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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ VITOR HUGO MENDES DE OLIVEIRA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO: Análise constitucional do artigo 6º. da LC 105/2001 Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

VITOR HUGO MENDES DE OLIVEIRA

QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO : Análise constitucional do artigo 6º. da LC 105/2001

Biguaçu

2008

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VITOR HUGO MENDES DE OLIVEIRA

QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO : Análise constitucional do artigo 6º. da LC 105/2001

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Sérgio Luiz Veronese Júnior.

Biguaçu 2008

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VITOR HUGO MENDES DE OLIVEIRA

QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO: Análise constitucional do artigo 6º. da LC 105/2001

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Constitucional

Biguaçu, 31 de outubro de 2008.

Prof. MSc. Sérgio Luiz Veronese Júnior UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientador

Prof. MSc. Renato Heüsi de Almeida UNIVALI Membro

Prof. Esp. Gabriel Paschoal Pítsica UNIVALI Membro

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 31 de outubro de 2008.

Vitor Hugo Mendes de Oliveira

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RESUMO

O sigilo é direito à privacidade, bem protegido, inserido na categoria dos direitos

fundamentais, mais expressamente dos direitos da personalidade, é seguro pela

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º., incisos X e XII. Sendo assim, o

sigilo bancário encontra-se amparado pelo direito à inviolabilidade da intimidade, da

vida privada, honra, e imagem das pessoas e também por direito à inviolabilidade do

sigilo de dados. A Lei Complementar nº. 105/2001 tem como foco principal a quebra

desse sigilo, e, por conseqüência, supostamente, fere os direitos fundamentais

constitucionalmente adquiridos. Tem como particular divergência, o seu artigo 6º.,

que possibilita a Administração Tributária a fazer requisição direta às instituições

financeiras para obter informações sigilosas. Enquanto a jurisprudência, em suas

mais altas cortes, têm decidido pela aplicação da referida Lei Complementar, no

absoluto entendimento doutrinário, que é favorável à sustentação do sigilo bancário

como direito fundamental, prima sempre por sua inconstitucionalidade. Como

matéria constitucional, mais estritamente, de colisão de princípios fundamentais,

comparando os princípios, prevalece aquele que salvaguardar mais direitos.

Palavra-chave : SIGILO; BANCÁRIO; CONSTITUIÇÃO.

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ABSTRACT

The secrecy is right to the privacy, protected, inserted in the category of the basic

rights, most specifically the rights of the personality, is assured for the Federal

Constitution of 1988, in its article 5º., sections X and XII. Thus, banking secrecy

meets supported by the right to the inviolability of the privacy, private life, it honors,

and image of the people and also for right to the inviolability of the secrecy of data.

The Complementary Law nº. 105/2001 has as main focus the fall of secrecy, and,

therefore, supposedly, wounds the basic rights constitutionally granted. It has as

particular disagreement, its article 6º., which allows the Administration Tax to request

direct solicitation to the financial institutions to get sensitive information. While the

case law on its highest courts, have decided for the implementation of the

Complementary Law, in absolute doctrinal understanding, which is favorable to

support banking secrecy as a fundamental right, always press for its

unconstitutionality. As a constitutional matter, more strictly, a collision of fundamental

principles, comparing the principles, the one that prevails safeguard more rights.

Palavra-chave : SECRECY; BANKING; CONSTITUTION.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade

BACEN – Banco Central

CC/02 – Código Civil Brasileiro de 2002

CFOAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

CGJ – Corregedoria Geral da Justiça

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

CPC – Código de Processo Civil

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CPP – Código de Processo Penal

CRFB/88 – Constituição Federal de 1988

CVM – Comissão de Valores Mobiliários

LC – Lei Complementar

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

TRF – Tribunal Regional Federal

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SUMÁRIO

RESUMO

ROL DE ABREVIATURAS

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................1 CAPÍTULO 1 – ABORDAGEM HISTÓRICA E TEORIAS FUNDAMEN TAIS 1. 1 O SURGIMENTO DO SIGILO...........................................................................................................4 1. 2 O SIGILO BANCÁRIO NO BRASIL ..................................................................................................7 1. 3 O SIGILO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL ........................................................................10 1. 4 O SIGILO NO ARTIGO 8º., DA LEI Nº. 8.021/90 ...........................................................................11 1. 5 O SIGILO NO ARTIGO 12, DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 70/91 .................................................13 1. 6 O SIGILO NA LEI COMPLEMENTAR Nº. 105/01...........................................................................14 1. 7 O SIGILO BANCÁRIO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO .......................................................................15 1. 8 TEORIAS FUNDAMENTAIS DO SIGILO BANCÁRIO....................................................................19 1. 8. 1 Teoria Contratualista ................................................................................................................20 1. 8. 2 Teoria Consuetudinária ............................................................................................................20 1. 8. 3 Teoria da Responsabilidade Civil ............................................................................................21 1. 8. 4 Teoria da Boa-fé ........................................................................................................................22 1. 8. 5 Teoria do Segredo Profissional ...............................................................................................23 1. 8. 6 Teoria do Direito à Intimidade ..................................................................................................25 CAPÍTULO 2 – HIPÓTESES DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO 2. 1 HIPÓTESES DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO ......................................................................26 2. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS..........................................................................................................28 2. 2. 1 Acesso à Justiça .......................................................................................................................28 2. 2. 2 Devido Processo Legal e a Reserva Jurisdici onal ................................................................31 2. 2. 3 Juiz Natural .............................................................................................................................. 34 2. 2. 4 Contraditório e Ampla Defesa ................................................................................................ 36 2. 2. 5 Presunção de Inocência ......................................................................................................... 37 2. 3 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................................................38 2. 4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.......................................................................................41 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 6º. D A LC 105/2001 3. 1 ÓRGÃOS LEGITIMADOS À QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO...................................................45 3. 1. 1 Poder Judiciário .......................................................................................................................45 3. 1. 2 BACEN e a Comissão e Valores Mobiliários .........................................................................48 3. 1. 3 Comissão Parlamentar de Inquérito .......................................................................................49 3. 1. 4 Poder Legislativo .....................................................................................................................51 3. 1. 5 Ministério Público ....................................................................................................................52 3. 1. 6 Administração Tributária .........................................................................................................54 3. 1. 6. 1 Princípio da Isonomia Tributária ............................................................................................55 3. 1. 6. 2 Princípio da Capacidade Contributiva....................................................................................56 3. 1. 6. 3 Requisitos para a Ruptura do Sigilo.......................................................................................58 3. 2 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 6º. DA LC 105/2001.................................................59 3. 2. 1 Tendências Doutrinárias .........................................................................................................60 3. 2. 2 Tendência Jurisprudencial ......................................................................................................62 3. 2. 2. 1 Superior Tribunal de Justiça ..................................................................................................63 3. 2. 2. 2 Tribunal Regional Federal ......................................................................................................66 3. 2. 2. 3 Tribunal de Justiça de Santa Catarina ...................................................................................67 3. 2. 2. 4 Supremo Tribunal Federal .....................................................................................................68

CONCLUSÃO .......................................................................................................................................70

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................73

ANEXOS ...............................................................................................................................................78

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INTRODUÇÃO

O tema enfoca o direito à privacidade como bem protegido

constitucionalmente. Partindo da análise e importância dos direitos fundamentais,

mais expressamente dos direitos da personalidade.

O sigilo, no sentido do tema, tem a ver com a segurança do cidadão,

princípio cujo conteúdo valorativo diz respeito à exclusão do arbítrio, não só de parte

da sociedade como, sobretudo, do Estado que só pode agir submisso à ordem

normativa que o constitui. 1

A escolha do atual tema em defesa se deu principalmente pela polêmica

nele contida explorada pela mídia em vários veículos, que permeia a violação de

direito fundamental, e, em contraposição, dá ao Estado um instrumento de

resguardo ao capital público, um controle contra a sonegação fiscal, tendo em vista

que os impostos que dependem de declaração são facilmente sonegáveis. Assim,

vigora o debate ético-moral do que seria mais favorável, não violar um direito

pessoal ou combater a sonegação.

O trabalho tem como objetivo institucional a produção de uma Monografia

para obtenção de título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

Como objetivo geral, analisar a discussão da constitucionalidade da Lei

Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, que introduziu, em seu artigo 6°., a

autorização às autoridades e agentes tributários ao acesso aos dados financeiros,

sem necessidade de intervenção judicial. Porém, a Administração Tributária, para

obter acesso aos informes financeiros confidenciais do contribuinte, necessita

respeitar requisitos obrigatórios determinados pelo próprio artigo 6º da Lei

Complementar questionada como: haver processo administrativo instaurado ou

procedimento fiscal em curso, e que tais exames sejam considerados indispensáveis

pela autoridade competente.

1 PIZOLIO, Reinaldo. Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo : Ed. Quartier Latin Editora, 2004.

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Tendo como objetivos específicos, a análise da fundamentação

constitucional do instituto do sigilo bancário, os princípios que permeiam esse

instituto, assim como, quando a lei admite a quebra do sigilo financeiro,

principalmente, em nome da Administração Tributária.

O trabalho foi desenvolvido tendo como base as seguintes hipóteses: a)

saber em quais situações o sigilo bancário pode ser quebrado sem autorização

judicial e em quais casos a norma do artigo 6º., da Lei Complementar nº. 105, de 10

de janeiro de 2001 não feriria direito fundamental da pessoa alvo de averiguação

fiscal; b) como era entendida a quebra do sigilo bancário antes de vigorar a Lei

Complementar nº. 105/2001; c) de acordo com a Lei Complementar nº. 105/2001,

quais entidades podem requisitar acesso direto a informações sigilosas junto às

instituições financeiras; d) O que veio a ser constatado com o advento da Lei

Complementar nº. 105/2001, no que tange ao sistema financeiro nacional e a

intimidade do indivíduo cliente da instituição financeira e contribuinte.

Levando em consideração que tal Lei Complementar tem como principal

divergência a quebra do sigilo, e por conseqüência, de maneira suposta, fere direitos

fundamentais constitucionalmente adquiridos, visto que, no absoluto entendimento

doutrinário que é favorável à sustentação do sigilo bancário, se finda sempre pela

inconstitucionalidade da mesma, a partir do argumento que o sigilo bancário é direito

fundamental seguro pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, incisos X e XII,

ou seja, o sigilo bancário encontra-se amparado pelo direito à inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, honra, e imagem das pessoas e também por direito à

inviolabilidade do sigilo de dados. 2

A doutrina e a jurisprudência anteriores a Lei Complementar nº. 105, de 10

de janeiro de 2001 afirmavam que a quebra do sigilo bancário necessitava de

processo judicial e só depois de expedido o mandado pelo juiz é que a autoridade

fiscal poderia examinar o movimento financeiro da conta bancária do investigado.

A promulgação da Lei Complementar nº. 105/2001, alargou sensivelmente

as hipóteses de ruptura do sigilo, e provou-se eficaz no combate à sonegação fiscal,

depois que o acesso à movimentação financeira ficou eficientemente simples de se

realizar pela própria Administração Tributária.

2 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo Bancario E O Fisco. São Paulo : Juruá, 2005.

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Para o hodierno trabalho será utilizado o método dedutivo, analisando

inicialmente o contexto geral, para posteriormente aprofundar a discussão no objeto

do tema.

No primeiro capítulo, objetiva-se realizar um apanhado histórico sobre o

surgimento do sigilo, abordando desde a antiguidade até a época moderna, ou seja,

analisando sua evolução para que permita melhor entender o que gira em torno dele

atualmente. Também, como a idéia de sigilo bancário veio ao Brasil, do sigilo

bancário em nosso ordenamento jurídico e sua proteção constitucional, bem como,

tendo em vista a alta gama de interesses que desperta o fundamento do sigilo

bancário, ilustrado através de diversas teorias.

O segundo capítulo fará uma abordagem sobre as hipóteses em que a

legislação brasileira admite a quebra do sigilo financeiro, frente ao Estado e, diante

disso, os direitos fundamentais que não devem ser lesionados, a colisão desses

direitos, o princípio da proporcionalidade e os demais princípios que precedem a

ruptura do sigilo bancário.

No terceiro e último capítulo, será proposta a discussão sobre a

constitucionalidade do artigo 6º., da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de

2001, explicitando os órgãos e autoridades legitimadas por essa Lei Complementar

à realizar a devida quebra, arraigando a discussão para as divergências na doutrina

e a convergência sobre a matéria do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de

Justiça, Tribunal Regional Federal e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

O presente trabalho se encerra com as considerações finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, e propõe a estimulação à

continuidade dos estudos e das reflexões sobre a restrição de direitos fundamentais

que possa ocorrer com o rompimento do sigilo bancário.

É valido salientar, ainda, que a presente monografia não tem a pretensão de

esgotar o tema e muito menos dar resposta definitiva à matéria. Antes de ambicionar

dirimir as dúvidas existentes, esse estudo propõe fomentar o estudo da matéria e

talvez até ajudar a esclarecer alguns aspectos relevantes.

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CAPÍTULO 1 – ABORDAGEM HISTÓRICA E TEORIAS FUNDAMEN TAIS

Neste capítulo objetiva-se desempenhar um apanhado histórico sobre o

surgimento do sigilo e sua evolução, também, como a idéia de sigilo bancário veio

ao Brasil, do sigilo bancário em nosso ordenamento jurídico e sua proteção

constitucional, bem como, as teorias que fundamentam o sigilo bancário.

1. 1 O SURGIMENTO DO SIGILO

O grande avanço social deste século tem principiado o estreitamento do

comportamento das relações entre o indivíduo e as instituições financeiras, que é, a

cada dia que passa mais evidente e presente no cotidiano da sociedade. Nos dias

de hoje, com todo desenvolvimento tecnológico, coloca-se totalmente impensável

viver a atividade econômica sem o apoio das entidades financeiras, os Bancos. Isso

vale até mesmo para o cidadão comum. 3

O estreitamento dessas relações, homem e banco, são frutos da tecnologia

inserida aos serviços bancários, que se expandiu notavelmente, colocando à

disposição dos clientes dos bancos a comodidade e a celeridade, que há tempos

atrás seria inimaginável. 4

Mas com toda essa tecnologia, usada para dar essa comodidade e melhorar

a relação entre cliente e banco, vem, por outro lado, devassar a intimidade das

pessoas. Com o aumento da relação de negócios cliente e banco, essas instituições

financeiras vieram a coletar mais e mais dados de seus clientes, o que aguçou ao

Estado, a possibilidade de, com a obtenção da informação desses dados, mover

3 LARA, Victor Emanuel Alves de. Comentários à lei do sigilo bancário. 2006. p. 21. 4 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 21.

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uma fiscalização mais forte, combater a sonegação e melhorar a arrecadação de

impostos. 5

O Poder Judiciário, ciente de que o avanço tecnológico permitiu a devassa

na vida íntima do indivíduo, tem barrado esse anseio estatal de arrecadação. 6

A jurisprudência, nessa área, em regra, tem proporcionado o equilíbrio

necessário para preservar, em um campo, o direito fundamental da intimidade

individual, e, em outro, o acesso justo irrestrito ao Estado a informações dos

indivíduos componentes do mesmo, havendo, para autorizar a vidência de tais

informativos, nesse caso, motivos relevantes para tanto. 7

Buscando fundamentos do direito ao sigilo bancário o jurista Roberto

Massao Chinen vem acrescentar mais sobre as origens do sigilo bancário:

A discrição e o segredo são atributos inerentes à atividade bancária. Essa íntima ligação justifica-se pelo fato de essa atividade despertar o interesse de terceiros, estranhos à relação creditícia, como o fisco, credores do cliente, concorrentes do banco etc. A contradição entre esses vários interesses resulta na necessidade de o banqueiro estabelecer regras de conduta, ou padrões de comportamento, para viabilizar seus interesses, e ao mesmo tempo preservar os legítimos interesses dos demais. O conteúdo dessas regras variou no tempo e no espaço, adaptando-se às circunstâncias históricas de cada comunidade. 8

As noções de origem do sigilo, assim como sua evolução histórica,

confundem-se com as das instituições bancárias, que remontam às civilizações

mesopotâmicas. O autor libanês Raymond Farhat menciona algumas características,

dentre elas seu caráter religioso:

[...] os primeiros banqueiros foram os deuses representados por seus padres. Seus estabelecimentos eram os templos. A atividade bancária apresentava um caráter sagrado e dispunha de uma aura de mistério que cercava tudo que relacionasse com o divino. Mais que uma simples discrição, as operações bancárias constituíam-se de magia, de mistério e do desconhecido. Tudo era concebido para ser feito para os deuses e pelos deuses. 9

5 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 21. 6 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 21. 7 LARA, Victor Emanuel Alves de. Op. cit., p. 21. 8 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 21. 9 FARHAT, Raymond. Le secret bancaire: étude de droit comparé (France, Suisse, Liban). Paris : Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1980. p. 12-15. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 21.

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Relevante à evolução histórica do sigilo bancário, podemos destacar que:

Na Suíça, país em que o segredo bancário é uma verdadeira instituição nacional, há mais de trezentos anos, as raízes apresentam ramificações políticas. Os reis da França foram os primeiros clientes dos banqueiros suíços, que eram protestantes, muitos deles de origem francesa, cassados pela revogação do edito de Nantes, por Louis XIV, em 1685. Apesar das perseguições de que foram vítimas, eles continuaram a financiar o rei da França, já que, na época, não havia melhor negócio que emprestar ao rei, que, além de ser capaz de honrar seus empréstimos, tinha necessidades insaciáveis de financiamento. A discrição desempenhava um papel fundamental, eis que não se podia dizer que o rei contraía empréstimos dos heréticos protestantes. Um dos primeiros instrumentos disciplinadores do segredo bancário da legislação suíça data dessa época: em 1713, O Grande Conselho Genovês (le grand Conseil Genevois) adota uma regra segundo a qual, os banqueiros deviam ter um registro de sua clientela e de suas operações, sendo-lhes proibido divulgar essas informações a qualquer outro que não fosse o cliente implicado, salvo acordo expresso do Conselho Municipal (Conseil de la Ville). A partir de então, a Suíça torna-se um asilo financeiro e político para aqueles que se refugiavam das tormentas políticas que varreriam a Europa depois de 1789, oferecendo um asilo salutar aos capitais dos nobres fugitivos da Revolução e dos diversos governantes que os sucederam durante o século XIX. O próprio Napoleão foi um cliente assíduo de um desses bancos. 10

A discrição e a confiança, como princípio moral dos negócios, só vieram a se

desenvolver na Idade Média. O autor acima citado se refere aos registros em

manuais comerciais, como os Conseils sur le Commerce (Conselhos do Comércio),

onde focalizavam a idéia dos comerciantes medievais, em que havia uma ética

comercial e uma moral nos negócios, “para os banqueiros, importavam, entre outras

qualidades, a prudência, a desconfiança, a experiência e, sobretudo, a discrição” 11.

O sigilo agudo, discrição obsessiva, explica porque da grande dificuldade

que os historiadores têm em obter informações a respeito de detalhes dos negócios

comerciais; “afim de evitar proveito aos concorrentes, os comerciantes medievais

omitiam, em seus livros e contratos, a destinação de seus negócios, o nome de seus

correspondentes ou a natureza das mercadorias.”12

Ainda abrangendo o sentido histórico do sigilo bancário, pode-se dizer que

não é nova a idéia dos bancos resguardarem informações de seus clientes, sendo,

essa prática, usada desde que os bancos utilizam-se de suas atividades financeiras.

10 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 23. 11 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 22. 12 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 22.

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Há três mil anos já era difundida a noção da precisão de se guardar o

segredo de certas informações negociais sigilosas.13

O jurista Victor Emanuel Alves de Lara cita, em sua obra, sobre o assunto, o

professor Sérgio Carlos Covello, nos seguintes termos:

[...] já na Babilônia, quando a atividade bancária era exercida nos templos ou nos palácios, onde os sacerdotes e os reis recebiam valores em depósito, realizavam empréstimos e antecipações, bem como intermediavam negócios, já se preocupavam com o sigilo dessas atividades. 14

Ao longo dos séculos, o controle da atividade bancária foi se

individualizando, levado ao setor privado, alocado à particulares15. Assim como nos

instrui, novamente, o professor acima citado:

no século XVI A. C., o processo de laicização do comércio babilônico acentuou-se de maneira considerável. Do templo e do palácio, a atividade bancária passou às mãos de civis, surgindo assim, os primeiros estabelecimentos de iniciativa privada. 16

Assim, viu-se necessário resguardar as informações sigilosas dos

negociadores com essas primeiras instituições financeiras. O sigilo bancário deixou

realmente de ser consuetudinário, para obter proteção legal, somente com o advento

do capitalismo. E com a vontade da sociedade de proteger as informações sigilosas

utilizadas nessas operações financeiras, “o sigilo bancário ganha foro universal” 17.

1. 2 O SIGILO BANCÁRIO NO BRASIL

As primeiras casas bancárias surgiram com a vinda da família real

portuguesa para o Brasil. A partir daí, com o crescimento da atividade bancária, os

13 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 21 e 22. 14 COVELLO, Sérgio Carlos, O sigilo bancário. 1991. apud. LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 22. 15 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 22. 16 COVELLO, Sérgio Carlos. op. cit. p. 22. 17 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit. p. 22.

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donos dos bancos começaram a se preocupar com o vazamento de informações

sigilosas importantes que suas casas armazenavam sobre seus clientes. 18

Com noções evolutivas da tutela normativa do sigilo financeiro no país,

podemos ressaltar a idéia da Mestra Juliana Garcia Belloque:

Historicamente, os dados das operações bancárias foram protegidos com a tarja do segredo; o que se iniciou com o costume e pela própria natureza da atividade financeira, que exige delicadas informações daqueles que dela se utilizam, atualmente encontra suporte protetivo no Direito Positivo em muitas legislações. Não é diferente no Brasil.19

Em nosso ordenamento, a primeira vez que legalmente se tratou dessa

matéria foi no Código Comercial (Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850), que em seu

artigo 119, considerava banqueiros os comerciantes que exerciam atividades

bancárias, que visava subordinar, as operações às normas contratuais estabelecidas

por esse Código (artigo 120). Uma dessas normas, em seu artigo 17, é a de garantia

ao segredo dos livros de escrituração mercantil. 20

Na década de 40 entrou em vigor o Código Penal (Decreto-Lei nº. 2.848 de

07 de dezembro de 1940), que incluiu nos crimes contra a liberdade individual a

inviolabilidade dos segredos e, no artigo 154, estabeleceu como crime a violação do

segredo profissional. Diante disso, todo indivíduo que, por virtude de sua profissão,

detivesse informações alheias sigilosas, deveria mantê-las em segredo absoluto, e

que, se por acaso, violasse esse sigilo, transgrediria também o preceito estabelecido

no Código Penal, e arcariam com as penas da lei. 21

Consoante a esses termos, é válido destacar que o Código de Processo

Penal (Lei nº. 3.689 de 03 de outubro de 1941), em seu artigo 207, não admite a

revelação de informações secretas por quem deva resguardá-las. Admitindo, porém,

ao indivíduo, principal interessado, autorizar sua revelação. 22

A Lei nº. 4.595 de 31 de dezembro de 1964, foi publicada a fim de regular de

forma autônoma o sistema financeiro nacional e elevou o sigilo bancário a um dever

18 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23. 19 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. 2003. p. 63. 20 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23. 21 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23. 22 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23.

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legal como regra geral a ser observada e disciplinaria as hipóteses que admitissem

sua quebra 23, destacando o texto do artigo 38:

Artigo 38 . As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§1º. As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§2º. O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

§3º. As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº. 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.

§4º. Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º. e 3º. deste artigo deverão ser aprovados pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§5º. Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos outros Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros, de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§6º. O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.

§7º. A quebra de sigilo que se trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código Processual Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.24

Essa lei foi recepcionada pela Constituição da Federal de 1988 com eficácia

de Lei Complementar, como ditava o artigo 192 da constituinte, por isso diversas leis

especiais ordinárias que vieram no intuito de enfraquecer o sigilo financeiro perante

23 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23. 24 BRASIL. Lei nº. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, artigo 38. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4595.htm>. Acesso em: 09 set. 2008.

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a fiscalização tributária e os Ministérios Públicos da União e Estaduais foram

consideradas inconstitucionais. 25

Por muito tempo esse artigo da Lei constituiu-se no único instrumento legal

que regulou a matéria do sigilo bancário no Brasil. E não foi suficientemente eficaz

para a resolução da problemática envolvida no tema. 26

Contudo, após pouco mais de trinta e cinco anos de vigência da Lei nº.

4.595/64, em 10 de janeiro de 2001 entrou em vigor a Lei Complementar nº. 105,

que no seu artigo 13, expressamente, revoga o artigo 38 da Lei nº. 4.595/64. 27

1. 3 O SIGILO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

No âmbito tributário, a Lei nº. 5.172 de 25 de outubro de 1966, que através

do Ato Complementar 36, de 3 de junho de 1967, ficou nominada de Código

Tributário Nacional 28.

De acordo com Paulo de Barros Carvalho:

a referida lei foi aprovada como lei ordinária federal, já que naquela época a lei complementar não apresentava seu caráter ontológico formal, isso é, matéria especialmente prevista na Constituição e a exigência de maioria absoluta para aprovação; entretanto, essa lei adquiriu eficácia de lei complementar, quanto aos dispositivos que disciplinam matérias reservadas a essa modalidade de lei, e é, até hoje, após a Constituição Federal, o principal instrumento legislativo do direito tributário brasileiro.29

As normas que regulam o sigilo bancário estão dispostas nos artigos 195 e

197, do próprio CTN, abaixo transcritos:

Artigo 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos,

25 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 64. 26 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 24. 27 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 23. 28 CHINEN, Roberto Massao. Op. cit., p. 68. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. P. 59 e 60. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 68.

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papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.

[…]

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III - as empresas de administração de bens;

IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V - os inventariantes;

VI - os síndicos, comissários e liquidatários;

VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. 30

1. 4 O SIGILO NO ARTIGO 8º., DA LEI Nº. 8.021/90

A Lei 8.021, de 12 de abril de 1990, nasceu da Medida Provisória nº. 165 de

15 de março de 1990, e dispunha sobre a identificação dos contribuintes para fins

tributários. O legislador tinha como objeto desviar a noção jurisprudencial firmada

pelo STJ de que os vocábulos “processo” e “autoridade”, contidos do artigo 38, §5º.,

da Lei 4.595/64, faziam referencia ao judicial e não ao administrativo-fiscal, visto

que, o sigilo bancário se ampararia no artigo 5º., X, da Constituição Federal,

podendo somente ser levantado por meio de decisão judicial. Como visto no item

30 BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966, artigos 195 e 197. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em: 09 set. 2008.

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anterior, essa explicação não faz dano ao disposto nos artigos 195 e 197 do CTN 31.

O artigo 8º., da Lei nº. 8.021/90, estabelece:

Art. 8º . Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1° do art. 7°. 32

Logo que publicada, a Lei 8.021/90 introduziu uma nova questão, agora, de

ordem formal. Derrogou o artigo 38 da Lei 4.595/64, quando substituiu as exigências

de existência de processo instaurado e indispensabilidade das informações

bancárias pelo início do procedimento fiscal, dessa forma, atribuindo competência

para a autoridade fiscal buscar os dados financeiros imediatamente nas instituições

financeiras. Assim, o legislador incorreu em vício formal 33.

Como aduz Arnoldo Wald: “não pode a primeira regra derrogar a segunda,

pois é lei ordinária, de hierarquia inferior à lei complementar”. 34

Na ótica do autor Carlos Alberto Hagstron:

A respeito do status de lei complementar atribuído à Lei 4.595/64, diz-se que a Constituição de 1988, em seu art. 192, prevê um reordenamento do sistema financeiro, a ser concluído através de lei complementar; nesses termos, a aludida lei foi recepciona com força de lei complementar, até que outra seja promulgada. 35

Nesse contexto, há de se questionar a respeito da constitucionalidade do

artigo 8º., da Lei 8.021/90, visto que, se fosse haver qualquer alteração de norma

bancária teria que ser por lei de igual peso 36. Como já referido, de acordo com o

artigo 192 da Constituição Federal de 1988, o sistema financeiro nacional somente

poderá ser regulado por Lei Complementar.

31 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 71 e 72. 32 BRASIL, Lei nº. 8.021 de 12 de abril de 1990, artigo 8º., caput e parágrafo único. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 09 set. 2008. 33 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 72. 34 WALD, Arnoldo. Sigilo Bancário e os direitos fundamentais. p. 27 e 28. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 72. 35 HAGSTRON, Carlos Alberto. O sigilo bancário e o poder público. p. 52 e 53. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 72. 36 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 72.

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1. 5 O SIGILO NO ARTIGO 12, DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 70/91

A lei em questão, Lei nº. 70, de 30 de dezembro de 1991, quando instituiu o

COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), instituiu também,

em seu artigo 12, novas disposições complementado a obrigação de informação das

instituições financeiras em face da Administração Tributária, artigo esse, transcrito a

seguir:

Art. 12. Sem prejuízo do disposto na legislação em vigor, as instituições financeiras, as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as sociedades de investimento e as de arrendamento mercantil, os agentes do Sistema Financeiro da Habitação, as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e instituições assemelhadas e seus associados, e as empresas administradoras de cartões de crédito fornecerão à Receita Federal, nos termos estabelecidos pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, informações cadastrais sobre os usuários dos respectivos serviços, relativas ao nome, à filiação, ao endereço e ao número de inscrição do cliente no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC).

§1° As informações recebidas nos termos deste artigo aplica-se o disposto no § 7° do art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

§2° As informações de que trata o caput deste artigo serão prestadas a partir das relações de usuários constantes dos registros relativos ao ano-calendário de 1992.

§3° A não-observância do disposto neste artigo sujeitará o infrator, independentemente de outras penalidades administrativas à multa equivalente a trinta e cinco unidades de valor referidas no art. 5° desta lei complementar, por usuário omitido. 37

Essa lei trata especificamente dos dados cadastrais dos clientes dos bancos

e dos institutos de ordem similar, não abrangendo o fornecimento de outras

informações, como por exemplo, ao dito de Roberto Massao Chinen, “extratos de

contas correntes, depósitos, poupanças, aplicação financeira, compra e venda de

títulos, compras efetuadas com cartão de crédito etc” 38. Inclusive, na doutrina,

37 BRASIL. Lei Complementar nº. 70, de 30 de dezembro de 1991, artigo 12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp70.htm>. Acesso em: 09 set. 2008. 38 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 73.

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promoveu-se uma discussão sobre a questão do conteúdo do sigilo bancário

abranger ou não, os dados cadastrais. 39

1. 6 O SIGILO NA LEI COMPLEMENTAR Nº. 105/01

A Lei Complementar nº. 105 de 10 de janeiro de 2001, a mais atual

referência sobre o tema discutido, tem ascendência nos Projetos de Lei

Complementar nº.s 219 e 007, de autoria, respectivamente, dos senadores Lúcio

Alcântara e José Eduardo Dutra, cuja proposta era de uma ampla revisão da

disciplina do sigilo bancário, já que o artigo 38 da Lei 4.595/64 não supriu os desejos

atuais dos legisladores. Em seguida, o Projeto de Lei Complementar nº. 53/97,

determinava nova redação ao referido artigo 38 e para o artigo 18 da Lei 7.492/86, e

que teve seu projeto aprovado no Senado Federal em 03 de fevereiro de 1998,

essencialmente apresentava os moldes da lei recente, sendo, então, remetido à

Câmara dos Deputados, onde tomou o nº. 220/98. Depois de vastas contendas,

principalmente discutida a questão da quebra do sigilo bancário sem necessidade de

antecipada autorização judicial, por parte das autoridades e do Ministério Público,

teve, o projeto, aprovação na Câmara em 13 de dezembro de 2000, e publicação em

10 de janeiro de 2001. 40

Em seguida transcrevemos os artigos atinentes ao tema, da referida lei

complementar:

Art. 1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

[...]

Art. 5º. O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

[...]

39 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 73. 40 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 75.

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Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

[...]

Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar.

Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.

[...]

Art. 13. Revoga-se o art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964. 41

O artigo 1º., estabelece a obrigação de sigilo para as instituições financeiras,

os artigos 5º. e 6º., autorizam o acesso às informações financeiras diretamente pela

Administração Fazendária, os artigos 10 e 11, dispõem sobre as sanções aplicadas

àqueles que violem o sigilo bancário, e o artigo 13 dispõe, expressamente, sobre a

revogação do artigo 38 da Lei 4.595/64.42

1. 7 O SIGILO BANCÁRIO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição Federal de 1988 não menciona expressamente o sigilo

bancário, somente como matéria de lei complementar seria tratada.

41 BRASIL. Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, artigos 1º., 5º., 6º., 10, 11, e 13. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp105.htm>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 01). 42 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 75.

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Entre a doutrina, há uma discussão sobre a proteção ao sigilo bancário

derivar-se da proteção resguardada pela Constituição Federal 1988 à intimidade e

ao sigilo de dados. Enfrentando essa discussão, não se pode esquecer que o texto

da constituinte “veda expressamente a violação à intimidade, à vida privada das

pessoas, e o sigilo de dados, não podendo mais subsistir essa dúvida”. 43

No entanto, a maior parte da doutrina entende que, mesmo não constando

expressamente no texto da Constituição Federal, o sigilo bancário se faz inserir no

direito à intimidade e pelo sigilo de dados, ambos amparados constitucionalmente.

Daí, qualquer lei que tente regular este instituto deve considerá-lo na qualidade de

direito fundamental. 44

É pertinente dizer que a proteção à intimidade é de propriedade

constitucional. E também, um direito da personalidade, e a Constituição Federal de

1988, nesse caso, optou por patrocinar o direito individual e desqualificar o poder

Estatal expansionista. Nobre é a constituinte, que evitou que o próprio Estado

devassasse a intimidade do individuo, propiciada pelo avanço tecnológico. 45

No pensamento do autor Celso Ribeiro Bastos, a proteção constitucional à

intimidade “consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de

estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir que sejam

divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial humana.” 46

Por sua vez, o sigilo de dados, é uma divisão da proteção à intimidade,

apoiado no sigilo de informações individuais, “armazenadas em computadores ou

que estejam transitando por impulsos eletrônicos.” 47

Sobre isso, pode-se ressaltar que essa intimidade tratada pela Constituição

Federal e que busca resguardar, não só aquela ligada à pessoa do indivíduo para

com sua família, com outros membros da comunidade, ou para com toda a

sociedade. É mais, englobando, também, o âmbito profissional onde ele se situa,

43 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 25. 44 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 83. 45 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 25. 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição Federal, p. 63. apud. LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 25. 47 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 25.

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bem como, suas relações laborais, suas movimentações bancárias, que compreende

em sua movimentação financeira. 48

Todos, nos dias de hoje, precisam do suporte das instituições financeiras

para movimentar seus capitais. No cotidiano, é indispensável, para qualquer

atividade financeira praticar-se da utilização de uma conta bancária, por exemplo,

para o trabalhador receber seu salário, para o patrão que faz o depósito, ou mesmo

um empréstimo, ou até um estudante administrando sua mesada. 49

Assim sendo, é válido destacar o pensamento do jurista Victor Emanuel

Alves de Lara:

Sob esse aspecto, como deixar de reconhecer que os dados sobre as pessoas, armazenados pelas instituições financeiras em razão dos negócios com elas efetuados (operações ativas, passivas e serviços prestados) fazem parte da intimidade dos clientes dessas empresas? São, por óbvio, dados relativos a um dos aspectos sociais da vida do cidadão. 50

E sua idéia continua: “E o que é intimidade senão as particularidades da vida

das pessoas, um bem de valor moral supremo, a ser juridicamente preservado.” 51

Ainda sobre o tema, o mesmo autor do parágrafo anterior, parafraseando o

jurista Moacir de Oliveira, ensina que:

[...] a intimidade diz respeito à existência interior, espiritual, familiar, dentro da qual se expande e afirma a personalidade, no gozo exclusivo do que tem de autêntico. Diz, ainda, que ‘a proteção civil do indivíduo, exercida contra interferências estranhas e arbitrárias, reveladoras do que se passa no círculo fechado de sua vida privada, chama-se direito à intimidade.’ Assevera, também, que a proteção açambarca a integridade física, intelectual, moral e patrimonial.52

E sob o aspecto patrimonial do cidadão o autor ressalta:

[...] hoje indelevelmente vinculada às casas bancárias, é possível ouvidar que os dados que exsurgem do relacionamento banco/cliente dizem respeito à vida íntima do segundo? A nosso sentir a resposta é não, pois devassar a conta bancária de um cidadão é invadir sua intimidade, pôr a descoberto singularidades de sua existência. Assim

48 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 25 e 26. 49 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 26. 50 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 26. 51 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 26. 52 OLIVEIRA, Moacir de. Enciclopédia Saraiva de direito, p. 99. apud. LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 26.

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não temos dúvidas que a proteção ao sigilo bancário deriva da proteção constitucional à intimidade e ao sigilo de dados. 53

Nesse sentido o ilustre professor Arnoldo Wald argumenta o seguinte:

[...] com a revolução tecnológica, os ‘papéis’ se transformaram em ‘dados’ geralmente armazenados em computadores ou através de impulsos eletrônicos, ensejando enormes conjuntos de informações a respeito das pessoas, numa época em que todos reconhecem que informação é poder. A computadorização da sociedade exigiu uma maior proteção à privacidade, sob pena de colocar o indivíduo sob contínua fiscalização do Governo, inclusive nos assuntos que são do exclusivo interesse das pessoas. Em diversos países, leis especiais de proteção contra o uso indevido de dados foram promulgadas e, no Brasil, a inviolabilidade dos dados individuais, qualquer que seja a sua origem, forma e finalidade, passou a merecer a proteção constitucional em virtude da referência expressa que a eles passou a fazer o inciso XII do art. 5º, modificando, assim, a posição anterior da nossa legislação, na qual a indevassabilidade em relação a tais informações devia ser construída com base nos princípios gerais que asseguram a liberdade individual, podendo até ensejar interpretações divergentes ou contraditórias.54

Nos Tribunais, o entendimento tem sido de que o sigilo bancário tem origem

na proteção constitucional do direito à intimidade. Diante de vários acórdãos coloca-

se em pauta um do Supremo Tribunal Federal, em que a questão é colocada

publicamente, onde a decisão dispõe que:

o sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) – ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política […]. 55

No que tange sua origem constitucional, é devido ratificar que não é absoluta

a proteção ao sigilo bancário, dando margem, mesmo que excepcionalmente, ao

interesse público junto de suas exigências. Nesse prisma, se houver elementos para

justificá-la, é permitido que se reprima juridicamente a proteção ao sigilo, dando a

idéia de respeito ao interesse público, colocando-o afrente do particular. 56

53 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 26. 54 WALD, Arnoldo. op. cit. apud. LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 27. 55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº. 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Brasília, DF, julgado em 16 de setembro de 1999, Rel. Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 12 de maio de 2000, p. 86. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 10 set. 2008. 56 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 28.

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1. 8 TEORIAS FUNDAMENTAIS DO SIGILO BANCÁRIO

Por tratar-se de um tema contradito, há uma enorme leva de teorias

fundamentando o sigilo bancário. A discussão sobre esse tema não é baseada

somente em idéias contrárias ou pensamentos divergentes, há fatores mais

complexos permeando esse debate. 57

Primeiramente, um dos fatores era a falta de uma legislação específica que

regulasse o assunto, o que compromete a doutrina e jurisprudência a basearem-se

nos costumes e no direito comparado, fontes do Direito que não tem como regra a

uniformidade. 58

Um outro fator está presente na variedade de interesses envolvidos, que

podem ser colocados em paralelo, um particular e outro coletivo. Isso faz com que

esse instituto possa ser estudado tanto a partir de uma ótica liberal quanto a partir

de visões intervencionistas. 59

Um terceiro fator relacionado ao desenvolvimento teórico faz referência à

abrangência do sigilo bancário, cuja intensidade ultrapassa o âmbito jurídico. Esse

fator é político, sendo que revela uma visão liberal e personalista ante ao Poder

Público, na qual o indivíduo tem capacidade de repelir qualquer intervenção

distorcida ou defeituosa externa relacionada às suas atividades pessoais. É notória a

influência desse fator na área social, onde se compreende que a grande maioria das

atividades sociais é registrada nas contas bancárias, e manter o sigilo dessas

atividades é fundamental ao cliente. 60

Na intenção de aprofundar a questão, posteriormente, serão analisadas as

teorias mais tradicionais que constroem o ambiente desse tema, segundo a ótica dos

autores Roberto Massao Chinen e Márcia Haydée Porto de Carvalho.

57 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 23. 58 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 24. 59 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 24. 60 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 24.

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1. 8. 1 Teoria Contratualista

A corrente contratualista segue no pensamento de que o sigilo deriva de um

ajuste entre o banco e o cliente, consolidada mediante um contrato bancário. A

cláusula sobre manter segredo das atividades desempenhadas não está

expressamente estipulada no contrato, essa seria considerada cláusula implícita.

Sendo assim, além de todas as outras obrigações, todo contrato que nesses termos

fosse firmado viria também com uma cláusula acessória vedando a divulgação dos

dados do cliente, bem como, de suas operações.61

O autor Roberto Massao Chinen ressalta ensinamentos do professor Sérgio

Carlos Covello que critica essa teoria:

[...] os bancos raramente assumem de maneira clara a obrigação de segredo; a tese da cláusula implícita não explica o sigilo que o banco deve manter mesmo que o contrato não chegue a se consumar, o que ocorre com muita freqüência na prática bancária, nem a subsistência desse dever quando a cláusula contratual se extingue ou é declarada nula. Além disso, ela não justifica o dever de sigilo para com terceiros estranhos à relação jurídica das partes, assim como não entrevê nenhum contrato com o cliente e os auxiliares do banco, que tomam conhecimento dos segredos transmitidos à instituição financeira e se obrigam a calar. 62

1. 8. 2 Teoria Consuetudinária

Essa teoria se alicerça na idéia de que a discrição sempre representou uma

constante da atividade bancária. Assim constitui em um costume tradicional aceito

pelos banqueiros de manter, nas relações entre banco e cliente, determinada

discrição. A conseqüência desse contrato banco e cliente é que o conteúdo

relacionado ao contrato torna-se agregado pelo uso, na idéia de que os bancos

61 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 24. 62 COVELLO, Sérgio Carlos, p. 120 e 121. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 25.

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ficariam obrigados a manter o sigilo sobre todos os dados ou qualquer outro tipo de

conteúdo dentro do contrato firmado com seus clientes, bem como, das operações

financeiras executadas na constância do contrato. 63

Para os doutrinadores que sustentam essa teoria, o sigilo bancário como

dever jurídico é uma prática consolidada, notada pelas instituições financeiras, que

teve origem nos primeiros estatutos bancários e cujo dever se impregnou na

consciência da sociedade. 64

Bastante são as críticas colocadas sobre essa teoria. Se restringir o sigilo

bancário somente à área do direito privado não se segue a evolução das exigências

sociais, já que a natureza privada proposta, não garante a justiça dos mesmos

interesses privados dos proprietários dos dados à garantir. Além disso,

hierarquicamente, no sistema das fontes do direito, os costumes estão abaixo da lei,

subordinados a ela. Assim, por ela (a lei) ter real conteúdo normativo, a lei coloca a

teoria consuetudinária num ambiente insustentável, inutilizando a mesma. 65

Uma outra incapacidade aflige essa teoria, é o fato de que ela não tem a

preocupação medir um limite ao comportamento contemplado pelo uso, não aponta

o campo normativo de eficácia nem seu limite de aplicação. 66

1. 8. 3 Teoria da Responsabilidade Civil

Nesse contexto, a autora Márcia Haydée Porto de Carvalho explica que,

“Segundo os adeptos dessa teoria, o sigilo bancário tem sua origem na

responsabilidade extracontratual do banqueiro pelos danos injustificados causados a

seus clientes”. 67

63 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 25. 64 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo Bancário á Luz da Doutrina e Jurisprudência. 2007. p. 89. 65 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 25. 66 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 26. 67 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 90.

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Roberto Massao Chinen revela seu pensamento sobre a teoria da

responsabilidade civil, e destaca:

É também conhecida como teoria delitual ou do ato ilícito, pela qual o sigilo bancário se baseia na responsabilidade civil do banco, isso é, no dever geral de não prejudicar a outrem, sob pena de reparação pelo dano. Nessa óptica, o segredo é considerado como um interesse do sujeito, cuja revelação provoca dano, sujeitando o infrator a sanções reparatórias.68

Achamos que, na verdade, a responsabilidade civil é uma relação derivada,

que somente vem à tona quando é descumprida, pelas partes, uma obrigação

antecedente, sendo usada, dessa forma, como um instrumento de reparação do

dano sofrido, não englobando direito nenhum, com exceção ao direito à

indenização.69

No Brasil, não existem protetores da teoria da responsabilidade civil. Para

descaracterizá-la se tem demonstrado que a responsabilidade civil coloca as

conseqüências de sua violação, porém não se consagra de alicerce para o sigilo

bancário. 70

1. 8. 4 Teoria da Boa-fé

A idéia dessa teoria parte do princípio de que o sigilo bancário estaria no

dever de sinceridade e de boa-fé que as partes efetivas dos contratos respeitariam

na constância desses. Roberto Massao Chinen observa que a “obrigação do banco

deve ser considerada como uma especificação e um aspecto daquela obrigação de

lisura enquanto limite à autonomia individual, que os contratantes devem

observar”71, onde manteria incorruptível o âmbito jurídico da parte diversa.

Contudo, a boa-fé não explicaria o dever de manter sigilo por alguns

motivos. Em primeiro lugar, a teoria ora abordada, incorre nas mesmas falhas da

68 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 26. 69 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 26. 70 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 91. 71 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 26.

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teoria contratualista, referida anteriormente, e que não deixa de ser uma versão da

mesma. Ademais, esse dever de manter discrição somente poderia ser invocado

como fonte de obrigação se houvesse disposição legal expressa versando o tema.

E, por fim, essa teoria não aponta o fato do qual decorre a obrigação, sem ilustrar o

fundamento do sigilo bancário. 72

1. 8. 5 Teoria do Segredo Profissional

Essa teoria reflete a submissão do banqueiro ao segredo profissional. Essa

relação entre banco e cliente pressupõe que haja uma confiança recíproca, como

comum em outras relações em outras áreas profissionais que também dependem do

sigilo para permanecerem, como a relação do advogado e cliente, médico, contador,

etc. 73

O professor Sérgio Carlos Covello acrescenta que:

Nos tempos modernos, o sigilo profissional é tratado como matéria de ordem pública, já que tende a proteger tanto o cidadão em sua individualidade como a própria sociedade, considerando-se a natureza pública do serviço que esses profissionais prestam, atuando como confidentes necessários.74

A França é um dos países que acolheram a presente teoria e chega a prever

sanção penal contra a violação do dever do sigilo profissional. O autor Roberto

Massao Chinen soma ao contexto:

Os franceses discutiam a aplicação desse dispositivo aos banqueiros, tendo em vista a expressa menção, nessa lei, a profissionais da saúde. A doutrina majoritária sempre defendeu sua incidência nas atividades dos bancos, interpretando de forma ampla a expressão “confidente necessário”. Um desses autores é Raymond Farhat, para quem as reformas bancárias de 1941 e 1945 reconheceram a qualidade de confidente necessário no banqueiro, reservando-lhe o monopólio da condução dos meios de crédito.75

72 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 27. 73 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 27. 74 COVELLO, Sérgio Carlos, p. 144 e 145. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 27. 75 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 27.

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Na doutrina brasileira, não são poucos os que se juntam a essa teoria,

podemos citar, por exemplo, Hugo de Brito Machado:

o sigilo bancário é uma forma de sigilo profissional, que se impõe em face da natureza da atividade desenvolvida pelas instituições financeiras, tal qual o sigilo do médico, do advogado e de outros profissionais, muito mais no interesse público, para preservação das instituições, do que no interesse individual.76

De acordo com Clèmerson Merlin Clève e Sólon Sehn:

o sigilo bancário constitui uma modalidade de segredo profissional da mais alta relevância, não só em razão de sua importância para o êxito da atividade bancária, mas, principalmente, porque garante a inviolabilidade de uma parcela significativa da intimidade e da vida privada dos correntistas, gozando, portanto, de status de direito fundamental.77

E na visão do Ministro Nelson Hungria:

na atualidade, é geralmente reconhecido que entre os confidentes necessários, legalmente obrigados à discrição, figuram os banqueiros. Notadamente nas operações de crédito, o sigilo bancário é uma condição imprescindível, não só para a segurança do interesse dos clientes do banco, como para o próprio êxito da atividade bancária.78

Não obstante à vasta aceitação, essa teoria não está de modo algum isenta

de críticas. O autor Roberto Massao Chinen cita Alejandro vergara Blanco, e em seu

entendimento:

o conceito de profissão que integra a expressão “segredo profissional” assume um caráter autônomo, que contrasta com a complexa estrutura dos bancos, organizada de forma impessoal, o que descaracteriza a relação de confiança pessoal entre o banqueiro e o cliente. Além disso, como a sanção imposta é de natureza penal, que tende a não ser aplicada a pessoas jurídicas, a tarefa de individualização do responsável pode tornar-se difícil diante da complexidade das transações bancárias. 79

Porém, é certo que o banco é confidente daquele que recorre a seus

préstimos, decorrendo daí a proibição de revelar os segredos de seus clientes.

76 MACHADO, Hugo de brito. A quebra do sigilo bancário, p. 257 e 249. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 28. 77 CLÈVE, Clèmerson Merlin; SEHN, Sólon. Crimes fiscais e sigilo bancário: Pressupostos e limites constitucionais. In: SALOMÃO, Heloísa Estellita. Direito Penal Empresarial, p. 60. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 28. 78 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal, 1982, p. 272 e 273. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 29. 79 VERGARA BLANCO, Alejandro. Sobre el fundamento del secreto bancário. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 29.

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1. 8. 6 Teoria do Direito à Intimidade

O direito à intimidade, é, antes de mais nada, um direito personalíssimo. E

os direitos personalíssimos, que também são chamados de direitos da pessoa,

direitos essenciais ou ainda direitos da personalidade, como o nome já define, dizem

respeito à personalidade ou à pessoa. 80

Segundo Orlando Gomes, “os direitos da personalidade são os direitos

subjetivos privados, cuja proteção é destinada a assegurar o desenvolvimento e a

expansão da individualidade física e espiritual humana”. 81

De certo modo, na mesma linha de pensamento, Arnold Wald expressa que

”os direitos de personalidade são direitos, cujo objeto está na própria pessoa de seu

titular, ao contrário dos direitos reais, que recaem sobre a coisa ou bem exteriores

ao sujeito ativo da relação jurídica”. 82

O cliente, na razão de titular de um direito à intimidade, tem a capacidade de

lacrar a máxima cautela e discrição em torno dos fatos e atos que confiou ao banco,

“configurando-se o sigilo bancário como uma defesa do íntimo, ainda que com

aspectos econômicos”. 83

Assim exposto, o capítulo seguinte versará sobre em quais circunstâncias

poderão se dar a ruptura do sigilo financeiro, e por quais razões pode ser excetuado

o sigilo bancário.

80 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 119 e 120. 81 GOMES, Orlando. Direitos de Personalidade. p. 43-45. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 120. 82 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: introdução e parte geral. p. 121. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 121. 83 CHINEN, Roberto Massao. op. cit., p. 29.

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CAPÍTULO 2 – HIPÓTESES DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

O segundo capítulo fará uma abordagem sobre as hipóteses de quebra do

sigilo financeiro e, diante disso, os direitos fundamentais, a colisão desses direitos, o

princípio da proporcionalidade e os demais princípios que precedem a ruptura do

sigilo bancário.

2. 1 HIPÓTESES DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

A nossa legislação fixa um grande número de hipóteses de quebra ao sigilo

bancário em face do Estado, dependente de requisição ou ordem de uma autoridade

ou mesmo de órgão público. Dentre elas pode-se citar: investigação criminal,

apuração legislativa, fiscalização financeira, investigação fiscal, instrução de

inquérito civil ou procedimento administrativo criminal e favorecimento de defesa

processual da União. 84

Para cada um dos casos, o poder para determinar ou requisitar a quebra do

sigilo bancário, sem o conhecimento ou contra a vontade do titular da conta

bancária, é outorgado a uma autoridade ou órgão público, utilizando-o no exercício

de seu ofício. 85

As vigentes disposições legais relativas às hipóteses de quebra de

informações bancárias sigilosas, conglomeradas na Lei Complementar 105/2001,

substituíram as da Lei 4.595/1964, responsável pela regulamentação do sistema

financeiro nacional brasileiro, que em seu artigo 38 regulava as hipóteses de quebra

do sigilo bancário antes da nova lei. Os preceitos legislativos ali insertos cobriam a

medida de caráter excepcional, limitando a competência para sua decretação

84 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 183 e 184. 85 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184.

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somente ao órgão jurisdicional e ao Poder Legislativo, mediante prévia aprovação do

plenário da Câmara ou do Senado Federal, e no caso das Comissões Parlamentares

de Inquérito era necessária maioria absoluta dos membros. Como dito de início, as

disposições vigentes alargaram sensivelmente a possibilidade de adoção da medida,

concretizando um aprofundado sistema de controle sobre a atividade financeira dos

indivíduos e empresas, tanto nas áreas investigativa, criminal e administrativa como

no âmbito privado. 86

Nos acasos em que o direito ao sigilo financeiro esta ligado ao direito

fundamental à privacidade, o sacrifício de seu objeto não pode se dar senão em

virtude de lei que o determine e, ainda, com respeito a todas as garantias

fundamentais possíveis. 87

Num Estado Democrático de Direito, a defesa aos direitos fundamentais

baseia-se em um conglomerado de garantias processuais e procedimentais a serem

observados, respectivamente, em processos judiciais e administrativos.88 Márcia

Haydée Porto de Carvalho afirma:

Nem sempre tais garantias são compreendidas, a ponto de o apego ao formalismo ser apontado como prejudicial ao conteúdo dos direitos e a realidade a vida. Todavia, há muito foi respondido aos críticos do formalismo que, no Estado de direito, a forma é inimiga jurada do arbitro e irmã gêmea da liberdade.89

Objetivando a quebra do sigilo bancário deve-se observar algumas

garantias, quais sejam: o acesso à justiça; o juiz natural; o devido processo legal, na

qual, inclui a garantia de motivação das decisões e os direitos ao contraditório e à

ampla defesa; e a presunção de inocência. 90

A quebra do sigilo bancário é matéria reservada à lei por se tratar de

restrição a um direito fundamental que, considerando o previsto no artigo 192 da

Constituição Federal, deve ter expressa previsão em lei complementar. 91

86 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 90 e 91. 87 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184. 88 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184. 89 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de direito. 1999. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184. 90 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184. 91 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185.

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E mais, “deve se mostrar como meio menos gravoso e adequado para a

consecução do fim almejado, necessariamente a proteção de um interesse ou valor

constitucional.” 92

A vigente lei complementar reguladora deve estabelecer de forma minuciosa

os pressupostos, procedimentos e formalidades para a quebra do sigilo bancário. 93

2. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

A determinação legal de quebra do sigilo financeiro, enquanto restrição a

direito fundamental, deve se dar retirando a essência desse direito, mas, sem lesar

qualquer outra garantia fundamental. 94

As garantias fundamentais a serem respeitadas para a quebra do sigilo

bancário, que, porém, eventualmente são violadas através das leis que regem a

matéria, são as seguintes:

2. 2. 1 Acesso à Justiça

A primeira observação, que deve ser feita, é que acesso à Justiça é direito

fundamental, e está expresso no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de

1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito.” 95

92 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185. 93 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185. 94 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185. 95 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 101.

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O direito de acesso à justiça denota “o direito de invocar a prestação de

atividade jurisdicional na defesa de seus próprios bens e interesses, através da

propositura de ação ou apresentação de defesa” 96. De outro modo, implica no

“princípio da indeclinabilidade da jurisdição, pelo qual, uma vez comprovada a

ameaça ou violação a direito, o poder judiciário é obrigado a deferir o pedido de

prestação jurisdicional requerido regularmente pela parte.” 97

Nesse contexto, assinala André Ramos Tavares: “o direito de acesso à

justiça é um dos pilares do Estado de Direito, pois de nada adiantariam leis

regularmente votadas pelos representantes populares se, em sendo desrespeitadas,

não houvesse nenhum órgão legitimado a exercer o controle de sua observância”. 98

De outro ponto, tal direito consolida o princípio da separação dos poderes,

pois é dele que vem a demarcação do papel do Poder Judiciário, distinguindo-o das

funções estatais do Executivo e do Legislativo. 99

O balanceamento das funções estatais tem se apresentado mais enérgico,

inclusive nos recentes sistemas normativos constitucionais, com a cautela do

exercício regulamentado de funções anômalas e com o desenvolvimento das

modalidades de domínio entre os poderes. 100

A dificuldade das pendências sociais impõe ao Estado Democrático de

Direito a atuação de novos papéis, com comportamento mais competente. 101

Nesse sentido, o Poder Legislativo necessita de respostas ligeiras às novas

circunstâncias originadas das cíclicas mudanças. O Poder Executivo precisa ser

mais ágil em seus modernos e arcaicos instrumentos de ação para que possa

interferir em esferas cada vez mais diversificadas, nas áreas política, econômica e

social. 102

96 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185. 97 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 185. 98 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2002. p. 478. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 186. 99 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 186. 100 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 115 e 116. 101 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116. 102 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116.

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Em concordância, o Poder Judiciário deve fazer o mesmo e agarrar-se com

mais fulgor e perseverança para com suas finalidades, sob pena de perder terreno,

tornar-se diminuto, em relação aos outros Poderes.103

Nesse terreno, o Poder Judiciário tem como papel principal, e que se espera

ver muito bem desempenhado, a infalível proteção aos direito e garantias

fundamentais, aferindo consenso entre os valores eleitos pelo constituinte. 104

Nesta situação, ressalta Juliana Garcia Belloque que “a característica

primordial do Estado Constitucional de Direito é a dupla sujeição do exercício do

poder. Sujeição à lei, mas à lei formal e materialmente constitucional, concordante

com a estrutura valorativa edificada pela Constituição Federal.” 105

Esse vínculo caracterizado é de cunho substancial, aperfeiçoando a

composição de exigência da legalidade, adaptando a legitimidade da norma à sua

adequação com as opiniões já colocadas pelos valores políticos integrantes da

dignidade da pessoa humana e da proteção aos direitos fundamentais. 106

Os direitos fundamentais compõem o alicerce do Estado Democrático de

Direito e o meio de exercício da chamada democracia substancial, na qual a

igualdade há de prevalecer. Tais direitos são impostos à democracia, de modo que

limita o poder da maioria, faz-se por representar a minoria, a proteção do indivíduo,

intangíveis mesmo por uma questão de conformidade geral. 107

Nas palavras de Ronald Dworkin: “A constituinte e, particularmente, os

direitos fundamentais são designados a proteger os cidadãos ou grupos contra

certas decisões que a maioria possa querer tomar, mesmo quando essa maioria age

naquilo que parece ser o interesse geral ou comum”. 108

É ao encargo dessa intangibilidade que os direitos fundamentais merecem

guarda e vigilância permanente do Poder do Estado que não somente se rege pelos

conselhos constitucionais, como todos os outros, assumindo também como uma das

finalidades basilares a de sua proteção. De outra forma, se tivesse sob o resguardo

dos Poderes Executivo e Legislativo, tais direitos poderiam ser sujeitados às

103 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116. 104 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116. 105 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116. 106 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 116. 107 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 117. 108 DWORKIN, Ronald. Constitucional cases. apud. BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 117.

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atribulações da maioria. Neste caso, esta, sozinha, não exerce a sua força sobre o

Poder Judiciário, por razão do modelo garantista fortalecer o papel da jurisdição. 109

Para fechar o tema, prostra-se diante da posição de Francisco Campos:

Não podemos querer conservar um regime constitucional, se começamos por confundir os poderes, ou se não chegamos a estabelecer um regime de convivência pacífica, não somente entre os poderes do Estado, como entre êstes e os direitos individuais.

[...]

Não podemos querer a Constituição se a mutilamos de uma de suas partes essenciais, particularmente, quando da própria estrutura constitucional resulta, de modo manifesto, que as garantias individuais asseguradas na Constituição representam, precisamente, a razão, a um só tempo espiritual e política, que influi nas providências constitucionais destinadas à mediação concreta dos poderes e, assim, à sua contenção. 110

O julgamento da conformação do equilíbrio entre os interesses

constitucionais aparentemente contrapostos é justamente o que demanda valoração

mais ponderada do agente público judiciário.

O papel de regular os ditames constitucionais apresenta-se absolutamente

essencial e exclusivo do Poder Judiciário, sendo mesmo, a manutenção e o respeito

pelas funções próprias, indelegáveis e incompartíveis. 111

2. 2. 2 Devido Processo Legal e a Reserva Jurisdici onal

Pode-se afirmar que quaisquer limitações à liberdade particular, e nisso se

inclui a quebra ao sigilo bancário, depende do prévio desenvolvimento do princípio

do devido processo legal, que abarca também o princípio do juiz natural, na qual se

faz pender a determinação em face de um confronto entre direitos subjetivos de

motivada análise do juiz constitucionalmente competente. Do artigo 5º., inciso LIV,

da Constituição Federal de 1988, não se pode extrair outra conclusão senão a de 109 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 117. 110 CAMPOS, Francisco. Comissão Parlamentar de Inquérito – poderes do Congresso – direitos e garantias individuais. apud. BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 119. 111 SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. CPI ao pé da letra. 2001, p. 19.

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que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo

legal”.112

Assim, é o devido processo legal apontado como o princípio fundamental do

processo civil, visto como, ressalta Nelson Nery Júnior:

Bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécie. 113

Antônio Carlos de Araújo Cintra salienta também a importância do referido

princípio. Estabelece que o princípio do devido processo legal deva ser percebido

como:

o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis no correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado como fator legitimante do exercício da jurisdição. 114

Salienta também Humberto Theodoro Júnior que:

garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, inc. XXXVII) e a do juiz competente (CF, art. 5º, inc. LIII), a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, inc. LV) e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). 115

Arnoldo Wald aduziu ao fazer relação ao inciso LIV do artigo 5º. Da

Constituição Federal e o sigilo bancário:

A norma que se aplica a todos os casos de liberdade individual também incide em relação ao sigilo bancário, que só pode sofrer restrições desde que obedecido o “devido processo legal”, que constitui um freio à arbitrariedade e até ao poder discricionário.

[...]

112 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 120. 113 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 1999. p. 30. 114 ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 1999. p. 82. 115 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 2000. p. 23.

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Materialmente, o due process of law significa a razoabilidade da exigência legal, o fundamento sério e justificado da violação do sigilo bancário, com base em inquérito ou procedimento administrativo, ou em processo judicial, nos quais a quebra de sigilo é condição necessária para a solução do caso. No tocante à garantia processual, o devido processo legal significa a possibilidade real de defesa do cidadão, ou seja, a ciência do processo e garantia do contraditório.116

A barreira da inviolabilidade do sigilo financeiro deve estar na “existência de

interesse público que justifique o sacrifício do direito à privacidade e à intimidade, e

deve ocorrer através da intervenção do Poder Judiciário, ficando assegurado o

devido processo legal.” 117

Sobre a independência do Poder Judiciário, uma de suas garantias

basilares, que revela o controle do Poder pelo próprio Poder, arquitetado nos moldes

de separação de competências das democracias contemporâneas, não apenas

separa o Poder Judiciário dos demais Poderes do Estado, com garantias individuais

de seus membros. 118 De outra forma, como se refere José Joaquim Gomes

Canotilho:

a independência judicial postula o reconhecimento de uma reserva de jurisdição entendida como reserva de um conteúdo material funcional típico da função jurisdicional. Esta reserva de jurisdição actua simultaneamente como limite de actos legislativos e de decisões administrativas, tornando-os inconstitucionais quando tenham um conteúdo materialmente jurisdicional. 119

Em posse do assunto, a autora Juliana Garcia Belloque especifica:

Trata-se de garantia diferenciada da reserva de tribunal ou reserva da via judiciária, entre nós inafastabilidade do controle jurisdicional expressa pelo art. 5.º, XXXV, da Constituição da República de 1988: a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Esta é certamente mais abrangente, de modo que não retira a legitimidade de atuação dos outros Poderes, apesar de assegurado, mesmo que em caráter subsidiário, ou de última instância, o acesso ao Poder Judiciário.

De outra forma, no campo do monopólio da primeira palavra, monopólio do juiz ou reserva absoluta de jurisdição compete ao juiz

116 WALD, Arnoldo. O sigilo bancário no projeto de lei complementar de reforma do sistema financeiro e na lei complementar nº. 70. 1992. p. 197. 117 BATISTA, Liliane Maria Busato. A quebra do sigilo bancário como meio de prova no direito processual civil brasileiro. 2007. p. 71. 118 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 120. 119 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2000. p. 64.

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não só a última e decisiva palavra, mas também a primeira palavra referente à definição do direito aplicável a certas situações. 120

Tal monopólio deve atuar de modo mais limitado, abrangendo um número

restrito de situações, sejam as conseqüentes do sistema de garantias e direitos

individuais, sejam aquelas determinadas expressamente pela Constituição.

Em algumas proposições, ainda sobre esse monopólio, se faz coerente

reporta-se, mais uma vez, aos ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho,

que descreve:

Fora os casos individualizados na Constituição, o reconhecimento do monopólio da primeira palavra tende a firmar-se quando não existe qualquer razão ou fundamento material para a opção por um procedimento não judicial de decisões de litígios. É este o caso quando estão em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efectiva protecção jurídica. 121

Nesse contexto, retira-se relevante conclusão acerca do tema ora abordado,

que em dadas hipóteses, quando estão em pauta questões referindo-se, sobretudo,

aos direitos indisponíveis, de apreço constitucional, se faz necessária, pelo Poder

Judiciário, uma prévia verificação da presença dos requisitos mínimos imperiosos às

medidas cerceadoras. 122

2. 2. 3 Juiz Natural

Todos têm direito que sua causa seja julgada por um juiz abstratamente

instituído como competente pela lei antes da ocorrência dos fatos que originaram a

ação processual.123 E que “Se esses fatos forem anteriores à instituição do juízo

competente, é preciso que a sua ocorrência não haja sido determinante na fixação

120 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 121. 121 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 653. 122 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 121. 123 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coordenadores). Os princípios da Constituição de 1988. 2006. p. 376.

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da competência desse juízo, que teria sido a mesma, ainda que eles não tivessem

ocorrido.” 124

Aquele que a lei confere in abstracto o poder de julgar determinada

demanda é o juiz natural, que deve ter sido definido previamente pelo legislador por

circunstâncias aplicáveis a todos os casos da mesma espécie, e não por um juízo

discricionário ou com a intenção deliberada de que esta ou aquela causa seja

julgada por um ou outro juiz.125

Esse direito constitucional tem como conteúdo a preservação do princípio

da legalidade com a finalidade de assegurar a independência no exercício da função

jurisdicional. Sua eficácia dependeria da atuação do legislador na definição das

regras legais de competência, que foi idealizada originalmente como uma garantia

da jurisdição penal, e que hoje abrange todas as espécies de jurisdição. 126

Assim como, a garantia do juiz natural também tem por finalidade essencial

assegurar a igualdade do acesso à justiça de todos os cidadãos e a igualdade de

tratamento. 127

O juiz natural é garantia de aplicação típica às regras de competência

absoluta, na qual não pode existir dois ou mais juizes competentes para julgar uma

mesma causa, entre as quais qualquer sujeito pode exercer o direito de escolha.

Assinalando essa idéia ressalta Nelson Nery Junior:

Nós temos no Brasil uma hipótese de escolha pelo autor nas causas que podem ser propostas nos Juizados Especiais Cíveis. A escolha se justifica porque os Juizados são modalidades de tutela jurisdicional diferenciadas, com estrutura e garantias reduzidas. Entretanto, para não violar a garantia do juiz natural, a escolha deveria ser feita de comum acordo por ambas as partes e não ser imposta unilateralmente pelo autor ao réu. 128

O juiz natural é o juiz legalmente competente, aquele que detém

competência funcional para julgar a causa em questão.

124 GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 376. 125 GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 376. 126 DÍEZ, Luis Alfredo de Diego. El derecho al juez ordinario predeterminado por la ley. 1998, p. 27. apud. GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 376. 127 GUINCHARD, Serge et alii, Droit Processuel - Droit commun du procès, ed. Dalloz, Paris, 1ª ed., 2001. p. 398. apud. GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 377. 128 NERY JUNIOR, Nelson. O juiz natural no direito processual civil comunitário europeu. In: Revista de Processo nº. 101, ano 26, jan-mar de 2001, São Paulo : Revista dos Tribunais. p. 104. apud. GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 377.

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2. 2. 4 Contraditório e Ampla Defesa

Num Estado Democrático de Direito, nenhum indivíduo pode ser atingido por

uma decisão judicial na sua esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de

influenciar eficazmente na sua formação. O contraditório é conseqüência do princípio

político da participação democrática e aduz: a) audiência bilateral: tempestiva e

adequada notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais

através de comunicações preferencialmente reais, e também com ampla

possibilidade de impugnar e contrapor os atos dos demais sujeitos, de modo que

nenhuma decisão seja proferida antes da audiências entre as partes; b) direito de

apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção dessas

provas e das requeridas pelo adversário ou as determinadas de ofício pela

autoridade judiciária, bem como, exigir todas as medidas defensivas que possa

legalmente utilizar-se na segurança de seus interesses; c) harmonia dos prazos

processuais: os prazos para a prática processual, apesar de breves para satisfazer o

princípio da celeridade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do

caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua

defesa; d) o contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão,

devendo sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da

existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em

jogo e dos riscos da antecipação ou da postergação da decisão; e) o contraditório

participativo pressupõe que todos os interessados tenham o direito de intervir no

processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e

que preserve o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida

em caráter excepcional, ou seja, sem a sua plena participação.129

O direito à ampla defesa o direito de o indivíduo, por meio de advogados,

técnicos e outras pessoas qualificadas, oferecer e produzir todas as provas

legalmente admitidas para demonstrar a veracidade dos fatos ou circunstância por

ele alegados, realizando sua defesa de forma plena. 130

129 ANDOLINA, Italo. Il modello constituzionale del processo civile italiano. 1988, p. 51. apud. GRECO, Leonardo. op. cit.. p. 379. 130 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 194.

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2. 2. 5 Presunção de Inocência

Inicialmente, podem-se apresentar dois aspectos no que concerne ao

significado do princípio da presunção de inocência.

De um modo o princípio da presunção de inocência norteia o legislador em

relação à elaboração de normas que, principalmente, lidam com o tratamento

processual de um réu, ou seja, evita que se promovam leis que desprezem de

qualquer forma a inocência de um acusado até que reste findo o julgamento de uma

sentença condenatória, ou que o faça presumir culpado. “Esta norma constitucional

proíbe que o ordenamento jurídico adapte algo cujas conseqüências fuja do espírito

a que está imbuído o princípio da presunção de inocência.” 131

De outro modo, este princípio atua dentro do processo. Ele guia o processo

penal no sentido de que a presunção de inocência acompanha o acusado até o

transito em julgado da sentença condenatória, ou seja, durante toda a sucessão de

atos integrados em diferentes fases, que constitui o processo penal, é negada a

possibilidade de qualquer ato que faça presumir culpado o réu. 132

Portanto, tem-se duas correntes básicas para o significado do princípio da

presunção de inocência como garantia constitucional. Na primeira corrente, ele se

revela como princípio inspirador da política criminal. E na segunda corrente, ele é o

critério normativo direto, em sendo uma garantia constitucional de processo penal,

“atua à realidade processual.” 133

Essa garantia constitucional é uma autêntica norma jurídica com força

determinante. Por isso, diz-se que é um princípio em forma de norma jurídica, firme

na idéia de instituir direta e imediatamente uma garantia aos cidadãos. 134

Todavia, nenhum princípio é absoluto, assim, o próximo item versará sobre a

colisão de direito fundamentais.

131 COSTA, Breno Melaragno. Princípios constitucionais da presunção de inocência. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coordenadores). Os princípios da Constituição de 1988. 2006. p. 411. 132 COSTA, Breno Melaragno. Op. cit. p. 411. 133 COSTA, Breno Melaragno. Op. cit. p. 411. 134 COSTA, Breno Melaragno. Op. cit. p. 411.

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2. 3 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A noção de restrição dos direitos fundamentais causa de pronto à idéia de

que os direitos fundamentais não são absolutos. “Uma teoria dos direitos

fundamentais, baseada no direito constitucional, não comporta a noção de princípios

absolutos.” 135

Essa afirmativa é demonstrada por Robert Alexy, quando acerta que, “caso

houvesse um princípio absoluto coletivo, então ele seria incompatível com direitos

individuais, já que, sendo absoluto, as normas de direitos individuais não lhe

poderiam fixar nenhum limite”. 136

Mais contraditória seria a existência de um princípio absoluto individual,

porque, se houvesse colisão entre princípios, os direitos de todos os indivíduos

embasados nesses princípios teriam que ceder diante do direito de cada um, o que

se torna mais conflitante. 137

Expressa Robert Alexy, que o princípio da dignidade da pessoa humana

detém certo absolutismo perante os demais direitos ou princípios fundamentais:

O caráter absoluto do princípio da dignidade humana é somente uma expressão, que é explicada pelo fato de que essa norma é tratada em parte como regra e em parte como princípio, e pelo fato de que existe uma série de condições sob as quais o princípio da dignidade da pessoa, com alto grau de certeza, precede a todos os demais princípios. 138

O jurista alemão Karl Larenz sintetiza a idéia de que a colisão está

estritamente ligada à natureza originária dos direitos fundamentais, afirmando que:

os direitos, cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida estão abertos, móveis e, mais precisamente, esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em colisão entre si, porque sua amplitude não está de antemão fixada. 139

135 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 105. 136 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 1997. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 105. 137 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 105. 138 ALEXY, Robert. op. cit. 1997. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 105. 139 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 1983. p. 491. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 114.

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As colisões de direitos fundamentais, na ótica de Robert Alexy, fazem-se sob

o ponto de vista estrito e amplo. Em sentido amplo, as colisões ocorrem quando o

conflito envolve direito fundamental e um bem coletivo. No sentido estrito, as

colisões existirão somente entre direitos fundamentais, idênticos ou distintos. 140

Em sentido amplo, a colisão pode ocorrer “quando interesses individuais,

tutelados por direitos fundamentais, contrapõem-se a interesses da comunidade,

reconhecidos também pela Constituição.” 141

Apenas a busca por resguardar os bens coletivos recepcionados pela

Constituição relevaria a restrição de um direito fundamental. É quando se chocam

com interesses sociais e comunitários, como nas seguintes situações: saúde pública,

presente no artigo 6º., e o direito de liberdade de locomoção, do artigo 5º., inciso XV;

o patrimônio cultural, associado ao artigo 216, e o direito de propriedade, artigo 5º.,

inciso XXII, todos da Constituição Federal.142

Nessa leva, José Joaquim Gomes Canotilho expressa:

A restrição só é legítima se for exigida pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido. [...] bens jurídicos relevantes para este efeito não são todos e quaisquer bens jurídicos (mesmo os declarados importantes pelo legislador), mas apenas aqueles que a Constituição ou a ordem constitucional elegeram como particularmente valiosos e expressamente consideraram como dignos de especial reconhecimento e proteção constitucional. 143

Um exemplo de colisão de direitos fundamentais em sentido estrito “é a

questão de que o Estado possa ordenar que nas salas de aula seja colocada uma

cruz, em que colidem a liberdade de crença dos cristãos e dos não-cristãos [...]” 144.

Em desfecho à situação, “julgado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão,

determinou-se a proibição da colocação da cruz, com fundamento na neutralidade

político-religiosa.” 145

140 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 114. 141 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115. 142 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115. 143 CANOTILHO, José Joaquim; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. 1991. p. 122 e 136. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115. 144 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115. 145 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115.

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Para tanto, numa opinião pessoal o autor Roberto Massao Chinen, ainda

pondera:

Casos importantes de colisão de direitos fundamentais distintos são aqueles que envolvem direito de liberdade e igualdade; a proibição total de discriminação conduz à inevitáveis colisões, por exemplo entre a autonomia privada do empregador e direito de tratamento igual do empregado. 146

Para o fenômeno da colisão de direitos fundamentais, Robert Alexy, analisa

uma solução racional, fundamentando uma base lógica de analogia de precedência

dependente entre os princípios, emergindo daí a chamada lei de colisão.

Objetivando prestar maior esclarecimento suas idéias serão transcritas:

Essa construção teórica tem como pressuposto básico a distinção entre regras e princípios e o caráter principiológico dos direitos fundamentais. Um conflito de regra só pode ser solucionado introduzindo em uma das regras uma cláusula de exceção, que elimina o conflito ou declarando inválida pelo menos uma das regras. Na colisão de princípios, um deles deve ceder diante do outro; entretanto, isso não significa que um deles seja inválido ou tenha uma cláusula de exceção. Nos casos concretos, os princípios possuem pesos diferentes, prevalecendo aquele de maior peso. Ao contrário do que ocorre no conflito de regras, cuja solução se dá na dimensão da validade, a colisão de princípios resolve-se pela dimensão do peso. A solução da colisão de princípios leva em conta as circunstâncias do caso, estabelecendo-se entre os princípios uma relação de precedência condicionada, que consiste em, levando-se em consideração o caso, indicar-se as condições sobre as quais um princípio precede o outro; sob outras condições, a questão de precedência pode ser solucionada de forma inversa. A relação de precedência condicionada também estabelece as condições sobre as quais se produz uma lesão a um direito fundamental.

[...] a condição de precedência desempenha, portanto, um duplo papel: a) determina as condições de uma relação de precedência; b) estabelece um pressuposto de um suposto de fato de uma norma. Dadas certas condições, então valem as conseqüências jurídicas resultantes da preferência de um princípio sobre outro; conseqüentemente, vale uma regra que prescreva a conseqüência jurídica do princípio que tem preferência, dadas aquelas condições.147

Assim, racionalizando em uma estrutura lógica, que Robert Alexy justifica a

constância de leis proibitivas de direitos fundamentais, resultante da mediação de

um conflito entre princípios, ou da colisão de direitos fundamentais, que “estabelece

as conseqüências jurídicas do princípio que tem precedência, sendo essa

146 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115. 147 ALEXY, Robert. op. cit. 1997. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 115 e 116.

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precedência condicionada às circunstâncias que constituem o pressuposto de fato

dessa lei.” 148

No intuito de fechar essa questão, a jurista Liliane Maria Busato Batista

abrevia o assunto então abordado:

[...] a Constituição Federal de 1988 resguarda o sigilo bancário, como manifestação do direito a intimidade, e também o direito à prova. No entanto, em algumas situações haverá colisão desses direitos e, sempre que princípios constitucionais aparentemente colidirem, deve o intérprete procurar as recíprocas implicações existentes entre elas até chegar a uma inteligência harmoniosa.

Em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém. Assim, diante de um confronto de interesses é preciso realizar o chamado sopesamento ou avaliação ponderada dos fins. É o que a doutrina denomina de princípio da proporcionalidade. 149

Então, a Constituição Federal de 1988 protege o direito a intimidade, e, por

conseqüência o sigilo bancário, porém, é sabido que os direitos fundamentais,

apesar de sustentarem o mais alto grau de imponência, ainda sim, não são

absolutos, e entrarão em conflito direto com outros direitos fundamentais. Com o

intento de sanar tal confronto apela-se para o princípio da proporcionalidade.

2. 4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Entende-se que princípio, conforme o mandamento de Celso Antônio

Bandeira de Melo, é o:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lha dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais

148 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 116. 149 BATISTA, Liliane Maria Busato. op cit. p. 113.

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grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todos os sistemas de comando. 150

Os princípios, para o autor Paulo de Barros Carvalho, são “normas jurídicas

carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito

positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente

sobre a orientação de setores da ordem jurídica” 151

Sobre este caso específico, quando fala-se em princípio da

proporcionalidade, há de ressaltar a posição de Suzana de Toledo Barros:

três são os preceitos que estão subjacentes ao princípio da proporcionalidade: a) o da adequação ou da idoneidade; b) o da necessidade ou da exigibilidade; e c) o da proporcionalidade em sentido estrito. Por adequação deve-se perquirir se o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido. Por necessidade ou exigibilidade entende-se que a medida restritiva seja necessária para a implementação de outro princípio constitucional que naquela situação entenda-se mais relevante para dirimir o conflito de interesse colocado. A proporcionalidade em sentido estrito trata da análise das possibilidades jurídicas existentes para alcançar a melhor relação meio-fim para aquele conflito. 152

Paulo Bonavides, nessa via, ensina que são responsáveis por conduzirem a

constituição do princípio da proporcionalidade três elementos:

O primeiro é a pertinência ou aptidão, que nos diz se determinada medida representa o meio certo para levar a cabo um fim para o interesse público. O segundo elemento é a necessidade, ou seja, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária. O terceiro elemento consiste na proporcionalidade mesma tomada stricto sensu. 153

Integra Luís Roberto Barroso:

a idéia de proporcionalidade revela-se não só a um importante – o mais importante princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo. O princípio da proporcionalidade se traduz na

150 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 2000. p. 747 e 748. 151 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. 1991. p. 143. 152 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das restritivas de direitos fundamentais. 1996. p. 72. 153 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 1998. p. 360 e 361.

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adequação meio-fim, na avaliação da necessidade da prática do ato e da aferição de seu custo-benefício. 154

Virgílio Afonso da Silva, professor da faculdade de direito da Universidade

de São Paulo, enriquece o presente trabalho com valorosa explanação:

um conceito preliminar de proporcionalidade, a ser enriquecido com a análise que segue. A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito - no que diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais -, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Esses três exames são, por isso, considerados como sub-regras da regra da proporcionalidade.155

Muitas vezes, um juízo de adequação e de necessidade “não é suficiente

para determinar a justiça da medida restritiva adotada, porque dela pode resultar

uma sobrecarga ao atingido” 156.

Assim, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito vem como se

fosse uma lei de mediação ou ponderação, essa última mais freqüentemente usada

pela doutrina, que Robert Alexy estabelece: “quanto mais intensa é uma intervenção

em um direito fundamental tanto mais graves devem ser as razões que a

justificam.”157

Conseqüentemente, trata-se da ponderação de bens, pois anuncia a

valoração e mediação recíproca de todos os bens envolvidos, colocando em

evidência todas as situações relevantes ao contexto; “assim, o exame da relação de

proporcionalidade entre a decisão normativa e a finalidade perseguida é feito

observando-se os efeitos que ela produz sobre o direito fundamental que

restringe.”158

Para Robert Alexy, de forma sintetizada, são, os princípios, delegações de

otimização em consideração as possibilidade jurídicas e fáticas. E “o princípio da 154 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 1996. p. 267. 155 SILVA, Virgílio Afonso. O proporcional e o razoável. 2002. p. 24. 156 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 119. 157 ALEXY, Robert. op. cit. p. 78. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 119. 158 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 119.

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proporcionalidade em sentido estrito cuida da otimização das possibilidades

jurídicas, enquanto que os princípios da adequação e a necessidade tratam da

otimização no âmbito do fático” 159.

Quanto à previsão legal do princípio da proporcionalidade, Fernando Facury

Scaff registra:

O princípio da proporcionalidade não está expresso em nosso sistema jurídico, mas pode ser visualizado como decorrente de vários princípios insculpidos em nossa Carta, entre eles o do Estado Democrático de direito, da dignidade da Pessoa Humana, e do due process of law. É na verdade, o coração do Direito, uma vez que sua existência é que permitirá a efetivação das normas constitucionais, evitando arbítrio travestido de legalidade – o que sói acontecer na realidade, pois a reserva legal é tão-somente uma garantia de forma e não de conteúdo. 160

Por último, no intuito de rematar o capítulo, no que se refere à requisição de

quebra do sigilo bancário, o Poder Judiciário deve ponderar os interesses em causa,

para tanto, Miguel Reale adverte que:

numa questão tão delicada e complexa como esta do sigilo bancário, que envolve um difícil balanceamento de valores, entre o pólo da intocabilidade pertinente à pessoa e o pólo oposto do que é exigido pelo interesse coletivo – não se podendo afirmar que um deles se superior ao outro – penso que se deve optar por uma linha de prudente adequação à conjuntura de cada caso concreto, obedecendo-se, desse modo, à diretriz indicada pelas mais atuantes correntes contemporâneas sobre o direito como concreção e experiência. 161

Finalmente, se dará desfecho ao assunto, objetivando conferir quais os

órgãos e autoridades estão legitimadas, pela Lei Complementar nº. 105/2001, a

efetuar a quebra do sigilo bancário, bem como, analisar constitucionalmente o artigo

6º., da referida, com base nas fontes de Doutrina e Jurisprudência. É o que propõe o

próximo capítulo.

159 ALEXY, Robert. op. cit. p. 112 e 113. apud. CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 119. 160 SCAFF, Fernando Facury. Direito fundamentais do contribuinte. 2000. p. 472. apud. BATISTA, Liliane Maria Busato. op cit. p. 116 e 117. 161 REALE, Miguel. O sigilo bancário no direito brasileiro. 1993. p. 139.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 6º. D A LC 105/2001

No último capítulo, será proposta a discussão sobre a constitucionalidade do

artigo 6º., da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, explicitando os

órgãos e autoridades legitimadas por essa Lei Complementar a realizar a devida

quebra, arraigando a discussão para as divergências na doutrina e as tendências

jurisprudenciais.

3. 1 ÓRGÃOS LEGITIMADOS À QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

Os órgãos a quem a legislação dá poderes para revelar as informações

bancárias sigilosas são: o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e a Comissão

Parlamentar de Inquérito, o Banco Central e a Comissão de Valores Imobiliários, a

Administração Tributária, o Ministério Público. 162

Todas essas hipóteses legais estão previstas na Lei Complementar nº.

105/2001, com exceção da determinação pelo Ministério Público de requisitar

diretamente informações bancárias sigilosas, está fixado na Lei nº. 8.625, de 12 de

fevereiro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e da Lei

Complementar nº. 75, de 20 de maio de 1993. 163

3. 1. 1 Poder Judiciário

Prediz o inciso XXXV, do artigo 5º. da Constituição Federal de 1988, que a

lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a

162 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184. 163 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 184.

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direitos, no intuito de resguardar o Estado Democrático de Direito em que

vivemos.164

O Poder judiciário é, de fato, que cuida de assegurar a aplicação da lei,

observando o direito fundamental do princípio do devido processo legal. 165

Assim, visto que o Poder Judiciário é um órgão imparcial, e é quem dirime

conflitos havidos entre as partes, não é possível abstrair dele a característica de

aplicador do direito. 166

Para o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal:

o postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. 167

A quebra de sigilo bancário pelo Poder Judiciário tem previsão legal no

artigo 3º. Da Lei Complementar nº. 105/01, redigido a seguir:

Art. 3o Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.168

O caput desse artigo não traz nenhuma diferença em relação à lei que veio a

revogar, o artigo 38, § 1º., da Lei nº. 4.595/64, já referido no primeiro capítulo deste

trabalho, que a maioria da doutrina e jurisprudência consideravam constitucional.169

Tocante ao presente tema, somente o Judiciário, por um de seus órgãos,

pode desobrigar as instituições financeiras do dever de sigilo, porque, aqui, a

precisão é resguardar o equilíbrio das partes em relação à contenda processual,

visto que, apenas o Poder Judiciário “poderá discernir até que ponto há prevalência

164 BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 71. 165 BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 71. 166 BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 72. 167 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº. 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Brasília, DF, julgado em 16 de setembro de 1999, Rel. Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 12 de maio de 2000, p. 86. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/>. Acesso em: 10 set. 2008. 168 BRASIL. Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, artigo 3º., caput. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. 169 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 203.

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de um direito sobre o outro e quais as restrições que se fazem aos direitos

individuais.” 170

Nesta questão, sendo o Poder Judiciário detentor desse encargo, para poder

haver a ruptura de sigilo bancário se faz necessário respeitar alguns requisitos

legais, como menciona Plínio José Marafon:

Primeiramente, no nosso entendimento, compartilhado por outros doutrinadores, deve o interesse público revelado ser de tal ordem que, conforme as circunstâncias do caso concreto, mereça ser desvendada parte da intimidade do indivíduo através da quebra do sigilo bancário. Isto é, se justifique a adoção de tal procedimento. Nesse sentido, a interferência do Poder Judiciário é outra premissa necessária à quebra do sigilo bancário, tendo em vista que somente ele é dotado de imparcialidade para, através de um juízo de ponderação, decidir previamente se é caso de invadir esfera privativa do cidadão. Outra condição não menos importante diz respeito ao fato de que a providência requerida deve ser indispensável para a consecução dos objetivos perseguidos na investigação estatal e mesmo assim se não houver meio menos gravoso para atingir esses objetivos. De outro lado, tal só pode ocorrer quando houver causa provável, isto é, fundada suspeita quanto ao fato da investigação. Vale dizer, pode o Estado, quando fundado em real interesse público, mediante atuação do Poder Judiciário, determinar a quebra do sigilo bancário, mas não está autorizado a invadir a intimidade do indivíduo além do que seja suficiente para solucionar determinado caso específico. 171

Cita-se a autora Márcia Haydée Porto de Carvalho onde aduz que existem,

ainda, duas formalidades a serem atendidas, a “existência de ação processo judicial

em curso e manutenção do caráter sigiloso das informações obtidas, mediante

acesso restrito às partes e seus procuradores.” 172

Além das citadas formalidades é pertinente citar que, para que a quebra de

sigilo bancário esteja despida de qualquer vício, se faz necessário respeitar outros

pressupostos, os quais são:

Observância da garantia do devido processo legal formal, exceto na fase inquisitória da apuração criminal, do inquérito civil ou do procedimento administrativo preparatório, quanto ao contraditório, que pode vir a ser dispensado; individualização do investigado e do objeto de investigação; obediência ao princípio do devido processo legal substantivo; fundamentação da decisão, que não pode ser

170 BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 72. 171 MARAFON, Plínio José. Direitos fundamentais do contribuinte. 2000. p. 445. apud. BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 73. 172 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 203.

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apenas formal, mas deve indicar concretamente os motivos da quebra e a necessidade da medida para o fim almejado. 173

Contudo, é preciso frisar que quebrar o sigilo bancário comina atenção e

prudência ao Judiciário no que tange ter que determinar a devassa na intimidade

pessoal do cidadão, na qual, o próprio ordenamento jurídico, para garantir que tal

circunstância não se tornasse comum, quis que fosse tutelada como reserva

constitucional. 174

3. 1. 2 BACEN e a Comissão e Valores Mobiliários

Destacam-se entre as atribuições do Banco Central do Brasil – BACEN,

além do controle e fiscalização do sistema financeiro para a lavagem de dinheiro, a

fiscalização das instituições financeiras e aplicação das sanções previstas constante

no artigo 10, inciso IX da Lei nº. 4.595/64. 175

Por sua vez, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), nos ditames do

artigo 8º., inciso III e V, da Lei nº. 6.385/76, tem como importante função a

fiscalização permanente de atividades e serviços do mercado de valores mobiliários

e das companhias abertas.176

O Legislador tem proporcionado para o BACEN e à CVM instrumentos que

visam facilitar uma informação completa sobre as atividades das instituições

financeiras, justamente para efetivar o exercício de suas funções de supervisão

financeira. 177

Para tais órgãos de supervisão financeira corresponde a fiscalização das

instituições financeiras e não a de seus clientes. Os órgãos devem acessar somente

os valores globais das operações financeiras efetuadas, restando impossibilitados

de obter informações sobre as movimentações financeiras privadas dos clientes.

173 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 203. 174 BATISTA, Liliane Maria Busato, op. cit. p. 74. 175 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 244. 176 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 244. 177 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 244.

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Excetuando as situações especiais como operações com clientes falidos ou

insolventes, operações violadoras de leis ou regulamentos, a concentração de

operação com determinados clientes, operações que coloquem em risco a liquidez e

a solvência das instituições concedentes, etc. 178

Sob a ótica de Márcia Haydée Porto de Carvalho:

Estando entidades financeiras submetidas a regime especial, a Lei Complementar 105/01, em seu art. 2º, § 2º, confere expressamente às comissões do Bacen encarregadas dos inquéritos pertinentes a faculdade de examinar quaisquer documentos relativos a bens, direitos e obrigações das instituições investigadas, controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos, inclusive contas correntes e operações com outras instituições financeiras. 179

Assim, “não pode o Banco Central penetrar nos detalhes de conta particular,

a não ser nos casos de existência de alguma alteração que infrinja as normas

bancárias” 180, onde constitui exceção ao sigilo bancário.

Verdadeiramente, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores

Mobiliários, no exercício de suas atribuições examinatórias, podem obter ciência de

dados bancários com capcidade de repercutir na esfera privada, independentemente

de autorização judicial ou mesmo intimação do investigado, o que a lei permite e é

aprovado pela Constituição, na medida em que esses órgãos tendem a atender a

norma do artigo 192 da Constituição Federal de 1988, relacionando que, o sistema

financeiro nacional deve possuir uma estrutura que promova o desenvolvimento

equilibrado do país e a servir aos interesses do coletivo. 181

3. 1. 3 Comissão Parlamentar de Inquérito

As Comissões Parlamentares de Inquérito Federais, tal qual o Poder

Legislativo, no exercício da competência que lhes outorgam a legislação vigente e a

178 HAGSTRÖM, Carlos Alberto. O sigilo bancário e o poder público. 1990. p. 42. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 245. 179 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 245. 180 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 2002. p. 77. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 245. 181 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 246.

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própria Constituição Federal de 1988, poderão requisitar ao BACEN, a CVM, ou às

próprias instituições financeiras, os documentos e os dados sigilosos que

necessitarem. 182

Assim pronuncia o artigo 4º., § 1º., da Lei Complementar nº. 105 de 10 de

janeiro de 2001:

Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.

§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.183

Para que as Comissões Parlamentares de Inquérito obtenham acesso livre à

documentos e dados sigilosos é preciso vislumbrar o artigo 4º., § 2º., da referida Lei

Complementar, cujo caput relaciona que “As solicitações de que trata este artigo

deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do

Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de

inquérito”, onde outorga essa prerrogativa ao Poder Legislativo Federal.184

Agindo em conformidade com os princípios da hermenêutica, as normas de

exceção à regra geral devem ser interpretadas restritivamente. Portanto, se extrai o

entendimento de que somente as Comissões Parlamentares de Inquérito Federais

estão legitimadas a fazer requisição de informações sigilosas, que pela regra

referida, não se pode estender essa exceção às Comissões Parlamentares de

Inquérito Estaduais e Municipais. 185

Sucessivamente, as Assembléias Legislativas Estaduais têm por principal

atribuição o planejamento, discussão e aprovação de leis estaduais, podendo,

também, fiscalizar as contas do Estado que se sucedem (artigo 70 c/c 75 da

Constituição Federal de 1988). 186

182 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 59. 183 BRASIL. Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, artigo 4º., § 1º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. 184 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 59. 185 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 59. 186 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60.

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Consoante essa discussão, expõe sua informação o autor Victor Emanuel

Alves de Lara:

um pedido oriundo de uma Assembléia Legislativa Estadual só será pertinente se o recurso estiver, de qualquer forma, ligado à recursos públicos estaduais. Mas, mesmo nessa hipótese, o requerimento terá que ser enviado pela Assembléia Legislativa, assim considerada na sua unicidade, na condição de ente político com competência para verificar as contas do Poder Público Estadual, e não por apenas um parlamentar individualmente considerado, mesmo que presidente de uma CPI. 187

Quando estiverem em pauta recursos federais, o ente competente para tanto

será o Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União, nos moldes

dos artigos 70 e 71 da Constituição Federal de 1988. 188

Na hipótese de recurso federal, será defeso às instituições financeiras

revelarem quaisquer informações revestidas pela égide do sigilo bancário. Frisando-

se que, agora, as Comissões Parlamentares de Inquérito Estaduais só poderão

acessar dados, informações ou documentos sigilosos com autorização expressa do

Poder Judiciário. 189

3. 1. 4 Poder Legislativo

Ressaltando a norma do artigo 4º., caput, e § 2º., da Lei Complementar nº.

105 de 10 de janeiro de 2001, supracitado, observa-se em paridade com o antigo

artigo 38, da Lei 4.595/1964, em seu § 2º, ou seja, não trouxe mudanças às

prerrogativas do Poder Legislativo concernentes ao sigilo bancário.190

O texto legal dá atribuição para efetuar a quebra do sigilo bancário, não só

às Comissões Parlamentares de Inquérito, mas também ao próprio Poder

Legislativo, que constitui no exercício de verificação somente, sob decisão

fundamentada, de que a revelação das informações sigilosas em poder do Banco

187 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60. 188 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60. 189 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60. 190 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 221.

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Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários e das instituições financeiras

será imprescindível para o desempenho de suas funções atribuídas

constitucionalmente, conjunto com sua aprovação em uma ou nas duas casas do

Congresso Nacional. 191

A Constituição Federal de 1988, disposto no artigo 58, em seu § 3º., afirma

que o Poder Legislativo Federal, por meio da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal, tem competência para exercer a quebra de sigilo bancário, na qual prevê o

artigo 4º., caput, e § 2º., da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001,

porém apenas quando for cumprir papel idêntico ao das Comissões Parlamentares

de Inquérito. Dessa forma o referido dispositivo tem caráter constitucional, quando

assim interpretado em conformidade com a Constituinte. 192

3. 1. 5 Ministério Público

Como aduz o caput do artigo 127 da Constituição Federal de 1988, “O

Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis.” 193

Portanto, a Constituição Federal confere ao Ministério Público “a defesa da

sociedade na luta pela prevalência dos mais importantes interesses ou valores

constitucionais.” 194

Porém, o Ministério Público não é órgão constante do rol das entidades

legitimadas a efetuar a quebra do sigilo bancário da Lei Complementar 105 de 10 de

janeiro de 2001. Mas poderá requisitar informações, documentos ou dados sigilosos

diretamente das instituições financeiras, quando em face dos crimes contra o

191 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 220 e 221. 192 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 221. 193 BRASIL. Constituição (1988). Artigo 127, caput. 194 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 221.

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Sistema Financeiro Nacional, previstos na Lei nº. 7.492 de 16 de junho de 1986, cujo

artigo 29, lhe concede tal poder, por se tratarem de verbas de origem pública,

exaurindo o caráter individual, e assim, respeitando o princípio da publicidade. 195

Todavia, em face das disposições havidas na Lei Orgânica do Ministério

Público (Lei nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), teria o Ministério Público,

autorização para requisitar diretamente junto às instituições financeiras dados

sigilosos. 196

Entretanto, por respeito à hierarquia, a Lei orgânica do Ministério Público

tem caráter ordinário, enquanto a lei que trata do sigilo bancário é de natureza

complementar, não cabendo, assim, alteração das disposições legais da primeira

para com a segunda. 197

Diante disso, ao Ministério Público somente é reservada a obtenção do

conhecimento de dados bancários sigilosos, nas hipóteses previstas no artigo 1º., §

3º., inciso IV, bem como, no § 4º., e no artigo 9º. caput, todos dispostos na Lei

Complementar 105. 198

O artigo 9º. da Lei Complementar em epígrafe refere-se ao fato de quando

verificado pelo Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários a

ocorrência de um crime de ação pública, ou mesmo indícios, deverão informar ao

Ministério Público, determinando ainda a juntada dos documentos atinentes às

informações sigilosas necessários à investigação ou comprovação dos fatos.199

Sem prejuízo a qualquer abertura que a lei possa ter dado, o entendimento

prevalente da jurisprudência é de que, em havendo justo motivo, em instaurado

processo ou procedimentos administrativos em que seja parte o Ministério Público,

esse deve requerer a determinação da ruptura do sigilo bancário à autoridade

judiciária competente. 200

195 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 81. 196 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60. 197 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60. 198 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 61. 199 BRASIL, artigo 9º., caput, da Lei Complementar nº. 105 de 10 de janeiro de 2001. 200 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit., p. 143.

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3. 1. 6 Administração Tributária

As autoridades e agentes fiscais tributários estão reguladas no artigo 6º. da

Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, transcrito a seguir:

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. 201

Este artigo possibilitou claramente às autoridades e aos agentes fiscais

tributários o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras, sem

exceção aos dados de contas de depósitos e aplicações financeiras, desde que,

obedecidos certos ditames propostos no próprio artigo, ou seja: a) existência de

processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso; b) que tais

exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa

competente. 202

O que se deu inovador na nova lei tratante sobre a possibilidade de quebra

do sigilo financeiro consta no fato de que a autorização para a devida quebra, que

antes só era admitido às autoridades fiscais e agentes fiscais tributários federais, foi

admitida também às autoridades tributárias Estaduais, do Distrito Federal e dos

Municípios. Entretanto, é evidente que, cada um desses membros da administração

tributária, poderá examinar dados, documentos, ou informações relativas às

respectivas esferas políticas. 203

No entanto, não se pode adentrar ao tema central com tanto descaso, é

preciso refletir sobre os pilares que constituíram ao Fisco o referido poder de acesso

aos informes confidenciais. Para tanto, os próximos tópicos versarão sobre alguns

dos princípios da Administração Tributária.

201 BRASIL. Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, artigo 6º., caput. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. 202 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 64. 203 LARA, Victor Emanuel Alves de. op. cit., p. 60.

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3. 1. 6. 1 Princípio da Isonomia Tributária

O princípio da isonomia, no âmbito tributário, é o mesmo que o princípio da

igualdade jurídica, ou seja, é o princípio pelo qual todos são iguais perante a lei, que,

aqui, se mostra como garantia de um tratamento proporcional, pela administração

tributária, de quantos se encontrem em qualidades idênticas. Na Constituição

Federal de 1988, tem-se como manifestação desse princípio a regra de uniformidade

dos tributos federais em todo o território nacional. 204

A isonomia na proposição de tributos é um princípio de suma importância

nos países em que há uma alta concentração de renda. Sendo assim, é plausível

examinar a diferença na aplicação desse princípio em função da maior ou menor

distribuição de riqueza de um país. 205

A doutrina majoritária defende, em nosso ordenamento, a progressividade

do imposto sobre a renda, não só porque está prevista constitucionalmente, mas

também, porque essa progressividade se reserva a promover uma redistribuição de

renda entre os membros da sociedade. 206

No âmbito tributário, em alguns casos esse princípio parece se invalidar

como princípio da igualdade, aparentemente perde sua lógica, como por exemplo,

incidente no Imposto de Renda, em sua cobrança progressiva. Sobre esse tema,

Hugo de Brito Machado esclarece a questão:

Não fere o princípio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza. 207

A seguir, dará tratamento ao princípio em que a Administração Tributária

fundamenta sua legitimidade para obter dados sigilosos dos contribuintes, o

chamado princípio da capacidade contributiva.

204 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 2004. p. 51. 205 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 121. 206 CHINEN, Roberto Massao. op. cit. p. 122. 207 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 52.

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3. 1. 6. 2 Princípio da Capacidade Contributiva

Albergado pela Constituição Federal de 1988, o princípio da capacidade

contributiva está consagrado no artigo 145, § 1º., redigido a seguir:

Art. 145 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O princípio da capacidade contributiva se molda sob o processo natural do

meio em que vivemos: “onde não houver riqueza é inútil instituir impostos, do mesmo

modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água.” 208

O legislador quis, na formulação jurídica desse princípio, não somente

preservar a eficácia da lei incidente, no sentido de que ela não caia sobre terra, com

falta de capital para suporte do imposto, mas também, quis preservar o contribuinte,

tentando, por meio da lei, evitar uma cobrança de tributos abusiva, que

comprometesse a subsistência do indivíduo, o livre exercício de sua profissão, a livre

exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, visto

que, essas situações entendem-se relativas à sua capacidade econômica. 209

De comum acordo com Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, a capacidade

econômica corresponde à “real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem

destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à

tributação.” 210

Porém, nas situações igualitárias, o princípio da capacidade contributiva não

se detém somente a dar tratamento proporcional. Por exemplo, dois contribuintes em

situações iguais têm direito a um tratamento igualitário, além disso, ambos e cada

208 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 2006. p. 138. 209 AMARO, Luciano. op. cit. p. 138. 210 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cléber. Intributabilidade das correções monetárias – capacidade contributiva. 1988. p. 142. apud. AMARO, Luciano. op. cit. p. 138.

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um dos contribuintes têm também o direito de não serem tributados a mais do que

sua capacidade contributiva permite. 211

Para José Afonso da Silva, o princípio da capacidade contributiva quer dizer

que:

o ônus tributário deve ser distribuído na medida da capacidade econômica do contribuinte, isto é, da capacidade do indivíduo de contribuir para sustentar os gastos públicos, por meio de impostos, levando-se em conta não só a riqueza, mas também suas condições pessoais. Implica uma base de cálculo, que seja capaz de medir a capacidade de suportar o encargo, e alíquotas, que igualem verdadeiramente esse ônus. 212

Noutra expressão, o princípio da capacidade contributiva incide “em legitimar

a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os

ricos paguem mais e os pobres, menos” 213. Vê-se que a intenção do princípio é

promover a igualdade fiscal ou a justiça tributária, confirmada no artigo 150, inciso II,

da Constituição Federal de 1988, que envolve a igualdade na aplicação da lei:

Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 214

Mediante isso, no que nossa constituinte nos dispõe, é facultado à

Administração Tributária realizar a identificação do patrimônio, os rendimentos e as

atividades econômicas do indivíduo contribuinte, com a finalidade de efetivar o

princípio da capacidade contributiva, para que cada indivíduo pague seu tributo

concordado com sua situação financeira e condições pessoais. É viável sustentar

que a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 145, §1º., antes mencionado,

conferiu à Administração Tributária, justo para fazer jus ao princípio da capacidade

211 AMARO, Luciano. op. cit. p. 139 e 140. 212 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2002. p. 692. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 230. 213 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. 1999. p. 234. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 230. 214 BRASIL. Constituição (1988). Artigo 150, inciso II.

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contributiva, o dever de apurar as riquezas do contribuinte com o objetivo

fiscalizador. 215

3. 1. 6. 3 Requisitos para a Ruptura do Sigilo

Como referido, a Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001

liberou, às autoridades e aos agentes tributários de todos os níveis da federação,

acesso, sem necessidade de prévia ordem judicial, à documentos, dados e

informações bancárias sigilosas de um investigado. Para tal medida, a referida Lei

Complementar determinou alguns requisitos como a existência de processo

administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e, ainda, que tais

informações sejam consideradas indispensáveis pela autoridade administrativa

competente.

Assim sendo, assinala-se os cuidados procedimentais, regulamentados pelo

Decreto nº. 3.724, de 10 de janeiro de 2001, que a Administração Tributária deve

ponderar para exercer o poder de ruptura do sigilo bancário:

I) realização da requisição de informações bancárias por autoridades administrativas competentes;

II) instauração do processo administrativo tributário, mediante ordem específica denominada de Mandado de Procedimento Fiscal (MPF);

III) estrita obediência ao princípio do devido processo legal no âmbito administrativo:

III. I) motivação da decisão administrativa de afastamento do sigilo bancário, com a demonstração da existência de indícios de ilícito tributário e sua autoria, além da indispensabilidade da medida para a investigação;

III. II) notificação prévia do investigado, com a concessão de prazo fixado legalmente, para que o mesmo possa se defender perante o Fisco,

215 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 231.

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e, querendo, impugnar judicialmente a decisão administrativa que determina a quebra de seu sigilo bancário;

IV) envio do comprovante de recebimento da notificação prévia do investigado, por ocasião da requisição dos dados, que conforme o caso, será enviado à instituição financeira, ao Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários, sendo formalizado mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF);

V) levantamento do sigilo bancário, que será admitido apenas em face de insuficiência da defesa do suspeito e/ou de ausência de uma decisão judicial impedindo a quebra no prazo indicado na notificação;

VI) restrição do uso dos dados obtidos ao procedimento que lhes deram origem e manutenção do caráter sigiloso dessas informações. 216

A autora Márcia Haydée Porto de Carvalho observa que, atendida essas

formalidades, “garante-se a possibilidade de controle judicial prévio e posterior à

decisão do Fisco de excetuar o sigilo bancário, atendendo-se o princípio

constitucional do acesso à justiça.” 217

Diante de todo o exposto, o próximo item apresentará o objeto do presente

trabalho, que é o de levantar a discussão sobre a constitucionalidade do artigo 6º.,

da referida Lei Complementar.

3. 2 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 6º. DA LC 105/2001

Este tópico exporá os diversos entendimentos da doutrina e jurisprudência,

com o objetivo de propiciar o conhecimento necessário para discutir a matéria em

questão e enfim poder realizar a análise constitucional do artigo 6º., da Lei

Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001.

216 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 235 e 236. 217 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 236.

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3. 2. 1 Tendências Doutrinárias

De início, se propaga o ensinamento de Luiz Roberto Barroso sobre a

interpretação sistemática da Constituição, em que todas as normas nela inseridas

devem ser apreciadas em conjunto:

A Constituição, em si, em sua dimensão interna, constitui um sistema. Essa idéia de unidade interna da Lei Fundamental cunha um princípio específico, derivado da interpretação sistemática, que é o princípio da unidade da Constituição, [...] A Constituição interpreta-se como um todo harmônico, onde nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente. 218

Na posição de defensor do direito fundamental constitucionalmente

consagrado o autor Marcelo Figueiredo propõe:

Embora todos possamos reconhecer a enorme dificuldade existente na tentativa de balancear os valores constitucionais ; a proteção à intimidade , o sigilo de dados comunicacionais e o poder tributário do Estado, forçoso compatibiliza-los o quanto possível, de modo a que nenhum deles seja sacrificado a ponto de anular uma das garantias constitucionais ou a harmonia e mecânica entre os Poderes do Estado. 219 (grifos do autor)

Para Helenilson Cunha Pontes:

É absolutamente inconstitucional regra legal (seja de que natureza for) que autorize à autoridade administrativa o amplo acesso aos dados protegidos pelo sigilo bancário, sem prévia autorização judicial, pois conduziria ao aniquilamento do direito fundamental à intimidade, privacidade e sigilo de dados, norma de bloqueio, cujo objetivo é precisamente proteger os indivíduos contra as investidas do Estado. 220

Para José Augusto Delgado, “a autoridade fiscal não possui a necessária

isenção e competência institucional para excepcionar o sigilo bancário, de modo que

isso possa impor confiança aos contribuintes enquanto sujeitos de direitos a serem

assegurados”. E vai mais além, diz que a adoção de um sistema, em que o Poder

Judiciário seja o julgador dos pedidos da Administração Tributária para a quebra do

218 BARROSO, Luíz Roberto. Interpretação e aplicação constitucional: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 1999, p. 135. 219 FIGUEIREDO, Marcelo. O sigilo bancário e fiscal: algumas dimensões jurídico políticas. 2002. p.162. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 232. 220 PONTES, Helenílson Cunha. Quebra do sigilo bancário pelo Ministério Público. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direitos Fundamentais do Contribuinte. p. 377.

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sigilo bancário, “além de mais justo”, importará em mais credibilidade à

Administração Tributária ao desempenhar suas ações, atenderá ao princípio da

segurança jurídica e protegerá os direitos fundamentais. 221

Juliana Garcia Belloque afirma, para os órgãos da Fazenda Pública não

pode ser confiada a atribuição para requisitar diretamente, das instituições

financeiras, informações de dados sigilosos, sem que previamente tenham recorrido

à autoridade judiciária, em face do princípio do devido processo legal. 222

Os doutrinadores Paulo Quezado e Rogério Lima, também defendem a idéia

de que apenas o Poder Judiciário, por meio de um processo, pode rescindir o sigilo

bancário de um indivíduo, assim, impossibilitando as autoridades ou os agentes

fiscais a requisitarem diretamente a quebra do sigilo. Para eles, existem dois motivos

que embasam esse entendimento: o primeiro motivo, diz respeito ao princípio da

separação dos poderes, pelo qual, se não está expressamente disposto na

Constituição que a Administração Tributária poderá efetuar a quebra do sigilo

financeiro, qualquer lei que estimular essa medida será inconstitucional; o segundo

motivo faz menção à parcialidade disposta sobre o ânimo da Administração

Tributária, no tocante recolher tributos. 223

Acentua a doutrina de Luiz Flávio Gomes:

A possibilidade de o Poder Político, por sua conta, por meio de seus próprios agentes e para atender seus interesses ou os interesses de alguns órgãos internacionais ou intergovernamentais (FMI, por exemplo), quebrar o sigilo do segredo bancário inverte toda a lógica do Estado Democrático de Direito. Nunca pode a quebra de um sigilo ser deferida pelo próprio interessado. A imparcialidade da decisão nunca poderá ser alcançada. 224

Hugo de Brito Machado vai além, e inclina-se pela inconstitucionalidade do

artigo 6º. da Lei Complementar nº. 105 de 10 de janeiro de 2001, na qual autoriza o

Fisco a obter ilimitado acesso aos dados do contribuinte investigado, baseando seu

argumento no princípio da separação dos poderes, que em algumas ações do

221 DELGADO, José Augusto. O sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro. 2001. p. 42 e 43. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 233. 222 BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit. p. 119 e 120. 223 QUEZADO, Paulo; LIMA, Rogério. Quebra do sigilo bancário: uma análise constitucional (doutrina e jurisprudência). 1999. p. 97 – 101. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 233. 224 GOMES, Luiz Flávio. Crimes tributários e quebra de sigilo bancário. In: Heloisa Estellita Salomão (org.). Direito penal empresarial. 2001. p. 154. apud. BELLOQUE, Juliana Garcia. op. cit. p. 134.

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Estado, por possivelmente implicarem em restrição dos direitos e garantias

individuais, devem ser submetidos a prévio controle judicial, como é o caso. 225

De contramão ao que propala a doutrina majoritária quanto à idéia de

inconstitucionalidade dos poderes assentados à Fazenda Pública, Cármen Lúcia

Antunes Rocha, apresenta que não parece constar na Constituição vedação à ação

do Fisco de romper a barreira do sigilo financeiro e obter acesso aos dados paralelos

à vida econômica do indivíduo naquilo que é pertinente aos deveres dos

contribuintes em relação à sociedade. 226

Componente dessa corrente é o autor Ricardo Lobo Torres, para ele o sigilo

bancário, como indica a lei, pode ser quebrado pela própria autoridade ou agente da

Administração Tributária, o que patrocinaria a “agilização do processo e a eficácia da

fiscalização”. 227

Aurélio Pitanga Seixas Filho também parte do princípio de que a

Administração Tributária pode requisitar diretamente à instituição financeira

detentora os dados confidenciais do contribuinte alvo. Segundo o autor:

já estando assoberbado o Judiciário de ações que lhe compete ordinariamente julgar, não tem cabimento impingir-lhe uma função tutelar da ação investigatória, que de ordinário é uma função administrativa, salvo, naturalmente, examinar, extraordinariamente, algum abuso ou desvio de poder, concretamente materializado. 228

Expostos os entendimentos doutrinários pertinentes, passa-se a publicar o entendimento jurisprudencial acerca do tema.

3. 2. 2 Tendência Jurisprudencial

Ao contrário do que a maior parte da doutrina sustenta, os Tribunais Pátrios

têm decidido por aplicar a norma prevista no artigo 6º., da Lei Complementar nº.

225 MACHADO, Hugo de Brito. A quebra do sigilo bancário. Repertório IOB de jurisprudência. 2001. p. 249-253. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 242. 226 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Direito à privacidade e aos sigilos fiscal e bancário. 2003. p.33-39. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 233. 227 TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da transparência no direito financeiro. 2001. p. 151. 228 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. O sigilo bancário e o direito à intimidade e privacidade das pessoas. 2001. p. 162. apud. CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. op. cit., p. 234.

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105, de 10 de janeiro de 2001, ou seja, primando pela constitucionalidade do

dispositivo que consagra à Administração Tributária poder de requisitar diretamente

às instituições financeiras a ruptura do sigilo bancário.

A seguir, será exposto e, em seguida, comentado o entendimento do

Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal e

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sob a forma de ementários e trechos de

acórdãos pertinentes à discussão sobre a referida Lei Complementar.

3. 2. 2. 1 Superior Tribunal de Justiça

Cumpre enfatizar, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal ainda não

manifestou sua posição definitiva sobre a matéria, razão pela qual será retomado o

exame de seu posicionamento mais ao final do presente capítulo. Prossegue-se,

então, com as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105/2001 E LEI 10.174/2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.

1. A Lei 9.311/1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas - art. 38 da Lei 4.595/64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021/1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174/01). 2. Também a Lei Complementar 105/2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras" (arts. 5º e 6º). [...] 4. Recurso especial provido. 229

229 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 643619/SC, 2ª. Turma, Brasília, DF, julgado em 04 de setembro de 2008, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado no DJ de 06 de outubro de 2008. Disponível em <http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 02).

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No venerando Acórdão, cuja ementa foi transcrita acima, o seu Relator,

Ministro Mauro Campbell Marques, explicita os precedentes, assentados na

jurisprudência do STJ, que embasaram a decisão proferida, valendo transcrever,

ilustrativamente, o seguinte:

a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. 230

Noutras Decisões, é possível verificar, novamente, o entendimento favorável

quando da aplicação da norma infraconstitucional, porém, nesse, o tema tem outro

enfoque: a utilização da norma para efetivar a ação em fatos pretéritos, como se vê

a seguir:

TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001.

1. Na instância especial, o Superior Tribunal de Justiça, em princípio, não dispõe do contencioso constitucional. Por tal razão não se conhece da pretensão recursal no tocante à alegação de que as normas contidas no art. 6º da Lei Complementar nº 105⁄01, no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 e no art. 3º da Lei nº 9.311⁄96, alterado pela Lei nº 10.174⁄01, seriam inconstitucionais (Corte Especial, REsp 215.881⁄PR, Rel. p⁄ Acórdão Min. Nilson Naves, DJU de 08.04.02). 2. Apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174⁄2001, ou seja, sem a requisição judicial. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores sem autorização judicial, como é o caso dos autos, implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. 3. Assim, não pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 4. Recurso especial provido. 231

230 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 685.708/ES, 1ª. Turma, Brasília, DF, julgado em 12 de maio de 2005, Rel. Min. Luiz Fux, publicado no DJ de 20 de junho de 2005. Disponível em <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. No mesmo sentido: REsp 628.116/PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03/10/2005; AgRg no REsp 669.157/PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01/07/2005; REsp 691.601/SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21/11/2005; EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 219. 231 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 531.826/SC, 2ª. Turma, Brasília, DF, julgado em 11 de outubro de 2005, Rel. Min. Castro Meira, publicado no DJ de 31 de maio de 2006. Disponível em <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 03).

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E também:

TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001.

1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 3. Recurso especial provido". 232

Observa-se que há uma divergência entre os Acórdãos supramencionados,

onde a Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, pode ou não atingir fatos

pretéritos. Por enquanto vale o segundo e mais hodierno entendimento que,

conforme pesquisa do autor do presente trabalho, preconiza a idéia da maioria dos

integrantes do Egrégio STJ.

Nem todos os excessos são permitidos, verifica-se, na Decisão abaixo, que

a Fazenda Pública, em Acórdão publicado no ano de 2007, não obteve sucesso em

proceder com a requisição sem que tivesse observado ditames legais da norma

infraconstitucional em questão.

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ACESSO A EXTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO-FINANCEIRO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DESCABIMENTO. HIPÓTESE EM QUE NÃO SE PODE APLICAR A JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE EM REGRA AUTORIZA O ACESSO DO ENTE FAZENDÁRIO ÀS INFORMAÇÕES BANCÁRIAS, PARA INSTRUIR PROCESSO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7⁄STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.

1. Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto em autos de mandado de segurança preventivo pela Fazenda Nacional, em impugnação a acórdão que, em síntese, reconheceu ilegal a violação de sigilo bancário pelo fato de não haver comprovação de início de processo administrativo-fiscal que justificasse a medida excepcional. Em recurso especial, em síntese, alega a Fazenda Nacional: a - o direito ao sigilo bancário não é absoluto; b - diversamente do afirmado no acórdão recorrido,

232 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 668.012/PR, 2ª. Turma, Brasília, DF, julgado em 20 de junho de 2006, Rel. Min. Castro Meira, publicado no DJ de 28 de agosto de 2006. p. 272. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 04).

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está demonstrado nos autos a existência de procedimento fiscal em relação ao contribuinte, objeto do pedido de informações bancárias; c - o artigo 8º da Lei 8.021⁄90 é auto-aplicável, não sendo necessária nenhuma regulamentação, porquanto a autorização para o ato administrativo praticado encontra apoio na Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; d. violaram-se os dispositivos legais seguintes: Decreto 70.235⁄72, art. 7º, I; Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; CTN, artigo 172, II e Lei 8.021⁄90, artigo 8º; e. pede-se a procedência do pedido para o efeito de validar o ato administrativo praticado, reconhecendo-se o direito de acesso às informações bancárias em referência. 2. In casu, reavaliar a suficiência ou a insuficiência da documentação juntada pelo fisco resulta em conduta vedada pela Súmula 7⁄STJ. Nesse panorama, então, não merece acolhida a pretensão fazendária, uma vez que a existência ou inexistência de comprovação da instauração de procedimento fiscal se vincula à própria motivação do ato praticado pela autoridade pública. 3. Essa particularidade do caso, aliás, impede que se aplique à hipótese a consolidada jurisprudência desta Corte Superior, que realmente declara lícito o acesso da Fazenda Pública a dados bancários sigilosos, desde que, evidentemente, comprovado o interesse e o fim público. 4. Recurso especial não-conhecido. 233

Como prediz o art. 6º., da referida Lei Complementar, se faz necessário para

obter acesso à informes cobertos por sigilo, nesse caso, que a Administração

Tributária tenha em curso um processo administrativo ou instaurado um

procedimento fiscal, bem como que os exames de tais informes sejam considerados

indispensáveis pela autoridade competente.

3. 2. 2. 2 Tribunal Regional Federal

O Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, em julgado da Apelação Cível de

nº. 2006.70.00.005094-9, entendeu pela relevância constitucional dos artigos 5º., e

6º. da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, cuja ementa segue

transcrita:

TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA DIRETA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 9.311/96. LEI 10.174/01. LC 105/01. IRRETROATIV IDADE. 1.

233 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 974.113/SP, 1ª. Turma, Brasília, DF, julgado em 18 de dezembro de 2007, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ de 03 de março de 2008. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 05).

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Conforme entendimento manifestado pela Corte Especial deste TRF quando do julgamento do incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS n.º 2005.72.01.000181-9, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, D.E. publicado em 17/12/2007, não há vício de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96. 2. Até o advento da Lei 9.311/96, as informações obtidas mediante a "quebra" do sigilo bancário diretamente pela autoridade fiscal não poderiam originar lançamento tributário. Na sua vigência, era possível o lançamento tributário concernente apenas à CPMF. Após a Lei 10.174/01, facultou-se ao Fisco a utilização das informações bancárias concernentes à CPMF para instaurar procedimento administrativo objetivando verificar a existência de crédito tributário relativo a outras contribuições e impostos, bem como para o respectivo lançamento. 3. As recentes decisões das Turmas da Primeira Seção deste Regional, observando a jurisprudência do e. STJ, vêm considerando serem retroativas a Lei n.º 10.174/01 e a LC 105/01. 234

A Colenda 2ª. Turma, do Egrégio TRF, em decisão proferida em 22 de julho

de 2008, definiu não haver inconstitucionalidade nos dispositivos da referida Lei

Complementar, respeitando os precedentes do STJ.

3. 2. 2. 3 Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Em nosso Tribunal de Justiça foi encontrado um único Acórdão sobre o tema

em enfoque:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES AO BANCO CENTRAL A CERCA DO PATRIMÔNIO DOS DEVEDORES - POSSIBILIDADE - INTERESSE DA JUSTIÇA - APLICAÇÃO DO ART. 198, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN E ART. 3º, DA LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. Tendo restado inexitosas as tentativas do Fisco de encontrar algum bem passível de penhora registrado em nome dos devedores, a fim de se evitar o esvaziamento da execução e o conseqüente prejuízo para a Fazenda Pública, a requisição judicial de informações ao Banco

234 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Apelação em mandado de segurança nº. 2006.70.00.005094-9/PR, 2ª. Turma, Porto Alegre, RS, julgado em 22 de julho de 2008, Rel. Vânia Hack de Almeida, publicado no DJ de 06 de agosto de 2008. Disponível em <http://www.trf4.jus.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 06).

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Central é medida salutar, que deve ser tomada no interesse da Justiça, segundo autoriza o art. 198, parágrafo único, do Código Tributário Nacional e art. 3º, da Lei Complementar n. 105/2001. 235

No julgado transcrito, foi aceita a requisição da Administração Tributária

junto ao Banco Central do Brasil, para localizar bens dos devedores que estariam

disponíveis à penhora.

3. 2. 2. 4 Supremo Tribunal Federal

Como mencionado anteriormente, o STF não se manifestou acerca da

matéria. Entretanto, numa busca por um parecer do Supremo, conseguiu-se extrair

uma opinião, sobre a quebra de sigilo bancário e a Lei Complementar evidenciada,

do Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, que assim prediz:

Ante o exposto, opino, relativamente aos pedidos deduzidos nas ações diretas de inconstitucionalidade nº 2.386, nº 2.397, nº 2.390, nº 2.406 e nº 2.389, preliminarmente, pelo não conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e, no mérito, pela constitucionalidade dos artigos 3º, § 3º, 5º e 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001; do artigo 1º, na parte que altera o art. 98 da Lei nº 5.172/66 e lhe acrescenta o inciso II e o § 2º, da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001; do § 2º do artigo 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996; e do artigo 1º, da Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, na parte que introduz o § 3º ao art. 11 da Lei nº 9.311/96. 236

Esse parecer foi emitido quando o STF, em face da relevância da matéria,

reportou-se ao artigo 12, da Lei nº. 9.868 de 10 de novembro de 1999, pelo Relator

das cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade237 (ADIn) que tramitam no

235 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de instrumento nº. 00.024008-7, 5ª. Câmara Civil, Florianópolis, SC, julgado em 16 de abril de 2001, Rel. Volnei Carlin. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/>. Acesso em: 10 out. 2008. (Anexo 07). 236 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade (Med. Liminar) nº. 2390-0. p. 360. Min. Rel. Menezes direito. Disponível em: http://www.stf.gov.br/. Acesso em: 10 out. 2008. 237 Na decisão do Ministro Relator Menezes Direito: “determino a apensação, para processo e julgamento conjuntos, das cinco ADIns relacionadas, em dois grupos distintos: ADIns 2386 e 2397, apensadas à ADIn 2390, incluindo-se na autuação as requerentes das primeiras como litisconsortes ativas no processo da última; b) a ADIn 2406 apensada à ADIn 2389, anotando na autuação a

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Supremo, Ministro Menezes Direito, encaminhou os autos para o Ministério Público

Federal. As ADIn238 ainda aguardam julgamento sobre a inconstitucionalidade do

disposto no artigo 6º. da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001 entre

outras normas que os autores pleiteiam vício de inconstitucionalidade.

Visto que, não há posição, tampouco precedentes, da mais alta corte do país

regulando a matéria, vislumbrando a possibilidade de colisão de direitos

fundamentais, ao exame da constitucionalidade da aludida Lei Complementar, não

resta dúvidas senão proceder através do princípio da proporcionalidade.

requerente desta, como litisconsorte ativo, o autor da primeira.” (Min. Rel. Menezes Direito. STF. Ação direta de inconstitucionalidade - Med. Liminar - 2390-0). 238 As ADIn que aguardam julgamento são: ADIn 2386, de representação Confederação Nacional do Comércio (CNC), e pretendem a declaração de inconstitucionalidade da LC nº. 105/01, Artigos 5º. e 6º.; ADIn 2389, proposta pelo Partido Social Liberal (PSL), pretendendo inconstitucionalidade dobre a Lei nº. 10.174/01; ADIn 2390, também do PSL, visando inconstitucionalidade da LC nº. 105/01, artigos 5º., 6º. e § 1º., e também sobre o Decreto nº. 3.724/01; ADIn 2397, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cuja pretensão de inconstitucionalidade é da LC nº. 105 /01, artigos 3º., § 3º., e artigo 6º. e a remissão a ele feita no artigo 1º., §3º., inciso VI, e artigo 5º. e §§, também sobre a LC nº. 104/01, artigo 1º. (na parte em que altera o artigo 98 da Lei nº. 5.172/66 e lhe acrescenta o inciso II e o § 2º.), e ainda o Decreto nº. 3.724/01; ADIn 2406, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), reclama inconstitucional a Lei nº. 9.311/96, artigo 11 e § 2º., Lei nº. 10.174/01, artigo 1º. que introduz § 3º. ao artigo 11 da Lei nº. 9.311 /96.

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CONCLUSÃO

As noções de origem do sigilo bancário, como também sua evolução

histórica, se confundem com as das instituições financeiras, que remete à

antiguidade, no tempo das civilizações mesopotâmicas. Mas somente na Idade

Média que a discrição e a confiança, foram acolhidas como requisitos essenciais

para os negócios da época.

Com os tempos modernos a noção de sigilo bancário começa a se impor

não somente como um princípio moral, ou um requisito para “fechar negócio”, mas

também, como obrigação, que foi regulamentada a partir do século XVII, que

perdura nos dias de hoje.

Portanto, o sigilo bancário constitui uma obrigação jurídica, um vínculo pelo

qual a instituição financeira, o sujeito passivo desse processo, se obriga a cumprir

uma prestação em proveito do sujeito ativo dessa obrigação, considerado o cliente

da instituição, esse se vale dos serviços bancários habitualmente, presumindo que

sua vontade seja a de manter o sigilo quanto a sua conta.

Não obstante inexista, na doutrina, consenso quanto ao sigilo bancário ser

denominado de princípio fundamental da intimidade ou do sigilo de dados, é certo

que por qualquer uma das vias estará ele amparado pela Constituição Federal de

1988. Notou-se que essa divergência já não se fez presente nos tribunais, porquanto

o próprio STF se encarregou de preceder a matéria e inserir o sigilo bancário no rol

dos direitos à intimidade.

A quebra do sigilo bancário reflete a busca do Estado em prestar a

adequada tutela jurisdicional por consistir em importante meio probatório, já que

somente esse instrumento será hábil a revelar as informações referentes à utilização

dos serviços oferecidos pelas instituições financeiras, e que possivelmente se

mostrará indispensável para a apuração dos fatos duvidosos de ilicitude.

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No entanto, existem dados, informações e documentos bancários, cuja

revelação é capaz de causar lesão à privacidade do indivíduo cliente da instituição

financeira, conferindo prejuízo à dignidade da pessoa humana.

Ainda que, inserto na categoria dos direitos da personalidade, o sigilo

bancário não é absoluto, tendo a lei regulado sobre sua ruptura, outorgando às

autoridades ou órgãos públicos que se utilizam disso para exercer suas atribuições

legais. Nesse caso, a quebra do sigilo bancário não pode se dar senão em virtude

de lei que o determine e, ainda, com respeito a todas as garantias fundamentais

possíveis, dos princípios do acesso à justiça, do juiz natural do devido processo

legal, na qual, inclui a garantia de motivação das decisões e os direitos ao

contraditório e à ampla defesa, e da presunção de inocência.

A Lei nº. 4.595/1964, regulamentadora do sistema financeiro nacional

continha um dispositivo que adequava a quebra do sigilo financeiro (artigo 38), na

qual, conferia a faculdade de quebra somente ao Poder Judiciário e ao Poder

Legislativo. Com o advento da Lei Complementar nº. 105/2001, alargou-se a

possibilidade de adoção da medida, concretizando um aprofundado sistema de

controle sobre a atividade financeira tanto das pessoas físicas, quanto das jurídicas,

no âmbito investigativo, criminal e administrativo.

A nova lei propiciou inúmeras hipóteses de rompimento do sigilo bancário

frente ao Estado, que se processa mediante ordem ou requisição de órgãos ou

autoridades públicas, e a faculdade do levantamento direto do segredo financeiro é

conferida aos seguintes órgãos: Poder Judiciário, Legislativo, Comissão Parlamentar

de Inquérito, Comissão de Valores Mobiliários e Administração Tributária.

Sobre o tema em pauta, alguns componentes da doutrina aduzem que o

sigilo bancário submete-se à reserva de jurisdição, tendo somente o Poder Judiciário

capacidade e autoridade para efetuar a ruptura do sigilo financeiro. Matéria que foi

discutida pelo Supremo Tribunal Federal (Cf. MS 23.452 de 16/10/1999), e que o

argumento sustentado por esses da doutrina, não foi amparado pela maioria de seus

ministros. Caso fosse, obviamente, seria uma declaração de inconstitucionalidade da

Lei Complementar nº. 105/2001, protegido pela tese de violação ao princípio da

separação dos poderes.

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No grupo das autoridades e órgãos detentores do poder de quebra do sigilo

bancário dado pela nova lei, destaca-se a Administração Tributária, que defende,

sob a escusa de sua função fiscalizatória, e pelos princípios da isonomia tributária e

da capacidade contributiva, previstos no §1°., do a rtigo 145 da Constituição Federal

de 1988, legitimidade quando intervém na intimidade de um contribuinte.

Como visto no decorrer do trabalho, a doutrina majoritária é propensa à

inconstitucionalidade do artigo 6º., da Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de

2001, por ferir direito personalíssimo. Já a jurisprudência, em sua maioria, tem

decidido conforme a Lei, permitindo que a Administração Tributária, por seus

agentes e autoridades fiscais, possa requisitar diretamente, às instituições

financeiras, a observação de informes sigilosos dos contribuintes. O STF, embora

haja até o momento, cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade em trânsito, ainda

não se definiu sobre a matéria.

Ao exposto no presente estudo, conclui-se que, em se tratando de princípios

constitucionalmente amparados, e colidentes entre si, e não havendo, nesse sentido,

reserva legal, considerando que os princípios constitucionais têm igual hierarquia, se

faz necessária a aplicação do princípio da proporcionalidade, elegendo o princípio

pelo peso ou importância, sacrificando minimamente os direitos constitucionalmente

protegidos.

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ANEXO 01

Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI COMPLEMENTAR Nº 105, DE 10 DE JANEIRO DE 2001.

Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

§ 2o As empresas de fomento comercial ou factoring, para os efeitos desta Lei Complementar, obedecerão às normas aplicáveis às instituições financeiras previstas no § 1o.

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§ 3o Não constitui violação do dever de sigilo:

I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

II - o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

III – o fornecimento das informações de que trata o § 2o do art. 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996;

IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa;

V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados;

VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2o, 3o, 4o, 5o, 6o, 7o e 9 desta Lei Complementar.

§ 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

I – de terrorismo;

II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;

IV – de extorsão mediante seqüestro;

V – contra o sistema financeiro nacional;

VI – contra a Administração Pública;

VII – contra a ordem tributária e a previdência social;

VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;

IX – praticado por organização criminosa.

Art. 2o O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições.

§ 1o O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil:

I – no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras;

II – ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial.

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§ 2o As comissões encarregadas dos inquéritos a que se refere o inciso II do § 1o poderão examinar quaisquer documentos relativos a bens, direitos e obrigações das instituições financeiras, de seus controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos, inclusive contas correntes e operações com outras instituições financeiras.

§ 3o O disposto neste artigo aplica-se à Comissão de Valores Mobiliários, quando se tratar de fiscalização de operações e serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas.

§ 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, em suas áreas de competência, poderão firmar convênios:

I - com outros órgãos públicos fiscalizadores de instituições financeiras, objetivando a realização de fiscalizações conjuntas, observadas as respectivas competências;

II - com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros países, objetivando:

a) a fiscalização de filiais e subsidiárias de instituições financeiras estrangeiras, em funcionamento no Brasil e de filiais e subsidiárias, no exterior, de instituições financeiras brasileiras;

b) a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a investigação de atividades ou operações que impliquem aplicação, negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas.

§ 5o O dever de sigilo de que trata esta Lei Complementar estende-se aos órgãos fiscalizadores mencionados no § 4o e a seus agentes.

§ 6o O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e os demais órgãos de fiscalização, nas áreas de suas atribuições, fornecerão ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, de que trata o art. 14 da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, as informações cadastrais e de movimento de valores relativos às operações previstas no inciso I do art. 11 da referida Lei.

Art. 3o Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

§ 1o Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

§ 2o Nas hipóteses do § 1o, o requerimento de quebra de sigilo independe da existência de processo judicial em curso.

§ 3o Além dos casos previstos neste artigo o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários fornecerão à Advocacia-Geral da União as informações e os documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte.

Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.

§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem,

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diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2o As solicitações de que trata este artigo deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito.

Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

§ 1o Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII - operações com cartão de crédito;

XIV - operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§ 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

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Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Art. 7o Sem prejuízo do disposto no § 3o do art. 2o, a Comissão de Valores Mobiliários, instaurado inquérito administrativo, poderá solicitar à autoridade judiciária competente o levantamento do sigilo junto às instituições financeiras de informações e documentos relativos a bens, direitos e obrigações de pessoa física ou jurídica submetida ao seu poder disciplinar.

Parágrafo único. O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, manterão permanente intercâmbio de informações acerca dos resultados das inspeções que realizarem, dos inquéritos que instaurarem e das penalidades que aplicarem, sempre que as informações forem necessárias ao desempenho de suas atividades.

Art. 8o O cumprimento das exigências e formalidades previstas nos artigos 4o, 6o e 7o, será expressamente declarado pelas autoridades competentes nas solicitações dirigidas ao Banco Central do Brasil, à Comissão de Valores Mobiliários ou às instituições financeiras.

Art. 9o Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos.

§ 1o A comunicação de que trata este artigo será efetuada pelos Presidentes do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários, admitida delegação de competência, no prazo máximo de quinze dias, a contar do recebimento do processo, com manifestação dos respectivos serviços jurídicos.

§ 2o Independentemente do disposto no caput deste artigo, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários comunicarão aos órgãos públicos competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos de que tenham conhecimento, ou indícios de sua prática, anexando os documentos pertinentes.

Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar.

Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.

Art. 12. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 13. Revoga-se o art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Brasília, 10 de janeiro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO José Gregori Pedro Malan Martus Tavares

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 11.1.2001

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ANEXO 02

Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 643.619 - SC (2004⁄0038741-7)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO

DEYSI CRISTINA DA 'ROLT E OUTRO(S)

RECORRIDO : FRANCISCO CAVIGUIOLI

PROCURADOR : CÉLIO DALCANALE E OUTRO

EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105⁄2001 E LEI 10.174⁄2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁ RIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. 1. A Lei 9.311⁄1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas - art. 38 da Lei 4.595⁄64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021⁄1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174⁄01). 2. Também a Lei Complementar 105⁄2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras" (arts. 5º e 6º). 3. Está assentado na jurisprudência do STJ que "a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência" e que "inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal" (REsp 685.708⁄ES, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20⁄06⁄2005. No mesmo sentido: REsp 628.116⁄PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03⁄10⁄2005; AgRg no REsp 669.157⁄PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01⁄07⁄2005; REsp 691.601⁄SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21⁄11⁄2005. (EREsp 608.053⁄RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 219) 4. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira. Brasília (DF), 04 de setembro de 2008. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 643.619 - SC (2004⁄0038741-7)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO

DEYSI CRISTINA DA 'ROLT E OUTRO(S)

RECORRIDO : FRANCISCO CAVIGUIOLI

PROCURADOR : CÉLIO DALCANALE E OUTRO RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tratando da quebra de sigilo bancário entendeu "no sentido da irretroatividade da Lei 10.174⁄2001, de maneira que, com base nela não se autoriza a quebra do sigilo bancário referente a anos-calendários anteriores".

Sustenta a União que o acórdão guerreado deve ser reformado face ao fato de que com a alteração da Lei n. 10.174⁄2001 , art. 144 do CTN, e ainda, com a LC 105, o art. 197 do CTN e antes destas já desde 1964 que está autorizada a transferência do sigilo bancário à autoridade fiscal quando instaurado processo administrativo fiscal.

Foram apresentadas contra-razões pela empresa.

O recurso especial foi admitido na origem e regularmente processado.

É o breve relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 643.619 - SC (2004⁄0038741-7) EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105⁄2001 E LEI 10.174⁄2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁ RIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. 1. A Lei 9.311⁄1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas - art. 38 da Lei 4.595⁄64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021⁄1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174⁄01). 2. Também a Lei Complementar 105⁄2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras" (arts. 5º e 6º). 3. Está assentado na jurisprudência do STJ que "a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência" e que "inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal" (REsp 685.708⁄ES, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20⁄06⁄2005. No mesmo sentido: REsp 628.116⁄PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03⁄10⁄2005; AgRg no REsp 669.157⁄PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01⁄07⁄2005; REsp 691.601⁄SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21⁄11⁄2005. (EREsp 608.053⁄RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 219) 4. Recurso especial provido.

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VOTO O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relato r):

A matéria debatida no presente processo versa acerca da possibilidade de utilização de dados relativos às movimentações financeiras do contribuinte para constituição de créditos tributários relativos a fatos geradores anteriores à edição da Lei Complementar 105⁄2001 e da Lei 10.174⁄2001.

A hipótese dos autos trata especificamente da utilização de dados de CPMF para lançamento de crédito tributário anterior à vigência da Lei 10.174. É de se ressaltar, entretanto, que a notificação feita ao contribuinte para que apresentasse justificativa de sua movimentação bancária foi lavrada em data posterior à entrada em vigor do referido diploma.

Todavia, é de se esclarecer que em matéria tributária, o princípio da irretroatividade aplica-se tão somente para as normas que venham a majorar tributos, não se aplicando estes princípios às normas tributárias em geral.

É este o entendimento consolidado desta Corte Superior, razão pela qual não há óbice à retroação da Lei 10.174. Cito precedentes:

DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105⁄2001 E LEI 10.174⁄2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. 1. A Lei 9.311⁄1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas - art. 38 da Lei 4.595⁄64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021⁄1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174⁄01). 2. Também a Lei Complementar 105⁄2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras" (arts. 5º e 6º). 3. Está assentado na jurisprudência do STJ que "a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência" e que "inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal" (REsp 685.708⁄ES, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20⁄06⁄2005. No mesmo sentido: REsp 628.116⁄PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03⁄10⁄2005; AgRg no REsp 669.157⁄PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01⁄07⁄2005; REsp 691.601⁄SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21⁄11⁄2005. 4. Embargos de divergência a que se dá provimento. (EREsp 608.053⁄RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 219) ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO – UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF PARA LANÇAMENTO DE OUTROS TRIBUTOS – QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO – PERÍODO ANTERIOR À LC N. 105⁄2001 – APLICAÇÃO IMEDIATA – RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º, DO CTN – PRECEDENTES DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. É possível a aplicação imediata do art. 6º da LC n. 105⁄2001, porquanto trata de disposição meramente procedimental. Pelo disposto no artigo 144, § 1º, do CTN, revela-se possível o cruzamento dos dados obtidos com a arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos em face do que dispõe o art. 1º da Lei n. 10.174⁄2001, que alterou a redação original do art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311⁄96. 2. Não há ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar n. 105⁄2001, bem como a Lei n. 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotam a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. 3. Não existe direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, pois enquanto não extinto o crédito tributário a autoridade fiscal tem o poder-dever vinculado de realizar o lançamento em correspondência

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ao direito de tributar da entidade estatal. Precedentes: REsp 685.708⁄Fux; REsp 701.996⁄Zavascki; REsp 985.432⁄Humberto Martins, REsp 628.116⁄Meira; AgRg no REsp 669.157⁄Falcão; REsp 691.601⁄Calmon. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 675.293⁄PE, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 27.05.2008, DJe 19.06.2008) ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO – UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF PARA LANÇAMENTO DE OUTROS TRIBUTOS – IMPOSTO DE RENDA – QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO – PERÍODO ANTERIOR À LC N. 105⁄2001 – APLICAÇÃO IMEDIATA – RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º, DO CTN – PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. É possível a aplicação imediata do art. 6º da LC n. 105⁄2001, porquanto trata de disposição meramente procedimental; sendo certo que, a teor do que dispõe o art. 144, § 1º, do CTN, revela-se possível o cruzamento dos dados obtidos com a arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos em face do que dispõe o art. 1º da Lei n. 10.174⁄2001, que alterou a redação original do art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311⁄96. 2. Não há ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar n. 105⁄2001, bem como a Lei n. 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotam a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. 3. Não existe direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, pois enquanto não extinto o crédito tributário a autoridade fiscal tem o poder-dever vinculado de realizar o lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. Precedentes: REsp 685.708⁄Fux; REsp 701.996⁄Zavascki; REsp 985.432⁄Humberto Martins, REsp 628.116⁄Meira; AgRg no REsp 669.157⁄Falcão; REsp 691.601⁄Calmon etc. Recurso especial provido. (REsp 653.005⁄SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19.02.2008, DJe 03.03.2008) Ante o exposto, voto por dar PROVIMENTO ao recurso especial. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0038741-7 REsp 643619 ⁄ SC Número Origem: 200272010045263 PAUTA: 04⁄09⁄2008 JULGADO: 04⁄09⁄2008

Relator Exmo. Sr. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO

DEYSI CRISTINA DA 'ROLT E OUTRO(S)

RECORRIDO : FRANCISCO CAVIGUIOLI

PROCURADOR : CÉLIO DALCANALE E OUTRO ASSUNTO: Tributário - CPMF - Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira

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CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 04 de setembro de 2008 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária Documento: 814765 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 06/10/2008

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ANEXO 03

Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

EMENTA TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Na instância especial, o Superior Tribunal de Justiça, em princípio, não dispõe do contencioso constitucional. Por tal razão não se conhece da pretensão recursal no tocante à alegação de que as normas contidas no art. 6º da Lei Complementar nº 105⁄01, no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 e no art. 3º da Lei nº 9.311⁄96, alterado pela Lei nº 10.174⁄01, seriam inconstitucionais (Corte Especial, REsp 215.881⁄PR, Rel. p⁄ Acórdão Min. Nilson Naves, DJU de 08.04.02). 2. Apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174⁄2001, ou seja, sem a requisição judicial. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores sem autorização judicial, como é o caso dos autos, implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. 3. Assim, não pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 4. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, acompanhando o Sr. Ministro-Relator, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencido o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins." Os Srs. Ministros Eliana Calmon e João Otávio de Noronha (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto. Brasília, 11 de outubro de 2005 (data do julgamento). Ministro Castro Meira Relator RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

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RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso especial fundado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal e interposto contra acórdão do Tribunal Federal da 4ª Região, proferido em apelação no mandado de segurança, que restou assim ementado: "QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. Conforme previsto Lei n° 8.021, de 12 de abril de 1990, art. 8°, instaurado procedimento administrativo, está autorizada a quebra de sigilo bancário. Esse não é absoluto. Não há falar, assim, em inconstitucionalidade frente a uma possível discordância existente entre esses normativos e os princípios preconizados no art. 5°, X e XII, da Constituição Federal - CF⁄88. É que as informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inciso X da CF ⁄88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. O próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 197, II, preconiza que os bancos são obrigados a prestar todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios e atividades de terceiros à autoridade administrativa (fl. 198-verso).

O recorrente alega que as normas contidas no art. 6º da Lei Complementar nº 105⁄01, no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 e no artigo 3º da Lei º 9.311⁄96, alterado pela Lei nº 10.174⁄01, seriam inconstitucionais. Sustenta a impossibilidade da aplicação retroativa desta e da Lei Complementar nº 105⁄01. Aduz ainda divergência jurisprudencial.

As contra-razões foram apresentadas às fls. 355-360.

Admitido o recurso, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9) EMENTA TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Na instância especial, o Superior Tribunal de Justiça, em princípio, não dispõe do contencioso constitucional. Por tal razão não se conhece da pretensão recursal no tocante à alegação de que as normas contidas no art. 6º da Lei Complementar nº 105⁄01, no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 e no art. 3º da Lei nº 9.311⁄96, alterado pela Lei nº 10.174⁄01, seriam inconstitucionais (Corte Especial, REsp 215.881⁄PR, Rel. p⁄ Acórdão Min. Nilson Naves, DJU de 8.4.2002). 2. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 3. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 4. Recurso especial improvido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Em primeiro lugar, cumpre ressaltar a impossibilidade de conhecimento do recurso especial no tocante à alegação de que as normas contidas no artigo 6º da Lei Complementar nº 105⁄01, no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 e no artigo 3º da Lei nº 9.311⁄96, alterado pela Lei nº 10.174⁄01, seriam inconstitucionais. Esta Corte é competente apenas para velar pela integridade do direito federal infraconstitucional, não possuindo competência, a princípio, para analisar na instância especial suposta violação a dispositivos da Carta Magna. Nesse sentido está o seguinte precedente da Corte Especial: "Recurso especial (julgamento). Inconstitucionalidade (prejudicial). Argüição⁄procedimento (Regimento, art. 200 e Cód. de Pr. Civil, arts. 480 a 482). Competências constitucionais (distribuição). Incidente (caso em que lhe falta cabimento).

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1. No julgamento do recurso especial, uma vez acolhida a argüição, a Turma remeterá o feito à Corte Especial. 2. Compete à Corte Especial julgar a prejudicial de inconstitucionalidade. 3. Do julgamento, porém, não poderá tirar proveito o autor do recurso especial (recorrente). Caso a declaração venha a beneficiar o recorrente, ao incidente faltará cabimento. 4. É que, no exercício da competência prevista no inciso III do art. 105 da Constituição, em princípio o Superior não dispõe do contencioso constitucional. Tê-lo-á em restritas hipóteses. 5. Em tal competência, o que é do Superior é toda a jurisdição infraconstitucional (o direito comum). 6. Já no exercício das competências previstas nos incisos I e II do art. 105, livremente o Superior também desfruta do contencioso constitucional. 7. No exercício da competência do inciso III, é lícito ao Superior previamente declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, desde que a declaração não seja a favor do recorrente; a favor do recorrido, sim. 8. Caso em que a inconstitucionalidade, se declarada, não aproveitaria ao recorrido. Por sinal, nem ao recorrente, que interesse algum tinha na declaração, tanto que se defendera com outros fatos e outros fundamentos. Daí, em caso que tal, tratar-se-ia, também, de declaração de inconstitucionalidade em tese. 9. Preliminar de não-cabimento, acolhida por maioria de votos" (AIREsp 215.881⁄PR, Min. Rel. p⁄ acórdão Min. Nilson Naves, DJU de 8.4.2002).

No entanto, cumpridas as formalidades exigidas pelo artigo 541, parágrafo único, do Código de Ritos e 255 do RISTJ, no tocante a comprovação do dissídio jurisprudencial, conheço do recurso especial pela alínea "c", do inciso III, do artigo 105, da Constituição Federal.

Admitido o recurso, passo a analisá-lo.

O acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que o artigo 11, § 3º, da Lei nº 9.311⁄96, modificado pela Lei nº 10.174⁄01, poderia atingir fatos anteriores à sua edição. Sustenta o recorrente que ao tempo do fato gerador da obrigação tributária vigorava a Lei nº 4.595⁄64, a qual admitia a quebra do sigilo bancário somente através de decisão judicial.

Colhe-se do voto condutor do aresto impugnado o seguinte trecho:

"No que diz respeito à alegada aplicação retroativa de lei mais gravosa ao contribuinte, não assiste razão à apelante. A Lei n° 10.174⁄2001, ao alterar o artigo 11 da Lei n° 9311, de 1996, modificou a sistemática de tratamento dos dados da CPMF permitindo a instauração de procedimento administrativo para verificar a existência de créditos tributários, o que não era vedado na legislação anterior. Desse modo, é vedado ao Fisco tomar unicamente os dados relativos à CPMF para efetuar o lançamento de outros tributos. No caso dos autos, a fiscalização não está procedendo a qualquer lançamento com base nos dados da CPMF recolhida, apenas os utilizou para efeito de deflagração do procedimento fiscal" (fl. 197-verso).

A Lei Complementar nº 105⁄01 trouxe inúmeras inovações no ordenamento jurídico brasileiro. Outorgou às autoridades fiscais maior poder e abrangência na fiscalização do Imposto sobre a Renda das pessoas físicas e jurídicas, pelo cruzamento de dados da declaração de Imposto de Renda com os valores recolhidos a título de CPMF, mediante instauração de procedimento administrativo, nos termos do disposto no artigo 6º desta lei, dentre várias outras.

A alteração promovida no artigo 11, § 3º, da Lei nº 9.311 de 24 de outubro de 1996, por meio da Lei nº 10.174⁄2001, possibilitou a utilização dos valores recolhidos a título de CPMF para verificar a existência de créditos tributários de outros impostos e contribuições, o que anteriormente só era concedido para verificação da própria Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Verifica-se que o § 3º do artigo 11 da lei supracitada foi alterado pela Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, e o dispositivo legal que anteriormente vedava a utilização para a constituição do crédito tributário de quaisquer outros tributos dispôs ser facultada a utilização dos dados da CPMF para a instauração de procedimento administrativo tendente a verificar a existência de créditos tributários relativos a outros impostos e contribuições.

Para analisar-se a possibilidade, ou não, de acesso do Fisco a contas de depósitos e aplicações financeiras que contenham informações anteriores a 2001, deve-se distinguir os conceitos de lei material e formal em matéria tributária. Por lei material entendemos aquela que tem por conteúdo a obrigação tributária principal, com todos os elementos que a compõem, cuidando de definir a hipótese de incidência em todos os seus aspectos. Lei

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formal, por sua vez, é aquela que trata da obrigação de acessória e define os métodos e procedimentos que os agentes do Fisco devem observar no procedimento de lançamento, bem como trata de jurisdição tributária e execução fiscal.

Em se tratando de leis tributárias formais, observa-se o disposto no § 1º do art. 144 do Código Tributário Nacional:

"Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros".

Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais.

Nesse sentido, a lição de ANDRÉ TERRIGNO BARBEITAS, em seu livro "O sigilo Bancário e a necessidade da ponderação dos interesses":

"Não se me afigura, outrossim, nem moral nem juridicamente defensável a tese de que, mesmo na ausência de uma lei de anistia, não poderia o Fisco servir-se da prerrogativa inaugurada pela Lei Complementar 105⁄2001 para aferir rendas sonegadas no período anterior à vigência daquele diploma legal. O mecanismo de verificação da renda tributável via movimentação bancária possui caráter iniludivelmente instrumental em relação ao dever já referido que o contribuinte possui de declarar os rendimentos tributáveis, a configurar obrigação dita acessória em relação à obrigação principal de quitação do crédito tributário (art. 113 e parágrafos, do CTN). Tanto assim que o Código Tributário Nacional tratou do tema da requisição de informações de interesse do Fisco em capítulo intitulado "Fiscalização", inserido no Título IV, "Administração Tributária". Acresça-se o disposto no § 1º do artigo 144 do Código Tributário Nacional, que prevê expressamente aplicar-se ao lançamento tributário a legislação posterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária que tenha "instituído novos critérios de apuração" ou "ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas". Alegar que o advento da Lei Complementar 105⁄2001 traduziu tal modificação na relação Estado⁄contribuinte que somente poderia alcançar os fatos tributáveis posteriores à sua vigência implica admitir que o dever de informar os rendimentos tributáveis constituiria exceção e que a regra seria a sonegação. Seria o mesmo que louvar o ilícito através de um pretenso "direito adquirido" à sonegação e fazer tábula rasa do vetor constitucional da solidariedade, informador da cidadania" (Malheiros Editores, São Paulo, 2003, p. 121).

A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. (...) 2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595⁄64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105⁄2001. 3. O art. 38 da Lei 4.595⁄64, revogado pela Lei Complementar 105⁄2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. 4. Com o advento da Lei 9.311⁄96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos. 5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105⁄2001, cujo art, 6º dispõe: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da

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União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente." 6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. 8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. 9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. 10. Agravo Regimental desprovido" (AgRg na MC nº 7513, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 22.3.2004); "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. I - Questões não apreciadas no acórdão atacado desmerece exame por ausência do devido prequestionamento (Súmulas nºs 282 e 356⁄STF). II - O art. 1º, § 4º, da Lei Complementar nº 105⁄01, que trata da quebra de sigilo, tem aplicação imediata, tendo em vista sua natureza de cunho processual. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido" (REsp nº 533.947, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 28.6.2004).

Dessa maneira, pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄2001, sem o crivo do Judiciário.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2003⁄0046133-9 RESP 531826 ⁄ SC Número Origem: 200172050026949 PAUTA: 16⁄11⁄2004 JULGADO: 07⁄12⁄2004

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

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AUTUAÇÃO RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS ASSUNTO: Administrativo - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Quebra de Sigilo - Bancário ⁄ Fiscal ⁄ Telefônico CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Após o voto do Sr. Ministro-Relator, negando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins." Aguardam os Srs. Ministros Eliana Calmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 07 de dezembro de 2004 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9) VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Cuidam os autos de questão atinente à utilização, pela Receita Federal, das informações prestadas por estabelecimentos bancários, objetivando subsidiar procedimento administrativo-fiscal.

Em ação mandamental ADEMIR BREHMER requereu medida liminar objetivando obstar a remessa, pelo Sr. Gerente do Banco do Estado de Santa Catarina S⁄A à Fazenda Nacional e seus agentes, de quaisquer informações referentes à movimentação bancária, ativa e passiva, do impetrante, exigidas sob a égide da LC 105⁄2001, do Decreto 3.724⁄2001 e da Lei 10.174⁄2001; a imediata suspensão das providências necessárias à expedição da Requisição de Informações de Movimentação Financeira (Decreto 3.724⁄2001) e, caso já expedida, a suspensão da validade da mesma.

A 2ª Vara Federal de Santa Catarina denegou a segurança, entendendo que, na hipótese em comento, "não há alegar que as novas normas não seriam aplicáveis aos fatos ocorridos antes de sua vigência, porquanto têm elas caráter formal, instrumental, dispondo apenas sobre procedimento para levantamento de informações tributárias, e não sobre tributos, alíquotas, base de cálculo, etc. Com efeito, melhor analisando, não posso deixar de admitir que, com relação aos fatos tributáveis, a nova legislação em nada inovou, continuando eles a se regerem pela Lei que os instituiu e modificou. Apenas e tão somente, aquilo que já existia e era oculto, agora pode chegar ao conhecimento do Fisco. Não há retroatividade vedada nisso."

O TRF da 4ª Região apreciou o recurso de apelação do impetrante e, por maioria, negou-lhe provimento, nos termos do acórdão ementado ora transcrito (fls. 198v.):

"QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. Conforme previsto Lei n. 8.021, de 12 de abril de 1990, art. 8º, instaurado procedimento administrativo, está autorizada a quebra de sigilo bancário. Esse não é absoluto. Não há falar, assim, em inconstitucionalidade frente a uma possível discordância existente entre esses normativos e os princípios preconizados no art. 5º, X e XII, da Constituição Federal - CF⁄88. É que as

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informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inciso X da CF⁄88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. O próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 197, II, preconiza que os bancos são obrigados a prestar todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios e atividades de terceiros à autoridade administrativa."

Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para juntar a íntegra do acórdão proferido na Arguição de Inconstitucionalidade referido no voto condutor do julgado embargado.

Seguiu-se este recurso especial em que o recorrente sustenta que apenas o Poder Judiciário pode eximir as instituições financeiras do dever de sigilo bancário sob pena de contrariedade dos arts. 5º, incisos X, XII, XXXV, XXXVI, LIV, 6º, inc. LVII, arts. 60 e 170, inc. IV, todos da CF⁄88. Aponta como inconstitucional a LC 105⁄2001, o Decreto 3724⁄2001 e a Lei 10.174⁄2001, sustentando a impossibilidade da aplicação retroativa dos referidos diplomas legais, bem como da quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial.

Já esposei a minha posição sobre o tema ora apreciado em julgado desta eg. 2ª Turma quando decidimos o REsp. 668.012⁄PR e o faço, nestes autos, no mesmo sentido.

O sigilo bancário e a inviolabilidade de comunicações são modalidades de garantias da inviolabilidade da vida privada das pessoas, estabelecidas no art. 5ª, X, da CF, "in verbis".

"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Como reforço ao direito de inviolabilidade da intimidade e da vida privada, foi especificada a inviolabilidade das comunicações no art. 5º, XII, da CF, assim redigido:

"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

O sigilo bancário encontra, portanto, duplo fundamento constitucional de proteção: o direito à vida privada e ao sigilo de dados. Contudo, não é um direito absoluto, por isso que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da justiça, observados os procedimentos estabelecidos em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade.

Até a edição da LC 105⁄2001, cuja constitucionalidade está sendo objeto de discussão nas ADINs 2386⁄DF, 2.389⁄DF, 2390⁄DF, 2397⁄DF e 2406⁄DF, o STF decidia que:

"Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a Constituição Federal consagra, art. 5º, inciso X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente, e sem a intervenção da autoridade judiciária a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa." (RECR 215301) "A natureza eminentemente constitucional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado no texto da Constituição da República, a necessidade da intervenção jurisdicional no processo de revelação de dados (disclosure) pertinentes às operações financeiras, ativa e passiva, de qualquer pessoa, eventualmente sujeita à ação investigatória do Poder Público". (MS 217294)

O STJ também se pronunciou no mesmo sentido, em inúmeros julgados, como demonstram as ementas que ora destaco:

"PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - FISCAL - IMPOSSIBILIDADE - ACÓRDÃO FUNDADO EM MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL - VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - PRECEDENTES. ..............................................................................

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A Lei Tributária Nacional (art. 197, § único) limita a prestação de informações àqueles dados que não estejam legalmente protegidos pelo sigilo profissional. Esta Eg. Corte vem decidindo no sentido da ilegalidade da quebra do sigilo bancário mediante simples procedimento administrativo fiscal, face a garantia constitucional da inviolabilidade dos direitos individuais, exceto quando houve relevante interesse público e por decisão do Poder Judiciário, guardião dos direitos do cidadão. Recurso não conhecido." (REsp. 114760⁄DF, D.J. 23.08.1999, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins) "TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA COM BASE EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. IMPOSSIBI- LIDADE. O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X). Por isso, cumpre às instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente a movimentação ativa e passiva do correntista⁄contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados. Observadas tais vedações, cabe-lhes atender as demais solicitações de informações encaminhadas pelo fisco, desde que decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e subscritas por autoridade administrativa competente. Apenas o poder judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei. Interpretação integrada e sistemática dos artigos 38, parágrafo 5º, da Lei n. 4.595⁄64 e 197, inciso II e paragrafo 1º do CTN. Recurso improvido, sem discrepância." (REsp. 37.566-RS, D.J. 28.03.94, Rel. Min. Demócrito Reinaldo) “SIGILO BANCÁRIO. DIREITO À PRIVACIDADE DO CIDADÃO. QUEBRA DO SIGILO. REQUISITOS LEGAIS. RIGOROSA OBSERVÂNCIA. A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional, é imprescindível demonstrar a necessidade das informações solicitadas, com o estrito cumprimento das condições legais autorizadoras.” (REsp. 161.263-RS, D.J. 23.03.98,Rel. Min. Hélio Mosimann). “MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. PRETENSÃO ADMINISTRATIVA FISCAL. RÍGIDAS EXIGÊNCIAS E PRECEDENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI 8.021⁄90. (ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO).

1. O sigilo bancário não constitui direito absoluto, podendo ser desvendado diante de fundadas razões, ou da excepcionalidade do motivo, em medidas e procedimentos administrativos, com submissão a precedente autorização judicial. Constitui ilegalidade a sua quebra em processamento fiscal,deliberado ao alvitre de simples autorização administrativa.

2. Reservas existentes à auto-aplicação do art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.021⁄90 (REsp. 22.824-8-CE – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro).

3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso sem provimento.” (114.741-DF, D.J. 18.12.98, Rel. Min. Milton Luiz Pereira).

Firmou-se, assim, o entendimento de que não se tratava de um direito absoluto individual, mas que só podia ser quebrado por determinação judicial, tendo em vista outros interesses que o exigissem, como por exemplo a investigação de ilícitos criminais, assegurado o devido processo legal. Tal decisão deveria ser lastreada em indícios de fato delituoso e de sua autoria, bem como na imprescindível necessidade de obtenção de prova por meio de quebra de sigilo bancário.

Por essas razões, tanto o STF como o STJ, decidiram não ser possível a quebra do sigilo no curso do processo administrativo sem a manifestação de autoridade judicial, e muito menos por simples solicitação de autoridade administrativa ou do Ministério Público.

Por ser uma providência excepcional, exige não apenas cautela e prudência por parte do magistrado, como também indícios instrutórios mínimos de autoria e materialidade delitiva. Deve ser acompanhada de uma fundamentação razoável, de um motivo racional, de uma suspeita objetiva e fundada. Deve haver, ainda, uma

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relação de pertinência entre a prova pretendida, com as informações bancárias, e o objeto das investigações em curso. Isto é, deve ser demonstrado que a providência requerida é indispensável ao êxito das investigações.

Sobre o tema, destaco lição de Aliomar Baleeiro, ao comentar o art. 197 do CTN, in "Direito Tributário Brasileiro", revisto e complementado por Misabel Machado, 11ª ed., págs. 1000⁄1001:

"Constatamos, então, que o entendimento do Supremo Tribunal Federal converge para o mesmo sentido dado por outros sistemas jurídicos, como Àustria, Alemanha, EEUU, Canadá, etc., ao direito à privacidade, de que o sigilo bancário é expressão. Extraído diretamente do Texto Constitucional, não basta para excepcioná-lo nem mesmo a edição de uma lei complementar, pois a Lei n. 4.595⁄64 assim foi recepcionada pela Constituição, segundo a visão do Relator do acórdão, Min. Carlos Velloso. Mesmo o Poder Judiciário, que indubitavelmente pode afastar o sigilo bancário, mormente em matéria penal, à luz da própria Lei n. 4.595⁄64, não é livre para fazê-lo, sem o cumprimento de determinados requisitos materiais. O Supremo Tribunal Federal não se satisfaz, portanto, para rompimento do sigilo bancário, um direito fundamental constitucionalmente consagrado, com a edição de uma lei complementar autorizativa, se essa lei complementar, em seu conteúdo, não contiver requisitos mínimos - existindo investigação em inquérito penal formalmente instaurado - tais como: - existência de início de prova quanto à ocorrência do delito, da autoria do delito e sua materialidade (princípio da objetividade material); - existência de pertinência ou relação necessária entre a documentação cuja revelação se pede e o objeto criminalmente investigado (princípio da pertinência e adequação); - imprescindibilidade da quebra do sigilo para o êxito das investigações (princípio da proibição de excesso). A decisão do Superior Tribunal de Justiça (RE n. 37.566-5⁄RS), posterior àquela do Supremo Tribunal Federal, datada de 02 de fevereiro de 1994, nega o livre acesso da autoridade administrativa fiscal às informações e registros entregues à guarda bancária, interpretando a expressão contida na Lei n. 4.595⁄64 - Processo Instaurado - como processo judicial e negando valia ao art. 8º da Lei n. 8.021⁄90. E nem poderia ser de outra maneira. Se, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, expressamente autorizado pela Lei n. 4.595⁄64 a requisitar informações às instituições financeiras, está limitado e condicionado, em suas decisões, à observância de certos requisitos mínimos, acautelatórios e moderadores, assecuratórios da garantia constitucional do sigilo bancário, expressão do direito à privacidade, os demais Poderes, quer se trate do Legislativo, quer do Ministério Público em investigação penal ou da Administração Fazendária no lançamento e fiscalização dos tributos, não gozam nem poderiam gozar, de livre acesso, incontrastável, às informações bancárias. A possibilidade de oposição e resistência do contribuinte - essência e núcleo do direito à privacidade - seria nulificada se não fosse ouvido em juízo, ou se não pudesse opor defesa oportuna à pretensão fazendária ou a eventuais abusos em inquérito penal."

Com a edição da LC 105⁄2001, que permite a quebra do sigilo bancário pela autoridade fiscal, não ficou afastada a necessidade de demonstração consistente das suspeitas e da necessidade da medida, o que só pode ser obtido ao fim do processo administrativo, devendo ser cercada pelo mesmo rigor e cuidados exigidos para a decretação da quebra por autoridade judiciária e pelas CPIS.

No caso dos autos, a iniciativa para a quebra do sigilo bancário se deu através do "Termo de Início de Fiscalização" e das providências para a expedição da "Requisição de Informações de Movimentação Financeira" (RMF), sem qualquer ordem judicial, já que a autoridade administrativa enquadrou a situação do impetrante na seguinte disposição:

"Art. 3º Os exames referidos no caput do artigo anterior somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses: .................................................................................................... XI - presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato. ....................................................................................................... § 2º Considera-se indício de interposição de pessoa, para os fins do inciso XI deste artigo, quando: I - as informações disponíveis, relativas ao sujeito passivo, indicarem movimentação financeira superior a dez vezes a renda disponível declarada ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao estabelecido no inciso II do § 3º do art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996;"

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E, se valendo da alteração introduzida pela Lei 10.174⁄2001 no art. 11 da Lei 9.311⁄96, utilizou-se dos valores da movimentação financeira do impetrante do ano de 1998, obtidos com base nas informações prestadas pelas instituições financeiras, para iniciar ação fiscal concernente ao imposto de renda, intimando o contribuinte para comprovar a origem dos recursos depositados nas contas bancárias.

Tal conduta era expressamente proibida pelo § 3º do art. 11 da Lei 9.311⁄96. A alteração introduzida pela Lei 10.174⁄01 não pode atingir fatos ocorridos em 1998, sob pena de se violar o princípio da irretroatividade das leis.

Ademais, à época, vigia a Lei 4.595⁄64, com status de lei complementar que admitia a quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial devidamente fundamentada ou por pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída na forma estabelecida pela Constituição Federal.

A regra do § 1º do art. 144 do CTN refere-se ao procedimento administrativo e às prerrogativas meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de forma colidente com o direito fundamental de sigilo bancário, que só pode ser quebrado na forma estabelecida em lei.

Ante o exposto, pedindo vênia ao ilustre Relator, dou provimento ao recurso.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2003⁄0046133-9 REsp 531826 ⁄ SC Número Origem: 200172050026949 PAUTA: 16⁄11⁄2004 JULGADO: 14⁄06⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS ASSUNTO: Administrativo - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Quebra de Sigilo - Bancário ⁄ Fiscal ⁄ Telefônico CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos a Sra. Ministra Eliana Calmon." Aguardam os Srs. Ministros Franciulli Netto e João Otávio de Noronha. Brasília, 14 de junho de 2005 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9) VOTO-VISTA A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: O presente recurso especial tem como relator o Ministro Castro Meira que, em judicioso voto, ao negar provimento a recurso de contribuinte, filiou-se ao entendimento da possibilidade de ser quebrado o sigilo bancário para, com base em legislação referente à CPMF, instaurar-se processo administrativo fiscal contra o contribuinte. A conclusão do relator está retratada no resumo que serve de prólogo no voto de Sua Excelência. Diante do voto do Ministro Peçanha Martins que, divergindo do relator, deu provimento para modificar o acórdão em favor do contribuinte, também pedi vista, porque estou a fazer um estudo mais detalhado da tese jurídica, de grande importância para o Direito Tributário e, conseqüentemente, cercada de inúmeras controvérsias. O Ministro Castro Meira reconheceu que os dispositivos legais posteriores ao fato gerador podem retroagir para efeito de apuração de fatos antecedentes diante do disposto no § 1º do art. 144 do CTN. Com efeito, os novos critérios de apuração da fiscalização, que ampliaram os poderes de investigação, devem ter efeito retroativo, para aplicar-se a fatos pretéritos, sem ferir o princípio da anterioridade. O Ministro Peçanha Martins, diferentemente, ao discordar do relator, disse que o sigilo bancário era princípio garantido pela Constituição e como tal, muito embora não sendo absoluto, admitindo exceções, somente excepcionalmente dispensa a autorização judicial. Data vênia do Ministro Peçanha Martins, adoto o entendimento do relator, o qual está pautado nas razões seguintes: Antes da Constituição de 88, permitia-se a quebra do sigilo bancário com apoio em dispositivos contidos no CTN, arts 195, 197, II e 198, como também na Lei 4.595⁄65, que disciplinava o Sistema Financeiro Nacional, dispondo expressamente no art. 38 sobre a possibilidade da quebra do sigilo bancário, mediante autorização judicial. Para alguns, a norma aludida foi recepcionada pelo art. 192 da Carta de 88, com força de lei complementar, diante da ausência de norma regulamentadora do dispositivo constitucional, sendo certo que, até o advento da LC 105⁄2001, inexistia controvérsia, havendo a necessidade de obter o Fisco autorização judicial para poder utilizar-se dos registros constantes das contas bancárias. A proibição de quebra do sigilo bancário pelo Fisco é de matriz constitucional, sendo objeto de interpretação principiológica, mas de caráter relativo. Doutrina e jurisprudência têm entendido que o princípio constitucional, constante do inciso X do art. 5º da CF, garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, mas permite exceções, a serem estabelecidas pelo legislador, via lei complementar. A orientação dada pela jurisprudência do STJ era no sentido de admitir o caráter relativo dado ao princípio de que trata os autos, não sendo poucos os arestos dentro dessa posição, dentre os quais trago à colação os REsps 306.570⁄SP e 493.082⁄MG. No curso dessa orientação, foi editada a Lei 9.311⁄96 que, ao instituir a CPMF, deixou translúcido para o Fisco o iter de todas as movimentações bancárias de cada operação, de forma que ele não depende mais de autorização judicial para ter acesso às informações bancárias de cada contribuinte. Com efeito, ao atribuir o legislador a responsabilidade pela retenção da CPMF às instituições financeiras, que devem informar às autoridades fazendárias os dados de identificação dos contribuintes, bem assim os valores das operações bancárias, quebrou a privacidade das transações. Porém, o governo ficava impossibilitado de utilizar-se de tais dados, seja em ataque ao contribuinte, seja para a sua própria defesa. Tanto que deixou o legislador expresso no § 3º, do art. 11: A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras Contribuições ou impostos. Entretanto, a situação jurídica da privacidade das operações bancárias mudou inteiramente a partir da LC 105⁄2001, diploma que dispensou a autorização judicial para a utilização dos dados financeiros registrados nas entidades bancárias pelo Fisco, ao tempo em que deixou ao inteiro critério do Poder Executivo a disciplina do que se constituiu em quebra do sigilo para as autoridades fiscais, ficando expresso nos arts. 5º e 6º: Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.(Regulamento) § 1o Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo: I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança; II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques; III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados; IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

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V – contratos de mútuo; VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito; VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável; VIII – aplicações em fundos de investimentos; IX – aquisições de moeda estrangeira; X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional; XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior; XII – operações com ouro, ativo financeiro; XIII - operações com cartão de crédito; XIV - operações de arrendamento mercantil; e XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente. § 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. § 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos. § 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor. Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Regulamento) Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Os dispositivos transcritos bem demonstram a facilidade com que qualquer agente fiscal, a seu juízo, sem nenhum elemento probatório e sem qualquer formalidade, pode instaurar procedimento fiscal, tendo acesso aos registros das instituições financeiras. Diversas ADINS tramitam pelo STF, questionando a inconstitucionalidade da lei complementar mencionada, sem que se tenha, até a presente data, pronunciamento definitivo, muito embora sinalize a Corte Maior em favor da constitucionalidade. E isto porque, em sede de medida cautelar, suspendeu os efeitos de decisões das instâncias ordinárias que pugnavam pela inconstitucionalidade do citado diploma. Logo depois da edição da LC 105⁄2001, foi alterada a Lei 9.311⁄96, que instituiu a CPMF. A Lei 10.174⁄2001 deu nova redação ao § 3º, o qual passou a ter a seguinte redação: § 3º. A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e Contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no artigo 42 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. À luz dos novos diplomas, reposicionou-se a jurisprudência a partir da suspensão pelo STF dos efeitos de uma decisão dada em favor do sigilo, pelas instâncias ordinárias (Ação Cautelar 33⁄PR). O STJ seguiu o mesmo caminho e vem, de forma reiterada, aplicando a legislação infraconstitucional sem maiores questionamentos sobre a legalidade. Nesse sentido, são as decisões de ambas as Turmas de Direito Público, inclusive recentemente na Segunda Turma e com meu aval. Assim, podemos invocar a MC 7513⁄SP da Primeira Turma e os REsps 505.493, Relator Ministro Franciulli Netto e 668.012, Relator Ministro Castro Meira. Assinalo que, no último, ficou vencido o Ministro Peçanha Martins, que continua entendendo que não pode haver aplicação retroativa da nova legislação. Como o STF não examinou, ainda, a ADIN que questiona a constitucionalidade da LC 105⁄2001, não admitindo que as instâncias ordinárias neguem aplicação ao citado diploma, haja vista a suspensão das decisões que afastavam a incidência da lei complementar, restou ao STJ, a quem cabe o exame da legalidade, aplicar a nova legislação, muito embora não se possa desconhecer a posição quase unânime da doutrina, inclusive de renomados juristas, quanto à inconstitucionalidade. Entretanto, surge um novo questionamento, que é abordado com ênfase neste processo – é a aplicação da LC 105 e da Lei 9.311⁄96, com a alteração produzida pela Lei 10.174⁄2001 para reger fatos geradores antecedentes. Em outras palavras, nasce aqui a controvérsia quanto à aplicação retroativa dos diplomas apontados como posteriores ao fato gerador.

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Tomando-se como premissa, diante da posição silente do STF, a constitucionalidade da LC 105⁄2001, examinaremos a hipótese de ter o Fisco acesso às contas e registros bancários anteriores a janeiro de 2001, data da lei, possibilitando-lhe com base nas informações, instaurar procedimento administrativo. Em outras palavras, questiona-se quanto ao efeito intertemporal do art. 6º da LC 105⁄2001, sem olvidar que, à época do fato gerador, vigia a regra do sigilo bancário, com impossibilidade de quebra, senão com autorização judicial. Ademais, negava-se a utilização das informações da CPMF para lançamento de outros tributos, segundo a Lei 9.311⁄96, só modificada em janeiro de 2001 pela Lei 10.174. A Constituição traz como princípio geral a irretroatividade da lei nova, como está no inciso XXXVI do art. 5º, como também estabelece a regra do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, constituindo-se como barreira ao princípio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Doutrinariamente têm os juristas entendido que não é possível a retroatividade por conta do direito adquirido dos contribuintes garantido pela legislação pretérita. Com maestria, a partir da definição de Gabba sobre direito adquirido, afasta o Dr. Mauro Silva, Auditor-fiscal da Receita Federal e professor da Universidade Mackenzie, a existência, na hipótese, de direito adquirido. Em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, nº 85, leciona o ilustre professor: Direito adquiro é, adotado o conceito de Gabba, conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei no tempo no qual o fato veio a se completar, ainda que a ocasião de faze-lo valer não tenha se apresentado antes da atuação de uma lei nova em relação ao mesmo fato, e que, nos termos da lei sob império da qual o fato tem origem, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. As leis analisadas ofereciam ao contribuinte uma garantia, não um direito subjetivo; portanto, não havia o caráter patrimonial exigido para que fosse considerada a existência de direito adquirido e, consequentemente, o impedimento da aplicação imediata ou retroativa das referidas leis. Afastada a incidência do direito adquirido, não se tem dificuldade em aceitar aplicável o disposto no art. 144, § 1º, do CTN, dispositivo legal que não deixa dúvida ao prever: Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. Com essas considerações, voto com o relator, negando provimento ao recurso especial. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2003⁄0046133-9 REsp 531826 ⁄ SC Número Origem: 200172050026949 PAUTA: 01⁄09⁄2005 JULGADO: 01⁄09⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

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ASSUNTO: Administrativo - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Quebra de Sigilo - Bancário ⁄ Fiscal ⁄ Telefônico CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, acompanhando o Sr. Ministro-Relator, pediu vista dos autos o Sr. Ministro João Otávio de Noronha." Aguarda o Sr. Ministro Franciulli Netto. Ausente, nessa assentada, justificadamente, o Sr. Brasília, 01 de setembro de 2005 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária RECURSO ESPECIAL Nº 531.826 - SC (2003⁄0046133-9) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

VOTO-VISTA O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Versam os autos sobre a intenção da autora de devassar a conta-corrente da recorrente com a finalidade de apurar outros créditos tributários a seu favor.

No presente recurso especial, discute-se a suposta quebra de sigilo bancário levada a efeito pela Fazenda Nacional a pretexto de obter informações relacionadas à verificação do correto recolhimento de CPMF para apurar outros créditos tributários a seu favor, bem como se debate a aplicação da Lei Complementar n. 105⁄01 e da Lei n. 9.311⁄96 – com a alteração da Lei n. 10.174⁄2001 – a fatos ocorridos antes da vigência desta última.

Os ministro Castro Meira, relator, acompanhado pela Ministra Eliana Calmon, negou provimento ao recurso especial, entendimento ao qual não se filiou o Ministro Peçanha Martins, que, proferindo voto dissidente, proveu o apelo.

Pedi vista dos autos para melhor análise no que concerne à aplicação retroativa da Lei n. 10.174⁄2001, mas já estou convencido da assertiva da tese esposada pelo e. relator.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça havia assentado que, na época em que não vigia a legislação complementar, a quebra de sigilo bancário era medida excepcional que somente se legitimava com prévia autorização judicial. A esse respeito, confira-se o seguinte precedente:

"SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE. Em casos excepcionais e com obediência a lei, pode haver quebra do sigilo bancário, mas pelo poder judiciário, e não pelo fisco, em processo administrativo. Recurso improvido." (REsp n. 115.063⁄DF, relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 8.6.1998.)

Todavia, há pronunciamentos recentes do STJ atestando a legitimidade da conduta do fisco em situações da espécie. Cito, aqui, o entendimento do Ministro Luiz Fux exarado na MC n. 7.513⁄SP (DJ de 30⁄8⁄2004), o qual expressa a orientação da Primeira Turma deste Tribunal sobre o tema:

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"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. 1. A concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial é de 'excepcionalidade absoluta' (AGRPET 1859, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28.04.00), dependente de: a) instauração da jurisdição cautelar do STJ; b) viabilidade recursal, pelo atendimento de pressupostos recursais específicos e genéricos, e não incidência de óbices sumulares e regimentais; e c) plausibilidade da pretensão recursal formulada contra eventual error in judicando ou error in procedendo. 2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595⁄64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105⁄2001. 3. O art. 38 da Lei 4.595⁄64, revogado pela Lei Complementar 105⁄2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. 4. Com o advento da Lei 9.311⁄96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos. 5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105⁄2001, cujo art, 6º dispõe: 'Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.' 6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. 8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. 9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. 10. Medida Cautelar improcedente."

Portanto, voto com o relator, negando provimento ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2003⁄0046133-9 REsp 531826 ⁄ SC Número Origem: 200172050026949 PAUTA: 11⁄10⁄2005 JULGADO: 11⁄10⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. CARLOS EDUARDO DE OLVEIRA VASCONCELOS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

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AUTUAÇÃO RECORRENTE : ADEMIR BREHMER

ADVOGADO : NELSON FLORIANI E OUTRO

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS ASSUNTO: Administrativo - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Quebra de Sigilo - Bancário ⁄ Fiscal ⁄ Telefônico CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, acompanhando o Sr. Ministro-Relator, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencido o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins." Os Srs. Ministros Eliana Calmon e João Otávio de Noronha (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto. Brasília, 11 de outubro de 2005 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária Documento: 519257 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 31/05/2006

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ANEXO 04

Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO

EMENTA TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 3. Recurso especial provido". ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-desempate da Sra. Ministra Denise Arruda, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencidos os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e João Otávio de Noronha."As Sras. Ministras Eliana Calmon e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, nessa assentada, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília (DF), 20 de junho de 2006 (Data do Julgamento). Ministro Castro Meira Relator RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA(Relator): Trata-se de recurso especial fundado no art. 105, "a" e "c", da Constituição Federal e interposto contra acórdão do Tribunal Federal da 4ª Região, assim ementado:

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"TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF PARA FINS DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. 1. A Lei nº 9. 311⁄96, com a alteração introduzida pela Lei nº 10.174⁄2001, não pode atingir fatos regidos pela lei pretérita, que proibia a utilização destas informações para outro fim que não fosse o de lançamento da CPMF e zelava pela inviolabilidade do sigilo bancário e fiscal. 2. Ao tempo do fato gerador da obrigação, vigia a Lei nº 4.595⁄64, recepcionada com força de lei complementar pelo art. 192 da Constituição de 1988, até a edição da Lei Complementar nº 105⁄2001, cujo o art. 38, nos §§ 1º a 7º, admite a quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial . 3. Mostra-se destituído de fundamento constitucional o argumento de que o art. 144 do CTN, autoriza a aplicação da legislação posterior à ocorrência do fato gerador que instituiu novos critérios de apuração ou processos de fiscalização ao lançamento do crédito tributário, visto que este dispositivo refere-se a prerrogativas meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de forma colidente com as garantias de inviolabilidade de dados e de sigilo bancário, decorrentes do direito à intimidade e à vida privada, elencados como direitos individuais fundamentais no art. 5º, incisos, X e XII, da Constituição de 1988. 4. Para que o Fisco se valha das informações fornecidas pelas instituições financeiras a respeito da movimentação bancária do contribuinte, a fim de lançar crédito tributário relativo a exação diversa da CPMF, mediante procedimento administrativo-fiscal, é imprescindível a autorização judicial" (fl. 146). A Fazenda Nacional aponta violação aos artigos 144, § 1º, do Código Tributário Nacional; 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 11, § 3º, da Lei nº 9.311⁄96, com a redação determinada pela Lei nº 10.174⁄2001, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta a possibilidade de aplicação imediata da legislação que institua novos critérios ou processos de fiscalização, inclusive para alcançar fatos geradores ocorridos anteriormente a sua vigência. As contra-razões foram apresentadas às fls. 178-185. Admitido o recurso, subiram os autos a esta Corte. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) EMENTA TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 3. Recurso especial improvido. VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Devidamente prequestionado, conheço do recurso especial pela alínea "a", do art. 105, do permissivo constitucional.

De igual forma, cumpridas as formalidades exigidas pelo art. 541, parágrafo único, do Código de Ritos e 255 do RISTJ, no tocante a comprovação do dissídio jurisprudencial, conheço do recurso autárquico pela alínea "c", do art. 105, da Constituição da República.

Admitido o recurso, passo a analisá-lo.

O acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que o art. 11, § 3º, da Lei nº 9.311⁄96, modificado pela Lei nº 10.174⁄2001, não teria o poder de atingir fatos pretéritos. Assim, ao tempo do fato gerador da obrigação tributária vigeria a Lei nº 4.595⁄64, a qual admitia a quebra do sigilo bancário somente através de decisão judicial.

A Lei Complementar nº 105⁄01 trouxe inúmeras inovações no ordenamento jurídico brasileiro. Outorgou às autoridades fiscais maior poder e abrangência na fiscalização do Imposto sobre a Renda das pessoas físicas e jurídicas, pelo cruzamento de dados da declaração de imposto de renda com os valores recolhidos a título de

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CPMF, mediante instauração de procedimento administrativo, nos termos do disposto no artigo 6º desta lei, dentre várias outras.

A alteração promovida no artigo 11, § 3º, da Lei nº 9.311 de 24 de outubro de 1996, por meio da Lei nº 10.174⁄2001, possibilitou a utilização dos valores recolhidos a título de CPMF para verificar a existência de créditos tributários de outros impostos e contribuições, o que anteriormente só era concedido para verificação da própria Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Verifica-se que o § 3º do artigo 11 da lei supracitada foi alterado pela Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, e o dispositivo legal que anteriormente vedava a utilização para a constituição do crédito tributário de quaisquer outros tributos dispôs ser facultada a utilização dos dados da CPMF para a instauração de procedimento administrativo tendente a verificar a existência de créditos tributários relativos a outros impostos e contribuições.

Para se analisar a possibilidade, ou não, de acesso do Fisco a contas de depósitos e aplicações financeiras que contenham informações anteriores a 2001, deve-se distinguir os conceitos de lei material e formal em matéria tributária. Por lei material entendemos aquela que tem por conteúdo a obrigação tributária principal, com todos os elementos que a compõem, cuidando de definir a hipótese de incidência em todos os seus aspectos. Lei formal, por sua vez, é aquela que trata da obrigação de acessória e define os métodos e procedimentos que os agentes do Fisco devem observar no procedimento de lançamento, bem como trata de jurisdição tributária e execução fiscal.

Em se tratando de leis tributárias formais, observa-se o disposto no § 1º do art. 144 do Código Tributário Nacional:

"Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros".

Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais.

Nesse sentido, a lição de ANDRÉ TERRIGNO BARBEITAS, em seu livro "O sigilo Bancário e a necessidade da poderação dos interesses":

"Não se me afigura, outrossim, nem moral nem juridicamente defensável a tese de que, mesmo na ausência de uma lei de anistia, não poderia o Fisco servir-se da prerrogativa inaugurada pela Lei Complementar 105⁄2001 para aferir rendas sonegadas no período anterior à vigência daquele diploma legal. O mecanismo de verificação da renda tributável via movimentação bancária possui caráter iniludivelmente instrumental em relação ao dever já referido que o contribuinte possui de declarar os rendimentos tributáveis, a configurar obrigação dita acessória em relação à obrigação principal de quitação do crédito tributário (art. 113 e parágrafos, do CTN). Tanto assim que o Código Tributário Nacional tratou do tema da requisição de informações de interesse do Fisco em capítulo intitulado "Fiscalização", inserido no Título IV, "Administração Tributária". Acresça-se o disposto no § 1º do artigo 144 do Código Tributário Nacional, que prevê expressamente aplicar-se ao lançamento tributário a legislação posterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária que tenha "instituído novos critérios de apuração" ou "ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas". Alegar que o advento da Lei Complementar 105⁄2001 traduziu tal modificação na relação Estado⁄contribuinte que somente poderia alcançar os fatos tributáveis posteriores à sua vigência implica admitir que o dever de informar os rendimentos tributáveis constituiria exceção e que a regra seria a sonegação. Seria o mesmo que louvar o ilícito através de um pretenso "direito adquirido" à sonegação e fazer tábula rasa do vetor constitucional da solidariedade, informador da cidadania" (Malheiros Editores, São Paulo, 2003, p. 121).

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A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. (...) 2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595⁄64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105⁄2001. 3. O art. 38 da Lei 4.595⁄64, revogado pela Lei Complementar 105⁄2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. 4. Com o advento da Lei 9.311⁄96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos. 5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105⁄2001, cujo art, 6º dispõe: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente." 6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. 8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. 9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. 10. Agravo Regimental desprovido" (AgRg na MC nº 7513, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 22.3.2004); "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. I - Questões não apreciadas no acórdão atacado desmerece exame por ausência do devido prequestionamento (Súmulas nº 282 e 356⁄STF). II - O art. 1º, § 4º, da Lei Complementar nº 105⁄01, que trata da quebra de sigilo, tem aplicação imediata, tendo em vista sua natureza de cunho processual. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido" (REsp nº 533.947, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 28.6.2004).

Dessa maneira, pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei complementar nº 105⁄2001, sem o crivo do judiciário.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 REsp 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 26⁄10⁄2004 JULGADO: 26⁄10⁄2004

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Franciulli Netto. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 26 de outubro de 2004 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO RETIFICAÇÃO DE VOTO O SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (RELATOR): Retifico meu voto para dar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional. Por conseguinte, a ementa passa a ter a seguinte redação: "TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a

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Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 3. Recurso especial provido". CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 RESP 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 26⁄10⁄2004 JULGADO: 16⁄11⁄2004

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Após o voto do Sr. Ministro-Relator, retificando o resultado de julgamento proferido na sessão do dia 26⁄10⁄2004 para dar provimento ao recurso, pediu vista dos autos o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins." Aguardam os Srs. Ministros Eliana Calmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 16 de novembro de 2004 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Cuidam os autos de questão atinente à possibilidade da Receita Federal utilizar as informações prestadas por estabelecimentos bancários, nos termos da Lei 9.311⁄96, que regula a contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF), para fins de fiscalização da regularidade das declarações de rendimentos do ano-base de 1998.

Sustenta a impetrante, ora recorrida, a ilegalidade e inconstitucionalidade da quebra do sigilo bancário em procedimento fiscal, pela simples solicitação do fiscal, sem autorização prévia do Judiciário.

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A autoridade fiscal justifica a possibilidade da quebra invocando os arts. 6º da LC 105⁄2001, 11, §§ 2º e 3º, da Lei 9.311⁄96, redação conferida pela Lei 10.174⁄2001, e 144, § 1º, do CTN, que assim dispõem, respectivamente:

"Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente." "Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. ... § 2° As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda. ... 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores." "Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros."

O sigilo bancário e a inviolabilidade de comunicações são modalidades de garantias da inviolabilidade da vida privada das pessoas, estabelecida no art. 5º, X, da CF, "in verbis".

"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Como reforço ao direito de inviolabilidade da intimidade e da vida privada, foi especificada a inviolabilidade das comunicações no art. 5º, XII, da CF, assim redigido:

"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

O sigilo bancário encontra, portanto, duplo fundamento constitucional de proteção: o direito à vida privada e ao sigilo de dados. Contudo, não é um direito absoluto, por isso que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da justiça, observados os procedimentos estabelecidos em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade.

Até a edição da LC 105⁄2001, cuja constitucionalidade está sendo objeto de discussão nas ADINs 2386⁄DF, 2.389⁄DF, 2390⁄DF, 2397⁄DF e 2406⁄DF, o STF decidia que:

"Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a Constituição Federal consagra, art. 5º, inciso X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente, e sem a intervenção da autoridade judiciária a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa." (RECR 215301) "A natureza eminentemente constitucional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado no texto da Constituição da República, a necessidade da intervenção jurisdicional no processo de revelação de

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dados (disclosure) pertinentes às operações financeiras, ativa e passiva, de qualquer pessoa, eventualmente sujeita à ação investigatória do Poder Público". (MS 217294)

O STJ também se pronunciou no mesmo sentido, em inúmeros julgados, como demonstram as ementas que ora destaco:

"PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - FISCAL - IMPOSSIBILIDADE - ACÓRDÃO FUNDADO EM MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL - VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - PRECEDENTES. .............................................................................. A Lei Tributária Nacional (art. 197, § único) limita a prestação de informações àqueles dados que não estejam legalmente protegidos pelo sigilo profissional. Esta Eg. Corte vem decidindo no sentido da ilegalidade da quebra do sigilo bancário mediante simples procedimento administrativo fiscal, face a garantia constitucional da inviolabilidade dos direitos individuais, exceto quando houve relevante interesse público e por decisão do Poder Judiciário, guardião dos direitos do cidadão. Recurso não conhecido." (REsp. 114760⁄DF, D.J. 23.08.1999, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins) "TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA COM BASE EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. IMPOSSIBI- LIDADE. O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X). por isso, cumpre às instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente a movimentação ativa e passiva do correntista⁄contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados. Observadas tais vedações, cabe-lhes atender as demais solicitações de informações encaminhadas pelo fisco, desde que decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e subscritas por autoridade administrativa competente. Apenas o poder judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei. Interpretação integrada e sistemática dos artigos 38, parágrafo 5º, da Lei n. 4.595⁄64 e 197, inciso II e paragrafo 1º do CTN. Recurso improvido, sem discrepância." (REsp. 37.566-RS, D.J. 28.03.94, Rel. Min. Demócrito Reinaldo) “SIGILO BANCÁRIO. DIREITO À PRIVACIDADE DO CIDADÃO. QUEBRA DO SIGILO. REQUISITOS LEGAIS. RIGOROSA OBSERVÂNCIA. A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional, é imprescindível demonstrar a necessidade das informações solicitadas, com o estrito cumprimento das condições legais autorizadoras.” (REsp. 161.263-RS, D.J. 23.03.98,Rel. Min. Hélio Mosimann). “MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. PRETENSÃO ADMINISTRATIVA FISCAL. RÍGIDAS EXIGÊNCIAS E PRECEDENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI 8.021⁄90. (ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO).

1. O sigilo bancário não constitui direito absoluto, podendo ser desvendado diante de fundadas razões, ou da excepcionalidade do motivo, em medidas e procedimentos administrativos, com submissão a precedente autorização judicial. Constitui ilegalidade a sua quebra em processamento fiscal,deliberado ao alvitre de simples autorização administrativa.

2. Reservas existentes à auto-aplicação do art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.021⁄90 (REsp. 22.824-8-CE – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro).

3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso sem provimento.” (114.741-DF, D.J. 18.12.98, Rel. Min. Milton Luiz Pereira).

Firmou-se, assim, o entendimento de que não se tratava de um direito absoluto individual, mas que só podia ser quebrado por determinação judicial, tendo em vista outros interesses que o exigissem, como por exemplo a investigação de ilícitos criminais, assegurado o devido processo legal. Tal decisão deveria ser lastreada em indícios de fato delituoso e de sua autoria, bem como na imprescindível necessidade de obtenção de prova por meio de quebra de sigilo bancário.

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Por essas razões, tanto o STF como o STJ, decidiram não ser possível a quebra do sigilo no curso do processo administrativo sem a manifestação de autoridade judicial, e muito menos por simples solicitação de autoridade administrativa ou do Ministério Público.

Por ser uma providência excepcional, exige não apenas cautela e prudência por parte do magistrado, como também indícios instrutórios mínimos de autoria e materialidade delitiva. Deve ser acompanhada de uma fundamentação razoável, de um motivo racional, de uma suspeita objetiva e fundada. Deve haver, ainda, uma relação de pertinência entre a prova pretendida, com as informações bancárias, e o objeto das investigações em curso. Isto é, deve ser demonstrado que a providência requerida é indispensável ao êxito das investigações.

Sobre o tema, destaco lição de Aliomar Baleeiro, ao comentar o art. 197 do CTN, in "Direito Tributário Brasileiro", revisto e complementado por Misabel Machado, 11ª ed., págs. 1000⁄1001:

"Constatamos, então, que o entendimento do Supremo Tribunal Federal converge para o mesmo sentido dado por outros sistemas jurídicos, como Àustria, Alemanha, EEUU, Canadá, etc., ao direito à privacidade, de que o sigilo bancário é expressão. Extraído diretamente do Texto Constitucional, não basta para excepcioná-lo nem mesmo a edição de uma lei complementar, pois a Lei n. 4.595⁄64 assim foi recepcionada pela Constituição, segundo a visão do Relator do acórdão, Min. Carlos Velloso. Mesmo o Poder Judiciário, que indubitavelmente pode afastar o sigilo bancário, mormente em matéria penal, à luz da própria Lei n. 4.595⁄64, não é livre para fazê-lo, sem o cumprimento de determinados requisitos materiais. O Supremo Tribunal Federal não se satisfaz, portanto, para rompimento do sigilo bancário, um direito fundamental constitucionalmente consagrado, com a edição de uma lei complementar autorizativa, se essa lei complementar, em seu conteúdo, não contiver requisitos mínimos - existindo investigação em inquérito penal formalmente instaurado - tais como: - existência de início de prova quanto à ocorrência do delito, da autoria do delito e sua materialidade (princípio da objetividade material); - existência de pertinência ou relação necessária entre a documentação cuja revelação se pede e o objeto criminalmente investigado (princípio da pertinência e adequação); - imprescindibilidade da quebra do sigilo para o êxito das investigações (princípio da proibição de excesso). A decisão do Superior Tribunal de Justiça (RE n. 37.566-5⁄RS), posterior àquela do Supremo Tribunal Federal, datada de 02 de fevereiro de 1994, nega o livre acesso da autoridade administrativa fiscal às informações e registros entregues à guarda bancária, interpretando a expressão contida na Lei n. 4.595⁄64 - Processo Instaurado - como processo judicial e negando valia ao art. 8º da Lei n. 8.021⁄90. E nem poderia ser de outra maneira. Se, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, expressamente autorizado pela Lei n. 4.595⁄64 a requisitar informações às instituições financeiras, está limitado e condicionado, em suas decisões, à observância de certos requisitos mínimos, acautelatórios e moderadores, assecuratórios da garantia constitucional do sigilo bancário, expressão do direito à privacidade, os demais Poderes, quer se trate do Legislativo, quer do Ministério Público em investigação penal ou da Administração Fazendária no lançamento e fiscalização dos tributos, não gozam nem poderiam gozar, de livre acesso, incontrastável, às informações bancárias. A possibilidade de oposição e resistência do contribuinte - essência e núcleo do direito à privacidade - seria nulificada se não fosse ouvido em juízo, ou se não pudesse opor defesa oportuna à pretensão fazendária ou a eventuais abusos em inquérito penal."

Com a edição da LC 105⁄2001, que permite a quebra do sigilo bancário pela autoridade fiscal, não ficou afastada a necessidade de demonstração consistente das suspeitas e da necessidade da medida, o que só pode ser obtido ao fim do processo administrativo, devendo ser cercada pelo mesmo rigor e cuidados exigidos para a decretação da quebra por autoridade judiciária e pelas CPIS.

No caso dos autos, a quebra do sigilo bancário se deu pela autoridade administrativa, que entendeu prevista uma das hipóteses do Decreto 3.724⁄01, regulamentador da LC 105⁄01, o qual estabeleceu as situações nas quais os exames da movimentação bancária do sujeito passivo são considerados indispensáveis.

A autoridade administrativa enquadrou a situação da impetrante na seguinte disposição:

"Art. 3º Os exames referidos no caput do artigo anterior somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses: .................................................................................................... XI - presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato. .......................................................................................................

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§ 2º Considera-se indício de interposição de pessoa, para os fins do inciso XI deste artigo, quando: I - as informações disponíveis, relativas ao sujeito passivo, indicarem movimentação financeira superior a dez vezes a renda disponível declarada ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao estabelecido no inciso II do § 3º do art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996;"

E, se valendo da alteração introduzida pela Lei 10.174⁄2001 no art. 11 da Lei 9.311⁄96, utilizou-se dos valores da movimentação financeira do impetrante do ano de 1998, obtidos com base nas informações prestadas pelas instituições financeiras, para iniciar ação fiscal concernente ao imposto de renda, intimando o contribuinte para comprovar a origem dos recursos depositados nas contas bancárias.

Tal conduta era expressamente proibida pelo § 3º do art. 11 da Lei 9.311⁄96. A alteração introduzida pela Lei 10.174⁄01 não pode atingir fatos ocorridos em 1998, sob pena de se violar o princípio da irretroatividade das leis.

Ademais, à época, vigia a Lei 4.595⁄64, com status de lei complementar que admitia a quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial devidamente fundamentada ou por pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída na forma estabelecida pela Constituição Federal.

A regra do § 1º do art. 144 do CTN refere-se ao procedimento administrativo e às prerrogativas meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de forma colidente com o direito fundamental de sigilo bancário, que só pode ser quebrado na forma estabelecida em lei.

Ante o exposto, pedindo vênia ao ilustre Relator, nego provimento ao recurso.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 RESP 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 26⁄10⁄2004 JULGADO: 15⁄02⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins, negando provimento ao recurso, pediu vista dos autos a Sra. Ministra Eliana Calmon." Aguardam os Srs. Ministros Franciulli Netto e João Otávio de Noronha. Brasília, 15 de fevereiro de 2005 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) VOTO-VISTA EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: O presente processo tem como relator o Ministro Castro Meira, o qual, em judicioso voto concluiu pelo provimento do recurso da Fazenda. O especial gira em torno da possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal, sem autorização judicial, nos termos da Lei Complementar 105⁄2001 e da Lei 9.311⁄96, com a redação que foi dada ao artigo 11, § 3º, pela Lei 10.174⁄2001. O relator reconheceu que os dispositivos legais invocados pelo Fisco eram de datas posteriores as da ocorrência dos fatos geradores, mas invocou como regra de aplicação o disposto no § 1º, do art. 144 do CTN, ao fundamento de que os novos critérios de apuração de fiscalização, com ampliação dos poderes de investigação, têm efeito retroativo, aplicando-se a fatos geradores antecedentes, sem ferir o princípio da anterioridade. Seguiu-se ao voto do relator pedido de vista do Ministro Peçanha Martins que, discordando do Ministro Castro Meira, negava provimento ao especial. No entendimento do Ministro Peçanha, o direito ao sigilo bancário é uma garantia constante da Constituição, muito embora não seja um direito absoluto, porque admite excepcionalmente a quebra por decisão judicial. Invocou o Ministro, no seu judicioso voto vista, os comentários de Aliomar Baleeiro ao art. 197 do CTN. Lembrou que a Lei 9.311⁄96 proibia expressamente a quebra de sigilo sem autorização judicial, não podendo a nova legislação, na hipótese a Lei 10.11174⁄2001, disciplinar fatos ocorridos em 1998. Diante da divergência nos votos aqui resumidos, pedi vista do processo, para melhor examinar a matéria. Tenho posição da indispensabilidade da ordem judicial para ser possível a quebra de sigilo, seja bancário, seja fiscal. Verifico, contudo, que sob o ponto de vista formal, quanto ao princípio da anterioridade, é irrefutável a argumentação contida no voto do relator, a partir da interpretação do § 1º, do artigo 144 do CTN, não sendo demais transcrevê-lo: Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. No mesmo sentido do voto do relator há precedente da Turma, sendo relator o Ministro Franciulli Netto, no Recurso Especial 505.493⁄PR, além de alguns precedentes da Primeira Turma (REsp 479.201⁄SC e MC 7.513⁄SP). O tema em si tem matiz constitucional. Tanto que há no STF alguns pronunciamentos referentes à Lei Complementar 105, mas os julgamentos foram interrompidos por pedido de vista (v. Informativos 322 e 335). Em nível infraconstitucional e mesmo com os olhos voltados para o entendimento de que todas as leis gozam da presunção de legalidade, até que o STF a declare inconstitucional, não tenho como afastar a norma em comento, especialmente diante do disposto nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311⁄96, com a redação dada pela Lei 10.174⁄2001. Assim, e em conclusão, acompanho o voto do relator, dando provimento ao recurso da Fazenda. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 RESP 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 05⁄04⁄2005 JULGADO: 05⁄04⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. CARLOS EDUARDO DE OLVEIRA VASCONCELOS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

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AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, acompanhando o Sr. Ministro-Relator e do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, acompanhando a divergência, verificou-se o empate, aguardando-se a presença do Sr. Ministro Franciulli Netto para proferir voto-desempate." A Sra. Ministra Eliana Calmon (voto-vista) votou com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto. Brasília, 05 de abril de 2005 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 REsp 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 21⁄02⁄2006 JULGADO: 21⁄02⁄2006

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, a Turma, por unanimidade, decidiu pela convocação da Sra. Ministra Denise Arruda para proferir voto-desempate." Brasília, 21 de fevereiro de 2006 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 668.012 - PR (2004⁄0091034-1) VOTO-DESEMPATE A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA: 1. Trata-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado (fl. 146): "TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF PARA FINS DE CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. 1. A Lei nº 9.311⁄96, com a alteração introduzida pela Lei nº 10.174⁄2001, não pode atingir fatos regidos pela lei pretérita, que proibia a utilização destas informações para outro fim que não fosse o de lançamento da CPMF e zelava pela inviolabilidade do sigilo bancário e fiscal. 2. Ao tempo do fato gerador da obrigação, vigia a Lei nº 4.595⁄64, recepcionada com força de lei complementar pelo art. 192 da Constituição de 1988, até a edição da Lei Complementar nº 105⁄2001, cujo art. 38, nos §§ 1º a 7º, admite a quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. 3. Mostra-se destituído de fundamento constitucional o argumento de que o art. 144, § 1º, do CTN, autoriza a aplicação da legislação posterior à ocorrência do fato gerador que instituiu novos critérios de apuração ou processos de fiscalização ao lançamento do crédito tributário, visto que este dispositivo refere-se a prerrogativas meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de forma colidente com as garantias de inviolabilidade de dados e de sigilo bancário, decorrentes do direito à intimidade e à vida privada, elencados como direitos individuais fundamentais no art. 5º, incisos X e XII, da Constituição de 1988. 4. Para que o Fisco se valha das informações fornecidas pelas instituições financeiras a respeito da movimentação bancária do contribuinte, a fim de lançar crédito tributário relativo a exação diversa da CPMF, mediante procedimento administrativo-fiscal, é imprescindível a autorização judicial." Houve a oposição de embargos de declaração, os quais foram acolhidos para suprir a omissão apontada pela embargante, especificamente para que fosse juntado o voto vencido da Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria (fl. 155). Nas razões de recurso especial, a recorrente sustenta, além de divergência jurisprudencial, que o acórdão recorrido negou vigência aos arts. 144, § 1º, do Código Tributário Nacional, 6º, da Lei Complementar 105⁄2001, e 11, § 3º, da Lei 9.311⁄96 (com a redação determinada pela Lei 10.174⁄2001). Apresentadas as contra-razões, o recurso especial foi admitido pelo Tribunal a quo. O Relator, Ministro Castro Meira, houve por bem dar provimento ao recurso, assim sintetizando seu entendimento: "TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. 1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105⁄01, sem o crivo do judiciário. 2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº 105⁄01, bem como a Lei nº 10.174⁄01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN. 3. Recurso especial provido." Com vista dos autos, o Senhor Ministro Francisco Peçanha Martins inaugurou a divergência, negando provimento ao recurso especial, por entender que, além da constitucionalidade da LC 105⁄2001 estar sendo questionada perante o Supremo Tribunal Federal, é firme o entendimento de que o sigilo bancário não se trata de "um direito absoluto individual, mas que só podia ser quebrado por determinação judicial, tendo em vista outros interesses que o exigissem, como por exemplo a investigação de ilícitos criminais, assegurado o devido processo legal". Logo adiante, afirma que "tanto o STF como o STJ decidiram não ser possível a quebra do sigilo no curso do processo administrativo sem a manifestação de autoridade judicial, e muito menos por simples solicitação de autoridade administrativa ou do Ministério Público". Assevera que com "a edição da LC 105⁄2001, que permite a quebra do sigilo bancário pela autoridade fiscal, não ficou afastada a necessidade de demonstração consistente das suspeitas e da necessidade da medida, o que só pode ser obtido ao fim do processo administrativo, devendo ser cercada pelo mesmo rigor e cuidados exigidos para a decretação da

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quebra por autoridade judiciária e pelas CPIS". Sustenta, ainda, que a "alteração introduzida pela Lei 10.147⁄01 não pode atingir fatos ocorridos em 1998, sob pena de se violar o princípio da irretroatividade das leis", e que a "regra do § 1º do art. 144 do CTN refere-se ao procedimento administrativo e às prerrogativas meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de forma colidente com o direito fundamental de sigilo bancário, que só pode ser quebrado na forma estabelecida em lei". Prosseguindo o julgamento, a Ministra Eliana Calmon pediu vista dos autos e houve por bem acompanhar o voto do Relator para dar provimento ao recurso da Fazenda Nacional. Na seqüência, o Ministro João Otávio de Noronha votou no sentido de acompanhar a divergência, empatando o julgamento do presente recurso especial. Foi determinada a renovação do julgamento, com a minha convocação para integrar o quorum julgador. É o relatório. 2. Embora o respeito que tributo ao entendimento externado pelos Senhores Ministros Francisco Peçanha Martins e João Otávio de Noronha, o exame dos autos e da legislação pertinente levam-me a concluir tal como o fez o Senhor Ministro Relator, acompanhado pelo voto da Senhora Ministra Eliana Calmon. O mandado de segurança foi impetrado pela ora recorrida alegando violação de direito líquido e certo, em face de cerceamento de defesa por parte da autoridade administrativa fiscal - Senhor Delegado da Receita Federal em Maringá⁄PR -, provocando lesão a seus direitos, pela quebra do sigilo bancário. Em hipóteses similares, tive oportunidade de, na Primeira Turma, acompanhar os votos proferidos pelos Senhores Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Francisco Falcão, adotando a orientação externada nos votos dos Senhores Ministros Castro Meira, ora Relator, e Eliana Calmon. O Ministro Luiz Fux, quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 726.778⁄PR, fez consignar na ementa (DJ de 13.3.2006): “TRIBUTÁRIO. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. 1. O art. 38 da Lei 4.595⁄64, revogado pela Lei Complementar 105⁄2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. 2. Com o advento da Lei 9.311⁄96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º do art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos. 3. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105⁄2001, cujo art. 6º dispõe: 'Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.' 4. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 5. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. 6. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. 7. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. 8. Agravo regimental desprovido.” No mesmo sentido foi a decisão do mesmo Relator, Ministro Luiz Fux, no Recurso Especial 685.708⁄ES (DJ de 20.6.2005, p. 157), bem assim no Recurso Especial 506.232⁄PR (DJ de 16.2.2004, p. 211). Igualmente, o Ministro Teori Albino Zavascki, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 513.540⁄PR (DJ de 6.3.2006, p. 164), assim sintetizou seu entendimento:

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“DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105⁄2001 E LEI 10.174⁄2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. 1. A Lei 9.311⁄1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas – art. 38 da Lei 4.595⁄64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021⁄1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174⁄01). 2. Também a Lei Complementar 105⁄2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras' (arts. 5º e 6º). 3. Está assentado na jurisprudência do STJ que 'a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105⁄2001 e 1º da Lei 10.174⁄2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência' e que 'inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da autoridade estatal' (REsp 685.708⁄ES, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20⁄06⁄2005. No mesmo sentido: REsp 628.116⁄PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03⁄10⁄2005; AG no REsp 669.157⁄PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01⁄07⁄2005; REsp 691.601⁄SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21⁄11⁄2005). 4. Agravo regimental provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do recurso especial e, no mérito, negar-lhe provimento.” Também o Ministro Francisco Falcão apreciou tema similar, no REsp 479.201⁄SC (DJ de 24.5.2004), asseverando na ementa: “TRIBUTÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105⁄2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. POSSIBILIDADE. CARÁTER PROCEDIMENTAL DA NORMA. ART. 144, § 1º DO CTN. UTILIZAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS COM A ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE OUTROS TRIBUTOS. I - Bo julgamento do REsp nº 506.232⁄PR, relatado pelo Eminente Ministro LUIZ FUX, restou assentado o entendimento no sentido da possibilidade de aplicação imediata do art. 6º da LC 105⁄2001, porquanto se trata de disposição meramente procedimental, sendo certo que, a teor do que dispõe o art. 144, § 1º do CTN, revela-se possível o cruzamento de dados obtidos com a arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos em face do que dispõe o art. 1º da Lei 10.174⁄2001, que alterou a redação original do art. 11, § 3º, da Lei 9.311⁄96. II – Recurso especial provido.” É idêntica a orientação adotada no AgRg no REsp 700.789⁄RS (DJ de 19.12.2005, p. 238), também relatado pelo Ministro Francisco Falcão. A Segunda Turma, à exceção do Ministro Peçanha Martins, já vinha decidindo no mesmo sentido, nos REsps 645.371⁄PR e 628.116⁄PR, Relator o Ministro Castro Meira (DJ de 13.3.2006 e 3.10.2005, respectivamente), no REsp 691.601⁄SC, Relatora a Ministra Eliana Calmon (DJ de 21.11.2005), e no REsp 505.493⁄PR, Relator o Ministro Franciulli Netto (DJ de 8.11.2004). Como se vê, a orientação nitidamente majoritária deste Tribunal, a que aderi em votos na Primeira Turma, entende não haver violação da norma constitucional que assegura o sigilo de dados bancários (art. 5º, XII, da CF), em face do que dispõe não só o Código Tributário Nacional (art. 144, § 1º), mas também a Lei 9.311⁄96 (art. 11, § 3º, com a redação introduzida pela Lei 10.174⁄2001) e a Lei Complementar 105⁄2001 (arts. 5º e 6º). Por essas razões, em voto-desempate, pedindo vênia aos Senhores Ministros Francisco Peçanha Martins e João Otávio de Noronha, acompanho o voto do Senhor Ministro Castro Meira, com as considerações externadas pela Senhora Ministra Eliana Calmon, para dar provimento ao recurso. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2004⁄0091034-1 REsp 668012 ⁄ PR Número Origem: 200170030040020 PAUTA: 20⁄06⁄2006 JULGADO: 20⁄06⁄2006

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Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS FONSECA DA SILVA Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GILBERTO ETCHALUZ VILLELA E OUTROS

RECORRIDO : MARIA DE LOURDES DA SILVA ESTRELA

ADVOGADO : ALDO DE MATTOS SABINO JUNIOR E OUTRO ASSUNTO: Tributário - Crédito - Constituição CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-desempate da Sra. Ministra Denise Arruda, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencidos os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e João Otávio de Noronha." As Sras. Ministras Eliana Calmon e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, nessa assentada, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 20 de junho de 2006 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária Documento: 504364 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 28/08/2006

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ANEXO 05

Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 974.113 - SP (2007⁄0182869-6)

RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : DJEMILE NAOMI KODAMA E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S⁄A - BANESPA

ADVOGADO : ARIVALDO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)

EMENTA ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ACES SO A EXTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO-FINANCEIRO. INEXISTÊNCI A DE COMPROVAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DESCABIMENTO. HIPÓT ESE EM QUE NÃO SE PODE APLICAR A JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE EM REGRA AUTORIZA O ACESSO DO ENTE FAZENDÁRIO ÀS INFORMAÇÕES BANCÁRIAS, PARA INSTRUIR PROCESSO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DA SÚMU LA 7⁄STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO. 1. Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto em autos de mandado de segurança preventivo pela Fazenda Nacional, em impugnação a acórdão que, em síntese, reconheceu ilegal a violação de sigilo bancário pelo fato de não haver comprovação de início de processo administrativo-fiscal que justificasse a medida excepcional. Em recurso especial, em síntese, alega a Fazenda Nacional: a - o direito ao sigilo bancário não é absoluto; b - diversamente do afirmado no acórdão recorrido, está demonstrado nos autos a existência de procedimento fiscal em relação ao contribuinte, objeto do pedido de informações bancárias; c - o artigo 8º da Lei 8.021⁄90 é auto-aplicável, não sendo necessária nenhuma regulamentação, porquanto a autorização para o ato administrativo praticado encontra apoio na Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; d. violaram-se os dispositivos legais seguintes: Decreto 70.235⁄72, art. 7º, I; Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; CTN, artigo 172, II e Lei 8.021⁄90, artigo 8º; e. pede-se a procedência do pedido para o efeito de validar o ato administrativo praticado, reconhecendo-se o direito de acesso às informações bancárias em referência. 2. In casu, reavaliar a suficiência ou a insuficiência da documentação juntada pelo fisco resulta em conduta vedada pela Súmula 7⁄STJ. Nesse panorama, então, não merece acolhida a pretensão fazendária, uma vez que a existência ou inexistência de comprovação da instauração de procedimento fiscal se vincula à própria motivação do ato praticado pela autoridade pública. 3. Essa particularidade do caso, aliás, impede que se aplique à hipótese a consolidada jurisprudência desta Corte Superior, que realmente declara lícito o acesso da Fazenda Pública a dados bancários sigilosos, desde que, evidentemente, comprovado o interesse e o fim público. 4. Recurso especial não-conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki (Presidente) e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília (DF), 18 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento) MINISTRO JOSÉ DELGADO Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 974.113 - SP (2007⁄0182869-6)

RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : DJEMILE NAOMI KODAMA E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S⁄A - BANESPA

ADVOGADO : ARIVALDO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)

RELATÓRIO O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto em autos de mandado de segurança preventivo pela Fazenda Nacional, em impugnação a acórdão assim ementado (fl. 82): TRIBUTÁRIO - SIGILO BANCÁRIO - INÍCIO DE PROCEDIMENTO FISCAL NÃO COMPROVADO - ART. 8º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.021⁄90 - AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. 1. A ausência de comprovação do início de procedimento fiscal instaurado contra o contribuinte não permite seja a instituição financeira compelida a prestar informações sobre a movimentação bancária de seus clientes, exigida com base em documento inidôneo. 2. Depende de regulamentação a norma que exige o fornecimento de informações sobre operações bancárias de contribuinte, nos moldes do art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90. 3. Precedente do C. STJ. À fl. 78, do acórdão recorrido, a lide mereceu o resumo seguinte: Em recurso especial, em síntese, alega a Fazenda Nacional: a - o direito ao sigilo bancário não é absoluto; b - diversamente do afirmado no acórdão recorrido, está demonstrado nos autos a existência de procedimento fiscal em relação ao contribuinte objeto do pedido de informações bancárias; c - o artigo 8º da Lei 8.021⁄90 é auto-aplicável, não sendo necessária nenhuma regulamentação, porquanto a autorização para o ato administrativo praticado encontra apoio na Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; d. violaram-se os dispositivos legais seguintes: Decreto 70.235⁄72, art. 7º, I; Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; CTN, artigo 172, II e Lei 8.021⁄90, artigo 8º; e. pede-se a procedência do pedido para o efeito de validar o ato administrativo praticado, reconhecendo-se o direito de acesso às informações bancárias em referência. Não foram apresentadas contra-razões (fl. 96. v.). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 974.113 - SP (2007⁄0182869-6) EMENTA ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ACES SO A EXTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO-FINANCEIRO. INEXISTÊNCI A DE COMPROVAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DESCABIMENTO. HIPÓT ESE EM QUE NÃO SE PODE APLICAR A JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE EM REGRA AUTORIZA O ACESSO DO ENTE FAZENDÁRIO ÀS INFORMAÇÕES BANCÁRIAS, PARA INSTRUIR PROCESSO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DA SÚMU LA 7⁄STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO. 1. Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto em autos de mandado de segurança preventivo pela Fazenda Nacional, em impugnação a acórdão que, em síntese, reconheceu ilegal a violação de sigilo bancário pelo fato de não haver comprovação de início de processo administrativo-fiscal que justificasse a medida excepcional. Em recurso especial, em síntese, alega a Fazenda Nacional: a - o direito ao sigilo bancário não é absoluto; b - diversamente do afirmado no acórdão recorrido, está demonstrado nos autos a existência de procedimento fiscal em relação ao contribuinte, objeto do pedido de informações bancárias; c - o artigo 8º da Lei 8.021⁄90 é auto-aplicável, não sendo necessária nenhuma regulamentação, porquanto a autorização para o ato administrativo praticado encontra apoio na Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; d. violaram-se os dispositivos legais seguintes: Decreto 70.235⁄72, art. 7º, I; Lei 4.595⁄64, artigo 38 e parágrafos 5 º e 6º; CTN, artigo 172, II e Lei 8.021⁄90, artigo 8º; e. pede-se a procedência

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do pedido para o efeito de validar o ato administrativo praticado, reconhecendo-se o direito de acesso às informações bancárias em referência. 2. In casu, reavaliar a suficiência ou a insuficiência da documentação juntada pelo fisco resulta em conduta vedada pela Súmula 7⁄STJ. Nesse panorama, então, não merece acolhida a pretensão fazendária, uma vez que a existência ou inexistência de comprovação da instauração de procedimento fiscal se vincula à própria motivação do ato praticado pela autoridade pública. 3. Essa particularidade do caso, aliás, impede que se aplique à hipótese a consolidada jurisprudência desta Corte Superior, que realmente declara lícito o acesso da Fazenda Pública a dados bancários sigilosos, desde que, evidentemente, comprovado o interesse e o fim público. 4. Recurso especial não-conhecido. VOTO O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Cuida-se de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto em autos de mandado de segurança preventivo pela Fazenda Nacional, em impugnação a acórdão que, em síntese, reconheceu ilegal a violação de sigilo bancário pelo fato de não haver comprovação de início de processo administrativo-fiscal que justificasse a medida excepcional. Note-se que, in casu, reavaliar a suficiência ou a insuficiência da documentação juntada pela fisco resulta em conduta vedada pela Súmula 7⁄STJ. Nesse panorama, então, não merece acolhida a pretensão fazendária, uma vez que a existência ou inexistência de comprovação da instauração de procedimento fiscal se vincula à própria motivação do ato praticado pela autoridade pública. Essa particularidade do caso, aliás, impede que se aplique à hipótese a consolidada jurisprudência desta Corte Superior, que realmente declara lícito o acesso da Fazenda Pública a dados bancários sigilosos, desde que, evidentemente, comprovado o interesse e o fim público. Vale, nesse sentido, observar a fundamentação do acórdão (fls. 79⁄81): A Delegacia da Receita Federal em Bauru solicitou à impetrante, agência bancária do Banco do Estado de São Paulo S⁄A, o fornecimento de cópias de cheques emitidos por cliente seu, contribuinte, contra o qual teria sido instaurado procedimento fiscal. A exigência foi fundamentada no art. 8º e parágrafo único da Lei nº 8.021⁄90 e art. 38, § 5º da Lei nº 4.595⁄64. Insurge-se o impetrante, por não ter a autoridade comprovado o início do procedimento fiscal, tal como exigem os dispositivos acima, limitando-se a informar o início do procedimento por meio de ficha multifuncional. O sigilo bancário não constitui direito absoluto e deve se curvar diante do interesse público que, in casu, visa a coibir a evasão fiscal. Sobre o tema, destaco os seguintes precedentes das Cortes Superiores: "Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege - art. 5º, X - não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma infraconstitucional." "Os sigilos bancário e fiscal não constituem direito absoluto, quando demonstradas fundadas razões de interesse público que, na hipótese, refere-se à investigação sobre malversação de verbas federais repassadas à Companhia Energética do Estado de Roraima - CER." "A proteção aos sigilos bancário e fiscal não consubstanciam direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior." "O sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ser quebrado, em compatibilidade com as disposições constitucionais pertinentes, nas hipóteses em que sua manutenção crie óbice intransponível à apuração de delitos, não constituindo nestes hipóteses ilegalidade ou abuso do juízo competente." Todavia, não obstante a possibilidade de ser quebrado o sigilo bancário, na hipótese dos autos, a exigência não observou os requisitos legais. O art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021⁄90 assevera: " Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de constas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964."

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Da mesma forma, dispõe o art. 38, § 5º da Lei nº 4.595⁄65: " Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósito, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente." Portanto, a quebra do sigilo bancário em questão pressupõe início de procedimento fiscal instaurado contra o contribuinte. A ficha multifuncional, conforme esclareceu a própria autoridade coatora, consiste em documento de controle interno da administração que individualiza o contribuinte a ser fiscalizado, mas não retrata início de procedimento fiscal contra ele instaurado. Por essa razão, a autoridade coatora não pode compelir a instituição financeira a fornecer cópias de cheques de seus clientes com fundamento em documento inidôneo. Outrossim, a exigência contida no art. 8º da Lei nº 8.021⁄90 prescinde regulamentação, consoante expressamente assevera o parágrafo único do dispositivo, abaixo transcrito: " As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1º do art. 7º." Todavia, não tendo sido regulamentada a norma, não pode a Administração solicitar informações à instituição financeira, por não ser auto-aplicável o dispositivo citado. Nesse sentido, trago à colação precedente do C. STJ: "SIGILO BANCÁRIO. PROCEDIMENTO FISCAL. LEI N. 8021⁄90, ART. 8º, PARAGRAFO ÚNICO. I - O art. 8., parágrafo único, da Lei n. 8021⁄90 não e auto-aplicável, dependendo a sua incidência de normas regulamentares a serem expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. II - Ademais, com relação a uma das empresas, a que se referem as informações pleiteadas pelo fisco, não havia procedimento fiscal iniciado. III - Recurso Especial não conhecido." (STJ, RESP - 22824, Segunda Turma, Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ:30⁄10⁄1995) Destarte, de rigor a manutenção da sentença. Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial. Pelo exposto, não conheço do presente recurso especial. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA Número Registro: 2007⁄0182869-6 REsp 974113 ⁄ SP Números Origem: 199903990069764 9000374294 PAUTA: 18⁄12⁄2007 JULGADO: 18⁄12⁄2007

Relator Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA Secretária Bela. MARIA DO SOCORRO MELO AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : DJEMILE NAOMI KODAMA E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S⁄A - BANESPA

ADVOGADO : ARIVALDO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S) ASSUNTO: Administrativo - Sigilo Bancário ⁄ Fiscal - Quebra

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CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki (Presidente) e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília, 18 de dezembro de 2007 MARIA DO SOCORRO MELO Secretária Documento: 748450 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 03/03/2008

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ANEXO 06

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2006.70.00.005094-9/PR RELATORA : Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE : LOURDES MONTEIRO

ADVOGADO : Eduardo Duarte Ferreira

APELADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO : Simone Anacleto Lopes EMENTA TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA DIRETA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 9.311/96. LEI 10.174/01. LC 105/01. IRRETROATIVIDADE. 1. Conforme entendimento manifestado pela Corte Especial deste TRF quando do julgamento do incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS n.º 2005.72.01.000181-9, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, D.E. publicado em 17/12/2007, não há vício de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96. 2. Até o advento da Lei 9.311/96, as informações obtidas mediante a "quebra" do sigilo bancário diretamente pela autoridade fiscal não poderiam originar lançamento tributário. Na sua vigência, era possível o lançamento tributário concernente apenas à CPMF. Após a Lei 10.174/01, facultou-se ao Fisco a utilização das informações bancárias concernentes à CPMF para instaurar procedimento administrativo objetivando verificar a existência de crédito tributário relativo a outras contribuições e impostos, bem como para o respectivo lançamento. 3. As recentes decisões das Turmas da Primeira Seção deste Regional, observando a jurisprudência do e.STJ, vêm considerando serem retroativas a Lei n.º 10.174/01 e a LC 105/01.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 22 de julho de 2008. Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Relatora

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2006.70.00.005094-9/PR RELATORA : Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE : LOURDES MONTEIRO

ADVOGADO : Eduardo Duarte Ferreira

APELADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO : Simone Anacleto Lopes RELATÓRIO

LOURDES MONTEIRO ajuizou ação mandamental contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM CURITIBA/PR objetivando a declaração da nulidade de lançamento tributário (auto de infração n.º. 0910100/0-831/05) a título de imposto de renda (arbitramento do débito na ordem de 50% dos valores totais mensais, num montante de R$ 171.943,10), por considerar ilegal a quebra de sigilo bancário.

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Sustentou que o lançamento relativo a imposto de renda decorrente de omissão de receitas baseou-se em dados obtidos diretamente pela Receita Federal junto a instituições financeiras, portanto, de forma ilícita. Alegou, ainda, que se fundamentou em procedimento administrativo instaurado contra terceira pessoa, não tendo sido intimada a apresentar seus dados bancários. Asseverou a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 105/2001, ao permitir que as autoridades fiscais acessem dados bancários dos contribuintes diretamente junto às instituições financeiras, o que só pode ser efetuado por determinação do Poder Judiciário. A liminar foi indeferida (fls. 53-55). A impetrante interpôs agravo de instrumento, ao qual foi atribuído efeito suspensivo ativo (fls. 119-123). Na sentença, a segurança foi denegada. A impetrante apelou repisando todas as alegações da exordial. Presentes as contra-razões e com parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório. VOTO

I) Do histórico acerca do sigilo bancário Para melhor compreensão do tema, impende tecer um pequeno apanhado histórico da legislação ordinária a respeito do sigilo bancário. Não é novo o cuidado legislativo com o resguardo das informações relativas à vida econômica das pessoas. A se pesquisar mais profundamente, poder-se-á encontrar no Direito Romano, por exemplo, os primeiros contornos do sigilo bancário. Ali, impunha-se reserva aos banqueiros (argentarus) sobre os créditos e débitos registrados em livro próprio (codex), o qual devia ser mantido sob sigilo. A "quebra" do sigilo somente se justificava quando sobreviesse litígio entre o cliente e o banqueiro, o que teria de ser resolvido judicialmente. Para a solução da lide é que se abria à Justiça o acesso e, eventualmente, a divulgação dos dados (cf. a Ministra CÁRMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA - Revista Interesse Público n.º 20, p. 33). No Brasil, desde o Código Comercial de 1850 (que equiparou os banqueiros a comerciantes - art. 119), as informações bancárias restaram sujeitas à garantia do sigilo comercial. Somente o Poder Judiciário poderia expedir ordem para determinar a sua exibição (arts. 19 e 20). Muito tempo depois, foi a "quebra" do sigilo bancário tipificada como crime no Código Penal (art. 154) - violação do segredo profissional. O Código de Processo Penal de 1941, cuidando do tema, estabeleceu vedação a que as testemunhas revelassem informações que detinham e sobre as quais deviam manter reserva, excepcionada a hipótese da autorização pelo interessado. Na seqüência daquelas primeiras obrigações comerciais, sobrevieram leis que cuidaram da questão específica do sigilo bancário e, mais recentemente, do sigilo fiscal. Em 31-12-1964, adveio a Lei n.º 4.595, que determinava (art. 38) às instituições financeiras conservar sigilo em suas operações ativas, passivas e nos serviços prestados. Essa norma foi recepcionada pela CF/88 como lei complementar. Em seus parágrafos disciplinou que: 1) a requisição de informações ou exame de documentos somente seria possível em processo instaurado e sendo a necessidade considerada indispensável pela autoridade competente - § 5º; 2) o dever de sigilo era transmitido àquela autoridade que tivesse acesso às informações - § 6º. Por fim, tem-se de mencionar que o sigilo bancário - consoante tal norma - somente poderia ser "quebrado" com autorização judicial, conforme entende o Egrégio STJ [Medida Cautelar (MC) 7230, Processo 200301898061/ PR, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 28/06/2004]. O sigilo fiscal, por sua vez, teve norma estabelecida nos arts. 197 e segs. do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), prevendo a obrigatoriedade da prestação de informações pela instituição financeira ao Fisco. No § único do artigo 197, todavia, foi permitida uma exceção ("A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto aos fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar

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segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão), que se destina - segundo parte da doutrina - aos advogados, médicos, etc., e não ao agente financeiro. Já sob a vigência da CF de 1988, sobreveio a Lei n.º 8.021/90, tratando da necessidade da instituição financeira prestar informações ao Fisco, a respeito de operações bancárias dos contribuintes. Em seu artigo 8º estabeleceu que: Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1° do art. 7°. Todavia, a jurisprudência afastou a aplicação do art. 8º da Lei 8.021/90, porque ela disciplinou matéria reservada à lei complementar (chocando-se com a Lei n.º 4.595). Nesse sentido, é unânime o STJ. Para ilustrar: TRIBUTÁRIO. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO "REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. 1. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595/64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105/2001. 2. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105/2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial. (...) (STJ -REsp 506232/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 16.02.2004)" A Lei Complementar n.º 70, de 30 de dezembro de 1991, estabeleceu em seu artigo 12: "Art. 12. Sem prejuízo do disposto na legislação em vigor, as instituições financeiras, as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as sociedades de investimento e as de arrendamento mercantil, os agentes do Sistema Financeiro da Habitação, as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e instituições assemelhadas e seus associados, e as empresas administradoras de cartões de crédito fornecerão à Receita Federal, nos termos estabelecidos pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, informações cadastrais sobre os usuários dos respectivos serviços, relativas ao nome, à filiação, ao endereço e ao número de inscrição do cliente no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC). 1° As informações recebidas nos termos deste artigo aplica-se o disposto no § 7° do art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. 2° As informações de que trata o caput deste artigo serão prestadas a partir das relações de usuários constantes dos registros relativos ao ano-calendário de 1992. 3° A não-observância do disposto neste artigo sujeitará o infrator, independentemente de outras penalidades administrativas à multa equivalente a trinta e cinco unidades de valor referidas no art. 5° desta lei complementar, por usuário omitido." Como se percebe, a LC n.º 70/91 manteve a necessidade de autorização judicial para a "quebra" do sigilo bancário. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras, responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedada, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos, sob pena de nulidade do procedimento fiscal. A Lei 10.174, de 09 de janeiro de 2001, possibilitou à Receita Federal, em procedimento fiscal instaurado, a utilização das informações diretamente requisitadas - antes somente relativas à CPMF - para investigar e constituir crédito tributário (através do respectivo lançamento) respeitante às demais contribuições sociais e impostos.

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A Lei Complementar n.º 105, de janeiro de 2001 objetivou sistematizar toda legislação concernente ao sigilo bancário e fiscal. Além de afastar a reserva de jurisdição, tal norma jurídica estruturou, a um só tempo, dois modelos diversos de "quebra" de sigilo financeiro para fins de apuração de informações tributárias pela Receita (cf. JULIANA GARCIA BELLOQUE, Sigilo Bancário - Análise crítica da LC 105/2001, RT, 2003, pp. 95-98). Em um deles, com sede no art. 6º, as autoridades fiscais da União, dos Estados, do DF e dos Municípios podem requisitar informações em procedimento fiscal instaurado, quando as houver considerado indispensáveis. O tratamento descrito aponta a escolha por um critério de razoabilidade na suplantação do sigilo, que só terá cabimento quando estritamente necessário e adequado ao caso concreto. O outro modelo edificado pelo artigo 5º da LC 105/2001 cria um sistema automático de repasse de informações: "Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços. [...] § 2º As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. § 3º Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 4º Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos. § 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor." Nessa segunda hipótese de "quebra" do sigilo bancário não há apuração, mas permanente vigilância, através de prestação de informações periódicas e rotineiras. Por fim, da mesma data da LC 105/2001 (10 de janeiro) é o Decreto n.º 3.724, que regulamenta o art. 6º daquela, "relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas". Em seu artigo 2º, o decreto estabelece que: "Art. 2º A Secretaria da Receita Federal, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis. § 1º Entende-se por procedimento de fiscalização a modalidade de procedimento fiscal a que se referem o art. 7º e seguintes do Decreto n.º 70.235, de 6 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal. § 2º O procedimento de fiscalização somente terá início por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo. [...]". 2) Sobre a constitucionalidade da "quebra" do sigilo bancário e fiscal A matéria já foi analisada pela Corte Especial deste TRF quando do julgamento do incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS n.º 2005.72.01.000181-9, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, D.E. publicado em 17/12/2007. Eis a ementa do respectivo acórdão: INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFOS 2º e 3º DO ARTS. 11 DA LEI 9.311/96, ARTS. 5º e 6º DA LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001 E ART. 1º DA LEI 10.174/2001, NA PARTE QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO PARÁGRAFO 3º DO ART. 11 DA LEI 9.311/96. SIGILO BANCÁRIO.

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QUEBRA PARA FINS DE INSTRUÇÃO DE PROCEDIMENTO FISCAL. PRINCÍPIO DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. REJEIÇÃO DO INCIDENTE. 1. Os arts. 11, §§ 2° e 3°, da Lei n° 9.311/96, e 5° e 6° da Lei Complementar n° 105/2001, ao regularem a quebra do sigilo bancário para fins tributários, não lesaram a tutela do direito à privacidade conferida pela Constituição de 1988. 2. As normas que versam sobre sigilo bancário devem ser interpretadas levando em conta o conjunto principiológico da Constituição, e dessa diretriz sobressaem duas premissas básicas que devem nortear o intérprete: é obrigação precípua do Poder Público combater a sonegação, de modo a propiciar o custeio das necessidades financeiras do Estado, e o sistema financeiro deve servir de elemento estruturante da promoção do desenvolvimento do País e dos interesses da coletividade. Lições na doutrina. 3. O legislador preservou a privacidade do cidadão, instituindo mecanismo cercado de garantias, que apenas transfere a obrigação de sigilo da instituição bancária para a autoridade fiscal. Não é razoável que, sempre que houver a necessidade de acesso à vida financeira das pessoas físicas ou jurídicas por parte da fiscalização tributária, seja a Administração instada a provocar o Judiciário para tanto. Sentindo-se o contribuinte prejudicado com a quebra de seu sigilo, por se apresentar a ação da autoridade arbitrária, pode, então, provocar a tutela jurisdicional. É de se presumir a legitimidade da ação das autoridades constituídas, devendo o contrário ser provado. 4. Não há vício de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96. Do voto do eminente relator, destaco os seguintes trechos, pela importância do esclarecimento, verbis: (...) A questão do sigilo bancário e a sua respectiva quebra pelas autoridades fiscais, independentemente de ordem judicial, é matéria extremamente polêmica, quer em nível doutrinário, quer em nível jurisprudencial, existente antes mesmo da edição da Lei Complementar n.º 105/2001. A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra que inexiste, no âmbito daquela Corte, unanimidade entre os seus Ministros a respeito da matéria. Não há, por outro lado, qualquer decisão colegiada que tenha apontado a inconstitucionalidade das disposições legais que autorizam a quebra do sigilo bancário pelas autoridades fiscais. Especificamente em relação à Lei Complementar n.º 105/2001, existem cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade, questionando exatamente as disposições dessa lei que autorizam a quebra do sigilo bancário por parte das autoridades fiscais (ADINs nºs 2.386, 2.389, 2.390, 2.397 e 2.406), nas quais não foram concedidas medidas liminares suspendendo as disposições impugnadas. Referidas ações, que foram todas apensadas (cf. despachos nelas exarados e publicados, todos, no Diário da Justiça da União de 02 de outubro de 2001), têm como relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (o relator originário era o Ministro Sepúlveda Pertence). Fosse entendimento pacífico na Corte Excelsa a impossibilidade da quebra do sigilo bancário pelas autoridades fiscais, com certeza liminares teriam sido concedidas. Tal fato confirma a assertiva de que inexiste consenso entre os Ministros da Excelsa Corte atinente a essa matéria. Em sendo assim, não vejo motivos para não manter o entendimento que tenho no sentido de que é possível às autoridades fiscais à quebra do sigilo bancário, em havendo razões para tanto. (...) Assim, cabe verificar se a Lei n.º 9.311/96 e a Lei Complementar n.º 105/2001, ao regular o sigilo bancário, lesaram a tutela do direito à privacidade conferida pela Constituição, num juízo de razoabilidade ou proporcionalidade. Entendo que não. Com efeito, a Lei Complementar n.º 105/2001, ao permitir a quebra do sigilo bancário por parte das autoridades fiscais, estabeleceu algumas condições para tanto. O artigo 6º estabelece que a quebra do sigilo, por parte da fiscalização, pressupõe, sempre, processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Ainda, a autorização para a quebra não é feita por qualquer servidor, mas por autoridade competente. No caso da Receita Federal, é o seu Delegado, autoridade máxima do órgão no local. Ainda, é de rigor a necessidade - a lei fala em indispensabilidade - da medida. Impôs, ainda, o dever de sigilo às autoridades que, na ação fiscal, tenham acesso aos dados. Inclusive, definiu um tipo penal para a inobservância desse sigilo (art. 10), estatuindo, ademais, a responsabilidade pessoal e direta do servidor que devassá-lo, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da Administração. Como se vê, o legislador tratou de cercar a quebra do sigilo bancário de uma séria de garantias, de modo a se preservar a privacidade do cidadão, ou mesmo das empresas, submetidas à ação fiscal. A rigor, há apenas a transferência da obrigação de sigilo, que passa da instituição bancária à autoridade fiscal. (...) Acrescento, ainda, que se apresenta desarrazoado, sempre que houver a necessidade de acesso à vida financeira das empresas por parte da fiscalização tributária, seja a administração instada a provocar o

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Judiciário para tanto, tendo que ajuizar uma ação, de procedimento ordinário, postulando essa quebra. O adequado, a meu sentir, é permitir-se, como autorizam a Lei n.º 9.311/96 e a Lei Complementar n.º 105/2001, que a autoridade fiscal, através de procedimento administrativo próprio, proceda à quebra do sigilo. Sentindo-se o contribuinte prejudicado, por se apresentar a ação da autoridade arbitrária, pode, então, provocar a tutela jurisdicional. É de se presumir a legitimidade da ação das autoridades constituídas, devendo o contrário ser provado. Desse modo, tenho que é viável a quebra do sigilo bancário pela administração fazendária, não havendo qualquer mácula de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96. (...) - grifos meus. 3) Sobre a irretroatividade da Lei n.º 10.174/01, da LC 105/01 e do Decreto n.º 3.724/01 De início, ressalto que a constitucionalidade da Lei n.º 10.174/01, da LC 105/01 e do Decreto n.º 3.724/01 já foi analisada pela Corte Especial deste TRF quando do julgamento do incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS n.º 2005.72.01.000181-9, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, D.E. publicado em 17/12/2007. Todavia, a irretroatividade (matéria infraconstitucional) não o foi. Dados tais contornos, entendo que os efeitos da LC 105/01, bem como da Lei n.º 10.174/01 e do Decreto 3.724/01, podem ser retroativos para apanhar fatos geradores anteriores à sua vigência. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores não implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis, emoldurado no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, podendo a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias ativas e passivas do contribuinte, como preconiza a citada lei complementar. Esta Segunda Turma inicialmente assim entendia, consoante se extrai dos julgamentos dos agravos de instrumento n.º 2001.04.01.069353-5, em 13.11.2001 e 2001.04.01.052135-9, em 11.12.2001, nos quais restou vencido o eminente Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. Também a própria Primeira Seção, que afastou tal tese, por voto de desempate, no julgamento dos Embargos Infringentes em AC n.º 1999.04.01.030351-7, em 02.10.2002. Contudo, por ocasião do julgamento da AMS n.º 2002.70.05.006523-2, Relator Juiz Federal Convocado Alcides Vettorazzi, sessão de 20.05.2003, a 2ª Turma desta Corte, por unanimidade, decidiu pela irretroatividade da Lei n.º 10.174/2001, que, posteriormente, foi também reconhecida pela Primeira Seção, quando do julgamento dos Embargos Infringentes em AC n.º 2001.70.01.003385-9/PR, Relator Juiz Federal Alcides Vettorazzi, sessão de 05.06.2003, unânime. Portanto, o último julgado da 1ª Seção desta Corte foi pela irretroatividade da Lei n.º 10.174/01, da LC 105/01 e do Decreto n.º 3.724/01. Todavia, uma consulta aos recentes julgados desta Corte, revela que A MAIORIA dos magistrados que compõe as duas Turmas da Primeira Seção (na qual me incluo) TEM ENTEDIMENTO DIVERSO, pois vêm considerando serem retroativos: TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO. LC 105/01. APLICABILIDADE A FATOS GERADORES PRETÉRITOS. O sigilo das informações bancárias poderá ser excepcionalmente quebrado sempre que estiverem presentes outros princípios também contemplados pela Constituição Federal, em especial aqueles que cercam o interesse público. O art. 145, § 1º, da CF/1988 faculta à administração tributária, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. O art. 197, inciso II, do CTN, já previa obrigação das instituições financeiras de prestarem informações sobre os bens, negócios e atividades de terceiros. A Lei Complementar 105/2001 e a Lei 10.174/2000 não contêm violação a direito individual decorrente da utilização pelo Fisco das informações repassadas pelas instituições bancárias. Há muito existe fundamento legal para a quebra do sigilo quando haja procedimento de fiscalização relativamente ao contribuinte com indícios de movimentações irregulares. Jurisprudência pacífica no STJ no sentido de que o art. 144, § 1º, do CTN dispõe no sentido de que as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata. A LC n.º 105/2001, art. 6º, sendo dessa natureza, atinge fatos geradores pretéritos. (TRF4, AMS 2005.71.11.005342-6, Segunda Turma, Relator(a) Eloy Bernst Justo, D.E. 21/05/2008)

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. NÃO CABIMENTO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO NÃO CONFIGURADA. REGULARIDADE DA ORIGEM DOS VALORES APONTADOS PELA AGRAVADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.AGRAVO IMPROVIDO. 1. Em se tratando de firma individual o empresário é a própria pessoa física que exerce o comércio, ou seja, o estabelecimento não tem representante legal, pelo que, a intimação do contribuinte em nome da própria pessoa física não se mostra desarrazoada 2. A jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não existe ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, na aplicação imediata da LC n.º 105/2001 e da Lei n.º 10.174/2001 em relação a fatos pretéritos. 3. No caso em análise, a solução da questão da regularidade da origem dos valores apontados pela Fazenda Nacional implicaria em eventual dilação probatória, o que é vedado nessa via estreita. 4. Agravo de instrumento improvido. (TRF4, AG 2007.04.00.040512-2, Segunda Turma, Relator(a) Otávio Roberto Pamplona, D.E. 30/01/2008) TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN. 1. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. 2. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência. (TRF4, AG 2004.04.01.041849-5, Segunda Turma, Relator(a) Marciane Bonzanini, D.E. 30/04/2008) MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. LEI N.º 10.174/2001. A egrégia 1ª Seção sufragou o entendimento da inaplicabilidade da Lei n.º 9.311/1996, com a alteração introduzida pela Lei n.º 10.174/2001, aos fatos regidos pela lei pretérita, que proibia a utilização das informações relativas à movimentação bancária do contribuinte para outro fim que não fosse o de lançamento da CPMF e zelava pela inviolabilidade do sigilo bancário e fiscal (EI em AC n.º 2002.04.01.002515-4/RS). Posição pessoal divergente do Relator (AMS Nº 2001.70.00.020502-9/PR, Rel. Des. Des. Federal VILSON DARÓS, D.E. 28/05/2008) - grifos meus. E esse atual entendimento das Turmas que julgam a matéria tributária nesta Corte segue a jurisprudência do Colendo STJ: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL - UTILIZAÇÃO DE DADOS DA CPMF PARA LANÇAMENTO DE OUTROS TRIBUTOS - IMPOSTO DE RENDA - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - PERÍODO ANTERIOR À LC N. 105/2001 - LEI 10.174/01 - APLICAÇÃO IMEDIATA - RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º, DO CTN - INFUNDADA ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC - PRETENSÃO DE PRONUNCIAMENTO SOBRE MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. 1. Improcedente a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal a quo resolve a questão suscitada pela parte, mediante fundamentação suficiente. 2. Improcedente, da mesma forma, a alegação de omissão por parte da decisão agravada, ante a expressa manifestação acerca da questão em torno dos dispositivos indicados. 3. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, aplicando o magistrado ao caso concreto a legislação considerada pertinente. 4. Inconsistente a alegação de omissão quanto à questão que, apesar dos declaratórios, não foi discutidas no Tribunal a quo (Súmula 211/STJ). 5. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, à vista do disposto no art. 144, § 1º, do CTN, o Fisco pode utilizar dados relativos à CPMF para constituir créditos de outras exações, mediante aplicação do art. 1º da Lei 10.174/2001, que alterou o art. 11, § 3º, da Lei 9.311/96, inclusive a fatos geradores anteriores, sem que isso caracterize ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, uma vez que a LC 105/2001 e a Lei 10.174/01 não instituem nem majoram tributos, representando apenas instrumentos legais para agilização e aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 966001/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 22.04.2008, DJ 08.05.2008 p. 1)

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PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTIGO 6º DA LC 105/01 E 11, § 3º, DA LEI Nº 9.311/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. 1. O artigo 38 da Lei nº 4.595/64, que autorizava a quebra de sigilo bancário somente por meio de requerimento judicial foi revogado pela Lei Complementar nº 105/2001. 2. A Lei nº 9.311/96 instituiu a CPMF e, no § 2º do artigo 11, determinou que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º, a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos. 3. A Lei 10.174/2001 revogou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311/91, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal, a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos. 4. Outra alteração legislativa, dispondo sobre a possibilidade de sigilo bancário, foi veiculada pela o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001. 5. O artigo 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material, que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes. 7. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" (Súmula 168/STJ). 8. Embargos de divergência não conhecidos. (EREsp 726778/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007 p. 255) - grifos meus. 4) Sobre as conclusões a respeito da constitucionalidade e legalidade da "quebra" do sigilo bancário e fiscal Em vista das razões expostas, pode-se chegar às seguintes conclusões: a) não há vício de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96; b) até a Lei 9.311/96, era necessária a autorização judicial para "quebra" do sigilo bancário; c) com o advento da Lei 9.311/96, o Fisco poderia utilizar as informações relativas à CPMF para a cobrança exclusivamente de tal tributo; d) após a Lei 10.174, de 09 de janeiro de 2001, a Receita Federal, em procedimento fiscal instaurado, pode utilizar informações diretamente requisitadas das instituições financeiras para investigar e constituir qualquer crédito tributário (através do respectivo lançamento); e) são retroativas (fatos geradores anteriores) as Lei n.º 10.174/01, LC 105/01 e o Decreto n.º 3.724/01. 5) Sobre o caso concreto Conforme se extrai da análise dos autos, em 07-12-2005, foi lavrado auto de infração contra a impetrante, relativamente a imposto de renda decorrente de omissão de rendimentos caracterizada por depósitos bancários com origem não comprovada, abrangendo fatos geradores dos anos de 2000 e 2002. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal, em cumprimento ao Mandado de Procedimento Fiscal n. 09.1.01.00-2005-00832-3, procedeu-se à ação fiscal quanto a contribuinte Lourdes Monteiro, visto ser co-titular da conta-corrente n. 16319-64, do HSBC Bank Brasil S/A, juntamente com Sérgio Roberto Monteiro. Ainda de acordo com o referido Termo de Verificação Fiscal, a intimação para comprovação da origem da movimentação financeira não foi efetuada apenas em nome de Sérgio Roberto Monteiro, mas também em nome da impetrante Lourdes Monteiro, conforme se extrai do seguinte trecho:

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"Em 13/10/2005, a contribuinte Lourdes Monteiro foi intimada, através do Termo de Início de Fiscalização de fls. 02/05, a informar e comprovar a origem dos recursos dos depósitos da conta corrente n.º 16319-64 do HSBC Bank Brasil S/A, mas não atendeu à intimação." Como se vê e conforme já decidiu esta Turma (decisão monocrática proferida no AI n.º 2006.04.00.008787-9), resta afastada a alegação da impetrante de que não foi intimada a comprovar a origem dos recursos que deram origem ao lançamento ora impugnado. Analisando os autos, verifica-se que grande parte do lançamento refere-se a fatos geradores ocorridos no ano de 2000, portanto, em período anterior à vigência da Lei n.º 10.174/01, da LC 105/01 e do Decreto n.º 3.724/01, cuja retroatividade, como já dito, restou abonada. Destarte, percebe-se que, quanto ao exercício de 2000, a Receita Federal utilizou licitamente informações da CPMF para instaurar e movimentar seu procedimento administrativo de cobrança de imposto de renda. A sentença merece SER MANTIDA no ponto. De outra banda e no que se refere aos fatos geradores ocorridos no exercício 2002, melhor sorte não tem a impetrante. Considerando que a impetrante foi intimada para comprovar a origem dos rendimentos e sua participação na conta corrente aludida no ano de 2002 e manteve-se inerte, foi lavrado Auto de Infração (omissão de rendimentos), com fulcro no art. 42 da Lei n.º 9.430/96, tendo em vista a não comprovação da origem dos recursos de alguns créditos bancários da conta corrente citada, mantida em conjunto pela impetrante com Sérgio Roberto Monteiro. O valor do imposto de renda a pagar resultou em R$ 171.943,10 (Cento e setenta e um mil, novecentos e quarenta e três reais e dez centavos). Inicialmente e conforme já observou a sentença, cumpre frisar que, ao contrário do afirmado na inicial, a impetrante foi intimada para informar e comprovar a origem dos recursos dos depósitos da conta corrente n.º 16319-64 do HSBC Bank Brasil, porém quedou-se inerte. Assim, não há falar em ausência de intimação. Segundo informa e comprova a autoridade (fls. 152-155) a impetrante apresentou as declarações de rendimento do ano-base 2002 em separado. Desse modo, não prospera a alegação de que o critério de 50% utilizado para apuração do crédito tributário foi subjetivo e sem critérios legais, uma vez que há expressa previsão legal para tanto. Ademais, considerando que a impetrante figura como co-titular da conta corrente, isso a torna igualmente apta a responder pelas conseqüências jurídicas advindas dessa situação. Outrossim, conforme bem afirmou o digno presentante do Ministério Público Federal (fl. 262): (...) Logo, uma vez intimada para comprovar a origem dos rendimentos e sua participação na referida conta corrente nos anos de 2000 e 2002, mas mantendo-se inerte, foi lavrado Auto de Infração em razão da omissão de rendimento, com fundamento no art. 42 da Lei 9.430/96. Outrossim, deve ser afastada a alegação de ilegalidade pela utilização de dados bancários de procedimento instaurado contra Sérgio Roberto Monteiro para efetuar a fiscalização em face da recorrente, porquanto se tratava de conta conjunta, não havendo qualquer impeditivo legal para utilização dos dados das movimentações financeiras em ambas as fiscalizações. Por fim, quanto ao arbitramento do débito no montante de 50%, já foi devidamente explicitado na sentença que há amparo legal para tanto no § 6º do art. 42 da Lei 9.430/96, cuja redação é praticamente reproduzida no § 2º do art. 1º da INSRF n.º 246/2002. (...) Correta também a sentença no ponto. Portanto, a segurança deve ser denegada. 6) Dispositivo Diante do exposto, voto por negar provimento ao apelo. Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Relatora

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ANEXO 07

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Agravo de instrumento n. 00.024008-7, de Blumenau. Relator: Des. Volnei Carlin.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES AO BANCO CENTRAL A CERCA DO PATRIMÔNIO DOS DEVEDORES – POSSIBILIDADE – INTERESSE DA JUSTIÇA – APLICAÇÃO DO ART. 198, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN E ART. 3º, DA LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001.

Tendo restado inexitosas as tentativas do Fisco de encontrar algum bem passível de penhora registrado em nome dos devedores, a fim de se evitar o esvaziamento da execução e o conseqüente prejuízo para a Fazenda Pública, a requisição judicial de informações ao Banco Central é medida salutar, que deve ser tomada no interesse da Justiça, segundo autoriza o art. 198, parágrafo único, do Código Tributário Nacional e art. 3º, da Lei Complementar n. 105/2001.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 00.024008-7, da Comarca de Blumenau, em que é agravante ESTADO DE SANTA CATARINA e agravado PROJESUL ENGENHARIA DE MONTAGENS E TRANSPORTES LTDA, MILORAD BOSKOVIC, RITA DE CÁSSIA BOSKOVIC e LUIZ PIVA:

ACORDAM, em Quinta Câmara Civil, por votação unânime, prover o recurso.

Custas na forma da lei.

RELATÓRIO:

O Estado de Santa Catarina agravou de instrumento da decisão proferida nos autos de executivo fiscal por ele proposta contra Projesul Engenharia De Montagens E Transportes Ltda, Milorad Boskovic, Rita De Cássia Boskovic e Luiz Piva, que indeferiu pedido de requisição de informações à Delegacia Regional do Banco Central para localização de ativos financeiros mantidos em instituições financeiras em nome dos executados e que, eventualmente localizados, sejam indisponibilizados até o montante do crédito fiscal atualizado, viabilizando, assim, oportuna e regular penhora.

Não houve pedido de efeito suspensivo (fls. 47) e os agravados não contra-arrazoaram (fls. 55).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, opinou pelo conhecimento e provimento do agravo (fls. 58/64).

VOTO:

Versa o recurso sobre o indeferimento do pedido de expedição de ofício à ao Banco Central para que informasse sobre a existência de bens em nome dos devedores.

O agravante informa terem sido inexitosas as diligências efetuadas para a localização de bens penhoráveis. Através da farta documentação colacionada no agravo percebe-se que o agravante diligenciou incansavelmente na tentativa de obter informações sobre bens em nome dos agravados (fls. 25/31/39/40 à 44).

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Logo, demonstrou o agravante ter esgotado os meios ordinários para saber da existência de possíveis bens penhoráveis, razão pela qual justifica-se a intervenção do Poder Judiciário. Ressalte-se que o atendimento a semelhante pedido só pode se dar mediante ordem judicial, conforme determina o artigo 198, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, que dispõe, verbis:

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

“Parágrafo único: Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça.”

Ora, o interesse da justiça, no presente caso, é indubitável, tendo em vista que o pleito visa localizar bens dos devedores que satisfaçam o crédito tributário executado, evitando-se, assim, o esvaziamento da execucional, com o conseqüente prejuízo para a Fazenda Pública.

A doutrina tem aconselhado a quebra do sigilo bancário quando esgotada as possibilidades de obtenção de informações sobre a existência de bens de devedores do fisco.

Como é destacado por Sérgio Carlos Covello:

“O sigilo se estabelece em favor do cliente ou do titular do segredo, atendendo subsidiariamente ao interesse do próprio Banco e da sociedade. Quando a reserva pode causar dano à sociedade, admite-se a derrogação do sigilo, havendo, assim limite legal ao dever de silêncio, especialmente para atender imperativo de Justiça e de tributação” (COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário. Leud : São Paulo, 1991. p. 201).

Comentado a matéria ensina Ives Gandra da Silva Martins:

“Em determinadas hipóteses, todavia, o interesse público há de prevalecer sobre o interesse individual, mas caberá a um outro poder definir se tais hipóteses efetivamente ocorrem, com o que poderá, o Poder Judiciário, autorizar, se convencido estiver o magistrado de que a hipótese é de gravidade e de lesão ao interesse público, a quebra ao sigilo bancário” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sigilo Bancário em Matéria Fiscal, Cadernos de direito tributário e finanças públicas 12/76).

Para Arnoldo Wald:

“Assim, o limite da inviolabilidade do sigilo bancário está na existência de interesse público que justifique o sacrifício do direito à privacidade e à intimidade” (WALD, Arnoldo. Sigilo bancário e os direitos fundamentais, Cadernos de direito tributário e finanças públicas 22/31).

A matéria já foi objeto de inúmeros julgados nesta egrégia Corte:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DESCONHECIMENTO DE BENS A CONSTRITAR. INACOLHIMENTO DE PEDIDO DE REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES AO BANCO CENTRAL DO BRASIL E À TELESC.

“Não encontrados bens penhoráveis, frustrada a execução, nada obsta a requisição de informações específicas não consentidas administrativamente ao credor” (AI n. 7.475, da Capital, Rel. Des. Xavier Vieira)

“EXECUÇÃO CIVIL – EMBARGOS DO DEVEDOR – SIGILO BANCÁRIO – QUEBRA ORDENADA DE OFÍCIO – INTERESSE PRIVADO – INADMISSIBILIDADE

O sigilo bancário (Lei n.º 4.595/64, art. 38) se insere na proteção constitucional à ‘vida privada’ (CF, art. 5º, X). O direito não é absoluto: ‘O limite da inviolabilidade do sigilo bancário está na existência de interesse público que justifique o sacrifício do direito à privacidade e à intimidade’ (Arnoldo Wald).

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O sigilo bancário não pode ser quebrado, notadamente de ofício, para satisfazer interesse privado do devedor.” (A.I n. 99.014415-1, de Anita Garibaldi, Rel.: Desembargador Newton Trisotto)

No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná encontra-se:

“Somente se admite a quebra do sigilo bancário em prol de interesse público ou geral. Desta forma, a coleta de informações junto as instituições financeiras sobre a existência de saldo e movimentações financeiras em nome do devedor com o intuito de garantir a execução, não é permitida, posto somente restar evidenciado o interesse particular do credor” (TJPR, AI n. 127333000, Juiz Miguel Pessoa).

“A quebra do sigilo bancário somente é possível quando envolver interesse de pessoa jurídica que lida com o patrimônio público, não se admitindo na hipótese de interesse de particular do credor que não encontrou bens do devedor para penhorar” (TJPR, AI n. 0118567700, Juiz Ruy Cunha Sobrinho).

No mesmo diapasão, há diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“A proteção ao sigilo bancário não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior.” (ROMS n. 9.176/MG, Min. Felix Fischer).

Na mesma senda: STF, RMS n. 15.925, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira; RE n. 71.640-BA, Rel. Min. Djaci Falcão, in RTJ 59/571; MS n. 1.047, Rel. Min. Ribeiro da Costa, in Rev. For., 143/154; RE n. 94.608-SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra, in RTJ 110/195.

Pois bem, fortes são as indicações de que o sigilo bancário não tem a natureza de direito absoluto, cedendo diante dos interesses público, social e da Justiça.

Ademais, nos termos do art. 3º, da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001:

“Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.”

Nesse contexto, deve a decisão ser reformada, deferindo-se o pedido do agravante para oficiar-se ao Banco Central, solicitando-se informações a respeito de saldos financeiros positivos depositados em contas bancárias pertencentes aos devedores.

DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, à unanimidade, prover o recurso.

Participaram do julgamento, com voto vencedor, os Exmos. Srs. Juízes Torres Marques e Sérgio Baasch Luz.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 16 de abril de 2001.

Volnei Carlin PRESIDENTE E RELATOR

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