2
U N I V E R S I D A D E - E M P R E S A 30 por Fábio Reynol USP São Carlos desenvolve o primeiro óleo vegetal de corte Um desafio apresentando pela indús- tria mecânica resultou no desenvolvi- mento do primeiro óleo de origem vege- tal a ser usado nos modernos processos de usinagem. O produto nasceu de pes- quisas realizadas no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e já está sendo comercializado. Mais eco- nômico, eficiente e ambientalmente cor- reto, por ser biodegradável e menos agres- sivo à saúde do trabalhador, o óleo de cor- te oriundo da mamona não encontra simi- lares no setor industrial, no qual os fluí- dos minerais ainda imperam. A usinagem de várias peças metáli- cas exige a utilização de um líquido de arrefecimento a fim de preservar a fer- ramenta e o produto trabalhado de danos causados pelo calor. Esse fluído pode ser óleo ou a sua mistura com água numa emulsão. No caso das retíficas, máqui- nas que utilizam êmbolos (discos abra- sivos) para desbastar peças, quanto maior a precisão das medidas, mais duro deve ser o material usinado e, por conse- quência, também o êmbolo. Nessas situa- ções, os discos são feitos de nitrato cúbi- co de boro (CBN, na sigla em inglês), um material extremamente duro que exige óleo mineral puro para seu resfriamen- to. O calor gerado nesse processo faz o óleo evaporar criando uma névoa tóxica que pode atacar a pele, as mucosas e o sistema respiratório do operador da máquina. Focada nesse problema e também nos custos, a equipe do engenheiro mecâ- nico João Fernando Gomes de Oliveira, da USP São Carlos, começou a procurar substitutos para os fluídos minerais. Por ironia, a inovação surgiu de um pro- duto bastante antigo, o óleo de mamo- na. “Os óleos vegetais, como o de mamo- na, foram os primeiros lubrificantes da humanidade”, conta Oliveira que atual- mente é diretor presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo. Porém, o advento dos óleos mine- rais com a sua facilidade de processa- mento varreu os similares vegetais da indústria mecânica. Para desenvolver o fluído de mamona, Oliveira escolheu a retífica com discos de CBN, um proces- so que exige óleo mineral integral. Os investimentos envolvidos nesse siste- ma são elevados. Um disco de nitrato cúbico de boro chega a custar cerca de R$ 10 mil, vinte vezes mais que simila- res de outras ligas. A pesquisa, no entanto, ainda depen- dia de uma troca de conhecimento entre disciplinas. “O engenheiro mecânico, que domina o processo de usinagem, não se aventura a mexer no óleo e o engenhei- ro químico, que consegue trabalhar nas propriedades do fluído, não entende de mecânica”, diz Oliveira, lembrando do drama vivido no início da pesquisa. A questão foi resolvida quando a enge- nheira química Salete Martins Alves veio fazer seu doutorado na USP São Carlos sob a orientação de Oliveira. O trabalho durou de 2002 a 2005, período em que Salete também levou o óleo vegetal para ensaios na universidade técnica de Hochschule-Aachen, na Alemanha. Lá, a pesquisadora realizou testes com con- dições extremas de pressão e teve uma boa resposta do produto. “Descobrimos que o óleo de mamona mantém sua lubri- cidade em alta pressão ao formar uma micropelícula sobre o metal sem precisar de aditivos”, ressalta Salete Alves, que hoje é professora da Sociedade Educa- cional de Santa Catarina, em Joinville. DILUIÇÃO EM ÁGUA Outra vantagem apresentada pelo óleo de mamona foi a conservação de suas propriedades básicas mesmo quando diluído em água. Emulsões em que o óleo está presente na proporção de apenas 20% foram bem sucedidas em retíficas, feito jamais alcançado pelos fluídos minerais, especialmen- te com os rebolos de CBN. A diluição MAIS ECONÔMICO, EFICIENTE E AMBIENTALMENTE CORRETO, POR SER BIODEGRADÁVEL E MENOS AGRESSIVO À SAÚDE DO TRABALHADOR, O ÓLEO DE CORTE ORIUNDO DA MAMONA NÃO ENCONTRA SIMILARES NO SETOR INDUSTRIAL

UNIVERSIDADE-EMPRESA USP São Carlos desenvolve o …inovacao.scielo.br/pdf/cinov/v5n3/10.pdf · primeiro óleo vegetal de corte Um desafio apresentando pela indús-tria mecânica

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE-EMPRESA USP São Carlos desenvolve o …inovacao.scielo.br/pdf/cinov/v5n3/10.pdf · primeiro óleo vegetal de corte Um desafio apresentando pela indús-tria mecânica

U N I V E R S I D A D E - E M P R E S A

3 0

por Fábio Reynol

USP São Carlos desenvolve o primeiro óleo vegetal de corte

Um desafio apresentando pela indús-tria mecânica resultou no desenvolvi-mento do primeiro óleo de origem vege-tal a ser usado nos modernos processosde usinagem. O produto nasceu de pes-quisas realizadas no campus de SãoCarlos da Universidade de São Paulo (USP)e já está sendo comercializado. Mais eco-nômico, eficiente e ambientalmente cor-reto, por ser biodegradável e menos agres-sivo à saúde do trabalhador, o óleo de cor-te oriundo da mamona não encontra simi-lares no setor industrial, no qual os fluí-dos minerais ainda imperam.

A usinagem de várias peças metáli-cas exige a utilização de um líquido dearrefecimento a fim de preservar a fer-ramenta e o produto trabalhado de danoscausados pelo calor. Esse fluído pode seróleo ou a sua mistura com água numaemulsão. No caso das retíficas, máqui-nas que utilizam êmbolos (discos abra-sivos) para desbastar peças, quanto maiora precisão das medidas, mais duro deveser o material usinado e, por conse-quência, também o êmbolo. Nessas situa-ções, os discos são feitos de nitrato cúbi-co de boro (CBN, na sigla em inglês), ummaterial extremamente duro que exigeóleo mineral puro para seu resfriamen-to. O calor gerado nesse processo faz oóleo evaporar criando uma névoa tóxicaque pode atacar a pele, as mucosas e osistema respiratório do operador damáquina.

Focada nesse problema e também

nos custos, a equipe do engenheiro mecâ-nico João Fernando Gomes de Oliveira,da USP São Carlos, começou a procurarsubstitutos para os fluídos minerais.Por ironia, a inovação surgiu de um pro-duto bastante antigo, o óleo de mamo-na. “Os óleos vegetais, como o de mamo-na, foram os primeiros lubrificantes dahumanidade”, conta Oliveira que atual-mente é diretor presidente do Institutode Pesquisas Tecnológicas (IPT), em SãoPaulo. Porém, o advento dos óleos mine-rais com a sua facilidade de processa-mento varreu os similares vegetais daindústria mecânica. Para desenvolver ofluído de mamona, Oliveira escolheu aretífica com discos de CBN, um proces-so que exige óleo mineral integral. Osinvestimentos envolvidos nesse siste-ma são elevados. Um disco de nitratocúbico de boro chega a custar cerca deR$ 10 mil, vinte vezes mais que simila-res de outras ligas.

A pesquisa, no entanto, ainda depen-

dia de uma troca de conhecimento entredisciplinas. “O engenheiro mecânico, quedomina o processo de usinagem, não seaventura a mexer no óleo e o engenhei-ro químico, que consegue trabalhar naspropriedades do fluído, não entende demecânica”, diz Oliveira, lembrando dodrama vivido no início da pesquisa. Aquestão foi resolvida quando a enge-nheira química Salete Martins Alves veiofazer seu doutorado na USP São Carlossob a orientação de Oliveira. O trabalhodurou de 2002 a 2005, período em queSalete também levou o óleo vegetal paraensaios na universidade técnica deHochschule-Aachen, na Alemanha. Lá, apesquisadora realizou testes com con-dições extremas de pressão e teve umaboa resposta do produto. “Descobrimosque o óleo de mamona mantém sua lubri-cidade em alta pressão ao formar umamicropelícula sobre o metal sem precisarde aditivos”, ressalta Salete Alves, quehoje é professora da Sociedade Educa-cional de Santa Catarina, em Joinville.

DILUIÇÃO EM ÁGUAOutra vantagem apresentada pelo

óleo de mamona foi a conservação desuas propriedades básicas mesmoquando diluído em água. Emulsões emque o óleo está presente na proporçãode apenas 20% foram bem sucedidasem retíficas, feito jamais alcançadopelos fluídos minerais, especialmen-te com os rebolos de CBN. A diluição

MAIS ECONÔMICO, EFICIENTE E AMBIENTALMENTE CORRETO,

POR SER BIODEGRADÁVEL EMENOS AGRESSIVO À SAÚDE DO

TRABALHADOR, O ÓLEO DECORTE ORIUNDO DA MAMONANÃO ENCONTRA SIMILARES NO

SETOR INDUSTRIAL

inova30-31case.qxp 8/20/2009 8:58 AM Page 2

Page 2: UNIVERSIDADE-EMPRESA USP São Carlos desenvolve o …inovacao.scielo.br/pdf/cinov/v5n3/10.pdf · primeiro óleo vegetal de corte Um desafio apresentando pela indús-tria mecânica

3 1

Ferreira Neto que calcula uma economiana faixa dos 30% em relação ao descar-te dos fluídos convencionais. A Forwardlicenciou o produto e deve lançá-lo nomercado nos próximos meses.

LUBRIFICANTE NATURALO licenciamento da patente em cará-

ter não exclusivo permitiu também o sur-gimento de uma spin-off — empresa nas-cida a partir de uma inovação. A Notox,anagrama para no toxic (não tóxico, eminglês), surgiu quando o dentista GustavoLucchesi procurou a Agência USP deInovação e descobriu o recém-desenvol-vido óleo de corte. Lucchesi não só adqui-riu a licença para fabricar o óleo, comocontratou Salete Alves como consultora,a fim de expandir as aplicações do pro-duto. Através da utilização de aditivos, aNotox criou versões do fluído vegetal des-tinadas a outros processos de usinagemcomo torneamento, serralheria e fura-ção. A mamona também entrou comomatéria-prima de lubrificantes de com-ponentes das máquinas, fator crucial

para aumentar a eficiênciaambiental do fluído de cor-te. “Os lubrificantes mine-rais das máquinas acabamcontaminando o óleo de cor-te de mamona que tem de serlimpo para o descarte”, con-ta Lucchesi. Por isso, a metado empresário é expandir alinha de produtos verdes parater máquinas funcionandosomente com óleos vegetaise assim reduzir os custoscom limpezas para o des-carte.

A saúde dos trabalhado-res também tem servidocomo um bom apelo de ven-das. “Temos empresas quecompram o óleo de mamonaporque os operadores para-ram de reclamar de irrita-

ções nos olhos e na pele”, afirma Lucchesi.A jovem Notox, com apenas um ano deatividade, já vislumbra andar com aspróprias pernas e, dentro de pouco tem-po, poder sair da incubadora na qual seencontra, a Esalq TEC, da Escola Superiorde Agricultura Luiz de Queiroz da USP,em Piracicaba (SP). A incubadora, foca-da em empresas ligadas ao agronegó-cio, é mantida por uma parceria entre auniversidade e o Serviço de Apoio àsMicro e Pequenas Empresas do Estadode São Paulo (Sebrae-SP).

Com maior eficiência, rendimento eeconomia, além de ser menos agressivoà saúde humana e não tóxico ao meioambiente, o óleo de mamona tem o seulugar entre os produtos mais promisso-res nascidos nos laboratórios das uni-versidades e, como os biocombustíveis,segue a tendência de substituir matériasprimas fósseis por fontes renováveis.Desse modo, a onda verde começa a inva-dir a indústria metalúrgica e mantém oBrasil entre os principais criadores detecnologias ecologicamente viáveis.

aumenta o rendimento e, consequen-temente, a competitividade econômi-ca do novo óleo.

A apresentação ao mercado do óleode corte à base de mamona foi feita pelaAgência USP de Inovação, que saiu à pro-cura de interessados começando porempresas que fabricavam óleos indus-triais. Foi quando a Forward Química, dePonta Grossa (PR) soube da inovação pelaagência e demonstrou interesse. Donade um vasto portifólio de produtos pri-mários, a empresa paranaense viu nofluído de mamona a solução para váriosproblemas enfrentados pelos seus clien-tes, como o descarte do óleo usado, porexemplo. Por degradar rapidamente nanatureza, o lubrificante de mamona nãopolui o ambiente como os derivados depetróleo, por isso, o seu descarte tambémé mais barato. “A indústria tem que con-tratar empresas especializadas para des-cartar o óleo usado de maneira limpa,por isso, a diluição em água e a degra-dabilidade no ambiente tornam o óleo demamona mais econômico”, explica Otto

Para desenvolver o fluído de mamona,

Oliveira escolheu a retífica com discos de CBN

Divulgação

inova30-31case.qxp 8/20/2009 8:58 AM Page 3