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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
BÁRBARA FRANCINE MARTINS
O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 COMO CLÁUSULA PÉTREA
São José 2008
1
BÁRBARA FRANCINE MARTINS
O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 COMO CLÁUSULA PÉTREA
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos
São José 2008
2
BÁRBARA FRANCINE MARTINS
O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 COMO CLÁUSULA PÉTREA
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo
Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Constitucional
São José, 11 de novembro de 2008.
Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Juliano Keller do Valle UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. MSc. Ivori Luis da Silva Scheffer UNIVALI – Campus de São José
Membro
3
AGRADECIMENTOS
A elaboração do presente trabalho não teria sucesso sem o apoio das pessoas a quem
quero prestar meus agradecimentos. Agradeço, primeiramente, ao meu Orientador Professor
Rodrigo Mioto dos Santos pela compreensão, dedicação, e incentivo, sem os quais nada seria
possível. Aos meus pais, Édio e Vânia, pelo exemplo de vida.
4
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 11 de novembro de 2008.
Bárbara Francine Martins
5
RESUMO
Esta pesquisa busca verificar se o artigo 228 da Constituição Federal poderia ser interpretado como um direito individual previsto no artigo 60, §4º, inciso IV, e desta forma ser uma garantia que não poderia ser abolida por Emenda Constitucional. Analisa a importância das cláusulas pétreas constitucionais na hipótese de redução da idade de responsabilização penal no Brasil, enquanto política pública legislativa e jurisdicional visando conter a criminalidade juvenil. Constata que a idade da imputabilidade penal foi estabelecida por uma opção política do Constituinte, tanto que a instituiu como norma constitucional. Para tanto, parte o estudo da evolução histórica dos direitos fundamentais da pessoa humana, analisa a questão da proibição de retrocesso e a centralidade da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento na proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente na Constituição Federal. Entende que o artigo 228 da Constituição é regido pelo princípio da dignidade humana, pois preserva o direito de liberdade, caracterizando-se como autêntico direito fundamental. Apresenta que através do princípio da proibição de retrocesso, no que se refere seu conteúdo de direito fundamental, a questão da maioridade penal não pode sofrer qualquer tipo de alteração, por estar recepcionado como norma constitucional, caracterizado como direito fundamental, e que, portanto é cláusula pétrea. E, por fim, analisa as propostas de emenda à Constituição que pregam a redução da maioridade penal e o respectivo impedimento pela Constituição Federal através das cláusulas pétreas. Palavras-chave: redução da maioridade penal; direitos fundamentais; vedação do retrocesso; cláusulas pétreas; criança e adolescente.
6
ABSTRACT
This research analyses if the Article 228 of the Constitution can be interpreted as an individual right under Article 60, item IV, Section 4, and thus be considered a guarantee that could not be abolished by Constitutional Amendment. Analyses the importance of constitutional pétrea clauses on the assumption of the reducing the age of the criminal responsibility in Brazil, while legislative public policy tries to redure the juvenile crime. Assure that the age of criminal responsibility was established by a political choice of the Constituent as far as that established constitutional rule. To that end, the study of the historical evolution of fundamental human rights, examines the issue of ban on backward and centrality of the peculiar condition of persons under development in the protection of fundamental rights of children and adolescents in the Federal Constitution. Believes that the Article 228 of the Constitution is governed by the principle of human dignity, because it preserves the right of freedom, characterizing himself as authentic fundamental right. Shows that through the principle of prohibition of decline, as regards their content of the fundamental right, the question of the criminal adulthood may not changed in any way, to be approved as a constitutional norm, characterized as a fundamental right, and therefore is a pétrea clause. And finally, studying the proposals for reducing the criminal adulthood and its prevention by the Federal Constitution by means of pétrea clauses. Keywords: reduction of the criminal adulthood; fundamental rights; sealing the setback; pétreas clauses; child and adolescent; Article 228 of the Constitution of 1988.
7
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8
1 FUNDAMENTAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMETAIS ....... 11
1.1 O desenvolver histórico dos direitos fundamentais ..................................................... 11
1.2 As dimensões dos direitos fundamentais..................................................................... 16
1.2.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão ................................................... 17
1.2.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão.................................................... 18
1.2.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão..................................................... 19
1.2.4 Os direitos fundamentais de quarta dimensão....................................................... 20
1.3 Fundamentos e características dos direitos fundamentais ............................................ 21
1.3.1 Fundamentos dos direitos fundamentais............................................................... 21
1.3.2 Características dos direitos fundamentais ............................................................. 22
2 MUTABILIDADE E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL...................................................... 25
2.1 O poder constituinte ................................................................................................... 26
2.2 As cláusulas pétreas.................................................................................................... 29
2.3 A proibição do retrocesso social ................................................................................. 36
3 A IMPUTABILIDADE FIXADA AOS 18 ANOS COMO CLÁUSULA PÉTREA: A
PARCIAL IMUTABILIDADE DO ART. 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 41
3.1 A peculiar condição do adolescente no sistema de proteção do estatuto da criança e do
adolescente....................................................................................................................... 41
3.2 Sobre as propostas de redução da maioridade penal .................................................... 46
3.3 Os fundamentos da imputabilidade penal aos 18 anos na doutrina nacional ................ 50
3.4 A imputabilidade penal antes dos 18 anos como cláusula pétrea ................................. 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 62
8
INTRODUÇÃO
O artigo 228 da Constituição Federal declara que são penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas de legislação especial. Isso poderia ser
interpretado como um direito individual previsto no artigo 60 inciso, §4º, IV, e desta forma
ser uma garantia que não poderia ser abolida por Emenda Constitucional? As cláusulas
pétreas são dispositivos constitucionais que não podem ser abolidos, e estão constantes do
artigo 60, § 4º, da CF/88 possuindo um grau de rigidez máximo. A Constituição Federal, em
seu artigo 228, determina que os menores de 18 anos são inimputáveis e sujeitos à legislação
especial, fazendo característica de um direito e garantia individual previsto no artigo 60 da
Constituição. Desta forma, a inimputabilidade penal não poderá ser abolida por Emenda
Constitucional, por esta ser uma cláusula imutável.
Passados dezoito anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e
vinte anos da Constituição Federal de 1988, ainda existem inúmeras discussões quando se fala
do Direito da Criança e do Adolescente. O objetivo desse trabalho é verificar se a maioridade
penal prevista no artigo 228 da Constituição Federal pode ser de fato considerada como
cláusula pétrea.
A devida compreensão do que há no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente
leva o entendimento diverso de um simples texto constitucional, haja vista a peculiaridade dos
sujeitos envolvidos. Portanto, quando se fala em Direito da Criança e do Adolescente, é
impossível a sua dissociação do caráter protetivo, por sua especificidade e toda sua
fundamentação conceitual.
Deve-se considerar ainda que as crianças e adolescentes receberam o status de sujeitos
de direitos, e que isto significa que eles não são apenas receptores de garantias e sim cidadãos
em processo peculiar de desenvolvimento.
Deste modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, além de estabelecer que eles merecem
direitos próprios e especiais, necessitam de assistência especializada e diferenciada.
Com convicção nessa perspectiva e da questão da possibilidade da redução da
maioridade penal, é que o presente estudo se desenvolverá, com a intenção de firmar o que
traz os preceitos da Constituição Federal.
9
A abordagem do presente estudo será através do método dedutivo1, para verificar a
possibilidade da redução da maioridade penal em face da proteção que resguarda as cláusulas
pétreas, objetivando, contudo analisar a constitucionalidade da redução por meio de emenda
Constitucional.
O presente trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro capítulo, serão delineados
os contornos da evolução história dos Direitos Fundamentais, bem como suas características e
gerações de direitos. No segundo capítulo, será estudado sobre o poder constituinte, que está
submisso às normas da própria Constituição Federal, que determina procedimentos e modos
de agir, sob pena de ser desacreditado. E é nessa vertente que se faz necessário o estudo sobre
o princípio da proibição do retrocesso, que irá revelar que os Direitos Fundamentais por serem
considerados cláusulas pétreas não podem ser suprimidos da Constituição.
O terceiro e último capítulo enfrenta a problemática da possibilidade da redução da
idade penal por Emenda à Constituição em face das cláusulas pétreas definidas como
Garantias e Direitos Individuais que se encontram no respectivo artigo 60, § 4º, inciso IV, da
Constituição Federal.
Nos dias de hoje, os jovens são cada vez mais audaciosos, menos temerosos, e mais
seguros quanto à inimputabilidade. Muitos parlamentares acreditam que a redução da
maioridade penal seja capaz de afastar essa classe juvenil do crime, impondo uma conduta
infraconstitucional. A sociedade busca uma solução através do Estado para que tome as
providências de proteção nesse sentido. Ante à ineficácia dos poderes públicos no combate
satisfatório à criminalidade, a sociedade que vive na insegurança clama pela diminuição da
maioridade.
Prestando amparo a esses anseios, é que tramitam na Comissão de Constituição e
Justiça do Senado seis Propostas de Emenda à Constituição que tendem a modificar o artigo
228 da Constituição Federal, para a redução da maioridade penal. De fato, o que consta em
matéria de Direitos Fundamentais das Crianças e Adolescentes, está bem especificado. De
plano, subtrai-se da apreciação do legislador infraconstitucional a possibilidade de qualquer
medida nesse sentido, sendo que para tanto, faz-se necessário o uso de tais propostas, dada a
circunstância de garantia individual implícita no referido artigo.
Sabendo que a vida é o bem maior para qualquer ser humano, e que, portanto o bem
maior de toda criança e adolescente é a vida com liberdade. Exatamente por esse motivo que o
1 Consiste em "estabelecer uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral.”. (PASOLD, 2005, p. 101)
10
assunto gera divergências entre doutrinadores e juristas. Por fim, com o trâmite das
propostas, é que se faz necessária uma análise sobre a proteção do artigo 228 da Constituição
Federal, que declarou o menor de dezoito anos inimputável, pelo fato de sua condição
peculiar de desenvolvimento.
11
1 FUNDAMENTAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS
FUNDAMETAIS
1.1 O desenvolver histórico dos direitos fundamentais
É com o princípio da supremacia da lei que o Estado assume o papel de autoridade, e
passa a reconhecer direitos e deveres de cada cidadão, ficando submisso também às normas
estipuladas. Com a era do homem civilizado, é que se estabeleceu uma ordem jurídica para
poder conviver em sociedade, criando normas como um meio de preservar seu direito de
sobrevivência.2
O homem na época da sociedade primitiva viveu em busca de novas descobertas. Na
conquista de sua propriedade privada, teve que se sujeitar a diversas subordinações em troca
das propriedades territoriais, passando pelo sistema de escravidão e se deparando com a
dominação das classes políticas e sociais contra as classes menos favorecidas. A história do
homem é marcada por traços de luta, em busca de liberdades e principalmente para reivindicar
os direitos fundamentais de cada pessoa.3 Eis o contexto de surgimento dos direitos
fundamentais.
A importância de uma retrospectiva histórica se dá na medida em que as gerações da
história do homem passaram por evoluções social, religiosa, cultural e democrática. É com as
diferenças dos direitos dos cidadãos que são encontradas na doutrina quatro geração de
direitos fundamentais4. Entre elas são encontrados os direitos de liberdade e políticos; os
direitos sociais; os direitos ao meio ambiente, à auto-determinação, aos recursos naturais e ao
desenvolvimento; e ainda, os direitos relativos a bioética, à engenharia genética, à informática
e a outras utilizações das modernas tecnologias. (MIRANDA, 2000, p.24)
A primeira geração buscava entender a liberdade dos antigos e liberdade dos
modernos, isto é, de como se estabelecia a “maneira de encarar a pessoa na Antiguidade e a
2 Cfr. (MIRANDA, 2000, p. 12). 3 Cfr. (SILVA, 2007, p, 150). 4 “As expressões «direitos do homem» e «direitos fundamentais» são frequentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.” (CANOTILHO, 1999, p. 393)
12
maneira de encarar a pessoa no Cristianismo. Para os antigos, a liberdade é antes de mais
nada, participação na vida da Cidade; para os modernos, antes de mais nada, realização da
vida pessoal.” (MIRANDA, 2000, p. 14)
A segunda distinção consistia nos direitos do Estado em relação a cada indivíduo:
[...] tutela dos direitos próprios da Idade Média e do Estado estatamental e à tutela dos direitos própria do Estado moderno, mais particularmente do Estado constitucional. Ali, direitos (ou melhor, privilégios, imunidades, regalias) de grupos, de corporações, de ordens, de categorias; aqui direitos comuns, ou universais, ligados a uma relação imediata com o Estado, direitos do homem e do cidadão (ainda que sem excluir alguns direitos de categorias particulares). (MIRANDA, 2000, p. 14)
O terceiro ponto dá-se entre “direitos, liberdades e garantias de direitos sociais e
patenteia-se nas grandes clivagens políticas, ideológicas e sociais dos séculos XIX e XX”.
(MIRANDA, 2000, p. 14) Buscam-se os direitos de fraternidade ou solidariedade, pois esses
direitos já não estão mais centrados no homem como indivíduo, mas com o homem como toda
a coletividade.
A quarta dimensão revela que os direitos fundamentais da pessoa humana poderiam
também ser protegido internacionalmente, pela “proteção interna e proteção internacional
dos direitos do homem. Até cerca de cinqüenta anos, os direitos fundamentais, concebidos
contra, diante ou através do Estado, só por este podiam ser assegurados” (MIRANDA, 2000
p. 14)
Chega, então, o momento da formação do Estado, pois as classes sociais e política
eram sempre as dominadoras do poder, e com a determinação da figura estatal e democrática
trouxe aos indivíduos a garantia de direitos e deveres (SILVA, 2007, p. 150). Para José
Afonso da Silva:
A democracia no governo, a fraternidade na sociedade, a igualdade de direitos e privilégios e a educação universal antecipam o próximo plano mais elevado da sociedade, ao qual a experiência, o intelecto e o saber tendem firmemente. Será uma ressurreição, em forma mais elevada, da liberdade, igualdade e fraternidade das antigas gentes. (SILVA, 2007, p. 150)
Com a evolução geral do Estado, vários foram os fatores que marcaram o Estado
moderno entre os séculos XV e XVI. Dentre eles destacam-se a influência filosófica que
passou a ser questionada quanto ao verdadeiro conceito de justiça. E com a formação do jus
gentium, que foram aplicadas regulamentações entre relações estrangeiras. E ainda com a
13
conquista de algumas garantias de liberdade e segurança, com a Magna Carta de 1215.
(MIRANDA, 2000, p. 16)
Foi durante a Idade Média que surgiram as declarações de direitos, visto que a teoria
do direito natural contribuiu com as leis “fundamentais do Reino” que limitavam os poderes
da monarquia aos quais originou o “humanismo”. Inúmeros pactos, cartas e declarações foram
firmados para a proteção dos direitos fundamentais. Entre os documentos mais importantes,
revela-se: a Magna Carta Inglesa, que tornou o símbolo das liberdades públicas; a Petition of
Rights, que oferecia o reconhecimento de direitos e liberdades; o Habeas Corpus Act, que
reforçou reivindicações de liberdade, trazendo a garantia da liberdade individual; e a Bill of
Rights, que determinava as limitações dos poderes reais (SILVA, 2007, p. 151). Nesse
sentido, esclarece-nos Ingo Sarlet:
Nesses documentos, os direitos e liberdades reconhecidos aos cidadãos ingleses (tais como o princípio da legalidade penal, a proibição de prisões arbitrárias e o habeas corpus, o direito de petição e uma certa liberdade de expressão) surgem, conforme Vieira de Andrade, como enunciações gerais de direito costumeiro, resultando da progressiva limitação do poder monárquico e da formação do Parlamento perante a coroa inglesa. (SARLET, 2007, p. 51).
Foram nesses textos que passaram a ser evidenciadas as descobertas e direcionamentos
da importância dos direitos fundamentais, traçando a devida proteção para quem buscava
viver com dignidade e respeito dentro de cada sociedade.
No final do século XI, com o surgimento do rei sobre os senhores feudais que houve o
marco da celebração da Magna Carta, em virtude de disputa de poderes, o rei da Inglaterra
decidiu se submeter ao poder do papa e assinou a Carta que traria liberdades eclesiásticas.
(COMPARATO, 2007, p, 73-74).
Em 1215, surge a Magna Carta, documento considerado precursor das modernas
declarações de direitos:
Este documento, inobstante tenha apenas servido para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais, alijando, em princípio a população aos “direitos” consagrados no pacto, serviu como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como habeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade. (SARLET, 2006, p. 49).
14
A Petição de Direitos (Petition of Rights), do ano de 1628, consistia em um documento
que favorecia os monarcas, pedindo aos membros do parlamento o reconhecimento de
diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. (SILVA, 2007, p. 152).
O Habeas Corpus Act acabou por reforçar reivindicações de liberdades, garantindo
liberdade individuais, vencendo as prisões arbitrárias. (SILVA, 2007, p. 153).
Com a Declaração de Direitos (Bill Of Rights), do ano de 1688, e após as limitações do
poder real, a monarquia passa a ser submetida pela soberania popular. (SILVA, 2007. p. 153).
Foi a Bill Of Rights que pôs fim ao regime monárquico, no qual o poder absoluto era
condicionado nas mãos do rei. Essa nova declaração de direitos motivou a divisão de poderes,
consistindo na organização do Estado e proteção dos direitos fundamentais do homem.
(COMPARATO, 2007, p. 94) Este documento é de fundamental importância por fazer a
separação dos poderes do Estado, e ainda, por evidenciar os direitos fundamentais de cada
cidadão, como o direito de petição e a não aplicação das penas cruéis. (COMPARATO, 2007,
p. 96).
Apesar da importância para a firmação de direitos, os documentos ingleses não foram
os que deram início ao nascimento dos direitos fundamentais, pois para Ingo Sarlet, foi a
Declaração de Virgínia que marcou a mudança dos direitos de liberdades legais para os
direitos fundamentais. (SARLET, 2007, p. 51).
Foi de notável relevância para os direitos fundamentais a Declaração do Povo de
Virgínia nos EUA, e o antigo regime que passou a firmar a burguesia na França.
[...] a paternidade dos direitos fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração Francesa, de 1789, é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais. (SARLET, 2006, p. 51).
No que se refere aos direitos fundamentais no âmbito de modernidade, foi com a
Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia no ano de 1776, que a democracia e as
limitações dos poderes passaram a ser aplicadas. Para José Afonso da Silvar, os textos
ingleses tiveram apenas a finalidade de limitar o poder do rei, proteger o indivíduo e firmar a
supremacia do Parlamento, enquanto as Declarações de Direitos de Virgínia se preocuparam
com as limitações do poder estatal. (SILVA, 2007, p. 154).
A Declaração Norte Americana no ano de 1787, por sua vez, foi o primeiro documento
a firmar os princípios democráticos na política moderna, reconhecendo a soberania popular,
15
os direitos inerentes a todo o ser humano sem fazer qualquer tipo de discriminação.
(COMPARATO, 2007, p. 107).
Contudo, para Jorge Miranda, foi por influência religiosa que houve o reconhecimento
da dignidade de cada cidadão. Segundo o autor: “É com o cristianismo que todos os seres
humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de
um eminente valor”. (MIRANDA, 2000, p. 17).
E somente após a Segunda Guerra mundial, que passou a ser mais compreensivo o
valor da dignidade humana, surgindo dois pactos Internacionais em 1981, a Carta Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos. Com isso restou para a humanidade o entendimento de
que “O sofrimento matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa
da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos”.
(COMPARATO, 2007, p. 57).
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão veio para “lapidar” em dezessete
artigos, o que menciona os princípios de liberdade, propriedade, igualdade, legalidade e
garantias de cada indivíduo. (SILVA, 2007, p. 158).
Já no século XX, ocorreram mudanças em que o tema de direitos do homem já não
continha tantas aspirações; passou-se então, com a universalização dos direitos do homem.
Como demonstra o autor Jorge Miranda :
[...] a Declaração Universal – pelo menos por agora se afigurava irredutíveis às sensibilidades e as valorações (com base religiosa ou não), que se sustentam nos diversos povos a respeito dos direitos e deveres do homem e do Estado. (MIRANDA, 2000, p. 26).
Com a Universalização de Declarações de Direitos, por ter seu reconhecimento em
âmbito universal, os direitos fundamentais passaram a ter caráter supra-estatal. (SILVA, 2007
p. 162). A Declaração Universal de Direitos Humanos contém trinta artigos “reconhecendo a
dignidade da pessoa humana, os direitos de resistência à opressão e a concepção comum
desses direitos”. (SILVA, 2007, p. 163). Esse documento representou o marco histórico da
universalização do reconhecimento dos valores de cada indivíduo, bem como ao respeito da
dignidade da pessoa humana.
Apesar da devida formalização das evoluções sociais e dos pactos firmados, os direitos
fundamentais de cada pessoa perderão o seu valor se não houver a participação e aplicação
dentro das sociedades, isto é, resta lembrar que não são os direitos, mas também os deveres de
16
cada cidadão que devem ser aplicados em constante participação consciente, para quem sabe
uma nova geração de direitos.
1.2 As dimensões dos direitos fundamentais
As gerações de direitos fundamentais baseiam-se no caráter histórico, no processo
histórico de desenvolvimento e nascimento desses direitos. Logo, o termo geração pode
parecer enganador por sugerir uma sucessão de categorias de direitos umas substituindo-se as
outras e não é o que ocorre, pois as gerações são cumulativas.5
É o que aduz Ingo Wolfgang Sarlet:
Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação. Costuma-se, neste contexto marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direito, havendo, inclusive, quem defenda a existência de uma quarta geração. Num primeiro momento, é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo “gerações” por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais [...]. (2004, p. 54)
Muitos autores preferem utilizar a expressão gerações em vez da expressão dimensões,
passando o significado de que gerações são sucessivas de direitos humanos. Essa idéia é
equívoca, pois quando se fala em gerações de direitos se deduz que uma geração se substitui à
outra, o que não ocorre com tal nomenclatura, tanto para “gerações” quanto “dimensões” dos
direitos humanos. Desta forma revela-se à preferência pelo termo “dimensão”. (TAVARES,
2006 p. 426).
5 Cfr. SARLET, 2007, p. 54.
17
1.2.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão
Os direitos fundamentais de primeira dimensão estão vinculados principalmente à
doutrina iluminista e jusnaturalista. Sua principal característica está na liberdade do indivíduo
frente ao poder do Estado, pois o principal objetivo é proteger o homem como individuo
contra o poder abusivo do Estado.
Para André Ramos Tavares, são direitos considerados de primeira geração “[...]
aqueles surgidos com o Estado Liberal do século XVIII. Foi a primeira categoria de direitos
humanos surgida, e que engloba, atualmente, os chamados direitos individuais e direitos
políticos”. (TAVARES, 2007, p. 428).
São apresentados como direitos de cunho “negativo”, pois uma vez dirigidos a uma
abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, “direitos de
resistência ou de oposição perante o Estado”. (SARLET, 2004, p. 55-56). Seu cunho negativo
é traduzido pelas garantias e pelas liberdades públicas, o Estado, quando de seu surgimento,
era visto como o “inimigo” do homem.
Slaibi Filho aduz que a primeira geração é formada pelos direitos absolutos, que se
tornam eficazes apenas quando determinados na constituição, e se “manifestam com a
interdição do Poder e da sociedade em face da pessoa humana”. (SLAIBI FILHO, 2004, p.
372).
É nesta fase inicial – na primeira – que os direitos fundamentais tornam-se
importantes. É o momento em que: “Assumem particular relevo no rol desses direitos,
especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade perante a lei. [...]” (SARLET, 2004, p. 56). Para os jusnaturalistas,
o ser humano, apenas por existir já é titular de direitos naturais. (SARLET, 2007, p. 45).
Para Bonavides, os direitos de primeira geração têm como titular o indivíduo, e são
oponíveis ao poder estatal, e possuem o aspecto de subjetividade, que para o autor este é o
traço mais característico no que tange aos direitos de primeira geração. O autor menciona
ainda que os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, revelando os direitos
civis e políticos, que correspondem à fase do Constitucionalismo do Ocidente.
(BONAVIDES, 1997, p. 517).
Sarlet, por fim, relata que são contemplados por outras liberdades como liberdade de
expressão, imprensa, reunião e associação, e ainda pelos direitos políticos no que se refere ao
18
direito de eleger e ser eleito, vinculando nesse contexto os direitos fundamentais e a
democracia. (SARLET, 2007, p. 56).
1.2.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão
Após a 1ª Guerra Mundial e positivados constitucionalmente no século XX, com
histórias de lutas que remontam ao século XIX, os direitos de segunda dimensão vêm
complementar inúmeras liberdades, trazendo a característica da intervenção estatal na
prestação de direitos. São os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos. Sua origem
está junto ao princípio da igualdade, pois é esse que mantêm sua validade no que se referem
esses direitos. (BONAVIDES, 1997, p. 518).
Previstos em pactos internacionais, englobam direitos de liberdades sociais, que tratam
dos direitos trabalhistas, como por exemplo, o direito de greve e a garantia de um salário
mínimo. (SARLET, 2007, p. 57).
Tavares relata que “os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, que visam
a oferecer os meios materiais imprescindíveis à efetivação dos direitos individuais. Também
pertencem a essa categoria os denominados direitos econômicos, que pretendem propiciar os
direitos sociais”. (TAVARES, 2007, p. 428).
Essa geração possui cunho ideológico devido às formulações filosóficas; salientando
que foram proclamadas junto às Declarações da Constituição do segundo pós-guerra.
(BONAVIDES, 1997, p. 518).
Nessa dimensão não se fala mais em liberdade perante o Estado, mas sim das
liberdades através do Estado. E que sua característica se dá por “[...] outorgarem ao indivíduo
direitos e prestações socais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc.”
(SARLET, 2004, p. 57). fazendo com que as liberdades formais abstratas transgredissem para
as liberdades materiais concretas. (SARLET, 2004, p. 57).
É um período de reivindicações de classes menos favorecidas, em virtude da grande
desigualdade entre as classes de operários e empregadores. (SARLET, 2007, p. 58). Nesse
sentido, André Ramos Tavares aduz, que:
O estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação diametralmente oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira
19
é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. (TAVARES, 2007, p. 429).
É com a intervenção positiva do Estado que é concretizada a igualdade material, e que
para a presença do bem-estar social é vinculada à liberdade positiva.
1.2.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão
Os direitos de terceira dimensão estão vinculados aos direitos de fraternidade ou de
solidariedade, que impõem a defesa da espécie humana. O seu desenvolvimento maior está no
plano internacional fazendo surgir reflexões sobre o desenvolvimento, a paz, o meio ambiente
e ao patrimônio comum da humanidade. Os direitos de terceira geração são reivindicados em
decorrência dos impactos tecnológicos e do segundo pós-guerra. (SARLET, 2007, p. 58)
Sobre o conceito de direitos de terceira dimensão, Lafer relata que podem ser
denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, protegendo aos grupos e
caracterizando-se por ser de titularidade coletiva. (1991, p. 131)
Já para Paulo Bonavides, esses direitos não se destinam à proteção dos interesses de
um determinado indivíduo ou Estado. O autor menciona que são destinados “ao gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos
de existencialidade concreta”. (BONAVIDES, 1997, p. 523).
Os direitos de terceira dimensão retratam-se em uma nova tipificação política, social e
econômica voltadas para as relações internacionais. E por se tratarem de direitos coletivos, os
direitos da terceira dimensão também podem ser chamados de direitos de solidariedade ou
fraternidade, pois implicam no esforço universal para que esse novo direito possa ser
efetivado. (SARLET, 2004, p. 58-59).
Sarlet menciona no que tange à efetivação desse grupo de direitos:
No que tange à sua positivação, é preciso reconhecer que, ressalvadas algumas exceções, a maior parte destes fundamentais da terceira dimensão ainda (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número e tratados e outros documentos transnacionais nesta seara. (M. A. Elkmekdjian, 1993, p. 91, apud SARLET, 2004, p. 59).
20
Sarlet relata, ainda, que os direitos de terceira dimensão estariam sendo
desnecessários, pois estariam atuando como direitos de caráter defensivo, podendo por este
motivo serem enquadrados na categoria de primeira dimensão por se tratar de direitos de
liberdade, com a diferença de estarem adaptados à vida do homem contemporâneo.
(SARLET, 2004, p. 60).
1.2.4 Os direitos fundamentais de quarta dimensão
Tratam-se dos direitos à “democracia, à informação e ao pluralismo”. É com a
institucionalização do Estado Social que se faz marcante a fase dos direitos de quarta
geração6. (BONAVIDES, 1997, p. 524).
Paulo Bonavides relata que a quarta geração de direitos fundamentais culmina a
objetividade da segunda e terceira geração, pois absorve o caráter dos direitos individuais que
correspondem aos direitos da primeira geração. (BONAVIDES, 1997 p. 525).
Bonavides menciona que os direitos de quarta geração “compendiam o futuro de
cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legitimada e
possível a globalização política.” (BONAVIDES, 1997, p. 526).
Sarlet faz crítica ao posicionamento da quarta dimensão que refere Paulo Bonavides,
que seria “profética” e “utópica”, pois o autor estaria no aguardo dessa positivação por ser
necessária à atuação mundial. (SARLET, 2007, p. 61).
No mesmo sentido Tavares leciona sobre a nova dimensão
[...] para manter a estrita coerência com o critério de identificação das demais dimensões (e a própria idéia de dimensão), falar, na quarta dimensão, de uma diferenciação de tutela quanto a certos grupos sociais, como por exemplo, as crianças e adolescentes, a família, os idosos, os afro-descendentes etc. Enquanto os direitos de participação democrática poder-se-iam reconduzir aos clássicos direitos políticos presentes desde os direitos de primeira dimensão, estes direitos não deixam de ser direitos já existentes, mas que sofrem não um alargamento (extensão) de conteúdo, senão uma diferenciação qualitativa quando aplicados a certos grupos. (TAVARES, 2007, p. 431).
6 Paulo Bonavides faz menção sobre uma quinta geração de direitos fundamentais, e desta vez faz relação ao direito à paz. (BONAVIDES, 2007, p. 579)
21
Já na concepção de Gisela Bester, a quarta geração seria a dos direitos no âmbito
Internacional, pois permite a possibilidade de novas declarações, Pactos e Cartas
Internacionais para “proteção da humanidade fora do âmbito dos Estados Nacionais [...]”.
(BESTER, 2005, p. 594).
Para Sarlet, o problema da efetividade, sempre será comum a todos os direitos em
todas as dimensões, por isso deve ser encarada com “certo ceticismo” uma nova dimensão de
direitos fundamentais mesmo antes de lograrmos os direitos das outras três dimensões.
(SARLET, 2004, p. 65).
Contudo, visto que as dimensões anteriormente referidas tratam cada qual da sua
particularidade, a quarta dimensão procura englobar todas as dimensões de forma concreta e
positiva.
1.3 Fundamentos e características dos direitos fundamentais
1.3.1 Fundamentos dos direitos fundamentais
Segundo José Afonso da Silva, os direitos econômicos, sociais e culturais tiveram
forte colaboração para as inspirações das declarações de direitos das modernas constituições,
discordando da doutrina francesa que afirma que as inspirações estão ligadas apenas às
liberdades públicas. (SILVA, 2007, p. 172).
O autor reconhece que as primeiras inspirações de direitos partiram do cristianismo e
do jusnaturalismo, levando em conta as condições históricas objetivas. Declara que essas
inspirações são a busca da liberdade e reivindicações de direitos. (SILVA, 2007, p. 172).
A fundamentação dos direitos fundamentais é traçada pela condição objetiva e
subjetiva de cada situação histórica de surgimento. No que diz respeito à primeira geração, as
condições objetivas baseiam-se no século XVII, pela contradição entre a monarquia absoluta e
uma sociedade de expansão comercial e cultural. Já nas condições subjetivas originaram-se
das concepções filosóficas. O pensamento cristão deste século não buscava a declaração dos
direitos do homem, fato que no cristianismo primitivo, o pensamento se traduzia em liberdade
e dignidade da pessoa humana. Pois se o homem é a criatura formada à imagem de Deus,
todos os homens poderiam desfrutar de tal liberdade. (SILVA, 2007, p. 173).
22
A doutrina do direito natural dos séculos XVII e XVIII fundamentou o poder político
em desencontro com a “divinização”, que tanto norteou o sistema absolutista da época. Essa
foi a fase que teve “força para sustentar as transformações sociais que as condições materiais
impunham”, e o ponto de buscar “direitos inatos” para o reconhecimento de outros direitos
que foram descobertos em cada etapa dos séculos XVII e XVIII, fortalecendo mais uma vez
os direitos da pessoa humana. (SILVA, 2007, p. 174).
Quem contribuiu também com os direitos fundamentais foi o pensamento iluminista,
pois passou a valorizar o indivíduo, o valor de cada indivíduo passou a ter mais significado do
que os “valores sociais” do absolutismo. (SILVA, 2007, p. 174).
É de se reconhecer ainda a evolução histórica da economia, pois nasceu a nova
condição objetiva, como foi o desenvolvimento industrial e o domínio da burguesia. Em
conseqüência “sobreviriam novas doutrinas sociais, postulando a transformação da sociedade
no sentido na realização ampla e concreta desses direitos” (SILVA, 2007, p. 174). Deste
modo encontram-se novas inspirações para os direitos fundamentais, como o manifesto
comunista e as doutrinas marxistas, brigando por liberdades e igualdade materiais; a doutrina
social da Igreja, e ainda o intervencionismo estatal, devendo o Estado ser o responsável por
aspectos econômicos e sociais.
1.3.2 Características dos direitos fundamentais
Ao atribuir características aos direitos fundamentais, grande parte da doutrina
considera importante fazer esclarecimentos pontuais sobre cada aspecto. Embora a quantidade
e nomenclatura de cada um estejam em divergência, na essência contribuem para esclarecer as
características desse tipo de direito.
Bonavides, por exemplo, para caracterizar os direitos fundamentais, recorreu a Carl
Schmitt que estabeleceu apenas dois critérios de caracterização:
Pelo primeiro critério, podem ser designados os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabaenderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição. (BONAVIDES, 1997, p. 515)
23
Já para José Afonso da Silva, as características dos direitos fundamentais nasceram
com as concepções jusnaturalistas, com o caráter de serem “inatos, absolutos, invioláveis e
imprescritíveis”, já que para os jusnaturalistas a liberdade humana é ilimitada, enquanto o
poder do Estado é limitado, isto é, ao Estado cabe garantir a liberdade absoluta de cada
indivíduo. (SILVA, 2006, p. 180-181)
Silva entende ainda que os direitos fundamentais foram concretizados pela história,
pois eles “nascem, modificam e desaparecem”.Surgem com as revoluções burguesas e passam
a evoluir no decorrer do tempo. É com a característica de historicidade que o direito
fundamental “rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem
ou na natureza das coisas”. (SILVA, 2006, p. 180-181).
Bobbio acredita também que “os direitos naturais são direitos históricos, nascem no
início da era moderna, juntamente com a concepção individualista da sociedade e tornam-se
uns dos principais indicadores do progresso histórico”.(BOBBIO, 1992, p. 01).
Sarlet faz menção ao caráter histórico dos direitos fundamentais, e considera, com
relação ao Texto Constitucional de 1988, importante o fato de se haver vivenciado uma fase
de autoritarismo caracterizada pela ditadura militar. Em suas palavras:
A relevância atribuída aos direitos fundamentais, o reforço de seu regime jurídico e até mesmo a configuração do seu conteúdo são frutos de reação do Constituinte, e das forças sociais e políticas nele representadas, ao regime de restrição e até mesmo de aniquilação das liberdades fundamentais. (SARLET, 2006, p. 78).
José Afonso da Silva afirma serem ainda os direitos fundamentais inalienáveis, pois se
trata de “direitos intransferíveis, inegociáveis porque são de conteúdo econômico-patrimonial.
Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são
indisponíveis” (SILVA, 2006, p. 180-181).
Aduz, ainda, sua imprescritibilidade, pois grande parte dos direitos fundamentais passa
a existir após o reconhecimento no ordenamento jurídico, não se verificando requisitos que
efetuem sua prescrição. Pois como afirma: “[...] prescrição é um instituto jurídico que
somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a
exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas como é o
caso”.(SILVA, p. 181).
24
Silva menciona, por fim, que os direitos fundamentais são irrenunciáveis, pois não
podem sofrer a renúncia. Para ele: “Alguns deles podem até não ser exercido, pode-se deixar
de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados”.(SILVA, 2006, p. 180-181).
Para Pontes de Miranda os direitos fundamentais são caracterizados como direitos
absolutos e direitos relativos, o primeiro grupo existe a despeito das leis, que os pretendem
modificar, e o segundo possui validade conforme a lei. (MIRANDA, 1967, p. 622).
José Afonso da Silva não concorda com tal posição, pois os direitos absolutos seriam
os supra-estatais, cuja validade não dependeria da positivação interna. Já no que se refere aos
direitos relativos, só teriam validade com a positivação do direito interno constitucional.
(SILVA, 2006, p. 180-181).
Bobbio, a seu turno, acredita que os direitos fundamentais não podem ser considerados
absolutos, pois pelos traços históricos esses direitos sempre foram relativos, pois “o que
parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental
em outras épocas e em outras culturas. Não se concebe como seja possível atribuir um
fundamento absoluto a direitos historicamente relativos”.(BOBBIO, 1992, p. 9).
Entende, ainda, que os direitos fundamentais não podem ser nem absolutos nem
homogêneos, pois o valor de absoluto nas palavras de Bobbio é o que corresponde no
[...] estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as situações e para todos os homens sem distinção. [...] é a situação na qual existem direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais. É preciso partir da afirmação óbvia de que não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas. (BOBBIO, 1992, p. 19)
Bobbio concorda que os direitos fundamentais são direitos relativos, na medida em
que a tutela desses direitos encontra limites que não podem ser superáveis “na tutela de
direitos igualmente fundamentais mas concorrentes”, pois os direitos do homem sempre serão
variáveis na medida de sua evolução. (BOBBIO, 1992, p. 19)
Para haver uma melhor aplicação do regime jurídico é necessário saber os valores de
cada característica dos direitos fundamentais, isto é, saber como e onde aplicar tais
características, sobre tudo identificar que o direito fundamental do homem sempre estará em
evolução, desde que possamos aplicar a fundamentação desses direitos.
25
2 MUTABILIDADE E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL
O que sempre ocupou as discussões jurídicas em todos os tempos foi a relação entre o
direito e a realidade social, a intrínseca relação existente entre a Constituição Federal e a
sociedade que ela preceitua, e mais do que isso é a necessidade de alteração dos dispositivos
da Constituição sempre que for verificada a evolução do pensamento social.
É o que relata Jorge Miranda sobre a necessidade de adaptação da Constituição com a
sociedade e o constante progresso:
Se as constituições na sua grande maioria se pretendem definitivas no sentido de voltadas para o futuro, sem duração prefixada, nenhuma Constituição que vigore por um período mais ou menos longo deixaria de sofrer modificações - para se adaptar às circunstâncias e a novos tempos ou para acorrer a exigências de solução de problemas que podem nascer até da sua própria aplicação. (MIRANDA, 2003, p. 150).
É certo que a Constituição para melhor ser racionalizada e estabilizada deve ter seu
conteúdo escrito. Ocorre que muitas das determinações constitucionais oferecem a
possibilidade de entendimento diferente, quando elas carecem de expor todos os pormenores,
pois quando a constituição é essencialmente textual limita a possibilidade de uma nova
compreensão. (HESSE, 1998, p. 43) Contudo, a Constituição escrita não exclui o Direito
Constitucional não-escrito. Para ocorrer a satisfação das condições de vida, é necessário que
exista uma polaridade entre os elementos constitucionais no que tange a sua abertura e
amplitude jurídica. Em outras palavras é necessário que a rigidez e mobilidade constitucionais
se adéqüem às necessidades das transformações históricas. (HESSE, 1998, p. 45).
Quando se fala em modificar a Constituição, se tem o entendimento de modificar o
texto da Constituição. Mas isso não necessariamente leva à mudança formal da Constituição;
em outras palavras, a modificação não estaria voltada ao desvio do texto em cada caso
particular, estaria voltada para a “mutação constitucional” o que não mudaria o texto, apenas
concretizaria o conteúdo das normas constitucionais. (HESSE, 1998, p. 46). Deste modo a
mutação constitucional não altera o texto, o que se modifica é a interpretação que se dá à
norma do processo de reforma. A mutação constitucional consiste na modificação semântica
da Constituição, dependendo principalmente das interpretações das decisões judiciais.
Para suprir as mutáveis exigências da condição humana é necessário que a
Constituição elabore meios para que possam ser executados os direitos de cada cidadão.
26
Assim, somente quando é contextualizada a aspiração humana é que de fato é cumprida a sua
função. Mas a sua real validade só terá razão de ser se através do Poder Constituinte for
encontrada a verdadeira vontade da coletividade, e não somente no que é entendido como “ato
de vontade” único. Pois o poder constituinte tem seu início e é configurado por fatos
históricos, e de modo geral aquilo que uma assembléia constituinte possibilita não é mais do
que uma formulação dos aspectos que estão acontecendo e que o texto constitucional também
está de acordo. (HESSE, 1998, p. 47).
É através da força normativa da Constituição que se possibilita a realização da
realidade da vida histórica. Mas para haver essa concretização é necessário a vontade de cada
cidadão a fim de realizar os conteúdos previstos na Constituição. Depende da consideração de
seus conteúdos e da determinação de realizá-los. (HESSE, 1998, p. 49).
Contudo, deve se destacar que para haver a concretização de uma norma
constitucional, é necessário haver condições de realidade naquilo que esta norma procura
ordenar ou determinar. Pois é com ela que estarão sujeitas às alterações históricas, e o
resultado que tanto se esperava já não terá mais efeito, resultando em uma mutação
constitucional constante. (HESSE, 1998, p. 50-51).
No entanto, as condições de realidade nem sempre podem estar sujeitas às
concretizações, pois podem estar em contradição no que diz o texto constitucional, e deste
modo devem ser respeitadas as condições já estabelecidas na norma constitucional.
É por essa necessidade da busca pelo equilíbrio no ordenamento jurídico que é
encontrado na Constituição Federal o Poder Constituinte, que é de titularidade pertencente ao
povo, e que é estabelecido como pilar de uma organização fundamental de um Estado.
2.1 O poder constituinte
Para Alexandre de Morais, poder constituinte “é a manifestação soberana da suprema
vontade política de um povo, social e juridicamente organizado”. (MORAES, 2006, p. 21).
No mesmo sentido, pode-se dizer que é aquele capaz de criar, modificar ou implementar
normas com força constitucional.
A doutrina costuma distinguir as espécies de poder constituinte, como poder originário
e poder derivado. O primeiro é um tipo de poder político, que não se prende a limites formais,
isto é, um tipo de poder extrajurídico que para sua alteração do texto constitucional devem ser
27
observados procedimentos determinados pela própria constituição. O segundo é definido
como poder jurídico que se prende a limitações tácitas e expressas, e tem como objetivo a
reforma da constituição. (BONAVIDES, 2000, p.125).
Em outras palavras, o poder constituinte originário também chamado de primário ou
de primeiro grau é o poder que tem a competência de elaborar uma Constituição, não
encontrando limites e sem obedecer às regras jurídicas já existentes. E o poder derivado
também denominado como reformador, instituído, ou de segundo grau, ó o poder que tem a
competência de modificar, implementar dispositivos do texto Constitucional.
Bonavides quanto discorre sobre o poder constituinte originário levanta um
questionamento sobre a sua legitimidade que pode ser política ou jurídica. Tratando-o como
uma questão de fato, chega-se a um poder que não se analisa em termos jurídicos formais. Por
outro lado, a questão de fato, ou seja, a tipicidade do poder constituinte, não deve excluir a
consideração de sua legitimidade. Quem diz poder constituinte, aceita a legitimidade desse
poder, de acordo com uma idéia básica formada por crenças ou princípios. (BONAVIDES,
2000, p. 125-128).
Deste modo vale salientar que a expressão “poder constituinte”, pressupõe regras
anteriores relacionadas à sua competência, o que facilita uma análise do ponto de vista
jurídico. Porém não é isso o que ocorre, pois o poder constituinte originário é o criador da
norma, não está submetido a qualquer Constituição. Pelo contrário, irá ordenar a Constituição
e se encontrará fora de seu alcance formal e material. Pode surgir por fatores dos mais
diversos, como sociais, políticos e revolucionários.
Paulo Bonavides define que o poder constituinte originário, no que tange seu aspecto
político, “só tem uma função capital: a de fazer com que a Nação ou o Povo, os governados,
enfim, sejam os sujeitos da soberania”. (BONAVIDES, 2000, p. 128). Sua criação teórica,
explica o autor, é a necessidade de abrandar usurpações de minorias em face da coletividade
nacional.
As formas de exercício do poder constituinte originário são destacadas como: outorga
e assembléia nacional constituinte. A outorga é a autolimitação do poder revolucionário
declarada unilateralmente na constituição. Já a assembléia constituinte, se caracteriza pela
deliberação da representação popular para o estabelecimento da limitação e organização do
Poder. (MORAES, 2006, p. 23).
Quanto às suas principais características, Alexandre de Moraes o define como
ilimitado, autônomo, incondicional e inicial. É ilimitado e autônomo, pois não há limitações
de direito anterior. (MORAES, 2006, p. 23).
28
O poder constituinte originário tem o poder de fazer a Constituição, de fixar a ordem
constitucional, e é com o poder constituinte originário que surgem os limites para o poder
constituinte reformador. Esse poder é capaz de gerar todo um sistema jurídico que dá estrutura
constitucional ao Estado.
O Poder Constituinte derivado está caracterizado por sofrer limitações constitucionais
expressas e implícitas, podendo ser derivado, subordinado e condicionado. Derivado porque
depende do Poder Constituinte originário; subordinado por ser limitado pelas normas
expressas e implícitas, não podendo desrespeitar sobre pena de ser inconstitucional; e
incondicionado pelo fato de seguir regras estabelecidas na Constituição. Pode ser dividido
também em espécies: como reformador e decorrente. É reformador, pois possibilita a
alteração do texto constitucional, respeitando a regulamentação especial, e decorrente, pois
possibilita que os Estados-membros sejam autônomos político e administrativamente, por se
organizarem pelas suas constituições estaduais. (MORAES, 2006, p. 24).
O Poder Constituinte reformador (derivado) caracteriza-se como um processo técnico
de mudança constitucional. Trata-se da incumbência para alterar a Constituição, adaptá-la às
exigências da evolução dos tempos. É uma necessidade de toda Constituição.
A Emenda Constitucional é o meio estabelecido pelo Poder constituinte originário
para reformar a Constituição, que no caso brasileiro está prevista no art. 60 da Constituição
Federal e poderá ocorrer a qualquer momento, desde que observado os parâmetros
constitucionais, sendo um dos meios de expressão do Poder Constituinte derivado. Conforme
Bonavides:
O estatuto do supremo tem nesse instrumento do processo legislativo o meio apropriado para manter a ordem normativa superior adequada com a realidade e as exigências revisionistas que se forem manifestando. (BONAVIDES, 1997, p.184).
Existe na doutrina distinção quanto às restrições formais processuais referentes ao
processo de emenda constitucional. São as limitações do poder de reforma contidas na própria
Constituição, e que não podem ser alteradas mesmo passando pelos procedimentos para que
ocorra sua mudança. São encontradas ainda as limitações circunstanciais, que dizem respeito
a situações anormais em que o poder de reforma não poderá ser exercido, como no caso de se
pretender emendar a Constituição no estado de sítio, de defesa ou em período de intervenção
federal. E, por último, a limitação temporal, que trata de um lapso de tempo em que não se
poderá alterar qualquer dispositivo constitucional. (TAVARES, 2006, p. 53).
29
Deste modo decorre que esse Poder Constituinte está submisso às normas da própria
Constituição, que determinam procedimentos e modos de agir, sob pena de
inconstitucionalidade no próprio processo de alteração constituição. Mas, como veremos no
item a seguir, no caso brasileiro nem toda disposição constitucional está sujeita à reforma.
2.2 As cláusulas pétreas
Primeiramente, convém entender o significado da expressão cláusula pétrea. De
acordo com o dicionário Aurélio, a palavra cláusula é derivada do latim e se traduz em
disposições de um contrato, tratado, testamento, ou quaisquer outros documentos
semelhantes, públicos ou privados, e ainda em um preceito ou norma. O adjetivo pétreo tem o
significado de resistência de pedra, e em seu sentido figurativo quer dizer insensível, duro,
desumano. (FERREIRA, 1986, p. 417, 1322).
Para Uadi Lammêgo Bulos, no que diz respeito à etimologia da palavra para o direito
constitucional, “cláusula pétrea é aquela insuscetível de mudança formal, porque consigna
núcleo irreformável da constituição”. (BULOS, 2007, p. 300).
Também chamadas de garantias de eternidade, cláusulas permanentes, cláusulas
absolutas, cláusulas intangíveis, cláusulas irreformáveis, ou ainda cláusula de
inamovibilidade, o legislador não poderá modificá-la, pois se trata de um limite material, que
desta forma visa vedar qualquer tipo de reforma constitucional contrária à substância da
constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e
periódico, a separação dos Poderes, os direitos e garantias fundamentais. (BULOS, 2007, p.
300).
Para Oscar Vilhena Vieira, as cláusulas superconstitucionais são destinadas a defender
valores fundamentais da Constituição, servem também como princípios que favorecem na
interpretação constitucional “suprindo as dificuldades e tensões impostas pela
desformalização do direito constitucional que acompanham a implementação de uma
Constituição tão vasta como a brasileira”. (VIEIRA, 1999, p. 29).
Neste sentido, Vieira acerca das limitações materiais, nos assegura:
O grande desafio de uma teoria das limitações materiais ao poder de reforma, dentro do quadro constitucional brasileiro, é alcançar uma
30
interpretação das cláusulas superconstitucionais capaz de assegurar a proteção dos procedimentos democráticos de tomada de decisão, das instituições que asseguram o Estado de Direito e, fundamentalmente, de todos aqueles direitos essenciais à realização da dignidade humana, sem desautorizar o direito de cada geração de realizar sua autonomia. (VIEIRA, 1999, p. 134).
Vale salientar que as limitações materiais nem sempre estão expressas no texto
constitucional, as limitações podem ser explícitas ou implícitas, devendo ser aplicadas ambas
com a mesma eficiência jurídica. As limitações materiais explícitas estão elencadas através do
artigo 60, §4º, da Constituição, o qual revela:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.
E é dentro dessa questão, que Tavares assevera que a circunstância de imutabilidade
apresenta algumas características que se revelam importantes, pois se referem a qualquer
norma material que contenha alguma dessas matérias mencionadas e que impede apenas que a
reforma seja tendente a abolir, não impedindo deste modo o alargamento ou reforço dessas
matérias, principalmente a dos direitos fundamentais. (TAVARES, 2006, p. 53).
Para uma melhor compreensão Lammêgo Bulos, nos esclarece sobre a expressão
“tendente a abolir”:
[...] a expressão tendente a abolir veicula a mensagem de que o Congresso Nacional, no exercício da competência reformadora, não poderá abrigar tendências que levem, conduzam, encaminhem, possibilitem, facilitem, mesmo indiretamente a deliberação de matérias sacras, intocáveis absolutas, fundamentais. Tendente computa a idéia de inclinar, ter vocação, ser conducente. Abolir por sua vez, é o mesmo que suprimir, revogar, afastar, pôr fora de uso. Ora, nenhuma proposta de emenda poderá inclinar-se no sentido de aniquilar a forma federativa de Estado, o voto secreto, universal e periódico, a separação de Poderes e os direitos fundamentais, porquanto esses assuntos integram o cerne intangível do Texto Maior. (BULOS, 2007, p. 298)
Quando é mencionado o inciso IV do art. 60 da Constituição Federal, fica indiscutível
a questão do alcance no que tange a sua limitação enquanto direitos e garantias fundamentais.
É nessa vertente que Bulos menciona que há uma imprecisão a respeito do dispositivo:
31
Os direitos e garantias não são apenas os individuais, isto é, as liberdades públicas clássicas. Englobam, também, os direitos econômicos, os sociais, e, ainda, os difusos, coletivos e individuais homogêneos, os quais não podem ser objeto de emendas tendentes a aboli-los. Sobre o inciso IV, em tela, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O inciso IV, do § 4º, do art. 60, da Constituição do Brasil, veicula regra dirigida ao Poder Constituinte derivado, que é quem não deverá deliberar sobre proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A ação/objeto é não abolir, vale dizer não excluir do texto da Constituição qualquer dos direitos ou garantias individuais, sejam os enunciados pelo artigo 5º, sejam outros mais, como tais qualificados mercê do que o Ministro Carlos Ayres Britto chama de interpretação generosa ou ampliativa das cláusulas” (STF, Pleno, RE 3.105-8/DF, Rel. orig. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, voto do Ministro Eros Graus, decisão de 18-8-2004). (BULOS, 2007, p. 299)
Uadi Lammêgo Bulos relata que o § 4º do art. 60 é sem dúvida, o mais importante no
que diz respeito à sua preservação e defesa, pois assegura limites materiais ao poder
reformador, restando em preservação de um núcleo da ordem constitucional pátria. Aduz
ainda, que passaram a existir os “miniconstituintes”, que apostam em propostas esdrúxulas
restando em fraude à constituição. Nesse sentido o autor aponta que a imprensa tem noticiado
propostas de emendas, sem levar em conta aos procedimentos técnicos que a constituição
dispõe. (BULOS, 2007, p. 299).
O próprio Congresso Nacional está sujeito aos limites materiais explícitos do poder de
reforma ao decidir pela inconstitucionalidade da proposta de emenda que almejava a
aplicação de pena de morte no Brasil.7
Nesse sentido, a respeito das limitações materiais, Oscar Vilhena Vieira, aduz que:
As Constituições democráticas, ao estabelecerem que certos direitos e instituições encontram-se acima do alcance dos órgãos ordinários de decisão política ou, mesmo, fora de sua competência, por força das limitações materiais ao poder de reforma, atuam como mecanismos de autovinculação, ou pré-comprometimento, adotados pela soberania popular para se proteger de suas paixões e fraquezas. Protegendo metas de longo prazo, constantemente subavaliadas por maiorias ávidas em maximizar seus interesses imediatos, as Constituições também funcionariam como mecanismo de proteção contra inconsciências temporais, temporais, defendendo, assim, as sociedades de suas próprias miopias. O constitucionalismo democrático traça, nesse sentido, um conjunto de limitações à maioria com o propósito de favorecer a dignidade humana e fortalecer a própria democracia, estabelecendo os princípios e as meta-regras a partir das quais o sistema democrático deve funcionar, sem, no entanto, suprimi-los. (VIEIRA, 1999, p. 19).
7 STF, Pleno, ADIN 466/91/DF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 9-4-1991
32
Oscar Vieira entende que além dos mecanismos que já foram inseridos na defesa das
decisões constituintes, a Constituição elencou um extenso rol de limitações matérias disposto
no art. 60, § 4º, ou seja, o "constituinte impôs, assim, uma distinção entre preceitos
meramente constitucionais – que podem ser alterados pelo procedimento ordinário de
mudança constitucional – e dispositivos superconstitucionais – imunes ao poder constituinte
reformador". (VIEIRA, 1999, p. 21).
Portanto, ao estabelecer algo irreformável, o constituinte deu caráter
superconstitucional, isto é, estabeleceu que os conjuntos de normas e princípios seriam
hierarquicamente superiores aos demais preceitos constitucionais. Ressalta-se:
“Superconstitucionalidade, e não supraconstitucionalidade, pois, embora superiores, esses
dispositivos ainda se encontram dentro da órbita da Constituição: direito positivo, e não
transcendente.” (VIEIRA, 1999, p. 135).
No que corresponde às limitações implícitas, Canotilho relata que as constituições não
contêm quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão, entende que existem limites
tácitos, que estão vinculados ao poder de revisão. Faz distinção ainda, entre “limites textuais
implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes em uma
ordem de valores pré-positiva vinculativa da ordem constitucional concreta”. (CANOTILHO,
2002, p. 1051).
Importante destacar, que a doutrina não é unânime quando pretende demonstrar quais
seriam as limitações implícitas. Com isso os limites expressos até poderiam apresentar certa
vantagem, pois o que é expresso é muito mais facilmente identificável, e desta forma impede
controvérsias no que diz respeito a quais são os limites que devem ser respeitados ao poder
reformador.
Não é toda e qualquer matéria que poderá constituir motivo para a competência
reformadora. Deste modo, não são apenas as liberdades públicas do art. 5º da Constituição
que são insuscetíveis de reforma por configurarem direitos fundamentais formulados pela
cláusula pétrea do art. 60 § 4º IV. Como leciona Bulos: “Quaisquer outras prerrogativas,
espraiadas na Carta de 1988, e que guardarem correspondência com o seu cerne imodificável,
não podem ser alvo de propostas de emendas tendentes a aboli-lo” (BULOS, 2007, p. 307).
Deste modo, todas as limitações do poder reformador servirão de guia para saber o que
pode e deve ser mudado através das modificações formais. Não é possível alimentar que as
“forças operantes das normas constitucionais podem evoluir a conjuntura social” (BULOS,
2007, p. 302). Os preceitos constitucionais servem para ordenar a realidade da interpretação
33
que lhes é atribuída, não são de modificações formais, de promessas teóricas que poderão
atingir idéias infundadas. (BULOS, 2007, p. 302).
Existem doutrinadores que concordam com a possibilidade da reformulação das
cláusulas pétreas. Essa posição, porém é rechaçada por Canotilho:
A tese do duplo processo de revisão, conducente à relatividade dos limites de revisão, parece-nos de afastar. Já atrás, ao tratarmos da tipologia das normas constitucionais, tínhamos alertado para o facto de as normas de revisão serem qualificadas como normas superconstitucionais. Elas atestariam a superioridade do legislador constituinte, e a sua violação, mesmo pelo legislador de revisão, deverá ser considerada como incidindo sobre a própria garantia da Constituição. A violação das normas constitucionais que estabelecem a imodificabilidade de outras normas constitucionais deixará de ser um acto constitucional para se situar nos limites de uma ruptura constitucional. Neste caso, sim, as disposições dos arts. 286 e seguintes serão simples proibições ineficazes em face de alterações constitucionais directamente dirigidas à ruptura constitucional.8 (CANOTILHO, 2002, p. 1053).
Jorge Miranda por sua vez, manifesta o entendimento de que em razão da dupla
revisão, é necessário primeiramente revogar a cláusula que impõe a limitação material para
depois discutir sobre a matéria em questão. Aduz ainda que, as cláusulas pétreas são normas
constitucionais como quaisquer outras e podem elas próprias ser objeto de revisão.
(MIRANDA, 2002, p. 218).
A tese da dupla revisão por Jorge Miranda é defendida da seguinte maneira:
As normas de limites expressos não são lógica e juridicamente necessárias, necessários são os limites; não são normas superiores, superiores apenas podem ser, na medida em que circunscrevem o âmbito da revisão como revisão, os princípios aos quais se reportam. Como tais – e sem isto afectar, minimamente que seja, nem o valor dos princípios constitucionais, nem o valor ou a eficácia dessas normas na sua função instrumental ou de garantia – elas são revisíveis do mesmo modo que quaisquer outras normas, são passíveis de emenda, aditamento ou eliminação e até podem vir a ser suprimidas através de revisão. Não são elas próprias limites materiais. Se forem eliminadas cláusulas concernentes a limites do poder constituinte (originário) ou limites de revisão próprios ou de primeiro grau, nem por isso estes limites deixarão de se impor ao futuro legislador de revisão. Porventura, ficarão eles menos ostensivos e, portanto, menos guarnecidos, por faltar, doravante, a interposição de preceitos expressos a declará-los. Mas somente haverá revisão constitucional, e não excesso do poder de revisão, se continuarem a ser observados. Se forem eliminadas cláusulas de limites impróprios ou de segundo grau, como são elas que os constituem como limites, este acto acarretará, porém, automaticamente, o desaparecimento dos respectivos limites, que, assim, em próxima revisão, já
8 Quando o autor menciona o artigo 286, refere-se ao artigo da Constituição portuguesa.
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não terão de ser observados. É só, a este propósito, que pode falar-se em dupla revisão. (MIRANDA, 2002, p. 232).
Contudo, Lammêgo Bulos, admite que a tese de dupla revisão está-se atentando contra
a própria constituição, enfraquecendo o documento supremo. Fato este já estar comprovado
por ter sua inconstitucionalidade já declarada pelo Supremo Tribunal Federal. (BULOS, 2007,
p. 303).
Uma emenda constitucional emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é a guarda da Constituição (art. 102, I a, da CF)9
Em suma, a emenda tendente a abolir os limites materiais §4º do art. 60 da
Constituição Federal, será inconstitucional. Deste modo as cláusulas pétreas afiguram-se em
insuperáveis “porque alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e
incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover fraude à
constituição” e imprescritíveis “porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora
depositados pela própria manifestação constituinte originária, é usurpar o caráter fundacional
do poder criador da constituição.” (BULOS, 2007, p. 303).
Embora a cláusula pétrea subjugue toda a aplicação do ordenamento jurídico, o que
mais preocupa nesse sentido não é apenas a devida interpretação da extensão das garantias
imodificáveis, mas é o fato de se for considerado uma extensa gama de direitos e garantias
invioláveis, mais tarde ocorrerá o rompimento da ordem jurídica, pois as futuras gerações
também se questionarão e esses valores já não serão mais aplicados à sua realidade.
É nessa perspectiva que Oscar Vilhena Vieira nos traz o estudo sobre a fundamentação
da superconstitucionalidade, e demonstra que por ter sido estabelecido por um poder
constituinte anterior ou por ser compatível com um conjunto preestabelecido de direitos, não
configura o suficiente para a garantia da legitimidade das cláusulas pétreas. (VIEIRA, 1999,
p. 225).
O autor nos esclarece um pouco mais sobre o fundamento da superconstitucionalidade:
As cláusulas constitucionais intangíveis apenas serão consideradas legítimas se servirem como elementos estruturantes, que habilitam e favorecem os cidadãos a se constituírem em sociedade, como uma
9 STF, Pleno, ADIn 829-3/DF Rel Min. Moreira Alves, decisão ed 12-4-1993; STF, Pleno, ADIn 1.805-MC/DF, Rel Min. Néri da Silveira, decisão de 26-3-1998; STF, Pleno, ADIn, 1.946-MC/DF, Rel. Min. Sydney Snaches, decisão de 7-4-1999
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comunidade de indivíduos iguais e autônomos, que decidem ser governados pelo Direito. Não devem, portanto, ser compreendidas ou, mesmo, utilizadas como instrumento de bloqueio absoluto de mudanças, de proteção de privilégios status quo, mas como elementos que viabilizam a evolução da sociedade democrática e a promoção das mudanças necessárias na esfera constitucional, sem colocar em risco a sobrevivência digna. Não se pode negar à geração precedente o pretenso direito de assegurar, para todo o sempre, uma situação de liberdade e igualdade – o que poderá fazer de diversas formas, entre as quais o direito constitucional e as cláusulas intangíveis, que nos limitam minimamente para nos prevenir que limitemos nossos sucessores maximamente. (VIEIRA, 1999, p. 225-226).
Nessa ocasião, o autor resguarda que o absolutismo das cláusulas pétreas só se
justifica se for utilizado como um absolutismo em favor das condições essenciais da
“autonomia presente e futura”. Em outras palavras, a superconstitucionalidade deve ser
aplicada de modo que as gerações futuras possam ser favorecerias com a possibilidade
perpétua de escolha da melhor forma de instituir a constituição. (VIEIRA, 1999, p. 226).
O Estado democrático-constitucional tem historicamente articulado a convivência de um Direito com pretensão de legitimidade e um poder coercitivo que garante respaldo a esse Direito e, ao mesmo tempo, é por ele domesticado. A finalidade de uma teoria das cláusulas superconstitucionais é que o processo de emancipação humana, que o constitucionalismo democrático vem realizando, possa ser preservado e expandido ao longo do tempo. As cláusulas superconstitucionais não precisam, assim, buscar novo direito natural a sua fundamentação, mas prospectivamente retiram sua legitimidade da capacidade de compreender quais as condições fundamentais para a preservação da dignidade e da autonomia privada e pública dos cidadãos. Sua finalidade é proteger essas qualificações de maiorias qualificadas eventualmente seduzidas pelo canto de morte das sereias. Compreendidas e limitadas a essas condições de viabilização da dignidade e da autonomia pública e privada dos cidadãos, as cláusulas superconstitucionais não serão antidemocráticas, mas instrumentos legítimos e habilitadores da democracia, como meio de realização dos direitos humanos fundamentais. (VIEIRA, 1999, p. 227).
Deste modo a Constituição deve ser, de modo a não descaracterizar os preceitos que
ela determina. Se não fosse por este fato, o legislador constituinte não estabeleceria vedações
para o poder de reformada com intuito de proteger seu conteúdo e evitar a depreciação do
sistema constitucional pelo legislador ordinário.
Ainda, para além da vedação das cláusulas pétreas, tem a doutrina apontado para a
“proibição de retrocesso social” como outra limitação ao poder de reforma constitucional.
36
2.3 A proibição do retrocesso social
Tem sido cada vez mais discutida no Direito Constitucional a necessidade da
aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso social como um princípio que resguarda
a efetivação de algum direito. Nesse contexto, os princípios são a própria base de um sistema,
o seu alicerce e fundamento. Independentemente de estarem expressos ou implícitos, eles
determinam uma carga axiológica elevada, sendo essencial para a formação e preservação da
identidade jurídica.
Na lição de Lu iz Roberto Barroso, “os princípios tiveram de conquistar o status
de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica,
ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta ou imediata”. (BARROSO, 2005, p. 279).
É com a aplicação desse princípio que se busca a efetividade da dignidade da pessoa
humana através da segurança jurídica. Neste sentido, Sarlet faz menção de que para se obter
uma melhor compreensão do significado da expressão retrocesso social, a noção do conceito
de segurança jurídica se faz indispensável. Vejamos:
Com efeito, a doutrina constitucional contemporânea tem considerado a segurança jurídica como expressão inarredável do Estado de Direto, de tal sorte que a segurança jurídica passou ater o status de subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito. Assim, para além de assumir a condição de direito fundamental da pessoa humana, a segurança jurídica constitui simultaneamente princípio fundamental da ordem jurídica internacional, como dão conta às diversas manifestações deste princípio nos diferentes documentos supranacionais. (SARLET, 2007, p. 442-443)
Canotilho ao denominar a proibição de retrocesso social, como “proibição de contra-
revolução” social ou ainda de “evolução reacionária”, ressalta a importância da aplicabilidade
do princípio em questão:
Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. Desta forma, e independentemente do problema «fático» da irreversibilidade das conquistas sociais (existem crises, situações econômicas difíceis, recessões econômicas), o princípio em análise justifica, pelo menos, a subtração à livre e oportunística disposição do legislador, da diminuição de direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural. O reconhecimento desta proteção de «direitos
37
prestacionais de propriedade», subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas subjctivamente alicerçadas. (CANOTILHO, 1993, p. 468)
No mesmo sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello, defende a segurança jurídica
como uma das aspirações do ser humano:
Esta “segurança jurídica” coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente - e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamento cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana.” (MELLO, 2003, p. 86)
Desta forma, verifica-se que só será possível a devida aplicação da proteção dos
direitos fundamentais no que tange a seu conteúdo de dignidade da pessoa humana, se estes
estiverem assegurados através da segurança jurídica. A proteção da dignidade da pessoa
humana, não resulta apenas na proteção da violação desse direito, se cuida também na
proteção contra medidas retrocessivas, levando em conta que não devem ser vistas apenas
como uma proteção retroativa, pois não alcançam as “figuras dos direitos adquiridos, do ato
jurídico perfeito e coisa julgada”. (SARLET, 2007, p. 444)
Nessa vertente, Sarlet destaca seu entendimento sobre o princípio da proibição do
retrocesso social.
Basta lembrar aqui a possibilidade de o legislador, seja por uma emenda constitucional (consoante já analisado), seja por uma reforma no plano legislativo, suprimir determinados conteúdos da Constituição ou revogar normas legais destinadas à regulamentação de dispositivos constitucionais, notadamente em matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos meramente prospectivos. Com isso, deparamo-nos com a noção que tem sido ‘batizada’ pela doutrina – entre outros termos utilizados – como proibição (ou vedação) de retrocesso [...]. (SARLET, 2007, p. 444)
Evidencia-se, assim, que a interpretação da consagrada segurança jurídica se faz
necessária de modo que, se inscrita pela própria Constituição Federal, traz para cada cidadão a
certeza da confiança do ordenamento jurídico, sem ver-se surpreendido com mudanças na
aplicação da legislação.
38
Deve ser destacada a importância do reconhecimento do princípio implícito da
proibição do retrocesso social, com argumentações suficientemente robustas e
constitucionalmente adequadas na ordem jurídico constitucional brasileira.(SARLET, 2007, p.
456).
Luiz Roberto Barroso aduz que, apesar do princípio da proibição do retrocesso social
não estar explícito na Constituição Federal, existe a possibilidade da plena aplicabilidade no
mundo jurídico-constitucional. Nesse sentido, argumenta o autor:
Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido. (BARROSO, 2006, p. 152).
Em sentido estrito o princípio da vedação do retrocesso como já visto, decorre de
modo implícito no sistema constitucional brasileiro e resulta do princípio da maximização da
eficácia de todas as normas de direitos fundamentais, contidas no artigo 5º, § 1º, da
Constituição Federal, ele também está designado de alguns outros princípios de matriz
jurídico-constitucional brasileira. (SARLET, 2007, p. 460).
No que tange à amplitude da proteção outorgada pelo princípio da proibição do
retrocesso social, é encontrada considerável controvérsia, pois a existência de uma proteção
contra o retrocesso não pode assumir um caráter absoluto, no que diz respeito aos direitos
sociais. (SARLET, 2007, p. 460).
Não é correto encarar a proibição do retrocesso como uma regra geral de cunho
absoluto, pois esta solução caso aceitável, acabaria conduzindo a transmutação das normas
infraconstitucionais. (SARLET, 2007, p. 461). Neste sentido, Sarlet, menciona qual é o
verdadeiro papel do princípio da proibição do retrocesso:
Assim, a proibição de retrocesso assume (como parece ter sido suficientemente fundamentado) feições de verdadeiro princípio constitucional fundamental implícito, que pode ser reconduzido tanto ao princípio do Estado de Direito (no âmbito da proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas inerentes à segurança jurídica), quanto ao princípio do Estado Social, na condição de garantia da manutenção dos graus mínimos de segurança social alcançados, sendo, de resto, corolário da máxima eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais sociais e do direito à segurança jurídica, assim como da própria dignidade da pessoa humana. (SARLET, 2007, p. 462).
39
É importante elucidar a construção de alguns critérios materiais que viabilizem uma
solução constitucionalmente adequada no que se refere aos limites da aplicação do princípio
da proibição de retrocesso. O que deve ser averiguado é o núcleo essencial dos direitos
fundamentais sociais como objeto de medidas retrocessivas, pois o legislador não pode, após
ser concretizado determinado direito social mesmo no plano da legislação infraconstitucional,
querer voltar atrás de sua decisão. (SARLET, 2007, p. 463).
Deve-se averiguar ainda, que este princípio está vinculado ao princípio da dignidade
da pessoa humana, pois a dignidade da pessoa humana abrange bem mais do que uma garantia
de sobrevivência humana, “não podendo ser restringido, portanto, à noção de um mínimo vital
ou a uma noção estritamente liberal de um mínimo suficiente para assegurar o exercício das
liberdades fundamentais”. (SARLET, 2007, p. 464).
Sarlet aduz ainda que, a proibição de retrocesso, representa também uma proteção que
já é encontrada no ordenamento constitucional:
Com isso também se percebe nitidamente que a proibição de retrocesso no sentido aqui versado representa, em verdade, uma proteção adicional outorgada pela ordem jurídico-constitucional, que vai além da proteção tradicionalmente imprimida pelas figuras do direito adquirido, da coisa julgada, bem como das demais vedações específicas de medidas retroativas. Assim, até mesmo em homenagem às evidentes diferenças entre atos de cunho retroativo e medidas prospectivas, não se poderia imprimir, ao menos em princípio, tratamento similar a ambas as situações. (SARLET, 2007, p. 465).
Uma medida legislativa, administrativa ou judicial, para não violar o princípio da
proibição de retrocesso, deve conservar o núcleo essencial dos direitos sociais, referente às
prestações indispensáveis para conservar a vida com dignidade para todas as pessoas. Não se
deve esquecer que a violação do princípio da proibição do retrocesso, sempre implicará na
violação da dignidade da pessoa humana, que por esse motivo estará sendo inconstitucional.
(SARLET, 2007, p. 467).
Ingo Wolfgang Sarlet, chama atenção nesse sentido:
Que também no âmbito da proibição de retrocesso importa que se tenha sempre presente a circunstância de que o conteúdo do mínimo existencial para uma vida digna encontra-se condicionado pelas circunstâncias históricas, geográficas, sociais, econômicas e culturais em cada lugar e momento em que estiver em causa, resulta evidente e vai aqui assumido como pressuposto de nossa análise. (SARLET, 2007, p. 467).
40
Importante frisar, que a dignidade da pessoa humana e a relação da noção de “mínimo
existencial”, não se revelam sendo os únicos critérios suficientes para a devida aplicação do
princípio da proibição de retrocesso; deve-se salientar a importância da noção de segurança
jurídica. (SARLET, 2007, p. 468).
Sarlet destaca seu posicionamento sobre a devida aplicação da segurança jurídica:
Neste contexto, voltamos a frisar que um dos principais desafios a serem enfrentados também no âmbito de uma proibição de retrocesso é o da adequada hierarquização entre o direito à segurança (que não possui – convém frisá-lo – uma dimensão puramente individual, já que constitui elemento nuclear da ordem objetivo de valores do Estado de Direito como tal) e a igualmente fundamental necessidade de, sempre em prol do interesse comunitário, proceder aos ajustes que comprovadamente se fizerem indispensáveis, já que a possibilidade de mudanças constitucionalmente legítimas e que correspondam às necessidades da sociedade como um todo (mas também para a pessoas considerada) carrega em si também um componente de segurança que não poder ser desconsiderado. (SARLET, 2007, p. 468).
Hartmut Maurer citado por Ingo Wolfgang Sarlet assevera que a segurança jurídica
“acaba por significar igualmente uma certa garantia de continuidade da ordem jurídica, que
evidentemente não se assegura exclusivamente com a limitação de medidas estatais
tipicamente retroativas”. O princípio da proibição do retrocesso além de tudo revela-se como
segurança para um critério de continuidade do ordenamento jurídico. (SARLET, 2007, p. 468-
469).
É certo que a proibição de retrocesso é um princípio constitucional implícito
desenvolvido para o âmbito dos direitos sócias (2ª geração). Contudo, sua inclusão neste
segundo capítulo teve o intuito de demonstrar a força que a idéia de imutabilidade dos direitos
fundamentais possui nos dias atuais. Além disso, nada nos impede, como veremos a seguir no
terceiro capítulo, de defender a idéia de que o tratamento que o legislador constitucional de
1988 dedicou ao adolescente e à criança afiguram-se, também, como aspecto do bem-estar
social do sujeito.
41
3 A IMPUTABILIDADE FIXADA AOS 18 ANOS COMO CLÁUSULA
PÉTREA: A PARCIAL IMUTABILIDADE DO ART. 228 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Nos capítulos anteriores, foram analisadas questões de acentuada importância, como a
evolução história dos Direitos Fundamentais, que se fez necessário em aprofundar o estudo
para reconhecer a importância adquirida pelos Direitos Fundamentais no Constitucionalismo
Contemporâneo. Foi estudada, ainda, a mutabilidade e a rigidez constitucional, revelando-se
como um aspecto importante para o entendimento das limitações constitucionais, pois as
condições de realidade nem sempre podem estar sujeitas às concretizações, muitas vezes
acabando em contradição com o texto constitucional. Em seguida, estudou-se sobre o
princípio da proibição do retrocesso, que por sua vez revelou que os Direitos Fundamentais
por serem consideradas cláusulas pétreas não devem ser suprimidos da Constituição.
Agora, revela-se oportuno contextualizar sobre o Princípio Fundamental da Doutrina
da Proteção Integral inaugurada pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança,
aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1989, mencionando
que todas as crianças possuem características específicas.
3.1 A peculiar condição do adolescente no sistema de proteção do estatuto da criança e
do adolescente
De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, a responsabilidade pela criança
e pelo adolescente é dever da família, da sociedade e do Estado, de assegurar o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dentro desse contexto, a estrutura familiar e a transmissão cultural de valores
revelam-se importantes para afastar o adolescente do crime; todavia, essa tarefa será
complicada se houver desorganização social na comunidade onde está inserida a família.
Quanto à responsabilidade da sociedade pelo adolescente, vai além do “dever de zelar por
42
ele”, pois muitas vezes a própria sociedade é quem estimula o crime. Como, por exemplo, em
situação de envolvimento de tráfico de entorpecentes, a sociedade é quem consome as drogas,
e é para a sociedade que vai o dinheiro, na medida em que os adolescentes consomem e
estimulam a economia formal. Já no que tange a responsabilidade do Estado, deve ser
amparada com políticas sociais que possibilitem a democracia. Desta forma, cabe ao Estado,
organizar meios de participação da sociedade e da família, aplicando o que dispõe o artigo
227 da Constituição Federal, proporcionando a devida interação entre Estado, família e
sociedade. (JESUS, 2006, p. 113-126).
Foi com o texto Constitucional através de seu artigo 227, que o Estatuto da Criança e
do Adolescente ganhou transformação quanto ao tratamento em matéria legal. Quando a
Doutrina da Proteção integral passou a ser aplicada em substituição ao sistema da Doutrina da
Situação Irregular. Essa mudança de padrões e referenciais na aplicação de uma Política
Nacional trouxe reflexo em todas as áreas, especialmente no que tange a questão
infraconstitucional. (SARAIVA, 2006, p.17).
Neste sentido, Maurício Neves de Jesus faz menção à função do Estatuto da Criança
e do Adolescente:
O Estatuto foi concebido para a participação conjunta de Estado, sociedade (e comunidade) e família como garantidores dos direitos da criança e do adolescente e destes como protagonistas de seu desenvolvimento. O problema da violência na área da infância e juventude está intimamente ligado à capacidade de organização estrutural do Estado e da sociedade. (JESUS, 2006, p. 113-126).
A conquistada condição que se aplica ao adolescente como sujeito de direitos resulta
de uma longa e penosa conquista no ordenamento jurídico. Pois até as crianças e adolescentes
conquistarem “o status de titulares de direitos e obrigações próprios da condição de pessoa em
peculiar condição de desenvolvimento que ostentam, deram-se muitas lutas e debates”. Essa
condição expressa através do Estatuto da Criança e Adolescente não é mérito do legislador,
mas resulta de um “processo de construção de direitos humanos conquistados e afirmados
pela marcha civilizatória da humanidade”. (SARAIVA, 2003, p. 18-19).
O Estatuto da Criança e do Adolescente rompe os procedimentos anteriores,
introduzindo um novo sistema de conceitos jurídicos de criança e adolescente. O termo
“menor” servia para conceituar uma “situação irregular”, doutrina que foi revogada no
ordenamento jurídico, e que tratava o “menor” como “mero objeto de processo”. (SARAIVA,
2003, p. 18).
43
Para a Doutrina da Situação Irregular, havia duas infâncias, das crianças e dos
adolescentes, “a quem os direitos eram assegurados, tidos em situação regular e em face dos
quais a lei lhes era indiferente; e outra, a dos ”menores”, objeto da ação da lei, por estarem em
situação irregular.” (SARAIVA, 2006, p. 18).
Importante analisar o que se fazia presente na caracterização da Doutrina da
Situação Irregular, quando ficava evidenciado que as crianças e os adolescentes “aparecem
como objetos de proteção, não são reconhecidos como sujeitos de direitos, e sim como
incapazes. Por isso as leis não são para toda a infância e adolescência, mas sim para os
menores”. (SARAIVA, 2006, p. 24-26). Consideravam as crianças e adolescentes como
inimputáveis penalmente diante dos atos infracionais. Esse meio “protetivo” resultava que não
lhes era assegurado um processo com garantias, e a decisão da privação de liberdade, não
dependia apenas do fato cometido, mas da “situação de risco” que a criança e adolescente se
encontravam. (BELOFF, 1999, p. 9-21, apud, SARAIVA, 2006, p. 24-26).
Já a Doutrina da Proteção Integral passa a entender uma única infância. Certifica
apenas uma condição de criança e adolescente, “pessoa em peculiar condição de
desenvolvimento, estabelecendo uma nova referência paradigmática” (SARAIVA, 2006, p.
18).
JESUS aborda questionamentos sobre a Proteção Integral:
Em resumo, proteger de quem? Da família, da sociedade e do Estado. E proteger como? Através de direitos e garantias expressos pelo legislador mediante um sistema jurídico que releve, pelo seu valor intrínseco, crianças e adolescentes. E proteger de quê? Os interesses fundamentais da criança ou adolescente à vida, saúde, educação, liberdade, lazer, convivência familiar, convivência comunitária, integridade física, mental, espiritual etc. Esta, portanto, a essência da proteção integral, substância das relações jurídicas próprias do Direito da Criança e do Adolescente. (DE PAULA, 2002, p. 24, apud, JESUS, 2006, p. 130).
Vale salientar algumas características que se fazem importantes quando se fala na
“distinção entre as competências pelas políticas sociais e competências pelas questões
relativas à infração à lei penal”. (BELOFF, 1999, p. 9-21, apud SARAIVA, 2006, p. 26-27).
Estabelecendo aqui, princípios fundamentais como o da ampla defesa, reconhecendo que os
direitos das crianças e dos adolescentes “dependem de um adequado desenvolvimento das
políticas sociais”. (BELOFF, 1999, p. 9-21, apud SARAIVA, 2006, p. 26-27). Não se fala
mais em “meias-pessoas” ou pessoas incompletas, mas sim pessoas completas, com a
diferença de que são pessoas e que se encontram em “peculiar condição de desenvolvimento”.
44
E deste modo, surge o direito da criança e do adolescente serem ouvidos por um Juiz que se
encontre na sua função jurisdicional, devendo a Justiça da Infância e Juventude, ocupar-se
dessas questões, tanto na órbita penal quanto na órbita civil. (BELOFF, 1999, p. 9-21, apud
SARAIVA, 2006, p. 26-27).
Como resultado dessas características, surge um novo estabelecimento de medidas
aplicáveis ao “adolescente em conflito com a lei, onde a última alternativa de modo
excepcional será sua privação de liberdade em instituição” (SARAIVA, 2006, p. 28).
Quando a Constituição Federal estabelece que a maioridade penal se faz a partir de 18
anos, revela um tratamento especial que deve ser operacionalizado por meio do Estatuto da
Criança e do Adolescente. O legislador brasileiro, seguindo tendência mundial sobre os
direitos da criança e do adolescente preconizado pela Organização das Nações Unidas,
reconhece esse grupo como “sujeitos de direitos, destinatários da doutrina da proteção integral
e prioridade absoluta das políticas públicas” (SARAIVA, 2006, p. 33).
Deste modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem como princípio norteador o
reconhecimento de que as crianças e os adolescentes desfrutam de uma condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (SARAIVA, 2006, p. 33), ou seja, retomando o segundo capítulo,
têm direito a um especial desenvolvimento individual e social.
SARAIVA em seus ensinamentos, relata sobre a peculiar condição da pessoa em
desenvolvimento:
Essa peculiar condição de pessoa em desenvolvimento faz-se inquestionável, a justificar a existência de um sistema diferenciado de atendimento deste segmento da população. Nem sempre, porém, esta condição especial é percebida por todos. Ao menos nem sempre é percebida como uma condição que atinja a todos que se encontram na mesma etapa de desenvolvimento. (SARAIVA, 2006, p. 33).
Conformar-se que o adolescente é sujeito de suas ações, sujeito de direitos, e em
resultado, titular de direitos e deveres, nem sempre se dá de forma a ser compreendido por
todos. “Há mitos e preconceitos impedindo esta compreensão”.(SARAIVA, 2006, p. 37).
Pois em se tratando do critério de estabelecimento de idade mínima penal, Saraiva
aduz:
A opção legislativa brasileira no sentido de situar objetivamente a adolescência no período compreendido entre a zero hora do dia em que a criança completa 12 anos até o instante antecedente à zero hora do dia em que o adolescente completa dezoito anos, se constitui em uma decisão de política criminal. Opção adequada e consentânea à ordem jurídica
45
internacional, nos termos da própria Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança; garantista em sua concepção na medida em que supera o inominável critério biopsicológico sobre o discernimento, adotado no Brasil ao tempo do Código Penal do império e abandonado por inadequado e arbitrário ainda nos primeiros anos do século XX (SARAIVA, 2006, p. 30).
Assim a verdadeira compreensão da criança e do adolescente em relação com a lei,
deve ser baseada na compreensão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a
responsabilidade penal juvenil que disso decorre, sem concessões; “seja ao paternalismo
ingênuo, que somente enxerga o adolescente infrator como vítima de um sistema excludente,
em uma leitura apenas tutelar; seja ao retribucionismo hipócrita, que vê o adolescente infrator
ao algoz da sociedade”. (SARAIVA, 2006, p. 39).
Deste modo, a ação de todos os agentes envolvidos com a questão infracional, o
envolvimento e o comprometimento, revela-se importante com todos os “atores desse
processo”. “Para isso há de existir decisão política e engajamento de todos os poderes,
Executivo, Legislativo e Judiciário, fazendo valer a prioridade absoluta preconizada no art.
227 da Constituição Federal”. (SARAIVA, 2006, p. 53). Deve-se salientar ainda, que até os
jovens de “remoto prognóstico de recuperação” merecem a aplicação desse ordenamento, pois
se forem tratados adequadamente, os resultados serão positivos “não prejudicanto o
aperfeiçoamento do sistema”. (SARAIVA, 2006, p. 53).
Nesse contexto, SARAIVA aduz sobre a importância da aplicação do sistema do
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Há que se ter em vista que a opção por um tratamento diferenciado ao adolescente autor do ato infraconstitucional resulta de uma disposição política do Estado, na busca de uma cidadania que se perdeu – ou jamais foi conquistada (SARAIVA, 2006, p. 53).
Assim, situado as premissas de Direitos Fundamentais e da condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento através da fundamentação dos Direitos da Criança e do
Adolescente, e ainda dentro das normas que traz a Constituição Federal, faz-se, necessário
analisar as principais propostas que tramitam no Congresso Nacional para alterar o artigo 228.
Dessa forma, pelas inúmeras controvérsias que elas têm produzido, analisa-se àquelas de
maior relevância, aos fins a que esse estudo se destina, qual seja a discussão da
constitucionalidade dessas propostas.
46
3.2 Sobre as propostas de redução da maioridade penal
A questão da redução da maioridade penal tem sido alvo de inúmeras discussões
durante os últimos anos. Propostas de Emenda à Constituição foram elencadas com o fim de
atribuir nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, diminuindo a idade da
responsabilidade penal. Atualmente, o polêmico assunto tramita na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania do Senado Federal, que foi aprovado por 12 votos a 10, a Proposta de
Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. O texto,
do senador Demóstenes Torres, propõe a redução, mas estabelece o regime prisional somente
para jovens menores de 18 anos e maiores de 16 que cometerem crimes hediondos. O texto
aguarda pauta para votação no plenário do Senado em dois turnos. Após deverá ser apreciado
pela Câmara dos Deputados.
A primeira Proposta de Emenda à Constituição aconteceu no ano de 1999, de autoria
do Senador Romero Jucá, identificada com o número 18/1999. Esta proposta tramitou
juntamente com mais duas propostas: a Proposta de Emenda Constitucional 20/1999 e a
Proposta de Emenda Constitucional 03/2001, apresentadas pelo Senador José Roberto Arruda.
No ano de 2002, foi o Senador Íris Rezende, com a Proposta de Emenda Constitucional de
número 26/2002. Importante frisar que as quatro Propostas possuíam o mesmo fim, reduzir a
maioridade penal de dezoito anos para a idade de dezesseis anos.
No ano de 2003 outras duas Propostas de Emenda Constitucional foram elencadas,
visando a mesma alteração do artigo 228 da Constituição Federal. A Proposta de Emenda
Constitucional 90/2003, de autoria do Senador Magno Malta, estabelecia que a imputabilidade
penal, nos casos estabelecidos como crimes hediondos, passariam a ser aos 13 anos de idade
sua culpabilidade. Já a Proposta de Emenda Constitucional de número 09/2004 de autoria do
Senador Papaleo Paes, apresentava a proposta de análise de cada adolescente, para que desta
forma fosse levado em conta o caráter da idade psicológica, igual ou superior a idade de 18
anos.
As propostas de redução da maioridade penal procuram mobilizar um suposto clamor
social no sentido de que a imputabilidade penal seja reduzida dos 18 anos de idade para os 16
anos. Desta forma deve-se ressaltar que as crianças e os adolescentes, pessoas cujo processo
peculiar consta em desenvolvimento, passariam a ser julgados pela Justiça Comum, a partir
dos 16 anos, para cumprimento de penas no sistema penitenciário juntamente com os adultos.
47
Se a Proposta de Emenda Constitucional for aprovada por votação no plenário do
Senado em dois turnos e apreciado pela Câmara dos Deputados, o artigo 228 da Constituição
Federal terá novo texto:
Dê-se ao art. 228 da Constituição Federal, de que trata a art. 1º da Proposta de Emenda a Constituição nº 20, de 1999, a seguinte redação: Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos as normas da legislação especial. Parágrafo único. Os menores de dezoito e maiores de dezesseis anos: I – somente serão penalmente imputáveis quando, ao tempo da ação ou omissão, tinham plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, atestada por laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz; II – cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de dezoito anos; III – terão a pena substituída por uma das medidas socioeducativas, previstas em lei, desde que não estejam incursos em nenhum dos crimes referidos no inciso XLIII, do art. 5º, desta Constituição.
Em análise do parecer nº 478, de 2007 sobre as Propostas de Emenda a Constituição nº
20/1999, ficou constatado que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, não se
preocupou em fundamentar se a emenda poderia ofender cláusula pétrea, lançando a seguinte
frase: “As PECs não ofendem cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) e observam a exigência
constitucional quanto a iniciativa (art. 60, I).” (CCJ, 2007, p. 19020).
Contrários ao projeto manifestaram-se os senadores Aloizio Mercadante e Patrícia
Saboya que dispuseram seus votos em separado, lembraram que a diminuição da maioridade
não vai resolver a grave crise de segurança pública no país.
Aloizio Mercante, em análise da Proposta de Emenda Constitucional, relatou que o
artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal veda apreciação de deliberação de propostas
tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”.
O Senador ainda afirmou que durante a reunião de Comissão e Justiça do dia 14 de
fevereiro do ano de 2007, foram apresentadas informações contraditórias quanto a
comparação das legislações penais de diversos países. A pesquisa apresentada pelo Senador
Demóstenes Torres indicou que a maioridade penal, no universo de 44 países selecionados, é
de 18 anos em apenas 3 deles, dentre os quais o Brasil. O documento de única página inserido
à pauta desta comissão, entretanto, não fez qualquer referência à fonte utilizada, nem mesmo
explicando os métodos utilizados para atingir tais conclusões. (MERCADANTE, 2007,
p.19028)
Para tanto o Senador Aloizio Mercadante avaliou o assunto, utilizando da pesquisa do
departamento competente para análise do tema nas Nações Unidas:
48
Trata-se do Centro Internacional de Prevenção ao Crime, do Escritório de Prevenção ao Crime e Controle de Drogas. A pesquisa conhecida como “Crime Trends”, então na sua 7ª versão, abrange o período entre 1998 e 2000 e tem como universo amostral 35 países, doas quais apenas 3 não estabelecem a idade de 18 anos como limite da definição de adulto para fins penais. (MERCADANTE, 2007, p.19028)
O Senador Mercadante concluiu que reduzir a idade penal não é a mais adequada
solução para o problema da delinqüência juvenil, ou da violência infanto-juvenil, a solução
“não está em alterar o texto constitucional, mas sim na aplicação do que já prevê o Estatuto da
Criança e do Adolescente”. (MERCADANTE, 2007, p.19030)
A Senadora Patrícia Saboya, também contrária à redução da maioridade penal, em seu
voto fez análise da inconstitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional e das
inconveniências que ela nos trás. Como durante todo o estudo foi mencionada apenas a
questão da inconstitucionalidade, não se faz necessário agora, entrar na questão da polêmica
de a redução da maioridade penal ser um fator bom ou ruim.
A Senadora ressalta que a fixação da inimputabilidade penal aos 18 anos de idade é
uma questão de política criminal profundamente incorporada à tradição jurídica e cultural
brasileira. Basta relembrar que esse limite foi mantido nos três momentos de discussão do
tema: quando da reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, da elaboração da
Constituição Cidadã de 1988 e da Revisão Constitucional no biênio 1993/1994.
Na reforma da Parte Gera do Código Penal, a matéria foi rejeitada pois ficou entendido
que ela extrapolava a questão do discernimento do agente para configurar-se em “estratégia de
política criminal do Estado, que já vislumbrava a necessidade de punir os adolescentes
infratores de forma diferenciada, a fim de evitar que se expusessem a contaminação do
sistema carcerário”. (SABOYA, 2007, p. 19035)
Já na Constituição Cidadã de 1988, essa estratégia de política criminal foi
expressamente consagrada em nossa Constituição, no capítulo que dedica à família, à criança,
ao adolescente e ao idoso. Além de constitucionalizar a inimputabilidade penal aos menores
de 18 anos, convertendo-a em garantia fundamental para toda criança e todo adolescente, a
Constituição Federal, incorporou a princípio da proteção integral a que eles fazem jus, na
condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Incorporou, também a garantia dos
princípios de brevidade e excepcionalidade, quando da aplicação de qualquer medida
privativa de liberdade ao adolescente infrator, bem como a garantia de sujeição deste às
disposições da legislação especial. (SABOYA, 2007, p. 19035).
49
No terceiro momento, da Revisão Constitucional, a proposta de redução da maioridade
penal foi rejeitada porque se reconheceu a impossibilidade de alteração das garantias já
mencionadas, tidas como direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, não obstante
a localização topográfica dos dispositivos pertinentes. (SABOYA, 2007, p. 19035).
Esse entendimento está de acordo com o Supremo Tribunal Federal nas decisões sobre
o princípio da anterioridade da lei tributária e da lei eleitoral, nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nºs 939-7/DF e 368-5/DF. Pois, para o STF, os direitos e as garantias
individuais não estão restritos ao art. 5º, mas se espalham por toda a Constituição, por força
mesmo do disposto no § 2º do seu art. 5º, que trata da inclusão dos direitos decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais ratificados pelo
Brasil. (SABOYA, 2007, p. 19035).
A Senadora Patrícia Saboya concluiu que a redução da inimputabilidade penal, além
de contrariar os postulados de política criminal estipulados pela Constituição Federal, esbarra
na impossibilidade de alteração ou supressão dos direitos garantidos as crianças e aos
adolescentes, e afirma que: “É que o limite fixado no art. 228 da Constituição traduz uma
garantia fundamental, assim convertida em cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, inciso IV. Não
quis o constituinte de 1988 que nós, legisladores do presente, nos desviássemos desse
compromisso, que é também um desafio de toda a Nação”. (SABOYA, 2007, p. 19035).
Em razão da polêmica que as Propostas de Emenda à Constituição trazem consigo, se
faz relevante a analise do que traz a doutrina e a legislação no sentido de demonstrar a
prioridade que a legislação Penal e Constitucional resguardam quando se estipula a
maioridade penal aos 18 anos.
Por fim, destaque-se que em consulta sobre o andamento da PEC nº. 18/1999, no sítio
do Senado Federal, constata-se que a proposta foi incluída para votação na ordem do dia na
sessão deliberativa ordinária de 27/05/2008 e que, desde então, sobretudo em razão de
Medidas Provisórias que trancam a pauta, o Plenário do Senado Federal não apreciou a
proposta.10
10 Até a conclusão deste texto a última inclusão havia sido feita em 28/10/2008, mas em razão de duas MP's, não houve deliberação.
50
3.3 Os fundamentos da imputabilidade penal aos 18 anos na doutrina nacional
É bastante comum o entendimento de que o menor ao cometer um fato criminoso antes
dos 18 anos de idade responde pelo crime após completar a maioridade penal, porém esse
entendimento está equivocado, pois no que dispõe o art. 27, os menores de 18 anos de idade
são absolutamente inimputáveis. “Eles jamais sofrerão pena em face do CP ou de lei especial.
Estão fora do CP ou da lei extravagante, aplicando-se a legislação especial”.(JESUS, 2000, p.
507).
O artigo 26, caput, do Código Penal, estabelece que serão inimputáveis os portadores
de “desenvolvimento mental incompleto”, expressão que abrange os menores. Por
conseqüência, o art. 27 reza: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis
ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (Constituição Federal, art.
228). (JESUS, 2000, p. 506)
Neste sentido a lei prevê presunção absoluta de inimputabilidade. Com o critério
biológico, não é necessário que em decorrência da menoridade, o menor seja “inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. (JESUS, 2000, p. 506) A menoridade penal equiparada ao fator biológico é o
bastante para estabelecer a inimputabilidade: “[...] o Código presume de forma absoluta que o
menor de 18 anos é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-
se de acordo com esse entendimento”. (JESUS, 2000, p. 506).
Bitencourt discorre também que a imputabilidade inicia-se aos dezoito anos de idade, e
para definir a maioridade penal o legislador adotou o sistema biológico, ignorando o
desenvolvimento mental do menor de dezoito anos, “considerando-o inimputável,
independentemente de possuir a plena capacidade de entender a ilicitude do fato ou de
determinar-se segundo esse entendimento”. (BITENCOURT, 2000, p. 356).
A Constituição Federal utilizou as razões de “política criminal” para estabelecer à
“presunção absoluta de inimputabilidade do menor de dezoito anos”. E já de acordo com a
Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, no qual utilizava o critério biopsicológico,
justificava afirmando:
Os que preconizam a redução do limite, sob justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do
51
processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não a pena criminal. (BITENCOURT, 2000, p. 357).
Eis a razão pela qual os menores de dezoito anos quando infratores penais terão suas
“responsabilidades” reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê as
medidas adequadas à gravidade dos fatos e à idade do menor infrator (Lei n. 8.069/90).
(BITENCOURT, 2000, p. 357).
Para Damásio Evangelista de Jesus, o limite de idade deve ser estabelecido com a
regra do art. 10, 1a parte: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo”. Se o fato for
praticado no dia em que o sujeito completa seus 18 anos, “responde por crime, pois não se
indaga a que hora completa a maioridade penal. A partir do primeiro instante do dia do
aniversário surge a maioridade.” (JESUS, 2000, p. 506).
Jorge de Figueiredo Dias complementa o que seria importante para considerar a
inimputabilidade penal aos 18 anos:
O fundamento é, no fundo, da mesma índole daquele que dá base à inimputabilidade em função de anomalia psíquica: tal como uma certa sanidade mental é condição de apreciação da personalidade e da atitude em que ela se exprime, também o é um certo grau de maturidade. (DIAS, 2004, p. 547, apud, FRANCO, 2000, p. 217).
Desta forma fica evidenciado o caráter que o legislador constitucional utilizou o
critério político criminal para estabelecer a idade de 18 como maioridade penal, diferente do
legislador penal, que faz referência ao critério biopsicológico. Importante também, destacar o
que revela os termos do artigo 27 do Código Penal, ao definir que os menores de dezoito anos
ficam sujeitos às normas da legislação especial. E através do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que fica estabelecido a “criança como a pessoa até os doze anos de idade
incompletos e o adolescente como aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Deste modo os
atos infracionais praticados por essas crianças e adolescentes acarretarão em medidas sócio-
educativas (FRANCO, 2000, p. 218).
52
3.4 A imputabilidade penal antes dos 18 anos como cláusula pétrea
Guilherme de Souza Nucci relata que a maioridade penal pode ser reduzida com a
emenda constitucional, pois a responsabilidade penal do adolescente está disponibilizada no
capítulo da “família, da criança e do adolescente e do idoso, e não no contexto dos direitos e
garantias individuais (Capítulo I, art. 5º., CF).” (NUCCI, 2000, p.294)
NUCCI, não concorda com a possibilidade de que os direitos e garantias fundamentais
possam estar em outros trechos da Constituição Federal. Muito menos de estarem inseridos
como cláusulas pétreas, pois o “simples fato de ser introduzida no texto da Constituição
Federal como direito e garantia fundamental é suficiente para transformá-la formalmente,
como tal, embora possa não ser assim considerada formalmente”. Para o autor, este seria o
motivo da maioridade penal não ser considerado um direito fundamental em sentido material
e muito menos em sentido formal, e que desta forma não haveria “qualquer impedimento para
emenda constitucional suprimindo ou modificando o art. 228 da Constituição”. (NUCCI,
2000, p. 294).
Neste sentido Nucci salienta, sobre o menor de 18 anos:
De fato não é a redução da maioridade penal que poderá solucionar o problema do incremento da prática delitiva no País, embora seja recomendável que isso seja feito para adaptar a lei penal à realidade. O menor de 18 anos já não é o mesmo do início do século, não merecendo continuar sendo tratado como uma pessoa que não tem noção do caráter ilícito do que faz ou deixa d fazer, sem poder conduzir-se de acordo com esse entendimento. (NUCCI, 2000, p.294)
Franco alerta que a Constituição Federal ao incluir a inimputabilidade aos menores de
18 anos enfatizou uma “norma constitucional”. “Como conseqüência imediata, não será mais
possível, sem reforma do texto constitucional, reduzir, através de lei ordinária, o limite da
imputabilidade penal”.(FRANCO, 2000, p.217).
Miguel Reale Júnior aduz que o artigo 228 da Constituição Federal não poder ser
considerado como cláusula pétrea, pois “não se trata de direito fundamental ser inimputável
até completar dezoito anos”. (JÚNIOR, 2002, p. 212, apud, FRANCO, 2000, p. 217).
O que é muito discutido atualmente é sobre a necessidade de estabelecer a
responsabilidade penal aos dezesseis anos, apoiando-se em argumentos conhecidos como pelo
fato de ser possível o menor alistar-se. Argumenta-se ainda, tornado-os imputáveis, na
53
possibilidade de adquirir igualmente a habilitação para dirigir veículos. Importante lembrar
sobre o Código Penal da Espanha, que entrou em vigor em maio de 1996, “constituindo-se,
portanto, no Código Penal europeu mais moderno, elevou a idade do menor, para atribuir-lhe
responsabilidade penal, de dezesseis para dezoito anos (art. 19)” (BITENCOURT, 2000, p.
357).
Bitencourt ressalta a importante noção que se deve ter, quando se fala em redução da
idade penal:
Enfim, para se admitir a redução da idade para a “responsabilidade penal”, exige-se competência e seriedade, aspectos nada comuns no tratamento do sistema repressivo penal brasileiro como um todo. Aliás, a incompetência e a falta de seriedade no trato dessas questões têm sido a tônica da nossa realidade político criminal. Por isso, temos, inclusive, receio de sustentar essa tese, porque os legisladores de plantão poderão gostar da idéia, mas, como sempre acontece no Brasil, aproveitá-la somente pela metade, ou seja, adotar essa responsabilidade penal diminuída e “esquecer” de criar os “estabelecimentos adequados”, exclusivos para os menores! (BITENCOURT, 2000, p. 358)
Nesse contexto se faz importante analisar o que o direito comparado nos traz quando é
observada que a diminuição da maioridade penal, não tem sido uma tendência majoritária nas
Legislações. A instabilidade do legislador brasileiro em relação à maioridade penal não é um
estigma local, sem símiles nas práticas jurídicas de outros povos. Alemanha e Espanha
demonstram isso muito bem. O limite da maioridade penal nesses países hoje é 18 anos. Mas
até recentemente não era assim. Durante muito tempo a regra adotada na Alemanha indicava
os 14 anos como limite da inimputabilidade, e a Espanha 16. Algo semelhante ocorreu em
Portugal. No passado, a idade exigida para a imputação já foi de 10 anos; a partir do Código
Penal de 1982 passou para 16 (art. 19°). (MENEZES, 2005, s. p.)
País
Idade da
responsabilidade penal juvenil
Maioridade da idade penal (imputabilidade
penal)
Maioridade da idade civil (capacidade
civil plena)
Alemanha 14 18-21 18 Áustria 14 19 19 Bélgica 16 18 18 Bulgária 14 18 18
Dinamarca 15 18-21 18 Espanha 12 18-21 18 França 13 18 18 Grécia 13 18 18
54
Holanda 12 18 18 Hungria 14 18 18
Inglaterra 7-15 18 18 Itália 14 18 18
Polônia 13 17 18 Portugal 16 16-21 18 Romênia 16 18-21 18 Suécia 15 18 18 Suíça 7-15 18-25 20
Quadro retirado da obra: SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
Alguma coisa esses números ensinam, pois ajudam na compreensão de que não têm
amparo internacional as posições daqueles que postulam pela redução da maioridade penal
para 16 anos. E permite compreender que as incertezas ligadas ao tema, enfraquecem os
inconformados com a definição do legislador que estabeleceu na Constituição (art. 228), no
Código Penal (art. 27) e no ECA (art. 104) os 18 anos como limite da imputação.
(MENEZES, 2005, s. p.)
O artigo 228 da Constituição Federal estipula que não será responsabilizado
criminalmente o menor de dezoito anos, sujeitando-se às normas da legislação especial. Desta
forma, o artigo garante ao adolescente sua inimputabilidade, isto é, o menor de dezoito anos
não responderá criminalmente por seus atos oponentes a legislação. Embora a
inimputabilidade penal, não esteja situada no rol específico das garantias individuais, verifica-
se que é um princípio integrante da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que toda
pessoa menor de dezoito anos tem a garantia do direito de liberdade.
O artigo 228 determinando a idade mínima para a imputabilidade penal assegura aos
menores de dezoito anos uma “posição jurídica subjetiva, qual seja, a condição de inimputável
diante do sistema penal. E tal posição, por sua vez, gera uma posição jurídica objetiva: a de
ter a condição de inimputável respeitada pelo Estado”. (TERRA)
TERRA aduz que o artigo 228 é uma garantia individual com caráter “de
fundamentabilidade, pois diretamente ligada ao exercício do direito de liberdade de todo
cidadão menor de dezoito anos”. E que a liberdade está vinculada ao princípio da dignidade
da pessoa humana, especialmente em relação às crianças e aos adolescentes, pois foram
reconhecidos por sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. (TERRA)
Nessa vertente TERRA, relata sobre o reconhecimento da idade penal:
55
Se o Constituinte optou pela demarcação da imputabilidade penal aos dezoito anos, estabelecendo um maior grau de liberdade perante o Estado até tal idade, fê-lo de forma livre e soberana, não cabendo ao Poder Reformador a possibilidade de restringir a liberdade, pois afetaria diretamente o núcleo essencial do direito de liberdade, no que diz respeito ao cidadão com idade inferior ao limite consignado na Carta Magna. (TERRA)
Constata-se, portanto que o artigo 228 da Constituição Federal ao garantir a liberdade
dos menores de dezoito anos equipara-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em
razão especial às crianças e aos adolescentes, pois como já mencionado, foram acolhidos de
total prioridade da atenção da família, da sociedade e do Estado, decorrente de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento.
Sobre tudo, em decorrência do entendimento de a idade penal ser um direito
fundamental, em análise inovadora, Sarlet, destaca algumas situações topográficas dos
direitos fundamentais, que merecem destaque:
A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais ressalta por sua vez, de forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que nas Cartas anteriores os direitos sociais se encontram positivados no capítulo na ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter meramente programático, enquadrando-se na categoria de normas de eficácia limitada. (SARLET, 2006, p. 79)
Os direitos fundamentais na Constituição vigente ficaram com “status jurídico
diferenciado” com o art. 5º, § 1º, as normas de direitos fundamentais possuem “aplicabilidade
imediata”. Aduz ainda, que a proteção dos direitos fundamentais encontra-se no dispositivo
do artigo 60, § 4º (cláusulas pétreas) da Constituição Federal, o qual impede qualquer tipo de
modificação por parte do poder Constituinte, no que tange ao rol desses direitos. (SARLET,
2006, p. 79) Nesse contexto fica evidenciado mais uma vez seu caráter histórico, pelo fato de
ser imutável com relação ao poder reformador.
É com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana que os direitos
fundamentais constituem um sistema no contexto da constituição, tendo sido “objeto de
recente referência na doutrina pátria, com base no argumento de que os direitos fundamentais
são, em verdade, concretizações do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana
[...]”.(SARLET, 2006, p. 83)
Sarlet relata que, os direitos fundamentais, apesar de comumente agrupados em um
catálogo, são garantias pontuais, que se limitam à proteção de determinados bens e posições
56
jurídicas especialmente relevantes ou ameaçados. (SARLET, 2006, p. 84). Por isso que foi
recepcionada legislação especial no qual o Estatuto da Criança e do Adolescente faz parte.
Sarlet menciona ainda que em nossa constituição, os direitos fundamentais nunca
serão independentes em relação ao restante da constituição, “seja no que concerne aos
princípios fundamentais (dos quais podem ser deduzidos direitos fundamentais não escritos),
seja no concerne à parte organizacional, [...]”.(SARLET, 2006, p. 85). É com a autonomia
relativa que fica determinado como os direitos fundamentais se relacionam com toda a
Constituição Federal.
Como já mencionado a cláusula pétrea é que estabelece os limites ao Poder
Constituinte Reformador. Em outras palavras, cláusula pétrea é “aquela insuscetível de
mudança formal, porque consigna núcleo irreformável da constituição”. (BULOS, 2007, p.
300). São os dispositivos que não podem ser abolidos por emenda, constituindo o núcleo
irreformável da Constituição Federal. Desse modo, as cláusulas pétreas limitam a atuação do
poder reformador, a fim de assegurar a seriedade constitucional, impedindo que futuras
reformas provoquem a desmoralização social.
Em outras palavras como já mencionado, a Constituição Federal ao estabelecer que
certos direitos encontram-se acima do alcance do poder ordinário de decisão política ou,
mesmo, fora de sua competência, por suas limitações materiais ao poder reformador, atua
como “mecanismos de autovinculação, ou pré-comprometimento, adotados pela soberania
popular para se proteger de suas paixões e fraquezas”. Estabelece ainda que certos limites são
necessários para proteger de “inconsciências temporais, defendendo, assim, as sociedades de
suas próprias miopias”. Desta forma evidencia mais uma vez o favorecimento da dignidade da
pessoa humana e a própria democracia, “estabelecendo os princípios e as meta-regras a partir
das quais o sistema democrático deve funcionar, sem, no entanto, suprimi-los’. (VIEIRA,
1999, p. 19)
Nesta vertente, é que se faz necessário mencionar importante decisão prolatada pelo
Ministro Celso de Melo, ao considerar cláusula pétrea o princípio da anterioridade tributária
(art. 150, III, b): (BULOS, 2007, p. 301).
Admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta
57
de emenda à Constituição tendentes a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados. 11
No mesmo sentido aduz Alexandre de Moraes, quando menciona o mesmo julgado
que por sua vez também faz comparação com o princípio da anterioridade tributária.
Lembremos, ainda, de que a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações do poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES, 2006, p. 600).
Evidencia-se que o inciso IV, §4º do art. 60 não deve ser interpretado restritivamente.
No modo condizente, a interpretação deve ser feita de forma a se atingir os direitos
fundamentais, desde os da primeira, segunda, terceira e quarta geração, até os tempos atuais.
Para tanto, faz-se necessário, as palavras de Aloizio Mercadante, que confirma o caráter de
interpretação antes mencionado:
Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, a quem compete precipuamente, a “guarda da Constituição”, nos termos do art. 102 de nosso Estatuto Político, em entendimento, desde o julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade nº 939, em 18 de março de 1994 (Relator: Ministro Sidney Sanches), que as garantias individuais protegidas pelo manto da imutabilidade do art. 60, § 4º, inciso IV, da Lei Básica, não se limitam às elencadas no art. 5º da Carta Magna, podendo, em verdade, ser encontradas em diversos dispositivos do documento, em toda a sua extensão. Esse entendimento foi confirmado, recentemente, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.345, levando a efeito em 25 de agosto de 2005 (Relator: Ministro Celso de Mello). (MERCADANTE, 2007, p. 19026).
Deste modo deve-se relembrar da proibição do retrocesso social, quando constatado a
possibilidade de o legislador por uma emenda constitucional suprimir determinados conteúdos
da Constituição ou revogar normas legais destinadas à regulamentação de dispositivos
constitucionais, notadamente em matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos meramente
prospectivos (SARLET, 2007, p. 444).
Para tanto a segurança jurídica passa a ter “o status de sub-princípio concretizador do
princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito”. Pois além de assumir a condição
de direito fundamental da pessoa humana, “a segurança jurídica constitui simultaneamente
princípio fundamental da ordem jurídica internacional, como dão conta às diversas
11 STF, Pleno, ADIn 937-7, rel. Min. Sydney Sanches, decisão de 15-12-1993, DJ, 1, de 18-3-1994.
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manifestações deste princípio nos diferentes documentos supranacionais” (SARLET, 2007, p.
442-443).
Verifica-se, portanto, que só será possível a devida proteção dos direitos fundamentais
no que atinge seu conteúdo de dignidade da pessoa humana, se estes estiverem assegurados
através da segurança jurídica. A proteção da dignidade da pessoa humana não resulta apenas
na proteção da violação desse direito, se cuida também na proteção contra medidas
retrocessivas, levando em conta que não devem ser vistas apenas como uma proteção
retroativa, pois não alcançam as “figuras dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e
coisa julgada”. (SARLET, 2007, p. 444)
Note-se que a idade penal de dezoito anos foi estabelecida por critério de política
criminal, através da tutela diferenciada do Estado, e constitui-se de autêntico direito
fundamental localizado fora do rol específico da Constituição Federal, já que possui ligação
direta com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Razões de “política criminal” fizeram com que o legislador optasse pela “presunção
absoluta de inimputabilidade do menor de dezoito anos”. (BITENCOURT, 2000, p. 357). Mas
o movimento para a redução da maioridade penal, não se caracteriza de uma “política criminal
real”, constituem de um “Direito Penal simbólico, uma extensão do Movimento de Lei e
Ordem12”. A inimputabilidade não está entre as causas de violência, mas é para a
inimputabilidade que desvirtuam as atenções que deveriam estar voltada para as
”desigualdades sociais, para a irresponsabilidade da mídia e da sociedade que se funda no
consumo e para a restauração dos meios de controle social informal.” (JESUS, 2006, p. 140)
Portanto, é de se entender, com o que já foi estudado, que a maioridade penal é um
direito fundamental que faz ser cláusula pétrea e que portanto não poderá sofrer qualquer tipo
de vedação, sobretudo com o conteúdo de fundamentabilidade do artigo 228, um aspecto de
relevante importância para a determinação de a idade penal mínima ser considerada um
direito fundamental, não só pela constatação das peculiaridades dos menores envolvidos, que
levam em conta seu tratamento especial, mas especialmente no que refere a escolha do marco
etário escolhido pela norma legal, para determinar o fim da adolescência.
12 O “Movimento de Lei e Ordem” é uma denominação para qualquer política criminal difusamente operante na formação da opinião pública qualificada, que tenha como objetivo o recrudescimento do sistema punitivo sem levar em conta garantias individuais e estatísticas criminais sérias. Pode se institucionalizar com facilidade em meios caracteristicamente refratários a proposições de políticas públicas que não envolvam o reforço de instâncias repressivas. (SANTOS, 2007, p.1-2)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a importância que o tema encerra, e considerando suas variadas
controvérsias, se tem a consciência de que alguns pontos ficaram em aberto. Contudo, sabe-se
que estes não foram o assunto central do estudo, não se cuidou da conveniência da maioridade
penal, somente foi estudado e analisado ao longo desse trabalho aqueles aspectos que
reputaram a previsão da maioridade penal ser entendida como cláusula pétrea.
Diante desse contexto é razoável reconhecer que o Estatuto da Criança e do
Adolescente possui importante papel ao regulamentar a Constituição Federal, de modo a
torná-la eficaz, a fim de que suas normas não sejam desconsideradas.
Ficou evidenciado que a República Federativa do Brasil, por muitas vezes parece
indiferente com a busca da efetivação dos Direitos Fundamentais contemplados sob a
unânime redação do texto constitucional. Isso se acentua em relação aos direitos específicos
da Criança e do Adolescente, pois mesmo após 18 anos da promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, a grande questão está em como efetivar esses Direitos.
O artigo 228 da Constituição Federal corrobora com o princípio da dignidade humana,
pois preserva o direito de liberdade, caracterizando como direito fundamental. Logo, pelo
princípio da proibição do retrocesso, no que tange ao seu conteúdo de Direito Fundamental, é
insuscetível de qualquer modificação.
Nesse contexto, como prefácio à discussão sobre maioridade penal e do seu contorno
peculiar dentro da Constituição Federal, foi imprescindível estudar sobre os Direitos
Fundamentais e suas gerações, bem como sua contextualização histórica, e ainda algumas
especificidades que se reputaram de extrema importância para o desenvolvimento do tema
central.
Ficou entendido que as crianças e os adolescentes são pessoas em processo peculiar de
desenvolvimento, o que acaba sendo o fator de diferenciação dos direitos dos adultos. Em
outras palavras, ficou evidenciado que além de todos os direitos assegurados para todas as
pessoas sem qualquer distinção, aos menores de idade, pelo fato de sua especificidade, são
garantidos aqueles direitos e todos os catalogados pela sua condição especial de pessoa em
desenvolvimento.
Neste sentido o sistema jurídico estabelece que a maioridade penal é alcançada aos
dezoito anos e é encontrado respaldo legal em dois diplomas: o artigo 27 do Código Penal e o
artigo 228 da Constituição Federal.
60
O legislador se manteve fiel ao critério biopsicológico de que o menor de dezoito anos
possui desenvolvimento mental incompleto, e que, portanto seria incapaz de compreender ou
de se determinar de acordo com esse entendimento. Dessa forma, o adolescente que cometer
um delito será submetido à legislação especial, respeitado seu caráter peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
Ocorre que os jovens são cada vez mais audaciosos, menos temerosos, e mais seguros
quanto à inimputabilidade. A sociedade busca uma solução através do Estado para que tome
as providências de proteção nesse sentido. É em face disso que tramitam na Comissão de
Constituição e Justiça seis Propostas de Emenda à Constituição na qual o objetivo seria alterar
o artigo 228 da Constituição Federal reduzindo a maioridade penal de dezoito anos para
dezesseis anos de idade.
Dessa forma, o legislador constituinte originário, acreditando que o direito deve
acompanhar o desenvolvimento da sociedade outorgou ao legislativo o poder de modificar a
Constituição. Porém, salvaguardou algumas matérias que, no seu entender, seriam
fundamentais para a preservação do núcleo essencial da Constituição. Essas matérias são
consideradas intangíveis, as denominadas cláusulas pétreas, que foi estudada através do inciso
IV do § 4º do artigo 60, os chamados Direitos e Garantias Individuais.
Nessa perspectiva, uma interpretação restrita do inciso referido, poderia levar a
interpretação equivocada de que seriam cláusulas pétreas somente os direitos catalogados no
rol do artigo 5º da Constituição Federal. De fato, verifica-se que o mencionado artigo é a
norma que melhor ampara a maioria dos direitos individuais, mas estes podem ser
encontrados em outros capítulos da Constituição Federal pelo que dispõe o § 2º do mesmo
artigo.
Assim, por tudo que foi estudado, afirma-se que a maioridade penal, mesmo tratada
em capítulo diferenciado daquele específico das garantias individuais, é um princípio
integrante da proteção da pessoa humana, tendo em vista que traduz a certeza de que os
menores de dezoito anos, quando da realização do ato infracional, estarão sujeitos às normas
de legislação especial.
Por conseguinte, com tudo o que já foi exposto evidencia-se que o posicionamento
tomado baseou-se na diferenciação entre regras e princípios que contém o artigo 228 da
Constituição Federal. E que, portanto, é certo afirmar que o princípio do referido artigo é uma
Garantia de Direito Individual, de caráter fundamental, pois assegura o Direito de Liberdade
de cada menor de dezoito anos. Concluí-se afirmando que a maioridade penal é uma garantia
individual e portanto um Direito Fundamental, e que a emenda que tender abolir do texto
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constitucional a maioridade penal ou a que pretender reduzir a idade de responsabilização
penal, será inconstitucional e que, portanto vedará o artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição
Federal.
62
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