54
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS ANA MARISA VARELLA PROTECIONISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL: O Uso de Salvaguardas para Proteger a Indústria Brasileira nos Casos dos Brinquedos e do Coco Ralado São José 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE ...siaibib01.univali.br/pdf/Ana Marisa Varella.pdf · fotocópias de textos usados em sala de aula e o do lanchinho ... 52

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS

ANA MARISA VARELLA

PROTECIONISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL:

O Uso de Salvaguardas para Proteger a Indústria Brasileira nos Casos dos

Brinquedos e do Coco Ralado

São José

2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS

PROTECIONISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL:

O Uso de Salvaguardas para Proteger a Indústria Brasileira nos Casos dos

Brinquedos e do Coco Ralado

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação São José, sob orientação do Prof. MSc. Roberto Di Sena Júnior. ACADÊMICA: ANA MARISA VARELLA

São José

2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS

PROTECIONISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL:

O Uso de Salvaguardas para Proteger a Indústria Brasileira nos Casos dos

Brinquedos e do Coco Ralado

ANA MARISA VARELLA

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais no curso de Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 30 de novembro de 2004.

Banca Examinadora:

____________________________________________________________________ Prof. MSc. Roberto Di Sena Júnior – Orientador

____________________________________________________________________ Prof. Dr. Aloysio Marthins de Araújo Júnior – Membro examinador

____________________________________________________________________ Profª. Esp. Paula Christine Schlee – Membro examinador

Esta monografia não estaria sendo realizada se não fosse pela minha avó paterna, dona

Armanda Alba Medeiros Varella.

Graças a sua ajuda financeira, pude ingressar na Universidade particular e freqüentar o tão

sonhado Curso de Relações Internacionais. Além de patrocinar o curso durante os quatro anos de

sua duração, minha avó garantiu com que nada me faltasse: desde o dinheiro para as inúmeras

fotocópias de textos usados em sala de aula e o do lanchinho no intervalo entre as aulas, até o

ônibus fretado que facilitou o trajeto à Universidade.

Uma senhora que está sempre procurando se atualizar, minha avó se interessava pelo que

eu aprendia nas aulas, questionando o assunto estudado nas diversas matérias e procurando saber

minha opinião sobre acontecimentos mundiais ligados ao curso. Também se preocupava em saber

como andavam as minhas notas.

Além da ajuda financeira, dona Armanda Alba proporcionou-me força, carinho e amor

como uma segunda mãe. Morando com ela durante os dois últimos anos de faculdade, aprendi

lições que guardarei para o resto da vida. Minha avó é, sem dúvida nenhuma, um exemplo de

vida, uma mulher forte, sábia e experiente.

Como minha avó sempre diz, ela deseja o melhor pra mim. E tenho certeza que fará tudo

que estiver ao seu alcance para que eu me realize tanto profissional como pessoalmente nas

escolhas que eu tomar daqui para frente.

Então, como forma de agradecimento, dedico este trabalho à minha querida avó, com

muito amor. Obrigada!

Primeiramente, agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de vir ao mundo e estar

cercada por pessoas que me amam.

Em segundo lugar, agradeço ao apoio que encontrei na minha família e em meus amigos,

que estiveram (e estão) por perto em todas as etapas por mim percorridas, as boas e as ruins.

Por último, mas não menos importante, agradeço à Universidade do Vale do Itajaí por

proporcionar a seus alunos o excelente Curso de Relações Internacionais, bem como o renomado

corpo docente com seus qualificados professores, mestres e doutores. Não poderia aqui deixar de

citar os professores Paulo Jonas Grando, coordenador das monografias, pelas tardes dedicadas ao

melhoramento do meu trabalho, e Roberto Di Sena Jr., mestre, orientador de minha monografia e

amigo.

SUMÁRIO

ABSTRACT

LISTA DE ABREVIATURAS

LISTA DE TABELAS

INTTRODUÇÃO 10

1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E O PROTECIONISMO 12

1.1 HISTÓRICO 12

1.2 A FORMAÇÃO DA OMC 16

1.3 BARREIRAS EXERNAS AO COMÉRCIO INTERNACIONAL 23

2 O ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS DA OMC 30

2.1 DEFINIÇÕES DE SALVAGUARDAS 30

2.2 HISTÓRICO 31

2.3 NATUREZA JURÍDICA 34

2.4 O ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS 34

2.2.1 Dano (prejuízo) grave 34

2.2.2 Ameaça de dano (prejuízo grave) 35

2.2.3 Indústria nacional 35

2.2.4 Princípio da não-seletividade 36

2.5 AS SALVAGUARDAS NO BRASIL 38

3 OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E OS CASOS ENVOLVENDO

SALVAGUARDAS NO BRASIL 42

3.1 OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O SISTEMA MULTILATERAL

DE COMÉRCIO 42

3.2 DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL NOS PEDs E AS SALVAGUARDAS 44

3.3 A UTILIZAÇÃO DAS SALVAGUARDAS PELO BRASIL 45

3.3.1 O caso dos brinquedos 45

3.3.2 O caso do coco ralado 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

RESUMO

O presente trabalho irá tratar das salvaguardas utilizadas como instrumento de desenvolvimento

pela indústria nacional brasileira nos casos do brinquedo e do coco ralado. O trabalho irá versar

de historicamente sobre o desenvolvimento do comércio internacional até chegar aos dias atuais,

passando pela criação da OMC e dando ênfase às barreiras externas ao comércio internacional do

Brasil. A hipótese proposta para esta pesquisa afirma que as regras existentes na OMC servem de

estímulo ao comércio internacional, mas as lacunas existentes podem legitimar o uso de barreiras

não-tarifárias. Os resultados obtidos foram satisfatórios, uma vez que fora conseguido mostrar

que a utilização de salvaguardas pela indústria nacional nos casos citados auxiliou na proteção da

indústria nascente de concorrência externa, até a mesma conseguir se ajustar.

ABSTRACT

This present paper work will treat about the safeguards used as a development instrument by the

Brazilian national industry in the toys and grated coconut cases. The paper will study historically

the development of international trade up to the present days and throughout the creation of the

WTO, giving emphasis to the external barriers to Brazil’s international trade. The proposed

hypothesis for this research affirms that the existing rules on the WTO serve as a stimulant to

international trade, but that the existing gaps can legitimate the use of non-tariff barriers. The

obtained results were satisfactory, once it was shown that the utilization of safeguards by the

national industry on the mentioned cases assisted on the protection of the rising industry from

external competition, until it could adjust.

LISTA DE ABREVIATURAS

ABRINQ Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos

ALADI Associação Latino-Americana de Integração

ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio

ASG Acordo Sobre Salvaguardas

BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento

CAMEX Câmara de Comércio Exterior

CNI Confederação Nacional da Indústria

DECOM Departamento de Defesa Comercial

FMI Fundo Monetário Internacional GATT General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre

Tarifas Aduaneiras e Comércio) GATS General Agreement on Trade of Services (Acordo Geral sobre o

Comércio de Serviços) ICONE Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior NMF Nação Mais Favorecida

OIC Organização Internacional do Comércio

OMC Organização Mundial do Comércio

PED País em Desenvolvimento

SECEX Secretaria de Comércio Exterior

TEC Tarifa Externa Comum

TRIPS Trade Related Aspects on Intellectual Property Rights (Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio)

UE União Européia

WTO World Trade Organization (Organização Mundial do Comércio)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Rodadas de negociações multilaterais promovidas pelo GATT 18

Tabela 2 – Investigações antidumping e de subsídios contra exportações brasileiras 39

Tabela 3 – Medidas definitivas aplicadas (1988-2003) 40

INTRODUÇÃO A presente monografia intitulada “Protecionismo e Comércio Internacional: o Uso de

Salvaguardas para Proteger a Indústria Brasileira nos Casos dos Brinquedos e do Coco Ralado”

foi desenvolvida com a finalidade de analisar os casos de uso de salvaguardas pelo Brasil como

meio de proteção à sua indústria nacional. Para tal, o trabalho foi dividido em três capítulos, cada

um versando sobre pontos importantes do comércio internacional. O problema da pesquisa é

procurar saber se as salvaguardas têm sido utilizadas como instrumento de desenvolvimento, de

maneira a estimular a indústria nacional.

O trabalho se inicia com a descrição histórica do surgimento do comércio a nível

internacional, passando pelas teorias clássicas do mercantilismo e liberalismo e citando seus

principais idealizadores. A situação na Europa foi foco, pois a mesma foi o berço dessas teorias.

Menciona, também, a situação econômica do Brasil principalmente no século XX, mostrando

como o processo de substituição de importações foi realizado entre as décadas de 1930 e 1960 e a

influência do desenvolvimentismo na década de 1940. Chegou aos dias atuais e às formas de

proteção que são utilizadas para proteger a indústria nacional: as barreiras tarifárias e não-

tarifárias. Feito isso, obteve-se o embasamento histórico necessário para abordar a formação, em

1995, da Organização Mundial do Comércio (OMC), a primeira organização do pós-Guerra Fria

que objetivava reduzir as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional. Porém,

mostrou como o comércio internacional era tratado antes do surgimento da OMC, seguindo as

regras do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (da sigla em inglês GATT). Fez

referência às Rodadas de negociações multilaterais promovidas pelo GATT e às Conferências

Ministeriais (órgão de cúpula que toma as decisões) realizadas pela OMC desde sua formação,

passando por sua atual estrutura e por dados estatísticos da Organização. Logo, citam-se as

barreiras externas que dificultam as exportações brasileiras, mostrando como foi o comércio do

Brasil com a África do Sul em 1999, e com os Estados Unidos, o Japão e a União Européia (UE)

em 2001.

O segundo capítulo teve como objetivo explicar as salvaguardas, uma das barreiras não-

tarifárias ao comércio externo brasileiro, primeiramente as definindo para depois passar por fatos

históricos que fizeram com que surgisse o Acordo sobre Salvaguardas e a primeira vez que este

mecanismo foi utilizado. Outros importantes princípios foram também definidos para que as

salvaguardas fossem mais bem compreendidas: prejuízo grave, ameaça de prejuízo grave,

indústria nacional e princípio da não-seletividade. Em seguida, tratou sobre as salvaguardas no

Brasil, mostrando quais os órgãos responsáveis pela iniciação de investigação de salvaguarda no

país, quantas vezes elas foram utilizadas e a nova estratégia adotada pelo Brasil no que diz

respeito à defesa comercial. Uma delas é o uso de salvaguardas, que vem aumentando

significativamente.

O terceiro e último capítulo procura conceituar o que são países em desenvolvimento até

chegar na utilização das salvaguardas pelos mesmos, um instrumento empregado como estímulo

às suas indústrias nacionais. Assim, chegou ao ponto crucial desta pesquisa: estudar os casos em

que as salvaguardas foram utilizadas no Brasil, englobando os casos do brinquedo, de 1996 e do

coco ralado, de 2001.

Esta monografia teve por objetivo geral analisar os casos de uso de salvaguardas pelo

Brasil como meio de proteção à sua indústria nacional em setores específicos. Como objetivos

específicos, destacam-se: a) examinar o histórico do comércio internacional e sua relação com o

protecionismo e mostrar o surgimento da OMC; b) identificar as barreiras externas às exportações

brasileiras; c) explicitar o Acordo sobre Salvaguardas da OMC; e d) estudar os casos de aplicação

de salvaguardas pelo Brasil.

A justificativa desta pesquisa encontra-se na importância em que o tema possui para os

estudos acadêmicos de Relações Internacionais, pois se trata de um tema recente e que até o

presente momento foi pouco estudado. As salvaguardas são um novo mecanismo de defesa

comercial que vêm sendo utilizadas cada vez mais pelos Membros da OMC, apesar das

investigações de antidumping e de subsídio ainda serem numericamente maiores.

Para a realização desta monografia, fez-se uso da documentação indireta, por meio de

pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida com base em

material já elaborado, como livros, relatórios e artigos científicos. Já a pesquisa documental foi

realizada em sites do governo e relacionados ao assunto, para colher dados e estatísticas

importantes.

1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E O PROTECIONISMO

1.1 HISTÓRICO

O comércio internacional vem acompanhando a história e se desenvolvendo através dos

anos. Paralelamente à sua evolução, surgiram doutrinas e teorias do comércio internacional, bem

como formas de tentar impedir o livre comércio.

O comércio de mercadorias sempre esteve presente nas sociedades no decorrer da história.

Na Antigüidade, segundo Johannpeter (1996, p. 19), as comunidades já trocavam mercadorias,

buscando o lucro e a satisfação de suas necessidades. Assim, as primeiras sociedades

comercializavam diretamente entre as “pequenas comunidades que dispunham de excedentes de

produção e desejavam diversificar as satisfações derivadas da utilização de outros bens que não

produziam” (JOHANNPETER, 1996, p. 19-20).

Percebe-se, então, que o comércio é uma prática antiga que não surge apenas no século

XVI, quando se dá o nascimento dos Estados nacionais. A partir desse momento, sim, surgem

políticas comerciais que têm por objetivo “fiscalizar e regulamentar a entrada e saída de

mercadorias” (JOHANNPETER, 1996, p. 20). Para Gonçalves (1998, p. 3), a expansão comercial

dos Estados nacionais garantiu condições necessárias à criação de uma economia mundial. Neste

mesmo período histórico iniciam-se as Grandes Navegações, com a finalidade de encontrar novos

mercados e novas matérias-primas necessários à Europa. A criação da moeda também serviu de

apoio aos negócios. Para Maya (1995, p. 34), “as Cruzadas fortaleceram o comércio com o

Oriente e os europeus tornaram-se grandes mercadores”.

A Europa passou a conhecer, assim, novos produtos. Com o tempo, o comércio passa a se

tornar uma atividade econômica importante e, conforme torna-se lucrativo, trouxe um maior

status social ao comerciante.

Para Maya (1995, p. 34), “o comércio exterior cresceu como conseqüência natural da

expansão geográfica do mundo”. Porém, o desenvolvimento e o crescimento do comércio

internacional também ocasionaram o protecionismo econômico, ou seja, o estímulo às

exportações e a restrição das importações pelo governo, buscando obter um superávit comercial

(JOHANNPETER, 1996, p. 21).

Os séculos XVI e o início do XIX, ou melhor, até que os princípios do liberalismo

clássico se tornassem hegemônicos, foram marcados pelo capitalismo mercantil que teve como

característica a proteção às manufaturas nacionais. Naquele período, “[...] os governos centrais

tornam-se mais fortes. Aumentou a necessidade de dinheiro, o que fez surgir o mercantilismo.

[...] Os governantes tinham no ouro e na prata a forma mais importante de riqueza, sendo,

portanto, o principal fundamento do poder nacional” (MAYA, 1995, p. 35).

O Estado foi o principal agente do protecionismo: fortalecia as manufaturas nacionais e

dificultava a importação de produtos estrangeiros. Segundo Smith (1989, p. 750), o objetivo da

economia política era diminuir a importação de bens estrangeiros para consumo interno e

aumentar a exportação da produção interna, ou seja, lançar restrições à importação e incentivos à

exportação. Para haver saldos positivos (superávit), a exportação deveria ser maior que a

importação. Assim, tendo um superávit na balança comercial, o país conseguiria acumular metais

preciosos, pois como “[...] acumular ouro ou prata era considerada a única forma de aumentar a

riqueza nacional, o comércio internacional passava a ser encarado como uma disputa por uma

quantidade de metal precioso, na qual cada país só poderia obter vantagens às custas dos demais”

(SINGER, 1983, p. 146).

No mesmo sentido, para Smith (1989, p. 719), “supõe-se que um país rico [...] deva ser

um país que abunde em dinheiro; e acumular ouro e prata supõe-se ser em qualquer país a

maneira mais fácil de o enriquecer”. A riqueza consistia, na linguagem popular segundo Smith

(1989, p. 719), em dinheiro – ouro e prata – servindo de instrumento de comércio e de medida de

valor. Uma vez que se tem dinheiro fica mais fácil obter aquilo de que se necessita. Ainda, para o

autor citado:

Não é por a riqueza consistir essencialmente em dinheiro do que em bens, que o mercador acha, normalmente, mais fácil comprar bens com dinheiro do que comprar dinheiro com bens; mas porque o dinheiro é o instrumento de comércio conhecido e instituído, pelo qual tudo é imediatamente trocado, mas que nem sempre é trocado com a mesma rapidez por alguma coisa. Além disso, a maior parte dos bens são mais deterioráveis do que o dinheiro, e o comerciante pode sofrer uma perda muito maior conservando-os (SMITH, 1989, p. 732).

Smith (1989, p. 727) destaca ainda que, no período do mercantilismo o comércio interno era secundário ao comércio externo. Com isso, aquele país que não possuísse minas teria que buscar ouro e prata nos países estrangeiros ou optar por conseguir gerar uma balança comercial positiva no comércio com outros países.

Um autor que criticou o mercantilismo foi Adam Smith. Como fundador do liberalismo

no século XVIII, Smith defendia uma menor intervenção do Estado na vida econômica e maior

liberdade para as empresas e pessoas atuarem em busca do seu próprio interesse. Essa doutrina

defendia que o Estado seria mínimo e não deveria intervir na economia, mas sim garantir a livre-

concorrência, a propriedade privada, condições materiais e individualismo. Não era necessário,

para Smith (1989, p. 728), a atenção da parte do governo para obtenção de ouro e prata, o

interesse individual poderia fazer isso.

Para Smith, as trocas comerciais beneficiavam todas as nações que participavam delas.

Em sua Teoria das Vantagens Absolutas, ele afirmou que cada país possuía vantagens na

produção de mercadorias, em maior ou menor grau. Quanto maior vantagem, menores o custo e o

valor da mercadoria. As vantagens podiam ser tanto naturais, como o clima, quanto adquiridas,

procedentes da especialização da linha de produção (SINGER, 1983, p. 146).

A Europa passou no final do século XVIII pela I Revolução Industrial, apresentando

características, como maquinário eficiente para a época e aumento na produção industrial, o que

acarretou a migração de camponeses para as cidades. O liberalismo apresenta, por sua vez,

características como mercado livre, iniciativa individual e desregulamentação. É contra a

intervenção do Estado na economia, sendo este responsável pela preservação da justiça e defesa

nacional (MAYA, 1995, p. 36).

No século XIX David Ricardo desenvolve a Teoria das Vantagens Comparativas, na qual

“os países devem especializar-se na produção daqueles bens que produzam com maior eficiência,

isto é, com menores custos relativos” (GREMAUD, 1999, p. 346). Daí vem a essência das

vantagens comparativas no comércio internacional. Para Krugman e Obstfeld (1999, p. 15), “o

comércio entre dois países pode beneficiar ambos os países, se cada um produzir os bens nos

quais possui vantagens comparativas”.

Durante o século XIX a Inglaterra domina o cenário do comércio internacional. O

desenvolvimento tecnológico proporciona o aparecimento de novos inventos, tais como o trem a

vapor, a indústria automobilística e novas máquinas: eis a II Revolução Industrial, uma revolução

na economia internacional (MAYA, 1995, p. 37).

O Brasil, desde seu período colonial até meados do século XIX apresenta forte

concentração agrária e baixo dinamismo econômico. O país sofre transformações tanto

econômicas quanto sociais, como a mudança da Família Real portuguesa ao país, a sociedade

escravocrata (aristocracia agrária conservadora), influência das teorias estrangeiras, entre outras.

A indústria nacional não era desenvolvida e, dessa forma, não poderia fornecer bens de consumo

à população, havendo a necessidade de importação. Até a década de 20, os setores industriais

nacionais eram controlados por importadores. A partir daí, houve a diversidade na indústria e o

controle de todas as fases da produção (MAYA, 1995, p. 43).

O Brasil passa, entre as décadas de 1930 e 1960, pelo processo de substituição de

importações, que deseja, segundo Gremaud

[...] alcançar o desenvolvimento e a autonomia com base na industrialização, de forma a superar as restrições externas e a tendência à especialização na exportação de produtos primários. Nesse processo, a indústria vai-se diversificando e diminuem as necessidades de importação em relação ao abastecimento doméstico (GREMAUD, 1999, p. 369).

Nos anos 40 e 50 o desenvolvimentismo influenciou a economia brasileira, constituindo-

se em “[...] luta de um conjunto heterogêneo de forças sociais favoráveis à industrialização e à

consolidação do desenvolvimento capitalista [...]” (MANTEGA, 1995, p. 31), com uma maior

participação do Estado na economia para dar-se início à industrialização nacional. A Comissão

Econômica para a América Latina (CEPAL) surge nos fins dos anos 40 permitindo desenvolver

teses sobre o desenvolvimento – da qual participou Prebisch, dissertando a respeito da

dependência provocada pela relação de troca entre os países – tentando explicar “o atraso da

América Latina em relação aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as formas de superá-

lo” (MANTEGA, 1995, p. 34).

Apesar de dificuldades ainda existentes, o século XX mostrou a eliminação parcial de

obstáculos ao livre comércio, permitindo, assim, a livre mobilidade de capital e de trabalho

(JOHANNPETER, 1996, p. 25).

O protecionismo antigamente era uma barreira tarifária, uma tentativa de proteger e

defender os mercados locais da concorrência externa:

Desde o surgimento das nações-estados modernas no século XVI, os governos têm se preocupado com os efeitos da concorrência internacional sobre a prosperidade das indústrias nacionais, e têm tentado protegê-las da concorrência internacional impondo limites às importações ou auxiliando-as na concorrência mundial por meio de subsídios às exportações (KRUGMAN; OBSTFELD, 1999, p. 5).

Segundo Di Sena Jr. (2003, p. 69), “a tendência protecionista sempre acompanhou o

desenvolvimento das relações comerciais internacionais”. Hoje, não apenas existem as barreiras

tarifárias, como também as não-tarifárias.

As barreiras não-tarifárias – todas as que não são tarifas – são, na maioria das vezes, as

mais difíceis de serem diagnosticadas. Tal situação é devido às diversas interpretações que os

países fazem sobre o que são ou não barreiras não-tarifárias. No período anterior ao GATT 1947,

os países eram livres de regulamentação que controlasse a entrada de bens de outros países no

território nacional e a saída dos mesmos. O controle era feito pelo próprio país, sendo de caráter

qualitativo e quantitativo. Com isso, as diversas interpretações que cada país produzia geravam,

por sua vez, distorções sobre o que era considerado barreira tarifária e protecionismo.

Com o passar do tempo e a liberalização progressiva das barreiras tarifárias, os países

viram-se na obrigação de adotar um novo método de proteção à indústria nacional, já empregado

na Organização Mundial do Comércio (OMC). Assim sendo, na atualidade, tem-se o

neoprotecionismo caracterizado pelo uso de barreiras não-tarifárias ao comércio internacional,

tais como barreiras técnicas (utilização de normas ou regulamentos técnicos), barreiras

fitossanitárias, subsídios, quotas, dumping e salvaguardas, que serão tratadas posteriormente

neste capítulo.

1.2 A FORMAÇÃO DA OMC

As mudanças ocorridas no cenário internacional, tais como a introdução do modelo

multipolar nas relações internacionais, os acordos regionais de comércio e o fenômeno da

globalização, influenciaram na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995.

“As origens da OMC remontam ao final da Segunda Guerra Mundial e aos esforços dos aliados

em reconstruir a economia mundial” (THORSTENSEN, 1999, p. 29). Em 1944 tem-se a

Conferência de Bretton Woods, que objetivava criar, por meio de três instituições internacionais

– Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial ou Banco Internacional para a

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Organização Internacional do Comércio (OIC) – um

ambiente de maior cooperação na economia internacional. A criação da OIC acabou não

vingando, fazendo com que o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (da sigla em

inglês GATT) controlasse as regras do comércio a partir de 1947 até a criação da OMC, em 1995.

A conferência de Bretton Woods deu-se de 1º a 22 de julho de 1944, em New Hampshire,

por iniciativa dos Estados Unidos, com a participação de 44 países. Seu objetivo, segundo Di

Sena Jr. (2003, p. 41) era o “de disciplinar a vida internacional das nações no período pós-guerra

e criar um ambiente mais favorável à cooperação econômica internacional”.

As negociações em Havana, iniciadas em 1947 e finalizadas em 1948, “tinham como

finalidade alcançar a implementação da OIC normatizando, desta forma, as relações comerciais

internacionais” (JOHANNPETER, 1996, p. 33). Como resultado, obteve-se a Carta de Havana. O

GATT, que consiste em uma das parte das regras sobre comércio internacional, foi criado pela

carta de Havana de 1948, e seria o primeiro passo para a concretização da OIC. “Sabe-se,

entretanto, que a OIC não foi criada, mas o GATT entrou em vigor em meados de 1948, através

do ‘Protocolo de Aplicação Provisória’, com 23 países subscritos, dos quais 11 já eram

considerados desenvolvidos” (JOHANNPETER, 1996, p. 33-34).

Durante a vigência do GATT aconteceram rodadas de negociações multilaterais que

visavam, sobretudo, a diminuição dos direitos aduaneiros e tarifas. Existiram ao todo oito

rodadas, sendo a última, a Rodada Uruguai, a mais importante, com duração de oito anos (1986-

94). Esta rodada inovou, integrando às regras do GATT setores como agricultura, têxtil, serviços

e propriedade intelectual. (THORSTENSEN, 1999, p. 31).As seis primeiras rodadas de

negociações tarifárias, que foram Genebra (1947), Annecy (1949), Torquay (1951), Genebra

(1956), Dillon (1960-61) e Kennedy (1964-67), previam, sobretudo, a redução de tarifas. As duas

últimas, Tóquio (1973-79) e Uruguai (1986-94), foram mais amplas, mas também previam a

redução tarifária, além da redução de barreiras não-tarifárias (Tóquio), novos setores e a criação

da OMC (Uruguai).

Tabela 1 – Rodadas de negociações multilaterais promovidas pelo GATT

Período Rodada Nº de países Temas tratados

1947 Genebra 23 Tarifas industriais

1949 Annecy 13 Tarifas industriais

1950-51 Torquay 38 Tarifas industriais

1955-56 Genebra 26 Tarifas industriais

1960-61 Dillon 26 Tarifas industriais

1964-67 Kennedy 62 Tarifas industriais e medidas antidumping

1973-79 Tóquio 102 Tarifas, medidas não tarifárias e acordos relativos ao marco jurídico

1986-94 Uruguai 123 Tarifas, medidas não-tarifárias, normas, serviços, propriedade intelectual, solução

de controvérsias, têxteis, agricultura, criação da OMC, entre outros

Fonte: ICONE

O sistema de regras do GATT visa “liberalizar as trocas entre as partes contratantes,

através da prática de um comércio aberto a todos” (THORSTENSEN, 1999, p. 32). Para isso,

foram estabelecidos alguns princípios básicos: as tarifas aduaneiras são instrumento de proteção

nas trocas comerciais e se objetiva sempre reduzi-las; quando é estabelecida uma nova tarifa, ela

passa de igual modo a todos os contratantes; e que produtos importados, uma vez dentro do

território de um contratante, não podem ser discriminados em relação aos produtos nacionais

(THORSTENSEN, 1999, p. 32).

Segundo Thorstensen (1999, p. 32-34), o GATT também prevê regras, as quais são:

- Tratamento Geral da Nação Mais Favorecida – NMF: quando uma vantagem tarifária é

concedida a uma parte contratante, deve ser estendida às outras partes;

- Lista das Concessões: determina lista de produtos e tarifas máximas que devem ser

praticadas no comércio internacional;

- Tratamento Nacional: proíbe a discriminação entre produtos nacionais e importados,

quando internalizados;

- Transparência: é obrigatória a publicação de todos os regulamentos relacionados ao

comércio, para conhecimento público; e, finalmente,

- Eliminação das Restrições Quantitativas: nenhuma proibição ou restrição efetivada por

cotas e licenças deve ser estabelecida sobre importações ou exportações de produtos. Vale

lembrar que também existem exceções.

A Rodada Uruguai foi a mais importante das oito rodadas ocorridas durante a vigência do

GATT. Foi realizada entre os anos de 1986 a 1994, e os principais temas nela abordados foram,

além do rebaixamento tarifário, a criação da OMC, que substituiu o GATT; a introdução de

novos setores como a agricultura, serviços, têxteis e propriedade intelectual; reforço nas regras de

antidumping, subsídios e salvaguardas e a negociação de um novo sistema de solução de

controvérsias (THORSTENSEN, 1999, p.38-39).

Com o término do ciclo de negociações da Rodada Uruguai, “no dia 15 de abril de 1994,

117 representantes de países, dentre os 125 participantes na última fase do oitavo ciclo de

negociações comercias multilaterais assinavam, em Marraqueche, a Ata Final da Rodada

Uruguai, [...] um histórico acordo criando a Organização Mundial do Comércio (OMC)”

(ALMEIDA, 1998, p. 138). A OMC entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995.

Para Lafer (1998, p. 103), “a OMC é a grande expressão do aprofundamento e

alargamento da lógica da globalização econômica pós-Guerra Fria. Esta lógica exprime-se, em

primeiro lugar, pela nova abrangência [...] dos membros da OMC: países desenvolvidos, em

desenvolvimento, antigos países socialistas em transição para uma economia de mercado”.

A OMC atualmente possui 148 membros (13/10/04), sendo localizada em Genebra

(Suíça), com orçamento para 2004 de 162 milhões de francos suíços, com 600 funcionários e seu

Diretor-geral é Supachai Panitchpakdi (WTO, 2004). Como membros originários, têm-se os

mesmos 23 países que assinaram o GATT em 1947: África do Sul, Austrália, Bélgica, Brasil,

Brunei, Canadá, Ceilão (hoje Sri Lanka), Chile, China, Cuba, Estados Unidos, França, Grã-

Bretanha Índia, Líbano, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Rodésia

(hoje Zimbábue), Síria e Tchecoslováquia (dividida hoje em Eslováquia e República Tcheca)

(WTO, 2004).

A OMC é uma organização internacional que serve como foro de negociações comerciais

entre seus membros e objetiva, segundo Thorstensen (1999, p. 41-42), a redução das barreiras

tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional; além de administrar os acordos celebrados na

Rodada Uruguai, favorecer a solução consensual de disputas comerciais, monitorar as políticas

comerciais de seus membros e prestar assistência aos representantes dos países em

desenvolvimento.

Para Gonçalves (2000, p. 15), a OMC “é uma instituição internacional que tem como

objetivo a regulamentação do sistema mundial do comércio por meio de um conjunto de

princípios, acordos, regras, normas, práticas e procedimentos”.

A estrutura da OMC, estabelecida pela assinatura do Tratado de Marraqueche, apresenta:

- Conferência Ministerial: órgão de cúpula, se reúne a cada dois anos, toma as decisões e é

integrada por representantes dos Estados-membros;

- Conselho Geral: corpo diretor, supervisiona o funcionamento das decisões ministeriais;

- Órgão de Solução de Controvérsias: solução de conflitos na área do comércio;

- Órgão de Revisão das Políticas Comerciais: analisa periodicamente as políticas

comerciais dos seus membros;

- Conselhos: GATT (bens), GATS (serviços) e TRIPS (propriedade intelectual);

- Comitês: desenvolvem as atividades da OMC;

- Secretariado: Diretor-Geral e vice-diretores.

No ano de 1996 foi realizada a primeira Conferência Ministerial, em Cingapura, pois era

previsto no Acordo constitutivo da OMC que “os Ministros representantes de todos os Membros

que compõem a Conferência Ministerial deveriam se reunir após dois anos da criação da OMC”

(THORSTENSEN, 1999, p. 359). Essa reunião objetivava, segundo Thorstensen (1999, p. 360),

“fortalecer a OMC como foro para negociações, a contínua liberalização do comércio dentro de

um sistema baseado em regras, e a revisão e a avaliação multilaterais das políticas de comércio”.

A Declaração Ministerial de Cingapura ponderou sobre o crescimento econômico, as

oportunidades e desafios da integração das economias, os padrões trabalhistas e a marginalização

das economias menos desenvolvidas, como também investimentos, compras governamentais e

facilitação do comércio internacional. Esses assuntos formam a c�������������������� ��������

�����������������������������������������������������papel da OMC e dos acordos regionais também

foi discutido, analisando a importância que esses acordos fornecem aos países em

desenvolvimento, bem como a possibilidade de sua maior integração no sistema internacional do

comércio. Ficou estabelecido o valor do Órgão de Solução de Controvérsias, imparcial e

transparente, responsável pela aplicação dos acordos da OMC. Assuntos como têxteis e meio

ambiente foram igualmente abordados (WT/MIN(96)/ DEC).

A segunda Conferência Ministerial foi realizada em Genebra, dois anos mais tarde, em

1998. A data foi importante para o sistema multilateral de comércio, que comemorou naquele ano

o 50º aniversário de seu estabelecimento. Ficou clara a importância desse sistema, em sua

Declaração Ministerial, e a contribuição do mesmo para o crescimento, aplicação e estabilidade

do comércio no século XX, através da promoção da liberalização e expansão do comércio e do

fornecimento de uma estrutura para a condução de relações comerciais internacionais

(WT/MIN(98)/DEC).

A Declaração Ministerial de Genebra também reconheceu a importância de aumentar o

entendimento público dos benefícios do sistema multilateral de comércio, buscando maior apoio

ao comércio multilateral. Ainda é preocupante a marginalização das economias menos

desenvolvidas e a dívida externa que as cerca. Fica estabelecido um programa de trabalho do

Conselho Geral para a próxima Conferência Ministerial.

A terceira Conferência Ministerial foi realizada em Seattle no ano de 1999. Os Ministros

trabalharam em grupos abertos a todos os delegados, negociando as seções da Declaração

Ministerial. Os grupos eram: agricultura, implementação e regras, acesso a mercados, Agenda de

Cingapura e outras questões, questões sistêmicas e padrões trabalhistas. A cidade de Seattle ficou

marcada por manifestações. A Conferência foi suspensa no seu último dia de discussões.

Agricultura e o acesso do público ao trabalho da OMC foram alguns dos desacordos. A prática de

dumping pelos EUA também foi questionada por países em desenvolvimento como o Brasil

(WT/MIN(99)/SR).

A quarta Conferência Ministerial foi realizada em Doha, no ano de 2001. Em sua

Declaração Ministerial, ficou estabelecido que a OMC manteria o processo de reforma e

liberalização das políticas comerciais, apesar da notável queda na economia global, garantindo

recuperação, crescimento e desenvolvimento do sistema econômico multilateral. Os Ministros

também se mostram empenhados em rejeitar o protecionismo. O comércio internacional pode

promover o desenvolvimento econômico e alívio da pobreza. Como anteriormente, ficou

reconhecida a vulnerabilidade dos países menos desenvolvidos e as dificuldades estruturais por

eles enfrentadas na economia global. O programa de trabalho da Conferência Ministerial de Doha

incluiu: problemas e preocupações com implementação, agricultura, serviços, acesso a mercados

de produtos não-agrícolas, aspectos relacionados ao comércio dos direitos de propriedade

intelectual, relação entre investimento e comércio, interação entre política de competição e

comércio, transparência nas licitações públicas internacionais, facilitação comercial, regras da

OMC, solução de controvérsias, comércio e meio ambiente, comércio eletrônico, pequenas

economias, comércio, dívida e financiamento, comércio e transferência de tecnologia, cooperação

técnica e países menos desenvolvidos (WT/MIN(01)/DEC).

A quinta Conferência Ministerial da OMC foi realizada em Cancún em 2003, num

contexto de declínio econômico e incertezas quanto à real eficácia das organizações multilaterais.

Foi feita uma “Declaração Ministerial esboço”, que não foi acordada e não inclui muitas das

propostas dos governos dos membros. Propriedade intelectual, saúde pública, agricultura,

serviços, meio ambiente, pequenas economias, facilitação comercial, comércio, dívida e

financiamento e comércio e transferência de tecnologia foram alguns dos assuntos abordados. A

Conferência terminou sem consenso (WT/MIN(03)/DF). Percebem-se reflexos negativos do

fracasso da Conferência Ministerial em Cancún, como um passo para trás nas negociações sobre

a agenda estipulada em Doha, fracasso na busca de novos mercados e no progresso aos direitos

sociais, confronto de opiniões entre países do Norte e do Sul, impasses na área agrícola.

A próxima Conferência Ministerial será realizada em dezembro de 2005, em Hong Kong.

As reuniões dos conselhos e dos comitês são abundantes, de postura formal e informal,

acompanhando o intenso ritmo de trabalho na OMC. O processo decisório da OMC é por

consenso, quando nenhum membro fizer objeção à proposta; ou por votação, por maioria. As

línguas oficiais da OMC são o inglês, o francês e o espanhol (THORSTENSEN, 1999, p. 45-49).

Para Thorstensen (1999, p. 49), com a criação da OMC, o processo de negociações passa

a ser contínuo e não mais feito em rodadas. Ficou estabelecida uma agenda, com temas de grande

complexidade e impacto no comércio de seus membros.

1.3 BARREIRAS EXTERNAS AO COMÉRCIO INTERNACIONAL

Gilpin (2002, p. 253) afirma que “o sistema do GATT de liberalização do comércio

baseava-se na idéia de permitir que o mercado determinasse a localização internacional das

atividades econômicas”. Assim sendo, muitas barreiras contrárias ao livre comércio caíram,

aumentando o volume do comércio internacional no mundo. Porém, novas questões são

abordadas:

Em muitas sociedades, os custos sociais internos dos ajustes às modificações na estrutura das vantagens comparativas parecem ter superado as vantagens de uma maior liberalização do comércio. Os mercados relativamente perfeitos, nos quais era possível chegar a soluções de equilíbrio, foram deslocados, em medida indeterminada, pela negociação estratégica entre entidades empresariais e autoridades governamentais (GILPIN, 2002, p. 253).

Sabe-se que as barreiras tarifárias diminuíram muito no período do pós-guerra, fazendo

com que as economias dos países se expandissem e, conseqüentemente, aumentando a

concorrência internacional. Porém, a maior abertura comercial provocou duas contratendências,

segundo Gilpin (2002, p. 254): “o fechamento econômico, sob a forma do novo protecionismo e

do nacionalismo econômico manifestado nas políticas industriais, e as tentações da política

comercial estratégica que a maior presença da competição oligopolística tornou possível”.

As barreiras não-tarifárias são “medidas ou políticas governamentais, que não tarifas, que

restringem ou distorcem o comércio internacional” (MDIC, 1999, p. 229). Dentre elas, serão

abordadas neste trabalho: subsídios, quotas, dumping e as salvaguardas.

Subsídio é o benefício econômico concedido pelo governo e produtores e/ ou exportadores com o objetivo de torná-los mais competitivos. O subsídio à exportação é

considerado uma prática desleal de comércio na medida em que desloca os demais produtores com base em preços irrealistas; é combatido através da imposição de direitos compensatórios (MDIC, 1999, p. 232).

Existem três categorias de subsídios: proibidos, acionáveis e não acionáveis que, na

linguagem da OMC, ficaram conhecidos como vermelhos, amarelos e verdes, respectivamente:

- Subsídios proibidos ou vermelhos: dois tipos são considerados proibidos – aqueles

vinculados ao desempenho das exportações, por lei ou de fato, sob condições únicas ou dentro de

outras condições, e aqueles vinculados ao uso de bens domésticos de preferência a bens

importados, sob condições únicas ou dentro de outras condições. O Acordo sobre Subsídios da

OMC fornece uma lista deles;

-Subsídios acionáveis ou amarelos: são aqueles que causam dano ou grave prejuízo à

indústria doméstica;

- Subsídios não acionáveis ou verdes: são aqueles que são não específicos, e os

específicos que atendam as condições estabelecidas no Acordo (THORSTENSEN, 1999, p. 126-

28).

Quota é “tarifa de importação que contempla dois estágios. As importações realizadas até

o limite da quota (importações intraquota) estão sujeitas à uma tarifa inferior àquela aplicada

sobre as importações realizadas acima do limite da quota (importações extraquota). As quotas são

determinadas, em geral, em termos quantitativos” (MDIC, 1999, p. 231).

Dumping é o “ato de vender um produto a preço inferior ao preço considerado normal. È

uma prática considerada desleal na medida em que desloca do mercado os demais produtores em

decorrência da prática de preços irrealistas” (MDIC, 1999, p.229).

Medidas de salvaguarda são “medidas temporárias empregadas com o intuito de conter as

importações e permitir que o setor produtivo doméstico ajuste-se às novas condições

competitivas internacionais” (MDIC, 1999, p. 230).

As salvaguardas, bem como o acordo sobre as salvaguardas na OMC, serão mais bem

abordadas no próximo capítulo.

O Brasil enfrenta dificuldades para entrar no mercado de alguns países, o que acarreta

problemas na exportação.

Em 1999, segundo dados da SECEX/CNI (MDIC, 1999, p. 5-16), a África do Sul

ocupava o 32º lugar de destino dos produtos brasileiros. Entre os anos de 1993 e 1996, devido o

processo de liberalização comercial, houve um crescimento nas exportações brasileiras, passando

de US$189 milhões para US$331 milhões. Porém, no ano de 1997, houve um ataque especulativo

à moeda sul-africana, o rand, e as vendas externas brasileiras caem, representando queda de 34%.

A base da estrutura tarifária da África do Sul é a tarifa externa comum da União

Aduaneira do Sul da África (SACU), formada por Botswana, Lesoto, Suazilândia, Namíbia e

África do Sul. As taxas são aplicadas conforme a Cláusula da NMF, mas há falta de uniformidade

na estrutura tarifária. Desde 1996, a África do Sul busca simplificar a estrutura tarifária,

implementando, desde então, um processo de racionalização. Em 1998, porém, contraria essa

idéia, elevando as tarifas do vinho, carne de frango, carne de bovinos e milho.

Produtos agrícolas e o petróleo são prejudicados pela tarifa específica. As tarifas variáveis

(preços de referência) surgem na tentativa de combater a competição desleal (dumping,

subsídios). Em 1997, elas eram aplicadas em produtos como fumo, cereja, farinha de milho e

produtos da cadeia plástica.

Com o Acordo Agrícola da Rodada Uruguai, a África do Sul se comprometeu a

incorporar as barreiras não-tarifárias à importação de produtos agrícolas à sua tarifação,

impedindo a entrada de produtos importados. Porém, as quotas tarifárias, previstas no Acordo,

garantem o acesso ao mercado doméstico. Produtos como carne bovina, suína e aves, bem como

laticínios, algumas frutas, café, chá, soja e outras sementes sofreram quotas tarifárias.

O Capítulo 6 do Ato 91 de 1964 estabeleceu a base legal para aplicação das medidas

antidumping e compensatórias. Os produtos brasileiros sujeitos a direitos antidumping, quando

exportados para a África do Sul, são o PVC e o papel não-revestido.

Até a finalização da Rodada Uruguai, a África do Sul não possuía legislação de

salvaguardas mas, com sua adesão à OMC, elas foram incorporadas ao Ato 91 de 1964. Até o

momento, porém, a África do Sul não fez uso das medidas.

Dados da SECEX/CNI de 2001 (MDIC, 2001, p. 9-61), mostram que os Estados Unidos

foram, em 2000, o segundo maior mercado para os produtos brasileiros. Em 2000 as exportações

brasileiras aos EUA cresceram 23,47%, representando US$13,18 bilhões.

A estrutura tarifária dos EUA é formada por tarifas ad valorem, específicas e compostas.

Os produtos brasileiros que estão sujeitos à tarifação específica são fumo, açúcar, suco de laranja

e álcool etílico. ICONE explica a tarifa ad valorem como “uma tarifa sob a forma de uma

porcentagem do valor CIF [cost, insurance and freight, ou seja, custo, seguro e fretes] do bem

importado”, a tarifa específica como “tarifa expressa em números ou em quantidades específicas

por produto, tais como unidades monetárias por kg, litro, dúzia, unidade, etc.”, e a tarifa

composta como “uma tarifa que incorpora simultaneamente elementos de uma tarifa específica e

de uma tarifa ad valorem” (ICONE, 2004).

O suco de laranja concentrado congelado brasileiro está sujeito a uma das tarifas de

importação mais elevadas aplicadas pelos EUA: 7,862 centavos de dólar/litro. Além das tarifas

elevadas, o Brasil também perde participação no mercado norte-americano de suco de laranja

devido acordos de comércio que dão vantagens ao México (NAFTA), países da Bacia do Caribe

(CBERA), Israel (Free Trade Area) e os Países Andinos (ATPA). O suco de laranja brasileiro

começou a perder mercado em 1992. Neste ano, cerca de 90% das importações norte-americanas

desse produto vinham do Brasil e em 1998 caiu para 56,1%. As importações norte-americanas do

suco de laranja brasileiro estão sujeitas a um direito antidumping. A elevada taxação norte-

americana estimulou a produção de suco de laranja na Flórida.

Com o Acordo Agrícola da Rodada Uruguai, os EUA se comprometeram a incorporar as

barreiras não-tarifárias à importação de produtos agrícolas à sua tarifação, impedindo a entrada

de produtos importados. Porém, as quotas tarifárias, previstas no Acordo, garantem o acesso ao

mercado doméstico. Os principais produtos brasileiros exportados aos EUA sujeitos a quotas

tarifárias são açúcar, fumo e laminados a quente.

Os EUA são um dos países que mais utilizam medidas antidumping, sendo o Brasil um

dos mais penalizados. O setor siderúrgico é o que mais sofre medidas antidumping e

compensatórias, enfrentando barreiras ao acesso de produtos brasileiros no mercado norte-

americano.

Para a aplicação de uma medida de salvaguarda, diferentemente das medidas antidumping

e compensatórias, é necessária a comprovação de dano substancialmente grave à indústria

doméstica, e não apenas a comprovação de dano. Da mesma forma, as medidas de salvaguarda

são aplicadas independentemente do país de origem, enquanto as medidas antidumping e

compensatórias aplica-se no país que infringe o dano à indústria doméstica.

As exportações brasileiras de frutas, vegetais e carnes são extremamente prejudicadas

pela aplicação dos regulamentos sanitários, fitossanitários e de saúde animal. O processo de

exportação desses produtos também envolve elevados custos e tempo, além da burocratização.

Como exemplo, o mamão papaia brasileiro, no qual o processo de aprovação das importações

começou em 1993 e foi concluído apenas em 1998, e ainda assim está sujeito ao cumprimento de

regras de cultivo, tratamento, embalagem e transporte. O Brasil não pode exportar carne in natura

ou congelada, sob alegação de contaminação de febre aftosa, mostrando interesse apenas nos

estados de SC e RS, áreas livres de febre aftosa e certificadas.

Dados (MDIC, 2001, p. 63-97) mostram que o comércio bilateral entre Brasil e Japão foi

superavitário em favor do Brasil durante a década de 80. Porém, a crise japonesa da década de 90

afetou nossas vendas: em 1995 exportamos US$3,1 bilhões, e em 1999, US$2,2 bilhões,

totalizando uma queda de 29,3%. O Japão é o quinto país de destino dos produtos brasileiros.

A estrutura tarifária japonesa é formada por tarifas gerais, temporárias e preferenciais.

Proteção efetiva aos produtos de maior valor agregado afetam as exportações brasileiras ao Japão

de óleo de soja, café torrado, cigarros e calçados.

Durante a Rodada Uruguai, o Japão concordou em vincular tarifas em todos os seus

produtos agrícolas e reduzir os saltos tarifários, incluindo redução de tarifas em produtos como

carne de vaca e de porco, laranja, queijo e óleos vegetais. Também converteu as proibições e

quotas de importação por tarifas. Tarifas específicas são aplicadas em produtos agropecuários,

alimentos, bebidas alcoólicas e petróleo. Os produtos brasileiros que sofrem esse tipo de tarifação

são óleo de soja, açúcar e álcool etílico. Cigarros estão sujeitos a tarifas compostas e o suco de

laranja e calçados a tarifas alternativas.

O Japão aplica restrições quantitativas (quotas de importação) na importação de alguns

tipos de peixes e alga marinha, determinadas de acordo com a demanda e oferta domésticas.

Poucas medidas antidumping foram adotadas no país, e o direito compensatório nunca foi

adotado. Nenhum direito foi imposto sobre importações vindas do Brasil.

O país também apresenta restrições sanitárias, fitossanitárias e de saúde animal. Produtos

brasileiros que sofrem esse tipo de restrição são tomate, batata, frutas como manga, laranja e

melão e carnes bovina, suína e de aves.

Alumínio, minério de ferro, café e pasta química de madeira são os principais produtos de

exportação do Brasil ao Japão.

Atualmente, segundo dados do MDIC (MDIC, 2001, p. 99-188), a União Européia (UE) é

o lugar de maior destino dos produtos brasileiros, representando, em 2000, um total de US$14,78

bilhões. Dentre os países formadores da UE destacam-se: Alemanha, Países Baixos, Bélgica,

Itália, Reino Unido, França e Espanha. A UE também é o maior exportador de produtos para o

Brasil.

Até 1994, o saldo do comércio bilateral era favorável ao Brasil. Porém, a partir de 1997,

as importações brasileiras aumentaram.Em 1999, o Brasil exporta US$13,7 bilhões, importando

US$15 bilhões. Em 2000 o Brasil conseguiu inverter a situação, passando, novamente, a exportar

mais do que importar.

A Comissão Européia é o principal órgão executivo da União. A Comissão Européia

desenvolve importante papel na implementação da política comercial comum da UE, atuando

com grande autonomia. É ela quem negocia acordos comerciais com terceiros países.

A Tarifa Externa Comum (TEC) é a tarifa que incide sobre as importações de terceiros

países, formada por Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia,

Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido e Suécia. Há dois tipos de tarifas:

convencional e autônoma.

Durante a Rodada Uruguai, a UE consolidou seus itens tarifários e acordou uma redução

gradual da tarifa consolidada entre 1995 e 2000. A estrutura tarifária da UE tem mostrado uma

elevada progressividade, dando uma maior proteção aos produtos de maior valor agregado (escala

tarifária), favorecendo produtos domésticos como pescados, alimentos, fumo, têxteis, couro,

papel e metais.

A UE, em decorrência do Acordo Agrícola da Rodada Uruguai, concordou em incorporar

quotas e tarifas variáveis incidentes à importação de produtos agrícolas à sua estrutura tarifária. O

Acordo Agrícola prevê a utilização de quotas tarifárias, garantindo, assim, acesso ao mercado

doméstico. Carnes de bovinos, de suínos, de frangos e de perus, ovos, laticínios, leite, trigo e

aveia estão sujeitos à aplicação de quotas tarifárias.

Os mecanismos antidumping e anti-subsídios são realizados perante aplicação de direitos

ou na fixação de compromissos em matéria de preços. O regulamento antidumping incorpora as

regras acordadas com o final da Rodada Uruguai. Para que o direito antidumping possa ser

aplicado, deve ficar explícito que o preço da exportação pelo qual o produto é vendido no

mercado comunitário seja menor que o preço pelo qual é vendido no mercado interno do país

exportador, e que as importações desse produto causaram prejuízo material à indústria

comunitária. Já o regulamento anti-subsídios permite que seja imposto direitos compensatórios a

importações julgadas subsidiadas originárias de terceiros países. A Comunidade Européia é um

dos países-membro da OMC que mais utiliza as medidas antidumping, mas pouco dos direitos

compensatórios. Ao final de 1998, dois produtos brasileiros estavam sujeitos a aplicação de

medidas antidumping: o ferro-silício e o glutamato monossódico.

O regulamento de salvaguardas, por sua vez, visa proteger setores produtivos de um

aumento de importações. Igualmente aos regulamentos anteriores, o regulamento de salvaguardas

incorpora as regras acordadas com o final da Rodada Uruguai, contidas no Acordo sobre

Salvaguardas da OMC. Somente os Estados-membros podem formular pedido à Comissão

responsável de imposição de salvaguardas. A Comunidade Européia não tem aplicado nenhuma

medida de salvaguarda.

Os setores agrícola e de serviços são os mais problemáticos, sendo que o primeiro passa

por barreiras não-tarifárias, sanitárias e fitossanitárias considerando sanidade animal e vegetal.

Resumindo, foram vistas as dificuldades ainda enfrentadas pelo Brasil na exportação de

seus produtos a países que impõem barreiras não somente tarifárias. Um tema que cada vez mais

é tratado nas negociações é a agricultura e as barreiras não-tarifárias que a envolvem. O Brasil,

como país em desenvolvimento, atua fortemente na OMC tratando desse tema, por ser afetado

diretamente pelos países desenvolvidos e suas restrições que impedem a concorrência de

produtos agrícolas brasileiros em seus mercados.

2 O ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS DA OMC

2.1 DEFINIÇÕES DE SALVAGUARDAS

A Rodada Uruguai foi a de maior importância no âmbito das negociações comerciais

multilaterais dentro do GATT. Dentre seus resultados, encontra-se o Acordo constitutivo da

OMC, instituição esta que entra em vigor em 1º de janeiro de 1995. Para Costa (2002, p. 61), “os

Acordos que constituem a Ata Final da Rodada Uruguai [...] refletem a liberalização do comércio

de bens, serviços e direitos de propriedade intelectual, por meio da eliminação de restrições e

distorções entre os Países-Membros da OMC”.

Várias são as definições do termo salvaguardas. Para Goyos Jr. (2003, p. 93):

são ações passíveis de serem tomadas por um estado membro da OMC, a pedido do setor relevante afetado, para proteger uma área doméstica específica de um aumento imprevisível, absoluto ou relativo à produção nacional, de importações de produtos concorrentes, que causa, ou poderá causar, um sério dano ao referido setor.

Para Brogini (2002, p. 147), “as medidas de salvaguarda, destinadas a conferir uma

proteção temporária para as indústrias nacionais que estejam sendo afetadas por um surto

repentino de importações de produtos concorrentes, são regulamentadas no âmbito da OMC

principalmente pelo Acordo sobre Salvaguardas”.

Costa explica que a doutrina é unânime ao definir medida de salvaguarda como sendo

“toda medida utilizada numa situação crítica, durante um certo período de tempo, que leve a não-

aplicação das regras normais de um determinado sistema, desde que, no final de algum tempo,

tais regras normais sejam novamente aplicáveis de modo integral” (2002, p. 73).

É permitido a um Membro da OMC adotar medidas de emergência e temporárias dando

proteção para a industria nacional. Estas, também, só podem ser aplicadas às importações que

causarem dano ou ameaçarem causar dano grave à indústria nacional, sendo os produtos similares

(COSTA, 2002, p. 74).

Existem, ainda, as salvaguardas especiais. As salvaguardas especiais são “medidas de

proteção para produtos agrícolas previstas pelo Acordo sobre Agricultura da Rodada Uruguai,

quando eles sofrem grande declínio nos preços ou quando há um aumento repentino de

importações em determinado país” (ICONE, 2004). O Acordo sobre Têxteis e Vestuário também

estabelece um mecanismo de salvaguardas especiais, atuando sobre os produtos têxteis e de

vestuário que ainda não estão submetidos às regras do GATT (ICONE, 2004).

2.2 HISTÓRICO

O Acordo sobre Salvaguardas surge com o objetivo

de esclarecer e reforçar as disciplinas do GATT 1994 e especificamente as do seu Artigo XIX (Medidas de emergência em importações de produtos particulares), de restabelecer o controle multilateral sobre as salvaguardas, e de eliminar as medidas que escapem a tal controle; reconhecendo a importância do ajustamento estrutural e a necessidade de estimular ao invés de limitar a concorrência nos mercados internacionais; e reconhecendo, ademais, que, para esses fins, faz-se necessário um acordo abrangente, aplicável a todos os Membros e fundado nos princípios básicos do GATT 1994 (ASG, 1994).

Segundo Pinheiro e Guedes (1998, p. 330), “as medidas de salvaguardas, distintamente

das medidas antidumping e das compensatórias, não têm como objetivo a defesa contra práticas

desleais, mas contra prejuízos causados por aumentos abruptos nas importações de determinados

produtos”.

O GATT já regulava a possibilidade da utilização das salvaguardas no Artigo 19 (medidas

de emergência para os casos de importação de produtos especiais), segundo Pinheiro e Guedes

(1998, p. 330), quando

estipulou ser facultado a qualquer parte contratante, na medida e durante o tempo que for necessário, suspender, no todo ou em parte, o compromisso assumido em relação a determinado produto, que esteja sendo importado em quantidades substanciais superiores a cada ano, provocando, desse forma, sério prejuízo à indústria local.

É o Artigo 19, § 1º do GATT:

a) Se, em conseqüência da evolução imprevista das circunstâncias e por efeito dos compromissos que uma Parte Contratante tenha contraído em virtude do presente Acordo, compreendidas as concessões tarifárias, um produto for importado no território da referida Parte Contratante em quantidade por tal forma acrescida e em tais condições que traga ou ameace trazer um prejuízo sério aos produtores nacionais de produtos similares ou diretamente concorrentes, será facultado a essa Parte Contratante, na medida e durante o tempo que forem necessários para prevenir ou reparar esse prejuízo, suspender, no todo ou em parte, o compromisso assumido em relação a esse produto, ou retirar ou modificar a concessão; b) Se uma Parte Contratante tiver feito uma concessão sobre uma preferência e que o produto ao qual esta se aplica venha a ser importado no território dessa Parte Contratante nas circunstâncias enunciadas na alínea (a) do presente parágrafo, de tal forma que essa importação determine ou ameace determinar um prejuízo sério aos produtores do produto similar ou de produtos diretamente concorrentes, estabelecidos no território da Parte Contratante que se beneficia ou se beneficiava da referida preferência, esta poderá

apresentar um requerimento à Parte Contratante importadora que ficará então livre de suspender, no todo ou em parte, o compromisso tomado ou retirar ou modificar a concessão, na medida e pelo tempo necessário para prevenir ou remediar tal prejuízo.

Poucos países utilizaram o instrumento de salvaguardas do GATT, por diversas razões.

“No caso brasileiro e de outros países com altas barreiras tarifárias era desnecessário o recurso a

tal instrumento, pois as próprias tarifas exerciam tal função independente da quantidade

importada ou de serem os preços considerados normais”. (PINHEIRO e GUEDES, 1998, p. 330-

31).

Assim sendo, com exceção do governo norte-americano, “a maior parte dos países

utilizavam a salvaguarda na forma de simples cláusula que constava obrigatoriamente de todos os

Acordos de Concessão Tarifária existentes no âmbito do Acordo Geral e de Acordos realizados

entre parceiros de uniões aduaneiras, tais quais a ALALC e ALADI” (PINHEIRO e GUEDES,

1998, p. 331).

A Rodada Uruguai introduziu, no seu término em 1994, um Acordo de Salvaguardas, e

seu principal objetivo era o fim, no período de oito anos, de qualquer espécie de “medidas da área

cinzenta”. O Acordo de Salvaguardas vem atender às vontades das partes contratantes,

conferindo trâmites básicos que devem ser obedecidos pelos países signatários da OMC e que

pretendem utilizar ações de salvaguarda (PINHEIRO e GUEDES, 1998, p. 335).

O GATT inclui disposições de salvaguardas, segundo Croome (1995, p. 65) que permitem

aos governos “impor barreiras ao comércio ou restrições por razões como dificuldades na balança

de pagamentos, programas de desenvolvimento econômico ou competição desleal”. O Artigo 19

do GATT, por sua vez, indica que as salvaguardas existem para ajudar uma indústria que não

consegue suportar o aumento da competição por importações, se o aumento do produto em

questão causar ou ameaçar causar dano grave à indústria nacional de produto similar. O tempo de

aplicação e o necessário para que a indústria nacional se recupere (CROOME, 1995, p. 65).

Segundo o autor, essas regras não têm funcionado de forma correta: o Artigo 19 acaba por

levar a restrições comerciais que são mantidas durante anos e os países importadores vêm, de

maneira crescente, usando outras formas de ação de salvaguardas, não autorizadas pelas regras do

GATT, conseguindo escapar de examinação. São consideradas medidas de “área cinzenta”

(encontradas na década de 70) por não serem nem autorizadas, nem claramente condenadas pelas

regras do GATT. Foram utilizadas para limitar a competição nos setores automobilístico, de aço,

de calçados e eletrônicos (CROOME, 1995, p. 65).

Para Jackson (1997, p. 209), um dos maiores objetivos das negociações da Rodada

Tóquio era o de “desenvolver um novo ‘código de salvaguardas’ que aumentaria a disciplina das

salvaguardas internacionalmente”. Porém, sabe-se que esse objetivo não foi atingido, uma vez

que “as partes contratantes não chegaram a um acordo mútuo na matéria de salvaguardas durante

a negociação, apesar dos esforços” (JACKSON, 1997, p. 209).

As discussões sobre salvaguarda na Rodada Uruguai no ano de 1987 tiveram uma

proposta trazida pelo Brasil, o qual acreditava que a ação de salvaguarda tinha a obrigação de

“assumir forma de assistência de ajustamento para a indústria doméstica, e que restrições de

importação deveriam ser permitidas apenas posteriormente, após a determinação coletiva de que

o prejuízo tenha sido causado pelas importações” (CROOME, 1995, p. 68). Durante 1988 não

houve grandes posicionamentos dos participantes nas discussões sobre o assunto. Porém, idéias

foram desenvolvidas e houve melhor entendimento, segundo Croome (1995, p. 69), dos

problemas em questão, principalmente no que concerne à justificativa da utilização da ação de

salvaguarda e a duração da mesma.

Os negociadores sobre salvaguardas, nesse período da Rodada Uruguai, redigiram

propostas aos Ministros para serem adotadas em Montreal. Acordaram sem maiores dificuldades

em pontos de procedimento, como reconhecimento que todos os elementos de negociação

estavam tão inter-relacionados que nenhum poderia ser resolvido isoladamente, e que as

negociações deveriam ser iniciadas a partir do texto esboço do embaixador brasileiro George

Maciel (CROOME, 1995, p. 70). As negociações do grupo iniciaram-se em junho de 1989, com

propostas trazidas pelos participantes e, a partir desse momento, mostrou-se sério empenho nas

negociações sobre salvaguardas (CROOME, 1995, p. 197).

Segundo Croome (1995, p. 198), Maciel introduziu seu acordo esboço sobre salvaguardas

sintetizando as propostas já feitas pelos participantes (EUA, Comunidade Européia). As

negociações de 1990 foram para “discutir e refinar esse acordo esboço” (CROOME, 1995, p.

199).

2.3 NATUREZA JURÍDICA

Segundo Goyos Jr. (2003, p. 94), “as medidas de salvaguardas são decorrentes de fatos

jurídico-econômicos lícitos, mas que acarretam um desajuste transitório no mercado doméstico”.

Porém, é reconhecido o caráter de “medida não tributária de intervenção no domínio econômico”

da salvaguarda quando ela é manifesta mediante imposição de medidas quantitativas (GOYOS

JR., 2003, p. 95).

O Decreto nº 1488, de 11 de maio de 1995, determina, em seu Artigo 8º:

As medidas de salvaguarda serão aplicadas na extensão necessária para prevenir a ameaça de prejuízo ou reparar o prejuízo grave e facilitar o ajustamento, podendo ser adotadas sob a forma de: I – alíquota ad valorem, aplicação de uma alíquota específica, ou, da combinação de ambas; II – restrições quantitativas.

Este é o decreto que regulamenta no Brasil as normas para aplicação de salvaguardas.

2.4 O ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS

Para melhor compreensão das salvaguardas, é necessário explicar outros importantes

conceitos:

2.4.1 Dano (prejuízo) grave

O Artigo 4º do Acordo sobre Salvaguardas estabelece a determinação de prejuízo ou

ameaça de prejuízo grave. No § 1º, alínea “a”, fica determinado que prejuízo grave é “a

deterioração geral significativa da situação de uma indústria nacional”.

2.4.2 Ameaça de dano (prejuízo) grave

O § 1º, alínea “b” do Artigo 4º do Acordo sobre Salvaguardas estabelece como ameaça de

prejuízo grave “o prejuízo grave que seja claramente iminente, de acordo com as disposições do

parágrafo segundo. A determinação de existência de uma ameaça de prejuízo grave será baseada

em fatos e não simplesmente em alegações, conjecturas ou possibilidades remotas”.

2.4.3 Indústria nacional

O Artigo 4º do Acordo sobre Salvaguardas, § 1º, alínea “c” define indústria nacional

como “conjunto dos produtores dos bens similares ou diretamente concorrentes que operem

dentro do território de um Membro ou aqueles cuja produção conjunta de bens similares ou

diretamente concorrentes constitua uma proporção substancial da produção nacional de tais

bens”.

No Artigo 5º fica estabelecido como as medidas de salvaguardas serão aplicadas: o § 1º,

em caso de restrição quantitativa, diz que “tal medida não reduzirá a quantidade das importações

abaixo do nível de um período recente, que corresponderá à média das importações efetuadas nos

três últimos anos representativos para os quais se disponha de estatísticas [...]”. Já o § 2º, alínea

“a” trata de quota aplicada entre países prestadores, no qual “o Membro que aplica as restrições

poderá buscar um acordo quanto à distribuição das parcelas da quota com todos os demais

Membros que tenham um interesse substancial no suprimento do produto em questão”. Porém, se

isto não ocorrer, as quotas aplicadas será baseada sobre as proporções fornecidas pelos Membros

interessados “durante um período representativo anterior, levando devidamente em conta

quaisquer fatores especiais que possam ter afetado ou estar afetando o comércio desse produto”.

2.4.4 Princípio da não-seletividade

É um dos pilares do Acordo sobre Salvaguardas, no qual “as medidas de salvaguarda

serão aplicadas ao produto importado independentemente de sua procedência” (BROGINI, 2004,

p. 191). Para Brogini, isso quer dizer que não é permitido um tratamento discriminatório entre os

Membros que exportam. Assim sendo, é importante para que não se aplique medidas que atinjam

a indústria de um país específico (GOYOS JR., 2003, p. 103). Porém, segundo Goyos Jr. (2003,

p. 103), “os países em desenvolvimento têm um tratamento mais favorável”.

EUA e México foram os primeiros países a estabelecer cláusulas de salvaguardas (Acordo

de Concessão Tarifária, 1942). “Reproduzindo as cláusulas de salvaguardas utilizadas pelos

Estados Unidos da América, o GATT 1947 também previu a possibilidade de utilização das

medidas” (GOYOS JR., 2003, p. 96).

Em 1947, os EUA e outros 21 países começaram a negociar os textos do GATT, e o então

Presidente norte-americano Truman exigiu que uma “cláusula de escape” (provisão que permite a

utilização temporária de barreiras às importação quando elas vem aumentando e são

comprovadas que prejudicam a indústria competitiva nacional) fosse incluída em cada acordo

comercial sob a autoridade dos acordos de troca comercial norte-americanos (JACKSON, 1997,

p. 179). Pode-se afirmar que “a cláusula de escape do GATT (Artigo 19) descendeu diretamente

da cláusula da mesma natureza do Acordo de Comércio entre EUA e México” (JACKSON, 1997,

p. 180).

Como já visto, as salvaguardas poderiam ser implantadas, de maneira emergencial e

temporária, se a existência de importações de um produto similar causasse ou pudesse causar

dano à indústria nacional. Porém, para Goyos Jr. (2003, p. 97), fica inexistente a comprovação de

prática desleal ao comércio. As medidas de salvaguardas são, por isso, pouco utilizadas, e

também porque é exigido uma compensação quando uma salvaguarda é aplicada.

Segundo o Artigo 6º do Acordo sobre Salvaguardas, devido a circunstâncias críticas,

“poderá ser adotada medida de salvaguarda provisória em decorrência de determinação

preliminar da existência de provas claras que o aumento das importações tem causado ou ameaça

causar prejuízo grave”. A duração não excederá 200 dias.

Já o Artigo 7 º do mesmo Acordo estabelece a duração das medidas de salvaguarda:

1. só serão aplicadas durante o período que seja necessário para prevenir ou remediar o prejuízo grave e facilitar o ajustamento. Tal período não será superior a quatro anos, a menos que seja prorrogado nos termos do parágrafo segundo. 2. o período poderá ser prorrogado [...] se a medida de salvaguarda continua a ser necessária para prevenir ou remediar o prejuízo grave; de que haja provas de que a indústria está em processo de ajustamento [...]. 3. o período total de aplicação de uma medida de salvaguarda, contados o período de aplicação de qualquer medida provisória, o período de aplicação inicial e de qualquer prorrogação deste, não será superior a oito anos.

Alguns países, até mesmo os EUA, adotam formas de proteção mais rápidas e eficientes,

como quotas e outras formas de proteção não tarifária. “Eram denominadas ‘medidas de área

cinzenta’ ou ‘medidas obscuras’, destacando-se a utilização dos ‘Acordos de Contenção

Voluntária às Exportações’” (GOYOS JR., 2003, p. 97).

O Acordo de Contenção Voluntária era a “negociação formal entre país exportador e

importador, quando o governo deste último tem a capacidade de restringir exportações de

determinado produto” (GOYOS JR., 2003, p. 97). Quem exportava era coagido a impor, a si

mesmo, quotas, o que limitava suas exportações para o país importador. “Na prática, estas

medidas eram impostas, desde a década de 70, como pressão de alguns países desenvolvidos para

que os Estados e empresas reduzissem ‘voluntariamente’ as exportações para o seu mercado”

(GOYOS JR., 2003, p. 98). Assim sendo, ficavam estabelecidos os preços para os compradores e

mercados para os vendedores.

Viu-se, portanto, a necessidade de elaborar um Acordo sobre Salvaguardas na Rodada

Uruguai que, para Goyos Jr. (2003, p. 99), visava objetivar “a redução da utilização dos Acordos

de Contenção Voluntária que proliferaram diante a crise econômica”. No decorrer da Rodada

Uruguai, é observado o interesse de “solucionar definitivamente a questão das salvaguardas e [...]

na elaboração de um novo acordo” (BROGINI, 2004, p. 154).

O Acordo sobre Salvaguardas, segundo Goyos Jr. (2003, p. 218), “determina a

possibilidade de aplicação de medidas de salvaguarda, caso constatar-se surto de importações de

determinado produto, que esteja causando ou ameaçando causar prejuízo grave ao setor nacional

que produza bens similares ou diretamente concorrentes [...]”.

Pode-se dizer, então, que as salvaguardas são um dos mecanismos encontrados no âmbito

da defesa comercial que possibilitam ao país auxiliar sua indústria nacional prejudicada pelas

importações em demasia de um determinado produto. Utilizando as salvaguardas, o país

consegue ajudar no desenvolvimento da sua indústria nacional, e ela, eventualmente, não

precisará mais utilizar a salvaguarda e conseguirá competir internacionalmente. O país deve usar

o instrumento de salvaguardas, pois elas foram criadas dentro do âmbito da OMC e, por isso,

respeitam suas regras.

2.5 AS SALVAGUARDAS NO BRASIL

Segundo Brogini (2004, p. 218), o Brasil havia utilizado, até o final de 2003, o Acordo

sobre Salvaguardas em duas oportunidades: “para investigar as importações de brinquedos, em

1996, e, mais recentemente, em 2001, para investigar a importação de coco”, casos estes que

serão analisados no próximo capítulo deste trabalho.

No Brasil, as decisões sobre investigação de salvaguarda são tomadas com base no

parecer formulado pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM), ouvido o Ministério das

Relações Exteriores e, quando for o caso, os Ministérios em cuja área de competência relacionar-

se as decisões, cabendo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) determinar a abertura da

investigação de salvaguarda.

Tendo em vista o disposto no Decreto nº 3.981, de 24 de outubro de 2001, compete à

Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) fixar direitos antidumping e compensatórios,

provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos

provisórios; homologar compromisso de preços; e definir diretrizes para a aplicação das receitas

oriundas da cobrança dos direitos antidumping e compensatórios (MDIC

http://www.desenvolvimento.gov.br).

A Nova Política do DECOM, divulgada em setembro de 2003 pelo Ministro do MDIC em

encerramento de seminário sobre defesa comercial, estabelece a nova estratégia adotada pelo

Brasil no que diz respeito à defesa comercial. Nesse documento, ficam expostos os objetivos a

serem atingidos, quais sejam: divulgar de forma ampla os procedimentos de investigação de

dumping, subsídios e salvaguardas, através de palestras e publicações aos interessados; acelerar o

processo de abertura de investigações antidumping e de medidas compensatórias; reduzir o prazo

de duração das investigações; elaborar estudos que avaliem a performance das importações e seu

respectivo impacto, provocando o uso preventivo de instrumentos de defesa comercial,

especialmente as salvaguardas; monitorar as importações sujeitas ao pagamento de direitos

compensatórios e antidumping, medindo a eficácia dos instrumentos; intensificar o apoio ao

exportador submetido a investigações no exterior.

A seguir, a tabela demonstra as investigações antidumping e de subsídios contra as

exportações brasileiras na atualidade:

Tabela 2 – Investigações antidumping e de subsídios contra exportações brasileiras

País Medidas aplicadas e compromissos de preços

Investigações em curso

África do Sul 3 0

Argentina 6 1

Canadá 6 2

Estados Unidos 19 2

Índia 4 1

México 2 0

Turquia 0 1

União Européia 1 0

Total 41 7

Fonte: MDIC – Relatório DECOM 2003

Analisando o Relatório DECOM 2003, percebe-se o grande número de investigações de

antidumping no período de 1988 a 2003, com 199 produtos (Relatório, p. 31-36). Também se

verifica que, no mesmo período, 14 produtos passaram por investigações de subsídios (Relatório

DECOM, p. 37). No que se refere às salvaguardas, apenas dois produtos – brinquedos e coco

ralado, tratados no próximo capítulo – passaram por investigações, no período de 1995 a 2003

(Relatório DECOM, p. 37).

Apesar de pequeno o número de ações de investigação que se referem à aplicação de medidas

de salvaguarda, ele vem aumentando, mostrando que os Membros da OMC vêm utilizando

desse mecanismo cada vez mais.

A tabela 3, a seguir, mostra as medidas definitivas aplicadas, no período de 1988 a 2003, nos

três tipos de investigação no âmbito da defesa comercial: dumping, subsídios e salvaguardas:

Tabela 3 – Medidas definitivas aplicadas (1988-2003)

Ano Dumping Subsídios Salvaguardas Total

1988 0 0 0 0

1989 4 0 0 4

1990 0 0 0 0

1991 0 1 0 1

1992 7 1 0 8

1993 5 0 0 5

1994 3 0 0 3

1995 3 6 0 9

1996 6 0 0 6

1997 2 0 1 3

1998 19 0 0 19

1999 5 0 1 6

2000 9 0 0 9

2001 11 0 0 11

2002 5 0 1 6

2003 9 0 1 10

Total 88 8 4 100

Fonte: MDIC – Relatório DECOM 2003

No período analisado, viu-se que as salvaguardas foram aplicadas em número muito

menor. Isso se dá porque o próprio mecanismo de salvaguardas aparece historicamente mais

tarde, em 1995, diferente das medidas antidumping e de subsídio, que são mais antigas.

É por ter experiência nos dois tipos de mecanismos mais antigos que as salvaguardas são

menos utilizadas, mas, a tendência é de o número de países em desenvolvimento (PEDs) usar

cada vez mais esse instrumento, pelos resultados positivos obtidos.

3 OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E OS CASOS ENVOLVENDO

SALVAGUARDAS NO BRASIL

3.1 OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O SISTEMA MULTILATERAL DE

COMÉRCIO

O GATT foi por muito tempo considerado “um clube para defender os interesses dos

países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento preferiram nele participar com

um nível menor de direitos e obrigações” (THORSTENSEN, 1999, p. 229). A partir dos anos 80

os países em desenvolvimento, segundo Thorstensen (1999, p. 229), passaram a “adotar uma

estratégia de abertura econômica e de liberalização de seu comércio”, participando mais

ativamente das negociações que levaram à criação da OMC.

Atualmente, cabe a cada país em desenvolvimento (PED) definir-se como tal ou como

país desenvolvido. Entretanto, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a definição de país

menos desenvolvido, baseando-se na renda per capita. Com o passar dos anos, a atuação dos

PEDs foi crescendo e eles desempenham hoje importante papel na OMC, por seu número e

também por sua importância no comércio internacional (THORSTENSEN, 1999, p. 229).

É importante lembrar também da diferença nos interesses dos PEDs e dos países

desenvolvidos, em épocas passadas, o que causou “uma divisão clara nas negociações entre

‘países ricos’ e ‘países pobres’. Já durante as negociações da Rodada Uruguai outros grupos de

interesses foram se formando e a antiga divisão entre Norte e Sul foi substituída por uma que

comportava interesses ditos de ‘geometria variável’” (THORSTENSEN, 1999, p. 230). Esse

acontecimento levou à criação do Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento refletindo os

interesses dos PEDs.

O Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento foi criado dentro do GATT em 1964 para

“analisar problemas específicos dos países em desenvolvimento” (THORSTENSEN, 1999, p.

230). No ano seguinte, é introduzido o conceito de não-reciprocidade para as questões comerciais

dos PEDs: “quando países desenvolvidos oferecem concessões comercias aos países em

desenvolvimento, eles não devem esperar que os países em desenvolvimento façam ofertas em

retorno” (THORSTENSEN, 1999, p. 230). O Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento estava

previsto no acordo que constituiu a OMC e iniciou seus trabalhos em 1995 (THORSTENSEN,

1999, p. 233). No final da Rodada Tóquio, é introduzido no GATT o conceito de tratamento

especial e diferenciado aos PEDs, nos casos:

Para preferências tarifárias dentro do SGP [Sistema Geral de Preferências – países desenvolvidos passam a conceder preferências tarifárias para os PEDs em uma base de não-reciprocidade]; para medidas não tarifárias dentro dos acordos negociados multilateralmente; na formação de acordos regionais do comércio entre países em desenvolvimento; e no tratamento especial para países menos desenvolvidos. Os países desenvolvidos não esperam reciprocidade por parte dos países em desenvolvimento nos compromissos assumidos de redução de tarifas ou outras barreiras ao comércio (THORSTENSEN, 1999, p. 231).

Segundo Thorstensen (1999, p. 231-32), na Rodada Uruguai de 1986, os PEDs

concordam que o tratamento especial e diferenciado seja utilizado em todos os acordos. Dentro

da OMC, eles são tratados de forma diferenciada em três aspectos:

- através de disposições especiais relativas a países em desenvolvimento que são incluídas em cada acordo da OMC; - pela supervisão das atividades da organização ligadas aos países em desenvolvimento, através do Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento; - com assistência técnica e legal, bem como treinamento, através do Secretariado da OMC, com o objetivo de criar o quadro institucional e os recursos humanos necessários para as atividades de comércio internacional.

O Artigo 9º do Acordo sobre Salvaguardas versa sobre os Membros em desenvolvimento:

1- Não se aplicarão medidas de salvaguarda contra produto procedente de país em desenvolvimento Membro quando a parcela que lhe corresponda nas importações efetuadas pelo Membro importador do produto considerado não for superior a 3 por centro, contando que os países em desenvolvimento Membros com participação nas importações inferior a 3 por centro não representem em conjunto mais de 9 por centro das importações totais do produto em questão; 2- Todo país em desenvolvimento Membro terá o direito de prorrogar o período de aplicação de uma medida de salvaguarda por um prazo de até dois anos além do período máximo estabelecido [...].

Segundo dados da OMC, três quartos de seus Membros se autodeterminaram PEDs, dos

quais 30 são menos desenvolvidos pela classificação da ONU. Na Conferência Ministerial de

Doha, realizada em 2001, os Ministros confirmaram que cooperação técnica e capacidade de

elaboração são elementos centrais do desenvolvimento do sistema multilateral de comércio

(WTO, 2004).

A transferência de assistência técnica da OMC é designada a assistir PEDs e países menos

desenvolvidos para que os mesmos se ajustem às regras da Organização e possam exercer os

direitos de sociedade (WTO, 2004).

A seguir, será vista a importância da utilização das salvaguardas por PEDs. Este é um

mecanismo do qual os PEDs podem usufruir para que o desenvolvimento de suas indústrias

nacionais não seja danificado. Vale lembrar que as salvaguardas possuem caráter temporário,

devendo ser suspensas quando a indústria nacional prejudicada conseguir se recuperar e manter-

se sem este auxílio.

3.2 DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL NOS PEDs E AS SALVAGUARDAS

Brogini (2004, p. 233) ressalta a importância de conceituar política industrial antes de

tratar do desenvolvimento industrial nos PEDs e as salvaguardas: “o conceito de política

industrial não está limitado, atualmente, àquelas ações centradas apenas no crescimento da

produção industrial. Ao contrário, entende-se que a política industrial consiste em ações

coordenadas de políticas que envolvam tanto o crescimento industrial como também o comércio

exterior e o desenvolvimento tecnológico”.

A indústria passa por duas etapas até atingir o período de maturação, no qual ela consegue

se tornar competitiva: o nascimento (implantação em si) e o desenvolvimento (expansão das

atividades, vendas no comércio nacional e no internacional). Até chegar a tal ponto, estratégias

podem e devem ser utilizadas e, entre elas, encontram-se as medidas de salvaguarda (BROGINI,

2004, p. 236). Políticas de incentivo em infra-estrutura, investimentos financeiros e em

tecnologia é a mais importante tarefa, de acordo com Brogini (2004, p. 237), que o governo deve

realizar.

Buscando desenvolver a indústria, o Membro da OMC pode realizar investimentos

diretos, através dos subsídios, e implementar políticas que atraiam investimentos estrangeiros,

visando à transferência de tecnologia (BROGINI, 2004, p. 237-38).

Para Brogini (2004, p. 238-39), a indústria, antes de atingir a etapa de maturação, não

produz bens que são altamente competitivos. Por isso, argumenta-se que a indústria nascente

deve ser protegida para que se torne competitiva no mercado, impedindo que produtos

estrangeiros entrem no mercado e concorram diretamente com ela. Segundo o autor, uma

alternativa é a utilização das salvaguardas: “as salvaguardas para proteção de indústrias nascentes

são mais indicadas e têm a vantagem de poder abranger uma gama de instrumentos de proteção

maior [...]” (BROGINI, 2004, p. 239).

Após a maturação da indústria, esta não deixa de existir. Ela permanece se desenvolvendo

e almeja exportar seus produtos no mercado internacional. Por isso, “também estará sujeita a

contingências de toda ordem, as quais, por sua vez, podem suscitar a adoção de novas

salvaguardas” (BROGINI, 2004, p. 241).

A indústria que utiliza o apoio fornecido pelo Estado consegue passar pelas etapas de

formação da indústria até alcançar sua maturação. Atingindo esse ponto, ela consegue se manter

no mercado e passa também a se preocupar com o comércio externo de seus produtos. Todavia,

ao se sentir prejudicada, a indústria nacional pode fazer uso das medidas de salvaguarda,

temporariamente.

A seguir serão analisados os dois casos em que as salvaguardas foram utilizadas pelo

Brasil em sua indústria nacional de brinquedos e de coco ralado.

3.3 A UTILIZAÇÃO DAS SALVAGUARDAS PELO BRASIL

3.3.1 O caso dos brinquedos

A Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (ABRINQ), em 26 de abril de 1996,

entrou com pedido de abertura de investigação para aplicação de salvaguarda contra a importação

de brinquedos. A SECEX inicia investigação em 18 de junho do mesmo ano (BROGINI, 2004, p.

219).

Em suas investigações, a SECEX confirmou a “existência de prejuízo grave para a

indústria nacional de brinquedos em decorrência do aumento das importações [...]” (BROGINI,

2004, p. 219). A condição da indústria poderia ainda piorar, considerando que o segundo

semestre é o maior de vendas de brinquedos no Brasil e a investigação iniciou-se em junho. Por

isso, “o Brasil decidiu aplicar uma medida de salvaguarda provisória proposta pela SECEX, por

meio de um adicional de 50 pontos percentuais à TEC do MERCOSUL para todos os tipos de

brinquedo, de tal forma que o imposto final passasse a ser de 70%, com vigência até 31 de

dezembro de 1996” (BROGINI, 2004, p. 219). Todos os PEDs foram incluídos na área de alcance

dessa medida. O período de investigação compreendeu os anos de 1992 a 1995. “O imposto que

incidia sobre a importação de brinquedos oscilava entre 70% e 85% em 1991; em 1995, todas as

linhas tarifárias estavam sujeitas a um imposto de 20%” (BROGINI, 2004, p. 220). Na

investigação, todos os tipos de brinquedos foram considerados, e a indústria nacional foi limitada

“àqueles produtores cuja produção conjunta constituía uma proporção substancial da produção

nacional (21 produtores que representavam 71% da produção nacional em 1995)” (BROGINI,

2004, p. 220-21). O aumento na importação de brinquedos se deu por causa dos baixos preços

para importar e pela preferência por brinquedos importados, que eram considerados de melhor

qualidade.

A primeira condição para aplicação da medida de salvaguarda foi a determinação de

prejuízo grave na indústria nacional. Para tal, a indústria nacional considerada foi a que

englobava os produtores filiados à ABRINQ. Juntos, correspondiam 97% da produção nacional.

Para a segunda condição, a SECEX analisou:

- evolução da produção, capacidade instalada, grau de utilização da capacidade e número de empresas; - evolução das vendas da indústria nacional para o mercado interno e parcela do mercado nacional correspondente; - evolução das exportações brasileiras; - evolução dos estoques; - evolução do emprego; e - evolução das vendas, incluindo preços (BROGINI, 2004, p. 221).

Analisando os dados sobre a indústria nacional, ficou comprovado que, apesar de

aumento na produção em 1992 e 1993, a mesma começou a cair em 1993, continuando em queda

até 1995. Outra importante informação foi o número de empresas que deixaram de operar no

mercado: em 1989 existiam cerca de 450 produtores, sendo que em 1994 o número baixou para

340. Em 1992, a indústria nacional correspondia a 91,66% do mercado, e em 1995 o índice

chegou a 64,24%. Pôde-se observar, também, queda nas exportações, mesmo que representassem

uma pequena parcela do total produzido; queda no nível de emprego e queda nas vendas totais

(BROGINI, 2004, p. 221-22).

Em novembro de 1996, segundo Brogini (2004, p. 222), o Brasil notificou ao Comitê de

Salvaguardas da OMC que sua autoridade competente – a SECEX – havia determinado a

existência de prejuízo grave à indústria nacional causado pelo aumento das importações, após

período de investigação.

O plano de ajustamento para o período de 1996-2000 que a indústria nacional de

brinquedos apresentou incluía:

incremento da produtividade e qualidade; modernização das técnicas de produção, dos produtos e das técnicas de gestão administrativa; investimento em pesquisa e desenvolvimento, além de aquisição de tecnologia; melhor qualificação do produto; melhoramento na logística de distribuição; e programa de investimento (BROGINI, 2004, p. 223).

Posteriormente, a SECEX propôs “a aplicação de medida de salvaguarda definitiva na

forma de tarifas, por um período de três anos, a ter início em 1º de janeiro de 1997 e com os

seguintes adicionais à TEC do MERCOSUL: 43% para 1997; 29% para 1998 e 15% para 1999;

ficando excluídos do alcance da medida de salvaguarda diversos PEDs [...]” (BROGINI, 2004, p.

224).

A revisão foi feita na metade do período de duração da medida, de três anos e meio

(considerando também a aplicação da medida provisória), em 1998. A SECEX analisou as

importações e a situação da indústria nacional entre janeiro de 1995 e dezembro de 1997, e

constatou: queda das importações, queda nas vendas da indústria nacional para o mercado local,

aumento no nível de emprego, aumento dos lucros, entre outros. Entretanto, ainda que

diagnosticado aumento na produção a partir de 1996, esta continuava a ser inferior aos

indicadores de 1995, quando determinado o prejuízo grave à indústria nacional. Com a revisão,

ficou evidente que a indústria nacional ainda sofria prejuízo grave em 1997, mas já mostrando

sinais de recuperação (BROGINI, 2004, p. 224-25).

Antes que o período de vigência da medida de salvaguarda expirasse, a ABRINQ

protocolou no DECOM uma petição solicitando extensão do prazo de vigência da medida, em 20

de agosto de 1999. A SECEX inicia, então, em 29 de setembro do mesmo ano, nova investigação

para determinar se a medida era ainda necessária para remediar a indústria nacional e se, ao final

do prazo estipulado, a mesma estaria apta a concorrer com os produtos importados. Concluídas

novas investigações, viu-se a necessidade de prorrogação do prazo de vigência da medida por

mais quatro anos, pois se concluiu novo aumento das importações e queda das vendas da

indústria nacional para o mercado local (BROGINI, 2004, p. 225-26).

Brogini (2004, p. 227) afirma ainda que um novo plano de ajuste foi lançado durante a

revisão da medida e assumido como compromisso. Além das propostas do primeiro plano de

ajuste, como compra de maquinário, treinamento dos funcionários e desenvolvimento de novos

produtos, novos esforços foram tomados para que a indústria nacional pudesse concorrer

internacionalmente.

Os novos adicionais seriam: “14% para 2000, 13% para 2001, 12% para 2002 e 11% para

2003, [...] e a medida estendida não seria aplicada contra importações dos PEDs” (BROGINI,

2004, p. 227).

Foi iniciada, em março de 2002, a revisão de metade do período de duração referente à

prorrogação da medida de salvaguarda. A SECEX concluiu que, apesar dos sinais de recuperação

da indústria nacional, a medida era ainda necessária para que o processo de recuperação fosse

continuado. Então, novo pedido de prorrogação foi formulado pela ABRINQ, com duração de um

ano, e adicional de 10% à TEC do MERCOSUL para 2004 (BROGINI, 2004 p. 228).

Dados do MDIC mostram os objetivos da indústria nacional de brinquedos, devido à

evolução ocorrida na mesma e sua importância para novos casos de aplicação de medidas de

salvaguardas. São os objetivos:

1. aumentar o índice de nacionalização dos projetos de brinquedos brasileiros através do desenvolvimento e consolidação do design nacional.; 2. aumentar o nível de competitividade da indústria brasileira de brinquedos, tanto para concorrer com a importação no mercado interno quanto para abrir espaços para exportação; 3. incrementar o esforço inovativo de produtos especialmente voltados para o atendimento do segmento popular.

Para que tais objetivos fossem alcançados, algumas linhas de ação foram tomadas, tais

como: criação e desenvolvimento do design do brinquedo nacional, buscando a redução da

dependência externa, introdução de tecnologia, criação de cursos técnicos de design de

brinquedos, melhoria da qualidade e produtividade do setor.

O restabelecimento da competitividade do setor se deu com a implementação do plano de

ajuste previsto no processo de salvaguarda. Assim sendo, nota-se na atualidade o nível de

desenvolvimento em que se encontra o setor de brinquedos brasileiro.

3.3.2 O caso do coco ralado

O Sindicato Nacional dos Produtores de Coco do Brasil pediu à SECEX que iniciasse

uma investigação para aplicação de medida de salvaguarda contra importação de coco ralado, a

qual teve início em 10 de agosto de 2001. A investigação de prejuízo grave à indústria nacional

considerou a mesma como sendo “‘o conjunto dos produtores dos bens similares’, uma vez que o

Sindicato representa 100% dos produtores de coco do Brasil” (BROGINI, 2004, p. 230).

O período no qual foi verificado aumento das importações que causou prejuízo grave à

indústria nacional e diminuição da participação da indústria nacional no mercado foi de

novembro de 1997 a outubro de 2000. Houve também, nesse período, queda nas vendas, nos

empregos, nos preços, entre outros. A investigação serviria para determinar a necessidade de

aplicação de medida de salvaguarda, bem como avaliar se o plano de ajuste apresentado pela

indústria nacional poderia ser aplicado. Porém, a SECEX, em análise preliminar, não viu

necessidade de aplicação de medidas de salvaguarda provisórias (BROGINI, 2004, p. 230).

No período analisado, a SECEX concluiu que houve queda nas vendas domésticas e

aumento das importações do produto, o que acarretou uma situação de deterioração da indústria

nacional. Por isso, “o Brasil decidiu aplicar medida de salvaguarda definitiva contra a importação

de coco. A medida foi tomada na forma de restrição quantitativa por um período de quatro anos, e

entrou em vigor em 1º de dezembro de 2002” (BROGINI, 2004, p. 231).

Dessa forma, a indústria doméstica tem um período de quatro anos, a partir de 2002, para

aumentar a produção, elevar a mão-de-obra, a área plantada e os estoques, entre outros, para que

possa recuperar mercado e competir também no mercado externo, uma vez que os produtos

agrícolas do Brasil tropical são prestigiados internacionalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou descrever a relação entre comércio internacional e

protecionismo, passando por períodos históricos importantes na economia até chegar a atual

liberalização do comércio.

Para tal, no primeiro capítulo, foi analisada historicamente o processo de formação do

sistema multilateral do comércio, no âmbito internacional, desde as primeiras trocas comerciais

entre as sociedades. Deu-se destaque à Europa, principalmente à Inglaterra, por esta ser a

potência hegemônica da época citada. Também foi importante analisar a situação econômica do

Brasil, sobretudo da metade do século XX em diante, devido ao seu tardio desenvolvimento.

Feito isso, passou-se às regras que ditaram o comércio internacional desde 1947 com a entrada

em vigor do GATT. Este Acordo estabeleceu, além de princípios e regras, rodadas de

negociações multilaterais que almejavam, sobretudo, a redução tarifária. Ficou claro que a mais

importante foi a Rodada Uruguai, que culminou na criação da OMC em 1995. A OMC tornou-se,

a partir daí, o foro de negociações comerciais entre seus Membros objetivando a redução das

barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional. Esse ponto foi também analisado, já

que, atualmente, as barreiras tarifárias são muito utilizadas pelos países como forma de

protecionismo. As barreiras externas ao comércio internacional do Brasil vistas foram os

subsídios, as quotas, o dumping e as salvaguardas, com ênfase às últimas. Exemplificando as

dificuldades encontradas pelo Brasil em exportar seus produtos, foi ilustrado o comércio com

diferentes regiões do mundo: África do Sul, EUA, Japão e UE.

Foi possível verificar, no segundo capítulo do trabalho, a definição de salvaguardas para

diferentes autores. Feito isso, pôde-se passar ao histórico do surgimento das salvaguardas e do

Acordo sobre Salvaguardas no âmbito da OMC, retomando o Artigo 19 do GATT. Foi aprendido

que os EUA e o México foram os primeiros países a estabelecer cláusulas de salvaguardas no seu

Acordo de Concessão Tarifária de 1942. Levando em consideração os princípios citados no

segundo capítulo (prejuízo grave, ameaça de prejuízo grave, indústria nacional e princípio da não

seletividade), foi possível entender quando uma medida de salvaguarda pode ser estabelecida.

Logo, analisando os artigos do ASG, pôde-se verificar como o processo de investigação de

salvaguardas é iniciado, bem como as condições para aplicação, a duração das medidas e a

relação com os PEDs. Posteriormente, viu-se a aplicação das salvaguardas no Brasil.

O último capítulo procurou explicar o conceito de PED e a autodeterminação de cada país

em PED. O Brasil encontra-se nessa categoria. Posteriormente, tratou do desenvolvimento da

indústria nacional e da utilização de salvaguardas pelos PEDs. Para que a indústria nacional de

um PED se desenvolva, ficou claro que o governo tem papel fundamental: ele deve fornecer

políticas de incentivos, infra-estrutura e investimentos financeiros e em tecnologia, e a indústria

incorporar. Por último, foram analisados os dois casos em que o Brasil usou o artifício das

salvaguardas para auxiliar na recuperação de sua indústria nacional, que se sentiu prejudicada

pela importação de brinquedos e de coco ralado.

Portanto, tendo em vista o problema dessa pesquisa, pode-se considerar que ela é

verdadeira. As indústrias nacionais de brinquedos e de coco ralado usaram as medidas de

salvaguarda temporariamente, porém ainda em vigor, pois se sentiram prejudicadas – o que foi

comprovado após investigação pelos órgãos competentes – com o aumento da importação dos

produtos já citados. O uso das medidas de salvaguardas estimularam a indústria nacional a se

desenvolver e procurar atuar também no mercado externo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e a política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1998. BROGINI, Gilvan. Defesa comercial e protecionismo. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e o protecionismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 139-170. ________. OMC e a indústria nacional: as salvaguardas para o desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras, 2004. COSTA, Ligia Maura. Subsídios e salvaguardas. In: AMARAL JR., Alberto do (Coord.). OMC e o comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 61-81. CROOME, John. Reshaping the world trading system: a history of the Uruguay Round. Genebra: World Trade Organization, 1995. DI SENA JR., Roberto. Comércio internacional & globalização: a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2003. GILPIN, Robert. A economia política das relações internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. GONÇALVES, Reinaldo. O Brasil e o comércio internacional: transformações e perspectivas. São Paulo: Contexto, 2000. ________ et. al. A nova economia internacional: uma perspectiva brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. GOYOS JR., Durval de Noronha et. al. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. São Paulo: Observador Legal, 2003. GREMAUD, Amaury P. et. al. Economia brasileira contemporânea. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. GRIECO, Francisco de Assis. O Brasil e a nova economia global. São Paulo: Aduaneiras, 2001. INSTITUTO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO E NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS. Sobre comércio e negociações. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idpalavra=31&Integra=Sim>. Acesso em: 13.09.2004.

________. Glossário – Salvaguardas especiais. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idSubCategoria=12&idpalavra=227&Integra=Sim>. Acesso em: 01.12.04. ________. Glossário – Tarifa ad valorem. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idSubCategoria=12&idpalavra=143&Integra=Sim>. Acesso em: 01.12.04. ________. Glossário – Tarifa específica. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idSubCategoria=12&idpalavra=147&Integra=Sim>. Acesso em: 01.12.04. ________. Glossário – Tarifa composta. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idSubCategoria=12&idpalavra=145&Integra=Sim >. Acesso em: 01.12.04. ________. Glossário – Acordo sobre Têxteis e Vestuário. Disponível em: <http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=7&idSubCategoria=12&idpalavra=166&Integra=Sim >. Acesso em: 01.12.04. JACKSON, John H. The world trading system: law and policy of international economic relations. 2. ed. Cambridge: MIT Press, 1997. JOHANNPETER, Guilherme C. G. Antidumping: prática desleal no comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice; tradução de Celina Martins Ramalho Laranjeira. Economia internacional: teoria e política. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999. LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis: Vozes, 1995. MAYA, Jayme de Mariz. Economia internacional e o comércio exterior. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 1995. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Barreiras externas às exportações brasileiras: 1999. Brasília: CNI; Rio de Janeiro: FUNCEX, 1999. ________. Barreiras externas às exportações brasileiras para Estados Unidos, Japão e União Européia: 2001. Brasília: CNI, 2001. ________. Nova estratégia do sistema brasileiro de defesa comercial. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/decom/DecomNovaPolitica.pdf> Acesso em: 31.10.2004.

________. Relatório DECOM 2003. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/decom/relatorios/relatorio2003.pdf> Acesso em: 22.09.2004. ________. Publicações: brinquedos. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/publicacoes/sdp/acoSetAumComIndBrasileira/asac0517.pdf>. Acesso em: 22.09.2004. PINHEIRO, Silvia e GUEDES, Josefina. Salvaguardas no comércio internacional. In: CASELLA, Paulo B. e MERCADANTE, Araminta de A. (coord.). Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio?: a OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998, p. 330-339. SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983. SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, vol I. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. THORSTENSEN, Vera. OMC: as regras do comércio internacional e a rodada do milênio. São Paulo: Aduaneiras, 1999. WORLD TRADE ORGANIZATION. WT/MIN(96)/DEC: Declaração Ministerial de Cingapura. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min96_e/wtodec_e.htm>. Acesso em: 24.08.2004. ________. WT/MIN(98)/DEC: Declaração Ministerial de Genebra. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min98_e/mindec_e.htm>. Acesso em: 24.08.2004. ________. WT/MIN(99)/SR: Sumary Records. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/about_e/resum01_e.htm> Acesso em: 24.08.2004. ________. WT/MIN(01)/DEC: Declaração Ministerial de Doha. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm>. Acesso em: 24.08.2004. ________. WT/MIN(03)/DF: Draft Declaration. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min03_e/draft_decl_rev2_e.htm>. Acesso em: 24.08.2004. ________. Desenvolvimento: cooperação técnica e treinamento. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/teccop_e/tct_e.htm>. Acesso em: 15.10.2004.

________. O que é a OMC? Disponível em: <ttp://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/whatis_e.htm>. Acesso em: 15.10.2004.