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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI LIANA LUCHI WIETHORN O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO São José (SC) 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

LIANA LUCHI WIETHORN

O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

São José (SC) 2008

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UNIVARSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI

LIANA LUCHI WIETHORN O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito ao Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí – Campus de São José.

Orientador: Profª. Msc. Geyson José Gonçalves da Silva

São José (SC)

2008

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LIANA LUCHI WIETHORN O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, Campus de São José.

Esta Monografia, apresentada no Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí – Campus de São José, foi julgada adequada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Palhoça (SC), ___ de __________ de 2008.

____________________________________________ Profª. Msc. Geyson José Gonçalves da Silva

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI

____________________________________________ Prof. Msc. Luiza Cristina Valente Almeida Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI

____________________________________________ Prof. Msc. Elisabete Wayne Nogueira

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI

___________________________________________ Bel. Fernanda da Silva Lima

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Sergio e Laize, por todo amor e carinho, por todos os ensinamentos,

por terem me ensinado a viver, a sempre seguir em frente e nunca desistir.

Aos meus irmãos Leonel e Leandro por todo amor e amizade incondicionais.

Aos meus avós Edo e Vilma, Célio e Lidia por toda dedicação, apoio e incentivo.

Ao Anderson por todo amor, companheirismo, amizade, carinho, sempre me

ajudando e me dando força, em todas as horas.

Aos amigos que dividiram comigo todos os momentos felizes e tristes ao longo

desta caminhada.

Às minhas amigas Danielle, Gabrielle, Gisele, Kelly, Laila e Vanisa por toda amizade

e companheirismo.

E a todos que contribuíram para que eu chegasse aonde cheguei, e conquistasse

meus objetivos.

Obrigada!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me dado força nas horas mais difíceis.

Aos meus Pais por terem me dado o dom da vida.

Ao Anderson por estar sempre por perto.

Às amigas verdadeiras que conquistei e levarei pra sempre comigo.

Ao Professor Geyson por todo aprendizado.

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Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana - Das utopias

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RESUMO A sociedade atual se depara com diversas modificações, em especial, com relação à família, instituição que agrega pessoas de mesma descendência, que participam de suas atividades diárias em conjunto. Porém, tal relação, tratando-se de pais e filhos, pode, hoje, ter fim, já que nos últimos anos, tanto a sociedade, quanto o mundo jurídico admite a separação do casal, e a delimitação da divisão dos bens, assim como a responsabilidade de ter os filhos ao seu lado, utilizando-se, para isso, do instituto da guarda. Porém, com a evolução de tal tema, busca-se, cada vez mais, alcançar o interesse dos filhos que estão sob a tutela do pai, da mãe, ou de ambos, e, uma das modalidades mais discutidas é a da Guarda Compartilhada, objeto de estudo da presente pesquisa. O que se busca é, após enumeração das características do Poder Familiar e da Guarda, de modo geral, apresentar a compartilhação da guarda como instituto novo, que está sendo, somente agora, regulamentado pelo Congresso Nacional. Portanto, apesar de inúmeros países já terem, em seu corpo legislativo, disposições sobre a Guarda Compartilhada, em nosso país, ainda é nova essa compreensão positivada, sendo somente admitida em jurisprudência, e, de certo modo, em muitos Estados brasileiros. Buscar-se-á uma descrição deste instituto, apresentando sua história, alguns dos países que já o utilizam, e por fim sua conceituação e disposição na legislação brasileira, bem como suas conseqüências, quando determinada pelo magistrado responsável. Palavras chave: Poder Familiar, Guarda, Guarda Compartilhada.

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8 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9 1 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR ................................................. 11 1.1 CONCEITUAÇÃO ......................................................................................... 11 1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS ........................................................................... 13 1.3 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................. 16 1.4 DIREITOS E DEVERES DOS PAIS .............................................................. 18 1.5 ABRANGÊNCIA ............................................................................................ 22 1.6 CAUSAS DE SUSPENSÃO, DESTITUIÇÃO E EXTINÇÃO ........................ 23 2 GUARDA E PROTEÇÃO AO MENOR ............................................................ 30 2.1 CONCEITUAÇÃO DE GUARDA ... ................................................................ 30 2.2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA GUARDA .................................................. 31 2.3 CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DA GUARDA .................................... 38 2.3.1 Interesse do menor .................................................................................... 38 2.3.2 Idade e sexo e separação de irmãos ......................................................... 39 2.3.3 A opinião do menor .................................................................................... 40 2.3.4 Comportamento dos pais ........................................................................... 41 2.4 MODALIDADES DE GUARDA ...................................................................... 42 2.4.1 Guarda comum e desmembrada ................................................................ 42 2.4.2 Guarda originária e derivada ..................................................................... 43 2.4.3 Guarda provisória e definitiva ..................................................................... 44 2.4.4 Guarda consensual e litigiosa .................................................................... 44 2.4.5 Guarda Acessória e Assistencial ................................................................ 46 2.4.6 Guarda Excepcional-imprópria e guarda de lavor ...................................... 47 2.4.7 Guarda-abrigo ............................................................................................ 49 2.5 MODIFICAÇÃO DA GUARDA ... .................................................................... 51 3 GUARDA COMPARTILHADA ......................................................................... 55 3.1 NOÇÕES INICIAIS ........................................................................................ 59 3.2 A GUARDA COMPARTILHADA NO MUNDO ............................................... 62 3.3 A GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL ............................................... 63 3.4 ENTENDIMENTO S JURISPRUDENCIAIS CATARINENSES ...................... 64 3.5 ENTENDIMENTO S JURISPRUDENCIAIS DE OUTROS ESTADOS ........... 64 3.6 CONSEQÜÊNCIAS: VANTAGENS E DESVANTAGENS ............................. 65 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 68

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9 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa descrever a Guarda Compartilhada no Brasil,

apresentando seus pontos positivos e negativos.

A família é a instituição social mais antiga, visto que é dos descendentes

sanguíneos que as relações mais organizadas surgiram, tratando-se de tema

extremamente importante e passível de ser regulamentado pela legislação brasileira,

e resguardada dos atos que possam restringir ou prejudicar os membros de tal.

Quando há o rompimento do casal, ou seja, deixa de se haver a

convivência, por diversos motivos, desde a indisposição ou brigas constantes, até

desavenças advindas de traição, problemas financeiros, dentre outros, há a

necessidade de se promover a proteção e divisão não somente dos bens, mas em

especial dos herdeiros/filhos que derivaram de tal união.

Para tanto, houve a criação do instituto da Guarda, em formatos jurídicos

os mais variados, em muitos países, em especial no Brasil, visando resguardar os

direitos e obrigações dos pais perante a prole.

Uma das compreensões modernas, desta instituição, é o

compartilhamento da guarda entre os pais, visando sempre o melhor para o (s) filho

(s), ou seja, o interesse do menor, no intuito de que, mesmo sendo o casal

separado, tenham uma convivência mais harmoniosa entre si, trazendo, ao menor,

um desenvolvimento mais seguro, condigno com o crescimento cidadão necessário

a uma pessoa em formação intelectual e social.

Para isso, desenvolveu-se o trabalho de forma a se ter a compreensão da

extensão da guarda, ou seja, sua história, sua conceituação, suas modalidades,

revogação, dentre outros pormenores, até a guarda compartilhada.

No capítulo primeiro, são apresentados os conceitos do Poder Familiar,

como seus aspectos históricos, a derivação jurídica (ou seja, de onde provém, na

legislação, este instituto), os direitos e deveres dos pais, sua abrangência, causas de

suspensão, destituição e extinção.

O segundo capítulo, referente à guarda e proteção ao menor, além de

trazer o entendimento do que é a Guarda, também apresenta sua evolução histórica,

os critérios para sua determinação, suas modalidades, e, por fim, as possibilidades

de modificação.

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O último capítulo faz a descrição de forma mais aprofundada de uma das

modalidades de guarda, que é o objeto de estudo do presente trabalho: a

compartilhada. Após as compreensões finais, apresenta-se como tal instituto é

disposto juridicamente em outros países e no Brasil, apresentando entendimentos

jurisprudenciais do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e de outros Estados,

sendo tratado, por fim, as conseqüências da instituição da Guarda Compartilhada.

Para se tornar mais claro, escolheu-se, como objetivo geral, descrever o instituto da

Guarda Compartilhada, bem como seus pontos positivos e negativos; e, como

objetivos específicos a alcançar, a delineação das características do instituto do

Poder Familiar, a apresentação do instituto da Guarda, e a descrição do instituto da

Guarda Compartilhada e seus principais pontos positivos e negativos.

Este trabalho tem cunho exploratório, pois que serão utilizadas

referências bibliográficas para seu desenvolvimento. Serão empregadas técnicas de

análise bibliográfica e documental. A primeira foi escolhida pois se trata de extrema

importância a base através de obras de autores da área estudada e, quanto a

segunda, serão também considerados textos e estudos de pessoas ligadas à área

do Direito da Família. O método dedutivo será usado para, de uma forma mais

ampla, e histórica, descrever como se reconhece o instituto da guarda, e em

especial, da compartilhada, atualmente. Como método de procedimento empregar-

se-á o histórico, já que serão analisadas a história da Guarda até os dias atuais, e

monográfico visando analisar a posição atual dos autores sobre o tema. Os

subsídios necessários para a elaboração deste trabalho serão obtidos com

pesquisas em livros, teses, internet, jornais, e outros que são tidos por secundários.

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11 1 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR 1.1 CONCEITUAÇÃO

O Projeto do Código Civil atual, na versão original, “vinha mantida a

expressão pátrio poder, nos mesmos termos do texto de 1916. entretanto, acolhendo

a idéia de Miguel Reale, foi proposta pelo Senado Federal nos termos da Resolução

01/2000, no voto do relator, o Deputado Ricardo Fiúza, a alteração para poder

familiar”. 1

O Código Civil atual, utiliza-se da expressão “poder familiar”, diferente da

denominação anterior, que era “pátrio poder”, na qual insistia no conceito de que

havia o predomínio masculino no casamento e nas decisões familiares. A expressão

presente se encaixa de melhor forma com a atualidade nacional, obedecendo os

desejos expressos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1998;

concretizando a abolição da concepção de que o homem é o ordenador do casal,

prevalecendo na ótica jurídica a igualdade entre ambos os consortes. Porém,

atualmente, a expressão poder familiar designa mais do que uma gama de

privilégios paternos e maternos, mas também muitos deveres com relação ä criação

e sustento da prole. 2

Modernamente, não se obser vam concepções contrapostas nas legislações. O que existe é uma uniforme concepção filhocentrista, que desloca o seu fulcro da pessoa dos pais para a pessoa dos filhos, não mais como objeto de direito daqueles, mas ele próprio (o menor) é um sujeito de direitos e, consequentemente, com direito, dentre outros, ao seu integral desenvolvimento, à filiação, ao respeito, à diferença, a ser ouvido, à intimidade, à vida (art. 15 do ECA), enfim. 3

A denominação pátrio poder “era denotadora da prevalência do cônjuge

varão sobre a pessoa dos filhos, reconhecendo-se, então, a necessidade de

substituição para que dúvida não houvesse sobre a posição da mulher na direção da

sociedade conjugal, exercida por ambos, em colaboração, sempre no interesse do

casal e dos filhos. E isso com fundamento na Constituição Federal, que estabelece

que ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’, o que, segundo o

relator, amplia a procedência da crítica formulada na justificação da emenda ao 1 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 53. 2 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito de Família e Sucessões. 1ª Ed. São Paulo:Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 65. 3 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 27-28.

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12 emprego da expressão pátrio poder. Se antes a expressão já era condenável,

observou o deputado, agora é insustentável, pois diante da posição legal da

igualdade entre o homem e a mulher, na sociedade conjugal, não se deve manter

designação que, tradicionalmente, indique superioridade do pai”. 4

Então, este poder da família, ou melhor, do pai e da mãe, pode ser

compreendido como “o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante à

pessoa e bens dos filhos menores. Por natureza, é indelegável. Debaixo de seu

manto protetor, colocam-se todos os filhos menores, sem exceção,

independentemente da origem da filiação. Assim dispõe o art. 1.630 5 do Código Civil

de 2002”. 6 O poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes. O fato de a lei impor deveres aos pais, com o fim de proteger os filhos, realça o caráter de múnus público do poder familiar. E o torna irrenunciável. 7

Pode-se dizer que o poder familiar é “o complexo de direitos e deveres

concernentes ao pai e à mãe, fundado no direito natural, confirmado pelo direito

positivo e direcionado ao interesse da família e do filho menor não emancipado, que

incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para mantê-lo,

proteger e educar”. 8

Por fim, para expressar outro conceito, elucidando tal ponto de forma mais

aprofundada, “o poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e

obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em

igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os

encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção

do filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e

bens de filho menor não emancipado”. 9

4 COMEL, 2003, p. 53-54. 5 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. 6 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 37ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 348. 7 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 356. 8 NETO, José Antonio de Paula Santos. Do pátrio poder. São Paulo, RT, 1994, p. 55. 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 22ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2007, p. 515.

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13 1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS

O outrora denominado pátrio poder é uma das concepções mais antigas

do Direito, presente desde o início da história da civilização humana. Sua

procedência é tão longínqua “que transcendem às fronteiras das culturas mais

conhecidas e se encontram na aurora da humanidade mesma. A doutrina, em geral

e de modo amplo, toma o Direito romano como ponto de partida para o seu estudo

evolutivo. [...] sem dúvida, as características especiais da instituição romana vieram

a ser a sua base nas legislações modernas, embora os antecedentes germânicos

encantassem por sua simplicidade”. 10

Nessa época, “a figura do pátrio poder, concebido, num primeiro

momento, com a absoluta fereza romana com que fora transplantado para Portugal,

posto que compreendido como um poder do pater famílias que durava toda a

existência, e somente com relação aos filhos legítimos e legitimados, conforme

disciplinavam as Ordenações Filipinas”. 11

Se comparar-se o pátrio poder como era utilizado em Roma, em seus

primórdios, verificar-se-á intensa e profunda alteração com o atual poder familiar, já

que decorrem de origens diversas, pois, no primeiro, advém da supremacia

masculina, e o segundo da igualdade encontrada na Constituição brasileira. Muitos

autores arriscam a afirmar que “a idéia que se tem é a de que o tempo provocou

uma evolução tão radical em seu conceito que afetou a própria natureza do poder

paternal”. 12

O poder familiar, então chamado de pátrio poder, foi instituto perfeitamente organizado em Roma. Primitivamente, no direito romano, a patria potestas visava tão somente ao exclusivo interesse do chefe da família. Nos primeiros tempos, os poderes que se enfeixavam na autoridade do pai, tanto os de ordem pessoal como os de ordem patrimonial, caracterizavam-se pela sua larga extensão. No terreno pessoa, o pai dispunha originariamente do enérgico jus vitae et necis, o direito de expor o filho ou de matá-lo, o de transferi-lo a outrem in causa mancipi e o de entregá-lo como indenização noxae deditio. No terreno patrimonial, o filho, como escravo, nada possuía de próprio. Todo quanto adquiria, adquiria para o pai, princípio que só não era verdadeiro em relação às dívidas. 13

Na forma como é introduzido no ordenamento jurídico romano, o pátrio

poder “tem um fundamento político e religioso que lhe explica os aparentes

10 GRISARD FILHO, 2000, p. 28. 11 COMEL, 2003, p. 23-24. 12 RODRIGUES, 2004, p. 353. 13 MONTEIRO, 2004, p. 346.

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14 exageros. O pater é não só o sacerdote do culto familiar, como o chefe de um

pequeno agrupamento humano, a família, que constitui a célula em que se baseia

toda a organização política do Estado. Através de sua autoridade se estabelece a

disciplina e assim se consolida a vida dentro do lar e, por conseguinte, dentro da

sociedade”. 14

É durante a Idade Média, após uma desordem nas concepções da

instituição familiar, pois não se compreendia a influência do pátrio poder, que houve

a cisão em diversos países, sendo que muitos apoiaram a concepção,

especialmente nos “países de direito escrito” a concepção de Roma, e nos países

que possuíam direito costumeiro, prevaleceu o sistema do pátrio poder germânico,

incentivando a busca maior pelos interesses filiais do que paternais. 15

Neste tempo

[...] se encontra o conflito entre, de um lado, a orientação romana, prevalecente nos países de direito escrito e manifestada na forma da legislação justinianéia; e, de outro, a orientação germânica, vigente nos países de direito costumeiro, esta muito mais branda que aquela e inspirada mais no interesse do filho que no do pai. O Código francês seguiu este último caminho, em que são diminutos os poderes do pai, em face dos seus deveres. 16

A grande influência do cristianismo, que delimitava os costumes e regras

em muitos locais no mundo, desenvolveu uma espécie de simbiose dos sistemas

romano e germânico, alçando os pais aos maiores responsáveis pela defesa,

sustento, e educação física, social e cultural, assim como a moral e religiosa de seus

filhos. 17

Após algum tempo, “restringiram-se os poderes outorgados ao chefe de

família. Assim, sob o aspecto pessoal reduziu-se o absolutismo opressivo dos pais a

simples direito de correção. Ao tempo de Justiniano 18, o jus vitae et necis, o direito

de expor e o jus noxae dandi não passavam de meras recordações históricas”. 19

A feição romana do pátrio poder, como manifestada por Justiniano, encontrou guarida nas Ordenações do Reino e, assim, foi trasladada para o Brasil pela lei de 20 de outubro de 1823. [...] O Código Civil promulgado em 1916, acompanhou a linha do Direito lusitano, passando por sensíveis transformações, provocadas por diversos movimentos, que consagraram os ideais de igualdade entre os cônjuges, entre os filhos, bem como entre estes e os pais. O quadro legislativo logo absorveu as mudanças, confiando

14 RODRIGUES, 2004, p. 353-354. 15 GRISARD FILHO, 2000, p. 29. 16 RODRIGUES, 2004, p. 355. 17 GRISARD FILHO, 2000, p. 30. 18 Imperador Romano do Oriente que viveu entre 527 e 565 A.C. 19 MONTEIRO, p. 2004, p. 346.

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15

a ambos os pais a regência da pessoa dos filhos menores e no interesse desses. 20

Atualmente, com relação ao poder familiar, encontrado em nosso

ordenamento, a igualdade entre pai e mãe no exercício do poder familiar, princípio

constitucional inscrito nos arts. 5°, I, e 226, § 5° da Constituição Federal, foi adotado

no Código Civil de 2002, em seu art. 1.631. “Cumpre ressaltar ainda a fiscalização

complementar exercida pelo Poder Público. Sem perder de vista que a missão

confiada aos genitores se reveste de importância sócia, o Poder Público vigia,

corrige, completa e algumas vezes supre a atuação daquele que exercita o poder

familiar. Por outras palavras, o poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da

família, não em proveito dos genitores. Eis a paternidade responsável (CF, art. 226,

§ 7°)”. 21

A igualdade de todos perante a lei é garantida pela CF, projetando-se também no plano do Direito Processual Civil, onde significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento igualitário (CPC 125 I). Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Igualdade no sentido de garantia constitucional fundamental quer significar isonomia real, substancial e não meramente formal. 22

Por fim, o atual Código Civil brasileiro afirma que essa concepção jurídica

de poder familiar, preocupou-se imensamente “em retirar da expressão a palavra

‘pátrio’, por relacioná-la impropriamente ao pai (quando recentemente já lhe foi

atribuído aos pais e não exclusivamente ao genitor), do que cuidar para incluir na

identificação o seu real conteúdo, que, antes de poder, como visto, representa uma

obrigação dos pais, e não da família, como sugere o nome proposto”. 23

Por apreço às questões técnicas do Código Civil, a expressão Poder

Familiar será utilizada no decorrer do trabalho, mesmo após a inscrição desta

contrariedade acima.

1.3 NATUREZA JURÍDICA

Inicialmente é necessário se considerar “que quem dá a vida ao filho são

os pais, por ato de vontade e de responsabilidade únicos e exclusivos, numa ordem

20 GRISARD FILHO, 2000, p. 30-31. 21 MONTEIRO, 2004, p. 347. 22 NERY JUNIOR, Nelson. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 128. 23 RODRIGUES, 2004, p. 355.

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16 que se segue por força necessária e imperativa da natureza. Além do que, a

condição natural inevitável do filho é a dependência, situação essa que inicialmente

é absoluta, praticamente de vida ou morte, diminuindo progressivamente com o

passar do tempo até chegar à maturidade. Assim, o certo é que não há como

dissociar do fato da procriação humana o subseqüente cuidado com a prole, que

surge como correlato necessário da paternidade”. 24

Atualmente o direito desenvolveu “legislação especial de proteção às

crianças e adolescentes, reconhecidos como sujeitos de direitos e obrigações,

donde já não há falar em poder sobre eles, e sim em deveres com relação a eles,

ainda que reconhecida uma autoridade para o repisado fim”. 25

A natureza jurídica do poder familiar causa controvérsia e “está longe de

constituir mera disputa teórica, mas a adoção de uma ou outra posição torna-se

relevante para compreender o seu alcance. A natureza jurídica do pátrio poder tem

enfoque diverso quando é visto em face do Estado e terceiros e nas relações pai-

filho. Em relação ao Estado e a terceiros, o pátrio poder é atribuído aos pais como

um encargo (representação, administração dos bens, guarda), um officium,

supervisionado pelo Estado, a fim de que, no seu exercício, sejam evitados abusos.

Mas, nas relações pai-filho, sob outro enfoque, o pátrio poder é um conjunto

incindível de poderes-deveres, que deve ser altruisticamente exercido pelos pais no

interesse dos filhos, à vista de seu integral desenvolvimento, até que se bastem a si

mesmos”. 26

No Direito brasileiro:

Debaixo de seu manto protetor, colocam-se todos os filhos menores, sem exceção, independentemente da origem da filiação. Assim dispõe o art. 1.630 do Código Civil de 2002; art. 379 do Códi go Civil de 1916 dispunha do mesmo modo [...] ficará sob o poder familiar de quem o reconheceu; e, se ambos o reconheceram, terão este poder, em igualdade de condições, o pai e a mãe (Cód. Civil de 2002, art. 1.633) [...] 27

O poder familiar sobre o filho menor é exercido por ambos os pais, em

estrito respeito à igualdade dos dois, de acordo com o art. 1.631 do Código Civil de

2002. Se houver desacordo, mas não se tratando de “questão personalíssima”, é

possível levar tal disputa ao poder judiciário para se encontrar solução, a despeito

do art. 1.513 e 1.631, parágrafo único do Código Civil atual. “Na falta ou

24 COMEL, 2003, p. 60. 25 COMEL, 2003, p. 61. 26 GRISARD FILHO, 2000, p. 34. 27 MONTEIRO, 2004, p. 348.

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17 impedimento de um dos genitores, o outro exercerá o poder familiar com

exclusividade (Código Civil de 2002, art. 1.631). por outras palavras, nenhuma

distinção ou preferência existe entre os genitores no exercício do poder familiar,

cabendo a eles, em igualdade de condições, os respectivos direitos e deveres”. 28

O Novo Código Civil, atento à igualdade entre os cônjuges, atribui o poder familiar durante o casamento (ou na constância da união estável) a ambos os pais, só assumindo um com exclusividade na falta ou impedimento do outro. E nesse exercício conjunto, divergindo os pais, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo (art. 1.631). Harmônica a previsão com a regra estabelecida no art. 21 da Lei n 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Aliás, [...] a decisão autorizando o casamento de filho menor deverá ser resultante de um consenso entre os pais, preservado o encaminhamento ao Judiciário caso haja conflito entre eles (CC, art. 1.517). 29

Existem pais que não possuem o hábito da responsabilidade com relação

aos filhos, “descuidando-se de suas obrigações e até mesmo contribuindo, com a

própria vida que levam, para que os filhos tomem caminhos perniciosos à sua

formação. [...] o ideal para o menor é ser criado no seio de sua família natural, ainda

que a família seja pobre, carente de recursos materiais. Só em casos excepcionais,

mormente de abandono, é que o menor deve ser colocado em família substituta,

assegurando-lhe, no entanto, um ambiente sadio, ainda que modesto”. 30

Quando se tratar de dissolução de união estável ou de separação judicial

ou divórcio, os deveres e direitos dos pais com relação aos filhos não são

modificados, resguardando-se o direito de visitas e companhia entre os dois lados

(paternal e filial), pois é necessário respeitar o art. 1.632 do Código Civil. “O filho não

oriundo de casamento, não reconhecido pelo pai, fica sob o exclusivo poder

materno. Se, porém, a mãe não for conhecida, ou capaz de exercer o poder familiar,

dar-se-á tutor ao menor, podendo também ocorrer a sua adoção. Se ambos o

reconheceram, ficará sob o poder do pai e da mãe (Código Civil de 2002, art.

1.633)”. 31

Preserva-se o exercício conjunto do poder familiar, mesmo no caso de

dissolução da união matrimonial ou de união estável, como já era feito, “limitando

28 MONTEIRO, 2004, p. 349. 29 RODRIGUES, 2004, p. 357. 30 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado: L ei 8.069, de 13 de julho de 1990. 4 Ed. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 34-35. 31 MONTEIRO, 2004, p. 349-350.

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18 apenas o direito de um dos pais de ter os filhos em sua companhia, ressalvada a

fixação de visitas (CC, art. 1.632[...])”. 32

1.4 DIREITOS E DEVERES DOS PAIS

É correlacionado com a proteção e direção, o poder que o pai e a mãe

possuem com relação à prole. “O poder familiar é conceituado, cada vez mais, como

um poder educativo de caráter social. Assiste, pois, aos genitores o encargo de velar

pela formação dos filhos, a fim de torná-los úteis a si, à família e à sociedade”. 33

Compete aos pais quando à pessoa dos filhos menores (CC, art. 1.634):

Dirigir-lhes a criação e educação [...], provendo-os de meios materiais para sua subsistência e instrução de acordo com seus recursos e sua posição social, preparando-os para a vida, tornando-os úteis à sociedade, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Cabe-lhe ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-os e dando-lhes uma formação religiosa. Cumpre-lhes capacitar a prole física, moral, espiritual, intelectual e socialmente em condições de liberdade e de dignidade (ECA, arts. 1, 3, 4 e 15). A norma jurídica prescreve que compete aos pais dirigir a criação e educação dos filhos, respeitando seus direitos da personalidade, garantindo sua dignidade como seres humanos em desenvolvimento físico-psíquico, mas nada dispõe sobre o modo como devem criá-los e muito menos como devem executar os encargos parentais. 34

O art. 1 da Lei 8.069/90 dispõe sobre a “proteção de maneira integral às

crianças e adolescentes; sendo estes, de acordo com o artigo 2, os sujeitos até 12

anos considerados crianças, e entre doze e 18, entendidos como adolescentes.

Porém, para casos excepcionais encontrados na legislação, este Estatuto pode ser

aplicado para pessoas entre 18 e 21 anos”. 35

De acordo com o art. 3° do Estatuto da Criança e do Adolescente:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, assegurando-se-lhes, por lei ou por meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. [...] tais como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, garantidos pela Constituição Federal e repetidos pelo Estatuto.36

32 RODRIGUES, 2004, p. 357. 33 MONTEIRO, 2004, p. 350. 34 DINIZ, 2007, p. 519. 35 NOGUEIRA, 1998, p. 2-11. 36 NOGUEIRA, 1998, P. 13.

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19

Há sanções civis e criminais para quem infringir os ditames inscritos

acima; no art. 1.638, II, do Código Civil, “o abandono do filho induz inibição do poder

familiar [...] Do ponto de vista criminal, as sanções acham-se cominadas nos arts.

244 e 246 37 do Código Penal, que reprimem os delitos de abandono material e

intelectual de menores”. 38

O art. 229 da Constituição Federal 39 “dispõe que os pais têm o dever de

assistir, criar e educar os filhos menores; e o Estatuto da Criança e do Adolescente,

por sua vez, obriga os pais a matricular seus filhos na rede regular de ensino (art.

55)”. 40 41

A educação é um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, devendo ser assegurado pelo Poder Público, encarregado de fornecer as condições necessárias para a sua efetivação. A Constituição vigente procura disciplinar a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 42

Observa-se que aos pais cabe o “dever-direito de terem os filhos em sua

companhia e guarda. Tal dever-direito cabe tanto ao pai como à mãe; se estes se

encontram separados de fato, nenhuma preferência existe para a mulher ou o

homem de reclamá-los para si. Nessa matéria os direitos são rigorosamente iguais,

prevalecendo o princípio de proteção do bem-estar dos filhos, sem qualquer apego

aos interesses dos genitores. Os filhos, portanto, podem ser confiados à guarda da

mãe ou do pai, devendo o juiz apurar qual deles tem as melhores condições para

37 Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente infermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. [...] Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. 38 MONTEIRO, 2004, p. 350-351. 39 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os f ilhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 40 Art. 55. Os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. 41 RODRIGUES, 2004, p. 361. 42 NOGUEIRA, 1998, p. 87.

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20 exercê-la, nos planos moral, educacional e afetivo, levando, ainda, em consideração,

a afinidade existente entre o genitor e o menor”. 43

Tê-los em sua companhia e guarda, pois esse direito de guarda é, concomitantemente, um poder-dever dos titulares do poder familiar. Dever porque aos pais, a quem cabe criar, incumbe guardar. Constitui um direito, ou melhor, um poder porque os pais podem reter os filhos no lar, conservando-os junto a si, regendo seu comportamento em relações com terceiros, proibindo sua convivência com certas pessoas ou sua freqüência a determinados lugares, por julgar inconveniente aos interesses dos menores. 44

Se houver a separação dos pais, este direito pode sofrer modificações,

deixando de ser amplo, “sem, contudo, retirar daquele que não detiver a companhia

do filho o direito de visitas freqüentes. A mesma solução se aplica à guarda dos

filhos havidos fora do casamento”. 45

Aos pais é posto a possibilidade de concessão ou negativa com relação

ao consentimento do casamento dos filhos, quando menores, obedecendo ao que

está disposto no art. 1.517 e seguintes do Código Civil de 2002, “acrescentando que

o consentimento não pode ser deferido em termos gerais, mas deve ser específico,

isto é, para contrair casamento com determinada pessoa”. 46 Essa possibilidade

adjudicada aos pais, “ao contrário do que se dá em outros sistemas legislativos, em

que é absoluta, não tem, no direito brasileiro, uma importância transcendental,

porque o consentimento paterno pode ser suprido judicialmente”. 47

É direito dos pais a nomeação de tutor aos filhos, utilizando-se, para isso,

de testamento ou documento devidamente autenticado, se o outro (pai ou mãe) não

mais viver, ou, se vivo, não conseguir expressar o poder familiar. “Esse dispositivo

acha-se reproduzido no art. 1.729 do Código Civil de 2002 e justifica-se plenamente

ante a consideração de que ninguém melhor que os próprios pais saberá escolher a

pessoa a quem confiar a tutela do filho menor”. 48

Esse é o campo da tutela testamentária. Ela só se justifica se o outro cônjuge, que também é titular do poder familiar, for morto ou não puder, por alguma incapacidade, exercitar o poder paternal, pois não pode um dos cônjuges privar o outro de um direito que a lei lhe confere. 49

43 MONTEIRO, 2004, p. 351. 44 DINIZ, 2007, p. 520. 45 RODRIGUES, 2004, p. 361. 46 MONTEIRO, 2004, p. 352. 47 RODRIGUES, p. 361. 48 MONTEIRO, 2004, p. 352. 49 RODRIGUES, 2004, p. 361.

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A constituição da “atribuição legal dos pais representar os filhos menores

nos atos da vida civil, se de idade inferior a dezesseis anos, e assisti-los, tão

somente, se eles têm mais de dezesseis e menos de dezoito anos, de acordo com o

art. 1.690 do Código Civil de 2002. Se houver representação, a procuração poderá

seguir a forma de instrumento particular; no entanto, se for caso de assistência, a

procuração deverá ser lavrada por instrumento público, já que é exigida maior

segurança no ato de que participa expressamente o menor”. 50

Trata o dispositivo da representação e assistência dos genitores em relação aos filhos menores, para a prática dos atos da vida civil. Até os 16 anos de idade são os filhos representados. São assistidos até completarem a maioridade, aos 18 anos, ou serem emancipados. Os pais têm o poder sobre a pessoa e bens dos filhos menores. Cabe aos pais exercer o poder familiar e, na falta, impedimento ou incapacidade de qualquer dos genitores, o outro passará a exercê-lo, com exclusividade. 51

Por fim, os pais devem garantir aos filhos ambiente saudável em que

possam crescer dentro de princípios morais para adequada formação, longe da

presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes, obedecendo ao

art. 19 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 53

1.5 ABRANGÊNCIA

Independentemente da natureza da filiação, os filhos menores se sujeitam

ao poder familiar, conforme o art. 1.630 do Código Civil; portanto, precisam esperar

até 18 (dezoito) anos para deixar de ser tutelados. Tratando-se de filhos nascidos

fora do casamento, “só estarão os que forem legalmente reconhecidos, pois como

para aqueles filhos só o reconhecimento estabelece, juridicamente, o parentesco, é

óbvio que sem aquele não se pode falar em pátrio poder”. 54

A hipótese-padrão é a da família na qual o pai e a mãe estão vivos e unidos pelo enlace matrimonial ou pela união estável, sendo ambos plenamente

50 MONTEIRO, 2004, p. 353. 51 NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO. Coordenador Ricardo Fiúza. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 1.498. 52 Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. 53 MONTEIRO, 2004, p. 353. 54 RODRIGUES, 2004, p. 359.

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capazes. Nesta circunstância o poder familiar é simultâneo, o exercício é de ambos os cônjuges ou conviventes; havendo divergência entre eles, qualquer deles tem o direito de recorrer ao juiz, para a solução do problema, evitando-se que a decisão seja inexorável. 55

Em uma relação juridicamente normal, na qual o casal é realmente

casado, pode-se encontrar situações anormais com relação ao poder familiar, como:

“a) quando os cônjuges estiverem vivos e bem casados, porém o poder familiar será

exercido só pela mãe se o pai estiver impedido de exercê-lo por ter sido suspenso

ou destituído do múnus público ou por não poder, devido a força maior

(superveniência de incapacidade mental, p. ex.), manifestar sua vontade; b) os

consortes estiverem separados judicialmente ou divorciados, ou os conviventes

tiverem rompido a união estável: pois embora a separação judicial, o divórcio ou a

dissolução da união estável não alterem as relações entre pais e filhos senão quanto

ao direito que os primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos (CC, art.

1.632), o exercício do poder familiar pode ser alterado pela atribuição do direito de

guarda a um deles, ficando o outro com o de visitar a prole, e nada obsta que se

decida pela guarda compartilhada, caso em que o exercício do poder familiar

competirá ao casal parental, visto que o casal conjugal deixou de existir; c) o vínculo

conjugal se dissolve pela morte de um dos cônjuges, caso em que o poder familiar

competirá ao consorte sobrevivente”.56

Tratando-se de pais não casados formalmente, “o filho for reconhecido

pelos dois genitores, simultânea ou sucessivamente, estabelecendo, assim, o

parentesco, ficará sujeito ao exercício do poder familiar de um deles, se não viverem

em união estável, tendo o outro o direito de visita, a não ser que, no interesse dele, o

juiz decida de modo contrário; ou o filho for reconhecido apenas por um dos pais,

sujeitar-se-á ao poder familiar de quem o reconheceu. Com relação à família civil

sócio-afetiva quando o filho adotivo for adotado pelo casal, como se equipara ao

filho matrimonial, aos pais adotivos competirá o exercício do poder familiar; mas se o

filho adotivo for adotado só pelo marido ou só pela mulher, àquele que adotou, e

somente a este, caberá o exercício exclusivo do poder familiar”. 57

Tendo o filho alcançado a maioridade, porém, permanecendo incapaz por

algum motivo, “o instituto jurídico a preservar os interesses dessa pessoa será a

curatela. A seu turno, falecidos ou desconhecidos ambos os genitores, a proteção do

55 DINIZ, 2007, p. 516. 56 DINIZ, 2007, p. 517. 57 DINIZ, 2007, p. 518.

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23 menor se faz por meio da tutela”. 58 Tratando-se de filho advindo “de inseminação

artificial heteróloga, consentida pelo marido de sua mãe, há paternidade sócio-

afetiva, mas forma família matrimonial; o poder familiar será de ambos, visto que há

vontades procriacional e presunção de filiação matrimonial” de acordo com o art.

1.597, V do Código Civil. 59

1.6 CAUSAS DE SUSPENSÃO, DESTITUIÇÃO E EXTINÇÃO

O instituto do pátrio poder tem correlação direta com a proteção da prole

com idade considerada, pelo ordenamento jurídico, menor, de incapacidade civil e

penal, “que investe os pais em um complexo de direitos e deveres em relação aos

filhos menores. Trata-se de um múnus público 60, razão pela qual o Estado está

legitimado a entrar no recesso da família, a fim de defender os menores que aí

vivem. E o faz fiscalizando a atuação dos pais, por não ser o” poder familiar

“absoluto nem inatingível, com o propósito de evitar abusos”. 61

Tratando-se de múnus público, é o interesse dos filhos menores e não

emancipados que o poder familiar precisa ser direcionado, “o Estado controlá-lo,

prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado a privar o

genitor de seu exercício temporariamente, por prejudicar o filho com seu

comportamento, hipótese em que se tem a suspensão do poder familiar, sendo

nomeado curador especial ao menor no curso da ação”. 62

O poder familiar, encarado como desempenho dos pais na criação e

educação dos filhos, “estabelecido por força de lei predominantemente no interesse

e para a proteção da prole, deve durar toda a menoridade, ininterruptamente, não

sendo suscetível de qualquer forma de renúncia voluntária. Instituído em favor dos

filhos, não podem os pais dele abrir mão em função de suas conveniências, ainda

que fundamentado em bons e justos motivos. Aliás, já se disse que é função

irrenunciável, inalienável e indelegável. Entretanto, porque impregnado de

elementos de ordem pública, não é absoluto ou inatingível, sujeitando-se à

fiscalização e controle do Estado, nos termos da lei. Assim, sempre que se constatar

58 RODRIGUES, 2004, p. 359-360. 59 DINIZ, 2007, p. 518. 60 “[...] o que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem social”. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio eletrônico. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 3.0 61 GRISARD FILHO, 2000, p. 41-42. 62 DINIZ, 2007, p. 525.

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24 a existência de fato ou circunstância que denote ser incompatível o exercício por

qualquer dos pais, configura-se a possibilidade de suspensão ou modificação, ou,

ainda, de perda do poder”. 63

O art. 1.637 do Código Civil, “estabelece os seguintes casos de

suspensão do poder familiar: a) se o pai ou mãe abusar de sua autoridade, faltando

aos deveres a eles inerentes, ou arruinando os bens dos filhos; b) se o pai ou mãe

forem condenados por sentença irrecorrível, em crime cuja pena exceda a dois anos

de prisão”. 64

A suspensão “do poder familiar dizem respeito a restrições no exercício

da função paterna que podem referir-se à sua totalidade, esvaziando, relativamente

a qualquer dos pais, ou a ambos, todo o conteúdo de poderes e deveres que tenham

com relação ao filho, como também parte dele, atingindo certas e determinadas

faculdades, sempre em consideração às circunstâncias particulares da relação com

o filho e aos motivos que levaram a assim proceder”. 65

Na suspensão, o exercício do poder familiar é privado, por tempo determinado, de todos os seus atributos ou somente de parte deles, referindo-se a um dos f ilhos ou a alguns. P. ex., poderá o juiz privar o pai da administração do patrimônio do filho, se lhe está arruinando os bens, restaurando-se-os com a expiração do prazo. Deveras, desaparecendo a causa que deu origem à suspensão, o pai poderá retornar ao exercício do poder familiar. 66

O art. 24 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta, ainda, “a

possibilidade de ser aplicada a pena de suspensão do poder familiar também na

hipótese de descumprimento injustificado pelos pais de determinações judiciais”. 68

A perda e a suspensão do pátrio poder só deverão ser decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos em lei, procurando-se manter os filhos, sempre que possível, em companhia dos próprios pais, que são, em regra, os maiores interessados na sua criação e formação. A jurisprudência tem reconhecido ser inadmissível o procedimento de ofício pelo juiz para fins de perda ou suspensão do pátrio poder, como já decidiu a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, sob o argumento de ser imprescindível a figura do contraditório [...] 69

63 COMEL, 2003, p. 262. 64 RODRIGUES, p. 370. 65 COMEL, 2003, p. 262. 66 DINIZ, 2007, p. 525-526. 67 Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. 68 RODRIGUES, 2004, p. 370. 69 NOGUEIRA, 1998, p. 36.

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A suspensão é causa negativa menor que a destituição, sendo que esta

decorre de sentença judicial, de acordo com o art. 148, parágrafo único, alínea b, do

Estatuto da Criança e do Adolescente, já que o magistrado, convencido de que

houve a ocorrência de uma das causas inscritas no art. 1.635 do Código Civil, pode

declarar tal medida não somente com relação a um filho, mas surtindo efeito sobre

todos. “A ação judicial, com esse fim, é promovida pelo outro cônjuge; por um

parente do menor, por ele mesmo, se púbere; pela pessoa a quem se confiou sua

guarda ou pelo Ministério Público. A perda do poder familiar, em regra, é

permanente [...], embora o seu exercício possa ser, excepcionalmente,

restabelecido, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que

a determinou, mediante processo judicial de caráter contencioso”. 70

Por fim, ressalta-se que qualquer das hipóteses de modificação ou

suspensão do poder familiar atinge apenas o exercício, não operando efeitos sobre

a titularidade em si da função paterna, que permanece intacta. Não tem, portanto,

conseqüências tão drásticas e duradouras como a perda do poder familiar, embora

nela também se reconheça que o proceder do pai foi abusivo. 71

[...] sob a denominação de destituição, perdem os pais o pátrio poder em relação aos filhos, por castigarem-nos imoderadamente, deixando-os em abandono ou que tenham praticado atos contrários à moral e aos bons costumes. É pena civil mais grave, então, podendo atingir a somente um dos pais. Sendo imperativa, abrange toda a prole. A privação do pátrio poder não implica na liberação da obrigação alimentar, o que é natural, pois [...] essa obrigação não surge do pátrio poder, mas do vínculo do parentesco. 72

Com relação à destituição, de acordo com o art. 1.638 do Código Civil

vigente, perderá, por ato judicial, o poder familiar, o pai ou a mãe que: “I – castigar

imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários

à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no

artigo antecedente”. 73

[...] será destituído do poder familiar, por ato judicial, o pai ou a mãe que: 1) Castigar imoderadamente o filho, pois, a esse respeito, permite-se que o juiz decrete a perda do poder familiar ao pai ou a mãe que der causa a situação irregular do menor, por torná-lo vítima de maus-tratos [...], de tentativa de homicídio, de opressão ou castigos imoderados impostos por eles ou por responsável.

70 DINIZ, 2007, p. 527. 71 COMEL, 2003, p. 279. 72 GRISARD FILHO, 2000, p. 42. 73 MONTEIRO, 2004, p. 359.

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2) Deixar o filho em abandono material e/ou moral [...], privando-o da convivência familiar (CF, art. 227) e de condições imprescindíveis a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que, eventualmente, em virtude de falta, ação ou omissão [...]. 3) Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, podendo, então, considerar menor em situação irregular o que se acha em perigo moral, pos encontrar-se, de modo habitual, em ambiente promíscuo, inadequado ou contrário aos bons costumes. P. ex.: se vive em companhia de mãe prostituta ou de pai que se entrega à ociosidade, ao lenocínio ou ao uso ou tráfico de entorpecentes, vivendo desregradamente ou sofrendo abusos de ordem sexual. Entretanto, quando se separa, vivendo o cônjuge que ficou com a guarda do menor em união estável, desfrutando estado de casado, não constitui esse fato causa de destituição do poder familiar [...] 4) Incidir, reiteradamente, no abuso de sua autoridade, na falta dos deveres paterno-maternos, na dilapidação dos bens da prole e na prática dos crimes punidos com mais de 2 anos de prisão (CC, art. 1.637). tal medida, ante a sua gravidade, requer cautela e ponderação do magistrado ao analisar a incidência reiterada dos atos omissivos ou comissivos previstos no art. 1.537, só a aplicando quando for conveniente e em situações excepcionais, levando-se em conta o superior interesse dos fi lhos. 74

A perda do poder familiar “é a mais grave medida imposta em virtude da

falta aos deveres dos pais para com o filho, ou falha em relação à condição paterna

ou materna, estribando-se em motivos bem mais sérios que a suspensão. Será ela

imposta quando qualquer dos pais agir desviando-se ostensivamente da finalidade

da instituição, pelo que se lhe vai retirar a autoridade, destituindo-o de toda e

qualquer prerrogativa com relação ao filho”. 75

Com relação ao inciso IV do artigo 1.638 do Código Civil atual, transcreve-

se o artigo 1.637 para elucidação do que é tratado em tal parte:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. 76

É através de “provocação” do membro do Ministério Público, ou de quem

tem interesse legítimo, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em

seus arts. 24, 155 e 201, III, que o procedimento com o intuito de implicar a perda ou

a suspensão do poder familiar será iniciado. A competência para julgar tais ações é

da Justiça da Infância e da Juventude, pois se deve obedecer o inscrito no art. 148,

parágrafo único, b, da lei supra-citada. 77

74 DINIZ, 2007, p. 529. 75 COMEL, 2003, p. 283. 76 NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO, 2002, p. 1449. 77 DINIZ, 2007, p. 530.

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O Ministério Público “sempre funcionou como curador de menores, tendo

uma função eminentemente assistencial e fiscalizatória, embora propugnasse muitas

vezes pela internação do menor em algum estabelecimento adequado quando

tivesse praticado ato infracional grave ou revelasse periculosidade, o que era

perfeitamente justificável, pois entre o interesse social e o individual, mesmo de um

menor, deve prevalecer aquele”. 78

O procedimento para a perda ou a suspensão do pátrio poder terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, como algum parente [...] no caso de motivo grave, a autoridade judiciária, ouvido o ministério Público, poderá decretar a medida liminar de suspensão do pátrio poder, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade. 79

Na destituição, ou perda, do poder familiar, a prerrogativa que é atacada é

a titularidade do poder, ficando o pai destituído totalmente inibido de qualquer

autoridade com relação ao filho. “Não cabe, portanto, na perda do poder familiar, a

tomada de medidas parciais, particulares, conforme o caso em que ocorrer, senão

será sempre relativa a todas as funções, posto que não diz respeito ao exercício,

mas à titularidade do encargo. A perda se dá quando nenhum elemento do poder

familiar resta ao que foi destituído”. 80

O poder familiar será extinto quando houver a morte dos pais ou do filho,

sendo que “no primeiro caso, desaparece o titular do direito; e, no segundo, a razão

de ser do instituto, que é a proteção do menor. Na hipótese de desaparecimento dos

pais, como há mister de se continuar protegendo o menor, impõe-se a nomeação de

tutor, que passará a cuidar dos interesses pessoais e patrimoniais do infante”. 81

As formas de extinção do poder familiar podem ser classificadas como

absolutas e relativas, “conforme o extingam em si mesmo, ou com relação à pessoa

que o exerce. Os absolutos implicam causas de extinção propriamente dita. Os

relativos, causas de perda ou suspensão do poder familiar. A extinção do poder

familiar em sentido estrito, portanto, é o seu fim em si mesmo, é a interrupção

definitiva do poder familiar, que se impõe de modo cabal em virtude de fatos

expressamente apontados em lei”. 82

78 NOGUEIRA, 1998, p. 315. 79 NOGUEIRA, 1998, p. 272. 80 COMEL, 2003, p. 294-295. 81 RODRIGUES, 2004, p. 372. 82 COMEL, 2003, p. 298.

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Para se alcançar a extinção do poder familiar, que será realizada ipso

iure83, quando houver, segundo o art. 1.635 do Código Civil atual:

1) Morte dos pais ou do filho, pois a morte de um deles não extingue o poder familiar, visto que o outro o exercerá sozinho; cessando apenas quando ambos os genitores falecerem, colocando-se os filhos menores não emancipados sob tutela. Se houver morte do filho, elimina-se a relação jurídica, por não haver mais razão de ser do poder familiar. 2) Emancipação do filho, ou seja, aquisição da capacidade civil antes da idade legal nos casos do Código Civil, art. 5, parágrafo único, equiparando-se a pessoa maior, deixa, então, de submeter-se ao poder familiar. 3) Maioridade do filho, conferindo-lhe a plenitude dos direitos civis, fazendo cessar a dependência paterna, uma vez que há presunção legal de que o indivíduo, atingindo 18 anos, não mais necessita de proteção. 4) Adoção, que extingue o poder familiar do pai ou mãe carnal, transferindo-o ao adotante; se falecer o pai adotivo, não se restaura o poder familiar do pai ou mãe natural, nomeando-se tutor ao menor [...] 5) Decisão judicial decretando a perda do poder familiar pela ocorrência das hipóteses arroladas no art. 1.638 do Código Civil. 84

A extinção do poder familiar “é isenta de qualquer conotação punitiva,

uma vez que não é motivada por descumprimento ou falta aos deveres paternos.

Ocorre em virtude de fatos certos e previamente estabelecidos no ordenamento

jurídico que, para o fim de extinguir o poder familiar, independem da vontade dos

pais”. 85

O Código Civil de 1916 “previa ainda outro modo de extinção do poder

familiar, exclusivamente aplicável à viúva que convolasse novas núpcias, tendo

filhos menores do leito anterior. Prescrevia o Código, no art. 393, que ‘a mãe, que

contrai novas núpcias, perde, quanto aos filhos de leito anterior, os direitos do pátrio

poder (art. 329), mas, enviuvando, os recupera’. Naquela conjuntura, os filhos

menores do primeiro casamento deveriam ser postos sob tutela”. 86 Porém, tal norma

não vigora mais.

A extinção se “opera automaticamente, ipso jure, diferentemente da

suspensão e da perda, que somente ocorrem por determinação judicial, ministério

judicio, em função de determinado comportamento dos pais. Assim, não há um

procedimento a ser seguido para obter-se a extinção, que acontecerá naturalmente,

como conseqüência necessária da ocorrência de uma das causas que a ensejam”. 87

83 Significa: Pelo próprio Direito, em decorrência do Direito, de acordo com o Direito. 84 DINIZ, 2007, p. 531. 85 COMEL, 2003, p. 299. 86 MONTEIRO, 2004, p. 357. 87 COMEL, 2003, p. 208-209.

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2 GUARDA E PROTEÇÃO AO MENOR

2.1 CONCEITUAÇÃO DE GUARDA

Este capítulo tem o intuito de apresentar as características do instituto da

guarda, sendo esta destinada a proteger os menores de 18 anos – já que é a partir

daqui que há a cessação do poder familiar, com exceção dos maiores de 18 anos,

portadores de alguma incapacidade –, sendo necessário que alguém (não

necessariamente os pais) assumam a responsabilidade de cuidados88, bem como as

proteções gerais que o menor deve ter.

É de acordo com o art. 1.634, II do Código Civil que se afirma que a

guarda dos filhos menores é uma das propriedades do poder familiar, competindo

aos pais permanecer com os filhos menores em sua companhia, para preservá-los

de quaisquer malefícios. 89

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda;

88 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civil . São Paulo:Editora Juarezde Oliveira, 2005, p. 15. 89 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo:Atlas, 2007, p. 263.

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III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assistí-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 90

O instituto da guarda é regulado pelos arts. 33 a 35 do Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA e, de acordo com estes ditames, é de obrigação dos responsáveis manter a prestação de “assistência material, moral e educacional” tanto para a criança quanto para o adolescente, atribuindo-se ao (s) responsável (is) a possibilidade de oposição contra terceiros, mesmo se forem pais. Portanto, é ferramenta para determinar a “posse de fato”, possuindo a faculdade de ser fornecida de maneira, liminar ou incidental, tratando-se de tutela e adoção, com exceção da adoção por estrangeiros. 91

Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. § 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. § 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. Art. 34. O Poder Público estimulará, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.92

Abaixo será apresentada a evolução do instituto da guarda para se

conhecer o porquê de sua atual posição.

2.2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA GUARDA

Se for entendida como sendo um instituto jurídico, é possível que a

guarda seja combinada com outros, como a autoridade parental e a tutela, ou

90 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29/05/08. 91 GUIMARÃES, 2005, p. 17. 92 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08.

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31 somente esta, em alguma específica disposição judicial, com o intuito de conservar o

seu estilo protetivo, embasando-se “no interesse daquele que nela está abrigado.” 93

Com relação ao destino dos filhos, observa-se que quando os pais não

convivem, obviamente, conjuntamente, a primeira disposição no Direito pátrio sobre

tal, veio após a promulgação do Dec. 181, de 1890, através do seu art. 90,

estabelecendo que:

Art. 90. A sentença do divórcio mandará entregar os filhos comuns e menores ao cônjuge inocente e fixará a cota com que o culpado deverá concorrer para a educação deles, assim como a contribuição do marido para sustentação da mulher, se esta for inocente e pobre. 94

Com a inexistência da dissolução conjugal, segundo o Código Civil de

1916, a figura do desquite somente dizia que os filhos menores permaneciam com o

“cônjuge inocente”. Tal disposição foi considerada repressora e punitiva para a

definição da guarda já que um dos nubentes deveria ser considerado culpado. Por

isso, na maioria das vezes, o (s) filho (s) era (m) entregue (s) como se fosse (m) um

prêmio, sendo que o outro cônjuge era, de fato, punido com a pena da perda da

guarda. Porém, sendo ambos os cônjuges considerados culpados, o (s) filho (s)

menores poderiam permanecer com a mãe; e, sendo a mãe, a única culpada, não

importando que idade os filhos tivessem, não haveria a possibilidade dos filhos

estarem em sua companhia. 95

Com relação à dissolução da sociedade conjugal e da proteção da pessoa

dos filhos, o Código Civil de 1916, diferenciou as possibilidade de dissolução

pacífica e judicial, além de ordenar, por seu art. 325, que eram dos cônjuges a

faculdade de decidir sobre a guarda da prole, sendo que, pelo art. 326, haveria

decisão diferente se fosse declarada a culpa de um ou de ambos os cônjuges pela

ruptura, o sexo e a idade dos filhos. “Era assim o esquema: a) havendo cônjuge

inocente, com ele ficariam os filhos menores; b) sendo ambos culpados, com a mãe

ficariam as filhas enquanto menores e os filhos até seis anos de idade, que, depois

dessa idade, seriam entregues ao pai; c) os filhos maiores de seis anos de idade

eram entregues à guarda do pai; d) havendo motivos graves, o juiz, em qualquer

caso e a bem dos filhos, regulava de maneira diferente o exercício da guarda. No

93 CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos: na família constitucionalizada. Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 49. 94 GRISARD FILHO, 2000, p. 48. 95 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 391.

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32 caso de anulação do casamento e havendo filhos comuns, aplicava-se-lhes as

regras dos artigos anteriormente referidos.” 96

Quando foi promulgada a Lei do Divórcio, o instituto da guarda auferiu

importância jurídica diversa, pois, com o fim da união conjugal, foi determinado que

as determinações sobre tal fossem consideradas como um Direito do cônjuge, e não

mais como uma punição. 97

Dessa legislação, passou-se a somente decidir com relação à postura

paternal e maternal, não sendo observadas as características filiais (ou seus

desejos) para que fosse determinada a guarda. Por isso, o art. 10 da Lei do Divórcio

privilegiava o cônjuge inocente. Porém, a própria lei acolhia atenuações, já que, se

houvesse razões importantes, para o bem da prole, o juiz poderia decidir

diversamente, embasando-se no art. 13. 98

Art. 10. Na separação judicial fundada no caput do artigo 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa. [...] Art. 13. Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais. 99

De acordo com o art. 16 do Dec.-Lei 3.200/41, o “pátrio poder será

exercido por quem primeiro reconheceu o filho, salvo destituição nos casos previstos

em lei”; tendo o intuito de disciplinar as relações de guarda com relação ao filho

natural, dispondo que o filho deveria permanecer em guarda de quem o reconheceu

como de sua prole e, se ambos o reconhecessem, era do pai que deveria recair a

responsabilidade pelo pátrio poder, com a ressalva de entendimento contrário do

magistrado. 100

A Lei 4.121/62 gerou modificações com relação ao desquite litigioso,

conservando os dispositivos do desquite pacífico quando se tratava da guarda dos

filhos. Com tal lei, o Código Civil tinha o seguinte entendimento: “a) havendo cônjuge

inocente, com ele ficariam os filhos menores; b) sendo ambos os cônjuges culpados,

com a mãe ficariam os filhos menores, já não mais observada a distinção de sexo e

idade destes, salvo disposição contrária do juiz; c) verificando que não deveriam os

filhos ficar sob a guarda da mãe nem do pai, estava o juiz autorizado a deferir a 96 GRISARD FILHO, 2000, p. 48 97 CARBONERA, 2000, p. 60. 98 DIAS, 2007, p. 391. 99 BRASIL. LEI DO DIVÓRCIO. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 100 GRISARD FILHO, 2000, p. 48

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33 guarda à pessoa idônea da família de qualquer dos cônjuges, assegurando-se,

entretanto, o direito de visitas.” 101

Art. 1º Os artigos 6º, 233, 240, 242, 246, 248, 263, 269, 273, 326, 380, 393, 1.579 e 1.611 do Código Civil e 469 do Código de Processo Civil passam a vigorar com a seguinte redação: [...] Art. 2º A mulher, tendo bens ou rendimentos próprios, será obrigada, como no regime da separação de bens (art. 277 do Código Civil), a contribuir para as despesas comuns se os bens comuns forem insuficneites para atendê-las. Art. 3º Pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulare do signatário e os comuns até o limite de sua meação. Art. 4º Esta Lei entrará em vigor quarenta e cinco dias após sua publicação, revogadas as disposições em contrário. 102

A modificação do artigo 16 do Dec.lei 3.200/41, pela Lei 5.582/70,

determinou que o filho denominado de natural, caso fosse reconhecido por ambos

os pais, estaria sob o poder, daquele momento em diante, da mãe, com a exceção

da possibilidade de tal posicionamento fosse prejudicial ao menor. Além disso,

também delimitou a hipótese de delegação da guarda dos filhos à pessoa

considerada idônea, preferencialmente um mebro da própria família. Porém, se

houvesse razões importantes, ao juiz era possível determinar, a qualquer momento,

de maneira diferente, sempre procurando a melhor situação para o menor 103

Tal disposição permaneceu até a promulgação da Lei 6.515/77 que,

instituiu a figura do divórcio no Brasil, regulando os eventos da “dissolução da

sociedade conjugal e do casamento”, além de pôr fim ao princípio da culpa, previstas

no artigo 5º, §§ 1º e 2º. Entretanto conservou, em suas linhas gerais, o sistema

vigente, com adaptações.

Assim é que:

a) Na dissolução consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda do s filhos (cf. art. 9º); b) Nas dissoluções não consensuais, o destino dos filhos menores obedecerá as peculiaridades de cada uma de suas modalidades: b.1) art. 5º, caput – os filhos ficarão com o cônjuge que a ela não deu causa (cf. art. 10, caput); b.2) art. 5º, § 1º - os filhos ficarão com o cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo de rupt ura da vida em comum (cf. art. 11);

101 GRISARD FILHO, 2000, p. 49 102 BRASIL. Lei da Mulher Casada. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Disponível em www.camara.gov.br, Acesso em: 08/05/2008. 103 GRISARD FILHO, 2000, p. 49

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b.3) art. 5º, § 2º - os filhos ficarão com o cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação (cf. art. 12).” 104

Por tratar-se de critérios não objetivos e amplos, a legislação foi projetada

para, de forma mais adequada, atender os anseios da prole, menor, já que a partir

daqui, os interesses dos filhos são considerados de forma mais intensa, e não a

vontade dos pais. Por isso, não há possibilidade dos pais, por sua livre disposição,

decidir sobre a vida e guarda dos filhos, sendo necessário aval judicial, após

minuciosa análise, “podendo o juiz recusar sua homologação se restar comprovado

que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos, na dicção

do artigo 34, § 2º”. 105

Art. 34. A separação judicial consensual se fará pelo procedimento previsto nos artigos 1.120 e 1.124 do Código de Processo Civil, e as demais pelo procedimento ordinário. [...] § 2º O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial, se comprovar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges. 106

No curso do século passado, o desenvolvimento legislativo responsável

pelas principais mudanças com relação à família, trouxe a igualdade entre os

cônjuges para o seio jurídico, através Estatuto da Mulher Casada – apesar de não

ser tão amplo como a maioria desejava – mas aumentou a participação materna com

relação às decisões da prole. Foi somente com a Constituição Federal de 1988 que

todos os pais e mães passaram a ter iguais qualidades, ou seja, mesmo peso nas

decisões do rumo de seus filhos. 107

Com isso, foram banidas, juridicamente, as discriminações legais entre

homens e mulheres, pois ambos passaram a ter mesmos direitos e deveres, em

especial, com relação às relações conjugais, de acordo com o § 5º do art. 226 do

referido estatuto constitucional. No mesmo campo, o Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, trouxe a noção de que há “prioridade absoluta” na importância

das crianças e adolescentes, “transformando-se em sujeitos de direito [...]

destacando os direitos fundamentais das pessoas de zero a 18 anos”. 108

104 GRISARD FILHO, 2000, p. 51-52. 105 GRISARD FILHO, 2000, p. 53. 106 BRASIL. LEI DO DIVÓRCIO. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 107 CARBONERA, 2000, p. 66-67. 108 DIAS, 2007, p. 391.

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Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 109

Em 2002, com a instituição do novo Código Civil, não há modificação das

regras, como se pode observar pela análise dos arts. 1.583 a 1.590, pois a base do

sistema atual no intuito de preservar os interesses dos menores estão de acordo

com o Princípio 2º da Declaração Universal dos Direitos da Criança. Contudo,

ressalta-se que foi introduzida a deferência da guarda materna de forma

preferencial, quando a separação de corpos for homologada e houver ponderações

do magistrado sobre a melhor decisão, tendo como base a “vida dos cônjuges e de

suas famílias”. 110 Tais artigos estão, abaixo, transcritos:

Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos fihos. Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica. Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplica-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente. Art. 1.586 Havedo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais. Art. 1.587 No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586. Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente. 111

O denominado “princípio do melhor interesse” não foi disposto no Código

Civil atual, nem mesmo fazendo menção aos ditames inscritos no Estatuto da

Criança e Adolescente - ECA. Com a intenção de se fazer como uma forma mais

simples de proteção dos filhos, tal lei estabeleceu poucas determinações sobre o

109 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelar Emendas Constitucionais nº 1/92 a 56/2007 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. – Brasília:Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008, p. 144. 110 GRISARD FILHO, 2000, p. 54-55. 111 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29/05/08.

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36 instituto da guarda, e esta somente a partir da não convivência dos pais “sob o

mesmo teto”. Contudo, a guarda não é regulamentada, abordando-a como uma

propriedade do poder familiar. 112

A guarda, exercida na maioria das vezes pelos pais, durante a união, ou

não, sobre a prole enquanto menor pode ser denominada de “guarda comum”. Então

o filho menor “deve ser criado no seio de sua família natural”. Por isso, e segundo o

art. 19 do ECA, não há que se cogitar na utilização da figura da família substituta já

que a guarda se apresenta, de acordo com o art. 28 do mesmo diploma, como um

dos tipos juridicamente existentes, juntamente com a tutela e a adoção,

satisfazendo, mesmo que de forma provisória, o intuito da lei. 113

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. [...] Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. § 1º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada. § 2º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida. 114

Como se observa do art. 33 do ECA, o instituto da guarda, quando

decretada, constrange os responsáveis “à prestação de assistência material, moral e

educacional ao menor”, o que, a princípio, fornece a possibilidade de oposição

contra, mesmo em se tratando dos pais. Portanto, tem o intuito de “regularizar a

posse de fato”, através de decisão liminar ou de forma incidental, nas espécies de

tutela ou adoção, com exceção daquela realizada por estrangeiros, já que é

legalmente impossível, de acordo com o § 1º do artigo supra.” 115

Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o di reito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. 116

112 DIAS, 2007, p. 391. 113 GRISARD FILHO, 2000, p. 55. 114 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 115 GRISARD FILHO, 2000, p. 55-56. 116 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08.

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A pessoa responsável deve dar ao menor, podendo incorrer na perda da

guarda, como penalidade, a total assistência que os pais devem prestar. Porém,

também é adjudicada a possibilidade de se opor aos pais. Estes, mesmo no

exercício do “poder familiar”, não podem simplesmente retirar o filho que está sob

responsabilidade do guardião sem antes obter ordem do juízo para tanto. Contudo,

ao responsável é facultado o direito de reaver a posse do menor de quem, de forma

ilegal, o detenha, através de ação de busca e apreensão. 117

2.3 CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DA GUARDA Os interesses com relação às discussões sobre a guarda iniciam-se

quando da desarmonia do casal, ou seja, quando a sociedade conjugal falece e

precisa-se definir determinadas obrigações e posições dos cônjuges não somente

com relação aos bens, mas também com relação aos filhos, quando existentes. Tais

decisões precisam ser tomadas de forma conjunta, por ambos os pais, “em plena

igualdade de condições”. Não há possibilidade qualquer de modificação dessa

concepção após a separação ou o divórcio, posto que “não há ruptura, nem

restrições, nem isenções, exonerações ou limitações de direitos ou deveres em suas

funções parentais”. 118

2.3.1 Interesse da criança e do adolescente

Este é o tema mais importante quando se trabalha o conjunto das ações

relacionadas à família e a sua dissolução, já que a vontade do (s) filho (s), quando

em determinada idade, pode e deve ser usada como fundamento para a decisão

judicial que definirá a guarda do menor. Este entendimento é corroborado pela

existência anterior no Código Civil, de 1916, no art. 327, que foi mantido pela Lei

6.515/77, no artigo 13. Deve-se enfatizar a correlação de tal temática com a

existência de razões importantes para levar o magistrado “a não seguir a orientação

legal e optar pelo exame do interesse do filho”. 119

117 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 30. 118 GRISARD FILHO, 2000, p. 62. 119 CARBONERA, 2000, p.124-125.

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É buscando a proteção da lei, de uma forma ampla e abstrata que o

objetivo da lei é alcançado, pois não há possibilidade de legislar casos específicos, e

o regramento deve ser moderno o bastante para ser aplicado no maior número de

casos possível. Porém, às vezes há a necessidade de se decidir sobre interesses de

forma individualizada dos casos existentes, obviamente, desenvolvendo e aplicando

uma decisão também individual. A determinação da guarda advém dessa

possibilidade de uma decisão, ou seja, para um só caso, pois é “o juiz o intérprete

dos particulares interesses materiais, morais, emocionais, mentais e espirituais de

filho menor, intervindo segundo o princípio de que cada caso é um caso, o da

máxima singularidade”. A concretude das necessidades do menor, relacionando o

melhor futuro possível é a busca de tal esforço, pois tem-se a idéia de protegê-lo,

desenvolvendo-o e dando-lhe uma vida estável, para que possa formar-se

adequadamente. 120

Neste sentido, o prioritário respeito ao interesse do filho vem como uma forma de colocar em situação de maior equivalência sujeitos que entre si apresentam diferenças substanciais. É a busca da igualdade na relação paterno-filial, especialmente diante de uma ruptura que tem lugar na relação homem-mulher e cujos efeitos são sentidos pelos filhos, que, via de regra, não são judicialmente consultados acerca do fim da união.121

Não se pode olvidar que a legislação brasileira, de acordo com muitas

outras (registre-se, italiana, francesa, alemã, espanhola), vêm com o intuito de

permitir a figura da guarda do menor para somente um, ou ambos os pais

obedecendo o princípio de melhor atenção ao desejo do (s) filho (s) quando se

refere a um possível “prejuízo de ordem moral” que não pode perpetrar-se no tempo,

para o “bem do menor”, ou seja, quando se deve privilegiar tais interesses acima de

quaisquer outros, pois há momentos que os interesses dos genitores ou

responsáveis podem ser conflitivos com o (s) do menor (es). 122

2.3.2 Idade e sexo e separação de irmãos De acordo com o art. 1.634 do Código Civil atual, as obrigações dos

genitores com relação a seu (s) filho (s) menores que, de acordo com o art. 5º da

mesma legislação, são para com os menores de 18 anos; e, com a definição da

120 GRISARD FILHO, 2000, p. 63-64. 121 CARBONERA, 2000, p. 125. 122 GRISARD FILHO, 2000, p. 64.

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39 guarda, há transferência para o guardião de algumas das qualidades do poder

familiar, vigorando até que o menor atinja a maioridade, cessando o poder familiar. 123

Quando se trata de menor, “na tenra idade”, sua vinculação materna é

mais aguçada por causa de seus instintos naturais, por isso que, mais facilmente, é

dada a guarda à mãe, “pela necessidade de uma especial sensibilidade, afeto e

ternura, valores mais insertos na maternidade”. Este mesmo entendimento, todavia,

não permanece quando o filho começa suas atividades escolares, pois, a partir de

tal idade, já compreende muito da relação familiar, e pode formar opinião sobre a

relação de seus pais. “O interesse do menor quando adentra o mundo dos adultos

exige pesquisa do juiz para saber da capacidade educativa dos pais, o ambiente

cultural em que vivem, o tempo disponível à dedicação de seus filhos”. 124

Não é aconselhável separar os irmãos, dividi-los entre os pais, pois enfraquece a solidariedade entre eles e provoca uma cisão muito profunda na família, já alquebrada. A conveniência de não separar os irmãos se sustenta na idéia de manter unido o que resta da família. Perde razão esse critério, quando há grande diferença de idade entre irmãos, presumindo-se que cada qual destine um tempo diverso às suas diferentes atividades. Quando for impossível manter os irmãos unidos, recomenda-se um amplo e geral regime de visitas. 125

2.3.3 A opinião da criança e do adolescente É o menor, e seus interesses, que determinarão todas as avaliações com

relação à filiação, quando for possível medi-la. É possível se dizer, sem receio, que

atualmente o menor é peça importante para a solução das questões relativas à

separação dos pais. 126

Na ruptura consensual, o juiz acolhe o que os pais decidiram sobre a guarda dos filhos, militando em favor dos pais a presunção de serem os melhores e naturais educadores dos filhos. A disciplina legal contrária a essa solução não tolera interpretação ampla, mas restrita. É natural que os pais tendem a valorizar os melhores interesses dos filhos. 127

Mesmo com a opinião, ou seja, a caracterização dos desejos do menor,

quando relaciona suas melhores idéias e vontade sobre seus pais, não se pode

dizer que é uma concepção soberana, visto que ao juiz é dada a prerrogativa de 123 GUIMARÃES, 2005, p. 16. 124 GRISARD FILHO, 2000, p. 67-68. 125 GRISARD FILHO, 2000, p. 69. 126 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo:LTr, 1998, p. 90. 127 GRISARD FILHO, 2000, p. 69.

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40 discordar de tal, fazendo com que sua decisão seja contrária ao que buscou,

inicialmente, do menor. 128

2.3.4 Comportamento dos pais O interesse do menor, entretanto, não “dispensa a pesquisa de outros

princípios, supletórios, como a idade e o sexo do menor, a irmandade e a opinião do

menor. Dentre eles, a conduta dos pais”. 129

[...] a guarda é relação típica do poder familiar. Ocorre que, nem sempre serão os pais os titulares da guarda. Esta poderá ser concedida a terceiro, como o tutor, ou a alguém que não exerça a tutela, como é o caso da guarda provisória no processo de adoção, ou da guarda provisória conferida a um parente, enquanto pai e mãe disputam a guarda do filho menor. 130

Tratando-se de ações realizadas pelos pais que sejam contrárias à

“ordem e à moral familiar”, não se pode olvidar que tais questões sejam

correlacionadas e medidas para a decisão judicial com relação à guarda do menor.

Sendo realizadas, pelos genitores, condutas passíveis de reprovação, sejam elas

“imorais ou ilícitas”, as relações entre os filhos e os pais precisam ser limitadas ao

mínimo de contato, conforme entendimento para defender a formação correta do (s)

menor (es). 131

De acordo com o art. 227 da Constituição Federal brasileira:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 132

Por isso, os pais e os filhos precisam ser “Na atribuição da guarda, atento

o Estado ao vetor do artigo 227 da CF, pais e filhos devem ser avaliados de acordo

com suas “necessidades, direitos e limitações”, sendo que uma decisão em juízo

considerará, em sua motivação, todos os aspectos passíveis de influenciarem na

128 STRENGER, 1998, p. 90-91. 129 GRISARD FILHO, 2000, p. 71-72. 130 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. Belo Horizonte:Del Rey, 2004, p. 32. 131 GRISARD FILHO, 2000, p. 72. 132 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 2008, p. 144.

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41 vida, cotidiana, do menor, objetivando uma deliberação que, além de justa, também

busque alcançar o interesse do (s) filho (s). 133

2.4 MODALIDADES DE GUARDA Para se entender as divisões com relação à guarda, abaixo estão

descritas suas modalidades:

2.4.1 Guarda comum e desmembrada

Durante o casamento, mesmo em se tratando de união estável, é dividida

de maneira equânime a responsabilidade pela guarda, entre o casal. Esta

modalidade, em que ambos os genitores possuem o exercício da guarda, chama-se

comum, e consiste na “convivência e na comunicação diária entre pais e filhos”, visto

que são essências da educação e formação da prole. Em muitas vezes a

consecução da guarda se dá através de decisão judicial, pois não há entendimento

entre os genitores; diferentemente quando se trata de menor que foi abandonado ou

se encontra em “situação de perigo”, pois nesses casos o Estado atua vislumbrando

sua função social. “Trata-se, nesse caso, da guarda desmembrada do pátrio poder,

intervindo o Estado, através do juizado da infância e da juventude, outorgando a

guarda a quem não detém o pátrio poder, para a devida proteção do menor”. 134

2.4.2 Guarda originária e derivada

A originária trata-se daquela na qual os pais, realizando ações que se

tratam do pátrio poder, como um “direito-dever”, permite desempenhar todas as

“funções parentais” como educação, vigilância, aplicar corretivos, dentre outros.

Chama-se originária, pois deriva da própria autonomia dos genitores, ou seja, é dos

pais que se origina. Já a que se denomina de derivada, é determinada pela lei, “e

corresponde a quem exerça a tutela do menor, seja um particular, de forma dativa,

133 GRISARD FILHO, 2000, p. 73. 134 GRISARD FILHO, 2000, p. 73-74.

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42 legítima ou testamentária, seja por um organismo oficial, cumprindo o Estado sua

função social, conforme o artigo 30 do ECA”, dispondo que: 135

Art. 30. A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não-goernamentais, sem autorização judicial.136

Ou seja, não poderá, o menor, ser transferido sem decisão judicial, de

mesma natureza, com o intuito de realizar tal modificação, além de que é necessário

que seja respeitada a estabilidade emocional, condizente ao desenvolvimento

equilibrado do interessado, neste caso, o menor. 137

2.4.3 Guarda provisória e definitiva

A guarda definitiva regula a “posse de fato” do menor, e ainda pode ser

alcançada através de medida cautelar, preparatória ou incidentalmente, quando se

trata de demandas que buscam a tutela e adoção. Já a provisória, é entendida como

sendo precária e/ou especial, pois se destina a “atender situações peculiares ou

suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis”, quando não se trata de tutela ou

adoção, tendo que esperar até que as soluções corretas sejam elencadas, com o

intuito de defender os interesses envolvidos, de acordo com o artigo 33, § 2º do

ECA. 138

Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º [...] § 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. 139

Portanto, se for entendido como necessário, o juiz poderá decidir pela

assistência ou representação, em juízo ou fora dele, de guardião, sem haver a figura

135 GRISARD FILHO, 2000, p. 74. 136 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 137 ELIAS, 2004, p. 28-30. 138 GRISARD FILHO, 2000, p. 56. 139 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08.

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43 da tutela e adoção, para se buscar direitos como o de pensão previdenciária ou

acidentária, por exemplo.140

2.4.4 Guarda consensual e litigiosa

A guarda pode, ainda, desdobrar em: a) consensual: na qual há acordo

entre os pais biológicos do menor; e b) litigiosa: quando o acordo não foi posssível

entre os genitores originários do menor, sendo que a “citação dos referidos genitores

se torna necessário para o cumprimento do princípio constitucional segundo o qual

ninguém será privado de seus direitos sem o devido processo legal”. 141

2.4.5 Guarda Acessória e Assistencial

A guarda acessória (também chamada de incidental) é a espécie de

guarda que é dada quando, em processo principal de adoção, tutela ou suspensão

ou destituição do pátrio poder, há decisão incidente, (ECA, art. 157), podendo

também ser realizada nas demandas que anulam o casamento e as que dissolvem a

sociedade conjugal (Lei 5.515/77, art. 9 a 16). Entende-se por guarda assistencial

(ou própria) aquela que é chamada de principal (central) que tem o intuito de

autenticar de forma legítima a posse do menor, com o fim de lhe fornecer

“assistência material, moral e educacional” por outra família, chamada de substituta,

mesmo que não haja a suspensão ou destituição do poder familiar dos pais

biológicos. 142

2.4.6 Guarda Excepcional-imprópria e guarda de lavor

140 ELIAS, 2004, p. 31. 141 OLIVEIRA, Valdeci Mendes de. AGT – Adoção, guarda e tutela como institutos jurídicos definidores de família substituta. São Paulo:EDIPRO, 2001, p. 81. 142 CARBONERA, 2000, p. 86.

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O tipo de guarda chamada de “excepcional-imprópria” (ou, ainda, de Mera

Representação, e até de Guarda-curadoria) está firmada pelo art. 33, § 2º, c/c art.

142, parágrafo único, todos do ECA. 143

Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º [...] § 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. [...] Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual. Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual. 144

Esta é a que fornece à prole, quando se encontra em situação peculiar,

defronte acidental ausência dos pais, “um curador especial para representá-lo ou

assistí-lo legalmente, ainda que eventualmente, em algum ato jurídico da vida civil

ou comercial”, de acordo com o art. 148, parágrafo único, letra “f”, do ECA, abaixo

transcrito. 145

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: [...] Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de: [...] f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente;146

O tipo de guarda chamado de lavor é aquele que está, de forma indireta,

disposta no art. 248 do ECA, e que tem como natureza o trabalho realizado de

espécie doméstica pelo menor. Trata-se de infração administrativa caso não seja o

menor levado à conhecimento de autoridade judiciária em seu domicílio, no prazo de

143 OLIVEIRA, 2001, p. 88. 144 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 145 OLIVEIRA, 2001, p. 88. 146 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08.

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45 cinco dias, com o fito de realizar a regularização da guarda, “mesmo que autorizado

pelos pais ou responsável”. 147

Art. 248. Deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o fim de regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico, mesmo que autorizado pelos pais ou responsável: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, independentemente das despesas de retorno do adolescente, se for o caso. 148

Esta permissão de trabalho doméstico é somente delimitada quando se

trata de adolescente, sendo que as crianças, de acordo com os ditames do ECA não

podem realizar tais tarefas, ou seja, ir à outras comarcas para prestar serviços

domésticos. 149

2.4.7 Guarda-abrigo

Fornecer um abrigo ao menor também pode ser a finalidade da guarda,

sendo regularizado juridicamente tal figura, e utilizadas entidades especiais para sua

determinação (públicas ou particulares), dispostas no art. 92, parágrafo único do

ECA. 150

Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; III - atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V - não desmembramento de grupos de irmãos; VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII - participação na vida da comunidade local; VIII - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo. Parágrafo único. O dirigente de entidade de abrigo e equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. 151

147 OLIVEIRA, 2001, p. 89-90. 148 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 149 ELIAS, 2004, p. 288. 150 OLIVEIRA, 2001, p. 91. 151 BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08.

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Antes da qualquer análise, é preciso se entender que não há qualquer

natureza de internação, pois esta é medida corretiva, sendo que a figura da guarda-

abrigo destina-se a atender as necessidades de “proteção aos carentes e

abandonados, enquanto a corretiva tem por escopo corrigir, de forma pedagógica e

sem caráter punitivo, aqueles que cometeram infrações penais”. 152

2.5 MODIFICAÇÃO DA GUARDA

A guarda pode ser revogada, de acordo com o art. 35 do ECA, a qualquer

tempo, com fundamentação jurídica e participação do representante do Ministério

Público, sendo que pode ocorrer por várias razões como a não adaptação do

guardião ao encargo, falta de condições financeiras do guardião, pelo

desaparecimento dos motivos que motivaram a retirada da guarda dos pais, dentre

outros. 153

Tal definição não é passível de se submeter à autoridade que realizou

anterior julgamento, apesar de estar conectado com o término do processo e à

imutabilidade da decisão judicial, com vistas a assegurar as relações jurídicas. Tais

delimitações são alcançadas de acordo com procedimentos fáticos em cada caso,

como se observa pelos artigos 13 da Lei de Divórcio e 35 do ECA, dando, ao

magistrado um poder discricionário. Por isso, há a necessidade de se atenuar os

princípios da coisa julgada, deixando a possibilidade de modificação quando as

circunstâncias também mudarem. 154

O art. 13 da Lei de Divórcio discorre que: “Art. 13. Se houver motivos

graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira

diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais. 155

O art. 35 do ECA dispõe o seguinte: “Art. 35. A guarda poderá ser

revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério

Público”. 156

As necessidades analisadas precisam ser vistas pelas circunstâncias

encontradas no momento da decisão, demonstrando a inconveniência de se

152 ELIAS, 2004, p. 91-92 153 GUIMARÃES, 2005, p. 23. 154 GRISARD FILHO, 2000, p.80. 155 BRASIL. LEI DO DIVÓRCIO. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: www.planalto.gov.br, Acesso em: 29/05/08. 156 ELIAS, 2004, p. 32.

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47 continuar com uma determinação que foi elaborada com base em entendimentos

que já não existem, buscando delimitações atuais, que alcancem a real vontade e

possibilidade de melhoria de vida para o menor. 157

3 GUARDA COMPARTILHADA

O último capítulo da presente pesquisa será desenvovido para apresentar

as características da espécie de guarda escolhida como sendo o objetivo deste

trabalho, que é a guarda compartilhada que, apesar de algumas críticas, também é

chamada, por alguns doutrinadores, de conjunta.

157 GRISARD FILHO, 2000, p. 81.

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3.1 NOÇÕES INICIAIS

A família sofre, diariamente, influências diversas, sejam elas culturais ou

sociais, ensejando adaptação constante do ordenamento jurídico para se adaptar às

exigências reais de cada época, para poder alcançar as decisões equilibradas que

os magistrados são indicados a proferir. Atualmente, com a globalização que

enfrentamos e as novidades tecnológicas, fazem com que as relações parentais e

filiais se tornem, as vezes, superficiais.158

Nesse novo contexto, os arranjos que bem definiam o pai provedor e a mãe dona de casa não funcionavam bem, pois desestimulavam aquele de exercer um papel parental ativo e sobrecarregavam esta com as exigências do dever de cuidar dos filhos. As falhas que os sistemas apresentavam, o movimento feminista, a facilitação ao divórcio, a aceitação da união estável, levavam à constatação sobre os efeitos benéficos do envolvimento do pai na criação dos filhos, abrindo uma nova era nos arranjos de guarda e visita.159

Por tais indicações é que surgiu a compreensão de que seria melhor a

participação do casal, apesar de separado, na criação da prole, encontrando uma

forma de convivência entre os pais e os filhos, continuando os laços afetivos e

proporcionando uma criação educacional baseada na participação efetiva de ambos

os pais.160

Com o “desmembramento do casal” é que, em sua maioria, há a

ocorrência do fenômeno de separação, desunião, da família, nos dias que se

passam após tal realidade, sendo que, normalmente, utiliza-se a exclusividade da

guarda para determinar com quem fica a prole, afastando, normalmente, o (s) filho

(s) menor (es) do outro genitor, dificultando suas visitas.161

Para resolver tal imbróglio, buscam-se atender o “melhor interesse dos

filhos” utilizando-se do princípio da igualdade para com ambos os pais (inscrito na

Constituição Federal), o que levou os Tribunais pátrios a optar pela proposição de

ajustes com relação à guarda compartilhada, “como uma resposta mais eficaz à

158 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda Compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008, p. 103. 159 GRISARD FILHO, 2000, p. 111. 160 CASABONA, Marcial Barreto. Guarda Compartilhada. São Paulo:Quartier Latin, 2006, p. 241-242. 161 AKEL, 2008, p. 103.

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49 continuidade das relações da criança com os dois genitores na família pós-ruptura,

semelhantemente a uma família intacta”.162

O prejuízo que o distanciamento familiar traz aos filhos do casal desunido vem sendo causa de preocupação, fazendo surgir outras modalidades de exercício de guarda, dentre elas a guarda conjunta ou compartilhada, tão discutida pelos profissionais da área.163

Tal modalidade de guarda traz grande atenção à participação parental e

sua autoridade na medida da correlação com as figuras jurídicas da separação e do

divórcio. Sua importância se localiza na permissão ao menor de desfrutar da

companhia, subordinada, mas consensual, de ambos os pais, aproximando-se da

“anterior de normalidade conjugal”.164

A guarda compartilhada, ou conjunta, é um dos meios de exercício da autoridade parental, que os pais desejam continuar exercendo em comum quando fragmentada a família. De outro modo, é um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal.165

Por tal entendimento é que esse tipo de guarda favorece a “colaboração

parental”, na medida em que preserva “sentimentos não excludentes”, já que não há

a delimitação da guarda exclusiva. Ressalta-se, porém, que cabe ao magistrado a

escolha entre tais tipos, buscando sempre o que será mais benéfico ao menor.166 Os

pais podem ser contra a guarda compartilhada, apesar do magistrado entender que

esta deve ser determinada; porém, havendo tal resolução, não será observado o

melhor interesse do menor, pois é requisito essencial o bom relacionamento dos pais

mesmo após a ruptura da relação conjugal, para que a guarda compartilhada seja

determinada.

3.2 A GUARDA COMPARTILHADA NO MUNDO

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, desenvolvida pela

Declaração de Genebra de 1924, e adotada pela Assembléia Geral da ONU, em

162 GRISARD FILHO, 2000, p. 111. 163 AKEL, 2008, p. 103. 164 STRENGER, 1998, p. 70. 165 GRISARD FILHO, 2000, p. 111. 166 STRENGER, 1998, p. 70.

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50 20/11/59, inspirou a criação de uma “Comissão de Direitos Humanos da ONU” que

teve, dentre outras, a incumbência de criar o que se denomina atualmente

“Convenção sobre os Direitos da Criança”, que, em 02/09/1990 entrou em vigor em

todo o mundo.167

Essa preocupação ao reconhecimento de especial proteção às crianças já se inscrevia na Declaração de Genebra de 1924 e se repete na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e, por último, na Convenção de 1989. Por esses documentos internacionais todas as ações relativas às crianças realizadas pos instituições públicas ou privadas, tribunais, órgãos legislativos ou administrativos, devem considerar primeiro o interesse maior da criança, que assim se transforma no principal fundamento para todas as decisões judiciais a respeito de guarda de filhos menores.168

O poder marital (ou seja, do pai), de forma absoluta, somente se mantém,

nos dias atuais, nos países árabes e alguns africanos, mas, em contrário a tal

realidade, há diversas constituições estabelecendo a igualdade conjugal,

obedecendo ao art. 16, § 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, onde está previsto

que há igualdade de direitos durante o casamento e, também, após sua

dissolução.169

Artigo XVI 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 170

Esse entendimento de igualdade foi observado pela literatura de diversos

países, dentre eles, destaca-se o Direito Europeu, Estados Unidos e Canadá, o que

delimitou aos Tribunais maiores atenções quando da decisão com relação ao regime

de guarda na dissolução conjugal (ou mesmo em sua ausência).171

167 GRISARD FILHO, 2000, p. 113. 168 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (apres.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, p. 75. 169 GRISARD FILHO, 2000, p. 114. 170 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: www.onu-brasil.org.br, Acesso em: 08/05/2008. 171 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2ª ed. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 262.

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51

Em Portugal, o regime de guarda exclusiva está previsto no artigo 1.907,

n. 2 de seu Código Civil, sendo que este impede também a delimitação da guarda

alternada, e, pelo artigo 1.906, n. 1, há a autorização do tribunal pela decisão,

quando não há acordo entre os pais, pela busca do interesse do menor. O instituto

da guarda conjunta não possui previsão legal, porém, começou a ser utilizada pelos

Tribunais portugueses após o entendimento de que houve transformações “nas

relações familiares tradicionais”, recomendando-se que, em determinadas

circunstâncias fosse determinada para se atingir a situação mais benéfica à prole

menor. Contudo, após a edição da Lei 84 (em de 31 de agosto de 1995), o exercício

comum do poder entre os pais foi alterado, sendo que delimitou que a situação filial

seria a mesma existente durante o matrimônio.172

Em Portugal , o advento da Lei n. 84, de 31 de agosto de 1995, alterou parte do artigo 1906 do Código Civil, cujo inciso II passou a estabelecer que os pais podem acordar sobre o exercício em comum do poder paternal, decidindo as questões relativas à prole em condições idênticas às que vigoravam na constância do matrimônio.173

Na Espanha, conforme se depreende do artigo 154 de seu Código Civil,

os pais são “co-titulares do exercício do pátrio poder”, sendo que lhes cabe a

possibilidade de ter seus filhos menores em sua companhia. Quando há a

separação do casal, em princípio, será delimitada, a guarda, para aquele com quem

o menor conviva, podendo, o magistrado, após solicitação da outra parte, determinar

que seja conjunto o exercício da guarda, quando convier ao interesse do menor, de

acordo com o artigo 156, § 5º, do Código Civil espanhol.174

[...] a legislação argentina, pelo artigo 264 do CC, põe acento no melhor interesse do menor, desde cuja perspectiva deverá ser analisado todo o conflito que se suscite durante o exercício do pátrio poder, definido como o conjunto de deveres e direitos que corresponde aos pais sobre a pessoa e os bens dos filhos. [...] dessa maneira, o regime adotado, como regime básico, é o de exercício compartido, ao dispor a nova lei, pelo artigo 264, § 1º, corresponde-lo ao pai e à mãe conjuntamente, sejam os filhos matrimoniais ou não, contanto que os pais convivam. 175

Tratando-se do Direito na Inglaterra, impõe-se a noção de custódia

(custody), equivalendo, lato sensu, à forma de autoridade parental do Direito Civil.

Esse termo é tido como sinônimo de guardianship, o que levou um autor inglês a 172 GRISARD FILHO, 2000, p. 115. 173 CASABONA, 2006, p. 261. 174 GRISARD FILHO, 2000, p. 115-116. 175 GRISARD FILHO, 2000, p. 117.

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52 afirmar que: “É frequentemente associado com obrigações, tais como alimentos,

proteção, educação e apoio emocional”176.177

No sistema da commom law, do Direito inglês, “para minorar os efeitos da perda do direito de guarda exclusiva, os Tribunais começaram a expedir uma ordem de fracionamento split order (dividir, romper, repartir, separar) do exercício desse direito entre ambos os genitores, [...] a idéia do fracionamento encarregou a mãe dos cuidados diários dos filhos (care and control) e recuperou ao pai o poder de dirigir a vida do menor (custody), possibilitando compartilhar a guarda, isto é, o exercício comum e cooperativo da autoridade parental, pela nítida distinção da custody do care and control [...].178

No mesmo sentido: [...] percebendo que a concentração excessiva na figura da mãe era satisfatória para todos os familiares, os citados tribunais passaram a conceder split order (isto é, guarda compartilhada), que nada mais é do que uma divisão do exercício do direito de guarda entre ambos os genitores.179

Na França, o entendimento com relação à guarda compartilhada é de

que, na tentativa de diminuir as injustiças que a guarda exclusiva provocava, como

se observou na Inglaterra, se houver ainda a união judicial do casal, há possibilidade

de compartilhamento da guarda; diferentemente quando há a separação, pois o

exercício do poder parental será determinado a somente um dos pais, tendo, o

outro, o direito de visita, mas que, ainda, pode ser determinada a guarda

compartilhada.180

No direito francês, a guarda compartilhada foi, a partir de 1976, prontamente assimilada, com o propósito de minorar as injustiças que a guarda unilateral provocava. Embora inicialmente tímida, a jurisprudência, aos poucos, tornou-se abundante, buscando atenuar as conseqüências maléficas que o monopólio da autoridade parental nas mãos de um só guardião provocava na vida dos filhos menores.181

Apesar de que, a partir de 1987, a Lei francesa ter substituído a

terminologia da “guarda” por “autoridade parental”, buscando relação a competência

176 White: “It is frequently associate al with such obrigations as maintenance, protection, education and emotional support” (tradução própria). 177 LEITE, 2003, p. 264. 178 GRISARD FILHO, 2000, p. 119. 179 CASABONA, 2006, p. 160. 180 GRISARD FILHO, 2000, p. 120-121. 181 AKEL, 2008, p. 116.

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53 e responsabilidade do casal, na maioria dos países a expressão guarda conjunta

(tradução literal de joint custody), é utilizada.182

Nos Estados Unidos a guarda compartilhada é um dos tipos de guarda que mais cresce. As estatísticas demonstram que os pais são a ela francamente favoráveis, sob vários aspectos: auto-estima, atividade, relacionamento, adaptação, desenvolvimento psicoemocional, paciência”. Por exemplo, “no Colorado, a guarda compartilhada é conferida a 90% a 95% dos casos; na Califórnia esse número é de 80%”. 183 “Hoje, no Canadá, a Lei Federal sobre o divórcio (de 1985) permite que a guarda de uma criança seja confiada a várias pessoas.184

No Canadá, só é possível determinar a guarda compartilhada na situação

que os pais manifestem, com um acordo, interesse por ela, buscando os interesses

melhores dos filhos e seus. Se não há consensualidade, é do Tribunal a prerrogativa

de decisão, e, geral e atualmente, os magistrados, quando há possibilidade, mesmo

sem acordo, optam pela guarda compartilhada após o devido processo legal.185

O Código Civil de Quebec afirma a mesma idéia de pluralidade na guarda em diversos dispostivisos. Assim, o art. 568 (‘O divórcio [...] faz subsistir os deveres do pai e da mãe em relação a seus filhos’), art. 653 (‘Em caso de dificuldades relativas ao exercício da autoridade parental, o titular da autoridade parental pode ingressar com ação no Tribunal que decidirá no interesse da criança, após haver favorecido a conciliação das partes’). 186

Por último, ressalta-se que o Código Civil de Quebec dispõe sobre a

instituição da guarda em vários artigos, como o de nº 568, descrevendo que o

divórcio substitui os direitos dos pais em relação a seus filhos.187

3.3 A GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL

No Brasil, não há previsão textual do instituto da guarda compartilhada

(ou até mesmo com a expressão conjunta); porém, a realidade atual traz a

necessidade de sua utilização pois, “o aumento dos desentendimentos entre os

genitores, bem como o desgaste da vida em comum, que contribuem, de forma

rápida e efetiva nos pressupostos clássicos do conhecimento humano em geral,

182 LEITE, 2003, p. 263 183 GRISARD FILHO, 2000, p. 123. 184 LEITE, 2003, p. 266. 185 GRISARD FILHO, 2000, p. 124. 186 LEITE, 2003, p. 266. 187 CASABONA, 2006, p. 261.

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54 atingindo o direito, como um todo, e o direito civil, em particular, no sistema

familiar”.188

Contudo, há algum tempo, era muito difícil que algum magistrado

decidisse utilizando-se do instituto da guarda compartilhada, sendo por isso de

árdua tarefa a procura de jurisprudência sobre tal tema, até porque seu verdadeiro

significado e conteúdo eram desconhecidos pela comunidade”, já que a guarda

alternada era a figura jurídica mais utilizada, quando houvesse exercício dividido

entre os genitores.189

Esse novo modelo de guarda apesar de não estar tipificado no nosso ordenamento jurídico, mostra-se lícito e perfeitamente possível em nosso Direito e, deverá na medida em que a sociedade tiver conhecimento da sua eficácia e consequência ser aplicado sempre que possível pelos nossos juízes e Tribunais. 190

Com relação à admissão dessa modalidade de guarda no Direito

brasileiro, ressalta-se a compreensão do Superior Tribunal de Justiça, através do

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, quando da edição dos enunciados alusivos aos

artigos. 1.585 e 1.584 do Código Civil, “durante a Jornada de Direito Civil, promovida

pelo Centro de Estudos do Conselho de Justiça, ocorrida entre 11 e 13 de setembro

de 2002”. Com relação ao entendimento do STJ sobre tais artigos, manifestaram-se

pela compreensão de que a expressão “guarda de filhos” tanto pode ser

compreendida como para um dos pais (uniparental), como, também, como

“compartilhada” (para ambos os pais), e que a expressão “melhores condições”,

encontrada no art. 1.584, constitui a busca pelo melhor interesse do menor, ou seja,

relata a supremacia da prevalência desse interesse.191

A atual redação dos artigos em debate está abaixo descrita:

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.

188 AKEL, 2008, p. 121. 189 AKEL, 2008, p. 121. 190 PANTALEÃO, Ana Carolina Silveira Akel. Crianças em jogo. Guarda comparilhada é o modelo ideal em separação. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/8672,1, Acesso em: 15/05/08. 191 AKEL, 2008, p. 122.

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Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplica-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente. 192

Antes de tais artigos, havia a possibilidade de se decidir pela perda da

guarda do filho utilizando-se como embasamento a culpa de um ou de ambos os

cônjuges pela separação, sendo que prevalecia a guarda materna, quando de culpa

recíproca. “A culpa na separação judicial não deve ser razão determinante da perda

da guarda, que deve ser estabelecida sob o princípio da proteção ao bem-estar das

crianças e dos adolescentes, que podem não ser preservados pelo cônjuge

inocente, princípio este bem expresso e detalhado no Estatuto da Criança e do

Adolescente”.193

Como há a necessidade da inserção do instituto da guarda compartilhada

na órbita legislativa brasileira, atualmente há, no Congresso Nacional, alguns

Projetos de Lei sendo analisados, passando pela tramitação legal necessária para

sua aprovação.

Primeiramente, foi encaminhado ao Congresso Nacional, através do Deputado Federal Tilden Santiago, do PT/MG, Projeto de Lei nº 6.350/2002 para alterar os artigos 1.583 e 1.584 do novo Código Civil, instituindo a guarda compartilhada. 194

Como justificação para tal projeto, dispôs o seguinte:

O novo Código Civil brasileiro, tão recentemente aprovado, no ano de sua vacância, merece ser aperfeiçoado em tudo o que for possível. No que tange ao Direito de Família, deixou de contemplar o sistema de guarda compartilhada, que ora propomos, que já vem há tempos sendo apontado como a melhor solução prática em prol das crianças e adolescentes, quando do divórcio ou separação dos pais. 195

Tal proposta, protocolada no dia 24 de janeiro de 2002, para o Presidente

da Comissão Representativa do Congresso Nacional, senador Ramez Tebet, além

de ser explicada à população e veículos de comunicação no dia 25, em Minas

Gerais, durante sessão na Sala de Imprensa da Assembléia Legislativa deste

Estado.196

192 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29/05/08. 193 FIUZA, Ricardo (org.). Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1393. 194 CASABONA, Marcial Barreto. Guarda Compartilhada. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 271. 195 BRASIL. Projeto de Lei nº 6.350/02. Justificação. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 16/05/08 (Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional em 20/05/08, e até a presente data aguarda sanção do Presidente da República). 196 CASABONA, 2006, p. 271.

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A justificativa para a adoção desse sistema está na própria realidade social e judiciária, que reforça a necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre homens e mulheres na responsabilização dos filhos. A continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para o desenvolvimento emocional da criança de forma saudável. Por isso, não se pode manter sem questionamentos formas de solucionar problemas tão ultrapassados. 197

O Projeto de Lei nº 6.315/2002 com o intuito de instituir a guarda

compartilhada no Direito Pátrio, proposto em 18 de março de 2002, pelo Deputado

Federal Feu Rosa, foi apensado, em 24 de abril de 2002, após deliberação da Mesa

Diretora da Câmara dos Deputados (com base no artigo 54 de seu Regimento

Interno) ao Projeto de Lei 6.350/2002.198

O Projeto de Lei nº 6.315/02, de autoria do Deputado Feu Rosa, acrescenta um parágrafo único ao art. 1.583 do Código Civil, que possuiria a seguinte redação: “Nesses casos poderá ser homologada a guarda comparti lhada dos filhos menores nos termos do acordo celebrado pelos pais”. 199

Em sua justificação, dispõe que:

A Proposição que ora apresento tem por objetivo alterar o novo Código Civil que não dispôs sobre a guarda comparti lhada dos fi lhos pelos pais, em caso de separação judicial ou divórcio. Minha proposta é que, obviamente, só haja possibilidade de tal tipo de guarda se a separação ou o divórcio forem consensuais. Caso contrário, as crianças estarão ainda mais vulneráveis em meio a discussões sobre onde e com quem devem ir a algum lugar. 200

Além destes, há a tramitação de outros Projetos de Lei que visam alterar

o art. 1.583 do Código Civil brasileiro, como o de nº 6.960/2002, desenvolvido pelo

Deputado Federal Ricardo Fiúza, “visando inserir a guarda compartilhada (ou

conjunta), nas hipóteses de separação e divórcio consensuais”. 201

Coerente com as alterações propostas no art. 1.583 pelo PL 6.960/02, estamos orientando o Juiz para, sempre que possível e considerando o interesse do menor, estabelecer preferencialmente a guarda sob a forma compartilhada. 202

197 BRASIL. Projeto de Lei nº 6.350/02. Justificação. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 16/05/08. 198 CASABONA, 2006, p. 271-272. 199 AKEL, 2008, p. 125. 200 BRASIL. Projeto de Lei nº 6.315/02. Justificação. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 16/05/08. 201 AKEL, 2008, p. 123. 202 BRASIL. Projeto de Lei nº 7.312/02. Justificação. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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Além, há outros projetos, do mesmo Deputado, em trâmite, sob nº

7.312/02, para modificar o art. 1.584, visando alcançar a escrita de tal artigo com o

texto abaixo relacionado:

Art. 1.584. Declarada a separação judicial ou o divórcio, ou ocorrendo a separação de fato, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja essa possibilidade, será a guarda atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”. 203

O primeiro projeto de alteração foi elaborado pelo Deputado Federal

Tilden Santiago, seguido daquele apresentado pelo Deputado Feu Rosa, e,

finalmente, a proposta do Deputado Ricardo Fiúza, todos elaborados no decorrer do

ano de 2002, visam a atualização jurídica de dois artigos que delimitam a instituição

da guarda no Brasil.204

3.4 ENTENDIMENTO S JURISPRUDENCIAIS CATARINENSES Neste tópico da presente pesquisa serão elencados algumas

jurisprudências correlacionadas à decisões sobre o instituto da Guarda

Compartilhada para se compreender o que há no Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, quando precisam dispor de tal assunto.

No caso relacionado abaixo, o Des. Relator Mazoni Ferreira, do Tribunal

de Justiça de Santa Catarina, decidiu pela não aceitação da guarda compartilhada

pelo entendimento de que ela não seria a indicada no caso em tela, sendo que o

magistrado entendeu que tal instituto não seria benéfico à criança.

Agravo de Instrumento n. 2002.013071-6, de Criciúma. Relator: Des. Mazoni Ferreira. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA C/C PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO - FILHA MENOR (2 ANOS DE IDADE) - CONCESSÃO PARCIAL DA LIMINAR PARA DETERMINAR A GUARDA ALTERNADA - IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO - ACUSAÇÕES FEITAS À MÃE INFUNDADAS E CARENTES DE TODO E QUALQUER SUBSTRATO PROBATÓRIO - INTERESSE DA CRIANÇA DEVE SOBREPOR-SE A QUALQUER OUTRO - RECURSO PROVIDO. A guarda de filha menor - com apenas dois anos de idade - deve ser concedida preferencialmente à mãe, a quem a natureza melhor dotou de condições para os cuidados de que necessita a prole, se nada emerge dos autos em desabono à sua conduta. Destaque-se que a guarda compartilhada não é aconselhável na hipótese, haja vista que esta constante alternância de ambiente familiar gerará para criança certa

203 AKEL, 2008, p. 124. 204 AKEL, 2008, p. 125.

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instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu normal desenvolvimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 02.013071-6, da comarca de Criciúma (Vara da Família, Órfãos, Infância e Juventude), em que é agravante M. S . H. L. e agravado E. M. Z.: ACORDAM, em Segunda Câmara Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso. 205

Neste mesmo entendimento, o Des. Substituto Relator Jorge Schaefer

Martins, entendeu que não seria do interesse do menor a instalação da guarda

compartilhada, visto que seus pais residiam em municípios diferentes, como se

observa abaixo.

Apelação Cível n. 2005.025100-4, de Joaçaba. Relator: Des. Substituto Jorge Schaefer Martins. GUARDA DE FILHO MENOR. MANIFESTAÇÃO DO INFANTE COLHIDA SEM A PARTICIPAÇÃO DAS PARTES. INOCORRÊNCIA, NA HIPÓTESE, DE VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE AFASTADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 10 DA LEI N. 6.515/77. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA QUE AMBOS OS GENITORES POSSUEM CONDIÇÕES DE FICAR COM A CRIANÇA. MENOR QUE MANIFESTA A VONTADE DE PERMANECER COM O PAI. DECISÃO QUE O FAVORECE. QUESTÃO QUE EXIGIA ANÁLISE MAIS APROFUNDADA. CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR QUE PERMANECE COM O PAI POR UM LONGO PERÍODO. NECESSIDADE DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR EM PREJUÍZO DA LETRA FRIA DA LEI. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. INVIABILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA, EM FACE DA RESIDÊNCIA DOS PAIS EM MUNICÍPIOS DIVERSOS E DISTANTES ENTRE SI. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, ANTE AS PARTICULARIDADES, COM NOVA DEFINIÇÃO QUANTO AO DIREITO DE VISITAS DETERMINADO DE OFÍCIO. Se a prova não convence no sentido de ser benéfica ao menor a alteração da guarda há que ser respeitada a opção por ele próprio manifestada. (RT 620/65) [...] a modificação de guarda acarreta o surgimento abrupto de novas contingências para a criança, nem sempre precatada a enfrentá-las sem o desgaste do imprevisto. A sensibilidade infantil tem canais relativos distintos daqueles que informa a identidade psicológica do adulto. Sempre que possível, e salvo quando a mudança represent e alternativa irrecusável, deve ser mantido o status quo. Eventuais alterações de comportamento ulteriormente positivadas podem aconselhar intervenção judicial de distinto efeito, porque inexiste coisa julgada material no decisório prolatado em face de modificação de guarda. (RJTJSP - Lex 120/208) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.025100-4, da comarca de Joaçaba (2ª Vara Cível), em que é apelante A. P. dos P. C. e apelado I. C: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, estabelecer regramento para direito de visitas. 206

205 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de. Agravo de Instrumento n. 2002.013071-6, de Criciúma, Relator Des. Mazoni Ferreira. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em: 16/05/08. 206 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de. Apelação Cível n. 2005.025100-4, de Joaçaba, Relator Des. Substituto Jorge Schaefer Martins. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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Porém, em entendimento abaixo, contrário, o Des. Relator Carlos

Prudêncio, entendeu, em caso diverso, ser a guarda compartilhada a mais indicada

para o caso que estava em sua relatoria.

Agravo de instrumento n. 2001.012993-0, de Laguna. Relator: Des. Carlos Prudêncio. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO DO ART. 526 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONHECIMENTO DO RECURSO. AGRAVO NÃO PROVIDO. "Não obsta o processamento do agravo de instrumento a falta de juntada nos autos principais da petição do agravo e comprovante de sua interposição, bem como relação dos documentos que o acompanham, pois o art. 526 do CPC confere uma faculdade ao agravante para o fim único de possibilitar a retratação da decisão pelo Juiz. É este o objetivo do dispositivo legal, não sendo recomendável que o juiz alargue tal exegese sob pena de, injustificadamente, obstruir o acesso à justiça, garantido na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXV)." (A. I. n. 01.017054-0, Rel. Des. Carlos Prudêncio) RAZÕES DO RECURSO. EXPRESSÕES INJURIOSAS. ART. 15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ- FÉ. INEXISTÊNCIA. Sendo as expressões lançadas na peça recursal indelicadas, mas inexistindo excesso de gravidade por refletirem o estado afetivo do cônjuge varão, não há que ser tomada a providência do art. 15 do Código de Processo Civil. Ademais, somente responderá por litigância de má-fé aquele que praticar uma das ações previstas no art. 17 do Código de Processo Civil, o que não é o caso dos autos, devendo, portanto, ser afastada a preliminar suscitada. GUARDA DE FILHO. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DO MENOR. CONDIÇÕES DE AMBOS OS GENITORES. PRESERVAÇÃO DOS LAÇOS PATERNOS E MATERNOS. GUARDA COMPARTILHADA. "Nas ações de família, em que se discute a guarda da prole, deve-se atender os interesses dos menores, pois a convivência com os pais é mais um direito dos filhos do que dos pais." (Rel. Des. José Volpato de Souza) Sendo um direito primordial da criança conviver pacificamente tanto com o pai quanto com a mãe, ainda quando sobrevem a separação do casal, tem-se a guarda compartilhada como um instrumento para garantir esta convivência familiar. É fundamental para um bom desenvolvimento social e psicológico que a criança possa conviver sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito da guarda de menores ficar atenta ao que melhor atenderá ao bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. Assim, tendo as provas até o momento produzidas indicado que ambos os genitores possuem condições de ficar com o filho menor, tem-se que a melhor solução para o caso concreto é a aplicação da guarda compartilhada sem restrições. Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 01.012993-0, da Comarca de Laguna, em que é agravante J.R. de S. e agravado(a) E.C. da S.S.: ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao agravo para autorizar que o menor permaneça em guarda compartilhada entre os genitores, sem qualquer restrição. 207

Outra decisão favorável é a que se vislumbra a seguir, proferida pelo

Relator, Desembargador Mazoni Ferreira que, no primeiro acórdão apresentado

acima, fora contra a delimitação da guarda compartilhada, mas que, de maneira 207 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de. Agravo de instrumento n. 2001.012993-0, de Laguna, Relator Des. Carlos Prudêncio. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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60 contrária, abaixo, acordou com tal determinação, pois entendeu que seria do

interesse do menor a escolha por tal instituto.

Agravo de Instrumento n. 2002.009848-0, da Capital. Relator: Des. Mazoni Ferreira. AGRAVO DE INSTRUMENTO - MEDIDA CAUTELAR DE SEPARAÇÃO DE CORPOS C/C GUARDA E ALIMENTOS - PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA INDEFERIDO - NECESSIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA - ADMISSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA BENESSE - EXEGESE DO ART. 4º DA LEI N. 1.060/50 - GUARDA COMPARTILHADA DEFERIDA - POSSIBILIDADE - PAIS EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES - INTERESSE DOS MENORES QUE PREVALECE SOBRE QUALQUER OUTRO - FIXAÇÃO DA VERBA ALIMENTAR EM DEZESSEIS POR CENTO DOS RENDIMENTOS DO ALIMENTANTE - PEDIDO DE MAJORAÇÃO - ALEGAÇÃO DE QUE O AGRAVADO DESFRUTA DE CONFORTÁVEL SITUAÇÃO FINANCEIRA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - CRITÉRIO DE ARBITRAMENTO MANTIDO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos termos do art. 4º da Lei n. 1.060/50, com a redação que lhe conferiu a Lei n. 7.510/86, a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária gratuita mediante simples afirmação, na própria petição, de que não tem condições de pagar as custas do processo sem prejuízo próprio ou de sua família. 2. Em se tratando de guarda, a escolha dos filhos é suprema em relação a outros fatores. Deste modo, possuindo ambos os pais condições de permanecer com a prole, a solução mais acertada é o deferimento da guarda compartilhada, ainda mais quando esta é a vontade das crianças e os genitores não se opõem ao compartilhamento. 3. Em sede de agravo de instrumento, o exame das provas se limita apenas ao que foi apresentado pelas partes. Não se verificando qualquer irregularidade na decisão vergastada e não comprovando a agravante os fatos noticiados no recurso, o pleito recursal, por conseguinte, não pode ser acolhido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 02.009848-0, da comarca da Capital (2ª Vara da Família), em que é agravante I. M. G. e agravado J. H. F. B.: ACORDAM, em Segunda Câmara Civil, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso. 208

Portanto, apesar de poucas, mas elucidativas, opiniões diferentes, para

casos individualizados, percebe-se que sempre o fundamento das decisões com

relação à guarda compartilhada buscam o interesse do menor, sendo que tais

acórdãos devem vislumbrar as correlações benéficas de crescimento equilibrado e

bom desenvolvimento mental, emocional e social do menor do caso analisado.

3.5 ENTENDIMENTO S JURISPRUDENCIAIS DE OUTROS ESTADOS

208 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de. Agravo de Instrumento n. 2002.009848-0, da Capital, Relator Des. Mazoni Ferreira. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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Para se ter uma noção mais ampla com relação às decisões proferidas

em nosso país com relação ao instituto da Guarda Compartilhada, nesta parte do

trabalho serão elencadas algumas sentenças ou acórdãos de outros Estados

brasileiros.

A decisão abaixo, proferida pelo Desembargador André Luiz Planella

Villarinho, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determina a guarda ao pai,

pois não há mais harmonia entre o casal, contrariando muitas deciões que entendem

que é com a mãe que se deve ser ministrada a guarda do menor quando não há

entendimento entre os pais.

TIPO DE PROCESSO: Agravo de Instrumento NÚMERO: 70022891915 Decisão: Acórdão RELATOR: André Luiz Planella Villarinho EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DO ACORDO RELATIVO Á GUARDA, FIRMADO NA AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL. GUARDA MANTIDA COM O PAI EM CARÁTER LIMINAR. ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE VISITAS. Não mais existindo harmonia entre o casal, a guarda compartilhada, anteriormente acordada entre as partes, não deve mais subsistir. Guarda deferida ao pai, em caráter liminar, por demonstrar no momento condições mais favoráveis aos... DATA DE JULGAMENTO: 12/03/2008 PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 19/03/2008. 209

Com relação às decisões sobre guarda compartilhada no Estado de São

Paulo, correlaciona-se um acórdão abaixo do Tribunal deste Estado, proferida pelo

Desembargador Donegá Morandini, entendendo que, pela busca do melhor

interesse do menor, já que não havia consenso entre os pais, o regime da guarda

compartilhada não foi deferido.

Apelação Com Revisão 5232764700 Relator(a): Donegá Morandini Comarca: São João da Boa Vista Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 29/01/2008 Data de registro: 07/02/2008 Ementa: Ação de separação judicial. Apelante que não contribuía para o sustento do núcleo familiar. Expedição de ofensas verbais à apelada. Ausência injustificada do lar, não se sujeitando à rotina da vida de casado. Insurportabilidade da vida em comum reconhecida. Incidência do disposto no artigo 5°, Lei n. 6.515/77. Guarda da filha do casal. Deferimento à genitora, notadamente em função da idade da criança (4 anos). Guarda Compartilhada. Ausência de elementos a permitir o deferimento da providência. Regime de visitas. Falta de esclarecimentos sobre a rotina da visitada e do visitante. Manutenção do regime estabelecido pela r. sentença.

209 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do. Agravo de Instrumento de nº 70022891915, RELATOR: André Luiz Planella Villarinho. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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Verba honorária. Valor compatibilizado com o trabalho realizado pelo Patrono da Autora. Sentença mantida. Apelo improvido. 210

Outra decisão que trata da guarda compartilhada é a que está abaixo

disposta, tendo sido proferida pelo Desembargador Ricardo Rodrigues, do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, realizando entendimento sobre a correlação

de direitos entre pai e mãe.

2008.002.05052 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO - Julgamento: 24/04/2008 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL Ementa: GUARDA. VISITAÇÃO. MODIFICAÇÃO. MUDANÇA DE RESIDÊNCIA PARA OUTRO ESTADO. A Agravante pretende rever a decisão pela qual a juíza a quo, usando do seu poder de cautela, que, aliás, se acentua muito na área de família, mormente quando envolve interesse de menores, ao contrário, manteve as crianças com o pai e deferiu à mãe um regime de visitação semanal, nos finais da semana. Desta dec isão é que veio este agravo.A Agravante tem todo o direito de procurar novas oportunidades de emprego, mas ao fazê-lo deveria atentar para o fato de que tem dois filhos menores, está separada, ajustou a guarda compartilhada e que não tem um direito maior do que o do pai das crianças em tê-los consigo. Agravado e Agravante têm idênticos direitos e obrigações em relação aos filhos. A Lei não privilegia um em detrimento do outro. Por isso parte-se para o que é melhor para as crianças. Esta a visão moderna do direito de família quando se discute posse e guarda de filhos. No caso concreto, o pouco que se apresenta até o momento, deixa para esta Relatoria a certeza da sensatez da decisão agravada.Não há nenhum relato sério desabonador da conduta paterna. Ao contrário, há elementos que indicam ser ele um pai cuidadoso, sempre presente na vida dos filhos, ao contrário da mãe. São várias as declarações neste sentido, evidentemente, sem força para produzir um juízo certo de valor, mas como se está numa seara de mera fumaça de direito, vigora para o Agravado uma aparência de bom direito. O fato causador de toda problemática nasceu da própria decisão da Agravante de deixar o Rio. Ao fazê-lo, talvez não tenha pensado nos filhos, na mudança de meio, de escola, de amizades e o mais importante, no rareamento do convívio paterno. O laudo provisório da perita psicóloga sugere a manutenção do convívio dos filhos com a mãe, que por óbvio não está impedida de tê-los e de vê-los, mas indica o preparo dos menores para que sejam transferidos para São Paulo, se esta for a decisão judicial. Desta forma, se conclui que a transferência abrupta não seria uma medida salutar. As crianças estão bem com o genitor. É possível, mas não se sabe, se estariam bem com a mãe em São Paulo. Portanto, neste momento, considerando o princípio do melhor interesse das crianças e, certo de que o convívio materno não restará obstaculizado, é que se impõe a manutenção da decisão agravada.Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator. 211

A intenção do estudo jurisprudencial acima, obviamente, não é de esgotar

a possibilidade de decisões advindas de outros Tribunais, mas especialmente

demonstrar que outros Estados, assim como Santa Catarina, também tem decisões, 210 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de. Apelação Com Revisão de nº 5232764700, Relator(a) Des. Donegá Morandini. Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em: 16/05/08. 211 RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça do. Agravo de Instrumento de nº 2008.002.05052, Relator Des. Ricardo Rodrigues Cardozo. Disponível em: www.rj.sc.gov.br. Acesso em: 16/05/08.

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63 recentes, que buscam o melhor interesse do menor, entendendo que a guarda

compartilhada é instituto possível de ser utilizado, quando há determinados fatos

preenchidos para tal decisão.

3.6 CONSEQÜÊNCIAS: VANTAGENS E DESVANTAGENS

Os direitos relativos à guarda (proteção) e a educação, realizados por

ambos os pais não trazem problemas, em tese, quando a família permanece unida

pelo casamento ou união estável. Depara-se, nesta situação, com a aprovação, pelo

outro cônjuge, de forma majoritária e quase tácita, da decisão com relação aos

direitos elencados acima. Portanto, não existe separação dos poderes de comando,

já que são exercidos de maneira conjunta. Quando não há acordo, há a

possibilidade de que o genitor discordante vá a juízo pleitear o reexame do fato.212

A guarda comparti lhada modifica a posição do genitor frente à prole, pois o mero visitante volta a ser efetivamente um dos pais, situação de grande relevência para o desenvolvimento dos vínculos afetivos na relação paterno-filial.213

Procura-se manter, através do instituto da guarda compartilhada, em tese,

os mesmos laços afetivos que uniam pais e filhos até o momento anterior ao término

da relação. Parte-se do princípio de que não se pode deixar atingir a relação dos

pais com os filhos, pela separação do casal, e que tais desentendimentos

permaneçam longe; a “família desunida permanece biparental”.214

[...] a guarda compartilhada carrega o necessário pressuposto de uma residência fixa, única e não alternada, ou seja, o menor reside num lar determinado, que lhe gera estabilidade, o que não ocorre na guarda alternada, na qual os filhos são transformados em ‘ioiôs’ humanos, permanecendo, por e xemplo, uma semana com cada genitor.215

Quando se trata do local que residirá o menor, se será decidida pela

residência do pai ou da mãe, é a situação in loco que será utilizada para essa

212 LEITE, 2003, p. 269-270. 213 AKEL, 2008, p. 108. 214 LEITE, 2003, p. 270. 215 AKEL, 2008, p. 111.

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64 decisão, ou seja, do relacionamento do casal após a ruptura. Dependendo da

situação materna ou paterna, na qual um dos dois pode apresentar melhores

condições, e podendo fornecer um ambiente mais propício ao bom desenvolvimento

do menor. Ressalta-se que, não sendo propícia a convivência na residência dos

pais, a um terceiro poderá ser dada a guarda, como aos avós. Conclui-se que a

residência do menor não necessariamente será a dos pais (mesmo separados),

apesar de que a casa da mãe é a que se mais determina a residência do menor.216

O segundo aspecto a ser considerado é a educação, aqui não só entendida no seu sentido mais restrito, que engloba a escola, a educação religiosa, artística ou esportiva, e o lazer em geral, mas também a aprendizagem cotidiana, doméstica, da vida.217

Por causa do dever educacional que os pais têm em relação aos filhos, a

vigilância destes também é atribuída àqueles, presumindo que os danos causados

pelos menores devem ser suportados pelos genitores, já que responsáveis, pois,

conforme a jurisprudência e diversos autores, a guarda legal define a

responsabilidade, sendo que é o guardião quem deve suportar os encargos,

inclusive suas infrações.218

Havendo a separação de fato, não há problemas, porém, exercendo, de

forma compartilhada, a guarda, os pais detêm, de forma solidária, a

responsabilidade com relação aos danos que seus filhos causam, pois estão sob

seu poder e companhia (art. 932 do Código Civil). “Ou seja, a jurisprudência exige a

reunião das duas condições previstas pelo texto legal, guarda (‘sob seu poder’) e

coabitação (‘em sua companhia’) para a caracterização da responsabilidade”. 219

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;220

O ato jurídico pode ser lícito (de acordo com o Direito), ou ilícito, quando

em desacordo com as normas jurídicas. Tratando-se de pessoa que possa receber a

imputação do crime, conceitua-se essa modalidade como sendo direta e, do

216 LEITE, 2003, p. 270-271. 217 LEITE, 2003, 272. 218 AKEL, 2008, p. 108. 219 LEITE, 2003, p. 275. 220 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29/05/08.

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65 contrário, sendo o ator necessariamente obrigado a relação de responsabilidade,

que esteja sob a tutela (latu sensu) de outrem, é esta outra pessoa que será a

responsável, sendo tratado como ato ilícito de responsabilidade indireta.221

Além disso, como já se havia afirmado a propósito da responsabilidade decorrente da separação fática, se as decisões relativas à educação são tomadas em comum (e a guarda conjunta é construída sobre esta presunção), ambos os genitores desempenham um papel efetivo na formação diária do filho. Em ocorrendo dano, a presunção de erro na educação da criança ou falha na fiscalização de sua pessoa recai sobre ambos os genitores. [...] As novas formas de organização da autoridade parental, ou o abrandamento dos sistemas puros, através da introdução de outros elementos que criam, na realidade, sistemas mistos de autoridade, têm sempre como objetivo maior responsabilizar os pais garantindo um melhor relacionamento com os filhos após a ruptura.222

É pela continuação, ou ao menos tentativa, da relação entre os pais o

principal fator propulsor do instituto da guarda compartilhada através das mais

variadas legislações, em outros países, trazendo, para os menores a possibilidade

de, mesmo com a separação ou o divórcio, a convivência harmônica entre os

genitores.223 Esta é uma das maiores vantagens, já que é o interesse do menor o

objetivo de tal tipo de guarda, tratando-se de “argumento fundamental” para sua

delimitação”.224

A guarda conjunta ou compartilhada não impõe aos filhos a escolha por um dos genitores como guardião, o que é causa, normalmente, de muita angústia e desgaste emocional em virtude do medo de magoar o genitor preterido, possibilitando o exercício isonômico dos direitos e deveres inerentes ao casamento e à união estável, a saber, a guarda, o sustento e a educação da prole.225

Por isso que se diz que se “mantêm o exercício em comum da autoridade

parental” mesmo quando não há mais casal, e, no caso de conflito, a guarda

compartilhada aguça um “sentimento de justiça” amainando as disputas, tratando-se

de regime conciliador.226

221 FIUZA, 2003, p. 828. 222 LEITE, 2003, p. 275-277. 223 AKEL, 2008, p. 107. 224 LEITE, 2003, p. 278. 225 AKEL, 2008, p. 107. 226 LEITE, 2003, p. 280.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, há uma maior facilidade para a separação entre os casais, já

que a sociedade vem, a alguns anos, aceitando que haja esse afastamento, o que, a

algumas décadas, era considerada inadmissível.

Diversas influências são responsáveis por levar o conjunto familiar a

determinadas decisões, inclusive contando força negativa, ou seja, para a desunião,

consequentemente gerando diversos problemas jurídicos e sociais dos mais graves,

sendo que, geralmente, são os filhos menores que mais precisam de ajuda estatal

para que não sejam prejudicados.

É por tal razão que o instituto da Guarda é tão importante, pois visa

determinar regras para que os direitos do menor sejam respeitados, e seu

desenvolvimento como cidadão seja promissor, não sendo a separação de seus

genitores empecilho para que seu crescimento seja atrasado.

Porém, o que acontece nos tipos de guarda, é que não é sempre que se

consegue gerar a paz após se haver determinadas as obrigações e direitos com

relação à prole, haja vista os inúmeros casos de solicitação de revisão de guarda

que a justiça brasileira diariamente precisa lidar.

Por tal razão é que o instituto da guarda compartilhada é considerado o

que mais se aproxima das necessidades dos filhos, pretendendo com que os pais

estejam em constante luta, conjunta, pela melhoria de vida de sua prole, buscando

de uma forma mais “familiar” com que o menor tenha seu desenvolvimento ligado

mais intensamente aos seus pais.

Em nosso país, não há previsão textual do instituto da guarda

compartilhada (ou até mesmo com a expressão conjunta); apesar de que a realidade

apresenta a necessidade de seu uso pois, já que o mundo jurídico é responsável por

dar fim aos conflitos.

Como ressaltado no corpo da presente pesquisa, há Projetos de Lei,

desde 2002 tramitando para que a Guarda Compartilhada figura, efetivamente, no

rol de possibilidades de guarda, como o de nº 6350/2002, na qual foi à sanção

presidencial.

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O que compreende da guarda compartilhada é que, sendo os pais co-

responsáveis pelo menor, há uma desvantagem com relação ao instituto da guarda

alternada, e que, apesar daquela ser mais vantajosa para o menor, quando

cuidadosamente desenvolvida, muitos pais podem se sentir compelidos a sua não

aceitação, para não ter que responder por um ato de seu filho, quando não está na

sua presença, e sim com o outro pai.

O que se procura através do instituto da guarda compartilhada, é a

manutenção dos laços afetivo-familiares que uniam pais e filhos até o momento da

separação. Parte-se do entendimento de que é necessário reconhecer que se deve

evitar atingir a relação entre pais e filhos, quando há a o afastamento do casal, e que

os desentendimentos advindos de tal, permaneçam longe da vida do menor.

Por fim, ressalta-se que a presente pesquisa tratou de tema muito

relevante, porém novo para o sistema jurídico-positivo brasileiro, haja vista não

haver, até hoje, legislação específica, e somente após alguns anos de tramitação,

existir a possibilidade de que um Projeto de Lei seja sancionado para regular tal

instituto. Portanto, não é de maneira absoluta que se pretende esgotar esse assunto,

visando, com este trabalho, aumentar a compreensão sobre a Guarda

Compartilhada, esclarecendo ao mundo jurídico e demais interessados suas

vantagens e desvantagens, em especial.

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