas tomam a forma de

brincadeira”.

Desse modo, a brincadeira tem seu papel nas múltiplas interações das crianças

quando permite que ela se aproprie dos códigos culturais da sua sociedade. Assim, a

brincadeira é vista como um espaço de troca de experiências. Ao brincar, a criança confronta-

se com a cultura, apropriando-se dela e transformando-a.

3.3 “LUGAR DE CRIANÇA É NA CIDADE BRINCANDO, PORQUE SER FELIZ É BOM

DEMAIS!” ENTRE NECESSIDADES E SONHOS DAS CRIANÇAS PARA A CIDADE

Figura 20 – Precisamos ser ouvidas

Fonte: Tonucci (2005, p. 207).

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Tabela 8 – O que você gostaria que tivesse nos espaços públicos que ainda não tem

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Parque com brinquedos maiores 03 19,7

Parque de diversão gratuito (só tem o shopping) 02 13,3

Campo de futebol 01 6,7

Espaços com mais brincadeiras 01 6,7

Carrossel 01 6,7

Brinquedo em 3D 01 6,7

Pista de bicicleta 01 6,7

Campo de beyblade 01 6,7

Local para jogar videogame 01 6,7

Parque aquático 01 6,7

Pista de roller 01 6,7

Pista de skate 01 6,7

Total 15 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

A tabela acima retrata os desejos de espaços públicos que ainda não existem.

Assim, 19,7% das crianças gostariam de ter, nesses espaços, parque com brinquedos maiores

e 13,3% desejariam que tivesse parque de diversão gratuito:

“Gostaria que tivesse parques, porque tem poucos.” (Lucia, 9 anos e 1 mês)

“Um parque com brinquedos maiores e mais divertidos.” (Julia, 8 anos 7 meses)

“Um parque de diversão sem pagar.” (Alice, 8 anos e 4 meses)

“Parque com escorregador, gangorra, caixa de areia.” (Carla, 9 anos e 5 meses)

“Eu gostaria que tivesse, nos espaços públicos, mais parques e que não jogassem

lixo no chão.” (Joana, 10 anos)

Durante muito tempo, as pessoas se acostumaram a ver as crianças como seres

passivos, receptores da ação dos adultos, sem vontade, sem opinião, sem voz. Porém, quando

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se tem uma escuta atenta e sensível ao que elas dizem, percebe-se que elas são atores sociais,

ou seja, sujeitos com capacidade de ação e interpretação e participação.

A participação é inerente ao próprio processo de maturação e desenvolvimento da

criança, no entanto, a avaliação que se faz da participação e dos direitos participativos da

criança hoje é que ainda se está muito longe de garantir que as crianças sejam ouvidas no

âmbito das instituições que ocupam, como a família, a escola, o espaço público, as cidades, e

nas políticas públicas. Como explica Sarmento (2008, p. 35): “Creio que há mudanças, ainda

que relativamente débeis e tíbias, e podemos dizer mesmo que entre os direitos das crianças,

de proteção, participação e provisão, os direitos de participação são os que estão,

infelizmente, mais debilitados.”

Mas tem havido, por parte de alguns estudiosos da infância, um esforço no sentido

de garantir a participação da criança em experiências que sejam significativas para ela, e não

há nada mais significativo para a criança do que poder opinar na cidade em que ela vive. Isso

não é importante apenas para as crianças, mas para a sociedade como um todo. Por isso,

precisa-se ouvir a criança significar a sua fala e garantir a sua participação.

Tabela 9 – Lugar da criança na cidade

Resposta Quantidade % (porcentagem)

Escola 07 31,9

Brincando 06 27,3

Família 06 27,3

Amigos 02 9,0

Igreja 01 4,5

Total 22 100

Fonte: Elaboração da autora, 2013.

Com relação à tabela 9, que se refere ao lugar da criança na cidade, pode-se

observar que 31,9% responderam que o seu lugar era na escola, 27,3% disseram que era

brincando e outros 27,3% afirmaram que era com a família. Como se podemos ver na fala das

crianças:

“Para mim, lugar de criança é perto dos pais e brincando.” (Julia, 8 anos 7

meses)

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“Para mim, lugar de criança é perto da família, na escola e brincando perto do

meu pai, minha mãe, meu vô, minha vó e dos meus amigos.” (Pedro, 9 anos)

“Para mim, lugar de criança é brincando feliz, feliz.” (Samira, 9 anos e 8 meses)

Observando a tabela anterior, um fato que chama bastante atenção é que um

grande número de crianças respondeu que lugar de criança é na escola. Isso demonstra que

ainda se acredita que o único lugar onde se aprende é na escola. Tonucci (2012) evidencia os

males da escola fortaleza. Ele mostra que a escola é um local de re-elaboração da experiência.

Mas questiona: de onde vem a experiência? Vem da vida em ambientes onde as crianças

podem inventar, brincar, explorar o espaço, circular livremente. A experiência está presente

na vida e deve acontecer também na cidade. Esse fato leva a uma reflexão sobre qual é o

espaço das crianças no cenário social atual, uma vez que é preciso investigar como as cidades

estão acolhendo e valorizando as crianças em uma perspectiva de Cidade Amiga da Criança.

Atualmente, o cenário das cidades apresenta espaços e equipamentos pensados

“pelo” e “para” os adultos, de forma a atender às suas necessidades, não havendo uma cidade

pensada a partir das mediações entre crianças e adultos com a integração e valorização das

ideias, sugestões, necessidades, desejos e propostas das crianças. Segundo Tonucci (2005, p.

199), “[...] as cidades eram feitas para todos, e as crianças procuravam se infiltrar nos espaços

de todos, buscando negociar com os pais e com os adultos seu tempo livre, seus espaços de

jogo, sua necessidade de exploração de aventura”.

De acordo com o mesmo autor, as cidades não apresentam lugares pensados para

as crianças, ou seja, são as crianças que têm que se adaptar ao espaço do adulto. Isso significa

que há espaço para os automóveis, prédios, fábricas, comércio, só não há espaços para as

crianças. Daí a importância de problematizar e refletir sobre a exclusão urbana da criança. O

lugar não específico para as crianças na cidade denuncia essa situação de exclusão da criança,

que acontece porque a criança não é vista como ator social pertencente e com direito à cidade.

Para que a criança seja vista como sujeito de direito dentro da cidade é

fundamental, como esclarece Lansky (2007), a formulação de políticas públicas para a criação

de espaços voltados para as crianças, como locais de produção da cultura infantil. Quanto a

isso, Debortoli e Resende (2007) compartilham da importância da existência de novas

políticas públicas que promovam a participação das crianças.

Quando as políticas públicas são voltadas para a infância e para a criança, tem-se,

então, uma cidade amiga da criança, porque ela respeita a criança como cidadã, pedestre,

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estudante, como um ser brincante e aprendiz que observa, sugere, opina e vivencia

experiências, aprendendo também fora do espaço escolar.

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4 DE VOLTA AO COMEÇO... CONSIDERAÇÕES (FINAIS) SOBRE ESTE ESTUDO

Figura 21 – Com os olhos de criança

Fonte: Tonucci (1997, capa).

E é como se eu descobrisse

Que a força esteve o tempo todo em mim E é como se então de repente Eu chegasse ao fundo do fim

De volta ao começo (GONZAGUINHA)

O desejo infantil de levar alegria para as crianças, aliado às indagações acerca da

complexa relação entre criança e cidade, que a pesquisadora construiu a partir de sua

experiência de vida profissional e acadêmica, motivou o desenvolvimento desta pesquisa.

Nesse percurso, sem a pretensão de esgotar o tema ou buscar respostas pré-

concebidas, mergulhou-se nas narrativas das crianças para refletir sobre o lugar que elas

ocupam na cidade. Compreendendo-as como atores, participantes ativos no processo da

pesquisa, disponibilizou-se uma escuta atenta e sensível para saber o que elas pensam a

respeito dos espaços de brincadeira na cidade de Tubarão. Para tanto, a pesquisadora escreveu

uma carta às crianças, convidando-as a expressar o seu olhar através da escrita de uma carta.

Por meio da pesquisa, buscou-se dar visibilidade ao olhar das crianças a respeito

dos espaços públicos de brincadeira na cidade bem como suas experiências nesses espaços.

Foi através do olhar de Maria, Carla, Alice, Lucia, Clara, Helena, Laura, João, Pedro,

Antonio, Samira, Joana, Davi, Julia e Luiz que se conseguiu interpretar como as crianças

veem e narram os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão. Tomando como

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ponto de partida os objetivos específicos deste estudo, a seguir, busca-se sintetizar os achados

desta pesquisa.

Nos órgãos públicos competentes, a pesquisadora foi em busca de documentos e

registros de espaços públicos municipais de brincadeira. A partir de um mapeamento

realizado, foi possível visitar esses espaços que retratavam condições de péssima qualidade

dos equipamentos e conservação do ambiente. No lugar dos espaços públicos encontrados nos

registros da prefeitura, encontraram-se prédios, estacionamentos e terrenos baldios.

Sobre os lugares de brincadeira na cidade de Tubarão, na perspectiva/concepção

das crianças, percebeu-se que as elas sabem o que é espaço público de brincadeiras, dizem

que há espaços para brincar, mas que os lugares existentes são poucos, não têm equipamentos

e nem condições de uso, pois estão sem manutenção de limpeza e segurança. Por meio dos

olhares das crianças, verificou-se que elas não estão satisfeitas com o que existe para elas.

Suas necessidades nem sempre são levadas em consideração. Muitas vezes, os espaços

públicos são percebidos, por parte das crianças, como inadequados e perigosos. A rua passou

a ser considerada por elas como um lugar de passagem, de perigo e de proibição.

Conceber a criança como sujeito de direitos é reconhecer o seu direito à

convivência comunitária, que deve acontecer também fora dos muros escolares e fora das suas

casas, pois as crianças devem apropriar-se de todo o espaço da cidade, fazendo prevalecer o

seu direito de brincar, já que, brincando, ela participa, interage e aprende de forma mais

significativa, plena e feliz.

A respeito de como as crianças gostariam que fossem os espaços públicos de

brincadeira em sua cidade, constatou-se que elas gostariam que houvesse mais espaços de

brincadeira, que elas não precisassem pagar para isso, e que os locais fossem limpos e

seguros.

Escutar as crianças precisa ser uma constante na cidade. Através do diálogo entre

crianças e adultos poder-se-á inventar outras formas de lidar com os equipamentos, as praças,

árvores, área, carros, prédios, enfim, a cidade. As crianças são capazes e devem ser

consideradas nas discussões e rumos das cidades em que habitam. Juntos, adultos e crianças,

acredita-se que seja possível criar soluções para viver em um lugar de brincadeira, liberdade,

movimento, um lugar de encontro...

Este estudo não tem o intuito de esgotar o tema, e sim de ampliar a discussão,

contribuindo para que outras pesquisas sejam realizadas. Finalizar o trabalho não significa

encerrar possibilidades de diálogo e reflexão, mas buscar novos olhares, a fim de movimentar

novos começos. Um constante (re)começar....

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Questionário

Tubarão, 10 de novembro de 2013.

Queridas crianças da cidade de Tubarão... Chamo-me Maristela. Sou professora de Educação Física de crianças do 1º ao 5º ano. Neste momento estou estudando, fazendo o curso de Mestrado. Justamente por isso gostaria de conversar com vocês a respeito do que pensam e conhecem sobre os espaços públicos de brincadeira de sua cidade. Por isso, achei que seria legal lhes enviar uma carta. Gostaria de aprender com vocês a olhar como as crianças de sua idade veem os espaços públicos de brincadeira da sua cidade. Resolvi escrever algumas questões que podem lhes ajudar a me responder esta carta: * O que é um espaço público de brincadeira para você? * Existem lugares para as crianças brincarem em nossa cidade? Caso existam, quais são eles? * Em quais lugares vocês brincam que não seja a sua casa ou a escola? Com quem vocês vão a esses lugares? * Quais lugares de brincar de que vocês mais gostam na cidade? E quais menos gostam? Por quê? * O que você gostaria que tivesse nos espaços públicos de brincadeira de sua cidade que ainda não tem? * Para você, lugar de criança onde é?

Essas perguntas servem apenas para ajudar vocês a pensar. Fiquem à vontade para respondê-las ou não. Caso queiram, também poderão complementar esta carta com desenhos. Em outro momento, voltaremos a conversar bem de pertinho sobre este monte de coisas. Agradeço muito a participação de vocês. Fico aguardando sua resposta. Superabraço, Profª. Maristela Pandini Simiano

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APÊNDICE B – Autorização dos pais

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

Programa de Pós-graduação em Educação

Prezado Pai, Mãe ou Responsável.

Na qualidade de aluna do Programa de Pós-graduação em Educação, estou

realizando uma pesquisa intitulada “Cidade amiga da criança: um estudo sobre os espaços

públicos de brincadeira para infância na cidade de Tubarão”, que busca verificar como as

crianças veem os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão. Sendo assim, solicito

sua autorização para que seu filho(a) possa participar desta pesquisa.

Eu____________________________________ autorizo meu filho

(a)____________________a participar desta pesquisa.

___________________________________

Assinatura do responsável

Agradeço, desde já, sua compreensão e colaboração.

Tubarão, 2013.