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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA MIRZA MARIA BAFFI PELLICCIOTTA LIBERDADE.. E LUTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA TRAJETÓRIA POLÍTICA (ANOS 1970) Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutor em História, na área de concentração de História Cultural ORIENTADORA PROFA. DRA ELIANE MOURA DA SILVA CAMPINAS, 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MIRZA MARIA BAFFI PELLICCIOTTA

LIBERDADE.. E LUTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA TRAJETÓRIA

POLÍTICA (ANOS 1970)

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de

História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção

do título de Doutor em História, na área de

concentração de História Cultural

ORIENTADORA

PROFA. DRA ELIANE MOURA DA SILVA

CAMPINAS, 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR CECÍLIA MARIA JORGE NICOLAU – CRB8/3387 – BIBLIOTECA DO IFCH

UNICAMP

Informação para Biblioteca Digital Título em Inglês: Freedom… and struggle: considerations on a political career (year 1970) Palavras-chave em inglês: Students – Political activity – Brazil - 1970 Trotskyism Social movements – Brazil Brazil – History – 1964-1985 Área de concentração: História Cultural Titulação: Doutor em História Banca examinadora: Eliane Moura da Silva [Orientador] Marcelo Siqueira Ridenti Josué Pereira da Silva Eliana Maria de Melo e Souza Luis Antonio Groppo Data da defesa: 28-02-2012 Programa de Pós-Graduação: História

Pellicciotta, Mirza Maria Baffi , 1960- P365L Liberdade... e luta: considerações sobre uma trajetória

política (anos 1970) / Mirza Maria Baffi Pellicciotta. - - Campinas, SP : [s. n.], 2012.

Orientador: Eliane Moura da Silva . Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Estudantes – Atividades políticas – Brasil - 1970. 2. Trotskismo. 3. Movimentos sociais – Brasil. 4. Brasil – História – 1964-1985. I. Silva, Eliane Moura da, 1953- II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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Para Celia Azevedo, que inspirou e construiu este trabalho comigo;

Para Marília P. Vasconcellos e Giselda Pellicciotta, razões de todos os esforços; Para Ângelo E. S. Pessoa, que sempre me apoiou e me motivou a seguir adiante;

Para Julia Lonel (in memoriam), em homenagem a todos militantes da Liberdade e Luta

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer, de forma particular, a minha orientadora, Profa. Dra. Eliane

Moura da Silva que em prosseguimento aos trabalhos de orientação da Profa. Dra. Celia

Azevedo, auxiliou-me no amadurecimento e finalização de um longo percurso de

investigação e trabalho.

Meus agradecimentos a todos os colegas, docentes e pesquisadores que

contribuíram de maneira direta e indireta para o desenvolvimento desta tese, bem como

aos antigos e atuais militantes que generosamente me conduziram nos processos de

investigação sobre a tendência Liberdade e Luta.

Deixo também registrada a mais profunda gratidão às equipes técnicas do CEDEM,

do Arquivo Público do Estado e do Arquivo Edgar Leuenroth que me possibilitaram

estabelecer um contato profundo e moroso com a preciosa documentação sob guarda.

Cabe-me, ainda, agradecer aos amigos e colegas da Prefeitura Municipal de

Campinas que de maneira particular me ajudaram a conciliar as atividades de trabalho e

pesquisa, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento e conclusão deste estudo.

Por fim, toda a gratidão aos meus familiares que nesta custosa trajetória de

estudos e trabalho me ofereceram apoio e parceria.

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Resumo

A tese Liberdade... e Luta. Considerações sobre uma trajetória política (anos

1970) procura resgatar e refletir sobre a trajetória política de uma tendência estudantil de

matriz trotskista (lambertista) que cumpriu um papel destacado na reconstituição e

transformação do movimento estudantil brasileiro na década de 1970. Como tendência

imersa numa década repressiva, a Liberdade e Luta (vinculada à Organização Socialista

Internacionalista/OSI) partilhou da emergência de novas experiências de ação política que,

entre outros aspectos, orientou-se pela construção de “alternativas” para a sociedade e a

universidade brasileira, chegando a promover formas originais de ação coletiva, críticas a

certas formulações e práticas das militâncias de esquerda ao mesmo tempo que sensíveis

a presença de experiências contraculturais no interior da Universidade de São Paulo. Em

seu percurso de formação e desenvolvimento, encontramos marcas de transformação do

movimento social dos estudantes (forçado a enfrentar novos desafios e a construir novas

experiências), bem como dos desafios de leitura e recomposição experimentadas pelas

organizações de esquerda em seus esforços de recompor e reestruturar projetos e ações

políticas. Mais do que isso, a trajetória desta tendência estudantil nos dá pistas da

confluência de inúmeros processos que redundaram não apenas numa recomposição

original do movimento estudantil, mas na emergência de novas experiências – de teor

político-cultural – em meio à sociedade civil e as esquerdas brasileiras.

Palavras chaves: 1. Estudantes – Atividades políticas – Brasil - 1970. 2. Trotskismo. 3. Movimentos sociais – Brasil. 4. Brasil – História – 1964-1985.

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Abstract

The thesis Freedom ... and Struggle. Considerations on a political career (year1970) seeks to recover and reflect on the political trajectory of a Trotskyist tendency student matrix (Lambert) who played an important role in the reconstruction and transformation of the Brazilian student movement in the 1970s. The trend immersed in a decade of repression and Freedom Struggle (linked to the Internationalist Socialist Organization / OSI) shared the experiences of the emergence of new political action, among other things, guided by the construction of "alternative" to society and the Brazilian university , arriving to promote original forms of collective action, critical of certain formulations and practices of leftist activism while sensitive to the presence of countercultural experience within the University of São Paulo. In his course of training and development, we find marks the transformation of students' social movement (forced to face new challenges and build new experiences), as well as the challenges of reading and resetting experienced by left-wing organizations in their efforts to rebuild and restructure projects policies and actions. More than that, the trajectory of this trend in student gives clues to the confluence of several processes that not only resulted in a restoration of the original student movement, but the emergence of new experiences - from political and cultural content - in the midst of civil society and the left Brazil.

Keywords: 1. Students - Political Activities - Brazil - 1970. 2. Trotskyism. 3. Social movements - Brazil. 4. Brazil - History - 1964-1985.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABI: Associação Brasileira de Imprensa ADUSP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo AES: Aliança dos Estudantes para o Socialismo AI-2: Ato Institucional nº2 AI-5: Ato Institucional nº5 AJS: Alliance des Jeunes pour le Socialisme ALN: Ação Libertadora Nacional AP: Ação Popular APML - Ação Popular Marxista-Leninista ARENA: Ação Renovadora Nacional ASI (ou AESI) - Assessoria de Segurança e Informação BICHUSP: Calourada da USP BLA: Bureau Latino-Americano BP: Bureau Político BPO: Bloco pelo Partido Operário CA: Centro Acadêmico CAEL: Centro Acadêmico dos Estudantes de Letras da USP CAF: Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da USP CAVC: Centro Acadêmico Visconde de Cairú da Faculdade de Ciências Econômicas da USP CA XI de Agosto: Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP CALC: Centro Acadêmico Lupe Cotrim da Escola de Comunicação e Artes da USP CAOC: Centro Acadêmico Osvaldo Cruz da Faculdade de Medicina da USP CBA: Comitê Brasileiro pela Anistia CC: Comitê Central CCC Mackenzie: Comitê de Caça aos Comunistas da Faculdade Mackenzie CCA: Conselho de Centros Acadêmicos da USP CDCR: Comités de Défense contre la Répression CDPP: Comitê de Defesa dos Presos Políticos CEAC: Centro de Estudos de Artes e Comunicações CEB: Conselho de Entidades de Base CEE: Conselho Estadual de Entidades CEFISMA: Centro Acadêmico de Física e Matemática da USP CEGE: Centro Paulista de Estudos Geológicos da Faculdade de Geologia da USP CEMAP: Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa CENIMAR: Centro de Informação da Marinha CEUPES: Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Sociais da USP CGT: Comando Geral dos Trabalhadores CIE : Centro de Informações do Exército CIQI: Comitê Internacional da Quarta Internacional CLER: Comité de Liaison des Étudiants Révolutionnaires CNBB: Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNPU: Comissão Nacional Pró-UNE CONEB: Conselho Nacional de Entidades de Base CONEG: Conselho Nacional de Entidades Gerais

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CORQUI: Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação da FGV Rio de Janeiro CS: Convergência Socialista CU: Comissão Universitária CUT: Central Única dos Trabalhadores DA FGV: Diretória Acadêmico da Faculdade Getúlio Vargas DCE livre: Diretório Central dos Estudantes Livre DI-GB: Dissidência da Guanabara DOI: Destacamento de Operações de Informações DOI-CODI: Destacamento de Operações de Informações – Centros de Operações e Defesa Interna DOPS-SP (ou DEOPS-SP): Delegacia Especializada de Ordem Política e Social DPF: Departamento de Polícia Federal DSP: Dissidência de São Paulo DU UnB: Diretório universitário da Universidade de Brasilia ECA USP: Escola de Comunicação e Artes da USP EE-FUO: Ecole Émancipée pour le Front Unique Ouvrier ENE: Encontro Nacional de Estudantes FBT: Fração Bolchevique Trotskista FAAP: Faculdade Armando Álvares Penteado FAU USP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP FEA USP: Faculdade de Economia e Administração da USP FEN: Fédération de l'Education Nationale FER: Fédération des Étudiants Révolutionnaires (trotskista lambertista) FES: Frente Estudantil Socialista FFLCH: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP FLT: Fração Lênin-Trotsky FQI: Fração Quarta Internacional FUA: Frente Única Antifascista GCL: Grupo Comunista Lênin GER: Grupo de Estudos Revolucionários GFAU: Grêmio da Faculdade de Arquitetura Urbanismo GO: Grupo Outubro GOI: Grupo Operário Internacionalista GTP: Grupo de Teatro da Poli IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática IPES: Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais IPM: Inquérito Policial Militar ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros JCR: Juventude Comunista Revolucionário LAAUSP: Liga Atlética Acadêmica da Universidade de São Paulo LABHOI: Laboratório de História Oral e Imagem da UFF LCI: Liga Comunista Internacionalista LL: Liberdade e Luta LSN: Lei de Segurança Nacional MDB: Movimento Democrático Brasileiro ME: Movimento Estudantil MEC: Ministério da Educação e Cultura

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MEP: Movimento pela Emancipação do Proletariado ME 1ºM: Movimento Estudantil Primeiro de Maio SP Molipo: Movimento pela Libertação do Proletariado MPPT: Movimento por um Partido dos Trabalhadores MR-8: Movimento Revolucionário 8 de Outubro OAB: Ordem dos Advogados do Brasil OBAN: Operação Bandeirantes OC 1º de Maio: Organização Comunista 1º de Maio OCI: Organisation Communist Internationaliste OCI-U: Organização Comunista Internacionalista Unificada OEA: Organização dos Estados Americanos OLAS: Organização Latino-americana de Solidariedade OMB: Organização Marxista Brasileira OMO: Organização de Mobilização Operária OSI: Organização Socialista Internacionalista OT (ou o.t.): Organização trotskista O: organização PCB: Partido Comunista Brasileiro PC do B: Partido Comunista do Brasil PCI: Partido Comunista Internacionalista PCR: Partido Comunista Revolucionário PO: Partido Operário PO: Política Obrera POC: Partido Operário Comunista POL: Partido Operário Leninista POLI USP: Faculdade Politécnica da USP POLOP: Política Operária POR: Partido Operário Revolucionário PORT: Partido Operário Revolucionário Trotskista PM-Rio: Polícia Militar do Rio de Janeiro PM-São Paulo: Polícia Militar de São Paulo PSOL: Partido do Socialismo e Liberdade PSR: Partido Socialista Revolucionário PT: Partido dos Trabalhadores PTB: Partido Trabalhista Brasileiro PUC: Pontifícia Universidade Católica Q.I.: Quarta Internacional QI/CI: Quarta Internacional/Comitê Internacional QI/CIR: Quarta Internacional/Centro Internacional de Reconstrução SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SI: Secretariado Internacional SLL: Socialist Labour League SNI: Serviço Nacional de Informação SWP: Socialist Workers Party SU: Secretariado Unificado TS: Tendência Sindical UCMG: Universidade Católica de Minas Gerais UEE: União Estadual de Estudantes

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UEE-SP: União Estadual dos Estudantes de São Paulo UFBA: Universidade Federal da Bahia UFF: Universidade Federal Fluminense UFJF: Universidade Federal de Juiz de Fora UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais UFPE: Universidade Federal de Pernambuco UFPB: Universidade Federal da Paraíba UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul UJCm-l: Union des Jeunesses Communistes marxistes-léninistes (maoísta) UMES: União Metropolitana de Estudantes/Rio de Janeiro UNE: União Nacional dos Estudantes UNEF: Union Nationale des Étudiants de France UNEF ID: Union Nationale des Étudiants de France Indépendante et Démocratique UNEF Unité syndicale: Union Nationale des Étudiants de France Unité syndicale URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP: Universidade de São Paulo VAR-PALMARES: Vanguarda Armada Revolucionária Palmares VPR: Vanguarda Popular Revolucionária

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ÍNDICE DE IMAGENS 1.Ação repressiva em universidade no período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 2. Manifestação pela Anistia (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 3. Greve de trabalhadores e estudantes, França, maio de 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 4. “Pelas Liberdades Democráticas”, Manifestação estudantil nas ruas de São Paulo do período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 5. “Amanhã vai ser outro dia”. Manifestação estudantil do período 1977/1978 (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 6. Celebração na Alemanha nazista (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 7. Manifestação em maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 8. Vitória da Liberdade e Luta nas eleições para o DCE USP em 1978. Acervo: O Trabalho 9. Cartaz da campanha para UEE, 1978. Acervo: O Trabalho 10. Registro da intervenção do DOPS no IIII ENE, PUC-SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 11. Iconografia de maio de 1968; comunista chinesa; da IV Internacional. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos ssessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 12. Coronel Erasmo Dias em manifestação estudantil nas ruas de São Paulo. (imagem sem registro de acervo, disponibilizada pela internet) 13. Invasão na PUC-SP em 1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 14. Imagens de 1968: ruas de Porto Alegre (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 15. Imagens das ruas do Rio de Janeiro em 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 16. Invasão na Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 17. Material jornalístico e cartazes dos primeiros anos da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet) 18. Registro de manifestação de 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizado pela internet) 19. Imagem de Delegacia de Polícia, 1968 (imagem sem registro de fonte, disponibilizada pela internet) 20. Prisões durante o Congresso da UNE em Ibiúna. Imagens da Agência Estado (disponibilizadas pela internet) 21. Documentos da Operação Ibiúna. Fundo DEOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 22. Registros sobre a atuação de militantes da ALN. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 23. Documentos estudantis recolhidos pelo DOPS SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 24. Documentos oriundos das manifestações da sociedade civil. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo 25. Imprensa alternativa da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet)

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26. Graúna, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970 (imagens disponibilizadas pela internet) 27. Missa na Catedral da Sé pela morte do operário Santo Dias (1979). Acervo DEOPS/ Arquivo Público do Estado 28. Manifestação no Largo 13 contra Exílio. Fonte: Estadão (imagem disponibilizada pela internet) 29. Manifestação estudantil, Paris, 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 30. Jornal The Black Dwarf, publicação da nova esquerda inglesa (internet) 31. Apresentação de “É proibido proibir” por Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes no III FIC, Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, em setembro de 1968 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 32. Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 33. Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 34. Imagens das manifestações de maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 35. Documentação e manifestação de maio de 1968 em Paris. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 36. Documentação lambertista de maio de 1968. Fonte: Ephemera. Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira. Periódicos da Extrema-esquerda francesa nos anos sessenta e setenta (disponibilizado pela internet) 37. Imagens das manifestações de maio de 1968 na França. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr 38. Intervenções artísticas de Antônio Manuel, 1968 39. Manifestações na Candelária, Rio de Janeiro, 1968 Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 40. Mário Pedrosa e a Revista Socialismo ou Barbárie (internet) 41. Cartaz do Realism Socialista, década de 1930; Lenin on the tribune – Alexander Mikhailovich Gerasimov; Los vencedores - K. Antonovo, década de 1940 (internet) 42. Desenho futurista de Trotsky; Detalhe do mural Sonho de uma tarde de domingo no parque de Alameda, Diego Rivera, 1948; Posters da guerra civil/Rússia, de 1919 (internet) 43. Épico dos povos Mexicanos - México hoje e amanhã, 1934/35. Painel de Diego Rivera (1929/1935) Palácio Nacional, Cidade do México (imagens disponibiizadas pela internet) 44. Cidade Universitária da USP nos primeiros anos da década de 1970 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 45. Mapa da USP (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 46. Cartaz e imagens do show de Gilberto Gil na USP em 1973 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 47. Foto datada de 1973 não identificada; retrato de Alexandre Vannucchi Leme, aluno de geologia/USP e militante da ALN (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 48. Autos de Investigação sobre os diretores do Conselho de Centros Acadêmicos da USP, 11/06/1974. Acervo DEOPS, Arquivo Público do Estado 49. Fradim, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970. Acervo: Clio História (internet)

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50. Interior da USP, início dos anos 1970 Acervo: Clio História (internet) 51. Jornal A Ponte quando o muro separa. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 52. Imagens (sem identificação) de http://plaggiado.blogspot.com 53. Processo de Investigação de José Américo Ascencio Dias e Edmundo Machado de Oliveira em função da “eclosão de assembléia permanente na ECA-USP” (28/04/75). 54. Imagens da Missa de sétimo dia de Vladimir Herzog em São Paulo Acervo: Move Brasil (internet) 55. Obra de Cildo Meireles, 1975 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 56. Júlio Turra e Markus Sokol em assembléia do movimento operário, já nos anos 1980. Acervo: O Trabalho 57. Jornal da militância trotskista no interior da Faculdade de Economia da USP celebra a reconstrução do DCE livre da USP, 1976. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 58. Plataforma Liberdade e Luta para o DCE Livre da USP, 1976. . Fundo DOPS/Arquivo do Estado 59. Manifestação no interior da USP. Fundo: Revista Adusp 60. Representação feita pela matéria “Libelú. Eis o Fascínio Radcal“ do jornalista Wagner Carelli, publicada na Revista Isto É de 25/07/1979 61. Cartas programa das chapas Refazendo e Caminhando para o DCE USP em 1977; Autos de Investigação: natureza subversiva da propaganda distribuída pelo DCE da USP, 24/10/1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado 62. Boletim GFAU Gestão Liberdade e Luta; material de formação política dos GER: Programa de Transição de Leon Trotsky. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 63. Panfleto sobre a "farsa eleitoral" em campanha pelo voto nulo; panfleto do culto ecumênico pela anistia em 1978. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 64. “Por um DCE combativo” (1977); “Liberdade e Luta Intervém” (1977). Acervo DOPS/Arquivo do Estado 65. Estudantes da USP sobre a ponte de Pinheiros. Acervo: O Trabalho 66. Passeata de 5 de maio pelo centro de São Paulo. Agência Estado e Revista Veja de 11 de maio de 1977 67. Panfletos sobre a anistia: Comitê 1º de Maio; “Na SBPC”, Resistência. Acervo Dops/Arquivo do Estado 68. Passeata pelo centro de São Paulo. Fonte: Revista Isto É, 25/05/1977 69. Panfletos do DCE Livre da USP. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 70. Imagens do III ENE (BH/MG, junho de 1977) e do II Dia Nacional de Luta pela Anistia no Largo de S Francisco/SP em 8 de agosto de 1977 Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 71. Diretores do DCE Livre da USP e militantes indiciados no DEOPS em agosto de 1977. Acervo DOPS/Arquivo do Estado 72. Manifestação estudantil. Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 73. Em celebração a realização (ainda que clandestina) do III ENE, estudantes se reúnem na PUC-SP, pouco antes da invasão policial comandada pelo coronel Erasmo Dias, no dia 22 de setembro de 1977. Acervo: EstudanteNET. Portal oficial UNE e UBES (internet) 74. Invasão policial da PUC-SP durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado 75. Movimento estudantil na UnB: contra a ocupação da Universidade, 1977. Fotos de Adonai Rocha (disponibiizadas pela internet) 76. Cartaz e carta programa da tendência Liberdade e Luta para a UEE-SP em 1978. Acervo: CEDEM

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77. Eclosão das movimentações operárias em 1978 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 78. Cartaz da chapa Liberdade e Luta e registro do momento da vitória em 1978. Acervo: O Trabalho 79. Campanha pela anistia, entre outros movimentos do segundo semestre de 1978. (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 80. Assembléia na PUC, 1978. Acervo: Move Brasil (disponibilizado pela internet) 81. Jornal O trabalho. Acervo: CEDEM 82. Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 83. Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 84. Acontecimentos do 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 85. Ato de Abertura do 31º Congresso da União Nacional de Estudantes. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 86. Josimar Melo, candidato da tendência Liberdade e Luta para a presidência da UNE, discursa em plenário. Imagens de Rene Vernice disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 87. Imagens do plenário nos momentos de votação; discurso de Paulo Massoca centro). Fotos disponibilizadas pelo blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ 88. Registros sobre o Congresso de Reconstrução no jornal O trabalho; manifesto da tendência Liberdade e Luta Estadual. Acervo: CEDEM 89. Cartas programas de Liberdade e Luta em 1979. Acervo: CEDEM 90. Imagens e matérias sobre a Liberdade e Luta em 1979 91. Chapa Muitrão é eleita para presidir a UNE reconstruída. Fonte: Carta Programa. Acervo: CEDEM 92. Material do grupo Viajou sem Passaporte (outubro de 1978), que contou com a participação de Paulo Zocchi. (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet) 93. Congresso UEE - Poli, 1980; Preparação Encontro da Juventude, final de 1980; Assembléia na USP sobre o CRUSP, fevereiro/1980; USP, março/1980; Plenária da Liberdade e Luta, 1980; Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980; Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980 (imagens disponibilizadas pela internet) 94. Manifestações operárias. Imagens disponibilizadas pela internet. 95. Chapa Solidariedade para DCE Livre da USP. Acervo: CEDEM 96. Muros de Paris. Foto de Cartier-Bresson, 1968 97. Movimento de repúdio à presença militar na UnB, em 1977. Fotos de Adonai Rocha 98. Estudantes - próximos ou não - da Liberdade e Luta nos anos de 1977, 1978 e 1983 (imagem sem identificação de acervo, disponibiizada pela internet)

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SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS..............................................................................................................................................23 APRESENTAÇÃO.........................................................................................................................................................................35

A - NOS QUADROS DE UMA SOCIEDADE AUTORITÁRIA...........................................................41

1. MUTAÇÕES A ESQUERDA....................................................................................................................................................43 2. NA DIMENSÃO DA ORDEM................................................................................................................................................47 2.1 Terreno de subversivos.....................................................................................................................................................63 3. NA DIMENSÃO DA RESISTÊNCIA....................................................................................................................................73 3.1 Variações acerca do “sujeito revolucionário”, da liberdade, da democracia, da revolução...............................................................................................................................................................................................79

B - ESQUERDAS EM TRÂNSITO..............................................................................................................................109

4. INTERNACIONALISMO(S)...................................................................................................................................................117 4.1 Nos ventos de uma esquerda internacionalista..........................................................................................123 4.2 Os “lambertistas” de maio de 1968......................................................................................................................132

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4.3 Marcos internacionais de 1968 no Brasil..........................................................................................................139

C - LIBERDADE.... E LUTA.............................................................................................................................................163

5. UNIVERSIDADE EM MOVIMENTO...............................................................................................................................169 6. MUNDO EM MOVIMENTO...............................................................................................................................................259 6.1 - Voto nulo e assembléia constituinte livre e soberana..........................................................................299

6.2 - Estatuto para um DCE livre e combativo.........................................................................................................306

6.3 - Primeiras passeatas fora da USP...........................................................................................................................310

6.4 - Segunda eleição do DCE livre da USP: combates políticos................................................................317

6.5 - “Abaixo a ditadura” em passeatas-relâmpago...........................................................................................325

6.6 - A luta pela (re)fundação da UEE-SP e da UNE.............................................................................................332

7. MUNDO DO TRABALHO EM MOVIMENTO..........................................................................................................351

7.1 - Aliança operário-estudantil e a vitória na eleição do DCE.................................................................356

7.2 - Liberdade e Luta na direção do DCE: lutas internas e externas.....................................................364 7.3 - Liberdade e Luta como “tendência sindical” do movimento estudantil e a luta pela UNE independente.......................................................................................................................................................................372

7.4 - Reconstruindo a UNE: conquistas e perdas da Liberdade e Luta.................................................379

7.5 “Plano de combate” da tendência sindical.......................................................................................................394 7.6 - A luta contra o ensino pago e as intervenções artístico-culturais...............................................415

7.7 - Aproximações trotskistas e o apoio ao PT.....................................................................................................421

7.8 - Política de boicotes e de greves: por uma “greve geral nacional de estudantes”...........425

7.9 “Entrismo” no PT e dissolução da Liberdade e Luta..................................................................................432

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................................................441

9. INSTITUIÇÕES DE PESQUISA CONSULTADAS......................................................................................................447

10. FONTES PRIMÁRIAS............................................................................................................................................................460

11. ENTREVISTAS...........................................................................................................................................................................475

12. FONTES SECUNDÁRIAS/BIBLIOGRAFIA................................................................................................................476

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“...então eu comecei a ver que não era só uma questão histórica... não era só uma

questão da sociedade, injustiça social, mas era uma questão de ver um mundo

num movimento, numa dinâmica que é desigual, que é combinada, e quem falava

isso, quem não pensava em etapas, era o trotskismo... e mesmo que muita gente

da Liberdade de Luta nunca tenha nem sabido escrever Trotski, eu acredito que a

Liberdade e Luta teve essa presença marcante em virtude dessa amplidão

proporcionada pelo corpo teórico do trotskismo e pelas pessoas que souberam

que nesse corpo teórico estava o pulso pra que se pudesse pensar ciência, pra que

se pudesse pensar cultura, a vida, a juventude, que se pudesse pensar no Brasil..”

Juleusa Turra, 2005

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em um curta-metragem sobre o século XX produzido por Marc Ferro1 na década de

1980 e apresentado pelo autor na Unicamp no mesmo período, pudemos acompanhar as

possibilidades de se articular um mesmo conjunto de dados de maneiras diferentes e por

meio deles, identificar a existência, a princípio, de complexidades imperceptíveis ao olhar.

Em meio à composição de imagens em duas versões diferentes do século XX, Ferro nos

levou a identificar de forma concomitantemente, a presença de processos repressivos e

de processos libertários. E este caminho sugerido em meados dos anos 1980, logo

assumiu um sentido providencial ao estudo do movimento estudantil da década de 1970,

tema ao qual passaria a me dedicar no mestrado e posteriormente, no doutorado. O

interesse - e desafio - de lidar com dinâmicas históricas contemporâneas, contraditórias e

intensas, materializava-se - sob o olhar de Marc Ferro - na necessidade de adotar ou

mesmo construir procedimentos de pesquisa capazes de tornar perceptível o que nos

escapava ao olhar.

1 Marc Ferro. Curta metragem sobre o século XX. AEL/Unicamp

Celebração na Alemanha nazista; manifestação em maio de 1968 na França

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Na longa trajetória de pesquisa do mestrado, período no qual a intuição e a

vontade ainda não contavam com suficiente amadurecimento teórico, toda uma ebulição

de fenômenos políticos e culturais ganhou forma, e neste caso, a oportunidade de

trabalhar na organização da documentação reunida no Arquivo Edgar Leuenroth, permitiu

o contato, mas também o “afogamento”, em milhares de panfletos, folhetos, boletins,

jornais, cartazes.. produzidos nos tantos mimeógrafos e máquinas offset “clandestinas” ou

simplesmente de funcionamento irregular no interior ou fora da universidade.

Organizar esta massa documental e propor uma articulação de referências, de

objetos políticos, de lutas e movimentos em escala de país entre os anos de 1969 (pós-AI-

5) e 1979 (ano emblemático de reconstrução da UNE), foi a proposta do mestrado, tarefa

dura e custosa que se traduziu na organização de uma cronologia de 500 referências de

movimentações coletivas, em uma proposta de periodização, identificação e

problematização do fenômeno de metamorfose política que se achava em curso.

Conceitos como cultura política, identidade, práticas informais, crise institucional, foram

emergindo de um processo de pesquisa que, a cada momento, forçava o alargamento do

olhar, a ponto de nós mesmos não nos reconhecermos, ou ainda, de nosso estudo se

revelar ininteligível para os padrões de análise daquele momento. De fato, a dissertação

Uma Aventura Política: as Movimentações Estudantis dos anos 702, iniciada em 1986 e

defendida em 1997, permaneceu nas prateleiras até bem pouco tempo, quando novas

perspectivas de reflexão sobre o movimento estudantil passaram a se interessar de forma

mais pontual sobre os fenômenos políticos da universidade nos anos 1970 e gerar

trabalhos de iniciação científica e mestrado, particularmente nos campos da sociologia,

ciências políticas, educação e história.

Mas foi também nesta trajetória surda de pesquisa que as considerações atentas

da profa. Célia Azevedo, na ocasião da defesa do mestrado, abriram novas portas de

investigação; em seu entender, a insuficiência da análise no trato das esquerdas

estudantis do período fragilizava o corpo do trabalho que ali se expunha, considerando

2 PELLICCIOTTA, Mirza. Uma Aventura Política: as movimentações estudantis dos anos 70. 1997. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

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que se fazia necessário retornar ao tema para estudar a mesma ebulição política no

interior das próprias práticas organizadas.

O novo desafio, enfim, revelou-se ainda mais solitário e árduo, afinal, tratava-se de

estudar processos de re-significação política e cultural no âmbito de organizações

clandestinas, o que nos fez optar pelo estudo de uma única organização, a Organização

Socialista Internacionalista (OSI) e seu braço estudantil, a tendência Liberdade e Luta,

constituída em meados da década de 1970 no interior da Universidade de São Paulo. E

porque a OSI e a Liberdade e Luta? Esta escolha que, inicialmente, partiu da convicção de

que tratava-se de uma organização particularmente sensível a algumas questões de seu

tempo, ganhou novas bases ao revelar-se parte, também, das mudanças de paradigma

político em curso. O “estranhamento” despertado pela tendência Liberdade e Luta frente

aos órgãos repressivos e aos parceiros de luta organizada, conforme teremos

oportunidade de demonstrar, parecia sugestivo....

Os moldes assumidos pela vertente trotskista de movimento estudantil na década

de 1970 revelavam sinais de identidade com certos fundamentos e questões vivenciadas

por um contingente muito mais amplo de grupos e coletivos culturais e políticos não

organizados, situação que, se por um lado lhes permitiu compartilhar de re-significações e

incorporações teóricas e práticas, também lhes trouxe derrotas e esvaziamentos. Vale

também considerar que as mesmas possibilidades de aproximação se originaram da

recomposição e fortalecimento de certas heranças marxista-leninistas, entre elas, a do

conceito leninista de partido - particularmente, em sua versão bolchevique.

Mas nós enfrentamos dificuldades de percepção e análise destes processos, uma

vez que a presença de organizações trotkistas entre as movimentações estudantis de

períodos anteriores aos anos 1970 ainda precisa ser melhor estudada, ao mesmo tempo

em que a opção travada pelas militâncias trotskistas de, desde a fundação do PT, integrar

seus fóruns e estruturas internas, redundaria em novos rumos e possibilidades destas

organizações, diluindo-se em parte a mesma trajetória. Por outro lado, coube a estas

organizações redesenhar sua atuação no curso das décadas de 1980 e 1990, mantendo-se

convictos da necessidade de se manter uma aliança de esquerdas no interior do partido,

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ao mesmo tempo em que o partido buscasse se aproximar dos movimentos e lutas

considerados fundamentais à transformação social. Desta forma, parte das discussões,

experiências e leituras de política e cultura formuladas na década de 1970 permaneceriam

presentes no embate das organizações dentro do PT, mas já incorporadas às regras e

propósitos deste partido.

As experiências e formulações que outrora nasceram de uma sintonia muito rara

entre o universo organizado de esquerda e os fenômenos sociais e coletivos mais amplos

permanecem, portanto, guardadas na memória histórica de certos movimentos, em

particular, do movimento estudantil dos anos 1970, que se em sua trajetória de

recomposições experimentou uma “crise institucional” – por força dos próprios

questionamentos e pressões por mudança de estruturas herdadas -, ele também

expressou uma “aventura política” de grande significado para o repensar político

contemporâneo, ensaiando objetos e formas de ação política ainda hoje paradigmáticos.

Muito se tem escrito sobre as razões, impacto e desdobramentos que a

militarização do Estado trouxe à sociedade brasileira a partir de 1964. A transformação

das dinâmicas políticas à luz de novos projetos e intervenção estatal; os processos de

ruptura, descontinuidade e mudança dos fenômenos culturais e políticos; os novos

mecanismos de acumulação e impacto social estão entre as questões longamente

estudadas e debatidas por diversos segmentos sociais, ou ainda, por diferentes campos de

conhecimento.

Na atualidade, tem-se feito, inclusive, balanços acerca desta produção na intenção

de mapear pressupostos teóricos e focos de abordagem, como o proposto por Lucilia

Delgado3 que, com base no recorte “1964”, organiza e segmenta todo um conjunto de

obras conforme o caráter e ênfase de suas interpretações, dividindo-as entre:

interpretações de base estruturalista e funcional (realizadas, predominantemente, por

sociólogos, economistas e cientistas políticos da década de 1970)4; interpretações

3 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “1964: temporalidades e Interpretações”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração/EDUSC, 2004, pp 15-28. 4 Entre os trabalhos citados, constariam: Ianni, Otávio. Colapso do Populismo no Brasil (1971), Cardoso, Fernando Henrique Cardoso, “Associated-Dependent Developmente: Theoretical and Practical Implications”

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enfáticas no caráter preventivo da intervenção civil e militar (com mescla de concepções

de tempo longo e curto)5; interpretações com ênfase na versão conspiratória6 e

interpretações com ênfase na ação política conjuntural e ausência de compromisso com a

democracia (linha interpretativa que vem-se firmando desde a década de 1980 e que

privilegia aspectos políticos do pré-1964)7. Na visão desta historiadora, trata-se de

considerar que:

“..Analisar os fatores que engendram rupturas de ordens democráticas é tarefa

complexa, supõe identificação e compreensão da multiplicidade de variáveis

presentes nas conjunturas que precedem essas rupturas e supõe também

identificação de elementos de longa duração que se atualizam nessas conjunturas.

No Brasil de 1964, fatores inerentes aos tempos históricos de longa e curta

duração se entrecruzaram, conformando uma crise complexa, que não cabe ser

interpretada através de qualquer tipo de esquema teórico preestabelecido, pois

cada dinâmica histórica é singular”8

A complexidade que se acerca ao contexto e tema “1964”, portanto, se revela

presente nos contextos que se desdobram dele, valendo considerar que a força e impacto

gerado por estes acontecimentos ressurgem num leque de fenômenos sociais, políticos,

culturais, econômicos que nem sempre se mostram perceptíveis, apesar de responsáveis

por ruptura, descontinuidade e mudança com sérias implicações coletivas.

(1973); TAVARES, Maria da Conceição, Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro (1975); OLIVEIRA, Francisco de, Economia Brasileira: a crítica à razão dualista (1975). 5 Entre os trabalhos citados, constariam: FERNANDES, Florestan, Brasil em Compasso de Espera (1981) e O Significado da Ditadura Militar (1997); TOLEDO, Caio Navarro de, O Governo João Goulart e Golpe de 1964 (1981) e a Democracia Populista Golpeada (1997); DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, O PTB: do getulismo ao reformismo – 1945-1964 (1989) e Trabalhadores na Crise do Populismo: utopia e reformismo (1997). 6 Entre os citados: BANDEIRA, Moniz, O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil – 1961-1964 (1978); DREIFUSS, René, 1964: a conquista do Estado (1981); STARLING, Heloísa, Os Senhores das Gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964 (1986). 7 Entre os trabalhos: SANTOS, Wanderley Guilherme dos, Sessenta e quatro: anatomia da Crise (1986); FIGUEIREDO, Argelina, Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política – 1961-1964 (1993); FERREIRA, Jorge, O Governo João Goulart e o Golpe Civil Militar de 1964 (2003). 8 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves Delgado. “1964: temporalidades e Interpretações”. IN Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti, Rodrigo Patto Sá Motta (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004).Op.Cit., p26.

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Na verdade, os processos de resistência à militarização do Estado - processo

acompanhado pelo fortalecimento de segmentos e projetos mais conservadores –

confundem-se com um amplo e diverso conjunto de reações, proposições e afirmações

políticas e culturais que, no cotidiano da chamada “redemocratização” da sociedade

brasileira, ganhou e deu forma a princípios e fundamentos caros aos percursos de

cidadania.

Neste caso, o período compreendido entre os anos 1968/1982 nos impõe sérias

dificuldades de percepção sobre as misturas e recomposições culturais e políticas (de

caráter civil) que em curtíssimo tempo reelaboraram experiências e leituras num processo

intenso e qualitativo de recriação política. Trajetória na qual as práticas repressivas tão

atentas à “presença comunista” (em referência a um veio mais amplo de experiêcias e

releituras), cumprem, no mínimo, o papel de interferir e embaralhar suas referências e

trajetórias num cenário muito difícil de ser recuperado e decifrado, cabendo à própria

vitalidade da sociedade civil abrir caminhos novos e encontrar nos caminhos de

reconstituição das esquerdas, elementos fundamentais de luta política.

A presença de processos mais profundos a mobilizar novos e diferentes

protagonistas impõe um desafio analítico particular quando tentamos desvendar os

sentidos que se acercam à questões pungentes como “liberdade”, “democracia”,

“revolução”, podendo-se, a princípio, considerar que elas assumem nuances especiais a

depender do lugar de onde se emitem as falas...

A problemática da liberdade, de forma particular, se revela portadora de um

verdadeiro leque de significações associadas a emergência de experiências, leituras,

projetos que, em si mesmos, assumem caráter reivindicativo e específico frente a grupos

de mulheres, homossexuais, negros, jovens, ou ainda, a partidos (clandestinos e oficiais),

instituições sob controle/administração militar, igreja; diversidade que nos sugere tratar-

se de um processo mais profundo de contestação, ou ainda, de “desrepressão” coletiva e

social.

Uma outra constelação de sentidos começa a fazer parte do cotidiano do período

pós-1968, construído na contra-mão de uma nova lógica de produção e de consumo, dos

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novos marcos de modernização, das normatizações e constrangimentos, da sedução dos

discursos, da promessa de novas oportunidades no mundo do trabalho. E desta nova

perspectiva de contestação do regime, fundada na percepção efetiva da perda de direitos,

que ganha a cena uma articulação e afloramento de um outro leque de questões e objetos

de luta política.

O estudo destas práticas de resistência no curso da década de 1970 mereceu,

entre os anos 1980 e 1990, trabalhos importantes que, através de diferentes ângulos,

procuraram tratar das especificidades das novas formas de participação. Com perspectivas

diferentes de abordagem, parte destes estudos pretendeu inserir as experiências nos

marcos de uma reflexão mais estrutural da sociedade, observando seus traços em direta

relação com o Estado, com a estrutura econômica, com a crise do populismo, entre outros

aspectos9. Uma outra parcela de trabalhos, buscou recompor e analisar os movimentos

populares com base no estudo de seus caminhos de constituição histórica, inaugurando

com isso um campo de investigações original e importante a um entendimento mais

profundo acerca da constituição e permanência de relações autoritárias na sociedade

brasileira10.

9 Entre eles, podemos destacar: DREIFUSS, René Armand (1964: a conquista do Estado. Ação política, poder

e golpe de classe, 1981); MOISÉS, José Álvaro (Lições de liberdade e de opressão: os trabalhadores e a luta pela democracia, 1982); VIEIRA, Evaldo ( Estado e Miséria Social no Brasil - de Getúlio a Geisel, São Paulo, 1983); MICELI, Sérgio (Estado e Cultura no Brasil, 1984); CHACON, V. (História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas, 1985); DINIZ, Eli (“A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura”, 1985); LAMOUNIER, Bolívar e MENEGUELLO, Rachel (Partidos políticos e consolidação democrática: o caso brasileiro, 1986); DROSDOFF, Daniel. (Linha Dura no Brasil. O Governo Médici 1969-1974, 1986), ALVES, Maria Helena Moreira (Estado e Oposição no Brasil 1964-1984, 1987); OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (As Forças Armadas no Brasil, 1987; De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia, 1994); MORAES, J. Quartim de et alii (A Tutela Militar, 1987); REIS, F.W. e O’DONNELL, G. (A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas, 1988); DAVALLE, Regina A. (A Frente Ampla: um fenômeno de crise e deslocamento de representação: 1966/1968, 1989); CARVALHO, Aloysio Castelo de (O Governo Médici e o Projeto de Distensão Política: 1969-1973, 1989); HABERT, Nadine (A Década de 70: Apogeu e Crise da Ditadura Militar Brasileira, 1994), SOARES, Gláucio; DILLON, Ary e D’ARAUJO, Maria Celina (21 anos de regime militar – balanços e perspectivas, 1994), entre outros. 10

Entre os autores, podemos citar os estudos de MARONI, Amnéris (A Estratégia da Recusa: análise das greves de maio/78, 1982); EVERS, T. ("Identidade, a face oculta dos movimentos sociais", 1984); TABAK, Fanny (Autoritarismo e Participação Política da Mulher, 1982); SADER, Eder (“Poder constituinte e democracia no Brasil hoje” e “Comissão de Fábrica e Sindicato”, 1987; “Poder local e participação popular”., 1987; Quando Novos Personagens Entraram em cena, 1988); TELLES, Vera Silva (Autoritarismo e práticas instituíntes: movimentos sociais nos anos 70, 1984); PAOLI, Maria Célia (“Os trabalhadores urbanos na fala dos outros”, 1987); KUCINSKI, Bernardo (Abertura, a história de uma crise, 1982), entre outros.

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Na atualidade, novos estudos têm se debruçado sobre a montagem do Estado

Militar à luz dos processos de resistência11, multiplicando-se ainda as reflexões sobre os

partidos12, sobre as movimentações sociais (como a de anistia, direitos humanos, direitos

civis..)13, sobre a contracultura e suas relações com os demais universos políticos14. Na

11

Podemos citar, entre outros, os trabalhos de MARTINS FILHO, João Roberto (O Palácio e a Caserna - a Dinâmica Militar das Crises Políticas na Ditadura Militar: 1964-1969, 1995); CODATO, Adriano Nervo (Estrutura política e interesse de classe. Uma análise do sistema estatal no Brasil pós-1964: o caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico, 1995. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1995; MATHIAS, Suzeley Kalil (Forças Armadas e Administração Pública: a participação militar nas Comunicações e na Educação: 1963-1990, 1999. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1999; SEIXAS, Alexandre Magalhães (A Justiça Militar no Brasil. Estruturas e Funções, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; FUCCILLE, Luís Alexandre (Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa no Brasil, 2006. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2006. 12

A obra organizada por DILLON, Gáucio e D’ÁRAUJO, Maria Celina e intitulada 21 anos de Regime Militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994 contempla diversas persquisas, entre elas, a de David Fleisher (“Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou como usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro”) e a de Maria D’Alva Gil Kinzo (“O Legado Oposicionista do MDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro”). Também o trabalho de FERREIRA, Jorge Luiz e REIS FILHO, Daniel Aarão denominado Revolução e democracia (1964...). Rio de Janeiro, 2007. (Col: As esquerdas no Brasil, vol3) contempla, entre outros, o estudo de Rodrigo Patto de Sá Motta, “O MDB e as esquerdas". 13

Poderíamos destacar, entre outros, os trabalhos de: EUGÊNIO, Marcos Francisco Napolitano de (Nós que amávamos tanto a democracia, 1994); GADOTTI, Moacir (“Estado e sindicalismo docente: 20 anos de conflitos”, 1996); COLLING, Ana Maria (A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil, 1997); CRIVELLI, Ericson (Democracia Sindical no Brasil, 2000); Renato Cancian (Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política: 1972-1985, 2001); Carlos Bauer de Souza (Desenvolvimento Econômico e Sindicalismo: Os trabalhadores e a luta pela construção da democracia no Brasil: 1964-1983, 2001); CIAMBARELLA, Alessandra (“As mulheres pedem paz: um olhar sobre o movimento feminino pela anistia /MFPA”. X Encontro Regional de História ANPUH RJ. História e Biografias, 2002); DEL PORTO, Fabíola Brigante (A luta pela anistia no regime militar brasileiro: a constituição da sociedade civil no país e a construção da cidadania, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; ARAÚJO, Maria Paula Nascimento (“A luta democrática contra o regime militar na década de 1970”, 2004); MORAES, Mário Sérgio de (O ocaso da Ditadura: caso Herzog, 2006); SANTOS, Gustavo (Estado, projetos políticos e trajetórias individuais: um estudo com as lideranças homossexuais na cidade de São Paulo, 2006); MAUÊS, Flamarion e ABRAMO, Zilah W. (Pela democracia, contra o arbítrio. A oposição democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já, 2006); SILVA, Marcelo L. da (A História no discurso do Movimento Negro Unificado: os usos políticos da História como estratégia de combate ao racismo, 2007); RODEGHERO, Carla Simone (“Para uma história da luta pela anistia o caso do Rio Grande do Sul: 1974 – 1979”, 2009). 14

VASCONCELLOS, Gilberto (De Olho na Fresta, 1978); Hollanda, Heloísa Buarque de (Impressões de viagem, CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/1970, 1980); PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (Retrato de Época: Poesia Marginal anos 70, 1981; O que é contracultura, 1985); MELLO, Maria Amélia (20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar, 1986); DAGNINO, Evelina. "Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana" IN ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos Sociais Latino Americanos: Novas Leituras. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000; ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de (A canção como

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análise das organizações de esquerda, alguns estudos mais recentes têm procurado

desenvolver uma discussão mais articulada sobre as transformações enfrentadas curso

dos anos 1970, privilegiando o enfoque da fragmentação das utopias, das mutações e

misturas de referenciais políticos e culturais, ou ainda, das relações estabelecidas entre os

campos comportamentais e políticos15. Mas neste caso, as trajetórias e formulações

marxistas acham-se dissolvidas em uma vasto processo de transformação de paradigmas

políticos que não nos auxiliam de uma maneira mais direta a entender o fenômeno

chamado por Sader de “marxismo disperso”, apesar de nos abrir um importante leque de

questões e tendências.

Ainda, uma outra perspectiva de reflexão tem procurado estudar os referenciais e

experiências que se acham em curso no interior dos grupos de matriz marxista, e para

tanto, vem realizando incursões em outros períodos históricos, inclusive nos anos 1970;

no entanto, boa parte destes trabalhos concentram-se no estudo de organizações

específicas para, através delas, identificar seus marcos de transformação. Encontramos

nesta linha de análise, diversos estudos sobre as organizações, e em particular, sobre o

PT16; e emergindo das reflexões, uma série de temáticas, entre elas, as relativas ao

narrativa: o discurso social na MPB: 1965-1975, 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, data, 2005); Vários Autores (Anos 70: trajetórias, 2006); BAHIANA, Ana Maria (Almanaque anos 70. Lembranças e curiosidades de uma década muito doida, 2006); GARCIA, Miliandre (“Ou vocês mudam ou acabam”: teatro e censura na ditadura militar: 1964-1985, 2008); SANTOS, Jordana de Souza (“O Papel dos movimentos sócio-culturais nos ‘anos de chumbo’", 2009). 15

Poderíamos citar, entre outros, os trabalhos de HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. (Patrulhas Ideológicas, 1980); GARCIA, Silvana (Teatro da Militância. A Intenção do popular no engajamento político, 1990); RISÉRIO, Antonio (Avant-Garde na Bahia,1995); COSTA, Iná Camargo (A Hora do Teatro Épico no Brasil, 1996); ARAÚJO, Maria Paula Nascimento (A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970, 2000); REIS, Paulo Roberto de Oliveira (Exposições de arte - vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970, 2005); CAVALCANTI, Jardel Dias (Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política. Brasil anos 60 e 70, 2005). 16

Sobre esta temática constam, entre outros, os estudos de GURGEL, Antonio de Pádua (Socialistas no Brasil. Partidos, programas e experiências, 1984); SOUZA, I. R. O. G. (Trabalho e Política: As Origens do Partido dos Trabalhadores, 1988); VOIGT, Léo (A formação do PT: esboço de reconstrução histórica, 1990); GUIMARÃES, Juarez (Claro enigma: o PT e a tradição socialista, 1990); BERBEL, M.R. (Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira: 1978-1980, 1991); KECH, M. (A lógica da diferença. O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira, 1991); ÁRABE, Carlos Henrique Goulart (Desenvolvimento Nacional e Poder Político. O projeto do Partido dos Trabalhadores em um período de crise, 1998); BORGES, Arleth Santos (A Construção do Partido dos Trabalhadores no Maranhão, 1998); CÉSAR, Benedito Tadeu (PT: a contemporaneidade possível: base social e projeto político: 1980-1991, 2002); RATTES, Tiago (“O socialismo Petista”: analisando um documento histórico do Partido dos Trabalhadores, 2006); PEDROSA, Mário (“A missão do PT”, 2006); Mario Grabois (“Notas sobre

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sindicato17, à democracia18, ao partido e à revolução, tomadas como questões de

investigação. Estes estudos, apesar de não realizarem abordagens mais articuladas, nos

oferecem elementos essenciais para uma compreensão das experiências vividas na

década de 1970. Enfim, algumas coletâneas, produzidas no calor da hora, permanecem

ainda hoje como grandes referências articuladoras, como a coletânea do jornal Em Tempo,

que buscou resgatar uma história das esquerdas, no mesmo contexto em que as

organizações se achavam em transformação.

Entre os estudos do trotskismo, encontramos trajetórias analíticas nas próprias

publicações da década de 1970, como a coletânea de textos produzida pelo jornal O

Trabalho, no final da década de 1970. Entre os estudos mais recentes, várias análises têm

resgatado a trajetória de algumas organizações brasileiras, e através delas, encontramos

estratégia, tática e mudanças na política no PT”, 2007); SILVA, Antonio Ozai da (“O Trabalho. Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores”, 2001; “O PT e os marximos da tradição trotskista: Introdução”, 2001; “Trabalho e Política. Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores. Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação – PT”, 2003;“A esquerda Marxista e o PT (I)”, 2008; “Esboço para a História da Esquerda no Brasil”, 2009); FARIAS, Marcos Moutta de (Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005); LACERDA, Gislene Edwiges de (O retorno ao pluripartidarismo brasileiro: a fundação do Partido dos Trabalhadores e a “Carta de Princípios”, 2008; O surgimento do Partido dos Trabalhadores: uma análise de documento histórico de sua pré-fundação, 2010). 17

Entre os estudos, poderíamos citar os trabalhos de SOUZA, Carlos Bauer de (Desenvolvimento Econômico e Sindicalismo: Os trabalhadores e a luta pela construção da democracia no Brasil: 1964-1983); RODRIGUES, Leôncio Martins (“As tendências políticas na formação das Centrais Sindicais”, 1991); LAZZARESCHI, Noêmia (A 'Nova Classe Operária': os Trabalhadores na Indústria Automatizada, 1995); CARVALHO, Claudete Valdelena ("A Esperança Presente das Coisas Futuras" - O Movimento Sindical e suas Representacões Simbólicas, 1995); OLIVEIRA, Heliane Maria Apolinário Leite de (Democracia e Postura Ética na Política das Relações Sindicais, 1996); SANTANA, Ana Claudia F. (A Central única dos trabalhadores - CUT e a luta pela democracia: elementos de uma trajetória, 1999); RODRIGUES, Iram Jácome (O Novo Sindicalismo: vinte anos depois, 1999); SILVA, Jair Batista da (A Perversão da experiência no trabalho. Os bancários em face do Programa de Ajustes do Banco do Brasil, 2002); BARRETO, Eleonora Frenkel (Desemprego e (des)mobilização política: a luta do sindicato dos bancários de Campinas e região, 2004); SILVA, André Luis Corrêa da (João Ferrador na República de São Bernardo": o impacto do "novo" movimento sindical do ABC paulista no processo de transição democrática: 1977-1980, 2006); RÊSES, Erlando da Silva (De vocação para profissão: organização sindical docente e identidade social do professor, 2008). 18 Entre os trabalhos, gostaríamos de citar os de GARCIA, Marco Aurélio (As Esquerdas e a democracia,

1986); GUIMARÃES, Juarez Rocha (Marxismo e Democracia: crítica à razão liberal, 1998); SANTANA, Ana Claudia (A Central única dos trabalhadores - CUT e a luta pela democracia: elementos de uma trajetória, 1999); SAID, Ana Maria (A estratégia e o conceito de democracia em Gramsci e o PCB, 2006), entre outros.

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diversos elementos de uma trajetória singular de ação política. No entanto, estes estudos

se referem majoritariamente às experiências e organizações do período 1930/196019.

Por fim, no campo propriamente estudantil, espaço onde a atuação das

organizações assumiu grande relevância, os estudos – até então escassos – vem-se

avolumando quando o recorte temporal é a década de 1970, valendo destacar os

trabalhos produzidos nas últimas duas décadas20.

19

Entre os estudos, podemos citar: MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993; MARQUES NETO, José Castilho; LÖWY, Michael. “Trotsky e o Brasil” In: MORAES, João Quartim de (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1995. p. 223-246. v. 2; COGGIOLA, Osvaldo. “Florestan Fernandes e o socialismo”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 1995, pp 34-38; FERNANDES, Florestan. “Reflexões sobre o socialismo e a auto-emancipação dos trabalhadores”. Revista Adusp, Outubro 1995, pp 12-18; FERNANDES, Florestan. Em busca do Socialismo: últimos escritos e outros textos. São Paulo: Editora Xamã, 1995; Pereira Neto, Murilo Leal. Outras Histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil - 1952/1966 - O Caso do POR (Partido Operário Revolucionário). São Paulo:USP, 1997. Mestrado em História Social; KAREPOVS, Dainis; MARQUES NETO, José Castilho (Org). Mario Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001; MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os Trotskistas Brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” IN RIDENTI, Marcelo e REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs). História do Marxismo no Brasil. Volume V. Partidos e Organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: Ed. Unicamp, 2002, pp 103-152; ALMEIDA, Miguel Tavares de. Liga Comunista Internacionalista - Teoria e Prática do Trotskismo No Brasil (1930-1935), 2003. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003; GUTIERREZ, Andriei da Cunha Guerrero. O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma analise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002, 2004. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2004; FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005; KAREPOVS, Dainis. “O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil”. Cad. AEL, v.12, n.22/23, 2005; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT. São Carlos: EdUFSCar/FAPESP, 2008; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. 20

Entre os estudos sobre a temática Movimento Estudantil dos anos 1970, encontramos – num levantamento parcial – o volume de 14 trabalhos (entre disertações de mestrado e teses de doutorado) defendidos entre os anos de 1987 e 2010 da seguinte forma: na USP (5, sendo 3 mestrados nas áreas de História Social, História Econômica e Enfermagem e 2 doutorados em História Social, defendidos entre 2003 e 2010); na UNICAMP (3 mestrados em Educação, História Social e Educação Física defendidos entre 1987 e 2006); na UFSCar (1 mestrado em ciências sociais, 1 doutorado em ciências sociais em 1982 e 2008, respectivamente); na UFBA (1 mestrado em Ciências Sociais, de 2002); na UFCe (1 Doutorado em Educação, de 2006) e na UFGo (1 Mestrado em Educação, de 2002). Além das teses e dissertações, identificamos 17 trabalhos (entre monografias, artigos acadêmicos e trabalhos jornalísticos), além da coletânea de textos organizada por Luis Antonio Groppo, Michel Zaidan e Otávio L. Machado (de 2008) e o livro de memórias de Caio Túlio Costa (de 2003). Ao longo desta tese, teremos oportunidade de apresentar estas referências.

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APRESENTAÇÃO

“Certamente a História não consagrou plenamente o projeto da OSI, mas entre as

muitas possibilidades que esta mesma História foi pródiga em formular, contam-se

os projetos silenciados e não necessariamente derrotados”21

A tendência estudantil Liberdade e Luta se configura historicamente como uma

experiência político-cultural de leitura e prática trotskista que entre os anos 1976/1982

ganhou forma na universidade brasileira, conduzida por uma organização clandestina

denominada Organização Socialista Internacionalista. Esta tendência, num contexto

político, econômico e social tenso e complexo de nossa história contemporânea, alcançou

um relativo sucesso dentro e fora da universidade na proporção em que suas leituras,

propostas e realizações políticas e culturais adquiriram legitimidade, fazendo-se notar,

inclusive, por outras e diversas organizações militantes de esquerda que, por diferentes

razões e em diferentes ocasiões, geraram dificuldades para sua atuação, ao mesmo tempo

em que contribuíram para descaracterizar suas proposições, ampliando-se daí um

21

ANDRADE, Everaldo de Oliveira. “A liberdade nasce da luta: o surgimento da OSI na crise da ditadura” IN SAMOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaina de Almeida (orgs). Desarquivando a Ditadura : memória e justiça no Brasil, volume l /. São Paulo: Aderildo St Roíhschiid Editores, cap.3, p 82

Vitória da Liberdade e Luta nas eleições para o DCE USP em 1978. Acervo: O Trabalho

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percurso de fragmentações e perdas de um repertório político da maior significação que

ainda hoje nos causa estranhamento.

Resgatar e refletir sobre esta tendência em seus múltiplos significados e

trajetórias, por sua vez, deu lugar a uma tarefa árdua que merece considerações. A

aparente “radicalidade” das posturas e projetos detentores de traços contraculturais que,

em diversas ocasiões, promoveram aproximações inesperadas, além de uma atualização

de linguagem política muito significativa, se por um lado nos fez perceber que se tratava

de um objeto incomum e complexo, por outro, nos colocou diante de uma trajetória

intensa e breve, que em pouco mais de seis anos viu nascer e crescer experiências muito

ricas para, em seguida, se fragmentar no bojo de diferentes acontecimentos e

movimentos. Esta brevidade e intensidade, aliás, nos fez duvidar de sua efetiva

significação. No entanto, foi a partir do mergulho numa documentação primária

rigorosamente preservada, num universo de memórias militantes lúcidas e convictas, ou

ainda, num cenário virtual de debates, análises e projetos trotskistas ainda vigorosos, que

nossa intenção (e esforço) de realizar a empreitada se confirmou, tornando-se claro que

para captarmos com rigor e profundidade uma experiência político-cultural tão rica

quanto volátil, tornava-se necessário construir um modelo de análise adequadamente

complexo, sensível e dinâmico.

A criação deste modelo foi, em si mesmo, lenta e difícil, valendo registrar que nós

iniciamos os estudos sobre a tendência (originalmente paulista) no interior do maior

arquivo de movimento estudantil de que temos notícia, os acervos recolhidos pelo

DEOPS/SP, hoje, no Arquivo do Estado. Neste caso, ao longo de vários meses, nós nos

debruçamos sobre um imenso acervo que na proporção em que nos permitia acesso a

documentos raríssimos (como a pequenos textos mimeografados espalhados pelas salas

de aula nos primeiros anos da década de 1970 ou a descrições de fala de militantes no

calor de assembléias), ele também nos revelava as dificuldades que, no calor da hora, os

agentes de segurança enfrentavam para “ler” os acontecimentos e seus significados;

situação que se tornou particularmente importante na medida em que nós percebemos

que os agentes já não conseguiam “detectar” e muito menos acompanhar os propósitos e

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ações da tendência Liberdade e Luta, ou mesmo identificar a presença de sua organização

clandestina (a OSI surgiu como objeto de observação apenas no ano de 198122). Mais do

que isso, nesta trajetória de pesquisa nos foi ficando claro que à luz das representações

criadas pelas próprias movimentações de estudantes, o DEOPS-SP acabara por se

desinteressar por aquele bando de estudantes radicais que não tinha medo de gritar

“abaixo a ditadura”, terminando por reduzi-los em seu “grau de periculosidade” e associá-

los ao que se convencionara chamar de “esquerda festiva”. Os arquivos do DEOPS,

portanto, se por um lado nos forneciam registros singulares e profundos de um cotidiano

acadêmico (em que apareciam muitos de nossos militantes), por outro, não nos permitia

ter acesso a fontes mais internas da tendência e da organização (com exceção da Fração

Bolchevique Trotskista/FBT e de fragmentos da Organização Comunista – Primeiro de

Maio/OC-1ºM conforme veremos adiante), surgindo daí a questão: onde estavam os

arquivos clandestinos da OSI? Será que eles existiam?

Foi do contato com militantes da própria organização - atuante no PT desde a

fundação - que nós conseguimos nos aproximar do conjunto de 200 caixas que, nos anos

1990, havia sido confiado ao CEDEM/UNESP pela própria OSI23; uma documentação que,

enfim, nos abriria as portas para entendermos a formação e trajetória da tendência

estudantil Liberdade e Luta. Desta forma, demos início à segunda fase do processo de

pesquisa, mergulhando na documentação interna da OSI. Mas, que documentação era

aquela?? Caixas e mais caixas registravam em detalhes a presença de uma rede de

movimentos, de instituições, de instâncias de militância, de figuras com nomes cifrados

que cotidianamente desempenhavam atividades no interior de sindicatos, de bancos, de

universidades, em diferentes Estados brasileiros. A tendência Liberdade e Luta,

propriamente dita, achava-se comprimida em duas ou três caixas, ao mesmo tempo em

que se mostrava inserida num leque de movimentos, de entidades estudantis e

universidades.

22

Ver: Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temática. OP1010. 23

A documentação clandestina da OSI do período 1968/1991 acha-se reunida no fundo documental da

Editora A Palavra, no acervo do CEMAP (Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa) guardado pelo CEDEM (Centro de Documentação e Memória da UNESP).

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O processo de investigação no CEDEM, de fato, prometia ser exaustivo, e nós

começamos a perceber o porquê dos agentes de segurança do DOPS não terem

conseguido detectar estas atividades... Na verdade, estávamos diante de um “edifício”

clandestino, de uma obra cujo desenho organizacional surpreendia pela complexidade,

pela articulação, pelo grau de envolvimento e gestão. Por onde deveríamos começar? A

princípio, nós optamos por repetir a mesma trajetória de pesquisa que acabáramos de

realizar no Arquivo do Estado: tratava-se de ler, registrar e estudar centenas de

documentos que agora se ordenavam segundo a lógica de um projeto político que lutava

para penetrar, intervir, redirecionar um corpo de movimentos, ao mesmo tempo em que

lutava para organizar e direcionar um corpo de militantes; enfim, reiniciamos as pesquisas

cabendo esclarecer que conforme avançávamos nos conteúdos, passávamos a perceber a

“construção” da tendência.

A “LL” (como se achava identificada na documentação) ou a “Libelú” (como se fazia

marotamente apelidada pelos concorrentes) foi surgindo aos poucos, sempre enredada a

leituras e processos políticos mais complexos; dinâmica, aliás, que logo revelou tratar-se

de um processo, de uma tendência-processo, de um artefato trotskista que nascia

articulado a outros movimentos e que em poucos anos dera forma a uma experiência

político-cultural tão rica quanto efêmera. A percepção desta dinâmica, por sua vez, nos

conduziu a um terceiro momento de pesquisa: o de mergulho na lógica de constituição e

gestão da “LL”, condição para que viéssemos a pensar de forma trotskista, a enxergar com

lentes trotskistas, a falar, compreender e utilizar termos trotskistas na busca de penetrar

num universo de reflexões, realizações e experiências que tinha entre seus pontos

articuladores a questão da “reconstrução da IV Internacional”; este sim... o território do

qual emanavam leituras, abordagens, discussões, diretrizes e orientações responsáveis -

num dado tempo e espaço – pela rede de movimentos e militâncias em que se achava

inserida a tendência estudantil Liberdade e Luta.

Mas, para compreender o trotskismo - em suas variações de tons - nós

percebemos que era chegada a hora de buscar os militantes e esta empreitada mostrou-

se mais intrincada do que imaginávamos, entre outros aspectos, porque a organização

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continuava viva e zelosa de seu patrimônio político, ao mesmo tempo em que se achava

presente uma trajetória dolorosa de fraturas, desentendimentos, afastamentos e

mudanças ainda latentes (e que se fazia amplificada quando a questão era a memória). As

entrevistas foram intensas e particularmente importantes para conseguirmos penetrar

neste território político marcado pelos rigores da análise marxista-leninista-trotskista, mas

também pelas dúvidas, questões, anseios e desejos.

Cartaz da campanha para UEE, 1978. Acervo: O Trabalho

“...um grão, morre, nasce trigo, vive, morre pão..” (Drão, Gilberto Gil)

Para tratarmos historicamente da tendência estudantil Liberdade e Luta, nossa

proposta foi a de reconhecer a presença de diferentes dinâmicas que, ao longo dos anos,

perpassaram e configuraram suas experiências, constando entre elas, questões referentes

à dinâmica interna das organizações; a problemática da ditadura militar e dos processos

de luta pela redemocratização do país; questões inerentes à universidade em suas

relações com a cultura e a sociedade brasileira, ou ainda, questões relacionadas aos

universos propriamente da cultura e da política nas mais variadas imbricações.

Em meio a tudo isto, pudemos identificar na trajetória de formação e

desenvolvimento da tendência a presença não de fases, mas de campos de abrangência

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progressivamente complexos - mais próximos a círculos concêntricos24 -, proposição que

nasceu da certeza de que para identificarmos, delimitarmos e estudarmos este fenômeno

político de matriz trotskista fazia-se necessário refletir a partir de conceitos trotskistas.

A tese encontra-se dividida em três partes: “Nos quadros de uma sociedade

autoritária”, “Esquerdas em trânsito” e “Liberdade.. e Luta”. Na primeira parte, dois

capítulos centram as reflexões sobre os embates vivenciados entre o Estado Militar e um

amplo conjunto de movimentos e processos de resistência; eles conferem atenção ora aos

órgãos de segurança (Na Dimensão da Ordem), ora à sociedade civil (Na dimensão da

Resistência). Na segunda parte, procuramos refletir sobre o trânsito de idéias, referências

e experiências que, para além do Estado Militar ou mesmo dos movimentos de resistência

da sociedade civil, se fizeram presente no período (Internacionalismos); neste caso, as

atenções se voltam para uma “esquerda internacionalista”, dimensão fundamental para

compreensão da formação e atuação da OSI e da tendência Liberdade e Luta.

A tendência Liberdade e Luta, propriamente dita, ocupa a última parte do trabalho

e responde por dois terços do volume da tese. Nela procuramos jogar luz sobre os 7 anos

de vigência, ou ainda, sobre os 12 anos de maturação, desenvolvimento e dissolução da

tendência (entre a constituição de um embrião trotskista lambertista e sua fragmentação

no interior do Partido dos Trabalhadores), mantendo a atenção sobre as conexões

internacionais que estabeleceu, sobre as possibilidades políticas e culturais que abriu, ou

ainda, sobre o valor das leituras e perspectivas de luta que representou.

No desenvolvimento destas reflexões e no esforço de pensar a tendência

Liberdade e Luta em suas próprias referências, adotamos alguns recursos interpretativos,

entre eles, um conjunto de círculos concêntricos, formas geométricas que buscaram

representar a formação, desenvolvimento e estrapolamento de sua atuação política em

“campos” (ou instâncias) específicos; estes círculos, pela significação que ocuparam em

nossos estudos, acabaram por conduzir as reflexões sobre a tendência, orientando a

subdivisão da terceira parte em três outras unidades: “Universidade em Movimento”,

“Mundo em Movimento” e “Mundo do Trabalho em Movimento”.

24 Conforme sugestão de Juleusa Turra, militante da tendência Liberdade e Luta em suas origens.

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A - NOS QUADROS DE UMA SOCIEDADE AUTORITÁRIA

Registro da intervenção do DOPS no IIII ENE, PUC-SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado

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1. MUTAÇÕES À ESQUERDA

De fato, ao contrário do que se pode supor, os primeiros anos da década de 1970 -

marcados pela presença do Ato Institucional nº 5 e pela atuação do Governo Médici -, não

foram de paralisia e “vazio” no universo das chamadas esquerdas brasileiras. Na verdade,

foram nestes anos que se ensaiaram os primeiros passos de uma trajetória de

recomposição organizada que, em poucos anos, acabaria por exercer papel estratégico na

eclosão de movimentos sociais focados na defesa dos direitos humanos e anistia, na

defesa das liberdades de expressão e livre organização partidária, na reconquista e

alargamento das liberdades democráticas, pelo fim da ditadura e instauração de uma

“assembléia constituinte soberana e democrática”, entre tantas outras reivindicações.

Mas, este processo de recomposição organizada no período pós-1968 não se daria

de forma linear, não se faria de maneira tranquila e nem sequer se caracterizaria pela

continuidade, propriamente dita, das leituras, métodos, propósitos e tradições de luta

herdadas... como poderemos observar, o “ousar experimentar caminhos políticos

alternativos” em meio as opções possíveis deste contexto, desaguaria num percurso

tenso, inusitado e dinâmico que, conforme nos lembrou Marcelo Ridenti, acabaria por dar

forma - em consonância a outros processos de caráter mundial - a um novo partido

“ancorado num tripé” social (Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, “novo

sindicalismo” e “intelectuais e remanescentes de organizações políticas marxista-leninistas

Iconografia de maio de 1968; comunista chinesa; da IV Internacional

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derrotadas pelo regime civil-militar”), processo que se faria acompanhar pela “auto-

extinção do Partido Comunista Brasileiro, já na década de 90”25.

Na verdade, nos parece fundamental considerar que, a emergência de novos

processos de resistência por meio de uma “infinidade de manifestações nos diferentes

campos da sociedade” se daria de forma paralela e complementar à renovação dos

parâmetros de esquerda que, em diferentes momentos e por diversos meios, emprestou

fundamentos e referenciais às novas/outras formas de resistência em cena. Em sentido

inverso, na medida em que estes fundamentos e referenciais marxistas conseguiram

extrapolar a dimensão partidária (tão fragmentada...) para penetrar de maneira mais

profunda no cotidiano social, estas organizações iniciaram, efetivamente, seus processos

de recomposição adotando agora perspectivas mais híbridas de militância - em parte, pela

necessidade de repensar seus paradigmas, em parte pela necessidade de se manter

afinadas aos processos em curso, mesclando-se ambas as trajetórias de discussão,

recriação e alargamento de paradigmas de luta e cidadania.

Os caminhos de redemocratização da sociedade brasileira, entre os anos

1964/1984, contaram efetivamente com a presença de organizações de esquerda que, no

mesmo processo em que se viram fragmentadas ou mesmo dizimadas, ousaram recompor

suas referências vencendo distâncias internas (trazidas pela presença de diferentes

matrizes teóricas) e buscando de se aproximar de novas problemáticas, repertórios e

experiências que, em termos mais amplos, entravam em cena num contexto tão

complexo. As chamadas “questões culturais” da década de 1970, de forma especial,

25 Segundo Marcelo Ridenti, em “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”, o nascimento do PT, então “ancorado num tripé: as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, inspiradas na teologia da Libertação; o chamado novo sindicalismo, liderado pelos metalúrgicos do ABC paulista; além de intelectuais e remanescentes de organizações políticas marxista-leninistas derrotadas pelo regime civil-militar”, mereceria de teóricos contemporâneos, como Tilman Evers (1984) a aposta de que se constituía num “partido servo dos movimentos, jamais seu guia, como os tradicionais partidos de esquerda”; questão por sua vez, que no curso das décadas de 1980 e 1990 se somaria a um leque de acontecimentos - como o “fim da ditadura civil-militar em 1984, até a queda do muro de Berlim em 1989, episódio emblemático da derrocada dos regimes pró-soviéticos, que no Brasil culminaria com a auto-extinção do Partido Comunista Brasileiro, já na década de 90” – expressivos, em si mesmos, de um “esgotamento do modelo bolchevique de partido revolucionário no Brasil”. RIDENTI, Marcelo. “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”. São Paulo, Perspectiva, vol.15 no.2, São Paulo Apr/June, 2001.

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demarcariam este trânsito de questões e respostas, de sincronias e também de rupturas

presentes na esfera social.

Enfim, nos parece essencial considerar que estas mesmas leituras, proposições e

intervenções, oriundas de matrizes teóricas marxistas – em recomposição, aproximação,

transformação - se prestariam a articular, reconfigurar e sedimentar todo um universo de

questões cruciais como liberdade, democracia, revolução ; questões, de fato, que nunca

haviam saído de cena, mas que neste tempo e espaço voltavam a firmar um lugar,

fazendo-se acompanhar por um amplo leque de anseios, expressões e manifestações

coletivas.

Este estudo tem como foco a tendência estudantil Liberdade e Luta (1976/1982) e

através dela, a Organização Socialista Internacionalista, criada em 1976 a partir da fusão

de outras organizações trotskistas de linha lambertista. Por meio destas organizações,

entendemos ser possível perceber e penetrar num universo inicialmente clandestino,

posteriormente público, que no curso dos anos 1970 e parte dos anos 1980 deu forma a

muitas das confluências que, em termos mais amplos, as esquerdas brasileiras viveram no

processo de redemocratização social. Torná-las centro das reflexões, por sua vez, nos

permite propor um deslocamento de abordagem necessário ao estudo do processo que

Ridenti chamou de “virada no pensamento e na prática de esquerda”, num tempo, no

entanto, em que ainda se achava distante o “esgotamento do modelo bolchevique de

partido revolucionário no Brasil”.

Ainda, eleger uma das organizações trotskistas presentes nos processos de

redemocratização da sociedade brasileira, como objeto de estudos, também nos permite

tratar das experiências e trajetórias “de esquerda” numa perspectiva mais ampla e

completa; a ausência destas organizações num grande conjunto de estudo fragiliza, em

nosso entender a compreensão das transformações, perdas e conquistas vivenciadas no

período. E neste caso, o interesse de conferir atenção as organizações trotskistas carrega

o propósito maior de identificar e reconhecer as diferentes contribuições que as mais

variadas matrizes de pensamento marxista exerceram no período 1964/1984;

contribuições, por sua vez, que em nosso entender necessitam ser percebidas em suas

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articulações, cruzamentos e sobreposições, na prática, a origem da vitalidade e profunda

contribuição que legaram à sociedade em sua trajetória coletiva de reconquista e

alargamento da cidadania.

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2. NA DIMENSÃO DA ORDEM

Coronel Erasmo Dias; invasão na PUC-SP em 1977

Com a decretação do AI-5 em dezembro de 1968, o Estado Militar coloca em cena

mais um mecanismo de luta anticomunista, a Doutrina da Segurança Nacional; ferramenta

de intervenção e articulação que radicaliza o propósito maior de defender com

“intransigência (...) um modelo de desenvolvimento que leve o país a um poderio

econômico”, por meio da garantia - em um contexto de perigo - da “irreversibilidade da

Revolução”26.

As questões que levam a adoção desta doutrina no contexto, bem como os

propósitos que revelam, têm sido estudadas com atenção nas últimas décadas. As

intenções e características da chamada “linha dura” das Forças Armadas nos quadros de

governabilidade do General Médici (1969/1974) ou ainda, as questões que regem sua

sucessão e montagem do governo Geisel, entre outros temas relativos à “dinâmica

político-militar da ditadura”, nas palavras de João Roberto Martins Filho, vem recebendo

contribuições importantes, em especial, à luz de relatos que “trazem implícita uma

26

COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o Poder Militar na América Latina. RJ: Civilização Brasileira, 1980, p.47.

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interpretação particular sobre a dinâmica política do regime e, mais especificamente,

sobre o conteúdo e a dinâmica das lutas internas às Forças Armadas”27

A construção de novas interpretações atentas a acontecimentos e disputas

internas às Forças Armadas nos ajuda a compreender parte dos fenômenos, como o de

construção pelos “castelistas” (quando de seu retorno ao poder com Ernesto Geisel) de

uma auto-representação de “moderados”, expressão que buscava afastá-los da direta

responsabilidade na edição do AI-2, da Carta de 1967, Lei de Imprensa, Lei de Segurança

Nacional, entre outras. Ou ainda, nos permite observar com outros olhos os processos que

se acercam à decretação do AI-5, no governo Costa e Silva (1967/1969), afirmando

Martins Filho que: “... as versões segundo as quais o Ato Institucional número 5 foi uma

resposta ao ‘terrorismo’” não se sustentam quando confrontadas com a dinâmica interna

do regime militar que, na mesma ocasião, experimentava uma “fratura da unanimidade

militar”, em “...um quadro de desunião muito mais complexo do que geral se admite”28, e

que em nome de sua unidade institucional imporia regras de hierarquia utilizando-se de

procedimentos como a Doutrina da Segurança Nacional. As ações repressivas do Estado

Militar, neste caso, responderiam a um conjunto muito mais amplo de variantes do que os

trazidos pelos chamados “subversivos”, expressando a construção de uma “unidade na

desunião” cujos desdobramentos redundariam no fortalecimento do governo executivo29,

no cerceamento dos poderes legislativo e judiciário e no “controle governamental sobre a

sociedade civil, por meio da supressão das garantias individuais”30.

27 MARTINS FILHO, João Roberto. “A Ditadura Revisitada: Unidade ou Desunião?” IN REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org). O Golpe e a Ditadura Militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração/EDUSC, 2004, p125. 28 MARTINS FILHO, João Roberto. “A Ditadura Revisitada: Unidade ou Desunião?”. Op. Cit., p138. 29DROSDOFF, Daniel. Linha Dura no Brasil. O Governo Médici 1969-1974. São Paulo: Global, 1986. Segundo o autor: “..Foi o Ato Institucional nº 5, que capacitou o presidente a fechar o Congresso, aumentar a censura da imprensa, prender oponentes à vontade e mantê-los indefinidamente sem apelação ao tribunal, e demitir qualquer funcionário público a qualquer momento, sem motivo aparente. Quando o Congresso reabriu no ano seguinte, os críticos vociferantes da política oficial foram cassados, despojados de seus direitos políticos por 10 anos. Tornou-se claro (..) que a revolução militar não toleraria qualquer espécie de oposição, não importava sua base ideológica..” p76. 30

MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A

Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Segundo os autores: “..O Ato conferiu, entre outros, os seguintes poderes ao presidente da República: fechar o Congresso, as assembléias estaduais e as câmaras municipais; cassar o mandato de membros do Executivo e do Legislativo; demitir ou remover juízes; legislar por meio de decretos e baixar novos atos institucionais ou

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A partir de 1969, a Doutrina de Segurança Nacional que há “quase duas décadas”

vinha sendo desenvolvida pela Escola Superior de Guerra (período no qual formara mais

de 1200 pessoas entre oficiais, empresários, parlamentares, juízes e burocratas de

primeiro escalão) entraria em execução como doutrina oficial do regime, entendendo-se

que, por se achar o País ameaçado internamente pelo ataque comunista, todos os atos

alusivos a “..detectar, reprimir, julgar e, no limite, assassinar os cidadãos tidos como

‘subversivos’ deveriam ser tratados como questão de segurança nacional”31. E para tanto,

tornava-se urgente consolidar uma legislação repressiva, além de complexificar o aparato

repressivo e estabelecer bases para uma repressão judicial, ganhando forma uma

sucessão de novos atos institucionais, decretos leis e uma emenda constitucional.

Entre as medidas que sucederam o AI-5 constaram: o Decreto-Lei 510 de março de

1969 que autorizava a prisão por até 30 dias (com até 10 dias de incomunicabilidade) de

pessoas suspeitas de atentar contra a segurança nacional; o Decreto-Lei 898 de setembro

de 1969 que viria substituir o anterior aumentando o tempo de prisão para alguns delitos,

além de definir penas de prisão perpétua e de morte para alguns crimes; e uma emenda à

Constituição de 1967 (promulgada em outubro) que aumentaria os poderes do Executivo

complementares; demitir, remover ou aposentar servidores públicos, e suspender os direitos políticos de cidadãos por um prazo de dez anos. Além disso, suspendeu-se a garantia de hábeas corpus para todos os casos de crime contra a segurança nacional e ratificou-se a jurisdição da Justiça Militar sobre os crimes políticos. Ao contrário dos atos institucionais anteriores, este tinha prazo de vigência indeterminado e apenas poderia ser revogado por um decreto do presidente da República” pp. 31-33. 31 MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op. Cit., p.10.

Imagens de 1968: ruas de Porto Alegre; ruas do Rio de Janeiro; invasão na Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia

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através da incorporação de disposições dos Atos Institucionais (inclusive do AI-5), além de

regulamentar o funcionamento da Justiça Militar.

Ao assumir a presidência, o General Emílio Garrastazu Médici contava, portanto,

com uma estrutura legal montada para dar início a medidas que acreditava necessárias32,

seguindo-se um número ainda indefinido de prisões, processos, intervenções e

fechamentos de instituições (dos mais variados tipos), censura e constrangimentos de

órgãos, espaços e situações de vida privada que alterariam de maneira irremediável os

rumos sociais e políticos construídos até então pela sociedade. Entre estas medidas,

constou o expurgo de quase uma centena de deputados federais, a prisão e afastamento

de centenas de professores universitários (cerca de 70 só na USP), a imposição de

centenas de aposentadorias, além de reformas, demissões e destituições que chegaram

próximas a mil só no ano de 1969. Em paralelo a “..uma ampla campanha de intimidação

da sociedade civil”, as operações redundaram em espancamentos, detenções arbitrárias e

“blitz” de várias abrangências que, em algumas situações, levaram à prisão milhares de

pessoas33.

O combate ao inimigo interno, na leitura e nos procedimentos da Doutrina de

Segurança Nacional, deveria promover o extermínio do comunismo através do

esvaziamento dos espaços de participação política34, incluindo-se aí um leque variado de

práticas cotidianas e uma atenção muito especial com as dimensões clandestinas de

resistência política. Neste sentido, o Presidente Médici em 1970, referindo-se às vésperas

da decretação do AI-5 (período em que respondia como chefe do SNI), afirmava que:

“..Havia, indiscutivelmente, uma rebelião nas massas, na camada estudantil, no

professorado, no clero, no meio dos trabalhadores e, inclusive no Parlamento.

Cheguei à conclusão, ao fim do meu relatório, de que o que estava na rua era a

32 MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op.Cit., pp 32-33. 33 Segundo Vannucchi e Swensson: “..Às vésperas das eleições parlamentares de 1970, por exemplo, uma blitz nacional prendeu mais de 10 mil pessoas, entre as quais alguns candidatos do MDB. A operação claramente visava a garantir a vitória da Arena no pleito”. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Op. Cit., p35. 34 Ver: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1987, 4ª ed.

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subversão e a contra-revolução, e pedi ao Presidente da República que adotasse

medidas enérgicas e imediatas para deter o mal”35.

Entre os anos 1969 e 1970, no bojo de um Estado coercitivo em aprimoramento, a

sucessão de seqüestros políticos que tiveram lugar e com sucesso (seqüestros do

embaixador norte-americano C. Burke Elbrick em 07/1969 por ação do MR-8 (Movimento

Revolucionário 8 de Outubro) e ALN (Aliança Libertadora Nacional), que forçou a

libertação de 15 prisioneiros políticos; do cônsul-geral japonês Nobuo Okuch, na cidade de

São Paulo em 1970, por ação da VPR que libertou 5 prisioneiros políticos; do embaixador

alemão ocidental Ehrenfried von Hollen, em ação da VPR, que acabou trocado por 40

prisioneiros políticos e do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bücher, por ação da VPR

(Vanguarda Popular Revolucionária), que libertou 70 prisioneiros políticos) levaram a

adoção de novos procedimentos, entre eles, a intensificação das medidas de censura, a

modernização/centralização da inteligência militar e a aproximação dos veículos de

comunicação de massa dos programas governamentais (de reforma agrária, transportes,

crédito rural, redistribuição de lucros), impondo-se o silêncio à veiculação de informações

de/sobre guerrilheiros que da mesma forma passavam a ser tratados como terroristas,

criminosos e antibrasileiros. Em depoimento dado ao CPDOC em 1993, um dos criadores

do Centro de Informações do Exército (CIE), Adyr Fiúza de Castro, forneceu dados mais

precisos sobre o momento em que as Forças Armadas se viram no limite e urgência de

complexificar suas estruturas repressivas. Entre 1967 e 1969, período em que se

encontrava no CIE:

“...Através dos nossos infiltrados, dos nossos informantes, e pela escuta telefônica,

nós sabíamos que eles estavam tramando coisas realmente violentas, cujo início

foi o seqüestro do embaixador americano. Antes, já havíamos tido vários assaltos a

bancos. Mas esses grupos não eram regionais: vinham de São Paulo para atuar no

Rio, saíam do Rio para atuar em São Paulo, ou iam fazer uma incursão em Belo

Horizonte, em Recife, e depois voltavam. E o combate a essas ações subversivas

35 Entrevista coletiva do Presidente Médici em 27 de Fevereiro de 1970, distribuída pela Agência Nacional. Documento citado por DROSDOFF, Daniel. Linha Dura no Brasil. Op.Cit., p77.

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estava a cargo dos DOPS estaduais. Não havia DPF – Departamento de Polícia

Federal -, ou melhor, havia um embrião do DPF que não estava absolutamente em

condições materiais nem de pessoal para enfrentar o problema (....) E não era

possível utilizar-se dos dois DOPS melhor organizados, o de São Paulo e o do Rio

(...) pois eles não tinham âmbito nacional, não podiam atuar além das fronteiras

de seus Estados, nem tinham recursos financeiros para mandar gente para Recife

ou para Belo Horizonte. Era preciso haver um órgão que fizesse uma avaliação

nacional, porque a ALN e todas as organizações existiam em âmbito nacional, e

escolhiam o local e o momento para atuar, independentemente de fronteiras

estaduais ou de jurisdições. O DOPS teria que ajuizar os casos que prendesse, os

inquéritos que fizesse, na Justiça estadual. Para isso, era preciso que fosse

modificada a lei e considerado o crime contra a segurança nacional um crime

federal, para ser ajuizado na Justiça Federal. E que Justiça nós tínhamos? A Justiça

Federal também era incipiente, quase não existia – também é criação do

movimento de 64; antes não havia a Justiça Federal, havia Justiças estaduais.

Então nós tivemos que fazer com que os crimes contra a segurança nacional

fossem julgados por um órgão nacional, federal, que eram as Auditorias Militares e

o Superior Tribunal Militar. Mas como as Auditorias e o Superior Tribunal Militar só

julgavam inquéritos e processos oriundos da área militar, tivemos que fazer com

que os crimes contra a segurança nacional fossem todos lançados para a área

militar, para abrir o inquérito e ajuizar na Auditoria. E era necessário que esses

órgãos tivessem autonomia para atuar em todo o território nacional (..) Foram

criados, então, o CIE e o Destacamento de Operações de Informações (DOI), que

tinham total independência e autonomia no âmbito daquela área militar”36.

Numa perspectiva complementar, o Governo Militar restabeleceu em 1969 a pena

de morte37, forma de punição que se na esfera legal acabou por não se fazer aplicada, no

36 D’ARAUJO, Maria Celina; Gláucio Ary; Dillon Soares, Celso Castro (org). Os Anos de Chumbo. A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, pp 41-42. 37

A pena de morte para crimes civis no Brasil deixou de ser aplicada no período republicano (1889); no entanto, durante o governo militar, a Lei de Segurança Nacional (decretada 29 de setembro de 1969 e revogada pela nova Lei de Segurança, de 17 de dezembro de 1978) estabeleceu a pena capital para crimes de natureza política que resultassem em morte, resultando daí a condenação de militantes que tiveram, em seguida, suas penas comutadas para a de prisão perpétua pelo Superior Tribunal Militar. No entanto, a

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âmbito da ilegalidade possibilitou a execução de um grande número de “subversivos” em

ação (ou supostamente em ação), sempre justificada como medida oriunda da

resistência38. Neste sentido, Carlos Marighela (ALN) foi assassinado numa armadilha em

1969; em 1971, já contando com recursos repressivos mais complexos, os órgãos de

segurança executaram Carlos Lamarca (VPR) e Joaquim Câmara Ferreira (PCdoB),

importantes lideranças de um movimento que chegara a contar entre 1969 e 1971,

segundo Drosdoff, com “..52 facções operando em unidades independentes com diversas

filosofias esquerdistas”39.

Material jornalístico e cartazes dos primeiros anos da década de 1970 (imagens disponibilizadas pela internet)

Entre os desdobramentos do AI-5 e com o apoio de uma nova estrutura de

comunicação de massas, vários atores que até então figuravam como militantes de

correntes políticas e culturais diversas, passaram a ser empurrados, reconfigurados e

perseguidos como subversivos pelos órgãos de segurança em função de suas posturas

políticas ou comportamentais, e com surpreendente aval social. Entre os últimos anos da

ausência de execuções legais se fez acompanhar pelo assassinato de centenas de militantes sem qualquer oportunidade de julgamento. 38

Sobre a questão, ver: SEIXAS, Ivan.” Desaparecidos políticos. A falta de vontade de FHC”. Revista Adusp, julho de 1995, pp12-15; PRADO, Larissa Brisola Brito. Estado Democrático e Políticas de Reparação no Brasil: torturas, desaparecimentos e mortes no Regime Militar, 2004. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2004. 39

Referências oferecidas pelo estudo de EVENS, Robert Dervel, Brazil: The Road Back from Terrorismo. Londres: Institute for the Study of Conflict, 1974, p13, citado por Daniel Drosdoff. Linha Dura no Brasil. Op.Cit., p79.

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década de 1960 e parte dos anos 1970, o DOPS-SP recebeu inúmeras “contribuições”

(anônimas ou não) para a identificação e prisão de “subversivos”, revelando aspectos da

legitimidade que alcançara desde sua criação em 1924 (e regulamentação em 1928)40.

Se estabelecermos, então, uma relação entre as leituras, posturas e projetos que

entravam em cena na sociedade brasileira na década de 1960, com os clamores e reações

que pediam ou justificavam uma ação coercitiva do Estado, começaremos a perceber que,

na verdade, um conservadorismo latente e historicamente pouco definido na sociedade

brasileira dava forma ao sujeito difuso chamado de “inimigo interno” ou “subversivo”, e

ainda, que estas novas práticas repressivas surgiam alicerçadas num diálogo entre os

órgãos de segurança e certos segmentos da sociedade civil, ansiosos pelo

restabelecimento da ordem e do controle social41. O “bilhete anônimo” enviado por um

estudante da USP em 1968 para o Delegado do Setor Estudantil do DEOPS pode ser

tomado, neste sentido, como uma prática relativamente comum:

“Prezados Senhores: Sou estudante e moro na Cidade Universitária. Domingo dia

4-2-68 ao voltar aprox. às 23,30 para casa encontrei no meu apto. em baixo da

porta o folheto que lhes envio. Como detesto os extremistas peço que tomem

urgentes medidas a respeito. Saibam também que desde Sábado o CRUSP está

cheio de gente nova desconhecida, especialmente “gringos”. Segunda feira à noite

4 rapazes estranhos deixaram o C.U. provavelmente foram hospedados no bloco F

(o hotel do CRUSP). Pareciam bastante esquisitos e não conversavam entre si

40

Nas palavras de João Paulo Garido Pimenta: “Criado em 1924 e regulamentado em 1928 o Departamento de Ordem Política e Social esteve desde o início ligado ao policiamento de setores considerados perigosos pela ordem vigente. Na primeira metade deste século, o Brasil conheceu um momento de avanço na organização política dos setores operários, cuja formação se relacionou intimamente com a vinda de imigrantes estrangeiros (especialmente italianos e espanhóis). As autoridades policiais procuraram estar atentas a esse movimento, e é dentro dessa conjuntura que surgiu o DEOPS-SP” IN “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, p1. 41

Ver: SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2001 [Coleção História, 41]; PRESOT, Aline Alves. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe Militar de 1964, 2004. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004; BENGSTON, André Gustavo. Cartas dos leitores aos jornais: manifestações do conservadorismo no Brasil contemporâneo, 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005; GUSSON, Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008.

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apesar de estarem juntos. Um deles tinha um boné do tipo ‘che guevara’. Outros

tinham um sweter cinza, era magro alto curvado para frente. Todos carregavam

malas e embrulhos. Uma das malas tinha em cima amarrado um embrulho branco

que parecia uma vara de pescar dobrada. Todos os rapazes tinham tez escura.

Espero que entendam bem minha situação: quero ajudar sem revelar minha

identidade. Lembrem-se que estas atitudes extremistas são tomadas apenas por

uma minoria “estudantil”. A maioria pouco liga ou são bobos inocentes. Boa

sorte!”42

A contenção e prisão dos subversivos, por sua vez, trariam um novo status para os

órgãos de segurança que, diante dos apelos por um “pronto restabelecimento” da ordem

política e social, passava a conduzir uma guerra interna aos agentes da subversão

internacional; incumbência, aliás, que tendia a se ampliar, uma vez que os mesmos

clamores solicitavam também o controle e punição de outros crimes vigentes na esfera

pública, entre eles, o homossexualismo, o divórcio e a droga43. Neste contexto, portanto,

investido de toda autoridade moral, social e política, o Comandante do DOI/CODI II

chamaria os pais de um grupo de doze estudantes universitários “ligados a organização

autodenominada Ação Libertadora Nacional” para uma “palestra de advertência”

colocada nos seguintes termos:

“Os senhores foram chamados e estão aqui para levarem para suas casas os seus

filhos; aqueles filhos que os senhores viram nascer, aqueles filhos que adoeceram,

42 Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas. OP1027. 43

Ver: GASPAROTTO, Alessandra. “O terror renegado” uma reflexão sobre os episódios de retratação pública protagonizados por integrantes de organizações de combate à ditadura civil-militar no brasil (1970-1975), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008; MARCELINO, Douglas Attila. Para além da moral e dos bons costumes: a DCDP e a censura televisiva no regime militar, 2004. Monografia em História - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004; MARCELINO, Douglas Attila. “Leis de Exeção entre os anos 1964-1985”. http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/textos/3.pdf; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de e SWENSSON JR, Walter Cruz. Contra os Inimigos da Ordem. A Repressão Política do Regime Militar Brasileiro (1964-1985). Rio de Janeiro: DP&A, 2003; FICO, Carlos. “Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda”, in J. Ferreira e L. de A. N. Delgado (orgs.). O Tempo da Ditadura: Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX – O Brasil Republicano. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, vol. 4, 2003.

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pelos quais pai e mãe passaram muitas noites em claro cuidando deles. Aqueles

filhos para os quais os pais imaginaram uma profissão honrada e distinta onde

viessem a ser alguma coisa na vida. Aqueles filhos que galgaram o primário, o

secundário, o colegial e que muitos pais com muito esforço pagaram um cursinho

para que pudessem se habilitar a um concurso nas nossas universidades. O filho

passou no concurso houve festa em casa e o filho está satisfeito, os pais

satisfeitos, os amigos satisfeitos porque enfim aquele garoto ingressou na USP,

uma das maiores Universidades do Brasil. Mas assim que o rapaz ou moça lá

chega, a subversão bate com as garras em cima de seus filhos. Já no trote dos

calouros iniciam a escolha daqueles que integrarão os quadros da subversão no

Brasil. Procuram os mais dóceis, os mais espertos, os bons e de temperamento

acessível. Iniciam o envolvimento do calouro. Eles são sondados, aos poucos.

Iniciam no ‘trote’, na ‘choupada’, vão aos poucos separando os filhos dos pais.

Sem o apoio destes eles são presas fáceis dos subversivos”44.

O combate à subversão, neste caso, assumia aos olhos dos órgãos de segurança e

de parcelas da sociedade civil, um conjunto muito mais amplo de significados morais e

sociais; significados, por sua vez, que trariam legitimidade à aplicação da Lei de Segurança

Nacional. A chamada “queda” do Congresso de Ibiúna pode ser tomada como exemplo de

operação (num contexto, ainda, em que os órgãos de segurança não contavam com o AI-5

e em que os estudantes possuíam certo respaldo social). O relatório datado de 12 de

Outubro de 1968 e intitulado “Operação Ibiúna, XXX Congresso da extinta UNE”45 consiste

num relato minucioso de uma operação destinada a flagrar, desmontar e conduzir todos

os congressistas que se achassem presentes às delegacias especializadas (nos diversos

estados) para autuação e enquadramento legal, quando comprovada a subversão46.

44 Informação nº1437/73-AM. Palestra de advertência proferida pelo Comandante do DOI/CODI IIº Ex aos pais de 12 estudantes indiciados em inquérito Policial Militar por “estarem ligados a organização autodenominada Ação Libertadora Nacional” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Ordem Política OP1383. 45

Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458. 46 “Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinamente num sitio, em Ibiúna, no Sul do Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem serem pressentidos e não encontraram resistência. Toda a liderança do

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Imagens de 1968 disponibilizadas pela internet

Segundo orientações (anteriormente definidas), os congressistas deveriam ser

levados para as “especializadas” (nos diferentes Estados) para se efetuar os

procedimentos de enquadramento com base na apresentação de provas (já coletadas

pelos agentes no espaço do Congresso e através de declarações de terceiros), na

realização de interrogatórios (nova instância de provas) e na configuração - sob moldes

legais - do delito. O relatório previa ainda a constituição de três equipes específicas de

trabalho (uma delas centrada no desbaratamento do Congresso), a participação de várias

delegacias e de pessoal especializado. O processo de construção da prova (da

configuração legal do delito), por sua vez, deveria seguir um ritual rigoroso e bem

argumentado, de forma a conseguir justificar a aplicação de instrumentos repressivos,

legalmente previstos. Dizia o relatório:

movimento universitário foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundários, entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS. Os demais estão recolhidos ao presídio Tiradentes. Desde segunda-feira os habitantes de Ibiúna notaram a presença de jovens desconhecidos, que iam à cidade comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes, despertando suspeitas ao adquirir mais de NCr$ 200 de pão de uma só vez. Essas informações foram transmitidas ao DOPS e à Força Publica, que desde quinta-feira já conheciam segundo afirmaram —o local exato do Congresso. A denuncia de um caboclo, que fora barrado ao tentar chegar até o sitio Muduru, onde estavam os estudantes, fortaleceu a convicção da Policia de que o congresso seria realizado ali. Depois de avançar alguns quilômetros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada, 215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para intimidá-los. Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados aos ônibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de "manter a paz e a tranqüilidade para a população que deseja trabalhar". E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: "Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE”. Folha de S.Paulo, domingo, 13 de outubro de 1968.

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“...A tipicidade é o elemento integrante e fundamental para a conceituação do

delito. Ensina, magistralmente, Soler: ‘a tipicidade é a subordinação de um fato A

UMA DETERMINADA FIGURA DELITIVA’. Consoante, êsse entendimento temos que

perquerir, se a conduta dos indiciados se enquadra, se ajusta a um tipo, a um

dispositivo do Diploma Legal que tutela a Segurança nacional; assim sendo, a um

exame objetivo do que se contém nos autos, inferimos que atrás de suas

atividades os acusados infringiram o dispositivo no artigo 36 do decreto Lei nº314,

pois, em participado de um Congresso de Estudante extinta por lei (Lei nº 4464 de

9/11/1964 – Decreto Lei nº228 de 28/2/1967), evidentemente contrariam o

estatuído na parte final do citado artigo 36 do decreto nº 314, que preceitua: fazer

funcionar partido sem o respectivo registro ou, ainda Associação dissolvida

legalmente, ou cujo funcionamento tenha sido suspenso”47.

No tocante à geração de provas, tratava-se de considerar que:

“...assevera o magistral Mittemayer: ‘Prova é a soma dos meios produtores da

certeza’. Conceituada a prova, vejamos se existem nos Autos ‘os meios produtores

da certeza’. Em nosso modo de ver, sim, e estariam essas provas, em documentos

apreendidos no local onde se realizava o Congresso (panfletos, folhetins, etc), tudo

consoante do Auto de Exibição e Apreensão (...), em depoimentos das

testemunhas, em especial, a do caseiro de Domingos Simões, senhor Porfírio

Borges de Andrade, cujo depoimento é altamente significativo, relatando cenas de

verdadeiro festival de luxúria e orgias sexuais praticadas pelos estudantes –

convencionais da UNE em Ibiúna); na própria confissão dos indiciados, e a

confissão na feliz conceituação de Garraud é ‘probatio probatíssima’48.

47

“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de 1968, pp. 102-103 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458. 48

“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de 1968, pp. 102-103 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458.

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Prisões durante o Congresso da UNE em Ibiúna. Imagens da Agência Estado disponibilizadas pela internet

A incumbência de provar a subversão com base nestas orientações, por sua vez,

exigia das “especializadas” uma sofisticação nos setores de informação de forma a

identificar e decifrar os “códigos subversivos”, a configurar os delitos, acompanhar e

capturar novos militantes49, sendo exigido das mesmas “especializadas”, além do

cumprimento de ações repressivas, a atuação como órgão de inteligência. O DEOPS de

São Paulo há muito cumpria estas funções, relatando Pedro Pomar que:

“...Sob Adhemar, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) agiu como

uma máquina de combate ao PCB e movimentos sociais organizados, devidamente

articulada aos objetivos e diretivas do governo federal. Ainda que toscamente, o

DOPS procurou constituir-se como um órgão de inteligência, sem prejuízo de suas

ações repressivas diretas” 50.

49

Neste aspecto, o número de investigadores é ampliado, bem como os trabalhos relacionados com a criação de novos métodos de cruzamento e circulação das informações. 50 POMAR, Pedro Estevam da Rocha. “O DOPS sob Dutra e Adhemar”. Revista Histórica. SP: Arquivo do Estado de São Paulo, ano 2, nº2, agosto de 2000. O texto continua: “Propôs a similares de outros estados

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No início da década de 1970, o DEOPS de São Paulo51 achava-se plenamente

aparelhado para executar tarefas de coleta, processamento, organização, interpretação e

distribuição de informações52, e mais do que isso, valendo-se da memória latente de

perseguição ao PCB (construída nas décadas anteriores) como agente primeiro da

subversão, coube-lhe orientar esforços para aproximar o subversivo da imagem e sentido

de “comunista” (socialmente tomado como inimigo interno). E uma vez identificado o

“subversivo” e naturalizado como inimigo interno do País, procedia-se à qualificação e

apresentação das prova do crime, procedimentos que facilitavam em muito a captura e

enquadramento de militantes, em especial, das organizações armadas.

Nos Processos e Inquéritos Policiais produzidos pela Delegacia Especializada de

Ordem Política, entre 1970 e 1973 – documentos essenciais para a constituição dos

Processos Judiciais – podemos observar, com detalhes, a construção das peças a partir das

quais se configurava o crime contra a Lei de Segurança Nacional; peças que sempre se

faziam acompanhar por justificativas finais que pediam autorização legal para realizar

prisão preventiva de um prisioneiro considerado “de alta periculosidade social”53. E junto

troca de informações. Aos delegados de polícia do interior, solicitou dados estratégicos de suas cidades. Além disso, reforçou a ação de seu Serviço Secreto (criado já em 1934, com o nome de Serviço Especial), formado por agentes ‘reservados’, incumbidos de infiltrar-se nas fileiras comunistas. Após as eleições de novembro de 1947, as primeiras após a cassação do registro eleitoral do PCB, o DOPS enviou circular aos delegados de polícia, encaminhando questionários sobre ‘os candidatos comunistas inscritos para as eleições municipais’. Declarado fora da lei, o PCB conseguira eleger, por diferentes legendas partidárias, inclusive PSD e UDN, uma centena e meia de vereadores comunistas no estado de São Paulo. O DOPS quis saber ‘quem dirigiu ou orientou os acordos celebrados nos municípios entre o PCB clandestino e outros partidos. Também pediu informações sobre a ‘infiltração comunista em grandes indústrias locais, repartições públicas, escolas de qualquer grau e estabelecimentos agrícolas’, bem como em ‘associações de classe, clubes’ e entre ‘elementos armados locais’ (...) Grande parte da massa de informações obtidas era fruto da espionagem. A farta produção de relatórios por ‘reservados’ evidencia alto grau de infiltração policial nas células e até organismos dirigentes do PCB” pp 39-40. 51

Segundo PIMENTA, João Paulo Garido, quando o órgão encerrou suas atividades em 1983, ele se achava denominado DEOPS-SP; no entanto, desde a criação, esta instituição “passou por inúmeras alterações na sua sigla e no seu nome. Ex: Delegacia de Ordem Política e Social, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, Superintendência de Ordem Política e Social, etc. Tal levantamento seria de grande utilidade ao pesquisador e ainda necessita de elaboração definitiva” IN “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995. 52

Ver: QUADRAT, Samantha Viz. Poder e informação: o sistema de inteligência e o regime militar no Brasil, 2000. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000; D’ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (org). Os Anos de Chumbo. A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 53

Entre os mecanismos de aprimoramento da coleta, sistematização e cruzamento de informações estabelece-se um padrão de ficha utilizado pelo DEOPS em 1974, que nos esclarece como se dava a busca

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aos processos seguiam relatórios da Delegacia (assinados muitas vezes por um Delegado

de Polícia Adjunto), com ilustrações sobre o caráter e comportamento subversivo

“comprovado” dos militantes (como o portar materiais “clandestinos”; o ter sido citado

em interrogatório; apresentar alguma proximidade com outros acusados; ter sido visto ou

pego em situações “suspeitas”..); sinais que, em seu conjunto, definiam o “caráter” do

criminoso e lhes impunha punições preliminares.

A punição tinha início, muitas vezes, com a detenção preventiva (momento em que

ainda não se achava configurado o crime) e ao longo de um percurso de

constrangimentos, humilhações ou mesmo torturas (a depender do grau de envolvimento

e culpabilidade) surgiam as “provas” que passavam a ser colhidas e organizadas para

compor as peças dos “autos de investigação”, e depois dos “autos de processo”,

necessários para uma condenação. E entre a apresentação dos “relatórios”, instauração e

conclusão do Inquérito podiam-se somar novos dados (oriundos de novos interrogatórios,

apreensões, declarações..) que fortaleciam a comprovação do delito54. Os arquivos do

DEOPS-SP guardam processos nos quais se acham inseridos as certidões de óbito dos

acusado numa clara demonstração de que os subversivos não seriam poupados nem

mesmo em memória. O caso do assassinato do estudante de geologia da USP e integrante

da ALN, Alexandre Vannucchi Leme, pelos órgãos de repressão em 1973 pode ser tomado

como exemplar: o seu nome (em conjunto com o de dois companheiros assassinados)

interna por informações, reunindo de maneira sistemática e complexa um amplo conjunto de dados, oriundos de diversos setores internos como o Arquivo Geral do DOPS, o Cartório Central, a Delegacia Especializada de Ordem Social. A estas informações somavam-se outras procedentes de outros órgãos localizados nos demais Estados, em outros setores das Forças Armadas ou mesmo da sociedade civil. Segundo João Paulo Garido Pimenta em “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, o cruzamento das informações redundava num sistema de fichas e pastas organizadas por códigos ou nomes através das quais conseguia-se acessar os dados dos indiciados. 54

Ver: SEIXAS, Alexandre Magalhães. A Justiça Militar no Brasil. Estruturas e Funções, 2002. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; SCOCUGLIA, Afonso Celso. “Justiça fardada e educação subversiva (1964-1969): IPMs e representações dos vencedores e dos vencidos” http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/textos/12.pdf; GUSSON, Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008; MACIEL, Wilma Antunes, O Capitão Lamarca e a VPR. Repressão Judicial no Brasil. Alameda Editorial, SP, 2006; FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2001.

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seria incluído no Inquérito Policial Militar como acusado de subversão, permanecendo sua

memória objeto de novas apreensões e indiciamentos.

Neste aspecto, é significativo considerar que, segundo o Projeto Brasil Nunca

Mais55, o número de prisões e interrogatórios realizados pelos órgãos de repressão

superou imensamente o número, propriamente dito, de indiciados e julgados por crime

contra a Segurança Nacional, ou ainda, o número de mortos e desaparecidos políticos;

dados que à primeira vista podem sugerir uma atuação branda dos órgãos repressivos

mas que registram, de fato, a violência e abrangência de seus métodos. Enfim, esta

trajetória que expande seus limites até alcançar a “naturalização” da “subversão” também

encontra legitimidade no interior de uma sociedade atônita e amedrontada que, no

entanto, compactua com as medidas em execução. O “tratamento” dado ao assassinato

da liderança trotskista Olavo Hansen, em 1970, parece elucidativo. A “frieza” deste

documento interno do DEOPS é esclarecedora:

“Conforme se verifica através dos documentos de ns. 8 e 9, Olavo Hansen há

muito vinha militando na ala denominada “trotskista”, tendo sido processado em

1964, e dada a sua periculosidade, teve sua prisão preventiva decretada pela 2ª

Auditoria Militar, por crime contra a Lei de Segurança Nacional. Relativamente a

autópsia levada a efeito pelo I.M.L., o laudo Necroscópico nos dá notícias de que a

morte de OLAVO HANSEN se deu por envenenamento (V.DOC.nº10)”56.

Na mesma ocasião, em uma matéria veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo, a

opinião pública recebe o seguinte esclarecimento: “..Vê-se pelo currículo que era um

subversivo. A leitura desses dados, por sinal, quase nos convence de que Olavo Hansen se

suicidou por não suportar mais o desgosto de ser subversivo”57.

55

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988. 56

Ofício 286/70 em atenção ao Pedido de Busca nº366/DSI/MJ IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027. 57

ANDRADE, Evandro Carlos de. “Como morreu Olavo Hansen”. O Estado de São Paulo, 15/08/1970 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027

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2.1 TERRENO DE “SUBVERSIVOS”

“...o terrorismo mais eficaz é sempre o do estado: os grupos matam

simbolicamente, o Estado estatisticamente” Alberto Moravia, 197858

Com a atenção centrada nos subversivos, mas, de uma maneira mais precisa, na

“caça aos comunistas”, a Universidade acabou eleita, no final da década de 1960, como

um dos espaços prioritários da ação dos órgãos de segurança por entender-se que: “o

Partido Comunista vem atuando no setor estudantil arregimentando jovens, como nunca

antes ocorrera”59. O “setor estudantil”, particularmente, causava apreensão às

autoridades por considerar-se que neste meio reunia-se “inocentes úteis” suficientes para

ampliar em muito a ação do “partido comunista”.

58 HOLLANDA, Heloísa Buarque de e Pereira, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. SP: Brasiliense, 1980, p85. 59

“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, relatório datado de 12 de Outubro de 1968 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1458.

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Os dados recolhidos pela “Operação Ibiúna”, realizada em outubro de 1968, que

prendeu e fichou o montante de 694 estudantes (reunidos em 8 volumes), permitiram aos

órgãos de repressão deflagrar operações similares (e mais profundas) nos anos seguintes,

transformando-se o espaço da universidade (e das instâncias estudantis sobreviventes em

seu interior) em alvo permanente de prisões auxiliadas pela vigência do AI-5, pelos

decretos 477 e 228, ou ainda, pela presença de um departamento especializado de

Assessoria de Segurança e Informação (ASI) no interior das Reitorias60. O espaço

acadêmico passava a receber monitoramento cotidiano61.

Em 1969, mais precisamente, ocorreu uma primeira “desmontagem” de entidades

e de suas condições/possibilidades de exercício coletivo com a prisão da maioria absoluta

das lideranças, as chamadas “vanguardas estudantis”. Até então, o Estado Militar vinha se

fazendo presente, sistematicamente, no acompanhamento e intervenção na estrutura de

funcionamento das entidades e organizações estudantis de forma a alterar-lhes o sentido

e as condições de gestão; no entanto, na proporção em que se radicalizavam os conflitos e

se revelavam presentes novas táticas, estratégias e formas de ação política (manifestações

de rua a partir de 1965, ocupação de universidades, dias de protesto, etc..), caberia à

decretação do AI-5, em dezembro de 1968, a promoção efetiva de rupturas mais

profundas, seguindo-se em 1969, uma intensa onda de prisões acompanhada pela

promulgação de reformas institucionais no interior e na estrutura das Universidades.

60

Ver: CRUZ, José Vieira da. “Estudantes vigiados: órgãos de segurança e informação na Universidade Federal de Sergipe (1969-1977)”. Ponta de Lança, São Cristóvão, vol 2, nº3, outubro 2008 - abr 2009, pp 93-109; FIGUEIREDO, Cecília; KOBAYASHI, Eliza M. “Os Álbuns do DOPS”. São Paulo: Revista Adusp, Outubro de 2004, pp 81-85; PELLICCIOTTA, Mirza M.B. Uma aventura política, As movimentações estudantis dos anos 1970, 1997. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas. No âmbito das fontes primárias, apresentamos ao final da tese uma relação de caixas de documentos do Fundo DEOPS/Arquivo do Estado com dados de localização. 61 No caso da USP, encontramos uma referência direta à ASI em O Livro Negro da USP. O Controle Ideológico na Universidade. SP: Adusp, 1978. Nele, o Prof. Antonio Cândido de Melo e Souza, em depoimento à Comissão Especial de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado, em 18 de agosto de 1977 afirma: “..o que consta é que em algum lugar da universidade, mas não pertencendo à universidade, estão instalados agentes de segurança. Esses agentes dependem de serviços que não sei quais são e atuam de maneira regular nos processos de contratação de docentes. Agora, oficialmente, esses agentes não existem (..) a impressão que se tem é que esse serviço de segurança não tem poder decisório (..) ele é apenas um órgão informante, talvez oriente, ele informa as autoridades competentes da universidade”, pp 56-57.

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Se somarmos estas medidas à adoção por boa parte das lideranças estudantis em

clandestinidade, da política de abandonar a trajetória de resistências conhecida como

“movimento de massa” para propor e ingressar na luta armada, este contexto de grande

complexidade acabaria por provocar rupturas efetivas das estruturas organizativas,

perspectivas e condições participativas de um movimento de fortes tradições políticas.

Mas a ação dos órgãos de segurança contou, antes de mais nada, com um conjunto

de decretos e leis que se fizeram presentes no interior da Universidade. A implantação da

lei nº5540, mais conhecida como Lei da Reforma da Universidade, deu lugar a uma nova

estrutura de gestão acadêmica que, em conjunto com outros decretos e leis

complementares, permitiu instalar nas antigas e novas instituições, instâncias necessárias

à adequação dos novos propósitos, constando entre eles, setores de segurança e

informação. Encontramos referências desta trajetória no Livro Negro da USP, publicado

em 1978 pela associação de docentes que, na tentativa de “desenvolver uma campanha

pela reintegração, na vida acadêmica, dos professores e cientistas atingidos pelos atos de

exceção”62, busca resgatar e refletir sobre o percurso de demissões, aposentadorias,

suspensões de garantias jurídicas, constrangimentos, prisões e inclusive mortes vividos na

universidade no período pós-1964.Podemos ler:

“A análise de todo este período, com sua alternância e convergência de pressões

ideológicas externas e internas permite entender bastante bem o caráter

essencialmente reacionário e destrutivo das transformações que se dão na

Universidade de São Paulo sob a égide do movimento de 31 de março. O caráter

reacionário está muito ligado ao próprio mecanismo de poder que passa a ser

utilizado na USP: o expurgo e a ameaça de expurgo (...) esse mecanismo favorece

os setores conservadores mais intolerantes e abre caminho para o oportunismo

deslavado. Elevando ao poder esses grupos, o expurgo tende a se institucionalizar,

pois os novos detentores de poder não são capazes de manter o controle das

62 O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. SP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, 1978, p7.

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posições de mando sem a possibilidade permanente do recurso às acusações

ideológicas” 63.

De fato, ao tratarmos do assunto “universidade” pelo viés dos órgãos de segurança

torna-se clara a presença de uma parceria entre administração, legislação e ação de

órgãos repressivos64 que justifica a desconfiança e desprezo dos estudantes frente a uma

cúpula universitária considerada “já domesticada pelo expurgo”65. Na prática, em meio a

um clima perverso e violento, a Universidade vê-se tomada pelo enfrentamento cotidiano

de um sem número de limites e dificuldades colocados às atividades acadêmicas, culturais

e políticas as mais diversas - calouradas, chopadas, apresentações teatrais, festas,

palestras, cursos, ciclos de cinema, assembléias, eleições de entidades - , que continuam a

acontecer e que dão lugar ao constrangimento pelo exercício dos mais simples direitos.

Segundo a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo:

“..Estudantes e docentes são presos dentro do próprio campus e alguns inclusive

retirados à força das aulas por policiais armados, em clima de grande comoção.

Fatos concretos como esses emprestam verossimilhança a boatos sobre a

iminência da invasão do campus que tornam o simples comparecimento às aulas

nessas ocasiões um ato de coragem. Multiplicam-se as denúncias de tortura. O

próprio fato de ter conhecido alguém suspeito de exercer atividades terroristas

desperta imediatamente o medo da prisão e da coação física. Participar de

63 O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. Op.Cit, p75. 64

“..Art. 1º - Todos aqueles que, como professor, funcionário ou empregado de ensino público, incorreram

ou venham a incorrer em faltas que resultaram ou venham a resultar em sanções com fundamento em Atos Institucionais ficam proibidos de exercer, a qualquer título, cargo, função, emprego ou atividades, em estabelecimentos de ensino e em fundações criadas ou subvencionadas pelos Poderes Públicos, tanto da União, como dos estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, bem como em instituições de ensino ou pesquisa e organizações de interesse da segurança nacional (..)” Diário Oficial da União, de 21 de outubro de 1969, p8930 - Ato Complementar nº75”IN O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. Op.Cit, p52. 65

No O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade.Op. Cit., p54 podemos ler:

“Desencadeia-se, então, a fase mais violenta da repressão policial, que atinge toda a sociedade civil. Nesse caso, não se trata de um processo instaurado pela Universidade, nem mesmo especificamente na Universidade, mas trata-se de uma ação dos órgãos de segurança, contra o qual não há proteção nem defesa, e que atinge duramente muitos professores, além de enorme número de alunos. Da cúpula universitária, já domesticada pelo expurgo, não parte nenhum protesto. A imprensa, amordaçada pela censura, não denuncia mais”.

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reuniões e grupos de discussão é considerado perigoso pois nunca se sabe se

algum membro do grupo é pessoa suspeita, o que acarretaria imediatamente a

possibilidade de virem todos a ser caracterizados como ‘aparelho subversivo’.

Dezenas de professores, em uma ou outra ocasião, são detidos ou intimados a

comparecer aos órgãos de segurança para prestar informações. Muitos são presos,

alguns torturados. Alunos são mortos, outros ‘desaparecem’”66.

Aos olhos da legislação repressiva e dos órgãos de segurança, por sua vez, tratava-

se de identificar efetivamente as ações subversivas - entendidas nos moldes da ideologia

da Segurança Nacional67 - que se achavam presentes na sociedade, entendendo-se a

Universidade como palco estratégico nesta tarefa. O documento intitulado: “Coletânea de

Relatórios Policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas Delegacias

Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT,

FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações, onomástico, por nomes

falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de 1970”68, é esclarecedor. Em meio a

dados de prisões, interrogatórios, obtenção de provas e instruções de processos criminais

(base para novas ações e referências), o espaço universitário e o movimento estudantil

aparecem como lócus primordial de informações e de intervenções, prestando-se os

relatórios da “Operação Ibiúna” a articular e orientar as leituras e procedimentos,

conforme o demonstra o processo de nº 30z-160-14356, de 1971. Nele, podemos ler:

66O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade.Op.Cit, p54. 67 Segundo o Pe.Joseph Comblin, identificar ações subversivas nos moldes da ideologia de segurança Nacional significava realizar: “...esforços desmedidos para reconstituir, a partir dos menores indícios, toda uma trama de guerra revolucionária. Já que não há nenhuma diferença entre subversão, crítica, oposição política, guerrilha, terrorismo, guerra, já que tudo isso é manifestação de um único fenômeno, a guerra revolucionária, a Inteligência consiste em criar uma rede abstrata de relações entre a suposta guerra revolucionária e qualquer indício de descontentamento por parte do povo”. COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o Poder Militar na América Latina. RJ:Civilização Brasileira, 1980, p.47. 68Coleção de Relatórios 30-z-160-14490. “Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações, onomástico, por nomes falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de 1970”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP1027.

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“...Perseguindo nas investigações sobre atividades subversivo-terroristas

praticadas pela Ação Libertadora Nacional, logrou-se descobrir uma célula do setor

de imprensa e do movimento estudantil ligada a essa organização. Ficou apurado

no presente inquérito que a ALN tinha ramificações na Faculdade Estadual de

Campinas e Faculdade de Medicina da USP em São Paulo, onde vinha

desenvolvendo o seu trabalho de subversão a fim de aliciar novos elementos, bem

como difundir, por meios de jornais e panfletos, as atividades da organização,

fazendo inclusive campanhas contra os Poderes constituídos do País, a fim de

desmoralizar a atual estrutura social atacando o Governo federal, o Governo

Estadual e a Polícia de Segurança, bem como a Justiça Eleitoral. Farto material

subversivo foi apreendido com os indiciados, bem como identidades falsas e

outros materiais próprios para impressão de panfletos. Apurou-se ainda assaltos

praticados por elementos da ALN contra a Universidade Católica, no dia 15/2/1971

(..) Dos Indiciados (...) Luiz Antonio Teixeira Vasconcelos, está sendo processado

pela 2ª Auditoria Militar as 2ª CJM, por ter participado do Congresso de Ibiúna em

companhia de Alcides Y.Mamizuka. É estudante de Ciências da Computação da

Universidade Estadual de Campinas, e em companhia de Alcides Mamizuka

participou no ano de 1969 de pixação contra a vinda de Rockfeller ao Brasil,

pixação essa realizada numa parede da rua Culto à Ciência, na cidade de Campinas,

e com a participação de outros elementos. Não tinha ligações diretas com a ALN,

mas foi convidado por Mamizuka para a confecção de um jornal sobre a

Universidade Estadual de Campinas, no qual deveriam levantar problemas daquela

Faculdade, cujo jornal não chegou a ser impresso. Chegou a ser suspenso na

Faculdade por liderar movimento de violência nos trotes de calouros”69.

Por outro lado, esta “Coletânea de Relatórios Policiais...” nos remete para o

tratamento especialmente violento que se confere às organizações armadas, buscando-se

estabelecer vinculações entre elas, o movimento estudantil e a Universidade. No caso da

ALN, nós encontramos ao longo de 335 páginas, considerações específicas sobre sua

69 Coleção de Relatórios. 30z-160-14356 de 1971, p220 IN “Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN, Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO..”. Op. Cit, Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP1027.

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presença nos meios universitários e os registros de enquadramento de 68 terroristas na

Lei de Segurança Nacional, da realização de 39 prisões em 1972 e do falecimento de 19

subversivos em 1973, entre eles, o estudante Alexandre Vanucchi Leme. Nos termos deste

relatório podemos ler:

“... todos os atos subversivos praticados pelos indiciados, sob a inspiração da

organização subversiva auto-denominada ALN, foram possíveis uma vez que essa

organização vem se preocupando em manter o setor de massas em franca

atividade, principalmente no meio estudantil, e mais precisamente no âmbito da

Universidade de São Paulo e nas diversidades Faculdades da Universidade Estatal,

onde encontram campo fácil para a proliferação e disseminação das idéias

marxistas, introduzindo naquele meio a ideologia exportada pela China e pela

Rússia com a colaboração de Cuba. A técnica principal utilizada pelos agentes de

subversão é sobejamente conhecida, uma vez que no âmbito da Universidade

procuram atrair para os Centros Acadêmicos os estudantes mais desembaraçados

e menos interessados no estudo, procurando primeiramente interessá-los a

participar de cinema, teatro, chopadas, rodas de samba, etc, e posteriormente

encaminhá-los para setores de murais, jornais e revistas, e finalmente

condicionados às idéias socialistas, passam a exaltar a necessidade de

reivindicações, muitas vezes justas, mas com a intenção de tumultuar o ambiente

universitário. Quando Ronaldo Mouth Queiroz que era o líder da ALN dentro do

ME na USP, passou para a ilegalidade, seu sucessor ficou sendo Alexandre

Vannuchi Leme, o qual em companhia de Adriano Diogo passou a agitar a

universidade e a aliciar novos adeptos para a ALN, todos indiciados no presente

inquérito e alguns ouvidos como testemunha”70

70 Documento relativo a morte de Alexandre Vannucchi Leme intitulado “Da Prova Material” de junho/1973. O documento continua: “..Um dos indiciados, companheiro de Alexandre Vannuchi Leme disse que esse havia comentado que se pudesse não se entregaria vivo, caso fosse descoberto, mas se fosse prêso marcaria um apontamento de rua, que não fosse verdadeiro, ocasião em que tentaria fuga. De fato isso ocorreu e foi atropelado quando tentava atravessar uma rua de tráfego intenso ao fugir de uma escolta”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Série Temáticas, OP0603.

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Registros sobre a atuação de militantes da ALN. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo

Com relação às organizações trotskistas (POR e Fração Bolchevique), a Coletânea

se centra na busca da comprovação ou não de ligações com as ações armadas,

identificando-se extensões no mundo acadêmico e estudantil71, em especial, do PORT que

motiva atenção e coleta sistemática de provas de subversão em função da distribuição de

panfletos e manifestos nos corredores, banheiros e espaços diversos da USP, realizando-

se no curso do tempo algumas prisões.

Enfim, frente às certezas, trata-se de intervir de forma efetiva no espaço

acadêmico por meio da interiorização dos órgãos de segurança, destacando-se entre os

procedimentos a instalação de AESI72 nas reitorias das universidades. No caso da USP,

desde os primeiros momentos da década de 1970 este órgão envia informes cotidianos de

docentes73 mas sobretudo de movimentações entre estudantes para o setor de

71 Encontramos registros de prisões, autos de apreensão e relatórios de interrogatório de militantes do PORT e Fração Bolchevique no curso de 1971 e 1972, registrando-se sobre o PORT que: “Esse partido clandestino sofreu dissidências, em virtude de divergências nos seus quadros, quanto a sua linha política, tendo sido formada outras organizações como foi o caso da Fração Bolchevique da IV Internacional’, o ‘1º de Maio’, sendo certo que a primeira possui inquérito policial em andamento nesta Especializada, uma vez que alguns de seus integrantes foram presos e confirmaram seus procedimentos criminosos”. “Relatório Informativo Policial sobre subversão em 1976. Coleção de Relatórios”. Processo nº 30z-160-14236 IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Temáticas, OP 1027. 72

ASI e AESI: ambas expressões aparecem na documentação primária associadas ao mesmo órgão. 73 “...Após as aposentadorias por força do AI-5, começam a ocorrer na USP fatos até então desconhecidos: contratos aprovados nos departamentos e congregações, com demonstração de verba, são misteriosamente arquivados na Reitoria ou indeferidos pelo Reitor sem explicação. Os chefes de departamento e diretores de Faculdades ou institutos são advertidos, sempre oralmente e sempre extra-oficialmente, que se trata de problemas relacionados com ‘órgãos de segurança’; que não adianta insistir, que o contrato não vai mesmo

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segurança, despachando exemplares, documentos e detalhando acontecimentos mais

significativos através de relatórios. De forma complementar, a AESI informa - e, por meio

do DOPS - orienta a Reitoria a intervir nas atividades internas consideradas inadequadas,

cabendo aos investigadores e funcionários alocados nesta unidade realizar, além de um

acompanhamento sistemático, verdadeiros balanços dos acontecimentos de forma a

identificar a presença de grupos, projetos e iniciativas de teor subversivo. A AESI, neste

caso, sinaliza a ação repressiva na USP, indicando os focos de perigo e, quando necessário,

alertando o DOPS a intervir em shows, em chopadas, em palestras, entre outras

realizações cotidianas. De forma complementar, é no interior do DOPS (que também

recebe informações de outras instâncias civis e militares) que se dá o cruzamento de

dados e a realização de leituras mais complexas capazes de orientar, em última instância,

a ação dos órgãos de segurança sobre/no interior da Universidade.

sair e que, se não for retirado, o departamento acabará por perder a verba”. O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. SP: Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, 1978, p55.

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3. NA DIMENSÃO DA RESISTÊNCIA

Documentos estudantis recolhidos pelo DOPS SP. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo

Se observarmos com maior atenção os documentos produzidos pelos órgãos de

repressão, mais especificamente pela Delegacia de Ordem Política de São Paulo, somos

levados a considerar que, por trás da ampliação e sofisticação dos instrumentos de

controle em tempos de recrudescimento da ditadura militar, também se encontra

presente uma nova versatilidade e dinamismo dos fenômenos de resistência.

De fato, na medida em que as organizações clandestinas passam a apresentar

outras opções e complexidades, os órgãos de segurança registram dificuldades para ler os

acontecimentos e definir de estratégias repressivas, explicando-se por este caminho a

súbita perda de qualidade das ferramentas repressivas que, em meados da década de

1970 já não conseguem compreender o teor, acompanhar, ou ainda, surpreender os novos

projetos políticos em emergência.

Neste sentido, por meio de um contato um pouco mais íntimo com a

documentação recolhida pela Delegacia de Ordem Política, é possível perceber que a

partir de 1973, os órgãos de repressão começam a perder parte da vitalidade de análise,

acompanhamento e intervenção sobre as ações estudantis, ou mais particularmente,

sobre a ação das organizações de esquerda na Universidade, da mesma forma que entre

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os anos de 1973 e 1974, são os órgãos de segurança que enfrentam novos desafios e

dificuldades para impor controle sobre atividades subversivas no espaço acadêmico e

público. Neste caso, o próprio termo subversivo começa a perder força, em especial ao

ultrapassar aspectos da identidade socialmente construída de “comunismo” para atingir

“amálgamas” comportamentais e políticos mais amplos em emergência no campo social.

Neste caso, a abrangência do termo subversivo se amplia a tal ponto que a própria

sociedade civil já não a identifica, generalizando a aplicação ao mesmo tempo em que os

órgãos de segurança perdem legitimidade e começam a se revelar “truculentos” e

“irracionais”.

Por este ângulo podemos ler os acontecimentos relacionados à morte de

Alexandre Vannuchi Leme na São Paulo de 1973. Na ocasião, a decisão política levada por

setores da Igreja e por órgãos associados à defesa dos direitos humanos de celebrar a

missa de 7º dia de um estudante de geologia da USP, ligado à ALN e morto nas

dependências dos órgãos de segurança, surge como ato de desagravo civil aos abusos

praticados pelo Governo Militar; e diante de quatro mil pessoas reunidas pelo Cardeal de

São Paulo na Catedral da Sé, as forças policiais e autoridades de segurança no entorno da

Praça acabam por enfrentar uma situação de constrangimento, em especial ao ter que

interromper uma filmagem de estudantes envolvidos por solicitação do próprio Cardeal.

Os acontecimentos subseqüentes de denúncia de dezenas de prisões de lideranças

estudantis, de recusa do Secretário de Segurança Pública em esclarecer a morte de

Alexandre frente a declarações contraditórias dos delegados envolvidos e da emergência

dos primeiros pronunciamentos públicos contra o regime militar - como a “Carta Aberta”

de 18 CAs da USP74 –, começam a compor, lentamente, um novo quadro político.

A presença efetiva de situações de desagravo e movimentos de resistência política

dentro e fora da Universidade, associada aos primeiros sinais de afrouxamento da

legitimidade do conceito de subversivo (fruto de uma conjunção de processos de

74

Em uma carta aberta dirigida ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, estudantes de 18 CAs da USP

contestam a condição de “confinamento” em que se encontram e expõem a público as contradições vividas na Universidade, relacionando-as às contradições experimentadas no espaço público pela sociedade.

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transformação, inclusive, no campo comportamental), somados a emergência de revisões

e constatação da presença de uma crise econômica, obrigam os órgãos de segurança -

mais uma vez - a buscar um aprimoramento dos seus instrumentos de controle de forma

a conter novas “cúpulas esquerdistas” que reúnem desde o “aluno que professa e prega

crença político filosófica anti-patriótica”75 até o sutil “trabalho de massa dos comunistas

infiltrados no setor de educação”.

Os relatórios do setor de Ordem Política do DEOPS no curso de 1974 registram um

crescente volume de assembléias, debates, paralisações, greves e acontecimentos

culturais estudantis que colocam a “especializada” em posição defensiva por não saber

como evitá-las, constatando-se que existem dificuldades para se compreender e

acompanhar um fenômeno de recomposição política que ganha forma no interior das

próprias movimentações coletivas. O acompanhamento destes acontecimentos, por sua

vez, permanece rigoroso e entre os anos de 1974 a 1977 chega-se a produzir de dois a três

relatórios de uma mesma atividade por dia, sem no entanto conseguir identificar

lideranças, mapear grupos e acompanhar discussões. Entre estes relatórios, podemos ler:

”...A estratégia ditada pelos movimentos internacionais comunistas, quer da linha

‘justa’ moscovita ou dos maoístas, possui receptividade. (..) As ações armadas

mostraram-se inconsequentes e impopulares, contrárias às tradições brasileiras.

Os Lamarcas e Ches Guevaras caboclos, transformaram-se em bandidos puros e

simples, eliminados sem qualquer lágrima ou lamento de nossa vida social (..)

Compreendendo que uma mudança de tática se fazia necessária, que novas

lideranças deveriam surgir em nosso meio estudantil, os líderes da Internacional

Comunista optaram por novas técnicas ou ‘know how’, adaptáveis às condições

locais e sensíveis à sistemática nacional (..) Embora contrariando os princípios

básicos do marxismo, através da dialética hegeliana, de que ‘..o Movimento

Operário é o esteio de toda revolução comunista’ e que a este devem ficar

subordinadas todas as manifestações revolucionárias, a Internacional Comunista,

ante a desarticulação do movimento operário, passou a dedicar toda a sua

75

“Análise do Movimento Estudantil. Período 1974 a julho de 1977” IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Movimento Estudantil, CAIXA OP 1194.

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atenção ao Movimento estudantil, cujas primeiras manifestações remontam a

1974 (..) Abordando de início, apenas aspectos ligados ao ensino e

paulatinamente, introduzindo temas políticos, seus primeiros trabalhos de

arregimentação têm em mira os ‘calouros’ pelo que seus panfletos passam a ter

sequência lógica e seus redatores dedicam-se a temas genéricos (..) portanto,

conseguindo novas lideranças, descomprometidas dos ‘fracassos’ anteriores, o

Partido Comunista Brasileiro, unido a setores contestatórios infiltrados em órgãos

como o movimento democrático brasileiro, a igreja, a ordem dos advogados do

Brasil e outros, iniciava uma nova escalada de subversão no Brasil, nesse ano de

1974”76

Na verdade, nos anos que se seguem a 1969, novos quadros em formação num

cenário diferente de recomposições políticas começam a retraçar e projetar perspectivas

orientadas por um projeto maior de transformação social, munindo-se de mecanismos de

sobrevivência política reinventados. Na esfera organizada, já nos primeiros momentos da

década de 1970 tem início os ensaios de recomposição política fundados na releitura dos

acontecimentos e experiências do período 1968/1969, ou ainda, num repensar que reúne,

ao mesmo tempo, questões como caráter da revolução, sentidos da organização,

redefinição de estratégias e táticas de luta, emergindo daí grupos que seguem tanto para

a luta armada, quanto para a retomada dos trabalhos “de base”.

Na visão de Marco Aurélio Garcia, as organizações de esquerda brasileiras se

constituíam herdeiras de uma “profunda polêmica” (originada da crise do Partido

Comunista no início da década de 1960) que colocava em discussão “os fundamentos

dessa mesma esquerda”, sem no entanto se dar associada aos movimentos sociais. Em

meio a isto, ganhara forma uma trajetória política cujas percepções, discursos e práticas

se mostravam perdidas “num doutrinarismo programático ou num pragmatismo

76“Análise do Movimento Estudantil. Período 1974 a julho de 1977”, pp 1-2 IN Arquivo do Estado. Fundo: DEOPS/OP. Série Movimento Estudantil, CAIXA OP 1194.

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militarista ”77. Numa perspectiva semelhante, para Daniel Aarão, desde o início da década

de 1960 as militâncias de esquerda vinham enfrentando uma insatisfação ou mesmo

descrença política no conjunto das orientações, leituras e formas organizativas dos

partidos de esquerda que, no período pós-1964, os levaria a se aproximar dos debates e

experiências internacionais (acerca do foco guerrilheiro, da luta armada no campo, entre

outros), ou ainda, a adotar uma perspectiva revolucionária “sintonizada” com os

acontecimentos mundiais. Já no entender de Jacob Gorender, foi a partir de 1964 que o

germinar de novas idéias com força para remodelar perspectivas e estruturas das

organizações, faz surgir “orientações de pensamento traduzidas em dissensões políticas e

cisões organizativas”78. Ainda, para João Quartim de Moraes, questões internas (presença

da ditadura militar) e externas estariam na origem “de fenômenos históricos complexos e

multi-dimensionais”, entre a luta armada no Brasil:

“...é inegável a influência dos fatores externos no processo que conduziu

considerável parcela da esquerda brasileira ao confronto violento com a ditadura

militar reacionária. Os próprios revolucionários, sobretudo aqueles que, sob a

direção de Carlos Marighella e de Joaquim Câmara Ferreira, aderiram

publicamente à Organização Latino-americana de Solidariedade (OLAS), entusiasta

mas frustrada tentativa de criar uma internacional guerrilheira tendo por centro

Havana e por inspiração o testamento político de Guevara, encarregaram-se de

propagar suas convicções internacionalistas. Fizeram-no sem exageros, no

entanto, sempre salientando que a luta armada, no Brasil, seria obra de

brasileiros”79.

77

GARCIA, Marco Aurélio. “Como surge a esquerda armada brasileira (ou ‘a arma da crítica e a crítica das

armas’)”. Contribuição à História da Esquerda Brasileira. Jornal Em Tempo, 30/agosto/1979 a 30/abril/1980, p.12. 78

REIS Fº, Daniel Aarão. A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990. Ver também: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda Brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987, pp .73-79; SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Fundamentos Teóricos da Guerra Revolucionária, 1996. Tese (Doutorado em Filosofia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 1996. 79

MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm

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78

A opção pela luta armada, no entanto, traria desdobramentos dramáticos ao expor

as organizações à violência dos órgãos de segurança e ao fazê-las enfrentar um profundo

isolamento social seguido pelo desenraizamento e liquidação de um “projeto de

revolução, de transformação da sociedade brasileira pela ação de grupos de

‘vanguarda’”80.

A Universidade de São Paulo integrou esta trajetória e em diferentes ocasiões,

testemunhou a identificação e “caça” de estudantes-militantes de grupos clandestinos no

interior do campus. Por outro lado, a USP abrigou movimentos de denúncia e salvaguarda

de presos políticos, possibilitou a recomposição e atuação de diversos agrupamentos e

partidos, deu forma a movimentos capazes de “transbordar” para o espaço público em

defesa dos direitos civis, e diante disso, nela encontramos parte da história das

organizações de esquerda do período pós-1968: militantes e organizações dissidentes do

PCB que sobreviveram à luta armada ou que não optaram por ela; militantes e

organizações marxistas de matriz católica (caso da AP), luxemburguista (caso da POLOP),

stalinista (caso do PcdoB), trotskista (caso da OSI, entre outras)81, em cujas confluências

ganhou forma parte do projeto de sociedade civil em que nos inserimos82.

80

RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993, p.276. Ver também: CHAGAS, Fábio A. G. das. A Luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos de 1960 e 70, Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense. 81

Ver: RIDENTI, Marcelo. “Ecos de Trotsky na Esquerda Armada Brasileira, 1964-1974”. Estudos de Sociologia, v.2, nº 2, 1997, pp. 93-95. 82

Entre os estudos que conferem particular atenção à variação das opções políticas das organizações de esquerda no período, poderíamos citar – para além dos trabalhos já indicados - os trabalhos de SILVA, Antonio Ozai da, a começar por História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas) SP: Proposta Editorial, 2ªed., s/d; de REIS FILHO, Daniel Aarão (e Pedro de Moraes. 1968: a paixão de uma utopia. RJ: espaço e Tempo, 1988; e Jair Ferreira de Sá. Imagens da Revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. RJ: Marco Zero, 1985); de João Roberto Martins Filho (entre outros, o trabalho: Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987); de Celso Frederico (org). A esquerda e o movimento operário 1964/1984, volume 1. São Paulo: Editora Novos Rumos, 1987; de ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. Também gostaríamos de citar os estudos de: CIAMBARELLA, Alessandra. "Do Cristianismo ao Maoismo: A História de Ação Popular (1962-1980)", 2007. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; SILVA, Sandra Regina Barbosa da. "Ousar lutar, ousar vencer": histórias da luta armada. Salvador (1969-1971), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; GUTIÉRREZ, Cláudio. A guerrilha brancaleone. Porto Alegre: Proletra,

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Entre aspectos e dinâmicas nacionais e internacionais, internas e externas, o fato é

que estudar a ação de agrupamentos e partidos de esquerda no Brasil no contexto 1964-

1984 – com ênfase no período pós-1968 – implica em considerar a presença efetiva de um

trânsito de idéias, experiências, referências de escala transnacional. E em particular,

quando se trata de pensar estes agrupamentos e partidos nos momentos de imersão na

universidade, instituição que como bem nos alertou Eric Hobsbawm, constituiu-se em si

mesma, território transnacional83.

3.1 VARIAÇÕES ACERCA DO “SUJEITO REVOLUCIONÁRIO”, DA

LIBERDADE, DA DEMOCRACIA, DA REVOLUÇÃO

Documentos oriundos das manifestações da sociedade civil. Fundo DOPS/Arquivo do Estado de São Paulo

1999; CHAGAS, Fábio A. G. das. A Luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos de 1960 e 70. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense; SANTOS, A.C. Ação entre amigos: história da militância do PCdoB em Salvador (1965-1973), 2004. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2004; LOPES, Rosalba. “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 1-9; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Vitória da Conquista: Politeia: História e Sociedade, vol 4, nº1, pp 159-181, 2004, entre outros. 83

Hobsbawm, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914 - 1991). São Paulo, Companhia das Letras, 1995. O autor dedica neste trabalho um capítulo inteiro à questão juvenil refletindo, entre outros aspectos, na instituição da Universidade como um elemento articulador de referências, experiências, realizações e projetos.

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80

No curso da década de 1970, uma série de transformações políticas modificaram

os quadros de pensamento dos anos 1960 experimentando as esquerdas européias

diversos impasses relacionados com a incapacidade de responder às críticas de

dissidências e denúncias de setores conservadores. Na América Latina, a vigência de uma

“repressão sem precedentes (...) dizimou toda uma geração de militantes no Chile, na

Argentina, na Bolívia, no Uruguai e também no Brasil84, sendo que nos percursos de

recomposição as organizações se revelaram portadoras de reflexões, abordagens e

proposições em vários aspectos diferenciadas – por vezes promotoras de conflitos, como

os estabelecidos em torno de questões como vanguardismo, democracia e sujeito

revolucionário.

Mas se esta trajetória de reconstituição de organizações brasileiras de esquerda no

período pós-1964 responde à força dos mecanismos de controle e esfacelamento

impostos pelo Estado Militar, ela também se associa aos rearranjos políticos, sociais e

culturais que se achavam em curso no interior da sociedade, ou ainda, às transformações

dos quadros de pensamento de esquerda no cenário internacional.

E neste caso é importante considerar que no período pós-1964, parte dos

fundamentos que por várias décadas orientara a leitura e luta política das chamadas

“esquerdas”, perde força e lugar, ao mesmo tempo em que abre espaço para o

surgimento de outras interpretações e proposições atentas a novos desafios, seguindo-se

um percurso acelerado de transformações de práticas políticas, agora responsáveis por

um novo leque de possibilidades e experiências. Estas mudanças internas de percepção,

reação, rearticulação parecem estar, também, na origem de fenômenos que, nas décadas

seguintes, motivaram um ofuscamento de experiências culturais e políticas da década de

1970.

Os preceitos marxista-leninistas, até então presentes, sofrem revisões significativas

na proporção em que se redesenha um outro corpo de formulações e, em meio aos

cerceamentos, repressão e ocultamento de práticas consideradas “subversivas”, um rico

84 Marco Aurélio Garcia. “Memória: Eder Sader. O Futuro sem este homem”. Fundação Perseu Abramo. http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/memoria-eder-sader-o-futuro-sem-este-homem

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81

processo de reescrita entra em cena. Nas palavras precisas do projeto Brasil Nunca Mais

da Arquidiocese de São Paulo:

“Desapareceram das bibliotecas e arquivos públicos, assim como das mãos de

colecionadores particulares, os documentos que pudessem configurar a

“infiltração”.... Nada escapoliu... O clima de terror impedia que fossem

conservados...”85

Recompor os fios desta reescrita, por sua vez, implica em penetrar num labirinto

cujas partes permaneceram, em boa parte, ocultas pelos órgãos de segurança, cabendo-

nos resgatar destes arquivos um leque de testemunhos na busca de “retrilhar”, ao menos

em parte, os caminhos de recomposição política e cultural vividos no período pós-1964.

Caminhos, por sua vez, que experimentaram “frações” e “distensões” não apenas em

função da repressão, mas também das trajetórias de releitura no âmbito do marxismo e

em escala internacional, desdobrando-se daí experiências, em vários aspectos,

revigoradas em suas percepções.

E neste caso, a mesma massa documental recolhida pelos órgãos de segurança nos

permite perceber que, ao contrário do que se poderia supor, o pensamento socialista de

fundamentação marxista ganhou nova vitalidade no curso dos anos 1970, período no qual

conseguiu penetrar de maneira mais profunda no cotidiano social e numa perspectiva

inédita, interagir com/na produção da cultura. As lutas por cidadania de forma

concomitante à reconstituição/transformação das organizações de esquerda nos

permitem, então, perceber o quanto conceitos caros como liberdade, democracia e

cidadania se deixaram recriar à luz de princípios e fundamentos marxistas.

As considerações feitas pelo sociólogo Luiz Antonio Groppo, em Uma Onda

Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, acerca das relações entre

85

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988.

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82

cultura e política no final da década de 1960, nos apontam para questões importantes. Em

seu entender:

“...as experiências comportamentais inovadoras realizadas na prática dos que

participavam, mesmo que não intensamente, do movimento estudantil de 1968,

não fizeram parte da retórica do movimento brasileiro, ao contrário de, por

exemplo, o Maio de 1968 na França. Nenhuma tendência do movimento

estudantil assumiu esta relação, estabelecida na prática dos rebeldes juvenis

brasileiros, entre revolução político-social e transformação nos comportamentos

individuais. Ou seja, havia uma ambigüidade do movimento estudantil no tocante

à ‘modernidade’ (contestação dos valores) (..) Contradiziam-se a moral privada da

defesa da liberdade sexual com a moral pública das esquerdas, que consideravam

questões comportamentais como parte da ‘ideologia pequeno burguesa’ (...)

Portanto, apesar da prática contestadora, no aspecto retórico ou discursivo, ‘a

questão dos comportamentos individuais não foi colocada no centro da luta pela

autonomia do espaço público: as ocupações das faculdades giraram em torno do

combate político antiditatorial e da defesa da reforma universitária’, ou seja, não

se politizaram questões sobre os comportamentos individuais – as salas de aula da

Maria Antonia, transformadas em dormitórios durante a ocupação estudantil, não

tinham lugar para casais de namorados. Mesmo assim 1968 realizava uma

verdadeira revolução dos comportamentos”86

De fato, é na conjugação entre política e comportamento que veremos se dar a

emergência de um outro/novo repertório de pensamento de esquerda no curso dos anos

1970, ousando-se articular ou mesmo fundir autores e referências diversas de um rico

percurso marxista de pensar o mundo, num novo percurso também rico – e tenso – de

repensar o sujeito revolucionário, as relações entre democracia e socialismo, entre o

partido e o sindicato, ou ainda, o lugar/papel da luta de classes na transformação da

história. E neste percurso, as leituras/releituras de Marx e Engels à luz de Lênin, Trotsky,

86 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: Unicamp, 2001. Tese de Doutorado, pp 376-377.

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83

Gramsci, Rosa Luxemburgo, Althusser, Adorno, Marcuse, Mao Tsé Tug ou mesmo Stalin

dariam lugar a formulações no mínimo originais, ou ainda, a sujeitos revolucionários

dotados de projetos e formas de luta inusitados.

No espaço da universidade (em especial, da universidade pública), a intensidade

das ações culturais e artísticas contribuiria para acelerar o trânsito de referências;

processo que somado à busca de alternativas num cenário de sérios constrangimentos,

acabaria por redundar numa dinâmica cotidiana de debates e discussões políticas,

culturais ou mesmo estéticas capazes de transcender o “patrulhamento” e quebrar

preconceitos, desdobrando-se daí uma revitalização da vida política de extrema

qualidade. Apesar de pouco conhecida – enquanto vivência e construção coletiva – as

experiências estudantis dos anos 1970 trariam contribuições importantíssimas para o

estabelecimento de um outro arsenal de intervenção política em meio à sociedade

brasileira, destacando-se entre as contribuições a formulação de uma “política de

massas” que já nascia fruto destes mesmos processos culturais e políticos em curso.

A tendência estudantil Liberdade e Luta, identificada no final da década de 1970

pelos meios de comunicação como um agrupamento “radical” de jovens militantes

“impossíveis e inconsequentes”, expressaria em sua “estranheza” a convergência destes

diferentes processos, e mais do que isso, uma “política de massas” que, desde as

primeiras formulações, já não cabia nos limites da Universidade. Conforme sugere uma de

suas lideranças, o então estudante de Economia da USP Celso Marcondes:

“Dos pequenos atos de resistência de alguns poucos militantes na USP do começo

dos anos 70, nasceram um forte movimento estudantil de luta contra a ditadura e

toda uma geração que se destacou nas construções da democracia no país e do

PT(...) poucas dezenas de rapazes e moças que haviam sobrevivido ao "rapa" ou

que entravam naquele momento na vida universitária almejando um pouco mais

que um diploma (...) O contato entre estes gatos pingados se dava em reuniões

semiclandestinas, que tinham como objetivo estratégico a reconstrução do

Diretório Central dos Estudantes, proibidíssimo na época. No início dos anos 70,

éramos tão poucos que não dava para falar de uma "geração", muito menos

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84

"espontânea". Espalhados pelas diversas faculdades, militantes da Ação Popular

(AP), da Ação Libertadora Nacional (ALN), do PCdoB, do PCB, entre outros, eram os

impulsionadores de todas estas atividades "extracurrilares", que iriam dar base

para o ressurgimento vigoroso do movimento estudantil nos anos seguintes. Todos

grupos muito pequenos. Os trotskistas? Bom, nós também cabíamos num fusca

(...)Destes anos, com certeza ficou o exemplo. Ficaram também estruturas,

experiências, lições muito úteis para os anos que se seguiram. Nada foi em vão,

nunca foi "arroubo juvenil". A maior fatia das tendências, das organizações e da

massa que assumia as mobilizações de rua iria engrossar o caldo que daria origem

ao Partido dos Trabalhadores. Gente formada neste período, que começava a

seguir suas carreiras profissionais e iniciar uma militância sindical em outras áreas.

Aos poucos, a grande maioria destes grupos ia se dissolvendo ou virando

tendências no interior do PT. Fora dele, iam dar a base para outros partidos como

o PCdoB e o PSTU. Muitos se transformaram em dirigentes partidários ou sindicais,

ativistas de movimentos sociais, professores, estudiosos, jornalistas,

comprometidos com a defesa da justiça social, da democracia - embora alguns

poucos tenham decidido seguir os caminhos do neoliberalismo ou, até, de

Fernando Collor. Uma geração inteira se formou e se destacou. Não só no campo

político, mas também nas artes, na direção de empresas, milhares de pessoas por

todo o Brasil, todos hoje na faixa dos 40, alguns conhecidos, uma maioria incógnita

– como ocorria naquela época. Gente que, com certeza, têm algo a ver com o país

de hoje.”87

A animação da vida política no interior da USP dos anos 1970 - obra coletiva, sem

dúvida alguma - também fez parte de um processo mais profundo de articulações e

alargamentos das formas de pensar e atuar das/entre as organizações clandestinas de

esquerda presentes na universidade e fora dela; trajetória na qual propuseram novos

sentidos ao conceito de liberdade; novas leituras sobre as questões sindical e partidária;

uma interpretação revigorada acerca da luta de classes na transformação da sociedade,

87

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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85

ou ainda – variando em suas leituras – uma outra abordagem acerca do sujeito

revolucionário (ponto de divergência entre os novos/velhos grupos em re/composição).

Os chamados “jornais alternativos” podem ser tomados como portadores destas

diferentes formulações, revisões, reiterações e alargamentos do pensamento marxista88.

Neles nos deparamos com uma verdadeira recomposição de valores e objetos de luta

política à luz das mais variadas matrizes do pensamento marxista, inclusive daquelas que

se recusam a uma ruptura mais profunda dos fundamentos.

Imprensa alternativa da década de 1970.

88

Alguns estudos se destacam sobre esta temática, a começar pela obra de KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003; mas poderíamos citar também: CHINEM, Rivaldo. Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. São Paulo: Ática, 1995; OLIVEIRA, João Henrique C.. Anarquismo, contracultura e imprensa alternativa: a história que brota das margens. http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/quartas_no_arquivo/2007; MORAES, Dênis. O Rebelde do Traço: A Vida de Henfil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Ed, 1996; MARCONI, Paolo. A Censura Política na Imprensa Brasileira 1968-1978. São Paulo, Global Editora, 1980; PETRARCA, Fernanda Rios. “A atuação da Federação Nacional dos Jornalistas na Luta pela Democratização da Comunicação”. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil, pp 156-172, MELLO, Maria Amélia (org). 20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986; Vários Autores. Anos 70: trajetórias. São Paulo: Ed Iluminuras, 2006, entre outros.

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86

Segundo Ricardo Kucinski89, pesquisador do tema, a “imprensa alternativa” da

década de 1970 ganhou forma no eixo Rio-São Paulo (para, em seguida, atingir outras

capitais) portando diferentes tendências (satírica, política, feminista, ecológica, cultural...)

e apresentando peridiocidade semanal, quinzenal ou mensal. Em função do seu tamanho

“tablóide”, ficou conhecida como “imprensa alternativa, de leitor, nanica, independente

ou underground”, somando em 15 anos de ditadura militar “cerca de 160 periódicos de

vários tipos – satíricos políticos, feministas, ecológicos, culturais – que tinham como traço

comum a intransigente oposição ao governo” 90. Nas palavras deste autor:

“Leitores que não conheceram esses jornais não têm idéia dos momentos de

encantamento que provocavam, de como incomodaram os militares, de como

começavam bem e acabavam invariavelmente mal. Não imaginam o que poderia

levar jornalistas consagrados a embarcarem, com um punhado de focas, ativistas

políticos e intelectuais, naquelas naus incertas ‘sem aviso prévio e sem qualquer

itinerário’, como disse o poeta”91.

Entre os 160 títulos levantados, constavam os jornais “Opinião” (lançado em São

Paulo, circulou entre 1972 e 1978 desenvolvendo um jornalismo investigativo que se

definia nacionalista e em defesa da democracia; contou com a presença cotidiana de

censores entre 1973 e 1977); “Ex-“ (produzido em São Paulo, circulou entre novembro de

1973 e dezembro de 1975 como um “Jornal de cultura e política, de crítica e de ruptura

89

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003. 90

Segundo KUCINSKI: "A palavra alternativa, com maior densidade semântica, já usada nos Estados Unidos e

na Inglaterra, para designar arte e cultura não-convencionais, foi aplicada por Alberto Dines, em janeiro de 1976. Além de designar práticas não ligadas à cultura dominante, alternativa também significa optar entre duas coisas reciprocamente excludentes, a única saída para uma situação difícil e o desejo de protagonizar transformações. A imprensa alternativa dos anos 70 era tudo isso ao mesmo tempo. Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos faziam a crítica sistemática do modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, construindo dessa forma todo um discurso alternativo http://www.webartigos.com/articles/2551/1/Imprensa-Alternativa/pagina1.html#ixzz0xulsPpjI 91

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

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87

com os costumes estabelecidos, de esquerda mas não alinhado a nenhum grupo

específico”, segundo Flamarion Maués)92; “jornal Movimento” (lançado em 7 de julho de

1975 teve como principal editor o jornalista Raimundo Pereira e desempenhou grande

influência na imprensa alternativa ao trazer importantes e diversos intelectuais do

período); e também O Pasquim e Opinião, do Rio de Janeiro; Resistência, originário de

Belém do Pará. Beijo, Versus, Em Tempo, O Trabalho.

Do ponto de vista das organizações de esquerda em recomposição, os “jornais

alternativos” também cumpriram um papel fundamental ao trânsito de experiências,

leituras e questões em curso – papel, na leitura de Kucinski, que muitas vezes se deixou

perpassar pelas práticas de “aparelhamento” dos grupos clandestinos. De qualquer forma,

foi através destes jornais que as temáticas da revolução, do socialismo, da democracia,

ganharam abordagens diferentes à luz das matrizes marxistas, contribuindo para uma

complexificação das leituras acerca da realidade, ou ainda, das possibilidades e

perspectiva de transformação política. Em sentido inverso, também chegava ao espaço

político um retrato deste mesmo trânsito de experiências, projetos e identidades,

prestando-se os “nanicos” a atuar como “espelhos” dos novos significados culturais e

políticos em construção, percurso que enriqueceria em muito os caminhos de

redemocratização da sociedade brasileira. Entre os jornais alternativos, a análise feita por

Vitor Amorim de Ângelo acerca do jornal Em Tempo é elucidativa:

92 O Ex- reuniu nomes como Sérgio de Souza, Narciso Kalili, Dácio Nitrini, Mylton Severiano, Hamilton Almeida Filho, José Hamilton Ribeiro, Amancio Chiodi, entre outros (...) Já em seu número 1 Ex- definiu sua marca registrada, a irreverência e a contestação, ao estampar na capa uma fotomontagem de Hitler tomando sol pelado numa praia tropical. Uma imagem eloquente, sem dúvida, ainda mais em novembro de 1973. A capa do número 3, com Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, vestindo um uniforme de presidiário – estava em curso as investigações do caso Watergate, que levou Nixon a renunciar à presidência em agosto de 1974 –, resultou na prisão de Sérgio de Souza e Narciso Kalili, por “ofensa a presidente de país amigo”. Foram muitos os contratempos e vaivéns do jornal, até outubro de 1975, quando foi assassinado no DOI-CODI de São Paulo o jornalista Vladimir Herzog. Ex- conseguiu em poucos dias fazer uma grande reportagem mostrando como Vlado tinha sido morto, desmentindo a suja versão de suicídio criada pela ditadura. A edição número 16 do jornal, que trazia esta reportagem, vendeu 20 mil exemplares em poucas horas, antes de ser proibida. Uma segunda tiragem de 30 mil exemplares foi recolhida pela censura na gráfica, antes de chegar às bancas. A partir daí, Ex- não pôde mais circular. Seus editores ainda tentaram algumas artimanhas para escapar da censura e da perseguição, mas novas edições do jornal, com nomes diferentes, também forma proibidas ou apreendidas. http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/livros-e-historia/preciosidade-lancada-edicao-fac-simile-do-jornal-alternativo-ex.html

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88

“O Em Tempo era um jornal alternativo criado em 1977 a partir de um racha na

equipe do Movimento, publicação que tinha sido controlada pelo Partido

Comunista do Brasil (PCdoB), de quem seus participantes divergiam politicamente.

A divisão dentro do Movimento foi motivada pelo fato de os seus grupos mais à

esquerda discordarem da proposta do PCdoB de criar uma frente democrática,

vista pela maioria dos dissidentes como “hegemonizada por correntes liberais

burguesas”. No dia seguinte ao racha, o grupo que saiu do Movimento – formado

por jornalistas, intelectuais de esquerda, ex-militantes da Ação Popular-Marxista

Leninista (AP-ML) que não haviam aderido ao PCdoB, dois membros do antigo

COLINA e integrantes de um pequeno agrupamento político chamado Subfrente –

reuniu-se para discutir a formação de um novo jornal que, além de se contrapor à

orientação do Movimento, pudesse “subsidiar a organização dos trabalhadores”.

Nas semanas seguintes, agregaram-se em torno dos dissidentes antigos

colaboradores do Movimento e de outros jornais alternativos e novos

agrupamentos políticos que haviam surgido na época – dando início a um processo

de reaglutinação de parte da esquerda brasileira. Entre eles, por exemplo, estava o

Debate, grupo formado por ex-participantes do Movimento que saíra do jornal

antes mesmo do racha de 1977, também por discordar da linha política defendida

pelo PCdoB. Ao se aproximar dos articuladores do Em Tempo, atraiu para as

discussões sobre o novo jornal ex-militantes da ORM-POLOP, que trouxeram

consigo antigos membros do POC6. A Libelu, corrente estudantil da Organização

Socialista Internacionalista (OSI)7, aderiu marginalmente ao jornal, com a

participação de apenas dois dos seus militantes. O Movimento pela Emancipação

do Proletariado (MEP), por sua vez, mesmo rejeitando o trotskismo, orientação da

maioria dos grupos políticos que se aproximou do Em Tempo, tinha afinidades com

a “cultura trotskista”8, como o repúdio ao stalinismo, optando por seguir com os

dissidentes do Movimento. O MR-8 foi outro grupo que possivelmente participou

do novo jornal para tentar controlá-lo, o que acabou não ocorrendo, apesar de

rapidamente ter conquistado espaço nas sucursais do Rio de Janeiro e São Paulo.

Com a volta dos exilados políticos ao Brasil, no final de 1979, também aderiram ao

novo jornal membros do grupo dos autonomistas, assim chamados por

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acreditarem que o movimento operário deveria estar desvinculado de partidos

políticos”93.

Nas últimas décadas, esta temática passou a receber novos e importantes estudos,

atentos às diferentes dimensões desde a face contracultural até as marcas propriamente

político-partidárias de esquerda, passando pelas relações que estabeleceram com os

chamados “movimentos das minorias”94. Mas, as contribuições que estas fontes trazem

ao estudo das organizações em recomposição nos anos 1970 não mereceram, ainda, as

devidas atenções; em especial se considerarmos que a dinâmica de recriação cultural e

social presente em suas páginas, se cruzada com os levantamentos realizados pelo Projeto

Brasil Nunca Mais (captados em meio aos processos coercitivos) 95, poderiam nos oferecer

uma visão ainda mais aprofundada das interfaces estabelecidas entre as organizações de

esquerda e as problemáticas sociais e culturais que já se encontravam em cena.

O lugar e caráter do “sujeito revolucionário”, para nos mantermos no âmbito das

discussões organizadas, mereceria, por sua vez, um outro conjunto de abordagens,

93

ÂNGELO, Vitor Amorim de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 2008. 94

Sobre a questão, podemos citar – entre outros - os trabalhos de: TABAK, Fanny. Autoritarismo e Participação Política da Mulher. Graal, 1982; BASTOS, Natalia de Souza. Mulheres em armas: memória da militância feminina contra o regime militar brasileiro. Monografia de História – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro; COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1997; COLLING, Ana Maria. “Choram Marias e Clarices”. Uma questão de gênero no regime militar brasileiro”, 1994. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; DIETZEL, Vera Lúcia. “Crítica literária feminista entre erótica e engajamento político: uma questão polêmica”. Uniletras, Ponta Grossa: Editora UEPG, nº25, dezembro 2003, pp 75-114; HALLIFAX, Noel. “Libertação gay e luta pelo socialismo”. Http://www.revolutas.org - [email protected]; SANTOS, Gustavo. Estado, projetos políticos e trajetórias individuais: um estudo com as lideranças homossexuais na cidade de São Paulo, 2006. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2006; SILVA, Marcelo L. da. A História no discurso do Movimento Negro Unificado: os usos políticos da História como estratégia de combate ao racismo, 2007. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2007; SUTIL, Nair. “Fronteiras do corpo e da fala: ‘transgressão’ feminina e ditadura militar no Brasil”. Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder, 2008. 95

No Tomo III do Projeto Brasil: Nunca Mais lançado pela Arquidiocese de São Paulo em 1985 encontramos dados fundamentais para um balanço das ações coercitivas do Estado Militar no cotidiano político e cultural da sociedade brasileira.

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cabendo-nos considerar que ambos os processos caminharam de forma conjunta e que os

esforços de entrelaçamento se revelaram árduos, constando entre seus desdobramentos

imediatos a criação do Partido dos Trabalhadores (organização formada por sindicalistas,

agrupamentos marxistas-leninistas diversos e militantes dos chamados novos

movimentos sociais). O PT, neste sentido, surgiria como uma frente de organizações de

trabalhadores e de movimentos sociais que, sob o formato de um partido se definia como

“dos trabalhadores”, visando adentrar na arena política como expressão de forças até

então excluídas: a classe operária e os trabalhadores em sentido mais amplo.

As reconsiderações sobre esta questão “incendiariam” os debates – cada vez

menos clandestinos no curso dos anos 1970 e abririam espaço para um nov/outro campo

de atuações e relações, achando-se o movimento estudantil imerso neste mesmo

processo. Afinal, o que poderia chamar tanto a atenção dos órgãos de segurança para a

atuação das tendências estudantis “Refazendo”, “Caminhando”, “Liberdade e Luta”?

No curso dos anos 1980, vários estudos produziram no calor dos acontecimentos

reflexões mais específicas sobre estas tensões (que, na prática, já se achavam acirradas

desde o final da década de 1960 em torno de questões, por exemplo, como “cultura

nacional”). Entre eles, a obra Patrulhas Ideológicas (1980) de Heloísa Buarque de

Hollanda e Carlos Alberto M. Pereira promoveu um registro vigoroso dos debates que,

desde 1978 vinham pautando a imprensa e os diferentes espaços culturais acerca da

liberdade de criação, e de uma forma mais específica, da liberdade nos marcos das

experiência de esquerda, entrando em cena questões como arte, engajamento, militância,

política, cultura. Através desta coletânea de entrevistas (recolhidas no final da década de

1970), tornaram-se mais claras as dificuldades que então se experimentava frente as

mudanças do mundo e dos paradigmas, embaralhando-se progressivamente o papel dos

partidos e das organizações em seu interior.

Mas, nesta trajetória de pensar as esquerdas, o trabalho de Eder Sader publicado

em 1988 e intitulado Quando Novos Personagens entraram em cena96, deixou marcas

significativas. Na condição de dirigente da antiga POLOP, então conhecido como Raul Villa,

96

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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Sader buscou refletir sobre os caminhos de redemocratização da sociedade brasileira

dirigindo seu olhar (militante e comprometido) para além dos parâmetros organizados da

década de 1970, recurso que lhe permitiu perceber processos de luta social diferenciados

em movimentos mais autônomos por melhoria nos serviços de saúde, nas condições

sanitárias, por liberdade sindical levados junto a organizações de bairro, sindicatos, clubes

de mães, comunidades de base da Grande São Paulo entre o final da década de 1970 e o

início da de 1980.

Nesta obra, Sader afirma: a “militância de esquerda” se constituiu nos anos setenta

como um dos vários espaços de exercício político que se achavam em curso. Por outro

lado, foi em meio à crise de institucionalidade política que esta militância construiu um

novo lugar de política sendo necessário, para isso, se redesenhar como “sujeito coletivo”,

redefinir seu ideal de “coletividade”, estabelecer novos contornos para o conceito de

“autonomia”, promover novas articulações entre teoria e prática e se perceber como mais

uma:

“....coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através

das quais seus membros pretendem defender interesses e expressar suas

vontades, constituindo-se nessas lutas”97.

Prefaciando esta obra, Marilena Chauí98 amplia a discussão afirmando que as

mesmas experiências desdobravam-se de uma trajetória efetiva de exclusão social

vivenciada por setores das classes médias no período pós-1964 - que para além das

limitações nos campos político e cultural, também enfrentaram mudanças de caráter

social trazidas pela proletarização de segmentos específicos, como o dos setores

intelectualizados. E que, neste trânsito social - de “sujeitos em movimento” – fez-se

possível certas trocas de experiência, tornando-se possível o compartilhamento de

questões comuns como a desconfiança frente a instituições públicas e sistemas políticos

97 CHAUÍ, Marilena. “Prefácio” de Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980). Op.Cit., pp 9-16. 98 CHAUÍ, Marilena. “Prefácio” de Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980. Op.Cit., pp 9-16.

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de mediação; a busca pela criação de outros espaços políticos, ou ainda, por novas

relações com o espaço público. Foi então, em meio a um contexto impreciso e movediço

de transformações das dimensões pública e privada, que surgiram lentamente novos

objetos de política capazes não apenas de propor uma outra agenda de lutas e de

movimentos, mas questões para muitos consideradas irrelevantes.

A identificação e reconhecimento da presença de “outros e novos sujeitos sociais”,

para além das organizações de esquerda, dava sequência, por sua vez, aos debates em

torno do “sujeito revolucionário” travado pelas organizações, e de forma mais específica,

organizações reunidas em torno da revista “Brasil Socialista” (em que se achava presente

a POLOP). De certa forma, a obra Quando Novos Personagens entraram em cena

demarcava, em si mesma, a chegada ao espaço público de uma ampla e rica trajetória de

debates estabelecida na esfera clandestina, questão, em nosso entender, instigante da

importância, ainda não claramente mapeada, que as organizações de esquerda em

recomposição desempenharam nos processos mais amplos de redemocratização social.

Afinal, foi também de um amplo leque de indagações, proposições e conquistas que se fez

possível emergir um novo universo político, fruto de uma trajetória de aprendizados

inestimáveis e de partilhas dolorosas de transformação. Trajetória na qual certas questões

(aparentemente secundárias) passaram a ser repensadas em sua pertinência histórica, e

ainda, valorizadas em meio a um amplo e variado conjunto de lutas. A este respeito, as

palavras de Marco Aurélio Garcia acerca da trajetória de Eder Sader nos parecem

esclarecedoras:

“...o artigo que assinou com seu tradicional pseudônimo de Raul Villa, "Para um

balanço da Polop", escrito em Paris, em 1976, e publicado na revista Brasil

Socialista (...) transformou-se rapidamente em um texto de referência para a

esquerda brasileira que recém começava a cicatrizar as feridas provocadas por

uma derrota acachapante. Mais adiante passaria a ser uma fonte obrigatória para

o estudo da política revolucionária no Brasil nos anos 60. Começa a delinear uma

nova reflexão, em que assume uma importância muito grande a crítica do

vanguardismo das esquerdas e a valorização das experiências de luta autônoma

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das classes exploradas e oprimidas da sociedade (...) Eder e alguns de seus

companheiros começaram a analisar o significado da reanimação política do Brasil,

preocupando-se menos com os aspectos institucionais da transição que começa a

se insinuar a partir de 74/75, e mais com o aparecimento de uma nova classe

operária, de combativos movimentos reivindicatórios nas periferias das cidades

brasileiras ou de outros tipos de movimentação social onde detectava uma

dinâmica cuja característica fundamental era a autonomia” 99.

Enfim, nos parece possível considerar que o resgate e compreensão das

experiências, bem como das tensões e debates - clandestinos e públicos - travados no

curso da década de 1970 acerca do(s) “sujeito(s) revolucionário(s)” e dos caminhos de

transformação da sociedade brasileira, constituem-se, em si mesmo, questões

pertinentes, ou ainda, surpreendentes, como demonstra Heloísa Buarque de Hollanda em

Patrulhas Ideológicas. Nesta obra temos a oportunidade de mergulhar numa intensa

dinâmica de reflexão sobre a questão da “democracia” que, no final da década de 1970,

fazia-se acompanhar por discussões acaloradas sobre coerência política, posicionamentos,

arte engajada, etc.. questões, enfim, que integravam/tinham sentido numa dada

trajetória de construção política que se achava em curso100. Neste sentido, vale considerar

a fala captada de Nelson Coutinho:

99Eder Sader, ainda nos anos 1960, integrou a Liga Socialista (grupo influenciado pelas idéias de Rosa Luxemburgo) e a partir de 1961, a POLOP (da Organização Marxista Revolucionária Política Operária), organização que exerceu uma significativa influência nas formulações das esquerdas entre as décadas de 1960/1970, em especial, pelas críticas às “posições então hegemônicas na esquerda brasileira e que tinham o Partido Comunista Brasileiro (PCB) o seu principal centro de irradiação”, posições que creditavam a uma aliança entre o proletariado, o campesinato, a pequena-burguesia e “a burguesia nacional supostamente interessada na consecução de reformas ‘antiimperialistas’ e ‘antifeudais’”, a realização de mudanças “nacionalistas e democráticas”. Críticas que ampliam sua presença entre as esquerdas no período pós-1964 e possibilitam a fusão com uma cisão do PCB no sul para fazer nascer o Partido Operário Comunista (POC), do qual Eder Sader seria dirigente até 1970, momento de profunda fragilidade e novas rupturas que provocam seu exílio no Chile (onde se vincula ao Movimiento de Isquierda Revolucionária/MIR), seguido pelo segundo exílio na França (onde permanece como um dos principais responsáveis pelo trabalho exterior do MIR chileno). Marco Aurélio Garcia. Memória: Eder Sader. O Futuro sem este homem. Fundação Perseu Abramo. http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/memoria-eder-sader-o-futuro-sem-este-homem 100

Segundo os autores, as discussões integravam um “ jogo político [que] está se explicitando, assim como as cisões, teóricas e práticas, dos grupos de esquerda”. HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. SP: Brasiliense, 1980, p135.

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“...nós temos que compreender o socialismo no Brasil como um horizonte das

conquistas e do aprofundamento cada vez maior de uma democracia efetiva, onde

as massas participem cada vez mais; onde haja, digamos assim, uma socialização

da política cada vez maior. Por outro lado, eu acho que se não vencer na esquerda

brasileira essa compreensão nova do caminho pro socialismo, quer dizer, do

vínculo indissolúvel entre socialismo e democracia – eu acho que a vaca vai pro

brejo também. A direita ainda é suficientemente forte para arrebentar com

qualquer possibilidade de renovação no país. O socialismo aqui, agora, não vai dar

não!”101

No campo historiográfico, em termos mais amplo, vale considerar que os debates

no em torno do “sujeito revolucionário” ainda permanecem presentes (de maneira mais

sutil) no interior de estudos brilhantes sobre a recomposição dos caminhos e experiências

vividas pelas organizações entre o final da década de 1960 e os primeiros anos da década

de 1970, período particularmente marcado por instabilidades e cerceamentos102. Estes

trabalhos, em nosso entender, foram capazes de construir um contra-discurso da

esquerda armada no mesmo momento em que entravam em cena inúmeros estudos

sobre a formação do PT, configurando-se um novo capítulo de tensões entre as

organizações. Neste caso, se por um lado tratava-se de resgatar e conferir sentido

histórico a um conjunto de fundamentos, experiências e leituras vivenciadas pelas

esquerdas armadas, com atenção sobre o lugar que possuíam na história das esquerdas

brasileiras; por outro, tratava-se de afirmar uma nova e “estranha” esquerda que, antes

de tudo, precisava se firmar frente a uma sociedade que se desejava parceira e diante da

qual deveria se apresentar de maneira mais ampla: como o partido dos trabalhadores (em

101 COUTINHO, Carlos Nelson (entrevista em 16/agosto/1979). HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PEREIRA, Carlos Alberto M. Patrulhas Ideológicas. Op.Cit., p56 102 Autores como Daniel Aarão Reis Filho e Marcelo Ridenti vem nos oferecendo contribuições importantíssimas para uma compreensão mais profunda das opções e dos rumos seguidos por estas organizações no curso da década; obras que já se encontram citadas neste trabalho (A Revolução faltou ao encontro, de Daniel Aarão; Imagens da Revolução, de Daniel Aarão e Jair Ferreira de Sá; O fantasma da Revolução Brasileira de Marcelo Ridenti; Em busca do Povo Brasiliero: artistas da revolução, do CPC à era da TV; de Marcelo Ridenti, entre outras).

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lugar de um partido da classe operária). E se somarmos a isto uma ausência significativa

de estudos sobre os processos de transformação das organizações políticas no curso da

década de 1970, poderemos perceber que temos um “intervalo” de reflexões, responsável

pelo estabelecimento de um quadro de análise truncado e polarizado.

Ora, é exatamente neste “intervalo” que ganha forma nosso objeto: a tendência

estudantil Liberdade e Luta, uma organização que não aderiu à luta armada e, enquanto

expressão de uma outra matriz política, construiu sua trajetória política nos bojo de todo

um conjunto de fundamentos tradicionais de esquerda (entre os quais, o trotskismo)

ousando alguns passos para além destes mesmos fundamentos. E ainda, em nome de um

novo partido, o PT, submergiu em seus trabalhos de construção, secundarizando uma

riquíssima história de militância.

Felizmente, na atualidade, novos estudos sobre as organizações de esquerda

começam a revisitar as experiências trotskistas, bem como a avançar sobre as trajetórias

regionais e sobre os processos de interação entre as organizações e os segmentos sociais,

atentos sobre a lógica das organizações e mais livre das motivações propriamente

militantes que animaram as teses das últimas décadas103.

Já no âmbito das lutas por liberdade foi o enfrentamento ao autoritarismo

presente numa sociedade dividida em seus preceitos e condutas, o que estabeleceu as

bases de um confronto “celular” e cotidiano, num percurso que em pouco tempo deu

forma a um conjunto de bandeiras que tomavam o Estado autoritário como fóco, fazendo-

se acompanhar por verdadeiros campos de luta no qual seriam promovidas a

disseminação de práticas e a afirmação de uma verdadeira luta por direitos civis. Neste 103

Podemos citar, entre outros, os trabalhos de: GUTIERREZ, Andriei da Cunha Guerrero. O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho. Op. Cit.; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Op. Cit.; FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista, 2005. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. Mestrado; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT. São Carlos: EdUFSCar/FAPESP, 2008; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008.

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caso, se as diferentes movimentações coletivas (como a de homossexuais e de mulheres)

apresentavam características próprias104, elas também estabeleceram reivindicações e

características comuns, entre elas, o fato de emergirem do cotidiano de uma sociedade

fortemente marcada pelas práticas autoritárias.

Graúna, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970.

“Em toda a tônica de agitação estudantil, está a decantada luta pela liberdade,

mas esquecem-se êles que só se alcança a liberdade pela total obediência ao que

determinam as leis ‘legum servi sumus, et liberi esse possimus’. Essa ala estudantil

(infelizmente bastante grande), que com pronunciados desvios de comportamento

viola a Lei a cada instante, deve se convencer que longe do império da Lei, jamais

será construída uma sociedade feliz” (Relatório Ibiúna, 1968)

Os desafios de estudar este período de acirramentos – tanto dos processos

repressivos, quanto das formas, intensidades e procedimentos de resistência (período

que, na escala de tempo poderia ser localizado entre os anos 1964-1984) exigem, então, a

104

Na OSI, conforme registro de uma reunião do Bureau Político em dia 28 de agosto de 1980, um dirigente apresenta proposta de nova estrutura para o Comitê Central onde se acha presente o trabalho com os segmentos de mulheres, negros e jovens. Centro de Documentação e Memória da UNESP/CEDEM, Acervo CEMAP, Fundo Livraria A Palavra, CAIXA LP 001

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adoção de ferramentas e conceitos sensíveis ao caráter dinâmico e, ao mesmo tempo

coletivo das intervenções/recriações sociais, culturais, políticas, questão que nos leva a

perceber que a luta pela (re)conquista e alargamento da liberdade terminaria por confluir

na luta pela retomada e alargamento da participação política e dos direitos civis, num

percurso impressionante de articulações e fusões de anseios (por liberdade, participação e

direitos), espaços, projetos, movimentos, marcados por diferentes formatos, mas numa

mesma direção: a recusa da permanência do Estado Militar.

A afirmação da liberdade, por sua vez, encontrou na luta por direitos civis um

caminho político próprio, ao mesmo tempo em que ganhou força a questão da

participação social e política junto ao Estado, firmando-se neste percurso um projeto

social e político mais amplo e capaz de fundir numa mesma equação, as questões da

liberdade, da participação e dos direitos, redesenhando-se as possibilidades e

perspectivas de vida coletiva. De fato, são os variados conceitos de liberdade que dão

lugar, antes de tudo, a diferentes entendimentos de democracia; conceitos, enfim, que se

prestam a traduzir – bem como a iluminar - uma trajetória de recomposições e misturas

entre política e cultura que em curtíssimo espaço de tempo permite a eclosão de

outras/novas experiências coletivas.

A liberdade enquanto direito redundaria numa soma de anseios (sociais,

individuais, coletivo...), conceitos e práticas que a aproximaria das questões da

democracia; por outro lado, ao “emprestar” das organizações de esquerda referenciais

caros à construção dos objetos políticos, formas de expressão e discursos, ela também se

aproximaria da questão da revolução, questão cara a este estudo. Neste caso, se os

conceitos de liberdade - em reformulação nos anos 1970 - assumem nuances particulares

à luz da trajetória repressiva, eles também encontram neste contexto um outro corpo de

formatos e significações. E conforme poderemos observar, numa dada vertente de “luta

pela liberdade”, as militâncias trotskista emprestam formulações e experiências, entre

elas, acerca da liberdade nas formas de arte; da liberdade como expressão de

possibilidades individuais; da liberdade como conquista e consolidação de direitos

igualitários.

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Neste percurso profundamente dinâmico – mas, não menos trágico – de

transformações do universo da política em que entraram em cena diversas esferas de

contestação e recriação, escondem-se aprendizados inestimáveis, apesar de nascidos fruto

de partilhas imensamente dolorosas de transformação. Na verdade, a superação de

barreiras impostas à vida individual e coletiva por meio da reinvenção do próprio

presente, seria uma tarefa enorme a enfrentar, sendo preciso, antes de mais nada,

integrar o que se achava fragmentado e ao mesmo tempo aprender a respeitar as

diferenças em nome da construção de um novo sentido de comunidade.

Missa na Catedral da Sé pela morte do operário Santo Dias (1979). Acervo DEOPS, Arquivo Público do Estado

A questão da democracia, por sua vez, ganhou força na medida em que as práticas

coercitivas se mostram mais nítidas, processo no qual o apoio ao governo militar se faria

progressivamente esvaziado para dar lugar a diversos sentidos de democracia, entre eles,

a questão e desejo de participação, que pouco a pouco se revelaria mais forte (o

movimento estudantil ocupa um papel interessante neste aspecto como espaço de

experimentações de visibilidade ampla) ou ainda, mais afirmativa, trazendo para a cena

política um conjunto mais amplo de questões.

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Os anseios por “participação” somados a diversas leituras e projetos de

“democracia” se entrelaçarIam, enfim, à questão da “revolução” na medida em que se

pretendesse uma transformação social mais profunda, elementos, enfim, que tenderiam a

radicalizar os propósitos e contornos da luta pela redemocratização social. A questão da

democracia, neste caso, tenderia a alcançar os limites de sua conceitualização, e o

marxismo, ao assumir o lugar de uma plataforma de entendimento comum (em meio as

variações dos grupos de esquerda), passaria a penetrar nos debates mais amplos acerca

da redemocratização da sociedade, tornando-se presente numa grande variedade de

objetos de reflexão e atuação.

Da força destes processos, inclusive, somos levados a inverter a questão e repensar

a emergência de um Estado Militar – com amplo apoio de segmentos mais conservadores

– como reação a um fenômeno mais amplo e múltiplo de contestação da ordem instituída

nos anos 1960; contestação, por sua vez, que permaneceu em curso levando as forças

armadas a reagir de formas diferentes ao longo dos anos, podendo-se afirmar que não

houve uma interrupção dos mesmos processos de controle e resistência. Na reconstrução

das esquerdas, o repensar da democracia partiu do instrumental marxista para assumir

caminhos diversos, permeados pelos limites, contradições e alargamentos vivenciados

neste percurso. E esta questão carece de um conjunto mais significativo de estudos; de

fato, em contraste com o tema do movimento operário - que chegou a merecer não

apenas um número variado de estudos, mas, inclusive, a elaboração de linhas de pesquisa

específicas -; a temática das organizações de esquerda na década de 1970 ainda aguarda

uma atenção mais precisa. Nós podemos contar com os estudos centrados na análise

sobre a formação do PT, mas estes trabalhos em geral, se interessam e reforçam a

presença das experiências operárias em sua organização; por outro lado, nós encontramos

uma vasta literatura sobre as manifestações da sociedade civis da década de 1970 (em

especial, de cunho jornalístico), mas, na esfera acadêmica, ainda são muito poucos os

trabalhos sobre a questão105.

105

Poderíamos citar alguns trabalhos produzidos na última década, entre eles: ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000; CUNHA, Maria de Fátima. A Face Feminina da Militância Clandestina de

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100

No estudo propriamente das organizações de esquerda, há também uma vasta

produção centrada em questões e problemáticas específicas – em especial, sobre

sindicato, democracia, partido e revolução -, mas ainda faltam reflexões mais abrangentes

e de maior peso, capazes de articular estes mesmos questionamentos no interior de um

percurso próprio, mais definido. Em contraposição a isso, aliás, são fartas as reflexões

sobre o “fim” das esquerdas, alicerçadas na idéia de um colapso prático e teórico das

organizações frente aos novos desafios trazidos pela contemporaneidade. No campo mais

específico de estudos do trotskismo, são recentes as análises acadêmicas sobre as

experiências brasileiras, e apesar de sua qualidade, os estudos sobre as organizações da

década de 1970 estão apenas começando, concentrando-se o maior número de trabalhos

sobre o período 1930/1960106.

No campo propriamente estudantil (cenário de forte presença destas

organizações), a grande concentração dos estudos ainda se mantém nos limites dos

acontecimentos de 1968107; no entanto, nos últimos dez anos surgiram – num

Esquerda. Brasil anos 1960/70, 2002. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2002; FERREIRA, Muniz. A História política da esquerda bahiana: uma história em construção. Vitória da Conquista: Politeia: História e Sociedade, vol 4, nº1, pp 159-181, 2004, entre outros; SANTOS, A.C. Ação entre amigos: história da militância do PCdoB em Salvador (1965-1973), Op. Cit.; LOPES, Rosalba. “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 1-9; CIAMBARELLA, Alessandra. "Do Cristianismo ao Maoísmo: A História de Ação Popular (1962-1980)". Op. Cit; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, vol. 6. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, pp.153-237. 106

Com base num levantamento parcial de trabalhos, registrado em nota anterior, identificamos os

seguintes estudos sobre a década de 1970: FARIAS, Marcos Moutta de. Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Op. Cit; KAREPOVS, Dainis. O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil. OP. Cit.; LEAL, Murilo; KAREPOVS, Dainis. “Os trotskismos no Brasil (1966-2000)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.) História do marxismo no Brasil, Op. Cit.; ANGELO, V. A. de. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT, Op. Cit; ANGELO, V. A. de. “História e memória dos trotskistas brasileiros nas páginas do Em Tempo”, Op. Cit.; ANDRADE, Everaldo de Oliveira. “A liberdade nasce da luta: o surgimento da OSI na crise da ditadura” IN SAMOS, Cecília MacDowell: TELES, Edson; TELES, Janaina de Almeida (orgs). Desarquivando a Ditadura : memória e justiça no Brasil, volume l /. São Paulo: Aderildo St Roíhschiid Editores, cap.3. 107

Além de estudos que ocuparam - e que permanecem ocupando - lugar central nas reflexões sobre o tema, como os trabalhos de FORACCHI, Marialice (O estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira, 1965); POERNER, Artur (O Poder Jovem, 1968 ), ALBUQUERQUE, Guilhon de ("Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil - estudo comparativo"; Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina, 1977); João Roberto Martins Filho (Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil: 1964-1968, 1987); Daniel Aarão Reis Filho (e Pedro de Moraes. 1968: a paixão de uma utopia, 1988), Antonio Ozai da

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levantamento ainda parcial – mais de uma dezena de novos trabalhos (entre dissertações

de mestrado, teses de doutorado e livros)108, ou ainda, um número semelhante de

Silva, (História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas), 1987; nos últimos 15 anos somaram-se novas elaborações. De fato, para além da temática “1968”, o estudo sobre as movimentações estudantis brasileiras no período de 1930/1960, passou a contar, entre outros, com os seguintes trabalhos: FERNANDES, Ana Lucia Cunha. A representação e a participação estudantil na Faculdade Nacional de Filosofia na década de sessenta, 1996. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996; DIRCEU, José; PALMEIRA, Vladimir. Abaixo a ditadura: o movimento de 68 contado por seus líderes. Entrevistas, edição e cartuns: Solange Bastos, Paulo Becker, Ari Roitman e Henfil. 2. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond, 1998; GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, 2001. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2001; ROCHA E SILVA, Simone Tenório. Em busca da Utopia - As manifestações estudantis em Pernambuco (1964-1968), 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal de Pernambuco, 2002; BRITO, A.M.F. Capítulos de uma história do movimento estudantil na UFBA (1964-1969), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; FIGUEIREDO, Cecília; KOBAYASHI, Eliza M. “Os Álbuns do DOPS”. São Paulo: Revista Adusp, Outubro de 2004, pp 81-85; ALVES, Bruna Neves. O Visível e o Invisível do Movimento Estudantil Universitário de Porto Alegre nas Representações da Imprensa (1964-1968), 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004; FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR; GROPPO. Luís Antonio. “A Questão Universitária e o Movimento Estudantil no Brasil nos Anos 1960”. Impulso, Piracicaba, 16(40): 117-131, 2005; VICENTE, Keides Batista. Retratos de Goiás: memórias de ex-militantes estudantis goianos sobre a década de 1960, 2006. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal de Uberlância, 2006; VICENTE, Keides Batista. "Heróis da resistência? O uso das imagens física e simbólica de Edson Luís e Ornalino Cândido pelos estudantes da década de 1960". Revista Mirante, s/d. mirante.110mb.com/4ed/17508.pdf; GARCIA, Priscila F.C. “As mulheres no movimento estudantil dos anos 1960”. Londrina: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. UEL, 2010. 108

Entre os estudos, constam: NASCIMENTO, Marcus Jary. A participação política da juventude goiana no movimento estudantil universitário: a crise de um projeto social (1960/1985), 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 2002; OLIVEIRA, Antônio Eduardo Alves de. O Ressurgimento do Movimento Estudantil Baiano na Década de 70, 2002. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, 2002; REZENDE, Darcilene Sena. A história na mão: Periódicos universitários discentes paulistas entre 1964 e 1979, 2003. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2003; COSTA, Caio Túlio. Cale-se. São Paulo: A Girafa Editora, 2003; GOMES, Manoel Rosa. A Greve Estudantil de 1979 em jornais impressos do Maranhão - Indícios do suporte para a leitura do movimento: caminhos de análise. Dissertação (Mestre) –, Universidade Estadual Paulista, 2004; PEREIRA, Mateus Camargo. Tecendo a manhã: história do Diretório Central dos Estudantes da Unicamp(1974/1982), 2006. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2006; DIAS, Araujo, Raquel. O movimento estudantil nos tempos da barbárie: a luta dos estudantes da UECE em defesa da universidade pública. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, 2006; REIS, Alessandra Martins dos. O sentido do movimento estudantil contemporâneo pela voz dos estudantes da saúde, 2007. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Enfermagem, Universidades de São Paulo, 2007; GUSSON. Claudia Maria. Movimento estudantil e repressão judicial: o regime militar e a criminalização dos estudantes brasileiros (1964-1979), 2008. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2008; CANCIAN, Renato. Movimento estudantil e repressão política: o ato público na PUC-SP (1977) e o destino de uma geração de estudantes, 2008. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Faculdade de Ciêncis Sociais, Universidade Federal de São Carlos, 2008; GROPPO, Luis Antonio; ZAIDAN FILHO, Michel; MACHADO, Otávio Luiz. Juventude e movimeto estudantil: ontem e hoje. Volume 1. Recife: Editora da UFPe, 2008;

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monografias, artigos acadêmicos e trabalhos jornalísticos sobre as movimentações

estudantis dos anos 1970109, ampliando-se significativa e qualitativamente as perspectivas

de abordagem sobre o período.

Um último campo que nos parece importante destacar, é aquele que se centra

sobre a temática do autoritarismo, e que por diferentes perspectivas, tem trazido

contribuições valiosas para compreendermos por novos ângulos os sentidos de resistência

experimentados no período110. No aspecto das “formas de resistência”, aliás, todo um

novo leque de indagações tem promovido o estudo de experiências pouco ‘visíveis’ ou

PELLICCIOTTA, Mirza M.B "Mobilizações estudantis nos anos 1970" IN GROPPO, Luis Antonio; ZAIDAN FILHO, Michel; MACHADO, otávio Luiz. Juventude e movimeto estudantil: ontem e hoje. Volume 1. Recife: Editora da UFPe, 2008; MÜLLER, Angélica. A Resistência do Movimento Estudantil Brasileiro contra o regime ditatorial e o retorno da UNE à cena pública (1969-1979), 2010. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2010; SEVILLANO, Daniel C. Somos os filhos da revolução: Estudantes, Movimentos Sociais, Juventude e o fim do regime militar (1977-1985), 2010. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, 2010. 109

Podemos citar: CHRISPINIANO, José. “Na criação do DCE livre, uma derrota da ditadura”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 2000, pp 69-73; MESQUITA, Marcos Ribeiro. “Movimento estudantil brasileiro: práticas militantes na ótica dos Novos Movimentos Sociais”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 66, outubro 2003, pp 117-149; FARIA, Glauco e PIRES, Thalita. “A Liberdade e Luta chegou ao poder”. Revista Fórum, São Paulo,nº 19,32-34, setembro 2004; CHRISPINIANO, José; FIGUEIREDO, Cecilia. “A ECA é o principal foco de agitação da USP”. São Paulo: Revista Adusp, outubro 2004, pp 63-68; D'ALENCAR. Marcus Aurélio. “Movimento Estudantil de Biologia. Um ensaio introdutório”. ENEBio. Segipe, 2006; SANTOS, J. de Souza. Unidade e diversidade no Movimento Estudantil: a heterogeneidade das esquerdas dentro da UNE (1964-1974), 2006. Monografia - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Estadual Paulista, 2006; TEZINI, Juliana C. V. "O movimento estudantil em 1977 e a atuação política da Revista Veja". Tempos Históricos, vl 10, 1ºsem/2007 (171-205); SCHMITT, Silvana L.; FIUZA, Alexandre F. "A Resistência Estudantil à ditadura brasileira no Oeste do Paraná". Cascavel: Unioeste. Iº Simpósio Nacional de Educação/XX Semana de Pedagogia, 2008; CAVALCANTI, Felipe de Oliveira Lopes; MORAES, Paulo Navarro de. “Movimento Estudantil e Universidade: apontamentos a partir da experiência da UFPB”. Rio de Janeiro: Lugar Comum, UFRJ , nº28, maio-ago 2009, pp 143-156; ANTUNES, Wilkie Buzatti. “A vontade geral contra a vontade do general: o movimento estudantil da UFM na década de 1970”. Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP, 2010; BALLAROTTI, Bruna. O Movimento Estudantil de Medicina e a criação do SUS: uma História na Luta pela Saúde, 2010. Monografia – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Santa Catarina, 2010; SANTOS, Jordana de Souza. “A influência e a atuação dos partidos políticos no movimento estudantil brasileiro e as semelhanças dos movimentos sociais latino-americanos”. Londrina: UEL; SANTOS. Jeane da Silva; BRICHTA. Laila . “A resistência estudantil aos ditames do regime militar em ilhéus”. XII Seminário de Iniciação Científica da UESC, pp 400/401; PAULA, Luciana G.P de; DURIGUETTO, Maria Lúcia. “Um convite à rebeldia: movimento estudantil de serviço social no Diretório Acadêmico Padre Jaime Snoeck – Faculdade de Serviço Social/UFJF”. Libertas. Juiz de Fora: Revista da Faculdade de Serviço Social/UFJF, volumes 6 e 7, números 1 e 2, pp 175-200. 110

São os diversos os estudos, vários deles já citados e outros a citar no curso deste trabalho. No entanto, gostaríamos aqui de destacar alguns autores cuja ação no campo da investigação e docência aparece recorrente (entre as teses concluídas, trabalhos de inventário e proposição de novas investigações): Maria Celina D’Araújo (CPDoc, hoje na PUC-RJ), Carlos Fico (UFRJ), Eliezer Rizzo de Oliveira (Unicamp) e Maria Luiza Tucci Carneiro (USP).

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desconsideradas como significativas - em especial, no universo das relações entre cultura

e política – e contribuído, por esta via, para alargar as nossas próprias percepções sobre o

autoritarismo. O trabalho de compreender os posicionamentos brasileiros considerando o

trânsito das idéias, de fato, vem sendo feito há muito tempo nos quadros da década de

1960; trata-se agora de avançar as pesquisas sobre os anos 1970.

Por fim, a constatação da presença de um leque de posicionamentos entre as

vanguardas estudantis no final da década de 1960 nos permite observar que uma série de

procedimentos e de soluções construídas por elas no contexto de 1968/1969, ganhou

continuidade nos anos seguintes e que, em vários aspectos, estes procedimentos e

soluções emprestaram vitalidade ao movimento, ao preservar organizações, entidades e

movimentações frente às ações repressivas que, no passado, haviam dizimado parte de

suas experiências.

As movimentações estudantis, em particular, integram um cenário muito mais

amplo de recomposições social e coletiva, e de maneira especial, elas se revelam

portadoras de movimentos internos originais, além de sediarem a recomposição e ação de

organizações, ou ainda, de emprestarem solidariedade a movimentos mais amplos. Mas, o

transbordamento destas movimentações para o espaço público, ainda que munidas de um

leque mais amplo de questões, apenas se soma a outros acontecimentos, como a

intensificação das lutas por anistia (em 1978, diversos movimentos promovem o 1º

Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia em Salvador, que aprova a Carta de

Salvador, pedindo “anistia ampla, geral e irrestrita”), de lutas contra a censura (com

importante presença da Associação Brasileira de Imprensa, a partir de 1977), o

surgimento e fortalecimento de movimentos contra a discriminação racial (o primeiro

encontro do MNU ocorre em julho de 1978), as greves do ABC a partir de maio de

1978...111 razão maior de bandeiras e palavras de ordem como “pela melhoria das

111 Segundo Sader, foram de pequenas vitórias e pequenas lutas que emergiram novos significados de política, ganhando forma um conjunto de “novas configurações sociais assumidas pelos trabalhadores” que, apesar de não se constituir um “fenômeno extensivo ao conjunto dessa classe, mas, antes, a uma parcela”, se revelou capaz de estabelecer “novos padrões de ação coletiva” e inaugurar “novos sujeitos políticos”, abrindo-se “um novo período na história das classes trabalhadoras em nosso país”

111.

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condições de ensino”; “por uma assembléia constituinte soberana e democrática”, entre

outras112. Nas palavras de Marcelo Ridenti:

“Ao menos desde o final da década de 70, ia ficando cada vez mais evidente a

necessidade de renovar os parâmetros da esquerda, em busca da revalorização da

democracia, da individualidade, das liberdades civis, dos movimentos populares

espontâneos, da cidadania, da resistência cotidiana à opressão, das lutas das

minorias, entre outras. Houve uma infinidade de manifestações nos diferentes

campos da sociedade a expressar essa virada no pensamento e na prática de

esquerda”113.

Na verdade, intervir politicamente sobre um contexto tão alterado, nos limites de

uma “legalidade” indefinida e munido de um repertório ou legado político em plena

reconstrução, significava, antes de tudo, reinventar a política e se fazer ouvir. De uma

constelação de questões e respostas, nasceram trajetórias originais de recomposição

organizada e, a depender da qualidade das experiências, elas transcenderam ao espaço

acadêmico e ganharam lugar em outros segmentos sociais, estabelecendo um trânsito de

experiências e leituras importantes ao processo mais amplo de recomposição da

sociedade civil. As organizações de esquerda participaram deste processo e vários de seus

agrupamentos desempenharam um papel importante a depender da vitalidade de suas

reflexões e proposições, questão essencial à qualidade desta mesma relação.

112

Nas palavras de Sader, em meio a “ritos dos tempos de resistência” (p28/29) ganharam forma

“pequenos movimentos que, num dado momento, convergem fazendo emergir um sujeito coletivo com visibilidade pública” (p.29). Por outro lado, “Essa nova valorização da sociedade civil expressava uma alteração de posições e significados na sociedade, que se mostravam tanto nas categorias de pensamento quanto nas orientações das ações sociais” (p34), emergindo ‘novos padrões de práticas coletivas’ em meio a uma esquerda fragmentada - questionamentos que levariam a ser considerado como “autonomista”, e mais um dos muitos críticos da questão “vanguardista”. 113 RIDENTI, Marcelo. “Intelectuais e Romantismo Revolucionário”. São Paulo Perspectiva. vol.15 no.2 São Paulo Apr./June 2001.

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Manifestação no Largo 13 contra Exílio. Fonte: Estadão

Da recriação, portanto, de um sentido de fazer as coisas, associado a uma maior

capacidade de ler os problemas e desafios colocados pelo presente, ou ainda, de um forte

desejo de futuro, renasceram as movimentações estudantis na década de 1970; mas,

movimentações qualitativamente diferentes do período anterior114. O seu vigôr e

permanência iriam durar enquanto lhe fosse possível resguardar a liberdade de

pensamento e criação no próprio sentido de fazer política, tarefa delicada pelo profundo

caráter democrático do qual se deveria dispor.

Por fim, nos parece interessante observar a análise que este “ambiente” recebeu

em 1977 num relatório interno do DOPS-SP de autoria de Miguel Poradowski e intitulado

“Weltoktober”. Podemos ler:

“...Muita gente fica desorientada diante da atual atividade revolucionária marxista

e esta desorientação vem do fato de que o mundo marxista parece estar dividido

em vários grupos antagônicos que mutuamente se combatem. Assim

presenciamos a divisão do marxismo-leninismo em bandos antagônicos: os

stalinistas e os trotzkistas, os pró-soviéticos e os internacionalistas. Outra divisão

que chama a nossa atenção é aquela segundo os interesses imperialistas da União

Soviética e da China continental, porém não podemos nos esquecer que todas

estas divisões e disputas não passam de ‘brigas familiares’, pois no essencial há

114

Vale considerar que, no mestrado, concentrei-me de forma particular nestas diferenças.

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acordo e colaboração de todos os grupos e facções, isto é, na luta pelo triunfo da

revolução marxista em todo o mundo. De maneira que atualmente a revolução

marxista mundial, o weltoktober, atingiu seu objetivo, em primeiro lugar pelo

imperialismo soviético, que o executa tanto através de seu poderio político,

econômico e militar, como também servindo-se dos partidos comunistas que em

todos os países do mundo livre, constituem as Quinta-colunas de Moscou. Em

segundo lugar, a mesma revolução marxista mundial atinge seus objetivos pelo

imperialismo chinês, isto é, pela China Continental, subjugada pelo marxismo e

explorada em prol da revolução marxista. Neste caso também Pequim serve-se de

seu poderio econômico, político e militar, como dos partidos comunistas pró-China

aos quais mantém como sua quinta-coluna, em todos os países livres. Em terceiro

lugar, a mesma revolução marxista mundial está atingindo seus objetivos através

dos fanáticos trotzkistas, isto é, pela camada mais autêntica e a mais fiel ao

pensamento original de Marx de explorar os dolorosos problemas sociais que

nasceram com o advento da civilização industrial para impor a todos o domínio

das finanças internacionais” 115

Num curto espaço de seis anos, a considerar momentos “extremos” entre os anos

1971 e 1977, as militâncias organizadas conseguem recompor no espaço da universidade

as possibilidades participativas, e de diferentes maneiras, enfrentar e vencer os

fenômenos que Irene Cardoso chamou de “imposição do esquecimento”116 e “produção

do silêncio”, propondo e/ou retomando caminhos organizativos que, a depender das

referências de política, cultura, socialismo, revolução adotadas, ou ainda, das

115

PORADOWSKI, Miguel. “O ‘Weltoktober’”, 13p, pp 11-13 IN Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temática, CAIXA OP0723. 116

Segundo Irene Cardoso: “...desde a técnica da produção do silêncio, a censura, passando pelo silenciamento de parte da sociedade brasileira – os ‘inimigos potenciais’ -, pela disseminação do medo, pela destruição física das pessoas, até o seu limite máximo de expressão, quando ‘mata a própria morte” (Reynoso, 1988), pelo procedimento do desaparecimento de pessoas, de seus corpos (..), de sua existência jurídica (Cardoso,1990). A imposição do esquecimento tomou ainda uma outra forma na conjuntura imediatamente posterior, a da ‘distenção lenta, gradual e segura‘ de Geisel e o início da ‘abertura’ de Figueiredo..”. CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?” IN Garcia, Marco Aurélio e Vieira, Maria Alice (orgs). Rebeldes e Contestadores. 1968 Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999

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continuidades/descontinuidades que estabelecem frente as experiências herdadas..

assumem características próprias. Publicações de meados dos anos 1970 como “Brasil

Socialista”, “Versus” e “Ex” nos ajudam a percebê-las.

Na versão propriamente trotskista de reconstrução política do movimento

estudantil, os esforços se concentram na defesa e construção de uma trajetória cada vez

mais coletiva e ofensiva frente às estruturas e aos mecanismos coercitivos presentes

dentro e fora da Universidade. Um movimento que, na visão trotskista, deveria se manter

necessariamente “em sintonia” com as massas estudantis, cabendo aos militantes captar

suas motivações para, em seguida, inseri-las e ordená-las em novas formas de luta.. Esta

perspectiva, de fato, daria lugar a uma trajetória singular e especial de luta política

construída às margens da burocracia universitária e balizada tanto pela criação de novos

canais de participação política, quanto pelo cumprimento de uma agenda política de

ampla abrangência e comprometimento social.

Enfim, em meio as diferentes leituras e propostas também se estabelecem

proximidades entre as organizações clandestinas que compartilham de fundamentos

comuns, cabendo ao próprio pensamento marxista exercer uma força agregadora entre

militantes de origem trotskista, católica, “dissidente do PCB” e stalinista que, por

diferentes razões, estão em busca de se recompor enquanto organizações e movimentos;

os laços de solidariedade e sobrevivência, frente a violência da ditadura militar, motivam

proximidades117.

Por outro lado, neste contexto tão particular, as leituras e experiências mais

sensíveis à chamada “revolução dos costumes” também penetraram no seio das

militâncias organizadas e fizeram nascer discursos e práticas que, de imediato, os

auxiliaram a reafirmar o lugar político da universidade – instituição que em curto espaço

de tempo se vê repovoada de pensamentos políticos-culturais concordantes,

117 Segundo as análises produzidas por José Roberto Campos e Antonio Ozai da Silva, a militância trotskista havia exercido de maneira praticamente solitária o papel de oposição ao Partido Comunista, oposição que, no entender de Raul Villa (dirigente da POLOP, no início dos anos 60) teria “passado mais tempo realizando sua ‘travessia do deserto’, isto é, protegendo-se do verdadeiro cerco que lhe estabelecera o stalinismo triunfante, do que propriamente intervindo nas lutas políticas do país”. “O balanço de Raul Villa”. Jornal Em Tempo, nº84, 10/10/79

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discordantes, em alargamento. E um exemplo disso pode ser tomado do sentido de

“entidade” estudantil que ganha forma; dotada de maior agilidade e sincronia entre as

discussões e práticas culturais e políticas, vai ser através destas estruturas que muitas

organizações conseguem extrapolar o espaço acadêmico para tentar influir nos processos

de recriação de uma sociedade democrática.

A trajetória política organizada no curso da década de 1970, conforme

observamos, pode ser definida como um percurso de revisões teóricas e práticas, expressa

na busca por novas estratégias, táticas e formação de quadros militantes num contexto

repressivo e permeado por transformações diversas. Trabalhar com a recomposição

destas militâncias, por sua vez, implica em identificar e desvendar o sentido de suas

experiências, conhecer suas opções (através, por exemplo, dos significados atribuídos à

palavra “revolução”), seus rumos (inscritos em seus percursos de transformação e nas

respostas dadas ao contexto repressivo). A trajetória das organizações, de fato, enfrenta

transformações importantes que necessita ser compreendida.

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B - ESQUERDAS EM TRÂNSITO

Manifestação estudantil, Paris, 1968. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr

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Jornal The Black Dwarf, publicação da nova esquerda inglesa

O afloramento e fortalecimento de um caminho propriamente trotskista entre as

esquerdas brasileiras é objeto, em si mesmo, de estudo. No curso dos anos 1920/1960, as

formulações e práticas trotskistas haviam ocupado um espaço secundário entre as

tradições políticas de fundamentação marxista, apesar de sedimentar contribuições

importantes no âmbito dos conceitos de política, arte e cultura.

Em particular, a trajetória de Mário Pedrosa se mostra sugestiva de um trânsito

muito importante de formulações e experiências que a partir de 1945 daria lugar a

elaborações originais, rompendo com uma “continuidade inercial do movimento trotskista

no Brasil”118.

118

“Segundo os autores Dainis Karepovs, José Castilho Marques Neto e Michel Löwy, à continuidade inercial

do movimento trotskista no Brasil, veio suceder – sob nova direção – a posição de Pedrosa em 1945, que discordava da caracterização dos membros da IV Internacional de que a URSS era um Estado operário degenerado: “O sinal de ruptura vem de fora, Mário Pedrosa, membro do Secretariado Internacional da IV Internacional, de cuja fundação participara em 1938, afastou-se das fileiras trotskistas em 1940: discordava da caracterização que a IV Internacional fazia da URSS – Estado operário degenerado. Pedrosa a caracterizava como um ‘Estado livre burocratizado’ (entendendo-se Estado livre como sendo um Estado sem compromisso com seus cidadãos, um Estado com um governo despótico). Com o correr do tempo tal posição chega aos demais integrantes da ‘primeira geração’, que a ela aderem. Não é mera coincidência o

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No entanto, não apenas os trotskistas; este período foi marcado, em termos mais

amplos, por mudanças importantes nas perspectivas de luta política nascidas da adoção

de posturas mais radicais de enfrentamento, somadas a um alargamento de objetos que

em pouco tempo e em escala internacional redundaram numa convergência de

personagens, objetos e formas de luta ainda hoje emblemáticos119.

As experiências francesas em 1968 ocuparam um lugar estratégico nestes

acontecimentos, e conforme nos sugere João Bernardo no instigante artigo “Estudantes e

Trabalhadores no maio de 68”,

“O movimento a que erradamente se chama Maio de 68 teve dois períodos,

articulados pelo dia 13 de Maio, e os acontecimentos mais importantes

prolongaram-se até Junho. O primeiro período caracterizou-se pelo reflexo da

problemática operária no interior do movimento estudantil. Até ao começo da

greve geral os estudantes conduziram uma luta inspirada fundamentalmente por

um tema muitíssimo mais vasto do que a universidade, o tema da exploração

capitalista. Este primeiro período era como o arco de uma ponte projectado sobre

o vazio e a que faltava o pilar. Este pilar foi conseguido no segundo período.

Iniciado a 13 de Maio, o segundo período teve como característica fundamental o

choque entre a burocracia da CGT, que a todo o custo se esforçou por impedir a

união dos estudantes com os trabalhadores, e a luta dos estudantes para superar

este obstáculo e se unirem aos trabalhadores em greve”120.

Os acontecimentos franceses colocaram em cena diversos movimentos. Por um

lado, delineou-se uma vigorosa discussão nos meios estudantis acerca da exploração

capitalista; por outro, a eclosão de greves operárias redundou numa greve geral de 9

fato destes militantes estarem reagrupados, em 1945, em torno das propostas do Jornal Vanguarda Socialista, dirigido por Mário Pedrosa, e não no PSR [Partido Socialista Revolucionário (trotskista) – fundado por Hermínio Sachetta e Rocha Barros]. “ O Vanguarda Socialista pretendia ir além das análises da IV Internacional e também das proposições da Segunda e da Terceira Internacionais”. Marcelo Mari. ESTÉTICA E POLÍTICA EM MÁRIO PEDROSA (1930-1950). Campinas: Unicamp, 2006. Doutorado em Filosofia. 119

Ver:http://users.skynet.be/ddz/mai68/index.html;http://www.codhos.asso.fr/welcome/index.php;

http://www.cmeu.fr/index.php?option=com_content&task=view&id=19&Itemid=34&limit=1&limitstart=5 120

BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, pp 22-31.

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milhões de pessoas121 que permitiu uma aproximação entre estudantes e trabalhadores,

seguida pela trocas de experiências e objetos políticos. Nas palavras deste autor:

“No dia 13 de Maio uma Assembléia Geral decidiu que a Sorbonne ficaria

permanentemente aberta a todos os trabalhadores e converteu a Universidade de

Paris em Universidade Autônoma Popular, a qual deveria ser gerida por Comitês

de Ocupação e de Gestão formados por trabalhadores, estudantes e professores

(...) A partir de então as assembléias e discussões contínuas que ocorriam na

Sorbonne e noutras instalações universitárias, e de que foram tão ávidos os

jornalistas e até os historiadores, limitaram-se em boa medida a constituir a

componente folclórica do movimento, porque o essencial passava-se noutra

direcção e em outros lugares, nas fábricas ocupadas e na tentativa dos estudantes

de se juntarem aos trabalhadores nessas ocupações. Enquanto durou a greve geral

os estudantes procuraram ligar-se aos trabalhadores e a direção da CGT esforçou-

se por impedir esta ligação”.

A discussão da exploração capitalista somada às possibilidades de se aproximar dos

trabalhadores por novos caminhos políticos, por sua vez, se viu replicar em diferentes

lugares, e por vezes de forma simultânea122. No Brasil, as discussões estudantis,

acompanhadas de diferentes trajetórias de enfrentamento da ditadura militar, também se

fizeram contemporâneas a movimentos grevistas (Contagem/MG, em 1968), seguindo-se

processos de recriação política que, mesmo sob a ação do AI-5, promoveram no curso do

tempo uma transformação profunda do sentido de sindicato, ao mesmo tempo em que as

movimentações estudantis furaram o cerco da universidade em luta pela

redemocratização social, ou ainda, para estabelecer encontros com a luta dos

trabalhadores. Nas palavras de João Quartim de Moraes:

121

“A onda de greves atinge seu pico entre 22 e 30 de maio, mas chega a durar até julho. Mais de 4 milhões de trabalhadores permanecem em greve por mais de três semanas e 2 milhões por mais de quatro semanas. De acordo com o Ministério do Trabalho francês, um total de 150 milhões de dias de trabalho são perdidos em 1968 devido a greves” Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 1: Desenvolve-se uma situação revolucionária. 23 de junho de 2008. WSWS. org 122

Ver: http://1968ineurope.sneakpeek.de/index.php/chronologies.

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“...do assassinato do estudante Edson Luís por uma tropa de choque da PM-Rio à

invasão da Faculdade de Filosofia da USP pelos comandos do CCC-Mackenzie

apoiados pela PM-São Paulo, e à prisão em massa dos participantes do Congresso

da UNE em Ibiúna, foram oito meses de manifestação e lutas praticamente

ininterruptas. A descrição sistemática deste multiforme processo de mobilização

de massas contra a ditadura militar está ainda para ser elaborada (...) Comparado

a outros processos de mobilização de massas de nossa história social e política, a

principal particularidade do de 1968 foi a presença decisiva do movimento

estudantil. As “passeatas” que tanto exasperaram a reação e que asseguraram,

meses a fio, o domínio das ruas à rebelião anti-ditatorial, nasciam quase sempre

nas Faculdades, quando não nas Escolas secundárias. Nesse sentido, os estudantes

constituíram a categoria social mobilizadora por excelência, vale dizer, aquela que,

pondo-se em movimento, movimentava as demais. Acabaram assumindo também,

embora não fosse essa a intenção proclamada de seus militantes mais expressivos,

uma função dirigente no seio do movimento de massas. Função efêmera, sem

dúvida, além de difusa, exercida por propagação espontânea a partir do meio

estudantil em direção das categorias sociais e profissionais adjacentes:

professores, jornalistas, artistas e em geral profissionais ligados à cultura, assim

como as correntes de opinião sensíveis ao idéario democrático e aos valores

culturais avançados que aquela mobilização contrapunha à estreiteza reacionária

da ditadura”123.

A força das referências de 1968 seria notável na década de 1970 e nós podemos

afirmar que esta década amplificou as mudanças políticas e culturais despontadas no final

123

MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm Nas palavras do autor: “Embora dispersa, a documentação disponível (imprensa da época, arquivos pessoais, depoimentos de participantes e de testemunhas, além dos livros de memórias e estudos historiográficos, etc.) é ampla (...) Particularmente abundante é a documentação iconográfica, cobrindo passeatas, manifestações como a do 19 de Maio de 1968 na Praça da Sé e Praça da República, a greve de Osasco, para só citarmos a imprensa paulista, notadamente a Folha da Tarde e o Jornal da Tarde nos quais está registrada uma riquíssima coleção de imagens daqueles e de outros eventos, ocorridos não apenas na capital, mas também no interior do Estado. Aliás, a ‘interiorização’ da mobilização anti-ditatorial permanece um dos aspectos menos estudados dos acontecimentos políticos de 1968”.

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da década anterior, parecendo-nos importante considerar que todo um leque de

posicionamentos assumido pelas vanguardas estudantis no final da década de 1960

ganhou continuidade nos anos seguintes, prolongando-se uma série de procedimentos e

soluções construídas no contexto de 1968/1969. Boa parte da vitalidade alcançada nos

anos 1970 também se originou destas continuidades, por vezes, num plano de

clandestinidade, mas que pouco a pouco se revelou presente no interior das Faculdades,

em meio às assembléias, nas novas formas de luta, interferindo na recriação de

organizações, entidades e formas de movimento que há pouco tempo se viram fechadas,

interrompidas ou mesmo dizimadas pelas ações repressivas.

Na trajetória de recomposições políticas do movimento estudantil dos anos 1970,

mais precisamente, no interior da USP, percebemos claramente estas continuidades, mas

também outras tantas fraturas e recomposições. Conforme teremos oportunidade de

observar, a presença trotskista, à semelhança das demais matrizes marxistas, também

enfrentou no período cisões internas que deram origem a novos grupos, leituras e formas

de atuação específicas.

Mas, acima de tudo, foi entre semelhanças e diferenças que ganhou forma, no

campo das esquerdas, um universo comum de pensamentos e práticas, preservando-se

em termos mais amplos, o modelo leninista de partido, um ideário de socialismo

democrático, a rejeição profunda dos caminhos imperialistas e do autoritarismo, a

reafirmação da presença da luta de classes no cerne da História, constando entre as

maiores diferenças, as variações em torno do sujeito revolucionário, inclusive entre os

trotskistas. Neste caso, se nós podemos considerar como relevante a presença de

militâncias trotskistas neste tempo e lugar, é inegável que suas experiências se acham

entranhadas à de outras organizações que não apenas partilharam do mesmo espaço e do

mesmo desafio de combater a ditadura militar, como buscaram conjuntamente recompor

o movimento estudantil e revolucionar a sociedade.

A história das tendências estudantis deste período, entre elas a Liberdade e Luta, a

Refazendo, a Caminhando, entre outras, é a própria expressão destas relações, em um

tempo histórico singular; relações, enfim, que nos permitem afirmar que as organizações

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de esquerda em reconstrução no período pós-1968, participaram de forma singular e

consistente da recomposição de uma sociedade democrática, e ainda, que em seu curso

elas próprias se redefiniram. Aos trotskistas ditos “lambertistas” – fundadores da

tendência Liberdade e Luta - coube um papel significativo; o de insistir num modelo

bolchevique de militância, associado as orientações do Programa de Transição, de Leon

Trotsky, ou ainda, a um entendimento particular da questão sindical... questões que se

traduziram numa atuação única no conjunto maior de processos.

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4. INTERNACIONALISMO(S)

O INTERNACIONALISMO

Apresentação de “É proibido proibir” por Caetano Veloso, Gilberto Gil e o mutantes no III FIC, Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, em setembro de 1968.

Entre os primeiros pontos de conexão entre a militância de matriz trotskista, o

universo propriamente juvenil de 1968 e a década subsequente, parecem estar a questão

do internacionalismo. Os estudos que vem refletindo sobre os acontecimentos culturais

do final da década de 1960 no Brasil parecem concordar acerca do impacto que as

dinâmicas internacionais (nos mais amplos sentidos) exerceram na sociedade brasileira do

período.

O “tropicalismo”, como fenômeno musical e estético, foi particularmente claro em

suas referências e manifestos acerca das mudanças que o país começava a experimentar

em meio as dinâmicas internacionais; leitura, no entender de Heloísa Buarque de Holanda,

que tinha o mérito de abrir espaço para um outro entendimento da geração que

começava a nascer.

Como observa Mariângela Ribeiro de Almeida, em estudo sobre o discurso social

da música popular brasileira no período 1965/1975, o tropicalismo trazia em si mesmo

“...E eu digo não E eu digo não ao não Eu digo: É! Proibido proibir É proibido proibir É proibido proibir É proibido proibir...” (Caetano Veloso)

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tanto o “som universal’ (sobretudo via Beatles, Bob Dylan e Janis Joplin) quanto todas as

tradições acumuladas na história da música brasileira”, propondo-se a uma “mistura do

velho com o novo de forma irreverente”. E ao fazer isto, nas palavras de Favaretto124, este

movimento dava “forma a certa sensibilidade moderna, debochada, crítica e

aparentemente não empanhada” associando de “um lado, (...) a moda ao psicodelismo,

mistura de comportamento hippie e música pop, indicada pela síntese de cor e som; de

outro, a uma revivescência de arcaísmos brasileiros, que se chamou ‘cafonismo’”.

Por outro lado, ao sair em defesa das “informações dos movimentos culturais e

políticos da juventude dos EUA e Europa”, o tropicalismo também se mostrava crítico às

militâncias políticas (esquerdas) que permaneciam presas ao nacional-desenolvimentismo

e a um caminho “populista e retrógrado” 125, discussão, por sua vez, que escondia outras

questões. Para Mariângela Almeida, achava-se nos fundos deste debate questões como a

de uma “modernização conservadora (que possibilitou a sofisticação do padrão técnico de

produção, gerando a “ideologia da competência”), combinada com a censura, [que] tolheu

muito da autonomia artística e, ao mesmo tempo, abriu espaço para outros gêneros

musicais”,

Nestes percursos, somado ao desenvolvimento da indústria fonográfica, ganhariam

forma momentos distintos de produção artística, destacando-se entre os anos de 1965 e

1968 “um discurso engajado e coletivista e preocupado com uma estética mais apurada”;

enquanto no período de 1968 a 1975 passavam a predominar “discursos mais

diversificados e voltados para a figura do Indivíduo, e com uma estética cada vez mais

pop”.

De forma concomitante, neste segundo período, entrava em cena também “uma

total fragmentação no processo produtivo e uma infinidade de novos produtos musicais,

passando-se a investir na ‘pluralidade’”, em meio a qual deixava de fazer sentido “o

discurso engajado dos anos 60” para os. “jovens que faziam parte da Geração AI-5 e

124FAVARETO, Celso. Tropicália. Alegoria. Alegria. 3º edção, JE Ateiê Editorial, 1996, p8. 125ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de. A canção como narrativa: o discurso social na MPB (1965-1975), 2005. Dissertação (Mestre) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005, p39.

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cresciam convivendo com uma cultura autoritária e com um mundo cada vez mais

integrado pelos meios de comunicação (sociedade de consumo)” 126

O “contexto de 1968” no Brasil, em suas variações e complexidades, mereceram

uma reflexão interessante de Artur Freitas no artigo “Arte e movimento estudantil: análise

de uma obra de Antônio Manuel”, para quem, num tempo “realmente, propenso ao

silêncio”, o ano de 1968:

“...encerrado naquele 13 de dezembro, não foi, como se sabe, um ano silencioso.

A juventude de classe média e universitária, sobretudo em sua fração mais

politizada e militante, chegou a incomodar o regime. Enquanto consumidores

potenciais esses jovens conseguiam, já há um certo tempo, manter viva a chama

de um mercado cultural de protesto em que Caetano Veloso, Chico Buarque,

Gilberto Gil e Geraldo Vandré despontavam como ídolos (...) Em meios mais

restritos como o teatro e o cinema de vanguarda despontavam figuras combativas

e contraditórias como Zé Celso (Roda viva) e Glauber Rocha (Terra em transe) (...)

Surge o Tropicalismo como crise das manobras tradicionais de engajamento, como

revisão do lugar da cultura na sociedade brasileira, inserção no mercado e

transformação das sensibilidades numa ambigüidade crítica (...) Nas universidades

lia-se Marx, Lênin, Mao, Lukács e Marcuse. Nas livrarias, em sua primeira edição

em português, surgia O capital, publicado audaciosamente na íntegra pela Revista

Civilização Brasileira (...) Na literatura o grupo de vanguarda Poema-Processo

realiza o “poema coletivo”, espécie de happening de protesto onde vários livros

são queimados e picotados; surge o “poema comestível”. Nas artes plásticas, o

conceito de participação, em seu duplo juízo, estético e político, é fundamental

para compreender, por exemplo, algo como Apocalipopótese, acontecimento de

rua coordenado por Hélio Oiticica que comportava simultaneamente a noção

poética fenomenológica de participação do espectador e a noção de participação e

engajamento político (...) Um belo exemplo dessa conjugação ocorreu na

intervenção do artista Antonio Manuel, que espalhava pela rua suas Urnas quentes

(caixas hermeticamente fechadas contendo em seu interior frases e imagens sobre

126 ALMEIDA, Mariângela Ribeiro de. A canção como narrativa. Op. Cit., pp 124-129.

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120

a violência da ditadura) e pedia aos transeuntes para arrebentá-las a machadadas.

Fervilhava o sentido político”127.

Modernização, comunicação de massas, ruptura das perspectivas nacional-

desenvolvimentas, embaralhamento de referências, constrangimentos frente as

alternativas, críticas da intelectualidade artística, ações de um amplo leque de

agrupamentos de esquerda por caminhos possíveis de resistência, luta de segmentos

sociais diversos... na prática, uma intensa trajetória civil ganhava forma à luz de uma

dimensão transnacional de circulação de idéias, projetos, experiências... ao mesmo tempo

em que um “sistema político tutelado” se via forçado a conviver “com novas formas de

participação e com a guerrilha urbana e rural”, nas palavras de Maria Celina d’Araujo, ou

ainda, com o cumprimento, por parte dos jovens de um “lugar inédito na história”.. um

“protagonismo (...) pelo lado da cultura, da arte, dos costumes e da política. O ano de

1968 estava próximo”128

O “protagonismo dos jovens”129, nas palavras e percepção de Maria Celina

d’Araujo, emergira no contexto de 1968 para, nos anos imediatamente subsequentes,

estabelecer outras possibilidade de se comunicar, discutir, trocar referências e

experiências, organizar e realizar movimentos dotados de forte significação e identidade

política, com base no trânsito de relações, intercalações e sobreposições políticas e

culturais. Marcados por ideais alternativos a ordem capitalista, os objetos de política

originados destas “trocas” dariam origem a novos recortes e sentidos de expressão

coletiva, ao mesmo tempo em que inauguravam um novo conceito de política, definido

em si mesmo como campo transnacional.

127

FREITAS, Artur. “Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel”. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR, p 80. 128

D’ARAUJO, Maria Celina. “Experimentalismos na política”. Conjuntura Política. 60anos. Rio de Janeiro, p.44-51, nov. 2007, p48. 129

Temática muito cara aos estudos de Eric Hobsbawn que dedica, entre outros textos, um capítulo à questão da emergência nos anos 1960 e 1970 de uma “cultura jovem” em diversos países. Para tanto, ver: Capítulo II, “Revolução Cultural” IN A Era dos Extremos. O Breve Século XX (1914 - 1991). São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

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121

Ora, parte da literatura marxista resgatada e utilizada por estes jovens militantes

(dos mais diversos países do mundo) na definição de um novo campo de ação política,

tinha origem trotskista, originando-se dela um amplo conjunto de análises, projetos,

referências e experiências militantes que, apesar de gestado nas primeiras décadas do

século XX, voltavam a adquirir sentido na segunda metade do século XX, auxiliando estes

mesmos jovens na leitura social, ou ainda, na recriação de outros/novos instrumentos de

ação política.

Imagens de cartazes, manifestações e materiais gráficos produzidos pelo maio francês. Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes - http://www.cme-u.fr

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Esta trajetória de recriação política inaugurada em 1968, no entanto, não foi

merecedora da atenção que, isoladamente, o ano de 1968 recebeu; perspectiva, por sua

vez, que acabou por dificultar a visibilidade que o mesmo conceito transnacional de

política conseguira alcançar. De qualquer forma, a tarefa de resgatar e trabalhar com a

trajetória de agrupamentos trotskista no Brasil entre o final dos anos 1960 e a década de

1970, implicou no esforço de ultrapassar os limites nacionais, de submergir no contexto

minado de práticas autoritárias do Estado Militar, de lidar com a carência de estudos130,

ou ainda, de decifrar os meandros de um processo de silenciamento que, por diversos

aspectos, havia se sobreposto às práticas trotskistas ao considera-las expressão de um

“radicalismo” débil, impotente e inoperante, como teremos oportunidade de observar.

A tendência de se considerar os acontecimentos de 1968 como um “desfecho” das

perspectivas, leituras e experiências marxistas de ação política, no entanto, não encontra

apoio quando confrontada com os acontecimentos políticos das décadas de 1970 e 1980;

décadas em que novos enfrentamentos sociais, culturais e políticos, em escala

internacional, continuaram a contar com referências teóricas e práticas marxistas, ainda

que de maneira mais fragmentada. Neste caso, talvez, possamos considerar que, o que os

acontecimentos de 1968 promoveram em si mesmos, foi o “desfecho” de uma perspectiva

130

Entre os trabalhos no Brasil que, ainda nas décadas de 1980 e 1990, consideraram a presença das militâncias trotskistas nos acontecimentos estudantis dos anos 1960 e 1970, constam: Paris 1968: As Barricadas do Desejo, de MATOS, Olgária (1981); O trotskismo na América Latina, de COGGIOLA, Osvaldo (1984); Imagens da Revolução, de REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (1985); O que é Trotskismo, de CAMPOS, José Roberto (1985); História das Tendências no Brasil, de SILVA, Antonio Ozai da (1987); A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil, de REIS FILHO, Daniel Aarão (1990); O Fantasma da Revolução Brasileira, de RIDENTI, Marcelo (1993); “História do marxismo no Brasil”, de KAREPOVS, Dainis; MARQUES NETO, José Castilho e LÖWY, Michael em Trotsky e o Brasil (1995); PEREIRA NETO, Murilo Leal. Outras Histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil - 1952/1966 - O Caso do POR (Partido Operário Revolucionário) (1997). A partir de 2002, novos trabalhos entraram e cena, entre eles: “Os Trotskistas Brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” de MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis em História do Marxismo no Brasil. Volume V. Partidos e Organizações dos anos 20 aos 60 (2002); O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma analise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002 de GUTIERRES, Andriei da Cunha Guerrero (2004); Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores? Contribuição à História do Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista de FARIAS, Marcos Moutta de (2005); “O momento oportuno: Kairós, uma editora de oposição” de MAUÉS, Flamarion(2006); O marxismo na América Latina – Uma antologia de 1909 aos dias atuais, de LÖWY, Michael (org.) (2006); "Os trotskismos no Brasil 1966-2000" de LEAL, Murilo e KAREPOVS, Dainis em História do Marxismo no Brasil vol 6, 2007; “Os grupos trotskistas no Brasil (1960 - 1990)” de MARQUES, Rosa Maria em Revolução e democracia (1964...), (2007); A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT de ÂNGELO, V. A., (2008).

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123

totalizante de história, de cultura, de política, razão pela qual impuseram limites,

dificuldades, desafios às leituras e perspectivas de fundamentação marxista que, por sua

vez, continuaram em curso131.

4.1 NOS VENTOS DE UMA ESQUERDA INTERNACIONALISTA

Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr

As contestações internacionais de 1968, que contaram com a presença ativa de

jovens de mais de uma dezena de países, surpreenderam o mundo pelo

compartilhamento simultâneo e legítimo de conceitos, leituras e proposições que, em seu

conjunto, emergiam como alternativas a um dado modelo social de ordem capitalista ou

socialista132.

131

Entre as fontes interessantes de estudo dos acontecimentos de maio de 1968 francês está uma coleção

de slogas e pixações reunida pelo site http://users.skynet.be/ddz/mai68/slogans-68.htm. Entre estes grafittes encontramos citados: “Abaixo a carcaça stalinista”, “Abaixo o realismo socialista. Surrealismo Vive – Condorcet”, “Viva o efêmero”, “Abaixo o Velho Mundo”, “Abolição da alienação”, "A Anistia: um ato pelo qual os soberanos freqüentemente perdoam as injustiças que cometeram." (Ambrose Bierce), “A ação não deve ser uma reação, mas uma criação. Censier”, entre muitos outros. 132

Nas palavras de João Quartim de Moraes: “A contemporaneidade da mobilização estudantil brasileira com a que ocorria na Europa Ocidental, especialmente na França, Itália e Alemanha Federal, tem sido

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124

A eclosão de “revoltas”, antes de tudo, simbólicas, no espaço público, falava de

“recusas” e “desejos” num mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que conferia

estatura política a questões aparentemente sem lugar, como por exemplo, o

reconhecimento dos desejos sexuais das mulheres, da dimensão humana dos

homossexuais. Por outro lado, “os estudantes contestatários eram unânimes quanto à

necessidade da união com os trabalhadores”, ainda que “esta aliança (...) encarada de

várias maneiras no espectro político” também se constituísse no “principal tema de

discordância” entre as organizações133.

Ainda, foi em meio a diferentes fundamentos políticos, emprestados das mais

diversas matrizes de pensamento político (marxistas e não marxistas) que, na visão de

Paul Berman, deu-se um rearranjo político movido por “um impulso moral que (...) foi algo

que saiu da experiência de crescer no rescaldo do Mundo II Guerra Mundial (...) um senso

combativo” atento à “maneira correta de expressar esses impulsos morais”134 e que se

traduziu na defesa da liberdade, da solidariedade com os povos oprimidos do mundo.... Os

ressaltada nos diferentes eventos realizados entre nós por ocasião por ocasião dos aniversários decenais dos “acontecimentos de 1968”. A pertinência desta aproximação entre a cena nacional e a cena internacional é óbvia. Menos clara, entretanto, é a natureza da influência desta sobre aquela. O aspecto genérico desta influência, nos planos político e cultural, escapa a nosso tema, circunscrito ao exame das relações entre o movimento de massas e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968. Notaremos apenas que o movimento estudantil de massa no Brasil e na Europa Ocidental foram demasiado contemporâneos, no sentido cronológico do termo, para que se possa falar em relação de causa a efeito entre este e aquele. Basta lembrar que o primeiro ato da rebelião estudantil na França ocorreu na Universidade de Nanterre a 22 de março de 1968 (ocupação da sala do Conselho Universitário por 142 estudantes), seis dias antes do assassinato de Edson Luís, ocorrido no “Calabouço” a 28 de março. Além de que o prazo — cinco dias entre a divulgação da informação dos “distúrbios” de Nanterre e a invasão do “Calabouço” — é demasiado exíguo responder a qualquer influência direta da rebelião estudantil francesa sobre a brasileira, acresce que a agitação no “Calabouço” começara em janeiro, sendo portanto cronologicamente anterior à de Nanterre e, sobretudo, que o “22 de Março” passou desapercebido na própria França (..) a mobilização estudantil de massa desencadeou-se primeiro no Brasil — e não na França.” MORAES, João Quartim de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm 133

Nas palavras de João Bernardo, referindo-se aos acontecimentos parisienses: “A recusa a exercer funções de autoridade sobre a classe trabalhadora, a recusa de uma universidade ao serviço do capitalismo e a identificação dos interesses dos estudantes com os dos trabalhadores, foram estes os temas principais, quando não mesmo únicos, da imprensa estudantil no Maio de 68”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, pp 22-31. 134

1968 - Guerra das gerações. Entrevista com Paul Berman http://kronos.org.pl/index.php?23151,375

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acontecimentos internacionais de 1968, neste caso, trariam em si, vínculos mais íntimos

estabelecidos, há algumas décadas e em escala planetária, pelas guerras mundiais.

A vitalidade destas discussões, experiências e formulações, seguida pelo trânsito

em diferentes frentes, daria origem a uma vastíssima produção historiográfica –

atualmente trabalhada por diferentes linhas de pesquisa, dentro e fora da Europa. No

caso desta pesquisa, nos interessa refletir sobre um aspecto das movimentações: a

presença das organizações trotskistas (em seu leque particular de proposições) que, em

meio a um contexto tão dinâmico – em particular, o francês - buscaram reinserir

fundamentos e questionamentos herdados do modelo bolchevique (de organização e

ação política) e da revolução russa (de 1905 e de 1917) nas formulações que se faziam

coletivamente construídas, promovendo, desta forma, a incorporação de alguns velhos

referenciais a novos questionamentos acerca do poder e da ordem instituída, ao mesmo

tempo em que a releitura dos mesmos fundamentos e questionamentos também

emprestaram vitalidade às novas formas de pensar e de fazer política.

Com este foco de discussão, parece-nos importante acompanhar algumas

considerações feitas por João Bernardo:

“É comum considerar que naquela época existiam nos meios estudantis

contestatórios duas orientações ideológicas. Uma, inspirada pelas obras de

Marcuse, considerava que a classe operária tinha sido integrada na sociedade

capitalista através do consumismo e que o elemento revolucionário eram os

jovens de diversas origens sociais, vítimas de uma multiplicidade de opressões. A

outra, seguindo a tradição marxista, sustentava que a classe operária continuava a

ser a classe revolucionária. Na documentação de Maio e Junho de 1968 os traços

da orientação marcusiana são praticamente inexistentes (...) Desde o começo do

movimento (..) encontramos nos jornais e panfletos três temas principais: a recusa

de uma universidade ao serviço do capital, a defesa dos interesses dos

trabalhadores no interior da universidade e a aliança entre intelectuais e

trabalhadores. Já na jornada de protesto ocorrida a 22 de Março em Nanterre (um

centro universitário pertencente à Universidade de Paris mas situado nos

arredores da cidade), que deu início ao que viria a ser o Movimento do 22 de

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Março (Mouvement du 22 Mars, que reunia várias correntes libertárias e maoístas

espontaneístas) os temas debatidos foram a questão do imperialismo, na época

indissociável da guerra no Vietnam, o carácter do capitalismo contemporâneo e o

problema de saber como é que as lutas estudantis se ligavam às lutas

operárias.”135.

No curso dos acontecimentos do maio/junho francês, é de fato a questão das

relações entre estudantes e trabalhadores o que orienta e estabelece os balizamentos

políticos e as mais interessantes trocas de experiências e referências. Neste caso, no

entendimento deste pesquisador:

“O organismo de juventude do Partido Socialista Unificado defendia que os

trabalhadores científicos e intelectuais se colocassem “ao lado” dos operários (...);

A Federação dos Estudantes Revolucionários (Fédération des Étudiants

Révolutionnaires, trotskistas da facção de Lambert) defendia a aliança da União

Nacional dos Estudantes de França (UNEF, Union Nationale des Étudiants de

France, o sindicato estudantil) e das centrais sindicais. Para a JCR [Juventude

Comunista Revolucionário, organização trotskista da IV Internacional, mandelista]

não se tratava de unir a UNEF às burocracias sindicais operárias. Contrariamente

aos lambertistas, a corrente mandeliana defendia que a convergência das lutas

estudantis e operárias se devia fazer não através das negociações entre dirigentes

sindicais mas na rua, nos confrontos com a polícia. Seria nesses confrontos que se

revelaria a vanguarda (...) Os Comités de Acção defendiam uma solidariedade

entre estudantes e trabalhadores em luta que consistisse numa unidade real de

base, assente na livre discussão democrática dos problemas de cada categoria. Em

clara contraposição a estas duas últimas correntes, a União das Juventudes

Comunistas marxistas-leninistas (UJCm-l, Union des Jeunesses Communistes

marxistes-léninistes, maoísta), também conhecida pelo nome do seu órgão, Servir

le peuple, defendia a subordinação das lutas estudantis às lutas dos trabalhadores

(...). Quanto ao Movimento do 22 de Março, na Tribune du 22 mars lê se num

135

BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, p23.

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artigo com data de 3 de Junho: “Na organização revolucionária em construção no

processo actual não haverá mais estudantes, nem operários, nem camponeses,

nem empregados, etc., mas somente “intelectuais-revolucionários”, e é para que

surjam estes “intelectuais revolucionários” que trabalha o 22 de Março”136

Em meio aos acontecimentos e a depender “das formas como era encarada a

união entre estudantes e trabalhadores”, estabeleceram-se diálogos entre os movimentos

por meio da adoção de “alternativas práticas” de se realizar ou não as manifestações no

Quartier Latin (proposta de correntes mais moderadas), de se realizar ou não

manifestações nos bairros populares (outras correntes), de se promover ou não a

ocupação de faculdades (entendidas pela “ala radical do movimento estudantil como a

reprodução de uma forma de luta caracteristicamente operária”), questões que surgiam

fortes na panfletagem do movimento137. Para João Bernardo:

“Com efeito, a orientação que pretendia colocar a luta dos estudantes sob a

condução da luta dos trabalhadores demonstrou a sua justeza quando começou a

maior greve geral da história da França. Convocada para 13 de Maio, a greve

alastrou e ao iniciarem-se as negociações de Grenelle, em 25 de Maio, havia

praticamente 9 milhões de grevistas. A 13 de Maio, na grande manifestação que

juntou cerca de um milhão de pessoas, a maior realizada até então em Paris,

operou-se pela primeira vez a junção entre estudantes e trabalhadores em nome

da solidariedade contra a repressão. À frente do cortejo, e depois de várias

136

BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, pp 25-26. 137

No apelo que o Movimento 22 de março faz pela criação de Comités de Acção Revolucionária, pode-se ler: “Seguindo o caminho traçado pelos operários de Caen, de Mulhouse, de Le Mans, de Redon, da Rhodia [um grupo industrial centrado em Besançon], de Paris, os alunos das universidades e dos liceus e os trabalhadores que se manifestaram contra a repressão do Estado policial na noite de sexta-feira, 10 de Maio de 1968, lutaram na rua durante várias horas contra 10.000 polícias. [...] A 13 de Maio, estudantes e operários encontraram-se de novo na rua, iniciaram uma discussão política conjunta e, para prossegui-la, ocuparam permanentemente as faculdades da Universidade de Paris. A partir de então multiplicaram-se as greves com ocupação das fábricas. Para que triunfem as reivindicações de todos os trabalhadores, para atingirmos realmente os nossos objectivos, para prepararmos na acção quotidiana a tomada do poder pelo proletariado, trabalhadores e estudantes, organizemo-nos nos locais de trabalho em comités de acção revolucionária”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, pp 27-28.

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escaramuças entre estudantes e dirigentes sindicais, ia uma faixa proclamando

“Estudantes, professores, trabalhadores solidários”138.

E no curso dos acontecimentos, o teor das relações entre trabalhadores e

estudantes acabaria por se revelar determinante em meio à crise de institucionalidade

experimentada pela França139, reforçando-se o leque de "reinvenções" políticas que

começava a nascer em meio aos processos de enfrentamento (por diferentes segmentos

da sociedade do trabalho) da exploração capitalista. Entre estas "reinvenções" (em escala

internacional) constavam novos fóruns de movimento (comités, coletivos, comissões,

grupos, espaços culturais...), outras perspectivas coletivas de ação política, ou ainda, a

valorização da convivência entre diferentes leituras e práticas políticas (incluindo-se as

auto-gestionárias, espontaneístas, entre outras).

Imagens das manifestações de maio de 1968 na França disponibilizadas pela internet

Na prática, os movimentos que desde o final da década de 1950 vinham ganhando

forma em diferentes países do mundo – os chamados movimentos da “nova

138

BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, p28. 139

“A 16 de Maio cerca de mil estudantes dirigiram-se às grandes fábricas Renault de Billancourt, que haviam acabado de entrar em greve, e a CGT opôs-se a qualquer contacto dos estudantes com os trabalhadores argumentando que “recusamos qualquer ingerência externa”. A solidariedade era apelidada de “ingerência”. No dia seguinte estudantes da UJCm-l, da UNEF, do Movimento do 22 de Março e da JCR regressaram à Renault-Billancourt, mas mais uma vez a CGT impediu o contacto entre estudantes e grevistas”. BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”.Op.Cit, p29.

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esquerda”/new left140 - contavam em suas bases com uma aproximação de agrupamentos

e militantes de esquerda (de formações e proposições diversas) de experimentações

coletivas fundadas em variados objetos políticos (estudantis, primeiros movimentos

feministas e ecológicos, entre outros). Nas palavras de Tom Bottomore:

“Uma grande riqueza de idéias floresceu nesses movimentos, entre elas duas que

tinham um atrativo mais ou menos universal: ‘democracia participativa’ e crítica

radical do que era chamado ‘o sistema’. Eram idéias estreitamente relacionadas,

uma vez que a democracia participativa significava o pleno e contínuo

envolvimento de todos os indivíduos na tomada de decisões que afetassem suas

vidas, enquanto que o sistema que estava sendo contestado era elitista e excluía

os que lhe estavam subordinados de qualquer papel efetivo no controle ou

determinação de suas políticas. A universalidade destas idéias era ilustrada de

forma impressionante por sua difusão tanto nos países de ‘socialismo real’ quanto

em países capitalistas”141

Na mesma trajetória, segundo Tom Bottomore:

“..houve um renascimento geral do pensamento marxista em filosofia e ciências

sociais, influenciado pelos primeiros escritos de Georg Lukács e Antonio Gramsci,

agora redescobertos e amplamente lidos, pelo novo marxismo ‘estruturalista’ de

Louis Althusser e pelas idéias da Escola de Frankfurt de teoria crítica. Estas últimas

exerceram provavelmente a maior influência através dos escritos de Herbert

Marcuse, nos Estados Unidos, Theodor Adorno, Max Horkheimer e (na segunda

geração) Jürgen Habermas, na Alemanha. Suas obras ventilaram muitos dos mais

agudos problemas enfrentados pelos movimentos radicais nos anos 60: o papel

140

Movimentos que ganharam forma a partir da insurreição na Hungria em 1956; que se fortaleceram no curso da década de 1960 (com os movimentos de oposição à intervenção norte-americana na Guerra do Vietnã, à ocupação militar da Tchecoslováquia pelos países integrantes do Pacto de Varsóvia) e alcançaram seu apogeu no final desta mesma década com os movimentos pelos direitos civis e contra a guerra do Vietnã nos EUA e com as movimentações de 1968 na Europa. 141

OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom; GELLNER, E;TOURAINE, A. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996, p. 530

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130

político da classe trabalhadora em relação aos novos movimentos sociais que não

tinham por base uma classe; o poder da cultura e da ideologia de massa na

sustentação das estruturas de dominação, e sua conexão com a orientação

científica e tecnológica das sociedades modernas e a necessidade de uma análise

crítica da base do socialismo autoritário-burocrático (...) Seja como for, o

marxismo em suas formas revividas e diversamente reconstruídas foi apenas uma

das influências intelectuais (sobretudo entre os estudantes) da Nova Esquerda, a

par do anarquismo, do socialismo utópico e das novas idéias da ecologia e do

feminismo”142.

Os sinais da presença de um “internacionalismo” latente entre as militâncias de

esquerda brasileira nos últimos anos da década de 1960 e na década de 1970 foram mais

fortes do que se pensa, constando entre eles a disseminação e variação de fundamentos

marxistas, seguidos por um extrapolamento do universo partidário, questões que, a

semelhança de outros países, colocavam em cena novas abordagens acerca do fenômeno

político, dos objetos de política (nas confluências com a cultura, com o meio ambiente...),

das relações entre arte e política, dos sentidos de militância, participação, democracia, ou

ainda, dos “novos sujeitos revolucionários”.

Nos caminhos trilhados por grupos dissidentes do PCB, por grupos trotskistas, por

militantes de origem católica ou luxemburguista que seguiram ou não a luta armada,

encontramos, de fato, afinidades de abordagem mais profundas. Num artigo escrito por

João Quartim de Moraes, podemos ler:

“As importantes mobilizações de massa de 1968, impulsionadas principalmente

pelos estudantes, obedeceram a fatores preponderantemente internos, assim

como as primeiras ações armadas urbanas ocorridas em São Paulo no mesmo

momento (março-abril de 1968). Embora não estejam casualmente concatenadas,

as passeatas estudantis e os grupos guerrilheiros remetem à mesma causa

histórica, o golpe de Estado de 1964 e a ditadura militar. Constituíram, nessa

142

OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom; GELLNER, E;TOURAINE, A. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996, p. 530

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131

medida, formas distintas de resistência democrática. Nem por isso se pode perder

de vista a dimensão internacional dos acontecimentos de 1968 no Brasil, que é

particularmente evidente nas concepções teóricas sobre a estratégia

revolucionária da guerrilha rural. Na prática, entretanto, a luta armada fixou-se

nos centros urbanos e acabou por ser aniquilada antes de superar seu “impasse

estratégico””143.

Ou ainda:

“Se não houve influência internacional na dinâmica de massas do movimento

estudantil, iniciativas como a homenagem prestada a Che Guevara pelos

organizadores do XX Congresso da UBES mostram quão forte era a sensibilidade

internacionalista dos militantes de vanguarda daquele movimento. Não por acaso,

desta vanguarda sairiam, em boa medida, os membros das organizações

revolucionárias clandestinas que partiriam (algumas já estavam partindo) para o

combate frontal contra a ditadura militar e a dominação de classe por ela

sustentada”144.

Compreender de que forma estas "reinvenções" políticas de enfrentamento da

exploração capitalista se fizeram presentes no Brasil no contexto pós-1968, e entre elas,

quais foram as contribuições trotskistas (em particular, lambertistas) para a circulação de

idéias e de experiências, ou ainda, para a recriação de fóruns de movimento, constituíram

questões centrais de nossa pesquisa, valendo considerar que, deste as origens deste

trabalho, estas questões se colocaram presentes. Na verdade, elas constavam entre as

razões pelas quais os grupos fundadores da tendência Liberdade e Luta buscaram se

integrar num processo de rediscussão do pensamento trotskista e interagir com militantes

franceses na construção de novos caminhos políticos (redundado daí a denominação de

“lambertista” para esta corrente).

143

MORAES, João Quartim de. A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no brasil

em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Portugal Democrático. Documento História, http://www.portugaldemocratico.org/pagina1.htm 144

MORAES, João Quartim de. A mobilização democrática e o desencadeamento. Op Cit.

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132

De forma concomitante, tratava-se de compreender a maneira pela qual estes

grupos se comunicavam, ou ainda, de que forma eles conseguiram avançar em suas

formulações (construídas pela partilha de experiências numa dinâmica interminável de

estudos, de discussões acerca dos significados das ações e de elaboração de ajustes) até a

configuração, propriamente dita, de sua linha política.

A ação política dos militantes trotskistas lambertistas que fundaram e dirigiram a

tendência Liberdade e Luta, na USP entre os anos de 1976 e 1984, nasceu, por si mesma,

com abrangência internacional e somente nestes termos se faria possível resgatar,

compreender e analisar sua história.

4.2 OS “LAMBERTISTAS” DE MAIO DE 1968

Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr

Os chamados “lambertistas”, também conhecidos como “grupo de Lambert”

(qualificação não reivindicada pela corrente) consistem no grupo que fundou na França,

de 1965, a Organization Communiste Internationaliste (OCI) e que contou entre seus

militantes, com Peter Boussel (Lambert), Pierre Broué, Stephen Assim, Gerard Bloch, Jean-

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Christophe Cambadélis, Jean Lucas Melenchon ou Jean-Jacques Marie, entre outros145. A

organização146, por sua vez, nasceu antes, mais especificamente em 1952 quando um

pequeno grupo rompeu com o Partido Comunista Internacionalista (organização criada

em 1944 como sessão francesa da IV Internacional para unificar os agrupamentos

trotskistas franceses e editora o jornal A Verdade), por recusar-se a aderir às táticas do

“entrismo” trotskista nos partidos stalinistas, proposto pelo Seretariado Unificado (a

instância máxima da IV Internacional).

Excluídos do PCI, este grupo seguiria uma linha política em certos aspectos,

singular, ao privilegiar a militância nos sindicatos e por entendê-los como instâncias

independentes dos partidos, leitura que os levaria a propor estratégias diferenciadas e a

desenvolver uma dinâmica de organização própria. Por esta via, a organização participaria

da criação do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), em 1953147.

Ainda nos anos 1950, esta organização concentrou sua militância, entre outros

setores, na educação, criando em 1958 o Boletim Informations Ouvrières e, em 1961, o

“Comité de Liaison des Étudiants Révolutionnaires/CLER”; entre os anos de 1954 e 1962, a

145

No processo de pesquisa sobre a OCI, nós nos utilizamos do site da World Socialist Web Site – wsws.com, fonte que nos deu acesso aos estudos de Peter Shwarz (1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI; Parte 6; Parte 7 e Parte 8, textos datados de setembro/2008), Jean Hentzgen. Agir au sein de la classe. Les trotskystes français majoritaires de 1952 à 1955. Université de Paris I, Setembro de 2006 e François de Massot. La grève générale (Mai-Juin 1968). L’Harmattan. Também nos utilizamos do jornal O Trabalho (nsº31, 32, 33, 34, 35 e 40, datados de novembro/1979), da obra OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. 146

O grupo expulso era formado por Peter Boussel (Lambert), Marcel Gibelin Marcel Favre-Bleibtreu, Michael Michele Lequenne Mestre. Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Ver: Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8 - A linha centrista da OCI (4). WSWS, 21 de outubro de 2008. 147

Segundo o estudo de Jean Hentzgen, nas palavras de Peter Schwarz: “Em 1952, Michel Pablo expulsou a maioria da seção francesa, o PCI, da Quarta Internacional porque ela se opunha à sua política do “entrismo sui generis”, isto é, a entrada no Partido Comunista Francês com base na dissolução do PCI enquanto organização independente. Em 1953, a maioria do PCI estava entre as organizações fundadoras do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Em 1965 passou a se chamar OCI. O trabalho de Hentzgen deixa claro que havia duas correntes dentro da maioria do PCI que sofrera a expulsão. Uma, liderada por Pierre Lambert, era caracterizada pela perspectiva sindicalista. Concentrou seu trabalho nos sindicatos e, depois, nos círculos da social-democracia. A outra, liderada por Marcel Bleibtreu, enfatizava a disputa com o Partido Comunista. O conflito entre essas duas correntes cresceu em intensidade e amargor. Em março de 1953, Lambert tomou o lugar de Bleibtreu enquanto líder do PCI. Dois anos depois, Bleibtreu e seus camaradas mais próximos foram expulsos do partido, apesar do protesto do Comitê Internacional”. Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Ver: Peter Schwarz. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8. Op.Cit.

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134

organização prestou um apoio ativo à guerra de independência da Argélia (por meio do

NAM, de Messali Hadj), dando origem em 1965 à Organização Comunista Internacionalista

(OCI)148. No curso dos acontecimentos de maio de 1968, por sua vez, a organização se

destacou... em meio aos acontecimentos gerais, ela foi criadora da Fédération des

Étudiants Révolutionnaires (FER) que, em conjunto com o Comité de Liaison des Étudiants

Révolutionnaires/CLER” (ativo desde 1961), engajaram-se na luta por uma aproximação e

articulação entre as movimentações estudantis e operárias149.

Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr

Esta participação da OCI nos acontecimentos de maio de 1968 foi registrada com

detalhes por François de Massot num número especial do jornal da OCI, Information

Ouvrières (um ano depois transformado num livro de 300 páginas)150; e através desta

análise, conseguimos observar alguns detalhes importantes do que viria a ser a corrente

política nos anos 1970.

Antes de mais nada, em meio aos acontecimentos franceses, a organização

defendera nos meses centrais do movimento que cabia aos trabalhadores a condução dos

acontecimentos, posicionando-se contrária às organizações pablistas (grupos trotskistas

148

Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 8 - A linha centrista da OCI (4). WSWS, 21 de outubro de 2008. 149

Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI (1). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 150

François de Massot. La grève générale (Mai-Juin 1968). Supplément au numéro 437 d’ “Informations Ouvrières”, 1969, reeditado pela editora L’Harmattan.

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135

vinculados ao Seretariado Unificado, entre eles, a JCR de Alain Krivine e o PCI liderado por

Pierre Frank) e aos líderes estudantis considerados pequeno-burgueses (anarquistas,

entre outros) que, acreditava-se, ignoravam a presença das organizações de massa. Para a

OCI, os estudantes deveriam apoiar e entregar a direção do movimento às estruturas

legítimas de luta dos trabalhadores, compondo com eles uma “frente única da classe dos

trabalhadores e suas organizações” e adotado formas políticas criadas por eles, em

particular, o “comitê central de greve” com um chamado universal pela “unidade”151.

Segundo de Massot, já no verão de 1967 um grande encontro da organização

adotara a resolução de que: “Nós declaramos, solenemente, que não é nossa intenção

realizar, no lugar das organizações dos trabalhadores e suas centrais, ações em unidade —

esta tarefa incumbe naturalmente aos sindicatos”; resolução que trazia em seu bojo o

entendimento de que:

“Os trabalhadores se tornam uma classe através das organizações que

desenvolveram na luta contra a exploração, que servem como os meios de uni-los

contra o inimigo de classe. Em função de sua posição objetiva na luta — isto é,

independentemente da política de suas direções num dado momento — estas

organizações incorporam posições da classe trabalhadora em sua luta constante

contra a exploração. A frente única dos trabalhadores pode ser realizada apenas

por meio das organizações de classe do proletariado”152.

Durante a greve geral, o Informations Ouvrières trazia na edição especial de 23 de

maio os seguintes dizeres:

“Como pode o movimento geral dos trabalhadores e da juventude unir-se em uma

única, invencível e vitoriosa força? Existe apenas uma resposta: a organização de

151 Nas palavras deste autor: “A estratégia e tática do proletariado na luta pelo poder (...) consistiram na luta pela frente única da classe trabalhadora e suas organizações, luta que, em maio de 1968, tomou a forma específica da reivindicação por um comitê nacional de greve geral” IN 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5 - A linha centrista da OCI (1) Por Peter Schwarz 16 de outubro de 2008 Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org 152

Ver: 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5 - A linha centrista da OCI (1) Por Peter Schwarz 16 de outubro de 2008 Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org

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comitês de greve locais em comitês de greve inter-categorias; ao nível

departamental, delegados devem criar comitês de greve inter-categorias

departamentais e regionais. Ao nível nacional, a federação dos comitês de greve e

de organizações dos trabalhadores precisa estabelecer um comitê central de

greve.Todo ativista que integra um comitê de greve, todo trabalhador que faz

parte de um piquete precisa tomar iniciativa de tal maneira. A liderança e as

decisões das amplas massas do movimento da classe precisam ser unificadas nos

comitês de greve inter-categorias, que emergiram dos comitês de greve das

companhias. Os encontros de grevistas dentro das companhias e os encontros de

todos os grevistas numa localização específica precisam constituir o poder de

decisão coletivo.”153.

A Fédération des Etudiants Révolutionnaires (FER), somada aos demais grupos da

OCI, rejeitaram o papel de “vanguarda revolucionária” atribuído aos estudantes (pablistas

e nova esquerda), ao mesmo tempo em que lutaram pela adoção de uma orientação em

pról da classe operária - por meio de uma “frente única” e da criação de um comitê

central de greve – mas sem se confrontar com a política stalinista e social democrata, ou

com as teorias da nova esquerda154.

Fonte: Conservatoire des mémoires étudiantes http://www.cme-u.fr

153

“Sim, Os Trabalhadores Podem Vencer: Vamos Forjar a Arma da Vitória — O COMITÊ CENTRAL DE GREVE!” Esta declaração, publicada em 23 de maio, foi distribuída amplamente durante a greve geral como uma edição especial do Informations Ouvrières. Ver: 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 6 - A linha centrista da OCI (2) Por Peter Schwarz 17 de outubro de 2008 Publicado originalmente em inglês no WSWS em 5 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org 154

1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 6 - A linha centrista da OCI (2) Por Peter Schwarz 17 de outubro de 2008 Publicado originalmente em inglês no WSWS em 5 de setembro de 2008.

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Na esfera da organização do movimento estudantil, a FER e a OCI propunham uma

leitura atenta à questão sindical, considerando que os estudantes também integravam o

mundo do trabalho e que suas estruturas organizativas se constituíam, de fato, em

estruturas sindicais. Nas palavras de Massot:

“Para organizar a resistência, os estudantes tinham um sindicato próprio, a União

Nacional dos Estudantes da França (Union National des Étudiants de France)...

Com o início da luta real, a UNEF recuperou sua completa significação, apesar da

hesitação e fraqueza de sua direção. Com uma intervenção responsável no papel

de organização sindical estudantil, a UNEF tornou a luta contra a repressão uma

questão para as massas de estudantes e confrontou as organizações dos

trabalhadores com suas responsabilidades próprias. Foi o meio para a mobilização

dos estudantes e simultaneamente tornou possível uma luta genuína pela frente

única”155.

Com a radicalização dos conflitos - levada por milhares de estudantes e

trabalhadores, entre os quais, mais de uma dezena de agrupamentos “esquerdistas” – um

conjunto de onze organizações é dissolvido por decreto pelo Governo De Gaulle (junho de

1968), constando entre elas as três instâncias lambertistas (OCI, FES e CLER)156. Esta

corrente trotskista, por sua vez, se recompõe como OT no interior da Fédération de

l'Education Nationale (FEN) e depois, na UNEF (União Nacional dos Estudantes da França),

criando em 1969 a tendência EE-FUO (Ecole Émancipée pour le Front Unique Ouvrier), a

155

Na crítica feita por Peter Schwarz à política desta organização, o autor do texto ”1968: A greve geral e a revolta estudantil na França Parte 5”, afirma que, em 1968: “De fato, apenas uma minoria de trabalhadores estava organizada em sindicatos. Na época, menos de 30 por cento da força de trabalho era sindicalizada. (Hoje, o número caiu para 7 por cento.) Dois terços de todos os trabalhadores e a imensa maioria da juventude não estava organizada e tinha uma legítima desconfiança quanto aos sindicatos. A OCI foi incapaz de oferecer uma perspectiva para essas camadas e apenas as dirigia aos sindicatos”. Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 5 - A linha centrista da OCI (1). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 156

As organizações seriam: Juventude Comunista Revolucionária/JCR, de Alain Krivine; Voz dos Trabalhadores; Grupos "revoltas"; União de Jovens Comunistas marxista-leninista/UJC; Partido Comunista Internacionalista/PCI; Marxistas-leninistas do Partido Comunista da França PCMLF; Federação Revolucionária da Juventude e Movimento 22 de Março. Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 6 - A linha centrista da OCI (2). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 5 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org.

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Alliance des Jeunes pour le Socialisme (AJS) e a Aliança dos Estudantes para o Socialismo

(AES). Em 1971, os lambertistas criam a UNEF-Unité syndicale (em contraposição a UNEF

Renovação, sob controle da União dos Estudantes Comunistas/Partido Comunista

Francês157).

No mesmo percurso, o decreto presidencial que extinguira as organizações é

anulado (por decisão do Conselho de Estado Francês, em julho de 1970) , o que permite o

retorno da OCI, nesta ocasião, já em ruptura com o Comitê Internacional da Quarta

Internacional (CIQI). Numa discussão mais ampla, um conjunto de grupos trotskistas

entendiam que desde 1968, a OCI vinha se distanciando de uma perspectiva

revolucionária158, constando entre as críticas aos “lambertistas”: a adoção de uma

estrutura organizativa excessivamente centralizada, que privilegiava a expansão de

quadros e influências em detrimento de atuar à semelhança dos demais partidos e grupos

saídos das movimentações de 1968 (nos movimentos feminista, ambientalista); que seus

militantes recusavam-se a se deixar reconhecer publicamente (pela mídia) para manter

em segredo a identidade da organização, então atuante nos Comités d’alliance ouvrière,

nas suas organizações públicas e num grupo de sindicalistas.

Também para alguns ex-militantes, a OCI havia se transformado numa organização

impermeável, na medida em que adotara instâncias internas hierárquicas, o uso de

pseudônimos e métodos autoritários apoiados no GER (grupos de estudo revolucionário),

pretendendo em nome do centralismo democrático, moldar seus militantes para o

cumprimento de responsabilidades políticas.

Enfim para nos ater aos limites deste trabalho, a OCI viveria em 1980 a fusão com a

Liga Comunista Internacionalista (de Daniel Gluckstein), criaria a UNEF-ID (Indépendante

et Démocratique) e se redefiniria como Organização Comunista Internacionalista

Unificada (OCI-U). Já em 1981, após a exclusão dos apoiadores morenistas, esta

organização adotaria o nome de Partido Comunista Internacionalista (PCI); em 1984,

Pierre Lambert propõe a adoção da chamada “Linha da Democracia”, razão da expulsão

157

Ver: SCHWARZ, Peter. 1968: A greve geral e a revolta estudantil na França. Parte 7 - A linha centrista da OCI (3). Publicado no WSWS, em inglês, no dia 6 de setembro de 2008. World Socialist Web Site. Wsws.org. 158

Ver: AZAMBUJA, Carlos “AcIT, um instrumento da QI/CIR” IN http://www.midiasemmascara.org, Ano VII, Número 169, 25 de Julho de 2009.

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de Stéphane Just e de mais cinquenta militantes, da expansão do partido e de sua

transformação em Movimento por um Partido dos Trabalhadores (MPPT)159.

4.3 MARCOS INTERNACIONAIS DE 1968 NO BRASIL

Intervenções artísticas de Antônio Manuel, 1968160.

No Brasil do final dos anos 1960, este trânsito de idéias também se fez presente, e

particularmente no curso dos anos 1970, os ecos de 1968 surtiram efeitos importantes no

espaço das universidades – em particular, na Universidade de São Paulo – por meio de

discussões, experiências, associações, leituras e releituras de Marx, Trotsky, Lenin, Rosa

Luxemburgo, Mao, Lukács, Marcuse, Gramsci, Brecht, Adorno, alargando-se pouco a

pouco os significados e possibilidades de articulação dos conceitos de liberdade, política,

autonomia, arte, cultura, democracia, revolução. E, instigados pelas experiências coletivas

internacionais, começou a se desenhar um outro repertório político entre as organizações

marxistas em reconstrução, devendo-se considerar que os agrupamentos trotskistas, de

159

AZAMBUJA, Carlos “AcIT, um instrumento da QI/CIR” IN http://www.midiasemmascara.org, Ano VII, Número 169, 25 de Julho de 2009 160

FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR.

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maneira especial, movimentaram-se neste cenário numa outra condição, afinal, desde a

origem, suas organizações haviam se definido, se estabelecido e retirado seus objetos e

formas de ação da perspectiva então definida como “internacionalista”.

Compreender um pouco mais deste trânsito - de referências, discussões,

experiências, associações, leituras e releituras – no cenário juvenil, ou ainda, trotskista,

entre os últimos anos da década de 1960 e a década de 1970 -, implicou em nos colocar

frente a frente com jovens militantes de diversos países que, munidos de questões e

motivações datadas, mergulharam na releitura de clássicos trotskistas, entre outras fontes

da literatura marxista (das primeiras décadas do século XX), para recriar formulações e

elaborar (na segunda metade do século XX) alternativas de ação política.

Os "grupúsculos trotskistas", conforme se referiu Olgária Matos em As Barricadas

do Desejo, nasceram do encontro e relações que um conjunto variado de militantes

trotskistas passou a estabelecer com estudantes nas/durante as mobilizações; mas antes

mesmo das passeatas, greves e movimentos de maio de 1968, os questionamentos sobre

poder, ordem instituída, entre outros, aproximaram as pessoas, potencializaram os

debates e fizeram circular novos referenciais, redundando daí o amadurecimento de

análises e posicionamentos políticos comuns. E se para Olgária Mattos, a participação de

“grupúsculos trotskistas" nos acontecimentos do maio francês não ocupou uma maior

relevância, para nosso trabalho interessava averiguar mais de perto este trânsito de idéias

e experiências, já que do mesmo diálogo fortaleceram-se certos fundamentos de luta

política que permitiram às organizações trotskistas brasileiras exercer um papel

importante na recomposição de perspectivas dos movimentos sociais brasileiros da

década de 1970.

De fato, uma grande quantidade de estudos sobre os acontecimentos de 1968 no

Brasil nos traz notícias de um momento muito particular e especial de atuação política dos

estudantes brasileiros; um período no qual um amplo conjunto de lutas travadas pelo

segmento estudantil consegue escapar aos limites impostos pela ditadura militar e

assumir um papel relevante no interior da sociedade civil, atuando como um elemento

polarizador dos processos de contestação e resistência à consolidação deste regime

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autoritário.

Os estudos, nas suas variações, trazem também referências mais precisas sobre as

formas de luta assumidas, sobre os principais embates vividos na época, ou ainda, sobre

os projetos internos levados por organizações clandestinas, destacando-se que suas

divergências desempenharam um papel problemático no curso dos acontecimentos.

De uma forma geral, conseguimos então identificar, nos diferentes estudos

centrados no contexto de 1968, que a presença das militâncias políticas no interior das

entidades e agremiações estudantis interferiu diretamente sobre as características que

este movimento assumiu – e em especial, no tocante aos seus objetos de luta política ,

observando-se que, na medida em que os seus objetos transcenderam ao universo

acadêmico (de onde emanava a fala estudantil), o sentido do movimento se fez alterado e

reescrito (Aarão, Ridenti, Groppo, Martins Filho), originando-se destas leituras e projetos

políticos organizados, a construção de uma outra possibilidade de intervenção social. Uma

nova possibilidade de intervenção política que permitiria, inclusive, que os limites

socialmente estabelecidos para a categoria estudantil (em meio a uma dinâmica de

sociedade de classes), fossem superados (Foracchi, Martins Filho, Cavalari).

No entanto, o que aconteceria com o movimento estudantil na proporção em que

suas novas leituras e projetos revolucionários de intervenção social começassem a

enfrentar limitações e constrangimentos do Estado Militar e da sociedade civil, em suas

facetas mais conservadoras? Os estudos centrados no movimento estudantil do período

1964/1968 buscam compreender estas relações, identificando no interior das próprias

leituras, a presença de uma certa incapacidade de perceber e enfrentar a complexidade

da dinâmica social que, pouco a pouco, escapa ao seu entendimento e controle,

originando-se do desencontro entre os projetos revolucionários e a realidade social, os

limites de uma interferência, enquanto movimento, na construção do presente.

As práticas vanguardistas, por tudo isso, têm merecido uma grande atenção nos

estudos sobre 1968, uma vez que suas leituras, opções e, inclusive, limitações de ação,

cumprem com um papel central no interior e na articulação do movimento e nos ajudam a

entender porque os acontecimentos que se seguem ao “desbaratamento” do XXX

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Congresso da UNE, em outubro de 1968 em Ibiúna, fragilizam tão estruturalmente o

movimento estudantil, em especial, ao se prender e “fichar” suas lideranças, atingindo-se

com isso a sobrevivência das experiências políticas presentes no interior das entidades e

agremiações.

Manifestações na Candelária, Rio de Janeiro, 1968

Por outro lado, estudos mais recentes sobre 1968 começam a nos trazer certos

dados que, de maneira especial, abrem caminho para outros percursos teóricos, e em

especial, na medida em que apontam para a emergência de questões que, no curso dos

anos seguintes, informariam toda uma outra trajetória de recomposições político-

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culturais, e que, neste caso, nos ajudam a pensar e a estabelecer conexões entre

contextos e trajetórias contemporâneas.

Os novos dados emergem da constatação de que, no contexto de 1968, já se

achavam presente nos meandros do movimento, um leque de questões e motivações –

como sexo, prazer, rock, drogas – que, apesar de se dar fora dos limites do movimento

organizado, começava a firmar uma outra agenda juvenil no território estudantil,

interferindo na construção de caminhos que, naquele momento, redundariam num

conflito com as proposições organizadas. Em seu estudo Uma Onda Mundial de Revoltas.

Movimentos estudantis nos anos 1960, Groppo afirma:

“Os jovens estudantes de 1968, mesmo aqueles que militavam nas novas

esquerdas, viveram a rebeldia não apenas no campo da política, mas também no

comportamento. Na sua memória, lado a lado se acomodavam a Passeata dos 100

mil, a busca do contato com o mundo operário e a liberdade sexual. Na vivência da

juventude, uma geração da classe média descobria e inventava uma militância

política diferente, ao mesmo tempo que descobria o mundo da sexualidade, que

esboçava criar um reino da liberdade no campo dos relacionamentos afetivos e

que ultrapassava limites ao experimentar drogas proibidas”161

As movimentações estudantis de 1968, conforme sugere Groppo, apresentavam

divergências de entendimento político que não se limitava à esfera organizada; de forma

concomitante, parte das lideranças organizadas passava a abraçar a luta armada como

perspectiva, num cenário cada vez mais repressivo, desencadeando-se uma série de

acontecimentos que acabariam por comprometer de maneira mais profunda, as bases de

exercício político deste movimento. Desde a instauração do golpe militar, em 1964, todo

um conjunto de experiências e soluções construídas, entre outros aspectos, nas fronteiras

entre cultura e política, vinha sofrendo cerceamentos e interrupções, ao mesmo tempo

em que uma outra lógica, ainda sem significação, entrava em cena.

161 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960, 2001. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2001, p373

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144

Também em O Fantasma da Revolução Brasileira, Marcelo Ridenti162 já chamara

atenção para a presença, entre 1967 e 1968, de uma série de inovações políticas trazidas

pelas dissidências do PCB que ao resgatar as "lutas específicas" como eixo maior da luta

contra a ditadura, haviam conseguido estabelecer uma maior sintonia com as bases do

movimento. Tema que mereceria, de Groppo a coleta de importantes depoimentos de

lideranças das dissidências da Guanabara (DG) e de São Paulo (DSP) que afirmavam ter

participado, em meio ao movimento, de um verdadeiro fenômeno de contestação e

transformação de valores, de grande relevância. Em suas palavras:

“..Refletindo sobre como seu grupo ascendeu no interior da PUC de São Paulo,

Dirceu cita que foi muito importante a atuação original na ‘cultura’ antes da

política, assim como a contestação de regras tradicionais no ensino antes da

discussão de temas políticos globais: ‘Nossa primeira iniciativa foi juntar homens e

mulheres nas salas de aula; pedimos, brigamos, exigimos e acabamos

conquistando esse direito elementar, tão importante quando se tem vinte anos.

Depois, derrubamos essa história de precisar nos levantar quando o professor

entrava na sala. Eram pequenos passos, mas bastante significativos como

manifestações libertárias’”163.

Ou ainda,

“Nas lembranças de Dirceu, as faculdades ocupadas transformavam-se em

verdadeiras ‘repúblicas livres, onde se fazia política, arte, cultura – e até se

estudava (..) Lá comíamos, bebíamos, fazíamos reuniões, eventos, conferências; lá

dormíamos e namorávamos. Milhares de estudantes circulavam pelos pátios e

corredores, era uma verdadeira feira, em ebulição permanente. Festivais, aulas

paralelas, seminários, exposições, cineclubes... Imagine o que era uma

universidade ocupada em 68. Parecia que estávamos diante do embrião de uma

162 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op. Cit 163 GROPPO, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Op.Cit, pp 375-376.

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sociedade diferente, inaugurando novas formas de relacionamento e de

cooperação entre pessoas. Aquilo era uma festa”164.

A estes estudos, somaram-se outros; alguns produzidos ainda na década de

1980165, outros no curso dos anos 1990166, crescendo ainda mais o volume de trabalhos a

partir de 2001167.

164

GROPPO, Luís Antonio.Op.Cit, p371. 165

Entre eles os trabalhos de: REIS FILHO, Daniel A ; MORAES, Pedro. 1968: A Paixão de uma Utopia. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1988; LOSCHIAVO DOS SANTOS, Maria Cecília (org). Maria Antônia: Uma rua na contramão. São Paulo, Nobel, 1988; VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. 166

Constam entre eles os estudos de: FERNANDES, Ana Lucia Cunha. A representação e a participação estudantil na Faculdade Nacional de Filosofia na década de sessenta, 1996. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996; MARTINS Fº, João Roberto. A Rebelião Estudantil: 1968 - México, França e Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996; DIRCEU, José; PALMEIRA, Vladimir. Abaixo a ditadura: o movimento de 68 contado por seus líderes. Entrevistas, edição e cartuns: Solange Bastos, Paulo Becker, Ari Roitman e Henfil. 2. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond, 1998; FREDERICO, C. "A política cultural dos comunistas". In: QUARTIM DE MORAES, J. (org.). História do marxismo no Brasil, III. Teorias. Interpretações. Campinas, Ed. da Unicamp, 1998, p.275-304; HAGEMEYER, Rafael Rosa. Movimento Estudantil 68: Imagens da Paixão, 1998. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal do Paraná, 1998; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “1968, Memórias, esquinas e canções” IN Acervo. Revista do Arquivo Nacional. RJ: Ministério da Justiça/Arquivo Nacional, 1998, vol 2 nº1/2; CARDOSO, Irede. 68. A comemoração impossível. Dossiê maio de 68. Tempo Social; Rev Sociol. USP, S Paulo, 10(2): 1-12, outubro de 1998; BENEVIDES, S.C.S. Proibido proibir - uma geração na contramão do poder, 1999. Dissertação (Mestre) - Faculdade de Sociologia, Universidade Federal da Bahia, 1999; VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: O diálogo é a violência; Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil. Campinas, Editora da Unicamp, 1999; CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?” IN Garcia, Marco Aurélio e Vieira, Maria Alice (orgs). Rebeldes e Contestadores. 1968 Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999. 167

BRITO, A.M.F. Capítulos de uma história do movimento estudantil na UFBA (1964-1969), 2003.

Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; SILVA, Sandra Regina Barbosa da. "Ousar lutar, ousar vencer": histórias da luta armada. Salvador (1969-1971), 2003. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Universidade Federal da Bahia, 2003; ALVES, Bruna Neves. O Visível e o Invisível do Movimento Estudantil Universitário de Porto Alegre nas Representações da Imprensa (1964-1968), 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, PUC-RS, 2004; MARTINS, Luciano. A "geração AI-5" e maio de 68. Rio de Janeiro: Livraria Argumento, 2004; CARDOSO, Irene. Para uma crítica do presente. São Paulo: Editora 34, 2004; MARÇAL, Fabio. "64, 66, 68, um mau tempo talvez..." Um estudo sobre o movimento estudantil no "Julinho" atuante na construção de "1968", 2004. Dissertação (Mestre) – Faculdade de História, PUCRS, 2004; HILL, Telenia. “A título de memória: uma reflexão sobre o Maio 68 e seus efeitos de ‘brecha’ e ‘subsolo’”. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005; FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 49, Junho de 2005, UFPR; CAVALCANTI, Jardel Dias. Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política (Brasil anos 60 e 70), 2005. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005; VICENTE, Keides Batista. Retratos de Goiás: memórias de ex-militantes estudantis goianos sobre a década de 1960, 2006. Dissertação (Mestre) em História – Faculdade de História, Universidade Federal de Uberlândia, 2006; VICENTE. Keides Batista. "Heróis da resistência? O uso das imagens física e simbólica de Edson Luís e Ornalino Cândido pelos estudantes da

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Os acontecimentos estudantis de 1968 no Brasil sugerem a presença de um

repertório, no mínimo, mais amplo e diversificado de questionamentos e valores do que

poderíamos, a princípio, supor; repertório, talvez, que, possa ter interferido no

"desencontro" dramático que viveram alguns projetos revolucionários, expostos ao limite

de suas opções e práticas vanguardistas. Por outro lado, é possível considerar que a

participação, integração e crescimento das organizações clandestinas trotskistas junto às

mobilizações coletivas internacionais possibilitou um enriquecimento de seus

questionamentos acerca do poder e da ordem instituída, ao mesmo tempo em que estas

relações fortaleceram certos fundamentos de luta política de matriz trotskista,

desdobrando-se daí uma outra/nova vitalidade de intervenção política. Este trânsito de

idéias e experiências possibilitou às organizações trotskistas exercer um papel importante

na recomposição de perspectivas dos movimentos sociais brasileiros da década de 1970.

De qualquer forma, a temática continua a pedir estudos e em nosso entender,

cabe-nos investigar de maneira mais profunda a variação de posicionamentos que novas e

velhas organizações apresentaram neste contexto, considerando-as como testemunhas,

em si mesmas, de um trânsito importante de idéias.

década de 1960". Revista Mirante, s/d. mirante.110mb.com/4ed/17508.pdf; SANCHEZ, Ricardo Corrêa. “1968: o inverno porto-alegrense influenciado pela primavera parisiense”. Monographia. Porto Alegre, n. 2, 2006, pp 138-146; BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O marxismo e a questão cultural (Publicado originalmente em 1968 como prefácio à obra Literatura e Revolução, de Leon TROTSKY; reeditado em 2007 por Zahar Editores); PALMEIRA, Vladimir. “1968 o protagonismo do Movimento Estudantil no Brasil”. Revista em Pauta. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Número 21, 2008, pp 101-115; MAESTRI, Mário. “O sentido histórico de 1968”. Revista Espaço Acadêmico, nº 85, junho de 2008; COTTA, Pery. “Quarenta anos da Passeata dos Cem Mil e da edição histórica do Correio da Manhã”. Rio de Janeiro: Comum, vol 13, nº30, pp 66-104, janeiro/junho 2008; FREDRIGO, Fabiana de Souza; OLIVEIRA, Laura. “História e Memória em torno de 1968: do poder sem imaginação à imaginaçao no poder”. História Revista, Goiânia, v.13, n1, pp 121-138, jan/jun 2008; COELHO, Cláudio Novaes Pinto. “Em busca do sentido de 68: entre a poesia do Futuro e o simulacro da Política”. Estudos de Sociologia, Araraquara, v.14, n.26, p.65-78, 2009; SCHMIDT, Benito Bisso. “Flávio Koutzii: um olhar sobre as sensibilidades da geração 68 em Porto Alegre”. Fenix. Revista de História e Estudos Sociais. janeiro/fevereiro/março 2009. vol 6, ano VI, nº1; GARCIA, Priscila F.C. “As mulheres no movimento estudantil dos anos 1960”. Londrina: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. UEL, 2010.

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Mário Pedrosa e a Revista Socialismo ou Barbárie

De fato, as idéias e proposições trotskistas começaram a se desenvolver no Brasil

na ocasião em que Trotsky radicalizava suas posições frente aos caminhos assumidos pela

revolução russa, ainda na segunda metade da década de 1920. Entre 1923 e 1926, ao

enveredar e radicalizar para as críticas que o levariam a propôr a formação da Oposição de

Esquerda (1923/1926), depois a Oposição Unificada (1927/1929) e por fim, a Oposição

Internacional de Esquerda (1930/1938), parte destas formulações seriam trazidas para o

seio do Partido Comunista do Brasil pelo militante Mário Pedrosa (então, designado a

realizar um curso de formação política na URSS), que retornaria de viagem sensibilizado

pelas mesmas críticas e lutas travadas no interior do Partido Comunista Russo. O Partido

Comunista do Brasil já vinha experimentando problemas internos decorrentes de críticas

às políticas implementadas e às formas de organização desenvolvidas168 quando se

formou o “Grupo Comunista Lenin” (GCL) como uma “fração do PCB”, em 1930169.

168 No entender de CASTILHO: “As divergências locais que impulsionaram o processo de aglutinação inicial dos futuros trotskistas no Brasil giram em torno da estratégia de uma política de alianças, da relação problemática do Partido com os sindicatos e da construção partidária nos moldes do centralismo democrático”. MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993, p93. 169

Segundo CASTILHO, esta fração revelou discussões: “...em boa medida, independente das discussões travadas em outros Países. O GCL sobreviveu por pouco tempo, cerca de oito ou dez meses, lançando neste período o jornal Luta de Classes, lançado em 8 de maio de 1930 e já marcado por uma “ótica diferenciada dos oposicionistas”, sendo que, desde o início, “os limites do relacionamento político entre os dois grupos ficariam selados desde o princípio” MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Mário Pedrosa e as Origens do trotskismo no Brasil. São Paulo: editora Paz e Terra, 1993, pp 133-134

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Os alertas da Oposição de Esquerda aos perigos da burocratização e afastamento

dos princípios revolucionários internacionalistas170 motivaram a sua transformação na

Liga Comunista do Brasil (1931) que neste mesmo ano se filiou oficialmente à nova

organização Oposição Internacional de Esquerda171. A Liga surgiu das “bases teóricas

acumuladas pelo GCL” e de “um aprofundamento da análise sobre os rumos que o país

tomava após a chamada ‘revolução de 1930’”, e cumpriu papel específico ao se lançar na

convocação de uma Assembléia Constituinte. Entre os anos de 1931 e 1932, a repressão

“atingiu 41 de seus militantes e acabou por limitar suas atividades e seu crescimento”,

permanecendo restrita aos espaços onde exercia uma “real influência [como] nos

sindicatos dos gráficos do Rio de Janeiro e São Paulo e dos comerciários em São Paulo”172.

Por outro lado, em função dos acontecimentos internacionais de 1933 – em particular, a

ascensão de Hitler ao poder e a decisão de Trotsky e os militantes da Oposição

Internacional de Esquerda de decretar a falência da Internacional Comunista e proclamar

a criação de novos partidos comunistas e de uma nova Internacional, a IVº - a Liga

Comunista ganharia a forma de partido, a Liga Comunista Internacionalista (LCI). Entre

1933 e 1934, a LCI promoveu ações efetivas para agrupar entidades sindicais através da

Frente Única Antifascista (FUA), criada em junho de 1933 - atividades que possibilitaram

”uma ampliação da influência das idéias trotskistas no Brasil”173. Mas, já em 1935, a

repressão se abateu sobre estas atividades e organizações, em nome de reprimir a

chamada Intentona Comunista, decretando-se o estado de guerra. A Liga Comunista

170

Segundo CASTILHO: “Nascida no interior das lutas pelo poder político no Partido Russo, a Oposição de Esquerda se coloca como autêntica e única defensora da tese internacionalista do marxismo revolucionário. Afirmar e tornar perene a estratégia de fazer da luta dos trabalhadores um movimento mundial é parte constitutiva da oposição a Stalin” IN MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária. Op. Cit., pp 32-33. 171

A Liga surgia das “bases teóricas acumuladas pelo GCL” e de “um aprofundamento da análise sobre os rumos que o país tomava após a chamada ‘revolução de 1930’” lançando-se uma luta pela convocação de uma Assembléia Constituinte. 172

MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p124. 173

MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p125. Ver também: CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934). Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 354-388 http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a15.pdf.

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Internacionalista seria duramente atacada e suas “atividades ficaram praticamente

limitadas a difundir suas publicações e atuar em alguns sindicatos”174.

No curso de 1936, os trotskistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, encontrando

grandes dificuldades de comunicação e militância conjunta, passaram a desenvolver

trabalhos isolados, situação que levou trotskistas descontentes do Rio de Janeiro (auto-

intitulados no final de 1936 como Grupo Bolchevique-Leninista) a formar com ex-

militantes sindicais do PCB, um novo partido: o Partido Operário Leninista (POL), em

janeiro de 1937. Nas vésperas do Estado Novo, portanto, a LCI e o POL passaram a

desenvolver análises e atividades em certos aspectos, diferentes, até a constituição em

1939, do Partido Socialista Revolucionário, composto de militantes do Rio e de São Paulo.

Começava, então, a segunda geração de trotskistas que, em meio às mudanças, guardava

certa continuidade com o grupo original em função da permanência de alguns quadros.

De qualquer maneira, premido pela situação da II Guerra Mundial (que afetou

diretamente a organização trotskista internacional) e pela repressão desencadeada pelo

Estado Novo, o PSR lutou contra o isolamento e “deixou poucos traços de sua atuação

durante este período: somente alguns panfletos esparsos e a substituição de A Luta de

Classe por Luta Proletária como seu órgão central”175. Os contatos com o movimento

internacional também ficaram interrompidos até 1943, quando o PSR retomou uma

relação com a IV Internacional através da organização trotskista norte-americana Socialist

Workers Party (SWP). O PSR, enfim, sobreviveu até a virada dos anos 1951/1952,

desconhecendo-se com precisão as razões da sua dissolução. Provavelmente, as

resoluções do III Congresso da IV Internacional, realizado em 1951, que decidira “fazer

‘entrismo’ dos partidos trotskistas em partidos socialistas e comunistas” estejam nas

origens deste desfecho.

No âmbito do pensamento trotskista, o período do pós-guerra contou também

com a criação, por Mário Pedrosa, do jornal semanal Vanguarda Socialista. Lançado no Rio

de Janeiro em 1945, este periódico sem vinculações partidárias conseguiu se manter até

174

COGGIOLA, Osvaldo. O Trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94, 1984, p128. 175 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op. Cit., p134.

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1948, contando em seus quadros com militantes trotskistas, dissidentes e intelectuais

socialistas engajados num trabalho de crítica e construção do movimento revolucionário

em oposição às diretrizes stalinistas. As contribuições de Mário Pedrosa, em particular,

foram preciosas ao atuar, entre as décadas de 1930 e 1950, na defesa “da arte proletária e

depois do abstracionismo e da arte de tendência construtiva” motivado “pela mesma

compreensão da natureza e finalidade última da arte”176. Segundo Marcelo Mari, Mário

Pedrosa “esboçou” nos anos 1930 ”os princípios de uma estética marxista” através da

qual “tentou vincular a natureza, a origem e o desenvolvimento da arte com o estágio

técnico alcançado pela sociedade e com a luta de classes”. A partir de 1942, sua ênfase

passou a se dar “na especificidade e nas leis próprias do campo artístico”, numa

perspectiva de ajuste e de articulação “de outro modo” das questões “arte e política, a fim

de que os augúrios do campo artístico se concretizassem”, mas trazendo “sempre em

mente o processo final de síntese entre arte e revolução social”. Segundo Marcelo Mari:

“Enfatizando a especificidade do campo artístico, Pedrosa recuperava o sentido

social da arte e tentava construir barricadas contra a instrumentalização política

da arte no Brasil e no mundo (..) para o crítico a própria natureza e a finalidade

última da arte coincidiam com os anseios depositados na revolução social e, por

conseguinte, com a realização plena do homem. Portanto, arte e transformação

profunda do mundo caminhavam juntas” 177.

Os posicionamentos de Mário Pedrosa e do Vanguarda Socialista se afinavam, de

fato, com o Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, redigido por Leon

176

MARI, Marcelo. Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950), 2006. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2006, p8. 177

Segundo o autor: Mário Pedrosa foi um “Ativista político e grande conhecedor das artes (...) [que] contribuiu de modo decisivo na formação e no desenvolvimento do meio político e artístico brasileiro do século XX (...) Pedrosa tratou sempre de analisar o plano local e o plano internacional e de propor intervenções capazes de promover a transformação concreta da sociedade. Essa empreitada assumida pelo intelectual brasileiro pode ser averiguada por suas atividades proeminentes na política e nas artes, bem como por sua copiosa produção ensaísta entre as décadas de 1930 a 1950”. MARI, Marcelo. Op. Cit., pp 4-11.

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Trotsky e André Breton (artista destacado do movimento surrealista)178 na cidade do

México em 1938. Mas, mais do que isso, eles davam continuidade a todo um legado de

formulações que o próprio marxismo estabelecera sobre o universo da cultura e que,

definitivamente, passava ao largo das proposições e diretrizes stalinistas.

O manifesto de Trotsky e de Breton (1938) à semelhança de colocações que

Trotsky fizera em Literatura e Revolução (1922)179 - contra a “compreensão da arte

dirigida, instrumento de propaganda política” - embasava-se em formulações de Marx e

Engels, ou ainda, se assemelhava às falas de Lenin, Franz Mehring e Rosa Luxemburgo180.

Esta postura de recusa da arte dirigida pelo partido e pela revolução181, no interior da

178

Sobre as relações entre surrealismo e o trotskismo, Luiz Pilla Vares afirma em “O Surrealismo e a Esquerda” que: “Em sua turbulenta história, o surrealismo não foi apenas um movimento estético. Foi também visceralmente político. E assumidamente de esquerda, seja ao lado dos trotskistas, com André Breton, o principal nome do movimento, e o grande poeta Benjamin Péret, também militante revolucionário, seja ao lado dos anarquistas, com a colaboração de vários de seus integrantes com a Federação Comunista Libertária. Breton assinou juntamente com Trotsky o famoso Manifesto Por Uma Arte Revolucionária Independente (...) Benjamin Péret também simboliza a unidade do surrealismo com as posições de esquerda e participa ativamente, ao lado de Breton, na tentativa de construção da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente), com o apoio entusiasmado de Trotsky. Junto com Grandizu Munis, esteve sempre muito ligado politicamente a Natália Sedova, a companheira de Trotsky (...) Breton passou sua vida de poeta tentando unir Karl Marx e Rimbaud: “A ambição de transformar o mundo e a de mudar a vida, o surrealismo as une tornando-as um só imperativo indivisível...a luta ideológica entre o stalinismo e sua corja, de uma parte, e o anti-stalinismo revolucionário de outra parte, é baseada na concepção geral da vida material e espiritual da humanidade”. VARES, Luiz Pilla. “O Surrealismo e a Esquerda”. 30/01/2008 | 15:25. 179

Em Literatura e Revolução Leon Trotsky procurara refletir sobre a “atitude que o Partido Comunista deveria adotar e a questão da cultura proletária” e para tanto, no verão de 1922, ele mergulhara na análise das “principais tendências artísticas e literárias da Rússia pós-revolucionária, [e em] seus principais intérpretes, com Biely, Blok, Essenin, Maiakovsky e outros” para afirmar que não cabia ao Partido Comunista “interferir nas controvérsias e nas disputas entre as diversas escolas” e sim “salvaguardar os interesses históricos do proletariado, no seu conjunto”, garantindo o espaço da arte como um terreno onde o Partido não poderia mandar, ainda que não lhe coubesse “entregar-se ao principio liberal do laissez-passer”; tratava-se de saber, nas palavras de Trotsky: “quando deve intervir, em que medida e em que caso”. Luiz Alberto Moniz Bandeira. O marxismo e a questão cultural. Publicado originalmente em 1968 como prefácio à obra Literatura e Revolução, de Leon TROTSKY; reeditada em 2007 por Zahar Editores (4ª.ed.). Espaço Acadêmico, edição on line 180

Rosa Luxemburgo afirmara que “a classe operária só poderá criar uma arte e uma ciência própria depois de libertar-se completamente de sua atual situação de classe". Por outro lado, criando uma arte e uma ciência próprias - após libertar-se de sua atual situação de classe - estas já não seriam proletárias, mas socialistas. BANDEIRA, Moniz. Op.Cit, p20 181

De qualquer forma, vale considerar, a revolução da arte – no entendimento de Trotsky e Breton – ainda se mantinha associada à revolução proletária (a arte só poderia ser constituir proletária mediante a revolução), o que implicava, em última instância, que ela deveria estar de acordo com a interpretação hegemônica da mesma revolução.

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revolução russa, por sua vez, se vira confrontada, após a morte de Lenin (1924) com o

“estrangulamento de toda a atividade criadora, existente nos primeiros anos da

revolução” e pela adoção do “método do realismo socialista” por Stalin que, ao contrário,

passava a convocar os artistas a construir a “alma humana”, a “educar o povo e a

juventude” ou ainda, a “armá-lo ideologicamente”.

Ora, como diria Trotsky em conjunto com Breton no Manifesto Por uma Arte

Revolucionária Independente (1938)

“A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos,

mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da

humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma

reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para

libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a

humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao

mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma

nova cultura (...) A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem

exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar

seu verdadeiro papel mercenário (...) A oposição artística é hoje uma das forças

que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que

Cartaz do Realism Socialista, década de 1930; Lenin on the tribune – Alexander Mikhailovich Gerasimov; Los vencedores - K. Antonovo, década de 1940

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destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo

melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana (...) toda

licença em arte (..) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para

reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos

métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da

revolução”182

O trabalho de Mário Pedrosa, segundo Marcelo Mari, procuraria recuperar “o

sentido social da arte” na mesma proporção em que tentaria “ construir barricadas contra

a instrumentalização política da arte no Brasil e no mundo”, residindo aqui uma

contribuição como militante e como crítico de arte inestimável183 que se faria

definitivamente integrada aos caminhos trotskistas no Brasil.

Mas, de volta à esfera propriamente organizada, o III Congresso da IV Internacional

(1951) traria novas orientações às ações trotskistas ao criar o Bureau Latino-Americano

(BLA), sediado em Montevidéu e sob encargo do argentino J.Posadas, que no mesmo

período enviou “um representante ao Brasil para impulsionar a criação de um novo

partido. A partir de alguns contatos, o delegado do BLA conseguiu agrupar alguns

militantes que vinham do PSR e do Partido socialista Brasileiro (...) Mesmo sem realizar

um congresso de fundação, este grupo constituiu o Partido Operário Revolucionário

(POR) em 1952, cujo órgão oficial era o jornal Frente Operária, publicado pela primeira vez

em 15 de novembro de 1952. Ambos existiram até 1990”.184 Este novo partido, criado sob

influência do BLA daria início à terceira geração do trotskismo brasileiro, sendo que, no

entender de Castilho e Karepovs, “diferentemente da segunda geração, esta não

apresentava nenhum fio de continuidade com os anteriores”185.

182

BRETON, André; TROTSKY, Leon. Por uma Arte Revolucionaria Independente. Cidade do México, 25 de julho de 1938. 183

MARI, Marcelo. Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950) 2006. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2006, p11 184 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966) In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p138. 185 Uma nova divergência nasceu dos desentendimentos do dirigente do Bureau latino Americano, J. Posadas, com o Secretariado Internacional da IV, a partir de 1959, divergências que, centradas no papel e

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As atividades do POR se estenderam por um maior número de estados na década

de 1950186, começando por São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, para abarcar na década de

1960 atividades em Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Sul, além de ampliar a

influência trotskista entre as categorias sindicais187. No aspecto das orientações políticas,

este partido nascido à luz das definições do III Congresso da IV Internacional se manteria

caráter da “revolução colonial” levou a Conferência Latino Americana de 1961 a convocar uma Conferência Extraordinária da IV Internacional, em 1962, na qual se constituiu uma nova cisão internacional, chamada de “posadista”. Esta cisão, pautada pelo fortalecimento do centralismo e pelo que Castilho e Karepovs chamaram de “culto da personalidade” de J. Posadas, trouxe repercussões para as militâncias brasileiras. Os reflexos desta nova política levou o POR a levantar a palavra de ordem de convocação de uma Assembléia nacional Constituinte, entendendo os trotskistas, segundo Castilho: “que o Brasil vivia uma situação pré-revolucionária e que, a partir de junho de 1963, estariam maduras as condições para a derrubada do capitalismo e a conquista do poder pelos operários. MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op.Cit., p138. 186

Para um aprofundamento da questão, ver: LEAL, Murilo. À Esquerda da Esquerda - Partido Operário Revolucionário (POR), entre 1952 e 1966. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004 187 Segundo CASTILHO: “junto dos empregados em hotéis e similares, ferroviários da Companhia Mogiana, da Companhia Paulista e do Paraná, funcionários da Companhia Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo, garçons de São Paulo, marceneiros de Campinas, metalúrgicos de São Paulo, trabalhadores em bondes urbanos no Rio de Janeiro, trabalhadores da construção civil em Campinas, trabalhadores em frigoríficos em São Paulo. No Rio Grande do Sul, onde teve 15 a 30 militantes, o POR organizou-se a partir de 1962 e atuou no movimento estudantil, expandindo-se em direção ao meio sindical (...) No Rio de Janeiro, o POR durante os anos 60, teve atuação no movimento estudantil em Niterói e São Gonçalo, entre os camponeses, entre os trabalhadores da Companhia Brasileira da Energia Elétrica, dos estaleiros, da Ferrovia Leopoldina, da Vidrobrás”. IN MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op. Cit., pp 139-140.

Desenho futurista de Trotsky, retratado por Annenkov; Detalhe do mural Sonho de uma tarde de domingo no parque de Alameda, Diego Rivera, 1948; Posters da guerra civil/Rússia, de 1919.

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sob influência de Posadas (presente no controle do Bureau Latino Americano)188, ao

mesmo tempo que afastado das discussões e críticas que, a partir da Revolução Cubana

(1959), passavam a ser feitas às orientações pablista (à frente do Secretariado

Internacional)189. Neste caso, entre os anos 1955 e 1963, o POR se manteria centrado na

188

MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. Op.Cit, pp 144-145. Segundo os autores: Acreditando

na possibilidade de que setores inteiros da ‘facção radical’ avançariam para o ‘marxismo revolucionário’, o POR propôs a representantes de tais setores a convocação de uma ‘Congresso de operários, camponeses e soldados’, como funcionamento paralelo ao Parlamento, para centralizar todas as mobilizações de massa referentes à questão da terra (...) “Como se analisou posteriormente, todo esse tortuoso caminho encobriria concepções esquemáticas e etapistas impostas por J. Posadas, que entendia o nacionalismo como uma etapa importante no processo revolucionário latino-americano”. 189

No percurso de revisões de formulações, estratégias e táticas trotskistas vivido pelos grupos agregados

pelo Secretariado Internacional, e depois, pelo Secretariado Unificado (1963), a Revolução Cubana (1959) ocupou um papel importantíssimo ao estabelecer um outro parâmetro para os debates: o de uma nova perspectiva revolucionária na América Latina, questão, no entanto, que provocou revisões e realinhamentos entre os pablistas. O Secretariado Unificado (SU) reconheceu na Cuba revolucionária, um Estado Operário e por longo período tentou coordenar movimentos guerrilheiros na América Latina, contando com Moreno à frente. Já o Secretariado Internacional experimentou a formação de três alas políticas internas: 1) uma delas que força o ‘ingresso estratégico’ dos trotskistas em partidos de massa, o que motivaria os posadistas a construir uma nova internacional com o PC Chinês, 2) uma segunda que compreende estar na luta contra o colonialismo o centro de combate contra o capitalismo, posição que motiva Pablo romper com o Secretariado Internacional, 3) uma terceira fração que, pelo contrário, compreende estar-se diante de um novo período de fortalecimento capitalista. Já em relação aos dissidentes de 1951/52, o que ganhou forma foi um outro caminho político fundado na intenção, segundo Marie, de “..defender a continuidade do Trotskismo” ao propor “...como objetivo, ‘reconstruir a IV Internacional, destruída pelo Pablismo’” (MARIE

,

:97). Esta posição, levada originalmente pelo PCI, ganhou a adesão de outros grupos e permitiu a criação, em 1953, do Comitê Internacional da IV Internacional - organização de forte significado para nossa temática de estudo, a tendência Liberdade e Luta. Entre os integrantes do CI – como a “OCI (Organisation Communist Internacionaliste) da França, de P. Lambert, a SLL (Socialist Labour League) da Inglaterra, de G. Healy, e outros grupos”

(COGGIOLA, 1984:66/67) - os debates em torno da Revolução cubana assumiram um outro

formato, considerando-se que esta mesma Revolução foi tratada com desconfiança pela natureza social que seu regime apresentava, sendo considerada pela maioria dos grupos, de teor burguês. De qualquer maneira, este posicionamento não seria hegemônico entre as organizações do CI. Para COGGIOLA: “...a SLL, por exemplo, qualificou o regime de Castro de pequeno-burguês bonapartista e inclusive de semi-fascista. A OCI não chegou a esse ponto..”. Mas, entre as divergências presentes no CI, o posicionamento assumido pela sua sessão norte-americana, o SWP, geraria desdobramentos mais significativos. No entender desta organização: a “guerrilha feita por camponeses sem terra e por forças semiproletárias, sob uma direção resolvida a levar a revolução até a vitória” configuraria uma experiência política muito importante ao se revelar capaz de “arruinar e precipitar a queda dos poderes coloniais e semicoloniais” (COGGIOLA, 1984 :91). Este posicionamento levaria, então, a SWP a deixar o CI e, em conjunto com o SLATO de Moreno (que respondia pela sessão latino-americana do CI), integrar o SI, contribuindo diretamente para a transformação, em 1963, deste Secretariado no Secretariado Unificado da IV Internacional (COGGIOLA, 1984:66/67). A partir de então, o Secretariado Unificado procuraria teorizar o foquismo na busca de estabelecer uma nova orientação política, definindo-se, até 1968, de “’acordo geral’ com a estratégia castrista para a revolução colonial”; posição, por sua vez, que levaria as organizações adeptas a ser “esmagadas política e fisicamente pela repressão” (COGGIOLA, 1984:95). No início da década de 1970, por sua vez, o “SU tornou a dividir-se, surgindo uma fração pacifista (a Fração Lênin-Trotsky, FLT), composta pelo teórico do foquismo (alheio) Moreno, e pelo SWP” (COGGIOLA, 1984:95), enquanto a maioria do

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“política de entrismo no PCB” e no período seguinte, “com o nome de ‘entrismo interior’”,

ele se aproximaria do “movimento político existente em torno de Leonel Brizola” 190. Nas

palavras de Osvaldo Coggiola: “...a linha do POR brasileiro foi de apoio aos setores

nacionalistas, chegando a apoiar Jânio Quadros (1953), ‘pelo seu programa

antiimperilista’, tudo dentro do ‘objetivismo’ pablista, que não via nenhum obstáculo

subjetivo à revolução”191

Com o golpe militar de 1964, por sua vez, este partido se fez objeto de

perseguições, perdas e “rachas” motivadas pelas críticas às orientações “posadista”, mas

também originadas das dificuldades e limitações enfrentadas durante o percurso do

trotskismo no Brasil192. As maiores divergências surgiram na V Conferência Nacional

(1966), ocasião em que vários militantes se afastam dos cargos de direção para dar origem

à duas dissidências: a Fração bolchevique no Rio Grande do Sul e o grupo Iº de Maio em

São Paulo193. Estes grupos, a partir de 1972, tomam um outro rumo, que interessa

Secretariado passaria a se orientar pelas posições de Ernest Mandel (ou Ernest Germain, nas observações de Marie), expressas na teoria do “neocapitalismo”. 190 MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, pp 140-141. 191

COGGIOLA, O. O trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94,

1984, p65. 192 No entender de MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS: “...Ao longo dos pouco mais de 35 anos de

trajetória das organizações trotskistas brasileiras (...), 16 deles se passaram sob regimes ditatoriais (...) [e] não se deve esquecer o período vivido sob a chamada “Guerra Fria” (...), as quais produziram seqüelas importantes nas organizações (...). A mais séria dessas seqüelas foi, sem dúvida, a ausência de um fio de continuidade e, portanto, de acúmulo de experiências, entre as gerações que se sucederam ao longo desse período, principalmente se analisarmos os anos do POR, que, praticamente, iniciou sua trajetória sem levar em conta nenhum elemento das gerações anteriores. Outra seqüela, mais notável a partir de 1939, foi a cristalização de um rígido dogmatismo, que produziu organizações pouco afeitas ao debate interno, em contradição com uma das bases fundadoras do trotskismo, que era a defesa da democracia partidária (...) Na época do POR, esta situação agravou-se ainda mais quando a preservação da organização combinou-se a um centralismo extremo, exercido pelo BLA sobre as organizações trotskistas latino-americanas por meio dos delegados enviados às suas seções. No caso brasileiro, não houve sequer manifestações organizativas que refletissem o quadro internacional do trotskismo, como na Argentina, por exemplo. Havia tanta rigidez que, antes de 1966, não houve sequer uma manifestação pública de dissidência ou discordância, e os militantes descontentes simplesmente abandonavam o POR”

MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis.

Op.Cit., pp146/147 193 Para os autores, estes novos grupos “...passaram, além de fazer um balanço da experiência do POR, a buscar contatos com diferentes correntes do trotskismo internacional, iniciando-se o processo de superação da experiência ‘posadista’ e o início de uma nova fase na vida do trotskismo brasileiro” MARQUES NETO, José Castilho e KAREPOVS, Dainis. “Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966)” In:

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diretamente ao nosso estudo. Eles se aproximam das organizações Política Obrera (PO, da

Argentina)194, POR da Bolívia195 e OCI (Organisation Communiste Internacionaliste, da

França)196 que propunham a criação do Comitê de Organização pela Reconstrução da

Quarta Internacional (CORQUI) com base numa crítica mais abrangente dos caminhos

adotados, até então, pelo Secretariado Internacional (em particular, pelo “pablismo”, pelo

“morenismo” ou pelo “posadismo”), pelo Secretariado Unificado (em sua vertente

“mandelista”) e pela IV Internacional Posadista. Estas organizações (Fração Bolchevique e

Movimento Estudantil 1º de Maio) entendiam fazer-se necessário retraçar os rumos do

movimento trotskista197 com base no resgate do que se entendia como a verdadeira

herança teórica e programática de Trotsky, o Programa de Transição198.

RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002, p.146 194

COGGIOLA, O O trotskismo na América Latina. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Tudo é História, nº94, 1984, p.68 195

Segundo COGGIOLA, o POR boliviano se achava “muito enfraquecido” em função das rupturas da década de 1950, mas assegurado “pela fração liderada por Guilhermo Lora” com um “trabalho sistemático nas minas” IN COGGIOLA, O O trotskismo na América Latina. Op. Cit., pp.57-58 196

Em um primeiro momento, a OCI (Organização Comunista Internacionalista) francesa “impulsiona o Comitê Internacional (...) no sentido de que assumisse o seu papel de força motriz da reconstrução da IV Internacional” através da instauração de um debate em torno das suas responsabilidades e papel de fórum internacional. Esta questão, no entanto, é geradora de novas dificuldades, e em especial, o afastamento da organização SLL inglesa, que “proclamando-se o partido dirigente do proletariado inglês” rompe “não só com o Comitê Internacional, mas com o próprio Programa de Transição”. Esta ruptura leva à dissolução do Comitê Internacional em 1971. A partir de então, é a própria OCI (nascida do Partido Comunista Internacionalista, da França) quem vai delinear um outro caminho de recomposição política entre os militantes trotskistas descontentes, propondo-se a resgatar os princípios do Programa de Transição. E neste caminho, surge em 1972, o “Comitê de Organização pela Reconstrução da IV Internacional”, fórum que desempenharia um papel estruturador na trajetória da OSI e da Tendência Liberdade e Luta. IN O Trabalho, nº32 17/set a 1/out 1979 A História do Trotskismo (2ª parte) 197

Na visão de Pierre Lambert (dirigente da OCI francesa que se achava na direção da Organização Comunista Internacionalista e do Comitê de Organização pela Reconstrução da IV Internacional), Trotsky se apoiara para formular este Programa: “...sobre um combate que ele dirigia, combate que apresentava enormes fraquezas, mas igualmente suas forças, para generalizar em princípios a experiência viva das seções da IV Internacional. Aqui reside o caráter vivo marxista, do trotskismo. A teoria se nutriu de ações mais ou menos corretamente dirigidas, antes menos do que mais, buscando extrair as lições para o futuro. Entre a ação dos B.L e de Trotsky, existe uma relação viva que resulta no Programa de Transição. Era impossível aos B.L. aprenderem de outra maneira senão assinalando por eles mesmos o programa dirigido por Trotski (...) Os B.L. deveriam passar pelos caminhos pelos quais ele passara (...) para retomarem a grande estrada da revolução e da construção do partido revolucionário do qual Trotski formulou os princípios e as perspectivas, princípios e perspectivas que se tornaram conceitos apenas mais tarde”. LAMBERT, Pierre. “Os ensinamentos de Nossa História” IN O Trabalho, nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional (1ª parte). 198

Nas palavras de Stephane Just: “...a reconstrução da IV Internacional não pode resultar de uma proclamação do Comitê Internacional, segundo a qual este se afirmaria direção internacional. Ela só poderá

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A aproximação dos agrupamentos brasileiros recém saídos do POR - a OC-1º de

Maio (constituída a partir do ME-1º de Maio) e a Fração Bolchevique Trotskista -, com as

organizações componentes do CORQUI se daria através da OCI francesa e mais

especificamente, do grupo Outubro (organização que começava a nascer na interface

entre a OCI e militantes atuantes no movimento secundarista e universitário),

entrelaçando-se nos primeiros anos da década de 1970, um amplo conjunto de

experiências (como a de atuação da FER no maio francês, ou ainda da OCI, na defesa do

lugar dos trabalhadores e seus sindicatos na condução das movimentações francesas de

1968) que não só alargaria as perspectivas de atuação trotskista no Brasil (a começar pelo

movimento estudantil), como contribuiria para incorporar fundamentos trotskistas aos

processos da chamada redemocratização da sociedade brasileira.

Estas organizações compartilhariam da rejeição e critica aberta à “luta armada e os

métodos dos grupos guerrilheiros”, ao mesmo tempo em que se integrariam à

“perspectiva do trabalho de reorganização do proletariado, nos sindicatos e nas fábricas,

em torno de suas reivindicações econômicas e direitos democráticos”199, cabendo ao

CORQUI – em especial, através da OCI - acompanhar e orientar os esforços de fusão das

organizações brasileiras sintonizadas com esta perspectiva e que redundaria na criação da

Organização Socialista Internacionalista200 em 1976. De forma concomitante, a OCI

contaria com a OSI para implementar e desenvolver uma dinâmica internacional de

ocorrer como resultado de uma longa luta teórica e política, a qual destruirá a ficção do ‘Secretariado Internacional’ e eliminará do seio das organizações que se reclamam da IV Internacional o pablismo’ até seus últimos vestígios”. JUST, Stephane. “Em Defesa do Trotskismo” cit. em O Trabalho. 16 a 23 de outubro de 1979, nº34, p.6. 199 CAMPOS, José Roberto. O que é Trotskismo. Op. Cit., pp 73-74. 200

Segundo o Jornal O trabalho: “Sob a iniciativa do Comitê de Organização é que pudemos chegar à

unificação dos grupos que existiam clandestinamente no País, desde 1968, e que se reivindicavam do trotskismo. A primeira unificação ocorreu em 1975, reunindo os grupos Fração Bolchevique Trotskista, célula trotskista de São Paulo e Grupo Outubro (filiado ao Corqui). Em 1976, houve a Conferência de Unificação entre a Organização Marxista Brasileira (resultante da unificação anterior) e a Organização Comunista 1º de Maio, que existia desde 1968. O I e II Congressos da OSI foram realizados em 1977 e 1978, respectivamente. Chegaram, assim, ao III Congresso sob a iniciativa direta do Corqui, que possibilitou a unificação em bases políticas precisas – fundamentadas no Programa de Transição e em 40 anos de combate pela IV Internacional – tarefa que seria impossível àqueles grupos de origens estritamente nacionais” IN “Falam os trotskistas: ‘É necessário reconstruir a IV Internacional’. O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional (1ª parte)”, p.3.

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debates, formulações e intervenções cujos embasamentos decorriam do Programa de

Transição201.

Este programa, dizia-se, surgira da articulação entre as experiências de Trotsky de

enfrentamento do stalinismo (desde 1924 e acirrada a partir de 1933), com as análises de

Lenin sobre o Imperialismo (como estágio supremo e final do Capitalismo) e os

ensinamentos práticos do bolchevismo, na intenção de estabelecer um programa político

que se acreditava capaz de conduzir o movimento operário à revolução social. Trotsky

procurara reunir a “experiência acumulada em um século de combates da classe operária

por sua emancipação” para, através dela, “transmitir o bolchevismo para as novas

gerações de combatentes revolucionários” na forma de “tarefas políticas muito claras e

precisas” 202.

Para as organizações reunidas no CORQUI, as diferenças internas que no curso do

tempo haviam se estabelecido entre os grupos trotskistas nasciam, em última instância,

da afinidade ou não com as formulações do Programa de Transição203; programa que

201

Segundo a OSI, o “Comitê de Organização” surgiria como “fruto de anos de combate dos militantes trotskistas (primeiramente, da OCI francesa) para preservar o programa da IV Internacional afirmando a necessidade de buscar a reconstrução da IV Internacional por novos meios, cabendo ao “Comitê de Organização” se constituir, em si próprio, como “um quadro de discussão internacional que visa convocar uma conferência aberta para a reconstrução do centro dirigente da IV Internacional”. Este Comitê, centrado no resgate dos fundamentos do Programa de Transição e no restabelecimento dos debates internacionais “sob o pano de fundo da luta de classes mundial”, passaria, desde então, a reunir periodicamente seu burô internacional na intenção de que as seções pudessem debater “as tarefas visando sua construção nos respectivos países e à reconstrução da IV Internacional”. Por outro lado, por meio do método de “conferência aberta”, buscava-se recuperar “os militantes que se desgarram dos PCs, PSs e outras correntes na luta contra o imperialismo e seus agentes no seio dos países onde o capital foi expropriado”, buscando os trotskistas “ligar à sua atividade todos os militantes dispostos a esse combate”. O “Comitê de Organização” iniciava um trabalho de recomposição das bases trotskistas - que se estenderia a partir da década de 1970 -, orientando-se pelo Programa de Transição e pela busca de “expressar os processos revolucionários da classe”. Nesta trajetória, outras organizações (do Secretariado Unificado) seriam incorporadas, como a Fração Bolchevique (que possuía organização em 18 países e intervenção em 23) e a Tendência Lênin-Trotsky. O Trabalho, 16 a 23 de outubro de 1979, nº34, p6. 202 Nas palavras de Trotsky, o Programa de Transição buscava definir: “...um programa de ação de hoje até o início da revolução socialista. E desse ponto de vista prático, o que é atualmente mais importante é se saber como nós podemos dirigir as diferentes camadas do proletariado na via da revolução social! E saber desempenhar essa tarefa central implica em conhecer o exato lugar que ocupa a organização trotskista na luta de classes e quais os seus passos para se construir como partido revolucionário dirigente”IN O Trabalho nº32 17/set a 1/out 1979 “A História do Trotskismo” (2ª parte), p.6. 203Neste aspecto, a OSI afirmava, em 1979: “...não há da parte do Corqui nenhuma concessão à concepção de uma Internacional Federalista, e é exatamente por isso que ele acredita ser necessário que a discussão vá até o fundo dos problemas em questão. Existe – e esse é um dos pontos da discussão – uma divergência

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trazia em seus preceitos, : 1) que a “direção revolucionária do proletariado” seria capaz de

desencadear as “condições objetivas necessárias à derrubada do capitalismo”; 2) que a

vanguarda soldada às orientações do Programa de Transição, seria capaz de desencadear

um profundo fenômeno de transformação social; 3) que as direções políticas em meio aos

movimentos sociais poderiam interferir na História com condições para transformá-la; 4)

que a construção da revolução proletária dependeria do teor e do sentido das lutas (da

capacidade de mobilizar as massas com base em palavras de ordem transitórias, capazes

de apontar para a tomada de poder, de oferecer “aos militantes conscientes o quadro de

seu combate, para que estes dessem sentido ao programa da revolução proletária

mundial”, de defender as conquistas da revolução russa...), do caráter (hegemonia do

proletariado na revolução, independência de classe, autonomia, internacionalismo) e da

força unitária do movimento (unidade mundial na luta de classes) 204.

O lugar ocupado por estes fundamentos na criação da OSI e na trajetória da

tendência Liberdade e Luta seria pleno, desdobrando-se daí um vigoroso método de

pensar a política, ou ainda, um vigoroso olhar trotskista sobre a política205. A tendência

Liberdade e Luta, por isso mesmo, nasceria em meio a esta trajetória e se constituiria, em

grande medida, expressão destas mesmas formulações no interior da universidade e das

movimentações estudantis dos anos 1970, além de integrar-se (por força da organização e

dos demais braços movimento sindical) às lutas mais amplas vividas pela sociedade civil

em seu processo de resistência à ditadura militar, de reorganização política e constituição,

entre outros fenômenos, do Partido dos Trabalhadores.

entre nós, não sobre a necessidade do centralismo democrático como modo de funcionamento da IV Internacional e de suas seções, mas a partir de uma apreciação diferente da crise da IV Internacional e da situação das organizações que se reivindicam da IV Internacional e de seu programa”. O Trabalho, 26/11/1979, nº40, p10. 204

O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional” (1ª parte), p.6 205

Nas páginas do jornal O Trabalho, principal veículo de comunicação e organização interna da OSI, encontramos duas séries de textos - “A História do Trotskismo” e “A História da IV Internacional” – que possuem o propósito de resgatar e analisar toda a trajetória histórica do trotskismo pelo viés dos princípios, sentido e papel social e político deste programa. Escritos num contexto que ainda impunha sérios riscos políticos, a organização procuraria resgatar e afirmar seus fundamentos por meio dos processos sociais - em meio às greves, comissões de fábrica, movimentos sindicais, atos de protesto, discussões e acontecimentos coletivos.

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O estudo da trajetória da tendência estudantil Liberdade e Luta, por isso mesmo,

nos exige considerar estas interfaces: por um lado, de um amplo e complexo contexto de

interações entre a cultura e a política que, independentemente da presença trotskista, se

achava presente; por outro, de uma trajetória de entendimentos, proposições e

intervenções de âmbito internacional, que numa esfera clandestina, buscava direcionar

sua atuação; por uma terceira vertente, da presença de uma variedade de processos

sociais e políticos em cujo interior estas mesmas intervenções ganharam - ou não - algum

significado.

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C – LIBERDADE.... E LUTA

Épico dos povos Mexicanos - México hoje e amanhã, 1934/35. Painel de Diego Rivera (1929/1935) Palacio Nacional, Cidade do México

“.... a luta pela democracia não é uma luta de palavras, uma luta entre

fraseologias mais ou menos radicais. É no método que as coisas se

definem”.

Liberdade e Luta, setembro de 1976

“... queremos unir nossas forças para conquistar a satisfação de nossas

aspirações morais e materiais (....) queremos condições dignas de ensino,

(...) queremos liberdade de ler, de ver, de pensar, e de nos associarmos,

livremente, segundo nossa própria vontade. (...) aprendemos que para

obter essas conquistas, precisamos estar organizados em nosso próprio

terreno, contando com nossas próprias forças”.

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Liberdade e Luta, maio de 1979

No acervo da tendência Liberdade e Luta/OSI, guardado pelo Centro de Educação e

Memória/CEDEM da UNESP, encontramos um texto que, a considerar pelo detalhamento

de dados e estado de conservação (na prática, um livro de 46 páginas, com páginas soltas

e muito manuseadas), parece ter cumprido um papel importante nas elaborações desta

tendência e da OSI no trato das questões estudantis da década de 1970.

Escrito no “calor da hora” (as referência se estendem de 1964 a 1970) e numa

perspectiva de avaliação da atuação das vanguardas estudantis no contexto pós-1964,

este trabalho nos permite acesso a uma espécie de “legado” (na versão trotskista) das

lutas políticas travadas pelo movimento estudantil no período, e de forma particular,

vislumbar o sentido das experiências ou ainda, o tamanho dos desafios que as militâncias

e os estudantes passavam a viver no período militar.

Apesar do documento traçar considerações desde 1964 com detalhamentos acerca

das variações de contextos, de experiências políticas, lutas e movimentos, os dados

fornecidos sobre o ano de 1969 (contexto no qual uma sucessão de acontecimentos

agrava as possibilidades de sobrevivência do movimento) nos permitem compreender

melhor a radicalização das opções de vanguarda, bem como a fragilização de suas

atividades. Na prática, este documento nos ajuda a compreender um contexto de ruptura.

Em meio a outros aspectos, este documento nos fala que, em 1969, a identificação,

propriamente dita, dos “quadros de vanguarda que haviam escapado à primeira

peneirada”206 (após o Congresso de Ibiúna) pelos órgãos de segurança, agrava o quadro de

desarticulação política que, em pouco tempo, já não consegue responder aos seus

próprios problemas. Por um lado, “as únicas notícias que se sucediam eram as de prisões

dos poucos colegas ainda em atuação”, por outro, a entrada em cena de “muitos quadros

recém formados” em “funções-chave” de coordenação de movimento davam lugar à

repetição de “erros atrás de erros”, “minguando” rapidamente as possibilidades de

reação, ao mesmo tempo que estas dificuldades acentuavam “...a tendência das

206 Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123

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vanguardas a fecharem-se cada vez mais no militarismo, no vanguardismo, no

esquerdismo”207.

Neste contexto de interrupção das “lutas de massa”, de colapso das “entidades

coordenadoras” (limitadas à ação de “de tempos em tempos, lançar manifestos ou jornais,

todos eles mal feitos e vazados numa linguagem esquerdista e absolutamente incapaz de

atingir o estudante ‘comum’”) e de frustração geral pela perda de “todo o processo de

discussão dos últimos meses de 1968” com a decisão de se realizar as eleições da UNE

“em nível de cúpula”208, o que ocorre é a ampliação das distâncias entre as lideranças e os

estudantes, a ponto de comprometer a representatividade da UNE que se revela incapaz

de preservar sua relação com a “massa” no contexto de repressão209. E “com as lutas

reivindicatórias estagnadas, a maioria dos estudantes desmobilizados e o cerco repressivo

se apertando, só a vanguarda” passa a ter “condições de realizar alguma coisa”,

sobrevivendo ainda “algumas ações de vanguarda, cada vez mais raras e difíceis de serem

compreendidas e apoiadas pelo conjunto dos estudantes”. No final de 1969, chega-se ao

“fim do poço”: o “ME desarticulado, as lideranças presas (com raríssimas exceções), os

CAs dissolvidos, os centros acadêmicos inertes, a massa alienada. Tudo parecia estar

irrecuperavelmente perdido”210.

Esta situação, no entanto, começava a se reverter já no início de 1970: o período

de férias, seguido pelo “amainamento” da repressão “possibilitou, ao que restava das

vanguardas, uma pausa para balanço”, e nesse momento, passava-se a perceber que:

207 Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123 208

Segundo este documento: “Uma das chapas – a encabeçada por José Dirceu, que desde Ibiúna estava preso – decidiu renunciar ao processo, entregando a diretoria à chapa de Jean Marc. Isso porque, em primeiro lugar, com a repressão se apertando e sendo impossível continuar as discussões frente à massa, as ‘eleições’ limitava-se à contagem dos votos, os quais já estavam perdendo a representatividade. Em segundo lugar porque, estando evidente o afastamento entre a UNE e as massas – devido a ser a sua estrutura, incapaz de atingi-la na situação de repressão interna – tornava-se burocrático disputar por uma entidade que politicamente não tinha condições de atuação naquele momento”, Documento impresso de 46 páginas sobre a UNE. Op. Cit., p. 36 209 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE, p36 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 0123. 210 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., pp 35-36

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“...Havia principalmente duas épocas a serem comparadas, tanto em seus erros

como em seus acertos: até 1968 e depois dele. Os desvios de 1968 haviam sido

grandes e prejudiciais à luta dos estudantes, mas a vanguarda só se apercebeu

disso quando a situação era outra. Da mesma maneira, os desencontros de 1969

foram tão marcantes que só no fim desse ano pode-se tomar consciência crítica

dos mesmos, pois a situação também passava a ser outra – simplesmente não

existia mais ME. Da primeira vez (1968-69) isso ocorreu devido a uma súbita

mudança de situação (..) ocasionada pela alteração da correlação de forças contra

o movimento de massas e o governo (AI-5) (..) Na segunda vez (69/70) a situação

também se alterara, mas o movimento de massas chegara a um nível tão baixo (..)

que objetivamente não era possível continuar com aquele tipo de prática. Ou se

atuava de outra maneira ou simplesmente não haveria mais atuação. A iniciativa

estava, pois, com os estudantes (...) a situação de luta de classes no Brasil há muito

não sofria na prática radicais alterações qualitativas”211

Mas, com a promulgação do AI-5, decreto que “..extinguiu com as liberdades

democráticas que ainda restavam dando forma, pela primeira vez, a uma ditadura que

levava até o fim a luta de classes” ocorreu uma “modificação do caráter de luta”,

decretando-se guerra às concessões democráticas, e a partir de então, começou-se a

experimentar uma situação na qual “a luta legal embora tenha importante papel” deixava

de ser decisiva, uma vez que “os limites de legalidade burguesa” passavam a se constituir

“os limites da submissão das classes mais oprimidas. Isso foi compreendido, talvez, pelas

vanguardas estudantis”. E diante destas dificuldades, as vanguardas resolveram

permanecer na esfera clandestina, mas optaram por abandonar as formas legais de

movimento, desdobrando-se desta opção um novo conjunto de problemas. De fato,

segundo o documento, esta opção emergia da “debilidade teórica e (..) falta de clareza

política das vanguardas” que “em lugar de negar dialeticamente os anos até 68, fizeram

uma negação idealista desses anos, esquivando-se a dar continuidade ao que era passível

211 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., p35

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disso. Caíra-se então no vanguardismo-militante, minimizando o trabalho direto e legal

junto às massas”212 :

O que se colocava como fundamental, a partir de então, era “iniciar a lenta

reconstrução do ME”, considerando-se que “havia um trabalho imenso a ser

desenvolvido”, uma vez que a presença de “...duas gerações de estudantes não

politizados”, em um tempo de forte “propaganda demagógica e mistificadora do governo

em franca ofensiva” impunha a necessidade de recuperar o nível de qualidade do

movimento estudantil (através de mobilizações, educação, organização), e ainda, a tarefa

de superar o distanciamento entre vanguarda e massa, bem como o legado de

“liberalismo de 68” e de “vanguardismo militarista de 69”. Neste sentido: “Era necessário

reconsiderar as formas de luta legal, sem nunca esquecer a necessidade imperiosa de se

aprimorar ininterruptamente as formas de luta e de organização clandestina”.

No novo contexto - que continuava exposto às ações repressivas - tratava-se de

compreender o “caráter momentâneo de ser” que as entidades estudantis

(UNE,UEEs,DCEs livres) haviam assumido ao se prestar a ser “instrumento de atuação das

vanguardas”, devendo-se “em seguida retornar seu papel de entidade de massa”. E neste

caso, seria preciso conferir às entidades um papel muito específico, devendo-se

considerar que: “.. entidades como a UNE e as UEEs poderiam (..) ser o veículo para a

troca de informações em nível estudantil e nacional, para a retomada de contatos

perdidos, para a transmissão de conhecimentos políticos e técnicos e para a assimilação

de experiência de parte dos novos quadros que surgiam. À medida que isso ocorresse, e as

novas vanguardas fossem adquirido preparação para dirigir as lutas de massa dos

estudantes – que viriam com o agravamento das contradições – então as entidades

poderiam voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e nacionais” 213

Também revelava-se urgente resgatar um conjunto de procedimentos políticos

necessários a preservar o próprio movimento estudantil, e neste sentido, o documento

propunha que: “...Nessa segunda fase, as entidades poderiam, em suma, voltar a ser

entendidas de massa (...) O primeiro passo para isso era fortalecer os centros acadêmicos,

212 Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. Cit., p37 213

Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op. CiT, p38.

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aproximando-os da massa e retomando suas lutas. Juntamente com isso, era preciso

reelaborar as formas de organização da diretoria, das executivas, coordenações,

departamentos e grupos de trabalho das entidades como UNE, UEEs, DCEs livres (...) Era

preciso estruturar a diretoria e acessoria [sic] orgânica de tal modo que pudesse circular

pelas faculdades, estar juntos aos estudantes e ao mesmo tempo estar fora do alcance da

repressão” 214

Em poucas palavras, o que dizia este documento de 46 páginas? Que era chegada a

hora de reiniciar os trabalhos de reconstrução de um movimento violentamente

desestruturado pelo Estado Militar e que tinha neste momento, um papel importante a

cumprir uma vez que a “situação de luta de classes no Brasil há muito não sofria na prática

radicais alterações qualitativas”. No entanto, reconstruir este movimento implicava atuar

de outra maneira, tornando-se crucial superar o legado liberal (1968), o legado

vanguardista militarista (1969) e o distanciamento estabelecido entre vanguarda e massa.

Mas, para que tudo isso se fizesse possível, havia um árduo caminho político pela frente

centrado na recuperação do nível de qualidade do movimento estudantil “através de

mobilizações, educação, organização”. De forma concomitante, tratava-se também de

“reconsiderar as formas de luta legal”, conferindo as entidades de massa o desempenho

de papéis específicos, entre eles, o de promover a troca de informações “em nível

estudantil e nacional”, o de “retomar contatos perdidos”, o de transmitir “conhecimentos

políticos e técnicos e para a assimilação de experiência de parte dos novos quadros que

surgiam”... tornando-se essencial aproximar os centros acadêmicos das lutas estudantis e

reelaborar as formas de gestão (organização da diretoria, das executivas, coordenações,

departamentos e grupos de trabalho) de forma a “estar juntos aos estudantes e ao

mesmo tempo estar fora do alcance da repressão” . Enfim, na medida em que “novas

vanguardas fossem adquirido preparação para dirigir as lutas de massa dos estudantes”,

as mesmas “entidades poderiam voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e

nacionais”. Por fim, tratava-se de “aprimorar ininterruptamente as formas de luta e de

organização clandestina”.

214

Documento impresso, de 46 páginas, sobre a UNE. Op, pp 38-39

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5. UNIVERSIDADE EM MOVIMENTO

(representação dos processos de militância na forma de círculos conscêntricos)

A presença deste documento datado de 1970 é elucidativo da trajetória singular

das organizações que criaram, em 1976, a Liberdade e Luta, em especial, por

encontrarmos nele as grandes linhas que seriam seguidas, anos depois, pela tendência. As

origens da organização, muitos anos antes, nos remete para as palavras de Markus Sokol,

dirigente e um dos fundadores da OSI:

“Derrotada a guerrilha (...) começa um balanço; esse balanço vai se somar à

reflexão de outros militantes que vão ter esse mesmo princípio da guerrilha e

encontram na herança política do Trotski, numa herança intelectual do Trotski,

acessível em bibliotecas e livrarias, elementos de explicação funcionais (...) Esse é

um processo, um outro processo é (...) militantes exilados no exterior se agrupam

(...) com organizações politicas que (...) tem uma ligação com a história da OCI

direta, se constitui como organização e começa o trabalho voltado para o Brasil

para implantação. E finalmente tem grupos políticos aqui, produtos de

agrupamentos, rachas e processos coletivos individuais (...) sem ligação plena com

Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)

1971/1982

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a parte internacional, que nas condições de uma vida politica rarefeita, sob

ditadura, intermitente, cortada com repressão vão se identificando, se ligando, (...)

um processo marcado pela fusão (...) no sentido de camadas como se essa parte

internacional se reencontrasse no Brasil”215.

De fato, foi do encontro entre militantes procedentes de diferentes linhas políticas

com os escritos de Trotsky, destes militantes com pequenos agrupamentos dissidentes do

POR216, ou ainda, deste mesmo conjunto com militantes franceses ligados a OCI, que

ganhou forma uma organização trotskista lambertista em terrenos brasileiros, constando

entre os anos de 1971 e 1975 um processo de fusão e a partir de 1976, a constituição,

propriamente dita, da OSI, organização em moldes bolchevique que então assumiu o

caráter de partido217. A tendência Liberdade e Luta nasceu fruto desta trajetória: como

braço da OSI, mas também como o artefato mais acabado destas fusões, reunindo em si

mesma os principais militantes da organização além de todo um amadurecimento de

leituras e proposições de ação política trilhadas na primeira metade da década de 1970.

215 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 216

O Partido Operário Revolucionário Trotskista, vinculado a IV Internacional Posadista teve parte da sua

militância presa (e no caso de Olavo Hansen... assassinada) e em seguida processada em Inquérito (em 1970). Em 1972, os órgãos de segurança, mais uma vez, “desbaratam” o PORT, obtendo por interrogatório dados estruturais da organização que lhes permitiram chegar a diversos militantes (parte de um grupo de 48 pessoas seriam mantidos no DOPS). Em 1975, alguns manifestos do Partido Operário Revolucionário Trotskista circularam pela USP, entre eles na forma dos panfletos “Manifesto de 1º de Maio”, de 28 de abril; “Abaixo a contra revolução em Portugal”, de 17 de setembro e “Manifesto do PORT em defesa da Petrobrás”, de 16 de outubro. Em 1976 e 1977 também a organização se mostraria presente pelos seus panfletos, em sua ampla abrangência recolhidos pelos órgãos de segurança. Ver: Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1027. 217

O grupo trotskista francês Organização Comunista Internacionalista (OCI) dirigido por Pierre Lambert,

produziu em 1972 “um documento assinalando a necessidade da constituição de um Comitê de Reorganização da Quarta Internacional (CORQI). Logo aderiram a essa idéia, na América Latina, o Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano e o Política Obrera (PO) da Argentina. Logo depois, em 1975, no Brasil, ocorreu a unificação da Fração Bolchevique Trotskista (FBT) com os também trotskistas Grupo Outubro (GO) e Organização de Mobilização Operária (OMO) – esta uma dissidência da Organização de Combate 1º de Maio (OC-1º de Maio) -, constituindo a Organização Marxista Brasileira (OMB). No ano seguinte, 1976, unificaram-se a OMB e a OC-1º de Maio, surgindo a Organização Socialista Internacionalista (OSI), vinculada à Quarta Internacional/Comitê Internacional (QI/CI). Esse novo grupo trotskista, face à sua grande influência no Movimento Estudantil, ficou mais conhecido como LIBELU” IN AZAMBUJA, Carlos I. S.. “Ainda o PSOL – Partido do Socialismo e Liberdade”, 21 de outubro de 2005. http://www.usinadeletras.com.br/editorapubliquelivro.php

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Entre as características comuns dos grupos e militantes que deram origem a

Liberdade e Luta consta um vínculo com o movimento secundarista: o envolvimento de

seus jovens militantes começara anos antes. Segundo Sokol:

“… eu comecei a militar em 66... a primeira passeata que eu fui, que eu vi, não que

eu fui, foi em 66. Eu tinha doze anos de idade. A primeira que eu fui, pela atividade

politica, foi em 67. eu tinha 13 anos de idade. Nós invadimos a escola numa luta

por democracia. Em 68 eu já era ligado ao diretório estudantil da escola,

participava das passeatas. Eu era militante do PCB , especificamente da dissidência

do PCB que se constituiu nesse tempo e eu acabei me ligando (...) como boa parte.

O fato foi que quando eu fui pra universidade eu procurei um local onde eu

pudesse seguir uma atividade militante e também estudar, porque eu achava

importante estudar. Então, eu resolvi fazer dois cursos, um de sociologia, pra

discutir politica, no caso, e economia, pra entender a economia capitalista”

Nas palavras de Caracol,

“Em 1968 eu estava no Colégio Estadual (...) e, na época, na cidade, a gente tinha

um movimento bastante interessante, que era o movimento jovem de cultura, de

alguns universitários (...) Era uma molecada de treze/quatorze anos, começando a

fazer uma série de atividades (...) Eu lembro de 1968 foi muito marcante porque

da morte de Edson Luiz no Rio de Janeiro nós nos organizamos, fizemos uma missa

em memória que acabou sendo uma celeuma total e... na verdade, nós ficamos

como um bando de gente que (...) de alguma maneira queria protestar e o

resultado foi que nós acabamos até ganhando as eleições do grêmio da escola (...)

a partir daí tivemos uma atividade bastante intensa no movimento estudantil na

cidade e na própria história. Quando eu entrei na universidade, entrei em 1972, na

verdade, eu já vinha com este processo de formação na atividade política”218.

Segundo Flávio Carrança:

218

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996

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“...as minhas primeiras lembranças de atividade politica e movimento estudantil,

eu acho que é de 1966, quer dizer, eu tinha 13 ou 14 anos, é a setembrada que eu

fui com meus primos em passeatas de movimento estudantil pelas ruas do bairro

da Lapa (...) Então eu sai da Lapa e fui fazer colegial no colégio da Aplicação e tinha

uma, digamos assim, uma tradição de participação política e de engajamento (...)

entrei em plena efervescência do ano de 1968 com a filosofia ocupada e a escola

diretamente envolvida (...) eu não cheguei a ser um guerrilheiro e participar

diretamente das atividades, mas cheguei a ser uma área de influência da ALN.

Então participei de grupos de estudos, grupos de trabalhos, sondagens pra ações

aos dezesseis anos de idade (...) Vários colegas já eram engajados em organizações

de esquerda (...) Aí eu fui fazer cursinho na Equipe que também era um cursinho

onde predominava uma influência de esquerda e entrei na faculdade de economia

em 1972 na USP”219.

Por outro lado, vários destes militantes e grupos já compartilhavam de leituras e

experiências identificadas por Markus Sokol como:

“...uma formação que a gente chamava de centrista, porque não sendo uma

organização stalinista absorvia influências variadas. É o centro no sentido

geográfico da palavra; tinha influências da parte internacional, tinham influências

de diferentes visões e romperam percebendo o Brasil politicamente... a influencia

principal é o castrismo. Então eu tive contato com o Trotski como um pensador,

não foi como em outros, não tinha uma maior importância pra mim (...) ai depois

quando eu fui entender o regime militar (que eu não aceitava o regime facista)

então eu encontrei nos escritos do Trotski que eu li assim rapidamente como eu li

outras coisas, uma explicação, uma explicação que me pareceu justa: o regime

fascista mobiliza a pequena burguesia contra o movimento operário e as

esquerdas em geral, enfrenta fisicamente na rua não só pelo poder do Estado... a

ditadura brasileira era reacionária mas o controle da policia militar era restrito,

não tinha apoio da sociedade, se mantinha unicamente pelo terror”220.

219

Entrevista de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005. 220

Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.

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Além de jovens militantes com experiências diferenciadas, dois grupos dissidentes

do POR deram forma à trajetória: a Fração Bolchevique Trotskista/FBT (originada do POR

do Rio Grande do Sul entre os anos de 1967/1968) e a Organização de Combate Primeiro

de Maio/OC-1º de Maio (grupo que se afastara do POR de São Paulo já em 1966).

Orientados pelo propósito de se reaproximar dos eixos políticos-programáticos propostos

por Trotsky na fundação da IV Internacional - que acreditavam distantes da atuação do

PORT221 - ambos agrupamentos já seguiam caminhos próprios no contexto de 1968,

recusando-se a aderir à luta armada, ao mesmo tempo em que começavam a retornar ao

espaço fabril para desenvolver trabalhos de base222. Conforme nos esclarece José Roberto

Campos, a FBT e a OC-1º de Maio:

“...haviam enfrentado o período de declínio do movimento dos trabalhadores após

a greve de 1968 e, com todas as diferenças existentes entre si no campo teórico,

tinham posições comuns a respeito de questões básicas. Rejeitaram e criticaram

abertamente a luta armada e os métodos dos grupos guerrilheiros, opondo-lhes a

perspectiva do trabalho de reorganização do proletariado, nos sindicatos e nas

fábricas, em torno de suas reivindicações econômicas e direitos democráticos”223

221

“Esse partido clandestino sofreu dissidências, em virtude de divergências nos seus quadros, quanto a sua linha política, tendo sido formada outras organizações como foi o caso da Fração Bolchevique da IV Internacional’, o ‘1º de Maio’, sendo certo que a primeira possue inquérito policial em andamento nesta Especializada, uma vez que alguns de seus integrantes foram presos e confirmaram seus procedimentos criminosos” “Relatório Informativo Policial sobre subversão em 1976. Coleção de Relatórios”. Processo nº 30z-160-14236 IN Arquivo Público do Estado. Fundo DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas.

OP 1027. 222

Com exceção do PORT (que em função de seu alinhamento político, revelava algumas aproximações com

o chamado “castrismo”), os novos grupos trotskistas em formação no início da década de 1970 expressaram um posicionamento radicalmente contrário às perspectivas de luta armada, tomadas por vários grupos dissidentes do PCB e pelo PCdoB. Em termos gerais, a luta armada se apresentava para a Fração Bolchevique Trotskista, para o grupo comunista ‘1º de maio’ e para o grupo Outubro, como uma opção inconsequente de fundamentação social pequeno-burguesa, e que não trazia contribuições à luta pela recomposição dos movimento de massas no país. Em lugar da luta armada, estes grupos propunham a militância no interior dos espaços de trabalho, de estudo e da vida social, mas de forma particular no interior das fábricas e sindicatos operários, na perspectiva de recompor por um lado as bases do movimento operário e dos demais movimentos sociais por direitos civis, e por outro, de promover a luta pela transformação social, tendo a classe operária como condutora. 223 CAMPOS, José Roberto. O que é Trotskismo. Op. Cit., pp 73-74.

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A Fração Bolchevique já contava desde o final da década de 1960 com “um quadro

um pouco mais velho, sobretudo o coletivo municipal” (que permaneceria na

“clandestinidade até a época da anistia”224), período no qual tentaram recompor a

organização no interior do espaço fabril de regiões diferentes do país. Identificados, no

entanto, pelos órgãos de segurança a organização foi perseguida e parcialmente

dizimada entre os anos de 1969/1972.

No caso da OC-1º de Maio, “grupo 1º de Maio” ou “ME 1º de Maio”, organização

dissidente do PORT (1966) e recriada “num encontro de estudantes na USP

influenciados por grupos da Argentina”225, seus jovens militantes (secundaristas e

alunos de primeiro ano de faculdade) formaram um grupo atuante e “de perfil próprio”

no movimento estudantil paulista a partir de 1968 (“em função de opções

diferenciadas quanto aos vínculos a estabelecer com a IV Internacional”), aproximando-

se de outras organizações de esquerda e da greve operária de Osasco, sempre

sustentando uma “atitude crítica em relação às ações armadas que então se

iniciavam”226. Nas palavras de Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá:

“...Em começos de 1969, a polícia política infligiria duro golpe à organização,

prendendo quadros e dirigentes e obrigando os que ficaram em liberdade a cair na

clandestinidade. A situação aceleraria em muito a adoção de uma perspectiva que

já vinha amadurecendo: o deslocamento para o trabalho nas fábricas e para a

224 Paulo Zocchi afirma: “O Vítor sim, ele tem uns dez anos a mais e era considerado o principal dirigente nosso. Depois há o Maurício que é um cara que eu não conheci, talvez fosse um pouco mais velho...” Entrevista de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 225 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 226 Com posicionamentos contrários à luta armada e após sofrer perseguições políticas, a organização optaria no início de 1969, pela ação política nas fábricas. Em documento datado de 1971, a OC-1º Maio afirmava: “..o radicalismo pequeno-burguês não compreendeu que se tem de refluir quando as massas refluem, para se preparar, com elas, para os novos ascensos. Não se contentaram com a ‘apatia’ das massas e não quiseram ficar só um passo à frente delas, mas a quilometros, tão longe que os extremos se encontram: o radicalismo pequeno-burguês e as concepções direitistas. Se as massas estão apáticas, partamos para a ‘revolução’ sem elas... Esses grupos se julgaram ‘direção da revolução’, como se a vontade bastasse, como se o processo de formação de direção não se desse junto com a evolução e a movimentação das massas, no processo de inter-relacionamento, orgânico, de formação de líderes, no viver, os pólos desse movimento – liderança e liderados -, as mesmas experiências e possíveis soluções” OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. S/l, janeiro de 1971 IN REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, p.334.

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moradia em bairros operários. Neste processo é que a organização adotaria o

nome de Organização Comunista 1º de Maio – OC 1º de Maio. A OC 1º de Maio,

desde então, dedicar-se-ia ao trabalho de agitação na classe operária e de

articulação de suas vanguardas sociais, tendo presença relevante no processo de

constituição dos chamados Grupos Independentes, formados por operários de

vanguarda nos princípios da década de 70 e que seriam, em certa medida, os

embriões das futuras Oposições Sindicais” 227.

Mas, para além do trabalho de “agitação na classe operária”228, a organização 1º

de Maio também buscara se conservar na universidade, reativando em agosto de 1970 no

ex-Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (onde seus militantes atuavam

desde 1968) “um organismo tipo FES”, uma frente de estudantes socialistas que tinha o

propósito de aglutinar “a vanguarda que nos apoiava”; esta “frente” – tomada como

alternativa política num contexto em que inexistia “uma sólida organização de

revolucionários”229 e no qual se enfrentava uma série de dificuldades e indefinições230 -

227OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado” IN REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Op.Cit, pp 306-339 228 No documento de 1971, a OC-1º de maio afirma: “...As condições maduras para o socialismo poderão apodrecer na ausência dessa organização que promova a união da classe operária e canalize sua movimentação revolucionária contra o Estado burguês, preparada com seus organismos de classe para constituir a ditadura do proletariado contra seus inimigos de classe, ditadura a que deve corresponder necessariamente a democracia dos soviets. A crise da humanidade se caracteriza pela crise da direção proletária (...) O que se coloca à vanguarda revolucionária em nosso país, neste momento, é a constituição dos organismos independentes de combate da classe operária, os organismos de sua unificação, municipais, regionais, nacional, as oposições sindicais, os comitês de greve, os comitês de empresa, e sua organização máxima de direção revolucionária, o partido operário, indissoluvelmente fundamentado na concepção internacionalista da unidade do proletariado e da revolução, e da reorganização da IV Internacional” REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações clendestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, pp.306-307. 229

Em mesmo documento, segundo a OC-1º de Maio: “A construção do partido não se dá pela vontade individual de meia dúzia de indivíduos (...) O partido operário se formará nas experiências cotidianas das massas, com agitação e propaganda revolucionária, nascerá das suas direções em formação, dos organismos transitórios e pela intervenção e centralização, por parte da vanguarda revolucionária, na luta de classe, continuamente. O proletariado brasileiro, nos últimos anos, tem revelado tremendo amadurecimento político com o surgimento das direções organicamente desatreladas das classes dominantes e das instituições pelegas. Mas tem revelado essas direções, o grau de empirismo de sua evolução, no processo intermitente e isolado de intervenções, com programas limitados, e carentes de centralização por uma organização proletária”. OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. Op.Cit,,p 336. 230

No documento citado, a OC-1º de Maio esforça-se para devolver/incorporar na análise contemporânea os fundamentos do Programa de Transição procurando repor/discutir questões consideradas essenciais,

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desenvolveria uma “atuação influente” na Ciências Sociais/USP. Nas palavras de seus

militantes, nos primeiros anos da década de 1970, a FES assumira:

“...a direção do processo; havíamos crescido, construído diversos grupos com

elementos que despontavam como possíveis quadros políticos; determinávamos

as assembléias e suas resoluções; em Filosofia absorvemos os companheiros que

vieram, posteriormente, a integrar a Organização e que se constituíram na direção

política do curso. Em História e Letras caminhávamos para a construção de grupos

da FES”231.

E, com base neste organismo, a OC-1º de Maio se aproxima em 1971 da Fração

Bolchevique/FBT, constando neste mesmo documento o seguinte registro:

“...É interessante ressaltar a participação da Fração neste período através de seus

militantes integrados - à duras penas – no trabalho de intervenção no movimento

estudantil, até seu desbaratamento, um bom trabalho, integrando-se na FES e

vindo a se constituir na direção das classes a que estavam ligados em Ciências

Sociais e, organizando o embrião da oposição ao centrinho de História e de grupos

da FES. A atitude destes companheiros contrastava com a dos companheiros da

direção da FBT que, incapazes de compreender nossas propostas, faziam com que

nosso relacionamento viesse se estremecendo desde dezembro. Deslumbrados

com as perspectivas de sua reestruturação nacional e carregando o vício de seu

passado político não conseguiam entender nossas propostas no sentido de sua

organização em São Paulo, construção de células, integração no trabalho de

intervenção social e normas de disciplina e segurança. Preocupavam-se muito mais

entre elas: o lugar e papel ocupado pela vanguarda revolucionária em sua relação com os movimentos de massas dentro e fora do Brasil; o lugar e o papel ocupado pelo movimento operário entre as lutas sociais (nacionais e internacionais); as experiências e os limites históricos da ação da pequena burguesia com atenção sobre a experiência brasileira na busca da revolução social; o teor, ou mesmo o legado, das lutas sociais em curso na sociedade brasileira - entre eles, a luta armada - e os desafios trazidos pela sociedade contemporânea, entre outros aspectos. OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado”. Op.Cit, p.336. 231 Documento sem título, mimeografado, 30 páginas, com indicação: São Paulo, 14/1/73, p21 IN Arquivo Edgar Leuenroth/IFCH/Unicamp. MSR Pasta 181 – Organização 1º de Maio.

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em ganhar nossos grupos já formados do que em construir nossa própria equipe.

Sem dúvida nenhuma foi este estado de coisas que levou ao se desbaratamento

posterior”232.

Enfim, um terceiro agrupamento viria de encontro aos militantes da FBT e OC-1º

de Maio... Constituído originalmente de pessoas que, após um período de auto-exílio na

França, haviam retornado ao Brasil vinculados à Revista Outubro, seus integrantes

ofereceram uma nova perspectiva de articulação política ao aproximar os militantes

brasileiros de uma dada perspectiva de reconstituição da IV Internacional expressa na

criação do CORQUI233. O Grupo Outubro, como se faria conhecido, encontrara

originalmente no espaço secundarista paulista um lugar estratégico de atuação,

constando entre os primeiros integrantes, Francisco Solano (“um ator de teatro

importante na época”, então aluno de História da USP) e Paulo Eduardo (um “professor de

física de alto nível” que “quando voltou pra cá foi dar aula num cursinho”)234. Este grupo

propunha, então, um método de discussão e militância que, utilizando-se da revista

Outubro (de caráter trimestral) para criar “uma espécie de fórum de discussões”, dele

extraíam “um posicionamento sistemático” com base no qual “os trotskistas começavam a

intervir”.

Segundo Paulo Zocchi, teriam sido produzidos “alguns números em 1970-71, em

francês” que continham, entre outros textos, “um documento dos motoristas da garagem

232

Documento sem título, mimeografado, 30 páginas, com indicação: São Paulo, 14/1/73, p21 IN Arquivo Edgar Leuenroth/IFCH/Unicamp. MSR Pasta 181 – Organização 1º de Maio. 233

Entre os documentos guardados pelo Fundo A Palavra, constam os textos: “Pour le maintien du comite international” (document de la Ligue des Revolutionnaires Socialistes hongrois. Paris, 1e 20 juin 1972); “Une Fuite Honteuse”. 1973 (registro de reunião do Bureau Internacional da Comissão de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional /CORQUI em abril de 1973 e que delibera pela ruptura com a “Fração pela manutenção e desenvolvimento do Comitê Internacional”) e “Information sur le BI”. 1974 (registro de reunião - 5ª sessão - do Bureau Internacional do Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional/CORQUI, em dezembro de 1974, no qual constam as organizações filiadas: LWR/irlanda, OCI/França), IAK/Alemanha, Liga Operária/Israel, LOM/México. Registra-se ainda a ausência de militante da Política Obrera/Argentina, da presença de observador do POR/Bolívia e das demais organizações membro do Comitê de Organização: POMR/Perú), PP/Venezuela, Grupo Trotskista da Bélgica, Comité de Liaison des militants trotskystes portugais, noyau trotskyste d’Espagne e Grupo Outubro/Brasil. Registra-se, por fim, a presença dos grupos Bulletin/Inglaterra, Fração Bolchevique Trotskista/Brasil, grupo 1º de Maio/Brasil, Grupo Trotskista da Argélia, militantes da África, Oriente Médio, Hungria e observadores da Itália). IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 234

Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.

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da CMTC (...) falando das reivindicações, um documento bem sindical” da cidade de São

Paulo, datado de setembro de 1971. Em suas palavras:

“Este grupo, depois de atuar em Paris durante alguns meses, começa a mandar os

caras de volta para o Brasil, ou pelo menos alguns dos caras. Então, a partir daí, o

grupo passa a ter uma expressão no Brasil mesmo (...) Em São Paulo, eu sei que o

grupo Outubro tinha uma presença em um colégio secundarista lá no Brooklin”235.

Com a entrada de militantes na USP, amplia-se o campo de abrangência deste

“método francês” de discussão e militância, ao mesmo tempo em que o grupo editor da

Revista Outubro (elaborada por militantes brasileiros na França) convida os militantes da

FBT e da OC-1º de maio em 1971, a se aproximarem do realinhamento político proposto

pelo Comitê de Reorganização da IVª Internacional (CORQUI) - instância organizativa que

também começava a nascer orientada pelos eixos políticos-programáticos definidos por

Trótsky: o internacionalismo, o programa de transição e a teoria da revolução

permanente.

Segundo Celso Marcondes, estudante da Faculdade de Economia e integrante do

grupo Outubro criado na USP em 1971, esta organização militava na perspectiva de

construir um partido político capaz de fazer a revolução, ainda que num contexto de

isolamento, de clandestinidade e de atividades restritas aos centros acadêmicos;

limitações, aliás, que se buscava enfrentar com a intensificação dos estudos, utilizando-se

como base os materiais vindos da França, um arquivo de jornal e a troca de

correspondência internacional236.

O “método francês” de discussão e militância exigia, então, que todo militante que

quisesse se integrar ao grupo participasse de 9 reuniões sucessivas (1 por semana) e que

lesse em média de 2 a 3 livros por encontro, somando-se a esta programação regular e

clandestina de trabalhos, uma dinâmica marxista de reflexão: cada encontro tinha início

235

Depoimentos de Paulo Zochi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 236

Entrevista de Celso Marcondes (Careca) para Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.

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com uma análise da situação internacional (“geral”) para chegar a análise da situação

nacional (“particular”), discutindo-se ao longo dos trabalhos as atividades (individuais e

coletivas) que deveriam se dar durante a semana. E passadas as 9 semanas, a depender da

responsabilidade, das posturas e convicções apresentadas pelo candidato, ele poderia ou

não ser procurado por um integrante da organização para aderir a ela.

No entendimento de Marcondes, o que “marcava” esta militância era a idéia de

que se tinha a chave da revolução no bolso, convicção da qual emergia a dedicação às

leituras, a disposição para aprender, arquivar e organizar o que se tinha. Por outro lado,

este otimismo somado a uma profunda revolta frente à repressão e atuação militar

possibilitavam que se atribuísse um sentido especial a qualquer acontecimento, questão

que agravada pela inexperiência e ansiedade terminava por gerar, muitas vezes,

avaliações políticas apressadas.

Neste caso, vale considerar que na contra-mão de uma crítica ao conceito de

revolução, ou ainda, de um processo de perda de referências políticas, os grupos

trotskistas realinhados junto ao CORQUI reafirmavam com toda convicção que a revolução

era possível e urgente, e que encontrava-se no Programa de Transição, de Leon Trotsky, a

chave para a realização das mudanças237. Este documento, afirmavam, oferecia um

“programa de ação” aos dirigentes – à “direção revolucionária do proletariado” – na

medida em que os auxiliava a construir o “partido revolucionário dirigente” e a conduzir

“diferentes camadas do proletariado na via da revolução social”, tomando como base o

cumprimento de um conjunto de “tarefas políticas muito claras e precisas”238.

237

Para Trotsky, a “direção revolucionária do proletariado” seria capaz de desencadear as “condições

objetivas necessárias à derrubada do capitalismo” na proporção em que soldasse sua vanguarda às orientações do Programa de Transição (condição para interferir nos movimentos sociais e desencadear um profundo fenômeno de transformação social). A construção da revolução proletária dependeria, portanto, do teor e do sentido das lutas (defesa das conquistas da revolução russa), do caráter (hegemonia do proletariado na revolução, independência de classe, autonomia, internacionalismo) e da força unitária do movimento (unidade mundial na luta de classes). 238 Constavam entre as tarefas defender/promover: “...Independência de classe; reconhecimento do Estado na URSS como um Estado operário apesar de toda sua degeneração; defesa das conquistas da revolução de outubro; mobilizar as massas sobre palavras de ordem transitórias que apontem para a tomada de poder; recusa da teoria do socialismo num só país; hegemonia do proletariado na revolução e unidade mundial da luta de classes; são os elementos deste programa proposto para o desenvolvimento de um trabalho sistemático nas organizações proletárias de massa”. O Trabalho nº31 04 a 16/set de 1979 “A História da IV Internacional” (1ª parte), p.6

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Este “Programa”, que nascera fruto das experiências de Trotsky (de enfrentamento

do stalinismo a partir de 1924 e acirramento a partir de 1933) com as análises de Lenin

sobre o Imperialismo (como estágio supremo e final do Capitalismo) e os ensinamentos

práticos do bolchevismo constituía-se no sentido de ser e o papel da IV Internacional no

cenário mundial.

Os estudos que precediam a entrada no Grupo Outubro cumpriam com o

propósito de formar um agrupamento de militantes convictos e preparados, trajetória que

possibilitaria a “costura” política, inicialmente entre a FBT, o próprio Outubro e a

Organização de Mobilização Operária (OMO), uma dissidência da Organização de Combate

1º de Maio (OC-1º de Maio), para fazer nascer a Organização Marxista Brasileira (OMB)

em 1975 e, no ano seguinte, entre a OMB e a OC-1º de Maio, nascendo desta fusão a

Organização Socialista Internacionalista (OSI), direção clandestina da tendência Liberdade

e Luta, vinculada à Quarta Internacional/Comitê Internacional (QI/CI).

O ano de 1971 ocupa, neste sentido, um papel emblemático e apesar da violência

repressiva (em especial, sobre a FBT), todo um percurso de estudos, debates, divergências

(quanto à criação de um partido, quanto à constituição de uma frente...) e

posicionamentos de caráter clandestino ganha lugar com base na retomada dos eixos

políticos-programáticos definidos por Trotsky na criação da IV Internacional: o programa

de transição, a teoria da revolução permanente e o internacionalismo, cumprindo as

reuniões clandestinas junto ao CORQUI um papel fundamental.

Ainda, na lembrança de alguns militantes, a aproximação das atividades do

Outubro (em geral, oriundos do movimento secundarista com maior ou menor

envolvimento nas ações armadas) se dera não apenas pela descoberta e identificação com

as leituras de Trotsky, mas pelas afinidades de postura com relação ao regime capitalista e

ao Estado Militar. Segundo Sokol:

“Eu não concordava com as alianças com a burguesia, nesse ponto eu partilhava

da critica que a radicalização da juventude de 68 fazia ao PCB. Ao conciliar com os

militares, desde antes de 68... era o PCB na busca incessante do setor nacionalista

progressista que não existia...tudo isso que eu tinha negado na guerrilha, mas era

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uma negação formal, sem conteúdo. Essa critica eu mantinha, mas nem por isso

eu voltei à casa materna, ao PCB... Então a minha primeira intuição é que era um

regime fascista e foi Trotski que me deu a explicação, o que historicamente é o

fascismo que se impôs à base de uma derrota física em relação ao proletariado..

no Brasil essa derrota foi muito limitada, então eu comecei a me considerar um

pouco trotskista. Na universidade eu tive contato com o grupo Outubro que era

um grupo formado na França por exilados brasileiros. Depois de uma longa

discussão que durou mais de um ano, eu acabei me integrando a esse grupo e foi a

época de efervescência na universidade (..) Então foi assim que eu aderi ao

trotskismo”239.

Nos primeiros anos da década de 1970, o Grupo Outubro começa a estabelecer as

primeiras células nas faculdades de Economia e de Comunicações da USP e na PUC-SP.

Segundo Markus Sokol:

“...no começo tinha uma única célula, tinha dois militantes na ECA, um militante na

economia, que era eu, dois militantes da PUC... Na ECA era o José Américo e o

Edmundo. Depois tinha o Campos. Na época era isso e mais cinco ou seis pessoas.

Depois a gente passou pela célula de economia, várias na ECA. Várias assim, meia

dúzia..”240

Nas lembranças de Flávio Carrança:

“...eu falo da economia (...) Tinha o Celso (o Careca), o Sokol, o Ricardo Melo,

depois apareceu outras pessoas (..) mas a gente constituiu um núcleo que os

pontos principais eram essa oposição ao PC e eu acredito que a guerrilha, e a

questão da independência de ter movimentos que tivessem representação de

base, uma idéia um pouco influenciada pelos autonomistas e esse tipo de coisa (...)

pra mim, pelo menos, não havia tanta clareza de objetivos. E ai a gente acabou

239 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 240 Entrevista de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005

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constituindo um movimento de oposição dentro da economia (...) o centro

acadêmico chamava-se Visconde de Cairu e a gente fez uma coisa meio de gozação

que era o Barão de Itararé (...) um personagem que não tem nobreza real. O

núcleo acabou se constituindo (...) Até onde eu fui informado era o Celso que era a

pessoa organizada que tinha o vínculo com o trotskismo, o Celso Marcondes,

Fonseca era o nome de guerra”241

Nas palavras de Celso Marcondes:

“Diz a lenda que um certo Glauco encontrava-se todas as semanas numa praça

com os três integrantes que formavam a FES, que tentavam cooptá-lo. Eles

chegavam de carro, num Volkswagen, é claro, e um deles descia para discutir com

o "contato" as lições da leitura dos livros da semana. Reuniam-se os dois na praça,

despediam-se até o próximo ponto. Passados alguns meses os três da FES

decidiram que Glauco já estava pronto para integrar o grupo. Pararam o carro a

seu lado como faziam todas as semanas. Em vez de um descer, perguntaram a ele

da janela: "você já está pronto para entrar na FES. Quer entrar?". Diante do sim do

novo militante, abriram a porta do carro e disseram: "então, entra!". Dali em

diante, Glauco passou a se reunir com os três juntos, toda semana, dentro do

carro. Pode não ter sido exatamente assim que aconteceu. Mas, é como eu

sempre gostei de lembrar... e contar. A verdade mesmo é que para todos nós que

teimávamos em militar clandestinamente naquelas épocas bravas de ditadura, de

medo, prisões e torturas, as reuniões eram sempre entre poucos, dentro de um

carro que vagava pelas avenidas marginais até a discussão, ou a gasolina, acabar.

Ou nos bancos do Ibirapuera simulando um piquenique. Lembro até de idas a

Santos, em pleno inverno, para reunir na praia, três ou quatro pessoas,

devidamente vestidas dos pés à cabeça. Nada suspeito, mas quais alternativas?

Lembro também que devorávamos os jornais - que eram devidamente arquivados

- sempre em busca de notícias que prenunciassem o fim do regime militar ou que

falassem de greves ou mobilizações da classe operária. Tarefa superdifícil, pois o

pouco que acontecia neste sentido era censurado ou, mais tarde, substituído por

241 Entrevista de Flavio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005.

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receitas de bolo ou sonetos de Camões. Também nos esforçávamos para aprender

a falar espanhol, bem antes dos imperativos da formação do Mercosul. A tarefa

era obrigatória, pois os livros marxistas que chegavam eram importados da

Argentina ou da Espanha e vendidos numa só livraria, na praça da República.

/Trabalho Assalariado e Capital; Salário, Preço e Lucro; Do Socialismo Utópico ao

Científico/ eram alguns dos títulos básicos. Sem notícias quentes do Brasil, as

matérias de conjuntura internacional passavam a ser importantíssimas.

Discutíamos horas sobre os acontecimentos da França, do Chile e do Ceilão,

vislumbrávamos a todo momento a chegada de fora de uma onda revolucionária

que contaminasse o país. Mas, que nada..”242.

A OC-1º de maio, por sua vez, permanece atuante através da FES, procurando

tornar mais explícito os posicionamentos trotskistas frente, especialmente, aos

“maoístas”, grupos alinhados ao conceito e trajetória da revolução chinesa, na ocasião

formados por militantes da Ação Popular (AP) e do Partido Comunista do Brasil (PcdoB)243.

No território acadêmico e político da Universidade de São Paulo, portanto, achava-

se em curso desde os primeiros momentos da década de 1970, um rico e intenso caminho

de recomposições militantes que, em paralelo ao acirramento repressivo, retomava

processos de reflexão e redefinição em grande medida sintonizados (e alimentados) por

um progressivo estranhamento e mal estar social vivenciado frente à ditadura militar.

Estes grupos conseguiriam se recompor na medida em que passavam a “ler” e estabelecer

sintonia com diferentes focos de indignação e insatisfação presentes, compartilhando com

eles a construção/fortalecimento de outras/novas instâncias de enfrentamento cultural e

político.

242 Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941 243 O panfleto lançado pela FES em março de 1972 é sugestivo; intitulado “A Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”, afirmava, portanto, que: “..os jovens chineses, operários, estudantes, que hoje falam em construir o socialismo e estudam maoísmo, chegarão a compreender que o maoísmo é uma doutrina da traição da burocracia chinesa. Compreenderão que só a união de todos os trabalhadores do mundo, solidificados por concepções científicas, marxistas, dirigidas por seu partido revolucionário internacionalmente, poderá e deverá derrubar as classes e castas exploradoras, erguendo um governo dos próprios trabalhadores como passo para a construção do socialismo”

Frente Estudantil Socialista. “A

Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”. São Paulo, 3/3/72, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002

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Mas, para além das organizações trotskistas, o processo de recomposição

organizada no cenário acadêmico também começava a experimentar, já nos primeiros

momentos da década de 1970, um importante debate (de caráter clandestino) em torno

das perspectivas e ferramentas políticas que se achavam disponíveis, ou que se

mostravam mais adequadas para interpretar, intervir, organizar ações políticas (dentro e

fora da universidade) num contexto dramático, e ainda, permeado por conceitos e

referências oriundas de matrizes marxistas diferentes. As discordâncias entre as

organizações não impediriam, segundo Celso Marcondes244, que se constituísse uma

frente política contra a ditadura na USP, entre os anos de 1969/1971, com base em

diferentes organizações245. As atividades desta frente seriam resgatadas pela imprensa

estudantil em meados da década de 1970, quando vários destes grupos políticos já

disputavam espaço no cenário acadêmico, esclarecendo-nos o Jornal Dois Pontos246 que,

entre os anos 1969 e 1971, “um pessoal que não podia se expor tanto” conseguira levar

adiante algumas lutas importantes atuando no DCE, constando entre elas a luta contra a

implementação da lei nº4464 (que substituía as agremiações estudantis por Diretórios

Acadêmicos com novas regras de gestão) e o enfrentamento de uma pesquisa a cargo do

CRUSP que se acreditava estar associada à implantação do ensino pago na USP. O

“pessoal” do DCE também procurara fazer “o possível para que os CAs se mantivessem

abertos”, organizando atividades importantes, entre elas, duas calouradas conhecidas

como BICHUSP, e que de maneira particular no ano de 1971 alcançara:

244

Entrevista de Celso Marcondes (Careca) para Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 245

As atividades desta frente permaneceriam obscuras para o próprio movimento estudantil que, no curso

dos anos seguintes, avançou nos processos de recomposição política; a princípio, o “grupo de José Dirceu” que vencera as eleições da UEE em 1967, iniciara uma ofensiva sobre os “centrinhos” sob controle da AP, mas a partir de 1968, quando“não havia condições de convocar eleições” na USP: “...algumas pessoas da liderança de 68 indicaram um nome para a presidência. Depois, esse cara reuniu mais gente interessada, dizem que até calouros, e essa direção foi até o início de 71, com cinco membros. Em 71, teve eleição indireta através de delegados, por problemas claros de segurança. Em 72, não houve jeito: com chapa única, desistiram de convocar eleições...” Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3 246

Periódico criado por estudantes e também por militantes ligados à FES, entre eles, Caio Túlio Costa.

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“...grandes proporções... era a USP toda mobilizada... comissões de divulgação

para cá, comissões de não-sei-o-quê pra lá, peças de teatro, tinha mesmo teatro-

jornal... chegou a ter mais de trinta grupos diferentes (...) E torneios, esporte. Cê

pedia um material, eles te arranjavam. Esse Bichusp foi muito incrível”247.

Neste mesmo ano, nas lembranças de Celia Azevedo que ingressara na ECA USP

em 1971, o trote promovido pelo CA (sob direção do PCB, na gestão de Sérgio Gomes)

trazia atividades como uma “corrida de tartarugas” em lugar de tratar da luta contra a

ditadura. Em suas palavras:

“Em março de 1971, aos 19 anos de idade, eu me sentia a pessoa mais feliz do

mundo no meu primeiro dia de aulas na Escola de Comunicações e Artes da USP.

Minha felicidade devia-se não somente a ter entrado na USP para fazer

exatamente aquilo com que sonhava há anos: jornalismo. Mas, eu me sentia feliz,

sobretudo, porque agora finalmente eu teria a chance de conhecer os meus tão

sonhados revolucionários e entrar para as suas fileiras. Há tempos, ou melhor,

desde o início da minha politização aos 16 anos é que eu ouvia falar que a USP

estava infestada de “subversivos”, de gente que queria derrubar o governo e

implantar o comunismo no país. Eu não sabia bem o que era comunismo a não ser

que os comunistas queriam acabar com as classes e com a miséria no Brasil, o que

me parecia muito bom. Mas quanto a derrubar a ditadura militar, para mim isto já

era uma necessidade líquida e certa (...) Foi assim, em meio a grandes expectativas

que cheguei à ECA no primeiro dia de aulas. Eu sabia que haveria trote e esperava

alguma coisa num estilo crítico, revolucionário... mas, para meu desgosto, e

supremo espanto, ouvi o convite bem-humorado do diretor do Diretório

Acadêmico : “Pessoal, vamos participar do trote amanhã! Quem tiver um jabuti ou

uma tartaruga em casa, traga para cá para fazermos uma corrida de tartaruga... “.

Não achei graça nenhuma naquilo, aliás, fiquei revoltada com aquele disparate.

Gente sendo torturada nas prisões e um aluno da USP, com seus longos bigodes,

247 Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3

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querendo brincar de corrida de tartaruga! Não voltei à USP até me certificar que

as aulas haviam de fato começado. Pelo menos eu teria aulas com jornalistas

experientes, que viviam no centro dos acontecimentos políticos... Mas nem essa

última expectativa se cumpriu. As aulas eram enfadonhas, não se tocava em

política, a ditadura lá fora e nada acontecia dentro da sala”248.

As lembranças de Geraldo Siqueira também se revelam esclarecedoras:

“...Entrei na USP no ano seguinte, 1971 (...) A USP estava meio uma terra arrasada,

muita gente já tinha ido para a clandestinidade, muita gente estava presa e exilada

e havia algumas lideranças remanescentes. Não pensei que fosse tão ruim assim.

Cheguei, já fui logo recrutado para o Centro Acadêmico. Dá para imaginar a

carência: eu, calouro e presidente do Centro Acadêmico! Fazíamos uma resistência

pequena: com mural, jornalzinho, denúncias de prisão de estudantes.

Organizávamos campeonato de futebol, tocávamos música, bebíamos pinga. As

entidades gerais todas estavam proibidas: UNE, UEE, DCE. O Diretório Central da

Universidade era clandestino, eles marcavam a reunião com os presidentes como

se fosse ponto de organização clandestina. A situação estava difícil, tanto é que o

DCE acabou se extinguindo... as pessoas foram presas. Aí formamos o Conselho de

Centros Acadêmicos, que bolava ações conjuntas na universidade. Fizemos

bastante coisa, festas juninas imensas com cinco mil alunos. Então, valia qualquer

coisa que se registrasse, quando se sabia que alguém tinha sido preso. Mas

existiam divergências. O pessoal do partidão da universidade era contra porque

achava que isso ia expor as entidades a serem fechadas. E o pessoal da ALN

[Aliança Libertadora Nacional], que era o extremo oposto, também era contra.

Diziam que para enfrentar a ditadura, tinha que ser com a luta armada lá fora,

dentro da universidade só se discutia educação. Mas tinha outro tanto de gente

que ia nessa história”249.

248

Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 249

Geraldo Siqueira Filho. Depoimento ao Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.

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Então, em 1972, a administração universitária resolve convocar os alunos para

eleger o DCE oficial da USP “baseados naquela cláusula do estatuto que diz que o cara que

não votar perde o direito de fazer os exames seguintes às eleições” e as discussões se

acirram, afinal, o que implicava a descaracterização da entidade “livre”? Os estudantes

aceitariam um DCE oficial? E qual seria o risco de, na opção de se boicotar as eleições, um

grupo da “reação” ganhar a entidade? Por outro lado, como era possível resguardar os

estudantes resistentes das reprovações? Os alunos estariam dispostos a levar adiante o

enfrentamento de uma burocracia universitária vinculada à ditadura militar (responsável,

inclusive, pela reforma tecnocrática da USP)? Qual seria o papel do DCE e das entidades

nesta trajetória?250

250 As palavras de um aluno de psicologia entrevistado pelo Jornal Dois Pontos (1975), sobre os anos 1971/1972 nos parecem interessantes: “...certos CAs, como o de História, o de Comunicações, viviam a pichar o DCE, acusando ele de não ser representativo das massas, justamente por estar escondido, difícil de assumir posições políticas maiores. Diziam que assim ele não tinha sentido de existir, e viviam boicotando tudo. Também chegaram a se formar duas Coordenações, uma de Exatas, outra de Humanas, contra o DCE; a de Exatas acabou logo, a outra demorou mais, mas morreu também. Não sei bem ‘qual’ era a deles – admitiam a impossibilidade do DCE estar se baseando nas massas, e então já propunham espécies de grupos, que brigariam por escolas (..) No fim, todas essas pressões acabaram por se somar (..) a outras condições dentro da própria organização do DCE, e enfraquecê-lo. Se ele não teria sentido em existir assim, deveria acabar, ou ser estudada uma proposta que o fizesse representativo. Aí vem a estória do CCA (Conselho dos Centros Acadêmicos).. mas isso é outra história..” Depoimento de um “aluno da psicologia” (turma de 1969) IN “Diretório Central dos Estudantes”. Dois Pontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo: Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975, p.3.

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É neste momento que a militância trotskista (ligada a OCI e a Pierre Lambert)

começa a estabelecer seus primeiros marcos políticos no território acadêmico, exprimindo

de maneira mais clara as próprias concepções (de organização e luta política) e

convidando as demais organizações a fazer o mesmo. No ano de 1972, portanto, a USP

passa a contar com duas frentes políticas (organizadas e clandestinas): uma frente

contrária ao PCB (formada por militantes dissidentes do PCB vinculados ou não à

perspectiva de luta armada; por militantes de origem católica; trotskistas; stalinistas..

desejosos de se contrapor às posições excessivamente moderadas do mais estruturado e

experiente dos partidos de esquerda); e a Frente Estudantil Socialista (FES), organismo

que, originado no ano anterior, se vê reforçada em seus propósitos de agregar militantes

afinados com os princípios socialistas, ou ainda, com os fundamentos trotskistas.

Ambas as frentes seriam importantes nos percursos de reconfiguração do território

político organizado, valendo lembrar que, para o historiador Daniel Aarão, foi a disposição

de luta política somada à descrença nas posturas, orientações e legados do Partido

Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)

1971/1976

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Comunista Brasileiro251 o que orientou os caminhos de revisão das leituras, opções e

práticas políticas das esquerdas brasileiras252.

Cidade Universitária da USP nos primeiros anos da década de 1970. Imagens disponibilizadas pela internet.

Enfim, a solução dada ao problema do “DCE oficial” acabaria sendo a de inscrever

uma plataforma única, a “Chapa Renúncia”, com o propósito de assumir o DCE oficial,

renunciar a ele e passar a direção das lutas por direitos estudantis ao Conselho de

Presidentes de Centros Acadêmicos (um órgão auxiliar do DCE, ao menos, até se resgatar

a representatividade da entidade).

Este Conselho, recriado como Conselho de Centros Acadêmicos – CCA – surgiria

em junho de 1972, contando com a participação de 17 dos 26 “centrinhos” existentes na

USP e já no segundo semestre, ele lançaria o “Caderno do Ensino Pago” seguido por um

251 REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução.Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. RJ: Marco Zero, 1985); Op. Cit, p.7 252 REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução. Op. Cit., p 12.

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plebiscito sobre o tema que, na ocasião, acabaria por contabilizar mais de 90% de rejeição

às perspectivas de privatização da USP. Em seguida, reforçando a ação de denúncia de

prisões (assinada por 6 Cas após a detenção de estudantes da Politécnica e da História253),

o CCA promoveria um abaixo-assinado em solidariedade à greve de fome dos presos

políticos de São Paulo, firmando-se com um fórum de grupos de esquerda que por cerca

de dois anos se manteria à frente da tarefa de articular as perspectivas comuns de

politização das discussões, realizações culturais e intervenções.

De forma concomitante, um outro processo ganhava lugar. De fato, no micro-

cosmo uspiano, as discussões acerca da participação – ou não – nos fóruns de

representação oficiais começavam a acirrar os ânimos e a se transformar num ponto de

divergência entre as organizações clandestinas. Vinculado a isto, crescia no interior de

alguns grêmios (também chamados de centrinhos ou ainda, de entidades) o trabalho de

discussão e alargamento dos sentidos e possibilidades de enfrentamento dos estudantes

da reforma universitária e da ditadura militar, perspectiva que exigia outras formas de

participação política entre/dos estudantes. No CEUPES (Ciências Sociais), espaço de

atuação da OC 1º de Maio, um Boletim Informativo datado do primeiro semestre de 1972

discutia o processo de eleição de representantes nos seguintes termos:

“...Por ocasião das eleições do ano passado, foram realizadas algumas coisas que

inexistiam até 1971: apresentação dos candidatos e seus programas (mas só no

primeiro e segundo ano) (..) Mas mesmo assim, houve grandes descuidos e erros:

o candidato havia sido indicado pela diretoria do CEUPES sem nenhuma discussão

mais aberta (..) Este ano, esta falha possivelmente poderá ser superada: propomos

para tanto uma reunião geral (..) onde o atual representante fará um balanço de

seu mandato (prestação de contas) e onde todos poderão sugerir possíveis

candidatos.”254

253 Romagnoli, Luiz Henrique e Gonçalves, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, pp. 18-19. 254

Boletim Informativo CEUPES, 1972. Eleições?!

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A discussão sobre os limites da representação oficial - e ainda, dos sentidos e

possibilidades de sua rejeição e enfrentamento - fortalecia o entendimento da sala de aula

como lugar de ação política, mas mais do que isso, abria outras perspectivas para a

criação ou retomada de fóruns políticos nos quais os estudantes viessem a se integrar

mais diretamente para defender intransigentemente seus interesses e direitos. Estas

formulações, por sua vez, estimulavam os debates e a circulação de leituras e proposições

na forma de jornais, boletins, “revistas”, cartas programa, o que possibilitava às

organizações clandestinas mostrar mais claramente seus posicionamentos nos grêmios e

entre os estudantes, ao mesmo tempo em que ganhava forma uma série de dinâmicas

concomitantes, semelhantes à círculos concêntricos, no entendimento de Juleusa Turra.

Em suas lembranças:

“Existiam estudantes pouco envolvidos, mas no caso das ciências sociais isso era

praticamente inexistente, eu pelo menos não consigo observar os não envolvidos.

(..) Ai tinha os estudantes em movimento em torno do centro acadêmico, depois

tem os estudantes em movimento que sabiam que tinha a necessidade de ter

alguma outra coisa a mais do que o certo 'expontaneismo'. E depois tinha o núcleo

duro do que eram as tendências no sentido clandestino255.

Então, numa dinâmica em vários aspectos semi-clandestina, as organizações

reunidas em torno da “frente de oposição ao PCB” (de maior expressão) e as organizações

que compunham ou se acercavam à “frente estudantil socialista” (em constituição)

procurariam formar e lançar chapas para os grêmios tomando como base proposições

organizativas e perspectivas de movimento diferentes. Diferenças, no entanto, que nem

sempre se mostravam claras. Segundo Caracol:

“Quando eu entrei, a FAU, na época, era bastante dividida entre duas correntes: a

corrente do PC tradicional, com bastante gente acomodada ou “reformista”, como

era chamada na época em relação à atividade política, muito mais cautelosa e os

255 Entrevista de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005.

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remanescentes dos antigos grupos que haviam entrado na guerrilha... Uma coisa

muito marcante era o processo exatamente contrário de negação das atividades

acadêmicas, por não ser revolucionária não levava a acontecer... Aí, no final do

primeiro ano, nós montamos uma chapa e conseguimos ganhar o grêmio da FAU

numa composição lá com o chamado primeiro ano, o pessoal sem experiência

nenhuma... pessoas antigas do Partidão que também a gente não sabia que era,

porque era tão camuflado... quando descobrimos, era incompatível nossa

atividade (...) a gente sentiu durante dois anos (...) Por outro lado, também

começou a ganhar uma outra qualidade porque a política de repressão foi

extremamente pesada (...) [mas] foi uma época extremamente fértil. Um debate

político intenso”256.

Num conjunto de pouco mais de 20 grêmios, a atuação clandestina dos trotskista

vinculados a OCI alcançava maior influência nas Faculdades de Ciências Sociais (CEUPES),

Comunicação e Artes (CALC), Economia e Administração (FEA), Física (CEFISMA) e

Arquitetura (GFAU); nelas se conseguia expressar de maneira mais forte uma crítica às

“visões guerrilheiristas” que desprestigiavam as atividades acadêmicas como não

revolucionárias - por se achar que elas se prestavam apenas “para subsidiar a atividade

política fora dali” -, ao mesmo tempo que defender “a reconstrução da entidade como

organismo dinâmico”257, capaz de intervir na dinâmica da universidade e da sociedade.

Nas lembranças de Flávio Carrança (militante na faculdade de economia e vinculado ao

grupo Outubro):

“...Havia, naquele período, uma geração de militantes que fazia uma critica, que

não se identificava com os partidos comunistas (...) hegemônicos nos centros

acadêmicos da USP e no movimento estudantil de forma geral, e que também

começava a fazer uma crítica da experiência da guerrilha [que] em 72, 73 já se

mostrava falido. Então era um período de intensa repressão, estava no auge da

ditadura, mas naquele mundo ali da USP se juntavam pessoas que tinham uma

256 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 257Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996

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critica ao PC e as experiências das ações guerrilheiras. Eu tenho a impressão que

esses são os principais pontos de identificação da pessoas que se reuniram pra

constituir um movimento de oposição aos centros acadêmicos que tinha a

hegemonia do PC na USP”258.

Na USP dos anos 1972 /1973, os órgãos repressivos (presentes também na esfera

administrativa da universidade) sem perceber claramente estas divergências,

acompanham com atenção a intensificação dos debates e das manifestações políticas e,

na busca de ampliar seu controle, reforçam as ações repressivas sem se dar conta de que

com elas, passava-se a “empurrar” os estudantes e organizações para a defesa mais

contundente de suas proposições, fortalecendo indiretamente a perspectiva política –

defendida no interior de alguns grêmios – de que se fazia necessário recriar os fóruns de

mobilização e organização estudantil.

O ano de 1973, neste aspecto, pode ser tomado como um divisor de águas na

trajetória de recomposição do movimento estudantil da USP; em seu percurso, a questão

da política assume um leque muito mais amplo de significados, ao mesmo tempo em que

258 Entrevista de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005

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toda uma série de panfletos fundados em denúncias e proposições de resistência passam

a circular pela USP, destacando-se entre eles o folheto “A Ponte: quando o Muro

separa...”, uma publicação engajada que receberia grande atenção dos órgãos de

segurança259.

Neste mesmo período, nota-se também uma maior aproximação entre as

proposições políticas e as experimentações culturais, ganhando forma um conjunto de

atividades artísticas que trazia em suas linguagens fundamentos e posicionamentos

marxistas, materializando-se uma variação de leituras, experiências e proposições políticas

inusitadas; por outro lado, vale considerar, no espaço acadêmico os órgãos de segurança

ainda se encontravam focados – no uso de um aparato mais qualificado – sobre a ação de

grupos envolvidos com a luta armada, “deixando escapar” o que se desenhava de novo à

sua frente.

Nas lembranças de Caracol, entre os anos de 1971/1972 predominara na USP uma

“cultura de resistência” marcada pelo “samba, o sambão, Paulinho da Viola, MPB4, Paulo

Sérgio Pinheiro” que decorria da “atuação dos grupos organizados na época”, na prática,

259

Num deles, podemos ler: “Jornal Universitário ‘A Ponte’, de responsabilidade de vários CAs da USP, em julho de 1973, prega que ‘para impedir a implantação do ensino público pago será a movimentação por nós organizada, após discussão e conseqüente conhecimento das implantações dessa medida que fere frontalmente o direito de educação gratuita de toda e qualquer pessoa’” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1426

Cartaz e imagens do show de Gilberto Gil na USP em 1973

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dos “braços do PC, porque não era um só, eram braços diferentes...”. Também já “havia os

grupos de vanguarda cultural, que vinham dos remanescentes do antigo TUCA... Havia

grupos de teatro com uma linguagem mais aberta...”, sendo que “esses grupos mais

conservadores acusavam os demais de fazer uma arte mais abstrata de desengajamento”.

Nos anos seguintes, a vida intelectual e artística se tornou ainda mais fértil. Em suas

palavras:

“...Passavam os filmes do neo-realismo italiano, filmes brasileiros... passava Rio 40

graus, A Grande Cidade... (..) Havia muitos shows na universidade. Eu me lembro

que em 1973, houve muitos shows significativos: shows do Gil (..) um show feito

no barraco da POLI, foi marcante (...) Tinha um trânsito grande nas áreas da

universidade e algumas das atividades mais localizadas (...) De alguma maneira

convergiam ali as atividades (..) quem queria fazer alguma coisa procurava, em

geral, as entidades (..) quando você não encontrava abrigo na entidade (...)

criavam-se alternativas e atividades independentes (...) Dependia muito de que

tipo de tendência política que estivesse dentro”260

Neste trânsito cultural, por sua vez:

“...a questão individual era a mais colocada. A ausência de perspectivas, as

dificuldades, as agonias, era mais comum... Em algumas áreas, particularmente, na

arquitetura, ECA e áreas mais vinculadas às artes, ou de atividades mais ligadas à

cultura, muitas pessoas que se aglutinavam iam embora, desapareciam, ficavam

três anos, viajavam... e com o recrudescimento da atividade política, toda uma

efervescência e contribuições passaram a ser colocadas pela chamada ala louca,

radical, etc. Naquela época, para você ter uma idéia de algumas correntes (...)

diziam que sexo era só para reprodução...261

260

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 261 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996

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Então, na aproximação entre proposições políticas e experimentações culturais,

também as questões subjetivas passam a dar forma as experiências políticas, o que

acabaria por redundar no entendimento , segundo Juleusa Turra, de que “a política era

nosso movimento”. Para muitos estudantes e algumas organizações, de fato, a cultura

começava a aparecer como dimensão integrada/intrínseca à política, e como tal se

constituía numa dimensão própria e importante de reflexão da realidade e da sociedade

na qual se buscava intervir.

Entre as militâncias trotskistas, e em particular, no grupo que daria forma à

Liberdade e Luta, o trato de questões como estética e arte, ocuparia lugar central na

esfera dos valores, dos conceitos e nas metodologias de interpretação do tempo presente,

a ponto de toda uma dimensão de atuação se centrar nesta esfera262.

Enfim, para completar o quadro: o medo e a violência também forneciam um

conjunto próprio de elementos, convivendo-se dia a dia num contexto no qual “...nós

tivemos colegas que foram sequestrados de dentro da sala de aula pela polícia, colegas

que foram mortos (...) mas isso foi mostrando que o movimento estudantil era um

movimento de todos”263. O ano de 1973 também se marcaria pela necessidade de

combater à repressão, perspectiva que se transformaria num elemento agregador das

organizações clandestinas, ao mesmo tempo que num elemento articulador das

organizações com um conjunto mais amplo (e diverso) de estudantes264.

Os acontecimentos associados ao assassinato de Alexandre Vannucchi Leme, em

17 de março deste ano e em meio às notícias de dezenas de prisões, podem ser tomados

como expressão deste processo. Alexandre Vannucchi Leme era estudante de geologia e

262

Nesse sentido, somos levados a considerar que, nas bases da crítica e da resistência aos fundamentos do realismo socialista (ainda fortes no processo de reorganização política) achavam-se presentes elementos do Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, de Trotsky e Breton (1938), mas enquanto referência, uma vez que não encontramos sinais de sua presença explícita. 263

Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 264 “No campus da USP, nas salas de aula, nos centros acadêmicos, os estudantes se mobilizavam. A revolta contra o assassinato do colega do Instituto de Geociências e outras 44 prisões de alunos da USP fazia ressurgir o movimento estudantil” In MENEZES, Eugênia de, Jornal da USP, ano XIX, nº672, 25 de janeiro a 10 fevereiro de 2004.

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militante da ALN; ele fora preso no dia 16 e assassinado no dia 17 de março265, seguindo-

se reações no interior da universidade numa escala surpreendente e associada, em boa

medida, pela fala oficial266 de que o “minhoca” morrera em razão de um

"atropelamento"267. A contestação desta versão e a afirmação de que se tratava de um

265 “Cursava o quarto ano de geologia na USP quando foi assassinado. Foi preso por agentes do DOI/CODI-SP no dia 16 de março de 1973, por volta das 11 horas. As torturas infligidas a Alexandre iniciaram-se assim que deu entrada nas dependências do DOI/CODI, tendo sido a equipe C a primeira a torturá-lo. Tal equipe era chefiada pelo delegado de polícia conhecido pelo nome de "Dr. Jorge" e composta pelos seguintes elementos: escrivão de polícia Gaeta, tenente da PM Mário, investigador de polícia conhecido como "Oberdan" e o carcereiro do DOI/CODI conhecido como "Marechal". No dia seguinte, Alexandre foi torturado pelos membros da equipe A, chefiada pelo torturador de nome "Dr. José" e pelo investigador conhecido por "Dr. Tomé" e composta por: "Caio" ou "Alemão", "Dr. Jacó", "Silva", "Rubens", todos orientados diretamente pelo comandante daquele departamento, o então major Carlos Alberto Brilhante Ulstra. As torturas prolongaram-se até pouco depois do meio-dia, tendo então Alexandre sido colocado na cela-forte. Por volta das 17 horas, o carcereiro conhecido pelo nome de "Peninha" foi retirá-lo da cela para levá-lo para mais uma sessão de tortura. Alexandre não respondia aos gritos do carcereiro que, intrigado, entrou na escura cela-forte e constatou que estava morto, saindo da cela aos gritos de "o homem morreu". Os torturadores correram todos para ver o corpo de Alexandre e o retiraram da cela-forte, arrastando-o pelas pernas. Tal cena, assistida por todos os demais presos recolhidos às dependências do DOI-CODI naquele dia era brutal: Alexandre sangrava abundantemente na região do abdômen. A morte de Alexandre foi justificada pelos torturadores, perante a acusação dos demais presos, como tendo sido provocada por suicídio com auxílio de uma lâmina de barbear. Somente no dia 23 de março os órgãos de segurança divulgaram sua morte, com a notícia de que fora atropelado ao tentar fugir da prisão. Tal versão foi desmentida categoricamente nos depoimentos prestados no mês de julho de 1973, perante a 1ª Auditoria Militar, pelos seguintes presos políticos: Luis Vergatti, Cesar Roman dos Anjos Carneiro, Leopoldina Brás Duarte, Carlos Vítor Alves Delamônica, Walkiria Queiroz Costa, Roberto Ribeiro Martins, José Augusto Pereira, Luís Basílio Rossi e Neide Richopo. Tais depoimentos foram citados pelo Ministro do STM Rodrigo Otávio Jordão Ramos no dia 26 de abril de 1978”. DELIZOICOV, Eremias. Centro de documentação | DOSSIÊ - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil. 266

“Assim o jornal O Globo deu título à notícia da morte de Alexandre Vannucchi Leme, dias após o

ocorrido. “Os órgãos de segurança revelaram que o terrorista Alexandre Vannucchi Leme, conhecido como ‘Minhoca’, morreu atropelado por um caminhão quando tentava fugir ao ser levado por agentes a um encontro com outro terrorista, no cruzamento das ruas Bresser e Celso Garcia”. Nada menos do que três pessoas teriam testemunhado o atropelamento, segundo o jornal: “Três testemunhas contaram que presenciaram o acidente em que morreu o motorista”. Uma delas, “Alcino Nogueira de Souza, empregado de balcão da Confeitaria Santa Cruz (…), chegou a servir uma cerveja ao terrorista. Viu quando ele olhou para um lado e para o outro, atravessou correndo a rua e foi colhido pelo caminhão”. O excesso de nomes e detalhes (inclusive a chapa do suposto caminhão atropelador) é pouco usual em casos de acidentes de trânsito, fazendo supor que a matéria de O Globo foi preparada em estreita colaboração com os órgãos de segurança. O texto afirma também que “com base em informações” de Minhoca foi possível “identificar” outros integrantes da ALN, o que é outra operação típica da repressão: sugerir que a pessoa assassinada delatou companheiros”. GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 267

“A versão oficial sustentava que Alexandre morrera a caminho do hospital, depois de ser atropelado por um caminhão. Ele teria sido conduzido pelos órgãos de segurança até o bairro do Brás, para mostrar onde tinha um “ponto” com um companheiro de grupo, e teria tentado fugir. Note-se que a mesma explicação já havia sido usada para justificar o assassinato de Antonio Benetazzo, preso em 28 de outubro de 1972 e morto dois dias depois (..) Benetazzo era estudante de Arquitetura, presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia e professor em cursos pré-universitários. Diferentemente de Alexandre, abandonou a

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assassinato motivou a instauração de assembléias e a realização de atos de protesto em

várias Faculdades268, decidindo-se numa assembléia na Faculdade de Geologia no dia 23,

que seria realizada uma missa, formar-se-ia uma comissão jurídica (para apurar as

circunstâncias da morte e as razões das constantes prisões de estudantes) e seria

decretado luto pela sua morte.

.

Foto datada de 1973 não identificada; retrato de Alexandre Vannucchi Leme, aluno de geologia/USP e militante da ALN.

Nas lembranças de Geraldo Siqueira:

“...o Alexandre Vannucchi Leme, da ALN (...) era popular, era o cara do bumbo da

escola de samba da Geologia, uma escola de cento e tantos alunos que vinham do

interior e moravam juntos em repúblicas. Ele foi preso e morto. A repressão o

acusou de assalto a banco no dia em que ele estava com a faculdade inteira no

interior de São Paulo, numa dessas excursões de campo que a Geologia tanto

fazia. A indignação foi imensa! Na véspera, eu estava tomando uma cachaça com o

pessoal, que apareceu branco no centrinho da Geografia, dizendo: “Mataram o

Minhoca! Amanhã a escola vai explodir!” Falei: “Segura, porque nós precisamos

USP para se dedicar à luta armada contra o regime militar, e desde 1969 vivia na clandestinidade”. GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 268

Segundo o Projeto Tortura Nunca Mais: ”As práticas terroristas das quais foi acusado, ocorreram quando

Alexandre convalescia de uma operação de apendicite conforme testemunhou seu médico, Dr. Cássio Rosa; ou quando assistia às aulas, como testemunharam colegas e professores. Os presos políticos na época, declararam ao Superior Tribunal Militar que foram testemunhas da morte de Alexandre Vannucchi Leme nas dependências da Operação Bandeirantes, sob torturas. Mesmo diante de tantas provas, o caso foi arquivado. O Ministro Rodrigo Otávio Jordão tentou reabri-lo em 1978, mas seu voto foi vencido por 13 a 1.” ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988

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sair juntos. Quem sair sozinho vai ser massacrado.” Aí, houve um levante na USP:

assembléias isoladas, pano preto no lugar da bandeira brasileira. O conselho dos

Centros Acadêmicos procurou o Dom Paulo Evaristo [Arns] pedindo para ele rezar

uma missa na USP. Ele disse que se fosse celebrar a missa na USP, poderia ser

acusado de provocar os estudantes e sugeriu a Catedral da Sé. Nossos olhos

brilharam. Melhor impossível!”

Segundo levantamentos da Adusp:

“O Conselho de Centros Acadêmicos declarou luto na USP e os alunos

pressionaram por uma intervenção do então reitor Miguel Reale que, num ofício à

Secretaria de Segurança Pública do Estado, solicitou informações sobre a morte de

Alexandre aos órgãos competentes. A resposta, porém, conteria as mesmas

informações já divulgadas pelos jornais. Também partiu dos estudantes a idéia de

convidar dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, para realizar uma missa

em memória do colega assassinado”269.

No dia 30 de março (um dia antes das comemorações do aniversário do golpe

militar) cerca de 4 mil pessoas se reuniriam na Catedral da Sé para participar da

celebração da missa de 7º dia pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns270, acontecimento

durante o qual, nas lembranças de Geraldo Siqueira271:

“...Foi uma coisa de louco: tinha metralhadora de tripé no meio da Praça da Sé,

apontada para escadaria da catedral. A missa encheu a igreja e o clima era terrível.

Havia uma equipe da TV Gazeta transmitindo direto, ao vivo. Eles iam filmando um

por um... nego pegava a página da homilia e colocava no cara para não ser

filmado. Diziam que o pessoal da Operação Bandeirantes estava no caminhão da

TV Gazeta para identificar os procurados da ALN dentro da missa. Eles rodavam

269

GONZALEZ, Marina. Revista da Adusp nº34, maio de 2005 IN Move Brasil. 270 TIBIRIÇÁ, Beatriz. Revista Teoria e Debate nº35, julho/agosto/setembro 1997 in Portal da Fundação Perseu Abramo. 271 Geraldo Siqueira foi membro do CCA e militante do “grupão”, constituído por militantes de diversas orgaizações, entre elas, a AP.

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em volta da igreja, todos com as sirenes ligadas, uma coisa de doido. O Sérgio

Ricardo cantou Calabouço e o pessoal chorando, as sirenes... No final da missa,

Dom Paulo falou para sairmos com muita calma e devagar. Uma senhora com voz

de tenor começou a puxar: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber...” Todo

mundo começou a cantar, mais para espantar o medo, porque cantar ajuda, né?

Aquela missa foi uma coisa, mas não saiu nada nos jornais, só num jornal na

Argentina. No mês seguinte, continuaram massacrando. Caiu toda a liderança

estudantil da USP. Eu caí também, fui o último a ser preso. Todo mundo

verificando que nada escapava do titio, a ditadura era soberana. Uma coisa me

intrigou sempre: Por que, na USP, eles não fecharam os Centros Acadêmicos? Até

que eles acabaram quebrando a cara em 1977, mas eu fiquei com a impressão dos

filmes do National Geographic: era como se houvesse uma seca e apenas uma

lagoa. Vai todo mundo beber lá, onde ficam os leões para pegar a turminha que

vai beber. Eles estavam fazendo isso com a gente: deixando uma lagoa para

aproveitar, controlar e ir prendendo. Aquele ano de 1973 foi terrível! Em setembro

mataram o Honestino Guimarães”272.

Segundo Caracol:

“Eu me lembro que, logo após a missa, foram presos 97 dirigentes estudantis (..)

[nós] sumimos e voltamos uma semana depois. De fato, (...) existia uma vida

intelectual fértil, mas uma vida de ação, de manifestação muito reduzida”273

Nas lembranças de Celia Azevedo:

“...em março de 1973, o assassinato de Alexandre Vannucchi Leme e a missa em

sua homenagem na Catedral da Sé tiveram um efeito eletrizante sobre um

272

No depoimento dado ao Projeto História do Movimento Estudantil, Geraldo Siqueira comenta sobre Honestino Guimarães: “Ele era presidente clandestino da UNE e foi morto, entre tantos outros, em 1973. Acho que foi o ano em que mais morreu gente, dava aquela impressão de que era uma batalha perdida. Fiquei muito deprimido naquele ano”. Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004. 273 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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movimento estudantil ainda incipiente e possivelmente sobre outros movimentos

sociais em formação. Muitos como eu devem ter se emocionado com a visão

daquela massa de pessoas reunidas na Sé para expressar sua revolta contra a

ditadura; mais do que isso, devem ter se sentido, como eu, parte daquela massa

aparentemente inquebrantável e a partir daí alimentado a certeza de que a

Revolução estava a caminho”274.

Configurada publicamente como assassinato, a morte de Alexadre Vannuchi Leme

traria algum constrangimento aos órgãos de segurança (motivada pelo desencontro das

declarações: “O delegado Fleury falou que foi suicídio. O outro, Edsel Magnotti disse que

foi atropelamento”275-), mas, acima de tudo, possibilitaria o pronunciamento de 18

entidades estudantis no espaço público acerca do sentido político daquele

acontecimento276. Através da “Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-

Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns”, as entidades estudantis propunham a criação de

“uma comissão independente formada, por exemplo, por representantes da Igreja

Católica, da Ordem dos Advogados, dos Jornalistas, da Administração da USP, dos

Parlamentares com ampla liberdade de investigação, inclusive com acesso irrestrito aos

Órgãos de Segurança e aos presos políticos que estiveram com Alexandre em seus últimos

momentos de vida”, para apurar as responsabilidades e “esclarecer as suspeitas quanto às

circunstâncias da morte”.

De forma concomitante, no ambiente interno da USP a questão da repressão

transformava-se em objeto de política277 e vários centrinhos (grêmios ou entidades), ao se

274

Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011 275 Declaração de Geraldo Siqueira IN ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p.19. 276

Em um panfleto mimeografado e intitulado “Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal Arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns”, os Centros Acadêmicos afirmavam: “..como a atual campanha de repressão generalizada contra lideranças estudantis da USP é inspirada por idéias de represália diante de um movimento geral de repúdio às arbitrariedades, que teve na missa por Alexandre Vannucchi Leme seu ponto culminante, supomos que todos os que estenderam a mão aos estudantes estejam também sujeitos a pressões. Por isso, sentimo-nos no dever de vos manifestar publicamente a nossa solidariedade e reconhecimento”. Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado. 277

Segundo o texto: ““...O que sentimos é que, no Brasil de hoje, todos os que lutam por ideais justos são considerados, definitivamente, caso única e exclusivamente de polícia. A prepotência gera inevitavelmente

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perceberem fortalecidos, conseguiriam aproximar algumas experiências organizadas de

um conjunto mais amplo de estudantes; ao mesmo tempo, a continuidade das ações

repressivas em várias instâncias da vida acadêmica impunha novos contornos às mesmas

relações. Na leitura de Geraldo Siqueira:

“Nós tínhamos um grupinho clandestino na geografia, que fez duas ou três

reuniões. Um dos caras que estava nesse grupinho era um ex-preso da ALN,

segurança do Joaquim Câmara. Nós pretendíamos apenas reunir o pessoal de

esquerda da escola e ver o que fazer. Nosso álibi era que formávamos um grupo

de estudos de geografia. Lembro do César dizendo que nossa história era perfeita

e que se alguém falasse alguma coisa teria que “tomar na cabeça”. Mas ele foi

preso porque fazia a ponte entre a ALN e outra organização (...) Eu estava na

faculdade entrando de sala em sala, chamando para uma assembléia por causa das

prisões (...) Eu estava na sala de aula falando, minha namorada entrou correndo,

dizendo que meu pai estava lá embaixo e a Oban na minha casa. A turma levantou,

gente chorando, ninguém sabia o que fazer. Aí alguém falou: “Vamos com ele até a

casa do Dom Paulo Evaristo.” Os trotskistas zombavam e diziam que estávamos

sempre correndo para debaixo da saia do padre. A igreja era uma das poucas

coisas que sobraram ali (...) Fomos de madrugada à casa do Dom Paulo, uma

comissão, uns 20 ou 30 (...) De lá meus pais me deixaram na Oban. Finíssimos...

receberam meus pais. Mas já me pegaram, me encapuzaram e me deixaram bater

com a cara na parede. Zombaram, dizendo que tinha degrau e não tinha, todo

mundo rindo de mim. E todo o pessoal da USP ali dentro. Vi passando a Nádia, das

Ciências Sociais, encapuzada.(...) Deram umas porradas em mim, mas não tinham

muito o que fazer comigo, porque eu não era da ALN, não sabiam de que grupo eu

era. Mas fui solto. Todo mundo da USP teve uma queda grande de moral278.

sentimento de revolta. A rebeldia diante desta situação insuportável é um ato de legítima defesa. A escalada de desmandos policiais causará mais dia menos dia, injustiças mais graves e revoltantes que a morte de Alexandre. Então, as autoridades serão as únicas responsáveis pelo que acontecer. Os estudantes nunca abdicarão de seus ideais. Jamais se submeterão. Em meio a todas as arbitrariedades sonham com um Brasil Livre e Justo que virá” .IN Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado. 278

Depoimento de Gerado Siqueira para o Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004

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Na verdade, o envolvimento dos estudantes nas atividades políticas começava a

ganhar outras significações... e este mesmo envolvimento abria espaço para outras

perspectivas de organização do Movimento estudantil. Os questionamentos lançados no

Boletim Informativo do CEUPES (ciências sociais) em abril de 1973 são importantes neste

contexto; nele, estudantes e militantes desta faculdade – motivados pelas proposições da

FES (OC 1º de Maio) - consideram os trabalhos do CCA “insuficiente para liderar os

estudantes” em função de se restringir a um papel de “órgão de consultas e de trocas de

experiências dos Centros Acadêmicos” e de não apresentar a “flexibilidade e o dinamismo

necessário para dirigir um movimento que em pouco tempo alcançava proporções

surpreendentes”. Por outro lado, afirmava o boletim, não se tratava de contestar seu

lugar, mas de perceber que, se em alguns momentos ele se revelara muito útil (plebiscito

sobre ensino pago), “em outros seu papel é apenas auxiliar”.

Para os estudantes e militantes do CEUPES, a inexistência de “um mecanismo

organizativo razoável” e da maior experiência de “seus dirigentes” fora compensada pela

“enorme disposição dos estudantes” e pelo “inevitável o caráter mais ou menos

espontaneísta do movimento, o que (...) absolutamente não empana a tomada de posição

consciente dos estudantes e sua firme disposição de ir até os objetivos propostos”.

Tratava-se, então, de reconhecer a “alternativa de organização” que surgira, centrada em

comissões com “estudantes de várias escolas” e de transformá-las em “organismos

permanentes, embriões de novas organizações estudantis, como resposta à necessidade

de maior organização”. Por outro lado seria necessário discutir o conteúdo do trabalho

destas comissões, as condições para se levar um movimento para a “reorganização de

entidades de um nível superior” e estabelecer o que se fazia, de fato, “prioritário: Grêmio

da Filosofia, DCE, fortalecimento dos Centrinhos?”279

No curso de 1973, portanto, num contexto marcado pelas aproximações entre arte

e política; pela intensificação das ações repressiva e pelos debates sobre as questões de

participação, disposição de enfrentamento e criação de novas formas de organização

279 “...E Agora?” IN Boletim Informativo nº 8 CEUPES. Centro de Informações. Ciências Sociais USP, ano II, 25-04-73, p8

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política, começava a nascer uma outra perspectiva de atuação política para o movimento

estudantil, centrada na participação direta dos estudantes, na radicalização das

proposições (o que incluía a recusa da participação nos órgãos oficiais da universidade) e

na defesa intransigente de direitos, perspectivas, no entanto, que ainda não conseguiriam

seguir adiante.

De fato, em reação a estas proposições, o Conselho de Centros Acadêmicos

(reunindo um amplo conjunto de lideranças e organizações)280 procuraria retomar o

controle dos acontecimentos, reafirmando o lugar que ocupava este “fórum de grupos de

esquerda” na promoção de um “consenso da maioria das entidades autônomas (Cas e

Grêmios) da Universidade”. Ao reafirmar o lugar que cabia às entidades – no sentido de

“captar nossos problemas e reivindicações e estabelecer uma comunicação entre

representantes e representados”281-, o CCA dispunha-se a organizar uma eleição conjunta

dos 8 representantes oficiais estudantis para o Conselho Universitário com base na

realização de “discussões nas escolas e ratificadas no Conselho de Centros Acadêmicos da

280

Segundo Jordana de Souza Santos, em sua dissertação de mestrado, pode-se “inferir que a ALN e o PCB tinham maior influência no ME nos primeiros anos da década de 70. O PCB, apesar das críticas e de seu esvaziamento perante os partidos da Nova Esquerda, conservava certo número de militantes. A ALN ganhou espaço no ME com a incorporação da DI-SP (Dissidência Comunista Estudantil de São Paulo). A ala da AP que não se juntou ao PC do B preocupou-se em desenvolver um trabalho baseado no “processo de integração na produção”, deixando de dar atenção ao ME36. E o PC do B levou muitos estudantes para a Guerrilha do Araguaia. Os grupos menores se dividiram entre a POLOP, os trotskistas e os chamados independentes”. SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Dissertação (Mestre) - Faculdade de História, Unesp, 2010, p43. 281

No documento intitulado “Chapa do CCA”, a discussão se centra no papel que a representação discente deveria assumir no interior da USP em reforma; uma reforma associada a “um plano de reformulação geral do ensino no país” que já chegara a esta universidade “embora principalmente no aspecto formal e administrativo”, e diante do qual fazia-se necessário eleger um leque de reivindicações específico”. Também são elencados diversos pontos de interesse coletivo – entre eles, a “revogação da Portaria sobre atividades culturais, esportivas ou sociais dos alunos ou de suas entidades, garantindo a autonomia e liberdade universitária das entidades, necessárias ao desenvolvimento da vida universitária”; o “reexame da questão do jubilamento, entre outros -, interesses, no entanto, que para serem defendidos deveriam reafirmar uma estrutura de representação discente que começava a se fazer mais profundamente contestada. E talvez por isso mesmo, o CCA organize no começo de 1973 um “Trote Geral” na perspectiva de associar seu papel de articulador político do campo mais privilegiado de “entrosamento de todos os alunos da Universidade”, o das atividades culturais, oferecendo uma programação marcada por projeções de filmes, apresentações musicais e peças teatrais em sintonia direta com as lutas estudantis. Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974 Informe AESI/USP 7 de Fevereiro de 1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226.

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USP”, obtendo-se com este processo uma “chapa do CCA”282 consensual e ao mesmo

tempo mais participativa.

Estas movimentações e discussões, por sua vez, chamam a atenção da AESI/USP

que já em fevereiro de 1973 informa aos Órgãos de Segurança as intenções do CCA de

envolver novos alunos numa atividade política mais ampla283, destacando que o ponto

alto dos acontecimentos deveria vir com o lançamento da “Chapa 28 mil”284. Estes

mesmos relatórios, por sua vez, nos dão notícia de que a proposta do CCA não surtira

grande efeito, os estudantes não haviam se envolvido no processo (são poucos os debates

nas salas de aula e apenas uma assembléia da na FAU) e que só se ampliara as

movimentações em reação às declarações do Ministro da Educação Jarbas Passarinho que

considerara ”subversivo os rumos tomados pelos estudantes da USP”.285

282

Esta chapa surge do esforço de reunir representantes de diferentes grupos políticos numa mesma plataforma de trabalho podendo-se observar a presença de algumas assinaturas políticas na carta programa, como a proposta de luta contra a “PEG” (assinatura da POLOP). Vale considerar, ainda, que as militâncias trotskistas por repudiarem esta posição, não integram a ação. 283

Este documento, segundo AESI, chamava para si a vitória da “’Bandeira de Luta’ o tema do Ensino Pago” em função do “adiamento” conquistado pelo plebiscito, ou ainda, que o CCA “já passava a anunciar a luta de outro tópico, também de interesse imediato da totalidade estudantil da USP, que é a reabertura do CRUSP”, deixando implícito que este conselho se oporia às tentativas da administração de reorganização do DCE da USP, causando apreensão a possibilidade deste Conselho vir a se fortalecer e levar sua ação a outras unidades e faculdades isoladas “numa tentativa de reorganização da extinta União Estadual de Estudantes – UEE” Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974 Informe AESI/USP 7 de Fevereiro de 1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 284

Podemos ler: “Valendo-se da oportunidade criada pela proximidade das eleições dos representantes estudantis junto ao Conselho Universitário da USP, a ser realizada dia 22 de agosto de 1973, o Conselho de Centros Acadêmicos procura reativar a sua influência no ‘campus’ da Universidade (..) Inicialmente, o CCA divulgou manifesto abordando, praticamente, os mesmos pontos constantes do ‘caderno’ lançado em 1972, e que serviram de base, após discussões em classe, para elaboração do plano de ação dos candidatos 3. Apenas em algumas escolas houve receptividade para o assunto (..) 4. Alegando que a não discussão do assunto em todas as classes resultou da insuficiência de tempo no primeiro semestre letivo, o CCA acaba de lançar a chapa intitulada ’28 mil’..” Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974 - Ofício AESI/USP ”Eleições para representação estudantil no Conselho Universitário da USP”. 22/agosto/1973 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 285

Nestas circunstâncias, o CCA lança um folheto intitulado: “Milhares de Subversivos na USP” onde afirma que: “..todos aqueles que tentam discutir, opinar e participar de decisões fundamentais da Universidade serão taxados de ‘subversivos’, pois estarão dificultando a implantação de um ‘plano’ para a Educação. Só que esse plano está sendo elaborado, quase que clandestinamente, por um Grupo de Trabalho do Sr. Ministro, deixando totalmente de lado a participação dos estudantes e professores nesse processo. É essa a alternativa a que devemos nos acomodar? E pretende-se impedir nossas atitudes com acusações e ameaças de tão baixo nível? Nessa situação em que as informações são tão escassas, em que somos alijados e mesmo impedidos de fazer qualquer coisa, tomamos a atitude de criar condições e iniciar um debate sobre Ensino Pago. E não o fizemos precipitadamente como o Sr. Ministro insinua, ele resultou de um esforço sério de

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Autos de Investigação sobre os diretores do Conselho de Centros Acadêmicos da USP, 11/06/1974

Mas, as proposições de mudança da dinâmica política do movimento estudantil

continuam.. e nas eleições do CA Lupe Cotrim/ECA, em outubro de 1973, militantes e

estudantes ligados ao grupo Outubro lançam o “Programa Novação”. Na prática, tratava-

se de uma proposição de atuação política que se iniciara meses antes e que procurara

discutir e construir de maneira aberta (“através de um mural, de publicações, jornal e de

um contato constante com quem estivesse interessado num debate sério e maduro”) o

próprio programa, tomando como base as experiências de representação discente (e na

percepção dos limites “sempre que pretendem participar efetivamente das decisões que

são tomadas sobre nossa vida escolar”); as tentativas de construção de “saídas” (entre

elas, a criação do Centro de Estudos de Artes e Comunicações, o CEAC) e o desejo de estar

presente “em todos os momentos importantes da luta dos estudantes”. O Programa

Novação definia-se então, como “chapa, programa e posição”, registrando que “Todos

definem o que a Chapa Novação pensa e propõe. Todos estão abertos ao debate e à

crítica” 286, ao mesmo tempo em que afirmava fazer-se necessário a “organização do

Diretório Central dos Estudantes (DCE dentro da USP)” de forma associada a um

pesquisa, estudo e discussão correspondendo ao nosso nível de informação. Por isso foi bem recebido pelos estudantes”. Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Boletim do Conselho de Centros Acadêmicos IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1226. 286

Este programa, ao longo de 15 páginas, procuraria situar o centro acadêmico e o movimento estudantil da USP num processo de transformação econômica, social, política e cultural observado com detalhes desde a década de 1930. Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro de 1973, pp 1-2.

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programa cultural “ligado ao encaminhamento de nossas reivindicações e à defesa de

nossos princípios”287

O reconhecimento de que, para além das práticas autoritárias, a USP contava em

seu cotidiano acadêmico com um variado leque de questões, experiências, linguagens,

bem como com a disposição de enfrentamento pelos estudantes dos limites impostos a

este ambiente, parece ter sido bem recebido porque a ECA, a FAU, “os barracos” da

Ciências Sociais, transformam-se em importantes espaços de uma outra versão de

movimento que já nascia permeado por práticas distintas dos padrões mais tradicionais de

ação política. Nas memórias de Juleusa Turra:

“...eu tinha uma referência muito difusa do que eram os políticos, do que eram os

comunistas, mas tudo isso era passado... e esse novo movimento que eu entrei,

ele era um movimento que tornava extremamente coerente a forma que eu

começava a me ver no mundo, segundo as más línguas eu fui ficando hippie (...)

mas nunca cheguei a ser. Então eu só migrava, usava umas roupas um tanto

diferentes e um tanto absolutamente iguais a todos (...) um movimento da

coerência, de uma forma de se ver no mundo, de uma forma de se ver no

movimento e do movimento ser mais importante do que a estrutura. E aí, eu

aprendi uma coisa e depois descobri que era uma base do pensamento trotskista...

“você constrói as estruturas de acordo com os movimentos” (...) E essa questão

(...) dos movimentos fazia com que o espaço em movimento na USP fosse a maior

referência (...) Porque espaço em movimento? Porque era a faculdade vibrante..

(...) faculdade que tem um mural e coloca uma discussão e do lado o outro grupo

põe a outra discussão (...) talvez diariamente ou semanalmente, e essas

referências não eram de transporte escolar (..) mas era qual é a natureza do

espaço cubano? Ou do Estado cubano?... (...) em 74, a questão do Chile.. nós

pintamos uma bandeira do Chile… até porque a gente lia muita coisa em francês,

lia muita coisa em espanhol, a gente lia muita coisa de tudo quanto era jeito... Não

287

Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro de 1973 pp 11-12.

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tinha como ser diferente, nós não tínhamos literatura (...) eu estudei Marx em

espanhol (...) e aí já estava avançada a idéia da USP para todos...288

Nas lembranças de Celia Azevedo:

“Em meados de 1972, eu já pensava em desistir da USP, quando comecei a

freqüentar o pátio da frente [da ECA], com seus gramados e beirais, onde se podia

sentar e conversar durante horas. Era lá precisamente, ao ar livre, que se passava

o que havia de mais importante em matéria de sobrevivência espiritual e humana.

Foi sentada nesses beirais de cimento que delimitavam os grandes gramados da

ECA que fiz minhas primeiras amizades, algumas muito duradouras; foi lá que ouvi

inflamadas conversas revolucionárias; foi lá que descobri que o DA estava nas

mãos do Partido Comunista Brasileiro que postulava o mais completo imobilismo

até que a chamada burguesia nacional desse o sinal de partida contra a ditadura.

Foi lá, enfim, que ouvi minhas primeiras conversas trotskistas, que aprendi o que

era stalinismo, centralismo democrático, frente única, soviets, ditadura do

proletariado, etc. Logo receberia orientações de leitura e não demorou muito

tempo para eu descobrir que o que eu procurava há tanto tempo estava nos livros

de Trotski, Lenin, Marx, Engels. Devorei literalmente os três volumes da Revolução

Russa de Trotski e o Manifesto Comunista de Marx e Engels. Com o tempo

encontrei outros livros vendidos discretamente em algumas poucas livrarias do

centro de São Paulo. A maioria desses livros proibidos pela ditadura era em

castelhano, vindos do México e outros países, ou em francês. Dois semestres de

“espanhol” na ECA combinados com uma boa dose de autodidatismo me ajudaram

a desbravar essa língua até então desconhecida. Quanto à língua francesa, com a

qual eu antipatizava por me fazer lembrar das freiras reacionárias de minha

infância e adolescência, pela primeira vez eu sentia que podia fazer bom uso

dela”289

Para Caio Túlio Costa:

288

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 12/03/2005 289

Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011

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“...A ECA era menos uma escola de jornalismo e mais uma escola de política, então

a gente assistia pouca aula, fazia muito movimento...era um período fantástico

porque era um período que (...) o pessoal meio que botou a cara pra fora e em 74

nos já estávamos mais organizados..”290

Fradim, personagem de Henfil. Pasquim, início dos anos 1970. Imagem sem identificação do interior da

USP, início dos anos 1970, disponibilizadas pela internet

Nas lembranças de Caracol:

“...a partir de 1974, os grupos começam a reaparecer (...) as tendências

promoviam permanentemente núcleos de debates, discussões bastante intensas

sobre questões políticas... as internas eram questões políticas, Marx, de uma

maneira geral, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, até questões de cultura sobre

estética: o que era nacional popular, o que era nacionalista na cultura. A chamada

esquerda começa a sair do patrulhamento (...) [mas] as coisas ainda eram feitas

numa obscuridade muito grande. Isso gerava uma linguagem um pouco diferente

da linha tradicional. Como mais significativo, entendia-se que estética política era

uma denúncia direta da questão política e social... Ao mesmo tempo, quer dizer, a

vida estudantil aumentou muito de qualidade (...) as ações políticas e culturais são

simultâneas. Elas se fortalecem indiretamente, elas não têm um caminho

colocado”291

290

Depoimento de Caio Túlio Costa para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 3/2/2006 291 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996

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De fato, por caminhos distintos, todo um conjunto de elementos e processos

começava a se tocar e a promover a formação de um campo de entendimento comum. Se

por um lado, na esfera clandestina, alguns agrupamentos buscavam retomar um dado

nível de qualidade de movimento por meio do trabalho regular e cotidiano de associar

“conhecimentos políticos e técnicos”, compartilhar discussões e experiências, trabalhar

para alargar as percepções culturais e políticas, ou ainda, propor reflexões específicas

sobre diferentes objetos políticos em cena; por outro lado, uma maior adesão dos

estudantes aos centrinhos e as atividades relacionadas ao movimento estudantil tornava

possível a formação e desenvolvimento de formas políticas mais participativas, numa

trajetória de engajamento que as organizações marxistas chamariam de “movimentos de

massa”. Entre os pontos de encontro estaria, exatamente, os

centrinhos/grêmios/entidades, as assembléias, as manifestações culturais, as festas, entre

outras atividades ora mais “políticas”, ora mais “culturais” que ganhavam

progressivamente lugar num universo chamado USP292. Nas lembranças de Juleusa Turra:

“...Nessas atividades eu comecei a ver, primeiro (...) que eram lugares em que me

sentia muito bem, assim como comecei a me sentir muito bem em estar presente

na cantina da faculdade, em estar presente no baile da interação dialética, que era

um evento na ciência sociais. E também nos banheiros que a gente recebia

recados dos pousadistas. Apareciam no banheiro umas discussões (...) em papel

impresso pousadista (...) E (...) essas discussões percorriam os 'barracos' e sempre

se tinha nisso o debate (...) fora as assembléias (...) na classe que a gente estudava

e na ciências sociais tinha dois grupos, o grupo dos maoistas e o grupo dos não

maoistas (...) e na aula do Antônio Carlos Martins por conta da guerra civil

espanhola, nós estabelecemos a nossa arena de confronto e, aí, que eu acredito

que eu tenha começado a estudar pra valer (...) porque eu não podia entrar

naquela sala de aula sem poder exprimir qual era compreensão da atuação da

União Soviética, das Brigadas Internacionalistas.. (...) aí começou essa questão de

292

Em termos mais amplos, as organizações clandestinas que em razão de suas leituras e proposições vão

receber ora maior, ora menor adesão das massas estudantis, integram igualmente o novo território político em gestação, aproximando-se em diferentes escalas das questões e motivações que dão forma ao fenômeno.

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participar do centro acadêmico como uma atividade que me colocava em contato

com os pensadores e que possibilitava agitar a universidade nesse sentido, a

questão do movimento das tendências e as salas de aula no qual as tendências

mostravam quais era as suas matrizes teóricas. Então isso foi muto presente”293

Para Celso Marcondes:

“...Da nossa parte, a obsessão revolucionária crescia sem parar, apesar dos

obstáculos em contrário. E isso dava muita coragem, incentivava que

encarássemos como secundários um monte de "vícios pequeno-burgueses", como

namorar, ir a um estádio ou assistir filmes de aventuras. Em compensação, a vida

cheia de riscos e de medo, de codinomes, de pontos secretos, de atividades

clandestinas, de panfletagens proibidas ia formando os núcleos centrais das

tendências de massa que iriam se formar em 76/77 e liderar as mobilizações de

rua que ocorreriam nestes anos. Estas futuras "lideranças", é verdade, viam-se não

só nas reuniões ou nas atividades culturais dos centros acadêmicos. As sessões dos

cines Bijou e Belas Artes, os shows no Colégio Equipe, os bares das imediações do

campus, o Riviera e a Pizzaria Micheluccio, na Consolação, eram também pontos

de encontro de militantes. *Uma geração nada espontânea. Das reuniões contra o

ensino pago de 1972 às freqüentes passeatas em 77, muita água correu debaixo

da ponte”294.

Para os agrupamentos trotskistas que dois anos depois dariam origem à tendência

Liberdade e Luta, a recuperação da vida política no espaço acadêmico se traduzia num

exercício permanente de crítica, de polêmica e contestação de todo e qualquer aspecto

autoritário, burocrático e tecnocrático que se achasse presente dentro e fora da

universidade, uma vez que estas questões comprometiam os sentidos de conhecimento,

as possibilidades de leitura e as perspectivas de intervenção social do movimento. Entre

as questões estavam a mudança de perfil e das motivações dos estudantes chamados a

293

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 12/03/2005 294

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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integrar uma sociedade do trabalho em modernização e em crescimento, estavam

medidas coercitivas que constrangiam os alunos a aderir aos ideais tecnocráticos.295

No entanto, para promover um exercício permanente de crítica, tornava-se

necessário politizar as questões mais triviais, assim como aprender com as próprias

“mobilizações, educação, organização” na busca de resguardar um movimento que se

mantivesse em sintonia permanente com as massas estudantis, ou ainda, que se achasse

comprometido com a liberdade de pensamento, com a ação e a criação. E esta proposição

e defesa incondicional de instâncias e “canais de expressão” capazes de dar vazão aos

interesses e direitos estudantis (na forma de assembléias, comissões abertas, comitês,

diretórios livres, passeatas, greves) é o que possibilitaria ao movimento “avançar” para

além dos seus limites sociais e se aproximar da única classe que se acreditava poder

derrubar o regime capitalista, a classe operária.

Enfim, o desafio de levar às últimas consequências a participação das massas

estudantis na gestão de um novo movimento estudantil se firmava pouco a pouco como

um projeto político que sonhava a revolução social. Segundo Antonio Figueiredo,

estudante de Física (a partir de 1972) e militante trotskista a partir de 1973:

“....Nós organizamos chapas pro centro acadêmico. Nunca ganhamos… então

nossa participação tinha a parte legal, a parte aberta (...) e tinha a parte

clandestina, na qual a gente estudava (...) tanto no ponto de vista dos clássicos

como também sobre a análise de conjuntura. Praticamente toda semana a célula

se reunia, havia uma pessoa responsável pela célula e toda semana havia uma

295

Em minha dissertação de mestrado, trabalhei com a idéia de que, no período pós-1968, a própria

questão da universidade assumira o papel central da trajetória de movimentações estudantis em recomposição na década de 1970, e em especial, na medida em que esta mesma instituição se fez percebida – pelos estudantes – como uma instância em perigo, e neste caso, foi ela própria que se transformou no objeto articulador da ação política – e não apenas espaço de ação política. Por outro lado, foi neste percurso de recomposições coletivas que se confrontaram projetos diferentes de Universidade e de política; projetos que, muitas vezes se fizeram circunscritos à determinadas questões e leituras, ou ainda, resistentes a estabelecer um compromisso com a transformação social; mas que também, em outros momentos, assumiram projetos coletivos e sociais. E estas reações – que estudei no espaço das Universidades Públicas - acabaram por compor um movimento ativo e original, ainda que estruturado em um leque de descontentamentos acadêmicos a incluir descrenças, limites e impulsos por afastamento das questões sociais mais amplas.

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análise de conjuntura a partir de documentos que eram elaborados pelo comitê

central. E ai, traçavam objetivos... bom a partir de agora vai ser, por exemplo em

relação ao centro acadêmico isso, em relação à passeata que vai ter vamos atuar

dessa forma, contato com outras escolas se a pós-graduação vai se organizar

independente da graduação... são coisas bastantes praticas por um lado e por

outro lado sem abandonar esse lado de estudo mesmo, de análise de conjuntura

tanto nacional como internacional. Então isso eu achei um diferencial muito

interessante. Inclusive em relação a outras tendência”296.

Para Caracol:

“Foi na época de recrudescimento da atividade estudantil (...) que este

posicionamento tomado pelas entidades estudantis nas atividades de massa,

grandes assembléias (...) deu vazão para o movimento naquela época (...) a minha

política principal era esta: de cooperar com os centros de base, uma política

aberta de luta pelas liberdades democráticas na época (...) marcada por várias

posições, pelos remanescentes dos antigos grupos guerrilheiros, com uma

atividade burguesa, pequeno-burguesa, democrático-burguesa”297

O ano de 1974 na USP, por sua vez, começa marcado por forte repressão

acadêmica: com a prisão de inúmeros alunos, professores, com a invasão do CA Visconde

de Cairú (Economia), intervenção em show de Alaíde Costa, fechamento de salas

(barracos) e proibição da Semana de Poluição e Ecologia298. No Boletim Interno do CA XI

de Agosto, os estudantes denunciam a invasão da sala de imprensa do CA Visconde de

Cairú pela Polícia política, “uma das mais antigas e representativas entidades estudantis

do estado”. Segundo o boletim:

“...roubaram (termo jurídico usado para configurar ato violento de apoderar-se de

algo que pertença a outrem) um mimeógrafo do centro Acadêmico. Se não

296

Entrevista de Antônio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 297

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996 298 Perspectiva. Ciências Sociais/USP, junho de 1974 desde o final de março

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bastasse, além do roubo, seqüestraram (termo jurídico aplicado ao ato de

enclausurar alguém ilegal e violentamente) mais três colegas da faculdade

(também legalmente chamado seqüestro o ato de levar-se pessoa sem ordem

judicial a lugar incerto ou muito bem conhecido como o DOPS), que estão

incomunicáveis como se fossem marginais. O fato das prisões serem

desencadeadas contra a universidade já se tornou uma rotina insustentável, de

contornos imprevisíveis. Essas agressões contra a autonomia univeristária, ontem

agravadas com a invasão do ‘campus’ devem ser repudiadas por todas as pessoas

que crêem numa universidade livre, autônoma, criadora e difusora de cultura.

Quem acredita nessa Universidade não pode concebê-la sob o arbítrio da polícia

política, que a mutila e depreda, privando-a de seus elementops mais

representativos (..) cabe-nos denunciar mais esta arbitrariedade (..); exigir um

ponto final nesta onda de prisões (..) Cabe-nos sobretudo, assumir

conscientemente a atitude de dizer basta a esse estado repressivo, gerador de um

clima de total insegurança”299.

No Boletim Informativo do CA Lupe Cotrim de maio de 1974 (então com o PCB)300,

também encontramos no editorial uma análise dos acontecimentos repressivos na USP e

da preocupação das autoridades com as manifestações ocorridas na USP, em particular,

com o restabelecimento da vida política nas entidades e emergência de palavras de ordem

como “liberdade para os presos políticos”, “liberdade de manifestação e organização”,

“contra o ensino pago”301.

E em meio às prisões, seguida pela dificuldade em localizar, defender e libertar

estudantes, professores, entre outros presos, ocorre a criação no interior da USP de um

movimento de recolhimento de dados, denúncia e mobilização pela soltura de presos

políticos conhecido como Comitê de Defesa dos Presos Políticos (CDPP), que chega a reunir

no espaço da universidade diversas autoridades civis, além de familiares dos presos, num

299

Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1353 300

Nesta gestão, segundo Célia Azevedo, o CA contava com a presença de Sérgio Gomes, Paulo Markum e Diléa Frate. Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 301

Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1344

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esforço cívico de defesa da liberdade302. Este Comitê nasceria fruto não apenas das ações

repressivas, mas do entendimento de que o enfrentamento da ditadura militar se tornava

inevitável, razão pela qual o mesmo comitê adotara uma estrutura de mobilização original,

fundada em assembléias e comitês com funções especializadas. Com um corpo de

definições políticas bastante claro, esta experiência repetia, de fato, o formato dos

Comités de Défense contre la Répression ou ainda, dos Comités d’Action Universitaire e

Comités d’Action.. criados no calor das ações estudantis parisienses de maio de 1968 e

associados, originalmente, ao Mouvement du 22 Mars, “que reunia várias correntes

libertárias e maoístas Espontaneístas”303.

Sua formação se deu com base numa sugestão apresentada em assembléia,

procurando as militâncias organizar com rapidez – para não perder a iniciativa - duas

comissões capazes de iniciar um trabalho de recolhimento de informações para denúncia

e fornecimento de apoio jurídico. Em termos gerais, as concentrações se davam nos

“barracos” de Ciências Sociais (ao lado da ECA) e nos prédios de Arquitetura e História304 e

a cada nova prisão, as comissões acionavam os setores de imprensa e de assuntos

jurídicos do Comitê (instalado nos “barracos” da Ciências Sociais), distribuindo as

informações (sobre novas prisões e solturas) pela imprensa estudantil, entre eles, pelo

Jornal “A Ponte: quando o muro separa”305, de origem trotskista lambertista. As

comissões, por sua vez, ganharam maior intensidade na medida em que novas

302

Segundo os analistas do DOPS, o “...desmantelamento, pelos órgãos de segurança como o DOI-CODI, II Ex e DOPS-SP, de organismos terroristas como o MR-8, a TL-ALN, com a prisão de estudantes e professores universitários (..) A pronta ação dos órgãos de segurança fez com que o ‘Comitê de defesa dos presos Políticos tivesse vida efêmera”. Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194. 303

BERNARDO, João. “Estudantes e Trabalhadores no Maio de 68”. Lutas Sociais 19/20, p24 304

Gol a Gol nº13 DCE UFMG 10/10/74 e Romagnoli, Luiz Henrique e Gonçalves, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p 20. 305

O jornal A Ponte cumpriu um papel central, e por isso mesmo recebeu uma atenção especial dos órgãos de segurança que, imediatamente, abriram um processo de investigação específico. No número de maio de 1974, por exemplo, encontramos a informação de que 69 novas pessoas haviam sido presas políticos, contabilizando-se ainda, 23 libertações. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 1403.

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assembléias conseguiam envolver um montante maior de estudantes, ensaiando-se

sustentar um movimento emblemático e corajoso, ainda que por breve período.

Jornal A Ponte quando o muro separa; Imagens (sem identificação) de http://plaggiado.blogspot.com

As perspectivas de enfrentamento do “Comitê de Defesa dos Presos Políticos”

tinham por base informar a defender os estudantes, mas também “vazar” certas

informações de enfrentamento (ocorridas no espaço da universidade) para a imprensa e

daí para a sociedade, originando-se dele importantes contatos entre as ações estudantis e

certas instituições civis como a OAB, órgãos da Igreja e MDB que chegam a conferir apoio

ao Comitê306. Estes acontecimentos aparecem registrados em relatório interno do DOPS-

SP nos seguintes termos:

306Em relatório do DOPS podemos ler: “Fontes da Igreja disseram que a presença do advogado José (não João, como foi relatado anteriormente) Carlos Dias no comício aconteceu em resposta direta a um apelo feito por líderes estudantis ao cardeal-arcebispo Arns para que apoiasse o esforço de fazer com que as autoridades reconheçam as detenções de estudantes e garantam a inviolabilidade física deles e seu acesso a um processo judicial correto. Dias disse a representantes do Congen que o cardeal concordou com seu parecer segundo o qual a arquidiocese não deve participar do comitê enquanto membro formal. 9. Ao mesmo tempo em que reconhece que sempre é arriscado tirar conclusões de manifestos não autorizados, o Congen ressalva que pelo menos um comunicado que afirmava falar em nome dos centros estudantis das escolas de Ciências Sociais, Filosofia, Letras e Psicologia deprecia o MDB, descrevendo-o como “não partido” reacionário e oportunista, e acusa a Igreja de estar interessada unicamente em “defender suas terras e sua posição privilegiada”. Ademais, não obstante a declaração do chefe de segurança do Ministério da Educação segundo o qual trabalhadores estariam se unindo ao movimento estudantil, o Congen vê com ceticismo a idéia de que trabalhadores em número significativo estariam dispostos a se deixar atrair para um movimento político que tem suas origens na universidade. 10. O bispo adjunto Dom Benedito Ulhoa Vieira, a quem o Congen consultou para determinar se o problema estudantil tinha prejudicado a expectativa da Igreja de uma melhora nas relações com o governo Geisel, respondeu que até agora não aconteceu nada que levasse a arquidiocese a duvidar...” Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP OP1194

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“A Universidade de São Paulo continua em estado de tumulto, mas a libertação

relatada da maioria dos estudantes detidos parece ter reduzido o clima de

exacerbação importante para o nível de tensão (...) Tendo reacendido o interesse

dos estudantes nos problemas políticos tanto no campus quanto nacionais, a

estratégia dos ativistas pode ser a de concentrar-se primeiramente na

reorganização das uniões estudantis em bases mais militantes. O recém-criado

“Comitê para a Defesa dos Presos Políticos” não parece ter avançado, porém, e a

muito alardeada aliança com outros setores populares parece ser mais um

objetivo não alcançado do que uma realidade. Fim do resumo”307.

Por outro lado, com o esvaziamento da participação estudantil os objetivos do

movimento parecem se interromper, razão pela qual o Comitê chama uma assembléia

deliberativa em 27 de abril, que conta com a presença de cerca de 150 pessoas, para

definir “uma orientação concreta para enfrentar os problemas políticos e organizativos

surgidos com o fim das últimas mobilizações e definir os meios de encaminhá-las”. No

curso da assembléia, os debates se acirram em torno da questão da estrutura do comitê

(comissões), seguindo-se várias propostas trazidas por alunos do CEFISMA (CA de Física da

USP), por um grupo de alunos da Escola de Sociologia e Política e da Economia/USP, por

integrantes do CA Visconde de Cairú e do Grêmio da Poli que acabam convergindo no

princípio de que, antes de tudo, tratava-se de:

“...voltar à divulgação dos objetivos políticos que acreditamos realmente estarem

ainda de acordo com as possibilidades concretas de atuação e com os anseios de

vários grupos sociais que se opõem à ditadura, que sintetizam as aspirações gerais

e possam ser traduzidas em perspectivas de lutas possíveis a cada momento.

Assim, divulgar significaria levar: 1) denúncias de prisões políticas; 2)

reivindicações específicas e notícias de lutas pelas liberdades de expressão,

307

Relatório IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332

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reivindicação e organização de todas as camadas populares; 3) sistematização do

aprendizado nas lutas pelo Comitê e outras anteriores”308

Na avaliação do jornal A Ponte, que trazia com detalhes a dinâmica da luta travada

pelo Comitê, chegara-se à conclusão que:

“...Longe de negar a necessidade de uma ampla participação de massa, esta

proposta procurava definir uma política de divulgação que sintetizasse as

experiências, propagasse as reivindicações e lutas travadas, preparando futuras

mobilizações. Porta voz centralizador de todas as lutas e reivindicações,

incentivando debates e sintetizando propostas, poderia tornar-se instrumento de

lutas futuras e embrião de novas formas de organização setorial”309

Nas lembranças de Geraldo Siqueira:

“..Nós mobilizamos a USP para fazer grandes concentrações no que chamamos de

Comitê em Defesa dos Presos Políticos, CDPP. Eram imensas assembléias, ora na

FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP], ora na História e Geografia.

Veio gente de fora, advogados, famílias de presos... aquilo durou duas semanas.

Chegou a Semana Santa e tínhamos uma assembléia dessas na História e

Geografia. Descobrimos que havia alguma coisa errada. Montaram barreiras na

entrada da USP, deixaram a saída solta e cortaram a luz na cidade universitária

inteira. Era fim de tarde, foi anoitecendo e nós vendo que não chegava mais gente.

O pessoal começou a entrar em pânico, a acender fogueiras, isqueiros, velas.

Alguém chegou e falou que havia uma barreira e ninguém entrava mais na USP.

Todo mundo entrou em pânico e começou a sair dali. Parecia o afundamento do

Titanic [risos]. Na semana seguinte, intimação para depor no Dops. Em 1974, já era

o Geisel e havia uma orientação diferente. Se o cara fosse de uma organização

308

“Da Assembléia do Comitê”. A Ponte: quando o muro separa IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332. 309

“Da Assembléia do Comitê”. A Ponte: quando o muro separa... IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1332

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clandestina nacional, tipo ALN, AP, aí era pau no terceiro andar. Quando fosse do

movimento social, era interrogar sem tortura. Isso ficou evidente. Fui para o

interrogatório com o Delegado Clyde, mas ele estava nitidamente contrariado. Aí

veio uma pessoa servir café numa bandeja. Ele parou e o escrivão perguntou se ele

não ia fazer a última pergunta. Ele respondeu: “O que adianta fazer pergunta

desse jeito, com cafezinho?” O cara estava puto com a orientação. Fez a última

pergunta: “Você sabe o que é o Primeiro de maio?” Eles estavam atrás da

organização trotskista que se chamava Primeiro de Maio, que era oriunda da

Liberdade e Luta, a Libelu. Respondi: “Claro, é o dia do trabalhador.” Ele virou para

o escrivão e gritou: “Tá vendo? De que adianta fazer pergunta com cafezinho?” O

movimento estudantil na USP ia só crescendo.”310

Na ocasião, segundo Celia Azevedo:

“Esses anos de conversas nos pátios da ECA, de leituras marxistas disciplinadas em

casa, e de participação num movimento inicial pela libertação dos presos políticos

– ou seja, até o final de 1974 quando me formei – valeram como uma espécie de

Universidade para a Revolução. Fiz, em suma, um GER (grupo de estudos

revolucionários) informal, orientada por um amigo trotskista que também não

encontrava nada de valor nas salas de aula. A militância organizada, trotskista,

devidamente informada por um GER formal, começou no ano seguinte, já como

jornalista; mas isto já é outra história”311.

Nas lembranças de Caio Túlio Costa, então integrante da Frente Estudantil

Socialista:

“...liberdade de luta vem com o som das lutas pela liberdade democrática e veio ali

ao redor a criação do comitê de defesa dos direitos dos presos políticos. Em

310

Geraldo Siqueira Filho. Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller Data da entrevista: 01/12/2004 311

Registro concedido por Celia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011

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seguida nós (...) depusemos o centro acadêmico e fizemos a greve pra tirar Manuel

Nunes Dias que era o diretor da ECA”312

É importante destacar, também, que no curso dos acontecimentos o CCA lança a

“Carta Aberta ao Reitor e às Autoridades Universitárias”, documento que denunciava a

ocorrência de “verdadeiros sequestros” de estudantes na USP por ação dos órgãos de

segurança, que a mesma situação motivara o “imediato protesto de estudantes,

parlamentares do MDB, da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz e familiares de presos”, e

que “...Em nenhum momento nos foi informado onde estariam os colegas, qual as

acusações que lhes imputavam, qual seu estado, físico e mental”. O documento também

registrava que “dezenas de universitários, inclusive presidentes de Centros Acadêmicos e

representantes no Conselho Universitário foram intimados a prestar esclarecimentos no

DOPS, sendo aí ameaçados e, num claro desrespeito à lei, fichados como comunistas. Esta

atitude fere profundamente a Universidade e o direito à opinião e manifestação do

conjunto dos estudantes”. Por fim, o CCA pedia ao Reitor:

“...imediatas providências quanto à anulação das fichas dos colegas’, ou ainda o

ato de “repudiar publicamente a atitude dos órgãos de segurança” (..) já não são

novidades para nós a arbitrariedade, o desrespeito à lei e aos direitos elementares

do cidadão por parte dos órgãos policiais. Mas ao longo destes anos de repressão,

intimações e pressões, os estudantes tem defendido com firme convicção suas

entidades representativas e seu direito de lutar por uma Universidade onde o

debate seja aberto a todos e a liberdade um direito coletivo”313

Em meio à violência repressiva, portanto, as discussões sobre as formas de

organização e os sentidos da participação que se achavam em recomposição na

universidade, e que pouco a pouco davam forma ao movimento estudantil da USP, já

312 Depoimento de Caio Túlio Costa para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. Caio Túlio Costa pertencia à FES, organismo político próximo à Organização 1º de Maio. 313

Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1329

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despertavam embates entre as organizações clandestinas motivadas em boa medida pela

variação das experiências políticas e pela intensidade das assembléias que já excediam,

em muito, o controle organizado. E esta situação permitiria aos trotkistas lambertistas

fazer circular pelo jornal A Ponte a avaliação de que:

“O saldo deste ano de 1974, visto como parte de um lento processo de

reorganização do ME a partir do desbaratamento de suas direções (1968/1969), é

representado pelo fato de um organismo criado pelos estudantes, o CDPP, ter

colocado na ordem do dia temas fundamentais como o papel dos estudantes na

luta por liberdades políticas, as alianças que devem ligar os estudantes a outros

setores da sociedade, chegando-se ao vislumbre da única aliança

conseqüentemente democrática que é a dos estudantes se colocarem junto às

fileiras das massas exploradas no Brasil, da classe operária”314.

A dinâmica no campus da USP no primeiro semestre de 1974 também pode ser

observada no seguinte relato do DOPS:

“Desde a retomada das aulas, em 15 de abril, o campus principal da USP continua

em estado de efervescência, com reuniões e assembléias estudantis continuando a

ser marcadas e grande quantidade de comunicados sendo emitidos pelos

diretórios estudantis de várias escolas e departamentos, além de outros em nome

do recém-formado “Comitê para a Defesa dos Presos Políticos no Brasil” (...) Os

folhetos e outros materiais de leitura que circulam no campus variam em estilo e

conteúdo, desde reclamações sobre questões administrativas que preocupam a

número restrito de pessoas, tais como a alta nos preços do restaurante

universitário, até um ataque ideológico total contra os fundamentos subjacentes

ao “milagre brasileiro” e o próprio “sistema”, que um panfleto caracteriza como

“ditadura militar” a serviço do “capitalismo monopolista”. Vários mimeógrafos

314

Polêmica - março 1975, Edição especial para Calouros In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1359

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estão em funcionamento, refletindo possíveis divergências entre diferentes grupos

estudantis quanto a abordagens táticas e possíveis pontos de vista”315

Na FFLCH, considerada “um perigoso foco de agitação na USP, entre tantas outras

coisas, pela relativa mobilização que conseguiu nos barracos com o Comitê de Defesa dos

Presos Políticos”316, o pedido de demissão do Prof Eduardo D’Oliveira França, diretor da

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (devido às pressões que vinha

sofrendo dos órgãos de segurança para cumprir funções repressivas e delatoras)317

desperta entusiasmo, situação que, somada a outros sinais, trazem novas preocupações à

administração universitária e aos órgãos de segurança, conforme fragmento de relatório

do DOPS:

“...os ativistas estudantis podem estar visando mobilizar o conjunto dos

estudantes para apoiar a reforma e reorganização dos centros acadêmicos até

agora dormentes para que se convertam em uniões estudantis mais militantes,

com o objetivo de recriar um Diretório Central dos Estudantes no nível da

universidade e, no nível nacional, uma organização estudantil interuniversitária

semelhante à proscrita União Nacional de Estudantes (UNE) (...) As autoridades

enxergam o problema basicamente em termos de uma “pequena minoria de

agitadores comunistas no campus, financiados e dirigidos desde o exterior”, que

estariam testando o novo governo Geisel, buscando determinar até que ponto ele

pretende permitir uma maior liberdade de ação política, se é que o pretende (...)

os líderes estudantis incluem membros de conhecidas organizações terroristas,

cassados e outros que claramente se enquadram na definição de “subversivos”

315

Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194 316

Neste contexto, o jornal A Ponte denunciava: “Coerente às outras medidas restritivas que vem sendo tomadas na USP, bem mais freqüentes ultimamente, o diretor da Escola não permitiu que fosse utilizado o anfiteatro do Biênio. A palestra acabou sendo realizada na sala 16, onde fica a sede do Grêmio, se desenvolvendo com grande participação, envolvendo nos debates assuntos como censura, dependência dos meios de comunicação a grupos econômicos, o jornalismo como empresa, a importância da imprensa estudantil” A Ponte IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1429 317

Ver: Revista Visão, 11/03/1974, p155

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feita pela Lei de Segurança Nacional (...) os detidos incluem não apenas estudantes

da USP, mas também alunos da Universidade Católica, acadêmicos e outras

pessoas de fora, e que eles foram flagrados conspirando ilegalmente contra a

ordem estabelecida.”318

Nas lembranças de Caio Túlio Costa:

“...A semana de calouros de 1974 foi uma semana em que não tinham trotes, não

tinham pegadinha na rua... não existiu isso. Quem gostava de dar trote era o

pessoal do partidão; para o pessoal da libelú a semana de dar trote era uma

semana de discussão política, discussão de conjuntura, como se falava na época.

Explicação da questão da universidade, da questão da ditadura. Traziam

professores pra falar, traziam pessoas de fora do centro acadêmico, panfleto

chamando pra mobilizações e grupos de teatro, grupo disso, grupo daquilo ...

grupo de estudo. Eu imediatamente me engajei num grupo de estudo pra ler O

capital. Começamos a ler toda aquela literatura que seriam muitos em espanhol.

Tinham poucos livros em inglês, poucos livros em português. Líamos O capital na

tradução […], liamos O Manifesto Comunista, líamos A sagrada família. Todos os

livros do Lenin era devorados... O pessoal do PC do B lia os livros do Mao Tsé-

tung... enfim, era uma farra de leitura, aprofundamento e discussões. Então era

uma formação que, digamos, marxista leninista muito forte e a gente mesmo fazia

grupo, não tinha líder do grupo. Quem estudava ciências sociais ajudava nas

questões, quem estudava economia ajudava nas questões econômicas. Então

líamos muito, (...) cada um tinha suas tarefas muito especificas, tinha quem

escrevia, quem manejava o mimeógrafo... tinha que imprimir (...) tinha que

convocar pra isso, convocar pra aquilo, tinha que vender o jornal, tinha que fazer o

jornal ... eu fazia o jornal... “319

Para Caracol:

318

Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p3. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1194 319

Entrevista de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. Importante destacar que o depoente se refere a grupos trotskistas que dariam origem à Liberdade e Luta em 1976.

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“...A FAU tinha um dos cineclubes mais famosos da universidade. Era um cineclube

que, além disso, editava um caderno chamado Trabalho e Sociedade, com textos

do Lukács, textos sobre ética, sobre Trotsky... tinha uma programação de cinema

que era fantástica!. O cineclube da FAU [projetou] a maior parte dos curtas

metragens do Herzog, do cinema alemão, do cinema polonês, que, na época, era

uma novidade absoluta... O cineclube da história, geografia, também tinha uma

atividade muito intensa. Existiam grupos de teatro em várias escolas... Havia nas

ciências sociais (...)“...Brecht, o grupo de teatro da Escola de Artes Dramáticas, já

naquela época, começava umas abordagens bastante interessantes... Esse grupo

de teatro daquela época deu origem ao Ornitorrinco (...) Várias montagens do

Brecht...(...) Em alguns momentos, a atividade cultural era meio que uma atividade

oficial dos estudantes. Na POLI, com o teatro da POLI, o GTP [Grupo de Teatro da

Poli] era um dos atos oficiais do grêmio da POLI (...) O que eles faziam era divulgar

as múltiplas atividades que tinham e abrigar atividades muito diferentes. Então, o

que eu acho é que a animação da vida política, como política de massas, abria

espaço para que várias manifestações culturais pudessem acontecer (...) era um

período que você tinha uma atividade bastante intensa”320.

Nesse contexto (e nos demais) os militantes trotskistas (em particular, os

lambertistas) apontados pelos órgãos de segurança como “subversivos”, “agitadores”,

“minorias esquerdistas” não se deixavam identificar devido aos procedimentos de

segurança que adotavam e que os levava a experimentar diferentes níveis de

clandestinidade, traduzidos por Juleusa Turra (então integrante do Primeiro de Maio)

como “várias vidas”.

“...não se usava nomes, usava-se uma transição do nome que a pessoa tinha, o

apelido e o nome de guerra. Então tinham pessoas que a gente só sabia o nome de

guerra, tem pessoas que até hoje eu só sei o nome de guerra. Tinham pessoas que

só tinham apelidos, apelidos juvenis, de gozação (...) Você vivia a sua vida em

várias dimensões e isso é extremamente significativo porque ela não é a vida

320

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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dupla que finjo que sou uma coisa e sou outra, mas é a vida que vem entrelaçadas

de coisas diferentes... dentro, portanto, da organização, que não é a tendência,

dentro da organização eu aprendi a conviver com pessoas diferentes e que não

eram estudantes e, aí, eu achei que eu tinha feito parte não da universidade em

movimento, mas era o mundo em movimento. Era conhecer as pessoas que

tinham outras referências, não eram muitos, mas que tinham outras referências,

esses eu não sei o nome, mas para quem eu tinha que levar um documento aqui,

outro lá e tinha que aprender a adar sem olhar pra trás e tinha que aprender a

despistar a policia...”321

Na esfera clandestina, por sua vez, questões relacionadas com os processos

políticos mais amplos ocupavam espaço fundamental e neste caso, vale considerar que

desde o ano de 1972 as organizações OC 1º de Maio, Fração Bolchevique Trotskista e

Grupo Outubro vinham estabelecendo entrelaçamentos, acompanhados de perto pela OCI

francesa e por instâncias do CORQUI, num processo que pouco a pouco os aproximava nas

leituras e proposições de ação política. No ano de 1974, propriamente, a OC 1º de

maio/FES e a Fração Bolchevique Trotskista/FBT participariam de atividades do Bureau

Internacional do CORQUI; estas relações, de qualquer forma, ainda não indicavam uma

fusão dos grupos, que permaneciam focados em suas próprias atividades. Mas as leituras

apresentavam articulações... e no ano de 1974, que tivera início com a eleição (pelo

colégio eleitoral) e posse, em março, do General Ernesto Geisel para a presidência do país,

também registrara a nomeação de Golbery do Couto e Silva como Ministro-chefe do

Gabinete Civil, seguindo-se a proclamação, em agosto, de uma distensão política – de uma

“abertura lenta, gradativa e segura” -, três meses antes das eleições para o Congresso

Nacional322. Estes acontecimentos, percebidos como sinais de afrouxamento do regime

militar, reforçavam a leitura sustentada entre os grupos trotskistas (lambertistas), de que:

321

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 322

Nas eleições de 1974, o MDB elege 16 de 22 senadores e conquista 44% das cadeiras da Câmara dos Deputados.

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“....o regime militar no Brasil, em que pese o crescimento econômico (...) continua

mantendo-se sobre uma base social escassa (...) governando por cima dos partidos

políticos, inclusive o partido ‘do governo’, e o regime mantém-se ‘não

institucionalizado’. As raízes do desprestígio social do goveno militar estão, em

parte no tipo de desenvolvimento que lhe é possível fazer em termos capitalistas:

atração de capitais estrangeiros, intensificação das exportações, salários baixos e

concentração da riqueza; em parte no ascenso da revolução mundial e na

consequente incapacidade da burguesia em criar um movimento de massas

reacionário. Por isso não se institucionaliza o regime militar. Não pode

institucionalizar seu regime de força porque a revolução mundial e sua falta de

base social não lhe concede facilidades para impor uma constituição tão

reacionária quanto necessita. A perspectiva do desenvolvimento econômico

integrado ao imperialismo é incompatível com a eliminação do atraso social e da

miséria da maioria da população (...) No Brasil existe uma revolta latente na

maioria da população contra o regime militar (...) Nas atuais circunstâncias, uma

mobilização operária teria caráter explosivo. Inevitavelmente criaria um

enfrentamento direto contra o regime militar e arrastaria a massa da pequena-

burguesia em seu apoio. Organizar e dar capacidade de mobilização à classe

operária é a chave para a ruptura das atuais condições sociais brasileiras. Mas a

mobilização do operariado, mesmo quando provoca explosões de grande

envergadura no movimento de massas, apenas conduz a um novo ponto de

equilíbrio nas relações de dominação burguesa. Salvo se o operariado estiver

organizado independentemente, que exige a presença de um partido marxista

que lhe constitua o sólido núcleo. Para criar a organização independente do

proletariado, é necessário estar munido dos conceitos gerais que a tornam

possível (...), antes de mais nada, da concepção da luta pela construção da frente

única proletária, tendo em vista unificar o proletariado como classe, contra a

burguesia”323

323

“Perspectivas da Luta de classes no Brasil”. Outubro de 1973 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002

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Neste caso, ao final das eleições, a “Tendência pela Aliança Operária-Estudantil’”

(nome assumido pela Fração Bolchevique Trotskista/FBT) lançava o documento “Eleições,

e agora?”, com a seguinte avaliação:

“...Podemos afirmar mesmo que os resultados dessas eleições configuram a maior

votação já dada neste país a uma legenda política. Os homens do governo e da

ARENA, entre assustados e apreensivos, proclamam como avestruzes que se

tratou sobretudo de uma vitória do presidente Geisel. Sem medo do ridículo,

afirmam também que se tratou de uma vitória do governo, que foi capaz de

assegurar eleições livres e democráticas. Os homens do M.D.B., entre

deslumbrados e preocupados (pelas responsabilidades que os resultados fazem

cair sobre suas costas), declaram que se tratou de uma vitória da ‘oposição’

porque ela foi capaz de sensibilizar os trabalhadores para suas idéias, seu

programa e suas palavras de ordem, porque ela foi capaz de interpretar os anseios

mais profundos do povo. Palavras, palavras e mais palavras, apenas isto! Os

resultados das eleições constituíram-se na mais clara e definitiva condenação, por

parte das massas trabalhadoras e por parte de amplas massas de jovens, do

regime de arrocho salarial e da carestia de vida, do regime que acabou com a

estabilidade no emprego e que criou péssimas condições de vida para os operários

e trabalhadores em geral; da ditadura que instaurou a censura e a arbitrariedade

permanente, do regime das prisões e das torturas, da ditadura que instituiu o 477

e aboliu as liberdades democráticas. Mas uma condenação não apenas da parte

dos que votaram como também dos que não puderam votar – poderíamos

imaginar uma melhor pesquisa de opinião do que estas eleições? Os resultados

dessas eleições nos permitem prever que o movimento de massas caminhará com

maior vigôr no sentido de passar do nível subterrâneo, a que agora esteve

confinado, ao nível da luta aberta (...) As manifestações de descontentamento, até

agora dispersas e isoladas, tenderão a ganhar cada vez mais força e concisão, dada

a confiança que os resultados infundiram nas massas. Cada setor delas sabe agora

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que não pensa e age isoladamente, mas que conta com a compreensão de seus

companheiros de todo o país”324

Na esfera clandestina, mas também por meio de panfletos distribuídos na

universidade, os trotskistas (lambertistas) veriam nos resultados das eleições, as

condições para acirrar os posicionamentos, reforçar as entidades e acelerar o processo de

“reconstrução de nossas organizações, desde o nível universitário (DCEs) até o nível

nacional, isto é, a UNE”, considerando que:

“Mais do que nunca a hora não é para divisões mas sim para a frente única dos

que lutam pela queda da ditadura, dentro da perspectiva do governo operário-

camponês, do governo dos trabalhadores (..) diante das perspectivas que se abrem

após o 15 de novembro devemos ver com clareza que o nosso futuro só pode estar

ligado ao proletariado, aos explorados pelo capital (...) “Avante pela derrubada da

ditadura militar! Viva as liberdades democráticas! Pela reconstrução da UNE! Pela

aliança operário- estudantil! Viva a classe operária!”325

Por outro lado, reforçar as entidades e reconstruir as organizações implicava em

conferir propósitos ao movimento, afinal, a luta política que se propunha levar não se

achava circunscrita ao território acadêmico, mas pelo contrário, era de ordem social,

tornando-se essencial estabelecer entendimentos comuns quanto às formas de luta,

constando aqui os conceitos de partido, de socialismo, de revolução, ou ainda, as

concepções de tática, de política de alianças, entre outras. O documento intitulado “Brasil

Socialista: o debate escamoteado”, neste sentido, é esclarecedor. Nele, podemos ler:

“Acaba de aparecer o primeiro número de “BRASIL SOCIALISTA”, revista que

publica artigos e documentos de três organizações, MR-8, AP-ML e PO, que se

324

“Eleições, e agora?” Tendência pela Aliança Operário-Estudantil. Documento sem data, provavelmente do final de 1974 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 325

“Brasil Socialista: o debate escamoteado” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002

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reivindicam ‘a fração mais avançada, consciente e profissional da tendência

proletária. Expressão de uma certa corrente da vanguarda brasileira, esta

publicação se situa numa área do pensamento político caracterizado pela

resistência empírica de um lado à política contra-revolucionária do PCB e de outro

ao não menos nefasto guerrilherismo-castrista, manifestação particular do

vanguardismo pequeno-burguês. Estas organizações se propôem intervir nas lutas

concretas que leva o proletariado e na sua organização independente como classe,

a partir dessas lutas. Objetivos que são fundamentais para nós e centro de nossa

atuação política. E para levá-los a cabo, estamos dispostos a estabelecer um

trabalho conjunto, de frente, com qualquer organização operária – independente

de divergências programáticas ou de perspectiva de unificação. Por estas razões

julgamos importante desenvolvermos algumas considerações sobre os objetivos

que se propõem “BRASIL SOCIALISTA”, os métodos de discussão que utiliza e o

programa unitário que apresenta”326

A análise que os trotskistas (lambertistas) fazem da nova revista conclui que as

organizações não compartilham de um mesmo entendimento acerca da “revolução

socialista”327, da “luta de classes”328, ou ainda, do conceito de “proletariado”329, tratando-

se de imprecisões teóricas originadas das:

326

“Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p1 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 327

Segundo o documento: “Uma coisa é falar em ‘revolução socialista’, que pode ser considerado sinônimo de ‘revolução proletária’, outra bem diferente é falar de ‘Brasil socialista’ como perspectiva revolucionária. A revolução proletária tem necessariamente caráter internacional. A luta do proletariado contra o capitalismo é internacional por sua natureza, ainda que os partidos da classe operária se organizem em termos nacionais e ainda que o desenvolvimento desigual da luta de classes faça com que seja inevitável uma defasagem no processo revolucionário de um país para outro. Mas tal defasagem não muda a natureza da revolução proletária; apenas torna mais complexa a luta dos revolucionários em cada país (..) Em contraposição, fixar-se como objetivo um ‘socialismo-nacional’ (que é uma contradição no próprio termo) significa aceitar as falsificações teóricas que divulga o stalinismo, dando como socialistas os estados operários degenerados ou deformados (...) E justamente esta aceitação implícita da tese fundamental do stalinismo, mostra que o rompimento com o PCB, dos grupos que compõem a revista em questão, é superficial. Embora a perspectiva de um ‘Brasil Socialista’ não seja aceita pelo PCB. Este não aceita porque é uma perspectiva ‘esquerdista’, derivada do anti-imperialismo pequeno-burguês, e que, como tal, prejudicaria sua política de aliança com a burguesia. Porém aceita e sustenta o mito dos países ‘socialistas’, onde a revolução estaria encerrada e que podem coexistir pacificamente com o mundo capitalista”. “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p5. Op. Cit. 328

Segundo o documento: “...Através da organização independente e das lutas da única classe capaz de propor soluções que significam superação dos problemas criados pelo capitalismo, os marxistas defendem,

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“...influências contraditórias que atravessam ‘Brasil Socialista’. Influências que vão

do stalinismo, passando pelo castrismo, ao marxismo revolucionário. Influências

cujas fórmulas resultantes não podem ser justapostas nem amalgamadas. São

inconciliáveis. Os membros do ‘Brasil Socialista’ devem fazer de sua revista um

instrumento para separar as posições marxistas das demais. Não para confundi-las

entre si. Sem isso, a união de forças que a revista procura realizar é inviável. E

mesmo que seja alcançado, será um aglomerado de confusões que explodirá ao

primeiro abalo mais forte da luta de classes”330

De fato, são nas discussões clandestinas que conseguimos identificar as

divergências sutis entre as organizações, ou ainda, perceber as leituras que orientam seus

procedimentos no espaço da universidade331. Entre os anos de 1974 e 1975, a

em última análise, os interesses mais profundos da humanidade. Nesse sentido geral, os marxistas não defendem interesses limitados a uma classe ou setor social particular. Porém dentro de tal objetivo, ligam-se à luta pela defesa quotidiana de cada setor oprimido, visando a organizá-los sob a direção política do proletariado. O programa proletário expressa as aspirações, não apenas da classe operária, mas sim de todos os setores que o capitalismo é incapaz de incorporar a seu sistema de privilégio, ao mesmo tempo que serve de ponto entre essas aspirações e a superação do regime. A partir dessa compreensão, a tomada, pelo proletariado, de reivindicações de caráter democrático-burguês ou que visem à eliminação do atraso econômico, tal como a reforma agrária, pode ser vista, não como manobra circunstancial, mas sim como parte integrante da luta de classe operária contra as sequelas da decadência capitalista, e como tal inseparável da luta por suas próprias reivindicações mais diretas. Sem isso, a classe operária fica reduzida a um setor a mais da sociedade burguesa, um setor que se soma aos outros e que apenas tem uma alternativa, ao lado da alternativa burguesa, para a sociedade. O programa proletário não é uma mera alternativa ao programa burguês. É uma superação. Ou seja, é fruto do desenvolvimento necessário intrínseco à evolução do capitalismo, para o qual não há qualquer alternativa burguesa de auto-renovação” “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p7. Op. Cit 329

O documento indaga: “O que significa a expressão ‘trabalhadores da cidade e do campo’? (..) É

absolutamente necessário esclarecer essas questões (..) o termo ‘trabalhador’ não sendo sinônimo de ‘proletário’, o que é perfeitamente válido, fica sociologicamente confuso (..) Parece que há por trás dessa vacilação teórica uma obscura intuição de que o proletariado não pode fazer a revolução sozinho (..)Partindo de tão pobres esquemas da sociedade capitalista e dos ‘trabalhadores’, mesclados com misteriosas intuições de ‘povo’ e ‘lutas populares’, a questão central das perspectivas estéticas na luta contra a ditadura no Brasil, torna-se um problema insolúvel (..)Nessa ‘sociedade capitalista’ que não é um processo dialético historicamente determinado, a luta de classes não é uma necessidade. Precisa ser ensinada”. “Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 330

“Brasil Socialista: o debate escamoteado”, p7 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da

UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 331

No entender de Rosalba Lopez, a Revista Brasil Socialista se apresenta fruto de um “aprofundamento da

análise (...) no qual a inflexão democrática parece ter atingido maiores conseqüências”. Em suas palavras: “..Tais organizações, tendo identificado seus erros vanguardistas, buscam caminhos para aproximarem-se das massas e passam a propor a construção de um partido da classe operária que fosse expressão da

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aproximação da FES (OC 1º de maio), do grupo Outubro e da FBT redunda, pouco a pouco,

numa interpretação própria das dinâmicas sociais e na proposição de formas de

organização, atuação, ocupação do território associadas ao fortalecimento de

assembléias, comissões abertas e comissões diversas (em lugar da gestão via Cas) – fóruns

nos quais a organização clandestina procura intervir e orientar as massas. Numa

perspectiva complementar, são oferecidos cursos de férias no CEUPES e CEFISMA com o

propósito de discutir o caráter do Estado brasileiro e das classes sociais latino-

americanas332, num esforço de aproximação, convencimento e engajamento contínuo.

No começo de 1975, por sua vez, uma série de panfletos intitulada Polêmica e

produzida pela FES começa a circular no espaço na Universidade causando apreensão dos

órgãos de segurança que inserem boa parte de suas afirmações nos relatórios internos do

DEOPS. Estes panfletos cumpriam com o papel de intervir nos movimentos, propondo

discussões e “bandeiras de luta”, como na “edição especial” para os calouros (março de

1975) na qual se oferecia um retrospecto das principais lutas políticas travadas na

universidade; explicações sobre certas “bandeiras de luta” (em especial, a bandeira “pelas

liberdades democráticas”, que começava a entrar em cena) além do convite de integrar os

debates e movimentações do momento. E na discussão específica sobre democracia, o

panfleto indagava por qual:

“...conteúdo da democracia (..) se luta?” [porque] Se o negócio é trocar fardas por

fraques burgueses sem modificar as relações de exploração que são submetidos

operários e camponeses do Brasil, a aliança é uma; se a perspectiva é de lutas

consciência política dos trabalhadores. A tentativa de formação da Tendência Proletária a partir da aproximação da POLOP, AP, MR-8 e, mais tarde, o MEP, consubstanciada na revista Brasil Socialista, parece indicativa desse campo.” “As esquerdas brasileiras e o debate em torno das liberdades democráticas (1974-1982): ensaios para uma comparação”. Doutoranda do PPGH da Universidade Federal Fluminense. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006. http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Rosalba%20Lopes.pdf 332 “Curso de Férias – América Latina 1974. CAF-CEUPES.Peru, semi-colônia do Imperialismo”; “Curso de Férias CAF-CEUPES fev 74. A Natureza de Classe do Estado Brasileiro – João Quartim de Morais In Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra.

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transitórias para a superação do capitalismo e da ditadura de classes (sob a forma

militar ou civil) que ele necessariamente engendra, a aliança é outra”333.

No curso da greve da ECA, entre abril e junho, esta série desempenha um papel

fundamental, não só pela circulação de informações do movimento, como por ajudar a

aproximar o universo acadêmico das lutas sociais - iniciativa que em vários aspectos

ajudaria a acirrar os ânimos estudantis334, conforme podemos observar pela sucessão de

títulos apreendidos pelo DEOPS: “Aceitar a institucionalização da ditadura em luta pela

democracia? (nº2 abril/75); “Comitê: 1º aniversário e a continuidade da luta por

liberdades políticas” (nº3 abril/75), “MDB com vergonha até das aparências” (abril de 75),

“A luta por liberdades democráticas continua” (nº6 abril/75), “Seguir adiante, unir o

movimento” (nº8 maio), “Ampliar, unir e organizar a luta dos estudantes” (nº9 maio),

“Lutas por liberdades democráticas – reorganizar o DCE” (nº10 junho), “Frente popular,

fascismo ou revolução proletária” (nº13 junho), “Unir a luta dos estudantes” (25/agosto).

Atuando como “frente”, a FES percorria um caminho próprio em relação aos

grupos Outubro e Fração Bolchevique Trotskista, ainda que estas organizações se

achassem articuladas por um mesmo direcionamento político (CORQUI). Na visão de

Markus Sokol:

333

Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975 IN “Resumo de considerações políticas

constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975” , pp21/23. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1356 334 Em Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975, podemos ler: “Por outro lado o operariado começa a se manifestar com greves e explosões espontâneas. Mobilizações estudantis são a medida do crescente repúdio à ditadura e da exigência de liberdades políticas de organização e expressão. A luta por liberdades políticas, inseparável da luta pelo socialismo está em pauta. Tudo leva a crer que 1975 será um ano de forte oposição à ditadura. O abono demagógico e o reajuste salarial em quase nada contribuíram para aliviar a situação miserável da imensa maioria da população. O mesmo problema, colocado ao nível internacional, coloca-se agora. Vivemos uma crise de direções revolucionárias. No entanto, é apenas na luta e nas mobilizações que essas vanguardas poderão se forjar e se constituir futuramente, num partido revolucionário da classe operária (...) A combatividade da classe operária e de seus aliados incondicionais ameaça o poder da burguesia nesse período de radicalização da luta de classes a nível internacional, o socialismo ressurge como possibilidade redentora. O socialismo está e sempre esteve na ordem do dia” IN “Resumo de considerações políticas constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975”, pp 21-23. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1359.

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“... o Primeiro de Maio tinha (...) [o] que eles chamavam de FES... era a fachada (...)

era movimento de massa só que ela era frentista, eles tinham no que no nosso

ponto de vista era errado (...) era uma frente onde tinha várias grupos políticos

disputando lá... Isso dava um dinamismo e ao mesmo tempo era uma trava pra ter

uma intervenção na velocidade que uma greve necessita...”335.

De qualquer forma, esta linha política que há alguns anos vinha estabelecendo

marcas na recomposição do movimento estudantil da USP, não só encontrava eco para

seus posicionamentos de gestão e enfrentamento político da estrutura universitária, como

se achava espalhada por toda a USP, num contexto no qual começavam a se definir

diferentes “bandeiras políticas”, marcos de um processo de embate pelo território político

levado pelas organizações clandestinas. Os estudos, discussões e definições, por sua vez,

se desenvolviam em diferentes escalas (ou círculos concêntricos, nas palavras de Juleusa

Turra), merecendo desta geógrafa e ex-militante a seguinte descrição:

“Então eu fui chamada, eu acho, pro grupo intermediário. Tínhamos (...) reuniões;

eu lembro das reuniões muito fortes, não dos centros acadêmicos, mas reuniões

talvez já nos de 74, 75, pra se discutir a questão de...em 75 (...) o pacote de abril,

era governo Geisel. Então tinha alguma discussão muito pertinente, algumas

mudanças que pudessem acontecer e se considerava que já existia maturidade pra

se lançar algumas palavras de ordem e pra se construir organizações mais fortes

que não centros acadêmicos que eram bastante centralizados. Nesse movimento,

que eu acho que é de 74 pra 75 ( tem que colocar um cronograma de coisas ) (...)

começaram a haver as reuniões desses grupos que eu tô chamando ai de circulo

intermediário, propondo a rearticulação primeiro do grêmio da filosofia, depois de

reuniões que mais de um centro acadêmico e eu comecei a identificar uma

correspondência das pessoas que estavam nas ciências sociais, na filosofia, na

economia, na escola de comunicações e artes, na arquitetura. E ai foram pessoas

que eu fui conhecendo, aprendendo a universidade, mas aprendendo a

universidade pela diversidade dos cursos e pelo compartilhamento da experiência

335

Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005

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de ser estudante que quer transformar o seu curso ou a profissão decorrente

desse curso, que era muito forte na economia e com o pessoal do jornalismo, por

exemplo. As ciências sociais e a filosofia não tinham esse problema, porque nós

éramos tidos como os pensadores, os formuladores. Mas de repente vieram

pessoas da física. Eu me maravilhava com a ideia de ter pessoas da física

envolvidas no movimento estudantil. E aí começam as discussões que vão

redundar na recriação do DCE da USP. Que é 75, imagino eu”336.

De fato, as palavras de ordem, as bandeiras de luta escondiam trajetórias, leituras

e proposições políticas distintas que, em meados da década de 1970, voltavam a cena

para se integrar a um movimento que insistia em renascer, prestando-se a ser um canal de

comunicação de massa que, em pouco tempo, receberia o reforço de materiais históricos

elaborados e competentes nos esforços de identificar experiências e articular referências

de um passado recente, com a intenção de reafirmar um velho papel de movimento

estudantil (compatível com a recomposição de uma série de organizações políticas) ou de

afirmar um novo papel de movimento estudantil no interior da sociedade.

A legitimidade desta trajetória nascia de uma recusa do legado “vanguardista” em

nome de um trabalho político definido pelo convencimento dos estudantes na luta mais

ampla travada pela sociedade (pela liberdade, democracia, autonomia); pelo engajamento

na busca por uma outra ordem social em que os fundamentos mais caros da vida pessoal

e política se fizessem recolocados ; ou ainda, pelo envolvimento com os estudos marxistas

acerca da sociedade capitalista, de suas contradições e dinâmicas sociais. As leituras e

proposição de organização e atuação, por isso mesmo, deveriam surgir de um trabalho

contínuo de reflexões voltadas a articular questões mais gerais e específicas,

internacionais e locais, em um debate permanente que só se encerrava quando os

integrantes se consideravam convencidos das análises e proposições. Dinâmica que se

repetiria em todas as esferas de organização (clandestina ou não) no propósito de

336 Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005

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construir uma perspectiva “unitária” da ação trotskista337. Na esfera da cultura, segundo

Caracol:

“...a explosão foi tal que a atividade cultural teve uma presença intensa. Havia

assembléias, duas por semana (...) em 1975, particularmente, quando nós fizemos

o primeiro show de rock, a gente era acusado porque o rock era uma música

imperialista... Era uma disputa muito grande, porque tudo o que não fosse do

campo do nacional popular era rotulado, era patrulhado... O patrulhamento era

muito grande, tanto quanto a repressão do regime. (...) as pessoas não eram

passivas, não aceitavam qualquer coisa, mas não tinha uma visão geral da coisa (..)

a questão da luta política contra a ditadura e pelas liberdades era mais forte (...)

Os centros acadêmicos (...) não tinham, na verdade, um projeto.. Uma discussão

que se fazia, e muito, que era (...) uma luta para colocar a universidade a serviço

da sociedade e dos trabalhadores de uma maneira geral, era uma visão muito

teórica”338

As considerações pertinentes feitas por Luiz Groppo sobre o contexto de 1968,

pareciam agora experimentar mudanças. No entender deste importante pesquisador:

“A contracultura, na sua contestação comportamental hiperbólica e na sua

postura de negar a transformação através da política, seria no início dos anos 1970

um pólo oposto ao da luta armada. Contracultura e movimentos armados

tornaram-se mutuamente excludentes. A posição de ambos negava a possibilidade

de conjugar política e comportamento, ‘a possibilidades da articulação entre

transformação política e transformação individual não estava mais colocada’. Após

1968, desintegrava-se a frente político/cultural de contestação que marcou o

movimento estudantil brasileiro, apesar de seus vários dilemas”339

337 OC-1º de Maio. “Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionária do proletariado” In REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução.Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Op. Cit., p.336. 338

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996. 339 Groppo, Luís Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: Tese (Doutorado) Unicamp, 2001, p. 380.

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E então, eclode a greve da ECA.... uma greve que perdura entre os meses de abril e

junho de 1975, que por duas vezes se estende por toda a USP e que conta com a adesão

de cerca de dois mil alunos num movimento para depor o diretor da Escola de

Comunicações e Artes, o historiador Manoel Nunes Dias. A recusa radical à gestão de um

dos mais autoritários diretores da USP (mas que também se estende à reforma

universitária da USP) é formulada e gerenciada do espaço da assembléia, de onde surgem,

ainda, outras instâncias coletivas – a comissão coordenadora e um conselho de

representantes (formado por grupos de alunos de cada classe) - num claro e novo desenho

de articulação e deliberação política de movimento; um desenho que permite aos

estudantes integrar diretamente as decisões políticas tomadas pelo movimento. Nas

palavras de Flávio Carrança:

“É um momento que essas mobilizações que estavam isoladas dentro das

faculdades começam a atuar em conjunto. Foi o primeiro momento, porque eu

acho que foi a primeira mobilização. A primeira grande greve e a primeira

experiência de atuação conjunta, onde teve assembléias, onde estudantes da FAU,

de economia, história, da filosofia… se manifestavam, se colocavam politicamente

e que as correntes políticas existentes dentro da faculdade se confrontaram

explicitamente e tal. Por que havia esse confronto mas no âmbito interno das

Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)

1971/1978

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faculdades, nesse momento a correntes saem a campo e se defrontam num

movimento que transcende o âmbito das escolas específicas …”340

No curso da greve, o agente de segurança responsável pelo relatório diário de uma

das assembléias registra uma “acirrada discussão entre dois grupos antagônicos”,

captando com clareza toda tensão interna que então se estabelecia em torno das formas e

bandeiras de movimento341. O que se colocava em questão, naquele momento, era a

criação de uma estrutura de organização capaz de submeter seus órgãos internos de

decisão às instâncias mais amplas e participativas de movimento (no caso, uma diretoria

“perpassada” por reuniões universitárias mensais e subordinada às Assembléias Gerais

Universitárias), fruto de uma ânsia por democracia amplamente proclamada, mas que

muitas organizações marxistas não pretendiam exatamente abraçar, preferindo defender

uma estrutura não tão “aberta” e participativa quanto a defendida pelos trotskistas. Para

Caracol:

“...1975 foi um ano de grandes acontecimentos aqui no estado de São Paulo e

espalhado por quase todas universidades. Foi um ano de reconhecimento da vida

estudantil, em São Paulo, na cidade universitária, no interior também. Eu lembro

que, na época, eu era do grêmio da FAU e vinha aqui nas assembléias da ECA e se

combinava, ao mesmo tempo, lutas de caráter reivindicatório específico, não é,

com as lutas políticas gerais voltadas aí para a posição do regime militar. Então, foi

um período em que as organizações estudantis cresceram e existia um debate

político muito intenso e forte na época. Então, eu acho que, a partir daí, muda

bastante o regime. Minha militância dentro daí era uma militância no centro

acadêmico a partir de 1972. A partir do ano 1975 organizada, através da Liberdade

e Luta”342.

340

Depoimento de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005 341

No documento “Antecedentes político-sociais dos mencionados no presente relatório”, de 1975, encontramos registradas informações sobre um dos principais dirigentes trotskistas (lambertista) da USP, Markus Sokol - considerado como um dos estudantes mais engajados nos acontecimentos da ECA. 342

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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Nas lembranças de Celso Marcondes:

“....Contra diretores de faculdades autoritários, contra a política educacional do

governo, por melhorias no restaurante universitário ("feijão sem repressão",

gritávamos numa animada passeata), elas se multiplicavam. Até chegar a

reivindicações mais politizadas, como as das passeatas pela libertação dos presos

políticos”343

É neste contexto que emerge com força a bandeira “Pelas Liberdades

Democráticas”; bandeira que no curso dos anos seguintes, seria levada por todo o

movimento estudantil em lutas de caráter eminentemente civil. É neste contexto,

também, que da qualidade das experiências conquistadas na luta para “derrubar” o

diretor da ECA, surge a proposta de imprimir estas mesmas marcas no movimento

estudantil da USP, a começar pela reconstrução do DCE-livre, uma “entidade”

hierarquicamente superior aos Cas, cujo formato e papel político se prestaria a

impulsionar ainda mais a participação estudantil (na esfera de toda a universidade) ou

ainda, de aproximá-la em suas lutas das lutas da sociedade.

A conquista de legitimidade, somada à qualidade das discussões e à emergência de

outros movimentos semelhantes (greves na UFBA, UFMG, entre outras), transforma a

“greve da ECA” numa referência de luta e de organização, sinalizando com suas

experiências para uma outra perspectiva de articulação política para o movimento

estudantil em revitalização, valendo considerar que a mesma greve da ECA ganhara forma

à despeito da direção do Centro Acadêmico (então sob direção de militantes ligados ao

PCB) que não apenas se posicionara contrária ao movimento como acabaria à deriva dele.

A extensão da greve por quase três meses possibilita também ocorrer, na esfera

clandestina, a fusão de parte dos agrupamentos trotskistas lambertistas. De fato, a

dinâmica centrada em debates e em experiências de enfrentamento com a administração

acadêmica leva os trotskistas a avaliar que chegara a hora de fazer “avançar”o movimento

para formas mais adequadas de luta, e por orientação do CORQUI, a FBT, o Grupo

343

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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Outubro e uma dissidência da OC-1º de Maio, a Organização pela Mobilização Operária

(OMO) se fundem numa única e nova organização: a Organização Marxista Brasileira

(OMB)". Este processo é relatado por Sokol (oriundo do grupo Outubro) da seguinte

forma:

“....aqui em São Paulo de repente a gente estava dirigindo a greve da ECA, de uma

repercussão nacional.... com uma célula (...) o Primeiro de Maio (...) eles não

tinham base. Quem tinha base na ECA éramos nós. Eles tinham mais base na USP,

eles tinham mais militantes em São Paulo, mas na ECA, sinto muito, éramos nós.

Então isso era um absurdo, foi a primeira greve com cobertura da mídia... claro,

você tinha greve geral no campus, tinha assembléias universitárias, mas na ECA

estávamos nós... e Isso nos colocou (...) numa situação de influência grande. Como

organizar essa influência? Então (...) nós tivemos a idéia de fazer uma única

corrente (..) a Direção Unificada Provisória numa escala da USP (...) sem consultar

direção nenhuma... nós íamos fazer uma tendência unificada e essa tendência

unificada foi que começou ganhar as assembléias. Nós fazíamos plenárias com cem

jovens; militantes, a gente devia ter cinco, depois dez; o Primeiro de Maio devia

ter vinte, no máximo trinta... mas a gente fazia plenária com cem pessoas de

manhã, cem à tarde e depois mais cem à noite. Essas plenárias eram plenárias de

uma corrente política, não era opção [proposição] centralizada, não tinha finanças,

mas era uma organização política. Elegia um coletivo de direção, tinha responsável

pelo jornal, responsável pelas finanças, responsável pelo não sei o que... e com

isso a gente conseguiu envolver e fazer uma experiência política elementar com

pessoas que não eram trotskistas, mas que nos textos de nossa formação, na

convivência, começaram a ter contato com o movimento operário, e por outro

lado, com o trotskismo...e vieram a ser depois a base do recrutamento de

centenas de jovens”344

Na prática, a fórmula longamente perseguida de “aliança operário estudantil” -

“um linha política que Trotsky elaborou” – passava a ganhar “forma concreta” pelas mãos

344

Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.

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“de uma geração super jovem”345. Os estudos, “costuras” e alinhamentos políticos

conduzidos, em grande medida pela proximidade do CORQUI e pela atuação do Grupo

Outubro já se traduziam num acúmulo teórico e numa trajetória de intervenção muito

rica, considerada por Antônio Figueiredo nos seguintes termos:

“...o nosso pessoal (...) estudava (...) era inclusive treinado nesse estudo a se

colocar. Então se colocava muito bem nas assembléias, se organizava pra fazer

chapa em centro acadêmico (...) era um pessoal que falava muito bem,

diferentemente de outras tendências que às vezes era um negócio meio triste...

Você olhava e via que aquilo que se dizia não tinha consistência e o nosso pessoal

era muito... tinham pessoas que eram brilhantes. Eram oradores ótimos... o

Julinho era um cara que 'pelo amor de deus', era brilhantíssimo, o PTB.. então,

eram pessoas que se colocavam muito bem e isso atraía gente (....) era um fator

multiplicativo, e dessas pessoas, aquelas pessoas que a gente pinçava, falava “esse

cara está”... “esta menina está” se interessando mais. Aí você trazia pra GER, pra

estudar, e dependendo do GER, era trazida pra organização”346.

Nas lembranças de Sokol:

“...Nós tínhamos um conselho de centros acadêmicos […] e essas assembléias

universitárias; então a nossa guerra era nessas assembléias. Teve uma época que

tinha uma assembléia por semana, e (...) não eram assembléias de 50, eram

assembléias de 500, 600 (...) A gente fazia assembléia de manhã em massa, outra

massa à tarde e outra massa à noite, mais de uma vez por semana (...) Então

quando elas decidiam greve, paravam, paravam pela força dos estudantes (...) e

tinha a ver com a postura que a gente tinha em relação à massa, que era de

honestidade... Hoje, é claro, existe uma desconfiança, porque as lideranças se

emanciparam, são ligados a aparatos políticos... têm a força de selecionar sua

própria base até um certo ponto... (...) Na época era o contrário (...) se vivia a

345

Depoimento de Markus Sokol para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 346

Entrevista de Antônio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005

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loucura de sindicato pra sobreviver, sabendo que se isolasse estava liquidado...

então, quando veio o afluxo, uma onda que te leva no cume, você acha que tem

um poder enorme, é histórico. A gente conseguiu, em um certo momento, contar

com intelectualidade […] sem ter nenhum gênio entre nós”347.

Em sintonia com os acontecimentos na ECA, o Conselho de Centros Acadêmicos

reedita em abril de 1975 a experiência do “Caderno do Ensino Pago”, propondo a

realização do “Plebiscito contra o 447”, atividade que também conta com um caderno

específico. Nesta publicação, o CCA reitera o sentimento generalizado de rejeição às

medidas repressivas presentes no espaço acadêmico e social, ao mesmo tempo em que

afirma sua determinação (ao menos, de boa parte dos grupos políticos, militantes e

estudantes) em reconhecer as entidades como “organizações estudantis independentes”,

valendo aqui uma ressalva: o conselho de centros acadêmicos reconhecia os próprios

centros acadêmicos como instâncias independentes, mas não necessariamente os

estudantes em suas mobilizações e manifestações massivas.

Processo de Investigação de José Américo Ascencio Dias e Edmundo Machado de Oliveira em função da “eclosão de assembléia

permanente na ECA-USP” (28/04/75). Nos anexos: materiais recolhidos na ECA

347

Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005

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A disposição de enfrentamento do CCA348, colocada desde as primeiras linhas do

Caderno, se traduzia na defesa da “liberdade de organização e manifestação acerca dos

problemas estudantis e ao nível da sociedade como um todo” (a ser levada pelas

entidades), bem como do “direito de assumir nosso próprio papel como força viva e

interessada no processo social” (enquanto entidade) em resposta à propaganda de

“abertura” política governamental. Para este órgão, enquanto “a liberdade de que

dispõem os brasileiros é a liberdade de acatar decisões tomadas fora de seu alcance”, ao

termo “abertura” seria preciso somar a “livre confrontação das idéias”, o “livre debate

político”, “liberdade de debater e criticar qualquer doutrina ou credo político”, ou ainda,

liberdade para “questionar os objetivos da Universidade em todos os níveis, participar

ativamente da discussão e deliberação destes objetivos”. Nestes termos, o caderno se

referia ao decreto 477 como um:

“...instrumento preventivo que vem sendo usado como chantagem para que os

estudantes, professores e funcionários, se mantenham dentro de um modelo de

comportamento pré-determinado”; instrumento ainda que, somado à

“depredação de murais, censura e cerceamento da imprensa acadêmica, proibição

de atividades culturais”, entre outras medidas349, “não nos permite acreditar em

promessas vagas e que caducaram antes de serem cumpridas”350.

348

Nos primeiros anos da década de 1970, achavam-se presentes na USP militantes ligados a ALN, PCB, PCdoB, POLOP, além de organizações trotskistas, cabendo às duas primeiras organizações um papel de hegemonia política. Este quadro se alteraria nos anos seguintes. Ver: Jordana de Souza Santos. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70. Op Cit. 349

Além de: “marginalização dos estudantes dos órgãos decisórios da Universidade, onde nos permitem

apenas a participação simbólica de 1/5 na lei e 1/10 na prática [reivindicação frente a qual os trotskistas não concordavam], imposição de que os cursos sejam cumpridos num tempo pré-determinado (jubilamento), a tentativa de nos impor a participação servil através dos Diretórios Acadêmicos (Das) atrelados aos planos e regulamentações oficiais, as punições disciplinares previstas no regimento interno da Universidade, lançamento de panfletos onde forjam assinaturas, e que visam difundir a confusão e intranqüilidade entre os estudantes, criando com isso condições para a posterior intervenção policial ostensiva”. 477 Plebiscito: 23 e 24/04. Conselho de Centros Acadêmicos CCA-USP, abril-1975, p.4. 350 477 Plebiscito: 23 e 24/04. Conselho de Centros Acadêmicos CCA-USP, abril-1975, p.4.

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Neste clima de radicalização, assumida em termos mais amplos pelas organizações

clandestinas presentes na USP, as discussões travadas durante as assembléias da ECA dão

lugar a uma maior radicalização trotskista que propõe, no curso das discussões, a

recriação do DCE-Livre como condição de exercício de um novo “sentido de democracia”,

como expressão de formas mais abertas e diretas de participação política, em lugar da

manutenção de órgãos (herdados) mais centralizados e burocráticos de luta política.

Nesta ocasião (junho de 1975), os trotskistas produzem dois documentos que, pela

singularidade de suas proposições, merecem uma atenção mais detalhada: os

documentos “Plataforma Construção” e “União e Organização. Plataforma para o DCE”,

documentos, aliás, que nos dão pistas do processo de fusão que já se achava em curso

entre os grupo Outubro, OMO (dissidência da OC 1º de Maio) e FBT e que faria nascer

ainda em 1975 a Organização Marxista Brasileira (grupo originário da OSI).

No documento “Plataforma Construção”, os temas: “ME e conjuntura”, “ME e

universidade”, “ME e sociedade”, “ME e a luta pelas liberdades democráticas”,

“Reorganização do ME” e “DCE-USP”, aparecem articulados a um conjunto de “pontos

programáticos” e a uma “plataforma de lutas” fundada nos seguintes elementos (grifos

nossos):

“1- o ME só tem chances de encaminhar de forma vitoriosa as suas lutas caso seja

completamente independente da classe dominante e de seus representantes; 2 – a

única forma de colocar corretamente os nossos problemas e buscar

conscientemente as suas soluções é a mobilização feita pela base através de

formas organizativas apropriadas; 3 – a união do conjunto dos estudantes deve

sempre ser buscada pois a desunião só pode enfraquecer; 4 – sem democracia

interna é inviável a mobilização pela base e a união, pois toda política de cúpula

também nos leva ao enfraquecimento; 5 – a ampliação do movimento no contexto

de lutas por liberdades democráticas com outros setores e classes sociais é uma

necessidade constante, pois na verdade os problemas específicos de cada escola

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são reflexos localizados de problemas gerais que afetam a sociedade como um

todo”351.

Na tentativa, então, de “dar conta do caráter político do ME”, o documento

apresenta uma série de propostas para discussão - “algumas (..) viáveis imediatamente;

outras apenas a médio e longo prazo” -, considerando-se que “todas a propostas contém a

preocupação pelo fortalecimento da nossa organização paralelamente à unidade com

outros setores sociais”. São elas:

“1- apoio total aos estudantes da ECA na luta pela queda do Nunes (...) 2 – unidade

com outros setores e classes na luta por liberdade de organização e expressão (...)

3 – rejeição de quaisquer restrições às nossas atividades (...) 4 – contra o

Jubilamento que ameaça atingir 2000 estudantes já no próximo semestre (..) 5 –

reorganização de todos os estudantes (...) 6 – pela eleição, no congresso de 21/6,

de uma Direção Provisória do DCE” 352

Ao longo do texto, por sua vez, o que presenciamos é a emergência de uma leitura

muito própria de movimento e de organização política, fundada na idéia de que “as

liberdades políticas de organização não cabem nos limites estreitos da ‘abertura’, e que se

faz necessário ultrapassar os “limites de uma oposição consentida”, devendo-se enfrentar

a “repressão em qualquer nível em que ela se manifeste”, por meio da criação de

“organismos livres e abertos à participação”, capazes de promover “um processo de

amplo debate político” no qual a Universidade viesse a ser percebida em profunda

interação com a sociedade; a reconstrução do DCE da USP se traduziria, então, na criação

deste “poderoso instrumento de nossas lutas (...) órgão que leve adiante a luta pelas

conquistas democráticas necessárias ao avanço do ME – sua liberdade de organização e

expressão” . Em termos mais abrangentes, era chegada a hora de unificar as lutas em nível

nacional por meio da reconstrução das UEEs, da UME [União Metropolitana de

351 Plataforma Construção. Junho/75, p7. 352

Plataforma Construção. Junho/75, pp 8-9.

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Estudantes/RJ] e da UNE, tornando-se urgente promover “encontros regionais (SP) e

nacionais de estudantes abertos aos alunos de todas as escolas, para que se dê início a um

processo de discussões que preparem o terreno para essas conquistas”353.

Em “União e Organização: Plataforma para o DCE”, encontramos uma “plataforma

de princípios” fundada na idéia de que: “Ninguém coloca em dúvida que o motor e a alma

desta mobilização foi a greve dos colegas da ECA”; o que poderia não ter “passado por

mais uma greve, dentre todas as que vêm ocorrendo nos últimos tempos no meio

estudantil, transformou-se em um movimento que acabou envolvendo milhares de

estudantes, da USP e de outras faculdades do país”. Segundo o documento: “... ‘Abaixo o

Nunes’ cedo deixou de ser uma reivindicação dos colegas da ECA para transformar-se

numa reivindicação sentida pelo próprio estudantado brasileiro”. E neste caso, o

documento indaga:

“Ora, o que o movimento dos colegas da ECA colocou em evidência? Sem sombra

de dúvida alguns princípios básicos devem estar claros para todos: 1) o movimento

estudantil só tem chances de ser vigoroso e vitorioso caso ele seja completamente

independente da classe dominante e de todos os seus representantes, sejam quais

forem; 2) a única forma possível e correta de nossa mobilização é a que se faz pela

base, através de formas organizativas apropriadas, pois apenas a mobilização

maciça pela base pode colocar corretamente todos os nossos problemas e nos

permite solucioná-los; 3) a união de todos os estudantes em luta é uma regra sem

exceção, pois a divisão só pode beneficiar nossos inimigos e nos enfraquecer; 4)

sem democracia interna é impossível a mobilização pela base e a união, pois todo

tipo de cupulismo só serve também para nos enfraquecer e dividir; 5) a ampliação

do movimento é um imperativo constante, pois da mesma forma que os

problemas dos colegas da ECA são comuns a todos os estudantes da USP, estes,

por sua vez, ilustram o que se passa em todas as faculdades do país”354.

353

Plataforma Construção. Junho/75, pp 3-7. 354

União e Organização. Plataforma para o DCE. USP-75, p.1

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No terceiro documento, assinado pela “Comissão Executiva do DCE”, os militantes

trotskistas buscam estabelecer as bases de um:

“...programa político adequado, que parta de todas as experiências adquiridas

pelo ME de 68 para cá, tirando delas as lições necessárias, percebendo a mudança

de qualidade de uma luta para outra, sintetizando nossas forças e percebendo que

ainda se coloca para nós o fortalecimento de nossas entidades. E que os saltos que

poderemos dar neste sentido, é com a organização de entidades mais gerais e

centralizadoras”.

E para tanto, sem citar nomes, o documento levanta, caracteriza e analisa as

diversas proposições de leitura e de organização do movimento que se acham presentes

na USP, definindo-as como aquelas para os quais (grifo nosso):

“....o fortalecimento dos CAS só é percebido dentro de um trabalho localizado.

Quando propõe movimentações gerais, nunca conseguem propô-las atendendo a

sua essência política. Quase sempre optam pela dissolução ou esvaziamento de

alguma luta, quando não conseguem dirigi-la (..). Outra posição existente, prima

por levar apenas um tipo de lutas: a mais geral e mais ‘estratosférica’, o que

apesar da aparência radical, deixa de ser política (..). Existe ainda uma outra

posição que defende o fortalecimento das entidades e a criação de entidades mais

gerais através de sua oficialização, ou seja, através de seu atrelamento à legislação

oficial”355 . Já para os mesmos trotskistas: “...a luta pelas liberdades políticas se

355

No texto integral podemos ler: “Para uns, o fortalecimento dos CAS só é percebido dentro de um trabalho localizado. Quando propõe movimentações gerais, nunca conseguem propô-las atendendo a sua essência política. Quase sempre optam pela dissolução ou esvaziamento de alguma luta, quando não conseguem dirigi-la. A nível de organização de entidades mais gerais, optam por uma posição gradualista, com o crescimento de vários trabalhos localizados se poderá chegar às condições para a organização de entidades centrais (...) Na verdade esta posição nunca consegue levar lutas políticas, seja a nível geral ou específica, e não conseguem portanto nem fortalecer a entidade e nem criar condições ao nível da Universidade para o fortalecimento de nossas lutas e organização. Outra posição existente, prima por levar apenas um tipo de lutas: a mais geral e mais ‘estratosférica’, o que apesar da aparência radical, deixa de ser política [possivelmente o autor se refere aos militantes anarquistas] . Suas propostas e objetivos são tão amplos que não se consegue perceber qual o objetivo pelo qual podemos lutar e que lutas travar. Propondo lutas abstratas, esvaziam o conteúdo e as lutas políticas como não conseguem e não querem travar lutas

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reflete de várias maneiras (..) desde mantermos livres e fortalecidas as entidades,

exercemos na prática a liberdade de expressão e reivindicação [até] a defesa da

autonomia universitária, e sua democratização”356.

Com base nestas leituras, percebemos a força com que a bandeira “Pelas

Liberdades Democráticas” se coloca; bandeira que no curso dos anos seguintes seria

levada por todo o movimento estudantil em lutas de caráter eminentemente civil, em

função de exprimir um amplo campo de lutas e de singularidades. Um campo de lutas que

se definia, antes de tudo, como coletivo, participativo, aberto e independente, ou ainda,

na forma de uma “democracia direta”. Nas lembranças de Celso Marcondes:

“Eram chamadas pelas cada vez mais freqüentes assembléias gerais universitárias,

que uniam estudantes das diversas faculdades, tornando palpável a reconstrução

do Diretório Central. Na ânsia de acertar, gastávamos horas de discussões para

definir eixos de luta. Uma das grandes polêmicas daquele momento dividia os

defensores da luta "pelas liberdades democráticas", contra os que queriam a luta

"em defesa dos direitos humanos". Ganhava quem levava mais gente às

assembléias. Democracia direta. Aí já dava para falar de uma nova geração que se

formava....”357

específicas, ligando-as às lutas e contradições gerais, não fortalecem as entidades e nem criam condições para uma organização a nível de universidade. Pois como vivem dos grandes momentos e em função de grandes mobilizações, desprezando o trabalho do dia a dia, não conseguem levar a cabo qualquer tipo de organização. Propõem e enxergam uma entidade de cúpula desligada das massas. Apesar de sempre se colocarem em nome delas, não sabem e não fazem trabalho com elas e quando propõem radicalizações e avanços, não se preocupam com as condições que encontram no conjunto dos estudantes (..) Existe ainda uma outra posição que defende o fortalecimento das entidades e a criação de entidades mais gerais através de sua oficialização, ou seja, através de seu atrelamento à legislação oficial [o autor se refere ao posicionamento dos militantes do PCB] (..) As lutas que conduzem são vazias de conteúdo. Não conseguem por isso fortalecer nada e nem organizar nada”. “Comissão Executiva” – junho/76 assinado pela Comissão Executiva do DCE IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1359. 356

“Comissão Executiva” – junho/76 assinado pela Comissão Executiva do DCE IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil. OP 1359. 357

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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Neste contexto entra em cena, também, a proposta de reestruturação do

movimento estudantil da USP com base na reconstrução do DCE da USP, “entidade”

hierarquicamente superior aos Cas, cujo formato e papel político deveria ser capaz de

impulsionar a participação estudantil na esfera de toda a universidade, levando o

movimento (em meio ao qual as entidades representavam uma das formas organizativas)

a articular melhor suas lutas e a estabelecer maior comprometimento com a sociedade.

Para Juleusa Turra:

“...então eu comecei a ver que não era só uma questão histórica... não era só uma

questão da sociedade, injustiça social, mas era uma questão de ver um mundo

num movimento, numa dinâmica que é desigual, que é combinada, e quem falava

isso, quem não pensava em etapas, era o trotskismo... e mesmo que muita gente

da liberdade e luta nunca tenha nem sabido escrever Trotski, eu acredito que a

liberdade e luta teve essa presença marcante em virtude dessa amplidão

proporcionada pelo corpo teórico do trotskismo e pelas pessoas que souberam

que nesse corpo teórico estavam o pulso pra que se pudesse pensar ciência, pra

que se pudesse pensar cultura, a vida , a juventude, que se pudesse pensar no

Brasil..”

Encerrada a greve da ECA, novas ondas de prisões se seguem na Universidade

gerando temor mas também novas aproximações entre grupos e palavras de ordem; esta

situação alcança momentos dramáticos em 25 de outubro quando com o jornalista e ex-

professor da ECA Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-CODI. Na

verdade, a USP enfrentava uma nova trajetória de radicalizações no mês de outubro e daí

surgira a decisão de realizar uma primeira passeata de estudantes no interior da USP

seguida por uma greve geral (que teria início no dia 29 de outubro). O assassinato de

Herzog pega a todos de surpresa, assim como imprime um forte temor que, no entanto,

não impede a mobilização de cerca de 300 professores na frente da Reitoria, a realização

da passeata, a antecipação da greve geral e a participação/realização de uma missa

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acompanhada por um ato de desagravo e luta pela derrubada da ditadura militar na

Catedral da Sé358. Nas lembranças de Geraldo Siqueira:

“...a USP estava cada vez mais virando um território libertado – a aldeia gaulesa do

Asterix. Aí, matam o Herzog, professor da ECA! Lembro que cheguei à faculdade,

todo mundo no pátio e uma faixa enorme dizendo: “Assassinado professor da ECA

no Doi-Codi.” Aí começou a ação do sindicato dos jornalistas. Nossa turma, que era

mais moderada, deixou o sindicato fazer as coisas e nós íamos atrás. A turma da

Libelu queria dizer ao sindicato o que ele deveria fazer. Depois, saiu a missa do

Herzog, igual à do Vannucchi, dois anos antes, reproduzida pelo Dom Paulo, já com

a fórmula pronta. Não coube todo mundo dentro da catedral, o pessoal se

espalhou pela praça. Mas o jornal já dava a notícia, havia censura, mas não tão

absoluta como era no Médici” 359

Nos arquivos da Liberdade e Luta/OSI guardados pelo CEDEM, por sua vez,

encontramos documentos interessantes sobre estes acontecimentos que nos ajudam a

perceber, com um pouco mais de detalhes e à luz dos bastidores da política clandestina,

outros processos. Na prática, referimo-nos a dois documentos clandestinos (trotskista

lambertista) que se acham relacionados com as assembléias dos dias 23 e 31 de outubro

(momentos que anteciparam e que se seguiram à morte de Vladimir Herzog) e que

registram discussões e orientações a respeito deste acontecimento dramático na

expectativa de extrair desta mesma violência novas forças para seguir em movimento.

358

Nos registros do DOPS podemos ler: “....a notícia do suicídio de Wladimir Herzog, ex-professor da ECA ‘gerou outra ‘grande agitação’, marcada por suspensão de aulas, painéis, uma assembléia geral Universitária’ e ‘vasta panfletagem, com chavões típicos da esquerda festiva” Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977, p4 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP1194. 359

Geraldo Siqueira Filho que em pouco tempo se faria conhecido como “Geraldinho” da Refazendo, teve uma passagem rápida pelo Partido Operário Comunista/POC em 1968 e pelo Partido Operário Revolucionário Trotskista/PORT entre os anos de 1969 e 1970. Em 1971 entra na USP e passa a militar no CA de Geografia, participa da criação do CCA e do Comitê de Defesa dos Presos Políticos como membro do “Grupão”, coletivo de militantes de origens políticas diversas. Depoimento de Geraldo Siqueira Filho a Angélica Müller do Projeto Memória do Movimento Estudantil em 1/12/2004.

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O documento do dia 23 traz orientações da fala a se dar durante a assembléia; este

discurso, que na prática acabaria ovacionado e seguido por uma passeata pelo campus,

ocorreria num contexto de tal emoção que, ainda hoje, ele permanece vivo na memória

de estudantes e militantes como Juleusa Turra, que durante seu depoimento demonstrou

dificuldades para exprimir toda a ousadia que este mesmo acontecimento significou na

ocasião. Nele podemos ler:

“Colegas, sábado e domingo passados, o governo prendeu vários estudantes da

USP, colegas nossos (...) Ninguém sabe onde estão360. Mas todos nós sabemos o

que está lhes acontecendo: os presos que o governo faz, que não possuem o

mínimo direito à defesa, estão sendo espancados, estão sendo torturados,

espancados e torturados porque são trabalhadores, porque são estudantes (...) O

atual governo se diz, todos os dias, democrático. Mas ontem seu ministro do

360

Nas lembranças de Célia Azevedo, constavam entre os estudantes presos, os militantes Paulo Markun, Diléa Frate e Sérgio Gomes, diretores do CA da ECA e integrantes do PCB que, na ocasião da eclosão da greve da ECA se retiraram do diretório. Registro concedido a Mirza Pellicciotta em 12 de setembro de 2011.

Imagens da Missa de sétimo dia de Vladimir Herzog em São Paulo. Imagens disponibilizadas pela internet.

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Interior, Armando Falcão, enviou circular a todos os governadores exigindo que

eles reprimissem qualquer manifestação pública, venha de onde vier (...) Que

distensão e diálogos são esses? (...) Agora trata-se, quem sabe, de salvar a própria

vida de vários colegas nossos que estão presos e incomunicáveis. Nossa luta de

agora não é apenas em defesa de condições de ensino decentes. Ela é muito mais

importante, muito mais necessária, muito maior: ela é em defesa daqueles que

defendem condições de ensino decentes, ela é em defesa de estudantes, ela é em

defesa de colegas nossos! (...) Eis porque temos que trazer para o nosso

movimento milhares de estudantes de toda a USP. E nós podemos fazer isso.

Como? Ampliando verdadeiramente o nosso movimento. Como? Divulgando

energicamente, sem descanso, em todas as faculdades da universidade, o que está

ocorrendo, o que foi decidido hoje aqui, convocando maciçamente todos os

nossos colegas que não vieram a esta assembléia a participar das próximas.

Devemos estar alertas! Transformando esta ass. em Ass. Permanente. Colegas,

Nada disso pode ser feito sem organização. A experiência do semestre passado

nos ensina. É por isso que temos que criar e estruturar, aqui e agora, terminada

esta assembléia, uma Comissão Universitária que possa dirigir o movimento de

todos e a amplie realmente. Mas uma CU apenas não basta. A CU só terá sentido

caso todos os colegas aqui presentes trabalhem junto a ela e com ela em

comissões de apoio que divulgarão nosso movimento e as decisões das

assembléias, que trarão cada vez mais estudantes a elas. Nosso movimento só

pode ir para a frente, só poderemos defender nossos colegas presos, só

poderemos conseguir a vitória caso exista, desde o começo até o fim, a mais

perfeita união entre nós (...) Ampliar e fortalecer o nosso movimento sem união é

impossível. Obter do governo a liberdade para os nossos colegas presos sem união

é impossível. Como também é impossível atingirmos o nosso objetivo sem

organização, mas organização de todos e não apenas de meia-dúzia, de todos e

não apenas da CU (...) Libertem nossos colegas presos! Liberdade! Abaixo a

repressão! Vivam as liberdades democráticas! Abaixo as prisões! Abaixo as

torturas!””361

361

Documento sem título, de 23/10/75 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP233

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Já as propostas de intervenção veiculadas pela mesma fala seriam:

“1) tornar permanente esta assembléia; 2) Enviar ao governo uma carta-aberta

exigindo a libertação de todos os nossos colegas presos sábado e domingo

passados, até terça-feira próxima. Caso não sejamos atendidos, greve na USP e

novas assembléias (..); 3) Enviar a todos os setores da população possíveis

(sindicatos, partidos, Igreja, Congresso, etc) e aos órgãos de divulgação um

comunicado (ao qual será juntado a carta aberta) explicando o sentido da nossa

luta, nossas decisões e, sobretudo, pedindo-lhes o mais franco e amplo apoio

possível pois nossa luta é a de toda a população brasileira; 4) Criar, logo após

terminada esta assembléia, uma Comissão Universitária e Comissões de Apoio a

ela, compostas essas últimas de estudantes por faculdades e vinculadas

diretamente à CU; 5) Sair em passeata pelo campus divulgando o nosso

movimento em defesa dos nossos colegas e terminá-la em frente à reitoria, numa

manifestação de protesto contra a quebra da autonomia universitária e contra a

permissão por parte do reitor em deixar prender os nossos colegas”362

O segundo documento, datado de 31 de outubro e intitulado: “Para a continuidade

do movimento”, nos oferece um retrato das desavenças que então se estabeleciam acerca

do sentido das lutas, do mérito e condução das propostas, ou ainda, das responsabilidades

que se exigia no tratamento das questões. Neste caso, num novo cenário criado por uma

sucessão de situações - entre eles, um raro posicionamento assumido pelos docentes, a

decretação de uma greve (pela FES/organização 1º de Maio e considerada improcedente

pela OMB em função de esvaziar a universidade num momento de necessária

mobilização) e o assassinato de um importante docente e jornalista, seguido de

consternação... – o que se tornava imperativo era a adoção de medidas rápidas de forma

a se resguardar o movimento de uma “desmobilização” eminente. Podemos ler:

362

Documento sem título, de 23/10/75, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233

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253

“..Não fomos nós quem lançamos a palavra-de-ordem de greve geral (foi a FES),

mas também nada fizemos para impedi-la, isto é, para impedir que a massa

sumisse praticamente. Não soubemos propor perspectivas e palavras-de-ordem

que levassem a massa a lutar, mas lutar de forma presente. Não soubemos

prendê-la no campus de maneira produtiva, isto é, lutando e mobilizando-se. E o

movimento nos escapou, a nós como a todos. Ficaram no campus praticamente os

grupos e suas áreas de influência. Isso certamente deverá ter uma conseqüência

nefasta na missa de logo mais. Claro, muita gente que poderia ser chamada à

missa, politicamente falando, não o será simplesmente porque não esteve

presente. Quando a FES propôs a greve, deveria ter lhe sido dito que ainda não era

o momento para tanto, que era preciso ainda ampliar o movimento, esperar ainda

para ver o que o movimento ampliado decidiria. Enquanto isso a ECA

permaneceria em greve, pelo menos até a missa. O movimento geral era contra as

prisões, pela libertação dos presos, estudantes e professores. A prova está em que

a ECA tomou o assassinato diferentemente de outras faculdades, que seus

estudantes fizeram greve ativa. Greve pela greve nada adianta”363.

Na parte final deste texto, encontramos as propostas de organização do Salão, com

os seguintes comentários:

“Em suma: 1) Quadro: luta pelas liberdades democráticas. Libertem nossos presos!

(expressão atual e particular dessa luta). Fortaleçamos os CAs e a CU! (sem o que

liberdades democráticas não existem) 2) Concretização: Semana de solidariedade

e denúncia, culminando no Salão (grande painel de denúncias e exortação) 3)

Maiôs e formas: mobilização, atividades, pesquisas, depoimentos, divulgação,

ampliação do movimento. Nota 1: Se for possível, ampliar as fotos dos presos e

expô-las no Salão. Ampliar fotos dos mortos (Marighella não!) e expô-las. Nota 2:

O Salão pode ser também, além de denúncia, das lutas dos trabalhadores e

estudantes contra o regime militar. É claro, a coisa torna-se mais difícil, mas é

363

Para a continuidade do Movimento. 31/10/75. Dia da missa a Herzog, pp1-2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

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perfeitamente factível. Jamais a ditadura irá permitir algo nesse sentido (..) Até

então o trabalho será semi-secreto ou secreto”364

As reações ao assassinato de Wladimir Herzog, enfim, “apesar das limitações

políticas que tiveram as mobilizações de protesto contra sua morte”, assumem um

significado importante no espaço externo à universidade, fortalecendo a proposição de

luta “pelas liberdades democráticas’ para além dos debates estudantis365. Nas palavras de

Rodolfo Konder (militante do PCB), a morte do amigo Wlado:

“..se revela como um marco decisivo de transição. Representou o papel de

elemento catalizador, no momento em que o equilíbrio precário entre grupos de

direita e ultra-direita, dentro de um governo de condomínio militar, começava a se

desfazer, em favor da direita. (...) Em primeiro lugar, porque a ultra-direita, até

então na ofensiva, caiu na defensiva. A iniciativa saiu de suas mãos, ela teve que

recuar, explicar, adotar uma atitude menos arrogante. No instante em que Vlado

morreu, a ultra-direita estava no ataque: montava uma operação destinada a criar

“fatos consumados”, pretendia encostar na parede o grupo da direita, encabeçado

por Geisel e Golbery. Depois da morte, porém, viu-se obrigada a prestar conta de

seus atos. (...) As críticas se multiplicaram, as denúncias vieram à tona, o clima de

medo foi sendo substituído por um clima de revolta. (...) Observou-se uma ação

mais coordenada entre a Igreja, a Ordem dos Advogados, a Associação Brasileira

de Imprensa e alguns sindicatos – o dos jornalistas à frente366. (...) A partir da

morte de Vlado, sucederam-se pronunciamentos a favor da chamada “abertura”.

364 Para a continuidade do Movimento. 31/10/75. Dia da missa a Herzog, p5 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233 365 “Contribuição à discussão: campanha e o encontro nacional por Liberdades Democráticas”, p.4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 233 366

Nas lembranças de Célia Azevedo, “Audálio Dantas, diretor do Sindicato, trancou-se numa sala com toda a diretoria, enquanto uma massa de jornalistas aguardava no auditório. Quando decidiram aparecer - umas duas horas depois – um trêmulo Aurélio Dantas disse que os militares poderiam intervir no Sindicato e que por isso todos deveriam ir para as suas casas”. Registro concedido a Mirza Pellicciotta em 12 de setembro de 2011.

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Inclusive de políticos tradicionais ligados ao regime – e até de militares, como o

general Rodrigo Otávio.”367

No campo cultural, afirmava Jardel Dias Cavalcante:

“Um acontecimento político dessa dimensão não deixaria de ser tratado também

pelo universo das artes plásticas (...) Antonio Henrique do Amaral foi um dos

artistas que se preocupou em levar para sua obra o tema do assassinato de Herzog

nas prisões militares. Dentro do quadro das obras que denunciavam a tortura,

Amaral retoma de forma agressiva a representação da violência militar na série de

quatro obras A morte no sábado (1975/76). Na tela A morte no sábado – tributo a

Valdimir Herzog, sobre um fundo negro, como que um corpo manchado por

pancadas, aparece em cores vermelhas, amarelas e brancas, uma espécie de

representação das vísceras sendo perfuradas por quatro garfos (...) Embora tenha

sido dado por suicida, fica claro nesta tela a intenção de denunciar a causa da

morte de Herzog como resultado das torturas que sofreu nos porões de uma

prisão militar (...) Na obra “Inserções em circuitos ideológicos: projeto cédula” (...)

de Cildo Meireles, o tema é a morte do jornalista Wladimir Herzog. Mais

particularmente, a obra indaga sobre os assassinos de Herzog. Em algumas notas

de Cruzeiro, moeda corrente no Brasil do período militar, Meireles carimba a

pergunta: “Quem matou Herzog?”. Aproveitando a facilidade da circulação das

notas de um cruzeiro (sabemos que quanto menos o valor, maior sua circulação), o

artista fará uso delas para criar uma forma de denúncia e investigação nacional

sobre o assassinato do jornalista”368

367

JORDÃO, Fernando. Dossiê Herzog: prisão, tortura e morte no Brasil. São Paulo: Global, 1984. p 11. 368

CAVALCANTI, Jardel Dias. Artes Plásticas: Vanguarda e Participação Política (Brasil anos 60 e 70), 2005. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidades Estadual de Campinas, 2005, pp 154-157.

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Obra de??

Na sequência dos acontecimentos, cumpriria papel importante a realização da

“Semana dos Direitos Humanos” em 1975, da qual se desdobra a criação do “Comitê

Nacional de Luta pelas Liberdades Democráticas” em parceria com setores da Igreja; no

mesmo período a “transformação da Comissão Universitária” em DCE livre da USP

também fortalece as proposições de luta - para além do espaço acadêmico - pela

redemocratização social; questões que causam novas apreensões aos órgãos de

segurança. Segundo um relatório produzido em 1977:

“Ao analisarmos o MOVIMENTO ESTUDANTIL em 1976, contamos que há pouco

mais de uma semana do reinício das aulas, na Universidade de São Paulo e demais

‘campi’, já se podia apreciar o elevado número de panfletos distribuídos, todos

eles primando pelo caráter subversivo; da campanha sublimar que carreavam,

especialmente nos anos anteriores, com pretensões puramente acadêmicas e

restritas ao âmbito universitário, seus redatores passaram a divulgar, pura e

simplesmente, a derrocada do regime capitalista e ‘a falência das instituições

democráticas burguesas..’. Desde a composição gráfica, à terminologia usada, com

palavras e chavões esteriotipados, as publicações distribuídas revelavam a

obediência de seus responsáveis aos ditadores do Partido Comunista Brasileiro, à

um comando único, ou ainda, à Central Comunista de Informações, instalada na

Obra de Cildo Meireles, 1975

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Universidade de São Paulo, ‘acobertada’ pela esquerda festiva e inocentes úteis

que proliferam nessa instituição”369

Vale, enfim, considerar as limitações de compreensão que já se mostravam

presentes nos relatórios dos órgãos de segurança frente as organizações clandestinas em

recomposição; a atribuição da radicalização das movimentações estudantis aos “ditadores

do Partido Comunista Brasileiro (...) ‘acobertada’ pela esquerda festiva” – em referência a

posicionamentos de tendências como a Liberdade e Luta, então entendida como filiada à

“‘linha chinesa’ ou ‘maoísta’” – aparecia não só nos registros de campo, como nos

relatórios mais amplos, desenvolvidos por uma delegacia especializada como o DOPS São

Paulo.

369

O Documento afirma, ainda, que: “... A 26 de março de 1976, no anfiteatro da Faculdade de Arquitetura

e Urbanismo e mais tarde nos ‘barracos’ da Faculdade de Ciências Sociais, assembléia geral universitária era realizada e por proposta de JULIO TURRA FILHO, surgia o DIRETÓRIO CENTRAL DOS ESTUDANTES da Universidade de São Paulo, com eleições marcadas para os dias 11 e 12 de maio, com a transformação da Comissão Universitária em Comissão eleitoral, tomando o DCE ‘a regência dos destinos políticos da classe, executando-se as propostas das reuniões gerais universitárias e permanecesse subordinado à Assembléia geral Universitária, instância máxima do DCE Livre..’, convidando-se a integrar a entidade os estudantes das escolas de Sociologia e Política de São Paulo e Engenharia de Mauá”. (...) Era este, o primeiro passo concreto na escalada da subversão, dado em nossos meios estudantis. Refletindo as várias tendências políticas atuantes, organizaram-se cinco chapas: Refazendo, Liberdade e Luta, Caminhando, organizar a Luta e Alternativa, todas elas unânimes em seus ataques ao Governo, às instituições e ao sistema capitalista, mas já se notava o radicalismo dos integrantes de ‘Liberdade e Luta’, cujo posicionamento ideológico identificava-se com a ‘linha chinesa’ ou ‘maoísta’, nos ataques às demais chapas e aos hinos entoados ao marxismo ‘puro’, como solução à ‘problemática nacional’”. Relatório feito por 2124 de 26/03/76. Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE”, pp 5-6 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1408.

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259

6. MUNDO EM MOVIMENTO

As discussões sobre a (re)criação ou não, do DCE livre são retomadas com força no

início de 1976 e durante as assembléias gerais “pró-reconstrução do DCE”, mais

precisamente no dia 26 de março (segundo os órgãos de segurança que acompanham de

perto os acontecimentos), o militante da OC 1º de Maio, Julio Turra levanta a proposta de

recriar naquela mesma assembléia geral universitária o DCE livre, bem como de convocar

eleições diretas para uma diretoria de nove membros para os dias 11 e 12 de maio (um

mês e meio depois), sugerindo que a Comissão Universitária se transformasse em

Comissão eleitoral para receber a inscrição de plataformas e chapas. Em anotações

registradas pelo DOPS, Julio Turra afirma nesta ocasião que:

“...o DCE compunha uma bandeira de luta política para as reivindicações do ME

(...) que o DCE, enquanto separado da burocracia da USP e aberto a todos os

estudantes, tenha com princípios básicos de funcionamento que: - a diretoria

eleita seja os destinos políticos do DCE, com as propostas encaminhadas por

reuniões universitárias mensais e que seja subordinada as Assembléias Gerais

Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)

Atuação organizada (1976/1982)

1971/1982

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Universitárias. Este último capítulo deu margem a uma acirrada discussão entre

dois grupos antagônicos, sendo que finalmente após inclusive alguns palavrões de

ambas as partes toda esta proposta foi aprovada em votação por 160 votos contra

15 votos. A discussão voltou novamente, para que o capítulo nº5 não fosse

considerado estatutário, isto é, não fosse considerado como estatuto do DCE, pois

tais estatutos só seriam elaborados pelas chapas inscritas para serem eleitas,

terminando assim a Assembléia geral pró-DCE” 370

Júlio Turra e Markus Sokol em assembléia do movimento operário, já nos anos 1980. Acervo: O Trabalho

Nas lembranças de Caio Túlio Costa:

“...a libelú fez a greve da ECA e estava à frente do processo de criação do DCE livre

junto com a Refazendo. Refazendo se estrutura também naquela época, tanto a

Refazendo como a Caminhando que era o PC do B. A refazendo na ECA era muito

forte, razoavelmente forte nos barracos, razoavelmente forte na economia … mas

era um momento em que a universidade só respirava política”371.

Mas, a (re)criação do DCE livre no formato proposto pelos trotskistas não animava

a maioria das organizações clandestinas, que via com preocupação os rumos de

370

Relatório feito por 2124 de 26/03/76. Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, Caixa OP 1408 371

Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006.

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enfrentamento que se ensaiava, assim como consideravam os propósitos e a dinâmica de

organização e funcionamento trotskista excessivamente democráticos. Nas considerações

de José Chrispiano:

“O passo não foi desprovido de dificuldades. Uma assembléia na FAU no dia 26 de

março determinou a eleição para os dias 11 e 12 de maio, em proposta do então

estudante Júlio Turra Filho, da FEA. Havia discussões sobre o formato da entidade,

como deveriam ser as eleições e se ela interferia na autonomia dos centros

acadêmicos. O XI de Agosto, da Faculdade de Direito, foi contra a criação do DCE, e

se expressou na imprensa em artigo de Marco Antonio Tigrão, presidente daquele

CA. Vários CAs responderam apoiando a sua formação, entre os quais os da

História, da Física, da FEA, da Medicina, da Filosofia e o Grêmio Politécnico”372.

Os debates e enfrentamentos – acerca do sentido e funcionamento da nova

entidade – permaneceriam intensos no curso das assembléias, constituindo-se este fórum

no formato mais apreciado pelos trotskistas373. Nas palavras de Geraldo Siqueira:

372 CHRISPIANO, José. “Na criação do DCE, uma derrota da Ditadura”. Revista Adusp, outubro de 2004, p70 373

Numa avaliação do movimento feita poucos meses antes pela Chapa Argumento gestão 75/76 para o

Centro Acadêmico de Geografia da USP, os trotskistas afirmavam: “As organizações estudantis existentes na USP localizam-se basicamente em torno dos Centros Acadêmicos, grupos de oposição e de esporádicas Comissões tiradas em assembléias, que muitas vezes cumprem um papel em função de uma determinada luta mas que os seus fins se desfazem tão rapidamente quanto foram formadas. Mas o crescimento do nível organizativo do movimento estudantil não poderá se realizar em níveis idealizados burocraticamente, e sim sobre as condições existentes na Universidade, principalmente no que se refere às organizações já constituídas, às experiências de luta já acumuladas e à existência dos mais diversos agrupamentos que procuram dar direção ao movimento. A construção do Diretório Central dos Estudantes da USP não poderá se dar apenas aclamando-o em assembléias e propagandeando-o em manifestos. O DCE, ou qualquer organização estudantil mais geral, se constrói na medida em que se efetivem lutas conjuntas na Universidade, na medida em que as escolas rompam o isolamento existente entre si e efetuem trabalhos conjuntos. O DCE está sendo construído quando se efetiva uma imprensa universitária, quando um núcleo de cultura que reúne grupos de teatro e música de toda universidade é efetivado, quando levamos lutas conjuntas contra as prisões políticas, contra a política educacional, etc.. Enfim, o DCE se constrói na superação dos obstáculos criados pelo extremo fracionamento de posições hoje existentes na Universidade, não através de um passivo consenso geral, mas pela fusão de várias posições, união esta traduzida em propostas e movimentos conjuntos que garantam uma ampla representação e apoio às posições, rompendo assim, as características de grupos que se assemelham a seitas hermetizadas e sectárias” Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76. Geografia USP, p3. Acervo: Antonio Figueiredo.

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“No final de 1975, o pessoal da Libelú queria fundar o DCE. Nós queríamos esperar

mais um pouquinho, mas eles tinham razão: tinha que fundar o DCE, uma entidade

da USP inteira e não mais aquela confederação de centros acadêmicos. Criamos o

DCE. Ele não poderia existir pela lei, porque era previsto com tantas regras de

restrição que se tornava quase um órgão do governo. Então fundamos o DCE livre

em assembléia geral, cinco mil pelos gramados. [...] O Celsinho, da Caminhando,

sugeriu que o nome fosse Alexandre Vannucchi Leme. Assim nasceu o DCE Livre da

USP Alexandre Vannucchi Leme”374.

Mas, em termos mais amplos, os alinhamentos políticos seriam diversos - ora mais

radicais, ora mais moderados – , sendo que as chamadas “minorias esquerdistas” pelos

órgãos de segurança, lutavam para ampliar as possibilidades de interação e condução

pelos estudantes (as massas) das entidades e movimentos, razão das mais sérias críticas à

chamada “radicalização” das posturas. Para Sokol:

“Eu diria que a gente era democratista. Tem um aspecto justo, de exagero

necessário, por assim dizer, porque não tem uma combinação de centralismo e

democracia - seja no sindicato ou no movimento estudantil – [como] receita

abstrata. Depende da época, das circunstâncias e numa circunstância de ditadura

é evidente que fazer […] o máximo da democracia até pra proteger e esconder (..)

os mecanismos de centralização (...) vulneráveis a um ataque. Então esse é um

aspecto necessário (...) as reuniões das direções das entidades (..) nos anos 70 (...)

eram abertas, tudo, sempre, (...) porque qualquer um pode entrar, porque é um

direito de qualquer associado de participar das reuniões de sua associação, pra

tomar a palavra e tudo mais. E teve um esforço pra levar as pessoas até lá (...) em

parte isso era uma proteção contra a repressão, mas em parte era uma coisa de

falta de experiência”375

374

Depoimento de Geraldo Siqueira IN Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 375

Depoimento de Marcus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005.

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Jornal da militância trotskista no interior da Faculdade de Economia da USP celebra a reconstrução do DCE livre da USP, 1976. Fundo

DOPS/Arquivo do Estado

Enfim, as discussões acerca dos sentidos de democracia que cabiam às entidades

estudantis, a começar pelo DCE-livre, não seriam breves e sequer chegariam a um

consenso, uma vez que as direções das entidades (em diferentes universidades) tendiam a

imprimir variações nas estruturas e dinâmicas de gestão, ampliando-se ou restringindo-se

o caráter democrático das experiências. Para os trotskistas lambertistas cabia a entidade

estudantil atuar como um:

“pólo aglutinador de alunos, como forma de organização básica dos estudantes.

Nesse sentido, o CA deve ser uma entidade livre e aberta. Livre das ingerências

oficiais, da burocracia universitária. Aberta à máxima participação dos estudantes,

independentemente de suas posições políticas. Seu trabalho deve ser orientado

para e pelos estudantes. Somente assim o CA pode reclamar para si o seu

verdadeiro caráter, o de entidade de massa dos estudantes”376.

Para Caracol, até 1975 o pessoal que viria a formar a Liberdade e Luta:

376 Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76 pp 4-7. Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo.

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“...tinham uma base forte na ECA e na Economia (...) nas Ciências Sociais, na

Filosofia, na Física... a FAU, na verdade, integrou depois, porque alguns grupos

importantes na FAU (...) parte da antiga diretoria e da antiga oposição (..) o

pessoal do cineclube, que fazia o jornal... [se reuniu] e a partir daí, a Liberdade e

Luta foi eleita (...) “...algumas pessoas que imediatamente estavam vinculados ao

cineclube... e era afinada com alguns grupos que eram independentes, na época,

na escola, que participavam no movimento geral, mas não tinham uma vontade de

fazer política organizada. Então, no começo, havia muito choque até que se

conseguiu, de fato, criar e abrir espaço para manifestações que eram

intervenções, falações (..) A FAU teve uma experiência muito marcante porque a

gente se envolveu em várias coisas (...) em 1976 (...) se criou uma rádio que se

chamou Rádio Interferência. Foi muito marcante, porque a Rádio Interferência

funcionava na hora do almoço, havia lá um alto-falante e microfone e rapidamente

começaram a ser produzidos shows na hora do almoço (..) quando havia shows

noturnos da Rádio Interferência, lotava o auditório da FAU. No caso (...) da

Liberdade e Luta (...) existia uma convivência muito grande com a diferença

cultural, então, em alguns lugares, isso ajudou muito para funcionar a atividade

cultural. Na ECA principalmente (...) surgiam manifestações de música, de teatro

(...) Na POLI, onde a predominância era maior do PC do B, havia um grupo de

teatro que tinha uma visão mais fechada e depois, mesmo quando a entidade

passou para as mãos do Refazendo, (...) o grupo de teatro era quase que uma

entidade autônoma”377

De qualquer forma, a bandeira “pelas liberdades democráticas” – bandeira que se

traduzia na luta por direitos estudantis e sociais em sintonia com a construção de uma

nova estrutura de organização e intervenção política – já ganhava espaço entre as

movimentações estudantis, e neste sentido, segundo Flávio Carrança, se “o primeiro

passo foi criar (...) os centros acadêmicos independentes da diretoria da faculdade”, o que

se seguiu foi:

377

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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“....um processo similar no âmbito da universidade e paralelamente o processo de

luta pela reconstrução da UNE e é no interior desse movimento que a liberdade e

luta se constitui, ao mesmo tempo, já no processo de luta contra a ditadura” 378.

Realizada a reconstrução, o passo seguinte seria eleger sua primeira diretoria, e

para tanto, tratava-se de compor as “chapas” que disputariam por eleições diretas este

pleito; estas chapas, por sua vez, também apresentariam novidades: em pouco tempo elas

passariam a reunir um conjunto mais amplo e “afinado” de estudantes em torno das

leituras e propostas de organizações clandestinas379. Nas palavras de Juleusa Turra:

“As tendências eram evidentemente formas de ver o mundo, formas de transmitir,

de democratizar leituras sobre o momento histórico ou leituras de conjuntura,

como se chamava na época, feitas em outras esferas. Mas eu acho que demorei

muito para descobrir isso, talvez tenha descoberto em 74, talvez em 75, eu não

lembro bem. Em 76 eu sei que já conhecia tudo isso”380

A tendência Liberdade e Luta seria criada, neste momento, pelos trotskistas

lambertistas para levar adiante a “construção” do DCE da USP” (que se prestaria a

redefinir o papel dos centrinhos), e de forma concomitante, buscar a “reconstrução das

entidades gerais”; proposição que se fundava na idéia de que:

“..decisivo era o movimento, porque nós também sabíamos que a cada momento

se repetia de uma forma... não com tanta intensidade, mas se repetia, e que as

organizações estudantis já haviam sido há muito tempo, o que a gente chama de

378

Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005. 379

"Nas primeiras eleições para o DCE, as chapas não apresentavam os nomes de seus candidatos. Em parte, isso era devido a uma concepção política de buscar não destacar nomes e sim idéias; mas em grande medida esta atitude era motivada pela necessidade de preservar as lideranças. Os estudantes votavam nas chapas sem saber quem iria fazer parte da diretoria e só depois de eleita a chapa vencedora apresentava seus componentes. Formalmente, não havia presidente. Era um colegiado de diretores" IN Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 380

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005.

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aparelhadas, então ela serviam a um propósito (...) e perdiam essa diversidade que

nós tinhamos conseguido incorporar”381.

Além desta tendência, surgiriam outras:

“....elas vão se definindo no período da construção do DCE que aí surge a

Refazendo, Caminhando e a Liberdade e Luta, que foram as grandes tendências do

período. Eu acho que elas já existiam embrionariamente nas posições que se

defrontaram naquele movimento”382.

A tendência “Refazendo”, que também ganhou forma para concorrer às eleições

do DCE-livre, surgiu da composição de um grupo independente auto-denominado

“grupão” (originalmente vinculados à Ação Popular, depois afastados em função das

prisões de 1971 e novamente integrados a partir de 1976). O “grupão” contava com maior

presença nas faculdades de Geografia, História, Poli, Ciências Sociais, Economia,

Psicologia, Engenharia da São Carlos. Segundo Geraldo Siqueira:

“... Nós, da Refazendo, éramos egressos de organizações. Os mais veteranos como

eu, o Rui, não queríamos mais ser de organização nenhuma, porque seríamos

presos. Esse era o caminho certo de quem entrasse numa organização política

nacional, e a eficiência da organização era absolutamente questionável.

Formamos, então, o chamado Grupão e nos reuníamos na garagem da casa do

Perseu Abramo. Não éramos um partido e mantivemos o desenho do CCA,

Conselho de Ciências Acadêmicas. Eram um, dois, três de cada faculdade. A gente

era de esquerda e meio perdido. Pegávamos um texto do Chile, um da esquerda

de Portugal, discutíamos num plano teórico o eurocomunismo, o Partido

Comunista Espanhol, as idéias do Gramsci, mas, no geral/na verdade, discutíamos

381

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 382

Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005

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mesmo o que se fazia na USP (...) Havia outras (...) Os menos de esquerda éramos

exatamente nós, que éramos desarticulados, a maioria tinha partido político383.

Além dela, a tendência “Caminhando” trazia ao cenário estudantil da USP os

militantes do PC do B que então contavam com maior presença nas faculdades de

Medicina, Politécnica e Ciências Sociais. Nas lembranças de Juleusa Turra:

“O grupo dos maoistas é claramente identificado... eu tinha um colega de ciências

sociais , o Celso, que fazia parte da tendência 'caminhado', que era a tendência do

PC do B, que se vestia como se estivesse nos anos 40. Era absurdo observar isso. A

gente falava “calça de tergal, camisa volta ao mundo e uma pasta. Era alguma

coisa assim... alguém que se envolve com a política não pode fazer parte do

cotidiano das pessoas. Era uma pessoa especialista. Eu achava que eles tinham

cara de padres”384.

Para Celso Marcondes:

“Eram as três principais correntes da USP. Agrupavam centenas de estudantes,

entre os quais dezenas se incorporavam às organizações políticas que

impulsionavam”385

Com menor expressão, também se formaram as chapas “Organizar a Luta”

(vinculada ao Movimento pela Emancipação do Proletariado/MEP) e a chapa “Alternativa”

(ligada à Política Operária/Polop), nas palavras de Geraldo Siqueira: “tendências

alternativas, mais intelectuais (...) com uma influência da esquerda grande”.

383

Segundo Geraldo Siqueira: “A Libelu era o Primeiro de Maio, era uma Quarta Internacional Trotskista centralista. Inclusive eles tinham uma deliberação de que era proibido fumar maconha, mas fumavam escondido. Fumávamos porque não tínhamos que dar satisfação a ninguém. O PCdoB era mais nacionalista”. Depoimento de Geraldo Siqueira Filho a Angélica Müller do Projeto Memória do Movimento Estudantil em 1/12/2004. 384

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 385

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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Plataforma Liberdade e Luta para o DCE Livre da USP, 1976. Fundo DOPS/Arquivo do Estado

A “Plataforma Liberdade e Luta” afirmava que o DCE-livre da USP nascera fruto da

conquista - na luta – de “seu espaço de intervenção política”, espaço que se fizera

construído em meio ao:

“plebiscito que rechaçou o Ensino Pago em 72, da missa de protesto pelo

assassinato do estudante Alexandre V. Leme em 73, passando pela formação do

Comitê de Defesa dos Presos Políticos (CDPP) e da luta contra o aumento dos

restaurantes em 74, e culminando em 1975 na luta contra o 477, na greve da ECA

e na greve geral de repúdio ao assassinato de V. Herzog”386

Nesta trajetória de reorganização, “o ME (..) foi avançando em suas mobilizações,

(...) criando e testando formas organizativas transitórias”– como Conselho de Centros

Acadêmicos (CCA) e a Comissão Universitária 387 - até a construção do DCE-Livre que

386 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p1 Acervo de Antonio Figueiredo. 387 Segundo esta plataforma: “O CCA, de fato um conselho consultivo, correspondia a um nível ainda elementar de lutas e expressava a precariedade de organização do ME. Com a intensificação das lutas, o CCA, foi se tornando um entrave ao avanço do combate dos estudantes. Isso porque, de um lado, o CCA só possibilitava a participação de membros das diretorias dos Centros Acadêmicos (CA) marginalizando das decisões todos os estudantes que então se mobilizavam; de outro lado, somando as mais variadas posições políticas, o CCA era incapaz de assumir uma plataforma única que lhe permitisse responder eficazmente às questões que se colocavam. A partir de 75, é a própria disposição de luta do estudantado que exige a superação do CCA através da criação de um canal de participação mais amplo, instrumento aberto a todos os estudantes para a defesa de suas reivindicações: a Comissão Universitária. Esta, apesar de materializar a exigência de um avanço orgânico do ME, tinha sua eficácia restrita aos movimentos de mobilização e seus impasses apontavam sempre para a construção de um instrumento capaz de levar adiante a luta pelas conquistas democráticas: o DCE. Hoje, o DCE-livre surge não como uma concessão do regime militar, mas como fruto da luta dos estudantes na defesa dos seus interesses”.

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“surge apesar e contra a repressão e o controle a que a burocracia universitária tenta

submeter-nos”, constituindo-se então “como uma das poucas entidades desvinculadas

totalmente do Estado e de seus burocratas”. E neste sentido, “além de dar representação

e unidade aos estudantes da USP, o DCE-Livre será ao mesmo tempo um pólo de atenção

e, provavelmente, o principal centro de acumulação de forças do ME nacional” 388

No entender de Liberdade e Luta , “eleger uma diretoria não é reconstruir uma

entidade”, o que significa dizer que é preciso “conquistar efetivamente a sua

representatividade”, através da “mobilização de um número cada vez maior de colegas” e

de uma “direção que tenha uma compreensão do movimento político que estamos

vivendo, e da forma pela qual a Universidade se relaciona à Sociedade”389. Por outro lado,

“..longe de qualquer ilusão de ‘poder estudantil’, ou de propostas como a participação,

mesmo que paritária, nos órgãos colegiados, os quais visam atrelar o ME às cúpulas

burocráticas irremediavelmente comprometidas com o regime, e que acabam por esvaziar

a participação ampla”, trata-se de “lutar desde já por uma administração democrática e

autônoma da Universidade, propugnando pela eleição direta de diretores e reitores, por

estudantes, professores e funcionários”; ou ainda, compreender que “os problemas da

Universidade estão estreitamente vinculados às contradições da sociedade como um

todo. Isso significa que a resistência do ME às investidas do regime militar só é

conseqüente se estiver vinculada à luta dos trabalhadores”390

Como “plataforma de ação” do DCE-Livre da tendência Liberdade e Luta constaria,

então, as lutas: por liberdades democráticas391; pela democratização da Universidade392;

388 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p1 Acervo: Antonio Figueiredo. 389 Podemos ler, neste aspecto: “.. as mobilizações demonstram, a necessidade do ME contar com um organismo capaz de servir como ponto de contato com outros setores da sociedade, basicamente os trabalhadores, para responder unitariamente às investidas do regime militar. O canal organizativo para tanto, é o DCE-Livre” In “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p2 Acervo: Antonio Figueiredo. 390 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p3 Acervo: Antonio Figueiredo 391 Seriam elas: por eleições livres e diretas; liberdade de organização para os partidos políticos e para os sindicatos; anistia geral para os presos e exilados políticos; abolição total da censura; direito de greve; revogação dos atos institucionais e dos decretos-leis repressivos: 477, 228, Lei de Segurança Nacional, etc; fim das prisões e torturas no Brasil. 392 Seriam elas: abolição dos atestados ideológicos para professores; pelo reconhecimento por parte da burocracia universitária do DCE-livre como o único organismo representativo dos estudantes da USP; eleições diretas para diretores e reitores pelos estudantes, funcionários e professores; pela democratização

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por melhores condições de ensino393 e pela reorganização do ME394, esclarecendo-se,

ainda, que:

“A elaboração dos estatutos do DCE é de responsabilidade da primeira diretoria,

que deverá discuti-los em Assembléia (..) ele deverá ser sustentado pelos

estudantes, sem depender de eventuais verbas oficiais ou autorizações

administrativas. De outro lado, seu funcionamento deve assegurar ampla

democracia interna, com direito de livre expressão para todas as tendências que

defendam a independência do DCE. Na medida em que (...) for se fortalecendo, e

ganhando o respaldo ativo dos estudantes, ele deverá exigir seu reconhecimento

pela burocracia universitária”395

De fato, o formato com que esta tendência entra em cena seria diferenciado das

demais por ser próprio da militância trotskista (lambertista); por outro lado, ele repetia,

em vários aspectos, a experiência vivida em 1975 na USP quando os militantes dos grupos

Outubro, FBT e OMO criam a Direção Unificada Provisória no curso da greve da ECA, com

o propósito de fazer funcionar uma corrente política com a participação de “pessoas que

não eram trotskistas, mas que nos textos de nossa formação, na convivência, começaram

do ensino: livre debate nas salas de aula, liberdade de criação e pesquisa, colaboração entre estudantes e professores na elaboração dos cursos; que os auditórios e demais dependências da Universidade estejam abertos à utilização de todos os estudantes; fim do policiamento ostensivo no campus; contra a participação nos organismos impostos pelo MEC: órgãos colegiados e Conselho Universitário. 393 Seriam elas: contra a reforma universitária; contra o ensino pago; contra a criação da Universidade de Ribeirão Preto (URP); contra estudos sociais e seu equivalente em Ciências Exatas, a resolução 30; mais verbas para a Universidade; contra o vestibular, pelo livre acesso à universidade; por transporte, restaurantes e completa assistência médica e dentária gratuitos; pela reabertura do Conjunto Residencial da USP (CRUSP); professores contratados em tempo integral com salários condizentes; contra o jubilamento e a portaria 351; contra a educação física obrigatória; organização de Ciclos de Debates Universitários; contra os pré-requisitos; por uma biblioteca sempre aberta, ampliada e atualizada; abolição das taxas. 394 Seriam elas: todo apoio aos encontros estaduais e nacionais de estudantes, por área de ensino e gerais; todo apoio à Comissão Nacional de estudantes criada pela RNE de São Paulo; pela realização da Semana Nacional de Luta pelas Liberdades democráticas; constituição de uma Comissão de Imprensa responsável pelo jornal e mural do DCE; constituição de uma Comissão Cultural do DCE que aglutine e coordene os grupos de Teatro, Cinema e Música já existentes, incentivando a formação de outros; constituição de uma Comissão de Assistência do DCE encarregada de questões relativas ao CRUSP, COSEAS e ao transporte; vinculação da LAAUSP [Liga Atlética Acadêmica da Univesridade de São Paulo] ao DCE, através de uma Comissão de Esportes; por um Centro de Vivência Central, sede do DCE; trote unificado – Bichusp. 395 “Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP”, 1976, p6 Acervo: Antonio Figueiredo.

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a ter contato com o movimento operário, e por outro lado, com o trotskismo”. Nesse

caso, bastava poucos militantes para chamar plenárias da corrente (que chegavam a

contar com 100 pessoas por turno) em meio as quais se elegia um coletivo de direção, os

responsáveis pelo jornal, pelas finanças, entre outras atividades, introduzindo as pessoas

numa “experiência política elementar”. Em paralelo às plenárias, haviam os convites para

integração nos Grupos de Estudos Revolucionários (GER), podendo surgir daí – ou não –

novos militantes. Nas lembranças de Juleusa Turra:

“...dentro do movimento da tendência que eu pertencia, começaram a aparecer os

momentos que eram chamados GERs (grupos de estudos revolucionários ) e aí eu

comecei a descobrir que além dessa área que estava orbitando, existia um centro.

Acredito que a partir desse momento que eu comecei a fazer parte do 'primeiro de

maio', e logo unificado e depois dando origem a 'organização socialista

internacionalista', o grupo de estudos revolucionários e as reuniões internas me

mostraram uma outra coisa: tinham a possibilidade de ser uma vida dupla, mas

pensando bem , a vida dupla, o múltiplo, é a vida que todos queremos”.

Segundo Sokol:

“..esse modelo se reproduziu pelo Brasil, deu certo. Bom... esse modelo de politica

vai virar a liberdade de luta; isso era uma corrente no movimento estudantil. A

gente aparecia em cada universidade com um nome, era um cálculo para não se

expor... Vieram anunciar que na USP tinha plenárias teoricamente clandestinas, as

outras correntes sabiam, muitos estudantes sabiam... mas não era uma

organização com sede nem endereço (...) Então, foi chegando na formação do DCE

que a gente teve que ter um nome pra disputar a eleição (...) foi a primeira vez que

a gente teve a necessidade de ter um nome público... veja como era […] liberdade

de luta era o nome que soava melhor... mas era uma chapa que disputava a

eleição; não ganhou mas pegou..”

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Por outro lado, no entendimento de Caracol, também na esfera da cultura a

Liberdade e Luta expressava um caminho alternativo:

“...desatar amarras. Primeiro, porque a gente era totalmente atrevido, segundo,

arrogantes, porque... a política do PC, na época, era de procurar o tempo todo,

segundo a linguagem da época, “atrelar o movimento independente”, [atrelar] o

movimento estudantil “à oposição consentida (..) o MDB (...) O debate

significativo da época foi o movimento pelo voto nulo (...) este era o primeiro

ponto de ruptura, que era colocar a questão da atividade política como elemento

central. Portanto, fazer cultura independente, uma produção independente, a

busca de novas soluções (...) Alguns fatos marcantes causaram choques culturais...

Nós lançamos uma chapa que se chamava “Gente é pra Brilhar, não para Morrer

de Fome”... Éramos acusados por estes setores, como agentes do imperialismo, os

inconseqüentes, “porra loucas”... Por outro lado, havia uma defesa política

bastante acentuada pela luta das liberdades democráticas, pela constituinte, pelo

caráter democrático, pela convivência nas entidades de massas, a luta pela

construção do DCE... Foram coisas que abriam um caminho para um

reagrupamento de maneira diferente. O embate, então, foi significativo, porque as

rupturas foram até muito rápidas. Durante muito tempo, era muito difícil ter uma

visão fora da majoritária, tanto do PC e do PC do B e dos grupos que vinham da

antiga...396

Com maior expressão nos cursos de Arquitetura, Comunicações, Filosofia,

Economia e Ciências Sociais, a tendência nasceu em meio à fusão, propriamente dita, das

organizações Primeiro de Maio e Organização Marxista Brasileira, originando-se seu

nome, segundo Júlio Turra, de um momento de discussão no qual ele e Markus Sokol

lembraram-se de uma frase de Spinoza que dizia que "só há liberdade quando se luta pela

396Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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liberdade". Aí, Julinho disse "Luta e liberdade pode ser o nome" e Sokol replicou: "Não,

Liberdade e Luta soa melhor"397.

Com a fusão, estes grupos também buscavam a criação de um partido clandestino;

partido que, em conjunto com a tendência (no âmbito do movimento estudantil),

procuraria reconfigurar o território político ao propor e fortalecer novas instâncias

coletivas em paralelo às entidades. Sua atuação, fundada numa dada interpretação das

dinâmicas sociais, privilegiaria a reconstrução de instâncias coordenadoras das lutas mais

amplas. Os trotskistas (lambertistas), que até então se apresentavam como “FES” (no caso

da Organização 1º de Maio) ou por meio dos nomes de chapas para os centrinhos como

“União e Organização”, “Construção”, “Liberdade e Ação”, “Argumento”, “Grupo

União”/PUC lançaram-se, portanto, com o nome de “Liberdade e Luta”398, com a novidade

que em novembro de 1976, a organização 1º de Maio se juntara à OMB para compor uma

nova organização: a Organização Socialista Internacionalista399 “seção do Corqui no Brasil,

já com, talvez, duzentos militantes, o que não era pouco para a época”400. Nesse

intermeio, houve também a constituição de um pequeno grupo comandado por Francisco

Solano (trotskista do antigo Grupo Outubro), o Grupo Operário Internacionalista (GOI),

que teve curta duração; ao final, todos os seus integrantes reingressaram na OMB ou

ingressaram pela primeira vez401

Os marcos políticos, propriamente, de “reconstrução” institucional do movimento

propostos pelos trotskistas (lambertistas) se achavam presentes na maneira como

entendiam a “condução” das lutas e movimentos coletivos para a reconstrução dos fóruns

estudantis de caráter civil, no caso, as UEEs e a UNE. Cabia à ação organizada, sem repetir 397

Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 398

Nas palavras de Marcus Sokol: “Então, foi chegando na formação do DCE que a gente teve que ter um nome pra disputar a eleição (..) foi as primeira vez que a gente teve a necessidade de ter um nome público... veja como era […] liberdade de luta era o nome que soava melhor, mas era uma chapa que disputava a eleição”. Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 399

“Em novembro de 1976, num encontro clandestino, no litoral de São Paulo, nasceu a OSI, grupo

trotskista que dirigia a tendência estudantil Liberdade e Luta, além de oposições sindicais em categorias de trabalhadores, como bancários, professores, metalúrgicos e químicos” Jornalista Paulo Moreira Leite, ex-integrante de Libredade e Luta, no blog do jornal O Estado de São Paulo, em 21/11/2006 http://oboqueirao.zip.net/arch2009-06-21_2009-06-27.html 400

Depoimento de Paulo Zocchi para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003. 401

Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011.

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o legado do “vanguardismo”, promover a participação, estabelecer vínculos com esferas

mais amplas de luta social e de lutar, propriamente, pela construção de uma ordem social

na qual os fundamentos mais caros à vida pessoal e política fossem recolocados. O

trabalho político se definia, neste sentido, pelo convencimento no engajamento dos

estudantes na luta mais ampla travada pela sociedade, pelo seu envolvimento com os

estudos marxistas acerca da sociedade capitalista, suas contradições e dinâmicas sociais;

pelo engajamento na luta em defesa da liberdade, da democracia e da autonomia.

Os escritos de Leon Trotsky inspirados nas formulações de Marx e Engels (acerca

da gestação, transformação e crise do sistema capitalista), ou ainda, nos debates e

experiências travados por Lenin, Rosa de Luxemburgo, entre outros, em torno da

Revolução Russa, achavam-se inseridos em todo um conjunto de estudos e orientações

essenciais à análise e intervenção nos movimentos sociais contemporâneos. A teoria

marxista, neste caso, se mostrava presente não apenas enquanto abordagem teórica, mas

especialmente como arsenal de orientações práticas, como perspectiva científica de

intervenção social402 - perspectiva (de interpretação e intervenção nos movimentos sociais

em pról da revolução proletária) que afirmava a possibilidade efetiva de intervenção e

transformação social.

A ação política, construída em meio à luta de classes na sociedade capitalista,

prestava-se a afinar e traduzir o embate, a condução e a conquista da revolução social

pelas classes trabalhadoras, ou mais especificamente, pelo proletariado (nacional e

internacional)403. E para tanto, fundamentos caros ao pensamento trotskista contidos no

402 Entre as formulações de Trotsky (expressas de maneira particular, no Programa de Transição), o conceito de luta de classes assumia plena significação: como motor da História, como expressão do embate estrutural das classes sociais em luta por diferentes interesses e que conduzia, forçosamente à transformação social 403

Com base nestas formulações, militar se traduzia em buscar a ruptura da ordem social colocando-a sob o

controle, os interesses e as contradições da própria classe operária, encontrando-se no interior dela o verdadeiro espaço da luta política; da mesma forma que a revolução socialista - sob controle e obra da classe operária – nada mais era do que a ruptura, propriamente dita, do sistema capitalista, devendo-se marcar pela dissolução das relações de exploração social, da propriedade privada e da ordem burguesa em sentido mais amplo. Mas, como chegar a ela? Segundo Trotsky, somente a classe operária teria condições – históricas – de levar a ruptura do sistema capitalista até o fim, por encontrar-se nela a expressão mais acabada do sentido de exploração social do sistema. Mas, uma ruptura nestes termos exigia a organização e condução política específica, papel que necessariamente seria exercido pela estrutura de um partido, na prática, uma modalidade de organização política capaz de reunir a diversidade das interpretações para traduzi-las em formulações teóricas e práticas comuns e centralizadas. Ao partido, devia-se associar outras

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Programa de Transição, nos conceitos de Revolução Permanente e na Lei de

desenvolvimento desigual e combinado, de Leon Trotsky, seriam norteadores de grupos

políticos integrados à IV internacional (fundada em 1938) ao oferecerem um conjunto de

formulações e acima de tudo, o “método do Programa de Transição”, ferramenta

entendida como estrutural ao entendimento e atuação no universo social.404

A organização clandestina procuraria decifrar e atuar junto aos acontecimentos,

propondo bandeiras de luta e “palavras de ordem” capazes de dialogar e intervir nos

caminhos políticos das massas; à tendência caberia mediar estas relação, promover

debates, estudos, ou ainda, a iniciação política, devendo-se considerar que a “grande

maioria” dos participantes, nas palavras de Antonio Figueiredo:

“...não eram trotskistas (...) Era uma tendência de massa mesmo. Não tinha um

programa além daquilo da plataforma que disputava as eleições; o máximo que

podia ter era uma palavra de ordem […] mas nada que dissesse que era uma

corrente ideológica... A gente separava bem as coisas, embora tivesse várias

discussões que nos demarcavam bem [...] A grande maioria dos integrantes da

liberdade de luta não eram militantes, mas ao mesmo tempo a grande maioria era

leitor da nossa imprensa comunista, então era a tribuna do trabalhador, na época

(...) Eu acho que chegou a ter cem militantes na USP”405.

Nas palavras de Paulo Zocchi, a Liberdade e Luta surgiu com as características de

uma “organização de juventude” nos moldes trotskistas, reunindo núcleos atuantes na

formas organizativas capazes de traduzir os anseios e proposições de sua coletividade – as massas – através de um sistema de participação e representação: os soviets. Por esta via, os trabalhadores proletários, em um esforço interno de se conhecer, de se representar e de se dirigir, levariam até o fim uma ruptura social e política com um sistema econômico gerador de desigualdades e de exploração humana. 404

A estrutura de militância e atuação trotskista - construída no curso de décadas sob inspiração da revolução russa (partido leninista, soviets) e de experiências travadas no curso das décadas de 1920 e 1930 -, ganhara forma em 1938 com a criação da IVº Internacional e se propagara pelas décadas subsequentes. O partido atuava como fórum de discussões e deliberações, e como direção centralizada da ação definidora de táticas e estratégias específicas; fórum e direção que se repetiam em escala nacional e internacional através das seções da IVº Internacional e da própria IVº Internacional (o partido mundial da revolução). Em sua trajetória, no entanto, a organização mundial sofreu uma profunda crise interna em 1952/1953, vindo a sofrer uma forte cisão internacional. 405

Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005

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USP com características de “juventude acentuada” e numa forma um pouco mais flexível

do que uma organização (com o centralismo democrático), na busca de assumir “um

caráter amplo na juventude”. Ela contava com uma “base de programa anti-capitalista,

socialista, um programa do ponto de vista dos princípios (...) não (...) extenso (...), uma

coisa resumida, uma coisa simples (...) na perspectiva de estimular a juventude a “se

integrar a uma organização política”406.

Por isso mesmo, segundo Juleusa Turra, a “liberdade e luta não surge no centro

acadêmico, a liberdade de luta surge na universidade como um todo (...) ela já é pensada

como um movimento geral (...) [com] o DCE como referência”407.

Manifestação no interior da USP. Fundo: Revista Adusp

Para Antonio Figueiredo, a Liberdade e Luta:

“... dava uma resposta a uma ansiedade que estava presente e as pessoas que

eram responsáveis por ela, que estruturaram a organização aqui, eu considero

pessoas brilhantes (...) hoje você não ouve pessoas com uma clareza e base

406

Depoimento de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/setembro/2003 407

Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005

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politica para analisar uma situação e dizer qual seria o caminho a seguir. E a gente

vivenciou isso, a gente fazia e as coisas aconteciam daquela forma mesmo. Como

houve aquelas passeatas, foi a primeira passeata dentro do campos, era uma coisa

impensável naquele momento”408.

Na esfera da cultura, segundo Caracol:

“...isto fazia parte da própria visão de programa, que era um programa que vinha

desde a Quarta Internacional, que a cultura era um elemento essencial na

formação... por mais rasa que tivesse sido feita a leitura, via-se claramente a

questão da cultua, a luta contra o stalinismo, a luta pela liberdade de expressão...

Isso de fato impulsionou.... Todos os grupos chamados de vanguarda, vamos dizer

assim, da ECA... estavam vinculados, de alguma maneira, ou apoiavam a Liberdade

e Luta, porque permitia um espaço maior”409.

De forma concomitante, as demais organizações clandestinas presentes tinham

outras perspectivas para o DCE-livre e para as entidades gerais em (projeto de)

reconstrução, e a primeira medida tomada foi a de adiar a elaboração dos estatutos desta

entidade (que se pretendia refundadora do movimento estudantil “versão anos 1970”),

seguida da disputa pela sua direção, condição para que se imprimisse outras

características de funcionamento. Os acontecimentos de 1976, 1977, 1978 e 1979, neste

caso, seriam marcados não apenas pelo enfrentamento de um “cerco” imposto as ações

estudantis pelos órgãos de segurança e pela administração da Universidade, mas por um

enfrentamento interno de sentidos de política, de cultura e de movimento social.

A tendência Liberdade e Luta ganhou forma em meio a estas confluências, mas

mais do que isso, na condição de herdeira de uma trajetória particular de militância

trotskista, seu repertório nasceu e se manteve vinculado a uma linhagem política

(originada na década de 1950, com especial presença na França) que, enquanto

408

Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 409

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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organização bolchevique410, retomava o Programa de Transição como fundamento,

método de leitura e de intervenção política (expresso, entre outros aspectos, no desafio

de “colocar a classe em movimento como classe”) na perspectiva de buscar aprimorar (de

forma permanente) sua capacidade de leitura das condições objetivas da luta de classes e

daí deduzir suas tarefas políticas – orientando-se pela afirmação de Trotsky de que: “é a

situação objetiva quem é absolutamente determinante”411. O partido e o sindicato, neste

caso, definiam-se como formas de organização essenciais mas transitórias de luta social,

que se faziam utilizadas pelas massas de trabalhadores em seus combates cotidianos mas

que não se constituíam em seu fim. Já o marxismo cumpria um papel de “guia para a

ação”, mas um guia que se fundamentava na leitura e entendimento profundo de uma

dada realidade social.

Por outro lado, os agrupamentos brasileiros que desde os primeiros momentos da

década de 1970 se reuniram nesta linha, também integraram a construção de um

percurso internacional de releituras e redefinições, cujas bases programáticas e ideal de

organização se fizeram definidas pelo Comitê de Reorganização da IV Internacional

(CORQUI), em grande medida, emanados da Organização Comunista Internacionalista

(OCI) dirigida por Pierre Lambert412.

Em outras palavras, a organização criadora da tendência Liberdade e Luta nascera

e se mantivera vinculada a um trânsito de referências que incluía, entre outros aspectos,

os acontecimentos de maio de 1968; trânsito que, somado à presença e ao desempenho

410 O partido bolchevique se definiria, segundo Bruet, como um partido leninista plenamente integrado às condições políticas e às relações de força em curso; um “partido de ação” que também deveria ser clandestino e centralizado em função da segurança dos militantes, da criação de novos núcleos e do cumprimento do trabalho político-organizativo. Pierre Broué. O Partido Bolchevique 1960 Marxists Internet Archive seção em espanhol. Tradução de: Diego Siqueira para o Marxists Internet Archive. 411 Classe Contra Classe: Resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. Documento mimeografado, 19 p, s/d, s/a. mas com identificação manuscrita: “II Congresso OSI, 1978”, p10 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP067 412 No acervo da Livraria a Palavra encontramos documentos como “Pour le maintien du comite international” (document de la Ligue des Revolutionnaires Socialistes hongrois. Paris, 1e 20 juin 1972). Contemporâneo a criação do CORQUI em julho de 1972; “Une Fuite Honteuse” , registro de reunião do Bureau Internacional da Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI) em abril de 1973, no qual se delibera pela ruptura com a “Fração pela manutenção e desenvolvimento do Comitê Internacional”. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP002

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de lideranças brilhantes, imprimia uma forte vitalidade às proposições e formas de ação

política de uma tendência estudantil que, num certo recorte de tempo, ocupara um lugar

privilegiado em meio às discussões, expressões e realizações transnacionais.

O que era então a Liberdade e Luta? Antes de tudo, ela era uma corrente política

(cuja maioria dos integrantes não era trotskista, mas apresentava afinidades com ela)

integrada a um território e dinâmica coletiva muito maiores do que ela. Para Juleusa

Turra:

“....nossa questão era o movimento e a discussão proporcionada no movimento. E

nossos professores, muitos deles sensíveis, sabiam disso, e proporcionavam essas

discussões com o movimento acontecendo. Alguns mais cruéis, quando a gente

escrevia os trabalhos diziam assim “stalinista o seu trabalho” mostrando que nós

devíamos avançar no ponto de vista teórico e eu só fui fazer isso quando acabei a

graduação”413.

Nas palavras de Caio Túlio Costa:

“Eu nunca pertenci à OSI. Eu pertencia à libelú... me considerava um quadro da

libelú.. me reunia com o pessoal da libelú, na ECA. Fazia toda a politica da libelú na

ECA, mas não participava das reuniões, nem da organização, nem fora da

universidade. Tinha grupos de estudos ligados à libelú e meus amigos eram todos

da libelú. E fechava absolutamente com tudo da libelú e me considero uma

especie de sócio fundador da libelú, da tendência estudantil. Mas não tenho nada

a ver com a organização internacional que estava por trás e que fundamentava a

libelú e brigava com todos os outros expoentes trotskistas e tudo mais. Eu sempre

tive um espirito muito critico também em relação à libelú...”414

Para Caracol, a tendência Liberdade e Luta trazia em si:

413

Depoimento de Juleusa Turra a Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005. 414

Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006

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“...um comportamento que era interessante, que era de ruptura, de uma nova

estética (...) As pessoas extremamente afetivas, tinham prazer de se encontrar (...)

pensavam na festa, tinham uma proposta para a festa que era fundamentalmente

prazer...eram shows no crepúsculo, no gramado da ECA. Havia uma menina, Luíza,

que imitava Jane Joplin, outro, que cantava como Mick Jagger (...) quer dizer, que

significava algo diferente (...) era a contracultura se manifestando. E a idéia era

contra esta estética da esquerda da USP que era aquela coisa sóbria... de “camisa

volta ao mundo”, como a gente falava, calças de tergal e cueca samba canção... e a

idéia dessa dureza de atividade política, que era inclusive reconhecida pelos mais

irreverentes e libertários (...) esta época é uma época muito importante que as

pessoas não conhecem, do ponto de vista da vivência e da construção coletiva e

visual muito bacana, porque... o impossível estava no horizonte... Essa época de

1960 junta com o Odara, com a política do corpo, do abaixo a choradeira! Abaixo...

É um período de queda de preconceitos por todos os lados”415.

De forma concomitante, Liberdade e Luta também se constituía numa organização

trotskista em formação, ou melhor, numa ferramenta de consolidação desta organização;

um instrumento de intervenção e interação com o “movimento de massas” ao qual cabia

desenvolver e propor um posicionamento “claro, aberto e disciplinado diante das massas”

como condição para intervir na conjuntura e transformar esta mesma trajetória e

experiência numa resposta unitária e massiva. A origem desta tendência seria, portanto,

uma obra política e entre os documentos internos deste período, guardados pelo fundo da

Livraria A Palavra, no CEDEM, o texto intitulado “Resoluções nº3” é muito significativo.

A Resolução trata do “Processo de Férias interno” durante o qual a nova

organização pretende gerir “uma POLÍTICA P/ O ME, entendendo tal política como a

concretização, a nível do mov., de nosso acervo político ‘geral’, pautando-se num balanço

do mov. e de nossa situação em seu seio”, seguido pelo:

415

Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996

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“2) delineamento de uma POLÍTICA DE ORGANIZAÇÃO entendida como a definição

do papel de cada organismo, da direção e da questão da militância; 3-)

cumprimento do proc. de incorporação de comps. à O., rompendo c/ a atual

situação indefinida; 4) eleição de um CL e definição de suas tarefas. Consideramos

tb. Que tal proc. deve estar articulado ao proc. da tendencia bem como aos procs.

Regional e nacional da O.”416

Nas palavras de Mário, então estudante de graduação da PUC-SP:

“....A liberdade e Luta nasce e, na primeira semana em que ela nasce, há um

encontro nacional clandestino de estudantes aqui do lado de Campinas (...) um

encontro grande de clandestinos, para preparar um congresso clandestino da UNE.

A intenção era de refundação da UNE. Isto eu acho que é 1976 ou 1977 Ela nasce

já dentro de um encontro destes. É imediato e começa a ter boletins com o nome

de Liberdade e Luta”417

Uma outra característica da tendência Liberdade e Luta dizia respeito ao

entendimento que a própria organização clandestina nutria sobre as esferas da cultura e

da arte418. De maneira especial, as palavras finais do manifesto “Por uma arte

revolucionária independente” (datado de 1938 e escrito por André Breton e Trotsky) que

proclamavam “a independência da arte para a revolução; a revolução para a liberação

definitiva da arte” pareciam ganhar novas possibilidades na década de 1970.

Para Julio Turra, num período no qual “as transgressões à moral da época eram

praticadas” e em que o enfrentamento de todo o “clima de repressão cultural e artística

do momento” se misturava a “uma quase total falta de preconceitos”, a constituição de

tendências políticas também se traduzia num “círculo protetor onde as pessoas podiam

416

Resoluções nº3. USP. Doc mimeog., 3p, s/d, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 417

Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005 418

No Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP, CEMAP/Fundo Editora A Palavra, enontramos nas caixas LP 101, LP 107, LP 108 e LP 109 um vasto conjunto de textos de formação, capacitação política e educação partidária

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‘respirar’ no meio de tanta tensão”, sendo que “cada tendência se comportava mais ou

menos como uma tribo (...) O pessoal da Caminhando era do sambão, do pagode, da

cultura popular. Nós, da Liberdade e Luta, éramos mais roqueiros; o pessoal da Refazendo

era mais tipo Milton Nascimento. Havia até um certo jeito de se vestir: o pessoal da

Caminhando você reconhecia claramente - era o poncho e conga -; a Libelú já era o cara

mais cabeludo, meio roqueiro...” 419 Mas, porque o rock?

“...a gente não gostava de música popular brasileira porque ela tinha uns ranços

que permitiam pensar numa ideia de nacionalismo - patriotismo que não era a

ideia mais forte que nós tinhamos. A concepção que a gente tinha era que

tínhamos que entrar num movimento internacional e pra gente o rock era muito

significativo, o tropicalismo era muito significativo, mas música popular que era o

samba.. (...) shows do MPB4 que a gente gostava e não gostava (...) nós tínhamos

muito sentimentos, mas esses sentimentos eram todos de fazer parte do mundo

que estava prometendo uma mudança e nós não podíamos estar fora dessa

mudança. Isso eu acho essencial”420.

Para Josimar Melo:

"Nós, trotskistas, achávamos que a arte deveria ser independente da política. Não

éramos contra a música popular, o sambão ou a Mercedes Sosa, só não

achávamos que era preciso gostar disso para ser revolucionário. Os stalinistas, o

pessoal do PC e do PC do B gostavam de canção de protesto, mas a gente preferia

ouvir Led Zeppelin ou Rolling Stones."421

419

Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997). 420

Depoimento de Juleusa Turra para Mirza Pellicciotta. Campinas, 13/03/2005 421

COLOMBO, Sylvia; NEY, Thiago. “A volta da poncho music” jornal Folha de São Paulo, 23 dez. 2008

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Representação feita pela matéria “ Libelú. Eis o Fascínio Radcal“ do jornalista Wagner Carelli, publicada na Revista Isto É de 25/07/1979

A “questão comportamental”, portanto, não se distanciava das proposições

políticas, mas pelo contrário, elas se agregavam de maneira mais sutil a um leque de

posicionamentos variados, imprimindo aos acontecimentos, atividades, experiências

coletivas nuances importantes de identidade. No caso da Liberdade e Luta, descrições

como a oferecida por um ex-universitário da ECA/USP, integrante do “braço cultural da

Liberdade e Luta”, são esclarecedoras:

“..participei (...) [de] um curioso e original amálgama político-comportamental, em

que o trotskismo convivia com o rock, com o fuminho e com as meninas do pós-

queima-dos-sutiãs. O que nós fazíamos? Frequentávamos o Riviera, o Ponto 4

(depois o Bar da Terra, primeiro posto avançado na Vila Madalena), íamos ao

cineclube da GV (...), rolava muito Stones nas festas sempre com cerveja, líamos

Adorno, Walter Benjamin, Barthes, Foucault, Bataille, Cortázar, Bandeira e Murilo

Mendes – alguns, como o Rodrigo Naves, o melhor orador da Libelu, liam Sartre -,

passávamos carnaval na Bahia, shows de Gil e Caetano eram obrigatórios, assistir

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às aulas do Davi Arrigucci Jr também, nosso coração batia pelos surrealistas, nossa

mestra era Marilena Chaui, anulávamos nossos votos, éramos leitores de Paulo

Francis, nosso padrão de jornalismo era ‘Le Monde’ e tomamos um porre quando,

finalmente, o Corinthians foi campeão”422.

Por outro lado, segundo Flávio Carrança:

“...o pessoal da refazendo não era muito diferente não da gente, mas tinha uma

subcultura, eu não sei a palavra exata pra isso, mas alguma cosisa que

caracterizava as festas, o jeito de se vestir das meninas. Era uma coisa meio hippie,

mas que não era totalmente hippie porque eram pessoas engajadas politicamente.

Era uma coisa de não raspar a perna, acho que beirava o hippie, mas não era

totalmente”423.

Para Geraldo Siqueira:

“..E me lembro dessa coisa do rock... Eu tinha umas brigas com o pessoal do

PCdoB, porque nas festas nós queríamos tocar rock e eles queriam valorizar o

produto nacional e colocar forró”424.

Na visão de Caio Túlio Costa:

“...quando a libelú desejou, por exemplo, atrelar o Avesso diretamente à libelú, eu

fui um dos que foram voto contra e nós ganhamos essa batalha dentro do Avesso.

Tivemos uma longa reunião uma vez com o Marcos Sokol, meu amigo, na qual o

Sokol queria que o jornal tivesse... que estava fazendo grande sucesso, nós já

tínhamos escritos dois contos que também eram simpatizantes da libelú, mas

422

ALMEIDA, M.H. T e WEIZ, L. “Carro-Zero e Pau-de-arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar” IN História da Vida Privada no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, vol: Contrastes da Intimidade Contemporânea, nº4, pp 375-376. 423

Depoimento de Flávio Carrança a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005 424

Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.

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tinha algumas pessoas do PC do B que também escreviam no jornal... e depois

fizemos o Avesso e a libelú queria determinar, de certa forma, a linha política do

Avesso e nós fomos contra (...) Isso é um fato muito especifico que é importante

deixar ressaltado. Que tem a ver, um pouco, com as pessoas que faziam o Avesso

que eram um pouco mais independentes, apesar de todos concordarem com a

Liberdade e Luta. Mas eu tinha criticas muito sérias. Tinha criticas tão sérias

quanto o pessoal do partidão, do PC do B... “Partidão” pelo empreguismo,

digamos, pelas questões que a gente chamava de reformistas na época; o PC do B

pela questão stalinista; e em relação a um certo radicalismo, um radicalismo muito

forte na libelú, onde as questões de princípio eram determinantes e

absolutamente inflexíveis”425.

Enfim, em paralelo aos preparativos das eleições para o DCE-Livre, as tendências e

estudantes se envolvem em outras atividades na intenção de estabelecer articulações

para além da universidade; neste sentido, entre os dias 26 e 30 de abril acontece na USP a

“Semana de Lutas pelas Liberdades Democráticas” com a participação de estudantes e

militantes de vários Estados e Universidades. Neste encontro, os participantes deliberam

pela realização de um Encontro Nacional de Estudantes426, fruto de um processo de

radicalização que surgia da contestação mais profunda do decreto lei 477 (e dos demais

instrumentos repressivos), da deterioração das condições de ensino, ou ainda, do

agravamento das condições de vida da população. Um texto de origem trotskista,

produzido na ocasião afirmava:

“É hoje impossível lutar pelas mínimas reivindicações por melhores condições de

vida, sem se colocar diretamente a necessidade da luta pelas liberdades

democráticas de se expressar, se manifestar, se organizar, liquidadas pela ditadura

a 12 anos. A menor luta hoje nos locais de trabalho ou estudo choca-se

425

Depoimento de Caio Túlio Costa a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 03/02/2006. 426

GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. São Paulo Alfa Ômega, Coleção História Imediata nº5,1979, p21. Esta proposta havia sido aprovada numa reunião em Campinas, em janeiro de 1976, propondo-se na ocasião a criação de uma Campanha Nacional de Luta por Liberdades Democráticas.

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diretamente com a existência de toda uma legislação repressiva e de um aparato

militar permanentemente mobilizado. Essa situação põe a luta pelas liberdades

democráticas na ordem do dia, acessível e compreensível que ela é para a grande

maioria da população oprimida do país, que aspira pelos mais elementares direitos

que lhe possibilite lutar pelas suas reivindicações. Tal luta não é, então, exclusiva

dos estudantes que nada mais são do que uma parcela de um contingente humano

de dezenas de milhões de pessoas e hoje asfixiadas pelo regime militar”427.

Em maio realizam-se as eleições para o DCE-livre da USP, mas as 40 urnas são

roubadas de dentro da FEA (então com 7910 votos). De forma concomitante - e em razão

de se dar os primeiros atos políticos para além da USP, associados ou não à reconstrução

do DCE livre -, as “detenções para averiguaçâo” se tornam constantes; os órgãos de

segurança procuram identificar os responsáveis e acompanhar atentamente os

deslocamentos estudantis428.

427 “Contribuição à discussão: campanha e o encontro nacional por liberdades democráticas”, 1976, p.4 428 Podemos ler: “Carlos Terrana (FAAP) – “acusado de ler manifesto contra o roubo das urnas do DCE em 15/5/76”; Grécia Conceição Soares da Motta (medicina/USP) – “acusada de se solidarizar com movimentos da ECA, de ter assinado abaixo-assinado contra Show de Jazz na FMU, de ter fixado cartazes no mural da Faculdade de Medicina pela liberdade de João Roberto, de participar de movimentos junto a Congregação, por não considerar ilegal a existência do atual DCE, por reconhecer uma das integrantes do DCE (Terezinha) e de vista alguns outros (Veroca, Vinicius, Paulinho, Marcelo e Geraldo); Afrânio Paes Filho (Biologia do Instituto Unificado Paulista e Ciências Sociais/USP) “acusado de participar de assembléias, de ter integrado uma reunião aberta dos Centros Acadêmicos nos barracos de Ciências Sociais; de ter posicionamento crítico à cobrança das refeições, às condições de ensino e infra-estrutura da USP, por entender a invasão do restaurante do CRUSP justa, por considerar que os problemas da Universidade ‘não podem permanecer distanciados daqueles atinentes à sociedade’; por ter afixado um cartaz do ‘jornal mural do DCE’ nas Faculdades Objetivo”; Ricardo Pereira de Melo (economia/USP) “acusado de ter assistido assembléias na ocasião do movimento da ECA, por considerar justas as reivindicações desta greve, apesar de considerá-lo muito radical por ter se estendido por muito tempo e pelo excesso de agitação, que trabalha no Instituto de Pesquisas Econômicas, que assistiu reunião matutina onde foi abordado o problema do restaurante, que estava se alimentando na ocasião da invasão do RU, que não viu qualquer depredação, que acha que o ME está se desvirtuando por sair da esfera da Universidade, que lê alguma publicação dos CAs apesar de não integrá-los, que pensara que o DCE fosse legal, que seu pai era jornalista do Última Hora”; Josimar Moreira de Melo (Arquitetura e Urbanismo/USP) “declara que não participou de reunião ou assembléia do Comitê de Defesa dos Presos Políticos, que não pertence a nenhuma organização, que participou de algumas reuniões/assembléias na greve da ECA, que acha que o movimento como este, está se desvirtuando e que ‘o mais certo seria reivindicar junto às autoridades competentes’ uma vez que muitas pessoas poderão ser ‘levadas a uma situação comprometedora pelos movimentos que se desencadeiam na universidade, que conhecia as reivindicações da greve da ECA, que (..) teve oportunidade de participar das publicações da FAU, como o Boletim Informativo, quando escreveu artigos referentes à arquitetura, contudo, jamais teve qualquer envolvimento sobre assuntos alhures a sua faculdade’ (em 1972), que sabe que o DCE é ilegal”;

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Cartas programa das chapas Refazendo e Caminhando para o DCE USP em 1977; Autos de Investigação: natureza subversiva da propaganda distribuída pelo DCE da USP, 24/10/1977. Fundo DOPS/Arquivo do Estado

Pouco tempo depois os estudantes promovem uma segunda eleição e, para

assegurar a reconstrução efetiva da entidade, eles próprios guardam vigília. Nas

lembranças de Juleusa Turra, desta noite possuem um sentido emblemático: reunidos no

prédio da FFLCH, militantes das mais variadas tendências se dividiram buscando comida,

organizando a projeção do filme “O incrível exército de Brancaleone“ ou se alternando no

alto do prédio para impedir um novo ataque dos órgãos de segurança. Nesta noite

também se enfrentou duas polêmicas: que tipo de música se deveria tocar (rock ou

samba?) e se poderia rolar bebida alcoólica ou não429.

Enfim, nas primeiras eleições para o DCE livre a tendência Refazendo ganha as

eleições com 4362 votos, contra 2955 votos da Liberdade e Luta e 1497 votos da

Caminhando, contabilizando 12253 votos430. Nas palavras de Geraldo Siqueira:

“Éramos os mais desorganizados, mas muita gente se unia a nós. Tanto é que na

eleição ganhamos bem. A primeira eleição foi em maio ou junho de 1976.

além de Rosana Morais Weg (Letras/USP), Luiz Antonio Colombo (História/USP), Rosangela Battaglia (Letras/USP), Marisa Raugon (Biologia/USP), Maria Lucia Follenga (História/USP), Liza Winter (Economia/USP), Célia da Silva Carvalho (Letras/USP), Vinicius Ítalo Signorelli (Física/USP), Maria Terezinha Figueiredo (Psicologia/USP), Vera Silvia Facciolla Paiva (psicologia/USP), Geraldo Augusto de Siqueira Filho (geografia/USP, Marcelo Garcia de Souza (Geologia/USP). IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos, OP 1531 429

Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35

(julho/agosto/setembro de 1997) 430

SANTANA, Flávia de Angelis. Atuação Política do Movimento Estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007. Dissertação (Mestre) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2007, p186

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Roubaram as urnas que estavam na Economia. Com isso todas as chapas entraram

juntas nas salas de aula denunciando a ação da repressão e convocamos uma nova

eleição, mas sem fazer campanha. Fizemos uma nova eleição e aumentou o

número de votantes. Decidimos em assembléia passar a madrugada tomando

conta das urnas, nós mesmos. Ganhamos a eleição do DCE”.

Dias antes da posse, a nova diretoria convoca os estudantes para um “ato público

pela anistia”, atividade que conta com cerca de 300 pessoas e que merece um novo

registro na Seção de Operações do DOPS nos seguintes termos:

“1.1- Dia 04/06, por volta das 21:00 hs, houve um Ato Público pró-transferêcia do

preso Roberto João Mota (ou Motta) do Manicômio Judiciário de Santa Catarina,

bem como, pró anistia de presos e exilados políticos, ou das pessoas que

perderam a cidadania ou os direitos políticos, ato esse, promovido pelo DCE-Livre

(Diretório central dos estudantes/USP), recentemente reconstruído, realizado no

pavilhão da ‘Geografia’. 1.2 – Com a presença de aproximadamente 700

(setecentos) estudantes, esse Ato Público teve início por volta das 21:00, com as

acomodações do salão completamente tomadas; 1.3 – Foram convidadas várias

personalidades ligadas às entidades que militam pela anistia ampla e irrestrita dos

presos políticos, mas se fez presente apenas a Sra. Therezinha Zerbini, atual

presidente do ‘Movimento Feminino Brasileiro pró Anistia dos presos políticos’, 2

(dois) representantes da ‘Juventude autêntica do MDB/SP/cap, 1 (um)

representante do DCE da UFRJ, além de integrantes do DCE/USP, integrando a

mesa que organizou as atividades durante o Ato. 1.4 - 0 Além das pessoas supra-

citadas, a mesa contou com a presença de uma mulher, esposa de Roberto João

Motta (...) preso desde novembro de 1975 (...) 1.5 – iniciadas as atividades, foi

dada a palavra a Sra. Motta, que contou, demorada e minusciosamente os

acontecimentos que envolveram o seu marido, tais como, suas idas e vindas às

prisões militares catarinenses, ao Quartel da 5 (quinta) Região Militar, sediada em

Curitiba, três tentativas de suicídio, etc (...) A Sra. Motta, contou as dificuldades

que estão passando outras mulheres em idênticas condições (...) 1.6 – As palavras

da Sra. Motta foram acompanhadas do mais profundo silêncio pelo plenário, e

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quando a mesma terminou o relato, entregaram-lhe somas em dinheiro doadas

pelos estudantes da USP”431

Com a posse, a primeira reunião de diretoria do DCE-livre432 é assim relatada pela

ASI/USP ao DOPS:

“No dia 07 de junho de 1976 às 21 horas reuniu-se no anfiteatro do departamento

de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

(barracos) a nova diretoria recém eleita do DCE. Uma reunião foi marcada

previamente, mas em local só determinado poucas horas antes, que contou com

aproximadamente 30 participantes. Segundo consta, o ingresso foi severamente

controlado, tendo sido barrados três elementos desconhecidos do grupo; isto é,

pessoas cuja identificação gerou suspeita aos organizadores do encontro, como

não sendo estudantes, ou mais, agentes de segurança. Ao que tudo indica,

aparenta ser líder dessas reuniões, a estudante membro da atual diretoria do DCE,

Beatriz de Tal (Bea), aluna de C. Sociais na USP”433.

431

DEOPS – Seção de Operações. Ato Público pela Anistia (Diretório Central dos Estudantes) em 07/06/76. Informação nº059/76/DOPS/SR/DPF/SP IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP Pasta 1356. 432 Constava entre os nove integrantes da chapa: Lídia Goldstein (Faculdade de Economia e Administração), Vinicius Ítalo Signorelli (Inst. Física), Vera Silvia Facciola Paiva (Faculdade de Psicologia), Geraldo Augusto Siqueira Filho (Faculdade de Geografia), Maria Terezinha de Figueiredo (Faculdade de Biologia), Marcelo Garcia e Souza (faculdade de Geologia), Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá (faculdade de Ciências Sociais), Carlos Alberto Massafera (Politécnica) e Paulo Roberto Massoca (Faculdade de Engenharia de São Carlos). 433

Podemos ler ainda: “A mesma estudante é representante/delegada do sul do país, advogando medidas pró libertação de Roberto João. Na referida reunião debateu-se a constituição de comitês de divulgação de torturas sofridas por Roberto João a todos os estudantes e São Paulo. Também se considerou a hipótese de forçar declarações do reitor da USP sobre o assunto. Ao que tudo indica será provocada qualquer coisa nesse sentido nos próximos dias, devendo haver passeata até o gabinete do reitor da USP, no próprio campus da cidade universitária a pretexto desse caso e, provavelmente, roubo das urnas. Segundo consta, voltarão ao caso para incidir diretamente sobre a máxima autoridade universitária, responsabilizando-a pelo boicote e defasagem de seu ato eleitoral. Descobriu-se nessa reunião que pretende a atual diretoria do DCE responsabilizar funcionários do Gabinete do reitor pelo roubo, que teria sido efetuado mediante facilitação dos vigias do prédio da Faculdade de Economia e Administração da USP (..) descobriu-se também que não há efetividade nesse caso, que bem pode estar sendo usado como argumento de contestação pura e simples”. “Enc 158/ASI/USP/76. USP, Gabinete do Reitor, 14 de junho de 1976” In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP1356

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Em seguida, esta diretoria chama sua primeira reunião aberta, aqui relatada por

Geraldo Siqueira:

“...Na primeira reunião aberta do DCE, estávamos começando a discutir anistia e

outros temas e ouvimos o som de uma cadeira... Era um espiãozinho do Dops, um

menino, que quando foi virar a fita do gravador dentro da mochila, apertou o play

e a fita tocou. Eu só vi todo mundo virar para o sujeito e ele levantar e sair

correndo, com a turma inteira atrás dele. Aí o cara falou que estudava no cursinho

e pagava os estudos com o salário que o Dops pagava para ele ser espião.

Liberamos o menino e ficamos com o gravador. Com ele fizemos a primeira

campanha de financiamento, a rifa do gravador do Dops! Deu um lucro

danado”434.

No mesmo mês, diante de tanta “agitação”, é a própria ASI (Assessoria de

Segurança e Informação) instalada na Reitoria da USP que é chamada para prestar

esclarecimentos. Frente às críticas de “certos órgãos de Brasília”, preocupados “com o

ambiente interno da USP, decorrentes de informações alarmantes que lhes têm sido

enviadas desta Capital”, e mais especificamente, com as “informações que emanam desta

Assessoria”, a ASI se defende afirmando que “existe uma predominante calmaria na área

estudantil da USP, apesar da permanente atividade das entidades subversivas”,

considerando que:

“As reuniões entre os estudantes são realizadas constantemente, porém,

caracterizam-se pelos objetivos que perseguem. Existem as de caráter ostensivo,

das quais os participantes são conhecidos e não há segredo nos assuntos tratados.

A reunião dos líderes, dificilmente têm o local e horário identificado, mas sem

dúvida, se realizam, e delas somente se tem conhecimento após acontecerem.

Conclusão. Perdura uma situação conhecida há vários anos: é ativada

permanentemente por muitos elementos estranhos não pertencentes ao quadro

434

Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.

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da USP, embora também existam no âmbito discente da Universidade,

colaboradores eficientes”435.

De qualquer forma, parece-nos interessante observar a visão que a própria ASI

possui das ações que se configuram como de “elementos estranhos” à USP. Em um outro

texto datado de julho de 1976, podemos ler:

“...As ações individuais e de pequenos grupos, cada vez mais se intensificam;

atuam na área da Universidade, nas proximidades e interior das entidades. São

temidos porque, normalmente, vão até a agressão, em particular os que agem em

grupos. Utilizam autos, alguns sem chapa, para perseguirem os que se antepõem

às insinuações e ameaças. Impõe-se, não só a detenção desses atuantes para o

devido afastamento da área, bem como a natural identificação. Tudo indica que

após as férias de julho as ações individuais e as de grupo serão retomadas ou

intensificadas. Julgamos ser de toda conveniência que os órgãos de repressão

organizem entre si uma operação que comporte um esquema de vigilância e uma

ação controladora que devem visar, particularmente os que invadem o Campus. O

esquema de vigilância deve ser permanente, ampliado e montado antes do

435

Na versão integral deste documento, podemos ler: “..Estamos informados que certos órgãos de Brasília preocupam-se com o ambiente interno da USP, decorrentes de informações alarmantes que lhes têm sido enviadas desta Capital (SP). As informações que emanam desta Assessoria, conseqüentes da atuação dos que lideram os movimentos subversivos ou que perturbam o ambiente interno da Universidade, não são alarmantes, porém, esse fato não significa ausência de atividades da rede de apoio ao terrorismo, extensões táticas de ações planejadas pela organização implantada em nosso País. O órgão de Brasília que defende a idéia de informações alarmantes, devia envia-las a nós, a fim de serem testadas e confirmadas, ou não. Conseqüente, seja do atual período de férias, ou de acontecimentos que podem preceder o desencadeamento de ato subversivo, existe uma predominante calmaria na área estudantil da USP, apesar da permanente atividade das entidades subversivas. As reuniões entre os estudantes são realizadas constantemente, porém, caracterizam-se pelos objetivos que perseguem. Existem as de caráter ostensivo, das quais os participantes são conhecidos e não há segredo nos assuntos tratados. A reunião dos líderes, dificilmente têm o local e horário identificado, mas sem dúvida, se realizam, e delas somente se tem conhecimento após acontecerem. Conclusão. Perdura uma situação conhecida há vários anos: é ativada permanentemente por muitos elementos estranhos não pertencentes ao quadro da USP, embora também existam no âmbito discente da Universidade, colaboradores eficientes. Urge que os órgãos de repressão, que atuam na área da USP, impeçam, usando todos os recursos, a atuação individual e coletiva das organizações subversivas no ‘campus’ da Universidade seguindo a estratégia global do comunismo” In “USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. Situação dentro do campus da Universidade de São Paulo”. Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0356.

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regresso das férias, a ação controladora deverá ficar em condição de atuar a partir

da segunda quinzena de julho”436

Boletim GFAU Gestão Liberdade e Luta; material de formação política dos GER: Programa de Transição de Leon Trotsky.

Acervo DOPS/Arquivo do Estado

Nesta ocasião, Liberdade e Luta lança um pequeno jornal com seu nome, centrado

em problemáticas mais ampla (em particular, na situação econômica e política do país),

mas à luz dos processos de recomposição política em curso na USP e nas universidades

brasileiras. A tendência procuraria aqui pontuar sua leitura e argumentar com maior

fôlego os posicionamentos que entendia fundamentais de se fazerem reforçados, em

particular, a participação política, o fortalecimento das entidades, a unificação do

movimento, a aliança com segmentos sociais (em particular, com os trabalhadores). No

primeiro número, datado do mês de junho e complementado por um encarte sobre a

“Desestatização”437, a tendência analisa as eleições, as chapas e suas plataformas, os

resultados e os propósitos que acreditam ter o movimento estudantil e o próprio DCE

livre, afirmando em seu Editorial que:

436 “USP. Gabinete do Reitor. ASI/USP. 14/julho/1976. Situação da USP – fim das férias de julho”. Anotado no DOPS em 23/julho/1976 In Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0356 437 O primeiro número de Liberdade e Luta se compõe de um “editorial” e das matérias “Abaixo o 228!”, “Argentina: o último tango do peronismo”e “tribuna livre”. O encarte “desestatização” apresenta texto corrido de 5 páginas.

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“Nós, de Liberdade e Luta, vemos o processo de reconstrução do DCE antes de

mais nada como a busca dos estudantes de extravasar os marcos repressivos do

regime militar, em início de agonia. Daí, se colocar o DCE fora da investidura

repressiva do decreto-lei 228, isto é, enquanto entidade livre. E é preciso

desenvolver esta tendência. Ou seja, é preciso fotalecer a entidade em

reconstrução, uma vez que ela representa a consolidação do espaço político

conquistado pelos estudantes. Porém desenvolver conscientemente essa

tendência implica em compreender o DCE como um instrumento para os

estudantes coordenarem suas lutas com aquelas travadas socialmente por

Liberdades Democráticas. E, muito mais, significa trazer para o interior do ME

proposições que nos coloquem na perspectiva de aliança com o único setor social

que pode dar consequência a essa luta: os trabalhadores. Enquanto oposição,

nosso trabalho se presta a fortalecer o DCE. E fortalecê-lo, significa lutar, no

interior das mobilizações, por imprimir essa perspectiva não caindo no erro de

divisão do movimento, ou num paralelismo à entidade e seus canais de expressão.

Nessa perspectiva, conclamamos todos os que votaram em Liberdade e Luta a

cerrar fileiras à volta de uma oposição conseqüente à atual direção do DCE, ao

lado, igualmente, de uma atuação com os mesmos princípios em cada

faculdade”438.

Na avaliação da tendência, os 2955 votos recebidos (25%) procediam de 90% das

faculdades e eles tinham uma qualidade especial: eles se constituíam em “votos de

combate”, votos de “concordância quanto ao método por nós avançado: o movimento, os

estudantes se mobilizando para buscar a satisfação de suas reivindicações”. E neste caso,

na contramão de uma situação na qual “o movimento não atingiu ainda as amplas

parcelas dos estudantes”, ou ainda, de um “nível embrionário das manifestações de massa

a nível de toda a sociedade e, por consequência, também do ME”, esta mesma

“concepção se mostrou correta”. Por outro lado, a vitória do grupo Refazendo e a

quantidade de votos conquistados pela Caminhando – tendências que, em seu entender,

demoraram a “colocar o DCE na ordem do dia, ou ainda, no caso da segunda, “boicotou

438 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p3

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sistematicamente as mobilizações do ano passado, afirmando que ‘aquele não era o

momento’ – seria reveladora da “resistência do movimento estudantil em sair do nível

particularizado de cada faculdade”, vencendo uma “plataforma sem eixo político (Luta

democrática? Poder alternativo? – palavras de ordem veiculadas nos debates mas não

colocadas na plataforma) e com uma concepção de trabalho particularista: ‘trabalho nas

classes, em luta contra o conteúdo dos cursos’. Ou a nível de entidade: ‘DCE como reflexo

do trabalho de cada escola”439. E neste caso:

“Embora não conquistasse a direção do DCE, o resultado obtido (..) foi a

confirmação de uma política que, em todos os momentos, procurou elaborar

palavras de ordem e proposições que produzissem um real avanço do ME:

expansão da greve da ECA, criação da C.U, e greve geral Herzog, a partir do

movimento desencadeado na ECA. Mas, o principal foi que daí surgiu a

consequência organizativa: o DCE-livre. Através da manutenção da Comissão

Universitária durante as férias, para encaminhar o Trote Unificado (também

proposta nossa), foi possível arrancar – apesar de grande resistência – o

compromisso das outras posições políticas existentes na C.U. quanto à realização

de uma Assembléia Geral Universitária para marcar a data de eleições para o DCE.

Essa, a maior vitória”440.

Por fim, vale observar, esta avaliação indicava como “eixo da discussão política de

agora em diante: a luta pelas Liberdades Democráticas”, registrando Liberdade e Luta que

parecia sugestiva “a evolução do grupo Refazendo que, com toda sua indefinição e

heterogeneidade – constituído por uma frente de várias direções de Cas-, avançou uma

obscura concepção de Luta Democrática (..) Excluindo-se Altenativa [que tinha como

bandeira a “luta contra a PEG”], com sua ojeriza mórbida às Liberdades Democráticas, as

duas outras plataformas também evoluíram nesse sentido. Por um lado, Caminhando, que

entrou de cheio na propagandização dessa palavra de ordem, embora diluindo-a numa

obscura entidade denominada ‘povo’. E por outro, Organizar a Luta tendo já evoluído de

439 Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, pp 2-3. 440 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p2.

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seu jesuitismo universitário (concentrado na palavra de ordem “Liberdade de organização

e manifestação para estudantes e trabalhadores”) rumo a posições um pouco mais

maleáveis: ‘Luta contra a repressão e leis repressivas do governo’ – embora não menos

estreitas”441.

Ainda no mês de julho, enfim, a PUC sediaria um importante evento à revelia das

autoridades: o Congresso da SBPC que, no curso de 1976 vinha enfrentando um corte

drástico de verbas oficiais; para sua realização se desenvolvera uma grande campanha nas

universidades, nas ruas, teatros, cinemas.. que não apenas conseguiria viabilizar o

encontro, como também transformar a PUC-SP num espaço estratégico para outros

encontros e atividades estudantis e culturais442. Neste congresso - 28a Reunião Anual –

dar-se-ia também a aprovação de uma moção pela Anistia, um ato que se somaria à

contestação na justiça, da versão oficial da morte de Vladimir Herzog levada pelo

Sindicato dos Jornalistas e à publicação do dossiê do Comitê Pró-Anistia Geral no Brasil.

No começo do segundo semestre, o DCE-Livre da USP “puxa” uma luta contra o

aumento do restaurante; durante as férias o COSEAS aumentara as refeições de CR$6,00

para CR$7,50, situação que gera revolta, uma assembléia e a deliberação de ocupar o

restaurante e o centro de vivência, envolvendo-se os estudantes, por um dia, com as

tarefas de cobrança, serviço e limpeza do CRUSP (na intenção de não comprometer os

funcionários com a radicalização do movimento). Esta luta, por sua vez, leva à instauração

de mais um auto de investigação no DOPS, que intima a diretoria do DCE-livre e vários

outros militantes envolvidos para prestar depoimento em suas dependências, situação

que se repetiria várias vezes no curso dos meses seguintes443. Nas lembranças de Geraldo

Siqueira, integrante desta diretoria:

“...No meio do ano houve um aumento do restaurante do Crusp e o pessoal

reclamava da higiene. Resolvemos fazer um movimento em relação ao

441 “Editorial”. Liberdade e Luta nº1. Junho 1976, doc mimeog, 8p, p3. 442 Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 - julho/agosto/setembro de 1997. 443

Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Temáticas, OP 1531

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restaurante. O pessoal da Libelu começou a tirar sarro da gente, mas juntamos uns

três mil na assembléia e resolvemos tomar o restaurante. Invadimos o restaurante

e fomos aprendendo como se fazia, como limpava e os funcionários todos

solidários. Para não nos acusarem de nada, todo mundo, voluntariamente, acabou

a refeição fizemos uma faxina. Lavamos tudo e entregamos brilhando. Pegamos o

dinheiro e fomos levar na administração da USP, mas eles se recusaram a receber.

Pegamos a conta do banco, depositamos, tiramos cópia do comprovante de

depósito e panfletamos a USP inteira, para mostrar que fizemos tudo direitinho. O

Dops nos convocou para depor outra vez (..) [mas] A Libelu fez a “bola de neve”:

pararam a FAU ou a ECA, uma das duas. A faculdade que entrava em greve ia em

massa para a seguinte, parava a aula daquela, e assim sucessivamente. Isso era a

operação bola de neve. Houve uma marcha dentro da USP com milhares de

estudantes pedindo a soltura nossa. Puseram-nos numa C14, levaram de volta

para a USP e ainda deram uma buzinada para dar tchau! Fizemos uma assembléia

à noite, mas não tinha mais o que reivindicar, ganhamos tudo: preço, demissão do

Irineu... todos estávamos soltos (...) Essa foi uma grande luta com o DCE

constituído, batizado”444.

Ainda no segundo semestre, mais precisamente em 10 de agosto, dá-se a

realização de uma Reunião Nacional de Estudantes em São Carlos, com o propósito iniciar

os debates para a reconstrução da UNE445. Com a presença dos DCEs da USP, UFF, UFRGS,

UFMG e UFBa (entidades membros da Comissão Nacional), esta reunião seria marcada

pelas divergências quanto aos critérios de participação, votação, local, data de realização

do I Encontro Nacional de Estudantes (ENE), e mais do que isso, acerca da relevância de

444

Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004. 445

Segundo Geraldo Siqueira: “...Já fazíamos encontros nacionais e realizamos um dentro da USP, com gente do país inteiro. Montamos um grande esquema de segurança contra a invasão da repressão, com binóculos desde a ponte do rio Pinheiros até o miolo da cidade universitária. Depoimento ao Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004.

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sua realização. No entanto, as divergências não impediram que um segundo evento fosse

marcado para o mês de outubro na USP446.

Na visão dos trotskistas lambertistas, as “formas de luta legal” - que já haviam

alcançado um formato adequado - deveriam aprimorar suas proposições, cabendo as

entidades “voltar a ser órgãos coordenadores das lutas estudantis e nacionais” com base

em “novas vanguardas”, cada vez mais preparadas “para dirigir as lutas de massa dos

estudantes”. Neste sentido, aliás, a chapa Atuação/Liberdade e Luta em disputa pela

direção do CEFISMA (CA de Física da USP) expõe com clareza os aprimoramentos

pretendidos. Podemos ler:

“Como tem demonstrado a experiência do Movimento Estudantil, é através da

prática política, da ação direta em mobilizações que os estudantes, organizados

em torno de suas entidades (CA’s, DCE) aprofundam seu conhecimento da

realidade e conseguem levar à frente suas reivindicações. É este o sentido que

para nós tem o CA. É ele o instrumento que rompe com a atomização em que nos

encontramos nas salas de aula, laboratórios e mesas de estudo, aglutinando-nos,

transformando nossa dispersão numa única força viva. No entanto, para que ele

cumpra seus objetivos, não basta que a seu redor se reúnam os estudantes, sendo

então distribuídas as tarefas. Para toda e qualquer atividade que levamos é

necessária uma direção política. À diretoria da entidade, através da execução de

seu programa político, referendado pela maioria dos estudantes, cabe organizar e

dar um direcionamento às atividades do CA, sem que se confunda no entanto com

a própria entidade. O trabalho no CA é sustentado por todos os estudantes que

nele atuam, independentemente de sua posição política. Estes tem interesse no

desenvolvimento das atividades do centro e devem ter seu direito à participação e

decisão garantidos em todos os momentos. Daí a necessidade de manutenção da

democracia interna que se efetiva através das reuniões abertas, que deliberam

sobre os encaminhamentos das questões relativas ao CA. É nesse quadro que deve

se situar a diretoria, à qual cabe: - Promover o debate político e a ampla

446

SANTANA, Flávia de Angelis. Atuação Política do Movimento Estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007. Op. Cit, p185.

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participação em todas as frentes de trabalho (jornal, mural, comissões abertas,

etc.), frentes que tem um caráter duplamente democrático: livres de qualquer

vínculo com a burocracia, abertas à participação de todos os estudantes. – Manter

a democracia interna, permitindo e abrindo a entidade a expressão e manifestação

de todos os alunos; levando a discussão, em toda a escola, das lutas a serem

encaminhadas, o que faz estando presente a todos os momentos políticos,

lançando propostas através de um programa de direção de lutas,

obrigatoriamente orientado pelas necessidades dos estudantes, as quais não

podem ser desvinculadas das lutas de todos os setores da sociedade. Este

processo culmina necessariamente com a realização de reuniões abertas ou

assembléias gerais (esta, a instância deliberativa máxima da escola), para o debate

e deliberação de todos os alunos”447.

Nessa ocasião, aliás, os lambertistas já desempenhavam um papel importante na

PUC-SP (iniciado pela Faculdade de Serviço Social), atuando ali para formar o segundo

DCE-livre do período, o DCE da PUC-SP. Segundo Rosa Cavalari:

“A polêmica referente aos critérios de voto e participaçâo continuava dividindo os

estudantes. Foram realizadas reuniões em São Paulo, em abril, e em São Carlos,

em agosto, para se discutir especificamente esse ponto. A reunião de São Paulo

não logrou qualquer êxito. Os debates foram acirrados e, como o impasse

permaneceu, a maioria das entidades presentes se retirou em sinal de protesto.

Na reunião de São Carlos, foi criada uma Comissão Executiva e, depois de muita

discussão, o impasse foi resolvido, com a adoção do critério de ‘cinco delegados

por escola eleitos democraticamente”448

447“Atuação. Cefisma 77”. Carta programa para DA Física/USP, 1976, mimeog, 23p, pp1/2. Neste documento também podemos ler: “Não são os órgãos dirigentes nem a burocracia universitária – braços do regime militar dentro da universidade – que encamparão as lutas em defesa de nossas reivindicações. Não é a eles que devemos prestar contas. Pelo contrário, os estudantes devem confiar e buscar vínculos não com os opressores, mas com os oprimidos, não com aqueles que se apropriam da riqueza e do conhecimento mas com os que produzem esses bens. Estes vínculos se efetivam hoje através da luta por LIBERDADES DEMOCRÁTICAS, que une todos os setores oprimidos da sociedade, e que aponta na perspectiva de sua transformação”. 448

CAVALARI, Rosa Mª Feiteiro. Os limites do Movimento Estudantil (1964/1980), 1987. Dissertação (Mestre), Faculdade de Educação, Unicamp, 1987, p211

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Panfleto sobre a "farsa eleitoral" em campanha pelo voto nulo; panfleto do culto ecumênico pela anistia em 1978. Acervo

DOPS/Arquivo do Estado

6.1 - VOTO NULO E ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE LIVRE E SOBERANA

Em setembro, Liberdade e Luta lança o segundo número de seu jornal com notícias

sobre os órgãos colegiados e o Encontro Nacional de Estudantes, uma discussão sobre e a

Espanha e encarte sobre economia. No editorial deste número, por sua vez, a temática

das eleições de 15 de novembro é predominante, considerando a tendência que naquele

ano de 1976 alguns acontecimentos políticos já revelavam “mobilizações marcadas por

um profundo espontaneísmo, isto é, pela ausência de qualquer direção política à frente do

movimento”449, capazes de “dar um novo sentido e um novo caráter” a situações

inusitadas, parecendo-lhes importante indagar: “qual o uso que as massas farão da farsa

eleitoral de novembro?” Na prática, Liberdade e Luta explicitaria neste texto seu

posicionamento acerca da bandeira de luta “por uma Assembléia Constituinte Livre e

Soberana”, questão que ocuparia lugar fundamental entre suas proposições políticas a

partir de então. Dizia Liberdade e Luta:

449 O documento cita o cortejo de Juscelino Kubitchek ocorrido em Brasília, em fins de agosto, durante o qual uma multidão estimada em 100 mil pessoas teria expressado ao final da atividade manifestações pela “Democracia”, chegando-se a ouvir gritos de “Abaixo a Ditadura”. “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p2.

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“...a burguesia joga com mudanças no quadro do próprio regime. Realizar essas

mudanças, sem perder o controle total da situação (inclusive para um setor

burguês que seja obrigado a mobilizar as massas): essa preocupação condiciona os

passos de Geisel. É assim que vários ‘líderes’ da burguesia defendem, para o atual

momento, e como forma de legitimar o atual regime, a transformação do

‘Congresso’ em Assembléia Constituinte (...) Afinal, a ditadura não pode ‘perder’

eleições indefinidamente (...) Um pouco diferente é a Constituinte que vem sendo

defendida por Quércia; seria eleita com a manutenção dos atuais partidos. Seu

sentido é o mesmo: conseguir dar, à ditadura, o reconhecimento das massas.

Representa, porém, um passo mais largo para tanto (...) chamar as massas para

uma eleição onde elas se sentíssem com o poder de determinar as leis do país. Tal

escolha teria efeitos imprevisíveis como estímulo às mobilizações. Os ‘autênticos’

também propõem a sua Constituinte. Aparentemente, é a mais democrática:

eleições livres, liberdade de propaganda e agitação para todos os partidos

políticos, voto para analfabetos, marinheiros e soldados. Mas a luta pela

democracia não é uma luta de palavras (...) É no método que as coisas se definem.

E o ‘método’ dos ‘autênticos’ para conseguir uma Assembléia Constituinte

livremente eleita não aponta para a ação direta das massas, para sua organização

livre e independente. Ao contrário: o que os autênticos pedem, para que se

chegue a uma Assembléia Constituinte, é fortalecer seu grupo dentro do MDB. A

convocação para uma Assembléia Constituinte livre e democraticamente eleita

passa não pelo fortalecimento do MDB, mas pelo aprofundamento de suas e de

todas as divisões da burguesia, pela livre expressão de todas as correntes políticas

existentes na sociedade, pela liberdade de propaganda e agitação a todos os

partidos políticos. Hoje, a luta por uma Assembléia Constituinte é a luta das

massas que forçam uma ruptura no seio da burguesia, que começam a se afastar,

lentamente, do controle dos canais da ditadura – entre eles o MDB -, recuperando

direitos e conquistas elementares, juntando forças para novos e maiores

enfrentamentos”450.

450 “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p3.

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O posicionamento pelo “voto nulo” nas eleições de 15 de novembro, portanto, se

traduzia num dado “sentido de participação na farsa eleitoral” e dizia respeito a buscar

“avançar na luta pela organização independente, fortalecendo as entidades livres dos

estudantes, as oposições sindicais, as organizações no meio operário, de camponeses e de

bairro, organismos democráticos das massas”451.

Com relação às questões internas do movimento na USP, para Liberdade e Luta

”mais do que nunca é preciso dizer um basta a representação oficial”, deixar “de

considerar esse tipo de representação como ‘simplesmente um canal opcional a mais de

participação dos estudantes’, e em lugar disso buscar ‘o voto maciço nas eleições de

Centros Acadêmicos (...) os únicos e legítimos representantes de nossos interesses”452 .

Com relação às questões gerais do movimento estudantil, por sua vez, a discussão

acerca dos “Encontros Nacionais” jogava luz, de fato, sobre um processo mais tenso de

discussões e deliberações em torno dos caminhos de reconstrução política nacional. E

neste caso, a proposição de realizar “Encontros Nacionais de Estudantes cada mais

abertos e massivos, com um número cada vez maior de delegados eleitos em reuniões e

assembléias representativas” se constituía, de fato, minoritária; os debates travados nas

reuniões anteriores indicavam que os Encontros Nacionais deveriam se fazer restritos às

direções das entidades (ou ainda, às direções ou representantes das entidades de base, de

onde se acreditava que todas as lutas emergiam), bastando reunir o máximo de direções

de entidades para se recriar a UNE. O conceito de “movimento de massas” ou de entidade

de massas”, de fato, surgia como proposição alternativa a um ideário mais antigo de

movimento e entidade cujas direções e representações naturalmente ocupavam o lugar

de uma participação direta dos estudantes. Para Liberdade e Luta, tratava-se de resgatar

as experiências que se achavam em curso:

“O DCE nasce de reuniões abertas, assembléias massivas, concentrações e

passeatas, ou seja, através da participação DIRETA dos estudantes no combate por

451 “Editorial”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p3. 452 Nesta questão Liberdade e Luta propunha: “não à representação oficial! Boicote às eleições do Conselho Universitário! Pelo fortalecimento do DCE-Livre! Pela democratização da Universidade! Pelas liberdades democráticas!” “Órgãos Colegiados”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, p7.

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suas reivindicações. Foi aumentando os canais de participação e decisão de nossos

colegas que o DCE pôde se tornar realidade. E ele é constituído quando, ainda,

uma série de entidades encontram-se nas mãos de direções alheias, como o CAOC

e no XI de Agosto, e muitas outras não possuem a menor participação como

Veterinária, Nutrição, Química, Odonto, etc., ou inexistem, como é o caso da

Pedagogia (...) Ao negarem a possibilidade de reuniões massivas e abertas de

âmbito nacional, como fazem as direções dos DCEs da UFRGS e da UFMG; ao

tentarem dar o direito a voto a apenas um delegado por escola, como propôs

‘Caminhando’ em São Carlos; ao negligenciar as reuniões nacionais, como faz

‘Refazendo’; estas direções estão restringindo a participação dos estudantes no

processo de reconstrução da UNE e, assim, o bloqueando. É este, e só pode ser

este o resultado desta concepção que substitue o estudantado por suas pretensas

direções. Abrir cada vez mais as reuniões e demais manifestações do ME nacional!

Avançar com respostas massivas aos ataques do goveno militar sobre a

Universidade! Só pode ser esta a proposta consequente de qualquer posição que

se propõe a estar na vanguarda do ME, na situação hoje do Brasil”453.

Em outubro, os militantes da USP realizam o II Encontro Nacional de Estudantes no

qual comparecem 281 delegados e mais de 500 observadores de 40 escolas e 8 estados454.

O encontro traz na pauta a reorganização do movimento estudantil, as lutas a serem

travadas e as eleições municipais de 15 de novembro; a questão das eleições, de fato,

ocupava lugar importante entre as tendências que, no geral, apresentavam posições

variadas, mas neste encontro saiu vitoriosa a posição trotskista pelo voto nulo, decidindo-

se ainda pela realização de um plebiscito nacional por eleições livres455. Nas lembranças

de Julio Turra, da Liberdade e Luta:

"...a gente era contra qualquer aliança política com o MDB que não fosse a frente

única elementar. O PCdoB tinha uma política mais de frente para combater a

453 “Encontro Nacional”. Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p, pp 9-11. 454 “Refazendo Informativo”. DCE USP, julho 77. 455

O plebiscito indagava: Você considera estas eleições de 15 de novembro livres? Cerca de 96% disseram não In ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, p.21

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ditadura com um programa tipo união dos patriotas. Já a Refazendo tinha uma

postura crítica com relação ao MDB mas argumentava que era impossível fazer

política fora dele. O próprio Geraldinho começou sua carreira política fora do M.E.

como candidato da esquerda do MDB."456

No documento trotskista intitulado “Por uma política revolucionária em relação as

eleições de 15 de novembro”, distribuído em data próxima as eleições, o voto nulo já se

fazia acompanhar pela proposta de criação de um “partido independente da classe

operária” e pela defesa da assembléia constituinte, afirmando:

“.. de 1974 para cá muita coisa mudou. Não serão poucos aqueles que votarão

branco ou nulo. Sobre isto, cabe ressaltar o Encontro Nacional de Estudantes

realizado em São Paulo dia 16 de outubro, no qual foi aprovado por maioria

absoluta a posição favorável ao voto nulo (...) Mas, mais importante que a

resolução do Encontro Nacional foram as manifestações do Rio, durante a

distribuição do feijão importado. Mais importante que o fato de terem sido

apedrejados os oportunistas do MDB que passavam pelo local das manifestações,

foi o próprio caráter da manifestação. Este ano tem havido importantes

mobilizações de massas (enterro de JK, comício contra o custo de vida em São

Paulo, etc). Mas, ao contrário destas, a mobilização no Rio de Janeiro não tem

condições de ser dirigida ou manipulada por nenhum setor da burguesia, por mais

divergências que tenha com a ditadura militar. Trata-se de uma reivindicação que

para ser satisfeita torna-se necessário tocar na própria estrutura do regime

burguês. Foi uma experiência exclusiva das massas, preparatória a sua irrupção no

cenário político. E nela ficou bem evidenciada sua atitude em relação ao MDB.

Dentro desse quadro político pode-se perfeitamente desmascarar a farsa que será

essa eleição, ao mesmo tempo que construímos as bases para uma futura

intervenção independente das massas. Mas ainda cabe levantar mais uma questão

(...): como colocar de forma completa a questão das liberdades democráticas? (..)

Não se trata de ignorar o anseio de democracia que está por trás do voto ao MDB,

456

Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997).

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304

mas, ao levantar o voto nulo, dar a saída política real para este anseio. É este o

sentido de, ao fazer-se a campanha pelo voto nulo levantarmos a questão das

eleições livres e da covocação da assembléia constituinte. A luta pela Assembléia

Constituinte nada mas é que a forma mais profunda, mais completa de luta pelas

liberdades democráticas”457

As bandeiras de “voto nulo”, “por uma assembléia costituinte”, “pela liberdade

para os partidos operários” lançadas no final de 1976, já exprimiam a avaliação que a

Organização Socialista Internacionalista (criada no mês de novembro) faria pouco tempo

depois das eleições e da votação fabulosa conquistada pelo MDB. Segundo o documento

“Eleições: uma crise que avança”, este fenômeno eleitoral traduzia diversos e importantes

processos, a começar pela desmoralização imposta a ARENA, “...um partido montado peça

por peça pela ditadura”, registrando-se o fracasso da “repressão quanto a um de seus

objetivos principais: esvaziar toda oposição política ao regime militar”; no mesmo sentido,

podia-se prever que também se acentuaria “a atual tendência da burguesia a afastar-se da

camarilha militar”. Por outro lado, para além dos votos nulos, a votação alcançada pelo

MDB colocava em cena as “tendências que o regime vem tentando manter reprimidas”;

forças que “tentaram em novembro abrir caminhos” através de um partido “criado para

ser oposição amestrada, [sem] (...) estrutura para canalizar as forças sociais que o declínio

do regime militar está liberando”, ameaçando:

“..ou destruí-lo enquanto órgão de oposição domesticado, ou criar-se caminhos

próprios. Em qualquer dos casos, o resultado será a colocação em questão do

atual bipartidarismo, ou melhor, partidarismo controlado, e, consequentemente,

de todo o edifício político construído pela ditadura de 66 para cá (...) Mais do que

isso, desvela um processo que coloca agudamente a burguesia diante da

necessidade de reformular sua forma de dominação, uma vez que, sendo o MDB

457

“Por uma política revolucionária em relação às eleições de 15 de novembro”, 3p, 1976, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

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insuficiente como válvula de segurança, parte desse processo tende a acelerar o

reascenso do movimento operário”458

Estas considerações, por sua vez, implicavam nas tarefas de enfrentar o “atraso

organizativo do operariado brasileiro” e de fortalecer o movimento de massas na

perspectiva de “romper com os esquemas políticos da ditadura, recusando o jogo político

dos partidos a ela submetidos”. Na intensidade dos acontecimentos, por sua vez, reações

conservadoras promoveriam atentados à bomba na Associação Brasileira de Imprensa, na

Ordem dos Advogados do Brasil e na Editora Civilização Brasileira no Rio de Janeiro, e no

Cebrap, em São Paulo. Parece-nos importante considerar algumas questões levantadas

por Maria Celina D’Araujo num artigo da Revista Conjuntura Política. Nas palavras desta

importante pesquisadora:

“O Legislativo desse período precisa ser mais estudado em suas ambigüidades. Foi

fonte de prestígio e legitimidade para o governo e uma trincheira em defesa de

valores democráticos; foi espaço de disputa dentro do próprio governo e dentro

da oposição; foi uma tribuna de liberdade para os democratas. Ou seja, não foi

apenas figuração. A transição brasileira veio de forma “lenta, gradual e segura”.

Foi a mais longa das transições dessa época. O norte central a orientá-la era não

permitir cisões nas Forças Armadas. Haviam permanecido coesas no poder para

efeitos do “público externo” e teriam que sair em bloco, sem fissuras, sem

clivagens, frente à sociedade. Era uma forma de se protegerem em bloco de

possíveis processos judiciais envolvendo a questão dos direitos humanos. Era uma

transição que colocava como inegociável a imunidade militar. Para isso, a coesão

na saída era imprescindível. O discurso precisava ser monolítico. Era a retirada do

poder de uma instituição que tinha seus conflitos internos, quer entre as Forças —

Exército, Marinha e Aeronáutica — quer dentro de cada Força. Na saída, porém,

nenhum grupo poderia reivindicar bravuras ou denunciar interesses escusos. A

instituição tinha que ser preservada. Não seria submetida a qualquer julgamento e

458

“Eleções: uma crise que avança”, 1976, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

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usaria o consenso acerca disso como estratégia de retirada. A estratégia da

transição do governo teve a preocupação de isolar os duros e controlar o ritmo da

mudança. Isolar os radicais de direita, alguns terroristas, que não admitiam um

retorno ao governo civil e democrático, e impedir, ao mesmo tempo, que a

oposição civil impusesse, via mobilização social, a sua agenda de mudanças” 459.

6.2 - ESTATUTO PARA UM DCE LIVRE E COMBATIVO

“Por um DCE combativo” (1977); “Liberdade e Luta Intervém” (1977). Acervo DOPS/Arquivo do Estado

No início de 1977, Liberdade e Luta – preocupada em contribuir para o

fortalecimento das “entidades existentes em suas frentes de trabalho e em suas

comissões de luta” - lança seu terceiro jornal no qual afirma:

“Hoje, o movimento estudantil, particularmente na USP, se encontra num ritmo

muito mais intenso que o movimento de massas em geral. Porém esse

459

D'ARAUJO, Maria Celina. “Experimentalismos na política” IN Conjuntura Política. 60anos. Rio de Janeiro, nov. 2007, pp 49-50

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descompasso não deve permitir que se criem ilusões quanto às saídas que isolado

o movimento estudantil pode oferecer. É na aliança com os trabalhadores, em

especial com a classe operária na sua luta por sua organização independente e por

Liberdades Democráticas, que os estudantes estarão contribuindo para o fim do

regime em que vivemos, aliando-se com o único setor da sociedade que pode dar

uma solução se colocando na perspectiva da transformação da sociedade” 460

Mas, quanto à questão da organização estudantil.... a tendência voltava a insistir,

ela não deveria se traduzir na reedição de fórmulas do passado, mas sim na criação de

uma perspectiva de luta atenta às realizações e experiências em curso. Organizar os

estudantes implicava, então, em reconhecer as formas políticas presentes – como o

“Trote Unificado, [que] expressa justamente a organização conseguida nas lutas

travadas”461 ou as “lutas que se verificaram ainda nas férias em escolas particulares (por

ex. PUC/SP), mobilização dos vestibulandos”462 – e ainda perceber que estas lutas

estariam revelando “a medida do espaço político conquistado pelos estudantes”, da

mesma forma que as “entidades livres, os Cas e DCE” materializavam o “saldo real de

todas as nossas lutas vitoriosas”... e em função disso, fortalecer estas lutas e entidades

significava “ampliar este espaço”.

Na verdade, passado um ano desde a criação do DCE livre, Liberdade e Luta

entendia que chegara a hora de resolver uma questão primordial: o estatuto da nova

entidade. Este estatuto, objeto protelado desde a “assembléia no campus, no dia 28/3/76,

[quando] foi deliberado o encaminhamento das eleições para o DCE [entendendo-se que]

(...) a forma para a aprovação do estatuto é a Assembléia Geral Universitária”, fora

retomado “nas últimas férias, em reuniões do DCE”, e hoje se constituía “de fundamental

460 Liberdade e Luta nº3. Março 77, doc mimeog, p2. 461 “O Trote Unificado, expressa justamente a organização conseguida nas lutas travadas, já que se dá através do DCE a unificação dos estudantes da USP, superando o fracionamento por escola e a fraqueza que isso representava” Liberdade e Luta nº3. Março 77, p2 462

Podemos ler, na continuidade: “fazem antever que as lutas giram até o momento em torno de falta de

verba, apontando inclusive um eixo para o Encontro Nacional de Estudantes (ENE) – a ser realizado no 1º semestre – e a importância da sua realização hoje. Através destes encontros os estudantes caminham na perspectiva de sua organização a nível nacional combatendo unificadamente por seus interesses” Liberdade e Luta nº3. Março 77, p2

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importância para a consilidação do DCE, enquanto principal conquista organizativa no

processo de lutas 72/76”. Ao estatuto cabia “espelhar as experiências destes anos

consolidando as formas organizativas que foram os canais de mobilizações do

estudantado, Reuniões Abertas e Assembléias Gerais Universitárias”. Nas palavras da

tendência:

“Nesse momento é necessário votar um estatuto que dê à entidade

funcionamento democrático, aberto à participação de todos e que aprofunde o

reconhecimento do DCE pelo conjunto dos estudantes e sua independência

perante à burocracia universitária”

Mas, na visão da tendência, como deveria funcionar o DCE livre da USP? Antes de

mais nada, as eleições para sua diretoria deveriam “se dar através de voto universal e

secreto na escolha de uma plataforma política”, cabendo à diretoria ”enquanto

plataforma mais votada (...) se fazer representar e também responder pela entidade”,

mas:

“.... a diretoria não decide pelo DCE. Nesse sentido, nós de Liberdade e Luta

defendemos um estatuto em que o funcionamento da entidade se dê pelas

Reuniões Plenárias e que as decisões de maior peso sejam tomadas em

Assembléia Geral Universitária, palcos de discussão e deliberação dos estudantes.

E também comissões (Imprensa, Anistia, etc..) que assessorem o DCE. Tais são os

instrumentos para organizar os estudantes de forma ampla e democrática”463

A insistência na retomada das discussões de estatuto esbarrava, de fato, na

existência de importantes divergências entre as correntes políticas quanto à gestão das

movimentações em curso. Para Liberdade e Luta, a presença de “outros dois estatutos

(propostos pela Refazendo e pelo CA XI de Agosto do Largo São Francisco)” se traduzia em

proposições “exteriores ao processo de lutas que criou o DCE” na medida em que

463 Liberdade e Luta nº3. Março 77, p11

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insistiam em “formas de deliberação restritiva à cúpulas ou de democracia formal”464. Em

seu entendimento, não era possível concordar com “instrumentos de democracia formal e

aparente”, mas sim “propor uma forma democrática real, justamente aquela que se

baseia na já mencionada força massiva organizada”, forma através da qual caberia aos

“estudantes organizados” deliberar “em 1ª instância em Reuniões Plenárias, e em

segunda instância em Assembléias Gerais Universitárias”. Afinal:

“As propostas de que a diretoria resolva os casos omissos, que as reuniões

consultivas contem com maior peso que as reuniões plenárias e que as consultas

em voto igualem-se à importância das deliberações de AGU são propostas

atrasadas, provindas de períodos de letargia política de 69 a 73 que, embora já

tenha sido historicamente superado ainda encontramos seus resquícios nas

tendências que empunham tais propostas burocratizantes e cupulistas. Por último

cabe uma palavra decisiva sobre como aprovar o próprio estatuto: só no interior

de um processo de lutas e mobilizações é que o conjunto dos estudantes dão

conta com sua experiência viva e direta do sentido político (combativo ou não) das

propostas lançadas. Assim, o estatuto deve ser aprovado em AGU no interior das

mobilizações possíveis e previstas para o primeiro semestre de 77”465

E para reforçar esta proposição, Liberdade e Luta lança em conjunto com as

tendências Mobilização e Resistência (Alternativa/Organizar a Luta) o documento “Por

464 Podemos ler: “São propostas que não fortalecem a entidade no sentido de comprometer o estudantado a tomar nas próprias mãos as deliberações e propostas de movimento. No estatuto proposto por Refazendo vemos os seguintes artigos: ‘sempre que necessário e conveniente serão convocados pelos orgãos do DCE com poder de deliberação, consultas aso estudantes da USP na forma de voto universal e secreto”. Mais adiante propõe, “essas consultas têm a mesma instância de decisão da Assembléia Geral”. Ainda mais “ que serão convocadas pela diretoria de 15 e 15 dias, reuniões consultivas sem caráter deliberativo. E as Reuniões Plenárias serão realizadas duas vezes por ano, ordinariamente, uma logo após as eleições e a outra no fechamento do ano letivo”. Num terceiro artigo é dito “os casos omissos (do presente estatuto) serão resolvidos pela diretoria da entidade. Nesses tres artigos fica clara a idéia que Refazendo faz do DCE. Ao nosso ver, o papel do voto universal e secreto é encaminhar as eleições das plataformas políticas e em alguns casos para agitar questões como: o plebiscito contra o ensino pago em 72, e pelas eleições livres em novembro de 76. No entanto, Refazendo, deformando o papel do voto pretende que ele substitua um processo de mobilização ativa como as reuniões plenárias e assembléias, por consultas e prévias secretas que atomizam e não revelam a força organizada dos estudantes. E essas consultas podem ser feitas em reuniões ordinárias, sem nenhum caráter deliberativo ativo” Liberdade e Luta nº3. Março 77, pp 11/12 465 Liberdade e Luta nº3. Março 77, p 12

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um DCE combativo”, documento no qual propõem um organograma de gestão e uma

proposta de estatuto capaz de instituir um novo formato de ação política ao “primeiro

DCE-livre criado no país depois da promulgação do AI-5, do decreto-lei 477, no fim da

década passada”. Segundo o documento:

“Acreditamos que a experiência de lutas de um ano por parte do DCE enquanto

entidade deve ser apreendida e desenvolvida. Apesar de uma diretoria

(Refazendo) hesitante e indefinida politicamente, o movimento estudantil soube

usar a sua entidade livre como um poderoso instrumento de lutas. A proposta que

se segue visa justamente resaltar o caráter de entidade de lutas que o DCE deve

possuir” 466

6.3 - PRIMEIRAS PASSEATAS FORA DA USP

Mas, em meio às discussões acerca da gestão política da entidade, uma nova onda

de movimentos eclode diante da cobrança de taxas durante a matrícula467, o que redunda

no dia 30 de março de 1977 numa passeata com mais de três mil estudantes; numa

passeata - detalhe - que ousa sair da USP para “dialogar”468 com o Governador do Estado

e com o MEC diante da Secretaria de Educação, no Largo do Arouche, mobilizando mais de

70 mil policiais sob o comando do Coronel Erasmo Dias que, apreensivo, bloqueia as ruas

466 “Por um DCE combativo”. Proposta de estatutos para o DCE-Livre da USP, mimeografado, 6p, s/d 467 Segundo “Refazendo Informativo. Publicação do Diretório Central dos Estudantes – julho 77”, de 12 de julho de 1977: “Iniciamos 77, com o posicionamento das entidades contra o novo sistema de vestibular, que conservando a mesma quantia de vagas, sub-dividiu-se em dois (1º e 2º semestres) para poder arrecadas mais dinheiro. Foi distribuído comunicado e feito pesquisa entre os estudantes. No ato da matricula 771, os estudantes são surpreendidos com o aumento da taxa, e mesmo na impossibilidade de tomar uma medida decisiva, os colegas reunidos protestam , tiram uma comissão que propõe que seja adiado o pagamento, num encontro com o reitor. O mesmo diz que o problema da taxa é inquestionável e contra-propõe com uma suposta restituição aos carentes. Os estudantes recusam a proposta por acharem vaga e não concordarem com os critérios. Aumenta a participação estudantil, como fica comprovado, com a elevação do nível da calourada e o clima em que são realizadas as eleições, desta vez com uma maior participação , maior divulgação e o surgimento de propostas diferentes” 468 Na prática, entregar um conjunto de reivindicações entre as quais constava a definição de um teto para o aumento das mensalidades nas instituições privadas de ensino.

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de acesso ao centro de São Paulo, causando um congestionamento de mais de 350 mil

veículos. Nas lembranças de Geraldo Siqueira, então diretor do DCE-ivre:

“...começou 1977 e marcamos a entrega de uma carta de reivindicação contra o

corte de verbas para educação. Íamos entregar a carta no escritório do MEC, no

Centro de São Paulo. A USP foi bloqueada, o Detran fechou todas as saídas. A USP

inteira se juntou na Poli numa grande assembléia e decidiu que, se não podíamos

ir nem de ônibus e nem de carro para entregar o documento lá no MEC, iríamos a

pé. Aquilo não seria pouco, ia ser a primeira manifestação de rua desde 1968! Isso

deu um gelo na gente. Mas foi aprovado e nós da diretoria do DCE aprovamos

também, que não haveria nenhuma palavra ou faixa que se referisse à ditadura, o

que parecia censura, mas era bom senso. A Libelu ficou puta da vida, dizia que

estávamos censurando, mas não queríamos dar pretexto para caírem em cima da

gente. E nós saímos. Lembro até hoje que aquilo me deu um gelo no estômago. A

rádio Jovem Pan fez a cobertura com um helicóptero e ia irradiando todos os

movimentos nossos e das tropas. Estávamos com radinhos de pilha no ouvido

acompanhando tudo. Foi ótimo, porque sabíamos onde estavam as tropas: elas

estavam vindo na nossa direção. Estávamos no largo de Pinheiros quando o Perseu

Abramo, repórter da Folha, disse: “Vocês já fizeram uma grande coisa hoje, agora

voltem para a cidade universitária. Não precisam provar mais nada, já provaram

tudo que vocês queriam.” Era o que nós mais queríamos ouvir. Todo mundo

concordou e voltamos em passeata para a cidade universitária. O radialista da

Jovem Pan delirava: “Os estudantes estão voltando. Graças a Deus!”, porque ele

estava vendo uma tragédia se desenhando”.

Impedidos de prosseguir, os estudantes realizam ali – no próprio largo de Pinheiros

- um ato público469 no qual lêem e distribuem uma “Carta Aberta à População” que

afirmavam:

469 POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, pp 302-303.

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Estudantes da USP sobre a ponte de Pinheiros. Acervo: O Trabalho

“Hoje, consente quem cala: Basta às prisões. Basta de Violências. Não mais

aceitamos mortes como as de Wladimir Herzog (jornalista e professor), Manuel

Fiel Filho (operário) e Alexandre Vanucchi Leme (estudante, que é hoje o nome do

DCE-Livre da USP). Não aceitamos que as autoridades maltratem e mutilem nossos

companheiros. Não queremos aleijados heróis como Manuel da Conceição. Hoje

viemos às ruas para exigir a imediata libertação de nossos companheiros operários

– Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes, José Maria de Almeida e Adamir Marini - e

estudantes – Fernando Antônio de Oliveira Lopes, Anita Maria Fabri, Fortuna

Dwek, Cláudio Júlio Gravina - presos sob a alegação de subversão. Hoje, neste país,

são considerados subversivos todos aqueles que reivindicam os seus direitos,

todos aqueles que não aceitam a exploração econômica, o arrocho salarial, a alta

do custo de vida, as péssimas condições de vida e trabalho. Todos aqueles que

protestam contra as contínuas violências policiais. Subversivos, enfim, são

considerados os que infringem a Lei de Segurança Nacional, instrumento jurídico

que justifica a repressão contra os mais legítimos movimentos da população.

Queremos falar com os que nos oprimem. E entendemos que a melhor maneira de

falarmos e de lutarmos contra os que nos oprimem, por meio da exploração

econômica, da violência política e da violência policial, é através de sindicatos e

entidades livres de nossas organizações independentes. Na Universidade de São

Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo os estudantes criaram as

suas entidades livres (os Diretórios centrais de Estudantes, DCEs-Livres da USP e da

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PUC). Livres, porque não nos submetemos às leis impostas pelas autoridades que

não querem aceitar eleições livres e diretas, que impedem a nossa liberdade de

manifestação e de organização. Porque não mais aceitamos as mordaças é que

hoje exigimos a imediata libertação de nossos companheiros presos não pelas

alegadas razões de subversão, mas porque lutam pelos interesses da maioria da

população explorada: contra a carestia, fim do arrocho salarial, liberdade de

organização e expressão para reivindicar os seus direitos. É por isso que

conclamamos todos, neste momento, a aderirem a esta manifestação pública sob

as mesmas e únicas bandeiras: Fim às torturas, prisões e perseguições políticas;

Libertação imediata dos companheiros presos; anistia ampla e irrestrita a todos os

presos, banidos e exilados políticos; pelas liberdades democráticas” DCEs-Livres da

USP e da PUC470.

Nos dias que se seguem, o presidente Ernesto Geisel fecha o Congresso (em função

da recusa de se aprovar o anteprojeto da reforma do Poder Judiciário proposta pelo

Governo) e decreta o “Pacote de Abril” ampliando o mandato presidencial para 6 anos e

criando o cargo de senador biônico. Em reação, os estudantes decretam greve por 24

horas e fazem multiplicar as manifestações. Nas palavras de Artur Poerner:

“Em abril, os protestos e greves [já] haviam alcançado a PUC de São Paulo e do Rio,

a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, a Universidade Federal de

Minas Gerais, a Universidade de Brasília, a Universidade do Vale dos Sinos, a

Federal e a PUC do Rio Grande do Sul”471.

Em 1º de Maio de 1977, são presos quatro operários e quatro estudantes que

distribuíam panfletos no ABC; em 3 de maio, sindicalistas, representantes da OAB, do

MDB e do Movimento Feminino pela Anistia se reúnem na PUC-SP num ato público pela

Anistia que conta com cerca de 7 mil pessoas, ocasião em que estudantes divulgam uma

470

“Carta Aberta à População” de 30/03/1977. Panfleto. 471

POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, p303

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“Carta Aberta pelo fim das torturas e prisões arbitrárias” e criam o Comitê Primeiro de

Maio pela Anistia472. Em 5 de maio, num protesto contra a prisão de estudantes e

operários “por mais verba para a educação” e “pelas liberdades democráticas”, cerca de

7.000 estudantes tentam fazer uma passeata entre o Largo São Francisco e a Praça da

República mas ao chegarem ao Viaduto do Chá eles se deparam com uma barreira policial

comandada pessoalmente por Erasmo Dias, que os impede de avançar. Nas memórias de

Geraldo Siqueira:

“..Houve assembléia na PUC, mas continuava a proibição de falar ‘Abaixo a

ditadura’. Marcamos uma concentração no largo de São Francisco, porque era

Centro da cidade, no dia 5 de maio (...) Saímos em passeata até a praça da

República. Pegamos a rua Líbero Badaró e chovia papel picado das janelas (...)

Pegamos o viaduto do Chá e, quando chegou perto da praça Ramos, estourou a

primeira bomba de gás. Era a tropa do Erasmo Dias na área do Teatro Municipal.

Alguém teve a idéia de sentar no chão, era uma demonstração de que não

queríamos ir para a briga. Todo mundo sentou no chão e lemos a carta em coro.

Com um megafone, nós líamos e o pessoal repetia: “Não queremos mais heróis

mutilados nem mortos. Não queremos...” Dali, voltamos para o largo de São

Francisco. [...] a última coisa que queríamos era contato físico com a polícia. Era

sempre: vai e, se encontrar polícia, volta”473

Nas lembranças de Célia Azevedo:

“Lembro-me bem desta passeata: lá pela Líbero Badaró alguém gritou ‘Abaixo a

Ditadura’ e logo se ouviu um coro de vozes repetindo este lema. Logo ouviu-se um

coro contrário: ‘O Povo Unido jamais será vencido’ (lema do PC do B...)”474

472

Ver: Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia de Ordem Política. Série Temáticas, OP0717 473

Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004 474

Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011

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Passeata de 5 de maio pelo centro de São Paulo. Agência Estado e Revista Veja de 11 de maio de 1977

Nesta altura, as bandeiras “por mais verba para a educação” e “pelas liberdades

democráticas” já se prestavam a demarcar campos políticos específicos: enquanto a

diretoria do DCE-livre procurava manter o movimento nos limites da luta “por mais verba

para a educação”, a Liberdade e Luta – que não tinha “...esse 'cheio de dedos' [que]

influenciou muitas outras tendências aqui”, nas palavras de Antonio Figueiredo - seguia

adiante com a bandeira “pelas liberdades democráticas”, postura que em seu entender:

“...era baseada em coisas de fora. Não tinha esse peso do PC, do PC do B, mesmo

da Convergência Socialista, que tentavam frear um pouquinho. A gente não

pensava tanto assim, talvez, por ter muito essa força externa”475.

Em 11 de maio, o Comitê Primeiro de Maio pela Anistia, proposto pelos trotskistas

(lambertistas), encaminha um abaixo-assinado pela libertação de 5 operários e 3

estudantes presos poucos dias antes em função da oganização do 1º de maio e chama

para o dia 19, no Largo São Francisco, uma “Jornada Nacional de Luta pela Anistia”. A

diretoria do DCE livre da USP, reagindo à proposição, se opõe a participar alegando “falta

de comunicação e preparação das Escolas da USP”476; como consequência, cerca de 8000

estudantes se concentram nos jardins da Faculdade de Medicina, enquanto 2.000 alunos

permanecem no Largo de S. Francisco, de onde saem em passeata da praça do Correio

475

Depoimento de Antônio Figueiredo para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 476 Termo de Declaração de José Alberto Urbinatti. IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos OP Pasta 1553

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até a Consolação; outras manifestações-relâmpago dão início à jornada. Segundo Célia

Azevedo, permanece em sua memória:

“...a Av. Dr Arnaldo com dezenas de carros do exército, os soldados sentados em

fileira dupla atrás com cães policiais. Durante toda a manifestação helicópteros

sobrevoavam os jardins da Medicina..”477

Panfletos sobre a anistia: Comitê 1º de Maio; “Na SBPC”, Resistência. Acervo DOPS/Arquivo do Estado

Nas lembranças de Celso Marcondes:

“...De pé num banco de jardim no largo do Paissandu, eu e um desconhecido

levantávamos com orgulho a bandeira do Brasil e gritávamos o Hino Nacional.

Uma multidão estimada em quinze pessoas (ou seriam dez?) nos acompanhava.

Mal havíamos chegado ao "brado retumbante", um barulho forte e muita fumaça

interrompiam nossa "manifestação-relâmpago". A correria recomeçava. Sirenes, C-

14s, cassetetes, gritaria, até cada um se perder na multidão do centro de São

Paulo em hora de rush ou ser levado delicadamente para o camburão. Esta

imagem, de 1977, não sai da lembrança. Tá lá, gravadinha num arquivo que não

tem /delete/ que destrua. E como me orgulho dela! Foram tempos de muita

coragem e emoção. Manifestações, passeatas, atos públicos, cultos ecumênicos,

milhões de assembléias, bilhões de reuniões, grupos de estudo, livros e mais livros,

477

Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011

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folhetos rodados em mimeógrafo a álcool no quarto da empregada. Tempos

também de muita tensão e nervosismo, de insônias freqüentes, de cabelos caindo,

de brigas com a família, de faltas às aulas, de atrasos no emprego”478.

Passeata pelo centro de São Paulo. Fonte: Revista Isto É, 25/05/1977

6.4 SEGUNDA ELEIÇÃO DO DCE LIVRE DA USP: COMBATES

POLÍTICOS

Vale considerar, ainda, que a trajetória política que se desenvolvera na USP na

primeira metade da década de 1970 permitira que, a partir de 1976 e para além da

presença das tendências, um outro leque de lutas também ganhasse sentido e que se

restabelecessem, ainda que simbolicamente, relações entre as questões estudantis e as

questões sociais mais amplas, entre elas, as lutas por anistia, por liberdade, por direitos,

ou ainda, pelas liberdades democráticas, bandeira que acabaria assumida por todas as

organizações de esquerda presentes dentro deste movimento.

478

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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O caráter massivo das manifestações, na verdade, preocupava as organizações e

dava lugar a sérias divergências motivadas não apenas pelo temor dos desdobramentos,

mas acima de tudo pelos desafios de gestão que esta perspectiva de movimento

implicava. Neste caso, caberia à tendência Refazendo (à frente da diretoria do DCE livre)

contrapor seu discurso ao da Liberdade e Luta na pretensão de barrar suas leituras,

proposições e dinâmicas participativas, consideradas por demais “radicais” aos padrões de

luta das organizações presentes, ou ainda, a um tênue processo de lutas sociais que pouco

a pouco ganhava forma em tempos ditatoriais.

Estas divergências podem ser percebidas de maneira ainda sutil nas cartas-

programa da segunda eleição do DCE livre da USP, momento em que a “Plataforma para

DCE-USP Refazendo” se indaga:

“.. O que deve ser o DCE? Que lutas ele deve travar? Para onde o movimento dos

estudantes da USP deve caminhar sob sua direção? DCE deve ser cada vez mais a

Entidade Representativa de Todos a travar suas lutas (...) Cabe avançar, mas

avançar de forma consequênte. Cabe avançar com solidez, com base, com

representatividade. Rompendo o isolamento de nosso movimento. Percorrendo o

caminho que permitirá através da participação ampla no DCE enfrentar nossos

problemas de forma organizada, nos inserindo na luta mais geral pela construção

de uma nova sociedade...”479

Com a análise focada na convicção de que o “...descontentamento em relação ao

regime militar é flagrante e seu isolamento cada vez maior”, Refazendo entende que “a

crise econômica não só persiste, como tende a se agravar. Esta situação de instabilidade

política e econômica tem gerado conflitos dentro da própria classe dominante”, num

contexto no qual a “lenta, gradual e segura inclinação para a direita parece ter calado a

‘linha dura” (...) no interior das forças armadas”. No entanto, “o movimento operário e

479 Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 2. No texto, ainda podemos ler: “..Sentimos uma série de problemas: das condições do ensino em cada sala de aula aos problemas gerais como o CRUSP. Do autoritarismo dos professores à repressão sob todos que lutam na defesa de seus interesses. QUEM CALA, CONSENTE. Não é ficando quietos que caminharemos na resolução de nossos probemas”.

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popular se encontra desorganizado e dominado pela burguesia que, embora dividida,

esboça projetos políticos visando reformular as atuais formas de dominação”, cabendo a

todos perceber que “...aos que estão no poder não interessa abrir mão do controle

político sobre os trabalhadores, quer sob o atual regime, quer sob qualquer outra forma

de dominação”480. Por tudo isso e:

“....Em meio a essa crise em que a classe dominante perde a sua coesão é que o

movimento estudantil atua e avança. Sua atuação, porém, devido a

desorganização do movimento operário e popular, tem limites claros. Avançar só

se concretiza no rompimento de nosso isolamento. Isso significa aproveitarmos

toda nossa capacidade de mobilização no sentido de combater o regime militar,

abrindo espaço para que os outros setores também se organizem”481.

Com relação à reorganização do movimento estudantil, a tendência afirma que:

“Se hoje somos capazes de levar adiante lutas como a de Liberdades Democráticas que

estamos travando, isso se deve em grande parte ao avanço de nossa organização”,

organização, por sua vez, que se acha fundada na presença de entidades cujo papel

consiste em ser/atuar como “canal de discussão política, de organização e luta do

conjunto dos estudantes”. No entanto, considera Refazendo:

“...se hoje nós estamos avançando neste sentido, o que conseguimos não é

suficiente. O movimento ainda está centrado nas tendências políticas, e as

entidades não tem cumprido o papel de aglutinar e debater sistematicamente as

questões que se colocam dando condições a todos os estudantes de interferir de

maneira concreta nos rumos de nosso movimento”.

480

Entre os questionamentos, Refazendo se indaga: “Não é por acaso que parcelas do setor dominante

defendem hoje a convocação de uma Constituinte. Cabe a pergunta: Como participará a população explorada dessa Constituinte que pretende ser livre e soberana, se seus sindicatos estão sob rígido controle e suas organizações estão sob forte repressão? Nesse momento, a nossa tarefa mais importante é reforçar a construção da organização independente dos setores populares, o que os tornará capaz de interferir no cenário político e avançar nas suas conquistas”. 481 “Por onde avança o ME”. Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 2.

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Neste caso, se “...Representativas são as propostas e posições eleitas pela

maioria, a partir de discussões amplas, com base na participação direta de grandes

parcelas dos estudantes neste processo”, trata-se de garantir o funcionamento pleno das

“entidades livres, abertas e democráticas” frente à dinâmicas que não necessariamente

contribuem para “garantir a unidade de nossas forças”. Com estas formulações que

deslocam a discussão da questão do caráter aberto da participação para a

existência/presença de tendências políticas a mediar esta participação, Refazendo

afirmava que, se por um lado, a “...falta de canais de discussão e trabalho no DCE, tem

dificultado à maioria dos estudantes participar da entidade”, por outro:

“....A tônica do trabalho tem sido dada pelas tendências políticas e quem não

participa de alguma delas tem poucas condições de influir no processo de

discussão e decisão. Isto porque, várias tendências estão muito mais preocupadas

em ganhar adeptos para a sua visão, do que com a participação na entidade, para

fazer do DCE o local de discussão e organização geral dos estudantes da USP. Sem

dúvida, o aumento do número de estudantes comprometidos com as tendências é

fruto do próprio avanço do ME. Mas isso não deve se dar em detrimento do

fortalecimento de nossa Entidade; é preciso canalizar os esforços no sentido de

torná-la cada vez mais massiva e representativa”482.

Enfim, para “assegurar a participação direta e democrática do conjunto dos

estudantes no DCE”, torna-se necessário combater “os desvios e posições incorretas, que

enfraquecem nosso movimento”, e ao mesmo tempo garantir uma “participação e

decisão ampla dos estudantes através de propostas votadas e levadas pela maioria”483.

482

“As lutas do movimento estudantil”. Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg, 3; Podemos ler: “Representativas são as propostas e posições eleitas pela maioria, a partir de discussões amplas, com base na participação direta de grandes parcelas dos estudantes neste processo. Somente decisões obtidas dessa forma são realmente democráticas. Só assim podemos garantir à unidade de nossas forças, comprometendo todos com os mesmos objetivos, avançando em nossas conquistas. E isso só é possível de se atingir através de nossas entidades livres, abertas e democráticas. É preciso consolidar os passos que temos dado neste sentido, combatendo os desvios e posições incorretas, que enfraquecem nosso movimento. É preciso assegurar a participação direta e democrática do conjunto dos estudantes no DCE” 483 “A Reorganização do Movimento” Plataforma para DCE-USP Refazendo, 1977, mimeog, 4 pg,4

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À semelhança da Refazendo, também a tendência Caminhando expressa em sua

carta-programa seus posicionamentos quanto à questão da organização do movimento

estudantil, mas evitando demonstrar algum temor frente aos caminhos de radicalização

das massas estudantis, a tendência opta em explicitar suas considerações. Em suas

palavras:

“...para que tenhamos uma compreensão lúcida de nossa situação atual e

possamos, deste modo, influir corretamente no processo do qual somos

protagonistas, precisamos atentar para as deficiências que o movimento

estudantil brasileiro apresenta (...) As lutas estudantis, apesar dos grandes

progressos conquistados, ainda não se encontra suficientemente vinculadas às

lutas dos demais setores populares e democráticos. Um outro fator que vem

dificultando o crescimento e a reorganização do movimento é o sectarismo que

tem caracterizado a atuação de algumas correntes de pensamento. A rivalização

das tendências não é em si negativa; o que traz enorme prejuízo é a polarização

extemporânea e incorreta, que põe em risco a unidade do movimento,

descaracteriza as entidades e reuniões estudantis e minimiza o número de

participantes nas assembléias. Não estamos contra o debate político, pelo

contrário, acreditamos que se forem realizados de modo oportuno, organizado e

com ampla participação levarão ao esclarecimento e a uma maior

combatividade”484.

Com “uma considerável tradição de organização independente baseada na

democracia das entidades de massas (Cas, DCEs, UMEs, UEEs, UNE)”, somada à “atividade

cotidiana nessas entidades [que] foi um dos principais fatores de formação da consciência

política estudantil”, para a Caminhando: “Está provado pela prática que, quando se ouve a

opinião de amplas parcelas dos estudantes, quando se respeita rigorosamente a decisão

da maioria e quando se evita o sectarismo entre as várias correntes de pensamento, o

movimento tende a avançar e conquistar importantes vitórias”. No entanto, na contramão

484 “Movimento Estudantil”. Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme”, 1977, mimeog, 4 pg, p4

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de “certas correntes de pensamento equivocadas [que] embaralham a questão da

democracia interna do mesmo é preciso que formulemos com clareza e nos atenhamos

firmemente aos princípios democráticos que no momento atual devem reger nossa

organização”. Seriam eles (grifo nosso):

“As entidades estudantis devem ser a forma mas ampla de organização dos

estudantes, pois, sendo organismo democráticos, devem admitir a participação de

todas as posições políticas existentes entre os estudantes, bem como dos

elementos sem posição definidas. As entidades de massa não podem alijar de si

qualquer posição vencida em eleição ou Assembléia, nem impedir a divulgação de

suas idéias e programas. Por outro lado, devem garantir o compromisso de todos

com a proposta vencedora, tendo, portanto, como finalidade a supremacia da

maioria, mas sua exclusividade. Além disso, sendo o controle e a fiscalização das

entidades atribuição de todos os estudantes nela congregados, é possível e

necessário impedir manobras de elementos oportunistas que não respeitem a

democracia das decisões. Uma vez postas as cartas na mesa, o voto deve ser

atribuição de todos os membros e a decisão da maioria o único compromisso da

entidade, que só deve satisfação aos estudantes que representa. Os vários níveis

de organização estudantil (Cas ao nível de escolas, DCEs ao nível da Universidade

etc), embora devam convergir todos num mesmo sentido, tem que ser

independente uns dos outros. Esta independência é indispensável para que, em

cada nível, as entidades expressem efetivamente a opinião de seus

representados”485

Nesta disputa, enfim, “Liberdade e Luta: plataforma para o DCE-USP” reitera as

análises e propostas que vinha apresentando anteriormente, insistindo que o DCE

permanecia em processo de construção486, que sua existência enquanto entidade - na

485

“Movimento Estudantil”. Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme”, 1977, mimeog, 4 pg, p4. 486

Podemos ler: “....o que quer dizer que ainda é uma das suas tarefas centrais conquistar efetivamente a sua represetatividade e autoridade política, buscar a mobilização de um número cada vez maior de colegas, servir de um canal amplo de participação. E particularmente nessas eeições, por voto universal, direto e

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visão da tendência - exigia “concretizar o desejo latente de todo estudante combativo”

por meio de uma efetiva “unidade na ação”487, e que cabia a todos reconhecer que “é na

própria luta que os estudantes ganham efetivamente consciência e a experiência política e

têm a oportunidade de testar a cada passo suas direções”. “Foi sob essa visão”, dizia a

tendência (grifo nosso):

“...que impulsionamos decisivamente a criação do DCE em 75/76, que

participamos ativamente da luta do CRUSP no ano passado, que jogamos toda

nossa força no segundo Encontro Nacional de Estudantes (outubro/76), lutando

para que este se posicionasse politicamente frente às eleições municipais, através

de uma moção pelo voto nulo por eleições livres, mas principalmente, fomos nós,

de Liberdade e Luta, que impulsionamos este ano a saída definitiva do ME às ruas

– marco de ruptura do isolamento dos estudantes frente aos demais setores

sociais. Ao propormos a passeata por mais verbas ao Largo de Pinheiros, o Ato

Público pela Anistia na PUC, a Concentração e passeata no Largo São Francisco, a

Jornada Nacional de Luta pela Anistia, possibilitamos a concretização da aliança de

várias parcelas da população, que colocaram num mesmo movimento suas

reivindicações comuns: melhores condições de vida, liberdades democráticas e

demais bandeiras antiditatoriais. De resto, temos defendido intransigentemente a

manutenção da democracia nas entidades. Por isso propusemos – na própria

assembléia que criou o DCE – que este funcionasse com base em Assembléias

Gerais e Reuniões Abertas; só assim, possibilitando a participação de todos os

estudantes no processo de decisões, estará garantida a existência de um

movimento fortalecido. E é também por isso que, mesmo discordando da atual

diretoria, sempre trabalhamos dentro do DCE e em nenhum instante fora dele, já

que os estudantes deve ver manifesta sua força e união”488.

secreto, ele busca alcançar representatividade junto a uma parcela maior do estudantado” Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2. 487 Por “unidade na ação”, Liberdade e Luta entende: “Esta unidade se traduz na necessidade de todas as posições políticas que disputam a liderança do ME se colocarem lado a lado formulando suas propostas e assumindo sempre a posição majoritária aprovada pelo conjunto dos estudantes reunidos em assembléia” Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2. 488 Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2.

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No plano político, Liberdade e Luta afirmava (grifo nosso):

“O caráter dinâmico deste movimento é alimentado pela situação de crise política

e econômica da ditadura, a qual seguidamente abre brechas por onde tem

penetrado a mobilização massiva dos estudantes. Cabe neste momento ter

propostas claras de ORGANIZAÇÃO deste movimento, como única forma de

consolidar nosso avanço. E estas propostas só podem ser aquelas que apontem

diretamente para a reconstrução da UEE e da UNE. Ambas estão na ordem do dia.

É por isso que defendemos a proposta de Comissão Pró-UEE nas últimas

Assembléias e Plenárias Estaduais. Entendemos que a unificação das lutas de

dezenas de milhares de estudantes paulistas, em torno de uma mesma

reivindicação, realizada no dia 5 de maio, coloca a fundação da UEE como tarefa

imediata. Os próximos meses devem ser preenchidos por amplas discussões e esse

processo deve culminar com um grande Ato massivo a ser realizado em setembro

quando deveremos dar por fundada a UEE, iniciando a preparação de suas

primeiras eleições. Ao mesmo tempo, a UNE se reconstrói e os Encontros

Nacionais de Estudantes assumem especial importância nesse combate. Assim, ao

nosso ver, o III ENE a ser realizado no dia 4 próximo, em Belo Horizonte, deve ser

um Encontro massivo e representativo que necessariamente culmine com a

formação de uma Comissão Nacional que coloque claramente a perspectiva de

fundação da UNE. O processo que criou o DCE-livre da USP mostra o caminho que

nos levará à UNE. Através de Reuniões Abertas, Assembléias massivas,

concentrações e passeatas, ou seja, através da participação direta do estudante na

luta pelas suas reivindicações é que o DCE foi criado. É só esse método que

permite a combinação das tarefas de construção de CAS, o desatrelamento de Das,

a reconstrução de DCEs livres, num mesmo processo de lutas que conduzirá à

UNE”489.

As formulações estavam lançadas... mas, quanto mais as movimentações

ganhavam lugar, mais se intensificava o embate entre as forças políticas acerca dos limites

489 Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, mimeog, 4 pg, p3.

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e controle destes acontecimentos, procurando a Refazendo centrar as discussões na

problemática da Universidade (expressas nas palavras de ordem “por melhores condições

de ensino”, “por mais verba para a educação”, “pela participação dos alunos nas

discussões da universidade”...) com a justificativa de que a ausência de discussões nas

escolas inviabilizava uma maior articulação entre as ações estudantis e as lutas sociais

mais amplas; enquanto a Liberdade e Luta propunha um acirramento das lutas contra a

ditadura com base num conjunto mais amplo de objetos políticos e formas de organização

coletiva. Nas palavras de Antonio Figueiredo:

“...as pessoas, como acreditavam muito naquela idéia e tinha esse poder de falar,

de se comunicar com muita gente (...) era um pessoal (...) muito incisivo, por

exemplo, esse negocio de 'abaixo a ditadura' era uma coisa que o refazendo jamais

faria... jamais faria uma coisa dessas, porque achava que se fizesse isso vai baixar o

exército, nós vamos ser todos presos... Então, a liberdade de luta, a partir de uma

análise (...) que era fundamentada no ponto de vista teórico, nos argumentos que

utilizava... a partir dai, acreditava naquilo, e aí, ia pra cima disso mesmo (...) era

contundente”490.

6.5 - “ABAIXO A DITADURA” EM PASSEATAS-RELÂMPAGO

E então, no dia 19 de maio o Ministro da Justiça, Armando Falcão proíbe qualquer

tipo de manifestação, passeata ou concentração em locais públicos. Este pronunciamento,

por sua vez, se faz imediatamente interpretado no interior da universidade, como um sinal

de apreensão das autoridades de ter/ver de “volta às ruas” os estudantes dispostos não só

a enfrentar (simbolicamente) a ditadura, mas se reaproximar de outros segmentos sociais,

sendo que, neste momento, no entendimento de Markus Sokol:

490

Depoimento de Antonio Figueiredo a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005

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“...A gente estava correndo risco de vida, não estava brincando. Na USP eram

centenas de pessoas que sabiam que estavam correndo risco, risco de vida...

depois tem um aspecto que tem a ver com a condição polÍtico-social do país. A

USP funcionava naquela época [...] nós tínhamos uma força enorme, apesar de

socialmente ser pouca gente. A gente não podia parar o paÍs, nós não tínhamos

força para parar as máquinas, os bancos... mas a ditadura tinha medo da gente. A

gente saía na rua, eles bloqueavam, jogavam uma bomba de gás... isso perto da

ditadura que eu e outros tínhamos conhecido, essa era outra situação. O cara

vinha de cavalaria e quebrava a cara. Depois foi relativamente indolor, nunca é

indolor, mais foi relativamente indolor […] então a gente parecia ter uma força

muito maior do que a gente realmente tinha. Quer dizer, nós estávamos sendo

beneficiados por uma conjuntura politica”491.

Panfletos do DCE Livre da USP. Acervo DOPS/Arquivo do Estado

O clima político mostrava-se cada vez mais tenso, e após os estudantes da USP

reelegerem a Refazendo para a direção do DCE livre (numa eleição que contabilizou mais

de 16 mil votos, cabendo cerca de 7 mil votos para a tendência vitoriosa), o III Encontro

Nacional de Estudantes fracassa; marcado para acontecer em 4 de junho em Belo

Horizonte, o Ministro da Educação Ney Braga com o apoio do governador do Estado,

Aureliano Chaves, e do Reitor da UFMG, promove o bloqueio e prisão dos participantes

nas estradas, seguindo-se as prisões no campus que totalizam 850 detenções, entre eles,

491

Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005

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de 348 delegados. Em decorrência destes acontecimentos, o III ENE é remarcado para São

Paulo assumindo o Comitê 1º de Maio da USP a estruturação e segurança.

Por outro lado, vale considerar, a realização de “concentrações” pelos estudantes,

seguidas por atos públicos fora do espaço acadêmico, também motivara os órgãos de

segurança a aprimorar suas operações com base na adoção de outros/novos

procedimentos de investigação e tratamento dos presos na busca de se antecipar às suas

realizações. Quando, então, os estudantes realizam o ato público de 15 de junho de 1977

na Praça Fernando Prestes (Parque Dom Pedro), estes novos recursos repressivos

permitem a identificação (após detenção no próprio ato) de 11 estudantes da USP (2 de

letras, 1 de Bioquímica, 4 de física, 2 de engenharia, 1 de arquitetura e 1 de filosofia), 3 da

FAAP, 3 do Mackenzie, 2 da Fundação Getúlio Vargas, 2 da Unicamp, 3 da Faculdade

Integradas Alcântara Machado, 4 da PUC, 1 da Faculdade Metodista, 1 da faculdade Santo

Amaro, 1 de Engenharia Civil de Santos, 1 da FEI, além de 5 alunos de colegial e 48 pessoas

das mais diversas profissões (também identificadas)492. Em seguida, no dia 19 de junho,

marcado como “Dia Nacional de Luta pelas Liberdades Democráticas”, o embate entre

estudantes e órgãos de segurança assumem as seguintes características, nas lembranças

de Geraldo Siqueira:

.”...A USP estava na frente, mas queríamos o resto do país vindo junto e

precisávamos de tempo. Paramos na Medicina da USP e fomos cercados por

tropas. Uma turma na São Francisco, que era o destino final, foi reprimida lá. Mas

chegava a notícia de manifestações em Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, a

PUC do Rio de Janeiro cercada por tropas. Lembro até que a Universidade de

Coimbra, em Lisboa, estava com as aulas paradas em apoio ao Dia Nacional de

Luta daqui. Foi o maior delírio, todo mundo gritando, pulando”

492 Ato Público 15/06/77. Local: Praça Fernando Prestes – Parque Dom Pedro. “Relação de alunos e pessoas detidas por ocasião do ato público de 15.06.77” IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Autos, OP 0655

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Imagens do III ENE (BH/MG, junho de 1977) e do II Dia Nacional de Luta pela Anistia. no Largo de S Francisco/SP em 8 de agosto de 1977

Em 15 de julho, no II Dia Nacional de Luta pela Anistia, 65 estudantes são presos

em São Paulo; em 8 de agosto, num Ato público no Largo São Francisco, as manifestações

estudantis já registram um outro alcance ao contar com a presença do professor Goffredo

da Silva Telles que lê na ocasião a sua Carta aos Brasileiros493, seguindo-se uma nova

rodada de intimações com a prisão da diretoria do DCE Livre (Lídia Golddstein, Vera Silva

Facciolla Paiva, Marcelo Garcia e Souza, Geraldo Augusto de Siqueira Filho, Maria

Terezinha Figueiredo, Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá, Vinicius Ytalo Signorelli) e de

outros 22 alunos, entre eles, Carlos Terrana, Afrânio Raes Filho, Grécia Conceição S.

Motta, Josimar M. de Mello Filho, Roberto Pereira de Melo, Julio Turra Filho, Fábio

493

“ O documento despertou grande interesse no Brasil inteiro e foi traduzido para as principais línguas

estrangeiras, alcançando as primeiras páginas dos grandes jornais do mundo. Expõe, dentro de princípios científicos, a legitimidade das leis e Constituições, do Poder e da Ordem, os quais geram a democracia verdadeira, propulsora única do desenvolvimento econômico e da Segurança Nacional. Faz um paralelo entre o Estado de Direito e o Estado de Fato e relaciona, a seguir, os direitos protegidos pelo Estado de Direito, como valores soberanos que inspiram as ordenações jurídicas de nações verdadeiramente civilizadas. Conclui exigindo o imediato Estado de Direito para o Brasil, ficando célebre a frase final: "O Estado de Direito, já!"” http://www.goffredotellesjr.adv.br/revista.htm

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Malavoglia, José Américo Ascencio Dias, entre outros. Reunidos no DOPS São Paulo, os

estudantes prestam neste momento os Termos de Declaração diante dos pais e

responsável, enquanto agentes de segurança procuram se aprofundar, mais uma vez, nos

acontecimentos de períodos anteriores, tentando estabelecer relações destas atividades

com as agitações do período 1968/1971494.

Em 11 de agosto de 1977, numa passeata noturna em São Paulo com mais de 8 mil

estudantes, o Coronel Erasmo Dias é então representado por um gigantesco boneco do

King Kong, ocorrendo novas prisões em 23 de agosto durante o III Dia Nacional de Luta

pela Anistia (detenção de 197 estudantes em São Paulo), momento em que os trotskistas

lambertistas insistem na palavra de ordem “Abaixo a Ditadura” (que já se achava colocada

nas passeatas) e lançam “Viva a Constituinte Democrática e Soberana”!

Diretores do DCE Livre da USP e militantes indiciados no DEOPS em agosto de 1977. Acervo DOPS/Arquivo do Estado

494 No curso dos depoimentos, o Diretor Geral de Polícia do DOPS inicia o processo fazendo uma “prelação” sobre o fato de que “a atividade estudantil pode levar seus integrantes a processo por delito contra a Segurança Nacional”. Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77) IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Movimento Estudantil, OP 1553

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Nas lembranças de Antonio Figueiredo, o grito “Abaixo a Ditadura” neste ambiente

e ocasião fica sob encargo de Josimar Melo que, assim que o pronuncia é imediatamente

retirado do local pelos companheiros e levado para longe da universidade e do

movimento, permanecendo afastado por um mês495. Nas lembranças de Geraldo Siqueira,

no ato de 23 de agosto:

“...chegamos ao máximo da tecnologia desse tipo de manifestação. Marcamos

uma no largo do Paissandu, sabíamos que ia ser reprimida. No dia, a tropa de

choque ocupou tudo lá. Mas combinamos cinco pontos alternativos da cidade, de

onde sairiam cinco passeatas meia hora antes em direção ao largo do Paissandu.

De fato, sabíamos que não seria possível chegar lá. Marcamos um horário e, antes

de chegar, daríamos um grito e iniciaríamos uma passeata na direção contrária ao

largo. E deu tudo certo. Havia tropas espalhadas pela cidade inteira. Fizemos um

esquema de telefones, para os quais ligávamos para perguntar qual esquina estava

vazia; aí dispersávamos e nos reagrupávamos. Isso durou das cinco da tarde às dez

da noite. A gente juntava e se dispersava. Pipocou tanta manifestação no centro

que tinha viatura se batendo no meio da [avenida] Ipiranga. Dez horas da noite

fomos para o Gato Que Ri tomar um chope no meio da tropa. Brindamos e fomos

para a casa do Politécnico e assistimos à tropa inteira voltando exausta para o

quartel”496.

Para Flávio Carrança:

“...A idéia de sair do campus, de levar palavras de ordem que colocassem a

questão da democracia, que o PC se opõe, o próprio nome 'liberdade e luta' tinha

495 Segundo Antônio Figueiredo: “...Nós falávamos: “vamos falar abaixo a ditadura hoje”, então, vamos falar... e mostrou-se correto porque acabou não acontecendo nada, levamos a pessoa embora, passou um mês fora, depois voltou e tudo tranqüilo... e a partir dai todo mundo começou a falar e foi uma coisa boa. Mostrou-se correto (...) Outras coisas obviamente não funcionaram, tinham épocas que a gente falava em greve geral e ia levantar a palavra de ordem 'greve geral' e, com isso, nuclear o movimento sindical, os profissionais liberais e não acontecia nada... A greve geral veio muito depois disso. Mas a gente sempre falava nisso”. Depoimento de Antônio Figueiredo para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 31/03/2005 496 Entrevista de Geraldo Siqueira para Virginia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.

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a ver com uma briga em torno das palavras de ordem que o movimento estudantil

se dava naquele momento (...) da luta pela liberdade democrática que o PC (...) era

contra (...) agora eu não consigo imaginar porque diabos eles seriam contra isso...

A questão do “abaixo a ditadura”, de palavras de ordem que colocassem em

questão a forma de governo existente no período e tal, foi um primeiro momento

do movimento estudantil naquele período em que se colocou explicitamente a

questão da forma de governo, da democratização do governo, da derrubada da

ditadura e tal”497.

Segundo Celso Marcodes:

“...Em dias de repressão caprichada a ordem era fazer "passeatas-relâmpago".

Juntávamos um punhado de gente e saíamos correndo, gritando "abaixo a

repressão", até as viaturas da polícia chegarem. No dia seguinte, no campus, a

tarefa era contar os presos e feridos e verificar quem havia participado de mais

passeatas no mesmo dia. Com o passar do tempo fomos nos sofisticando. Já havia

esquema de advogados de plantão e sistema de comunicação durante as

manifestações. Sem celular, /pager/ ou computador. Apenas um pacote de fichas

telefônicas para os manifestantes e um número para ligar "dando os informes".

Quando estas mobilizações ganharam destaque - e muito - nas páginas dos jornais

diários, chegava-nos a certeza de que Lenin estava certo (ou seria Trotski?) num

texto sempre evocado, no qual falava que os estudantes "saíam na frente", eram

"os batedores da revolução". Entendíamos que a divulgação massiva de nossos

atos iria influenciar categorias profissionais a assumirem o enfrentamento, em

particular, óbvio, os operários. Coerentes com este raciocínio, as organizações

começaram a "exportar quadros" do ME para as fábricas e bancos ou até para o

movimento secundarista (isso mesmo: universitário voltava pro colégio para

militar!). Também fazíamos de tudo para trazer às nossas assembléias e atos

públicos "pelas liberdades democráticas" representantes de outros movimentos

ou personalidades. Do "parlamento burguês", os deputados Airton Soares e

Alberto Goldman, do MDB, eram os que assumiam o risco de aparecer. As

497

Depoimento de Flávio Carrança para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 10/11/2005

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reuniões anuais da SBPC eram outro fórum que invadíamos, tentando colocar na

pauta pontos mais políticos que os ligados ao "progresso da ciência"498.

6.6 - A LUTA PELA (RE)FUNDAÇÃO DA UEE-SP E DA UNE

Manifestação sem identificação. Imagem disponibilizada pela internet

Além das manifestações de caráter nacional, ocorrem os preparativos para a

realização do Congresso de (re)fundação da UEE-SP, ocasião em que Liberdade e Luta

desenvolve uma leitura elaborada acerca da entidade cuja criação naquele momento

considerava “como resultado lógico” do avanço do movimento; como uma “tarefa que

não pode ser questionada, tampouco adiada – como ensaiam propor certas posições

políticas do movimento estudantil”, ainda que aja um “descompasso muito grande entre o

gráu de mobilização entre as diversas escolas e universidades que comporão a UEE”. Em

seu entender, “a fundação da UEE só pode ser compreendida como fator de impulso para

que o movimento cresca e se fortaleça”, sendo necessário considerar que ela “não nasce

(...) de forma acabada, reconhecida e sustentada pela totalidade do estudantado paulista.

Porém ela só conseguirá sê-lo quando tiver suas bases lançadas, quando começar a

aparecer à público, trazendo suas propostas, liderando as mobilizações”. Segundo

Liberdade e Luta:

498

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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“Este método que propomos para a criação da UEE é o mesmo que utilizamos para

a construção dos dois primeiros DCEs livres do Brasil (USP e PUC). Hoje, os dois

DCEs são realidade viva no movimento por Liberdades Democráticas. Para o

Congresso de Fundação são necessárias discussões nas salas de aula e nos Cas, e

que destas discussões saiam eleitos, em reuniões abertas ou assembléias, os

delegados – 5 por 500 alunos – que representarão suas escolas defendendo as

várias propostas apresentadas”.

Uma vez o Congresso em curso, seria necessário estabelecer “bases mínimas de

sustentação”, de forma a que a “UEE comece a dirigir nossas lutas estaduais

imediatamente após sua proclamação”. “Para tanto”, segundo Liberdade e Luta:

“..o seu funcionamento, até as eleições dos estatutos, tem que ter por base

pontos mínimos – transitórios – que permitam a democracia na nossa entidade

maior à nível estadual. Dentre estes pontos se incluem um conselho de

Representantes de Entidades de Base com caráter deliberativo. Devido ao desnível

do gráu de politização do ME paulista que atue como homogeneizadora das lutas e

seja reconhecida pelo conjunto dos estudantes, é preciso que exista um gráu

intermediário de organização, entre o Congresso Estadual e a Diretoria, com a

participação das diversas escolas inclusive aquelas que até agora não tem

participado de movimentos mais amplos que hoje atingem somente cidades como

São Paulo, Ribeirão Preto, São Carlos, Campinas, etc. Este Conselho é que poderá

combinar e num primeiro momento superar, os diferentes gráus de

mobilização”499.

Mas, não apenas a Liberdade e Luta se debruçava sobre a questão; na verdade, a

criação de uma entidade livre de abrangência estadual implicava em fortalecer ou, pelo

contrário, conter proposições organizativas num contexto em que a participação política

499 “Dia 27: fundar a UEE!”Liberdade e Luta (USP), Liberdade e Luta (PUC-SP), Grupo de Estudantes Secundaristas, Grupo de Estudantes de Campinas, Grupo de Estudantes de Ribeirão Preto, Grupo de Estudantes de Mogi das Cruzes, Grupo de Estudantes de Jundiaí, Grupo de Estudantes de Guarulhos, Grupo de Estudantes da FAAP-SP, Grupo de Estudantes de Direito – SP. Agosto, 1977, mimeog, 4 p.

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ganhava contornos cada vez mais amplos, o que se traduzia em debates acirrados sobre

um leque amplo que conceitos, fundamentos, proposições políticas que não

necessariamente se encontravam abertos à discussão. E entre os documentos produzidos

na ocasião, chama-nos atenção um folheto produzido na USP e intitulado “A Reconstrução

da União Estadual dos Estudantes de São Paulo”. Nele podemos ler:

“No estado de São Paulo, o movimento tem se mostrado mais dinâmico,

principalmente na capital, através da USP, polarizando o país. Conquistas

importantes aqui se estabeleceram, seja as plenárias do interior e estadual, a

comissão reorganizadora da UEE, e o próprio Comitê 1º de Maio, em que pese a

condução incorreta que ele tem tido até agora. Assumimos sem qualquer dúvida

que a reorganização do movimento de massas é concreta. Conquanto existam

dificuldades e entraves que colocam impasses ao movimento, no todo ele tem um

sentido de generalização, ampliação e consequente fortalecimento”500.

Neste documento de orientação trotskista produzido pela tendência Novo Rumo já

se acham presentes, de fato, formulações que animariam de maneira significativa os

debates internos do movimento estudantil entre os anos de 1977/1979, claramente

demarcados no seguinte fragmento:

“...Cabe neste momento, continuar fazer avançar o movimento de massas, com a

perspectiva de aumentar o grau de organização, fortalecendo suas entidades de

massa como instrumentos de luta. Da solidez com que está sendo constituído o

movimento, do respaldo de massa, da sua reorganização, dependerá a capacidade

que teremos de responder cada vez com maior eficiência à conjuntura,

caracterizadamente de crise e dificuldades para a burguesia se manter coesa em

torno de um projeto político comum de dominação de nossa sociedade. Longe de

nós o aventureirismo e o esquerdismo, como propostas que não podem ser

compreendidas e/ou assumidas pelas massas, as quais com certeza não

contribuirão para o aumento de organização e consciência, aspecto principal do

500 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, 8p.

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período contra-revolucionário em que estamos, no qual devemos trabalhar com

vistas a um acúmulo cada vez maior de forças para invertermos a correlação de

forças no plano da luta de classes (...) As mobilizações desse ano, foram possíveis

graças a um acúmulo de forças anterior, no processo de reorganização estudantil

no país. Durante a maior parte do tempo, isso foi suficiente para garantir o avanço

ininterrupto do processo de lutas. As lutas foram travadas de forma massiva,

conseguindo-se mesmo aumentar o grau de consciência e organização dos

estudantes (...) Mas, o acúmulo das questões e tarefas colocadas pelo ME, levaram

a um esgotamento rápido de nossas forças, o que comprometeu nosso

crescimento sólido, na medida em que não conseguimos consolidar os avanços

dados, aumentar a organização, conscientizar a massa das vitórias que o

movimento obteve, para que se comprometesse mais e mais com o próprio. A

situação de esgotamento das formas organizativas com que contávamos, ficou

nítida depois do dia 19/05, dia nacional de luta. As manifestações seguintes foram

feitas em condições precárias de massa e vanguarda, sem condições de suportar

as propostas de continuidade. Uma série de erros que já vinham ocorrendo no

interior do ME, foram se tornando mais frequentes e ficou visível a situação de

giro em falso. Localizar esses erros, ao menos os mais importantes, é essencial (...)

O objetivo da vanguarda ao atuar no movimento, deve ser fundamentalmente o

de organizar politicamente a massa para a luta, e não o objetivo puro e simples da

agitação ou da propaganda política”501.

“Movimento de massas”, “entidades de massa”, “instrumentos de luta”, “aumento

de organização e consciência”, “acúmulo de forças”, “correlação de forças no plano da

luta de classes”, “massa e vanguarda”, “avanço do processo de lutas”, na prática, todo um

conjunto de tradições marxistas, reanimado em parte por fundamentos trotskistas, dava

501 Podemos ler: “..na atual conjuntura (...) nossa sociedade mergulha numa crise política e econômica, das mais sérias, levando a ditadura a se desgastar continuamente na busca de soluções que lhe interessa. Os trabalhadores se reorganizam, avançam no sentido de quebrar seu isolamento social. As classes médias, movidas por um descontentamento crescente retiram seu apoio ao regime. Inernamente a burguesia, sobram divergências, criando divisões entre a burguesia, quanto a saída para a crise, sem que se encontre um projeto de unificação das classes dominantes. Tudo conduz a deduzir que o auge da crise ocorrerá no proximo ano, com o acirramento maior ainda da crise economica, o problema sucessório, e consequente aprofundamento das contradições entre as classes sociais” A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p2.

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lugar a um corpo codificado de análises e procedimentos ininteligíveis para a maioria dos

estudantes. De forma concomitante, a vitalidade das mesmas experiências coletivas

estimulava a permanência dos diálogos de vanguarda e fazia nascer uma trajetória intensa

e estranha de aprendizados e recomposições políticas, em meio a qual um novo – mas

também velho - conjunto de concepções políticas buscava se recompor, ao mesmo tempo

em que intervir nas movimentações coletivas com a pretensão de lhes dar um sentido. A

força deste diálogo de vanguardas, reanimado em seus propósitos, levaria alguns grupos

políticos a afirmar que o movimento estudantil vivia uma crise de hegemonia. No

documento citado, podemos ler:

“Não existe ainda uma posição política com grande penetração no seio das

massas, que esteja testada e reconhecida e assumida pela imensa maioria; persiste

a diluição. A falta de quadros de direção é outro entrave, que impossibilita nossa

intervenção em todos os momentos e nos mais variados lugares. Tal problema tem

como raiz a própria diluição política-orgânica em que se encontra a classe operária

hoje e o movimento de massas em geral”502.

Seria o caso de criar novas entidades? De fortalecer as existentes? Estas questões

na lógica (clandestina) das organizações se constituíam polêmicas e a depender do caráter

assumido pela relação vanguarda/massa, “perigosas”. A abertura à participação sem que

fosse dado um direcionamento adequado (de caráter organizativo) causava temor a vários

agrupamentos políticos, conforme podemos observar na seguinte passagem (grifo nosso):

“No estado de São Paulo (..), vimos o movimento ter um crescimento significativo

no semestre que passou (..) [mas] O rumo tomado, revela a saída ao mesmo

tempo frágil e perigosa que o movimento encontrou. Na prática, quem deliberou

nos momentos mais importantes, pelo estado inteiro, foram as assembléias

estudantis de São Paulo (USP e PUC) e às vezes o controverso Comitê 1º de Maio.

Para a maior parte das escolas, a única forma de ser ouvida, ter levada em conta

502 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p3.

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suas particularidades e necessidades, era a participação nessas assembléias, que

de maneira alguma tinham representatividade para deliberar pela massa

estudantil estadual. E a intervenção dessas escolas no movimento, através de

Assembléias, só podem concretizar-se, via Tendências Estudantis. Mesmo que não

houvesse condições para assumir este ou aquele grupo político, isso passou a ser

necessário para qualquer direção de escola se esta quisesse ser representada no

movimento. Para as “vanguardas” ainda não definidas entre as grandes

tendências, uma opção na maioria dos casos prematura e frágil. Para a massa,

nenhuma alternativa de participação a nível global do movimento, para que

pudesse escutar, discutir e decidir”503.

Em contraposição à Liberdade e Luta, a tendência Novo Rumo na USP afirmava

(grifo nosso):

“Estamos de frente com os principais estrangulamentos do processo de

reorganização. Primeiro, que uma entidade localizada, o DCE-USP, começa a

deliberar como se fosse a UEE, a receber pedidos de intervenção neste ou naquele

local, sem ter condições nem representatividade para tal, inclusive desgastando

muito o fortalecimento interno da entidade (..) Neste momento, se trata de

determinar qual a melhor forma de romper com esta debilidade, à medida em que

avancemos na reconstrução da UEE, e do próprio movimento estudantil. Qualquer

processo deflagrado a partir de agora, em termos de reconstrução da UEE, tem

que garantir algumas questões chaves, a saber: - Processo organizado e

combinado de debate e aprofundamento político no maior número possível das

escolas do estado. – Este processo deve ainda, levar em conta a grande debilidade

da vanguarda no movimento e neste sentido apontar para sua unificação em torno

de um programa político (...) – Por outro lado, o surgimento no final deste

processo de uma direção unificada para o ME estadual, calcada em um programa

político majoritário, que venha a oferecer condições para o início de um

movimento centralizado e forte a nível do estado”504

503 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, p4. 504 A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, s/n, s/d,, mimeog, pp 4-5.

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Vale considerar ainda que neste momento, a tendência Caminhando já assumia um

posicionamento pró “Assembléia Constituinte livremente eleita, democrática e soberana”;

já reafirmava o “Abaixo a Ditadura!” e defendia a reorganização da UEE nos seguintes

termos: formalização durante o Congresso Estadual de Estudantes, em 27 de agosto;

transformação da “Comissão de reorganização da UEE em Comissão Executiva da UEE,

matendo seus mecanismos atuais de deliberação, que deverá (...) encaminhar os

processos de escolha dos estatutos e a eleição da Diretoria da UEE”; realização de novo

Congresso Estadual em 12 de novembro para:

“....discussão e votação das propostas de estatutos e da confirmação da data das

eleições da diretoria, que entendemos devam se dar nos dias 12 e 13 de abril de

1978. Quanto a este ítem, consideramos que os estatutos não devam ser votados

em assembléia porque, no nosso atual estágio de organização, essa forma de

deliberação não seria representativa dos estudantes de todo o estado; por outro

lado, a votação em plebiscito impediria que os estatutos representassem, de fato,

a soma das forças das inúmeras tendências que atuam hoje no movimento

estudantil. Já um Congresso precedido de amplos debates em cada escola do

estado garantiria a presença ativa dos delegados de todas as escolas no processo

de discussão e votação dos estatutos, bem como permitiria a expressão de todas

as tendências. As eleições, por voto direto em urna, devem se dar no início do

próximo ano para que se possa, até lá, propagandear a UEE junto a mais

entidades, incorporando um número bem maior de estudantes”505.

O Congresso de (re)construção da UEE-SP acontece no prédio da Poli/USP, em 27

de agosto de 1977, e conta com cerca de 3000 estudantes, além de 800 representantes de

100 entidades estudantis paulistas. Na ocasião é criado o Conselho Estadual de Entidades

para dirigir os trabalhos até as eleições marcadas para maio de 1978506. Nesta ocasião,

segundo Artur Poerner, as movimentações estudantis já atingiam:

505 “Todos ao Congresso de Reconstrução da UEE!” Caminhando, doc mimeog, s/d, 2 p, pp 1-2 506

SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984. São Paulo: USP, 2007.Op.Cit, p191

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“...Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos, Limeira, Jundií, Sorocaba, Santos, Baurú,

Curitiba, Lodrina, Florianópolis, Juiz de Fora, Viçosa (MG), Goiânia, Pelotas,

Salvador, Aracajú, Maceió, Recife, Natal, Fortaleza, Teresina, Belém e Manaus”507.

Segundo Celso Marcondes:

“...Da USP, o processo cresceu rapidamente para as universidades pagas e colégios

da cidade e espalhou-se pelo país. Do Rio de Janeiro, de Brasília, de Belo

Horizonte, do Nordeste, de Porto Alegre, chegavam as notícias de movimentos

semelhantes, impulsionados por inúmeros outros pequenos grupos políticos que

se multiplicavam. Reconstruído o DCE, queríamos as UEEs e a UNE. Multiplicavam-

se as reuniões e encontros semiclandestinos reunindo gente de todo o país. As

tendências estudantis ganhavam contornos nacionais. Aí, já vivíamos em função

do movimento, com reuniões, viagens e articulações diárias.”508

Ainda em 1977, a Liberdade e Luta que perdera as eleições em junho para a

Refazendo não deixara de crescer e no segundo semestre a tendência já se encontrava

“enorme”, na expressão de Mário (militante da PUC SP). Em suas palavras:

“...A quantidade de gente que se dispunha a lutar era muito grande. É um negócio

impressionante (...) nesse momento mesmo: ela nasce como nacional. Ela nasce

nacional. Já há intervenção em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Preto, Porto

Alegre, que era grande por causa da OMB, muito grande, enorme no Rio Grande

do Sul, Santa Maria, que devia ter muito militante... Depois vai estar no Acre, um

monte de gente lá (...) Brasília vai ter muita gente (...) no Nordeste (...) Recife,

Bahia, tem bastante gente...”509

507

POERNER, Artur. O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros. SP: Centro de Memória da Juventude, 1995, 4ª edição, p303 508

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941 509

Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005

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Nas lembranças de José Arbex Jr, recolhidas por Jordana Santos:

“Em termos de mobilização Libelu era dominante. Nas assembléias estudantis e

passeatas a maioria era da Libelu. Mas na hora da votação para a diretoria das

entidades a gente só conseguia ganhar nos momentos de muita efervescência.

Quando as coisas se acalmavam um pouquinho a gente perdia, quando as coisas se

aceleravam de novo a gente ganhava. Então, quando o movimento estava forte,

havia greve no ABC etc, aí a Libelu crescia, ganhava as eleições, chegamos a ganhar

a eleição pro DCE. Mas quando entrava numa fase de calmaria, de fazer

negociações, aí a gente perdia nas eleições. Em resumo, a gente era predominante

nas mobilizações e oscilava em termos de representação. Às vezes ganhava, às

vezes perdia. Algumas escolas a gente só ganhava, por exemplo, na ECA em

jornalismo, na FAU em arquitetura”510.

Para Markus Sokol, a Liberdade e Luta neste momento:

“...passou a ser uma marca; espontaneamente começava a aparecer Liberdade e

Luta no Acre, Liberdade de Luta não sei onde... por que viram o nome num jornal,

por que caiu na mão algum texto.. na época não tinha internet e tinha esses

encontros nacionais, as pessoas iam se inspirando e … e aí a tendência passou a se

chamar Liberdade e Luta. Virou a nossa identidade”.

E vai ser ela a “grande promotora” do III ENE, segundo Mário Martins de Lima, que

se refere ao encontro como “congresso clandestino da UNE na PUC”. Nas suas palavras:

“A segurança desse congresso era todinha da Liberdade e Luta. (...) um dos chefes

da segurança, o Júlio Turra (..) fazia a segurança do encontro (...) a organização do

encontro”511.

510

Entrevista concedida à Jordana Sousa Santos em 02/03/2010. SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70.Op.Cit, p77 511

Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005

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O Encontro contava com várias alternativas de realização: no campus da USP, na

Faculdade de Medicina (fora do campus) e na PUC. No dia 21 de setembro de 1977, todas

as entradas da Universidade de São Paulo foram bloqueadas, assim como as principais

entradas da cidade receberam barreiras; além disso, a PUC, a Faculdade de Direito no

Largo São Francisco e a Fundação Getúlio Vargas foram cercadas. A Faculdade de

Medicina da USP foi invadida e os estudantes em vigília presos. No dia 22, os estudantes

foram chamados para uma assembléia no salão Beta da PUC para tratar do Dia Nacional

de Protesto (ato chamado pela Comissão Executiva Nacional dos DCEs), enquanto numa

sala do novo prédio da PUC acontecia o encontro em caráter clandestino (com a presença

de representações das entidades e por meio delas, das forças políticas). Nesta reunião que

contou com 60 delegados, deliberou-se pela criação da Comissão Pró-UNE com a

finalidade de “fazer a propaganda da entidade, difundir a sua história e promover

debates, (..) elaborar um jornal periódico nacional, organizar e garantir o IV ENE,

coordenar e promover as campanhas estudantis no âmbito nacional”512. As notícias da

realização do encontro (de 60 delegados) foram dadas na assembléia (centrada na

discussão do Dia Nacional de Protesto) que também marcou para a noite uma celebração

dos acontecimentos.

Em celebração a realização (ainda que clandestina) do III ENE, estudantes se reúnem na PUC-SP, pouco antes da invasão policial comandada pelo coronel Erasmo Dias, no dia 22 de setembro de 1977

E então, nas lembranças de Geraldo Siqueira:

512

SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984, 2007, Op.Cit,p p192

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“...Quando chegou a noite, o Erasmo invadiu, soltou bomba incendiária lá dentro,

machucou gente! Mas as principais lideranças não estavam lá”513

A realização do III Encontro Nacional na PUC/SP, em total desobediência as

autoridades civis e militares, provocou “um ataque de raiva” no coronel Erasmo Dias que,

no comando da operação, invadiu as instalações da PUCC, depredando salas e ambientes,

quebrando equipamentos, além de dispersar os estudantes com bombas de gás

lacrimogêneo e de efeito moral514. Segundo Júlio Turra:

513

Geraldo Siqueira Filho, Projeto História do Movimento Estudantil. Entrevistadora: Angélica Müller, 01/12/2004 514

O DCE da PUC divulgaria a seguinte descrição: “Investigadores civis e tropas de choque desceram das viaturas, bateram as portas com violência e começaram a dar cacetadas e a jogar bombas nos manifestantes que se encontravam sentados. Devido à violência da investida, os estudantes se levantaram e correram para a entrada da PUC, vários em pânico. Os policiais os perseguiram, histéricos, dando cacetadas e jogando bombas que expeliam gás, outras que soltavam chamas e outras ainda que espirravam líquidos que queimavam a pele. Os estudantes que entraram na PUC se chocaram com outros que estavam saindo das classes e indo embora para a casa. Tudo isso contribuiu para aumentar o pânico, fazendo que vários estudantes caissem na rampa e fossem pisoteados e queimados. Vários estudantes conseguiram escapar, descendo a rua Monte Alegre e outros pelos fundos da PUC. Mas os policiais, agindo de maneira coordenada e rápida, cercaram o prédio logo em seguida, invadindo-o também pelas entradas das ruas Bartira, Ministro de Godoy e João Ramalho. Consumado o cerco e a invasão, aumentou a violência. No restaurante, vários estudantes e professores, em intervalo de aula, estavam fazendo um lanche ou tomando café, quando viram a correria na rampa. Assustados, fecharam a porta de vidro do restaurante. Minutos depois chegaram os policiais, que quebraram a porta a golpes de cassetetes e invadiram o restaurante, espancando e insultando alunos, professores e funcionários. Alunos que estavam nas sedes das entidades estudantis foram expulsos à força, muitas vezes sem ter tempo sequer de recolher seus documentos e material didático. No DA [Diretório Acadêmico] Leão XIII e no CA [Centro Acadêmico] 22 de agosto, colegas que jogavam xadrez viram os tabuleiros serem jogados longe a pontapés. As sedes dos DA de Filosofia e Letras, DA Leão XIII, CA de Ciências Sociais e Serviço Social, CA 22 de agosto e do DCE [Diretório Central dos Estudantes] foram totalmente depredadas. Portas que estavam fechadas apenas com o trinco foram arrombadas a pontapés. As gavetas foram arrancadas fora das mesas e seu conteúdo jogado no chão. Em vários restos de portas ficaram bem nítidas as marcas dos pontapés. Em diversas salas foi pichada a sigla CCC (Comando de Caça aos Comunistas), organização terrorista que, como a AAB [Associação Anticomunista Brasileira], vem ameaçando a segurança da população. Uma lista enorme de bens das entidades foi levada pela polícia. A biblioteca também foi invadida e seus ocupantes expulsos aos gritos e ameaças de cassetetes. Os policiais jogaram vários livros no chão. Entraram com violência e, usando palavras de baixo calão, nas salas de aula, prendendo todos os seus ocupantes, e muitas vezes espancando-os. Alunos que participavam de um ensaio de coral na Casa Paroquial também foram presos. Estudantes feridos, principalmente os que foram queimados pelas bombas que provocaram chamas, só a muito custo foram atendidos. Os policiais não só demoraram muito para levá-los à ambulância, como espancaram os colegas que procuravam atendê-los. Cabe ressaltar que os policiais, principalmente os investigadores à paisana, comportavam-se com a máximo de violência e arbitrariedade”. São Paulo, 22 de novembro de 1977, DCE-LIVRE da PUC/SP. Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo em 28 de novembro de 1977 Fundação Perseu Abramo. http://www.fpabramo.org.br/node/5558.

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"...quando começou a confusão, com a tropa de choque entrando, bombas de gás

lacrimogêneo, eu, o Josimar e uma moça chamada Anne Marie saímos correndo

pelos fundos da PUC, entramos numa vilinha, pulamos o muro, subimos em uma

casa e entramos na caixa d'água. Já de madrugada descemos e entramos em uma

casa. As pessoas foram solidárias, nos tranqüilizaram e até deram cafezinho. No

dia seguinte de manhã, soube que todo mundo tinha ido em cana..."515

Todos os participantes (cerca de 1700 estudantes) seriam detidos e levados para

um estacionamento em frente a PUC para triagem; na sequência, cerca de 500 pessoas

seguiram para o Batalhão Tobias de Aguiar e para o DOPS para serem interrogados e

fichados; os alunos machucados foram encaminhados para o serviço médico de onde

retornaram para incluir nos prontuários as orientações médicas recebidas. As detenções

para averiguação, além de fichar os alunos, também coletaram “informações sobre a vida

pregressa do indiciado” e indiciaram 41 estudantes na Lei de Segurança Nacional516.

515

Apud AZEVEDO, Ricardo. “Memória: O movimento estudantil na USP”. Revista Teoria e Debate , nº 35 (julho/agosto/setembro de 1997) 516

Nas declarações prestadas por Leda Emiko Sewo, aluna de quarto ano de Biologia /USP, podemos ler: “...filiada ao CA (..) participou de algumas assembléias na Faculdade, de parte do percurso da primeira passeata no ano (77) com início no Largo São Francisco e que foi dispersada pela policia na Praça Ramos, que se fez presente na missa de Wladimir Herzog na Praça da Sé e que foi presa quando participava do ato público na frente do TUCA em repúdio à repressão policial que impediu a realização do IIIº ENE (...) Está arrependida, e promete nunca mais participar de nenhum ato ou movimento estudantil”. Declarações Ato Público PUC SP 1977 22/07/77 IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas, OP 0773.

Invasão policial da PUC-SP, durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado

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Por outro lado, a invasão da PUC-SP trouxe algum constrangimento aos dirigentes

do DOPS e ao próprio Governando de São Paulo, Paulo Egídio Martins, que se viram

forçados a dar explicações públicas, ampliando-se o volume de problemas e desencontros

que, nos meses seguintes, levariam o presidente Geisel a exonerar o Ministro do Exército,

Silvio Frota (então aspirante a candidato à Presidência e opositor da distenção política) e

formalizar a indicação do general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI, como seu

sucessor. Nas lembranças de Marcondes:

“Quando as forças do coronel Erasmo Dias invadiram a PUC para espancar e

prender centenas de estudantes, o Encontro Nacional de Estudantes, que tinha

acabado de se realizar, já havia tomado as deliberações principais que iriam levar à

“refundação” da UNE. O disparate que foi a ação policial teve como principais

resultados acirrar mais os ânimos do movimento e indignar a maioria da

população”517.

De forma concomitante, a participação de Liberdade e Luta “nas mobilizações de

1977” daria lugar a novas diretrizes da OSI que, na ocasião, estabeleceria num simpósio

interno que para “continuar intervindo na conjuntura” tornava-se necessário “responder

unitariamente, com firmeza às suas exigências” por meio de “um posicionamento claro,

aberto e disciplinado diante das massas”, o que implicava/exigia que cada militante

517 Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

Invasão policial da PUC-SP, durante o III ENE; declarações do Governo do Estado Fonte: JORNAL PUCVIVA N° 631 - JORNAL SEMANAL DA APROPUC E DA AFAPUC Fundo DOPS/Arquivo do Estado

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345

bolchevique atuasse na perspectiva de constituir uma tendência em seu sindicato, nos

quatro meses seguintes518.

Movimento estudantil na UnB: contra a ocupação da Universidade, 1977. Fotos de Adonai Rocha

“Constituir uma tendência em seu sindicato”: em que compreendia esta

deliberação? O que se achava em curso nos bastidores da Liberdade e Luta? Como estas

diretrizes interferiam nos rumos da tendência? De fato, em fins de 1977, a organização

clandestina que dava base à Liberdade e Luta, a OSI, enfrentava dificuldades internas de

homogeneização decorrentes do processo de fusão dos diferentes agrupamentos que há

pouco mais de um ano haviam lhe dado origem; e esta situação vinha motivando a OCI,

organização francesa vinculada ao CORQUI, a enviar militantes para integrar as discussões

internas da organização em consolidação519. Nesta ocasião, também, a OSI já contava com

células militantes (amic) em São Caetano, São Bernardo do Campo e Osasco520, além de

518

A constituição de uma tendência no interior dos sindicatos traduzia-se na necessidade de “responder unitariamente” na estrutura sindical vigente, mudando suas orientações e promovendo um “sindicalismo com responsabilidade” – fundado na “emancipação da classe operária, através de um trabalho independente” ou seja, “de uma organização de combate no interior do movimento operário e do próprio sindicalismo” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 519

No primeiro semestre de 1978, podemos acompanhar pela documentação interna a criação de órgãos intermediários na organização, a existência de uma cisão e formação da Fração Operária, a exclusão de militantes, ou ainda, a expulsão de militantes IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 520

Presença modesta, conforme sugere a análise de documentos, constando que no início de 1978 a organização se acharia ausente na região de São Caetano e apresentava dificuldades para compor uma

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atuar entre os metalúrgicos de São Paulo, entre os bancários521, na Sabesp, entre

gráficos522, médicos e jornalistas523, constando entre os desafios de estruturação política,

o avanço do processo interno de homogeneização e o fortalecimento do núcleo dirigente,

o que redundava na adoção de procedimentos comuns. A criação de “chapas de

oposição” – ou de uma tendência no sindicato em atuação (de forma a captar

simpatizantes para a mesma tendência em organização), ocupava lugar central, assim

como a criação de um jornal da organização524.

De volta ao universo estudantil, em 18 de novembro de 1977 acontece a primeira

reunião da Comissão Pró-UNE no Rio de Janeiro para o estabelecimento das bases de

funcionamento e seus primeiros encaminhamentos, contando a reunião com a presença

dos DCEs da USP, PUC-SP, PUC-RS, UFF, PUC-RJ, UFMG, UCMG, UFRJ, UFJF, UFPE, UFPB,

DU-Brasilia, entre outros centros e Das525.

Em fevereiro de 1978, numa nova reunião realizada em Belo Horizonte para

tratar da “reorganização nacional” do movimento estudantil, as representações (e

organizações) nacionais já conseguem acordar um primeiro corpo de direcionamentos,

chapa em São Bernardo. “Notas”, p6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002 521

Podemos ler: “...afirmamos que a tendência continua existindo como corrente independente (..) Nossa intervenção como tendência independente foi vital para que o atual movimento pela transformação do sindicato pudesse se afirmar como uma chapa de oposição ao pelego Teixeira, contra as perspectivas de unidade com os pelegos sustentados pela L.Op., pelo PC e grupelhos. É necessário lembrar que a tendência bancária continua se reunindo a parte, se organizando em torno do TT, que e o único instrumento capaz de organizar uma tendência classista. E que o jornal da Oposição bancária luta por um sindicato independente, por uma Central Única dos Trabalhadores e pelas Liberdades Democráticas tendo sido feita uma distribuição de 10.0000(dez mil) exemplares deste jornal”. “Notas”, p8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 522

Esta área de atuação começa a existir depois de1976, desempenhando sua célula um trabalho considerado ativo junto a última campanha salarial. “Notas”, p8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 002. 523

Nesta ocasião, a historiadora Célia Azevedo integrava a célula de jornalistas responsável pela redação do jornal mimeografado da OSI. Registro concedido por Célia Azevedo a Mirza Pellicciotta em 12/09/2011. 524

As discussões sobre os sindicatos são importantes e elas se dão acompanhadas pela elaboração de táticas para a construção do partido operário no Brasil, valendo considerar que estas resoluções se espalham pelas células, provocam novas elaborações e retornam ao centro da Organização na forma de relatórios, balanços, debates e proposições de encaminhamentos, num movimento contínuo de pensar sobre a prática, com importantes desdobramentos. 525

Em seu primeiro comunicado, a Comissão informa que sua formação se dera a partir “de uma executiva

de DCEs que ganhou força e apoio dos estudantes de todo país”, com a função de “coordenar as reivindicações a nível nacional, contribuindo assim para a ampliação e generalização das lutas estudantis e avançando na reconstrução da nossa entidade nacional”.

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constando entre as resoluções: 1) o entendimento de que a “unificação do movimento

nacional” é prioridade “mesmo que esta organização se realize de forma precária e

incipiente”; 2) que a “perspectiva geral da organização é pelas bases, permitindo que o

movimento estudantil atue como força política organizada a nível nacional”; 3) que o

trabalho em cada escola é a “principal tarefa na reorganização (...) permitindo um avanço

no nível de consciência e organização da massa estudantil”, devendo “ter como canal as

entidades estudantis com representatividade da maioria dos estudantes”; 4) para o

“avanço na reorganização nacional” são propostas “formas específicas que atendem às

necessidades e realidade do movimento (...) formas de reorganização intermediárias [que]

devem necessariamente passar pelas entidades estudantis (...) A reorganização não deve

ser feita através das posições existentes no ME, na medida que esta [a presença de

posições política] é uma forma estática de organização e não atende às reais necessidades

do movimento de massas e, desta forma, não é representativa”; 5) sobre a concepção de

entidade, chega-se a um: “... acordo quanto à necessidade da busca permanente de maior

participação dos estudantes nas suas diretrizes e deliberações, na medida em que uma

entidade de massa deve buscar representar o conjunto dos estudantes526. Ao final,

decide-se também pela instituição do Conselho de DCEs como “forma de organização

intermediária e transitória do movimento a nível nacional”527, devendo seus membros ser

escolhidos pelo Encontro Nacional de Entidades.

526

Podemos ler: “Houve divergências quanto ao papel da diretoria das entidades: alguns a colocaram como órgão centralizador do movimento do local, e com uma representatividade delegada pelos estudantes nas eleições, em cima da sua carta-programa, não entrando isso em contradição com a busca permanente de representatividade colocada acima, através de assembléias, pleiscitos, conselhos de representantes; outros valorizam mais o risco de burocratização da diretoria, considerando que reuniões ampliadas da entidade tem maior expressão que a diretoria somente, na medida em que constituem uma abertura para a participação da massa estudantil na entidade. Foi consenso entretanto, a importância de se abrir as reuniões e discussões aos estudantes mesmo que de caráter consultivo. Portanto, a polêmica sobre quem imprime a direção das entidades e quem constitui uma entidade estudantil não foi fechada. O papel da diretoria no trabalho ficou em aberto” IN Relatório da Reunião realizada em Belo Horizonte nos dias 5 e 6 de Fevereiro. Organização Nacional. Mimeogr, s/a. s/d, 3 pags, IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 527

Caberia ao Conselho de DCEs: convocar reuniões nacional de entidades e definir sua pauta, dar mais agilidade ao movimento, “ser um germe de coordenação e direção do movimento nacionalmente”, exercer fiscalização rígida e sistemática dos delegados e entidades; “articular com escolas mais atrasadas, contribuindo para o fortalecimento das entidades e crescimento político da liderança e dos estudantes de uma maneira geral, fazer um boletim periódico informativo.

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A radicalização interna às movimentações estudantis, por sua vez, ganharia outros

contornos no curso de 1978: de fato, se por um lado os processos de recomposição

política da sociedade civil se intensificavam528, no âmbito do movimento estudantil

passava-se a adotar medidas de contenção e controle de certas proposições políticas, e

ainda, um discurso anti-Liberdade e Luta, conforme podemos observar nas eleições da

primeira diretoria da UEE–SP de 1978: para isolar a Liberdade e Luta, as tendências

Refazendo, Caminhando e Novo Rumo criam uma “frente” com a chapa Construção que

também recebe apoio das tendências Travessia, Movimento e Resistência529.

Cartaz e carta programa da tendência Liberdade e Luta para a UEE-SP em 1978. Acervo: CEDEM

Pegos de surpresa, a Libelú se defende com o slogan “nem todos os gatos são

pardos” e decidida a explicitar suas diferenças, lança como proposição uma estrutura de

gestão de movimento essencialmente participativa e um programa político ainda mais

comprometido com as lutas por direitos e pela igualdade social, somando à defesa das

“liberdades democráticas”, por “melhores condições de ensino”, pelo “direito de Greve” e

528

Este é o caso das lutas por anistia – que vêem a criação em fevereiro de 1978 do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) no Rio de Janeiro, em maio, do CBA de São Paulo, do Distrito Federal e de alguns outros estados, em setembro a realização do 1º Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia (momento em que a Carta de Salvador proclama a palavra de ordem “pela anistia ampla, geral e irrestrita”) e em novembro o 1º Congresso Nacional pela Anistia em São Paulo. 529 “UEE: Em quem votar”: documento já trazia duras críticas à chapa Liberdade e Luta. IN SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010, Op. Cit., p76.

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pelo “fim da Ditadura”, comum a ambas as chapas, as lutas por uma “assembléia

constituinte”, pelo “voto de analfabetos, soldados e marinheiros”, pela “Aliança Operário-

Estudantil” e pela “formação de partido operário independente”.

No dia 1º de maio de 1978, a OSI lança também o jornal O trabalho, periódico cujo

número 0 já confere uma atenção especial às eleições da UEE530. Nas palavras do novo

jornal:

“...Quando todos esperavam que pelo menos quatro chapas enfrentassem a

disputa eleitoral, de repente, formou-se a Frente englobando três esperadas

concorrentes. A razão geral desta surpresa, nos últimos anos, de intensa

movimentação no setor estudantil, as tendências componentes da chapa

CONSTRUÇÃO apresentaram uma série de divergências no encaminhamento

destas lutas hoje sequer mencionadas na plataforma que a chapa divulga (...) Já a

LIBERDADE E LUTA critica duramente a composição desta frente, colocando em

sua plataforma: ‘as discussões das tendências que se propunham a fazer uma

chapa única revelam uma total incompreensão do atual grau de avanço do

movimento. Isso porque, no atual ascenso do ME, os estudantes dos principais

centros do Estado já passaram por uma grande experiência de luta, e nesta

experiência souberam constituir e reconhecer tendências diferenciadas, que se

afinaram com diferentes métodos e análises no interior da própria luta, na prática.

Passar agora – a partir de negociações de cúpula – por cima de toda esta

experiência acumulada, criar uma falsa unidade apenas nas palavras, é enganar os

estudantes. E a consequência poderá ser a paralisia da entidade encabeçada por

530

Podemos ler: “Após um período de retraimento, em 1973 os estudantes de São Paulo retomaram seu processo de luta e de organização que foi assumindo força cada vez maior. A partir do ano passado, as lutas estudantis ganharam as ruas: foram realizadas passeatas por mais verba para a Educação, pela Anistia, contra o regime, algumas delas simultaneamente em vários Estados, dando ao movimento estudantil uma expressão nacional. Da mesma forma, em 1977 acelerou-se a reconstrução das entidades livres – entidades fora do controle político e administrativo do Ministério da Educação, das Reitorias ou diretorias das escolas. Em São Paulo, com a criação dos DCEs da USP e da PUC – e a rearticulação em andamento nas demais universidades – foi realizado em agosto do ano passado um Congresso Estadual de Estudantes para discutir a forma de organização necessária para unificar as lutas em todo o Estado. Foi então que os 700 delegados presentes, ao fim de um dia inteiro de discussão, decidiram por unanimidade recriar a UEE, saudada com o coro de ‘Viva a UEE! Abaixo a Ditadura!’. A realização das eleições consolida organicamente o combate dos últimos anos pela reconstrução da UEE. Significa centralizar e unificar a voz e a força de um importante setor social, dando um passo decisivo no sentido da reconstrução da União Nacional dos Estudantes – UNE”.

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uma direção unitária na aparência, mas que na primeira luta se mostrará

fragmentada, dividida, incapaz de dar resposta às exigências do movimento”531.

Realizadas nos dias 4 e 5 de maio de 1978, as eleições dão a vitória à chapa

Construção, que recebe 22915 votos (63%), ficando a Liberdade e Luta com 9.713 votos

(27%), além de 2.687 votos brancos e 1.057 votos nulos. Na USP a chapa Construção

recebe 52% dos votos e a Libelu 32% dos votos. A votação, por sua vez, é recebida com

entusiasmo pela OSI que registra no nº2 do jornal O Trabalho que as eleições da UEE

teriam marcado “o deslocamento de uma parcela do estudantado para posições políticas

melhor definidas”, num período no qual as quatro bandeiras levantadas pela chapa

vencedora (liberdades democráticas, anistia, melhores condições de ensino e fim do

regime militar) já traduziam um “consenso quase absoluto do movimento estudantil”,

ganhando expressão em todo o estado um novo conjunto de palavras de ordem532.

Mas palavras de ordem à parte, a pretensão de estabelecer controle sobre certas

proposições políticas, redundaria na instituição de uma direção para a entidade estadual

composta por um colegiado de esquerda com 15 pessoas, com a tarefa de estruturar uma

coordenação regional (criação de diretorias regionais no ABC, Bauru, Ribeirão Preto,

Campinas, Vale do Paraíba e Baixada Santista) e de criar um canal de comunicação

centralizado (reedição do Jornal da UEE e criação do boletim O Estudante do ABC)533.

531

“UEE: eleições para a maior entidade livre”. O trabalho, nº 0, 1º maio de 1978, p3. Podemos ler:

“Comparando as duas plataformas, encontram-se várias semelhanças (..) Entretanto, Liberdade e Luta, vai bem mais além em sua plataforma, manifestando-se ‘pela reforma agrária’, ‘pela expulsão do imperialismo’, ‘pela assembléia constituinte democrática e soberana’, ‘pela construção de um partido operário’, ‘pela aliança operário-estudantil’, questões que sequer são mencionadas na plataforma de luta de Construção. Entrevistado por ‘O Trabalho’, um componente de Liberdade e Luta diz a esse respeito: ‘As tendências que compõem Construção estão escamoteando suas divergências. Por exemplo, Caminhando é a favor da luta contra o imperialismo – e sempre deu destaque a ela em suas plataformas para os DCEs -, assim como é favorável à constituinte. Porém, é contra o Partido Socialista, incentivado a todo custo por Novo Rumo. Já Refazendo sempre foi contra a constituinte, contra a luta anti-imperialista e contra o P.S. Eu pergunto: como é que estas tendências vão fazer quando a UEE, sob sua direção, tiver que se posicionar sobre estes assuntos?”. 532

O Trabalho, nº2, 15/junho/1978, p2. 533

http://www.ueesp.org/historico

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7. MUNDO DO TRABALHO EM MOVIMENTO

No II Congresso da OSI (1978) e à luz das primeiras manifestações operárias, tem

início uma mudança mais profunda de perspectiva da/para a tendência Liberdade e Luta

no interior da organização trotskista, associada ao entendimento de que chegara o

momento de criar o partido dos trabalhadores.

A questão decorria da constatação de que a “classe operária entrara em

movimento” e que se achava presente “um imenso vazio de direção política num

momento em que o próprio movimento [operário] pede uma organização partidária”. A

presença de um conjunto de greves “fora de qualquer organização sindical ou política”

colocava a classe operária “no centro da cena política”, munida de lutas que seguiam

“explodindo em direção à destruição do Estado burguês e à construção dos conselhos, do

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição do movimento estudantil (1976/1978)

Realinhamento e recomposição organizada (1971 em diante)

Proposição(es) e experiência(s) de recomposição das entidades de massa (1972/1976)

1971/1982

Incorporação no Partido dos Trabalhadores (em construção) e dissolução da tendência Liberdade e Luta (1980/1982)

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Estado operário” 534. Neste contexto, então, cabia a OSI dar um salto organizativo (o que

incluía a superação de dificuldades internas relativas a uniformização das análises,

diretrizes e procedimentos) na busca de se aproximar e participar ativamente das

mobilizações dos trabalhadores, cabendo à Liberdade e Luta contribuir para este

processo.

A tarefa de “desenvolver a estratégia de construção do Partido Operário no Brasil”,

por sua vez, implicava em refletir sobre “como os marxistas abordaram historicamente a

questão” e, à luz dos fundamentos de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, identificar o

“método” através do qual deveria-se intervir na dinâmica social535, mantendo-se longe da

perspectiva de “preservar a unidade no ‘campo democrático’, fusionando-se (e

dissolvendo-se) no MDB” como pretendiam “stalinistas, maoístas, morenistas e

esquerdistas em geral”; estas organizações, em lugar de adotar “o método marxista de

534 Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. II Congresso OSI, 1978, doc mimeog, 19p, p5. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 535 Para os trotskistas, no II Congresso da OSI, cabia antes de mais nada considerar que: “Para os marxistas sempre foi impossível separar a luta reivindicatória (“economica”) da classe operária, da luta pela sua constituição em partido”; que a “organização partidária do proletariado é o prolongamento de seus combates mais elementares por melhores salários e condições de vida (...), [que] a necessidade do partido decorre da necessidade de expandir e centralizar o combate que leva o proletariado a opor-se ao Estado Burguês”, ou ainda, que o “programa do partido é a estratégia que leva a classe e seu partido ao poder”. Questões que poderiam ser melhor percebidas nas palavras de Engels, segundo o qual: “o importante é colocar a classe operária em movimento como classe; isto feito, as pessoas encontram rapidamente a orientação correta”. Para tanto, seria necessário se basear “nos organismos que ela própria cria em sua luta para construir o partido operário; não fazer do programa um entrave a esse passo, desde que se mantenha a sua independência em relação à burguesia; e lutar como marxista, no interior do partido, pela sua direção. Esse mesmo método foi desenvolvido posteriormente por Lenin e Trotsky para tratar com países onde a classe não estava organizada em partido. É este método que deve ser aplicado ao Brasil. É o método da independência de classe, que Marx defendeu toda sua vida contra as manobras burguesas e pequeno-burguesas. É também o método que os stalinistas e pablistas procuram apagar da memória da classe operária. Sem sucesso, até agora. Num texto profético de 1850 (carta ao CC da Liga Comunista, na Alemanha) Marx detalha sua posição: “mesmo que não exista qualquer possibilidade de elegê-los, é preciso que os operários apresentem seus próprios candidatos a fim de conservar sua independência, de contar suas forças e colocar publicamente sua posição revolucionária, o ponto de vista de seu partido. E aqui é preciso não se deixar enganar pelas palavras fáceis dos democratas (...) Os progressos que o partido proletário realizará por meio de tal ação independente são infinitamente mais importantes que as desvantagens que pudesse causar a presença de alguns reacionários a mais no Parlamento’ “Certamente não é nesse Marx que se apóiam stalinistas, maoístas, morenistas e esquerdistas em geral, todos ávidos de preservar a unidade no ‘campo democrático’, fusionando-se (e dissolvendo-se) no MDB. Na verdade não são adeptos do método marxista de construção do partido: stalinistas e maoístas, sem organizar a classe no Brasil, julgam-se eles próprios o ‘partido’, e com a fusão do MDB tratam de impedir que a classe se organize independentemente”. Classe contra classe. Op. Cit, pp 7-8 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra.

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construção do partido” com base na organização da classe operária, julgavam-se “...eles

próprios o ‘partido’, e com a fusão do MDB tratam de impedir que a classe se organize

independentemente”536.

A questão da independência do movimento operário, que recebera de Marx e de

Lenin537 uma fundamental atenção, encontrara em Trotsky formulações mais específicas

acerca da questão do partido operário. Para Trotsky, o que se tornava: “...necessário [era]

agir em seu interior, formar no seio dessa massa ainda plástica um núcleo de homens que

compreenda o movimento e seus objetivos e assuma por isso a direção”, constituindo-se

no “primeiro grande passo (...) [o fato de] que os operários se constituam em partido

político independente, não importa como, importando unicamente que seja um partido

operário independente”538.

As greves operárias de maio de 1978539 seriam tomadas, a partir de então, como

objeto de estudos, avaliações e documentos, como o documento de 51 páginas, escrito

536 Segundo o documento: “..os morenistas, por sua vez, esperam tirar o partido (socialista, como manda a moda) de dentro do MDB, isto é, de um partido burguês: e os grupelhos em geral julgam-se, em graus diferentes, iluminados embriões do partido revolucionário que se fortalece (‘acumulam forças’, como dizem) dentro do MDB, um partido burguês (...) Porém os marxistas estão vivos e continuam lutando pela continuidade revolucionária expressa no trot., isto é, no Programa de Transição da IV Int., elaborado com base direta nos ensinamentos de Lenin e Trotsky”. Classe contra classe. Op. Cit, pp 7-8. 537 Lênin procurara “preservar o movimento indepedente da classe operária” mantendo “o caráter geral da intervenção marxista”, por meio da reunião das: “...forças da classe operária, independentemente, para o combate contra a burguesia, classe contra a classe. Com base na organização sindical operária construir o partido político da classe, onde este não existir, e trabalhar no interior dos sindicatos e partidos social-democratas operários para estes organizarem a classe. Classe contra a classe”. Classe contra classe. Op. Cit, p 9 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 538

Nos escritos sobre o movimento operário norte americano, Trótsky considerara ser “...muito mais

importante que o movimento se estenda, progrida regularmente, lance raízes e envolva tanto quanto possível o proletariado americano inteiro, do que vê-lo partir e progredir desde o início sobre um traçado de correção teoricamente perfeita”. Podemos ler: “Aos trotskistas americanos deu a orientação de luta por um partido operário independente baseado nos sindicatos, no interior do qual seu partido – o SWP – se constituiria uma fração revolucionária. Assim, o SWP deveria se tornar o campeão do movimento pelo partido operário levando ao mesmo tempo um programa concreto de reivindicações, expressão do Programa de Transição aplicado aos EUA. Trotsky esclarece que o partido operário era ele mesmo uma palavra de ordem transitória que visava avançar a luta do proletariado pela defesa de suas condições de existência” Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário no Brasil. IIº Congresso OSI, 1978, doc mimeog, 19p, pp 5-9 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra. 539

As greves operárias de maio de 1978 que a partir das mobilizações da Saab-Scania de São Bernardo do

Campo (com adesão de trabalhadores da Ford, Volkswagen, Mercedes Benz... ) haviam dado origem a outro modelo de negociações (estabelecido agora entre os grevistas e os empresários com a mediação do

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com o propósito de fazer chegar à grupos de trabalhadores um conjunto de “elementos e

subsídios para que a classe operária faça a análise de suas lutas de uma forma mais

correta possível”540. Formatado segundo o método de discussão empregado pela corrente

lambertista, o documento oferecia subsídios para um processo de discussão com base em

eixos de reflexão e aprofundamento, referências históricas de movimentações operárias

entre as décadas de 1950/1970 e uma sistematização de pontos de referência e questões,

de demonstrações e respostas541

Com base, sempre, na mais profunda e correta “análise da situação objetiva” – de

onde deveria sair a “justeza da orientação” – a organização procuraria estabelecer as

melhores condições/caminhos para implementá-la, colocando-se de imediato no contexto

brasileiro de 1978, o trabalho de “impulsionar a formação do BPO a partir de oposições,

movimentos, e mesmo direções sindicais dispostas”, atentando-se para garantir, neste

processo, a presença da organização trotskista. Portanto,

“...No próximo período não se trata em absoluto de formar as bases de um

partido trot. de massas, mas, isto sim, de forjar uma sólida fração bolchevique

(trot) capaz de impulsionar um partido operário de massas, à medida em que a

Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema) e motivara inúmeros movimentos e a realização de 166 acordos entre empresas e sindicatos. 540

Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p Estudos, Teses, Resoluções 1º de Maio, 1977-83.

CEDEM. Fundo A Palavra, caixa LP140. Este texto visa “fornecer elementos e subsídios para que a classe operária faça a análise de suas lutas de uma forma mais correta possível. Dessa maneira, êste texto pretende servir de instrumento de debates e de aprofundamento das questões que se colocam hoje como um desafio à classe operária”. 541 Entre as afirmações constitutivas de um eixo central de discussão estariam: “1. As greves mostraram a existência de uma base de organização e de consciência que foi se transformando através das lutas operárias nos últimos anos (...) 2. As greves atuais mostraram que houve um processo de desmascaramento da ideologia dominante nos últimos anos (...) 3. As greves atuais deram uma importante contribuição para o avanço da organização e da cosnciência da classe operária (...) 4. As greves atuais deram uma contribuição importante no avanço da consciência da classe operária (...) 5. As greves atuais não foram uma ‘luta sindical’, mas foram uma ‘luta operária’”. O documento acha-se dividido em 4 partes: “Alguns pontos de referência e algumas questões”, “Um possível caminho para analisar as greves de maio/78”, “As greves de maio como contribuição para o avanço da classe operária”; “Como deverá ser a continuidade da luta?”. Este material também trazia orientações precisas ao militante responsável pelo processo (da condução das discussões ao registro das questões, críticas e sugestões), além de solicitar seu envolvimento em fóruns de discussão mais amplos, o seu compromisso em buscar “em conjunto com os companheiros, [de] possíveis respostas para estas questões” e a manutenção de contato com quem lhe passara o material. Documento sem título, Op. Cit, pp 3-45.

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classe viver esta primeira experiência de organização partidária estarão sendo

criadas as bases de um partido trot. de massas”542.

Entre as formulações constava o entendimento de que “Não é possível construir

um Partido Operário com base orgânica nos sindicatos-CLT, porque estes não são

independentes, são sindicatos burgueses integrados ao Estado”, ou ainda, de que “Não

existe independência sindical sem independência política, nem CUT sem Partido Operário.

Assim, a realização mesmo de um Congresso Operário depende de se atingir um nível

superior de organização partidária (...) Os atuais sindicatos podem, no máximo, gerar um

novo PTB; e um governo deste partido (mesmo ao lado de organizações operárias) é um

governo burguês”. Também entendia-se que: “A postura revolucionária hoje é uma só:

abrir a via de organização política independente, avançando de forma consciente o

processo (inconsciente) da independência operária presente nas greves e nos organismos

por ela criados ou reforçados: comissões de fábrica e oposições". Por fim, o entendimento

de que “Sem partido operário não há Frente Única Antiimperialista”.. daí os eixos de luta

por uma “Constituinte democrática e soberana”, e “Voto nulo por um Partido Operário”

(eleições de 1978).

A palavra de ordem “Constituinte democrática e soberana”, no entender da

organização, cumpria com o papel de estabelecer o “eixo em cima do qual pode

transformar-se a atual crise de forma de dominação burguesa em crise da própria

dominação de classe (....) Porém, para liderar a pequena burguesia oprimida e afrontar o

imperialismo é preciso que o proletariado esteja constituído em partido próprio. Para

poder dirigir um organismo que aglutine as forças populares antiimperialistas, é preciso

que o proletariado esteja constituído em partido” 543 A palavra de ordem “pelo voto nulo”

nas eleições de 1978, por sua vez, cumpria com o papel importante de reunir segmentos

542

Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p, pp 3-45 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP140 543

Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p14. Estudos, Teses, Resoluções 1º de Maio, 1977-83. CEDEM. Fundo A Palavra, caixa LP140

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sindicais, operário e das massas em geral para expressar “a intransigência operária face à

burguesia e suas instituições”.544

7.1 - ALIANÇA OPERÁRIO-ESTUDANTIL E A VITÓRIA NA ELEIÇÃO DO

DCE

Eclosão das movimentações operárias em 1978. Imagens disponibilizadas pela internet.

Mas no que implicava esta mudança de eixo e sentido político da OSI para a

militância do setor estudantil? O que cabia à Liberdade e Luta implementar? Ou ainda, o

que representavam as lutas estudantis diante da “classe operária [que] entrara em

movimento”? Na verdade, à luz das greves operárias – e das resoluções do II Congresso –

544 Podemos ler: “No caso de impossibilidade de candidaturas próprias de classe, o partido bolchevique ensinou bem a manejar a tática de boicote (ou voto nulo) desenvolvendo alguma campanha de agitação e propaganda que esteja na ordem do dia. Muito bem, e o que está na ordem do dia? Sobretudo, num momento de definição política, o que está na ordem do dia é a necessidade de um PO. ‘Nem Arena, nem MDB, PO’, eis aqui o tema que cabe desenvolver nesta campanha pelo voto nulo, articulando concretamente um Comitê ou Bloco pelo PO. Delimitando-se o terreno de classe nas eleições, organizando ao mesmo tempo sua expressão político-organizativa – o Bloco pelo Partido Operário, o BPO”Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p17 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP140

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a Liberdade e Luta deveria traduzir a “tática do Bloco pelo Partido Operário”545 para o

segmento estudantil.

Quando, então, se aproxima a eleição para o DCE livre da USP (agosto/1978), a

Liberdade e Luta – que disputa com as chapas Refazendo, Caminhando, Liberdade e Luta,

Alicerce, Vento Novo, Viramundo e Novo Rumo546 -, apresenta em sua plataforma as

novas orientações.

Em suas proposições, a tendência começava por considerar que “1978 promete ser

um ano de grandes definições na situação política nacional” em função de que: “Pela

primeira vez, após 10 anos, a classe operária conseguiu articular uma manifestação

independente organizada a partir de vários setores de trabalhadores. Assim foi o 1º de

Maio Operário da Grande São Paulo, realizado em Osasco (...) duas semanas depois

iniciava-se o movimento grevista por mais salários em São Bernardo, logo se alastrando

para outras cidades industriais vizinhas e questionando uma das bases do regime

militar”547.

De forma concomitante, dizia, a luta pela anistia ganhara “dimensão nacional,

primeiramente através de manifestações simultâneas convocadas pelos estudantes, e

logo em seguida com a formação de comitês multi-setoriais em vários estados; a greve de

fome nacional dos presos políticos em defesa dos companheiros do presídio de Itamaracá

foi um elemento impulsionador desta luta, que se deu em todo o país na forma de atos

545 “Balanço do Setor Estudantil. Jairo. 29/01/79” IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001. 546

“Este ano (...) o quadro eleitoral é outro: grupos de estudantes que, no passado, apoiavam ou até

PARTICIPAVAM DE Refazendo, separaram-se dela para apresentar mais outras chapas para o DCE. Com isso, duas das maiores e mais tradicionais tendências da USP dividem, no momento as opções do movimento estudantil: Caminhando e Liberdade e Luta. Refazendo, Alicerce, Vento Novo, Viramundo e Novo Rumo são as outras cinco chapas a disputar os votos. No tal, sete chapas diferentes”. jornal O trabalho. Nº2, 15 de junho de 1978, p.2. 547 Na continuidade podemos ler: “Estes dois episódios dão continuidade a um longo processo de reorganização dos trabalhadores, que após anos de greves localizadas, operações tartaruga, quebras quebras espontâneos, ganhou vulto no fim de 1977 com a campanha pela reposição salarial do roubo dos índices de 73 (que levou milhares de operários às assembléias), e igualmente no apoio às oposições sindicais que concorrem contra os pelegos com um programa de independência sindical” Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1

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públicos, vigílias de solidariedade, assembléias”548. No âmbito estudantil, a eleição da

primeira diretoria da UEE-SP, a criação da comissão pró-UNE e a realização dos Encontros

Nacionais de Estudantes demarcavam “mais um importante passo no seu processo de

reorganização independente e de luta contra a ditadura”, todos:

“... elementos que atestam a reorganização do movimento de massas no dia a dia

de suas lutas, [e que] são parte do processo geral de crise do regime militar dos

últimos anos. Crise esta que se dá de forma aberta, abalando os principais pilares

da atual forma de poder da burguesia, que se havia unificado anos atrás em torno

da camarilha militar – única forma encontrada então para conter o movimento dos

trabalhadores que se expandia de forma acelerada. Hoje, porém, a ditadura militar

já não é mais um instrumento suficiente para conter as massas exploradas em seu

movimento de libertação. A repressão pura e simples não consegue mais sufocar o

descontentamento da grande maioria da população, que tem se expressado em

manifestações combativas e na criação de organismos de luta”549.

Nas considerações seguintes, a tendência trataria com detalhes da crise do regime

e de como compreendia as debilidades/ vitalidades de uma classe dominante que assumia

abertamente a crise, procurando “ela própria [a burguesia] (...) implantar uma forma de

poder que contenha instrumentos de controle das massas”. E neste caso, tratava-se de

enfrentar este “grau de controle” com os movimentos, cabendo aos estudantes, assim

como aos trabalhadores, caminhar “de forma independente da burguesia, construindo

entidades livres, repudiando os partidos burgueses e apresentando o combate por uma

alternativa própria ao fim ao fim da ditadura – que é a luta pela Constituinte Democrática

e Soberana”.

Para a tendência Liberdade e Luta, “a enorme combatividade e disposição de luta”

demonstrada pelos atos públicos, concentrações e passeatas iniciadas em São Paulo em

548 ” Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1 549 Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistênca Técnica, 1978, 4p, p1

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359

1977, também revelara um “enorme desnível político e organizativo de estado para

estado, imposto pela repressão”, e esta situação começara a ser alterada na proporção

em que “este movimento” buscara a “unificação dos estudantes a nível nacional (...)

quando no III Encontro Nacional dos Estudantes foi criada a Comissão Pró-UNE”. Cabia-

lhe, então, enquanto tendência, o papel de intervir em defesa de um estreitamento dos

laços do “ME com os trabalhadores, visando concretizar a aliança operário-estudantil,

buscado o “apoio irrestrito aos trabalhadores (...) como aqueles capazes de darem

consequência à todas as reivindicações levantadas pelo conjunto dos oprimidos e

explorados do país”; cabia-lhe também apoiar as greves operárias e as “oposições

sindicais que lutam para desalojar os pelegos e policiais dos sindicatos”.

Na prática, tratava-se de “vincular o ME à perspectiva dos trabalhadores,

recusando as ‘ofertas’ dos mais variados setores da classe dominante”, questão tratada

como “de método” e no interior do qual depreendia-se que:

“A UNE que queremos é aquela que, ao centralizar e unificar o combate do

estudantado à nível nacional, soldando-o numa organização única, sirva de ponte

orgânica para a aliança do ME ao movimento dos trabalhadores. Apenas nesta

perspectiva será possível manter uma UNE massiva e politicamente consequente,

na medida que ela seja um instrumento de consolidação da aliança dos estudantes

com os trabalhadores na luta conjunta por uma sociedade sem exploração”550

A aproximação com as lutas dos trabalhadores permitiria ainda ao movimento

estudantil radicalizar suas proposições de combate à ditadura; além de recusar a

participação dos órgãos colegiados, tratava-se de combater a reforma universitária, o

jubilamento, as licenciaturas curtas, os atestados ideológicos e ao mesmo tempo, lutar

pela democratização da instituição, pelas eleições diretas para diretores e reitores, por

mais verbas e livre acesso pela população; questões, enfim, que se traduziam na seguinte

plataforma para o DCE da USP:

550 Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. São Paulo: PAT Publicações e Assistência Técnica, 1978, 4p, p2.

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“Liberdade e Luta se propõe a lutar por um DCE aberto à participação ampla dos

estudantes, combatendo toda a demagogia, de aparência democrática, que na

verdade tem servido de escudo para a sobrevivência de concepções equivocadas e

cupulistas da entidade e que acabam por permitir que a diretoria do DCE se

apresente como sendo o próprio DCE, sempre que isto seja de seu interesse

afastando os estudantes da vida da entidade. Entendemos que a instância máxima

de deliberação do DCE são as Assembléias Universitárias, instrumentos eficazes e

necessários para garantir a unidade dos estudantes da USP em seu movimento,

conforme ficou demonstrado durante os combates efetivados ao longo de todo o

ano de 1977. Porém, a vida da entidade não é feita apenas de grandes

manifestações (...) a diretoria deve, necessariamente, convocar os estudantes a

participarem das Reuniões Abertas da entidade, atraindo para o DCE todos

aqueles que estão dispostos a acompanhar e se organizar em torno do DCE (....)

Refazendo se dispõe no máximo a ‘consultar’, sem nenhum efeito deliberativo, o

que as diretorias de Centros Acadêmicos têm a opinar (....) Contudo, decorrente

do fato de nos propormos a organizar os estudantes em torno do DCE,

consideramos necessário apresentarmos propostas práticas imediatas. Dentre elas

ressaltamos: 1. Conquista de uma sede para o DCE (...) 2. Comissão Anistia do DCE

(..) 3. Comissão Cultural, que busque dar à produção cultural existente na

Universidade, bem como seu debate, a expressão e a importância que hoje, com a

ascensão do movimento de massas, passam a ter, e que até agora não

encontraram no DCE o devido apoio: 4. Comissão de Imprensa – até hoje é a

grande lacuna do DCE, que desde a sua fundação não mereceu por parte de

Refazendo a atenção devida. Hoje é imprescindível dotar o DCE de um jornal

amplo e aberto, que dinamize o debate em torno dos fatos que afetam o

movimento estudantil bem como o conjunto da entidade”551.

Enfim, desta vez, a vitória caberia à tendência Liberdade e Luta que recebeu 2.260

votos, contra os 2.191 votos da Refazendo e os 2.145 votos da Caminhando num total de

10.006 votos552. Nas lembranças de José Arbex Jr, recolhidas por Jordana Santos:

551 “Reorganizar o DCE”. Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE-USP. Op. Cit, p4. 552 USP: eleição para o DCE. O Trabalho, nº2, 15/junho/1978, p2.

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“Quando nós ganhamos o DCE, em 1978 (...) os outros grupos quando anunciaram

nossa vitória começaram a cantar: “passeata dia 1, greve dia 2, passeata dia 3,

greve dia 4”. Eles queriam dizer que com a Libelu no DCE só ia ter greve e passeata

porque era essa a imagem que a gente tinha mesmo. Para os outros grupos nós

éramos muito provocativos553.

Cartaz da chapa Liberdade e Luta e registro do momento da vitória em 1978. Acervo: O Trabalho

Esta conquista, nas palavras de Josimar Melo, nascia de um longo percurso

político:

“...apresentamos um programa político claro, que já havia sido bastante divulgado

nas eleições para a UEE, um mês antes, quando obtivemos uma excelente votação

(27%) (...) Este programa foi concretizado, desde 76, a cada momento, em

propostas definidas que conseguiram marcar a nossa presença no movimento

estudantil da USP, e apareceu como alternativa à Refazendo que há dois anos

dirige o DCE. Mas existe um outro aspecto (..) a indefinição política do grupo

Refazendo. Nas eleições de 77 essa tendência foi eleita com 7000 votos,

afirmando-se como hegemônica na USP, mas ao longo do ano, foi incapaz de dar

resposta às questões que o movimento estudantil colocou. A crise do regime

553

Entrevista concedida à Jordana Sousa Santos em 02/03/2010 IN SANTOS, Jordana de Souza. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010.Op Cit, p77.

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362

militar se aprofundou, diversos setores sociais que antes não se mobilizavam

passaram a fazê-lo, e a diretoria do DCE continuava a agir como sempre fez: a

reboque dos acontecimentos, demorando-se muito para fazer as suas propostas,

definir uma perspectiva para o movimento estudantil em relação a este ou aquele

problema (...) A entidade, sob sua direção, acabou se fechando... as decisões eram

tomadas pela diretoria ou em reuniões com as diretorias dos centros acadêmicos à

revelia dos estudantes, e das várias tendências que intervém no DCE. Entendemos

o DCE como uma entidade democrática, onde as decisões são tomadas por

reuniões abertas amplamente convocadas, assembléias, etc.. e não um organismo

de propriedade de uma única tendência. Este fato, ligado diretamente à

indefinição política da Refazendo – e resultando dela – serve também para explicar

não apenas as razões de sua derrota, mas o número absolutamente baixo de

votantes nas eleições em relação ao ano passado”554

Nas considerações do jornal O Trabalho:

554 O Trabalho, 20 de junho a 5 de julho de 1978, nº3, p6. Entrevista de Josimar Melo. Ainda podemos ler: “Em nossa campanha levantamos a necessidade da dinamização e democratizaão do DCE e vamos procurar levar em frente o trabalho de consolidação da entidade. Entendemos ser este o caminho para se fazer avançar o movimento estudantil, principalmente neste momento em que vemos a classe operária entrar na cena política (...) Ao nivel da entidade especificamente vemos como necessário a abertura da entidade a democratização das decisões e as respostas imediatas aos problemas dos estudantes e da sociedade em geral na qual também nos incluímos. A concretização destes objetos, no entanto, dependem da criação de canais de participação, como comissões de trabalho (imprensa, ensino, cultural, etc..) em pleno funcionamento, boletins periódicos da diretoria da entidade, um jornal, reuniões abertas e assembléias sempre que necessário. É dessa forma, e colocando em prática um programa político claro, que o movimento estudantil poderá avançar e o DCE USP ampliar a sua representatividade. É a incompreensão destes problemas o que leva determinadas tendências a dizerem absurdamente que o movimento estudantil está em refluxo em São Paulo, quando em outros estados (Minas, Bahia, Rio) ele teve avanços significativos neste primeiro semestre. Mais absurdo ainda é continuar afirmando isso no momento em que a classe operária, em São Paulo, inicia o seu processo de mobilização (....)“Somos a única tendência a colocar na ordem do dia a questão da queda da ditadura militar. Julgamos o fim do regime militar uma coisa iminente, e por isso acreditamos na necessidade de fazer avançar a luta por liberdades democráticas, o que implica neste momento na luta pela anistia ampla e irrestrita e por uma assembléia constituinte democrática e soberana, precedida da queda da ditadura e da livre organização partidária. Mas, também é preciso que fique claro que para que isso seja conseguido, ou para que o movimento estudantil seja consequente nessa luta, só existe uma forma: avançar as suas mobilizações independentemente da classe dominante e seus partidos políticos, caminhando no sentido da aliança com os trabalhadores, com a classe operária, a única em condições de dirigir esse movimento de maneira consequente”.

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“Trata-se, sem dúvida, de uma importante mudança no comportamento político

dos estudantes (...) Refazendo foi derrotada em diversas escolas onde,

tradicionalmente, costumava acumular boa quantidade de votos – como a

Economia, a Matemática, a Física. Este fato é mais significativo (...) Ele prova o

deslocamento de uma parcela do movimento estudantil para uma posição política

mais definida. A indefinição, aliás, é que veio provocar uma acentuada

descaracterização política em Refazendo e Caminhando. Pouco mais de um mês

atrás, por exemplo, estas duas chapas esqueciam suas divergências para formar

uma frente eleitoral e concorrer às eleições para a UEE. Depois que fizeram isso,

como levar a sério suas divergências teóricas? Como acreditar que Refazendo

combate, em primeiro lugar, as correntes que servem de ponte para os liberais

penetrarem na Universidade? Caminhando defende, mesmo, a Constituinte

Soberana? Votando em Liberdade e Luta, os estudantes mostraram que perderam

a confiança nestas tendências – principalmente na Refazendo, que parecia

absolutamente hegemônica no movimento estudantil. Quanto à Liberdade e Luta,

assim que sua vitória for anunciada, já temos uma primeira iniciativa: convocar

todos os estudantes para organizarem o apoio à chapa 3, que faz oposição a

Joaquim Andrade no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. ‘É isso, por

exemplo, que entendemos por aliança operário-estudantil, explicou Josimar Melo,

um dos novos dirigentes do DCE em entrevista a O Trabalho”555.

Nas lembranças de Caracol, nesta ocasião a Liberdade e Luta já:

“... se estrutura como organização nacional (...) no movimento estudantil ela tinha

centenas e centenas de militantes. O núcleo médio da Liberdade e Luta, na FAU,

tinha uns trinta e cinco. A gente se reunia com uma certa fluidez, eram todos

organizados. Era um núcleo de massas. Quando a Liberdade e Luta ganhou o DCE,

na USP o núcleo estava consolidado não só na USP. Ganhou vários DCEs

estudantis; de fato, eram milhares de estudantes envolvidos aí com a organização

(..) [e que] cada vez se tornava mais próxima”556.

555 O Trabalho, 20 de junho a 5 de julho de 1978, nº3, p6 556 Entrevista de Wilson Ribeiro dos Santos Jr (Caracol) a Mirza Pellicciotta. Campinas, 02/09/1996.

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Nas eleições para o DCE livre da PUC, por sua vez, venceria a chapa Alternativa

(1586 votos), seguida de perto pela chapa Proposta (1565 votos), ficando a Liberdade e

Luta (organizada nesta universidade a partir de 1977) em terceiro lugar, com 850 votos.

Na mesma ocasião, seriam realizadas eleições livres para o DCE da UFBa, teriam início as

campanhas pela construção do DCE livre da UFPb e pela criação da UEE-Pe557 e ainda, em

setembro, seria eleita a primeira diretoria do DCE livre da UnB558.

7.2 - LIBERDADE E LUTA NA DIREÇÃO DO DCE: LUTAS INTERNAS E

EXTERNAS

À frente, então, do DCE da USP, a gestão Liberdade e Luta dá início ao segundo

semestre com um movimento - que preparara durante as férias - contra o aumento do

preço do restaurante do CRUSP, estimulando “sob o impulso direto do DCE”, a criação de

“comissões de alunos para encaminhar o combate” nas escolas. Na ocasião, a Reitoria

não cede, mas se compromete em manter o valor pelo segundo semestre559. De forma

concomitante, ela acirra o discurso contra a participação dos estudantes nos órgãos

colegiados por entender que esta participação implicava em “ajudar a ditadura a

implantar sua política de ensino”560. Ambas posturas, de fato, buscavam reforçar o DCE

557 O Trabalho, nº2, 15/junho, 1978, p2 558 Podemos ler: “Invasões, ameaças, suspensões – nada disso foi suficiente para conter o avanço do movimento estudantil na construção de suas entidades livres e independentes. Nas barbas do capitão reitor Azevedo, os estudantes realizaram as eleições, pregaram a universidade com faixas contra a repressão e contra a ditadura militar. No total, foram 3781 votantes e a chapa eleita (1442 votos) foi Debate e Ação que, em seu programa, preconiza uma Assembléia Geral Constituinte Democrática e Livre e o fim do regime militar. O segundo programa mais votado (1056 votos) foi o de Construção/Liberdade e Luta, que defende a aliança dos estudantes com os trabalhadores, colocando-as sob a direção deste e apoiando dentro da Universidade, a luta pela construção de um partido operário. Construção defende a convocação de uma Assembléia Constituinte Soberana (..) com o fim da Ditadura” O Trabalho, nº9, 12 a 25 de setembro de 1978, p1 559 “LL combateu com o DCE, sem órgãos colegiados”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 560 Podemos ler: “Nessa luta, ao mesmo tempo que o DCE obtinha na prática seu reconhecimento, uma assembléia votou pela renúncia dos representantes no Conselho Universitário. A participação nos órgãos

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livre como entidade independente e legítima – reconhecida – pelos/entre os estudantes

da USP. A gestão realiza, ainda, o “trote pró-UNE” que contou com um “pedágio” (com

centenas de calouros), a venda de “milhares de cartazes sobre a UNE” e “uma semana

onde houve debates com ex-dirigentes da UNE e professores cassados”, além de um show

de encerramento com dois mil alunos561.

Nos meses que se seguem, a nova diretoria mobiliza os estudantes da USP em

defesa de 22 militantes da Convergência Socialista presos; adere às comemorações dos 75

anos do CA XI de Agosto que motiva a primeira grande manifestação em praça pública

depois da invasão da PUC no ano anterior562; participa da organização do ato público de

28 de agosto que leva mais de 20 mil pessoas na praça da Sé, em São Paulo563; integra-se à

campanha pela Libertação dos Presos Políticos de Itamaracá; apóia a greve de fome dos

presos políticos de 5 estados (contra o projeto de anistia governamental, em tramitação

no Congresso Nacional) e participa diretamente de uma campanha nacional para “libertar

15 sindicalistas presos pela ditadura em Minas Gerais e Rio Grande do Sul”564, num

período marcado por novas perseguições e atentados565. A gestão, ainda, edita os três

primeiros números do Jornal do DCE com o propósito de refletir “a vida da entidade, suas

colegiados se mostrou claramente como um entrave às lutas e à organização independente dos estudantes”. LL combateu com o DCE, sem órgãos colegiados”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 561 “Em maio, uma vitória de LL”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3. 562 Cerca de mil estudantes participam do ato estimulados a defender a reconstrução imediata da UNE. O Trabalho nº7, 15 de agosto a 29 de agosto de 1978, p2. 563 Podemos ler: “Diversas passeatas-relampago prepararam i Ato Púbico de 28 de agosto, segunda feira. Grupos de 200 a 300 pessoas se manifestaram pelo Parque Dom Pedro II, praça Fernando Prestes, rua São Bento e outras ruas do centro. Depois de 3 mil estudantes e trabalhadores foram ao Largo São Francisco, que estava cercado por uma enorme operação policial. Dentro da Faculdade de Direito, exigiam a imediata libertação dos presos da Convergência Socialista e o fim dos atentados terroristas contra o jornal Em tempo. Na saída, dois diretores da União Estadual de Estudantes foram presos: Celso Figuiredo e Marcos ogueira; outro estudante, José Luiz Rodrigues tamb´m foi detido. Antes da manifestação também foi preso Mário R de Miranda, candidato a deputado estadual”. O Trabalho nº8, 29/agosto a 11/setembro de 1978, p3. 564 “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3 565O jornal O Trabalho denuncia a invasão, pichação e roubo de documentos das sucursais de Brasília e de Belo Horizonte do semanário Em Tempo; a perseguição de alunos na Faculdade Cásper Libero por razões políticas, entre outros acontecimentos.

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lutas” e sem contar com a “maioria das tendências”, ele é produzido “democraticamente

e por uma comissão aberta a todos os estudantes”566.

Enfim, entre os meses de setembro e outubro, a diretoria responde pela realização

de dois eventos importantes na Faculdade de Arquitetura (FAU): o II Congresso da UEE-SP

e o IV ENE567.

O II Congresso da UEE, realizado nos dias 16 e 17 de setembro, conta com a

participação de 430 delegados (participação restrita, se comparada aos 800 delegados do

congresso de fundação) que concentram as discussões nas eleições de novembro (para

deputados e senadores)568 e nos processos de reorganização do movimento estudantil. Ao

longo dos trabalhos, a diretoria eleita (Construção) aprova um estatuto que insere, logo

abaixo da instância de direção, um Conselho Estadual de Entidades (CEE) com poder

566

Segundo Jordana Silva: “O Jornal do DCE da USP, nº1, de 1979 explicitava algumas questões sobre o avanço do movimento operário. Desde as manifestações de trabalhadores de 1978 o movimento operário vinha assumindo a liderança no combate à ditadura militar, algo que foi desempenhado pelo ME no ano de 1977. Com o ressurgimento do movimento dos trabalhadores caberia ao ME estar atento à luta contra burocracia universitária que age de acordo com a Reforma Universitária, passando por cima das reivindicações estudantis. O documento enfatizava que esta luta não estava separada da luta antiditatorial, por isso, os estudantes deveriam se aliar aos trabalhadores. A UNE só se veria livre do controle governamental se os estudantes estreitassem os laços com a classe operária. No segundo número do Jornal do DCE da USP, tratava-se mais detalhadamente da importância do CRUSP (Conjunto Residencial da USP) que foi invadido e depredado pela polícia em 1968, pois era classificado como um reduto “subversivo”. O documento convocava os estudantes a lutar pela reconquista da moradia no CRUSP, contra o aumento do preço do restaurante universitário, contra o ensino pago e pela volta dos professores cassados - SILVA, Jordana. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Op. Cit., pp 80-81 567

Nos parece interessante comentar que data deste período (mais especificamente, de 17/1bril/1979) uma nota produzida pelo Burô Político da OSI intitulada “Nota sobre o Fumo”. Diz o documento: “1. Está proibido aos militantes da OT utilizar ou portar fumo, assim como frequentar locais identificados com o fumo. No período em que vivemos, todas as armas serão voltadas contra nós. A repressão sempre procurou vincular os marxistas à droga ou ao fum, para melhor isolá-los e reprimí-los. Hoje em função das dificuldades que a repressão enfrenta para reprimir como gostaria, a utilização do fumo pode ser bom argumcaçada. E nenhum militante tem o dire ito de colocar em risco a atividade da OT em nome de caprichos pessoais. 2. Cabe aos militantes marxistas procurar destacar-se no movimento de massas como dirigente, seja em seu sindicato, em sua fábrica, em sua escola. Toda atividade vinculada ao uso de drogas ou fumo, se identificada em um militante que tem responsabilidades diante do movimento de massas, só serve para atrapalhar seu combate e desmoralizá-lo”. “Nota sobre o Fumo” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001 568 Com relação as eleições, o Congresso aprova o apoio aos candidatos que apresentem programas populares, numa linha distinta do voto nulo defendido pela Liberdade e Luta; mais de 200 delegados vinculados a Refazendo, Caminhando e Novo Rumo apoiam voto a favor do MDB; cerca de 100 delegados vinculados à Liberdade e Luta e à tendência Viramundo são a favor do voto nulo. O Trabalho, nº10, 26/9 a 10/10/78, p3

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deliberativo - conselho que seria formado por Cas, Das, DCEs e pela própria diretoria da

UEE, cabendo a cada entidade o direito a um voto569. Segundo o jornal O trabalho:

“Nos debates sobre o estatuto da UEE, o problema essencial relacionou-se à

democracia da entidade. Foi proposto que, nas questões mais importantes de

mobilização e luta, as discussões não fossem tomadas pela diretoria, e sim em

plenárias de delegados de assembléias metropolitanas. Contudo, venceu a

proposta de que, nessas questões importantes, a deliberação partisse do Conselho

Estadual de Entidades, organismo no qual a massa do estudantado não

participa”570.

Já o IV ENE, realizado em 3 de outubro, contaria com um apoio social maior e ao

contrário do ano anterior, conseguiria reunir pacificamente por dois dias 500 delegados

569 Liberdade e Luta Estadual, p3 570 O Trabalho, nº10, 26/9 a 10/10/78, p3

Campanha pela anistia, entre outros movimentos do segundo semestre de 1978. Imagens disponibilizadas pela internet

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procedentes de 14 estados571. Segundo Liberdade e Luta, “Este ano o ascenso do

movimento de massas, marcado pelas greves de mais de 400 mil trabalhadores, não

permitiu que o governo sequer tentasse proibir o encontro”. Em seu entender:

“Diversas tendências políticas acreditam que a UNE deve ser recriada o mais

rápido possível, para centralizar nacionalmente as lutas atuais, já ultrapassando os

estreitos limites estaduais e regionais. Liberdade e Luta (tendência nacional pela

aliança operário-estudantil) é uma das correntes que defendem ser este o

momento propício para a UNE. O reaparecimento das mobilizações de rua em São

Paulo, a luta pla criação da UEE em Minas, eleição da primeira diretoria do DCE

livre reconstruído de Brasília, além de outros embates atestam a maturidade do

movimento estudantil do Brasil. Ele não está em refluxo: todas as vezes que a

ditadura tentou investir contra o espaço político conquistado, recebeu resposta

imediata. Um exemplo: depois de um ano sem passeatas, ao serem presos no final

de agosto 22 membros da Convergência Socialista, no mesmo dia os estudantes

convocaram assembléia, seguida de passeatas em várias capitais um dia depois.

Para definir a reconstrução da UNE, Liberdade e Luta, atual direção do DCE livre da

USP, propõe no IV ENE a realização de um congresso estudantil nacional, nos dias

25 e 26 de abril de 1979, com eleição de três delegados para cada 500 estudantes.

Também sugerirá um trote nacional unificado pró-UNE, como parte da campanha

pela reconstrução da entidade maior do estudantado. No plano de política

nacional, Liberdade e Luta propõe três resoluções ao IV ENE: moção pela

Assembléia Nacional Constituinte Soberana e Democrática; realização de um Dia

Nacional de Luta, em 9 de novembro, pelo fim do Regime Militar; e moção pelo

voto nulo nas próximas eleições”572.

Entre as discussões e deliberações centrais constavam as eleições de 15 de

novembro (onde se confrontam as propostas de voto nulo dos trotskistas e as de voto no

571

Segundo René Vernice: “distribuídos entre independentes e militantes da Caminhando, Refazendo, Centelha, Liberdade e Luta, Novo Rumo e outras menores” IN http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 572 O Trabalho nº10, 26 de setembro a 10 de outubro de 1978, p3.

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MDB, vencendo a segunda)573, a criação da Comissão pró-UNE e a definição do local, data

e bases de representação do Congresso de Reconstrução da UNE (definido para se realizar

em Salvador nos dias 29 e 30 de maio de 1979 com base em delegados eleitos - em

assembléias, congressos ou votos em urna - na proporção de 3 representantes por 500

alunos de cada escolas).

Os debates e propostas de reconstrução do movimento estudantil, de qualquer

forma, continuariam intensos, em particular quanto ao caráter participativo dos

estudantes e das entidades representativas, ganhando força progressivamente um

discurso mais articulado acerca das tradições representativas do movimento na figura da

entidade representativa, discurso que já se faria expresso num boletim do DCE da UFBa

(sob controle de militantes do PC do B) datado do mês de setembro e portanto,

preparativo do IV ENE. Podemos ler:

“Os estudantes brasileiros sempre desempenharam destacado papel na luta do

povo: é uma força social ativa; mesmo depois de terem suas autênticas entidades

destruídas pela repressão após 64, os estudantes não se calaram. A União Nacional

dos Estudantes deixaram de contestar a ‘nova’ ordem implantada. Estamos em

fase de reorganização do moimento estudantil. Já reabrimos vários Diretórios

Centrais, centenas de Diretórios Acadêmicos afloram a todo momento. Nosso

passo agora é reconstruir a UNE. Não vai ser fácil. Do nosso lado aumenta a

necessidade dela e do outro lado a ira dos generais que temem sua recriação. Mas

não vamos desanimar. No próximo dia 3 de Outubro em São Paulo, será realizado

o IV ENE. Esse encontro foi aprovado na última reunião da comissão pró-UNE,

realizada aqui em Salvador (19/8). Porque realizar o IV ENE? Veja bem, a situação

do ensino brasileiro depois da Reforma Universitária tem piorado

573

Podemos ler: “Ao se reunirem na FAU, os estudantes mostraram que não estão preocupados apenas

com seus problemas imediatos. Ao contrário, se ocuparam demoradamente das questões políticas nacionais. Mesmo passando completamente à margem dos canais de participação oferecidos pelo regime militar para encaminhar suas lutas, garantir a liberdade de seus passos, sair à rua para fazer passeatas e construir suas entidades livres, os estudantes, contrariando na prática, decidiram se utilizar de um desses canais. Os delegados do IV ENE optaram por votar no MDB, uma instituição da ditadura. Mesmo assim, um número significativo deles (168), recusando-se a dar um ‘passo em falso’, manifestou-se contra a Arena e o MDB e pela construção do partido operário”.

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alarmantemente. Muito embora os estudantes em cada estado tenham se

levantado lutando pelos seus direitos e reorganizando suas entidades, ainda não

existe uma coesão de lutas a nível nacional e se existem problemas comuns vamos

então unir as forças, certo? Sem falar que só vamos democratizar nossa educação

quando o estudante brasileiro se unir, e ao mesmo tempo lutar o lado do povo por

uma sociedade democrática”574

Para várias tendências, reconstruir a UNE significava mais do que resgatar...

significava restituir um fórum cuja essência já trazia em si uma estrutura política

tradicional de representação e participação dos estudantes, e neste caso, para que

discutir? A memória falava por si. Esta formulação, de fato, motivou a publicação da

revista Memorex575 pelo DCE USP em 1978, bem como estimulou/proporcionou a

reedição do célebre trabalho jornalístico de Artur Poerner, O Poder Jovem (livro sobre a

história da UNE que teve sua primeira edição em 1968, a segunda em 1977 pela gráfica da

PUC de São Paulo, de forma clandestina, e a terceira em 1979)576.

O resgate da história da UNE no contexto de 1978, de fato, cumpria com

propósitos latentes, contando entre eles o de reafirmar um dado passado político-

organizativo; o de reforçar e reinstituir uma estrutura institucional de movimento

estudantil (a mesma estrutura que, no passado, se achara alicerçada) e o de “iluminar” os

caminhos políticos em curso reforçando um modelo participativo/representativo

considerado tradicional e “genuíno” da categoria estudantil.

Foi em nome, então, de um passado que se deixava reinventar em meio aos

embates das organizações clandestinas, que todo um conjunto de discussões acerca das

questões de proporcionalidade de alunos por escolas (faculdades); das melhores formas

de escolher/tirar representantes; das categorias de estudantes autorizadas a participar do

574 Beba nº14. DCE UFBA, setembro 78. Boletim dos Estudantes da Bahia. 575 Memorex. Elementos para uma história da UNE. Sobre esta publicação, afirmam Ary Costa Pinto e Marianna Francisca Martins Monteiro, em “Rememorex: uma necessária rebeldia”, que esta publicação foi “objeto de Inquérito Militar, instaurado o em 20 de Setembro de 1978 pela Aeronáutica,[que] determinou pedido de busca dos seus editores”. http://movebr.wikidot.com/arquivo:anos-70:rememorex-uma-rebeldia-necessaria. 576 Sobre o tema, ver: OLIVEIRA, José Alberto Saldanha de. A UNE e o mito do poder jovem. Maceió, Editora da Univ. Federal de Alagoas/UFAL, 2005.

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Congresso de Reconstrução da UNE; dos procedimentos de eleição da primeira diretoria,

foi empurrando para fora da pauta um outro corpo de divergências, entre elas: a questão

da ação direta das massas estudantis, os vínculos entre estudantes e as demais categorias

de trabalhadores explorados, a independência das entidades frente o Estado Militar.

Os posicionamentos de Liberdade e Luta seriam, de qualquer forma insistentes,

reafirmando ainda em outubro de 1978:

“...os estudantes poderão contar, já no ano que vem, com uma organização

independente que centralize nacionalmente suas lutas principais. Lutas que vão

Lutas que vão desde reinvindicações por melhores condições de ensino até o

combate pelo fim da ditadura militar. O Congresso convocará as eleições para a

primeira diretoria da entidade e elaborará seus estatutos. As providências iniciais

para que seja realmente democrático e representativo já foram tomadas.

Participarão delegados escolhidos em assembléias gerais ou eleitos por meio de

urnas, na proporção de três para cada 500 estudantes. Votarão apenas os

delegados presentes – o voto por representação não será reconhecido. Desde a

fundação da UNE, no Congresso, até a data da posse da primeira diretoria, uma

comissão encaminhará os trabalhos da entidade”577.

O ano se faria marcado também pela realização do I Encontro Estadual de

Estudantes de Minas Gerais e pela criação da Comissão Executiva pró-UEE “encarregada

de centralizar e impulsionar as lutas estudantis do Estado e de preparar o II Encontro, já

marcado para a primeira quinzena de setembro” (iniciativa, segundo o jornal O Trabalho,

que apresentava encaminhamentos restritivos a uma maior participação estudantil578);

pela realização da Semana Nacional por Melhores Condições de Ensino; pela reconstrução

das UEEs do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; pela eclosão do Movimento Contra o

Custo de Vida; pelo adensamento das manifestações pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita;

por atos públicos contra a libertação de Cajá (UFPe), ou ainda, pela constituição de uma

campanha nacional pela libertação de Flávia Schillig.

577 O Trabalho nº11, 10 a 25/10/1978, p3. 578 O Trabalho, nº5, 21/julho a 5/agosto de 1978.

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Estes acontecimentos também se dariam entrelaçados pela promulgação em 13 de

outubro de 1978 da emenda constitucional que extinguiria o AI-5 a partir de 1º de janeiro

de 1979; pela eleição por Colégio Eleitoral do general João Baptista Figueiredo como

presidente da República em 15 de outubro; pela decisão da justiça de responsabilizar a

União pela morte do jornalista Vladimir Herzog em 27 de outubro e pela realização do

Congresso Brasileiro de Anistia, no começo de novembro, na PUC-SP. Em 15 de novembro,

nas eleições para o Congresso, o MDB vence na soma total de votos para o Senado e

permanece majoritária nos principais Estados do país, apesar da Arena eleger mais

representantes; em 27 de dezembro entra em vigor a nova Lei de Segurança Nacional,

seguida pela revogação do banimento de 126 brasileiros e a extinção da Comissão Geral

de Investigação, instrumentos associados ao AI-5.

7.3 - LIBERDADE E LUTA COMO “TENDÊNCIA SINDICAL” DO

MOVIMENTO ESTUDANTIL E A LUTA PELA UNE INDEPENDENTE

Mas no curso deste agitado ano de 1978, os resultados políticos obtidos pela

Liberdade e Luta no movimento estudantil se revelavam dramáticos. Segundo o

documento “Balanço do Setor Estudantil”, redigido por “Jairo”, o novo dirigente da OSI

Assembléia na PUC, 1978. Imagem disponibilizada pela internet.

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para as questões estudantis, em princípios de 1979, num período que contara com

“aproximadamente 40 militantes, divididos em 3 subs-2 da USP e 1 da PUC isoladas”, a

tendência perdera “praticamente todas as posições que ocupávamos no terreno sindical,

com a derrota em todos os Cas onde concorremos (à exceção da Naval USP)”. Ora, as

razões precisavam ser encontradas, chegando-se a detectar “alguns problemas

importantes” no curso do segundo semestre, entre eles:

“...nosso doutrinarismo, o propagandismo, bem como o abandono de nossa parte

das lutas que os estudantes levantavam no seu terreno específico. Mas nossas

conclusões apenas arranhavam as questões (...) porque partiam de bases falsas,

seja com relação à ausência de balanço da OT [organização trotskista], seja porque

as concepções políticas que lastreavam a elaboração a ser realizada estavam

equivocadas no que concerne à situação política e às tarefas dos trotskistas na

universidade”579

O documento também concluía que as maiores dificuldades da tendência tinham

se originado do desafio de implementar, a curto prazo, um conjunto de mudanças que,

após o II Congresso da OSI, chegara dos fóruns internacionais trazido pelos “ventos de

Paris”: as resoluções aprovadas no VIII BI [Bureau Internacional]. Estas resoluções haviam

provocado “uma modificação de conjunto de nosso trabalho no ME, envolvendo as

palavras de ordem, a concepção de tendência, as entidades sindicais, etc. Tudo isso

combinado com uma nova visão da situação política e do lugar que a OT [organização

trotskista] deveria ocupar...”580 Orientações, enfim, que levariam Liberdade e Luta a se

definir como tendência sindical do Movimento Estudantil num processo que exigiria vários

meses para se fazer implementado.

579

Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP]. 29/01/79, p2 IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981. CEDEM. Fundo A Palavra, Caixa LP001. 580

Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP]. 29/01/79, p2 IN Buro Político/Comitê Central. Atas de Reuniões do B Político/C.C 1979/1981. CEDEM. Fundo A Palavra, Caixa LP001

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A implementação destas mudanças contara, desde meados de 1978, com o apoio

do jornal O Trabalho que em resposta às orientações internacionais vinha lançando

matérias especiais sobre a questão sindical do movimento estudantil. No entanto, a nova

perspectiva de abordagem também trazia dificuldades ao cotidiano militante, conforme

permaneceria registrado em relatórios internos.

Jornal O trabalho. Acervo: CEDEM

De forma concomitante, entre o segundo semestre de 1978 e o primeiro semestre

de 1979, a atuação efetiva da nova diretoria da UEE-SP somada à constituição de novas

diretorias das UEEs de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ou ainda, à

direção política adotada pela Comissão Pró-UNE, trariam novos contornos a um ambiente

político cada vez mais radicalizado. E entre as desavenças, vemos se acirrar as críticas da

Liberdade e Luta à direção da UEE-SP, movimento que se faz acompanhar pela defesa –

mais explícita – de um projeto de gestão para a UNE que, efetivamente, apesar de

criticado por muitas organizações, fornece boa parte das proposições levadas pela

Comissão pró-UNE (CNPU) ao congresso de reconstrução, conforme podemos observar

em documentos que precedem este acontecimento, como no “Relatório Comissão

Nacional Pró-UNE”, datado de 29 de janeiro de 1979 e assinado por DCEs de Pernambuco,

em que podemos ler:

“Pelos informes apresentados pelas entidades presentes na CNPU, constatou-se

que o Movimento Estudantil cresceu nesse ano de 78 na maioria dos estados,

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elevando seu nível de organização, conquistando mais entidades e demonstrando

um maior amadurecimento político (...) Mesmo não sendo uma constante em

todos os estados, as grandes manifestações como em 77, tem-se como fato

concreto a participação ativa dos estudantes nas eleições parlamentares de 15 de

novembro; nos atos públicos pela libertação de Cajá; no movimento contra o custo

de vida; nas lutas pela anistia ampla, geral e irrestrita, ma campanha nacional pela

libertação de Flávia Schilling (brasileira presa aos 18 anos, pela Ditadura Militar

Fascista do Uruguai), etc. (...) No decorrer das discussões, foram aprovados os

seguintes eixos de lutas: 1º) ANUIDADES. Deliberou-se encaminhar-se a nível

nacional lutas pelo rebaixamento ao máximo das anuidades (...) 2º) Dia nacional

de luta contra a posse de Figueiredo. Serão realizadas manifestações em todo o

país, no dia 15 de março com leitura de um manifesto elaborado pela Secretaria

Executiva da CNPU. 3º) Amazônia (...) 4º) ANISTIA. Foi decidido que a Secretaria

Executiva da CNPU estará presente na volta de todos os exilados e banidos que

retornarem ao país. Apoiar e reforçar todas as decisões do 2º Congresso Nacional

pela Anistia (..) Encaminhar a executiva do CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia)

proposta para que todos os exilados e banidos que tenham decidido voltar ao país

antes de março, a fazerem de forma organizada e conjunta, no dia 18 de março. A

Secretaria Executiva da CNPU, com outras entidades, farão uma visita aos presos

políticos do país e principalmente a Cajá (...) Os DCEs estão encarregados de reunir

material sobre professores, funcionários e estudantes atingidos pelos atos de

exceção, e enviar para a Secretaria Executiva da CNPU. Enviar carta de repúdio e

protesto aos Ditadores d Brasil e do Uruguai , sobre a situação de Flávia Schilling

(...) 5º) JORNAL DA COMISSÃO PRÓ-UNE (..) 6º) SOBRE O CONGRESSO DA UNE.

Foram as seguintes propostas aprovadas: Caravana Nacional levantando questões

e debates sobre a UNE; Debates sobre etidades estudantis (organizadas pelos

DCEs); Shows com artistas para arrecadação de fundos e propaganda da UNE;

Buscar apoio de entidades e instituições para o Congresso (Igreja, CBAs, MDB,

etc)”581.

581

Relatório Comissão Nacional Pró-UNE. DCE da UFPe, DCE da UNICAP, DCE da UFRPe. Doc mimeog, p,

29/01/1979, p3. Nesta reunião, realizada na sede da casa do estudante universitário, participaram 30 entidades (DCEs, EUUs, UMEs) de 14 estados.

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Para Liberdade e Luta, por sua vez, os encaminhamentos tomados pela Comissão

Pró-UNE nas reuniões do Rio de Janeiro e de Brasília (24 e 25 de março) comprometiam a

entidade em formação ao ferir “sua unidade, sua democracia e sua independência”. Em

seu entender:

“Sua Unidade é ferida quando se decidiu pela não participação de estudantes

secundaristas e pós-graduandos no Congresso com direito a voto (...) segmentos

do estudantado, que participaram das lutas que a criaram (...) no momento em a

UNE poderá representar o impulso decisivo para a construção de organismos

próprios (...) que é um processo ainda incipiente (....) Foi ela também que aprovou

um projeto de Regimento de funcionamento do Congresso a distância dos

princípios de democracia que sempre pautaram nosso movimento. Segundo este

Regimento, a mesa concentrará poderes excepcionais, podendo decidir sobre a

cassação da palavra aos delegados, sobre a organização dos trabalhos, sobre as

questões de ordem – tudo isso sem consulta ao plenário. É preciso lutar pela

soberania do Congresso, durante todo seu transcorrer, e não apenas em seu início

(quando o Regimento é aprovado). Por fim, é preciso que o Congresso barre a todo

custo a decisão (..) mais absurda e descabida de todas (...) o convite ao ditador

Figueiredo e a todos os seus prepostos (governadores e ministros de Estado) a

participarem do Congresso da UNE! Esta decisão (...) além de ser uma ofensa e um

descaso a toda luta que travamos até hoje, significa abrir a via para a destruição da

independência da UNE, já no seu nascedouro (...) Nós chamamos ao Congresso e à

luta, aqueles que se batem contra a ditadura e não com a ditadura”582.

Entre as propostas que trazia para o Congresso estavam: a adoção como carta de

princípios do “Manifesto pela UNE unitária e independente”; a eleição de uma diretoria

provisória encarregada de convocar um novo congresso para o semestre seguinte, de

preparar um projeto de estatuto para discussões concomitantes sobre a direção da

582 Agora UNE. Liberdade e Luta, doc mimeog, 3p, s/d. Movimento Estudantil: UEE, Liberdade e Luta. CEDEM. Fundo Livraria A Palavra, caixa 122.

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entidade no mesmo período583; como instâncias deliberativas, a UNE deve contar com o

Congresso Nacional de Estudantes (“composto por delegados eleitos na proporção de um

para cada 200 alunos”, com a função de decidir a plataforma de lutas/programa anual da

entidade e eleger a “diretoria responsável perante as decisões tomadas”) e com a

Diretoria (a ser “composta por membros das chapas que se apresentarem, na proporção

dos votos que cada uma obtiver no Congresso”). A UNE deverá contar também com

instâncias de assessoria à diretoria e ao Congresso na forma do Conselho de UEEs e DCEs,

com caráter consultivo e reuniões ordinárias duas vezes ao ano, no início de cada

semestre, cabendo a ela “auxiiar na implementação das diretrizes traçadas pelas

instâncias deliberativas da entidade”. A UNE deverá contar também com secretarias por

área “que se encarregariam fundamentalmente de promover a realização de encontros

nacionais por área de ensino”. Por fim, caberá ao Congresso de Salvador aprovar uma

“ampla campanha de filiação dos estudantes brasileiros à UNE” na busca de que

conheçam, se aproximem das discussões e assumam a “tarefa de sustentação política e

material da entidade”.

Com relação ao “Manifesto pela UNE unitária e independente”, o documento foi

distribuído pela tendência no mês de maio, acompanhado de uma “Carta Aberta aos

Estudantes Brasileiros, a todos os estudantes, tendências e entidades do movimento

estudantil”, e através dele dizia Liberdade e Luta:

“Nós, estudantes brasileiros, reunidos em nosso Congresso Nacional, decidimos

reconstruir a União Nacional dos Estudantes (...) Porque queremos unir nossas

forças para conquistar a satisfação de nossas aspirações morais e materiais.

Porque queremos condições dignas de ensino, e porque queremos liberdade de

ler, de ver, de pensar, e de nos associarmos, livremente, segundo nossa própria

vontade. Porque aprendemos que para obter essas conquistas, precisamos estar

583

Diz o documento: “Por outro lado, somos contra a continuidade da atual situação, em que os destinos do

ME brasileiro está nas mãos de um conselho nacional de DCEs (a Comissão Pró-UNE). O Congresso deve significar um passo qualitativo e isso se expressará na existência, pela primeira vez em muitos anos de uma direção eleita do ME nacional”.

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organizados em nosso próprio terreno, contando com nossas próprias forças. Por

isso decidimos reconstruir a UNE. A UNE que seja o instrumento de conquista das

nossas reivindicações: melhores condições de ensino e liberdade. A UNE que seja

nossa força. Que garanta nossa independência frente àqueles que estão contra os

nossos interesses; sem nenhum vínculo com o MEC, com o Estado e seus

instrumentos (entidades oficiais controladas, órgãos colegiados). A UNE que seja o

instrumento de luta contra a ditadura (...) ditadura que tenta nos impor um ensino

degradante e que reprime nossa livre organização. A UNE contra esse e qualquer

regime que atente contra os interesses dos estudantes e da maioria da população.

Esta é a UNE que reconstruímos. E hoje isto foi possível, não só por nossa luta, mas

também pelas mobilizações que os trabalhadores realizam contra o arrocho

salarial, por melhores condições de vida, por liberdade sindical, corroendo toda a

estrutura montada pela ditadura, diminuindo o espaço de manobra deste regime

que é nosso inimigo comum. Esta é a UNE que reconstruímos hoje, independente,

democrática e unitária. Com ela, somos fortes para seguir em nossa luta. E nos

dispomos a estar juntos de todos aqueles – estudantes e trabalhadores, do Brasil e

do mundo – que conosco compartilham estes objetivos, que também lutam, como

nós, por uma vida digna, e pelo fim de toda a opressão”584.

Na “Carta Aberta aos Estudantes Brasileiros, a todos os estudantes, tendências e

entidades do movimento estudantil”, Liberdade e Luta explica e defende, de fato, a

adoção do “Manifesto” pelo Congresso de Reconstrução procurando pensar a UNE na

história, mas, antes de tudo, a UNE na sua própria história de lutas pela constituição de

um território tantas vezes assediado “pelas classes dominantes que procuravam torná-la

uma entidade sob seu controle, a seu serviço”. História, por sua vez, de “fases áureas e

negras, [de] momentos de glória e de submissão” mas através das quais “permaneceu de

pé, sustentada pelos próprios estudantes”. Diante deste passado, portanto, mas também

da condição de “assumir até o fim seus objetivos é necessário que ela dê continuidade ao

movimento que já existe, que ela concentre em si os principais ensinamentos retirados

584 Proposta de Manifesto de Reconstrução da UNE (a ser apresentado no Congresso de Reconstrução da UNE. Salvador – 29 e 30 de maio de 79). Agora UNE. Órgão de Liberdade e Luta. SP: Editora Jornalística AFA, maio de 1979.

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destes anos de luta”, continuando a lutar em seu próprio território e a recusar “com

veemência as armadilhas que montam nossos inimigos, que tentam nos colocar à sombra

de seus organismos, de seus aparelhos e de suas bandeiras”.

7.4 RECONSTRUINDO A UNE: CONQUISTAS E PERDAS DA

LIBERDADE E LUTA

Nos dias 29 e 30 de maio de 1979 acontece o Congresso de Reconstrução da UNE

em Salvador585; evento que reuniria “2204 delegados representando todos os estados” e

cerca de 5 mil observadores, num contexto de acirramentos que levara o governo

Figueiredo a enfrentar, em seus três primeiros meses de mandato, “mais de 140 greves

realizadas em todos os pontos do país”. Segundo o jornal O Trabalho, o Congresso contara

“..pelo menos [com] um milhão de cruzeiros gastos, vindos das coletas entre estudantes,

entidades e população; mais de seis meses de preparação, a partir do IV Encontro

Nacional (outubro de 1978), dois dias de discussões e votação de propostas”586.

O XXXI Congresso da UNE, acontecimento amplamente registrado, conta na

atualidade com registros disponibilizados em diversas bases digitais, entre eles, o acervo

de Milton Guran (autor de Encontro na Bahia 79) no Laboratório de História Oral e

Imagem (LABHOI) da UFF, ou ainda, diversos blogs como o de Rene Vernice587, que na

ocasião integrava a Liberdade e Luta e que, com sua câmera fotográfica, captou os

acontecimentos com particular sensibilidade. Nas palavras deste militante, então

estudante da FIAM e integrante das bases da Libelú:

585 Sobre a temática da reconstrução da UNE, ver: História da UNE. Vol1: Depoimento de Ex-Dirigentes. Ed Livramento, 1980; Seminário Memória do movimento estudantil. Museu da República Editora, 2005 - 151 páginas; 586 O Trabalho nº25 12 a 25/junho/1979, p5 587

http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html

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“A Avenida Doutor Arnaldo concentrou a maior delegação de São Paulo, dezenas

de ônibus partiram dalí, da Medicina da USP. O momento era de euforia, certeza

da vitória. Éramos muitos e tínhamos o apoio da sociedade que já não suportava

os militares no governo (...) Divididos por cursos, os militantes estaríam

espalhados pelas dezenas de ônibus, assim era preciso saber como se comportar,

as teses a defender, os pontos de encontro para avaliações, e outras estratégias

para conquistar os votos indefinidos, dos chamados independentes (...) saíndo da

Faculdade de Medicina em São Paulo, pela via Dutra (...) nos aguardavam

comandos em Jacareí, Guaratinguetá e tantos outros locais, que transformou uma

viagem prevista para 24 horas de São Paulo a Salvador, em quase 78 horas; mas

conseguimos chegar driblando comandos, tomando estradas alternativas e

trocando as lideranças de ônibus para confundir a repressão. Não escapamos de

sermos fichados em São Paulo, Rio, Minas e Bahia. Mas chegamos”588.

Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice

588

Segundo Vernice: “Já na saída para o Congresso, eram distribuídos importantes documentos. Um deles era o Regimento do Congresso que iniciava com as regras para nomeação de delegados e inscrição de escolas. Sendo tres delegados para os primeiros 500 alunos e mais um por fração ou grupo de 500 alunos. A seguir definia o papel das Comissões de Organização; Recepção, Alojamento e Alimentação; Finanças; Infra-Estrutura e Cultural. O programa do Congresso era detalhado a partir do artigo 14°, e previa a montagem de seis grupos de debate: Grupo 1 - Carta de Princípios e Estatutos Grupo 2- Projetos da UNE Grupo 3 - Eleições da UNE Grupo 4 – Universidade Grupo 5 - Realidade Brasileira Grupo 6 - Lutas dos Estudantes Após essa maratona de debates, a Plenária Final decidiria pelo voto dos congressistas conforme as regras estabelecidas no documento. Enfim, fundamental para saber como participar do Congresso”. http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html

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Em seu blog, encontramos também depoimentos de outros(as) antigos(as)

militantes, entre eles(as) o de Sauaya Pereira que registra:

“No meu ônibus, cerca de 40 estudantes, representantes dos “centrinhos” da USP,

como costumavam chamar os Centros Acadêmicos. Na ansiedade esfuziante, não

diferíamos muito dos ônibus de excursão do ginásio, nem daqueles das torcidas de

futebol. No entanto, tínhamos consciência de que aquele era um momento

histórico: discutíamos com paixão o socialismo, a guerrilha, a ditadura, os rachas

nas organizações clandestinas, os professores, as relações afetivas, o aborto, a

falta de grana, o amor livre, morar sem os pais, as drogas, o cinema, Marx, Lenin,

Engels, Trotsky, Stálin, Brecht, Chaplin, Glauber, Vittorio de Sica... enfim, o

mundo”589.

Viagem ao 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice

“Outras caravanas de delegados saíram do interior de São Paulo; éramos a maior

delegação em direção ao Congresso. Separados por cursos, Comunicação, Direito,

589

texto completo em http://www.facasper.com.br/cultura/site/ensaio.php?tabela=&id=97

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Medicina, os ônibus íam formando sua população que conviveria em dois dias de

viagem as alegrias e apreensões proporcionadas pela juventude e as forças da

repressão. Além de muita discussão política e cantoria. E fomos recebidos

carinhosamente pelo povo da Bahia, que cedeu suas casas e muitas vezes suas

camas para abrigar os 5000 delegados presentes para o Congresso”590.

Imagens de Rene Venice

Acontecimentos do 31º Congresso da UNE. Imagens de Rene Vernice

“Todos os cantos do inacabado Centro de Convenções de Salvador serviam para

acomodar os congressistas, todos sabendo fazer a hora e não esperando

acontecer. As escadarias, sem qualquer proteção, eram pontos privilegiados pela

ampla visão da mesa do Congresso. A verdade é que as acomodações eram

péssimas, com a maioria dos presentes sentados no chão, mas de lá ninguém saía

sem ver reconstruída a entidade (....) a ausência de proteção nas escadas, os

tapumes de madeira bloqueando uma possível queda no vazio do vão central do

que seria o Centro de Convenções de Salvador, cedido pelo então governador

Antonio Carlos Magalhães (...) Em Salvador, durante o tempo que durou o

Congresso (...) Era irônica a contradição do visual urbano, quase surrealista. Nas

ruas a polícia comum e a do exército se exibiam ostensivamente (...) Os jovens,

cabelos longos, barbas, jeans, camisetas, sem camisa, sem lenço, sem documento,

mas a cabeça cheia de idéias circulavam livremente pela cidade sob o sorriso do

povo e a carranca dos militares”591

590

http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 591

http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html

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“Ato de Abertura do 31º Congresso da União Nacional de Estudantes – UNE (...) Figuras carimbadas e emblemáticas da antiga e nova

esquerda (...) Nos intervalos, apresentações teatrais satirizavam personagens do momento político”592. Imagens de Rene Vernice

Um outro registro, também produzido no calor da hora nos permite uma

aproximação interessante: o trabalho jornalístico de Luiz Henrique Romagnoli e Tânia

Gonçalves. Testemunhos das desavenças, disputas e ao mesmo tempo clamor pelo

aprimoramento de relações democráticas no interior do movimento estudantil, a revista A

Volta da UNE registra:

“Certas ou erradas, as decisões do Congresso de Reconstrução da UNE foram fruto

de uma saudável prática democrática, da qual fazem parte os tumultos, as

gritarias, as palavras-de-ordem gritadas em coro, ofensas à mesa e conchavos.

Foram 34 horas de debates, negociações e composições (...) ao discutirem as lutas

a serem travadas, mais de 100 propostas surgiram (...) Já no primeiro dia do

Congresso O debate de grupos – que analisariam ‘Realidade Brasileira’,

‘Universidade’, ‘Lutas’, ‘Estatuto e Carta de Princípios’, ‘Eleições da Diretoria’ e

‘Cultura, Esporte e Secretarias por Área’ – se estendeu das 18 às 23 horas, sem

que,na maioria deles, fosse atingido o objetivo final de sintetizar e debater as

propostas sobre os diversos temas (..) Às 20 horas, todos os grupos ainda

debatiam qual seria o tempo de cada intervenção (....) Outro problema comum foi

o de compatibilizar o grande número de inscrições que, em alguns grupos ,

aproximou-se de uma centena, com o teto estabelecido pela Comissão Pró-UNE

para a entrega dos relatórios que seriam lidos em plenário no dia seguinte. O

grupo de ‘Eleições’ foi o que congregou maior número de participantes – cerca de

592

http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html

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mil (...) Eleição direta ou em Congresso; diretoria já ou no segundo semestre;

provisória ou definitiva; diretoria de nomes ou de entidades. Todas essas

divergências nos debates do grupo davam uma prévia do que seria o debate do

tema no plenário. A colocação das propostas defendidas pelas diversas tendências

acabou servindo mais para orientar os acertos entre os vários grupos políticos, em

reuniões que vararam a noite”593.

A questão da “carta de Princípios”, segundo os jornalistas, “foi das menos

polêmicas do Congresso, uma vez que as propostas defendidas pelas diversas tendências

do Movimento Estudantil coincidiam em vários pontos”. Já na questão dos Estatutos, a

temática suscitou os “primeiros acordos entre as diversas correntes”, destacando-se entre

elas os argumentos do DCE da PUC-RJ de que sobre as entidades de base deveria se

fundamentar as ações da UNE, “exceto no que diz respeito às questões como: Carta de

Princípio, Estatutos, Programas Político e a eleição da diretoria”, devendo-se para tanto

criar “o Conselho de Entidades de Base (Centros e Diretórios Acadêmicos), logo abaixo do

Congresso Nacional.”. Segundo os autores:

593

Na continuidade podemos ler: “O resultado dos grupos acabou preocupando a Comissão Pró-UNE que

temia que os impasses fossem reproduzidos na plenária final, sobretudo quanto ao encaminhamento das questões. Na manhã seguinte, um dos diretores da UEE de São Paulo já apresentava à Comissão uma proposta para encaminhamento das eleições. E a própria Comissão tentava sintetizar as propostas apresentadas nos diversos grupos, consultando vários participantes, para evitar polêmicas. Por volta das 10 horas da manhã do dia 30, decidia-se reduzir a pauta do Congresso que se limitaria a deliberar pela Carta de Princípios e Estatuto, lutas a serem travadas e eleição da diretoria.. Mesmo assim gastou-se uma hora e meia em discussões até a definição da ordem em que esses pontos seriam debatidos. Às 11,45 horas foi evacuado o plenário e realizado um sorteio para definir a distribuição das delegações no local. Eram 2.34 delegados de 21 Estados e Distrito Federal, além de cerca de 5 mil observadores. Era a seguinte a representação de delegados por Estado: Amazonas, 13; Alagoas, 46; Bahia, 251; Ceará, 61; Distrito Federal, 38; Minas Gerais, 281; Mato Grosso (do Sul e do Norte), 42; Maranhão, 23; Pernambuco, 122; Paraíba, 103; Paraná, 35; Pará, 54; Piauí, 23; Rio de Janeiro, 317; Rio Grande do Sul, 116; Rio Grande do Norte, 29; Santa Catarina, 24; São Paulo, 597; Sergipe, 23; Espírito Santo, 64; Goiás, 32. A delegação do Acre não compareceu. Por volta de 13 horas foi estabelecido um recesso e a apresentação de duas peças – A UNE somos nós, do Grupo de Teatro da UEE – São Paulo e outra do Grupo Te-Ato Oficina. Quando se preparavam para entrar em cena, porém, os atores do Oficina foram surpreendidos pela notícia de que , dado ao atraso da manhã, eles não poderiam exibir a peça para não comprometer o andamento do Congresso. O grupo protestou ruidosamente pelo microfone, mas diante da posição inflexível do plenário que queria dar prosseguimento ao Encontro, os atores, ainda maquiados, acabaram abandonando o ‘palco’. Todo esse período de intervalo (...) foi fértil em conchavos. As reuniões por área de estudo (Engenharia, Economia, Medicina, etc.) acabaram transformadas em minigrupos de debates e negociações. E, novamente, a questão das eleições era o tema principal das conversas”. ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A volta

da UNE: de Ibiúna a Salvador. São Paulo: Editora Alfa-ômega, Coleção História Imediata, nº5, 1979, p54.

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“A única tendência contrária ao Conselho Nacional de Entidades como instância

deliberativa era a Liberdade e Luta cuja proposta de Estatuto previa o Congresso e

a diretoria (instâncias deliberativas). Admitiam o Conselho de Entidades apenas

com um caráter consultivo. Segundo Liberdade e Luta, ‘na UNE não será possível

criar canais de participação e de decisão além do Congresso; os ‘Conselhões’ de

entidades, como o da UEE de São Paulo, não representam o programa que foi

eleito para a entidade, e por isso não podem ter poderes deliberativos superiores

aos da diretoria que foi eleita justamente para representar este programa. Desta

forma, a diretoria de uma entidade como a UNE (que não pode convocar

assembléias nacionais, quando é necessária alguma decisão importante) deve

concentrar em si mesma as características de democracia que deve marcar a

entidade. A proposta vencedora foi a apresentada pela PUC-RJ com o apoio da

UEE-SP. Assim, as instâncias de deliberação da UNE são: - Congresso Nacional de

Estudantes; Conselho de Entidades de Base (que deverá ser convocado pela

diretoria da UNE e/ou por um terço das entidades filiadas à UNE); - Conselho de

entidades livres (DCEs e UEEs); Diretoria da UNE”594

Num outro ponto de embate, a plenária decidiria que os pós-graduandos poderiam

participar da UNE, mas não os secundaristas (por proposta de um membro da “extinta

tendência Caminhando, de São Paulo”, Alon Feuerwerker)595. Sobre a questão das “lutas”

da entidade, as discussões se seguiram a uma situação de temor gerada pelo apagamento

das luzes do Congresso e pelo lançamento, do 2º piso do Centro de Convenções, de “um

pacote com alguns quilos de um pó identificado pelos estudantes como uma mistura de

talco e lã e vidro sobre o plenário”596; como consequência, “Mais de 60 pessoas passaram

594

GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit, p56 595

Vale considerar que, neste momento, a tendência Caminhando de São Paulo vivia um processo de fusão com a tendência Viração, da Bahia, ambas vinculadas ao PC do B. 596

Segundo Vernice: “Ao iniciar os debates sobre estatutos, o Congresso viveu seu momento mais tenso e emocionante. Eram aproximadamente 19 horas e subitamente as luzes do Congresso se apagaram, foi ouvida uma explosão e do alto começou a cair sobre a mesa e a plenária um pó que irritava os olhos. Houve um inicio de pânico (...) Os congressistas que possuíam carros correram até eles e os manobraram para com seus faróis iluminarem a plenária, enquanto cinegrafistas e equipes de TV iluminavam com seus equipamentos a mesa do Congresso. Na falta de som, Rui Cesar puxou um coro, onde suas palavras eram repetidas pelos congressistas que estavam mais próximos da mesa, de forma a que todos pudessem ouvir as orientações. Os faróis, a mesa iluminada pelos refletores e a voz forte que se fez ouvir demonstravam que

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pelos postos médicos com conjuntivite, coceiras e crises nervosas”, além do Jornal da

Bahia publicar no dia 31 de maio que:

“Como se não bastasse os diversos agentes policiais travestidos de estudantes,

gritando ‘viva a UNE’! ‘Abaixo a ditadura’, a Comissão de Assistência Jurídica

detectou alguns agentes travestidos de funcionários do Centro de Convenções da

Bahia”597.

A definição das “lutas”, enfim, se dera com base em mais de 100 propostas

encaminhadas à mesa de trabalho. Após “alguns oradores inscritos terem apresentado

pelo menos uma dezena de propostas de luta cada um, a mesa decidiu colocar em

discussão e votação as sugestões que haviam obtido consenso no grupo de debates”. Em

meio à dispersão causada pela questão das eleições - “articulações em torno de

candidaturas (...), formação de chapas e busca de adesões para as propostas de data e

forma de eleição da diretoria” -, ou ainda, a tumultos, protestos, palavras de ordem, a

plenária acabaria aprovando seis eixos de luta: contra o ensino pago; por mais verbas para

a educação; pela anistia ampla, geral e irrestrita; contra a devastação da Amazônia; por

uma Assembléia Nacional Constituinte e pela Campanha de Filiação de Entidades à

UNE598. Com relação às eleições, por fim:

não estávamos ali para brincadeira e que nada nos intimidaria (...) Cantamos Vandré e repetimos em coro: "Nós não vamos aceitar provocações. Nossa luta é organizada. vamos manter a calma". "Povo unido jamais será vencido". Foi preciso arrombar a casa de força, pois alguém havia desligado as luzes e trocado os cadeados das portas. Como era de se esperar, os culpados não foram identificados, mas as suspeitas apontavam para a própria policia e a segurança do Centro de Convenções (...) o incidente fez diminuir as divergências e uniu ainda mais o que já era um desejo daquela vanguarda estudantil ali reunida” http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 597

GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit, pp 57-58 598

Nas palavras de Vernice: “Vencida a etapa dos estatutos e antes de iniciar os debates sobre as lutas prioritárias, foi dada a palavra para os representantes do DEE do Rio Grande do Sul. Em seu nome falou Geraldo Rosa, presidente do DEE e membro da Arena Jovem, partido de sustentação do regime militar (...) sua única intenção era melar ou tumultuar o Congresso. Não conseguiu (...) Novos oradores e debates. E novamente a plenária fez valer sua força, aprovando o Conselho de entidades de base do movimento, centros e diretórios acadêmicos, como instância deliberativa da UNE. Era a UNE PELA BASE. Assim ficaram estabelecidas as seguintes instâncias de deliberação: Congresso Nacional; Conselho de Entidades de Base; Conselho de entidades livres, DCEs e UEEs e Diretoria (...) a maioria dos estudantes se postava a esquerda e desejava um regime político totalmente diferente da ditadura em que vivíamos (...) Novas batalhas se

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387

“A decisão final de se tirar do Congresso uma diretoria provisória, composta por

entidades, que encaminharia as eleições diretas no segundo semestre para a

diretoria definitiva, não foi resultado apenas de 6 horas de discussões no plenário,

nem dos debates durante os dois dias do Congresso. O assunto desde muito antes,

era tema de conversas, desde a Comissão Pró-UNE até os mais desmobilizados

centros acadêmicos”599.

Josimar Melo, candidato da tendência Liberdade e Luta para a presidência da UNE, discursa em plenário. Imagens

de Rene Vernice

As discussões se dividiriam entre eleger uma diretoria provisória ou plena, e ainda,

entre eleger uma diretoria por nomes, por entidades, por regiões ou proporcional entre as

forças políticas presentes (Liberdade e Luta), ganhando forma dez propostas com

combinações diferentes. Por outro lado, é importante considerar, várias tendências já

iniciavam, tanto pela forma de encaminhar as defesas de propostas, quanto pela forma de votação. Os oradores se sucediam e apresentavam a visão das tendências, enquanto o plenário fazia sua parte e interferia com palavras de ordem, demonstrando quais suas preferências. Com isso o Congresso ia acatando a vontade da maioria” http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009_04_26_archive.html 599

GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit,

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haviam chegado ao Congresso acreditando que ali se daria a eleição da diretoria

definitiva, e portanto, com seus presidenciáveis em cena - caso de Valdélio Santos Filho

da tendência “Viração” da Bahia (PcdoB) e de Paulo Massoca da União Metropolitana de

Estudantes de São Carlos com apoio da tendência Unidade (PCB, na diretoria da PUC-RJ).

Ainda, mesmo no caso das tendências que defendiam uma “diretoria por entidades”

(Refazendo, Centelha e Novo Rumo), também se avançava na escolha de nomes,

trabalhando a Refazendo no nome de Marcelo Barbieri, enquanto tentava negociar com a

Viração – a “Caminhando do norte” – uma chapa em comum. Foi, portanto, neste

conjunto de deliberações que o Congresso atingiu seu climax:

“O plenário fervilhava. De pé, punhos cerrados eles se digladiavam com palavras-

de-ordem. Os defensores da eleição de uma diretoria no Congresso gritavam ‘É

hora, é hora, é hora, diretoria agora’. Os partidários da provisória (agora com

apoio da UEE-SP que perdera a primeira votação) respondiam com ‘Na base,

agora, não houve discussão. Diretoria agora é um puta pacotão’. Foi nessa ‘briga

de slogans’ que os delegados indecisos se definiram e para surpresa dos próprios

líderes do movimento estudantil, venceu a proposta de diretoria provisória (...) A

seguir, os delegados decidiram que a eleição da diretoria definitiva no segundo

semestre seria feita por urnas, pela primeira vez na história da UNE. As propostas

derrotadas eram de eleição em Congresso e de realização de um plebiscito para

deliberar sobre uma das duas formas. Por fim, foi votado se a diretoria provisória

seria composta por nomes eleitos no Congresso, se seria uma diretoria eleita

proporcionalmente à representatividade das tendências ou se seria composta por

entidades. Essa votação modificou o comportamento do plenário. Liberdade e Luta

que estava votando com Refazendo, Caminhando, Centelha e Unidade em favor da

diretoria provisória votou em sua proposta de diretoria proporcional. Muita gente

que defendia uma diretoria definitiva, com a derrota de sua proposta, passou a

apoiar a provisória de entidades. Permaneceram defendendo a provisória por

nomes os adeptos de Paulo Massoca e uma parte de Valdélio”600

600

GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit,

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No encerramento das votações, quatro propostas lançam nomes de entidades para

compor a diretoria provisória da UNE: três delas contam com o DCE-USP (que na ocasião,

tem Liberdade e Luta na direção); vence a única que recusa sua presença, a chapa de

entidades composta pela UEE-SP, DCE-UFBa, DCE-UFPe, DCE-UFMG, DCE PUC-RJ, DCE-

UFRGS, DCE-UnB, DCE-UFPa.

Imagens do plenário nos momentos de votação; discurso de Paulo Massoca centro). Fotos disponibilizadas pelo

blog http://reconstrucaodaune.blogspot.com/ de Rene Vernice

O Congresso conquista, por fim, uma “Carta de Princípios, Estatutos, um Programa

mínimo de lutas, campanhas a serem levadas e uma Diretoria Provisória”601, ao mesmo

601

No primeiro boletim da Diretoria Provisória da UNE podemos ler: a “maioria dos delegados que foram a

Salvador” decidiram que “a UNE tem como principal órgão de decisão o Congresso Anual dos Estudantes, que o segundo principal órgão será o Conselho Nacional de Entidades de Base, que poderá ser convocado pelos diretores ou por um terço dela. Em terceiro lugar o Conselho Nacional de Entidades Centrais (uniões estaduais a nível regional, estadual e municipal e mais os diretórios centrais). E em último lugar ficará a diretoria da UNE com poderes bastante reduzidos. A primeira diretoria será escolhida em setembro através de votação em todo o País direta. Até lá, a UNE será dirigida pelas seguintes entidades, segundo proposta

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tempo em que dá visibilidade e expressão às proposições de diferentes tendências

estudantis - Centelha (MG) e Ponteio (RGS); Refazendo; Viração e Caminhando (que já

vivia um processo de fusão com a Viração, ambas tendências ligadas ao PcdoB); Unidade

(PCB); Novo Rumo (tendências Ponto de Partida/RJ, Proposta e Alicerce/SP); Liberdade e

Luta -, tendências que, no entender de João Roberto Martins Filho:

“Desde 1975, em contraste com a organização regional de 1968,

consolidavam-se nas escolas correntes organizadas nacionalmente, que

expressavam veladamente as posições da esquerda brasileira depois da

derrota da luta armada. Tais tendências revelam a persistência das

organizações como a Ação Popular e MR-8 (agrupado por algum tempo na

‘Refazendo’) e o PCB (Unidade); mostravam uma nítida ascensão do Partido

Comunista do Brasil (Caminhando), fortalecido pelo prestígio da guerrilha

derrotada no Araguaia e pelos novos quadros que ganhava na fusão com a

Ação Popular Marxista-Leninista (Cisão da AP); e mostravam visível

crescimento das correntes trotskistas (Centeia e Peleia), Convergência

Socialista (Novo Rumo) e Liberdade e Luta” (Martins Filho, 1998:21).

E entre estas tendências constavam organizações trotskistas vinculadas ao

Secretariado Unificado da IV Internacional, como no caso do Novo Rumo (que a partir da

Liga Operária em 1978 constituíra a Convergência Socialista) e de Centelha, de Minas

Gerais (que em conjunto com a oposição metalúrgica de Belo Horizonte, formaria em

1979 a tendência Democracia Socialista ), ou ainda, ao CORQUI, no caso da Liberdade e

Luta602.

da UEE-SP: DCEs das universidades federais da Bahia, Pernambuco, Minas, Rio Grande do Sul, Brasília, Pará, PUC do Rio de Janeiro e a UEE-SP”. UNE. Boletim da União Nacional dos Estudantes. Diretoria Provisória (DCEs UFBa, UFMG, URGS, UFPe, PUC-Rio, UEE-Spaulo). Secretaria de Imprensa DCE UFBa. Junho 79, nº1. 602

Parte destas organizações trotskistas, em particular, a OSI e a LO tentariam se articular no começo dos anos 1980, sem sucesso.

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Definidas as diretrizes pelo Congresso, as entidades deveriam “preparar eleições

em urna no segundo semestre603, ao mesmo tempo que encaminhar as lutas contra o

ensino pago604, por anistia ampla, geral e irrestrita605, por uma Assembléia Constituinte

Soberana e livremente eleita; lutas em defesa da Amazônia e um movimento pela filiação

de todas as entidades de base e gerais (Das, Cas, DCEs, UEEs) à nova entidade606”. De

forma concomitante, a diretoria provisória (com sede em São Paulo, no DA FGV) daria

início às suas funções, delegando as atribuições de Secretaria e a Tesouraria a UEE-SP; de

Relações Exteriores ao DCE da PUC-RJ; de Imprensa e Cultura ao DCE da UFBa; do setor de

Ensino aos DCEs da UFPe e UFMG; do setor de contatos políticos ao DU da UnB e as

questões relacionadas com a anistia ao DCE da UFRGS607.

603 Com relação as eleições (diretas) da UNE, a diretoria (colegiado) provisória levaria proposta ao Conselho Nacional de Entidades durante reunião da SBPC (Fortaleza) para sua realização em setembro, inscrição de chapas em agosto e realização de debates públicos nas oito regiões administrativas da UNE. Seriam elas: “São Paulo e Paraná (região administrada pela UEE-SP); Rio Grande do Sul e Santa Catarina (DCE do RGS); Rio de Janeiro e Espírito Santo (DCE da PUC/Rio); Minas (DCE da UFMG); Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (DCE da UnB); Pará, Amazonas, Acre e Maranhão (DCE do Pará); Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba (DCE de Pernambuco); Bahia, Piauí, Ceará e Sergipe (DCE da Bahia). UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 604

A problemática da privatização do ensino surge como questão a ser aprofundada nos quesitos “verbas

para a educação, autarquização das universidades, situação das escolas particulares, anuidades, situação dos estudantes de pós graduação, e situação das escolas públicas”. Em paralelo, tratava-se de resgatar as lutas travadas pelo movimento estudantil desde 1973 na intenção de dar início a uma campanha imediata contra o ensino pago, seguida pelo convite ao Ministro da Educação, Eduardo Portella, a um debate público sobre o tema e a realização de um plebiscito nacional no mês de agosto. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 605

No questão da anistia, pretendia-se desencadear uma nova campanha acompanhada por um manifesto da entidade “exigindo a anistia ampla, geral e irrestrita” e sua entrega ao Congresso Nacional; a UNE participaria, também do Comitê Brasileiro pela Anistia, através da UEE-SP e DCEs da PUC-RJ e da UFMG (integrantes do colegiado provisório), do Congresso internacional sobre Direitos Humanos do Brasil (Itália) através dos DCEs da UFBa e da PUC-RJ; ainda, a entidade promoveria “um completo levantamento dos dossiês de professores e estudantes, punidos e desaparecidos, para exigir a volta dos que estão afastados e apurar o destino de alguns estudantes, como é o caso do último presidente da UNE, Honestino Guimarães, cujo paradeiro é ainda desconhecido”. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p. 606

A filiação das entidades seria iniciada de imediato e ficaria a cargo de cada região administrativa, ao

mesmo tempo em que o processo se faria centralizado pela UEE-SP. 607

Esta diretoria procuraria, ainda, trabalhar pela legalização da entidade – questão tomada com “um

direito dos estudantes” – com ajuda do MDB e do deputado Airton Soares”, questão execrada pela Liberdade e Luta. UNE. Relatório diretoria provisória. Junho 79. Doc mimeog, 1 p.

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Com relação à Liberdade e Luta, a avaliação dos resultados obtidos no Congresso

de Reconstrução não configuravam só conquistas608, eles implicavam em perdas, e

particularmente da força da UNE “na luta pelas reinvidicações estudantis contra a

ditadura”. E estas perdas achavam-se relacionadas à três ordens de questões:

primeiramente, à forma de gestão conferida à diretoria provisória da entidade. Em seu

entender:

“...as propostas aprovadas com relação à direção da entidade e seu

funcionamento dificultarão enormemente a transformação destes princípios

fundamentais em força política, na luta. Isto fica claro a partir da própria diretoria

provisória eleita pelo Congresso. Esta diretoria não expressa o avanço organizativo

representado pela reconstrução da UNE, pois não passa de um colegiado de

entidades (8 DCEs) em que nada difere da Comissão Pró-UNE (organismo

impotente para dirigir o movimento nacionalmente, mas que foi necessário num

momento em que a UNE ainda não existia). (...) os delegados do Congresso não

votaram numa diretoria com base nas posições políticas que a compõem, mas

estas posições existem, e estão nos próximos meses, segundo seus insondáveis

critérios, dirigindo a UNE”609.

Em segundo lugar, à forma de eleição adotada para a primeira diretoria da

entidade:

“...Novamente, não foi a melhor escolha: a eleição em Congresso, nos moldes do

que sempre aconteceu na UNE, seria a forma que melhor possibilitaria um

608 Liberdade e Luta afirma, com relação a UNE: “Ela é uma conquista dos estudantes e do movimento de massas no Brasil, e a presença de correntes burocráticas no seu interior não poderão impedir que ela seja uma arma para a conquista dos estudantes e na luta contra a opressão. O próprio Congresso, embora não tenha definido as campanhas centrais sobre as quais se fortalecerá a entidade, aprovou, entre os muitos eixos de luta que ficaram decididos, as bandeiras centrais para o atual momento: a luta pelo Ensino Público e Gratuito e pela Anistia Ampla, geral e irrestrita. Resta combater para que a atual diretoria de DCEs, assim como a eleita no próximo semestre, assuma de fato esta campanha. Esta é uma tarefa que agluitanará os estudantes que no interior da UNE se batem contra sua burocratização, por sua independência e combatividade, na trilha sobre a qual ela foi construída: a luta contra a ditadura militar”IN O Trabalho nº 25 12 a 25/julho/1979, p5. 609

O Trabalho nº 25 12 a 25/julho/1979, p5.

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processo democrático de participação dos estudantes na escolha da diretoria da

entidade. A votação em urnas, numa eleição nacional como esta, dificulta a

expressão de correntes minoritárias ou regionais do movimento e mais ainda de

estudantes que, isoladamente, querem intervir no processo; além disso, será um

estímulo à formação de ‘chapões’ decididos em acordos de bastidores. Para isso

também contribui o fato de ter sido rejeitada a proposta de diretoria proporcional,

que contivesse todas as posições expressivas do ME, de acordo com o peso de

cada uma, desta forma estaria garantida que todas as tendências se colocariam

claramente frente aos estudantes, sem ocultar suas divergências nos ‘conchavos’

enriquecendo o debate político”610.

Uma terceira limitação se originava da estrutura de poder pretendida para a

entidade:

“...Mas certamente o maior perigo para a UNE reconstruída com relação ao seu

funcionamento, será a estrutura de deliberação retirada do XXXI Congresso.

Segundo o que ficou decidido, a diretoria da entidade, eleita pelos estudantes e

por eles mandatada para dirigir suas lutas, estará submetida a nada menos que

duas outras instâncias deliberativas: um Conselho de Entidades de Base (Centros e

Diretórios Acadêmicos), todo poderoso, e ainda um Conselho de Entidades Gerais

(DCEs, UMEs, UEEs). Estes ‘conselhões’ federativos, somatórias de direções de

entidades, destroem a soberania do Congresso e da decisão tomada pelos

estudantes que elegeram a diretoria, que estará limitado e contido em sua ação

por organismos que não expressam de forma direta a vontade do movimento

estudantil nas questões referentes a UNE. Dessa forma, a UNE estará reconstruída,

mas amarrada a uma estrutura herdada dos tempos em que ainda não existia a

entidade nacional. Este funcionamento burocrático poderá ser danoso às grandes

lutas a serem travadas daqui prá frente” 611.

610

O Trabalho nº 25 12 a 25/juho/1979, p5. 611

Podemos ler: “Não por acaso o DCE da USP, primeiro DCE livre, criado com a retomada das lutas

estudantis, ficou fora da lista apresentada pela UEE: sua diretoria composta por membros da Liberdade e Luta, a mesma tendência que se recusou a participar do grande conchavo que resultou na chapa Construção, vencedora das eleições da UEE. (....) Processo diferente será o da eleição da primeira diretoria em setembro,

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7.5 “PLANO DE COMBATE” DA TENDÊNCIA SINDICAL

Registros sobre o Congresso de Reconstrução no jornal O trabalho; manifesto da tendência Liberdade e Luta

Estadual. Acervo: CEDEM

Ora, em meio a estas limitações, a organização acelera a implementação da

“tendência sindical” e elege o processo eleitoral da UNE como ocasião privilegiada para

sua construção. No documento intitulado “Eleições da UNE”, encontramos orientações

claramente definidas: mais do que participar das eleições, tratava-se de ampliar o contato,

a discussão e o envolvimento dos militantes nos diversos Estados com o material

preparatório da tendência sindical; e tomando como base os ativistas (estudantes

organizados na tendência), o Setor Estudantil da OSI pretendia ampliar seu número de 239

ativistas – sem contar com os militantes da organização e os GER -, para 439 ativistas ao

final da campanha612. Mas, para tanto, se fazia essencial cumprir um cronograma de

atividades rigoroso613, ao mesmo tempo em que se adotava uma nova forma de

quando as chapas que se formarem disputarão o pleito nas urnas colocadas em escolas de todo o Brasil” IN O Trabalho nº 25 12 a 25/juho/1979, p5. 612

Os números e projeções eram os seguintes: São Paulo Capital, 70 atuais, 130 ao final; São Paulo interior, 65 inicial, 74 ao final; Rio de Janeiro, 5 atuais para 28; Rio Grande do Sul, 32 atuais para 47; Minas Gerais, 20 atuais para 50; Distrito Federal e Goiás, 10 atuais para 30; Paraná, 12 atuais para 24; Bahia, 16 atuais para 36; Nordeste, 9 atuais para 20. “Eleições da UNE”. Doc mimeog, s/d, s/a, 3p, p3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099 613 O cronograma, estabelecido entre os dias 18 de setembro e 27 de outubro, teria início com a chegada do Plano de campanha nos Estados, seguindo-se uma reunião do militante responsável com a Comissão da Campanha e o responsável estudantil (ou ainda, com os militantes estudantis), por entradas em sala de aula, viagens para distribuição do material, e convocação de reuniões para discussão da plataforma e a

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organização – a “organização de núcleos” -, base através da qual se daria a conferência

preparatória, as plenárias estaduais e por fim a conferência nacional da Tendência Sindical

Liberdade e Luta, marcada para o mês de outubro de 1979. Ainda no mês de julho, o Setor

Estudantil da OSI/Liberdade e Luta estabelece na esfera interna da organização, o seu

“Plano de Combate”, determinada a defender a “razão da existência dessas entidades,

que é centralizar o combate dos estudantes em cima da satisfação de suas reivindicações

e da luta contra a ditadura militar”. Diz o documento:

“Nós temos um papel a cumprir no interior do M.E.; ou a OT dirige esse combate

entre a ditadura militar ou as O. capituladoras levarão esse mesmo movimento a

rumos estranhos à sua natureza (...) temos que entrar nesse segundo semestre

com o objetivo de construir a o de 1.000 militantes. Temos que entrar nas

campanhas eleitorais e de lutas que proporemos tendo sempre na cabeça e nas

ações o nosso objetivo: recrutar para que possamos ampliar nossas forças; auxiliar

as massas a derrubar a ditadura militar, para que a crise revolucionária se abra e

as massas possam rumar na direção da vitória da Revolução (...) Para podermos ter

um funcionamento com grande agilidade é necessário antes de mais nada que

cada Amic divida suas responsabilidades a cada mil. Determine ritmos, prazos, etc.

Sem isso nada adiantará. Cada mil. É um dirigente (...) A coordenação será feita

pelo setor (...)Devemos constituir também uma Comissão Técnica, que terá que

montar e rodar: cartaz UEE, plataforma UEE, boletim-ante projeto estadual”614.

Entre as tarefas, constavam discriminadas: distribuição do panfleto Agora UNE

(8/agosto/1979), Boletim DCE-USP (9/agosto, com balanço de gestão, proposta e ante-

projeto para a eleição), Boletim UEE (12/agosto, com balanço, proposta e ante-projeto

campanha.. ações entendidas como de “organização dos núcleos”. Em 10 de outubro, chegaria aos Estados os textos preparatórios à Conferência de Outubro, com “Ante-projeto do manifesto da Tendência, de funcionamento e de Lutas”, seguindo-se dez dias depois, Plenárias Estaduais da Tendência, trazendo na pauta: “balanço do ME e perspectivas, Manifesto da Tendência e Funcionamento, eleição dos delegados”. Por fim, no dia 27 de outubro seria realizada a Conferência da Tendência Nacional. “Eleições da UNE”. Doc mimeog, s/d, s/a, 3p, p3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099. 614 “Plano de Combate”. Doc. Mimeog, 7p, s/d, s/a., pp 1-7 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 122.

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para a eleição), Campanha da UEE (12 a 20/agosto, nas escolas isoladas e algumas cidades

do interior), Campanha da UEE (20 a 29/agosto na USP, Unicamp e Unesp), Eleição da UEE

(30 e 31/agosto), Campanha pela reintegração dos professores cassados (10 a 31/agosto –

abaixo-assinado exigindo reintegração; 20/agosto – aulas inaugurais nas escolas da USP

com professores cassados; 22/agosto – ato público convocado pelo DCE-USP e ADUSP;

5/setembro – Ato público a ser proposto para entrega de abaixo assinado), Campanha da

UNE (8 e 9/setembro – Reunião do Conselhão – CONEG para fechamento das chapas e

reunião nacional dos núcleos para a formação da chapa Liberdade e Luta), Cartazes e

Plataformas (20/agosto – Cartaz UEE, Plataforma UEE; 3-4/setembro, Cartaz DCE,

Plataforma DCE), Campanha da UEE (com 3 fases de planejamento, envolvendo as

amics/células da USP em atividades diversas dentro e fora da universidade, entre os dias

12 e 31/agosto). Com relação às atividades para a formação da Tendência Sindical,

definiam-se reuniões nas escolas para formação dos núcleos (12 a 31/agosto) e uma

reunião regional para formação da tendência sindical (1 e 2/setembro).

Este processo, de qualquer forma, traria outras dificuldades para a Liberdade e

Luta. Segundo o relator das discussões promotoras do documento “Balanço das eleições

do DCE” (discussões desenvolvidas na Escola de Secretários da OSI, em agosto, e criticadas

pelo responsável pelo Setor Estudantil da OSI)615:

“..não conseguimos ainda dar os passos necessários para a construção da tend.

Sindical. Além do fato de que à margem dos sindicatos não é possível construir

uma tendência sindical, se coloca também nossa política em relação a LL

[Liberdade e Luta], desde que as discussões do BI foram transmitidas ao setor. De

uma hora para outra deixamos de ser LL, deixamos de ter um instrumentos de

aglutinação claro que era a tend. O abandono de LL contribuiu em muito para

615

Em relatório apresentado ao Burô Político da organização pelo responsável pelo Setor Estudantil, a análise do militante Bernardo, na Escola de Secretários compunha “uma falsa e sectária polêmica (...) que no seu conjunto favoreceu a quebra do centralismo democrático na plenária da tendência”. O relatório também dava notícias de ajustes do caminho político, informava sobre a realização de novas discussões e nova escola de secretários, além do estabelecimento de mudanças do funcionamento interno do setor. Relatório do acompanhamento do SEUSP. Tomás, 11/79. Doc mimeog, 3p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

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semear a confusão entre os militantes que ora eram orientados para construir

oposições, ora núcleos pela tend sinfical, o que fez com que construíssemos uma

série de organismos que não se vinculavam entre si e que não se constituiram num

ponto de apoio para nossa campanha”616.

Uma outra questão importante colocada neste período – nas proximidades do III

Congresso da OSI - dizia respeito ao recrutamento de militantes para uma organização que

então contava com 250 militantes e, nas discussões internas, considerava-se ter chegado a

hora de “varrer a nossa tradição de grupo” para “construir uma O.T. capaz de exprimir em

todas as circunstâncias as aspirações das massas”, e desta forma, atuar para transformar

uma situação de crise política da ditadura em crise revolucionária. Tratava-se portanto de

promover um “recrutamento intenso de novos combatentes, convencidos da necessidade

de construir o partido revolucionário, seção brasileira da q.i. em reconstrução” e que

permitisse a organização alcançar nos próximos meses o montante de 1.000 militantes.

Este número de integrantes permitiria à organização consolidar-se em escala nacional,

616 Podemos ler: “É verdade que fomos a melhor gestão, a mais democrática que o DCE já teve; assim como é verdade que assumimos uma entidade semi destroçada por duas gestões nefastas da Refazendo. Estes fatos, porém, não podem ocultar o que foi a nossa gestao. Não se pode esquecer que o primeiro semestre de diretoria foi de paralisia, sendo que a única atividade que nos empanhamos foi a campanha pelo Voto Nulo que colocada à frente de uma entidade sindical constitui na verdade em confundir o sindicato, frente única de todas as correntes do me, ao próprio partido. Ou ainda, mesmo quando procuramos tomar pé em cima da campanha da Anistia, ou dos 11 sindicalistas presos, abandonamos a entidade, para que LL assumisse sozinha a campanha, enquanto nossa orientação era a de cobrar das demais entidades estudantis a sua participação na campanha. Este abandono da entidade reflete toda uma incompreensão de que os estudantes construíram suas entidades para organizar o seu combate e nós demonstramos na verdade desconhecer o que cabia a LL encaminhar e o que cabia aos sindicatos para que uma luta avançasse. O grau de distanciamento, a abstração dos organismos criados pelos próprios estudantes fez com que não dirigíssimos nossas propostas aos sindicatos e nos mantivéssemos à margem de seu cotidiano. A luta do CRUSP nos mostra exatamente isto. Enquanto colocávamos nossas propostas diretamente nas Assembléias, as demais tendências manipulavam os Cas no sentido de voltá-los contra nossas porpostas e contra o DCE enquanto que nós, percebendo que estávamos ficando no ar não partíamos para disputar as bases de cada CA. De fato a luta do CRUSP se constituíu no único momento em que colocamos o DCE a serviço dos estudantes. Também é verdade que procuramos fazer com que o DCE fosse um instrumento de combate. Porém, como atuamos para atingir esse objetivo? Abandonando as entidades, o DCE, ignorando que as massas se organizam nestes sindicatos e consequentemente, nos oferecendo como canal de organização dos estudantes“. Balanço das Eleições do DCE, Bernardo, como relator da discussão feita na comissão ad Hoc. Agosto 1979. Doc mimeog, 5p, pp 1-3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

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fazer-se presente em diversos setores sociais e garantir “um combate unificado” com

base na “associação regular de centenas de trabalhadores e jovens à nossa política”.

O recrutamento teria início com a formação de “Comitês de Luta” que, numa

perspectiva diferente dos agrupamentos sindicais e dos organismos de frente única,

cumpriria com o papel de reunir as pessoas em torno de um combate específico, de forma

aberta e sem precisar que concordassem com todo o programa da organização ou que

deixassem de pertencer a outro grupo. Estes “Comitês de Luta”, no entanto, ao mesmo

tempo em que abririam “às massas canais de combate contra a ditadura”, também se

prestariam a ser “o terreno de recrutamento para a o.t”, uma vez que “Aqueles que

melhor combaterem nos Comitês, serão convidados para o ger”. Estes Comitês seriam,

também, construídos “em cima de uma campanha planejada”, sem ter um caráter

permanente, trazendo como princípio a idéia de que: “o nosso critério para o

recrutamento é o do combate e não o da ‘boa ou média formação livresca ‘ do

trabalhador”617 Entre os comitês constariam, particularmente, os “de Anistia” e “pelos

Sindicatos livres-pela CSI”, as principais campanhas definidas neste período.

Numa perspectiva paralela, tratava-se também de modificar os critérios de

formação dos militantes organizados618, uma vez que ao longo de 1978 teriam ocorrido

“inúmeras exclusões” motivadas pela existência de “vínculos desses militantes com o

marxismo (...) extremamente fracos”, apesar do II Congresso ter estabelecido “mais rigor

no recrutamento”. Tratava-se agora de “passar no crivo nossa zona de influência,

recrutando para a o. somente os que provaram na prática sua disposição a combater.

Logo o recrutamento deve se fazer...”:

“a. quando o militante já levou o combate conosco durante certo tempo, em

nossas tendências e onde elas não existam, de acordo com a política levada por

nós; b. o militante deve vender o jornal antes de começar o ger; c. o plano de ger

617 Recrutamento. Doc mimeog, 8p, março/79, pp2/3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 618 No Fundo Livraria A Palavra/CEDEM, caixa LP 108, encontramos dezenas de textos de Trotsky, Lenin, Marx e Engels destinados aos processos de formação militante.

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se compõe de 10 pontos; d.a segunda parte deste ger, quer dizer a partir do 5º

ponto é feita por um membro da direção da organização, num ger central”619.

Em novo documento datado do segundo semestre de 1979, a organização já

registrava o crescimento interno de 246 para 415 militantes entre os meses de abril e

julho620, questão que suscitava novas orientações:

“A cooptação rápida exige um plano de discussão pata toda a OT (de acordo com a

resolução de funcionamento e formação) assim como exige a formação de

dezenas e dezenas de secretários de célula – tanto no que diz respeito ao

aperfeiçoamento dos mais antigos como dos novíssimos”.

Na dinâmica da Liberdade e Luta, propriamente, estas deliberações implicavam em

mudanças significativas, ainda hoje guardadas na memória de pessoas da “zona de

influência” da tendência, como no caso de Fábio Malavoglia621 que não apenas estranhou

as novas orientações como se afastou da tendência, ou de Paulo Zocchi que, pelo

contrário, rejeitado num primeiro momento, insistiu em se integrar na organização até

conseguir. Em suas lembranças:

“...em 1978 houve as eleições no Centro Acadêmico (..) eu peguei uma carona aqui

com, você já ouviu falar no Salomão? Ele era um quadro político importante (...) A

gente parou na Alameda Santos e ele ficou explicando o voto nulo... Daí foram

duas horas de conversa e eu falei, “não, tudo bem, estou convencido a votar

nulo”. Na verdade, foi uma aproximação, foi uma discussão para uma aproximação

(...) então eu fiz um GER (..) Teve todas as discussões, no fim das contas eu fui

recusado (...) eu era um sujeito muito polêmico, polemizava demais com as

posições (...) Eu era um cara cabeludão e com brinco (..) [que] tentava fazer

atividade cultural e artística, para mim, as coisas se confundiam... Então (...) eu

619

“Projeto de Resolução Política”. Doc mimeog, 12 p, p11, 1979 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068. 620 Os números apresentados em “Resolução sobre Recrutamento” são: SP (156 para 276), MG (19 para 38), RS (24 para 34), DF (19 para 24), RJ (12 para 21), BA (7 para 14), NE (8 para 7) IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068 621

Depoimento de Fábio Malavoglia a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 22/07/2009

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achava que determinadas (...) posições de cultura tinham que entrar na carta do

Centro Acadêmico e não entendia porque é que não entrava (...) Eu fui rejeitado, e

durante este período a gente pôde desenvolver uma atividade de contracultura

grande”622

Segundo Paulo Zocchi, no período de 1978/1979:

“...Passado um certo tempo na Liberdade e Luta, você era eventualmente

convidado para entrar na organização. Eu devo ter sido convidado para entrar na

organização em julho de 1979. Daí te passavam no GER, que era um grupo de

estudos revolucionários (...) Nessa época, o grupo de estudos (...) era uma espécie

de discussão para entrar na organização (...) tipo uma por semana. Então, eram

umas oitos sessões de discussão coletiva com textos programáticos da Quarta

Internacional (...) Era a que temos até hoje, assim, nas discussões internas (....) um

texto político, um informe, vinte minutos/meia hora, falação e, a partir daí,

discussão política (...) Na verdade, a atividade de cooptação envolvia dois

aspectos, um, que era essa discussão teórica, e o outro, que era uma reunião

sistemática com o cara que era o responsável de intervenção (...) [e que] discute

com você toda semana e vai te envolvendo nas atividades”.

De forma concomitante, estas mudanças de orientação também enfrentavam

dificuldades na esfera interna, conforme registram algumas correspondências entre as

células e o bureau político da OSI. Entre elas, uma carta interna a USP dizia:

“O objetivo dessa carta é colocar os problemas que venho encontrando para

militar no SE [setor estudantil] da O. Creio que não são problemas pessoais meus,

mas problemas políticos que precisam de uma resposta (...) A esta altura a única

coisa que sei é que não quero sair da o. Estou nela há mais de 2 anos, com uma

militância, que apesar de contar com alguns desvios (ativismo principalmente),

622

Depoimento de Paulo Zocchi a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003

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tem se dado de forma apaixonada e sem limites. A o. está em primeiro plano na

minha vida (...) Camaradas, cada um fala uma coisa diferente da outra (..) Se os

camaradas do SE não tem uma compreensão comum da discussão que fazem,

imaginem o que cada sec entende da discussão do seu sub e o que cada militante

anda falando por aí. Parece uma brincadeira de telefone sem fio, onde a direção

fala 1000 e cada militante X (...) Mas o que o BP tem com isso? Porque eu não

coloco minhas divergências ou dificuldades no sub-setr? Aí é que está. Não só

coloquei, como venho colocando há meses, e como bem podem ver, não avancei

muito, levanto problemas sem conseguir dar um eixo a esta discussão”623.

A realização do III Congresso da OSI em agosto de 1979, enfim, firmaria as

diretrizes discutidas nos últimos meses (em particular nas instâncias internacionais ) 624 e,

contando com a “iniciativa direta do CORQI que possibilitou a unificação em bases

políticas precisas - fundamentadas no Programa de Transição”625, ele consolidaria uma

nova leitura sobre o “sindicato livre”, deliberando pela intensificação da “Campanha pela

Anistia” e lançamento das Campanhas “pela Conferência Nacional pelos Sindicatos Livres

e pela Central Sindical Independente” e “pela legalização da OT” (destinadas a centralizar

e conduzir os combates do movimento de massas); pelo recrutamento em nova escala -

“visando atingir o objetivo de 1.000” e associado à criação de comitês de luta - com o

propósito de levar “a camada de trabalhadores e jovens que são atingidos pela nossa

agitação e propaganda, a construir conosco os meios para a combater a ditadura militar, e

abrir a crise revolucionária”; pela mudanças de gestão do Jornal O Trabalho (cabendo à

direção da organização assumir a direção do jornal, além de transformá-lo em semanal) e

publicação da revista teórica “A Luta de Classe” (com peridiocidade trimestral)626.

623 “Ao BP”. Rose. 24/8/79. Doc datilog, 3 pg, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 624 “O novo momento do B.I. e nossas tarefas”. São Paulo, março de 1979, doc mimeografado, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 625

O trabalho, nº32, 17/setembro a 1/outubro/1979 626

Neste Congresso surgiriam também “divergências internas quanto à linha sindical a ser implementada pela Organização”, seguindo-se uma cisão e a formação “da Organização Quarta Internacional (OQI), posteriormente Partido da Causa Operária”. AZAMBUJA, Carlos I. S.. “Ainda o PSOL – Partido do Socialismo e Liberdade”, 21 de outubro de 2005. http://www.usinadeletras.com.br/editorapubliquelivro.php

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A OSI, por fim, assumiria “a discussão que à nível internacional está sendo

realizada entre o CORQUI e o SU, o que implica discutir aqui, com as organizações e

grupos filiados ao SU, através de textos acessíveis a todos os militantes”; cabendo-lhe

ainda levar campanhas internacionais; as tarefas preparatórias da 3º Conferência Latino-

americana; a criação e funcionamento regular de uma Comissão Internacional do CC; a

cobertura regular, pelo jornal, das atividades das seções do Corqui; contribuir

financeiramente para a reconstrução da IV Internacional627.

Estas resoluções consideravam como extraordinário o nível “de combatividade das

massas brasileiras”628, num contexto no qual as novas formas de organização do

movimento dos trabalhadores contrastavam com uma série de obstáculos – na forma do

recém-criado Partido dos Trabalhadores (considerado pela OSI como uma “articulção

burguesa”629); no papel exercido pelo PCB (cujo papel consistia em “sustentar a ditadura

627

Resolução. III Congresso OSI. 1979 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 628

Podemos ler: “...o nível extraordinário de combatividade das massas brasileiras, as formas de organização que seu movimento destacou na luta contra a ditadura são inseparáveis do ascenso revolucionário do proletariado a nível mundial e de suas características essenciais: a tendência do proletariado a se reagrupar sobre um novo eixo e a retomada das formas mais ‘tradicionais’ da luta de classes. O movimento se revestiu de uma espontaniedade poderosa. Mas essa espontaneidade não foi um dado bruto, mas o produto da ação de diversos fatores. Ela se integrou no ascenso do proletariado internacional (...) mas foi também a resultante da experiência adquirida em um ano de combates contra a ditadura militar, em um ano em que inúmeros organismos que asseguram a representação do conjunto das massas em luta foram construídos. Comissões de fábrica, comandos regionais, comitês de greve e Comando Geral de Greve surgiram em quase todas as localidades. As assembléias de 100 mil metalúrgicos, os piquetes-monstro, os espancamentos de pelegos e as passeatas marcavam um esforço gigantesco da classe operária para dar forma organizada ao seu movimento independente. A força da greve se fez sentir por todo o país, tanto nos movimentos s de solidariedade, como no grau maior de liberdade imposto à ditadura. Na verdade, a greve dos 250 mil metalúrgicos – em 6 dos maiores centros industrais do país – e dos 400 mil servidores públicos, estaduais e municipais – que se estendeu por mais de 300 cidades do estado de SP, paralisando setores inteiros da administração pública, a quase totalidade dos servidores da saúde e a totalidade dos serviços de educação – aumentaram as forças desagregadoras que agem no interior da ditadura militar, marcando a relação entre as classes e no interior das próprias classes” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068. 629

Podemos ler: “Surgida no interior do sindicato corporativista, aglutinando velhos pelegos inclusive com passado de interventores e policialescos – e pelegos mais novos, o PT vem mostrando a cada greve o seu verdadeiro papel: manter a estrutura sindicl corporativista, quebrar o movimento grevsta, participar juntamente com Figueiredo, das tentativas de evitar a abertura da crise revolucionária”. Apêndice da Resolução política. III Congresso, p4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.

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militar, de legitimar suas instituições”)630; na presença de Brizola (centrada em resgatar “a

tradição do velho PTB”); na manutenção da “posição do aparelho stalinista, com toda a

sua ciência contra-revolucionária” de fazer “tudo o que pode para sustentar e apoiar a

ditadura”; entre outros representados pelo “Partido Popular de Almino, a Frente Popular ,

de Arraes e outros” – cabendo aos militantes trotskistas impulsionar as “aspirações e

reivindicações das massas” defendendo a luta pela independência sindical631 e a

derrubada da ditadura632.

As resoluções do III Congresso, em 1979, somadas ao trabalho de construção da

tendência sindical, se fariam presentes nas bases das plataformas para o DCE-USP, UEE-SP

e UNE.

Na plataforma para o DCE-USP, Liberdade e Luta resgata e avalia sua gestão

afirmando que “sempre combateu pelos interesses dos estudantes, por melhores

condições de ensino, contra o ensino pago”, questões que a levaram a enfrentar

“intransigentemente a ditadura militar” e a defender “a independência do DCE”633,

cabendo-lhe afirmar que “Sob nossa direção, o DCE não compactuou com nenhuma

instituição da ditadura”. Esta perspectiva, por sua vez, conferia “o direito e o dever de nos

630

“A Atuação do PCB se torna cada dia mais evidente (...) colocando-se contra as greves (...) Apoiando a anistia restrita de Figueiredo, sustentando o bipartidarismo, a ‘unidade’ do MDB. Negando-se a lutar pela sua legalidade – e sufocando a palavra de ordem de ‘livre organização partidária’”. Apêndice da Resolução política. III Congresso, p4 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068 631

Na luta pelos sindicatos livres, a OSI propunha a manutenção do “combate pela independência sindical”

nas mais diversas atividades, instâncias e organizações de trabalhadores, nas mais diversas categorias, ao mesmo tempo que a realização de encontros municipais, de bairro, de fábrica... capazes de fortalecer os núcleos combatentes e de articulá-los em Conferências Estaduais pelo Sindicato Livre com perspectivas de uma Conferência Nacional. Mas, a questão dos sindicatos livres não poderia se afastar da luta pela anistia ampla geral e irrestrita, uma vez que a “luta pela satisfação das reivindicações dos trabalhadores” passava pela “liberdade deles se organizarem segundo sua vontade, para atingir seus objetivos”. Por fim, num momento em que a “ditadura militar se decompõe a olhos vistos”, tratava-se também de lutar pela “legalidade das organizações políticas, em particular, a OT”, propondo-se “como instrumento para a efetivação dessa luta definimos a seguinte palavra-de-ordem: LIBERDADE PARA OS PARTIDOS POLÍTICOS – LIBERDADE PARA AS ORGANIZAÇÕES OPERÁRIAS”. Na esfera interna, a questão primordial consistia na “construção da OT” e na conquista de 1.000 militantes. 632

O documento afirma: “A situação brasileira se caracteriza hoje pela crise política da ditadura, crise que, inexoravelmente, evoluirá até a queda – mais cedo ou mais tarde – da ditadura, até o desmantelamento do Estado burguês, a explosão da crise revolucionária. Não existe nenhuma transição pacífica até outro sistema de dominação de classe da burguesia e do imperialismo”. 633 “DCE na luta do CRUSP”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2.

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candidatarmos à reeleição” em função de, ao lutar “por melhores condições de ensino

junto com os estudantes, [nós] nos deparamos sempre com o mesmo obstáculo: a

ditadura”.634 No curso de 1978, “centenas de milhares de trabalhadores se colocaram,

com suas greves, no centro da vida política do país: as greves ocorridas em maio de 1978

expressavam o anseio profundo dos trabalhadores e jovens do país em acabar com a

ditadura militar e suas instituições, com a repressão e o arrocho salarial..”635. Mas os

movimentos não pararam por aí.. Em 1979:

“...o número de grevistas alcança alguns milhões, em vários Estados, sindicatos

livres são construídos (professores no Rio, professores em Minas, construção civil

do Rio Grande do Sul, vigilantes em São Paulo, e outros), os estudantes

reconstroem a UNE, a polícia é enfrentada nas ruas com paus e pedras pelos

grevistas”636.

Diante disso e também do fato de que “a ditadura continua sendo a ditadura:

continua a reprimir, sempre com ferocidade, o movimento dos trabalhadores”, a luta pela

anistia:

“...expressa o combate contra a ditadura em seu mais alto grau. Significa a luta

pela soltura de todos os presos políticos do país, mas é mais do que isso: é a

vontade de milhões de brasileiros para que não haja mais prisões políticas, para

que haja liberdade de organização e expressão, direito de greve para que o

634 “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 635 Podemos ler: “...em resumo, derrubar a ditadura, obstáculo maior e erguido contra as reivindicações da imensa maioria da população de conseguir melhores condições de vida, melhores salários, liberdade” “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 636 Podemos ler: “O movimento dos trabalhadores e jovens é o responsável pela maior crise que a ditadura enfrentou em toda sua existência, e a queda do super ministro Simonsen (uma verdadeira queda do Ministério) é provocada diretamente por este movimento (..) A ditadura militar não consegue controlar sua própria crise e agonia. Economicamente, o país está falido, e as greves impedem que o arrocho salarial seja aprofundado (...) Essa situação de crise atinge também os estudantes: o nível de ensino é violentamente degradado”. “Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3.

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aparato repressivo da ditadura seja desmantelado, para que ela não tenha mais

condições de reprimir”637.

Enfim, a “..defesa que os estudantes fazem da independência da UNE faz parte da

luta contra a ditadura militar, que impediu por 11 anos a existência da UNE e agora fará

tudo para que nossa entidade perca seu caráter independente, submetendo-a ao controle

de suas instituições. Nesse sentido..”:

“..repudiamos firmemente a proposta que está sendo feita por algumas posições,

(como a chapa Chegou a Hora, que concorreu à UEE), no sentido de que a UNE, a

UEE e outras entidades participem do Conselho Feredal de Educação, do Conselho

Estadual de Educação e de outros instrumentos da ditadura. Os estudantes não

devem compactuar com a elaboração da política de ensino da ditadura, que é

contra os nossos interesses. Não devemos participar do mesmo organismo que

prepara a degradação cada vez maior do nível do ensino público e gratuito, o

ataque às nossas entidades livres”638

Na plataforma para a UNE, Liberdade e Luta procura se apresentar para um

conjunto de estudantes muito mais amplo, definindo-se da seguinte maneira:

637 Nosso Combate no DCE”. Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, pp 2-3. 638 Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3.

Cartas programas de Liberdade e Luta em 1979. Acervo: CEDEM

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“Somos uma tendência nacional do Movimento Estudantil Brasileiro, lançada

publicamente em julho de 1978, depois de anos de atuação enquanto grupos

regionais. Atuamos em 12 Estados, no interior das entidades estudantis, lutando

contra a Ditadura, pelas reivindicações dos estudantes e pela independência do

ME. Justamente por isso, somos sistematicamente atacados pela grande imprensa,

cujos proprietários não compartilham dos interesses dos estudantes e

trabalhadores. Temos participado das principais lutas do ME. Estivemos à testa da

reconstrução do primeiro DCE-Livre do país, na USP (o qual atualmente dirigimos),

em 76. Estivemos nas passeatas estudantis de 77 (as primeiras desde 68), algumas

das quais foram aprovadas em Assembléias realizadas à revelia das principais

tendências do ME. Em 78 fomos a principal força (contra as grandes tendências) a

propor, no IV Encontro Nacional, o Congresso de Reconstrução da UNE para o

primeiro semestre de 79. A proposta foi aprovada. A UNE está de pé”639.

Com destaque para as afirmações: “A UNE veio para brigar. Apontando as lutas

centrais, a UNE estará unificando os estudantes”; “Para acabar com o ensino pago.

Boicotar taxas e sobretaxas, e os aumentos: assim combatemos a Reforma Universitária”;

“Acertar em cheio a ditadura. A luta pela anistia é o golpe contra a ditadura que a UNE

deve desferir”; “Onde quem manda somos nós. Livre, independente: assim a UNE foi

criada, assim garantiremos que ela permaneça”, a tendência afirma:

“O ponto de partida para que a UNE funcione plenamente é que ela consiga dirigir

e organizar nossas lutas. É nesse processo que vai se colocar a necessidade da

organização setorial, conforme a área de ensino; a necessidade de uma imprensa

dinâmica e regular; e é assim que estarão dadas as bases para a promoção de

atividades de integração e intercâmbio cultural e esportivo. A unificação nacional

dos estudantes deve ser assegurada através da campanha permanente pela

Anistia, na campanha contra o Ensino Pago e na luta pela independência da UNE.

Além disso, em cada área (Humanas, Exatas e Biomédicas) será elaborada, através

das Secretarias e de Encontros, uma pauta de discussão e de lutas, centrados na

639“Liberdade e Luta”. Liberdade e Luta – UNE. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2.

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questão do combate ao Currículo Mínimo e na questão da regulamentação da

profissão. Às Secretarias de Cultura e Esporte caberá realizar um levantamento das

iniciativas já existentes, nestes setores, em cada Estado, para programar atividades

comuns a serem desenvolvidas durante a gestão”640.

Na Carta programa para a UEE-SP, por sua vez, as proposições são de

“desburocratizar a UEE”641 de forma concomitante com a luta pela anistia (nas ruas e

contra a ditadura)642 e pelo ensino público e gratuito, insistindo a tendência:

“..Que a atividade da nova diretoria da UEE-SP esteja orientada para a organização

de um BOICOTE ESTADUAL AS SOBRETAXAS. Esta luta aglutinará milhares de

estudantes que hoje procuram fazer da UEE um verdadeiro instrumento de luta.

No ano que cem, 1980, a UEE deverá organizar uma luta pelo CONGELAMENTO

DAS ANUIDADES! (...) E a UEE tem que dar uma resposta a isso sem fazer

concessões ao MEC ou aos donos de faculdades Para que esta proposta seja de

fato encaminhada e não se transforme em letra morta, ou em discurso

inconsequente, propomos que ainda neste final de ano a UEE realize seu

congresso e que neste Congresso, onde a participação não se restringe às

diretorias de entidades (...) falem os estudantes! (...) Que o CONGRESSO organize

o combate dos estudantes que a UEE até agora não foi capaz de travar”643

640 “A UNE trabalhando”. Liberdade e Luta – UNE”. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 641

Podemos ler: “Agora temos uma tarefa: fazer com que a UEE retorne ao controle dos estudantes. Fazer com que seja instrumento de combate por nossas reivindicações. Para isso precisamos desbloquear o funcionamento da entidade. Precisamos de uma entidade verdadeiramente democrática para levarmos todas as lutas que Construção não levou. Nessa linha, propomos que se realize um CONGRESSO DA UEE, ainda esse ano, onde os estudates possam discutir livremente as lutas que deverão travar em São Paulo”; Liberdade e Luta UEE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p4. 642 Podemos ler: “Que sejam formados comitês de luta em todas as escolas, que expressem o combate organizado dos estudantes pela libertação imediata dos onze companheiros trabalhadores. Esse é o combate pela defesa de nosso próprio direito de manifestação e expressão, é o combate que oje garante a defesa de nossos legítimos interesses (...) Propomos que a UEE assuma e organize os estudantes numa campanha pela reintegração imediata e incondicional dos mestres e alunos cassados ou banidos pela ditadura; que eles sejam ressarcidos de todas as perdas morais, materiais e profissionais que sofreram; que terminem os atestados ideológicos e demais restrições políticas ao acesso de docentes à Universidade”.“A anistia nas ruas Contra a ditadura” Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p2. 643 “Pelo Ensino Público e Gratuito para todos!” Carta programa Liberdade e Luta UEE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA, 1979, p3.

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Mas, o embate da Liberdade e Luta com a diretoria da UEE-SP assumia, de fato,

contornos mais intensos e se achava colocada há mais tempo. Para a tendência

lambertista, lhes parecia inaceitável a entidade estadual se manter ausente das

mobilizações das Faculdades privadas (contra o aumento das anuidades)644, dos

manifestos pela prisão dos militantes trotskistas, da greve de fome dos presos políticos645,

ou ainda, das lutas travadas na USP contra o aumento do preço do restaurante do

CRUSP646. E esta ausência os levava a considerar que a estrutura de gestão adotada pela

direção da entidade estadual, particularmente o Conselho Estadual de Entidades (CEE),

atuava como um “verdadeiro aparato montado para impedir que os estudantes tenham

acesso à sua entidade estadual”. O CEE, na visão de Liberdade e Luta, era responsável pelo

funcionamento lento e burocrático da entidade, ou ainda, pela imposição de dificuldades

de acesso/controle direto dos estudantes sobre as entidades, afastando-os da

possibilidade/perspectiva de “usá-la como instrumento ativo de suas lutas”. De forma

concomitante, a diretoria da UEE-SP - abrindo mão das ” responsabilidades assumidas

quando de sua eleição” - se “escondia” por trás da entidade, diluindo entre “todas as

644 Na ocasião, segundo a tendência, a UEE-SP não só falhara no encaminhamento de uma forma de luta que ela própria propusera (abaixo-assinado das entidades do Estado), como ela acabaria por interferir negativamente no movimento “impedindo que os estudantes se unificassem sob a palavra de ordem de congelamento das anuidades e fazendo todos os esforços para que o movimento não se generalizasse (...) Na Puc, inclusive, o boicote às matrículas não contou com a participação nem com o apoio da diretoria da UEE”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2 645Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p2. 646 Podemos ler em “Liberdade e Luta Estadual “: “Desde o início das férias, Liberdade e Luta, como diretoria do DCE-livre da USP, vinha desenvolvendo uma atividade no sentido de aglutinar os estudantes para uma luta contra o aumento de 66%. A UEE esteve ausente desde o início. Mas assim que as aulas se iniciaram, e cocrreu a primeira assembléia massiva, Construção desceu como um meteoro para tentar impedir que o combate fosse adiante. Mas não bastou retardar ao máximo o desenvolvimento das lutas. Quando foi necessário utilizar formas de luta mais avançadas, no sentido da obtenção da reivindicação CRUSP a 6 cruzeiros, repentinamete se ‘descobriu’ qe o eixo da luta não era aquele, mas sim o descongelamento das verbas da SP! Isso pela manhã. À noite, a atuação da diretoria da UEE foi decisiva para impedir que os estudantes decretassem greve, em nome de uma assembléia, para dali a uma semana, que discutiria o relatório sobre as condições materiais de cada escola... Isso não sem antes deixar cair o véu que encobria sua atuação durante toda a luta: nesta assembléia, para melhor operar a desmbilizaão, Construção defendeu abertamente os Cr$ 10,00 impostos pela burocracia contra a proposta de congelamento a Cr$6,00 (conqista dos estudantes em 76!), defendida pela diretoria do DCE. Essa ‘feliz’ descoberta feota por Construção deu os resultados esperados: morreu ali o movimento para manter congelado o preço do restaurante. E se não vai haver aumento este semestre, isso se deve não às propostas ‘de luta’ de construção, mas à luta concreta dos estudntes que, mesmo derrotada, produziu alguns frutos”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p.

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correntes que, de forma mais ou menos aberta, lhe dão seu apoio” os ônus da gestão,

com desdobramentos dramáticos para a democratização do movimento. A opção de

estrutura adotada por esta instância, portanto, deveria ser combatida em nome dos

estudantes recuperarem “para si” a UEE, ou ainda, em nome de se retomar uma série de

enfrentamentos abandonados pelas “correntes estudantis que se recusam a romper com

as instituições do regime”. O controle exercido pelas direções de entidades sobre um

movimento alimentado/constituído na/da participação direta dos estudantes na vida

política implicava, desta forma, na canalização de “todas as lutas estudantis para dentro

das instituições do regime e, com alguma predileção, para o MDB”. Para Liberdade e Luta:

“No interior de São Paulo, esse é um traço evidente das correntes que compõem a

chapa Construção, especialmente quanto a levar os estudantes a se filiarem ao

MDB (...) Não é por acaso que nas reuniões do Conselho Estadual de Entidades –

CEE (aparelho burocrático montado por Construção para tornar a UEE

impermeável ao movimento dos estudantes), as discussões tenham quase sempre

por referencial a seguinte questão: que posições aprovaremos aqui para que os

parlamentares ‘combativos’ do MDB defendam no Congresso. E, aliás, às vezes,

um ou outro diretor da UEE é apanhado de calças curtas, como quando se

defendeu que os parlamentares deveriam aprovar, com ‘reservas’

evidentemente... o projeto de anistia de Figueiredo! E esse tem sido o traço

essencial de Construção, o elemento que confere unidade a essa frente espúria

surgida em maio de 1978”647.

O resgate desta entidade livre de grandes proporções - “que caíra no marasmo” –

cumpria lugar estratégico para recolocar a UEE-SP “no centro das necessidades do

movimento estudantil”, ou seja, no coração das lutas contra o regime militar. À

plataforma da entidade, Liberdade e Luta propunha, então: “uma campanha pela

reintegração imediata e sem restrições de professores e alunos cassados ou banidos das

647

Para a tendência: “...Construção significou um divisor de águas, acolhendo as correntes estudantis que se

recusam a romper com as instituções do regime, em contraposição aquelas que combatem essas mesmas instituições”. Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, pp 1-2.

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universidades pela ditadura” (expressão tanto do movimento pela anistia ampla, geral e

irrestrita, em contraponto ao projeto de anistia de Figueiredo, quanto da luta contra a

Reforma Universitária); “Uma campanha , a ser preparada desde já em todo o país e,

particularmente, pela UEE-SP, contra as taxas e aumentos das anuidades” (contra o ensino

pago); a convocação “para outubro de um Congresso da UEE, que decida a realização

dessas lutas de forma democrática e massiva. São lutas que devemos travar com todo

nosso potencial de mobilização e, dessa forma, o atual funcionamento da UEE deve ser

deixado para trás”; “além disso, a UEE deverá se posicionar e, mais do que isso,

encaminhar ativamente a luta dos estudantes ao lado dos trabalhadores de todo o

país”648.

Nas eleições para a UEE-SP, disputadas por 5 chapas, a vitória seria de Voz Ativa

que recebe cerca de 19 mil votos num total de 65 mil votos; em segundo lugar ficaria a

chapa Chegou a Hora (com cerca de 17 mil votos). A Liberdade e Luta recebe 8 mil votos,

12% dos votos, e conclui o processo em quarto lugar649. Nas eleições do DCE livre da USP

nos dias 12 e 13 de setembro, vence a chapa “Todo Mundo no DCE” (PCB), seguida por

“Sacode a Poeira” (Refazendo e Caminhando, com 2505 votos) e pela Liberdade e Luta

(com 1672 votos)650

648 Conclui o documento: “pela libertação de todos os presos políticos do país; volta de todos os banidos e exilados! Apoio ativo à greve de fome dos presos políticos! Repúdio ativo à morte do operário em MG pela ditadura! Liberdade de organização e expressão” liberdade de organização sindical e partidária! Direito de greve e manifestação! Desmantelamento do aparato repressivo! Punição aos responsáveis por crimes de tortura, mortes e outros desse teor! Enfim, abaixo a ditadura! Abaixo Figueiredo e suas reformas! Liberdade e Luta Estadual.São Paulo, Liberdade e Luta, 13/08/79. Doc mimeog, 4p, p4. 649 Nas palavras de Ricardo Melo: Os “resultados obtidos devem-se a uma certa timidez demonstrada por Liberdade e Luta durante a campanha. Isso teria feito com que (..) obtivesse expressiva votação nos locais onde é reconhecida por seu trabalho e recolhesse pouquíssimos votos onde isso não aconteceu, em virtude da falta de uma campanha melhor preparada e mais agressiva (...) Na USP, onde estamos na diretoria do DCE e nossa implantação é antiga, ficamos em segundo lugar com 20 por cento dos votos, superados apenas por Voz Ativa, que teve 27 por cento. Contudo, em cidades importantes como Santos e São Carlos, nossa votação praticamente não existiu” “As eleições da UEE-SP”. O Trabalho nº31, 4 a 16/setembro/79, p3. 650 Segundo Ricardo Melo: “As eleições para o DCE são importantes porque se trata de uma entidade com uma grande tradição, construída há 3 anos em cima dos combates que os estudantes levaram contra a ditadura militar. É impossível hoje para os estudantes da USP ignorar que há quatro companheiros trabalhadores presos pela ditadura exatamente por defenderem os mesmos direitos pelos quais nós sempre nos batemos. Liberdade e Luta, como proposta, oferece esse contato aos estudantes da USP (...) Essa é a expressão maior do combate que hoje trabalhadores, estudantes e todos os explorados travam contra a ditadura militar. E é em cima desse combate que nós postulamos para a diretoria do DCE, em continuidade a

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Nas vésperas da eleição da UNE, por sua vez, Liberdade e Luta continua ativa na

campanha contra o ensino pago (objeto do “pacotão Portella”) e com a leitura de que

“Nosso compromisso é com a luta dos estudantes, com suas reivindicações”651, ela puxa

vários abaixos-assinados de estudantes pela adesão das UEEs São Paulo, Rio de Janeiro,

dos DCEs da UFBa, da UFCe, do Conselho Regional de Estudantes da UNE, em Brasília, aos

processos de luta; reúne 15 mil assinaturas em São Paulo pela realização do Congresso da

UEE; propõe, na impossibilidade do Congresso, uma luta contra as sobretaxas na forma de

“comandos” pelo boicote (a serem unificados através de assembléia municipal para

garantir a unidade do movimento).

E em meio a tudo isso, as eleições da UNE trazem consigo um leque variado de

grupos e posicionamentos que divergem em diferentes aspectos quanto ao papel do

movimento estudantil no processo de redemocratização social (suas prioridades de luta,

arco de alianças, etc..), e como previra Liberdade e Luta, formam-se entre eles várias

“chaponas”, entre elas a “Mutirão” (que reúne num mesmo blocos as tendências

Refazendo, Caminhando e Viração); a “Novação” (de matriz trotskista, que traz as

tendências Centeia, Peleia, Convergência Socialista e Travessia, todas em apoio ao PT); a

nossa atual gestão”. “Eleições DCE livre da USP: 12 e 13 de setembro”. O Trabalho, nº31, 4 a 16/setembro/79, p3. 651 O Trabalho nº37, 6/novembro/1979, p4

Imagens e matérias sobre a Liberdade e Luta em 1979

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“Unidade” (PCB), a “Maioria” (“acusada pelas outras tendências de ser uma chapa

“direitista”)652 e a Liberdade e Luta. Na ocasião, Ricardo Melo, afirma:

“...pela primeira vez nas eleições de uma entidade estudantil a discussão não se

polarizará nesta ou naquela palavra de ordem, como ocorreu em eleições

anteriores, mas que lutas e reivindicações estão na ordem do dia para os

estudantes e quem está disposto de fato a encaminhá-las (...) Assim de fato uma

luta (...) é traduzi-la em ação, é torná-la uma realidade palpável para os estudantes

e a realidade conforme que os estudantes não estão sendo correspondidos. Um

exemplo será a luta contra o aumento das anuidades e as taxas levadas na PUC-SP

ou na FMU-FIAM para os quais a diretoria da UEE não soube apontar o caminho

correto, atrasando até a construção do DCE da FMU (...) À frente do DCE da USP

(....) nos defrontamos com um fogo cerrado de outras entidades e, em particular,

da UEE, que deveria ter-nos prestado todo apoio e que, ao contrário, combateu o

tempo inteiro todas as propostas que apresentamos para que a luta avançasse (...)

O funcionamento das entidades contribui bastante para que as lutas não se

desenvolvam e fiquem apenas no palavreado. Hoje na UEE, o burocratismo é tal

que é improvável aos estudantes controlar a entidade construída por eles. A UEE

hoje se restringe a esse tipo de reuniões e discursos bombásticos que não

organizam ninguém. No fim, os estudantes reconstruíram suas entidades, mas não

estão organizados. Esta é a conclusão”653

Chapa Muitrão é eleita para presidir a UNE reconstruída. Fonte: Carta Programa. Acervo: CEDEM

652

SANTANA, Flavia de Angelis. Atuação do movimento estudantil no Brasil: 1964 a 1984. São Paulo: USP, 2007. Mestrado em História Social, p. 197 653

“UNE: em outubro”. O Trabalho nº30, 21/agosto a 3/setembro/79, p2

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Nas eleições diretas para a UNE, realizadas em outubro de 1979, vence a chapa

Mutirão654 e, no mês seguinte, a tendência lambertista dá início à construção da tendência

sindical Liberdade e Luta que, nas palavras de Demétrio Magnoli, surge como:

“...uma corrente que atua no interior das entidades livres dos estudantes,

procurando realizar a sua unidade em torno dos três pontos que são colocados por

seu movimento: satisfação das reivindicações dos estudantes, o fim da ditadura e

a independência das entidades”655.

A tendência sindical contaria com uma estrutura democrática nos moldes das

entidades livres, segundo Josimar Melo, “..com núcleos por escolas, reuniões semanais

(propostas de intervenção com a participação de qualquer estudante que concorda com a

plataforma)”. Segundo o Jornal O trabalho, estes núcleos seriam:

“...estruturados de acordo com as necessidades (dois por escola, um reunindo

duas escolas e assim por diante), e (...) centralizados pelos colegiados locais (que

podem ser por unidade, por cidade, etc) estadual e nacional, para dar conta dos

problemas que ultrapassam no âmbito de uma escola (que são resolvidos pelos

núcleos), com reuniões sem periodicidade determinada. Para dirigir a atividade de

colegiados, foi eleita na plenária de sábado, a Direção Estadual Provisória,

escolhida a partir da atuação, experiência e possibilidades de intervenção de cada

estudante. ‘Esta estruturação ainda será discutida e aperfeiçoada na Conferência

Nacional’, afirma Josimar, ‘quando daremos o passo definitivo para nos

implantarmos dentro das escolas e impulsionar as entidades’. E Josimar

acrescenta: ‘No passado, tivemos um importante papel nas grandes mobilizações

654

Carta Programa da Chapa Mutirão. Em pé, atrás, da esquerda para a direita: Juarez Amorim, José Pimenta, Sergio Carneiro e Ivaneck Perez. Nas cadeiras: Marcelo Barbieri, Alon Feuerwerker, Luis Falcão (Lula), Candido Vaccarezza, Fredo Ebling e Gilberto Martin. Na frente: Aldo Rebelo, Rui Cesar (presidente), Maria Francisca de Souza (Kika), Pedro Reis Pereira e Vladir de Oliveira.. http://reconstrucaodaune.blogspot.com/2009/03/chapa-mutirao-vencedora-da-eleicao-para.html 655 “Liberdade e Luta: vamos construir a tendência sindical”. O Trabalho nº36, 6/novembro/1979, p12

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estudantis mas, por diversas vezes, não levamos com igual empenho as lutas

cotidianas do estudante”656.

Entre outros acontecimentos, um conjunto de 250 estudantes procedentes das

principais universidades da capital e do interior (Campinas, Ribeirão Preto, Santos, Rio

Preto, Mogi das Cruzes, entre outras) se reúnem na PUC-SP para realizar o Encontro

Estadual de Liberdade e Luta; os debates se centram na proposta da tendência para o

Congresso da UNE, em particular, sobre o “combate contra as taxas, pelo boicote estadual

às mensalidades” e sobre a unificação das lutas contra as sobretaxas e luta pela moradia

estudantil, além de discussões sobre a estruturação provisória da tendência sindical. Em

17 de novembro, 93 delegados de oito Estados, além de 70 observadores promovem a

Conferência Nacional da tendência sindical Liberdade e Luta, que na ocasião discutem e

deliberam a estruturação da tendência em escala nacional, eleição de uma direção por um

ano e aprovação de seus principais eixos de luta . Segundo Josimar Melo (candidato à

presidência da UNE):

“A base sobre a qual nossa tendência se estrutura são as entidades livres dos

estudantes, da UNE aos centros acadêmicos. É no seu interior que pretendemos

organizar setores significativos da grande massa estudantil que hoje acorre às

entidades (..) Partimos da compreensão do caráter sindical do ME. Sua vocação é

de participar, dentro da luta pela satisfação das reivindicações, do movimento

geral de derrubada da ditadura, com a qual se coloca a cada momento. Por isso,

atualmente o programa de Liberdade e Luta se define em três pontos:

independência política e organizativa, satisfação das reivindicações e fim da

ditadura. É a partir destes princípios que Liberdade e Luta pretende realizar

aunidade do estudantado em suas entidades livres”657.

656

Segundo Josimar Melo: Esta conferência será um marco na história do movimento estudantil (..)

Formando a tendência sindical os estudantes darão um importante passo na realização de sua unidade dentro das entidades livres, para garantir incondicionalmente a sua independência. A existência da Liberdade e Luta como tendência nacional será esta garantia”.“Liberdade e Luta: vamos construir a tendência sindical”. Ibid, p12 657 “Liberdade e Luta: tendência nacional. Um marco na história do movimento estudantil. O Trabalho nº39, 19/novembro/1979, p12

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7.6 - A LUTA CONTRA O ENSINO PAGO E AS INTERVENÇÕES

ARTÍSTICO-CULTURAIS

Com a bandeira de luta contra o ensino pago à frente, a tendência propunha uma

dinâmica complementar de organização política para o movimento estudantil : a criação

de núcleos por escolas ou por grupos de escolas – com apoio nos Cas e Das - com a tarefa

de “traçar a política imediata para sua escola”, cabendo aos mesmos núcleos escolher

suas coordenações e compor colegiados, inclusive de caráter estadual. Estes núcleos

auxiliariam o movimento estudantil a recompor sua dinâmica de mobilizações ao conferir

maior especificidade e força às suas reivindicações específicas (tais como o pagamento de

matrículas e taxas nas escolas públicas, o aumento de anuidades nas escolas privadas).

Um “outro ponto importante”, afirmava Liberdade e Luta:

“... é a luta para obter, junto às entidades, locais para instalar sedes da tendência,

o que atualmente não acontece. É a luta pelo direito de tendência dentro dos

sindicatos livres, a mesma que levamos quando propusemos uma diretoria

pluritendencial para a UNE, em proporção aos votos obtidos por cada uma das

tendências”.

A Conferência aprova também várias moções, entre elas, a de apoio ao “comício

pela legalidade dos partidos e organizações que se reivindicam da classe operária”,

proposto pela OSI658, ou ainda, a de apoio à Conferência Nacional pelo Sindicato Livre/pela

Central Sindical Independente, “para a qual a Liberdade e Luta criaria uma delegação,

além de pedir apoio da UNE”.

658 A proposta se origina de uma troca de correspondências datada de 15 de outubro de 1979 entre o CC da OSI com as direções da APML, MEP, MR-8, PCB, Pc do B, PCR, POC e PST, organizadores do PT e do PTB, entre outras organizações, sindicatos, entidades estudantis. Correspondência IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.

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De forma concomitante, as instâncias da UNE começam a funcionar e em reunião

no mesmo mês de novembro, o Conselho de Entidades Gerais (CONEG) se posiciona

contrário À luta pelo congelamento das anuidades - proposto por Liberdade e Luta -, ao

mesmo tempo em que aponta eixos de luta sem aprovar nenhuma proposta organizativa

mais específica. O CONEG também nega apoio à luta pelas liberdades de organização

partidária e legalidade para todos os partidos e organizações, afirmando Josimar Melo na

ocasião que:

“Tentei explicar como seria importante para a entidade e para a própria luta pelas

liberdades democráticas o fato da UNE assumir esta proposta. Mas a verdade é

que a maioria dos representantes de entidades parecia mais preocupada em

rejeitar a reforma partidária do governo e manter o MDB, do que assumir uma luta

concreta contra a ditadura”659.

Ainda no mês de novembro, por proposição de militantes da tendência Vento

Novo e apoio da secretaria das Casas Universitárias, um grupo de 300 alunos invade os 5º

e 6º andar do Bloco A do CRUSP (que, segundo o jornal O trabalho, desde 1968 não

abrigava mais estudantes), promove uma concentração na frente da Reitoria as USP e um

acampamento simbólico; Liberdade e Luta apoia este movimento, ao mesmo tempo em

que denuncia o papel desmobilizador do DCE-livre por não se dispor a participar deste

enfrentamento. Estes posicionamentos parecem dar resultados, uma vez que:

“Depois de realizada a maioria das eleições de Centros Acadêmicos na USP, nota-

se um importante deslocamento de forças (..) Liberdade e Luta – que havia

recuado consideravelmente nas eleições do ano passado – vem conseguindo

resultados expressivos na maioria das escolas”660.

659 O Trabalho n°39, 19/novembro/1979, p3. 660 O Trabalho n°39, 19/novembro/1979, p4.

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As movimentações em torno do boicote ao pagamento de sobretaxa, somadas a

constituição em algumas faculdades de “comandos gerais de boicote” (PUC-SP, Farias de

Brito, Guarulhos, Universidade Mogi das Cruzes, Medicina do ABC, Fundação do ABC),

levam a UEE-SP a criar uma comissão de entidades para coordenar as mobilizações, ou

ainda, a promover em lugar do Congresso da UEE, um Encontro Estadual de Escolas Pagas.

Nos meses que se seguem acontece o IIº Encontro das Escolas Pagas que delibera, desta

vez, pela organização do boicote estadual às sobretaxas e às matriculas de São Paulo, na

mesma ocasião em que se anuncia na PUC-SP a formação de um “comando geral de

boicote, composta por representantes dos comandos por escola”661 que aprova em sua

primeira reunião a constituição de três comissões (finanças, imprensa e ampliação). No

entender de Liberdade e Luta:

“Fortalecer o Comando Estadual de Boicote, através da formação de comandos

por escola – esta é a principal tarefa que está colocada para a campanha contra os

aumentos nas anuidades e as sobretaxas nas escolas pagas do Estado”662.

A intensificação das mobilizações associadas à questão da privatização do ensino

conferem, enfim, maior legitimidade à Liberdade e Luta que defende os “comandos de

boicote” como a “garantia que os estudantes possuem de que seu movimento será

controlado, democraticamente, por eles mesmos, até a vitória”; esta legitimidade

também possibilita que as propostas da tendência alcancem com maior força as entidades

gerais. De forma concomitante, estes acontecimentos configuram divergências mais

profundas entre as movimentações e tendências estudantis, e entre outros aspectos,

quanto ao sentido das ações políticas.

Na verdade, não apenas no território estudantil a presença de diferentes sentidos

de ação política se fazia mais clara: no âmbito das reformas partidária e sindical - que

661 No IIº Encontro das Escolas Pagas acontece empate nas votações da proposta de Liberdade e Luta de congelamento das anuidades e a derrota da tendência na proposta de apelar a UNE para realize um congresso para encaminhar a nível nacional o boicote às sobretaxas e matrículas. O Trabalho nº41, 3/12/1979, pp 36-38. 662 O Trabalho nº42, 11/12/1979, p4.

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tocavam diretamente as formas e perspectivas de organização e representação política do

mundo do trabalho – elas também começavam a se mostrar presentes, divergindo as

organizações clandestinas de esquerda sobre os destinos do bi-partidarismo (até sua

extinção no mês de novembro pelo Congresso Nacional); sobre a estrutura sindical (que,

entre outras ações, levara centenas de sindicalistas a se reunir na Conferência Nacional

por Sindicatos Livres/pela Central Sindical Independente); sobre as greves (que se

avolumavam nas mais diversas categorias sociais e Estados da Federação)663, ou mesmo

sobre o processo de radicalização do movimento pela Anistia (que recebe sanção de Lei

pelo presidente Figueiredo)664.

As organizações de esquerda, por sua vez, permeadas pelo mais variado leque de

posicionamentos políticos também encontravam no território político estudantil, espaço

para firmar seus posicionamentos e ali amplificar suas divergências. Ora, estas mesmas

tensões despertariam a atenção da imprensa, interessada particularmente nas tendências

663

As greves de 1979 tem início a partir de janeiro, começando pelos motoristas de ônibus urbanos no Rio

de Janeiro e seguidas pelos operários da Souza Cruz/Rio de Janeiro; por fumagueiros das fábricas de Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre; por professores das redes municipal e estadual de ensino do Rio de Janeiro (o movimento sofre intervenção no seu sindicato, mas volta a se reorganizar e se manifestar 5 meses depois); por novas greves no ABC paulista (que desta vez sofrem intervenção nos 3 sindicatos da região); trabalhadores dos postos de gasolina do Rio de Janeiro; motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo; professores da rede oficial de ensino de Minas Gerais; paralisação de médicos residentes em 14 Estados por 24 horas; jornalistas de São Paulo; trabalhadores da construção civil de Belo Horizonte (choques entre grevistas e polícia provocam a morte de um trabalhador; trabalhadores voltam a se manifestar depois de um mês); carreteiros de Belo Horizonte protestam por 24 horas; professores da rede municipal e estadual da Bahia; caminhoneiros de Paulínia vinculados à Petrobrás (movimento que se estende para outros setores de carga em Minas Gerais e Rio Grande do Sul); bancários mineiros; motoristas de ônibus e bancários em Porto Alegre (sindicato bancário sofre destituição de diretoria; 5 bancários são presos); metalúrgicos do Rio de Janeiro (movimento atinge 9 municípios); bancários de São Paulo (realizam manifestação no centro da cidade e recebem adesão de office-boys e populares) e bancários do Rio de Janeiro (ambos os sindicatos sofrem intervenção); metalúrgicos mineiros de Betim e Contagem, da Belgo-Mineira; operários das obras de expansão da Companhia Siderúrgica Nacional; metalúrgicos de São Paulo e Guarulhos (em choque entre a polícias e manifestantes da fábrica Sylvânia em Santo Amaro morre um operário; policia prende o comando de greve); metalúrgicos de Curitiba; caminhoneiros da Petrobrás de Paulínia e Barueri” IN Brasil Dia-a-Dia. Especial Almanaque Abril, Editora Abril, 1990. 664 Esta lei, considerada parcial pelas organizações militantes, beneficiava 4.650 pessoas entre cassados, banidos, presos, exilados e destituídos de seus empregos, possibilitou o retorno dos exilados em setembro, constando entre muitos outros: Leonel Brizola (6/setembro), Miguel Arraes (15/setembro), Luiz Carlos Prestes (20/outubro). No mês de novembro, o 2º Congresso Nacional pela Anistia delibera que os CBAs deveriam se juntar aos movimentos populares exigindo a total redemocratização do país.

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estudantis discordantes665, transformando-se a Liberdade e Luta num objeto de debates

públicos.... a ela são dedicadas matérias específicas na mídia impressa e televisiva, como o

programa de Mino Carta veiculado no dia 1º de agosto pela TV Tupi que traz para a

discussão, entre outros convidados, um representante da UEE-SP, os diretores do DCE USP

Josimar Melo e Ricardo Melo, Lula e o Coronel Erasmo Dias666.

Nesta ocasião, a Liberdade e Luta contava com a “maior frente de intervenção da

OT em SP (81 militantes e 65 GER)”, ao mesmo tempo em que ela continuava a reunir em

sua “zona de influência” um leque muito mais ampo de expressões políticas e culturais,

resgatadas com detalhes por Paulo Zocchi que, em 1979:

“Formamos um grupo que era a Magrela; na ECA havia um grupo, Sem Passaporte,

que era ligado, que os membros eram da organização (...) não por acaso,

evidentemente, eles retomavam o surrealismo, particularmente, o manifesto que

o Trotsky fez com Breton, no final da década de 1930 (...) contra o realismo

socialista... Nessa época, a discussão do realismo socialista era relevante,

665

SILVA, Jordana. A atuação das tendências políticas no Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP) no contexto da Ditadura Militar dos anos 70, 2010. Op. Cit., pp 79-80. 666

Segundo reportagem do jornal O Trabalho, este programa se traduziu “num mosaico de opiniões que

procuraram provar sempre a mesma idéia: Liberdade e Luta não passa de um grupo de jovens, sem vínculos com a luta dos estudantes e do povo brasileiro por melhores condições de vida e de trabalho, contra a ditadura militar”

. Podemos ler: “O Coronel Erasmo Dias mais uma vez fez rir os telespectadores pelo rigor de

sua análise: mistura maoísmo e trotskismo com a mesma facilidade com que atira bombas ‘corriqueiras’ contra estudantes e trabalhadores, O mesmo rigor se fez sentir nas palavras de Airton Soares, se bem que este misturou coisas diferentes das do Coronel. Teceu críticas à Liberdade e Luta: ‘radical, fora da realidade, não trabalha em conjunto com ninguém’. Tão precisas que não conseguiu formular um só exemplo para ilustrá-lo. Assim como se esqueceu de todos os exemplos que conhece para provar o contrário. O que diria o deputado do combate de Liberdade e Luta pela reconstrução dos Centros Acadêmicos? E da luta pelo DCE-livre da USP? Da PUC e outros? Da UEE e da UNE? Será que não foi um combate que Liberdade e Luta travou juntamente com outras tendências? Ou será que Liberdade e Luta não combateu por essas entidades? O que dizer então da crítica de ‘radical’? Será a campanha pela anistia irrestrita uma luta radical? O mais interessante é que o deputado disse que colaborou financeiramente com Liberdade e Luta. Porém, mesmo sem medir os seus passos, o deputado Airton consegue fazer parte de um programa. O que não se pode dizer do Lula, que fez um programinha à parte. Lula não se dispôs a falar da Libelu: ‘tem coisas mais importantes’, disse ele. E falou do PT. Num programa sobre Libelu. Que tinha convidados membros da Libelu. E outros convidados para falar, da Libelu. Lula não pode falar da Libelu ou melhor, da sua política, pois isso significaria discutir as críticas que lhe são feitas à sua adaptação ao sindicato corporativista, que ele tanto diz combater. Claro foram os membros da UEE, que reconheceram Liberdade e Luta como corrente legítima do movimento estudantil, apesar das muitas divergências. Estas, infelizmente, jamais encontrariam num programa de Mino Carta o espaço para a livre discussão”. Liberdade e Luta na TV. O Trabalho, 7 a 20 de agosto de 1979, nº29, p2.

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sobretudo o PC do B, que dominava as principais tendências do movimentos

estudantil, implementava o realismo socialista de uma forma maciça nas

universidades... Então, esse grupo combatia isso aí e fazia uma série de atividades

em São Paulo (...) com a liberdade de que todo mundo é artista e ninguém é

artista (...) muitas atividades de rua (...) dizendo “bom, por que são as galerias de

arte e o mercado, que determinam quem é artista e quem não é artista? Então a

gente fez uma coisa chamada Evento de Fim de Década (....) na Praça da Sé em

outubro de 1979 (...) [com] atividades preparatórias [e que levaram a] formação

de diversos grupos de atuação em artes”667

Material do grupo Viajou sem Passaporte (outubro de 1978), que contou com a participação de Paulo Zocchi. Imagens

disponibilizadas pela internet

667

As atividades preparatórias e o Evento de Fim de Década se constituíram de uma: “...passeata alfabética

pelo centro de São Paulo... depois (...) a gente invadiu a Bienal (...) puxando o cordão, todo mundo com olhos vendados fazendo comentários sobre a Bienal... Depois, uma coisa chamada paz aos escolhidos (...) várias pessoas amarradas no marco zero, lendo textos aleatórios, dando voltas até ficar todo mundo preso... Depois, passeata (...) Era uma proposta (...) uma tenda de projeção que não deu muito certo. Caixas de papelão... Guichê de informações, onde as informações são qualquer coisa... Escultura de vento... Na verdade... (...) no dia não deu certo, mas se você for olhar o desenvolvimento do que os caras chamam de instalação nos anos seguintes... (...) música (...) qualquer um entrava, sentava, tal...Arte postal... Isso aqui é um negócio que no mundo inteiro faz... Papel e tinta... (.....) depois o dragão. Isso aqui a gente começou (...) O dragão é um túnel de pano preto com quinze metros de comprimento e uma estrutura de módulos (....) Então a gente sai do Teatro Municipal e chega até a Praça da Sé andando pelas ruas ali do centro velho e enfiando a população... A população entrava no meio, não sei o que... e depois, chegava na Praça da Sé e começava o evento. Era o start do evento. Isso aqui eu também tenho em filme super 8 aí...(...) a representação, lambe-lambe (...) Trabalho de dança... Esse daqui é um tipo de escambo (...) mas subvertendo o valor comercial (...) você trocava um barbante por um quadro, digamos... troca simbólica... isso aqui é a formação de diversos grupos de atuação em artes. O grupo Viajou Sem Passaporte era um grupo mais teórico (...) o Três, Nós Três, era um grupo que tinha três artistas (...) Renos Terráqueos é uma pichação que nós fazíamos (...) que causam um certo impacto em São Paulo, na época. Os Três então eram os caras que davam esses cursos sobre grafites aí que até hoje são artistas plásticos e tal...”. Depoimento de Paulo Zocchi para Mirza Pellicciotta. São Paulo, 15/09/2003

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7.7 - APROXIMAÇÕES TROTSKISTAS E O APOIO AO PT

A força do discurso de Liberdade e Luta, somado a um momento particular vivido

pelas organizações trotskistas (de ver rearticuladas diferentes tendências brasileiras em

função da rearticulação das instituições internacionais)668, permitiriam a esta tendência

estudantil não apenas se aproximar de outras tendências trotskistas (como a

Convergência Socialista, vinculada ao Secretariado Unificado), como assumir um papel

político muito especial. Para Mário, até este momento (final de 1979), não havia nada

igual... o “espírito da Liberdade e Luta” permitia ao jovem que entrava nela ficar

“plenamente sintonizado com o mundo (...) Ele estava apto a intervir, discutir ou... nada

era proibido”. Ela se constituía numa organização trotskista que:

“...falava para amplas massas, combatia preconceitos, falava em nome da

democracia e da liberdade, criava um negócio profundo, que enraizou. Essa

questão da organização autônoma parecia muito com os anarquistas, não é? Tinha

algo de anarquismo nisso, de liberdade sexual, de liberdade de ir à festa, de

liberdade de pensamento... De autonomia, do surrealismo, da visão artística... “669.

No entanto, quando a organização clandestina se vê diante de uma “classe

operária em movimento”, ela passa a retraçar seu caminho político e, em meio à

radicalização das formas de luta contra o ensino pago, das lutas pela anistia e pela

668 Em documento da Convergência Socialista, datado de janeiro de 1980, podemos ler: “”...o movimento trotskista no Brasil (...) deu origem a diversas organizações que se reclamam do trotskismo mas têm posições que poderíamos qualificar de ‘nacionalistas’ em relação à construção da Internacional (...) como é o caso dos companheiros do PRT, da FDT e setores da FURP (..) Além disso existem outros grupos trotskistas que se aproximam do revisionismo, embora não tenham estas posições consolidadas, como outros setores da FURP e os grupos Centelha e Peleia, além do grupo diretamente revisionsita que se expressa através do Em Tempo (...) esta realidade exige que tenhamos uma política em relação a essas organizações com o objetivo de aproximá-las do Comitê Paritário, integrá-las à tarefa de construir uma verdadeira internacional, centralizada e de combate, impedir que se passem ao bloco revisionistas, fortalecendo as forças trotskistas”. “Aos companheiros da OSI”, São Paulo, 29/01/1980. Convergência Socialista. Doc mimeog, 4p IN Correspondência. Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 669

Depoimento de Mário Martins de Lima para Mirza Pellicciotta. Campinas, 20/11/2005

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Constituinte livre e soberana, a Liberdade e Luta ganha a forma de uma tendência sindical,

seguindo-se a adoção de (novos) procedimentos que acabariam por transformá-la

profundamente.670

A princípio, é a própria OSI que adota um novo entendimento acerca de sua

construção e papel no movimento de massas; entendimento que se revela presente no

mês de novembro quando o Bureau Político da organização se reúne para preparar a Iª

Conferência Nacional pelos Sindicatos Livres (16/12). Considerava que, com base na

criação de Comitês671 e na adoção de um eixo de lutas tornava-se possível estruturar

campanhas, preparar mobilizações e a Frente Única, “regularizar, controlar, dominar

nosso recrutamento e crescimento, nossa construção o ano todo com ou sem mobilização

de massas (mas não independentemente do estado de ânimo, do estado molecular das

massas)”. E com base nestas considerações, ele trata do plano geral dos encontros

Municipal de Salvador; Municipal do Rio, de Professores de São Paulo; de Professores de

Brasília; Estadual de Metalúrgicos de São Paulo; de Servidores de São Paulo; Municipal de

Bancários de São Paulo; de Trabalhadores da SABESP; Nacional de Professores e Nacional

de Bancários672. No mesmo contexto, a OSI vence as eleições para o Sindicato dos

Bancários de São Paulo (1979), o que fortalece o braço sindical da organização, constando

670

Entre eles: a implementação da política de Frente Única, fundada na criação de “comitês pela FU” com o

papel de “ajudar as massas a realizar a unidade, (...) a se organizar independentemente”, com base num “ponto concreto (...) Isto é, sendo ‘organismos políticos que, a partir das aspirações dos trabalhadores [que] lutam para superar (de fato, para ajudar as massas a superar) os obstáculos erguidos pelos aparelhos’, eles colocam o ponto concreto, a questão concreta imediata que, num momento dado, numa fase dada de mobilização das massas, expressa, concentra, sintetiza (...) a necessidade da organização independente, (...) da unidade na luta contra os patrões e seu governo” IN “Contribuição para a discussão sobre a campanha pela 1ª Conferência por Sindicatos Livres/por uma Central Sindical Independente”. Filipe. 07/12/79. Doc mimeog, 23 p IN Relatórios das Comissões e Setores/SP. Fundo A Palavra, Caixa LP099, CEDEM. 671

Podemos ler: “Os comitês devem se constituir num reagrupamento de militantes que atingimos c/ a nossa intervenção política. Com eles discutimos e preparamos nossa intervenção (..) Tendo como referencia o combate das massas e as suas necessidades, formulamos o ponto concreto em cima do qual reagruparemos os militantes (...) Os comitês que formaremos travarão essa batalha (impor a unidade) em todos os terrenos: desde a preparação das greves, do combate pelos CGGs, das lutas particulares, à luta contra a ditadura” IN “Contribuição sobre a Campanha pela 1ª Conferência Nacional por Sindicatos Livres/por uma CSI” Filipe 18/10/79. Doc mimeog, 2p IN Correspondência. Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 672

A luta pela unidade: preparar a Conferência. Buro Político OSI. São Paulo 25/11/79. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

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à frente do Bureau Político (com papel central nos rumos do movimento) o sociólogo

Glauco Arbix e o jornalista Paulo Moreira Leite673.

Na esfera interna da organização, a OSI também vive discussões importantes no

começo de 1980 acerca da formação dos militantes, entendendo fazer-se necessário “um

sistema regular de formação” para além dos GERs e da militância política, na busca de

sanar debilidades e lacunas que surgiam nos momentos de elaboração política e

centralização de células e organismos. Experiências recentes nos “campos de integração”

(fevereiro/1980) suscitavam “um plano de formação centralizado, subordinado às

necessidades da org.” e suficientemente rápido para “sustentar o funcionamento da

organização de combate que estamos construindo”674. Numa perspectiva complementar,

tratava-se de conferir ao jornal O Trabalho o desempenho de um papel mais claro de

“organizador coletivo de uma organização bolchevique”, cabendo-lhe “orientar a atuação

dos militantes, definir os eixos e os centros de intervenção a cada momento”, bem como

atuar junto às reuniões de célula na condição de “segundo ponto da ordem-do-dia”675.

Por outro lado, como desdobramento da pré-conferência Nacional pelos Sindicatos

Livres, realizada em dezembro de 1979, ganha forma no mês de março a Comissão

Nacional de Entidades Livres que, no manifesto “Aos trabalhadores brasileiros, às

entidades sindicais, ao Partido dos Trabalhadores”, pronuncia-se “a favor da construção

de um Partido dos Trabalhadores. A favor de um Partido que lute contra os patrões e

prepare a mobilização geral dos trabalhadores contra a ditadura militar”.

Este manifesto chama também o recém-criado “Partido dos Trabalhadores a

participar ativamente da luta pela construção de sindicatos independentes, por uma CSI”

[Conferência Nacional por Sindicatos Livres], além de apoiar a realização do “Encontro de

Trabalhadores em Luta contra a Estrutura Sindical e o Sistema” e de conclamar a todos

673

A libelu ganhou o poder Por Glauco Faria e Thalita Pires [Quinta-Feira, 4 de Outubro de 2007 às 10:55hs] Revista Fórum, Edição 19, setembro de 2004. http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=1147 674

“Plano de Formação”. Burô Político, 6/03/80 Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001. 675

“Balanço: utilização do jornal”. BP, 04/04/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

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para organizar a Conferência Nacional por Sindicatos Livres, em setembro676. Vale

considerar, neste caso, que neste momento já surgiam resistências internas quanto à

participação da OSI na formação do PT; a intenção de conquistar a legalização da

organização, somada à pretensão de constituir os “comitês de ligação” e efetivar “a CSI

ainda este ano” apareciam como prioridades e como alternativa à intenção de “abdicar da

construção da IV Internacional, no atual período pelo menos, e (...) nos mudar de malas e

bagagens para o PT, como a fração Maurício, Política Obrera e a Convergência

Socialista”677, experimentando-se “um momento contraditório”. Nas palavras de Sokol:

“... um núcleo de sindicalistas chamados Autênticos discute a formação do PT e a

gente participa através da OSI (...) No entanto a gente, apesar de participar, estava

com uma posição sectária”678

No âmbito estudantil, desde os últimos meses de 1979, as tendências Liberdade e

Luta e Novo Rumo começam a viver um processo de aproximações alimentado pelos

esforços de discussão conjunta dos fóruns internacionais trotskistas - Comitê de

Organização e Secretariado Unificado – pela Reconstrução da IV Internacional. Em

seguida, com base nos textos do Comitê Paritário (em particular, oriundos da reunião

ampliada realizada na Colômbia), a OSI procura aprofundar as discussões junto aos

militantes da Convergência Socialista na busca de “ganhar os simpatizantes e militantes

(..) para as posições do CORQUI relacionadas com os temas discutidos” (em particular,

sobre as ações guerrilheiras no Irã, Nicarágua, Afeganistão, El Salvador e em meio a quais

a OSI se posicionava, em geral, contra o castrismo)679.

676 “Aos trabalhadores brasileiros, às entidades sindicais, ao partido dos trabalhadores”. Comissão Nacional de Entidades Livres, BH, 14/03/1980 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 140. 677 Boletim Interno. Os Trotskistas e o PT. Lucio Galego. Recebido Jairo 05/03/80. Doc mimeog, 6 p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 678

Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 679 “Como preparar as reuniões abertas de discussão dos textos do Comitê Paritário”. Burô Político, 27/03/80. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001.

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A tendência Novo Rumo, que surgira no começo de 1978 na USP para disputar as

eleições do DCE-USP, também se integrara à chapa Construção e participara da gestão da

UEE-SP tão criticada pela Libelú. Por outro lado, esta tendência já se achava presente no

Congresso de Reconstrução da UNE com o nome Ponto de Partida, contando com

militantes de diversos estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba,

Brasília, Mato Grosso Rio de Janeiro)680. Na nova situação, durante o Congresso da UEE de

1979, as tendências trotskistas – em processo de articulação - chegariam a somar 40% dos

delegados presentes e a interferir de forma significativa nas proposições de organização

do movimento estudantil paulista para o ano de 1980. Mas, de forma concomitante,

Liberdade e Luta - na condição de tendência sindical e em sintonia com as resoluções

clandestinas - dava continuidade à política de boicotes e greves universitárias, somada à

orientação de criação de “comitês de luta” no interior das universidades, propósito que

ela leva no interior do movimento estudantil da UNESP.

7.8 - POLÍTICA DE BOICOTES E DE GREVES: POR UMA “GREVE GERAL

NACIONAL DE ESTUDANTES”

Em meados de 1980, a ampliação do boicote se soma a outros movimentos nas

Universidades Públicas contra os cortes de verba, crescendo neste ínterim a adesão à

proposta de uma greve geral nacional dos Estudantes e a sua estruturação em “comandos

de greve”. Nesta ocasião, as proposições de embate estudantil com a ditadura militar (por

meio das organizações sindicais, na leitura trotskista) já enfrentam forte resistência dos

demais grupos (em particular, dos stalinistas)681.

680

ROMAGNOLI, Luiz Henrique e GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE. De Ibiúna a Salvador. História Imediata. Ed Alfa Omega, 1979, pp 57-58 681

Em junho de 1980, um relatório interno da PUC-SP registrava que: “O stalinismo ciente da dimensão política que o combate contra os aumentos colocava, barrou a via dos estudantes se utilizarem de suas entidades livres enquanto verdadeiros sindicatos livres para organizar e unificar as suas lutas contra a

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Nos relatórios sobre a militância da PUC-SP encontramos maiores detalhes destes

processos; de fato, em meados de 1980 esta universidade já acumulava o montante de 10

a 15 boicotes de mensalidades no período 1975/1980, situação que se por um lado

conferia importante experiência aos estudantes, por outro lado há um bom tempo não

surtia efeito, o que impunha, na visão da Liberdade e Luta, a junção do boicote à greve

geral dos estudantes da PUC em nome da satisfação de suas reivindicações. Por outro

lado, tratava-se de estruturar as entidades com base na discussão de um modelo de

estatuto a ser proposto em assembléia (condição para se definir o caráter da entidade,

suas instâncias de deliberação e suas comissões), e em seguida, a consolidação de seu

caráter sindical, o que implicava na filiação dos estudantes e na contribuição de uma taxa

para sua sustentação material e política. Mas em meio a esta nova estrutura, surgiam

dúvidas sobre os vínculos que os estudantes estabeleceriam com a tendência sindical

Liberdade e Luta (TS), propriamente dita.682 Nas lembranças de Sokol, a questão da

tendência sindical:

“É uma discussão que a gente faz.. não é sobre a liberdade e luta, é sobre as

entidades políticas. O quê que ela tem que ser. […] É uma posição completamente

ditadura militar. Sob a bandeira de mais verbas os stalinistas (..) As entidades na prática passaram a gerir as escolas, ao colocarem todo seu esforço em conseguir mais verbas, em salvar a PUC, etc (é como se estivessem participando dos órgãos colegiados e cuidando dos interesses da escola)”. “A luta contra os aumentos de anuidade em São Paulo”. Samuel, 24/6/1980. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 682 As considerações seriam as seguintes: “É certo que não vamos fazer mini gers para os estudantes entrarem na TS, mas temos que ser rigorosos nas discussões, fundamentalmente sobre: independência do ME (PT, SL, CSI, abaixo a ditadura); satisfação das reivindicações (greve na PUC e greve nacional dos estudantes). Se o estudante concordar com nosso método e visão do movimento e compreender a necessidade de se organizar como fração do sindicato, isto é, nos núcleos de LL e contribuir mensalmente para sustentar a atividade da própria tendência, daí sim poderá ser considerado um militante LL. Tudo isso não quer dizer que o estudante só vai estar do nosso lado quando tiver toda essa compreensão. Não. Seria um erro político. As reuniões de LL são abertas e públicas, devemos chamar todos, particularmente aqueles que se destacam nos combates no interior do sindicato. A TS, enquanto uma fração do sindicato, também é uma escola de comunismo (é um viveiro para OT) neste sentido estudantes curiosos – combativos poderão tornar-se membro da TS. Nessa medida, é que os núcleos precisam se estruturar e para isto o colegiado cumprirá um papel fundamental, os coordenadores de núcleos tem que estar a par do que acontece no DCE e do que há de mais importante nas outras escolas. Sem o funcionamento regular do colegiado será impossível os núcleos se estruturarem em termos de uma intervenção homogênea. Obtetivos até o final do semestre: (..) 9 núcleos e 70 militantes”. “Plano para Intervenção – PUC SP – 2º semestre de 1980”. Comissão para Elaboração do plano da PUC SP EII, 18/07/80 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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original, porque a UNE nasce […] depois a luta de classe preenche essa relação de

outro modo. Mas o caráter da UNE nunca ficou bem definido. Os sindicatos

integrados […] na realidade da luta de reivindicações por verbas, ademais da luta

histórica. A democracia na universidade … […] era um tipo de imposto sindical, era.

Mas era pago por todos. Não tinha mensalidade, algumas entidades tinham

mensalidade, eram mais sindicais até. Grêmio, etc...até tinham mensalidade.

Depois isso acabou porque você podia entrar com meia carteirinha. Então perdeu

o sentido a carteirinha nesse sentido e também teve uma degeneração das

próprias entidades, que passaram a viver indo à lanchonete, xerox, se vincular a

editoras. Patrocinados pelas próprias reitorias. Como esse negócio de não pagar os

direitos dos alunos...”683.

Já com relação a criação de um núcleo do PT na PUC-SP, o documento afirmava

que seu “impulsionamento (...) significará uma enorme possibilidade de crescimento da

OT na PUC, o espaço está aberto precisamos ocupá-lo”.

No segundo semestre de 1980, os boicotes são “retomados, decretados ou

deflagrados em assembléias que chegaram a contar com cerca de 10 mil alunos como em

Mogi, e na FMU/FIAM. Ocorrem as assembléias explosivas do Mackenzie elevando para 5

o número de Universidades em boicote simultâneo. No interior, Santos, Lins e Marilia

retorna a luta”684. Diante das mobilizações, o CONEB aprova a greve de 3 dias, mas rejeita

a proposta trotskista de “greve nacional pela satisfação das reivindicações” (até a

vitória...), seguindo-se um movimento que paralisa 250 mil estudantes em São Paulo e 700

mil no restante do país. Em meio a este processo, Liberdade e Luta também defende o

apoio das amplas massas e sindicatos estudantis ao PT por reconhecê-lo como partido

operário “frente aos demais partidos (todos burgueses) e em função da “adesão de

correntes importantes (como o PCB e a coligação que dirige a UNE) ao PMDB”. Mas, mais

do que isso, afirma o documento:

683

Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005 684“Balanço de nossa intervenção nas eleições da UEE”. Jane (após discussão com os responsáveis de Comitês de São Paulo – 12.10.80). Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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“Para a OSI, bem como para a massa de estudantes que identifica no PT a

expressão do movimento da classe operária, interessa a articulação de uma chapa

para a UNE – sindicato livre nacional – impulsionada pelo PT, composta por

militantes e simpatizantes do PT que coloquem a necessidade do apoio dos

estudantes aos trabalhadores e seu partido. É preciso ter claro, porém, que não

defenderemos incondicionalmente uma chapa pró-PT, ou seja, uma chapa cujo

único ponto de definição e de unidade seja o apoio ao PT. Pois trata-se de

apresentar uma plataforma que responda às reivindicações dos estudantes em

seus combates no interior da UNE. Neste sentido, trabalharemos com uma

plataforma que coloque fundamentalmente: a) Abaixo a ditadura! É a bandeira

central, que sintetiza as aspirações dos estudantes em todos os níveis (...), b)

Apoio à luta dos trabalhadores e ao PT; c) Luta pela Greve Nacional dos Estudantes

contra o Ensino Pago, pela satisfação das reivindicações; d) Independência do ME

frente ao MEC e aos Órgãos Colegiados”685.

Nesta ocasião, os trotskistas insistem na realização de uma greve nacional, forma

de luta que, se por um lado não recebe adesão da diretoria da UNE, por outro lado, ela

ganha espaço no CONEG e obriga “todas as correntes se posicionarem”, nascendo daí a

proposta de uma “Greve por 3 dias”. Esta proposição leva os trotskistas a “realizar

importantes contatos com dirigentes sindicais estudantis (inclusive de regiões onde não

tínhamos trabalho, como Sergipe e Mato Grosso)”, além de estabelecer um Plano de

Intervenção que procuraria contornar as barreiras colocadas contra a Greve Nacional e

que se embasava na seguinte leitura:

“Participaremos de todas as atividades preparatórias da Greve de 3 dias (e de

acordo com nossas possibilidades à frente dos sindicatos, chegaremos mesmo a

organizar estas atividades), mas nossa intervenção será no sentido de afirmar que

a discussão central deve ser a preparação desde já das lutas, a deflagração da

greve em cada escola. E a medida e que a greve de 3 dias apareça como um

685

“Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio (resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 5-6 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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obstáculo, já estaremos forjando na prática a alternativa da greve nacional, e

combatendo de forma ofensiva a barreira levantada à luta dos estudantes.

Impulsionar a mobilização imediata dos estudantes nas escolas não é senão o

primeiro passo na luta pela greve nacional. Para que esta possa se tornar

realidade, é necessário que seja construída a unidade das escolas em luta. Por isso

proporemos a formação de Comandos de Greve que unifiquem os comandos de

cada escola. As escolas que iniciarem a greve já no mês de agosto serão

fundamentais como ponto de referência para a greve nacional. Os comandos

formados devem chamar os estudantes de todas as escolas a aderirem à sua greve

desde já (...) Além disso, o Comando Naconal deve propor à UNE que chame à

realização de Assembléias em todas as escolas, durante a greve de 3 dias, para que

estas decidam a continuidade da luta. A estas assembléias, o Comando deverá

lançar sua proposta de que permaneçam em greve, de que se mantenham

mobilizados pela satisfação das reivindicações; e que aUNE leve o chamado pela

greve à todos os estudantes”686.

A OSI acreditava poder ampliar até outubro, ocasião do Congresso da UNE, o

número de seus delegados (estimado em 450 pessoas), ou ainda, que se faria possível

abrir novos espaços de atuação de forma a resolver “a contradição existente, no

momento, entre nosso peso no movimento e a nossa representação no CONEB e CONEG”.

Em conjunto com Novo Rumo (Convergência), as tendências disputam as direções da UNE

e da UEE-SP. Na disputa pela direção da entidade estadual paulista, as tendências criam a

chapa Mobilização Estudantil que, em setembro de 1980 afirma:

“Concorrendo às eleições, existem várias chapas, mas apenas dois blocos, como o

Congresso da UEE deixou claro. Contra a proposta de LIBERDADE E LUTA e NOVO

RUMO coligaram-se todas as outras correntes, definindo os dois campos em que

se divide o movimento estudantil (...) Coerente com a visão da UEE como um

instrumento passivo de pressão, com a protelação da luta, com a negativa da

686 “Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio (resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 2-3 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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unificação estadual, a coligação vitoriosa impediu a aprovação da proposta de

LIBERDADE E LUTA e NOVO RUMO que previa a criação de Comandos de Boicote

e Greve. Sob a absurda argumentação de que ‘0s comandos são divisionistas’,

relegou-se o movimento à total desorganização. Dessa forma aprovou-se um

boicote unificado... que ninguém unifica. (...) Os comandos, longe de

enfraquecerem a entidade, pelo contrário, as fortalecem, na medida em que

agrupam junto à diretoria os estudantes mais combativos e mais representativos

eleitos nas escolas em luta, organizando-a assim, com as entidades de base. Só

podem afirmar o contrário aqueles que temem organizar os estudantes em luta

colocando-os na própria direção do movimento”687.

Nas eleições da segunda diretoria da UNE, a chapa Mobilização Estudantil obtém

16.286 votos (quando esperava 35 mil votos), ao mesmo tempo em que a OSI contabiliza

um “buraco financeiro que sobreveio da campanha eleitoral” e a presença de “deficiências

de nosso trabalho estudantil em alguns estados do país. Estes estados são RJ, ES, SC, PR,

MG e CE (...) Por outro lado, há que se registrar que, como resultado de nossa intervenção

no processo eleitoral, abrimos perspectivas de trabalho promissoras em estados onde até

agora inexistia nossa intervenção organizada. No MA, SE e AL, a campanha eleitoral

permitiu que estabelecessemos contatos cuja importância transcende mesmo o trabalho

estudantil e se constituem em pontos de apoio para nossa penetração na atividade

política destes estados”688.

687

Também podemos ler: A chapa Mobilização Estudantil se lança para disputar as eleições da UEE-SP num contexto em que “a ditadura realiza movimentos frenéticos no sentido de sua auto-preservação”. Segundo a plataforma, este é o tempo das “reformas” de Figueiredo e de um “projeto de abertura [que] expressa a política do imperialismo para a sustentação dos regimes ditatoriais da América Latina: trata-se de reformar os aspectos mais odiosos desses regimes, mantendo a sua natureza. Já a escalada repressiva – os atentados a personalidades e entidades, o ataque a bancas e a imprensa independente, a prisão do prof. David Maximiliano – mostram precisamente que a ditadura e seu aparato repressivo permanecem de pé”. Chapa Mobilização Estudantil. São Paulo: editora Joruês, 1980. 688 “Eleições da UNE: Balanço”. Jairo (RNE), 13/12/80 Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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Congresso UEE - Poli, 1980; 3. Preparação Encontro da Juventude, final de 1980; 4 Assembléia na USP sobre o CRUSP, fevereiro/1980; 5.

USP, março/1980; 6. Plenária da Liberdade e Luta, 1980; 7. Eleições Grêmio da POLI, outubro de 1980; 8. Eleições Grêmio da POLI,

outubro de 1980. Imagens disponibilizadas pela internet.

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7.9 “ENTRISMO” NO PT E DISSOLUÇÃO DA LIBERDADE E LUTA

A realização do IV Congresso da OSI também traz mudanças para o futuro da

tendência. Primeiramente, ele estabelece o “entrismo” no PT como uma tarefa necessária

e “transitória no caminho da construção do partido revolucionário no Brasil”; em segundo

lugar, na perspectiva de romper com os limites essencialmente sindicais que até então

marcara a intervenção da organização, o Congresso aponta para a construção de “uma

intervenção junto a setores mais amplos das massas” 689 incluindo aqui o trabalho com a

juventude, com o proletariado feminino (campanha pela legalização do aborto)690, entre

outros setores.

As resoluções do IV Congresso, de fato, desdobram-se em novas situações, mas em

particular, na “campanha de legalização” e na criação de “uma juventude petista [que] (...)

logo depois vai colocar em questão a existência da liberdade e luta como uma corrente

política”691. Este processo, de fato, tem início no final de 1980 com o envolvimento da OSI

nos trabalhos de preparação do “Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT”.

Nesta ocasião, a organização procura aproximar (e comprometer) a direção do PT com o

“combate pela organização de uma juventude, vinculada aos trabalhadores e suas

organizações”692, designando 22 militantes (USP, secundaristas, bancários e de regiões

diferentes de São Paulo; militantes de 6 cidades e um da região do ABC) para atuar no

689 “Elementos para atualização de nossa política sindical” Buro Político, 11/03/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 690 Doc mimeog sem título, Janjão, 4/maio/1981, 6p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 691

Depoimento de Markus Sokol a Mirza Pellicciotta. São Paulo, 28/10/2005. 692 Podemos ler: “A convocação deste Encontro só foi possível em função da participação da OSI nessa reunião – das 25 pessoas, 10 eram militantes ou simpatizantes da organização – que entendendo a necessidade da consolidação de um movimento de juventude, que não se restrinja a uma comissão ou secretaria do PT, defendeu a convocação deste Encontro para ampliar a discussão sobre a juventude e, principalmente, para que se defina uma intervenção concreta nas lutas dos jovens e formas de organização que permitam o avanço deste movimento que apenas se inicia. Este Encontro, não é um Encontro do PT, na medida em que está sendo convocado (...) não pela direção do partido. Isto não significa que a direção esteja contra a sua realização; pelo contrário, existem todas as condições para que ela venha a apoiar o encontro”. “Preparemos o Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT em São Paulo”. Roberto (RNJ) 12/11/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 099.

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novo setor; a OSI entendia ser a “única força política capaz de impulsionar decisivamente a

construção de uma organização da juventude”693.

Na esfera interna, seu Bureau Político considerava o PT como o território em que

se daria a “construção de uma Organização Revolucionária da Juventude”, com a tarefa de

auxiliar a juventude a “se organizar politicamente, ao lado da classe operária, no combarte

de seus interesses”:

“O poder de atração do PT é particularmente forte no interior da juventude

trabalhadora e oprimida, que enfrenta uma super-exploração e todo tipo de

discriminação social e política. É fundamental entendermos esta realidade para

que avancemos no sentido da consolidação de um amplo movimento de

juventude. Não podemos em hipótese alguma, limitar a perspectiva de

organização da juventude a simples aglutinação de nossos contatos e de nossa

área de influência, numa ‘juventude da OSI’. Por isso temos que afirmar a

NECESSIDADE do combate por uma juventude do PT, que aglutine milhares e

milhares de jovens na luta contra a ditadura militar, pela satisfação de suas

reivindicações (...) Por outro lado, não se trata (...) de levar uma discussão

‘teórica’, no interior do PT (...) ‘Somente a existência de uma força real de jovens,

atuando (...) é que pesará para que o PT se engaje neste combate’”694

693

Podemos ler: “Hoje somos a única força política capaz de impulsionar decisivamente a construção de uma organização da juventude, na medida em que somos os únicos a colocar claramente esta necessidade e isto já ficou demonstrado no próprio processo de preparação do Encontro, ampliando a discussão sobre a necessidade da organização da juventude e, principalmente, iniciando uma intervenção concreta nas lutas dos jovens (office-boys) foi possível conquistar um espaço importante n interior da Comisão de Jovens do PT, ganhando para nossas posições a esmagadora maioria dos militantes que dela participam. Assim, será em nome da Comissão de Jovens do PT que apresentaremos nossas propostas para o Encontro”. “Encontro de Jovens: 1º passo para a construção de uma juventude”. Roberto (RNJ), 02/12/80. Doc mimeog, 2 pag IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099. 694 Intervenção na Juventude (Texto para discussão no BP de 18.02.81). Roberto (RNJ) 12/02/81. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001.

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Manifestações operárias. Imagens disponibilizadas pela internet.

Nesta ocasião, a tendência Liberdade e Luta também retorna à direção do DCE livre

da USP com a chapa Solidariedade, trazendo Cleusa Turra na presidência da entidade para

o período 1980/1981.

Chapa Solidariedade para DCE Livre da USP. Acervo: CEDEM

No começo de 1981, o Bureau Político mantém o “combate contra o ensino pago”

como eixo de atuação estudantil, acrescido da bandeira pelo “direito ao estudo”, na

perspectiva de agregar as reivindicações contra os aumentos, taxas e sobre-taxas à luta

pela suplementação de verbas para as escolas públicas. A greve nacional deveria ser

mantida, além de se promover outras intervenções em ocasiões específicas (matrícula,

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435

etc.)695. O envolvimento da organização com o PT, por sua vez, já se mostra pleno,

entendendo a OSI que:

“Filiando massivamente, nós colocamos as nossas discussões, nós construímos os

diretórios, nós começamos a consolidar nossa autoridade política no interior do

Partido. Independentemente de qualquer adesão ao nosso programa, mesmo à

discussão sobre a Constituinte, temos que filiar massivamente ao PT. A discussão

que está colocada é: os trabalhadores devem ou não ter sua expressão política

própria? Ou, segundo a nossa colocação: com o PT, os trabalhadores podem ter

sua expressão política própria, seu partido. Nenhuma discussão abstrata pode

obstaculizar nosso trabalho de filiação (...) somos incondicionais pela organização

política dos trabalhadores num terreno próprio, sem colocar o nosso programa

como um obstáculo à essa organização (...) O PT se constrói num terreno de classe;

e essa é uma experiência nova para milhares e milhares de brasileiros. Seus

primeiros passos são confusos. E nós temos que compreender isso para

trabalharmos. Temos que compreender que o PT não é o partido revolucionário.

Não podemos tirar nosso paletó e vesti-lo no PT. Os núcleos, os militantes dos

núcleos não são, em sua imensa maioria, marxistas. É nossa tarefa mostrar para

esses militantes que só o marxismo, só a IV Internacional, pode construir um

verdadeiro partido dos trabalhadores que acabe com a miséria e a exploração.

Porém, esse é o objetivo do nosso trabalho, e não um pressuposto (...) Temos que

fazer o PT andar, se construir como uma ferramenta para os trabalhadores (...)

vamos construir núcleos e através deles, manter uma vida partidária ativa”696.

Em abril, a opção já é pela “dissolução das tendências estudantis animadas em

separado pelas duas organizações” [OSI e Convergência Socialista] devendo os trabalhos

no movimento estudantil se dar “através de uma dinâmica sindical que, se reivindicando

do PT, organiza nossa área de influência no interior dos sindicatos”. Tratava-se de criar:

695Nota para a intervenção estudantil. Buro Político 16/01/81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 001. 696 “Construir o PT, construir a organização trotskista”. Buro Político, 8/01/81. Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

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“os núcleos por escola, que devem ter seu ritmo determinado pelo ritmo das

mobilizações estudantis. Construídas desta forma, a tendência, além de organizar

o combate dos trotskistas de sua área de influência no âmbito da vida sindical,

será um terreno privilegiado para o recrutamento para o PT, a OSI e CS e,

futuramente, para a organização unificada da IV (CI). A forma pela qual se

materializará o lançamento da tendência (publicação de manifestos, etc) deverá

ser discutida com a CS, e uma orientação precisa a respeito deverá sair o mais

breve possível”697.

A opção de conferir à tendência Liberdade e Luta um novo formato, o de uma

organização de juventude dentro do PT, nascia da perspectiva de abandonar a mesma

dinâmica de organização e atuação política no movimento estudantil que levara sua

criação em 1976; por outro lado, este novo formato também nascia para agregar as forças

trotskistas dentro do PT, num momento estratégico de reorganização do movimento

trotskista internacional.

Em junho, a organização realiza um primeiro balanço de sua atividade no PT,

afirmando o CC da OSI que as atividades desenvolvidas com a Convergência Socialista

durante a campanha de legalização, permitira que, na condição de “uma mesma linha

política”, elas se constituíssem na “força emergente mais importante do PT”, passando a

existir efetivamente dentro deste partido. E “mesmo com dados ainda parciais”:

“...podemos afirmar que participamos de mais de 130 diretórios distritais e

municipais em todo o país. Realizamos mais de 43 mil filiações (o PT conta com

210 mil, em estados como SP e RS, realizamos mais de 35% das filiações).

Praticamente em todos os distritos e municípios em que intervimos, temos uma

participação nos diretórios. Hoje são dezenas de trotskistas eleitos presidentes de

diretórios possibilitando uma atividade de construção da IVª Internacional como

nunca tivemos”698.

697 “Sobre a greve nacional dos estudantes” Jairo (RNE) 11/04/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 006. 698 1º Balanço de nossa atividade no PT. CC 27/06/81, Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 005.

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No curso de 1981, por sua vez, em meio à “legalização do PT, CONCLATT, Greve

Geral, fundação da CUT, semi-insurreição na Bahia, eleições de 82”699, surgem os

primeiros problemas no processo de unificação entre a OSI e a Convergência Socialista.

Segundo a OSI, por razões que escapavam à sua compreensão, a Convergência Socialista

rejeitara o projeto de resolução comum e interrompera um percurso no qual as “duas

organizações [de] tão irmanadas” já não podiam praticamente se distinguir.700 Segundo a

OSI, em dois anos de aproximação entre duas correntes internacionais701, conseguira-se

rumar para a construção de “uma organização unificada, poderosa” que além de contar

com “uma base política para se efetivar”, apresentava resultados extraordinários. Estas

dificuldades prosseguiriam e em razão de desentendimentos internacionais, as

perspectivas de unificação se veriam inviabilizadas no mês de novembro702.

O V Congresso da OSI, no final de 1981, reitera a presença da fração trotskista no

interior do PT por entendê-lo como “o novo eixo de organização do proletariado” e como

“terreno aberto para a construção da IV Internacional no seu interior, no interior da

699 “Ao BP da OSI”. K2 (CTSP1) 11.09.81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 075. 700 Projeto de Declaração do CC da OSI à Direção da CS/ao Comitê Executivo da IV Internacional (CI). CC da OSI, 1/08/81. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 701 Em outubro de 1979 foi lançado “um apelo pela FB, CORQUI e TLT pela realização de uma Conferência Mundial Aberta. Nos dias 19 a 27 de dez de 80, um ano e dois meses depois, realiza-se a Conferência Mundial que dissolve as frações internacionais, constituindo a IV Internacional, Comitê Internacional com seus organismos dirigentes, aprovando as teses e as unificações nacionais (...) Nos dias 23 a 29 de maio de 81 realizou-se a 2ª reunião do Conselho Geral (...) 5 meses após esta reunão do CG, 10 meses após a Conferência Mundial e a IV CI está completamente rachada. A 3ª reunião da CG que deveria ‘marcar a data do congresso de Reconstrução’ não conseguiu mais se reunir unitariamente. No Brasil, a base das organizações é informada pela primeira vez da situação dia 9 de novembro, com a ‘palestra’ e Favre, 16 dias depois recebemos na nota informativa do BP da OSI, a informação que a cisão consumou-se, que não se reunirá mais o CRI, nem o CG, não se convocará a Conferência Mundial, retornando ao antigo esquema “Comitê de Ligação”. Situação de Ruptura da IV CI e os marcos em que ela se dá”. Ru-He. São Paulo, 27 d novembro de 1981. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075. 702 Em correspondência entre o Burô Político da OSI e o Comitê Central da Convergência Socialista, podemos ler: “Nós da OSI, acreditamos que a direção da CS está bloqueando a reconstrução da IV Internacional, não somente em relação a todas as questões que surgiram no seio da QI (CI), mas também a nível nacional, tanto no que diz respeito à intervenção na luta de classes, como em relação à discussão sobre situação nacional preparatória ao seu congresso (...) Por essa edição [publicação sobre crise na França], pelas posições levianas que defende a direção da CS, pelas caracterizações ligeiras e sem provas, pelo nível rasteiro destruidor, só podemos concluir que a direção da CS faz o possível e o impossível para que a discussão não se faça”. Ao CC da CS. Burô Político da OSI. São Paulo, 17/12/1981. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.

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vanguarda do movimento operário brasileiro”703. Data também de 1981 a constituição da

Quarta Internacional/Centro Internacional de Reconstrução (QI/CIR), “em uma reunião da

maioria das seções que anteriormente haviam formado a QI/CI. A QI/CIR passou a editar a

revista “La Verité”, intitulando-a de “revista teórica da Quarta Internacional”, distribuída

às seções nacionais em inglês, alemão, espanhol, português, russo, servo-croata, grego,

árabe, chinês e bengali”. A esta organização a OSI se vincularia em 1984, em seu 7º

Congresso, passando a denominar-se Fração Quarta Internacional (FQI).

As resoluções do V Congresso intensificam os trabalhos de incorporação da

organização trotskista ao Partido dos Trabalhadores, apesar de, no ano de 1982, a

tendência estudantil Liberdade e Luta ainda disputar as eleições da UNE, mas numa

ocasião em que ela já se encontrava em processo de dissolução. A dinâmica relatada por

Ademir Demarchi, de fato, já demarcava os novos tempos:

“..logo entrei para uma célula de uma organização trotskista, a OSI - Organização

Socialista Internacionalista, mais conhecida por sua tendência estudantil, a Libelu,

iniciada em Maringá pelo esforço do Luis Gushiken (...) que tinha lá um trabalho a

ser feito por causa de um incipiente movimento sindical bancário de oposição.

Fundamos o PT lá ao mesmo tempo em que começava a ser discutido no ABC e o

legalizamos andando de porta em porta nos fins de semana, almoçando pão com

mortadela e tubaína para fazer as filiações que o governo dos militares exigia

como dificuldade para a criação do que então se acreditava ser um partido

operário. Cheguei a ser candidato a deputado estadual nas eleições de 1982,

cumprindo outra exigência para sua implantação. A candidatura era formal pois o

que nos interessava era garantir o registro partidário e ganhar os diretórios

estudantis da universidade, com aquelas chapas hoje impensáveis, como

Solidariedade ou Outras Palavras – para marcar diferença com os estalinistas dos

703 Projeto de Resolução da II Conferência Nacional da OSI. BP da OSI. Agosto de 1982. Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.

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dois PCs. Esse movimento redundou em invasões de restaurante e reitoria e em

queima de carnês, que levaram a uma conquista importante no Paraná”704.

A tendência Liberdade e Luta alcançou seus limites de atuação no interior do

movimento estudantil após o Congresso de Reconstrução da UNE. De fato, discordando da

estrutura de representação e atuação política que ganhava forma, seus militantes e

organização clandestina optam pela sua transformação numa tendência sindical e, em

seguida, promovem seu deslocamemtno para o PT, passando a atuar no movimento

estudantil através do novo partido. Vale considerar, ainda, que outras forças políticas,

numa perspectiva diferente, optam por fortalecer as atuações como tendências dentro do

ME e de maneira particular, buscam ocupar cargos de maior prestígio e poder redefinidos

pela estrutura institucional que se fizera recomposta na segunda metade da década de

1970.

A maior parte dos documentos contidos nas cerca de 100 caixas do fundo

documental da livraria A Palavra, no CEDEM, testemunha o intenso processo de

mobilizações sociais e organização da sociedade civil que, entre outros aspectos, daria

forma ao Partido dos Trabalhadores. De fato, em meio a ele, o volume relativo à

Liberdade e Luta é modesto e, neste caso, conforme sugere Celso Marcondes:

“Destes anos, com certeza ficou o exemplo. Ficaram também estruturas,

experiências, lições muito úteis para os anos que se seguiram. Nada foi em vão,

nunca foi "arroubo juvenil". A maior fatia das tendências, das organizações e da

massa que assumia as mobilizações de rua iria engrossar o caldo que daria origem

ao Partido dos Trabalhadores. Gente formada neste período, que começava a

seguir suas carreiras profissionais e iniciar uma militância sindical em outras áreas.

Aos poucos, a grande maioria destes grupos ia se dissolvendo ou virando

tendências no interior do PT. Fora dele, iam dar a base para outros partidos como

o PCdoB e o PSTU. Muitos se transformaram em dirigentes partidários ou sindicais,

704 DEMARCHI, Ademir. “diálogo entre editores: ademir demarchi & claudio willer” IN Revista Babel (Brasil) Babel. Revista de poesia, tradução e crítica, julho de 2003.

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ativistas de movimentos sociais, professores, estudiosos, jornalistas,

comprometidos com a defesa da justiça social, da democracia - embora alguns

poucos tenham decidido seguir os caminhos do neoliberalismo ou, até, de

Fernando Collor. Uma geração inteira se formou e se destacou. Não só no campo

político, mas também nas artes, na direção de empresas, milhares de pessoas por

todo o Brasil, todos hoje na faixa dos 40, alguns conhecidos, uma maioria incógnita

- como ocorria naquela época705.

705

Celso Marcondes. http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=2941

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muros de Paris. Foto de Cartier-Bresson, 1968

“Um homem idoso de classe média, de pé, com os braços cruzados para trás, olha

com ar pensativo um muro parisiense coberto de cartazes e uma porta rude de

madeira, presumivelmente de algum quintal ou terreno (...) Não sabemos o que o

velho de Cartier-Bresson pensava (...) Minha própria reação foi o de ceticismo (...)

Como todos os historiadores sabem, pode-se reconhecer as revoluções pela vasta

torrente de palavras que elas geram (...) Por esse critério, maio de 1968 foi algo como

uma revolução estudantil, mas suas palavras registram um tipo estranho de revolução

(...) Minha faixa etária não entendeu que as gerações ocidentais de estudantes na

década de 1960 acreditavam (...) que viviam em uma era em que tudo iria mudar por

meio da revolução, porque à sua volta tudo já estava mudando”706

Visto à distância, as experiências que emergem dos anos 1960 e 1970 parecem

firmar um outro conceito de política; um conceito permeado por códigos, valores,

procedimentos e fundamentos híbridos e originais. Nossas percepções e memórias, no

entanto, nos confundem, em especial quando elas se acham marcadas (ou filtradas) pela

presença e força de uma ditadura militar.

A tendência Liberdade e Luta nasceu, se desenvolveu e se dissolveu (no interior do

PT) na confluência de diferentes fenômenos e imersa num entrelaçamento de

706

Hobsbawm, Eric. “Os anos 60” IN Tempos Interessantes: uma Vida no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p 274

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movimentos por direitos (anistia, liberdade, expressão política, direitos humanos,

qualidade de vida....) com processos mais profundos de repensar política e cultura

(presentes entre outros aspectos, nos entendimentos acerca do marxismo, do

comunismo, do socialismo).

Neste percurso, ela compartilhou (nos primórdios) de momentos de isolamento,

rearranjos e experimentações vividas pelas organizações de esquerda no interior da

Universidade de São Paulo no início dos anos 1970; ela integrou a construção de

alternativas, de espaços e perspectivas de atuação política em meados da década, bem

como partilhou de maneira efetiva dos percursos de recomposição da sociedade civil,

participando das movimentações coletivas – dentro e fora da universidade - pelas

liberdades democráticas pensadas em novos termos e abrangências.

A radical Liberdade e Luta - que de tão explícita acabaria por parecer inofensiva

aos olhos dos órgãos de segurança - ganhou forma num contexto no qual tanto a política

quanto a cultura experimentavam, em si mesmas, um rearranjo, e enquanto tendência

estudantil, ela se prestou a ser um ponto de encontro de formulações e diretrizes caras à

esfera clandestina trotskista (lambertista) no Brasil, ao mesmo tempo que a um universo

mais amplo e coletivo de proposições e realizações culturais, artísticas e políticas.

Movimento de repúdio à presença militar na UnB, em 1977. Fotos de Adonai Rocha

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Radical, “democratista”, rockeira, crítica... a tendência Liberdade e Luta também

causou estranhamentos; estranhamentos, por sua vez, que se ampliaram na proporção

em que a tendência intensificou a defesa de formas mais participativas e diretas de gestão

política das entidades estudantis em reconstrução; de vínculos mais explícitos entre

estudantes e trabalhadores explorados, ou ainda, da defesa da autonomia/independência

da sociedade civil (e suas instituições) frente ao Estado Militar.

Em contrapartida, Liberdade e Luta se viu exposta a situações de difamação e

descaracterização política, particularmente na ocasião em que a UNE (órgão central nos

processos de recomposição institucional do movimento estudantil) se achava em

reconstrução. Conforme afirmava Wagner Carelli na matéria “Libelú. Eis o fascínio

radical”, publicada na Revista Isto É de meados de 1979, os militantes trotskistas surgiam

aos olhos do “coronel-deputado Erasmo Dias” como “mao-trotskistas”; da Igreja como

“provocadores” e das esquerdas como “inconsequentes”... parecendo-lhe que, na

condição de “meninos insolentes que mostraram a língua à esquerda tradicional”, esta

tendência achava-se fadada a desempenhar um “eterno papel de enfants terribles”. Dizia

o repórter:

“Eles vagam por onde estiver a briga, coloridos e - às vezes - imberbes. Errantes,

diriam ambiguamente os maldosos. É fácil localizá-los. Nas assembléias estudantis

ou sindicais estão sempre à esquerda do plenário. Poucos, mas agigantados por

ruído e eficácia de claque adestrada. O olhar esgazeado dos moços poderia

confundir-se como o dos últimos existencialistas. A determinação estampada no

rosto das moças faria inveja a Alexandra Kollontai ou a Nadesha Krupskaia. (...)

eles são os meninos insolentes que mostraram a lingua à esquerda tradicional, que

exibem como troféus as feridas ganhas em batalhas contra a PM, que tiraram da

porta dos banheiros o grito de Abaixo a Ditadura! São os donos do futuro, os

radicais, os filhos rebeldes do milagre econômico. Quantos existem? Segundo eles

mesmos, uns 5 mil. E cada vez mais visíveis à luz da abertura"707

707

Carelli, Wagner. Libelu. Eis o fascínio radical. Isto é, 25/07/1979, p10

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De qualquer forma, para Carelli, a postura impertinente destes jovens que

ousavam “destruir Milton Nascimento, a burocracia soviética e João Figueiredo com a

mesma fúria iconoclasta” se deixava contrastar com a capacidade da mesma tendência de

comandar “a formação de um sindicato paralelo de 140 mil professores em Minas Gerais,

num precedente que a CLT jamais abriu”, ou ainda, de levar “alguns milhares de jovens

operários e estudantes a manifestações em favor de uma anistia ampla e irrestrita

mesma"708.

Com seus militantes considerados ora “rebeldes” 709, ora “cansativos” 710, ora

“encardidos”711, a tendência estudantil Liberdade e Luta, de fato, deu materialidade a

uma trajetória de atuação política (que contava na clandestinidade, com uma organização

focada em interagir e intervir nos “movimentos de massas” em recomposição) em

“tempos” – como diria Hobsbawm - “extraordinariamente bem-vindos e

extraordinariamente desconcertantes [já que] Parecíamos usar o mesmo vocabulário, mas

não parecíamos falar a mesma língua. Mais do que isso, ainda que participássemos dos

708

Carelli, Wagner. Libelu. Eis o fascínio radical. Isto é, 25/07/1979, p10 709

”Somos da geração das tristonhas melodias de chapas estudantis maoístas pecebonas fidelistas nos anos setenta. Fui Libelu e sou ainda crente na palavra do Lev. As nossas festas, onde drogas eram proibidas, rolavam ao som do rock. Éramos secundaristas bêbados de tesão, unversitários de arquitetura e artes. Elegantes, entusiasmados, fantasiados de rebeldes, gritamos na boa a palavra de ordem "Abaixo a Ditadura!" Os Mutantes Hoje - Que é rock geriátrico?, por Nicolas Rouquette. Universo Anárquico – Tina Oiticica 710

“Impossíveis. São cansativos também. Ao lado deles, qualquer mortal pouco habituado à polêmica dificilmente pode sentir-se à vontade. O incauto será fulminado por terrível mirada aos desvelar-se, por exemplo, numa admiração sem peias por Chico Buarque, esse chato que já foi, imaginem, unanimidade nacional. Inútil tentar remeter-se à luta dos trabalhadores na expectativa de chegar a um consenso e remediar a gafe. Qualquer desavisado leitor de jornais pode cair no ridículo definitivo de referir-se a Luís Inácio da Silva, o Lula metalúrgico, como uma espécie de working class hero. Desconhecendo, é claro, seu papel evidente de traidor da classe operária” In CARELLI, Wagner. “Libelu: Eis o Fascínio Radical. Cinco mil jovens querem impôr novos rumos à esquerda”. Revista Isto É, 25/07/1979, p10 711

“...a grande maioria de nós, alunos da FAU daqueles tempos, sequer tolerávamos o discurso encardido contra a “camarilha militar” que os militantes da LIBELU insistiam em trazer às salas de aula, criando caso com os professores mais suscetíveis e os alunos menos engajados. O meio de campo acabou ficando ainda mais confuso – criando oposições entre os trotskistas que chamavam colegas de “reformistas” e aqueles que não tinham nome porque os reformistas ignoravam os trotskistas” IN LOPES, João Marcos “Comentários incomodados” Revista do IEB, nº44 fev 2007, pp 260-261

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mesmos acontecimentos, aqueles dentre nós com idade suficiente para ser pais dos

jovens militantes não sentíamos o mesmo que eles”712.

Este trabalho procurou identificar e compreender melhor as formulações políticas

de uma tendência estudantil de matriz trotskista que nasceu na Universidade de São Paulo

e que em cerca de três anos já se achava espalhada no interior de universidades públicas e

privadas de vários Estados brasileiros; uma tendência estudantil que se integrou de tal

forma a um trânsito de formulações, discussões e experiências em curso, que grande

parte de seus militantes acabaria por transcender o espaço acadêmico para interagir e

intervir no universo das relações de trabalho, no mundo sindical, nas dinâmicas

partidárias, nas esferas de produção artística e cultural, levando consigo formulações

importantes e sigulares.

Esta tese, vale considerar, deu prosseguimento aos trabalhos de mestrado que,

numa perspectiva diferente, centrou suas atenções no estudo das movimentações

estudantis brasileiras do período 1968/1979, abarcando um conjunto mais amplo de

universidades públicas e privadas, ao mesmo tempo que um leque diverso de experiências

culturais e formas de ação política organizadas e não organizadas em curso. Intitulada

“Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 1970”, nela reunimos 500

referências de movimentações coletivas capazes de revelar as marcas de uma profunda

712

No entender de Hobsbawm: “A Dialética da Libertação”, Che Guevara, A Terra Média e o LSD eram companheiros. Não que as fronteiras estivessem totalmente apagadas” IN Hobsbawm, Eric. “Os anos 60” IN Tempos Interessantes: uma Vida no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p 276

Estudantes - próximos ou não - da Liberdade e Luta nos anos de 1977, 1978 e 1983

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transformação de formas de atuação política e cultural que se achavam em curso dentro e

fora do movimento estudantil.

Estas referências, por sua vez, se incorporaram às bases de investigação do

doutorado, questão que pode ter trazido algumas dificuldades à leitura da tese, uma vez

que não se tratava de repetir os detalhamentos alcançados no estudo anterior e sim de

avançar nas formulações relativas às práticas organizadas no interior deste mesmo

movimento, valendo relembrar que a identificação da tendência Liberdade e Luta como

expressão dos processos de mudança atuou como ponta de lança para o novo percurso de

pesquisa: a tendência orientou os processos de penetração e aprofundamento nos

caminhos e descaminhos das organizações marxista-leninistas do período pós-1968.

A radicalização das posturas, a permeabilidade das leituras e proposições frente

um conjunto mais difuso de “práticas culturais”, o caráter de amalgama político-cultural

conferido à “Libelú”... nos levou a mergulhar num fenômeno mais amplo de mutação de

paradigmas políticos, ou ainda, numa trajetória de fragmentação de fundamentos

marxistas, presente nos percursos de rupturas do Partido Comunista Brasileiro, na

emergência de dissidências, nas proposições de luta armada, na proximidade e adoção de

novos paradigmas de luta política, nas releituras dos fenômenos de cultura. E em meio a

ela, o estudo da trajetória da Liberdade e Luta nos permitiu perceber a vitalidade de

certos percursos de recriação, identificar a riqueza deste mesmo processo e indagar sobre

o papel que esta matriz política ocupou nos anos 1970, bem como os seus legados para a

recomposição mais ampla da sociedade civil brasileira.

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9. INSTITUIÇÕES DE PESQUISA CONSULTADAS

1. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO

Fundo DEOPS-SP713, grupo documental da Delegacia Especializada de Ordem

Política714

CAIXAS CONSULTADAS:

Série: Temáticas

OP0603 Alexandre Vanucchi Leme (1973/1978)

OP0618 Arquidiocese de São Paulo (1973/1976)

713

Arquivo do Estado, fundo DOPS-SP - O Arquivo do DOPS-SP “totaliza aproximadamente 1500000 fichas e 200000 pastas (incluindo material iconográfico), correspondentes a mais de mil metros lineares. Encontra-se a disposição do público, para qualquer tipo de pesquisa, no Arquivo do Estado de São Paulo” (João Paulo Garido Pimenta “Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar”. Rev. hist. n.132 São Paulo jun. 1995, p1) 714

Nosso trabalho junto ao Fundo DOPS-SP no Arquivo do Estado privilegiou, na ocasião em que foi

realizado, o grupo documental da Delegacia Especializada de Ordem Política, base de documentos que tivemos acesso através de um catálogo descritivo temático, o único instrumento de busca ainda hoje disponibilizado. Conforme nos orientou a equipe técnica responsável

714, a “complexidade da estrutura

organizativa [assumida pelos órgãos de segurança] e a ausência de uma base de dados” articuladora de todas as séries documentais (mantidas em sua integralidade) exigiria dos pesquisadores acessar a documentação através de “palavras utilizadas pela própria polícia política”. Constituído de quatro séries (Delegacias do Interior, Temáticas, Movimento Estudantil e Autos), nós iniciamos os trabalhos pelo catálogo das série “Temáticas” e “Movimento Estudantil”, bases nas quais pudemos selecionar documentos por títulos e recortes temporais. Também pesquisamos na série “Autos”, conjunto de dados que nos permitiu acesso aos processos investigativos sobre estudantes e onde reencontramos os códigos das séries, ganhando forma, paulatinamente, um conjunto de “palavras” que, de fato, dava visibilidade à organização documental. Os códigos registrados, por sua vez, nos levaram para caixas de documentos nas quais nos deparamos não apenas com testemunhos coercitivos, mas com uma vastíssima documentação estudantil recolhida e sistematizada cotidianamente, bastando compreender um pouco mais da lógica de organização para conseguir recompor contextos e identificar personagens, situações, desdobramentos... Os documentos da Delegacia Especializada de Ordem Política nos forneceram recursos inestimáveis de recuperação/resgate das movimentações estudantis da década de 1970, e na medida em que passamos a dialogar com os registros, também começamos a identificar as falhas que continham as interpretações; aspecto se revelou particularmente importante, a ponto de redefinirmos o fóco de análise e passarmos a mapear os problemas ou ainda, o que não se fazia percebido no cotidiano acadêmico pelos agentes e órgãos de segurança. Nesse caso, se nas primeiras semanas de trabalho imperou o “horror”, nos meses seguintes nós nos empolgamos com a força e qualidade dos processos de resistência, tantas vezes imperceptíveis ao olhar severo dos órgãos de segurança, tornando-se claro que as organizações trotskistas presentes na USP da década de 1970 – nosso objeto central de investigação – achavam-se debilmente identificadas, ainda que a documentação que apontava para sua presença se fizesse ali recolhida, ao nosso dispor...

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OP0613 Anistiados (1979/1982)

OP0620 Asilados (1964/1982)

OP0625 Associação Brasileira de Imprensa (1975/1982)

OP0627 Associações de Classe (1976/1980)

OP0643 Associação Paulista de Imprensa (1976)

OP0654 Atos Públicos (1978/1982)

OP0655 Atos Públicos 15/6/77 (praça Fernando Prestes/Parque Dom Pedro) (1977)

OP0659 Banidos (1972/1981)

OP0670 Campanha Eleitoral (1978) vol 1 (1978)

OP0671 Campanha Eleitoral (1978) vol 2 (1978)

OP0676 “Capitalismo, Socialismo, Democracia” (1977/1979)

OP0679 “Carta aberta aos brasileiros” (1977)

OP0715 Comitê Brasileiro de Anistia (1977)

OP0717 Comitê Primeiro de Maio (1977)

OP0723 Comunismo internacional (1977/1979)

OP0747 Conselho Universitário USP (1974/1981)

OP0748 Constituinte (1977/1981)

OP0766 Crise na USP (1982)

OP0773 Declarações completas – “Ato Público PUC-SP 22/09/1977” (1977)

OP0774 Decreto Lei 477 (1973/1977)

OP0779 Democracia (1977/1979)

OP0780 Desaparecidos (1979/1982)

OP0787 Dia Nacional de Lutas (1981)

OP0791 Direitos Humanos (1978/1982)

OP0795 Drogas (1971/1983)

OP0924 Justiça Militar vol 1 (1967/1972)

OP0925 Justiça Militar vol 2 (1975/1976)

OP0926 Justiça Militar vol 3 (1973/1976)

OP0927 Justiça Militar vol 4 (1973/1976)

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OP0928 Justiça Militar vol 6 (1975/1976)

OP0938 Livros subversivos (1967/1973)

OP0977 Movimento contra a carestia (1979/1981)

OP0981 Movimento dia 1º de Maio (1978)

OP0980 Movimento custo de vida (1978)

OP0982 Movimento ecológico (1978)

OP0984 Movimento feminino (1982)

OP0985 Movimento dos funcionários públicos (1978/1982)

OP0989 Movimento Negro vol 2 (1977/1982)

OP1010 Organização Socialista Internacionalista (1981)

OP1027 Partido Operário Revolucionário Trotskista (1962/1981)

OP1032 PT (1979/1980)

OP1033 PT (1980/1981)

OP1034 PT (1981)

OP1066 Presos politicos (1977/1982)

OP1119 Sindicato Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (1975/1982)

OP1145 Suspeitos vol 7 (1968/1971)

OP1146 Teatro (1977/1982)

OP1150 Terrorismo (1972/1976)

OP1151 Terrorismo e comunismo nos meios universitários (1969/1974)

OP1185 Vladimir Herzog vol 2 (1977/1982)

CAIXAS CONSULTADAS:

Série: Movimento Estudantil

OP1194 Análise do ME (1974/1977)

OP1195 Análise do ME cópias (1974/1977)

OP1354 Movimento Estudantil vol 1 (1976)

OP1355 Movimento Estudantil vol 2 (1976)

OP1356 ME – panfletos vol 1 (1969/1976)

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OP1357 ME – panfletos vol 2 (1978)

OP1358 Movimento Estudantil (1977/1980)

OP1359 ME e comprometimentos (1975/1976)

OP1361 ME de outros Estados (1972/1976)

OP1362 ME de outros Estados (1966/1974)

OP1363 ME de outros Estados (1977)

OP1360 Movimento Estudantil internacional (1977/1981)

OP1366 Observação junto ao campus da USP (1980)

OP1367 Observação junto ao campus da USP (1982)

OP1383 Professores e alunos em observação (1973/1974)

OP1231 Diretórios Acadêmicos (1974/1975)

OP1232 Diretórios Acadêmicos (1975/1976)

OP1235 DCE PUC (1977/1982)

OP1237 DCE USP vol 1 (1976/1978)

OP1238 DCE USP (1975/1982)

OP1241 Eleições UNE (1979)

OP1242 ECA USP vol 1 (1967/1975)

OP1243 ECA USP vol 2 (1974/1975)

OP1244 ECA USP vol 3 (1975)

OP1245 ECA USP vol 4 (1976/1982)

OP1258 Estudantes – UNE (1973)

OP1257 Estudantes (1961/1972)

OP1267 FEA USP vol 2 (1975/1976)

OP1280 Fac Economia USP (1973/1975)

OP1284 Fac Engenharia USP (1978/1980)

OP1287 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP vol 2 (1970/1972)

OP1288 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP vol 3 (1972/1974)

OP1289 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1975/1976)

OP1290 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1974/1981)

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OP1291 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1975/1977)

OP1292 Fac Filosofia, Ciencias e Letras USP (1974)

OP1316 FAU (1964/1973)

OP1317 FEI vol 1 (1959/1971)

OP1318 FEI vol 2 (1975/1981)

OP1391 PUC-Fac. Ciências Sociais e Serviço Social (1975/1978)

OP1393 PUC-Fac Filosofia (1965/1975)

OP1395 Quarto Encontro Nacional de Estudantes (1978)

OP1405 Relatório ME ECA 24/3/75 a 21/6/75 (1975)

OP1384 PUC (1965/1975)

OP1385 PUC (1969/1982)

OP1386 PUC (1974/1977)

OP1387 PUC (1978)

OP1388 PUC (1978/1980)

OP1389 PUC (1979/1982)

OP1390 PUC (1979/1982)

OP1406 Relatório do ME de 1976 (1976)

OP1407 Relatório da Divisão de Informação (1980/1982)

OP1408 Relatórios (janeiro a 17 de maio) (1976)

OP1409 Relatórios (maio/agosto) (1976)

OP1410 Relatórios (setembro/outubro) (1976)

OP1411 Relatórios (novembro/dezembro) (1976)

OP1412 Relatórios USP (1981)

OP1430 IIºEncontro Nacional de Estudantes (1976)

OP1438 IIIºEncontro Nacional de Estudantes (1977)

OP1439 IIIº ENE – BH - Declarações (1977)

OP1440 IIIº ENE (1977)

OP1441 XXXIº Congresso UNE (1979)

OP1442 XXXIVº Congresso UNE (1982)

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OP1447 UEE (1977/1978)

OP1448 UEE (1968/1972)

OP1458 UNE (1968/1971)

OP1460 UNE (1969/1975)

OP1461 UNE (1982)

OP1462 UNE (1979/1980)

OP1463 UNE (1979/1980)

OP1465 Unicamp vol 1 (1967/1973)

OP1466 Unicamp vol 2 (1975/1981)

OP1467 Unicamp vol 3 (1982)

OP1468 USP (1974/1980)

OP1475 USP (1976/1981)

OP1476 USP – corpo docente (1975/1982)

OP1477 USP - FFLCH (1974/1975)

OP1478 USP – FFLCH (1974/1975)

CAIXAS CONSULTADAS:

Série: Autos

OP1482 Cópia de fotografias: laudos do caso da PUC (1977)

OP1403 Investigado: Comitê Defesa dos Presos Políticos (CDPP) (1974)

OP1484 Investigado: Paulo Eduardo de Faria Nogueira e outros. Assunto: Form Comissão

Def Presos Políticos, org est USP (1974)

OP1485 Investigados: Diretores do “Conselho dos CAs” da USP (1974)

OP1486 Investigados: Diretores do “Grêmio Polítécnico” (1974)

OP1487 Investigados: Diretores do “Centro de Estudos de Física e Matemática” (1974)

OP1488 Investigados: Diretores do CEUPES C. Sociais/USP (1974)

OP1489 Investigados: Diretores do CA Visconde de Cairú (1974)

OP1490 Investigados: Diretores do CEGE Geografia/USP (1974)

OP1491 Investigados: Diretores do CEH Af. Taunay História/USP (1974)

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OP1492 Investigados: Diretores do XI de Agosto (1974)

OP1493 Investigados: Diretores do CALC ECA/USP (1974)

OP1494 Investigados: Diretores do CAFIL Prof José Cruz Costa (1974)

OP1495 Investigados: Diretores do CAOC Medicina/USP (1974)

OP1496 Investigados: Diretores da Soc. Paul. História Natural – alunos biociências USP

(1974)

OP1498 Investigados: CA Visconde de Cairú FEA/USP (1974)

OP1531 Investigados: alunos DCE USP. Ocupação do Restaurante CRUSP e Centro de

Vivência (1976)

OP1532 Investigados: alunos DCE USP. Ocupação do Restaurante CRUSP e Centro de

Vivência (1976)

OP1544 Investigados: Cristina de Assis Morais e outros. Concentração estudantil Largo

Arouche (1977)

OP1553 Apuração de atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77) (1977)

OP1560 Investigação: apurar natureza propaganda distribuída “Comitê 1º de Maio pela

Anistia” (1977)

OP1562 Natureza subversiva propaganda DCE PUC (1977)

OP1563 Natureza subversiva propaganda DCE USP (1977)

OP1564 Natureza subversiva propaganda DCE USP (1977)

OP1567 Realização ato publico defronte a PUC vol 1 (1977)

OP1580 Liberdade e Ação – Liberdade e Luta (1977)

OP1581 Doutrinação comunista (1977)

OP1582 Manuscritos diversos (1975/1977)

Alunos DCE USP OP1531

Alunos Fund Universidade Federal São Carlos (greve, passeata, DCE) OP1532

Cristina de Assis Brasil Morais e outros OP 1544

Alunos USP em 18/8/1977 OP1553

PRONTUÁRIOS:

JOSIMAR MELLO

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MARCOS SOKOL

JULIO TURRA FILHO

2. CEDEM - CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA DA UNESP

ACERVO CEMAP - Centro de Documentação do Movimento Operário Mario Pedrosa715 Fundo A Livraria Palavra (editora responsável pela divulgação do grupo trotskista OSI - Organização Socialista Internacionalista): coleção com mais de 200 caixas contendo, entre outros, o acervo da tendência estudantil Liberdade e Luta.

CAIXAS CONSULTADAS:

LP 001 (Burô Político/Comitê Central 1979/1981)

LP 002 (Burô Político/Comitê Central 1971/1978)

LP 003 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1979)

715

O Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa foi criado em 1981, por um grupo de professores, jornalistas e antigos sindicalistas, visando a preservação de registros documentais da história do movimento operário brasileiro e das organizações de esquerda do Brasil e do exterior, sem discriminar quaisquer das tendências, correntes ou partidos. Sua constituição origina-se de coleções particulares de diversos militantes históricos da esquerda brasileira, como Fúlvio Abramo, Mário Pedrosa, Plínio Melo, Raul Karacik e Lívio Xavier e também de agrupamentos políticos de diversas tendências da esquerda nacional e que tiveram algum dos fundadores do Cemap ligados à sua trajetória, como a Liga Comunista Internacionalista e o Partido Socialista Brasileiro, além de diversos sindicatos e organizações de classe, como o Sindicato dos Gráficos e Jornalistas de São Paulo, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Comitê Brasileiro de Solidariedade aos Povos da América Latina, entre outros. O acervo do CEMAP consta de: Biblioteca - aproximadamente 6.000 livros; Hemeroteca - aproximadamente 3.000 títulos de periódicos, abrangendo o mais amplo espectro da esquerda brasileira e internacional; Documentação Textual - Contando aproximadamente 800 caixas, o acervo textual é composto de coleções de militantes trotskistas como: Fúlvio e Cláudio Abramo, Plínio Gomes de Mello, Victor de Azevedo, Miguel Macedo, Fábio Munhoz, Luis Favre, Clara Ant, Luiz Azevedo etc. Sendo as mais completas e significativas: a correspondência e os artigos de Mário Pedrosa principalmente no período de 1923-1931, que demonstra a tensão própria deste momento político, pouco conhecido, tendo entre seus interlocutores Murilo Mendes, Lígia Clark, Francisco Matarazzo Sobrinho, Benjamin Péret, Oscar Neimeyer, Antonio Candido, Pietro Maria Bardi, Tomie Otake, Ferreira Gullar e outros; a correspondência e os artigos de Lívio Xavier relacionados a política e a arte; a Livraria Palavra, editora responsável pela divulgação do grupo trotskista OSI - Organização Socialista Internacionalista; documentação Sonora - fitas cassete com depoimentos de antigos militantes das várias organizações; documentação Iconográfica - fotografias, cartazes, adesivos, "botons", etc., sobretudo do movimento operário brasileiro, de várias datas.

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LP 004 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1980)

LP 005 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)

LP 006 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)

LP 007 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981)

LP 008 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1981/82)

LP 009 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1982)

LP 010 (Notas e resoluções políticas do Burô Político/Comitê Central 1983)

LP 021 (Participação em camp. sociedade – anistia, presos políticos, Liberdade e Luta)

LP 022 (Participação em camp. sociedade – campanha eleitoral PT 1982)

LP023 (Participação em camp. sociedade – constituinte, Diretas, reforma agrária,

mulheres, aborto, desemprego, moradia, voto nulo, movimento popular)

LP 024 (Participação movimentos organizados: movimento estudantil, CAHIS-USP e outros,

UNE, UBES, DCE RJ e PE)

LP 025 (Participação em campanhas internacionais, Comitê contra a repressão)

LP 026 (Participação em campanhas: Iraque, Argélia, Afeganistão, El Salvador, Colombia,

Espanha, Irã)

LP 027 (Participação em campanhas: Iraque)

LP 028 (Participação em campanhas: Polônia)

LP 029 (Participação em campanhas: Venezuela, Chile, Uruguai, Bolívia, México, Costa

Rica, Portugal, Espanha, refugiados, solidariedade dos povos palestinos, etc)

LP 062 (Encontros Partidários, Conferência Latino-Americana 1983, I Congresso Nacional

1971, 11ª Conferência Latino Americana 1985)

LP 064 (Encontro Partidário, Div. Externa 84/87, Conferência interna, Encontro Regional P

1986, Congresso 1987, I Conferência da OSI/1980)

LP 067 (II Congresso OSI, 1977, IV, V, VII Congresso OSI)

LP 068 (II Congresso OSI, Congresso Reg SP FQI 1983, VI Congresso OSI, 1983, VII

Congresso FQI 1984, VIII Enc FQI, II Conferência OSI)

LP 071 (Estatutos, regimentos, outros documentos)

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LP 073 (Processo demissão Camarada Sérgio, uso de maconha, documento de

advertência)

LP 074 (Projetos de resoluções, projetos de informes, planos de trabalho)

LP 075 (1976, 1978, 1979, 1980, 1981)

LP 080 (Manuscritos)

LP 084 (Boletins internacionais 68-78)

LP 087 (Teoria e Prática 1974/78, Tricontinental, diversas entidades)

LP 094 (Recortes de jornais – movimento estudantil, reorganização UNE, metalúrgicos,

política nacional)

LP 095 (Recortes de jornais – países diversos)

LP 096 (Recortes de jornais – queda Allende, movimento feminista, movimento negro,

convergência socialista, economia, França)

LP 097 (Recortes de jornais – anistia, greves, América Latina 1979/83)

LP 099 (Relatórios de comissões e setores/SP, 1976, 1979/81)

LP 100 (Relatórios de comissões e setores/SP, 1982/87)

LP 101 (Textos de formação e capacitação política)

LP 107 (Textos de formação e capacitação política)

LP 108 (Textos de formação, bibliografia: Marx, Engels, Trotsky, Lenin)

LP 109 (Textos de formação – educação partidária)

LP 110 (Textos de formação)

LP 111 (Textos de formação)

LP 112 (Textos de formação)

LP 113 (Textos de formação em francês)

LP 114 (Textos, livros e textos camuflados QI-CI 1978)

LP 115 (Textos para análise e discurso)

LP 121 (UEE eleições, UMEs eleições, DCE USP eleições, DCE USP jornal, UNE)

LP 122 (UEE, Liberdade e Luta)

LP 123 (UNE, DCE, LL, UEE)

LP 124 (UNE, UEE, DCEs, secundaristas)

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LP 125 (USP, DCEs e CAs, UNE, UEEs, secundaristas, geral, FMU-FIAM, LAA-USP)

LP 140 (Estudos, teses, legislação, resoluções, 1º de maio, 1977/85)

LP 148 (Artigos, jornais, boletins para discussão, propostas, notas)

LP 149 (Jornais e Revistas, O Trabalho 1979/1986)

LP 150 (OCI França)

LP 151

LP 153 (Comitê de Unificação CS/OSI, 79/81)

LP 154 (Circulares Nacionais 1980/81/Fração da Convergência Socialista)

LP 155 (Publicações, circulars nacionais, balance de atividades, plano político, minutas e

resoluções 1981/1982)

LP 161 (POR, POC, Causa Operária, OSI América Latina)

LP 169 (PT Articulação: teses e propostas)

LP 191 (PT Vivo/Vertente Socialista, PT 83, 84/Jornal Em Tempo, Causa Oprária, etc)

LP 192 (Movimento estudantil, movimento de jovens, movimento de mulheres)

LP 200 (1977/1991)

LP 211 (CIR/CG/SI/SU/CORQUI/Boletim discussão internacional)

LP 212 (Correspondência 1976, ata BI/Corqui, Boletins Corqui, notas, resoluções,

1974/1979)

LP 213 (Sessões européias da IV Internacional)

LP 214 (Sessões latino-americanas e norte-americanas da IV Internacional)

3. ARQUIVO EDGARD LEUENROTH - CENTRO DE PESQUISA E

DOCUMENTAÇÃO SOCIAL – IFCH/UNICAMP

Coleção do jornal O Trabalho

Coleção do jornal Em Tempo

Fundo Projeto Brasil Nunca Mais

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458

Gravações (audio) do Congresso da UNE de 1988 promovidas pelo Projeto

Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro (coord Mirza

Pellicciotta), 1988

Coleção Movimentos Sociais Recentes

o Dossiê Tendências de Esquerda nº 101 – Organização OCI (Internacional

Socialista – fração francesa)

o Dossiê Tendências de Esquerda nº 102 - Organização 1º de Maio

Documento sem título, mimeografado, 30 páginas. São Paulo, 14/1/73, p21. MSR

Pasta 181 – Organização 1º de Maio. AEL/UNICAMP

4. MUSEU DA REPÚBLICA, RJ

Projeto Memória do Movimento Estudantil (MME)

5. CEDIC, PUC - SÃO PAULO

Coleção Movimentos Comunistas (1959/1993)

Coleção Movimentos Estudantis (1968/1993)

6. ACERVOS VIRTUAIS

Coleção Movimento Estudantil do Acervo do Núcleo de Memória do

Movimento Estudantil da UFRJ.

http://www.historia.uff.br/labhoi (GURAN, Milton. Encontro na Bahia 79.

LABHOI. Laboratório de História Oral e Imagem)

www.resgatehistorico.com.br

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459

http://www.marxists.org716

Fundação Perseu Abramo - http://www2.fpa.org.br/

https://www.archivoleontrotsky.org

http://www.torturanuncamais-rj.org.br/

http://brownsoundclothing.com/sla/blog/6868/6868.html> (Imagens de

maio de 1968)

http://www.trotsky.com.fr/

http://www.codhos.asso.fr/welcome/index.php

http://www.cme-u.fr/ - Conservatoire des mémoires étudiantes

http://www.marxists.org/history/etol/film/index.htm#vietnam

716

ArchivesUSA (cataloged primary source materials from nearly 4,500 U.S. manuscript repositories); Marx/Engels Internet Archive Trotskyana Net (similiar to the ETOL but with extensive bibliographic data on Trotsky’s writings); The Soviet Union of 1918; International Institute of Social History; International Association of Labour History Institutions; Internationale Marx-Engels-Stiftung (IMES) Amsterdam; Radical History and Politics; Centro de Documentacion e Investigacion de la Cultura de Izquierdas en la Argentina; Studies in Bibliography Online; College and University Home Pages Geographical Listing; Sher's Russian links; The Russian academic and research network

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460

10. FONTES PRIMÁRIAS

1. ARQUIVO DO ESTADO. FUNDO DOPS-SP/DELEGACIA DE

ORDEM POLÍTICA

1.1 SÉRIE: TEMÁTICAS

Pvadowski, Miguel. “O ‘Weltoktober’”. 13p. Série Temáticas, CAIXA OP0723.

Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil

Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968. IN Arquivo do Estado de São Paulo.

Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem Política. Série Temáticas. OP1027.

“Coletânea de Relatórios policiais Elaborados em Procedimentos Instaurados pelas

delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, deste DOPS, referente à ALN,

Molipo, PORT, FRENTE e FRAÇÃO, com respectivos índices por organizações,

onomástico, por nomes falsos e codinomes, de outubro de 1969 a agosto de

1970”. Arquivo do Estado. Fundo: DOPS/OP. Coleção de Relatórios 30-z-160-

14490. CAIXA OP1027.

USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. “Situação dentro do campus da

Universidade de São Paulo”. CAIXA OP1356.

USP. Gabinete do Reitor. ASI/USP. 14/julho/1976. “Situação da USP – fim das férias

de julho”. Anotado no DOPS em 23/julho/1976. CAIXA 1356.

USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/1976. “Situação dentro do campus da

Universidade de São Paulo” CAIXA OP1356.

“Ato Público 15/06/77. Local: Praça Fernando Prestes – Parque Dom Pedro.

‘Relação de alunos e pessoas detidas por ocasião do ato público de 15.06.77’”

CAIXA OP 0655.

Ofício 286/70 em atenção ao Pedido de Busca nº366/DSI/MJ CAIXA OP 1027.

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461

Auto de Apreensão. Documento identificado como do Partido Operário Comunista

(POC) CAIXA OP 1027.

Carta de 30/12/71, com signatário B.Pinto, de SP IN Informação nº1263/72.

Ministério do exército – IIº Exército. Assunto: Fração Bolchevique Trotskista,

19/junho/1972 CAIXA OP1027.

Informação nº1263/72. Ministério do exército – IIº Exército. Assunto: Fração

Bolchevique Trotskista, 19/junho/1972 CAIXA OP 1027.

“Declarações Ato Público PUC SP 1977, 22/07/77 CAIXA OP 0773.

“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977 CAIXA OP 0723.

“IPM instaurado para apurar subversão nos quartéis, 4º RI e 2º G.CAN 90 Aaé. Em

Quitauna, pelo Partido Revolucionário Trotskista. Procedência: 2ª Secção do

Quartel General do IIº Exército. Interessado: Delegacia Especializada de Ordem

Social”, 104 páginas, datado de 15 de novembro de 1964 e assinado pelo Tenente

Coronel encarregado do IPM, fl.4. CAIXA OP 1027.

“Operação Ibiúna”, XXXº Congresso da extinta UNE”, datado de 12 de Outubro de

1968

Bilhete anônimo anexado a ofício do Delegado do Setor Estudantil do SS, Gil

Antonio Ferreira, datado de 22/02/1968 CAIXA OP 1458.

Evandro Carlos de Andrade. “Como morreu Olavo Hansen”. O Estado de São Paulo,

15/08/1970 CAIXA OP 1027.

1.2 SÉRIE: MOVIMENTO ESTUDANTIL

USP. Gabinete do Reitor. SP, 14/junho/76. Enc. 158/ASI/USP/76. [relato da

primeira reunião da diretoria do DCE livre eleita]. Série Movimento Estudantil,

CAIXA OP 1356

DEOPS. Seção de Operações. Ato Público pela Anistia (Diretório Central dos

Estudantes) em 07/06/76. Informação nº 59/76/DOPS/SR/DPF CAIXA OP1356.

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“Relatórios ME janeiro a 17 de maio”. Série Movimento Estudantil [contém

observações das assembléias gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE

com base em relatório do agente 2124 em 26/03/76] CAIXA OP1408

Serviço Nacional de Informações – Agência Central. Informação nº121/16/AC/16.

30/março/76. Propaganda subversiva em Escolas de SP” CAIXA OP1356

USP. Gabinete do Reitor. AESI/USP. 18/julho/76. Situação dentro do campus da

Universidade de São Paulo CAIXA OP1356.

Autos de investigação – DEOPS. Ordem Política, 11/junho/1974. Investigados:

Diretores do CA Visconde de Cairu. FEA/USP CAIXA OP1498.

Autos de investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e

do Centro de Vivência. 12/agosto/1976 [contém descrições dos alunos fichados,

entre eles, de Ricardo Pereira de Melo, Josimar Moreira de Melo, entre outros]

CAIXA OP1531.

Autos de Investigação. Apuração de atividades dos alunos da USP no ME

(18/08/77) [contém intimação e termos de declaração de José Alberto Urbinatti,

Josimar Moreira de Mello Filho, Fabio Malavoglia, Júlio Turra Filho, Roberto Pereira

de Melo, entre outros] CAIXA OP1553.

“Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975” IN “Resumo de

considerações políticas constantes de panfletos e jornais distribuídos durante o

movimento estudantil da E.C.ª-USP iniciados em 24/3/1975” , pp21/23. CAIXA OP

1359.

“Polêmica - março 1975, Edição especial para Calouros” CAIXA OP 1359.

“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977” CAIXA OP1194.

“Conselho de Centros Acadêmicos 1972-1974: Informe AESI/USP, 7 de Fevereiro de

1973. CAIXA OP 1226

“Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Ofício AESI/USP Eleições para

representação estudantil no Conselho Universitário da USP”. 22/agosto/1973.

CAIXA OP 1226

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463

“Conselho de Centros Acadêmicos 1972/1974. Boletim do Conselho de Centros

Acadêmicos. CAIXA OP 1226

“Relatórios ME janeiro a 17 de maio. Relatório feito por 2124 de 26/03/76.

Observação das Assembléias Gerais realizadas na USP pró-reconstrução do DCE”.

Caixa OP 1408

“ME Panfletos (1969/1976). Enc 158/ASI/USP/76. USP, Gabinete do Reitor, 14 de

junho de 1976” PASTA 1356.

“ME Panfletos (1969/1976). DEOPS – Seção de Operações. Ato Público pela Anistia

(Diretório Central dos Estudantes) em 07/06/76. Informação

nº059/76/DOPS/SR/DPF/SP” CAIXA OP1356.

“Chapa CCA-USP”, CAIXA OP1424.

“Serviço Nacional de Informação – Agência Central. Informação nº121/16/AC/76

30/março/76. Propaganda Subversiva em Escolas de São Paulo” CAIXA OP1356.

“ME panfletos 69/76 Serviço Publico Federal/Superintendência Regional do DPF

em São Paulo. Serviço de Informação em 23/março/76. Encaminhamento

nº257/03-76/SI/SRDPF/SP. Origem: DSI/MEC – Difusão SRS”. CAIXA OP1356.

“Análise do Movimento estudantil Período 1974 a julho de 1977” CAIXA OP1194.

1.3 SÉRIE: AUTOS

Informação nº1437/73-AM. Palestra de advertência proferida pelo Comandante do

DOI/CODI IIº Ex aos pais de 12 estudantes indiciados em inquérito Policial Militar

por “estarem ligados a organização autodenominada Ação Libertadora Nacional”.

IN Arquivo do Estado de São Paulo. Fundo: Arquivo do DEOPS, Delegacia do Ordem

Política. Série Ordem Política OP1383 Professores e Alunos em Observação

1973/1974

“Grupo União. Intervém”. O que é o CA?, 6/12/1976. CAIXA OP1580 (Liberdade e

Ação. Liberdade e Luta)

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464

“Liberdade e Ação. Intervém” nº2, PUC SP, abril/1977. CAIXA OP1580 (Liberdade e

Ação. Liberdade e Luta)

“Liberdade e Ação” nº1, abril/1977 PUC-SP. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação.

Liberdade e Luta)

“Carta Programa para DCE Livre da PUC SP”, Grupo Unidade, 1977. CAIXA OP1580

(Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).

“Liberdade e Luta (oposição à atual diretoria do DCE livre da USP), Liberdade e

Ação (oposição à atual diretoria do DCE livre da PUC SP) na SPBC”, 1977. CAIXA

OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta)

“Boletim de Intervenção: recepção unificada aos calouros/77”. Grupo União,

Grupo Trabalho, Alunos de Direito. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e

Luta)

“Em Defesa do IIIº Encontro Nacional”, s/a, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação.

Liberdade e Luta).

“Boletim União”, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).

Plataforma União. CA Livre e Aberto. Ciências Sociais, Serviço Social, História,

Geografia PUC-SP, s/d. CAIXA OP1580 (Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).

“Plataforma Liberdade e Ação para DCE livre PUC”, maio/1977. CAIXA OP1580

(Liberdade e Ação. Liberdade e Luta).

“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e

do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531

“Termo de Declaração de Lídia Golddstein”. CAIXA 1553

“Termo de Declaração de Geraldo Siqueira”. CAIXA 1553

“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e

do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531

“Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77)”. CAIXA

OP 1553

“Termo de Declaração de Geraldo Siqueira”. CAIXA OP 1553

“Termo de Declaração de Lídia Golddstein” CAIXA OP 1553

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465

“Termo de Declaração de José Alberto Urbinatti”. CAIXA OP 1553

“Autos de Investigação. Alunos do DCE-USP. Ocupação do Restaurante do CRUSP e

do Centro de Vivência. 12/agosto/1976”. CAIXA OP 1531

“Autos de Investigação. Atividades dos alunos da USP no ME (18/08/77)”. CAIXA

OP 1553

2. CEDEM/CEMAP/A PALAVRA (DOCUMENTAÇÃO CLANDESTINA TROTSKISTA)

Frente Estudantil Socialista. “A Burocracia Chinesa faz acordo com o Imperialismo”.

São Paulo, 3/3/72. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra

“Classe contra classe: resolução sobre a tática de construção do partido operário

no Brasil”. IIº Congresso da OSI, 1979, p.2 IN Centro de Documentação e Memória

(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

Documento sem título organizado em “Notas” IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra Caixa 002

“Falam os trotskistas: ‘É necessário reconstruir a IV Internacional’. O Trabalho

nº31 04 a 16/set de 1979 A História da IV Internacional (1ª parte), p.3 IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

“Plataforma de luta da oposição sindical de S.B.C. e D. Movimento de Mobilização

Metalúrgico”, entre outros. IN “Relatórios das Comissões e Setores/SP. 1976, 1979,

1980, 1981” IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra caixa LP099

“Discussão sobre os Sindicatos” (dezembro de 1977)”; “Classe contra classe:

resolução sobre a temática de Construção do partido Operário no Brasil” (IIº

Congresso, 1978); Documento sem título utilizado na dinâmica de estudos e

debates sobre as greves e avaliação do movimento operário em 1978. IN Estudos,

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466

Teses, Legislação, resoluções. 1º de Maio, 1977-1983 IN Centro de Documentação

e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, Caixa LP140

Troca de correspondência entre o Corqui e o Secretariado Unificado em dezembro

de 1976, à luz das análises feitas pela OSI sobre a situação internacional e as

demais correntes trotskistas IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da

UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

“Liberdade e Luta. Plataforma para o DCE USP”, 1978; “Novo Rumo Socialista”, DCE

USP, 1978; “Caminhando DCE USP, 1978”; “Para o DCE Vento Novo”; “Refazendo”;

“Caminhando: E o DCE, como é que vai?”; “Convocatória para a Assembléia do DCE

(questão do CRUSP). DCE Livre das USP. Gestão Liberdade e Luta” IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

Publicação sobre a UNE e o ME no período 1964/1970, com 46 páginas e sem

indicação de autor, pertencente ao acervo da OSI/Liberdade e Luta. IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra

caixa 123.

”Documento sem título, mimeografado, s/d, s/a, 51p , p17. IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP140

Balanço do Setor Estudantil. Jairo [Ricardo Melo, estudante de economia da USP].

29/01/79, p2 IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, Caixa LP001.

Plano de Combate. Doc. Mimeog, 7p, s/d, s/a., pp1/7 Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 122.

Balanço das Eleições do DCE, Bernardo, como relator da discussão feita na

comissão ad Hoc. Agosto 1979. Doc mimeog, 5p, pp 1-3 IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP099.

Recrutamento. Doc mimeog, 8p, março/79, pp2/3 IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.

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467

“Projeto de Resolução Política”. Doc mimeog, 12 p, p11, 1979 IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP068.

“Ao BP”. Rose. 24/8/79. Doc datilog, 3 pg, p2 IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

“O novo momento do B.I. e nossas tarefas”. São Paulo, março de 1979, doc

mimeografado, s/a IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.

Resolução. III Congresso OSI. 1979 IN Centro de Documentação e Memória

(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP068.

“Aos companheiros da OSI”, São Paulo, 29/01/1980. Convergência Socialista. Doc

mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.

“Contribuição sobre a Campanha pela 1ª Conferência Nacional por Sindicatos

Livres/por uma CSI” Filipe 18/10/79. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação

e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075.

A luta pela unidade: preparar a Conferência. Buro Político OSI. São Paulo 25/11/79.

Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

“Plano de Formação”. Burô Político, 6/03/80 Doc mimeog, 2p. IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP001.

“Balanço: utilização do jornal”. BP, 04/04/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP001.

“Aos trabalhadores brasileiros, às entidades sindicais, ao partido dos

trabalhadores”. Comissão Nacional de Entidades Livres, BH, 14/03/1980 IN Centro

de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A

Palavra, caixa LP140.

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468

Boletim Interno. Os Trotskistas e o PT. Lucio Galego. Recebido Jairo 05/03/80. Doc

mimeog, 6 p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

“Como preparar as reuniões abertas de discussão dos textos do Comitê Paritário”.

Burô Político, 27/03/80. Doc mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória

(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

“A luta contra os aumentos de anuidade em São Paulo”. Samuel, 24/6/1980. Doc

mimeog, 2p. IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

“Plano para Intervenção – PUC SP – 2º semestre de 1980”. Comissão para

Elaboração do plano da PUC SP EII, 18/07/80 IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

“Balanço de nossa intervenção nas eleições da UEE”Jane (após discussão com os

responsáveis de Comitês de São Paulo – 12.10.80). Doc mimeog, 2p IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP099.

“Intervenção no ME: a greve nacional e o Congresso da UNE”. 4/ago/1980. Orácio

(resp. Nac. Estdantes). Doc mimeog, 6p, pp 2-3 IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

“Eleições da UNE: Balanço”. Jairo (RNE), 13/12/80 Doc mimeog, 3p IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP099.

“Elementos para atualização de nossa política sindical” Buro Político, 11/03/81.

Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

Doc mimeog sem título, Janjão, 4/maio/1981, 6p. IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

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469

“Preparemos o Encontro de Jovens Militantes e Simpatizantes do PT em São

Paulo”. Roberto (RNJ) 12/11/80. Doc mimeog, 2p IN Centro de Documentação e

Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

“Encontro de Jovens: 1º passo para a construção de uma juventude”. Roberto

(RNJ), 02/12/80. Doc mimeog, 2 pag IN Centro de Documentação e Memória

(CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP099.

Intervenção na Juventude (Texto para discussão no BP de 18.02.81). Roberto (RNJ)

12/02/81. Doc mimeog, 4p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da

UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

Nota para a intervenção estudantil. Buro Político 16/01/81. Doc mimeog, 3p IN

Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A

Palavra, caixa LP001.

“Construir o PT, construir a organização trotskista”. Buro Político, 8/01/81. Doc

mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP001.

“Sobre a greve nacional dos estudantes” Jairo (RNE) 11/04/81. Doc mimeog, 2p IN

Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A

Palavra, caixa LP006.

1º Balanço de nossa atividade no PT. CC 27/06/81, Doc mimeog, 2p IN Centro de

Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP005.

“Ao BP da OSI”. K2 (CTSP1) 11.09.81. Doc mimeog, 3p IN Centro de Documentação

e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP075,

CEDEM

Projeto de Declaração do CC da OSI à Direção da CS/ao Comitê Executivo da IV

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Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A Palavra,

caixa LP075

Ao CC da CS. Burô Político da OSI. São Paulo, 17/12/1981. Doc mimeog, 4p IN IN

Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP. CEMAP/Fundo Editora A

Palavra, caixa LP075.

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Doc mimeog, 7p IN Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da UNESP.

CEMAP/Fundo Editora A Palavra, caixa LP 068.

3. ARQUIVO EDGAR LEUENROTH

FC/0290 Congresso da UNE, Depoimento de Fredo Ebling para Mirza Pellicciotta,

27/10/1984

FC/0297 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (PT de

Massas/Autonomistas por Carlos Cavalcante, Jornal O Companheiro) para Mirza

Pellicciotta, 26/10/1984

FC/0298 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (PT de

Massas/Autonomistas por Carlos Cavalcante, Jornal O Companheiro) para Mirza

Pellicciotta, 26/10/1984

FC/0299 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (Viração,

Em Tempo/Centelha, Convergência Socialista/Aliança para Mirza Pellicciotta,

26/10/1984

FC/300 Congresso da UNE, Depoimento de correntes políticas presentes (Viração,

Em Tempo/Centelha, Convergência Socialista/Aliança para Mirza Pellicciotta,

26/10/1984

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471

Jornal O Trabalho: nº 0 (1º maio/1978); nº1 (30/maio/1978); nº2 (15/junho/1978);

nº3 (20/junho a 5/julho/1978); nº4 (6 a 20/julho/1978); nº5 (21/julho a

5/agosto/1978); nº6 (1 a 15/agosto/1978); nº7 (15 a 29/agosto/1978); nº8

(29/agosto a 11/setembro/1978); nº9 (12 a 25/setembro/1978); nº10

(26/setembro a 10/outubro/1978); nº11 (10 a 25/outubro/1978 ); nº12

(26/outubro a 7/anovembro/1978); Jornal da Greve (31/outubro/1978); nº13 (7 a

20/novembro/1978); nº14 (21/novembro a 5/dezembro/1978); nº15

(5/dezembro/1978 a 16/janeiro/1979); nº16 (16/janeiro a 13/fevereiro/1979);

nº17 (13/fevereiro/1979); nº18 (6 a 20/março/1979); Greve até a Vitória. Número

extra (14/março/1979; nº19 (20/março a 3/abril de 1979); nº20 (3 a

17/abril/1979); nº21 (17/abril a 1º/maio de 1979); nº22 (3 a 15/maio/1979); nº23

(15 a 29/maio/1979); nº24 (29/maio a 11/junho/1979); nº25 (12 a

25/junho/1979); nº26 (26/junho a 9/julho/1979); nº27 (10 a 23/julho/1979); nº28

(24/julho a 6/agosto/1979 ); nº29 (7 a 20/agosto/1979); nº30 (21/agosto a

3/setembro/1979); nº31 (4 a 16/setembro/1979); nº32 (17/setembro a

1/outubro/1979); nº33 (1 a 15/outubro/1979); nº34 (16 a 23/outubro/1979).

4. DOCUMENTAÇÃO ESTUDANTIL

(fundos documentais diversos)

Jornal do CACH/Unicamp, de setembro de 1976

Chapa 25 mil. CCA-USP, 1973

ME – estratégia e Tática. 1969, 8p

Novação. Por uma une em combate. Chapa Novação. Rio de Janeiro, 1979. Trata

do Programa de Chapa para as eleições da UNE

Manifesto aos estudantes. Publicação das chapas: Centelha, Novação,

Organizando, Ponteio, Combate, Travessia, Participação, Resistência e Novo Rumo.

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472

Doispontos. Um jornal de estudante. Ano 1, nº1, setembro/1975. São Paulo:

Centro de Estudos de Artes e Comunicações, 1975

Caderno do Ensino Pago

Boletim Informativo CEUPES, 1972. Eleições?!

Carta Aberta dos Centros Acadêmicos ao Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo

Arns. Documento assinado por 18 Centros Acadêmicos da USP,s/d, mimeografado.

Programa Novação. Candidata às eleições ao C.A Lupe Cotrim ECA/USP. Outubro

de 1973.

Gol a Gol nº13 DCE UFMG 10/10/74

Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76.

Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo

Plataforma Liberdade e Luta para o DCE-Livre da USP, 1976. Acervo: Antonio

Figueiredo

Polêmica. Edição Especial para Calouros. Março de 1975

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Carta Programa Chapa Argumento para o Centro Acadêmico. Gestão 75-76.

Geografia USP. Acervo: Antonio Figueiredo, p4/7

Carta programa para DA Física/USP, 1976, mimeog, 23p,

Liberdade e Luta nº2, setembro/76, doc mimeog, 11p

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Caminhando. Carta Programa para o DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi

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Liberdade e Luta: plataforma para o DCE USP, 1977, p2.

“Todos ao Congresso de Reconstrução da UEE!” Caminhando

“UEE: Em quem votar

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Beba nº14. DCE UFBA, setembro 78. Boletim dos Estudantes da Bahia.

Memorex. Elementos para uma história da UNE.

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Carta programa Liberdade e Luta DCE 79/80. São Paulo: Empresa Jornalística AFA,

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“Pelo Ensino Público e Gratuito para todos!” Carta programa Liberdade e Luta UEE

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“Dia 27: fundar a UEE!”Liberdade e Luta (USP), Liberdade e Luta (PUC-SP), Grupo

de Estudantes Secundaristas, Grupo de Estudantes de Campinas, Grupo de

Estudantes de Ribeirão Preto, Grupo de Estudantes de Mogi das Cruzes, Grupo de

Estudantes de Jundiaí, Grupo de Estudantes de Guarulhos, Grupo de Estudantes da

FAAP-SP, Grupo de Estudantes de Direito – SP. Agosto, 1977, mimeog, 4 p.

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11. ENTREVISTAS

1. CELSO MARCONDES (CARECA): Entrevista para Virgínia Camilotti em 1986 - Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp

2. GERALDO SIQUEIRA: Entrevista para Virgínia Camilotti em 1986 - Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp

3. RUI CÉSAR COSTA SILVA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 1988 - Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro", AEL

4. BERTHÔNIO JOB E MEIRA: Entrevista para Mirza Pellicciotta e Ângelo Pessoa -

Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro", AEL

5. WILSON RIBEIRO DOS SANTOS JR (CARACOL): Entrevista para Mirza Pellicciotta em 02/09/1996

6. EUNICE FISHEMAN: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 10/09/2003

7. PAULO ZOCCHI: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 15/09/2003

8. JULEUSA TURRA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 13/03/2005

9. ANTONIO FIGUEIREDO: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 31/03/2005

10. MARKUS SOKOL: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 28/10/2005

11. FLÁVIO CARRANÇA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 10/11/2005

12. MÁRIO MARTINS DE LIMA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 20/11/2005

13. CAIO TÚLIO COSTA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 3/02/2006

14. FÁBIO MALAVOGLIA: Entrevista para Mirza Pellicciotta em 22/07/2009

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12. FONTES SECUNDÁRIAS/ BIBLIOGRAFIA

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