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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
PRÓ-REITORIA DE ENSINO TÉCNICO, MÉDIO E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO:
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES
JOSINALDA NEUSA DE SOUZA MIRANDA
POLÍTICA DE NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS DO CAMPO:
Um estudo sobre a constituição da educação do campo e sua relação com o processo de
nucleação.
MONTEIRO – PB
2014
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JOSINALDA NEUSA DE SOUZA MIRANDA
POLÍTICA DE NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS DO CAMPO:
Um estudo sobre a constituição da educação do campo e sua relação com o processo de
nucleação.
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em
Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas
Interdisciplinares, da Universidade Estadual da Paraíba,
em parceria com a Secretaria de Estado da Educação da
Paraíba, em cumprimento à exigência para obtenção do
grau de especialista.
Orientador: JOSÉ MARCIANO MONTEIRO
MONTEIRO – PB
2014
3
4
5
AGRADECIMENTOS
A DEUS
Senhor, obrigada porque sei que sempre estás presente em minha vida. Agradeço-te por ter
me dado à vida e por guiar os meus passos, tanto nos momentos mais difíceis, como nas
alegrias e conquistas.
À iniciativa de quem de direito pensou em promover este curso nos dando oportunidade de
nos especializar
Aos meus filhos que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse
até esta etapa de minha vida.
Aos Professores e professoras que de alguma forma contribuíram para o término desse curso.
Ao professor e orientador José Marciano Monteiro por seu apoio e inspiração no
amadurecimento dos meus conhecimentos e conceitos que me levaram a execução e
conclusão desta monografia.
As minhas colegas professoras, alunos, pais e pessoas das comunidades pelos depoimentos
concedidos.
Aos amigos (as) e colegas, que me proporcionaram momentos felizes e também me fizeram
companhia.
As novas amizades adquiridas durante o Curso, como também à Coordenação e sua equipe
pelo carinho e apoio.
6
RESUMO
Este trabalho objetiva aprofundar conhecimentos a respeito das políticas públicas de
nucleação e fechamento das escolas, principalmente as Escolas do Campo. Para entender
melhor todo esse processo, recorremos aos diversos momentos históricos fazendo uma
trajetória começando com a história das escolas Isoladas até as Escolas do Campo. Para o
desenvolvimento do estudo foi realizado uma pesquisa bibliográfica através de consultas em
livros, revistas, internet e documentos oficiais para a formação da base metodológico-
conceitual. Também utilizamos a entrevista semiestruturada para captar informações através
das falas dos sujeitos envolvidos, bem como o estudo de caso, levando em consideração o
contexto, a totalidade dos processos históricos sociais e econômicas. A Nucleação consiste em
construir uma escola de grande porte em um determinado espaço geográfico, de forma que
fique centralizada; e as demais, do entorno, são deslocadas para esta, ou seja, na prática
representa o fechamento de escolas rurais, no intuito de construir escolas do Campo, isto sob
o argumento da eliminação das classes multisseriadas que tem se apresentado como um
problema para os sistemas de ensino municipais. O argumento dos gestores é que a nucleação
possibilitará a melhoria dos indicadores educacionais; uma melhor organização das práticas
pedagógicas. Analisou-se, também, em que medida a nucleação das escolas do município de
Sumé tem se configurado como uma política de ampliação de acesso e permanência dos
alunos na escola; a organização do trabalho pedagógico e melhorias dos indicadores
educacionais. Neste sentido, faz-se necessário compreender que qualidade de educação pensa-
se em construir para as escolas do Campo e o que pensam as populações do campo a respeito
desta política. Após analisarmos essa trajetória histórica, social e econômica e o
desenvolvimento das Escolas rurais/campo no período de duas décadas, podemos perceber
que o resultado foi decrescente, mesmo sabendo dos investimentos destinados para essa
população, isto revela o quanto ainda há por fazer em termos de políticas públicas para tornar
explícito aquilo que ainda parece implícito. Parece que neste momento, nuclear escola ainda
está sendo a melhor solução.
Palavra Chave: Nucleação. Políticas Públicas. Escolas Rurais. Escolas do Campo.
7
ABSTRACT
This work aims to deepen knowledge about public policy nucleation and closing of schools,
especially the Rural Schools. To better understand this process, we turn to the various
historical moments making a path beginning with the history of Isolated schools by the Rural
Schools. To develop the study was conducted a literature search through consultations in
books, magazines, internet and official documents for the formation of methodological and
conceptual basis. We also use the semi-structured interviews to capture information through
the speeches of the individuals involved as well as the case study, taking into account the
context, the full social and economic historical processes. The nucleation is to build a large
school in a given geographical area, so that it is centralized; and the other, the environment,
are moved to this, ie in practice is the closure of rural schools in order to build schools do
Campo, on the grounds that the elimination of multigrade classes that has emerged as a
problem for municipal school systems. The argument of managers is that nucleation will
enable the improvement of educational indicators; better organization of teaching practices.
An analysis was also to what extent the nucleation of Sumé of local schools has been
configured as an access expansion policy and students staying in school; the organization of
educational work and improvements in educational indicators. In this sense, it is necessary to
understand that quality education think on building schools for the field and what they think
rural populations regarding this policy. After analyzing the historical, social and economic
trajectory and the development of rural schools / field in the past two decades, we can see that
the result was decreasing, even though the investments for this population, this shows how
much remains to be done in terms public policy to make explicit what still seems implicit. It
seems that this time, nuclear school is still the best solution.
Keyword: Nucleation. Public Policy. Rural Schools. Field Schools.
8
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Modelo de escola rural ----------------------------------------------------------08
FIGURA 2 – Modelo de sala de aula da escola rural----------------------------------------08
FIGURA 3 – Modelo de professora da escola rural----------------------------------------- 08
FIGURA 1 – Disposição das carteiras escolares--------------------------------------------- 09
FIGURA 2 – Mesa da professora e modelos das palmatórias------------------------------09
FIGURA 3 – Palmatória sobre o livro---------------------------------------------------------09
FIGURA 1, 2 e 3 – Modelo de grupos escolares---------------------------------------------11
FIGURA 4 – Quadro permanente de professoras da mesma escola-----------------------11
FIGURA 5 – Modelos de cartas de ABC da época------------------------------------------14
FIGURA 6 – Modelos de cartilhas da época-------------------------------------------------15
FIGURA 7 - Livro utilizado atualmente-----------------------------------------------------16
FIGURA 8 – Modelo de Certificado do primário-------------------------------------------44
FIGURA 1, 2, e 3 – Grupos escolares atualmente fechados-------------------------------45
FIGURA 4 – Livros destinados para Educação do Campo--------------------------------46
FIGURA 1, 2, 3 e 4 – Modelo da escola do campo para o campo sobre a qual foi feito a
nucleação-----------------------------------------------------------------------------------------48
FIGURA 1, 2, 3 e 4- Grupo escolar reformado para nucleação das crianças do Assentamento
Mandacarú ----------------------------------------------------------------------49
9
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Números de Escolas do Campo-----------------------------------------------47
GRÁFICO 2 – Número de Alunos de 1994 até 2013--------------------------------------- -47
GRÁFICO 3 – Matrícula Inicial dos anos de 1994, 2004 e 2013------------------------- -47
GRÁFICO 4 – Matrícula Final dos anos de 1994, 2004 e 2013-------------------------- -47
10
LISTA DE SIGLAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
CEB – Conselho Educação Básica
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE – Conselho Nacional de Educação
CONEC – Comissão Nacional de Educação do Campo
ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos
EDURURAL – Programa de Educação Rural
EJA - Educação de Jovens e Adultos
ENERA – Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNEC – Fórum Nacional de Educação do Campo
FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONG – Organizações das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PEADS – Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável
PNE – Programa nacional de Educação
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PROCAMPO – Programa de Apoio à formação superior em Licenciatura em Educação do campo
PROEJA – Programa de Educação de Jovens e Adultos
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SERTA – Serviço de Tecnologia Alternativo
UFCG – Universidade Federal de campina Grande
UNB – União Nacional Brasileira
UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
11
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO:______________________________________________________09
2 -CAPÍTULO I- A EDUCAÇÃO PARA A POPULAÇÃO RURAL NOS ÚLTIMOS
SÉCULOS
1.0 – Perfil das Professoras e Alunos (as) nas Escolas Rurais:______________________12
1.1 - Educação rural e Educação do Campo; ___________________________________25
3 - CAPÍTULO II – INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AGENDA
POLÍTICA NACIONAL
2.0 - Conceitos e reflexões sobre a ideia de campo; ______________________________29
2.1 - Breve discussão teórica sobre a temática da Educação do Campo; ______________32
2.2 - Protagonismo dos Movimentos Sociais por uma Educação do Campo e Educação Básica
nas Escolas do meio Rural. _________________________________________________36
2.3 - Balanço Histórico das políticas Públicas de Educação do Campo no Brasil; ______39
2.4 - Educações como Direito Humano _______________________________________42
2.4.1- Características dos Direito Humanos____________________________________43
2.4.2 – Dimensões do Direito a Educação _____________________________________44
4 - CAPÍTULO III – POLÍTICA DE NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS DO CAMPO
3.0 – A Nucleação Escolar analisada a partir da Escola do Campo; _________________46
3.1 – Educação e Política de Fechamento de Escolas do Campo; ___________________48
3.2 – O Processo de Nucleação das Escolas do Campo no município de Sumé na
Paraíba_________________________________________________________________49
3.3 - Trajetória das Escolas Rurais no Município de Sumé/Paraíba__________________52
5 - CONCLUSÃO:_______________________________________________________58
6 - REFERÊNCIAS:_____________________________________________________60
9
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo compreender e apresentar o processo de
Nucleação das Escolas do Campo, enfocando “A NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS
DOCAMPO” como uma política pública, a partir das experiências vivenciadas no município
de Sumé- PB. A escolha deste tema deve-se a preocupação do por que de tantas escolas
fechadas quando só se escuta falar nas políticas públicas direcionadas para essa modalidade
de ensino. Quando as universidades promovem cursos específicos para Educação do Campo,
quando o discurso e a luta dos Movimentos Sociais entre outros não cessam em prol da
Educação do Campo? Diante destes questionamentos, comecei a me debruçar sobre tal
temática no intuito de investigar para entender melhor essa dinâmica. Para tal investigação,
fizemos uma trajetória recorrendo a memórias relatando a história da minha primeira escola
como aluna e como profissional.
Era uma dessas escolas denominada de Escola Isolada que funcionava na casa da
professora, tendo uma sala com uma mesa no centro com dois bancos de madeira ao lado para
atender toda a clientela da época.
Lá estudavam crianças de 1ª a 5ª série, a professora tinha apenas a 3ª série,mesmo
assim, ensinava as primeiras letras na carta de ABC, tomava a taboada, (as quatro operações)
perguntando as casas dos dois, três, até dez, de acordo com a série em que o aluno se
encontrava. Tínhamos que decorar para dizer sem “tutubiar” para ser preciso usar o recurso da
palmatória, objeto utilizado como castigo por não aprender as lições que a professora
ensinava.
Ela chamava os alunos de um por um para dar a lição. Primeiro na carta de ABC,
depois a cartilha com as famílias silábicas e as palavras e frases sem o menor sentido.
Mostrarei alguns modelos no próximo capítulo, em seguida tinha um livro chamado Nordeste
que estudávamos até a 4ª série, líamos todinho, no ano seguinte tinha uma história de recordar
o livro e, assim, sucessivamente.
De acordo com a pesquisa realizada não era diferente das demais escolas existentes
nesse país.
Com o passar do tempo, nos anos oitenta, começaram as construções dos Grupos
Escolares que descreverei nos capítulos seguintes essa trajetória aonde iniciei minha vida
10
profissional. Tratava-se de uma Escola mista rural, administrada pela Cooperativa dos
Irrigantes de Sumé, onde havia mais de uma professora, auxiliares de serviços, merendeira,
vigia e muitos alunos. Hoje, encontra-se fechada. Nesse sentido, o presente trabalho está
estruturado da seguinte forma:
No primeiro Capítulo será apresentado uma parte da história da educação nas décadas
passadas, começando com relatos da Escola Isolada, dos grupos escolares e o perfil das
escolas rurais, dos professores e alunos (as) daquela época. Como recurso metodológico,
realizou-se uma pesquisa bibliográfica em livros, revistas, internet, documentos oficiais; bem
como também utilizei dos meus conhecimentos por ter sido fruto de uma dessas escolas
chamadas de Escola Isolada, onde estudei na época, chamado de Primário, hoje Ensino
Fundamental. O recurso à memória, por assim dizer, também foi fundamental para a
construção do presente texto.
Tenho uma vasta experiência por ter trabalhado na função de supervisora escolar e
conheço um pouco dessa realidade da escola isolada até os grupos escolares e suas
características desde o ano de 1994 até os dias atuais. Trabalho, ainda, como coordenadora
pedagógica, porém não mais na escola rural, mas, na Secretaria de Educação do Município de
Sumé. Sempre estou presente nos Encontros Pedagógicos, que por sinal temos a Professora
Maria do Socorro Silva (UFCG). Estudiosa dos processos de Nucleação e uma das
coordenadoras da proposta e inserção de políticas voltadas para a educação do campo no
Brasil. Ela coordena os trabalhos pedagógicos juntamente com os educadores do Campo
tentando construir uma proposta direcionada para o Campo em nosso município, que não
deixa de ser um orgulho e uma esperança de uma educação que ora era sonho.
Há também os Coordenadores Pedagógicos com Licenciatura específica em Educação
do Campo que acompanham semanalmente estas escolas e dando suporte para concretização
desse trabalho. Utilizei-me de “conversas informais” com algumas colegas professoras da
época da escola isolada como também dos grupos escolares colhendo informações sobre essa
história. Há dez anos trabalho com EJA e sempre converso com alunos do meio rural que hoje
voltam à escola no desejo de aprender e que deram seus depoimentos de o porquê não terem
estudado naquele tempo. Incluindo tudo, entre leitura, conversas, depoimentos, vivências e
minha experiência como aluna e professora.
Relato algumas histórias tentando fazer uma ponte, até os dias atuais, do modelo de
escola rural até a escola do campo, focando principalmente o porquê da Nucleação que avança
cada dia mais, dificultando os estudos dos ruralistas. Mesmo sabendo que com o
11
levantamento que foi feito nos documentos oficiais de 1994 até 2013, (matrícula inicial e
final) esses números são decrescentes conforme as tabelas apresentadas posteriormente.
Descrevo ainda sobre as políticas públicas e dos movimentos direcionados para o Campo e
sobre o processo de Nucleação, para tanto recupero a observação que realizei junto às
experiências vivenciadas nas escolas nucleadas intra-campo, localizada no Distrito de “Pio X”
em uma escola recém-construída; e no Assentamento Mandacaru.
Foi feito uma visita na escola do Assentamento e observado toda a estrutura física da escola
como também o desempenho dos alunos. Lá estudam alunos das Vilas mais distantes e
adjacências vindas no ônibus escolar, são distribuídos em salas de aula de Educação Infantil
ao 5º Ano do Ensino Fundamental. Ainda não foi extinto as turmas multisseriadas, pois
estudam na mesma sala e mesma professora, as turmas de Educação Infantil, 1º e 2º ano, e em
outra turma, 3º, 4º e 5º ano. Portanto, o problema das turmas multisseriadas, continua.
De acordo com depoimentos das professoras, alunos e pais, dizem que já foi pior,
quando vinham para a cidade e se deparavam com um contexto bem diferente do atual, sem
falar do horário de saída e da chegada desses alunos em casa. Relatam ainda que as
professoras são bem preparadas e acompanhadas pela equipe pedagógica e que as crianças
estão aprendendo. (Relato da professora, alunos e pais).
12
CAPITULO I: - A EDUCAÇÃO PARA A POPULAÇÃO RURAL NO SÉCULO
PASSADO
1.0 –Perfil das escolas, professoras e alunos (as) no século passado
O sistema de educação implementado no Brasil é fortemente marcado pelo modelo
excludente de desenvolvimento do campo brasileiro. Durante séculos serviu à classe
dominante, sendo inacessível para grande parte da população rural, principalmente pela
concepção vigente de que para desenvolver o trabalho agrícola não seria necessário o
letramento.
Para as elites do Brasil agrário, as mulheres, os indígenas, os negros e os trabalhadores
rurais prescindiam do aprendizado da leitura e da escrita. E por essa razão foram excluídos do
processo educativo por muito tempo, resultando hoje, na constatação de que o meio rural
brasileiro apresenta os mais baixos índices de escolaridade do mundo.
A inexistência de um sistema educacional de qualidade revela o descompasso entre a
educação ofertada para o urbano e a que temos presente no rural. Na maioria das regiões
brasileiras, até a década de 70, sequer prédios escolares haviam sido construídos.
Ficava a cargo da iniciativa de particulares e da comunidade a improvisação de locais
ou a construção de prédio para funcionamento das escolas.
Embora o discurso da universalização da educação esteja sendo veiculada aos meios
políticos educacionais, essa é uma questão que precisa ser aprofundada. Parte das crianças e
jovens que frequentam a escola básica, já esteve na escola e abandonaram os estudos,
mostrando que existem outras causas relacionadas ao acesso e permanência na escola, tais
como a precariedade do ensino e às condições de exclusão e marginalidade social em que
vivem parcelas significativas da população brasileira.
Daí assistirmos a baixas taxas de conclusão do ensino fundamental e, ainda, a alta
seletividade do próprio sistema, através do número de evasão e de repetência escolar,
problemas estes que acabam refletindo no ensino médio. Esse quadro é resultante de um
processo econômico, social e cultural e das políticas educacionais que foram traçadas para a
educação. Historicamente, o sistema de educação no meio rural brasileiro não teve diretrizes
13
políticas e pedagógicas específicas, nem dotação financeira que possibilitassem
institucionalização e manutenção de uma escola de qualidade em todos os níveis.
O campo não constituía um espaço prioritário para ação institucionalizada do Estado
através de diferentes políticas públicas e sociais. Pelo contrário, sempre foi tratado, pelo poder
público, com políticas compensatórias, através de projetos, programas e campanhas
emergenciais e sem continuidade, com ações justapostas e concepções de educação até
mesmo contraditórias. Essa carência de políticas públicas específicas para a educação do
campo é um dos fatores que tem contribuído para impedir o seu desenvolvimento efetivo.
Cria-se um círculo vicioso em que permanecer no rural associa-se a uma espécie de
incapacidade pessoal de trilhar o suposto caminho do sucesso que consiste em migrar, e ao
mesmo tempo, em que não se investe na valorização do conhecimento. Nas regiões
interioranas que se identificam cada vez mais como um reduto dos que não conseguiram sair,
os velhos e dos aposentados. Segundo Furtado & Brandão, no que pesem os esforços para a
ampliação da oferta pública de educação, não há dado estatístico que reflita verdadeiramente a
situação, quando comparado ao vivenciar de perto esta realidade.
A força de luta dos movimentos sociais do campo, em especial as lutas travadas pelo
Movimento dos Sem Terra (MST), para o reconhecimento da problemática da Reforma
Agrária e da educação de seus militantes, contribuiu fortemente para trazer à tona
preocupações, interesses e até novas políticas públicas, que embora ainda tendo o caráter
compensatório, abriram para a participação dos movimentos sociais e colocaram a educação
do campo na ordem do dia.
Na década de 90, a partir das pressões dos movimentos sociais do campo, surgem
iniciativas institucionais para a criação de uma agenda voltada para o encaminhamento de
políticas para a educação no campo, envolvendo segmentos da sociedade organizada.
O Plano Nacional de Educação de 1997, embora não apresente dados específicos sobre
a exclusão no meio rural, afirma que os maiores índices das crianças fora da escola estão
concentrados nos bolsões de pobreza existentes nas periferias urbanas e nas áreas rurais
Apesar disso, quando foram pensados os Parâmetros Curriculares da Educação Nacional
(PCN), a especificidade da zona rural foi deixada de lado.
As políticas públicas têm historicamente priorizado a zona urbana, dado que as escolas
no meio rural são consideradas mais caras e tornam-se inviáveis. Assim, esta realidade vem
14
aos poucos sendo desvendada através da visibilidade que têm conseguido ter os movimentos
sociais, não só por suas lutas, bem como pelas parcerias estabelecidas com as universidades,
com organizações não governamentais (ONGs) e diferentes instituições nacionais e
estrangeiras, que têm possibilitado experiências e estudos que considerem os sujeitos, atores
das descobertas das contradições da sua realidade e que os possibilitem ganhar voz.
A centralidade do trabalho docente na oferta dos serviços educativos a
profissionalização do magistério público rural nas décadas de 1980 e 1990 não foram dado o
devido valor. Dentre os componentes do ensino nas escolas públicas rurais isoladas, a
atividade docente destaca-se e adquire centralidade na institucionalização da oferta e
manutenção dos serviços de escolarização.
Ela foi indispensável para que sobrevivesse o sistema de ensino público quando ainda
havia um número insignificante de grupos escolares construídos pelo poder público nas
regiões mais distantes das sedes dos municípios. Através de uma pesquisa realizada pelo
Programa EDURURAL no início da década de 80, constatou-se que as escolas rurais têm
como funcionários quase que exclusivamente o próprio professor.
A ausência das esferas públicas - estadual e federal fez com que a ampliação das
oportunidades educacionais no meio rural acontecesse de modo amesquinhado, sendo muitas
vezes compreendida como "um favor" que o gestor municipal concedia às comunidades
camponesas. Sob essas condições, o sistema escolar expandia-se lentamente, de acordo com
interesses de grupos políticos da região. Normalmente a expansão acontecia quando se
aproximava o período de eleições e a administração municipal necessitava consolidar sua
hegemonia e ampliar o raio de domínio, elegendo seu sucessor.
A criação das escolas públicas rurais podia se dar por iniciativa dos políticos locais
vinculados à administração municipal ou por solicitação das próprias professoras com o apoio
da sua família.
Quando a professora reivindicava uma escola, havia sempre a necessidade da mediação de
alguém pertencente ao grupo político ligado à Prefeitura, para que de fato o reconhecimento
da instituição escolar fosse consolidado junto ao poder público municipal (BARRETTO,
1983, p.40).
Em sendo aprovada a criação de uma escola pela Prefeitura, bastava que a candidata
ao cargo de professor (a) tivesse conhecimento das letras o suficiente para iniciar as crianças
15
no mundo escolar e contasse com um número de alunos (as) igual ou superior a vinte e cinco
(ibidem, 1983). Em geral, a escolarização das docentes não ia além da 3ª série do ensino
fundamental (DAVIS, 1983).
O status social das professoras rurais situava-se, de acordo a pesquisa EDURURAL,
entre os setores da população com razoável poder aquisitivo (Barretto, 1983, p.41). Esse perfil
da professora rural dá margem para que considere o fato de que, no período que antecede os
anos de 1980, o acesso à escola na zona rural restringia-se basicamente a quem podia pagar
pelos serviços de docentes.
As campanhas de alfabetização de jovens e adultos através do apoio governamental a
programas de escolarização da população analfabeta, como o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL) e o Movimento de Educação de Base (MEB), pouco contribuiu
para a universalização do ensino público em áreas rurais do Brasil.
Por serem programas de educação escolar específicos, temporários e não
contemplando a maioria da população, desenvolveram ações educativas localizadas e mais
especificamente relacionadas aos processos de alfabetização de adultos a um setor da
sociedade rural menos empobrecido.
Criar escolas no meio rural com instalações improvisadas era um "negócio"
duplamente lucrativo para a administração municipal. Pois o (a) prefeito (a) não deixava de
"investir" na educação e gastava recursos ínfimos com a infraestrutura física e manutenção
das instituições escolares e, ainda, conseguia angariar uma boa quantidade de votos entre os
parentes da professora e pessoas da comunidade beneficiada com a implantação da escola.
Talvez tenha sido este o motivo pelo qual até o início da década de 80 o número de prédios
escolares improvisados em áreas rurais superasse o total de construções escolares executadas
pelo poder público nos municípios incluídos no Programa EDURURAL (MAIA, 1983).
Os prédios escolares improvisados, ou "de emergência", constituíam-se basicamente
de escolas-capela, que funcionavam quase sempre em espaços oferecidos pela Igreja Católica,
os salões em que eram ocupados por várias turmas, os galpões construídos pela família da
professora e/ou pela própria comunidade e as escolas instaladas nas residências das
professoras. Como mostra as figuras 1, 2 e 3, abaixo;
16
Figura 1. Figura 2. Figura3.
Esse tipo de escola, por funcionar com poucos recursos públicos, foi amplamente
utilizado na zona rural até o início dos anos 80.
As despesas do Município com a manutenção de uma escola albergada na casa da
professora se restringiam ao minguado salário recebido pela docente; ao fornecimento da
merenda escolar que nem sempre cobria todo o período letivo, um quadro-negro e o giz. Os
demais equipamentos, como, por exemplo, a mesa e os bancos, eram oferecidos pelo
proprietário da casa ou do local onde se realizava o ensino.
A insuficiência desses equipamentos, comum a muitas escolas isoladas, foi constatada
tanto na pesquisa EDURURAL quanto na investigação realizada junto às professoras da zona
rural. Era, portanto, nessas condições de infraestrutura física mínima oferecida pela docente
que o ensino das múltiplas séries, geralmente da alfabetização a 4ª série, efetivava-se em um
ou, no máximo, em dois compartimentos da residência: na sala e no alpendre. Dependendo do
tamanho da casa em que funcionava a escola, colocava-se uma ou duas mesas no centro da
"sala de aula" com bancos e cadeiras ao seu redor. "Cabe ao professor, por vezes, o transporte
até sua escola, valendo-se de pessoas da família”.
As difíceis condições objetivas nas quais se efetivava o ensino nas escolas isoladas
eram agravadas pela necessidade constante da docente dividir o seu "tempo de sala de aula"
com o preparo da merenda escolar, com as atividades domésticas ou ainda com outras
relacionadas à vida no campo, uma vez que o baixo salário da professora não garantia a sua
sobrevivência.
Neste tipo de ensino, a professora era quem assumia grande parte das
responsabilidades do Estado em relação à escolarização da população, cedendo desde o
espaço privado de sua residência até seu tempo de trabalho por um minguado salário que não
compensava economicamente ir pegá-lo todo mês na sede do município.
17
As condições e o local em que se desenvolvia o ensino no sistema de escolas isoladas
marcaram profundamente o imaginário das populações beneficiadas com uma escola, para as
quais a instituição era personificada na figura da professora.
A responsabilidade da oferta e manutenção da escolarização na zona rural a cargo das
professoras fazia com que elas fossem concebidas pela população local como proprietárias
das escolas isoladas. Assim, estas instituições eram popularmente conhecidas como a escola
da Dona fulana, em que o ensino se desenvolvia independente do poder público (MADEIRA,
1999, p.20).
Esse caráter privado atribuído pela população às escolas públicas isoladas se devia
também ao fato de que, em geral, as mesmas professoras, antes de ingressarem no serviço
público, eram muitas vezes contratadas pelas pessoas que podiam pagar por seus serviços,
seja oferecendo aulas particulares nas suas próprias residências ou atendendo individualmente
em domicílios. A exemplo da professora Gonçala Rodrigues de Freitas, contratada pelos
fazendeiros para dar aulas aos filhos aqui em nosso município, Fazenda Feijão, entre outras.
Relatos de ex-alunos e ex-professores dão conta que a organização espacial dos grupos
escolares em Sumé se assemelha àquela encontrada em seus congêneres em outras regiões do
Brasil, com as cadeiras de madeira presas ao chão, alinhadas, o que se entendia como uma
medida facilitadora da disciplina e, por conseguinte, do trabalho de seus principais mentores,
o professor e o inspetor escolar.
Outra medida disciplinar, a palmatória, continuava presente no cotidiano escolar,
embora tivesse sido abolida pela reforma de 1910, proibição essa que foi reforçada pelas
legislações posteriores. Conforme as figuras abaixo. Pode-se visualizar o instrumento da
palmatória.
FIGURA 1 FIGURA 2 FIGURA 3
18
A ausência quase completa do poder público em relação ao ensino ministrado na zona
rural, através das escolas isoladas, expressava-se também nas relações e contratos de trabalho
efetivados precariamente com a Prefeitura.
Na medida em que não havia critérios definidos publicamente para escolher quem
deveria ser contemplado com uma escola na sua residência, prevalecia a política coronelista e
clientelista local em que a própria professora percebia-se "beneficiada" pela administração
pública e de seus contatos políticos ou arcando com as despesas, compartilhadas
posteriormente com os alunos" (MAIA, 1983, p.17).
O coronelismo se manifesta num “compromisso”, uma “troca de proveitos” entre o
chefe político e o governo estadual com o atendimento, por parte daquele, dos interesses e
reivindicações do eleitorado rural. As despesas eleitorais cabem, em regra, ao coronel, por
conta do seu patrimônio. “Em troca, os empregos públicos, sejam os municipais ou os
estaduais sediados na comunidade, obedecem as suas indicações” (FAORO, 1998, p. 631). A
proteção do representante municipal em relação àquelas professoras contempladas com uma
escola significava uma espécie de concessão ou ressarcimento por antigos ou futuros
"favores" (MADEIRA, 2001, p.49).
Essa concessão materializava-se como forma de agradecimento retribuído à docente e
sua família por terem votado, em eleições anteriores, em candidatos vinculados à
administração pública municipal.
As condições de ingresso no magistério público já sinalizavam alguns dos elementos
constituintes de uma política educacional de contratação de professores (as) em que a
fragilidade dos contratos de trabalho com a agência contratante, centralizada, sobretudo na
figura do (a) prefeito (a), era condição imprescindível para que o contrato de fato se
efetivasse.
Contratar temporariamente ou por regime de “serviço prestado” dava maior chance de
a administração municipal incluir ou excluir, de acordo com seus interesses, funcionários do
sistema de ensino. Esta realidade é também constatada nos estudos de Barretto (1986) e
Tesser (1993).
O labirinto dessa ocupação construído ao longo de sua história revela caminhos de
participação e de partilha entre seus pares que expressam as difíceis condições nas quais ele
19
vai se constituindo e se expandindo juntamente com o sistema de ensino público, em especial
nas escolas rurais do Nordeste.
Desse modo, o próprio trabalho docente cria a possibilidade de sua existência real para
além das intenções individuais de cada professor (a). A docência nas escolas isoladas como
atividade central na estruturação do nosso sistema de ensino público rural se apresenta
socialmente como um serviço que tende a ser ampliado com a construção de grupos escolares
pelo poder público municipal.
Para tanto, as políticas públicas educacionais da última década caracterizam-se pelo
estabelecimento de metas nacionais de escolarização a serem materializadas nos estados, nos
municípios e no Distrito Federal (ALBUQUERQUE, 2001; DUTRA JÚNIOR, 2000), as
quais apesar de acontecerem precariamente na experiência do sistema escolar rural mobilizam
e constroem outro cenário de ensino com a reunião de várias escolas isoladas e docentes em
um espaço público próprio para o ensino. O advento do grupo escolar. Figuras abaixo:
Figura 1 figura 2 figura 3
A substituição gradativa das escolas isoladas pelos grupos escolares construídos pelo
poder público municipal ao longo da década de noventa, afeta as tarefas docentes na medida
em que redefine os papéis atribuídos à docência, como, por exemplo, ter apenas uma série
e/ou turma sob sua responsabilidade e dedicar-se exclusivamente às atividades docentes,
embora na realidade as docentes tivessem que trabalhar com as turmas multisseriadas.
O grupo escolar cria oportunidade de trabalho para além da docência, ampliando
significativamente o número de trabalhadores na escola. Empregos para o cargo de diretor (a),
de coordenador (a) pedagógico (a), de supervisor (a) escolar e para o quadro de apoio ao
ensino (vigias, merendeiras, zeladoras etc.), são alguns exemplos. Igualmente, o aumento do
número de docentes e possibilitar o alargamento do tempo de dedicação do/a professor/a
atividade do magistério.
20
A composição deste cenário produziu novas situações e relações de trabalho, não só
porque as docentes se juntaram em um local de trabalho específico, no grupo escolar, mas
também por haver a inserção de outros trabalhadores na escola que vão integrar o quadro
hierárquico de funções que compõe a divisão social do trabalho escolar. Deixar de ensinar em
sua residência para juntar-se aos seus pares e trabalhar no grupo escolar significou muito mais
do que um agrupamento de docentes e alunos, haja vista que estas situações os transformam
de sujeitos particulares, em sujeitos coletivos (THERRIEN, 1998a, p.53). As relações
construídas entre as docentes, no cotidiano do trabalho no grupo escolar, redimensionou
objetiva e subjetivamente a capacidade de partilhar as experiências, as angústias e as
dificuldades da atividade docente, bem como a possibilidade de reivindicar coletivamente
benefícios para a categoria.
A construção do grupo escolar associada às políticas públicas de seleção de
professores (as) através de concurso, às exigências de formação pedagógica estabelecida pela
nova LDB (nº 9.394/96), o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
do Magistério FUNDEF, à aprovação do Plano de Carreira e Remuneração dos (as)
Professores (as) da Rede Pública Municipal e ampliação da escolarização no Ensino
Fundamental e da Educação Infantil são alguns dos elementos que contribuíram para o
processo de profissionalização das professoras da rede pública rural municipal.
Para as professoras provenientes das escolas isoladas, a escola construída pelo poder
público vai caracterizar-se como o locus por excelência onde elas se sentem fazendo parte de
uma instituição, sendo referência e local de trabalho produtores de sentimentos de pertença a
um grupo profissional.
Neste caso, há as vantagens de poder contar com os (as) colegas de trabalho para
facilitar a sua vida no cotidiano escolar, não só durante as reuniões de professores e de
planejamento das aulas, mas também nas dificuldades do dia-a-dia. Em contrapartida tem de
administrar os conflitos no interior da escola e as dificuldades de ter que se deslocar para o
trabalho, agora distante da sua residência.
21
O grupo escolar se apresenta também como ambiente de trabalho no qual as docentes
vão lidar exclusivamente com a tarefa do ensino; embora ainda continue com turmas
multisseriadas, seja porque o número de alunos de uma determinada série não chega a formar
uma turma completa (em média 25 alunos/as), seja pela insuficiência de professores (as) na
escola em relação ao número de turmas, seja ainda porque não há salas de aulas suficientes
para todas as séries.
Mesmo assim, elas reconhecem haver um avanço na transferência das aulas da escola
isolada para o grupo escolar. O tempo de dedicação ao magistério é modificado em função do
horário previamente estabelecido para o início e término das aulas no grupo escolar.
O exercício do magistério, assim, passa a ser "vigiado" por uma supervisão e pelos
demais colegas de trabalho e as professoras têm que, de agora em diante, cumprir uma carga
horária de trabalho mais rígida, com horários de ensino previamente estabelecidos para o
início e término das aulas.
As mudanças ocorridas na última década redefinem o campo de trabalho do magistério
público e o seu poder de disputa por reconhecimentos sociais. Para quem trabalha, por
exemplo, em cidades do interior ou na zona rural, região com raras oportunidades de emprego
fora do serviço público, inserir-se em uma atividade com remuneração superior ao salário do
magistério não é muito fácil; em especial quando se alcança o grau de formação pedagógica
superior após a implantação do FUNDEF, em janeiro de 1998.
Nesta perspectiva, a possibilidade do trabalho docente disputar com outros campos
sociais a preferência dos (as) trabalhadores (as) se faz mais visível com o crescente grau de
qualificação do professorado e a instituição do Plano de Carreira e Remuneração do
Magistério Público (CF. DUTRA JÚNIOR, 2000) que possibilitam a ascensão funcional na
carreira docente.
Mesmo para quem ainda não alcançou a formação superior e recebe menos de um
salário mínimo, a ideia de trocar ou abandonar o ensino por outro emprego persiste. Por outro
lado, isto não se materializa de fato quando se compararmos as vantagens e desvantagens
entre as duas ocupações. Essa "vontade" de continuar trabalhando no magistério público
cresce na proporção em que as docentes investem na sua carreira de professora. Neste sentido,
as expectativas reais de emprego fora do campo pedagógico tendem a ser menores para quem
já concluiu a formação inicial.
22
Com o diploma universitário em mão, o desenvolvimento do projeto profissional na
docência vai se consolidando na medida em que sentem poder atingir posições mais elevadas
no quadro hierárquico de professores (as).
O professor da escola isolada era também o dono de sua cadeira e a fiscalização do seu
trabalho competia somente ao inspetor escolar, responsável por enviar os relatórios às
Secretarias de Educação dos Estados.
Nos relatos, os inspetores não poupavam críticas às escolas isoladas, que geralmente
eram apontadas como atrasadas e com condições de trabalho e higiene péssimas.
Provável que a situação do ensino em Sumé não fosse muito diferente, em termos
temporais e espaciais, desse cenário apontado acima. Essa assertiva fica evidenciada quando
se depara com fragmentos da história da educação no município que, nos seus primórdios,
seguiu os mesmos parâmetros.
O documento que contém o Plano Decenal Municipal de Educação (2006, p.13)
reforça essa impressão, ao apontar que no âmbito da educação, o município teve a mesma
história das demais regiões do Brasil.
Um pouco mais tarde, algumas dessas escolas (classes) tornaram-se mistas. Quanto ao
material escolar, a autora relata a dificuldade encontrada pelos docentes em adquirir cartilhas
de alfabetização, o que permite inferir que os materiais pedagógicos utilizados pelos
professores não eram tão acessíveis aos estudantes e que o poder público não assumia sua
responsabilidade no provimento desses: os pais dos alunos compravam folhas de papel, nas
quais era escrito o ABC, porque as cartilhas eram difíceis de ser adquiridas.
Além de destacar a escassez de materiais, afirma também que os docentes das escolas
isoladas conviviam com a baixa frequência dos alunos às aulas, devido principalmente à
origem da maioria das crianças, que residentes no meio rural, trabalhavam para ajudar os pais
e constantemente faltavam às aulas.
Além das escolas isoladas funcionaram, concomitantemente, as escolas primárias
particulares, frequentadas pela sociedade de maior poder aquisitivo, que ao pagar pela
instrução primária de seus filhos, buscava uma educação diferenciada.
As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária brasileira,
integrando as lembranças de muito escritor.
23
Mesmo sendo um utensílio originalmente vinculado a um dos mais tradicionais
métodos de alfabetização (método sintético), resistiu às inovações promovidas pelos
partidários de outros modelos de alfabetização, continuou sendo editado até os anos 50 do
século XX e continua sendo impresso e distribuído com modificações, sobretudo nas regiões
do Norte e Nordeste brasileiro. Vejam alguns modelos da época:
Cabe interrogar-nos sobre o que teria sido esse objeto cultural em torno do qual eram
realizados os primeiros contatos da criança com a cultura escrita.
De modo geral é possível dizer que as cartas de ABC eram constituídas por abecedário
maiúsculo e minúsculo; os silabários compostos com segmentos de uma, duas ou três letras e,
por fim, as palavras soltas cujos segmentos silábicos apareciam separados por hífen. Esses
elementos constitutivos das cartas de abc também estavam presentes na maioria das cartilhas
em circulação na época, tornando menos nítidos os traços distintivos entre as mesmas.
A longa duração que caracteriza a adoção e uso das cartas de ABC no cenário escolar
merece uma última observação.
Embora o termo cartas de abc continue o mesmo ao longo do tempo e levando em conta que
poucas alterações possam ter ocorrido em relação ao seu formato, extensão e conteúdo, ainda
assim, é pouco provável que uma única versão dessas cartas tenha sido adotada ao longo do
período estudado.
Além das cartas de abc confeccionadas para o manuseio dos aprendizes, alguns
professores recorriam ao uso de abecedários, feitos em tamanhos maiores e com a
24
possibilidade de serem afixados nas paredes da sala de aula, para auxiliar na aprendizagem
dos rudimentos da leitura que se desenvolvia a partir das cartas de abc e das cartilhas como
também da taboada que era indispensável no ensino das quatro operações nas escolas rurais.
Desde seu início, o livro didático trouxe uma ambiguidade em relação ao seu público.
A figura central era a do professor, porém a partir da segunda metade do século XIX passa se
tornar mais claro que o livro didático não era um material de uso exclusivo deste, para
transcrever ou ditar. Observou-se que o livro precisava ir diretamente para as mãos dos
alunos.
Esta mudança de perspectiva passa a ver o aluno como consumidor direto do livro,
sinalizou tanto para autores quanto editores, que era necessário modificar o produto para
atender novas exigências, transformando e aperfeiçoando sua linguagem. Neste sentido, as
ilustrações começara a se tornar uma necessidade, assim como surgiram novos gêneros
didáticos, como os livros de leitura os livros de lições. (BITTENCOURT, 2004).
No ensino público, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por
meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o responsável pela aquisição e
distribuição dos livros. A distribuição é feita diretamente pelas editoras às escolas, por meio
de um contrato entre o FNDE e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Nas
zonas rurais, as obras são entregues na sede das prefeituras ou das secretarias municipais de
Educação, que devem entregá-las às escolas.
Em 2013, pela primeira vez, as escolas do campo de 1º ao 5º anos receberam os livros
denominado “GIRASSOL Saberes e Fazeres da Terra” da editora FTD com uma proposta de
ofertar às escolas do campo uma proposta que dialogue com os princípios e as finalidades das
Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo, dizendo colaborar com a implantação
da Educação do Campo nas chamadas escolas rurais.
Com a promessa que as editoras podem também apresentar obras multimídia, que
reúnam livro impresso e digital.
25
Cabendo uma análise mais profunda deste livro que se destina para os alunos do
campo se estar de acordo com os princípios e as finalidades das Diretrizes Operacionais da
Educação do Campo nas chamadas escolas rurais, no sentido de instrumentalizar a ação
docente com um material adequado às necessidades e possibilidades das comunidades
campesinas. Se esta coleção representa antes de tudo, um olhar sobre a educação popular,
aquela que nasce do povo, para seu desenvolvimento. Que tenha uma visão direcionada para a
formação humana em todas as suas dimensões: do indivíduo para a coletividade: do local para
o global: do particular para o comunitário.
Que faça uma integração entre aluno/comunidade, escola/família e comunidade/escola,
que privilegiem a valorização dos saberes e fazeres da terra como diz em seu nome.
“GIRASSOL” “Saberes e Fazeres da Terra”.
De acordo com análise realizada sobre este livro, percebemos que ainda há muito a
fazer para chegar ao objetivo desejado pelos sujeitos do Campo. È fundamental que
professores (as), comunidade e Secretarias de Educação estejam em consonância e atentos
para a promoção de atividades que venham a contemplar a valorização cultural, incentivando
o desenvolvimento, o respeito pelo meio ambiente, elevando a autoestima de quem vive no
campo e aproveitar os recursos existentes no meio rural e dar uma aula de biologia, por
exemplo sentado em baixo de uma árvore.
É fundamental que a metodologia possa dar conta de ressignificar o sentido de sujeito
nos espaços rurais discutindo o preconceito do desprestígio do mundo rural. Nesse sentido é
singular a contribuição de Fernando Hernandez quando diz que;
A escola e as práticas educativas fazem parte de um sistema de concepções e valores
culturais que faz com que determinadas propostas tenham êxito quando „se conectam‟ com
algumas das necessidades sociais educativas. (HERNANDEZ, 1998; 60).
26
1.1 – EDUCAÇÕES RURAIS E EDUCAÇÃO DO CAMPO
As políticas de educação rural/campo não são referencias relevantes
constitucionalmente na historicidade da educação brasileira e até 1988 a expressão
evidenciada nos textos constitucionais caracteriza o termo rural e adquire outro significado a
partir 2002 com aprovação da Resolução CNE/CEB Nº. 01 de 03 de abril; as Diretrizes
Operacionais da Educação do Campo.
Para compreender a diferença conceitual entre rural e campo, é preciso considerar
alguns pensamentos construídos dentro do conhecimento acadêmico, que resultam de
pesquisas realizadas e compartilhadas pelos atores sociais do campo. Partindo desse princípio,
a expressão educação rural está relacionada a uma postura encadeada pela concepção
positivista, mercadológica, competitiva, capitalista, na qual a política de educação direciona
para uma formação pragmática, que instrui o individuo para desenvolver atividades no mundo
do trabalho. Transforma a força de trabalho humana em objeto, coisa, mercadoria. É a
"coisificação" e desumanização do sujeito.
A expressão educação rural foi empregada na época do governo Vargas para delimitar
o espaço urbano e definirem políticas públicas de ação para estes espaços geográficos já
compreendidos na época, como diferentes, mas, no entanto, as práticas educativas
implementadas para ambas as situações, se constituíam em um único paradigma, o urbano.
O rural representava o espaço das políticas compensatórias e paliativas, um lugar onde
projetos econômicos e políticos da cultura capitalista se instauravam demarcando o território
do agronegócio, das empresas exploradoras de madeira, minério e outros. Nessas
circunstâncias, a relação homem-natureza se caracteriza como exploratória, depredatória,
concentradora de bens, o lugar do latifúndio, da escravidão, exclusão social e da expropriação
de uns em detrimento de outros.
A educação rural esteve também associada a uma situação de precariedade, atrasada,
com pouca qualidade e recursos pedagógicos escassos, estrutura física inadequada: "A sala de
aula é a sala da residência da professora. Pequena e ladeada por meia parede de madeira que
se estende até o final da casa. O teto é coberto parte por telha de cerâmica, parte por palhas".
(SILVA; 1993, p. 108). Tinha como pano de fundo um interior arcaico, com tímidos
27
programas educacionais pensados e elaborados para o povo sem sua participação. (MOLINA,
2008).
Argumenta Cabral Neto (2004) que, várias políticas educacionais foram desenvolvidas
e a principal característica era o desenvolvimento de práticas pedagógicas adaptativas a
realidade do meio rural. No período getulista ressaltava a implantação de programas
educacionais, seguido depois de outros, posteriormente efetivados na realidade rural, como: o
Programa EDURURAL, O PROMUNÍCIPIO, MOBRAL, entre outros, financiados por
organismos internacionais.
Buffa e Nosella (1998) enfatizam que, devido ao alto índice de analfabetismo, o
governo brasileiro implantou-se o MOBRAL em setembro de 1970, cuja meta era a redução
da taxa de analfabetos brasileiros. A proposta fracassou por conta da técnica empregada, que
diziam ser freireana, mas não se partia da situação vivenciada pelos sujeitos e a alfabetização
baseava-se em livros didáticos prontos e acabados nos quais, as palavras geradoras foram
elaboradas por especialistas em currículo e eram as mesmas para todos os grupos sociais do
campo ou da cidade. Tentavam educar a revelia da situação político-econômica do país.
Para Molina (2004), a educação rural em suas correntes mais conservadoras ignora a
realidade que se propõe a trabalhar, teve origem no pensamento latifundista empresarial, de
controle político sobre a terra e aqueles que nela vivem e trabalham. Essa educação incorpora
princípios e valores desvinculados da cultura e da familiaridade que os sujeitos sociais do
campo possuem do solo, da água, da floresta das culturas de cultivos e da pesca, enfim, desta
convivência humana com a natureza e com os outros seres humanos.
Elaine Furtado (2006) enfatiza que, o conceito de rural em oposição ao urbano no
Brasil, teve até a década de 70 sua expressão máxima, significando a diferença entre o atraso
e o moderno, ou seja, o fato de estar na territorialidade definida como urbana, significava está
em contato com o que havia de mais moderno, avançando. Mas o que seria esse moderno?
Obviamente produtos produzidos pela indústria, graças à capacidade de alcance e descobertas
das ciências e das tecnologias que prosperavam e ainda pelos bens e serviços proporcionados
pela cidade.
Noutra proporção o lócus do atraso estava relacionado à forma de vida dos que
estavam na zona rural e suas técnicas de produção rudimentares. Pressuponham que os que
vivem neste espaço, são considerados á parte, "fora do comum" e da totalidade definida pela
representação social urbana.
28
O rural enquanto espaço de tranquilidade, lazer, turismo, servindo de refúgio ou
descanso causado pelo transtorno agitado das pequenas, médias, grandes cidades,
repercutiram na década de 90 sobre a influência da modernidade, e o rural ganhou o caráter de
bucólico.
Para os que têm o desafio em tentar definir um conceito sobre educação do campo,
relacionam a uma postura político-pedagógica crítica, dialética, dialógica, postulando uma
formação "técnica e política" (CANDAU, 2005), de sujeitos politicamente conscientes, com
uma visão humanizadora, valoriza o sujeito através de sua identidade cultural e compreende o
trabalho como algo que dignifica o homem enquanto sujeito histórico e não enquanto objeto
ou coisa.
Com base nestes pressupostos, a gênese das palavras educação do campo demanda da
ação dos movimentos organizados, na construção de políticas públicas educacionais para os
assentamentos de reforma agrária. O termo campo nasce dessa configuração repercutindo
acirradamente após o I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária (I ENERA),
realizado em 1997, promovido pelas entidades: MST, UNB, UNESCO, UNICEF, e CNBB,
tinham como finalidade ampliar um debate nacional sobre a educação do mundo rural levando
em conta o contexto do campo em termos de cultura especifica, bem como a maneira de ver e
de se relacionar com o tempo, o espaço e o meio ambiente e quanto ao modo de viver, de
organizar a família e trabalho. (KOLLÍN, NERY, MOLINA, 1999; p.14).
Em 1998 aconteceu a I Conferência Nacional de Educação do Campo e em
decorrência deste evento criou-se então o "movimento por uma Educação Básica do Campo"
envolvendo grupos organizados, pesquisadores e alguns governos do país, numa articulação
que contribuísse para o melhoramento do ensino das séries iniciais do ensino fundamental. Na
ocasião a frase educação do campo apresenta uma nova conotação. Caldart (2004) afirma em
seus estudos "ser esse o momento do batismo coletivo de um novo jeito de lutar e pensar a
educação para o povo brasileiro que vive e trabalha no e do campo". E continua:
Educação do campo e não mais educação rural ou educação para o meio rural. A
proposta é pensar a educação do campo como processo de construção de um projeto de
educação dos trabalhadores do campo gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da
trajetória de lutas de suas organizações (IBDEM, p. 13).
29
Em 2004 realizou-se a II Conferência Nacional de Educação do Campo. Nesse
momento ampliaram os grupos organizados, as universidades, e as representações
governamentais, bem como a concepção de educação. E como proposições definiram
afirmação da articulação nacional para encampar o movimento de educação do campo, não
mais pensando apenas na educação "básica" (1ª a 4ª séries), mas, na luta para inserir os filhos
dos trabalhadores do campo, em toda educação básica (educação infantil, fundamental e
médio), e nas universidades públicas brasileiras, de graduações e pós-graduações; uma vez
que, o campo também necessita de diversos profissionais qualificados para atuarem nessa
realidade.
Este movimento tem fomentado estudo e debate em torno da construção de outra
proposta de educação para a escola do campo, mas não qualquer escola, não interessa a escola
fundamentada no currículo urbano, anseiam uma escola voltada para as lutas das populações
do campo. Eles afirmam e reconhecem que os educadores de diversas partes do país estão
desenvolvendo experiências diferenciadas de educação do campo evidentemente tem
efetivado algumas em casas familiares rurais, PRONERA, MST e outras.
Com base nesse pensamento, começou-se a discutir outro perfil de escola do campo,
não uma educação para os sujeitos no campo e, sim, uma educação com os sujeitos do campo.
Reintera Molina (2004), que a educação do campo como novo paradigma, está sendo
construída por diversos grupos sociais e universidades, rompem com o paradigma rural cuja
referência é a do produtivismo, ou seja, o campo como lugar da produção de mercadorias e
não como espaço de vida, o lugar da dialetização da cultura, do saber e da formação de
identidades.
30
CAPÍTULO lI – A INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AGENDA
POLÍTICA NACIONAL
2.0 - CONCEITOS E REFLEXÕES SOBRE A IDEIA DE CAMPO
Para discutir a educação do campo, convém, aqui, abordarmos as ideias que estão
postas sobre o significado do campo, como este é pensado pelos seus gestores e que ideia de
campo permeia os camponeses e suas organizações sociais. Segundo Fernandes e Molina
(2004, p.60), “a história das lutas pela terra e pela reforma agrária, nos últimos anos,
promoveu mudanças importantes no campo brasileiro, modificando a paisagem, construindo
um jeito próprio de fazer e de pensar este território”.
A primeira ideia define este campo como zona rural ou espaço geográfico
desurbanizado. Nesse sentido, o campo é pensado como lugar onde habitam pequenas
populações, longe da lógica urbanocêntrica e dos costumes urbanos. No campo pensado como
zona rural, a vida limita-se às práticas da agricultura e outras atividades rudimentares. As
populações que habitam esses espaços são vistas como atrasadas por não acompanhar a
evolução dos costumes e do comportamento dos que habitam o meio urbano.
A segunda ideia pensa o campo como território onde as pessoas vivem suas relações
sociais. O campo é definido como espaço de ação e reação, portanto suas práticas são
refletidas na perspectiva de aprimorar conhecimentos. No campo das relações sociais as
pessoas vão além do trabalho cotidiano, pois constroem de forma coletiva as suas memórias.
A participação na vida da própria comunidade proporciona a esse homem uma visão mais
ampla do fazer o campo, bem como um olhar mais interessante para o futuro.
Nessa perspectiva, pensa-se a educação do campo a partir da segunda ideia. Como
afirmam Fernandes e Molina (2004, p. 53), “o campo da educação do campo é analisado a
partir do conceito de território, aqui definido como espaço político por excelência, campo de
ação e de poder, onde se realizam determinadas relações sociais”. Entretanto, durante muito
tempo a educação rural deu-se dentro de uma práxis sem qualidade, pois sua pedagogia não
atendia as reais necessidades do público alvo. Foi considerado como um modo de ensino
precário e tradicional.
31
A proposta de educação do campo pensada como território surgiu das relações sociais
dos povos do campo, sendo pensada como processo de ensino cuja pedagogia interage com o
espaço onde acontecem as relações. Sua práxis possibilita a construção de um pensamento
próprio sobre o território, lugar onde se vivenciam as experiências da vida. Dentro dessa
proposta de educação, a linguagem utilizada na transmissão dos conhecimentos respeita os
traços culturais de cada comunidade onde ocorre o processo de ensino-aprendizagem. Não
cabe aqui a ideia de educar o camponês com a mesma linguagem e a mesma pedagogia
utilizada nas escolas do meio urbano, pois:
Assim focalizada, a compreensão de campo, não se
identifica com o tom de nostalgia de um passado rural de
abundância e felicidade que perpassa parte da literatura,
posição que subestima a evidência dos conflitos que
mobilizam as forças econômicas, sociais e políticas em
torno da posse da terra no país [...]. O campo nesse
sentido mais do que um perímetro não urbano, é um
campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos
seres humanos com a própria produção das condições de
existência social e com as realizações da sociedade
humana (CEB/CNE, 2004, p.4).
O pensamento sobre a educação do campo foi pensada por e para o homem do campo,
porém esse homem já traz consigo uma história de vida. A educação rural foi pensada para a
população, numa concepção muito mais geográfica do que como um espaço de relações
sociais. A partir dessa reflexão, verifica-se que o sistema de educação, durante muito tempo,
propôs o ensino para a população do campo dentro de uma ótica ruralista. Podemos entender
melhor essa afirmação observando, por exemplo, o material didático que é adotado ainda hoje
para o trabalho docente nas escolas rurais.
Não houve no decurso da história, no que diz respeito ao sistema de educação rural,
uma proposta de diretrizes políticas e pedagógicas. Não havendo diretrizes, faltou também
uma forma de regulamentação que dissesse como a escola deveria funcionar ou se organizar
no espaço onde ela atuava.
Sem organização, nenhum processo de educação alcança resultado satisfatório,
sobretudo se seu objeto de trabalho for o homem do campo de vida simples, que está distante
dos bens culturais e da linguagem do meio urbano. Nesse sentido, é preciso um olhar mais
aguçado para a necessidade de se criar os meio que permitam ao camponês expressar seus
32
conhecimentos. A esse respeito Fernandes e Molina (2004, p. 60) afirmam que “trabalhar a
terra, tirar da terra a sua existência, exige conhecimentos que são construídos nas experiências
cotidianas e na escola”.
A educação do campo leva em conta o modo de viver das pessoas que lá habitam.
“Pensa o campo e sua gente, seu modo de vida, de organização do trabalho e do espaço
geográfico, de sua organização política e de suas identidades culturais, suas festas e seus
conflitos” (Fernandes e Molina, 2004, p. 64). Mas como se constituiu o paradigma da
educação do campo no Brasil? Porque construir um jeito diferente de educar o camponês?
Para responder a essas perguntas é preciso adentrar na história, relembrar o caminho
percorrido pelas linhas do tempo.
33
2.1– BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE A TEMÁTICA DA EDUCAÇÃO DO
CAMPO
O enunciado da Educação do Campo é identificado no discurso jurídico-político-
educacional brasileiro, desde o Estado Republicano até os dias atuais, quando a questão da
educação do campo se inseria no contexto cultural da valorização da educação como
possibilidade de desenvolvimento humano e econômico e como direito social e político.
Posteriormente, assinalamos o impacto do reconhecimento do direito subjetivo desses sujeitos
específicos na formulação das políticas públicas da educação, asseguradas por meio das Leis
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, das Diretrizes Nacionais de Educação de Jovens
e Adultos e das Diretrizes Operacionais para a educação Básica da Escola do Campo,
traduzidas, por exemplo, por meio de programas nacionais específicos, tais como: o
PRONERA, o PROCAMPO e o PROJOVEM CAMPO-SABERES DA TERRA. Conclui
enfatizando, sobretudo, às lutas históricas dos movimentos sociais.
O direito a educação é um dos temas-chave das sociedades modernas. No Brasil, ele
ganhou força histórica e institucional graças à reconfiguração da ordem política gerada com a
dissolução do regime monárquico em 1889. Até então, a educação era vista como privilégio
ou favor, objeto de caridade e de ações humanitárias. Nesse ano, o Estado republicano,
fundado sobre o binômio jurídico-político do direito e da democracia, foi proclamado como
paradigma político da sociedade brasileira, consagrada na Constituição de 1891 e conservado
até nossos dias.
A inserção do Brasil no rol de países modernos e civilizados passa, necessariamente,
pelo reconhecimento, pela garantia e pela efetividade da educação como um direito. Um
direito que se expressa e se realiza de forma diferenciada em cada momento da história, em
cada contexto geográfico e sociocultural e para distintos sujeitos e segmentos sociais, como os
residentes do campo, por exemplo.
A luta pela assunção da educação do campo é multidimensional e tem acontecido em
diferentes frentes, na produção criativa de prática e experiências concretas, na formulação de
campanhas, programas e políticas públicas específicas na produção de conhecimentos, na
circulação de uma ordem discursiva pertinente e na proclamação de atos jurídicos próprios.
Desse modo, ela tem conquistado assento no cotidiano pedagógico, na agenda dos governos
34
municipais, estaduais e federal, na pesquisa acadêmica, na opinião pública e no ordenamento
jurídico brasileiro. (Lei Nº 5.692/1971 e Lei Nº 10.172/2001).
O problema posto, quando se projeta tal entendimento para a política de educação
escolar, é afastar a escola da temática rural a retomada de sue passado e a compreensão do
presente, tendo em vista o exercício do direito de ter direito a definir o futuro no qual os
brasileiros, 30 milhões, no contexto dos vários rurais, pretendem ser incluídos.
Na verdade, diz bem Arroyo que o forte dessa perspectiva é propor a adaptação de um
momento único de educação aos que se encontram fora do lugar, como se não existisse um
movimento social, cultural e identitário que afirma o direito à terra, ao trabalho, a dignidade, à
cultura e a educação.
Nos anos do Estado Novo expressa-se a ideia de uma educação e uma escola adaptada
ao meio rural refletindo os interesses hegemônicos, caracterizando um pensamento
educacional conhecido como “ruralismo pedagógico” que ganhou força argumentativa
ideológica no Oitavo Congresso Brasileiro de Educação (ABE) realizado em 1942, em
Goiânia. Cresce a ideia de uma educação específica para o homem no meio rural preocupada
em formar mão de obra e fixar o homem no campo prevenindo o êxodo rural. Assim seria o
objetivo da escola rural.
Essa ideia de manter o homem no campo permaneceu e se tornou presente na Lei Nº
4.024 de 20 de dezembro de 1961 Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu Art. 105,
estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades que
mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem ao meio e o
estímulo de vocação profissional”.
As dimensões da problemática que envolve a escola rural atualmente são bastante
extensas, considerando que, historicamente, a educação em si sempre foi negada ao povo
brasileiro e, especificamente, ao homem do campo.
Vinculada ao sistema produtivo, a escolaridade campesina também serviu de suporte
para a estruturação de uma sociedade desigual e de preparo mínimo de mão-de-obra que
atendesse prerrogativas político-econômicas. Desse modo
...esta constatação permite então inferir que a negação da
escola traz embutida em si a negação da cidadania, isto é,
da participação social e política, enquanto os projetos
especiais trazem a compulsoriedade de uma ação
político-pedagógica que acomode e adestre essa mão-de-
35
obra deacordo com as necessidades da divisão social do
trabalho e dentro dos estreitos limites de sua utilidade
econômica (FONSECA, 1989).
Estariam fixados os paradigmas da escola rural no Brasil nessa linha de exclusão
sócio-política, Cultural e de conhecimentos? No conjunto dessas situações sócio históricas é
imprescindível considerar que a escola rural, na atualidade, depara-se com uma problemática
diferenciada, e por isso mesmo mais complexa, tendo por pano de fundo a nova LDB, de
dezembro de 1996.
Paradoxalmente, a urbanização exige uma abrangência cada vez maior da educação
em todos os níveis, inclusive o rural, não considerando, em certos casos, as variáveis
existentes no sistema em que o analfabetismo, a evasão e a repetência, a carência de recursos
materiais e humanos, e outros tantos problemas específicos dessa escolaridade, são ainda uma
constante.
A atual Lei de Diretrizes e Bases promove a desvinculação da escola rural dos meios e
da performance escolar urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à vida
rural e de certo modo desurbanizado.
Porém não estão explicitamente colocados, na nova LDB, os princípios e as bases de
uma política educacional para as populações campesinas. Como grande meta, a educação
pretende alcançar dimensões sócio-políticas e culturais ótimas, com base na cidadania e nos
princípios de solidariedade. Para tanto, “educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
trabalho e à prática social” (BRASIL/MEC, LDB 9.396/96, art. 1º, § 2º).
Em termos institucionais, o ensino fundamental sob a responsabilidade dos municípios, em
princípio, constará com um calendário escolar próprio e.
...deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive
climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de
ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas
previsto nesta Lei (Brasil/MEC, LDB 9.396/96, art. 23 § 2º).
De modo a favorecer a escolaridade rural com base na sazonalidade do plantio/colheita
e outras dimensões sócioculturais do campo.
36
Igualmente, dispõem o artigo 28 da mesma lei sobre as adaptações necessárias da
estrutura curricular às exigências das unidades escolares instaladas na zona rural, respeitando-
se os dispositivos do artigo 32 e seus incisos, no que tange à organização e à estruturação do
ensino fundamental.
Importa notar que o pano de fundo da escolaridade campesina, a partir de agora, não
se limita ao modelo urbano/industrial, como fora outrora nas décadas de 1960 a 1980. A
sustentação dessa escolaridade encontra-se na consciência ecológica, na preservação dos
valores culturais e da práxis rural e, primordialmente, no sentido da ação política dos
rurícolas.
Assim, o contexto das unidades escolares passa a ser o parâmetro maior de
aplicabilidade da lei em si mesma, isto é, o contexto traz os paradigmas e parâmetros
necessários para justificar e legitimar a ação pedagógica que, agora, é ato político enquanto
cognoção consciente e intimamente ligada à práxis. Pelo menos é a leitura que realizamos nas
entrelinhas da legislação no que tange a escola no meio rural.
Para tanto, o papel da municipalização torna-se imperativo, para fazer vigorar a nova
lei, considerando a descentralização proposta e o papel regionalizador, contextualizador da
ação pedagógica em si mesma.
Intimamente ligado à realidade espacial/temporal, educar quer significar uma troca de
experiência mais profunda, imbricada no aqui-agora das classes e da sociedade. Dessa forma,
a problemática ligada à escola rural continua e, entre os quesitos a serem considerado, temos:
a baixa qualidade de vida na zona rural; a desvalorização da cultura rural; a forte infiltração
da cultura urbana no meio rural; a consequente alteração nos valores sócioculturais
campesinos em detrimento aos valores urbanos; presença de professor com formação
essencialmente urbana; questões relativas a transporte e moradia; clientelismo político na
convocação dos docentes; baixo índice salarial; a condição do aluno como trabalhador rural;
heterogeneidade de idade e grau de intelectualidade; currículo inadequado; estruturação
didática metodológica deficiente; salas multisseriadas; calendário escolar em dissonância com
a sazonalidade da produção; ausência de orientação técnica e acompanhamento pedagógico;
ausência de material de apoio escolar tanto para o aluno quanto para os professores;
instalações precárias e na maioria das vezes sem condições para o trabalho pedagógico; entres
outros.
37
2.2 – PROTAGONISMOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS POR UMA EDUCAÇÃO
DO CAMPO E EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO MEIO RURAL
Falar em educação básica do campo nos remete atualmente a duas perspectivas que se
apresentam como configuradoras da realidade da educação no meio rural. Refere-se em um
aspecto ao protagonismo que as populações do campo, através de seus movimentos e
organizações têm efetivado no sentido de pautar o poder público para inserir em sua agenda o
atendimento educacional no território do campo, articulado a definição de um conjunto de
referências legais que possam orientar a precarização que envolve as escolas do campo. Em
outro aspecto, é preciso considerar a precarização que envolve as escolas do campo,
evidenciando o déficit de atendimento em quase todos os níveis e modalidades de ensino e o
pouco aproveitamento nos estudos resultantes das condições adversas em que o ensino tem
sido ofertado às populações do campo ao longo da história de nosso país.
Os movimentos e organizações sociais populares do campo nas últimas décadas têm
participado ativamente das disputas que envolvem a conquista da terra, o fortalecimento da
produção de base familiar e a garantia do direito à vida com dignidade; constituindo-se
enquanto sujeitos coletivos de direito e de produção de novas sociabilidades, dentre os quais
se encontra o direito à educação.
Nessa caminhada de mobilização e protagonismo, a Articulação Nacional Por Uma
Educação do Campo tem assumido um papel destacado para que não sejam reeditadas as
tradicionais políticas de manutenção precária das escolas rurais de cunho assistencialista,
compensatório e compassivo, que reforçam o atraso e o abandono secular da educação dos
povos que vivem da agricultura, do extrativismo e do trabalho do campo/(II CNEC, 2004, p.).
Essa articulação, considerada uma das expressões de
mobilização por uma educação do campo no Brasil, reúne
organizações e movimentos sociais do campo,
universidades públicas, entidades e organizações da
sociedade civil e órgãos do poder público de fomento ao
desenvolvimento e da área educacional e instituições
internacionais, que compartilham princípios, valores e
concepções político-pedagógicas, e se articulam para
reivindicar políticas públicas de educação do campo e
desenvolvimento rural com qualidade social para as
populações do campo, aqui entendidas como: agricultores
familiares, assentados, quilombolas, extrativistas,
ribeirinhos e pescadores.
38
A primeira e segunda Conferência Nacional de Educação do Campo ocorridas
respectivamente em 1998 e 2004 em Luziânia-Goiás, constituíram-se em marcos históricos
dessa articulação nacional nesse processo de afirmar o direito das populações do campo à
educação, ao reivindicar que a educação do campo seja assumida como política pública de
maneira mais explícita; que os órgãos públicos responsáveis pela educação em nosso país se
façam mais presentes reconhecendo a dívida social, cultural e educativa que tem para com os
diversos sujeitos que vivem no campo e na floresta; e que seja reconhecida a especificidade
desses povos e de suas formas de viver e de ser, de formar-se, socializar-se, aprender, de
produzir e relacionar-se com o conhecimento, com as ciências e as tecnologias, com os
valores e com a cultura. (IBID, 2004).
Outro indicativo desse processo organizativo em curso tem sido a pressão sobre as
várias instâncias governamentais para que renovem os processos de gestão da educação. Ação
que tem resultado num esforço de determinadas Secretarias de Educação para se tornar mais
sensíveis à inclusão da educação do campo em sua agenda política, criando espaços e
situações em que as especificidades do campo sejam reconhecidas e valorizadas.
Nessa perspectiva, o próprio MEC respondeu a essa mobilização, com a criação em
2004 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), onde se
insere a Coordenação Geral da Educação do Campo que assumiu como meta, pôr em prática
uma política de educação que respeite a diversidade cultural e as diferentes experiências de
educação em desenvolvimento, em todas as regiões do país, como forma de ampliar a oferta
de educação de jovens e adultos e da educação básica nas escolas do campo. (SECAD, 2005).
Dando sequência aos acontecimentos que marcaram a mobilização por uma educação
do campo em nosso país, o Ministério da Educação institucionalizou em 2009 a Comissão
Nacional de Educação do Campo – CONEC formada por representantes dos demais setores
do Ministério, das universidades, das organizações e movimentos sociais do campo, para
acompanhar a Coordenação Geral de Educação do Campo na formulação e implementação
dos programas e ações do MEC no tocante à educação do campo. Passo importante também
foi dado em agosto de 2010, quando os movimentos sociais e sindicais do campo, com
autonomia para debater com o poder público sobre as proposições voltadas para
implantação/fortalecimento e consolidação de políticas públicas de educação, a partir das
especificidades, diversidades e questões da educação do campo.
39
O Fórum em sua articulação intenciona garantir que as políticas públicas a serem
efetivadas sejam estratégias para a construção de um projeto contra hegemônico de campo, ao
contribuir para a melhoria da educação no meio rural e superação do processo, historicamente
de desigualdade educacional a que estão submetidas suas populações, refletidas nos dados
educacionais e de políticas públicas inadequadas ou ausentes/(minuta de criação do FNEC,
2010).
Uma conquista importante desse processo de mobilização no âmbito das políticas
públicas educacionais, envolvendo a participação dos Conselhos Estaduais e Municipais de
Educação, SEF/MEC, CONSED, UNDIME, Universidades e instituições de pesquisa, do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e ONGs; foi a aprovação das
“Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, (Resolução
CNE/CEB Nº 01, de 03 de abril de 2002), que se constituem num conjunto de princípios e
procedimentos que visam adequar o projeto institucional das escolas do campo às políticas
curriculares nacionais vigentes intencionando legitimar a identidade própria dessas escolas,
que deve ser definida, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos povos do campo,
em sua memória coletiva, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais; contemplando o campo em sua diversidade social, cultural, política,
econômica, de gênero, geração e etnia. (Resolução 1/2002 do CNE/ CEB).
40
2.3- BALANÇO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO
CAMPO NO BRASIL
Pensar em políticas públicas é entender que o Estado tem a responsabilidade e a
competência constitucional de formulá-las e efetivá-las. Essa tarefa foge às condições
objetivas das escolas, das ONGs, das instituições religiosas, dos movimentos sociais ou de
qualquer outra organização da sociedade civil.
Com efeito, cabe ao Estado o exercício efetivo do atendimento das demandas
individuais e sociais, expressas como direito público subjetivo. As necessidades, os desejos e
as demandas específicas dos sujeitos do campo são exemplos concretos de fontes geradoras de
políticas públicas que reconheçam e assegurem os valores, os saberes, a cultura e as práticas
pertencentes ao campo.
A educação para os sujeitos do campo desconsidera a superioridade da cidade em
relação ao campo, afirma-os, ao contrário, como um espaço diferente, cada qual com sua
cultura. Entendemos que a formulação de uma política pública requer uma base jurídica, que
contemple a especificidade da demanda a ser atendida.
A educação do campo se tornou política pública devido à regulamentação de um
conjunto de normas, A LDB 9.394/96, em seu art. 28, ao tratar das especificidades da
educação do campo, possibilita as adequações curriculares e metodológicas apropriadas ao
meio rural, como flexibilizar a organização e adequação do calendário escolar.
Sob a égide dessa nova ordem discursiva, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais
para Educação Básica das Escolas do Campo- Resolução 01/2002, que garantem o
reconhecimento da especificidade do campo e da necessidade de políticas específicas;
regulamentam o direito da população campesina à escolarização e ampliam os espaços de
embates, debates e conciliações entre o governo, o Estado e os sujeitos do campo, acerca dos
avanços da sua inclusão e dos territórios da floresta, das águas, do litoral e dos sertões no
cenário educacional brasileiro.
A partir da premissa de que o enunciado da Educação do Campo, presente no
ordenamento jurídico educacional, possibilita a formulação de uma política pública
educacional específica, observamos que as DOEBCs, articulando os Arts. 23, 26 e 28 da Lei
nº 9.394, consideram a perspectiva de uma pedagogia do campo assentada na diversidade dos
41
sujeitos do campo e de sua territorialidade social, cultural, política, econômica, de gênero, de
geração e de etnia. Essa articulação normativa ratificou o direito dos sujeitos do campo à
escolarização diferenciada e de qualidade. Entre os atos constitutivos desse ordenamento,
encontram-se o Decreto 5.159/2004, 6.755/2009; a resolução CNE/CEB Nº 1, de abril de
2002, CNE/CEB Nº 2 de 28 de abril de 2008; a Portaria Nº 1.374, de 03 de junho de 2003, e o
Parecer CNE/CEB 36/2001, CNE/CEB 1/2006.
As políticas de Educação do Campo, promovidas pelo MEC, efetivam-se em forma de
Programas, como por exemplo, os programas de educação para formação profissional em
nível superior do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) e o
PROCAMPO (Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo), que reorganizam cursos de licenciatura do Magistério nos anos finais do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio nas Escolas do Campo.
O PRONERA tem como objetivo ampliar os níveis de escolarização formal dos
trabalhadores rurais assentados, atuando como instrumento de democratização do
conhecimento no campo, ao propor e apoiar projetos de educação que utilizam metodologias
voltadas para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária. O programa tem como essência
capacitar os membros das próprias comunidades onde serão desenvolvidos os projetos, na
perspectiva de que sua execução seja um elemento estratégico na promoção do
Desenvolvimento Rural Sustentável.
O PROCAMPO surgiu devido à urgência de ampliar o acesso à escolarização
(Educação Básica) destinada a áreas rurais. É uma iniciativa da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECSD), que busca formar educadores para
trabalharem nas escolas do campo do Ensino Fundamental e Médio. Essa iniciativa busca
efetivar políticas públicas para o desenvolvimento do campo, que valorizem a especificidade
cultural e promovam equidade na educação. Esse Programa tem ainda a incumbência de
apoiar projetos de licenciaturas destinados à educação do campo, que tenham como
fundamento o ensino, a pesquisa e a extensão. Tais Projetos devem estar articulados com a
realidade das comunidades rurais, estabelecendo escolas e propostas pedagógicas para ampliar
o acesso dos sujeitos do campo à Educação Básica.
A ESCOLA ATIVA tem uma proposta pedagógica baseada na pedagogia ativa, por
meio da qual o aluno passa a ser o centro do processo educacional, rompendo com o ideário
da escola tradicional. Seus principais objetivos são: apoiar os Sistemas Estaduais e
42
Municipais de ensino na melhoria da educação nas escolas do campo com classes
multisseriadas, fornecendo diversos recursos pedagógicos e de gestão; fortalecer o
desenvolvimento de propostas pedagógicas e metodologias adequadas à classe multisseriadas;
realizar formação continuada para os educadores envolvidos no programa em propostas
pedagógicas e princípios políticos pedagógicos voltados para as especificidades do campo;
fornecer e publicar materiais pedagógicos que sejam apropriados ao desenvolvimento da
proposta pedagógica.
O PROJOVEM CAMPO – SABERES DA TERRA é um Programa Nacional de
Educação de Jovens e Adultos para agricultores/as familiares, integrado à qualificação social
e profissional, em nível fundamental (1º segmento). O programa se destina a desenvolver uma
política que favoreça e amplie o acesso e a permanência de jovens agricultores (as) familiares
no sistema formal de ensino, oferecendo oportunidades de elevação de escolaridade e de
cidadania. As propostas pedagógicas fundamentam-se em eixos curriculares – agricultura
familiar e sustentabilidade, articulando-os com os seguintes eixos temáticos: agricultura
familiar: etnia, cultura e identidade; desenvolvimento sustentável e solidário, com enfoque
territorial; sistema de produção e processos de trabalho no campo, economia solidária e
cidadania, organização social e políticas públicas. Esses eixos têm a perspectiva de
ressignificar o trabalho e a vida do camponês no campo.
43
2.4 - EDUCAÇÕES COMO DIREITO HUMANO
A educação é um dos direitos humanos. Está reconhecida no artigo 26 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos: Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será
gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução
superior, esta baseada no mérito.
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será
ministrada aos seus filhos. O direito humano à educação reconhecido na Declaração foi
transformado em norma jurídica internacional através, principalmente, do Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art.13 e 14), da Convenção sobre os Direitos da
Criança (art. 28 e 29) e do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (art.13).
Tratar a educação como um direito humano significa que não deve depender das
condições econômicas e de mercado. O mais importante é conseguir que todas as pessoas
possam exercer e estar conscientes de seus direitos. Nesse sentido, o tópico 2 do art.26 da
Declaração é fundamental na definição dos propósitos universais da educação.
O direito à educação tem um sentido amplo, não se refere somente à educação escolar.
O processo educativo começa com o nascimento e termina apenas no momento da morte da
pessoa. A aprendizagem acontece em diversos âmbitos, na família, na comunidade, no
trabalho, no grupo de amigos e também na escola.
Por outro lado, nas sociedades modernas, o conhecimento escolar é quase uma condição para
a sobrevivência e o bem-estar social. Sem ele, não se pode ter acesso ao conhecimento
acumulado pela humanidade. Dizemos ainda que a educação é um direito muito especial: um
“direito habilitante” ou “direito de síntese”. E sabe por quê? Porque uma pessoa que passa por
um processo educativo pode exigir e exercer melhor todos seus outros direitos.
44
A educação contribui para que crianças, adolescentes, jovens, homens e mulheres
saiam da pobreza, seja através de sua inserção no mundo do trabalho, seja por possibilitar a
participação política em prol da melhoria das condições de vida de todos. Também contribui
para evitar a marginalização das mulheres, a exploração sexual e o trabalho infantil, entre
muitos outros exemplos que poderiam ser citados.
45
2.4.1 - CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos constituem normas mínimas necessárias para levar uma vida
digna. Possuem quatro características que ajudam a entender como devem ser realizados na
prática: são universais, interdependentes, indivisíveis e justiciáveis.
Auniversalidade consiste em afirmar que os direitos humanos valem para todo
mundo. Nenhuma condição ou situação pode justificar o desrespeito à dignidade humana.
Além disso, ninguém pode renunciar a seus direitos. Não importa o país em que a pessoa
tenha nascido ou viva, seus direitos são os mesmos. O que pode mudar é a forma como esses
direitos são garantidos pelos governos. Por exemplo, o fato de uma pessoa estar fora do país
em que nasceu ou do qual é cidadão, seja ou não de forma permanente, não justifica que lhe
seja negado o acesso à saúde, à alimentação, à educação e a todos os demais direitos. Da
mesma forma, não podem os governos nacionais adotar medidas contra os direitos humanos
de sua população ou de parte dela, pois a chamada “soberania nacional” não está acima do
compromisso com os direitos humanos internacionalmente assumidos.
A indivisibilidade consiste em afirmar que todas as pessoas têm direito a gozar dos
direitos em sua totalidade, sem fracionamento ou redução. Mais um exemplo: na educação,
não basta apenas garantir vagas (acesso), é preciso que o ensino seja de qualidade e atenda às
necessidades e às especificidades dos diferentes grupos.
Já a disponibilidade significa que a educação gratuita deve estar à disposição de todas
as pessoas. A primeira obrigação do Estado brasileiro é assegurar que existam creches e
escolas para todas as pessoas, garantindo para isso as condições necessárias (como instalações
físicas, professores qualificados, materiais didáticos etc.). O Estado não é necessariamente o
único investidor para a realização do direito à educação, mas as normas internacionais de
direitos humanos obrigam-no a ser o investidor de última instância.
No tocante a acessibilidade esta consiste na garantia de acesso à educação pública,
disponível sem qualquer tipo de discriminação. Possui três dimensões que se complementam:
1) não discriminação; 2) acessibilidade material (possibilidade efetiva de frequentar a escola
graças à proximidade da moradia, por exemplo); e 3) acessibilidade econômica - a educação
46
deve estar ao alcance de todas as pessoas, independentemente de sua condição econômica,
portanto deve ser gratuita.
A aceitabilidade, por sua vez, garante a qualidade da educação, relacionada aos
programas de estudos, aos métodos pedagógicos, à qualificação do corpo docente e à
adequação ao contexto cultural. O Estado está obrigado a se assegurar que todas as escolas se
ajustem aos critérios mínimos elaborados e a certificar-se de que a educação seja aceitável
tanto para as famílias como para os estudantes.
Por fim, a adaptabilidade requer que a escola se adapte a seu grupo de estudantes; que
a educação corresponda à realidade imediata das pessoas, respeitando sua cultura, costumes,
religião e diferenças; assim como às realidades mundiais em rápida evolução.
47
2.4.2 - DIMENSÕES DO DIREITO À EDUCAÇÃO
As quatro características que vimos acima nos dizem que o direito humano à educação
é muito mais que uma vaga na escola, posto que trata da forma como deve ser exercido esse
direito, pois não há sentido em falar em educação se outros direitos são violados na escola.
Tratar a educação, enquanto um direito humano requer pensar a escola para além do
direito de ir à escola. A educação deve ser pensada e construída em termos qualitativos, de
forma que seja capaz de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, responder aos
interesses de quem estuda e de sua comunidade.
O exercício do direito à educação não pode estar dissociado do respeito a outros
direitos humanos. Não se pode permitir, por exemplo, que a creche ou a escola, seus
conteúdos e materiais didáticos reforcem preconceitos. Tampouco se deve aceitar que o
espaço escolar coloque em risco a saúde e a segurança de estudantes, ou ainda que a educação
e a escola sejam geridas de forma autoritária, impossibilitando a livre manifestação do
pensamento de professores e estudantes, bem como sua participação na gestão da escola.
Nesse sentido, a importância de pensar a educação, enquanto um direito humano,
capaz de estabelecer a relação entre prática pedagógica, espaço que se realiza essa prática e
sujeitos envolvidos nessa prática. Sujeitos que se formam para defender direitos e se
responsabilizar pelos seus deveres. Além disso, a educação em direitos humanos promove o
respeito à diversidade (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-
individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre
outras), a solidariedade entre povos e nações e, como consequência, o fortalecimento da
tolerância e da paz.
No caso da educação básica, esses princípios, características e dimensões precisam
estar presentes na formação dos profissionais da educação, nos materiais didáticos, no
conteúdo das aulas e até na gestão da escola e na sua relação com a comunidade. Tanto o que
se ensina como o modo como se ensina precisam estar de acordo com os direitos humanos e
estimular a participação e o respeito. Isso é o que propõe o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, cuja segunda versão foi concluída em 2006.
48
CAPÍTULO III– POLÍTICAS DE NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS DO CAMPO
3.0 – A NUCLEAÇÃO ESCOLAR ANALISADA A PARTIR DA PROPOSTA DE
ESCOLA DO CAMPO
Embora o acesso ao ensino fundamental seja dado como universalizado em todo o
Brasil, a persistência das desigualdades educacionais entre as zonas rural e urbana faz lembrar
os tempos lentos da história. Em pleno século XXI, milhares de crianças e jovens enfrentam
inúmeras barreiras para continuar os estudos e concluir as etapas do fundamental e do médio,
em cenário que muitas vezes evoca os primeiros anos do século passado.
Nos últimos anos houve um grande movimento de fechamento das escolas rurais. As
explicações para o fechamento são várias: o processo de municipalização, a redução da taxa
de natalidade e a diminuição da população rural ao longo dos anos. A nucleação das escolas -
a reunião de várias unidades em uma única - é outro fator que contribuiu para diminuição,
principalmente no que diz respeito à oferta das séries finais do ensino fundamental e do
ensino médio. Nesses casos, os alunos da zona rural são transportados pelos municípios para
os distritos maiores e, muitas vezes, para escolas da zona urbana.
A nucleação é um processo que tem por objetivo a organização do ensino no meio
rural, em escolas-núcleo, contrapondo-se a organização em escolas multisseriadas –
orientação esta que implica em maior apoio técnico e financiamento a escolas de menor
tamanho, mas localizadas no seio de cada comunidade, ainda que recebendo um pequeno
número de alunos. A nucleação viabiliza-se por meio do uso intensivo do transporte escolar e
deslocamento de alunos desde suas comunidades para escolas com maior população, onde
estes são reunidos em classes de acordo com sua faixa etária.
Os argumentos de viés político-pedagógicos que sustentam essa vertente defendem
que a melhoria no processo educativo é decorrente das aulas em classes unisseriadas e das
melhores condições materiais das escolas nucleadas, se comparadas com a histórica
precariedade das escolas multisseriadas. Argumentos de viés econômico-administrativos
sustentam que os custos com a nucleação frequentemente são mais baixos que os custos da
manutenção das salas multisseriadas, dado a menor necessidade de contratação de professores
e serventes por aluno, o que implicaria em melhores investimentos em infraestrutura e
49
formação docente. O processo de nucleação, no Brasil, foi particularmente forte na década de
90, quando as reformas educacionais na educação básica, induzidas pela LDB 9.394/96,
priorizaram o Ensino Fundamental com a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental, de Valorização do Magistério (FUNDEF) e o
fortalecimento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ao
estabelecerem critérios para a transferência de recursos financeiros às escolas públicas do
Ensino Fundamental, estimularam a municipalização do mesmo, processo que terminou por
resultar no fechamento de várias escolas multisseriadas. Os estudantes das unidades
desativadas foram então “nucleados” em centros urbanos e escolas maiores.
As críticas feitas ao processo de nucleação denunciam o distanciamento da escola-
núcleo das comunidades de origem de seus alunos e de suas respectivas famílias, além dos
riscos e desgastes que longas viagens realizadas em estradas precárias implicam para os
alunos.
Indica-se também que a política de nucleação contribui para o desenraizamento
cultural dos alunos do campo, tanto por deslocá-los para longe da comunidade de origem,
como por oferecer um modelo de educação urbano, alheio ao seu cotidiano. Critica-se, ainda,
o desestímulo à gestão participativa da escola, uma vez que, longe de sua comunidade de
origem, os alunos e seus respectivos pais não teriam meios para participar da gestão da escola,
conforme orienta a própria LDB.
Atualmente, os principais críticos a esse modelo no Brasil constituem o Movimento
Por Uma Educação do Campo, segmento que defende as salas multisseriadas como uma
solução viável e desejável para o campo (Cf. “Educação do campo”). Dessa vertente, surgem
proposições de uma escola do campo que contemple a complexidade do meio em que está
situada e que se identifique com os valores e as necessidades próprias do campo, uma escola
que seja “do campo” e “para o campo” (ARROYO, 1999; KOLLING, NÉRI, MOLINA,
1999).
As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL,
2004) representam um importante documento que norteia a implementação de políticas
públicas para a educação na zona rural, enfatizando que ela deve ocorrer nas comunidades e
distanciando-se assim do princípio da nucleação.
50
3.1 – EDUCAÇÃO E POLÍTICA DE FECHAMENTO DE ESCOLAS DO CAMPO
O processo de fechamento de escolas rurais atualmente ocorre, em maior ou menor
proporção, em todo o Brasil, como denunciado pela campanha nacional contra o fechamento e
pela construção de escolas no campo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) “Fechar Escola é Crime”, no qual o movimento contabilizou o fechamento de 24 mil
escolas em todo o país entre 2002 e 2009, sendo que 80% destas eram rurais. A região
Sudeste foi responsável por 20% deste total, enquanto o Norte e o Centro-Oeste foram
responsáveis cada um por 39% das escolas fechadas, o Nordeste 22% e o Sul 14% (MST,
2011).
O processo de reorganização escolar via fechamento das escolas, vem sendo
observado em todas as regiões do país, nas quais os estados vêm reorganizando suas
respectivas redes escolares, em um provável processo de nucleação escolar que centralizaria
as escolas em áreas urbanas, conformando uma concentração educacional urbana.
Tal constatação pode ser reforçada por Bof, Sampaio e Oliveira (2006), que em
pesquisa realizada em alguns municípios brasileiros, observaram que a despeito da maioria
dos governos locais declarar não possuir nenhuma política pública específica para as escolas
rurais, os que possuíam, optaram primeiramente pela nucleação escolar, seguido pelo
programa Escola Ativa, pelas Escolas de Assentamento e, por último, pela Pedagogia da
Alternância demonstrando a força do processo.
Desta forma, a pesquisa, deve-se encerrar com a análise até aqui concluída em relação
ao processo de fechamento de escolas rurais que estaria efetivando-se no município de Sumé,
estado da Paraíba, configurando um processo de nucleação escolar, sem o necessário debate
público acerca dos impactos que este processo acarretaria nas comunidades rurais, onde
crianças, jovens e adultos têm seus percursos escolares interrompidos ou desarticulados em
função do fechamento de unidades escolares.
Neste sentido, consideramos a nucleação escolar um processo no qual escolas urbanas
ou rurais, são fechadas ou etapas de ensino são desativadas e os alunos desta comunidade
escolar são transferidos para outras escolas, algumas vezes nomeadas de escolas núcleos ou
escolas polos, na maioria das vezes localizadas em uma área central.
51
Este processo configuraria a nucleação escolar, sendo que a maioria das escolas
fechadas é rural e muitas vezes as escolas para onde os alunos são transferidos são urbanas.
3.2 – O PROCESSO DE NUCLEAÇÃO DAS ESCOLAS DO CAMPO
O processo de fechamento de escolas rurais apesar de concreto e contínuo, não vem
ocorrendo sem gerar manifestações contrárias por parte dos movimentos sociais rurais,
principalmente pelo MST. Segundo a campanha liderada pelo movimento:
Para essas famílias camponesas, o anúncio do
fechamento de uma escola na sua comunidade ou nas
redondezas significa relegar seus filhos ao transporte
escolar precarizado, às longas viagens diárias de ida e
volta, saindo de madrugada e chegando ao meio da tarde;
à perda da convivência familiar, ao abandono da cultura
do trabalho do campo e a tantos outros problemas.
Portanto, fechar uma escola do campo significa privar milhares de jovens de seu
direito à escolarização, à formação como cidadãos e ao ensino que contemple e se dê em sua
realidade e como parte de sua cultura. Num país de milhares de analfabetos, impedir por
motivos econômicos ou administrativos o acesso dos jovens à escola é, sim, um crime! (MST,
2011).
Ou seja, os movimentos sociais vêm problematizando os impactos gerados pelo
fechamento destas escolas nas comunidades rurais, ancorados pela concepção de Educação do
Campo, um projeto educacional que visa uma educação comprometida com os povos
trabalhadores do campo e suas lutas nos movimentos sociais rurais e é contrário a educação
hegemonicamente imposta pelo Estado a educação rural, deslocada das verdadeiras
necessidades destes povos.
Alguns desses impactos são apontados por Kremer (2010) que, ao pesquisar o
processo de nucleação escolar em Bom Retiro/SC, constatou que o mesmo pode implicar no
desenraizamento e na mudança de atitudes e valores de muitos jovens de áreas rurais, entre
outras questões.
Como anunciado na citação do MST, um dos argumentos para a nucleação escolar é a
redução de custos e a centralização administrativa, apoiadas na precariedade destas escolas,
tanto infraestrutura quanto pedagógica. Porém, esta precariedade foi produzida a partir da
52
materialização de uma educação rural assistencialista e clientelista, infelizmente naturalizada
como intrínseca a estas escolas.
O que o movimento por uma Educação do Campo reivindica é uma educação do e no
campo, comprometida com seu lugar e seus povos, sendo o fechamento de escolas rurais uma
contradição na luta do movimento por educação de qualidade em áreas rurais. Por isso, caso a
nucleação escolar seja realmente necessária ela deveria ocorrer intra-campo (campo para
campo), de acordo com o texto publicado pela Articulação Nacional Por Uma Educação do
Campo no primeiro caderno da coleção Por Uma Educação do Campo.
Não somos a priori contra a junção de escolas menores numa escola maior (em alguns
lugares, chamada de nucleação de escolas), desde que observadas algumas condições: que
isso não represente um deslocamento muito grande para as crianças, especialmente as
menores; que essas escolas sejam no próprio meio rural; que haja efetiva melhoria das
condições de infraestrutura e de qualificação dos profissionais da educação envolvidos e que a
organização curricular seja planejada de modo a incluir uma efetiva relação dos alunos/alunas
com sua comunidade de origem. Não podemos deixar de considerar também o papel da escola
no desenvolvimento cultural das comunidades. Por isso, a decisão de nuclear escolas não pode
ser tomada somente em função de cálculos econômicos. (KOLLING; NÉRY; MOLINA apud
KREMER 2010, p. 3).
O processo de fechamento de escolas rurais gera tensões na própria legislação que a
partir da Resolução n° 2 (MEC, 2008) estabelece que a educação infantil deva sempre ser
oferecida nas próprias comunidades rurais, evitando tanto a nucleação quanto o deslocamento
dos alunos desta etapa de ensino e que o primeiro segmento do ensino fundamental somente
excepcionalmente poderá ser nucleado, desde que o deslocamento seja intra-campo.
Porém, no que diz respeito ao segundo segmento do ensino fundamental e ao ensino
médio, a nucleação, segundo a resolução, poderá ser considerada a melhor solução, desde que
pautada no diálogo com as comunidades rurais afetadas e sendo preferencialmente intra-
campo.
A partir desta pesquisa podemos considerar que o excepcional está virando regra e que
sem grandes discussões a nucleação foi considerada a melhor opção para o segundo segmento
do ensino fundamental e para o ensino médio, mesmo muitas vezes não sendo intra-campo,
amparada parcialmente por documentos do governo.
53
Igualmente vemos tal orientação, de oferta dos anos iniciais nas comunidades rurais,
no projeto de lei do Novo Plano Nacional de Educação (PNE, 2011), que orienta as políticas
públicas educacionais no decênio 2011-2020, já que este estabelece na estratégia 1.7 que a
nucleação escolar deve ser evitada e na estratégia 2.8 estimula a oferta dos anos iniciais do
ensino fundamental nas próprias comunidades rurais, o que também é uma conquista da luta
dos movimentos sociais rurais (MARINO, CORDEIRO, 2011).
Portanto, apesar de em curso, o processo de fechamento de escolas rurais, que envolve
a nucleação escolar, não está livre de tensões e questionamentos quanto aos seus reais
impactos nas comunidades rurais e escolares. O conceito de Educação do Campo nos nutre de
concepções e categorias de análise que pressupõem o protagonismo dos povos do campo
quanto às questões que lhes são tão caras, como a educação.
Porém, percebemos que este diálogo entre os povos dos campos e as esferas
governamentais não parece estar solidificado, o que pode gerar políticas públicas
educacionais que ao invés de melhorarem as condições de vida no Brasil rural podem
comprometer as conquistas dos movimentos que lutam por uma Educação do Campo.
54
3.3 – TRAJETÓRIAS DAS ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE SUMÉ
O município de Sumé não sendo diferente dos demais do Brasil, após estudos e
pesquisas sobre modelos de escolas e desenvolvimento já descrito anteriormente, falo agora
do nosso município recorrendo a minha memória de estudante como também da minha
experiência profissional no município. Como já dito sou fruto da Escola Isolada rural com
todas as características descritas em capítulos anteriores.
A escola funcionava na sala da casa da professora, uma mesa grande ao centro com
dois bancos de cada lado onde sentávamos para fazer o dever que geralmente era escrever as
letras da carta de ABC ou uma cópia da cartilha dependendo da série em que se encontrava,
depois levantávamos para dar a lição e os outros alunos sentavam com o mesmo objetivo. Até
que terminei o primário como chamado na época. Eis aí o meu CERTIFICADO:
Nos anos oitenta, fase da construção dos grupos escolares eu morava no sítio Laginha
quando foi construído o grupo denominado de Grupo Escolar Misto Joaquim Guedes Correia
Gondim Neto.
Era uma escola grande com três salas de aula, cozinha, almoxarifado, secretaria,
banheiros e uma ampla galeria coberta. Também havia mais de uma professora onde a maioria
eram vindas da cidade por falta de pessoal na localidade habilitados para o cargo, havia uma
diretora, auxiliares de serviços, merendeira, vigia e muitos alunos. Eu trabalhava na função de
merendeira contratada pela Cooperativa dos Irrigantes de Sumé, mas sempre que faltava uma
professora eu era convidada a assumir a turma e com isso na época exigiam um curso
55
específico de Magistério, então eu e mais algumas funcionárias começamos a estudar na
época o curso específico era o Logos II.
Logo que concluímos esse curso no ano de 1988 me submeti ao concurso público e
sendo aprovada para a região me tornei professora que para mim era um orgulho e ainda é.
Havia uma escassez de material muito grande não tinha nada, eu trabalhava com uma turma
de alfabetização, mesmo assim com a nossa dedicação e vontade desenvolvíamos boas aulas e
muitos alunos foram alfabetizados.
Em 1990 precisei vir morar na cidade e fui transferida para outro grupo na cidade
“Grupo Escolar Irineu Severo de Macêdo” outra realidade, trabalhei durante dois anos quando
no ano de 1992 fui convidada para trabalhar na Secretaria de Educação onde minha função era
desenvolver atividades e produzir material didático para disponibilizar para as professoras da
zona rural com o objetivo de melhorar a dinâmica de trabalho das professoras e obter um
melhor desempenho para os alunos. Em 1994 surgiu o concurso público estadual, fiz e fui
aprovada, passando a trabalhar dois expedientes.
Continuando na Secretaria de Educação onde foi criado o cargo de Supervisão
Escolar e eu fazia parte desse grupo aonde começamos a atuar dando suporte aos professores
da zona rural. Semanalmente fazíamos uma visita a cada escola na época grupo escolar
sempre com a mesma estrutura física, dispondo de uma sala de aula, uma cozinha e banheiros.
Figura 1,2 e 3.
Figura 1. Figura 2. Figura 3.
Estes Grupos foram construídos na mesma dinâmica citada anteriormente. Eram
geralmente construídos nas terras dos fazendeiros ou coronéis depois de fazer acordo com
líderes políticos da cidade aonde à maioria das professoras eram suas esposas ou filhas, que
seriam contratadas para dar aulas às pessoas da comunidade, aprenderem a fazer o nome para
votar naquele candidato ao cargo de prefeito, governo e deputados.
56
Quase sempre quem mandava na escola era o dono da terra, eles se achavam no direito
de administrar e contratar pessoas da sua confiança para exercer tal função e dessa forma as
escolas funcionaram por muito tempo sobre os cuidados dos fazendeiros.
Tempos depois com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9394/96), as coisas
foram se transformando e o professor teve que estudar para cumprir tal Lei como também a
quantidade de alunos determinados para cada turma. Nestas escolas a maioria das turmas são
multisseriadas, um só professor (a) recebe alunos da educação infantil ao 5º ano e muitas
vezes ainda não forma uma turma com a quantidade de alunos exigidos na Lei.
Em nosso município foram desenvolvidos alguns Programas tais como: O Programa
Escola Ativa, criado para auxiliar o trabalho educativo com classes multisseriadas, outro
Programa muito bom da PEADS (Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento
Sustentável) com uma metodologia direcionada para o aluno do campo e contribuir com os
professores (as) na formação continuada com o apoio do Projeto Dom Helder Câmara através
do SERTA (Serviço de Tecnologia Alternativa) e governo do município. Com esses
Programas/Projetos havia livros muito bons destinados para os alunos e professores. Tipo:
Como parte da política de revalorização do campo, a educação também é entendida no
âmbito governamental como uma ação estratégica para emancipação e cidadania de todos os
sujeitos que ali vivem ou trabalham, e pode colaborar com a formação das crianças, jovens e
adultos para o desenvolvimento sustentável regional.
Nessa fase a educação do município se desenvolveu bastante, não o suficiente para assegurar
as escolas abertas com números de alunos e professores adequados para cada turma.
57
De acordo com a pesquisa feita nas matrículas 1994 até 2013, só das escolas
municipais, observa-se um número bem significante de escolas localizadas na zona rural, com
um total de alunos que a cada ano diminuem conforme os gráficos abaixo:
GRÁFICO 1 GRÁFICO 2
Em algumas escolas os alunos eram divididos para as professoras do Município e do
Estado, uma professora assumia Ed. Infantil, 1ª e 2ª série e a outra 3ª, 4ª e 5ª série. Com o
passar do tempo esses alunos foram diminuindo e a professora do Estado assumia todos e a
professora do Município era transferida para a cidade.
Com a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 que determina a quantidade de alunos por
série, foi feito um agrupamento das escolas na tentativa de atender tal exigência e também
diminuir o multisseriadas que por vezes nunca acabou. Diante disso foram fechadas várias
escolas e esses alunos foram direcionados para as escolas da zona urbana.
Como observado nos gráficos, existiam 53 escolas no ano de 1994. De 1994 a 2004
foram fechadas 36 escolas e o número de alunos, neste período, caiu de 992 para 403
perdendo 589 alunos. Já na última década, o campo perdeu mais uma soma de escolas e
consequentemente de alunos como mostra os gráficos. De acordo com este levantamento o
número de matrículas cai a cada ano, como também se observarmos a matrícula inicial e final,
o número é bem menor em relação a inicial.
GRÁFICO 3 GRÁFICO 4
58
Diante do exposto, muitas escolas fecharam e muitos alunos foram transferidos para a
cidade. Com o processo de Nucleação como de fato está acontecendo não da forma como
deveria ser, porque é feito sem o menor diálogo com a comunidade, simplesmente fecha a
escola e transfere os alunos para a outra escola, mesmo assim entrevistei alguns pais e alunos
que estão na escola nucleada e eles acham bem melhor por ser também no campo com a
mesma realidade e dizem que melhorou por conta das turmas unisseriadas, mesmo que ainda
continuam algumas turmas do Fundamental II duas ou três séries na mesma sala por não haver
alunos suficientes para formar uma única turma.
Mesmo assim, dizem que melhorou bastante e querem muito que o ensino médio
também acontecesse na mesma escola.
A Escola nucleada no Distrito de Pio X a qual visitei, é uma escola com toda estrutura
legal, recebe alunos dos arredores e funciona nos dois turnos com fundamental dos anos
iniciais e finais recebe em média de 120 alunos. Os professores do fundamental I são da
redondeza, aqueles professores que já trabalhavam nas escolas que fecharam e foram
transferidos para lá, e os do fundamental II estão indo da cidade. A escola tem o quadro de
funcionários completo com assistência pedagógica semanal dos Coordenadores Pedagógicos.
Estes com formação específica em Educação do Campo, e a cada quinze dias se reúnem na
cidade para fazer o planejamento, acompanhados pela professora Maria do Socorro Silva da
UFCG, onde estão construindo uma Proposta de Educação do Campo que seja realmente uma
Proposta do Campo para o Campo. Figuras 1, 2, 3, 4;
Figura 1 Figura 2
A escola tem uma área bem ampla, com seis salas de aula, cozinha, banheiros
adaptados, almoxarifados, sala de professores, biblioteca, sala de vídeo, laboratório de
informática, sala de direção e secretaria e fica no campo.
59
Figura 3 Figura 4
Na Escola do Assentamento, também foram nucleadas só as micro vilas do
Assentamento, antes funcionava uma sala de aula em uma casa doada por um morador da vila.
Depois foi feito uma reforma e ampliação no grupo para poder atender a demanda existente
nas vilas mais distantes. Estes alunos são transportados para o grupo na Sede do
Assentamento e funciona no turno da manhã e uma turma do PROEJA à noite.
Recebe alunos de Ed. Infantil ao 5º ano do ensino fundamental, ainda permanece o
multisseriadas pelo pequeno nº de alunos em cada série. A proposta é que futuramente vai
remover outros alunos dos sítios vizinhos para esta escola.
Mesmo assim na entrevista que fiz com pais, alunos e professores, eles acham que
melhorou consideravelmente. Dizem que esperam ser implantado o fundamental II e também
o Ensino Médio.
Para isso a escola precisa ser ampliada e melhor estruturada para atender de forma
digna todos os alunos e demais funcionários e comunidade como de fato é direito. Figuras da
Escola Municipal Senador Paulo Guerra no Assentamento Mandacaru, município de Sumé,
Paraíba.
FIGURA 1 FIGURA 2
60
FIGURA 3 FIGURA 4
61
CONCLUSÃO
O tema da ‘nucleação’ foi recorrente durante o meu processo de estudo. O resultado
desta pesquisa revela o quanto ainda há muito por fazer em termos de políticas públicas para
tornar explícito aquilo que ainda parece implícito.
A partir desta pesquisa podemos considerar que o excepcional está virando regra e
que, sem grandes discussões, a nucleação foi considerada a melhor opção para o segundo
segmento do ensino fundamental e para o ensino médio, mesmo muitas vezes não sendo intra-
campo, amparada parcialmente por documentos do governo. Igualmente vemos tal orientação,
de oferta dos anos iniciais nas comunidades rurais, no projeto de Lei do Novo Plano Nacional
de Educação (PNE, 2011), que orienta as políticas públicas educacionais no decênio 2011-
2020, já que este estabelece na estratégia 1.7 que a nucleação escolar deve ser evitada e na
estratégia 2.8 estimula a oferta dos anos iniciais do ensino fundamental nas próprias
comunidades rurais, o que também é uma conquista da luta dos movimentos sociais rurais
(MARINO, CORDEIRO, 2011).
Portanto, apesar de em curso, o processo de fechamento de escolas rurais, que envolve
a nucleação escolar, não está livre de tensões e questionamentos quanto aos seus reais
impactos nas comunidades rurais e povos do campo quanto às questões que lhes são tão caras,
como a educação. Porém, percebemos que este diálogo entre os povos dos campos e as esferas
governamentais não parece estar solidificado, o que pode gerar políticas educacionais que ao
invés de melhorarem as condições de vida no Brasil rural podem comprometer as conquistas
dos movimentos que lutam por uma Educação do Campo.
Com a mudança na LDB, será necessário que um órgão normativo do sistema de
ensino, como os conselhos municipais de educação, se manifestem a favor do fechamento da
escola, antes que seja determinado o encerramento das atividades do estabelecimento de
ensino. Também será necessário ouvir a comunidade escolar e a apresentação de justificativa
formal pela Secretaria de Educação do Estado, antes do fechamento das escolas.
Na justificativa do projeto, o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante (hoje à
frente da Casa Civil), afirmou que decisões tomadas sem consulta causam transtornos à
população rural que deixa de ser atendida ou passa a demandar serviços de transporte escolar.
Nos últimos cinco anos, foram fechados mais de 13 mil escolas do campo.
62
Nos últimos anos, a discussão da educação como um direito subjetivo tem-se
evidenciado em todo o mundo. A Declaração de Jomtien de Educação para Todos (1990), da
qual o Brasil é signatário, é um marco internacional e se constituí numa referência ao colocar
a política educacional, a política social e o desenvolvimento como elementos fundamentais na
construção de uma sociedade democrática e justa.
No Brasil, o proclamado direito universal à educação tem sido uma dura conquista dos
movimentos sociais, especialmente dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública nas
esferas federal, estadual e municipal, tendo como referência a Constituição de 1988, e mais
recentemente a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, como marco legal nesse processo de
afirmação da educação no campo dos direitos humanos e sociais.
Educação é um direito humano e não uma questão de mercado. A educação enquanto
organizadora e produtora da cultura de um povo e produzida por uma cultura - a cultura do
campo – não pode permanecer seguindo a lógica da exclusão do direito à educação de
qualidade para todos e todas. A educação recria o campo porque por meio dela se renovam os
valores, as atitudes, conhecimentos e práticas de pertença a terra. Ela instiga a recriação da
identidade dos sujeitos na luta e em luta como um direito social, porque possibilita a reflexão
na práxis da vida e da organização social do campo, buscando saídas e alternativas ao modelo
de desenvolvimento rural vigente. Uma política de educação do campo precisa conceber que a
cidade não é superior ao campo, e, a partir dessa compreensão, impõem-se novas relações
baseadas na horizontalidade e solidariedade entre campo e cidade, seja nas formas de poder,
de gestão das políticas, de produção econômica e de conhecimento.
O campo é concebido como um espaço rico e diverso, ao mesmo tempo produto e
produtor de cultura. È essa capacidade produtora de cultura que o constitui em espaço do
novo e do criativo e não, quando reduzido meramente ao espaço da produção econômica,
como o lugar do atraso, da não cultura. O campo é acima de tudo o espaço da cultura.
Como percebemos só há duas escolas nucleadas intra campo como deve ser. Mesmo
assim ainda tem um grande número de alunos vindo para as escolas da cidade.
Percebemos que não importa que seja feito a nucleação, portanto que seja de campo
para campo e que tenha turmas até o Ensino Médio. Nas conversas com os pais, alunos e
também professores, eles querem muito que os filhos estudem, mas que estejam perto de casa.
Dizem que não é necessário acordar tão cedo e chegar tão tarde. Os pais e os educandos
precisam conhecer e lutar pelos seus direitos, já que nas Diretrizes Operacionais da Educação
63
Básica nas Escolas do Campo garante esses direitos e que a nova Lei sancionada pela Senhora
Presidente, diz que está proibido fechar escolas.
64
REFERÊNCIAS
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ARROYO, Miguel Gonzalez e FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação básica e o
movimento social do campo. – Brasília, DF: Articulação Nacional por uma Educação Básica
do Campo, 1999. Coleção por uma Educação Básica do Campo, nº 02.
BARROS, Oscar Ferreira; HAGE Salomão Mufarrej. Panorama estatístico e aspectos legais
das políticas de nucleação e transporte escolar: reflexões sobre a extinção das escolas
multisseriadas e a sua permanência nas comunidades do campo.
I encontro de Pesquisa e práticas pedagógicas em educação do campo da Paraíba. João Pessoa
– PB, 2011. Disponível: <http://www.ieppecpb2011.xpg.com.br/conteudo/GTs/GT%20-
%2002/21. pdf>.Capturado 13/09/2011.BRASIL. Ministério da Educação.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP.
_______. Instituto brasileiro de geografia e estatística (IBGE).
________. Diretrizes Complementares para o atendimento da Educação Básica do Campo.
Resolução CNE/ CEB Nº 2. Brasília-DF, de 28 de Abril de 2008.
Resolução CNE/CEB Nº 1, de 3 de abril de 2002.
MOLINA, Castagna Molina. A constitucionalidade e a justicibilidade do Direito à
Educação dos Povos do Campo. In: SANTOS, Clarice Aparecida dos (Org).
Educação do Campo: campo – políticas públicas – Educação. Brasília: Incra; MDA, 2008.
Coleção Por Uma Educação do Campo, Vol. 07.
NERY, Irmão Israel José. Apresentação. In: ARROYO, Miguel Gonzalez e FERNANDES,
Bernardo Mançano. A educação básica e o movimento social do campo. – Brasília, DF:
Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, 1999. Coleção por uma Educação
Básica do Campo, nº 02.
______. ARROYO, Miguel González; CALDART, RoseliSalete; MOLINA, MônicaCastagna
(Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009b. cap. 5, p.147
______SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SUMÉ/PB (Arquivos/1994-2013)