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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ BARTIRA SOLDERA DIAS A (IN) COMPATIBILIDADE DA ATUAL CONFORMAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COM OS PRINCÍPIOS CARACTERIZADORES DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO São José 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

BARTIRA SOLDERA DIAS

A (IN) COMPATIBILIDADE DA ATUAL CONFORMAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COM OS PRINCÍPIOS CARACTERIZADORES

DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO

São José2009

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BARTIRA SOLDERA DIAS

A (IN) COMPATIBILIDADE DA ATUAL CONFORMAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COM OS PRINCÍPIOS CARACTERIZADORES

DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos

Santos.

São José2009

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BARTIRA SOLDERA DIAS

A (IN) COMPATIBILIDADE DA ATUAL CONFORMAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COM OS PRINCÍPIOS CARACTERIZADORES

DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal e Direito Constitucional.

São José, 20 de novembro de 2009.

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos SantosUNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Rita de Cássia PachecoUNIVALI – Campus de São José

Membro 1

Prof. MSc. Alceu de Oliveira Pinto JuniorUNIVALI – Campus de São José

Membro 2

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AGRADECIMENTOS

Dedico este trabalho, em primeiro lugar e de maneira especial, a minha

família por todo o amor, dedicação, amparo, força e respeito que sempre me deram.

Aos meus pais, de modo especial, Luis Adolfo B. Dias e Vera Lucia Soldera Dias,

por absolutamente tudo que representam e me ensinaram na vida. À minha irmã,

Bibiana, e à Petit, que tanto amo.

Ao Cauê, meu amor, meu porto seguro, pelo carinho, compreensão e

paciência que sempre dedicou a mim.

Aos amigos de sempre, que me distraem, divertem e entendem, em particular

à Ana Paula, que constantemente se mostra uma amiga leal e verdadeira.

Ao meu orientador, Professor Rodrigo Mioto dos Santos, pelo auxílio,

dedicação e pela aprendizagem que tive.

Ao Dr. Davi do Espírito Santo e Joaquim Torquato Luiz, pelos ensinamentos,

oportunidades e pela agradável convivência.

A todos aqueles que de alguma maneira participaram da minha vida,

ajudando-me a chegar ao final deste curso com o êxito almejado.

E, principalmente, a Deus, pela vida e pela força.

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O segredo é não correr atrás das borboletas…

é cuidar do jardim para que elas venham até você.

Mário Quintana

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 29 de outubro de 2009.

Bartira Soldera Dias.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é verificar se (e em que medida) a atual conformação do tribunal do júri está em consonância com os princípios democráticos do processo penal. Com este fim, apresenta, a partir da análise do contexto histórico de surgimento da instituição do júri, sua atual configuração. Analisa os princípios fundamentais do tribunal do júri, assim como posicionamentos doutrinários que amparam a idéia de que ele espelha os valores democráticos adotados pelo Estado. A fim de solucionar essa discutida questão, estuda minuciosamente os principais princípios constitucionais que caracterizam, de fato, um processo penal verdadeiramente democrático. Examina como se dá o julgamento pelos pares no tribunal do júri e apresenta, de forma destacada, a necessidade imperiosa de motivação das decisões judiciais à obtenção de uma prestação jurisdicional justa e efetiva. Expõe a problemática decorrente da ausência de motivação dos veredictos do júri no que concerne ao desrespeito aos princípios do estado de inocência e plenitude de defesa. Compara o procedimento do júri brasileiro com o de diversos outros países que prevêem expressamente a obrigatoriedade de motivação das decisões proferidas pelo tribunal do júri, bem como a exigibilidade de votação unânime ou obtida por maioria qualificada de votos e, ainda, a vedação do recurso de apelação em caso de veredicto absolutório. Aponta, ao final, algumas contribuições que podem tornar o tribunal do júri uma instituição legítima e efetivamente democrática.

Palavras-chave: tribunal do júri; princípios do processo penal; democracia; motivação das decisões; estado de inocência; plenitude de defesa.

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RÉSUMÉ

L'objectif de cette étude est de savoir si (et comment) la conformation actuelle du jury est conforme aux principes démocratiques de la procédure pénale. À cette fin, nous présentons, à partir de l'analyse du contexte historique de l'émergence de l'institution du jury, sa configuration actuelle. Il examine les principes fondamentaux du jury, ainsi que les positions doctrinales qui soutiennent l'idée qu'il reflète les valeurs démocratiques adoptées par l'État. Afin de répondre à cette question discutée, nous étudions en détail les grands principes constitutionnels qui caractérisent, en effet, une instance pénale véritablement démocratique. Il examine comment la révision par les pairs deux de le jury et apparaît, en bonne place, la nécessité urgente pour la motivation des décisions judiciaires pour obtenir un équitable et efficace règlement. Il explique les problèmes découlant du manque de motivation des verdicts du jury en ce qui concerne le non-respect des principes de l'état d'innocence et de la défense complète. Compare la procédure du jury brésilienne avec de plusieurs autres pays qui prévoient expressément l'obligation de motivation des décisions prises par le jury, et le caractère exécutoire d'un vote unanime ou obtenus par une majorité qualifie des votes et, par ailleurs, le interdiction l'appel absolutório verdict. Cette étude met à la fin, des contributions que peuvent apporter le jury une institution légitime et effectivement démocratiques.

Mots-clés: jury; principes de la procédure pénale, la démocratie, la motivation des décisions, l'état d'innocence, la défense complète.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 01 - Grau de escolaridade dos jurados do Terceiro Tribunal do Júri de São

Paulo..........................................................................................................................49

Gráfico 02 - Grau de escolaridade dos jurados na Primeira Vara do Júri de Porto

Alegre.........................................................................................................................50

Gráfico 03 - Grau de escolaridade dos apenados no sistema penitenciário nacional

no primeiro semestre de 2009....................................................................................51

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................11

1 TRIBUNAL DO JÚRI: SURGIMENTO, EVOLUÇÃO HISTÓRICA,

CONFIGURAÇÃO ATUAL E PRINCÍPIOS INFORMADORES ................................14

1.1 Aspectos históricos do tribunal do júri..............................................................14

1.1.1 Contextualização histórica do surgimento do tribunal do júri ....................15

1.1.2 O júri no Brasil...........................................................................................17

1.2 A natureza constitucional do tribunal do júri ....................................................20

1.2.1 Plenitude de defesa...................................................................................21

1.2.2 Sigilo das votações ...................................................................................23

1.2.3 Soberania dos veredictos..........................................................................24

1.2.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida...........25

1.3 A operacionalização do tribunal do júri ............................................................26

1.3.1 Primeira fase: instrução preliminar ............................................................27

1.3.2 Segunda fase: julgamento em plenário .....................................................29

2 DELIMITANDO O CONCEITO DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: DE

UM FRÁGIL CRITÉRIO NUMÉRICO-REPRESENTATIVO À FORÇA NORMATIVA

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS...................................................................38

2.1 “O júri como instituição democrática”...............................................................39

2.2 Julgamento pelos “pares” ................................................................................46

2.3 Motivação das decisões...................................................................................57

3 REDEFININDO O TRIBUNAL DO JÚRI À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988 ....................................................................................................................63

3.1 O problema da motivação das decisões no tribunal do júri..............................63

3.2 O In dubio pro reo no âmbito do tribunal do júri...............................................70

3.3 A problemática existente em torno da plenitude defensiva no tribunal do júri .75

CONCLUSÃO ...........................................................................................................80

REFERÊNCIAS.........................................................................................................83

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INTRODUÇÃO

Esta monografia terá como um de seus escopos a discussão acerca da

compatibilidade da atual conformação do tribunal do júri brasileiro e os princípios

que fundam o Estado Democrático de Direito. A importância da reflexão em torno da

instituição do júri torna-se necessária na medida em que este é um dos temas em

que a doutrina pátria desfruta de um longo “repouso dogmático”, pois há muito

tempo ninguém ousa discutir sua legitimidade e utilidade. Por essa razão, o objetivo

do presente trabalho é atacar os preconceitos que se encravaram ao longo do tempo

no imaginário da sociedade, por meio dos esteriótipos, em um contexto em que

muitas vezes prevalece o simbólico, o ritualístico ou os discursos ideológicos.

A escolha do tema surgiu através de uma constatação empírica após

ingressar como estagiária na 24ª Promotoria de Justiça da Capital, com atribuições

para atuar junto à 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital e nos processos de

competência do tribunal do júri.

Com essa experiência foi possível constatar que, no júri, os atos são

realizados pela esmagadora maioria dos atores jurídicos, de forma automática e

impensada. A incorporação dos atos no cotidiano dos operadores do Direito acaba

ocorrendo de maneira tão inconsciente que ninguém mais para e questiona se esse

sistema de julgamento é realmente justo, se são respeitadas todas as garantias

estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil e se, efetivamente,

o júri representa uma instituição legítima e democrática. Diante disso, importante se

torna o estudo crítico do tribunal do júri, discutindo-se pontos polêmicos e

controvertidos que estão em profundo “repouso dogmático”.

Destarte, o desiderato primordial do presente trabalho é verificar se os

princípios fundamentais do tribunal do júri e os demais direitos constitucionais do réu

se coadunam aos preceitos do Estado Democrático de Direito. Tem-se também

como objetivo explicar alguns dos principais princípios previstos no ordenamento

jurídico pátrio que caracterizam um processo penal democrático e analisar se eles

são respeitados no âmbito do júri.

A Constituição Federal de 1988, repetindo a previsão de algumas

Constituições anteriores, reconheceu o tribunal do júri em seu artigo 5º, inciso

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XXXVIII, com a organização que lhe der a lei, desde que assegurados a plenitude de

defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Por estar inserido no rol dos direitos e

garantias individuais, o júri é considerado um direito fundamental e, portanto, deve

espelhar os valores e princípios adotados pela Constituição Federal, objetivando a

efetivação dos direitos e garantias nela estabelecidos.

Para explicar como se deu a evolução da instituição do júri até a atualidade,

primeiramente, será feita uma rápida análise dos aspectos históricos do júri. Iniciar-

se-á esta explanação apontando como se deu o surgimento dos julgamentos

populares no mundo, em especial, na Inglaterra, berço da instituição. O estudo

prosseguirá com o exame do desenvolvimento do júri no ordenamento jurídico

interno. Demonstrar-se-á, na seqüência, a natureza constitucional do tribunal do júri,

assim como os princípios descritos no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição

Federal.

Encerrando a primeira parte do trabalho, será também explicado o

procedimento do júri, buscando-se compreender como ocorrem os julgamentos

populares no Brasil.

Adentrando-se no segundo capítulo, buscar-se-á delimitar o conceito de um

processo penal democrático. Iniciando esta questão, demonstrar-se-ão

posicionamentos doutrinários que amparam a idéia de que o júri é um tribunal de

conotação democrática. Serão descritos os princípios que caracterizam, de fato, um

processo penal harmônico com os postulados da democracia. Após a análise dos

princípios do devido processo legal; independência e imparcialidade do juiz; juiz

natural; contraditório; paridade de armas; ampla defesa; presunção de inocência;

duplo grau de jurisdição e motivação das decisões judiciais, discutir-se-á se tais

princípios são observados nas duas fases procedimentais do júri (instrução

preliminar e julgamento em plenário).

Logo adiante, explica-se como se dá o julgamento pelos pares no tribunal do

júri, analisando-se os critérios para seleção dos jurados e para a formação do

Conselho de Sentença. Argumenta-se, na seqüência, questões pontuais relativas a

representatividade democrática do corpo de sentença, independência e (des)preparo

dos juízes leigos.

Por ocasião do final do segundo capítulo, será explicada a imprescindibilidade

da exigência de motivação das decisões judiciais, por ser um mecanismo

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indispensável à manutenção da democracia e à preservação dos direitos e garantias

individuais. Analisar-se-á a dupla função da motivação, que ora funciona como

garantia política, ora como garantia instrumental.

No terceiro capítulo, apresentar-se-ão os problemas que a inexigibilidade da

motivação das decisões acarreta, em especial, quanto aos prejuízos causados à

plenitude de defesa. Prosseguindo no capítulo, examinar-se-á o princípio da íntima

convicção, utilizado no júri ao longo de muitos anos, embora considerado

completamente superado na atualidade.

Logo depois, analisar-se-á o polêmico princípio do in dubio pro societate,

utilizado freqüentemente para embasar a decisão de pronúncia e submeter o réu a

julgamento popular. O mesmo será feito em relação ao princípio do in dubio pro reo

que, por vezes, é esquecido no plenário do júri.

Feitos os estudos elencados no parágrafo acima, examinar-se-á, por fim, a

problemática existente em torno da plenitude defensiva no tribunal do júri. Os

prejuízos causados ao acusado em decorrência das falhas estruturais e

procedimentais do júri serão analisados na seqüência.

No terceiro e último capítulo do trabalho, ainda, será feita uma comparação

da legislação brasileira com a legislação de outros países, no que concerne a

obrigatoriedade da fundamentação das decisões do júri, a forma de obtenção dos

veredictos (unanimidade ou maioria) e, ainda, acerca da possibilidade de recurso em

caso de decisão absolutória.

Ressalte-se, por derradeiro, que o presente trabalho será realizado seguindo

o método dedutivo. Assim, partir-se-á de um raciocínio lógico geral através da

interpretação da Constituição Federal e do Código de Processo Penal, para um

fenômeno específico, o tribunal do júri.

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1 TRIBUNAL DO JÚRI: SURGIMENTO, EVOLUÇÃO HISTÓRICA,

CONFIGURAÇÃO ATUAL E PRINCÍPIOS INFORMADORES

Este primeiro capítulo objetiva caracterizar e contextualizar o tribunal do júri.

Dentro dessa perspectiva, a análise do surgimento e desenvolvimento da instituição

mostra-se apropriada para que o leitor entenda como o júri foi se modificando ao

longo dos séculos até chegar à conformação atual. A natureza constitucional e o

procedimento da instituição do júri serão estudados, na sequência, a fim de que seja

compreendido o funcionamento do júri e estabelecido seus limites.

A origem do tribunal do júri é controversa, apontando a doutrina diversas

hipóteses para seu surgimento. Todavia, adotar-se-á no presente trabalho a Magna

Carta da Inglaterra, de 1215, como marco inicial da instituição do júri. A partir daí,

serão abordados aspectos históricos do júri no âmbito jurídico externo e interno.

A natureza constitucional do tribunal do júri será examinada na sequência.

Para tanto, analisar-se-ão os fundamentos basilares da instituição do júri - plenitude

de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e competência para julgar

os crimes dolosos contra a vida -, dispostos no art. 5º, inciso XXXVIII, da

Constituição da República Federativa do Brasil.

A pesquisa prosseguirá com a abordagem da operacionalização do júri. A

análise de seu procedimento (bifásico) será realizada a partir do exame das fases de

instrução preliminar e de julgamento em plenário.

1.1 Aspectos históricos do tribunal do júri

É necessário, inicialmente, analisar de forma sucinta alguns recortes relativos

ao histórico do tribunal do júri. Examinar seu surgimento e desenvolvimento, bem

como contextualizá-lo no panorama atual, são alguns dos objetivos desta introdução

histórica.

Os julgamentos populares são realizados há séculos. No entanto, a

composição dos tribunais, independentemente de sua origem e local de

desenvolvimento, nem sempre tiveram feições “democráticas”. Conforme se

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observará no breve esboço histórico a seguir, o julgamento pelo júri representou

uma evolução no período de seu surgimento, pois era necessário na medida em que

os juízes eram submissos ao despotismo dos monarcas absolutistas (NORONHA,

1990, p. 241). Discute-se, entretanto, a real necessidade desta instituição nos dias

atuais, haja vista, entre outros motivos, o Poder Judiciário possuir garantias que o

põem a salvo de interferências de outros Poderes (NORONHA, 1990, p. 241).

1.1.1 Contextualização histórica do surgimento do tribunal do júri

A origem do tribunal do júri é controversa. Há quem atribua a esta antiga

instituição os antecedentes históricos mais diversos. Para efeitos ilustrativos, citam-

se, a seguir, algumas das possíveis origens do júri. Todavia, utilizar-se-á no

presente trabalho a Magna Carta da Inglaterra, de 1215, como o marco inicial da

instituição do júri, em consonância ao mencionado na doutrina majoritária.

Para Araújo (1996, p. 201), o surgimento do júri adveio da democracia grega,

onde havia duas instituições judiciárias que buscavam a paz social, o Areópago e a

Heliéia:

O Areópago, encarregado de julgar os crimes de sangue, era guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Seus integrantes, antigos arcontes, seguiam apenas os ditames de sua consciência. A Heliéia, por sua vez, era um tribunal popular, integrado por um número significativo de heliastas (de 201 a 2501) todos cidadãos optimo jure, que também julgavam, após ouvir a defesa do réu, segundo sua íntima convicção.

De modo diverso entende Tucci (1999, p. 15), pois para ele, os ancestrais do

tribunal do júri contemporâneo remontam às quaestiones perpetuae romanas. Estes

eram órgãos formados por representantes do povo, presididos por um pretor e cuja

competência e atribuição eram definidas em leis previamente editadas (TUCCI,

1999, p. 16).

Conforme Fragoso (1961), porém, tais antecedentes nada têm a ver com o

júri moderno, “pois são apenas formas de participação do povo nos julgamentos as

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quais se explicam pela deficiência do aparelho judiciário, constituindo manifestações

primitivas da administração da justiça.”

Aponta-se, no entanto, majoritariamente, a Magna Carta da Inglaterra, de

1215, como a origem mais próxima do tribunal popular1. O júri teria surgido em solo

britânico após a abolição das ordálias2 pelo IV Concílio de Latrão3 (MOSSIN, 1999,

p. 180). Adotou-se o número doze para a composição do júri4, pois se acreditava

que o número dos Apóstolos faria descer o Espírito Santo, inspirando os jurados no

momento de suas decisões (MARQUES, 1948 apud PORTO, 1980, p. 32).

O Rei João Sem Terra5 assinou o mais famoso documento da história da

Inglaterra em meio a pressões de uma aristocracia desgostosa e em razão da

imposição dos barões ingleses (RANGEL, 2006, p. 458). Segundo Durant (1957, p.

182), os nobres queixavam-se dos excessivos impostos que o Rei destinava a

guerras desastrosas, às negociações com o Papa Inocêncio III em troca de perdão e

apoio, assim como em razão do pagamento de scutege6. Nesse contexto, a Magna

Carta representou “muito mais uma vitória do feudalismo do que da democracia”,

1 Magna Carta, 1215: “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.” (destaquei)2 As ordálias eram julgamentos realizados de acordo com o juízo Divino e que consistiam em submeter o acusado a provas físicas, de intenso sofrimento. Acreditava-se que Deus gravaria no corpo do verdadeiro criminoso a sua culpa (ARAÚJO, 1996, p. 204). Os julgamentos eram acompanhados por membros da Igreja, pois sua presença era necessária para evocar a participação divina nas provas de inocência ou culpa (GAZOTO, 1999, p. 54).3 O IV Concílio de Latrão, segundo Bolton (1985 apud SILVA, 1995), foi o maior dos concílios ecumênicos medievais. A assembléia foi convocada pelo Papa Inocêncio III, “sendo convidados a participar não somente os líderes eclesiásticos regulares e seculares, como também autoridades laicas” (SILVA, 1995). Silva (1995) esclarece que, ao convocar o concílio, o Papa objetivava “fazer frente aos problemas internos da Igreja, através de um novo projeto de organização jurídico-canônico, além de restabelecer a sua hegemonia frente aos leigos, legislando sobre questões civis e elaborando novas formas de controle social.”4 “A alusão aos Apóstolos de Cristo é no sentido de que nos jurados está representada a máxima de que eu sou o caminho, a verdade e a vida, acima de mim não existe nenhuma outra verdade. Ninguém chegará ao Pai se não através de mim. Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos. Em outras palavras: a verdade será aquela decidida pelos jurados, independentemente do que as partes possam alegar. Os jurados simbolizam a paz e a harmonia entre os homens, pois são os iguais decidindo o que os outros iguais querem para a sociedade. Deus é a verdade suprema. Os jurados também simbolizam a verdade suprema e, por isso, suas decisões são soberanas.” (RANGEL, 2006, p. 469)5 O Rei João (1199-1216) era chamado de “Sem Terra”, devido ao fato de não ter recebido de seu pai qualquer território no Continente, ao contrário de seus irmãos (DURANT, 1957, p. 179).6 Scutege era o pagamento em dinheiro, em lugar do serviço militar (DURANT, 1957, p. 182).

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visto que “definia muito mais os direitos dos nobres e do clero do que os de todo o

povo” (DURANT, 1957, p. 184).

Na lição de Rangel (2006, p. 458), o júri surgiu “com a missão de retirar das

mãos do déspota o poder de decidir contrário aos interesses da sociedade da

época”. Segundo o autor, “a Magna Carta foi um acordo entre a nobreza e o

monarca, do qual o povo não participou e quando se fala de julgamento de seus

pares quer se dizer o ato de um nobre julgar o outro e não mais se submeter aos

ditames do rei.” (RANGEL, 2006, p. 458) Em continuidade, afirma Rangel (2006, p.

459) que o júri nasceu e se desenvolveu com o objetivo de reprimir os impulsos

ditatoriais do déspota, isto é, de “retirar das mãos do juiz, que materializava a

vontade do soberano, o poder de julgar, deixando que o ato de fazer justiça fosse

feito pelo próprio povo”.

Com o passar dos anos, o sistema de julgamento popular inglês passou a ser

utilizado em outros países. A França, por exemplo, adotou o júri inglês após a

Revolução Francesa (1789), com o objetivo de substituir os magistrados fortemente

vinculados à monarquia por membros do povo, adeptos aos novos ideais

republicanos (NUCCI, 2008, p. 42).

A partir disso, diversos países da Europa copiaram o modelo do tribunal do

júri inglês, dando-lhe contornos e feições próprias (NORONHA, 1990. p. 241).

Todavia, em razão da não adaptação do padrão de júri da Inglaterra, predominou no

continente europeu o sistema de escabinado7 (FERNANDES, 2007, p. 186).

1.1.2 O júri no Brasil

No Brasil, o tribunal do júri foi criado no ano de 1822 com competência restrita

para julgar os crimes de imprensa (STRECK, 1993, p. 39). O júri era formado por

vinte e quatro jurados, “‘bons, honrados, inteligentes e patriotas’, prontos a julgar os

delitos de abuso da liberdade de imprensa, sendo suas decisões passíveis de

revisão somente pelo Príncipe Regente.” (NUCCI, 2008, p. 43) 7 No escabinato o julgamento é realizado em conjunto por juízes leigos e juízes togados, sob a presidência destes (GRECO FILHO, 1989 apud FERNANDES, 2007, p. 186). Para Sendra (1981 apud LOPES JR., 2009, p. 316), “o escabinato representa uma instituição superior ao júri, pois juízes leigos e técnicos atuam e decidem em colegiado.”

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Com o advento da Constituição do Império de 1824, o tribunal do júri foi

inserido no capítulo pertinente ao Poder Judiciário. Sua competência foi ampliada e

passou a abranger as causas cíveis e criminais. O júri era composto por juízes de

direito e jurados8, sendo que estes se pronunciavam sobre os fatos e aqueles

aplicavam a lei.9

Em 29 de novembro de 1832, entrou em vigor o Código de Processo Criminal

do Império, que estabelecia, em seu art. 23, que eram aptos para serem jurados

todos os cidadãos, que podiam ser eleitores, sendo de reconhecido bom senso e

probidade10. De acordo com Rangel (2006, p. 463), em conseqüência, “somente

seriam jurados os que tivessem uma boa situação econômica, já que estes é que

podiam votar”. Em adição, assevera o autor que nascia aí o abismo existente entre

os jurados e os réus (RANGEL, 2006, p. 463).

Proclamada a República, em 1889, o tribunal do júri foi mantido, passando a

integrar, por ocasião da Constituição de 1891, o contexto dos direitos e garantias

individuais. Em 1890, através do Decreto n. 848, criou-se o Júri Federal, composto

por doze jurados, sorteados dentre trinta e seis membros do corpo de jurados

estadual e cuja formação era feita, inicialmente, pelos juízes seccionais e,

posteriormente, pelos juízes substitutos (MARQUES, 1963, p. 20).

A Constituição de 1934 “alterou, em parte, o antigo texto sobre o Júri, não só

o colocando fora das declarações de direitos e garantias individuais, como também

ampliando-lhe os dizeres” (MARQUES, 1963, p. 23). A Carta Magna de 1934

manteve a instituição do júri, incluída agora no capítulo referente ao Poder

Judiciário.11

Em meados de setembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas outorgou uma

nova Constituição, que foi omissa acerca da existência do tribunal do júri. Góes

(2008) expõe que diante da inexistência de previsão constitucional acerca do júri, 8 Art. 151, da Constituição de 1824: “O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Codigos determinarem.”9 Art. 152, da Constituição de 1824: “Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei.”10 Art. 23, do Código de Processo Criminal de 1832: “São aptos para serem Jurados todos os cidadãos, que podem ser Eleitores, sendo de reconhecido bom senso e probidade. Exceptuam-se os Senadores, Deputados, Conselheiros, e Ministros de Estado, Bispos, Magistrados, Officiaes de Justiça, Juizes Ecclesiasticos, Vigarios, Presidentes, e Secretarios dos Governos das Provincias, Commandantes das Armas, e dos Corpos da 1ª linha.”11 Art. 72, da Constituição de 1934: “É mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei.”

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pensou-se, a princípio, que a instituição havia sido extinta no Brasil. Contudo, tal

ideia foi abolida com a promulgação do Decreto-Lei n. 167, de 05 de janeiro de

1938, que regulamentou a instituição, demonstrando explicitamente sua existência.

O referido Decreto-Lei modificou substancialmente a instituição do júri, retirando-lhe

a soberania dos veredictos, restringindo-lhe a competência, bem como permitindo

“aos Tribunais de Justiça a reforma pelo mérito das decisões proferidas pelo júri”

(NORONHA, 1990, p. 243). O Conselho de Sentença passou a ser formado por sete

jurados12, cabendo ao juiz presidente do júri a escolha dos jurados, “mediante

escolha por conhecimento pessoal ou informação fidedigna” (art. 10, do Decreto-Lei

n. 167/38). Além disso, criou-se a regra de incomunicabilidade dos jurados (art. 75,

Decreto-Lei n. 167/38).

Em 1946 foi promulgada uma nova Constituição, que novamente incluiu o

tribunal do júri no capítulo dos “direitos e garantias”, restabelecendo também a

soberania de seus veredictos (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 37). O número de

membros no júri passou a ser sempre ímpar, sendo assegurada a plenitude de

defesa e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.13 Sobre

este período histórico aponta Rangel (2006, p. 477):

Instalado o período democrático no País, o júri volta a ser tratado com dignidade. O número ímpar de jurados cumulado com a soberania dos veredictos já demonstrava que a condenação não era almejada pelo Estado e, nesse caso, embora ímpar o número, eles voltavam a ser soberanos e o réu passava a ter o direito a plena defesa.

Em complemento à informação supracitada, Nucci (2008, p. 35) explicita que

a opção pelos “crimes dolosos contra a vida” foi uma opção política legislativa que

[...] deveu-se à vontade dos coronéis do sertão, que, mandando matar seus oponentes, desejavam o julgamento dos seus mandatários no Tribunal do povo. Assim ocorrendo, a pressão pela

12 Art. 2º, do Decreto n. 167/1938: “O Tribunal do Júri compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente e de vinte e um jurados, sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento.”13 Art. 141, §28, da Constituição da República de 1946: “É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”

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absolvição seria intensa, atendendo aos anseios políticos da época e a região.

A Carta Magna de 1967 manteve a existência do júri, bem como a soberania

de seus veredictos e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.14

No entanto, como lembra Rangel (2006, p. 478), com o regime ditatorial a soberania

dos veredictos ficou apenas no papel, visto que a ditadura é “incompatível com

decisão popular e democrática do tribunal do júri”.

A Emenda Constitucional de 1969 conservou a existência da instituição do

júri, assegurando-lhe a competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida

(art. 153, §18). Todavia, foi omissa quanto à soberania dos veredictos, o sigilo das

votações e a plenitude de defesa.

No dia 05 de outubro de 1988, por fim, entrou em vigor a atual Constituição

da República, que confirmou como regime político o Estado Democrático de Direito.

A instituição do júri foi inserida no capítulo pertinente aos direitos e garantias

individuais e, embora não conste no rol do art. 9215 da Constituição Federal, é

considerada um órgão especial do Poder Judiciário.

A explicação da instituição do júri atual será feita a seguir.

1.2 A natureza constitucional do tribunal do júri

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a instituição do júri em seu art.

5º, inciso XXXVIII, reportando à legislação ordinária (Código de Processo Penal) a

organização de sua estrutura. Isto quer dizer que, por óbvio, as leis

infraconstitucionais que regulamentam o tribunal popular devem estar em estrita

consonância com o texto constitucional. A Constituição Federal de 1988 garantiu

14 Art. 150, §18, da Constituição de 1967: “São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”15 Art. 92, da Constituição Federal de 1988: “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”

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também os fundamentos basilares da instituição dispondo nas alíneas do

supracitado inciso os princípios que compõem o cerne do júri.

O tribunal do júri é muito mais do que um órgão do Poder Judiciário,

constituindo um direito fundamental do indivíduo o julgamento por seus pares. Pelo

fato de estar incluído no rol dos direitos e garantias individuais, o tribunal do júri é

uma das matérias que formam o “núcleo intangível da Constituição Federal”

(MORAES, 2006, p. 600), sendo considerado cláusula pétrea.

No entanto, o tribunal do júri, enquanto direito fundamental, deveria respeitar

e refletir os princípios orientadores do Estado Democrático de Direito. Todavia, como

será visto no decorrer do presente trabalho, nem sempre isso ocorre no âmbito do

júri, posto que a legislação infraconstitucional, na maior parte das vezes, não está

em harmonia com os princípios previstos na Constituição Federal.

Examinam-se, a seguir, os princípios fundamentais do tribunal do júri.

1.2.1 Plenitude de defesa

O direito de defesa está previsto na Constituição Federal (art. 5º) em dois

momentos distintos: a) inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (destaquei); b) inciso XXXVIII,

alínea a: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,

assegurados [...] a plenitude de defesa” (destaquei).

Ensina Marques (1955 apud NUCCI, 1999, p. 153) que:

O direito de defesa, em sua significação mais ampla, é direito latente em todos os preceitos emanados do Estado, como substractum da ordem legal, porque constitui o fundamento primário e básico da segurança jurídica estabelecida pela vida social organizada.

A existência dessas duas garantias - ampla defesa e plenitude de defesa -

previstas no art. 5º da Constituição Federal não constituem simples repetição

despretensiosa. Nesse sentido, destaca-se que:

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[...] o Constituinte fez questão de ressaltar que, como regra geral, em qualquer processo judicial ou administrativo, tem o acusado direito à ampla defesa, produzindo provas em seu favor e buscando demonstrar sua inocência, a fim de garantir o devido processo legal, única forma de privar alguém de sua liberdade ou de seus bens. Mas, no cenário do júri, onde a oralidade é essencial e a imediatidade, crucial, não se pode conceber a instituição sem a plenitude de defesa. Portanto, apesar de ser uma garantia de o acusado defender-se com amplidão, é característica fundamental dainstituição do júri que a defesa seja plena. (NUCCI, 1999, p. 139)(grifo do autor)

Distingue-se, em um primeiro momento, o significado dos vocábulos amplo e

pleno. Enquanto este quer dizer cheio, repleto, completo, perfeito; aquele significa

vasto, extenso, abundante, copioso, rico, farto, abrangente, de grandes dimensões

(HOUAISS, 2001, p. 197 e 2238).

No contexto do tribunal do júri tais termos ganham especial relevância e

diferença. Nesse sentido: “A ampla defesa é a possibilidade de o réu defender-se de

modo irrestrito, sem sofrer limitações indevidas, quer pela parte contrária, quer pelo

Estado-juiz” (NUCCI, 1999, p. 140). Esta garantia é conferida a todos os acusados

de modo geral. Diferentemente, a plenitude de defesa significa “o exercício efetivo

de uma defesa irretocável, sem qualquer arranhão, calcada na perfeição –

logicamente dentro da natural limitação humana” (NUCCI, 1999, p. 140). Fernandes

(2007, p. 188) acrescenta que a plenitude de defesa é uma garantia especial,

aplicável somente à fase do plenário. Para Capez (2002, p. 585) “defesa plena, sem

dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla.”

A plenitude de defesa engloba não somente a existência de uma defesa

técnica preparada e a utilização de todos os argumentos lícitos para convencer os

jurados da inocência do réu. Para que o acusado possua uma defesa efetivamente

plena é necessário que, além de tudo isso, seja-lhe assegurado o direito de

conhecer as razões da decisão do júri, assim como de avaliar, a partir da motivação

do decisum, a conveniência de recorrer ou não. Por tudo isso, não basta que a

defesa do réu seja apenas ampla, devendo ser, de fato, plena, irretocável, perfeita.

Isso porque, “nos processos em trâmite no plenário do Júri, a atuação apenas

regular coloca em risco, seriamente, a liberdade do réu.” (NUCCI, 2008, p. 26)

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1.2.2 Sigilo das votações

O princípio da publicidade dos atos processuais está duplamente previsto na

Constituição Federal. O art. 5º, inciso LX, dispõe que “a lei só poderá restringir a

publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse

social o exigirem” e o art. 93, inciso IX, primeira parte, prevê que “todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas

as decisões, sob pena de nulidade”. Todavia, a própria Carta Magna restringe a

aplicação deste princípio quando menciona que a lei pode “limitar a presença, em

determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em

casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação” (art. 93, inciso IX, segunda parte).

O tribunal do júri está inserido dentro desta limitação do princípio da

publicidade. Isso porque, é assegurado à instituição o sigilo das votações, conforme

o disposto na alínea b, do inciso XXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal. Por

meio desta garantia, os membros do Conselho de Sentença proferem seu veredicto

longe do alcance público, assegurando-se a livre formação de sua convicção e de

suas conclusões, afastando-se, dessa maneira, quaisquer circunstâncias que

possam constranger os jurados. (PORTO, 1980, p. 44). Nucci (1999, p. 166) expõe

que:

Certamente conhecedor das características inerentes ao tribunal popular, em especial a ausência de garantias aos jurados, sua inexperiência e falta de conhecimento técnico, quis o constituinte assegurar que o julgamento fosse o mais imparcial possível, espelho fiel da soberania do colegiado. Para tanto, firmou preceito no sentido de que a votação do Conselho de Sentença seja sigilosa, embora o julgamento transcorra em público.

Para doutrina e jurisprudência majoritárias, o sigilo das votações não ofende a

garantia constitucional da publicidade. Fernandes (2007, p. 188) esclarece que a

aplicação do princípio do sigilo das votações é necessária na medida em que

preserva a “imparcialidade do julgamento, evitando-se influência sobre os jurados

que os impeça de, com liberdade, manifestar seu convencimento pela votação dos

quesitos.”

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O princípio em análise concretiza-se, no tribunal do júri, através do

procedimento de votação em sala especial, também denominada de sala secreta.

Este é um ambiente reservado, “tranqüilo e seguro, fiscalizado pelas partes

interessadas e sob a presidência de um juiz de direito.” (NUCCI, 1999, p. 172)

Os jurados, por serem destituídos dos direitos que possuem os magistrados

togados, devem desfrutar de garantias que os coloquem a salvo de interferências

externas. Assim, por julgarem de acordo com a própria consciência, os juízes leigos

devem ser cercados de precauções a fim de que decidam com independência e

imparcialidade (MARREY, 1992 apud ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 44).

1.2.3 Soberania dos veredictos

Soberania, segundo Nucci (1999, p. 83), “expressa um conceito ligado à

supremacia, à plenitude, à independência e ao absoluto.” No tribunal do júri, a

soberania dos veredictos significa, na visão de Porto (1994 apud ANSANELLI

JÚNIOR, 2005, p. 73), a “impossibilidade de os juízes togados se substituírem aos

jurados na decisão da causa” ou, como expõe Marques (1963, p. 40), “traduz a

impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados ser substituída

por outra sentença sem esta base.”

Assim, em razão do princípio insculpido na alínea c, do inciso XXXVIII, do art.

5º, da Constituição Federal, cabe ao tribunal do júri a última palavra quando se trata

do julgamento de crime doloso contra a vida. Todavia, as decisões proferidas pelo

Conselho de Sentença devem ser submetidas a controle para que sejam realmente

justas e menos suscetíveis a erros. A esse respeito, menciona Nucci (1999, p. 97):

O constituinte desejou que o júri fosse soberano, ou seja, a última instância para decidir os crimes dolosos contra a vida, comsupremacia e independência, embora não se tenha qualquer referência de que sua decisão precisa ser única. Daí por que é perfeitamente admissível que, cometendo algum erro, o tribunal popular reúna-se novamente para reavaliar o caso.

Em vista disso, caberá apelação, no prazo de cinco dias, das decisões do

tribunal do júri, quando for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova

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dos autos, conforme o disposto no art. 593, inciso III, alínea d, do Código de

Processo Penal.

Alerta Moura (2002, p. 493), que a “a supremacia e a independência

(soberania) das decisões do Júri só restarão garantidas se, no mérito, não puderem

ser substituídas pelos Tribunais.” Deste modo, não é possível que cortes togadas

substituam o mérito dos veredictos proferidos pelo júri (NUCCI, 2008, p. 32).

Por isso, “não ofende a soberania o fato de ser possível ao Tribunal, em grau

de apelação, nos casos de decisão manifestamente contrária à prova dos autos,

encaminhar o réu a novo julgamento (art. 593, III).” (FERNANDES, 2007, p. 190)

Isso porque, estando os jurados sujeitos a cometer erros, como qualquer ser

humano, o recurso de apelação tem cabimento para permitir ao Tribunal togado

rever o que foi decidido (NUCCI, 1999, p. 97).

Se o Tribunal der provimento ao recurso de apelação, convencido de que a

decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, o réu será

submetido a novo julgamento. No entanto, não se admite, pelo mesmo motivo,

segunda apelação, de acordo com o disposto no §3º, do art. 593, do Código de

Processo Penal. Comenta Tucci (1999, p. 69) que, uma vez realizado o novo

julgamento, independentemente da conclusão do Conselho de Sentença, é

inaceitável outra apelação, prevalecendo definitivamente o que foi decidido pelo júri.

1.2.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

A Constituição Federal determina na alínea d, do inciso XXXVIII, do art. 5º, a

competência mínima para o tribunal do júri. A escolha dos crimes dolosos contra a

vida foi uma opção política legislativa, que já havia sido inserida na Constituição

1946.

Acerca dos tipos penais abrangidos pela competência do júri, ensina Nucci

(1999, p. 175):

Crimes dolosos contra a vida são os tipos penais previstos no Capítulo I (Crimes contra a Vida), do Título I (Dos Crimes contra a Pessoa), da Parte Especial do Código Penal. Abrangem as várias formas de homicídio doloso – simples, privilegiado, qualificado – (art.

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121, caput, §§ 1º e 2º), o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e as várias modalidades de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).

O tribunal do júri possui competência privativa, sendo, portanto, o juízo

natural das causas envolvendo crimes dolosos contra a vida (OLIVEIRA, 2008b, p.

96). No entanto, sua competência pode ser ampliada, visto que a Carta Magna

apenas assegurou que o júri julgasse os crimes contra a vida, não limitando, todavia,

a inclusão de outros delitos (NUCCI, 1999, p. 177). Por esse motivo, o Conselho de

Sentença julga atualmente, além dos crimes contra a vida propriamente ditos, os

crimes conexos (art. 78, I, do CPP). Este dispositivo, “longe de prejudicar o

preceituado na Constituição Federal, está em perfeita consonância com a regra da

competência mínima.” (NUCCI, 1999, p. 175)

1.3 A operacionalização do tribunal do júri

O tribunal do júri está disciplinado nos artigos 406 a 497 do Código de

Processo Penal. É composto por um juiz togado (presidente) e por vinte e cinco

jurados, sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de

Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447, do CPP). Admite-se, todavia, que

os trabalhos sejam iniciados se comparecerem, pelo menos, quinze jurados (art.

463, do CPP).

Ao juiz presidente do júri compete a “direção e a condução de todo o

procedimento, bem como a lavratura de sentença final, após as conclusões

apresentadas pelo corpo de jurados” (OLIVEIRA, 2008a, p. 564). O art. 49716, do

Código de Processo Penal enumera algumas das atribuições do juiz presidente.

16 Art. 497, do CPP: “São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: I – regular a polícia das sessões e prender os desobedientes; II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade; III – dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes; IV – resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri; V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor; VI – mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença; VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências

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Os jurados, por sua vez, compõem um “órgão leigo do Poder Judiciário, para

exercer atribuições que em lei estão prefixadas, no tocante a julgamentos criminais”

(MARQUES, 1963, p. 88). São escolhidos dentre os cidadãos maiores de 18

(dezoito) anos de notória idoneidade17, cabendo a eles o exercício da função

jurisdicional. Sua função constitui serviço público relevante e estabelece presunção

de idoneidade moral (art. 439, do CPP).

O procedimento do júri é bifásico18 e compreende a instrução preliminar (juízo

de formação da culpa) e o julgamento em plenário propriamente dito (juízo de

mérito). Analisam-se, na seqüência, as fases procedimentais do tribunal do júri.

1.3.1 Primeira fase: instrução preliminar

A primeira fase do procedimento do júri destina-se à formação da culpa. Esta

etapa é compreendida entre o recebimento da denúncia ou queixa e a decisão de

pronúncia irrecorrível (LOPES JR., 2009, p. 253).

Oferecida a denúncia ou queixa, poderá o juiz recebê-la ou rejeitá-la19. No

caso de recebimento, o juiz ordenará a citação do acusado para responder a

acusação, por escrito, no prazo de dez dias (art. 406, do CPP). Na resposta à requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados; VIII –interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso ou refeição dos jurados; IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer destes, a argüição de extinção de punibilidade; X – resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento; XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade; XII – regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.”17 O conceito de “notória idoneidade” e as discussões existentes acerca desta máxima serão abordados no item 2.2.18 A corrente adotada no presente trabalho está em consonância com o entendimento majoritário, defendida, entre outros, por Lopes Jr. (2009, p. 253) e Oliveira (2008a, p. 565). Nucci (2008, p. 46), ao contrário, acredita que o procedimento do júri possui três fases bem definidas – instrução preliminar, juízo de preparação do plenário e julgamento em plenário. Para ele, a etapa de preparação do plenário é autônoma, haja vista que o Código de Processo Penal destinou a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri) como fase específica, confirmando-se, assim, a existência de três fases para atingir o julgamento de mérito.19 Art. 395, do CPP: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III -faltar justa causa para o exercício da ação penal.”

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acusação, o acusado deverá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua

defesa, oferecer documentos e justificações, bem como especificar as provas

pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de oito (art. 406, §3º, do CPP). A

defesa preliminar, como também é chamada, é obrigatória e caso não seja

apresentada no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até dez dias

(art. 408, do CPP).

Apresentada a defesa escrita, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o

querelante sobre preliminares e documentos, em cinco dias (art. 409, do CPP).

Posteriormente, será determinada a inquirição das testemunhas e a realização das

diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de dez dias (art. 410, do CPP).

De acordo com o disposto no art. 411, do Código de Processo Penal, na

audiência de instrução - que, em tese, deve ser única - serão tomadas as

declarações do ofendido, se possível, a inquirição das testemunhas arroladas pela

acusação e pela defesa, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações

e ao reconhecimento de pessoas e coisas. Com as alterações introduzidas pela Lei

n. 11.689/2008, o interrogatório do réu passou a ser realizado no final da colheita

das provas.

Terminada a instrução, poderá haver mutatio libelli20 (art. 411, §3º, do CPP).

Não sendo o caso, as partes devem fazer suas alegações finais de forma oral21 (20

minutos para cada parte, prorrogáveis por mais 10). Encerrados os debates, o juiz

proferirá a sua decisão em audiência ou em até dez dias (art. 411, §9º, do CPP).

A fase de instrução preliminar deverá ser concluída no prazo máximo de

noventa dias22 (art. 412, do CPP). O juiz poderá pronunciar ou impronunciar o réu,

absolvê-lo sumariamente ou desclassificar o crime.23

20 A mutatio libelli ocorre quando, encerrada a instrução probatória, entende-se cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação. Neste caso, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias (art. 384, do CPP).21 Não há empecilhos de que os debates orais sejam substituídos por memoriais, ante a complexidade do caso (LOPES JR. 2009, p. 257).22 Lopes Jr. (2009, p. 255) critica o prazo estabelecido pelo legislador, haja vista que, além de “ser incompatível com a tramitação média desse tipo de processo”, seu descumprimento não gera nenhuma sanção processual.23 A decisão de pronúncia, segundo Lopes Jr. (2009, p. 258), “marca o acolhimento provisório, por parte do juiz, da pretensão acusatória, determinando que o réu seja submetido a julgamento do tribunal do júri”. O acusado será pronunciado se o juiz estiver convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação no crime (art. 413, do CPP). A impronúncia, por sua vez, “ocorre quando o juiz

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1.3.2 Segunda fase: julgamento em plenário

A segunda fase do rito do júri começa com “a confirmação da pronúncia e vai

até a decisão proferida no julgamento realizado no plenário do tribunal do júri”

(LOPES JR., 2009, p. 253). Assim, preclusa a decisão de pronúncia, os autos são

encaminhados ao juiz presidente do tribunal do júri (art. 421, do CPP), que

determinará a intimação do órgão do Ministério Público (ou querelante) e do

defensor, para, no prazo de cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão

depor em plenário (no máximo de cinco para cada parte), oportunidade em que

poderão juntar documentos e requerer diligências (art. 422, do CPP). Acerca da

próxima etapa desta fase procedimental, ensina Oliveira (2008a, p. 579):

Feito isso, o juiz presidente fará um saneamento do processo, resolvendo eventuais irregularidades e determinando as providências que se façam necessárias, incluindo a apreciação dos requerimentos apresentados pelas partes, admitindo ou indeferindo provas, após o que fará breve e resumido relatório do processo, enviando-o para inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri. (grifo do autor)

O Código de Processo Penal prevê também a ocorrência de situações que

requerem a utilização de medidas extremas, como é o caso dos processos que são

retirados de sua comarca originalmente competente para serem julgados em outro

foro (LOPES JR., 2009, p. 279). O desaforamento, como é chamada esta

excepcionalidade, ocorrerá se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver

dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado (art. 427,

caput, do CPP). Nestes casos, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do

assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz

competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca julga inadmissível a acusação, entendendo não haver prova da existência do crime e/ou indícios suficientes de autoria.” (RANGEL, 2006, P. 501) O juiz absolverá sumariamente o réu quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal ou VI - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime (art. 415, do CPP). De outra banda, o magistrado desclassificará a infração quando der ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave (art. 418, do CPP). A desclassificação pode ser imprópria ou própria. No primeiro caso, ocorre a desclassificação para um crime que continua sendo da competência do júri, sendo que, na segunda hipótese, a desclassificação conduz a outra figura típica que não se inclui na competência do tribunal popular (TOURINHO FILHO, 2007, p. 675).

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da mesma região, onde não existam aqueles motivos (art. 427, caput, do CPP). Da

mesma forma, poderá ser determinado o desaforamento, em razão do comprovado

excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento

não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da

decisão de pronúncia (art. 428, do CPP). Deve-se levar em conta, ademais, a

necessidade do caso concreto, tendo em vista que, tratando-se de um procedimento

de natureza cautelar, seus efeitos devem perdurar enquanto as causas que o

fundamentem se acharem presentes (CHOUKR, 2009, p. 67).

Explicitam-se, na seqüência, as subfases do procedimento em plenário.

1.3.2.1 Jurados: alistamento, recusas, causas de exclusão.

O alistamento dos jurados deverá ser feito nos termos dos artigos 42524 e

42625, do Código de Processo Penal. Dispõe o §4º, do art. 426, do mencionado

diploma legal, que o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos doze

meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído. A respeito

desta vedação, expõe Lopes Jr. (2009, p. 277):

24 Art. 425, do CPP: “Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. § 1o Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3o do art. 426 deste Código. § 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado.”25 Art. 426, do CPP: “A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri. §1o A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva. §2o Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 436 a 446 deste Código. §3o Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção local da Ordem dos Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias Públicas competentes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente. §4o O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído. §5o Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente, completada.”

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A função de tal proibição é ventilar o conselho de sentença e evitar a figura do “jurado profissional”, que ano após ano participe dos julgamentos, por isso vai de encontro com o próprio fundamento legitimante do júri: que pessoas do povo, sem vícios e cacoetes do ritual judiciário, integrem o júri. O leigo que sistematicamente participa dos júris acaba constituindo a pior figura de jurado, pois ele continua não sabendo nada de direito penal e processual penal, mas, pelas sucessivas participações, pensa que sabe algo... Também visa diminuir a contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos e a proximidade que isso possa trazer em relação ao promotor e advogados que lá costumam atuar.

Nos termos do art. 436, caput, do Código de Processo Penal, o serviço do júri

é obrigatório. Para prestar esse serviço, os jurados devem preencher requisitos de

ordem etária - cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos -, além de possuir notória

idoneidade e pleno gozo dos direitos políticos. Segundo Choukr (2009, p. 23), “a

fruição da cidadania é requisito indispensável para aquisição da condição de jurado”.

Por outro lado, existem causas de exclusão da participação dos jurados. Tais

hipóteses podem ser de ordem legal (isenções26, impedimentos27 e proibições28) ou

voluntária, denominada escusa de consciência29. Além disso, nenhum cidadão

poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor

ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau

de instrução (art. 436, §1º, do CPP).

26 Art. 437, do CPP: “Estão isentos do serviço do júri: I – o Presidente da República e os Ministros de Estado; II – os Governadores e seus respectivos Secretários; III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais; IV – os Prefeitos Municipais; V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública; VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública; VIII – os militares em serviço ativo; IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa; X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.”27 Art. 448, do CPP: “São impedidos de servir no mesmo Conselho: I – marido e mulher II –ascendente e descendente; III – sogro e genro ou nora; IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio; V – tio e sobrinho; VI – padrasto, madrasta ou enteado. § 1o O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar.”28 Art. 449, do CPP: “Não poderá servir o jurado que: I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior; II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado; III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.”29 Art. 438, do CPP: “A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.”

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Sobre a recusa ao serviço do júri acrescenta Lopes Jr. (2009, p. 285):

[...] o convocado que injustificadamente se recusar a participar do júri, será multado (o valor será de 1 a 10 salários mínimos, conforme as condições econômicas do jurado), paga e será liberado. Já aquele que alegar uma objeção de consciência e fundamentar sua recusa, deverá prestar um serviço alternativo. [...] Essa mesma punição (multa, de um a 10 salários mínimos) será aplicada ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer à sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo juiz presidente. (grifo do autor)

Da mesma forma, “como os jurados exercem função jurisdicional, também

relativamente a eles deverá ser exigido o compromisso da imparcialidade”

(OLIVEIRA, 2008a, p. 580). Por isso, aplicam-se a eles as regras de impedimento,

suspeição e as incompatibilidades previstas para os juízes togados (art. 448, §2º, do

CPP).

1.3.2.2 Da reunião e das sessões do tribunal do júri

Até o momento de abertura dos trabalhos da sessão, o juiz presidente

decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de

julgamento (art. 454, do CPP). Não comparecendo o representante do Ministério

Público ou o defensor do réu, o julgamento será adiado (art. 455 e 456, do CPP). Da

mesma forma, se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para

o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa

de comparecimento subscrito por ele e seu defensor (art. 457, §2º, do CPP). Em

contrapartida, o Código de Processo Penal consagra o direito de o réu solto,

devidamente intimado, não comparecer ao seu julgamento perante o tribunal do júri

sem que isso lhe acarrete qualquer prejuízo jurídico30 (art. 457, caput, do CPP).

Comparecendo, pelo menos, quinze jurados, o juiz presidente declarará

instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento

30 Lopes Jr. (2009, p. 286) sustenta que o direito de não comparecer ao julgamento é uma decorrência lógica do direito ao silêncio. Segundo o autor, este direito deve ser estendido, por analogia, a todos os atos processuais e não apenas no júri. Acrescenta, ainda, que se trata de uma “contradição total e uma punição ilegítima” o réu ou imputado ter o direito ao silêncio, mas não o direito de não ir aos atos processuais ou pré-processuais.

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(art. 463, caput, do CPP). Caso contrário, realizar-se-á o sorteio de tantos suplentes

quantos necessários, sendo designada nova data para a sessão do júri (art. 464, do

CPP).

Dos vinte e cinco jurados sorteados (ou no mínimo quinze), sete irão compor

o Conselho de Sentença. Realizado o sorteio, incumbe ao magistrado presidente do

júri fazer um alerta aos jurados acerca da vigência do princípio da

incomunicabilidade. Isto quer dizer que o juiz deve avisar os membros do Conselho

de Sentença que eles não poderão conversar entre si a respeito de qualquer

aspecto do julgamento, impedindo-se, dessa maneira, que os jurados deixem

transparecer sua opinião (NUCCI, 2006, p. 735).

À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as

lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados

sorteados (art. 468, do CPP). São duas as espécies de recusa. Para recusa

motivada, que ocorre por suspeição, impedimento, incompatibilidade e proibição,

não haverá limite numérico, cabendo ao juiz decidir sobre a procedência ou

improcedência da alegação. Já a recusa imotivada (ou peremptória), é limitada a

três para cada parte. Esta espécie de recusa baseia-se em “sentimentos de ordem

pessoal do réu, seu defensor ou do órgão de acusação” (NUCCI, 2006, p. 736).

Determina o art. 469, do Código de Processo Penal que, se forem dois ou

mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor. A separação

dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o

número mínimo de sete jurados para compor o Conselho de Sentença. Segundo

Lopes Jr. (2009, p. 287), “significa que se após o exercício de todas as recusas,

houver um consenso em torno de sete jurados, haverá júri com os dois réus. Do

contrário, opera-se a cisão.” (grifo do autor)

Formado o Conselho de Sentença, procede-se ao juramento, nos termos do

art. 47231, do Código de processo Penal. Em complemento, ensina Lopes Jr. (2009,

p. 288):

31 Art. 472 do CPP: “Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo. Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo.”

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Trata-se, nada mais, do que uma fórmula ritual, simbólica, onde os jurados prometem julgar com imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência e os “ditames da justiça”. É, de certo modo, um instrumento de captura psíquica, em que se busca fortalecer o compromisso dos leigos em julgar com a seriedade e comprometimento que a função exige.

Prestado o compromisso pelos jurados, inicia-se a instrução em plenário.

1.3.2.3 Da instrução em plenário

A instrução plenária é inaugurada com a tomada das declarações da vítima,

se possível, bem como das testemunhas arroladas pelas partes (art. 473, caput, do

CPP). O sistema processual atual permite que as perguntas sejam formuladas pelas

partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir

a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já

respondida (art. 212, caput, do CPP)32.

Além da oitiva das testemunhas, poderão ser realizadas em plenário

acareações, o reconhecimento de pessoas e coisas, assim como o esclarecimento

dos peritos. Todavia, como lembra Lopes Jr. (2009, p. 289), a instrução em plenário

é uma exceção, visto que na esmagadora maioria dos casos submetidos a

julgamento perante o tribunal do júri, a prova é produzida na primeira fase, diante do

juiz presidente, restando a mera leitura de peças para plenário33.

32 Nesse passo, o papel do juiz presidente é subsidiário, pois “sua principal missão é evitar a indução e eventuais constrangimentos que promotor e advogado de defesa venham a praticar em relação à testemunha” (LOPES JR., 2009, p. 289). Destarte, sobre eventuais pontos não esclarecidos, determina o Código Processual Penal que o juiz complemente a inquirição (art. 212, parágrafo único, do CPP).33 Incumbe tecer algumas informações acerca da leitura de peças em plenário. Com as recentes mudanças do Código Processual, introduzidas pela Lei n. 11.689/08, passou a ser permitida somente a leitura de peças referentes às provas colhidas por carta precatória e às cautelares, antecipadas ou não repetíveis (LOPES JR., 2009, p. 289). No entanto, existem algumas matérias que são vedadas aos debates em plenário, sob pena de nulidade. Porquanto, as partes não podem fazer referência à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado, bem como ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo (art. 478, do CPP). Ainda, não é permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias

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Após a coleta das provas, o acusado é interrogado, se estiver presente (art.

474, do CPP). De acordo com o disposto no §3º, do art. 474, do Código de Processo

Penal, não é permitido o uso de algemas no acusado durante o período em que

permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos

trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos

presentes.34

Realizado o interrogatório do réu, finda-se a instrução e iniciam-se os

debates. A esse respeito, menciona Oliveira (2008a, p. 587):

Após a instrução, seguem-se os debates, com previsão de sustentação da acusação e da defesa, de réplica e tréplica, reservando-se o prazo de hora e meia e de uma hora para cada ato, respectivamente (art. 477). Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, o tempo será dividido. Havendo mais de um acusado, eleva-se o prazo de acusação e de defesa e uma hora, bem como da réplica e da tréplica, em igual medida (uma hora).

Concluídos os debates, o juiz presidente indagará dos jurados se estão

habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos (art. 480, §1º, do

CPP). Neste caso, o juiz sanará as dúvidas sobre questões fáticas, porém, se a

verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da

causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o

Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias (art. 481,

caput, do CPP). Caso contrário, “estando os jurados habilitados ao julgamento, o juiz

lerá os quesitos, explicando o respectivo conteúdo e finalidade.” (OLIVEIRA, 2008a,

p. 587)

úteis, dando-se ciência à outra parte (art. 479, do CPP). “Tal medida é fundamental, para evitar surpresas e conseqüente violação do contraditório.” (LOPES JR., 2009, p. 291)34 Sobre o uso de algemas em plenário explica Lopes Jr. (2009, p. 289) que, no júri, “mais do que em qualquer outro julgamento, o fato de o réu estar algemado gerava um imenso prejuízo para a defesa. Para um jurado (leigo), a imagem do réu entrando e permanecendo algemado durante o julgamento, literalmente, valia mais do que mil palavras que pudesse a defesa proferir para tentar desfazer essa estética de culpado. Entrar algemado, no mais das vezes, é o mesmo que entrar condenado.” Por isso, continua o autor, o uso de algemas é medida excepcional, devendo a decisão que determina a permanência do acusado algemado ser devidamente fundamentada como determina a Súmula Vinculante n. 11 do STF (“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”) (LOPES JR., 2009, p. 290).

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1.3.2.4 Da quesitação e da sentença

Nesta etapa são formuladas as perguntas aos jurados e proferida a votação,

decidindo-se o caso penal (LOPES JR., 2009, p. 293). O Conselho de Sentença será

questionado sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Os quesitos

serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada

um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na

sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das

decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das

alegações das partes (art. 482, do CPP) 35.

A votação é procedida em sala especial – secreta – na qual permanecerão o

juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o

defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça (art. 485, caput, do CPP). Na

inexistência de sala especial, o Plenário será esvaziado e, a portas fechadas,

converter-se-á no recinto do julgamento (art. 485, §1º, do CPP). No que tange a

forma sigilosa de votação dos quesitos complementa Marrey (2000, p. 409):

A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorrente da necessidade de resguardar-se a independência dos Jurados – juízes leigos, destituídos de garantias, ao contrário dos juízes togados – no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos, em sentido positivo ou negativo, dela resultando a sorte do veredicto e o destino dos acusados.

Acerca dos quesitos esclarece Lopes Jr. (2009, p. 301):

[...] havendo mais de um réu, as perguntas devem ser formuladas em séries distintas, uma para cada réu. A mesma sistemática deve ser adotada quando o rei é acusado de mais de um crime, mas sempre

35 A ordem dos quesitos deve seguir o disposto no art. 483, do CPP: “Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.” Na lição de Lopes Jr. (2009, p. 293), a principal fonte dos quesitos é a pronúncia (e decisões confirmatórias posteriores), não sendo quesitadas as agravantes e atenuantes, que deverão, todavia, ser objeto do debate para que possam ser valoradas na eventual sentença condenatória.

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iniciando pelo prevalente, ou seja, aquele que é da competência originária do júri (crime doloso, tentado ou consumado, contra a vida). Isso porque é necessário que o júri firme a competência, julgando o crime prevalente (isto é, condenando ou absolvendo o réu), para só então poder julgar o crime conexo.

As decisões do tribunal do júri são tomadas por maioria de votos. Assim,

“submetido à votação um quesito qualquer, quando a resposta afirmativa ou

negativa atingir mais de três votos, cessa a votação.” (NUCCI, 2008, p. 235) Para

Nucci (2008, p. 235), a não divulgação do resultado completo preserva o sigilo da

votação. Dessa forma, “o conjunto das respostas majoritárias espelha o veredicto

final do Conselho de Sentença.” (NUCCI, 2008, p. 235)

Encerrada a votação, o juiz presidente proferirá sentença, respeitando os

limites do que foi decidido pelo júri. Nesta etapa final, são três as possibilidades de

decisão: condenação, absolvição e desclassificação.36

Após a contextualização histórica do tribunal do júri, a delimitação no

ordenamento jurídico pátrio, a fixação dos princípios basilares da instituição e a

análise de seu procedimento, faz-se necessário, a partir de agora, estudar o júri à

luz de um conceito democrático. Em virtude disso, torna-se relevante examinar

alguns princípios que caracterizam um processo penal democrático, adaptando-os e

confrontando-os com a realidade do tribunal do júri brasileiro.

36 Art. 492, do CPP: “Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri; d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código; e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva; f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação; II – no caso de absolvição: a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso; b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas; c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível. §1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. §2o Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no §1o deste artigo.”

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38

2 DELIMITANDO O CONCEITO DE UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: DE

UM FRÁGIL CRITÉRIO NUMÉRICO-REPRESENTATIVO À FORÇA NORMATIVA

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O tribunal do júri é visto por grande parte dos operadores do Direito como

uma instituição democrática em que o julgamento do acusado é realizado por seus

pares. A partir dessa perspectiva, no segundo capítulo do presente trabalho,

apresentar-se-ão, inicialmente, posicionamentos doutrinários que amparam a idéia

de que a instituição do júri espelha os valores democráticos adotados pelo Estado.

A fim de delinear os princípios que caracterizam o Estado Democrático de

Direito, será feito, em um segundo momento, uma abordagem das principais

garantias do processo penal à luz dos preceitos constitucionais, na busca de se

desconstruir o argumento de que o júri é democrático, simplesmente porque opera a

partir de uma lógica de maioria.

Será analisada, na seqüência, a forma como se dá o julgamento pelos pares

no tribunal do júri brasileiro. A arregimentação dos jurados, os critérios utilizados

para sua seleção, a questão da representatividade e da independência dos

membros do atual do Conselho de Sentença e, ainda, a contribuição dos juízes

leigos no júri, são alguns dos temas que serão estudados no segundo item deste

capítulo.

Por fim, examinar-se-á um dos princípios regentes do processo penal: a

motivação das decisões judiciais. Em razão da alta relevância que este princípio

possui em um Estado Democrático de Direito, seu estudo será realizado de forma

mais detalhada no terceiro item deste segundo capítulo. A motivação das decisões,

que encontra dupla previsão no ordenamento jurídico nacional (art. 5º, inciso LXI e

art. 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal), será analisada sob o prisma de

que serve como um freio contra o subjetivismo do juiz e a arbitrariedade estatal,

constituindo, muito mais do que um direito individual do homem, um meio necessário

à obtenção de uma prestação jurisdicional justa e efetiva.

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2.1 “O júri como instituição democrática”

Os adeptos ao júri não o vêem como uma instituição retrógrada, fadada ao

insucesso, mas sim como “um instrumento universal da dignidade humana, em

plena atividade entre as nações livres.” (LYRA, 1950, p. 78) Seus admiradores

acreditam que o júri é “um tribunal de conotação nitidamente democrática” (NUCCI,

1999, p. 179), pelo fato de “submeter o homem ao julgamento de seus pares e não

ao da Justiça togada.” (OLIVEIRA, 2008a, p. 565)

Sob essa perspectiva, o tribunal do júri é considerado uma instituição

necessária à democracia, na medida em que os cidadãos colaboram na distribuição

da justiça, julgando seus semelhantes, assim como colaboram no governo elegendo

seus representantes e na confecção das leis elegendo seus dirigentes (MALUF,

1967 apud OLIVEIRA, 2008b, p. 31). Em complemento, ensina Bandeira Stampa

(1998 apud LIMA, 1988, p. 8):

O tribunal popular é corpo e alma do princípio basilar das democracias, de que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Este princípio que a Constituição brasileira consagra no seu primeiro artigo, como advertência maior no portal de todo o nosso direito codificado, é no Júri que se realiza melhor, porque no Júri todo o poder emana do povo e pelo povo é exercido, sem intermediários, soberanamente.

O tribunal do júri é visto por inúmeros juristas como um importante baluarte do

Estado Democrático de Direito, pois segundo opinam, “é uma garantia do povo

contra a ditadura do juiz criminal que põe nas mãos de um só homem, nem sempre

isento de paixões, a existência do seu semelhante.” (CASTELO BRANCO, 1975, p.

203) Nesse passo, entende-se que “o juiz leigo é menos distante das mutações

sociais do que o togado, podendo fazer com que a lei se adapte à realidade e não o

contrário.” (ELLIS, 1996 apud NUCCI, 1999, p. 180) Associado a isso, Ellis (1996

apud NUCCI, 1999, p. 180) destaca que

[...] sem o encastelamento na técnica e no saber jurídico, o jurado, pessoa extraída do povo, tem mais condições de realizar justiça, pois penetra em considerações morais, éticas, psicológicas, econômicas, entre outras, que também fazem parte da vida humana e vão além da aplicação pura e fria da lei. (grifo do autor)

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Corroborando o supracitado, expõe Castelo Branco (1975, p. 203):

A Instituição do Júri realiza, por isso, democraticamente, a justiça social, certa ou errada, mas dominante, em determinada época, em determinada área geográfica, justiça que pode não conferir com a da elite, representada pelos juízes togados, mas que, realmente, representa a vontade popular. Esta é, portanto, a principal vantagem do júri – realizar a justiça que o povo deseja, embora não seja, muitas vezes, a mesma justiça que nós outros desejaríamos que fosse.

Os tribunais togados, adstritos à lei e à prova, são obrigados a fundamentar

suas decisões e estão limitados pelas “normas aconselháveis” de jurisprudência. O

júri, por sua vez, por ser um tribunal de consciência, existe “para romper os quadros

rotineiros e lançar-se, em braçadas livres, ao pélago das compreensões.” (LYRA,

1950, p. 15)

Ademais, existe, segundo os defensores da instituição do júri, “uma tendência

de o réu conformar-se mais por ter sido condenado por seus pares, pessoas leigas

que o consideram culpado”, do que aceitar uma decisão proferida por um juiz togado

(NUCCI, 1999, p. 181). Como ensina Grinover (1988 apud NUCCI, 1999, p. 181), “a

instituição do júri é a forma mais saliente de participação popular na administração

da justiça, correspondendo a um instrumento de garantia, típico do Estado liberal.” A

propósito, acrescenta Nucci (1999, p. 182):

As decisões do júri têm maior probabilidade de assimilação pela sociedade, sejam certas ou erradas. “O ‘veredictum’ do júri tem, pelo menos, a seu favor a grande presunção que resulta da sua coincidência com a opinião popular”, segundo Rui Barbosa.

Em virtude dessas considerações o tribunal do júri é reputado, mais do

qualquer outra instituição jurídica, como espelho dos valores democráticos, que

busca, na voz do povo, bem aplicar a lei e realizar justiça (OLIVEIRA, 2008b, p. 36).

A democracia, adotada pela Constituição Federal como regime político

brasileiro, funda-se no princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder

emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente

(art. 1º, da CF). Trata-se de “um processo de convivência social em que o poder

emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito

do povo.” (SILVA, 1994, p. 115)

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No entanto, ao contrário do que afirmam os sectários do júri - que o defendem

embasados no princípio da maioria -, o conceito de democracia é muito mais amplo

e não pode ser reduzido a um simples critério de ordem numérica. Asseverar que

sete cidadãos, escolhidos pela sorte, representam o povo, é menosprezar o conceito

de representação (MARQUES, 1963, p. 88). Como se verá mais adiante, nem

sempre a maioria representa a maior parte do povo (SILVA, 1994, p. 115). Por isso,

é muito comum que a minoria presente no Conselho de Sentença acabe não

refletindo as aspirações da comunidade que deveria representar.

Muito mais do que apenas sinônimo de maioria, a democracia deve ser

entendida como instrumento de realização da igualdade e da liberdade, buscando a

efetivação dos direitos e garantias fundamentais do homem (SILVA, 1994, p. 120).

Sob esta ótica, a democracia, sobretudo em sede processual, deve ser

caracterizada pela obediência irrestrita aos princípios constitucionais, garantindo-se

que as normas sejam aplicadas à luz da Constituição Federal.

O processo possui a finalidade constitucional de garantir a máxima eficácia

dos direitos fundamentais, servindo como instrumento protetor das garantias

previstas na Constituição (LOPES JR., 2008, p. 26). Em vista disso, o processo

penal, enquanto instrumento da “máxima eficácia das garantias de um sistema de

garantias mínimas” (LOPES JR., 2008, p. 107), deve buscar aplicação à luz dos

preceitos constitucionais. Dessa forma, sob o manto dos valores democráticos e a

fim de se evitar o arbítrio do Estado e o subjetivismo do julgador, buscam-se

assegurar, de maneira eficaz, todos os direitos do acusado mediante garantias

mínimas previstas no ordenamento jurídico37.

Não é admissível que em um Estado Democrático de Direito como o nosso

exista um processo penal dissociado de uma filtragem constitucional. O processo

penal deve tutelar da forma mais abrangente possível os direitos e garantias

individuais (JARDIM, 1999, p. 307). Deve servir, ademais, como instrumento de

limitação da atividade estatal de forma a garantir a plena efetividade aos direitos

individuais previstos na Constituição Federal (LOPES JR., 2006, p. 38). Em vista

disso, pode-se dizer que o processo penal brasileiro, enquanto fruto do sistema

37 Corroborando os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que, na apuração de qualquer acusação penal, todos têm direito de ser ouvido, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei (artigo 8, n. 1).

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democrático adotado pela Carta Magna, salvaguarda a liberdade do imputado,

fortalecendo-o como sujeito passivo do processo penal e valorizando-o frente ao

Estado (LOPES JR., 2006, p. 41). Essa democratização somente se efetiva quando

são observados os princípios que regem o processo penal, que é visto, sob esta

ótica, como um instrumento a serviço da ordem constitucional (LOPES JR., 2006, p.

41).

A Constituição Federal determina que ninguém será privado da liberdade ou

de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, da CF). Isso significa

que o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de um conjunto de elementos

indispensáveis para que o processo possa atingir sua finalidade, compondo seus

litígios e solucionando os conflitos sociais de alta relevância (TUCCI, 2009, p. 60). É,

portanto, por meio da efetivação do devido processo legal, consubstanciado num

procedimento regularmente desenvolvido, que se concretizam os demais princípios

do processo penal (TUCCI, 2009, p. 60). O princípio do due process of law é,

segundo Nucci (2006, p. 88), o horizonte a ser perseguido pelo Estado Democrático

de Direito na busca pela efetivação dos direitos e garantias humanas fundamentais.

Uma das garantias que funda e constitui o processo penal constitucional é o

que Lopes Jr. (2008, p. 109) denomina de “garantia da jurisdição” ou da

“jurisdicionalidade”. Por meio deste princípio garante-se a existência de um juiz

independente e imparcial, comprometido com a eficácia dos direitos fundamentais

previstos na Constituição (LOPES JR., 2009, p. 109). A fim de assegurar a

imparcialidade do juiz, invoca-se um princípio correlato, que é o do juiz natural. Este

princípio, que é uma garantia da própria jurisdição (FERNANDES, 2007, p. 133),

consiste no “direito que cada cidadão tem de saber, de antemão, a autoridade que

irá processá-lo e qual o juiz ou tribunal que irá julgá-lo, caso pratique uma conduta

definida como crime no ordenamento jurídico-penal.” (MARCON, 2004 apud LOPES

JR., 2008, p. 111) Significa, em outras palavras, que “as regras de determinação de

competência devem ser instituídas previamente aos fatos e de maneira geral e

abstrata de modo a impedir a interferência autoritária externa.” (GRECO FILHO,

1989, p. 109)

Para resguardar a independência e a imparcialidade do julgador, a

Constituição Federal conferiu aos magistrados as garantias da vitaliciedade,

inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 95, da CF). Dessa forma, para

que os juízes estejam livres de qualquer espécie de pressão ou manipulação

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política, além de contar com garantias que fulminam qualquer dúvida razoável com

relação a sua imparcialidade (imparcialidade objetiva), devem atuar como órgão

supra-ordenado às partes, estando alheio aos interesses dos sujeitos processuais

(LOPES JR., 2008, p. 112).

Outro princípio basilar do processo penal constitucional é o contraditório.

Por meio dele, garante-se às partes o direito à informação de qualquer fato

relacionado ao processo e o direito de reação, permitindo-se a participação plena

dos sujeitos no iter procedimental (OLIVEIRA, 2008a, p. 31). O contraditório impõe

a bilateralidade do processo, determinando que todos os atos sejam realizados de

maneira que a parte contrária possa deles participar ou, ao menos, impugná-los em

contramanifestação (GRECO FILHO, 1989, p. 110). Por isso, esta garantia deve ser

plena e efetiva, possibilitando a real participação das partes no processo. Isso

significa dizer que devem ser utilizados todos os meios necessários para impedir a

disparidade entre as partes, assegurando-se, dessa forma, a igualdade de forças

entre os sujeitos (GRINOVER, 1990, p. 18). A propósito, esclarece Nucci (2006, p.

81):

Quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um perfeito equilíbrio na relação estabelecida entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado (art. 5º, LV, CF).

É por isso que, ao lado da garantia do contraditório, está o princípio da

paridade de armas. A efetividade do contraditório está intimamente relacionada à

simetria de forças que é conferida às partes, que devem possuir as mesmas

chances no processo (TOURINHO FILHO, 2007, p. 19). Porquanto, “é preciso existir

um equilibro entre as partes em conflito no processo penal, de forma a garantir à

Defesa, no mínimo, as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos postos à

disposição da Acusação.” (KARAM, 2009, p. 401)

O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, dispõe que, além do

contraditório, será assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,

e aos acusados em geral, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Pelo fato de ser considerado parte hipossuficiente no processo, o acusado possui o

direito de utilizar os mais amplos e extensos métodos para se defender da

imputação que lhe é feita pela acusação (NUCCI, 2006, p. 79). O direito de defesa

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engloba, segundo Greco Filho (1989, p. 110), o direito que o acusado possui de: a)

ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra ela; c)

poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por

advogado; e e) poder recorrer quando inconformado. Já para Tucci (2009, p. 148), a

garantia da ampla defesa reclama para sua verificação o direito à informação, a

bilateralidade da audiência (contraditoriedade) e o direito à prova legitimamente

obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade). Quer dizer, como visto

outrora, “a possibilidade de o réu defender-se de modo irrestrito, sem sofrer

limitações indevidas, quer pela parte contrária, quer pelo Estado-juiz” (NUCCI, 1999,

p. 140).

É sobremodo importante analisar nesse contexto de garantias fundamentais,

um dos princípios regentes do processo penal, que está previsto no art. 5º, inciso

LVII, da Constituição Federal38. Pelo princípio da presunção de inocência ninguém

poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória. Em decorrência disso, em nenhum momento do processo, o acusado

poderá sofrer restrições pessoais embasadas exclusivamente na possibilidade de

futura condenação (dimensão interna ou regra de tratamento), assim como não lhe

incumbirá o ônus da prova, que cabe inteiramente à acusação (regra probatória)

(OLIVEIRA, 2008a, p. 35). Sob o ângulo externo do processo, o acusado ainda terá,

em razão da situação jurídica de inocência, proteção contra a publicidade abusiva e

a estigmatização (LOPES JR., 2008, p. 182). Isso significa dizer que o princípio da

presunção de inocência atua também como limitador democrático da exploração

demasiada da mídia em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial

(LOPES JR., 2008, p. 182). Por fim, princípio da não culpabilidade, como também é

chamado, agrega-se ao princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro

reo), garantindo-se que, em caso de dúvida, deve preponderar o estado de

inocência, absolvendo-se o acusado (NUCCI, 2006, p. 79).

38 O princípio da presunção de inocência é igualmente previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em seu artigo 9 dispõe: “Todo homem presume-se inocente enquanto não houver sido declarado culpado; por isso, se se considerar indispensável detê-lo, todo rigor que não seria necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente punido pela lei.” Além disso, este princípio está consagrado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que em seu artigo 8, n. 2 estabelece que “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”

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O duplo grau de jurisdição, embora não esteja expressamente inserido na

Constituição Federal, é outro princípio de alta importância dentro do ordenamento

jurídico brasileiro39. Consiste no direito que a parte possui de buscar o reexame da

causa por órgão jurisdicional superior (NUCCI, 2006, p. 90), almejando a obtenção

de uma nova decisão em substituição à primeira (OLIVEIRA, 2008a, p. 692). Através

do princípio do duplo grau, há uma espécie de “controle interno” exercido pelos

órgãos de jurisdição superior, que confrontam a legalidade e a justiça da decisão de

primeiro grau (GRINOVER, 2009, p. 20). Em razão de os magistrados - como

homens que são -, estarem sujeitos a erros, o princípio do duplo grau de jurisdição

garante a reapreciação da matéria pelo órgão jurisdicional superior, que deve rever

todas as decisões, ainda que tenham sido proferidas por juízes togados e

legalmente investidos (TOURINHO FILHO, 2007, p. 31). Em vista de tudo isso, não

há como se conceber um sistema de juízo único em um Estado Democrático de

Direito como o nosso, pois a ausência de oportunidade às partes de revisão da

decisão pelo órgão ad quem fere o devido processo legal, sendo uma garantia

inerente às instituições político-constitucionais em qualquer regime democrático

(GRINOVER, 2009, p. 21).

Finalmente, para concluir a análise dos princípios reitores do processo penal

constitucional, deve-se estudar o princípio da motivação das decisões que, embora

esteja fora do título que trata dos direitos e garantias fundamentais na Constituição

Federal, é considerada uma garantia fundamental em nosso ordenamento jurídico. E

é em razão de sua relevância destacada que será tratado em tópico separado.

As garantias constitucionais examinadas aqui, conquanto representem uma

pequena parcela dos princípios existentes no processo penal, embasam alguns dos

valores mais importantes eleitos pelo constituinte, configurando os alicerces do

processo penal em um Estado Democrático de Direito. É, portanto, da análise

acurada do sistema normativo que se pode interpretar e integrar os preceitos

jurídicos à luz da Constituição Federal, buscando-se a efetivação das garantias

fundamentais do homem (NUCCI, 2006, p. 59).

Os princípios integrantes do processo penal - aqui delimitados apenas ao

devido processo legal; independência e imparcialidade do juiz; juiz natural;

39 O duplo grau de jurisdição também é contemplado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos que estabelece que, durante o processo, toda pessoa tem direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior (artigo 8, n.2-h).

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contraditório; paridade de armas; ampla defesa; presunção de inocência; duplo grau

de jurisdição e motivação das decisões - funcionam como um meio necessário para

a garantia e a efetivação dos direitos humanos fundamentais. São estes princípios

que caracterizam, de fato, um processo penal democrático, consistente em um

sistema garantidor dos direitos dos acusados, sem os quais o processo democrático

é deslegitimado e as decisões judiciais maculadas (ROSA, 2008, p. 86). É por tudo

isso que a afirmação de que o tribunal do júri é democrático simplesmente por que

embasado no princípio da maioria, torna-se carente. Para que a instituição do júri

seja considerada democrática, ela deve, acima de tudo, refletir os princípios que

fundam o Estado Democrático de Direito, pois somente através da observância das

garantias mínimas previstas no ordenamento jurídico é que se pode obter um

tribunal popular efetivamente democrático.

Para que tais princípios sejam realmente garantidos, é fundamental que o

juiz, ao analisar e aplicar as normas ao caso concreto, confira esmerada atenção

aos supra mencionados princípios. Todavia, se a efetivação dos princípios do

processo penal depende fundamentalmente de juízes capazes de compreendê-los e

aplicá-los, como esperar que as decisões do júri respeitem tais limites? Sendo

formado por juízes leigos, carecedores de conhecimento técnico necessário para o

entendimento e salvaguarda das garantias fundamentais do homem, as decisões

proferidas pelos membros do Conselho de Sentença não refletem os princípios

democráticos do processo penal. Em virtude disso, não é demais afirmar que o

tribunal do júri, em razão da inobservância irrestrita às garantias mínimas do sistema

processual, parece deixar de honrar com os preceitos assumidos pelo Estado

Democrático de Direito.

2.2 Julgamento pelos “pares”

O tribunal do júri possui a característica fundamental de submeter o homem

ao julgamento pelo seu semelhante. Isso significa dizer que o réu é julgado por seus

pares, seus concidadãos, que são os jurados – juízes leigos escolhidos dentre os

cidadãos maiores de dezoito anos de notória idoneidade.

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Urge analisar, em um primeiro momento, o que são cidadãos de notória

idoneidade. Esta definição fica a cargo do juiz-presidente do júri, que é o

responsável por alistar os candidatos a jurados (STRECK, 1993, p. 47). Para tanto o

juiz requisita às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades

associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos,

repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que

reúnam as condições para exercer tal função (art. 425, §2º, CPP). Para Streck

(1993, p. 49), esta definição é persuasiva e expressa as crenças valorativas e

ideológicas do magistrado sobre o modo de escolha dos membros do Conselho de

Sentença. Para Oliveira (2008b, p. 145)

Este é mais um dos vários termos jurídico-legais de conceituação indefinida e, por conseguinte, não suscetível de conteudificação apriorística. Trata-se de um tipo de textura aberta, no dizer de Hart. Em verdade, a notória idoneidade do cidadão é uma qualidade identificável, para efeito de alistamento, somente pelo juiz-presidente, único responsável pela elaboração da lista. É ele quem atribui um sentido a esse conceito jurídico indeterminado.

Considera Nucci (2008, p. 124-125) que, para o jurado possuir notória

idoneidade, é necessário que não possua antecedentes criminais, que seja

alfabetizado e possuidor de saúde mental e física, além de estar no gozo de seus

direitos políticos e ser brasileiro. A idoneidade exigida pelo Código de Processo

Penal significa “aptidão’, ‘capacidade’, tanto moral, como intelectual.” (MARREY,

1988, p. 54) Um jurado notoriamente idôneo, na visão de Rosa (1982, p. 531), é

aquele que tem idoneidade moral, comportando-se conforme à Lei, à Moral e aos

bons costumes, bem como que possua idoneidade intelectual, com conhecimentos

suficientes para exercer a função de juiz leigo. Dessa forma, o corpo de jurados

deve ser composto pelos “cidadãos mais notáveis do município por seus

conhecimentos, experiências, retidão de conduta, independência e elevação de

caráter” (ROSA, 1982, p. 531).

Na mesma linha de pensamento, Noronha (1990, p. 246) assevera que não

se deve exigir que os jurados tenham diploma ou pertençam a determinada classe

social, sendo indispensável, ao revés, que, além da vida honesta, possuam o

necessário descortino para compreender as questões jurídicas, científicas, etc., que

constituem objeto dos debates. Em complemento, Streck (1993, p. 50) explicita:

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Os jurados, escolhidos dentre os “cidadãos de notória idoneidade”, fazem parte, assim, de um padrão de normalidade e um padrão de aceitação pela sociedade. Os padrões de comportamento tidos como normais correspondem a uma dada estrutura social, que os gera. O magistrado, encarregado de selecionar o corpo de jurados, além de usar os seus próprios critérios axiológicos e sua visão de mundo, estará, ainda, e fundamentalmente, diante da estrutura social, que irá remetê-lo, indubitavelmente, a determinados padrões tidos como normais para aquela sociedade.

No entender de Nucci (2008, p. 124), a seleção dos indivíduos de notória

idoneidade é uma utopia, visto que hodiernamente, principalmente nos grandes

centros urbanos, o juiz atuante no tribunal do júri não possui conhecimento acerca

de cada um dos jurados que forem chamados a atuar no júri. Acrescenta o autor,

dizendo que nas grandes comarcas utiliza-se o método aleatório para a escolha dos

jurados, ante a impossibilidade da apuração da idoneidade de cada um. Criticando a

forma de recrutamento dos jurados, expõe Marques (1963, p. 88):

Escolhidos pela sorte, numa lista onde os nomes são lançados segundo o critério do magistrado profissional incumbido dessa função, o jurado não é representante do povo, nem recebe incumbência alguma da sociedade para o exercício de sua missão. É, por isso, que se não devem invocar os postulados da democracia para justificar a instituição do Júri. Dizer que os sete cidadãos escolhidos pela sorte, para decidir sôbre a responsabilidade de um réu em relação a determinado crime, representam o povo, é baratear demais o conceito de representação. Dessa maneira, o próprio “corporativismo fascista” teria de ser reconhecido como forma de representação democrática...

Mas, afinal, o que vem a ser um par? Na concepção de Nucci (2008, p. 126),

par é a “pessoa humana, o semelhante, parceiro, sem nenhuma distinção, pois

todos são iguais perante a lei na medida de sua igualdade (art. 5º, caput, CF)”. O

julgamento pelos pares pressupõe que o caso submetido a julgamento pelo tribunal

do júri seja feito por pessoas de todos os segmentos da sociedade, de forma que se

componha um Conselho heterogêneo (NUCCI, 1999, p. 146), convocando-se

“jurados de todas as camadas sociais, de diversos níveis econômicos e culturais”

(NUCCI, 2008, p. 126). Todavia, não é isso que ocorre no tribunal do júri brasileiro.

Há nos tribunais populares pátrios uma distorção nítida desse fundamento, uma vez

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que “pessoas cultas e bem formadas julgam, na maioria das vezes, indivíduos

incultos, analfabetos e miseráveis.” (NUCCI, 1999, p. 145)

Esse dado é facilmente confirmado quando se observam as informações

obtidas com a pesquisa realizada no Terceiro Tribunal do Júri de São Paulo40.

Acerca do grau de escolaridade dos juízes leigos, vislumbra-se que 72,48% dos

entrevistados apresentam nível superior (incompleto, completo e/ou pós-graduados),

ao passo que 24,22% possuem escolaridade até o segundo grau e apenas 3,31%,

até o primeiro grau (NUCCI, 1999, p. 329). Tais dados podem ser melhor

visualizados no gráfico que segue:

Gráfico 01: Grau de escolaridade dos jurados do Terceiro Tribunal do Júri de São PauloFonte: NUCCI (1999, p. 329)

Outro estudo, realizado junto a Primeira Vara do Júri de Porto Alegre-RS41,

mostra que o grau de escolaridade dos membros do Conselho de Sentença varia

pouco de comarca para comarca. Na Capital do Estado do Rio Grande do Sul

70,59% dos entrevistados apresentam nível superior (incompleto, completo e/ou

pós-graduados), enquanto que 22,88% têm o segundo grau e somente 2,61% o

primeiro grau (LOPES FILHO, 2008, p. 112). Na sequência, os números expostos

anteriormente são apresentados no gráfico abaixo:

40 A pesquisa foi realizada nos meses de junho e julho de 1997, no Terceiro Tribunal do Júri de São Paulo-SP, com 574 jurados (NUCCI, 1999, p. XVII).41 Não há dados que especifiquem o período compreendido pela pesquisa.

3,31%24,22%

72,48%

Até o primeiro grau

Até o segundo grau

Superior (incompleto, completoe/ou pós-graduados)

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Gráfico 02: Grau de escolaridade dos jurados na Primeira Vara do Júri de Porto AlegreFonte: LOPES FILHO (2008, p. 112)

Em contrapartida, segundo dados do Sistema Penitenciário Nacional42, 7,72%

dos apenados em todo o Brasil são analfabetos; 45,68% possuem o ensino

fundamental incompleto e 11,82% completo; 10% têm o ensino médio incompleto e

6,83% completo; sendo que somente 1,1% da massa carcerária nacional possui

nível superior (incompleto, completo e/ou pós-graduados). A seguir, explicita-se um

gráfico que ilustra o grau de escolaridade dos apenados no sistema carcerário

brasileiro no primeiro semestre de 2009:

42 Os dados foram retirados da pesquisa realizada pelo Sistema de Informações Penitenciárias – InfoPen, no primeiro semestre de 2009, com 406.202 apenados.

22,88%

70,59%

3,92% 2,61% Até o primeiro grau

Até o segundo grau

Superior (incompleto, completoe/ou pós-graduados)

Não respondeu

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7,77%12,43%

46,02%

11,91%

10,07%

6,87%

1,10%

3,82%

Analfabetos

Alfabetizados

Fundamental incompleto

Fundamental completo

Médio incompleto

Médio completo

Superior (incompleto,completo e/ou pós-graduados)

Não informado

Gráfico 03: Grau de escolaridade dos apenados no sistema penitenciário nacional no primeiro semestre de 2009

Fonte: Ministério da Justiça

Da análise acurada dos gráficos acima, observa-se, com clareza, que os

membros do Conselho de Sentença carecem da “representatividade democrática”

necessária, na medida em que pertencem a segmentos bem distintos da sociedade

(LOPES JR., 2006, p. 149). Dessa forma, é certo que os acusados, em razão da

maioria ser proveniente das camadas menos favorecidas da população, estão em

uma verdadeira oposição em relação aos seus julgadores (STRECK, 1993, p. 135).

Em adição, menciona Rangel (2007, p. 97):

Na medida em que a sociedade é dividida entre pobres e ricos e, no meio, a chamada classe média protegendo estes, o resultado no júri é fruto desta estratificação social perversa imposta cada vez mais por um mundo globalizado.

A formação atual do Conselho de Sentença representa, na verdade,

“conselhos elitistas e distanciados da realidade social” (NUCCI, 1999, p. 148), vez

que em um país como o nosso, com profundas distorções sociais, uma minoria

“notoriamente idônea”, pertencente às classes dominantes, julga a imensa maioria

inculta e marginalizada. No entanto, os julgamentos populares continuam sendo

realizados nesses termos, embasados na “aparente aceitação da igualdade de todos

os cidadãos perante a lei – que é uma regra constitucional”, não obstante seja

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“impossível esconder a forte desigualdade econômica e cultural” que se instala entre

julgados e julgadores (STRECK, 1993, p. 54).

Por meio de uma pesquisa realizada nas comarcas de Santa Cruz do Sul e

Rio Pardo43, no Estado do Rio Grande do Sul, Streck (1993, p. 111) conclui que “há

uma estreita relação entre os resultados dos julgamentos e a composição do corpo

de jurados de cada comarca”, fruto, principalmente, da disparidade de camadas

sociais entre os que julgam e os que são julgados. Dessa forma, na comarca de

Santa Cruz do Sul, enquanto o Conselho de Sentença era formado por 76,39% de

pessoas pertencentes às camadas médio-superiores da sociedade44, os réus

submetidos a julgamento eram, na esmagadora maioria das vezes (81,39%),

“pobres”45. Streck (1993, p. 111) menciona que “o elevado grau de participação das

camadas médio-superiores no júri de Santa Cruz do Sul tem como conseqüência um

elevado número de condenações”, que chegaram ao patamar de 64,77% dos casos

analisados no período. Já na cidade de Rio Pardo, a situação é completamente

diferente. Em razão da menor participação das camadas médio-superiores46 no júri

(o percentual cai para apenas 35,71%), o número de absolvições é bem maior

(72,32% dos casos) (STRECK, 1993, p. 104).

Em conclusão a sua pesquisa, Streck (1993, p. 113) infere que a causa da

disparidade nos resultados dos julgamentos pelo tribunal do júri nas duas cidades

analisadas dá-se em razão da gritante disparidade de camadas sociais entre os 43 A pesquisa foi realizada entre os anos de 1970 e 1984 (STRECK, 1993, p. 101).44 Fazem parte da camada médio-superior da sociedade de Santa Cruz do Sul-RS industriais, comerciantes, empresários em geral, gerentes de bancos, gerentes, diretores administrativos e executivos de empresas, gerentes e diretores de autarquias, secretários do governo municipal e profissionais liberais (engenheiros, dentistas, farmacêuticos, economistas, corretores de imóveis) (STRECK, 1993, p. 102). Em contrapartida, as camadas médio-inferiores dessa comarca (23,61%) são formadas por professores da rede estadual de ensino, bancários, funcionários públicos latu sensu, industriários, comerciários, representantes comerciais, fotógrafos, barbeiros, militares reformados, litógrafos e alfaiates (STRECK, 1993, p. 103).45 Entende-se por “pobres”, trabalhadores de safra, parceiros/agregados agrícolas, mecânicos, pedreiros, carpinteiros, operários em geral e sem profissão definida. De outra banda, 18,61% eram agricultores proprietários, comerciantes, um engenheiro, um militar e um funcionário de autarquia (STRECK, 1993, p. 103).46 Fazem parte da camada médio-superior da sociedade de Rio Pardo-RS fazendeiros e grandes agricultores, comerciantes e empresários, industriais, gerentes de bancos, contadores de empresas e gerentes de autarquias, além de profissionais liberais (agrônomos e veterinários) (STRECK, 1993, p. 104). Por sua vez, as camadas médio-inferiores dessa comarca (64,13%) são formadas por comerciários, professores da rede estadual de ensino, funcionários públicos latu sensu, industriários, bancários, pequenos agricultores, representantes comerciais, gráficos, ferroviários, jornalistas, donas de casa, fotógrafos e estudantes (STRECK, 1993, p. 104).

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jurados e os acusados em Santa Cruz do Sul-RS, assim como em virtude da

proximidade entre eles na comarca de Rio Pardo-RS (no que concerne ao nível

social)47. Em arremate, acrescenta Streck (1993, p. 114):

Uma das conclusões que podem ser extraídas desse contexto é que, enquanto em Santa Cruz do Sul as camadas médio-superiores, majoritárias no júri, vêem os acusados, em sua maioria pobres, como “desviantes sociais”, em Rio Pardo esse “desvio”, não obstante também ali se manifestarem, ocorre em um índice menor, exatamente pela composição mais representativa/heterogênea do corpo de jurados.

A representatividade do Conselho de Sentença se limita, portanto, a uma

parcela da sociedade civil. Em virtude disso, o conteúdo das decisões do tribunal do

júri varia de acordo com a composição ideológica dos jurados, que representam, em

última análise, uma fatia sobremaneira seleta do meio social (OLIVEIRA, 2008b, p.

39).

Convém ponderar, ao demais, que, além da questão da representatividade

dos jurados, existe no tribunal do júri outro problema, relativo à sua independência.

Com efeito, os membros do Conselho de Sentença são mais vulneráveis a pressões

externas, pois “são muito mais suscetíveis a pressões e influências políticas,

econômicas e, principalmente, midiática, na medida em que carecem das garantias

orgânicas da magistratura.” (LOPES JR., 2006, p. 149) Nesse sentido, anota Nucci

(1999, p. 133):

O jurado é membro da sociedade mas, por ser leigo, tem menos [muito menos] esclarecimento do que o juiz togado. Este, pelo menos, deve conhecer a legislação, bem como a jurisprudência da sua área de atuação, tendo formação jurídica e sendo um leitor da doutrina pátria, de modo a ter melhores condições de interpretar a lei no momento de aplicá-la ao caso concreto. O juiz leigo, no entanto, é desprovido de tais conhecimentos e vai decidir, no júri, por íntima convicção, sem dar seus motivos e sem, necessariamente, vincular-se à lei. Daí porque é extremamente sensível à opinião pública.

Os jurados, por serem juízes “temporária e precariamente investidos” (LOPES

JR., 2006, p. 149) e carecedores das garantias orgânicas da magistratura, além de

47 Na comarca de Rio Pardo-RS, dos réus julgados no período 71,01% eram pequenos agricultores, peões de fazenda, pedreiros, operários em geral e sem profissão definida, sendo que 28,99% eram fazendeiros, comerciantes e um médico (STRECK, 1993, p. 105).

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não terem a obrigatoriedade de motivar suas decisões, acabam, não raramente,

tendo sua atuação afetada por diversos fatores externos ao processo e ao plenário.

Dessa forma, não se torna exagerado dizer que, por vezes, o veredicto dos jurados

“já se encontra elaborado antes mesmo do sorteio de seu nome para compor o

Conselho de Sentença.” (OLIVEIRA, 2000, p. 42)

Na busca pelos chamados “furos de reportagem”, a mídia prima pela

publicação de informações a qualquer preço. Nesse “frenesi” que se instaura no

meio midiático, impossibilitado qualquer controle sobre a autenticidade das

informações, a primeira vítima é, invariavelmente, a verdade (BASTOS, 1999, p.

113). Assim, os casos criminais aparecem nos meios de comunicação revestidos de

uma roupagem distorcida e embaralhada, de forma que a mídia acaba “influindo,

modificando e construindo os fatos, interagindo com os atores da vida real a ponto

de construir uma outra realidade – diferente da vida real.” (BASTOS, 1999, p. 113)

Dessa maneira, os cidadãos acabam formando uma opinião a respeito do assunto a

partir de premissas equivocadas ou insuficientes, que influenciam o convencimento

dos jurados e, inclusive, a atuação da acusação e da defesa em plenário

(OLIVEIRA, 2008b, p. 185).

Diferentemente do que ocorre na Inglaterra, berço da instituição do júri, no

Brasil os jurados não estão protegidos contra as influências indevidas da imprensa e

dos meios de divulgação (FRAGOSO, 1961). A legislação inglesa, ao contrário da

nossa, não permite a divulgação de casos relacionados ao tribunal do júri, com o

intuito de não romper a imparcialidade dos jurados (NUCCI, 1999, p. 134). A esse

respeito, ensina Fragoso (1961):

A influência perniciosa da imprensa, entre nós, não precisa de demonstração. Estamos longe de sonhar com o regime existente na Inglaterra, em que a repressão aos abusos da imprensa não lhe afetam a liberdade. Não existe no Brasil lei que permita apurar a responsabilidade pelos crimes praticados através da imprensa. Muito menos existe entre nós consciência da verdadeira missão da imprensa e são muitos os jornais e revistas que vivem do sensacionalismo em torno ao crime, influenciando, assim, a opinião pública e a decisão dos jurados.

No país da commom law a discussão é travada em torno da liberdade de

imprensa e o resguardo de um julgamento imparcial pelo júri. No entanto, divergindo

mais uma vez do nosso ordenamento jurídico, na Inglaterra prevalece “a posição de

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preservar o indivíduo contra o ‘julgamento’ antecipado da mídia”, de modo que a

liberdade de imprensa é deixada para segundo plano (NUCCI, 1999, p. 134). Veda-

se, assim, que os casos submetidos a julgamento pelo tribunal do júri sejam

divulgados antes da decisão definitiva (NUCCI, 1999, p. 134). Dessa forma a

liberdade de imprensa, embora prevista na Constituição, esbarra em outros direitos

constitucionais, como o da privacidade, da intimidade e do sigilo (FERNANDES,

1997 apud NUCCI, 1999, p. 134).

Afora tudo isso, não se pode olvidar que a ausência de conhecimento técnico

dos jurados, bem como “a falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliado

ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves

inconvenientes do Tribunal do Júri.” (LOPES JR., 2006, p. 149) A entrega da

prestação jurisdicional, em todos os ramos do Direito, requer profissionalismo e

preparo, em especial no âmbito do tribunal do júri, onde são debatidas questões

altamente complexas e relevantes. Em vista disso, a missão de julgar não pode ser

conferida a juízes leigos escolhidos de forma aleatória e sem nenhuma aptidão para

julgar (NUCCI, 1999, p. 183), “visto que ninguém se improvisa em julgador do dia

para a noite.” (MARQUES, 1963, p. 08) Acerca do despreparo dos jurados,

acrescenta-se:

Deve-se salientar que são pessoas despreparadas para julgar, pois desconhecem os conhecimentos específicos necessários da área jurídica. E não podemos nos escorar sob o manto da representação democrática e do exercício pleno da cidadania, isto porque a cidadania e a democracia são muito mais que isso, elas representam acima de tudo um julgamento justo e imparcial. (KIRCHER, 2008)

A desinformação dos membros do Conselho de Sentença é tamanha que eles

sequer conhecem os princípios constitucionais que regem a instituição do júri, como

demonstrou uma pesquisa realizada no Terceiro Tribunal do Júri de São Paulo48.

Segundo a pesquisa, 66,03% dos jurados desconhecem os princípios constitucionais

da instituição; 18,64% conhecem apenas alguns princípios, sendo que somente

7,49% dos entrevistados responderam que sabem quais são esses princípios

(7,84% não responderam a pesquisa) (NUCCI, 1999, p. 125). Extrai-se, ainda, do

mesmo estudo, que 47,91% dos entrevistados acreditam ser necessário possuir

48 A pesquisa foi realizada nos meses de junho e julho de 1997, no Terceiro Tribunal do Júri de São Paulo-SP, com 574 jurados (NUCCI, 1999, p. XVII).

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conhecimentos jurídicos para dar decisões no tribunal do júri, tendo 43,03% dos

jurados respondido ser desnecessário (NUCCI, 1999, p. 126).

Indubitável é, portanto, que os juízes leigos “carecem de conhecimento legal

e dogmático mínimo para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem

a análise da norma penal e processual aplicável ao caso, bem como uma razoável

valoração da prova.” (LOPES JR., 2009, p. 310) A função jurisdicional é muito vasta

e complexa – não basta o bom senso, nem o rigorismo com o acusado –, exigindo-

se “amadurecimento e reflexão baseada em conhecimentos científicos bem

sedimentados.” (MARQUES, 1963, p. 08)

Assim, não seria demais dizer que a contribuição do juiz leigo nos

julgamentos populares resta claramente prejudicada. Isso porque, “a função de

julgar é uma função técnica, sendo resultado de um exame crítico muito complexo”,

exigindo-se do julgador um número maior de conhecimentos (FRAGOSO, 1961).

Sobre o assunto, alerta Fragoso (1961):

A Justiça penal orienta-se no sentido da especialização do juiz; da cultura técnica nas ciências penais e auxiliares; de uma indagação antropológica e psicológica acurada do homem delinqüente, além de exigir, para apreciação da prova, experiência e espírito crítico, que o jurado raramente possui. ALTAVILLA, opondo-se ao Júri, afirmava que “ao jurado falta toda cultura técnica, falta aquele olho clínico, que só uma longa experiência pode criar, de maneira que se deixa guiar pelo seu natural bom senso, o qual, por vezes, o leva muito longe da verdade”. Ninguém pode esperar que o leigo possa decidir assuntos que lhe são estranhos, especialmente quando homens hábeis e experimentados usam toda a sua argúcia e experiência para iludi-los.

Para Hungria (1977, p. 57) o júri representa uma “instituição irremissivelmente

falida”, posto que se configura como uma “velharia que só pode competir em

novidades com as ordálias e os duelos judiciários”. Para ele, os jurados – juízes

improvisados e escolhidos por sorteio – pelo fato de serem desobrigados de

qualquer motivação, decidem de acordo com a maior ou menor impressão causada

pelos “golpes teatrais” dos atores em plenário, com a sua alarmante parcialidade e

fácil permeabilidade a interesses e paixões de caráter espúrio (HUNGRIA, 1977, p.

57).

Os membros do Conselho de Sentença, por ignorarem os princípios e as

regras do direito e da técnica jurídica, muitas vezes não entendem os debates

travados em plenário e, tampouco, os quesitos propostos pelo juiz-presidente. Por

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todo o exposto, tem-se que o julgamento realizado com base no senso comum,

fundado na íntima convicção de cada jurado, possui uma margem de erro

infinitamente maior do que aqueles proferidos pelos juízes de direito e tribunais

(LOPES JR., 2006, p. 155). Não se trata de afirmar que estes, por sua vez, não

cometem erros, porque assim o fazem comumente. O que se pretende argumentar é

que os magistrados, por terem uma maior preparação técnica e por possuírem “um

sistema de garantias e instrumentos limitadores do poder, que reduzem os espaços

impróprios da discricionariedade judicial” (LOPES JR., 2006, p. 155), estão

“infinitamente mais aptos a produzir uma decisão mais próxima da justiça.”

(MEZZOMO, 2003)

Uma das maneiras para limitar o subjetivismo do julgador e as arbitrariedades

do Estado, fazendo com que sejam respeitadas as garantias dos acusados, é a

exigência de motivação das decisões judiciais. Assim, esse importante baluarte dos

sistemas democráticos será estudado a seguir.

2.3 Motivação das decisões

Assim como o direito de defesa está duplamente consagrado na Constituição

Federal, a motivação das decisões judiciais encontra em nosso ordenamento

reiterada previsão. Com efeito, dispõe o art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal

que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente [...]” (destaquei). Em adição,

preceitua o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal que “todos os julgamentos

dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as

decisões, sob pena de nulidade [...]” (destaquei). Gomes Filho (2009, p. 59)

ressalta que essa repetição evidencia a reforçada exigência de controle em relação

às decisões judiciais, especialmente quando a atuação judicial visa restringir um

direito constitucionalmente tutelado, como é o de liberdade.

A obrigatoriedade de motivação das decisões constitui, prioritariamente, uma

garantia dos direitos fundamentais, na medida em que representa, como menciona

Ferrajoli (2002, p. 497), uma “garantia de segundo grau” ou “garantia das garantias”.

Nesse diapasão, a motivação, juntamente com as demais garantias secundárias –

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publicidade, oralidade e legalidade – contribui para a sustentação das “garantias

primárias ou epistemológicas”49 (FERRAJOLI, 2002, p. 484), assegurando um

controle sobre a efetividade das demais garantias processuais50. Para Gomes Filho

(2009, p. 61), a motivação das decisões como garantia dos direitos fundamentais

[...] de um lado, serve para verificar – pelo acompanhamento do raciocínio desenvolvido pelo juiz para chegar a um eventual provimento restritivo daqueles direitos – se foram efetivamente obedecidas as regras do devido processo; por outro, será igualmente por intermédio da fundamentação que será viável constatar se a decisão aplicou validamente as normas que permitiam a restrição e se foi apreciado, de maneira correta, o contexto fático que a autorizava.

Nesse sentido, a motivação surge para afastar o arbítrio das decisões,

assegurando a independência e a imparcialidade do julgador - uma vez que a

apresentação das razões da decisão impede escolhas subjetivas ou que possam

constituir o resultado de eventuais pressões externas (GOMES FILHO, 2001, p. 63) -

, observância aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da correlação,

do contraditório e da ampla defesa, assim como propiciando a efetividade do duplo

grau de jurisdição. Em complemento, explicita Lopes Jr. (2008, p. 195):

A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art. 93, IX, da Constituição e é fundamental para avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova. Serve para o controle da eficácia do contraditório, e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência. Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder, e, principalmente se foram observadas as regras do devido processo legal. Trata-se de uma garantia fundamental e cuja eficácia e observância legitima o poder contido no ato decisório. Isso porque, no sistema constitucional-democrático, o poder não está autolegitimado, não se basta por si próprio. Sua

49 Segundo Ferrajoli (2002, p. 484), são garantias primárias ou epistemológicas a “contestação da acusação, com a qual é formulada a hipótese acusatória e se instaura o contraditório”, o “ônus da prova de tal hipótese, que cabe ao acusador” e, por fim, o “direito de defesa atribuído ao imputado”.50 Para Gomes Filho (2001, p. 35-48) a motivação, enquanto garantia de segundo grau, visa controlar a efetividade das garantias processuais da independência e imparcialidade do juiz, do juiz natural, do contraditório, da “paridade de armas” e amplitude de defesa, assim como do duplo grau de jurisdição. De acordo com Albernaz (1997, p. 141), “o dever constitucional de motivar assume nítida natureza instrumental em relação às demais garantias processuais constitucionais [independência do juiz, legalidade das decisões e da verdade processual, e direitos de ação e de defesa], posto que a sua observância é condição de realização efetiva dos demais princípios que informam o Processo Penal.”

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legitimação se dá pela estrita observância das regras do devido processo penal, entre elas o dever (garantia) da fundamentação dos atos decisórios.

A motivação serve, ademais, para controlar a racionalidade da decisão. Como

resultado, deve o pronunciante do decisum explicar o porquê da decisão, bem como

o que o levou a conclusão sobre a autoria e a materialidade delitiva (LOPES JR.,

2008, p. 196). Sob este enfoque a argumentação utilizada pelo juiz permite um

controle da decisão, na medida em que se sabe se a decisão está amparada em

argumentos cognoscitivos seguros e válidos ou se, ao contrário, resultou de

escolhas irracionais ou arbitrárias (LOPES JR., 2006, p. 267). Segundo Scheid

(2009, p. 94), a motivação “traduz a explicação e a justificação racional da motivação

(fática e jurídica) sobre a escolha levada a feito pelo juiz na sua decisão.”

A motivação pode ser vista sob dois enfoques: de um lado, serve para

assegurar as limitações do Poder Judiciário, exercendo um papel de garantia política

(também chamada de extraprocessual); por outro lado, desempenha um papel de

garantia processual, possuindo, portanto, função instrumental (ou endoprocessual)

(GOMES FILHO, 2001, p. 82). De acordo com a primeira perspectiva, a motivação,

enquanto discurso justificativo, destina-se aos titulares da soberania, permitindo “o

controle social sobre a atividade jurisdicional, tornando possível, com efeito, a

legitimação da função judicial por meio de uma atividade democrática.” (SCHEID,

2009, p. 93)

Destina-se, em virtude disso, não somente às partes, aos advogados e aos

órgãos judiciais superiores, mas também à comunidade em geral (FERNANDES,

2007, p. 124). A motivação permite, sob este enfoque, um controle generalizado e

difuso sobre a administração da justiça (TARUFFO, 1975 apud BARDARÓ, 2002, p.

125), posto que “a necessidade de apresentar à opinião pública um discurso racional

e coerente impõe determinado tipo de comportamento mental ao juiz no momento

mesmo em que realiza as opções decisórias” (GOMES FILHO, 2009, p. 60).

Oportuniza-se, dessa maneira, à opinião pública e aos cidadãos em geral o direito

de controle sobre a atuação do Poder Judiciário, viabilizando-se a fiscalização sobre

o modo com o qual a atividade jurisdicional é exercida (ALBERNAZ, 1997, p. 143). A

propósito, explicita Albernaz (1997, p. 144):

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60

O que se propõe na melhor doutrina, como algo natural ao Estado Democrático de Direito, é uma motivação, que se apresente como instrumento de controle geral e difuso sobre o modo pelo qual o juiz administra o conflito de interesses alheios, dirigida, portanto, não somente às partes, aos terceiros juridicamente interessados, aos seus patrocinadores (constituídos ou dativos) e ao órgão julgador de instância superior, mas a todos os integrantes da sociedade civil sobre a qual produzirá efeitos a decisão jurisdicional, pelo simples fato de serem os titulares do poder político (art. 1º, da CF) e por estarem sujeitos a uma ordem jurídica comum.

Ainda sob o ponto de vista extraprocessual, a obrigatoriedade de motivação

sujeita as decisões judiciais à legalidade, visto que através dela averigua-se a

atuação estatal à luz dos ditames legais, verificando-se se a decisão judicial foi

resultado de um processo racional lógico do juiz ou se foi fruto da arbitrariedade da

atividade estatal (MELLO, 2003, p. 176). É por meio da demonstração do raciocínio

utilizado pelo magistrado que se sabe se a lei foi validamente aplicada ou não. É por

isso que não se coaduna com o princípio da motivação das decisões a simples

referência ao texto legal, sendo fundamental que o juiz verifique, no caso concreto,

as razões pelas quais aplicou a lei (GOMES FILHO, 2001, p. 85). Para Taruffo

(1975, apud GRINOVER, 1990, p. 35) o conteúdo mínimo da garantia da motivação

compreende, em síntese, a exposição das escolhas do magistrado, com relação: “a)

à individuação das normas aplicáveis; b) à análise dos fatos; c) à sua qualificação

jurídica; d) às conseqüências jurídicas desta decorrente”, assim como a enunciação

dos “nexos de implicação e coerência entre os referidos enunciados.” Trata-se,

portanto, de “assegurar pela explicação dos motivos um controle que permita

verificar se os espaços de criação judicial foram utilizados de forma legítima.”

(GOMES FILHO, 2001, p. 86) (grifo do autor)

Por outro lado, de acordo com uma visão endoprocessual, a motivação

destina-se às partes, proporcionando-lhes o conhecimento necessário da

fundamentação a fim de que possam impugnar a decisão, bem como aos órgãos

judiciais superiores, permitindo o exame da legalidade e justiça da decisão

impugnada (FERNANDES, 2007, p. 141). Sob esta perspectiva, “as partes que

litigam (e também a sociedade) devem saber quais foram as razões de decidir do

Estado, a fim de que julguem a conveniência de recorrer ou não” (RANGEL, 2006, p.

456). Da mesma forma, a motivação assegura que a decisão adotada pelo juiz foi

resultado de uma análise minuciosa das questões fáticas e jurídicas suscitadas

pelas partes (MELLO, 2003, p. 178).

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Ainda sob a ótica de garantia processual, a motivação destina-se a garantir o

duplo grau de jurisdição, pois facilita o controle da decisão pelo órgão superior

(AMORIM, 2006, p. 71). Conforme entendimento de Gomes Filho (2001, p. 103), por

meio da motivação da decisão a parte prejudicada pode avaliar a conveniência e a

adequação do meio de impugnação, identificando os vícios que autorizam o recurso

e desenvolvendo os argumentos para invalidar ou reformar a decisão impugnada.

Em última análise, a motivação, além de um requisito formal das decisões, é

uma justificação racional das escolhas do juiz, que deve adequar de maneira lógica

as normas vigentes no ordenamento jurídico ao caso concreto (BARDARÓ, 2002, p.

124). Serve, ademais, para eliminar o arbítrio judicial e para que as partes, os

órgãos judiciários superiores e a comunidade em geral possam exercer um controle

sobre as decisões judiciais (SILVA, 2006, p. 22).

A obrigatoriedade da motivação das decisões coaduna-se perfeitamente com

o princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional previsto no

Código de Processo Penal brasileiro51. Significa que, embora o juiz possa formar o

seu convencimento de maneira livre, deve apresentá-lo de modo fundamentado,

expondo as razões de fato e de direito que o levaram a tomar determinada decisão

(NUCCI, 2006, p. 100). Este princípio “refere-se à não-submissão do juiz a

interesses políticos, econômicos ou mesmo à vontade da maioria” (LOPES JR.,

2006, p. 286). A motivação das decisões e, paralelamente, a persuasão racional,

são mecanismos indispensáveis à manutenção da democracia e à preservação dos

direitos e garantias individuais. A motivação atua, portanto, como um freio criado

pelo sistema jurídico pátrio para controlar os abusos do poder e as injustiças sociais

(MELLO, 2003, p. 177), buscando-se a obtenção satisfatória de uma prestação

jurisdicional efetiva (AMORIM, 2006, p. 69).

Feita a delimitação do processo penal democrático, com a análise dos

princípios que orientam e fundam um ordenamento verdadeiramente democrático,

com especial enfoque à exigibilidade da motivação das decisões judiciais, aliado ao

exame das questões relativas ao julgamento pelos pares, representatividade e

independência dos jurados, far-se-á, na sequência, uma redefinição do tribunal do

júri. Como consequência, analisar-se-á a problemática em torno da ausência de 51 Art. 155, do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

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motivação das decisões do júri e o assunto envolvendo o estado de inocência do

acusado e a plenitude de defesa.

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63

3 REDEFININDO O TRIBUNAL DO JÚRI À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988

O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal exige que todos os julgamentos

proferidos pelo Poder Judiciário sejam fundamentados sob pena de nulidade. Por

isso, “não há mais espaço, no Direito Constitucional hodierno, para interpretação da

Constituição por meio da legislação infraconstitucional, pois a força normativa e o

princípio da supremacia da Constituição há muito a impedem.” (RANGEL, 2005, p.

133) A partir do estudo dos princípios constitucionais tratados no capítulo anterior,

analisar-se-á neste terceiro e último capítulo a questão da inexigibilidade de

motivação das decisões proferidas pelo tribunal do júri. Sob esta perspectiva, o

princípio da íntima convicção será examinado e confrontado com o supracitado

mandamento constitucional.

Em um segundo momento, será questionada a legalidade da aplicação do

brocardo in dubio pro societate, invocado com freqüência na fase de pronúncia no

procedimento do júri. Na seqüência, dando continuidade ao debate acerca da

preservação do estado de inocência do acusado, analisar-se-á a efetiva garantia do

princípio do in dubio pro reo no plenário do júri. Ainda será estudada a forma de

obtenção dos veredictos do júri a partir da análise comparativa das normas judiciais

brasileira com as legislações de alguns países.

Por fim, ao término do presente capítulo, discutir-se-á a estreita relação

entre a motivação das decisões judiciais e a plenitude de defesa no tribunal do júri.

3.1 O problema da motivação das decisões no tribunal do júri

O tribunal do júri, por ser um direito fundamental do homem, inserido no art.

5º, inciso XXXVIII, da Carta Magna, deve estar em perfeita consonância com o texto

constitucional, de forma que os princípios ali estabelecidos sejam efetivamente

aplicados (RANGEL, 2007, p. 140). No entanto, a atual organização do tribunal do

júri encontra óbices intransponíveis na Constituição Federal, visto que sua estrutura

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é incompatível com o corpo de regras e princípios que constituem a base e o

fundamento de validade do ordenamento jurídico pátrio (ALBERNAZ, 1997, p. 156).

Hodiernamente, para interpretar e aplicar as normas jurídicas, os operadores

do Direito acabam, não raramente, desprezando o disposto na Constituição Federal

para dar aplicabilidade ao estabelecido no Código de Processo Penal e leis

correlatas (NUCCI, 2008, p. 24). No Brasil, ao contrário do que vem acontecendo, as

normas infraconstitucionais deveriam ser interpretadas no sentido mais concordante

com a Constituição - princípio da interpretação conforme a Constituição52

(ALBERNAZ, 1997, p. 140). Todavia, a legislação ordinária está sendo validamente

aplicada em detrimento das normas constitucionais, que deveriam pautar o

fundamento de validade das demais normas jurídicas do ordenamento (ALBERNAZ,

1997, p. 140).

Essa aplicação da legislação ordinária em desconformidade com a

Constituição ocorre também em relação às normas do tribunal do júri. Este

gravíssimo erro pode ser melhor visualizado quando a questão debatida tange à

motivação das decisões judiciais. O tribunal do júri, como visto anteriormente,

embora não conste no rol do art. 92 da Constituição Federal, é considerado um

órgão especial do Poder Judiciário e, como parte integrante do ordenamento

jurídico, deveria encontrar na Constituição seu fundamento de validade,

submetendo-se ao disposto no art. 93, inciso IX, da Carta Magna, que exige a

motivação de todos os julgamentos sob pena de nulidade. No entanto, contrastando

com tudo que foi dito, os membros do Conselho de Sentença, alicerçados no

princípio da íntima convicção, possuem ampla liberdade de convencimento e não

necessitam motivar suas decisões, não havendo, portanto, a menor justificação para

seus atos (LOPES JR., 2009, p. 311).

Diferentemente do que se exige dos juízes de direito (art. 381, III, do CPP53),

os membros do Conselho de Sentença decidem sobre a matéria de fato e se o

52 Por este princípio, quando uma determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição, deve-se sempre adotar a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando-se a declaração de sua inconstitucionalidade. É uma regra interpretativa que possibilita a manutenção das leis e atos normativos no ordenamento jurídico que guardem valor interpretativo harmônico com a Constituição (MORAES, 2006, p. 11).53 Art. 381: “A sentença conterá: [...] III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;”

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acusado deve ser absolvido respondendo a quesitos redigidos em proposições

afirmativas, simples e distintas, bastando que respondam sim ou não às perguntas

formuladas pelo juiz presidente. “A sentença proferida ao final do processo-crime de

competência do tribunal do júri delineia-se como ato subjetivamente complexo, dada

a sua composição heterogênea por juízes de fato e juiz togado” (TUCCI, 2009, p.

200). Sob este enfoque a fundamentação da decisão é composta não só pela

vontade dos jurados, mas também pela vontade do juiz togado, a quem incumbe

aplicar as sanções legais ao caso concreto (TUCCI, 2009, p. 200). No entanto,

oportuno se torna dizer que a fundamentação elaborada pelo juiz presidente do júri

não supre a ausência de motivação dos jurados, que, por sua vez, também deveriam

justificar suas próprias decisões (ALBERNAZ, 1997, p. 157).

Esse sistema de votação do júri - carente de motivação -, nos moldes do

tribunal popular da commom law, somente vincula os jurados ao dever de enunciar o

resultado da sua atividade intelectual, no qual impera “o arcaico princípio da íntima

convicção do órgão julgador, consoante o qual o voto dos membros do Conselho

‘pode ir além do afirmado e provado’” (ALBERNAZ, 1997, p. 155). O princípio da

íntima convicção, embora utilizado ao longo de muitos anos, está completamente

superado na atualidade. Corroborando o assunto, leciona Rangel (2005, p. 122):

O sistema da íntima convicção é o que há de mais retrógrado no júri, pois o acusado e a sociedade não sabem os motivos daquele ato de império, seja absolvendo ou condenando. Em verdade, a razão é histórica, pois no tribunal do júri, quando do seu surgimento, todo mundo conhecia tudo, logo não havia o que fundamentar. "O júri devia decidir se o acusado era culpado ou não conforme o quesabiam do caso, sem ouvirem testemunhas ou admitirem outras provas; o júri é que era a prova dizendo a verdade (veredictum –veredicto)." Contudo, na sociedade atual não mais há espaço para uma decisão sem arrimo e justificativa em qualquer meio idôneo de prova, razão pela qual se deve refutar o sistema da íntima convicção.

Fruto do abandono ao sistema da prova legal à época da Revolução

Francesa, a íntima convicção confere plena liberdade aos membros do Conselho de

Sentença para condenar o acusado com fundamento em qualquer prova que

acredite convincente (SPENDER, 2005, p. 628). Em vista disso, permite-se, entre

tantos outros absurdos, que os jurados julguem com base em elementos

completamente dissociados dos autos. Isso quer dizer que a liberdade dos membros

do Conselho de Sentença é tão ampla ao ponto de permitir que o julgamento seja

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realizado sem qualquer critério probatório, onde não há a demonstração dos

argumentos e elementos que amparam e legitimam a decisão (LOPES JR., 2008, p.

514).

Frisa-se, desde logo, que a motivação das decisões dos jurados não “implica

a diminuição da soberania dos veredictos, nem tampouco torna público o conteúdo

do voto dos juízes leigos, paradigmas constitucionais na organização do Júri”

(ALBERNAZ, 1997, p. 127). Da mesma forma, não há ofensa ao princípio do sigilo

das votações, haja vista que a motivação “não faz supor a necessidade de identificar

os jurados que votaram de tal ou qual maneira, preservando o princípio

constitucional.” (ALBERNAZ, 1997, p. 128) Nessa esteira, ensina Albernaz (1997, p.

149):

Dentro desta perspectiva, mostra-se, com razão, de pouco fundamento a tese que procura justificar a desnecessidade de os juízes leigos, integrantes do Conselho de Sentença, motivar as suas decisões lançando mão do princípio de que as mesmas são soberanas.Em primeiro lugar, porque a obrigação de motivar não se mostra, em qualquer aspecto, incompatível com a soberania das decisões do Conselho de Sentença [...]Em segundo, porque é previsto no próprio Código de Processo Penal, art. 593, III, d, recurso de apelação, no mérito, de decisões do Conselho de Sentença, podendo o tribunal, entendendo-as manifestamente contrárias às provas dos autos, cassá-las e determinar novo julgamento por outro Conselho.Em terceiro e último lugar, e talvez este seja o motivo mais importante, porque tal entendimento somente se coaduna com o enfoque tecnicista, endoprocessual da razão de motivar, características dos regimes autoritários, incompatíveis com as exigências de um Estado que se submete integralmente à lei e que exige, no âmbito jurisdicional, o controle da adequação dos julgamentos a essa legalidade.

As decisões proferidas pelo tribunal popular, como dito outrora, retratam

muitas vezes uma realidade diversa daquela contida no processo submetido a

julgamento. Isso ocorre porque a decisão tomada pelos jurados é realizada, não

raramente, com fundamento em elementos absolutamente dissociados da conduta

supostamente criminosa que se imputa ao réu. Como menciona Streck (1993, p. 62),

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trata-se da mais perfeita aplicação do “direito penal do autor”54. A esse respeito,

expõe Lopes Jr. (2009, p. 312):

A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de convencimento (imotivado) é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no processo. A “íntima convicção”, despida de qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento. Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu. E, tudo isso, sem qualquer fundamentação.

Em adição, esclarece Albernaz (1997, p. 155):

Esse sistema, ao desobrigar o julgador de demonstrar a consonância de sua decisão com a verdade obtida pela atividade contraditória,dialética, das partes, extingue qualquer fronteira porventura existente entre a discricionariedade e a arbitrariedade na atividade jurisdicional, possibilitando aos integrantes do Conselho manipular os fatos e o direito como melhor lhes aproveite, julgando o fato da vida a eles apresentado, consoante critérios puramente subjetivos, pessoais e, quanto não, formar o seu convencimento a partir de elementos não só estranhos aos autos, mas estranhos, inclusive, ao ilícito que ao acusado se imputa.

É justamente para evitar esses gravíssimos “desvios” que a motivações das

decisões torna-se imperiosa. Em um Estado Democrático de Direito como o nosso é

fundamental que todas as decisões judiciais, inclusive as proferidas pelo do tribunal

do júri, sejam motivadas. Somente assim poderá haver um “controle da eficácia do

contraditório e do direito de defesa, bem como de que existe prova suficiente para

sepultar a presunção de inocência” (LOPES JR., 2009, p. 321). Além disso, por meio

da motivação, impede-se ou, ao menos, reduzem-se ao mínimo, as arbitrariedades

do Poder Judiciário, “consistente em resolver o conflito lastreado em elementos de

54 Pelo Direito Penal do Autor, o acusado é julgado não pelo fato criminoso que cometeu, mas pelo que ele é, bem como pelo que representa socialmente. Contrapõe-se ao Direito Penal do Fato. Segundo Streck (1993, p. 62), esse procedimento é exercido porque a sociedade é desigual. Dessa forma, se o acusado estiver dentro de um “padrão de normalidade”, isto é, possuir bons antecedentes, ser trabalhador, etc., terá maiores chances de ser absolvido do que alguém classificado como “desviante”.

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convicção não conhecidos pelas partes ou que não guardem relação com o fato da

vida levado ao processo.” (ALBERNAZ, 1997, p. 145) (grifo do autor)

Como se pode notar, o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal fixou os

limites materiais do conteúdo da norma infraconstitucional que deve reger a matéria

relativa à motivação das decisões judiciais. A norma constitucional supra

mencionada veda “qualquer possibilidade da legislação ordinária possuir um

conteúdo que desobrigue o juiz de expor as razões de seu convencimento, ou que o

impeça de fazê-lo”, haja vista que “o princípio, constitucional que é, apresenta-se em

caráter geral a todo o ordenamento processual”, devendo, portanto, ser validamente

aplicado (ALBERNAZ, 1997, p. 140). Em arremate, esclarece Albernaz (1997, p.

156):

Assim, não há como negar que, tal como estruturado, o Tribunal do Júri ofende a Constituição, quer na parte em que esta impõe ao Judiciário o dever de motivar todos os provimentos jurisdicionais de conteúdo decisório (art. 93, IX, da CF), quer na parte em que ela declara ser o regime político brasileiro estruturado consoante os princípios de um Estado Democrático de Direito (art. 1º, da CF).

Assim como o Brasil, diversos outros países utilizam o sistema de julgamento

popular. Em Portugal, onde se adota o escabinato ou assessoramento, o tribunal do

júri é composto por três juízes e quatro jurados efetivos, sob a presidência de um

dos magistrados togados (NUCCI, 1999, p. 74). Além da forma de composição do

júri, existem outras diferenças marcantes entre o tribunal popular português e o

brasileiro. Lá o julgamento pelo tribunal do júri é facultativo (o acusado só vai a júri

se as partes requererem), além disso, os jurados, cuja função é remunerada,

decidem sobre questões acerca da culpabilidade do acusado e sobre a

determinação da pena a ser aplicada (RANGEL, 2007, p. 56).

No entanto, a mais importante característica do júri português e a principal

diferença para o sistema brasileiro, refere-se à motivação das decisões. Em

Portugal, exige-se que o júri fundamente seus veredictos. Em razão disso, cada juiz

e cada jurado deve invocar os motivos pelos quais decidiu de determinada forma,

indicando, sempre que possível, os meios de prova que embasaram sua convicção

(RANGEL, 2007, p. 56).

A Bélgica também adota o escabinato como forma de julgamento popular e,

assim como Portugal, exige que o júri motive suas decisões. No entanto, o sistema

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belga somente requer que a decisão condenatória seja motivada, devendo os

jurados e juízes identificar os elementos da causa a partir dos quais deduziram a

culpabilidade do acusado (PESQUIÉ, 2005, p. 145). Da mesma forma que o decreto

condenatório, o Código de Processo Penal belga ainda exige que a pena e seu

montante sejam especialmente motivados (PESQUIÉ, 2005, p. 145).

Para que pudesse ser aplicada a obrigatoriedade da motivação das decisões

nos julgamentos proferidas pelo tribunal do júri brasileiro, nos moldes do sistema

português e belga, seria necessária uma ampla reforma estrutural da instituição a

fim de adequar o sistema de julgamento popular à ordem constitucional. Não

bastaria, segundo Albernaz (1997, p. 157), que se impusesse aos jurados

simplesmente o dever de fundamentar as respostas aos quesitos, pois, segundo ele,

os jurados, por serem leigos, não teriam condições de justificar o seu veredicto

quanto às questões de direito.

Para tanto, sugere o referido autor que haja uma redefinição da distribuição

da competência entre os jurados e o juiz presidente do júri. Aos membros do

Conselho de Sentença seria reservada a competência para julgar apenas a matéria

de fato, sendo-lhes obrigatório o dever de motivar suas conclusões. Já ao

magistrado, caberia a resolução das questões de direito e a individualização da

sanção. Em complemento, sustenta o autor que, em razão dessas alterações, não

haveria ofensa ao disposto no art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição, “vez que ao

tribunal do júri continuariam sendo atribuídos os julgamentos dos crimes dolosos

contra a vida, apenas com nova distribuição de competência funcional entre os seus

órgãos integrantes (membros do Conselho de Sentença e juiz de direito).”

(ALBERNAZ, 1997, p. 157)

Uma alternativa razoável para adequar o tribunal do júri brasileiro às normas

constitucionais, em especial, ao disposto no art. 93, inciso IX, é a substituição do

princípio da íntima convicção pelo consagrado princípio da persuasão racional (ou

livre convencimento motivado). Com base neste princípio o juiz é livre para apreciar

as provas, devendo, contudo, fundamentar suas decisões. Dessa forma, o

magistrado, ainda que possua plena liberdade de julgar e valorar as provas, não

pode se desvincular dos autos, devendo, sobretudo, explicar as razões que o

levaram a decidir (TOURINHO FILHO, 2007, p. 20).

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Por fim, é sobremodo importante assinalar que, independentemente da forma

como se poderia dar a fundamentação das decisões do júri, é imprescindível que ela

exista. A propósito, sustenta Rangel (2005, p. 139):

O Brasil, fundando um Estado Democrático de Direito, exige que toda e qualquer decisão judicial respeite os direitos e as garantias fundamentais e um deles é, exatamente, o devido processo legal, em que as decisões devem ser fundamentadas e fruto do debate e da discussão, não sendo lícito excluir, desse imperativo constitucional, o tribunal do júri.

Por tudo isso, “não se pode mais aplicar um código de processo penal, da

primeira metade do século passado55, em detrimento das conquistas constitucionais

hodiernas, dentre elas a necessidade de fundamentação das decisões judiciais.”

(RANGEL, 2005, p. 134) A necessidade de motivação das decisões é típica de um

sistema judicial amparado no regime democrático e sem a qual o Estado

Democrático de Direito não pode coexistir.

3.2 O In dubio pro reo no âmbito do tribunal do júri

Conforme visto anteriormente, ao final da primeira fase do procedimento do

júri, o magistrado possui quatro opções processuais: pronunciar ou impronunciar o

réu, absolvê-lo sumariamente ou desclassificar a infração. Caso o juiz opte pela

decisão de pronúncia, por estar convencido da materialidade do fato e da existência

de indícios suficientes de autoria ou de participação do acusado em determinada

conduta delituosa, determinará a submissão do réu a julgamento popular. É

55 A Lei n. 11.689/08, que entrou em vigor em meados de agosto de 2008, alterou o procedimento do júri. Entre as principais modificações, destaca-se a apresentação de defesa escrita antes do interrogatório; a instituição de uma única audiência, com concentração de todos os atos, inclusive debates orais e decisão de pronúncia; o estabelecimento de um prazo máximo para o encerramento do procedimento; a alteração dos recursos das decisões de impronúncia e absolvição sumária; a supressão do libelo e as novas regras para a intimação da sentença do réu da decisão de pronúncia. No entanto, importa frisar que, inosbtante a recente reforma legislativa, a estrutura da instituição do júri permaneceu a mesma, não sendo suficiente, portanto, para acabar ou, ao menos, minimizar os graves inconvenientes do júri.

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justamente nesta etapa do iter procedimental que entra em cena o brocardo in dubio

pro societate.

Grande parte dos magistrados invoca o in dubio pro societate para valorar a

prova e submeter o acusado a julgamento pelo júri no momento da sentença de

pronúncia (LOPES JR., 2009, p. 313). Por este princípio, o juiz deve pronunciar o

acusado se estiver convencido da materialidade do fato e da existência de indícios

suficientes de autoria ou de participação, ainda que não haja certeza, visto que é a

própria sociedade, representada pelos jurados, que deve decidir sobre a

condenação ou absolvição do acusado. Sob este enfoque, na fase da pronúncia, a

dúvida deve ser decidida em favor da sociedade, preservando-se a competência

constitucionalmente reservada ao tribunal do júri. Desse modo, entende a

jurisprudência majoritária, que somente diante da prova inequívoca é que deve o

acusado ser subtraído ao julgamento pelo júri, que é seu juízo natural (ALMEIDA,

2000, p. 48).

No entanto, a invocação deste princípio mostra-se descabida. De acordo com

Lopes Jr. (2009, p. 314), o in dubio pro societate não possui nenhuma base

constitucional e não pode coexistir com a presunção de inocência e o in dubio pro

reo. Para Rangel (2002 apud LOPES JR., 2006, p. 153), este princípio, criado pela

jurisprudência pátria, “não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde

a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos

réus.” Em adição, complementa Kircher (2008):

No panorama de julgamento que ocorre no Tribunal Popular, temos a violação deste princípio [in dubio pro reo] pelo menos duas vezes, primeiramente na já analisada decisão de pronúncia na qual tem vigência o in dúbio pro societa [sic] (figura criada para o Tribunal do Júri), e em segundo lugar na decisão dos jurados por quatro votos a três, ou até outro resultado que não a unanimidade para que o réu seja condenado. Neste segundo caso temos claramente a negação deste principio, pois mesmo no caso de dúvida, pode haver a condenação do réu.

É por isso que, em nome do Estado Democrático de Direito, não se pode

aceitar que o juiz, no momento da filtragem da acusação, postergue a resolução do

caso para plenário mesmo quando não existem elementos suficientes (diga-se:

prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação)

para que o acusado seja submetido a julgamento perante o tribunal do júri. Diante

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desse cenário, não é demais afirmar que a disposição que consagra que a dúvida

deve ser decida em favor do acusado – in dubio pro reo – transformou-se, no âmbito

do júri, no famigerado princípio do in dubio pro societate, segundo o qual a dúvida

poderá ser dirimida em prol da sociedade.

O in dubio pro reo, aliado ao princípio do estado de inocência, como é cediço,

deve reger a base de toda a legislação processual penal em um Estado Democrático

de Direito, pois “não há, de fato, Estado autenticamente livre e democrático em que

tal(is) princípio(s) não encontre(m) acolhimento.” (TOURINHO FILHO, 2002, p. 71)

Por isso, quando a norma legal (ou o fato jurídico) ocasionar interpretações

antagônicas, isto é, quando não for possível se obter uma interpretação unívoca,

deve-se escolher a interpretação mais favorável ao réu (TOURINHO FILHO, 2002, p.

71). A dúvida, portanto, em qualquer espécie de procedimento previsto no

ordenamento jurídico, deve levar inevitavelmente à absolvição do acusado.

O Conselho de Sentença, embora composto por sete jurados, representa, na

verdade, um julgador único. Através do somatório das decisões de todos os seus

membros, chega-se, ao final, a um veredicto uno, tomado por maioria de votos.

Dessa maneira, há que se levar em conta que os jurados formam um corpo único de

julgamento, de forma que o veredicto é proferido com fundamento no consenso dos

julgadores.

No entanto, assim como ocorre ao final da primeira fase do procedimento do

júri (pronúncia), o in dubio pro reo também é deixado de lado, muitas vezes, em

plenário. Isso ocorre por que no júri a dúvida pode levar à condenação do acusado,

posto que “quando os jurados decidem pela condenação do réu por 4X3, está

evidenciada a dúvida, em sentido processual.” (LOPES JR., 2009, p. 313) Assim,

quando este quorum é obtido, observa-se que o corpo de sentença, que deveria

representar a unidade das opiniões dos jurados, mostra-se dividido, minado de

dúvidas. Nesse contexto, a condenação do acusado é incompatível com a exigência

que a sentença condenatória seja fundada em prova robusta e que haja alto grau de

convencimento por parte dos julgadores (LOPES JR., 2009, p. 313).

Para acabar com essa possibilidade, alguns países adotam regras diferentes

das que são seguidas no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o júri federal,

composto por doze jurados, exige que o veredicto seja unânime (NUCCI, 1999, p.

72). Para se chegar à unanimidade, o sistema americano permite que os jurados

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debatam o caso56. Na sala de deliberações – comparada a nossa sala secreta –, os

jurados podem formar alianças e estruturas de poder, expondo suas opiniões na

tentativa de convencer os demais membros do corpo de sentença (ARAÚJO, 1996,

p. 214). A propósito, acrescenta Araújo (1996, p. 214):

A missão do júri é a construção, pela colaboração recíproca, da narrativa dos fatos de modo a chegar ao termo de sua tarefa deliberativa. Quanto isto não acontece, isto é, quando a unanimidade não é atingida, ocorre um dos fenômenos mais interessantes do sistema americano: o hung jury, que obriga o juiz, muito a contragosto, a declarar um mistrial e convocar novo julgamento.

Por esse motivo, nos Estados Unidos “a constatação sobre a participação do

acusado no crime e o grau de sua culpabilidade não devem se apoiar em

manifestações exclusivas de dúvida”, de modo que, “havendo dúvida razoável, o Júri

deve absolver o acusado.” (ANSANELLI JÚNIOR., 2005, p. 197)

Visando modificar o cenário brasileiro, o anteprojeto de reforma do Código de

Processo Penal – Projeto de Lei n. 156/2009 –, elaborado pelo Senado Federal,

prevê algumas modificações substanciais no tribunal do júri. O número de jurados do

Conselho de Sentença passaria de sete para oito (art. 349), sendo que as decisões

seriam tomadas por maioria de votos, prevalecendo a decisão mais favorável ao

acusado, no caso de empate (art. 391). O número par de integrantes do júri, de

acordo com Moreira de Oliveira (apud LOPES JR., 2009, p. 313), impede que haja

soluções duvidosas, uma vez que, em caso de empate, haveria a absolvição do

acusado57. Dessa forma, somente haveria condenação se houvesse, no mínimo,

dois votos de diferença (6X2 ou 5X3), possibilitando, assim, “maior certeza e

seriedade a uma solução condenatória, pois se reduziria a possibilidade de erro

cometido por um só jurado.” (apud LOPES JR., 2009, p. 313) Em complemento,

expõe Rangel (2005, p. 119):

56 Ao contrário do Brasil, onde prevalece a incomunicabilidade dos membros do Conselho de Sentença. Assim, uma vez sorteados, os jurados não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa (art. 466, §1º, do CPP). Visa-se impedir que qualquer jurado possa influenciar no “ânimo e no espírito dos demais, para fins da formação do convencimento acerca das questões de fato e de direito em julgamento.” (OLIVEIRA, 2008a, p. 565)57 Aplicação analógica ao disposto no art. 615, §1º, do Código de Processo Penal: “Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu.”

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O objetivo ao estabelecer um número par de jurados é ter uma maiorcerteza quando de um decreto condenatório, e quanto maior o número par de jurados, em sendo par, maior a dificuldade, pela simples razão de que a liberdade no Estado Democrático de Direito é a regra e sua privação a exceção.

Este é o procedimento adotado pela França e pela Espanha. No primeiro,

assim como Portugal, adota-se o escabinato, sendo o júri formado por três juizes

profissionais e nove leigos (RANGEL, 2007, p. 50). Para ser reconhecida a

culpabilidade do acusado, a legislação francesa exige que haja, pelo menos, oito

votos dentre os doze integrantes do júri (dois terços) (DERVIEUX, 2005, p. 236),

sendo que os votos brancos e nulos são computados a favor da defesa (ANSANELLI

JÚNIOR, 2005, p. 174). A Espanha, por sua vez, embora não adote o escabinato,

possui um rito similar ao francês quanto aos critérios de votação. O júri espanhol,

composto de nove jurados e um magistrado, que é o seu presidente (RANGEL,

2007, p. 53), exige que sejam obtidos, ao menos, sete votos para que o acusado

seja considerado culpado (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 182). Todavia, quando o

veredicto for absolutório, é necessário que se obtenha somente cinco votos (maioria

simples) (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 182).

Na Inglaterra a situação não é muito diferente. A decisão dos doze jurados

que compõe o tribunal popular inglês deve expressar a vontade de, pelo menos, 10

votos contra 2, se for condenatória (RANGEL, 2005, p. 51). Caso não seja obtida

essa maioria qualificada o réu é submetido a novo júri, perante novos jurados e, se

ao final do novo julgamento não for alcançada essa maioria qualificada para

condenar, o réu é absolvido (RANGEL, 2005, p. 51).

Rangel (2007, p. 81) explica que em um verdadeiro Estado Democrático de

Direito, as decisões do júri devem ser mais difíceis quando se tratar de condenação,

devendo ser obtida por unanimidade de votos ou por maioria qualificada (RANGEL,

2007, p. 81). O referido autor menciona, ainda, que essa situação já foi vivenciada

pelo Brasil durante o período republicano, posto que, nesta época, os veredictos

condenatórios do júri eram obtidos somente por decisão com sete votos ou mais

(RANGEL, 2007, p. 81).

Ao contrário do sistema americano que exige a unanimidade nas votações, no

tribunal do júri brasileiro, como é cediço, as decisões são tomadas por maioria de

votos. A decisão por unanimidade de votos quebra o sigilo da votação, violando a

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norma estabelecida no art. 5º, XXXVIII, b, da Constituição Federal. Isso ocorre por

que a obtenção de um veredicto unânime pressupõe que os sete jurados votaram

em determinado sentido. Por essa razão, a votação deve ser interrompida tão logo

se alcance o quarto voto em favor da acusação ou da defesa, preservando-se,

assim, o sigilo garantido pelo legislador constitucional (CAPEZ, 2002, p. 561).

Inobstante isso, as mudanças sugeridas pelo Projeto de Lei n. 156/2009 são

bens vindas. Com efeito, alterando-se o número de jurados de sete para oito, as

condenações seriam dificultadas, pois só ocorreriam com uma diferença de, no

mínimo, dois votos (LOPES JR., 2009, p. 313). Com essa reformulação, nos moldes

do sistema francês, espanhol e inglês, o aumento do número dos membros do

Conselho de Sentença daria maior representatividade do corpo social, garantindo-

se, também, a máxima eficácia do direito constitucional de defesa (LOPES JR.,

2009, p. 314). Para Rangel (2005, p. 118) “o número par dá maior amplitude de

defesa, pois a diferença para se obter um decreto condenatório é de dois votos e,

em caso de empate, a solução mais favorável ao acusado deve ser adotada.”

3.3 A problemática existente em torno da plenitude defensiva no tribunal do

júri

Por tudo de que foi visto até aqui, tem-se ser impossível a obtenção de um

Estado efetivamente democrático sem que se exija de todos os órgãos do Poder

Judiciário a motivação de seus provimentos. A altíssima importância da

obrigatoriedade da motivação das decisões já foi ressaltada no capítulo anterior,

mas será agora analisada sobre outro enfoque.

O Estado, por meio das normas fixadas na Constituição Federal, estabeleceu

um compromisso ético com os cidadãos brasileiros. Em decorrência disso, o Estado

não pode negar aos titulares do poder os direitos e garantias fundamentais previstos

no ordenamento jurídico, dentre eles o direito ao devido processo legal e,

consequentemente, a fundamentação das decisões judiciais (RANGEL, 2005, p. 03).

Em virtude da aplicabilidade do princípio da íntima convicção no tribunal do

júri, o Estado acaba não garantindo aos cidadãos o compromisso que assumiu na

Carta Magna, deixando de exercer, por conseguinte, controle generalizado e difuso

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sobre os conflitos de interesse. Devido a isso, o processo penal não atinge seus

objetivos, deixando desamparada a parte hipossuficiente da relação processual: o

acusado. Como conseqüência, a inexigibilidade de motivação das decisões do júri

acarreta graves e sérios prejuízos ao exercício pleno da defesa.

Como mencionado alhures, a motivação possui dupla finalidade, exercendo,

de um lado, um papel de garantia política (extraprocessual) e, por outro, uma função

instrumental. De acordo com esta perspectiva endoprocessual, a motivação destina-

se às partes, proporcionando-lhes o conhecimento necessário da fundamentação a

fim de que possam impugnar a decisão.

No entanto, os veredictos do júri impossibilitam às partes saber se a decisão

é calcada em argumentos cognoscitivos seguros e válidos, haja vista que não há a

demonstração das razões e elementos que a amparam e legitimam. A partir daí fica

claro que o direito de defesa do acusado resta prejudicado. Isso ocorre por que o

Estado, ao cercear o direito das partes de conhecer as razões da decisão, acaba

limitando indevidamente o direito que o acusado possui de ter uma defesa plena.

É realmente possível alcançar uma defesa efetivamente plena sem conhecer

os motivos que levaram os jurados a decidir de determinada maneira? Sob o prisma

aqui analisado, o direito de defesa do acusado resta completamente aniquilado. Isso

acontece por que a defesa não tem como avaliar a conveniência de recorrer ou não,

assim como não tem como saber se a decisão tomada pelos membros do Conselho

de Sentença foi resultado de uma análise cuidadosa das questões fáticas e jurídicas

suscitadas em plenário. Diante desse cenário, não é demais afirmar que, tal como

outros princípios que são desrespeitados no procedimento do tribunal do júri, o duplo

grau de jurisdição também é tolhido nesta espécie de rito. Como resultado, obsta-se

que haja um controle eficiente pelos órgãos judiciários superiores, que deveriam

averiguar a legalidade e a justiça da decisão.

Não se objetiva questionar, neste momento, a possibilidade de reapreciação

do mérito da causa pelos tribunais de segundo grau, uma vez que este tema

encontra óbice na própria Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c).

Pretende-se, ao revés, discutir até que ponto o atual procedimento do tribunal do júri

é realmente democrático e legítimo, haja vista que ele reduz a nada alguns

princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como são a motivação das

decisões judiciais e a ampla (plenitude de) defesa.

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As decisões proferidas pelo tribunal do júri também se submetem ao crivo do

duplo grau de jurisdição, embora de maneira altamente discutível. “Assim, sendo

possível que os jurados cometam erros, porque não avaliaram corretamente a prova

a eles apresentada, a apelação tem cabimento para permitir ao Tribunal rever o que

foi decidido.” (NUCCI, 1999, p. 97) Em vista disso, o Código de Processo Penal

prevê a hipótese de cabimento de recurso de apelação quando for a decisão dos

jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, do CPP). A

respeito ensina Grinover (2009, p. 103):

Com isso o legislador permitiu, em casos de decisões destituídas de qualquer apoio na prova produzida, um segundo julgamento. Prevalecerá, contudo, a decisão popular, para que fique inteiramente preservada a soberania dos veredictos, quando estiver amparada em uma das versões resultantes do conjunto probatório.

Caso o tribunal ad quem entenda que a decisão dos jurados é

manifestamente contrária à prova dos autos, dará provimento ao recurso de

apelação interposto pela parte, anulando o primeiro julgamento popular. Ato

contínuo, submeterá o réu a novo julgamento (art. 593, §3º, do CPP). Não se admite,

no entanto, segunda apelação fundada no mesmo motivo (art. 593, §3º, do CPP).

Esta é uma regra excepcionalíssima, haja vista que pode arranhar a

soberania dos veredictos. Por esse motivo, somente é possível que haja novo

julgamento quando “não houver, ao senso comum, material probatório suficiente

para sustentar a decisão dos jurados.” (OLIVEIRA, 2008a, p. 717)

Alguns países, visando ampliar as garantias concedidas aos acusados,

conferem ao princípio do duplo grau de jurisdição uma roupagem diversa da adotada

no Brasil. A Itália e a França, por exemplo, possuem Tribunais de Apelação das

decisões do tribunal do júri. Essas Cortes são formadas por juízes leigos e por

magistrados togados e julgam, em grau de recurso, as apelações interpostas em

relação às decisões do júri (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 107). A Alemanha

também adota esse procedimento. O tribunal do júri alemão é composto, em

primeira instância, por dois juízes honorários (jurados) e um ou dois juízes togados,

ao passo que na Câmara Penal de segunda instância há dois jurados atuando ao

lado de um, dois ou três magistrados (ROXIN, 2007, p. 184). Por meio desse

“escabinato recursal”, como é chamado, “preserva-se o julgamento pelos pares e

aumenta-se a participação popular na administração da justiça.” (ANSANELLI

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JÚNIOR, 2005, p. 177) Ansanelli Júnior (2005, p. 108), assevera que a composição

mista nos tribunais recursais, com juízes leigos e togados, torna mais democrática a

justiça, permitindo maior participação da sociedade nos julgamentos. Além disso,

acredita o referido autor que a adoção dos Tribunais de Apelação preserva a

soberania dos veredictos, visto que o recurso continua sendo julgado por juízes

leigos (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 108).

Outra forma de garantir a máxima eficácia dos direitos fundamentais é a

impossibilidade de apelação no caso de veredicto absolutório proferido pelo tribunal

do júri. Nos Estados Unidos é vedado ao Ministério Público recorrer do veredicto do

júri que decidiu pela absolvição do réu (ANSANELLI JÚNIOR, 2005, p. 197). A

propósito, ensina Ansanelli Júnior (2005, p. 197):

Se os jurados chegarem ao veredicto de não-culpabilidade do acusado, o not guilty, falece o Ministério Público do direito de recorrer, em face da proibição do double jeopardy, expresso na 5ªEmenda da Constituição, verbis: “Ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde.” Em decorrência dessa garantia, a acusação não pode interpor recurso de apelação em face de um veredicto de absolvição. Assim, esta decisão prevalece, mesmo se houver erro na interpretação da lei ou análise equivocada dos fatos pelo Júri.

O sistema americano não permite que a decisão absolutória do tribunal do júri

seja recorrível, autorizando, por outro lado, a revisão do decreto condenatório, ante

a possibilidade de erro cometido pelos jurados. Isso ocorre por que há invocação do

princípio do estado de inocência e do in dubio pro reo, de forma que a condenação é

vista com certa desconfiança. Embora o veredicto absolutório também possa ter sido

proferido de maneira errônea pelos juízes leigos, é certo que o decreto condenatório

traz infinitamente mais prejuízos ao acusado, merecendo, por isso, ser revisto. Sob

este enfoque, aplica-se ao procedimento do júri nos Estados Unidos o brocardo

“mais vale um culpado solto do que um inocente preso”.

Visa-se, dessa forma, proteger o acusado dos riscos de um novo julgamento

e de uma possível condenação mais de uma vez pelo mesmo fato delituoso. Em

decorrência, o Estado não deve permitir que haja repetidas tentativas de condenar

um indivíduo, sujeitando-o, de forma indiscriminada e desnecessária, a embaraços e

sofrimentos. A possibilidade de ser submetido a novo julgamento, mesmo tendo sido

absolvido na primeira decisão do júri, gera no acusado um contínuo estado de

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ansiedade e insegurança, aumentando a possibilidade de que, mesmo inocente,

possa ser considerado culpado (CUEVA, 2008, p. 02).

Ainda que não haja no Brasil a composição mista dos tribunais de segundo

grau, assim como a vedação ao recurso de apelação no caso de veredicto

absolutório do júri, vale ressaltar que os objetivos destas espécies de procedimento

podem servir como modelo ao nosso sistema. Com efeito, a grande lição que se

extrai de todas as legislações estrangeiras aqui estudadas é a de que tais países

preocupam-se muito mais com a efetivação das garantias dos acusados,

assegurando a eficiente aplicação dos princípios democráticos a que fazem jus os

sujeitos do processo penal.

Por tudo isso, não basta que os veredictos do júri sejam obtidos apenas por

maioria. É necessário que a decisão esteja comprometida com a liberdade do

acusado, ou seja, deve haver um compromisso ético, que somente será alcançado

através da necessária fundamentação das decisões e o cumprimento irrestrito da

plenitude de defesa (RANGEL, 2005, p. 22). Somente assim será possível obter-se

decisões verdadeiramente democráticas, submetidas ao devido processo legal e

com o fiel cumprimento de todas as garantias mínimas previstas no ordenamento

jurídico.

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CONCLUSÃO

Embora os julgamentos populares continuassem a defender mais os direitos

dos nobres e do clero do que os do próprio povo, não há dúvidas que o tribunal do

júri representou uma grande evolução para a época de seu nascimento. Isso porque,

as decisões passaram a ser tomadas pelo povo, retirando das mãos dos

magistrados comprometidos com o déspota o poder das decisões.

No entanto, ao longo dos séculos, o júri passou a ser usado como

“instrumento de manipulação de massa”, pois os jurados passaram a ser escolhidos

dentre pessoas que integravam determinada classe social. Em decorrência disso e,

levando-se em consideração que não ocorreram no tribunal do júri grandes e

substanciais modificações desde sua origem até os dias atuais, parte da doutrina

critica a legitimidade e real necessidade da instituição na atualidade.

Pelo exposto durante toda a extensão do trabalho é possível concluir que o

júri, pelo menos no Brasil, longe de ser uma instituição verdadeiramente

democrática, apresenta graves defeitos estruturais que comprometem a efetivação

dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal. O tribunal do júri, por

estar incluído no rol dos direitos e garantias individuais, é considerado cláusula

pétrea da Constituição, não podendo, por isso, ser suprimido. No entanto, sua

reformulação é extremamente necessária.

A democracia, enquanto instrumento de realização da igualdade e da

liberdade, deve buscar a efetivação dos direitos e garantias fundamentais do

homem. Por isso, não pode ser entendida apenas como sinônimo de maioria e

reduzida a um simples critério de ordem numérica. Em sede processual, a

democracia deve caracterizar-se pela obediência irrestrita aos princípios

constitucionais, garantindo-se que as normas sejam aplicadas à luz da Constituição

Federal.

Assim, um processo penal será democrático se conferir ao acusado garantias

que o colocarão a salvo da arbitrariedade estatal e do subjetivismo do julgador. Os

alicerces do processo penal em um Estado Democrático de Direito consubstancia-

se, no mínimo, pela observância dos princípios do devido processo legal;

independência e imparcialidade do juiz; juiz natural; contraditório; paridade de

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armas; ampla defesa; presunção de inocência; duplo grau de jurisdição e motivação

das decisões.

Destarte, para que o tribunal do júri espelhe, de fato, os valores democráticos

adotados pelo Estado é necessário que ele respeite, no mínimo, tais princípios,

posto que somente através da observância das garantias mínimas previstas no

ordenamento jurídico é que se pode obter um tribunal popular efetivamente

democrático. No entanto, em razão da inobservância irrestrita às garantias mínimas

do sistema processual, a instituição do júri deixa de honrar com os preceitos

assumidos pelo Estado Democrático de Direito.

Com efeito, a efetivação dos princípios do processo penal depende,

fundamentalmente, de juízes capazes de compreendê-los e aplicá-los, o que não

ocorre no júri. O Conselho de Sentença há muito tempo (se é que isso um dia

realmente existiu) deixou de ser formado por cidadãos representantes da sociedade

e comprometidos com o julgamento de seu semelhante.

Os jurados, por carecerem dos conhecimentos técnicos que possuem os

magistrados togados, não possuem, na maioria das vezes, condições de interpretar

a lei no momento de aplicá-la ao caso concreto. E, por decidirem por íntima

convicção, sem dar seus motivos e sem, necessariamente, vincular-se à lei, os

jurados acabam, não raramente, tendo sua atuação afetada por diversos fatores

externos ao processo e ao plenário. A função de julgar, como é cediço, é uma

atividade complexa, técnica e que exige do julgador vasto conhecimento. Por essas

razões, a contribuição dos juízes leigos nos julgamentos populares é temerária e

pode ser extremamente prejudicial ao acusado.

Além disso, há nos tribunais populares pátrios um abismo entre as pessoas

que julgam e as que são julgadas, pois pessoas cultas e bem formadas julgam, na

maioria das vezes, indivíduos incultos, analfabetos e miseráveis. Sob esta ótica, o

júri representa, na verdade, conselhos elitistas e distantes da realidade social, visto

que uma minoria pertencente às classes dominantes, julga a imensa maioria inculta

e marginalizada.

Não se admite, por outro lado, que Estados democráticos possuam

provimentos judiciais dissociados da respectiva fundamentação. Um sistema

verdadeiramente democrático é incompatível com o arcaico princípio da íntima

convicção, segundo o qual, os membros do Conselho de Sentença têm plena

liberdade para condenar o acusado com fundamento em qualquer prova que

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acredite convincente, inclusive, em elementos completamente dissociados dos

autos. A necessidade de motivação das decisões é típica de um sistema judicial

amparado no regime democrático e sem a qual o Estado Democrático de Direito não

pode coexistir.

Isso porque, a motivação das decisões afasta o arbítrio estatal, impedindo

que sejam feitas escolhas subjetivas ou que possam ser resultado de eventuais

pressões externas, garantindo, além disso, a observância aos princípios

democráticos do processo penal, entre eles o da legalidade, devido processo legal,

ampla defesa (plenitude) e duplo grau de jurisdição.

No entanto, em virtude da aplicabilidade do princípio da íntima convicção no

tribunal do júri, o Estado e as partes deixam de exercer o controle sobre a

administração da justiça e, por conseguinte, o processo penal não resguarda o

acusado dos abusos decorrentes do jus puniendi. Como consequência, o exercício

pleno da defesa é prejudicado.

Deste resultado, vislumbra-se que o tribunal do júri, por ser uma instituição

excepcional dentro do ordenamento jurídico, com princípios e procedimento

especiais, não é compatível com a totalidade das garantias e princípios

estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito. A harmonização do júri com os

escopos principiológicos democráticos somente será possível se seus veredictos

cumprirem, de forma fiel e irrestrita, todas as garantias mínimas previstas no

ordenamento jurídico. Dessa forma, e somente assim, o tribunal do júri poderá ser

considerado uma instituição basilar das democracias.

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