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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ALINE FALCÃO FERREIRA A SÚMULA 354/STJ EM (DES)ACORDO COM A (IN)JUSTIÇA SOCIAL São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ALINE FALCÃO FERREIRA

A SÚMULA 354/STJ EM (DES)ACORDO COM A (IN)JUSTIÇA SOCIAL

São José 2008

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ALINE FALCÃO FERREIRA A súmula 354/STJ em (des)acordo com a (in)justiça s ocial

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rafael Burlani Neves

São José 2008

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ALINE FALCÃO FERREIRA

A súmula 354/STJ em (des)acordo com a (in)justiça s ocial

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Agrário

São José, 12 de Novembro de 2008.

Prof. MSc. Rafael Burlani Neves UNIVALI – Campus de

Orientador

Prof. Bel. Ricardo Prestes Pazello Instituição: UFSC

Membro

Prof. Esp. Cláudio Andrei Cathcart Instituição: UNIVALI

Membro

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AGRADECIMENTOS

É imprescindível concluir um capítulo de minha vida sem refletir acerca de

todos passos trilhados até então. Apesar dos percalços necessários na vida,

família é essencial para que se conquiste uma meta. De forma um pouco

diferente, porém não inferior, pude contar com meus irmãos, pai, mãe para que

alcancasse esta meta. Meu muito obrigada a vocês.

Aos meus amigos, basicamente minha segunda família, vocês sabem

quem são, meu muito obrigada pelos conselhos, pelo colo, apoio e por terem

acreditado que eu seria capaz de chegar à conclusão de meus primeiros estudos.

Vocês são essenciais na minha vida.

E também ao meu orientador Rafael Burlani por ter acreditado na minha

monografia, auxiliando-me no decorrer da elaboração do trabalho.

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“A realização de um sonho depende de dedicação, há muita gente que espera

que o sonho se realize por mágica, mas toda mágica é ilusão, e a ilusão não tira

ninguém de onde está, em verdade a ilusão é combustível dos perdedores, pois

quem quer fazer alguma coisa, encontra um meio. Quem não quer fazer nada,

encontra uma desculpa”.

Roberto Shinyashiki

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade

do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, novembro de 2008.

Aline Falcão Ferreira

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RESUMO

A presente Monografia tem como objeto a apresentação da súmula 354

do Superior Tribunal de Justiça, como uma solução contrária à justiça social,

porém argüindo sobre a vantagem de assegurar o direito à propriedade, bem

como a segurança jurídica. Para argumentar acerca do tema, foi utilizado um

estudo de caso elaborado pela Universidade do Estado de Santa Catarina acerca

do município de Lebon Régis.

O objetivo é demonstrar que o Município de Lebon Régis é um exemplo

da verdade fática sobre a impossibilidade de implementação da Reforma Agrária,

sem que ocorra o esbulho da terra que não esteja cumprindo sua função social.

Através do estudo realizado, pode-se através de dados demonstrar que as terras

que outrora não respeitavam a sua devida função social, não produzindo e nem

se desenvolvendo economicamente, atualmente apresentam uma grande

mudança positiva. Também, conjuntamente com debates acerca de

jurisprudências, foram explanados os motivos pelos quais a súmula 354/STJ traz

consigo diversas conseqüências.

Palavras chave: Súmula 354 do STJ. Reforma Agrária. Desapropriação. Justiça

social.

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ABSTRACT

This present work has as its goal the discussion about Súmula 354 of the Superior

court as a solution that goes against social justice. Although it has negatives

points, it has the positive side guarantying the property rights as well as the secure

justice. To argue about the issue, it was used a real case as a research in a city

called Lebon Régis, developed for the institution called Universidade do Estado de

Santa Catarina.

The goal is to demonstrate that the City of Lebon Regis is an example of the

impossibility of implementing the Agrarian Reform, which occurs without the

robbery of land that is not fulfilling its social function. Through the study, it can be

through data demonstrate that the land that formerly did not respect its proper

social function, not producing and not to develop economically, currently presents

a great positive change. Also, with debates about jurisprudence, were explained

the reasons why the summary 354/STJ brings with it several consequences.

Palavra-chave : Súmula 354 of the Superior court, Agrarian Reform,

Expropriation, Social justice.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

CC/02 – Código Civil Brasileiro de 2002

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

ET – Estatuto da Terra

MST – Movimento dos Trabalhadores rurais sem terra

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO___________________________________________________11

1 Aspectos destacados do Direito Agrário ___________ ________________14

1.1 PRINCÍPIOS _____________________________________________________ 15 1.1.1 Principio da garantia do Direito à Propriedade _______________________________ 15 1.1.2 Princípio da função social da propriedade rural ______________________________ 16 1.1.3 Princípio da melhor distribuição da terra____________________________________ 16 1.1.4 Princípio de justiça social _______________________________________________ 17 1.1.5 Princípio da justa indenização____________________________________________ 17 1.1.6 Princípio da prevalência do interesse social sobre o individual __________________ 18 1.1.7 Princípio do devido processo legal ________________________________________ 18 1.1.8 Princípio da ampla defesa ou do contraditório _______________________________ 18

1.2 PROPRIEDADE RURAL ______________________________ _____________ 19 1.2.1 Propriedade Produtiva__________________________________________________ 19

1.3 INSTITUTOS JURÍDICOS AGRÁRIOS __________________ ______________ 23 1.3.1 Imóvel Rural _________________________________________________________ 23 1.3.2 Minifúndio ___________________________________________________________ 24 1.3.3 Pequena Propriedade __________________________________________________ 25 1.3.4 Controvérsia _________________________________________________________ 25 1.3.5 Média Propriedade ____________________________________________________ 27 1.3.6 Latifúndio ____________________________________________________________ 27 1.3.7 Empresa Rural________________________________________________________ 29 1.3.8 Colonização__________________________________________________________ 30

2 Reforma Agrária no município de Lebon Régis – SC _ ________________32

2.1 POLÍTICA AGRÁRIA _______________________________ _______________ 32 2.1.1 Conceituação_________________________________________________________ 32 2.1.2 Crédito Rural _________________________________________________________ 33 2.1.3 Seguro Agrícola_______________________________________________________ 35 2.1.4 Cooperativismo _______________________________________________________ 36

2.2 REFORMA AGRÁRIA ________________________________ _____________ 37 2.2.1 Conceituação_________________________________________________________ 37 2.2.2 Ferramentas para efetividade da reforma agrária_____________________________ 38 2.2.3 Delineação da Reforma Agrária __________________________________________ 39 2.2.4 Desapropriação Agrária_________________________________________________ 40

2.3 MOVIMENTO DOS SEM TERRA_____________________________________ 42 2.3.1 A intervenção do Movimento Sem-terra no Município de Lebon Régis ____________ 44

2.4 REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE LEBON RÉGIS – O CASO PROPRIAMENTE DITO _______________________________________________ 45

2.4.1 História de luta dentro do acampamento ___________________________________ 48 2.4.2 A vida no assentamento com a implantação da Reforma Agrária no município de Lebon Régis____________________________________________________________________ 50

3 A súmula 354/STJ em (des)acordo com a (in)justiça social ____________51

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE SÚMULAS___________ _____________ 51 3.1.1 Histórico das súmulas no ordenamento jurídico ______________________________ 52 3.1.2 Súmula 354 do STJ____________________________________________________ 54

3.2 VANTAGENS DA SÚMULA 354 DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA____ 62

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3.2.1 Vantagens ___________________________________________________________ 62 3.2.1.1 Direito de propriedade ______________________________________________ 62 3.2.1.2 Segurança jurídica _________________________________________________ 65

3.2.2 Desvantagem ________________________________________________________ 66 3.2.2.1 (In)Justiça social __________________________________________________ 66

3.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM CONFORMIDADE COM A SÚMULA 354/STJ____________________________________________________________ 69

3.4 SÚMULA 354/STJ A PARTIR DO CASO DE LEBON RÉGIS : JUSTIÇA SOCIAL E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE _____________________ ____________ 70

CONCLUSÃO ___________________________________________________72

REFERÊNCIAS __________________________________________________74

ANEXOS _______________________________________________________75

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INTRODUÇÃO

O Direito deve ser entendido como uma ciência flutuante, que apesar de

possuir bases teóricas bastantes consolidadas, não se limita a elas somente.

Segue as mutações da sociedade e arrazoa em seus textos normativos a

generalidade necessária para resguardar os bens jurídicos que nascem com

estes progressos.

Direito agrário é um ramo demasiamente inexplorado no Direito brasileiro,

muitas vezes passando despercebido, no entanto, de suma importância para o

desenvolvimento econômico e social do país.

A terra é a conditio sine qua non da existência da vida e, para comprovar

tal afirmativa, a atual Constituição da República classifica em seu 5º artigo o

direito à propriedade como fundamental. E, devido a essa ligação entre o homem

e a terra, é que houve o desenrolar histórico da civilização e as relações das

comunidades em constantes conflitos agrários, isto é, pelo posse e uso da terra.

O direito de propriedade e posse foram garantidos na ordem jurídica do

Brasil, em institutos diversos, pois a terra sempre fora a principal fonte de

riquezas e bens pela iniciativa privada, ou seja, para o bem estar de quem produz,

de quem consome, e, por conseguinte, da sociedade, sendo o aspecto mais

relevante do campo de estudos do Direito Agrário.

Através do Código civil revogado de 1916, a democratização da

propriedade rural era tratada de forma deficiente, sendo que sua preocupação

concernia apenas à defesa da propriedade rural no sentido econômico, não

tratando sobre o lado social.

Estado democrático de direito está conceituado na Constituição, onde é

garantida a liberdade, igualdade, pluralismo político e justiça social. Não se vê o

Estado apenas como aquele que dá garantia, mas sim, como aquele que é

instrumento de transformação, incorporando à igualdade formal um conteúdo

social de garantias das condições mínimas de vida digna.

Para tanto, o Direito agrário está atualmente sedimentado no Direito de

diversas Nações, por se tratar do interesse tanto público, como social.

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A hipótese a ser estudada neste presente trabalho é acerca da afronta ou

não à justiça social através da inserção da Súmula 354 do Supremo Tribunal de

Justiça no ordenamento jurídico.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando sobre o embasamento do

Direito agrário nos princípios assegurados constitucionalmente, bem como os

institutos agrários.

No que concerne aos princípios constitucionais, é deveras importante

ressaltar a respeito da função social da propriedade, que engloba o aspecto

econômico e o elemento social. Este estabelece que a propriedade deverá

respeitar o meio ambiente e os recursos naturais, porquanto aquela determina

que a propriedade seja explorada racionalmente e adequadamente.

No 2º capítulo, discorre-se acerca da reforma agrária que ocorrera no

município de Lebon Régis, não olvidando de explanar sobre a política agrária e

suas ferramentas, quais sejam: crédito rural, seguro agrícola e cooperativismo. A

reforma agrária, que surgira posteriormente à Emenda Constitucional n. 10/64, ao

qual o legislador se preocupou em oferecer métodos para que a reforma agrária

fosse efetivada, ao qual detém grande destaque a desapropriação agrária.

O movimento dos trabalhadores rurais sem-terra também são um fator

desamiadamente importante para que haja um movimento social que assegure

junto ao Estado a efetividade da reforma agrária garantida em legislação.

Explanou-se durante o 2º capítulo sobre o projeto Lebon Régis liderado

pela Universidade do Estado de Santa Catarina, no qual foi elaborada uma

pesquisa pertinente ao referido município, que desenvolveu-se posteriormente à

implantação da Reforma Agrária, onde a cidade se desenvolveu economicamente

depois da expropriação, dando lugar para 211 famílias se estabelecerem e se

inserirem na vida econômica e social do Estado.

No 3º capítulo, trata-se da súmula 354 do Supremo Tribunal de Justiça, e

a discussão sobre as conseqüências da inserção da supracitada súmula no

ordenamento jurídico. Através da súmula, debate-se com diversas jurisprudências

sobre o tema. Salientando-se a Ação direta de inconstitucionalidade que foi

deveras polêmica.

Em seguida, discorreram-se acerca das vantagens e desvantagens da

súmula para realidade brasileira.

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Finalizou-se o estudo sendo discutido sobre a súmula 354/STJ,

utilizando-se o município de Lebon Régis como parâmetro.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a súmula 354/STJ

em (des) acordo com a (in) justiça social.

Para a presente monografia foi levantada a seguinte hipótese:

Será que a súmula 354 do STJ afronta - ou viabilizaria - os princípios da justiça

social no caso do assentamento de Lebon Régis?

Diante da indagação, o objetivo geral deste trabalho é apontar a possível

incongruência da súmula 354 do STJ, no que tange a justiça social, em

específico, na análise concreta do município catarinense de Lebon Régis.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do

Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica

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1 Aspectos destacados do Direito Agrário

O Direito Agrário surge em 1960, através dos movimentos sociais e pelas

manifestações socialistas. O propósito desse direito é pressionar as autoridades

para fazer cumprir a Reforma Agrária.

Apesar da sua grande importância, muitas vezes passa despercebido,

principalmente pelas lutas relativas à terra. Conforme ..., as lutas sociais se

equivocaram ao entregar a propriedade ao controle do Estado, o que resulta na

exclusão da iniciativa privada, ou seja, na falta de garantia à propriedade.

De acordo com estudos da Organização das Nações Unidas há muitas

terras nas mãos de poucos, daí a má distribuição de terras, o que torna a produção

agrícola deficiente. Essas deficiências são geradas devido as práticas arcaicas da

agricultura e pecuária.

Em 30 de novembro de 1969 cria-se a Lei 4504 do Estatuto da Terra a qual

facilita o entendimento do sistema da Reforma Agrária.

Desse modo, o Direito Agrário apresenta como princípio básico a função

social da propriedade, cujo projeto se determina o Estatuto da Terra, de acordo com

o seguinte texto:

Impossível é dissociar-se o baixo nível da produtividade agrícola do país do sistema de propriedade, posse e uso da terra. As relações de trabalho ligam-se, como não poderia deixar de ser, às condições em que ele se exerce. Não havendo estímulos especiais para o aumento da produtividade, não recebendo o trabalhador agrário, via de regra, retribuição proporcional ao acréscimo da lucratividade, o desestímulo é conseqüência inevitável. A propriedade da terra, ao invés de se ligar à sua exploração agrícola, à sua utilização, converte-se na apropriação com intuito especulativo. 1

Os livros relativos a essa área afirmam que o Instituto do Direito Agrário fora

criado no século XX, no entanto, o Direito Agrário surgiu conjuntamente com o

próprio “descobrimento” 2 do Brasil.

1 Estatuto da terra. Porto Alegre, Síntese, 1981. 2 Descobrimento é um termo utilizado ao dizer que o Brasil foi descoberto, no entanto, o solo Brasileiro esteve lá antes mesmo de ser achado pelos Portugueses.

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1.1 PRINCÍPIOS

Através dos princípios que se atesta o Direito como ciência, e conforme

lecionado por Borges, resta clara tal afirmativa: “Os princípios gerais de direito são

preceitos ou regras aprovadas pela experiência científica com aceitação e aplicação

geral como fundamentos da verdade jurídica”.3

Ainda em consonância com a verdade fática,

A experiência jurídica, segundo conhecidíssimo pensamento jurisfilosófico, pode ser estudada por três aspectos: norma, valor e fato. Sob o ângulo da norma, constrói-se a epistemologia (ciência do direito positivo), à qual pertence a dogmática jurídica, que estuda o direito como ordem normativa. Os valores éticos do direito são objeto da deontologia jurídica. O fato é estudado pela culturologia. Alguns dos princípios gerais do direito colocam-se entre a epistemologia e a deontologia, entre a norma e o valor ético, no limiar de ambos.4

No Direito Agrário não poderia ser diferente, os princípios são a base desse

ramo, onde são de suma importância para a garantia de sua efetividade.

1.1.1 Principio da garantia do Direito à Propriedad e

Conforme se encontra explanado no art. 5º, XXII da Carta Magma, o direito à

propriedade está enquadrado como direitos fundamentais de primeira ordem, onde

não há tal garantia, não haverá, por conseguinte, incentivos à produção, tampouco a

investimentos. 5

É nítido que o intuito do trabalhador no tocante à terra é a produção para si

mesmo, o que torna (im)possível a evolução econômica do país, o que significa que

3 BORGES, Antonino Moura. Curso Completo de Direito Agrário . Leme/SP: CL Edijur, 2007. p. 57. 4 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo [et al]. Teoria Geral do Processo . São Paulo: Malheiros Editores. 17ª edição. p. 50. 5 Art. 5, XXII, CF – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Inc XXII – é garantido o direito á propriedade.

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onde houver a preocupação de manter a propriedade, não haverá interesse na

produção.

1.1.2 Princípio da função social da propriedade rur al

Segundo esse princípio é injusto por parte do proprietário que ele possua

uma propriedade improdutiva objetivando a especulação imobiliária, onde

simultaneamente existem outros que almejam possuir a terra para produzir. Assim, o

direito à propriedade deve ser exercido como poder-dever, isto é, o dono tem poder

de possuir, porém tem o dever de produzir.6

1.1.3 Princípio da melhor distribuição da terra

Esse princípio é tido como a essência da política da Reforma Agrária, onde

as terras consideradas improdutivas devem ser desapropriadas com intuito de

distribuí-las para quem deseja produzir.

A Constituição Federal garante em diversos dispositivos o direito à

propriedade e sua função social, como já se pôde ver anteriormente, inclusive a

determinação pecuniária que impõe a desapropriação de terra quando for

considerada improdutiva. Por conseguinte, a função social da propriedade se

subdivide em aspecto econômico e elemento social. O aspecto social determina que

a propriedade seja explorada racional e adequadamente para proporcionar o bem

estar ao proprietário e a família, assim como aos trabalhadores. Já no elemento

social, a propriedade deve respeitar o meio ambiente e os recursos naturais, e por

outro lado cumprir as leis trabalhistas no tocante a seus empregados.7

6 BORGES, Antonino Moura. Ob. cit.,p.63 7 BORGES, Antonino Moura. Ob. Cit., p. 65.

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1.1.4 Princípio de justiça social

O Estado tem o dever de proporcionar condições mínimas para que haja

aplicação efetiva da política na Reforma Agrária. Assim, deve disponibilizar aos

homens do campo mais dignidade pela iniciativa privada, mais mercado de trabalho,

bem como melhor condição de vida e distribuição de renda para que se evite

consequentemente o êxodo rural. 8

1.1.5 Princípio da justa indenização

Esse princípio está embasado em assegurar ao proprietário rural a

indenização justa ao ter seu imóvel expropriado para fins de Reforma Agrária.

Consoante com o princípio, é dada sua efetividade através de decisões dos

magistrados, como a que segue:

RECURSO ESPECIAL DA EXPROPRIADA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA JUSTA INDENIZAÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N.º 07/STJ. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA - TDA'S. VALOR COMPLEMENTAR APURADO EM SENTENÇA. PRAZO PARA RESGATE. TERMO INICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, DO CPC. INEXISTÊNCIA. [...] Dessa forma, entendo que o critério mercadológico acolhido pelo magistrado a quo, ínsito no laudo oficial, reflete a justa indenização da terra nua pelo bem imóvel objeto da presente desapropriação considerando que melhor espelha o preço de mercado praticado na região (grifa-se) 9

Para ser considerada justa, a indenização deverá corresponder ao valor de

mercado das terras e suas respectivas benfeitorias, conforme critérios técnicos e de

justiça.

8 BORGES, Antonino Moura. Ob. Cit., p.67 9 REsp 796957-MT. T1- 1ª Turma. Rel. Ministro Luiz Fux. DJU: 14/08/2007.

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Borges ainda explana que tal princípio “Evita o confisco e a espoliação

patrimonial por parte do Poder Público contra o particular e respeita o direito de

propriedade”.10

O pagamento da indenização é feito em dinheiro com relação às

benfeitorias, porquanto a terra nua é paga em títulos de dívida agrária, que são

resgatáveis até 20 (vinte) anos em parcelas vencíveis a partir do 2º ano.

1.1.6 Princípio da prevalência do interesse social sobre o individual

A supremacia do interesse coletivo é que assegura a prevalência dos

interesses difusos, como ocorre no caso de desapropriação por interesse social,

tendo respaldo no art. 5º da Lei de Introdução ao Código civil11.

1.1.7 Princípio do devido processo legal

O princípio destacado é importante por se tratar da democratização do

sistema jurídico, no qual não há possibilidade de haver resolução de qualquer

conflito sem que haja previamente o devido processo legal segundo previsto em lei.

Considerado, por conseguinte, o princípio dos princípios.12

1.1.8 Princípio da ampla defesa ou do contraditório

10 BORGES, Antonino Moura. Ob. Cit. p. 73. 11Art. 5 LIC: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 12 BORGES, Antonino Moura. Ob. Cit. p. 72

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Considera-se esse princípio um direito individual que é assegurado

constitucionalmente e aplicado no Direito Agrário principalmente nas ações de

despejo rural.

Não é possível que ocorra qualquer ação sem que seja garantida às partes a

sua defesa, e, portanto, não se pode alcançar a solução de conflito.

Pode ser considerado também como Princípio da democratização da

propriedade rural; da melhor produtividade, da prevalência do interesse público

sobre o particular; do equilíbrio de forças nas relações jurídicas contratuais; da

irrenunciabilidade de cláusulas obrigatórias nos contratos agrários.13

1.2 PROPRIEDADE RURAL

O Estatuto da Terra conceitua o imóvel rural como propriedade familiar,

minifúndio, latifúndio e empresa rural. No entanto, com o advento da Constituição

Federal de 1988, ficam acrescentadas as seguintes categorias: pequena

propriedade, média propriedade e propriedade produtiva.

1.2.1 Propriedade Produtiva

Tanto a Constituição Federal, quanto o ET, enumeram basicamente os

mesmos requisitos para propriedade produtiva, os quais são alinhados para que haja

a efetiva função social da propriedade.

Não é temerário dizer que a Empresa Rural se confunda com a propriedade

produtiva, como se pode observar através do artigo 185, inciso II da Carta Política

Brasileira. A definição do assunto em questão é dada através do art. 6º da Lei 8629

de 1993:

Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de

13 BORGES, Antonino Moura. Ob. Cit., p.72.

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utilização da terra e da eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. § 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entra a área efetivamente utilizada e área aproveitável total do imóvel; § 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento) e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: I- para produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada

produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada microrregião homogênea;

II- para exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada microrregião homogênea;

III- a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

Assim, fica evidente que se exija os mesmos requisitos para a configuração

da empresa rural sob o ponto de vista econômico. No entanto, quando se depara

com uma análise mais meticulosa, conduz-se a um raciocínio diverso. Conforme

explana Marques:

A função social do imóvel rural deve ser vista sob três óticas: econômica, social e ecológica. Tal como foi definida a propriedade definitiva, somente foi exigido o componente econômico, abstraindo-se inteiramente os componentes social e ecológico.

Devido a esse motivo, a sustentação majoritária é que as duas entidades

não se confundam.

1.1.1 Função Social da Terra

Alguns estudiosos afirmam que a própria propriedade é a função social,

onde não deveria existir a indenização em favor do proprietário que não faça a terra

cumprir o seu papel como um bem de produção. Diante disso, a indenização

representaria um enriquecimento sem causa justa.

Segundo o autor, Benedito Ferreira Marques:

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A evolução conceitual da propriedade, como direito passou por diversas fases, em função de diferentes doutrinas. Com o Código de Napoleão, ganhou caráter de direito absoluto, o que influenciou muitos códigos civis, inclusive o do Brasil. Marx chegou a preconizar a coletivização dos bens, por considerar a propriedade privada a causa maior das injustiças sociais. Mas foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a propriedade era, em si, uma função social.14

Paulo Guilherme Almeida comenta: “[...] a Constituição Vigente enfatiza o

princípio da função social da propriedade, arrolando-o no capítulo relativo aos

direitos e deveres individuais e coletivos e, mais especificamente, no capítulo

referente à política urbana [...]”. 15

Portanto, é imprescindível que a propriedade cumpra sua função social.

1.2 FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL

A importância da função social do imóvel rural para Marques:

É bastante atual a afirmação de que a função social do imóvel rural é o centro em torno do qual gravita toda a doutrina do Direito Agrário.Essa afirmação não é de todo desarrazoada [...] De fato, não se estuda Direito Agrário, aqui ou em alhures, sem que se compreenda o papel que deve desempenhar o imóvel rural, posto que é nele que se desenvolvem as atividades agrárias, e estas, a seu tempo, constituem a essência da especialidade do ramo jurídico que se examina.16

Acredita-se que o surgimento da idéia de função social da propriedade deu

seus primeiros passos com Aristóteles, ao citar que: “[...] o homem tinha o direito de

possuir bens e deles retirar sua própria manutenção, mas também deveria satisfazer

aos outros”. Nessa mesma linha, Santo Tomás de Aquino complementa a idéia de

14MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro . -7ª ed. ver. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2007. P. 50 15 ALMEIDA, Paulo Guilherme. Aspectos jurídicos da reforma agrária no Brasil . São Paulo: LTr, 1990. p. 84. 16 Ob. Cit. P. 33-34

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Aristóteles conforme observado historicamente. No entanto, apenas utiliza-se dessa

idéia para disseminação da catequese católica. Para ele: “o homem tinha o direito

natural de adquirir bens materiais, até para manter a própria sobrevivência. Mas não

podia abstrair o dever do bem comum”.

Durante algum tempo, a idéia de função social da propriedade passa por

diversas fases, em função de diferentes doutrinas. O código de Napoleão, nesse

contexto, ganha caráter absoluto. Marx, por sua vez, considera a propriedade

privada a causa maior das injustiças sociais. Duguit pensa que a propriedade não é

um direito subjetivo, mas a subordinação da utilidade de um bem a um determinado

fim. Para ele, a propriedade é uma função social, no entanto, para a Igreja Católica,

a propriedade tem uma função social.

Conforme o Estatuto da Terra:

Art. 2º É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei. §1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que

nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de

trabalho entre os que a possuem e a cultivam.

É importante salientar que os requisitos alinhados nos preceitos legais,

examinados acima, devem ser observados simultaneamente. Portanto, não se

cumpre a função social com a observância de apenas um ou dois requisitos.

Segundo observado por Rosalina Pereira:

Os requisitos legais necessários à configuração da função social da terra se resumem à três ópticas: (a) econômica; (b) social; e (c) ecológica. A primeira refere-se ao requisito da produtividade, ou seja, aproveitamente racional e adequado. [...] A segunda abraça, a um só tempo, dois requisitos: a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e o favorecimento do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores rurais. A terceira cuida dos requisitos relativos à utilização dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.17

17 PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma Agrária: um estudo jurídico. Belém: CEJUP, 1993. P. 63

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23

1.3 INSTITUTOS JURÍDICOS AGRÁRIOS

1.3.1 Imóvel Rural

Há diversas discussões acerca da diferenciação entre imóvel rústico e

urbano. Inicialmente, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 29, define que: “O

imposto de competência da União sobre a propriedade territorial rural tem como tino

gerador a propriedade, o domínio útilm ou a posse de imóvel por natureza, como

definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do município”. Posteriormente, o

Decreto-Lei nº 57 de 1966 revigora o critério da destinação. Mais tarde, a Lei nº

5.868 de 1972 advém com o seguinte texto:

Art. 6 Para fins de incidência do Imposto sobre Propriedade Territorial rural, a que se refere o art. 29 da Lei 5.172, de 25 de Outubro de 1966, considera-se imóvel rural aquele que se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e que, independentemente de sua localização, tiver área superior a 1 (um) hectare. Parágrafo único. Os imóveis que não se enquadrarem no disposto neste artigo, independentemente de sua localização, estão sujeitos ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, a que se refere o art. 32, da Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966.

No entanto, o Código Tributário, por se tratar de Lei Complementar,

hierarquicamente está acima da Lei 5172⁄66. Para resolver toda a polêmica

pertinente ao entendimento do propósito de imóvel urbano e rural, o Acórdão de 20

de maio de 1982, prolatado em Recurso Ordinário, declara a inconstitucionalidade

do art.6º e seu parágrafo único da Lei 5.868⁄72: “Continua, assim, em vigor o critério

estabelecido pelos artigos 29 e 32 do CTN para distinção, com base na localização,

entre imóvel rural e urbano.“18

Portanto, partindo do mesmo raciocínio, pode também ser considerado

inconstitucional o art. 4º, inc. I, do Estatuto da Terra, que não é Lei Complementar.

18RE nº 93.850. Rel. Ministro Moreira Alves. Minas Gerais. D.J. 20 de Maio de 1982. STF

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Em suma, o novo conceito de imóvel rural adota a teoria da destinação (Lei

8629⁄93, art. 4º, I), cujo posicionamento já está adotado pelo Estatuto da Terra.

1.3.2 Minifúndio

Segundo Borges, “Minifúndio é uma praga. É o entorpecimento de forças

vivas do País. É o engodo daqueles para quem o fato de ser proprietário significa

independência”. 19

Marques não discorda totalmente do autor acima citado, apenas

complementa:

O minufúndio é combatido e desestimulado no ordenamento jurídico agrário, na medida em que constitui uma distorção do sistema fundiário brasileiro, porque não cumpre a função social. Além disso, não gera impostos nem viabiliza a obtenção de financiamentos bancários pelo minifundiário. Corresponde ao que, no Direito Agrário argentino, é chamado de “parvifúndio”, que se caracteriza por ser imóvel deficitário. 20

Dessa maneira, pode-se considerar Minifúndio conforme o artigo 4º, IV do

ET: “o imóvel rural de área e impossibilidades inferiores às da propriedade familiar”.

Como se pode observar, o minifúndio nada tem a acrescentar para o

desenvolvimento econômico do país. Não é independente economicamente, pois a

terra não oferece condição suficiente para exploração e sustento da família,

socialmente depende de plano previdenciário para que sejam assegurados em

níveis satisfatórios de saúde, educação e lazer. Não aumenta o volume de impostos

arrecadados pelo Fisco e também não arrecada Imposto de Renda, uma vez que

não tem renda suficiente. Arrecada pouquíssimo Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e nenhum Imposto Territorial.

Como todas as argumentações, Stefanini define com precisão que o

minifúndio “é o câncer da terra”.21

19BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do Direito Agrário. 11. ed. Rev. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 33 20 Ob. cit., p. 55 21 STEFANINI, Luiz Lima. A propriedade no direito agrário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 191.

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Os instrumentos de combate, dentre outros, são a desapropriação e a

proibição de alienação de áreas inferiores ao módulo rural ou à fração mínima de

parcelamento (art. 8º da Lei nº 5.686 de 1972), bem como o remembramento das

áreas minifundiárias (art. 21 do ET).

1.3.3 Pequena Propriedade

A Constituição Federal, em seu art. 185, considera a pequena e média

propriedade insuscetível de desapropriação por interesse social para fins de reforma

agrária.

Através da Lei 8.629 de 1993, em seu inc. II, alínea “a”, a “Pequena

Propriedade” é definida como o imóvel rural de área compreendida entre 1(um) e 4

(quatro) módulos fiscais. Conceitua-se simplesmente a pequena propriedade através

de seu tamanho. A explicação para esse fato, é que as demais alíneas22 foram

aprovadas pelo Congresso Nacional. Todavia foram vetadas pelo Presidente da

República, com a argumentação de que seriam afastadas as pessoas jurídicas, se

fosse mantida a redação original. Pertinente ao veto da alínea “b”, a justificativa fora

de que a definição, além de ser dirigida à pessoa física, exigia que a propriedade,

embora pequena, fosse produtiva e que houvesse progresso econômico e social,

sem se importar com o número de pessoas que compusessem o conjunto familiar.

Fora também objeto de sua argumentação o fato de que embora a propriedade

medisse de um a quatro módulos fiscais, não seria considerada pequena, se fosse

insuficiente para garantir o progresso social e econômico de uma família numerosa.

1.3.4 Controvérsia

22 Alínea “b” – explorado direta e pessoalmente pelo agricultor e sua família, admitida a ajuda eventual de terceiros, nas épocas de pico de demanda de mão-de-obra; e alínea “c” – que garanta a absorção de toda a mão-de-obra ativa do conjunto familiar, assegurando, ainda, a sua subsistência e o progresso social e econômico.

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Conforme Marques, há uma polêmica no que diz respeito à pequena

propriedade e à propriedade familiar: “Com a definição de Pequena Propriedade

ditada na Lei 8629/93, é possível agitar-se uma questão: esse instituto substituiu a

Propriedade Familiar, banindo-a do contexto classificatório de imóvel rural, ou as

duas figuras jurídicas coexistem como entidades autônomas?” 23

Não há confusão entre a propriedade familiar e a pequena propriedade, uma

vez que o Presidente da República retirou, através de veto, o caráter familiar que

continha no texto original aprovado.

Existem quatro explanações para que se conclua que existe a diferença

entre as duas espécies de institutos do Direito Agrário. A primeira está baseada no

fato de que a utilização do módulo fiscal, para estabelecer o limite da área, confirma

a subsistência da Propriedade Familiar. Posteriormente, o art. 19, inc. V, da Lei,

acima citada, expressa referência à Propriedade Familiar, ao estabelecer a ordem de

preferência dos beneficiários da Reforma Agrária. Nos vetos do Presidente da

República, no que concerne às alíneas que eram pertinentes à família ou ao

conjunto familiar, fica claro que apenas a Propriedade Familiar se trata de um

instituto explorado direta e pessoalmente pela família. A Carta Magna não harmoniza

a definição de “Pequena Propriedade”, através de seu art. 5º, inc. XXVI, que dispõe:

“A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela

família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua

atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu

desenvolvimento”.

Para tanto, não há sintonia com a impenhorabilidade prevista no art. 649, X

do Código de Processo Civil, bem como com a Lei nº 8.009 de 1990, que dispõe

sobre o Bem de Família. Não se deve confundir, portanto, com “pequenas glebas”,

definidas no art. 2º da Lei 9.393 de 1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a

Propriedade Territorial Rural (ITR).

A melhor explicação para essa controvérsia, é que a impenhorabilidade

apenas alcança a Pequena Propriedade da pessoa física.

23 Ob. Cit., p. 59.

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1.3.5 Média Propriedade

A mesma lei que define a pequena propriedade, define também a média

propriedade. Em suma, a dimensão da propriedade é superior a 4 (quatro) até 15

(quinze) módulos fiscais. Em seu texto original, há o componente familiar embutido

em sua definição aprovada pelo Congresso Nacional. No entanto, a sua vetação

ocorre no mesmo sentido em que foram vetados os incisos b e c da pequena

propriedade. A argumentação do Presidente da República, além das justificativas já

explanadas, fora de que havia discriminação à propriedade em condomínio, por

cooperativas e associações, bem como nos casos de arrendamento e de parcerias e

outras formas de posse da terra.

1.3.6 Latifúndio

Latifúndio é o imóvel rural que, tendo área igual ou superior ao módulo, é

mantido inexplorado, ou explorado incorretamente, ou que tem dimensão

incompatível com a justa distribuição da terra. Para se entender melhor, é o imóvel

rural que, não sendo Propriedade Familiar, por ter área igual ou superior ao módulo

rural, não cumpre a sua função social.

Através do Decreto nº 84.685, de 6 de Maio de 1980, que regulamenta a Lei

nº 6.746⁄79, estabelece-se nova conceituação24 ao latifúndio, com a seguinte

redação:

24 A primeira legislação a estabelecer uma conceituação de latifúndio fora o ET, no seu art. 4º: [...] V – Latifúndio, o imóvel rural que: a) exceda à dimensão máxima fixada na forma do art. 46, § 1º, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine; b) não excedento o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão ao módulo da propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural.

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Art. 22. Para efeito do disposto no art. 4º, inc. IV e V, e no art. 46, §1º, alínea b, da Lei nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964, considera-se: I- [...] II- Latifúndio, o imóvel rural que:

a) exceda a seiscentas vezes o módulo fiscal calculado na forma do art. 5º;

b) não excedendo o limite referido no inciso anterior e tendo dimensão igual ou superior a um módulo fiscal, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente e inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural.

É importante salientar, que por se tratar de um Decreto, hierarquicamente se

localiza inferiormente à Lei do ET. Todavia, o texto apenas substitui o termo módulo

rural por módulo fiscal, o que em nada o modifica em termos conceituais.

Nesse sentido, Marques classifica, de forma mais sucinta, o latifúndio em

duas espécies: “[...] por extensão e por exploração. A primeira caracteriza-se pelo

tamanho do imóvel (600 vezes o módulo fiscal) e a segunda, pela não-exploração ou

exploração deficiente, vale dizer, pelo mau uso da terra”.25

No combate aos latifúndios, são utilizados dois instrumentos eficazes: a

desapropriação (com respaldo jurídico nos arts. 17, alínea a, e 20, inc. I, ET) e a

tributação que esta baseada nos critérios da progressividade e da regressividade,

conforme o art. 49 do ET.

A tributação, como é conhecida por todos os brasileiros, é a forma mais

eficaz para que seja sanado, por diversas vezes, o quadro de imobilismo no qual

diversos proprietários conservam terras improdutivas com o objetivo de especulação,

isto é, mantendo-as improdutivas para adquirir um acréscimo no preço de mercado

de suas terras. Devido a esse fato, os latifundiários têm duas alternativas:

transformar seus imóveis em empresas agrárias, ou então vendê-las ou arrendá-las,

para cumprir a função social da terra.

É importante salientar o que não é considerado latifúndio, para que não haja

uma futura confusão. Desta maneira, vê-se o que se segue:

Art. 4, LT - Não se consideram latifúndio:

25 Ob. Cit. P. 62

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a) o imóvel rural com área igual à do módulo fiscal, não caracterizando como Propriedade familiar, mas adequadamente utilizado e explorado;

b) o imóvel rural com área superior ao módulo fiscal, desde que não exceda 600 vezes a ele, utilizado com adequados e racionais critérios econômicos;

c) o imóvel rural que satisfazer aos requisitos da empresa rural; d) o imóvel rural que, embora não classificado como empresa rural e

situado fora da área prioritária de reforma agrária, tiver aprovado pelo órgão competente do Governo Federal (INCRA) e com execução, projeto que, em prazo determinado, o eleve àquela categoria;

e) o imóvel rural classificado como Propriedade Familiar, Pequena Propriedade e Média Propriedade.

Nesses aspectos, é necessária a desapropriação. Em outro sentido, ela

perderia o seu objetivo.

1.3.7 Empresa Rural

Como explanado anteriormente, a intenção do legislador no que concerne

aos minifúndios, é transformá-los em empresas rurais. Estas têm por definição:

Art. 22, inciso III, do Decreto 84.685 de 1980 – Empresa Rural, o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro das condições de cumprimento da função social da terra e atendidos simultaneamente os requisitos seguintes: (a) tenha grau de utilização da terra igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado na forma da alínea a, do art. 8º; (b) tenha grau de eficiência na exploração, calculado na forma do art. 10, igual ou superior a 100% (cem por cento); (c) cumpra integralmente a legislação que rege as relações de trabalho e os contratos de uso temporário da terra.

A empresa rural, por ser empresa, também está sujeita a registros. Caso

seja organizada por pessoa física, é suficiente o registro perante o INCRA. Ao se

tratar de pessoa jurídica, deve também ser registrado no INCRA, bem como seus

atos constitutivos devem ser aquivados no Cartório de Registro de Pessoas

Jurídicas.

São ainda requisitos da empresa rural: a adoção de práticas

conservacionistas e o emprego mínimo de tecnologia corrente na zona de situação

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da empresa, assim como a manutenção de condições mínimas de administração,

como afirmam as doutrinas estudadas.

1.3.8 Colonização

Colonização é o instrumento de política agrária, com objetivos básicos de

dar sentido econômico e social a imóveis rurais ociosos, conforme explana Rafael

Lima:

A colonização é uma forma de política agrária dirigida ao povoamento das terras desabitadas ou pouco povoadas, virgens ou inclutas, objetivando introduzir nelas a infra-estrutura necessária para permitir a organização de um parcelamento de terras que permita o racional aproveitamento ou utilização, bem como a introdução de serviços públicos e privados adequados, para o assentamento de uma população rural.26

Os objetivos da colonização estão definidos no art. 15 do Decreto 59.428/66,

que são:

I – a exploração da terra sob as formas de propriedade familiar, de empresa rural e de cooperativas; II – a integração e o progresso econômico-social do parceleiro; III – a conservação dos recursos naturais; IV – a recuperação social e econômica de determinadas áreas; e V – a racionalização do trabalho agrícola.27 Melhor dizendo, a colonização tem por objetivo uma ação política que viabilize o acesso à terra ao maior número de pessoas possível, assim como, o promover a reforma agrária.

26 LIMA, Rafael Augusto de Mendonça. Direito agrário e colonização. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. p. 79-80. 27 O art. 5º do mencionado decreto dispões sobre a conceituação de colonização: “Toda atividade oficial ou paricular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais, através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionados de acordo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nela previstas”.

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Existem dois tipos de colonização: a oficial e a particular. Esta tem, como

colonizador, empresas particulares definidas no art. 60 do ET28 e aquela tem, como

colonizador, o Poder Público, cujos projetos se desenvolvem sobre terras que já se

incorporaram ao seu patrimônio (art. 56, inc. IV, ET).

Essa modalidade foi o principal instrumento utilizado nos governos do

regime militar. Alguns projetos foram exitosos, por serem empreendidos por

empresas colonizadoras particulares. Entretanto, há notícias de que muitos desses

projetos foram frustrados.

28 Esse artigo dispõe: “Para os efeitos desta lei, consideram-se empresas particulares de colonização as pessoas físicas, nacionais ou estrangeiras, residentes ou domiciliadas no Brasil, ou jurídicas, constituídas e sediadas no país, que tiverem por finalidade executar programa de valorização de área ou distribuição de terras”.

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2 Reforma Agrária no município de Lebon Régis – SC

O presente capítulo tem como objetivo delinear as relações pertinentes

acerca da implementação da Reforma Agrária no Município de Lebon Régis, que foi

objeto de pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina, no seu respectivo

Núcleo de Políticas Públicas.

2.1 POLÍTICA AGRÁRIA

2.1.1 Conceituação

Política agrária é um tema em ascensão o qual todos acreditam conhecê-la,

todavia defini-la é uma tarefa difícil. Desse modo, a melhor definição para política

agrária se encontra no art. 1º, §2º da Lei do Estatuto da Terra o qual se entende por

Política Agrária:

O conjunto de providências de amparo à propriedade da terra que se destinem a orientar, no interesse da economia rural as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

A terminologia da palavra agrícola vem a ser a primeira discussão cujo

emprego adjetiva como “atividades relacionadas com a produção de gêneros

alimentícios de natureza vegetal”. 29

29 Marques . p.149

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É importante salientar que o ordenamento jurídico brasileiro tem por objeto o

desenvolvimento do país conforme determina o art. 85,§1º do Estatuto da Terra, que

prevê o lucro mínimo de 30% em sua atividade produtiva. Fica evidente que tal

preceito nunca foi, tampouco será cumprido pelo Estado. No entanto, existem

algumas medidas previstas no ET que tem desempenhado um papel importante no

desenvolvimento da política agrária:

2.1.2 Crédito Rural

O Crédito Rural é um benefício de muita importância. Não se pode falar em

assistência técnica, em distribuição de sementes e mudas, em inseminação artificial,

em mecanização agrícola, em preços mínimos, em eletrificação rural, no próprio

seguro agrícola e até mesmo em extensão rural, sem aplicar o referido crédito.

Essa medida governamental, decretada através da Lei nº 454 de 1937,

concede ao Banco do Brasil a permissão para prestar assistência financeira

principalmente à agricultura, dentre outros.

No entanto, as opções de créditos fornecidas pelo Banco do Brasil não

foram suficientes para suprir as necessidades dos agricultores. O Governo,

deparado com essa realidade, optou por criar um grupo de desenvolvimento do setor

agropecuário, intitulado “Grupo executivo de coordenação do Crédito rural”, cujos

objetivos eram:

formular a política de crédito rural [...]; estudar a conveniência de localização de casas bancárias, ampliando a rede distribuidora de linha de crédito rural; traçar normas tendentes a melhor organização e melhores métodos na distribuição do crédito rural pelas entidades financeiras, em consonância com a política preconizada pelo Poder Centrar; administrar o “Fundo de Crédito Rural”, que logo seria criado, disciplinando a sua distribuição e controle.30

Após diversas modificações e adaptações da lei à realidade, foram traçados

basicamente as seguintes linhas de créditos:

30 Marques, p.153-4

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a) de custeio – cuja destinação dá-se à cobertura das despesas normais,

compreendendo todos os encargos, desde o preparo da terra até o

beneficiamento primário da produção e seu armazenamento no caso de

custeio agrícola [...]. 31

b) de investimento – destinado à formação de capital fixo e semifixo,

compreendendo, o primeiro, a inversão para fundação de culturas

permanentes, inclusive pastagens, reflorestamentos, entre outros e ao

capital semifixo correspondente à aquisição de máquinas, equipamentos,

aquisição de animais [...].32

c) de comercialização – baseia-se principalmente na preocupação de

inserção no mercado.

Atualmente, a fonte, que mais contribui para a formação dos recursos a

serem aplicados nessa linha de crédito, é a captação certamente remunerada junto

ao mercado de capitais.

Conforme o site do Banco do Brasil:

Podem solicitar crédito rural: produtor rural - pessoa física ou jurídica ou associações de produtores rurais, cooperativas de produtores rurais ou pessoa física ou jurídica que se dedique a atividades agropecuárias O crédito rural financia o custeio da produção e da comercialização de produtos agropecuários, estimula os investimentos rurais, incluindo armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agrícolas.O crédito rural é instituído pelo Banco Central do Brasil, que pode, a qualquer momento, fiscalizar as operações realizadas pelas Instituições Financeiras.33

Para tanto, conforme explanado, é imprescindível o seguro agrícola para que

seja proporcionada a efetividade da política agrária. Serão observadas as espécies

de créditos pertinentes ao crédito agrícola, para que conforme almejado

constitucionalmente, a política agrária faça parte do ordenamento jurídico conforme

pretendido.

31 Marques, p.154 32 Marques, p.155 33http://www.bb.com.br/portalbb/page100,116,3966,1,1,1,1.bb?codigoNoticia=000001491&codigoMenu=000002654. Acesso em 13 de Agosto de 2008.

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2.1.3 Seguro Agrícola

Esse seguro é um dos mais importantes instrumentos da Política Agrícola.34

Trata-se de um negócio jurídico celebrado mediante simples cláusula de adesão

inserida na própria cédula de crédito rural e, ao contrário dos contratos de seguro

comuns, não se formaliza por apólice.

O seguro agrícola teve início através da Lei 5.969/73, com o propósito de

exonerar o produtor rural de obrigações financeiras relativas a operações de crédito,

conforme disposto em seu 1º artigo:

Art 1º É instituído o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO, destinado a exonerar o produtor rural, na forma que for estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos, e plantações.

As diretrizes do programa são incumbidas ao Banco Central do Brasil a

quem compete:

Art. 5º 35 O Proagro será administrado pelo Banco Central do Brasil, cabendo-lhe: I - elaborar, em articulação com o Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA), as normas do programa, Submetendo-as à aprovação do Conselho Monetário Nacional; II - divulgar as normas aprovadas para o Proagro; III - fiscalizar as instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural, quanto ao cumprimento das normas do programa; IV - gerir os recursos financeiros do programa, em consonância com as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional; V - publicar, periodicamente, relatório financeiro do programa; VI - elaborar e publicar, ao final de cada exercício, relatório circunstanciado das atividades exercidas no período.

34 Art. 187, inc. V, CF: “A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: V: “Seguro agrícola”. Encontra-se elencado também no art. 73 do Estatuto da Terra e art. 4º da Lei 8.171/91 35 Art. 3º da Lei nº 5.969/73 e ratificado pelo Decreto nº 175/91

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O seguro agrícola, portanto, é uma ferramenta imprescindível para o

desenvolvimento da política agrária, bem como o desenvolvimento da agricultura. O

Banco do Brasil dispõe em seu site o objetivo do seguro, bem como a cobertura do

mesmo. 36

2.1.4 Cooperativismo

Encontra-se disposto em dois artigos do ET. Com a introdução desse no

ordenamento jurídico, Octávio Mello Alvarenga explanou:

Ao editar o “Estatuto da Terra”, em 30 de novembro de 1964, como assinalado por J. Motta Maia, houve uma imposição estatal, um rompimento com a ortodoxia do cooperativismo tradicional, referindo-se a Lei nº 4.504 tão-somente às cooperativas integrais de reforma agrária, compulsoriamente organizáveis em áreas consideradas prioritárias pelo Governo. 37 O artigo 8038 contém apenas um conteúdo programático. Marques, com a devida utilização do cooperativismo, propõe: [...] Se os assentamentos de trabalhadores rurais se dessem mediante a organização de cooperativas constituídas pelos assentados, talvez se evitassem a distorções hoje apontadas [...] de outra parte, o próprio acesso ao crédito rural seria mais garantido, além do que os custos da produção seriam menores, na medida em que as máquinas, as sementes e os demais insumos seriam adquiridos por atacado, com preços mais atraentes. 39

A Constituição Federal, através de alguns dispositivos, implementa de forma

eficaz o cooperativismo no ordenamento, por considerar um dos maiores

instrumentos de política agrícola. Essa disposição se encontra no art. 5º, inc. XVIII,

que afasta a ingerência do Poder Público em sua constituição e funcionamento; o

36http://www.aliancadobrasil.com.br/alianca/home/conteudo/paraseusnegocios/rurais/bbseguroagricola.cfm Acesso em: 13 de Outubro de 2008. 37 ALVARENGA, Octávio Mello. Curso de direito agrário: contratos agrários. Brasília: Fundação Petrônio Portella, 1982. p. 258. 38 Art. 80. O órgão referido no artigo 74 deverá promover a expansão do sistema cooperativista,prestando, quando necessário, assistência técnica, financeira e comercial às cooperativas visando à capacidade e ao treinamento dos cooperados para garantir a implantação dos serviços administrativos, técnicos, comerciais e industriais. 39 Ob. Cit., P. 170.

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art. 174, §2º apóia e estimula o cooperativismo e outras formas de associativismo; e

o art. 174, §§3º e 4º prestigia as cooperativas criadas para a atividade garimpeira.

Nesse sentido, Pinto Ferreira acrescenta:

O texto constitucional vigente procura estimular o cooperativismo e outras formas de associação, tendo em vista entendê-los como fatores reais, aceleradores e multiplicadores do desenvolvimento, valorizando o homem e aumentando a produtividade econômica. 40

As sociedades cooperativas se constituem por deliberação da assembléia

geral dos fundadores ou por escritura pública e, conforme art. 5º, inc. XVIII, CF, não

depende de autorização. Seus atos constitutivos são arquivados na Junta Comercial

do Estado onde tiver sede, para efeito de adquirir personalidade jurídica. Tais

sociedades não estão sujeitas à falência.41

Assim, se não fosse a ganância e as distorções no sistema do

cooperativismo no país, esse seria um dos mais eficientes instrumentos da Política

Agrária. Infelizmente, não é o que pode ser observado atualmente.

2.2 REFORMA AGRÁRIA

2.2.1 Conceituação

Reforma Agrária é utilizada para resolver os problemas relativos à terra.

Entretanto, nem sempre é compreendida e muitos desconhecem o assunto. É

imprescindível levar em consideração a Reforma Agrária como um assunto sério, por

se tratar do princípio da igualdade social constituído na Carta Magma.

Considera-se Reforma Agrária:

40 FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário . São Paulo: Saraiva, 1994. p. 168. 41 Lei 5.764/71. art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades.

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o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no seu regime de sua posse e uso, a fim de atender os princípios de Justiça Social. 42

Nesse sentido, Laranjeira complementa:

O processo pelo qual o Estado modifica os direitos sobre a propriedade e a posse dos bens agrícolas, a partir da transformação fundiária e da reformulação das medidas de assistência em todo o país, com vista a obter maior oferta de gêneros e a eliminar as desigualdades sociais no campo. 43

A Constituição, através do seu dispositivo instituído no art. 5º, caput, garante

o acesso à terra a qualquer interessado. No entanto, pode-se observar que, no

decorrer dos anos, nem todos foram beneficiados com esse direito. Deparados com

essa situação, o Governo Federal passou a considerar o acesso à terra como

prioridade social, pois grande parte da população brasileira encontra-se “alijada dos

benefícios do crescimento econômico com baixos níveis de renda mínima”.44

A propriedade imóvel rural sempre foi mal planejada e mal distribuída neste

País. Isso resulta na concentração de muitas terras nas mãos de poucos. Além

disso, há imóveis ociosos com grande potencial, mas que nada produzem ou

produzem insatisfatoriamente alimentos e matéria prima. Pelo sistema de Reforma

Agrária que a lei estabelece em Nossa Ordem Jurídica já se constitui um critério de

justiça social. O Governo deve fazer valer a propriedade para cumprir sua função

social, tornando-a produtiva para sociedade como um todo.

2.2.2 Ferramentas para efetividade da reforma agrár ia

Segundo Marques, há dois métodos para se fazer a reforma agrária, são

eles: coletivista e privatista. Esta admite a propriedade privada, isto é, a terra é de

quem a trabalha, seja pequeno, seja médio ou seja grande produtor, desde que

42 Lei do Estatuto da Terra, art. 1º, §1º 43 LARANJEIRA, Raymundo. Direito Agrário. São Paulo: LTr, 1984. p. 28 44 BORGES, p. 363.

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convivam harmoniosamente. Tal método é baseado na doutrina de Aristóteles e,

posteriormente, pregada pela Igreja católica.

Já o método coletivista baseia-se na nacionalização da terra e passa a

propriedade para o Estado. Esse método está fundamentado através da doutrina

socialista, na qual se acredita que o Estado apenas deva fornecer as ferramentas

necessárias para o desenvolvimento da agricultura, ou seja, nada pertenceria

efetivamente ao agricultor.

Ao levar em consideração o regime instituído pela República Brasileira, o

método perseguido nas tentativas de reforma agrária tem sido o privatista.

2.2.3 Delineação da Reforma Agrária

Para Marques, a Reforma Agrária tem as seguintes características:

É uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada, na medida em que osprincipais instrumentos são a desapropriação e a tributação; É peculiar a cada país; É transitória, um fenômeno episódico, um mero acidente; Passa por um redimensionamento das áreas mínimas e máximas; Depende de uma política agrícola eficiente. Devem ser compatibilizadas as ações da Política Agrícola com as da Reforma Agrária.

Já para Almeida, a mais importante característica da Reforma Agrária é a

sua natureza constitucional:

Sobreleva, portanto, o exame dos contornos constitucionais que circunscrevem o âmbito da reforma agrária. Assim, lembraríamos, em primeiro lugar, que a reforma agrária se caracteriza por ter, como finalidade, fazer cumprir o princípio da função social da propriedade rural.45

O art. 16 do Estatuto da Terra determina o objetivo da Reforma Agrária

deste modo:

45 ALMEIDA, Paulo Guilherme. P 59

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A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

Os mecanismos são utilizados para que seja implementada a Reforma

Agrária de acordo com a legislação. O objetivo do Governo é uma maior produção

agrícola do país, pois, só assim, resulta em um acréscimo da quantidade de

alimentos que favoreçam o crescimento da nação. É de extrema necessidade que o

próprio Governo assegure o mercado de trabalho, como conseqüência da

implementação da Reforma Agrária. Reforma esta, que propiciará uma melhor e

mais justa distribuição de terras e, conseqüentemente, um aumento na oferta de

emprego devido a necessidade de mão-de-obra para as atividades agropecuárias.

2.2.4 Desapropriação Agrária

Para implementação da Reforma Agrária, no Brasil, é necessária a

desapropriação de imóveis que não cumpram a sua função social.

Haja vista a importância da desapropriação para que seja efetivada a

reforma, é importante salientar seus diferentes aspectos e, sobretudo, as formas

procedimentais que se aproximem mais do interesse no desenvolvimento desse

trabalho.

É através do Direito Português que se introduziu a desapropriação no Direito

Brasileiro. Posteriormente, surgiu a primeira regra constitucional sobre a

desapropriação na Constituição Imperial de 1824:

É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e o emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização. 46

46 Art. 179, nº22

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Ao longo dos séculos, ocorrem diversas modificações. Entretanto, só em

2002, o Código Civil contempla a modalidade expropriatória o qual delega a

legitimidade do Judiciário em desapropriar imóveis reivindicados, ocupados por um

grande número de pessoas.

A disposição sobre desapropriação agrária se encontra disposta no art. 184

da Constituição Federal, que determina:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatável no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Sobre desapropriação agrária, Celso Antônio de Melo define: ”Um

procedimento administrativo mediante o qual o poder público, compulsoriamente e

por ato unilateral, despoja alguém de um bem, adquirindo-o originariamente,

mediante indenização prévia e justa”. 47

Idelfonso Mascarenhas da Silva, citado por Octávio Mello Alvarenga,

explana: “A expropriação é o meio pelo qual se impõe ao particular a cessão de sua

propriedade ou direito, mediante certos requisitos, dos quais, o principal é a

indenização”. 48

Nesse sentido, Marques acrescenta:

a desapropriação não passa de uma transferência forçada da propriedade, do particular para o Poder Público, tendo por recompensa o direito à indenização, para atender o interesse de uma comunidade, que se sobrepõe ao interesse individual [...] gerando uma situação de debilidade de quem perde a coisa ou o direito, em face daquele que os adquire, que é o Poder Público, em nome de interesses maiores sobre os interesse individuais. [...] 49

No entanto, entende-se que generalizar o instituto da desapropriação agrário

como um ato coercitivo e forçado é perigoso. Isso se justifica pelo fato de que, ao

assegurar constitucionalmente o direito de todos terem uma terra e os proprietários

47 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Rev. De Direito Administrativo , v. 3. p. 511, 1973. 48 ALVARENGA, Octávio Mello. Teoria e prática de direito agrário. Rio de Janeiro: ADCOAS, 1979. p. 82. 49 Marques, Benedito Ferreira. Op. Cit. p. 139

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de terras rurais não estarem cumprindo a função social da terra, deverá haver um

mecanismo o qual garanta que o Direito seja respeitado.

2.3 MOVIMENTO DOS SEM TERRA

Nos dias atuais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra,

conhecido pela sigla MST50 é considerado um dos mais importantes movimentos

sociais, por preencher os requisitos necessários para o fato, como aborda Marcelo

Dias Varella:

Existe um movimento social quando houver ação grupal, quase sempre composta por pessoas com problemas homogêneos, não satisfeitas com determinada situação, tendo objetivos e formas de alcançá-los semelhantes e, principalmente, guiadas pela mesma ideologia. 51

Alerta GRZYBOWSKI que, a qualificação como “sem-terra” pressupõe-se a

“consciência da comum situação de carência e de exclusão social”, o que implica na

exclusão dos meios de produção, onde não há acesso à terra e, tampouco,

condições dignas de existência. 52

Ressalta-se que para explanar a história dos Sem-terra utilizou-se, como

fonte principal, o site53 do MST.

O desaparecimento dos movimentos sociais agrários deu-se através do

golpe militar de 1964. Somente em 1978, os trabalhadores retomam a luta com um

movimento no intuito de redemocratização do país. A partir de ocupações de terra,

por diversas famílias juntas, no mesmo dia e local, inicia-se, então, o MST.

Em 1985, na mesma época em que se lutava pela democracia no Brasil

através da campanha “Diretas Já”, ocorre o primeiro congresso dos Sem-Terras,

50 Neste trabalho, será utilizado o termo Movimento dos Sem-Terra. 51 Da Silveira, Domingos Sávio Dresch; Flávio Sant’Anna Xavier (org). O Direito Agrário em debate . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. VARELLA, Marcelo Dias. MST, um movimento social? P. 213. 52 GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. Petrópolis: Vozes, 1990. pp. 56-57. 53< http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4151> Acesso em: 13 de Outubro de 2008.

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com o lema: “Ocupação é a Única Solução“. Durante o congresso, é decidido iniciar

ocupações no campo, com o objetivo de pressionar a redemocratização da terra,

haja vista que não havia apoio do governo.

Em 1989, com a eleição de Fernando Collor de Mello, declaradamente

contrário à Reforma Agrária, ocorre um retrocesso na luta pela Terra. O lema

adotado pelo movimento passa a ser: “Ocupar, Resistir e Produzir”.

Conforme o site do Movimento dos Sem-Terra:

O Brasil sofreu 8 anos com o modelo econômico neoliberal implementado pelo governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural, fazendo crescer a pobreza, a desigualdade, o êxodo, a falta de trabalho e de terra. A eleição de Lula, em 2001, representou a vitória do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu projeto. Mas, mesmo essa vitória eleitoral não foi suficiente para gerar mudanças significativas na estrutura fundiária e no modelo agrícola. Assim, é necessário promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construção de um modelo de agricultura que priorize a produção de alimentos e a distribuição de renda.54

Paralelamente à atuação do MST, a Comissão Pastoral da Terra (CPT),

dirigida pela Igreja Católica, passa também a atuar com o objetivo de buscar a

igualdade social no campo.

Conforme explana Varella, a CPT tem uma estrutura hierárquica, dividida em

unidades regionais, cujo maior órgão deliberativo são as assembléias, que se

realizam periodicamente. 55

Nos dias atuais, há um maior número de leis para regulamentar a questão

agrária, como as Leis Complementares nº 76 e 88, as alterações no Imposto

Territorial Rural, bem como os dispositivos constitucionais.

O MST é estigmatizado e visto como um movimento que busca uma vida

mais fácil, ou simplesmente, que dificulta a vida dos proprietários de terra. No

entanto, a Reforma Agrária é garantida pela Carta Magna e deve ser efetiva,

segundo postula Marcelo Dias Varella:

Por mérito próprio, o Movimento dos Sem-Terra conseguiu colocar-se no centro da vida política do país, e muitos assentamentos já foram realizados. Apesar de todos os governos terem sempre um

54 MST. Elementos fundamentais da história do MST. Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4151 55 Ob. Cit. p. 234.

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discurso favorável à reforma agrária, da existência de tantas leis agrárias, do comprometimento de algumas autoridades, da criação de órgãos incumbidos de realiza-la, na verdade sempre faltou sustentação política para a efetiva realização de qualquer alteração significativa.

A Reforma Agrária, conjuntamente com o MST, deve melhorar a condição de

vida de todos, ao democratizar a terra e promover, por conseguinte, a justiça social.

É necessário que, além das lutas do MST, do Ministério da Agricultura ou até do

INCRA, o povo brasileiro se conscientize que a Reforma Agrária é uma luta de todos

e não somente desses órgãos.

2.3.1 A intervenção do Movimento Sem-terra no Munic ípio de Lebon Régis

A consolidação do modelo fundiário, baseado em propriedades com grandes

extensões de terra no planalto e meio-oeste catarinense, permitiu a retomada das

mobilizações de camponeses expropriados e trabalhadores rurais pelo direito de

acesso à posse de terras. Essas mobilizações foram organizadas pela Comissão

Pastoral da Terra – CPT56, ligada à teologia da libertação – uma corrente ideológica

da Igreja Católica – que historicamente sempre lutou pela emancipação política e

social de populações pobres, rurais e urbanas, tanto no Brasil quanto na América

Latina.

A partir das mobilizações da CPT e das primeiras romarias da terra,

começam a ocorrer os agrupamentos de camponeses e trabalhadores rurais que

irão promover as primeiras ocupações de terras no Estado, que fora dele fora

promovida pelo MST. Essa situação foi descrita por Fernandes:

[...] A ocupação é um processo sócio espacial e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta popular de resistência do campesinato, para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se nos processos de espacialização e territorialização,

56 A CPT surgiu durante a década de 1970 e é um órgão da Confederação Nacional do Bispos do Brasil- CNBB que tem como objetivo buscar soluções aos vários conflitos por terra envolvendo posseiros e grileiros. Devido a esse trabalho muitos religiosos (as) e leigos (as) foram assassinados.

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quando são criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra [...] (2000,61)

Em defesa de suas terras, os latifundiários boicotam os latifundiários aos

chamados boias-frias e, ao contrário do resultado esperado pelos latifundiários, o

boicote apenas fortalece o movimento dos sem terra:

[...] em 25 de maio de 1985, cerca de 2000 famílias ocuparam terras no Oeste catarinense, numa ação conjunta, organizada e planejada. Aí permaneceram acampados quase dois anos (alguns mais) à espera de assentamento (Lisboa, 1988).

O Governo do Estado procura apoio para controlar a situação. Os

agricultores, que tomaram posse de seus lotes, organizam uma comissão e vão ao

INCRA e ao Governo do Estado para pedir agilidade no processo de desapropriação

das terras por interesse social. Além disso, os agricultores sem terra solicitam o

cumprimento de um plano efetivo de reforma agrária que atenda a todas as regiões

de Santa Catarina.

Nas décadas de 1980 e 1990, as lutas pela reforma agrária no Estado

ganham força e o MST se consolida como um agente aglutinador, legitimado pelo

sucesso de assentamentos em todo o Estado.

Se a década de 1980, principalmente a partir da segunda metade, foi

designada à estruturação do MST, só na década de 1990 é que as ações do

movimento tornam-se mais efetivas e maduras. Apesar da repressiva ação do

Estado e dos latifundiários, que agiam em sintonia, a consolidação dos

assentamentos no Estado começa a mudar, lentamente, a imagem do MST perante

a parcela mais politizada da sociedade.

O que deve ser lembrado nesse rol de conquistas é que o MST trouxe

benefícios não só para os assentados “ex-sem terras”, mas para o conjunto da

sociedade, pois a renda produzida nos assentamentos dinamiza o comércio local e

engorda os impostos municipais onde eles estão assentados.

2.4 REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE LEBON RÉGIS – O CASO PROPRIAMENTE DITO

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O caso propriamente dito, a ser explanado, é objeto de pesquisas e estudos

embasados em um município chamado Lebon Régis, que se localiza no oeste

catarinense e seu desenvolvimento decorre do assentamento proveniente da

Reforma Agrária. A pesquisa se realizou nos anos 1998 até 2005 e foi elaborada

pela Universidade do Estado de Santa Catarina, no grupo de pesquisa denominado

“Instituições, Políticas Públicas e Trabalho” – IPPT.

A origem dos acampados em Lebon Régis não é diferente do resto do país:

são trabalhadores rurais arrendatários, meeiros, bóias frias, enfim, pessoas que

sempre tiveram o trabalho no campo como principal fonte de renda, porém nunca

foram proprietários. São trabalhadores oriundos dos três Estados da Região Sul, em

geral migrantes em busca de trabalho em épocas de colheita, terras para arrendar,

ou até mesmo, seguindo parentes que já estavam acampados no MST.

O que leva os acampados a aderirem ao MST são suas condições de vida:

trabalho precário e o desejo de se tornarem proprietários de terra. Muitos tomaram

conhecimento do movimento através de reuniões, palestras de conscientização

geralmente organizadas pela igreja ou pelo movimento, pela associação de

moradores, pelos sindicatos e pelas lideranças comunitárias, onde o MST expõe sua

ideologia, debate a questão agrária, a condição de vida dos pequenos agricultores e

apresenta o projeto de sociedade que quer construir para o Brasil. Segundo Osni

Walter, do assentamento Rio dos Patos, “o pequeno proprietário na época tava

sofrido, não tinha mais condições de sobreviver”. Pedro Turossi relata que o “motivo

era que nós não tínhamos terra, pagávamos a renda”.

Quanto à escolha das áreas a serem ocupadas, geralmente é feita pela

liderança do movimento, pois a equipe de frente é encarregada de descobrir junto ao

INCRA e aos órgãos estaduais competentes, propriedades passíveis de

desapropriação. A participação dos acampados, na luta pela terra, acontece de

forma variada: através de reuniões, mobilizações nas comunidades e campanhas de

arrecadação de alimentos para a manutenção do acampamento.

Segundo os acampados, as estratégias adotadas são muitas, desde a

organização do grupo, a análise de conjuntura da área a ser ocupada e a

viabilização da estrutura do acampamento, como lonas, madeiras, alimentos, água,

escola e banheiro.

O papel do INCRA é fazer o estudo que viabiliza o acesso à terra pelos

acampados, o cadastramento das famílias sem terra e disponibilizar cestas básicas

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para o acampamento. Mesmo assim, as reclamações são as mesmas: o processo é

lento e burocrático.

É na região do Meio-Oeste catarinense que se localiza o Município de Lebon

Régis e o Assentamento Rio dos Patos.

Segundo o relatório do Incra57 para a desapropriação das terras no

assentamento Rio dos Patos, Lebon Régis apresenta uma estrutura fundiária

consolidada com um razoável número de médias propriedades, sendo algumas

inexploradas como as terras da família Deboni, com área de 1.278 ha, onde foi

possível assentar 85 famílias de sem terra.

Além desses ganhos, a família Deboni lucrou com a demora do processo de desapropriação, que somente ocorreu há cerca de 4 anos após o início do acampamento na região. Esse tempo foi suficiente para que a família explorasse ao máximo a sua imensa propriedade e retirar toda a araucária existente na área e ser, posteriormente, indenizada pelo Incra.

O mais impressionante é que a área desapropriada pelo Incra corresponde a

apenas 1/3 de toda a propriedade dos Deboni. As desapropriações ocorreram nas

margens da rodovia e no fim da propriedade, restando para a família o “miolo” da

mesma, algo em torno de 6 mil hectares.

Portanto, a área outrora pertencente à única família, atualmente abrange 07

assentamentos (Rio dos Patos, Rio Timbó, Segredo I e II, Conquista dos Palmares,

Eldorado dos Carajás e Rio Água Azul), com 252 famílias, conforme disposto em

tabela estatística a seguir:

57 O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é uma autarquia federal criada pelo decreto nº 1.110, de 9 e Julho de 1970 com a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Possui a tarefa de equacionar o passivo ambiental existente, a recuperação da infra-estrutura e o desenvolvimento sustentável dos mais de cinco mil assentamentos existentes no País. www.incra.gov.br acesso em 27 de setembro de 2006.

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Para alguns acampados, a propriedade a ser ocupada é a área definitiva

para o assentamento, pois de acordo com Fidelis do assentamento Segredo II, “a

área já tinha decreto”. Porém, o MST possui critérios internos para decidir quais são

as famílias que ficam na área. Esses critérios, geralmente, levam em conta o estado

civil dos acampados (se casados ou solteiros), o número de filhos e o tempo que já

permanecem no acampamento. Isso faz com que alguns acampados, mesmo

convictos de serem assentados, não sejam necessariamente os escolhidos para o

assentamento. Essa organização revela a insegurança a que são submetidos os

acampados, pois até o momento do efetivo assentamento não tem garantias – nem

mesmo do movimento – de permanência na terra ocupada.

2.4.1 História de luta dentro do acampamento

Até serem assentadas em Lebon Régis, as famílias de agricultores rurais

passaram um bom tempo em mobilizações dentro dos acampamentos que se

caracterizaram como espaços de lutas e resistências: “são uma forma de

materialização da organização dos sem-terra e trazem em si os principais elementos

organizacionais do movimento”.58 Essas mobilizações se concretizaram através da

organização junto a Comissão Pastoral da Terra, que conhecia as possíveis terras a

serem desapropriadas e informou a localização dessas aos líderes do movimento.

Os entrevistados afirmaram durante as conversas, que conheceram o MST a

partir das “frentes de massa” das Romarias da terra organizadas pela CPT e pela

58 FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000.

Proj. Assent. Área (ha) Portaria e data No. de Família Rio Timbo 718,5432 287 - 01/04/87 44 Córrego Segredo I 228,3478 906 - 28/06/88 15 Córrego Segredo II 408,5846 1393 - 20/10/88 26 Rio dos Patos 844,9900 1551 - 30/11/88 49 Rio Água Azul 374,8160 Res. 025 - 29/04/93 26 Conquista dos Palmares 416,1383 045 - 06/11/96 32 Eldorado dos Carajas 212,8968 03-17/02/2003 19 Sub-Total 3.204,3167 211

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própria militância. Muitos participavam da CPT e dos debates sobre a questão

agrária antes mesmo da fundação do movimento. Havia aqueles que eram apenas

simpatizantes do MST, por estarem na condição de excluídos do campo e que

acreditavam que a luta organizada era o único meio de conquistar uma vida digna.

Esses “militantes” iam para os acampamentos e, ainda hoje, se sentem

responsáveis pelos companheiros acampados e lutam para acabar com a

desigualdade no campo e pela Reforma Agrária.

Segundo Pedro Turossi, assentado no Rio dos Patos, a luta desses

acampados se deu em Abelardo Luz, por volta do ano de 1985. A duração do

acampamento foi de aproximadamente três anos.

Nesse caso, houve ajuda por parte da Igreja e do INCRA (Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária), através de doações de cestas básicas que eram

divididas entre as famílias. Buscavam alimentos em grupos na comunidade através

de campanhas de arrecadação59. Com o que era arrecadado, faziam a partilha

conforme a necessidade de cada família.

O poder público, representado pelo INCRA, passou a funcionar somente

quando foi pressionado pelos acampados e pelo movimento, os quais tiveram, como

estratégia de pressão, a ocupação do prédio do INCRA localizado na capital do

Estado. Afora o INCRA, as instituições públicas resumiam sua colaboração com

parcas ajudas através de doações de cestas básicas e o envio de técnicos para

avaliação do terreno a ser desapropriado, porém, isso ocorria vagarosamente.

A Igreja Católica teve papel importante na organização do acampamento,

desde a convocação das famílias para as frentes de massa até o acompanhamento

dos trabalhadores dentro do acampamento. Existia o apoio espiritual que exaltava a

fé e a coragem expressadas durante a mística dos cultos e a ajuda com o

fornecimento de alimentos, roupas e doações em geral. Havia o envolvimento

político dos padres nas pressões perante o poder público para a liberação das terras

destinadas à Reforma Agrária.

59 Ainda hoje estas doações acontecem. A Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, através do grupo de pesquisa IPPT (Instituições, Políticas Públicas e Trabalho), organiza campanhas de alimentos, roupas, material de higiene e escolar, brinquedos e louças que são entregues ao acampamento localizado às margens da BR 116 do município de Correia Pinto na região próxima a Lebon Régis.

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O Estado usava a força policial para reprimir os acampados e fazer a

reintegração de posse, ao invés de manter um diálogo com o movimento. Deixava,

assim, de encontrar uma solução pacífica para a resolução do litígio.

Os entrevistados relataram que sofreram pressões por parte da polícia, a

mando dos proprietários de terras da área na qual eles ocuparam. Porém, nesse

acampamento, a polícia não teve êxito. A participação das famílias nos

acampamentos, além de garantir maior segurança, incrementa quantativamente o

movimento dos sem terra e dá visibilidade ao contingente populacional excluído.

Essa participação promove a própria formação dos envolvidos que se constroem

como sujeitos de luta.

2.4.2 A vida no assentamento com a implantação da R eforma Agrária no município de Lebon Régis

Durante as entrevistas, pôde-se perceber a simplicidade dos moradores,

todos de origem humilde e que trabalham somente (ou principalmente) com a

agricultura, seja ela de subsistência ou não. Os assentados consideram suas vidas

boas, ou pelo menos melhor do que viviam antes de serem assentados, já que não

possuíam nenhum “pedaço de terra”, não tinham onde plantar e tirar da terra o

sustento da família.

A grande maioria das pessoas entrevistada não possui mais nenhum vínculo

com o MST. Alguns relatam que depois que são assentados os “líderes” do

movimento os “deixam de lado” em detrimento das famílias que ainda precisam ser

assentadas. Na questão que indaga sobre o “aceite” em relação às pessoas da

cidade, 90% se sentem bem recebidos e 10% não.

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3 A súmula 354/STJ em (des)acordo com a (in)justiça social

A súmula 354, aprovada pelo STJ, expõe a Reforma Agrária como um tema

polêmico e de difícil resolução.

Diante disso, a Reforma Agrária é uma tarefa que tem apresentado

dificuldade para ser concretizada. Isso acontece devido à imposição de poder dos

proprietários de terra, bem como a ausência de medidas necessárias do judiciário

para que seja implementada. Por isso, este capítulo se dispõe a utilizar pesquisas,

estudos e propostas que comprovem as medidas a serem tomadas para que o

princípio da igualdade seja respeitado efetivamente.

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE SÚMULAS

As súmulas surgem no ordenamento jurídico em consonância com a

jurisprudência. Essas se baseiam no fato da constante morosidade da justiça e

buscam simplificar o sistema de direito, com o intuito de trazer uma maior eficácia.

Através da criação da súmula, evita-se a repetição indevida e sem

fundamento de causas processuais, o que impede a ocorrência de divergência entre

os diversos órgãos julgadores em instâncias inferiores, caso tenha ocorrido,

anteriormente, uma decisão pacificadora da Corte Superior no mesmo sentido.

Conforme define Luiz Flávio Gomes: “Súmula é a síntese ou enunciado de

um entendimento jurisprudencial extraída de reiteradas decisões no mesmo sentido”.

É mister salientar que a súmula e a jurisprudência têm sua diferenciação

baseada em uma linha tênue. Segundo Fernando Capez, a distinção está embasada

no fato de:

Os efeitos do julgamento de uma lide se circunscreverem exclusivamente ao caso concreto, não podendo se irradiar para outras hipóteses, ainda que assemelhadas. Embora não vincule decisões em casos futuros semelhantes, a decisão anterior normalmente influencia as novas sentenças, ainda que proferidas por

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juízes diferentes, principalmente quando vai se reiterando de modo pacífico e uniforme.

Nesse entendimento, chama-se de jurisprudência a repetição constante e a

uniformidade de uma decisão judicial. A súmula nada mais é do que uma síntese da

jurisprudência, com efeitos legais de maior abrangência. O vocábulo “súmula”

origina-se do latim Summula, que significa sumário, restrito.

No entanto, ainda conforme Capez, a súmula não possui caráter cogente,

isto é, não obriga, necessariamente, os julgadores a tomar as decisões conforme o

estabelecido em súmulas. Esses podem, pois, utilizar-se de suas convicções

pessoais, embasados em lei, a qual pode ser contrária a corrente dominante.

Sobre as súmulas, acrescenta Evandro Lins e Silva apud Sérgio Sérvulo da

Cunha

[...] a Súmula resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetições de outros julgados, por simples despacho de poucas palavras do relator [...] A ausência de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o recurso interposto ou a ação proposta. Por outro lado os tribunais e juízes inferiores que, de regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de suas decisões, não têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus pronunciamentos. É muito difícil, deve ser raríssimo o caso de rebeldia contra as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas decisões [...] 60

Em tese, a implementação da súmula já ocorria de forma não normatizada

antes da inserção da súmula vinculante, através da Emenda Constitucional n. 45 de

2004. Como exemplifica Luis Fernando61, através da súmula da jurisprudência

dominante, independente da recepção ou do seguimento de recurso contrário a seu

teor.

3.1.1 Histórico das súmulas no ordenamento jurídico

60 LINS E SILVA, Evandro. Crime de hermenêutica e súmula vinculante . in Revista Consulex nº 5 de 31/5/1997. p. 125.

61 Luís Fernando Sgarbossa – Falta citação da internet

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Segundo Pedro Lenza62, a evolução sumular referente à Reforma Agrária

ocorre, inicialmente, com o estabelecimento de assentos e, mais adiante, com a Lei

da Boa Razão a qual exclui a possibilidade de assentos. Com a Constituição de

1891, extingue-se definitivamente a prática dos assentos.

O 1º dispositivo do Decreto 23.055 de 9 de agosto de 1933 contém a

seguinte redação: “Art. 1º As justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território

do Acre devem interpretar as leia da União de acordo com a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal.”

O dispositivo, citado acima, tem o objetivo de vincular os tribunais estaduais

à jurisprudência, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal, em termos do

direito federal.

A palavra “súmula” foi a expressão da qual se valeu o então ministro Victor

Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o

Supremo Tribunal Federal decidia de modo reiterado acerca de temas que se

repetiam persistentemente em seus julgamentos [...] Ao mesmo tempo, a Súmula

servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a

conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. 63

Seu criador, Victor Nunes, por intermédio de Emenda Regimental de

12/08/1964, que aprova em 13/12/1963, os primeiros 370 enunciados, sai a campo

e, em conferências proferidas na época, explica e deixa claro que:

A súmula atende a vários objetivos: “é um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais, mediante a simples citação de um número convencional; distingue a jurisprudência firme da que se acha em vias de fixação; atribui à jurisprudência firme conseqüências processuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se repetem e exterminar as protelações deliberadas.

Nesse mesmo sentido, Bonavides profere:

A Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por

62 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado . 11. ed. São Paulo: Método, 2007. p.434 63 FREITAS, Márcio Vieira. Considerações sobre a intitulada "súmula vinculante" . Jus Navigandi , Teresina, ano 9, n. 503, 22 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5969>. Acesso em: 04 set. 2008.

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sugestão dos ministros ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento. Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula "vinculante" seria um novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do ‘juiz legislador’, não prevista pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos. 64

3.1.2 Súmula 354 do STJ

A implementação da Reforma Agrária, através do ordenamento jurídico, dá-

se através da intervenção da União, conforme observado no 84º dispositivo

constitucional65. No entanto, há diversas divergências no diz respeito ao assunto.

A súmula 354 é aprovada, em 25 de junho de 2008, pelo Supremo Tribunal

de Justiça e sua matéria versa sobre Direito Público, mais especificamente, sobre

Direito Agrário e contém o seguinte texto: “A invasão do imóvel é causa de

suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária”.

No tocante à disciplina dessa matéria, no campo infraconstitucional, se dá

pela Lei nº. 8.629/93, que, em seu artigo 2º, § 6º (introduzido pela MP de nº.

2.183/01) estabelece que:

O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.

64 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , 4ª Edição, Malheiros, São Paulo – SP, 1993; 65 Art. 84 – “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

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Através de jurisprudências dominantes, pacificadas pelo STJ, a súmula

procede conforme enunciado abaixo:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. ART. 2º, § 6º, DA LEI N.º 8.629/93. CONFLITO AGRÁRIO. INVASÃO. ESBULHO. EXISTENTE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.66

Assim como a jurisprudência:

ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE – DECRETO EXPROPRIATÓRIO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA – IMÓVEL ESBULHADO – MOVIMENTO DOS SEM-TERRA (MST) – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – VISTORIA – PRODUTIVIDADE – AVALIAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE . 67

Portanto, a súmula apenas implementa uma matéria já decidida

anteriormente por Lei.

A invasão do imóvel desapropriado, por conseguinte, impede a realização da

vistoria. Esta vistoria é indispensável para efetivação da expropriação.

A doutrina e a jurisprudência são pacíficas em determinar que as invasões,

hábeis a suspender o processo de desapropriação, são aquelas que ocorrem antes

ou durante a vistoria administrativa e se mostrem capazes de alterar a utilização e

eficiência da propriedade em análise.

Conforme nota de redação de Luiz Flávio Gomes sobre o assunto:

Note-se que, o que se busca coibir com a vedação dessas invasões, e, principalmente, com a suspensão da desapropriação é que, por meio do esbulho, aqueles que pretendem se beneficiar com a medida, venham a prejudicar, de qualquer forma, a produtividade da propriedade, apenas com o intuito de justificar a expropriação da área escolhida.

Exige-se que a turbação do imóvel a ser desapropriado aconteça nessas

situações acima especificadas (antes ou durante a vistoria). Este é ponto pacífico

66 Resp 893.871 – MG MINISTRO LUIZ FUX. DJ: 11 de março de 2008; 67 Resp 964.120 – DF. Rel. MINISTRO HUMBERTO MARTINS DJ: 19/02/2008

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que a suspensão do procedimento desapropriatório pode acontecer em qualquer

fase, leia-se, tanto na vistoria, como na avaliação ou na própria desapropriação.

O entendimento firmado pelo STJ se coaduna perfeitamente à posição

adotada também pelo STF. Em consonância com a Suprema Corte, ao cuidar do

tema a Lei nº. 8.629/93, alterada pela MP nº. 2.183/01, fica evidente a vontade do

legislador em impedir a proliferação de invasões em propriedade alheia.

A afirmação de diversos âmbitos legais contradiz o caso do Município Lebon

Régis. Esse município foi palco de desapropriação agrária em 1999 (Verificar ano).

Nesse caso, a desapropriação ocorreu posteriormente à invasão do Movimento dos

Sem Terra, os quais ocuparam a área expropriada durante três anos até obterem

êxito na sua luta.

O propósito deste trabalho é desmistificar o estigma carregado pela

desapropriação agrária, ferramenta imprescindível para a efetivação da Reforma

Agrária, prevista na Carta Magna que define uma melhor distribuição de terras.

3.1.3 Antecedentes jurisprudenciais

A súmula 354 do STJ é uma evolução jurisprudencial no ordenamento

jurídico. Antes dela, havia uma grande divergência sobre a desapropriação agrária,

até ser pacificada a questão do procedimento para expropriação.

A jurisprudência, no entanto, sempre assegurou o princípio do contraditório e

da ampla defesa os quais são essenciais para definir a procedência ou não da

expropriação. Haverá, portanto, a desapropriação quando a terra não cumprir sua

função social. Caso isso não ocorra, a terra poderá não ser desapropriada. Diante

disso:

EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 6º, § 2º, INCISOS I E II DA LEI 8.629/93. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. PRODUTIVIDADE DA TERRA. COMPROVAÇÃO AFERIDA MEDIANTE LAUDO DO INCRA. MATÉRIA CONTROVERTIDA A EXIGIR DILAÇÃO PROBATÓRIA. POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO DA MÉDIA PROPRIEDADE RURAL E IMUNIDADE À AÇÃO EXPROPRIATÓRIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PELO

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IMPETRANTE. MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO, ASSEGURANDO-SE A UTILIZAÇÃO DAS VIAS ORDINÁRIAS. 1. Inconstitucionalidade do art. 6º, § 2º, incisos I e II da Lei nº 8.629/93. Inexistência. Matéria já dirimida pelo Plenário desta Corte no sentido de que a elaboração dos índices fixados nesta lei, referentes à produção agrícola e à lotação de animais nas pastagens, está sujeita às características variáveis no tempo e no espaço e vinculadas a valores censitários periódicos, não condizentes com o grau de abstração e permanência que se espera de providência legislativa, mantendo-se, assim, essa atribuição, ao Poder Executivo. Precedente. 2. Índice de produtividade do imóvel rural. Fato complexo que reclama produção e cotejo de provas. Liquidez dos fatos descaracterizada. Mandado de Segurança. Inadequação da via eleita. Precedente: MS 22.022 (DJU de 04.11.94). 3. Expropriação de média propriedade rural. Proprietário possuidor de outros imóveis rurais. Unititularidade dominial não satisfeita. Imunidade à ação expropriatória de média propriedade rural, ainda que improdutiva. Inexistência. 68

Para que seja assegurado o direito da propriedade, é necessário que sejam

preenchidos os requisitos pertinentes à função social da terra. Sua comprovação

será feita pelo INCRA. O mandado de segurança que alega a inconstitucionalidade

do art. 6º, §2º, incisos I e II da Lei 8.629/93, foi deferido, mediante o que se segue:

EMENTA: DECRETO QUE DECLAROU DE INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, O IMÓVEL RURAL DENOMINADO "FAZENDA INGÁ", NO MUNICÍPIO DE ALVORADA DO SUL, PARANÁ. Procedência da alegação de que a ocupação do imóvel pelos chamados "sem-terra" em 1991, ano em que os impetrantes se haviam investido na sua posse, constituindo fato suficiente para justificar o descumprimento do dever de tê-lo tornado produtivo e tendo-se revelado insuscetível de ser removido por sua própria iniciativa, configura hipótese de caso fortuito e força maior previsto no art. 6º, § 7º, da Lei nº 8.629/93, a impedir a classificação do imóvel como não produtivo, inviabilizando, por conseqüência, a desapropriação. Mandado de segurança deferido.69

Como pode ser notado nessa decisão, a desapropriação não foi viabilizada,

por ter sido invadida pelo Movimento dos Sem-terras, o que não que não caracteriza

a propriedade como não produtiva.

Em consonância com as jurisprudências já citadas, tem-se:

EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O § 2º , DO ARTIGO 2º , DA

68 STF – MS 22.478 – PR – TP – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 26.09.1007. 69 STF – MS 22.666 – 1ª T. Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 27.06.1996

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LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. TERRA PRODUTIVA. COMPROVAÇÃO MEDIANTE LAUDO DO PRÓPRIO INCRA OFERECIDO EM PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO ANTERIOR E POSTERIORMENTE NÃO CONSUMADO. VERIFICADO QUE O IMÓVEL RURAL É PRODUTIVO TORNA-SE ELE INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO PARA OS FINS DE REFORMA AGRÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. 70

Como pode ser observado, existem alegações pertinentes à desapropriação

agrária, que esta vem de encontro ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

No entanto, conforme pode ser ressaltado na ementa citada, o Mandado de

Segurança foi decidido de forma favorável ao proprietário, que não foi notificado

previamente, conforme disposto no parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25

de fevereiro de 1993. Assim comprovada a inexistência do cumprimento de

notificação, resultou em ofensa ao direito líquido e certo e, teve o Mandado de

Segurança deferido.

Isso é garantido também a todos, através de processo legal, conforme

estabelecido na Carta Magna. 71

Nesse sentido, o Min. Celso de Mello decidiu:

EMENTA: REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL RURAL ... DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184)...OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESS OF LAW (CF, ART. 5º, LIV). NULIDADE RADICAL DA DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.72

O princípio do devido processo legal é uma garantia do indivíduo em frente

ao Estado. Desse modo, representa um instrumento eficaz de proteção de

liberdades públicas contra o arbítrio legislativo e impõe razoabilidade e racionalidade

às normas jurídicas e aos atos do Poder Público. Para expropriar as terras, a União

não pode deixar de ofertar o devido processo legal, o que assegura o equilíbrio das

partes.

O polêmico tema da contrariedade da justiça social, ficou decidido no TRF

da 5ª Região:

70 STF MS 22.193 – SP T.P. Rel. p/ Ac. Maurício Corrêa – DJU 29.11.1996 71 Art. 5, Inciso LIV – “[...] Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” 72 STF, Tribunal Pleno, Mandado de Segurança nº 22.164-0/ SP, unânime, DJU: 30/10/1995.

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CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRELIMINAR DE INCABIMENTO DA VIA ELEITA REJEITADA. PROVA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. EDITAL DE NOTIFICAÇÃO DO INCRA. VISTORIA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INVASÕES COLETIVAS POR MOTIVOS AGRÁRIOS. ESBULHO. ART. 2º, § 3º DA LEI 8629/93. MEDIDA PROVISÓRIA 2183-56/2001. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo Superintendente do INCRA da Paraíba, que determinou a realização de vistoria em imóvel rural que sofrera invasões pelo MST a partir do ano de 2001 .[...] O art. 2º, § 6º da Lei nº 8629/93, com a redação determinada pela MP nº 2183-56/2001, cria uma vedação expressa a que imóveis que tenham sido obje to de esbulho ou invasão coletiva motivada por conflito a grário ou fundiário possam ser passíveis de vistoria, avaliaç ão ou desapropriação nos dois anos que se seguirem à deso cupação ou nos quatro anos seguintes, em caso de reincidênc ia.- "O objetivo imediato do § 6º não é reconhecer por pres unção a produtividade do imóvel rural invadido, mas, sim, r atificar e enfatizar que a legitimidade da intervenção na esfe ra dominial privada pertence somente ao Estado, observados, par a esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fi xados na própria Constituição da República " (fls. 374 - sentença).- Não se pode olvidar o entendimento firmado pelo c. Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2213-0, cuja relatoria coube ao Ministro Celso de Mello, acerca da constitucionalidade da Medida Provisória nº 2183-56/2001.- [...]73 (grifa-se)

Conforme visto na jurisprudência acima citada, o Judiciário decidiu que não

haverá desapropriação em terras que tenham sido esbulhadas. Essa jurisprudência

é um marco no ordenamento jurídico, que contribui com a criação da súmula 354 do

Supremo Tribunal de Justiça.

3.1.3.1 ADIN interposta pelo Partido dos Trabalhadores e pela Confederação

Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

73 Apelação em MS n. 2003.82.00.004426-9. TRF da 5ª Região. Desembargador Federal José Batista de Almeida Filho

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Após a Medida Provisória N° 2.183-56 de 2001, é in terposta Ação Direta de

Inconstitucionalidade, oferecida pelo PT e CONTAG, a qual questiona a validade da

referida MP, onde o Supremo Tribunal Federal sustenta a constitucionalidade da

norma, conforme ementa transcrita a seguir:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART. 62, CAPUT) - REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS - INADMISSIBILIDADE - ILICITUDE DO ESBULHO POSSESSÓRIO - LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 - INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME - INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO GENÉRICA - CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. - (...) Não é lícito ao Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou movimento social organizado, de uma agenda político-social, quando caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem jurídica . - O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitu cionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros . Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República. - As prescrições constantes da MP 2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.183-56/200 1, precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de violação possessória, praticados contra pro prietários de imóveis rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a resguardar a integ ridade de

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valores protegidos pela própria Constituição da Rep ública ". (grifos apostos). 74

Ao promulgar tal MP, o Estado Brasileiro, através de sua legislação

infraconstitucional, afirma que, no decorrer de dois anos estará assegurada a

propriedade rural alheia, a qual tenha sido invadida por não cumprir sua função

social, estará de encontro ao art. 5º, XXIII, bem como os art.s 3º e 6º da Carta

Magna, porquanto ao Estado estar infringindo o próprio dispositivo que assegura a

redução de desigualdades.

A Constituição determina, através do seu art. 184, que compete "à União

desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que

não esteja cumprindo sua função social". No entanto, o § 6º do art. 2º da Lei nº

8.629/93 veta o Estado de fiscalizar as propriedades supostamente improdutivas e,

mesmo que já se tenha constatado o não atendimento da função social de

determinada propriedade, proíbe o Estado de desapropriá-la. 75. No entanto, a

norma de nível constitucional será sempre hierarquicamente superior à norma

inferior.

Atualmente, há uma grande lide sobre a posse da terra, porém, quando o

Estado, através da Súmula 354/STJ, proibi a intervenção na terra, ele se abstém de

solucionar o litígio. Portanto, a situação em que a sociedade brasileira se depara no

que diz respeito ao assunto, necessita de revisão e reparação.

O Ministério Público Federal, ao questionar a validade e aplicação do § 6º do

art. 2º da Lei nº. 8.629/93, lança mão do controle difuso de constitucionalidade. No

entanto, conforme salienta André Leão, “Cabe agora ao Poder Judiciário [...]

harmoniza-lo à luz do texto constitucional, garantindo à sociedade o seu direito de

acesso à terra e de ver atendida a função social das propriedades particulares,

mormente a dos imóveis rurais”.76

74 Rel. Min. Celso de Melo. DJU 04/04/2002.ADI/MC 2213 - DF

75 LEÃO, André Carneiro. A função social da propriedade e as ocupações de terra por movimentos sociais . Jus Navigandi , Teresina, ano 9, n. 764, 7 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7089>. Acesso em: 06 out. 2008.

76 Ob. Cit.

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3.2 VANTAGENS DA SÚMULA 354 DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

3.2.1 Vantagens

3.2.1.1 Direito de propriedade

O Direito à propriedade decorre da cultura, do sistema jurídico e do

ordenamento jurídico de casa país77 e está garantido através de dispositivos

inseridos na Constituição Federal, assim como no Código Civil. 78

77 Caso Vanhorne’s Lessee v. Dorrance em 1795, nos Estados Unidos: “[...] From these passages it is evident that the right of acquiring and possessing property and having it protected, is one of the natural inherent and unalienable rights of man. Men have a sense of property: Property is necessary to their subsistence, and correspondent to their natural wants and desires; its security was one of the objects, that induced them to unite in society. No man would become a member of a community, in which he could not enjoy the fruits of his honest labor and industry. The preservation of property then is a primary object of the social compact and, by the late constitution of Pennisylvania, was made a fundamental law. Every person ought to contribute his proportion for public purposes and public exigencies; but no one can be called upon to surrender or sacrifice his whole value. This would be laying a burden upon an individual, which ought to be sustained by the society at large. The English history does not furnish an instance of the kind; the parliament with all their boasted omnipotence, never committed such an outrage on private property; and if they had it would have served only to display the dangerous nature of unlimited authority; it would have been an exercise of power and not of right. Such an act would be a monster in legislation, and shock all mankind. The legislature, therefore, had no authority to make an act devesting one citizen of his freehold, and vesting it in another, without a just compensation. It is inconsistent with the principles of reason, justice, and moral rectitude; it is incompatible with the comfort, peace, and happiness of mankind; it is contrary to the principles of social alliance in every free government; and lastly, it is contrary both to the letter and spirit of the Constitution. In short, it is what every one would think unreasonable and unjust in his own case. The next step in the line of progression is, whether the Legislature had authority to make an act, divesting one citizen of his freehold and vesting it in another, even with compensation. That the Legislature, on certain emergencies, had authority to exercise this high power, has been urged from the nature of the social compact, and from the words of the Constitution, which says, that the House of Representatives shall have all other powers necessary for the Legislature of a free state or commonwealth; but they shall have no power to add to, alter, abolish, or infringe any part of this Constitution. The course of reasoning, on the part of the defendant, may be comprized in a few words. The despotic power, as it is aptly called by some writers, of taking private property, when state necessity requires, exists in every government; the existence of such power is necessary; government could not subsist without it; and if this be the case, it cannot be lodged any where with so much safety as with the

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As argumentações acerca da infração do direito à propriedade se tornam

infundadas, pois, conforme observa-se no princípio constitucional, é garantido a

todos, sem exceção o devido processo legal79.

Veja-se considerações estampadas pelo Ministro Celso de Mello na ementa

que segue:

EMENTA: REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL RURAL. DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184). OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESS OF LAW (CF, ART. 5º, LVI). NULIDADE RADICAL DA DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA.

Legislature. The presumption is, that they will not call it into exercise except in urgent cases, or cases of the first necessity. There is force in this reasoning. It is, however, difficult to form a case, in which the necessity of a state can be of such a nature, as to authorise or excuse the seizing of landed property belonging to one citizen, and giving it to another citizen. It is immaterial to the state, in which of its citizens the land is vested; but it is of primary importance, that, when vested, it should be secured, and the proprietor protected in the enjoyment of it. The constitution encircles, and renders it an holy thing. We must, gentlemen, bear constantly in mind, that the present is a case of landed property; vested by law in one set of citizens, attempted to be divested, for the purpose of vesting the same property in another set of citizens. It cannot be assimilated to the case of personal property taken or used in time of war or famine, or other extreme necessity; it cannot be assimilated to the temporary possession of land itself, on a pressing public emergency, or the spur of the occasion. In the latter case there is no change of property, no divestment of right; the title remains, and the proprietor, though out of possession for a while, is still proprietor and lord of the soil. The possession grew out of the occasion and ceases with it: Then the right of necessity is satisfied and at an end; it does not affect the title, is temporary in its nature, and cannot exist forever. The constitution expressly declares, that the right of acquiring, possessing, and protecting property is natural, inherent, and unalienable. It is a right not ex gratia from the legislature, but ex debito from the constitution. It is sacred; for, it is further declared, that the legislature shall have no power to add to, alter, abolish, or infringe any part of, the constitution. The constitution is the origin and measure of legislative authority. It says to legislators, thus far ye shall go and no further. Not a particle of it should be shaken; not a pebble of it should be removed. Innovation is dangerous. One incroachment leads to another; precedent gives birth to precedent; what has been done may be done again; thus radical principles are generally broken in upon, and the constitution eventually destroyed. Where is the security, where the inviolability of property, if the legislature, by a private act, affecting particular persons only, can take land from one citizen, who acquired it legally, and vest it in another? The rights of private property are regulated, protected, and governed by general, known, and established laws; and decided upon, by general, known, and established tribunals; laws and tribunals not made and created on an instant exigency, on an urgent emergency, to serve a present turn, or the interest of a moment. Their operation and influence are equal and universal; they press alike on all. Hence security and safety, tranquillity and peace. One man is not afraid of another, and no man afraid of the legislature.

78 Art. 524 do Código Civil: A Lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua. E art. 489: É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária 79 Art. 5º, inciso LIV: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens se o devido processo legal.

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MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. REFORMA AGRÁRIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. O postulado constitucional do due process of law, em sua destinação jurídica, também está vocacionado à proteção da propriedade. Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LVI). A União Federal, mesmo em tratando-se de execução e implementação do programa de reforma agrária, não está dispensada da obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os princípios constitucionais que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder estatal. A cláusula de garantia dominal que emerge do sistema consagrado pela Constituição da República tem por objetivo impedir o injusto sacrifício do direito de propriedade [...]. 80

A concepção privatista tem por natureza constitucional o fato de a

propriedade ser um direito-meio e não um direito-fim.81 A propriedade é garantida

como instrumento que assegura os valores fundamentais. As transformações do

Estado contemporâneo dão à propriedade, o papel de servir como instrumento de

concretização da igualdade social e da solidariedade coletiva, perante os demais.

A propriedade privada, para André Carneiro Leão, é compreendida como:

Um direito individual exclusivo, perpétuo e absoluto. Absoluto, porque asseguraria ao proprietário a liberdade de dispor da coisa do modo que melhor lhe aprouvesse; exclusivo, porquanto seria imputado ao proprietário, e somente a ele, em princípio, caberia; perpétuo, pois não desapareceria com a vida do proprietário, passando a seus sucessores como herança, com duração ilimitada. 82

O direito à propriedade está assegurado, através dos arts. 5º, XXII e XXIII,

170, II e III, 182 e 184 da CF/88, nos casos em que se acolha a sua função social. O

dever de garantir o cumprimento dos dispositivos constitucionais engloba os Poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como devem se estender a todos os

80 STF, Tribunal Pleno, Mandado de Segurança nº 22.164-0/SP, unânime, DJ 30/10/1995 81 OLIVEIRA, Simone Flores de. A função social da propriedade imóvel e o MST . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7646>. Acesso em: 13 out. 2008. 82 LEÃO, André Carneiro. A função social da propriedade e as ocupações de terra por movimentos sociais. Jus Navigandi , Teresina, ano 9, n. 764, 7 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7089>. Acesso em: 06 out. 2008.

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cidadãos também a fiscalização do atendimento da função social das

propriedades.83

Para tanto, o direito à propriedade conforme explanação é cláusula pétrea,

desde que cumpra os requisitos determinados pela Constituição. Fica evidente que o

proprietário tem o seu direito assegurado, quando respeitar todas as expectativas da

sociedade no que se refere ao assunto, isto é, desde que não seja um empecilho

para a realização da Reforma Agrária. A súmula, nesse sentido, supostamente

buscou assegurar o direito à propriedade, com a garantia de que o imóvel esbulhado

não seria objeto de desapropriação.

3.2.1.2 Segurança jurídica

Outra vantagem trazida pela Súmula 354 do STJ é a garantia jurídica. Esse

princípio está intrinsecamente ligado ao Estado Democrático de Direito, cuja garantia

se dá pelos princípios da irretroatividade da lei, o devido processo legal, o direito

adquirido, entre outros.

Atualmente, o Princípio da Segurança Jurídica reveste-se de suma

importância no atual contexto social do nosso país, já que segundo ele: “a lei não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.84

A segurança jurídica depende da aplicação, ou melhor, da obrigatoriedade

do Direito. Miguel Reale, discorre acerca da obrigatoriedade ou da vigência do

Direito, e afirma que: “a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No

próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser

reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é

degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético”.85

83 Leão, André Carneiro. Ob. Cit.

84 Constituição Federal, artigo 5º inciso XXXVI. 85 REALE, Miguel. Filosofia do Direito .-17ª ed. - São Paulo: Saraiva, 1996.

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A aprovação da súmula garante uma linha essencial de continuidade e

coerência.86 Assim é que, nas palavras do jurista Miguel Reale, a jurisprudência

possui uma função reveladora do Direito que produz uma norma a qual completa o

seu sistema objetivo. Deduz-se assim que a jurisprudência possui uma principal

função que é a criação de novas súmulas.

Em síntese, a segurança jurídica e a certeza do direito unificam o monte do

direito público subjetivo exigível de parte-a-parte entre o indivíduo e o Estado.87

Destarte, conforme explanado no tocante à segurança jurídica assegurada

aos cidadãos, a súmula 354 do STJ traz a conformidade com esse princípio. Assim

os processos julgados, em conformidade com a súmula, garantem ao proprietário

que sua terra ao ser esbulhada, não será objeto de desapropriação agrária nos dois

anos conseqüentes à invasão. Isso confirma o grau de certeza aos julgamentos.

3.2.2 Desvantagem

3.2.2.1 (In)Justiça social

O judiciário, ao aprovar a súmula 354/STJ, assim como o legislativo, que

promulgou a lei que deu início à referida súmula, acabam por se opor aos princípios

do Estado Democrático de Direito e da Justiça Social. Isso ocorre no sentido de

proibir o INCRA de fiscalizar as terras que são palco do conflito agrário, e por

conseqüência, extraem o Estado-social das chamadas zonas de tensão, e o que

resta nas terras é o Estado-polícia, que acaba por reprimir qualquer espécie de

reivindicação das partes envolvidas, o que não possibilita solução.

A Constituição Federal tem um rol de direitos e garantias, coletivos e

individuais, outorga também à sociedade um papel imprescindível para manter a

ordem interna e internacional conforme disposto em preâmbulo:

86 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito . – 24. ed. – São Paulo : Saraiva, 1998. p. 168. 87 CHACON, Paulo Eduardo de Figueiredo. O princípio da segurança jurídica . Jus Navigandi , Teresina, ano 7, n. 118, 30 out. 2003. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4318>. Acesso em: 06 out. 2008.

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Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Diante do que se observa no cenário atual é, conforme salientado

anteriormente, a remoção do Estado-social e inclusão do Estado-polícia, que causa

violência, desordem e conflito direto entre os proprietários e invasores.

Os argumentos diversas vezes são utilizados por doutrinadores nos quais se

ferem o direito da propriedade ou se retiram o direito da segurança jurídica. A

sociedade tem o dever de, ao deparar-se com a propriedade que não atende sua

função social, reportar ao Estado e ver atendida à função social através da Reforma

Agrária. Ao garantir esse direito, estaria fere-se os arts. 1º88, 3º89 e 6º90 da Carta

Magna, assim como o Estatuto da Terra em consonância com os direitos

decorrentes da política agrícola e fundiária, bem à própria Reforma Agrária. Isso por

si só, garante a qualquer cidadão brasileiro o direito de exigir do Estado a

desapropriação das propriedades que não cumpram com sua função social.

Indaga-se, porém, a quem garanta os direitos acerca da Súmula? Aos

proprietários ou aos que buscam o cumprimento da função social da terra? Ao

88 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

89 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

90 Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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contrariar os dispositivos constitucionais supracitados, acaba por ser favorecida a

ideologia neoliberal91 e desse modo, mais uma vez, a sociedade é prejudicada, ou

seja, os proprietários de terras rurais não possuem voz.

O que foi olvidado ao estabelecer o texto do § 6º do art. 2º da Lei nº

8.629/93, é que não há garantia à inibição de abusos, nem aos atos de violação

possessória, porém, prejudica os invasores das terras rurais.92

Como pode ser observado através do parágrafo 7º, já há previsão para

sanção no caso de má-fé dos invasores:

§7º Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural [...]

No que se relaciona às "entidade e/ou o movimento social" que, de qualquer

forma, colaborar com as "invasões" de imóveis rurais, através dos §§ 8º e 9º do art.

2º do diploma legal em questão fica previsto sanção, de acordo com o que segue:

§ 8º A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. 9º Se, na hipótese do § 8º, a transferência ou repasse dos recursos públicos já tiverem sido autorizados, assistirá ao Poder Público o direito de retenção, bem assim o de rescisão do contrato, convênio ou instrumento similar.

Mesmo com todas as explanações acerca do tema, o que se pode constatar

é que ao se favorecer os chamados “latifundiários”, prejudica-se os excluídos do

91 http://www.scribd.com/doc/11338/Neoliberalismo> Acesso em: 08 de Outubro de 2008. “Neoliberalismo é um sistema econômico que prega uma intervenção mínima do estado na economia, deixando o mercado se auto-regular com total liberdade [...] Pelas teorias neoliberais econômicas sabe-se que somente as grandes empresas sobrevivem ao mercado. Além disso, ocorreu, e ainda ocorre, o aumento da questão social, ou seja, a elevação dos índices de desemprego e pobreza nas nações ricas [...]. “

92 LEÃO, André Carneiro. Op. Cit.

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acesso à terra, e desse modo pune-se mais uma vez a sociedade brasileira em prol

de atos individualizados.

O intuito não é incentivar qualquer tipo de violência para que seja

assegurado o direito constitucional. Indaga-se apenas acerca da injusta e

inconstitucional punição imposta à sociedade brasileira.

3.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM CONFORMIDADE COM A SÚMULA

354/STJ

No intuito de reduzir tais desigualdades, ao resguardar, na medida do

possível, os direitos e garantias individuais, é que foi instituído o Estado Democrático

de Direito em nosso país. Esses direitos, entre outros, se baseiam nos princípios da

soberania popular e da dignidade da pessoa humana.

De acordo com o artigo em pauta:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos : I- a soberania; II- a cidadania; [...] Parágrafo único. Todo poder emana do povo , que o exerce por meio de representes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifa-se)

O Estado, através do princípio democrático, tem obrigação de suprir as

desigualdades sociais e objetivar uma sociedade mais justa, porém a súmula

354/STJ prospera a desigualdade social.

Dessa forma, o principio democrático almeja a conformação da vontade

política no seio da comunidade, e tem como pressuposto a existência de cidadãos

autônomos, determinando a obrigação do Estado em compensar as desigualdades

sociais. A política da Reforma Agrária, constitucionalmente veiculada, insere-se no

quadro de maior atuação de configuração da realidade social pelo Estado, e assim

busca a diminuição do contraste e desigualdade social.

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A política compensatória de desigualdades, em alguns casos, acaba por

limitar à liberdade dos que detêm mais poder em frente ao âmbito de ação dos

demais, naquilo que é necessário para garantir o exercício dos direitos fundamentais

para todos.

Por um lado, a existência de condições materiais básicas é o elemento

indispensável para que se assegure a dignidade humana. Sem elas, não se pode

pensar em autonomia individual mediante às condições estatais e sociais da vida

humana. Por outro lado, reduzem as desigualdades sociais e promovem a

emancipação do cidadão, ao mesmo tempo, que consentem a idéia de considerar o

ser humano não como um meio, mas como um fim da evolução na comunidade

política. Isto é, o homem passa a ser tratado como medidas concretizadoras do

princípio fundamental da dignidade humana.

3.4 SÚMULA 354/STJ A PARTIR DO CASO DE LEBON RÉGIS: JUSTIÇA SOCIAL

E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O município de Lebon Régis foi palco da efetividade da democracia e

seguridade dos direitos constitucionais. Sem a Reforma Agrária, não haveria a

possibilidade de transforamação positiva da cidade, conforme os dados a seguir

expostos.

Ao serem entrevistadas as 211 famílias resididadas nos assentamentos do

Município, 92% dos entrevistados relatam que vivem melhor atualmente, pois ali

possuem sua casa própria e terra para plantar, plantam para sua subsistência e

comercializam o excedente da produção, isso quando há excedente. 66% afirmam

não possuir outro tipo de rendimento além desse, 32% dizem que possuem outra

forma de conseguir dinheiro extra, como trabalhar em fábricas na região (seus

filhos), ou em épocas de colheita de alguma lavoura próxima e 2% não

responderam. Isso nos mostra que é válido o esforço para uma reforma agrária

plena e verdadeira, pois os trabalhadores e suas famílias, em sua grande maioria,

conseguem se manter através do que produzem nas suas terras. E, se a tão

sonhada reforma agrária fosse posta em prática, através de subsídios agrícolas,

políticas de financiamento agrícolas e outros, esse número seria atendido em sua

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totalidade, ou seja, falta vontade por parte dos governantes para que isso dê certo e

para que o sonho se torne realidade.

A realidade dos habitantes de Lebon Régis, segundo dados do Sebrae

(2000), indica que 61,7% vivem em imóveis próprios e quitados. Em Santa Catarina,

são cerca de 74,7% os que têm seu próprio móvel próprio e no Brasil, são 69,8%.

Isso evidencia que os assentados desfrutam de certa estabilidade com relação ao

restante dos habitantes, principalmente os da cidade, que pagam aluguéis, sem

possibilidades de adquirir a casa própria e construir seus laços de amizade e

identidade com a comunidade, pois vivem em constantes mudanças.

Hoje, como já dito anteriormente, os assentados vivem em melhores

condições de vida. Plantam para a subsistência, onde o excedente é vendido para a

aquisição de outros produtos necessários para a alimentação, higiene pessoal e da

casa, etc.

Em 1998, ainda segundo informações dos assentados, foram produzidas

nos assentamentos em Lebon Régis: feijão, milho, fumo, mandioca, batata doce,

verdura, pêssego, morango, leite e derivados. Outras culturas também foram

produzidas, a critério de cada assentado, em menor quantidade para a subsistência.

O excedente foi comercializado no próprio assentamento ou através da

cooperativa. Em 1997, foram comercializados 20.000 sacos de milho, 10.000 sacos

de feijão e as mais de 2.500 vacas produziram em média 350 litros de leite por dia.

Implantou-se também um projeto de piscicultura entre os agricultores que

começaram a colher seus frutos e ampliar sua renda ainda em 1998.

Conforme todos as informações explanadas acerca da pesquisa efetuada no

Município de Lebon Régis, os assentados encontraram no Município uma forma de

ter perspectiva de uma vida melhor, tendo à sua disposição educação, religião, a

cooperativa, visando a melhoria e o desenvolvimento da economia, bem como

inúmeras outras formas de ter o desenvolvimento de suas famílias garantido.

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CONCLUSÃO

Após todo estudo elaborado e refletido através do presente trabalho, resta

concluir-se que a súmula 354 do Supremo Tribunal Justiça trouxe consigo

conseqüências imensuráveis, como a afronta à justiça social.

A Constituição Federal, conjuntamente com o Estatuto da Terra e diversas

outras leis, assegura ao cidadão como um todo todas as garantias delineadas

através do art. 5º, caput da respeitada CRFB, ao qual se destaca novamente que

todos são iguais perante a lei, a inviolabilidade da igualdade e da propriedade, entre

outros.

Conjuntamente com a inovação da Constituição Federal, a promulgação do

Novo código civil/2002 e de diversas outras legislações, deu-se espaço para que

surgissem movimentos sociais, destacando-se o Movimento dos trabalhadores rurais

sem terra. Por diversas vezes marginalizados, mas de suma importância para que

sejam respeitados todos preceitos constitucionais com a implementação da Reforma

Agrária.O MST juntamente com o INCRA tem desempenhado o papel que deveria

ser do Estado, que por diversas vezes se omite.

A melhor forma para a efetivação da reforma agrária é a desapropriação da

propriedade rural que não esteja respeitando a sua função social. Existem diversas

medidas para que isso não ocorra, entre elas, a alíquota elevada o Imposto

Territorial Rural.

No entanto, o Estado detém do direito de expropriar a propriedade alheia,

respeitados os preceitos constitucionais. De encontro à garantia constitucional,

ocorrera uma medida no tocante à disciplina dessa matéria em nível

infraconstitucional se dá pela Lei nº. 8.629/93, que, em seu artigo 2º, § 6º

(introduzido pela MP de nº. 2.183/01) estabelecendo o mesmo texto que a súmula

354 do STJ.

A indagação sobre essa medida é se ela é favorável aos proprietários,

estigmatizados como latifundiários, ou aos cidadãos comuns, não detentores de

direitos efetivos?

Ao realizar o presente trabalho, iniciou-se uma perquirição sobre um ponto

crítico encontrado no decorrer dos estudos utilizados como base para a explanação

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do tema, não sendo, para tanto, objeto de discussão na monografia, mas de

relevância para encerrar o trabalho, sendo ela: A Constituição Federal assegura o

direito à propriedade por concluir que o homem só evolui economicamente e

moralmente se houver a recompensa. Pois bem, se o homem produz de diversas

formas, não necessariamente através da agricultura - esta considerada um meio

primário de subsistência atualmente – mas de diversas outras formas, buscando

angariar bens com o intuito de se sentir seguro com o seu futuro e de seus

herdeiros, não buscando, portanto, o desenvolvimento de suas terras, apenas sua

conservação. Seria um pensamento equivocado do proprietário, levando-se em

conta de que vive-se em uma economia capitalista, cujo objetivo principal é o

acumulo de riqueza?

Parece uma resposta óbvia a afirmativa dessa indagação. No entanto, após

todos os estudos realizados, conclui-se que sim, todos têm direito à propriedade,

mas não, não há direito assegurado para quem não realiza a função social da

propriedade. É simples, enquanto a grande parte da população luta diariamente para

sua subsistência, existem diversas terras que podem proporcionar a subsistência da

população desfavorecida.

O município de Lebon Régis, que outrora pertencera à uma família, que

concentrava a riqueza da região, proporcionou a 211 famílias uma vida melhor e, por

conseguinte, uma melhoria na economia brasileira, por inseri-los na economia

através da agricultura.

O referido município foi a conseqüência de uma reforma agrária efetivada

com sucesso, porém, ocorrida com a invasão das terras. A súmula 354/STJ impede

que sejam vistoriadas as propriedades no período de 2 anos posteriores à invasão,

não objetivando a reforma agrária.

Lebon Régis é um exemplo cristalino de que a referida súmula apenas

ofertará benefícios aos proprietários, sendo esquecidos, mais uma vez a população

que busca a efetividade do que assegura a Carta Magna.

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ANEXOS

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