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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
MIRZA MARIA BAFFI PELLICCIOTTA
LIBERDADE.. E LUTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA TRAJETÓRIA
POLÍTICA (ANOS 1970)
Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção
do título de Doutor em História, na área de
concentração de História Cultural
ORIENTADORA
PROFA. DRA ELIANE MOURA DA SILVA
CAMPINAS, 2012
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR CECÍLIA MARIA JORGE NICOLAU – CRB8/3387 – BIBLIOTECA DO IFCH
UNICAMP
Informação para Biblioteca Digital Título em Inglês: Freedom… and struggle: considerations on a political career (year 1970) Palavras-chave em inglês: Students – Political activity – Brazil - 1970 Trotskyism Social movements – Brazil Brazil – History – 1964-1985 Área de concentração: História Cultural Titulação: Doutor em História Banca examinadora: Eliane Moura da Silva [Orientador] Marcelo Siqueira Ridenti Josué Pereira da Silva Eliana Maria de Melo e Souza Luis Antonio Groppo Data da defesa: 28-02-2012 Programa de Pós-Graduação: História
Pellicciotta, Mirza Maria Baffi , 1960- P365L Liberdade... e luta: considerações sobre uma trajetória
política (anos 1970) / Mirza Maria Baffi Pellicciotta. - - Campinas, SP : [s. n.], 2012.
Orientador: Eliane Moura da Silva . Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Estudantes – Atividades políticas – Brasil - 1970. 2. Trotskismo. 3. Movimentos sociais – Brasil. 4. Brasil – História – 1964-1985. I. Silva, Eliane Moura da, 1953- II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
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Para Celia Azevedo, que inspirou e construiu este trabalho comigo;
Para Marília P. Vasconcellos e Giselda Pellicciotta, razões de todos os esforços; Para Ângelo E. S. Pessoa, que sempre me apoiou e me motivou a seguir adiante;
Para Julia Lonel (in memoriam), em homenagem a todos militantes da Liberdade e Luta
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Agradecimentos
Gostaria de agradecer, de forma particular, a minha orientadora, Profa. Dra. Eliane
Moura da Silva que em prosseguimento aos trabalhos de orientação da Profa. Dra. Celia
Azevedo, auxiliou-me no amadurecimento e finalização de um longo percurso de
investigação e trabalho.
Meus agradecimentos a todos os colegas, docentes e pesquisadores que
contribuíram de maneira direta e indireta para o desenvolvimento desta tese, bem como
aos antigos e atuais militantes que generosamente me conduziram nos processos de
investigação sobre a tendência Liberdade e Luta.
Deixo também registrada a mais profunda gratidão às equipes técnicas do CEDEM,
do Arquivo Público do Estado e do Arquivo Edgar Leuenroth que me possibilitaram
estabelecer um contato profundo e moroso com a preciosa documentação sob guarda.
Cabe-me, ainda, agradecer aos amigos e colegas da Prefeitura Municipal de
Campinas que de maneira particular me ajudaram a conciliar as atividades de trabalho e
pesquisa, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento e conclusão deste estudo.
Por fim, toda a gratidão aos meus familiares que nesta custosa trajetória de
estudos e trabalho me ofereceram apoio e parceria.
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Resumo
A tese Liberdade... e Luta. Considerações sobre uma trajetória política (anos
1970) procura resgatar e refletir sobre a trajetória política de uma tendência estudantil de
matriz trotskista (lambertista) que cumpriu um papel destacado na reconstituição e
transformação do movimento estudantil brasileiro na década de 1970. Como tendência
imersa numa década repressiva, a Liberdade e Luta (vinculada à Organização Socialista
Internacionalista/OSI) partilhou da emergência de novas experiências de ação política que,
entre outros aspectos, orientou-se pela construção de “alternativas” para a sociedade e a
universidade brasileira, chegando a promover formas originais de ação coletiva, críticas a
certas formulações e práticas das militâncias de esquerda ao mesmo tempo que sensíveis
a presença de experiências contraculturais no interior da Universidade de São Paulo. Em
seu percurso de formação e desenvolvimento, encontramos marcas de transformação do
movimento social dos estudantes (forçado a enfrentar novos desafios e a construir novas
experiências), bem como dos desafios de leitura e recomposição experimentadas pelas
organizações de esquerda em seus esforços de recompor e reestruturar projetos e ações
políticas. Mais do que isso, a trajetória desta tendência estudantil nos dá pistas da
confluência de inúmeros processos que redundaram não apenas numa recomposição
original do movimento estudantil, mas na emergência de novas experiências – de teor
político-cultural – em meio à sociedade civil e as esquerdas brasileiras.
Palavras chaves: 1. Estudantes – Atividades políticas – Brasil - 1970. 2. Trotskismo. 3. Movimentos sociais – Brasil. 4. Brasil – História – 1964-1985.
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Abstract
The thesis Freedom ... and Struggle. Considerations on a political career (year1970) seeks to recover and reflect on the political trajectory of a Trotskyist tendency student matrix (Lambert) who played an important role in the reconstruction and transformation of the Brazilian student movement in the 1970s. The trend immersed in a decade of repression and Freedom Struggle (linked to the Internationalist Socialist Organization / OSI) shared the experiences of the emergence of new political action, among other things, guided by the construction of "alternative" to society and the Brazilian university , arriving to promote original forms of collective action, critical of certain formulations and practices of leftist activism while sensitive to the presence of countercultural experience within the University of São Paulo. In his course of training and development, we find marks the transformation of students' social movement (forced to face new challenges and build new experiences), as well as the challenges of reading and resetting experienced by left-wing organizations in their efforts to rebuild and restructure projects policies and actions. More than that, the trajectory of this trend in student gives clues to the confluence of several processes that not only resulted in a restoration of the original student movement, but the emergence of new experiences - from political and cultural content - in the midst of civil society and the left Brazil.
Keywords: 1. Students - Political Activities - Brazil - 1970. 2. Trotskyism. 3. Social movements - Brazil. 4. Brazil - History - 1964-1985.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABI: Associação Brasileira de Imprensa ADUSP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo AES: Aliança dos Estudantes para o Socialismo AI-2: Ato Institucional nº2 AI-5: Ato Institucional nº5 AJS: Alliance des Jeunes pour le Socialisme ALN: Ação Libertadora Nacional AP: Ação Popular APML - Ação Popular Marxista-Leninista ARENA: Ação Renovadora Nacional ASI (ou AESI) - Assessoria de Segurança e Informação BICHUSP: Calourada da USP BLA: Bureau Latino-Americano BP: Bureau Político BPO: Bloco pelo Partido Operário CA: Centro Acadêmico CAEL: Centro Acadêmico dos Estudantes de Letras da USP CAF: Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da USP CAVC: Centro Acadêmico Visconde de Cairú da Faculdade de Ciências Econômicas da USP CA XI de Agosto: Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP CALC: Centro Acadêmico Lupe Cotrim da Escola de Comunicação e Artes da USP CAOC: Centro Acadêmico Osvaldo Cruz da Faculdade de Medicina da USP CBA: Comitê Brasileiro pela Anistia CC: Comitê Central CCC Mackenzie: Comitê de Caça aos Comunistas da Faculdade Mackenzie CCA: Conselho de Centros Acadêmicos da USP CDCR: Comités de Défense contre la Répression CDPP: Comitê de Defesa dos Presos Políticos CEAC: Centro de Estudos de Artes e Comunicações CEB: Conselho de Entidades de Base CEE: Conselho Estadual de Entidades CEFISMA: Centro Acadêmico de Física e Matemática da USP CEGE: Centro Paulista de Estudos Geológicos da Faculdade de Geologia da USP CEMAP: Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa CENIMAR: Centro de Informação da Marinha CEUPES: Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Sociais da USP CGT: Comando Geral dos Trabalhadores CIE : Centro de Informações do Exército CIQI: Comitê Internacional da Quarta Internacional CLER: Comité de Liaison des Étudiants Révolutionnaires CNBB: Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNPU: Comissão Nacional Pró-UNE CONEB: Conselho Nacional de Entidades de Base CONEG: Conselho Nacional de Entidades Gerais
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CORQUI: Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação da FGV Rio de Janeiro CS: Convergência Socialista CU: Comissão Universitária CUT: Central Única dos Trabalhadores DA FGV: Diretória Acadêmico da Faculdade Getúlio Vargas DCE livre: Diretório Central dos Estudantes Livre DI-GB: Dissidência da Guanabara DOI: Destacamento de Operações de Informações DOI-CODI: Destacamento de Operações de Informações – Centros de Operações e Defesa Interna DOPS-SP (ou DEOPS-SP): Delegacia Especializada de Ordem Política e Social DPF: Departamento de Polícia Federal DSP: Dissidência de São Paulo DU UnB: Diretório universitário da Universidade de Brasilia ECA USP: Escola de Comunicação e Artes da USP EE-FUO: Ecole Émancipée pour le Front Unique Ouvrier ENE: Encontro Nacional de Estudantes FBT: Fração Bolchevique Trotskista FAAP: Faculdade Armando Álvares Penteado FAU USP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP FEA USP: Faculdade de Economia e Administração da USP FEN: Fédération de l'Education Nationale FER: Fédération des Étudiants Révolutionnaires (trotskista lambertista) FES: Frente Estudantil Socialista FFLCH: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP FLT: Fração Lênin-Trotsky FQI: Fração Quarta Internacional FUA: Frente Única Antifascista GCL: Grupo Comunista Lênin GER: Grupo de Estudos Revolucionários GFAU: Grêmio da Faculdade de Arquitetura Urbanismo GO: Grupo Outubro GOI: Grupo Operário Internacionalista GTP: Grupo de Teatro da Poli IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática IPES: Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais IPM: Inquérito Policial Militar ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros JCR: Juventude Comunista Revolucionário LAAUSP: Liga Atlética Acadêmica da Universidade de São Paulo LABHOI: Laboratório de História Oral e Imagem da UFF LCI: Liga Comunista Internacionalista LL: Liberdade e Luta LSN: Lei de Segurança Nacional MDB: Movimento Democrático Brasileiro ME: Movimento Estudantil MEC: Ministério da Educação e Cultura
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MEP: Movimento pela Emancipação do Proletariado ME 1ºM: Movimento Estudantil Primeiro de Maio SP Molipo: Movimento pela Libertação do Proletariado MPPT: Movimento por um Partido dos Trabalhadores MR-8: Movimento Revolucionário 8 de Outubro OAB: Ordem dos Advogados do Brasil OBAN: Operação Bandeirantes OC 1º de Maio: Organização Comunista 1º de Maio OCI: Organisation Communist Internationaliste OCI-U: Organização Comunista Internacionalista Unificada OEA: Organização dos Estados Americanos OLAS: Organização Latino-americana de Solidariedade OMB: Organização Marxista Brasileira OMO: Organização de Mobilização Operária OSI: Organização Socialista Internacionalista OT (ou o.t.): Organização trotskista O: organização PCB: Partido Comunista Brasileiro PC do B: Partido Comunista do Brasil PCI: Partido Comunista Internacionalista PCR: Partido Comunista Revolucionário PO: Partido Operário PO: Política Obrera POC: Partido Operário Comunista POL: Partido Operário Leninista POLI USP: Faculdade Politécnica da USP POLOP: Política Operária POR: Partido Operário Revolucionário PORT: Partido Operário Revolucionário Trotskista PM-Rio: Polícia Militar do Rio de Janeiro PM-São Paulo: Polícia Militar de São Paulo PSOL: Partido do Socialismo e Liberdade PSR: Partido Socialista Revolucionário PT: Partido dos Trabalhadores PTB: Partido Trabalhista Brasileiro PUC: Pontifícia Universidade Católica Q.I.: Quarta Internacional QI/CI: Quarta Internacional/Comitê Internacional QI/CIR: Quarta Internacional/Centro Internacional de Reconstrução SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SI: Secretariado Internacional SLL: Socialist Labour League SNI: Serviço Nacional de Informação SWP: Socialist Workers Party SU: Secretariado Unificado TS: Tendência Sindical UCMG: Universidade Católica de Minas Gerais UEE: União Estadual de Estudantes
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UEE-SP: União Estadual dos Estudantes de São Paulo UFBA: Universidade Federal da Bahia UFF: Universidade Federal Fluminense UFJF: Universidade Federal de Juiz de Fora UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais UFPE: Universidade Federal de Pernambuco UFPB: Universidade Federal da Paraíba UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul UJCm-l: Union des Jeunesses Communistes marxistes-léninistes (maoísta) UMES: União Metropolitana de Estudantes/Rio de Janeiro UNE: União Nacional dos Estudantes UNEF: Union Nationale des Étudiants de France UNEF ID: Union Nationale des Étudiants de France Indépendante et Démocratique UNEF Unité syndicale: Union Nationale des Étudiants de France Unité syndicale URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP: Universidade de São Paulo VAR-PALMARES: Vanguarda Armada Revolucionária Palmares VPR: Vanguarda Popular Revolucionária
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ÍNDICE DE IMAGENS 1.Ação repressiva em universidade no período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 2. Manifestação pela Anistia (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 3. Greve de trabalhadores e estudantes, França, maio de 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 4. “Pelas Liberdades Democráticas”, Manifestação estudantil nas ruas de São Paulo do período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 5. “Amanhã vai ser outro dia”. Manifestação estudantil do período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 6. Celebração na Alemanha nazista (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 7. Manifestação em maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 8. Vitória da Liberdade e Luta nas eleições para o DCE USP em 1978. Acervo: O Trabalho 9. Cartaz da campanha para UEE, 1978. Acervo: O Trabalho 10. Registro da intervenção do DOPS no IIII ENE, PUC-SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 11. Iconografia de maio de 1968; comunista chinesa; da IV Internacional. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos ssessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 12. Coronel Erasmo Dias em manifestação estudantil nas ruas de São Paulo. (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 13. Invasão na PUC-SP em 1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 14. Imagens de 1968: ruas de Porto Alegre (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 15. Imagens das ruas do Rio de Janeiro em 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 16. Invasão na Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 17. Material jornalístico e cartazes dos primeiros anos da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet) 18. Registro de manifestação de 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizado pela internet) 19. Imagem de Delegacia de Polícia, 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 20. Prisões durante o Congresso da UNE em Ibiúna. Imagens da Agência Estado (disponibilizadas pela internet) 21. Documentos da Operação Ibiúna. Fundo DEOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 22. Registros sobre a atuação de militantes da ALN. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 23. Documentos estudantis recolhidos pelo DOPS SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 24. Documentos oriundos das manifestações da sociedade civil. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 25. Imprensa alternativa da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet)
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26. Graúna, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970 (imagens disponibilizadas pela internet) 27. Missa na Catedral da Sé pela morte do operário Santo Dias (1979). Acervo DEOPS/ Arquivo Público do Estado 28. Manifestação no Largo 13 contra Exílio. Fonte: Estadão (imagem disponibilizada pela internet) 29. Manifestação estudantil, Paris, 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 30. Jornal The Black Dwarf, publicação da nova esquerda inglesa (internet) 31. Apresentação de “É proibido proibir” por Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes no III FIC, Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, em setembro de 1968 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 32. Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 33. Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 34. Imagens das manifestações de maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 35. Documentação e manifestação de maio de 1968 em Paris. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 36. Documentação lambertista de maio de 1968. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 37. Imagens das manifestações de maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 38. Intervenções artísticas de Antônio Manuel, 1968 39. Manifestações na Candelária, Rio de Janeiro, 1968 Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 40. Mário Pedrosa e a Revista Socialismo ou Barbárie (internet) 41. Cartaz do Realism Socialista, década de 1930; Lenin on the tribune – Alexander Mikhailovich Gerasimov; Los vencedores - K. Antonovo, década de 1940 (internet) 42. Desenho futurista de Trotsky; Detalhe do mural Sonho de uma tarde de domingo no parque de Alameda, Diego Rivera, 1948; Posters da guerra civil/Rússia, de 1919 (internet) 43. Épico dos povos Mexicanos - México hoje e amanhã, 1934/35. Painel de Diego Rivera (1929/1935) Palácio Nacional, Cidade do México (imagens disponibiizadas pela internet) 44. Cidade Universitária da USP nos primeiros anos da década de 1970 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 45. Mapa da USP (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 46. Cartaz e imagens do show de Gilberto Gil na USP em 1973 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 47. Foto datada de 1973 não identificada; retrato de Alexandre Vannucchi Leme, aluno de geologia/USP e militante da ALN (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 48. Autos de Investigação sobre os diretores do Conselho de Centros Acadêmicos da USP, 11/06/1974. Acervo DEOPS, Arquivo Público do Estado 49. Fradim, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970. Acervo: Clio História (internet)
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50. Interior da USP, início dos anos 1970 Acervo: Clio História (internet) 51. Jornal A Ponte quando o muro separa. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 52. Imagens (sem identificação) de http://plaggiado.blogspot.com 53. Processo de Investigação de José Américo Ascencio Dias e Edmundo Machado de Oliveira em função da “eclosão de assembléia permanente na ECA-USP” (28/04/75). 54. Imagens da Missa de sétimo dia de Vladimir Herzog em São Paulo Acervo: Move Brasil (internet) 55. Obra de Cildo Meireles, 1975 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 56. Júlio Turra e Markus Sokol em assembléia do movimento operário, já nos anos 1980. Acervo: O Trabalho 57. Jornal da militância trotskista no interior da Faculdade de Economia da USP celebra a reconstrução do DCE livre da USP, 1976. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 58. Plataforma Liberdade e Luta para o DCE Livre da USP, 1976. . Fundo DOPS/Arquivo do Estado 59. Manifestação no interior da USP. Fundo: Revista Adusp 60. Representação feita pela matéria “Libelú. Eis o Fascínio Radcal“ do jornalista Wagner Carelli, publicada na Revista Isto É de 25/07/1979 61. Cartas programa das chapas Refazendo e Caminhando para o DCE USP em 1977; Autos de Investigação: natureza subversiva da propaganda distribuída pelo DCE da USP, 24/10/1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 62. Boletim GFAU Gestão Liberdade e Luta; material de formação política dos GER: Programa de Transição de Leon Trotsky. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 63. Panfleto sobre a "farsa eleitoral" em campanha pelo voto nulo; panfleto do culto ecumênico pela anistia em 1978. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 64. “Por um DCE combativo” (1977); “Liberdade e Luta Intervém” (1977). Acervo DOPS/Arquivo do Estado 65. Estudantes da USP sobre a ponte de Pinheiros. Acervo: O Trabalho 66. Passeata de 5 de maio pelo centro de São Paulo. Agência Estado e Revista Veja de 11 de maio de 1977 67. Panfletos sobre a anistia: Comitê 1º de Maio; “Na SBPC”, Resistência. Acervo Dops/Arquivo do Estado 68. Passeata pelo centro de São Paulo. Fonte: Revista Isto É, 25/05/1977 69. Panfletos do DCE Livre da USP. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 70. Imagens do III ENE (BH/MG, junho de 1977) e do II Dia Nacional de Luta pela Anistia no Largo de S Francisco/SP em 8 de agosto de 1977 Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 71. Diretores do DCE Livre da USP e militantes indiciados no DEOPS em agosto de 1977. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 72. Manifestação estudantil. Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 73. Em celebração a realização (ainda que clandestina) do III ENE, estudantes se reúnem na PUC-SP, pouco antes da invasão policial comandada pelo coronel Erasmo Dias, no dia 22 de setembro de 1977. Acervo: EstudanteNET. Portal oficial UNE e UBES (internet) 74. Invasão policial da PUC-SP durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado 75. Movimento estudantil na UnB: contra a ocupação da Universidade, 1977. Fotos de Adonai Rocha (disponibiizadas pela internet) 76. Cartaz e carta programa da tendência Liberdade e Luta para a UEE-SP em 1978. Acervo: CEDEM
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77. Eclosão das movimentações operárias em 1978 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 78. Cartaz da chapa Liberdade e Luta e registro do momento da vitória em 1978. Acervo: O Trabalho 79. Campanha pela anistia, entre outros movimentos do segundo semestre de 1978. (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 80. Assembléia na PUC, 1978. Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 81. Jornal O trabalho. Acervo: CEDEM 82. Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 83. Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 84. Acontecimentos do 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 85. Ato de Abertura do 31º Congresso da União Nacional de Estudantes. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 86. Josimar Melo, candidato da tendência Liberdade e Luta para a presidência da UNE, discursa em plenário. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 87. Imagens do plenário nos momentos de votação; discurso de Paulo Massoca centro). Fotos disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 88. Registros sobre o Congresso de Reconstrução no jornal O trabalho; manifesto da tendência Liberdade e Luta Estadual. Acervo: CEDEM 89. Cartas programas de Liberdade e Luta em 1979. Acervo: CEDEM 90. Imagens e matérias sobre a Liberdade e Luta em 1979 91. Chapa Muitrão é eleita para presidir a UNE reconstruída. Fonte: Carta Programa. Acervo: CEDEM 92. Material do grupo Viajou sem Passaporte (outubro de 1978), que contou com a participação de Paulo Zocchi. (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 93. Congresso UEE - Poli, 1980; Preparação Encontro da Juventude, final de 1980; Assembléia na USP sobre o CRUSP, fevereiro/1980; USP, março/1980; Plenária da Liberdade e Luta, 1980; Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980; Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980 (imagens disponibilizadas pela internet) 94. Manifestações operárias. Imagens disponibilizadas pela internet. 95. Chapa Solidariedade para DCE Livre da USP. Acervo: CEDEM 96. Muros de Paris. Foto de Cartier-Bresson, 1968 97. Movimento de repúdio à presença militar na UnB, em 1977. Fotos de Adonai Rocha 98. Estudantes - próximos ou não - da Liberdade e Luta nos anos de 1977, 1978 e 1983 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet)
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SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS..............................................................................................................................................23 APRESENTAÇÃO.........................................................................................................................................................................35
A - NOS QUADROS DE UMA SOCIEDADE AUTORITÁRIA...........................................................41
1. MUTAÇÕES A ESQUERDA....................................................................................................................................................43 2. NA DIMENSÃO DA ORDEM................................................................................................................................................47 2.1 Terreno de subversivos.....................................................................................................................................................63 3. NA DIMENSÃO DA RESISTÊNCIA....................................................................................................................................73 3.1 Variações acerca do “sujeito revolucionário”, da liberdade, da democracia, da revolução...............................................................................................................................................................................................79
B - ESQUERDAS EM TRÂNSITO..............................................................................................................................109
4. INTERNACIONALISMO(S)...................................................................................................................................................117 4.1 Nos ventos de uma esquerda internacionalista..........................................................................................123 4.2 Os “lambertistas” de maio de 1968......................................................................................................................132
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4.3 Marcos internacionais de 1968 no Brasil..........................................................................................................139
C - LIBERDADE.... E LUTA.............................................................................................................................................163
5. UNIVERSIDADE EM MOVIMENTO...............................................................................................................................169 6. MUNDO EM MOVIMENTO...............................................................................................................................................259 6.1 - Voto nulo e assembléia constituinte livre e soberana..........................................................................299
6.2 - Estatuto para um DCE livre e combativo.........................................................................................................306
6.3 - Primeiras passeatas fora da USP...........................................................................................................................310
6.4 - Segunda eleição do DCE livre da USP: combates políticos................................................................317
6.5 - “Abaixo a ditadura” em passeatas-relâmpago...........................................................................................325
6.6 - A luta pela (re)fundação da UEE-SP e da UNE.............................................................................................332
7. MUNDO DO TRABALHO EM MOVIMENTO..........................................................................................................351
7.1 - Aliança operário-estudantil e a vitória na eleição do DCE.................................................................356
7.2 - Liberdade e Luta na direção do DCE: lutas internas e externas.....................................................364 7.3 - Liberdade e Luta como “tendência sindical” do movimento estudantil e a luta pela UNE independente.......................................................................................................................................................................372
7.4 - Reconstruindo a UNE: conquistas e perdas da Liberdade e Luta.................................................379
7.5 “Plano de combate” da tendência sindical.......................................................................................................394 7.6 - A luta contra o ensino pago e as intervenções artístico-culturais...............................................415
7.7 - Aproximações trotskistas e o apoio ao PT.....................................................................................................421
7.8 - Política de boicotes e de greves: por uma “greve geral nacional de estudantes”...........425
7.9 “Entrismo” no PT e dissolução da Liberdade e Luta..................................................................................432
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................................................441
9. INSTITUIÇÕES DE PESQUISA CONSULTADAS......................................................................................................447
10. FONTES PRIMÁRIAS............................................................................................................................................................460
11. ENTREVISTAS...........................................................................................................................................................................475
12. FONTES SECUNDÁRIAS/BIBLIOGRAFIA................................................................................................................476
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“...então eu comecei a ver que não era só uma questão histórica... não era só uma
questão da sociedade, injustiça social, mas era uma questão de ver um mundo
num movimento, numa dinâmica que é desigual, que é combinada, e quem falava
isso, quem não pensava em etapas, era o trotskismo... e mesmo que muita gente
da Liberdade de Luta nunca tenha nem sabido escrever Trotski, eu acredito que a
Liberdade e Luta teve essa presença marcante em virtude dessa amplidão
proporcionada pelo corpo teórico do trotskismo e pelas pessoas que souberam
que nesse corpo teórico estava o pulso pra que se pudesse pensar ciência, pra que
se pudesse pensar cultura, a vida, a juventude, que se pudesse pensar no Brasil..”
Juleusa Turra, 2005
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em um curta-metragem sobre o século XX produzido por Marc Ferro1 na década de
1980 e apresentado pelo autor na Unicamp no mesmo período, pudemos acompanhar as
possibilidades de se articular um mesmo conjunto de dados de maneiras diferentes e por
meio deles, identificar a existência, a princípio, de complexidades imperceptíveis ao olhar.
Em meio à composição de imagens em duas versões diferentes do século XX, Ferro nos
levou a identificar de forma concomitantemente, a presença de processos repressivos e
de processos libertários. E este caminho sugerido em meados dos anos 1980, logo
assumiu um sentido providencial ao estudo do movimento estudantil da década de 1970,
tema ao qual passaria a me dedicar no mestrado e posteriormente, no doutorado. O
interesse - e desafio - de lidar com dinâmicas históricas contemporâneas, contraditórias e
intensas, materializava-se - sob o olhar de Marc Ferro - na necessidade de adotar ou
mesmo construir procedimentos de pesquisa capazes de tornar perceptível o que nos
escapava ao olhar.
1 Marc Ferro. Curta metragem sobre o século XX. AEL/Unicamp
Celebração na Alemanha nazista; manifestação em maio de 1968 na França
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Na longa trajetória de pesquisa do mestrado, período no qual a intuição e a
vontade ainda não contavam com suficiente amadurecimento teórico, toda uma ebulição
de fenômenos políticos e culturais ganhou forma, e neste caso, a oportunidade de
trabalhar na organização da documentação reunida no Arquivo Edgar Leuenroth, permitiu
o contato, mas também o “afogamento”, em milhares de panfletos, folhetos, boletins,
jornais, cartazes.. produzidos nos tantos mimeógrafos e máquinas offset “clandestinas” ou
simplesmente de funcionamento irregular no interior ou fora da universidade.
Organizar esta massa documental e propor uma articulação de referências, de
objetos políticos, de lutas e movimentos em escala de país entre os anos de 1969 (pós-AI-
5) e 1979 (ano emblemático de reconstrução da UNE), foi a proposta do mestrado, tarefa
dura e custosa que se traduziu na organização de uma cronologia de 500 referências de
movimentações coletivas, em uma proposta de periodização, identificação e
problematização do fenômeno de metamorfose política que se achava em curso.
Conceitos como cultura política, identidade, práticas informais, crise institucional, foram
emergindo de um processo de pesquisa que, a cada momento, forçava o alargamento do
olhar, a ponto de nós mesmos não nos reconhecermos, ou ainda, de nosso estudo se
revelar ininteligível para os padrões de análise daquele momento. De fato, a dissertação
Uma Aventura Política: as Movimentações Estudantis dos anos 702, iniciada em 1986 e
defendida em 1997, permaneceu nas prateleiras até bem pouco tempo, quando novas
perspectivas de reflexão sobre o movimento estudantil passaram a se interessar de forma
mais pontual sobre os fenômenos políticos da universidade nos anos 1970 e gerar
trabalhos de iniciação científica e mestrado, particularmente nos campos da sociologia,
ciências políticas, educação e história.
Mas foi também nesta trajetória surda de pesquisa que as considerações atentas
da profa. Célia Azevedo, na ocasião da defesa do mestrado, abriram novas portas de
investigação; em seu entender, a insuficiência da análise no trato das esquerdas
estudantis do período fragilizava o corpo do trabalho que ali se expunha, considerando
2 PELLICCIOTTA, Mirza. Uma Aventura Política: as movimentações estudantis dos anos 70. 1997. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, Campinas, 1997.
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que se fazia necessário retornar ao tema para estudar a mesma ebulição política no
interior das próprias práticas organizadas.
O novo desafio, enfim, revelou-se ainda mais solitário e árduo, afinal, tratava-se de
estudar processos de re-significação política e cultural no âmbito de organizações
clandestinas, o que nos fez optar pelo estudo de uma única organização, a Organização
Socialista Internacionalista (OSI) e seu braço estudantil, a tendência Liberdade e Luta,
constituída em meados da década de 1970 no interior da Universidade de São Paulo. E
porque a OSI e a Liberdade e Luta? Esta escolha que, inicialmente, partiu da convicção de
que tratava-se de uma organização particularmente sensível a algumas questões de seu
tempo, ganhou novas bases ao revelar-se parte, também, das mudanças de paradigma
político em curso. O “estranhamento” despertado pela tendência Liberdade e Luta frente
aos órgãos repressivos e aos parceiros de luta organizada, conforme teremos
oportunidade de demonstrar, parecia sugestivo....
Os moldes assumidos pela vertente trotskista de movimento estudantil na década
de 1970 revelavam sinais de identidade com certos fundamentos e questões vivenciadas
por um contingente muito mais amplo de grupos e coletivos culturais e políticos não
organizados, situação que, se por um lado lhes permitiu compartilhar de re-significações e
incorporações teóricas e práticas, também lhes trouxe derrotas e esvaziamentos. Vale
também considerar que as mesmas possibilidades de aproximação se originaram da
recomposição e fortalecimento de certas heranças marxista-leninistas, entre elas, a do
conceito leninista de partido - particularmente, em sua versão bolchevique.
Mas nós enfrentamos dificuldades de percepção e análise destes processos, uma
vez que a presença de organizações trotkistas entre as movimentações estudantis de
períodos anteriores aos anos 1970 ainda precisa ser melhor estudada, ao mesmo tempo
em que a opção travada pelas militâncias trotskistas de, desde a fundação do PT, integrar
seus fóruns e estruturas internas, redundaria em novos rumos e possibilidades destas
organizações, diluindo-se em parte a mesma trajetória. Por outro lado, coube a estas
organizações redesenhar sua atuação no curso das décadas de 1980 e 1990, mantendo-se
convictos da necessidade de se manter uma aliança de esquerdas no interior do partido,
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ao mesmo tempo em que o partido buscasse se aproximar dos movimentos e lutas
considerados fundamentais à transformação social. Desta forma, parte das discussões,
experiências e leituras de política e cultura formuladas na década de 1970 permaneceriam
presentes no embate das organizações dentro do PT, mas já incorporadas às regras e
propósitos deste partido.
As experiências e formulações que outrora nasceram de uma sintonia muito rara
entre o universo organizado de esquerda e os fenômenos sociais e coletivos mais amplos
permanecem, portanto, guardadas na memória histórica de certos movimentos, em
particular, do movimento estudantil dos anos 1970, que se em sua trajetória de
recomposições experimentou uma “crise institucional” – por força dos próprios
questionamentos e pressões por mudança de estruturas herdadas -, ele também
expressou uma “aventura política” de grande significado para o repensar político
contemporâneo, ensaiando objetos e formas de ação política ainda hoje paradigmáticos.
Muito se tem escrito sobre as razões, impacto e desdobramentos que a
militarização do Estado trouxe à sociedade brasileira a partir de 1964. A transformação
das dinâmicas políticas à luz de novos projetos e intervenção estatal; os processos de
ruptura, descontinuidade e mudança dos fenômenos culturais e políticos; os novos
mecanismos de acumulação e impacto social estão entre as questões longamente
estudadas e debatidas por diversos segmentos sociais, ou ainda, por diferentes campos de
conhecimento.
Na atualidade, tem-se feito, inclusive, balanços acerca desta produção na intenção
de mapear pressupostos teóricos e focos de abordagem, como o proposto por Lucilia
Delgado3 que, com base no recorte “1964”, organiza e segmenta todo um conjunto de
obras conforme o caráter e ênfase de suas interpretações, dividindo-as entre:
interpretações de base estruturalista e funcional (realizadas, predominantemente, por
sociólogos, economistas e cientistas políticos da década de 1970)4; interpretações
3 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “1964: temporalidades e Interpretações”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração/EDUSC, 2004, pp 15-28. 4 Entre os trabalhos citados, constariam: Ianni, Otávio. Colapso do Populismo no Brasil (1971), Cardoso, Fernando Henrique Cardoso, “Associated-Dependent Developmente: Theoretical and Practical Implications”
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enfáticas no caráter preventivo da intervenção civil e militar (com mescla de concepções
de tempo longo e curto)5; interpretações com ênfase na versão conspiratória6 e
interpretações com ênfase na ação política conjuntural e ausência de compromisso com a
democracia (linha interpretativa que vem-se firmando desde a década de 1980 e que
privilegia aspectos políticos do pré-1964)7. Na visão desta historiadora, trata-se de
considerar que:
“..Analisar os fatores que engendram rupturas de ordens democráticas é tarefa
complexa, supõe identificação e compreensão da multiplicidade de variáveis
presentes nas conjunturas que precedem essas rupturas e supõe também
identificação de elementos de longa duração que se atualizam nessas conjunturas.
No Brasil de 1964, fatores inerentes aos tempos históricos de longa e curta
duração se entrecruzaram, conformando uma crise complexa, que não cabe ser
interpretada através de qualquer tipo de esquema teórico preestabelecido, pois
cada dinâmica histórica é singular”8
A complexidade que se acerca ao contexto e tema “1964”, portanto, se revela
presente nos contextos que se desdobram dele, valendo considerar que a força e impacto
gerado por estes acontecimentos ressurgem num leque de fenômenos sociais, políticos,
culturais, econômicos que nem sempre se mostram perceptíveis, apesar de responsáveis
por ruptura, descontinuidade e mudança com sérias implicações coletivas.
(1973); TAVARES, Maria da Conceição, Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro (1975); OLIVEIRA, Francisco de, Economia Brasileira: a crítica à razão dualista (1975). 5 Entre os trabalhos citados, constariam: FERNANDES, Florestan, Brasil em Compasso de Espera (1981) e O Significado da Ditadura Militar (1997); TOLEDO, Caio Navarro de, O Governo João Goulart e Golpe de 1964 (1981) e a Democracia Populista Golpeada (1997); DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, O PTB: do getulismo ao reformismo – 1945-1964 (1989) e Trabalhadores na Crise do Populismo: utopia e reformismo (1997). 6 Entre os citados: BANDEIRA, Moniz, O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil – 1961-1964 (1978); DREIFUSS, René, 1964: a conquista do Estado (1981); STARLING, Heloísa, Os Senhores das Gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964 (1986). 7 Entre os trabalhos: SANTOS, Wanderley Guilherme dos, Sessenta e quatro: anatomia da Crise (1986); FIGUEIREDO, Argelina, Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política – 1961-1964 (1993); FERREIRA, Jorge, O Governo João Goulart e o Golpe Civil Militar de 1964 (2003). 8 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves Delgado. “1964: temporalidades e Interpretações”. IN Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti, Rodrigo Patto Sá Motta (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004).Op.Cit., p26.
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Na verdade, os processos de resistência à militarização do Estado - processo
acompanhado pelo fortalecimento de segmentos e projetos mais conservadores –
confundem-se com um amplo e diverso conjunto de reações, proposições e afirmações
políticas e culturais que, no cotidiano da chamada “redemocratização” da sociedade
brasileira, ganhou e deu forma a princípios e fundamentos caros aos percursos de
cidadania.
Neste caso, o período compreendido entre os anos 1968/1982 nos impõe sérias
dificuldades de percepção sobre as misturas e recomposições culturais e políticas (de
caráter civil) que em curtíssimo tempo reelaboraram experiências e leituras num processo
intenso e qualitativo de recriação política. Trajetória na qual as práticas repressivas tão
atentas à “presença comunista” (em referência a um veio mais amplo de experiêcias e
releituras), cumprem, no mínimo, o papel de interferir e embaralhar suas referências e
trajetórias num cenário muito difícil de ser recuperado e decifrado, cabendo à própria
vitalidade da sociedade civil abrir caminhos novos e encontrar nos caminhos de
reconstituição das esquerdas, elementos fundamentais de luta política.
A presença de processos mais profundos a mobilizar novos e diferentes
protagonistas impõe um desafio analítico particular quando tentamos desvendar os
sentidos que se acercam à questões pungentes como “liberdade”, “democracia”,
“revolução”, podendo-se, a princípio, considerar que elas assumem nuances especiais a
depender do lugar de onde se emitem as falas...
A problemática da liberdade, de forma particular, se revela portadora de um
verdadeiro leque de significações associadas a emergência de experiências, leituras,
projetos que, em si mesmos, assumem caráter reivindicativo e específico frente a grupos
de mulheres, homossexuais, negros, jovens, ou ainda, a partidos (clandestinos e oficiais),
instituições sob controle/administração militar, igreja; diversidade que nos sugere tratar-
se de um processo mais profundo de contestação, ou ainda, de “desrepressão” coletiva e
social.
Uma outra constelação de sentidos começa a fazer parte do cotidiano do período
pós-1968, construído na contra-mão de uma nova lógica de produção e de consumo, dos
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novos marcos de modernização, das normatizações e constrangimentos, da sedução dos
discursos, da promessa de novas oportunidades no mundo do trabalho. E desta nova
perspectiva de contestação do regime, fundada na percepção efetiva da perda de direitos,
que ganha a cena uma articulação e afloramento de um outro leque de questões e objetos
de luta política.
O estudo destas práticas de resistência no curso da década de 1970 mereceu,
entre os anos 1980 e 1990, trabalhos importantes que, através de diferentes ângulos,
procuraram tratar das especificidades das novas formas de participação. Com perspectivas
diferentes de abordagem, parte destes estudos pretendeu inserir as experiências nos
marcos de uma reflexão mais estrutural da sociedade, observando seus traços em direta
relação com o Estado, com a estrutura econômica, com a crise do populismo, entre outros
aspectos9. Uma outra parcela de trabalhos, buscou recompor e analisar os movimentos
populares com base no estudo de seus caminhos de constituição histórica, inaugurando
com isso um campo de investigações original e importante a um entendimento mais
profundo acerca da constituição e permanência de relações autoritárias na sociedade
brasileira10.
9 Entre eles, podemos destacar: DREIFUSS, René Armand (1964: a conquista do Estado. Ação política, poder
e golpe de classe, 1981); MOISÉS, José Álvaro (Lições de liberdade e de opressão: os trabalhadores e a luta pela democracia, 1982); VIEIRA, Evaldo ( Estado e Miséria Social no Brasil - de Getúlio a Geisel, São Paulo, 1983); MICELI, Sérgio (Estado e Cultura no Brasil, 1984); CHACON, V. (História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas, 1985); DINIZ, Eli (“A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura”, 1985); LAMOUNIER, Bolívar e MENEGUELLO, Rachel (Partidos políticos e consolidação democrática: o caso brasileiro, 1986); DROSDOFF, Daniel. (Linha Dura no Brasil. O Governo Médici 1969-1974, 1986), ALVES, Maria Helena Moreira (Estado e Oposição no Brasil 1964-1984, 1987); OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (As Forças Armadas no Brasil, 1987; De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia, 1994); MORAES, J. Quartim de et alii (A Tutela Militar, 1987); REIS, F.W. e O’DONNELL, G. (A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas, 1988); DAVALLE, Regina A. (A Frente Ampla: um fenômeno de crise e deslocamento de representação: 1966/1968, 1989); CARVALHO, Aloysio Castelo de (O Governo Médici e o Projeto de Distensão Política: 1969-1973, 1989); HABERT, Nadine (A Década de 70: Apogeu e Crise da Ditadura Militar Brasileira, 1994), SOARES, Gláucio; DILLON, Ary e D’ARAUJO, Maria Celina (21 anos de regime militar – balanços e perspectivas, 1994), entre outros. 10
Entre os autores, podemos citar os estudos de MARONI, Amnéris (A Estratégia da Recusa: análise das greves de maio/78, 1982); EVERS, T. ("Identidade, a face oculta dos movimentos sociais", 1984); TABAK, Fanny (Autoritarismo e Participação Política da Mulher, 1982); SADER, Eder (“Poder constituinte e democracia no Brasil hoje” e “Comissão de Fábrica e Sindicato”, 1987; “Poder local e participação popular”., 1987; Quando Novos Personagens Entraram em cena, 1988); TELLES, Vera Silva (Autoritarismo e práticas instituíntes: movimentos sociais nos anos 70, 1984); PAOLI, Maria Célia (“Os trabalhadores urbanos na fala dos outros”, 1987); KUCINSKI, Bernardo (Abertura, a história de uma crise, 1982), entre outros.
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Na atualidade, novos estudos têm se debruçado sobre a montagem do Estado
Militar à luz dos processos de resistência11, multiplicando-se ainda as reflexões sobre os
partidos12, sobre as movimentações sociais (como a de anistia, direitos humanos, direitos
civis..)13, sobre a contracultura e suas relações com os demais universos políticos14. Na
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Podemos citar, entre outros, os trabalhos de MARTINS FILHO, João Roberto (O Palácio e a Caserna - a Dinâmica Militar das Crises Políticas na Ditadura Militar: 1964-1969, 1995); CODATO, Adriano Nervo (Estrutura política e interesse de classe. Uma análise do sistema estatal no Brasil pós-1964: o caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico, 1995. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1995; MATHIAS, Suzeley Kalil (Forças Armadas e Administração Pública: a participação militar nas Comunicações e na Educação: 1963-1990, 1999. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1999; SEIXAS, Alexandre Magalhães (A Justiça Militar no Brasil. Estruturas e Funções, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; FUCCILLE, Luís Alexandre (Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa no Brasil, 2006. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2006. 12
A obra organizada por DILLON, Gáucio e D’ÁRAUJO, Maria Celina e intitulada 21 anos de Regime Militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994 contempla diversas persquisas, entre elas, a de David Fleisher (“Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou como usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro”) e a de Maria D’Alva Gil Kinzo (“O Legado Oposicionista do MDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro”). Também o trabalho de FERREIRA, Jorge Luiz e REIS FILHO, Daniel Aarão denominado Revolução e democracia (1964...). Rio de Janeiro, 2007. (Col: As esquerdas no Brasil, vol3) contempla, entre outros, o estudo de Rodrigo Patto de Sá Motta, “O MDB e as esquerdas". 13
Poderíamos destacar, entre outros, os trabalhos de: EUGÊNIO, Marcos Francisco Napolitano de (Nós que amávamos tanto a democracia, 1994); GADOTTI, Moacir (“Estado e sindicalismo docente: 20 anos de conflitos”, 1996); COLLING, Ana Maria (A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil, 1997); CRIVELLI, Ericson (Democracia Sindical no Brasil, 2000); Renato Cancian (Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política: 1972-1985, 2001); Carlos Bauer de Souza (Desenvolvimento Econômico e Sindicalismo: Os trabalhadores e a luta pela construção da democracia no Brasil: 1964-1983, 2001); CIAMBARELLA, Alessandra (“As mulheres pedem paz: um olhar sobre o movimento feminino pela anistia /MFPA”. X Encontro Regional de História ANPUH RJ. História e Biografias, 2002); DEL PORTO, Fabíola Brigante (A luta pela anistia no regime militar brasileiro: a constituição da sociedade civil no país e a construção da cidadania, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; ARAÚJO, Maria Paula Nascimento (“A luta democrática contra o regime militar na década de 1970”, 2004); MORAES, Mário Sérgio de (O ocaso da Ditadura: caso Herzog, 2006); SANTOS, Gustavo (Estado, projetos políticos e trajetórias individuais: um estudo com as lideranças homossexuais na cidade de São Paulo, 2006); MAUÊS, Flamarion e ABRAMO, Zilah W. (Pela democracia, contra o arbítrio. A oposição democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já, 2006); SILVA, Marcelo L. da (A História no discurso do Movimento Negro Unificado: os usos políticos da História como estratégia de combate ao racismo, 2007); RODEGHERO, Carla Simone (“Para uma história da luta pela anistia o caso do Rio Grande do Sul: 1974 – 1979”, 2009). 14
VASCONCELLOS, Gilberto (De Olho na Fresta, 1978); Hollanda, Heloísa Buarque de (Impressões de viagem, CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/1970, 1980); PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (Retrato de Época: Poesia Marginal anos 70, 1981; O que é contracultura, 1985); MELLO, Maria Amélia (20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar, 1986); DAGNINO, Evelina. "Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana" IN ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos Sociais Latino Americanos: Novas Leituras. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000; ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de (A canção como
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análise das organizações de esquerda, alguns estudos mais recentes têm procurado
desenvolver uma discussão mais articulada sobre as transformações enfrentadas curso
dos anos 1970, privilegiando o enfoque da fragmentação das utopias, das mutações e
misturas de referenciais políticos e culturais, ou ainda, das relações estabelecidas entre os
campos comportamentais e políticos15. Mas neste caso, as trajetórias e formulações
marxistas acham-se dissolvidas em uma vasto processo de transformação de paradigmas
políticos que não nos auxiliam de uma maneira mais direta a entender o fenômeno
chamado por Sader de “marxismo disperso”, apesar de nos abrir um importante leque de
questões e tendências.
Ainda, uma outra perspectiva de reflexão tem procurado estudar os referenciais e
experiências que se acham em curso no interior dos grupos de matriz marxista, e para
tanto, vem realizando incursões em outros períodos históricos, inclusive nos anos 1970;
no entanto, boa parte destes trabalhos concentram-se no estudo de organizações
específicas para, através delas, identificar seus marcos de transformação. Encontramos
nesta linha de análise, diversos estudos sobre as organizações, e em particular, sobre o
PT16; e emergindo das reflexões, uma série de temáticas, entre elas, as relativas ao
narrativa: o discurso social na MPB: 1965-1975, 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, data, 2005); Vários Autores (Anos 70: trajetórias, 2006); BAHIANA, Ana Maria (Almanaque anos 70. Lembranças e curiosidades de uma década muito doida, 2006); GARCIA, Miliandre (“Ou vocês mudam ou acabam”: teatro e censura na ditadura militar: 1964-1985, 2008); SANTOS, Jordana de Souza (“O Papel dos movimentos sócio-culturais nos ‘anos de chumbo’", 2009). 15
Poderíamos citar, entre outros, os trabalhos de HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. (Patrulhas Ideológicas, 1980); GARCIA, Silvana (Teatro da Militância. A Intenção do popular no engajamento político, 1990); RISÉRIO, Antonio (Avant-Garde na Bahia,1995); COSTA, Iná Camargo (A Hora do Teatro Épico no Brasil, 1996); ARAÚJO, Maria Paula Nascimento (A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970, 2000); REIS, Paulo Roberto de Oliveira (Exposições de arte - vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970, 2005); CAVALCANTI, Jardel Dias (Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política. Brasil anos 60 e 70, 2005). 16
Sobre esta temática constam, entre outros, os estudos de GURGEL, Antonio de Pádua (Socialistas no Brasil. Partidos, programas e experiências, 1984); SOUZA, I. R. O. G. (Trabalho e Política: As Origens do Partido dos Trabalhadores, 1988); VOIGT, Léo (A formação do PT: esboço de reconstrução histórica, 1990); GUIMARÃES, Juarez (Claro enigma: o PT e a tradição socialista, 1990); BERBEL, M.R. (Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira: 1978-1980, 1991); KECH, M. (A lógica da diferença. O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira, 1991); ÁRABE, Carlos Henrique Goulart (Desenvolvimento Nacional e Poder Político. O projeto do Partido dos Trabalhadores em um período de crise, 1998); BORGES, Arleth Santos (A Construção do Partido dos Trabalhadores no Maranhão, 1998); CÉSAR, Benedito Tadeu (PT: a contemporaneidade possível: base social e projeto político: 1980-1991, 2002); RATTES, Tiago (“O socialismo Petista”: analisando um documento histórico do Partido dos Trabalhadores, 2006); PEDROSA, Mário (“A missão do PT”, 2006); Mario Grabois (“Notas sobre
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sindicato17, à democracia18, ao partido e à revolução, tomadas como questões de
investigação. Estes estudos, apesar de não realizarem abordagens mais articuladas, nos
oferecem elementos essenciais para uma compreensão das experiências vividas na
década de 1970. Enfim, algumas coletâneas, produzidas no calor da hora, permanecem
ainda hoje como grandes referências articuladoras, como a coletânea do jornal Em Tempo,
que buscou resgatar uma história das esquerdas, no mesmo contexto em que as
organizações se achavam em transformação.
Entre os estudos do trotskismo, encontramos trajetórias analíticas nas próprias
publicações da década de 1970, como a coletânea de textos produzida pelo jornal O
Trabalho, no final da década de 1970. Entre os estudos mais recentes, várias análises têm
resgatado a trajetória de algumas organizações brasileiras, e através delas, encontramos
estratégia, tática e mudanças na política no PT”, 2007); SILVA, Antonio Ozai da (“O Trabalho. Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores”, 2001; “O PT e os marximos da tradição trotskista: Introdução”, 2001; “Trabalho e Política. Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores. Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação – PT”, 2003;“A esquerda Marxista e o PT (I)”, 2008; “Esboço para a História da Esquerda no Brasil”, 2009); FARIAS, Marcos Moutta de (Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005); LACERDA, Gislene Edwiges de (O retorno ao pluripartidarismo brasileiro: a fundação do Partido dos Trabalhadores e a “Carta de Princípios”, 2008; O surgimento do Partido dos Trabalhadores: uma análise de documento histórico de sua pré-fundação, 2010). 17
Entre os estudos, poderíamos citar os trabalhos de SOUZA, Carlos Bauer de (Desenvolvimento Econômico e Sindicalismo: Os trabalhadores e a luta pela construção da democracia no Brasil: 1964-1983); RODRIGUES, Leôncio Martins (“As tendências políticas na formação das Centrais Sindicais”, 1991); LAZZARESCHI, Noêmia (A 'Nova Classe Operária': os Trabalhadores na Indústria Automatizada, 1995); CARVALHO, Claudete Valdelena ("A Esperança Presente das Coisas Futuras" - O Movimento Sindical e suas Representacões Simbólicas, 1995); OLIVEIRA, Heliane Maria Apolinário Leite de (Democracia e Postura Ética na Política das Relações Sindicais, 1996); SANTANA, Ana Claudia F. (A Central única dos trabalhadores - CUT e a luta pela democracia: elementos de uma trajetória, 1999); RODRIGUES, Iram Jácome (O Novo Sindicalismo: vinte anos depois, 1999); SILVA, Jair Batista da (A Perversão da experiência no trabalho. Os bancários em face do Programa de Ajustes do Banco do Brasil, 2002); BARRETO, Eleonora Frenkel (Desemprego e (des)mobilização política: a luta do sindicato dos bancários de Campinas e região, 2004); SILVA, André Luis Corrêa da (João Ferrador na República de São Bernardo": o impacto do "novo" movimento sindical do ABC paulista no processo de transição democrática: 1977-1980, 2006); RÊSES, Erlando da Silva (De vocação para profissão: organização sindical docente e identidade social do professor, 2008). 18 Entre os trabalhos, gostaríamos de citar os de GARCIA, Marco Aurélio (As Esquerdas e a democracia,
1986); GUIMARÃES, Juarez Rocha (Marxismo e Democracia: crítica à razão liberal, 1998); SANTANA, Ana Claudia (A Central única dos trabalhadores - CUT e a luta pela democracia: elementos de uma trajetória, 1999); SAID, Ana Maria (A estratégia e o conceito de democracia em Gramsci e o PCB, 2006), entre outros.
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diversos elementos de uma trajetória singular de ação política. No entanto, estes estudos
se referem majoritariamente às experiências e organizações do período 1930/196019.
Por fim, no campo propriamente estudantil, espaço onde a atuação das
organizações assumiu grande relevância, os estudos – até então escassos – vem-se
avolumando quando o recorte temporal é a década de 1970, valendo destacar os
trabalhos produzidos nas últimas duas décadas20.
19
Entre os estudos, podemos citar: MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993; MARQUES NETO, José Castilho; LÖWY, Michael. “Trotsky e o Brasil” In: MORAES, João Quartim de (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1995. p. 223-246. v. 2; COGGIOLA, Osvaldo. “Florestan Fernandes e o socialismo”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 1995, pp 34-38; FERNANDES, Florestan. “Reflexões sobre o socialismo e a auto-emancipação dos trabalhadores”. Revista Adusp, Outubro 1995, pp 12-18; FERNANDES, Florestan. Em busca do Socialismo: últimos escritos e outros textos. São Paulo: Editora Xamã, 1995; Pereira Neto, Murilo Leal. Outras Histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil - 1952/1966 - O Caso do POR (Partido Operário Revolucionário). São Paulo:USP, 1997. Mestrado em História Social; KAREPOVS, Dainis; MARQUES NETO, José Castilho (Org). Mario Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001; MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os Trotskistas Brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” IN RIDENTI, Marcelo e REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs). História do Marxismo no Brasil. Volume V. Partidos e Organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: Ed. Unicamp, 2002, pp 103-152; ALMEIDA, Miguel Tavares de. Liga Comunista Internacionalista - Teoria e Prática do Trotskismo No Brasil (1930-1935), 2003. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003; GUTIERREZ, Andriei da Cunha Guerrero. O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma analise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002, 2004. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2004; FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005; KAREPOVS, Dainis. “O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil”. Cad. AEL, v.12, n.22/23, 2005; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT. São Carlos: EdUFSCar/FAPESP, 2008; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. 20
Entre os estudos sobre a temática Movimento Estudantil dos anos 1970, encontramos – num levantamento parcial – o volume de 14 trabalhos (entre disertações de mestrado e teses de doutorado) defendidos entre os anos de 1987 e 2010 da seguinte forma: na USP (5, sendo 3 mestrados nas áreas de História Social, História Econômica e Enfermagem e 2 doutorados em História Social, defendidos entre 2003 e 2010); na UNICAMP (3 mestrados em Educação, História Social e Educação Física defendidos entre 1987 e 2006); na UFSCar (1 mestrado em ciências sociais, 1 doutorado em ciências sociais em 1982 e 2008, respectivamente); na UFBA (1 mestrado em Ciências Sociais, de 2002); na UFCe (1 Doutorado em Educação, de 2006) e na UFGo (1 Mestrado em Educação, de 2002). Além das teses e dissertações, identificamos 17 trabalhos (entre monografias, artigos acadêmicos e trabalhos jornalísticos), além da coletânea de textos organizada por Luis Antonio Groppo, Michel Zaidan e Otávio L. Machado (de 2008) e o livro de memórias de Caio Túlio Costa (de 2003). Ao longo desta tese, teremos oportunidade de apresentar estas referências.
34
35
APRESENTAÇÃO
“Certamente a História não consagrou plenamente o projeto da OSI, mas entre as
muitas possibilidades que esta mesma História foi pródiga em formular, contam-se
os projetos silenciados e não necessariamente derrotados”21
A tendência estudantil Liberdade e Luta se configura historicamente como uma
experiência político-cultural de leitura e prática trotskista que entre os anos 1976/1982
ganhou forma na universidade brasileira, conduzida por uma organização clandestina
denominada Organização Socialista Internacionalista. Esta tendência, num contexto
político, econômico e social tenso e complexo de nossa história contemporânea, alcançou
um relativo sucesso dentro e fora da universidade na proporção em que suas leituras,
propostas e realizações políticas e culturais adquiriram legitimidade, fazendo-se notar,
inclusive, por outras e diversas organizações militantes de esquerda que, por diferentes
razões e em diferentes ocasiões, geraram dificuldades para sua atuação, ao mesmo tempo
em que contribuíram para descaracterizar suas proposições, ampliando-se daí um
21
ANDRADE, Everaldo de Oliveira. “A liberdade nasce da luta: o surgimento da OSI na crise da ditadura” IN SAMOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaina de Almeida (orgs). Desarquivando a Ditadura : memória e justiça no Brasil, volume l /. São Paulo: Aderildo St Roíhschiid Editores, cap.3, p 82
Vitória da Liberdade e Luta nas eleições para o DCE USP em 1978. Acervo: O Trabalho
36
percurso de fragmentações e perdas de um repertório político da maior significação que
ainda hoje nos causa estranhamento.
Resgatar e refletir sobre esta tendência em seus múltiplos significados e
trajetórias, por sua vez, deu lugar a uma tarefa árdua que merece considerações. A
aparente “radicalidade” das posturas e projetos detentores de traços contraculturais que,
em diversas ocasiões, promoveram aproximações inesperadas, além de uma atualização
de linguagem política muito significativa, se por um lado nos fez perceber que se tratava
de um objeto incomum e complexo, por outro, nos colocou diante de uma trajetória
intensa e breve, que em pouco mais de seis anos viu nascer e crescer experiências muito
ricas para, em seguida, se fragmentar no bojo de diferentes acontecimentos e
movimentos. Esta brevidade e intensidade, aliás, nos fez duvidar de sua efetiva
significação. No entanto, foi a partir do mergulho numa documentação primária
rigorosamente preservada, num universo de memórias militantes lúcidas e convictas, ou
ainda, num cenário virtual de debates, análises e projetos trotskistas ainda vigorosos, que
nossa intenção (e esforço) de realizar a empreitada se confirmou, tornando-se claro que
para captarmos com rigor e profundidade uma experiência político-cultural tão rica
quanto volátil, tornava-se necessário construir um modelo de análise adequadamente
complexo, sensível e dinâmico.
A criação deste modelo foi, em si mesmo, lenta e difícil, valendo registrar que nós
iniciamos os estudos sobre a tendência (originalmente paulista) no interior do maior
arquivo de movimento estudantil de que temos notícia, os acervos recolhidos pelo
DEOPS/SP, hoje, no Arquivo do Estado. Neste caso, ao longo de vários meses, nós nos
debruçamos sobre um imenso acervo que na proporção em que nos permitia acesso a
documentos raríssimos (como a pequenos textos mimeografados espalhados pelas salas
de aula nos primeiros anos da década de 1970 ou a descrições de fala de militantes no
calor de assembléias), ele também nos revelava as dificuldades que, no calor da hora, os
agentes de segurança enfrentavam para “ler” os acontecimentos e seus significados;
situação que se tornou particularmente importante na medida em que nós percebemos
que os agentes já não conseguiam “detectar” e muito menos acompanhar os propósitos e
37
ações da tendência Liberdade e Luta, ou mesmo identificar a presença de sua organização
clandestina (a OSI surgiu como objeto de observação apenas no ano de 198122). Mais do
que isso, nesta trajetória de pesquisa nos foi ficando claro que à luz das representações
criadas pelas próprias movimentações de estudantes, o DEOPS-SP acabara por se
desinteressar por aquele bando de estudantes radicais que não tinha medo de gritar
“abaixo a ditadura”, terminando por reduzi-los em seu “grau de periculosidade” e associá-
los ao que se convencionara chamar de “esquerda festiva”. Os arquivos do DEOPS,
portanto, se por um lado nos forneciam registros singulares e profundos de um cotidiano
acadêmico (em que apareciam muitos de nossos militantes), por outro, não nos permitia
ter acesso a fontes mais internas da tendência e da organização (com exceção da Fração
Bolchevique Trotskista/FBT e de fragmentos da Organização Comunista – Primeiro de
Maio/OC-1ºM conforme veremos adiante), surgindo daí a questão: onde estavam os
arquivos clandestinos da OSI? Será que eles existiam?
Foi do contato com militantes da própria organização - atuante no PT desde a
fundação - que nós conseguimos nos aproximar do conjunto de 200 caixas que, nos anos
1990, havia sido confiado ao CEDEM/UNESP pela própria OSI23; uma documentação que,
enfim, nos abriria as portas para entendermos a formação e trajetória da tendência
estudantil Liberdade e Luta. Desta forma, demos início à segunda fase do processo de
pesquisa, mergulhando na documentação interna da OSI. Mas, que documentação era
aquela?? Caixas e mais caixas registravam em detalhes a presença de uma rede de
movimentos, de instituições, de instâncias de militância, de figuras com nomes cifrados
que cotidianamente desempenhavam atividades no interior de sindicatos, de bancos, de
universidades, em diferentes Estados brasileiros. A tendência Liberdade e Luta,
propriamente dita, achava-se comprimida em duas ou três caixas, ao mesmo tempo em
que se mostrava inserida num leque de movimentos, de entidades estudantis e
universidades.
22
Ver: Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temática. OP1010. 23
A documentação clandestina da OSI do período 1968/1991 acha-se reunida no fundo documental da
Editora A Palavra, no acervo do CEMAP (Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa) guardado pelo CEDEM (Centro de Documentação e Memória da UNESP).
38
O processo de investigação no CEDEM, de fato, prometia ser exaustivo, e nós
começamos a perceber o porquê dos agentes de segurança do DOPS não terem
conseguido detectar estas atividades... Na verdade, estávamos diante de um “edifício”
clandestino, de uma obra cujo desenho organizacional surpreendia pela complexidade,
pela articulação, pelo grau de envolvimento e gestão. Por onde deveríamos começar? A
princípio, nós optamos por repetir a mesma trajetória de pesquisa que acabáramos de
realizar no Arquivo do Estado: tratava-se de ler, registrar e estudar centenas de
documentos que agora se ordenavam segundo a lógica de um projeto político que lutava
para penetrar, intervir, redirecionar um corpo de movimentos, ao mesmo tempo em que
lutava para organizar e direcionar um corpo de militantes; enfim, reiniciamos as pesquisas
cabendo esclarecer que conforme avançávamos nos conteúdos, passávamos a perceber a
“construção” da tendência.
A “LL” (como se achava identificada na documentação) ou a “Libelú” (como se fazia
marotamente apelidada pelos concorrentes) foi surgindo aos poucos, sempre enredada a
leituras e processos políticos mais complexos; dinâmica, aliás, que logo revelou tratar-se
de um processo, de uma tendência-processo, de um artefato trotskista que nascia
articulado a outros movimentos e que em poucos anos dera forma a uma experiência
político-cultural tão rica quanto efêmera. A percepção desta dinâmica, por sua vez, nos
conduziu a um terceiro momento de pesquisa: o de mergulho na lógica de constituição e
gestão da “LL”, condição para que viéssemos a pensar de forma trotskista, a enxergar com
lentes trotskistas, a falar, compreender e utilizar termos trotskistas na busca de penetrar
num universo de reflexões, realizações e experiências que tinha entre seus pontos
articuladores a questão da “reconstrução da IV Internacional”; este sim... o território do
qual emanavam leituras, abordagens, discussões, diretrizes e orientações responsáveis -
num dado tempo e espaço – pela rede de movimentos e militâncias em que se achava
inserida a tendência estudantil Liberdade e Luta.
Mas, para compreender o trotskismo - em suas variações de tons - nós
percebemos que era chegada a hora de buscar os militantes e esta empreitada mostrou-
se mais intrincada do que imaginávamos, entre outros aspectos, porque a organização
39
continuava viva e zelosa de seu patrimônio político, ao mesmo tempo em que se achava
presente uma trajetória dolorosa de fraturas, desentendimentos, afastamentos e
mudanças ainda latentes (e que se fazia amplificada quando a questão era a memória). As
entrevistas foram intensas e particularmente importantes para conseguirmos penetrar
neste território político marcado pelos rigores da análise marxista-leninista-trotskista, mas
também pelas dúvidas, questões, anseios e desejos.
Cartaz da campanha para UEE, 1978. Acervo: O Trabalho
“...um grão, morre, nasce trigo, vive, morre pão..” (Drão, Gilberto Gil)
Para tratarmos historicamente da tendência estudantil Liberdade e Luta, nossa
proposta foi a de reconhecer a presença de diferentes dinâmicas que, ao longo dos anos,
perpassaram e configuraram suas experiências, constando entre elas, questões referentes
à dinâmica interna das organizações; a problemática da ditadura militar e dos processos
de luta pela redemocratização do país; questões inerentes à universidade em suas
relações com a cultura e a sociedade brasileira, ou ainda, questões relacionadas aos
universos propriamente da cultura e da política nas mais variadas imbricações.
Em meio a tudo isto, pudemos identificar na trajetória de formação e
desenvolvimento da tendência a presença não de fases, mas de campos de abrangência
40
progressivamente complexos - mais próximos a círculos concêntricos24 -, proposição que
nasceu da certeza de que para identificarmos, delimitarmos e estudarmos este fenômeno
político de matriz trotskista fazia-se necessário refletir a partir de conceitos trotskistas.
A tese encontra-se dividida em três partes: “Nos quadros de uma sociedade
autoritária”, “Esquerdas em trânsito” e “Liberdade.. e Luta”. Na primeira parte, dois
capítulos centram as reflexões sobre os embates vivenciados entre o Estado Militar e um
amplo conjunto de movimentos e processos de resistência; eles conferem atenção ora aos
órgãos de segurança (Na Dimensão da Ordem), ora à sociedade civil (Na dimensão da
Resistência). Na segunda parte, procuramos refletir sobre o trânsito de idéias, referências
e experiências que, para além do Estado Militar ou mesmo dos movimentos de resistência
da sociedade civil, se fizeram presente no período (Internacionalismos); neste caso, as
atenções se voltam para uma “esquerda internacionalista”, dimensão fundamental para
compreensão da formação e atuação da OSI e da tendência Liberdade e Luta.
A tendência Liberdade e Luta, propriamente dita, ocupa a última parte do trabalho
e responde por dois terços do volume da tese. Nela procuramos jogar luz sobre os 7 anos
de vigência, ou ainda, sobre os 12 anos de maturação, desenvolvimento e dissolução da
tendência (entre a constituição de um embrião trotskista lambertista e sua fragmentação
no interior do Partido dos Trabalhadores), mantendo a atenção sobre as conexões
internacionais que estabeleceu, sobre as possibilidades políticas e culturais que abriu, ou
ainda, sobre o valor das leituras e perspectivas de luta que representou.
No desenvolvimento destas reflexões e no esforço de pensar a tendência
Liberdade e Luta em suas próprias referências, adotamos alguns recursos interpretativos,
entre eles, um conjunto de círculos concêntricos, formas geométricas que buscaram
representar a formação, desenvolvimento e estrapolamento de sua atuação política em
“campos” (ou instâncias) específicos; estes círculos, pela significação que ocuparam em
nossos estudos, acabaram por conduzir as reflexões sobre a tendência, orientando a
subdivisão da terceira parte em três outras unidades: “Universidade em Movimento”,
“Mundo em Movimento” e “Mundo do Trabalho em Movimento”.
24 Conforme sugestão de Juleusa Turra, militante da tendência Liberdade e Luta em suas origens.
41
A - NOS QUADROS DE UMA SOCIEDADE AUTORITÁRIA
Registro da intervenção do DOPS no IIII ENE, PUC-SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado
42
43
1. MUTAÇÕES À ESQUERDA
De fato, ao contrário do que se pode supor, os primeiros anos da década de 1970 -
marcados pela presença do Ato Institucional nº 5 e pela atuação do Governo Médici -, não
foram de paralisia e “vazio” no universo das chamadas esquerdas brasileiras. Na verdade,
foram nestes anos que se ensaiaram os primeiros passos de uma trajetória de
recomposição organizada que, em poucos anos, acabaria por exercer papel estratégico na
eclosão de movimentos sociais focados na defesa dos direitos humanos e anistia, na
defesa das liberdades de expressão e livre organização partidária, na reconquista e
alargamento das liberdades democráticas, pelo fim da ditadura e instauração de uma
“assembléia constituinte soberana e democrática”, entre tantas outras reivindicações.
Mas, este processo de recomposição organizada no período pós-1968 não se daria
de forma linear, não se faria de maneira tranquila e nem sequer se caracterizaria pela
continuidade, propriamente dita, das leituras, métodos, propósitos e tradições de luta
herdadas... como poderemos observar, o “ousar experimentar caminhos políticos
alternativos” em meio as opções possíveis deste contexto, desaguaria num percurso
tenso, inusitado e dinâmico que, conforme nos lembrou Marcelo Ridenti, acabaria por dar
forma - em consonância a outros processos de caráter mundial - a um novo partido
“ancorado num tripé” social (Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, “novo
sindicalismo” e “intelectuais e remanescentes de organizações políticas marxista-leninistas
Iconografia de maio de 1968; comunista chinesa; da IV Internacional
44
derrotadas pelo regime civil-militar”), processo que se faria acompanhar pela “auto-
extinção do Partido Comunista Brasileiro, já na década de 90”25.
Na verdade, nos parece fundamental considerar que, a emergência de novos
processos de resistência por meio de uma “infinidade de manifestações nos diferentes
campos da sociedade” se daria de forma paralela e complementar à renovação dos
parâmetros de esquerda que, em diferentes momentos e por diversos meios, emprestou
fundamentos e referenciais às novas/outras formas de resistência em cena. Em sentido
inverso, na medida em que estes fundamentos e referenciais marxistas conseguiram
extrapolar a dimensão partidária (tão fragmentada...) para penetrar de maneira mais
profunda no cotidiano social, estas organizações iniciaram, efetivamente, seus processos
de recomposição adotando agora perspectivas mais híbridas de militância - em parte, pela
necessidade de repensar seus paradigmas, em parte pela necessidade de se manter
afinadas aos processos em curso, mesclando-se ambas as trajetórias de discussão,
recriação e alargamento de paradigmas de luta e cidadania.
Os caminhos de redemocratização da sociedade brasileira, entre os anos
1964/1984, contaram efetivamente com a presença de organizações de esquerda que, no
mesmo processo em que se viram fragmentadas ou mesmo dizimadas, ousaram recompor
suas referências vencendo distâncias internas (trazidas pela presença de diferentes
matrizes teóricas) e buscando de se aproximar de novas problemáticas, repertórios e
experiências que, em termos mais amplos, entravam em cena num contexto tão
complexo. As chamadas “questões culturais” da década de 1970, de forma especial,
25 Segundo Marcelo Ridenti, em “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”, o nascimento do PT, então “ancorado num tripé: as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, inspiradas na teologia da Libertação; o chamado novo sindicalismo, liderado pelos metalúrgicos do ABC paulista; além de intelectuais e remanescentes de organizações políticas marxista-leninistas derrotadas pelo regime civil-militar”, mereceria de teóricos contemporâneos, como Tilman Evers (1984) a aposta de que se constituía num “partido servo dos movimentos, jamais seu guia, como os tradicionais partidos de esquerda”; questão por sua vez, que no curso das décadas de 1980 e 1990 se somaria a um leque de acontecimentos - como o “fim da ditadura civil-militar em 1984, até a queda do muro de Berlim em 1989, episódio emblemático da derrocada dos regimes pró-soviéticos, que no Brasil culminaria com a auto-extinção do Partido Comunista Brasileiro, já na década de 90” – expressivos, em si mesmos, de um “esgotamento do modelo bolchevique de partido revolucionário no Brasil”. RIDENTI, Marcelo. “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”. São Paulo, Perspectiva, vol.15 no.2, São Paulo Apr/June, 2001.
45
demarcariam este trânsito de questões e respostas, de sincronias e também de rupturas
presentes na esfera social.
Enfim, nos parece essencial considerar que estas mesmas leituras, proposições e
intervenções, oriundas de matrizes teóricas marxistas – em recomposição, aproximação,
transformação - se prestariam a articular, reconfigurar e sedimentar todo um universo de
questões cruciais como liberdade, democracia, revolução ; questões, de fato, que nunca
haviam saído de cena, mas que neste tempo e espaço voltavam a firmar um lugar,
fazendo-se acompanhar por um amplo leque de anseios, expressões e manifestações
coletivas.
Este estudo tem como foco a tendência estudantil Liberdade e Luta (1976/1982) e
através dela, a Organização Socialista Internacionalista, criada em 1976 a partir da fusão
de outras organizações trotskistas de linha lambertista. Por meio destas organizações,
entendemos ser possível perceber e penetrar num universo inicialmente clandestino,
posteriormente público, que no curso dos anos 1970 e parte dos anos 1980 deu forma a
muitas das confluências que, em termos mais amplos, as esquerdas brasileiras viveram no
processo de redemocratização social. Torná-las centro das reflexões, por sua vez, nos
permite propor um deslocamento de abordagem necessário ao estudo do processo que
Ridenti chamou de “virada no pensamento e na prática de esquerda”, num tempo, no
entanto, em que ainda se achava distante o “esgotamento do modelo bolchevique de
partido revolucionário no Brasil”.
Ainda, eleger uma das organizações trotskistas presentes nos processos de
redemocratização da sociedade brasileira, como objeto de estudos, também nos permite
tratar das experiências e trajetórias “de esquerda” numa perspectiva mais ampla e
completa; a ausência destas organizações num grande conjunto de estudo fragiliza, em
nosso entender a compreensão das transformações, perdas e conquistas vivenciadas no
período. E neste caso, o interesse de conferir atenção as organizações trotskistas carrega
o propósito maior de identificar e reconhecer as diferentes contribuições que as mais
variadas matrizes de pensamento marxista exerceram no período 1964/1984;
contribuições, por sua vez, que em nosso entender necessitam ser percebidas em suas
46
articulações, cruzamentos e sobreposições, na prática, a origem da vitalidade e profunda
contribuição que legaram à sociedade em sua trajetória coletiva de reconquista e
alargamento da cidadania.
47
2. NA DIMENSÃO DA ORDEM
Coronel Erasmo Dias; invasão na PUC-SP em 1977
Com a decretação do AI-5 em dezembro de 1968, o Estado Militar coloca em cena
mais um mecanismo de luta anticomunista, a Doutrina da Segurança Nacional; ferramenta
de intervenção e articulação que radicaliza o propósito maior de defender com
“intransigência (...) um modelo de desenvolvimento que leve o país a um poderio
econômico”, por meio da garantia - em um contexto de perigo - da “irreversibilidade da
Revolução”26.
As questões que levam a adoção desta doutrina no contexto, bem como os
propósitos que revelam, têm sido estudadas com atenção nas últimas décadas. As
intenções e características da chamada “linha dura” das Forças Armadas nos quadros de
governabilidade do General Médici (1969/1974) ou ainda, as questões que regem sua
sucessão e montagem do governo Geisel, entre outros temas relativos à “dinâmica
político-militar da ditadura”, nas palavras de João Roberto Martins Filho, vem recebendo
contribuições importantes, em especial, à luz de relatos que “trazem implícita uma
26
COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o Poder Militar na América Latina. RJ: Civilização Brasileira, 1980, p.47.
48
interpretação particular sobre a dinâmica política do regime e, mais especificamente,
sobre o conteúdo e a dinâmica das lutas internas às Forças Armadas”27
A construção de novas interpretações atentas a acontecimentos e disputas
internas às Forças Armadas nos ajuda a compreender parte dos fenômenos, como o de
construção pelos “castelistas” (quando de seu retorno ao poder com Ernesto Geisel) de
uma auto-representação de “moderados”, expressão que buscava afastá-los da direta
responsabilidade na edição do AI-2, da Carta de 1967, Lei de Imprensa, Lei de Segurança
Nacional, entre outras. Ou ainda, nos permite observar com outros olhos os processos que
se acercam à decretação do AI-5, no governo Costa e Silva (1967/1969), afirmando
Martins Filho que: “... as versões segundo as quais o Ato Institucional número 5 foi uma
resposta ao ‘terrorismo’” não se sustentam quando confrontadas com a dinâmica interna
do regime militar que, na mesma ocasião, experimentava uma “fratura da unanimidade
militar”, em “...um quadro de desunião muito mais complexo do que geral se admite”28, e
que em nome de sua unidade institucional imporia regras de hierarquia utilizando-se de
procedimentos como a Doutrina da Segurança Nacional. As ações repressivas do Estado
Militar, neste caso, responderiam a um conjunto muito mais amplo de variantes do que os
trazidos pelos chamados “subversivos”, expressando a construção de uma “unidade na
desunião” cujos desdobramentos redundariam no fortalecimento do governo executivo29,
no cerceamento dos poderes legislativo e judiciário e no “controle governamental sobre a
sociedade civil, por meio da supressão das garantias individuais”30.
27 MARTINS FILHO, João Roberto. “A Ditadura Revisitada: Unidade ou Desunião?” IN REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração/EDUSC, 2004, p125. 28 MARTINS FILHO, João Roberto. “A Ditadura Revisitada: Unidade ou Desunião?”. Op. Cit., p138. 29DROSDOFF, Daniel. Linha Dura no Brasil. O Governo Médici 1969-1974. São Paulo: Global, 1986. Segundo o autor: “..Foi o Ato Institucional nº 5, que capacitou o presidente a fechar o Congresso, aumentar a censura da imprensa, prender oponentes à vontade e mantê-los indefinidamente sem apelação ao tribunal, e demitir qualquer funcionário público a qualquer momento, sem motivo aparente. Quando o Congresso reabriu no ano seguinte, os críticos vociferantes da política oficial foram cassados, despojados de seus direitos políticos por 10 anos. Tornou-se claro (..) que a revolução militar não toleraria qualquer espécie de oposição, não importava sua base ideológica..” p76. 30
MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A
Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Segundo os autores: “..O Ato conferiu, entre outros, os seguintes poderes ao presidente da República: fechar o Congresso, as assembléias estaduais e as câmaras municipais; cassar o mandato de membros do Executivo e do Legislativo; demitir ou remover juízes; legislar por meio de decretos e baixar novos atos institucionais ou
49
A partir de 1969, a Doutrina de Segurança Nacional que há “quase duas décadas”
vinha sendo desenvolvida pela Escola Superior de Guerra (período no qual formara mais
de 1200 pessoas entre oficiais, empresários, parlamentares, juízes e burocratas de
primeiro escalão) entraria em execução como doutrina oficial do regime, entendendo-se
que, por se achar o País ameaçado internamente pelo ataque comunista, todos os atos
alusivos a “..detectar, reprimir, julgar e, no limite, assassinar os cidadãos tidos como
‘subversivos’ deveriam ser tratados como questão de segurança nacional”31. E para tanto,
tornava-se urgente consolidar uma legislação repressiva, além de complexificar o aparato
repressivo e estabelecer bases para uma repressão judicial, ganhando forma uma
sucessão de novos atos institucionais, decretos leis e uma emenda constitucional.
Entre as medidas que sucederam o AI-5 constaram: o Decreto-Lei 510 de março de
1969 que autorizava a prisão por até 30 dias (com até 10 dias de incomunicabilidade) de
pessoas suspeitas de atentar contra a segurança nacional; o Decreto-Lei 898 de setembro
de 1969 que viria substituir o anterior aumentando o tempo de prisão para alguns delitos,
além de definir penas de prisão perpétua e de morte para alguns crimes; e uma emenda à
Constituição de 1967 (promulgada em outubro) que aumentaria os poderes do Executivo
complementares; demitir, remover ou aposentar servidores públicos, e suspender os direitos políticos de cidadãos por um prazo de dez anos. Além disso, suspendeu-se a garantia de hábeas corpus para todos os casos de crime contra a segurança nacional e ratificou-se a jurisdição da Justiça Militar sobre os crimes políticos. Ao contrário dos atos institucionais anteriores, este tinha prazo de vigência indeterminado e apenas poderia ser revogado por um decreto do presidente da República” pp. 31-33. 31 MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op. Cit., p.10.
Imagens de 1968: ruas de Porto Alegre; ruas do Rio de Janeiro; invasão na Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia
50
através da incorporação de disposições dos Atos Institucionais (inclusive do AI-5), além de
regulamentar o funcionamento da Justiça Militar.
Ao assumir a presidência, o General Emílio Garrastazu Médici contava, portanto,
com uma estrutura legal montada para dar início a medidas que acreditava necessárias32,
seguindo-se um número ainda indefinido de prisões, processos, intervenções e
fechamentos de instituições (dos mais variados tipos), censura e constrangimentos de
órgãos, espaços e situações de vida privada que alterariam de maneira irremediável os
rumos sociais e políticos construídos até então pela sociedade. Entre estas medidas,
constou o expurgo de quase uma centena de deputados federais, a prisão e afastamento
de centenas de professores universitários (cerca de 70 só na USP), a imposição de
centenas de aposentadorias, além de reformas, demissões e destituições que chegaram
próximas a mil só no ano de 1969. Em paralelo a “..uma ampla campanha de intimidação
da sociedade civil”, as operações redundaram em espancamentos, detenções arbitrárias e
“blitz” de várias abrangências que, em algumas situações, levaram à prisão milhares de
pessoas33.
O combate ao inimigo interno, na leitura e nos procedimentos da Doutrina de
Segurança Nacional, deveria promover o extermínio do comunismo através do
esvaziamento dos espaços de participação política34, incluindo-se aí um leque variado de
práticas cotidianas e uma atenção muito especial com as dimensões clandestinas de
resistência política. Neste sentido, o Presidente Médici em 1970, referindo-se às vésperas
da decretação do AI-5 (período em que respondia como chefe do SNI), afirmava que:
“..Havia, indiscutivelmente, uma rebelião nas massas, na camada estudantil, no
professorado, no clero, no meio dos trabalhadores e, inclusive no Parlamento.
Cheguei à conclusão, ao fim do meu relatório, de que o que estava na rua era a
32 MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op.Cit., pp 32-33. 33 Segundo Vannucchi e Swensson: “..Às vésperas das eleições parlamentares de 1970, por exemplo, uma blitz nacional prendeu mais de 10 mil pessoas, entre as quais alguns candidatos do MDB. A operação claramente visava a garantir a vitória da Arena no pleito”. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op. Cit., p35. 34 Ver: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1987, 4ª ed.
51
subversão e a contra-revolução, e pedi ao Presidente da República que adotasse
medidas enérgicas e imediatas para deter o mal”35.
Entre os anos 1969 e 1970, no bojo de um Estado coercitivo em aprimoramento, a
sucessão de seqüestros políticos que tiveram lugar e com sucesso (seqüestros do
embaixador norte-americano C. Burke Elbrick em 07/1969 por ação do MR-8 (Movimento
Revolucionário 8 de Outubro) e ALN (Aliança Libertadora Nacional), que forçou a
libertação de 15 prisioneiros políticos; do cônsul-geral japonês Nobuo Okuch, na cidade de
São Paulo em 1970, por ação da VPR que libertou 5 prisioneiros políticos; do embaixador
alemão ocidental Ehrenfried von Hollen, em ação da VPR, que acabou trocado por 40
prisioneiros políticos e do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bücher, por ação da VPR
(Vanguarda Popular Revolucionária), que libertou 70 prisioneiros políticos) levaram a
adoção de novos procedimentos, entre eles, a intensificação das medidas de censura, a
modernização/centralização da inteligência militar e a aproximação dos veículos de
comunicação de massa dos programas governamentais (de reforma agrária, transportes,
crédito rural, redistribuição de lucros), impondo-se o silêncio à veiculação de informações
de/sobre guerrilheiros que da mesma forma passavam a ser tratados como terroristas,
criminosos e antibrasileiros. Em depoimento dado ao CPDOC em 1993, um dos criadores
do Centro de Informações do Exército (CIE), Adyr Fiúza de Castro, forneceu dados mais
precisos sobre o momento em que as Forças Armadas se viram no limite e urgência de
complexificar suas estruturas repressivas. Entre 1967 e 1969, período em que se
encontrava no CIE:
“...Através dos nossos infiltrados, dos nossos informantes, e pela escuta telefônica,
nós sabíamos que eles estavam tramando coisas realmente violentas, cujo início
foi o seqüestro do embaixador americano. Antes, já havíamos tido vários assaltos a
bancos. Mas esses grupos não eram regionais: vinham de São Paulo para atuar no
Rio, saíam do Rio para atuar em São Paulo, ou iam fazer uma incursão em Belo
Horizonte, em Recife, e depois voltavam. E o combate a essas ações subversivas
35 Entrevista coletiva do Presidente Médici em 27 de Fevereiro de 1970, distribuída pela Agência Nacional. Documento citado por DROSDOFF, Daniel. Linha Dura no Brasil. Op.Cit., p77.
52
estava a cargo dos DOPS estaduais. Não havia DPF – Departamento de Polícia
Federal -, ou melhor, havia um embrião do DPF que não estava absolutamente em
condições materiais nem de pessoal para enfrentar o problema (....) E não era
possível utilizar-se dos dois DOPS melhor organizados, o de São Paulo e o do Rio
(...) pois eles não tinham âmbito nacional, não podiam atuar além das fronteiras
de seus Estados, nem tinham recursos financeiros para mandar gente para Recife
ou para Belo Horizonte. Era preciso haver um órgão que fizesse uma avaliação
nacional, porque a ALN e todas as organizações existiam em âmbito nacional, e
escolhiam o local e o momento para atuar, independentemente de fronteiras
estaduais ou de jurisdições. O DOPS teria que ajuizar os casos que prendesse, os
inquéritos que fizesse, na Justiça estadual. Para isso, era preciso que fosse
modificada a lei e considerado o crime contra a segurança nacional um crime
federal, para ser ajuizado na Justiça Federal. E que Justiça nós tínhamos? A Justiça
Federal também era incipiente, quase não existia – também é criação do
movimento de 64; antes não havia a Justiça Federal, havia Justiças estaduais.
Então nós tivemos que fazer com que os crimes contra a segurança nacional
fossem julgados por um órgão nacional, federal, que eram as Auditorias Militares e
o Superior Tribunal Militar. Mas como as Auditorias e o Superior Tribunal Militar só
julgavam inquéritos e processos oriundos da área militar, tivemos que fazer com
que os crimes contra a segurança nacional fossem todos lançados para a área
militar, para abrir o inquérito e ajuizar na Auditoria. E era necessário que esses
órgãos tivessem autonomia para atuar em todo o território nacional (..) Foram
criados, então, o CIE e o Destacamento de Operações de Informações (DOI), que
tinham total independência e autonomia no âmbito daquela área militar”36.
Numa perspectiva complementar, o Governo Militar restabeleceu em 1969 a pena
de morte37, forma de punição que se na esfera legal acabou por não se fazer aplicada, no
36 D’ARAUJO, Maria Celina; Gláucio Ary; Dillon Soares, Celso Castro (org). Os Anos de Chumbo. A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, pp 41-42. 37
A pena de morte para crimes civis no Brasil deixou de ser aplicada no período republicano (1889); no entanto, durante o governo militar, a Lei de Segurança Nacional (decretada 29 de setembro de 1969 e revogada pela nova Lei de Segurança, de 17 de dezembro de 1978) estabeleceu a pena capital para crimes de natureza política que resultassem em morte, resultando daí a condenação de militantes que tiveram, em seguida, suas penas comutadas para a de prisão perpétua pelo Superior Tribunal Militar. No entanto, a
53
âmbito da ilegalidade possibilitou a execução de um grande número de “subversivos” em
ação (ou supostamente em ação), sempre justificada como medida oriunda da
resistência38. Neste sentido, Carlos Marighela (ALN) foi assassinado numa armadilha em
1969; em 1971, já contando com recursos repressivos mais complexos, os órgãos de
segurança executaram Carlos Lamarca (VPR) e Joaquim Câmara Ferreira (PCdoB),
importantes lideranças de um movimento que chegara a contar entre 1969 e 1971,
segundo Drosdoff, com “..52 facções operando em unidades independentes com diversas
filosofias esquerdistas”39.
Material jornalístico e cartazes dos primeiros anos da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet)
Entre os desdobramentos do AI-5 e com o apoio de uma nova estrutura de
comunicação de massas, vários atores que até então figuravam como militantes de
correntes políticas e culturais diversas, passaram a ser empurrados, reconfigurados e
perseguidos como subversivos pelos órgãos de segurança em função de suas posturas
políticas ou comportamentais, e com surpreendente aval social. Entre os últimos anos da
ausência de execuções legais se fez acompanhar pelo assassinato de centenas de militantes sem qualquer oportunidade de julgamento. 38
Sobre a questão, ver: SEIXAS, Ivan.” Desaparecidos políticos. A falta de vontade de FHC”. Revista Adusp, julho de 1995, pp12-15; PRADO, Larissa Brisola Brito. Estado Democrático e Políticas de Reparação no Brasil: torturas, desaparecimentos e mortes no Regime Militar, 2004. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2004. 39
Referências oferecidas pelo estudo de EVENS, Robert Dervel, Brazil: The Road Back from Terrorismo. Londres: Institute for the Study of Conflict, 1974, p13, citado por Daniel Drosdoff. Linha Dura no Brasil. Op.Cit., p79.
54
década de 1960 e parte dos anos 1970, o DOPS-SP recebeu inúmeras “contribuições”
(anônimas ou não) para a identificação e prisão de “subversivos”, revelando aspectos da
legitimidade que alcançara desde sua criação em 1924 (e regulamentação em 1928)40.
Se estabelecermos, então, uma relação entre as leituras, posturas e projetos que
entravam em cena na sociedade brasileira na década de 1960, com os clamores e reações
que pediam ou justificavam uma ação coercitiva do Estado, começaremos a perceber que,
na verdade, um conservadorismo latente e historicamente pouco definido na sociedade
brasileira dava forma ao sujeito difuso chamado de “inimigo interno” ou “subversivo”, e
ainda, que estas novas práticas repressivas surgiam alicerçadas num diálogo entre os
órgãos de segurança e certos segmentos da sociedade civil, ansiosos pelo
restabelecimento da ordem e do controle social41. O “bilhete anônimo” enviado por um
estudante da USP em 1968 para o Delegado do Setor Estudantil do DEOPS pode ser
tomado, neste sentido, como uma prática relativamente comum:
“Prezados Senhores: Sou estudante e moro na Cidade Universitária. Domingo dia
4-2-68 ao voltar aprox. às 23,30 para casa encontrei no meu apto. em baixo da
porta o folheto que lhes envio. Como detesto os extremistas peço que tomem
urgentes medidas a respeito. Saibam também que desde Sábado o CRUSP está
cheio de gente nova desconhecida, especialmente “gringos”. Segunda feira à noite
4 rapazes estranhos deixaram o C.U. provavelmente foram hospedados no bloco F
(o hotel do CRUSP). Pareciam bastante esquisitos e não conversavam entre si
40
Nas palavras de João Paulo Garido Pimenta: “Criado em 1924 e regulamentado em 1928 o Departamento de Ordem Política e Social esteve desde o início ligado ao policiamento de setores considerados perigosos pela ordem vigente. Na primeira metade deste século, o Brasil conheceu um momento de avanço na organização política dos setores operários, cuja formação se relacionou intimamente com a vinda de imigrantes estrangeiros (especialmente italianos e espanhóis). As autoridades policiais procuraram estar atentas a esse movimento, e é dentro dessa conjuntura que surgiu o DEOPS-SP” IN “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, p1. 41
Ver: SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2001 [Coleção História, 41]; PRESOT, Aline Alves. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe Militar de 1964, 2004. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004; BENGSTON, André Gustavo. Cartas dos leitores aos jornais: manifestações do conservadorismo no Brasil contemporâneo, 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005; GUSSON, Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008.
55
apesar de estarem juntos. Um deles tinha um boné do tipo ‘che guevara’. Outros
tinham um sweter cinza, era magro alto curvado para frente. Todos carregavam
malas e embrulhos. Uma das malas tinha em cima amarrado um embrulho branco
que parecia uma vara de pescar dobrada. Todos os rapazes tinham tez escura.
Espero que entendam bem minha situação: quero ajudar sem revelar minha
identidade. Lembrem-se que estas atitudes extremistas são tomadas apenas por
uma minoria “estudantil”. A maioria pouco liga ou são bobos inocentes. Boa
sorte!”42
A contenção e prisão dos subversivos, por sua vez, trariam um novo status para os
órgãos de segurança que, diante dos apelos por um “pronto restabelecimento” da ordem
política e social, passava a conduzir uma guerra interna aos agentes da subversão
internacional; incumbência, aliás, que tendia a se ampliar, uma vez que os mesmos
clamores solicitavam também o controle e punição de outros crimes vigentes na esfera
pública, entre eles, o homossexualismo, o divórcio e a droga43. Neste contexto, portanto,
investido de toda autoridade moral, social e política, o Comandante do DOI/CODI II
chamaria os pais de um grupo de doze estudantes universitários “ligados a organização
autodenominada Ação Libertadora Nacional” para uma “palestra de advertência”
colocada nos seguintes termos:
“Os senhores foram chamados e estão aqui para levarem para suas casas os seus
filhos; aqueles filhos que os senhores viram nascer, aqueles filhos que adoeceram,
42 Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas. OP1027. 43
Ver: GASPAROTTO, Alessandra. “O terror renegado” uma reflexão sobre os episódios de retratação pública protagonizados por integrantes de organizações de combate à ditadura civil-militar no brasil (1970-1975), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008; MARCELINO, Douglas Attila. Para além da moral e dos bons costumes: a DCDP e a censura televisiva no regime militar, 2004. Monografia em História - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004; MARCELINO, Douglas Attila. “Leis de Exeção entre os anos 1964-1985”. http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/textos/3.pdf; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Rio de Janeiro: DP&A, 2003; FICO, Carlos. “Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda”, in J. Ferreira e L. de A. N. Delgado (orgs.). O Tempo da Ditadura: Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX – O Brasil Republicano. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, vol. 4, 2003.
56
pelos quais pai e mãe passaram muitas noites em claro cuidando deles. Aqueles
filhos para os quais os pais imaginaram uma profissão honrada e distinta onde
viessem a ser alguma coisa na vida. Aqueles filhos que galgaram o primário, o
secundário, o colegial e que muitos pais com muito esforço pagaram um cursinho
para que pudessem se habilitar a um concurso nas nossas universidades. O filho
passou no concurso houve festa em casa e o filho está satisfeito, os pais
satisfeitos, os amigos satisfeitos porque enfim aquele garoto ingressou na USP,
uma das maiores Universidades do Brasil. Mas assim que o rapaz ou moça lá
chega, a subversão bate com as garras em cima de seus filhos. Já no trote dos
calouros iniciam a escolha daqueles que integrarão os quadros da subversão no
Brasil. Procuram os mais dóceis, os mais espertos, os bons e de temperamento
acessível. Iniciam o envolvimento do calouro. Eles são sondados, aos poucos.
Iniciam no ‘trote’, na ‘choupada’, vão aos poucos separando os filhos dos pais.
Sem o apoio destes eles são presas fáceis dos subversivos”44.
O combate à subversão, neste caso, assumia aos olhos dos órgãos de segurança e
de parcelas da sociedade civil, um conjunto muito mais amplo de significados morais e
sociais; significados, por sua vez, que trariam legitimidade à aplicação da Lei de Segurança
Nacional. A chamada “queda” do Congresso de Ibiúna pode ser tomada como exemplo de
operação (num contexto, ainda, em que os órgãos de segurança não contavam com o AI-5
e em que os estudantes possuíam certo respaldo social). O relatório datado de 12 de
Outubro de 1968 e intitulado “Operação Ibiúna, XXX Congresso da extinta UNE”45 consiste
num relato minucioso de uma operação destinada a flagrar, desmontar e conduzir todos
os congressistas que se achassem presentes às delegacias especializadas (nos diversos
estados) para autuação e enquadramento legal, quando comprovada a subversão46.
44 Informação nº1437/73-AM. Palestra de advertência proferida pelo Comandante do DOI/CODI IIº Ex aos pais de 12 estudantes indiciados em inquérito Policial Militar por “estarem ligados a organização autodenominada Ação Libertadora Nacional” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Ordem Política OP1383. 45
Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458. 46 “Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinamente num sitio, em Ibiúna, no Sul do Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem serem pressentidos e não encontraram resistência. Toda a liderança do
57
Imagens de 1968 disponibilizadas pela internet
Segundo orientações (anteriormente definidas), os congressistas deveriam ser
levados para as “especializadas” (nos diferentes Estados) para se efetuar os
procedimentos de enquadramento com base na apresentação de provas (já coletadas
pelos agentes no espaço do Congresso e através de declarações de terceiros), na
realização de interrogatórios (nova instância de provas) e na configuração - sob moldes
legais - do delito. O relatório previa ainda a constituição de três equipes específicas de
trabalho (uma delas centrada no desbaratamento do Congresso), a participação de várias
delegacias e de pessoal especializado. O processo de construção da prova (da
configuração legal do delito), por sua vez, deveria seguir um ritual rigoroso e bem
argumentado, de forma a conseguir justificar a aplicação de instrumentos repressivos,
legalmente previstos. Dizia o relatório:
movimento universitário foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundários, entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS. Os demais estão recolhidos ao presídio Tiradentes. Desde segunda-feira os habitantes de Ibiúna notaram a presença de jovens desconhecidos, que iam à cidade comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes, despertando suspeitas ao adquirir mais de NCr$ 200 de pão de uma só vez. Essas informações foram transmitidas ao DOPS e à Força Publica, que desde quinta-feira já conheciam segundo afirmaram —o local exato do Congresso. A denuncia de um caboclo, que fora barrado ao tentar chegar até o sitio Muduru, onde estavam os estudantes, fortaleceu a convicção da Policia de que o congresso seria realizado ali. Depois de avançar alguns quilômetros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada, 215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para intimidá-los. Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados aos ônibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de "manter a paz e a tranqüilidade para a população que deseja trabalhar". E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: "Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE”. Folha de S.Paulo, domingo, 13 de outubro de 1968.
58
“...A tipicidade é o elemento integrante e fundamental para a conceituação do
delito. Ensina, magistralmente, Soler: ‘a tipicidade é a subordinação de um fato A
UMA DETERMINADA FIGURA DELITIVA’. Consoante, êsse entendimento temos que
perquerir, se a conduta dos indiciados se enquadra, se ajusta a um tipo, a um
dispositivo do Diploma Legal que tutela a Segurança nacional; assim sendo, a um
exame objetivo do que se contém nos autos, inferimos que atrás de suas
atividades os acusados infringiram o dispositivo no artigo 36 do decreto Lei nº314,
pois, em participado de um Congresso de Estudante extinta por lei (Lei nº 4464 de
9/11/1964 – Decreto Lei nº228 de 28/2/1967), evidentemente contrariam o
estatuído na parte final do citado artigo 36 do decreto nº 314, que preceitua: fazer
funcionar partido sem o respectivo registro ou, ainda Associação dissolvida
legalmente, ou cujo funcionamento tenha sido suspenso”47.
No tocante à geração de provas, tratava-se de considerar que:
“...assevera o magistral Mittemayer: ‘Prova é a soma dos meios produtores da
certeza’. Conceituada a prova, vejamos se existem nos Autos ‘os meios produtores
da certeza’. Em nosso modo de ver, sim, e estariam essas provas, em documentos
apreendidos no local onde se realizava o Congresso (panfletos, folhetins, etc), tudo
consoante do Auto de Exibição e Apreensão (...), em depoimentos das
testemunhas, em especial, a do caseiro de Domingos Simões, senhor Porfírio
Borges de Andrade, cujo depoimento é altamente significativo, relatando cenas de
verdadeiro festival de luxúria e orgias sexuais praticadas pelos estudantes –
convencionais da UNE em Ibiúna); na própria confissão dos indiciados, e a
confissão na feliz conceituação de Garraud é ‘probatio probatíssima’48.
47
“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de 1968, pp. 102-103 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458. 48
“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de 1968, pp. 102-103 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458.
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Prisões durante o Congresso da UNE em Ibiúna. Imagens da Agência Estado disponibilizadas pela internet
A incumbência de provar a subversão com base nestas orientações, por sua vez,
exigia das “especializadas” uma sofisticação nos setores de informação de forma a
identificar e decifrar os “códigos subversivos”, a configurar os delitos, acompanhar e
capturar novos militantes49, sendo exigido das mesmas “especializadas”, além do
cumprimento de ações repressivas, a atuação como órgão de inteligência. O DEOPS de
São Paulo há muito cumpria estas funções, relatando Pedro Pomar que:
“...Sob Adhemar, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) agiu como
uma máquina de combate ao PCB e movimentos sociais organizados, devidamente
articulada aos objetivos e diretivas do governo federal. Ainda que toscamente, o
DOPS procurou constituir-se como um órgão de inteligência, sem prejuízo de suas
ações repressivas diretas” 50.
49
Neste aspecto, o número de investigadores é ampliado, bem como os trabalhos relacionados com a criação de novos métodos de cruzamento e circulação das informações. 50 POMAR, Pedro Estevam da Rocha. “O DOPS sob Dutra e Adhemar”. Revista Histórica. SP: Arquivo do Estado de São Paulo, ano 2, nº2, agosto de 2000. O texto continua: “Propôs a similares de outros estados
60
No início da década de 1970, o DEOPS de São Paulo51 achava-se plenamente
aparelhado para executar tarefas de coleta, processamento, organização, interpretação e
distribuição de informações52, e mais do que isso, valendo-se da memória latente de
perseguição ao PCB (construída nas décadas anteriores) como agente primeiro da
subversão, coube-lhe orientar esforços para aproximar o subversivo da imagem e sentido
de “comunista” (socialmente tomado como inimigo interno). E uma vez identificado o
“subversivo” e naturalizado como inimigo interno do País, procedia-se à qualificação e
apresentação das prova do crime, procedimentos que facilitavam em muito a captura e
enquadramento de militantes, em especial, das organizações armadas.
Nos Processos e Inquéritos Policiais produzidos pela Delegacia Especializada de
Ordem Política, entre 1970 e 1973 – documentos essenciais para a constituição dos
Processos Judiciais – podemos observar, com detalhes, a construção das peças a partir das
quais se configurava o crime contra a Lei de Segurança Nacional; peças que sempre se
faziam acompanhar por justificativas finais que pediam autorização legal para realizar
prisão preventiva de um prisioneiro considerado “de alta periculosidade social”53. E junto
troca de informações. Aos delegados de polícia do interior, solicitou dados estratégicos de suas cidades. Além disso, reforçou a ação de seu Serviço Secreto (criado já em 1934, com o nome de Serviço Especial), formado por agentes ‘reservados’, incumbidos de infiltrar-se nas fileiras comunistas. Após as eleições de novembro de 1947, as primeiras após a cassação do registro eleitoral do PCB, o DOPS enviou circular aos delegados de polícia, encaminhando questionários sobre ‘os candidatos comunistas inscritos para as eleições municipais’. Declarado fora da lei, o PCB conseguira eleger, por diferentes legendas partidárias, inclusive PSD e UDN, uma centena e meia de vereadores comunistas no estado de São Paulo. O DOPS quis saber ‘quem dirigiu ou orientou os acordos celebrados nos municípios entre o PCB clandestino e outros partidos. Também pediu informações sobre a ‘infiltração comunista em grandes indústrias locais, repartições públicas, escolas de qualquer grau e estabelecimentos agrícolas’, bem como em ‘associações de classe, clubes’ e entre ‘elementos armados locais’ (...) Grande parte da massa de informações obtidas era fruto da espionagem. A farta produção de relatórios por ‘reservados’ evidencia alto grau de infiltração policial nas células e até organismos dirigentes do PCB” pp 39-40. 51
Segundo PIMENTA, João Paulo Garido, quando o órgão encerrou suas atividades em 1983, ele se achava denominado DEOPS-SP; no entanto, desde a criação, esta instituição “passou por inúmeras alterações na sua sigla e no seu nome. Ex: Delegacia de Ordem Política e Social, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, Superintendência de Ordem Política e Social, etc. Tal levantamento seria de grande utilidade ao pesquisador e ainda necessita de elaboração definitiva” IN “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995. 52
Ver: QUADRAT, Samantha Viz. Poder e informação: o sistema de inteligência e o regime militar no Brasil, 2000. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000; D’ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (org). Os Anos de Chumbo. A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 53
Entre os mecanismos de aprimoramento da coleta, sistematização e cruzamento de informações estabelece-se um padrão de ficha utilizado pelo DEOPS em 1974, que nos esclarece como se dava a busca
61
aos processos seguiam relatórios da Delegacia (assinados muitas vezes por um Delegado
de Polícia Adjunto), com ilustrações sobre o caráter e comportamento subversivo
“comprovado” dos militantes (como o portar materiais “clandestinos”; o ter sido citado
em interrogatório; apresentar alguma proximidade com outros acusados; ter sido visto ou
pego em situações “suspeitas”..); sinais que, em seu conjunto, definiam o “caráter” do
criminoso e lhes impunha punições preliminares.
A punição tinha início, muitas vezes, com a detenção preventiva (momento em que
ainda não se achava configurado o crime) e ao longo de um percurso de
constrangimentos, humilhações ou mesmo torturas (a depender do grau de envolvimento
e culpabilidade) surgiam as “provas” que passavam a ser colhidas e organizadas para
compor as peças dos “autos de investigação”, e depois dos “autos de processo”,
necessários para uma condenação. E entre a apresentação dos “relatórios”, instauração e
conclusão do Inquérito podiam-se somar novos dados (oriundos de novos interrogatórios,
apreensões, declarações..) que fortaleciam a comprovação do delito54. Os arquivos do
DEOPS-SP guardam processos nos quais se acham inseridos as certidões de óbito dos
acusado numa clara demonstração de que os subversivos não seriam poupados nem
mesmo em memória. O caso do assassinato do estudante de geologia da USP e integrante
da ALN, Alexandre Vannucchi Leme, pelos órgãos de repressão em 1973 pode ser tomado
como exemplar: o seu nome (em conjunto com o de dois companheiros assassinados)
interna por informações, reunindo de maneira sistemática e complexa um amplo conjunto de dados, oriundos de diversos setores internos como o Arquivo Geral do DOPS, o Cartório Central, a Delegacia Especializada de Ordem Social. A estas informações somavam-se outras procedentes de outros órgãos localizados nos demais Estados, em outros setores das Forças Armadas ou mesmo da sociedade civil. Segundo João Paulo Garido Pimenta em “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, o cruzamento das informações redundava num sistema de fichas e pastas organizadas por códigos ou nomes através das quais conseguia-se acessar os dados dos indiciados. 54
Ver: SEIXAS, Alexandre Magalhães. A Justiça Militar no Brasil. Estruturas e Funções, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; SCOCUGLIA, Afonso Celso. “Justiça fardada e educação subversiva (1964-1969): IPMs e representações dos vencedores e dos vencidos” http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/textos/12.pdf; GUSSON, Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008; MACIEL, Wilma Antunes, O Capitão Lamarca e a VPR. Repressão Judicial no Brasil. Alameda Editorial, SP, 2006; FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2001.
62
seria incluído no Inquérito Policial Militar como acusado de subversão, permanecendo sua
memória objeto de novas apreensões e indiciamentos.
Neste aspecto, é significativo considerar que, segundo o Projeto Brasil Nunca
Mais55, o número de prisões e interrogatórios realizados pelos órgãos de repressão
superou imensamente o número, propriamente dito, de indiciados e julgados por crime
contra a Segurança Nacional, ou ainda, o número de mortos e desaparecidos políticos;
dados que à primeira vista podem sugerir uma atuação branda dos órgãos repressivos
mas que registram, de fato, a violência e abrangência de seus métodos. Enfim, esta
trajetória que expande seus limites até alcançar a “naturalização” da “subversão” também
encontra legitimidade no interior de uma sociedade atônita e amedrontada que, no
entanto, compactua com as medidas em execução. O “tratamento” dado ao assassinato
da liderança trotskista Olavo Hansen, em 1970, parece elucidativo. A “frieza” deste
documento interno do DEOPS é esclarecedora:
“Conforme se verifica através dos documentos de ns. 8 e 9, Olavo Hansen há
muito vinha militando na ala denominada “trotskista”, tendo sido processado em
1964, e dada a sua periculosidade, teve sua prisão preventiva decretada pela 2ª
Auditoria Militar, por crime contra a Lei de Segurança Nacional. Relativamente a
autópsia levada a efeito pelo I.M.L., o laudo Necroscópico nos dá notícias de que a
morte de OLAVO HANSEN se deu por envenenamento (V.DOC.nº10)”56.
Na mesma ocasião, em uma matéria veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo, a
opinião pública recebe o seguinte esclarecimento: “..Vê-se pelo currículo que era um
subversivo. A leitura desses dados, por sinal, quase nos convence de que Olavo Hansen se
suicidou por não suportar mais o desgosto de ser subversivo”57.
55
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988. 56
Ofício 286/70 em atenção ao Pedido de Busca nº366/DSI/MJ IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027. 57
ANDRADE, Evandro Carlos de. “Como morreu Olavo Hansen”. O Estado de São Paulo, 15/08/1970 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027
63
2.1 TERRENO DE “SUBVERSIVOS”
“...o terrorismo mais eficaz é sempre o do estado: os grupos matam
simbolicamente, o Estado estatisticamente” Alberto Moravia, 197858
Com a atenção centrada nos subversivos, mas, de uma maneira mais precisa, na
“caça aos comunistas”, a Universidade acabou eleita, no final da década de 1960, como
um dos espaços prioritários da ação dos órgãos de segurança por entender-se que: “o
Partido Comunista vem atuando no setor estudantil arregimentando jovens, como nunca
antes ocorrera”59. O “setor estudantil”, particularmente, causava apreensão às
autoridades por considerar-se que neste meio reunia-se “inocentes úteis” suficientes para
ampliar em muito a ação do “partido comunista”.
58 HOLLANDA, Heloísa Buarque de e Pereira, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. SP: Brasiliense, 1980, p85. 59
“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, relatório datado de 12 de Outubro de 1968 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458.
64
Os dados recolhidos pela “Operação Ibiúna”, realizada em outubro de 1968, que
prendeu e fichou o montante de 694 estudantes (reunidos em 8 volumes), permitiram aos
órgãos de repressão deflagrar operações similares (e mais profundas) nos anos seguintes,
transformando-se o espaço da universidade (e das instâncias estudantis sobreviventes em
seu interior) em alvo permanente de prisões auxiliadas pela vigência do AI-5, pelos
decretos 477 e 228, ou ainda, pela presença de um departamento especializado de
Assessoria de Segurança e Informação (ASI) no interior das Reitorias60. O espaço
acadêmico passava a receber monitoramento cotidiano61.
Em 1969, mais precisamente, ocorreu uma primeira “desmontagem” de entidades
e de suas condições/possibilidades de exercício coletivo com a prisão da maioria absoluta
das lideranças, as chamadas “vanguardas estudantis”. Até então, o Estado Militar vinha se
fazendo presente, sistematicamente, no acompanhamento e intervenção na estrutura de
funcionamento das entidades e organizações estudantis de forma a alterar-lhes o sentido
e as condições de gestão; no entanto, na proporção em que se radicalizavam os conflitos e
se revelavam presentes novas táticas, estratégias e formas de ação política (manifestações
de rua a partir de 1965, ocupação de universidades, dias de protesto, etc..), caberia à
decretação do AI-5, em dezembro de 1968, a promoção efetiva de rupturas mais
profundas, seguindo-se em 1969, uma intensa onda de prisões acompanhada pela
promulgação de reformas institucionais no interior e na estrutura das Universidades.
60
Ver: CRUZ, José Vieira da. “Estudantes vigiados: órgãos de segurança e informação na Universidade Federal de Sergipe (1969-1977)”. Ponta de Lança, São Cristóvão, vol 2, nº3, outubro 2008 - abr 2009, pp 93-109; FIGUEIREDO, Cecília; KOBAYASHI, Eliza M. “Os Álbuns do DOPS”. São Paulo: Revista Adusp, Outubro de 2004, pp 81-85; PELLICCIOTTA, Mirza M.B. Uma aventura política, As movimentações estudantis dos anos 1970, 1997. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas. No âmbito das fontes primárias, apresentamos ao final da tese uma relação de caixas de documentos do Fundo DEOPS/Arquivo do Estado com dados de localização. 61 No caso da USP, encontramos uma referência direta à ASI em O Livro Negro da USP. O Controle Ideológico na Universidade. SP: Adusp, 1978. Nele, o Prof. Antonio Cândido de Melo e Souza, em depoimento à Comissão Especial de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado, em 18 de agosto de 1977 afirma: “..o que consta é que em algum lugar da universidade, mas não pertencendo à universidade, estão instalados agentes de segurança. Esses agentes dependem de serviços que não sei quais são e atuam de maneira regular nos processos de contratação de docentes. Agora, oficialmente, esses agentes não existem (..) a impressão que se tem é que esse serviço de segurança não tem poder decisório (..) ele é apenas um órgão informante, talvez oriente, ele informa as autoridades competentes da universidade”, pp 56-57.
65
Se somarmos estas medidas à adoção por boa parte das lideranças estudantis em
clandestinidade, da política de abandonar a trajetória de resistências conhecida como
“movimento de massa” para propor e ingressar na luta armada, este contexto de grande
complexidade acabaria por provocar rupturas efetivas das estruturas organizativas,
perspectivas e condições participativas de um movimento de fortes tradições políticas.
Mas a ação dos órgãos de segurança contou, antes de mais nada, com um conjunto
de decretos e leis que se fizeram presentes no interior da Universidade. A implantação da
lei nº5540, mais conhecida como Lei da Reforma da Universidade, deu lugar a uma nova
estrutura de gestão acadêmica que, em conjunto com outros decretos e leis
complementares, permitiu instalar nas antigas e novas instituições, instâncias necessárias
à adequação dos novos propósitos, constando entre eles, setores de segurança e
informação. Encontramos referências desta trajetória no Livro Negro da USP, publicado
em 1978 pela associação de docentes que, na tentativa de “desenvolver uma campanha
pela reintegração, na vida acadêmica, dos professores e cientistas atingidos pelos atos de
exceção”62, busca resgatar e refletir sobre o percurso de demissões, aposentadorias,
suspensões de garantias jurídicas, constrangimentos, prisões e inclusive mortes vividos na
universidade no período pós-1964.Podemos ler:
“A análise de todo este período, com sua alternância e convergência de pressões
ideológicas externas e internas permite entender bastante bem o caráter
essencialmente reacionário e destrutivo das transformações que se dão na
Universidade de São Paulo sob a égide do movimento de 31 de março. O caráter
reacionário está muito ligado ao próprio mecanismo de poder que passa a ser
utilizado na USP: o expurgo e a ameaça de expurgo (...) esse mecanismo favorece
os setores conservadores mais intolerantes e abre caminho para o oportunismo
deslavado. Elevando ao poder esses grupos, o expurgo tende a se institucionalizar,
pois os novos detentores de poder não são capazes de manter o controle das
62 O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. SP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, 1978, p7.
66
posições de mando sem a possibilidade permanente do recurso às acusações
ideológicas” 63.
De fato, ao tratarmos do assunto “universidade” pelo viés dos órgãos de segurança
torna-se clara a presença de uma parceria entre administração, legislação e ação de
órgãos repressivos64 que justifica a desconfiança e desprezo dos estudantes frente a uma
cúpula universitária considerada “já domesticada pelo expurgo”65. Na prática, em meio a
um clima perverso e violento, a Universidade vê-se tomada pelo enfrentamento cotidiano
de um sem número de limites e dificuldades colocados às atividades acadêmicas, culturais
e políticas as mais diversas - calouradas, chopadas, apresentações teatrais, festas,
palestras, cursos, ciclos de cinema, assembléias, eleições de entidades - , que continuam a
acontecer e que dão lugar ao constrangimento pelo exercício dos mais simples direitos.
Segundo a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo:
“..Estudantes e docentes são presos dentro do próprio campus e alguns inclusive
retirados à força das aulas por policiais armados, em clima de grande comoção.
Fatos concretos como esses emprestam verossimilhança a boatos sobre a
iminência da invasão do campus que tornam o simples comparecimento às aulas
nessas ocasiões um ato de coragem. Multiplicam-se as denúncias de tortura. O
próprio fato de ter conhecido alguém suspeito de exercer atividades terroristas
desperta imediatamente o medo da prisão e da coação física. Participar de
63 O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. Op.Cit, p75. 64
“..Art. 1º - Todos aqueles que, como professor, funcionário ou empregado de ensino público, incorreram
ou venham a incorrer em faltas que resultaram ou venham a resultar em sanções com fundamento em Atos Institucionais ficam proibidos de exercer, a qualquer título, cargo, função, emprego ou atividades, em estabelecimentos de ensino e em fundações criadas ou subvencionadas pelos Poderes Públicos, tanto da União, como dos estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, bem como em instituições de ensino ou pesquisa e organizações de interesse da segurança nacional (..)” Diário Oficial da União, de 21 de outubro de 1969, p8930 - Ato Complementar nº75”IN O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. Op.Cit, p52. 65
No O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade.Op. Cit., p54 podemos ler:
“Desencadeia-se, então, a fase mais violenta da repressão policial, que atinge toda a sociedade civil. Nesse caso, não se trata de um processo instaurado pela Universidade, nem mesmo especificamente na Universidade, mas trata-se de uma ação dos órgãos de segurança, contra o qual não há proteção nem defesa, e que atinge duramente muitos professores, além de enorme número de alunos. Da cúpula universitária, já domesticada pelo expurgo, não parte nenhum protesto. A imprensa, amordaçada pela censura, não denuncia mais”.
67
reuniões e grupos de discussão é considerado perigoso pois nunca se sabe se
algum membro do grupo é pessoa suspeita, o que acarretaria imediatamente a
possibilidade de virem todos a ser caracterizados como ‘aparelho subversivo’.
Dezenas de professores, em uma ou outra ocasião, são detidos ou intimados a
comparecer aos órgãos de segurança para prestar informações. Muitos são presos,
alguns torturados. Alunos são mortos, outros ‘desaparecem’”66.
Aos olhos da legislação repressiva e dos órgãos de segurança, por sua vez, tratava-
se de identificar efetivamente as ações subversivas - entendidas nos moldes da ideologia
da Segurança Nacional67 - que se achavam presentes na sociedade, entendendo-se a
Universidade como palco estratégico nesta tarefa. O documento intitulado: “Coletânea de
Relatórios Policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas Delegacias
Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT,
FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações, onomástico, por nomes
falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de 1970”68, é esclarecedor. Em meio a
dados de prisões, interrogatórios, obtenção de provas e instruções de processos criminais
(base para novas ações e referências), o espaço universitário e o movimento estudantil
aparecem como lócus primordial de informações e de intervenções, prestando-se os
relatórios da “Operação Ibiúna” a articular e orientar as leituras e procedimentos,
conforme o demonstra o processo de nº 30z-160-14356, de 1971. Nele, podemos ler:
66O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade.Op.Cit, p54. 67 Segundo o Pe.Joseph Comblin, identificar ações subversivas nos moldes da ideologia de segurança Nacional significava realizar: “...esforços desmedidos para reconstituir, a partir dos menores indícios, toda uma trama de guerra revolucionária. Já que não há nenhuma diferença entre subversão, crítica, oposição política, guerrilha, terrorismo, guerra, já que tudo isso é manifestação de um único fenômeno, a guerra revolucionária, a Inteligência consiste em criar uma rede abstrata de relações entre a suposta guerra revolucionária e qualquer indício de descontentamento por parte do povo”. COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o Poder Militar na América Latina. RJ:Civilização Brasileira, 1980, p.47. 68Coleção de Relatórios 30-z-160-14490. “Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações, onomástico, por nomes falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de 1970”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP1027.
68
“...Perseguindo nas investigações sobre atividades subversivo-terroristas
praticadas pela Ação Libertadora Nacional, logrou-se descobrir uma célula do setor
de imprensa e do movimento estudantil ligada a essa organização. Ficou apurado
no presente inquérito que a ALN tinha ramificações na Faculdade Estadual de
Campinas e Faculdade de Medicina da USP em São Paulo, onde vinha
desenvolvendo o seu trabalho de subversão a fim de aliciar novos elementos, bem
como difundir, por meios de jornais e panfletos, as atividades da organização,
fazendo inclusive campanhas contra os Poderes constituídos do País, a fim de
desmoralizar a atual estrutura social atacando o Governo federal, o Governo
Estadual e a Polícia de Segurança, bem como a Justiça Eleitoral. Farto material
subversivo foi apreendido com os indiciados, bem como identidades falsas e
outros materiais próprios para impressão de panfletos. Apurou-se ainda assaltos
praticados por elementos da ALN contra a Universidade Católica, no dia 15/2/1971
(..) Dos Indiciados (...) Luiz Antonio Teixeira Vasconcelos, está sendo processado
pela 2ª Auditoria Militar as 2ª CJM, por ter participado do Congresso de Ibiúna em
companhia de Alcides Y.Mamizuka. É estudante de Ciências da Computação da
Universidade Estadual de Campinas, e em companhia de Alcides Mamizuka
participou no ano de 1969 de pixação contra a vinda de Rockfeller ao Brasil,
pixação essa realizada numa parede da rua Culto à Ciência, na cidade de Campinas,
e com a participação de outros elementos. Não tinha ligações diretas com a ALN,
mas foi convidado por Mamizuka para a confecção de um jornal sobre a
Universidade Estadual de Campinas, no qual deveriam levantar problemas daquela
Faculdade, cujo jornal não chegou a ser impresso. Chegou a ser suspenso na
Faculdade por liderar movimento de violência nos trotes de calouros”69.
Por outro lado, esta “Coletânea de Relatórios Policiais...” nos remete para o
tratamento especialmente violento que se confere às organizações armadas, buscando-se
estabelecer vinculações entre elas, o movimento estudantil e a Universidade. No caso da
ALN, nós encontramos ao longo de 335 páginas, considerações específicas sobre sua
69 Coleção de Relatórios. 30z-160-14356 de 1971, p220 IN “Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO..”. Op. Cit, Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP1027.
69
presença nos meios universitários e os registros de enquadramento de 68 terroristas na
Lei de Segurança Nacional, da realização de 39 prisões em 1972 e do falecimento de 19
subversivos em 1973, entre eles, o estudante Alexandre Vanucchi Leme. Nos termos deste
relatório podemos ler:
“... todos os atos subversivos praticados pelos indiciados, sob a inspiração da
organização subversiva auto-denominada ALN, foram possíveis uma vez que essa
organização vem se preocupando em manter o setor de massas em franca
atividade, principalmente no meio estudantil, e mais precisamente no âmbito da
Universidade de São Paulo e nas diversidades Faculdades da Universidade Estatal,
onde encontram campo fácil para a proliferação e disseminação das idéias
marxistas, introduzindo naquele meio a ideologia exportada pela China e pela
Rússia com a colaboração de Cuba. A técnica principal utilizada pelos agentes de
subversão é sobejamente conhecida, uma vez que no âmbito da Universidade
procuram atrair para os Centros Acadêmicos os estudantes mais desembaraçados
e menos interessados no estudo, procurando primeiramente interessá-los a
participar de cinema, teatro, chopadas, rodas de samba, etc, e posteriormente
encaminhá-los para setores de murais, jornais e revistas, e finalmente
condicionados às idéias socialistas, passam a exaltar a necessidade de
reivindicações, muitas vezes justas, mas com a intenção de tumultuar o ambiente
universitário. Quando Ronaldo Mouth Queiroz que era o líder da ALN dentro do
ME na USP, passou para a ilegalidade, seu sucessor ficou sendo Alexandre
Vannuchi Leme, o qual em companhia de Adriano Diogo passou a agitar a
universidade e a aliciar novos adeptos para a ALN, todos indiciados no presente
inquérito e alguns ouvidos como testemunha”70
70 Documento relativo a morte de Alexandre Vannucchi Leme intitulado “Da Prova Material” de junho/1973. O documento continua: “..Um dos indiciados, companheiro de Alexandre Vannuchi Leme disse que esse havia comentado que se pudesse não se entregaria vivo, caso fosse descoberto, mas se fosse prêso marcaria um apontamento de rua, que não fosse verdadeiro, ocasião em que tentaria fuga. De fato isso ocorreu e foi atropelado quando tentava atravessar uma rua de tráfego intenso ao fugir de uma escolta”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP0603.
70
Registros sobre a atuação de militantes da ALN. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo
Com relação às organizações trotskistas (POR e Fração Bolchevique), a Coletânea
se centra na busca da comprovação ou não de ligações com as ações armadas,
identificando-se extensões no mundo acadêmico e estudantil71, em especial, do PORT que
motiva atenção e coleta sistemática de provas de subversão em função da distribuição de
panfletos e manifestos nos corredores, banheiros e espaços diversos da USP, realizando-
se no curso do tempo algumas prisões.
Enfim, frente às certezas, trata-se de intervir de forma efetiva no espaço
acadêmico por meio da interiorização dos órgãos de segurança, destacando-se entre os
procedimentos a instalação de AESI72 nas reitorias das universidades. No caso da USP,
desde os primeiros momentos da década de 1970 este órgão envia informes cotidianos de
docentes73 mas sobretudo de movimentações entre estudantes para o setor de
71 Encontramos registros de prisões, autos de apreensão e relatórios de interrogatório de militantes do PORT e Fração Bolchevique no curso de 1971 e 1972, registrando-se sobre o PORT que: “Esse partido clandestino sofreu dissidências, em virtude de divergências nos seus quadros, quanto a sua linha política, tendo sido formada outras organizações como foi o caso da Fração Bolchevique da IV Internacional’, o ‘1º de Maio’, sendo certo que a primeira possui inquérito policial em andamento nesta Especializada, uma vez que alguns de seus integrantes foram presos e confirmaram seus procedimentos criminosos”. “Relatório Informativo Policial sobre subversão em 1976. Coleção de Relatórios”. Processo nº 30z-160-14236 IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Temáticas, OP 1027. 72
ASI e AESI: ambas expressões aparecem na documentação primária associadas ao mesmo órgão. 73 “...Após as aposentadorias por força do AI-5, começam a ocorrer na USP fatos até então desconhecidos: contratos aprovados nos departamentos e congregações, com demonstração de verba, são misteriosamente arquivados na Reitoria ou indeferidos pelo Reitor sem explicação. Os chefes de departamento e diretores de Faculdades ou institutos são advertidos, sempre oralmente e sempre extra-oficialmente, que se trata de problemas relacionados com ‘órgãos de segurança’; que não adianta insistir, que o contrato não vai mesmo
71
segurança, despachando exemplares, documentos e detalhando acontecimentos mais
significativos através de relatórios. De forma complementar, a AESI informa - e, por meio
do DOPS - orienta a Reitoria a intervir nas atividades internas consideradas inadequadas,
cabendo aos investigadores e funcionários alocados nesta unidade realizar, além de um
acompanhamento sistemático, verdadeiros balanços dos acontecimentos de forma a
identificar a presença de grupos, projetos e iniciativas de teor subversivo. A AESI, neste
caso, sinaliza a ação repressiva na USP, indicando os focos de perigo e, quando necessário,
alertando o DOPS a intervir em shows, em chopadas, em palestras, entre outras
realizações cotidianas. De forma complementar, é no interior do DOPS (que também
recebe informações de outras instâncias civis e militares) que se dá o cruzamento de
dados e a realização de leituras mais complexas capazes de orientar, em última instância,
a ação dos órgãos de segurança sobre/no interior da Universidade.
sair e que, se não for retirado, o departamento acabará por perder a verba”. O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. SP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, 1978, p55.
72
73
3. NA DIMENSÃO DA RESISTÊNCIA
Documentos estudantis recolhidos pelo DOPS SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo
Se observarmos com maior atenção os documentos produzidos pelos órgãos de
repressão, mais especificamente pela Delegacia de Ordem Política de São Paulo, somos
levados a considerar que, por trás da ampliação e sofisticação dos instrumentos de
controle em tempos de recrudescimento da ditadura militar, também se encontra
presente uma nova versatilidade e dinamismo dos fenômenos de resistência.
De fato, na medida em que as organizações clandestinas passam a apresentar
outras opções e complexidades, os órgãos de segurança registram dificuldades para ler os
acontecimentos e definir de estratégias repressivas, explicando-se por este caminho a
súbita perda de qualidade das ferramentas repressivas que, em meados da década de
1970 já não conseguem compreender o teor, acompanhar, ou ainda, surpreender os novos
projetos políticos em emergência.
Neste sentido, por meio de um contato um pouco mais íntimo com a
documentação recolhida pela Delegacia de Ordem Política, é possível perceber que a
partir de 1973, os órgãos de repressão começam a perder parte da vitalidade de análise,
acompanhamento e intervenção sobre as ações estudantis, ou mais particularmente,
sobre a ação das organizações de esquerda na Universidade, da mesma forma que entre
74
os anos de 1973 e 1974, são os órgãos de segurança que enfrentam novos desafios e
dificuldades para impor controle sobre atividades subversivas no espaço acadêmico e
público. Neste caso, o próprio termo subversivo começa a perder força, em especial ao
ultrapassar aspectos da identidade socialmente construída de “comunismo” para atingir
“amálgamas” comportamentais e políticos mais amplos em emergência no campo social.
Neste caso, a abrangência do termo subversivo se amplia a tal ponto que a própria
sociedade civil já não a identifica, generalizando a aplicação ao mesmo tempo em que os
órgãos de segurança perdem legitimidade e começam a se revelar “truculentos” e
“irracionais”.
Por este ângulo podemos ler os acontecimentos relacionados à morte de
Alexandre Vannuchi Leme na São Paulo de 1973. Na ocasião, a decisão política levada por
setores da Igreja e por órgãos associados à defesa dos direitos humanos de celebrar a
missa de 7º dia de um estudante de geologia da USP, ligado à ALN e morto nas
dependências dos órgãos de segurança, surge como ato de desagravo civil aos abusos
praticados pelo Governo Militar; e diante de quatro mil pessoas reunidas pelo Cardeal de
São Paulo na Catedral da Sé, as forças policiais e autoridades de segurança no entorno da
Praça acabam por enfrentar uma situação de constrangimento, em especial ao ter que
interromper uma filmagem de estudantes envolvidos por solicitação do próprio Cardeal.
Os acontecimentos subseqüentes de denúncia de dezenas de prisões de lideranças
estudantis, de recusa do Secretário de Segurança Pública em esclarecer a morte de
Alexandre frente a declarações contraditórias dos delegados envolvidos e da emergência
dos primeiros pronunciamentos públicos contra o regime militar - como a “Carta Aberta”
de 18 CAs da USP74 –, começam a compor, lentamente, um novo quadro político.
A presença efetiva de situações de desagravo e movimentos de resistência política
dentro e fora da Universidade, associada aos primeiros sinais de afrouxamento da
legitimidade do conceito de subversivo (fruto de uma conjunção de processos de
74
Em uma carta aberta dirigida ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, estudantes de 18 CAs da USP
contestam a condição de “confinamento” em que se encontram e expõem a público as contradições vividas na Universidade, relacionando-as às contradições experimentadas no espaço público pela sociedade.
75
transformação, inclusive, no campo comportamental), somados a emergência de revisões
e constatação da presença de uma crise econômica, obrigam os órgãos de segurança -
mais uma vez - a buscar um aprimoramento dos seus instrumentos de controle de forma
a conter novas “cúpulas esquerdistas” que reúnem desde o “aluno que professa e prega
crença político filosófica anti-patriótica”75 até o sutil “trabalho de massa dos comunistas
infiltrados no setor de educação”.
Os relatórios do setor de Ordem Política do DEOPS no curso de 1974 registram um
crescente volume de assembléias, debates, paralisações, greves e acontecimentos
culturais estudantis que colocam a “especializada” em posição defensiva por não saber
como evitá-las, constatando-se que existem dificuldades para se compreender e
acompanhar um fenômeno de recomposição política que ganha forma no interior das
próprias movimentações coletivas. O acompanhamento destes acontecimentos, por sua
vez, permanece rigoroso e entre os anos de 1974 a 1977 chega-se a produzir de dois a três
relatórios de uma mesma atividade por dia, sem no entanto conseguir identificar
lideranças, mapear grupos e acompanhar discussões. Entre estes relatórios, podemos ler:
”...A estratégia ditada pelos movimentos internacionais comunistas, quer da linha
‘justa’ moscovita ou dos maoístas, possui receptividade. (..) As ações armadas
mostraram-se inconsequentes e impopulares, contrárias às tradições brasileiras.
Os Lamarcas e Ches Guevaras caboclos, transformaram-se em bandidos puros e
simples, eliminados sem qualquer lágrima ou lamento de nossa vida social (..)
Compreendendo que uma mudança de tática se fazia necessária, que novas
lideranças deveriam surgir em nosso meio estudantil, os líderes da Internacional
Comunista optaram por novas técnicas ou ‘know how’, adaptáveis às condições
locais e sensíveis à sistemática nacional (..) Embora contrariando os princípios
básicos do marxismo, através da dialética hegeliana, de que ‘..o Movimento
Operário é o esteio de toda revolução comunista’ e que a este devem ficar
subordinadas todas as manifestações revolucionárias, a Internacional Comunista,
ante a desarticulação do movimento operário, passou a dedicar toda a sua
75
“Análise do Movimento Estudantil. Período 1974 a julho de 1977” IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Movimento Estudantil, CAIXA OP 1194.
76
atenção ao Movimento estudantil, cujas primeiras manifestações remontam a
1974 (..) Abordando de início, apenas aspectos ligados ao ensino e
paulatinamente, introduzindo temas políticos, seus primeiros trabalhos de
arregimentação têm em mira os ‘calouros’ pelo que seus panfletos passam a ter
sequência lógica e seus redatores dedicam-se a temas genéricos (..) portanto,
conseguindo novas lideranças, descomprometidas dos ‘fracassos’ anteriores, o
Partido Comunista Brasileiro, unido a setores contestatórios infiltrados em órgãos
como o movimento democrático brasileiro, a igreja, a ordem dos advogados do
Brasil e outros, iniciava uma nova escalada de subversão no Brasil, nesse ano de
1974”76
Na verdade, nos anos que se seguem a 1969, novos quadros em formação num
cenário diferente de recomposições políticas começam a retraçar e projetar perspectivas
orientadas por um projeto maior de transformação social, munindo-se de mecanismos de
sobrevivência política reinventados. Na esfera organizada, já nos primeiros momentos da
década de 1970 tem início os ensaios de recomposição política fundados na releitura dos
acontecimentos e experiências do período 1968/1969, ou ainda, num repensar que reúne,
ao mesmo tempo, questões como caráter da revolução, sentidos da organização,
redefinição de estratégias e táticas de luta, emergindo daí grupos que seguem tanto para
a luta armada, quanto para a retomada dos trabalhos “de base”.
Na visão de Marco Aurélio Garcia, as organizações de esquerda brasileiras se
constituíam herdeiras de uma “profunda polêmica” (originada da crise do Partido
Comunista no início da década de 1960) que colocava em discussão “os fundamentos
dessa mesma esquerda”, sem no entanto se dar associada aos movimentos sociais. Em
meio a isto, ganhara forma uma trajetória política cujas percepções, discursos e práticas
se mostravam perdidas “num doutrinarismo programático ou num pragmatismo
76“Análise do Movimento Estudantil. Período 1974 a julho de 1977”, pp 1-2 IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Movimento Estudantil, CAIXA OP 1194.
77
militarista ”77. Numa perspectiva semelhante, para Daniel Aarão, desde o início da década
de 1960 as militâncias de esquerda vinham enfrentando uma insatisfação ou mesmo
descrença política no conjunto das orientações, leituras e formas organizativas dos
partidos de esquerda que, no período pós-1964, os levaria a se aproximar dos debates e
experiências internacionais (acerca do foco guerrilheiro, da luta armada no campo, entre
outros), ou ainda, a adotar uma perspectiva revolucionária “sintonizada” com os
acontecimentos mundiais. Já no entender de Jacob Gorender, foi a partir de 1964 que o
germinar de novas idéias com força para remodelar perspectivas e estruturas das
organizações, faz surgir “orientações de pensamento traduzidas em dissensões políticas e
cisões organizativas”78. Ainda, para João Quartim de Moraes, questões internas (presença
da ditadura militar) e externas estariam na origem “de fenômenos históricos complexos e
multi-dimensionais”, entre a luta armada no Brasil:
“...é inegável a influência dos fatores externos no processo que conduziu
considerável parcela da esquerda brasileira ao confronto violento com a ditadura
militar reacionária. Os próprios revolucionários, sobretudo aqueles que, sob a
direção de Carlos Marighella e de Joaquim Câmara Ferreira, aderiram
publicamente à Organização Latino-americana de Solidariedade (OLAS), entusiasta
mas frustrada tentativa de criar uma internacional guerrilheira tendo por centro
Havana e por inspiração o testamento político de Guevara, encarregaram-se de
propagar suas convicções internacionalistas. Fizeram-no sem exageros, no
entanto, sempre salientando que a luta armada, no Brasil, seria obra de
brasileiros”79.
77
GARCIA, Marco Aurélio. “Como surge a esquerda armada brasileira (ou ‘a arma da crítica e a crítica das
armas’)”. Contribuição à História da Esquerda Brasileira. Jornal Em Tempo, 30/agosto/1979 a 30/abril/1980, p.12. 78
REIS Fº, Daniel Aarão. A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990. Ver também: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda Brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987, pp .73-79; SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Fundamentos Teóricos da Guerra Revolucionária, 1996. Tese (Doutorado em Filosofia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1996. 79
MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm
78
A opção pela luta armada, no entanto, traria desdobramentos dramáticos ao expor
as organizações à violência dos órgãos de segurança e ao fazê-las enfrentar um profundo
isolamento social seguido pelo desenraizamento e liquidação de um “projeto de
revolução, de transformação da sociedade brasileira pela ação de grupos de
‘vanguarda’”80.
A Universidade de São Paulo integrou esta trajetória e em diferentes ocasiões,
testemunhou a identificação e “caça” de estudantes-militantes de grupos clandestinos no
interior do campus. Por outro lado, a USP abrigou movimentos de denúncia e salvaguarda
de presos políticos, possibilitou a recomposição e atuação de diversos agrupamentos e
partidos, deu forma a movimentos capazes de “transbordar” para o espaço público em
defesa dos direitos civis, e diante disso, nela encontramos parte da história das
organizações de esquerda do período pós-1968: militantes e organizações dissidentes do
PCB que sobreviveram à luta armada ou que não optaram por ela; militantes e
organizações marxistas de matriz católica (caso da AP), luxemburguista (caso da POLOP),
stalinista (caso do PcdoB), trotskista (caso da OSI, entre outras)81, em cujas confluências
ganhou forma parte do projeto de sociedade civil em que nos inserimos82.
80
RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993, p.276. Ver também: CHAGAS, Fábio A. G. das. A Luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos de 1960 e 70, Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense. 81
Ver: RIDENTI, Marcelo. “Ecos de Trotsky na Esquerda Armada Brasileira, 1964-1974”. Estudos de Sociologia, v.2, nº 2, 1997, pp. 93-95. 82
Entre os estudos que conferem particular atenção à variação das opções políticas das organizações de esquerda no período, poderíamos citar – para além dos trabalhos já indicados - os trabalhos de SILVA, Antonio Ozai da, a começar por História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas) SP: Proposta Editorial, 2ªed., s/d; de REIS FILHO, Daniel Aarão (e Pedro de Moraes. 1968: a paixão de uma utopia. RJ: espaço e Tempo, 1988; e Jair Ferreira de Sá. Imagens da Revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. RJ: Marco Zero, 1985); de João Roberto Martins Filho (entre outros, o trabalho: Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987); de Celso Frederico (org). A esquerda e o movimento operário 1964/1984, volume 1. São Paulo: Editora Novos Rumos, 1987; de ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. Também gostaríamos de citar os estudos de: CIAMBARELLA, Alessandra. "Do Cristianismo ao Maoismo: A História de Ação Popular (1962-1980)", 2007. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; SILVA, Sandra Regina Barbosa da. "Ousar lutar, ousar vencer": histórias da luta armada. Salvador (1969-1971), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; GUTIÉRREZ, Cláudio. A guerrilha brancaleone. Porto Alegre: Proletra,
79
Entre aspectos e dinâmicas nacionais e internacionais, internas e externas, o fato é
que estudar a ação de agrupamentos e partidos de esquerda no Brasil no contexto 1964-
1984 – com ênfase no período pós-1968 – implica em considerar a presença efetiva de um
trânsito de idéias, experiências, referências de escala transnacional. E em particular,
quando se trata de pensar estes agrupamentos e partidos nos momentos de imersão na
universidade, instituição que como bem nos alertou Eric Hobsbawm, constituiu-se em si
mesma, território transnacional83.
3.1 VARIAÇÕES ACERCA DO “SUJEITO REVOLUCIONÁRIO”, DA
LIBERDADE, DA DEMOCRACIA, DA REVOLUÇÃO
Documentos oriundos das manifestações da sociedade civil. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo
1999; CHAGAS, Fábio A. G. das. A Luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos de 1960 e 70. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense; SANTOS, A.C. Ação entre amigos: história da militância do PCdoB em Salvador (1965-1973), 2004. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2004; LOPES, Rosalba. “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 1-9; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Vitória da Conquista: Politeia: História e Sociedade, vol 4, nº1, pp 159-181, 2004, entre outros. 83
Hobsbawm, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914 - 1991). São Paulo, Companhia das Letras, 1995. O autor dedica neste trabalho um capítulo inteiro à questão juvenil refletindo, entre outros aspectos, na instituição da Universidade como um elemento articulador de referências, experiências, realizações e projetos.
80
No curso da década de 1970, uma série de transformações políticas modificaram
os quadros de pensamento dos anos 1960 experimentando as esquerdas européias
diversos impasses relacionados com a incapacidade de responder às críticas de
dissidências e denúncias de setores conservadores. Na América Latina, a vigência de uma
“repressão sem precedentes (...) dizimou toda uma geração de militantes no Chile, na
Argentina, na Bolívia, no Uruguai e também no Brasil84, sendo que nos percursos de
recomposição as organizações se revelaram portadoras de reflexões, abordagens e
proposições em vários aspectos diferenciadas – por vezes promotoras de conflitos, como
os estabelecidos em torno de questões como vanguardismo, democracia e sujeito
revolucionário.
Mas se esta trajetória de reconstituição de organizações brasileiras de esquerda no
período pós-1964 responde à força dos mecanismos de controle e esfacelamento
impostos pelo Estado Militar, ela também se associa aos rearranjos políticos, sociais e
culturais que se achavam em curso no interior da sociedade, ou ainda, às transformações
dos quadros de pensamento de esquerda no cenário internacional.
E neste caso é importante considerar que no período pós-1964, parte dos
fundamentos que por várias décadas orientara a leitura e luta política das chamadas
“esquerdas”, perde força e lugar, ao mesmo tempo em que abre espaço para o
surgimento de outras interpretações e proposições atentas a novos desafios, seguindo-se
um percurso acelerado de transformações de práticas políticas, agora responsáveis por
um novo leque de possibilidades e experiências. Estas mudanças internas de percepção,
reação, rearticulação parecem estar, também, na origem de fenômenos que, nas décadas
seguintes, motivaram um ofuscamento de experiências culturais e políticas da década de
1970.
Os preceitos marxista-leninistas, até então presentes, sofrem revisões significativas
na proporção em que se redesenha um outro corpo de formulações e, em meio aos
cerceamentos, repressão e ocultamento de práticas consideradas “subversivas”, um rico
84 Marco Aurélio Garcia. “Memória: Eder Sader. O Futuro sem este homem”. Fundação Perseu Abramo. http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/memoria-eder-sader-o-futuro-sem-este-homem
81
processo de reescrita entra em cena. Nas palavras precisas do projeto Brasil Nunca Mais
da Arquidiocese de São Paulo:
“Desapareceram das bibliotecas e arquivos públicos, assim como das mãos de
colecionadores particulares, os documentos que pudessem configurar a
“infiltração”.... Nada escapoliu... O clima de terror impedia que fossem
conservados...”85
Recompor os fios desta reescrita, por sua vez, implica em penetrar num labirinto
cujas partes permaneceram, em boa parte, ocultas pelos órgãos de segurança, cabendo-
nos resgatar destes arquivos um leque de testemunhos na busca de “retrilhar”, ao menos
em parte, os caminhos de recomposição política e cultural vividos no período pós-1964.
Caminhos, por sua vez, que experimentaram “frações” e “distensões” não apenas em
função da repressão, mas também das trajetórias de releitura no âmbito do marxismo e
em escala internacional, desdobrando-se daí experiências, em vários aspectos,
revigoradas em suas percepções.
E neste caso, a mesma massa documental recolhida pelos órgãos de segurança nos
permite perceber que, ao contrário do que se poderia supor, o pensamento socialista de
fundamentação marxista ganhou nova vitalidade no curso dos anos 1970, período no qual
conseguiu penetrar de maneira mais profunda no cotidiano social e numa perspectiva
inédita, interagir com/na produção da cultura. As lutas por cidadania de forma
concomitante à reconstituição/transformação das organizações de esquerda nos
permitem, então, perceber o quanto conceitos caros como liberdade, democracia e
cidadania se deixaram recriar à luz de princípios e fundamentos marxistas.
As considerações feitas pelo sociólogo Luiz Antonio Groppo, em Uma Onda
Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, acerca das relações entre
85
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988.
82
cultura e política no final da década de 1960, nos apontam para questões importantes. Em
seu entender:
“...as experiências comportamentais inovadoras realizadas na prática dos que
participavam, mesmo que não intensamente, do movimento estudantil de 1968,
não fizeram parte da retórica do movimento brasileiro, ao contrário de, por
exemplo, o Maio de 1968 na França. Nenhuma tendência do movimento
estudantil assumiu esta relação, estabelecida na prática dos rebeldes juvenis
brasileiros, entre revolução político-social e transformação nos comportamentos
individuais. Ou seja, havia uma ambigüidade do movimento estudantil no tocante
à ‘modernidade’ (contestação dos valores) (..) Contradiziam-se a moral privada da
defesa da liberdade sexual com a moral pública das esquerdas, que consideravam
questões comportamentais como parte da ‘ideologia pequeno burguesa’ (...)
Portanto, apesar da prática contestadora, no aspecto retórico ou discursivo, ‘a
questão dos comportamentos individuais não foi colocada no centro da luta pela
autonomia do espaço público: as ocupações das faculdades giraram em torno do
combate político antiditatorial e da defesa da reforma universitária’, ou seja, não
se politizaram questões sobre os comportamentos individuais – as salas de aula da
Maria Antonia, transformadas em dormitórios durante a ocupação estudantil, não
tinham lugar para casais de namorados. Mesmo assim 1968 realizava uma
verdadeira revolução dos comportamentos”86
De fato, é na conjugação entre política e comportamento que veremos se dar a
emergência de um outro/novo repertório de pensamento de esquerda no curso dos anos
1970, ousando-se articular ou mesmo fundir autores e referências diversas de um rico
percurso marxista de pensar o mundo, num novo percurso também rico – e tenso – de
repensar o sujeito revolucionário, as relações entre democracia e socialismo, entre o
partido e o sindicato, ou ainda, o lugar/papel da luta de classes na transformação da
história. E neste percurso, as leituras/releituras de Marx e Engels à luz de Lênin, Trotsky,
86 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: Unicamp, 2001. Tese de Doutorado, pp 376-377.
83
Gramsci, Rosa Luxemburgo, Althusser, Adorno, Marcuse, Mao Tsé Tug ou mesmo Stalin
dariam lugar a formulações no mínimo originais, ou ainda, a sujeitos revolucionários
dotados de projetos e formas de luta inusitados.
No espaço da universidade (em especial, da universidade pública), a intensidade
das ações culturais e artísticas contribuiria para acelerar o trânsito de referências;
processo que somado à busca de alternativas num cenário de sérios constrangimentos,
acabaria por redundar numa dinâmica cotidiana de debates e discussões políticas,
culturais ou mesmo estéticas capazes de transcender o “patrulhamento” e quebrar
preconceitos, desdobrando-se daí uma revitalização da vida política de extrema
qualidade. Apesar de pouco conhecida – enquanto vivência e construção coletiva – as
experiências estudantis dos anos 1970 trariam contribuições importantíssimas para o
estabelecimento de um outro arsenal de intervenção política em meio à sociedade
brasileira, destacando-se entre as contribuições a formulação de uma “política de
massas” que já nascia fruto destes mesmos processos culturais e políticos em curso.
A tendência estudantil Liberdade e Luta, identificada no final da década de 1970
pelos meios de comunicação como um agrupamento “radical” de jovens militantes
“impossíveis e inconsequentes”, expressaria em sua “estranheza” a convergência destes
diferentes processos, e mais do que isso, uma “política de massas” que, desde as
primeiras formulações, já não cabia nos limites da Universidade. Conforme sugere uma de
suas lideranças, o então estudante de Economia da USP Celso Marcondes:
“Dos pequenos atos de resistência de alguns poucos militantes na USP do começo
dos anos 70, nasceram um forte movimento estudantil de luta contra a ditadura e
toda uma geração que se destacou nas construções da democracia no país e do
PT(...) poucas dezenas de rapazes e moças que haviam sobrevivido ao "rapa" ou
que entravam naquele momento na vida universitária almejando um pouco mais
que um diploma (...) O contato entre estes gatos pingados se dava em reuniões
semiclandestinas, que tinham como objetivo estratégico a reconstrução do
Diretório Central dos Estudantes, proibidíssimo na época. No início dos anos 70,
éramos tão poucos que não dava para falar de uma "geração", muito menos
84
"espontânea". Espalhados pelas diversas faculdades, militantes da Ação Popular
(AP), da Ação Libertadora Nacional (ALN), do PCdoB, do PCB, entre outros, eram os
impulsionadores de todas estas atividades "extracurrilares", que iriam dar base
para o ressurgimento vigoroso do movimento estudantil nos anos seguintes. Todos
grupos muito pequenos. Os trotskistas? Bom, nós também cabíamos num fusca
(...)Destes anos, com certeza ficou o exemplo. Ficaram também estruturas,
experiências, lições muito úteis para os anos que se seguiram. Nada foi em vão,
nunca foi "arroubo juvenil". A maior fatia das tendências, das organizações e da
massa que assumia as mobilizações de rua iria engrossar o caldo que daria origem
ao Partido dos Trabalhadores. Gente formada neste período, que começava a
seguir suas carreiras profissionais e iniciar uma militância sindical em outras áreas.
Aos poucos, a grande maioria destes grupos ia se dissolvendo ou virando
tendências no interior do PT. Fora dele, iam dar a base para outros partidos como
o PCdoB e o PSTU. Muitos se transformaram em dirigentes partidários ou sindicais,
ativistas de movimentos sociais, professores, estudiosos, jornalistas,
comprometidos com a defesa da justiça social, da democracia - embora alguns
poucos tenham decidido seguir os caminhos do neoliberalismo ou, até, de
Fernando Collor. Uma geração inteira se formou e se destacou. Não só no campo
político, mas também nas artes, na direção de empresas, milhares de pessoas por
todo o Brasil, todos hoje na faixa dos 40, alguns conhecidos, uma maioria incógnita
– como ocorria naquela época. Gente que, com certeza, têm algo a ver com o país
de hoje.”87
A animação da vida política no interior da USP dos anos 1970 - obra coletiva, sem
dúvida alguma - também fez parte de um processo mais profundo de articulações e
alargamentos das formas de pensar e atuar das/entre as organizações clandestinas de
esquerda presentes na universidade e fora dela; trajetória na qual propuseram novos
sentidos ao conceito de liberdade; novas leituras sobre as questões sindical e partidária;
uma interpretação revigorada acerca da luta de classes na transformação da sociedade,
87
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
85
ou ainda – variando em suas leituras – uma outra abordagem acerca do sujeito
revolucionário (ponto de divergência entre os novos/velhos grupos em re/composição).
Os chamados “jornais alternativos” podem ser tomados como portadores destas
diferentes formulações, revisões, reiterações e alargamentos do pensamento marxista88.
Neles nos deparamos com uma verdadeira recomposição de valores e objetos de luta
política à luz das mais variadas matrizes do pensamento marxista, inclusive daquelas que
se recusam a uma ruptura mais profunda dos fundamentos.
Imprensa alternativa da década de 1970.
88
Alguns estudos se destacam sobre esta temática, a começar pela obra de KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003; mas poderíamos citar também: CHINEM, Rivaldo. Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. São Paulo: Ática, 1995; OLIVEIRA, João Henrique C.. Anarquismo, contracultura e imprensa alternativa: a história que brota das margens. http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/quartas_no_arquivo/2007; MORAES, Dênis. O Rebelde do Traço: A Vida de Henfil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Ed, 1996; MARCONI, Paolo. A Censura Política na Imprensa Brasileira 1968-1978. São Paulo, Global Editora, 1980; PETRARCA, Fernanda Rios. “A atuação da Federação Nacional dos Jornalistas na Luta pela Democratização da Comunicação”. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil, pp 156-172, MELLO, Maria Amélia (org). 20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986; Vários Autores. Anos 70: trajetórias. São Paulo: Ed Iluminuras, 2006, entre outros.
86
Segundo Ricardo Kucinski89, pesquisador do tema, a “imprensa alternativa” da
década de 1970 ganhou forma no eixo Rio-São Paulo (para, em seguida, atingir outras
capitais) portando diferentes tendências (satírica, política, feminista, ecológica, cultural...)
e apresentando peridiocidade semanal, quinzenal ou mensal. Em função do seu tamanho
“tablóide”, ficou conhecida como “imprensa alternativa, de leitor, nanica, independente
ou underground”, somando em 15 anos de ditadura militar “cerca de 160 periódicos de
vários tipos – satíricos políticos, feministas, ecológicos, culturais – que tinham como traço
comum a intransigente oposição ao governo” 90. Nas palavras deste autor:
“Leitores que não conheceram esses jornais não têm idéia dos momentos de
encantamento que provocavam, de como incomodaram os militares, de como
começavam bem e acabavam invariavelmente mal. Não imaginam o que poderia
levar jornalistas consagrados a embarcarem, com um punhado de focas, ativistas
políticos e intelectuais, naquelas naus incertas ‘sem aviso prévio e sem qualquer
itinerário’, como disse o poeta”91.
Entre os 160 títulos levantados, constavam os jornais “Opinião” (lançado em São
Paulo, circulou entre 1972 e 1978 desenvolvendo um jornalismo investigativo que se
definia nacionalista e em defesa da democracia; contou com a presença cotidiana de
censores entre 1973 e 1977); “Ex-“ (produzido em São Paulo, circulou entre novembro de
1973 e dezembro de 1975 como um “Jornal de cultura e política, de crítica e de ruptura
89
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003. 90
Segundo KUCINSKI: "A palavra alternativa, com maior densidade semântica, já usada nos Estados Unidos e
na Inglaterra, para designar arte e cultura não-convencionais, foi aplicada por Alberto Dines, em janeiro de 1976. Além de designar práticas não ligadas à cultura dominante, alternativa também significa optar entre duas coisas reciprocamente excludentes, a única saída para uma situação difícil e o desejo de protagonizar transformações. A imprensa alternativa dos anos 70 era tudo isso ao mesmo tempo. Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos faziam a crítica sistemática do modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, construindo dessa forma todo um discurso alternativo http://www.webartigos.com/articles/2551/1/Imprensa-Alternativa/pagina1.html#ixzz0xulsPpjI 91
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003.
87
com os costumes estabelecidos, de esquerda mas não alinhado a nenhum grupo
específico”, segundo Flamarion Maués)92; “jornal Movimento” (lançado em 7 de julho de
1975 teve como principal editor o jornalista Raimundo Pereira e desempenhou grande
influência na imprensa alternativa ao trazer importantes e diversos intelectuais do
período); e também O Pasquim e Opinião, do Rio de Janeiro; Resistência, originário de
Belém do Pará. Beijo, Versus, Em Tempo, O Trabalho.
Do ponto de vista das organizações de esquerda em recomposição, os “jornais
alternativos” também cumpriram um papel fundamental ao trânsito de experiências,
leituras e questões em curso – papel, na leitura de Kucinski, que muitas vezes se deixou
perpassar pelas práticas de “aparelhamento” dos grupos clandestinos. De qualquer forma,
foi através destes jornais que as temáticas da revolução, do socialismo, da democracia,
ganharam abordagens diferentes à luz das matrizes marxistas, contribuindo para uma
complexificação das leituras acerca da realidade, ou ainda, das possibilidades e
perspectiva de transformação política. Em sentido inverso, também chegava ao espaço
político um retrato deste mesmo trânsito de experiências, projetos e identidades,
prestando-se os “nanicos” a atuar como “espelhos” dos novos significados culturais e
políticos em construção, percurso que enriqueceria em muito os caminhos de
redemocratização da sociedade brasileira. Entre os jornais alternativos, a análise feita por
Vitor Amorim de Ângelo acerca do jornal Em Tempo é elucidativa:
92 O Ex- reuniu nomes como Sérgio de Souza, Narciso Kalili, Dácio Nitrini, Mylton Severiano, Hamilton Almeida Filho, José Hamilton Ribeiro, Amancio Chiodi, entre outros (...) Já em seu número 1 Ex- definiu sua marca registrada, a irreverência e a contestação, ao estampar na capa uma fotomontagem de Hitler tomando sol pelado numa praia tropical. Uma imagem eloquente, sem dúvida, ainda mais em novembro de 1973. A capa do número 3, com Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, vestindo um uniforme de presidiário – estava em curso as investigações do caso Watergate, que levou Nixon a renunciar à presidência em agosto de 1974 –, resultou na prisão de Sérgio de Souza e Narciso Kalili, por “ofensa a presidente de país amigo”. Foram muitos os contratempos e vaivéns do jornal, até outubro de 1975, quando foi assassinado no DOI-CODI de São Paulo o jornalista Vladimir Herzog. Ex- conseguiu em poucos dias fazer uma grande reportagem mostrando como Vlado tinha sido morto, desmentindo a suja versão de suicídio criada pela ditadura. A edição número 16 do jornal, que trazia esta reportagem, vendeu 20 mil exemplares em poucas horas, antes de ser proibida. Uma segunda tiragem de 30 mil exemplares foi recolhida pela censura na gráfica, antes de chegar às bancas. A partir daí, Ex- não pôde mais circular. Seus editores ainda tentaram algumas artimanhas para escapar da censura e da perseguição, mas novas edições do jornal, com nomes diferentes, também forma proibidas ou apreendidas. http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/livros-e-historia/preciosidade-lancada-edicao-fac-simile-do-jornal-alternativo-ex.html
88
“O Em Tempo era um jornal alternativo criado em 1977 a partir de um racha na
equipe do Movimento, publicação que tinha sido controlada pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), de quem seus participantes divergiam politicamente.
A divisão dentro do Movimento foi motivada pelo fato de os seus grupos mais à
esquerda discordarem da proposta do PCdoB de criar uma frente democrática,
vista pela maioria dos dissidentes como “hegemonizada por correntes liberais
burguesas”. No dia seguinte ao racha, o grupo que saiu do Movimento – formado
por jornalistas, intelectuais de esquerda, ex-militantes da Ação Popular-Marxista
Leninista (AP-ML) que não haviam aderido ao PCdoB, dois membros do antigo
COLINA e integrantes de um pequeno agrupamento político chamado Subfrente –
reuniu-se para discutir a formação de um novo jornal que, além de se contrapor à
orientação do Movimento, pudesse “subsidiar a organização dos trabalhadores”.
Nas semanas seguintes, agregaram-se em torno dos dissidentes antigos
colaboradores do Movimento e de outros jornais alternativos e novos
agrupamentos políticos que haviam surgido na época – dando início a um processo
de reaglutinação de parte da esquerda brasileira. Entre eles, por exemplo, estava o
Debate, grupo formado por ex-participantes do Movimento que saíra do jornal
antes mesmo do racha de 1977, também por discordar da linha política defendida
pelo PCdoB. Ao se aproximar dos articuladores do Em Tempo, atraiu para as
discussões sobre o novo jornal ex-militantes da ORM-POLOP, que trouxeram
consigo antigos membros do POC6. A Libelu, corrente estudantil da Organização
Socialista Internacionalista (OSI)7, aderiu marginalmente ao jornal, com a
participação de apenas dois dos seus militantes. O Movimento pela Emancipação
do Proletariado (MEP), por sua vez, mesmo rejeitando o trotskismo, orientação da
maioria dos grupos políticos que se aproximou do Em Tempo, tinha afinidades com
a “cultura trotskista”8, como o repúdio ao stalinismo, optando por seguir com os
dissidentes do Movimento. O MR-8 foi outro grupo que possivelmente participou
do novo jornal para tentar controlá-lo, o que acabou não ocorrendo, apesar de
rapidamente ter conquistado espaço nas sucursais do Rio de Janeiro e São Paulo.
Com a volta dos exilados políticos ao Brasil, no final de 1979, também aderiram ao
novo jornal membros do grupo dos autonomistas, assim chamados por
89
acreditarem que o movimento operário deveria estar desvinculado de partidos
políticos”93.
Nas últimas décadas, esta temática passou a receber novos e importantes estudos,
atentos às diferentes dimensões desde a face contracultural até as marcas propriamente
político-partidárias de esquerda, passando pelas relações que estabeleceram com os
chamados “movimentos das minorias”94. Mas, as contribuições que estas fontes trazem
ao estudo das organizações em recomposição nos anos 1970 não mereceram, ainda, as
devidas atenções; em especial se considerarmos que a dinâmica de recriação cultural e
social presente em suas páginas, se cruzada com os levantamentos realizados pelo Projeto
Brasil Nunca Mais (captados em meio aos processos coercitivos) 95, poderiam nos oferecer
uma visão ainda mais aprofundada das interfaces estabelecidas entre as organizações de
esquerda e as problemáticas sociais e culturais que já se encontravam em cena.
O lugar e caráter do “sujeito revolucionário”, para nos mantermos no âmbito das
discussões organizadas, mereceria, por sua vez, um outro conjunto de abordagens,
93
ÂNGELO, Vitor Amorim de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 2008. 94
Sobre a questão, podemos citar – entre outros - os trabalhos de: TABAK, Fanny. Autoritarismo e Participação Política da Mulher. Graal, 1982; BASTOS, Natalia de Souza. Mulheres em armas: memória da militância feminina contra o regime militar brasileiro. Monografia de História – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro; COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1997; COLLING, Ana Maria. “Choram Marias e Clarices”. Uma questão de gênero no regime militar brasileiro”, 1994. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; DIETZEL, Vera Lúcia. “Crítica literária feminista entre erótica e engajamento político: uma questão polêmica”. Uniletras, Ponta Grossa: Editora UEPG, nº25, dezembro 2003, pp 75-114; HALLIFAX, Noel. “Libertação gay e luta pelo socialismo”. Http://www.revolutas.org - [email protected]; SANTOS, Gustavo. Estado, projetos políticos e trajetórias individuais: um estudo com as lideranças homossexuais na cidade de São Paulo, 2006. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2006; SILVA, Marcelo L. da. A História no discurso do Movimento Negro Unificado: os usos políticos da História como estratégia de combate ao racismo, 2007. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2007; SUTIL, Nair. “Fronteiras do corpo e da fala: ‘transgressão’ feminina e ditadura militar no Brasil”. Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder, 2008. 95
No Tomo III do Projeto Brasil: Nunca Mais lançado pela Arquidiocese de São Paulo em 1985 encontramos dados fundamentais para um balanço das ações coercitivas do Estado Militar no cotidiano político e cultural da sociedade brasileira.
90
cabendo-nos considerar que ambos os processos caminharam de forma conjunta e que os
esforços de entrelaçamento se revelaram árduos, constando entre seus desdobramentos
imediatos a criação do Partido dos Trabalhadores (organização formada por sindicalistas,
agrupamentos marxistas-leninistas diversos e militantes dos chamados novos
movimentos sociais). O PT, neste sentido, surgiria como uma frente de organizações de
trabalhadores e de movimentos sociais que, sob o formato de um partido se definia como
“dos trabalhadores”, visando adentrar na arena política como expressão de forças até
então excluídas: a classe operária e os trabalhadores em sentido mais amplo.
As reconsiderações sobre esta questão “incendiariam” os debates – cada vez
menos clandestinos no curso dos anos 1970 e abririam espaço para um nov/outro campo
de atuações e relações, achando-se o movimento estudantil imerso neste mesmo
processo. Afinal, o que poderia chamar tanto a atenção dos órgãos de segurança para a
atuação das tendências estudantis “Refazendo”, “Caminhando”, “Liberdade e Luta”?
No curso dos anos 1980, vários estudos produziram no calor dos acontecimentos
reflexões mais específicas sobre estas tensões (que, na prática, já se achavam acirradas
desde o final da década de 1960 em torno de questões, por exemplo, como “cultura
nacional”). Entre eles, a obra Patrulhas Ideológicas (1980) de Heloísa Buarque de
Hollanda e Carlos Alberto M. Pereira promoveu um registro vigoroso dos debates que,
desde 1978 vinham pautando a imprensa e os diferentes espaços culturais acerca da
liberdade de criação, e de uma forma mais específica, da liberdade nos marcos das
experiência de esquerda, entrando em cena questões como arte, engajamento, militância,
política, cultura. Através desta coletânea de entrevistas (recolhidas no final da década de
1970), tornaram-se mais claras as dificuldades que então se experimentava frente as
mudanças do mundo e dos paradigmas, embaralhando-se progressivamente o papel dos
partidos e das organizações em seu interior.
Mas, nesta trajetória de pensar as esquerdas, o trabalho de Eder Sader publicado
em 1988 e intitulado Quando Novos Personagens entraram em cena96, deixou marcas
significativas. Na condição de dirigente da antiga POLOP, então conhecido como Raul Villa,
96
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
91
Sader buscou refletir sobre os caminhos de redemocratização da sociedade brasileira
dirigindo seu olhar (militante e comprometido) para além dos parâmetros organizados da
década de 1970, recurso que lhe permitiu perceber processos de luta social diferenciados
em movimentos mais autônomos por melhoria nos serviços de saúde, nas condições
sanitárias, por liberdade sindical levados junto a organizações de bairro, sindicatos, clubes
de mães, comunidades de base da Grande São Paulo entre o final da década de 1970 e o
início da de 1980.
Nesta obra, Sader afirma: a “militância de esquerda” se constituiu nos anos setenta
como um dos vários espaços de exercício político que se achavam em curso. Por outro
lado, foi em meio à crise de institucionalidade política que esta militância construiu um
novo lugar de política sendo necessário, para isso, se redesenhar como “sujeito coletivo”,
redefinir seu ideal de “coletividade”, estabelecer novos contornos para o conceito de
“autonomia”, promover novas articulações entre teoria e prática e se perceber como mais
uma:
“....coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através
das quais seus membros pretendem defender interesses e expressar suas
vontades, constituindo-se nessas lutas”97.
Prefaciando esta obra, Marilena Chauí98 amplia a discussão afirmando que as
mesmas experiências desdobravam-se de uma trajetória efetiva de exclusão social
vivenciada por setores das classes médias no período pós-1964 - que para além das
limitações nos campos político e cultural, também enfrentaram mudanças de caráter
social trazidas pela proletarização de segmentos específicos, como o dos setores
intelectualizados. E que, neste trânsito social - de “sujeitos em movimento” – fez-se
possível certas trocas de experiência, tornando-se possível o compartilhamento de
questões comuns como a desconfiança frente a instituições públicas e sistemas políticos
97 CHAUÍ, Marilena. “Prefácio” de Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980). Op.Cit., pp 9-16. 98 CHAUÍ, Marilena. “Prefácio” de Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980. Op.Cit., pp 9-16.
92
de mediação; a busca pela criação de outros espaços políticos, ou ainda, por novas
relações com o espaço público. Foi então, em meio a um contexto impreciso e movediço
de transformações das dimensões pública e privada, que surgiram lentamente novos
objetos de política capazes não apenas de propor uma outra agenda de lutas e de
movimentos, mas questões para muitos consideradas irrelevantes.
A identificação e reconhecimento da presença de “outros e novos sujeitos sociais”,
para além das organizações de esquerda, dava sequência, por sua vez, aos debates em
torno do “sujeito revolucionário” travado pelas organizações, e de forma mais específica,
organizações reunidas em torno da revista “Brasil Socialista” (em que se achava presente
a POLOP). De certa forma, a obra Quando Novos Personagens entraram em cena
demarcava, em si mesma, a chegada ao espaço público de uma ampla e rica trajetória de
debates estabelecida na esfera clandestina, questão, em nosso entender, instigante da
importância, ainda não claramente mapeada, que as organizações de esquerda em
recomposição desempenharam nos processos mais amplos de redemocratização social.
Afinal, foi também de um amplo leque de indagações, proposições e conquistas que se fez
possível emergir um novo universo político, fruto de uma trajetória de aprendizados
inestimáveis e de partilhas dolorosas de transformação. Trajetória na qual certas questões
(aparentemente secundárias) passaram a ser repensadas em sua pertinência histórica, e
ainda, valorizadas em meio a um amplo e variado conjunto de lutas. A este respeito, as
palavras de Marco Aurélio Garcia acerca da trajetória de Eder Sader nos parecem
esclarecedoras:
“...o artigo que assinou com seu tradicional pseudônimo de Raul Villa, "Para um
balanço da Polop", escrito em Paris, em 1976, e publicado na revista Brasil
Socialista (...) transformou-se rapidamente em um texto de referência para a
esquerda brasileira que recém começava a cicatrizar as feridas provocadas por
uma derrota acachapante. Mais adiante passaria a ser uma fonte obrigatória para
o estudo da política revolucionária no Brasil nos anos 60. Começa a delinear uma
nova reflexão, em que assume uma importância muito grande a crítica do
vanguardismo das esquerdas e a valorização das experiências de luta autônoma
93
das classes exploradas e oprimidas da sociedade (...) Eder e alguns de seus
companheiros começaram a analisar o significado da reanimação política do Brasil,
preocupando-se menos com os aspectos institucionais da transição que começa a
se insinuar a partir de 74/75, e mais com o aparecimento de uma nova classe
operária, de combativos movimentos reivindicatórios nas periferias das cidades
brasileiras ou de outros tipos de movimentação social onde detectava uma
dinâmica cuja característica fundamental era a autonomia” 99.
Enfim, nos parece possível considerar que o resgate e compreensão das
experiências, bem como das tensões e debates - clandestinos e públicos - travados no
curso da década de 1970 acerca do(s) “sujeito(s) revolucionário(s)” e dos caminhos de
transformação da sociedade brasileira, constituem-se, em si mesmo, questões
pertinentes, ou ainda, surpreendentes, como demonstra Heloísa Buarque de Hollanda em
Patrulhas Ideológicas. Nesta obra temos a oportunidade de mergulhar numa intensa
dinâmica de reflexão sobre a questão da “democracia” que, no final da década de 1970,
fazia-se acompanhar por discussões acaloradas sobre coerência política, posicionamentos,
arte engajada, etc.. questões, enfim, que integravam/tinham sentido numa dada
trajetória de construção política que se achava em curso100. Neste sentido, vale considerar
a fala captada de Nelson Coutinho:
99Eder Sader, ainda nos anos 1960, integrou a Liga Socialista (grupo influenciado pelas idéias de Rosa Luxemburgo) e a partir de 1961, a POLOP (da Organização Marxista Revolucionária Política Operária), organização que exerceu uma significativa influência nas formulações das esquerdas entre as décadas de 1960/1970, em especial, pelas críticas às “posições então hegemônicas na esquerda brasileira e que tinham o Partido Comunista Brasileiro (PCB) o seu principal centro de irradiação”, posições que creditavam a uma aliança entre o proletariado, o campesinato, a pequena-burguesia e “a burguesia nacional supostamente interessada na consecução de reformas ‘antiimperialistas’ e ‘antifeudais’”, a realização de mudanças “nacionalistas e democráticas”. Críticas que ampliam sua presença entre as esquerdas no período pós-1964 e possibilitam a fusão com uma cisão do PCB no sul para fazer nascer o Partido Operário Comunista (POC), do qual Eder Sader seria dirigente até 1970, momento de profunda fragilidade e novas rupturas que provocam seu exílio no Chile (onde se vincula ao Movimiento de Isquierda Revolucionária/MIR), seguido pelo segundo exílio na França (onde permanece como um dos principais responsáveis pelo trabalho exterior do MIR chileno). Marco Aurélio Garcia. Memória: Eder Sader. O Futuro sem este homem. Fundação Perseu Abramo. http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/memoria-eder-sader-o-futuro-sem-este-homem 100
Segundo os autores, as discussões integravam um “ jogo político [que] está se explicitando, assim como as cisões, teóricas e práticas, dos grupos de esquerda”. HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. SP: Brasiliense, 1980, p135.
94
“...nós temos que compreender o socialismo no Brasil como um horizonte das
conquistas e do aprofundamento cada vez maior de uma democracia efetiva, onde
as massas participem cada vez mais; onde haja, digamos assim, uma socialização
da política cada vez maior. Por outro lado, eu acho que se não vencer na esquerda
brasileira essa compreensão nova do caminho pro socialismo, quer dizer, do
vínculo indissolúvel entre socialismo e democracia – eu acho que a vaca vai pro
brejo também. A direita ainda é suficientemente forte para arrebentar com
qualquer possibilidade de renovação no país. O socialismo aqui, agora, não vai dar
não!”101
No campo historiográfico, em termos mais amplo, vale considerar que os debates
no em torno do “sujeito revolucionário” ainda permanecem presentes (de maneira mais
sutil) no interior de estudos brilhantes sobre a recomposição dos caminhos e experiências
vividas pelas organizações entre o final da década de 1960 e os primeiros anos da década
de 1970, período particularmente marcado por instabilidades e cerceamentos102. Estes
trabalhos, em nosso entender, foram capazes de construir um contra-discurso da
esquerda armada no mesmo momento em que entravam em cena inúmeros estudos
sobre a formação do PT, configurando-se um novo capítulo de tensões entre as
organizações. Neste caso, se por um lado tratava-se de resgatar e conferir sentido
histórico a um conjunto de fundamentos, experiências e leituras vivenciadas pelas
esquerdas armadas, com atenção sobre o lugar que possuíam na história das esquerdas
brasileiras; por outro, tratava-se de afirmar uma nova e “estranha” esquerda que, antes
de tudo, precisava se firmar frente a uma sociedade que se desejava parceira e diante da
qual deveria se apresentar de maneira mais ampla: como o partido dos trabalhadores (em
101 COUTINHO, Carlos Nelson (entrevista em 16/agosto/1979). HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. Op.Cit., p56 102 Autores como Daniel Aarão Reis Filho e Marcelo Ridenti vem nos oferecendo contribuições importantíssimas para uma compreensão mais profunda das opções e dos rumos seguidos por estas organizações no curso da década; obras que já se encontram citadas neste trabalho (A Revolução faltou ao encontro, de Daniel Aarão; Imagens da Revolução, de Daniel Aarão e Jair Ferreira de Sá; O fantasma da Revolução Brasileira de Marcelo Ridenti; Em busca do Povo Brasiliero: artistas da revolução, do CPC à era da TV; de Marcelo Ridenti, entre outras).
95
lugar de um partido da classe operária). E se somarmos a isto uma ausência significativa
de estudos sobre os processos de transformação das organizações políticas no curso da
década de 1970, poderemos perceber que temos um “intervalo” de reflexões, responsável
pelo estabelecimento de um quadro de análise truncado e polarizado.
Ora, é exatamente neste “intervalo” que ganha forma nosso objeto: a tendência
estudantil Liberdade e Luta, uma organização que não aderiu à luta armada e, enquanto
expressão de uma outra matriz política, construiu sua trajetória política nos bojo de todo
um conjunto de fundamentos tradicionais de esquerda (entre os quais, o trotskismo)
ousando alguns passos para além destes mesmos fundamentos. E ainda, em nome de um
novo partido, o PT, submergiu em seus trabalhos de construção, secundarizando uma
riquíssima história de militância.
Felizmente, na atualidade, novos estudos sobre as organizações de esquerda
começam a revisitar as experiências trotskistas, bem como a avançar sobre as trajetórias
regionais e sobre os processos de interação entre as organizações e os segmentos sociais,
atentos sobre a lógica das organizações e mais livre das motivações propriamente
militantes que animaram as teses das últimas décadas103.
Já no âmbito das lutas por liberdade foi o enfrentamento ao autoritarismo
presente numa sociedade dividida em seus preceitos e condutas, o que estabeleceu as
bases de um confronto “celular” e cotidiano, num percurso que em pouco tempo deu
forma a um conjunto de bandeiras que tomavam o Estado autoritário como fóco, fazendo-
se acompanhar por verdadeiros campos de luta no qual seriam promovidas a
disseminação de práticas e a afirmação de uma verdadeira luta por direitos civis. Neste 103
Podemos citar, entre outros, os trabalhos de: GUTIERREZ, Andriei da Cunha Guerrero. O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho. Op. Cit.; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Op. Cit.; FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. Mestrado; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT. São Carlos: EdUFSCar/FAPESP, 2008; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008.
96
caso, se as diferentes movimentações coletivas (como a de homossexuais e de mulheres)
apresentavam características próprias104, elas também estabeleceram reivindicações e
características comuns, entre elas, o fato de emergirem do cotidiano de uma sociedade
fortemente marcada pelas práticas autoritárias.
Graúna, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970.
“Em toda a tônica de agitação estudantil, está a decantada luta pela liberdade,
mas esquecem-se êles que só se alcança a liberdade pela total obediência ao que
determinam as leis ‘legum servi sumus, et liberi esse possimus’. Essa ala estudantil
(infelizmente bastante grande), que com pronunciados desvios de comportamento
viola a Lei a cada instante, deve se convencer que longe do império da Lei, jamais
será construída uma sociedade feliz” (Relatório Ibiúna, 1968)
Os desafios de estudar este período de acirramentos – tanto dos processos
repressivos, quanto das formas, intensidades e procedimentos de resistência (período
que, na escala de tempo poderia ser localizado entre os anos 1964-1984) exigem, então, a
104
Na OSI, conforme registro de uma reunião do Bureau Político em dia 28 de agosto de 1980, um dirigente apresenta proposta de nova estrutura para o Comitê Central onde se acha presente o trabalho com os segmentos de mulheres, negros e jovens. Centro de Documentação e Memória da UNESP/CEDEM, Acervo CEMAP, Fundo Livraria A Palavra, CAIXA LP 001
97
adoção de ferramentas e conceitos sensíveis ao caráter dinâmico e, ao mesmo tempo
coletivo das intervenções/recriações sociais, culturais, políticas, questão que nos leva a
perceber que a luta pela (re)conquista e alargamento da liberdade terminaria por confluir
na luta pela retomada e alargamento da participação política e dos direitos civis, num
percurso impressionante de articulações e fusões de anseios (por liberdade, participação e
direitos), espaços, projetos, movimentos, marcados por diferentes formatos, mas numa
mesma direção: a recusa da permanência do Estado Militar.
A afirmação da liberdade, por sua vez, encontrou na luta por direitos civis um
caminho político próprio, ao mesmo tempo em que ganhou força a questão da
participação social e política junto ao Estado, firmando-se neste percurso um projeto
social e político mais amplo e capaz de fundir numa mesma equação, as questões da
liberdade, da participação e dos direitos, redesenhando-se as possibilidades e
perspectivas de vida coletiva. De fato, são os variados conceitos de liberdade que dão
lugar, antes de tudo, a diferentes entendimentos de democracia; conceitos, enfim, que se
prestam a traduzir – bem como a iluminar - uma trajetória de recomposições e misturas
entre política e cultura que em curtíssimo espaço de tempo permite a eclosão de
outras/novas experiências coletivas.
A liberdade enquanto direito redundaria numa soma de anseios (sociais,
individuais, coletivo...), conceitos e práticas que a aproximaria das questões da
democracia; por outro lado, ao “emprestar” das organizações de esquerda referenciais
caros à construção dos objetos políticos, formas de expressão e discursos, ela também se
aproximaria da questão da revolução, questão cara a este estudo. Neste caso, se os
conceitos de liberdade - em reformulação nos anos 1970 - assumem nuances particulares
à luz da trajetória repressiva, eles também encontram neste contexto um outro corpo de
formatos e significações. E conforme poderemos observar, numa dada vertente de “luta
pela liberdade”, as militâncias trotskista emprestam formulações e experiências, entre
elas, acerca da liberdade nas formas de arte; da liberdade como expressão de
possibilidades individuais; da liberdade como conquista e consolidação de direitos
igualitários.
98
Neste percurso profundamente dinâmico – mas, não menos trágico – de
transformações do universo da política em que entraram em cena diversas esferas de
contestação e recriação, escondem-se aprendizados inestimáveis, apesar de nascidos fruto
de partilhas imensamente dolorosas de transformação. Na verdade, a superação de
barreiras impostas à vida individual e coletiva por meio da reinvenção do próprio
presente, seria uma tarefa enorme a enfrentar, sendo preciso, antes de mais nada,
integrar o que se achava fragmentado e ao mesmo tempo aprender a respeitar as
diferenças em nome da construção de um novo sentido de comunidade.
Missa na Catedral da Sé pela morte do operário Santo Dias (1979). Acervo DEOPS, Arquivo Público do Estado
A questão da democracia, por sua vez, ganhou força na medida em que as práticas
coercitivas se mostram mais nítidas, processo no qual o apoio ao governo militar se faria
progressivamente esvaziado para dar lugar a diversos sentidos de democracia, entre eles,
a questão e desejo de participação, que pouco a pouco se revelaria mais forte (o
movimento estudantil ocupa um papel interessante neste aspecto como espaço de
experimentações de visibilidade ampla) ou ainda, mais afirmativa, trazendo para a cena
política um conjunto mais amplo de questões.
99
Os anseios por “participação” somados a diversas leituras e projetos de
“democracia” se entrelaçarIam, enfim, à questão da “revolução” na medida em que se
pretendesse uma transformação social mais profunda, elementos, enfim, que tenderiam a
radicalizar os propósitos e contornos da luta pela redemocratização social. A questão da
democracia, neste caso, tenderia a alcançar os limites de sua conceitualização, e o
marxismo, ao assumir o lugar de uma plataforma de entendimento comum (em meio as
variações dos grupos de esquerda), passaria a penetrar nos debates mais amplos acerca
da redemocratização da sociedade, tornando-se presente numa grande variedade de
objetos de reflexão e atuação.
Da força destes processos, inclusive, somos levados a inverter a questão e repensar
a emergência de um Estado Militar – com amplo apoio de segmentos mais conservadores
– como reação a um fenômeno mais amplo e múltiplo de contestação da ordem instituída
nos anos 1960; contestação, por sua vez, que permaneceu em curso levando as forças
armadas a reagir de formas diferentes ao longo dos anos, podendo-se afirmar que não
houve uma interrupção dos mesmos processos de controle e resistência. Na reconstrução
das esquerdas, o repensar da democracia partiu do instrumental marxista para assumir
caminhos diversos, permeados pelos limites, contradições e alargamentos vivenciados
neste percurso. E esta questão carece de um conjunto mais significativo de estudos; de
fato, em contraste com o tema do movimento operário - que chegou a merecer não
apenas um número variado de estudos, mas, inclusive, a elaboração de linhas de pesquisa
específicas -; a temática das organizações de esquerda na década de 1970 ainda aguarda
uma atenção mais precisa. Nós podemos contar com os estudos centrados na análise
sobre a formação do PT, mas estes trabalhos em geral, se interessam e reforçam a
presença das experiências operárias em sua organização; por outro lado, nós encontramos
uma vasta literatura sobre as manifestações da sociedade civis da década de 1970 (em
especial, de cunho jornalístico), mas, na esfera acadêmica, ainda são muito poucos os
trabalhos sobre a questão105.
105
Poderíamos citar alguns trabalhos produzidos na última década, entre eles: ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de
100
No estudo propriamente das organizações de esquerda, há também uma vasta
produção centrada em questões e problemáticas específicas – em especial, sobre
sindicato, democracia, partido e revolução -, mas ainda faltam reflexões mais abrangentes
e de maior peso, capazes de articular estes mesmos questionamentos no interior de um
percurso próprio, mais definido. Em contraposição a isso, aliás, são fartas as reflexões
sobre o “fim” das esquerdas, alicerçadas na idéia de um colapso prático e teórico das
organizações frente aos novos desafios trazidos pela contemporaneidade. No campo mais
específico de estudos do trotskismo, são recentes as análises acadêmicas sobre as
experiências brasileiras, e apesar de sua qualidade, os estudos sobre as organizações da
década de 1970 estão apenas começando, concentrando-se o maior número de trabalhos
sobre o período 1930/1960106.
No campo propriamente estudantil (cenário de forte presença destas
organizações), a grande concentração dos estudos ainda se mantém nos limites dos
acontecimentos de 1968107; no entanto, nos últimos dez anos surgiram – num
Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Vitória da Conquista: Politeia: História e Sociedade, vol 4, nº1, pp 159-181, 2004, entre outros; SANTOS, A.C. Ação entre amigos: história da militância do PCdoB em Salvador (1965-1973), Op. Cit.; LOPES, Rosalba. “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 1-9; CIAMBARELLA, Alessandra. "Do Cristianismo ao Maoísmo: A História de Ação Popular (1962-1980)". Op. Cit; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237. 106
Com base num levantamento parcial de trabalhos, registrado em nota anterior, identificamos os
seguintes estudos sobre a década de 1970: FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Op. Cit; KAREPOVS, Dainis. O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil. OP. Cit.; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, Op. Cit.; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT, Op. Cit; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”, Op. Cit.; ANDRADE, Everaldo de Oliveira. “A liberdade nasce da luta: o surgimento da OSI na crise da ditadura” IN SAMOS, Cecília MacDowell: TELES, Edson; TELES, Janaina de Almeida (orgs). Desarquivando a Ditadura : memória e justiça no Brasil, volume l /. São Paulo: Aderildo St Roíhschiid Editores, cap.3. 107
Além de estudos que ocuparam - e que permanecem ocupando - lugar central nas reflexões sobre o tema, como os trabalhos de FORACCHI, Marialice (O estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira, 1965); POERNER, Artur (O Poder Jovem, 1968 ), ALBUQUERQUE, Guilhon de ("Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil - estudo comparativo"; Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina, 1977); João Roberto Martins Filho (Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil: 1964-1968, 1987); Daniel Aarão Reis Filho (e Pedro de Moraes. 1968: a paixão de uma utopia, 1988), Antonio Ozai da
101
levantamento ainda parcial – mais de uma dezena de novos trabalhos (entre dissertações
de mestrado, teses de doutorado e livros)108, ou ainda, um número semelhante de
Silva, (História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas), 1987; nos últimos 15 anos somaram-se novas elaborações. De fato, para além da temática “1968”, o estudo sobre as movimentações estudantis brasileiras no período de 1930/1960, passou a contar, entre outros, com os seguintes trabalhos: FERNANDES, Ana Lucia Cunha. A representação e a participação estudantil na Faculdade Nacional de Filosofia na década de sessenta, 1996. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996; DIRCEU, José; PALMEIRA, Vladimir. Abaixo a ditadura: o movimento de 68 contado por seus líderes. Entrevistas, edição e cartuns: Solange Bastos, Paulo Becker, Ari Roitman e Henfil. 2. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond, 1998; GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, 2001. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2001; ROCHA E SILVA, Simone Tenório. Em busca da Utopia - As manifestações estudantis em Pernambuco (1964-1968), 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal de Pernambuco, 2002; BRITO, A.M.F. Capítulos de uma história do movimento estudantil na UFBA (1964-1969), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; FIGUEIREDO, Cecília; KOBAYASHI, Eliza M. “Os Álbuns do DOPS”. São Paulo: Revista Adusp, Outubro de 2004, pp 81-85; ALVES, Bruna Neves. O Visível e o Invisível do Movimento Estudantil Universitário de Porto Alegre nas Representações da Imprensa (1964-1968), 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004; FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR; GROPPO. Luís Antonio. “A Questão Universitária e o Movimento Estudantil no Brasil nos Anos 1960”. Impulso, Piracicaba, 16(40): 117-131, 2005; VICENTE, Keides Batista. Retratos de Goiás: memórias de ex-militantes estudantis goianos sobre a década de 1960, 2006. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal de Uberlância, 2006; VICENTE, Keides Batista. "Heróis da resistência? O uso das imagens física e simbólica de Edson Luís e Ornalino Cândido pelos estudantes da década de 1960". Revista Mirante, s/d. mirante.110mb.com/4ed/17508.pdf; GARCIA, Priscila F.C. “As mulheres no movimento estudantil dos anos 1960”. Londrina: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. UEL, 2010. 108
Entre os estudos, constam: NASCIMENTO, Marcus Jary. A participação política da juventude goiana no movimento estudantil universitário: a crise de um projeto social (1960/1985), 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 2002; OLIVEIRA, Antônio Eduardo Alves de. O Ressurgimento do Movimento Estudantil Baiano na Década de 70, 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, 2002; REZENDE, Darcilene Sena. A história na mão: Periódicos universitários discentes paulistas entre 1964 e 1979, 2003. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2003; COSTA, Caio Túlio. Cale-se. São Paulo: A Girafa Editora, 2003; GOMES, Manoel Rosa. A Greve Estudantil de 1979 em jornais impressos do Maranhão - Indícios do suporte para a leitura do movimento: caminhos de análise. Dissertação (Mestre) –, Universidade Estadual Paulista, 2004; PEREIRA, Mateus Camargo. Tecendo a manhã: história do Diretório Central dos Estudantes da Unicamp(1974/1982), 2006. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2006; DIAS, Araujo, Raquel. O movimento estudantil nos tempos da barbárie: a luta dos estudantes da UECE em defesa da universidade pública. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, 2006; REIS, Alessandra Martins dos. O sentido do movimento estudantil contemporâneo pela voz dos estudantes da saúde, 2007. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Enfermagem, Universidades de São Paulo, 2007; GUSSON. Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008; CANCIAN, Renato. Movimento estudantil e repressão política: o ato público na PUC-SP (1977) e o destino de uma geração de estudantes, 2008. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Faculdade de Ciêncis Sociais, Universidade Federal de São Carlos, 2008; GROPPO, Luis Antonio; ZAIDAN FILHO, Michel; MACHADO, Otávio Luiz. Juventude e movimeto estudantil: ontem e hoje. Volume 1. Recife: Editora da UFPe, 2008;
102
monografias, artigos acadêmicos e trabalhos jornalísticos sobre as movimentações
estudantis dos anos 1970109, ampliando-se significativa e qualitativamente as perspectivas
de abordagem sobre o período.
Um último campo que nos parece importante destacar, é aquele que se centra
sobre a temática do autoritarismo, e que por diferentes perspectivas, tem trazido
contribuições valiosas para compreendermos por novos ângulos os sentidos de resistência
experimentados no período110. No aspecto das “formas de resistência”, aliás, todo um
novo leque de indagações tem promovido o estudo de experiências pouco ‘visíveis’ ou
PELLICCIOTTA, Mirza M.B "Mobilizações estudantis nos anos 1970" IN GROPPO, Luis Antonio; ZAIDAN FILHO, Michel; MACHADO, otávio Luiz. Juventude e movimeto estudantil: ontem e hoje. Volume 1. Recife: Editora da UFPe, 2008; MÜLLER, Angélica. A Resistência do Movimento Estudantil Brasileiro contra o regime ditatorial e o retorno da UNE à cena pública (1969-1979), 2010. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2010; SEVILLANO, Daniel C. Somos os filhos da revolução: Estudantes, Movimentos Sociais, Juventude e o fim do regime militar (1977-1985), 2010. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2010. 109
Podemos citar: CHRISPINIANO, José. “Na criação do DCE livre, uma derrota da ditadura”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 2000, pp 69-73; MESQUITA, Marcos Ribeiro. “Movimento estudantil brasileiro: práticas militantes na ótica dos Novos Movimentos Sociais”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 66, outubro 2003, pp 117-149; FARIA, Glauco e PIRES, Thalita. “A Liberdade e Luta chegou ao poder”. Revista Fórum, São Paulo,nº 19,32-34, setembro 2004; CHRISPINIANO, José; FIGUEIREDO, Cecilia. “A ECA é o principal foco de agitação da USP”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 2004, pp 63-68; D'ALENCAR. Marcus Aurélio. “Movimento Estudantil de Biologia. Um ensaio introdutório”. ENEBio. Segipe, 2006; SANTOS, J. de Souza. Unidade e diversidade no Movimento Estudantil: a heterogeneidade das esquerdas dentro da UNE (1964-1974), 2006. Monografia - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Estadual Paulista, 2006; TEZINI, Juliana C. V. "O movimento estudantil em 1977 e a atuação política da Revista Veja". Tempos Históricos, vl 10, 1ºsem/2007 (171-205); SCHMITT, Silvana L.; FIUZA, Alexandre F. "A Resistência Estudantil à ditadura brasileira no Oeste do Paraná". Cascavel: Unioeste. Iº Simpósio Nacional de Educação/XX Semana de Pedagogia, 2008; CAVALCANTI, Felipe de Oliveira Lopes; MORAES, Paulo Navarro de. “Movimento Estudantil e Universidade: apontamentos a partir da experiência da UFPB”. Rio de Janeiro: Lugar Comum, UFRJ , nº28, maio-ago 2009, pp 143-156; ANTUNES, Wilkie Buzatti. “A vontade geral contra a vontade do general: o movimento estudantil da UFM na década de 1970”. Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP, 2010; BALLAROTTI, Bruna. O Movimento Estudantil de Medicina e a criação do SUS: uma História na Luta pela Saúde, 2010. Monografia – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Santa Catarina, 2010; SANTOS, Jordana de Souza. “A influência e a atuação dos partidos políticos no movimento estudantil brasileiro e as semelhanças dos movimentos sociais latino-americanos”. Londrina: UEL; SANTOS. Jeane da Silva; BRICHTA. Laila . “A resistência estudantil aos ditames do regime militar em ilhéus”. XII Seminário de Iniciação Científica da UESC, pp 400/401; PAULA, Luciana G.P de; DURIGUETTO, Maria Lúcia. “Um convite à rebeldia: movimento estudantil de serviço social no Diretório Acadêmico Padre Jaime Snoeck – Faculdade de Serviço Social/UFJF”. Libertas. Juiz de Fora: Revista da Faculdade de Serviço Social/UFJF, volumes 6 e 7, números 1 e 2, pp 175-200. 110
São os diversos os estudos, vários deles já citados e outros a citar no curso deste trabalho. No entanto, gostaríamos aqui de destacar alguns autores cuja ação no campo da investigação e docência aparece recorrente (entre as teses concluídas, trabalhos de inventário e proposição de novas investigações): Maria Celina D’Araújo (CPDoc, hoje na PUC-RJ), Carlos Fico (UFRJ), Eliezer Rizzo de Oliveira (Unicamp) e Maria Luiza Tucci Carneiro (USP).
103
desconsideradas como significativas - em especial, no universo das relações entre cultura
e política – e contribuído, por esta via, para alargar as nossas próprias percepções sobre o
autoritarismo. O trabalho de compreender os posicionamentos brasileiros considerando o
trânsito das idéias, de fato, vem sendo feito há muito tempo nos quadros da década de
1960; trata-se agora de avançar as pesquisas sobre os anos 1970.
Por fim, a constatação da presença de um leque de posicionamentos entre as
vanguardas estudantis no final da década de 1960 nos permite observar que uma série de
procedimentos e de soluções construídas por elas no contexto de 1968/1969, ganhou
continuidade nos anos seguintes e que, em vários aspectos, estes procedimentos e
soluções emprestaram vitalidade ao movimento, ao preservar organizações, entidades e
movimentações frente às ações repressivas que, no passado, haviam dizimado parte de
suas experiências.
As movimentações estudantis, em particular, integram um cenário muito mais
amplo de recomposições social e coletiva, e de maneira especial, elas se revelam
portadoras de movimentos internos originais, além de sediarem a recomposição e ação de
organizações, ou ainda, de emprestarem solidariedade a movimentos mais amplos. Mas, o
transbordamento destas movimentações para o espaço público, ainda que munidas de um
leque mais amplo de questões, apenas se soma a outros acontecimentos, como a
intensificação das lutas por anistia (em 1978, diversos movimentos promovem o 1º
Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia em Salvador, que aprova a Carta de
Salvador, pedindo “anistia ampla, geral e irrestrita”), de lutas contra a censura (com
importante presença da Associação Brasileira de Imprensa, a partir de 1977), o
surgimento e fortalecimento de movimentos contra a discriminação racial (o primeiro
encontro do MNU ocorre em julho de 1978), as greves do ABC a partir de maio de
1978...111 razão maior de bandeiras e palavras de ordem como “pela melhoria das
111 Segundo Sader, foram de pequenas vitórias e pequenas lutas que emergiram novos significados de política, ganhando forma um conjunto de “novas configurações sociais assumidas pelos trabalhadores” que, apesar de não se constituir um “fenômeno extensivo ao conjunto dessa classe, mas, antes, a uma parcela”, se revelou capaz de estabelecer “novos padrões de ação coletiva” e inaugurar “novos sujeitos políticos”, abrindo-se “um novo período na história das classes trabalhadoras em nosso país”
111.
104
condições de ensino”; “por uma assembléia constituinte soberana e democrática”, entre
outras112. Nas palavras de Marcelo Ridenti:
“Ao menos desde o final da década de 70, ia ficando cada vez mais evidente a
necessidade de renovar os parâmetros da esquerda, em busca da revalorização da
democracia, da individualidade, das liberdades civis, dos movimentos populares
espontâneos, da cidadania, da resistência cotidiana à opressão, das lutas das
minorias, entre outras. Houve uma infinidade de manifestações nos diferentes
campos da sociedade a expressar essa virada no pensamento e na prática de
esquerda”113.
Na verdade, intervir politicamente sobre um contexto tão alterado, nos limites de
uma “legalidade” indefinida e munido de um repertório ou legado político em plena
reconstrução, significava, antes de tudo, reinventar a política e se fazer ouvir. De uma
constelação de questões e respostas, nasceram trajetórias originais de recomposição
organizada e, a depender da qualidade das experiências, elas transcenderam ao espaço
acadêmico e ganharam lugar em outros segmentos sociais, estabelecendo um trânsito de
experiências e leituras importantes ao processo mais amplo de recomposição da
sociedade civil. As organizações de esquerda participaram deste processo e vários de seus
agrupamentos desempenharam um papel importante a depender da vitalidade de suas
reflexões e proposições, questão essencial à qualidade desta mesma relação.
112
Nas palavras de Sader, em meio a “ritos dos tempos de resistência” (p28/29) ganharam forma
“pequenos movimentos que, num dado momento, convergem fazendo emergir um sujeito coletivo com visibilidade pública” (p.29). Por outro lado, “Essa nova valorização da sociedade civil expressava uma alteração de posições e significados na sociedade, que se mostravam tanto nas categorias de pensamento quanto nas orientações das ações sociais” (p34), emergindo ‘novos padrões de práticas coletivas’ em meio a uma esquerda fragmentada - questionamentos que levariam a ser considerado como “autonomista”, e mais um dos muitos críticos da questão “vanguardista”. 113 RIDENTI, Marcelo. “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”. São Paulo Perspectiva. vol.15 no.2 São Paulo Apr./June 2001.
105
Manifestação no Largo 13 contra Exílio. Fonte: Estadão
Da recriação, portanto, de um sentido de fazer as coisas, associado a uma maior
capacidade de ler os problemas e desafios colocados pelo presente, ou ainda, de um forte
desejo de futuro, renasceram as movimentações estudantis na década de 1970; mas,
movimentações qualitativamente diferentes do período anterior114. O seu vigôr e
permanência iriam durar enquanto lhe fosse possível resguardar a liberdade de
pensamento e criação no próprio sentido de fazer política, tarefa delicada pelo profundo
caráter democrático do qual se deveria dispor.
Por fim, nos parece interessante observar a análise que este “ambiente” recebeu
em 1977 num relatório interno do DOPS-SP de autoria de Miguel Poradowski e intitulado
“Weltoktober”. Podemos ler:
“...Muita gente fica desorientada diante da atual atividade revolucionária marxista
e esta desorientação vem do fato de que o mundo marxista parece estar dividido
em vários grupos antagônicos que mutuamente se combatem. Assim
presenciamos a divisão do marxismo-leninismo em bandos antagônicos: os
stalinistas e os trotzkistas, os pró-soviéticos e os internacionalistas. Outra divisão
que chama a nossa atenção é aquela segundo os interesses imperialistas da União
Soviética e da China continental, porém não podemos nos esquecer que todas
estas divisões e disputas não passam de ‘brigas familiares’, pois no essencial há
114
Vale considerar que, no mestrado, concentrei-me de forma particular nestas diferenças.
106
acordo e colaboração de todos os grupos e facções, isto é, na luta pelo triunfo da
revolução marxista em todo o mundo. De maneira que atualmente a revolução
marxista mundial, o weltoktober, atingiu seu objetivo, em primeiro lugar pelo
imperialismo soviético, que o executa tanto através de seu poderio político,
econômico e militar, como também servindo-se dos partidos comunistas que em
todos os países do mundo livre, constituem as Quinta-colunas de Moscou. Em
segundo lugar, a mesma revolução marxista mundial atinge seus objetivos pelo
imperialismo chinês, isto é, pela China Continental, subjugada pelo marxismo e
explorada em prol da revolução marxista. Neste caso também Pequim serve-se de
seu poderio econômico, político e militar, como dos partidos comunistas pró-China
aos quais mantém como sua quinta-coluna, em todos os países livres. Em terceiro
lugar, a mesma revolução marxista mundial está atingindo seus objetivos através
dos fanáticos trotzkistas, isto é, pela camada mais autêntica e a mais fiel ao
pensamento original de Marx de explorar os dolorosos problemas sociais que
nasceram com o advento da civilização industrial para impor a todos o domínio
das finanças internacionais” 115
Num curto espaço de seis anos, a considerar momentos “extremos” entre os anos
1971 e 1977, as militâncias organizadas conseguem recompor no espaço da universidade
as possibilidades participativas, e de diferentes maneiras, enfrentar e vencer os
fenômenos que Irene Cardoso chamou de “imposição do esquecimento”116 e “produção
do silêncio”, propondo e/ou retomando caminhos organizativos que, a depender das
referências de política, cultura, socialismo, revolução adotadas, ou ainda, das
115
PORADOWSKI, Miguel. “O ‘Weltoktober’”, 13p, pp 11-13 IN Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temática, CAIXA OP0723. 116
Segundo Irene Cardoso: “...desde a técnica da produção do silêncio, a censura, passando pelo silenciamento de parte da sociedade brasileira – os ‘inimigos potenciais’ -, pela disseminação do medo, pela destruição física das pessoas, até o seu limite máximo de expressão, quando ‘mata a própria morte” (Reynoso, 1988), pelo procedimento do desaparecimento de pessoas, de seus corpos (..), de sua existência jurídica (Cardoso,1990). A imposição do esquecimento tomou ainda uma outra forma na conjuntura imediatamente posterior, a da ‘distenção lenta, gradual e segura‘ de Geisel e o início da ‘abertura’ de Figueiredo..”. CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?” IN Garcia, Marco Aurélio e Vieira, Maria Alice (orgs). Rebeldes e Contestadores. 1968 Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999
107
continuidades/descontinuidades que estabelecem frente as experiências herdadas..
assumem características próprias. Publicações de meados dos anos 1970 como “Brasil
Socialista”, “Versus” e “Ex” nos ajudam a percebê-las.
Na versão propriamente trotskista de reconstrução política do movimento
estudantil, os esforços se concentram na defesa e construção de uma trajetória cada vez
mais coletiva e ofensiva frente às estruturas e aos mecanismos coercitivos presentes
dentro e fora da Universidade. Um movimento que, na visão trotskista, deveria se manter
necessariamente “em sintonia” com as massas estudantis, cabendo aos militantes captar
suas motivações para, em seguida, inseri-las e ordená-las em novas formas de luta.. Esta
perspectiva, de fato, daria lugar a uma trajetória singular e especial de luta política
construída às margens da burocracia universitária e balizada tanto pela criação de novos
canais de participação política, quanto pelo cumprimento de uma agenda política de
ampla abrangência e comprometimento social.
Enfim, em meio as diferentes leituras e propostas também se estabelecem
proximidades entre as organizações clandestinas que compartilham de fundamentos
comuns, cabendo ao próprio pensamento marxista exercer uma força agregadora entre
militantes de origem trotskista, católica, “dissidente do PCB” e stalinista que, por
diferentes razões, estão em busca de se recompor enquanto organizações e movimentos;
os laços de solidariedade e sobrevivência, frente a violência da ditadura militar, motivam
proximidades117.
Por outro lado, neste contexto tão particular, as leituras e experiências mais
sensíveis à chamada “revolução dos costumes” também penetraram no seio das
militâncias organizadas e fizeram nascer discursos e práticas que, de imediato, os
auxiliaram a reafirmar o lugar político da universidade – instituição que em curto espaço
de tempo se vê repovoada de pensamentos políticos-culturais concordantes,
117 Segundo as análises produzidas por José Roberto Campos e Antonio Ozai da Silva, a militância trotskista havia exercido de maneira praticamente solitária o papel de oposição ao Partido Comunista, oposição que, no entender de Raul Villa (dirigente da POLOP, no início dos anos 60) teria “passado mais tempo realizando sua ‘travessia do deserto’, isto é, protegendo-se do verdadeiro cerco que lhe estabelecera o stalinismo triunfante, do que propriamente intervindo nas lutas políticas do país”. “O balanço de Raul Villa”. Jornal Em Tempo, nº84, 10/10/79
108
discordantes, em alargamento. E um exemplo disso pode ser tomado do sentido de
“entidade” estudantil que ganha forma; dotada de maior agilidade e sincronia entre as
discussões e práticas culturais e políticas, vai ser através destas estruturas que muitas
organizações conseguem extrapolar o espaço acadêmico para tentar influir nos processos
de recriação de uma sociedade democrática.
A trajetória política organizada no curso da década de 1970, conforme
observamos, pode ser definida como um percurso de revisões teóricas e práticas, expressa
na busca por novas estratégias, táticas e formação de quadros militantes num contexto
repressivo e permeado por transformações diversas. Trabalhar com a recomposição
destas militâncias, por sua vez, implica em identificar e desvendar o sentido de suas
experiências, conhecer suas opções (através, por exemplo, dos significados atribuídos à
palavra “revolução”), seus rumos (inscritos em seus percursos de transformação e nas
respostas dadas ao contexto repressivo). A trajetória das organizações, de fato, enfrenta
transformações importantes que necessita ser compreendida.
109
B - ESQUERDAS EM TRÂNSITO
Manifestação estudantil, Paris, 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr
110
111
Jornal The Black Dwarf, publicação da nova esquerda inglesa
O afloramento e fortalecimento de um caminho propriamente trotskista entre as
esquerdas brasileiras é objeto, em si mesmo, de estudo. No curso dos anos 1920/1960, as
formulações e práticas trotskistas haviam ocupado um espaço secundário entre as
tradições políticas de fundamentação marxista, apesar de sedimentar contribuições
importantes no âmbito dos conceitos de política, arte e cultura.
Em particular, a trajetória de Mário Pedrosa se mostra sugestiva de um trânsito
muito importante de formulações e experiências que a partir de 1945 daria lugar a
elaborações originais, rompendo com uma “continuidade inercial do movimento trotskista
no Brasil”118.
118
“Segundo os autores Dainis Karepovs, José Castilho Marques Neto e Michel Löwy, à continuidade inercial
do movimento trotskista no Brasil, veio suceder – sob nova direção – a posição de Pedrosa em 1945, que discordava da caracterização dos membros da IV Internacional de que a URSS era um Estado operário degenerado: “O sinal de ruptura vem de fora, Mário Pedrosa, membro do Secretariado Internacional da IV Internacional, de cuja fundação participara em 1938, afastou-se das fileiras trotskistas em 1940: discordava da caracterização que a IV Internacional fazia da URSS – Estado operário degenerado. Pedrosa a caracterizava como um ‘Estado livre burocratizado’ (entendendo-se Estado livre como sendo um Estado sem compromisso com seus cidadãos, um Estado com um governo despótico). Com o correr do tempo tal posição chega aos demais integrantes da ‘primeira geração’, que a ela aderem. Não é mera coincidência o
112
No entanto, não apenas os trotskistas; este período foi marcado, em termos mais
amplos, por mudanças importantes nas perspectivas de luta política nascidas da adoção
de posturas mais radicais de enfrentamento, somadas a um alargamento de objetos que
em pouco tempo e em escala internacional redundaram numa convergência de
personagens, objetos e formas de luta ainda hoje emblemáticos119.
As experiências francesas em 1968 ocuparam um lugar estratégico nestes
acontecimentos, e conforme nos sugere João Bernardo no instigante artigo “Estudantes e
Trabalhadores no maio de 68”,
“O movimento a que erradamente se chama Maio de 68 teve dois períodos,
articulados pelo dia 13 de Maio, e os acontecimentos mais importantes
prolongaram-se até Junho. O primeiro período caracterizou-se pelo reflexo da
problemática operária no interior do movimento estudantil. Até ao começo da
greve geral os estudantes conduziram uma luta inspirada fundamentalmente por
um tema muitíssimo mais vasto do que a universidade, o tema da exploração
capitalista. Este primeiro período era como o arco de uma ponte projectado sobre
o vazio e a que faltava o pilar. Este pilar foi conseguido no segundo período.
Iniciado a 13 de Maio, o segundo período teve como característica fundamental o
choque entre a burocracia da CGT, que a todo o custo se esforçou por impedir a
união dos estudantes com os trabalhadores, e a luta dos estudantes para superar
este obstáculo e se unirem aos trabalhadores em greve”120.
Os acontecimentos franceses colocaram em cena diversos movimentos. Por um
lado, delineou-se uma vigorosa discussão nos meios estudantis acerca da exploração
capitalista; por outro, a eclosão de greves operárias redundou numa greve geral de 9
fato destes militantes estarem reagrupados, em 1945, em torno das propostas do Jornal Vanguarda Socialista, dirigido por Mário Pedrosa, e não no PSR [Partido Socialista Revolucionário (trotskista) – fundado por Hermínio Sachetta e Rocha Barros]. “ O Vanguarda Socialista pretendia ir além das análises da IV Internacional e também das proposições da Segunda e da Terceira Internacionais”. Marcelo Mari. ESTÉTICA E POLÍTICA EM MÁRIO PEDROSA (1930-1950). Campinas: Unicamp, 2006. Doutorado em Filosofia. 119
Ver:http://users.skynet.be/ddz/mai68/index.html;http://www.codhos.asso.fr/welcome/index.php;
http://www.cmeu.fr/index.php?option=com_content&task=view&id=19&Itemid=34&limit=1&limitstart=5 120
BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, pp 22-31.
113
milhões de pessoas121 que permitiu uma aproximação entre estudantes e trabalhadores,
seguida pela trocas de experiências e objetos políticos. Nas palavras deste autor:
“No dia 13 de Maio uma Assembléia Geral decidiu que a Sorbonne ficaria
permanentemente aberta a todos os trabalhadores e converteu a Universidade de
Paris em Universidade Autônoma Popular, a qual deveria ser gerida por Comitês
de Ocupação e de Gestão formados por trabalhadores, estudantes e professores
(...) A partir de então as assembléias e discussões contínuas que ocorriam na
Sorbonne e noutras instalações universitárias, e de que foram tão ávidos os
jornalistas e até os historiadores, limitaram-se em boa medida a constituir a
componente folclórica do movimento, porque o essencial passava-se noutra
direcção e em outros lugares, nas fábricas ocupadas e na tentativa dos estudantes
de se juntarem aos trabalhadores nessas ocupações. Enquanto durou a greve geral
os estudantes procuraram ligar-se aos trabalhadores e a direção da CGT esforçou-
se por impedir esta ligação”.
A discussão da exploração capitalista somada às possibilidades de se aproximar dos
trabalhadores por novos caminhos políticos, por sua vez, se viu replicar em diferentes
lugares, e por vezes de forma simultânea122. No Brasil, as discussões estudantis,
acompanhadas de diferentes trajetórias de enfrentamento da ditadura militar, também se
fizeram contemporâneas a movimentos grevistas (Contagem/MG, em 1968), seguindo-se
processos de recriação política que, mesmo sob a ação do AI-5, promoveram no curso do
tempo uma transformação profunda do sentido de sindicato, ao mesmo tempo em que as
movimentações estudantis furaram o cerco da universidade em luta pela
redemocratização social, ou ainda, para estabelecer encontros com a luta dos
trabalhadores. Nas palavras de João Quartim de Moraes:
121
“A onda de greves atinge seu pico entre 22 e 30 de maio, mas chega a durar até julho. Mais de 4 milhões de trabalhadores permanecem em greve por mais de três semanas e 2 milhões por mais de quatro semanas. De acordo com o Ministério do Trabalho francês, um total de 150 milhões de dias de trabalho são perdidos em 1968 devido a greves” Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 1: Desenvolve-se uma situação revolucionária. 23 de junho de 2008. WSWS. org 122
Ver: http://1968ineurope.sneakpeek.de/index.php/chronologies.
114
“...do assassinato do estudante Edson Luís por uma tropa de choque da PM-Rio à
invasão da Faculdade de Filosofia da USP pelos comandos do CCC-Mackenzie
apoiados pela PM-São Paulo, e à prisão em massa dos participantes do Congresso
da UNE em Ibiúna, foram oito meses de manifestação e lutas praticamente
ininterruptas. A descrição sistemática deste multiforme processo de mobilização
de massas contra a ditadura militar está ainda para ser elaborada (...) Comparado
a outros processos de mobilização de massas de nossa história social e política, a
principal particularidade do de 1968 foi a presença decisiva do movimento
estudantil. As “passeatas” que tanto exasperaram a reação e que asseguraram,
meses a fio, o domínio das ruas à rebelião anti-ditatorial, nasciam quase sempre
nas Faculdades, quando não nas Escolas secundárias. Nesse sentido, os estudantes
constituíram a categoria social mobilizadora por excelência, vale dizer, aquela que,
pondo-se em movimento, movimentava as demais. Acabaram assumindo também,
embora não fosse essa a intenção proclamada de seus militantes mais expressivos,
uma função dirigente no seio do movimento de massas. Função efêmera, sem
dúvida, além de difusa, exercida por propagação espontânea a partir do meio
estudantil em direção das categorias sociais e profissionais adjacentes:
professores, jornalistas, artistas e em geral profissionais ligados à cultura, assim
como as correntes de opinião sensíveis ao idéario democrático e aos valores
culturais avançados que aquela mobilização contrapunha à estreiteza reacionária
da ditadura”123.
A força das referências de 1968 seria notável na década de 1970 e nós podemos
afirmar que esta década amplificou as mudanças políticas e culturais despontadas no final
123
MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm Nas palavras do autor: “Embora dispersa, a documentação disponível (imprensa da época, arquivos pessoais, depoimentos de participantes e de testemunhas, além dos livros de memórias e estudos historiográficos, etc.) é ampla (...) Particularmente abundante é a documentação iconográfica, cobrindo passeatas, manifestações como a do 19 de Maio de 1968 na Praça da Sé e Praça da República, a greve de Osasco, para só citarmos a imprensa paulista, notadamente a Folha da Tarde e o Jornal da Tarde nos quais está registrada uma riquíssima coleção de imagens daqueles e de outros eventos, ocorridos não apenas na capital, mas também no interior do Estado. Aliás, a ‘interiorização’ da mobilização anti-ditatorial permanece um dos aspectos menos estudados dos acontecimentos políticos de 1968”.
115
da década anterior, parecendo-nos importante considerar que todo um leque de
posicionamentos assumido pelas vanguardas estudantis no final da década de 1960
ganhou continuidade nos anos seguintes, prolongando-se uma série de procedimentos e
soluções construídas no contexto de 1968/1969. Boa parte da vitalidade alcançada nos
anos 1970 também se originou destas continuidades, por vezes, num plano de
clandestinidade, mas que pouco a pouco se revelou presente no interior das Faculdades,
em meio às assembléias, nas novas formas de luta, interferindo na recriação de
organizações, entidades e formas de movimento que há pouco tempo se viram fechadas,
interrompidas ou mesmo dizimadas pelas ações repressivas.
Na trajetória de recomposições políticas do movimento estudantil dos anos 1970,
mais precisamente, no interior da USP, percebemos claramente estas continuidades, mas
também outras tantas fraturas e recomposições. Conforme teremos oportunidade de
observar, a presença trotskista, à semelhança das demais matrizes marxistas, também
enfrentou no período cisões internas que deram origem a novos grupos, leituras e formas
de atuação específicas.
Mas, acima de tudo, foi entre semelhanças e diferenças que ganhou forma, no
campo das esquerdas, um universo comum de pensamentos e práticas, preservando-se
em termos mais amplos, o modelo leninista de partido, um ideário de socialismo
democrático, a rejeição profunda dos caminhos imperialistas e do autoritarismo, a
reafirmação da presença da luta de classes no cerne da História, constando entre as
maiores diferenças, as variações em torno do sujeito revolucionário, inclusive entre os
trotskistas. Neste caso, se nós podemos considerar como relevante a presença de
militâncias trotskistas neste tempo e lugar, é inegável que suas experiências se acham
entranhadas à de outras organizações que não apenas partilharam do mesmo espaço e do
mesmo desafio de combater a ditadura militar, como buscaram conjuntamente recompor
o movimento estudantil e revolucionar a sociedade.
A história das tendências estudantis deste período, entre elas a Liberdade e Luta, a
Refazendo, a Caminhando, entre outras, é a própria expressão destas relações, em um
tempo histórico singular; relações, enfim, que nos permitem afirmar que as organizações
116
de esquerda em reconstrução no período pós-1968, participaram de forma singular e
consistente da recomposição de uma sociedade democrática, e ainda, que em seu curso
elas próprias se redefiniram. Aos trotskistas ditos “lambertistas” – fundadores da
tendência Liberdade e Luta - coube um papel significativo; o de insistir num modelo
bolchevique de militância, associado as orientações do Programa de Transição, de Leon
Trotsky, ou ainda, a um entendimento particular da questão sindical... questões que se
traduziram numa atuação única no conjunto maior de processos.
117
4. INTERNACIONALISMO(S)
O INTERNACIONALISMO
Apresentação de “É proibido proibir” por Caetano Veloso, Gilberto Gil e o mutantes no III FIC, Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, em setembro de 1968.
Entre os primeiros pontos de conexão entre a militância de matriz trotskista, o
universo propriamente juvenil de 1968 e a década subsequente, parecem estar a questão
do internacionalismo. Os estudos que vem refletindo sobre os acontecimentos culturais
do final da década de 1960 no Brasil parecem concordar acerca do impacto que as
dinâmicas internacionais (nos mais amplos sentidos) exerceram na sociedade brasileira do
período.
O “tropicalismo”, como fenômeno musical e estético, foi particularmente claro em
suas referências e manifestos acerca das mudanças que o país começava a experimentar
em meio as dinâmicas internacionais; leitura, no entender de Heloísa Buarque de Holanda,
que tinha o mérito de abrir espaço para um outro entendimento da geração que
começava a nascer.
Como observa Mariângela Ribeiro de Almeida, em estudo sobre o discurso social
da música popular brasileira no período 1965/1975, o tropicalismo trazia em si mesmo
“...E eu digo não E eu digo não ao não Eu digo: É! Proibido proibir É proibido proibir É proibido proibir É proibido proibir...” (Caetano Veloso)
118
tanto o “som universal’ (sobretudo via Beatles, Bob Dylan e Janis Joplin) quanto todas as
tradições acumuladas na história da música brasileira”, propondo-se a uma “mistura do
velho com o novo de forma irreverente”. E ao fazer isto, nas palavras de Favaretto124, este
movimento dava “forma a certa sensibilidade moderna, debochada, crítica e
aparentemente não empanhada” associando de “um lado, (...) a moda ao psicodelismo,
mistura de comportamento hippie e música pop, indicada pela síntese de cor e som; de
outro, a uma revivescência de arcaísmos brasileiros, que se chamou ‘cafonismo’”.
Por outro lado, ao sair em defesa das “informações dos movimentos culturais e
políticos da juventude dos EUA e Europa”, o tropicalismo também se mostrava crítico às
militâncias políticas (esquerdas) que permaneciam presas ao nacional-desenolvimentismo
e a um caminho “populista e retrógrado” 125, discussão, por sua vez, que escondia outras
questões. Para Mariângela Almeida, achava-se nos fundos deste debate questões como a
de uma “modernização conservadora (que possibilitou a sofisticação do padrão técnico de
produção, gerando a “ideologia da competência”), combinada com a censura, [que] tolheu
muito da autonomia artística e, ao mesmo tempo, abriu espaço para outros gêneros
musicais”,
Nestes percursos, somado ao desenvolvimento da indústria fonográfica, ganhariam
forma momentos distintos de produção artística, destacando-se entre os anos de 1965 e
1968 “um discurso engajado e coletivista e preocupado com uma estética mais apurada”;
enquanto no período de 1968 a 1975 passavam a predominar “discursos mais
diversificados e voltados para a figura do Indivíduo, e com uma estética cada vez mais
pop”.
De forma concomitante, neste segundo período, entrava em cena também “uma
total fragmentação no processo produtivo e uma infinidade de novos produtos musicais,
passando-se a investir na ‘pluralidade’”, em meio a qual deixava de fazer sentido “o
discurso engajado dos anos 60” para os. “jovens que faziam parte da Geração AI-5 e
124FAVARETO, Celso. Tropicália. Alegoria. Alegria. 3º edção, JE Ateiê Editorial, 1996, p8. 125ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de. A canção como narrativa: o discurso social na MPB (1965-1975), 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005, p39.
119
cresciam convivendo com uma cultura autoritária e com um mundo cada vez mais
integrado pelos meios de comunicação (sociedade de consumo)” 126
O “contexto de 1968” no Brasil, em suas variações e complexidades, mereceram
uma reflexão interessante de Artur Freitas no artigo “Arte e movimento estudantil: análise
de uma obra de Antônio Manuel”, para quem, num tempo “realmente, propenso ao
silêncio”, o ano de 1968:
“...encerrado naquele 13 de dezembro, não foi, como se sabe, um ano silencioso.
A juventude de classe média e universitária, sobretudo em sua fração mais
politizada e militante, chegou a incomodar o regime. Enquanto consumidores
potenciais esses jovens conseguiam, já há um certo tempo, manter viva a chama
de um mercado cultural de protesto em que Caetano Veloso, Chico Buarque,
Gilberto Gil e Geraldo Vandré despontavam como ídolos (...) Em meios mais
restritos como o teatro e o cinema de vanguarda despontavam figuras combativas
e contraditórias como Zé Celso (Roda viva) e Glauber Rocha (Terra em transe) (...)
Surge o Tropicalismo como crise das manobras tradicionais de engajamento, como
revisão do lugar da cultura na sociedade brasileira, inserção no mercado e
transformação das sensibilidades numa ambigüidade crítica (...) Nas universidades
lia-se Marx, Lênin, Mao, Lukács e Marcuse. Nas livrarias, em sua primeira edição
em português, surgia O capital, publicado audaciosamente na íntegra pela Revista
Civilização Brasileira (...) Na literatura o grupo de vanguarda Poema-Processo
realiza o “poema coletivo”, espécie de happening de protesto onde vários livros
são queimados e picotados; surge o “poema comestível”. Nas artes plásticas, o
conceito de participação, em seu duplo juízo, estético e político, é fundamental
para compreender, por exemplo, algo como Apocalipopótese, acontecimento de
rua coordenado por Hélio Oiticica que comportava simultaneamente a noção
poética fenomenológica de participação do espectador e a noção de participação e
engajamento político (...) Um belo exemplo dessa conjugação ocorreu na
intervenção do artista Antonio Manuel, que espalhava pela rua suas Urnas quentes
(caixas hermeticamente fechadas contendo em seu interior frases e imagens sobre
126 ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de. A canção como narrativa. Op. Cit., pp 124-129.
120
a violência da ditadura) e pedia aos transeuntes para arrebentá-las a machadadas.
Fervilhava o sentido político”127.
Modernização, comunicação de massas, ruptura das perspectivas nacional-
desenvolvimentas, embaralhamento de referências, constrangimentos frente as
alternativas, críticas da intelectualidade artística, ações de um amplo leque de
agrupamentos de esquerda por caminhos possíveis de resistência, luta de segmentos
sociais diversos... na prática, uma intensa trajetória civil ganhava forma à luz de uma
dimensão transnacional de circulação de idéias, projetos, experiências... ao mesmo tempo
em que um “sistema político tutelado” se via forçado a conviver “com novas formas de
participação e com a guerrilha urbana e rural”, nas palavras de Maria Celina d’Araujo, ou
ainda, com o cumprimento, por parte dos jovens de um “lugar inédito na história”.. um
“protagonismo (...) pelo lado da cultura, da arte, dos costumes e da política. O ano de
1968 estava próximo”128
O “protagonismo dos jovens”129, nas palavras e percepção de Maria Celina
d’Araujo, emergira no contexto de 1968 para, nos anos imediatamente subsequentes,
estabelecer outras possibilidade de se comunicar, discutir, trocar referências e
experiências, organizar e realizar movimentos dotados de forte significação e identidade
política, com base no trânsito de relações, intercalações e sobreposições políticas e
culturais. Marcados por ideais alternativos a ordem capitalista, os objetos de política
originados destas “trocas” dariam origem a novos recortes e sentidos de expressão
coletiva, ao mesmo tempo em que inauguravam um novo conceito de política, definido
em si mesmo como campo transnacional.
127
FREITAS, Artur. “Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel”. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR, p 80. 128
D’ARAUJO, Maria Celina. “Experimentalismos na política”. Conjuntura Política. 60anos. Rio de Janeiro, p.44-51, nov. 2007, p48. 129
Temática muito cara aos estudos de Eric Hobsbawn que dedica, entre outros textos, um capítulo à questão da emergência nos anos 1960 e 1970 de uma “cultura jovem” em diversos países. Para tanto, ver: Capítulo II, “Revolução Cultural” IN A Era dos Extremos. O Breve Século XX (1914 - 1991). São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
121
Ora, parte da literatura marxista resgatada e utilizada por estes jovens militantes
(dos mais diversos países do mundo) na definição de um novo campo de ação política,
tinha origem trotskista, originando-se dela um amplo conjunto de análises, projetos,
referências e experiências militantes que, apesar de gestado nas primeiras décadas do
século XX, voltavam a adquirir sentido na segunda metade do século XX, auxiliando estes
mesmos jovens na leitura social, ou ainda, na recriação de outros/novos instrumentos de
ação política.
Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes - http://www.cme-u.fr
122
Esta trajetória de recriação política inaugurada em 1968, no entanto, não foi
merecedora da atenção que, isoladamente, o ano de 1968 recebeu; perspectiva, por sua
vez, que acabou por dificultar a visibilidade que o mesmo conceito transnacional de
política conseguira alcançar. De qualquer forma, a tarefa de resgatar e trabalhar com a
trajetória de agrupamentos trotskista no Brasil entre o final dos anos 1960 e a década de
1970, implicou no esforço de ultrapassar os limites nacionais, de submergir no contexto
minado de práticas autoritárias do Estado Militar, de lidar com a carência de estudos130,
ou ainda, de decifrar os meandros de um processo de silenciamento que, por diversos
aspectos, havia se sobreposto às práticas trotskistas ao considera-las expressão de um
“radicalismo” débil, impotente e inoperante, como teremos oportunidade de observar.
A tendência de se considerar os acontecimentos de 1968 como um “desfecho” das
perspectivas, leituras e experiências marxistas de ação política, no entanto, não encontra
apoio quando confrontada com os acontecimentos políticos das décadas de 1970 e 1980;
décadas em que novos enfrentamentos sociais, culturais e políticos, em escala
internacional, continuaram a contar com referências teóricas e práticas marxistas, ainda
que de maneira mais fragmentada. Neste caso, talvez, possamos considerar que, o que os
acontecimentos de 1968 promoveram em si mesmos, foi o “desfecho” de uma perspectiva
130
Entre os trabalhos no Brasil que, ainda nas décadas de 1980 e 1990, consideraram a presença das militâncias trotskistas nos acontecimentos estudantis dos anos 1960 e 1970, constam: Paris 1968: As Barricadas do Desejo, de MATOS, Olgária (1981); O trotskismo na América Latina, de COGGIOLA, Osvaldo (1984); Imagens da Revolução, de REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (1985); O que é Trotskismo, de CAMPOS, José Roberto (1985); História das Tendências no Brasil, de SILVA, Antonio Ozai da (1987); A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil, de REIS FILHO, Daniel Aarão (1990); O Fantasma da Revolução Brasileira, de RIDENTI, Marcelo (1993); “História do marxismo no Brasil”, de KAREPOVS, Dainis; MARQUES NETO, José Castilho e LÖWY, Michael em Trotsky e o Brasil (1995); PEREIRA NETO, Murilo Leal. Outras Histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil - 1952/1966 - O Caso do POR (Partido Operário Revolucionário) (1997). A partir de 2002, novos trabalhos entraram e cena, entre eles: “Os Trotskistas Brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” de MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis em História do Marxismo no Brasil. Volume V. Partidos e Organizações dos anos 20 aos 60 (2002); O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma analise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002 de GUTIERRES, Andriei da Cunha Guerrero (2004); Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista de FARIAS, Marcos Moutta de (2005); “O momento oportuno: Kairós, uma editora de oposição” de MAUÉS, Flamarion(2006); O marxismo na América Latina – Uma antologia de 1909 aos dias atuais, de LÖWY, Michael (org.) (2006); "Os trotskismos no Brasil 1966-2000" de LEAL, Murilo e KAREPOVS, Dainis em História do Marxismo no Brasil vol 6, 2007; “Os grupos trotskistas no Brasil (1960 - 1990)” de MARQUES, Rosa Maria em Revolução e democracia (1964...), (2007); A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT de ÂNGELO, V. A., (2008).
123
totalizante de história, de cultura, de política, razão pela qual impuseram limites,
dificuldades, desafios às leituras e perspectivas de fundamentação marxista que, por sua
vez, continuaram em curso131.
4.1 NOS VENTOS DE UMA ESQUERDA INTERNACIONALISTA
Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr
As contestações internacionais de 1968, que contaram com a presença ativa de
jovens de mais de uma dezena de países, surpreenderam o mundo pelo
compartilhamento simultâneo e legítimo de conceitos, leituras e proposições que, em seu
conjunto, emergiam como alternativas a um dado modelo social de ordem capitalista ou
socialista132.
131
Entre as fontes interessantes de estudo dos acontecimentos de maio de 1968 francês está uma coleção
de slogas e pixações reunida pelo site http://users.skynet.be/ddz/mai68/slogans-68.htm. Entre estes grafittes encontramos citados: “Abaixo a carcaça stalinista”, “Abaixo o realismo socialista. Surrealismo Vive – Condorcet”, “Viva o efêmero”, “Abaixo o Velho Mundo”, “Abolição da alienação”, "A Anistia: um ato pelo qual os soberanos freqüentemente perdoam as injustiças que cometeram." (Ambrose Bierce), “A ação não deve ser uma reação, mas uma criação. Censier”, entre muitos outros. 132
Nas palavras de João Quartim de Moraes: “A contemporaneidade da mobilização estudantil brasileira com a que ocorria na Europa Ocidental, especialmente na França, Itália e Alemanha Federal, tem sido
124
A eclosão de “revoltas”, antes de tudo, simbólicas, no espaço público, falava de
“recusas” e “desejos” num mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que conferia
estatura política a questões aparentemente sem lugar, como por exemplo, o
reconhecimento dos desejos sexuais das mulheres, da dimensão humana dos
homossexuais. Por outro lado, “os estudantes contestatários eram unânimes quanto à
necessidade da união com os trabalhadores”, ainda que “esta aliança (...) encarada de
várias maneiras no espectro político” também se constituísse no “principal tema de
discordância” entre as organizações133.
Ainda, foi em meio a diferentes fundamentos políticos, emprestados das mais
diversas matrizes de pensamento político (marxistas e não marxistas) que, na visão de
Paul Berman, deu-se um rearranjo político movido por “um impulso moral que (...) foi algo
que saiu da experiência de crescer no rescaldo do Mundo II Guerra Mundial (...) um senso
combativo” atento à “maneira correta de expressar esses impulsos morais”134 e que se
traduziu na defesa da liberdade, da solidariedade com os povos oprimidos do mundo.... Os
ressaltada nos diferentes eventos realizados entre nós por ocasião por ocasião dos aniversários decenais dos “acontecimentos de 1968”. A pertinência desta aproximação entre a cena nacional e a cena internacional é óbvia. Menos clara, entretanto, é a natureza da influência desta sobre aquela. O aspecto genérico desta influência, nos planos político e cultural, escapa a nosso tema, circunscrito ao exame das relações entre o movimento de massas e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968. Notaremos apenas que o movimento estudantil de massa no Brasil e na Europa Ocidental foram demasiado contemporâneos, no sentido cronológico do termo, para que se possa falar em relação de causa a efeito entre este e aquele. Basta lembrar que o primeiro ato da rebelião estudantil na França ocorreu na Universidade de Nanterre a 22 de março de 1968 (ocupação da sala do Conselho Universitário por 142 estudantes), seis dias antes do assassinato de Edson Luís, ocorrido no “Calabouço” a 28 de março. Além de que o prazo — cinco dias entre a divulgação da informação dos “distúrbios” de Nanterre e a invasão do “Calabouço” — é demasiado exíguo responder a qualquer influência direta da rebelião estudantil francesa sobre a brasileira, acresce que a agitação no “Calabouço” começara em janeiro, sendo portanto cronologicamente anterior à de Nanterre e, sobretudo, que o “22 de Março” passou desapercebido na própria França (..) a mobilização estudantil de massa desencadeou-se primeiro no Brasil — e não na França.” MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm 133
Nas palavras de João Bernardo, referindo-se aos acontecimentos parisienses: “A recusa a exercer funções de autoridade sobre a classe trabalhadora, a recusa de uma universidade ao serviço do capitalismo e a identificação dos interesses dos estudantes com os dos trabalhadores, foram estes os temas principais, quando não mesmo únicos, da imprensa estudantil no Maio de 68”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, pp 22-31. 134
1968 - Guerra das gerações. Entrevista com Paul Berman http://kronos.org.pl/index.php?23151,375
125
acontecimentos internacionais de 1968, neste caso, trariam em si, vínculos mais íntimos
estabelecidos, há algumas décadas e em escala planetária, pelas guerras mundiais.
A vitalidade destas discussões, experiências e formulações, seguida pelo trânsito
em diferentes frentes, daria origem a uma vastíssima produção historiográfica –
atualmente trabalhada por diferentes linhas de pesquisa, dentro e fora da Europa. No
caso desta pesquisa, nos interessa refletir sobre um aspecto das movimentações: a
presença das organizações trotskistas (em seu leque particular de proposições) que, em
meio a um contexto tão dinâmico – em particular, o francês - buscaram reinserir
fundamentos e questionamentos herdados do modelo bolchevique (de organização e
ação política) e da revolução russa (de 1905 e de 1917) nas formulações que se faziam
coletivamente construídas, promovendo, desta forma, a incorporação de alguns velhos
referenciais a novos questionamentos acerca do poder e da ordem instituída, ao mesmo
tempo em que a releitura dos mesmos fundamentos e questionamentos também
emprestaram vitalidade às novas formas de pensar e de fazer política.
Com este foco de discussão, parece-nos importante acompanhar algumas
considerações feitas por João Bernardo:
“É comum considerar que naquela época existiam nos meios estudantis
contestatórios duas orientações ideológicas. Uma, inspirada pelas obras de
Marcuse, considerava que a classe operária tinha sido integrada na sociedade
capitalista através do consumismo e que o elemento revolucionário eram os
jovens de diversas origens sociais, vítimas de uma multiplicidade de opressões. A
outra, seguindo a tradição marxista, sustentava que a classe operária continuava a
ser a classe revolucionária. Na documentação de Maio e Junho de 1968 os traços
da orientação marcusiana são praticamente inexistentes (...) Desde o começo do
movimento (..) encontramos nos jornais e panfletos três temas principais: a recusa
de uma universidade ao serviço do capital, a defesa dos interesses dos
trabalhadores no interior da universidade e a aliança entre intelectuais e
trabalhadores. Já na jornada de protesto ocorrida a 22 de Março em Nanterre (um
centro universitário pertencente à Universidade de Paris mas situado nos
arredores da cidade), que deu início ao que viria a ser o Movimento do 22 de
126
Março (Mouvement du 22 Mars, que reunia várias correntes libertárias e maoístas
espontaneístas) os temas debatidos foram a questão do imperialismo, na época
indissociável da guerra no Vietnam, o carácter do capitalismo contemporâneo e o
problema de saber como é que as lutas estudantis se ligavam às lutas
operárias.”135.
No curso dos acontecimentos do maio/junho francês, é de fato a questão das
relações entre estudantes e trabalhadores o que orienta e estabelece os balizamentos
políticos e as mais interessantes trocas de experiências e referências. Neste caso, no
entendimento deste pesquisador:
“O organismo de juventude do Partido Socialista Unificado defendia que os
trabalhadores científicos e intelectuais se colocassem “ao lado” dos operários (...);
A Federação dos Estudantes Revolucionários (Fédération des Étudiants
Révolutionnaires, trotskistas da facção de Lambert) defendia a aliança da União
Nacional dos Estudantes de França (UNEF, Union Nationale des Étudiants de
France, o sindicato estudantil) e das centrais sindicais. Para a JCR [Juventude
Comunista Revolucionário, organização trotskista da IV Internacional, mandelista]
não se tratava de unir a UNEF às burocracias sindicais operárias. Contrariamente
aos lambertistas, a corrente mandeliana defendia que a convergência das lutas
estudantis e operárias se devia fazer não através das negociações entre dirigentes
sindicais mas na rua, nos confrontos com a polícia. Seria nesses confrontos que se
revelaria a vanguarda (...) Os Comités de Acção defendiam uma solidariedade
entre estudantes e trabalhadores em luta que consistisse numa unidade real de
base, assente na livre discussão democrática dos problemas de cada categoria. Em
clara contraposição a estas duas últimas correntes, a União das Juventudes
Comunistas marxistas-leninistas (UJCm-l, Union des Jeunesses Communistes
marxistes-léninistes, maoísta), também conhecida pelo nome do seu órgão, Servir
le peuple, defendia a subordinação das lutas estudantis às lutas dos trabalhadores
(...). Quanto ao Movimento do 22 de Março, na Tribune du 22 mars lê se num
135
BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, p23.
127
artigo com data de 3 de Junho: “Na organização revolucionária em construção no
processo actual não haverá mais estudantes, nem operários, nem camponeses,
nem empregados, etc., mas somente “intelectuais-revolucionários”, e é para que
surjam estes “intelectuais revolucionários” que trabalha o 22 de Março”136
Em meio aos acontecimentos e a depender “das formas como era encarada a
união entre estudantes e trabalhadores”, estabeleceram-se diálogos entre os movimentos
por meio da adoção de “alternativas práticas” de se realizar ou não as manifestações no
Quartier Latin (proposta de correntes mais moderadas), de se realizar ou não
manifestações nos bairros populares (outras correntes), de se promover ou não a
ocupação de faculdades (entendidas pela “ala radical do movimento estudantil como a
reprodução de uma forma de luta caracteristicamente operária”), questões que surgiam
fortes na panfletagem do movimento137. Para João Bernardo:
“Com efeito, a orientação que pretendia colocar a luta dos estudantes sob a
condução da luta dos trabalhadores demonstrou a sua justeza quando começou a
maior greve geral da história da França. Convocada para 13 de Maio, a greve
alastrou e ao iniciarem-se as negociações de Grenelle, em 25 de Maio, havia
praticamente 9 milhões de grevistas. A 13 de Maio, na grande manifestação que
juntou cerca de um milhão de pessoas, a maior realizada até então em Paris,
operou-se pela primeira vez a junção entre estudantes e trabalhadores em nome
da solidariedade contra a repressão. À frente do cortejo, e depois de várias
136
BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, pp 25-26. 137
No apelo que o Movimento 22 de março faz pela criação de Comités de Acção Revolucionária, pode-se ler: “Seguindo o caminho traçado pelos operários de Caen, de Mulhouse, de Le Mans, de Redon, da Rhodia [um grupo industrial centrado em Besançon], de Paris, os alunos das universidades e dos liceus e os trabalhadores que se manifestaram contra a repressão do Estado policial na noite de sexta-feira, 10 de Maio de 1968, lutaram na rua durante várias horas contra 10.000 polícias. [...] A 13 de Maio, estudantes e operários encontraram-se de novo na rua, iniciaram uma discussão política conjunta e, para prossegui-la, ocuparam permanentemente as faculdades da Universidade de Paris. A partir de então multiplicaram-se as greves com ocupação das fábricas. Para que triunfem as reivindicações de todos os trabalhadores, para atingirmos realmente os nossos objectivos, para prepararmos na acção quotidiana a tomada do poder pelo proletariado, trabalhadores e estudantes, organizemo-nos nos locais de trabalho em comités de acção revolucionária”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, pp 27-28.
128
escaramuças entre estudantes e dirigentes sindicais, ia uma faixa proclamando
“Estudantes, professores, trabalhadores solidários”138.
E no curso dos acontecimentos, o teor das relações entre trabalhadores e
estudantes acabaria por se revelar determinante em meio à crise de institucionalidade
experimentada pela França139, reforçando-se o leque de "reinvenções" políticas que
começava a nascer em meio aos processos de enfrentamento (por diferentes segmentos
da sociedade do trabalho) da exploração capitalista. Entre estas "reinvenções" (em escala
internacional) constavam novos fóruns de movimento (comités, coletivos, comissões,
grupos, espaços culturais...), outras perspectivas coletivas de ação política, ou ainda, a
valorização da convivência entre diferentes leituras e práticas políticas (incluindo-se as
auto-gestionárias, espontaneístas, entre outras).
Imagens das manifestações de maio de 1968 na França disponibilizadas pela internet
Na prática, os movimentos que desde o final da década de 1950 vinham ganhando
forma em diferentes países do mundo – os chamados movimentos da “nova
138
BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, p28. 139
“A 16 de Maio cerca de mil estudantes dirigiram-se às grandes fábricas Renault de Billancourt, que haviam acabado de entrar em greve, e a CGT opôs-se a qualquer contacto dos estudantes com os trabalhadores argumentando que “recusamos qualquer ingerência externa”. A solidariedade era apelidada de “ingerência”. No dia seguinte estudantes da UJCm-l, da UNEF, do Movimento do 22 de Março e da JCR regressaram à Renault-Billancourt, mas mais uma vez a CGT impediu o contacto entre estudantes e grevistas”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, p29.
129
esquerda”/new left140 - contavam em suas bases com uma aproximação de agrupamentos
e militantes de esquerda (de formações e proposições diversas) de experimentações
coletivas fundadas em variados objetos políticos (estudantis, primeiros movimentos
feministas e ecológicos, entre outros). Nas palavras de Tom Bottomore:
“Uma grande riqueza de idéias floresceu nesses movimentos, entre elas duas que
tinham um atrativo mais ou menos universal: ‘democracia participativa’ e crítica
radical do que era chamado ‘o sistema’. Eram idéias estreitamente relacionadas,
uma vez que a democracia participativa significava o pleno e contínuo
envolvimento de todos os indivíduos na tomada de decisões que afetassem suas
vidas, enquanto que o sistema que estava sendo contestado era elitista e excluía
os que lhe estavam subordinados de qualquer papel efetivo no controle ou
determinação de suas políticas. A universalidade destas idéias era ilustrada de
forma impressionante por sua difusão tanto nos países de ‘socialismo real’ quanto
em países capitalistas”141
Na mesma trajetória, segundo Tom Bottomore:
“..houve um renascimento geral do pensamento marxista em filosofia e ciências
sociais, influenciado pelos primeiros escritos de Georg Lukács e Antonio Gramsci,
agora redescobertos e amplamente lidos, pelo novo marxismo ‘estruturalista’ de
Louis Althusser e pelas idéias da Escola de Frankfurt de teoria crítica. Estas últimas
exerceram provavelmente a maior influência através dos escritos de Herbert
Marcuse, nos Estados Unidos, Theodor Adorno, Max Horkheimer e (na segunda
geração) Jürgen Habermas, na Alemanha. Suas obras ventilaram muitos dos mais
agudos problemas enfrentados pelos movimentos radicais nos anos 60: o papel
140
Movimentos que ganharam forma a partir da insurreição na Hungria em 1956; que se fortaleceram no curso da década de 1960 (com os movimentos de oposição à intervenção norte-americana na Guerra do Vietnã, à ocupação militar da Tchecoslováquia pelos países integrantes do Pacto de Varsóvia) e alcançaram seu apogeu no final desta mesma década com os movimentos pelos direitos civis e contra a guerra do Vietnã nos EUA e com as movimentações de 1968 na Europa. 141
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom; GELLNER, E;TOURAINE, A. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996, p. 530
130
político da classe trabalhadora em relação aos novos movimentos sociais que não
tinham por base uma classe; o poder da cultura e da ideologia de massa na
sustentação das estruturas de dominação, e sua conexão com a orientação
científica e tecnológica das sociedades modernas e a necessidade de uma análise
crítica da base do socialismo autoritário-burocrático (...) Seja como for, o
marxismo em suas formas revividas e diversamente reconstruídas foi apenas uma
das influências intelectuais (sobretudo entre os estudantes) da Nova Esquerda, a
par do anarquismo, do socialismo utópico e das novas idéias da ecologia e do
feminismo”142.
Os sinais da presença de um “internacionalismo” latente entre as militâncias de
esquerda brasileira nos últimos anos da década de 1960 e na década de 1970 foram mais
fortes do que se pensa, constando entre eles a disseminação e variação de fundamentos
marxistas, seguidos por um extrapolamento do universo partidário, questões que, a
semelhança de outros países, colocavam em cena novas abordagens acerca do fenômeno
político, dos objetos de política (nas confluências com a cultura, com o meio ambiente...),
das relações entre arte e política, dos sentidos de militância, participação, democracia, ou
ainda, dos “novos sujeitos revolucionários”.
Nos caminhos trilhados por grupos dissidentes do PCB, por grupos trotskistas, por
militantes de origem católica ou luxemburguista que seguiram ou não a luta armada,
encontramos, de fato, afinidades de abordagem mais profundas. Num artigo escrito por
João Quartim de Moraes, podemos ler:
“As importantes mobilizações de massa de 1968, impulsionadas principalmente
pelos estudantes, obedeceram a fatores preponderantemente internos, assim
como as primeiras ações armadas urbanas ocorridas em São Paulo no mesmo
momento (março-abril de 1968). Embora não estejam casualmente concatenadas,
as passeatas estudantis e os grupos guerrilheiros remetem à mesma causa
histórica, o golpe de Estado de 1964 e a ditadura militar. Constituíram, nessa
142
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom; GELLNER, E;TOURAINE, A. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996, p. 530
131
medida, formas distintas de resistência democrática. Nem por isso se pode perder
de vista a dimensão internacional dos acontecimentos de 1968 no Brasil, que é
particularmente evidente nas concepções teóricas sobre a estratégia
revolucionária da guerrilha rural. Na prática, entretanto, a luta armada fixou-se
nos centros urbanos e acabou por ser aniquilada antes de superar seu “impasse
estratégico””143.
Ou ainda:
“Se não houve influência internacional na dinâmica de massas do movimento
estudantil, iniciativas como a homenagem prestada a Che Guevara pelos
organizadores do XX Congresso da UBES mostram quão forte era a sensibilidade
internacionalista dos militantes de vanguarda daquele movimento. Não por acaso,
desta vanguarda sairiam, em boa medida, os membros das organizações
revolucionárias clandestinas que partiriam (algumas já estavam partindo) para o
combate frontal contra a ditadura militar e a dominação de classe por ela
sustentada”144.
Compreender de que forma estas "reinvenções" políticas de enfrentamento da
exploração capitalista se fizeram presentes no Brasil no contexto pós-1968, e entre elas,
quais foram as contribuições trotskistas (em particular, lambertistas) para a circulação de
idéias e de experiências, ou ainda, para a recriação de fóruns de movimento, constituíram
questões centrais de nossa pesquisa, valendo considerar que, deste as origens deste
trabalho, estas questões se colocaram presentes. Na verdade, elas constavam entre as
razões pelas quais os grupos fundadores da tendência Liberdade e Luta buscaram se
integrar num processo de rediscussão do pensamento trotskista e interagir com militantes
franceses na construção de novos caminhos políticos (redundado daí a denominação de
“lambertista” para esta corrente).
143
MORAES, João Quartim de. A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil
em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm 144
MORAES, João Quartim de. A mobilização democrática e o desencadeamento. Op Cit.
132
De forma concomitante, tratava-se de compreender a maneira pela qual estes
grupos se comunicavam, ou ainda, de que forma eles conseguiram avançar em suas
formulações (construídas pela partilha de experiências numa dinâmica interminável de
estudos, de discussões acerca dos significados das ações e de elaboração de ajustes) até a
configuração, propriamente dita, de sua linha política.
A ação política dos militantes trotskistas lambertistas que fundaram e dirigiram a
tendência Liberdade e Luta, na USP entre os anos de 1976 e 1984, nasceu, por si mesma,
com abrangência internacional e somente nestes termos se faria possível resgatar,
compreender e analisar sua história.
4.2 OS “LAMBERTISTAS” DE MAIO DE 1968
Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr
Os chamados “lambertistas”, também conhecidos como “grupo de Lambert”
(qualificação não reivindicada pela corrente) consistem no grupo que fundou na França,
de 1965, a Organization Communiste Internationaliste (OCI) e que contou entre seus
militantes, com Peter Boussel (Lambert), Pierre Broué, Stephen Assim, Gerard Bloch, Jean-
133
Christophe Cambadélis, Jean Lucas Melenchon ou Jean-Jacques Marie, entre outros145. A
organização146, por sua vez, nasceu antes, mais especificamente em 1952 quando um
pequeno grupo rompeu com o Partido Comunista Internacionalista (organização criada
em 1944 como sessão francesa da IV Internacional para unificar os agrupamentos
trotskistas franceses e editora o jornal A Verdade), por recusar-se a aderir às táticas do
“entrismo” trotskista nos partidos stalinistas, proposto pelo Seretariado Unificado (a
instância máxima da IV Internacional).
Excluídos do PCI, este grupo seguiria uma linha política em certos aspectos,
singular, ao privilegiar a militância nos sindicatos e por entendê-los como instâncias
independentes dos partidos, leitura que os levaria a propor estratégias diferenciadas e a
desenvolver uma dinâmica de organização própria. Por esta via, a organização participaria
da criação do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), em 1953147.
Ainda nos anos 1950, esta organização concentrou sua militância, entre outros
setores, na educação, criando em 1958 o Boletim Informations Ouvrières e, em 1961, o
“Comité de Liaison des Étudiants Révolutionnaires/CLER”; entre os anos de 1954 e 1962, a
145
No processo de pesquisa sobre a OCI, nós nos utilizamos do site da World Socialist Web Site – wsws.com, fonte que nos deu acesso aos estudos de Peter Shwarz (1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI; Parte 6; Parte 7 e Parte 8, textos datados de setembro/2008), Jean Hentzgen. Agir au sein de la classe. Les trotskystes français majoritaires de 1952 à 1955. Université de Paris I, Setembro de 2006 e François de Massot. La grève générale (Mai-Juin 1968). L’Harmattan. Também nos utilizamos do jornal O Trabalho (nsº31, 32, 33, 34, 35 e 40, datados de novembro/1979), da obra OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. 146
O grupo expulso era formado por Peter Boussel (Lambert), Marcel Gibelin Marcel Favre-Bleibtreu, Michael Michele Lequenne Mestre. Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Ver: Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8 - A linha centrista da OCI (4). WSWS, 21 de outubro de 2008. 147
Segundo o estudo de Jean Hentzgen, nas palavras de Peter Schwarz: “Em 1952, Michel Pablo expulsou a maioria da seção francesa, o PCI, da Quarta Internacional porque ela se opunha à sua política do “entrismo sui generis”, isto é, a entrada no Partido Comunista Francês com base na dissolução do PCI enquanto organização independente. Em 1953, a maioria do PCI estava entre as organizações fundadoras do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Em 1965 passou a se chamar OCI. O trabalho de Hentzgen deixa claro que havia duas correntes dentro da maioria do PCI que sofrera a expulsão. Uma, liderada por Pierre Lambert, era caracterizada pela perspectiva sindicalista. Concentrou seu trabalho nos sindicatos e, depois, nos círculos da social-democracia. A outra, liderada por Marcel Bleibtreu, enfatizava a disputa com o Partido Comunista. O conflito entre essas duas correntes cresceu em intensidade e amargor. Em março de 1953, Lambert tomou o lugar de Bleibtreu enquanto líder do PCI. Dois anos depois, Bleibtreu e seus camaradas mais próximos foram expulsos do partido, apesar do protesto do Comitê Internacional”. Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Ver: Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8. Op.Cit.
134
organização prestou um apoio ativo à guerra de independência da Argélia (por meio do
NAM, de Messali Hadj), dando origem em 1965 à Organização Comunista Internacionalista
(OCI)148. No curso dos acontecimentos de maio de 1968, por sua vez, a organização se
destacou... em meio aos acontecimentos gerais, ela foi criadora da Fédération des
Étudiants Révolutionnaires (FER) que, em conjunto com o Comité de Liaison des Étudiants
Révolutionnaires/CLER” (ativo desde 1961), engajaram-se na luta por uma aproximação e
articulação entre as movimentações estudantis e operárias149.
Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr
Esta participação da OCI nos acontecimentos de maio de 1968 foi registrada com
detalhes por François de Massot num número especial do jornal da OCI, Information
Ouvrières (um ano depois transformado num livro de 300 páginas)150; e através desta
análise, conseguimos observar alguns detalhes importantes do que viria a ser a corrente
política nos anos 1970.
Antes de mais nada, em meio aos acontecimentos franceses, a organização
defendera nos meses centrais do movimento que cabia aos trabalhadores a condução dos
acontecimentos, posicionando-se contrária às organizações pablistas (grupos trotskistas
148
Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8 - A linha centrista da OCI (4). WSWS, 21 de outubro de 2008. 149
Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI (1). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 150
François de Massot. La grève générale (Mai-Juin 1968). Supplément au numéro 437 d’ “Informations Ouvrières”, 1969, reeditado pela editora L’Harmattan.
135
vinculados ao Seretariado Unificado, entre eles, a JCR de Alain Krivine e o PCI liderado por
Pierre Frank) e aos líderes estudantis considerados pequeno-burgueses (anarquistas,
entre outros) que, acreditava-se, ignoravam a presença das organizações de massa. Para a
OCI, os estudantes deveriam apoiar e entregar a direção do movimento às estruturas
legítimas de luta dos trabalhadores, compondo com eles uma “frente única da classe dos
trabalhadores e suas organizações” e adotado formas políticas criadas por eles, em
particular, o “comitê central de greve” com um chamado universal pela “unidade”151.
Segundo de Massot, já no verão de 1967 um grande encontro da organização
adotara a resolução de que: “Nós declaramos, solenemente, que não é nossa intenção
realizar, no lugar das organizações dos trabalhadores e suas centrais, ações em unidade —
esta tarefa incumbe naturalmente aos sindicatos”; resolução que trazia em seu bojo o
entendimento de que:
“Os trabalhadores se tornam uma classe através das organizações que
desenvolveram na luta contra a exploração, que servem como os meios de uni-los
contra o inimigo de classe. Em função de sua posição objetiva na luta — isto é,
independentemente da política de suas direções num dado momento — estas
organizações incorporam posições da classe trabalhadora em sua luta constante
contra a exploração. A frente única dos trabalhadores pode ser realizada apenas
por meio das organizações de classe do proletariado”152.
Durante a greve geral, o Informations Ouvrières trazia na edição especial de 23 de
maio os seguintes dizeres:
“Como pode o movimento geral dos trabalhadores e da juventude unir-se em uma
única, invencível e vitoriosa força? Existe apenas uma resposta: a organização de
151 Nas palavras deste autor: “A estratégia e tática do proletariado na luta pelo poder (...) consistiram na luta pela frente única da classe trabalhadora e suas organizações, luta que, em maio de 1968, tomou a forma específica da reivindicação por um comitê nacional de greve geral” IN 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5 - A linha centrista da OCI (1) Por Peter Schwarz 16 de outubro de 2008 Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org 152
Ver: 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5 - A linha centrista da OCI (1) Por Peter Schwarz 16 de outubro de 2008 Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org
136
comitês de greve locais em comitês de greve inter-categorias; ao nível
departamental, delegados devem criar comitês de greve inter-categorias
departamentais e regionais. Ao nível nacional, a federação dos comitês de greve e
de organizações dos trabalhadores precisa estabelecer um comitê central de
greve.Todo ativista que integra um comitê de greve, todo trabalhador que faz
parte de um piquete precisa tomar iniciativa de tal maneira. A liderança e as
decisões das amplas massas do movimento da classe precisam ser unificadas nos
comitês de greve inter-categorias, que emergiram dos comitês de greve das
companhias. Os encontros de grevistas dentro das companhias e os encontros de
todos os grevistas numa localização específica precisam constituir o poder de
decisão coletivo.”153.
A Fédération des Etudiants Révolutionnaires (FER), somada aos demais grupos da
OCI, rejeitaram o papel de “vanguarda revolucionária” atribuído aos estudantes (pablistas
e nova esquerda), ao mesmo tempo em que lutaram pela adoção de uma orientação em
pról da classe operária - por meio de uma “frente única” e da criação de um comitê
central de greve – mas sem se confrontar com a política stalinista e social democrata, ou
com as teorias da nova esquerda154.
Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr
153
“Sim, Os Trabalhadores Podem Vencer: Vamos Forjar a Arma da Vitória — O COMITÊ CENTRAL DE GREVE!” Esta declaração, publicada em 23 de maio, foi distribuída amplamente durante a greve geral como uma edição especial do Informations Ouvrières. Ver: 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 6 - A linha centrista da OCI (2) Por Peter Schwarz 17 de outubro de 2008 Publicado originalmente em inglês no WSWS em 5 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org 154
1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 6 - A linha centrista da OCI (2) Por Peter Schwarz 17 de outubro de 2008 Publicado originalmente em inglês no WSWS em 5 de setembro de 2008.
137
Na esfera da organização do movimento estudantil, a FER e a OCI propunham uma
leitura atenta à questão sindical, considerando que os estudantes também integravam o
mundo do trabalho e que suas estruturas organizativas se constituíam, de fato, em
estruturas sindicais. Nas palavras de Massot:
“Para organizar a resistência, os estudantes tinham um sindicato próprio, a União
Nacional dos Estudantes da França (Union National des Étudiants de France)...
Com o início da luta real, a UNEF recuperou sua completa significação, apesar da
hesitação e fraqueza de sua direção. Com uma intervenção responsável no papel
de organização sindical estudantil, a UNEF tornou a luta contra a repressão uma
questão para as massas de estudantes e confrontou as organizações dos
trabalhadores com suas responsabilidades próprias. Foi o meio para a mobilização
dos estudantes e simultaneamente tornou possível uma luta genuína pela frente
única”155.
Com a radicalização dos conflitos - levada por milhares de estudantes e
trabalhadores, entre os quais, mais de uma dezena de agrupamentos “esquerdistas” – um
conjunto de onze organizações é dissolvido por decreto pelo Governo De Gaulle (junho de
1968), constando entre elas as três instâncias lambertistas (OCI, FES e CLER)156. Esta
corrente trotskista, por sua vez, se recompõe como OT no interior da Fédération de
l'Education Nationale (FEN) e depois, na UNEF (União Nacional dos Estudantes da França),
criando em 1969 a tendência EE-FUO (Ecole Émancipée pour le Front Unique Ouvrier), a
155
Na crítica feita por Peter Schwarz à política desta organização, o autor do texto ”1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5”, afirma que, em 1968: “De fato, apenas uma minoria de trabalhadores estava organizada em sindicatos. Na época, menos de 30 por cento da força de trabalho era sindicalizada. (Hoje, o número caiu para 7 por cento.) Dois terços de todos os trabalhadores e a imensa maioria da juventude não estava organizada e tinha uma legítima desconfiança quanto aos sindicatos. A OCI foi incapaz de oferecer uma perspectiva para essas camadas e apenas as dirigia aos sindicatos”. Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI (1). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 156
As organizações seriam: Juventude Comunista Revolucionária/JCR, de Alain Krivine; Voz dos Trabalhadores; Grupos "revoltas"; União de Jovens Comunistas marxista-leninista/UJC; Partido Comunista Internacionalista/PCI; Marxistas-leninistas do Partido Comunista da França PCMLF; Federação Revolucionária da Juventude e Movimento 22 de Março. Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 6 - A linha centrista da OCI (2). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 5 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org.
138
Alliance des Jeunes pour le Socialisme (AJS) e a Aliança dos Estudantes para o Socialismo
(AES). Em 1971, os lambertistas criam a UNEF-Unité syndicale (em contraposição a UNEF
Renovação, sob controle da União dos Estudantes Comunistas/Partido Comunista
Francês157).
No mesmo percurso, o decreto presidencial que extinguira as organizações é
anulado (por decisão do Conselho de Estado Francês, em julho de 1970) , o que permite o
retorno da OCI, nesta ocasião, já em ruptura com o Comitê Internacional da Quarta
Internacional (CIQI). Numa discussão mais ampla, um conjunto de grupos trotskistas
entendiam que desde 1968, a OCI vinha se distanciando de uma perspectiva
revolucionária158, constando entre as críticas aos “lambertistas”: a adoção de uma
estrutura organizativa excessivamente centralizada, que privilegiava a expansão de
quadros e influências em detrimento de atuar à semelhança dos demais partidos e grupos
saídos das movimentações de 1968 (nos movimentos feminista, ambientalista); que seus
militantes recusavam-se a se deixar reconhecer publicamente (pela mídia) para manter
em segredo a identidade da organização, então atuante nos Comités d’alliance ouvrière,
nas suas organizações públicas e num grupo de sindicalistas.
Também para alguns ex-militantes, a OCI havia se transformado numa organização
impermeável, na medida em que adotara instâncias internas hierárquicas, o uso de
pseudônimos e métodos autoritários apoiados no GER (grupos de estudo revolucionário),
pretendendo em nome do centralismo democrático, moldar seus militantes para o
cumprimento de responsabilidades políticas.
Enfim para nos ater aos limites deste trabalho, a OCI viveria em 1980 a fusão com a
Liga Comunista Internacionalista (de Daniel Gluckstein), criaria a UNEF-ID (Indépendante
et Démocratique) e se redefiniria como Organização Comunista Internacionalista
Unificada (OCI-U). Já em 1981, após a exclusão dos apoiadores morenistas, esta
organização adotaria o nome de Partido Comunista Internacionalista (PCI); em 1984,
Pierre Lambert propõe a adoção da chamada “Linha da Democracia”, razão da expulsão
157
Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 7 - A linha centrista da OCI (3). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 6 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 158
Ver: AZAMBUJA, Carlos “AcIT, um instrumento da QI/CIR” IN http://www.midiasemmascara.org, Ano VII, Número 169, 25 de Julho de 2009.
139
de Stéphane Just e de mais cinquenta militantes, da expansão do partido e de sua
transformação em Movimento por um Partido dos Trabalhadores (MPPT)159.
4.3 MARCOS INTERNACIONAIS DE 1968 NO BRASIL
Intervenções artísticas de Antônio Manuel, 1968160.
No Brasil do final dos anos 1960, este trânsito de idéias também se fez presente, e
particularmente no curso dos anos 1970, os ecos de 1968 surtiram efeitos importantes no
espaço das universidades – em particular, na Universidade de São Paulo – por meio de
discussões, experiências, associações, leituras e releituras de Marx, Trotsky, Lenin, Rosa
Luxemburgo, Mao, Lukács, Marcuse, Gramsci, Brecht, Adorno, alargando-se pouco a
pouco os significados e possibilidades de articulação dos conceitos de liberdade, política,
autonomia, arte, cultura, democracia, revolução. E, instigados pelas experiências coletivas
internacionais, começou a se desenhar um outro repertório político entre as organizações
marxistas em reconstrução, devendo-se considerar que os agrupamentos trotskistas, de
159
AZAMBUJA, Carlos “AcIT, um instrumento da QI/CIR” IN http://www.midiasemmascara.org, Ano VII, Número 169, 25 de Julho de 2009 160
FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR.
140
maneira especial, movimentaram-se neste cenário numa outra condição, afinal, desde a
origem, suas organizações haviam se definido, se estabelecido e retirado seus objetos e
formas de ação da perspectiva então definida como “internacionalista”.
Compreender um pouco mais deste trânsito - de referências, discussões,
experiências, associações, leituras e releituras – no cenário juvenil, ou ainda, trotskista,
entre os últimos anos da década de 1960 e a década de 1970 -, implicou em nos colocar
frente a frente com jovens militantes de diversos países que, munidos de questões e
motivações datadas, mergulharam na releitura de clássicos trotskistas, entre outras fontes
da literatura marxista (das primeiras décadas do século XX), para recriar formulações e
elaborar (na segunda metade do século XX) alternativas de ação política.
Os "grupúsculos trotskistas", conforme se referiu Olgária Matos em As Barricadas
do Desejo, nasceram do encontro e relações que um conjunto variado de militantes
trotskistas passou a estabelecer com estudantes nas/durante as mobilizações; mas antes
mesmo das passeatas, greves e movimentos de maio de 1968, os questionamentos sobre
poder, ordem instituída, entre outros, aproximaram as pessoas, potencializaram os
debates e fizeram circular novos referenciais, redundando daí o amadurecimento de
análises e posicionamentos políticos comuns. E se para Olgária Mattos, a participação de
“grupúsculos trotskistas" nos acontecimentos do maio francês não ocupou uma maior
relevância, para nosso trabalho interessava averiguar mais de perto este trânsito de idéias
e experiências, já que do mesmo diálogo fortaleceram-se certos fundamentos de luta
política que permitiram às organizações trotskistas brasileiras exercer um papel
importante na recomposição de perspectivas dos movimentos sociais brasileiros da
década de 1970.
De fato, uma grande quantidade de estudos sobre os acontecimentos de 1968 no
Brasil nos traz notícias de um momento muito particular e especial de atuação política dos
estudantes brasileiros; um período no qual um amplo conjunto de lutas travadas pelo
segmento estudantil consegue escapar aos limites impostos pela ditadura militar e
assumir um papel relevante no interior da sociedade civil, atuando como um elemento
polarizador dos processos de contestação e resistência à consolidação deste regime
141
autoritário.
Os estudos, nas suas variações, trazem também referências mais precisas sobre as
formas de luta assumidas, sobre os principais embates vividos na época, ou ainda, sobre
os projetos internos levados por organizações clandestinas, destacando-se que suas
divergências desempenharam um papel problemático no curso dos acontecimentos.
De uma forma geral, conseguimos então identificar, nos diferentes estudos
centrados no contexto de 1968, que a presença das militâncias políticas no interior das
entidades e agremiações estudantis interferiu diretamente sobre as características que
este movimento assumiu – e em especial, no tocante aos seus objetos de luta política ,
observando-se que, na medida em que os seus objetos transcenderam ao universo
acadêmico (de onde emanava a fala estudantil), o sentido do movimento se fez alterado e
reescrito (Aarão, Ridenti, Groppo, Martins Filho), originando-se destas leituras e projetos
políticos organizados, a construção de uma outra possibilidade de intervenção social. Uma
nova possibilidade de intervenção política que permitiria, inclusive, que os limites
socialmente estabelecidos para a categoria estudantil (em meio a uma dinâmica de
sociedade de classes), fossem superados (Foracchi, Martins Filho, Cavalari).
No entanto, o que aconteceria com o movimento estudantil na proporção em que
suas novas leituras e projetos revolucionários de intervenção social começassem a
enfrentar limitações e constrangimentos do Estado Militar e da sociedade civil, em suas
facetas mais conservadoras? Os estudos centrados no movimento estudantil do período
1964/1968 buscam compreender estas relações, identificando no interior das próprias
leituras, a presença de uma certa incapacidade de perceber e enfrentar a complexidade
da dinâmica social que, pouco a pouco, escapa ao seu entendimento e controle,
originando-se do desencontro entre os projetos revolucionários e a realidade social, os
limites de uma interferência, enquanto movimento, na construção do presente.
As práticas vanguardistas, por tudo isso, têm merecido uma grande atenção nos
estudos sobre 1968, uma vez que suas leituras, opções e, inclusive, limitações de ação,
cumprem com um papel central no interior e na articulação do movimento e nos ajudam a
entender porque os acontecimentos que se seguem ao “desbaratamento” do XXX
142
Congresso da UNE, em outubro de 1968 em Ibiúna, fragilizam tão estruturalmente o
movimento estudantil, em especial, ao se prender e “fichar” suas lideranças, atingindo-se
com isso a sobrevivência das experiências políticas presentes no interior das entidades e
agremiações.
Manifestações na Candelária, Rio de Janeiro, 1968
Por outro lado, estudos mais recentes sobre 1968 começam a nos trazer certos
dados que, de maneira especial, abrem caminho para outros percursos teóricos, e em
especial, na medida em que apontam para a emergência de questões que, no curso dos
anos seguintes, informariam toda uma outra trajetória de recomposições político-
143
culturais, e que, neste caso, nos ajudam a pensar e a estabelecer conexões entre
contextos e trajetórias contemporâneas.
Os novos dados emergem da constatação de que, no contexto de 1968, já se
achavam presente nos meandros do movimento, um leque de questões e motivações –
como sexo, prazer, rock, drogas – que, apesar de se dar fora dos limites do movimento
organizado, começava a firmar uma outra agenda juvenil no território estudantil,
interferindo na construção de caminhos que, naquele momento, redundariam num
conflito com as proposições organizadas. Em seu estudo Uma Onda Mundial de Revoltas.
Movimentos estudantis nos anos 1960, Groppo afirma:
“Os jovens estudantes de 1968, mesmo aqueles que militavam nas novas
esquerdas, viveram a rebeldia não apenas no campo da política, mas também no
comportamento. Na sua memória, lado a lado se acomodavam a Passeata dos 100
mil, a busca do contato com o mundo operário e a liberdade sexual. Na vivência da
juventude, uma geração da classe média descobria e inventava uma militância
política diferente, ao mesmo tempo que descobria o mundo da sexualidade, que
esboçava criar um reino da liberdade no campo dos relacionamentos afetivos e
que ultrapassava limites ao experimentar drogas proibidas”161
As movimentações estudantis de 1968, conforme sugere Groppo, apresentavam
divergências de entendimento político que não se limitava à esfera organizada; de forma
concomitante, parte das lideranças organizadas passava a abraçar a luta armada como
perspectiva, num cenário cada vez mais repressivo, desencadeando-se uma série de
acontecimentos que acabariam por comprometer de maneira mais profunda, as bases de
exercício político deste movimento. Desde a instauração do golpe militar, em 1964, todo
um conjunto de experiências e soluções construídas, entre outros aspectos, nas fronteiras
entre cultura e política, vinha sofrendo cerceamentos e interrupções, ao mesmo tempo
em que uma outra lógica, ainda sem significação, entrava em cena.
161 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, 2001. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2001, p373
144
Também em O Fantasma da Revolução Brasileira, Marcelo Ridenti162 já chamara
atenção para a presença, entre 1967 e 1968, de uma série de inovações políticas trazidas
pelas dissidências do PCB que ao resgatar as "lutas específicas" como eixo maior da luta
contra a ditadura, haviam conseguido estabelecer uma maior sintonia com as bases do
movimento. Tema que mereceria, de Groppo a coleta de importantes depoimentos de
lideranças das dissidências da Guanabara (DG) e de São Paulo (DSP) que afirmavam ter
participado, em meio ao movimento, de um verdadeiro fenômeno de contestação e
transformação de valores, de grande relevância. Em suas palavras:
“..Refletindo sobre como seu grupo ascendeu no interior da PUC de São Paulo,
Dirceu cita que foi muito importante a atuação original na ‘cultura’ antes da
política, assim como a contestação de regras tradicionais no ensino antes da
discussão de temas políticos globais: ‘Nossa primeira iniciativa foi juntar homens e
mulheres nas salas de aula; pedimos, brigamos, exigimos e acabamos
conquistando esse direito elementar, tão importante quando se tem vinte anos.
Depois, derrubamos essa história de precisar nos levantar quando o professor
entrava na sala. Eram pequenos passos, mas bastante significativos como
manifestações libertárias’”163.
Ou ainda,
“Nas lembranças de Dirceu, as faculdades ocupadas transformavam-se em
verdadeiras ‘repúblicas livres, onde se fazia política, arte, cultura – e até se
estudava (..) Lá comíamos, bebíamos, fazíamos reuniões, eventos, conferências; lá
dormíamos e namorávamos. Milhares de estudantes circulavam pelos pátios e
corredores, era uma verdadeira feira, em ebulição permanente. Festivais, aulas
paralelas, seminários, exposições, cineclubes... Imagine o que era uma
universidade ocupada em 68. Parecia que estávamos diante do embrião de uma
162 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op. Cit 163 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Op.Cit, pp 375-376.
145
sociedade diferente, inaugurando novas formas de relacionamento e de
cooperação entre pessoas. Aquilo era uma festa”164.
A estes estudos, somaram-se outros; alguns produzidos ainda na década de
1980165, outros no curso dos anos 1990166, crescendo ainda mais o volume de trabalhos a
partir de 2001167.
164
GROPPO, Luís Antonio.Op.Cit, p371. 165
Entre eles os trabalhos de: REIS FILHO, Daniel A ; MORAES, Pedro. 1968: A Paixão de uma Utopia. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1988; LOSCHIAVO DOS SANTOS, Maria Cecília (org). Maria Antônia: Uma rua na contramão. São Paulo, Nobel, 1988; VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. 166
Constam entre eles os estudos de: FERNANDES, Ana Lucia Cunha. A representação e a participação estudantil na Faculdade Nacional de Filosofia na década de sessenta, 1996. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996; MARTINS Fº, João Roberto. A Rebelião Estudantil: 1968 - México, França e Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996; DIRCEU, José; PALMEIRA, Vladimir. Abaixo a ditadura: o movimento de 68 contado por seus líderes. Entrevistas, edição e cartuns: Solange Bastos, Paulo Becker, Ari Roitman e Henfil. 2. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond, 1998; FREDERICO, C. "A política cultural dos comunistas". In: QUARTIM DE MORAES, J. (org.). História do marxismo no Brasil, III. Teorias. Interpretações. Campinas, Ed. da Unicamp, 1998, p.275-304; HAGEMEYER, Rafael Rosa. Movimento Estudantil 68: Imagens da Paixão, 1998. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Paraná, 1998; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “1968, Memórias, esquinas e canções” IN Acervo. Revista do Arquivo Nacional. RJ: Ministério da Justiça/Arquivo Nacional, 1998, vol 2 nº1/2; CARDOSO, Irede. 68. A comemoração impossível. Dossiê maio de 68. Tempo Social; Rev Sociol. USP, S Paulo, 10(2): 1-12, outubro de 1998; BENEVIDES, S.C.S. Proibido proibir - uma geração na contramão do poder, 1999. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Sociologia, Universidade Federal da Bahia, 1999; VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: O diálogo é a violência; Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil. Campinas, Editora da Unicamp, 1999; CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?” IN Garcia, Marco Aurélio e Vieira, Maria Alice (orgs). Rebeldes e Contestadores. 1968 Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999. 167
BRITO, A.M.F. Capítulos de uma história do movimento estudantil na UFBA (1964-1969), 2003.
Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; SILVA, Sandra Regina Barbosa da. "Ousar lutar, ousar vencer": histórias da luta armada. Salvador (1969-1971), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; ALVES, Bruna Neves. O Visível e o Invisível do Movimento Estudantil Universitário de Porto Alegre nas Representações da Imprensa (1964-1968), 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, PUC-RS, 2004; MARTINS, Luciano. A "geração AI-5" e maio de 68. Rio de Janeiro: Livraria Argumento, 2004; CARDOSO, Irene. Para uma crítica do presente. São Paulo: Editora 34, 2004; MARÇAL, Fabio. "64, 66, 68, um mau tempo talvez..." Um estudo sobre o movimento estudantil no "Julinho" atuante na construção de "1968", 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, PUCRS, 2004; HILL, Telenia. “A título de memória: uma reflexão sobre o Maio 68 e seus efeitos de ‘brecha’ e ‘subsolo’”. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005; FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR; CAVALCANTI, Jardel Dias. Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política (Brasil anos 60 e 70), 2005. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005; VICENTE, Keides Batista. Retratos de Goiás: memórias de ex-militantes estudantis goianos sobre a década de 1960, 2006. Dissertação (Mestre) em História – Faculdade de História, Universidade Federal de Uberlândia, 2006; VICENTE. Keides Batista. "Heróis da resistência? O uso das imagens física e simbólica de Edson Luís e Ornalino Cândido pelos estudantes da
146
Os acontecimentos estudantis de 1968 no Brasil sugerem a presença de um
repertório, no mínimo, mais amplo e diversificado de questionamentos e valores do que
poderíamos, a princípio, supor; repertório, talvez, que, possa ter interferido no
"desencontro" dramático que viveram alguns projetos revolucionários, expostos ao limite
de suas opções e práticas vanguardistas. Por outro lado, é possível considerar que a
participação, integração e crescimento das organizações clandestinas trotskistas junto às
mobilizações coletivas internacionais possibilitou um enriquecimento de seus
questionamentos acerca do poder e da ordem instituída, ao mesmo tempo em que estas
relações fortaleceram certos fundamentos de luta política de matriz trotskista,
desdobrando-se daí uma outra/nova vitalidade de intervenção política. Este trânsito de
idéias e experiências possibilitou às organizações trotskistas exercer um papel importante
na recomposição de perspectivas dos movimentos sociais brasileiros da década de 1970.
De qualquer forma, a temática continua a pedir estudos e em nosso entender,
cabe-nos investigar de maneira mais profunda a variação de posicionamentos que novas e
velhas organizações apresentaram neste contexto, considerando-as como testemunhas,
em si mesmas, de um trânsito importante de idéias.
década de 1960". Revista Mirante, s/d. mirante.110mb.com/4ed/17508.pdf; SANCHEZ, Ricardo Corrêa. “1968: o inverno porto-alegrense influenciado pela primavera parisiense”. Monographia. Porto Alegre, n. 2, 2006, pp 138-146; BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O marxismo e a questão cultural (Publicado originalmente em 1968 como prefácio à obra Literatura e Revolução, de Leon TROTSKY; reeditado em 2007 por Zahar Editores); PALMEIRA, Vladimir. “1968 o protagonismo do Movimento Estudantil no Brasil”. Revista em Pauta. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Número 21, 2008, pp 101-115; MAESTRI, Mário. “O sentido histórico de 1968”. Revista Espaço Acadêmico, nº 85, junho de 2008; COTTA, Pery. “Quarenta anos da Passeata dos Cem Mil e da edição histórica do Correio da Manhã”. Rio de Janeiro: Comum, vol 13, nº30, pp 66-104, janeiro/junho 2008; FREDRIGO, Fabiana de Souza; OLIVEIRA, Laura. “História e Memória em torno de 1968: do poder sem imaginação à imaginaçao no poder”. História Revista, Goiânia, v.13, n1, pp 121-138, jan/jun 2008; COELHO, Cláudio Novaes Pinto. “Em busca do sentido de 68: entre a poesia do Futuro e o simulacro da Política”. Estudos de Sociologia, Araraquara, v.14, n.26, p.65-78, 2009; SCHMIDT, Benito Bisso. “Flávio Koutzii: um olhar sobre as sensibilidades da geração 68 em Porto Alegre”. Fenix. Revista de História e Estudos Sociais. janeiro/fevereiro/março 2009. vol 6, ano VI, nº1; GARCIA, Priscila F.C. “As mulheres no movimento estudantil dos anos 1960”. Londrina: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. UEL, 2010.
147
Mário Pedrosa e a Revista Socialismo ou Barbárie
De fato, as idéias e proposições trotskistas começaram a se desenvolver no Brasil
na ocasião em que Trotsky radicalizava suas posições frente aos caminhos assumidos pela
revolução russa, ainda na segunda metade da década de 1920. Entre 1923 e 1926, ao
enveredar e radicalizar para as críticas que o levariam a propôr a formação da Oposição de
Esquerda (1923/1926), depois a Oposição Unificada (1927/1929) e por fim, a Oposição
Internacional de Esquerda (1930/1938), parte destas formulações seriam trazidas para o
seio do Partido Comunista do Brasil pelo militante Mário Pedrosa (então, designado a
realizar um curso de formação política na URSS), que retornaria de viagem sensibilizado
pelas mesmas críticas e lutas travadas no interior do Partido Comunista Russo. O Partido
Comunista do Brasil já vinha experimentando problemas internos decorrentes de críticas
às políticas implementadas e às formas de organização desenvolvidas168 quando se
formou o “Grupo Comunista Lenin” (GCL) como uma “fração do PCB”, em 1930169.
168 No entender de CASTILHO: “As divergências locais que impulsionaram o processo de aglutinação inicial dos futuros trotskistas no Brasil giram em torno da estratégia de uma política de alianças, da relação problemática do Partido com os sindicatos e da construção partidária nos moldes do centralismo democrático”. MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993, p93. 169
Segundo CASTILHO, esta fração revelou discussões: “...em boa medida, independente das discussões travadas em outros Países. O GCL sobreviveu por pouco tempo, cerca de oito ou dez meses, lançando neste período o jornal Luta de Classes, lançado em 8 de maio de 1930 e já marcado por uma “ótica diferenciada dos oposicionistas”, sendo que, desde o início, “os limites do relacionamento político entre os dois grupos ficariam selados desde o princípio” MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993, pp 133-134
148
Os alertas da Oposição de Esquerda aos perigos da burocratização e afastamento
dos princípios revolucionários internacionalistas170 motivaram a sua transformação na
Liga Comunista do Brasil (1931) que neste mesmo ano se filiou oficialmente à nova
organização Oposição Internacional de Esquerda171. A Liga surgiu das “bases teóricas
acumuladas pelo GCL” e de “um aprofundamento da análise sobre os rumos que o país
tomava após a chamada ‘revolução de 1930’”, e cumpriu papel específico ao se lançar na
convocação de uma Assembléia Constituinte. Entre os anos de 1931 e 1932, a repressão
“atingiu 41 de seus militantes e acabou por limitar suas atividades e seu crescimento”,
permanecendo restrita aos espaços onde exercia uma “real influência [como] nos
sindicatos dos gráficos do Rio de Janeiro e São Paulo e dos comerciários em São Paulo”172.
Por outro lado, em função dos acontecimentos internacionais de 1933 – em particular, a
ascensão de Hitler ao poder e a decisão de Trotsky e os militantes da Oposição
Internacional de Esquerda de decretar a falência da Internacional Comunista e proclamar
a criação de novos partidos comunistas e de uma nova Internacional, a IVº - a Liga
Comunista ganharia a forma de partido, a Liga Comunista Internacionalista (LCI). Entre
1933 e 1934, a LCI promoveu ações efetivas para agrupar entidades sindicais através da
Frente Única Antifascista (FUA), criada em junho de 1933 - atividades que possibilitaram
”uma ampliação da influência das idéias trotskistas no Brasil”173. Mas, já em 1935, a
repressão se abateu sobre estas atividades e organizações, em nome de reprimir a
chamada Intentona Comunista, decretando-se o estado de guerra. A Liga Comunista
170
Segundo CASTILHO: “Nascida no interior das lutas pelo poder político no Partido Russo, a Oposição de Esquerda se coloca como autêntica e única defensora da tese internacionalista do marxismo revolucionário. Afirmar e tornar perene a estratégia de fazer da luta dos trabalhadores um movimento mundial é parte constitutiva da oposição a Stalin” IN MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Op. Cit., pp 32-33. 171
A Liga surgia das “bases teóricas acumuladas pelo GCL” e de “um aprofundamento da análise sobre os rumos que o país tomava após a chamada ‘revolução de 1930’” lançando-se uma luta pela convocação de uma Assembléia Constituinte. 172
MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p124. 173
MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p125. Ver também: CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934). Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 354-388 http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a15.pdf.
149
Internacionalista seria duramente atacada e suas “atividades ficaram praticamente
limitadas a difundir suas publicações e atuar em alguns sindicatos”174.
No curso de 1936, os trotskistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, encontrando
grandes dificuldades de comunicação e militância conjunta, passaram a desenvolver
trabalhos isolados, situação que levou trotskistas descontentes do Rio de Janeiro (auto-
intitulados no final de 1936 como Grupo Bolchevique-Leninista) a formar com ex-
militantes sindicais do PCB, um novo partido: o Partido Operário Leninista (POL), em
janeiro de 1937. Nas vésperas do Estado Novo, portanto, a LCI e o POL passaram a
desenvolver análises e atividades em certos aspectos, diferentes, até a constituição em
1939, do Partido Socialista Revolucionário, composto de militantes do Rio e de São Paulo.
Começava, então, a segunda geração de trotskistas que, em meio às mudanças, guardava
certa continuidade com o grupo original em função da permanência de alguns quadros.
De qualquer maneira, premido pela situação da II Guerra Mundial (que afetou
diretamente a organização trotskista internacional) e pela repressão desencadeada pelo
Estado Novo, o PSR lutou contra o isolamento e “deixou poucos traços de sua atuação
durante este período: somente alguns panfletos esparsos e a substituição de A Luta de
Classe por Luta Proletária como seu órgão central”175. Os contatos com o movimento
internacional também ficaram interrompidos até 1943, quando o PSR retomou uma
relação com a IV Internacional através da organização trotskista norte-americana Socialist
Workers Party (SWP). O PSR, enfim, sobreviveu até a virada dos anos 1951/1952,
desconhecendo-se com precisão as razões da sua dissolução. Provavelmente, as
resoluções do III Congresso da IV Internacional, realizado em 1951, que decidira “fazer
‘entrismo’ dos partidos trotskistas em partidos socialistas e comunistas” estejam nas
origens deste desfecho.
No âmbito do pensamento trotskista, o período do pós-guerra contou também
com a criação, por Mário Pedrosa, do jornal semanal Vanguarda Socialista. Lançado no Rio
de Janeiro em 1945, este periódico sem vinculações partidárias conseguiu se manter até
174
COGGIOLA, Osvaldo. O Trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94, 1984, p128. 175 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op. Cit., p134.
150
1948, contando em seus quadros com militantes trotskistas, dissidentes e intelectuais
socialistas engajados num trabalho de crítica e construção do movimento revolucionário
em oposição às diretrizes stalinistas. As contribuições de Mário Pedrosa, em particular,
foram preciosas ao atuar, entre as décadas de 1930 e 1950, na defesa “da arte proletária e
depois do abstracionismo e da arte de tendência construtiva” motivado “pela mesma
compreensão da natureza e finalidade última da arte”176. Segundo Marcelo Mari, Mário
Pedrosa “esboçou” nos anos 1930 ”os princípios de uma estética marxista” através da
qual “tentou vincular a natureza, a origem e o desenvolvimento da arte com o estágio
técnico alcançado pela sociedade e com a luta de classes”. A partir de 1942, sua ênfase
passou a se dar “na especificidade e nas leis próprias do campo artístico”, numa
perspectiva de ajuste e de articulação “de outro modo” das questões “arte e política, a fim
de que os augúrios do campo artístico se concretizassem”, mas trazendo “sempre em
mente o processo final de síntese entre arte e revolução social”. Segundo Marcelo Mari:
“Enfatizando a especificidade do campo artístico, Pedrosa recuperava o sentido
social da arte e tentava construir barricadas contra a instrumentalização política
da arte no Brasil e no mundo (..) para o crítico a própria natureza e a finalidade
última da arte coincidiam com os anseios depositados na revolução social e, por
conseguinte, com a realização plena do homem. Portanto, arte e transformação
profunda do mundo caminhavam juntas” 177.
Os posicionamentos de Mário Pedrosa e do Vanguarda Socialista se afinavam, de
fato, com o Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, redigido por Leon
176
MARI, Marcelo. Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950), 2006. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2006, p8. 177
Segundo o autor: Mário Pedrosa foi um “Ativista político e grande conhecedor das artes (...) [que] contribuiu de modo decisivo na formação e no desenvolvimento do meio político e artístico brasileiro do século XX (...) Pedrosa tratou sempre de analisar o plano local e o plano internacional e de propor intervenções capazes de promover a transformação concreta da sociedade. Essa empreitada assumida pelo intelectual brasileiro pode ser averiguada por suas atividades proeminentes na política e nas artes, bem como por sua copiosa produção ensaísta entre as décadas de 1930 a 1950”. MARI, Marcelo. Op. Cit., pp 4-11.
151
Trotsky e André Breton (artista destacado do movimento surrealista)178 na cidade do
México em 1938. Mas, mais do que isso, eles davam continuidade a todo um legado de
formulações que o próprio marxismo estabelecera sobre o universo da cultura e que,
definitivamente, passava ao largo das proposições e diretrizes stalinistas.
O manifesto de Trotsky e de Breton (1938) à semelhança de colocações que
Trotsky fizera em Literatura e Revolução (1922)179 - contra a “compreensão da arte
dirigida, instrumento de propaganda política” - embasava-se em formulações de Marx e
Engels, ou ainda, se assemelhava às falas de Lenin, Franz Mehring e Rosa Luxemburgo180.
Esta postura de recusa da arte dirigida pelo partido e pela revolução181, no interior da
178
Sobre as relações entre surrealismo e o trotskismo, Luiz Pilla Vares afirma em “O Surrealismo e a Esquerda” que: “Em sua turbulenta história, o surrealismo não foi apenas um movimento estético. Foi também visceralmente político. E assumidamente de esquerda, seja ao lado dos trotskistas, com André Breton, o principal nome do movimento, e o grande poeta Benjamin Péret, também militante revolucionário, seja ao lado dos anarquistas, com a colaboração de vários de seus integrantes com a Federação Comunista Libertária. Breton assinou juntamente com Trotsky o famoso Manifesto Por Uma Arte Revolucionária Independente (...) Benjamin Péret também simboliza a unidade do surrealismo com as posições de esquerda e participa ativamente, ao lado de Breton, na tentativa de construção da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente), com o apoio entusiasmado de Trotsky. Junto com Grandizu Munis, esteve sempre muito ligado politicamente a Natália Sedova, a companheira de Trotsky (...) Breton passou sua vida de poeta tentando unir Karl Marx e Rimbaud: “A ambição de transformar o mundo e a de mudar a vida, o surrealismo as une tornando-as um só imperativo indivisível...a luta ideológica entre o stalinismo e sua corja, de uma parte, e o anti-stalinismo revolucionário de outra parte, é baseada na concepção geral da vida material e espiritual da humanidade”. VARES, Luiz Pilla. “O Surrealismo e a Esquerda”. 30/01/2008 | 15:25. 179
Em Literatura e Revolução Leon Trotsky procurara refletir sobre a “atitude que o Partido Comunista deveria adotar e a questão da cultura proletária” e para tanto, no verão de 1922, ele mergulhara na análise das “principais tendências artísticas e literárias da Rússia pós-revolucionária, [e em] seus principais intérpretes, com Biely, Blok, Essenin, Maiakovsky e outros” para afirmar que não cabia ao Partido Comunista “interferir nas controvérsias e nas disputas entre as diversas escolas” e sim “salvaguardar os interesses históricos do proletariado, no seu conjunto”, garantindo o espaço da arte como um terreno onde o Partido não poderia mandar, ainda que não lhe coubesse “entregar-se ao principio liberal do laissez-passer”; tratava-se de saber, nas palavras de Trotsky: “quando deve intervir, em que medida e em que caso”. Luiz Alberto Moniz Bandeira. O marxismo e a questão cultural. Publicado originalmente em 1968 como prefácio à obra Literatura e Revolução, de Leon TROTSKY; reeditada em 2007 por Zahar Editores (4ª.ed.). Espaço Acadêmico, edição on line 180
Rosa Luxemburgo afirmara que “a classe operária só poderá criar uma arte e uma ciência própria depois de libertar-se completamente de sua atual situação de classe". Por outro lado, criando uma arte e uma ciência próprias - após libertar-se de sua atual situação de classe - estas já não seriam proletárias, mas socialistas. BANDEIRA, Moniz. Op.Cit, p20 181
De qualquer forma, vale considerar, a revolução da arte – no entendimento de Trotsky e Breton – ainda se mantinha associada à revolução proletária (a arte só poderia ser constituir proletária mediante a revolução), o que implicava, em última instância, que ela deveria estar de acordo com a interpretação hegemônica da mesma revolução.
152
revolução russa, por sua vez, se vira confrontada, após a morte de Lenin (1924) com o
“estrangulamento de toda a atividade criadora, existente nos primeiros anos da
revolução” e pela adoção do “método do realismo socialista” por Stalin que, ao contrário,
passava a convocar os artistas a construir a “alma humana”, a “educar o povo e a
juventude” ou ainda, a “armá-lo ideologicamente”.
Ora, como diria Trotsky em conjunto com Breton no Manifesto Por uma Arte
Revolucionária Independente (1938)
“A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos,
mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da
humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma
reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para
libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a
humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao
mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma
nova cultura (...) A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem
exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar
seu verdadeiro papel mercenário (...) A oposição artística é hoje uma das forças
que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que
Cartaz do Realism Socialista, década de 1930; Lenin on the tribune – Alexander Mikhailovich Gerasimov; Los vencedores - K. Antonovo, década de 1940
153
destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo
melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana (...) toda
licença em arte (..) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para
reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos
métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da
revolução”182
O trabalho de Mário Pedrosa, segundo Marcelo Mari, procuraria recuperar “o
sentido social da arte” na mesma proporção em que tentaria “ construir barricadas contra
a instrumentalização política da arte no Brasil e no mundo”, residindo aqui uma
contribuição como militante e como crítico de arte inestimável183 que se faria
definitivamente integrada aos caminhos trotskistas no Brasil.
Mas, de volta à esfera propriamente organizada, o III Congresso da IV Internacional
(1951) traria novas orientações às ações trotskistas ao criar o Bureau Latino-Americano
(BLA), sediado em Montevidéu e sob encargo do argentino J.Posadas, que no mesmo
período enviou “um representante ao Brasil para impulsionar a criação de um novo
partido. A partir de alguns contatos, o delegado do BLA conseguiu agrupar alguns
militantes que vinham do PSR e do Partido socialista Brasileiro (...) Mesmo sem realizar
um congresso de fundação, este grupo constituiu o Partido Operário Revolucionário
(POR) em 1952, cujo órgão oficial era o jornal Frente Operária, publicado pela primeira vez
em 15 de novembro de 1952. Ambos existiram até 1990”.184 Este novo partido, criado sob
influência do BLA daria início à terceira geração do trotskismo brasileiro, sendo que, no
entender de Castilho e Karepovs, “diferentemente da segunda geração, esta não
apresentava nenhum fio de continuidade com os anteriores”185.
182
BRETON, André; TROTSKY, Leon. Por uma Arte Revolucionaria Independente. Cidade do México, 25 de julho de 1938. 183
MARI, Marcelo. Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950) 2006. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2006, p11 184 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p138. 185 Uma nova divergência nasceu dos desentendimentos do dirigente do Bureau latino Americano, J. Posadas, com o Secretariado Internacional da IV, a partir de 1959, divergências que, centradas no papel e
154
As atividades do POR se estenderam por um maior número de estados na década
de 1950186, começando por São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, para abarcar na década de
1960 atividades em Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Sul, além de ampliar a
influência trotskista entre as categorias sindicais187. No aspecto das orientações políticas,
este partido nascido à luz das definições do III Congresso da IV Internacional se manteria
caráter da “revolução colonial” levou a Conferência Latino Americana de 1961 a convocar uma Conferência Extraordinária da IV Internacional, em 1962, na qual se constituiu uma nova cisão internacional, chamada de “posadista”. Esta cisão, pautada pelo fortalecimento do centralismo e pelo que Castilho e Karepovs chamaram de “culto da personalidade” de J. Posadas, trouxe repercussões para as militâncias brasileiras. Os reflexos desta nova política levou o POR a levantar a palavra de ordem de convocação de uma Assembléia nacional Constituinte, entendendo os trotskistas, segundo Castilho: “que o Brasil vivia uma situação pré-revolucionária e que, a partir de junho de 1963, estariam maduras as condições para a derrubada do capitalismo e a conquista do poder pelos operários. MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op.Cit., p138. 186
Para um aprofundamento da questão, ver: LEAL, Murilo. À Esquerda da Esquerda - Partido Operário Revolucionário (POR), entre 1952 e 1966. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004 187 Segundo CASTILHO: “junto dos empregados em hotéis e similares, ferroviários da Companhia Mogiana, da Companhia Paulista e do Paraná, funcionários da Companhia Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo, garçons de São Paulo, marceneiros de Campinas, metalúrgicos de São Paulo, trabalhadores em bondes urbanos no Rio de Janeiro, trabalhadores da construção civil em Campinas, trabalhadores em frigoríficos em São Paulo. No Rio Grande do Sul, onde teve 15 a 30 militantes, o POR organizou-se a partir de 1962 e atuou no movimento estudantil, expandindo-se em direção ao meio sindical (...) No Rio de Janeiro, o POR durante os anos 60, teve atuação no movimento estudantil em Niterói e São Gonçalo, entre os camponeses, entre os trabalhadores da Companhia Brasileira da Energia Elétrica, dos estaleiros, da Ferrovia Leopoldina, da Vidrobrás”. IN MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op. Cit., pp 139-140.
Desenho futurista de Trotsky, retratado por Annenkov; Detalhe do mural Sonho de uma tarde de domingo no parque de Alameda, Diego Rivera, 1948; Posters da guerra civil/Rússia, de 1919.
155
sob influência de Posadas (presente no controle do Bureau Latino Americano)188, ao
mesmo tempo que afastado das discussões e críticas que, a partir da Revolução Cubana
(1959), passavam a ser feitas às orientações pablista (à frente do Secretariado
Internacional)189. Neste caso, entre os anos 1955 e 1963, o POR se manteria centrado na
188
MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op.Cit, pp 144-145. Segundo os autores: Acreditando
na possibilidade de que setores inteiros da ‘facção radical’ avançariam para o ‘marxismo revolucionário’, o POR propôs a representantes de tais setores a convocação de uma ‘Congresso de operários, camponeses e soldados’, como funcionamento paralelo ao Parlamento, para centralizar todas as mobilizações de massa referentes à questão da terra (...) “Como se analisou posteriormente, todo esse tortuoso caminho encobriria concepções esquemáticas e etapistas impostas por J. Posadas, que entendia o nacionalismo como uma etapa importante no processo revolucionário latino-americano”. 189
No percurso de revisões de formulações, estratégias e táticas trotskistas vivido pelos grupos agregados
pelo Secretariado Internacional, e depois, pelo Secretariado Unificado (1963), a Revolução Cubana (1959) ocupou um papel importantíssimo ao estabelecer um outro parâmetro para os debates: o de uma nova perspectiva revolucionária na América Latina, questão, no entanto, que provocou revisões e realinhamentos entre os pablistas. O Secretariado Unificado (SU) reconheceu na Cuba revolucionária, um Estado Operário e por longo período tentou coordenar movimentos guerrilheiros na América Latina, contando com Moreno à frente. Já o Secretariado Internacional experimentou a formação de três alas políticas internas: 1) uma delas que força o ‘ingresso estratégico’ dos trotskistas em partidos de massa, o que motivaria os posadistas a construir uma nova internacional com o PC Chinês, 2) uma segunda que compreende estar na luta contra o colonialismo o centro de combate contra o capitalismo, posição que motiva Pablo romper com o Secretariado Internacional, 3) uma terceira fração que, pelo contrário, compreende estar-se diante de um novo período de fortalecimento capitalista. Já em relação aos dissidentes de 1951/52, o que ganhou forma foi um outro caminho político fundado na intenção, segundo Marie, de “..defender a continuidade do Trotskismo” ao propor “...como objetivo, ‘reconstruir a IV Internacional, destruída pelo Pablismo’” (MARIE
,
:97). Esta posição, levada originalmente pelo PCI, ganhou a adesão de outros grupos e permitiu a criação, em 1953, do Comitê Internacional da IV Internacional - organização de forte significado para nossa temática de estudo, a tendência Liberdade e Luta. Entre os integrantes do CI – como a “OCI (Organisation Communist Internacionaliste) da França, de P. Lambert, a SLL (Socialist Labour League) da Inglaterra, de G. Healy, e outros grupos”
(COGGIOLA, 1984:66/67) - os debates em torno da Revolução cubana assumiram um outro
formato, considerando-se que esta mesma Revolução foi tratada com desconfiança pela natureza social que seu regime apresentava, sendo considerada pela maioria dos grupos, de teor burguês. De qualquer maneira, este posicionamento não seria hegemônico entre as organizações do CI. Para COGGIOLA: “...a SLL, por exemplo, qualificou o regime de Castro de pequeno-burguês bonapartista e inclusive de semi-fascista. A OCI não chegou a esse ponto..”. Mas, entre as divergências presentes no CI, o posicionamento assumido pela sua sessão norte-americana, o SWP, geraria desdobramentos mais significativos. No entender desta organização: a “guerrilha feita por camponeses sem terra e por forças semiproletárias, sob uma direção resolvida a levar a revolução até a vitória” configuraria uma experiência política muito importante ao se revelar capaz de “arruinar e precipitar a queda dos poderes coloniais e semicoloniais” (COGGIOLA, 1984 :91). Este posicionamento levaria, então, a SWP a deixar o CI e, em conjunto com o SLATO de Moreno (que respondia pela sessão latino-americana do CI), integrar o SI, contribuindo diretamente para a transformação, em 1963, deste Secretariado no Secretariado Unificado da IV Internacional (COGGIOLA, 1984:66/67). A partir de então, o Secretariado Unificado procuraria teorizar o foquismo na busca de estabelecer uma nova orientação política, definindo-se, até 1968, de “’acordo geral’ com a estratégia castrista para a revolução colonial”; posição, por sua vez, que levaria as organizações adeptas a ser “esmagadas política e fisicamente pela repressão” (COGGIOLA, 1984:95). No início da década de 1970, por sua vez, o “SU tornou a dividir-se, surgindo uma fração pacifista (a Fração Lênin-Trotsky, FLT), composta pelo teórico do foquismo (alheio) Moreno, e pelo SWP” (COGGIOLA, 1984:95), enquanto a maioria do
156
“política de entrismo no PCB” e no período seguinte, “com o nome de ‘entrismo interior’”,
ele se aproximaria do “movimento político existente em torno de Leonel Brizola” 190. Nas
palavras de Osvaldo Coggiola: “...a linha do POR brasileiro foi de apoio aos setores
nacionalistas, chegando a apoiar Jânio Quadros (1953), ‘pelo seu programa
antiimperilista’, tudo dentro do ‘objetivismo’ pablista, que não via nenhum obstáculo
subjetivo à revolução”191
Com o golpe militar de 1964, por sua vez, este partido se fez objeto de
perseguições, perdas e “rachas” motivadas pelas críticas às orientações “posadista”, mas
também originadas das dificuldades e limitações enfrentadas durante o percurso do
trotskismo no Brasil192. As maiores divergências surgiram na V Conferência Nacional
(1966), ocasião em que vários militantes se afastam dos cargos de direção para dar origem
à duas dissidências: a Fração bolchevique no Rio Grande do Sul e o grupo Iº de Maio em
São Paulo193. Estes grupos, a partir de 1972, tomam um outro rumo, que interessa
Secretariado passaria a se orientar pelas posições de Ernest Mandel (ou Ernest Germain, nas observações de Marie), expressas na teoria do “neocapitalismo”. 190 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, pp 140-141. 191
COGGIOLA, O. O trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94,
1984, p65. 192 No entender de MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS: “...Ao longo dos pouco mais de 35 anos de
trajetória das organizações trotskistas brasileiras (...), 16 deles se passaram sob regimes ditatoriais (...) [e] não se deve esquecer o período vivido sob a chamada “Guerra Fria” (...), as quais produziram seqüelas importantes nas organizações (...). A mais séria dessas seqüelas foi, sem dúvida, a ausência de um fio de continuidade e, portanto, de acúmulo de experiências, entre as gerações que se sucederam ao longo desse período, principalmente se analisarmos os anos do POR, que, praticamente, iniciou sua trajetória sem levar em conta nenhum elemento das gerações anteriores. Outra seqüela, mais notável a partir de 1939, foi a cristalização de um rígido dogmatismo, que produziu organizações pouco afeitas ao debate interno, em contradição com uma das bases fundadoras do trotskismo, que era a defesa da democracia partidária (...) Na época do POR, esta situação agravou-se ainda mais quando a preservação da organização combinou-se a um centralismo extremo, exercido pelo BLA sobre as organizações trotskistas latino-americanas por meio dos delegados enviados às suas seções. No caso brasileiro, não houve sequer manifestações organizativas que refletissem o quadro internacional do trotskismo, como na Argentina, por exemplo. Havia tanta rigidez que, antes de 1966, não houve sequer uma manifestação pública de dissidência ou discordância, e os militantes descontentes simplesmente abandonavam o POR”
MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis.
Op.Cit., pp146/147 193 Para os autores, estes novos grupos “...passaram, além de fazer um balanço da experiência do POR, a buscar contatos com diferentes correntes do trotskismo internacional, iniciando-se o processo de superação da experiência ‘posadista’ e o início de uma nova fase na vida do trotskismo brasileiro” MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” In:
157
diretamente ao nosso estudo. Eles se aproximam das organizações Política Obrera (PO, da
Argentina)194, POR da Bolívia195 e OCI (Organisation Communiste Internacionaliste, da
França)196 que propunham a criação do Comitê de Organização pela Reconstrução da
Quarta Internacional (CORQUI) com base numa crítica mais abrangente dos caminhos
adotados, até então, pelo Secretariado Internacional (em particular, pelo “pablismo”, pelo
“morenismo” ou pelo “posadismo”), pelo Secretariado Unificado (em sua vertente
“mandelista”) e pela IV Internacional Posadista. Estas organizações (Fração Bolchevique e
Movimento Estudantil 1º de Maio) entendiam fazer-se necessário retraçar os rumos do
movimento trotskista197 com base no resgate do que se entendia como a verdadeira
herança teórica e programática de Trotsky, o Programa de Transição198.
RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p.146 194
COGGIOLA, O O trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94, 1984, p.68 195
Segundo COGGIOLA, o POR boliviano se achava “muito enfraquecido” em função das rupturas da década de 1950, mas assegurado “pela fração liderada por Guilhermo Lora” com um “trabalho sistemático nas minas” IN COGGIOLA, O O trotskismo na América Latina. Op. Cit., pp.57-58 196
Em um primeiro momento, a OCI (Organização Comunista Internacionalista) francesa “impulsiona o Comitê Internacional (...) no sentido de que assumisse o seu papel de força motriz da reconstrução da IV Internacional” através da instauração de um debate em torno das suas responsabilidades e papel de fórum internacional. Esta questão, no entanto, é geradora de novas dificuldades, e em especial, o afastamento da organização SLL inglesa, que “proclamando-se o partido dirigente do proletariado inglês” rompe “não só com o Comitê Internacional, mas com o próprio Programa de Transição”. Esta ruptura leva à dissolução do Comitê Internacional em 1971. A partir de então, é a própria OCI (nascida do Partido Comunista Internacionalista, da França) quem vai delinear um outro caminho de recomposição política entre os militantes trotskistas descontentes, propondo-se a resgatar os princípios do Programa de Transição. E neste caminho, surge em 1972, o “Comitê de Organização pela Reconstrução da IV Internacional”, fórum que desempenharia um papel estruturador na trajetória da OSI e da Tendência Liberdade e Luta. IN O Trabalho, nº32 17/set a 1/out 1979 A História do Trotskismo (2ª parte) 197
Na visão de Pierre Lambert (dirigente da OCI francesa que se achava na direção da Organização Comunista Internacionalista e do Comitê de Organização pela Reconstrução da IV Internacional), Trotsky se apoiara para formular este Programa: “...sobre um combate que ele dirigia, combate que apresentava enormes fraquezas, mas igualmente suas forças, para generalizar em princípios a experiência viva das seções da IV Internacional. Aqui reside o caráter vivo marxista, do trotskismo. A teoria se nutriu de ações mais ou menos corretamente dirigidas, antes menos do que mais, buscando extrair as lições para o futuro. Entre a ação dos B.L e de Trotsky, existe uma relação viva que resulta no Programa de Transição. Era impossível aos B.L. aprenderem de outra maneira senão assinalando por eles mesmos o programa dirigido por Trotski (...) Os B.L. deveriam passar pelos caminhos pelos quais ele passara (...) para retomarem a grande estrada da revolução e da construção do partido revolucionário do qual Trotski formulou os princípios e as perspectivas, princípios e perspectivas que se tornaram conceitos apenas mais tarde”. LAMBERT, Pierre. “Os ensinamentos de Nossa História” IN O Trabalho, nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional (1ª parte). 198
Nas palavras de Stephane Just: “...a reconstrução da IV Internacional não pode resultar de uma proclamação do Comitê Internacional, segundo a qual este se afirmaria direção internacional. Ela só poderá
158
A aproximação dos agrupamentos brasileiros recém saídos do POR - a OC-1º de
Maio (constituída a partir do ME-1º de Maio) e a Fração Bolchevique Trotskista -, com as
organizações componentes do CORQUI se daria através da OCI francesa e mais
especificamente, do grupo Outubro (organização que começava a nascer na interface
entre a OCI e militantes atuantes no movimento secundarista e universitário),
entrelaçando-se nos primeiros anos da década de 1970, um amplo conjunto de
experiências (como a de atuação da FER no maio francês, ou ainda da OCI, na defesa do
lugar dos trabalhadores e seus sindicatos na condução das movimentações francesas de
1968) que não só alargaria as perspectivas de atuação trotskista no Brasil (a começar pelo
movimento estudantil), como contribuiria para incorporar fundamentos trotskistas aos
processos da chamada redemocratização da sociedade brasileira.
Estas organizações compartilhariam da rejeição e critica aberta à “luta armada e os
métodos dos grupos guerrilheiros”, ao mesmo tempo em que se integrariam à
“perspectiva do trabalho de reorganização do proletariado, nos sindicatos e nas fábricas,
em torno de suas reivindicações econômicas e direitos democráticos”199, cabendo ao
CORQUI – em especial, através da OCI - acompanhar e orientar os esforços de fusão das
organizações brasileiras sintonizadas com esta perspectiva e que redundaria na criação da
Organização Socialista Internacionalista200 em 1976. De forma concomitante, a OCI
contaria com a OSI para implementar e desenvolver uma dinâmica internacional de
ocorrer como resultado de uma longa luta teórica e política, a qual destruirá a ficção do ‘Secretariado Internacional’ e eliminará do seio das organizações que se reclamam da IV Internacional o pablismo’ até seus últimos vestígios”. JUST, Stephane. “Em Defesa do Trotskismo” cit. em O Trabalho. 16 a 23 de outubro de 1979, nº34, p.6. 199 CAMPOS, José Roberto. O que é Trotskismo. Op. Cit., pp 73-74. 200
Segundo o Jornal O trabalho: “Sob a iniciativa do Comitê de Organização é que pudemos chegar à
unificação dos grupos que existiam clandestinamente no País, desde 1968, e que se reivindicavam do trotskismo. A primeira unificação ocorreu em 1975, reunindo os grupos Fração Bolchevique Trotskista, célula trotskista de São Paulo e Grupo Outubro (filiado ao Corqui). Em 1976, houve a Conferência de Unificação entre a Organização Marxista Brasileira (resultante da unificação anterior) e a Organização Comunista 1º de Maio, que existia desde 1968. O I e II Congressos da OSI foram realizados em 1977 e 1978, respectivamente. Chegaram, assim, ao III Congresso sob a iniciativa direta do Corqui, que possibilitou a unificação em bases políticas precisas – fundamentadas no Programa de Transição e em 40 anos de combate pela IV Internacional – tarefa que seria impossível àqueles grupos de origens estritamente nacionais” IN “Falam os trotskistas: ‘É necessário reconstruir a IV Internacional’. O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional (1ª parte)”, p.3.
159
debates, formulações e intervenções cujos embasamentos decorriam do Programa de
Transição201.
Este programa, dizia-se, surgira da articulação entre as experiências de Trotsky de
enfrentamento do stalinismo (desde 1924 e acirrada a partir de 1933), com as análises de
Lenin sobre o Imperialismo (como estágio supremo e final do Capitalismo) e os
ensinamentos práticos do bolchevismo, na intenção de estabelecer um programa político
que se acreditava capaz de conduzir o movimento operário à revolução social. Trotsky
procurara reunir a “experiência acumulada em um século de combates da classe operária
por sua emancipação” para, através dela, “transmitir o bolchevismo para as novas
gerações de combatentes revolucionários” na forma de “tarefas políticas muito claras e
precisas” 202.
Para as organizações reunidas no CORQUI, as diferenças internas que no curso do
tempo haviam se estabelecido entre os grupos trotskistas nasciam, em última instância,
da afinidade ou não com as formulações do Programa de Transição203; programa que
201
Segundo a OSI, o “Comitê de Organização” surgiria como “fruto de anos de combate dos militantes trotskistas (primeiramente, da OCI francesa) para preservar o programa da IV Internacional afirmando a necessidade de buscar a reconstrução da IV Internacional por novos meios, cabendo ao “Comitê de Organização” se constituir, em si próprio, como “um quadro de discussão internacional que visa convocar uma conferência aberta para a reconstrução do centro dirigente da IV Internacional”. Este Comitê, centrado no resgate dos fundamentos do Programa de Transição e no restabelecimento dos debates internacionais “sob o pano de fundo da luta de classes mundial”, passaria, desde então, a reunir periodicamente seu burô internacional na intenção de que as seções pudessem debater “as tarefas visando sua construção nos respectivos países e à reconstrução da IV Internacional”. Por outro lado, por meio do método de “conferência aberta”, buscava-se recuperar “os militantes que se desgarram dos PCs, PSs e outras correntes na luta contra o imperialismo e seus agentes no seio dos países onde o capital foi expropriado”, buscando os trotskistas “ligar à sua atividade todos os militantes dispostos a esse combate”. O “Comitê de Organização” iniciava um trabalho de recomposição das bases trotskistas - que se estenderia a partir da década de 1970 -, orientando-se pelo Programa de Transição e pela busca de “expressar os processos revolucionários da classe”. Nesta trajetória, outras organizações (do Secretariado Unificado) seriam incorporadas, como a Fração Bolchevique (que possuía organização em 18 países e intervenção em 23) e a Tendência Lênin-Trotsky. O Trabalho, 16 a 23 de outubro de 1979, nº34, p6. 202 Nas palavras de Trotsky, o Programa de Transição buscava definir: “...um programa de ação de hoje até o início da revolução socialista. E desse ponto de vista prático, o que é atualmente mais importante é se saber como nós podemos dirigir as diferentes camadas do proletariado na via da revolução social! E saber desempenhar essa tarefa central implica em conhecer o exato lugar que ocupa a organização trotskista na luta de classes e quais os seus passos para se construir como partido revolucionário dirigente”IN O Trabalho nº32 17/set a 1/out 1979 “A História do Trotskismo” (2ª parte), p.6. 203Neste aspecto, a OSI afirmava, em 1979: “...não há da parte do Corqui nenhuma concessão à concepção de uma Internacional Federalista, e é exatamente por isso que ele acredita ser necessário que a discussão vá até o fundo dos problemas em questão. Existe – e esse é um dos pontos da discussão – uma divergência
160
trazia em seus preceitos, : 1) que a “direção revolucionária do proletariado” seria capaz de
desencadear as “condições objetivas necessárias à derrubada do capitalismo”; 2) que a
vanguarda soldada às orientações do Programa de Transição, seria capaz de desencadear
um profundo fenômeno de transformação social; 3) que as direções políticas em meio aos
movimentos sociais poderiam interferir na História com condições para transformá-la; 4)
que a construção da revolução proletária dependeria do teor e do sentido das lutas (da
capacidade de mobilizar as massas com base em palavras de ordem transitórias, capazes
de apontar para a tomada de poder, de oferecer “aos militantes conscientes o quadro de
seu combate, para que estes dessem sentido ao programa da revolução proletária
mundial”, de defender as conquistas da revolução russa...), do caráter (hegemonia do
proletariado na revolução, independência de classe, autonomia, internacionalismo) e da
força unitária do movimento (unidade mundial na luta de classes) 204.
O lugar ocupado por estes fundamentos na criação da OSI e na trajetória da
tendência Liberdade e Luta seria pleno, desdobrando-se daí um vigoroso método de
pensar a política, ou ainda, um vigoroso olhar trotskista sobre a política205. A tendência
Liberdade e Luta, por isso mesmo, nasceria em meio a esta trajetória e se constituiria, em
grande medida, expressão destas mesmas formulações no interior da universidade e das
movimentações estudantis dos anos 1970, além de integrar-se (por força da organização e
dos demais braços movimento sindical) às lutas mais amplas vividas pela sociedade civil
em seu processo de resistência à ditadura militar, de reorganização política e constituição,
entre outros fenômenos, do Partido dos Trabalhadores.
entre nós, não sobre a necessidade do centralismo democrático como modo de funcionamento da IV Internacional e de suas seções, mas a partir de uma apreciação diferente da crise da IV Internacional e da situação das organizações que se reivindicam da IV Internacional e de seu programa”. O Trabalho, 26/11/1979, nº40, p10. 204
O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional” (1ª parte), p.6 205
Nas páginas do jornal O Trabalho, principal veículo de comunicação e organização interna da OSI, encontramos duas séries de textos - “A História do Trotskismo” e “A História da IV Internacional” – que possuem o propósito de resgatar e analisar toda a trajetória histórica do trotskismo pelo viés dos princípios, sentido e papel social e político deste programa. Escritos num contexto que ainda impunha sérios riscos políticos, a organização procuraria resgatar e afirmar seus fundamentos por meio dos processos sociais - em meio às greves, comissões de fábrica, movimentos sindicais, atos de protesto, discussões e acontecimentos coletivos.
161
O estudo da trajetória da tendência estudantil Liberdade e Luta, por isso mesmo,
nos exige considerar estas interfaces: por um lado, de um amplo e complexo contexto de
interações entre a cultura e a política que, independentemente da presença trotskista, se
achava presente; por outro, de uma trajetória de entendimentos, proposições e
intervenções de âmbito internacional, que numa esfera clandestina, buscava direcionar
sua atuação; por uma terceira vertente, da presença de uma variedade de processos
sociais e políticos em cujo interior estas mesmas intervenções ganharam - ou não - algum
significado.
162
163
C – LIBERDADE.... E LUTA
Épico dos povos Mexicanos - México hoje e amanhã, 1934/35. Painel de Diego Rivera (1929/1935) Palacio Nacional, Cidade do México
“.... a luta pela democracia não é uma luta de palavras, uma luta entre
fraseologias mais ou menos radicais. É no método que as coisas se
definem”.
Liberdade e Luta, setembro de 1976
“... queremos unir nossas forças para conquistar a satisfação de nossas
aspirações morais e materiais (....) queremos condições dignas de ensino,
(...) queremos liberdade de ler, de ver, de pensar, e de nos associarmos,
livremente, segundo nossa própria vontade. (...) aprendemos que para
obter essas conquistas, precisamos estar organizados em nosso próprio
terreno, contando com nossas próprias forças”.
164
Liberdade e Luta, maio de 1979
No acervo da tendência Liberdade e Luta/OSI, guardado pelo Centro de Educação e
Memória/CEDEM da UNESP, encontramos um texto que, a considerar pelo detalhamento
de dados e estado de conservação (na prática, um livro de 46 páginas, com páginas soltas
e muito manuseadas), parece ter cumprido um papel importante nas elaborações desta
tendência e da OSI no trato das questões estudantis da década de 1970.
Escrito no “calor da hora” (as referência se estendem de 1964 a 1970) e numa
perspectiva de avaliação da atuação das vanguardas estudantis no contexto pós-1964,
este trabalho nos permite acesso a uma espécie de “legado” (na versão trotskista) das
lutas políticas travadas pelo movimento estudantil no período, e de forma particular,
vislumbar o sentido das experiências ou ainda, o tamanho dos desafios que as militâncias
e os estudantes passavam a viver no período militar.
Apesar do documento traçar considerações desde 1964 com detalhamentos acerca
das variações de contextos, de experiências políticas, lutas e movimentos, os dados
fornecidos sobre o ano de 1969 (contexto no qual uma sucessão de acontecimentos
agrava as possibilidades de sobrevivência do movimento) nos permitem compreender
melhor a radicalização das opções de vanguarda, bem como a fragilização de suas
atividades. Na prática, este documento nos ajuda a compreender um contexto de ruptura.
Em meio a outros aspectos, este documento nos fala que, em 1969, a identificação,
propriamente dita, dos “quadros de vanguarda que haviam escapado à primeira
peneirada”206 (após o Congresso de Ibiúna) pelos órgãos de segurança, agrava o quadro de
desarticulação política que, em pouco tempo, já não consegue responder aos seus
próprios problemas. Por um lado, “as únicas notícias que se sucediam eram as de prisões
dos poucos colegas ainda em atuação”, por outro, a entrada em cena de “muitos quadros
recém formados” em “funções-chave” de coordenação de movimento davam lugar à
repetição de “erros atrás de erros”, “minguando” rapidamente as possibilidades de
reação, ao mesmo tempo que estas dificuldades acentuavam “...a tendência das
206 Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123
165
vanguardas a fecharem-se cada vez mais no militarismo, no vanguardismo, no
esquerdismo”207.
Neste contexto de interrupção das “lutas de massa”, de colapso das “entidades
coordenadoras” (limitadas à ação de “de tempos em tempos, lançar manifestos ou jornais,
todos eles mal feitos e vazados numa linguagem esquerdista e absolutamente incapaz de
atingir o estudante ‘comum’”) e de frustração geral pela perda de “todo o processo de
discussão dos últimos meses de 1968” com a decisão de se realizar as eleições da UNE
“em nível de cúpula”208, o que ocorre é a ampliação das distâncias entre as lideranças e os
estudantes, a ponto de comprometer a representatividade da UNE que se revela incapaz
de preservar sua relação com a “massa” no contexto de repressão209. E “com as lutas
reivindicatórias estagnadas, a maioria dos estudantes desmobilizados e o cerco repressivo
se apertando, só a vanguarda” passa a ter “condições de realizar alguma coisa”,
sobrevivendo ainda “algumas ações de vanguarda, cada vez mais raras e difíceis de serem
compreendidas e apoiadas pelo conjunto dos estudantes”. No final de 1969, chega-se ao
“fim do poço”: o “ME desarticulado, as lideranças presas (com raríssimas exceções), os
CAs dissolvidos, os centros acadêmicos inertes, a massa alienada. Tudo parecia estar
irrecuperavelmente perdido”210.
Esta situação, no entanto, começava a se reverter já no início de 1970: o período
de férias, seguido pelo “amainamento” da repressão “possibilitou, ao que restava das
vanguardas, uma pausa para balanço”, e nesse momento, passava-se a perceber que:
207 Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123 208
Segundo este documento: “Uma das chapas – a encabeçada por José Dirceu, que desde Ibiúna estava preso – decidiu renunciar ao processo, entregando a diretoria à chapa de Jean Marc. Isso porque, em primeiro lugar, com a repressão se apertando e sendo impossível continuar as discussões frente à massa, as ‘eleições’ limitava-se à contagem dos votos, os quais já estavam perdendo a representatividade. Em segundo lugar porque, estando evidente o afastamento entre a UNE e as massas – devido a ser a sua estrutura, incapaz de atingi-la na situação de repressão interna – tornava-se burocrático disputar por uma entidade que politicamente não tinha condições de atuação naquele momento”, Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE. Op. Cit., p. 36 209 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE, p36 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123. 210 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., pp 35-36
166
“...Havia principalmente duas épocas a serem comparadas, tanto em seus erros
como em seus acertos: até 1968 e depois dele. Os desvios de 1968 haviam sido
grandes e prejudiciais à luta dos estudantes, mas a vanguarda só se apercebeu
disso quando a situação era outra. Da mesma maneira, os desencontros de 1969
foram tão marcantes que só no fim desse ano pode-se tomar consciência crítica
dos mesmos, pois a situação também passava a ser outra – simplesmente não
existia mais ME. Da primeira vez (1968-69) isso ocorreu devido a uma súbita
mudança de situação (..) ocasionada pela alteração da correlação de forças contra
o movimento de massas e o governo (AI-5) (..) Na segunda vez (69/70) a situação
também se alterara, mas o movimento de massas chegara a um nível tão baixo (..)
que objetivamente não era possível continuar com aquele tipo de prática. Ou se
atuava de outra maneira ou simplesmente não haveria mais atuação. A iniciativa
estava, pois, com os estudantes (...) a situação de luta de classes no Brasil há muito
não sofria na prática radicais alterações qualitativas”211
Mas, com a promulgação do AI-5, decreto que “..extinguiu com as liberdades
democráticas que ainda restavam dando forma, pela primeira vez, a uma ditadura que
levava até o fim a luta de classes” ocorreu uma “modificação do caráter de luta”,
decretando-se guerra às concessões democráticas, e a partir de então, começou-se a
experimentar uma situação na qual “a luta legal embora tenha importante papel” deixava
de ser decisiva, uma vez que “os limites de legalidade burguesa” passavam a se constituir
“os limites da submissão das classes mais oprimidas. Isso foi compreendido, talvez, pelas
vanguardas estudantis”. E diante destas dificuldades, as vanguardas resolveram
permanecer na esfera clandestina, mas optaram por abandonar as formas legais de
movimento, desdobrando-se desta opção um novo conjunto de problemas. De fato,
segundo o documento, esta opção emergia da “debilidade teórica e (..) falta de clareza
política das vanguardas” que “em lugar de negar dialeticamente os anos até 68, fizeram
uma negação idealista desses anos, esquivando-se a dar continuidade ao que era passível
211 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., p35
167
disso. Caíra-se então no vanguardismo-militante, minimizando o trabalho direto e legal
junto às massas”212 :
O que se colocava como fundamental, a partir de então, era “iniciar a lenta
reconstrução do ME”, considerando-se que “havia um trabalho imenso a ser
desenvolvido”, uma vez que a presença de “...duas gerações de estudantes não
politizados”, em um tempo de forte “propaganda demagógica e mistificadora do governo
em franca ofensiva” impunha a necessidade de recuperar o nível de qualidade do
movimento estudantil (através de mobilizações, educação, organização), e ainda, a tarefa
de superar o distanciamento entre vanguarda e massa, bem como o legado de
“liberalismo de 68” e de “vanguardismo militarista de 69”. Neste sentido: “Era necessário
reconsiderar as formas de luta legal, sem nunca esquecer a necessidade imperiosa de se
aprimorar ininterruptamente as formas de luta e de organização clandestina”.
No novo contexto - que continuava exposto às ações repressivas - tratava-se de
compreender o “caráter momentâneo de ser” que as entidades estudantis
(UNE,UEEs,DCEs livres) haviam assumido ao se prestar a ser “instrumento de atuação das
vanguardas”, devendo-se “em seguida retornar seu papel de entidade de massa”. E neste
caso, seria preciso conferir às entidades um papel muito específico, devendo-se
considerar que: “.. entidades como a UNE e as UEEs poderiam (..) ser o veículo para a
troca de informações em nível estudantil e nacional, para a retomada de contatos
perdidos, para a transmissão de conhecimentos políticos e técnicos e para a assimilação
de experiência de parte dos novos quadros que surgiam. À medida que isso ocorresse, e as
novas vanguardas fossem adquirido preparação para dirigir as lutas de massa dos
estudantes – que viriam com o agravamento das contradições – então as entidades
poderiam voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e nacionais” 213
Também revelava-se urgente resgatar um conjunto de procedimentos políticos
necessários a preservar o próprio movimento estudantil, e neste sentido, o documento
propunha que: “...Nessa segunda fase, as entidades poderiam, em suma, voltar a ser
entendidas de massa (...) O primeiro passo para isso era fortalecer os centros acadêmicos,
212 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., p37 213
Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. CiT, p38.
168
aproximando-os da massa e retomando suas lutas. Juntamente com isso, era preciso
reelaborar as formas de organização da diretoria, das executivas, coordenações,
departamentos e grupos de trabalho das entidades como UNE, UEEs, DCEs livres (...) Era
preciso estruturar a diretoria e acessoria [sic] orgânica de tal modo que pudesse circular
pelas faculdades, estar juntos aos estudantes e ao mesmo tempo estar fora do alcance da
repressão” 214
Em poucas palavras, o que dizia este documento de 46 páginas? Que era chegada a
hora de reiniciar os trabalhos de reconstrução de um movimento violentamente
desestruturado pelo Estado Militar e que tinha neste momento, um papel importante a
cumprir uma vez que a “situação de luta de classes no Brasil há muito não sofria na prática
radicais alterações qualitativas”. No entanto, reconstruir este movimento implicava atuar
de outra maneira, tornando-se crucial superar o legado liberal (1968), o legado
vanguardista militarista (1969) e o distanciamento estabelecido entre vanguarda e massa.
Mas, para que tudo isso se fizesse possível, havia um árduo caminho político pela frente
centrado na recuperação do nível de qualidade do movimento estudantil “através de
mobilizações, educação, organização”. De forma concomitante, tratava-se também de
“reconsiderar as formas de luta legal”, conferindo as entidades de massa o desempenho
de papéis específicos, entre eles, o de promover a troca de informações “em nível
estudantil e nacional”, o de “retomar contatos perdidos”, o de transmitir “conhecimentos
políticos e técnicos e para a assimilação de experiência de parte dos novos quadros que
surgiam”... tornando-se essencial aproximar os centros acadêmicos das lutas estudantis e
reelaborar as formas de gestão (organização da diretoria, das executivas, coordenações,
departamentos e grupos de trabalho) de forma a “estar juntos aos estudantes e ao
mesmo tempo estar fora do alcance da repressão” . Enfim, na medida em que “novas
vanguardas fossem adquirido preparação para dirigir as lutas de massa dos estudantes”,
as mesmas “entidades poderiam voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e
nacionais”. Por fim, tratava-se de “aprimorar ininterruptamente as formas de luta e de
organização clandestina”.
214
Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op, pp 38-39
169
5. UNIVERSIDADE EM MOVIMENTO
(representação dos processos de militância na forma de círculos conscêntricos)
A presença deste documento datado de 1970 é elucidativo da trajetória singular
das organizações que criaram, em 1976, a Liberdade e Luta, em especial, por
encontrarmos nele as grandes linhas que seriam seguidas, anos depois, pela tendência. As
origens da organização, muitos anos antes, nos remete para as palavras de Markus Sokol,
dirigente e um dos fundadores da OSI:
“Derrotada a guerrilha (...) começa um balanço; esse balanço vai se somar à
reflexão de outros militantes que vão ter esse mesmo princípio da guerrilha e
encontram na herança política do Trotski, numa herança intelectual do Trotski,
acessível em bibliotecas e livrarias, elementos de explicação funcionais (...) Esse é
um processo, um outro processo é (...) militantes exilados no exterior se agrupam
(...) com organizações politicas que (...) tem uma ligação com a história da OCI
direta, se constitui como organização e começa o trabalho voltado para o Brasil
para implantação. E finalmente tem grupos políticos aqui, produtos de
agrupamentos, rachas e processos coletivos individuais (...) sem ligação plena com
Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)
1971/1982
170
a parte internacional, que nas condições de uma vida politica rarefeita, sob
ditadura, intermitente, cortada com repressão vão se identificando, se ligando, (...)
um processo marcado pela fusão (...) no sentido de camadas como se essa parte
internacional se reencontrasse no Brasil”215.
De fato, foi do encontro entre militantes procedentes de diferentes linhas políticas
com os escritos de Trotsky, destes militantes com pequenos agrupamentos dissidentes do
POR216, ou ainda, deste mesmo conjunto com militantes franceses ligados a OCI, que
ganhou forma uma organização trotskista lambertista em terrenos brasileiros, constando
entre os anos de 1971 e 1975 um processo de fusão e a partir de 1976, a constituição,
propriamente dita, da OSI, organização em moldes bolchevique que então assumiu o
caráter de partido217. A tendência Liberdade e Luta nasceu fruto desta trajetória: como
braço da OSI, mas também como o artefato mais acabado destas fusões, reunindo em si
mesma os principais militantes da organização além de todo um amadurecimento de
leituras e proposições de ação política trilhadas na primeira metade da década de 1970.
215 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 216
O Partido Operário Revolucionário Trotskista, vinculado a IV Internacional Posadista teve parte da sua
militância presa (e no caso de Olavo Hansen... assassinada) e em seguida processada em Inquérito (em 1970). Em 1972, os órgãos de segurança, mais uma vez, “desbaratam” o PORT, obtendo por interrogatório dados estruturais da organização que lhes permitiram chegar a diversos militantes (parte de um grupo de 48 pessoas seriam mantidos no DOPS). Em 1975, alguns manifestos do Partido Operário Revolucionário Trotskista circularam pela USP, entre eles na forma dos panfletos “Manifesto de 1º de Maio”, de 28 de abril; “Abaixo a contra revolução em Portugal”, de 17 de setembro e “Manifesto do PORT em defesa da Petrobrás”, de 16 de outubro. Em 1976 e 1977 também a organização se mostraria presente pelos seus panfletos, em sua ampla abrangência recolhidos pelos órgãos de segurança. Ver: Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027. 217
O grupo trotskista francês Organização Comunista Internacionalista (OCI) dirigido por Pierre Lambert,
produziu em 1972 “um documento assinalando a necessidade da constituição de um Comitê de Reorganização da Quarta Internacional (CORQI). Logo aderiram a essa idéia, na América Latina, o Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano e o Política Obrera (PO) da Argentina. Logo depois, em 1975, no Brasil, ocorreu a unificação da Fração Bolchevique Trotskista (FBT) com os também trotskistas Grupo Outubro (GO) e Organização de Mobilização Operária (OMO) – esta uma dissidência da Organização de Combate 1º de Maio (OC-1º de Maio) -, constituindo a Organização Marxista Brasileira (OMB). No ano seguinte, 1976, unificaram-se a OMB e a OC-1º de Maio, surgindo a Organização Socialista Internacionalista (OSI), vinculada à Quarta Internacional/Comitê Internacional (QI/CI). Esse novo grupo trotskista, face à sua grande influência no Movimento Estudantil, ficou mais conhecido como LIBELU” IN AZAMBUJA, Carlos I. S.. “Ainda o PSOL – Partido do Socialismo e Liberdade”, 21 de outubro de 2005. http://www.usinadeletras.com.br/editorapubliquelivro.php
171
Entre as características comuns dos grupos e militantes que deram origem a
Liberdade e Luta consta um vínculo com o movimento secundarista: o envolvimento de
seus jovens militantes começara anos antes. Segundo Sokol:
“… eu comecei a militar em 66... a primeira passeata que eu fui, que eu vi, não que
eu fui, foi em 66. Eu tinha doze anos de idade. A primeira que eu fui, pela atividade
politica, foi em 67. eu tinha 13 anos de idade. Nós invadimos a escola numa luta
por democracia. Em 68 eu já era ligado ao diretório estudantil da escola,
participava das passeatas. Eu era militante do PCB , especificamente da dissidência
do PCB que se constituiu nesse tempo e eu acabei me ligando (...) como boa parte.
O fato foi que quando eu fui pra universidade eu procurei um local onde eu
pudesse seguir uma atividade militante e também estudar, porque eu achava
importante estudar. Então, eu resolvi fazer dois cursos, um de sociologia, pra
discutir politica, no caso, e economia, pra entender a economia capitalista”
Nas palavras de Caracol,
“Em 1968 eu estava no Colégio Estadual (...) e, na época, na cidade, a gente tinha
um movimento bastante interessante, que era o movimento jovem de cultura, de
alguns universitários (...) Era uma molecada de treze/quatorze anos, começando a
fazer uma série de atividades (...) Eu lembro de 1968 foi muito marcante porque
da morte de Edson Luiz no Rio de Janeiro nós nos organizamos, fizemos uma missa
em memória que acabou sendo uma celeuma total e... na verdade, nós ficamos
como um bando de gente que (...) de alguma maneira queria protestar e o
resultado foi que nós acabamos até ganhando as eleições do grêmio da escola (...)
a partir daí tivemos uma atividade bastante intensa no movimento estudantil na
cidade e na própria história. Quando eu entrei na universidade, entrei em 1972, na
verdade, eu já vinha com este processo de formação na atividade política”218.
Segundo Flávio Carrança:
218
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996
172
“...as minhas primeiras lembranças de atividade politica e movimento estudantil,
eu acho que é de 1966, quer dizer, eu tinha 13 ou 14 anos, é a setembrada que eu
fui com meus primos em passeatas de movimento estudantil pelas ruas do bairro
da Lapa (...) Então eu sai da Lapa e fui fazer colegial no colégio da Aplicação e tinha
uma, digamos assim, uma tradição de participação política e de engajamento (...)
entrei em plena efervescência do ano de 1968 com a filosofia ocupada e a escola
diretamente envolvida (...) eu não cheguei a ser um guerrilheiro e participar
diretamente das atividades, mas cheguei a ser uma área de influência da ALN.
Então participei de grupos de estudos, grupos de trabalhos, sondagens pra ações
aos dezesseis anos de idade (...) Vários colegas já eram engajados em organizações
de esquerda (...) Aí eu fui fazer cursinho na Equipe que também era um cursinho
onde predominava uma influência de esquerda e entrei na faculdade de economia
em 1972 na USP”219.
Por outro lado, vários destes militantes e grupos já compartilhavam de leituras e
experiências identificadas por Markus Sokol como:
“...uma formação que a gente chamava de centrista, porque não sendo uma
organização stalinista absorvia influências variadas. É o centro no sentido
geográfico da palavra; tinha influências da parte internacional, tinham influências
de diferentes visões e romperam percebendo o Brasil politicamente... a influencia
principal é o castrismo. Então eu tive contato com o Trotski como um pensador,
não foi como em outros, não tinha uma maior importância pra mim (...) ai depois
quando eu fui entender o regime militar (que eu não aceitava o regime facista)
então eu encontrei nos escritos do Trotski que eu li assim rapidamente como eu li
outras coisas, uma explicação, uma explicação que me pareceu justa: o regime
fascista mobiliza a pequena burguesia contra o movimento operário e as
esquerdas em geral, enfrenta fisicamente na rua não só pelo poder do Estado... a
ditadura brasileira era reacionária mas o controle da policia militar era restrito,
não tinha apoio da sociedade, se mantinha unicamente pelo terror”220.
219
Entrevista de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005. 220
Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.
173
Além de jovens militantes com experiências diferenciadas, dois grupos dissidentes
do POR deram forma à trajetória: a Fração Bolchevique Trotskista/FBT (originada do POR
do Rio Grande do Sul entre os anos de 1967/1968) e a Organização de Combate Primeiro
de Maio/OC-1º de Maio (grupo que se afastara do POR de São Paulo já em 1966).
Orientados pelo propósito de se reaproximar dos eixos políticos-programáticos propostos
por Trotsky na fundação da IV Internacional - que acreditavam distantes da atuação do
PORT221 - ambos agrupamentos já seguiam caminhos próprios no contexto de 1968,
recusando-se a aderir à luta armada, ao mesmo tempo em que começavam a retornar ao
espaço fabril para desenvolver trabalhos de base222. Conforme nos esclarece José Roberto
Campos, a FBT e a OC-1º de Maio:
“...haviam enfrentado o período de declínio do movimento dos trabalhadores após
a greve de 1968 e, com todas as diferenças existentes entre si no campo teórico,
tinham posições comuns a respeito de questões básicas. Rejeitaram e criticaram
abertamente a luta armada e os métodos dos grupos guerrilheiros, opondo-lhes a
perspectiva do trabalho de reorganização do proletariado, nos sindicatos e nas
fábricas, em torno de suas reivindicações econômicas e direitos democráticos”223
221
“Esse partido clandestino sofreu dissidências, em virtude de divergências nos seus quadros, quanto a sua linha política, tendo sido formada outras organizações como foi o caso da Fração Bolchevique da IV Internacional’, o ‘1º de Maio’, sendo certo que a primeira possue inquérito policial em andamento nesta Especializada, uma vez que alguns de seus integrantes foram presos e confirmaram seus procedimentos criminosos” “Relatório Informativo Policial sobre subversão em 1976. Coleção de Relatórios”. Processo nº 30z-160-14236 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas.
OP 1027. 222
Com exceção do PORT (que em função de seu alinhamento político, revelava algumas aproximações com
o chamado “castrismo”), os novos grupos trotskistas em formação no início da década de 1970 expressaram um posicionamento radicalmente contrário às perspectivas de luta armada, tomadas por vários grupos dissidentes do PCB e pelo PCdoB. Em termos gerais, a luta armada se apresentava para a Fração Bolchevique Trotskista, para o grupo comunista ‘1º de maio’ e para o grupo Outubro, como uma opção inconsequente de fundamentação social pequeno-burguesa, e que não trazia contribuições à luta pela recomposição dos movimento de massas no país. Em lugar da luta armada, estes grupos propunham a militância no interior dos espaços de trabalho, de estudo e da vida social, mas de forma particular no interior das fábricas e sindicatos operários, na perspectiva de recompor por um lado as bases do movimento operário e dos demais movimentos sociais por direitos civis, e por outro, de promover a luta pela transformação social, tendo a classe operária como condutora. 223 CAMPOS, José Roberto. O que é Trotskismo. Op. Cit., pp 73-74.
174
A Fração Bolchevique já contava desde o final da década de 1960 com “um quadro
um pouco mais velho, sobretudo o coletivo municipal” (que permaneceria na
“clandestinidade até a época da anistia”224), período no qual tentaram recompor a
organização no interior do espaço fabril de regiões diferentes do país. Identificados, no
entanto, pelos órgãos de segurança a organização foi perseguida e parcialmente
dizimada entre os anos de 1969/1972.
No caso da OC-1º de Maio, “grupo 1º de Maio” ou “ME 1º de Maio”, organização
dissidente do PORT (1966) e recriada “num encontro de estudantes na USP
influenciados por grupos da Argentina”225, seus jovens militantes (secundaristas e
alunos de primeiro ano de faculdade) formaram um grupo atuante e “de perfil próprio”
no movimento estudantil paulista a partir de 1968 (“em função de opções
diferenciadas quanto aos vínculos a estabelecer com a IV Internacional”), aproximando-
se de outras organizações de esquerda e da greve operária de Osasco, sempre
sustentando uma “atitude crítica em relação às ações armadas que então se
iniciavam”226. Nas palavras de Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá:
“...Em começos de 1969, a polícia política infligiria duro golpe à organização,
prendendo quadros e dirigentes e obrigando os que ficaram em liberdade a cair na
clandestinidade. A situação aceleraria em muito a adoção de uma perspectiva que
já vinha amadurecendo: o deslocamento para o trabalho nas fábricas e para a
224 Paulo Zocchi afirma: “O Vítor sim, ele tem uns dez anos a mais e era considerado o principal dirigente nosso. Depois há o Maurício que é um cara que eu não conheci, talvez fosse um pouco mais velho...” Entrevista de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 225 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 226 Com posicionamentos contrários à luta armada e após sofrer perseguições políticas, a organização optaria no início de 1969, pela ação política nas fábricas. Em documento datado de 1971, a OC-1º Maio afirmava: “..o radicalismo pequeno-burguês não compreendeu que se tem de refluir quando as massas refluem, para se preparar, com elas, para os novos ascensos. Não se contentaram com a ‘apatia’ das massas e não quiseram ficar só um passo à frente delas, mas a quilometros, tão longe que os extremos se encontram: o radicalismo pequeno-burguês e as concepções direitistas. Se as massas estão apáticas, partamos para a ‘revolução’ sem elas... Esses grupos se julgaram ‘direção da revolução’, como se a vontade bastasse, como se o processo de formação de direção não se desse junto com a evolução e a movimentação das massas, no processo de inter-relacionamento, orgânico, de formação de líderes, no viver, os pólos desse movimento – liderança e liderados -, as mesmas experiências e possíveis soluções” OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. S/l, janeiro de 1971 IN REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, p.334.
175
moradia em bairros operários. Neste processo é que a organização adotaria o
nome de Organização Comunista 1º de Maio – OC 1º de Maio. A OC 1º de Maio,
desde então, dedicar-se-ia ao trabalho de agitação na classe operária e de
articulação de suas vanguardas sociais, tendo presença relevante no processo de
constituição dos chamados Grupos Independentes, formados por operários de
vanguarda nos princípios da década de 70 e que seriam, em certa medida, os
embriões das futuras Oposições Sindicais” 227.
Mas, para além do trabalho de “agitação na classe operária”228, a organização 1º
de Maio também buscara se conservar na universidade, reativando em agosto de 1970 no
ex-Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (onde seus militantes atuavam
desde 1968) “um organismo tipo FES”, uma frente de estudantes socialistas que tinha o
propósito de aglutinar “a vanguarda que nos apoiava”; esta “frente” – tomada como
alternativa política num contexto em que inexistia “uma sólida organização de
revolucionários”229 e no qual se enfrentava uma série de dificuldades e indefinições230 -
227OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado” IN REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Op.Cit, pp 306-339 228 No documento de 1971, a OC-1º de maio afirma: “...As condições maduras para o socialismo poderão apodrecer na ausência dessa organização que promova a união da classe operária e canalize sua movimentação revolucionária contra o Estado burguês, preparada com seus organismos de classe para constituir a ditadura do proletariado contra seus inimigos de classe, ditadura a que deve corresponder necessariamente a democracia dos soviets. A crise da humanidade se caracteriza pela crise da direção proletária (...) O que se coloca à vanguarda revolucionária em nosso país, neste momento, é a constituição dos organismos independentes de combate da classe operária, os organismos de sua unificação, municipais, regionais, nacional, as oposições sindicais, os comitês de greve, os comitês de empresa, e sua organização máxima de direção revolucionária, o partido operário, indissoluvelmente fundamentado na concepção internacionalista da unidade do proletariado e da revolução, e da reorganização da IV Internacional” REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações clendestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, pp.306-307. 229
Em mesmo documento, segundo a OC-1º de Maio: “A construção do partido não se dá pela vontade individual de meia dúzia de indivíduos (...) O partido operário se formará nas experiências cotidianas das massas, com agitação e propaganda revolucionária, nascerá das suas direções em formação, dos organismos transitórios e pela intervenção e centralização, por parte da vanguarda revolucionária, na luta de classe, continuamente. O proletariado brasileiro, nos últimos anos, tem revelado tremendo amadurecimento político com o surgimento das direções organicamente desatreladas das classes dominantes e das instituições pelegas. Mas tem revelado essas direções, o grau de empirismo de sua evolução, no processo intermitente e isolado de intervenções, com programas limitados, e carentes de centralização por uma organização proletária”. OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. Op.Cit,,p 336. 230
No documento citado, a OC-1º de Maio esforça-se para devolver/incorporar na análise contemporânea os fundamentos do Programa de Transição procurando repor/discutir questões consideradas essenciais,
176
desenvolveria uma “atuação influente” na Ciências Sociais/USP. Nas palavras de seus
militantes, nos primeiros anos da década de 1970, a FES assumira:
“...a direção do processo; havíamos crescido, construído diversos grupos com
elementos que despontavam como possíveis quadros políticos; determinávamos
as assembléias e suas resoluções; em Filosofia absorvemos os companheiros que
vieram, posteriormente, a integrar a Organização e que se constituíram na direção
política do curso. Em História e Letras caminhávamos para a construção de grupos
da FES”231.
E, com base neste organismo, a OC-1º de Maio se aproxima em 1971 da Fração
Bolchevique/FBT, constando neste mesmo documento o seguinte registro:
“...É interessante ressaltar a participação da Fração neste período através de seus
militantes integrados - à duras penas – no trabalho de intervenção no movimento
estudantil, até seu desbaratamento, um bom trabalho, integrando-se na FES e
vindo a se constituir na direção das classes a que estavam ligados em Ciências
Sociais e, organizando o embrião da oposição ao centrinho de História e de grupos
da FES. A atitude destes companheiros contrastava com a dos companheiros da
direção da FBT que, incapazes de compreender nossas propostas, faziam com que
nosso relacionamento viesse se estremecendo desde dezembro. Deslumbrados
com as perspectivas de sua reestruturação nacional e carregando o vício de seu
passado político não conseguiam entender nossas propostas no sentido de sua
organização em São Paulo, construção de células, integração no trabalho de
intervenção social e normas de disciplina e segurança. Preocupavam-se muito mais
entre elas: o lugar e papel ocupado pela vanguarda revolucionária em sua relação com os movimentos de massas dentro e fora do Brasil; o lugar e o papel ocupado pelo movimento operário entre as lutas sociais (nacionais e internacionais); as experiências e os limites históricos da ação da pequena burguesia com atenção sobre a experiência brasileira na busca da revolução social; o teor, ou mesmo o legado, das lutas sociais em curso na sociedade brasileira - entre eles, a luta armada - e os desafios trazidos pela sociedade contemporânea, entre outros aspectos. OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. Op.Cit, p.336. 231 Documento sem título, mimeografado, 30 páginas, com indicação: São Paulo, 14/1/73, p21 IN Arquivo Edgar Leuenroth/IFCH/Unicamp. MSR Pasta 181 – Organização 1º de Maio.
177
em ganhar nossos grupos já formados do que em construir nossa própria equipe.
Sem dúvida nenhuma foi este estado de coisas que levou ao se desbaratamento
posterior”232.
Enfim, um terceiro agrupamento viria de encontro aos militantes da FBT e OC-1º
de Maio... Constituído originalmente de pessoas que, após um período de auto-exílio na
França, haviam retornado ao Brasil vinculados à Revista Outubro, seus integrantes
ofereceram uma nova perspectiva de articulação política ao aproximar os militantes
brasileiros de uma dada perspectiva de reconstituição da IV Internacional expressa na
criação do CORQUI233. O Grupo Outubro, como se faria conhecido, encontrara
originalmente no espaço secundarista paulista um lugar estratégico de atuação,
constando entre os primeiros integrantes, Francisco Solano (“um ator de teatro
importante na época”, então aluno de História da USP) e Paulo Eduardo (um “professor de
física de alto nível” que “quando voltou pra cá foi dar aula num cursinho”)234. Este grupo
propunha, então, um método de discussão e militância que, utilizando-se da revista
Outubro (de caráter trimestral) para criar “uma espécie de fórum de discussões”, dele
extraíam “um posicionamento sistemático” com base no qual “os trotskistas começavam a
intervir”.
Segundo Paulo Zocchi, teriam sido produzidos “alguns números em 1970-71, em
francês” que continham, entre outros textos, “um documento dos motoristas da garagem
232
Documento sem título, mimeografado, 30 páginas, com indicação: São Paulo, 14/1/73, p21 IN Arquivo Edgar Leuenroth/IFCH/Unicamp. MSR Pasta 181 – Organização 1º de Maio. 233
Entre os documentos guardados pelo Fundo A Palavra, constam os textos: “Pour le maintien du comite international” (document de la Ligue des Revolutionnaires Socialistes hongrois. Paris, 1e 20 juin 1972); “Une Fuite Honteuse”. 1973 (registro de reunião do Bureau Internacional da Comissão de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional /CORQUI em abril de 1973 e que delibera pela ruptura com a “Fração pela manutenção e desenvolvimento do Comitê Internacional”) e “Information sur le BI”. 1974 (registro de reunião - 5ª sessão - do Bureau Internacional do Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional/CORQUI, em dezembro de 1974, no qual constam as organizações filiadas: LWR/irlanda, OCI/França), IAK/Alemanha, Liga Operária/Israel, LOM/México. Registra-se ainda a ausência de militante da Política Obrera/Argentina, da presença de observador do POR/Bolívia e das demais organizações membro do Comitê de Organização: POMR/Perú), PP/Venezuela, Grupo Trotskista da Bélgica, Comité de Liaison des militants trotskystes portugais, noyau trotskyste d’Espagne e Grupo Outubro/Brasil. Registra-se, por fim, a presença dos grupos Bulletin/Inglaterra, Fração Bolchevique Trotskista/Brasil, grupo 1º de Maio/Brasil, Grupo Trotskista da Argélia, militantes da África, Oriente Médio, Hungria e observadores da Itália). IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 234
Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.
178
da CMTC (...) falando das reivindicações, um documento bem sindical” da cidade de São
Paulo, datado de setembro de 1971. Em suas palavras:
“Este grupo, depois de atuar em Paris durante alguns meses, começa a mandar os
caras de volta para o Brasil, ou pelo menos alguns dos caras. Então, a partir daí, o
grupo passa a ter uma expressão no Brasil mesmo (...) Em São Paulo, eu sei que o
grupo Outubro tinha uma presença em um colégio secundarista lá no Brooklin”235.
Com a entrada de militantes na USP, amplia-se o campo de abrangência deste
“método francês” de discussão e militância, ao mesmo tempo em que o grupo editor da
Revista Outubro (elaborada por militantes brasileiros na França) convida os militantes da
FBT e da OC-1º de maio em 1971, a se aproximarem do realinhamento político proposto
pelo Comitê de Reorganização da IVª Internacional (CORQUI) - instância organizativa que
também começava a nascer orientada pelos eixos políticos-programáticos definidos por
Trótsky: o internacionalismo, o programa de transição e a teoria da revolução
permanente.
Segundo Celso Marcondes, estudante da Faculdade de Economia e integrante do
grupo Outubro criado na USP em 1971, esta organização militava na perspectiva de
construir um partido político capaz de fazer a revolução, ainda que num contexto de
isolamento, de clandestinidade e de atividades restritas aos centros acadêmicos;
limitações, aliás, que se buscava enfrentar com a intensificação dos estudos, utilizando-se
como base os materiais vindos da França, um arquivo de jornal e a troca de
correspondência internacional236.
O “método francês” de discussão e militância exigia, então, que todo militante que
quisesse se integrar ao grupo participasse de 9 reuniões sucessivas (1 por semana) e que
lesse em média de 2 a 3 livros por encontro, somando-se a esta programação regular e
clandestina de trabalhos, uma dinâmica marxista de reflexão: cada encontro tinha início
235
Depoimentos de Paulo Zochi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 236
Entrevista de Celso Marcondes (Careca) para Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
179
com uma análise da situação internacional (“geral”) para chegar a análise da situação
nacional (“particular”), discutindo-se ao longo dos trabalhos as atividades (individuais e
coletivas) que deveriam se dar durante a semana. E passadas as 9 semanas, a depender da
responsabilidade, das posturas e convicções apresentadas pelo candidato, ele poderia ou
não ser procurado por um integrante da organização para aderir a ela.
No entendimento de Marcondes, o que “marcava” esta militância era a idéia de
que se tinha a chave da revolução no bolso, convicção da qual emergia a dedicação às
leituras, a disposição para aprender, arquivar e organizar o que se tinha. Por outro lado,
este otimismo somado a uma profunda revolta frente à repressão e atuação militar
possibilitavam que se atribuísse um sentido especial a qualquer acontecimento, questão
que agravada pela inexperiência e ansiedade terminava por gerar, muitas vezes,
avaliações políticas apressadas.
Neste caso, vale considerar que na contra-mão de uma crítica ao conceito de
revolução, ou ainda, de um processo de perda de referências políticas, os grupos
trotskistas realinhados junto ao CORQUI reafirmavam com toda convicção que a revolução
era possível e urgente, e que encontrava-se no Programa de Transição, de Leon Trotsky, a
chave para a realização das mudanças237. Este documento, afirmavam, oferecia um
“programa de ação” aos dirigentes – à “direção revolucionária do proletariado” – na
medida em que os auxiliava a construir o “partido revolucionário dirigente” e a conduzir
“diferentes camadas do proletariado na via da revolução social”, tomando como base o
cumprimento de um conjunto de “tarefas políticas muito claras e precisas”238.
237
Para Trotsky, a “direção revolucionária do proletariado” seria capaz de desencadear as “condições
objetivas necessárias à derrubada do capitalismo” na proporção em que soldasse sua vanguarda às orientações do Programa de Transição (condição para interferir nos movimentos sociais e desencadear um profundo fenômeno de transformação social). A construção da revolução proletária dependeria, portanto, do teor e do sentido das lutas (defesa das conquistas da revolução russa), do caráter (hegemonia do proletariado na revolução, independência de classe, autonomia, internacionalismo) e da força unitária do movimento (unidade mundial na luta de classes). 238 Constavam entre as tarefas defender/promover: “...Independência de classe; reconhecimento do Estado na URSS como um Estado operário apesar de toda sua degeneração; defesa das conquistas da revolução de outubro; mobilizar as massas sobre palavras de ordem transitórias que apontem para a tomada de poder; recusa da teoria do socialismo num só país; hegemonia do proletariado na revolução e unidade mundial da luta de classes; são os elementos deste programa proposto para o desenvolvimento de um trabalho sistemático nas organizações proletárias de massa”. O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional” (1ª parte), p.6
180
Este “Programa”, que nascera fruto das experiências de Trotsky (de enfrentamento
do stalinismo a partir de 1924 e acirramento a partir de 1933) com as análises de Lenin
sobre o Imperialismo (como estágio supremo e final do Capitalismo) e os ensinamentos
práticos do bolchevismo constituía-se no sentido de ser e o papel da IV Internacional no
cenário mundial.
Os estudos que precediam a entrada no Grupo Outubro cumpriam com o
propósito de formar um agrupamento de militantes convictos e preparados, trajetória que
possibilitaria a “costura” política, inicialmente entre a FBT, o próprio Outubro e a
Organização de Mobilização Operária (OMO), uma dissidência da Organização de Combate
1º de Maio (OC-1º de Maio), para fazer nascer a Organização Marxista Brasileira (OMB)
em 1975 e, no ano seguinte, entre a OMB e a OC-1º de Maio, nascendo desta fusão a
Organização Socialista Internacionalista (OSI), direção clandestina da tendência Liberdade
e Luta, vinculada à Quarta Internacional/Comitê Internacional (QI/CI).
O ano de 1971 ocupa, neste sentido, um papel emblemático e apesar da violência
repressiva (em especial, sobre a FBT), todo um percurso de estudos, debates, divergências
(quanto à criação de um partido, quanto à constituição de uma frente...) e
posicionamentos de caráter clandestino ganha lugar com base na retomada dos eixos
políticos-programáticos definidos por Trotsky na criação da IV Internacional: o programa
de transição, a teoria da revolução permanente e o internacionalismo, cumprindo as
reuniões clandestinas junto ao CORQUI um papel fundamental.
Ainda, na lembrança de alguns militantes, a aproximação das atividades do
Outubro (em geral, oriundos do movimento secundarista com maior ou menor
envolvimento nas ações armadas) se dera não apenas pela descoberta e identificação com
as leituras de Trotsky, mas pelas afinidades de postura com relação ao regime capitalista e
ao Estado Militar. Segundo Sokol:
“Eu não concordava com as alianças com a burguesia, nesse ponto eu partilhava
da critica que a radicalização da juventude de 68 fazia ao PCB. Ao conciliar com os
militares, desde antes de 68... era o PCB na busca incessante do setor nacionalista
progressista que não existia...tudo isso que eu tinha negado na guerrilha, mas era
181
uma negação formal, sem conteúdo. Essa critica eu mantinha, mas nem por isso
eu voltei à casa materna, ao PCB... Então a minha primeira intuição é que era um
regime fascista e foi Trotski que me deu a explicação, o que historicamente é o
fascismo que se impôs à base de uma derrota física em relação ao proletariado..
no Brasil essa derrota foi muito limitada, então eu comecei a me considerar um
pouco trotskista. Na universidade eu tive contato com o grupo Outubro que era
um grupo formado na França por exilados brasileiros. Depois de uma longa
discussão que durou mais de um ano, eu acabei me integrando a esse grupo e foi a
época de efervescência na universidade (..) Então foi assim que eu aderi ao
trotskismo”239.
Nos primeiros anos da década de 1970, o Grupo Outubro começa a estabelecer as
primeiras células nas faculdades de Economia e de Comunicações da USP e na PUC-SP.
Segundo Markus Sokol:
“...no começo tinha uma única célula, tinha dois militantes na ECA, um militante na
economia, que era eu, dois militantes da PUC... Na ECA era o José Américo e o
Edmundo. Depois tinha o Campos. Na época era isso e mais cinco ou seis pessoas.
Depois a gente passou pela célula de economia, várias na ECA. Várias assim, meia
dúzia..”240
Nas lembranças de Flávio Carrança:
“...eu falo da economia (...) Tinha o Celso (o Careca), o Sokol, o Ricardo Melo,
depois apareceu outras pessoas (..) mas a gente constituiu um núcleo que os
pontos principais eram essa oposição ao PC e eu acredito que a guerrilha, e a
questão da independência de ter movimentos que tivessem representação de
base, uma idéia um pouco influenciada pelos autonomistas e esse tipo de coisa (...)
pra mim, pelo menos, não havia tanta clareza de objetivos. E ai a gente acabou
239 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 240 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005
182
constituindo um movimento de oposição dentro da economia (...) o centro
acadêmico chamava-se Visconde de Cairu e a gente fez uma coisa meio de gozação
que era o Barão de Itararé (...) um personagem que não tem nobreza real. O
núcleo acabou se constituindo (...) Até onde eu fui informado era o Celso que era a
pessoa organizada que tinha o vínculo com o trotskismo, o Celso Marcondes,
Fonseca era o nome de guerra”241
Nas palavras de Celso Marcondes:
“Diz a lenda que um certo Glauco encontrava-se todas as semanas numa praça
com os três integrantes que formavam a FES, que tentavam cooptá-lo. Eles
chegavam de carro, num Volkswagen, é claro, e um deles descia para discutir com
o "contato" as lições da leitura dos livros da semana. Reuniam-se os dois na praça,
despediam-se até o próximo ponto. Passados alguns meses os três da FES
decidiram que Glauco já estava pronto para integrar o grupo. Pararam o carro a
seu lado como faziam todas as semanas. Em vez de um descer, perguntaram a ele
da janela: "você já está pronto para entrar na FES. Quer entrar?". Diante do sim do
novo militante, abriram a porta do carro e disseram: "então, entra!". Dali em
diante, Glauco passou a se reunir com os três juntos, toda semana, dentro do
carro. Pode não ter sido exatamente assim que aconteceu. Mas, é como eu
sempre gostei de lembrar... e contar. A verdade mesmo é que para todos nós que
teimávamos em militar clandestinamente naquelas épocas bravas de ditadura, de
medo, prisões e torturas, as reuniões eram sempre entre poucos, dentro de um
carro que vagava pelas avenidas marginais até a discussão, ou a gasolina, acabar.
Ou nos bancos do Ibirapuera simulando um piquenique. Lembro até de idas a
Santos, em pleno inverno, para reunir na praia, três ou quatro pessoas,
devidamente vestidas dos pés à cabeça. Nada suspeito, mas quais alternativas?
Lembro também que devorávamos os jornais - que eram devidamente arquivados
- sempre em busca de notícias que prenunciassem o fim do regime militar ou que
falassem de greves ou mobilizações da classe operária. Tarefa superdifícil, pois o
pouco que acontecia neste sentido era censurado ou, mais tarde, substituído por
241 Entrevista de Flavio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005.
183
receitas de bolo ou sonetos de Camões. Também nos esforçávamos para aprender
a falar espanhol, bem antes dos imperativos da formação do Mercosul. A tarefa
era obrigatória, pois os livros marxistas que chegavam eram importados da
Argentina ou da Espanha e vendidos numa só livraria, na praça da República.
/Trabalho Assalariado e Capital; Salário, Preço e Lucro; Do Socialismo Utópico ao
Científico/ eram alguns dos títulos básicos. Sem notícias quentes do Brasil, as
matérias de conjuntura internacional passavam a ser importantíssimas.
Discutíamos horas sobre os acontecimentos da França, do Chile e do Ceilão,
vislumbrávamos a todo momento a chegada de fora de uma onda revolucionária
que contaminasse o país. Mas, que nada..”242.
A OC-1º de maio, por sua vez, permanece atuante através da FES, procurando
tornar mais explícito os posicionamentos trotskistas frente, especialmente, aos
“maoístas”, grupos alinhados ao conceito e trajetória da revolução chinesa, na ocasião
formados por militantes da Ação Popular (AP) e do Partido Comunista do Brasil (PcdoB)243.
No território acadêmico e político da Universidade de São Paulo, portanto, achava-
se em curso desde os primeiros momentos da década de 1970, um rico e intenso caminho
de recomposições militantes que, em paralelo ao acirramento repressivo, retomava
processos de reflexão e redefinição em grande medida sintonizados (e alimentados) por
um progressivo estranhamento e mal estar social vivenciado frente à ditadura militar.
Estes grupos conseguiriam se recompor na medida em que passavam a “ler” e estabelecer
sintonia com diferentes focos de indignação e insatisfação presentes, compartilhando com
eles a construção/fortalecimento de outras/novas instâncias de enfrentamento cultural e
político.
242 Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941 243 O panfleto lançado pela FES em março de 1972 é sugestivo; intitulado “A Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”, afirmava, portanto, que: “..os jovens chineses, operários, estudantes, que hoje falam em construir o socialismo e estudam maoísmo, chegarão a compreender que o maoísmo é uma doutrina da traição da burocracia chinesa. Compreenderão que só a união de todos os trabalhadores do mundo, solidificados por concepções científicas, marxistas, dirigidas por seu partido revolucionário internacionalmente, poderá e deverá derrubar as classes e castas exploradoras, erguendo um governo dos próprios trabalhadores como passo para a construção do socialismo”
Frente Estudantil Socialista. “A
Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”. São Paulo, 3/3/72, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002
184
Mas, para além das organizações trotskistas, o processo de recomposição
organizada no cenário acadêmico também começava a experimentar, já nos primeiros
momentos da década de 1970, um importante debate (de caráter clandestino) em torno
das perspectivas e ferramentas políticas que se achavam disponíveis, ou que se
mostravam mais adequadas para interpretar, intervir, organizar ações políticas (dentro e
fora da universidade) num contexto dramático, e ainda, permeado por conceitos e
referências oriundas de matrizes marxistas diferentes. As discordâncias entre as
organizações não impediriam, segundo Celso Marcondes244, que se constituísse uma
frente política contra a ditadura na USP, entre os anos de 1969/1971, com base em
diferentes organizações245. As atividades desta frente seriam resgatadas pela imprensa
estudantil em meados da década de 1970, quando vários destes grupos políticos já
disputavam espaço no cenário acadêmico, esclarecendo-nos o Jornal Dois Pontos246 que,
entre os anos 1969 e 1971, “um pessoal que não podia se expor tanto” conseguira levar
adiante algumas lutas importantes atuando no DCE, constando entre elas a luta contra a
implementação da lei nº4464 (que substituía as agremiações estudantis por Diretórios
Acadêmicos com novas regras de gestão) e o enfrentamento de uma pesquisa a cargo do
CRUSP que se acreditava estar associada à implantação do ensino pago na USP. O
“pessoal” do DCE também procurara fazer “o possível para que os CAs se mantivessem
abertos”, organizando atividades importantes, entre elas, duas calouradas conhecidas
como BICHUSP, e que de maneira particular no ano de 1971 alcançara:
244
Entrevista de Celso Marcondes (Careca) para Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 245
As atividades desta frente permaneceriam obscuras para o próprio movimento estudantil que, no curso
dos anos seguintes, avançou nos processos de recomposição política; a princípio, o “grupo de José Dirceu” que vencera as eleições da UEE em 1967, iniciara uma ofensiva sobre os “centrinhos” sob controle da AP, mas a partir de 1968, quando“não havia condições de convocar eleições” na USP: “...algumas pessoas da liderança de 68 indicaram um nome para a presidência. Depois, esse cara reuniu mais gente interessada, dizem que até calouros, e essa direção foi até o início de 71, com cinco membros. Em 71, teve eleição indireta através de delegados, por problemas claros de segurança. Em 72, não houve jeito: com chapa única, desistiram de convocar eleições...” Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3 246
Periódico criado por estudantes e também por militantes ligados à FES, entre eles, Caio Túlio Costa.
185
“...grandes proporções... era a USP toda mobilizada... comissões de divulgação
para cá, comissões de não-sei-o-quê pra lá, peças de teatro, tinha mesmo teatro-
jornal... chegou a ter mais de trinta grupos diferentes (...) E torneios, esporte. Cê
pedia um material, eles te arranjavam. Esse Bichusp foi muito incrível”247.
Neste mesmo ano, nas lembranças de Celia Azevedo que ingressara na ECA USP
em 1971, o trote promovido pelo CA (sob direção do PCB, na gestão de Sérgio Gomes)
trazia atividades como uma “corrida de tartarugas” em lugar de tratar da luta contra a
ditadura. Em suas palavras:
“Em março de 1971, aos 19 anos de idade, eu me sentia a pessoa mais feliz do
mundo no meu primeiro dia de aulas na Escola de Comunicações e Artes da USP.
Minha felicidade devia-se não somente a ter entrado na USP para fazer
exatamente aquilo com que sonhava há anos: jornalismo. Mas, eu me sentia feliz,
sobretudo, porque agora finalmente eu teria a chance de conhecer os meus tão
sonhados revolucionários e entrar para as suas fileiras. Há tempos, ou melhor,
desde o início da minha politização aos 16 anos é que eu ouvia falar que a USP
estava infestada de “subversivos”, de gente que queria derrubar o governo e
implantar o comunismo no país. Eu não sabia bem o que era comunismo a não ser
que os comunistas queriam acabar com as classes e com a miséria no Brasil, o que
me parecia muito bom. Mas quanto a derrubar a ditadura militar, para mim isto já
era uma necessidade líquida e certa (...) Foi assim, em meio a grandes expectativas
que cheguei à ECA no primeiro dia de aulas. Eu sabia que haveria trote e esperava
alguma coisa num estilo crítico, revolucionário... mas, para meu desgosto, e
supremo espanto, ouvi o convite bem-humorado do diretor do Diretório
Acadêmico : “Pessoal, vamos participar do trote amanhã! Quem tiver um jabuti ou
uma tartaruga em casa, traga para cá para fazermos uma corrida de tartaruga... “.
Não achei graça nenhuma naquilo, aliás, fiquei revoltada com aquele disparate.
Gente sendo torturada nas prisões e um aluno da USP, com seus longos bigodes,
247 Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3
186
querendo brincar de corrida de tartaruga! Não voltei à USP até me certificar que
as aulas haviam de fato começado. Pelo menos eu teria aulas com jornalistas
experientes, que viviam no centro dos acontecimentos políticos... Mas nem essa
última expectativa se cumpriu. As aulas eram enfadonhas, não se tocava em
política, a ditadura lá fora e nada acontecia dentro da sala”248.
As lembranças de Geraldo Siqueira também se revelam esclarecedoras:
“...Entrei na USP no ano seguinte, 1971 (...) A USP estava meio uma terra arrasada,
muita gente já tinha ido para a clandestinidade, muita gente estava presa e exilada
e havia algumas lideranças remanescentes. Não pensei que fosse tão ruim assim.
Cheguei, já fui logo recrutado para o Centro Acadêmico. Dá para imaginar a
carência: eu, calouro e presidente do Centro Acadêmico! Fazíamos uma resistência
pequena: com mural, jornalzinho, denúncias de prisão de estudantes.
Organizávamos campeonato de futebol, tocávamos música, bebíamos pinga. As
entidades gerais todas estavam proibidas: UNE, UEE, DCE. O Diretório Central da
Universidade era clandestino, eles marcavam a reunião com os presidentes como
se fosse ponto de organização clandestina. A situação estava difícil, tanto é que o
DCE acabou se extinguindo... as pessoas foram presas. Aí formamos o Conselho de
Centros Acadêmicos, que bolava ações conjuntas na universidade. Fizemos
bastante coisa, festas juninas imensas com cinco mil alunos. Então, valia qualquer
coisa que se registrasse, quando se sabia que alguém tinha sido preso. Mas
existiam divergências. O pessoal do partidão da universidade era contra porque
achava que isso ia expor as entidades a serem fechadas. E o pessoal da ALN
[Aliança Libertadora Nacional], que era o extremo oposto, também era contra.
Diziam que para enfrentar a ditadura, tinha que ser com a luta armada lá fora,
dentro da universidade só se discutia educação. Mas tinha outro tanto de gente
que ia nessa história”249.
248
Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 249
Geraldo Siqueira Filho. Depoimento ao Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.
187
Então, em 1972, a administração universitária resolve convocar os alunos para
eleger o DCE oficial da USP “baseados naquela cláusula do estatuto que diz que o cara que
não votar perde o direito de fazer os exames seguintes às eleições” e as discussões se
acirram, afinal, o que implicava a descaracterização da entidade “livre”? Os estudantes
aceitariam um DCE oficial? E qual seria o risco de, na opção de se boicotar as eleições, um
grupo da “reação” ganhar a entidade? Por outro lado, como era possível resguardar os
estudantes resistentes das reprovações? Os alunos estariam dispostos a levar adiante o
enfrentamento de uma burocracia universitária vinculada à ditadura militar (responsável,
inclusive, pela reforma tecnocrática da USP)? Qual seria o papel do DCE e das entidades
nesta trajetória?250
250 As palavras de um aluno de psicologia entrevistado pelo Jornal Dois Pontos (1975), sobre os anos 1971/1972 nos parecem interessantes: “...certos CAs, como o de História, o de Comunicações, viviam a pichar o DCE, acusando ele de não ser representativo das massas, justamente por estar escondido, difícil de assumir posições políticas maiores. Diziam que assim ele não tinha sentido de existir, e viviam boicotando tudo. Também chegaram a se formar duas Coordenações, uma de Exatas, outra de Humanas, contra o DCE; a de Exatas acabou logo, a outra demorou mais, mas morreu também. Não sei bem ‘qual’ era a deles – admitiam a impossibilidade do DCE estar se baseando nas massas, e então já propunham espécies de grupos, que brigariam por escolas (..) No fim, todas essas pressões acabaram por se somar (..) a outras condições dentro da própria organização do DCE, e enfraquecê-lo. Se ele não teria sentido em existir assim, deveria acabar, ou ser estudada uma proposta que o fizesse representativo. Aí vem a estória do CCA (Conselho dos Centros Acadêmicos).. mas isso é outra história..” Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3.
188
É neste momento que a militância trotskista (ligada a OCI e a Pierre Lambert)
começa a estabelecer seus primeiros marcos políticos no território acadêmico, exprimindo
de maneira mais clara as próprias concepções (de organização e luta política) e
convidando as demais organizações a fazer o mesmo. No ano de 1972, portanto, a USP
passa a contar com duas frentes políticas (organizadas e clandestinas): uma frente
contrária ao PCB (formada por militantes dissidentes do PCB vinculados ou não à
perspectiva de luta armada; por militantes de origem católica; trotskistas; stalinistas..
desejosos de se contrapor às posições excessivamente moderadas do mais estruturado e
experiente dos partidos de esquerda); e a Frente Estudantil Socialista (FES), organismo
que, originado no ano anterior, se vê reforçada em seus propósitos de agregar militantes
afinados com os princípios socialistas, ou ainda, com os fundamentos trotskistas.
Ambas as frentes seriam importantes nos percursos de reconfiguração do território
político organizado, valendo lembrar que, para o historiador Daniel Aarão, foi a disposição
de luta política somada à descrença nas posturas, orientações e legados do Partido
Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)
1971/1976
189
Comunista Brasileiro251 o que orientou os caminhos de revisão das leituras, opções e
práticas políticas das esquerdas brasileiras252.
Cidade Universitária da USP nos primeiros anos da década de 1970. Imagens disponibilizadas pela internet.
Enfim, a solução dada ao problema do “DCE oficial” acabaria sendo a de inscrever
uma plataforma única, a “Chapa Renúncia”, com o propósito de assumir o DCE oficial,
renunciar a ele e passar a direção das lutas por direitos estudantis ao Conselho de
Presidentes de Centros Acadêmicos (um órgão auxiliar do DCE, ao menos, até se resgatar
a representatividade da entidade).
Este Conselho, recriado como Conselho de Centros Acadêmicos – CCA – surgiria
em junho de 1972, contando com a participação de 17 dos 26 “centrinhos” existentes na
USP e já no segundo semestre, ele lançaria o “Caderno do Ensino Pago” seguido por um
251 REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução.Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. RJ: Marco Zero, 1985); Op. Cit, p.7 252 REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução. Op. Cit., p 12.
190
plebiscito sobre o tema que, na ocasião, acabaria por contabilizar mais de 90% de rejeição
às perspectivas de privatização da USP. Em seguida, reforçando a ação de denúncia de
prisões (assinada por 6 Cas após a detenção de estudantes da Politécnica e da História253),
o CCA promoveria um abaixo-assinado em solidariedade à greve de fome dos presos
políticos de São Paulo, firmando-se com um fórum de grupos de esquerda que por cerca
de dois anos se manteria à frente da tarefa de articular as perspectivas comuns de
politização das discussões, realizações culturais e intervenções.
De forma concomitante, um outro processo ganhava lugar. De fato, no micro-
cosmo uspiano, as discussões acerca da participação – ou não – nos fóruns de
representação oficiais começavam a acirrar os ânimos e a se transformar num ponto de
divergência entre as organizações clandestinas. Vinculado a isto, crescia no interior de
alguns grêmios (também chamados de centrinhos ou ainda, de entidades) o trabalho de
discussão e alargamento dos sentidos e possibilidades de enfrentamento dos estudantes
da reforma universitária e da ditadura militar, perspectiva que exigia outras formas de
participação política entre/dos estudantes. No CEUPES (Ciências Sociais), espaço de
atuação da OC 1º de Maio, um Boletim Informativo datado do primeiro semestre de 1972
discutia o processo de eleição de representantes nos seguintes termos:
“...Por ocasião das eleições do ano passado, foram realizadas algumas coisas que
inexistiam até 1971: apresentação dos candidatos e seus programas (mas só no
primeiro e segundo ano) (..) Mas mesmo assim, houve grandes descuidos e erros:
o candidato havia sido indicado pela diretoria do CEUPES sem nenhuma discussão
mais aberta (..) Este ano, esta falha possivelmente poderá ser superada: propomos
para tanto uma reunião geral (..) onde o atual representante fará um balanço de
seu mandato (prestação de contas) e onde todos poderão sugerir possíveis
candidatos.”254
253 Romagnoli, Luiz Henrique e Gonçalves, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, pp. 18-19. 254
Boletim Informativo CEUPES, 1972. Eleições?!
191
A discussão sobre os limites da representação oficial - e ainda, dos sentidos e
possibilidades de sua rejeição e enfrentamento - fortalecia o entendimento da sala de aula
como lugar de ação política, mas mais do que isso, abria outras perspectivas para a
criação ou retomada de fóruns políticos nos quais os estudantes viessem a se integrar
mais diretamente para defender intransigentemente seus interesses e direitos. Estas
formulações, por sua vez, estimulavam os debates e a circulação de leituras e proposições
na forma de jornais, boletins, “revistas”, cartas programa, o que possibilitava às
organizações clandestinas mostrar mais claramente seus posicionamentos nos grêmios e
entre os estudantes, ao mesmo tempo em que ganhava forma uma série de dinâmicas
concomitantes, semelhantes à círculos concêntricos, no entendimento de Juleusa Turra.
Em suas lembranças:
“Existiam estudantes pouco envolvidos, mas no caso das ciências sociais isso era
praticamente inexistente, eu pelo menos não consigo observar os não envolvidos.
(..) Ai tinha os estudantes em movimento em torno do centro acadêmico, depois
tem os estudantes em movimento que sabiam que tinha a necessidade de ter
alguma outra coisa a mais do que o certo 'expontaneismo'. E depois tinha o núcleo
duro do que eram as tendências no sentido clandestino255.
Então, numa dinâmica em vários aspectos semi-clandestina, as organizações
reunidas em torno da “frente de oposição ao PCB” (de maior expressão) e as organizações
que compunham ou se acercavam à “frente estudantil socialista” (em constituição)
procurariam formar e lançar chapas para os grêmios tomando como base proposições
organizativas e perspectivas de movimento diferentes. Diferenças, no entanto, que nem
sempre se mostravam claras. Segundo Caracol:
“Quando eu entrei, a FAU, na época, era bastante dividida entre duas correntes: a
corrente do PC tradicional, com bastante gente acomodada ou “reformista”, como
era chamada na época em relação à atividade política, muito mais cautelosa e os
255 Entrevista de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005.
192
remanescentes dos antigos grupos que haviam entrado na guerrilha... Uma coisa
muito marcante era o processo exatamente contrário de negação das atividades
acadêmicas, por não ser revolucionária não levava a acontecer... Aí, no final do
primeiro ano, nós montamos uma chapa e conseguimos ganhar o grêmio da FAU
numa composição lá com o chamado primeiro ano, o pessoal sem experiência
nenhuma... pessoas antigas do Partidão que também a gente não sabia que era,
porque era tão camuflado... quando descobrimos, era incompatível nossa
atividade (...) a gente sentiu durante dois anos (...) Por outro lado, também
começou a ganhar uma outra qualidade porque a política de repressão foi
extremamente pesada (...) [mas] foi uma época extremamente fértil. Um debate
político intenso”256.
Num conjunto de pouco mais de 20 grêmios, a atuação clandestina dos trotskista
vinculados a OCI alcançava maior influência nas Faculdades de Ciências Sociais (CEUPES),
Comunicação e Artes (CALC), Economia e Administração (FEA), Física (CEFISMA) e
Arquitetura (GFAU); nelas se conseguia expressar de maneira mais forte uma crítica às
“visões guerrilheiristas” que desprestigiavam as atividades acadêmicas como não
revolucionárias - por se achar que elas se prestavam apenas “para subsidiar a atividade
política fora dali” -, ao mesmo tempo que defender “a reconstrução da entidade como
organismo dinâmico”257, capaz de intervir na dinâmica da universidade e da sociedade.
Nas lembranças de Flávio Carrança (militante na faculdade de economia e vinculado ao
grupo Outubro):
“...Havia, naquele período, uma geração de militantes que fazia uma critica, que
não se identificava com os partidos comunistas (...) hegemônicos nos centros
acadêmicos da USP e no movimento estudantil de forma geral, e que também
começava a fazer uma crítica da experiência da guerrilha [que] em 72, 73 já se
mostrava falido. Então era um período de intensa repressão, estava no auge da
ditadura, mas naquele mundo ali da USP se juntavam pessoas que tinham uma
256 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 257Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996
193
critica ao PC e as experiências das ações guerrilheiras. Eu tenho a impressão que
esses são os principais pontos de identificação da pessoas que se reuniram pra
constituir um movimento de oposição aos centros acadêmicos que tinha a
hegemonia do PC na USP”258.
Na USP dos anos 1972 /1973, os órgãos repressivos (presentes também na esfera
administrativa da universidade) sem perceber claramente estas divergências,
acompanham com atenção a intensificação dos debates e das manifestações políticas e,
na busca de ampliar seu controle, reforçam as ações repressivas sem se dar conta de que
com elas, passava-se a “empurrar” os estudantes e organizações para a defesa mais
contundente de suas proposições, fortalecendo indiretamente a perspectiva política –
defendida no interior de alguns grêmios – de que se fazia necessário recriar os fóruns de
mobilização e organização estudantil.
O ano de 1973, neste aspecto, pode ser tomado como um divisor de águas na
trajetória de recomposição do movimento estudantil da USP; em seu percurso, a questão
da política assume um leque muito mais amplo de significados, ao mesmo tempo em que
258 Entrevista de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005
194
toda uma série de panfletos fundados em denúncias e proposições de resistência passam
a circular pela USP, destacando-se entre eles o folheto “A Ponte: quando o Muro
separa...”, uma publicação engajada que receberia grande atenção dos órgãos de
segurança259.
Neste mesmo período, nota-se também uma maior aproximação entre as
proposições políticas e as experimentações culturais, ganhando forma um conjunto de
atividades artísticas que trazia em suas linguagens fundamentos e posicionamentos
marxistas, materializando-se uma variação de leituras, experiências e proposições políticas
inusitadas; por outro lado, vale considerar, no espaço acadêmico os órgãos de segurança
ainda se encontravam focados – no uso de um aparato mais qualificado – sobre a ação de
grupos envolvidos com a luta armada, “deixando escapar” o que se desenhava de novo à
sua frente.
Nas lembranças de Caracol, entre os anos de 1971/1972 predominara na USP uma
“cultura de resistência” marcada pelo “samba, o sambão, Paulinho da Viola, MPB4, Paulo
Sérgio Pinheiro” que decorria da “atuação dos grupos organizados na época”, na prática,
259
Num deles, podemos ler: “Jornal Universitário ‘A Ponte’, de responsabilidade de vários CAs da USP, em julho de 1973, prega que ‘para impedir a implantação do ensino público pago será a movimentação por nós organizada, após discussão e conseqüente conhecimento das implantações dessa medida que fere frontalmente o direito de educação gratuita de toda e qualquer pessoa’” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1426
Cartaz e imagens do show de Gilberto Gil na USP em 1973
195
dos “braços do PC, porque não era um só, eram braços diferentes...”. Também já “havia os
grupos de vanguarda cultural, que vinham dos remanescentes do antigo TUCA... Havia
grupos de teatro com uma linguagem mais aberta...”, sendo que “esses grupos mais
conservadores acusavam os demais de fazer uma arte mais abstrata de desengajamento”.
Nos anos seguintes, a vida intelectual e artística se tornou ainda mais fértil. Em suas
palavras:
“...Passavam os filmes do neo-realismo italiano, filmes brasileiros... passava Rio 40
graus, A Grande Cidade... (..) Havia muitos shows na universidade. Eu me lembro
que em 1973, houve muitos shows significativos: shows do Gil (..) um show feito
no barraco da POLI, foi marcante (...) Tinha um trânsito grande nas áreas da
universidade e algumas das atividades mais localizadas (...) De alguma maneira
convergiam ali as atividades (..) quem queria fazer alguma coisa procurava, em
geral, as entidades (..) quando você não encontrava abrigo na entidade (...)
criavam-se alternativas e atividades independentes (...) Dependia muito de que
tipo de tendência política que estivesse dentro”260
Neste trânsito cultural, por sua vez:
“...a questão individual era a mais colocada. A ausência de perspectivas, as
dificuldades, as agonias, era mais comum... Em algumas áreas, particularmente, na
arquitetura, ECA e áreas mais vinculadas às artes, ou de atividades mais ligadas à
cultura, muitas pessoas que se aglutinavam iam embora, desapareciam, ficavam
três anos, viajavam... e com o recrudescimento da atividade política, toda uma
efervescência e contribuições passaram a ser colocadas pela chamada ala louca,
radical, etc. Naquela época, para você ter uma idéia de algumas correntes (...)
diziam que sexo era só para reprodução...261
260
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 261 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996
196
Então, na aproximação entre proposições políticas e experimentações culturais,
também as questões subjetivas passam a dar forma as experiências políticas, o que
acabaria por redundar no entendimento , segundo Juleusa Turra, de que “a política era
nosso movimento”. Para muitos estudantes e algumas organizações, de fato, a cultura
começava a aparecer como dimensão integrada/intrínseca à política, e como tal se
constituía numa dimensão própria e importante de reflexão da realidade e da sociedade
na qual se buscava intervir.
Entre as militâncias trotskistas, e em particular, no grupo que daria forma à
Liberdade e Luta, o trato de questões como estética e arte, ocuparia lugar central na
esfera dos valores, dos conceitos e nas metodologias de interpretação do tempo presente,
a ponto de toda uma dimensão de atuação se centrar nesta esfera262.
Enfim, para completar o quadro: o medo e a violência também forneciam um
conjunto próprio de elementos, convivendo-se dia a dia num contexto no qual “...nós
tivemos colegas que foram sequestrados de dentro da sala de aula pela polícia, colegas
que foram mortos (...) mas isso foi mostrando que o movimento estudantil era um
movimento de todos”263. O ano de 1973 também se marcaria pela necessidade de
combater à repressão, perspectiva que se transformaria num elemento agregador das
organizações clandestinas, ao mesmo tempo que num elemento articulador das
organizações com um conjunto mais amplo (e diverso) de estudantes264.
Os acontecimentos associados ao assassinato de Alexandre Vannucchi Leme, em
17 de março deste ano e em meio às notícias de dezenas de prisões, podem ser tomados
como expressão deste processo. Alexandre Vannucchi Leme era estudante de geologia e
262
Nesse sentido, somos levados a considerar que, nas bases da crítica e da resistência aos fundamentos do realismo socialista (ainda fortes no processo de reorganização política) achavam-se presentes elementos do Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, de Trotsky e Breton (1938), mas enquanto referência, uma vez que não encontramos sinais de sua presença explícita. 263
Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 264 “No campus da USP, nas salas de aula, nos centros acadêmicos, os estudantes se mobilizavam. A revolta contra o assassinato do colega do Instituto de Geociências e outras 44 prisões de alunos da USP fazia ressurgir o movimento estudantil” In MENEZES, Eugênia de, Jornal da USP, ano XIX, nº672, 25 de janeiro a 10 fevereiro de 2004.
197
militante da ALN; ele fora preso no dia 16 e assassinado no dia 17 de março265, seguindo-
se reações no interior da universidade numa escala surpreendente e associada, em boa
medida, pela fala oficial266 de que o “minhoca” morrera em razão de um
"atropelamento"267. A contestação desta versão e a afirmação de que se tratava de um
265 “Cursava o quarto ano de geologia na USP quando foi assassinado. Foi preso por agentes do DOI/CODI-SP no dia 16 de março de 1973, por volta das 11 horas. As torturas infligidas a Alexandre iniciaram-se assim que deu entrada nas dependências do DOI/CODI, tendo sido a equipe C a primeira a torturá-lo. Tal equipe era chefiada pelo delegado de polícia conhecido pelo nome de "Dr. Jorge" e composta pelos seguintes elementos: escrivão de polícia Gaeta, tenente da PM Mário, investigador de polícia conhecido como "Oberdan" e o carcereiro do DOI/CODI conhecido como "Marechal". No dia seguinte, Alexandre foi torturado pelos membros da equipe A, chefiada pelo torturador de nome "Dr. José" e pelo investigador conhecido por "Dr. Tomé" e composta por: "Caio" ou "Alemão", "Dr. Jacó", "Silva", "Rubens", todos orientados diretamente pelo comandante daquele departamento, o então major Carlos Alberto Brilhante Ulstra. As torturas prolongaram-se até pouco depois do meio-dia, tendo então Alexandre sido colocado na cela-forte. Por volta das 17 horas, o carcereiro conhecido pelo nome de "Peninha" foi retirá-lo da cela para levá-lo para mais uma sessão de tortura. Alexandre não respondia aos gritos do carcereiro que, intrigado, entrou na escura cela-forte e constatou que estava morto, saindo da cela aos gritos de "o homem morreu". Os torturadores correram todos para ver o corpo de Alexandre e o retiraram da cela-forte, arrastando-o pelas pernas. Tal cena, assistida por todos os demais presos recolhidos às dependências do DOI-CODI naquele dia era brutal: Alexandre sangrava abundantemente na região do abdômen. A morte de Alexandre foi justificada pelos torturadores, perante a acusação dos demais presos, como tendo sido provocada por suicídio com auxílio de uma lâmina de barbear. Somente no dia 23 de março os órgãos de segurança divulgaram sua morte, com a notícia de que fora atropelado ao tentar fugir da prisão. Tal versão foi desmentida categoricamente nos depoimentos prestados no mês de julho de 1973, perante a 1ª Auditoria Militar, pelos seguintes presos políticos: Luis Vergatti, Cesar Roman dos Anjos Carneiro, Leopoldina Brás Duarte, Carlos Vítor Alves Delamônica, Walkiria Queiroz Costa, Roberto Ribeiro Martins, José Augusto Pereira, Luís Basílio Rossi e Neide Richopo. Tais depoimentos foram citados pelo Ministro do STM Rodrigo Otávio Jordão Ramos no dia 26 de abril de 1978”. DELIZOICOV, Eremias. Centro de documentação | DOSSIÊ - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil. 266
“Assim o jornal O Globo deu título à notícia da morte de Alexandre Vannucchi Leme, dias após o
ocorrido. “Os órgãos de segurança revelaram que o terrorista Alexandre Vannucchi Leme, conhecido como ‘Minhoca’, morreu atropelado por um caminhão quando tentava fugir ao ser levado por agentes a um encontro com outro terrorista, no cruzamento das ruas Bresser e Celso Garcia”. Nada menos do que três pessoas teriam testemunhado o atropelamento, segundo o jornal: “Três testemunhas contaram que presenciaram o acidente em que morreu o motorista”. Uma delas, “Alcino Nogueira de Souza, empregado de balcão da Confeitaria Santa Cruz (…), chegou a servir uma cerveja ao terrorista. Viu quando ele olhou para um lado e para o outro, atravessou correndo a rua e foi colhido pelo caminhão”. O excesso de nomes e detalhes (inclusive a chapa do suposto caminhão atropelador) é pouco usual em casos de acidentes de trânsito, fazendo supor que a matéria de O Globo foi preparada em estreita colaboração com os órgãos de segurança. O texto afirma também que “com base em informações” de Minhoca foi possível “identificar” outros integrantes da ALN, o que é outra operação típica da repressão: sugerir que a pessoa assassinada delatou companheiros”. GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 267
“A versão oficial sustentava que Alexandre morrera a caminho do hospital, depois de ser atropelado por um caminhão. Ele teria sido conduzido pelos órgãos de segurança até o bairro do Brás, para mostrar onde tinha um “ponto” com um companheiro de grupo, e teria tentado fugir. Note-se que a mesma explicação já havia sido usada para justificar o assassinato de Antonio Benetazzo, preso em 28 de outubro de 1972 e morto dois dias depois (..) Benetazzo era estudante de Arquitetura, presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia e professor em cursos pré-universitários. Diferentemente de Alexandre, abandonou a
198
assassinato motivou a instauração de assembléias e a realização de atos de protesto em
várias Faculdades268, decidindo-se numa assembléia na Faculdade de Geologia no dia 23,
que seria realizada uma missa, formar-se-ia uma comissão jurídica (para apurar as
circunstâncias da morte e as razões das constantes prisões de estudantes) e seria
decretado luto pela sua morte.
.
Foto datada de 1973 não identificada; retrato de Alexandre Vannucchi Leme, aluno de geologia/USP e militante da ALN.
Nas lembranças de Geraldo Siqueira:
“...o Alexandre Vannucchi Leme, da ALN (...) era popular, era o cara do bumbo da
escola de samba da Geologia, uma escola de cento e tantos alunos que vinham do
interior e moravam juntos em repúblicas. Ele foi preso e morto. A repressão o
acusou de assalto a banco no dia em que ele estava com a faculdade inteira no
interior de São Paulo, numa dessas excursões de campo que a Geologia tanto
fazia. A indignação foi imensa! Na véspera, eu estava tomando uma cachaça com o
pessoal, que apareceu branco no centrinho da Geografia, dizendo: “Mataram o
Minhoca! Amanhã a escola vai explodir!” Falei: “Segura, porque nós precisamos
USP para se dedicar à luta armada contra o regime militar, e desde 1969 vivia na clandestinidade”. GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 268
Segundo o Projeto Tortura Nunca Mais: ”As práticas terroristas das quais foi acusado, ocorreram quando
Alexandre convalescia de uma operação de apendicite conforme testemunhou seu médico, Dr. Cássio Rosa; ou quando assistia às aulas, como testemunharam colegas e professores. Os presos políticos na época, declararam ao Superior Tribunal Militar que foram testemunhas da morte de Alexandre Vannucchi Leme nas dependências da Operação Bandeirantes, sob torturas. Mesmo diante de tantas provas, o caso foi arquivado. O Ministro Rodrigo Otávio Jordão tentou reabri-lo em 1978, mas seu voto foi vencido por 13 a 1.” ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988
199
sair juntos. Quem sair sozinho vai ser massacrado.” Aí, houve um levante na USP:
assembléias isoladas, pano preto no lugar da bandeira brasileira. O conselho dos
Centros Acadêmicos procurou o Dom Paulo Evaristo [Arns] pedindo para ele rezar
uma missa na USP. Ele disse que se fosse celebrar a missa na USP, poderia ser
acusado de provocar os estudantes e sugeriu a Catedral da Sé. Nossos olhos
brilharam. Melhor impossível!”
Segundo levantamentos da Adusp:
“O Conselho de Centros Acadêmicos declarou luto na USP e os alunos
pressionaram por uma intervenção do então reitor Miguel Reale que, num ofício à
Secretaria de Segurança Pública do Estado, solicitou informações sobre a morte de
Alexandre aos órgãos competentes. A resposta, porém, conteria as mesmas
informações já divulgadas pelos jornais. Também partiu dos estudantes a idéia de
convidar dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, para realizar uma missa
em memória do colega assassinado”269.
No dia 30 de março (um dia antes das comemorações do aniversário do golpe
militar) cerca de 4 mil pessoas se reuniriam na Catedral da Sé para participar da
celebração da missa de 7º dia pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns270, acontecimento
durante o qual, nas lembranças de Geraldo Siqueira271:
“...Foi uma coisa de louco: tinha metralhadora de tripé no meio da Praça da Sé,
apontada para escadaria da catedral. A missa encheu a igreja e o clima era terrível.
Havia uma equipe da TV Gazeta transmitindo direto, ao vivo. Eles iam filmando um
por um... nego pegava a página da homilia e colocava no cara para não ser
filmado. Diziam que o pessoal da Operação Bandeirantes estava no caminhão da
TV Gazeta para identificar os procurados da ALN dentro da missa. Eles rodavam
269
GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 270 TIBIRIÇÁ, Beatriz. Revista Teoria e Debate nº35, julho/agosto/setembro 1997 in Portal da Fundação Perseu Abramo. 271 Geraldo Siqueira foi membro do CCA e militante do “grupão”, constituído por militantes de diversas orgaizações, entre elas, a AP.
200
em volta da igreja, todos com as sirenes ligadas, uma coisa de doido. O Sérgio
Ricardo cantou Calabouço e o pessoal chorando, as sirenes... No final da missa,
Dom Paulo falou para sairmos com muita calma e devagar. Uma senhora com voz
de tenor começou a puxar: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber...” Todo
mundo começou a cantar, mais para espantar o medo, porque cantar ajuda, né?
Aquela missa foi uma coisa, mas não saiu nada nos jornais, só num jornal na
Argentina. No mês seguinte, continuaram massacrando. Caiu toda a liderança
estudantil da USP. Eu caí também, fui o último a ser preso. Todo mundo
verificando que nada escapava do titio, a ditadura era soberana. Uma coisa me
intrigou sempre: Por que, na USP, eles não fecharam os Centros Acadêmicos? Até
que eles acabaram quebrando a cara em 1977, mas eu fiquei com a impressão dos
filmes do National Geographic: era como se houvesse uma seca e apenas uma
lagoa. Vai todo mundo beber lá, onde ficam os leões para pegar a turminha que
vai beber. Eles estavam fazendo isso com a gente: deixando uma lagoa para
aproveitar, controlar e ir prendendo. Aquele ano de 1973 foi terrível! Em setembro
mataram o Honestino Guimarães”272.
Segundo Caracol:
“Eu me lembro que, logo após a missa, foram presos 97 dirigentes estudantis (..)
[nós] sumimos e voltamos uma semana depois. De fato, (...) existia uma vida
intelectual fértil, mas uma vida de ação, de manifestação muito reduzida”273
Nas lembranças de Celia Azevedo:
“...em março de 1973, o assassinato de Alexandre Vannucchi Leme e a missa em
sua homenagem na Catedral da Sé tiveram um efeito eletrizante sobre um
272
No depoimento dado ao Projeto História do Movimento Estudantil, Geraldo Siqueira comenta sobre Honestino Guimarães: “Ele era presidente clandestino da UNE e foi morto, entre tantos outros, em 1973. Acho que foi o ano em que mais morreu gente, dava aquela impressão de que era uma batalha perdida. Fiquei muito deprimido naquele ano”. Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004. 273 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
201
movimento estudantil ainda incipiente e possivelmente sobre outros movimentos
sociais em formação. Muitos como eu devem ter se emocionado com a visão
daquela massa de pessoas reunidas na Sé para expressar sua revolta contra a
ditadura; mais do que isso, devem ter se sentido, como eu, parte daquela massa
aparentemente inquebrantável e a partir daí alimentado a certeza de que a
Revolução estava a caminho”274.
Configurada publicamente como assassinato, a morte de Alexadre Vannuchi Leme
traria algum constrangimento aos órgãos de segurança (motivada pelo desencontro das
declarações: “O delegado Fleury falou que foi suicídio. O outro, Edsel Magnotti disse que
foi atropelamento”275-), mas, acima de tudo, possibilitaria o pronunciamento de 18
entidades estudantis no espaço público acerca do sentido político daquele
acontecimento276. Através da “Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-
Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns”, as entidades estudantis propunham a criação de
“uma comissão independente formada, por exemplo, por representantes da Igreja
Católica, da Ordem dos Advogados, dos Jornalistas, da Administração da USP, dos
Parlamentares com ampla liberdade de investigação, inclusive com acesso irrestrito aos
Órgãos de Segurança e aos presos políticos que estiveram com Alexandre em seus últimos
momentos de vida”, para apurar as responsabilidades e “esclarecer as suspeitas quanto às
circunstâncias da morte”.
De forma concomitante, no ambiente interno da USP a questão da repressão
transformava-se em objeto de política277 e vários centrinhos (grêmios ou entidades), ao se
274
Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011 275 Declaração de Geraldo Siqueira IN ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p.19. 276
Em um panfleto mimeografado e intitulado “Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal Arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns”, os Centros Acadêmicos afirmavam: “..como a atual campanha de repressão generalizada contra lideranças estudantis da USP é inspirada por idéias de represália diante de um movimento geral de repúdio às arbitrariedades, que teve na missa por Alexandre Vannucchi Leme seu ponto culminante, supomos que todos os que estenderam a mão aos estudantes estejam também sujeitos a pressões. Por isso, sentimo-nos no dever de vos manifestar publicamente a nossa solidariedade e reconhecimento”. Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado. 277
Segundo o texto: ““...O que sentimos é que, no Brasil de hoje, todos os que lutam por ideais justos são considerados, definitivamente, caso única e exclusivamente de polícia. A prepotência gera inevitavelmente
202
perceberem fortalecidos, conseguiriam aproximar algumas experiências organizadas de
um conjunto mais amplo de estudantes; ao mesmo tempo, a continuidade das ações
repressivas em várias instâncias da vida acadêmica impunha novos contornos às mesmas
relações. Na leitura de Geraldo Siqueira:
“Nós tínhamos um grupinho clandestino na geografia, que fez duas ou três
reuniões. Um dos caras que estava nesse grupinho era um ex-preso da ALN,
segurança do Joaquim Câmara. Nós pretendíamos apenas reunir o pessoal de
esquerda da escola e ver o que fazer. Nosso álibi era que formávamos um grupo
de estudos de geografia. Lembro do César dizendo que nossa história era perfeita
e que se alguém falasse alguma coisa teria que “tomar na cabeça”. Mas ele foi
preso porque fazia a ponte entre a ALN e outra organização (...) Eu estava na
faculdade entrando de sala em sala, chamando para uma assembléia por causa das
prisões (...) Eu estava na sala de aula falando, minha namorada entrou correndo,
dizendo que meu pai estava lá embaixo e a Oban na minha casa. A turma levantou,
gente chorando, ninguém sabia o que fazer. Aí alguém falou: “Vamos com ele até a
casa do Dom Paulo Evaristo.” Os trotskistas zombavam e diziam que estávamos
sempre correndo para debaixo da saia do padre. A igreja era uma das poucas
coisas que sobraram ali (...) Fomos de madrugada à casa do Dom Paulo, uma
comissão, uns 20 ou 30 (...) De lá meus pais me deixaram na Oban. Finíssimos...
receberam meus pais. Mas já me pegaram, me encapuzaram e me deixaram bater
com a cara na parede. Zombaram, dizendo que tinha degrau e não tinha, todo
mundo rindo de mim. E todo o pessoal da USP ali dentro. Vi passando a Nádia, das
Ciências Sociais, encapuzada.(...) Deram umas porradas em mim, mas não tinham
muito o que fazer comigo, porque eu não era da ALN, não sabiam de que grupo eu
era. Mas fui solto. Todo mundo da USP teve uma queda grande de moral278.
sentimento de revolta. A rebeldia diante desta situação insuportável é um ato de legítima defesa. A escalada de desmandos policiais causará mais dia menos dia, injustiças mais graves e revoltantes que a morte de Alexandre. Então, as autoridades serão as únicas responsáveis pelo que acontecer. Os estudantes nunca abdicarão de seus ideais. Jamais se submeterão. Em meio a todas as arbitrariedades sonham com um Brasil Livre e Justo que virá” .IN Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado. 278
Depoimento de Gerado Siqueira para o Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004
203
Na verdade, o envolvimento dos estudantes nas atividades políticas começava a
ganhar outras significações... e este mesmo envolvimento abria espaço para outras
perspectivas de organização do Movimento estudantil. Os questionamentos lançados no
Boletim Informativo do CEUPES (ciências sociais) em abril de 1973 são importantes neste
contexto; nele, estudantes e militantes desta faculdade – motivados pelas proposições da
FES (OC 1º de Maio) - consideram os trabalhos do CCA “insuficiente para liderar os
estudantes” em função de se restringir a um papel de “órgão de consultas e de trocas de
experiências dos Centros Acadêmicos” e de não apresentar a “flexibilidade e o dinamismo
necessário para dirigir um movimento que em pouco tempo alcançava proporções
surpreendentes”. Por outro lado, afirmava o boletim, não se tratava de contestar seu
lugar, mas de perceber que, se em alguns momentos ele se revelara muito útil (plebiscito
sobre ensino pago), “em outros seu papel é apenas auxiliar”.
Para os estudantes e militantes do CEUPES, a inexistência de “um mecanismo
organizativo razoável” e da maior experiência de “seus dirigentes” fora compensada pela
“enorme disposição dos estudantes” e pelo “inevitável o caráter mais ou menos
espontaneísta do movimento, o que (...) absolutamente não empana a tomada de posição
consciente dos estudantes e sua firme disposição de ir até os objetivos propostos”.
Tratava-se, então, de reconhecer a “alternativa de organização” que surgira, centrada em
comissões com “estudantes de várias escolas” e de transformá-las em “organismos
permanentes, embriões de novas organizações estudantis, como resposta à necessidade
de maior organização”. Por outro lado seria necessário discutir o conteúdo do trabalho
destas comissões, as condições para se levar um movimento para a “reorganização de
entidades de um nível superior” e estabelecer o que se fazia, de fato, “prioritário: Grêmio
da Filosofia, DCE, fortalecimento dos Centrinhos?”279
No curso de 1973, portanto, num contexto marcado pelas aproximações entre arte
e política; pela intensificação das ações repressiva e pelos debates sobre as questões de
participação, disposição de enfrentamento e criação de novas formas de organização
279 “...E Agora?” IN Boletim Informativo nº 8 CEUPES. Centro de Informações. Ciências Sociais USP, ano II, 25-04-73, p8
204
política, começava a nascer uma outra perspectiva de atuação política para o movimento
estudantil, centrada na participação direta dos estudantes, na radicalização das
proposições (o que incluía a recusa da participação nos órgãos oficiais da universidade) e
na defesa intransigente de direitos, perspectivas, no entanto, que ainda não conseguiriam
seguir adiante.
De fato, em reação a estas proposições, o Conselho de Centros Acadêmicos
(reunindo um amplo conjunto de lideranças e organizações)280 procuraria retomar o
controle dos acontecimentos, reafirmando o lugar que ocupava este “fórum de grupos de
esquerda” na promoção de um “consenso da maioria das entidades autônomas (Cas e
Grêmios) da Universidade”. Ao reafirmar o lugar que cabia às entidades – no sentido de
“captar nossos problemas e reivindicações e estabelecer uma comunicação entre
representantes e representados”281-, o CCA dispunha-se a organizar uma eleição conjunta
dos 8 representantes oficiais estudantis para o Conselho Universitário com base na
realização de “discussões nas escolas e ratificadas no Conselho de Centros Acadêmicos da
280
Segundo Jordana de Souza Santos, em sua dissertação de mestrado, pode-se “inferir que a ALN e o PCB tinham maior influência no ME nos primeiros anos da década de 70. O PCB, apesar das críticas e de seu esvaziamento perante os partidos da Nova Esquerda, conservava certo número de militantes. A ALN ganhou espaço no ME com a incorporação da DI-SP (Dissidência Comunista Estudantil de São Paulo). A ala da AP que não se juntou ao PC do B preocupou-se em desenvolver um trabalho baseado no “processo de integração na produção”, deixando de dar atenção ao ME36. E o PC do B levou muitos estudantes para a Guerrilha do Araguaia. Os grupos menores se dividiram entre a POLOP, os trotskistas e os chamados independentes”. SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Unesp, 2010, p43. 281
No documento intitulado “Chapa do CCA”, a discussão se centra no papel que a representação discente deveria assumir no interior da USP em reforma; uma reforma associada a “um plano de reformulação geral do ensino no país” que já chegara a esta universidade “embora principalmente no aspecto formal e administrativo”, e diante do qual fazia-se necessário eleger um leque de reivindicações específico”. Também são elencados diversos pontos de interesse coletivo – entre eles, a “revogação da Portaria sobre atividades culturais, esportivas ou sociais dos alunos ou de suas entidades, garantindo a autonomia e liberdade universitária das entidades, necessárias ao desenvolvimento da vida universitária”; o “reexame da questão do jubilamento, entre outros -, interesses, no entanto, que para serem defendidos deveriam reafirmar uma estrutura de representação discente que começava a se fazer mais profundamente contestada. E talvez por isso mesmo, o CCA organize no começo de 1973 um “Trote Geral” na perspectiva de associar seu papel de articulador político do campo mais privilegiado de “entrosamento de todos os alunos da Universidade”, o das atividades culturais, oferecendo uma programação marcada por projeções de filmes, apresentações musicais e peças teatrais em sintonia direta com as lutas estudantis. Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974 Informe AESI/USP 7 de Fevereiro de 1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226.
205
USP”, obtendo-se com este processo uma “chapa do CCA”282 consensual e ao mesmo
tempo mais participativa.
Estas movimentações e discussões, por sua vez, chamam a atenção da AESI/USP
que já em fevereiro de 1973 informa aos Órgãos de Segurança as intenções do CCA de
envolver novos alunos numa atividade política mais ampla283, destacando que o ponto
alto dos acontecimentos deveria vir com o lançamento da “Chapa 28 mil”284. Estes
mesmos relatórios, por sua vez, nos dão notícia de que a proposta do CCA não surtira
grande efeito, os estudantes não haviam se envolvido no processo (são poucos os debates
nas salas de aula e apenas uma assembléia da na FAU) e que só se ampliara as
movimentações em reação às declarações do Ministro da Educação Jarbas Passarinho que
considerara ”subversivo os rumos tomados pelos estudantes da USP”.285
282
Esta chapa surge do esforço de reunir representantes de diferentes grupos políticos numa mesma plataforma de trabalho podendo-se observar a presença de algumas assinaturas políticas na carta programa, como a proposta de luta contra a “PEG” (assinatura da POLOP). Vale considerar, ainda, que as militâncias trotskistas por repudiarem esta posição, não integram a ação. 283
Este documento, segundo AESI, chamava para si a vitória da “’Bandeira de Luta’ o tema do Ensino Pago” em função do “adiamento” conquistado pelo plebiscito, ou ainda, que o CCA “já passava a anunciar a luta de outro tópico, também de interesse imediato da totalidade estudantil da USP, que é a reabertura do CRUSP”, deixando implícito que este conselho se oporia às tentativas da administração de reorganização do DCE da USP, causando apreensão a possibilidade deste Conselho vir a se fortalecer e levar sua ação a outras unidades e faculdades isoladas “numa tentativa de reorganização da extinta União Estadual de Estudantes – UEE” Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974 Informe AESI/USP 7 de Fevereiro de 1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 284
Podemos ler: “Valendo-se da oportunidade criada pela proximidade das eleições dos representantes estudantis junto ao Conselho Universitário da USP, a ser realizada dia 22 de agosto de 1973, o Conselho de Centros Acadêmicos procura reativar a sua influência no ‘campus’ da Universidade (..) Inicialmente, o CCA divulgou manifesto abordando, praticamente, os mesmos pontos constantes do ‘caderno’ lançado em 1972, e que serviram de base, após discussões em classe, para elaboração do plano de ação dos candidatos 3. Apenas em algumas escolas houve receptividade para o assunto (..) 4. Alegando que a não discussão do assunto em todas as classes resultou da insuficiência de tempo no primeiro semestre letivo, o CCA acaba de lançar a chapa intitulada ’28 mil’..” Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974 - Ofício AESI/USP ”Eleições para representação estudantil no Conselho Universitário da USP”. 22/agosto/1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 285
Nestas circunstâncias, o CCA lança um folheto intitulado: “Milhares de Subversivos na USP” onde afirma que: “..todos aqueles que tentam discutir, opinar e participar de decisões fundamentais da Universidade serão taxados de ‘subversivos’, pois estarão dificultando a implantação de um ‘plano’ para a Educação. Só que esse plano está sendo elaborado, quase que clandestinamente, por um Grupo de Trabalho do Sr. Ministro, deixando totalmente de lado a participação dos estudantes e professores nesse processo. É essa a alternativa a que devemos nos acomodar? E pretende-se impedir nossas atitudes com acusações e ameaças de tão baixo nível? Nessa situação em que as informações são tão escassas, em que somos alijados e mesmo impedidos de fazer qualquer coisa, tomamos a atitude de criar condições e iniciar um debate sobre Ensino Pago. E não o fizemos precipitadamente como o Sr. Ministro insinua, ele resultou de um esforço sério de
206
Autos de Investigação sobre os diretores do Conselho de Centros Acadêmicos da USP, 11/06/1974
Mas, as proposições de mudança da dinâmica política do movimento estudantil
continuam.. e nas eleições do CA Lupe Cotrim/ECA, em outubro de 1973, militantes e
estudantes ligados ao grupo Outubro lançam o “Programa Novação”. Na prática, tratava-
se de uma proposição de atuação política que se iniciara meses antes e que procurara
discutir e construir de maneira aberta (“através de um mural, de publicações, jornal e de
um contato constante com quem estivesse interessado num debate sério e maduro”) o
próprio programa, tomando como base as experiências de representação discente (e na
percepção dos limites “sempre que pretendem participar efetivamente das decisões que
são tomadas sobre nossa vida escolar”); as tentativas de construção de “saídas” (entre
elas, a criação do Centro de Estudos de Artes e Comunicações, o CEAC) e o desejo de estar
presente “em todos os momentos importantes da luta dos estudantes”. O Programa
Novação definia-se então, como “chapa, programa e posição”, registrando que “Todos
definem o que a Chapa Novação pensa e propõe. Todos estão abertos ao debate e à
crítica” 286, ao mesmo tempo em que afirmava fazer-se necessário a “organização do
Diretório Central dos Estudantes (DCE dentro da USP)” de forma associada a um
pesquisa, estudo e discussão correspondendo ao nosso nível de informação. Por isso foi bem recebido pelos estudantes”. Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Boletim do Conselho de Centros Acadêmicos IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 286
Este programa, ao longo de 15 páginas, procuraria situar o centro acadêmico e o movimento estudantil da USP num processo de transformação econômica, social, política e cultural observado com detalhes desde a década de 1930. Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro de 1973, pp 1-2.
207
programa cultural “ligado ao encaminhamento de nossas reivindicações e à defesa de
nossos princípios”287
O reconhecimento de que, para além das práticas autoritárias, a USP contava em
seu cotidiano acadêmico com um variado leque de questões, experiências, linguagens,
bem como com a disposição de enfrentamento pelos estudantes dos limites impostos a
este ambiente, parece ter sido bem recebido porque a ECA, a FAU, “os barracos” da
Ciências Sociais, transformam-se em importantes espaços de uma outra versão de
movimento que já nascia permeado por práticas distintas dos padrões mais tradicionais de
ação política. Nas memórias de Juleusa Turra:
“...eu tinha uma referência muito difusa do que eram os políticos, do que eram os
comunistas, mas tudo isso era passado... e esse novo movimento que eu entrei,
ele era um movimento que tornava extremamente coerente a forma que eu
começava a me ver no mundo, segundo as más línguas eu fui ficando hippie (...)
mas nunca cheguei a ser. Então eu só migrava, usava umas roupas um tanto
diferentes e um tanto absolutamente iguais a todos (...) um movimento da
coerência, de uma forma de se ver no mundo, de uma forma de se ver no
movimento e do movimento ser mais importante do que a estrutura. E aí, eu
aprendi uma coisa e depois descobri que era uma base do pensamento trotskista...
“você constrói as estruturas de acordo com os movimentos” (...) E essa questão
(...) dos movimentos fazia com que o espaço em movimento na USP fosse a maior
referência (...) Porque espaço em movimento? Porque era a faculdade vibrante..
(...) faculdade que tem um mural e coloca uma discussão e do lado o outro grupo
põe a outra discussão (...) talvez diariamente ou semanalmente, e essas
referências não eram de transporte escolar (..) mas era qual é a natureza do
espaço cubano? Ou do Estado cubano?... (...) em 74, a questão do Chile.. nós
pintamos uma bandeira do Chile… até porque a gente lia muita coisa em francês,
lia muita coisa em espanhol, a gente lia muita coisa de tudo quanto era jeito... Não
287
Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro de 1973 pp 11-12.
208
tinha como ser diferente, nós não tínhamos literatura (...) eu estudei Marx em
espanhol (...) e aí já estava avançada a idéia da USP para todos...288
Nas lembranças de Celia Azevedo:
“Em meados de 1972, eu já pensava em desistir da USP, quando comecei a
freqüentar o pátio da frente [da ECA], com seus gramados e beirais, onde se podia
sentar e conversar durante horas. Era lá precisamente, ao ar livre, que se passava
o que havia de mais importante em matéria de sobrevivência espiritual e humana.
Foi sentada nesses beirais de cimento que delimitavam os grandes gramados da
ECA que fiz minhas primeiras amizades, algumas muito duradouras; foi lá que ouvi
inflamadas conversas revolucionárias; foi lá que descobri que o DA estava nas
mãos do Partido Comunista Brasileiro que postulava o mais completo imobilismo
até que a chamada burguesia nacional desse o sinal de partida contra a ditadura.
Foi lá, enfim, que ouvi minhas primeiras conversas trotskistas, que aprendi o que
era stalinismo, centralismo democrático, frente única, soviets, ditadura do
proletariado, etc. Logo receberia orientações de leitura e não demorou muito
tempo para eu descobrir que o que eu procurava há tanto tempo estava nos livros
de Trotski, Lenin, Marx, Engels. Devorei literalmente os três volumes da Revolução
Russa de Trotski e o Manifesto Comunista de Marx e Engels. Com o tempo
encontrei outros livros vendidos discretamente em algumas poucas livrarias do
centro de São Paulo. A maioria desses livros proibidos pela ditadura era em
castelhano, vindos do México e outros países, ou em francês. Dois semestres de
“espanhol” na ECA combinados com uma boa dose de autodidatismo me ajudaram
a desbravar essa língua até então desconhecida. Quanto à língua francesa, com a
qual eu antipatizava por me fazer lembrar das freiras reacionárias de minha
infância e adolescência, pela primeira vez eu sentia que podia fazer bom uso
dela”289
Para Caio Túlio Costa:
288
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 12/03/2005 289
Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011
209
“...A ECA era menos uma escola de jornalismo e mais uma escola de política, então
a gente assistia pouca aula, fazia muito movimento...era um período fantástico
porque era um período que (...) o pessoal meio que botou a cara pra fora e em 74
nos já estávamos mais organizados..”290
Fradim, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970. Imagem sem identificação do interior da
USP, início dos anos 1970, disponibilizadas pela internet
Nas lembranças de Caracol:
“...a partir de 1974, os grupos começam a reaparecer (...) as tendências
promoviam permanentemente núcleos de debates, discussões bastante intensas
sobre questões políticas... as internas eram questões políticas, Marx, de uma
maneira geral, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, até questões de cultura sobre
estética: o que era nacional popular, o que era nacionalista na cultura. A chamada
esquerda começa a sair do patrulhamento (...) [mas] as coisas ainda eram feitas
numa obscuridade muito grande. Isso gerava uma linguagem um pouco diferente
da linha tradicional. Como mais significativo, entendia-se que estética política era
uma denúncia direta da questão política e social... Ao mesmo tempo, quer dizer, a
vida estudantil aumentou muito de qualidade (...) as ações políticas e culturais são
simultâneas. Elas se fortalecem indiretamente, elas não têm um caminho
colocado”291
290
Depoimento de Caio Túlio Costa para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 3/2/2006 291 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996
210
De fato, por caminhos distintos, todo um conjunto de elementos e processos
começava a se tocar e a promover a formação de um campo de entendimento comum. Se
por um lado, na esfera clandestina, alguns agrupamentos buscavam retomar um dado
nível de qualidade de movimento por meio do trabalho regular e cotidiano de associar
“conhecimentos políticos e técnicos”, compartilhar discussões e experiências, trabalhar
para alargar as percepções culturais e políticas, ou ainda, propor reflexões específicas
sobre diferentes objetos políticos em cena; por outro lado, uma maior adesão dos
estudantes aos centrinhos e as atividades relacionadas ao movimento estudantil tornava
possível a formação e desenvolvimento de formas políticas mais participativas, numa
trajetória de engajamento que as organizações marxistas chamariam de “movimentos de
massa”. Entre os pontos de encontro estaria, exatamente, os
centrinhos/grêmios/entidades, as assembléias, as manifestações culturais, as festas, entre
outras atividades ora mais “políticas”, ora mais “culturais” que ganhavam
progressivamente lugar num universo chamado USP292. Nas lembranças de Juleusa Turra:
“...Nessas atividades eu comecei a ver, primeiro (...) que eram lugares em que me
sentia muito bem, assim como comecei a me sentir muito bem em estar presente
na cantina da faculdade, em estar presente no baile da interação dialética, que era
um evento na ciência sociais. E também nos banheiros que a gente recebia
recados dos pousadistas. Apareciam no banheiro umas discussões (...) em papel
impresso pousadista (...) E (...) essas discussões percorriam os 'barracos' e sempre
se tinha nisso o debate (...) fora as assembléias (...) na classe que a gente estudava
e na ciências sociais tinha dois grupos, o grupo dos maoistas e o grupo dos não
maoistas (...) e na aula do Antônio Carlos Martins por conta da guerra civil
espanhola, nós estabelecemos a nossa arena de confronto e, aí, que eu acredito
que eu tenha começado a estudar pra valer (...) porque eu não podia entrar
naquela sala de aula sem poder exprimir qual era compreensão da atuação da
União Soviética, das Brigadas Internacionalistas.. (...) aí começou essa questão de
292
Em termos mais amplos, as organizações clandestinas que em razão de suas leituras e proposições vão
receber ora maior, ora menor adesão das massas estudantis, integram igualmente o novo território político em gestação, aproximando-se em diferentes escalas das questões e motivações que dão forma ao fenômeno.
211
participar do centro acadêmico como uma atividade que me colocava em contato
com os pensadores e que possibilitava agitar a universidade nesse sentido, a
questão do movimento das tendências e as salas de aula no qual as tendências
mostravam quais era as suas matrizes teóricas. Então isso foi muto presente”293
Para Celso Marcondes:
“...Da nossa parte, a obsessão revolucionária crescia sem parar, apesar dos
obstáculos em contrário. E isso dava muita coragem, incentivava que
encarássemos como secundários um monte de "vícios pequeno-burgueses", como
namorar, ir a um estádio ou assistir filmes de aventuras. Em compensação, a vida
cheia de riscos e de medo, de codinomes, de pontos secretos, de atividades
clandestinas, de panfletagens proibidas ia formando os núcleos centrais das
tendências de massa que iriam se formar em 76/77 e liderar as mobilizações de
rua que ocorreriam nestes anos. Estas futuras "lideranças", é verdade, viam-se não
só nas reuniões ou nas atividades culturais dos centros acadêmicos. As sessões dos
cines Bijou e Belas Artes, os shows no Colégio Equipe, os bares das imediações do
campus, o Riviera e a Pizzaria Micheluccio, na Consolação, eram também pontos
de encontro de militantes. *Uma geração nada espontânea. Das reuniões contra o
ensino pago de 1972 às freqüentes passeatas em 77, muita água correu debaixo
da ponte”294.
Para os agrupamentos trotskistas que dois anos depois dariam origem à tendência
Liberdade e Luta, a recuperação da vida política no espaço acadêmico se traduzia num
exercício permanente de crítica, de polêmica e contestação de todo e qualquer aspecto
autoritário, burocrático e tecnocrático que se achasse presente dentro e fora da
universidade, uma vez que estas questões comprometiam os sentidos de conhecimento,
as possibilidades de leitura e as perspectivas de intervenção social do movimento. Entre
as questões estavam a mudança de perfil e das motivações dos estudantes chamados a
293
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 12/03/2005 294
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
212
integrar uma sociedade do trabalho em modernização e em crescimento, estavam
medidas coercitivas que constrangiam os alunos a aderir aos ideais tecnocráticos.295
No entanto, para promover um exercício permanente de crítica, tornava-se
necessário politizar as questões mais triviais, assim como aprender com as próprias
“mobilizações, educação, organização” na busca de resguardar um movimento que se
mantivesse em sintonia permanente com as massas estudantis, ou ainda, que se achasse
comprometido com a liberdade de pensamento, com a ação e a criação. E esta proposição
e defesa incondicional de instâncias e “canais de expressão” capazes de dar vazão aos
interesses e direitos estudantis (na forma de assembléias, comissões abertas, comitês,
diretórios livres, passeatas, greves) é o que possibilitaria ao movimento “avançar” para
além dos seus limites sociais e se aproximar da única classe que se acreditava poder
derrubar o regime capitalista, a classe operária.
Enfim, o desafio de levar às últimas consequências a participação das massas
estudantis na gestão de um novo movimento estudantil se firmava pouco a pouco como
um projeto político que sonhava a revolução social. Segundo Antonio Figueiredo,
estudante de Física (a partir de 1972) e militante trotskista a partir de 1973:
“....Nós organizamos chapas pro centro acadêmico. Nunca ganhamos… então
nossa participação tinha a parte legal, a parte aberta (...) e tinha a parte
clandestina, na qual a gente estudava (...) tanto no ponto de vista dos clássicos
como também sobre a análise de conjuntura. Praticamente toda semana a célula
se reunia, havia uma pessoa responsável pela célula e toda semana havia uma
295
Em minha dissertação de mestrado, trabalhei com a idéia de que, no período pós-1968, a própria
questão da universidade assumira o papel central da trajetória de movimentações estudantis em recomposição na década de 1970, e em especial, na medida em que esta mesma instituição se fez percebida – pelos estudantes – como uma instância em perigo, e neste caso, foi ela própria que se transformou no objeto articulador da ação política – e não apenas espaço de ação política. Por outro lado, foi neste percurso de recomposições coletivas que se confrontaram projetos diferentes de Universidade e de política; projetos que, muitas vezes se fizeram circunscritos à determinadas questões e leituras, ou ainda, resistentes a estabelecer um compromisso com a transformação social; mas que também, em outros momentos, assumiram projetos coletivos e sociais. E estas reações – que estudei no espaço das Universidades Públicas - acabaram por compor um movimento ativo e original, ainda que estruturado em um leque de descontentamentos acadêmicos a incluir descrenças, limites e impulsos por afastamento das questões sociais mais amplas.
213
análise de conjuntura a partir de documentos que eram elaborados pelo comitê
central. E ai, traçavam objetivos... bom a partir de agora vai ser, por exemplo em
relação ao centro acadêmico isso, em relação à passeata que vai ter vamos atuar
dessa forma, contato com outras escolas se a pós-graduação vai se organizar
independente da graduação... são coisas bastantes praticas por um lado e por
outro lado sem abandonar esse lado de estudo mesmo, de análise de conjuntura
tanto nacional como internacional. Então isso eu achei um diferencial muito
interessante. Inclusive em relação a outras tendência”296.
Para Caracol:
“Foi na época de recrudescimento da atividade estudantil (...) que este
posicionamento tomado pelas entidades estudantis nas atividades de massa,
grandes assembléias (...) deu vazão para o movimento naquela época (...) a minha
política principal era esta: de cooperar com os centros de base, uma política
aberta de luta pelas liberdades democráticas na época (...) marcada por várias
posições, pelos remanescentes dos antigos grupos guerrilheiros, com uma
atividade burguesa, pequeno-burguesa, democrático-burguesa”297
O ano de 1974 na USP, por sua vez, começa marcado por forte repressão
acadêmica: com a prisão de inúmeros alunos, professores, com a invasão do CA Visconde
de Cairú (Economia), intervenção em show de Alaíde Costa, fechamento de salas
(barracos) e proibição da Semana de Poluição e Ecologia298. No Boletim Interno do CA XI
de Agosto, os estudantes denunciam a invasão da sala de imprensa do CA Visconde de
Cairú pela Polícia política, “uma das mais antigas e representativas entidades estudantis
do estado”. Segundo o boletim:
“...roubaram (termo jurídico usado para configurar ato violento de apoderar-se de
algo que pertença a outrem) um mimeógrafo do centro Acadêmico. Se não
296
Entrevista de Antônio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 297
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 298 Perspectiva. Ciências Sociais/USP, junho de 1974 desde o final de março
214
bastasse, além do roubo, seqüestraram (termo jurídico aplicado ao ato de
enclausurar alguém ilegal e violentamente) mais três colegas da faculdade
(também legalmente chamado seqüestro o ato de levar-se pessoa sem ordem
judicial a lugar incerto ou muito bem conhecido como o DOPS), que estão
incomunicáveis como se fossem marginais. O fato das prisões serem
desencadeadas contra a universidade já se tornou uma rotina insustentável, de
contornos imprevisíveis. Essas agressões contra a autonomia univeristária, ontem
agravadas com a invasão do ‘campus’ devem ser repudiadas por todas as pessoas
que crêem numa universidade livre, autônoma, criadora e difusora de cultura.
Quem acredita nessa Universidade não pode concebê-la sob o arbítrio da polícia
política, que a mutila e depreda, privando-a de seus elementops mais
representativos (..) cabe-nos denunciar mais esta arbitrariedade (..); exigir um
ponto final nesta onda de prisões (..) Cabe-nos sobretudo, assumir
conscientemente a atitude de dizer basta a esse estado repressivo, gerador de um
clima de total insegurança”299.
No Boletim Informativo do CA Lupe Cotrim de maio de 1974 (então com o PCB)300,
também encontramos no editorial uma análise dos acontecimentos repressivos na USP e
da preocupação das autoridades com as manifestações ocorridas na USP, em particular,
com o restabelecimento da vida política nas entidades e emergência de palavras de ordem
como “liberdade para os presos políticos”, “liberdade de manifestação e organização”,
“contra o ensino pago”301.
E em meio às prisões, seguida pela dificuldade em localizar, defender e libertar
estudantes, professores, entre outros presos, ocorre a criação no interior da USP de um
movimento de recolhimento de dados, denúncia e mobilização pela soltura de presos
políticos conhecido como Comitê de Defesa dos Presos Políticos (CDPP), que chega a reunir
no espaço da universidade diversas autoridades civis, além de familiares dos presos, num
299
Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1353 300
Nesta gestão, segundo Célia Azevedo, o CA contava com a presença de Sérgio Gomes, Paulo Markum e Diléa Frate. Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 301
Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1344
215
esforço cívico de defesa da liberdade302. Este Comitê nasceria fruto não apenas das ações
repressivas, mas do entendimento de que o enfrentamento da ditadura militar se tornava
inevitável, razão pela qual o mesmo comitê adotara uma estrutura de mobilização original,
fundada em assembléias e comitês com funções especializadas. Com um corpo de
definições políticas bastante claro, esta experiência repetia, de fato, o formato dos
Comités de Défense contre la Répression ou ainda, dos Comités d’Action Universitaire e
Comités d’Action.. criados no calor das ações estudantis parisienses de maio de 1968 e
associados, originalmente, ao Mouvement du 22 Mars, “que reunia várias correntes
libertárias e maoístas Espontaneístas”303.
Sua formação se deu com base numa sugestão apresentada em assembléia,
procurando as militâncias organizar com rapidez – para não perder a iniciativa - duas
comissões capazes de iniciar um trabalho de recolhimento de informações para denúncia
e fornecimento de apoio jurídico. Em termos gerais, as concentrações se davam nos
“barracos” de Ciências Sociais (ao lado da ECA) e nos prédios de Arquitetura e História304 e
a cada nova prisão, as comissões acionavam os setores de imprensa e de assuntos
jurídicos do Comitê (instalado nos “barracos” da Ciências Sociais), distribuindo as
informações (sobre novas prisões e solturas) pela imprensa estudantil, entre eles, pelo
Jornal “A Ponte: quando o muro separa”305, de origem trotskista lambertista. As
comissões, por sua vez, ganharam maior intensidade na medida em que novas
302
Segundo os analistas do DOPS, o “...desmantelamento, pelos órgãos de segurança como o DOI-CODI, II Ex e DOPS-SP, de organismos terroristas como o MR-8, a TL-ALN, com a prisão de estudantes e professores universitários (..) A pronta ação dos órgãos de segurança fez com que o ‘Comitê de defesa dos presos Políticos tivesse vida efêmera”. Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194. 303
BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, p24 304
Gol a Gol nº13 DCE UFMG 10/10/74 e Romagnoli, Luiz Henrique e Gonçalves, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p 20. 305
O jornal A Ponte cumpriu um papel central, e por isso mesmo recebeu uma atenção especial dos órgãos de segurança que, imediatamente, abriram um processo de investigação específico. No número de maio de 1974, por exemplo, encontramos a informação de que 69 novas pessoas haviam sido presas políticos, contabilizando-se ainda, 23 libertações. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1403.
216
assembléias conseguiam envolver um montante maior de estudantes, ensaiando-se
sustentar um movimento emblemático e corajoso, ainda que por breve período.
Jornal A Ponte quando o muro separa; Imagens (sem identificação) de http://plaggiado.blogspot.com
As perspectivas de enfrentamento do “Comitê de Defesa dos Presos Políticos”
tinham por base informar a defender os estudantes, mas também “vazar” certas
informações de enfrentamento (ocorridas no espaço da universidade) para a imprensa e
daí para a sociedade, originando-se dele importantes contatos entre as ações estudantis e
certas instituições civis como a OAB, órgãos da Igreja e MDB que chegam a conferir apoio
ao Comitê306. Estes acontecimentos aparecem registrados em relatório interno do DOPS-
SP nos seguintes termos:
306Em relatório do DOPS podemos ler: “Fontes da Igreja disseram que a presença do advogado José (não João, como foi relatado anteriormente) Carlos Dias no comício aconteceu em resposta direta a um apelo feito por líderes estudantis ao cardeal-arcebispo Arns para que apoiasse o esforço de fazer com que as autoridades reconheçam as detenções de estudantes e garantam a inviolabilidade física deles e seu acesso a um processo judicial correto. Dias disse a representantes do Congen que o cardeal concordou com seu parecer segundo o qual a arquidiocese não deve participar do comitê enquanto membro formal. 9. Ao mesmo tempo em que reconhece que sempre é arriscado tirar conclusões de manifestos não autorizados, o Congen ressalva que pelo menos um comunicado que afirmava falar em nome dos centros estudantis das escolas de Ciências Sociais, Filosofia, Letras e Psicologia deprecia o MDB, descrevendo-o como “não partido” reacionário e oportunista, e acusa a Igreja de estar interessada unicamente em “defender suas terras e sua posição privilegiada”. Ademais, não obstante a declaração do chefe de segurança do Ministério da Educação segundo o qual trabalhadores estariam se unindo ao movimento estudantil, o Congen vê com ceticismo a idéia de que trabalhadores em número significativo estariam dispostos a se deixar atrair para um movimento político que tem suas origens na universidade. 10. O bispo adjunto Dom Benedito Ulhoa Vieira, a quem o Congen consultou para determinar se o problema estudantil tinha prejudicado a expectativa da Igreja de uma melhora nas relações com o governo Geisel, respondeu que até agora não aconteceu nada que levasse a arquidiocese a duvidar...” Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP OP1194
217
“A Universidade de São Paulo continua em estado de tumulto, mas a libertação
relatada da maioria dos estudantes detidos parece ter reduzido o clima de
exacerbação importante para o nível de tensão (...) Tendo reacendido o interesse
dos estudantes nos problemas políticos tanto no campus quanto nacionais, a
estratégia dos ativistas pode ser a de concentrar-se primeiramente na
reorganização das uniões estudantis em bases mais militantes. O recém-criado
“Comitê para a Defesa dos Presos Políticos” não parece ter avançado, porém, e a
muito alardeada aliança com outros setores populares parece ser mais um
objetivo não alcançado do que uma realidade. Fim do resumo”307.
Por outro lado, com o esvaziamento da participação estudantil os objetivos do
movimento parecem se interromper, razão pela qual o Comitê chama uma assembléia
deliberativa em 27 de abril, que conta com a presença de cerca de 150 pessoas, para
definir “uma orientação concreta para enfrentar os problemas políticos e organizativos
surgidos com o fim das últimas mobilizações e definir os meios de encaminhá-las”. No
curso da assembléia, os debates se acirram em torno da questão da estrutura do comitê
(comissões), seguindo-se várias propostas trazidas por alunos do CEFISMA (CA de Física da
USP), por um grupo de alunos da Escola de Sociologia e Política e da Economia/USP, por
integrantes do CA Visconde de Cairú e do Grêmio da Poli que acabam convergindo no
princípio de que, antes de tudo, tratava-se de:
“...voltar à divulgação dos objetivos políticos que acreditamos realmente estarem
ainda de acordo com as possibilidades concretas de atuação e com os anseios de
vários grupos sociais que se opõem à ditadura, que sintetizam as aspirações gerais
e possam ser traduzidas em perspectivas de lutas possíveis a cada momento.
Assim, divulgar significaria levar: 1) denúncias de prisões políticas; 2)
reivindicações específicas e notícias de lutas pelas liberdades de expressão,
307
Relatório IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332
218
reivindicação e organização de todas as camadas populares; 3) sistematização do
aprendizado nas lutas pelo Comitê e outras anteriores”308
Na avaliação do jornal A Ponte, que trazia com detalhes a dinâmica da luta travada
pelo Comitê, chegara-se à conclusão que:
“...Longe de negar a necessidade de uma ampla participação de massa, esta
proposta procurava definir uma política de divulgação que sintetizasse as
experiências, propagasse as reivindicações e lutas travadas, preparando futuras
mobilizações. Porta voz centralizador de todas as lutas e reivindicações,
incentivando debates e sintetizando propostas, poderia tornar-se instrumento de
lutas futuras e embrião de novas formas de organização setorial”309
Nas lembranças de Geraldo Siqueira:
“..Nós mobilizamos a USP para fazer grandes concentrações no que chamamos de
Comitê em Defesa dos Presos Políticos, CDPP. Eram imensas assembléias, ora na
FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP], ora na História e Geografia.
Veio gente de fora, advogados, famílias de presos... aquilo durou duas semanas.
Chegou a Semana Santa e tínhamos uma assembléia dessas na História e
Geografia. Descobrimos que havia alguma coisa errada. Montaram barreiras na
entrada da USP, deixaram a saída solta e cortaram a luz na cidade universitária
inteira. Era fim de tarde, foi anoitecendo e nós vendo que não chegava mais gente.
O pessoal começou a entrar em pânico, a acender fogueiras, isqueiros, velas.
Alguém chegou e falou que havia uma barreira e ninguém entrava mais na USP.
Todo mundo entrou em pânico e começou a sair dali. Parecia o afundamento do
Titanic [risos]. Na semana seguinte, intimação para depor no Dops. Em 1974, já era
o Geisel e havia uma orientação diferente. Se o cara fosse de uma organização
308
“Da Assembléia do Comitê”. A Ponte: quando o muro separa IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332. 309
“Da Assembléia do Comitê”. A Ponte: quando o muro separa... IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332
219
clandestina nacional, tipo ALN, AP, aí era pau no terceiro andar. Quando fosse do
movimento social, era interrogar sem tortura. Isso ficou evidente. Fui para o
interrogatório com o Delegado Clyde, mas ele estava nitidamente contrariado. Aí
veio uma pessoa servir café numa bandeja. Ele parou e o escrivão perguntou se ele
não ia fazer a última pergunta. Ele respondeu: “O que adianta fazer pergunta
desse jeito, com cafezinho?” O cara estava puto com a orientação. Fez a última
pergunta: “Você sabe o que é o Primeiro de maio?” Eles estavam atrás da
organização trotskista que se chamava Primeiro de Maio, que era oriunda da
Liberdade e Luta, a Libelu. Respondi: “Claro, é o dia do trabalhador.” Ele virou para
o escrivão e gritou: “Tá vendo? De que adianta fazer pergunta com cafezinho?” O
movimento estudantil na USP ia só crescendo.”310
Na ocasião, segundo Celia Azevedo:
“Esses anos de conversas nos pátios da ECA, de leituras marxistas disciplinadas em
casa, e de participação num movimento inicial pela libertação dos presos políticos
– ou seja, até o final de 1974 quando me formei – valeram como uma espécie de
Universidade para a Revolução. Fiz, em suma, um GER (grupo de estudos
revolucionários) informal, orientada por um amigo trotskista que também não
encontrava nada de valor nas salas de aula. A militância organizada, trotskista,
devidamente informada por um GER formal, começou no ano seguinte, já como
jornalista; mas isto já é outra história”311.
Nas lembranças de Caio Túlio Costa, então integrante da Frente Estudantil
Socialista:
“...liberdade de luta vem com o som das lutas pela liberdade democrática e veio ali
ao redor a criação do comitê de defesa dos direitos dos presos políticos. Em
310
Geraldo Siqueira Filho. Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller Data da entrevista: 01/12/2004 311
Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011
220
seguida nós (...) depusemos o centro acadêmico e fizemos a greve pra tirar Manuel
Nunes Dias que era o diretor da ECA”312
É importante destacar, também, que no curso dos acontecimentos o CCA lança a
“Carta Aberta ao Reitor e às Autoridades Universitárias”, documento que denunciava a
ocorrência de “verdadeiros sequestros” de estudantes na USP por ação dos órgãos de
segurança, que a mesma situação motivara o “imediato protesto de estudantes,
parlamentares do MDB, da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz e familiares de presos”, e
que “...Em nenhum momento nos foi informado onde estariam os colegas, qual as
acusações que lhes imputavam, qual seu estado, físico e mental”. O documento também
registrava que “dezenas de universitários, inclusive presidentes de Centros Acadêmicos e
representantes no Conselho Universitário foram intimados a prestar esclarecimentos no
DOPS, sendo aí ameaçados e, num claro desrespeito à lei, fichados como comunistas. Esta
atitude fere profundamente a Universidade e o direito à opinião e manifestação do
conjunto dos estudantes”. Por fim, o CCA pedia ao Reitor:
“...imediatas providências quanto à anulação das fichas dos colegas’, ou ainda o
ato de “repudiar publicamente a atitude dos órgãos de segurança” (..) já não são
novidades para nós a arbitrariedade, o desrespeito à lei e aos direitos elementares
do cidadão por parte dos órgãos policiais. Mas ao longo destes anos de repressão,
intimações e pressões, os estudantes tem defendido com firme convicção suas
entidades representativas e seu direito de lutar por uma Universidade onde o
debate seja aberto a todos e a liberdade um direito coletivo”313
Em meio à violência repressiva, portanto, as discussões sobre as formas de
organização e os sentidos da participação que se achavam em recomposição na
universidade, e que pouco a pouco davam forma ao movimento estudantil da USP, já
312 Depoimento de Caio Túlio Costa para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. Caio Túlio Costa pertencia à FES, organismo político próximo à Organização 1º de Maio. 313
Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1329
221
despertavam embates entre as organizações clandestinas motivadas em boa medida pela
variação das experiências políticas e pela intensidade das assembléias que já excediam,
em muito, o controle organizado. E esta situação permitiria aos trotkistas lambertistas
fazer circular pelo jornal A Ponte a avaliação de que:
“O saldo deste ano de 1974, visto como parte de um lento processo de
reorganização do ME a partir do desbaratamento de suas direções (1968/1969), é
representado pelo fato de um organismo criado pelos estudantes, o CDPP, ter
colocado na ordem do dia temas fundamentais como o papel dos estudantes na
luta por liberdades políticas, as alianças que devem ligar os estudantes a outros
setores da sociedade, chegando-se ao vislumbre da única aliança
conseqüentemente democrática que é a dos estudantes se colocarem junto às
fileiras das massas exploradas no Brasil, da classe operária”314.
A dinâmica no campus da USP no primeiro semestre de 1974 também pode ser
observada no seguinte relato do DOPS:
“Desde a retomada das aulas, em 15 de abril, o campus principal da USP continua
em estado de efervescência, com reuniões e assembléias estudantis continuando a
ser marcadas e grande quantidade de comunicados sendo emitidos pelos
diretórios estudantis de várias escolas e departamentos, além de outros em nome
do recém-formado “Comitê para a Defesa dos Presos Políticos no Brasil” (...) Os
folhetos e outros materiais de leitura que circulam no campus variam em estilo e
conteúdo, desde reclamações sobre questões administrativas que preocupam a
número restrito de pessoas, tais como a alta nos preços do restaurante
universitário, até um ataque ideológico total contra os fundamentos subjacentes
ao “milagre brasileiro” e o próprio “sistema”, que um panfleto caracteriza como
“ditadura militar” a serviço do “capitalismo monopolista”. Vários mimeógrafos
314
Polêmica - março 1975, Edição especial para Calouros In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1359
222
estão em funcionamento, refletindo possíveis divergências entre diferentes grupos
estudantis quanto a abordagens táticas e possíveis pontos de vista”315
Na FFLCH, considerada “um perigoso foco de agitação na USP, entre tantas outras
coisas, pela relativa mobilização que conseguiu nos barracos com o Comitê de Defesa dos
Presos Políticos”316, o pedido de demissão do Prof Eduardo D’Oliveira França, diretor da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (devido às pressões que vinha
sofrendo dos órgãos de segurança para cumprir funções repressivas e delatoras)317
desperta entusiasmo, situação que, somada a outros sinais, trazem novas preocupações à
administração universitária e aos órgãos de segurança, conforme fragmento de relatório
do DOPS:
“...os ativistas estudantis podem estar visando mobilizar o conjunto dos
estudantes para apoiar a reforma e reorganização dos centros acadêmicos até
agora dormentes para que se convertam em uniões estudantis mais militantes,
com o objetivo de recriar um Diretório Central dos Estudantes no nível da
universidade e, no nível nacional, uma organização estudantil interuniversitária
semelhante à proscrita União Nacional de Estudantes (UNE) (...) As autoridades
enxergam o problema basicamente em termos de uma “pequena minoria de
agitadores comunistas no campus, financiados e dirigidos desde o exterior”, que
estariam testando o novo governo Geisel, buscando determinar até que ponto ele
pretende permitir uma maior liberdade de ação política, se é que o pretende (...)
os líderes estudantis incluem membros de conhecidas organizações terroristas,
cassados e outros que claramente se enquadram na definição de “subversivos”
315
Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194 316
Neste contexto, o jornal A Ponte denunciava: “Coerente às outras medidas restritivas que vem sendo tomadas na USP, bem mais freqüentes ultimamente, o diretor da Escola não permitiu que fosse utilizado o anfiteatro do Biênio. A palestra acabou sendo realizada na sala 16, onde fica a sede do Grêmio, se desenvolvendo com grande participação, envolvendo nos debates assuntos como censura, dependência dos meios de comunicação a grupos econômicos, o jornalismo como empresa, a importância da imprensa estudantil” A Ponte IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1429 317
Ver: Revista Visão, 11/03/1974, p155
223
feita pela Lei de Segurança Nacional (...) os detidos incluem não apenas estudantes
da USP, mas também alunos da Universidade Católica, acadêmicos e outras
pessoas de fora, e que eles foram flagrados conspirando ilegalmente contra a
ordem estabelecida.”318
Nas lembranças de Caio Túlio Costa:
“...A semana de calouros de 1974 foi uma semana em que não tinham trotes, não
tinham pegadinha na rua... não existiu isso. Quem gostava de dar trote era o
pessoal do partidão; para o pessoal da libelú a semana de dar trote era uma
semana de discussão política, discussão de conjuntura, como se falava na época.
Explicação da questão da universidade, da questão da ditadura. Traziam
professores pra falar, traziam pessoas de fora do centro acadêmico, panfleto
chamando pra mobilizações e grupos de teatro, grupo disso, grupo daquilo ...
grupo de estudo. Eu imediatamente me engajei num grupo de estudo pra ler O
capital. Começamos a ler toda aquela literatura que seriam muitos em espanhol.
Tinham poucos livros em inglês, poucos livros em português. Líamos O capital na
tradução […], liamos O Manifesto Comunista, líamos A sagrada família. Todos os
livros do Lenin era devorados... O pessoal do PC do B lia os livros do Mao Tsé-
tung... enfim, era uma farra de leitura, aprofundamento e discussões. Então era
uma formação que, digamos, marxista leninista muito forte e a gente mesmo fazia
grupo, não tinha líder do grupo. Quem estudava ciências sociais ajudava nas
questões, quem estudava economia ajudava nas questões econômicas. Então
líamos muito, (...) cada um tinha suas tarefas muito especificas, tinha quem
escrevia, quem manejava o mimeógrafo... tinha que imprimir (...) tinha que
convocar pra isso, convocar pra aquilo, tinha que vender o jornal, tinha que fazer o
jornal ... eu fazia o jornal... “319
Para Caracol:
318
Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194 319
Entrevista de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. Importante destacar que o depoente se refere a grupos trotskistas que dariam origem à Liberdade e Luta em 1976.
224
“...A FAU tinha um dos cineclubes mais famosos da universidade. Era um cineclube
que, além disso, editava um caderno chamado Trabalho e Sociedade, com textos
do Lukács, textos sobre ética, sobre Trotsky... tinha uma programação de cinema
que era fantástica!. O cineclube da FAU [projetou] a maior parte dos curtas
metragens do Herzog, do cinema alemão, do cinema polonês, que, na época, era
uma novidade absoluta... O cineclube da história, geografia, também tinha uma
atividade muito intensa. Existiam grupos de teatro em várias escolas... Havia nas
ciências sociais (...)“...Brecht, o grupo de teatro da Escola de Artes Dramáticas, já
naquela época, começava umas abordagens bastante interessantes... Esse grupo
de teatro daquela época deu origem ao Ornitorrinco (...) Várias montagens do
Brecht...(...) Em alguns momentos, a atividade cultural era meio que uma atividade
oficial dos estudantes. Na POLI, com o teatro da POLI, o GTP [Grupo de Teatro da
Poli] era um dos atos oficiais do grêmio da POLI (...) O que eles faziam era divulgar
as múltiplas atividades que tinham e abrigar atividades muito diferentes. Então, o
que eu acho é que a animação da vida política, como política de massas, abria
espaço para que várias manifestações culturais pudessem acontecer (...) era um
período que você tinha uma atividade bastante intensa”320.
Nesse contexto (e nos demais) os militantes trotskistas (em particular, os
lambertistas) apontados pelos órgãos de segurança como “subversivos”, “agitadores”,
“minorias esquerdistas” não se deixavam identificar devido aos procedimentos de
segurança que adotavam e que os levava a experimentar diferentes níveis de
clandestinidade, traduzidos por Juleusa Turra (então integrante do Primeiro de Maio)
como “várias vidas”.
“...não se usava nomes, usava-se uma transição do nome que a pessoa tinha, o
apelido e o nome de guerra. Então tinham pessoas que a gente só sabia o nome de
guerra, tem pessoas que até hoje eu só sei o nome de guerra. Tinham pessoas que
só tinham apelidos, apelidos juvenis, de gozação (...) Você vivia a sua vida em
várias dimensões e isso é extremamente significativo porque ela não é a vida
320
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
225
dupla que finjo que sou uma coisa e sou outra, mas é a vida que vem entrelaçadas
de coisas diferentes... dentro, portanto, da organização, que não é a tendência,
dentro da organização eu aprendi a conviver com pessoas diferentes e que não
eram estudantes e, aí, eu achei que eu tinha feito parte não da universidade em
movimento, mas era o mundo em movimento. Era conhecer as pessoas que
tinham outras referências, não eram muitos, mas que tinham outras referências,
esses eu não sei o nome, mas para quem eu tinha que levar um documento aqui,
outro lá e tinha que aprender a adar sem olhar pra trás e tinha que aprender a
despistar a policia...”321
Na esfera clandestina, por sua vez, questões relacionadas com os processos
políticos mais amplos ocupavam espaço fundamental e neste caso, vale considerar que
desde o ano de 1972 as organizações OC 1º de Maio, Fração Bolchevique Trotskista e
Grupo Outubro vinham estabelecendo entrelaçamentos, acompanhados de perto pela OCI
francesa e por instâncias do CORQUI, num processo que pouco a pouco os aproximava nas
leituras e proposições de ação política. No ano de 1974, propriamente, a OC 1º de
maio/FES e a Fração Bolchevique Trotskista/FBT participariam de atividades do Bureau
Internacional do CORQUI; estas relações, de qualquer forma, ainda não indicavam uma
fusão dos grupos, que permaneciam focados em suas próprias atividades. Mas as leituras
apresentavam articulações... e no ano de 1974, que tivera início com a eleição (pelo
colégio eleitoral) e posse, em março, do General Ernesto Geisel para a presidência do país,
também registrara a nomeação de Golbery do Couto e Silva como Ministro-chefe do
Gabinete Civil, seguindo-se a proclamação, em agosto, de uma distensão política – de uma
“abertura lenta, gradativa e segura” -, três meses antes das eleições para o Congresso
Nacional322. Estes acontecimentos, percebidos como sinais de afrouxamento do regime
militar, reforçavam a leitura sustentada entre os grupos trotskistas (lambertistas), de que:
321
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 322
Nas eleições de 1974, o MDB elege 16 de 22 senadores e conquista 44% das cadeiras da Câmara dos Deputados.
226
“....o regime militar no Brasil, em que pese o crescimento econômico (...) continua
mantendo-se sobre uma base social escassa (...) governando por cima dos partidos
políticos, inclusive o partido ‘do governo’, e o regime mantém-se ‘não
institucionalizado’. As raízes do desprestígio social do goveno militar estão, em
parte no tipo de desenvolvimento que lhe é possível fazer em termos capitalistas:
atração de capitais estrangeiros, intensificação das exportações, salários baixos e
concentração da riqueza; em parte no ascenso da revolução mundial e na
consequente incapacidade da burguesia em criar um movimento de massas
reacionário. Por isso não se institucionaliza o regime militar. Não pode
institucionalizar seu regime de força porque a revolução mundial e sua falta de
base social não lhe concede facilidades para impor uma constituição tão
reacionária quanto necessita. A perspectiva do desenvolvimento econômico
integrado ao imperialismo é incompatível com a eliminação do atraso social e da
miséria da maioria da população (...) No Brasil existe uma revolta latente na
maioria da população contra o regime militar (...) Nas atuais circunstâncias, uma
mobilização operária teria caráter explosivo. Inevitavelmente criaria um
enfrentamento direto contra o regime militar e arrastaria a massa da pequena-
burguesia em seu apoio. Organizar e dar capacidade de mobilização à classe
operária é a chave para a ruptura das atuais condições sociais brasileiras. Mas a
mobilização do operariado, mesmo quando provoca explosões de grande
envergadura no movimento de massas, apenas conduz a um novo ponto de
equilíbrio nas relações de dominação burguesa. Salvo se o operariado estiver
organizado independentemente, que exige a presença de um partido marxista
que lhe constitua o sólido núcleo. Para criar a organização independente do
proletariado, é necessário estar munido dos conceitos gerais que a tornam
possível (...), antes de mais nada, da concepção da luta pela construção da frente
única proletária, tendo em vista unificar o proletariado como classe, contra a
burguesia”323
323
“Perspectivas da Luta de classes no Brasil”. Outubro de 1973 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002
227
Neste caso, ao final das eleições, a “Tendência pela Aliança Operária-Estudantil’”
(nome assumido pela Fração Bolchevique Trotskista/FBT) lançava o documento “Eleições,
e agora?”, com a seguinte avaliação:
“...Podemos afirmar mesmo que os resultados dessas eleições configuram a maior
votação já dada neste país a uma legenda política. Os homens do governo e da
ARENA, entre assustados e apreensivos, proclamam como avestruzes que se
tratou sobretudo de uma vitória do presidente Geisel. Sem medo do ridículo,
afirmam também que se tratou de uma vitória do governo, que foi capaz de
assegurar eleições livres e democráticas. Os homens do M.D.B., entre
deslumbrados e preocupados (pelas responsabilidades que os resultados fazem
cair sobre suas costas), declaram que se tratou de uma vitória da ‘oposição’
porque ela foi capaz de sensibilizar os trabalhadores para suas idéias, seu
programa e suas palavras de ordem, porque ela foi capaz de interpretar os anseios
mais profundos do povo. Palavras, palavras e mais palavras, apenas isto! Os
resultados das eleições constituíram-se na mais clara e definitiva condenação, por
parte das massas trabalhadoras e por parte de amplas massas de jovens, do
regime de arrocho salarial e da carestia de vida, do regime que acabou com a
estabilidade no emprego e que criou péssimas condições de vida para os operários
e trabalhadores em geral; da ditadura que instaurou a censura e a arbitrariedade
permanente, do regime das prisões e das torturas, da ditadura que instituiu o 477
e aboliu as liberdades democráticas. Mas uma condenação não apenas da parte
dos que votaram como também dos que não puderam votar – poderíamos
imaginar uma melhor pesquisa de opinião do que estas eleições? Os resultados
dessas eleições nos permitem prever que o movimento de massas caminhará com
maior vigôr no sentido de passar do nível subterrâneo, a que agora esteve
confinado, ao nível da luta aberta (...) As manifestações de descontentamento, até
agora dispersas e isoladas, tenderão a ganhar cada vez mais força e concisão, dada
a confiança que os resultados infundiram nas massas. Cada setor delas sabe agora
228
que não pensa e age isoladamente, mas que conta com a compreensão de seus
companheiros de todo o país”324
Na esfera clandestina, mas também por meio de panfletos distribuídos na
universidade, os trotskistas (lambertistas) veriam nos resultados das eleições, as
condições para acirrar os posicionamentos, reforçar as entidades e acelerar o processo de
“reconstrução de nossas organizações, desde o nível universitário (DCEs) até o nível
nacional, isto é, a UNE”, considerando que:
“Mais do que nunca a hora não é para divisões mas sim para a frente única dos
que lutam pela queda da ditadura, dentro da perspectiva do governo operário-
camponês, do governo dos trabalhadores (..) diante das perspectivas que se abrem
após o 15 de novembro devemos ver com clareza que o nosso futuro só pode estar
ligado ao proletariado, aos explorados pelo capital (...) “Avante pela derrubada da
ditadura militar! Viva as liberdades democráticas! Pela reconstrução da UNE! Pela
aliança operário- estudantil! Viva a classe operária!”325
Por outro lado, reforçar as entidades e reconstruir as organizações implicava em
conferir propósitos ao movimento, afinal, a luta política que se propunha levar não se
achava circunscrita ao território acadêmico, mas pelo contrário, era de ordem social,
tornando-se essencial estabelecer entendimentos comuns quanto às formas de luta,
constando aqui os conceitos de partido, de socialismo, de revolução, ou ainda, as
concepções de tática, de política de alianças, entre outras. O documento intitulado “Brasil
Socialista: o debate escamoteado”, neste sentido, é esclarecedor. Nele, podemos ler:
“Acaba de aparecer o primeiro número de “BRASIL SOCIALISTA”, revista que
publica artigos e documentos de três organizações, MR-8, AP-ML e PO, que se
324
“Eleições, e agora?” Tendência pela Aliança Operário-Estudantil. Documento sem data, provavelmente do final de 1974 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 325
“Brasil Socialista: o debate escamoteado” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002
229
reivindicam ‘a fração mais avançada, consciente e profissional da tendência
proletária. Expressão de uma certa corrente da vanguarda brasileira, esta
publicação se situa numa área do pensamento político caracterizado pela
resistência empírica de um lado à política contra-revolucionária do PCB e de outro
ao não menos nefasto guerrilherismo-castrista, manifestação particular do
vanguardismo pequeno-burguês. Estas organizações se propôem intervir nas lutas
concretas que leva o proletariado e na sua organização independente como classe,
a partir dessas lutas. Objetivos que são fundamentais para nós e centro de nossa
atuação política. E para levá-los a cabo, estamos dispostos a estabelecer um
trabalho conjunto, de frente, com qualquer organização operária – independente
de divergências programáticas ou de perspectiva de unificação. Por estas razões
julgamos importante desenvolvermos algumas considerações sobre os objetivos
que se propõem “BRASIL SOCIALISTA”, os métodos de discussão que utiliza e o
programa unitário que apresenta”326
A análise que os trotskistas (lambertistas) fazem da nova revista conclui que as
organizações não compartilham de um mesmo entendimento acerca da “revolução
socialista”327, da “luta de classes”328, ou ainda, do conceito de “proletariado”329, tratando-
se de imprecisões teóricas originadas das:
326
“Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p1 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 327
Segundo o documento: “Uma coisa é falar em ‘revolução socialista’, que pode ser considerado sinônimo de ‘revolução proletária’, outra bem diferente é falar de ‘Brasil socialista’ como perspectiva revolucionária. A revolução proletária tem necessariamente caráter internacional. A luta do proletariado contra o capitalismo é internacional por sua natureza, ainda que os partidos da classe operária se organizem em termos nacionais e ainda que o desenvolvimento desigual da luta de classes faça com que seja inevitável uma defasagem no processo revolucionário de um país para outro. Mas tal defasagem não muda a natureza da revolução proletária; apenas torna mais complexa a luta dos revolucionários em cada país (..) Em contraposição, fixar-se como objetivo um ‘socialismo-nacional’ (que é uma contradição no próprio termo) significa aceitar as falsificações teóricas que divulga o stalinismo, dando como socialistas os estados operários degenerados ou deformados (...) E justamente esta aceitação implícita da tese fundamental do stalinismo, mostra que o rompimento com o PCB, dos grupos que compõem a revista em questão, é superficial. Embora a perspectiva de um ‘Brasil Socialista’ não seja aceita pelo PCB. Este não aceita porque é uma perspectiva ‘esquerdista’, derivada do anti-imperialismo pequeno-burguês, e que, como tal, prejudicaria sua política de aliança com a burguesia. Porém aceita e sustenta o mito dos países ‘socialistas’, onde a revolução estaria encerrada e que podem coexistir pacificamente com o mundo capitalista”. “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p5. Op. Cit. 328
Segundo o documento: “...Através da organização independente e das lutas da única classe capaz de propor soluções que significam superação dos problemas criados pelo capitalismo, os marxistas defendem,
230
“...influências contraditórias que atravessam ‘Brasil Socialista’. Influências que vão
do stalinismo, passando pelo castrismo, ao marxismo revolucionário. Influências
cujas fórmulas resultantes não podem ser justapostas nem amalgamadas. São
inconciliáveis. Os membros do ‘Brasil Socialista’ devem fazer de sua revista um
instrumento para separar as posições marxistas das demais. Não para confundi-las
entre si. Sem isso, a união de forças que a revista procura realizar é inviável. E
mesmo que seja alcançado, será um aglomerado de confusões que explodirá ao
primeiro abalo mais forte da luta de classes”330
De fato, são nas discussões clandestinas que conseguimos identificar as
divergências sutis entre as organizações, ou ainda, perceber as leituras que orientam seus
procedimentos no espaço da universidade331. Entre os anos de 1974 e 1975, a
em última análise, os interesses mais profundos da humanidade. Nesse sentido geral, os marxistas não defendem interesses limitados a uma classe ou setor social particular. Porém dentro de tal objetivo, ligam-se à luta pela defesa quotidiana de cada setor oprimido, visando a organizá-los sob a direção política do proletariado. O programa proletário expressa as aspirações, não apenas da classe operária, mas sim de todos os setores que o capitalismo é incapaz de incorporar a seu sistema de privilégio, ao mesmo tempo que serve de ponto entre essas aspirações e a superação do regime. A partir dessa compreensão, a tomada, pelo proletariado, de reivindicações de caráter democrático-burguês ou que visem à eliminação do atraso econômico, tal como a reforma agrária, pode ser vista, não como manobra circunstancial, mas sim como parte integrante da luta de classe operária contra as sequelas da decadência capitalista, e como tal inseparável da luta por suas próprias reivindicações mais diretas. Sem isso, a classe operária fica reduzida a um setor a mais da sociedade burguesa, um setor que se soma aos outros e que apenas tem uma alternativa, ao lado da alternativa burguesa, para a sociedade. O programa proletário não é uma mera alternativa ao programa burguês. É uma superação. Ou seja, é fruto do desenvolvimento necessário intrínseco à evolução do capitalismo, para o qual não há qualquer alternativa burguesa de auto-renovação” “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p7. Op. Cit 329
O documento indaga: “O que significa a expressão ‘trabalhadores da cidade e do campo’? (..) É
absolutamente necessário esclarecer essas questões (..) o termo ‘trabalhador’ não sendo sinônimo de ‘proletário’, o que é perfeitamente válido, fica sociologicamente confuso (..) Parece que há por trás dessa vacilação teórica uma obscura intuição de que o proletariado não pode fazer a revolução sozinho (..)Partindo de tão pobres esquemas da sociedade capitalista e dos ‘trabalhadores’, mesclados com misteriosas intuições de ‘povo’ e ‘lutas populares’, a questão central das perspectivas estéticas na luta contra a ditadura no Brasil, torna-se um problema insolúvel (..)Nessa ‘sociedade capitalista’ que não é um processo dialético historicamente determinado, a luta de classes não é uma necessidade. Precisa ser ensinada”. “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 330
“Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p7 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da
UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 331
No entender de Rosalba Lopez, a Revista Brasil Socialista se apresenta fruto de um “aprofundamento da
análise (...) no qual a inflexão democrática parece ter atingido maiores conseqüências”. Em suas palavras: “..Tais organizações, tendo identificado seus erros vanguardistas, buscam caminhos para aproximarem-se das massas e passam a propor a construção de um partido da classe operária que fosse expressão da
231
aproximação da FES (OC 1º de maio), do grupo Outubro e da FBT redunda, pouco a pouco,
numa interpretação própria das dinâmicas sociais e na proposição de formas de
organização, atuação, ocupação do território associadas ao fortalecimento de
assembléias, comissões abertas e comissões diversas (em lugar da gestão via Cas) – fóruns
nos quais a organização clandestina procura intervir e orientar as massas. Numa
perspectiva complementar, são oferecidos cursos de férias no CEUPES e CEFISMA com o
propósito de discutir o caráter do Estado brasileiro e das classes sociais latino-
americanas332, num esforço de aproximação, convencimento e engajamento contínuo.
No começo de 1975, por sua vez, uma série de panfletos intitulada Polêmica e
produzida pela FES começa a circular no espaço na Universidade causando apreensão dos
órgãos de segurança que inserem boa parte de suas afirmações nos relatórios internos do
DEOPS. Estes panfletos cumpriam com o papel de intervir nos movimentos, propondo
discussões e “bandeiras de luta”, como na “edição especial” para os calouros (março de
1975) na qual se oferecia um retrospecto das principais lutas políticas travadas na
universidade; explicações sobre certas “bandeiras de luta” (em especial, a bandeira “pelas
liberdades democráticas”, que começava a entrar em cena) além do convite de integrar os
debates e movimentações do momento. E na discussão específica sobre democracia, o
panfleto indagava por qual:
“...conteúdo da democracia (..) se luta?” [porque] Se o negócio é trocar fardas por
fraques burgueses sem modificar as relações de exploração que são submetidos
operários e camponeses do Brasil, a aliança é uma; se a perspectiva é de lutas
consciência política dos trabalhadores. A tentativa de formação da Tendência Proletária a partir da aproximação da POLOP, AP, MR-8 e, mais tarde, o MEP, consubstanciada na revista Brasil Socialista, parece indicativa desse campo.” “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. Doutoranda do PPGH da Universidade Federal Fluminense. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006. http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Rosalba%20Lopes.pdf 332 “Curso de Férias – América Latina 1974. CAF-CEUPES.Peru, semi-colônia do Imperialismo”; “Curso de Férias CAF-CEUPES fev 74. A Natureza de Classe do Estado Brasileiro – João Quartim de Morais In Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra.
232
transitórias para a superação do capitalismo e da ditadura de classes (sob a forma
militar ou civil) que ele necessariamente engendra, a aliança é outra”333.
No curso da greve da ECA, entre abril e junho, esta série desempenha um papel
fundamental, não só pela circulação de informações do movimento, como por ajudar a
aproximar o universo acadêmico das lutas sociais - iniciativa que em vários aspectos
ajudaria a acirrar os ânimos estudantis334, conforme podemos observar pela sucessão de
títulos apreendidos pelo DEOPS: “Aceitar a institucionalização da ditadura em luta pela
democracia? (nº2 abril/75); “Comitê: 1º aniversário e a continuidade da luta por
liberdades políticas” (nº3 abril/75), “MDB com vergonha até das aparências” (abril de 75),
“A luta por liberdades democráticas continua” (nº6 abril/75), “Seguir adiante, unir o
movimento” (nº8 maio), “Ampliar, unir e organizar a luta dos estudantes” (nº9 maio),
“Lutas por liberdades democráticas – reorganizar o DCE” (nº10 junho), “Frente popular,
fascismo ou revolução proletária” (nº13 junho), “Unir a luta dos estudantes” (25/agosto).
Atuando como “frente”, a FES percorria um caminho próprio em relação aos
grupos Outubro e Fração Bolchevique Trotskista, ainda que estas organizações se
achassem articuladas por um mesmo direcionamento político (CORQUI). Na visão de
Markus Sokol:
333
Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975 IN “Resumo de considerações políticas
constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975” , pp21/23. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1356 334 Em Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975, podemos ler: “Por outro lado o operariado começa a se manifestar com greves e explosões espontâneas. Mobilizações estudantis são a medida do crescente repúdio à ditadura e da exigência de liberdades políticas de organização e expressão. A luta por liberdades políticas, inseparável da luta pelo socialismo está em pauta. Tudo leva a crer que 1975 será um ano de forte oposição à ditadura. O abono demagógico e o reajuste salarial em quase nada contribuíram para aliviar a situação miserável da imensa maioria da população. O mesmo problema, colocado ao nível internacional, coloca-se agora. Vivemos uma crise de direções revolucionárias. No entanto, é apenas na luta e nas mobilizações que essas vanguardas poderão se forjar e se constituir futuramente, num partido revolucionário da classe operária (...) A combatividade da classe operária e de seus aliados incondicionais ameaça o poder da burguesia nesse período de radicalização da luta de classes a nível internacional, o socialismo ressurge como possibilidade redentora. O socialismo está e sempre esteve na ordem do dia” IN “Resumo de considerações políticas constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975”, pp 21-23. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1359.
233
“... o Primeiro de Maio tinha (...) [o] que eles chamavam de FES... era a fachada (...)
era movimento de massa só que ela era frentista, eles tinham no que no nosso
ponto de vista era errado (...) era uma frente onde tinha várias grupos políticos
disputando lá... Isso dava um dinamismo e ao mesmo tempo era uma trava pra ter
uma intervenção na velocidade que uma greve necessita...”335.
De qualquer forma, esta linha política que há alguns anos vinha estabelecendo
marcas na recomposição do movimento estudantil da USP, não só encontrava eco para
seus posicionamentos de gestão e enfrentamento político da estrutura universitária, como
se achava espalhada por toda a USP, num contexto no qual começavam a se definir
diferentes “bandeiras políticas”, marcos de um processo de embate pelo território político
levado pelas organizações clandestinas. Os estudos, discussões e definições, por sua vez,
se desenvolviam em diferentes escalas (ou círculos concêntricos, nas palavras de Juleusa
Turra), merecendo desta geógrafa e ex-militante a seguinte descrição:
“Então eu fui chamada, eu acho, pro grupo intermediário. Tínhamos (...) reuniões;
eu lembro das reuniões muito fortes, não dos centros acadêmicos, mas reuniões
talvez já nos de 74, 75, pra se discutir a questão de...em 75 (...) o pacote de abril,
era governo Geisel. Então tinha alguma discussão muito pertinente, algumas
mudanças que pudessem acontecer e se considerava que já existia maturidade pra
se lançar algumas palavras de ordem e pra se construir organizações mais fortes
que não centros acadêmicos que eram bastante centralizados. Nesse movimento,
que eu acho que é de 74 pra 75 ( tem que colocar um cronograma de coisas ) (...)
começaram a haver as reuniões desses grupos que eu tô chamando ai de circulo
intermediário, propondo a rearticulação primeiro do grêmio da filosofia, depois de
reuniões que mais de um centro acadêmico e eu comecei a identificar uma
correspondência das pessoas que estavam nas ciências sociais, na filosofia, na
economia, na escola de comunicações e artes, na arquitetura. E ai foram pessoas
que eu fui conhecendo, aprendendo a universidade, mas aprendendo a
universidade pela diversidade dos cursos e pelo compartilhamento da experiência
335
Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005
234
de ser estudante que quer transformar o seu curso ou a profissão decorrente
desse curso, que era muito forte na economia e com o pessoal do jornalismo, por
exemplo. As ciências sociais e a filosofia não tinham esse problema, porque nós
éramos tidos como os pensadores, os formuladores. Mas de repente vieram
pessoas da física. Eu me maravilhava com a ideia de ter pessoas da física
envolvidas no movimento estudantil. E aí começam as discussões que vão
redundar na recriação do DCE da USP. Que é 75, imagino eu”336.
De fato, as palavras de ordem, as bandeiras de luta escondiam trajetórias, leituras
e proposições políticas distintas que, em meados da década de 1970, voltavam a cena
para se integrar a um movimento que insistia em renascer, prestando-se a ser um canal de
comunicação de massa que, em pouco tempo, receberia o reforço de materiais históricos
elaborados e competentes nos esforços de identificar experiências e articular referências
de um passado recente, com a intenção de reafirmar um velho papel de movimento
estudantil (compatível com a recomposição de uma série de organizações políticas) ou de
afirmar um novo papel de movimento estudantil no interior da sociedade.
A legitimidade desta trajetória nascia de uma recusa do legado “vanguardista” em
nome de um trabalho político definido pelo convencimento dos estudantes na luta mais
ampla travada pela sociedade (pela liberdade, democracia, autonomia); pelo engajamento
na busca por uma outra ordem social em que os fundamentos mais caros da vida pessoal
e política se fizessem recolocados ; ou ainda, pelo envolvimento com os estudos marxistas
acerca da sociedade capitalista, de suas contradições e dinâmicas sociais. As leituras e
proposição de organização e atuação, por isso mesmo, deveriam surgir de um trabalho
contínuo de reflexões voltadas a articular questões mais gerais e específicas,
internacionais e locais, em um debate permanente que só se encerrava quando os
integrantes se consideravam convencidos das análises e proposições. Dinâmica que se
repetiria em todas as esferas de organização (clandestina ou não) no propósito de
336 Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005
235
construir uma perspectiva “unitária” da ação trotskista337. Na esfera da cultura, segundo
Caracol:
“...a explosão foi tal que a atividade cultural teve uma presença intensa. Havia
assembléias, duas por semana (...) em 1975, particularmente, quando nós fizemos
o primeiro show de rock, a gente era acusado porque o rock era uma música
imperialista... Era uma disputa muito grande, porque tudo o que não fosse do
campo do nacional popular era rotulado, era patrulhado... O patrulhamento era
muito grande, tanto quanto a repressão do regime. (...) as pessoas não eram
passivas, não aceitavam qualquer coisa, mas não tinha uma visão geral da coisa (..)
a questão da luta política contra a ditadura e pelas liberdades era mais forte (...)
Os centros acadêmicos (...) não tinham, na verdade, um projeto.. Uma discussão
que se fazia, e muito, que era (...) uma luta para colocar a universidade a serviço
da sociedade e dos trabalhadores de uma maneira geral, era uma visão muito
teórica”338
As considerações pertinentes feitas por Luiz Groppo sobre o contexto de 1968,
pareciam agora experimentar mudanças. No entender deste importante pesquisador:
“A contracultura, na sua contestação comportamental hiperbólica e na sua
postura de negar a transformação através da política, seria no início dos anos 1970
um pólo oposto ao da luta armada. Contracultura e movimentos armados
tornaram-se mutuamente excludentes. A posição de ambos negava a possibilidade
de conjugar política e comportamento, ‘a possibilidades da articulação entre
transformação política e transformação individual não estava mais colocada’. Após
1968, desintegrava-se a frente político/cultural de contestação que marcou o
movimento estudantil brasileiro, apesar de seus vários dilemas”339
337 OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado” In REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução.Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Op. Cit., p.336. 338
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996. 339 Groppo, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: Tese (Doutorado) Unicamp, 2001, p. 380.
236
E então, eclode a greve da ECA.... uma greve que perdura entre os meses de abril e
junho de 1975, que por duas vezes se estende por toda a USP e que conta com a adesão
de cerca de dois mil alunos num movimento para depor o diretor da Escola de
Comunicações e Artes, o historiador Manoel Nunes Dias. A recusa radical à gestão de um
dos mais autoritários diretores da USP (mas que também se estende à reforma
universitária da USP) é formulada e gerenciada do espaço da assembléia, de onde surgem,
ainda, outras instâncias coletivas – a comissão coordenadora e um conselho de
representantes (formado por grupos de alunos de cada classe) - num claro e novo desenho
de articulação e deliberação política de movimento; um desenho que permite aos
estudantes integrar diretamente as decisões políticas tomadas pelo movimento. Nas
palavras de Flávio Carrança:
“É um momento que essas mobilizações que estavam isoladas dentro das
faculdades começam a atuar em conjunto. Foi o primeiro momento, porque eu
acho que foi a primeira mobilização. A primeira grande greve e a primeira
experiência de atuação conjunta, onde teve assembléias, onde estudantes da FAU,
de economia, história, da filosofia… se manifestavam, se colocavam politicamente
e que as correntes políticas existentes dentro da faculdade se confrontaram
explicitamente e tal. Por que havia esse confronto mas no âmbito interno das
Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)
1971/1978
237
faculdades, nesse momento a correntes saem a campo e se defrontam num
movimento que transcende o âmbito das escolas específicas …”340
No curso da greve, o agente de segurança responsável pelo relatório diário de uma
das assembléias registra uma “acirrada discussão entre dois grupos antagônicos”,
captando com clareza toda tensão interna que então se estabelecia em torno das formas e
bandeiras de movimento341. O que se colocava em questão, naquele momento, era a
criação de uma estrutura de organização capaz de submeter seus órgãos internos de
decisão às instâncias mais amplas e participativas de movimento (no caso, uma diretoria
“perpassada” por reuniões universitárias mensais e subordinada às Assembléias Gerais
Universitárias), fruto de uma ânsia por democracia amplamente proclamada, mas que
muitas organizações marxistas não pretendiam exatamente abraçar, preferindo defender
uma estrutura não tão “aberta” e participativa quanto a defendida pelos trotskistas. Para
Caracol:
“...1975 foi um ano de grandes acontecimentos aqui no estado de São Paulo e
espalhado por quase todas universidades. Foi um ano de reconhecimento da vida
estudantil, em São Paulo, na cidade universitária, no interior também. Eu lembro
que, na época, eu era do grêmio da FAU e vinha aqui nas assembléias da ECA e se
combinava, ao mesmo tempo, lutas de caráter reivindicatório específico, não é,
com as lutas políticas gerais voltadas aí para a posição do regime militar. Então, foi
um período em que as organizações estudantis cresceram e existia um debate
político muito intenso e forte na época. Então, eu acho que, a partir daí, muda
bastante o regime. Minha militância dentro daí era uma militância no centro
acadêmico a partir de 1972. A partir do ano 1975 organizada, através da Liberdade
e Luta”342.
340
Depoimento de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005 341
No documento “Antecedentes político-sociais dos mencionados no presente relatório”, de 1975, encontramos registradas informações sobre um dos principais dirigentes trotskistas (lambertista) da USP, Markus Sokol - considerado como um dos estudantes mais engajados nos acontecimentos da ECA. 342
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
238
Nas lembranças de Celso Marcondes:
“....Contra diretores de faculdades autoritários, contra a política educacional do
governo, por melhorias no restaurante universitário ("feijão sem repressão",
gritávamos numa animada passeata), elas se multiplicavam. Até chegar a
reivindicações mais politizadas, como as das passeatas pela libertação dos presos
políticos”343
É neste contexto que emerge com força a bandeira “Pelas Liberdades
Democráticas”; bandeira que no curso dos anos seguintes, seria levada por todo o
movimento estudantil em lutas de caráter eminentemente civil. É neste contexto,
também, que da qualidade das experiências conquistadas na luta para “derrubar” o
diretor da ECA, surge a proposta de imprimir estas mesmas marcas no movimento
estudantil da USP, a começar pela reconstrução do DCE-livre, uma “entidade”
hierarquicamente superior aos Cas, cujo formato e papel político se prestaria a
impulsionar ainda mais a participação estudantil (na esfera de toda a universidade) ou
ainda, de aproximá-la em suas lutas das lutas da sociedade.
A conquista de legitimidade, somada à qualidade das discussões e à emergência de
outros movimentos semelhantes (greves na UFBA, UFMG, entre outras), transforma a
“greve da ECA” numa referência de luta e de organização, sinalizando com suas
experiências para uma outra perspectiva de articulação política para o movimento
estudantil em revitalização, valendo considerar que a mesma greve da ECA ganhara forma
à despeito da direção do Centro Acadêmico (então sob direção de militantes ligados ao
PCB) que não apenas se posicionara contrária ao movimento como acabaria à deriva dele.
A extensão da greve por quase três meses possibilita também ocorrer, na esfera
clandestina, a fusão de parte dos agrupamentos trotskistas lambertistas. De fato, a
dinâmica centrada em debates e em experiências de enfrentamento com a administração
acadêmica leva os trotskistas a avaliar que chegara a hora de fazer “avançar”o movimento
para formas mais adequadas de luta, e por orientação do CORQUI, a FBT, o Grupo
343
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
239
Outubro e uma dissidência da OC-1º de Maio, a Organização pela Mobilização Operária
(OMO) se fundem numa única e nova organização: a Organização Marxista Brasileira
(OMB)". Este processo é relatado por Sokol (oriundo do grupo Outubro) da seguinte
forma:
“....aqui em São Paulo de repente a gente estava dirigindo a greve da ECA, de uma
repercussão nacional.... com uma célula (...) o Primeiro de Maio (...) eles não
tinham base. Quem tinha base na ECA éramos nós. Eles tinham mais base na USP,
eles tinham mais militantes em São Paulo, mas na ECA, sinto muito, éramos nós.
Então isso era um absurdo, foi a primeira greve com cobertura da mídia... claro,
você tinha greve geral no campus, tinha assembléias universitárias, mas na ECA
estávamos nós... e Isso nos colocou (...) numa situação de influência grande. Como
organizar essa influência? Então (...) nós tivemos a idéia de fazer uma única
corrente (..) a Direção Unificada Provisória numa escala da USP (...) sem consultar
direção nenhuma... nós íamos fazer uma tendência unificada e essa tendência
unificada foi que começou ganhar as assembléias. Nós fazíamos plenárias com cem
jovens; militantes, a gente devia ter cinco, depois dez; o Primeiro de Maio devia
ter vinte, no máximo trinta... mas a gente fazia plenária com cem pessoas de
manhã, cem à tarde e depois mais cem à noite. Essas plenárias eram plenárias de
uma corrente política, não era opção [proposição] centralizada, não tinha finanças,
mas era uma organização política. Elegia um coletivo de direção, tinha responsável
pelo jornal, responsável pelas finanças, responsável pelo não sei o que... e com
isso a gente conseguiu envolver e fazer uma experiência política elementar com
pessoas que não eram trotskistas, mas que nos textos de nossa formação, na
convivência, começaram a ter contato com o movimento operário, e por outro
lado, com o trotskismo...e vieram a ser depois a base do recrutamento de
centenas de jovens”344
Na prática, a fórmula longamente perseguida de “aliança operário estudantil” -
“um linha política que Trotsky elaborou” – passava a ganhar “forma concreta” pelas mãos
344
Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.
240
“de uma geração super jovem”345. Os estudos, “costuras” e alinhamentos políticos
conduzidos, em grande medida pela proximidade do CORQUI e pela atuação do Grupo
Outubro já se traduziam num acúmulo teórico e numa trajetória de intervenção muito
rica, considerada por Antônio Figueiredo nos seguintes termos:
“...o nosso pessoal (...) estudava (...) era inclusive treinado nesse estudo a se
colocar. Então se colocava muito bem nas assembléias, se organizava pra fazer
chapa em centro acadêmico (...) era um pessoal que falava muito bem,
diferentemente de outras tendências que às vezes era um negócio meio triste...
Você olhava e via que aquilo que se dizia não tinha consistência e o nosso pessoal
era muito... tinham pessoas que eram brilhantes. Eram oradores ótimos... o
Julinho era um cara que 'pelo amor de deus', era brilhantíssimo, o PTB.. então,
eram pessoas que se colocavam muito bem e isso atraía gente (....) era um fator
multiplicativo, e dessas pessoas, aquelas pessoas que a gente pinçava, falava “esse
cara está”... “esta menina está” se interessando mais. Aí você trazia pra GER, pra
estudar, e dependendo do GER, era trazida pra organização”346.
Nas lembranças de Sokol:
“...Nós tínhamos um conselho de centros acadêmicos […] e essas assembléias
universitárias; então a nossa guerra era nessas assembléias. Teve uma época que
tinha uma assembléia por semana, e (...) não eram assembléias de 50, eram
assembléias de 500, 600 (...) A gente fazia assembléia de manhã em massa, outra
massa à tarde e outra massa à noite, mais de uma vez por semana (...) Então
quando elas decidiam greve, paravam, paravam pela força dos estudantes (...) e
tinha a ver com a postura que a gente tinha em relação à massa, que era de
honestidade... Hoje, é claro, existe uma desconfiança, porque as lideranças se
emanciparam, são ligados a aparatos políticos... têm a força de selecionar sua
própria base até um certo ponto... (...) Na época era o contrário (...) se vivia a
345
Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 346
Entrevista de Antônio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005
241
loucura de sindicato pra sobreviver, sabendo que se isolasse estava liquidado...
então, quando veio o afluxo, uma onda que te leva no cume, você acha que tem
um poder enorme, é histórico. A gente conseguiu, em um certo momento, contar
com intelectualidade […] sem ter nenhum gênio entre nós”347.
Em sintonia com os acontecimentos na ECA, o Conselho de Centros Acadêmicos
reedita em abril de 1975 a experiência do “Caderno do Ensino Pago”, propondo a
realização do “Plebiscito contra o 447”, atividade que também conta com um caderno
específico. Nesta publicação, o CCA reitera o sentimento generalizado de rejeição às
medidas repressivas presentes no espaço acadêmico e social, ao mesmo tempo em que
afirma sua determinação (ao menos, de boa parte dos grupos políticos, militantes e
estudantes) em reconhecer as entidades como “organizações estudantis independentes”,
valendo aqui uma ressalva: o conselho de centros acadêmicos reconhecia os próprios
centros acadêmicos como instâncias independentes, mas não necessariamente os
estudantes em suas mobilizações e manifestações massivas.
Processo de Investigação de José Américo Ascencio Dias e Edmundo Machado de Oliveira em função da “eclosão de assembléia
permanente na ECA-USP” (28/04/75). Nos anexos: materiais recolhidos na ECA
347
Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005
242
A disposição de enfrentamento do CCA348, colocada desde as primeiras linhas do
Caderno, se traduzia na defesa da “liberdade de organização e manifestação acerca dos
problemas estudantis e ao nível da sociedade como um todo” (a ser levada pelas
entidades), bem como do “direito de assumir nosso próprio papel como força viva e
interessada no processo social” (enquanto entidade) em resposta à propaganda de
“abertura” política governamental. Para este órgão, enquanto “a liberdade de que
dispõem os brasileiros é a liberdade de acatar decisões tomadas fora de seu alcance”, ao
termo “abertura” seria preciso somar a “livre confrontação das idéias”, o “livre debate
político”, “liberdade de debater e criticar qualquer doutrina ou credo político”, ou ainda,
liberdade para “questionar os objetivos da Universidade em todos os níveis, participar
ativamente da discussão e deliberação destes objetivos”. Nestes termos, o caderno se
referia ao decreto 477 como um:
“...instrumento preventivo que vem sendo usado como chantagem para que os
estudantes, professores e funcionários, se mantenham dentro de um modelo de
comportamento pré-determinado”; instrumento ainda que, somado à
“depredação de murais, censura e cerceamento da imprensa acadêmica, proibição
de atividades culturais”, entre outras medidas349, “não nos permite acreditar em
promessas vagas e que caducaram antes de serem cumpridas”350.
348
Nos primeiros anos da década de 1970, achavam-se presentes na USP militantes ligados a ALN, PCB, PCdoB, POLOP, além de organizações trotskistas, cabendo às duas primeiras organizações um papel de hegemonia política. Este quadro se alteraria nos anos seguintes. Ver: Jordana de Souza Santos. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70. Op Cit. 349
Além de: “marginalização dos estudantes dos órgãos decisórios da Universidade, onde nos permitem
apenas a participação simbólica de 1/5 na lei e 1/10 na prática [reivindicação frente a qual os trotskistas não concordavam], imposição de que os cursos sejam cumpridos num tempo pré-determinado (jubilamento), a tentativa de nos impor a participação servil através dos Diretórios Acadêmicos (Das) atrelados aos planos e regulamentações oficiais, as punições disciplinares previstas no regimento interno da Universidade, lançamento de panfletos onde forjam assinaturas, e que visam difundir a confusão e intranqüilidade entre os estudantes, criando com isso condições para a posterior intervenção policial ostensiva”. 477 Plebiscito: 23 e 24/04. Conselho de Centros Acadêmicos CCA-USP, abril-1975, p.4. 350 477 Plebiscito: 23 e 24/04. Conselho de Centros Acadêmicos CCA-USP, abril-1975, p.4.
243
Neste clima de radicalização, assumida em termos mais amplos pelas organizações
clandestinas presentes na USP, as discussões travadas durante as assembléias da ECA dão
lugar a uma maior radicalização trotskista que propõe, no curso das discussões, a
recriação do DCE-Livre como condição de exercício de um novo “sentido de democracia”,
como expressão de formas mais abertas e diretas de participação política, em lugar da
manutenção de órgãos (herdados) mais centralizados e burocráticos de luta política.
Nesta ocasião (junho de 1975), os trotskistas produzem dois documentos que, pela
singularidade de suas proposições, merecem uma atenção mais detalhada: os
documentos “Plataforma Construção” e “União e Organização. Plataforma para o DCE”,
documentos, aliás, que nos dão pistas do processo de fusão que já se achava em curso
entre os grupo Outubro, OMO (dissidência da OC 1º de Maio) e FBT e que faria nascer
ainda em 1975 a Organização Marxista Brasileira (grupo originário da OSI).
No documento “Plataforma Construção”, os temas: “ME e conjuntura”, “ME e
universidade”, “ME e sociedade”, “ME e a luta pelas liberdades democráticas”,
“Reorganização do ME” e “DCE-USP”, aparecem articulados a um conjunto de “pontos
programáticos” e a uma “plataforma de lutas” fundada nos seguintes elementos (grifos
nossos):
“1- o ME só tem chances de encaminhar de forma vitoriosa as suas lutas caso seja
completamente independente da classe dominante e de seus representantes; 2 – a
única forma de colocar corretamente os nossos problemas e buscar
conscientemente as suas soluções é a mobilização feita pela base através de
formas organizativas apropriadas; 3 – a união do conjunto dos estudantes deve
sempre ser buscada pois a desunião só pode enfraquecer; 4 – sem democracia
interna é inviável a mobilização pela base e a união, pois toda política de cúpula
também nos leva ao enfraquecimento; 5 – a ampliação do movimento no contexto
de lutas por liberdades democráticas com outros setores e classes sociais é uma
necessidade constante, pois na verdade os problemas específicos de cada escola
244
são reflexos localizados de problemas gerais que afetam a sociedade como um
todo”351.
Na tentativa, então, de “dar conta do caráter político do ME”, o documento
apresenta uma série de propostas para discussão - “algumas (..) viáveis imediatamente;
outras apenas a médio e longo prazo” -, considerando-se que “todas a propostas contém a
preocupação pelo fortalecimento da nossa organização paralelamente à unidade com
outros setores sociais”. São elas:
“1- apoio total aos estudantes da ECA na luta pela queda do Nunes (...) 2 – unidade
com outros setores e classes na luta por liberdade de organização e expressão (...)
3 – rejeição de quaisquer restrições às nossas atividades (...) 4 – contra o
Jubilamento que ameaça atingir 2000 estudantes já no próximo semestre (..) 5 –
reorganização de todos os estudantes (...) 6 – pela eleição, no congresso de 21/6,
de uma Direção Provisória do DCE” 352
Ao longo do texto, por sua vez, o que presenciamos é a emergência de uma leitura
muito própria de movimento e de organização política, fundada na idéia de que “as
liberdades políticas de organização não cabem nos limites estreitos da ‘abertura’, e que se
faz necessário ultrapassar os “limites de uma oposição consentida”, devendo-se enfrentar
a “repressão em qualquer nível em que ela se manifeste”, por meio da criação de
“organismos livres e abertos à participação”, capazes de promover “um processo de
amplo debate político” no qual a Universidade viesse a ser percebida em profunda
interação com a sociedade; a reconstrução do DCE da USP se traduziria, então, na criação
deste “poderoso instrumento de nossas lutas (...) órgão que leve adiante a luta pelas
conquistas democráticas necessárias ao avanço do ME – sua liberdade de organização e
expressão” . Em termos mais abrangentes, era chegada a hora de unificar as lutas em nível
nacional por meio da reconstrução das UEEs, da UME [União Metropolitana de
351 Plataforma Construção. Junho/75, p7. 352
Plataforma Construção. Junho/75, pp 8-9.
245
Estudantes/RJ] e da UNE, tornando-se urgente promover “encontros regionais (SP) e
nacionais de estudantes abertos aos alunos de todas as escolas, para que se dê início a um
processo de discussões que preparem o terreno para essas conquistas”353.
Em “União e Organização: Plataforma para o DCE”, encontramos uma “plataforma
de princípios” fundada na idéia de que: “Ninguém coloca em dúvida que o motor e a alma
desta mobilização foi a greve dos colegas da ECA”; o que poderia não ter “passado por
mais uma greve, dentre todas as que vêm ocorrendo nos últimos tempos no meio
estudantil, transformou-se em um movimento que acabou envolvendo milhares de
estudantes, da USP e de outras faculdades do país”. Segundo o documento: “... ‘Abaixo o
Nunes’ cedo deixou de ser uma reivindicação dos colegas da ECA para transformar-se
numa reivindicação sentida pelo próprio estudantado brasileiro”. E neste caso, o
documento indaga:
“Ora, o que o movimento dos colegas da ECA colocou em evidência? Sem sombra
de dúvida alguns princípios básicos devem estar claros para todos: 1) o movimento
estudantil só tem chances de ser vigoroso e vitorioso caso ele seja completamente
independente da classe dominante e de todos os seus representantes, sejam quais
forem; 2) a única forma possível e correta de nossa mobilização é a que se faz pela
base, através de formas organizativas apropriadas, pois apenas a mobilização
maciça pela base pode colocar corretamente todos os nossos problemas e nos
permite solucioná-los; 3) a união de todos os estudantes em luta é uma regra sem
exceção, pois a divisão só pode beneficiar nossos inimigos e nos enfraquecer; 4)
sem democracia interna é impossível a mobilização pela base e a união, pois todo
tipo de cupulismo só serve também para nos enfraquecer e dividir; 5) a ampliação
do movimento é um imperativo constante, pois da mesma forma que os
problemas dos colegas da ECA são comuns a todos os estudantes da USP, estes,
por sua vez, ilustram o que se passa em todas as faculdades do país”354.
353
Plataforma Construção. Junho/75, pp 3-7. 354
União e Organização. Plataforma para o DCE. USP-75, p.1
246
No terceiro documento, assinado pela “Comissão Executiva do DCE”, os militantes
trotskistas buscam estabelecer as bases de um:
“...programa político adequado, que parta de todas as experiências adquiridas
pelo ME de 68 para cá, tirando delas as lições necessárias, percebendo a mudança
de qualidade de uma luta para outra, sintetizando nossas forças e percebendo que
ainda se coloca para nós o fortalecimento de nossas entidades. E que os saltos que
poderemos dar neste sentido, é com a organização de entidades mais gerais e
centralizadoras”.
E para tanto, sem citar nomes, o documento levanta, caracteriza e analisa as
diversas proposições de leitura e de organização do movimento que se acham presentes
na USP, definindo-as como aquelas para os quais (grifo nosso):
“....o fortalecimento dos CAS só é percebido dentro de um trabalho localizado.
Quando propõe movimentações gerais, nunca conseguem propô-las atendendo a
sua essência política. Quase sempre optam pela dissolução ou esvaziamento de
alguma luta, quando não conseguem dirigi-la (..). Outra posição existente, prima
por levar apenas um tipo de lutas: a mais geral e mais ‘estratosférica’, o que
apesar da aparência radical, deixa de ser política (..). Existe ainda uma outra
posição que defende o fortalecimento das entidades e a criação de entidades mais
gerais através de sua oficialização, ou seja, através de seu atrelamento à legislação
oficial”355 . Já para os mesmos trotskistas: “...a luta pelas liberdades políticas se
355
No texto integral podemos ler: “Para uns, o fortalecimento dos CAS só é percebido dentro de um trabalho localizado. Quando propõe movimentações gerais, nunca conseguem propô-las atendendo a sua essência política. Quase sempre optam pela dissolução ou esvaziamento de alguma luta, quando não conseguem dirigi-la. A nível de organização de entidades mais gerais, optam por uma posição gradualista, com o crescimento de vários trabalhos localizados se poderá chegar às condições para a organização de entidades centrais (...) Na verdade esta posição nunca consegue levar lutas políticas, seja a nível geral ou específica, e não conseguem portanto nem fortalecer a entidade e nem criar condições ao nível da Universidade para o fortalecimento de nossas lutas e organização. Outra posição existente, prima por levar apenas um tipo de lutas: a mais geral e mais ‘estratosférica’, o que apesar da aparência radical, deixa de ser política [possivelmente o autor se refere aos militantes anarquistas] . Suas propostas e objetivos são tão amplos que não se consegue perceber qual o objetivo pelo qual podemos lutar e que lutas travar. Propondo lutas abstratas, esvaziam o conteúdo e as lutas políticas como não conseguem e não querem travar lutas
247
reflete de várias maneiras (..) desde mantermos livres e fortalecidas as entidades,
exercemos na prática a liberdade de expressão e reivindicação [até] a defesa da
autonomia universitária, e sua democratização”356.
Com base nestas leituras, percebemos a força com que a bandeira “Pelas
Liberdades Democráticas” se coloca; bandeira que no curso dos anos seguintes seria
levada por todo o movimento estudantil em lutas de caráter eminentemente civil, em
função de exprimir um amplo campo de lutas e de singularidades. Um campo de lutas que
se definia, antes de tudo, como coletivo, participativo, aberto e independente, ou ainda,
na forma de uma “democracia direta”. Nas lembranças de Celso Marcondes:
“Eram chamadas pelas cada vez mais freqüentes assembléias gerais universitárias,
que uniam estudantes das diversas faculdades, tornando palpável a reconstrução
do Diretório Central. Na ânsia de acertar, gastávamos horas de discussões para
definir eixos de luta. Uma das grandes polêmicas daquele momento dividia os
defensores da luta "pelas liberdades democráticas", contra os que queriam a luta
"em defesa dos direitos humanos". Ganhava quem levava mais gente às
assembléias. Democracia direta. Aí já dava para falar de uma nova geração que se
formava....”357
específicas, ligando-as às lutas e contradições gerais, não fortalecem as entidades e nem criam condições para uma organização a nível de universidade. Pois como vivem dos grandes momentos e em função de grandes mobilizações, desprezando o trabalho do dia a dia, não conseguem levar a cabo qualquer tipo de organização. Propõem e enxergam uma entidade de cúpula desligada das massas. Apesar de sempre se colocarem em nome delas, não sabem e não fazem trabalho com elas e quando propõem radicalizações e avanços, não se preocupam com as condições que encontram no conjunto dos estudantes (..) Existe ainda uma outra posição que defende o fortalecimento das entidades e a criação de entidades mais gerais através de sua oficialização, ou seja, através de seu atrelamento à legislação oficial [o autor se refere ao posicionamento dos militantes do PCB] (..) As lutas que conduzem são vazias de conteúdo. Não conseguem por isso fortalecer nada e nem organizar nada”. “Comissão Executiva” – junho/76 assinado pela Comissão Executiva do DCE IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1359. 356
“Comissão Executiva” – junho/76 assinado pela Comissão Executiva do DCE IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1359. 357
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
248
Neste contexto entra em cena, também, a proposta de reestruturação do
movimento estudantil da USP com base na reconstrução do DCE da USP, “entidade”
hierarquicamente superior aos Cas, cujo formato e papel político deveria ser capaz de
impulsionar a participação estudantil na esfera de toda a universidade, levando o
movimento (em meio ao qual as entidades representavam uma das formas organizativas)
a articular melhor suas lutas e a estabelecer maior comprometimento com a sociedade.
Para Juleusa Turra:
“...então eu comecei a ver que não era só uma questão histórica... não era só uma
questão da sociedade, injustiça social, mas era uma questão de ver um mundo
num movimento, numa dinâmica que é desigual, que é combinada, e quem falava
isso, quem não pensava em etapas, era o trotskismo... e mesmo que muita gente
da liberdade e luta nunca tenha nem sabido escrever Trotski, eu acredito que a
liberdade e luta teve essa presença marcante em virtude dessa amplidão
proporcionada pelo corpo teórico do trotskismo e pelas pessoas que souberam
que nesse corpo teórico estavam o pulso pra que se pudesse pensar ciência, pra
que se pudesse pensar cultura, a vida , a juventude, que se pudesse pensar no
Brasil..”
Encerrada a greve da ECA, novas ondas de prisões se seguem na Universidade
gerando temor mas também novas aproximações entre grupos e palavras de ordem; esta
situação alcança momentos dramáticos em 25 de outubro quando com o jornalista e ex-
professor da ECA Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-CODI. Na
verdade, a USP enfrentava uma nova trajetória de radicalizações no mês de outubro e daí
surgira a decisão de realizar uma primeira passeata de estudantes no interior da USP
seguida por uma greve geral (que teria início no dia 29 de outubro). O assassinato de
Herzog pega a todos de surpresa, assim como imprime um forte temor que, no entanto,
não impede a mobilização de cerca de 300 professores na frente da Reitoria, a realização
da passeata, a antecipação da greve geral e a participação/realização de uma missa
249
acompanhada por um ato de desagravo e luta pela derrubada da ditadura militar na
Catedral da Sé358. Nas lembranças de Geraldo Siqueira:
“...a USP estava cada vez mais virando um território libertado – a aldeia gaulesa do
Asterix. Aí, matam o Herzog, professor da ECA! Lembro que cheguei à faculdade,
todo mundo no pátio e uma faixa enorme dizendo: “Assassinado professor da ECA
no Doi-Codi.” Aí começou a ação do sindicato dos jornalistas. Nossa turma, que era
mais moderada, deixou o sindicato fazer as coisas e nós íamos atrás. A turma da
Libelu queria dizer ao sindicato o que ele deveria fazer. Depois, saiu a missa do
Herzog, igual à do Vannucchi, dois anos antes, reproduzida pelo Dom Paulo, já com
a fórmula pronta. Não coube todo mundo dentro da catedral, o pessoal se
espalhou pela praça. Mas o jornal já dava a notícia, havia censura, mas não tão
absoluta como era no Médici” 359
Nos arquivos da Liberdade e Luta/OSI guardados pelo CEDEM, por sua vez,
encontramos documentos interessantes sobre estes acontecimentos que nos ajudam a
perceber, com um pouco mais de detalhes e à luz dos bastidores da política clandestina,
outros processos. Na prática, referimo-nos a dois documentos clandestinos (trotskista
lambertista) que se acham relacionados com as assembléias dos dias 23 e 31 de outubro
(momentos que anteciparam e que se seguiram à morte de Vladimir Herzog) e que
registram discussões e orientações a respeito deste acontecimento dramático na
expectativa de extrair desta mesma violência novas forças para seguir em movimento.
358
Nos registros do DOPS podemos ler: “....a notícia do suicídio de Wladimir Herzog, ex-professor da ECA ‘gerou outra ‘grande agitação’, marcada por suspensão de aulas, painéis, uma assembléia geral Universitária’ e ‘vasta panfletagem, com chavões típicos da esquerda festiva” Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p4 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP1194. 359
Geraldo Siqueira Filho que em pouco tempo se faria conhecido como “Geraldinho” da Refazendo, teve uma passagem rápida pelo Partido Operário Comunista/POC em 1968 e pelo Partido Operário Revolucionário Trotskista/PORT entre os anos de 1969 e 1970. Em 1971 entra na USP e passa a militar no CA de Geografia, participa da criação do CCA e do Comitê de Defesa dos Presos Políticos como membro do “Grupão”, coletivo de militantes de origens políticas diversas. Depoimento de Geraldo Siqueira Filho a Angélica Müller do Projeto Memória do Movimento Estudantil em 1/12/2004.
250
O documento do dia 23 traz orientações da fala a se dar durante a assembléia; este
discurso, que na prática acabaria ovacionado e seguido por uma passeata pelo campus,
ocorreria num contexto de tal emoção que, ainda hoje, ele permanece vivo na memória
de estudantes e militantes como Juleusa Turra, que durante seu depoimento demonstrou
dificuldades para exprimir toda a ousadia que este mesmo acontecimento significou na
ocasião. Nele podemos ler:
“Colegas, sábado e domingo passados, o governo prendeu vários estudantes da
USP, colegas nossos (...) Ninguém sabe onde estão360. Mas todos nós sabemos o
que está lhes acontecendo: os presos que o governo faz, que não possuem o
mínimo direito à defesa, estão sendo espancados, estão sendo torturados,
espancados e torturados porque são trabalhadores, porque são estudantes (...) O
atual governo se diz, todos os dias, democrático. Mas ontem seu ministro do
360
Nas lembranças de Célia Azevedo, constavam entre os estudantes presos, os militantes Paulo Markun, Diléa Frate e Sérgio Gomes, diretores do CA da ECA e integrantes do PCB que, na ocasião da eclosão da greve da ECA se retiraram do diretório. Registro concedido a Mirza Pellicciotta em 12 de setembro de 2011.
Imagens da Missa de sétimo dia de Vladimir Herzog em São Paulo. Imagens disponibilizadas pela internet.
251
Interior, Armando Falcão, enviou circular a todos os governadores exigindo que
eles reprimissem qualquer manifestação pública, venha de onde vier (...) Que
distensão e diálogos são esses? (...) Agora trata-se, quem sabe, de salvar a própria
vida de vários colegas nossos que estão presos e incomunicáveis. Nossa luta de
agora não é apenas em defesa de condições de ensino decentes. Ela é muito mais
importante, muito mais necessária, muito maior: ela é em defesa daqueles que
defendem condições de ensino decentes, ela é em defesa de estudantes, ela é em
defesa de colegas nossos! (...) Eis porque temos que trazer para o nosso
movimento milhares de estudantes de toda a USP. E nós podemos fazer isso.
Como? Ampliando verdadeiramente o nosso movimento. Como? Divulgando
energicamente, sem descanso, em todas as faculdades da universidade, o que está
ocorrendo, o que foi decidido hoje aqui, convocando maciçamente todos os
nossos colegas que não vieram a esta assembléia a participar das próximas.
Devemos estar alertas! Transformando esta ass. em Ass. Permanente. Colegas,
Nada disso pode ser feito sem organização. A experiência do semestre passado
nos ensina. É por isso que temos que criar e estruturar, aqui e agora, terminada
esta assembléia, uma Comissão Universitária que possa dirigir o movimento de
todos e a amplie realmente. Mas uma CU apenas não basta. A CU só terá sentido
caso todos os colegas aqui presentes trabalhem junto a ela e com ela em
comissões de apoio que divulgarão nosso movimento e as decisões das
assembléias, que trarão cada vez mais estudantes a elas. Nosso movimento só
pode ir para a frente, só poderemos defender nossos colegas presos, só
poderemos conseguir a vitória caso exista, desde o começo até o fim, a mais
perfeita união entre nós (...) Ampliar e fortalecer o nosso movimento sem união é
impossível. Obter do governo a liberdade para os nossos colegas presos sem união
é impossível. Como também é impossível atingirmos o nosso objetivo sem
organização, mas organização de todos e não apenas de meia-dúzia, de todos e
não apenas da CU (...) Libertem nossos colegas presos! Liberdade! Abaixo a
repressão! Vivam as liberdades democráticas! Abaixo as prisões! Abaixo as
torturas!””361
361
Documento sem título, de 23/10/75 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP233
252
Já as propostas de intervenção veiculadas pela mesma fala seriam:
“1) tornar permanente esta assembléia; 2) Enviar ao governo uma carta-aberta
exigindo a libertação de todos os nossos colegas presos sábado e domingo
passados, até terça-feira próxima. Caso não sejamos atendidos, greve na USP e
novas assembléias (..); 3) Enviar a todos os setores da população possíveis
(sindicatos, partidos, Igreja, Congresso, etc) e aos órgãos de divulgação um
comunicado (ao qual será juntado a carta aberta) explicando o sentido da nossa
luta, nossas decisões e, sobretudo, pedindo-lhes o mais franco e amplo apoio
possível pois nossa luta é a de toda a população brasileira; 4) Criar, logo após
terminada esta assembléia, uma Comissão Universitária e Comissões de Apoio a
ela, compostas essas últimas de estudantes por faculdades e vinculadas
diretamente à CU; 5) Sair em passeata pelo campus divulgando o nosso
movimento em defesa dos nossos colegas e terminá-la em frente à reitoria, numa
manifestação de protesto contra a quebra da autonomia universitária e contra a
permissão por parte do reitor em deixar prender os nossos colegas”362
O segundo documento, datado de 31 de outubro e intitulado: “Para a continuidade
do movimento”, nos oferece um retrato das desavenças que então se estabeleciam acerca
do sentido das lutas, do mérito e condução das propostas, ou ainda, das responsabilidades
que se exigia no tratamento das questões. Neste caso, num novo cenário criado por uma
sucessão de situações - entre eles, um raro posicionamento assumido pelos docentes, a
decretação de uma greve (pela FES/organização 1º de Maio e considerada improcedente
pela OMB em função de esvaziar a universidade num momento de necessária
mobilização) e o assassinato de um importante docente e jornalista, seguido de
consternação... – o que se tornava imperativo era a adoção de medidas rápidas de forma
a se resguardar o movimento de uma “desmobilização” eminente. Podemos ler:
362
Documento sem título, de 23/10/75, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233
253
“..Não fomos nós quem lançamos a palavra-de-ordem de greve geral (foi a FES),
mas também nada fizemos para impedi-la, isto é, para impedir que a massa
sumisse praticamente. Não soubemos propor perspectivas e palavras-de-ordem
que levassem a massa a lutar, mas lutar de forma presente. Não soubemos
prendê-la no campus de maneira produtiva, isto é, lutando e mobilizando-se. E o
movimento nos escapou, a nós como a todos. Ficaram no campus praticamente os
grupos e suas áreas de influência. Isso certamente deverá ter uma conseqüência
nefasta na missa de logo mais. Claro, muita gente que poderia ser chamada à
missa, politicamente falando, não o será simplesmente porque não esteve
presente. Quando a FES propôs a greve, deveria ter lhe sido dito que ainda não era
o momento para tanto, que era preciso ainda ampliar o movimento, esperar ainda
para ver o que o movimento ampliado decidiria. Enquanto isso a ECA
permaneceria em greve, pelo menos até a missa. O movimento geral era contra as
prisões, pela libertação dos presos, estudantes e professores. A prova está em que
a ECA tomou o assassinato diferentemente de outras faculdades, que seus
estudantes fizeram greve ativa. Greve pela greve nada adianta”363.
Na parte final deste texto, encontramos as propostas de organização do Salão, com
os seguintes comentários:
“Em suma: 1) Quadro: luta pelas liberdades democráticas. Libertem nossos presos!
(expressão atual e particular dessa luta). Fortaleçamos os CAs e a CU! (sem o que
liberdades democráticas não existem) 2) Concretização: Semana de solidariedade
e denúncia, culminando no Salão (grande painel de denúncias e exortação) 3)
Maiôs e formas: mobilização, atividades, pesquisas, depoimentos, divulgação,
ampliação do movimento. Nota 1: Se for possível, ampliar as fotos dos presos e
expô-las no Salão. Ampliar fotos dos mortos (Marighella não!) e expô-las. Nota 2:
O Salão pode ser também, além de denúncia, das lutas dos trabalhadores e
estudantes contra o regime militar. É claro, a coisa torna-se mais difícil, mas é
363
Para a continuidade do Movimento. 31/10/75. Dia da missa a Herzog, pp1-2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
254
perfeitamente factível. Jamais a ditadura irá permitir algo nesse sentido (..) Até
então o trabalho será semi-secreto ou secreto”364
As reações ao assassinato de Wladimir Herzog, enfim, “apesar das limitações
políticas que tiveram as mobilizações de protesto contra sua morte”, assumem um
significado importante no espaço externo à universidade, fortalecendo a proposição de
luta “pelas liberdades democráticas’ para além dos debates estudantis365. Nas palavras de
Rodolfo Konder (militante do PCB), a morte do amigo Wlado:
“..se revela como um marco decisivo de transição. Representou o papel de
elemento catalizador, no momento em que o equilíbrio precário entre grupos de
direita e ultra-direita, dentro de um governo de condomínio militar, começava a se
desfazer, em favor da direita. (...) Em primeiro lugar, porque a ultra-direita, até
então na ofensiva, caiu na defensiva. A iniciativa saiu de suas mãos, ela teve que
recuar, explicar, adotar uma atitude menos arrogante. No instante em que Vlado
morreu, a ultra-direita estava no ataque: montava uma operação destinada a criar
“fatos consumados”, pretendia encostar na parede o grupo da direita, encabeçado
por Geisel e Golbery. Depois da morte, porém, viu-se obrigada a prestar conta de
seus atos. (...) As críticas se multiplicaram, as denúncias vieram à tona, o clima de
medo foi sendo substituído por um clima de revolta. (...) Observou-se uma ação
mais coordenada entre a Igreja, a Ordem dos Advogados, a Associação Brasileira
de Imprensa e alguns sindicatos – o dos jornalistas à frente366. (...) A partir da
morte de Vlado, sucederam-se pronunciamentos a favor da chamada “abertura”.
364 Para a continuidade do Movimento. 31/10/75. Dia da missa a Herzog, p5 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233 365 “Contribuição à discussão: campanha e o encontro nacional por Liberdades Democráticas”, p.4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233 366
Nas lembranças de Célia Azevedo, “Audálio Dantas, diretor do Sindicato, trancou-se numa sala com toda a diretoria, enquanto uma massa de jornalistas aguardava no auditório. Quando decidiram aparecer - umas duas horas depois – um trêmulo Aurélio Dantas disse que os militares poderiam intervir no Sindicato e que por isso todos deveriam ir para as suas casas”. Registro concedido a Mirza Pellicciotta em 12 de setembro de 2011.
255
Inclusive de políticos tradicionais ligados ao regime – e até de militares, como o
general Rodrigo Otávio.”367
No campo cultural, afirmava Jardel Dias Cavalcante:
“Um acontecimento político dessa dimensão não deixaria de ser tratado também
pelo universo das artes plásticas (...) Antonio Henrique do Amaral foi um dos
artistas que se preocupou em levar para sua obra o tema do assassinato de Herzog
nas prisões militares. Dentro do quadro das obras que denunciavam a tortura,
Amaral retoma de forma agressiva a representação da violência militar na série de
quatro obras A morte no sábado (1975/76). Na tela A morte no sábado – tributo a
Valdimir Herzog, sobre um fundo negro, como que um corpo manchado por
pancadas, aparece em cores vermelhas, amarelas e brancas, uma espécie de
representação das vísceras sendo perfuradas por quatro garfos (...) Embora tenha
sido dado por suicida, fica claro nesta tela a intenção de denunciar a causa da
morte de Herzog como resultado das torturas que sofreu nos porões de uma
prisão militar (...) Na obra “Inserções em circuitos ideológicos: projeto cédula” (...)
de Cildo Meireles, o tema é a morte do jornalista Wladimir Herzog. Mais
particularmente, a obra indaga sobre os assassinos de Herzog. Em algumas notas
de Cruzeiro, moeda corrente no Brasil do período militar, Meireles carimba a
pergunta: “Quem matou Herzog?”. Aproveitando a facilidade da circulação das
notas de um cruzeiro (sabemos que quanto menos o valor, maior sua circulação), o
artista fará uso delas para criar uma forma de denúncia e investigação nacional
sobre o assassinato do jornalista”368
367
JORDÃO, Fernando. Dossiê Herzog: prisão, tortura e morte no Brasil. São Paulo: Global, 1984. p 11. 368
CAVALCANTI, Jardel Dias. Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política (Brasil anos 60 e 70), 2005. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005, pp 154-157.
256
Obra de??
Na sequência dos acontecimentos, cumpriria papel importante a realização da
“Semana dos Direitos Humanos” em 1975, da qual se desdobra a criação do “Comitê
Nacional de Luta pelas Liberdades Democráticas” em parceria com setores da Igreja; no
mesmo período a “transformação da Comissão Universitária” em DCE livre da USP
também fortalece as proposições de luta - para além do espaço acadêmico - pela
redemocratização social; questões que causam novas apreensões aos órgãos de
segurança. Segundo um relatório produzido em 1977:
“Ao analisarmos o MOVIMENTO ESTUDANTIL em 1976, contamos que há pouco
mais de uma semana do reinício das aulas, na Universidade de São Paulo e demais
‘campi’, já se podia apreciar o elevado número de panfletos distribuídos, todos
eles primando pelo caráter subversivo; da campanha sublimar que carreavam,
especialmente nos anos anteriores, com pretensões puramente acadêmicas e
restritas ao âmbito universitário, seus redatores passaram a divulgar, pura e
simplesmente, a derrocada do regime capitalista e ‘a falência das instituições
democráticas burguesas..’. Desde a composição gráfica, à terminologia usada, com
palavras e chavões esteriotipados, as publicações distribuídas revelavam a
obediência de seus responsáveis aos ditadores do Partido Comunista Brasileiro, à
um comando único, ou ainda, à Central Comunista de Informações, instalada na
Obra de Cildo Meireles, 1975
257
Universidade de São Paulo, ‘acobertada’ pela esquerda festiva e inocentes úteis
que proliferam nessa instituição”369
Vale, enfim, considerar as limitações de compreensão que já se mostravam
presentes nos relatórios dos órgãos de segurança frente as organizações clandestinas em
recomposição; a atribuição da radicalização das movimentações estudantis aos “ditadores
do Partido Comunista Brasileiro (...) ‘acobertada’ pela esquerda festiva” – em referência a
posicionamentos de tendências como a Liberdade e Luta, então entendida como filiada à
“‘linha chinesa’ ou ‘maoísta’” – aparecia não só nos registros de campo, como nos
relatórios mais amplos, desenvolvidos por uma delegacia especializada como o DOPS São
Paulo.
369
O Documento afirma, ainda, que: “... A 26 de março de 1976, no anfiteatro da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo e mais tarde nos ‘barracos’ da Faculdade de Ciências Sociais, assembléia geral universitária era realizada e por proposta de JULIO TURRA FILHO, surgia o DIRETÓRIO CENTRAL DOS ESTUDANTES da Universidade de São Paulo, com eleições marcadas para os dias 11 e 12 de maio, com a transformação da Comissão Universitária em Comissão eleitoral, tomando o DCE ‘a regência dos destinos políticos da classe, executando-se as propostas das reuniões gerais universitárias e permanecesse subordinado à Assembléia geral Universitária, instância máxima do DCE Livre..’, convidando-se a integrar a entidade os estudantes das escolas de Sociologia e Política de São Paulo e Engenharia de Mauá”. (...) Era este, o primeiro passo concreto na escalada da subversão, dado em nossos meios estudantis. Refletindo as várias tendências políticas atuantes, organizaram-se cinco chapas: Refazendo, Liberdade e Luta, Caminhando, organizar a Luta e Alternativa, todas elas unânimes em seus ataques ao Governo, às instituições e ao sistema capitalista, mas já se notava o radicalismo dos integrantes de ‘Liberdade e Luta’, cujo posicionamento ideológico identificava-se com a ‘linha chinesa’ ou ‘maoísta’, nos ataques às demais chapas e aos hinos entoados ao marxismo ‘puro’, como solução à ‘problemática nacional’”. Relatório feito por 2124 de 26/03/76. Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE”, pp 5-6 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1408.
258
259
6. MUNDO EM MOVIMENTO
As discussões sobre a (re)criação ou não, do DCE livre são retomadas com força no
início de 1976 e durante as assembléias gerais “pró-reconstrução do DCE”, mais
precisamente no dia 26 de março (segundo os órgãos de segurança que acompanham de
perto os acontecimentos), o militante da OC 1º de Maio, Julio Turra levanta a proposta de
recriar naquela mesma assembléia geral universitária o DCE livre, bem como de convocar
eleições diretas para uma diretoria de nove membros para os dias 11 e 12 de maio (um
mês e meio depois), sugerindo que a Comissão Universitária se transformasse em
Comissão eleitoral para receber a inscrição de plataformas e chapas. Em anotações
registradas pelo DOPS, Julio Turra afirma nesta ocasião que:
“...o DCE compunha uma bandeira de luta política para as reivindicações do ME
(...) que o DCE, enquanto separado da burocracia da USP e aberto a todos os
estudantes, tenha com princípios básicos de funcionamento que: - a diretoria
eleita seja os destinos políticos do DCE, com as propostas encaminhadas por
reuniões universitárias mensais e que seja subordinada as Assembléias Gerais
Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)
Atuação organizada (1976/1982)
1971/1982
260
Universitárias. Este último capítulo deu margem a uma acirrada discussão entre
dois grupos antagônicos, sendo que finalmente após inclusive alguns palavrões de
ambas as partes toda esta proposta foi aprovada em votação por 160 votos contra
15 votos. A discussão voltou novamente, para que o capítulo nº5 não fosse
considerado estatutário, isto é, não fosse considerado como estatuto do DCE, pois
tais estatutos só seriam elaborados pelas chapas inscritas para serem eleitas,
terminando assim a Assembléia geral pró-DCE” 370
Júlio Turra e Markus Sokol em assembléia do movimento operário, já nos anos 1980. Acervo: O Trabalho
Nas lembranças de Caio Túlio Costa:
“...a libelú fez a greve da ECA e estava à frente do processo de criação do DCE livre
junto com a Refazendo. Refazendo se estrutura também naquela época, tanto a
Refazendo como a Caminhando que era o PC do B. A refazendo na ECA era muito
forte, razoavelmente forte nos barracos, razoavelmente forte na economia … mas
era um momento em que a universidade só respirava política”371.
Mas, a (re)criação do DCE livre no formato proposto pelos trotskistas não animava
a maioria das organizações clandestinas, que via com preocupação os rumos de
370
Relatório feito por 2124 de 26/03/76. Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, Caixa OP 1408 371
Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006.
261
enfrentamento que se ensaiava, assim como consideravam os propósitos e a dinâmica de
organização e funcionamento trotskista excessivamente democráticos. Nas considerações
de José Chrispiano:
“O passo não foi desprovido de dificuldades. Uma assembléia na FAU no dia 26 de
março determinou a eleição para os dias 11 e 12 de maio, em proposta do então
estudante Júlio Turra Filho, da FEA. Havia discussões sobre o formato da entidade,
como deveriam ser as eleições e se ela interferia na autonomia dos centros
acadêmicos. O XI de Agosto, da Faculdade de Direito, foi contra a criação do DCE, e
se expressou na imprensa em artigo de Marco Antonio Tigrão, presidente daquele
CA. Vários CAs responderam apoiando a sua formação, entre os quais os da
História, da Física, da FEA, da Medicina, da Filosofia e o Grêmio Politécnico”372.
Os debates e enfrentamentos – acerca do sentido e funcionamento da nova
entidade – permaneceriam intensos no curso das assembléias, constituindo-se este fórum
no formato mais apreciado pelos trotskistas373. Nas palavras de Geraldo Siqueira:
372 CHRISPIANO, José. “Na criação do DCE, uma derrota da Ditadura”. Revista Adusp, outubro de 2004, p70 373
Numa avaliação do movimento feita poucos meses antes pela Chapa Argumento gestão 75/76 para o
Centro Acadêmico de Geografia da USP, os trotskistas afirmavam: “As organizações estudantis existentes na USP localizam-se basicamente em torno dos Centros Acadêmicos, grupos de oposição e de esporádicas Comissões tiradas em assembléias, que muitas vezes cumprem um papel em função de uma determinada luta mas que os seus fins se desfazem tão rapidamente quanto foram formadas. Mas o crescimento do nível organizativo do movimento estudantil não poderá se realizar em níveis idealizados burocraticamente, e sim sobre as condições existentes na Universidade, principalmente no que se refere às organizações já constituídas, às experiências de luta já acumuladas e à existência dos mais diversos agrupamentos que procuram dar direção ao movimento. A construção do Diretório Central dos Estudantes da USP não poderá se dar apenas aclamando-o em assembléias e propagandeando-o em manifestos. O DCE, ou qualquer organização estudantil mais geral, se constrói na medida em que se efetivem lutas conjuntas na Universidade, na medida em que as escolas rompam o isolamento existente entre si e efetuem trabalhos conjuntos. O DCE está sendo construído quando se efetiva uma imprensa universitária, quando um núcleo de cultura que reúne grupos de teatro e música de toda universidade é efetivado, quando levamos lutas conjuntas contra as prisões políticas, contra a política educacional, etc.. Enfim, o DCE se constrói na superação dos obstáculos criados pelo extremo fracionamento de posições hoje existentes na Universidade, não através de um passivo consenso geral, mas pela fusão de várias posições, união esta traduzida em propostas e movimentos conjuntos que garantam uma ampla representação e apoio às posições, rompendo assim, as características de grupos que se assemelham a seitas hermetizadas e sectárias” Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76. Geografia USP, p3. Acervo: Antonio Figueiredo.
262
“No final de 1975, o pessoal da Libelú queria fundar o DCE. Nós queríamos esperar
mais um pouquinho, mas eles tinham razão: tinha que fundar o DCE, uma entidade
da USP inteira e não mais aquela confederação de centros acadêmicos. Criamos o
DCE. Ele não poderia existir pela lei, porque era previsto com tantas regras de
restrição que se tornava quase um órgão do governo. Então fundamos o DCE livre
em assembléia geral, cinco mil pelos gramados. [...] O Celsinho, da Caminhando,
sugeriu que o nome fosse Alexandre Vannucchi Leme. Assim nasceu o DCE Livre da
USP Alexandre Vannucchi Leme”374.
Mas, em termos mais amplos, os alinhamentos políticos seriam diversos - ora mais
radicais, ora mais moderados – , sendo que as chamadas “minorias esquerdistas” pelos
órgãos de segurança, lutavam para ampliar as possibilidades de interação e condução
pelos estudantes (as massas) das entidades e movimentos, razão das mais sérias críticas à
chamada “radicalização” das posturas. Para Sokol:
“Eu diria que a gente era democratista. Tem um aspecto justo, de exagero
necessário, por assim dizer, porque não tem uma combinação de centralismo e
democracia - seja no sindicato ou no movimento estudantil – [como] receita
abstrata. Depende da época, das circunstâncias e numa circunstância de ditadura
é evidente que fazer […] o máximo da democracia até pra proteger e esconder (..)
os mecanismos de centralização (...) vulneráveis a um ataque. Então esse é um
aspecto necessário (...) as reuniões das direções das entidades (..) nos anos 70 (...)
eram abertas, tudo, sempre, (...) porque qualquer um pode entrar, porque é um
direito de qualquer associado de participar das reuniões de sua associação, pra
tomar a palavra e tudo mais. E teve um esforço pra levar as pessoas até lá (...) em
parte isso era uma proteção contra a repressão, mas em parte era uma coisa de
falta de experiência”375
374
Depoimento de Geraldo Siqueira IN Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 375
Depoimento de Marcus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.
263
Jornal da militância trotskista no interior da Faculdade de Economia da USP celebra a reconstrução do DCE livre da USP, 1976. Fundo
DOPS/Arquivo do Estado
Enfim, as discussões acerca dos sentidos de democracia que cabiam às entidades
estudantis, a começar pelo DCE-livre, não seriam breves e sequer chegariam a um
consenso, uma vez que as direções das entidades (em diferentes universidades) tendiam a
imprimir variações nas estruturas e dinâmicas de gestão, ampliando-se ou restringindo-se
o caráter democrático das experiências. Para os trotskistas lambertistas cabia a entidade
estudantil atuar como um:
“pólo aglutinador de alunos, como forma de organização básica dos estudantes.
Nesse sentido, o CA deve ser uma entidade livre e aberta. Livre das ingerências
oficiais, da burocracia universitária. Aberta à máxima participação dos estudantes,
independentemente de suas posições políticas. Seu trabalho deve ser orientado
para e pelos estudantes. Somente assim o CA pode reclamar para si o seu
verdadeiro caráter, o de entidade de massa dos estudantes”376.
Para Caracol, até 1975 o pessoal que viria a formar a Liberdade e Luta:
376 Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76 pp 4-7. Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo.
264
“...tinham uma base forte na ECA e na Economia (...) nas Ciências Sociais, na
Filosofia, na Física... a FAU, na verdade, integrou depois, porque alguns grupos
importantes na FAU (...) parte da antiga diretoria e da antiga oposição (..) o
pessoal do cineclube, que fazia o jornal... [se reuniu] e a partir daí, a Liberdade e
Luta foi eleita (...) “...algumas pessoas que imediatamente estavam vinculados ao
cineclube... e era afinada com alguns grupos que eram independentes, na época,
na escola, que participavam no movimento geral, mas não tinham uma vontade de
fazer política organizada. Então, no começo, havia muito choque até que se
conseguiu, de fato, criar e abrir espaço para manifestações que eram
intervenções, falações (..) A FAU teve uma experiência muito marcante porque a
gente se envolveu em várias coisas (...) em 1976 (...) se criou uma rádio que se
chamou Rádio Interferência. Foi muito marcante, porque a Rádio Interferência
funcionava na hora do almoço, havia lá um alto-falante e microfone e rapidamente
começaram a ser produzidos shows na hora do almoço (..) quando havia shows
noturnos da Rádio Interferência, lotava o auditório da FAU. No caso (...) da
Liberdade e Luta (...) existia uma convivência muito grande com a diferença
cultural, então, em alguns lugares, isso ajudou muito para funcionar a atividade
cultural. Na ECA principalmente (...) surgiam manifestações de música, de teatro
(...) Na POLI, onde a predominância era maior do PC do B, havia um grupo de
teatro que tinha uma visão mais fechada e depois, mesmo quando a entidade
passou para as mãos do Refazendo, (...) o grupo de teatro era quase que uma
entidade autônoma”377
De qualquer forma, a bandeira “pelas liberdades democráticas” – bandeira que se
traduzia na luta por direitos estudantis e sociais em sintonia com a construção de uma
nova estrutura de organização e intervenção política – já ganhava espaço entre as
movimentações estudantis, e neste sentido, segundo Flávio Carrança, se “o primeiro
passo foi criar (...) os centros acadêmicos independentes da diretoria da faculdade”, o que
se seguiu foi:
377
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
265
“....um processo similar no âmbito da universidade e paralelamente o processo de
luta pela reconstrução da UNE e é no interior desse movimento que a liberdade e
luta se constitui, ao mesmo tempo, já no processo de luta contra a ditadura” 378.
Realizada a reconstrução, o passo seguinte seria eleger sua primeira diretoria, e
para tanto, tratava-se de compor as “chapas” que disputariam por eleições diretas este
pleito; estas chapas, por sua vez, também apresentariam novidades: em pouco tempo elas
passariam a reunir um conjunto mais amplo e “afinado” de estudantes em torno das
leituras e propostas de organizações clandestinas379. Nas palavras de Juleusa Turra:
“As tendências eram evidentemente formas de ver o mundo, formas de transmitir,
de democratizar leituras sobre o momento histórico ou leituras de conjuntura,
como se chamava na época, feitas em outras esferas. Mas eu acho que demorei
muito para descobrir isso, talvez tenha descoberto em 74, talvez em 75, eu não
lembro bem. Em 76 eu sei que já conhecia tudo isso”380
A tendência Liberdade e Luta seria criada, neste momento, pelos trotskistas
lambertistas para levar adiante a “construção” do DCE da USP” (que se prestaria a
redefinir o papel dos centrinhos), e de forma concomitante, buscar a “reconstrução das
entidades gerais”; proposição que se fundava na idéia de que:
“..decisivo era o movimento, porque nós também sabíamos que a cada momento
se repetia de uma forma... não com tanta intensidade, mas se repetia, e que as
organizações estudantis já haviam sido há muito tempo, o que a gente chama de
378
Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005. 379
"Nas primeiras eleições para o DCE, as chapas não apresentavam os nomes de seus candidatos. Em parte, isso era devido a uma concepção política de buscar não destacar nomes e sim idéias; mas em grande medida esta atitude era motivada pela necessidade de preservar as lideranças. Os estudantes votavam nas chapas sem saber quem iria fazer parte da diretoria e só depois de eleita a chapa vencedora apresentava seus componentes. Formalmente, não havia presidente. Era um colegiado de diretores" IN Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 380
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005.
266
aparelhadas, então ela serviam a um propósito (...) e perdiam essa diversidade que
nós tinhamos conseguido incorporar”381.
Além desta tendência, surgiriam outras:
“....elas vão se definindo no período da construção do DCE que aí surge a
Refazendo, Caminhando e a Liberdade e Luta, que foram as grandes tendências do
período. Eu acho que elas já existiam embrionariamente nas posições que se
defrontaram naquele movimento”382.
A tendência “Refazendo”, que também ganhou forma para concorrer às eleições
do DCE-livre, surgiu da composição de um grupo independente auto-denominado
“grupão” (originalmente vinculados à Ação Popular, depois afastados em função das
prisões de 1971 e novamente integrados a partir de 1976). O “grupão” contava com maior
presença nas faculdades de Geografia, História, Poli, Ciências Sociais, Economia,
Psicologia, Engenharia da São Carlos. Segundo Geraldo Siqueira:
“... Nós, da Refazendo, éramos egressos de organizações. Os mais veteranos como
eu, o Rui, não queríamos mais ser de organização nenhuma, porque seríamos
presos. Esse era o caminho certo de quem entrasse numa organização política
nacional, e a eficiência da organização era absolutamente questionável.
Formamos, então, o chamado Grupão e nos reuníamos na garagem da casa do
Perseu Abramo. Não éramos um partido e mantivemos o desenho do CCA,
Conselho de Ciências Acadêmicas. Eram um, dois, três de cada faculdade. A gente
era de esquerda e meio perdido. Pegávamos um texto do Chile, um da esquerda
de Portugal, discutíamos num plano teórico o eurocomunismo, o Partido
Comunista Espanhol, as idéias do Gramsci, mas, no geral/na verdade, discutíamos
381
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 382
Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005
267
mesmo o que se fazia na USP (...) Havia outras (...) Os menos de esquerda éramos
exatamente nós, que éramos desarticulados, a maioria tinha partido político383.
Além dela, a tendência “Caminhando” trazia ao cenário estudantil da USP os
militantes do PC do B que então contavam com maior presença nas faculdades de
Medicina, Politécnica e Ciências Sociais. Nas lembranças de Juleusa Turra:
“O grupo dos maoistas é claramente identificado... eu tinha um colega de ciências
sociais , o Celso, que fazia parte da tendência 'caminhado', que era a tendência do
PC do B, que se vestia como se estivesse nos anos 40. Era absurdo observar isso. A
gente falava “calça de tergal, camisa volta ao mundo e uma pasta. Era alguma
coisa assim... alguém que se envolve com a política não pode fazer parte do
cotidiano das pessoas. Era uma pessoa especialista. Eu achava que eles tinham
cara de padres”384.
Para Celso Marcondes:
“Eram as três principais correntes da USP. Agrupavam centenas de estudantes,
entre os quais dezenas se incorporavam às organizações políticas que
impulsionavam”385
Com menor expressão, também se formaram as chapas “Organizar a Luta”
(vinculada ao Movimento pela Emancipação do Proletariado/MEP) e a chapa “Alternativa”
(ligada à Política Operária/Polop), nas palavras de Geraldo Siqueira: “tendências
alternativas, mais intelectuais (...) com uma influência da esquerda grande”.
383
Segundo Geraldo Siqueira: “A Libelu era o Primeiro de Maio, era uma Quarta Internacional Trotskista centralista. Inclusive eles tinham uma deliberação de que era proibido fumar maconha, mas fumavam escondido. Fumávamos porque não tínhamos que dar satisfação a ninguém. O PCdoB era mais nacionalista”. Depoimento de Geraldo Siqueira Filho a Angélica Müller do Projeto Memória do Movimento Estudantil em 1/12/2004. 384
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 385
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
268
Plataforma Liberdade e Luta para o DCE Livre da USP, 1976. Fundo DOPS/Arquivo do Estado
A “Plataforma Liberdade e Luta” afirmava que o DCE-livre da USP nascera fruto da
conquista - na luta – de “seu espaço de intervenção política”, espaço que se fizera
construído em meio ao:
“plebiscito que rechaçou o Ensino Pago em 72, da missa de protesto pelo
assassinato do estudante Alexandre V. Leme em 73, passando pela formação do
Comitê de Defesa dos Presos Políticos (CDPP) e da luta contra o aumento dos
restaurantes em 74, e culminando em 1975 na luta contra o 477, na greve da ECA
e na greve geral de repúdio ao assassinato de V. Herzog”386
Nesta trajetória de reorganização, “o ME (..) foi avançando em suas mobilizações,
(...) criando e testando formas organizativas transitórias”– como Conselho de Centros
Acadêmicos (CCA) e a Comissão Universitária 387 - até a construção do DCE-Livre que
386 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p1 Acervo de Antonio Figueiredo. 387 Segundo esta plataforma: “O CCA, de fato um conselho consultivo, correspondia a um nível ainda elementar de lutas e expressava a precariedade de organização do ME. Com a intensificação das lutas, o CCA, foi se tornando um entrave ao avanço do combate dos estudantes. Isso porque, de um lado, o CCA só possibilitava a participação de membros das diretorias dos Centros Acadêmicos (CA) marginalizando das decisões todos os estudantes que então se mobilizavam; de outro lado, somando as mais variadas posições políticas, o CCA era incapaz de assumir uma plataforma única que lhe permitisse responder eficazmente às questões que se colocavam. A partir de 75, é a própria disposição de luta do estudantado que exige a superação do CCA através da criação de um canal de participação mais amplo, instrumento aberto a todos os estudantes para a defesa de suas reivindicações: a Comissão Universitária. Esta, apesar de materializar a exigência de um avanço orgânico do ME, tinha sua eficácia restrita aos movimentos de mobilização e seus impasses apontavam sempre para a construção de um instrumento capaz de levar adiante a luta pelas conquistas democráticas: o DCE. Hoje, o DCE-livre surge não como uma concessão do regime militar, mas como fruto da luta dos estudantes na defesa dos seus interesses”.
269
“surge apesar e contra a repressão e o controle a que a burocracia universitária tenta
submeter-nos”, constituindo-se então “como uma das poucas entidades desvinculadas
totalmente do Estado e de seus burocratas”. E neste sentido, “além de dar representação
e unidade aos estudantes da USP, o DCE-Livre será ao mesmo tempo um pólo de atenção
e, provavelmente, o principal centro de acumulação de forças do ME nacional” 388
No entender de Liberdade e Luta , “eleger uma diretoria não é reconstruir uma
entidade”, o que significa dizer que é preciso “conquistar efetivamente a sua
representatividade”, através da “mobilização de um número cada vez maior de colegas” e
de uma “direção que tenha uma compreensão do movimento político que estamos
vivendo, e da forma pela qual a Universidade se relaciona à Sociedade”389. Por outro lado,
“..longe de qualquer ilusão de ‘poder estudantil’, ou de propostas como a participação,
mesmo que paritária, nos órgãos colegiados, os quais visam atrelar o ME às cúpulas
burocráticas irremediavelmente comprometidas com o regime, e que acabam por esvaziar
a participação ampla”, trata-se de “lutar desde já por uma administração democrática e
autônoma da Universidade, propugnando pela eleição direta de diretores e reitores, por
estudantes, professores e funcionários”; ou ainda, compreender que “os problemas da
Universidade estão estreitamente vinculados às contradições da sociedade como um
todo. Isso significa que a resistência do ME às investidas do regime militar só é
conseqüente se estiver vinculada à luta dos trabalhadores”390
Como “plataforma de ação” do DCE-Livre da tendência Liberdade e Luta constaria,
então, as lutas: por liberdades democráticas391; pela democratização da Universidade392;
388 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p1 Acervo: Antonio Figueiredo. 389 Podemos ler, neste aspecto: “.. as mobilizações demonstram, a necessidade do ME contar com um organismo capaz de servir como ponto de contato com outros setores da sociedade, basicamente os trabalhadores, para responder unitariamente às investidas do regime militar. O canal organizativo para tanto, é o DCE-Livre” In “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p2 Acervo: Antonio Figueiredo. 390 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p3 Acervo: Antonio Figueiredo 391 Seriam elas: por eleições livres e diretas; liberdade de organização para os partidos políticos e para os sindicatos; anistia geral para os presos e exilados políticos; abolição total da censura; direito de greve; revogação dos atos institucionais e dos decretos-leis repressivos: 477, 228, Lei de Segurança Nacional, etc; fim das prisões e torturas no Brasil. 392 Seriam elas: abolição dos atestados ideológicos para professores; pelo reconhecimento por parte da burocracia universitária do DCE-livre como o único organismo representativo dos estudantes da USP; eleições diretas para diretores e reitores pelos estudantes, funcionários e professores; pela democratização
270
por melhores condições de ensino393 e pela reorganização do ME394, esclarecendo-se,
ainda, que:
“A elaboração dos estatutos do DCE é de responsabilidade da primeira diretoria,
que deverá discuti-los em Assembléia (..) ele deverá ser sustentado pelos
estudantes, sem depender de eventuais verbas oficiais ou autorizações
administrativas. De outro lado, seu funcionamento deve assegurar ampla
democracia interna, com direito de livre expressão para todas as tendências que
defendam a independência do DCE. Na medida em que (...) for se fortalecendo, e
ganhando o respaldo ativo dos estudantes, ele deverá exigir seu reconhecimento
pela burocracia universitária”395
De fato, o formato com que esta tendência entra em cena seria diferenciado das
demais por ser próprio da militância trotskista (lambertista); por outro lado, ele repetia,
em vários aspectos, a experiência vivida em 1975 na USP quando os militantes dos grupos
Outubro, FBT e OMO criam a Direção Unificada Provisória no curso da greve da ECA, com
o propósito de fazer funcionar uma corrente política com a participação de “pessoas que
não eram trotskistas, mas que nos textos de nossa formação, na convivência, começaram
do ensino: livre debate nas salas de aula, liberdade de criação e pesquisa, colaboração entre estudantes e professores na elaboração dos cursos; que os auditórios e demais dependências da Universidade estejam abertos à utilização de todos os estudantes; fim do policiamento ostensivo no campus; contra a participação nos organismos impostos pelo MEC: órgãos colegiados e Conselho Universitário. 393 Seriam elas: contra a reforma universitária; contra o ensino pago; contra a criação da Universidade de Ribeirão Preto (URP); contra estudos sociais e seu equivalente em Ciências Exatas, a resolução 30; mais verbas para a Universidade; contra o vestibular, pelo livre acesso à universidade; por transporte, restaurantes e completa assistência médica e dentária gratuitos; pela reabertura do Conjunto Residencial da USP (CRUSP); professores contratados em tempo integral com salários condizentes; contra o jubilamento e a portaria 351; contra a educação física obrigatória; organização de Ciclos de Debates Universitários; contra os pré-requisitos; por uma biblioteca sempre aberta, ampliada e atualizada; abolição das taxas. 394 Seriam elas: todo apoio aos encontros estaduais e nacionais de estudantes, por área de ensino e gerais; todo apoio à Comissão Nacional de estudantes criada pela RNE de São Paulo; pela realização da Semana Nacional de Luta pelas Liberdades democráticas; constituição de uma Comissão de Imprensa responsável pelo jornal e mural do DCE; constituição de uma Comissão Cultural do DCE que aglutine e coordene os grupos de Teatro, Cinema e Música já existentes, incentivando a formação de outros; constituição de uma Comissão de Assistência do DCE encarregada de questões relativas ao CRUSP, COSEAS e ao transporte; vinculação da LAAUSP [Liga Atlética Acadêmica da Univesridade de São Paulo] ao DCE, através de uma Comissão de Esportes; por um Centro de Vivência Central, sede do DCE; trote unificado – Bichusp. 395 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p6 Acervo: Antonio Figueiredo.
271
a ter contato com o movimento operário, e por outro lado, com o trotskismo”. Nesse
caso, bastava poucos militantes para chamar plenárias da corrente (que chegavam a
contar com 100 pessoas por turno) em meio as quais se elegia um coletivo de direção, os
responsáveis pelo jornal, pelas finanças, entre outras atividades, introduzindo as pessoas
numa “experiência política elementar”. Em paralelo às plenárias, haviam os convites para
integração nos Grupos de Estudos Revolucionários (GER), podendo surgir daí – ou não –
novos militantes. Nas lembranças de Juleusa Turra:
“...dentro do movimento da tendência que eu pertencia, começaram a aparecer os
momentos que eram chamados GERs (grupos de estudos revolucionários ) e aí eu
comecei a descobrir que além dessa área que estava orbitando, existia um centro.
Acredito que a partir desse momento que eu comecei a fazer parte do 'primeiro de
maio', e logo unificado e depois dando origem a 'organização socialista
internacionalista', o grupo de estudos revolucionários e as reuniões internas me
mostraram uma outra coisa: tinham a possibilidade de ser uma vida dupla, mas
pensando bem , a vida dupla, o múltiplo, é a vida que todos queremos”.
Segundo Sokol:
“..esse modelo se reproduziu pelo Brasil, deu certo. Bom... esse modelo de politica
vai virar a liberdade de luta; isso era uma corrente no movimento estudantil. A
gente aparecia em cada universidade com um nome, era um cálculo para não se
expor... Vieram anunciar que na USP tinha plenárias teoricamente clandestinas, as
outras correntes sabiam, muitos estudantes sabiam... mas não era uma
organização com sede nem endereço (...) Então, foi chegando na formação do DCE
que a gente teve que ter um nome pra disputar a eleição (...) foi a primeira vez que
a gente teve a necessidade de ter um nome público... veja como era […] liberdade
de luta era o nome que soava melhor... mas era uma chapa que disputava a
eleição; não ganhou mas pegou..”
272
Por outro lado, no entendimento de Caracol, também na esfera da cultura a
Liberdade e Luta expressava um caminho alternativo:
“...desatar amarras. Primeiro, porque a gente era totalmente atrevido, segundo,
arrogantes, porque... a política do PC, na época, era de procurar o tempo todo,
segundo a linguagem da época, “atrelar o movimento independente”, [atrelar] o
movimento estudantil “à oposição consentida (..) o MDB (...) O debate
significativo da época foi o movimento pelo voto nulo (...) este era o primeiro
ponto de ruptura, que era colocar a questão da atividade política como elemento
central. Portanto, fazer cultura independente, uma produção independente, a
busca de novas soluções (...) Alguns fatos marcantes causaram choques culturais...
Nós lançamos uma chapa que se chamava “Gente é pra Brilhar, não para Morrer
de Fome”... Éramos acusados por estes setores, como agentes do imperialismo, os
inconseqüentes, “porra loucas”... Por outro lado, havia uma defesa política
bastante acentuada pela luta das liberdades democráticas, pela constituinte, pelo
caráter democrático, pela convivência nas entidades de massas, a luta pela
construção do DCE... Foram coisas que abriam um caminho para um
reagrupamento de maneira diferente. O embate, então, foi significativo, porque as
rupturas foram até muito rápidas. Durante muito tempo, era muito difícil ter uma
visão fora da majoritária, tanto do PC e do PC do B e dos grupos que vinham da
antiga...396
Com maior expressão nos cursos de Arquitetura, Comunicações, Filosofia,
Economia e Ciências Sociais, a tendência nasceu em meio à fusão, propriamente dita, das
organizações Primeiro de Maio e Organização Marxista Brasileira, originando-se seu
nome, segundo Júlio Turra, de um momento de discussão no qual ele e Markus Sokol
lembraram-se de uma frase de Spinoza que dizia que "só há liberdade quando se luta pela
396Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
273
liberdade". Aí, Julinho disse "Luta e liberdade pode ser o nome" e Sokol replicou: "Não,
Liberdade e Luta soa melhor"397.
Com a fusão, estes grupos também buscavam a criação de um partido clandestino;
partido que, em conjunto com a tendência (no âmbito do movimento estudantil),
procuraria reconfigurar o território político ao propor e fortalecer novas instâncias
coletivas em paralelo às entidades. Sua atuação, fundada numa dada interpretação das
dinâmicas sociais, privilegiaria a reconstrução de instâncias coordenadoras das lutas mais
amplas. Os trotskistas (lambertistas), que até então se apresentavam como “FES” (no caso
da Organização 1º de Maio) ou por meio dos nomes de chapas para os centrinhos como
“União e Organização”, “Construção”, “Liberdade e Ação”, “Argumento”, “Grupo
União”/PUC lançaram-se, portanto, com o nome de “Liberdade e Luta”398, com a novidade
que em novembro de 1976, a organização 1º de Maio se juntara à OMB para compor uma
nova organização: a Organização Socialista Internacionalista399 “seção do Corqui no Brasil,
já com, talvez, duzentos militantes, o que não era pouco para a época”400. Nesse
intermeio, houve também a constituição de um pequeno grupo comandado por Francisco
Solano (trotskista do antigo Grupo Outubro), o Grupo Operário Internacionalista (GOI),
que teve curta duração; ao final, todos os seus integrantes reingressaram na OMB ou
ingressaram pela primeira vez401
Os marcos políticos, propriamente, de “reconstrução” institucional do movimento
propostos pelos trotskistas (lambertistas) se achavam presentes na maneira como
entendiam a “condução” das lutas e movimentos coletivos para a reconstrução dos fóruns
estudantis de caráter civil, no caso, as UEEs e a UNE. Cabia à ação organizada, sem repetir 397
Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 398
Nas palavras de Marcus Sokol: “Então, foi chegando na formação do DCE que a gente teve que ter um nome pra disputar a eleição (..) foi as primeira vez que a gente teve a necessidade de ter um nome público... veja como era […] liberdade de luta era o nome que soava melhor, mas era uma chapa que disputava a eleição”. Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 399
“Em novembro de 1976, num encontro clandestino, no litoral de São Paulo, nasceu a OSI, grupo
trotskista que dirigia a tendência estudantil Liberdade e Luta, além de oposições sindicais em categorias de trabalhadores, como bancários, professores, metalúrgicos e químicos” Jornalista Paulo Moreira Leite, ex-integrante de Libredade e Luta, no blog do jornal O Estado de São Paulo, em 21/11/2006 http://oboqueirao.zip.net/arch2009-06-21_2009-06-27.html 400
Depoimento de Paulo Zocchi para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 401
Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011.
274
o legado do “vanguardismo”, promover a participação, estabelecer vínculos com esferas
mais amplas de luta social e de lutar, propriamente, pela construção de uma ordem social
na qual os fundamentos mais caros à vida pessoal e política fossem recolocados. O
trabalho político se definia, neste sentido, pelo convencimento no engajamento dos
estudantes na luta mais ampla travada pela sociedade, pelo seu envolvimento com os
estudos marxistas acerca da sociedade capitalista, suas contradições e dinâmicas sociais;
pelo engajamento na luta em defesa da liberdade, da democracia e da autonomia.
Os escritos de Leon Trotsky inspirados nas formulações de Marx e Engels (acerca
da gestação, transformação e crise do sistema capitalista), ou ainda, nos debates e
experiências travados por Lenin, Rosa de Luxemburgo, entre outros, em torno da
Revolução Russa, achavam-se inseridos em todo um conjunto de estudos e orientações
essenciais à análise e intervenção nos movimentos sociais contemporâneos. A teoria
marxista, neste caso, se mostrava presente não apenas enquanto abordagem teórica, mas
especialmente como arsenal de orientações práticas, como perspectiva científica de
intervenção social402 - perspectiva (de interpretação e intervenção nos movimentos sociais
em pról da revolução proletária) que afirmava a possibilidade efetiva de intervenção e
transformação social.
A ação política, construída em meio à luta de classes na sociedade capitalista,
prestava-se a afinar e traduzir o embate, a condução e a conquista da revolução social
pelas classes trabalhadoras, ou mais especificamente, pelo proletariado (nacional e
internacional)403. E para tanto, fundamentos caros ao pensamento trotskista contidos no
402 Entre as formulações de Trotsky (expressas de maneira particular, no Programa de Transição), o conceito de luta de classes assumia plena significação: como motor da História, como expressão do embate estrutural das classes sociais em luta por diferentes interesses e que conduzia, forçosamente à transformação social 403
Com base nestas formulações, militar se traduzia em buscar a ruptura da ordem social colocando-a sob o
controle, os interesses e as contradições da própria classe operária, encontrando-se no interior dela o verdadeiro espaço da luta política; da mesma forma que a revolução socialista - sob controle e obra da classe operária – nada mais era do que a ruptura, propriamente dita, do sistema capitalista, devendo-se marcar pela dissolução das relações de exploração social, da propriedade privada e da ordem burguesa em sentido mais amplo. Mas, como chegar a ela? Segundo Trotsky, somente a classe operária teria condições – históricas – de levar a ruptura do sistema capitalista até o fim, por encontrar-se nela a expressão mais acabada do sentido de exploração social do sistema. Mas, uma ruptura nestes termos exigia a organização e condução política específica, papel que necessariamente seria exercido pela estrutura de um partido, na prática, uma modalidade de organização política capaz de reunir a diversidade das interpretações para traduzi-las em formulações teóricas e práticas comuns e centralizadas. Ao partido, devia-se associar outras
275
Programa de Transição, nos conceitos de Revolução Permanente e na Lei de
desenvolvimento desigual e combinado, de Leon Trotsky, seriam norteadores de grupos
políticos integrados à IV internacional (fundada em 1938) ao oferecerem um conjunto de
formulações e acima de tudo, o “método do Programa de Transição”, ferramenta
entendida como estrutural ao entendimento e atuação no universo social.404
A organização clandestina procuraria decifrar e atuar junto aos acontecimentos,
propondo bandeiras de luta e “palavras de ordem” capazes de dialogar e intervir nos
caminhos políticos das massas; à tendência caberia mediar estas relação, promover
debates, estudos, ou ainda, a iniciação política, devendo-se considerar que a “grande
maioria” dos participantes, nas palavras de Antonio Figueiredo:
“...não eram trotskistas (...) Era uma tendência de massa mesmo. Não tinha um
programa além daquilo da plataforma que disputava as eleições; o máximo que
podia ter era uma palavra de ordem […] mas nada que dissesse que era uma
corrente ideológica... A gente separava bem as coisas, embora tivesse várias
discussões que nos demarcavam bem [...] A grande maioria dos integrantes da
liberdade de luta não eram militantes, mas ao mesmo tempo a grande maioria era
leitor da nossa imprensa comunista, então era a tribuna do trabalhador, na época
(...) Eu acho que chegou a ter cem militantes na USP”405.
Nas palavras de Paulo Zocchi, a Liberdade e Luta surgiu com as características de
uma “organização de juventude” nos moldes trotskistas, reunindo núcleos atuantes na
formas organizativas capazes de traduzir os anseios e proposições de sua coletividade – as massas – através de um sistema de participação e representação: os soviets. Por esta via, os trabalhadores proletários, em um esforço interno de se conhecer, de se representar e de se dirigir, levariam até o fim uma ruptura social e política com um sistema econômico gerador de desigualdades e de exploração humana. 404
A estrutura de militância e atuação trotskista - construída no curso de décadas sob inspiração da revolução russa (partido leninista, soviets) e de experiências travadas no curso das décadas de 1920 e 1930 -, ganhara forma em 1938 com a criação da IVº Internacional e se propagara pelas décadas subsequentes. O partido atuava como fórum de discussões e deliberações, e como direção centralizada da ação definidora de táticas e estratégias específicas; fórum e direção que se repetiam em escala nacional e internacional através das seções da IVº Internacional e da própria IVº Internacional (o partido mundial da revolução). Em sua trajetória, no entanto, a organização mundial sofreu uma profunda crise interna em 1952/1953, vindo a sofrer uma forte cisão internacional. 405
Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005
276
USP com características de “juventude acentuada” e numa forma um pouco mais flexível
do que uma organização (com o centralismo democrático), na busca de assumir “um
caráter amplo na juventude”. Ela contava com uma “base de programa anti-capitalista,
socialista, um programa do ponto de vista dos princípios (...) não (...) extenso (...), uma
coisa resumida, uma coisa simples (...) na perspectiva de estimular a juventude a “se
integrar a uma organização política”406.
Por isso mesmo, segundo Juleusa Turra, a “liberdade e luta não surge no centro
acadêmico, a liberdade de luta surge na universidade como um todo (...) ela já é pensada
como um movimento geral (...) [com] o DCE como referência”407.
Manifestação no interior da USP. Fundo: Revista Adusp
Para Antonio Figueiredo, a Liberdade e Luta:
“... dava uma resposta a uma ansiedade que estava presente e as pessoas que
eram responsáveis por ela, que estruturaram a organização aqui, eu considero
pessoas brilhantes (...) hoje você não ouve pessoas com uma clareza e base
406
Depoimento de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/setembro/2003 407
Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005
277
politica para analisar uma situação e dizer qual seria o caminho a seguir. E a gente
vivenciou isso, a gente fazia e as coisas aconteciam daquela forma mesmo. Como
houve aquelas passeatas, foi a primeira passeata dentro do campos, era uma coisa
impensável naquele momento”408.
Na esfera da cultura, segundo Caracol:
“...isto fazia parte da própria visão de programa, que era um programa que vinha
desde a Quarta Internacional, que a cultura era um elemento essencial na
formação... por mais rasa que tivesse sido feita a leitura, via-se claramente a
questão da cultua, a luta contra o stalinismo, a luta pela liberdade de expressão...
Isso de fato impulsionou.... Todos os grupos chamados de vanguarda, vamos dizer
assim, da ECA... estavam vinculados, de alguma maneira, ou apoiavam a Liberdade
e Luta, porque permitia um espaço maior”409.
De forma concomitante, as demais organizações clandestinas presentes tinham
outras perspectivas para o DCE-livre e para as entidades gerais em (projeto de)
reconstrução, e a primeira medida tomada foi a de adiar a elaboração dos estatutos desta
entidade (que se pretendia refundadora do movimento estudantil “versão anos 1970”),
seguida da disputa pela sua direção, condição para que se imprimisse outras
características de funcionamento. Os acontecimentos de 1976, 1977, 1978 e 1979, neste
caso, seriam marcados não apenas pelo enfrentamento de um “cerco” imposto as ações
estudantis pelos órgãos de segurança e pela administração da Universidade, mas por um
enfrentamento interno de sentidos de política, de cultura e de movimento social.
A tendência Liberdade e Luta ganhou forma em meio a estas confluências, mas
mais do que isso, na condição de herdeira de uma trajetória particular de militância
trotskista, seu repertório nasceu e se manteve vinculado a uma linhagem política
(originada na década de 1950, com especial presença na França) que, enquanto
408
Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 409
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
278
organização bolchevique410, retomava o Programa de Transição como fundamento,
método de leitura e de intervenção política (expresso, entre outros aspectos, no desafio
de “colocar a classe em movimento como classe”) na perspectiva de buscar aprimorar (de
forma permanente) sua capacidade de leitura das condições objetivas da luta de classes e
daí deduzir suas tarefas políticas – orientando-se pela afirmação de Trotsky de que: “é a
situação objetiva quem é absolutamente determinante”411. O partido e o sindicato, neste
caso, definiam-se como formas de organização essenciais mas transitórias de luta social,
que se faziam utilizadas pelas massas de trabalhadores em seus combates cotidianos mas
que não se constituíam em seu fim. Já o marxismo cumpria um papel de “guia para a
ação”, mas um guia que se fundamentava na leitura e entendimento profundo de uma
dada realidade social.
Por outro lado, os agrupamentos brasileiros que desde os primeiros momentos da
década de 1970 se reuniram nesta linha, também integraram a construção de um
percurso internacional de releituras e redefinições, cujas bases programáticas e ideal de
organização se fizeram definidas pelo Comitê de Reorganização da IV Internacional
(CORQUI), em grande medida, emanados da Organização Comunista Internacionalista
(OCI) dirigida por Pierre Lambert412.
Em outras palavras, a organização criadora da tendência Liberdade e Luta nascera
e se mantivera vinculada a um trânsito de referências que incluía, entre outros aspectos,
os acontecimentos de maio de 1968; trânsito que, somado à presença e ao desempenho
410 O partido bolchevique se definiria, segundo Bruet, como um partido leninista plenamente integrado às condições políticas e às relações de força em curso; um “partido de ação” que também deveria ser clandestino e centralizado em função da segurança dos militantes, da criação de novos núcleos e do cumprimento do trabalho político-organizativo. Pierre Broué. O Partido Bolchevique 1960 Marxists Internet Archive seção em espanhol. Tradução de: Diego Siqueira para o Marxists Internet Archive. 411 Classe Contra Classe: Resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. Documento mimeografado, 19 p, s/d, s/a. mas com identificação manuscrita: “II Congresso OSI, 1978”, p10 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP067 412 No acervo da Livraria a Palavra encontramos documentos como “Pour le maintien du comite international” (document de la Ligue des Revolutionnaires Socialistes hongrois. Paris, 1e 20 juin 1972). Contemporâneo a criação do CORQUI em julho de 1972; “Une Fuite Honteuse” , registro de reunião do Bureau Internacional da Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI) em abril de 1973, no qual se delibera pela ruptura com a “Fração pela manutenção e desenvolvimento do Comitê Internacional”. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP002
279
de lideranças brilhantes, imprimia uma forte vitalidade às proposições e formas de ação
política de uma tendência estudantil que, num certo recorte de tempo, ocupara um lugar
privilegiado em meio às discussões, expressões e realizações transnacionais.
O que era então a Liberdade e Luta? Antes de tudo, ela era uma corrente política
(cuja maioria dos integrantes não era trotskista, mas apresentava afinidades com ela)
integrada a um território e dinâmica coletiva muito maiores do que ela. Para Juleusa
Turra:
“....nossa questão era o movimento e a discussão proporcionada no movimento. E
nossos professores, muitos deles sensíveis, sabiam disso, e proporcionavam essas
discussões com o movimento acontecendo. Alguns mais cruéis, quando a gente
escrevia os trabalhos diziam assim “stalinista o seu trabalho” mostrando que nós
devíamos avançar no ponto de vista teórico e eu só fui fazer isso quando acabei a
graduação”413.
Nas palavras de Caio Túlio Costa:
“Eu nunca pertenci à OSI. Eu pertencia à libelú... me considerava um quadro da
libelú.. me reunia com o pessoal da libelú, na ECA. Fazia toda a politica da libelú na
ECA, mas não participava das reuniões, nem da organização, nem fora da
universidade. Tinha grupos de estudos ligados à libelú e meus amigos eram todos
da libelú. E fechava absolutamente com tudo da libelú e me considero uma
especie de sócio fundador da libelú, da tendência estudantil. Mas não tenho nada
a ver com a organização internacional que estava por trás e que fundamentava a
libelú e brigava com todos os outros expoentes trotskistas e tudo mais. Eu sempre
tive um espirito muito critico também em relação à libelú...”414
Para Caracol, a tendência Liberdade e Luta trazia em si:
413
Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 414
Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006
280
“...um comportamento que era interessante, que era de ruptura, de uma nova
estética (...) As pessoas extremamente afetivas, tinham prazer de se encontrar (...)
pensavam na festa, tinham uma proposta para a festa que era fundamentalmente
prazer...eram shows no crepúsculo, no gramado da ECA. Havia uma menina, Luíza,
que imitava Jane Joplin, outro, que cantava como Mick Jagger (...) quer dizer, que
significava algo diferente (...) era a contracultura se manifestando. E a idéia era
contra esta estética da esquerda da USP que era aquela coisa sóbria... de “camisa
volta ao mundo”, como a gente falava, calças de tergal e cueca samba canção... e a
idéia dessa dureza de atividade política, que era inclusive reconhecida pelos mais
irreverentes e libertários (...) esta época é uma época muito importante que as
pessoas não conhecem, do ponto de vista da vivência e da construção coletiva e
visual muito bacana, porque... o impossível estava no horizonte... Essa época de
1960 junta com o Odara, com a política do corpo, do abaixo a choradeira! Abaixo...
É um período de queda de preconceitos por todos os lados”415.
De forma concomitante, Liberdade e Luta também se constituía numa organização
trotskista em formação, ou melhor, numa ferramenta de consolidação desta organização;
um instrumento de intervenção e interação com o “movimento de massas” ao qual cabia
desenvolver e propor um posicionamento “claro, aberto e disciplinado diante das massas”
como condição para intervir na conjuntura e transformar esta mesma trajetória e
experiência numa resposta unitária e massiva. A origem desta tendência seria, portanto,
uma obra política e entre os documentos internos deste período, guardados pelo fundo da
Livraria A Palavra, no CEDEM, o texto intitulado “Resoluções nº3” é muito significativo.
A Resolução trata do “Processo de Férias interno” durante o qual a nova
organização pretende gerir “uma POLÍTICA P/ O ME, entendendo tal política como a
concretização, a nível do mov., de nosso acervo político ‘geral’, pautando-se num balanço
do mov. e de nossa situação em seu seio”, seguido pelo:
415
Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996
281
“2) delineamento de uma POLÍTICA DE ORGANIZAÇÃO entendida como a definição
do papel de cada organismo, da direção e da questão da militância; 3-)
cumprimento do proc. de incorporação de comps. à O., rompendo c/ a atual
situação indefinida; 4) eleição de um CL e definição de suas tarefas. Consideramos
tb. Que tal proc. deve estar articulado ao proc. da tendencia bem como aos procs.
Regional e nacional da O.”416
Nas palavras de Mário, então estudante de graduação da PUC-SP:
“....A liberdade e Luta nasce e, na primeira semana em que ela nasce, há um
encontro nacional clandestino de estudantes aqui do lado de Campinas (...) um
encontro grande de clandestinos, para preparar um congresso clandestino da UNE.
A intenção era de refundação da UNE. Isto eu acho que é 1976 ou 1977 Ela nasce
já dentro de um encontro destes. É imediato e começa a ter boletins com o nome
de Liberdade e Luta”417
Uma outra característica da tendência Liberdade e Luta dizia respeito ao
entendimento que a própria organização clandestina nutria sobre as esferas da cultura e
da arte418. De maneira especial, as palavras finais do manifesto “Por uma arte
revolucionária independente” (datado de 1938 e escrito por André Breton e Trotsky) que
proclamavam “a independência da arte para a revolução; a revolução para a liberação
definitiva da arte” pareciam ganhar novas possibilidades na década de 1970.
Para Julio Turra, num período no qual “as transgressões à moral da época eram
praticadas” e em que o enfrentamento de todo o “clima de repressão cultural e artística
do momento” se misturava a “uma quase total falta de preconceitos”, a constituição de
tendências políticas também se traduzia num “círculo protetor onde as pessoas podiam
416
Resoluções nº3. USP. Doc mimeog., 3p, s/d, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 417
Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005 418
No Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP, CEMAP/Fundo Editora A Palavra, enontramos nas caixas LP 101, LP 107, LP 108 e LP 109 um vasto conjunto de textos de formação, capacitação política e educação partidária
282
‘respirar’ no meio de tanta tensão”, sendo que “cada tendência se comportava mais ou
menos como uma tribo (...) O pessoal da Caminhando era do sambão, do pagode, da
cultura popular. Nós, da Liberdade e Luta, éramos mais roqueiros; o pessoal da Refazendo
era mais tipo Milton Nascimento. Havia até um certo jeito de se vestir: o pessoal da
Caminhando você reconhecia claramente - era o poncho e conga -; a Libelú já era o cara
mais cabeludo, meio roqueiro...” 419 Mas, porque o rock?
“...a gente não gostava de música popular brasileira porque ela tinha uns ranços
que permitiam pensar numa ideia de nacionalismo - patriotismo que não era a
ideia mais forte que nós tinhamos. A concepção que a gente tinha era que
tínhamos que entrar num movimento internacional e pra gente o rock era muito
significativo, o tropicalismo era muito significativo, mas música popular que era o
samba.. (...) shows do MPB4 que a gente gostava e não gostava (...) nós tínhamos
muito sentimentos, mas esses sentimentos eram todos de fazer parte do mundo
que estava prometendo uma mudança e nós não podíamos estar fora dessa
mudança. Isso eu acho essencial”420.
Para Josimar Melo:
"Nós, trotskistas, achávamos que a arte deveria ser independente da política. Não
éramos contra a música popular, o sambão ou a Mercedes Sosa, só não
achávamos que era preciso gostar disso para ser revolucionário. Os stalinistas, o
pessoal do PC e do PC do B gostavam de canção de protesto, mas a gente preferia
ouvir Led Zeppelin ou Rolling Stones."421
419
Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 420
Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 421
COLOMBO, Sylvia; NEY, Thiago. “A volta da poncho music” jornal Folha de São Paulo, 23 dez. 2008
283
Representação feita pela matéria “ Libelú. Eis o Fascínio Radcal“ do jornalista Wagner Carelli, publicada na Revista Isto É de 25/07/1979
A “questão comportamental”, portanto, não se distanciava das proposições
políticas, mas pelo contrário, elas se agregavam de maneira mais sutil a um leque de
posicionamentos variados, imprimindo aos acontecimentos, atividades, experiências
coletivas nuances importantes de identidade. No caso da Liberdade e Luta, descrições
como a oferecida por um ex-universitário da ECA/USP, integrante do “braço cultural da
Liberdade e Luta”, são esclarecedoras:
“..participei (...) [de] um curioso e original amálgama político-comportamental, em
que o trotskismo convivia com o rock, com o fuminho e com as meninas do pós-
queima-dos-sutiãs. O que nós fazíamos? Frequentávamos o Riviera, o Ponto 4
(depois o Bar da Terra, primeiro posto avançado na Vila Madalena), íamos ao
cineclube da GV (...), rolava muito Stones nas festas sempre com cerveja, líamos
Adorno, Walter Benjamin, Barthes, Foucault, Bataille, Cortázar, Bandeira e Murilo
Mendes – alguns, como o Rodrigo Naves, o melhor orador da Libelu, liam Sartre -,
passávamos carnaval na Bahia, shows de Gil e Caetano eram obrigatórios, assistir
284
às aulas do Davi Arrigucci Jr também, nosso coração batia pelos surrealistas, nossa
mestra era Marilena Chaui, anulávamos nossos votos, éramos leitores de Paulo
Francis, nosso padrão de jornalismo era ‘Le Monde’ e tomamos um porre quando,
finalmente, o Corinthians foi campeão”422.
Por outro lado, segundo Flávio Carrança:
“...o pessoal da refazendo não era muito diferente não da gente, mas tinha uma
subcultura, eu não sei a palavra exata pra isso, mas alguma cosisa que
caracterizava as festas, o jeito de se vestir das meninas. Era uma coisa meio hippie,
mas que não era totalmente hippie porque eram pessoas engajadas politicamente.
Era uma coisa de não raspar a perna, acho que beirava o hippie, mas não era
totalmente”423.
Para Geraldo Siqueira:
“..E me lembro dessa coisa do rock... Eu tinha umas brigas com o pessoal do
PCdoB, porque nas festas nós queríamos tocar rock e eles queriam valorizar o
produto nacional e colocar forró”424.
Na visão de Caio Túlio Costa:
“...quando a libelú desejou, por exemplo, atrelar o Avesso diretamente à libelú, eu
fui um dos que foram voto contra e nós ganhamos essa batalha dentro do Avesso.
Tivemos uma longa reunião uma vez com o Marcos Sokol, meu amigo, na qual o
Sokol queria que o jornal tivesse... que estava fazendo grande sucesso, nós já
tínhamos escritos dois contos que também eram simpatizantes da libelú, mas
422
ALMEIDA, M.H. T e WEIZ, L. “Carro-Zero e Pau-de-arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar” IN História da Vida Privada no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, vol: Contrastes da Intimidade Contemporânea, nº4, pp 375-376. 423
Depoimento de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005 424
Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.
285
tinha algumas pessoas do PC do B que também escreviam no jornal... e depois
fizemos o Avesso e a libelú queria determinar, de certa forma, a linha política do
Avesso e nós fomos contra (...) Isso é um fato muito especifico que é importante
deixar ressaltado. Que tem a ver, um pouco, com as pessoas que faziam o Avesso
que eram um pouco mais independentes, apesar de todos concordarem com a
Liberdade e Luta. Mas eu tinha criticas muito sérias. Tinha criticas tão sérias
quanto o pessoal do partidão, do PC do B... “Partidão” pelo empreguismo,
digamos, pelas questões que a gente chamava de reformistas na época; o PC do B
pela questão stalinista; e em relação a um certo radicalismo, um radicalismo muito
forte na libelú, onde as questões de princípio eram determinantes e
absolutamente inflexíveis”425.
Enfim, em paralelo aos preparativos das eleições para o DCE-Livre, as tendências e
estudantes se envolvem em outras atividades na intenção de estabelecer articulações
para além da universidade; neste sentido, entre os dias 26 e 30 de abril acontece na USP a
“Semana de Lutas pelas Liberdades Democráticas” com a participação de estudantes e
militantes de vários Estados e Universidades. Neste encontro, os participantes deliberam
pela realização de um Encontro Nacional de Estudantes426, fruto de um processo de
radicalização que surgia da contestação mais profunda do decreto lei 477 (e dos demais
instrumentos repressivos), da deterioração das condições de ensino, ou ainda, do
agravamento das condições de vida da população. Um texto de origem trotskista,
produzido na ocasião afirmava:
“É hoje impossível lutar pelas mínimas reivindicações por melhores condições de
vida, sem se colocar diretamente a necessidade da luta pelas liberdades
democráticas de se expressar, se manifestar, se organizar, liquidadas pela ditadura
a 12 anos. A menor luta hoje nos locais de trabalho ou estudo choca-se
425
Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. 426
GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. São Paulo Alfa Ômega, Coleção História Imediata nº5,1979, p21. Esta proposta havia sido aprovada numa reunião em Campinas, em janeiro de 1976, propondo-se na ocasião a criação de uma Campanha Nacional de Luta por Liberdades Democráticas.
286
diretamente com a existência de toda uma legislação repressiva e de um aparato
militar permanentemente mobilizado. Essa situação põe a luta pelas liberdades
democráticas na ordem do dia, acessível e compreensível que ela é para a grande
maioria da população oprimida do país, que aspira pelos mais elementares direitos
que lhe possibilite lutar pelas suas reivindicações. Tal luta não é, então, exclusiva
dos estudantes que nada mais são do que uma parcela de um contingente humano
de dezenas de milhões de pessoas e hoje asfixiadas pelo regime militar”427.
Em maio realizam-se as eleições para o DCE-livre da USP, mas as 40 urnas são
roubadas de dentro da FEA (então com 7910 votos). De forma concomitante - e em razão
de se dar os primeiros atos políticos para além da USP, associados ou não à reconstrução
do DCE livre -, as “detenções para averiguaçâo” se tornam constantes; os órgãos de
segurança procuram identificar os responsáveis e acompanhar atentamente os
deslocamentos estudantis428.
427 “Contribuição à discussão: campanha e o encontro nacional por liberdades democráticas”, 1976, p.4 428 Podemos ler: “Carlos Terrana (FAAP) – “acusado de ler manifesto contra o roubo das urnas do DCE em 15/5/76”; Grécia Conceição Soares da Motta (medicina/USP) – “acusada de se solidarizar com movimentos da ECA, de ter assinado abaixo-assinado contra Show de Jazz na FMU, de ter fixado cartazes no mural da Faculdade de Medicina pela liberdade de João Roberto, de participar de movimentos junto a Congregação, por não considerar ilegal a existência do atual DCE, por reconhecer uma das integrantes do DCE (Terezinha) e de vista alguns outros (Veroca, Vinicius, Paulinho, Marcelo e Geraldo); Afrânio Paes Filho (Biologia do Instituto Unificado Paulista e Ciências Sociais/USP) “acusado de participar de assembléias, de ter integrado uma reunião aberta dos Centros Acadêmicos nos barracos de Ciências Sociais; de ter posicionamento crítico à cobrança das refeições, às condições de ensino e infra-estrutura da USP, por entender a invasão do restaurante do CRUSP justa, por considerar que os problemas da Universidade ‘não podem permanecer distanciados daqueles atinentes à sociedade’; por ter afixado um cartaz do ‘jornal mural do DCE’ nas Faculdades Objetivo”; Ricardo Pereira de Melo (economia/USP) “acusado de ter assistido assembléias na ocasião do movimento da ECA, por considerar justas as reivindicações desta greve, apesar de considerá-lo muito radical por ter se estendido por muito tempo e pelo excesso de agitação, que trabalha no Instituto de Pesquisas Econômicas, que assistiu reunião matutina onde foi abordado o problema do restaurante, que estava se alimentando na ocasião da invasão do RU, que não viu qualquer depredação, que acha que o ME está se desvirtuando por sair da esfera da Universidade, que lê alguma publicação dos CAs apesar de não integrá-los, que pensara que o DCE fosse legal, que seu pai era jornalista do Última Hora”; Josimar Moreira de Melo (Arquitetura e Urbanismo/USP) “declara que não participou de reunião ou assembléia do Comitê de Defesa dos Presos Políticos, que não pertence a nenhuma organização, que participou de algumas reuniões/assembléias na greve da ECA, que acha que o movimento como este, está se desvirtuando e que ‘o mais certo seria reivindicar junto às autoridades competentes’ uma vez que muitas pessoas poderão ser ‘levadas a uma situação comprometedora pelos movimentos que se desencadeiam na universidade, que conhecia as reivindicações da greve da ECA, que (..) teve oportunidade de participar das publicações da FAU, como o Boletim Informativo, quando escreveu artigos referentes à arquitetura, contudo, jamais teve qualquer envolvimento sobre assuntos alhures a sua faculdade’ (em 1972), que sabe que o DCE é ilegal”;
287
Cartas programa das chapas Refazendo e Caminhando para o DCE USP em 1977; Autos de Investigação: natureza subversiva da propaganda distribuída pelo DCE da USP, 24/10/1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado
Pouco tempo depois os estudantes promovem uma segunda eleição e, para
assegurar a reconstrução efetiva da entidade, eles próprios guardam vigília. Nas
lembranças de Juleusa Turra, desta noite possuem um sentido emblemático: reunidos no
prédio da FFLCH, militantes das mais variadas tendências se dividiram buscando comida,
organizando a projeção do filme “O incrível exército de Brancaleone“ ou se alternando no
alto do prédio para impedir um novo ataque dos órgãos de segurança. Nesta noite
também se enfrentou duas polêmicas: que tipo de música se deveria tocar (rock ou
samba?) e se poderia rolar bebida alcoólica ou não429.
Enfim, nas primeiras eleições para o DCE livre a tendência Refazendo ganha as
eleições com 4362 votos, contra 2955 votos da Liberdade e Luta e 1497 votos da
Caminhando, contabilizando 12253 votos430. Nas palavras de Geraldo Siqueira:
“Éramos os mais desorganizados, mas muita gente se unia a nós. Tanto é que na
eleição ganhamos bem. A primeira eleição foi em maio ou junho de 1976.
além de Rosana Morais Weg (Letras/USP), Luiz Antonio Colombo (História/USP), Rosangela Battaglia (Letras/USP), Marisa Raugon (Biologia/USP), Maria Lucia Follenga (História/USP), Liza Winter (Economia/USP), Célia da Silva Carvalho (Letras/USP), Vinicius Ítalo Signorelli (Física/USP), Maria Terezinha Figueiredo (Psicologia/USP), Vera Silvia Facciolla Paiva (psicologia/USP), Geraldo Augusto de Siqueira Filho (geografia/USP, Marcelo Garcia de Souza (Geologia/USP). IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos, OP 1531 429
Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35
(julho/agosto/setembro de 1997) 430
SANTANA, Flávia de Angelis. Atuação Política do Movimento Estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2007, p186
288
Roubaram as urnas que estavam na Economia. Com isso todas as chapas entraram
juntas nas salas de aula denunciando a ação da repressão e convocamos uma nova
eleição, mas sem fazer campanha. Fizemos uma nova eleição e aumentou o
número de votantes. Decidimos em assembléia passar a madrugada tomando
conta das urnas, nós mesmos. Ganhamos a eleição do DCE”.
Dias antes da posse, a nova diretoria convoca os estudantes para um “ato público
pela anistia”, atividade que conta com cerca de 300 pessoas e que merece um novo
registro na Seção de Operações do DOPS nos seguintes termos:
“1.1- Dia 04/06, por volta das 21:00 hs, houve um Ato Público pró-transferêcia do
preso Roberto João Mota (ou Motta) do Manicômio Judiciário de Santa Catarina,
bem como, pró anistia de presos e exilados políticos, ou das pessoas que
perderam a cidadania ou os direitos políticos, ato esse, promovido pelo DCE-Livre
(Diretório central dos estudantes/USP), recentemente reconstruído, realizado no
pavilhão da ‘Geografia’. 1.2 – Com a presença de aproximadamente 700
(setecentos) estudantes, esse Ato Público teve início por volta das 21:00, com as
acomodações do salão completamente tomadas; 1.3 – Foram convidadas várias
personalidades ligadas às entidades que militam pela anistia ampla e irrestrita dos
presos políticos, mas se fez presente apenas a Sra. Therezinha Zerbini, atual
presidente do ‘Movimento Feminino Brasileiro pró Anistia dos presos políticos’, 2
(dois) representantes da ‘Juventude autêntica do MDB/SP/cap, 1 (um)
representante do DCE da UFRJ, além de integrantes do DCE/USP, integrando a
mesa que organizou as atividades durante o Ato. 1.4 - 0 Além das pessoas supra-
citadas, a mesa contou com a presença de uma mulher, esposa de Roberto João
Motta (...) preso desde novembro de 1975 (...) 1.5 – iniciadas as atividades, foi
dada a palavra a Sra. Motta, que contou, demorada e minusciosamente os
acontecimentos que envolveram o seu marido, tais como, suas idas e vindas às
prisões militares catarinenses, ao Quartel da 5 (quinta) Região Militar, sediada em
Curitiba, três tentativas de suicídio, etc (...) A Sra. Motta, contou as dificuldades
que estão passando outras mulheres em idênticas condições (...) 1.6 – As palavras
da Sra. Motta foram acompanhadas do mais profundo silêncio pelo plenário, e
289
quando a mesma terminou o relato, entregaram-lhe somas em dinheiro doadas
pelos estudantes da USP”431
Com a posse, a primeira reunião de diretoria do DCE-livre432 é assim relatada pela
ASI/USP ao DOPS:
“No dia 07 de junho de 1976 às 21 horas reuniu-se no anfiteatro do departamento
de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
(barracos) a nova diretoria recém eleita do DCE. Uma reunião foi marcada
previamente, mas em local só determinado poucas horas antes, que contou com
aproximadamente 30 participantes. Segundo consta, o ingresso foi severamente
controlado, tendo sido barrados três elementos desconhecidos do grupo; isto é,
pessoas cuja identificação gerou suspeita aos organizadores do encontro, como
não sendo estudantes, ou mais, agentes de segurança. Ao que tudo indica,
aparenta ser líder dessas reuniões, a estudante membro da atual diretoria do DCE,
Beatriz de Tal (Bea), aluna de C. Sociais na USP”433.
431
DEOPS – Seção de Operações. Ato Público pela Anistia (Diretório Central dos Estudantes) em 07/06/76. Informação nº059/76/DOPS/SR/DPF/SP IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP Pasta 1356. 432 Constava entre os nove integrantes da chapa: Lídia Goldstein (Faculdade de Economia e Administração), Vinicius Ítalo Signorelli (Inst. Física), Vera Silvia Facciola Paiva (Faculdade de Psicologia), Geraldo Augusto Siqueira Filho (Faculdade de Geografia), Maria Terezinha de Figueiredo (Faculdade de Biologia), Marcelo Garcia e Souza (faculdade de Geologia), Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá (faculdade de Ciências Sociais), Carlos Alberto Massafera (Politécnica) e Paulo Roberto Massoca (Faculdade de Engenharia de São Carlos). 433
Podemos ler ainda: “A mesma estudante é representante/delegada do sul do país, advogando medidas pró libertação de Roberto João. Na referida reunião debateu-se a constituição de comitês de divulgação de torturas sofridas por Roberto João a todos os estudantes e São Paulo. Também se considerou a hipótese de forçar declarações do reitor da USP sobre o assunto. Ao que tudo indica será provocada qualquer coisa nesse sentido nos próximos dias, devendo haver passeata até o gabinete do reitor da USP, no próprio campus da cidade universitária a pretexto desse caso e, provavelmente, roubo das urnas. Segundo consta, voltarão ao caso para incidir diretamente sobre a máxima autoridade universitária, responsabilizando-a pelo boicote e defasagem de seu ato eleitoral. Descobriu-se nessa reunião que pretende a atual diretoria do DCE responsabilizar funcionários do Gabinete do reitor pelo roubo, que teria sido efetuado mediante facilitação dos vigias do prédio da Faculdade de Economia e Administração da USP (..) descobriu-se também que não há efetividade nesse caso, que bem pode estar sendo usado como argumento de contestação pura e simples”. “Enc 158/ASI/USP/76. USP, Gabinete do Reitor, 14 de junho de 1976” In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1356
290
Em seguida, esta diretoria chama sua primeira reunião aberta, aqui relatada por
Geraldo Siqueira:
“...Na primeira reunião aberta do DCE, estávamos começando a discutir anistia e
outros temas e ouvimos o som de uma cadeira... Era um espiãozinho do Dops, um
menino, que quando foi virar a fita do gravador dentro da mochila, apertou o play
e a fita tocou. Eu só vi todo mundo virar para o sujeito e ele levantar e sair
correndo, com a turma inteira atrás dele. Aí o cara falou que estudava no cursinho
e pagava os estudos com o salário que o Dops pagava para ele ser espião.
Liberamos o menino e ficamos com o gravador. Com ele fizemos a primeira
campanha de financiamento, a rifa do gravador do Dops! Deu um lucro
danado”434.
No mesmo mês, diante de tanta “agitação”, é a própria ASI (Assessoria de
Segurança e Informação) instalada na Reitoria da USP que é chamada para prestar
esclarecimentos. Frente às críticas de “certos órgãos de Brasília”, preocupados “com o
ambiente interno da USP, decorrentes de informações alarmantes que lhes têm sido
enviadas desta Capital”, e mais especificamente, com as “informações que emanam desta
Assessoria”, a ASI se defende afirmando que “existe uma predominante calmaria na área
estudantil da USP, apesar da permanente atividade das entidades subversivas”,
considerando que:
“As reuniões entre os estudantes são realizadas constantemente, porém,
caracterizam-se pelos objetivos que perseguem. Existem as de caráter ostensivo,
das quais os participantes são conhecidos e não há segredo nos assuntos tratados.
A reunião dos líderes, dificilmente têm o local e horário identificado, mas sem
dúvida, se realizam, e delas somente se tem conhecimento após acontecerem.
Conclusão. Perdura uma situação conhecida há vários anos: é ativada
permanentemente por muitos elementos estranhos não pertencentes ao quadro
434
Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.
291
da USP, embora também existam no âmbito discente da Universidade,
colaboradores eficientes”435.
De qualquer forma, parece-nos interessante observar a visão que a própria ASI
possui das ações que se configuram como de “elementos estranhos” à USP. Em um outro
texto datado de julho de 1976, podemos ler:
“...As ações individuais e de pequenos grupos, cada vez mais se intensificam;
atuam na área da Universidade, nas proximidades e interior das entidades. São
temidos porque, normalmente, vão até a agressão, em particular os que agem em
grupos. Utilizam autos, alguns sem chapa, para perseguirem os que se antepõem
às insinuações e ameaças. Impõe-se, não só a detenção desses atuantes para o
devido afastamento da área, bem como a natural identificação. Tudo indica que
após as férias de julho as ações individuais e as de grupo serão retomadas ou
intensificadas. Julgamos ser de toda conveniência que os órgãos de repressão
organizem entre si uma operação que comporte um esquema de vigilância e uma
ação controladora que devem visar, particularmente os que invadem o Campus. O
esquema de vigilância deve ser permanente, ampliado e montado antes do
435
Na versão integral deste documento, podemos ler: “..Estamos informados que certos órgãos de Brasília preocupam-se com o ambiente interno da USP, decorrentes de informações alarmantes que lhes têm sido enviadas desta Capital (SP). As informações que emanam desta Assessoria, conseqüentes da atuação dos que lideram os movimentos subversivos ou que perturbam o ambiente interno da Universidade, não são alarmantes, porém, esse fato não significa ausência de atividades da rede de apoio ao terrorismo, extensões táticas de ações planejadas pela organização implantada em nosso País. O órgão de Brasília que defende a idéia de informações alarmantes, devia envia-las a nós, a fim de serem testadas e confirmadas, ou não. Conseqüente, seja do atual período de férias, ou de acontecimentos que podem preceder o desencadeamento de ato subversivo, existe uma predominante calmaria na área estudantil da USP, apesar da permanente atividade das entidades subversivas. As reuniões entre os estudantes são realizadas constantemente, porém, caracterizam-se pelos objetivos que perseguem. Existem as de caráter ostensivo, das quais os participantes são conhecidos e não há segredo nos assuntos tratados. A reunião dos líderes, dificilmente têm o local e horário identificado, mas sem dúvida, se realizam, e delas somente se tem conhecimento após acontecerem. Conclusão. Perdura uma situação conhecida há vários anos: é ativada permanentemente por muitos elementos estranhos não pertencentes ao quadro da USP, embora também existam no âmbito discente da Universidade, colaboradores eficientes. Urge que os órgãos de repressão, que atuam na área da USP, impeçam, usando todos os recursos, a atuação individual e coletiva das organizações subversivas no ‘campus’ da Universidade seguindo a estratégia global do comunismo” In “USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. Situação dentro do campus da Universidade de São Paulo”. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0356.
292
regresso das férias, a ação controladora deverá ficar em condição de atuar a partir
da segunda quinzena de julho”436
Boletim GFAU Gestão Liberdade e Luta; material de formação política dos GER: Programa de Transição de Leon Trotsky.
Acervo DOPS/Arquivo do Estado
Nesta ocasião, Liberdade e Luta lança um pequeno jornal com seu nome, centrado
em problemáticas mais ampla (em particular, na situação econômica e política do país),
mas à luz dos processos de recomposição política em curso na USP e nas universidades
brasileiras. A tendência procuraria aqui pontuar sua leitura e argumentar com maior
fôlego os posicionamentos que entendia fundamentais de se fazerem reforçados, em
particular, a participação política, o fortalecimento das entidades, a unificação do
movimento, a aliança com segmentos sociais (em particular, com os trabalhadores). No
primeiro número, datado do mês de junho e complementado por um encarte sobre a
“Desestatização”437, a tendência analisa as eleições, as chapas e suas plataformas, os
resultados e os propósitos que acreditam ter o movimento estudantil e o próprio DCE
livre, afirmando em seu Editorial que:
436 “USP. Gabinete do Reitor. ASI/USP. 14/julho/1976. Situação da USP – fim das férias de julho”. Anotado no DOPS em 23/julho/1976 In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0356 437 O primeiro número de Liberdade e Luta se compõe de um “editorial” e das matérias “Abaixo o 228!”, “Argentina: o último tango do peronismo”e “tribuna livre”. O encarte “desestatização” apresenta texto corrido de 5 páginas.
293
“Nós, de Liberdade e Luta, vemos o processo de reconstrução do DCE antes de
mais nada como a busca dos estudantes de extravasar os marcos repressivos do
regime militar, em início de agonia. Daí, se colocar o DCE fora da investidura
repressiva do decreto-lei 228, isto é, enquanto entidade livre. E é preciso
desenvolver esta tendência. Ou seja, é preciso fotalecer a entidade em
reconstrução, uma vez que ela representa a consolidação do espaço político
conquistado pelos estudantes. Porém desenvolver conscientemente essa
tendência implica em compreender o DCE como um instrumento para os
estudantes coordenarem suas lutas com aquelas travadas socialmente por
Liberdades Democráticas. E, muito mais, significa trazer para o interior do ME
proposições que nos coloquem na perspectiva de aliança com o único setor social
que pode dar consequência a essa luta: os trabalhadores. Enquanto oposição,
nosso trabalho se presta a fortalecer o DCE. E fortalecê-lo, significa lutar, no
interior das mobilizações, por imprimir essa perspectiva não caindo no erro de
divisão do movimento, ou num paralelismo à entidade e seus canais de expressão.
Nessa perspectiva, conclamamos todos os que votaram em Liberdade e Luta a
cerrar fileiras à volta de uma oposição conseqüente à atual direção do DCE, ao
lado, igualmente, de uma atuação com os mesmos princípios em cada
faculdade”438.
Na avaliação da tendência, os 2955 votos recebidos (25%) procediam de 90% das
faculdades e eles tinham uma qualidade especial: eles se constituíam em “votos de
combate”, votos de “concordância quanto ao método por nós avançado: o movimento, os
estudantes se mobilizando para buscar a satisfação de suas reivindicações”. E neste caso,
na contramão de uma situação na qual “o movimento não atingiu ainda as amplas
parcelas dos estudantes”, ou ainda, de um “nível embrionário das manifestações de massa
a nível de toda a sociedade e, por consequência, também do ME”, esta mesma
“concepção se mostrou correta”. Por outro lado, a vitória do grupo Refazendo e a
quantidade de votos conquistados pela Caminhando – tendências que, em seu entender,
demoraram a “colocar o DCE na ordem do dia, ou ainda, no caso da segunda, “boicotou
438 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p3
294
sistematicamente as mobilizações do ano passado, afirmando que ‘aquele não era o
momento’ – seria reveladora da “resistência do movimento estudantil em sair do nível
particularizado de cada faculdade”, vencendo uma “plataforma sem eixo político (Luta
democrática? Poder alternativo? – palavras de ordem veiculadas nos debates mas não
colocadas na plataforma) e com uma concepção de trabalho particularista: ‘trabalho nas
classes, em luta contra o conteúdo dos cursos’. Ou a nível de entidade: ‘DCE como reflexo
do trabalho de cada escola”439. E neste caso:
“Embora não conquistasse a direção do DCE, o resultado obtido (..) foi a
confirmação de uma política que, em todos os momentos, procurou elaborar
palavras de ordem e proposições que produzissem um real avanço do ME:
expansão da greve da ECA, criação da C.U, e greve geral Herzog, a partir do
movimento desencadeado na ECA. Mas, o principal foi que daí surgiu a
consequência organizativa: o DCE-livre. Através da manutenção da Comissão
Universitária durante as férias, para encaminhar o Trote Unificado (também
proposta nossa), foi possível arrancar – apesar de grande resistência – o
compromisso das outras posições políticas existentes na C.U. quanto à realização
de uma Assembléia Geral Universitária para marcar a data de eleições para o DCE.
Essa, a maior vitória”440.
Por fim, vale observar, esta avaliação indicava como “eixo da discussão política de
agora em diante: a luta pelas Liberdades Democráticas”, registrando Liberdade e Luta que
parecia sugestiva “a evolução do grupo Refazendo que, com toda sua indefinição e
heterogeneidade – constituído por uma frente de várias direções de Cas-, avançou uma
obscura concepção de Luta Democrática (..) Excluindo-se Altenativa [que tinha como
bandeira a “luta contra a PEG”], com sua ojeriza mórbida às Liberdades Democráticas, as
duas outras plataformas também evoluíram nesse sentido. Por um lado, Caminhando, que
entrou de cheio na propagandização dessa palavra de ordem, embora diluindo-a numa
obscura entidade denominada ‘povo’. E por outro, Organizar a Luta tendo já evoluído de
439 Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, pp 2-3. 440 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p2.
295
seu jesuitismo universitário (concentrado na palavra de ordem “Liberdade de organização
e manifestação para estudantes e trabalhadores”) rumo a posições um pouco mais
maleáveis: ‘Luta contra a repressão e leis repressivas do governo’ – embora não menos
estreitas”441.
Ainda no mês de julho, enfim, a PUC sediaria um importante evento à revelia das
autoridades: o Congresso da SBPC que, no curso de 1976 vinha enfrentando um corte
drástico de verbas oficiais; para sua realização se desenvolvera uma grande campanha nas
universidades, nas ruas, teatros, cinemas.. que não apenas conseguiria viabilizar o
encontro, como também transformar a PUC-SP num espaço estratégico para outros
encontros e atividades estudantis e culturais442. Neste congresso - 28a Reunião Anual –
dar-se-ia também a aprovação de uma moção pela Anistia, um ato que se somaria à
contestação na justiça, da versão oficial da morte de Vladimir Herzog levada pelo
Sindicato dos Jornalistas e à publicação do dossiê do Comitê Pró-Anistia Geral no Brasil.
No começo do segundo semestre, o DCE-Livre da USP “puxa” uma luta contra o
aumento do restaurante; durante as férias o COSEAS aumentara as refeições de CR$6,00
para CR$7,50, situação que gera revolta, uma assembléia e a deliberação de ocupar o
restaurante e o centro de vivência, envolvendo-se os estudantes, por um dia, com as
tarefas de cobrança, serviço e limpeza do CRUSP (na intenção de não comprometer os
funcionários com a radicalização do movimento). Esta luta, por sua vez, leva à instauração
de mais um auto de investigação no DOPS, que intima a diretoria do DCE-livre e vários
outros militantes envolvidos para prestar depoimento em suas dependências, situação
que se repetiria várias vezes no curso dos meses seguintes443. Nas lembranças de Geraldo
Siqueira, integrante desta diretoria:
“...No meio do ano houve um aumento do restaurante do Crusp e o pessoal
reclamava da higiene. Resolvemos fazer um movimento em relação ao
441 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p3. 442 Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 - julho/agosto/setembro de 1997. 443
Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Temáticas, OP 1531
296
restaurante. O pessoal da Libelu começou a tirar sarro da gente, mas juntamos uns
três mil na assembléia e resolvemos tomar o restaurante. Invadimos o restaurante
e fomos aprendendo como se fazia, como limpava e os funcionários todos
solidários. Para não nos acusarem de nada, todo mundo, voluntariamente, acabou
a refeição fizemos uma faxina. Lavamos tudo e entregamos brilhando. Pegamos o
dinheiro e fomos levar na administração da USP, mas eles se recusaram a receber.
Pegamos a conta do banco, depositamos, tiramos cópia do comprovante de
depósito e panfletamos a USP inteira, para mostrar que fizemos tudo direitinho. O
Dops nos convocou para depor outra vez (..) [mas] A Libelu fez a “bola de neve”:
pararam a FAU ou a ECA, uma das duas. A faculdade que entrava em greve ia em
massa para a seguinte, parava a aula daquela, e assim sucessivamente. Isso era a
operação bola de neve. Houve uma marcha dentro da USP com milhares de
estudantes pedindo a soltura nossa. Puseram-nos numa C14, levaram de volta
para a USP e ainda deram uma buzinada para dar tchau! Fizemos uma assembléia
à noite, mas não tinha mais o que reivindicar, ganhamos tudo: preço, demissão do
Irineu... todos estávamos soltos (...) Essa foi uma grande luta com o DCE
constituído, batizado”444.
Ainda no segundo semestre, mais precisamente em 10 de agosto, dá-se a
realização de uma Reunião Nacional de Estudantes em São Carlos, com o propósito iniciar
os debates para a reconstrução da UNE445. Com a presença dos DCEs da USP, UFF, UFRGS,
UFMG e UFBa (entidades membros da Comissão Nacional), esta reunião seria marcada
pelas divergências quanto aos critérios de participação, votação, local, data de realização
do I Encontro Nacional de Estudantes (ENE), e mais do que isso, acerca da relevância de
444
Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004. 445
Segundo Geraldo Siqueira: “...Já fazíamos encontros nacionais e realizamos um dentro da USP, com gente do país inteiro. Montamos um grande esquema de segurança contra a invasão da repressão, com binóculos desde a ponte do rio Pinheiros até o miolo da cidade universitária. Depoimento ao Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.
297
sua realização. No entanto, as divergências não impediram que um segundo evento fosse
marcado para o mês de outubro na USP446.
Na visão dos trotskistas lambertistas, as “formas de luta legal” - que já haviam
alcançado um formato adequado - deveriam aprimorar suas proposições, cabendo as
entidades “voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e nacionais” com base
em “novas vanguardas”, cada vez mais preparadas “para dirigir as lutas de massa dos
estudantes”. Neste sentido, aliás, a chapa Atuação/Liberdade e Luta em disputa pela
direção do CEFISMA (CA de Física da USP) expõe com clareza os aprimoramentos
pretendidos. Podemos ler:
“Como tem demonstrado a experiência do Movimento Estudantil, é através da
prática política, da ação direta em mobilizações que os estudantes, organizados
em torno de suas entidades (CA’s, DCE) aprofundam seu conhecimento da
realidade e conseguem levar à frente suas reivindicações. É este o sentido que
para nós tem o CA. É ele o instrumento que rompe com a atomização em que nos
encontramos nas salas de aula, laboratórios e mesas de estudo, aglutinando-nos,
transformando nossa dispersão numa única força viva. No entanto, para que ele
cumpra seus objetivos, não basta que a seu redor se reúnam os estudantes, sendo
então distribuídas as tarefas. Para toda e qualquer atividade que levamos é
necessária uma direção política. À diretoria da entidade, através da execução de
seu programa político, referendado pela maioria dos estudantes, cabe organizar e
dar um direcionamento às atividades do CA, sem que se confunda no entanto com
a própria entidade. O trabalho no CA é sustentado por todos os estudantes que
nele atuam, independentemente de sua posição política. Estes tem interesse no
desenvolvimento das atividades do centro e devem ter seu direito à participação e
decisão garantidos em todos os momentos. Daí a necessidade de manutenção da
democracia interna que se efetiva através das reuniões abertas, que deliberam
sobre os encaminhamentos das questões relativas ao CA. É nesse quadro que deve
se situar a diretoria, à qual cabe: - Promover o debate político e a ampla
446
SANTANA, Flávia de Angelis. Atuação Política do Movimento Estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007. Op. Cit, p185.
298
participação em todas as frentes de trabalho (jornal, mural, comissões abertas,
etc.), frentes que tem um caráter duplamente democrático: livres de qualquer
vínculo com a burocracia, abertas à participação de todos os estudantes. – Manter
a democracia interna, permitindo e abrindo a entidade a expressão e manifestação
de todos os alunos; levando a discussão, em toda a escola, das lutas a serem
encaminhadas, o que faz estando presente a todos os momentos políticos,
lançando propostas através de um programa de direção de lutas,
obrigatoriamente orientado pelas necessidades dos estudantes, as quais não
podem ser desvinculadas das lutas de todos os setores da sociedade. Este
processo culmina necessariamente com a realização de reuniões abertas ou
assembléias gerais (esta, a instância deliberativa máxima da escola), para o debate
e deliberação de todos os alunos”447.
Nessa ocasião, aliás, os lambertistas já desempenhavam um papel importante na
PUC-SP (iniciado pela Faculdade de Serviço Social), atuando ali para formar o segundo
DCE-livre do período, o DCE da PUC-SP. Segundo Rosa Cavalari:
“A polêmica referente aos critérios de voto e participaçâo continuava dividindo os
estudantes. Foram realizadas reuniões em São Paulo, em abril, e em São Carlos,
em agosto, para se discutir especificamente esse ponto. A reunião de São Paulo
não logrou qualquer êxito. Os debates foram acirrados e, como o impasse
permaneceu, a maioria das entidades presentes se retirou em sinal de protesto.
Na reunião de São Carlos, foi criada uma Comissão Executiva e, depois de muita
discussão, o impasse foi resolvido, com a adoção do critério de ‘cinco delegados
por escola eleitos democraticamente”448
447“Atuação. Cefisma 77”. Carta programa para DA Física/USP, 1976, mimeog, 23p, pp1/2. Neste documento também podemos ler: “Não são os órgãos dirigentes nem a burocracia universitária – braços do regime militar dentro da universidade – que encamparão as lutas em defesa de nossas reivindicações. Não é a eles que devemos prestar contas. Pelo contrário, os estudantes devem confiar e buscar vínculos não com os opressores, mas com os oprimidos, não com aqueles que se apropriam da riqueza e do conhecimento mas com os que produzem esses bens. Estes vínculos se efetivam hoje através da luta por LIBERDADES DEMOCRÁTICAS, que une todos os setores oprimidos da sociedade, e que aponta na perspectiva de sua transformação”. 448
CAVALARI, Rosa Mª Feiteiro. Os limites do Movimento Estudantil (1964/1980), 1987. Dissertação (Mestre), Faculdade de Educação, Unicamp, 1987, p211
299
Panfleto sobre a "farsa eleitoral" em campanha pelo voto nulo; panfleto do culto ecumênico pela anistia em 1978. Acervo
DOPS/Arquivo do Estado
6.1 - VOTO NULO E ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE LIVRE E SOBERANA
Em setembro, Liberdade e Luta lança o segundo número de seu jornal com notícias
sobre os órgãos colegiados e o Encontro Nacional de Estudantes, uma discussão sobre e a
Espanha e encarte sobre economia. No editorial deste número, por sua vez, a temática
das eleições de 15 de novembro é predominante, considerando a tendência que naquele
ano de 1976 alguns acontecimentos políticos já revelavam “mobilizações marcadas por
um profundo espontaneísmo, isto é, pela ausência de qualquer direção política à frente do
movimento”449, capazes de “dar um novo sentido e um novo caráter” a situações
inusitadas, parecendo-lhes importante indagar: “qual o uso que as massas farão da farsa
eleitoral de novembro?” Na prática, Liberdade e Luta explicitaria neste texto seu
posicionamento acerca da bandeira de luta “por uma Assembléia Constituinte Livre e
Soberana”, questão que ocuparia lugar fundamental entre suas proposições políticas a
partir de então. Dizia Liberdade e Luta:
449 O documento cita o cortejo de Juscelino Kubitchek ocorrido em Brasília, em fins de agosto, durante o qual uma multidão estimada em 100 mil pessoas teria expressado ao final da atividade manifestações pela “Democracia”, chegando-se a ouvir gritos de “Abaixo a Ditadura”. “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p2.
300
“...a burguesia joga com mudanças no quadro do próprio regime. Realizar essas
mudanças, sem perder o controle total da situação (inclusive para um setor
burguês que seja obrigado a mobilizar as massas): essa preocupação condiciona os
passos de Geisel. É assim que vários ‘líderes’ da burguesia defendem, para o atual
momento, e como forma de legitimar o atual regime, a transformação do
‘Congresso’ em Assembléia Constituinte (...) Afinal, a ditadura não pode ‘perder’
eleições indefinidamente (...) Um pouco diferente é a Constituinte que vem sendo
defendida por Quércia; seria eleita com a manutenção dos atuais partidos. Seu
sentido é o mesmo: conseguir dar, à ditadura, o reconhecimento das massas.
Representa, porém, um passo mais largo para tanto (...) chamar as massas para
uma eleição onde elas se sentíssem com o poder de determinar as leis do país. Tal
escolha teria efeitos imprevisíveis como estímulo às mobilizações. Os ‘autênticos’
também propõem a sua Constituinte. Aparentemente, é a mais democrática:
eleições livres, liberdade de propaganda e agitação para todos os partidos
políticos, voto para analfabetos, marinheiros e soldados. Mas a luta pela
democracia não é uma luta de palavras (...) É no método que as coisas se definem.
E o ‘método’ dos ‘autênticos’ para conseguir uma Assembléia Constituinte
livremente eleita não aponta para a ação direta das massas, para sua organização
livre e independente. Ao contrário: o que os autênticos pedem, para que se
chegue a uma Assembléia Constituinte, é fortalecer seu grupo dentro do MDB. A
convocação para uma Assembléia Constituinte livre e democraticamente eleita
passa não pelo fortalecimento do MDB, mas pelo aprofundamento de suas e de
todas as divisões da burguesia, pela livre expressão de todas as correntes políticas
existentes na sociedade, pela liberdade de propaganda e agitação a todos os
partidos políticos. Hoje, a luta por uma Assembléia Constituinte é a luta das
massas que forçam uma ruptura no seio da burguesia, que começam a se afastar,
lentamente, do controle dos canais da ditadura – entre eles o MDB -, recuperando
direitos e conquistas elementares, juntando forças para novos e maiores
enfrentamentos”450.
450 “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p3.
301
O posicionamento pelo “voto nulo” nas eleições de 15 de novembro, portanto, se
traduzia num dado “sentido de participação na farsa eleitoral” e dizia respeito a buscar
“avançar na luta pela organização independente, fortalecendo as entidades livres dos
estudantes, as oposições sindicais, as organizações no meio operário, de camponeses e de
bairro, organismos democráticos das massas”451.
Com relação às questões internas do movimento na USP, para Liberdade e Luta
”mais do que nunca é preciso dizer um basta a representação oficial”, deixar “de
considerar esse tipo de representação como ‘simplesmente um canal opcional a mais de
participação dos estudantes’, e em lugar disso buscar ‘o voto maciço nas eleições de
Centros Acadêmicos (...) os únicos e legítimos representantes de nossos interesses”452 .
Com relação às questões gerais do movimento estudantil, por sua vez, a discussão
acerca dos “Encontros Nacionais” jogava luz, de fato, sobre um processo mais tenso de
discussões e deliberações em torno dos caminhos de reconstrução política nacional. E
neste caso, a proposição de realizar “Encontros Nacionais de Estudantes cada mais
abertos e massivos, com um número cada vez maior de delegados eleitos em reuniões e
assembléias representativas” se constituía, de fato, minoritária; os debates travados nas
reuniões anteriores indicavam que os Encontros Nacionais deveriam se fazer restritos às
direções das entidades (ou ainda, às direções ou representantes das entidades de base, de
onde se acreditava que todas as lutas emergiam), bastando reunir o máximo de direções
de entidades para se recriar a UNE. O conceito de “movimento de massas” ou de entidade
de massas”, de fato, surgia como proposição alternativa a um ideário mais antigo de
movimento e entidade cujas direções e representações naturalmente ocupavam o lugar
de uma participação direta dos estudantes. Para Liberdade e Luta, tratava-se de resgatar
as experiências que se achavam em curso:
“O DCE nasce de reuniões abertas, assembléias massivas, concentrações e
passeatas, ou seja, através da participação DIRETA dos estudantes no combate por
451 “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p3. 452 Nesta questão Liberdade e Luta propunha: “não à representação oficial! Boicote às eleições do Conselho Universitário! Pelo fortalecimento do DCE-Livre! Pela democratização da Universidade! Pelas liberdades democráticas!” “Órgãos Colegiados”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p7.
302
suas reivindicações. Foi aumentando os canais de participação e decisão de nossos
colegas que o DCE pôde se tornar realidade. E ele é constituído quando, ainda,
uma série de entidades encontram-se nas mãos de direções alheias, como o CAOC
e no XI de Agosto, e muitas outras não possuem a menor participação como
Veterinária, Nutrição, Química, Odonto, etc., ou inexistem, como é o caso da
Pedagogia (...) Ao negarem a possibilidade de reuniões massivas e abertas de
âmbito nacional, como fazem as direções dos DCEs da UFRGS e da UFMG; ao
tentarem dar o direito a voto a apenas um delegado por escola, como propôs
‘Caminhando’ em São Carlos; ao negligenciar as reuniões nacionais, como faz
‘Refazendo’; estas direções estão restringindo a participação dos estudantes no
processo de reconstrução da UNE e, assim, o bloqueando. É este, e só pode ser
este o resultado desta concepção que substitue o estudantado por suas pretensas
direções. Abrir cada vez mais as reuniões e demais manifestações do ME nacional!
Avançar com respostas massivas aos ataques do goveno militar sobre a
Universidade! Só pode ser esta a proposta consequente de qualquer posição que
se propõe a estar na vanguarda do ME, na situação hoje do Brasil”453.
Em outubro, os militantes da USP realizam o II Encontro Nacional de Estudantes no
qual comparecem 281 delegados e mais de 500 observadores de 40 escolas e 8 estados454.
O encontro traz na pauta a reorganização do movimento estudantil, as lutas a serem
travadas e as eleições municipais de 15 de novembro; a questão das eleições, de fato,
ocupava lugar importante entre as tendências que, no geral, apresentavam posições
variadas, mas neste encontro saiu vitoriosa a posição trotskista pelo voto nulo, decidindo-
se ainda pela realização de um plebiscito nacional por eleições livres455. Nas lembranças
de Julio Turra, da Liberdade e Luta:
"...a gente era contra qualquer aliança política com o MDB que não fosse a frente
única elementar. O PCdoB tinha uma política mais de frente para combater a
453 “Encontro Nacional”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, pp 9-11. 454 “Refazendo Informativo”. DCE USP, julho 77. 455
O plebiscito indagava: Você considera estas eleições de 15 de novembro livres? Cerca de 96% disseram não In ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p.21
303
ditadura com um programa tipo união dos patriotas. Já a Refazendo tinha uma
postura crítica com relação ao MDB mas argumentava que era impossível fazer
política fora dele. O próprio Geraldinho começou sua carreira política fora do M.E.
como candidato da esquerda do MDB."456
No documento trotskista intitulado “Por uma política revolucionária em relação as
eleições de 15 de novembro”, distribuído em data próxima as eleições, o voto nulo já se
fazia acompanhar pela proposta de criação de um “partido independente da classe
operária” e pela defesa da assembléia constituinte, afirmando:
“.. de 1974 para cá muita coisa mudou. Não serão poucos aqueles que votarão
branco ou nulo. Sobre isto, cabe ressaltar o Encontro Nacional de Estudantes
realizado em São Paulo dia 16 de outubro, no qual foi aprovado por maioria
absoluta a posição favorável ao voto nulo (...) Mas, mais importante que a
resolução do Encontro Nacional foram as manifestações do Rio, durante a
distribuição do feijão importado. Mais importante que o fato de terem sido
apedrejados os oportunistas do MDB que passavam pelo local das manifestações,
foi o próprio caráter da manifestação. Este ano tem havido importantes
mobilizações de massas (enterro de JK, comício contra o custo de vida em São
Paulo, etc). Mas, ao contrário destas, a mobilização no Rio de Janeiro não tem
condições de ser dirigida ou manipulada por nenhum setor da burguesia, por mais
divergências que tenha com a ditadura militar. Trata-se de uma reivindicação que
para ser satisfeita torna-se necessário tocar na própria estrutura do regime
burguês. Foi uma experiência exclusiva das massas, preparatória a sua irrupção no
cenário político. E nela ficou bem evidenciada sua atitude em relação ao MDB.
Dentro desse quadro político pode-se perfeitamente desmascarar a farsa que será
essa eleição, ao mesmo tempo que construímos as bases para uma futura
intervenção independente das massas. Mas ainda cabe levantar mais uma questão
(...): como colocar de forma completa a questão das liberdades democráticas? (..)
Não se trata de ignorar o anseio de democracia que está por trás do voto ao MDB,
456
Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997).
304
mas, ao levantar o voto nulo, dar a saída política real para este anseio. É este o
sentido de, ao fazer-se a campanha pelo voto nulo levantarmos a questão das
eleições livres e da covocação da assembléia constituinte. A luta pela Assembléia
Constituinte nada mas é que a forma mais profunda, mais completa de luta pelas
liberdades democráticas”457
As bandeiras de “voto nulo”, “por uma assembléia costituinte”, “pela liberdade
para os partidos operários” lançadas no final de 1976, já exprimiam a avaliação que a
Organização Socialista Internacionalista (criada no mês de novembro) faria pouco tempo
depois das eleições e da votação fabulosa conquistada pelo MDB. Segundo o documento
“Eleições: uma crise que avança”, este fenômeno eleitoral traduzia diversos e importantes
processos, a começar pela desmoralização imposta a ARENA, “...um partido montado peça
por peça pela ditadura”, registrando-se o fracasso da “repressão quanto a um de seus
objetivos principais: esvaziar toda oposição política ao regime militar”; no mesmo sentido,
podia-se prever que também se acentuaria “a atual tendência da burguesia a afastar-se da
camarilha militar”. Por outro lado, para além dos votos nulos, a votação alcançada pelo
MDB colocava em cena as “tendências que o regime vem tentando manter reprimidas”;
forças que “tentaram em novembro abrir caminhos” através de um partido “criado para
ser oposição amestrada, [sem] (...) estrutura para canalizar as forças sociais que o declínio
do regime militar está liberando”, ameaçando:
“..ou destruí-lo enquanto órgão de oposição domesticado, ou criar-se caminhos
próprios. Em qualquer dos casos, o resultado será a colocação em questão do
atual bipartidarismo, ou melhor, partidarismo controlado, e, consequentemente,
de todo o edifício político construído pela ditadura de 66 para cá (...) Mais do que
isso, desvela um processo que coloca agudamente a burguesia diante da
necessidade de reformular sua forma de dominação, uma vez que, sendo o MDB
457
“Por uma política revolucionária em relação às eleições de 15 de novembro”, 3p, 1976, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
305
insuficiente como válvula de segurança, parte desse processo tende a acelerar o
reascenso do movimento operário”458
Estas considerações, por sua vez, implicavam nas tarefas de enfrentar o “atraso
organizativo do operariado brasileiro” e de fortalecer o movimento de massas na
perspectiva de “romper com os esquemas políticos da ditadura, recusando o jogo político
dos partidos a ela submetidos”. Na intensidade dos acontecimentos, por sua vez, reações
conservadoras promoveriam atentados à bomba na Associação Brasileira de Imprensa, na
Ordem dos Advogados do Brasil e na Editora Civilização Brasileira no Rio de Janeiro, e no
Cebrap, em São Paulo. Parece-nos importante considerar algumas questões levantadas
por Maria Celina D’Araujo num artigo da Revista Conjuntura Política. Nas palavras desta
importante pesquisadora:
“O Legislativo desse período precisa ser mais estudado em suas ambigüidades. Foi
fonte de prestígio e legitimidade para o governo e uma trincheira em defesa de
valores democráticos; foi espaço de disputa dentro do próprio governo e dentro
da oposição; foi uma tribuna de liberdade para os democratas. Ou seja, não foi
apenas figuração. A transição brasileira veio de forma “lenta, gradual e segura”.
Foi a mais longa das transições dessa época. O norte central a orientá-la era não
permitir cisões nas Forças Armadas. Haviam permanecido coesas no poder para
efeitos do “público externo” e teriam que sair em bloco, sem fissuras, sem
clivagens, frente à sociedade. Era uma forma de se protegerem em bloco de
possíveis processos judiciais envolvendo a questão dos direitos humanos. Era uma
transição que colocava como inegociável a imunidade militar. Para isso, a coesão
na saída era imprescindível. O discurso precisava ser monolítico. Era a retirada do
poder de uma instituição que tinha seus conflitos internos, quer entre as Forças —
Exército, Marinha e Aeronáutica — quer dentro de cada Força. Na saída, porém,
nenhum grupo poderia reivindicar bravuras ou denunciar interesses escusos. A
instituição tinha que ser preservada. Não seria submetida a qualquer julgamento e
458
“Eleções: uma crise que avança”, 1976, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
306
usaria o consenso acerca disso como estratégia de retirada. A estratégia da
transição do governo teve a preocupação de isolar os duros e controlar o ritmo da
mudança. Isolar os radicais de direita, alguns terroristas, que não admitiam um
retorno ao governo civil e democrático, e impedir, ao mesmo tempo, que a
oposição civil impusesse, via mobilização social, a sua agenda de mudanças” 459.
6.2 - ESTATUTO PARA UM DCE LIVRE E COMBATIVO
“Por um DCE combativo” (1977); “Liberdade e Luta Intervém” (1977). Acervo DOPS/Arquivo do Estado
No início de 1977, Liberdade e Luta – preocupada em contribuir para o
fortalecimento das “entidades existentes em suas frentes de trabalho e em suas
comissões de luta” - lança seu terceiro jornal no qual afirma:
“Hoje, o movimento estudantil, particularmente na USP, se encontra num ritmo
muito mais intenso que o movimento de massas em geral. Porém esse
459
D'ARAUJO, Maria Celina. “Experimentalismos na política” IN Conjuntura Política. 60anos. Rio de Janeiro, nov. 2007, pp 49-50
307
descompasso não deve permitir que se criem ilusões quanto às saídas que isolado
o movimento estudantil pode oferecer. É na aliança com os trabalhadores, em
especial com a classe operária na sua luta por sua organização independente e por
Liberdades Democráticas, que os estudantes estarão contribuindo para o fim do
regime em que vivemos, aliando-se com o único setor da sociedade que pode dar
uma solução se colocando na perspectiva da transformação da sociedade” 460
Mas, quanto à questão da organização estudantil.... a tendência voltava a insistir,
ela não deveria se traduzir na reedição de fórmulas do passado, mas sim na criação de
uma perspectiva de luta atenta às realizações e experiências em curso. Organizar os
estudantes implicava, então, em reconhecer as formas políticas presentes – como o
“Trote Unificado, [que] expressa justamente a organização conseguida nas lutas
travadas”461 ou as “lutas que se verificaram ainda nas férias em escolas particulares (por
ex. PUC/SP), mobilização dos vestibulandos”462 – e ainda perceber que estas lutas
estariam revelando “a medida do espaço político conquistado pelos estudantes”, da
mesma forma que as “entidades livres, os Cas e DCE” materializavam o “saldo real de
todas as nossas lutas vitoriosas”... e em função disso, fortalecer estas lutas e entidades
significava “ampliar este espaço”.
Na verdade, passado um ano desde a criação do DCE livre, Liberdade e Luta
entendia que chegara a hora de resolver uma questão primordial: o estatuto da nova
entidade. Este estatuto, objeto protelado desde a “assembléia no campus, no dia 28/3/76,
[quando] foi deliberado o encaminhamento das eleições para o DCE [entendendo-se que]
(...) a forma para a aprovação do estatuto é a Assembléia Geral Universitária”, fora
retomado “nas últimas férias, em reuniões do DCE”, e hoje se constituía “de fundamental
460 Liberdade e Luta nº3. Março 77, doc mimeog, p2. 461 “O Trote Unificado, expressa justamente a organização conseguida nas lutas travadas, já que se dá através do DCE a unificação dos estudantes da USP, superando o fracionamento por escola e a fraqueza que isso representava” Liberdade e Luta nº3. Março 77, p2 462
Podemos ler, na continuidade: “fazem antever que as lutas giram até o momento em torno de falta de
verba, apontando inclusive um eixo para o Encontro Nacional de Estudantes (ENE) – a ser realizado no 1º semestre – e a importância da sua realização hoje. Através destes encontros os estudantes caminham na perspectiva de sua organização a nível nacional combatendo unificadamente por seus interesses” Liberdade e Luta nº3. Março 77, p2
308
importância para a consilidação do DCE, enquanto principal conquista organizativa no
processo de lutas 72/76”. Ao estatuto cabia “espelhar as experiências destes anos
consolidando as formas organizativas que foram os canais de mobilizações do
estudantado, Reuniões Abertas e Assembléias Gerais Universitárias”. Nas palavras da
tendência:
“Nesse momento é necessário votar um estatuto que dê à entidade
funcionamento democrático, aberto à participação de todos e que aprofunde o
reconhecimento do DCE pelo conjunto dos estudantes e sua independência
perante à burocracia universitária”
Mas, na visão da tendência, como deveria funcionar o DCE livre da USP? Antes de
mais nada, as eleições para sua diretoria deveriam “se dar através de voto universal e
secreto na escolha de uma plataforma política”, cabendo à diretoria ”enquanto
plataforma mais votada (...) se fazer representar e também responder pela entidade”,
mas:
“.... a diretoria não decide pelo DCE. Nesse sentido, nós de Liberdade e Luta
defendemos um estatuto em que o funcionamento da entidade se dê pelas
Reuniões Plenárias e que as decisões de maior peso sejam tomadas em
Assembléia Geral Universitária, palcos de discussão e deliberação dos estudantes.
E também comissões (Imprensa, Anistia, etc..) que assessorem o DCE. Tais são os
instrumentos para organizar os estudantes de forma ampla e democrática”463
A insistência na retomada das discussões de estatuto esbarrava, de fato, na
existência de importantes divergências entre as correntes políticas quanto à gestão das
movimentações em curso. Para Liberdade e Luta, a presença de “outros dois estatutos
(propostos pela Refazendo e pelo CA XI de Agosto do Largo São Francisco)” se traduzia em
proposições “exteriores ao processo de lutas que criou o DCE” na medida em que
463 Liberdade e Luta nº3. Março 77, p11
309
insistiam em “formas de deliberação restritiva à cúpulas ou de democracia formal”464. Em
seu entendimento, não era possível concordar com “instrumentos de democracia formal e
aparente”, mas sim “propor uma forma democrática real, justamente aquela que se
baseia na já mencionada força massiva organizada”, forma através da qual caberia aos
“estudantes organizados” deliberar “em 1ª instância em Reuniões Plenárias, e em
segunda instância em Assembléias Gerais Universitárias”. Afinal:
“As propostas de que a diretoria resolva os casos omissos, que as reuniões
consultivas contem com maior peso que as reuniões plenárias e que as consultas
em voto igualem-se à importância das deliberações de AGU são propostas
atrasadas, provindas de períodos de letargia política de 69 a 73 que, embora já
tenha sido historicamente superado ainda encontramos seus resquícios nas
tendências que empunham tais propostas burocratizantes e cupulistas. Por último
cabe uma palavra decisiva sobre como aprovar o próprio estatuto: só no interior
de um processo de lutas e mobilizações é que o conjunto dos estudantes dão
conta com sua experiência viva e direta do sentido político (combativo ou não) das
propostas lançadas. Assim, o estatuto deve ser aprovado em AGU no interior das
mobilizações possíveis e previstas para o primeiro semestre de 77”465
E para reforçar esta proposição, Liberdade e Luta lança em conjunto com as
tendências Mobilização e Resistência (Alternativa/Organizar a Luta) o documento “Por
464 Podemos ler: “São propostas que não fortalecem a entidade no sentido de comprometer o estudantado a tomar nas próprias mãos as deliberações e propostas de movimento. No estatuto proposto por Refazendo vemos os seguintes artigos: ‘sempre que necessário e conveniente serão convocados pelos orgãos do DCE com poder de deliberação, consultas aso estudantes da USP na forma de voto universal e secreto”. Mais adiante propõe, “essas consultas têm a mesma instância de decisão da Assembléia Geral”. Ainda mais “ que serão convocadas pela diretoria de 15 e 15 dias, reuniões consultivas sem caráter deliberativo. E as Reuniões Plenárias serão realizadas duas vezes por ano, ordinariamente, uma logo após as eleições e a outra no fechamento do ano letivo”. Num terceiro artigo é dito “os casos omissos (do presente estatuto) serão resolvidos pela diretoria da entidade. Nesses tres artigos fica clara a idéia que Refazendo faz do DCE. Ao nosso ver, o papel do voto universal e secreto é encaminhar as eleições das plataformas políticas e em alguns casos para agitar questões como: o plebiscito contra o ensino pago em 72, e pelas eleições livres em novembro de 76. No entanto, Refazendo, deformando o papel do voto pretende que ele substitua um processo de mobilização ativa como as reuniões plenárias e assembléias, por consultas e prévias secretas que atomizam e não revelam a força organizada dos estudantes. E essas consultas podem ser feitas em reuniões ordinárias, sem nenhum caráter deliberativo ativo” Liberdade e Luta nº3. Março 77, pp 11/12 465 Liberdade e Luta nº3. Março 77, p 12
310
um DCE combativo”, documento no qual propõem um organograma de gestão e uma
proposta de estatuto capaz de instituir um novo formato de ação política ao “primeiro
DCE-livre criado no país depois da promulgação do AI-5, do decreto-lei 477, no fim da
década passada”. Segundo o documento:
“Acreditamos que a experiência de lutas de um ano por parte do DCE enquanto
entidade deve ser apreendida e desenvolvida. Apesar de uma diretoria
(Refazendo) hesitante e indefinida politicamente, o movimento estudantil soube
usar a sua entidade livre como um poderoso instrumento de lutas. A proposta que
se segue visa justamente resaltar o caráter de entidade de lutas que o DCE deve
possuir” 466
6.3 - PRIMEIRAS PASSEATAS FORA DA USP
Mas, em meio às discussões acerca da gestão política da entidade, uma nova onda
de movimentos eclode diante da cobrança de taxas durante a matrícula467, o que redunda
no dia 30 de março de 1977 numa passeata com mais de três mil estudantes; numa
passeata - detalhe - que ousa sair da USP para “dialogar”468 com o Governador do Estado
e com o MEC diante da Secretaria de Educação, no Largo do Arouche, mobilizando mais de
70 mil policiais sob o comando do Coronel Erasmo Dias que, apreensivo, bloqueia as ruas
466 “Por um DCE combativo”. Proposta de estatutos para o DCE-Livre da USP, mimeografado, 6p, s/d 467 Segundo “Refazendo Informativo. Publicação do Diretório Central dos Estudantes – julho 77”, de 12 de julho de 1977: “Iniciamos 77, com o posicionamento das entidades contra o novo sistema de vestibular, que conservando a mesma quantia de vagas, sub-dividiu-se em dois (1º e 2º semestres) para poder arrecadas mais dinheiro. Foi distribuído comunicado e feito pesquisa entre os estudantes. No ato da matricula 771, os estudantes são surpreendidos com o aumento da taxa, e mesmo na impossibilidade de tomar uma medida decisiva, os colegas reunidos protestam , tiram uma comissão que propõe que seja adiado o pagamento, num encontro com o reitor. O mesmo diz que o problema da taxa é inquestionável e contra-propõe com uma suposta restituição aos carentes. Os estudantes recusam a proposta por acharem vaga e não concordarem com os critérios. Aumenta a participação estudantil, como fica comprovado, com a elevação do nível da calourada e o clima em que são realizadas as eleições, desta vez com uma maior participação , maior divulgação e o surgimento de propostas diferentes” 468 Na prática, entregar um conjunto de reivindicações entre as quais constava a definição de um teto para o aumento das mensalidades nas instituições privadas de ensino.
311
de acesso ao centro de São Paulo, causando um congestionamento de mais de 350 mil
veículos. Nas lembranças de Geraldo Siqueira, então diretor do DCE-ivre:
“...começou 1977 e marcamos a entrega de uma carta de reivindicação contra o
corte de verbas para educação. Íamos entregar a carta no escritório do MEC, no
Centro de São Paulo. A USP foi bloqueada, o Detran fechou todas as saídas. A USP
inteira se juntou na Poli numa grande assembléia e decidiu que, se não podíamos
ir nem de ônibus e nem de carro para entregar o documento lá no MEC, iríamos a
pé. Aquilo não seria pouco, ia ser a primeira manifestação de rua desde 1968! Isso
deu um gelo na gente. Mas foi aprovado e nós da diretoria do DCE aprovamos
também, que não haveria nenhuma palavra ou faixa que se referisse à ditadura, o
que parecia censura, mas era bom senso. A Libelu ficou puta da vida, dizia que
estávamos censurando, mas não queríamos dar pretexto para caírem em cima da
gente. E nós saímos. Lembro até hoje que aquilo me deu um gelo no estômago. A
rádio Jovem Pan fez a cobertura com um helicóptero e ia irradiando todos os
movimentos nossos e das tropas. Estávamos com radinhos de pilha no ouvido
acompanhando tudo. Foi ótimo, porque sabíamos onde estavam as tropas: elas
estavam vindo na nossa direção. Estávamos no largo de Pinheiros quando o Perseu
Abramo, repórter da Folha, disse: “Vocês já fizeram uma grande coisa hoje, agora
voltem para a cidade universitária. Não precisam provar mais nada, já provaram
tudo que vocês queriam.” Era o que nós mais queríamos ouvir. Todo mundo
concordou e voltamos em passeata para a cidade universitária. O radialista da
Jovem Pan delirava: “Os estudantes estão voltando. Graças a Deus!”, porque ele
estava vendo uma tragédia se desenhando”.
Impedidos de prosseguir, os estudantes realizam ali – no próprio largo de Pinheiros
- um ato público469 no qual lêem e distribuem uma “Carta Aberta à População” que
afirmavam:
469 POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, pp 302-303.
312
Estudantes da USP sobre a ponte de Pinheiros. Acervo: O Trabalho
“Hoje, consente quem cala: Basta às prisões. Basta de Violências. Não mais
aceitamos mortes como as de Wladimir Herzog (jornalista e professor), Manuel
Fiel Filho (operário) e Alexandre Vanucchi Leme (estudante, que é hoje o nome do
DCE-Livre da USP). Não aceitamos que as autoridades maltratem e mutilem nossos
companheiros. Não queremos aleijados heróis como Manuel da Conceição. Hoje
viemos às ruas para exigir a imediata libertação de nossos companheiros operários
– Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes, José Maria de Almeida e Adamir Marini - e
estudantes – Fernando Antônio de Oliveira Lopes, Anita Maria Fabri, Fortuna
Dwek, Cláudio Júlio Gravina - presos sob a alegação de subversão. Hoje, neste país,
são considerados subversivos todos aqueles que reivindicam os seus direitos,
todos aqueles que não aceitam a exploração econômica, o arrocho salarial, a alta
do custo de vida, as péssimas condições de vida e trabalho. Todos aqueles que
protestam contra as contínuas violências policiais. Subversivos, enfim, são
considerados os que infringem a Lei de Segurança Nacional, instrumento jurídico
que justifica a repressão contra os mais legítimos movimentos da população.
Queremos falar com os que nos oprimem. E entendemos que a melhor maneira de
falarmos e de lutarmos contra os que nos oprimem, por meio da exploração
econômica, da violência política e da violência policial, é através de sindicatos e
entidades livres de nossas organizações independentes. Na Universidade de São
Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo os estudantes criaram as
suas entidades livres (os Diretórios centrais de Estudantes, DCEs-Livres da USP e da
313
PUC). Livres, porque não nos submetemos às leis impostas pelas autoridades que
não querem aceitar eleições livres e diretas, que impedem a nossa liberdade de
manifestação e de organização. Porque não mais aceitamos as mordaças é que
hoje exigimos a imediata libertação de nossos companheiros presos não pelas
alegadas razões de subversão, mas porque lutam pelos interesses da maioria da
população explorada: contra a carestia, fim do arrocho salarial, liberdade de
organização e expressão para reivindicar os seus direitos. É por isso que
conclamamos todos, neste momento, a aderirem a esta manifestação pública sob
as mesmas e únicas bandeiras: Fim às torturas, prisões e perseguições políticas;
Libertação imediata dos companheiros presos; anistia ampla e irrestrita a todos os
presos, banidos e exilados políticos; pelas liberdades democráticas” DCEs-Livres da
USP e da PUC470.
Nos dias que se seguem, o presidente Ernesto Geisel fecha o Congresso (em função
da recusa de se aprovar o anteprojeto da reforma do Poder Judiciário proposta pelo
Governo) e decreta o “Pacote de Abril” ampliando o mandato presidencial para 6 anos e
criando o cargo de senador biônico. Em reação, os estudantes decretam greve por 24
horas e fazem multiplicar as manifestações. Nas palavras de Artur Poerner:
“Em abril, os protestos e greves [já] haviam alcançado a PUC de São Paulo e do Rio,
a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, a Universidade Federal de
Minas Gerais, a Universidade de Brasília, a Universidade do Vale dos Sinos, a
Federal e a PUC do Rio Grande do Sul”471.
Em 1º de Maio de 1977, são presos quatro operários e quatro estudantes que
distribuíam panfletos no ABC; em 3 de maio, sindicalistas, representantes da OAB, do
MDB e do Movimento Feminino pela Anistia se reúnem na PUC-SP num ato público pela
Anistia que conta com cerca de 7 mil pessoas, ocasião em que estudantes divulgam uma
470
“Carta Aberta à População” de 30/03/1977. Panfleto. 471
POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, p303
314
“Carta Aberta pelo fim das torturas e prisões arbitrárias” e criam o Comitê Primeiro de
Maio pela Anistia472. Em 5 de maio, num protesto contra a prisão de estudantes e
operários “por mais verba para a educação” e “pelas liberdades democráticas”, cerca de
7.000 estudantes tentam fazer uma passeata entre o Largo São Francisco e a Praça da
República mas ao chegarem ao Viaduto do Chá eles se deparam com uma barreira policial
comandada pessoalmente por Erasmo Dias, que os impede de avançar. Nas memórias de
Geraldo Siqueira:
“..Houve assembléia na PUC, mas continuava a proibição de falar ‘Abaixo a
ditadura’. Marcamos uma concentração no largo de São Francisco, porque era
Centro da cidade, no dia 5 de maio (...) Saímos em passeata até a praça da
República. Pegamos a rua Líbero Badaró e chovia papel picado das janelas (...)
Pegamos o viaduto do Chá e, quando chegou perto da praça Ramos, estourou a
primeira bomba de gás. Era a tropa do Erasmo Dias na área do Teatro Municipal.
Alguém teve a idéia de sentar no chão, era uma demonstração de que não
queríamos ir para a briga. Todo mundo sentou no chão e lemos a carta em coro.
Com um megafone, nós líamos e o pessoal repetia: “Não queremos mais heróis
mutilados nem mortos. Não queremos...” Dali, voltamos para o largo de São
Francisco. [...] a última coisa que queríamos era contato físico com a polícia. Era
sempre: vai e, se encontrar polícia, volta”473
Nas lembranças de Célia Azevedo:
“Lembro-me bem desta passeata: lá pela Líbero Badaró alguém gritou ‘Abaixo a
Ditadura’ e logo se ouviu um coro de vozes repetindo este lema. Logo ouviu-se um
coro contrário: ‘O Povo Unido jamais será vencido’ (lema do PC do B...)”474
472
Ver: Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Temáticas, OP0717 473
Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004 474
Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011
315
Passeata de 5 de maio pelo centro de São Paulo. Agência Estado e Revista Veja de 11 de maio de 1977
Nesta altura, as bandeiras “por mais verba para a educação” e “pelas liberdades
democráticas” já se prestavam a demarcar campos políticos específicos: enquanto a
diretoria do DCE-livre procurava manter o movimento nos limites da luta “por mais verba
para a educação”, a Liberdade e Luta – que não tinha “...esse 'cheio de dedos' [que]
influenciou muitas outras tendências aqui”, nas palavras de Antonio Figueiredo - seguia
adiante com a bandeira “pelas liberdades democráticas”, postura que em seu entender:
“...era baseada em coisas de fora. Não tinha esse peso do PC, do PC do B, mesmo
da Convergência Socialista, que tentavam frear um pouquinho. A gente não
pensava tanto assim, talvez, por ter muito essa força externa”475.
Em 11 de maio, o Comitê Primeiro de Maio pela Anistia, proposto pelos trotskistas
(lambertistas), encaminha um abaixo-assinado pela libertação de 5 operários e 3
estudantes presos poucos dias antes em função da oganização do 1º de maio e chama
para o dia 19, no Largo São Francisco, uma “Jornada Nacional de Luta pela Anistia”. A
diretoria do DCE livre da USP, reagindo à proposição, se opõe a participar alegando “falta
de comunicação e preparação das Escolas da USP”476; como consequência, cerca de 8000
estudantes se concentram nos jardins da Faculdade de Medicina, enquanto 2.000 alunos
permanecem no Largo de S. Francisco, de onde saem em passeata da praça do Correio
475
Depoimento de Antônio Figueiredo para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 476 Termo de Declaração de José Alberto Urbinatti. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos OP Pasta 1553
316
até a Consolação; outras manifestações-relâmpago dão início à jornada. Segundo Célia
Azevedo, permanece em sua memória:
“...a Av. Dr Arnaldo com dezenas de carros do exército, os soldados sentados em
fileira dupla atrás com cães policiais. Durante toda a manifestação helicópteros
sobrevoavam os jardins da Medicina..”477
Panfletos sobre a anistia: Comitê 1º de Maio; “Na SBPC”, Resistência. Acervo DOPS/Arquivo do Estado
Nas lembranças de Celso Marcondes:
“...De pé num banco de jardim no largo do Paissandu, eu e um desconhecido
levantávamos com orgulho a bandeira do Brasil e gritávamos o Hino Nacional.
Uma multidão estimada em quinze pessoas (ou seriam dez?) nos acompanhava.
Mal havíamos chegado ao "brado retumbante", um barulho forte e muita fumaça
interrompiam nossa "manifestação-relâmpago". A correria recomeçava. Sirenes, C-
14s, cassetetes, gritaria, até cada um se perder na multidão do centro de São
Paulo em hora de rush ou ser levado delicadamente para o camburão. Esta
imagem, de 1977, não sai da lembrança. Tá lá, gravadinha num arquivo que não
tem /delete/ que destrua. E como me orgulho dela! Foram tempos de muita
coragem e emoção. Manifestações, passeatas, atos públicos, cultos ecumênicos,
milhões de assembléias, bilhões de reuniões, grupos de estudo, livros e mais livros,
477
Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011
317
folhetos rodados em mimeógrafo a álcool no quarto da empregada. Tempos
também de muita tensão e nervosismo, de insônias freqüentes, de cabelos caindo,
de brigas com a família, de faltas às aulas, de atrasos no emprego”478.
Passeata pelo centro de São Paulo. Fonte: Revista Isto É, 25/05/1977
6.4 SEGUNDA ELEIÇÃO DO DCE LIVRE DA USP: COMBATES
POLÍTICOS
Vale considerar, ainda, que a trajetória política que se desenvolvera na USP na
primeira metade da década de 1970 permitira que, a partir de 1976 e para além da
presença das tendências, um outro leque de lutas também ganhasse sentido e que se
restabelecessem, ainda que simbolicamente, relações entre as questões estudantis e as
questões sociais mais amplas, entre elas, as lutas por anistia, por liberdade, por direitos,
ou ainda, pelas liberdades democráticas, bandeira que acabaria assumida por todas as
organizações de esquerda presentes dentro deste movimento.
478
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
318
O caráter massivo das manifestações, na verdade, preocupava as organizações e
dava lugar a sérias divergências motivadas não apenas pelo temor dos desdobramentos,
mas acima de tudo pelos desafios de gestão que esta perspectiva de movimento
implicava. Neste caso, caberia à tendência Refazendo (à frente da diretoria do DCE livre)
contrapor seu discurso ao da Liberdade e Luta na pretensão de barrar suas leituras,
proposições e dinâmicas participativas, consideradas por demais “radicais” aos padrões de
luta das organizações presentes, ou ainda, a um tênue processo de lutas sociais que pouco
a pouco ganhava forma em tempos ditatoriais.
Estas divergências podem ser percebidas de maneira ainda sutil nas cartas-
programa da segunda eleição do DCE livre da USP, momento em que a “Plataforma para
DCE-USP Refazendo” se indaga:
“.. O que deve ser o DCE? Que lutas ele deve travar? Para onde o movimento dos
estudantes da USP deve caminhar sob sua direção? DCE deve ser cada vez mais a
Entidade Representativa de Todos a travar suas lutas (...) Cabe avançar, mas
avançar de forma consequênte. Cabe avançar com solidez, com base, com
representatividade. Rompendo o isolamento de nosso movimento. Percorrendo o
caminho que permitirá através da participação ampla no DCE enfrentar nossos
problemas de forma organizada, nos inserindo na luta mais geral pela construção
de uma nova sociedade...”479
Com a análise focada na convicção de que o “...descontentamento em relação ao
regime militar é flagrante e seu isolamento cada vez maior”, Refazendo entende que “a
crise econômica não só persiste, como tende a se agravar. Esta situação de instabilidade
política e econômica tem gerado conflitos dentro da própria classe dominante”, num
contexto no qual a “lenta, gradual e segura inclinação para a direita parece ter calado a
‘linha dura” (...) no interior das forças armadas”. No entanto, “o movimento operário e
479 Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 2. No texto, ainda podemos ler: “..Sentimos uma série de problemas: das condições do ensino em cada sala de aula aos problemas gerais como o CRUSP. Do autoritarismo dos professores à repressão sob todos que lutam na defesa de seus interesses. QUEM CALA, CONSENTE. Não é ficando quietos que caminharemos na resolução de nossos probemas”.
319
popular se encontra desorganizado e dominado pela burguesia que, embora dividida,
esboça projetos políticos visando reformular as atuais formas de dominação”, cabendo a
todos perceber que “...aos que estão no poder não interessa abrir mão do controle
político sobre os trabalhadores, quer sob o atual regime, quer sob qualquer outra forma
de dominação”480. Por tudo isso e:
“....Em meio a essa crise em que a classe dominante perde a sua coesão é que o
movimento estudantil atua e avança. Sua atuação, porém, devido a
desorganização do movimento operário e popular, tem limites claros. Avançar só
se concretiza no rompimento de nosso isolamento. Isso significa aproveitarmos
toda nossa capacidade de mobilização no sentido de combater o regime militar,
abrindo espaço para que os outros setores também se organizem”481.
Com relação à reorganização do movimento estudantil, a tendência afirma que:
“Se hoje somos capazes de levar adiante lutas como a de Liberdades Democráticas que
estamos travando, isso se deve em grande parte ao avanço de nossa organização”,
organização, por sua vez, que se acha fundada na presença de entidades cujo papel
consiste em ser/atuar como “canal de discussão política, de organização e luta do
conjunto dos estudantes”. No entanto, considera Refazendo:
“...se hoje nós estamos avançando neste sentido, o que conseguimos não é
suficiente. O movimento ainda está centrado nas tendências políticas, e as
entidades não tem cumprido o papel de aglutinar e debater sistematicamente as
questões que se colocam dando condições a todos os estudantes de interferir de
maneira concreta nos rumos de nosso movimento”.
480
Entre os questionamentos, Refazendo se indaga: “Não é por acaso que parcelas do setor dominante
defendem hoje a convocação de uma Constituinte. Cabe a pergunta: Como participará a população explorada dessa Constituinte que pretende ser livre e soberana, se seus sindicatos estão sob rígido controle e suas organizações estão sob forte repressão? Nesse momento, a nossa tarefa mais importante é reforçar a construção da organização independente dos setores populares, o que os tornará capaz de interferir no cenário político e avançar nas suas conquistas”. 481 “Por onde avança o ME”. Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 2.
320
Neste caso, se “...Representativas são as propostas e posições eleitas pela
maioria, a partir de discussões amplas, com base na participação direta de grandes
parcelas dos estudantes neste processo”, trata-se de garantir o funcionamento pleno das
“entidades livres, abertas e democráticas” frente à dinâmicas que não necessariamente
contribuem para “garantir a unidade de nossas forças”. Com estas formulações que
deslocam a discussão da questão do caráter aberto da participação para a
existência/presença de tendências políticas a mediar esta participação, Refazendo
afirmava que, se por um lado, a “...falta de canais de discussão e trabalho no DCE, tem
dificultado à maioria dos estudantes participar da entidade”, por outro:
“....A tônica do trabalho tem sido dada pelas tendências políticas e quem não
participa de alguma delas tem poucas condições de influir no processo de
discussão e decisão. Isto porque, várias tendências estão muito mais preocupadas
em ganhar adeptos para a sua visão, do que com a participação na entidade, para
fazer do DCE o local de discussão e organização geral dos estudantes da USP. Sem
dúvida, o aumento do número de estudantes comprometidos com as tendências é
fruto do próprio avanço do ME. Mas isso não deve se dar em detrimento do
fortalecimento de nossa Entidade; é preciso canalizar os esforços no sentido de
torná-la cada vez mais massiva e representativa”482.
Enfim, para “assegurar a participação direta e democrática do conjunto dos
estudantes no DCE”, torna-se necessário combater “os desvios e posições incorretas, que
enfraquecem nosso movimento”, e ao mesmo tempo garantir uma “participação e
decisão ampla dos estudantes através de propostas votadas e levadas pela maioria”483.
482
“As lutas do movimento estudantil”. Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 3; Podemos ler: “Representativas são as propostas e posições eleitas pela maioria, a partir de discussões amplas, com base na participação direta de grandes parcelas dos estudantes neste processo. Somente decisões obtidas dessa forma são realmente democráticas. Só assim podemos garantir à unidade de nossas forças, comprometendo todos com os mesmos objetivos, avançando em nossas conquistas. E isso só é possível de se atingir através de nossas entidades livres, abertas e democráticas. É preciso consolidar os passos que temos dado neste sentido, combatendo os desvios e posições incorretas, que enfraquecem nosso movimento. É preciso assegurar a participação direta e democrática do conjunto dos estudantes no DCE” 483 “A Reorganização do Movimento” Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg,4
321
À semelhança da Refazendo, também a tendência Caminhando expressa em sua
carta-programa seus posicionamentos quanto à questão da organização do movimento
estudantil, mas evitando demonstrar algum temor frente aos caminhos de radicalização
das massas estudantis, a tendência opta em explicitar suas considerações. Em suas
palavras:
“...para que tenhamos uma compreensão lúcida de nossa situação atual e
possamos, deste modo, influir corretamente no processo do qual somos
protagonistas, precisamos atentar para as deficiências que o movimento
estudantil brasileiro apresenta (...) As lutas estudantis, apesar dos grandes
progressos conquistados, ainda não se encontra suficientemente vinculadas às
lutas dos demais setores populares e democráticos. Um outro fator que vem
dificultando o crescimento e a reorganização do movimento é o sectarismo que
tem caracterizado a atuação de algumas correntes de pensamento. A rivalização
das tendências não é em si negativa; o que traz enorme prejuízo é a polarização
extemporânea e incorreta, que põe em risco a unidade do movimento,
descaracteriza as entidades e reuniões estudantis e minimiza o número de
participantes nas assembléias. Não estamos contra o debate político, pelo
contrário, acreditamos que se forem realizados de modo oportuno, organizado e
com ampla participação levarão ao esclarecimento e a uma maior
combatividade”484.
Com “uma considerável tradição de organização independente baseada na
democracia das entidades de massas (Cas, DCEs, UMEs, UEEs, UNE)”, somada à “atividade
cotidiana nessas entidades [que] foi um dos principais fatores de formação da consciência
política estudantil”, para a Caminhando: “Está provado pela prática que, quando se ouve a
opinião de amplas parcelas dos estudantes, quando se respeita rigorosamente a decisão
da maioria e quando se evita o sectarismo entre as várias correntes de pensamento, o
movimento tende a avançar e conquistar importantes vitórias”. No entanto, na contramão
484 “Movimento Estudantil”. Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme”, 1977, mimeog, 4 pg, p4
322
de “certas correntes de pensamento equivocadas [que] embaralham a questão da
democracia interna do mesmo é preciso que formulemos com clareza e nos atenhamos
firmemente aos princípios democráticos que no momento atual devem reger nossa
organização”. Seriam eles (grifo nosso):
“As entidades estudantis devem ser a forma mas ampla de organização dos
estudantes, pois, sendo organismo democráticos, devem admitir a participação de
todas as posições políticas existentes entre os estudantes, bem como dos
elementos sem posição definidas. As entidades de massa não podem alijar de si
qualquer posição vencida em eleição ou Assembléia, nem impedir a divulgação de
suas idéias e programas. Por outro lado, devem garantir o compromisso de todos
com a proposta vencedora, tendo, portanto, como finalidade a supremacia da
maioria, mas sua exclusividade. Além disso, sendo o controle e a fiscalização das
entidades atribuição de todos os estudantes nela congregados, é possível e
necessário impedir manobras de elementos oportunistas que não respeitem a
democracia das decisões. Uma vez postas as cartas na mesa, o voto deve ser
atribuição de todos os membros e a decisão da maioria o único compromisso da
entidade, que só deve satisfação aos estudantes que representa. Os vários níveis
de organização estudantil (Cas ao nível de escolas, DCEs ao nível da Universidade
etc), embora devam convergir todos num mesmo sentido, tem que ser
independente uns dos outros. Esta independência é indispensável para que, em
cada nível, as entidades expressem efetivamente a opinião de seus
representados”485
Nesta disputa, enfim, “Liberdade e Luta: plataforma para o DCE-USP” reitera as
análises e propostas que vinha apresentando anteriormente, insistindo que o DCE
permanecia em processo de construção486, que sua existência enquanto entidade - na
485
“Movimento Estudantil”. Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme”, 1977, mimeog, 4 pg, p4. 486
Podemos ler: “....o que quer dizer que ainda é uma das suas tarefas centrais conquistar efetivamente a sua represetatividade e autoridade política, buscar a mobilização de um número cada vez maior de colegas, servir de um canal amplo de participação. E particularmente nessas eeições, por voto universal, direto e
323
visão da tendência - exigia “concretizar o desejo latente de todo estudante combativo”
por meio de uma efetiva “unidade na ação”487, e que cabia a todos reconhecer que “é na
própria luta que os estudantes ganham efetivamente consciência e a experiência política e
têm a oportunidade de testar a cada passo suas direções”. “Foi sob essa visão”, dizia a
tendência (grifo nosso):
“...que impulsionamos decisivamente a criação do DCE em 75/76, que
participamos ativamente da luta do CRUSP no ano passado, que jogamos toda
nossa força no segundo Encontro Nacional de Estudantes (outubro/76), lutando
para que este se posicionasse politicamente frente às eleições municipais, através
de uma moção pelo voto nulo por eleições livres, mas principalmente, fomos nós,
de Liberdade e Luta, que impulsionamos este ano a saída definitiva do ME às ruas
– marco de ruptura do isolamento dos estudantes frente aos demais setores
sociais. Ao propormos a passeata por mais verbas ao Largo de Pinheiros, o Ato
Público pela Anistia na PUC, a Concentração e passeata no Largo São Francisco, a
Jornada Nacional de Luta pela Anistia, possibilitamos a concretização da aliança de
várias parcelas da população, que colocaram num mesmo movimento suas
reivindicações comuns: melhores condições de vida, liberdades democráticas e
demais bandeiras antiditatoriais. De resto, temos defendido intransigentemente a
manutenção da democracia nas entidades. Por isso propusemos – na própria
assembléia que criou o DCE – que este funcionasse com base em Assembléias
Gerais e Reuniões Abertas; só assim, possibilitando a participação de todos os
estudantes no processo de decisões, estará garantida a existência de um
movimento fortalecido. E é também por isso que, mesmo discordando da atual
diretoria, sempre trabalhamos dentro do DCE e em nenhum instante fora dele, já
que os estudantes deve ver manifesta sua força e união”488.
secreto, ele busca alcançar representatividade junto a uma parcela maior do estudantado” Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2. 487 Por “unidade na ação”, Liberdade e Luta entende: “Esta unidade se traduz na necessidade de todas as posições políticas que disputam a liderança do ME se colocarem lado a lado formulando suas propostas e assumindo sempre a posição majoritária aprovada pelo conjunto dos estudantes reunidos em assembléia” Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2. 488 Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2.
324
No plano político, Liberdade e Luta afirmava (grifo nosso):
“O caráter dinâmico deste movimento é alimentado pela situação de crise política
e econômica da ditadura, a qual seguidamente abre brechas por onde tem
penetrado a mobilização massiva dos estudantes. Cabe neste momento ter
propostas claras de ORGANIZAÇÃO deste movimento, como única forma de
consolidar nosso avanço. E estas propostas só podem ser aquelas que apontem
diretamente para a reconstrução da UEE e da UNE. Ambas estão na ordem do dia.
É por isso que defendemos a proposta de Comissão Pró-UEE nas últimas
Assembléias e Plenárias Estaduais. Entendemos que a unificação das lutas de
dezenas de milhares de estudantes paulistas, em torno de uma mesma
reivindicação, realizada no dia 5 de maio, coloca a fundação da UEE como tarefa
imediata. Os próximos meses devem ser preenchidos por amplas discussões e esse
processo deve culminar com um grande Ato massivo a ser realizado em setembro
quando deveremos dar por fundada a UEE, iniciando a preparação de suas
primeiras eleições. Ao mesmo tempo, a UNE se reconstrói e os Encontros
Nacionais de Estudantes assumem especial importância nesse combate. Assim, ao
nosso ver, o III ENE a ser realizado no dia 4 próximo, em Belo Horizonte, deve ser
um Encontro massivo e representativo que necessariamente culmine com a
formação de uma Comissão Nacional que coloque claramente a perspectiva de
fundação da UNE. O processo que criou o DCE-livre da USP mostra o caminho que
nos levará à UNE. Através de Reuniões Abertas, Assembléias massivas,
concentrações e passeatas, ou seja, através da participação direta do estudante na
luta pelas suas reivindicações é que o DCE foi criado. É só esse método que
permite a combinação das tarefas de construção de CAS, o desatrelamento de Das,
a reconstrução de DCEs livres, num mesmo processo de lutas que conduzirá à
UNE”489.
As formulações estavam lançadas... mas, quanto mais as movimentações
ganhavam lugar, mais se intensificava o embate entre as forças políticas acerca dos limites
489 Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, mimeog, 4 pg, p3.
325
e controle destes acontecimentos, procurando a Refazendo centrar as discussões na
problemática da Universidade (expressas nas palavras de ordem “por melhores condições
de ensino”, “por mais verba para a educação”, “pela participação dos alunos nas
discussões da universidade”...) com a justificativa de que a ausência de discussões nas
escolas inviabilizava uma maior articulação entre as ações estudantis e as lutas sociais
mais amplas; enquanto a Liberdade e Luta propunha um acirramento das lutas contra a
ditadura com base num conjunto mais amplo de objetos políticos e formas de organização
coletiva. Nas palavras de Antonio Figueiredo:
“...as pessoas, como acreditavam muito naquela idéia e tinha esse poder de falar,
de se comunicar com muita gente (...) era um pessoal (...) muito incisivo, por
exemplo, esse negocio de 'abaixo a ditadura' era uma coisa que o refazendo jamais
faria... jamais faria uma coisa dessas, porque achava que se fizesse isso vai baixar o
exército, nós vamos ser todos presos... Então, a liberdade de luta, a partir de uma
análise (...) que era fundamentada no ponto de vista teórico, nos argumentos que
utilizava... a partir dai, acreditava naquilo, e aí, ia pra cima disso mesmo (...) era
contundente”490.
6.5 - “ABAIXO A DITADURA” EM PASSEATAS-RELÂMPAGO
E então, no dia 19 de maio o Ministro da Justiça, Armando Falcão proíbe qualquer
tipo de manifestação, passeata ou concentração em locais públicos. Este pronunciamento,
por sua vez, se faz imediatamente interpretado no interior da universidade, como um sinal
de apreensão das autoridades de ter/ver de “volta às ruas” os estudantes dispostos não só
a enfrentar (simbolicamente) a ditadura, mas se reaproximar de outros segmentos sociais,
sendo que, neste momento, no entendimento de Markus Sokol:
490
Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005
326
“...A gente estava correndo risco de vida, não estava brincando. Na USP eram
centenas de pessoas que sabiam que estavam correndo risco, risco de vida...
depois tem um aspecto que tem a ver com a condição polÍtico-social do país. A
USP funcionava naquela época [...] nós tínhamos uma força enorme, apesar de
socialmente ser pouca gente. A gente não podia parar o paÍs, nós não tínhamos
força para parar as máquinas, os bancos... mas a ditadura tinha medo da gente. A
gente saía na rua, eles bloqueavam, jogavam uma bomba de gás... isso perto da
ditadura que eu e outros tínhamos conhecido, essa era outra situação. O cara
vinha de cavalaria e quebrava a cara. Depois foi relativamente indolor, nunca é
indolor, mais foi relativamente indolor […] então a gente parecia ter uma força
muito maior do que a gente realmente tinha. Quer dizer, nós estávamos sendo
beneficiados por uma conjuntura politica”491.
Panfletos do DCE Livre da USP. Acervo DOPS/Arquivo do Estado
O clima político mostrava-se cada vez mais tenso, e após os estudantes da USP
reelegerem a Refazendo para a direção do DCE livre (numa eleição que contabilizou mais
de 16 mil votos, cabendo cerca de 7 mil votos para a tendência vitoriosa), o III Encontro
Nacional de Estudantes fracassa; marcado para acontecer em 4 de junho em Belo
Horizonte, o Ministro da Educação Ney Braga com o apoio do governador do Estado,
Aureliano Chaves, e do Reitor da UFMG, promove o bloqueio e prisão dos participantes
nas estradas, seguindo-se as prisões no campus que totalizam 850 detenções, entre eles,
491
Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005
327
de 348 delegados. Em decorrência destes acontecimentos, o III ENE é remarcado para São
Paulo assumindo o Comitê 1º de Maio da USP a estruturação e segurança.
Por outro lado, vale considerar, a realização de “concentrações” pelos estudantes,
seguidas por atos públicos fora do espaço acadêmico, também motivara os órgãos de
segurança a aprimorar suas operações com base na adoção de outros/novos
procedimentos de investigação e tratamento dos presos na busca de se antecipar às suas
realizações. Quando, então, os estudantes realizam o ato público de 15 de junho de 1977
na Praça Fernando Prestes (Parque Dom Pedro), estes novos recursos repressivos
permitem a identificação (após detenção no próprio ato) de 11 estudantes da USP (2 de
letras, 1 de Bioquímica, 4 de física, 2 de engenharia, 1 de arquitetura e 1 de filosofia), 3 da
FAAP, 3 do Mackenzie, 2 da Fundação Getúlio Vargas, 2 da Unicamp, 3 da Faculdade
Integradas Alcântara Machado, 4 da PUC, 1 da Faculdade Metodista, 1 da faculdade Santo
Amaro, 1 de Engenharia Civil de Santos, 1 da FEI, além de 5 alunos de colegial e 48 pessoas
das mais diversas profissões (também identificadas)492. Em seguida, no dia 19 de junho,
marcado como “Dia Nacional de Luta pelas Liberdades Democráticas”, o embate entre
estudantes e órgãos de segurança assumem as seguintes características, nas lembranças
de Geraldo Siqueira:
.”...A USP estava na frente, mas queríamos o resto do país vindo junto e
precisávamos de tempo. Paramos na Medicina da USP e fomos cercados por
tropas. Uma turma na São Francisco, que era o destino final, foi reprimida lá. Mas
chegava a notícia de manifestações em Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, a
PUC do Rio de Janeiro cercada por tropas. Lembro até que a Universidade de
Coimbra, em Lisboa, estava com as aulas paradas em apoio ao Dia Nacional de
Luta daqui. Foi o maior delírio, todo mundo gritando, pulando”
492 Ato Público 15/06/77. Local: Praça Fernando Prestes – Parque Dom Pedro. “Relação de alunos e pessoas detidas por ocasião do ato público de 15.06.77” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos, OP 0655
328
Imagens do III ENE (BH/MG, junho de 1977) e do II Dia Nacional de Luta pela Anistia. no Largo de S Francisco/SP em 8 de agosto de 1977
Em 15 de julho, no II Dia Nacional de Luta pela Anistia, 65 estudantes são presos
em São Paulo; em 8 de agosto, num Ato público no Largo São Francisco, as manifestações
estudantis já registram um outro alcance ao contar com a presença do professor Goffredo
da Silva Telles que lê na ocasião a sua Carta aos Brasileiros493, seguindo-se uma nova
rodada de intimações com a prisão da diretoria do DCE Livre (Lídia Golddstein, Vera Silva
Facciolla Paiva, Marcelo Garcia e Souza, Geraldo Augusto de Siqueira Filho, Maria
Terezinha Figueiredo, Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá, Vinicius Ytalo Signorelli) e de
outros 22 alunos, entre eles, Carlos Terrana, Afrânio Raes Filho, Grécia Conceição S.
Motta, Josimar M. de Mello Filho, Roberto Pereira de Melo, Julio Turra Filho, Fábio
493
“ O documento despertou grande interesse no Brasil inteiro e foi traduzido para as principais línguas
estrangeiras, alcançando as primeiras páginas dos grandes jornais do mundo. Expõe, dentro de princípios científicos, a legitimidade das leis e Constituições, do Poder e da Ordem, os quais geram a democracia verdadeira, propulsora única do desenvolvimento econômico e da Segurança Nacional. Faz um paralelo entre o Estado de Direito e o Estado de Fato e relaciona, a seguir, os direitos protegidos pelo Estado de Direito, como valores soberanos que inspiram as ordenações jurídicas de nações verdadeiramente civilizadas. Conclui exigindo o imediato Estado de Direito para o Brasil, ficando célebre a frase final: "O Estado de Direito, já!"” http://www.goffredotellesjr.adv.br/revista.htm
329
Malavoglia, José Américo Ascencio Dias, entre outros. Reunidos no DOPS São Paulo, os
estudantes prestam neste momento os Termos de Declaração diante dos pais e
responsável, enquanto agentes de segurança procuram se aprofundar, mais uma vez, nos
acontecimentos de períodos anteriores, tentando estabelecer relações destas atividades
com as agitações do período 1968/1971494.
Em 11 de agosto de 1977, numa passeata noturna em São Paulo com mais de 8 mil
estudantes, o Coronel Erasmo Dias é então representado por um gigantesco boneco do
King Kong, ocorrendo novas prisões em 23 de agosto durante o III Dia Nacional de Luta
pela Anistia (detenção de 197 estudantes em São Paulo), momento em que os trotskistas
lambertistas insistem na palavra de ordem “Abaixo a Ditadura” (que já se achava colocada
nas passeatas) e lançam “Viva a Constituinte Democrática e Soberana”!
Diretores do DCE Livre da USP e militantes indiciados no DEOPS em agosto de 1977. Acervo DOPS/Arquivo do Estado
494 No curso dos depoimentos, o Diretor Geral de Polícia do DOPS inicia o processo fazendo uma “prelação” sobre o fato de que “a atividade estudantil pode levar seus integrantes a processo por delito contra a Segurança Nacional”. Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77) IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1553
330
Nas lembranças de Antonio Figueiredo, o grito “Abaixo a Ditadura” neste ambiente
e ocasião fica sob encargo de Josimar Melo que, assim que o pronuncia é imediatamente
retirado do local pelos companheiros e levado para longe da universidade e do
movimento, permanecendo afastado por um mês495. Nas lembranças de Geraldo Siqueira,
no ato de 23 de agosto:
“...chegamos ao máximo da tecnologia desse tipo de manifestação. Marcamos
uma no largo do Paissandu, sabíamos que ia ser reprimida. No dia, a tropa de
choque ocupou tudo lá. Mas combinamos cinco pontos alternativos da cidade, de
onde sairiam cinco passeatas meia hora antes em direção ao largo do Paissandu.
De fato, sabíamos que não seria possível chegar lá. Marcamos um horário e, antes
de chegar, daríamos um grito e iniciaríamos uma passeata na direção contrária ao
largo. E deu tudo certo. Havia tropas espalhadas pela cidade inteira. Fizemos um
esquema de telefones, para os quais ligávamos para perguntar qual esquina estava
vazia; aí dispersávamos e nos reagrupávamos. Isso durou das cinco da tarde às dez
da noite. A gente juntava e se dispersava. Pipocou tanta manifestação no centro
que tinha viatura se batendo no meio da [avenida] Ipiranga. Dez horas da noite
fomos para o Gato Que Ri tomar um chope no meio da tropa. Brindamos e fomos
para a casa do Politécnico e assistimos à tropa inteira voltando exausta para o
quartel”496.
Para Flávio Carrança:
“...A idéia de sair do campus, de levar palavras de ordem que colocassem a
questão da democracia, que o PC se opõe, o próprio nome 'liberdade e luta' tinha
495 Segundo Antônio Figueiredo: “...Nós falávamos: “vamos falar abaixo a ditadura hoje”, então, vamos falar... e mostrou-se correto porque acabou não acontecendo nada, levamos a pessoa embora, passou um mês fora, depois voltou e tudo tranqüilo... e a partir dai todo mundo começou a falar e foi uma coisa boa. Mostrou-se correto (...) Outras coisas obviamente não funcionaram, tinham épocas que a gente falava em greve geral e ia levantar a palavra de ordem 'greve geral' e, com isso, nuclear o movimento sindical, os profissionais liberais e não acontecia nada... A greve geral veio muito depois disso. Mas a gente sempre falava nisso”. Depoimento de Antônio Figueiredo para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 496 Entrevista de Geraldo Siqueira para Virginia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
331
a ver com uma briga em torno das palavras de ordem que o movimento estudantil
se dava naquele momento (...) da luta pela liberdade democrática que o PC (...) era
contra (...) agora eu não consigo imaginar porque diabos eles seriam contra isso...
A questão do “abaixo a ditadura”, de palavras de ordem que colocassem em
questão a forma de governo existente no período e tal, foi um primeiro momento
do movimento estudantil naquele período em que se colocou explicitamente a
questão da forma de governo, da democratização do governo, da derrubada da
ditadura e tal”497.
Segundo Celso Marcodes:
“...Em dias de repressão caprichada a ordem era fazer "passeatas-relâmpago".
Juntávamos um punhado de gente e saíamos correndo, gritando "abaixo a
repressão", até as viaturas da polícia chegarem. No dia seguinte, no campus, a
tarefa era contar os presos e feridos e verificar quem havia participado de mais
passeatas no mesmo dia. Com o passar do tempo fomos nos sofisticando. Já havia
esquema de advogados de plantão e sistema de comunicação durante as
manifestações. Sem celular, /pager/ ou computador. Apenas um pacote de fichas
telefônicas para os manifestantes e um número para ligar "dando os informes".
Quando estas mobilizações ganharam destaque - e muito - nas páginas dos jornais
diários, chegava-nos a certeza de que Lenin estava certo (ou seria Trotski?) num
texto sempre evocado, no qual falava que os estudantes "saíam na frente", eram
"os batedores da revolução". Entendíamos que a divulgação massiva de nossos
atos iria influenciar categorias profissionais a assumirem o enfrentamento, em
particular, óbvio, os operários. Coerentes com este raciocínio, as organizações
começaram a "exportar quadros" do ME para as fábricas e bancos ou até para o
movimento secundarista (isso mesmo: universitário voltava pro colégio para
militar!). Também fazíamos de tudo para trazer às nossas assembléias e atos
públicos "pelas liberdades democráticas" representantes de outros movimentos
ou personalidades. Do "parlamento burguês", os deputados Airton Soares e
Alberto Goldman, do MDB, eram os que assumiam o risco de aparecer. As
497
Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005
332
reuniões anuais da SBPC eram outro fórum que invadíamos, tentando colocar na
pauta pontos mais políticos que os ligados ao "progresso da ciência"498.
6.6 - A LUTA PELA (RE)FUNDAÇÃO DA UEE-SP E DA UNE
Manifestação sem identificação. Imagem disponibilizada pela internet
Além das manifestações de caráter nacional, ocorrem os preparativos para a
realização do Congresso de (re)fundação da UEE-SP, ocasião em que Liberdade e Luta
desenvolve uma leitura elaborada acerca da entidade cuja criação naquele momento
considerava “como resultado lógico” do avanço do movimento; como uma “tarefa que
não pode ser questionada, tampouco adiada – como ensaiam propor certas posições
políticas do movimento estudantil”, ainda que aja um “descompasso muito grande entre o
gráu de mobilização entre as diversas escolas e universidades que comporão a UEE”. Em
seu entender, “a fundação da UEE só pode ser compreendida como fator de impulso para
que o movimento cresca e se fortaleça”, sendo necessário considerar que ela “não nasce
(...) de forma acabada, reconhecida e sustentada pela totalidade do estudantado paulista.
Porém ela só conseguirá sê-lo quando tiver suas bases lançadas, quando começar a
aparecer à público, trazendo suas propostas, liderando as mobilizações”. Segundo
Liberdade e Luta:
498
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
333
“Este método que propomos para a criação da UEE é o mesmo que utilizamos para
a construção dos dois primeiros DCEs livres do Brasil (USP e PUC). Hoje, os dois
DCEs são realidade viva no movimento por Liberdades Democráticas. Para o
Congresso de Fundação são necessárias discussões nas salas de aula e nos Cas, e
que destas discussões saiam eleitos, em reuniões abertas ou assembléias, os
delegados – 5 por 500 alunos – que representarão suas escolas defendendo as
várias propostas apresentadas”.
Uma vez o Congresso em curso, seria necessário estabelecer “bases mínimas de
sustentação”, de forma a que a “UEE comece a dirigir nossas lutas estaduais
imediatamente após sua proclamação”. “Para tanto”, segundo Liberdade e Luta:
“..o seu funcionamento, até as eleições dos estatutos, tem que ter por base
pontos mínimos – transitórios – que permitam a democracia na nossa entidade
maior à nível estadual. Dentre estes pontos se incluem um conselho de
Representantes de Entidades de Base com caráter deliberativo. Devido ao desnível
do gráu de politização do ME paulista que atue como homogeneizadora das lutas e
seja reconhecida pelo conjunto dos estudantes, é preciso que exista um gráu
intermediário de organização, entre o Congresso Estadual e a Diretoria, com a
participação das diversas escolas inclusive aquelas que até agora não tem
participado de movimentos mais amplos que hoje atingem somente cidades como
São Paulo, Ribeirão Preto, São Carlos, Campinas, etc. Este Conselho é que poderá
combinar e num primeiro momento superar, os diferentes gráus de
mobilização”499.
Mas, não apenas a Liberdade e Luta se debruçava sobre a questão; na verdade, a
criação de uma entidade livre de abrangência estadual implicava em fortalecer ou, pelo
contrário, conter proposições organizativas num contexto em que a participação política
499 “Dia 27: fundar a UEE!”Liberdade e Luta (USP), Liberdade e Luta (PUC-SP), Grupo de Estudantes Secundaristas, Grupo de Estudantes de Campinas, Grupo de Estudantes de Ribeirão Preto, Grupo de Estudantes de Mogi das Cruzes, Grupo de Estudantes de Jundiaí, Grupo de Estudantes de Guarulhos, Grupo de Estudantes da FAAP-SP, Grupo de Estudantes de Direito – SP. Agosto, 1977, mimeog, 4 p.
334
ganhava contornos cada vez mais amplos, o que se traduzia em debates acirrados sobre
um leque amplo que conceitos, fundamentos, proposições políticas que não
necessariamente se encontravam abertos à discussão. E entre os documentos produzidos
na ocasião, chama-nos atenção um folheto produzido na USP e intitulado “A Reconstrução
da União Estadual dos Estudantes de São Paulo”. Nele podemos ler:
“No estado de São Paulo, o movimento tem se mostrado mais dinâmico,
principalmente na capital, através da USP, polarizando o país. Conquistas
importantes aqui se estabeleceram, seja as plenárias do interior e estadual, a
comissão reorganizadora da UEE, e o próprio Comitê 1º de Maio, em que pese a
condução incorreta que ele tem tido até agora. Assumimos sem qualquer dúvida
que a reorganização do movimento de massas é concreta. Conquanto existam
dificuldades e entraves que colocam impasses ao movimento, no todo ele tem um
sentido de generalização, ampliação e consequente fortalecimento”500.
Neste documento de orientação trotskista produzido pela tendência Novo Rumo já
se acham presentes, de fato, formulações que animariam de maneira significativa os
debates internos do movimento estudantil entre os anos de 1977/1979, claramente
demarcados no seguinte fragmento:
“...Cabe neste momento, continuar fazer avançar o movimento de massas, com a
perspectiva de aumentar o grau de organização, fortalecendo suas entidades de
massa como instrumentos de luta. Da solidez com que está sendo constituído o
movimento, do respaldo de massa, da sua reorganização, dependerá a capacidade
que teremos de responder cada vez com maior eficiência à conjuntura,
caracterizadamente de crise e dificuldades para a burguesia se manter coesa em
torno de um projeto político comum de dominação de nossa sociedade. Longe de
nós o aventureirismo e o esquerdismo, como propostas que não podem ser
compreendidas e/ou assumidas pelas massas, as quais com certeza não
contribuirão para o aumento de organização e consciência, aspecto principal do
500 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, 8p.
335
período contra-revolucionário em que estamos, no qual devemos trabalhar com
vistas a um acúmulo cada vez maior de forças para invertermos a correlação de
forças no plano da luta de classes (...) As mobilizações desse ano, foram possíveis
graças a um acúmulo de forças anterior, no processo de reorganização estudantil
no país. Durante a maior parte do tempo, isso foi suficiente para garantir o avanço
ininterrupto do processo de lutas. As lutas foram travadas de forma massiva,
conseguindo-se mesmo aumentar o grau de consciência e organização dos
estudantes (...) Mas, o acúmulo das questões e tarefas colocadas pelo ME, levaram
a um esgotamento rápido de nossas forças, o que comprometeu nosso
crescimento sólido, na medida em que não conseguimos consolidar os avanços
dados, aumentar a organização, conscientizar a massa das vitórias que o
movimento obteve, para que se comprometesse mais e mais com o próprio. A
situação de esgotamento das formas organizativas com que contávamos, ficou
nítida depois do dia 19/05, dia nacional de luta. As manifestações seguintes foram
feitas em condições precárias de massa e vanguarda, sem condições de suportar
as propostas de continuidade. Uma série de erros que já vinham ocorrendo no
interior do ME, foram se tornando mais frequentes e ficou visível a situação de
giro em falso. Localizar esses erros, ao menos os mais importantes, é essencial (...)
O objetivo da vanguarda ao atuar no movimento, deve ser fundamentalmente o
de organizar politicamente a massa para a luta, e não o objetivo puro e simples da
agitação ou da propaganda política”501.
“Movimento de massas”, “entidades de massa”, “instrumentos de luta”, “aumento
de organização e consciência”, “acúmulo de forças”, “correlação de forças no plano da
luta de classes”, “massa e vanguarda”, “avanço do processo de lutas”, na prática, todo um
conjunto de tradições marxistas, reanimado em parte por fundamentos trotskistas, dava
501 Podemos ler: “..na atual conjuntura (...) nossa sociedade mergulha numa crise política e econômica, das mais sérias, levando a ditadura a se desgastar continuamente na busca de soluções que lhe interessa. Os trabalhadores se reorganizam, avançam no sentido de quebrar seu isolamento social. As classes médias, movidas por um descontentamento crescente retiram seu apoio ao regime. Inernamente a burguesia, sobram divergências, criando divisões entre a burguesia, quanto a saída para a crise, sem que se encontre um projeto de unificação das classes dominantes. Tudo conduz a deduzir que o auge da crise ocorrerá no proximo ano, com o acirramento maior ainda da crise economica, o problema sucessório, e consequente aprofundamento das contradições entre as classes sociais” A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p2.
336
lugar a um corpo codificado de análises e procedimentos ininteligíveis para a maioria dos
estudantes. De forma concomitante, a vitalidade das mesmas experiências coletivas
estimulava a permanência dos diálogos de vanguarda e fazia nascer uma trajetória intensa
e estranha de aprendizados e recomposições políticas, em meio a qual um novo – mas
também velho - conjunto de concepções políticas buscava se recompor, ao mesmo tempo
em que intervir nas movimentações coletivas com a pretensão de lhes dar um sentido. A
força deste diálogo de vanguardas, reanimado em seus propósitos, levaria alguns grupos
políticos a afirmar que o movimento estudantil vivia uma crise de hegemonia. No
documento citado, podemos ler:
“Não existe ainda uma posição política com grande penetração no seio das
massas, que esteja testada e reconhecida e assumida pela imensa maioria; persiste
a diluição. A falta de quadros de direção é outro entrave, que impossibilita nossa
intervenção em todos os momentos e nos mais variados lugares. Tal problema tem
como raiz a própria diluição política-orgânica em que se encontra a classe operária
hoje e o movimento de massas em geral”502.
Seria o caso de criar novas entidades? De fortalecer as existentes? Estas questões
na lógica (clandestina) das organizações se constituíam polêmicas e a depender do caráter
assumido pela relação vanguarda/massa, “perigosas”. A abertura à participação sem que
fosse dado um direcionamento adequado (de caráter organizativo) causava temor a vários
agrupamentos políticos, conforme podemos observar na seguinte passagem (grifo nosso):
“No estado de São Paulo (..), vimos o movimento ter um crescimento significativo
no semestre que passou (..) [mas] O rumo tomado, revela a saída ao mesmo
tempo frágil e perigosa que o movimento encontrou. Na prática, quem deliberou
nos momentos mais importantes, pelo estado inteiro, foram as assembléias
estudantis de São Paulo (USP e PUC) e às vezes o controverso Comitê 1º de Maio.
Para a maior parte das escolas, a única forma de ser ouvida, ter levada em conta
502 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p3.
337
suas particularidades e necessidades, era a participação nessas assembléias, que
de maneira alguma tinham representatividade para deliberar pela massa
estudantil estadual. E a intervenção dessas escolas no movimento, através de
Assembléias, só podem concretizar-se, via Tendências Estudantis. Mesmo que não
houvesse condições para assumir este ou aquele grupo político, isso passou a ser
necessário para qualquer direção de escola se esta quisesse ser representada no
movimento. Para as “vanguardas” ainda não definidas entre as grandes
tendências, uma opção na maioria dos casos prematura e frágil. Para a massa,
nenhuma alternativa de participação a nível global do movimento, para que
pudesse escutar, discutir e decidir”503.
Em contraposição à Liberdade e Luta, a tendência Novo Rumo na USP afirmava
(grifo nosso):
“Estamos de frente com os principais estrangulamentos do processo de
reorganização. Primeiro, que uma entidade localizada, o DCE-USP, começa a
deliberar como se fosse a UEE, a receber pedidos de intervenção neste ou naquele
local, sem ter condições nem representatividade para tal, inclusive desgastando
muito o fortalecimento interno da entidade (..) Neste momento, se trata de
determinar qual a melhor forma de romper com esta debilidade, à medida em que
avancemos na reconstrução da UEE, e do próprio movimento estudantil. Qualquer
processo deflagrado a partir de agora, em termos de reconstrução da UEE, tem
que garantir algumas questões chaves, a saber: - Processo organizado e
combinado de debate e aprofundamento político no maior número possível das
escolas do estado. – Este processo deve ainda, levar em conta a grande debilidade
da vanguarda no movimento e neste sentido apontar para sua unificação em torno
de um programa político (...) – Por outro lado, o surgimento no final deste
processo de uma direção unificada para o ME estadual, calcada em um programa
político majoritário, que venha a oferecer condições para o início de um
movimento centralizado e forte a nível do estado”504
503 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p4. 504 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, pp 4-5.
338
Vale considerar ainda que neste momento, a tendência Caminhando já assumia um
posicionamento pró “Assembléia Constituinte livremente eleita, democrática e soberana”;
já reafirmava o “Abaixo a Ditadura!” e defendia a reorganização da UEE nos seguintes
termos: formalização durante o Congresso Estadual de Estudantes, em 27 de agosto;
transformação da “Comissão de reorganização da UEE em Comissão Executiva da UEE,
matendo seus mecanismos atuais de deliberação, que deverá (...) encaminhar os
processos de escolha dos estatutos e a eleição da Diretoria da UEE”; realização de novo
Congresso Estadual em 12 de novembro para:
“....discussão e votação das propostas de estatutos e da confirmação da data das
eleições da diretoria, que entendemos devam se dar nos dias 12 e 13 de abril de
1978. Quanto a este ítem, consideramos que os estatutos não devam ser votados
em assembléia porque, no nosso atual estágio de organização, essa forma de
deliberação não seria representativa dos estudantes de todo o estado; por outro
lado, a votação em plebiscito impediria que os estatutos representassem, de fato,
a soma das forças das inúmeras tendências que atuam hoje no movimento
estudantil. Já um Congresso precedido de amplos debates em cada escola do
estado garantiria a presença ativa dos delegados de todas as escolas no processo
de discussão e votação dos estatutos, bem como permitiria a expressão de todas
as tendências. As eleições, por voto direto em urna, devem se dar no início do
próximo ano para que se possa, até lá, propagandear a UEE junto a mais
entidades, incorporando um número bem maior de estudantes”505.
O Congresso de (re)construção da UEE-SP acontece no prédio da Poli/USP, em 27
de agosto de 1977, e conta com cerca de 3000 estudantes, além de 800 representantes de
100 entidades estudantis paulistas. Na ocasião é criado o Conselho Estadual de Entidades
para dirigir os trabalhos até as eleições marcadas para maio de 1978506. Nesta ocasião,
segundo Artur Poerner, as movimentações estudantis já atingiam:
505 “Todos ao Congresso de Reconstrução da UEE!” Caminhando, doc mimeog, s/d, 2 p, pp 1-2 506
SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984. São Paulo: USP, 2007.Op.Cit, p191
339
“...Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos, Limeira, Jundií, Sorocaba, Santos, Baurú,
Curitiba, Lodrina, Florianópolis, Juiz de Fora, Viçosa (MG), Goiânia, Pelotas,
Salvador, Aracajú, Maceió, Recife, Natal, Fortaleza, Teresina, Belém e Manaus”507.
Segundo Celso Marcondes:
“...Da USP, o processo cresceu rapidamente para as universidades pagas e colégios
da cidade e espalhou-se pelo país. Do Rio de Janeiro, de Brasília, de Belo
Horizonte, do Nordeste, de Porto Alegre, chegavam as notícias de movimentos
semelhantes, impulsionados por inúmeros outros pequenos grupos políticos que
se multiplicavam. Reconstruído o DCE, queríamos as UEEs e a UNE. Multiplicavam-
se as reuniões e encontros semiclandestinos reunindo gente de todo o país. As
tendências estudantis ganhavam contornos nacionais. Aí, já vivíamos em função
do movimento, com reuniões, viagens e articulações diárias.”508
Ainda em 1977, a Liberdade e Luta que perdera as eleições em junho para a
Refazendo não deixara de crescer e no segundo semestre a tendência já se encontrava
“enorme”, na expressão de Mário (militante da PUC SP). Em suas palavras:
“...A quantidade de gente que se dispunha a lutar era muito grande. É um negócio
impressionante (...) nesse momento mesmo: ela nasce como nacional. Ela nasce
nacional. Já há intervenção em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Preto, Porto
Alegre, que era grande por causa da OMB, muito grande, enorme no Rio Grande
do Sul, Santa Maria, que devia ter muito militante... Depois vai estar no Acre, um
monte de gente lá (...) Brasília vai ter muita gente (...) no Nordeste (...) Recife,
Bahia, tem bastante gente...”509
507
POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, p303 508
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941 509
Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005
340
Nas lembranças de José Arbex Jr, recolhidas por Jordana Santos:
“Em termos de mobilização Libelu era dominante. Nas assembléias estudantis e
passeatas a maioria era da Libelu. Mas na hora da votação para a diretoria das
entidades a gente só conseguia ganhar nos momentos de muita efervescência.
Quando as coisas se acalmavam um pouquinho a gente perdia, quando as coisas se
aceleravam de novo a gente ganhava. Então, quando o movimento estava forte,
havia greve no ABC etc, aí a Libelu crescia, ganhava as eleições, chegamos a ganhar
a eleição pro DCE. Mas quando entrava numa fase de calmaria, de fazer
negociações, aí a gente perdia nas eleições. Em resumo, a gente era predominante
nas mobilizações e oscilava em termos de representação. Às vezes ganhava, às
vezes perdia. Algumas escolas a gente só ganhava, por exemplo, na ECA em
jornalismo, na FAU em arquitetura”510.
Para Markus Sokol, a Liberdade e Luta neste momento:
“...passou a ser uma marca; espontaneamente começava a aparecer Liberdade e
Luta no Acre, Liberdade de Luta não sei onde... por que viram o nome num jornal,
por que caiu na mão algum texto.. na época não tinha internet e tinha esses
encontros nacionais, as pessoas iam se inspirando e … e aí a tendência passou a se
chamar Liberdade e Luta. Virou a nossa identidade”.
E vai ser ela a “grande promotora” do III ENE, segundo Mário Martins de Lima, que
se refere ao encontro como “congresso clandestino da UNE na PUC”. Nas suas palavras:
“A segurança desse congresso era todinha da Liberdade e Luta. (...) um dos chefes
da segurança, o Júlio Turra (..) fazia a segurança do encontro (...) a organização do
encontro”511.
510
Entrevista concedida à Jordana Sousa Santos em 02/03/2010. SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70.Op.Cit, p77 511
Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005
341
O Encontro contava com várias alternativas de realização: no campus da USP, na
Faculdade de Medicina (fora do campus) e na PUC. No dia 21 de setembro de 1977, todas
as entradas da Universidade de São Paulo foram bloqueadas, assim como as principais
entradas da cidade receberam barreiras; além disso, a PUC, a Faculdade de Direito no
Largo São Francisco e a Fundação Getúlio Vargas foram cercadas. A Faculdade de
Medicina da USP foi invadida e os estudantes em vigília presos. No dia 22, os estudantes
foram chamados para uma assembléia no salão Beta da PUC para tratar do Dia Nacional
de Protesto (ato chamado pela Comissão Executiva Nacional dos DCEs), enquanto numa
sala do novo prédio da PUC acontecia o encontro em caráter clandestino (com a presença
de representações das entidades e por meio delas, das forças políticas). Nesta reunião que
contou com 60 delegados, deliberou-se pela criação da Comissão Pró-UNE com a
finalidade de “fazer a propaganda da entidade, difundir a sua história e promover
debates, (..) elaborar um jornal periódico nacional, organizar e garantir o IV ENE,
coordenar e promover as campanhas estudantis no âmbito nacional”512. As notícias da
realização do encontro (de 60 delegados) foram dadas na assembléia (centrada na
discussão do Dia Nacional de Protesto) que também marcou para a noite uma celebração
dos acontecimentos.
Em celebração a realização (ainda que clandestina) do III ENE, estudantes se reúnem na PUC-SP, pouco antes da invasão policial comandada pelo coronel Erasmo Dias, no dia 22 de setembro de 1977
E então, nas lembranças de Geraldo Siqueira:
512
SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007, Op.Cit,p p192
342
“...Quando chegou a noite, o Erasmo invadiu, soltou bomba incendiária lá dentro,
machucou gente! Mas as principais lideranças não estavam lá”513
A realização do III Encontro Nacional na PUC/SP, em total desobediência as
autoridades civis e militares, provocou “um ataque de raiva” no coronel Erasmo Dias que,
no comando da operação, invadiu as instalações da PUCC, depredando salas e ambientes,
quebrando equipamentos, além de dispersar os estudantes com bombas de gás
lacrimogêneo e de efeito moral514. Segundo Júlio Turra:
513
Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004 514
O DCE da PUC divulgaria a seguinte descrição: “Investigadores civis e tropas de choque desceram das viaturas, bateram as portas com violência e começaram a dar cacetadas e a jogar bombas nos manifestantes que se encontravam sentados. Devido à violência da investida, os estudantes se levantaram e correram para a entrada da PUC, vários em pânico. Os policiais os perseguiram, histéricos, dando cacetadas e jogando bombas que expeliam gás, outras que soltavam chamas e outras ainda que espirravam líquidos que queimavam a pele. Os estudantes que entraram na PUC se chocaram com outros que estavam saindo das classes e indo embora para a casa. Tudo isso contribuiu para aumentar o pânico, fazendo que vários estudantes caissem na rampa e fossem pisoteados e queimados. Vários estudantes conseguiram escapar, descendo a rua Monte Alegre e outros pelos fundos da PUC. Mas os policiais, agindo de maneira coordenada e rápida, cercaram o prédio logo em seguida, invadindo-o também pelas entradas das ruas Bartira, Ministro de Godoy e João Ramalho. Consumado o cerco e a invasão, aumentou a violência. No restaurante, vários estudantes e professores, em intervalo de aula, estavam fazendo um lanche ou tomando café, quando viram a correria na rampa. Assustados, fecharam a porta de vidro do restaurante. Minutos depois chegaram os policiais, que quebraram a porta a golpes de cassetetes e invadiram o restaurante, espancando e insultando alunos, professores e funcionários. Alunos que estavam nas sedes das entidades estudantis foram expulsos à força, muitas vezes sem ter tempo sequer de recolher seus documentos e material didático. No DA [Diretório Acadêmico] Leão XIII e no CA [Centro Acadêmico] 22 de agosto, colegas que jogavam xadrez viram os tabuleiros serem jogados longe a pontapés. As sedes dos DA de Filosofia e Letras, DA Leão XIII, CA de Ciências Sociais e Serviço Social, CA 22 de agosto e do DCE [Diretório Central dos Estudantes] foram totalmente depredadas. Portas que estavam fechadas apenas com o trinco foram arrombadas a pontapés. As gavetas foram arrancadas fora das mesas e seu conteúdo jogado no chão. Em vários restos de portas ficaram bem nítidas as marcas dos pontapés. Em diversas salas foi pichada a sigla CCC (Comando de Caça aos Comunistas), organização terrorista que, como a AAB [Associação Anticomunista Brasileira], vem ameaçando a segurança da população. Uma lista enorme de bens das entidades foi levada pela polícia. A biblioteca também foi invadida e seus ocupantes expulsos aos gritos e ameaças de cassetetes. Os policiais jogaram vários livros no chão. Entraram com violência e, usando palavras de baixo calão, nas salas de aula, prendendo todos os seus ocupantes, e muitas vezes espancando-os. Alunos que participavam de um ensaio de coral na Casa Paroquial também foram presos. Estudantes feridos, principalmente os que foram queimados pelas bombas que provocaram chamas, só a muito custo foram atendidos. Os policiais não só demoraram muito para levá-los à ambulância, como espancaram os colegas que procuravam atendê-los. Cabe ressaltar que os policiais, principalmente os investigadores à paisana, comportavam-se com a máximo de violência e arbitrariedade”. São Paulo, 22 de novembro de 1977, DCE-LIVRE da PUC/SP. Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo em 28 de novembro de 1977 Fundação Perseu Abramo. http://www.fpabramo.org.br/node/5558.
343
"...quando começou a confusão, com a tropa de choque entrando, bombas de gás
lacrimogêneo, eu, o Josimar e uma moça chamada Anne Marie saímos correndo
pelos fundos da PUC, entramos numa vilinha, pulamos o muro, subimos em uma
casa e entramos na caixa d'água. Já de madrugada descemos e entramos em uma
casa. As pessoas foram solidárias, nos tranqüilizaram e até deram cafezinho. No
dia seguinte de manhã, soube que todo mundo tinha ido em cana..."515
Todos os participantes (cerca de 1700 estudantes) seriam detidos e levados para
um estacionamento em frente a PUC para triagem; na sequência, cerca de 500 pessoas
seguiram para o Batalhão Tobias de Aguiar e para o DOPS para serem interrogados e
fichados; os alunos machucados foram encaminhados para o serviço médico de onde
retornaram para incluir nos prontuários as orientações médicas recebidas. As detenções
para averiguação, além de fichar os alunos, também coletaram “informações sobre a vida
pregressa do indiciado” e indiciaram 41 estudantes na Lei de Segurança Nacional516.
515
Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997) 516
Nas declarações prestadas por Leda Emiko Sewo, aluna de quarto ano de Biologia /USP, podemos ler: “...filiada ao CA (..) participou de algumas assembléias na Faculdade, de parte do percurso da primeira passeata no ano (77) com início no Largo São Francisco e que foi dispersada pela policia na Praça Ramos, que se fez presente na missa de Wladimir Herzog na Praça da Sé e que foi presa quando participava do ato público na frente do TUCA em repúdio à repressão policial que impediu a realização do IIIº ENE (...) Está arrependida, e promete nunca mais participar de nenhum ato ou movimento estudantil”. Declarações Ato Público PUC SP 1977 22/07/77 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0773.
Invasão policial da PUC-SP, durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado
344
Por outro lado, a invasão da PUC-SP trouxe algum constrangimento aos dirigentes
do DOPS e ao próprio Governando de São Paulo, Paulo Egídio Martins, que se viram
forçados a dar explicações públicas, ampliando-se o volume de problemas e desencontros
que, nos meses seguintes, levariam o presidente Geisel a exonerar o Ministro do Exército,
Silvio Frota (então aspirante a candidato à Presidência e opositor da distenção política) e
formalizar a indicação do general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI, como seu
sucessor. Nas lembranças de Marcondes:
“Quando as forças do coronel Erasmo Dias invadiram a PUC para espancar e
prender centenas de estudantes, o Encontro Nacional de Estudantes, que tinha
acabado de se realizar, já havia tomado as deliberações principais que iriam levar à
“refundação” da UNE. O disparate que foi a ação policial teve como principais
resultados acirrar mais os ânimos do movimento e indignar a maioria da
população”517.
De forma concomitante, a participação de Liberdade e Luta “nas mobilizações de
1977” daria lugar a novas diretrizes da OSI que, na ocasião, estabeleceria num simpósio
interno que para “continuar intervindo na conjuntura” tornava-se necessário “responder
unitariamente, com firmeza às suas exigências” por meio de “um posicionamento claro,
aberto e disciplinado diante das massas”, o que implicava/exigia que cada militante
517 Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
Invasão policial da PUC-SP, durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado
345
bolchevique atuasse na perspectiva de constituir uma tendência em seu sindicato, nos
quatro meses seguintes518.
Movimento estudantil na UnB: contra a ocupação da Universidade, 1977. Fotos de Adonai Rocha
“Constituir uma tendência em seu sindicato”: em que compreendia esta
deliberação? O que se achava em curso nos bastidores da Liberdade e Luta? Como estas
diretrizes interferiam nos rumos da tendência? De fato, em fins de 1977, a organização
clandestina que dava base à Liberdade e Luta, a OSI, enfrentava dificuldades internas de
homogeneização decorrentes do processo de fusão dos diferentes agrupamentos que há
pouco mais de um ano haviam lhe dado origem; e esta situação vinha motivando a OCI,
organização francesa vinculada ao CORQUI, a enviar militantes para integrar as discussões
internas da organização em consolidação519. Nesta ocasião, também, a OSI já contava com
células militantes (amic) em São Caetano, São Bernardo do Campo e Osasco520, além de
518
A constituição de uma tendência no interior dos sindicatos traduzia-se na necessidade de “responder unitariamente” na estrutura sindical vigente, mudando suas orientações e promovendo um “sindicalismo com responsabilidade” – fundado na “emancipação da classe operária, através de um trabalho independente” ou seja, “de uma organização de combate no interior do movimento operário e do próprio sindicalismo” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 519
No primeiro semestre de 1978, podemos acompanhar pela documentação interna a criação de órgãos intermediários na organização, a existência de uma cisão e formação da Fração Operária, a exclusão de militantes, ou ainda, a expulsão de militantes IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 520
Presença modesta, conforme sugere a análise de documentos, constando que no início de 1978 a organização se acharia ausente na região de São Caetano e apresentava dificuldades para compor uma
346
atuar entre os metalúrgicos de São Paulo, entre os bancários521, na Sabesp, entre
gráficos522, médicos e jornalistas523, constando entre os desafios de estruturação política,
o avanço do processo interno de homogeneização e o fortalecimento do núcleo dirigente,
o que redundava na adoção de procedimentos comuns. A criação de “chapas de
oposição” – ou de uma tendência no sindicato em atuação (de forma a captar
simpatizantes para a mesma tendência em organização), ocupava lugar central, assim
como a criação de um jornal da organização524.
De volta ao universo estudantil, em 18 de novembro de 1977 acontece a primeira
reunião da Comissão Pró-UNE no Rio de Janeiro para o estabelecimento das bases de
funcionamento e seus primeiros encaminhamentos, contando a reunião com a presença
dos DCEs da USP, PUC-SP, PUC-RS, UFF, PUC-RJ, UFMG, UCMG, UFRJ, UFJF, UFPE, UFPB,
DU-Brasilia, entre outros centros e Das525.
Em fevereiro de 1978, numa nova reunião realizada em Belo Horizonte para
tratar da “reorganização nacional” do movimento estudantil, as representações (e
organizações) nacionais já conseguem acordar um primeiro corpo de direcionamentos,
chapa em São Bernardo. “Notas”, p6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 521
Podemos ler: “...afirmamos que a tendência continua existindo como corrente independente (..) Nossa intervenção como tendência independente foi vital para que o atual movimento pela transformação do sindicato pudesse se afirmar como uma chapa de oposição ao pelego Teixeira, contra as perspectivas de unidade com os pelegos sustentados pela L.Op., pelo PC e grupelhos. É necessário lembrar que a tendência bancária continua se reunindo a parte, se organizando em torno do TT, que e o único instrumento capaz de organizar uma tendência classista. E que o jornal da Oposição bancária luta por um sindicato independente, por uma Central Única dos Trabalhadores e pelas Liberdades Democráticas tendo sido feita uma distribuição de 10.0000(dez mil) exemplares deste jornal”. “Notas”, p8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 522
Esta área de atuação começa a existir depois de1976, desempenhando sua célula um trabalho considerado ativo junto a última campanha salarial. “Notas”, p8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 523
Nesta ocasião, a historiadora Célia Azevedo integrava a célula de jornalistas responsável pela redação do jornal mimeografado da OSI. Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 524
As discussões sobre os sindicatos são importantes e elas se dão acompanhadas pela elaboração de táticas para a construção do partido operário no Brasil, valendo considerar que estas resoluções se espalham pelas células, provocam novas elaborações e retornam ao centro da Organização na forma de relatórios, balanços, debates e proposições de encaminhamentos, num movimento contínuo de pensar sobre a prática, com importantes desdobramentos. 525
Em seu primeiro comunicado, a Comissão informa que sua formação se dera a partir “de uma executiva
de DCEs que ganhou força e apoio dos estudantes de todo país”, com a função de “coordenar as reivindicações a nível nacional, contribuindo assim para a ampliação e generalização das lutas estudantis e avançando na reconstrução da nossa entidade nacional”.
347
constando entre as resoluções: 1) o entendimento de que a “unificação do movimento
nacional” é prioridade “mesmo que esta organização se realize de forma precária e
incipiente”; 2) que a “perspectiva geral da organização é pelas bases, permitindo que o
movimento estudantil atue como força política organizada a nível nacional”; 3) que o
trabalho em cada escola é a “principal tarefa na reorganização (...) permitindo um avanço
no nível de consciência e organização da massa estudantil”, devendo “ter como canal as
entidades estudantis com representatividade da maioria dos estudantes”; 4) para o
“avanço na reorganização nacional” são propostas “formas específicas que atendem às
necessidades e realidade do movimento (...) formas de reorganização intermediárias [que]
devem necessariamente passar pelas entidades estudantis (...) A reorganização não deve
ser feita através das posições existentes no ME, na medida que esta [a presença de
posições política] é uma forma estática de organização e não atende às reais necessidades
do movimento de massas e, desta forma, não é representativa”; 5) sobre a concepção de
entidade, chega-se a um: “... acordo quanto à necessidade da busca permanente de maior
participação dos estudantes nas suas diretrizes e deliberações, na medida em que uma
entidade de massa deve buscar representar o conjunto dos estudantes526. Ao final,
decide-se também pela instituição do Conselho de DCEs como “forma de organização
intermediária e transitória do movimento a nível nacional”527, devendo seus membros ser
escolhidos pelo Encontro Nacional de Entidades.
526
Podemos ler: “Houve divergências quanto ao papel da diretoria das entidades: alguns a colocaram como órgão centralizador do movimento do local, e com uma representatividade delegada pelos estudantes nas eleições, em cima da sua carta-programa, não entrando isso em contradição com a busca permanente de representatividade colocada acima, através de assembléias, pleiscitos, conselhos de representantes; outros valorizam mais o risco de burocratização da diretoria, considerando que reuniões ampliadas da entidade tem maior expressão que a diretoria somente, na medida em que constituem uma abertura para a participação da massa estudantil na entidade. Foi consenso entretanto, a importância de se abrir as reuniões e discussões aos estudantes mesmo que de caráter consultivo. Portanto, a polêmica sobre quem imprime a direção das entidades e quem constitui uma entidade estudantil não foi fechada. O papel da diretoria no trabalho ficou em aberto” IN Relatório da Reunião realizada em Belo Horizonte nos dias 5 e 6 de Fevereiro. Organização Nacional. Mimeogr, s/a. s/d, 3 pags, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 527
Caberia ao Conselho de DCEs: convocar reuniões nacional de entidades e definir sua pauta, dar mais agilidade ao movimento, “ser um germe de coordenação e direção do movimento nacionalmente”, exercer fiscalização rígida e sistemática dos delegados e entidades; “articular com escolas mais atrasadas, contribuindo para o fortalecimento das entidades e crescimento político da liderança e dos estudantes de uma maneira geral, fazer um boletim periódico informativo.
348
A radicalização interna às movimentações estudantis, por sua vez, ganharia outros
contornos no curso de 1978: de fato, se por um lado os processos de recomposição
política da sociedade civil se intensificavam528, no âmbito do movimento estudantil
passava-se a adotar medidas de contenção e controle de certas proposições políticas, e
ainda, um discurso anti-Liberdade e Luta, conforme podemos observar nas eleições da
primeira diretoria da UEE–SP de 1978: para isolar a Liberdade e Luta, as tendências
Refazendo, Caminhando e Novo Rumo criam uma “frente” com a chapa Construção que
também recebe apoio das tendências Travessia, Movimento e Resistência529.
Cartaz e carta programa da tendência Liberdade e Luta para a UEE-SP em 1978. Acervo: CEDEM
Pegos de surpresa, a Libelú se defende com o slogan “nem todos os gatos são
pardos” e decidida a explicitar suas diferenças, lança como proposição uma estrutura de
gestão de movimento essencialmente participativa e um programa político ainda mais
comprometido com as lutas por direitos e pela igualdade social, somando à defesa das
“liberdades democráticas”, por “melhores condições de ensino”, pelo “direito de Greve” e
528
Este é o caso das lutas por anistia – que vêem a criação em fevereiro de 1978 do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) no Rio de Janeiro, em maio, do CBA de São Paulo, do Distrito Federal e de alguns outros estados, em setembro a realização do 1º Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia (momento em que a Carta de Salvador proclama a palavra de ordem “pela anistia ampla, geral e irrestrita”) e em novembro o 1º Congresso Nacional pela Anistia em São Paulo. 529 “UEE: Em quem votar”: documento já trazia duras críticas à chapa Liberdade e Luta. IN SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010, Op. Cit., p76.
349
pelo “fim da Ditadura”, comum a ambas as chapas, as lutas por uma “assembléia
constituinte”, pelo “voto de analfabetos, soldados e marinheiros”, pela “Aliança Operário-
Estudantil” e pela “formação de partido operário independente”.
No dia 1º de maio de 1978, a OSI lança também o jornal O trabalho, periódico cujo
número 0 já confere uma atenção especial às eleições da UEE530. Nas palavras do novo
jornal:
“...Quando todos esperavam que pelo menos quatro chapas enfrentassem a
disputa eleitoral, de repente, formou-se a Frente englobando três esperadas
concorrentes. A razão geral desta surpresa, nos últimos anos, de intensa
movimentação no setor estudantil, as tendências componentes da chapa
CONSTRUÇÃO apresentaram uma série de divergências no encaminhamento
destas lutas hoje sequer mencionadas na plataforma que a chapa divulga (...) Já a
LIBERDADE E LUTA critica duramente a composição desta frente, colocando em
sua plataforma: ‘as discussões das tendências que se propunham a fazer uma
chapa única revelam uma total incompreensão do atual grau de avanço do
movimento. Isso porque, no atual ascenso do ME, os estudantes dos principais
centros do Estado já passaram por uma grande experiência de luta, e nesta
experiência souberam constituir e reconhecer tendências diferenciadas, que se
afinaram com diferentes métodos e análises no interior da própria luta, na prática.
Passar agora – a partir de negociações de cúpula – por cima de toda esta
experiência acumulada, criar uma falsa unidade apenas nas palavras, é enganar os
estudantes. E a consequência poderá ser a paralisia da entidade encabeçada por
530
Podemos ler: “Após um período de retraimento, em 1973 os estudantes de São Paulo retomaram seu processo de luta e de organização que foi assumindo força cada vez maior. A partir do ano passado, as lutas estudantis ganharam as ruas: foram realizadas passeatas por mais verba para a Educação, pela Anistia, contra o regime, algumas delas simultaneamente em vários Estados, dando ao movimento estudantil uma expressão nacional. Da mesma forma, em 1977 acelerou-se a reconstrução das entidades livres – entidades fora do controle político e administrativo do Ministério da Educação, das Reitorias ou diretorias das escolas. Em São Paulo, com a criação dos DCEs da USP e da PUC – e a rearticulação em andamento nas demais universidades – foi realizado em agosto do ano passado um Congresso Estadual de Estudantes para discutir a forma de organização necessária para unificar as lutas em todo o Estado. Foi então que os 700 delegados presentes, ao fim de um dia inteiro de discussão, decidiram por unanimidade recriar a UEE, saudada com o coro de ‘Viva a UEE! Abaixo a Ditadura!’. A realização das eleições consolida organicamente o combate dos últimos anos pela reconstrução da UEE. Significa centralizar e unificar a voz e a força de um importante setor social, dando um passo decisivo no sentido da reconstrução da União Nacional dos Estudantes – UNE”.
350
uma direção unitária na aparência, mas que na primeira luta se mostrará
fragmentada, dividida, incapaz de dar resposta às exigências do movimento”531.
Realizadas nos dias 4 e 5 de maio de 1978, as eleições dão a vitória à chapa
Construção, que recebe 22915 votos (63%), ficando a Liberdade e Luta com 9.713 votos
(27%), além de 2.687 votos brancos e 1.057 votos nulos. Na USP a chapa Construção
recebe 52% dos votos e a Libelu 32% dos votos. A votação, por sua vez, é recebida com
entusiasmo pela OSI que registra no nº2 do jornal O Trabalho que as eleições da UEE
teriam marcado “o deslocamento de uma parcela do estudantado para posições políticas
melhor definidas”, num período no qual as quatro bandeiras levantadas pela chapa
vencedora (liberdades democráticas, anistia, melhores condições de ensino e fim do
regime militar) já traduziam um “consenso quase absoluto do movimento estudantil”,
ganhando expressão em todo o estado um novo conjunto de palavras de ordem532.
Mas palavras de ordem à parte, a pretensão de estabelecer controle sobre certas
proposições políticas, redundaria na instituição de uma direção para a entidade estadual
composta por um colegiado de esquerda com 15 pessoas, com a tarefa de estruturar uma
coordenação regional (criação de diretorias regionais no ABC, Bauru, Ribeirão Preto,
Campinas, Vale do Paraíba e Baixada Santista) e de criar um canal de comunicação
centralizado (reedição do Jornal da UEE e criação do boletim O Estudante do ABC)533.
531
“UEE: eleições para a maior entidade livre”. O trabalho, nº 0, 1º maio de 1978, p3. Podemos ler:
“Comparando as duas plataformas, encontram-se várias semelhanças (..) Entretanto, Liberdade e Luta, vai bem mais além em sua plataforma, manifestando-se ‘pela reforma agrária’, ‘pela expulsão do imperialismo’, ‘pela assembléia constituinte democrática e soberana’, ‘pela construção de um partido operário’, ‘pela aliança operário-estudantil’, questões que sequer são mencionadas na plataforma de luta de Construção. Entrevistado por ‘O Trabalho’, um componente de Liberdade e Luta diz a esse respeito: ‘As tendências que compõem Construção estão escamoteando suas divergências. Por exemplo, Caminhando é a favor da luta contra o imperialismo – e sempre deu destaque a ela em suas plataformas para os DCEs -, assim como é favorável à constituinte. Porém, é contra o Partido Socialista, incentivado a todo custo por Novo Rumo. Já Refazendo sempre foi contra a constituinte, contra a luta anti-imperialista e contra o P.S. Eu pergunto: como é que estas tendências vão fazer quando a UEE, sob sua direção, tiver que se posicionar sobre estes assuntos?”. 532
O Trabalho, nº2, 15/junho/1978, p2. 533
http://www.ueesp.org/historico
351
7. MUNDO DO TRABALHO EM MOVIMENTO
No II Congresso da OSI (1978) e à luz das primeiras manifestações operárias, tem
início uma mudança mais profunda de perspectiva da/para a tendência Liberdade e Luta
no interior da organização trotskista, associada ao entendimento de que chegara o
momento de criar o partido dos trabalhadores.
A questão decorria da constatação de que a “classe operária entrara em
movimento” e que se achava presente “um imenso vazio de direção política num
momento em que o próprio movimento [operário] pede uma organização partidária”. A
presença de um conjunto de greves “fora de qualquer organização sindical ou política”
colocava a classe operária “no centro da cena política”, munida de lutas que seguiam
“explodindo em direção à destruição do Estado burguês e à construção dos conselhos, do
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)
Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)
Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)
1971/1982
Incorporação no Partido dos Trabalhadores (em construção) e dissolução da tendência Liberdade e Luta (1980/1982)
352
Estado operário” 534. Neste contexto, então, cabia a OSI dar um salto organizativo (o que
incluía a superação de dificuldades internas relativas a uniformização das análises,
diretrizes e procedimentos) na busca de se aproximar e participar ativamente das
mobilizações dos trabalhadores, cabendo à Liberdade e Luta contribuir para este
processo.
A tarefa de “desenvolver a estratégia de construção do Partido Operário no Brasil”,
por sua vez, implicava em refletir sobre “como os marxistas abordaram historicamente a
questão” e, à luz dos fundamentos de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, identificar o
“método” através do qual deveria-se intervir na dinâmica social535, mantendo-se longe da
perspectiva de “preservar a unidade no ‘campo democrático’, fusionando-se (e
dissolvendo-se) no MDB” como pretendiam “stalinistas, maoístas, morenistas e
esquerdistas em geral”; estas organizações, em lugar de adotar “o método marxista de
534 Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. II Congresso OSI, 1978, doc mimeog, 19p, p5. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 535 Para os trotskistas, no II Congresso da OSI, cabia antes de mais nada considerar que: “Para os marxistas sempre foi impossível separar a luta reivindicatória (“economica”) da classe operária, da luta pela sua constituição em partido”; que a “organização partidária do proletariado é o prolongamento de seus combates mais elementares por melhores salários e condições de vida (...), [que] a necessidade do partido decorre da necessidade de expandir e centralizar o combate que leva o proletariado a opor-se ao Estado Burguês”, ou ainda, que o “programa do partido é a estratégia que leva a classe e seu partido ao poder”. Questões que poderiam ser melhor percebidas nas palavras de Engels, segundo o qual: “o importante é colocar a classe operária em movimento como classe; isto feito, as pessoas encontram rapidamente a orientação correta”. Para tanto, seria necessário se basear “nos organismos que ela própria cria em sua luta para construir o partido operário; não fazer do programa um entrave a esse passo, desde que se mantenha a sua independência em relação à burguesia; e lutar como marxista, no interior do partido, pela sua direção. Esse mesmo método foi desenvolvido posteriormente por Lenin e Trotsky para tratar com países onde a classe não estava organizada em partido. É este método que deve ser aplicado ao Brasil. É o método da independência de classe, que Marx defendeu toda sua vida contra as manobras burguesas e pequeno-burguesas. É também o método que os stalinistas e pablistas procuram apagar da memória da classe operária. Sem sucesso, até agora. Num texto profético de 1850 (carta ao CC da Liga Comunista, na Alemanha) Marx detalha sua posição: “mesmo que não exista qualquer possibilidade de elegê-los, é preciso que os operários apresentem seus próprios candidatos a fim de conservar sua independência, de contar suas forças e colocar publicamente sua posição revolucionária, o ponto de vista de seu partido. E aqui é preciso não se deixar enganar pelas palavras fáceis dos democratas (...) Os progressos que o partido proletário realizará por meio de tal ação independente são infinitamente mais importantes que as desvantagens que pudesse causar a presença de alguns reacionários a mais no Parlamento’ “Certamente não é nesse Marx que se apóiam stalinistas, maoístas, morenistas e esquerdistas em geral, todos ávidos de preservar a unidade no ‘campo democrático’, fusionando-se (e dissolvendo-se) no MDB. Na verdade não são adeptos do método marxista de construção do partido: stalinistas e maoístas, sem organizar a classe no Brasil, julgam-se eles próprios o ‘partido’, e com a fusão do MDB tratam de impedir que a classe se organize independentemente”. Classe contra classe. Op. Cit, pp 7-8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra.
353
construção do partido” com base na organização da classe operária, julgavam-se “...eles
próprios o ‘partido’, e com a fusão do MDB tratam de impedir que a classe se organize
independentemente”536.
A questão da independência do movimento operário, que recebera de Marx e de
Lenin537 uma fundamental atenção, encontrara em Trotsky formulações mais específicas
acerca da questão do partido operário. Para Trotsky, o que se tornava: “...necessário [era]
agir em seu interior, formar no seio dessa massa ainda plástica um núcleo de homens que
compreenda o movimento e seus objetivos e assuma por isso a direção”, constituindo-se
no “primeiro grande passo (...) [o fato de] que os operários se constituam em partido
político independente, não importa como, importando unicamente que seja um partido
operário independente”538.
As greves operárias de maio de 1978539 seriam tomadas, a partir de então, como
objeto de estudos, avaliações e documentos, como o documento de 51 páginas, escrito
536 Segundo o documento: “..os morenistas, por sua vez, esperam tirar o partido (socialista, como manda a moda) de dentro do MDB, isto é, de um partido burguês: e os grupelhos em geral julgam-se, em graus diferentes, iluminados embriões do partido revolucionário que se fortalece (‘acumulam forças’, como dizem) dentro do MDB, um partido burguês (...) Porém os marxistas estão vivos e continuam lutando pela continuidade revolucionária expressa no trot., isto é, no Programa de Transição da IV Int., elaborado com base direta nos ensinamentos de Lenin e Trotsky”. Classe contra classe. Op. Cit, pp 7-8. 537 Lênin procurara “preservar o movimento indepedente da classe operária” mantendo “o caráter geral da intervenção marxista”, por meio da reunião das: “...forças da classe operária, independentemente, para o combate contra a burguesia, classe contra a classe. Com base na organização sindical operária construir o partido político da classe, onde este não existir, e trabalhar no interior dos sindicatos e partidos social-democratas operários para estes organizarem a classe. Classe contra a classe”. Classe contra classe. Op. Cit, p 9 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 538
Nos escritos sobre o movimento operário norte americano, Trótsky considerara ser “...muito mais
importante que o movimento se estenda, progrida regularmente, lance raízes e envolva tanto quanto possível o proletariado americano inteiro, do que vê-lo partir e progredir desde o início sobre um traçado de correção teoricamente perfeita”. Podemos ler: “Aos trotskistas americanos deu a orientação de luta por um partido operário independente baseado nos sindicatos, no interior do qual seu partido – o SWP – se constituiria uma fração revolucionária. Assim, o SWP deveria se tornar o campeão do movimento pelo partido operário levando ao mesmo tempo um programa concreto de reivindicações, expressão do Programa de Transição aplicado aos EUA. Trotsky esclarece que o partido operário era ele mesmo uma palavra de ordem transitória que visava avançar a luta do proletariado pela defesa de suas condições de existência” Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. IIº Congresso OSI, 1978, doc mimeog, 19p, pp 5-9 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 539
As greves operárias de maio de 1978 que a partir das mobilizações da Saab-Scania de São Bernardo do
Campo (com adesão de trabalhadores da Ford, Volkswagen, Mercedes Benz... ) haviam dado origem a outro modelo de negociações (estabelecido agora entre os grevistas e os empresários com a mediação do
354
com o propósito de fazer chegar à grupos de trabalhadores um conjunto de “elementos e
subsídios para que a classe operária faça a análise de suas lutas de uma forma mais
correta possível”540. Formatado segundo o método de discussão empregado pela corrente
lambertista, o documento oferecia subsídios para um processo de discussão com base em
eixos de reflexão e aprofundamento, referências históricas de movimentações operárias
entre as décadas de 1950/1970 e uma sistematização de pontos de referência e questões,
de demonstrações e respostas541
Com base, sempre, na mais profunda e correta “análise da situação objetiva” – de
onde deveria sair a “justeza da orientação” – a organização procuraria estabelecer as
melhores condições/caminhos para implementá-la, colocando-se de imediato no contexto
brasileiro de 1978, o trabalho de “impulsionar a formação do BPO a partir de oposições,
movimentos, e mesmo direções sindicais dispostas”, atentando-se para garantir, neste
processo, a presença da organização trotskista. Portanto,
“...No próximo período não se trata em absoluto de formar as bases de um
partido trot. de massas, mas, isto sim, de forjar uma sólida fração bolchevique
(trot) capaz de impulsionar um partido operário de massas, à medida em que a
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema) e motivara inúmeros movimentos e a realização de 166 acordos entre empresas e sindicatos. 540
Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p Estudos, Teses, Resoluções 1º de Maio, 1977-83.
CEDEM. Fundo A Palavra, caixa LP140. Este texto visa “fornecer elementos e subsídios para que a classe operária faça a análise de suas lutas de uma forma mais correta possível. Dessa maneira, êste texto pretende servir de instrumento de debates e de aprofundamento das questões que se colocam hoje como um desafio à classe operária”. 541 Entre as afirmações constitutivas de um eixo central de discussão estariam: “1. As greves mostraram a existência de uma base de organização e de consciência que foi se transformando através das lutas operárias nos últimos anos (...) 2. As greves atuais mostraram que houve um processo de desmascaramento da ideologia dominante nos últimos anos (...) 3. As greves atuais deram uma importante contribuição para o avanço da organização e da cosnciência da classe operária (...) 4. As greves atuais deram uma contribuição importante no avanço da consciência da classe operária (...) 5. As greves atuais não foram uma ‘luta sindical’, mas foram uma ‘luta operária’”. O documento acha-se dividido em 4 partes: “Alguns pontos de referência e algumas questões”, “Um possível caminho para analisar as greves de maio/78”, “As greves de maio como contribuição para o avanço da classe operária”; “Como deverá ser a continuidade da luta?”. Este material também trazia orientações precisas ao militante responsável pelo processo (da condução das discussões ao registro das questões, críticas e sugestões), além de solicitar seu envolvimento em fóruns de discussão mais amplos, o seu compromisso em buscar “em conjunto com os companheiros, [de] possíveis respostas para estas questões” e a manutenção de contato com quem lhe passara o material. Documento sem título, Op. Cit, pp 3-45.
355
classe viver esta primeira experiência de organização partidária estarão sendo
criadas as bases de um partido trot. de massas”542.
Entre as formulações constava o entendimento de que “Não é possível construir
um Partido Operário com base orgânica nos sindicatos-CLT, porque estes não são
independentes, são sindicatos burgueses integrados ao Estado”, ou ainda, de que “Não
existe independência sindical sem independência política, nem CUT sem Partido Operário.
Assim, a realização mesmo de um Congresso Operário depende de se atingir um nível
superior de organização partidária (...) Os atuais sindicatos podem, no máximo, gerar um
novo PTB; e um governo deste partido (mesmo ao lado de organizações operárias) é um
governo burguês”. Também entendia-se que: “A postura revolucionária hoje é uma só:
abrir a via de organização política independente, avançando de forma consciente o
processo (inconsciente) da independência operária presente nas greves e nos organismos
por ela criados ou reforçados: comissões de fábrica e oposições". Por fim, o entendimento
de que “Sem partido operário não há Frente Única Antiimperialista”.. daí os eixos de luta
por uma “Constituinte democrática e soberana”, e “Voto nulo por um Partido Operário”
(eleições de 1978).
A palavra de ordem “Constituinte democrática e soberana”, no entender da
organização, cumpria com o papel de estabelecer o “eixo em cima do qual pode
transformar-se a atual crise de forma de dominação burguesa em crise da própria
dominação de classe (....) Porém, para liderar a pequena burguesia oprimida e afrontar o
imperialismo é preciso que o proletariado esteja constituído em partido próprio. Para
poder dirigir um organismo que aglutine as forças populares antiimperialistas, é preciso
que o proletariado esteja constituído em partido” 543 A palavra de ordem “pelo voto nulo”
nas eleições de 1978, por sua vez, cumpria com o papel importante de reunir segmentos
542
Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p, pp 3-45 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP140 543
Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p14. Estudos, Teses, Resoluções 1º de Maio, 1977-83. CEDEM. Fundo A Palavra, caixa LP140
356
sindicais, operário e das massas em geral para expressar “a intransigência operária face à
burguesia e suas instituições”.544
7.1 - ALIANÇA OPERÁRIO-ESTUDANTIL E A VITÓRIA NA ELEIÇÃO DO
DCE
Eclosão das movimentações operárias em 1978. Imagens disponibilizadas pela internet.
Mas no que implicava esta mudança de eixo e sentido político da OSI para a
militância do setor estudantil? O que cabia à Liberdade e Luta implementar? Ou ainda, o
que representavam as lutas estudantis diante da “classe operária [que] entrara em
movimento”? Na verdade, à luz das greves operárias – e das resoluções do II Congresso –
544 Podemos ler: “No caso de impossibilidade de candidaturas próprias de classe, o partido bolchevique ensinou bem a manejar a tática de boicote (ou voto nulo) desenvolvendo alguma campanha de agitação e propaganda que esteja na ordem do dia. Muito bem, e o que está na ordem do dia? Sobretudo, num momento de definição política, o que está na ordem do dia é a necessidade de um PO. ‘Nem Arena, nem MDB, PO’, eis aqui o tema que cabe desenvolver nesta campanha pelo voto nulo, articulando concretamente um Comitê ou Bloco pelo PO. Delimitando-se o terreno de classe nas eleições, organizando ao mesmo tempo sua expressão político-organizativa – o Bloco pelo Partido Operário, o BPO”Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p17 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP140
357
a Liberdade e Luta deveria traduzir a “tática do Bloco pelo Partido Operário”545 para o
segmento estudantil.
Quando, então, se aproxima a eleição para o DCE livre da USP (agosto/1978), a
Liberdade e Luta – que disputa com as chapas Refazendo, Caminhando, Liberdade e Luta,
Alicerce, Vento Novo, Viramundo e Novo Rumo546 -, apresenta em sua plataforma as
novas orientações.
Em suas proposições, a tendência começava por considerar que “1978 promete ser
um ano de grandes definições na situação política nacional” em função de que: “Pela
primeira vez, após 10 anos, a classe operária conseguiu articular uma manifestação
independente organizada a partir de vários setores de trabalhadores. Assim foi o 1º de
Maio Operário da Grande São Paulo, realizado em Osasco (...) duas semanas depois
iniciava-se o movimento grevista por mais salários em São Bernardo, logo se alastrando
para outras cidades industriais vizinhas e questionando uma das bases do regime
militar”547.
De forma concomitante, dizia, a luta pela anistia ganhara “dimensão nacional,
primeiramente através de manifestações simultâneas convocadas pelos estudantes, e
logo em seguida com a formação de comitês multi-setoriais em vários estados; a greve de
fome nacional dos presos políticos em defesa dos companheiros do presídio de Itamaracá
foi um elemento impulsionador desta luta, que se deu em todo o país na forma de atos
545 “Balanço do Setor Estudantil. Jairo. 29/01/79” IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001. 546
“Este ano (...) o quadro eleitoral é outro: grupos de estudantes que, no passado, apoiavam ou até
PARTICIPAVAM DE Refazendo, separaram-se dela para apresentar mais outras chapas para o DCE. Com isso, duas das maiores e mais tradicionais tendências da USP dividem, no momento as opções do movimento estudantil: Caminhando e Liberdade e Luta. Refazendo, Alicerce, Vento Novo, Viramundo e Novo Rumo são as outras cinco chapas a disputar os votos. No tal, sete chapas diferentes”. jornal O trabalho. Nº2, 15 de junho de 1978, p.2. 547 Na continuidade podemos ler: “Estes dois episódios dão continuidade a um longo processo de reorganização dos trabalhadores, que após anos de greves localizadas, operações tartaruga, quebras quebras espontâneos, ganhou vulto no fim de 1977 com a campanha pela reposição salarial do roubo dos índices de 73 (que levou milhares de operários às assembléias), e igualmente no apoio às oposições sindicais que concorrem contra os pelegos com um programa de independência sindical” Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1
358
públicos, vigílias de solidariedade, assembléias”548. No âmbito estudantil, a eleição da
primeira diretoria da UEE-SP, a criação da comissão pró-UNE e a realização dos Encontros
Nacionais de Estudantes demarcavam “mais um importante passo no seu processo de
reorganização independente e de luta contra a ditadura”, todos:
“... elementos que atestam a reorganização do movimento de massas no dia a dia
de suas lutas, [e que] são parte do processo geral de crise do regime militar dos
últimos anos. Crise esta que se dá de forma aberta, abalando os principais pilares
da atual forma de poder da burguesia, que se havia unificado anos atrás em torno
da camarilha militar – única forma encontrada então para conter o movimento dos
trabalhadores que se expandia de forma acelerada. Hoje, porém, a ditadura militar
já não é mais um instrumento suficiente para conter as massas exploradas em seu
movimento de libertação. A repressão pura e simples não consegue mais sufocar o
descontentamento da grande maioria da população, que tem se expressado em
manifestações combativas e na criação de organismos de luta”549.
Nas considerações seguintes, a tendência trataria com detalhes da crise do regime
e de como compreendia as debilidades/ vitalidades de uma classe dominante que assumia
abertamente a crise, procurando “ela própria [a burguesia] (...) implantar uma forma de
poder que contenha instrumentos de controle das massas”. E neste caso, tratava-se de
enfrentar este “grau de controle” com os movimentos, cabendo aos estudantes, assim
como aos trabalhadores, caminhar “de forma independente da burguesia, construindo
entidades livres, repudiando os partidos burgueses e apresentando o combate por uma
alternativa própria ao fim ao fim da ditadura – que é a luta pela Constituinte Democrática
e Soberana”.
Para a tendência Liberdade e Luta, “a enorme combatividade e disposição de luta”
demonstrada pelos atos públicos, concentrações e passeatas iniciadas em São Paulo em
548 ” Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1 549 Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1
359
1977, também revelara um “enorme desnível político e organizativo de estado para
estado, imposto pela repressão”, e esta situação começara a ser alterada na proporção
em que “este movimento” buscara a “unificação dos estudantes a nível nacional (...)
quando no III Encontro Nacional dos Estudantes foi criada a Comissão Pró-UNE”. Cabia-
lhe, então, enquanto tendência, o papel de intervir em defesa de um estreitamento dos
laços do “ME com os trabalhadores, visando concretizar a aliança operário-estudantil,
buscado o “apoio irrestrito aos trabalhadores (...) como aqueles capazes de darem
consequência à todas as reivindicações levantadas pelo conjunto dos oprimidos e
explorados do país”; cabia-lhe também apoiar as greves operárias e as “oposições
sindicais que lutam para desalojar os pelegos e policiais dos sindicatos”.
Na prática, tratava-se de “vincular o ME à perspectiva dos trabalhadores,
recusando as ‘ofertas’ dos mais variados setores da classe dominante”, questão tratada
como “de método” e no interior do qual depreendia-se que:
“A UNE que queremos é aquela que, ao centralizar e unificar o combate do
estudantado à nível nacional, soldando-o numa organização única, sirva de ponte
orgânica para a aliança do ME ao movimento dos trabalhadores. Apenas nesta
perspectiva será possível manter uma UNE massiva e politicamente consequente,
na medida que ela seja um instrumento de consolidação da aliança dos estudantes
com os trabalhadores na luta conjunta por uma sociedade sem exploração”550
A aproximação com as lutas dos trabalhadores permitiria ainda ao movimento
estudantil radicalizar suas proposições de combate à ditadura; além de recusar a
participação dos órgãos colegiados, tratava-se de combater a reforma universitária, o
jubilamento, as licenciaturas curtas, os atestados ideológicos e ao mesmo tempo, lutar
pela democratização da instituição, pelas eleições diretas para diretores e reitores, por
mais verbas e livre acesso pela população; questões, enfim, que se traduziam na seguinte
plataforma para o DCE da USP:
550 Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistência Técnica, 1978, 4p, p2.
360
“Liberdade e Luta se propõe a lutar por um DCE aberto à participação ampla dos
estudantes, combatendo toda a demagogia, de aparência democrática, que na
verdade tem servido de escudo para a sobrevivência de concepções equivocadas e
cupulistas da entidade e que acabam por permitir que a diretoria do DCE se
apresente como sendo o próprio DCE, sempre que isto seja de seu interesse
afastando os estudantes da vida da entidade. Entendemos que a instância máxima
de deliberação do DCE são as Assembléias Universitárias, instrumentos eficazes e
necessários para garantir a unidade dos estudantes da USP em seu movimento,
conforme ficou demonstrado durante os combates efetivados ao longo de todo o
ano de 1977. Porém, a vida da entidade não é feita apenas de grandes
manifestações (...) a diretoria deve, necessariamente, convocar os estudantes a
participarem das Reuniões Abertas da entidade, atraindo para o DCE todos
aqueles que estão dispostos a acompanhar e se organizar em torno do DCE (....)
Refazendo se dispõe no máximo a ‘consultar’, sem nenhum efeito deliberativo, o
que as diretorias de Centros Acadêmicos têm a opinar (....) Contudo, decorrente
do fato de nos propormos a organizar os estudantes em torno do DCE,
consideramos necessário apresentarmos propostas práticas imediatas. Dentre elas
ressaltamos: 1. Conquista de uma sede para o DCE (...) 2. Comissão Anistia do DCE
(..) 3. Comissão Cultural, que busque dar à produção cultural existente na
Universidade, bem como seu debate, a expressão e a importância que hoje, com a
ascensão do movimento de massas, passam a ter, e que até agora não
encontraram no DCE o devido apoio: 4. Comissão de Imprensa – até hoje é a
grande lacuna do DCE, que desde a sua fundação não mereceu por parte de
Refazendo a atenção devida. Hoje é imprescindível dotar o DCE de um jornal
amplo e aberto, que dinamize o debate em torno dos fatos que afetam o
movimento estudantil bem como o conjunto da entidade”551.
Enfim, desta vez, a vitória caberia à tendência Liberdade e Luta que recebeu 2.260
votos, contra os 2.191 votos da Refazendo e os 2.145 votos da Caminhando num total de
10.006 votos552. Nas lembranças de José Arbex Jr, recolhidas por Jordana Santos:
551 “Reorganizar o DCE”. Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. Op. Cit, p4. 552 USP: eleição para o DCE. O Trabalho, nº2, 15/junho/1978, p2.
361
“Quando nós ganhamos o DCE, em 1978 (...) os outros grupos quando anunciaram
nossa vitória começaram a cantar: “passeata dia 1, greve dia 2, passeata dia 3,
greve dia 4”. Eles queriam dizer que com a Libelu no DCE só ia ter greve e passeata
porque era essa a imagem que a gente tinha mesmo. Para os outros grupos nós
éramos muito provocativos553.
Cartaz da chapa Liberdade e Luta e registro do momento da vitória em 1978. Acervo: O Trabalho
Esta conquista, nas palavras de Josimar Melo, nascia de um longo percurso
político:
“...apresentamos um programa político claro, que já havia sido bastante divulgado
nas eleições para a UEE, um mês antes, quando obtivemos uma excelente votação
(27%) (...) Este programa foi concretizado, desde 76, a cada momento, em
propostas definidas que conseguiram marcar a nossa presença no movimento
estudantil da USP, e apareceu como alternativa à Refazendo que há dois anos
dirige o DCE. Mas existe um outro aspecto (..) a indefinição política do grupo
Refazendo. Nas eleições de 77 essa tendência foi eleita com 7000 votos,
afirmando-se como hegemônica na USP, mas ao longo do ano, foi incapaz de dar
resposta às questões que o movimento estudantil colocou. A crise do regime
553
Entrevista concedida à Jordana Sousa Santos em 02/03/2010 IN SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010.Op Cit, p77.
362
militar se aprofundou, diversos setores sociais que antes não se mobilizavam
passaram a fazê-lo, e a diretoria do DCE continuava a agir como sempre fez: a
reboque dos acontecimentos, demorando-se muito para fazer as suas propostas,
definir uma perspectiva para o movimento estudantil em relação a este ou aquele
problema (...) A entidade, sob sua direção, acabou se fechando... as decisões eram
tomadas pela diretoria ou em reuniões com as diretorias dos centros acadêmicos à
revelia dos estudantes, e das várias tendências que intervém no DCE. Entendemos
o DCE como uma entidade democrática, onde as decisões são tomadas por
reuniões abertas amplamente convocadas, assembléias, etc.. e não um organismo
de propriedade de uma única tendência. Este fato, ligado diretamente à
indefinição política da Refazendo – e resultando dela – serve também para explicar
não apenas as razões de sua derrota, mas o número absolutamente baixo de
votantes nas eleições em relação ao ano passado”554
Nas considerações do jornal O Trabalho:
554 O Trabalho, 20 de junho a 5 de julho de 1978, nº3, p6. Entrevista de Josimar Melo. Ainda podemos ler: “Em nossa campanha levantamos a necessidade da dinamização e democratizaão do DCE e vamos procurar levar em frente o trabalho de consolidação da entidade. Entendemos ser este o caminho para se fazer avançar o movimento estudantil, principalmente neste momento em que vemos a classe operária entrar na cena política (...) Ao nivel da entidade especificamente vemos como necessário a abertura da entidade a democratização das decisões e as respostas imediatas aos problemas dos estudantes e da sociedade em geral na qual também nos incluímos. A concretização destes objetos, no entanto, dependem da criação de canais de participação, como comissões de trabalho (imprensa, ensino, cultural, etc..) em pleno funcionamento, boletins periódicos da diretoria da entidade, um jornal, reuniões abertas e assembléias sempre que necessário. É dessa forma, e colocando em prática um programa político claro, que o movimento estudantil poderá avançar e o DCE USP ampliar a sua representatividade. É a incompreensão destes problemas o que leva determinadas tendências a dizerem absurdamente que o movimento estudantil está em refluxo em São Paulo, quando em outros estados (Minas, Bahia, Rio) ele teve avanços significativos neste primeiro semestre. Mais absurdo ainda é continuar afirmando isso no momento em que a classe operária, em São Paulo, inicia o seu processo de mobilização (....)“Somos a única tendência a colocar na ordem do dia a questão da queda da ditadura militar. Julgamos o fim do regime militar uma coisa iminente, e por isso acreditamos na necessidade de fazer avançar a luta por liberdades democráticas, o que implica neste momento na luta pela anistia ampla e irrestrita e por uma assembléia constituinte democrática e soberana, precedida da queda da ditadura e da livre organização partidária. Mas, também é preciso que fique claro que para que isso seja conseguido, ou para que o movimento estudantil seja consequente nessa luta, só existe uma forma: avançar as suas mobilizações independentemente da classe dominante e seus partidos políticos, caminhando no sentido da aliança com os trabalhadores, com a classe operária, a única em condições de dirigir esse movimento de maneira consequente”.
363
“Trata-se, sem dúvida, de uma importante mudança no comportamento político
dos estudantes (...) Refazendo foi derrotada em diversas escolas onde,
tradicionalmente, costumava acumular boa quantidade de votos – como a
Economia, a Matemática, a Física. Este fato é mais significativo (...) Ele prova o
deslocamento de uma parcela do movimento estudantil para uma posição política
mais definida. A indefinição, aliás, é que veio provocar uma acentuada
descaracterização política em Refazendo e Caminhando. Pouco mais de um mês
atrás, por exemplo, estas duas chapas esqueciam suas divergências para formar
uma frente eleitoral e concorrer às eleições para a UEE. Depois que fizeram isso,
como levar a sério suas divergências teóricas? Como acreditar que Refazendo
combate, em primeiro lugar, as correntes que servem de ponte para os liberais
penetrarem na Universidade? Caminhando defende, mesmo, a Constituinte
Soberana? Votando em Liberdade e Luta, os estudantes mostraram que perderam
a confiança nestas tendências – principalmente na Refazendo, que parecia
absolutamente hegemônica no movimento estudantil. Quanto à Liberdade e Luta,
assim que sua vitória for anunciada, já temos uma primeira iniciativa: convocar
todos os estudantes para organizarem o apoio à chapa 3, que faz oposição a
Joaquim Andrade no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. ‘É isso, por
exemplo, que entendemos por aliança operário-estudantil, explicou Josimar Melo,
um dos novos dirigentes do DCE em entrevista a O Trabalho”555.
Nas lembranças de Caracol, nesta ocasião a Liberdade e Luta já:
“... se estrutura como organização nacional (...) no movimento estudantil ela tinha
centenas e centenas de militantes. O núcleo médio da Liberdade e Luta, na FAU,
tinha uns trinta e cinco. A gente se reunia com uma certa fluidez, eram todos
organizados. Era um núcleo de massas. Quando a Liberdade e Luta ganhou o DCE,
na USP o núcleo estava consolidado não só na USP. Ganhou vários DCEs
estudantis; de fato, eram milhares de estudantes envolvidos aí com a organização
(..) [e que] cada vez se tornava mais próxima”556.
555 O Trabalho, 20 de junho a 5 de julho de 1978, nº3, p6 556 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.
364
Nas eleições para o DCE livre da PUC, por sua vez, venceria a chapa Alternativa
(1586 votos), seguida de perto pela chapa Proposta (1565 votos), ficando a Liberdade e
Luta (organizada nesta universidade a partir de 1977) em terceiro lugar, com 850 votos.
Na mesma ocasião, seriam realizadas eleições livres para o DCE da UFBa, teriam início as
campanhas pela construção do DCE livre da UFPb e pela criação da UEE-Pe557 e ainda, em
setembro, seria eleita a primeira diretoria do DCE livre da UnB558.
7.2 - LIBERDADE E LUTA NA DIREÇÃO DO DCE: LUTAS INTERNAS E
EXTERNAS
À frente, então, do DCE da USP, a gestão Liberdade e Luta dá início ao segundo
semestre com um movimento - que preparara durante as férias - contra o aumento do
preço do restaurante do CRUSP, estimulando “sob o impulso direto do DCE”, a criação de
“comissões de alunos para encaminhar o combate” nas escolas. Na ocasião, a Reitoria
não cede, mas se compromete em manter o valor pelo segundo semestre559. De forma
concomitante, ela acirra o discurso contra a participação dos estudantes nos órgãos
colegiados por entender que esta participação implicava em “ajudar a ditadura a
implantar sua política de ensino”560. Ambas posturas, de fato, buscavam reforçar o DCE
557 O Trabalho, nº2, 15/junho, 1978, p2 558 Podemos ler: “Invasões, ameaças, suspensões – nada disso foi suficiente para conter o avanço do movimento estudantil na construção de suas entidades livres e independentes. Nas barbas do capitão reitor Azevedo, os estudantes realizaram as eleições, pregaram a universidade com faixas contra a repressão e contra a ditadura militar. No total, foram 3781 votantes e a chapa eleita (1442 votos) foi Debate e Ação que, em seu programa, preconiza uma Assembléia Geral Constituinte Democrática e Livre e o fim do regime militar. O segundo programa mais votado (1056 votos) foi o de Construção/Liberdade e Luta, que defende a aliança dos estudantes com os trabalhadores, colocando-as sob a direção deste e apoiando dentro da Universidade, a luta pela construção de um partido operário. Construção defende a convocação de uma Assembléia Constituinte Soberana (..) com o fim da Ditadura” O Trabalho, nº9, 12 a 25 de setembro de 1978, p1 559 “LL combateu com o DCE, sem órgãos colegiados”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 560 Podemos ler: “Nessa luta, ao mesmo tempo que o DCE obtinha na prática seu reconhecimento, uma assembléia votou pela renúncia dos representantes no Conselho Universitário. A participação nos órgãos
365
livre como entidade independente e legítima – reconhecida – pelos/entre os estudantes
da USP. A gestão realiza, ainda, o “trote pró-UNE” que contou com um “pedágio” (com
centenas de calouros), a venda de “milhares de cartazes sobre a UNE” e “uma semana
onde houve debates com ex-dirigentes da UNE e professores cassados”, além de um show
de encerramento com dois mil alunos561.
Nos meses que se seguem, a nova diretoria mobiliza os estudantes da USP em
defesa de 22 militantes da Convergência Socialista presos; adere às comemorações dos 75
anos do CA XI de Agosto que motiva a primeira grande manifestação em praça pública
depois da invasão da PUC no ano anterior562; participa da organização do ato público de
28 de agosto que leva mais de 20 mil pessoas na praça da Sé, em São Paulo563; integra-se à
campanha pela Libertação dos Presos Políticos de Itamaracá; apóia a greve de fome dos
presos políticos de 5 estados (contra o projeto de anistia governamental, em tramitação
no Congresso Nacional) e participa diretamente de uma campanha nacional para “libertar
15 sindicalistas presos pela ditadura em Minas Gerais e Rio Grande do Sul”564, num
período marcado por novas perseguições e atentados565. A gestão, ainda, edita os três
primeiros números do Jornal do DCE com o propósito de refletir “a vida da entidade, suas
colegiados se mostrou claramente como um entrave às lutas e à organização independente dos estudantes”. LL combateu com o DCE, sem órgãos colegiados”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 561 “Em maio, uma vitória de LL”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3. 562 Cerca de mil estudantes participam do ato estimulados a defender a reconstrução imediata da UNE. O Trabalho nº7, 15 de agosto a 29 de agosto de 1978, p2. 563 Podemos ler: “Diversas passeatas-relampago prepararam i Ato Púbico de 28 de agosto, segunda feira. Grupos de 200 a 300 pessoas se manifestaram pelo Parque Dom Pedro II, praça Fernando Prestes, rua São Bento e outras ruas do centro. Depois de 3 mil estudantes e trabalhadores foram ao Largo São Francisco, que estava cercado por uma enorme operação policial. Dentro da Faculdade de Direito, exigiam a imediata libertação dos presos da Convergência Socialista e o fim dos atentados terroristas contra o jornal Em tempo. Na saída, dois diretores da União Estadual de Estudantes foram presos: Celso Figuiredo e Marcos ogueira; outro estudante, José Luiz Rodrigues tamb´m foi detido. Antes da manifestação também foi preso Mário R de Miranda, candidato a deputado estadual”. O Trabalho nº8, 29/agosto a 11/setembro de 1978, p3. 564 “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3 565O jornal O Trabalho denuncia a invasão, pichação e roubo de documentos das sucursais de Brasília e de Belo Horizonte do semanário Em Tempo; a perseguição de alunos na Faculdade Cásper Libero por razões políticas, entre outros acontecimentos.
366
lutas” e sem contar com a “maioria das tendências”, ele é produzido “democraticamente
e por uma comissão aberta a todos os estudantes”566.
Enfim, entre os meses de setembro e outubro, a diretoria responde pela realização
de dois eventos importantes na Faculdade de Arquitetura (FAU): o II Congresso da UEE-SP
e o IV ENE567.
O II Congresso da UEE, realizado nos dias 16 e 17 de setembro, conta com a
participação de 430 delegados (participação restrita, se comparada aos 800 delegados do
congresso de fundação) que concentram as discussões nas eleições de novembro (para
deputados e senadores)568 e nos processos de reorganização do movimento estudantil. Ao
longo dos trabalhos, a diretoria eleita (Construção) aprova um estatuto que insere, logo
abaixo da instância de direção, um Conselho Estadual de Entidades (CEE) com poder
566
Segundo Jordana Silva: “O Jornal do DCE da USP, nº1, de 1979 explicitava algumas questões sobre o avanço do movimento operário. Desde as manifestações de trabalhadores de 1978 o movimento operário vinha assumindo a liderança no combate à ditadura militar, algo que foi desempenhado pelo ME no ano de 1977. Com o ressurgimento do movimento dos trabalhadores caberia ao ME estar atento à luta contra burocracia universitária que age de acordo com a Reforma Universitária, passando por cima das reivindicações estudantis. O documento enfatizava que esta luta não estava separada da luta antiditatorial, por isso, os estudantes deveriam se aliar aos trabalhadores. A UNE só se veria livre do controle governamental se os estudantes estreitassem os laços com a classe operária. No segundo número do Jornal do DCE da USP, tratava-se mais detalhadamente da importância do CRUSP (Conjunto Residencial da USP) que foi invadido e depredado pela polícia em 1968, pois era classificado como um reduto “subversivo”. O documento convocava os estudantes a lutar pela reconquista da moradia no CRUSP, contra o aumento do preço do restaurante universitário, contra o ensino pago e pela volta dos professores cassados - SILVA, Jordana. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Op. Cit., pp 80-81 567
Nos parece interessante comentar que data deste período (mais especificamente, de 17/1bril/1979) uma nota produzida pelo Burô Político da OSI intitulada “Nota sobre o Fumo”. Diz o documento: “1. Está proibido aos militantes da OT utilizar ou portar fumo, assim como frequentar locais identificados com o fumo. No período em que vivemos, todas as armas serão voltadas contra nós. A repressão sempre procurou vincular os marxistas à droga ou ao fum, para melhor isolá-los e reprimí-los. Hoje em função das dificuldades que a repressão enfrenta para reprimir como gostaria, a utilização do fumo pode ser bom argumcaçada. E nenhum militante tem o dire ito de colocar em risco a atividade da OT em nome de caprichos pessoais. 2. Cabe aos militantes marxistas procurar destacar-se no movimento de massas como dirigente, seja em seu sindicato, em sua fábrica, em sua escola. Toda atividade vinculada ao uso de drogas ou fumo, se identificada em um militante que tem responsabilidades diante do movimento de massas, só serve para atrapalhar seu combate e desmoralizá-lo”. “Nota sobre o Fumo” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001 568 Com relação as eleições, o Congresso aprova o apoio aos candidatos que apresentem programas populares, numa linha distinta do voto nulo defendido pela Liberdade e Luta; mais de 200 delegados vinculados a Refazendo, Caminhando e Novo Rumo apoiam voto a favor do MDB; cerca de 100 delegados vinculados à Liberdade e Luta e à tendência Viramundo são a favor do voto nulo. O Trabalho, nº10, 26/9 a 10/10/78, p3
367
deliberativo - conselho que seria formado por Cas, Das, DCEs e pela própria diretoria da
UEE, cabendo a cada entidade o direito a um voto569. Segundo o jornal O trabalho:
“Nos debates sobre o estatuto da UEE, o problema essencial relacionou-se à
democracia da entidade. Foi proposto que, nas questões mais importantes de
mobilização e luta, as discussões não fossem tomadas pela diretoria, e sim em
plenárias de delegados de assembléias metropolitanas. Contudo, venceu a
proposta de que, nessas questões importantes, a deliberação partisse do Conselho
Estadual de Entidades, organismo no qual a massa do estudantado não
participa”570.
Já o IV ENE, realizado em 3 de outubro, contaria com um apoio social maior e ao
contrário do ano anterior, conseguiria reunir pacificamente por dois dias 500 delegados
569 Liberdade e Luta Estadual, p3 570 O Trabalho, nº10, 26/9 a 10/10/78, p3
Campanha pela anistia, entre outros movimentos do segundo semestre de 1978. Imagens disponibilizadas pela internet
368
procedentes de 14 estados571. Segundo Liberdade e Luta, “Este ano o ascenso do
movimento de massas, marcado pelas greves de mais de 400 mil trabalhadores, não
permitiu que o governo sequer tentasse proibir o encontro”. Em seu entender:
“Diversas tendências políticas acreditam que a UNE deve ser recriada o mais
rápido possível, para centralizar nacionalmente as lutas atuais, já ultrapassando os
estreitos limites estaduais e regionais. Liberdade e Luta (tendência nacional pela
aliança operário-estudantil) é uma das correntes que defendem ser este o
momento propício para a UNE. O reaparecimento das mobilizações de rua em São
Paulo, a luta pla criação da UEE em Minas, eleição da primeira diretoria do DCE
livre reconstruído de Brasília, além de outros embates atestam a maturidade do
movimento estudantil do Brasil. Ele não está em refluxo: todas as vezes que a
ditadura tentou investir contra o espaço político conquistado, recebeu resposta
imediata. Um exemplo: depois de um ano sem passeatas, ao serem presos no final
de agosto 22 membros da Convergência Socialista, no mesmo dia os estudantes
convocaram assembléia, seguida de passeatas em várias capitais um dia depois.
Para definir a reconstrução da UNE, Liberdade e Luta, atual direção do DCE livre da
USP, propõe no IV ENE a realização de um congresso estudantil nacional, nos dias
25 e 26 de abril de 1979, com eleição de três delegados para cada 500 estudantes.
Também sugerirá um trote nacional unificado pró-UNE, como parte da campanha
pela reconstrução da entidade maior do estudantado. No plano de política
nacional, Liberdade e Luta propõe três resoluções ao IV ENE: moção pela
Assembléia Nacional Constituinte Soberana e Democrática; realização de um Dia
Nacional de Luta, em 9 de novembro, pelo fim do Regime Militar; e moção pelo
voto nulo nas próximas eleições”572.
Entre as discussões e deliberações centrais constavam as eleições de 15 de
novembro (onde se confrontam as propostas de voto nulo dos trotskistas e as de voto no
571
Segundo René Vernice: “distribuídos entre independentes e militantes da Caminhando, Refazendo, Centelha, Liberdade e Luta, Novo Rumo e outras menores” IN http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 572 O Trabalho nº10, 26 de setembro a 10 de outubro de 1978, p3.
369
MDB, vencendo a segunda)573, a criação da Comissão pró-UNE e a definição do local, data
e bases de representação do Congresso de Reconstrução da UNE (definido para se realizar
em Salvador nos dias 29 e 30 de maio de 1979 com base em delegados eleitos - em
assembléias, congressos ou votos em urna - na proporção de 3 representantes por 500
alunos de cada escolas).
Os debates e propostas de reconstrução do movimento estudantil, de qualquer
forma, continuariam intensos, em particular quanto ao caráter participativo dos
estudantes e das entidades representativas, ganhando força progressivamente um
discurso mais articulado acerca das tradições representativas do movimento na figura da
entidade representativa, discurso que já se faria expresso num boletim do DCE da UFBa
(sob controle de militantes do PC do B) datado do mês de setembro e portanto,
preparativo do IV ENE. Podemos ler:
“Os estudantes brasileiros sempre desempenharam destacado papel na luta do
povo: é uma força social ativa; mesmo depois de terem suas autênticas entidades
destruídas pela repressão após 64, os estudantes não se calaram. A União Nacional
dos Estudantes deixaram de contestar a ‘nova’ ordem implantada. Estamos em
fase de reorganização do moimento estudantil. Já reabrimos vários Diretórios
Centrais, centenas de Diretórios Acadêmicos afloram a todo momento. Nosso
passo agora é reconstruir a UNE. Não vai ser fácil. Do nosso lado aumenta a
necessidade dela e do outro lado a ira dos generais que temem sua recriação. Mas
não vamos desanimar. No próximo dia 3 de Outubro em São Paulo, será realizado
o IV ENE. Esse encontro foi aprovado na última reunião da comissão pró-UNE,
realizada aqui em Salvador (19/8). Porque realizar o IV ENE? Veja bem, a situação
do ensino brasileiro depois da Reforma Universitária tem piorado
573
Podemos ler: “Ao se reunirem na FAU, os estudantes mostraram que não estão preocupados apenas
com seus problemas imediatos. Ao contrário, se ocuparam demoradamente das questões políticas nacionais. Mesmo passando completamente à margem dos canais de participação oferecidos pelo regime militar para encaminhar suas lutas, garantir a liberdade de seus passos, sair à rua para fazer passeatas e construir suas entidades livres, os estudantes, contrariando na prática, decidiram se utilizar de um desses canais. Os delegados do IV ENE optaram por votar no MDB, uma instituição da ditadura. Mesmo assim, um número significativo deles (168), recusando-se a dar um ‘passo em falso’, manifestou-se contra a Arena e o MDB e pela construção do partido operário”.
370
alarmantemente. Muito embora os estudantes em cada estado tenham se
levantado lutando pelos seus direitos e reorganizando suas entidades, ainda não
existe uma coesão de lutas a nível nacional e se existem problemas comuns vamos
então unir as forças, certo? Sem falar que só vamos democratizar nossa educação
quando o estudante brasileiro se unir, e ao mesmo tempo lutar o lado do povo por
uma sociedade democrática”574
Para várias tendências, reconstruir a UNE significava mais do que resgatar...
significava restituir um fórum cuja essência já trazia em si uma estrutura política
tradicional de representação e participação dos estudantes, e neste caso, para que
discutir? A memória falava por si. Esta formulação, de fato, motivou a publicação da
revista Memorex575 pelo DCE USP em 1978, bem como estimulou/proporcionou a
reedição do célebre trabalho jornalístico de Artur Poerner, O Poder Jovem (livro sobre a
história da UNE que teve sua primeira edição em 1968, a segunda em 1977 pela gráfica da
PUC de São Paulo, de forma clandestina, e a terceira em 1979)576.
O resgate da história da UNE no contexto de 1978, de fato, cumpria com
propósitos latentes, contando entre eles o de reafirmar um dado passado político-
organizativo; o de reforçar e reinstituir uma estrutura institucional de movimento
estudantil (a mesma estrutura que, no passado, se achara alicerçada) e o de “iluminar” os
caminhos políticos em curso reforçando um modelo participativo/representativo
considerado tradicional e “genuíno” da categoria estudantil.
Foi em nome, então, de um passado que se deixava reinventar em meio aos
embates das organizações clandestinas, que todo um conjunto de discussões acerca das
questões de proporcionalidade de alunos por escolas (faculdades); das melhores formas
de escolher/tirar representantes; das categorias de estudantes autorizadas a participar do
574 Beba nº14. DCE UFBA, setembro 78. Boletim dos Estudantes da Bahia. 575 Memorex. Elementos para uma história da UNE. Sobre esta publicação, afirmam Ary Costa Pinto e Marianna Francisca Martins Monteiro, em “Rememorex: uma necessária rebeldia”, que esta publicação foi “objeto de Inquérito Militar, instaurado o em 20 de Setembro de 1978 pela Aeronáutica,[que] determinou pedido de busca dos seus editores”. http://movebr.wikidot.com/arquivo:anos-70:rememorex-uma-rebeldia-necessaria. 576 Sobre o tema, ver: OLIVEIRA, José Alberto Saldanha de. A UNE e o mito do poder jovem. Maceió, Editora da Univ. Federal de Alagoas/UFAL, 2005.
371
Congresso de Reconstrução da UNE; dos procedimentos de eleição da primeira diretoria,
foi empurrando para fora da pauta um outro corpo de divergências, entre elas: a questão
da ação direta das massas estudantis, os vínculos entre estudantes e as demais categorias
de trabalhadores explorados, a independência das entidades frente o Estado Militar.
Os posicionamentos de Liberdade e Luta seriam, de qualquer forma insistentes,
reafirmando ainda em outubro de 1978:
“...os estudantes poderão contar, já no ano que vem, com uma organização
independente que centralize nacionalmente suas lutas principais. Lutas que vão
Lutas que vão desde reinvindicações por melhores condições de ensino até o
combate pelo fim da ditadura militar. O Congresso convocará as eleições para a
primeira diretoria da entidade e elaborará seus estatutos. As providências iniciais
para que seja realmente democrático e representativo já foram tomadas.
Participarão delegados escolhidos em assembléias gerais ou eleitos por meio de
urnas, na proporção de três para cada 500 estudantes. Votarão apenas os
delegados presentes – o voto por representação não será reconhecido. Desde a
fundação da UNE, no Congresso, até a data da posse da primeira diretoria, uma
comissão encaminhará os trabalhos da entidade”577.
O ano se faria marcado também pela realização do I Encontro Estadual de
Estudantes de Minas Gerais e pela criação da Comissão Executiva pró-UEE “encarregada
de centralizar e impulsionar as lutas estudantis do Estado e de preparar o II Encontro, já
marcado para a primeira quinzena de setembro” (iniciativa, segundo o jornal O Trabalho,
que apresentava encaminhamentos restritivos a uma maior participação estudantil578);
pela realização da Semana Nacional por Melhores Condições de Ensino; pela reconstrução
das UEEs do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; pela eclosão do Movimento Contra o
Custo de Vida; pelo adensamento das manifestações pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita;
por atos públicos contra a libertação de Cajá (UFPe), ou ainda, pela constituição de uma
campanha nacional pela libertação de Flávia Schillig.
577 O Trabalho nº11, 10 a 25/10/1978, p3. 578 O Trabalho, nº5, 21/julho a 5/agosto de 1978.
372
Estes acontecimentos também se dariam entrelaçados pela promulgação em 13 de
outubro de 1978 da emenda constitucional que extinguiria o AI-5 a partir de 1º de janeiro
de 1979; pela eleição por Colégio Eleitoral do general João Baptista Figueiredo como
presidente da República em 15 de outubro; pela decisão da justiça de responsabilizar a
União pela morte do jornalista Vladimir Herzog em 27 de outubro e pela realização do
Congresso Brasileiro de Anistia, no começo de novembro, na PUC-SP. Em 15 de novembro,
nas eleições para o Congresso, o MDB vence na soma total de votos para o Senado e
permanece majoritária nos principais Estados do país, apesar da Arena eleger mais
representantes; em 27 de dezembro entra em vigor a nova Lei de Segurança Nacional,
seguida pela revogação do banimento de 126 brasileiros e a extinção da Comissão Geral
de Investigação, instrumentos associados ao AI-5.
7.3 - LIBERDADE E LUTA COMO “TENDÊNCIA SINDICAL” DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL E A LUTA PELA UNE INDEPENDENTE
Mas no curso deste agitado ano de 1978, os resultados políticos obtidos pela
Liberdade e Luta no movimento estudantil se revelavam dramáticos. Segundo o
documento “Balanço do Setor Estudantil”, redigido por “Jairo”, o novo dirigente da OSI
Assembléia na PUC, 1978. Imagem disponibilizada pela internet.
373
para as questões estudantis, em princípios de 1979, num período que contara com
“aproximadamente 40 militantes, divididos em 3 subs-2 da USP e 1 da PUC isoladas”, a
tendência perdera “praticamente todas as posições que ocupávamos no terreno sindical,
com a derrota em todos os Cas onde concorremos (à exceção da Naval USP)”. Ora, as
razões precisavam ser encontradas, chegando-se a detectar “alguns problemas
importantes” no curso do segundo semestre, entre eles:
“...nosso doutrinarismo, o propagandismo, bem como o abandono de nossa parte
das lutas que os estudantes levantavam no seu terreno específico. Mas nossas
conclusões apenas arranhavam as questões (...) porque partiam de bases falsas,
seja com relação à ausência de balanço da OT [organização trotskista], seja porque
as concepções políticas que lastreavam a elaboração a ser realizada estavam
equivocadas no que concerne à situação política e às tarefas dos trotskistas na
universidade”579
O documento também concluía que as maiores dificuldades da tendência tinham
se originado do desafio de implementar, a curto prazo, um conjunto de mudanças que,
após o II Congresso da OSI, chegara dos fóruns internacionais trazido pelos “ventos de
Paris”: as resoluções aprovadas no VIII BI [Bureau Internacional]. Estas resoluções haviam
provocado “uma modificação de conjunto de nosso trabalho no ME, envolvendo as
palavras de ordem, a concepção de tendência, as entidades sindicais, etc. Tudo isso
combinado com uma nova visão da situação política e do lugar que a OT [organização
trotskista] deveria ocupar...”580 Orientações, enfim, que levariam Liberdade e Luta a se
definir como tendência sindical do Movimento Estudantil num processo que exigiria vários
meses para se fazer implementado.
579
Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP]. 29/01/79, p2 IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981. CEDEM. Fundo A Palavra, Caixa LP001. 580
Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP]. 29/01/79, p2 IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981. CEDEM. Fundo A Palavra, Caixa LP001
374
A implementação destas mudanças contara, desde meados de 1978, com o apoio
do jornal O Trabalho que em resposta às orientações internacionais vinha lançando
matérias especiais sobre a questão sindical do movimento estudantil. No entanto, a nova
perspectiva de abordagem também trazia dificuldades ao cotidiano militante, conforme
permaneceria registrado em relatórios internos.
Jornal O trabalho. Acervo: CEDEM
De forma concomitante, entre o segundo semestre de 1978 e o primeiro semestre
de 1979, a atuação efetiva da nova diretoria da UEE-SP somada à constituição de novas
diretorias das UEEs de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ou ainda, à
direção política adotada pela Comissão Pró-UNE, trariam novos contornos a um ambiente
político cada vez mais radicalizado. E entre as desavenças, vemos se acirrar as críticas da
Liberdade e Luta à direção da UEE-SP, movimento que se faz acompanhar pela defesa –
mais explícita – de um projeto de gestão para a UNE que, efetivamente, apesar de
criticado por muitas organizações, fornece boa parte das proposições levadas pela
Comissão pró-UNE (CNPU) ao congresso de reconstrução, conforme podemos observar
em documentos que precedem este acontecimento, como no “Relatório Comissão
Nacional Pró-UNE”, datado de 29 de janeiro de 1979 e assinado por DCEs de Pernambuco,
em que podemos ler:
“Pelos informes apresentados pelas entidades presentes na CNPU, constatou-se
que o Movimento Estudantil cresceu nesse ano de 78 na maioria dos estados,
375
elevando seu nível de organização, conquistando mais entidades e demonstrando
um maior amadurecimento político (...) Mesmo não sendo uma constante em
todos os estados, as grandes manifestações como em 77, tem-se como fato
concreto a participação ativa dos estudantes nas eleições parlamentares de 15 de
novembro; nos atos públicos pela libertação de Cajá; no movimento contra o custo
de vida; nas lutas pela anistia ampla, geral e irrestrita, ma campanha nacional pela
libertação de Flávia Schilling (brasileira presa aos 18 anos, pela Ditadura Militar
Fascista do Uruguai), etc. (...) No decorrer das discussões, foram aprovados os
seguintes eixos de lutas: 1º) ANUIDADES. Deliberou-se encaminhar-se a nível
nacional lutas pelo rebaixamento ao máximo das anuidades (...) 2º) Dia nacional
de luta contra a posse de Figueiredo. Serão realizadas manifestações em todo o
país, no dia 15 de março com leitura de um manifesto elaborado pela Secretaria
Executiva da CNPU. 3º) Amazônia (...) 4º) ANISTIA. Foi decidido que a Secretaria
Executiva da CNPU estará presente na volta de todos os exilados e banidos que
retornarem ao país. Apoiar e reforçar todas as decisões do 2º Congresso Nacional
pela Anistia (..) Encaminhar a executiva do CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia)
proposta para que todos os exilados e banidos que tenham decidido voltar ao país
antes de março, a fazerem de forma organizada e conjunta, no dia 18 de março. A
Secretaria Executiva da CNPU, com outras entidades, farão uma visita aos presos
políticos do país e principalmente a Cajá (...) Os DCEs estão encarregados de reunir
material sobre professores, funcionários e estudantes atingidos pelos atos de
exceção, e enviar para a Secretaria Executiva da CNPU. Enviar carta de repúdio e
protesto aos Ditadores d Brasil e do Uruguai , sobre a situação de Flávia Schilling
(...) 5º) JORNAL DA COMISSÃO PRÓ-UNE (..) 6º) SOBRE O CONGRESSO DA UNE.
Foram as seguintes propostas aprovadas: Caravana Nacional levantando questões
e debates sobre a UNE; Debates sobre etidades estudantis (organizadas pelos
DCEs); Shows com artistas para arrecadação de fundos e propaganda da UNE;
Buscar apoio de entidades e instituições para o Congresso (Igreja, CBAs, MDB,
etc)”581.
581
Relatório Comissão Nacional Pró-UNE. DCE da UFPe, DCE da UNICAP, DCE da UFRPe. Doc mimeog, p,
29/01/1979, p3. Nesta reunião, realizada na sede da casa do estudante universitário, participaram 30 entidades (DCEs, EUUs, UMEs) de 14 estados.
376
Para Liberdade e Luta, por sua vez, os encaminhamentos tomados pela Comissão
Pró-UNE nas reuniões do Rio de Janeiro e de Brasília (24 e 25 de março) comprometiam a
entidade em formação ao ferir “sua unidade, sua democracia e sua independência”. Em
seu entender:
“Sua Unidade é ferida quando se decidiu pela não participação de estudantes
secundaristas e pós-graduandos no Congresso com direito a voto (...) segmentos
do estudantado, que participaram das lutas que a criaram (...) no momento em a
UNE poderá representar o impulso decisivo para a construção de organismos
próprios (...) que é um processo ainda incipiente (....) Foi ela também que aprovou
um projeto de Regimento de funcionamento do Congresso a distância dos
princípios de democracia que sempre pautaram nosso movimento. Segundo este
Regimento, a mesa concentrará poderes excepcionais, podendo decidir sobre a
cassação da palavra aos delegados, sobre a organização dos trabalhos, sobre as
questões de ordem – tudo isso sem consulta ao plenário. É preciso lutar pela
soberania do Congresso, durante todo seu transcorrer, e não apenas em seu início
(quando o Regimento é aprovado). Por fim, é preciso que o Congresso barre a todo
custo a decisão (..) mais absurda e descabida de todas (...) o convite ao ditador
Figueiredo e a todos os seus prepostos (governadores e ministros de Estado) a
participarem do Congresso da UNE! Esta decisão (...) além de ser uma ofensa e um
descaso a toda luta que travamos até hoje, significa abrir a via para a destruição da
independência da UNE, já no seu nascedouro (...) Nós chamamos ao Congresso e à
luta, aqueles que se batem contra a ditadura e não com a ditadura”582.
Entre as propostas que trazia para o Congresso estavam: a adoção como carta de
princípios do “Manifesto pela UNE unitária e independente”; a eleição de uma diretoria
provisória encarregada de convocar um novo congresso para o semestre seguinte, de
preparar um projeto de estatuto para discussões concomitantes sobre a direção da
582 Agora UNE. Liberdade e Luta, doc mimeog, 3p, s/d. Movimento Estudantil: UEE, Liberdade e Luta. CEDEM. Fundo Livraria A Palavra, caixa 122.
377
entidade no mesmo período583; como instâncias deliberativas, a UNE deve contar com o
Congresso Nacional de Estudantes (“composto por delegados eleitos na proporção de um
para cada 200 alunos”, com a função de decidir a plataforma de lutas/programa anual da
entidade e eleger a “diretoria responsável perante as decisões tomadas”) e com a
Diretoria (a ser “composta por membros das chapas que se apresentarem, na proporção
dos votos que cada uma obtiver no Congresso”). A UNE deverá contar também com
instâncias de assessoria à diretoria e ao Congresso na forma do Conselho de UEEs e DCEs,
com caráter consultivo e reuniões ordinárias duas vezes ao ano, no início de cada
semestre, cabendo a ela “auxiiar na implementação das diretrizes traçadas pelas
instâncias deliberativas da entidade”. A UNE deverá contar também com secretarias por
área “que se encarregariam fundamentalmente de promover a realização de encontros
nacionais por área de ensino”. Por fim, caberá ao Congresso de Salvador aprovar uma
“ampla campanha de filiação dos estudantes brasileiros à UNE” na busca de que
conheçam, se aproximem das discussões e assumam a “tarefa de sustentação política e
material da entidade”.
Com relação ao “Manifesto pela UNE unitária e independente”, o documento foi
distribuído pela tendência no mês de maio, acompanhado de uma “Carta Aberta aos
Estudantes Brasileiros, a todos os estudantes, tendências e entidades do movimento
estudantil”, e através dele dizia Liberdade e Luta:
“Nós, estudantes brasileiros, reunidos em nosso Congresso Nacional, decidimos
reconstruir a União Nacional dos Estudantes (...) Porque queremos unir nossas
forças para conquistar a satisfação de nossas aspirações morais e materiais.
Porque queremos condições dignas de ensino, e porque queremos liberdade de
ler, de ver, de pensar, e de nos associarmos, livremente, segundo nossa própria
vontade. Porque aprendemos que para obter essas conquistas, precisamos estar
583
Diz o documento: “Por outro lado, somos contra a continuidade da atual situação, em que os destinos do
ME brasileiro está nas mãos de um conselho nacional de DCEs (a Comissão Pró-UNE). O Congresso deve significar um passo qualitativo e isso se expressará na existência, pela primeira vez em muitos anos de uma direção eleita do ME nacional”.
378
organizados em nosso próprio terreno, contando com nossas próprias forças. Por
isso decidimos reconstruir a UNE. A UNE que seja o instrumento de conquista das
nossas reivindicações: melhores condições de ensino e liberdade. A UNE que seja
nossa força. Que garanta nossa independência frente àqueles que estão contra os
nossos interesses; sem nenhum vínculo com o MEC, com o Estado e seus
instrumentos (entidades oficiais controladas, órgãos colegiados). A UNE que seja o
instrumento de luta contra a ditadura (...) ditadura que tenta nos impor um ensino
degradante e que reprime nossa livre organização. A UNE contra esse e qualquer
regime que atente contra os interesses dos estudantes e da maioria da população.
Esta é a UNE que reconstruímos. E hoje isto foi possível, não só por nossa luta, mas
também pelas mobilizações que os trabalhadores realizam contra o arrocho
salarial, por melhores condições de vida, por liberdade sindical, corroendo toda a
estrutura montada pela ditadura, diminuindo o espaço de manobra deste regime
que é nosso inimigo comum. Esta é a UNE que reconstruímos hoje, independente,
democrática e unitária. Com ela, somos fortes para seguir em nossa luta. E nos
dispomos a estar juntos de todos aqueles – estudantes e trabalhadores, do Brasil e
do mundo – que conosco compartilham estes objetivos, que também lutam, como
nós, por uma vida digna, e pelo fim de toda a opressão”584.
Na “Carta Aberta aos Estudantes Brasileiros, a todos os estudantes, tendências e
entidades do movimento estudantil”, Liberdade e Luta explica e defende, de fato, a
adoção do “Manifesto” pelo Congresso de Reconstrução procurando pensar a UNE na
história, mas, antes de tudo, a UNE na sua própria história de lutas pela constituição de
um território tantas vezes assediado “pelas classes dominantes que procuravam torná-la
uma entidade sob seu controle, a seu serviço”. História, por sua vez, de “fases áureas e
negras, [de] momentos de glória e de submissão” mas através das quais “permaneceu de
pé, sustentada pelos próprios estudantes”. Diante deste passado, portanto, mas também
da condição de “assumir até o fim seus objetivos é necessário que ela dê continuidade ao
movimento que já existe, que ela concentre em si os principais ensinamentos retirados
584 Proposta de Manifesto de Reconstrução da UNE (a ser apresentado no Congresso de Reconstrução da UNE. Salvador – 29 e 30 de maio de 79). Agora UNE. Órgão de Liberdade e Luta. SP: Editora Jornalística AFA, maio de 1979.
379
destes anos de luta”, continuando a lutar em seu próprio território e a recusar “com
veemência as armadilhas que montam nossos inimigos, que tentam nos colocar à sombra
de seus organismos, de seus aparelhos e de suas bandeiras”.
7.4 RECONSTRUINDO A UNE: CONQUISTAS E PERDAS DA
LIBERDADE E LUTA
Nos dias 29 e 30 de maio de 1979 acontece o Congresso de Reconstrução da UNE
em Salvador585; evento que reuniria “2204 delegados representando todos os estados” e
cerca de 5 mil observadores, num contexto de acirramentos que levara o governo
Figueiredo a enfrentar, em seus três primeiros meses de mandato, “mais de 140 greves
realizadas em todos os pontos do país”. Segundo o jornal O Trabalho, o Congresso contara
“..pelo menos [com] um milhão de cruzeiros gastos, vindos das coletas entre estudantes,
entidades e população; mais de seis meses de preparação, a partir do IV Encontro
Nacional (outubro de 1978), dois dias de discussões e votação de propostas”586.
O XXXI Congresso da UNE, acontecimento amplamente registrado, conta na
atualidade com registros disponibilizados em diversas bases digitais, entre eles, o acervo
de Milton Guran (autor de Encontro na Bahia 79) no Laboratório de História Oral e
Imagem (LABHOI) da UFF, ou ainda, diversos blogs como o de Rene Vernice587, que na
ocasião integrava a Liberdade e Luta e que, com sua câmera fotográfica, captou os
acontecimentos com particular sensibilidade. Nas palavras deste militante, então
estudante da FIAM e integrante das bases da Libelú:
585 Sobre a temática da reconstrução da UNE, ver: História da UNE. Vol1: Depoimento de Ex-Dirigentes. Ed Livramento, 1980; Seminário Memória do movimento estudantil. Museu da República Editora, 2005 - 151 páginas; 586 O Trabalho nº25 12 a 25/junho/1979, p5 587
http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html
380
“A Avenida Doutor Arnaldo concentrou a maior delegação de São Paulo, dezenas
de ônibus partiram dalí, da Medicina da USP. O momento era de euforia, certeza
da vitória. Éramos muitos e tínhamos o apoio da sociedade que já não suportava
os militares no governo (...) Divididos por cursos, os militantes estaríam
espalhados pelas dezenas de ônibus, assim era preciso saber como se comportar,
as teses a defender, os pontos de encontro para avaliações, e outras estratégias
para conquistar os votos indefinidos, dos chamados independentes (...) saíndo da
Faculdade de Medicina em São Paulo, pela via Dutra (...) nos aguardavam
comandos em Jacareí, Guaratinguetá e tantos outros locais, que transformou uma
viagem prevista para 24 horas de São Paulo a Salvador, em quase 78 horas; mas
conseguimos chegar driblando comandos, tomando estradas alternativas e
trocando as lideranças de ônibus para confundir a repressão. Não escapamos de
sermos fichados em São Paulo, Rio, Minas e Bahia. Mas chegamos”588.
Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice
588
Segundo Vernice: “Já na saída para o Congresso, eram distribuídos importantes documentos. Um deles era o Regimento do Congresso que iniciava com as regras para nomeação de delegados e inscrição de escolas. Sendo tres delegados para os primeiros 500 alunos e mais um por fração ou grupo de 500 alunos. A seguir definia o papel das Comissões de Organização; Recepção, Alojamento e Alimentação; Finanças; Infra-Estrutura e Cultural. O programa do Congresso era detalhado a partir do artigo 14°, e previa a montagem de seis grupos de debate: Grupo 1 - Carta de Princípios e Estatutos Grupo 2- Projetos da UNE Grupo 3 - Eleições da UNE Grupo 4 – Universidade Grupo 5 - Realidade Brasileira Grupo 6 - Lutas dos Estudantes Após essa maratona de debates, a Plenária Final decidiria pelo voto dos congressistas conforme as regras estabelecidas no documento. Enfim, fundamental para saber como participar do Congresso”. http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html
381
Em seu blog, encontramos também depoimentos de outros(as) antigos(as)
militantes, entre eles(as) o de Sauaya Pereira que registra:
“No meu ônibus, cerca de 40 estudantes, representantes dos “centrinhos” da USP,
como costumavam chamar os Centros Acadêmicos. Na ansiedade esfuziante, não
diferíamos muito dos ônibus de excursão do ginásio, nem daqueles das torcidas de
futebol. No entanto, tínhamos consciência de que aquele era um momento
histórico: discutíamos com paixão o socialismo, a guerrilha, a ditadura, os rachas
nas organizações clandestinas, os professores, as relações afetivas, o aborto, a
falta de grana, o amor livre, morar sem os pais, as drogas, o cinema, Marx, Lenin,
Engels, Trotsky, Stálin, Brecht, Chaplin, Glauber, Vittorio de Sica... enfim, o
mundo”589.
Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice
“Outras caravanas de delegados saíram do interior de São Paulo; éramos a maior
delegação em direção ao Congresso. Separados por cursos, Comunicação, Direito,
589
texto completo em http://www.facasper.com.br/cultura/site/ensaio.php?tabela=&id=97
382
Medicina, os ônibus íam formando sua população que conviveria em dois dias de
viagem as alegrias e apreensões proporcionadas pela juventude e as forças da
repressão. Além de muita discussão política e cantoria. E fomos recebidos
carinhosamente pelo povo da Bahia, que cedeu suas casas e muitas vezes suas
camas para abrigar os 5000 delegados presentes para o Congresso”590.
Imagens de Rene Venice
Acontecimentos do 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice
“Todos os cantos do inacabado Centro de Convenções de Salvador serviam para
acomodar os congressistas, todos sabendo fazer a hora e não esperando
acontecer. As escadarias, sem qualquer proteção, eram pontos privilegiados pela
ampla visão da mesa do Congresso. A verdade é que as acomodações eram
péssimas, com a maioria dos presentes sentados no chão, mas de lá ninguém saía
sem ver reconstruída a entidade (....) a ausência de proteção nas escadas, os
tapumes de madeira bloqueando uma possível queda no vazio do vão central do
que seria o Centro de Convenções de Salvador, cedido pelo então governador
Antonio Carlos Magalhães (...) Em Salvador, durante o tempo que durou o
Congresso (...) Era irônica a contradição do visual urbano, quase surrealista. Nas
ruas a polícia comum e a do exército se exibiam ostensivamente (...) Os jovens,
cabelos longos, barbas, jeans, camisetas, sem camisa, sem lenço, sem documento,
mas a cabeça cheia de idéias circulavam livremente pela cidade sob o sorriso do
povo e a carranca dos militares”591
590
http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 591
http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html
383
“Ato de Abertura do 31º Congresso da União Nacional de Estudantes – UNE (...) Figuras carimbadas e emblemáticas da antiga e nova
esquerda (...) Nos intervalos, apresentações teatrais satirizavam personagens do momento político”592. Imagens de Rene Vernice
Um outro registro, também produzido no calor da hora nos permite uma
aproximação interessante: o trabalho jornalístico de Luiz Henrique Romagnoli e Tânia
Gonçalves. Testemunhos das desavenças, disputas e ao mesmo tempo clamor pelo
aprimoramento de relações democráticas no interior do movimento estudantil, a revista A
Volta da UNE registra:
“Certas ou erradas, as decisões do Congresso de Reconstrução da UNE foram fruto
de uma saudável prática democrática, da qual fazem parte os tumultos, as
gritarias, as palavras-de-ordem gritadas em coro, ofensas à mesa e conchavos.
Foram 34 horas de debates, negociações e composições (...) ao discutirem as lutas
a serem travadas, mais de 100 propostas surgiram (...) Já no primeiro dia do
Congresso O debate de grupos – que analisariam ‘Realidade Brasileira’,
‘Universidade’, ‘Lutas’, ‘Estatuto e Carta de Princípios’, ‘Eleições da Diretoria’ e
‘Cultura, Esporte e Secretarias por Área’ – se estendeu das 18 às 23 horas, sem
que,na maioria deles, fosse atingido o objetivo final de sintetizar e debater as
propostas sobre os diversos temas (..) Às 20 horas, todos os grupos ainda
debatiam qual seria o tempo de cada intervenção (....) Outro problema comum foi
o de compatibilizar o grande número de inscrições que, em alguns grupos ,
aproximou-se de uma centena, com o teto estabelecido pela Comissão Pró-UNE
para a entrega dos relatórios que seriam lidos em plenário no dia seguinte. O
grupo de ‘Eleições’ foi o que congregou maior número de participantes – cerca de
592
http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html
384
mil (...) Eleição direta ou em Congresso; diretoria já ou no segundo semestre;
provisória ou definitiva; diretoria de nomes ou de entidades. Todas essas
divergências nos debates do grupo davam uma prévia do que seria o debate do
tema no plenário. A colocação das propostas defendidas pelas diversas tendências
acabou servindo mais para orientar os acertos entre os vários grupos políticos, em
reuniões que vararam a noite”593.
A questão da “carta de Princípios”, segundo os jornalistas, “foi das menos
polêmicas do Congresso, uma vez que as propostas defendidas pelas diversas tendências
do Movimento Estudantil coincidiam em vários pontos”. Já na questão dos Estatutos, a
temática suscitou os “primeiros acordos entre as diversas correntes”, destacando-se entre
elas os argumentos do DCE da PUC-RJ de que sobre as entidades de base deveria se
fundamentar as ações da UNE, “exceto no que diz respeito às questões como: Carta de
Princípio, Estatutos, Programas Político e a eleição da diretoria”, devendo-se para tanto
criar “o Conselho de Entidades de Base (Centros e Diretórios Acadêmicos), logo abaixo do
Congresso Nacional.”. Segundo os autores:
593
Na continuidade podemos ler: “O resultado dos grupos acabou preocupando a Comissão Pró-UNE que
temia que os impasses fossem reproduzidos na plenária final, sobretudo quanto ao encaminhamento das questões. Na manhã seguinte, um dos diretores da UEE de São Paulo já apresentava à Comissão uma proposta para encaminhamento das eleições. E a própria Comissão tentava sintetizar as propostas apresentadas nos diversos grupos, consultando vários participantes, para evitar polêmicas. Por volta das 10 horas da manhã do dia 30, decidia-se reduzir a pauta do Congresso que se limitaria a deliberar pela Carta de Princípios e Estatuto, lutas a serem travadas e eleição da diretoria.. Mesmo assim gastou-se uma hora e meia em discussões até a definição da ordem em que esses pontos seriam debatidos. Às 11,45 horas foi evacuado o plenário e realizado um sorteio para definir a distribuição das delegações no local. Eram 2.34 delegados de 21 Estados e Distrito Federal, além de cerca de 5 mil observadores. Era a seguinte a representação de delegados por Estado: Amazonas, 13; Alagoas, 46; Bahia, 251; Ceará, 61; Distrito Federal, 38; Minas Gerais, 281; Mato Grosso (do Sul e do Norte), 42; Maranhão, 23; Pernambuco, 122; Paraíba, 103; Paraná, 35; Pará, 54; Piauí, 23; Rio de Janeiro, 317; Rio Grande do Sul, 116; Rio Grande do Norte, 29; Santa Catarina, 24; São Paulo, 597; Sergipe, 23; Espírito Santo, 64; Goiás, 32. A delegação do Acre não compareceu. Por volta de 13 horas foi estabelecido um recesso e a apresentação de duas peças – A UNE somos nós, do Grupo de Teatro da UEE – São Paulo e outra do Grupo Te-Ato Oficina. Quando se preparavam para entrar em cena, porém, os atores do Oficina foram surpreendidos pela notícia de que , dado ao atraso da manhã, eles não poderiam exibir a peça para não comprometer o andamento do Congresso. O grupo protestou ruidosamente pelo microfone, mas diante da posição inflexível do plenário que queria dar prosseguimento ao Encontro, os atores, ainda maquiados, acabaram abandonando o ‘palco’. Todo esse período de intervalo (...) foi fértil em conchavos. As reuniões por área de estudo (Engenharia, Economia, Medicina, etc.) acabaram transformadas em minigrupos de debates e negociações. E, novamente, a questão das eleições era o tema principal das conversas”. ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A volta
da UNE: de Ibiúna a Salvador. São Paulo: Editora Alfa-ômega, Coleção História Imediata, nº5, 1979, p54.
385
“A única tendência contrária ao Conselho Nacional de Entidades como instância
deliberativa era a Liberdade e Luta cuja proposta de Estatuto previa o Congresso e
a diretoria (instâncias deliberativas). Admitiam o Conselho de Entidades apenas
com um caráter consultivo. Segundo Liberdade e Luta, ‘na UNE não será possível
criar canais de participação e de decisão além do Congresso; os ‘Conselhões’ de
entidades, como o da UEE de São Paulo, não representam o programa que foi
eleito para a entidade, e por isso não podem ter poderes deliberativos superiores
aos da diretoria que foi eleita justamente para representar este programa. Desta
forma, a diretoria de uma entidade como a UNE (que não pode convocar
assembléias nacionais, quando é necessária alguma decisão importante) deve
concentrar em si mesma as características de democracia que deve marcar a
entidade. A proposta vencedora foi a apresentada pela PUC-RJ com o apoio da
UEE-SP. Assim, as instâncias de deliberação da UNE são: - Congresso Nacional de
Estudantes; Conselho de Entidades de Base (que deverá ser convocado pela
diretoria da UNE e/ou por um terço das entidades filiadas à UNE); - Conselho de
entidades livres (DCEs e UEEs); Diretoria da UNE”594
Num outro ponto de embate, a plenária decidiria que os pós-graduandos poderiam
participar da UNE, mas não os secundaristas (por proposta de um membro da “extinta
tendência Caminhando, de São Paulo”, Alon Feuerwerker)595. Sobre a questão das “lutas”
da entidade, as discussões se seguiram a uma situação de temor gerada pelo apagamento
das luzes do Congresso e pelo lançamento, do 2º piso do Centro de Convenções, de “um
pacote com alguns quilos de um pó identificado pelos estudantes como uma mistura de
talco e lã e vidro sobre o plenário”596; como consequência, “Mais de 60 pessoas passaram
594
GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit, p56 595
Vale considerar que, neste momento, a tendência Caminhando de São Paulo vivia um processo de fusão com a tendência Viração, da Bahia, ambas vinculadas ao PC do B. 596
Segundo Vernice: “Ao iniciar os debates sobre estatutos, o Congresso viveu seu momento mais tenso e emocionante. Eram aproximadamente 19 horas e subitamente as luzes do Congresso se apagaram, foi ouvida uma explosão e do alto começou a cair sobre a mesa e a plenária um pó que irritava os olhos. Houve um inicio de pânico (...) Os congressistas que possuíam carros correram até eles e os manobraram para com seus faróis iluminarem a plenária, enquanto cinegrafistas e equipes de TV iluminavam com seus equipamentos a mesa do Congresso. Na falta de som, Rui Cesar puxou um coro, onde suas palavras eram repetidas pelos congressistas que estavam mais próximos da mesa, de forma a que todos pudessem ouvir as orientações. Os faróis, a mesa iluminada pelos refletores e a voz forte que se fez ouvir demonstravam que
386
pelos postos médicos com conjuntivite, coceiras e crises nervosas”, além do Jornal da
Bahia publicar no dia 31 de maio que:
“Como se não bastasse os diversos agentes policiais travestidos de estudantes,
gritando ‘viva a UNE’! ‘Abaixo a ditadura’, a Comissão de Assistência Jurídica
detectou alguns agentes travestidos de funcionários do Centro de Convenções da
Bahia”597.
A definição das “lutas”, enfim, se dera com base em mais de 100 propostas
encaminhadas à mesa de trabalho. Após “alguns oradores inscritos terem apresentado
pelo menos uma dezena de propostas de luta cada um, a mesa decidiu colocar em
discussão e votação as sugestões que haviam obtido consenso no grupo de debates”. Em
meio à dispersão causada pela questão das eleições - “articulações em torno de
candidaturas (...), formação de chapas e busca de adesões para as propostas de data e
forma de eleição da diretoria” -, ou ainda, a tumultos, protestos, palavras de ordem, a
plenária acabaria aprovando seis eixos de luta: contra o ensino pago; por mais verbas para
a educação; pela anistia ampla, geral e irrestrita; contra a devastação da Amazônia; por
uma Assembléia Nacional Constituinte e pela Campanha de Filiação de Entidades à
UNE598. Com relação às eleições, por fim:
não estávamos ali para brincadeira e que nada nos intimidaria (...) Cantamos Vandré e repetimos em coro: "Nós não vamos aceitar provocações. Nossa luta é organizada. vamos manter a calma". "Povo unido jamais será vencido". Foi preciso arrombar a casa de força, pois alguém havia desligado as luzes e trocado os cadeados das portas. Como era de se esperar, os culpados não foram identificados, mas as suspeitas apontavam para a própria policia e a segurança do Centro de Convenções (...) o incidente fez diminuir as divergências e uniu ainda mais o que já era um desejo daquela vanguarda estudantil ali reunida” http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 597
GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit, pp 57-58 598
Nas palavras de Vernice: “Vencida a etapa dos estatutos e antes de iniciar os debates sobre as lutas prioritárias, foi dada a palavra para os representantes do DEE do Rio Grande do Sul. Em seu nome falou Geraldo Rosa, presidente do DEE e membro da Arena Jovem, partido de sustentação do regime militar (...) sua única intenção era melar ou tumultuar o Congresso. Não conseguiu (...) Novos oradores e debates. E novamente a plenária fez valer sua força, aprovando o Conselho de entidades de base do movimento, centros e diretórios acadêmicos, como instância deliberativa da UNE. Era a UNE PELA BASE. Assim ficaram estabelecidas as seguintes instâncias de deliberação: Congresso Nacional; Conselho de Entidades de Base; Conselho de entidades livres, DCEs e UEEs e Diretoria (...) a maioria dos estudantes se postava a esquerda e desejava um regime político totalmente diferente da ditadura em que vivíamos (...) Novas batalhas se
387
“A decisão final de se tirar do Congresso uma diretoria provisória, composta por
entidades, que encaminharia as eleições diretas no segundo semestre para a
diretoria definitiva, não foi resultado apenas de 6 horas de discussões no plenário,
nem dos debates durante os dois dias do Congresso. O assunto desde muito antes,
era tema de conversas, desde a Comissão Pró-UNE até os mais desmobilizados
centros acadêmicos”599.
Josimar Melo, candidato da tendência Liberdade e Luta para a presidência da UNE, discursa em plenário. Imagens
de Rene Vernice
As discussões se dividiriam entre eleger uma diretoria provisória ou plena, e ainda,
entre eleger uma diretoria por nomes, por entidades, por regiões ou proporcional entre as
forças políticas presentes (Liberdade e Luta), ganhando forma dez propostas com
combinações diferentes. Por outro lado, é importante considerar, várias tendências já
iniciavam, tanto pela forma de encaminhar as defesas de propostas, quanto pela forma de votação. Os oradores se sucediam e apresentavam a visão das tendências, enquanto o plenário fazia sua parte e interferia com palavras de ordem, demonstrando quais suas preferências. Com isso o Congresso ia acatando a vontade da maioria” http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 599
GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit,
388
haviam chegado ao Congresso acreditando que ali se daria a eleição da diretoria
definitiva, e portanto, com seus presidenciáveis em cena - caso de Valdélio Santos Filho
da tendência “Viração” da Bahia (PcdoB) e de Paulo Massoca da União Metropolitana de
Estudantes de São Carlos com apoio da tendência Unidade (PCB, na diretoria da PUC-RJ).
Ainda, mesmo no caso das tendências que defendiam uma “diretoria por entidades”
(Refazendo, Centelha e Novo Rumo), também se avançava na escolha de nomes,
trabalhando a Refazendo no nome de Marcelo Barbieri, enquanto tentava negociar com a
Viração – a “Caminhando do norte” – uma chapa em comum. Foi, portanto, neste
conjunto de deliberações que o Congresso atingiu seu climax:
“O plenário fervilhava. De pé, punhos cerrados eles se digladiavam com palavras-
de-ordem. Os defensores da eleição de uma diretoria no Congresso gritavam ‘É
hora, é hora, é hora, diretoria agora’. Os partidários da provisória (agora com
apoio da UEE-SP que perdera a primeira votação) respondiam com ‘Na base,
agora, não houve discussão. Diretoria agora é um puta pacotão’. Foi nessa ‘briga
de slogans’ que os delegados indecisos se definiram e para surpresa dos próprios
líderes do movimento estudantil, venceu a proposta de diretoria provisória (...) A
seguir, os delegados decidiram que a eleição da diretoria definitiva no segundo
semestre seria feita por urnas, pela primeira vez na história da UNE. As propostas
derrotadas eram de eleição em Congresso e de realização de um plebiscito para
deliberar sobre uma das duas formas. Por fim, foi votado se a diretoria provisória
seria composta por nomes eleitos no Congresso, se seria uma diretoria eleita
proporcionalmente à representatividade das tendências ou se seria composta por
entidades. Essa votação modificou o comportamento do plenário. Liberdade e Luta
que estava votando com Refazendo, Caminhando, Centelha e Unidade em favor da
diretoria provisória votou em sua proposta de diretoria proporcional. Muita gente
que defendia uma diretoria definitiva, com a derrota de sua proposta, passou a
apoiar a provisória de entidades. Permaneceram defendendo a provisória por
nomes os adeptos de Paulo Massoca e uma parte de Valdélio”600
600
GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit,
389
No encerramento das votações, quatro propostas lançam nomes de entidades para
compor a diretoria provisória da UNE: três delas contam com o DCE-USP (que na ocasião,
tem Liberdade e Luta na direção); vence a única que recusa sua presença, a chapa de
entidades composta pela UEE-SP, DCE-UFBa, DCE-UFPe, DCE-UFMG, DCE PUC-RJ, DCE-
UFRGS, DCE-UnB, DCE-UFPa.
Imagens do plenário nos momentos de votação; discurso de Paulo Massoca centro). Fotos disponibilizadas pelo
blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ de Rene Vernice
O Congresso conquista, por fim, uma “Carta de Princípios, Estatutos, um Programa
mínimo de lutas, campanhas a serem levadas e uma Diretoria Provisória”601, ao mesmo
601
No primeiro boletim da Diretoria Provisória da UNE podemos ler: a “maioria dos delegados que foram a
Salvador” decidiram que “a UNE tem como principal órgão de decisão o Congresso Anual dos Estudantes, que o segundo principal órgão será o Conselho Nacional de Entidades de Base, que poderá ser convocado pelos diretores ou por um terço dela. Em terceiro lugar o Conselho Nacional de Entidades Centrais (uniões estaduais a nível regional, estadual e municipal e mais os diretórios centrais). E em último lugar ficará a diretoria da UNE com poderes bastante reduzidos. A primeira diretoria será escolhida em setembro através de votação em todo o País direta. Até lá, a UNE será dirigida pelas seguintes entidades, segundo proposta
390
tempo em que dá visibilidade e expressão às proposições de diferentes tendências
estudantis - Centelha (MG) e Ponteio (RGS); Refazendo; Viração e Caminhando (que já
vivia um processo de fusão com a Viração, ambas tendências ligadas ao PcdoB); Unidade
(PCB); Novo Rumo (tendências Ponto de Partida/RJ, Proposta e Alicerce/SP); Liberdade e
Luta -, tendências que, no entender de João Roberto Martins Filho:
“Desde 1975, em contraste com a organização regional de 1968,
consolidavam-se nas escolas correntes organizadas nacionalmente, que
expressavam veladamente as posições da esquerda brasileira depois da
derrota da luta armada. Tais tendências revelam a persistência das
organizações como a Ação Popular e MR-8 (agrupado por algum tempo na
‘Refazendo’) e o PCB (Unidade); mostravam uma nítida ascensão do Partido
Comunista do Brasil (Caminhando), fortalecido pelo prestígio da guerrilha
derrotada no Araguaia e pelos novos quadros que ganhava na fusão com a
Ação Popular Marxista-Leninista (Cisão da AP); e mostravam visível
crescimento das correntes trotskistas (Centeia e Peleia), Convergência
Socialista (Novo Rumo) e Liberdade e Luta” (Martins Filho, 1998:21).
E entre estas tendências constavam organizações trotskistas vinculadas ao
Secretariado Unificado da IV Internacional, como no caso do Novo Rumo (que a partir da
Liga Operária em 1978 constituíra a Convergência Socialista) e de Centelha, de Minas
Gerais (que em conjunto com a oposição metalúrgica de Belo Horizonte, formaria em
1979 a tendência Democracia Socialista ), ou ainda, ao CORQUI, no caso da Liberdade e
Luta602.
da UEE-SP: DCEs das universidades federais da Bahia, Pernambuco, Minas, Rio Grande do Sul, Brasília, Pará, PUC do Rio de Janeiro e a UEE-SP”. UNE. Boletim da União Nacional dos Estudantes. Diretoria Provisória (DCEs UFBa, UFMG, URGS, UFPe, PUC-Rio, UEE-Spaulo). Secretaria de Imprensa DCE UFBa. Junho 79, nº1. 602
Parte destas organizações trotskistas, em particular, a OSI e a LO tentariam se articular no começo dos anos 1980, sem sucesso.
391
Definidas as diretrizes pelo Congresso, as entidades deveriam “preparar eleições
em urna no segundo semestre603, ao mesmo tempo que encaminhar as lutas contra o
ensino pago604, por anistia ampla, geral e irrestrita605, por uma Assembléia Constituinte
Soberana e livremente eleita; lutas em defesa da Amazônia e um movimento pela filiação
de todas as entidades de base e gerais (Das, Cas, DCEs, UEEs) à nova entidade606”. De
forma concomitante, a diretoria provisória (com sede em São Paulo, no DA FGV) daria
início às suas funções, delegando as atribuições de Secretaria e a Tesouraria a UEE-SP; de
Relações Exteriores ao DCE da PUC-RJ; de Imprensa e Cultura ao DCE da UFBa; do setor de
Ensino aos DCEs da UFPe e UFMG; do setor de contatos políticos ao DU da UnB e as
questões relacionadas com a anistia ao DCE da UFRGS607.
603 Com relação as eleições (diretas) da UNE, a diretoria (colegiado) provisória levaria proposta ao Conselho Nacional de Entidades durante reunião da SBPC (Fortaleza) para sua realização em setembro, inscrição de chapas em agosto e realização de debates públicos nas oito regiões administrativas da UNE. Seriam elas: “São Paulo e Paraná (região administrada pela UEE-SP); Rio Grande do Sul e Santa Catarina (DCE do RGS); Rio de Janeiro e Espírito Santo (DCE da PUC/Rio); Minas (DCE da UFMG); Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (DCE da UnB); Pará, Amazonas, Acre e Maranhão (DCE do Pará); Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba (DCE de Pernambuco); Bahia, Piauí, Ceará e Sergipe (DCE da Bahia). UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 604
A problemática da privatização do ensino surge como questão a ser aprofundada nos quesitos “verbas
para a educação, autarquização das universidades, situação das escolas particulares, anuidades, situação dos estudantes de pós graduação, e situação das escolas públicas”. Em paralelo, tratava-se de resgatar as lutas travadas pelo movimento estudantil desde 1973 na intenção de dar início a uma campanha imediata contra o ensino pago, seguida pelo convite ao Ministro da Educação, Eduardo Portella, a um debate público sobre o tema e a realização de um plebiscito nacional no mês de agosto. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 605
No questão da anistia, pretendia-se desencadear uma nova campanha acompanhada por um manifesto da entidade “exigindo a anistia ampla, geral e irrestrita” e sua entrega ao Congresso Nacional; a UNE participaria, também do Comitê Brasileiro pela Anistia, através da UEE-SP e DCEs da PUC-RJ e da UFMG (integrantes do colegiado provisório), do Congresso internacional sobre Direitos Humanos do Brasil (Itália) através dos DCEs da UFBa e da PUC-RJ; ainda, a entidade promoveria “um completo levantamento dos dossiês de professores e estudantes, punidos e desaparecidos, para exigir a volta dos que estão afastados e apurar o destino de alguns estudantes, como é o caso do último presidente da UNE, Honestino Guimarães, cujo paradeiro é ainda desconhecido”. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 606
A filiação das entidades seria iniciada de imediato e ficaria a cargo de cada região administrativa, ao
mesmo tempo em que o processo se faria centralizado pela UEE-SP. 607
Esta diretoria procuraria, ainda, trabalhar pela legalização da entidade – questão tomada com “um
direito dos estudantes” – com ajuda do MDB e do deputado Airton Soares”, questão execrada pela Liberdade e Luta. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p.
392
Com relação à Liberdade e Luta, a avaliação dos resultados obtidos no Congresso
de Reconstrução não configuravam só conquistas608, eles implicavam em perdas, e
particularmente da força da UNE “na luta pelas reinvidicações estudantis contra a
ditadura”. E estas perdas achavam-se relacionadas à três ordens de questões:
primeiramente, à forma de gestão conferida à diretoria provisória da entidade. Em seu
entender:
“...as propostas aprovadas com relação à direção da entidade e seu
funcionamento dificultarão enormemente a transformação destes princípios
fundamentais em força política, na luta. Isto fica claro a partir da própria diretoria
provisória eleita pelo Congresso. Esta diretoria não expressa o avanço organizativo
representado pela reconstrução da UNE, pois não passa de um colegiado de
entidades (8 DCEs) em que nada difere da Comissão Pró-UNE (organismo
impotente para dirigir o movimento nacionalmente, mas que foi necessário num
momento em que a UNE ainda não existia). (...) os delegados do Congresso não
votaram numa diretoria com base nas posições políticas que a compõem, mas
estas posições existem, e estão nos próximos meses, segundo seus insondáveis
critérios, dirigindo a UNE”609.
Em segundo lugar, à forma de eleição adotada para a primeira diretoria da
entidade:
“...Novamente, não foi a melhor escolha: a eleição em Congresso, nos moldes do
que sempre aconteceu na UNE, seria a forma que melhor possibilitaria um
608 Liberdade e Luta afirma, com relação a UNE: “Ela é uma conquista dos estudantes e do movimento de massas no Brasil, e a presença de correntes burocráticas no seu interior não poderão impedir que ela seja uma arma para a conquista dos estudantes e na luta contra a opressão. O próprio Congresso, embora não tenha definido as campanhas centrais sobre as quais se fortalecerá a entidade, aprovou, entre os muitos eixos de luta que ficaram decididos, as bandeiras centrais para o atual momento: a luta pelo Ensino Público e Gratuito e pela Anistia Ampla, geral e irrestrita. Resta combater para que a atual diretoria de DCEs, assim como a eleita no próximo semestre, assuma de fato esta campanha. Esta é uma tarefa que agluitanará os estudantes que no interior da UNE se batem contra sua burocratização, por sua independência e combatividade, na trilha sobre a qual ela foi construída: a luta contra a ditadura militar”IN O Trabalho nº 25 12 a 25/julho/1979, p5. 609
O Trabalho nº 25 12 a 25/julho/1979, p5.
393
processo democrático de participação dos estudantes na escolha da diretoria da
entidade. A votação em urnas, numa eleição nacional como esta, dificulta a
expressão de correntes minoritárias ou regionais do movimento e mais ainda de
estudantes que, isoladamente, querem intervir no processo; além disso, será um
estímulo à formação de ‘chapões’ decididos em acordos de bastidores. Para isso
também contribui o fato de ter sido rejeitada a proposta de diretoria proporcional,
que contivesse todas as posições expressivas do ME, de acordo com o peso de
cada uma, desta forma estaria garantida que todas as tendências se colocariam
claramente frente aos estudantes, sem ocultar suas divergências nos ‘conchavos’
enriquecendo o debate político”610.
Uma terceira limitação se originava da estrutura de poder pretendida para a
entidade:
“...Mas certamente o maior perigo para a UNE reconstruída com relação ao seu
funcionamento, será a estrutura de deliberação retirada do XXXI Congresso.
Segundo o que ficou decidido, a diretoria da entidade, eleita pelos estudantes e
por eles mandatada para dirigir suas lutas, estará submetida a nada menos que
duas outras instâncias deliberativas: um Conselho de Entidades de Base (Centros e
Diretórios Acadêmicos), todo poderoso, e ainda um Conselho de Entidades Gerais
(DCEs, UMEs, UEEs). Estes ‘conselhões’ federativos, somatórias de direções de
entidades, destroem a soberania do Congresso e da decisão tomada pelos
estudantes que elegeram a diretoria, que estará limitado e contido em sua ação
por organismos que não expressam de forma direta a vontade do movimento
estudantil nas questões referentes a UNE. Dessa forma, a UNE estará reconstruída,
mas amarrada a uma estrutura herdada dos tempos em que ainda não existia a
entidade nacional. Este funcionamento burocrático poderá ser danoso às grandes
lutas a serem travadas daqui prá frente” 611.
610
O Trabalho nº 25 12 a 25/juho/1979, p5. 611
Podemos ler: “Não por acaso o DCE da USP, primeiro DCE livre, criado com a retomada das lutas
estudantis, ficou fora da lista apresentada pela UEE: sua diretoria composta por membros da Liberdade e Luta, a mesma tendência que se recusou a participar do grande conchavo que resultou na chapa Construção, vencedora das eleições da UEE. (....) Processo diferente será o da eleição da primeira diretoria em setembro,
394
7.5 “PLANO DE COMBATE” DA TENDÊNCIA SINDICAL
Registros sobre o Congresso de Reconstrução no jornal O trabalho; manifesto da tendência Liberdade e Luta
Estadual. Acervo: CEDEM
Ora, em meio a estas limitações, a organização acelera a implementação da
“tendência sindical” e elege o processo eleitoral da UNE como ocasião privilegiada para
sua construção. No documento intitulado “Eleições da UNE”, encontramos orientações
claramente definidas: mais do que participar das eleições, tratava-se de ampliar o contato,
a discussão e o envolvimento dos militantes nos diversos Estados com o material
preparatório da tendência sindical; e tomando como base os ativistas (estudantes
organizados na tendência), o Setor Estudantil da OSI pretendia ampliar seu número de 239
ativistas – sem contar com os militantes da organização e os GER -, para 439 ativistas ao
final da campanha612. Mas, para tanto, se fazia essencial cumprir um cronograma de
atividades rigoroso613, ao mesmo tempo em que se adotava uma nova forma de
quando as chapas que se formarem disputarão o pleito nas urnas colocadas em escolas de todo o Brasil” IN O Trabalho nº 25 12 a 25/juho/1979, p5. 612
Os números e projeções eram os seguintes: São Paulo Capital, 70 atuais, 130 ao final; São Paulo interior, 65 inicial, 74 ao final; Rio de Janeiro, 5 atuais para 28; Rio Grande do Sul, 32 atuais para 47; Minas Gerais, 20 atuais para 50; Distrito Federal e Goiás, 10 atuais para 30; Paraná, 12 atuais para 24; Bahia, 16 atuais para 36; Nordeste, 9 atuais para 20. “Eleições da UNE”. Doc mimeog, s/d, s/a, 3p, p3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099 613 O cronograma, estabelecido entre os dias 18 de setembro e 27 de outubro, teria início com a chegada do Plano de campanha nos Estados, seguindo-se uma reunião do militante responsável com a Comissão da Campanha e o responsável estudantil (ou ainda, com os militantes estudantis), por entradas em sala de aula, viagens para distribuição do material, e convocação de reuniões para discussão da plataforma e a
395
organização – a “organização de núcleos” -, base através da qual se daria a conferência
preparatória, as plenárias estaduais e por fim a conferência nacional da Tendência Sindical
Liberdade e Luta, marcada para o mês de outubro de 1979. Ainda no mês de julho, o Setor
Estudantil da OSI/Liberdade e Luta estabelece na esfera interna da organização, o seu
“Plano de Combate”, determinada a defender a “razão da existência dessas entidades,
que é centralizar o combate dos estudantes em cima da satisfação de suas reivindicações
e da luta contra a ditadura militar”. Diz o documento:
“Nós temos um papel a cumprir no interior do M.E.; ou a OT dirige esse combate
entre a ditadura militar ou as O. capituladoras levarão esse mesmo movimento a
rumos estranhos à sua natureza (...) temos que entrar nesse segundo semestre
com o objetivo de construir a o de 1.000 militantes. Temos que entrar nas
campanhas eleitorais e de lutas que proporemos tendo sempre na cabeça e nas
ações o nosso objetivo: recrutar para que possamos ampliar nossas forças; auxiliar
as massas a derrubar a ditadura militar, para que a crise revolucionária se abra e
as massas possam rumar na direção da vitória da Revolução (...) Para podermos ter
um funcionamento com grande agilidade é necessário antes de mais nada que
cada Amic divida suas responsabilidades a cada mil. Determine ritmos, prazos, etc.
Sem isso nada adiantará. Cada mil. É um dirigente (...) A coordenação será feita
pelo setor (...)Devemos constituir também uma Comissão Técnica, que terá que
montar e rodar: cartaz UEE, plataforma UEE, boletim-ante projeto estadual”614.
Entre as tarefas, constavam discriminadas: distribuição do panfleto Agora UNE
(8/agosto/1979), Boletim DCE-USP (9/agosto, com balanço de gestão, proposta e ante-
projeto para a eleição), Boletim UEE (12/agosto, com balanço, proposta e ante-projeto
campanha.. ações entendidas como de “organização dos núcleos”. Em 10 de outubro, chegaria aos Estados os textos preparatórios à Conferência de Outubro, com “Ante-projeto do manifesto da Tendência, de funcionamento e de Lutas”, seguindo-se dez dias depois, Plenárias Estaduais da Tendência, trazendo na pauta: “balanço do ME e perspectivas, Manifesto da Tendência e Funcionamento, eleição dos delegados”. Por fim, no dia 27 de outubro seria realizada a Conferência da Tendência Nacional. “Eleições da UNE”. Doc mimeog, s/d, s/a, 3p, p3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099. 614 “Plano de Combate”. Doc. Mimeog, 7p, s/d, s/a., pp 1-7 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 122.
396
para a eleição), Campanha da UEE (12 a 20/agosto, nas escolas isoladas e algumas cidades
do interior), Campanha da UEE (20 a 29/agosto na USP, Unicamp e Unesp), Eleição da UEE
(30 e 31/agosto), Campanha pela reintegração dos professores cassados (10 a 31/agosto –
abaixo-assinado exigindo reintegração; 20/agosto – aulas inaugurais nas escolas da USP
com professores cassados; 22/agosto – ato público convocado pelo DCE-USP e ADUSP;
5/setembro – Ato público a ser proposto para entrega de abaixo assinado), Campanha da
UNE (8 e 9/setembro – Reunião do Conselhão – CONEG para fechamento das chapas e
reunião nacional dos núcleos para a formação da chapa Liberdade e Luta), Cartazes e
Plataformas (20/agosto – Cartaz UEE, Plataforma UEE; 3-4/setembro, Cartaz DCE,
Plataforma DCE), Campanha da UEE (com 3 fases de planejamento, envolvendo as
amics/células da USP em atividades diversas dentro e fora da universidade, entre os dias
12 e 31/agosto). Com relação às atividades para a formação da Tendência Sindical,
definiam-se reuniões nas escolas para formação dos núcleos (12 a 31/agosto) e uma
reunião regional para formação da tendência sindical (1 e 2/setembro).
Este processo, de qualquer forma, traria outras dificuldades para a Liberdade e
Luta. Segundo o relator das discussões promotoras do documento “Balanço das eleições
do DCE” (discussões desenvolvidas na Escola de Secretários da OSI, em agosto, e criticadas
pelo responsável pelo Setor Estudantil da OSI)615:
“..não conseguimos ainda dar os passos necessários para a construção da tend.
Sindical. Além do fato de que à margem dos sindicatos não é possível construir
uma tendência sindical, se coloca também nossa política em relação a LL
[Liberdade e Luta], desde que as discussões do BI foram transmitidas ao setor. De
uma hora para outra deixamos de ser LL, deixamos de ter um instrumentos de
aglutinação claro que era a tend. O abandono de LL contribuiu em muito para
615
Em relatório apresentado ao Burô Político da organização pelo responsável pelo Setor Estudantil, a análise do militante Bernardo, na Escola de Secretários compunha “uma falsa e sectária polêmica (...) que no seu conjunto favoreceu a quebra do centralismo democrático na plenária da tendência”. O relatório também dava notícias de ajustes do caminho político, informava sobre a realização de novas discussões e nova escola de secretários, além do estabelecimento de mudanças do funcionamento interno do setor. Relatório do acompanhamento do SEUSP. Tomás, 11/79. Doc mimeog, 3p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
397
semear a confusão entre os militantes que ora eram orientados para construir
oposições, ora núcleos pela tend sinfical, o que fez com que construíssemos uma
série de organismos que não se vinculavam entre si e que não se constituiram num
ponto de apoio para nossa campanha”616.
Uma outra questão importante colocada neste período – nas proximidades do III
Congresso da OSI - dizia respeito ao recrutamento de militantes para uma organização que
então contava com 250 militantes e, nas discussões internas, considerava-se ter chegado a
hora de “varrer a nossa tradição de grupo” para “construir uma O.T. capaz de exprimir em
todas as circunstâncias as aspirações das massas”, e desta forma, atuar para transformar
uma situação de crise política da ditadura em crise revolucionária. Tratava-se portanto de
promover um “recrutamento intenso de novos combatentes, convencidos da necessidade
de construir o partido revolucionário, seção brasileira da q.i. em reconstrução” e que
permitisse a organização alcançar nos próximos meses o montante de 1.000 militantes.
Este número de integrantes permitiria à organização consolidar-se em escala nacional,
616 Podemos ler: “É verdade que fomos a melhor gestão, a mais democrática que o DCE já teve; assim como é verdade que assumimos uma entidade semi destroçada por duas gestões nefastas da Refazendo. Estes fatos, porém, não podem ocultar o que foi a nossa gestao. Não se pode esquecer que o primeiro semestre de diretoria foi de paralisia, sendo que a única atividade que nos empanhamos foi a campanha pelo Voto Nulo que colocada à frente de uma entidade sindical constitui na verdade em confundir o sindicato, frente única de todas as correntes do me, ao próprio partido. Ou ainda, mesmo quando procuramos tomar pé em cima da campanha da Anistia, ou dos 11 sindicalistas presos, abandonamos a entidade, para que LL assumisse sozinha a campanha, enquanto nossa orientação era a de cobrar das demais entidades estudantis a sua participação na campanha. Este abandono da entidade reflete toda uma incompreensão de que os estudantes construíram suas entidades para organizar o seu combate e nós demonstramos na verdade desconhecer o que cabia a LL encaminhar e o que cabia aos sindicatos para que uma luta avançasse. O grau de distanciamento, a abstração dos organismos criados pelos próprios estudantes fez com que não dirigíssimos nossas propostas aos sindicatos e nos mantivéssemos à margem de seu cotidiano. A luta do CRUSP nos mostra exatamente isto. Enquanto colocávamos nossas propostas diretamente nas Assembléias, as demais tendências manipulavam os Cas no sentido de voltá-los contra nossas porpostas e contra o DCE enquanto que nós, percebendo que estávamos ficando no ar não partíamos para disputar as bases de cada CA. De fato a luta do CRUSP se constituíu no único momento em que colocamos o DCE a serviço dos estudantes. Também é verdade que procuramos fazer com que o DCE fosse um instrumento de combate. Porém, como atuamos para atingir esse objetivo? Abandonando as entidades, o DCE, ignorando que as massas se organizam nestes sindicatos e consequentemente, nos oferecendo como canal de organização dos estudantes“. Balanço das Eleições do DCE, Bernardo, como relator da discussão feita na comissão ad Hoc. Agosto 1979. Doc mimeog, 5p, pp 1-3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
398
fazer-se presente em diversos setores sociais e garantir “um combate unificado” com
base na “associação regular de centenas de trabalhadores e jovens à nossa política”.
O recrutamento teria início com a formação de “Comitês de Luta” que, numa
perspectiva diferente dos agrupamentos sindicais e dos organismos de frente única,
cumpriria com o papel de reunir as pessoas em torno de um combate específico, de forma
aberta e sem precisar que concordassem com todo o programa da organização ou que
deixassem de pertencer a outro grupo. Estes “Comitês de Luta”, no entanto, ao mesmo
tempo em que abririam “às massas canais de combate contra a ditadura”, também se
prestariam a ser “o terreno de recrutamento para a o.t”, uma vez que “Aqueles que
melhor combaterem nos Comitês, serão convidados para o ger”. Estes Comitês seriam,
também, construídos “em cima de uma campanha planejada”, sem ter um caráter
permanente, trazendo como princípio a idéia de que: “o nosso critério para o
recrutamento é o do combate e não o da ‘boa ou média formação livresca ‘ do
trabalhador”617 Entre os comitês constariam, particularmente, os “de Anistia” e “pelos
Sindicatos livres-pela CSI”, as principais campanhas definidas neste período.
Numa perspectiva paralela, tratava-se também de modificar os critérios de
formação dos militantes organizados618, uma vez que ao longo de 1978 teriam ocorrido
“inúmeras exclusões” motivadas pela existência de “vínculos desses militantes com o
marxismo (...) extremamente fracos”, apesar do II Congresso ter estabelecido “mais rigor
no recrutamento”. Tratava-se agora de “passar no crivo nossa zona de influência,
recrutando para a o. somente os que provaram na prática sua disposição a combater.
Logo o recrutamento deve se fazer...”:
“a. quando o militante já levou o combate conosco durante certo tempo, em
nossas tendências e onde elas não existam, de acordo com a política levada por
nós; b. o militante deve vender o jornal antes de começar o ger; c. o plano de ger
617 Recrutamento. Doc mimeog, 8p, março/79, pp2/3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 618 No Fundo Livraria A Palavra/CEDEM, caixa LP 108, encontramos dezenas de textos de Trotsky, Lenin, Marx e Engels destinados aos processos de formação militante.
399
se compõe de 10 pontos; d.a segunda parte deste ger, quer dizer a partir do 5º
ponto é feita por um membro da direção da organização, num ger central”619.
Em novo documento datado do segundo semestre de 1979, a organização já
registrava o crescimento interno de 246 para 415 militantes entre os meses de abril e
julho620, questão que suscitava novas orientações:
“A cooptação rápida exige um plano de discussão pata toda a OT (de acordo com a
resolução de funcionamento e formação) assim como exige a formação de
dezenas e dezenas de secretários de célula – tanto no que diz respeito ao
aperfeiçoamento dos mais antigos como dos novíssimos”.
Na dinâmica da Liberdade e Luta, propriamente, estas deliberações implicavam em
mudanças significativas, ainda hoje guardadas na memória de pessoas da “zona de
influência” da tendência, como no caso de Fábio Malavoglia621 que não apenas estranhou
as novas orientações como se afastou da tendência, ou de Paulo Zocchi que, pelo
contrário, rejeitado num primeiro momento, insistiu em se integrar na organização até
conseguir. Em suas lembranças:
“...em 1978 houve as eleições no Centro Acadêmico (..) eu peguei uma carona aqui
com, você já ouviu falar no Salomão? Ele era um quadro político importante (...) A
gente parou na Alameda Santos e ele ficou explicando o voto nulo... Daí foram
duas horas de conversa e eu falei, “não, tudo bem, estou convencido a votar
nulo”. Na verdade, foi uma aproximação, foi uma discussão para uma aproximação
(...) então eu fiz um GER (..) Teve todas as discussões, no fim das contas eu fui
recusado (...) eu era um sujeito muito polêmico, polemizava demais com as
posições (...) Eu era um cara cabeludão e com brinco (..) [que] tentava fazer
atividade cultural e artística, para mim, as coisas se confundiam... Então (...) eu
619
“Projeto de Resolução Política”. Doc mimeog, 12 p, p11, 1979 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068. 620 Os números apresentados em “Resolução sobre Recrutamento” são: SP (156 para 276), MG (19 para 38), RS (24 para 34), DF (19 para 24), RJ (12 para 21), BA (7 para 14), NE (8 para 7) IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068 621
Depoimento de Fábio Malavoglia a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 22/07/2009
400
achava que determinadas (...) posições de cultura tinham que entrar na carta do
Centro Acadêmico e não entendia porque é que não entrava (...) Eu fui rejeitado, e
durante este período a gente pôde desenvolver uma atividade de contracultura
grande”622
Segundo Paulo Zocchi, no período de 1978/1979:
“...Passado um certo tempo na Liberdade e Luta, você era eventualmente
convidado para entrar na organização. Eu devo ter sido convidado para entrar na
organização em julho de 1979. Daí te passavam no GER, que era um grupo de
estudos revolucionários (...) Nessa época, o grupo de estudos (...) era uma espécie
de discussão para entrar na organização (...) tipo uma por semana. Então, eram
umas oitos sessões de discussão coletiva com textos programáticos da Quarta
Internacional (...) Era a que temos até hoje, assim, nas discussões internas (....) um
texto político, um informe, vinte minutos/meia hora, falação e, a partir daí,
discussão política (...) Na verdade, a atividade de cooptação envolvia dois
aspectos, um, que era essa discussão teórica, e o outro, que era uma reunião
sistemática com o cara que era o responsável de intervenção (...) [e que] discute
com você toda semana e vai te envolvendo nas atividades”.
De forma concomitante, estas mudanças de orientação também enfrentavam
dificuldades na esfera interna, conforme registram algumas correspondências entre as
células e o bureau político da OSI. Entre elas, uma carta interna a USP dizia:
“O objetivo dessa carta é colocar os problemas que venho encontrando para
militar no SE [setor estudantil] da O. Creio que não são problemas pessoais meus,
mas problemas políticos que precisam de uma resposta (...) A esta altura a única
coisa que sei é que não quero sair da o. Estou nela há mais de 2 anos, com uma
militância, que apesar de contar com alguns desvios (ativismo principalmente),
622
Depoimento de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003
401
tem se dado de forma apaixonada e sem limites. A o. está em primeiro plano na
minha vida (...) Camaradas, cada um fala uma coisa diferente da outra (..) Se os
camaradas do SE não tem uma compreensão comum da discussão que fazem,
imaginem o que cada sec entende da discussão do seu sub e o que cada militante
anda falando por aí. Parece uma brincadeira de telefone sem fio, onde a direção
fala 1000 e cada militante X (...) Mas o que o BP tem com isso? Porque eu não
coloco minhas divergências ou dificuldades no sub-setr? Aí é que está. Não só
coloquei, como venho colocando há meses, e como bem podem ver, não avancei
muito, levanto problemas sem conseguir dar um eixo a esta discussão”623.
A realização do III Congresso da OSI em agosto de 1979, enfim, firmaria as
diretrizes discutidas nos últimos meses (em particular nas instâncias internacionais ) 624 e,
contando com a “iniciativa direta do CORQI que possibilitou a unificação em bases
políticas precisas - fundamentadas no Programa de Transição”625, ele consolidaria uma
nova leitura sobre o “sindicato livre”, deliberando pela intensificação da “Campanha pela
Anistia” e lançamento das Campanhas “pela Conferência Nacional pelos Sindicatos Livres
e pela Central Sindical Independente” e “pela legalização da OT” (destinadas a centralizar
e conduzir os combates do movimento de massas); pelo recrutamento em nova escala -
“visando atingir o objetivo de 1.000” e associado à criação de comitês de luta - com o
propósito de levar “a camada de trabalhadores e jovens que são atingidos pela nossa
agitação e propaganda, a construir conosco os meios para a combater a ditadura militar, e
abrir a crise revolucionária”; pela mudanças de gestão do Jornal O Trabalho (cabendo à
direção da organização assumir a direção do jornal, além de transformá-lo em semanal) e
publicação da revista teórica “A Luta de Classe” (com peridiocidade trimestral)626.
623 “Ao BP”. Rose. 24/8/79. Doc datilog, 3 pg, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 624 “O novo momento do B.I. e nossas tarefas”. São Paulo, março de 1979, doc mimeografado, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 625
O trabalho, nº32, 17/setembro a 1/outubro/1979 626
Neste Congresso surgiriam também “divergências internas quanto à linha sindical a ser implementada pela Organização”, seguindo-se uma cisão e a formação “da Organização Quarta Internacional (OQI), posteriormente Partido da Causa Operária”. AZAMBUJA, Carlos I. S.. “Ainda o PSOL – Partido do Socialismo e Liberdade”, 21 de outubro de 2005. http://www.usinadeletras.com.br/editorapubliquelivro.php
402
A OSI, por fim, assumiria “a discussão que à nível internacional está sendo
realizada entre o CORQUI e o SU, o que implica discutir aqui, com as organizações e
grupos filiados ao SU, através de textos acessíveis a todos os militantes”; cabendo-lhe
ainda levar campanhas internacionais; as tarefas preparatórias da 3º Conferência Latino-
americana; a criação e funcionamento regular de uma Comissão Internacional do CC; a
cobertura regular, pelo jornal, das atividades das seções do Corqui; contribuir
financeiramente para a reconstrução da IV Internacional627.
Estas resoluções consideravam como extraordinário o nível “de combatividade das
massas brasileiras”628, num contexto no qual as novas formas de organização do
movimento dos trabalhadores contrastavam com uma série de obstáculos – na forma do
recém-criado Partido dos Trabalhadores (considerado pela OSI como uma “articulção
burguesa”629); no papel exercido pelo PCB (cujo papel consistia em “sustentar a ditadura
627
Resolução. III Congresso OSI. 1979 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 628
Podemos ler: “...o nível extraordinário de combatividade das massas brasileiras, as formas de organização que seu movimento destacou na luta contra a ditadura são inseparáveis do ascenso revolucionário do proletariado a nível mundial e de suas características essenciais: a tendência do proletariado a se reagrupar sobre um novo eixo e a retomada das formas mais ‘tradicionais’ da luta de classes. O movimento se revestiu de uma espontaniedade poderosa. Mas essa espontaneidade não foi um dado bruto, mas o produto da ação de diversos fatores. Ela se integrou no ascenso do proletariado internacional (...) mas foi também a resultante da experiência adquirida em um ano de combates contra a ditadura militar, em um ano em que inúmeros organismos que asseguram a representação do conjunto das massas em luta foram construídos. Comissões de fábrica, comandos regionais, comitês de greve e Comando Geral de Greve surgiram em quase todas as localidades. As assembléias de 100 mil metalúrgicos, os piquetes-monstro, os espancamentos de pelegos e as passeatas marcavam um esforço gigantesco da classe operária para dar forma organizada ao seu movimento independente. A força da greve se fez sentir por todo o país, tanto nos movimentos s de solidariedade, como no grau maior de liberdade imposto à ditadura. Na verdade, a greve dos 250 mil metalúrgicos – em 6 dos maiores centros industrais do país – e dos 400 mil servidores públicos, estaduais e municipais – que se estendeu por mais de 300 cidades do estado de SP, paralisando setores inteiros da administração pública, a quase totalidade dos servidores da saúde e a totalidade dos serviços de educação – aumentaram as forças desagregadoras que agem no interior da ditadura militar, marcando a relação entre as classes e no interior das próprias classes” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 629
Podemos ler: “Surgida no interior do sindicato corporativista, aglutinando velhos pelegos inclusive com passado de interventores e policialescos – e pelegos mais novos, o PT vem mostrando a cada greve o seu verdadeiro papel: manter a estrutura sindicl corporativista, quebrar o movimento grevsta, participar juntamente com Figueiredo, das tentativas de evitar a abertura da crise revolucionária”. Apêndice da Resolução política. III Congresso, p4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.
403
militar, de legitimar suas instituições”)630; na presença de Brizola (centrada em resgatar “a
tradição do velho PTB”); na manutenção da “posição do aparelho stalinista, com toda a
sua ciência contra-revolucionária” de fazer “tudo o que pode para sustentar e apoiar a
ditadura”; entre outros representados pelo “Partido Popular de Almino, a Frente Popular ,
de Arraes e outros” – cabendo aos militantes trotskistas impulsionar as “aspirações e
reivindicações das massas” defendendo a luta pela independência sindical631 e a
derrubada da ditadura632.
As resoluções do III Congresso, em 1979, somadas ao trabalho de construção da
tendência sindical, se fariam presentes nas bases das plataformas para o DCE-USP, UEE-SP
e UNE.
Na plataforma para o DCE-USP, Liberdade e Luta resgata e avalia sua gestão
afirmando que “sempre combateu pelos interesses dos estudantes, por melhores
condições de ensino, contra o ensino pago”, questões que a levaram a enfrentar
“intransigentemente a ditadura militar” e a defender “a independência do DCE”633,
cabendo-lhe afirmar que “Sob nossa direção, o DCE não compactuou com nenhuma
instituição da ditadura”. Esta perspectiva, por sua vez, conferia “o direito e o dever de nos
630
“A Atuação do PCB se torna cada dia mais evidente (...) colocando-se contra as greves (...) Apoiando a anistia restrita de Figueiredo, sustentando o bipartidarismo, a ‘unidade’ do MDB. Negando-se a lutar pela sua legalidade – e sufocando a palavra de ordem de ‘livre organização partidária’”. Apêndice da Resolução política. III Congresso, p4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068 631
Na luta pelos sindicatos livres, a OSI propunha a manutenção do “combate pela independência sindical”
nas mais diversas atividades, instâncias e organizações de trabalhadores, nas mais diversas categorias, ao mesmo tempo que a realização de encontros municipais, de bairro, de fábrica... capazes de fortalecer os núcleos combatentes e de articulá-los em Conferências Estaduais pelo Sindicato Livre com perspectivas de uma Conferência Nacional. Mas, a questão dos sindicatos livres não poderia se afastar da luta pela anistia ampla geral e irrestrita, uma vez que a “luta pela satisfação das reivindicações dos trabalhadores” passava pela “liberdade deles se organizarem segundo sua vontade, para atingir seus objetivos”. Por fim, num momento em que a “ditadura militar se decompõe a olhos vistos”, tratava-se também de lutar pela “legalidade das organizações políticas, em particular, a OT”, propondo-se “como instrumento para a efetivação dessa luta definimos a seguinte palavra-de-ordem: LIBERDADE PARA OS PARTIDOS POLÍTICOS – LIBERDADE PARA AS ORGANIZAÇÕES OPERÁRIAS”. Na esfera interna, a questão primordial consistia na “construção da OT” e na conquista de 1.000 militantes. 632
O documento afirma: “A situação brasileira se caracteriza hoje pela crise política da ditadura, crise que, inexoravelmente, evoluirá até a queda – mais cedo ou mais tarde – da ditadura, até o desmantelamento do Estado burguês, a explosão da crise revolucionária. Não existe nenhuma transição pacífica até outro sistema de dominação de classe da burguesia e do imperialismo”. 633 “DCE na luta do CRUSP”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2.
404
candidatarmos à reeleição” em função de, ao lutar “por melhores condições de ensino
junto com os estudantes, [nós] nos deparamos sempre com o mesmo obstáculo: a
ditadura”.634 No curso de 1978, “centenas de milhares de trabalhadores se colocaram,
com suas greves, no centro da vida política do país: as greves ocorridas em maio de 1978
expressavam o anseio profundo dos trabalhadores e jovens do país em acabar com a
ditadura militar e suas instituições, com a repressão e o arrocho salarial..”635. Mas os
movimentos não pararam por aí.. Em 1979:
“...o número de grevistas alcança alguns milhões, em vários Estados, sindicatos
livres são construídos (professores no Rio, professores em Minas, construção civil
do Rio Grande do Sul, vigilantes em São Paulo, e outros), os estudantes
reconstroem a UNE, a polícia é enfrentada nas ruas com paus e pedras pelos
grevistas”636.
Diante disso e também do fato de que “a ditadura continua sendo a ditadura:
continua a reprimir, sempre com ferocidade, o movimento dos trabalhadores”, a luta pela
anistia:
“...expressa o combate contra a ditadura em seu mais alto grau. Significa a luta
pela soltura de todos os presos políticos do país, mas é mais do que isso: é a
vontade de milhões de brasileiros para que não haja mais prisões políticas, para
que haja liberdade de organização e expressão, direito de greve para que o
634 “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 635 Podemos ler: “...em resumo, derrubar a ditadura, obstáculo maior e erguido contra as reivindicações da imensa maioria da população de conseguir melhores condições de vida, melhores salários, liberdade” “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 636 Podemos ler: “O movimento dos trabalhadores e jovens é o responsável pela maior crise que a ditadura enfrentou em toda sua existência, e a queda do super ministro Simonsen (uma verdadeira queda do Ministério) é provocada diretamente por este movimento (..) A ditadura militar não consegue controlar sua própria crise e agonia. Economicamente, o país está falido, e as greves impedem que o arrocho salarial seja aprofundado (...) Essa situação de crise atinge também os estudantes: o nível de ensino é violentamente degradado”. “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3.
405
aparato repressivo da ditadura seja desmantelado, para que ela não tenha mais
condições de reprimir”637.
Enfim, a “..defesa que os estudantes fazem da independência da UNE faz parte da
luta contra a ditadura militar, que impediu por 11 anos a existência da UNE e agora fará
tudo para que nossa entidade perca seu caráter independente, submetendo-a ao controle
de suas instituições. Nesse sentido..”:
“..repudiamos firmemente a proposta que está sendo feita por algumas posições,
(como a chapa Chegou a Hora, que concorreu à UEE), no sentido de que a UNE, a
UEE e outras entidades participem do Conselho Feredal de Educação, do Conselho
Estadual de Educação e de outros instrumentos da ditadura. Os estudantes não
devem compactuar com a elaboração da política de ensino da ditadura, que é
contra os nossos interesses. Não devemos participar do mesmo organismo que
prepara a degradação cada vez maior do nível do ensino público e gratuito, o
ataque às nossas entidades livres”638
Na plataforma para a UNE, Liberdade e Luta procura se apresentar para um
conjunto de estudantes muito mais amplo, definindo-se da seguinte maneira:
637 Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 638 Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3.
Cartas programas de Liberdade e Luta em 1979. Acervo: CEDEM
406
“Somos uma tendência nacional do Movimento Estudantil Brasileiro, lançada
publicamente em julho de 1978, depois de anos de atuação enquanto grupos
regionais. Atuamos em 12 Estados, no interior das entidades estudantis, lutando
contra a Ditadura, pelas reivindicações dos estudantes e pela independência do
ME. Justamente por isso, somos sistematicamente atacados pela grande imprensa,
cujos proprietários não compartilham dos interesses dos estudantes e
trabalhadores. Temos participado das principais lutas do ME. Estivemos à testa da
reconstrução do primeiro DCE-Livre do país, na USP (o qual atualmente dirigimos),
em 76. Estivemos nas passeatas estudantis de 77 (as primeiras desde 68), algumas
das quais foram aprovadas em Assembléias realizadas à revelia das principais
tendências do ME. Em 78 fomos a principal força (contra as grandes tendências) a
propor, no IV Encontro Nacional, o Congresso de Reconstrução da UNE para o
primeiro semestre de 79. A proposta foi aprovada. A UNE está de pé”639.
Com destaque para as afirmações: “A UNE veio para brigar. Apontando as lutas
centrais, a UNE estará unificando os estudantes”; “Para acabar com o ensino pago.
Boicotar taxas e sobretaxas, e os aumentos: assim combatemos a Reforma Universitária”;
“Acertar em cheio a ditadura. A luta pela anistia é o golpe contra a ditadura que a UNE
deve desferir”; “Onde quem manda somos nós. Livre, independente: assim a UNE foi
criada, assim garantiremos que ela permaneça”, a tendência afirma:
“O ponto de partida para que a UNE funcione plenamente é que ela consiga dirigir
e organizar nossas lutas. É nesse processo que vai se colocar a necessidade da
organização setorial, conforme a área de ensino; a necessidade de uma imprensa
dinâmica e regular; e é assim que estarão dadas as bases para a promoção de
atividades de integração e intercâmbio cultural e esportivo. A unificação nacional
dos estudantes deve ser assegurada através da campanha permanente pela
Anistia, na campanha contra o Ensino Pago e na luta pela independência da UNE.
Além disso, em cada área (Humanas, Exatas e Biomédicas) será elaborada, através
das Secretarias e de Encontros, uma pauta de discussão e de lutas, centrados na
639“Liberdade e Luta”. Liberdade e Luta – UNE. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2.
407
questão do combate ao Currículo Mínimo e na questão da regulamentação da
profissão. Às Secretarias de Cultura e Esporte caberá realizar um levantamento das
iniciativas já existentes, nestes setores, em cada Estado, para programar atividades
comuns a serem desenvolvidas durante a gestão”640.
Na Carta programa para a UEE-SP, por sua vez, as proposições são de
“desburocratizar a UEE”641 de forma concomitante com a luta pela anistia (nas ruas e
contra a ditadura)642 e pelo ensino público e gratuito, insistindo a tendência:
“..Que a atividade da nova diretoria da UEE-SP esteja orientada para a organização
de um BOICOTE ESTADUAL AS SOBRETAXAS. Esta luta aglutinará milhares de
estudantes que hoje procuram fazer da UEE um verdadeiro instrumento de luta.
No ano que cem, 1980, a UEE deverá organizar uma luta pelo CONGELAMENTO
DAS ANUIDADES! (...) E a UEE tem que dar uma resposta a isso sem fazer
concessões ao MEC ou aos donos de faculdades Para que esta proposta seja de
fato encaminhada e não se transforme em letra morta, ou em discurso
inconsequente, propomos que ainda neste final de ano a UEE realize seu
congresso e que neste Congresso, onde a participação não se restringe às
diretorias de entidades (...) falem os estudantes! (...) Que o CONGRESSO organize
o combate dos estudantes que a UEE até agora não foi capaz de travar”643
640 “A UNE trabalhando”. Liberdade e Luta – UNE”. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 641
Podemos ler: “Agora temos uma tarefa: fazer com que a UEE retorne ao controle dos estudantes. Fazer com que seja instrumento de combate por nossas reivindicações. Para isso precisamos desbloquear o funcionamento da entidade. Precisamos de uma entidade verdadeiramente democrática para levarmos todas as lutas que Construção não levou. Nessa linha, propomos que se realize um CONGRESSO DA UEE, ainda esse ano, onde os estudates possam discutir livremente as lutas que deverão travar em São Paulo”; Liberdade e Luta UEE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p4. 642 Podemos ler: “Que sejam formados comitês de luta em todas as escolas, que expressem o combate organizado dos estudantes pela libertação imediata dos onze companheiros trabalhadores. Esse é o combate pela defesa de nosso próprio direito de manifestação e expressão, é o combate que oje garante a defesa de nossos legítimos interesses (...) Propomos que a UEE assuma e organize os estudantes numa campanha pela reintegração imediata e incondicional dos mestres e alunos cassados ou banidos pela ditadura; que eles sejam ressarcidos de todas as perdas morais, materiais e profissionais que sofreram; que terminem os atestados ideológicos e demais restrições políticas ao acesso de docentes à Universidade”.“A anistia nas ruas Contra a ditadura” Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 643 “Pelo Ensino Público e Gratuito para todos!” Carta programa Liberdade e Luta UEE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3.
408
Mas, o embate da Liberdade e Luta com a diretoria da UEE-SP assumia, de fato,
contornos mais intensos e se achava colocada há mais tempo. Para a tendência
lambertista, lhes parecia inaceitável a entidade estadual se manter ausente das
mobilizações das Faculdades privadas (contra o aumento das anuidades)644, dos
manifestos pela prisão dos militantes trotskistas, da greve de fome dos presos políticos645,
ou ainda, das lutas travadas na USP contra o aumento do preço do restaurante do
CRUSP646. E esta ausência os levava a considerar que a estrutura de gestão adotada pela
direção da entidade estadual, particularmente o Conselho Estadual de Entidades (CEE),
atuava como um “verdadeiro aparato montado para impedir que os estudantes tenham
acesso à sua entidade estadual”. O CEE, na visão de Liberdade e Luta, era responsável pelo
funcionamento lento e burocrático da entidade, ou ainda, pela imposição de dificuldades
de acesso/controle direto dos estudantes sobre as entidades, afastando-os da
possibilidade/perspectiva de “usá-la como instrumento ativo de suas lutas”. De forma
concomitante, a diretoria da UEE-SP - abrindo mão das ” responsabilidades assumidas
quando de sua eleição” - se “escondia” por trás da entidade, diluindo entre “todas as
644 Na ocasião, segundo a tendência, a UEE-SP não só falhara no encaminhamento de uma forma de luta que ela própria propusera (abaixo-assinado das entidades do Estado), como ela acabaria por interferir negativamente no movimento “impedindo que os estudantes se unificassem sob a palavra de ordem de congelamento das anuidades e fazendo todos os esforços para que o movimento não se generalizasse (...) Na Puc, inclusive, o boicote às matrículas não contou com a participação nem com o apoio da diretoria da UEE”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2 645Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2. 646 Podemos ler em “Liberdade e Luta Estadual “: “Desde o início das férias, Liberdade e Luta, como diretoria do DCE-livre da USP, vinha desenvolvendo uma atividade no sentido de aglutinar os estudantes para uma luta contra o aumento de 66%. A UEE esteve ausente desde o início. Mas assim que as aulas se iniciaram, e cocrreu a primeira assembléia massiva, Construção desceu como um meteoro para tentar impedir que o combate fosse adiante. Mas não bastou retardar ao máximo o desenvolvimento das lutas. Quando foi necessário utilizar formas de luta mais avançadas, no sentido da obtenção da reivindicação CRUSP a 6 cruzeiros, repentinamete se ‘descobriu’ qe o eixo da luta não era aquele, mas sim o descongelamento das verbas da SP! Isso pela manhã. À noite, a atuação da diretoria da UEE foi decisiva para impedir que os estudantes decretassem greve, em nome de uma assembléia, para dali a uma semana, que discutiria o relatório sobre as condições materiais de cada escola... Isso não sem antes deixar cair o véu que encobria sua atuação durante toda a luta: nesta assembléia, para melhor operar a desmbilizaão, Construção defendeu abertamente os Cr$ 10,00 impostos pela burocracia contra a proposta de congelamento a Cr$6,00 (conqista dos estudantes em 76!), defendida pela diretoria do DCE. Essa ‘feliz’ descoberta feota por Construção deu os resultados esperados: morreu ali o movimento para manter congelado o preço do restaurante. E se não vai haver aumento este semestre, isso se deve não às propostas ‘de luta’ de construção, mas à luta concreta dos estudntes que, mesmo derrotada, produziu alguns frutos”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p.
409
correntes que, de forma mais ou menos aberta, lhe dão seu apoio” os ônus da gestão,
com desdobramentos dramáticos para a democratização do movimento. A opção de
estrutura adotada por esta instância, portanto, deveria ser combatida em nome dos
estudantes recuperarem “para si” a UEE, ou ainda, em nome de se retomar uma série de
enfrentamentos abandonados pelas “correntes estudantis que se recusam a romper com
as instituições do regime”. O controle exercido pelas direções de entidades sobre um
movimento alimentado/constituído na/da participação direta dos estudantes na vida
política implicava, desta forma, na canalização de “todas as lutas estudantis para dentro
das instituições do regime e, com alguma predileção, para o MDB”. Para Liberdade e Luta:
“No interior de São Paulo, esse é um traço evidente das correntes que compõem a
chapa Construção, especialmente quanto a levar os estudantes a se filiarem ao
MDB (...) Não é por acaso que nas reuniões do Conselho Estadual de Entidades –
CEE (aparelho burocrático montado por Construção para tornar a UEE
impermeável ao movimento dos estudantes), as discussões tenham quase sempre
por referencial a seguinte questão: que posições aprovaremos aqui para que os
parlamentares ‘combativos’ do MDB defendam no Congresso. E, aliás, às vezes,
um ou outro diretor da UEE é apanhado de calças curtas, como quando se
defendeu que os parlamentares deveriam aprovar, com ‘reservas’
evidentemente... o projeto de anistia de Figueiredo! E esse tem sido o traço
essencial de Construção, o elemento que confere unidade a essa frente espúria
surgida em maio de 1978”647.
O resgate desta entidade livre de grandes proporções - “que caíra no marasmo” –
cumpria lugar estratégico para recolocar a UEE-SP “no centro das necessidades do
movimento estudantil”, ou seja, no coração das lutas contra o regime militar. À
plataforma da entidade, Liberdade e Luta propunha, então: “uma campanha pela
reintegração imediata e sem restrições de professores e alunos cassados ou banidos das
647
Para a tendência: “...Construção significou um divisor de águas, acolhendo as correntes estudantis que se
recusam a romper com as instituções do regime, em contraposição aquelas que combatem essas mesmas instituições”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, pp 1-2.
410
universidades pela ditadura” (expressão tanto do movimento pela anistia ampla, geral e
irrestrita, em contraponto ao projeto de anistia de Figueiredo, quanto da luta contra a
Reforma Universitária); “Uma campanha , a ser preparada desde já em todo o país e,
particularmente, pela UEE-SP, contra as taxas e aumentos das anuidades” (contra o ensino
pago); a convocação “para outubro de um Congresso da UEE, que decida a realização
dessas lutas de forma democrática e massiva. São lutas que devemos travar com todo
nosso potencial de mobilização e, dessa forma, o atual funcionamento da UEE deve ser
deixado para trás”; “além disso, a UEE deverá se posicionar e, mais do que isso,
encaminhar ativamente a luta dos estudantes ao lado dos trabalhadores de todo o
país”648.
Nas eleições para a UEE-SP, disputadas por 5 chapas, a vitória seria de Voz Ativa
que recebe cerca de 19 mil votos num total de 65 mil votos; em segundo lugar ficaria a
chapa Chegou a Hora (com cerca de 17 mil votos). A Liberdade e Luta recebe 8 mil votos,
12% dos votos, e conclui o processo em quarto lugar649. Nas eleições do DCE livre da USP
nos dias 12 e 13 de setembro, vence a chapa “Todo Mundo no DCE” (PCB), seguida por
“Sacode a Poeira” (Refazendo e Caminhando, com 2505 votos) e pela Liberdade e Luta
(com 1672 votos)650
648 Conclui o documento: “pela libertação de todos os presos políticos do país; volta de todos os banidos e exilados! Apoio ativo à greve de fome dos presos políticos! Repúdio ativo à morte do operário em MG pela ditadura! Liberdade de organização e expressão” liberdade de organização sindical e partidária! Direito de greve e manifestação! Desmantelamento do aparato repressivo! Punição aos responsáveis por crimes de tortura, mortes e outros desse teor! Enfim, abaixo a ditadura! Abaixo Figueiredo e suas reformas! Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p4. 649 Nas palavras de Ricardo Melo: Os “resultados obtidos devem-se a uma certa timidez demonstrada por Liberdade e Luta durante a campanha. Isso teria feito com que (..) obtivesse expressiva votação nos locais onde é reconhecida por seu trabalho e recolhesse pouquíssimos votos onde isso não aconteceu, em virtude da falta de uma campanha melhor preparada e mais agressiva (...) Na USP, onde estamos na diretoria do DCE e nossa implantação é antiga, ficamos em segundo lugar com 20 por cento dos votos, superados apenas por Voz Ativa, que teve 27 por cento. Contudo, em cidades importantes como Santos e São Carlos, nossa votação praticamente não existiu” “As eleições da UEE-SP”. O Trabalho nº31, 4 a 16/setembro/79, p3. 650 Segundo Ricardo Melo: “As eleições para o DCE são importantes porque se trata de uma entidade com uma grande tradição, construída há 3 anos em cima dos combates que os estudantes levaram contra a ditadura militar. É impossível hoje para os estudantes da USP ignorar que há quatro companheiros trabalhadores presos pela ditadura exatamente por defenderem os mesmos direitos pelos quais nós sempre nos batemos. Liberdade e Luta, como proposta, oferece esse contato aos estudantes da USP (...) Essa é a expressão maior do combate que hoje trabalhadores, estudantes e todos os explorados travam contra a ditadura militar. E é em cima desse combate que nós postulamos para a diretoria do DCE, em continuidade a
411
Nas vésperas da eleição da UNE, por sua vez, Liberdade e Luta continua ativa na
campanha contra o ensino pago (objeto do “pacotão Portella”) e com a leitura de que
“Nosso compromisso é com a luta dos estudantes, com suas reivindicações”651, ela puxa
vários abaixos-assinados de estudantes pela adesão das UEEs São Paulo, Rio de Janeiro,
dos DCEs da UFBa, da UFCe, do Conselho Regional de Estudantes da UNE, em Brasília, aos
processos de luta; reúne 15 mil assinaturas em São Paulo pela realização do Congresso da
UEE; propõe, na impossibilidade do Congresso, uma luta contra as sobretaxas na forma de
“comandos” pelo boicote (a serem unificados através de assembléia municipal para
garantir a unidade do movimento).
E em meio a tudo isso, as eleições da UNE trazem consigo um leque variado de
grupos e posicionamentos que divergem em diferentes aspectos quanto ao papel do
movimento estudantil no processo de redemocratização social (suas prioridades de luta,
arco de alianças, etc..), e como previra Liberdade e Luta, formam-se entre eles várias
“chaponas”, entre elas a “Mutirão” (que reúne num mesmo blocos as tendências
Refazendo, Caminhando e Viração); a “Novação” (de matriz trotskista, que traz as
tendências Centeia, Peleia, Convergência Socialista e Travessia, todas em apoio ao PT); a
nossa atual gestão”. “Eleições DCE livre da USP: 12 e 13 de setembro”. O Trabalho, nº31, 4 a 16/setembro/79, p3. 651 O Trabalho nº37, 6/novembro/1979, p4
Imagens e matérias sobre a Liberdade e Luta em 1979
412
“Unidade” (PCB), a “Maioria” (“acusada pelas outras tendências de ser uma chapa
“direitista”)652 e a Liberdade e Luta. Na ocasião, Ricardo Melo, afirma:
“...pela primeira vez nas eleições de uma entidade estudantil a discussão não se
polarizará nesta ou naquela palavra de ordem, como ocorreu em eleições
anteriores, mas que lutas e reivindicações estão na ordem do dia para os
estudantes e quem está disposto de fato a encaminhá-las (...) Assim de fato uma
luta (...) é traduzi-la em ação, é torná-la uma realidade palpável para os estudantes
e a realidade conforme que os estudantes não estão sendo correspondidos. Um
exemplo será a luta contra o aumento das anuidades e as taxas levadas na PUC-SP
ou na FMU-FIAM para os quais a diretoria da UEE não soube apontar o caminho
correto, atrasando até a construção do DCE da FMU (...) À frente do DCE da USP
(....) nos defrontamos com um fogo cerrado de outras entidades e, em particular,
da UEE, que deveria ter-nos prestado todo apoio e que, ao contrário, combateu o
tempo inteiro todas as propostas que apresentamos para que a luta avançasse (...)
O funcionamento das entidades contribui bastante para que as lutas não se
desenvolvam e fiquem apenas no palavreado. Hoje na UEE, o burocratismo é tal
que é improvável aos estudantes controlar a entidade construída por eles. A UEE
hoje se restringe a esse tipo de reuniões e discursos bombásticos que não
organizam ninguém. No fim, os estudantes reconstruíram suas entidades, mas não
estão organizados. Esta é a conclusão”653
Chapa Muitrão é eleita para presidir a UNE reconstruída. Fonte: Carta Programa. Acervo: CEDEM
652
SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984. São Paulo: USP, 2007. Mestrado em História Social, p. 197 653
“UNE: em outubro”. O Trabalho nº30, 21/agosto a 3/setembro/79, p2
413
Nas eleições diretas para a UNE, realizadas em outubro de 1979, vence a chapa
Mutirão654 e, no mês seguinte, a tendência lambertista dá início à construção da tendência
sindical Liberdade e Luta que, nas palavras de Demétrio Magnoli, surge como:
“...uma corrente que atua no interior das entidades livres dos estudantes,
procurando realizar a sua unidade em torno dos três pontos que são colocados por
seu movimento: satisfação das reivindicações dos estudantes, o fim da ditadura e
a independência das entidades”655.
A tendência sindical contaria com uma estrutura democrática nos moldes das
entidades livres, segundo Josimar Melo, “..com núcleos por escolas, reuniões semanais
(propostas de intervenção com a participação de qualquer estudante que concorda com a
plataforma)”. Segundo o Jornal O trabalho, estes núcleos seriam:
“...estruturados de acordo com as necessidades (dois por escola, um reunindo
duas escolas e assim por diante), e (...) centralizados pelos colegiados locais (que
podem ser por unidade, por cidade, etc) estadual e nacional, para dar conta dos
problemas que ultrapassam no âmbito de uma escola (que são resolvidos pelos
núcleos), com reuniões sem periodicidade determinada. Para dirigir a atividade de
colegiados, foi eleita na plenária de sábado, a Direção Estadual Provisória,
escolhida a partir da atuação, experiência e possibilidades de intervenção de cada
estudante. ‘Esta estruturação ainda será discutida e aperfeiçoada na Conferência
Nacional’, afirma Josimar, ‘quando daremos o passo definitivo para nos
implantarmos dentro das escolas e impulsionar as entidades’. E Josimar
acrescenta: ‘No passado, tivemos um importante papel nas grandes mobilizações
654
Carta Programa da Chapa Mutirão. Em pé, atrás, da esquerda para a direita: Juarez Amorim, José Pimenta, Sergio Carneiro e Ivaneck Perez. Nas cadeiras: Marcelo Barbieri, Alon Feuerwerker, Luis Falcão (Lula), Candido Vaccarezza, Fredo Ebling e Gilberto Martin. Na frente: Aldo Rebelo, Rui Cesar (presidente), Maria Francisca de Souza (Kika), Pedro Reis Pereira e Vladir de Oliveira.. http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009/03/chapa-mutirao-vencedora-da-eleicao-para.html 655 “Liberdade e Luta: vamos construir a tendência sindical”. O Trabalho nº36, 6/novembro/1979, p12
414
estudantis mas, por diversas vezes, não levamos com igual empenho as lutas
cotidianas do estudante”656.
Entre outros acontecimentos, um conjunto de 250 estudantes procedentes das
principais universidades da capital e do interior (Campinas, Ribeirão Preto, Santos, Rio
Preto, Mogi das Cruzes, entre outras) se reúnem na PUC-SP para realizar o Encontro
Estadual de Liberdade e Luta; os debates se centram na proposta da tendência para o
Congresso da UNE, em particular, sobre o “combate contra as taxas, pelo boicote estadual
às mensalidades” e sobre a unificação das lutas contra as sobretaxas e luta pela moradia
estudantil, além de discussões sobre a estruturação provisória da tendência sindical. Em
17 de novembro, 93 delegados de oito Estados, além de 70 observadores promovem a
Conferência Nacional da tendência sindical Liberdade e Luta, que na ocasião discutem e
deliberam a estruturação da tendência em escala nacional, eleição de uma direção por um
ano e aprovação de seus principais eixos de luta . Segundo Josimar Melo (candidato à
presidência da UNE):
“A base sobre a qual nossa tendência se estrutura são as entidades livres dos
estudantes, da UNE aos centros acadêmicos. É no seu interior que pretendemos
organizar setores significativos da grande massa estudantil que hoje acorre às
entidades (..) Partimos da compreensão do caráter sindical do ME. Sua vocação é
de participar, dentro da luta pela satisfação das reivindicações, do movimento
geral de derrubada da ditadura, com a qual se coloca a cada momento. Por isso,
atualmente o programa de Liberdade e Luta se define em três pontos:
independência política e organizativa, satisfação das reivindicações e fim da
ditadura. É a partir destes princípios que Liberdade e Luta pretende realizar
aunidade do estudantado em suas entidades livres”657.
656
Segundo Josimar Melo: Esta conferência será um marco na história do movimento estudantil (..)
Formando a tendência sindical os estudantes darão um importante passo na realização de sua unidade dentro das entidades livres, para garantir incondicionalmente a sua independência. A existência da Liberdade e Luta como tendência nacional será esta garantia”.“Liberdade e Luta: vamos construir a tendência sindical”. Ibid, p12 657 “Liberdade e Luta: tendência nacional. Um marco na história do movimento estudantil. O Trabalho nº39, 19/novembro/1979, p12
415
7.6 - A LUTA CONTRA O ENSINO PAGO E AS INTERVENÇÕES
ARTÍSTICO-CULTURAIS
Com a bandeira de luta contra o ensino pago à frente, a tendência propunha uma
dinâmica complementar de organização política para o movimento estudantil : a criação
de núcleos por escolas ou por grupos de escolas – com apoio nos Cas e Das - com a tarefa
de “traçar a política imediata para sua escola”, cabendo aos mesmos núcleos escolher
suas coordenações e compor colegiados, inclusive de caráter estadual. Estes núcleos
auxiliariam o movimento estudantil a recompor sua dinâmica de mobilizações ao conferir
maior especificidade e força às suas reivindicações específicas (tais como o pagamento de
matrículas e taxas nas escolas públicas, o aumento de anuidades nas escolas privadas).
Um “outro ponto importante”, afirmava Liberdade e Luta:
“... é a luta para obter, junto às entidades, locais para instalar sedes da tendência,
o que atualmente não acontece. É a luta pelo direito de tendência dentro dos
sindicatos livres, a mesma que levamos quando propusemos uma diretoria
pluritendencial para a UNE, em proporção aos votos obtidos por cada uma das
tendências”.
A Conferência aprova também várias moções, entre elas, a de apoio ao “comício
pela legalidade dos partidos e organizações que se reivindicam da classe operária”,
proposto pela OSI658, ou ainda, a de apoio à Conferência Nacional pelo Sindicato Livre/pela
Central Sindical Independente, “para a qual a Liberdade e Luta criaria uma delegação,
além de pedir apoio da UNE”.
658 A proposta se origina de uma troca de correspondências datada de 15 de outubro de 1979 entre o CC da OSI com as direções da APML, MEP, MR-8, PCB, Pc do B, PCR, POC e PST, organizadores do PT e do PTB, entre outras organizações, sindicatos, entidades estudantis. Correspondência IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.
416
De forma concomitante, as instâncias da UNE começam a funcionar e em reunião
no mesmo mês de novembro, o Conselho de Entidades Gerais (CONEG) se posiciona
contrário À luta pelo congelamento das anuidades - proposto por Liberdade e Luta -, ao
mesmo tempo em que aponta eixos de luta sem aprovar nenhuma proposta organizativa
mais específica. O CONEG também nega apoio à luta pelas liberdades de organização
partidária e legalidade para todos os partidos e organizações, afirmando Josimar Melo na
ocasião que:
“Tentei explicar como seria importante para a entidade e para a própria luta pelas
liberdades democráticas o fato da UNE assumir esta proposta. Mas a verdade é
que a maioria dos representantes de entidades parecia mais preocupada em
rejeitar a reforma partidária do governo e manter o MDB, do que assumir uma luta
concreta contra a ditadura”659.
Ainda no mês de novembro, por proposição de militantes da tendência Vento
Novo e apoio da secretaria das Casas Universitárias, um grupo de 300 alunos invade os 5º
e 6º andar do Bloco A do CRUSP (que, segundo o jornal O trabalho, desde 1968 não
abrigava mais estudantes), promove uma concentração na frente da Reitoria as USP e um
acampamento simbólico; Liberdade e Luta apoia este movimento, ao mesmo tempo em
que denuncia o papel desmobilizador do DCE-livre por não se dispor a participar deste
enfrentamento. Estes posicionamentos parecem dar resultados, uma vez que:
“Depois de realizada a maioria das eleições de Centros Acadêmicos na USP, nota-
se um importante deslocamento de forças (..) Liberdade e Luta – que havia
recuado consideravelmente nas eleições do ano passado – vem conseguindo
resultados expressivos na maioria das escolas”660.
659 O Trabalho n°39, 19/novembro/1979, p3. 660 O Trabalho n°39, 19/novembro/1979, p4.
417
As movimentações em torno do boicote ao pagamento de sobretaxa, somadas a
constituição em algumas faculdades de “comandos gerais de boicote” (PUC-SP, Farias de
Brito, Guarulhos, Universidade Mogi das Cruzes, Medicina do ABC, Fundação do ABC),
levam a UEE-SP a criar uma comissão de entidades para coordenar as mobilizações, ou
ainda, a promover em lugar do Congresso da UEE, um Encontro Estadual de Escolas Pagas.
Nos meses que se seguem acontece o IIº Encontro das Escolas Pagas que delibera, desta
vez, pela organização do boicote estadual às sobretaxas e às matriculas de São Paulo, na
mesma ocasião em que se anuncia na PUC-SP a formação de um “comando geral de
boicote, composta por representantes dos comandos por escola”661 que aprova em sua
primeira reunião a constituição de três comissões (finanças, imprensa e ampliação). No
entender de Liberdade e Luta:
“Fortalecer o Comando Estadual de Boicote, através da formação de comandos
por escola – esta é a principal tarefa que está colocada para a campanha contra os
aumentos nas anuidades e as sobretaxas nas escolas pagas do Estado”662.
A intensificação das mobilizações associadas à questão da privatização do ensino
conferem, enfim, maior legitimidade à Liberdade e Luta que defende os “comandos de
boicote” como a “garantia que os estudantes possuem de que seu movimento será
controlado, democraticamente, por eles mesmos, até a vitória”; esta legitimidade
também possibilita que as propostas da tendência alcancem com maior força as entidades
gerais. De forma concomitante, estes acontecimentos configuram divergências mais
profundas entre as movimentações e tendências estudantis, e entre outros aspectos,
quanto ao sentido das ações políticas.
Na verdade, não apenas no território estudantil a presença de diferentes sentidos
de ação política se fazia mais clara: no âmbito das reformas partidária e sindical - que
661 No IIº Encontro das Escolas Pagas acontece empate nas votações da proposta de Liberdade e Luta de congelamento das anuidades e a derrota da tendência na proposta de apelar a UNE para realize um congresso para encaminhar a nível nacional o boicote às sobretaxas e matrículas. O Trabalho nº41, 3/12/1979, pp 36-38. 662 O Trabalho nº42, 11/12/1979, p4.
418
tocavam diretamente as formas e perspectivas de organização e representação política do
mundo do trabalho – elas também começavam a se mostrar presentes, divergindo as
organizações clandestinas de esquerda sobre os destinos do bi-partidarismo (até sua
extinção no mês de novembro pelo Congresso Nacional); sobre a estrutura sindical (que,
entre outras ações, levara centenas de sindicalistas a se reunir na Conferência Nacional
por Sindicatos Livres/pela Central Sindical Independente); sobre as greves (que se
avolumavam nas mais diversas categorias sociais e Estados da Federação)663, ou mesmo
sobre o processo de radicalização do movimento pela Anistia (que recebe sanção de Lei
pelo presidente Figueiredo)664.
As organizações de esquerda, por sua vez, permeadas pelo mais variado leque de
posicionamentos políticos também encontravam no território político estudantil, espaço
para firmar seus posicionamentos e ali amplificar suas divergências. Ora, estas mesmas
tensões despertariam a atenção da imprensa, interessada particularmente nas tendências
663
As greves de 1979 tem início a partir de janeiro, começando pelos motoristas de ônibus urbanos no Rio
de Janeiro e seguidas pelos operários da Souza Cruz/Rio de Janeiro; por fumagueiros das fábricas de Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre; por professores das redes municipal e estadual de ensino do Rio de Janeiro (o movimento sofre intervenção no seu sindicato, mas volta a se reorganizar e se manifestar 5 meses depois); por novas greves no ABC paulista (que desta vez sofrem intervenção nos 3 sindicatos da região); trabalhadores dos postos de gasolina do Rio de Janeiro; motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo; professores da rede oficial de ensino de Minas Gerais; paralisação de médicos residentes em 14 Estados por 24 horas; jornalistas de São Paulo; trabalhadores da construção civil de Belo Horizonte (choques entre grevistas e polícia provocam a morte de um trabalhador; trabalhadores voltam a se manifestar depois de um mês); carreteiros de Belo Horizonte protestam por 24 horas; professores da rede municipal e estadual da Bahia; caminhoneiros de Paulínia vinculados à Petrobrás (movimento que se estende para outros setores de carga em Minas Gerais e Rio Grande do Sul); bancários mineiros; motoristas de ônibus e bancários em Porto Alegre (sindicato bancário sofre destituição de diretoria; 5 bancários são presos); metalúrgicos do Rio de Janeiro (movimento atinge 9 municípios); bancários de São Paulo (realizam manifestação no centro da cidade e recebem adesão de office-boys e populares) e bancários do Rio de Janeiro (ambos os sindicatos sofrem intervenção); metalúrgicos mineiros de Betim e Contagem, da Belgo-Mineira; operários das obras de expansão da Companhia Siderúrgica Nacional; metalúrgicos de São Paulo e Guarulhos (em choque entre a polícias e manifestantes da fábrica Sylvânia em Santo Amaro morre um operário; policia prende o comando de greve); metalúrgicos de Curitiba; caminhoneiros da Petrobrás de Paulínia e Barueri” IN Brasil Dia-a-Dia. Especial Almanaque Abril, Editora Abril, 1990. 664 Esta lei, considerada parcial pelas organizações militantes, beneficiava 4.650 pessoas entre cassados, banidos, presos, exilados e destituídos de seus empregos, possibilitou o retorno dos exilados em setembro, constando entre muitos outros: Leonel Brizola (6/setembro), Miguel Arraes (15/setembro), Luiz Carlos Prestes (20/outubro). No mês de novembro, o 2º Congresso Nacional pela Anistia delibera que os CBAs deveriam se juntar aos movimentos populares exigindo a total redemocratização do país.
419
estudantis discordantes665, transformando-se a Liberdade e Luta num objeto de debates
públicos.... a ela são dedicadas matérias específicas na mídia impressa e televisiva, como o
programa de Mino Carta veiculado no dia 1º de agosto pela TV Tupi que traz para a
discussão, entre outros convidados, um representante da UEE-SP, os diretores do DCE USP
Josimar Melo e Ricardo Melo, Lula e o Coronel Erasmo Dias666.
Nesta ocasião, a Liberdade e Luta contava com a “maior frente de intervenção da
OT em SP (81 militantes e 65 GER)”, ao mesmo tempo em que ela continuava a reunir em
sua “zona de influência” um leque muito mais ampo de expressões políticas e culturais,
resgatadas com detalhes por Paulo Zocchi que, em 1979:
“Formamos um grupo que era a Magrela; na ECA havia um grupo, Sem Passaporte,
que era ligado, que os membros eram da organização (...) não por acaso,
evidentemente, eles retomavam o surrealismo, particularmente, o manifesto que
o Trotsky fez com Breton, no final da década de 1930 (...) contra o realismo
socialista... Nessa época, a discussão do realismo socialista era relevante,
665
SILVA, Jordana. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Op. Cit., pp 79-80. 666
Segundo reportagem do jornal O Trabalho, este programa se traduziu “num mosaico de opiniões que
procuraram provar sempre a mesma idéia: Liberdade e Luta não passa de um grupo de jovens, sem vínculos com a luta dos estudantes e do povo brasileiro por melhores condições de vida e de trabalho, contra a ditadura militar”
. Podemos ler: “O Coronel Erasmo Dias mais uma vez fez rir os telespectadores pelo rigor de
sua análise: mistura maoísmo e trotskismo com a mesma facilidade com que atira bombas ‘corriqueiras’ contra estudantes e trabalhadores, O mesmo rigor se fez sentir nas palavras de Airton Soares, se bem que este misturou coisas diferentes das do Coronel. Teceu críticas à Liberdade e Luta: ‘radical, fora da realidade, não trabalha em conjunto com ninguém’. Tão precisas que não conseguiu formular um só exemplo para ilustrá-lo. Assim como se esqueceu de todos os exemplos que conhece para provar o contrário. O que diria o deputado do combate de Liberdade e Luta pela reconstrução dos Centros Acadêmicos? E da luta pelo DCE-livre da USP? Da PUC e outros? Da UEE e da UNE? Será que não foi um combate que Liberdade e Luta travou juntamente com outras tendências? Ou será que Liberdade e Luta não combateu por essas entidades? O que dizer então da crítica de ‘radical’? Será a campanha pela anistia irrestrita uma luta radical? O mais interessante é que o deputado disse que colaborou financeiramente com Liberdade e Luta. Porém, mesmo sem medir os seus passos, o deputado Airton consegue fazer parte de um programa. O que não se pode dizer do Lula, que fez um programinha à parte. Lula não se dispôs a falar da Libelu: ‘tem coisas mais importantes’, disse ele. E falou do PT. Num programa sobre Libelu. Que tinha convidados membros da Libelu. E outros convidados para falar, da Libelu. Lula não pode falar da Libelu ou melhor, da sua política, pois isso significaria discutir as críticas que lhe são feitas à sua adaptação ao sindicato corporativista, que ele tanto diz combater. Claro foram os membros da UEE, que reconheceram Liberdade e Luta como corrente legítima do movimento estudantil, apesar das muitas divergências. Estas, infelizmente, jamais encontrariam num programa de Mino Carta o espaço para a livre discussão”. Liberdade e Luta na TV. O Trabalho, 7 a 20 de agosto de 1979, nº29, p2.
420
sobretudo o PC do B, que dominava as principais tendências do movimentos
estudantil, implementava o realismo socialista de uma forma maciça nas
universidades... Então, esse grupo combatia isso aí e fazia uma série de atividades
em São Paulo (...) com a liberdade de que todo mundo é artista e ninguém é
artista (...) muitas atividades de rua (...) dizendo “bom, por que são as galerias de
arte e o mercado, que determinam quem é artista e quem não é artista? Então a
gente fez uma coisa chamada Evento de Fim de Década (....) na Praça da Sé em
outubro de 1979 (...) [com] atividades preparatórias [e que levaram a] formação
de diversos grupos de atuação em artes”667
Material do grupo Viajou sem Passaporte (outubro de 1978), que contou com a participação de Paulo Zocchi. Imagens
disponibilizadas pela internet
667
As atividades preparatórias e o Evento de Fim de Década se constituíram de uma: “...passeata alfabética
pelo centro de São Paulo... depois (...) a gente invadiu a Bienal (...) puxando o cordão, todo mundo com olhos vendados fazendo comentários sobre a Bienal... Depois, uma coisa chamada paz aos escolhidos (...) várias pessoas amarradas no marco zero, lendo textos aleatórios, dando voltas até ficar todo mundo preso... Depois, passeata (...) Era uma proposta (...) uma tenda de projeção que não deu muito certo. Caixas de papelão... Guichê de informações, onde as informações são qualquer coisa... Escultura de vento... Na verdade... (...) no dia não deu certo, mas se você for olhar o desenvolvimento do que os caras chamam de instalação nos anos seguintes... (...) música (...) qualquer um entrava, sentava, tal...Arte postal... Isso aqui é um negócio que no mundo inteiro faz... Papel e tinta... (.....) depois o dragão. Isso aqui a gente começou (...) O dragão é um túnel de pano preto com quinze metros de comprimento e uma estrutura de módulos (....) Então a gente sai do Teatro Municipal e chega até a Praça da Sé andando pelas ruas ali do centro velho e enfiando a população... A população entrava no meio, não sei o que... e depois, chegava na Praça da Sé e começava o evento. Era o start do evento. Isso aqui eu também tenho em filme super 8 aí...(...) a representação, lambe-lambe (...) Trabalho de dança... Esse daqui é um tipo de escambo (...) mas subvertendo o valor comercial (...) você trocava um barbante por um quadro, digamos... troca simbólica... isso aqui é a formação de diversos grupos de atuação em artes. O grupo Viajou Sem Passaporte era um grupo mais teórico (...) o Três, Nós Três, era um grupo que tinha três artistas (...) Renos Terráqueos é uma pichação que nós fazíamos (...) que causam um certo impacto em São Paulo, na época. Os Três então eram os caras que davam esses cursos sobre grafites aí que até hoje são artistas plásticos e tal...”. Depoimento de Paulo Zocchi para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003
421
7.7 - APROXIMAÇÕES TROTSKISTAS E O APOIO AO PT
A força do discurso de Liberdade e Luta, somado a um momento particular vivido
pelas organizações trotskistas (de ver rearticuladas diferentes tendências brasileiras em
função da rearticulação das instituições internacionais)668, permitiriam a esta tendência
estudantil não apenas se aproximar de outras tendências trotskistas (como a
Convergência Socialista, vinculada ao Secretariado Unificado), como assumir um papel
político muito especial. Para Mário, até este momento (final de 1979), não havia nada
igual... o “espírito da Liberdade e Luta” permitia ao jovem que entrava nela ficar
“plenamente sintonizado com o mundo (...) Ele estava apto a intervir, discutir ou... nada
era proibido”. Ela se constituía numa organização trotskista que:
“...falava para amplas massas, combatia preconceitos, falava em nome da
democracia e da liberdade, criava um negócio profundo, que enraizou. Essa
questão da organização autônoma parecia muito com os anarquistas, não é? Tinha
algo de anarquismo nisso, de liberdade sexual, de liberdade de ir à festa, de
liberdade de pensamento... De autonomia, do surrealismo, da visão artística... “669.
No entanto, quando a organização clandestina se vê diante de uma “classe
operária em movimento”, ela passa a retraçar seu caminho político e, em meio à
radicalização das formas de luta contra o ensino pago, das lutas pela anistia e pela
668 Em documento da Convergência Socialista, datado de janeiro de 1980, podemos ler: “”...o movimento trotskista no Brasil (...) deu origem a diversas organizações que se reclamam do trotskismo mas têm posições que poderíamos qualificar de ‘nacionalistas’ em relação à construção da Internacional (...) como é o caso dos companheiros do PRT, da FDT e setores da FURP (..) Além disso existem outros grupos trotskistas que se aproximam do revisionismo, embora não tenham estas posições consolidadas, como outros setores da FURP e os grupos Centelha e Peleia, além do grupo diretamente revisionsita que se expressa através do Em Tempo (...) esta realidade exige que tenhamos uma política em relação a essas organizações com o objetivo de aproximá-las do Comitê Paritário, integrá-las à tarefa de construir uma verdadeira internacional, centralizada e de combate, impedir que se passem ao bloco revisionistas, fortalecendo as forças trotskistas”. “Aos companheiros da OSI”, São Paulo, 29/01/1980. Convergência Socialista. Doc mimeog, 4p IN Correspondência. Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 669
Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005
422
Constituinte livre e soberana, a Liberdade e Luta ganha a forma de uma tendência sindical,
seguindo-se a adoção de (novos) procedimentos que acabariam por transformá-la
profundamente.670
A princípio, é a própria OSI que adota um novo entendimento acerca de sua
construção e papel no movimento de massas; entendimento que se revela presente no
mês de novembro quando o Bureau Político da organização se reúne para preparar a Iª
Conferência Nacional pelos Sindicatos Livres (16/12). Considerava que, com base na
criação de Comitês671 e na adoção de um eixo de lutas tornava-se possível estruturar
campanhas, preparar mobilizações e a Frente Única, “regularizar, controlar, dominar
nosso recrutamento e crescimento, nossa construção o ano todo com ou sem mobilização
de massas (mas não independentemente do estado de ânimo, do estado molecular das
massas)”. E com base nestas considerações, ele trata do plano geral dos encontros
Municipal de Salvador; Municipal do Rio, de Professores de São Paulo; de Professores de
Brasília; Estadual de Metalúrgicos de São Paulo; de Servidores de São Paulo; Municipal de
Bancários de São Paulo; de Trabalhadores da SABESP; Nacional de Professores e Nacional
de Bancários672. No mesmo contexto, a OSI vence as eleições para o Sindicato dos
Bancários de São Paulo (1979), o que fortalece o braço sindical da organização, constando
670
Entre eles: a implementação da política de Frente Única, fundada na criação de “comitês pela FU” com o
papel de “ajudar as massas a realizar a unidade, (...) a se organizar independentemente”, com base num “ponto concreto (...) Isto é, sendo ‘organismos políticos que, a partir das aspirações dos trabalhadores [que] lutam para superar (de fato, para ajudar as massas a superar) os obstáculos erguidos pelos aparelhos’, eles colocam o ponto concreto, a questão concreta imediata que, num momento dado, numa fase dada de mobilização das massas, expressa, concentra, sintetiza (...) a necessidade da organização independente, (...) da unidade na luta contra os patrões e seu governo” IN “Contribuição para a discussão sobre a campanha pela 1ª Conferência por Sindicatos Livres/por uma Central Sindical Independente”. Filipe. 07/12/79. Doc mimeog, 23 p IN Relatórios das Comissões e Setores/SP. Fundo A Palavra, Caixa LP099, CEDEM. 671
Podemos ler: “Os comitês devem se constituir num reagrupamento de militantes que atingimos c/ a nossa intervenção política. Com eles discutimos e preparamos nossa intervenção (..) Tendo como referencia o combate das massas e as suas necessidades, formulamos o ponto concreto em cima do qual reagruparemos os militantes (...) Os comitês que formaremos travarão essa batalha (impor a unidade) em todos os terrenos: desde a preparação das greves, do combate pelos CGGs, das lutas particulares, à luta contra a ditadura” IN “Contribuição sobre a Campanha pela 1ª Conferência Nacional por Sindicatos Livres/por uma CSI” Filipe 18/10/79. Doc mimeog, 2p IN Correspondência. Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 672
A luta pela unidade: preparar a Conferência. Buro Político OSI. São Paulo 25/11/79. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
423
à frente do Bureau Político (com papel central nos rumos do movimento) o sociólogo
Glauco Arbix e o jornalista Paulo Moreira Leite673.
Na esfera interna da organização, a OSI também vive discussões importantes no
começo de 1980 acerca da formação dos militantes, entendendo fazer-se necessário “um
sistema regular de formação” para além dos GERs e da militância política, na busca de
sanar debilidades e lacunas que surgiam nos momentos de elaboração política e
centralização de células e organismos. Experiências recentes nos “campos de integração”
(fevereiro/1980) suscitavam “um plano de formação centralizado, subordinado às
necessidades da org.” e suficientemente rápido para “sustentar o funcionamento da
organização de combate que estamos construindo”674. Numa perspectiva complementar,
tratava-se de conferir ao jornal O Trabalho o desempenho de um papel mais claro de
“organizador coletivo de uma organização bolchevique”, cabendo-lhe “orientar a atuação
dos militantes, definir os eixos e os centros de intervenção a cada momento”, bem como
atuar junto às reuniões de célula na condição de “segundo ponto da ordem-do-dia”675.
Por outro lado, como desdobramento da pré-conferência Nacional pelos Sindicatos
Livres, realizada em dezembro de 1979, ganha forma no mês de março a Comissão
Nacional de Entidades Livres que, no manifesto “Aos trabalhadores brasileiros, às
entidades sindicais, ao Partido dos Trabalhadores”, pronuncia-se “a favor da construção
de um Partido dos Trabalhadores. A favor de um Partido que lute contra os patrões e
prepare a mobilização geral dos trabalhadores contra a ditadura militar”.
Este manifesto chama também o recém-criado “Partido dos Trabalhadores a
participar ativamente da luta pela construção de sindicatos independentes, por uma CSI”
[Conferência Nacional por Sindicatos Livres], além de apoiar a realização do “Encontro de
Trabalhadores em Luta contra a Estrutura Sindical e o Sistema” e de conclamar a todos
673
A libelu ganhou o poder Por Glauco Faria e Thalita Pires [Quinta-Feira, 4 de Outubro de 2007 às 10:55hs] Revista Fórum, Edição 19, setembro de 2004. http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=1147 674
“Plano de Formação”. Burô Político, 6/03/80 Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001. 675
“Balanço: utilização do jornal”. BP, 04/04/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
424
para organizar a Conferência Nacional por Sindicatos Livres, em setembro676. Vale
considerar, neste caso, que neste momento já surgiam resistências internas quanto à
participação da OSI na formação do PT; a intenção de conquistar a legalização da
organização, somada à pretensão de constituir os “comitês de ligação” e efetivar “a CSI
ainda este ano” apareciam como prioridades e como alternativa à intenção de “abdicar da
construção da IV Internacional, no atual período pelo menos, e (...) nos mudar de malas e
bagagens para o PT, como a fração Maurício, Política Obrera e a Convergência
Socialista”677, experimentando-se “um momento contraditório”. Nas palavras de Sokol:
“... um núcleo de sindicalistas chamados Autênticos discute a formação do PT e a
gente participa através da OSI (...) No entanto a gente, apesar de participar, estava
com uma posição sectária”678
No âmbito estudantil, desde os últimos meses de 1979, as tendências Liberdade e
Luta e Novo Rumo começam a viver um processo de aproximações alimentado pelos
esforços de discussão conjunta dos fóruns internacionais trotskistas - Comitê de
Organização e Secretariado Unificado – pela Reconstrução da IV Internacional. Em
seguida, com base nos textos do Comitê Paritário (em particular, oriundos da reunião
ampliada realizada na Colômbia), a OSI procura aprofundar as discussões junto aos
militantes da Convergência Socialista na busca de “ganhar os simpatizantes e militantes
(..) para as posições do CORQUI relacionadas com os temas discutidos” (em particular,
sobre as ações guerrilheiras no Irã, Nicarágua, Afeganistão, El Salvador e em meio a quais
a OSI se posicionava, em geral, contra o castrismo)679.
676 “Aos trabalhadores brasileiros, às entidades sindicais, ao partido dos trabalhadores”. Comissão Nacional de Entidades Livres, BH, 14/03/1980 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 140. 677 Boletim Interno. Os Trotskistas e o PT. Lucio Galego. Recebido Jairo 05/03/80. Doc mimeog, 6 p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 678
Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 679 “Como preparar as reuniões abertas de discussão dos textos do Comitê Paritário”. Burô Político, 27/03/80. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001.
425
A tendência Novo Rumo, que surgira no começo de 1978 na USP para disputar as
eleições do DCE-USP, também se integrara à chapa Construção e participara da gestão da
UEE-SP tão criticada pela Libelú. Por outro lado, esta tendência já se achava presente no
Congresso de Reconstrução da UNE com o nome Ponto de Partida, contando com
militantes de diversos estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba,
Brasília, Mato Grosso Rio de Janeiro)680. Na nova situação, durante o Congresso da UEE de
1979, as tendências trotskistas – em processo de articulação - chegariam a somar 40% dos
delegados presentes e a interferir de forma significativa nas proposições de organização
do movimento estudantil paulista para o ano de 1980. Mas, de forma concomitante,
Liberdade e Luta - na condição de tendência sindical e em sintonia com as resoluções
clandestinas - dava continuidade à política de boicotes e greves universitárias, somada à
orientação de criação de “comitês de luta” no interior das universidades, propósito que
ela leva no interior do movimento estudantil da UNESP.
7.8 - POLÍTICA DE BOICOTES E DE GREVES: POR UMA “GREVE GERAL
NACIONAL DE ESTUDANTES”
Em meados de 1980, a ampliação do boicote se soma a outros movimentos nas
Universidades Públicas contra os cortes de verba, crescendo neste ínterim a adesão à
proposta de uma greve geral nacional dos Estudantes e a sua estruturação em “comandos
de greve”. Nesta ocasião, as proposições de embate estudantil com a ditadura militar (por
meio das organizações sindicais, na leitura trotskista) já enfrentam forte resistência dos
demais grupos (em particular, dos stalinistas)681.
680
ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, pp 57-58 681
Em junho de 1980, um relatório interno da PUC-SP registrava que: “O stalinismo ciente da dimensão política que o combate contra os aumentos colocava, barrou a via dos estudantes se utilizarem de suas entidades livres enquanto verdadeiros sindicatos livres para organizar e unificar as suas lutas contra a
426
Nos relatórios sobre a militância da PUC-SP encontramos maiores detalhes destes
processos; de fato, em meados de 1980 esta universidade já acumulava o montante de 10
a 15 boicotes de mensalidades no período 1975/1980, situação que se por um lado
conferia importante experiência aos estudantes, por outro lado há um bom tempo não
surtia efeito, o que impunha, na visão da Liberdade e Luta, a junção do boicote à greve
geral dos estudantes da PUC em nome da satisfação de suas reivindicações. Por outro
lado, tratava-se de estruturar as entidades com base na discussão de um modelo de
estatuto a ser proposto em assembléia (condição para se definir o caráter da entidade,
suas instâncias de deliberação e suas comissões), e em seguida, a consolidação de seu
caráter sindical, o que implicava na filiação dos estudantes e na contribuição de uma taxa
para sua sustentação material e política. Mas em meio a esta nova estrutura, surgiam
dúvidas sobre os vínculos que os estudantes estabeleceriam com a tendência sindical
Liberdade e Luta (TS), propriamente dita.682 Nas lembranças de Sokol, a questão da
tendência sindical:
“É uma discussão que a gente faz.. não é sobre a liberdade e luta, é sobre as
entidades políticas. O quê que ela tem que ser. […] É uma posição completamente
ditadura militar. Sob a bandeira de mais verbas os stalinistas (..) As entidades na prática passaram a gerir as escolas, ao colocarem todo seu esforço em conseguir mais verbas, em salvar a PUC, etc (é como se estivessem participando dos órgãos colegiados e cuidando dos interesses da escola)”. “A luta contra os aumentos de anuidade em São Paulo”. Samuel, 24/6/1980. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 682 As considerações seriam as seguintes: “É certo que não vamos fazer mini gers para os estudantes entrarem na TS, mas temos que ser rigorosos nas discussões, fundamentalmente sobre: independência do ME (PT, SL, CSI, abaixo a ditadura); satisfação das reivindicações (greve na PUC e greve nacional dos estudantes). Se o estudante concordar com nosso método e visão do movimento e compreender a necessidade de se organizar como fração do sindicato, isto é, nos núcleos de LL e contribuir mensalmente para sustentar a atividade da própria tendência, daí sim poderá ser considerado um militante LL. Tudo isso não quer dizer que o estudante só vai estar do nosso lado quando tiver toda essa compreensão. Não. Seria um erro político. As reuniões de LL são abertas e públicas, devemos chamar todos, particularmente aqueles que se destacam nos combates no interior do sindicato. A TS, enquanto uma fração do sindicato, também é uma escola de comunismo (é um viveiro para OT) neste sentido estudantes curiosos – combativos poderão tornar-se membro da TS. Nessa medida, é que os núcleos precisam se estruturar e para isto o colegiado cumprirá um papel fundamental, os coordenadores de núcleos tem que estar a par do que acontece no DCE e do que há de mais importante nas outras escolas. Sem o funcionamento regular do colegiado será impossível os núcleos se estruturarem em termos de uma intervenção homogênea. Obtetivos até o final do semestre: (..) 9 núcleos e 70 militantes”. “Plano para Intervenção – PUC SP – 2º semestre de 1980”. Comissão para Elaboração do plano da PUC SP EII, 18/07/80 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
427
original, porque a UNE nasce […] depois a luta de classe preenche essa relação de
outro modo. Mas o caráter da UNE nunca ficou bem definido. Os sindicatos
integrados […] na realidade da luta de reivindicações por verbas, ademais da luta
histórica. A democracia na universidade … […] era um tipo de imposto sindical, era.
Mas era pago por todos. Não tinha mensalidade, algumas entidades tinham
mensalidade, eram mais sindicais até. Grêmio, etc...até tinham mensalidade.
Depois isso acabou porque você podia entrar com meia carteirinha. Então perdeu
o sentido a carteirinha nesse sentido e também teve uma degeneração das
próprias entidades, que passaram a viver indo à lanchonete, xerox, se vincular a
editoras. Patrocinados pelas próprias reitorias. Como esse negócio de não pagar os
direitos dos alunos...”683.
Já com relação a criação de um núcleo do PT na PUC-SP, o documento afirmava
que seu “impulsionamento (...) significará uma enorme possibilidade de crescimento da
OT na PUC, o espaço está aberto precisamos ocupá-lo”.
No segundo semestre de 1980, os boicotes são “retomados, decretados ou
deflagrados em assembléias que chegaram a contar com cerca de 10 mil alunos como em
Mogi, e na FMU/FIAM. Ocorrem as assembléias explosivas do Mackenzie elevando para 5
o número de Universidades em boicote simultâneo. No interior, Santos, Lins e Marilia
retorna a luta”684. Diante das mobilizações, o CONEB aprova a greve de 3 dias, mas rejeita
a proposta trotskista de “greve nacional pela satisfação das reivindicações” (até a
vitória...), seguindo-se um movimento que paralisa 250 mil estudantes em São Paulo e 700
mil no restante do país. Em meio a este processo, Liberdade e Luta também defende o
apoio das amplas massas e sindicatos estudantis ao PT por reconhecê-lo como partido
operário “frente aos demais partidos (todos burgueses) e em função da “adesão de
correntes importantes (como o PCB e a coligação que dirige a UNE) ao PMDB”. Mas, mais
do que isso, afirma o documento:
683
Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 684“Balanço de nossa intervenção nas eleições da UEE”. Jane (após discussão com os responsáveis de Comitês de São Paulo – 12.10.80). Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
428
“Para a OSI, bem como para a massa de estudantes que identifica no PT a
expressão do movimento da classe operária, interessa a articulação de uma chapa
para a UNE – sindicato livre nacional – impulsionada pelo PT, composta por
militantes e simpatizantes do PT que coloquem a necessidade do apoio dos
estudantes aos trabalhadores e seu partido. É preciso ter claro, porém, que não
defenderemos incondicionalmente uma chapa pró-PT, ou seja, uma chapa cujo
único ponto de definição e de unidade seja o apoio ao PT. Pois trata-se de
apresentar uma plataforma que responda às reivindicações dos estudantes em
seus combates no interior da UNE. Neste sentido, trabalharemos com uma
plataforma que coloque fundamentalmente: a) Abaixo a ditadura! É a bandeira
central, que sintetiza as aspirações dos estudantes em todos os níveis (...), b)
Apoio à luta dos trabalhadores e ao PT; c) Luta pela Greve Nacional dos Estudantes
contra o Ensino Pago, pela satisfação das reivindicações; d) Independência do ME
frente ao MEC e aos Órgãos Colegiados”685.
Nesta ocasião, os trotskistas insistem na realização de uma greve nacional, forma
de luta que, se por um lado não recebe adesão da diretoria da UNE, por outro lado, ela
ganha espaço no CONEG e obriga “todas as correntes se posicionarem”, nascendo daí a
proposta de uma “Greve por 3 dias”. Esta proposição leva os trotskistas a “realizar
importantes contatos com dirigentes sindicais estudantis (inclusive de regiões onde não
tínhamos trabalho, como Sergipe e Mato Grosso)”, além de estabelecer um Plano de
Intervenção que procuraria contornar as barreiras colocadas contra a Greve Nacional e
que se embasava na seguinte leitura:
“Participaremos de todas as atividades preparatórias da Greve de 3 dias (e de
acordo com nossas possibilidades à frente dos sindicatos, chegaremos mesmo a
organizar estas atividades), mas nossa intervenção será no sentido de afirmar que
a discussão central deve ser a preparação desde já das lutas, a deflagração da
greve em cada escola. E a medida e que a greve de 3 dias apareça como um
685
“Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio (resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 5-6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
429
obstáculo, já estaremos forjando na prática a alternativa da greve nacional, e
combatendo de forma ofensiva a barreira levantada à luta dos estudantes.
Impulsionar a mobilização imediata dos estudantes nas escolas não é senão o
primeiro passo na luta pela greve nacional. Para que esta possa se tornar
realidade, é necessário que seja construída a unidade das escolas em luta. Por isso
proporemos a formação de Comandos de Greve que unifiquem os comandos de
cada escola. As escolas que iniciarem a greve já no mês de agosto serão
fundamentais como ponto de referência para a greve nacional. Os comandos
formados devem chamar os estudantes de todas as escolas a aderirem à sua greve
desde já (...) Além disso, o Comando Naconal deve propor à UNE que chame à
realização de Assembléias em todas as escolas, durante a greve de 3 dias, para que
estas decidam a continuidade da luta. A estas assembléias, o Comando deverá
lançar sua proposta de que permaneçam em greve, de que se mantenham
mobilizados pela satisfação das reivindicações; e que aUNE leve o chamado pela
greve à todos os estudantes”686.
A OSI acreditava poder ampliar até outubro, ocasião do Congresso da UNE, o
número de seus delegados (estimado em 450 pessoas), ou ainda, que se faria possível
abrir novos espaços de atuação de forma a resolver “a contradição existente, no
momento, entre nosso peso no movimento e a nossa representação no CONEB e CONEG”.
Em conjunto com Novo Rumo (Convergência), as tendências disputam as direções da UNE
e da UEE-SP. Na disputa pela direção da entidade estadual paulista, as tendências criam a
chapa Mobilização Estudantil que, em setembro de 1980 afirma:
“Concorrendo às eleições, existem várias chapas, mas apenas dois blocos, como o
Congresso da UEE deixou claro. Contra a proposta de LIBERDADE E LUTA e NOVO
RUMO coligaram-se todas as outras correntes, definindo os dois campos em que
se divide o movimento estudantil (...) Coerente com a visão da UEE como um
instrumento passivo de pressão, com a protelação da luta, com a negativa da
686 “Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio (resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 2-3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
430
unificação estadual, a coligação vitoriosa impediu a aprovação da proposta de
LIBERDADE E LUTA e NOVO RUMO que previa a criação de Comandos de Boicote
e Greve. Sob a absurda argumentação de que ‘0s comandos são divisionistas’,
relegou-se o movimento à total desorganização. Dessa forma aprovou-se um
boicote unificado... que ninguém unifica. (...) Os comandos, longe de
enfraquecerem a entidade, pelo contrário, as fortalecem, na medida em que
agrupam junto à diretoria os estudantes mais combativos e mais representativos
eleitos nas escolas em luta, organizando-a assim, com as entidades de base. Só
podem afirmar o contrário aqueles que temem organizar os estudantes em luta
colocando-os na própria direção do movimento”687.
Nas eleições da segunda diretoria da UNE, a chapa Mobilização Estudantil obtém
16.286 votos (quando esperava 35 mil votos), ao mesmo tempo em que a OSI contabiliza
um “buraco financeiro que sobreveio da campanha eleitoral” e a presença de “deficiências
de nosso trabalho estudantil em alguns estados do país. Estes estados são RJ, ES, SC, PR,
MG e CE (...) Por outro lado, há que se registrar que, como resultado de nossa intervenção
no processo eleitoral, abrimos perspectivas de trabalho promissoras em estados onde até
agora inexistia nossa intervenção organizada. No MA, SE e AL, a campanha eleitoral
permitiu que estabelecessemos contatos cuja importância transcende mesmo o trabalho
estudantil e se constituem em pontos de apoio para nossa penetração na atividade
política destes estados”688.
687
Também podemos ler: A chapa Mobilização Estudantil se lança para disputar as eleições da UEE-SP num contexto em que “a ditadura realiza movimentos frenéticos no sentido de sua auto-preservação”. Segundo a plataforma, este é o tempo das “reformas” de Figueiredo e de um “projeto de abertura [que] expressa a política do imperialismo para a sustentação dos regimes ditatoriais da América Latina: trata-se de reformar os aspectos mais odiosos desses regimes, mantendo a sua natureza. Já a escalada repressiva – os atentados a personalidades e entidades, o ataque a bancas e a imprensa independente, a prisão do prof. David Maximiliano – mostram precisamente que a ditadura e seu aparato repressivo permanecem de pé”. Chapa Mobilização Estudantil. São Paulo: editora Joruês, 1980. 688 “Eleições da UNE: Balanço”. Jairo (RNE), 13/12/80 Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
431
Congresso UEE - Poli, 1980; 3. Preparação Encontro da Juventude, final de 1980; 4 Assembléia na USP sobre o CRUSP, fevereiro/1980; 5.
USP, março/1980; 6. Plenária da Liberdade e Luta, 1980; 7. Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980; 8. Eleições Grêmio da POLI,
outubro de 1980. Imagens disponibilizadas pela internet.
432
7.9 “ENTRISMO” NO PT E DISSOLUÇÃO DA LIBERDADE E LUTA
A realização do IV Congresso da OSI também traz mudanças para o futuro da
tendência. Primeiramente, ele estabelece o “entrismo” no PT como uma tarefa necessária
e “transitória no caminho da construção do partido revolucionário no Brasil”; em segundo
lugar, na perspectiva de romper com os limites essencialmente sindicais que até então
marcara a intervenção da organização, o Congresso aponta para a construção de “uma
intervenção junto a setores mais amplos das massas” 689 incluindo aqui o trabalho com a
juventude, com o proletariado feminino (campanha pela legalização do aborto)690, entre
outros setores.
As resoluções do IV Congresso, de fato, desdobram-se em novas situações, mas em
particular, na “campanha de legalização” e na criação de “uma juventude petista [que] (...)
logo depois vai colocar em questão a existência da liberdade e luta como uma corrente
política”691. Este processo, de fato, tem início no final de 1980 com o envolvimento da OSI
nos trabalhos de preparação do “Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT”.
Nesta ocasião, a organização procura aproximar (e comprometer) a direção do PT com o
“combate pela organização de uma juventude, vinculada aos trabalhadores e suas
organizações”692, designando 22 militantes (USP, secundaristas, bancários e de regiões
diferentes de São Paulo; militantes de 6 cidades e um da região do ABC) para atuar no
689 “Elementos para atualização de nossa política sindical” Buro Político, 11/03/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 690 Doc mimeog sem título, Janjão, 4/maio/1981, 6p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 691
Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 692 Podemos ler: “A convocação deste Encontro só foi possível em função da participação da OSI nessa reunião – das 25 pessoas, 10 eram militantes ou simpatizantes da organização – que entendendo a necessidade da consolidação de um movimento de juventude, que não se restrinja a uma comissão ou secretaria do PT, defendeu a convocação deste Encontro para ampliar a discussão sobre a juventude e, principalmente, para que se defina uma intervenção concreta nas lutas dos jovens e formas de organização que permitam o avanço deste movimento que apenas se inicia. Este Encontro, não é um Encontro do PT, na medida em que está sendo convocado (...) não pela direção do partido. Isto não significa que a direção esteja contra a sua realização; pelo contrário, existem todas as condições para que ela venha a apoiar o encontro”. “Preparemos o Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT em São Paulo”. Roberto (RNJ) 12/11/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.
433
novo setor; a OSI entendia ser a “única força política capaz de impulsionar decisivamente a
construção de uma organização da juventude”693.
Na esfera interna, seu Bureau Político considerava o PT como o território em que
se daria a “construção de uma Organização Revolucionária da Juventude”, com a tarefa de
auxiliar a juventude a “se organizar politicamente, ao lado da classe operária, no combarte
de seus interesses”:
“O poder de atração do PT é particularmente forte no interior da juventude
trabalhadora e oprimida, que enfrenta uma super-exploração e todo tipo de
discriminação social e política. É fundamental entendermos esta realidade para
que avancemos no sentido da consolidação de um amplo movimento de
juventude. Não podemos em hipótese alguma, limitar a perspectiva de
organização da juventude a simples aglutinação de nossos contatos e de nossa
área de influência, numa ‘juventude da OSI’. Por isso temos que afirmar a
NECESSIDADE do combate por uma juventude do PT, que aglutine milhares e
milhares de jovens na luta contra a ditadura militar, pela satisfação de suas
reivindicações (...) Por outro lado, não se trata (...) de levar uma discussão
‘teórica’, no interior do PT (...) ‘Somente a existência de uma força real de jovens,
atuando (...) é que pesará para que o PT se engaje neste combate’”694
693
Podemos ler: “Hoje somos a única força política capaz de impulsionar decisivamente a construção de uma organização da juventude, na medida em que somos os únicos a colocar claramente esta necessidade e isto já ficou demonstrado no próprio processo de preparação do Encontro, ampliando a discussão sobre a necessidade da organização da juventude e, principalmente, iniciando uma intervenção concreta nas lutas dos jovens (office-boys) foi possível conquistar um espaço importante n interior da Comisão de Jovens do PT, ganhando para nossas posições a esmagadora maioria dos militantes que dela participam. Assim, será em nome da Comissão de Jovens do PT que apresentaremos nossas propostas para o Encontro”. “Encontro de Jovens: 1º passo para a construção de uma juventude”. Roberto (RNJ), 02/12/80. Doc mimeog, 2 pag IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 694 Intervenção na Juventude (Texto para discussão no BP de 18.02.81). Roberto (RNJ) 12/02/81. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001.
434
Manifestações operárias. Imagens disponibilizadas pela internet.
Nesta ocasião, a tendência Liberdade e Luta também retorna à direção do DCE livre
da USP com a chapa Solidariedade, trazendo Cleusa Turra na presidência da entidade para
o período 1980/1981.
Chapa Solidariedade para DCE Livre da USP. Acervo: CEDEM
No começo de 1981, o Bureau Político mantém o “combate contra o ensino pago”
como eixo de atuação estudantil, acrescido da bandeira pelo “direito ao estudo”, na
perspectiva de agregar as reivindicações contra os aumentos, taxas e sobre-taxas à luta
pela suplementação de verbas para as escolas públicas. A greve nacional deveria ser
mantida, além de se promover outras intervenções em ocasiões específicas (matrícula,
435
etc.)695. O envolvimento da organização com o PT, por sua vez, já se mostra pleno,
entendendo a OSI que:
“Filiando massivamente, nós colocamos as nossas discussões, nós construímos os
diretórios, nós começamos a consolidar nossa autoridade política no interior do
Partido. Independentemente de qualquer adesão ao nosso programa, mesmo à
discussão sobre a Constituinte, temos que filiar massivamente ao PT. A discussão
que está colocada é: os trabalhadores devem ou não ter sua expressão política
própria? Ou, segundo a nossa colocação: com o PT, os trabalhadores podem ter
sua expressão política própria, seu partido. Nenhuma discussão abstrata pode
obstaculizar nosso trabalho de filiação (...) somos incondicionais pela organização
política dos trabalhadores num terreno próprio, sem colocar o nosso programa
como um obstáculo à essa organização (...) O PT se constrói num terreno de classe;
e essa é uma experiência nova para milhares e milhares de brasileiros. Seus
primeiros passos são confusos. E nós temos que compreender isso para
trabalharmos. Temos que compreender que o PT não é o partido revolucionário.
Não podemos tirar nosso paletó e vesti-lo no PT. Os núcleos, os militantes dos
núcleos não são, em sua imensa maioria, marxistas. É nossa tarefa mostrar para
esses militantes que só o marxismo, só a IV Internacional, pode construir um
verdadeiro partido dos trabalhadores que acabe com a miséria e a exploração.
Porém, esse é o objetivo do nosso trabalho, e não um pressuposto (...) Temos que
fazer o PT andar, se construir como uma ferramenta para os trabalhadores (...)
vamos construir núcleos e através deles, manter uma vida partidária ativa”696.
Em abril, a opção já é pela “dissolução das tendências estudantis animadas em
separado pelas duas organizações” [OSI e Convergência Socialista] devendo os trabalhos
no movimento estudantil se dar “através de uma dinâmica sindical que, se reivindicando
do PT, organiza nossa área de influência no interior dos sindicatos”. Tratava-se de criar:
695Nota para a intervenção estudantil. Buro Político 16/01/81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 696 “Construir o PT, construir a organização trotskista”. Buro Político, 8/01/81. Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
436
“os núcleos por escola, que devem ter seu ritmo determinado pelo ritmo das
mobilizações estudantis. Construídas desta forma, a tendência, além de organizar
o combate dos trotskistas de sua área de influência no âmbito da vida sindical,
será um terreno privilegiado para o recrutamento para o PT, a OSI e CS e,
futuramente, para a organização unificada da IV (CI). A forma pela qual se
materializará o lançamento da tendência (publicação de manifestos, etc) deverá
ser discutida com a CS, e uma orientação precisa a respeito deverá sair o mais
breve possível”697.
A opção de conferir à tendência Liberdade e Luta um novo formato, o de uma
organização de juventude dentro do PT, nascia da perspectiva de abandonar a mesma
dinâmica de organização e atuação política no movimento estudantil que levara sua
criação em 1976; por outro lado, este novo formato também nascia para agregar as forças
trotskistas dentro do PT, num momento estratégico de reorganização do movimento
trotskista internacional.
Em junho, a organização realiza um primeiro balanço de sua atividade no PT,
afirmando o CC da OSI que as atividades desenvolvidas com a Convergência Socialista
durante a campanha de legalização, permitira que, na condição de “uma mesma linha
política”, elas se constituíssem na “força emergente mais importante do PT”, passando a
existir efetivamente dentro deste partido. E “mesmo com dados ainda parciais”:
“...podemos afirmar que participamos de mais de 130 diretórios distritais e
municipais em todo o país. Realizamos mais de 43 mil filiações (o PT conta com
210 mil, em estados como SP e RS, realizamos mais de 35% das filiações).
Praticamente em todos os distritos e municípios em que intervimos, temos uma
participação nos diretórios. Hoje são dezenas de trotskistas eleitos presidentes de
diretórios possibilitando uma atividade de construção da IVª Internacional como
nunca tivemos”698.
697 “Sobre a greve nacional dos estudantes” Jairo (RNE) 11/04/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 006. 698 1º Balanço de nossa atividade no PT. CC 27/06/81, Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 005.
437
No curso de 1981, por sua vez, em meio à “legalização do PT, CONCLATT, Greve
Geral, fundação da CUT, semi-insurreição na Bahia, eleições de 82”699, surgem os
primeiros problemas no processo de unificação entre a OSI e a Convergência Socialista.
Segundo a OSI, por razões que escapavam à sua compreensão, a Convergência Socialista
rejeitara o projeto de resolução comum e interrompera um percurso no qual as “duas
organizações [de] tão irmanadas” já não podiam praticamente se distinguir.700 Segundo a
OSI, em dois anos de aproximação entre duas correntes internacionais701, conseguira-se
rumar para a construção de “uma organização unificada, poderosa” que além de contar
com “uma base política para se efetivar”, apresentava resultados extraordinários. Estas
dificuldades prosseguiriam e em razão de desentendimentos internacionais, as
perspectivas de unificação se veriam inviabilizadas no mês de novembro702.
O V Congresso da OSI, no final de 1981, reitera a presença da fração trotskista no
interior do PT por entendê-lo como “o novo eixo de organização do proletariado” e como
“terreno aberto para a construção da IV Internacional no seu interior, no interior da
699 “Ao BP da OSI”. K2 (CTSP1) 11.09.81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 075. 700 Projeto de Declaração do CC da OSI à Direção da CS/ao Comitê Executivo da IV Internacional (CI). CC da OSI, 1/08/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 701 Em outubro de 1979 foi lançado “um apelo pela FB, CORQUI e TLT pela realização de uma Conferência Mundial Aberta. Nos dias 19 a 27 de dez de 80, um ano e dois meses depois, realiza-se a Conferência Mundial que dissolve as frações internacionais, constituindo a IV Internacional, Comitê Internacional com seus organismos dirigentes, aprovando as teses e as unificações nacionais (...) Nos dias 23 a 29 de maio de 81 realizou-se a 2ª reunião do Conselho Geral (...) 5 meses após esta reunão do CG, 10 meses após a Conferência Mundial e a IV CI está completamente rachada. A 3ª reunião da CG que deveria ‘marcar a data do congresso de Reconstrução’ não conseguiu mais se reunir unitariamente. No Brasil, a base das organizações é informada pela primeira vez da situação dia 9 de novembro, com a ‘palestra’ e Favre, 16 dias depois recebemos na nota informativa do BP da OSI, a informação que a cisão consumou-se, que não se reunirá mais o CRI, nem o CG, não se convocará a Conferência Mundial, retornando ao antigo esquema “Comitê de Ligação”. Situação de Ruptura da IV CI e os marcos em que ela se dá”. Ru-He. São Paulo, 27 d novembro de 1981. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 702 Em correspondência entre o Burô Político da OSI e o Comitê Central da Convergência Socialista, podemos ler: “Nós da OSI, acreditamos que a direção da CS está bloqueando a reconstrução da IV Internacional, não somente em relação a todas as questões que surgiram no seio da QI (CI), mas também a nível nacional, tanto no que diz respeito à intervenção na luta de classes, como em relação à discussão sobre situação nacional preparatória ao seu congresso (...) Por essa edição [publicação sobre crise na França], pelas posições levianas que defende a direção da CS, pelas caracterizações ligeiras e sem provas, pelo nível rasteiro destruidor, só podemos concluir que a direção da CS faz o possível e o impossível para que a discussão não se faça”. Ao CC da CS. Burô Político da OSI. São Paulo, 17/12/1981. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.
438
vanguarda do movimento operário brasileiro”703. Data também de 1981 a constituição da
Quarta Internacional/Centro Internacional de Reconstrução (QI/CIR), “em uma reunião da
maioria das seções que anteriormente haviam formado a QI/CI. A QI/CIR passou a editar a
revista “La Verité”, intitulando-a de “revista teórica da Quarta Internacional”, distribuída
às seções nacionais em inglês, alemão, espanhol, português, russo, servo-croata, grego,
árabe, chinês e bengali”. A esta organização a OSI se vincularia em 1984, em seu 7º
Congresso, passando a denominar-se Fração Quarta Internacional (FQI).
As resoluções do V Congresso intensificam os trabalhos de incorporação da
organização trotskista ao Partido dos Trabalhadores, apesar de, no ano de 1982, a
tendência estudantil Liberdade e Luta ainda disputar as eleições da UNE, mas numa
ocasião em que ela já se encontrava em processo de dissolução. A dinâmica relatada por
Ademir Demarchi, de fato, já demarcava os novos tempos:
“..logo entrei para uma célula de uma organização trotskista, a OSI - Organização
Socialista Internacionalista, mais conhecida por sua tendência estudantil, a Libelu,
iniciada em Maringá pelo esforço do Luis Gushiken (...) que tinha lá um trabalho a
ser feito por causa de um incipiente movimento sindical bancário de oposição.
Fundamos o PT lá ao mesmo tempo em que começava a ser discutido no ABC e o
legalizamos andando de porta em porta nos fins de semana, almoçando pão com
mortadela e tubaína para fazer as filiações que o governo dos militares exigia
como dificuldade para a criação do que então se acreditava ser um partido
operário. Cheguei a ser candidato a deputado estadual nas eleições de 1982,
cumprindo outra exigência para sua implantação. A candidatura era formal pois o
que nos interessava era garantir o registro partidário e ganhar os diretórios
estudantis da universidade, com aquelas chapas hoje impensáveis, como
Solidariedade ou Outras Palavras – para marcar diferença com os estalinistas dos
703 Projeto de Resolução da II Conferência Nacional da OSI. BP da OSI. Agosto de 1982. Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.
439
dois PCs. Esse movimento redundou em invasões de restaurante e reitoria e em
queima de carnês, que levaram a uma conquista importante no Paraná”704.
A tendência Liberdade e Luta alcançou seus limites de atuação no interior do
movimento estudantil após o Congresso de Reconstrução da UNE. De fato, discordando da
estrutura de representação e atuação política que ganhava forma, seus militantes e
organização clandestina optam pela sua transformação numa tendência sindical e, em
seguida, promovem seu deslocamemtno para o PT, passando a atuar no movimento
estudantil através do novo partido. Vale considerar, ainda, que outras forças políticas,
numa perspectiva diferente, optam por fortalecer as atuações como tendências dentro do
ME e de maneira particular, buscam ocupar cargos de maior prestígio e poder redefinidos
pela estrutura institucional que se fizera recomposta na segunda metade da década de
1970.
A maior parte dos documentos contidos nas cerca de 100 caixas do fundo
documental da livraria A Palavra, no CEDEM, testemunha o intenso processo de
mobilizações sociais e organização da sociedade civil que, entre outros aspectos, daria
forma ao Partido dos Trabalhadores. De fato, em meio a ele, o volume relativo à
Liberdade e Luta é modesto e, neste caso, conforme sugere Celso Marcondes:
“Destes anos, com certeza ficou o exemplo. Ficaram também estruturas,
experiências, lições muito úteis para os anos que se seguiram. Nada foi em vão,
nunca foi "arroubo juvenil". A maior fatia das tendências, das organizações e da
massa que assumia as mobilizações de rua iria engrossar o caldo que daria origem
ao Partido dos Trabalhadores. Gente formada neste período, que começava a
seguir suas carreiras profissionais e iniciar uma militância sindical em outras áreas.
Aos poucos, a grande maioria destes grupos ia se dissolvendo ou virando
tendências no interior do PT. Fora dele, iam dar a base para outros partidos como
o PCdoB e o PSTU. Muitos se transformaram em dirigentes partidários ou sindicais,
704 DEMARCHI, Ademir. “diálogo entre editores: ademir demarchi & claudio willer” IN Revista Babel (Brasil) Babel. Revista de poesia, tradução e crítica, julho de 2003.
440
ativistas de movimentos sociais, professores, estudiosos, jornalistas,
comprometidos com a defesa da justiça social, da democracia - embora alguns
poucos tenham decidido seguir os caminhos do neoliberalismo ou, até, de
Fernando Collor. Uma geração inteira se formou e se destacou. Não só no campo
político, mas também nas artes, na direção de empresas, milhares de pessoas por
todo o Brasil, todos hoje na faixa dos 40, alguns conhecidos, uma maioria incógnita
- como ocorria naquela época705.
705
Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941
441
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muros de Paris. Foto de Cartier-Bresson, 1968
“Um homem idoso de classe média, de pé, com os braços cruzados para trás, olha
com ar pensativo um muro parisiense coberto de cartazes e uma porta rude de
madeira, presumivelmente de algum quintal ou terreno (...) Não sabemos o que o
velho de Cartier-Bresson pensava (...) Minha própria reação foi o de ceticismo (...)
Como todos os historiadores sabem, pode-se reconhecer as revoluções pela vasta
torrente de palavras que elas geram (...) Por esse critério, maio de 1968 foi algo como
uma revolução estudantil, mas suas palavras registram um tipo estranho de revolução
(...) Minha faixa etária não entendeu que as gerações ocidentais de estudantes na
década de 1960 acreditavam (...) que viviam em uma era em que tudo iria mudar por
meio da revolução, porque à sua volta tudo já estava mudando”706
Visto à distância, as experiências que emergem dos anos 1960 e 1970 parecem
firmar um outro conceito de política; um conceito permeado por códigos, valores,
procedimentos e fundamentos híbridos e originais. Nossas percepções e memórias, no
entanto, nos confundem, em especial quando elas se acham marcadas (ou filtradas) pela
presença e força de uma ditadura militar.
A tendência Liberdade e Luta nasceu, se desenvolveu e se dissolveu (no interior do
PT) na confluência de diferentes fenômenos e imersa num entrelaçamento de
706
Hobsbawm, Eric. “Os anos 60” IN Tempos Interessantes: uma Vida no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p 274
442
movimentos por direitos (anistia, liberdade, expressão política, direitos humanos,
qualidade de vida....) com processos mais profundos de repensar política e cultura
(presentes entre outros aspectos, nos entendimentos acerca do marxismo, do
comunismo, do socialismo).
Neste percurso, ela compartilhou (nos primórdios) de momentos de isolamento,
rearranjos e experimentações vividas pelas organizações de esquerda no interior da
Universidade de São Paulo no início dos anos 1970; ela integrou a construção de
alternativas, de espaços e perspectivas de atuação política em meados da década, bem
como partilhou de maneira efetiva dos percursos de recomposição da sociedade civil,
participando das movimentações coletivas – dentro e fora da universidade - pelas
liberdades democráticas pensadas em novos termos e abrangências.
A radical Liberdade e Luta - que de tão explícita acabaria por parecer inofensiva
aos olhos dos órgãos de segurança - ganhou forma num contexto no qual tanto a política
quanto a cultura experimentavam, em si mesmas, um rearranjo, e enquanto tendência
estudantil, ela se prestou a ser um ponto de encontro de formulações e diretrizes caras à
esfera clandestina trotskista (lambertista) no Brasil, ao mesmo tempo que a um universo
mais amplo e coletivo de proposições e realizações culturais, artísticas e políticas.
Movimento de repúdio à presença militar na UnB, em 1977. Fotos de Adonai Rocha
443
Radical, “democratista”, rockeira, crítica... a tendência Liberdade e Luta também
causou estranhamentos; estranhamentos, por sua vez, que se ampliaram na proporção
em que a tendência intensificou a defesa de formas mais participativas e diretas de gestão
política das entidades estudantis em reconstrução; de vínculos mais explícitos entre
estudantes e trabalhadores explorados, ou ainda, da defesa da autonomia/independência
da sociedade civil (e suas instituições) frente ao Estado Militar.
Em contrapartida, Liberdade e Luta se viu exposta a situações de difamação e
descaracterização política, particularmente na ocasião em que a UNE (órgão central nos
processos de recomposição institucional do movimento estudantil) se achava em
reconstrução. Conforme afirmava Wagner Carelli na matéria “Libelú. Eis o fascínio
radical”, publicada na Revista Isto É de meados de 1979, os militantes trotskistas surgiam
aos olhos do “coronel-deputado Erasmo Dias” como “mao-trotskistas”; da Igreja como
“provocadores” e das esquerdas como “inconsequentes”... parecendo-lhe que, na
condição de “meninos insolentes que mostraram a língua à esquerda tradicional”, esta
tendência achava-se fadada a desempenhar um “eterno papel de enfants terribles”. Dizia
o repórter:
“Eles vagam por onde estiver a briga, coloridos e - às vezes - imberbes. Errantes,
diriam ambiguamente os maldosos. É fácil localizá-los. Nas assembléias estudantis
ou sindicais estão sempre à esquerda do plenário. Poucos, mas agigantados por
ruído e eficácia de claque adestrada. O olhar esgazeado dos moços poderia
confundir-se como o dos últimos existencialistas. A determinação estampada no
rosto das moças faria inveja a Alexandra Kollontai ou a Nadesha Krupskaia. (...)
eles são os meninos insolentes que mostraram a lingua à esquerda tradicional, que
exibem como troféus as feridas ganhas em batalhas contra a PM, que tiraram da
porta dos banheiros o grito de Abaixo a Ditadura! São os donos do futuro, os
radicais, os filhos rebeldes do milagre econômico. Quantos existem? Segundo eles
mesmos, uns 5 mil. E cada vez mais visíveis à luz da abertura"707
707
Carelli, Wagner. Libelu. Eis o fascínio radical. Isto é, 25/07/1979, p10
444
De qualquer forma, para Carelli, a postura impertinente destes jovens que
ousavam “destruir Milton Nascimento, a burocracia soviética e João Figueiredo com a
mesma fúria iconoclasta” se deixava contrastar com a capacidade da mesma tendência de
comandar “a formação de um sindicato paralelo de 140 mil professores em Minas Gerais,
num precedente que a CLT jamais abriu”, ou ainda, de levar “alguns milhares de jovens
operários e estudantes a manifestações em favor de uma anistia ampla e irrestrita
mesma"708.
Com seus militantes considerados ora “rebeldes” 709, ora “cansativos” 710, ora
“encardidos”711, a tendência estudantil Liberdade e Luta, de fato, deu materialidade a
uma trajetória de atuação política (que contava na clandestinidade, com uma organização
focada em interagir e intervir nos “movimentos de massas” em recomposição) em
“tempos” – como diria Hobsbawm - “extraordinariamente bem-vindos e
extraordinariamente desconcertantes [já que] Parecíamos usar o mesmo vocabulário, mas
não parecíamos falar a mesma língua. Mais do que isso, ainda que participássemos dos
708
Carelli, Wagner. Libelu. Eis o fascínio radical. Isto é, 25/07/1979, p10 709
”Somos da geração das tristonhas melodias de chapas estudantis maoístas pecebonas fidelistas nos anos setenta. Fui Libelu e sou ainda crente na palavra do Lev. As nossas festas, onde drogas eram proibidas, rolavam ao som do rock. Éramos secundaristas bêbados de tesão, unversitários de arquitetura e artes. Elegantes, entusiasmados, fantasiados de rebeldes, gritamos na boa a palavra de ordem "Abaixo a Ditadura!" Os Mutantes Hoje - Que é rock geriátrico?, por Nicolas Rouquette. Universo Anárquico – Tina Oiticica 710
“Impossíveis. São cansativos também. Ao lado deles, qualquer mortal pouco habituado à polêmica dificilmente pode sentir-se à vontade. O incauto será fulminado por terrível mirada aos desvelar-se, por exemplo, numa admiração sem peias por Chico Buarque, esse chato que já foi, imaginem, unanimidade nacional. Inútil tentar remeter-se à luta dos trabalhadores na expectativa de chegar a um consenso e remediar a gafe. Qualquer desavisado leitor de jornais pode cair no ridículo definitivo de referir-se a Luís Inácio da Silva, o Lula metalúrgico, como uma espécie de working class hero. Desconhecendo, é claro, seu papel evidente de traidor da classe operária” In CARELLI, Wagner. “Libelu: Eis o Fascínio Radical. Cinco mil jovens querem impôr novos rumos à esquerda”. Revista Isto É, 25/07/1979, p10 711
“...a grande maioria de nós, alunos da FAU daqueles tempos, sequer tolerávamos o discurso encardido contra a “camarilha militar” que os militantes da LIBELU insistiam em trazer às salas de aula, criando caso com os professores mais suscetíveis e os alunos menos engajados. O meio de campo acabou ficando ainda mais confuso – criando oposições entre os trotskistas que chamavam colegas de “reformistas” e aqueles que não tinham nome porque os reformistas ignoravam os trotskistas” IN LOPES, João Marcos “Comentários incomodados” Revista do IEB, nº44 fev 2007, pp 260-261
445
mesmos acontecimentos, aqueles dentre nós com idade suficiente para ser pais dos
jovens militantes não sentíamos o mesmo que eles”712.
Este trabalho procurou identificar e compreender melhor as formulações políticas
de uma tendência estudantil de matriz trotskista que nasceu na Universidade de São Paulo
e que em cerca de três anos já se achava espalhada no interior de universidades públicas e
privadas de vários Estados brasileiros; uma tendência estudantil que se integrou de tal
forma a um trânsito de formulações, discussões e experiências em curso, que grande
parte de seus militantes acabaria por transcender o espaço acadêmico para interagir e
intervir no universo das relações de trabalho, no mundo sindical, nas dinâmicas
partidárias, nas esferas de produção artística e cultural, levando consigo formulações
importantes e sigulares.
Esta tese, vale considerar, deu prosseguimento aos trabalhos de mestrado que,
numa perspectiva diferente, centrou suas atenções no estudo das movimentações
estudantis brasileiras do período 1968/1979, abarcando um conjunto mais amplo de
universidades públicas e privadas, ao mesmo tempo que um leque diverso de experiências
culturais e formas de ação política organizadas e não organizadas em curso. Intitulada
“Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 1970”, nela reunimos 500
referências de movimentações coletivas capazes de revelar as marcas de uma profunda
712
No entender de Hobsbawm: “A Dialética da Libertação”, Che Guevara, A Terra Média e o LSD eram companheiros. Não que as fronteiras estivessem totalmente apagadas” IN Hobsbawm, Eric. “Os anos 60” IN Tempos Interessantes: uma Vida no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p 276
Estudantes - próximos ou não - da Liberdade e Luta nos anos de 1977, 1978 e 1983
446
transformação de formas de atuação política e cultural que se achavam em curso dentro e
fora do movimento estudantil.
Estas referências, por sua vez, se incorporaram às bases de investigação do
doutorado, questão que pode ter trazido algumas dificuldades à leitura da tese, uma vez
que não se tratava de repetir os detalhamentos alcançados no estudo anterior e sim de
avançar nas formulações relativas às práticas organizadas no interior deste mesmo
movimento, valendo relembrar que a identificação da tendência Liberdade e Luta como
expressão dos processos de mudança atuou como ponta de lança para o novo percurso de
pesquisa: a tendência orientou os processos de penetração e aprofundamento nos
caminhos e descaminhos das organizações marxista-leninistas do período pós-1968.
A radicalização das posturas, a permeabilidade das leituras e proposições frente
um conjunto mais difuso de “práticas culturais”, o caráter de amalgama político-cultural
conferido à “Libelú”... nos levou a mergulhar num fenômeno mais amplo de mutação de
paradigmas políticos, ou ainda, numa trajetória de fragmentação de fundamentos
marxistas, presente nos percursos de rupturas do Partido Comunista Brasileiro, na
emergência de dissidências, nas proposições de luta armada, na proximidade e adoção de
novos paradigmas de luta política, nas releituras dos fenômenos de cultura. E em meio a
ela, o estudo da trajetória da Liberdade e Luta nos permitiu perceber a vitalidade de
certos percursos de recriação, identificar a riqueza deste mesmo processo e indagar sobre
o papel que esta matriz política ocupou nos anos 1970, bem como os seus legados para a
recomposição mais ampla da sociedade civil brasileira.
447
9. INSTITUIÇÕES DE PESQUISA CONSULTADAS
1. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO
Fundo DEOPS-SP713, grupo documental da Delegacia Especializada de Ordem
Política714
CAIXAS CONSULTADAS:
Série: Temáticas
OP0603 Alexandre Vanucchi Leme (1973/1978)
OP0618 Arquidiocese de São Paulo (1973/1976)
713
Arquivo do Estado, fundo DOPS-SP - O Arquivo do DOPS-SP “totaliza aproximadamente 1500000 fichas e 200000 pastas (incluindo material iconográfico), correspondentes a mais de mil metros lineares. Encontra-se a disposição do público, para qualquer tipo de pesquisa, no Arquivo do Estado de São Paulo” (João Paulo Garido Pimenta “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, p1) 714
Nosso trabalho junto ao Fundo DOPS-SP no Arquivo do Estado privilegiou, na ocasião em que foi
realizado, o grupo documental da Delegacia Especializada de Ordem Política, base de documentos que tivemos acesso através de um catálogo descritivo temático, o único instrumento de busca ainda hoje disponibilizado. Conforme nos orientou a equipe técnica responsável
714, a “complexidade da estrutura
organizativa [assumida pelos órgãos de segurança] e a ausência de uma base de dados” articuladora de todas as séries documentais (mantidas em sua integralidade) exigiria dos pesquisadores acessar a documentação através de “palavras utilizadas pela própria polícia política”. Constituído de quatro séries (Delegacias do Interior, Temáticas, Movimento Estudantil e Autos), nós iniciamos os trabalhos pelo catálogo das série “Temáticas” e “Movimento Estudantil”, bases nas quais pudemos selecionar documentos por títulos e recortes temporais. Também pesquisamos na série “Autos”, conjunto de dados que nos permitiu acesso aos processos investigativos sobre estudantes e onde reencontramos os códigos das séries, ganhando forma, paulatinamente, um conjunto de “palavras” que, de fato, dava visibilidade à organização documental. Os códigos registrados, por sua vez, nos levaram para caixas de documentos nas quais nos deparamos não apenas com testemunhos coercitivos, mas com uma vastíssima documentação estudantil recolhida e sistematizada cotidianamente, bastando compreender um pouco mais da lógica de organização para conseguir recompor contextos e identificar personagens, situações, desdobramentos... Os documentos da Delegacia Especializada de Ordem Política nos forneceram recursos inestimáveis de recuperação/resgate das movimentações estudantis da década de 1970, e na medida em que passamos a dialogar com os registros, também começamos a identificar as falhas que continham as interpretações; aspecto se revelou particularmente importante, a ponto de redefinirmos o fóco de análise e passarmos a mapear os problemas ou ainda, o que não se fazia percebido no cotidiano acadêmico pelos agentes e órgãos de segurança. Nesse caso, se nas primeiras semanas de trabalho imperou o “horror”, nos meses seguintes nós nos empolgamos com a força e qualidade dos processos de resistência, tantas vezes imperceptíveis ao olhar severo dos órgãos de segurança, tornando-se claro que as organizações trotskistas presentes na USP da década de 1970 – nosso objeto central de investigação – achavam-se debilmente identificadas, ainda que a documentação que apontava para sua presença se fizesse ali recolhida, ao nosso dispor...
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OP0613 Anistiados (1979/1982)
OP0620 Asilados (1964/1982)
OP0625 Associação Brasileira de Imprensa (1975/1982)
OP0627 Associações de Classe (1976/1980)
OP0643 Associação Paulista de Imprensa (1976)
OP0654 Atos Públicos (1978/1982)
OP0655 Atos Públicos 15/6/77 (praça Fernando Prestes/Parque Dom Pedro) (1977)
OP0659 Banidos (1972/1981)
OP0670 Campanha Eleitoral (1978) vol 1 (1978)
OP0671 Campanha Eleitoral (1978) vol 2 (1978)
OP0676 “Capitalismo, Socialismo, Democracia” (1977/1979)
OP0679 “Carta aberta aos brasileiros” (1977)
OP0715 Comitê Brasileiro de Anistia (1977)
OP0717 Comitê Primeiro de Maio (1977)
OP0723 Comunismo internacional (1977/1979)
OP0747 Conselho Universitário USP (1974/1981)
OP0748 Constituinte (1977/1981)
OP0766 Crise na USP (1982)
OP0773 Declarações completas – “Ato Público PUC-SP 22/09/1977” (1977)
OP0774 Decreto Lei 477 (1973/1977)
OP0779 Democracia (1977/1979)
OP0780 Desaparecidos (1979/1982)
OP0787 Dia Nacional de Lutas (1981)
OP0791 Direitos Humanos (1978/1982)
OP0795 Drogas (1971/1983)
OP0924 Justiça Militar vol 1 (1967/1972)
OP0925 Justiça Militar vol 2 (1975/1976)
OP0926 Justiça Militar vol 3 (1973/1976)
OP0927 Justiça Militar vol 4 (1973/1976)
449
OP0928 Justiça Militar vol 6 (1975/1976)
OP0938 Livros subversivos (1967/1973)
OP0977 Movimento contra a carestia (1979/1981)
OP0981 Movimento dia 1º de Maio (1978)
OP0980 Movimento custo de vida (1978)
OP0982 Movimento ecológico (1978)
OP0984 Movimento feminino (1982)
OP0985 Movimento dos funcionários públicos (1978/1982)
OP0989 Movimento Negro vol 2 (1977/1982)
OP1010 Organização Socialista Internacionalista (1981)
OP1027 Partido Operário Revolucionário Trotskista (1962/1981)
OP1032 PT (1979/1980)
OP1033 PT (1980/1981)
OP1034 PT (1981)
OP1066 Presos politicos (1977/1982)
OP1119 Sindicato Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (1975/1982)
OP1145 Suspeitos vol 7 (1968/1971)
OP1146 Teatro (1977/1982)
OP1150 Terrorismo (1972/1976)
OP1151 Terrorismo e comunismo nos meios universitários (1969/1974)
OP1185 Vladimir Herzog vol 2 (1977/1982)
CAIXAS CONSULTADAS:
Série: Movimento Estudantil
OP1194 Análise do ME (1974/1977)
OP1195 Análise do ME cópias (1974/1977)
OP1354 Movimento Estudantil vol 1 (1976)
OP1355 Movimento Estudantil vol 2 (1976)
OP1356 ME – panfletos vol 1 (1969/1976)
450
OP1357 ME – panfletos vol 2 (1978)
OP1358 Movimento Estudantil (1977/1980)
OP1359 ME e comprometimentos (1975/1976)
OP1361 ME de outros Estados (1972/1976)
OP1362 ME de outros Estados (1966/1974)
OP1363 ME de outros Estados (1977)
OP1360 Movimento Estudantil internacional (1977/1981)
OP1366 Observação junto ao campus da USP (1980)
OP1367 Observação junto ao campus da USP (1982)
OP1383 Professores e alunos em observação (1973/1974)
OP1231 Diretórios Acadêmicos (1974/1975)
OP1232 Diretórios Acadêmicos (1975/1976)
OP1235 DCE PUC (1977/1982)
OP1237 DCE USP vol 1 (1976/1978)
OP1238 DCE USP (1975/1982)
OP1241 Eleições UNE (1979)
OP1242 ECA USP vol 1 (1967/1975)
OP1243 ECA USP vol 2 (1974/1975)
OP1244 ECA USP vol 3 (1975)
OP1245 ECA USP vol 4 (1976/1982)
OP1258 Estudantes – UNE (1973)
OP1257 Estudantes (1961/1972)
OP1267 FEA USP vol 2 (1975/1976)
OP1280 Fac Economia USP (1973/1975)
OP1284 Fac Engenharia USP (1978/1980)
OP1287 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP vol 2 (1970/1972)
OP1288 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP vol 3 (1972/1974)
OP1289 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1975/1976)
OP1290 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1974/1981)
451
OP1291 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1975/1977)
OP1292 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1974)
OP1316 FAU (1964/1973)
OP1317 FEI vol 1 (1959/1971)
OP1318 FEI vol 2 (1975/1981)
OP1391 PUC-Fac. Ciências Sociais e Serviço Social (1975/1978)
OP1393 PUC-Fac Filosofia (1965/1975)
OP1395 Quarto Encontro Nacional de Estudantes (1978)
OP1405 Relatório ME ECA 24/3/75 a 21/6/75 (1975)
OP1384 PUC (1965/1975)
OP1385 PUC (1969/1982)
OP1386 PUC (1974/1977)
OP1387 PUC (1978)
OP1388 PUC (1978/1980)
OP1389 PUC (1979/1982)
OP1390 PUC (1979/1982)
OP1406 Relatório do ME de 1976 (1976)
OP1407 Relatório da Divisão de Informação (1980/1982)
OP1408 Relatórios (janeiro a 17 de maio) (1976)
OP1409 Relatórios (maio/agosto) (1976)
OP1410 Relatórios (setembro/outubro) (1976)
OP1411 Relatórios (novembro/dezembro) (1976)
OP1412 Relatórios USP (1981)
OP1430 IIºEncontro Nacional de Estudantes (1976)
OP1438 IIIºEncontro Nacional de Estudantes (1977)
OP1439 IIIº ENE – BH - Declarações (1977)
OP1440 IIIº ENE (1977)
OP1441 XXXIº Congresso UNE (1979)
OP1442 XXXIVº Congresso UNE (1982)
452
OP1447 UEE (1977/1978)
OP1448 UEE (1968/1972)
OP1458 UNE (1968/1971)
OP1460 UNE (1969/1975)
OP1461 UNE (1982)
OP1462 UNE (1979/1980)
OP1463 UNE (1979/1980)
OP1465 Unicamp vol 1 (1967/1973)
OP1466 Unicamp vol 2 (1975/1981)
OP1467 Unicamp vol 3 (1982)
OP1468 USP (1974/1980)
OP1475 USP (1976/1981)
OP1476 USP – corpo docente (1975/1982)
OP1477 USP - FFLCH (1974/1975)
OP1478 USP – FFLCH (1974/1975)
CAIXAS CONSULTADAS:
Série: Autos
OP1482 Cópia de fotografias: laudos do caso da PUC (1977)
OP1403 Investigado: Comitê Defesa dos Presos Políticos (CDPP) (1974)
OP1484 Investigado: Paulo Eduardo de Faria Nogueira e outros. Assunto: Form Comissão
Def Presos Políticos, org est USP (1974)
OP1485 Investigados: Diretores do “Conselho dos CAs” da USP (1974)
OP1486 Investigados: Diretores do “Grêmio Polítécnico” (1974)
OP1487 Investigados: Diretores do “Centro de Estudos de Física e Matemática” (1974)
OP1488 Investigados: Diretores do CEUPES C. Sociais/USP (1974)
OP1489 Investigados: Diretores do CA Visconde de Cairú (1974)
OP1490 Investigados: Diretores do CEGE Geografia/USP (1974)
OP1491 Investigados: Diretores do CEH Af. Taunay História/USP (1974)
453
OP1492 Investigados: Diretores do XI de Agosto (1974)
OP1493 Investigados: Diretores do CALC ECA/USP (1974)
OP1494 Investigados: Diretores do CAFIL Prof José Cruz Costa (1974)
OP1495 Investigados: Diretores do CAOC Medicina/USP (1974)
OP1496 Investigados: Diretores da Soc. Paul. História Natural – alunos biociências USP
(1974)
OP1498 Investigados: CA Visconde de Cairú FEA/USP (1974)
OP1531 Investigados: alunos DCE USP. Ocupação do Restaurante CRUSP e Centro de
Vivência (1976)
OP1532 Investigados: alunos DCE USP. Ocupação do Restaurante CRUSP e Centro de
Vivência (1976)
OP1544 Investigados: Cristina de Assis Morais e outros. Concentração estudantil Largo
Arouche (1977)
OP1553 Apuração de atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77) (1977)
OP1560 Investigação: apurar natureza propaganda distribuída “Comitê 1º de Maio pela
Anistia” (1977)
OP1562 Natureza subversiva propaganda DCE PUC (1977)
OP1563 Natureza subversiva propaganda DCE USP (1977)
OP1564 Natureza subversiva propaganda DCE USP (1977)
OP1567 Realização ato publico defronte a PUC vol 1 (1977)
OP1580 Liberdade e Ação – Liberdade e Luta (1977)
OP1581 Doutrinação comunista (1977)
OP1582 Manuscritos diversos (1975/1977)
Alunos DCE USP OP1531
Alunos Fund Universidade Federal São Carlos (greve, passeata, DCE) OP1532
Cristina de Assis Brasil Morais e outros OP 1544
Alunos USP em 18/8/1977 OP1553
PRONTUÁRIOS:
JOSIMAR MELLO
454
MARCOS SOKOL
JULIO TURRA FILHO
2. CEDEM - CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA DA UNESP
ACERVO CEMAP - Centro de Documentação do Movimento Operário Mario Pedrosa715 Fundo A Livraria Palavra (editora responsável pela divulgação do grupo trotskista OSI - Organização Socialista Internacionalista): coleção com mais de 200 caixas contendo, entre outros, o acervo da tendência estudantil Liberdade e Luta.
CAIXAS CONSULTADAS:
LP 001 (Burô Político/Comitê Central 1979/1981)
LP 002 (Burô Político/Comitê Central 1971/1978)
LP 003 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1979)
715
O Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa foi criado em 1981, por um grupo de professores, jornalistas e antigos sindicalistas, visando a preservação de registros documentais da história do movimento operário brasileiro e das organizações de esquerda do Brasil e do exterior, sem discriminar quaisquer das tendências, correntes ou partidos. Sua constituição origina-se de coleções particulares de diversos militantes históricos da esquerda brasileira, como Fúlvio Abramo, Mário Pedrosa, Plínio Melo, Raul Karacik e Lívio Xavier e também de agrupamentos políticos de diversas tendências da esquerda nacional e que tiveram algum dos fundadores do Cemap ligados à sua trajetória, como a Liga Comunista Internacionalista e o Partido Socialista Brasileiro, além de diversos sindicatos e organizações de classe, como o Sindicato dos Gráficos e Jornalistas de São Paulo, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Comitê Brasileiro de Solidariedade aos Povos da América Latina, entre outros. O acervo do CEMAP consta de: Biblioteca - aproximadamente 6.000 livros; Hemeroteca - aproximadamente 3.000 títulos de periódicos, abrangendo o mais amplo espectro da esquerda brasileira e internacional; Documentação Textual - Contando aproximadamente 800 caixas, o acervo textual é composto de coleções de militantes trotskistas como: Fúlvio e Cláudio Abramo, Plínio Gomes de Mello, Victor de Azevedo, Miguel Macedo, Fábio Munhoz, Luis Favre, Clara Ant, Luiz Azevedo etc. Sendo as mais completas e significativas: a correspondência e os artigos de Mário Pedrosa principalmente no período de 1923-1931, que demonstra a tensão própria deste momento político, pouco conhecido, tendo entre seus interlocutores Murilo Mendes, Lígia Clark, Francisco Matarazzo Sobrinho, Benjamin Péret, Oscar Neimeyer, Antonio Candido, Pietro Maria Bardi, Tomie Otake, Ferreira Gullar e outros; a correspondência e os artigos de Lívio Xavier relacionados a política e a arte; a Livraria Palavra, editora responsável pela divulgação do grupo trotskista OSI - Organização Socialista Internacionalista; documentação Sonora - fitas cassete com depoimentos de antigos militantes das várias organizações; documentação Iconográfica - fotografias, cartazes, adesivos, "botons", etc., sobretudo do movimento operário brasileiro, de várias datas.
455
LP 004 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1980)
LP 005 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)
LP 006 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)
LP 007 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)
LP 008 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981/82)
LP 009 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1982)
LP 010 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1983)
LP 021 (Participação em camp. sociedade – anistia, presos políticos, Liberdade e Luta)
LP 022 (Participação em camp. sociedade – campanha eleitoral PT 1982)
LP023 (Participação em camp. sociedade – constituinte, Diretas, reforma agrária,
mulheres, aborto, desemprego, moradia, voto nulo, movimento popular)
LP 024 (Participação movimentos organizados: movimento estudantil, CAHIS-USP e outros,
UNE, UBES, DCE RJ e PE)
LP 025 (Participação em campanhas internacionais, Comitê contra a repressão)
LP 026 (Participação em campanhas: Iraque, Argélia, Afeganistão, El Salvador, Colombia,
Espanha, Irã)
LP 027 (Participação em campanhas: Iraque)
LP 028 (Participação em campanhas: Polônia)
LP 029 (Participação em campanhas: Venezuela, Chile, Uruguai, Bolívia, México, Costa
Rica, Portugal, Espanha, refugiados, solidariedade dos povos palestinos, etc)
LP 062 (Encontros Partidários, Conferência Latino-Americana 1983, I Congresso Nacional
1971, 11ª Conferência Latino Americana 1985)
LP 064 (Encontro Partidário, Div. Externa 84/87, Conferência interna, Encontro Regional P
1986, Congresso 1987, I Conferência da OSI/1980)
LP 067 (II Congresso OSI, 1977, IV, V, VII Congresso OSI)
LP 068 (II Congresso OSI, Congresso Reg SP FQI 1983, VI Congresso OSI, 1983, VII
Congresso FQI 1984, VIII Enc FQI, II Conferência OSI)
LP 071 (Estatutos, regimentos, outros documentos)
456
LP 073 (Processo demissão Camarada Sérgio, uso de maconha, documento de
advertência)
LP 074 (Projetos de resoluções, projetos de informes, planos de trabalho)
LP 075 (1976, 1978, 1979, 1980, 1981)
LP 080 (Manuscritos)
LP 084 (Boletins internacionais 68-78)
LP 087 (Teoria e Prática 1974/78, Tricontinental, diversas entidades)
LP 094 (Recortes de jornais – movimento estudantil, reorganização UNE, metalúrgicos,
política nacional)
LP 095 (Recortes de jornais – países diversos)
LP 096 (Recortes de jornais – queda Allende, movimento feminista, movimento negro,
convergência socialista, economia, França)
LP 097 (Recortes de jornais – anistia, greves, América Latina 1979/83)
LP 099 (Relatórios de comissões e setores/SP, 1976, 1979/81)
LP 100 (Relatórios de comissões e setores/SP, 1982/87)
LP 101 (Textos de formação e capacitação política)
LP 107 (Textos de formação e capacitação política)
LP 108 (Textos de formação, bibliografia: Marx, Engels, Trotsky, Lenin)
LP 109 (Textos de formação – educação partidária)
LP 110 (Textos de formação)
LP 111 (Textos de formação)
LP 112 (Textos de formação)
LP 113 (Textos de formação em francês)
LP 114 (Textos, livros e textos camuflados QI-CI 1978)
LP 115 (Textos para análise e discurso)
LP 121 (UEE eleições, UMEs eleições, DCE USP eleições, DCE USP jornal, UNE)
LP 122 (UEE, Liberdade e Luta)
LP 123 (UNE, DCE, LL, UEE)
LP 124 (UNE, UEE, DCEs, secundaristas)
457
LP 125 (USP, DCEs e CAs, UNE, UEEs, secundaristas, geral, FMU-FIAM, LAA-USP)
LP 140 (Estudos, teses, legislação, resoluções, 1º de maio, 1977/85)
LP 148 (Artigos, jornais, boletins para discussão, propostas, notas)
LP 149 (Jornais e Revistas, O Trabalho 1979/1986)
LP 150 (OCI França)
LP 151
LP 153 (Comitê de Unificação CS/OSI, 79/81)
LP 154 (Circulares Nacionais 1980/81/Fração da Convergência Socialista)
LP 155 (Publicações, circulars nacionais, balance de atividades, plano político, minutas e
resoluções 1981/1982)
LP 161 (POR, POC, Causa Operária, OSI América Latina)
LP 169 (PT Articulação: teses e propostas)
LP 191 (PT Vivo/Vertente Socialista, PT 83, 84/Jornal Em Tempo, Causa Oprária, etc)
LP 192 (Movimento estudantil, movimento de jovens, movimento de mulheres)
LP 200 (1977/1991)
LP 211 (CIR/CG/SI/SU/CORQUI/Boletim discussão internacional)
LP 212 (Correspondência 1976, ata BI/Corqui, Boletins Corqui, notas, resoluções,
1974/1979)
LP 213 (Sessões européias da IV Internacional)
LP 214 (Sessões latino-americanas e norte-americanas da IV Internacional)
3. ARQUIVO EDGARD LEUENROTH - CENTRO DE PESQUISA E
DOCUMENTAÇÃO SOCIAL – IFCH/UNICAMP
Coleção do jornal O Trabalho
Coleção do jornal Em Tempo
Fundo Projeto Brasil Nunca Mais
458
Gravações (audio) do Congresso da UNE de 1988 promovidas pelo Projeto
Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro (coord Mirza
Pellicciotta), 1988
Coleção Movimentos Sociais Recentes
o Dossiê Tendências de Esquerda nº 101 – Organização OCI (Internacional
Socialista – fração francesa)
o Dossiê Tendências de Esquerda nº 102 - Organização 1º de Maio
Documento sem título, mimeografado, 30 páginas. São Paulo, 14/1/73, p21. MSR
Pasta 181 – Organização 1º de Maio. AEL/UNICAMP
4. MUSEU DA REPÚBLICA, RJ
Projeto Memória do Movimento Estudantil (MME)
5. CEDIC, PUC - SÃO PAULO
Coleção Movimentos Comunistas (1959/1993)
Coleção Movimentos Estudantis (1968/1993)
6. ACERVOS VIRTUAIS
Coleção Movimento Estudantil do Acervo do Núcleo de Memória do
Movimento Estudantil da UFRJ.
http://www.historia.uff.br/labhoi (GURAN, Milton. Encontro na Bahia 79.
LABHOI. Laboratório de História Oral e Imagem)
www.resgatehistorico.com.br
459
http://www.marxists.org716
Fundação Perseu Abramo - http://www2.fpa.org.br/
https://www.archivoleontrotsky.org
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/
http://brownsoundclothing.com/sla/blog/6868/6868.html> (Imagens de
maio de 1968)
http://www.trotsky.com.fr/
http://www.codhos.asso.fr/welcome/index.php
http://www.cme-u.fr/ - Conservatoire des mémoires étudiantes
http://www.marxists.org/history/etol/film/index.htm#vietnam
716
ArchivesUSA (cataloged primary source materials from nearly 4,500 U.S. manuscript repositories); Marx/Engels Internet Archive Trotskyana Net (similiar to the ETOL but with extensive bibliographic data on Trotsky’s writings); The Soviet Union of 1918; International Institute of Social History; International Association of Labour History Institutions; Internationale Marx-Engels-Stiftung (IMES) Amsterdam; Radical History and Politics; Centro de Documentacion e Investigacion de la Cultura de Izquierdas en la Argentina; Studies in Bibliography Online; College and University Home Pages Geographical Listing; Sher's Russian links; The Russian academic and research network
460
10. FONTES PRIMÁRIAS
1. ARQUIVO DO ESTADO. FUNDO DOPS-SP/DELEGACIA DE
ORDEM POLÍTICA
1.1 SÉRIE: TEMÁTICAS
Pvadowski, Miguel. “O ‘Weltoktober’”. 13p. Série Temáticas, CAIXA OP0723.
Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil
Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968. IN Arquivo do Estado de São Paulo.
Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas. OP1027.
“Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas
delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN,
Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações,
onomástico, por nomes falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de
1970”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Coleção de Relatórios 30-z-160-
14490. CAIXA OP1027.
USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. “Situação dentro do campus da
Universidade de São Paulo”. CAIXA OP1356.
USP. Gabinete do Reitor. ASI/USP. 14/julho/1976. “Situação da USP – fim das férias
de julho”. Anotado no DOPS em 23/julho/1976. CAIXA 1356.
USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. “Situação dentro do campus da
Universidade de São Paulo” CAIXA OP1356.
“Ato Público 15/06/77. Local: Praça Fernando Prestes – Parque Dom Pedro.
‘Relação de alunos e pessoas detidas por ocasião do ato público de 15.06.77’”
CAIXA OP 0655.
Ofício 286/70 em atenção ao Pedido de Busca nº366/DSI/MJ CAIXA OP 1027.
461
Auto de Apreensão. Documento identificado como do Partido Operário Comunista
(POC) CAIXA OP 1027.
Carta de 30/12/71, com signatário B.Pinto, de SP IN Informação nº1263/72.
Ministério do exército – IIº Exército. Assunto: Fração Bolchevique Trotskista,
19/junho/1972 CAIXA OP1027.
Informação nº1263/72. Ministério do exército – IIº Exército. Assunto: Fração
Bolchevique Trotskista, 19/junho/1972 CAIXA OP 1027.
“Declarações Ato Público PUC SP 1977, 22/07/77 CAIXA OP 0773.
“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977 CAIXA OP 0723.
“IPM instaurado para apurar subversão nos quartéis, 4º RI e 2º G.CAN 90 Aaé. Em
Quitauna, pelo Partido Revolucionário Trotskista. Procedência: 2ª Secção do
Quartel General do IIº Exército. Interessado: Delegacia Especializada de Ordem
Social”, 104 páginas, datado de 15 de novembro de 1964 e assinado pelo Tenente
Coronel encarregado do IPM, fl.4. CAIXA OP 1027.
“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de
1968
Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil
Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968 CAIXA OP 1458.
Evandro Carlos de Andrade. “Como morreu Olavo Hansen”. O Estado de São Paulo,
15/08/1970 CAIXA OP 1027.
1.2 SÉRIE: MOVIMENTO ESTUDANTIL
USP. Gabinete do Reitor. SP, 14/junho/76. Enc. 158/ASI/USP/76. [relato da
primeira reunião da diretoria do DCE livre eleita]. Série Movimento Estudantil,
CAIXA OP 1356
DEOPS. Seção de Operações. Ato Público pela Anistia (Diretório Central dos
Estudantes) em 07/06/76. Informação nº 59/76/DOPS/SR/DPF CAIXA OP1356.
462
“Relatórios ME janeiro a 17 de maio”. Série Movimento Estudantil [contém
observações das assembléias gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE
com base em relatório do agente 2124 em 26/03/76] CAIXA OP1408
Serviço Nacional de Informações – Agência Central. Informação nº121/16/AC/16.
30/março/76. Propaganda subversiva em Escolas de SP” CAIXA OP1356
USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/76. Situação dentro do campus da
Universidade de São Paulo CAIXA OP1356.
Autos de investigação – DEOPS. Ordem Política, 11/junho/1974. Investigados:
Diretores do CA Visconde de Cairu. FEA/USP CAIXA OP1498.
Autos de investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e
do Centro de Vivência. 12/agosto/1976 [contém descrições dos alunos fichados,
entre eles, de Ricardo Pereira de Melo, Josimar Moreira de Melo, entre outros]
CAIXA OP1531.
Autos de Investigação. Apuração de atividades dos alunos da USP no ME
(18/08/77) [contém intimação e termos de declaração de José Alberto Urbinatti,
Josimar Moreira de Mello Filho, Fabio Malavoglia, Júlio Turra Filho, Roberto Pereira
de Melo, entre outros] CAIXA OP1553.
“Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975” IN “Resumo de
considerações políticas constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o
movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975” , pp21/23. CAIXA OP
1359.
“Polêmica - março 1975, Edição especial para Calouros” CAIXA OP 1359.
“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977” CAIXA OP1194.
“Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974: Informe AESI/USP, 7 de Fevereiro de
1973. CAIXA OP 1226
“Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Ofício AESI/USP Eleições para
representação estudantil no Conselho Universitário da USP”. 22/agosto/1973.
CAIXA OP 1226
463
“Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Boletim do Conselho de Centros
Acadêmicos. CAIXA OP 1226
“Relatórios ME janeiro a 17 de maio. Relatório feito por 2124 de 26/03/76.
Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE”.
Caixa OP 1408
“ME Panfletos (1969/1976). Enc 158/ASI/USP/76. USP, Gabinete do Reitor, 14 de
junho de 1976” PASTA 1356.
“ME Panfletos (1969/1976). DEOPS – Seção de Operações. Ato Público pela Anistia
(Diretório Central dos Estudantes) em 07/06/76. Informação
nº059/76/DOPS/SR/DPF/SP” CAIXA OP1356.
“Chapa CCA-USP”, CAIXA OP1424.
“Serviço Nacional de Informação – Agência Central. Informação nº121/16/AC/76
30/março/76. Propaganda Subversiva em Escolas de São Paulo” CAIXA OP1356.
“ME panfletos 69/76 Serviço Publico Federal/Superintendência Regional do DPF
em São Paulo. Serviço de Informação em 23/março/76. Encaminhamento
nº257/03-76/SI/SRDPF/SP. Origem: DSI/MEC – Difusão SRS”. CAIXA OP1356.
“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977” CAIXA OP1194.
1.3 SÉRIE: AUTOS
Informação nº1437/73-AM. Palestra de advertência proferida pelo Comandante do
DOI/CODI IIº Ex aos pais de 12 estudantes indiciados em inquérito Policial Militar
por “estarem ligados a organização autodenominada Ação Libertadora Nacional”.
IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem
Política. Série Ordem Política OP1383 Professores e Alunos em Observação
1973/1974
“Grupo União. Intervém”. O que é o CA?, 6/12/1976. CAIXA OP1580 (Liberdade e
Ação. Liberdade e Luta)
464
“Liberdade e Ação. Intervém” nº2, PUC SP, abril/1977. CAIXA OP1580 (Liberdade e
Ação. Liberdade e Luta)
“Liberdade e Ação” nº1, abril/1977 PUC-SP. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação.
Liberdade e Luta)
“Carta Programa para DCE Livre da PUC SP”, Grupo Unidade, 1977. CAIXA OP1580
(Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).
“Liberdade e Luta (oposição à atual diretoria do DCE livre da USP), Liberdade e
Ação (oposição à atual diretoria do DCE livre da PUC SP) na SPBC”, 1977. CAIXA
OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta)
“Boletim de Intervenção: recepção unificada aos calouros/77”. Grupo União,
Grupo Trabalho, Alunos de Direito. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e
Luta)
“Em Defesa do IIIº Encontro Nacional”, s/a, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação.
Liberdade e Luta).
“Boletim União”, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).
Plataforma União. CA Livre e Aberto. Ciências Sociais, Serviço Social, História,
Geografia PUC-SP, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).
“Plataforma Liberdade e Ação para DCE livre PUC”, maio/1977. CAIXA OP1580
(Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).
“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e
do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531
“Termo de Declaração de Lídia Golddstein”. CAIXA 1553
“Termo de Declaração de Geraldo Siqueira”. CAIXA 1553
“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e
do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531
“Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77)”. CAIXA
OP 1553
“Termo de Declaração de Geraldo Siqueira”. CAIXA OP 1553
“Termo de Declaração de Lídia Golddstein” CAIXA OP 1553
465
“Termo de Declaração de José Alberto Urbinatti”. CAIXA OP 1553
“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e
do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531
“Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77)”. CAIXA
OP 1553
2. CEDEM/CEMAP/A PALAVRA (DOCUMENTAÇÃO CLANDESTINA TROTSKISTA)
Frente Estudantil Socialista. “A Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”.
São Paulo, 3/3/72. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra
“Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário
no Brasil”. IIº Congresso da OSI, 1979, p.2 IN Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
Documento sem título organizado em “Notas” IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra Caixa 002
“Falam os trotskistas: ‘É necessário reconstruir a IV Internacional’. O Trabalho
nº31 04 a 16/set de 1979 A História da IV Internacional (1ª parte), p.3 IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
“Plataforma de luta da oposição sindical de S.B.C. e D. Movimento de Mobilização
Metalúrgico”, entre outros. IN “Relatórios das Comissões e Setores/SP. 1976, 1979,
1980, 1981” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra caixa LP099
“Discussão sobre os Sindicatos” (dezembro de 1977)”; “Classe contra classe:
resolução sobre a temática de Construção do partido Operário no Brasil” (IIº
Congresso, 1978); Documento sem título utilizado na dinâmica de estudos e
debates sobre as greves e avaliação do movimento operário em 1978. IN Estudos,
466
Teses, Legislação, resoluções. 1º de Maio, 1977-1983 IN Centro de Documentação
e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, Caixa LP140
Troca de correspondência entre o Corqui e o Secretariado Unificado em dezembro
de 1976, à luz das análises feitas pela OSI sobre a situação internacional e as
demais correntes trotskistas IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da
UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
“Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE USP”, 1978; “Novo Rumo Socialista”, DCE
USP, 1978; “Caminhando DCE USP, 1978”; “Para o DCE Vento Novo”; “Refazendo”;
“Caminhando: E o DCE, como é que vai?”; “Convocatória para a Assembléia do DCE
(questão do CRUSP). DCE Livre das USP. Gestão Liberdade e Luta” IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
Publicação sobre a UNE e o ME no período 1964/1970, com 46 páginas e sem
indicação de autor, pertencente ao acervo da OSI/Liberdade e Luta. IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra
caixa 123.
”Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p17. IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP140
Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP].
29/01/79, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, Caixa LP001.
Plano de Combate. Doc. Mimeog, 7p, s/d, s/a., pp1/7 Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 122.
Balanço das Eleições do DCE, Bernardo, como relator da discussão feita na
comissão ad Hoc. Agosto 1979. Doc mimeog, 5p, pp 1-3 IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP099.
Recrutamento. Doc mimeog, 8p, março/79, pp2/3 IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.
467
“Projeto de Resolução Política”. Doc mimeog, 12 p, p11, 1979 IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP068.
“Ao BP”. Rose. 24/8/79. Doc datilog, 3 pg, p2 IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
“O novo momento do B.I. e nossas tarefas”. São Paulo, março de 1979, doc
mimeografado, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.
Resolução. III Congresso OSI. 1979 IN Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.
“Aos companheiros da OSI”, São Paulo, 29/01/1980. Convergência Socialista. Doc
mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.
“Contribuição sobre a Campanha pela 1ª Conferência Nacional por Sindicatos
Livres/por uma CSI” Filipe 18/10/79. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação
e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.
A luta pela unidade: preparar a Conferência. Buro Político OSI. São Paulo 25/11/79.
Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
“Plano de Formação”. Burô Político, 6/03/80 Doc mimeog, 2p. IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP001.
“Balanço: utilização do jornal”. BP, 04/04/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP001.
“Aos trabalhadores brasileiros, às entidades sindicais, ao partido dos
trabalhadores”. Comissão Nacional de Entidades Livres, BH, 14/03/1980 IN Centro
de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A
Palavra, caixa LP140.
468
Boletim Interno. Os Trotskistas e o PT. Lucio Galego. Recebido Jairo 05/03/80. Doc
mimeog, 6 p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
“Como preparar as reuniões abertas de discussão dos textos do Comitê Paritário”.
Burô Político, 27/03/80. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
“A luta contra os aumentos de anuidade em São Paulo”. Samuel, 24/6/1980. Doc
mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
“Plano para Intervenção – PUC SP – 2º semestre de 1980”. Comissão para
Elaboração do plano da PUC SP EII, 18/07/80 IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
“Balanço de nossa intervenção nas eleições da UEE”Jane (após discussão com os
responsáveis de Comitês de São Paulo – 12.10.80). Doc mimeog, 2p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP099.
“Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio
(resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 2-3 IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
“Eleições da UNE: Balanço”. Jairo (RNE), 13/12/80 Doc mimeog, 3p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP099.
“Elementos para atualização de nossa política sindical” Buro Político, 11/03/81.
Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
Doc mimeog sem título, Janjão, 4/maio/1981, 6p. IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
469
“Preparemos o Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT em São
Paulo”. Roberto (RNJ) 12/11/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e
Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
“Encontro de Jovens: 1º passo para a construção de uma juventude”. Roberto
(RNJ), 02/12/80. Doc mimeog, 2 pag IN Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.
Intervenção na Juventude (Texto para discussão no BP de 18.02.81). Roberto (RNJ)
12/02/81. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da
UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
Nota para a intervenção estudantil. Buro Político 16/01/81. Doc mimeog, 3p IN
Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A
Palavra, caixa LP001.
“Construir o PT, construir a organização trotskista”. Buro Político, 8/01/81. Doc
mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.
“Sobre a greve nacional dos estudantes” Jairo (RNE) 11/04/81. Doc mimeog, 2p IN
Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A
Palavra, caixa LP006.
1º Balanço de nossa atividade no PT. CC 27/06/81, Doc mimeog, 2p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP005.
“Ao BP da OSI”. K2 (CTSP1) 11.09.81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação
e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075,
CEDEM
Projeto de Declaração do CC da OSI à Direção da CS/ao Comitê Executivo da IV
Internacional (CI). CC da OSI, 1/08/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP075.
470
“Comitê de Ligação”. Situação de Ruptura da IV CI e os marcos em que ela se dá”.
Ru-He. São Paulo, 27 d novembro de 1981. Doc mimeog, 4p IN Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,
caixa LP075
Ao CC da CS. Burô Político da OSI. São Paulo, 17/12/1981. Doc mimeog, 4p IN IN
Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A
Palavra, caixa LP075.
Projeto de Resolução da II Conferência Nacional da OSI. BP da OSI. Agosto de 1982.
Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.
CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068.
3. ARQUIVO EDGAR LEUENROTH
FC/0290 Congresso da UNE, Depoimento de Fredo Ebling para Mirza Pellicciotta,
27/10/1984
FC/0297 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (PT de
Massas/Autonomistas por Carlos Cavalcante, Jornal O Companheiro) para Mirza
Pellicciotta, 26/10/1984
FC/0298 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (PT de
Massas/Autonomistas por Carlos Cavalcante, Jornal O Companheiro) para Mirza
Pellicciotta, 26/10/1984
FC/0299 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (Viração,
Em Tempo/Centelha, Convergência Socialista/Aliança para Mirza Pellicciotta,
26/10/1984
FC/300 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (Viração,
Em Tempo/Centelha, Convergência Socialista/Aliança para Mirza Pellicciotta,
26/10/1984
471
Jornal O Trabalho: nº 0 (1º maio/1978); nº1 (30/maio/1978); nº2 (15/junho/1978);
nº3 (20/junho a 5/julho/1978); nº4 (6 a 20/julho/1978); nº5 (21/julho a
5/agosto/1978); nº6 (1 a 15/agosto/1978); nº7 (15 a 29/agosto/1978); nº8
(29/agosto a 11/setembro/1978); nº9 (12 a 25/setembro/1978); nº10
(26/setembro a 10/outubro/1978); nº11 (10 a 25/outubro/1978 ); nº12
(26/outubro a 7/anovembro/1978); Jornal da Greve (31/outubro/1978); nº13 (7 a
20/novembro/1978); nº14 (21/novembro a 5/dezembro/1978); nº15
(5/dezembro/1978 a 16/janeiro/1979); nº16 (16/janeiro a 13/fevereiro/1979);
nº17 (13/fevereiro/1979); nº18 (6 a 20/março/1979); Greve até a Vitória. Número
extra (14/março/1979; nº19 (20/março a 3/abril de 1979); nº20 (3 a
17/abril/1979); nº21 (17/abril a 1º/maio de 1979); nº22 (3 a 15/maio/1979); nº23
(15 a 29/maio/1979); nº24 (29/maio a 11/junho/1979); nº25 (12 a
25/junho/1979); nº26 (26/junho a 9/julho/1979); nº27 (10 a 23/julho/1979); nº28
(24/julho a 6/agosto/1979 ); nº29 (7 a 20/agosto/1979); nº30 (21/agosto a
3/setembro/1979); nº31 (4 a 16/setembro/1979); nº32 (17/setembro a
1/outubro/1979); nº33 (1 a 15/outubro/1979); nº34 (16 a 23/outubro/1979).
4. DOCUMENTAÇÃO ESTUDANTIL
(fundos documentais diversos)
Jornal do CACH/Unicamp, de setembro de 1976
Chapa 25 mil. CCA-USP, 1973
ME – estratégia e Tática. 1969, 8p
Novação. Por uma une em combate. Chapa Novação. Rio de Janeiro, 1979. Trata
do Programa de Chapa para as eleições da UNE
Manifesto aos estudantes. Publicação das chapas: Centelha, Novação,
Organizando, Ponteio, Combate, Travessia, Participação, Resistência e Novo Rumo.
Rio de Janeiro, 1980. Propostas para as eleições da UNE
472
Doispontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo:
Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975
Caderno do Ensino Pago
Boletim Informativo CEUPES, 1972. Eleições?!
Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo
Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado.
Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro
de 1973.
Gol a Gol nº13 DCE UFMG 10/10/74
Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76.
Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo
Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP, 1976. Acervo: Antonio
Figueiredo
Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975
477 Plebiscito: 23 e 24/04. Conselho de Centros Acadêmicos CCA-USP, abril-1975
Perspectiva. Ciências Sociais/USP, junho de 1974
Plataforma Construção. Junho/75, p7.
União e Organização. Plataforma para o DCE. USP-75
“Comissão Executiva” – junho/76 assinado pela Comissão Executiva do DCE
Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76.
Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo, p4/7
Carta programa para DA Física/USP, 1976, mimeog, 23p,
Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p
Refazendo Informativo. DCE USP, julho 77.
Liberdade e Luta nº3. Março 77, doc mimeog, p2.
“Por um DCE combativo”. Proposta de estatutos para o DCE-Livfre da USP,
mimeografado, 6p, s/d
“Refazendo Informativo. Publicação do Diretório Central dos Estudantes – julho
77”, de 12 de julho de 1977
473
Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg,
Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi
Leme”, 1977, mimeog, 4 pg
Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2.
“Todos ao Congresso de Reconstrução da UEE!” Caminhando
“UEE: Em quem votar
Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e
Assistênca Técnica, 1978, 4p
USP: eleição para o DCE. O Trabalho, nº2, 15/junho/1978, p2.
Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,
1979
Beba nº14. DCE UFBA, setembro 78. Boletim dos Estudantes da Bahia.
Memorex. Elementos para uma história da UNE.
Relatório Comissão Nacional Pró-UNE. DCE da UFPe, DCE da UNICAP, DCE da
UFRPe. Doc mimeog, p, 29/01/1979
Agora UNE. Liberdade e Luta, doc mimeog, 3p.
Proposta de Manifesto de Reconstrução da UNE (a ser apresentado no Congresso
de Reconstrução da UNE. Salvador – 29 e 30 de maio de 79). Agora UNE. Órgão de
Liberdade e Luta. SP: Editora Jornalística AFA, maio de 1979.
UNE. Boletim da União Nacional dos Estudantes. Diretoria Provisória (DCEs UFBa,
UFMG, URGS, UFPe, PUC-Rio, UEE-Spaulo). Secretaria de Imprensa DCE UFBa.
Junho 79, nº1.
UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p.
Liberdade e Luta. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p
Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,
1979, pp 2-3.
Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,
1979, p3.
474
“Liberdade e Luta”. Liberdade e Luta – UNE. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,
1979
“A UNE trabalhando”. Liberdade e Luta – UNE”. São Paulo: Empresa Jornalística
AFA, 1979, p2.
Liberdade e Luta UEE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p4.
Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,
1979
“Pelo Ensino Público e Gratuito para todos!” Carta programa Liberdade e Luta UEE
79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979
Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p
“As eleições da UEE-SP”. O Trabalho nº31, 4 a 16/setembro/79, p3.
“Eleições DCE livre da USP: 12 e 13 de setembro”. O Trabalho, nº31, 4 a
16/setembro/79,
“UNE: em outubro”. O Trabalho nº30, 21/agosto a 3/setembro/79, p2
Liberdade e Luta: vamos construir a tendência sindical”. O Trabalho nº36,
6/novembro/1979, p12
“Liberdade e Luta: tendência nacional. Um marco na história do movimento
estudantil. O Trabalho nº39, 19/novembro/1979, p12
Chapa Mobilização Estudantil. São Paulo: editora Joruês, 1980.
“Dia 27: fundar a UEE!”Liberdade e Luta (USP), Liberdade e Luta (PUC-SP), Grupo
de Estudantes Secundaristas, Grupo de Estudantes de Campinas, Grupo de
Estudantes de Ribeirão Preto, Grupo de Estudantes de Mogi das Cruzes, Grupo de
Estudantes de Jundiaí, Grupo de Estudantes de Guarulhos, Grupo de Estudantes da
FAAP-SP, Grupo de Estudantes de Direito – SP. Agosto, 1977, mimeog, 4 p.
A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog,
8p.
475
11. ENTREVISTAS
1. CELSO MARCONDES (CARECA): Entrevista para Virgínia Camilotti em 1986 - Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp
2. GERALDO SIQUEIRA: Entrevista para Virgínia Camilotti em 1986 - Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp
3. RUI CÉSAR COSTA SILVA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 1988 - Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro", AEL
4. BERTHÔNIO JOB E MEIRA: Entrevista para Mirza Pellicciotta e Ângelo Pessoa -
Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro", AEL
5. WILSON RIBEIRO DOS SANTOS JR (CARACOL): Entrevista para Mirza Pellicciotta em 02/09/1996
6. EUNICE FISHEMAN: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 10/09/2003
7. PAULO ZOCCHI: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 15/09/2003
8. JULEUSA TURRA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 13/03/2005
9. ANTONIO FIGUEIREDO: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 31/03/2005
10. MARKUS SOKOL: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 28/10/2005
11. FLÁVIO CARRANÇA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 10/11/2005
12. MÁRIO MARTINS DE LIMA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 20/11/2005
13. CAIO TÚLIO COSTA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 3/02/2006
14. FÁBIO MALAVOGLIA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 22/07/2009
476
12. FONTES SECUNDÁRIAS/ BIBLIOGRAFIA
ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis. Na Contracorrente da História – Documentos da Liga
Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo, Ed. Brasiliense, 1987
ABRAMO, Helena. Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano. SP, Editora Página
Aberta, 1994
ABRAMO, Laís e PAIVA,Vera. “Quem cala conscente!. A Invasão da PUC e o movimento
estudantil de 1977-79”. Disponível em: www.pt.org.br
ALMEIRA, Francisco Inácio de; SANTOS, Raimundo (org). A Esquerda e uma nova formação
política. Brasilia: Instituto Astrogildo Pereira, 1998
ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de. A canção como narrativa: o discurso social na MPB
(1965-1975). Campinas: IFCH/Unicamp, 2005. Dissertação de Mestrado
ALMEIDA, M.H. T e WEIZ, L. “Carro-Zero e Pau-de-arara: o cotidiano da oposição de classe
média ao regime militar” IN História da Vida Privada no Brasil, São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, vol: Contrastes da Intimidade Contemporânea, nº4, pp 319/410
ALMEIDA, Maria Fernanda L.A. Veja sob Censura. 1968-1976. São Paulo: Jabuticaba, 2008
ALMEIDA, Miguel Tavares de. Liga Comunista Internacionalista - Teoria e Prática do
Trotskismo No Brasil (1930-1935). São Paulo: PUC-SP, 2003. Mestrado em História.
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