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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL PATRÍCIA COSTA Itajaí, junho de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL

PATRÍCIA COSTA

Itajaí, junho de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL

PATRÍCIA COSTA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc Emerson de Morais Granado

Itajaí, junho de 2006

ii

AGRADECIMENTO

Não há sensação mais agradável do que compartilhar a alegria de uma vitória!

Agradeço a Deus por ter me confiado a vida e por me conduzir ao caminho do êxito e da felicidade.

Ao meu orientador, Professor Emerson de Morais Granado, que, com muita dedicação e esmero, me orientou na realização da pesquisa e organização do presente trabalho monográfico.

Aos meus pais, Geraldino e Carmem, por terem compartilhado todos os meus sonhos e desalentos, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, sempre me incentivando a prosseguir em minha jornada, fossem quais fossem os obstáculos.

Aos meus padrinhos, Orlamar e Carmem, por servirem de exemplo e de estímulo para que eu seguisse a carreira jurídica.

Às minhas irmãs Adriana e Kátia, por me darem alegria e apoio, permitindo que, em nenhum momento, eu fosse acometida pelo desânimo.

Ao meu namorado Alexandre, exemplo de determinação, em razão de seu carinho e de sua vultuosa colaboração em meus estudos.

A todos os amigos, pelos momentos de descontração e pelo grande incentivo na busca de meus ideais, sobretudo àqueles que me acompanharam durante toda a minha jornada acadêmica, pois juntos compartilhamos inesquecíveis vitórias e conquistas.

Aos meus mestres que alcançaram o árduo ministério de me conduzir ao caminho dos ensinamentos.

A todos vocês minha eterna admiração e reconhecimento.

iii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus familiares, sobretudo ao meu pai, Geraldino, a quem procuro me espelhar e por quem eu tenho indescritível respeito e admiração e à minha mãe, Carmem, síntese perfeita de serenidade e doçura.

Dedico, também, a todos aqueles operadores do Direito que se engajam na realização da Justiça.

iv

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2006

Patrícia Costa Graduanda

v

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Patrícia Costa, sob o título

Responsabilidade Civil do Estado por Ato Jurisdicional, foi submetida em

07/06/06 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Emerson

de Morais Granado (Orientador e Presidente Banca), Eduardo Erivelton Campos

(Membro), Natan Ben-Hur Braga (Membro), e aprovada com a nota [10,0] (dez).

Itajaí, junho de 2006

Prof. Msc. Emerson de Morais Granado Orientador e Presidente da Banca

Prof. Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

vi

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CPC Código de Processo Civil

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

STJ Superior Tribunal de Justiça

STM Superior Tribunal Militar

TAs Tribunais de Alçada

TJs Tribunais de Justiça

TMs Tribunais Militares

TREs Tribunais Regionais Eleitorais

TRFs Tribunais Regionais Federais

TRTs Tribunais Regionais do Trabalho

TSE Tribunal Superior Eleitoral

vii

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ato Jurisdicional

“Ato emanado de autoridade judiciária, consistente de despacho, decisão

interlocutória ou sentença” 1.

Conduta

“[...] a ação (ou omissão) humana [...] guiada pela vontade do agente, que

desemboca no dano ou prejuízo” 2.

Culpa

“É a violação, por negligência, imprudência ou imperícia, do dever de bem

desempenhar as funções públicas” 3.

Dano

“É o prejuízo sofrido pela vítima, sendo este elemento objetivo do ato ilícito,

ocasionado pela diminuição de um bem jurídico qualquer do lesado” 4.

Dolo

“Intenção livre e consciente de violar a lei para alcançar interesses ilegítimos” 5.

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho.

Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 165. 2 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: (abrangendo o Código de 1916 e o novo

Código Civil) / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. São Paulo Saraiva, 2003, p. 31. 3 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. Curitiba:

Juruá, 1996, p. 163/164. 4 SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a responsabilidade civil do estado. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 1994, p. 67. 5 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p.167.

viii

Erro Judiciário

“Todo ato jurisdicional que, seja pelo mau enquadramento dos fatos ao mundo do

direito, seja pela errônea aplicação das normas, viola regras de natureza

processual e material, em qualquer dos ramos do direito” 6.

Estado

“É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território

determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano, que lhes

dá autoridade orgânica”7.

Fraude

“É qualquer ato ilícito que, de má fé, possa ser estelionato, defraudação de texto

ou objeto” 8.

Juiz

“Pessoa que, investida de uma autoridade pública, vai administrar a justiça, em

nome do Estado. É assim, de modo genérico, o administrador da justiça, estando,

por isso, a seu cargo, conhecer, dirigir a discussão, deliberar sobre todos os

assuntos, que possam suscitar, e julgar os casos controvertidos submetidos a seu

juízo (sub judice)”9.

Nexo de Causalidade

Elo etiológico que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano, visto

que somente poderá ser responsabilizado aquele cujo comportamento deu causa

ao prejuízo.

Poder Judiciário

6 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, São Paulo: Revistas dos

Tribunais, 2000, p.223. 7 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 553. 8 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II. Campinas: Bookseller, 2001, p.86. 9 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico,p. 789.

ix

“Poder autônomo e independente de importância crescente no Estado de Direito,

[...] sua função não consiste somente em administrar a Justiça, sendo mais, pois

seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição com a finalidade de

preservar basicamente os princípios da legalidade e da igualdade, sem os quais

os demais se tornariam vazios”10.

Responsabilidade Civil

“É obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a

outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” 11.

Responsabilidade Civil Objetiva

“(...) o sistema objetivo de responsabilidade é embasado na idéia de risco da

atividade, respondendo o agente independentemente da existência de culpa” 12.

Responsabilidade Civil Subjetiva

“É a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do

agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável” 13.

Responsabilidade Contratual

“Obrigação de indenizar ou de ressarcir os danos causados pela inexecução de

cláusula contratual ou pela má execução da obrigação nela estipulada”14.

Responsabilidade Extracontratual

“Obrigação de reparar o dano, mesmo por fato de outrem, nos casos em que a

própria lei especifica”15.

10 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional/

Alexandre de Moraes. São Paulo: Atlas, 2002, p.1277. 11 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 4v, p. 6. 12 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed.

rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 2v, p.546. 13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 6. ed. atual. e

ampl. São Paulo: Saraiva, 1995, p.18/19. 14 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1223. 15 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1223.

x

SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... XIII

INTRODUÇÃO..................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 5

O ESTADO .......................................................................................... 5 1.1 A EVOLUÇÃO SOCIAL DO ESTADO COMO SOCIEDADE POLÍTICA..........5 1.1.1 TEORIAS DO APARECIMENTO DO ESTADO .........................................................10 1.1.1.1 Teoria da origem familiar........................................................................11 1.1.1.1.1 Teoria patriarcal .....................................................................................11 1.1.1.1.2 Teoria matriarcal ....................................................................................12 1.1.1.2 Teoria da origem patrimonial .................................................................12 1.1.1.3 Teoria da força ........................................................................................13 1.1.2 O ESTADO ORIENTAL......................................................................................14 1.1.3 O ESTADO GREGO..........................................................................................15 1.1.4 O ESTADO ROMANO .......................................................................................16 1.1.5 O ESTADO MEDIEVAL .....................................................................................17 1.1.6 SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO ...............................................................19 1.1.7 ESTADO CONTEMPORÂNEO .............................................................................21 1.2 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES ....................................................................22 1.2.1 ATUAÇÃO E FUNÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO .....................................................25 1.2.1.1 O Poder Judiciário no Brasil ..................................................................28 1.2.1.2 Os princípios para garantia e independência da atividade jurisdicional .........................................................................................................30

CAPÍTULO 2...................................................................................... 33

RESPONSABILIDADE CIVIL............................................................ 33 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL .........................33 2.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ...............................................38 2.2.1 DISTINÇÃO ENTRE RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL........................................39 2.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................40 2.3.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ..................................40 2.3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA..............................................................42 2.3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA ...............................................................44 2.3.3.1 Excludentes da Responsabilidade Civil................................................46 2.3.3.1.1 Estado de necessidade (art. 188, II, do Código Civil):............................47 2.3.3.1.2 Legítima Defesa (art. 188, I, 1ª parte, do Código Civil) ..........................48 2.3.3.1.3 Exercício regular de direito (art. 188, I, 2ª parte, do Código Civil):.........50 2.3.3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal ........................................................50 2.3.3.1.5 Caso fortuito e força maior .....................................................................51 2.3.3.1.6 Culpa exclusiva da vítima.......................................................................52 2.3.3.1.7 Fato de terceiro ......................................................................................53

xi

2.3.3.1.8 Cláusula de não indenizar......................................................................54 2.4 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .....................54 2.4.1 CONDUTA.......................................................................................................55 2.4.2 DANO ............................................................................................................58 2.4.2.1 Dano Patrimonial.....................................................................................59 2.4.2.2 Dano Extrapatrimonial ............................................................................61 2.4.3 NEXO DE CAUSALIDADE ..................................................................................63

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 67

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL ............................................................................... 67 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL........................................................67 3.1.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE ....................................................................67 3.1.2 TEORIAS CIVILISTAS........................................................................................68 3.1.3 TEORIAS PUBLICISTAS.....................................................................................69 3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO......70 3.2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS .........71 3.2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO CÓDIGO DE 2002..............................73 3.2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ............74 3.2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1941..............................................................................................................................76 3.2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL...............................................................................................................77 3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL.....77 3.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL ..................................................................................................81 3.4.1 DANO CAUSADO .............................................................................................81 3.4.2 NEXO DE CAUSALIDADE...................................................................................82 3.4.3 QUALIDADE DO AGENTE ..................................................................................82 3.4.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO...........................................82 3.5 ELEMENTOS OBJETIVOS DA RESPONSABILIDADE PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL........................................................................84 3.5.1 INDENIZAÇÃO POR ATO LÍCITO DO ESTADO........................................................85 3.5.2 PRISÃO PROVISÓRIA DE PESSOA INOCENTE E INDENIZABILIDADE PELO ESTADO ...85 3.5.3 ERRO JUDICIÁRIO ...........................................................................................87 3.5.4 FUNCIONAMENTO ANORMAL DA ATIVIDADE JURISDICIONAL................................89 3.6 ELEMENTOS SUBJETIVOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO JUIZ..............................................................................................................................90 3.6.1 DOLO NA ATIVIDADE JURISDICIONAL ................................................................90 3.6.2 CULPA NA ATIVIDADE JURISDICIONAL ..............................................................91 3.6.3 FRAUDE .........................................................................................................93 3.7 INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO REGRESSIVA DO ESTADO QUANTO AOS ATOS JURISDICIONAIS LESIVOS DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS ...................93

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 95

xii

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 99

xiii

RESUMO

Esta monografia, realizada com base em pesquisa científica,

apresenta e analisa, sob o prisma da interpretação doutrinária, bem como da

legislação pátria, a possibilidade do Estado ser responsável civilmente por atos

jurisdicionais. Destaca-se que o estudo do tema é importante, entre outros

motivos, pela sua atualidade e relevância, devido aos constantes debates e

questionamentos doutrinários sobre o assunto. O presente trabalho é composto

por três capítulos, que se destacam pelos seguintes conteúdos: no primeiro

capítulo, consta como resultado da pesquisa a realização de uma prévia

abordagem acerca da organização do Estado, desde a sua origem em sociedade

política até o Estado atual, assim como da teoria da separação dos poderes

estatais, com enfoque na estrutura do Poder Judiciário e nas garantias

fundamentais conferidas aos magistrados; no segundo capítulo como produto final

da investigação se obteve os aspectos gerais que fundamentam a

responsabilidade civil, seu conceito, distinções e peculiaridades; e no terceiro

capítulo o conteúdo versou sobre as hipóteses em que os atos judiciais típicos,

quais sejam, as sentenças proferidas pelos magistrados, podem,

excepcionalmente, ensejar a Responsabilidade Civil da Fazenda Pública, a rigor

do disciplinado no art. 5º, LXXV, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988. Com a pesquisa se verificou que, no caso vertente, se trata de

responsabilidade objetiva do Estado, conforme os preceitos do art. 37, § 6º da

mesma norma. Desta feita, os atos jurisdicionais não estariam imunes a gerar a

responsabilidade objetiva do Estado, na medida em que provocassem danos a

terceiros, visto que o artigo supra não especifica quais os entes responsáveis,

nem tampouco exonera qualquer deles. Todavia, o magistrado, na condição de

agente público, fica individual ou civilmente responsável pelo dolo, fraude, recusa,

omissão ou retardamento injustificado de providência de seu ofício, nos expressos

termos do art. 133 do Código de Processo Civil, sendo, nestas hipóteses,

perfeitamente cabível ao Estado o direito de regresso contra aquele.

1

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto de estudo a

possibilidade do Estado ser responsável civilmente por atos jurisdicionais.

O estudo do tema se mostra de grande valia, por se tratar de

matéria de relevante importância para convivência harmoniosa num grupo social

que se sujeitam as regras impostas pelo Estado, além da sua atualidade e

relevância, devido aos constantes debates e questionamentos doutrinários,

mormente em relação ao caráter excepcional da responsabilidade do Estado, em

razão de erro judiciário decorrente da atividade do magistrado.

Deve-se ressaltar que o trabalho tem como objetivo

institucional produzir monografia para fins de obtenção do título de Bacharel em

Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Como objetivos investigatórios, em termos gerais, analisar a

responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais que causem prejuízos a

outrem.

O presente trabalho tem os seguintes objetivos específicos:

a) pesquisar, sintetizar e descrever sobre a organização

Estatal, no âmbito de seus três poderes;

b) investigar, resumir e comentar a respeito dos principais

aspectos da responsabilidade civil;

c) investigar, analisar e descrever acerca da

responsabilidade civil do Estado e da possibilidade deste se responsabilizar pelos

atos praticados pelos magistrados no exercício de suas funções jurisdicionais,

assim como relacionar as hipóteses em que poderá o magistrado ser

responsabilizado pessoalmente pelos eventuais prejuízos causados a terceiros.

Como desafio e fundamento dos referidos objetivos

investigatórios, a autora deste trabalho enfrentou dois problemas e respectivas

2

hipóteses, abaixo destacadas, que serviram de ânimo para a efetivação da

pesquisa relatada nesta Monografia.

Primeiro problema:

O Estado pode se responsabilizar por atos praticados pelos

juízes no exercício de suas funções jurisdicionais?

Hipótese:

Os atos judiciais típicos, quais sejam, as sentenças

proferidas pelos juízes, podem, em casos excepcionais, ensejar a

Responsabilidade Civil da Fazenda Pública, a rigor do disciplinado no art. 5º,

LXXV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Todavia, o juiz,

na condição de agente público, ficará individual ou civilmente responsável pelo

dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providência de seu

ofício, nos expressos termos do art. 133 do CPC. Ademais, convém ressaltar que

o Estado poderá requerer o ressarcimento dos valores pagos pelo Poder Público,

mediante ação regressiva contra o magistrado considerado culpado.

Segundo problema:

A Responsabilidade do Estado decorrente de atos

praticados pelos juízes é objetiva ou subjetiva?

Hipótese:

O art. 37, § 6º da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito

público. Contudo, não especificou quais os entes responsáveis, nem tampouco

exonerou qualquer deles. Destarte, sendo o magistrado um agente público, incide,

em tese, a regra do art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do

Brasil, respondendo a Fazenda Pública pelos atos desses agentes que, nessa

qualidade, causem danos a terceiros.

A presente Monografia está composta de três capítulos.

No Capítulo 1 principia-se com a realização de uma prévia

abordagem acerca da organização do Estado, desde a sua origem em sociedade

política até o Estado atual. Realizar-se-á a exposição dos fundamentos da teoria

3

da tripartição dos poderes estatais, dando-se enfoque à estrutura do Poder

Judiciário. Ademais, serão destacadas as garantias fundamentais conferidas aos

magistrados.

No Capítulo 2 irá se discorrer sobre a evolução histórica da

responsabilidade civil, assim como sobre os aspectos gerais que a fundamentam.

Será trazido à baila o seu conceito, suas classificações e, igualmente, os

elementos essenciais que a compõe. Mencionar-se-á, além disso, as excludentes

da responsabilidade civil.

No Capítulo 3 será tratada a responsabilidade civil do Estado

propriamente dita. Far-se-á, primeiramente, um panorama histórico acerca desta

modalidade de responsabilidade civil, mormente no ordenamento jurídico

brasileiro. Posteriormente tratar-se-á da responsabilidade civil do Estado por ato

jurisdicional e suas peculiaridades, tais como pressupostos, excludentes e

elementos caracterizadores.

Além daquelas categorias e respectivos conceitos

operacionais, apresentados no rol de categorias, outras constam no decorrer da

Monografia.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na fase

de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o

método cartesiano, e, o relatório dos resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as técnicas

do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica16

16 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o

pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 43

4

histórica e contemporânea, utilizando-se, sempre que possível, de fontes

primárias.

Por derradeiro, a área de concentração está centralizada no

posicionamento que reconhece a possibilidade de ser o Estado e o juiz

responsabilizados civilmente por atos e omissões que porventura ocasionem

prejuízos a terceiros, quando do exercício da atividade jurisdicional. A linha de

pesquisa na investigação principiológica da Ciência Jurídica, quanto ao Direito

Público, realizou-se na área temática do Direito Administrativo.

5

CAPÍTULO 1

O ESTADO

1.1 A EVOLUÇÃO SOCIAL DO ESTADO COMO SOCIEDADE POLÍTICA

Para a realização de um estudo acerca da Responsabilidade

Civil do Estado, é oportuno tecer, previamente, algumas considerações a respeito

da evolução social do Estado, mormente em sua concepção de sociedade

política.

Cumpre salientar, primeiramente, que não são uníssonas as

posições relativas aos motivos que levaram os homens a se organizarem em

sociedade, porém, segundo Menezes17, essas teorias se mostram de grande valia

para fornecerem fundamentos indispensáveis à formulação de princípios e de

conclusões quanto aos complexos problemas estatais.

A primeira delas, favorável à idéia de que o homem é um ser

social por natureza, tem como precursor o filósofo grego Aristóteles, o qual, em

sua obra A política, preconizava que “(...) o homem é naturalmente um animal

político” e acrescentava que “(...) só um indivíduo de natureza vil ou superior ao

homem procuraria viver isolado dos outros homens sem que a isso fosse

constrangido” 18.

Nesta mesma esteira, pode-se citar como seguidor dessa

corrente o filósofo romano Cícero, o qual afirmava que “(...) a espécie humana

não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição

que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio

comum”19. Santo Tomás de Aquino, autor medieval, igualmente, aduzia que “(...) o

17 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 3. 18 ARISTÓTELES. A política, Livro III, São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 9. 19 CÍCERO, apud DALLARI, Elementos da teoria geral do estado. 20. ed. atual. São Paulo:

Saraiva, 1998, p. 10.

6

homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais

que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade”20.

Assim, de acordo com Dallari21, a sociedade decorre de um

fato natural, resultante da necessidade de cooperação entre os homens para

manutenção da sobrevivência.

Em outro norte estão os adeptos da teoria racionalista22, os

quais afirmam que Estado teria surgido a partir da razão humana, ou seja, de um

acordo de vontades pactuado entre os homens, são os chamados contratualistas.

Maluf23 leciona que as teorias contratualistas,

[...] partem de um estudo das primitivas comunidades, em estado de natureza, e, através de uma concepção metafísica do direito natural, chegam à conclusão de que a sociedade civil (o Estado organizado) nasceu de um acordo utilitário e consciente entre os indivíduos.

Em observância ao escólio de Menezes24, pode-se verificar

que o filósofo alemão Emmanuel Kant também se projetou nos estudos da teoria

racionalista e para ele:

O homem reconhece, por sua própria razão, sem necessidade do auxílio de qualquer experiência (razão pura), que é a causa necessária e livre de suas ações e, ao mesmo tempo, que obedece a uma regra de conduta necessária, universal, inflexível, pré-existente, ditada pela razão prática, regra essa a que deu o nome, em atenção a essas características, de imperativo categórico.

20 Santo Tomás de Aquino apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do

estado. p. 10. 21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. p. 11. 22 Maluf menciona que o precursor da doutrina do direito natural e, de certo modo, do racionalismo

da ciência do Estado foi holandês Hugo Grotius, o qual conceituou o Estado como uma sociedade perfeita de homens livres que tem por finalidade a regulamentação do direito e a consecução do bem-estar coletivo. [MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 24. ed. rev. e atual. / pelo prof. Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 65].

23 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 65. 24MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. p. 81.

7

Maluf25 também destaca a concepção deste filósofo acerca

do surgimento do Estado:

Conclui Kant que, ao saírem do estado de natureza para o de associação, submeteram-se os homens a uma limitação externa, livre e publicamente acordada, surgindo assim, a autoridade civil, o Estado.

Não obstante, o filósofo inglês Thomas Hobbes26 partiu do

pressuposto de que todos os homens são maus e, em virtude disso, vivem em

uma constante guerra. Contudo, por não suportarem este estado de constante

conflito, através de um pacto social, se articulam em uma sociedade organizada

com o objetivo de viverem em paz.

Hobbes também é reconhecido como teórico absolutista e

aludia que em busca da paz social, a comunidade renunciaria os seus direitos a

um homem (soberano), ou assembléia de homens, os quais, munidos de um

poder absoluto, coercitivo e punitivo, ficariam incumbidos de promover essa paz.27

Em sua obra Leviatã, Hobbes28, especialmente no título “Do

reino das trevas”, traçou explanações técnicas acerca das causas, geração e

definição do Estado e, como resultado, postulou o seguinte conceito:

[...] uma pessoa de cujos atos se constitui em autora de uma grande multidão, mediante pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa possa empregar a força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns. O titular dessa pessoa se denomina SOBERANO e se diz que tem poder soberano e cada um dos que o rodeiam é SÚDITO seu.

25 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 66. 26 HOBBES DE MALMESBURY, Tomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado

eclesiático e civil. Tradução João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: editor Victor Civita, 1983, p. 74.

27 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 67. 28 HOBBES DE MALMESBURY, Tomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado

eclesiático e civil. p. 112.

8

Pode-se inferir, portanto, que além da afirmação da base

contratual da sociedade e do Estado, encontra-se na obra de Hobbes uma clara

sugestão ao absolutismo29.

Em oposição aos ideais absolutistas de Hobbes, o pensador

inglês John Locke, também partidário da teoria do contrato como fundamento do

surgimento do Estado, desenvolveu o contratualismo, porém, com bases liberais.

Locke ponderava que os homens não poderiam conferir

suas liberdades a um poder arbitrário. Havia sim a necessidade de um pacto, mas

de forma alguma este poderia ferir as liberdades fundamentais dos indivíduos,

como o direito à vida e todos os demais direitos inerentes à personalidade

humana, os quais são anteriores e superiores ao Estado30.

Para Maluf31, “Locke encara o governo como troca de

serviços: os súditos obedecem e são protegidos; a autoridade dirige e promove

justiça; o contrato é utilitário e sua moral é o bem comum”.

Ademais, Locke32, além de refutar as idéias de Hobbes, faz

apologia à revolução inglesa de 1688, iniciando com considerações acerca do

“estado de natureza”, que para ele ocorre quando os homens vivem juntos,

segundo suas razões, e sem um ser superior que possam julgá-los. Senão veja-

se:

[...] é um estado de perfeita liberdade, sem ser, entretanto, um estado de licença, sendo regido por uma lei natural que obriga a cada um; e a razão, que se confunde com esta lei, ensina a todos os homens, se querem bem consultá-la, que, sendo todos iguais e independentes, nenhum deve criar obstáculo a outro em sua vida, sua santidade, sua liberdade e seus bens. Ao contrário, o estado de guerra é um estado de ódio e de destruição, daí promanando a diferença evidente entre os dois [...] quando os homens vivem

29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. p. 14. 30 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 69. 31 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 69. 32 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Anoar Alex e E. Jacy Monteiro. 3.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48.

9

juntos e conforme a razão, sem ter sobre a terra superior comum que tenha autoridade para julgá-los, se acham propriamente em estado de natureza.

Entretanto, a renúncia à liberdade natural das pessoas

ocorre quando,

[...] a Sociedade concorda, juntamente com outras pessoas em se unirem em comunidade para poderem viver em segurança, conforto e paz, uma com as outras, gozando, garantidamente, das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem não faça parte dela [...]33.

No tocante à propriedade, segundo Maluf34, “Locke afirma

que ela tem sua base no direito natural; o Estado não cria a propriedade, mas a

reconhece e protege”. Assim, a propriedade, no estágio de seu surgimento, seria

um bem em comum, mas através do esforço e trabalho individual, o homem

adquiriria a propriedade privada, cuja proteção era conferida pelo Estado.

Defendendo outra posição contratualista, o filósofo

genebriano Jean Jacques Rousseau afirmava que o homem, em seu estado de

natureza, era bom, sadio e feliz, e, consoante Maluf35, os únicos bens que

conhecia eram os alimentos, a mulher e o repouso, bem como seus únicos

temores eram a dor e a fome. Contudo, em decorrência do desenvolvimento de

sua faculdade de aquiescência e resistência, assim como perante sua capacidade

de aperfeiçoamento, o homem deixou o seu estado primitivo e desenvolveu a

inteligência, a linguagem e várias outras faculdades.

Acrescenta Maluf36 que com a aquisição dessas qualidades,

alguns passaram a dominar e submeter os mais pobres, ocorrendo a transição do

estado de natureza para a sociedade civil. Este acontecimento deu ensejo ao

surgimento de desigualdades, rivalidades, e usurpações de propriedade. Assim, a

33 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo, p. 71. 34 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 69. 35 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 73. 36 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 73.

10

fim de manter o estado das coisas existente e salvaguardar a liberdade, a

sociedade convencionaria um pacto social.

É o que se pode inferir do escólio de Jean Jaques Rousseau

apud Dallari37:

[...] encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado, de qualquer força comum; e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando, assim, tão livre como dantes [...] tal é o problema fundamental que o Contrato Social soluciona.

A respeito desta concepção de Rousseau, leciona Dallari38

que, neste instante, o ato de associação produziria um corpo moral e coletivo, que

é o Estado, o qual, na condição de mero executor de decisões, seria considerado

como soberano. Não obstante, o soberano continuaria a ser o conjunto de

pessoas associadas, mesmo após a criação do Estado, devendo se ressaltar que

a soberania é inalienável e indivisível.

Destarte, diante das considerações acima colacionadas

sobre a evolução do Estado, pode-se inferir que este passou por processos

paulatinos de transformação até atingir a forma atual.

1.1.1 Teorias do aparecimento do Estado

Diversas são as teorias que procuram explicar o

aparecimento do Estado, entretanto, diante da ausência de elementos seguros

para reconstruir a história e as formas de vida das primeiras sociedades, podem

ser observadas contradições entre suas premissas e conclusões.

Para Maluf39 essas teorias assim se agrupam:

teorias da origem familiar;

37 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 17. 38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 17. 39 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 53.

11

teorias da origem patrimonial; e

teorias da força.

A seguir, passa-se à abordagem dessas teorias de forma

individualizada.

1.1.1.1 Teoria da origem familiar

Para a teoria da origem familiar, o Estado teria sua origem

na família, a qual, em virtude de seu desenvolvimento e ampliação, possibilitaria o

aparecimento da sociedade política40.

Maluf41 preconiza que esta teoria, de todas a mais antiga,

apóia-se na derivação da humanidade de um casal originário, compreendendo

duas correntes principais, quais sejam, a teoria patriarcal (ou patriarcalística) e a

teoria matriarcal (ou matriarcalística).

1.1.1.1.1 Teoria patriarcal

De acordo com essa teoria, a qual possui fundo bíblico, o

Estado se origina da família, estando sob autoridade de um chefe familiar, ou

seja, do patriarca (ascendente varão mais velho).

Sobre a teoria em comento traz-se as considerações de

Maluf42:

Os pregoeiros da teoria patriarcal encontram na organização do Estado os elementos básicos da família antiga: imunidade de poder, direito de primogenitura, inalienabilidade do domínio territorial etc. Seus argumentos, porém, se ajustam mais às monarquias, especialmente às antigas monarquias centralizadas, nas quais o monarca representa, efetivamente, a autoridade do pater famílias.

40 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. p. 93. 41 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 54. 42 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 54.

12

Não obstante, há de se considerar que esta teoria, malgrado

possa explicar de forma plausível a gênese da sociedade, não possui o condão

de justificar as origens do Estado, visto que este, em regra, é formado pela

reunião de diversas famílias (unidades sociais).

1.1.1.1.2 Teoria matriarcal

Opondo-se à teoria patriarcal, destaca-se a teoria matriarcal,

a qual sustenta que o Estado também teria se originado a partir da organização

familiar, todavia, a autoridade sobre esta se encontrava em poder da mãe.

A respeito dessa teoria, seguem as explanações de Maluf43:

A primeira organização familiar teria sido baseada na autoridade da mãe. De uma primitiva convivência em estado de completa promiscuidade, teria surgido a família matrilínea, naturalmente, por razões de natureza fisiológica – mater semper certa. Assim, como era geralmente incerta a paternidade, teria sido a mãe a dirigente e autoridade suprema das primitivas famílias, de maneira que o clã matronímico, sendo a mais antiga forma de organização familiar, seria o fundamento da sociedade civil.

É imperioso salientar, entretanto, que a teoria patriarcal se

sobressaiu à teoria matriarcal, haja vista ter exercido grande influência em todas

as fases da evolução histórica dos povos.

1.1.1.2 Teoria da origem patrimonial

Afirmam os defensores desta teoria que a propriedade,

mormente a posse da terra, gerou o poder público e deu origem à organização

estatal. Referida teoria tem suas bases na filosofia de Platão, o qual, em sua obra

A República preceituava originar-se o Estado da união das profissões

econômicas44.

43MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55. 44 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55.

13

Pondera Maluf45 que “(...) decorre desta teoria, de certo

modo, a afirmação de que o direito de propriedade é um direito natural, anterior

ao Estado”.

Salienta-se, ademais, que, hodiernamente, o socialismo

adota as bases principiológicas desta teoria, segundo as quais o fator econômico

é determinante dos fenômenos sociais46.

1.1.1.3 Teoria da força

A teoria da força apóia-se na chamada origem violenta do

Estado e, segundo Dallari47, a superioridade da força de um grupo social permitiu-

lhe submeter um grupo mais fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de

dominantes e dominados.

Cabe ressaltar que o maior defensor desta teoria foi Engels48

e, em sua obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, assim

destacou:

Faltava apenas uma coisa: uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica; que não só consagrasse a propriedade privada, tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o elo geral do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam uma sobre as outras – a acumulação, portanto, cada vez mais acelerada das riquezas: uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade de classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.

45 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55. 46 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 56. 47 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 54 48 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado, Rio de

Janeiro: Vitória, 1960, p. 102 e 160.

14

É de se salientar, por derradeiro, que as teorias da origem

familiar, da origem patrimonial e da força, diferentemente das teorias que

justificam a origem do Estado, sob o ponto de vista racional, solucionam os

questionamentos em tela sob o enfoque histórico-sociológico.

1.1.2 O Estado Oriental

O Estado oriental é composto pelas mais antigas civilizações

do Oriente e também do Mediterrâneo, tais como os chineses, indus, persas,

assírios, hebreus, egípcios etc49.

Menezes50 preleciona que:

De forma artificial, pela fortuna de armas de um conquistador, que anexava territórios e escravizava populações vencidas, o chamado Estado Oriental ainda é um embrião como tal, mas delineado em sua fisionomia política, que prevalece absoluta diferenciação de castas, da qual emerge, pelo predomínio da classe sarcedotal, uma verdadeira teocracia, que se traduz com a presença da autoridade divina no governo dos homens.

Nesse norte, tem-se que os povos orientais tinham

predominante influência religiosa, ou seja, a forma geral do Estado no mundo

oriental foi a de uma autocracia ou monarquia despótica, o que acarretou

dificuldades para se diferenciar o pensamento religioso do político, assim como

dos valores morais e demais ciências51.

Deve-se salientar ainda, que, mesmo não possuindo

organização administrativa, a cultura oriental trouxe uma contribuição ao

pensamento político, qual seja, a idéia de império.

49 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 106. 50 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 106.

51 GETTEL, Raymond G. História de las ideas políticas, México: Nacional, 1951, p.61.

15

1.1.3 O Estado Grego

Não há registros da existência de um Estado Grego

unificado, o que havia, ao revés, eram vários Estados helênicos, formados por

uma porção da coletividade fixada nas chamadas cidades-Estado (Polis),

podendo-se citar Atenas e Esparta como as que mais se destacaram52.

As Polis, segundo Menezes53, que inclusive é de onde deriva

a palavra política, foram as bases políticas na Grécia. Possuíam as mesmas

instituições, religiosas e sociais, e viviam independentes, mediante um processo

de alianças temporárias, ressalvando determinadas cidades que pretendiam

sobrepujar as suas limítrofes. É de se constar, outrossim, que as divindades

gregas não conferiam caráter místico a suas autoridades, como ocorria nas

monarquias orientais, embora a Polis também fosse considerada uma

comunidade religiosa.

Ademais, acerca do caráter democrático conferido às

cidades-Estado, traz-se a lume algumas considerações de Dallari54:

No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, que compõem a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita. Assim, pois, mesmo quando o governo era tido como democrático, isso significava que uma faixa restrita da população – os cidadãos – é que participava das decisões políticas, o que também influi para a manutenção das características de cidade-estado, pois a ampliação excessiva tornaria inviável a manutenção do controle por um pequeno número.

Mostra-se oportuno frisar que Aristóteles, em sua obra

Política, procurou solucionar os problemas sociais através da aplicação de

princípios de justiça social e encaminhou sua doutrina em direção do ideal

52 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 63.

53 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 110. 54 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 64.

16

democrático, consubstanciado nas expressões qualitativa e quantitativa, as quais,

inclusive, podem ser confirmadas pelas experiências do mundo moderno,

devendo ser empregadas conjuntamente para significar que a maioria que

delibera não deve ser apenas uma expressão numérica, mas também uma

expressão das qualidades morais e cívicas da comunidade nacional55.

1.1.4 O Estado Romano

O Estado Romano passou por diversas formas de governo,

dentre elas a realeza, a república e o império, inclusive expandindo seu domínio

por uma grande extensão do mundo. Entretanto, tem suas bases na organização

familiar, visto que os agrupamentos de famílias e tribos formavam as cidades-

Estado chamadas civitas, que por sua vez constituíam as gens56.

Menezes57 esclarece que para fazer parte de uma gens, era

preciso pertencer a uma família, que compreendia duas classes de pessoas: os

patrícios (de raça nobre, livres de nascimento e descendentes de um pater) e os

clientes (servidores de cada grupo familiar, que jamais poderiam torna-se

proprietários). Havia também os plebeus, os quais não possuíam família nem

religião, todavia, gradativamente, foram ampliando seus direitos.

O Estado Romano, assim como o Estado Grego, conferia ao

povo certa participação no governo, porém, esta prerrogativa se estendia a uma

pequena faixa da população e como governantes supremos estavam as figuras

dos magistrados58.

Não obstante, somente com a idéia de Império é que Roma

pretendeu realizar a integração jurídica dos povos conquistados, mas mesmo

55 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 100. 56 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 101. 57 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 112/115. 58 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 112/115.

17

assim, procurando manter um sólido núcleo de poder político, que assegurasse a

unidade e a ascendência da Cidade de Roma59.

Todavia, o Estado Romano sofreu abalos em suas bases a

partir da concessão pelo Imperador Caracala, da naturalização a todos os povos

do Império, através do Edito de Caracala, em 212 a.C. Este Edito, juntamente

com o Edito de Milão (313 a.C), anteriormente concedido pelo Imperador

Constantino que assegurou a liberdade religiosa no Império, dinamizou, também

por influência do cristianismo, o desaparecimento da concepção de superioridade

dos romanos.60

1.1.5 O Estado Medieval

O Estado Medieval se caracterizou pela influência de três

fatores principais, quais sejam: o cristianismo, as invasões bárbaras e o

feudalismo, sendo que estes atuaram de forma concomitante durante o período

medieval (séculos V a XV da era cristã)61.

O cristianismo aspirava à formação de uma unidade política,

um Império da Cristandade, em que todos aqueles que não fossem cristãos

seriam considerados desgarrados. Contudo, esses anseios foram obstados por

certos fatores, os quais foram detalhados por Dallari62:

[...] em primeiro lugar, uma infinita multiplicidade de centros do poder, como os reinos, os senhorios, as comunas, as organizações religiosas, as corporações de ofícios, todos ciosos de sua autoridade e sua independência, jamais se submetendo, de fato, à autoridade do Imperador; em segundo lugar, o próprio Imperador recusando submeter-se à autoridade da Igreja, havendo imperadores que pretenderam influir em assuntos eclesiásticos, bem como inúmeros papas que pretenderam o

59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 65. 60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 65. 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 66. 62 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 67.

18

comando, não só dos assuntos de ordem espiritual, mas também todos os assuntos de ordem temporal.

De outra banda, as invasões bárbaras, integradas em sua

maioria pelos germanos, ocasionaram a decadência do império romano.

Substituíram as antigas tradições romanas pelo estilo germânico-oriental e,

através da utilização de meios extremamente violentos, fizeram desaparecer a

então noção de Estado. No entanto, reformularam-no, posteriormente, segundo

concepções de vida mais compatíveis com a dignidade humana63.

A esse respeito, pondera Maluf64:

Embora a princípio as hordas invasoras empregassem uma violência extremada, espoliando e massacrando as populações vencidas, inclusive no período de transição quando procuravam situar-se como exército de ocupação, é inegável que implantaram no ocidente o primado da lei e da razão, contribuindo assim para a nova configuração do Estado Medieval.

Em decorrência do abalo ocasionado pelas invasões

bárbaras, criou-se o sistema feudal para sustentar a ordem social. Os reis

bárbaros, após dominarem vastos territórios, conferiam aos chefes guerreiros

zonas territoriais, dada a impossibilidade de manutenção de uma unidade com

comando central único, o que acarretou a fragmentação do poder. Em troca estes

deveriam prestar ajuda militar, pagar tributos e manter fidelidade ao rei65.

Segundo Maluf66, os proprietários exclusivos dessas terras

eram chamados senhores feudais e exerciam atribuições de chefe de Estado,

uma espécie de reis em seus domínios privados, eis que decretavam e

arrecadavam tributos, administravam a justiça, expediam regulamentos e

promoviam a guerra.

63 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 107. 64 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 107/108. 65 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109. 66 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109.

19

Todavia, acrescenta, ainda, o autor67 que a multiplicação

desenfreada dos feudos, a reação dos escravos, o desenvolvimento da indústria e

do comércio e a propagação de idéias racionalistas comprometeram a estrutura

feudal, dando ensejo à restauração do Estado sobre a base do direito público.

Destarte, a conjunção dos fatores acima mencionados

ocasionaram constantes instabilidades políticas, econômicas e sociais, o que

acarretou a necessidade de uma autoridade capaz de promover a ordem social.

Surge, como corolário, o Estado Moderno.

1.1.6 Surgimento do Estado Moderno

Conforme já mencionado, a situação de conflito que se

encontrava a sociedade medieval em decorrência das crises no sistema feudal,

bem como diante da perda de influência por parte da Igreja, despertaram nos

povos o desejo de uma unidade Estatal com soberania e territórios delimitados68.

Por conseguinte, estruturou-se o Estado Absoluto, o qual,

segundo a concepção de Grillo,69 surgiu como estágio inicial do Estado Moderno

e é ele que aparece analisado nas obras de Maquiavel, Bodin e Hobbes, bem

como de Filmer.

Há que se ressaltar que Nicolau Maquiavel foi, sem dúvida,

o precursor do absolutismo e, em sua obra O Príncipe, se desligou de todos os

valores morais, tradições e princípios éticos, para pregar o oportunismo

desenfreado e o cinismo como arte de governar. Aconselhava o monarca a

mentir, a praticar toda sorte de crueldade e, ao mesmo tempo, dissimular e fazer

crer que sua conduta é virtuosa70.

67 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109. 68 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 69. 69 GRILLO, Vera de Araújo. A separação dos poderes no Brasil: legislativo versus executivo,

Blumenau-Itajaí: Editora Edifurb e Editora Univali, 2000, p. 16.

70 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 116.

20

Sobre o absolutismo monárquico, perfazem-se necessárias

as considerações de Bodin apud Maluf71, o qual ensina:

A Monarquia absoluta assentava-se sobre o fundamento teórico do direito divino dos reis, com evidentes resquícios das concepções monárquicas assírias e hebraicas. A autoridade do soberano era considerada como de natureza divina e proveniente diretamente de Deus. O Poder de imperium era exercido exclusivamente pelo Rei, cuja pessoa era sagrada e desligada de qualquer liame de sujeição pessoal: “sua soberania é perpétua, originária e responsável em face de qualquer outro poder terreno, ainda que espiritual – doutrinara Bodin”.

Entretanto, as pregações racionalistas, difundidas

especialmente por John Locke, despertaram nas populações sofredoras e

escravizadas o desejo de liberdade, assim como encorajaram a classe burguesa,

a qual era composta, em sua maioria, por comerciantes ricos e estudados, a

lutarem contra a opressão da monarquia absoluta72.

Deste inconformismo resultaram as primeiras Revoluções

Burguesas, as quais foram o ponto de partida para o surgimento do Estado

Moderno. Discorrendo sobre os efeitos da Revolução Francesa para o surgimento

do Estado Moderno, Bonavides73 destaca que:

Antes da revolução tudo se explicava pelo binômio absolutismo-feudalismo, fruto de contradição já superada. Depois da Revolução, advém outro binômio, com a seguinte versão doutrinária: democracia-burguesia ou democracia-liberalismo. [...] o equilíbrio se rompe com a pugna ideológica, que reprimiu e desacreditou o antigo princípio liberal, fazendo que a idéia democrática (igualdade) viesse a preponderar, de modo já inequívoco, como acontece em nossos dias, com a chamada democracia de massas, democracia igualitária, ou [...] democracia governante, que se distingue da democracia governada, do liberalismo.

71 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 119. 72 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 121. 73 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros. 1966, p.

54/55.

21

Assim sendo, denota-se que existem certas divergências em

relação ao marco inicial do surgimento do Estado Moderno, eis que alguns

defendem o desejo de unificação do Estado proveniente da crise no sistema

feudal como fator preponderante, outros acreditam que foram as revoluções

burguesas, em reação ao absolutismo, que ensejaram o seu surgimento.

1.1.7 Estado Contemporâneo

O Estado Contemporâneo, tratado por muitos, como Estado

Social, nasceu de uma inspiração de justiça, igualdade e de liberdade, em

resposta ao feroz individualismo das teses liberais e subjetivistas existentes

durante as fases anteriores de desenvolvimento do Estado74.

Pasold75 afirma que o Estado Contemporâneo teria surgido

em 1917, por intermédio da promulgação da Constituição Mexicana, assim como

em 1919 com a Constituição de Weimar.

Para Bonavides76 “(...) é a criação mais sugestiva do século

constitucional, o princípio governativo mais rico em gestão no universo político do

Ocidente”, acrescentando que seu surgimento se deu em decorrência da

necessidade de se empregar meios intervencionistas para estabelecer equilíbrio

na repartição dos bens sociais. Para tanto, instituiu-se um regime de garantias

concretas e objetivas, que tendem a favorecer a concepção de democracia

atrelada à função e fruição dos direitos fundamentais.

Neste mesmo norte, Bonavides77 ainda esclarece que no

Estado Social

74 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p.11. 75 PASOLD, Luiz Cézar. Função social do estado contemporâneo, Florianópolis: Estudantil,

1988, p. 43. 76 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p.11. 77 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p.33.

22

[...] o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para transladar ao campo da concretização de direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno. A esse Estado pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os direitos fundamentais conservam sempre o seu primado. Sua observância faz a legitimidade de todo o ordenamento jurídico.

Portanto, é de se constar que o Estado Contemporâneo,

diferentemente dos outros modelos estatais, que priorizavam o direito individual,

tem no interesse coletivo seu escopo primordial.

1.2 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

A divisão funcional do poder de soberania de um Estado em

três órgãos independentes e harmônicos entre si (Executivo, Legislativo e

Judiciário) é próprio do sistema constitucionalista e visa obstar os excessos,

abusos e inconvenientes de um poder estatal ilimitado.

A teoria da separação dos poderes alcançou verdadeira

consagração com a obra “O Espírito das Leis”, elaborada por Montesquieu,

entretanto, mister se faz a análise dos antecedentes históricos desta teoria.

Aristóteles, em sua obra Política, reputava inconveniente a

concentração do poder político nas mãos de um só homem, eis que este estava

“sujeito a todas as possíveis desordens e afeições da mente humana” e, diante

dessas considerações, distinguia as funções do Estado em deliberante, executiva

e judiciária78.

Todavia, sobretudo com a evolução política por que passou

a Inglaterra, na Era Moderna, com a edição do Bill of Rights, em 1689, é que John

78 ARISTÓTELES, Política, Livro III, capítulo XI.p. 234.

23

Locke sistematizou a primeira teoria da separação dos poderes, dividindo suas

funções em Legislativa, Executiva e Federativa, ressaltando que estes últimos

deveriam ser exercidos pela mesma pessoa e subordinados ao primeiro, o qual se

sujeitava somente ao poder do povo. O Legislativo elaboraria as leis que iriam

disciplinar o uso da força na comunidade civil; o Executivo aplicaria as leis aos

membros da comunidade; e o Federativo desempenharia a função de se

relacionar com os demais Estados79. Conforme se observa, Locke, em sua teoria,

não fez menção ao Poder Judiciário.

Posteriormente, Montesquieu80 arquitetou sua clássica teoria

sob o argumento de que a repartição do exercício do poder entre pessoas

distintas era necessária para impedir que sua concentração comprometesse a

liberdade dos cidadãos.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário; pois o juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.

Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais (sic) ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.

Entretanto, em que pese ter Montesquieu proposto a

contenção do poder político como forma de garantir a liberdade civil, não idealizou

a separação absoluta entre as funções públicas, visto que a relação entre os

poderes são recíprocas, com o intuito de prevenir que o exercício de cada um

deles possa servir de pretexto para sobrepujar aos demais.

79 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constituición, Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona:

Editorial Ariel, 1976, p. 57. 80 MONTESQUIEU. O espírito das leis, Trad. Pedro Vieira Mota, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998,

p. 167/168.

24

É o que se pode denotar das considerações de Zaffaroni81:

Não há em Montesquieu qualquer expressão que exclua a possibilidade dos controles recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe em algo parecido com “três governos”, mesmo ainda, que não reconheça que no exercício de suas funções próprias esses órgãos devam assumir funções de outra natureza.

Neste sentido, parece mais conveniente, portanto, se falar

em “divisão de funções”, em substituição à expressão “divisão de poderes” do

Estado, posto ser este uno e indivisível. Fazendo alusões a este tema, Maluf82

conclui que:

Essa separação de poderes não pode ser entendida de maneira absoluta como pretendiam, nos primeiros tempos, os teóricos do “presidencialismo puro” norte americano. Nem decorre da doutrina de Montesquieu que cada um dos três clássicos poderes deva funcionar com plena independência e plena autonomia, fechando em departamento estanque. Melhor será falar-se em separações de funções. A divisão é formal, não substancial. O poder é um só; o que se triparte em órgãos distintos é o seu exercício.

[...]

Os três poderes só são independentes no sentido de que se organizam e funcionam separadamente, mas se entrosam e se subordinam mutuamente na finalidade essencial de compor os atos de manifestação da soberania nacional, mediante um sistema de freios e contrapesos, na expressão dos constitucionalistas norte-americanos, realizando o ideal de contenção do poder pelo poder [...].

Desta forma, cumpre ressaltar que o sistema de freios e

contrapesos, acima aludido, serviu de substrato aos países federalistas que com

ele concretizaram um verdadeiro sistema de mútuo controle entre os poderes.

81 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Poder judiciário: crises acertos e desacertos. Tradução Juarez

Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 82-83. 82 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 211/212.

25

O Brasil adotou expressamente a teoria da separação dos

poderes e no art. 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 198883

estatuiu: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Ademais, consagrou como cláusula pétria

o disposto no art. 60, § 4º, inc. III da CRFB/88, o qual determina que “não será

objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir [...] III - a

separação dos poderes”.

Outrossim, é imperioso destacar que cada um dos Poderes

possui sua organização regulada em capítulo distinto no Título IV, da CRFB/88,

deixando ainda mais cristalino que o princípio da separação e independência dos

Poderes integra a ordem constitucional positiva brasileira.

A seguir, como o Poder Judiciário terá maior enfoque para a

realização dos estudos a respeito da Responsabilidade Civil do Estado por ato de

seus juízes, passa-se a análise de seus principais aspectos.

1.2.1 Atuação e função do Poder Judiciário

As primeiras formas de soluções de conflitos entre os

indivíduos não eram realizadas mediante um órgão estatal, como ocorre

atualmente, através do Poder Judiciário, motivo pelo qual, se faz necessária uma

breve abordagem acerca dessas primitivas formas de resolução das lides.

A doutrina dominante, segundo Schlichting84, divide os

primeiros métodos para a solução das lides em: autotutela, autocomposição,

arbitragem e jurisdição.

A autotutela foi o primeiro método utilizado para as soluções

dos conflitos, eis que o Estado não possuía força capaz de ditar leis para serem

83 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988, que doravante será

tratada de CRFB/88. 84 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva e atual. Florianópolis:

Visual Books, 2002. 1v, p. 18.

26

cumpridas pela sociedade. Em razão disso, os indivíduos mais fortes faziam

justiça pelas próprias mãos85.

Schlichting86, também ensina que a autotutela é um método

de composição de litígios em que há uma imposição de uma parte sobre a outra,

sem a existência de um juiz independente e imparcial, acrescentando que essas

resoluções somente permaneciam enquanto durassem as mesmas situações de

mais forte ou de mais fraco. Havendo inversão dessas situações, voltavam as

contendas sobre as mesmas pretensões. Atualmente, a autotutela pode ser

observada nas instituições da legítima defesa e desforço imediato.

No tocante à autocomposição, o autor87 ainda esclarece que

esta implicava em um acordo entre as partes em que através de concessões

unilaterais ou bilaterais, solucionavam seus conflitos, podendo ser por intermédio

da desistência, submissão ou transação. As conciliações e transações realizadas

nos processos são exemplos atuais da utilização desse método.

Em relação à arbitragem, Schlichting88 leciona que esta

consistia em um método mais moderno de composição das lides em que o poder

de decisão era conferido a um terceiro desinteressado e de confiança mútua das

partes ou da comunidade a qual pertenciam.

No Brasil, o instituto da arbitragem, ainda muito utilizado, é

regulado pela lei nº 9.307 de 30 de setembro de 1996.

Alves89 preconiza que à arbitragem sucedeu-se a instituição

da justiça pública, quando o Estado, afastando o emprego da justiça privada,

assumiu o encargo de administração da justiça, através de funcionários próprios.

Surge, destarte, a jurisdição, exercida pelo Poder Judiciário.

85 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva e atual, p 18. 86 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva e atual, p 18. 87 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva e atual, p. 19. 88 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva e atual, p. 19. 89 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. Rio de janeiro: Forense, 1971. 1v, p. 204.

27

Cruz90 destaca que:

Em que pese as evoluções sofridas pelo princípio da separação dos poderes, ao longo da história constitucional, este princípio continua tendo hoje uma projeção relevante, do ponto de vista da garantia da liberdade dos cidadãos, no que se refere à existência de um Poder Judiciário independente e diferenciado do resto dos poderes do Estado. Trata-se de uma característica comum a todos os países com um regime constitucional democrático, qualquer que seja – maior ou menor – a rigidez da separação de poderes.

Assim, deve-se ressaltar, primeiramente, que o Poder

Judiciário, do ponto de vista orgânico, é um conjunto de órgãos, dotado de um

poder fundamental e independente do Estado, situando-se no mesmo nível

hierárquico dos demais órgãos constitucionais91.

A função típica do Poder Judiciário, conforme preleciona

Moraes92, é a jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que

lhe é posto, resultante de um conflito, e que impõe, dessa forma, validade ao

ordenamento jurídico, inclusive de forma coativa, se houver necessidade.

Alvim93, a respeito, afirma:

Podemos, assim, afirmar que a função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes.

Evidentemente tem-se que distinguir a atividade jurisdicional da administrativa e da legislativa. As duas últimas, especialmente a administrativa, consistem em atuação em conformidade com a lei, mas são nitidamente diversas da atividade jurisdicional, pois esta

90 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 113. 91 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, p. 114. 92 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional.

São Paulo: Atlas, 2002, p. 1276/1277. 93ALVIM NETO, José Manoel de Arruda. Direito processual civil. 1. ed. São Paulo: Revistas dos

Tribunais, 1995., p. 149.

28

é atividade secundária ou substitutiva, ao passo que a administrativa é primária.

Além de sua função típica, qual seja, a jurisdicional, o Poder

Judiciário exerce funções atípicas, de natureza administrativa e legislativa.

Citando algumas destas situações, Moraes94 destaca que as funções de natureza

administrativa são realizadas pelo Poder Judiciário, por exemplo, com a

concessão de férias a seus membros, ou com o provimento, nos termos da

Constituição, de cargos de juiz de carreira. Já como funções de cunho legislativo,

poderia se mencionar a edição de normas regimentais, pois compete ao Poder

Judiciário elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de

processo e de garantias das partes, dispondo sobre a competência e o

funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais.

Portanto, diante do que acima se colacionou, tem-se que o

Poder Judiciário é um órgão independente e imparcial, que vela pela observância

da Constituição e garante a ordem na estrutura governamental95.

1.2.1.1 O Poder Judiciário no Brasil

No Brasil, a aplicação da teoria da separação dos poderes

remota ao período Imperial, eis que a Constituição de 1824 adotou, pela primeira

vez, o princípio da “divisão harmônica dos Poderes Políticos”, os quais eram

divididos em: Poder Legislativo, Poder Moderador, Poder Executivo e Poder

Judicial96.

Salazar97 aduz que no Império o Poder Judicial era

autônomo e único para todo o território nacional e se encontrava escalonado em

94 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional,

p.1277. 95 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional,

p.1276. 96 SALAZAR, Alcino. Poder Judiciário: bases para reorganização. São Paulo: Forense, 1975, p.

57. 97 SALAZAR, Alcino. Poder Judiciário: bases para reorganização, p. 58.

29

três graus de jurisdição: os juízes de primeira instância, os tribunais de segunda

instância nas províncias e um tribunal supremo como órgão de cúpula. Não

obstante, o Poder Judiciário brasileiro passou por profundas modificações até

chegar a configuração atual, sendo que sua estrutura está sistematizada nos

artigos 92 a 135 da CRFB/88.

A respeito da estrutura do Poder Judiciário brasileiro,

manifesta Bastos98:

A estrutura da justiça brasileira deve ser estudada levando-se em conta dois aspectos: de um lado, em decorrência da forma federal de Estado, a justiça se divide em federal e estadual; de outro, em razão da competência outorgada pela Constituição, temos a justiça comum e a justiça especializada. Tanto a justiça federal quanto a estadual se bipartem em comum e especializada. A esta incumbe a prestação jurisdicional relativa às matérias: militar, eleitoral e trabalhista. A justiça comum é toda aquela remanescente da justiça especializada. Não sendo especializada, é comum. O órgão de cúpula da justiça brasileira é o Supremo Tribunal Federal.

Para uma melhor visualização da estrutura do Poder

Judiciário brasileiro, traz-se a lume o quadro sinóptico abaixo com sua

organização99.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

98 BASTOS, Celso Ribeiro.Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora,

2002, p. 616/617. 99 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional,

p.1277.

STJ TST TSE STM

TJs TRFs TRTs TREs TMs

juízes do trabalho

juízes eleitorais

juízes militares

juízes federais

juízes de direito

30

Após a realização desta breve explanação sobre a

organização do Poder Judiciário no Brasil, necessário se faz o estudo sobre as

garantias conferidas aos magistrados, as quais propiciam a independência da

atividade jurisdicional.

1.2.1.2 Os princípios para garantia e independência da atividade

jurisdicional

Após a Revolução Francesa, em todos os Estados

modernos foi assegurada a independência do Judiciário como um dos três

poderes, contudo, variam de Constituição para Constituição as garantias

asseguradas aos magistrados para que possam exercer suas funções

livremente100.

Sobre a independência do Poder Judiciário, seguem as

considerações de Cruz101:

A independência aparece como elemento essencial ao Poder Judiciário, necessariamente vinculada ao cumprimento de sua função. Sendo esta a de aplicar a lei a casos concretos [...] só a absoluta independência do juiz em relação aos poderes Executivo e Legislativo garante que será a lei e não a vontade do Executivo ou de membros do Parlamento a que decidirá o litígio. [...] A independência se define, assim, como um dado objetivo. A ausência de subordinação não se traduz só na proibição de emanação de ordens aos juízes para a resolução dos conflitos perante os tribunais, mas também na introdução de garantias dirigidas a evitar a possibilidade de influências indevidas em seu trabalho, como a vitaliciedade, inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.

Extrai-se do escólio acima, que as garantias constitucionais

da magistratura, quais sejam, a vitaliciedade102, inamovibilidade103 e

100 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado, 35. ed. São Paulo: Globo, 1996, p. 201. 101 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, p. 115. 102 O juiz adquire na primeira instância a vitaliciedade após dois anos de exercício, não podendo

neste período perder o cago senão por proposta do Tribunal a que estiver vinculado, aprovada

31

irredutibilidade dos subsídios104, visam assegurar a independência dos

magistrados e estão definidas no art. 95 da CRFB/88, in verbis:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Além das garantias acima mencionadas, a CRFB/88

estabeleceu no parágrafo único do citado artigo algumas vedações aos

magistrados, também chamadas de “garantias às partes”, que têm por objetivo

preservar a imparcialidade destes105. Veja:

Art. 95. [omissis]

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III - dedicar-se à atividade político-partidária.

pelo voto de dois terços de seus membros efetivos e, nos demais casos, de sentença transitada em julgado. [BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 618/619].

103 Consiste no direito de permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado. A regra é que o juiz só poderá ser removido quando aceitar promoção ou requerer sua remoção. A remoção compulsória só poderá ocorrer por motivo de interesse público, e voto de dois terços dos membros efetivos do Tribunal competente, assegurado ao juiz o direito de defesa (CF, art. 93, inc. III). [BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 619].

104 Os subsídios dos magistrados não podem ser diminuídos nem pelo executivo, nem pelo Legislativo, nem pelo próprio Judiciário. Ficam sujeitos, todavia, aos impostos gerais, inclusive ao de renda e aos impostos extraordinários previstos no art. 95, inc., com nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98. [BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 619].

105 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 620.

32

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Deve-se salientar que as vedações estabelecidas nos

incisos IV e V foram recentemente incluídas pela Emenda Constitucional nº 45 de

2004, aumentando ainda mais o rol de vedações anteriormente estabelecido.

Frisa-se, portanto, que “(...) longe de ser um privilégio para

os juízes, a independência da magistratura é necessária para o povo, que precisa

de juízes imparciais para a harmonização pacífica e justa dos conflitos de

direitos”106.

Após as considerações colacionadas neste primeiro capítulo

sobre o Estado e o Poder Judiciário, passa-se à abordagem do instituto da

Responsabilidade Civil, tanto em seu aspecto geral, como também em suas

principais nuances.

106 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 47.

33

CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Para se estudar o instituto da Responsabilidade Civil, há de

se realizar, preliminarmente, uma breve síntese sobre seus lineamentos

históricos, o que a seguir se fará.

Rizzardo107pondera que não há controvérsias de que a

responsabilidade, numa fase inicial das comunidades, tratava-se de um direito à

vingança privada. Aquele que sofria um mal podia, pelo próprio arbítrio, ir à

desforra, ou buscar fazer justiça pelas próprias forças, tendo em vista a

inexistência de repressão do poder estatal. Deve-se salientar que não se cogitava

do fator culpa, posto que o dano, como acima se mencionou, provocava reação

imediata, instintiva e brutal do ofendido, não havendo, portanto, a existência de

regras de direito108.

Não obstante, há de se reconhecer que o instituto da

responsabilidade civil encontra suas origens no direito romano que, embora não

manifestasse uma preocupação teórica de sistematização de seus institutos, em

muito contribuiu para o desenvolvimento das regras concernentes à

responsabilidade civil. Discorrendo sobre o assunto Pereira109 leciona que “(...)

não chegou o Direito Romano a construir uma teoria da responsabilidade civil,

como, aliás, nunca se deteve na elaboração teórica de nenhum instituto”.

107 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002. Rio de Janeiro:

Forense, 2005, p.33. 108 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 6. ed. atual. e

ampl. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 4. 109 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997,

p. 2.

34

Partindo dessas premissas, é imperioso destacar,

primeiramente, o Código de Hamurabi110, considerado por Grispigni111 como o

mais antigo monumento da legislação criminal, e que adotou o princípio da

proporcionalidade entre a pena e o delito. É a chamada Pena do Talião. Senão

veja-se:

[...] se alguém tirar um olho de outro, perderá o seu igualmente; se alguém quebrar um osso de outro, partir-se-lhe-á um também; se o mestre de obras não construir solidamente a casa e esta, caindo, mata o proprietário, o construtor será morto e, se for morto o filho do proprietário, será morto o filho do construtor112.

Alvino Lima apud Carvalho113, complementa que no Código

de Hamurabi a responsabilidade era objetiva (transubjetiva) e difusa (extensiva a

terceiros).

Já o Código de Manú, que remonta o século XI a.C,

fundamentava-se na concepção de que a pena purificava o infrator e, em sendo

assim, determinava o corte de dedos dos ladrões, evoluindo para os pés e mãos

no caso de reincidência; o corte da língua para quem insultasse um homem de

bem; a queima do adúltero em cama ardente; a entrega da adúltera à

cachorrada114.

110 Ano 2200 a. C.: Hamurabi foi considerado um monarca eficiente e provedor, grande na guerra

e na paz. Seu reinado estendeu-se de 1728 a 1686 a.C, segundo arquivos babilônicos. O código do monarca Hamurabi revela o esforço de unificar a aplicação do direito, sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas. [CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do Estado por atos de seus agentes. São Paulo: Atlas, 2000, p. 23].

111 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de seus agentes, p. 23.

112 FERREIRA, Gilberto apud CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de seus agentes. São Paulo: Atlas, 2000, p. 23.

113 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de seus agentes, p. 23.

114 FERREIRA, Gilberto apud. CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de seus agentes, p. 23.

35

Posteriormente, sobreveio o grande Código Romano,

intitulado como a “Lei das XII Tábuas”115 que fazia menção à Lei de Talião.

Diniz116, discorrendo sobre o tema, leciona:

Na lei das XII Tábuas, aparece significativamente expressão desse critério na tábua VII, lei 11ª: “si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio esto” (se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como reação do lesado contra aparente dano.

Ressalta-se, ademais, que, nesta fase, nenhuma diferença

existia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal117.

Dando-se seguimento ao quadro evolutivo do instituto da

responsabilidade civil, surge a Composição, a qual substituiu o cumprimento da

pena pela reparação do dano causado que, inclusive, já encontrava respaldo na

Lei Mosaica. São dessa fase as chamadas penas tarifadas118.

Sobre a composição, assinala Lima119 que:

[...] este período sucede o da composição tarifada, imposta pela Lei das XII Tábuas, que fixava, em casos concretos, o valor da pena a ser paga pelo ofensor. É a reação contra a vingança privada, que é assim abolida e substituída pela composição obrigatória. Embora subsista o sistema do direito privado, nota-se, entretanto, a influência da inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos conflitos não é somente uma questão entre particulares. A Lei das XII Tábuas, que determinou o

115 A Lex Duodecimum Tabularum foi promulgada no ano 302 ab Urbe Condita,que corresponde

ao ano 452 a.C. Anota José Carlos Moreira Alves, que a Lei das XII Tábuas resultou da luta entre a plebe e o patriarcado. [ ALVES, José Carlos. Direito romano. 10 ed. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 24].

116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 19. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002) e Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva, 2005. 7v, p. 11.

117 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 2. 118 Levítico 6:4-5. apud CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de

seus agentes, p. 23. 119 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 21

36

quantum para a composição obrigatória, regulava casos concretos, sem um princípio geral fixador da responsabilidade civil.

Após esta fase, sobreveio a Lex Aquilia120 que vigorou entre

os romanos, em princípio tratando da responsabilidade penal. Há que se frisar,

por oportuno, que a Lex Aquilia é a fonte direta e moderna da noção de culpa, o

que deu ensejo, inclusive, ao surgimento da denominação característica culpa

aquiliana que, atualmente, é utilizada para tratar da responsabilidade

extracontratual em oposição à contratual, as quais serão oportunamente

diferenciadas.

Nesta esteira, para melhor compreensão do tema,

necessárias são as considerações de Carvalho121:

Com a Lex Aquilia surge a idéia de culpa, daí surgindo a chamada culpa aquiliana. Os juristas romanos, entretanto, não distinguiram perfeitamente a noção de culpa da noção de injúria, que foram tratados como sinônimos. Assim, não podendo desvincular culpa de delito, viram-se obrigados a reconhecer que o autor do dano tivesse sempre agido com culpa, pouco importando seu grau. Daí surgiu a máxima, até hoje bastante repetida: In Lege Aquilia et lecissima culpa venit122.

Não obstante, rememora Rizzardo123 que

concomitantemente à evolução da responsabilidade fundada na culpa, foram

sendo abandonadas as situações de composição obrigatória e as indenizações

tarifadas, dando ensejo, destarte, à possibilidade de reparação sempre que

120 Seu nome é originário de Lúcio Aquílio, tribuno do ano de 572 do calendário romano, que levou

a lei ao conhecimento do povo romano e obteve dele a aprovação para sanção. A contagem do calendário romano começa no ano da fundação de Roma. Assim, o ano de 572 do calendário romano corresponde ao ano 182 a.C. [CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do estado por atos de seus agentes, p. 25].

121 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, p. 26/27.

122 Essa afirmação, entretanto, não é pacífica na doutrina, havendo “os que sustentam, com amparo nos textos, que a idéia de culpa era estranha à Lei Aquilia; de outro, os que defendem a sua presença como elementar na responsabilidade civil”. [AGUIAR DIAS, José de apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 21].

123 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.34.

37

existente a culpa, ainda que em grau leve. De outra banda, com o advento do

Código de Napoleão, ficou destacada a responsabilidade civil da penal, a

contratual da extracontratual, com a inserção de regras sobre tais espécies.

Posteriormente, com a Revolução Industrial, a

responsabilidade civil, baseada apenas na culpa, passou a ser insuficiente para

dar amparo às vítimas do cenário social vigente à época, fato este que levou ao

surgimento da responsabilidade objetiva. A respeito, segue o escólio de

Rizzardo124:

No curso da Revolução Industrial, as injustiças sociais e a exploração do homem pelo homem levaram à inspiração de idéias de cunho social, favorecendo o aprofundamento e a expansão da teoria da responsabilidade objetiva, com vistas a atenuar os males decorrentes do trabalho e a dar maior proteção às vítimas de doenças e da soberania do capital. Realmente, pela segunda metade do Século XIX iniciou a se firmar essa responsabilidade, desenvolvendo-se sobretudo na França [...].

Com o passar dos tempos, mormente nas últimas décadas,

tem-se dado destaque à teoria do risco, que se fundamenta na responsabilidade

pelo mero fato de se exercer uma atividade perigosa, ou de se utilizar

instrumentos de produção que oferecem risco pela manipulação ou controle.

Corroborando o exposto, Diniz125 pondera que a Teoria do

Risco representou a objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo

risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em

particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança

material, e todo dano deve ter um responsável.

Por derradeiro, convém salientar que, malgrado a tendência

em se dar proeminência ao instituto da reparação, que decorre do mero exercício

de uma atividade de risco, ou do aparecimento de um dano, a responsabilidade

124 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.34. 125 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 11.

38

subjetiva se mantém, se colocando ao lado da objetiva, naqueles

desdobramentos126.

Após as considerações que acima foram trazidas à baila

acerca das origens e evolução histórica do instituto da responsabilidade civil,

prosseguir-se-á com a abordagem de seu conceito, espécies e elementos

essenciais.

2.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra “responsabilidade” tem sua origem semântica no

verbo latino “respondere”. Isto significa que todo aquele que causa prejuízo a

outrem deve responder, assumindo as conseqüências jurídicas da sua atividade.

Assim, sempre que houver lesão a um direito, surgirá uma obrigação de reparar o

dano impingido à parte lesada, visto que, dentro do ordenamento jurídico

brasileiro, existe um princípio fundamental que respalda esta regra, qual seja “da

proibição de ofender”, consubstanciado na idéia de que a ninguém se deve lesar

(máxima neminem laedere, de Ulpiano). Segue escólio de Stolze127:

A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais. [...] O respaldo de tal obrigação, no campo jurídico, está no princípio fundamental da “proibição de ofender”, ou seja, a idéia de que a ninguém se deve lesar – a máxima neminem laedere, de Ulpiano – limite objetivo da liberdade individual em uma sociedade civilizada.

Convém frisar que o dever de indenizar advém sempre de

um ato ilícito, que viola uma norma legal (responsabilidade extracontratual ou

126 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.35. 127 GAGLIANO, Pablo Stolze [Et Al]. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e

o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2.

39

aquiliana) ou uma norma contratual (responsabilidade contratual). Savatier apud

Rodrigues128 conclui que a responsabilidade civil é a “(...) obrigação que pode

incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou

por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.

2.2.1 Distinção entre responsabilidade civil e penal

Outrossim, importante se faz distinguir a responsabilidade

civil da penal. A respeito do tema, vem à baila a lição de Rodrigues129:

Num e noutro caso encontra-se, basicamente, infração a um dever por parte do agente. No caso do crime, o delinqüente infringe uma norma de direito público e seu comportamento perturba a ordem social; por conseguinte, seu ato provoca uma reação do ordenamento jurídico, que não pode se compadecer com uma atitude dessa ordem. A reação da sociedade é representada pela pena. Note-se que, na hipótese, é indiferente para a sociedade a existência ou não de prejuízo experimentado pela vítima. No caso de ilícito civil, ao contrário, o interesse diretamente lesado, em vez de ser o interesse público, é o privado. O ato do agente pode não ter infringido norma de ordem pública; não obstante, como seu procedimento causou dano a alguma pessoa, o causador do dano deve repará-lo. A reação da sociedade é representada pela indenização a ser exigida pela vítima do agente causador do dano. Todavia, como a matéria é de interesse apenas do prejudicado, se este resignar a sofrer o prejuízo e se mantiver inerte, nenhuma conseqüência advirá para o agente causador do dano.

Infere-se, por conseguinte, que ambas possuem um aspecto

em comum: decorrem de infração ao ordenamento jurídico. Porém, seus efeitos

são diversos, residindo neste ponto suas diferenças. A responsabilidade civil

ofende uma norma de natureza eminentemente privada, enquanto a penal atinge

norma de natureza pública. Por isto, a primeira é punida com indenização, ou

128 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 4v, p. 6. 129 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 6.

40

seja, simples reparação do dano; a segunda, no entanto, é cominada com pena,

posto que o interesse é da sociedade.

2.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O instituto da responsabilidade civil está dividido, em

sentindo amplo, em responsabilidade extracontratual e contratual, e, neste

contexto, estão inseridas, ainda, as espécies subjetiva e objetiva.

A seguir se fará um breve panorama acerca de cada espécie

de responsabilidade civil, ressaltando que se dará maior enfoque à

responsabilidade extracontratual, posto ser esta a espécie que importará à

presente pesquisa.

2.3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual

Mostra-se salutar à pesquisa uma prévia abordagem acerca

da distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual.

A responsabilidade contratual decorre do inadimplemento de

uma obrigação convencionada entre as partes contratantes. O fundamento

jurídico, portanto, encontra-se disposto num contrato e, somente, um dos

contraentes é quem pode infringir tal dever jurídico. Noutras palavras,

Rodrigues130 esclarece que “(...) na hipótese de responsabilidade contratual,

antes de a obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplemento e seu

co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção”.

De outra banda, a responsabilidade extracontratual se esteia

em uma obrigação legal. O seu fundamento jurídico existe na lei e qualquer

pessoa pode ser responsabilizada, quando violar o dever geral de não lesar

130 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 9.

41

ninguém. É o que e pode depreender da lição de Rodrigues131: “Na hipótese de

responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador

do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores

de sua obrigação de indenizar”.

Conclui-se, logo, que a responsabilidade contratual surge da

violação de um dever de agir (ou adimplir), enquanto a extracontratual ocorre da

transgressão de um dever de não agir (ou de não ofender outrem).

Asseverando o exposto, é o escólio de Stolze: 132

Com efeito, para caracterizar a responsabilidade contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.

Ressalta-se que destas condutas provém o prejuízo, que

deve ser reparado através da restituição ao “statu quo ante”, ou, então,

indenizado133.

Rege-se a responsabilidade contratual e extracontratual

pelos preceitos dos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes do Código Civil,

bem como pelos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes do mesmo diploma legal,

respectivamente.

A responsabilidade contratual é apurada conforme o tipo de

obrigação assumida no contrato. Sendo obrigação de resultado, a culpa é

presumida, ou, em alguns casos, a responsabilidade é objetiva. Em se tratando

de obrigação de meio, a responsabilidade é subjetiva.

131 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 10. 132 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 19/21. 133 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 23.

42

Nesta esteira, pondera Cavalieri Filho134:

[...] essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada.

No que tange à responsabilidade extracontratual, cumprindo

salientar que apenas esta é objeto de estudo do presente trabalho monográfico,

adota-se como regra geral a responsabilidade subjetiva, excepcionada, pela

responsabilidade objetiva, quando houver previsão legal ou se a natureza da

atividade implicar risco para os direitos de outrem135.

2.3.2 Responsabilidade Civil Subjetiva

A responsabilidade subjetiva está fundada na teoria da

culpa. Destarte, a regra geral é que deve existir culpa no comportamento do

sujeito, para que possa ser pleiteada alguma reparação. Neste viés, aduz

Rodrigues136 que “(...) a prova da culpa do agente causador do dano é

indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é

subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito”.

Esta culpa, fundamento da responsabilidade, deve ser

compreendida em seu sentido “lato sensu”, ou seja, o sujeito deve causar o dano

em função de ato doloso (ato voluntário) ou culposo “stricto sensu”.

134 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed., São Paulo:

Malheiros, 2000, p. 198. 135 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 17. 136 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.11.

43

A respeito extrai-se dos ensinamentos de Gonçalves137:

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura com dolo ou culpa.

Corrobora o exposto Lisboa138:

Pela teoria subjetiva, deve-se demonstrar se o agente tinha a intenção de praticar o ato danoso ou, ainda, se a sua conduta foi imprudente, negligente ou imperita. Tal comprovação somente é dispensável quando a lei expressamente presumir a culpa do agente, ainda que por fato de terceiro.

A culpa, no seu sentido restrito, caracteriza-se quando o

agente atua com negligência (omissão com falta de cautela), imprudência (ação

descomedida, com ausência de cuidado) ou imperícia (negligência técnica ou

profissional), ressaltando que esta última forma de culpa, embora não esteja

expressamente prevista no art. 186 do Código Civil139, encontra-se compreendida

na expressão negligência.

Ilustrando o acima colacionado, menciona Stolze140 que a

culpa “(...) ocorre quando o agente falta com o dever geral de cautela, seja de

maneira omissiva (negligência e imperícia) ou comissiva (imprudência)”.

Cumpre ainda destacar que a prova da culpa do agente é

indispensável. Sempre caberá ao autor o ônus da prova da culpa do réu,

porquanto se trata de fato constitutivo do direito à pretensão reparatória. Apenas

na hipótese de culpa presumida (decorrente da lei ou da jurisprudência) é que se

inverte o ônus da prova, como no caso da responsabilidade civil indireta, cujo 137 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p.18/19. 138 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed.

rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 2v, p. 532-533. 139 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito

e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 140 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 144/145.

44

dano é causado por terceiro com quem o réu mantém algum tipo de relação

jurídica. Ressalta-se que o dano não tem como causa direta o réu, senão terceira

pessoa sobre quem este assume um dever geral de vigilância. Acerca do tema

elucida Stolze141:

Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu. Todavia, há situações em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele, mas sim por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica. Nesses casos, trata-se de uma responsabilidade civil indireta, em que o elemento culpa não é desprezado, mas sim presumido, em função do dever geral de vigilância a que está obrigado o réu.

Em seguida, passa-se a discorrer sobre a responsabilidade

civil objetiva.

2.3.3 Responsabilidade Civil Objetiva

De maneira diversa da responsabilidade subjetiva, a

responsabilidade objetiva está fundada na teoria do risco. Isto significa que a

análise da existência do elemento culpa é de todo prescindível. Não há, pois,

necessidade de prova da culpa, bastando comprovar o nexo de causalidade entre

o dano experimentado pela vítima e a conduta do réu.

É o que afirma Gonçalves 142:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado

141 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 15. 142 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p.18.

45

por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.

Quando se trata de responsabilidade objetiva, a culpa é

irrelevante juridicamente. O fundamento, conforme acima mencionado, encontra-

se na teoria do risco, ou seja, na natureza da atividade, e não no comportamento

do sujeito. Assim, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano

para terceiros deve ser responsabilizado objetivamente, seja porque auferiu lucros

ou vantagens da sua atividade (“risco-proveito”), seja simplesmente pelo fato de

expor alguém a um risco criado por si (“risco-criado”).

Elucidando o acima explicitado, Gonçalves143:

Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.

Compartilhando do mesmo entendimento, afirma Lisboa144

que “(...) o sistema objetivo de responsabilidade é embasado na idéia de risco da

atividade, respondendo o agente independentemente da existência de culpa”.

Considera-se atividade de risco as hipóteses previstas no

parágrafo único do art. 927 do Código Civil, quais sejam: quando houver previsão

legal, ou se a própria natureza da atividade implicar risco para os direitos de

outrem, senão veja-se o que enuncia tal dispositivo legal:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

143 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p.18. 144 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.546.

46

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A respeito deste preceito legal, é de se constar, ainda, que o

legislador utilizou-se de expressão genérica para definir o que vem a ser a

atividade de risco.

Sobre o dispositivo legal supra mencionado, são de grande

valia as considerações de Stolze145:

Trata-se, portanto, de um dos dispositivos mais polêmicos do Novo Código Civil que, pela sua característica de conceito jurídico indeterminado, ampliará consideravelmente os poderes do magistrado. Isto porque o conceito de atividade de risco – fora da previsão legal específica – somente poderá ser balizado jurisprudencialmente, com a análise dos casos concretos submetidos à apreciação judicial.

Posteriormente às considerações acima trazidas, dá-se

continuidade ao assunto com a exposição das excludentes da responsabilidade

civil.

2.3.3.1 Excludentes da Responsabilidade Civil

Todo fato que isenta o agente do ônus de arcar com

qualquer pretensão indenizatória, decorrente de um resultado danoso à vítima,

pode ser considerado causa excludente da responsabilidade civil. O motivo da

isenção está no rompimento do nexo causal. É o que se pode inferir dos

ensinamentos de Stolze146:

Como causas excludentes da responsabilidade civil devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por atacar um dos

145 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 155. 146 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 112.

47

elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo de causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória. Esse nosso conceito tem por finalidade estabelecer uma regra que sirva para a sistematização de todas as formas de responsabilidade, exigindo-se, assim, uma característica de generalidade.

As causas excludentes da responsabilidade civil podem ser

divididas em espécies, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa,

exercício regular do direito, estrito cumprimento do dever legal, caso fortuito e

força maior, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro e, ainda, a cláusula de não

indenizar. Aborda-se, a seguir, cada uma delas com mais vagar.

2.3.3.1.1 Estado de necessidade (art. 188, II, do Código Civil):

O estado de necessidade, conforme explica Lisboa147, “(...) é

a situação em que o sujeito viola direito alheio, com a finalidade de remover

perigo iminente de um direito seu”.

O estado de necessidade deve ser absolutamente

necessário, ou seja, as circunstâncias de fato não autorizam outra forma de

atuação. Além da inevitabilidade do sacrifício do bem de outrem, o perigo atual

também pode ser considerado requisito para o seu reconhecimento. É o que

rememora Lisboa148, ao lecionar que “(...) são requisitos para que ocorra o

reconhecimento do estado de necessidade: - o perigo atual e – a inevitabilidade

do sacrifício do bem de outrem”.

Deve o agente, no entanto, para que se configure esta

excludente, atuar nos estritos limites de sua necessidade e será responsabilizado

por qualquer excesso. Tecendo considerações sobre o assunto, Stolze149:

[...] o agente, atuando em estado de necessidade, não está isento do dever de atuar nos estritos limites de sua necessidade, para a

147 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 600. 148 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 600. 149 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 113.

48

remoção da situação de perigo. Será responsabilizado, pois, por qualquer excesso que venha a cometer.

Frisa-se, por oportuno, que aquele que provocou ou facilitou

o perigo, não pode se eximir da responsabilidade, argüindo esta causa

excludente. Afirma Lisboa150 que “(...) o estado de necessidade pressupõe aquele

que o pratica não ter provocado ou facilitado o seu próprio dano”.

Por fim, cumpre certificar que, de acordo com os artigos

929151 e 930152 do Código Civil, se a vítima não for a causadora da situação de

perigo, deve ser indenizada, cabendo, contudo, ação regressiva do agente que

atuou em estado de necessidade contra o verdadeiro culpado.

2.3.3.1.2 Legítima Defesa (art. 188, I, 1ª parte, do Código Civil153)

O reconhecimento desta causa excludente existirá sempre

que preenchidos seus pressupostos, isto é: utilizando-se do meio necessário (o

suficiente dentre aqueles postos a sua disposição), o agente reage, proporcional e

imediatamente, a uma injusta agressão, atual ou iminente, dirigida a si ou a

terceiro. A desnecessidade ou a imoderação dos meios de reação importa em

excesso de legítima defesa, pelo qual a vítima responde154.

Outrossim, pertinente transcrever a lição de Lisboa155, o qual

enfatiza que:

[...] legítima defesa própria é a repulsa a mal injusto, grave e atual ou iminente à pessoa da vítima ou aos seus bens. [...] a legítima

150 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.600. 151 Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem

culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. 152 Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este

terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. 153 Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; (grifou-se)

154 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 115.

155 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.598/599.

49

defesa pressupõe, assim, a existência de uma agressão ilícita, pelo agente, e a vontade de defesa, por parte do ofendido. [...] Mal injusto é a agressão física ou moral sem causa jurídica. [...] Mal grave é aquele que acarreta prejuízo à vítima, com relevância jurídica. [...] Mal iminente é aquele que está prestes a ocorrer. [...] Mal atual é aquele que está se verificando, em dada situação. [...] A repulsa deve ser: proporcional e imediata. [...] Somente se poderá considerar proporcional a repulsa à agressão, quando se manifestar por meios moderados e suficientes para obstar a conduta delituosa. [...] Por outro lado, a desproporcionalidade da repulsa importa em excesso de legítima defesa, pelo qual a vítima deverá responder [...].

Assim como já foi exposto quando se tratou da excludente

do estado de necessidade, o agente que atinge terceiro inocente deve indenizá-lo,

cabendo-lhe, contudo, ação regressiva contra o verdadeiro agressor, nos mesmos

termos dos artigos 929 e 930 do Código Civil. A respeito, Stolze156 ensina que

“(...) se o agente, exercendo a sua lídima prerrogativa de defesa, atinge terceiro

inocente, terá de indenizá-lo, cabendo-lhe, outrossim, ação regressiva contra o

verdadeiro agressor”.

Não cabe legítima defesa do agente contra a legítima defesa

da vítima, em razão da existência de um princípio de direito. Isto é lógico, pois

quem age conforme o direito, não comete nenhum ato injusto. Lisboa157 descreve

este princípio de direito, aduzindo que “(...) o descabimento da legítima defesa do

agente contra a legítima defesa da vítima decorre do princípio segundo o qual

ninguém pode se defender legitimamente contra aquele que age em legítima

defesa”.

Ademais, note-se que a legítima defesa putativa não exclui o

caráter ilícito da conduta, interferindo apenas na culpabilidade penal (pode até

esquivar-se da reprimenda penal, dependendo se o erro foi escusável). Deverá,

156 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 115. 157 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 599.

50

portanto, o sujeito atingido sempre ser ressarcido (mesmo que não seja terceiro

inocente)158.

2.3.3.1.3 Exercício regular de direito (art. 188, I, 2ª parte, do Código Civil159):

Se alguém age escudado pelo Direito, não poderá estar

atuando contra esse mesmo Direito. Neste sentido, aduz Lisboa160 que o “(...)

exercício regular do direito é o desenvolvimento de atividade humana em

conformidade com o ordenamento jurídico”.

Todavia, havendo excesso na atividade humana, o exercício

do direito deixa de ser regular, considerando-se, então, abuso de direito, que

poderá repercutir inclusive no âmbito criminal161.

Por derradeiro, cabe frisar que não se faz necessária a

intenção de prejudicar terceiro para que se caracterize o abuso de direito, pois o

artigo 187 do Código Civil162 não faz nenhuma menção a esse animus.

2.3.3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal

A despeito de não estar explícito no art. 188 do Código

Civil163, esta excludente, nele está contida, pois, conforme Marques apud

158 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 116. 159 Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; (grifou-se)

160 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 601. 161 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 118. 162 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

163 Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

51

Gonçalves164, quem atua no exercício regular de um direito, pratica um ato no

estrito cumprimento do dever legal.

Com incomparável propriedade, Lisboa165 conceitua que

“(...) estrito cumprimento de dever legal é a observância de um dever jurídico

anteriormente estabelecido por lei”. Portanto, não há responsabilidade civil,

porque a conduta do agente se dá em virtude de uma obrigação legal, isto é, age

em razão de um dever previsto em lei.

Assim como ocorre com as demais excludentes de

responsabilidade do fato, Lisboa166 rememora que “(...) caso o sujeito venha a

ultrapassar os limites fixados pelo ordenamento jurídico, no cumprimento do dever

legal, ele poderá ser responsabilizado pelo excesso ou abuso de poder ou de

autoridade”.

2.3.3.1.5 Caso fortuito e força maior

Não existe um consenso no que diz respeito ao conceito

destas excludentes. Sem pretensão de pôr fim à divergência existente, Stolze167

afirma, no entanto, que:

[...] a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, um roubo).

164 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.

712. 165 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 601. 166 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 601. 167 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 123.

52

Novamente, abordando a questão, Stolze168 revela a

inexistência pragmática em diferenciar estas duas excludentes, quando diz que

“tanto o Código de 1916 como o de 2002, em regras específicas, condensaram o

significado das expressões em conceito único (...)”.

E Noronha apud Venosa169, arremata o assunto,

mencionando que “(...) qualquer critério que se adote, a distinção nunca terá

conseqüências práticas: os autores são unânimes em frisar que juridicamente os

efeitos são sempre os mesmos”.

Por fim, a parte final do caput do art. 393 do Código Civil170

permite que o devedor se responsabilize expressamente pelo cumprimento da

obrigação, mesmo em se configurando o evento fortuito, à luz do princípio da

autonomia da vontade171.

2.3.3.1.6 Culpa exclusiva da vítima

A exclusiva atuação culposa da vítima tem o condão de

quebrar o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil.

Contudo, não sendo exclusiva a culpa, senão concorrente, surgirá apenas o

abrandamento do dever de reparação, por meio da diminuição do seu quantum

indenizatório. Neste sentido explicita Rodrigues172:

O evento danoso pode derivar de culpa exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima; no segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto da culpa da vítima.

168 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 122. 169 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.49. 170 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior,

se expressamente não se houver por eles responsabilizado. 171 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 124. 172 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 165.

53

Importante frisar que, havendo concorrência de culpas (ou

causas), a indenização deverá ser mitigada na proporção da atuação de cada

sujeito173.

2.3.3.1.7 Fato de terceiro

Nos dizeres de Venosa174, “(...) terceiro é, em síntese,

alguém que ocasiona o dano com sua conduta, isentando a responsabilidade do

agente indigitado pela vítima”.

A princípio, sempre que existir um terceiro que intervenha na

relação obrigacional, não havendo qualquer participação do agente indicado como

autor do dano pela vítima, o elo de causalidade restaria rompido. Todavia, a

matéria não é pacífica e, de todas as excludentes, esta é que maior resistência

encontra na jurisprudência pátria175.Conforme ensina Venosa176:

A questão é tormentosa na jurisprudência, e o juiz, por vezes, vê-se perante uma situação de difícil solução. Não temos um texto expresso de lei que nos conduza a um entendimento pacífico. Na maioria das vezes, os magistrados decidem por eqüidade, embora não o digam.

A solução que parece ser mais lógica encontra-se na

apreciação do caso em concreto. Se da análise do evento danoso, conclui-se que

a participação do agente indigitado foi de mero instrumento da atuação do efetivo

responsável (terceiro), ficará, então, isento de qualquer responsabilidade civil.

Não obstante o exposto, deve-se fazer a ressalva, como já foi dito, de que a

matéria não é pacífica, havendo julgados, no sentido de autorizar que a vítima

demande diretamente o causador do dano, para que este posteriormente ingresse

173 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 127. 174 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil, p.56. 175 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 128/129. 176 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil, p.56.

54

regressivamente contra o terceiro, por meio da denunciação da lide (art. 70, III, do

CPC)177.

2.3.3.1.8 Cláusula de não indenizar

Por sua natureza, somente é cabível na responsabilidade

civil contratual. “Trata-se, pois, de convenção por meio da qual as partes excluem

o dever de indenizar, em caso de inadimplemento da obrigação”178.

Em que pese não ser vedada pelo Código Civil, Stolze179 fixa

a premissa de que essa cláusula só deve ser admitida quando as partes

envolvidas guardarem entre si uma relação de igualdade (proibida, portanto, nos

contratos de adesão), de forma que a exclusão do direito à reparação não infrinja

superiores preceitos de ordem pública, como, por exemplo, renúncia, por parte do

consumidor, da responsabilidade do fornecedor (vedado pelo art. 25, caput, do

Código de Defesa do Consumidor180).

2.4 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Após a abordagem de alguns aspectos gerais da

responsabilidade civil, mister se faz a análise de seus elementos básicos.

Primeiramente, há que se analisar o art. 186 do Código Civil

o qual constitui a base fundamental da responsabilidade civil no ordenamento

jurídico brasileiro, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

177 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 131. 178 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 131. 179 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p.133. 180 Art. 26. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a

obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

55

Pode-se extrair do citado dispositivo legal que os elementos

essenciais da responsabilidade civil são: o agente; a vítima; a conduta humana; o

dano ou prejuízo e o nexo de causalidade. A culpa há que ser considerada

elemento essencial da responsabilidade civil, mas somente com referência à

responsabilidade subjetiva.

No entanto, embora haja menção, no artigo supra, da culpa,

consubstanciada nas expressões “ação ou omissão voluntária, negligência ou

imperícia”, esta não é elemento essencial da responsabilidade civil, mormente

ante a existência da responsabilidade objetiva que prescinde deste elemento.

Partidário desta corrente Stolze181:

A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade [...].

Em relação aos elementos autor e vítima, leciona Lisboa182

que autor é aquele responsável pelo dano, independentemente de ser ele o

causador direto do delito, já a vítima é aquela que sofreu o dano.

A seguir seguem algumas considerações a respeito dos

demais elementos acima enfatizados.

2.4.1 Conduta

O primeiro elemento da responsabilidade civil a ser aqui

estudado é a conduta humana, tendo em vista que somente o homem, por si

próprio ou na qualidade de representante da pessoa jurídica pode ser

responsabilizado civilmente. 181 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 29. 182 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.199.

56

Convém assinalar que a conduta humana, seja ela positiva,

traduzida pela prática de um comportamento ativo, ou negativa, consubstanciada

em um ato omissivo do agente, é que poderá provocar um dano ou um prejuízo a

outrem. Contudo, essa conduta deverá vir acrescida da voluntariedade do agente.

A respeito, vem a lume os esclarecimentos de Stolze183:

[...] a ação (ou omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo. [...] O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imutável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.

Contudo, é de se constar que o elemento volitivo não abarca

o desejo ou a consciência de ocasionar o prejuízo, posto que, assim procedendo,

estará o agente agindo dolosamente. É o que elucida Pereira apud Stoco184:

[...] cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de “voluntariedade” o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar o prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma. Quando o agente precede voluntariamente, e sua conduta voluntária implica ofensa ao direito alheio, advém o que se classifica como procedimento culposo.

Cabe ainda frisar que o Código Civil brasileiro, além de

conter a previsibilidade da responsabilidade civil por ato próprio, disciplina

também a responsabilidade civil indireta por ato de terceiro (art. 932185) ou por

fato do animal (art. 936186) ou da coisa (art. 937187 e 938188).

183 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 31. 184 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004, p. 131. 185 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

57

Por fim, ainda com relação à conduta humana, é importante

abordar a questão da prescindibilidade da ilicitude do ato voluntário.

Há autores que apontam a ilicitude como aspecto necessário

para a caracterização da responsabilidade civil. Exemplificando, seguem os

ensinamentos de Venosa189:

O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, a ilicitude ocorrerá com um único ato. O ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever.

De outra banda, há os que sustentam que, embora de forma

excepcional, o dever de indenizar poderá ocorrer mesmo nos casos em que o

agente atua de forma lícita. Ao encontro dessa idéia, posiciona-se Stolze190:

Sem ignorarmos que a antijuridicidade, como regra geral, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade civil, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras, poderá haver responsabilidade civil sem

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

186 Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

187 Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

188 Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

189 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade Civil, p. 22. 190 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 31.

58

necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal.

Feitas essas considerações acerca da conduta humana,

passa-se a discorrer sobre o segundo elemento da responsabilidade civil, qual

seja, o dano.

2.4.2 Dano

É com a ocorrência de um prejuízo, isto é, de um dano, que

se poderá falar em responsabilidade civil, independentemente de sua modalidade,

sendo este, portanto, elemento imprescindível à sua caracterização.

Neste sentido, enfatiza Stoco191:

O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação oriunda de ato lícito, nas hipóteses expressamente previstas; de ato ilícito, ou inadimplemento contratual independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.

O dano, conforme menciona Saad192 é o prejuízo sofrido

pela vítima, sendo este elemento objetivo do ato ilícito, ocasionado pela

diminuição de um bem jurídico qualquer do lesado.

Lisboa193 ainda acrescenta que o dano pode ser patrimonial,

nas hipóteses em que a vítima deixa de ganhar ou perde bens em virtude do

evento; ou extrapatrimonial, quando a vítima tem ofendido bens não econômicos,

afetos à algum direito da personalidade.

191 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 129. 192 SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a responsabilidade civil do estado. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 1994, p. 67. 193 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.199.

59

Necessário mencionar, outrossim, que, em sede de

ressarcimento do dano provocado, este haverá de ser certo, atual e subsistente. É

que se pode depreender da lição de Lisboa194:

Para que se verifique, no entanto, o ressarcimento pelo prejuízo causado, é imprescindível que o Dano seja: certo (aquele que se funda em um acontecimento preciso); atual (aquele que exsurge do ato delituoso) e subsistente (aquele que ainda deve ser reparado).

Na seqüência, passar-se-á à abordagem das espécies de

danos.

2.4.2.1 Dano Patrimonial

De acordo com os efeitos acarretados pela ocorrência de um

dano, este pode ser classificado em patrimonial e extrapatrimonial ou moral.

No tocante ao dano patrimonial, também chamado de dano

material, verifica-se que este envolve um interesse econômico, haja vista incidir

sobre o patrimônio da vítima.

Em razão disso, mister se faz abordar, primeiramente, o

conceito de patrimônio. Rizzardo195 assim o define:

O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Deve ser idôneo para satisfazer uma necessidade econômica e apto a ser usufruível.

Neste viés, tem-se, portanto, que o dano patrimonial é

aquele que provoca a diminuição do patrimônio da pessoa. Em outras palavras,

como aponta Fischer apud Rizzardo196, a espécie de dano em comento supõe

194 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil,

p.207/208. 195 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.17. 196 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.17.

60

sempre ofensa ou diminuição de certos valores econômicos. Convém ressaltar

que os efeitos do dano patrimonial poderão incidir tanto no patrimônio atual da

vítima, o que se denomina de danos emergentes, como também poderá repousar

em seu patrimônio futuro, hipótese em que poderá ocorrer o chamado lucro

cessante.

Esta assertiva encontra amparo legal no art. 402 do Código

Civil, o qual assim dispõe:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Em conformidade com o que acima se colacionou,

manifesta-se Rizzardo:197

Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma diminuição do patrimônio, o dano denomina-se emergente damnum emergens; se a pessoa deixa de obter vantagens em conseqüência de certo fato, vindo a ser privada de um lucro. Temos o lucro cessante lucrum cessans.

Não obstante, salienta-se que poderá haver hipóteses em

que ambos os efeitos estarão presentes, concomitantemente, ou seja, ocorrerá

uma diminuição do patrimônio real existente no momento e uma impossibilidade

de obtenção de certos resultados positivos com a utilização do bem material que

fora lesado198. Ressalta-se, ademais, que o dano patrimonial pode ser dividido

em: direto, entendendo-se como tal, aquele que causa imediatamente um

prejuízo; e em dano indireto que é aquele que eventualmente advém de um dano

moral ou que incide sobre os bens de terceiro, em face dos prejuízos sofridos pela

vítima199.

Há de se mencionar, por derradeiro, que após a ocorrência

do dano material, em sendo impossível se retornar ao status quo ante, o agente 197 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.17. 198 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.01.2002, p.18. 199 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil,

p.209/210.

61

responsável pela reparação do dano deverá indenizar o lesado pelo equivalente,

em dinheiro200.

2.4.2.2 Dano Extrapatrimonial

No que concerne ao dano extrapatrimonial ou moral, tem-se

que este é o que provoca prejuízos ou lesões a direitos da personalidade. Assim é

a manifestação de Stolze201, sobre a temática em análise:

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, sua vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

No entanto, é importante ressaltar que, anteriormente, a

doutrina nacional e estrangeira em muito discutia sobre a possibilidade de

indenização do dano moral. Os contrários a esta possibilidade refutavam, entre

outros argumentos, que a dor, o sofrimento, a honorabilidade eram inestimáveis

financeiramente202.

Malgrado esse entendimento, atualmente, esta questão

encontra-se superada, em face do disposto nos artigos 5º, incisos V e X da

CRFB/1988 e 186 do Código Civil, os quais expressamente estabelecem:

Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[omissis]

200 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 129. 201 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 61/62. 202 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 54.

62

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral, ou à imagem;

[omissis]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Ademais, mostra-se salutar a abordagem a respeito dos

critérios de quantificação do dano moral. Sobre o tema, relevantes são as

considerações de Stoco203:

Tratando-se de dano moral, nas hipóteses em que a lei não estabelece os critérios de reparação, impõem-se obediência ao que podemos chamar de “binômio do equilíbrio”, de sorte que a compensação pela ofensa irrogada não deve ser fonte de enriquecimento para quem recebe, nem causa da ruína para quem dá. Mas também não pode ser tão apequenada que não sirva de desestímulo ao ofensor, ou tão insignificante que não compense e satisfaça o ofendido, nem o console e contribua para a superação do agravo recebido.

Outro aspecto a ser aqui mencionado se refere à

possibilidade de cumulação entre os danos patrimoniais, ou materiais e os danos

extrapatrimoniais ou morais. Venosa204 esclarece que, até recentemente, o

Supremo Tribunal Federal rechaçava a cumulatividade entre ambas as espécies

de dano, contudo, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão,

consolidando, através da Súmula 37, entendimento diverso: “São cumuláveis as

indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

Após a realização desse breve panorama acerca do

elemento dano, prossegue-se a pesquisa com a abordagem sobre o nexo de

causalidade.

203 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 130. 204 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade Civil. p. 257.

63

2.4.3 Nexo de Causalidade

Além da ocorrência dos dois elementos precedentes, para a

caracterização da responsabilidade civil, é necessário que se estabeleça uma

relação de causalidade entre a conduta do agente e o mal causado à vítima.

Stolze205 enfatiza que o nexo de causalidade se trata de um elo etiológico, que

une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano, visto que somente

poderá ser responsabilizado aquele cujo comportamento deu causa ao prejuízo.

Para se explicar o nexo de causalidade, três são as

principais teorias adotadas pela doutrina, quais sejam: a teoria da equivalência de

condições; a teoria da causalidade adequada; e a teoria da causalidade direta ou

imediata (interrupção do nexo causal).

No tocante à teoria da equivalência de condições206, vale

dizer que, como aponta Stolze207, “(...) esta teoria é de aspecto amplo,

considerando elemento causal todo o antecedente que haja participado da cadeia

de fatos que desembocaram no dano”.

Stoco208, tecendo considerações sobre a temática, leciona:

[...] para determinar se uma condição constitui “causa” do evento ou resultado procede-se eliminando in mente essa condição; Se, ainda assim, o resultado persistir não será a causa. Mas, se eliminada hipoteticamente essa condição o resultado não se verificar, então a condição em apreço é causa que poderia fazer eclodir o evento. Assim, se várias as condições concorrerem para o mesmo resultado, todas teriam o mesmo valor ou relevância, de modo a se equivalerem.

205 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 96. 206 Esta teoria foi idealizada pelo jurista alemão Von Buri e, inclusive, foi adotada pelo Código

Penal pátrio, especificamente em seu artigo 13, o qual determina que: “O resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. [GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 97].

207 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 97.

208 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 146.

64

Acrescenta, ainda, o citado autor209 que essa teoria deve ser

rechaçada, pois poderá ser considerado causador do resultado quem quer que se

tenha inserido no liame causal, permitindo-se uma regressão quase infinita.

Para a teoria da causalidade adequada210, ao revés, não se

pode considerar causa toda e qualquer condição que haja contribuído para a

efetivação do resultado. Somente o antecedente abstratamente apto à

determinação do resultado, segundo um juízo razoável de probabilidade, em que

conta a experiência do julgador, poderá ser considerado como causa211.

Esta teoria, igualmente, não deve ser abraçada, posto que,

conforme observa Stolze212, apresenta o inconveniente de conferir ao julgador um

elevado grau de discricionariedade que deverá avaliar se o fato ocorrido pode ser

realmente considerado causa do resultado danoso.

Finalmente, conforme leciona Stolze213, a terceira teoria,

denominada teoria da causalidade direta ou imediata estabelece, que a causa

“(...) seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de

necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma

conseqüência sua, direta e imediata”.

Convém mencionar que o ordenamento jurídico brasileiro

adotou esta teoria, encontrando amparo legal no art. 403 do Código Civil, in

verbis:

Art. 403. Ainda que da inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros

209 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 146. 210 Segundo registros históricos, essa teoria teria surgido no século XIX, por inspiração do alemão

Von Kries, encontrando desenvolvimento na França sob a denominação “causalidade adequada”, e foi também vigorosamente criticada, embora preferida pelos doutrinadores e até mesmo prevalecente. [STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 146].

211 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 99/100.

212 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p.100.

213 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 101.

65

cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Corroborando o acima esposado, Gonçalves214 traz a lume

as seguintes considerações:

Das várias teorias sobre nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403; e das várias escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se reporta à conseqüência necessária.

Não obstante, rememora Stolze215 que a despeito de se

reconhecer que o Código Civil optou pela teoria da causalidade direta e imediata,

a jurisprudência, por vezes, adota, no mesmo sentido, a teoria da causalidade

adequada.

É salutar mencionar, ademais, que, na hipótese de

ocorrência de causas concorrentes, ou seja, de concorrência de culpa do autor do

dano e da vítima, a indenização deve ser reduzida. Embora tal preceito não esteja

enunciado expressamente, este princípio é irrecusável no sistema do direito

pátrio, constituindo “jus receptum”216.

Ressalta-se, por fim, que poderá se vislumbrar a ocorrência

de uma concausa que, na concepção de Stolze217 é o “(...) acontecimento que,

anterior, concomitante ou superveniente ao antecedente que deflagrou a cadeia

causal, acrescenta-se ao mesmo, em direção ao evento danoso”. Contudo,

somente a concausa relativamente independente superveniente que houver, por

214 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p. 524. 215 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 103. 216 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 101. 217 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 107.

66

si só, determinado o resultado danoso é que poderá romper o nexo causal,

acarretando a exclusão da responsabilidade do sujeito infrator218.

Concluídas as reflexões básicas sobre o instituto da

responsabilidade civil, adiante se abordará a responsabilidade civil do Estado,

mais especificamente a responsabilidade decorrente de danos advindos do

exercício da atividade jurisdicional.

218 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o

novo Código Civil, p. 108.

67

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL

Com o escopo de prover um melhor entendimento acerca do

tema, se fará, neste primeiro item, uma breve abordagem acerca da evolução

histórica da responsabilidade civil estatal e as teorias219 que a sustentam.

3.1.1 Teoria da irresponsabilidade

Em um primeiro momento da história da humanidade vigorou

a premissa de que o Estado não respondia pelos danos causados por seus

agentes aos cidadãos. Tratava-se da teoria da irresponsabilidade, conforme

explana Di Pietro220:

A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousa fundamentalmente na idéia de soberania: O Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.

219 [...] cabe assinalar que existe muita divergência de terminologia entre os autores, o que torna

difícil a colocação da matéria; o que alguns chamam de culpa civil outros chamam de culpa administrativa; alguns consideram como hipóteses diversas a culpa administrativa e o acidente administrativo; alguns subdividem a teoria do risco em duas modalidades, risco integral e risco administrativo. [DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2004, p.548].

220 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 549.

68

Destarte, pode-se observar que, de acordo com a teoria em

epígrafe, a impossibilidade de responsabilização do Estado se sustentava no

argumento da soberania estatal.

3.1.2 Teorias civilistas

Uma vez superada a teoria da irresponsabilidade, passou-se

a admitir a responsabilidade do Estado segundo os princípios de Direito Civil, os

quais se apoiavam na idéia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da culpa.

Registra-se que, para fins de responsabilização estatal, havia uma distinção entre

atos de império e atos de gestão, ressaltando que com relação a estes se admitia

a responsabilização, já quanto aqueles, estava o Estado isento de qualquer

responsabilidade 221.

Discorrendo sobre a teoria em comento, Alves222 assim se

manifesta:

Separados ontologicamente dos atos de império, de caráter político, os atos de gestão, de caráter meramente administrativo ou patrimonial, mantinha-se a irresponsabilidade estatal, no suposto da soberania, mas criavam-se mecanismos à responsabilidade do Estado, no pressuposto da culpabilidade de seu funcionário.

Não obstante, como destaca Di Pietro223, a teoria acima

apontada sofreu grande oposição, seja pelo reconhecimento da impossibilidade

de dividir-se a personalidade do Estado, seja pela dificuldade em se enquadrar

como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do

patrimônio público e na prestação de seus serviços.

221 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 549. 222 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2001, p. 70. 223 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 550.

69

Ademais, Di Pietro224 ainda elucida que, malgrado tenha sido

abandonada a distinção entre atos de império e atos de gestão, “muitos autores

continuaram apegados à doutrina civilista, aceitando a responsabilidade do

Estado desde que demonstrada a culpa”. Cuida-se da chamada teoria da culpa

civil ou da responsabilidade subjetiva.

3.1.3 Teorias publicistas

Por último, surgiram as teorias publicistas, quais sejam, a

teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco,

desdobrada por alguns autores em teoria do risco administrativo e teoria do risco

integral. Ressalta-se que todas essas teorias estão apoiadas em princípios de

direito público225.

No que tange à teoria da culpa do serviço ou da culpa

administrativa, Rizzardo226 esclarece que, nesta espécie, para incidir a

responsabilidade do Estado “deve existir a falta do serviço, isto é, as

precariedades, as imperfeições, a inexistência, o mau funcionamento, a demora

na prestação, a baixa qualidade, de modo a acarretar prejuízo”.

Em relação à teoria do risco, que serve de fundamento para

a responsabilidade objetiva do Estado, esta pode ser subdividida em duas

modalidades: a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo227.

Pela teoria do risco integral, entende-se que todo e qualquer

evento danoso, desde que ocorrido em seu território, deve ser indenizado pelo

Estado. Neste diapasão, seguem as considerações de Rizzardo228:

224 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 550. 225 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 551. 226 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 356. 227 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 551. 228 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 356.

70

[...] quanto ao risco integral, corrente que possui alguns adeptos, não encontra sustentação prática, porquanto enseja estabelecer a responsabilidade por todos os danos que acontecerem, mesmo que presente a culpa do lesado. Qualquer fato que importe em lesão aos interesses, desde que dentro da esfera de serviços prestados pelo Estado, constitui razão para se buscar a reparação.

De outra banda, a teoria do risco administrativo assume

contornos diferenciados. Senão veja-se a explanação de Serrano Júnior229 acerca

do dever do Estado em indenizar:

Diante da potencialidade de se gerar danos, a coletividade, que não pode dispensar estes serviços, assume o risco de arcar com os prejuízos deles advindos. Daí o seu dever de indenizar, através do patrimônio público, os danos decorrentes da atividade desempenhada para o benefício de todos. [...] A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano derivado do só fato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração quando do exercício de atividade perigosa.

É oportuno destacar, ademais, que, conforme rememora

Rizzardo230, “embora não se exija a prova da culpa, não se impede que o Poder

Público faça a demonstração da culpa da vítima, o que leva a afastar a

responsabilidade, ou atenuá-la, oportunizando a reconhecer a culpa concorrente.”

Por derradeiro, é de se constar que, como adiante se

mostrará, o ordenamento jurídico brasileiro vigente adotou esta última teoria, qual

seja, a teoria publicista do risco administrativo.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

Após ter sido traçado alguns lineamentos históricos a

respeito da Responsabilidade Civil do Estado e as teorias que a definem, o tema 229 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. Curitiba:

Juruá, 1996, p. 59. 230 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 358.

71

será tratado, nesta oportunidade, levando-se em conta o ordenamento jurídico

brasileiro propriamente dito.

3.2.1 Responsabilidade Civil do Estado nas Constituições Brasileiras

Constitucionalmente, a teoria da irresponsabilidade jamais

foi acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro231.

A Constituição do Império, como aponta Alves232, consagrou

a responsabilidade civil exclusivamente do “empregado público”233 nos artigos 156

e 179, § 29, os quais preceituavam que “os empregados públicos são

estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício das

suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus

subordinados”.

Já as Constituições de 1824 e 1891, Di Pietro234 esclarece

que estas previam apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de

abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções. Entretanto, nesse

período, existiam leis ordinárias prevendo a responsabilidade do Estado solidária

com a dos funcionários como, por exemplo, nas hipóteses de danos causados por

estrada de ferro, por colocação de linhas telegráficas ou por serviços de correio.

Por oportuno, é conveniente assinalar que, ainda na vigência

da Constituição de 1891, foi proclamado o Código Civil de 1916, no qual se

231 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552. 232 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I, p. 83. 233 “O ‘empregado público’ entendia-se quem exercia função pública, e nesse sentido tinha-se

coextensividade entre exercício de função pública e empregado público. Esse ‘empregado’ não era, então, o que hoje é o ‘funcionário’, uma vez que pode haver ao lado do funcionário público o que, não o sendo, seja contratado para o exercício da função pública”. [ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I, p. 83] .

234 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552.

72

vislumbrou a teoria civilista da responsabilidade subjetiva. Neste sentido, pontifica

Di Pietro235:

Com o Código Civil, promulgado em 1916, entende-se que teria sido adotada a teoria civilista da responsabilidade subjetiva, à vista do disposto em seu art. 15: “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, precedendo do modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano”.

A expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei conduzia à idéia de que deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o Estado respondesse. No entanto, a redação imprecisa do dispositivo permitiu que alguns autores defendessem, na vigência desse dispositivo, a teoria da responsabilidade objetiva.

Nas Constituições de 1934 e 1937, ressalta Rizzardo236 que

se previa a indenização de quaisquer prejuízos decorrentes de negligência,

omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. Acrescenta, ainda, que referido

preceito encontrava-se esculpido no art. 171 da Constituição de 1934: “Os

funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional,

Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência,

omissão ou abuso no exercício dos seus cargos”.

Em seguida, com a Constituição de 1946, restou consagrada

a responsabilidade objetiva do Estado, eis que esta não fazia qualquer

condicionamento à culpa. O art. 194 assim dispunha: “As pessoas jurídicas de

direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus

funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. No parágrafo único impunha-

se, para a ação de regresso contra o servidor, a prova da culpa ou dolo237.

235 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552. 236 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 357. 237 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 357.

73

A Constituição de 1967, conforme explana Di Pietro238,

repetiu, no art. 105, os preceitos relativos à responsabilidade objetiva trazidos

pela Constituição que a antecedeu. Acrescentou, não obstante, no parágrafo

único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo. A Emenda nº 1 de

1969, igualmente, manteve esta norma em seu art. 107.

Por sua vez, a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 consolidou a responsabilidade objetiva do Estado, dispondo em

seu art. 37, § 6º:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte:

[omissis]

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Vê-se, portanto, que no presente dispositivo, o legislador

utilizou-se da teoria publicista do risco administrativo, para estabelecer que o

Estado indenizará sim os eventuais danos causados por seus agentes a terceiros,

todavia, exercitará o seu direito de regresso nas hipóteses em que o responsável

pelo dano (agente público) o realizar dolosa ou culposamente.

3.2.2 Responsabilidade Civil do Estado no Código de 2002

A Responsabilidade Civil do Estado, no Código Civil de

2002, encontra-se consubstanciada em seu art. 43, in verbis:

238 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 553.

74

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por ato de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Nota-se que o dispositivo em tela praticamente corroborou o

preceito constitucional mencionado no item anterior, com a ressalva de que, ao

invés de indicar como responsáveis “as pessoas jurídicas de direito Público e as

de direito privado prestadoras de serviços públicos”, destacou apenas “as

pessoas jurídicas de direito público interno”.

No entanto, deve-se esmerar na aplicação extensiva da

responsabilidade civil estatal às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras

de serviços públicos, em respeito à ordem constitucional

Além disso, o texto legal do art. 43 do Código Civil menciona

que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis”,

já a norma constitucional preconiza que “as pessoas jurídicas de direito público e

as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos

que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Observa-se, pois, que

na Carta Magna a responsabilidade civil objetiva do Estado encontra-se melhor

evidenciada.

3.2.3 Responsabilidade Civil do Estado no Código de Processo Civil

A Responsabilidade Civil do Estado, no âmbito processual

civil, está tratada nos artigos 29 e 133 do Código de Processo Civil.

A primeira disposição, prevista no art. 29 do Código de

Processo Civil, estabelece que ficarão a cargo do serventuário, do órgão do

Ministério Público ou do juiz as despesas advindas de atos que forem adiados por

estes ou que tiverem que ser repetidos, salvo justa motivação. Reza o

mencionado dispositivo:

75

Art. 29. As despesas dos atos, que forem adiados ou tiverem de repetir-se, ficarão a cargo da parte, do serventuário, do órgão do Ministério Público ou do juiz, que, sem justo motivo, houver dado causa ao adiamento ou à repetição. (grifou-se)

Neste viés, Laspro239 destaca que, no campo processual

pátrio, se trata da única hipótese de responsabilização direta e objetiva do juiz,

malgrado ser tal preceito de restrita aplicação.

O art. 133 do Código de Processo Civil prevê a

responsabilidade específica do juiz nas hipóteses em que ocasionar danos a

terceiros em virtude de proceder com dolo ou fraude no exercício de suas funções

ou quando se recusar, omitir ou retardar, imotivadamente, alguma providência

que deveria ordenar de ofício ou, ainda, que requerida pela parte. Segue a

redação do citado artigo:

Art. 133. Responderá o juiz por perdas e danos quando:

II – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez (10) dias.

Registra-se, por oportuno, que o artigo 133 do Código de

Processo Civil será melhor detalhado quando da abordagem acerca dos

elementos subjetivos para a responsabilização do juiz.

239 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revistas dos

Tribunais, 2000, p. 255.

76

3.2.4 Responsabilidade Civil do Estado no Código de Processo Penal de 1941

O Código de Processo Penal, em seu art. 630, prevê, de

forma clara, a obrigatoriedade do Estado em indenizar os prejuízos sofridos pela

parte se esta assim o requerer, ressalvando-se os casos em que o erro ou a

injusta condenação se der em virtude de ato ou fato praticado pelo próprio

requerente, ou, ainda, em se tratando de acusação meramente privada. Senão

veja-se:

Art. 630. O Tribunal, se o interessado requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

§ 2º A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

Salienta-se que, no decorrer da pesquisa, se fará uma breve

abordagem sobre o dever de indenização do Estado decorrente do excesso de

prisão, o qual abrange não somente a definitiva, mas também todas as espécies

de prisões provisórias.

77

3.2.5 Responsabilidade Civil do Estado na Lei Orgânica da Magistratura Nacional

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional240, igualmente, em

seu art. 49, faz alusão à responsabilidade civil do juiz.

Art. 49. Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:

I – no exercício de suas funções proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento das partes.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

Nota-se, pois, que aludido dispositivo praticamente

transcreve o estatuído no art. 133 do Código de Processo Civil, diferenciando-se

apenas em relação à nomenclatura utilizada para designação do juiz que, no caso

em tela, é tratado como magistrado.

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL

A despeito de existirem entendimentos doutrinários e

jurisprudenciais241 no sentido de não admitirem a Responsabilidade Civil do

Estado por atos jurisdicionais, a doutrina pátria e alienígena vem, paulatinamente,

como adiante se verá, adotando a corrente a qual reconhece a incidência da

responsabilidade do Poder Público em decorrência de atos dos juízes no

exercício de suas funções jurisdicionais, porém, sempre em caráter excepcional.

240 BRASIL, Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Lei Complementar nº 35 de 14 de Março de

1979. 241 Neste sentido, acórdãos publicados nas RTJ 39/190, 56/273, 59/782, 94/423 etc.

78

Mostra-se oportuno, entretanto, mencionar alguns

argumentos pró irresponsabilidade e suas refutações.

A primeira delas, conforme lembra Laspro242, aduz a

inexistência da Responsabilidade Civil do Estado pelo exercício da atividade

jurisdicional, uma vez que se estaria ferindo a soberania estatal, já que a

jurisdição, como atividade essencial do Estado, é produto de sua soberania, não

sendo possível criar uma situação de responsabilização de eventual prejuízo

causado.

Acerca desse entendimento, Di Pietro243 rebate

esclarecendo que:

[...] a soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele; ela é una, aparecendo nítida nas relações externas com os outros Estados. Os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são soberanos porque devem obediência à lei, em especial à Constituição. Se fosse aceitável o argumento da soberania, o Estado não poderia responder por atos praticados pelo Poder Executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade.

O segundo argumento, como contempla Serrano Júnior244,

faz alusão à irresponsabilidade estatal ante a potencialidade de se violar a

independência dos magistrados no exercício da judicatura.

Laspro245, todavia, contesta este posicionamento, alegando

que a garantia de independência externa e interna dos juízes e a potencialização

que é feita pela doutrina a referidas garantias acabam por esquecer que a

principal delas é a moral, a qual deve ser inerente ao juiz, que se a ativer, saberá

garantir as demais. Ademais, acrescenta que a independência e a

responsabilidade, ao invés de se repelirem, se complementam, visto que, através

242 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.101. 243 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 551. 244 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 125. 245 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.122/126.

79

da responsabilização, o juiz estaria se utilizando da independência como garantia

não de pessoas, mas dos próprios jurisdicionados.

Outro posicionamento que refuta a responsabilidade civil do

Estado, no caso em epígrafe, é aquele que aduz não serem os magistrados

funcionários públicos246.

Alves247, por sua vez, esclarece que esta celeuma, que se

fundamentava na mera estrutura superficial da linguagem jurídica, restou

superada com a edição do art. 37, § 6º da CRFB/88. Senão veja-se:

O argumento, que pecava por fundamentar-se na mera estrutura superficial da linguagem jurídica, superou-se com a edição, pela técnica legislativa constitucional de 1988, do art. 37, §6º, em que se alude a “agente” e não somente a “funcionários públicos”, abrangendo-se nesse significante, pois, um significado mais amplo, e relativo a todas as categorias de pessoas que, a qualquer título, prestam, ou mesmo prestem serviços ao Estado, inclusive os órgãos judiciários [...].

Dentre outros argumentos, há também aquele que,

considerado por Di Pietro248 como sendo o mais forte, nega a responsabilidade

civil pela atividade jurisdicional porquanto a indenização por danos decorrentes de

decisão judicial infringiria a autoridade da coisa julgada, que torna imutável o

comando sentencial, eis que implicaria no reconhecimento de que a decisão foi

proferida com violação da lei249.

Araújo250, por seu turno, traduz de forma adequada a

questão, aduzindo que “uma coisa é admitir a incontrastabilidade da coisa

julgada, e outra é erigir essa qualidade como fundamento para eximir o Estado

do dever de reparar o dano”. Acrescenta, ainda, que, “o que se pretende é 246 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 130. 247 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.125. 248 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 558. 249 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 131. 250 ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1981, p. 137-143.

80

possibilitar a indenização ao prejudicado, no caso de erro judiciário, mesmo que

essa coisa julgada não possa, dado o lapso prescricional, ser mais modificada”.

Ademais, Cretela Júnior251, nesta mesma esteira, argúi que

a incontrastabilidade da coisa julgada não deve ser acolhida, posto que esta pode

ser atacada no cível pela rescisória, ou pela revisão no crime.

Após as considerações acima relacionadas, mostra-se

oportuna a referência ao magistério de Cretella Júnior252, que sintetiza a questão:

a) a responsabilidade do Estado em razão da atividade por atos jurisdicionais é espécie do gênero responsabilidade do Estado, por atos decorrentes do serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas exercidas pelos três poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar Dano às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações (cível), ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer por crime, quer no cível, pode consubstanciar-se Erro Judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos institutos rescisórios e revisionais é possível atacar-se o Erro Judiciário, de acordo com as formas e modos que a lei prescrever, mas se o equívoco já produziu Danos, cabe ao Estado o dever de repará-los; g) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados.

Outrossim, destacam-se as considerações de Stoco253 sobre

a temática, o qual prescreve:

Negar, hoje, a responsabilidade do Estado em face de ato jurisdicional danoso é fugir da realidade e olvidar evidentes avanços na dogmática jurídica, que a sociedade moderna impõe, posto que o Direito é dinâmico, cumprindo-lhe acompanhar a

251 CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980,

p. 277. 252 CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Apud. LASPRO, Oreste

Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p. 95. 253 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev. atual.

amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 552.

81

evolução constante das relações sociais e seus reclamos, de modo que se a lei não as acompanha e se anacroniza, cabe ao intérprete adequá-la às novas situações.

Desta feita, diante dos argumentos acima rebatidos, assiste

razão à corrente doutrinária que reconhece a possibilidade de responsabilidade

civil do Estado por ato jurisdicional.

3.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL

Levando-se em conta que a responsabilidade civil do Estado

é objetiva, para a sua incidência em relação aos atos jurisdicionais, há que se

observar alguns pressupostos, a saber: dano, nexo de causalidade e qualidade do

agente que praticou o ato.

3.4.1 Dano causado

No tocante ao dano, Laspro254pondera que na atividade

jurisdicional, quando se estiver diante de um litígio entre as partes, é natural que,

na oportunidade em que o juiz decidir em favor do autor ou do réu, a parte

sucumbente sinta que sofreu um prejuízo. Todavia, para que um dano seja

ressarcível, é imprescindível que, “por ação ou omissão do juiz, tenha a parte

sofrido uma violação de seu direito subjetivo, que não possa ser revertido no

próprio processo”. Deve-se ressalvar, no entanto, que o dano somente poderá ser

reconhecido quando a decisão judicial já tiver sido realizada através da ação

rescisória ou da revisão criminal, garantindo-se, assim, a independência do

magistrado em sua função jurisdicional.

254 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.174.

82

3.4.2 Nexo de causalidade

Quanto ao nexo de causalidade, Laspro255, igualmente,

esclarece que “a vítima deverá demonstrar que a origem do Dano está na ação do

agente do Estado”, acrescentando, ainda, que “comprovado o Nexo de

Causalidade, entre a Atividade Jurisdicional e o Dano, nasce o dever de repor o

ofendido em sua situação anterior via ressarcimento”.

3.4.3 Qualidade do agente

No que diz respeito à qualidade do agente, seguindo-se o

mesmo magistério de Laspro256, como a atividade jurisdicional encontra-se

elencada dentre as funções essenciais e exclusivas do Estado, este tem o dever

de indenizar os prejuízos causados por atos de seus agentes, que, no caso

vertente, seriam os magistrados.

3.4.4 Excludentes da responsabilidade do Estado

Há que se salientar, outrossim, que, em se tratando de

responsabilidade civil objetiva, haverá hipóteses em que o Estado não será

responsabilizado, total ou parcialmente. Trata-se de excludentes de

responsabilidade, as quais têm o condão de romper o nexo de causalidade. São

elas: a culpa da vítima, a força maior, o estado de necessidade e o fato de

terceiro.

No que tange à culpa da vítima, Laspro 257 esclarece que se

deve examinar se esta “constitui a causa fundamental e exclusiva do dano, ou se

ainda subsiste o nexo causal com a ação estatal. O Estado ou o juiz deve

responder na proporção de seu ato”.

255 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p. 77/176. 256 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.172. 257 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.83/178.

83

Em relação a excludente força maior, Laspro258 realiza as

seguintes considerações:

[...] somente vislumbramos a aplicação dessa excludente naquelas situações em que o Dano foi produzido pela ausência da Atividade Jurisdicional ou seu exercício defeituoso, em razão de um fato estranho, completamente imprevisível e irresistível. Em outras palavras, não teremos a aplicação dessa excludente nas hipóteses de Erro Judiciário.

Quanto ao estado de necessidade, Laspro259 pontifica que

esta excludente “caracteriza-se pela ausência de responsabilidade em razão do

bem maior a ser tutelado, como própria finalidade e razão de ser do Estado”

No tocante ao fato de terceiro, traz-se a definição de

Venosa260, segundo o qual, “terceiro é, em síntese, alguém que ocasiona o dano

com sua conduta, isentando a responsabilidade do agente indigitado pela vítima”.

Impende destacar, ademais disso, que, em sendo o ato

jurisdicional considerado um ato jurídico, também deve incidir como causa

excludente da responsabilidade do Estado os vícios de consentimento que

porventura ocorrerem, quais sejam, o erro261 ou ignorância262, dolo263, coação264

258 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.83. 259 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.85. 260 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil, p.56. 261 No tocante ao erro é importante notar a diferença existente entre aquele erro substancial e o

acidental. O erro substancial é aquele que atinge o objeto principal da relação, ou seja, sem a ocorrência o ato não se realizaria. Já o erro acidental envolve elemento secundário, que não é considerado determinante do ato. Somente o erro substancial vicia o ato. Há, outrossim, a distinção entre erro de fato e erro de direito, sendo que este incide sobre determinada normas materiais e processuais e aquele incide sobre determinada situação, sendo possível a anulação do ato. [LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.188].

262 Em relação à ignorância, como regra, a resposta é negativa. O juiz pode ser considerado culpado diante de seu desconhecimento, ainda que em matéria específica do direito. A bem da verdade, enquanto a divisão de normas cogentes e dispositivas é válida para o homem médio, no tocante ao juiz, salvo melhor juízo, a regra é inadmissível. O juiz tem que conhecer todo o direito, a menos que exista norma em sentido contrário. [LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.192].

263 O juiz não poderá ser responsabilizado civilmente quando ocorrer o dolo essencial, entendendo-se como tal, aquele em que a conduta da parte deve ser responsável direta e efetiva pelo resultado produzido. [LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.201].

84

ou violência. Acrescenta Laspro265 que ocorrendo uma dessas hipóteses, com

exceção da ignorância, em princípio nem o juiz, nem tampouco o Estado

respondem pelos prejuízos causados, a menos que, de algum modo, poderiam

evitar o dano.

3.5 ELEMENTOS OBJETIVOS DA RESPONSABILIDADE PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL

Outro tema a ser abordado na pesquisa diz respeito aos

elementos objetivos da responsabilização pelo exercício da atividade jurisdicional.

Maria Emília Mendes Alcântara apud Di Pietro266 elenca

várias hipóteses em que o ato jurisdicional deveria acarretar a responsabilidade

do Estado:

[...] prisão preventiva decretada contra quem não praticou crime, causando danos morais; a não concessão de liminar nos casos em que seria cabível, em mandado de segurança, fazendo perecer o direito; retardamento injustificado de decisão ou despacho interlocutório, causando prejuízo à parte. A própria concessão de liminar ou de medida cautelar em casos em que não seriam cabíveis pode causar danos indenizáveis pelo Estado.

Como visto, o assunto se mostra bastante abrangente, ante

o grande número de hipóteses de relações entre os indivíduos e o Estado. Em

razão disto, far-se-á uma breve explanação acerca das hipóteses mais comuns a

ensejar a responsabilização estatal.

264 Coação é o ato praticado que vai de encontro à vontade da parte. Poderá ser: a) absoluta,

determinada pela violência física, em que, efetivamente, não existe qualquer manifestação de vontade da vítima; e b) relativa consistente na coação moral, caso em que existe uma manifestação de vontade da vítima, já que pode optar entre se submeter ou não à coação. Ressalte-se que em relação à coação absoluta não há dúvidas quanto a não responsabilização do juiz. Já quanto à relativa existem questionamentos. [LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.194/195].

265 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.187. 266 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 559.

85

3.5.1 Indenização por ato lícito do Estado

Há que se mencionar que a atuação lícita e regular dos

serviços judiciários que ocasionarem danos a terceiros poderá ensejar

indenização estatal.

A esse respeito, manifesta-se Serrano Júnior267, enfatizando

que “a atuação lícita e regular de tais serviços, que ao ocasionar um dano injusto

– grave e especial, em face do princípio da igualdade dos cargos públicos,

merece ser indenizado”.

Como exemplo destas atuações lícitas do Estado, pode-se

citar a desapropriação, a servidão e a ocupação temporária determinadas por

entes estatais268, assim como a decretação de prisão provisória de pessoa

inocente, ressaltando-se, inclusive, que este último exemplo será tema do

próximo item, conforme a seguir se passa a expor.

3.5.2 Prisão provisória de pessoa inocente e indenizabilidade pelo Estado

Para a melhor compreensão desta temática, valer-se-á,

primeiramente, de algumas breves considerações a respeito da prisão provisória,

as quais serão extraídas do campo do Direito Processual Penal.

Capez269, assim a define:

[...] trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos. Depende do preenchimento dos pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris. É a chamada prisão provisória, compreendendo as seguintes

267 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 148. 268 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.210. 269 CAPEZ, Fernando, Curso de processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p.

224/225.

86

espécies: prisão em flagrante (CPP, arts. 301 a 310); prisão preventiva (CPP, arts. 311 a 316); prisão decorrente da pronúncia (CPP, art. 408, §1°); prisão em virtude de sentença condenatória recorrível (CPP, art. 393, I, e art. 594; art. 2°, §2°, da Lei n. 8.072/90; art. 35 da Lei n. 6.368/76); e, finalmente, a prisão temporária (Lei n. 7.960, de 21-12-1989).

Dando-se prosseguimento à abordagem, é importante

destacar o magistério de Serrano Júnior270, que ao tratar do tema, elucida que a

prisão provisória, ainda que lícita, pode se tornar injusta nas hipóteses em que o

detido é posteriormente inocentado ou quando condenado por infração penal que

não comporta pena privativa de liberdade, ou, ainda, se esta é inferior à sofrida.

O autor271 ainda acrescenta que:

Um bom argumento existe em prol da indenizabilidade da prisão provisória não confirmada pela condenação: - Se é indenizado o prejudicado por condenação injusta que é procedida de um processo penal, que lhe assegura ampla defesa, como não admitir a indenização pelos danos advindos de prisão preventiva, para cujo decreto basta que hajam fundadas suspeitas da autoria e onde, no mais das vezes, o réu não tem defesa alguma.

Nesta esteira, válida, também, é a lição de Diniz272:

A prisão preventiva, se injusta (RT, 511:88;JTJ, Lex, 225:87), ou se ordenada por engano (RT, 464:101), como vimos, dará também origem à responsabilidade do Estado, que deverá indenizar os danos dela decorrentes, que poderão ser tão ou mais graves quanto os do erro judiciário, visto que, se o acusado for absolvido, ao final da instrução criminal, por ausência de prova ou inexistência de crime, verifica-se que, em prol do interesse da sociedade, de apurar o crime e seu autor, um cidadão foi onerado, de modo desigual, pelas cargas públicas, logo, nada mais equânime que essa mesma sociedade, isto é, o Estado, que lhe impôs um sacrifício anormal e excepcional, o indenize pelos danos

270 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 156. 271 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 156. 272 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 649/650.

87

causados no cumprimento do dever de apurar crimes e responsabilidades.

Com efeito, tem-se que o lesado deve ser indenizado pelo

Estado que, incorporado no Estado-Juiz, lhe impôs, injustamente, o sacrifício da

privação de sua liberdade.

3.5.3 Erro judiciário

Passa-se, neste item, a analisar as hipóteses de

responsabilização estatal provenientes da ocorrência de erro judiciário.

Laspro273 o define como sendo “todo ato jurisdicional que,

seja pelo mau enquadramento dos fatos ao mundo do direito, seja pela errônea

aplicação das normas, viola regras de natureza processual e material, em

qualquer dos ramos do direito”.

Vê-se, portanto, que o erro judiciário pode acarretar danos

tanto na esfera civil como na penal. Contudo, como bem elucida Serrano

Júnior274, nem sempre gerará apenas prejuízo.

Outra premissa a ser destacada em relação ao erro judiciário

é a que este se classifica em erro lato sensu e erro estrcito sensu.

Figueira Júnior275 explana com propriedade acerca desta

distinção:

Dentro da distinção disposta tradicionalmente, o Erro Judiciário stricto senso enquadrar-se-ia naquelas figuras descritas no artigo 133 do Código de Buzaid (procedimento culposo – culpa grave – ou doloso; recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo de providências que deveria tomar de ofício ou a requerimento da parte) e naquelas outras do art. 630 do Código de Processo

273 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.223. 274 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p. 148. 275 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Responsabilidade civil do Estado-juiz, p. 56.

88

Penal, em sintonia com o estatuído no inciso LXXV do art. 5º da CRFB/88 (direito à indenização, após a obtenção de decisão judicial determinando a sua cassação – revisão criminal; condenação errada e prisão por tempo superior ao fixado no decisium). [...] De outra parte, o Erro Judiciário lato sensu estaria enquadrado nas hipóteses de mau funcionamento da máquina administrativa.

Deve-se frisar, também, que o erro judiciário, consoante

aduz Alves276, pode ocorrer tanto no ato de julgar como no ato de proceder. São

os chamados, respectivamente, error in iudicando e error in procedendo.

No ato de julgar, segundo Alves277, “o erro de direito não

responsabiliza civilmente os juízes, porque essa responsabilidade civil do juiz só

se dá se ele julga com dolo ou fraude”. Já no ato de proceder, esclarece o autor278

que

[...] o erro de direito – hipótese excepcional, frise-se – pode responsabilizar civilmente os Juízes, uma vez que essa responsabilidade civil se dá com a culpa, e esse error iuris consubstanciaria modalidade empírica de “imperícia”, subsumida nas modalidades culposas.

Por conseguinte, percebe-se que os princípios que norteiam

a responsabilidade civil pessoal do magistrado não são os mesmos da

responsabilidade objetiva geral do Estado279. Para a responsabilização daquele, é

necessário que se constate sua atuação dolosa, culposa ou que tenha agido

mediante a utilização de meios fraudulentos.

276 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.108. 277 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.108. 278 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.109. 279 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Responsabilidade civil do Estado-juiz, p. 68.

89

3.5.4 Funcionamento anormal da Atividade Jurisdicional

Outra hipótese que merece ser discutida refere-se à demora

na prestação da tutela jurisdicional.

Serrano Júnior280, ao tratar o tema, esclarece que o

funcionamento do serviço judiciário deve obedecer a determinados prazos legais.

E ainda acrescenta que “o dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional dentro

dos prazos previamente fixados decorre do princípio da legalidade, hoje elencado

em nossa Constituição entre os direitos e garantias fundamentais”.

Diniz281, manifestando-se sobre o assunto, enfatiza:

O art, 5º, XXV, da Constituição Federal de 1988 não permite que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito individual. Se ao Estado compete assegurar o pronunciamento judicial sobre qualquer conflito jurídico, ele deve responder por prejuízos oriundos da má atuação em fazer aplicar aquele dispositivo constitucional. O escopo da tutela jurisdicional é garantir que o direito objetivo material seja obedecido, por isso o Estado estabelece a obrigatoriedade do magistrado cumprir certos prazos fixados pelo direito formal [...].

Neste viés, importantes, também, são as considerações de

Serrano Júnior282, ao afirmar que:

Não aproveita ao Estado o argumento de que o Poder Judiciário está sobrecarregado; que não há número de juízes nem de servidores suficientes; nem que o serviço judiciário não está devidamente aparelhado, sendo as instalações precárias e os recursos materiais insuficientes, de modo a estar impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional nos prazos da lei.

Ora o Estado, ao assumir o monopólio da jurisdição e ao proibir os indivíduos de fazer justiça com as próprias mãos, assumiu o dever de prestar uma tutela jurisdicional de qualidade. Portanto, cumpre

280 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais,

p.163/164. 281 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 647. 282 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p.165.

90

ao Poder Público zelar por um certo grau de perfeição na prestação do serviço judiciário, sendo-lhe, igualmente, imputável, a omissão quanto ao dever de fornecer os recursos materiais e pessoais adequados, em qualidade e quantidade.

É imperioso ressaltar que, conforme menciona Laspro283, os

casos de funcionamento anormal da atividade jurisdicional podem ser divididos

em dois grandes grupos: o anormal funcionamento singular, que diz respeito à

atividade realizada pelo juiz, admitindo-se, neste caso, a responsabilização tanto

deste como do Estado; e o anormal funcionamento estrutural, referindo-se este à

estrutura do Poder Judiciário, no qual a responsabilidade normalmente será do

Estado.

3.6 ELEMENTOS SUBJETIVOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO JUIZ

Cumpre abordar, nesta oportunidade, as hipóteses de

responsabilização pessoal do juiz.

Malgrado exista a tendência de que, mesmo que a

responsabilidade pelo dano seja do juiz, o Estado deve assumir o dever de se

responsabilizar pelo prejuízo, há determinadas hipóteses em que, presentes os

requisitos subjetivos dolo, culpa ou atividade fraudulenta, a responsabilidade

recairá sobre o juiz284.

3.6.1 Dolo na Atividade Jurisdicional

No tocante ao dolo, destaca-se que o juiz somente poderá

ser responsabilizado civilmente se este elemento estiver atrelado à efetiva lesão

sofrida pela vítima.

283 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.227. 284 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz, p.232.

91

A este respeito, segue a lição de Alves285:

Para que se constitua suficientemente o suporte fático de incidência das regras jurídicas do Código de Processo Civil, art. 133, I, coextensivas em seu teor às regras jurídicas da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 49, I, é imprescindível o compósito lesividade e dolosidade da conduta judicial. [...] Somados esses elementos, o objetivo da lesividade da vítima e o subjetivo da dolosidade do juiz, tem-se a caracterização da responsabilidade civil dos juízes [...].

Registra-se que o dolo aqui tratado, como detalha Serrano

Júnior286, “é o chamado dolus malus, consistente na intenção livre e consciente de

violar a lei para alcançar interesses ilegítimos”.

3.6.2 Culpa na Atividade Jurisdicional

Outro elemento subjetivo necessário à responsabilização

pessoal do magistrado reside na atuação desenvolvida com culpa.

A culpa, afirma Serrano Júnior287, “representa a violação, por

negligência, imprudência ou imperícia, do dever de bem desempenhar as funções

públicas” e adiante acrescenta que “a culpa do juiz pode dar-se por negligência

quanto ao exercício dos poderes de direção do processo, quando causar uma

delonga procedimental desnecessária, que vem atrasar a prestação da tutela

jurisdicional”.

Embora haja a corrente doutrinária que defende a posição

de que o ato jurisdicional danoso, praticado com culpa, não enseja ao juiz o dever

de indenizar, mas apenas ao Poder Público288, Alves289 esclarece que, em relação

285 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.109. 286 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p.167. 287 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, .163/164. 288 NERY JÚNIOR, N.; NERY. M. P. Código de processo civil comentado: e legislação

extravagante. Atualizado até 7 de julho de 2003. / Nelson Nery Júnior e Maria de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 536.

92

aos atos de proceder, o art. 133, inc. II, do Código de Processo Civil deixa claro o

dever de indenizar quando o juiz age culposamente, referindo-se às condutas de

recusa, consubstanciada na denegação expressa de providência judicial; omissão

que se traduz na inércia de providência judicial; e retardamento de providência

judicial que ocorrerá quando houver tardia providência judicial.

E arremata290:

Então, é-nos afirmar que responderá por perdas e danos o juiz que, no exercício de suas funções proceder com culpa, negligenciando o dever de adotar providência de ofício, ou a requerimento da parte. A caracterização dessa conduta judicial omissiva culposa só se efetivará depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine essa providência e ele não lhe atender o pedido em dez dias.

É forçoso mencionar, igualmente, a hipótese esculpida no

art. 1744 do Código Civil, o qual faz alusão à possibilidade de responsabilização

direta e pessoal do juiz quando este deixar de nomear tutor a menor, ou não o

fizer oportunamente. Outrossim, o citado dispositivo preconiza ser subsidiária a

responsabilidade do juiz que não exigir a garantia legal ao tutor em relação aos

bens do menor, ou removê-lo em casos de eventual suspeita de sua conduta.

Segue a redação do citado artigo:

Art. 1744. A responsabilidade do juiz será:

I – direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente.

II – subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem removido, tanto que se tornou suspeito.

Há que se elucidar, outrossim, que nas hipóteses em que o

juiz incorrer na prática culposa em comento, e com ela acarretar danos ao alter,

haverá sem mais, e sempre, o dever de indenizalibilidade estatal objetiva,

289 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.88. 290 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.89.

93

obviamente com a exercitabilidade da pretensão regressiva contra o agente, em

virtude da incidência da regra jurídica da CRFB/88, art. 37, § 6º, 2º parte291.

3.6.3 Fraude

Deve-se considerar, outrossim, a fraude como elemento

subjetivo ensejador da responsabilidade pessoal do magistrado que, segundo

Alves292, “é qualquer ato ilícito que, de má fé, possa ser estelionato, defraudação

de texto ou objeto”.

E ainda completa293:

[...] se o ato do Juiz é fraudulento, e se com ele causa dano a alguém, pode o lesado, se não opta por acionar o Estado, deduzir sua pretensão indenizatória diretamente contra o Juiz, não se podendo afirmar que, incidente quaisquer das regras jurídicas do art. 133 do Código de 1973, não possam os juízes ser diretamente acionados à correspondente indenização.

Vislumbra-se, pois, que nas hipóteses em que o juiz agir

com fraude poderá ser diretamente responsabilizado.

3.7 INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO REGRESSIVA DO ESTADO QUANTO AOS ATOS JURISDICIONAIS LESIVOS DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS

Conforme já mencionado na pesquisa, o Estado poderá se

valer de ação regressiva contra o juiz singular, acaso este tenha agido dolosa ou

culposamente.

291 SÉ, João Sento. Responsabilidade civil do Estado, in RDP 82/139. 292 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.86. 293 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos

poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p.87.

94

Todavia, em relação aos atos jurisdicionais lesivos

praticados por órgãos colegiados, ou seja, pelos Tribunais, o Estado restará

obstado de propor a ação em comento contra o agente que ocasionou o dano,

porquanto se tratar órgão composto por juízes que atuam e decidem

conjuntamente.

Sobre o assunto, pontifica Diniz294:

Há ação regressiva do Estado contra o magistrado, ou seja, o juiz singular, se este agiu dolosa ou culposamente, mas quanto aos atos jurisdicionais lesivos dos Tribunais não caberá tal ação contra o agente que causou o dano, por serem atos de órgão colegiado, isto é, constituído por várias pessoas físicas que atuam conjuntamente e decidem em colégio. A declaração de vontade resulta das várias vontades individuais, pouco importando que as decisões sejam unânimes, ou majoritárias, pois o quorum encerra acidente na formação da vontade. O ato será perfeito desde que haja aprovação pelo quorum legalmente admitido. Logo, pelos atos jurisdicionais praticados ou omitidos pelo Tribunal, só o Estado será responsabilizado, não tendo qualquer direito regressivo contra qualquer desembargador ou ministro que concorreram para a deliberação viciada, pois estão cobertos pelo manto da irresponsabilidade, mesmo se agiram com dolo ou culpa.

Com efeito, cumpre assinalar, à guisa de fecho, que o juiz,

na condição de agente público, restará individual ou civilmente responsável pelo

dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providência de seu

ofício, nos expressos termos do art. 133 do Código de Processo Civil, sendo,

nestas hipóteses, perfeitamente cabível ao Estado o direito de regresso contra

aquele. Contudo, em relação aos atos jurisdicionais dos órgãos colegiados,

somente o Estado restará responsabilizado, sendo inadmissível, nestes casos, a

ação regressiva contra o agente causador do dano.

294 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 651/652.

95

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico teve como objeto de

estudo a possibilidade do Estado ser responsável civilmente por atos

jurisdicionais.

Neste viés, o percurso desenvolvido na pesquisa pôde

mostrar alguns aspectos relativos à responsabilidade civil do Estado por atos

jurisdicionais que porventura acarretem danos a terceiros. Para tanto, o trabalho

foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo, realizou-se uma prévia abordagem

sobre a evolução social do Estado, mormente em sua concepção de sociedade

política. Foram destacadas as teorias explicativas da origem do Estado, quais

sejam, a naturalista, defendida por Aristóteles, na qual a sociedade é resultante

da necessidade de cooperação entre os homens para a manutenção da

sobrevivência, assim como a teoria racionalista, a qual defende que o surgimento

do Estado se deu em razão de um acordo de vontades pactuado entre os

homens, isto é, de um contrato social. Os adeptos desta corrente são os

chamados contratualistas, dentre os quais foram citados Emmanuel Kant, Thomas

Hobbes, John Locke, Jean Jaques Rousseau, entre outros. As teorias da origem

familiar, patrimonial e da força também foram destacadas. De forma breve e

esquemática, realizou-se, igualmente, algumas considerações sobre os Estados

Oriental, Grego, Romano, Medieval, Moderno e Contemporâneo. Outrossim, a

divisão das funções do Estado foi mencionada, ressaltando que se deu enfoque

apenas ao Poder Judiciário, assim como às garantias conferidas aos magistrados.

O segundo capítulo destinou-se à abordagem dos aspectos

gerais da responsabilidade civil. Pôde-se observar que o instituto em comento

está dividido, em sentindo amplo, em responsabilidade extracontratual, que se

esteia em uma obrigação legal; e contratual, que é aquela decorrente do

inadimplemento de uma obrigação convencionada entre as partes contratantes.

Neste contexto, destacou-se, outrossim, as espécies subjetiva, na qual a prova da

96

culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de

indenizar; e objetiva, a qual, inclusive, foi o objeto de apreciação da presente

pesquisa, em especial o art. 37, § 6° da CRFB/88, e está fundada na teoria do

risco, ou seja, a análise da existência do elemento culpa é de todo prescindível,

bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o dano experimentado

pela vítima e a conduta do agente. Foram destacadas, igualmente, as hipóteses

excludentes da responsabilidade civil.

No terceiro capítulo tratou-se, especificamente, da

responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional. Primeiramente, se fez mister

a menção das teorias explicativas da responsabilidade civil do Estado, dentre as

quais se destacaram as teorias civilistas, baseadas na responsabilidade subjetiva,

e as teorias publicistas, cujas raízes se encontram na responsabilidade objetiva,

ou seja, está fundamentada na teoria do risco. Viu-se que o ordenamento jurídico

pátrio adotou, em seu art. 37, § 6º, da CRFB/88, a teoria publicista do risco

administrativo. No que concerne à específica responsabilidade civil do Estado por

ato jurisdicional, ressaltou-se alguns argumentos pró-irresponsabilidade, assim

como suas refutações. Constatou-se, ademais, que são pressupostos da

responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional o dano, o nexo de

causalidade e a qualidade do agente. Todavia, a culpa da vítima, a força maior, o

estado de necessidade e o fato de terceiro possuem o condão de eximir o Estado

de sua responsabilização. O resultado da pesquisa trouxe a lume alguns

elementos objetivos para a responsabilidade estatal pelo exercício da atividade

jurisdicional, tais como o dever de indenizar do Estado pela realização de

determinados atos, mesmo que lícitos, mas que ocasionem danos a terceiros; a

decretação da prisão provisória de pessoa inocente; o erro judiciário; assim como

o funcionamento anormal da atividade jurisdicional. Além disso, mencionou-se

que são elementos subjetivos para a responsabilização civil do juiz, o dolo, a

culpa e a fraude. Por derradeiro enfatizou-se que o Estado não terá direito à ação

regressiva em relação às decisões proferidas por órgãos colegiados que

ocasionem danos a terceiros.

A seguir serão transcritos os problemas e hipóteses

apresentadas na introdução deste trabalho, realizando-se, na seqüência, a

97

respectiva análise de referidas hipóteses, com base no resultado da pesquisa,

sintetizado nos três capítulos desta Monografia.

Primeiro problema:

O Estado pode se responsabilizar pelos atos praticados

pelos juízes no exercício de suas funções jurisdicionais?

Hipótese:

Os atos judiciais típicos, quais sejam, as sentenças

proferidas pelos juízes, podem, em casos excepcionais, ensejar a

Responsabilidade Civil da Fazenda Pública, a rigor do disciplinado no art. 5º,

LXXV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Todavia, o juiz,

na condição de agente público, ficará individual ou civilmente responsável pelo

dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providência de seu

ofício, nos expressos termos do art. 133 do CPC. Ademais, convém ressaltar que

o Estado poderá requerer o ressarcimento dos valores pagos pelo Poder Público,

mediante ação regressiva contra o magistrado considerado culpado.

Análise da hipótese: A hipótese restou confirmada, por suas

próprias razões.

Segundo problema:

A Responsabilidade do Estado decorrente de atos

praticados pelos juízes é objetiva ou subjetiva?

Hipótese:

O art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito

público. Contudo, não especificou quais os entes responsáveis, nem tampouco

exonerou qualquer deles. Destarte, sendo o magistrado um agente público, incide,

em tese, o art. 37, § 6º, da Carta Magna, respondendo a Fazenda Pública pelos

atos desses agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros.

98

Análise da hipótese: Esta hipótese restou, igualmente,

confirmada, nos termos das razões acima exposadas.

Com efeito, esta Monografia venceu o seu propósito

investigatório, eis que analisou cientificamente as hipóteses previstas para os

problemas acima mencionados. Contudo, na seqüência do estudo deste tema,

ficou confirmada a necessidade de mais pesquisa, análise, sugestões e debates

científicos que visem assegurar o direito ao ressarcimento, realizado pelo Estado,

dos prejuízos causados às partes, decorrentes da atividade jurisdicional. Como

corolário, a defesa dos ideais de justiça e a igualdade entre as pessoas serão

asseguradas.

99

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