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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS VALERIA CRISTINA JODJAHN FIGUEIREDO UM RECORTE DISCURSIVO DO TELESSAÚDE DE CAMPINAS CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

VALERIA CRISTINA JODJAHN FIGUEIREDO

UM RECORTE DISCURSIVO DO TELESSAÚDE DE CAMPINAS

CAMPINAS

2016

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VALERIA CRISTINA JODJAHN FIGUEIREDO

UM RECORTE DISCURSIVO DO TELESSAÚDE DE CAMPINAS

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas como pré requisitos exigidos para

a obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão

em Saúde, na área de concentração Política, Gestão e Planejamento..

ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ROBERTO SILVEIRA CORRÊA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA VALERIA CRISTINA JODJAHN FIGUEIREDO,

E ORIENTADA PELO

PROF. DR. CARLOS ROBERTO SILVEIRA CORRÊA.

CAMPINAS

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE

MESTRADO

VALERIA CRISTINA JODJAHN FIGUEIREDO

ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ROBERTO SILVEIRA CORRÊA

MEMBROS:

1. PROF. DR. CLAUDIA REGINA CASTELLANOS PFEIFFER

2. PROF. DR. EVERTON SOEIRO

3. PROF. DR. PRISCILA MARIA STOLSES BERGAMO FRANCISCO

4. PROF. DR. JOSÉ MAURÍCIO DE OLIVEIRA

5. PROF. DR. CARLOS ROBERTO SILVEIRA CORRÊA

Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Saúde Coletiva: Políticas

e Gestão em Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de

Campinas.

Data: 23/02/2016

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RESUMO

A implantação do projeto telessaúde tem como objetivo integrar os diversos níveis

de assistência do município de Campinas. Ele surgiu por demanda dos profissionais

de saúde da atenção primária de saúde que, em diferentes fóruns promovidos pela

Secretaria Municipal de Saúde, visavam garantir o princípio de integralidade do

Sistema Único de Saúde. O telessaúde vem sendo implantado na rede de saúde do

Município de Campinas desde 2010 e seu principal objetivo visa facilitar o contato

entre o profissional que atua nas unidades básicas de saúde e o profissional

especialista das unidades de referência, a partir da discussão de casos clínicos /

encontro virtuais, facilitando e propondo ações conjuntas (integrando o médico da

atenção básica e o especialista) para o tratamento dos pacientes bem como para a

promoção da saúde e prevenção de complicações clínicas dos usuários do Sistema

Único de Saúde. O objetivo deste estudo foi analisar a parte do processo de

significação do telessaúde sob a ótica da Análise de Discurso de linha francesa,

tendo como corpus de análise, entrevista realizada com profissional envolvido nesta

atividade. Como resultado, tivemos a compreensão de que a discursividade deste

profissional sobre o telessaúde é formulada a partir de uma formação discursiva

biomédica e estabiliza o sentido de integralidade em diferentes direções,

configurando a integralidade tanto como a relação entre o médico clínico com o

especialista; quanto à relação entre o serviço de saúde e o paciente; como ainda a

relação entre a atenção básica e o sistema de saúde.

Palavras chave: Telessaúde, Telemedicina, Análise de Discurso.

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ABSTRACT

The implementation of the “Telesaude” project aims towards the integration

of various levels of health assistance in the municipality of Campinas. As mentioned

in different forums of the local Health Department, this project was created according

to health professionals’ needs, in the primary health care system, who wanted to

utilize the “SUS” integration principle.

“Telesaude” was launched in 2010 in Campinas’s public health system, and its main

purposel is to facilitate the contact among health care professionals, the ones that

work at public health centers and the specialists in the referral centers. This virtual

contact will facilitate the discussion of patients’ diagnosis among professionals

involved in the case. Its goal is to improve the overall treatment of all “SUS” patients,

as well as to prevent further complications.

The study’s purpose was to analyze the discursivity of “Telesaude” under the scope

of the discourse analysis, according to one France’s line of thought, considering

analysis corpus via interview of the professional in the area. As a result, we

understood that the discursivity of this professional about “Telesaude” is

formulated according formed biomedical discourse. The sense of integrality is formed

by the relationship stablished among all parts involved.”

Keywords: Telehealth, Telemedicine, Discourse Analysis.

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SUMÁRIO

RESUMO iii

1. APRESENTAÇÃO 08

2. INTRODUÇÃO 10

3. OBJETIVOS 20

3.1 Objetivo geral 20

3.2 Objetivo específico 20

4. METODOLOGIA 20

4.1 A seleção do entrevistado 21

4.1.1 A técnica da entrevista 21

4.1.2 A entrevista deste estudo 21

4.2 Caracterização do sujeito 22

4.3 Análise de Discurso 23

4.3.1 Princípios teóricos em análise do discurso 23

4.3.2 A análise dispositiva e procedimentos 27

5. AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO SOBRE A CONFIGURAÇÃO

DO PROJETO TELESSAÚDE DE CAMPINAS 27

5.1 O Projeto Piloto de implantação de sistema informativo

de comunicação – telessaúde em Campinas 27

5.1.1 A Unidade Básica de Saúde X 31

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO 32

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 40

8. RECOMENDAÇÕES 41

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 42

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1. APRESENTAÇÃO

Esta dissertação desenvolveu-se em função de um projeto que foi

implantado na Secretaria Municipal de Campinas denominado “projeto

telessaúde na rede pública do município de Campinas”.

O telessáude, como é hoje é conhecido na rede pública de saúde, no

município de Campinas, inicialmente foi nomeado como Projeto Informatizado

de Comunicação.

O desenvolvimento e implantação do projeto telessaúde foram

demandados pelos profissionais médicos da rede pública, especialmente os

profissionais da atenção básica, que participaram dos diferentes fóruns

realizados pela Secretaria Municipal de Saúde. Nesses fóruns, a integralidade

da atenção foi um tema recorrente e, dentre várias propostas, os profissionais

médicos solicitaram que fossem desenvolvidas estratégias de comunicação

informatizada entre as unidades básicas e os serviços de especialidades.

Em junho de 2010, a Secretaria de Saúde implantou o projeto

telessaúde no município e convidou algumas unidades para participarem.

Esse projeto tinha como principal objetivo facilitar o contato entre o

profissional da atenção básica e da unidade de referência. A princípio, para

seleção das unidades de saúde, foram considerados os recursos já existentes

em relação à conexão de internet e equipamentos de informática (web cam,

microfone e caixa de som) e os serviços de especialidades envolvidos.

Uma Policlínica ficou como referência para duas unidades básicas de

saúde, na área de cardiologia, enquanto um Complexo Hospitalar da região

ficou como referência para outras três unidades básicas de saúde. Um Hospital

universitário do município, já contando com estrutura para acessar a Rede

Universitária de Telemedicina e Telessaúde (RUTE), ficou como referência para

outra unidade. O instrumento de comunicação informatizada para os serviços

foi o software Skype. (disponível em http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/).

Atualmente, das sessenta e quatro unidades de saúde, somente cinco

estão utilizando a ferramenta telessaúde para discussão de casos na

cardiologia.

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Na coordenação da unidade de referência, articulando e convidando as

unidades básicas a participarem da atividade, percebo que as agendas locais

das unidades básicas de saúde são priorizadas e que, em algumas unidades, o

número de encaminhamentos para a especialidade continua a aumentar.

Considerando que os profissionais médicos solicitaram em diversos

espaços, apoio e aproximação com as equipes das unidades de referência,

qual será a dificuldade em apoderar-se do recurso disponibilizado? Por que

somente uma unidade de saúde permaneceu desde o início? Qual a motivação

do profissional, que o impulsionou a adesão e permanência no projeto?

Percebo no cotidiano do trabalho a importância da participação dos

apoiadores institucionais para a incorporação dessa tecnologia, pois a prática

tem demonstrado que a atuação do apoiador, junto às unidades, tem sido

potente.

O projeto tem demostrado que é possível melhorar a qualidade dos

encaminhamentos, reduzir as filas de espera, promover acesso mais rápido às

consultas e aos exames diagnósticos, facilitar a integração entre os

profissionais, estabelecer uma rede de parcerias no município facilitando o

acesso ao usuário e profissionais, o que atende aos princípios do Sistema

Único de Saúde: integralidade, equidade e universalização.

O telessaúde otimiza a espera do usuário no sentido de agilizar os

encaminhamentos da demanda reprimida da unidade, podendo ser uma

ferramenta de educação, informação e potencialização de serviço.

Instigada por estas questões, desejando ampliar e aprofundar meus

conhecimentos, ingressei no Curso de Mestrado Profissional em Saúde

Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde, na Universidade Estadual de

Campinas, no intuito de compreendendo, otimizar o recurso disponível.

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2. INTRODUÇÃO

A telemedicina é definida como uso das tecnologias de comunicação e

de informação para transferir informações médicas em processos de

diagnóstico, terapêutico e educação e foi o primeiro termo a ser utilizado para

se referir às práticas de assistência à saúde a distância. (NORRIS, 2002).

A Associação Americana de Telemedicina (American Telemedicine

Association) define a Telemedicina como: “utilização de informações médicas

trocadas a partir de um local para outro através de comunicações eletrônicas,

para melhorar o estado de saúde clínico de um paciente".

(http://www.americantelemed.org/about-telemedicine/what-is-

telemedicine#.VpROyvkrJxQ, 2012).

A resolução nº 1.643/2002, do Conselho Federal de Medicina, em seu

Art. 1º, define a Telemedicina como o exercício da Medicina através da

utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados,

com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde.

De um modo geral, os serviços de telemedicina incluem atividades

assistenciais (teleconsulta, telediagnóstico e telemonitorização), atividades

relacionadas à administração e gestão dos pacientes (cuidado continuado e

integração entre os níveis de assistência) e as atividades de informação e

formação à distância para os usuários e profissionais. (RABANALES, SOTOS

et al, 2011).

Existem relatos de algumas experîencias da Agência Norte Americana

na década de 1960 em relação à utilizaçao da telemedicina, mas o

desenvolvimento desta modalidade na prestação de serviços de saúde foi lento

e esporádico. Após a década de 1990, com os avanços na informática,

microeletrônica e telecomunicações, houve um aumento no interesse pela

telemedicina (GRIGSBY et al, 2002).

Ao longo da história, o uso do recurso da comunicação permitiu à

sociedade superar situações adversas e hostis. Sinais luminosos foram

utilizados na Europa durante as epidemias de peste bubônica, no século XIV,

como o único meio de comunicação de massa para advertir sobre a presença

da doença nas localidades afetadas. Na guerra civil americana (1861-1865), o

telégrafo facilitou o acesso aos suprimentos médicos assim como o telefone e

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rádio facilitaram a partir da I Guerra Mundial. Atualmente, a internet oferece

maiores utilidades com mínimos custos de operação. ZUNDEL (1996, apud,

CÁCERES-MENDEZ et al, 2011, pag.13)

O surgimento da televisão foi importante ajuda para a telemedicina. A

popularização da televisão incentivou o desenvolvimento de circuitos fechados

de televisão e a comunicação via vídeo. ZUNDEL (1996, apud, CÁCERES-

MENDEZ et al, 2011, pag.14).

Em 1964 foi realizada a primeira conexão de vídeo interativo entre o

instituto de psiquiatria de Nebraska em Omaha e o hospital estatal Norfolk,

distantes entre si por 112 milhas. O programa espacial também contribuiu para

a telemedicina. A Missão Mercúrio, da National Aeronautics and Space

Administration (NASA), no período entre 1960 – 1964 obteve os primeiros

dados dos parâmetros fisiológicos dos astronautas através de telemetria. O

Programa Space-Flight, monitorou continuamente em terra os astronautas em

órbita. Posteriormente, se implementaram programas de telemedicina em áreas

rurais. Um dos mais mencionados é o STARPAHC (The Space Tecnology

Applied to Rural Papago Advanced Health Care), na reserva da tribo Papago,

no Arizona, com o sistema de telemetria da NASA. Essas primeiras tentativas

se constituíram na primeira fase da telemedicina. (CÁCERES-MENDEZ et al,

2011).

A segunda fase da telemedicina se inicia com a indexação do termo

telemedicina ao Medline em 1993 e se estende até hoje. ZUNDEL (1996, apud,

CÁCERES-MENDEZ et al, 2011, pag.15).

Nessa fase ocorre uma crescente redução nos custos de produção dos

equipamentos de telecomunicações. Destacam-se pesquisas financiadas pelo

exército americano para monitoramento de sua tropa, tele presença por cirurgia

robótica laparoscópica e novas tecnologias para tratamento de lesão cerebral

secundária ao trauma. (CÁCERES-MENDEZ et al, 2011).

O campo da telemedicina tem se expandido consideravelmente, com um

número crescente de aplicações, uma variedade de tecnologias e uma recente

terminologia. Esse processo envolveu uma expansão de conceitos de

telemedicina e isso gerou uma grande confusão entre o conceito original de

telemedicina e outros termos que surgiram depois como Telessaúde, E-saúde,

M-saúde. (BASHSHUR et al, 2011).

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A conceituação dos termos telemedicina, Telessaúde e e-saúde é tão

dinâmica quanto o desenvolvimento tecnológico. É possível encontrar na

literatura uma variedade deles, dependendo da data de publicação e da fonte

consultada. Observa-se também que ainda existem dúvidas quanto à grafia e a

nomenclatura mais apropriada para ser utilizada. (MELO; SILVA, 2006).

A evolução da tecnologia da informação e comunicação (TIC), em todos

os domínios da área da saúde, tem início com a telecomunicação básica,

(origem da telemedicina), seguido pela ampliação de seus conceitos

(Telessaúde) e depois pela personalização dos serviços (E-saúde e M-saúde).

(BASHSHUR et al, 2011).

O termo Telessaúde reflete um discurso moderno, tem a intenção de

denotar uma conceituação mais inclusiva dos domínios das tecnologias de

informação e comunicação e inclui outras profissões como a enfermagem,

fisioterapia, farmacêutico, entre outras, no processo de cuidado. (BASHSHUR

et al, 2011).

Para PAGLIARI et al, 2005, o E-saúde (e-Health) é um emergente

campo de informações médicas, referindo-se à organização e transmissão de

serviços e informações em saúde utilizando a Internet e tecnologias similares.

Caracteriza também, uma nova forma de trabalho, uma atitude e um

relacionamento via acesso em rede, com o objetivo de promover o cuidado em

saúde local, regional e mundial por meio do uso da tecnologia de informação e

comunicação.

De acordo com RABANALES J. et al, 2011, não devemos considerar a

Telemedicina unicamente como transmissão de informação e comunicação de

médicos e pacientes separados no espaço. É um meio de comunicação,

formação e consulta entre profissionais da saúde, tanto do âmbito hospitalar

como da atenção primária, e permite uma melhor atenção integral do paciente

e formação contínua dos profissionais da saúde.

O Telessaúde é considerado como uma ferramenta que poderia exercer

um impacto positivo sobre várias dimensões da prestação de serviços de

saúde nas regiões rurais, remotas ou isoladas. Por exemplo, Telessaúde pode

apoiar a prestação de serviços especializados em tempo hábil para as

populações mais isoladas, facilitar o acesso à educação para os médicos, e

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reduzir os custos de viagem para os pacientes e profissionais. (GAGNON et al,

2007).

Para o Ministério da Saúde, através da Portaria nº2546, de 27/10/2011, o

Telessaúde pode ampliar a capacidade e autonomia do médico na resolução de

casos semelhantes, contribuindo com a educação permanente do profissional

envolvido.

A Telemedicina ou Telessaúde adquire efetividade quando está

associada a planos estratégicos que incluam um processo de logística de

distribuição de serviços de saúde; ela deve estar contextualizada em relação

ao momento (tempo) e às características da localidade onde será implantada,

para que seja possível definir os tipos de atividades a serem realizadas.

Qualquer ação de Telemedicina necessita de infraestrutura, de recursos

humanos capacitados e de uma estratégia logística de acesso a serviços de

saúde (WEN, 2008).

Entre os vários métodos disponíveis, a internet apresenta a melhor

alternativa de infraestrutura para o exercício da telemedicina pela possibilidade

de compartilhar experiências, rápida e economicamente. (CÁCERES-MENDEZ

et al, 2011).

Para ROIG E SAIG, 2011, é fundamental conhecer os processos, fatores

críticos e estratégias de integração das tecnologias de informação e

comunicação nos sistemas de cuidados de saúde para identificar as

transformações que surgem da interação dos mesmos.

Na América Latina, o processo de formulação e implantação de políticas

de Telessaúde está em curso. O Brasil, o Equador, a Colômbia, o México e o

Panamá já têm projetos nacionais implantados enquanto que Costa Rica,

Bolívia, El Salvador, Cuba, Venezuela, Peru e Guatemala estão iniciando fase

de elaboração e implantação de seus projetos. (SANTOS, 2014).

A telemedicina tem evoluído no Brasil. O primeiro marco foi o

lançamento da Telemedicina no Programa Institutos do Milênio do Ministério

das Ciências e Tecnologia, em 2005, como demanda induzida. O Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) entendia que a

Telemedicina era uma área estratégica e precisava ser incentivada nas

instituições universitárias. Em 2005, foi aprovado o Projeto de Telemedicina

“Estação Digital médica”, e teve a participação de um consórcio constituído por

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nove instituições para ampliar e consolidar a Telemedicina no Brasil. O

segundo marco foi o Projeto de Telemática e Telemedicina em apoio à Atenção

Primária no Brasil, solicitado pelo Ministério da Saúde que tinha como

perspectiva, utilizar os recursos de telemedicina para melhoria da qualificação

dos profissionais da saúde em atenção básica e, consequentemente, oferecer

melhores serviços à população. O terceiro marco foi o desenvolvimento do

projeto da Rede Universitária de Telemedicina (RUTE) da Rede Nacional de

Ensino e Pesquisa (RNP). (WEN, 2008).

A lei 561/2006, instituiu no âmbito do Ministério da Saúde, a Comissão

Permanente de Telessaúde formalizando-se o Programa Nacional de

Telessaúde do MS no Diário Oficial da União da através da portaria 35/2007.

(BRASIL, 2006a).

Reconhecido como política pública em 2007, redefinido e ampliado em

2011, pela Portaria GM/MS 2.546/11, o Programa Nacional Telessaúde Brasil

Redes tem por objetivo ampliar a resolutividade da Atenção Básica e promover

sua integração com as redes de atenção à saúde e também estimular as

atividades de educação permanente em saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2012).

O Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes está em funcionamento

em 22 estados. A partir de 2012, o programa passou a disponibilizar

teleconsultoria por telefone – através do número 0800 644 65 43 – e suporte

aos médicos da Atenção Básica participantes dos Programas Mais Médicos

para o Brasil, Valorização da Atenção Básica (PROVAB) e Melhoria do Acesso

e da Qualidade (PMAQ), e às equipes do Programa Melhor em Casa, com o

objetivo de facilitar o acesso à informação e agilizar a tomada de decisão,

auxiliando a resolver problemas de saúde e dúvidas clínicas, sem a

necessidade de agendamento prévio.

(http://dab.saude.gov.br/portaldab/noticias.php?conteudo=_&cod=1969)

A rede de saúde no Brasil já conta com diversas ações de Telessaúde e

há a perspectiva de ampliação e aprimoramento destas práticas,

principalmente com a implantação do Programa Telessaúde Brasil Redes para

auxiliar o ensino e a assistência articulados com as políticas públicas e da

Rede Universitária de Telemedicina (RUTE). A RUTE foi implantada em 2006

para facultar o acesso das faculdades de medicina e hospitais universitários

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envolvidos com projetos de telemedicina em diferentes regiões do país ao

sistema de comunicação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).

Em Goiás, é possível um trabalho de prevenção à cegueira através da

análise de 500 retinografias e com a implementação do telediagnóstico. No

Amazonas, as enormes distâncias são encurtadas e a ausência de

profissionais é minimizada com a implantação do Programa Nacional de

Telessaúde e os Núcleos de Telessaúde e Telemedicina da RUTE.

Comunidades a cerca de trezentos e setenta e dois quilômetros de Manaus são

beneficiadas com o projeto.

Em ações de emergência, como em Janeiro de 2013, no incêndio da

Boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a socorro às vítimas do

trágico incidente contou com recursos de videoconferência. O Comitê Olímpico

Brasileiro (COB) tem uma parceria com o Núcleo de Telemedicina do Instituto

Nacional de Traumatologia e Ortopedia, no Rio de Janeiro. Será possível

discutir casos em geral e lesões críticas de atletas durante os jogos olímpicos

usando recursos de videoconferência.

Em Minas Gerais, cerca de 83% do estado é atendido pelo Telessaúde.

São cerca de mil pontos de atendimento, com mais de 1.900 equipes de Saúde

da Família atendidas. Na área de telecardiologia, já foram realizadas por volta

de sessenta mil teleconsultorias.

Em Belo Horizonte, o Projeto Minas Telecardio 2 atua na Rede de

Cuidado ao Infarto Agudo do Miocardio (IAM) na área de telecardiologia.

Os serviços de tele-educação, tele-assistência e telegestão são

oferecidos pelo núcleo de Telessaúde da Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE).

Em Campinas, o projeto piloto de implantação de sistema informatizado

de comunicação - telessaúde, iniciado em junho 2010, foi desenvolvido para

facilitar o contato entre o profissional médico que atua na Atenção Básica e o

profissional especialista que atua na unidade de referência. Tal ação foi

motivada por uma demanda do município, desarticulada da proposta nacional

do Telessaúde, aqui grafado com letra maiúscula por tratar-se de uma política

pública, implementada através de um marco legal, portaria 35/2007 no Diário

Oficial da União, em 04 de janeiro de 2007.

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O Município de Campinas possui uma rede de saúde composta por

sessenta e quatro unidades básicas de saúde, cinco ambulatórios de

especialidades, cinco unidades de pronto atendimento e oito centros de

atenção psicossocial, além dos serviços conveniados e contratados.

Frente à necessidade de integração entre os vários níveis de assistência

de saúde oferecidos, a Secretaria Municipal de Saúde realizou várias ações de

discussão coletiva entre os gestores e profissionais, como o Seminário do

Trabalho Médico, a Oficina da Atenção Básica e o I e II Fórum Municipal de

Humanização, para elaboração de propostas de melhoria da atenção prestada,

aumento da satisfação do trabalhador e do usuário, bem como qualidade da

gestão do cuidado em saúde, subsidiando as ações de gestão da Secretaria

Municipal de Saúde em todos os níveis.

O I Fórum Municipal de Humanização, organizado pelo Hospital

Municipal Dr. Mario Gatti em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde,

realizado em setembro de 2007, em Campinas, teve como principal foco

discutir o tema Construção das Redes de Produção do Cuidado no SUS –

Campinas.

O II Fórum Municipal de Humanização na Construção de Redes

Solidária foi realizado em setembro de 2010, organizado pelo Hospital

Municipal Dr. Mario Gatti em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde.

Nesse Fórum ocorreu a participação de outras Instituições que

compõem o cenário do Sistema Único de Saúde em Campinas: Complexo

Hospitalar Ouro Verde, Hospital e Maternidade de Campinas, Hospital Dr.

Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica Campinas, Hospital de

Clínicas da Unicamp, Centro de Atenção a Saúde da Mulher-CAISM, Centro

Infantil Boldrini e Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira.

Ampliar as ações de matriciamento1 entre as unidades e serviços de

referência com adoção de critérios de risco para os encaminhamentos,

capacitação de profissionais e criação de vínculos mais solidários entre os

serviços foram decisões do I Fórum Municipal de Humanização (2007),

complementados no II Fórum Municipal de Humanização (2010) que

1Matriciamento ou apoio matricial é um arranjo organizacional e uma metodologia para a gestão do trabalho em saúde e objetiva retaguarda especializada a equipes e profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde. (CAMPOS e DOMiTTI, 2007)

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preconizavam a aproximação entre trabalhadores e gestores da rede de saúde,

consolidando as experiências de inter-relação dos serviços da rede para

promover maior eficácia nas linhas de cuidado2. (disponível em

https://docs.google.com/document/edit?id=1Quf03CsvWuN4vm07ODbYwCWT

8RFFcP-15UosIbVhMk4&hl=pt_BR&pref=2&pli=1).

O Seminário do Trabalho Médico, realizado em 2008, em Campinas,

pela Secretaria Municipal de Saúde, apontou para a necessidade de prover

condições para o encontro e integração dos médicos de todos os serviços da

rede, com o intuito de estabelecer relações mais solidárias e uma rede mais

eficiente. Uma das propostas relacionadas ao tema Gestão Central da

Secretaria e Modelo de Atenção foi “Implantar sistema tipo telessaúde que

permita debates e atualizações técnicas frequentes para os médicos da rede.”

(http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/eventos/seminario_medico/RELATORIO

FINAL.pdf)

A Oficina Municipal da Atenção Básica, realizada em 2009, teve como

principal objetivo “identificar as principais dificuldades, os conflitos e as

estratégias de enfrentamento nos modos de se fazer a gestão do cuidado em

saúde nas unidades básicas de saúde da rede. O foco, portanto, foi no

processo de trabalho das Unidades, no modo como as equipes se organizam e

como se dá a relação entre os trabalhadores e deles com os usuários”.

(http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/).

Uma das propostas contidas no relatório final da Oficina da Atenção

Básica aponta que as estratégias de integração entre a unidade básica de

saúde e serviços de referência devem incluir: matriciamento; construção

conjunta de protocolos de acesso às especialidades e aos exames

diagnósticos; desenvolvimento do Projeto de Qualificação da Gestão do

Cuidado; capacitações específicas em torno de temas demandados pelos

profissionais tanto das unidades básicas de saúde como dos serviços de

referência; videoconferências e “regulação viva” (disponibilizando tempo dos

2As linhas de cuidado expressam os fluxos assistenciais que devem ser garantidos ao usuário, no sentido de atender às suas necessidades de saúde. As linhas definem as ações e os serviços que devem ser desenvolvidos nos 23 diferentes pontos de atenção de uma rede (nível primário, secundário e terciário) e nos sistemas de apoio, bem como utilizam a estratificação para definir ações em cada estrato de risco. Dessa forma, a linha de cuidado desenha o itinerário terapêutico dos usuários na rede (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

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profissionais para discussão de casos via telefone).

(http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/).

A partir das demandas dos profissionais de saúde que participaram dos

diferentes fóruns, o Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS)

juntamente com a Câmara Técnica de Especialidades e com a Coordenadoria

de Informação e Informática (CII) da Secretaria Municipal de Saúde assumiram

a tarefa de viabilizar e desenvolver estratégias de comunicação informatizada

entre as unidades básicas e os serviços de especialidades. O projeto foi

implantado de forma a potencializar a qualidade da assistência prestada,

garantindo a integralidade3 da atenção. O projeto contempla a discussão de

casos clínicos ou temas selecionados, de acordo com a necessidade do

profissional da atenção Básica, atendendo ao que estava apontado nos fóruns

de humanização.

A discussão de caso no telessaúde é uma conversa, entre dois

profissionais médicos, a respeito de um problema de um paciente. O caso

discutido pode ser encaminhado para o especialista ou para exames

complementares que, posteriormente, serão discutidos pelos profissionais

(clínico e especialista) para elucidação de diagnóstico e conduta.

O projeto foi implantado em diferentes unidades básicas de saúde de

Campinas e, em algumas delas, o Projeto se mantem até hoje. Na área da

cardiologia, uma Policlínica ficou como referência para duas unidades básicas

de saúde; um Complexo Hospitalar ficou com outras três unidades básicas de

saúde e um Hospital Universitário, já contando com a estrutura para acessar a

Rede Universitária de Telemedicina e Telessaúde (RUTE), ficou como

referência para outra unidade de saúde. No entanto, atualmente, os hospitais

não estão realizando esse tipo de atividade com as unidades básicas de saúde

referenciadas.

Hoje, as unidades participantes do projeto com a Policlínica aumentaram

de duas para cinco e já são percebidas, na prática, a redução da demanda

reprimida de cardiologia nessas unidades.

3Integralidade: Um dos princípios do Sistema Único de Saúde, orienta uma atenção à saúde de boa qualidade e que considere as múltiplas dimensões do ser humano e que dê conta da complexidade dos problemas de saúde pública, das pessoas e dos riscos da vida moderna. (TESSER e LUZ, 2008).

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Este estudo tem por objetivo analisar a discursividade sobre o

telessaúde a partir de um recorte: o dizer do clínico.

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3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Analisar a discursividade sobre o telessaúde, sob a ótica da análise de

discurso, de um médico que participou do projeto.

3.2 Objetivo específico

Compreender o significado do projeto telessaúde para um dos médicos

que participou desse projeto.

4. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo e tal como definido por Maria Cecília

Minayo é um estudo que se afasta da ciência objetiva e do levantamento

estatístico, para se aproximar de aspectos subjetivos, históricos e sociais e que

considera o ser humano, sua experiência com seus valores, crenças e

significados (MINAYO, 2014).

Neste estudo foi utilizada a técnica de entrevista aberta com um médico

envolvido no projeto telessaúde. Trata-se de uma amostra por conveniência a

partir dos profissionais que desenvolviam suas atividades há mais tempo no

projeto telessaúde. Também foi realizada leitura documental dos relatórios dos

Seminários de Humanização, da Oficina da Atenção Básica e Trabalho Médico

da Secretaria Municipal de Saúde, planilhas de produção e relatórios dos

encontros e documentos sobre a formulação e implantação do projeto

telessaúde em Campinas com vistas a melhor compreender as condições de

produção deste Projeto. É importante ressaltar que esses relatórios dos

Seminários de Humanização, Oficina da Atenção Básica e do Trabalho Médico,

foram documentos disparadores da formulação e implantação do Projeto em

Campinas, onde os profissionais apontam a necessidade de aproximação com

as unidades de referência, de construção das redes de produção do cuidado no

SUS Campinas, de ampliação das ações de matriciamento entre as unidades

básicas e as unidades de referência, de capacitação dos profissionais, da

criação de vínculos mais solidários e de implantar sistema tipo telessaúde de

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forma a permitir debates e atualizações técnicas frequentes para os médicos

da rede, conforme comentado anteriormente na introdução deste trabalho.

Para a análise do que foi enunciado na entrevista, utilizamos o

dispositivo teórico-analítico denominado Análise do Discurso (AD) da linha

francesa, proposta por Michel Pêcheux, para compreendermos as direções de

sentido que se estabiliza no enunciado que a constitui. “Na Análise de Discurso

procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho

simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua

história.” (ORLANDI, 2009). A singularidade da AD é ligar a língua e a

exterioridade; a língua e a ideologia; a ideologia e o inconsciente.

4.1 A seleção do entrevistado

A entrevista foi realizada com um profissional médico (clínico geral) da

unidade que há mais tempo estava participando do telessaúde com a unidade

de referência.

4.1.1 A técnica da entrevista

A entrevista realizada neste estudo foi entrevista aberta ou em

profundidade na qual o sujeito da pesquisa é convidado a falar livremente

sobre um tema e as perguntas do pesquisador , quando são feitas, buscam dar

maior profundidade às reflexões (MINAYO, 2014).

4.1.2 A entrevista deste estudo

Neste estudo, o profissional médico foi convidado, pela pesquisadora, a

participar da pesquisa para relatar sua experiência no projeto telessaúde. .

A entrevista foi realizada pela própria pesquisadora, no mês de Julho de

2015, mediante contato prévio com o profissional para que pudesse ser

agendado o dia e o local, considerando que o profissional havia se aposentado

no mês anterior. O contato foi realizado através de rede social. A entrevista foi

áudio gravada, com autorização prévia, para ser transcrita posteriormente e,

assim, ser objeto de análise. Foi realizada na residência do profissional, por

opção própria. O profissional era orientado a contar sua experiência com o

telessaúde e falou durante o tempo que quis até considerar o assunto

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esgotado, sendo que a questão norteadora da entrevista foi: “Conte sua

experiência com o telessaúde”.

A transcrição da entrevista foi enviada ao participante para revisão e

correção.

Vale ressaltar que o profissional entrevistado fez parte da elaboração do

projeto telessaúde em Campinas, tendo sido incorporado às atividades no

momento de implantação do mesmo. Observamos ainda que o clínico

entrevistado era também integrante do Projeto de Gestão da Clínica.

A pesquisa foi autorizada pelo Secretário de Saúde de Campinas e pelo

Comitê de Ética Da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP,

Comissão de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, conforme a

resolução 196/96, com o parecer CEP nº 42708414.7.0000.5404.

4.2 Caracterização do sujeito

A entrevista foi realizada com o profissional médico, sexo masculino,

casado, formado em 1979, atuando na rede pública de saúde desde 1980, e

que se aposentou em junho 2015. Na unidade básica de saúde, era o

profissional que fazia parte do projeto de gestão da clínica e não fez parte da

elaboração do Projeto na Secretaria Municipal de Saúde.

O profissional, desde o início do projeto, em 2010, teve encontros

virtual, quinzenais, com duração de uma hora, com profissional especialista

da unidade de referência para cardiologia. Foram cinco anos de discussão de

casos, sem interrupções, exceto devido a férias ou licença prêmio. O mais

antigo no Projeto. No dia da entrevista já estava aposentado.

4.3 Análise de Discurso

A Análise de Discurso (AD) é um dispositivo teórico-analítico que foi

utilizado, nesta pesquisa, para a compreensão do material obtido a partir

daquilo que foi enunciado pelos médicos que foram entrevistados. Uma das

entrevistas tornou-se corpus de análise a partir dos pressupostos da Análise de

Discurso. Os princípios teóricos e analíticos da Análise de Discurso,

fundamentada por Michel Pêcheux, na França, e por Eni Orlandi, no Brasil,

serão apresentados para melhor compreensão desta teoria.

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A Teoria da Análise do Discurso foi criada pelo filósofo francês Michel

Pêcheux, na década de 1960 e se constitui na relação entre três domínios

disciplinares: a Linguística, pela afirmação da não transparência da língua; o

Marxismo, pelo materialismo histórico com o real da história e a Psicanálise,

com o deslocamento da noção de homem para o sujeito (ORLANDI, 2009).

A Análise de Discurso rompe com os signos e as formas. Propõe pensar

a linguagem enquanto prática de modo a refletir sobre o homem simbólico.

Para a Análise de Discurso: “(a) a língua tem sua ordem própria, mas, só

é relativamente autônoma, já que a memória fala antes e além da língua; (b) a

história tem seu real afetado pelo simbólico e (c) o sujeito de linguagem é

descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história,

não tendo o controle sobre o modo como eles o afetam. O sujeito discursivo

funciona pelo inconsciente e pela ideologia, que é o processo por meio do qual

certos sentidos se tornam evidentes numa determinada formação discursiva,

que constitui dada formação ideológica”. Na confluência destes campos de

conhecimento, surge um novo objeto que é o discurso, o objeto da Análise de

Discurso. A linguagem é mediadora essencial entre o homem e a sua realidade.

O discurso torna possível tanto a permanência e a continuidade como o

deslocamento e a transformação do homem e da sua realidade. Esse discurso

é o que torna real a realidade (ORLANDI, 2009).

O objetivo da análise de discurso é descrever o funcionamento do texto,

explicitar como um texto produz sentido (ORLANDI, 2008). O texto é uma

unidade de análise, uma unidade significativa, que pode ser uma frase ou um

fonema; é uma unidade de sentido.

A Análise de Discurso busca as regularidades da linguagem em sua

produção e é sempre uma tentativa de interpretação (ORLANDI, 2009).

4.3.1 Princípios Teóricos em análise do discurso

Discurso

A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de

percurso, de correr por, de movimento.

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O discurso não está no lugar da fala e ele se materializa com a língua. A

história se escreve na língua e, os sentidos das palavras são construídos

histórico-socialmente.

O discurso é a palavra em movimento, no sentido da dispersão, da

história; é a prática de linguagem. A linguagem serve para comunicar e não

comunicar e, como não existe uma relação direta do homem com o homem, a

linguagem produz essas relações. As relações são produzidas a partir da

história.

Então, o discurso é a materialidade da ideologia e a língua é a

materialidade do discurso e como disse Pêcheux: “Não há discurso sem sujeito

e nem sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia

e é assim que a língua faz sentido” (PECHEUX, 1975).

Discurso é a língua, sujeito e história. É o lugar onde se pode

compreender como a língua produz sentidos por/para os sujeitos (ORLANDI,

2009).

Condições de Produção

Elas compreendem os sujeitos e a situação. É o contexto imediato,

incluem as condições sócio, histórico e ideológicas (ORLANDI, 2009).

Interdiscurso

Tudo que é possível ser dito, o dizível, o que se pode dizer para dizer

determinada coisa. É irrepresentável, é um conceito, uma abstração, a

memória. As palavras significam antes, em outro lugar. Todos os dizeres ditos e

esquecidos. A constituição do sentido. Ele é incompleto porque tudo não é

possível dizer e, se você não tiver um vazio, não consegue fazer um

movimento, um deslocamento, uma ruptura de um não sentir se fazer sentir

(ORLANDI, 2009).

Intradiscurso

É o que a gente escolhe para dizer, para dizer de um determinado jeito,

da ordem da escolha do sujeito em relação a interdiscurso, a formulação.

Precisa modalizar a escolha a partir dos dois esquecimentos. Eixo da

atualização da memória (ORLANDI, 2009).

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Esquecimentos

Dois esquecimentos (ideológicos) são necessários para que o homem

diga, pois é preciso esquecer para significar.

O 1º esquecimento é da ordem do inconsciente e resulta do modo pelo

qual somos afetados pela ideologia: a origem do dizer estaria naquele que diz.

O 2º esquecimento é da ordem da enunciação e produz em nós a

impressão da realidade do pensamento: ilusão referencial da linguagem (termo

a termo), o modo de dizer não é indiferente aos sentidos (ORLANDI, 2009).

Paráfrase e Polissemia

O funcionamento da linguagem se dá entre processos parafrásticos e

processos polissêmicos.

Nas paráfrases, em todo dizer há sempre algo que se mantém, a

memória, o dizível, o retorno aos mesmos sentidos, o estabilizado. A paráfrase

é a matriz do sentido.

Na polissemia, temos a ruptura de processos de significação, o

deslocamento, o jogo com o equívoco. A polissemia é a simultaneidade de

movimentos distintos de sentido no mesmo objeto simbólico.

O jogo entre paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o simbólico

e o político.

Todo discurso se faz nessa tensão entre paráfrase e polissemia e é

nesse jogo, entre o mesmo e o diferente, que os sujeitos e sentidos se

movimentam, se significam (ORLANDI, 2009).

Equívoco

A língua é capaz de falha e essa falha é constitutiva da ordem simbólica.

O equívoco é fato do discurso. É a inscrição da língua (capaz de falha)

na história que produz o equívoco. Este se dá no funcionamento da ideologia

e/ou do inconsciente. O equívoco é a falha da língua, na história (ORLANDI,

2008).

Formações imaginárias: relações de sentido, relações de força e

antecipação

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O imaginário faz parte do funcionamento da linguagem e assenta-se no

modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas por

relações de poder. Os mecanismos de funcionamento do discurso, descritos a

seguir, constituem as formações imaginárias. São essas projeções que

permitem passar das situações empíricas – os lugares do sujeito – para as

posições dos sujeitos nos discursos.

As relações de sentidos se referem à noção de que não há discurso que

não se relacione com outros. Um dizer tem relação com outros dizeres

realizados, imaginados ou possíveis.

As relações de força traduzem o lugar a partir do qual o sujeito fala; esse

lugar tem um valor de força e é constitutivo do que ele diz.

A antecipação ou jogos antecipatórios onde o sujeito tem a capacidade

de colocar-se no lugar em que seu interlocutor ouve suas palavras; todo mundo

que diz, diz antecipando as imagens (ORLANDI, 2009).

Formação discursiva

A formação discursiva se define como aquilo que numa formação

ideológica dada, determina o que pode e deve ser dito.

A ideologia está materializada no discurso. As formações discursivas

representam no discurso, as formações ideológicas. Desse modo, os sentidos

dependem de relações constituídas nas/pelas formações discursivas.

As formações discursivas são contraditórias e heterogêneas nelas

mesmas e suas fronteiras são fluidas, configurando-se e reconfigurando-se em

suas relações.

É pela referência à formação discursiva que podemos compreender os

diferentes sentidos. Palavras iguais podem ter significados diferentes porque se

inscrevem em formações discursivas diferentes (ORLANDI, 2009).

Incompletude

A condição da linguagem é a incompletude: nem sujeitos, nem sentidos

estão completos, eles funcionam pela relação, pela falta, pelo movimento. A

língua funciona metaforicamente; palavra conversa com palavra; palavra tem

espessura; a linguagem não é transparente.

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Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também

o lugar do possível (ORLANDI, 2009).

4.3.2 A análise: dispositivo e procedimentos

Segundo ORLANDI (2009), as etapas da análise são:

1) Definição do corpus

2) Análise superficial do material

3) Elaboração de recortes discursivos

4) Constituição de objetos discursivos a partir de recortes

5) Compreensão da formação discursiva

6) Compreensão da formação ideológica.

5. AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO SOBRE A CONFIGURAÇÃO DO

PROJETO TELESSAÚDE DE CAMPINAS

As condições de produção dizem respeito às possibilidades de

significação de um dizer construída pela memória que é, ao mesmo tempo,

histórica, ideológica e social (ORLANDI, 2009).

5.1 O Projeto Piloto de implantação de sistema informatizado de

comunicação - telessaúde em Campinas

O projeto telessaúde foi criado pela Secretaria Municipal de Saúde, com

a contribuição do Centro de Educação do Trabalhador em Saúde (CETS), a

partir das demandas dos profissionais de saúde que participaram dos fóruns de

humanização em saúde e do seminário do trabalho médico, descritas

anteriormente. Cabe ressaltar que o Centro de Educação do Trabalhador em

Saúde é vinculado à Secretaria Municipal de Saúde.

O Departamento de Saúde, Núcleo de Especialidades, convidou os

gestores da Policlínica, do ambulatório do Complexo Hospitalar e do Hospital

Universitário, além dos apoiadores institucionais a conhecerem a ideia do

projeto e viabilizá-lo junto às unidades. Outro hospital de ensino veio a

participar posteriormente. Criou-se então o grupo para discussão e condução

do projeto telessaúde no Município de Campinas.

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O projeto telessaúde se justifica por várias razões, de acordo com o

texto disponível no site do Município, a saber:

“A facilidade do acesso ao SUS em Campinas e a grande demanda

em todos os níveis de atenção tem dificultado garantir a integralidade

do processo de atendimento, gerando inúmeros casos de abandono,

com interrupção da linha do cuidado, utilização inadequada dos

recursos disponíveis nas Unidades de Referencia e dificuldade em

realizar a alta dos pacientes que podem dar seguimento na Unidade

básica de saúde.

Uma das principais justificativas do projeto é a necessidade de

ampliar a resolubilidade da Atenção Básica e garantir segurança ao

profissional que nela atua. Consequentemente, reduzindo o número

de encaminhamentos médicos para serviços de especialidade e

permitindo o acompanhamento do paciente que recebeu alta

hospitalar ou das Unidades de Referencia.

O processo de qualificação no formato de educação permanente, a

partir das necessidades reais de segunda opinião e de interconsulta

especializada, gera aprendizado significativo e desencadeia

processos de capacitação específicos relacionados aos temas mais

frequentemente geradores de ansiedade e dificuldade entre os

médicos.

O projeto reduz os gastos com saúde por meio da qualificação

profissional e diminuição da quantidade de deslocamentos

desnecessários de pacientes, com otimização dos recursos

disponíveis e ampliação das ações de prevenção de agravos.

(http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/)

O processo do telessaúde contempla a discussão de casos clínicos ou

temas selecionados de acordo com a necessidade do profissional da atenção

Básica. Apesar do telessaúde proporcionar uma ampliação de envolvimento

dos diferentes profissionais da área, no caso de Campinas são apenas

médicos. Não foi definido pelo grupo um número máximo de casos a serem

discutidos por encontro.

Para seleção das unidades básicas de saúde, foram considerados os

recursos já existentes em relação à conexão de internet e equipamentos de

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informática (web cam, microfone e caixa de som) e os serviços de

especialidades envolvidos. Uma Policlínica ficou como referência para duas

unidades básicas de saúde, na área de cardiologia.

Os requisitos necessários para a execução do projeto foram:

1. Possuir adequada conexão de internet e equipamentos de

informática (webcam, microfone e caixa de som);

2. Criar base estrutural para comunicação informatizada através do

software Skype ou outro sistema;

3. Criar grupo técnico gestor do projeto piloto,

4. Criar instrumento informatizado de comunicação - roteiro para

apresentação de caso;

5. Estabelecer fluxo para transferência de exames de imagem, ECG,

exames laboratoriais, etc.;

6. Estruturar agenda dos profissionais para garantir o acesso on line.

7. Criar instrumento de avaliação e acompanhamento do projeto;

Após algumas reuniões, foi definido o grupo técnico, que elaborou o

roteiro para o encaminhamento dos casos, o instrumento de avaliação dos

encontros, além de selecionar as unidades e os profissionais com perfil para

discussão dos casos clínicos da unidade básica de saúde com o especialista

na unidade de referência, via web, utilizando o software Skype. O Skype é o

software que permite que você converse com outras pessoas via web. É

possível realizar chamadas com vídeo e chamadas de voz, gratuitamente, além

de enviar mensagens de chat (bate papo) e compartilhar arquivos com outras

pessoas no mundo.

Como critério de inclusão da unidade de saúde no projeto, havia

necessidade dos recursos mencionados anteriormente, além do fato de que a

unidade deveria estar inserida no projeto de gestão da clínica4.

Em Junho de 2010, a unidade de referência iniciou a primeiro encontro

via software Skype entre o clínico e o especialista, um encontro virtual. Um

cardiologista da unidade de referência ficou responsável pela discussão dos

4Gestão da Clínica ou Gestão do Cuidado: Compreendida como a aplicação de tecnologias de microgestão dos serviços de saúde com a finalidade de assegurar padrões clínicos ótimos, de aumentar a eficiência, de diminuir os riscos para os usuários e para os profissionais, de prestar serviços efetivos e de melhorar a qualidade da atenção à saúde. (MENDES, 2001)

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casos com as duas unidades básicas de saúde que atendiam aos critérios

estabelecidos. Os encontros virtuais seriam realizados quinzenalmente, com

agenda pré-definida, partindo-se da premissa de que o paciente não estaria

presente.

Para participar do telessaúde, o apoiador institucional e a coordenação

da unidade básica de saúde solicitam o agendamento de um horário com o

coordenador da Policlínica para que os profissionais envolvidos da Atenção

Básica e da Referência sejam apresentados e recebam orientações sobre o

funcionamento das reuniões, discussões clínicas e modo de encaminhamento

dos casos com eventuais agendamentos de exames e consultas após as

discussões. Geralmente, a reunião é realizada na unidade básica de saúde,

com duração média de uma hora.

Conforme agenda definida na reunião, no dia do encontro virtual, o

médico da unidade básica de saúde discute os casos, referentes à cardiologia,

com o cardiologista da unidade de referência. Havendo necessidade de

solicitar exames como teste ergométrico, ecocardiograma, MAPA

(Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial) e Holter (aparelho de

eletrocardiograma portátil que regista o ritmo cardíaco ao longo do tempo, fora

do hospital ou do consultório do médico), a unidade básica de saúde pode

fazê-lo e o paciente é convocado pela própria unidade para esclarecimentos e

orientações referentes aos exames. Os resultados dos exames realizados são

avaliados em novo encontro virtual e então o caso discutido é retido na unidade

básica de saúde, se não há necessidade de encaminhamento para o

especialista.

A rede de saúde conta com protocolos e manuais que orientam os

profissionais quanto aos encaminhamentos dos pacientes. Para encaminhar o

paciente à cardiologia, por exemplo, a unidade básica de saúde agenda a

consulta de primeira vez que é disponibilizada através de sistema on line de

agendamento e deve encaminhar o usuário com exames laboratoriais, raio x de

tórax e eletrocardiograma. Da mesma forma, todas as consultas de primeira

vez, na maioria das especialidades, são disponibilizadas através do sistema de

agendamento on line do município e as unidades básicas de saúde dispõem de

cotas para agendamento. As cotas são calculadas a partir da demanda

reprimida nas unidades. As vagas para as especialidades, com uma demanda

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reprimida maior, por exemplo, a hematologia, são centralizadas nos distritos de

saúde e reguladas pelo agendador e apoiador institucional 5·. Solicitações de

exames de média e alta complexidade são encaminhadas a central municipal

de regulação que realiza o agendamento, de acordo com os protocolos e

critérios vigentes.

5.1.1 A Unidade Básica de Saúde X

Vinculado ao Distrito de Saúde Sul, tem como área de abrangência onze

localidades do município de Campinas e funciona de segunda à sexta-feira,

das 7h às 19h. Conta com cinco clínicos, três pediatras e um

ginecologista/obstetra e outros 33 profissionais, de acordo com o Cadastro

Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

Os serviços disponíveis na unidade são: enfermagem, Clínica Médica,

Odontologia, Pediatria e Ginecologia/Obstetrícia.

Os serviços assistenciais são: aplicação de medicamentos,

atendimentos programáticos de enfermagem, inalações, procedimentos

complexos de enfermagem, verificação de sinais vitais, vacinação adulto e

criança, tratamento odontológico preventivo, curativos, serviço de atenção à

tuberculose, programa saúde da família, controle e acompanhamento da

gestação.

Os exames de apoio diagnóstico são: Acuidade Visual, Papanicolau,

Exames laboratoriais, Biópsias, Eletrocardiograma e Glicosimetria.

A unidade básica de saúde está vinculada ao projeto telessaúde desde

sua implantação no Município, em 2010 e atendia a alguns dos critérios para

participar do telessaúde. O clínico que participou do projeto telessaúde estava

vinculado ao projeto de gestão da clínica, a unidade dispunha de sala e de um

computador que poderia ser usado na atividade. Foi instalado o software

Skype, mas o computador não possuía câmera. A câmera foi doada pela

responsável pelo núcleo de especialidades da Secretaria Municipal de Saúde.

5Apoio Institucional: “é uma postura metodológica que busca reformular os tradicionais mecanismos de gestão”. Trata-se de um modo para fazer cogestão. Pressupõe postura interativa, tanto analítica quanto operacional. (CAMPOS, CUNHA E FIGUEIREDO, 2013, p.51).

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A população da Unidade Básica de Saúde X está representada na tabela

abaixo.

População por Faixa Etária e Sexo das Áreas de Abrangência, 2000-2015.

População por Faixa Etária IBGE e Sexo

Período: 2015

Faixa Etária IBGE Masculino Feminino Total 00<01 82 86 168

01A04 320 296 616

05A09 407 370 777

10A14 427 427 854

15A19 456 522 978

20A24 555 533 1088

25A29 549 569 1118

30A34 531 519 1050

35A39 481 511 992

40A44 431 464 895

45A49 398 434 832

50A54 339 403 742

55A59 287 318 605

60A64 214 234 448

65A69 158 162 320

70A74 93 137 230

75A79 58 113 171

80A84 31 57 88

85A89 20 46 66

90A94 6 8 14

95A99 0 6 6

100E+ 0 2 2

Total 5843 6217 12060

Dados Obtidos no site da Prefeitura Municipal de Campinas

O Projeto Telessaúde, nesta unidade, não teve prosseguimento após a

aposentadoria do médico clínico que participava desde 2010.

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para compreensão do material obtido a partir da entrevista realizada

com o médico que participou do projeto telessaúde, utilizamos o dispositivo

teórico-analítico da Análise de Discurso. Os procedimentos de análise

obedeceram aos mecanismos de constituição de sentidos e dos sujeitos, com

as seguintes etapas:

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1) Definição do corpus: a entrevista utilizada para análise.

2) Análise superficial do material: passagem do texto ao discurso.

3) Elaboração de recortes discursivos:

4) 6Constituição de objetos discursivos a partir de recortes

5) Compreensão da formação discursiva

6) Compreensão da formação ideológica.

Esclarecemos que apresentamos a seguir nossas compreensões da

análise do material referido. Ressaltamos que a escrita da análise, dentro da

Teoria com a qual estamos trabalhando, é um momento ao mesmo tempo

fundamental e delicado, pois exige a materialização por meio da escrita de

processos complexos e contraditórios envolvidos na análise. (ORLANDI,

2009).

A linha central do corpus de análise é a entrevista com o médico da

unidade básica de saúde. Para tanto, o texto está compreendido através da

observação dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e

sujeitos em seus interiores.

Os procedimentos de análise foram feitos a partir das etapas acima

descritas que correspondem à tomada em consideração de propriedades do

discurso referidas em seu funcionamento. Estas etapas têm o percurso que

torna possível a passagem do texto ao discurso.

Nos recortes 1 e 2, observamos algumas regularidades em torno de um

processo de significação que indica a solidão: uma solidão na unidade, mais

especificamente na categoria médica, pois ele é o único que participa do

projeto na unidade básica de saúde. No “só eu que fazia”, temos uma forma

material importante que indica a relação solitária, frente aos outros colegas de

dentro da unidade dele. Pode ser um indicativo para mostrar a falta de

manutenção do programa.

R1 – “É... Era periodicidade de uma vez cada duas semanas, sempre foi

feito com o mesmo profissional, com os mesmos profissionais, é... da

parte da, do, nível central era com o Dr. X e lá do C.S, era só eu que

fazia.”

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R2 – “A ideia era que fossem discutidos casos, que se fossem trazidos

casos pelos outros profissionais; na prática isso não acontecia, era

muito pouco, era quase sempre os casos eram gerados, é... dentro ali

da unidade, basicamente pela minha pessoa.”.

Nos recortes R1 e R2, a solidão se mistura a um questionamento sobre

o fato dos colegas médicos da unidade não demandarem casos para

discussão com o especialista. O modo de operar/trabalhar dos profissionais

médicos na unidade de forma a não unir, não compartilhar, não demandar, tem

relação com o modelo biomédico, entendendo o biomédico como um modelo

de atenção que projeta o indivíduo nos planos laboratorial, anatomopatológico,

clínico e epidemiológico. Essa forma de operar dos profissionais médicos pode

interferir no processo de construção do telessaúde em Campinas.

Além disso, podemos salientar a polissemia das expressões “só eu” e

“pela minha pessoa”, nas quais poderíamos encontrar dois sentidos:

autonomia e abandono.

R3 – “... começou a ser franqueado para a gente, a possibilidade da

gente fazer determinados exames que normalmente a gente não

consegue fazer na rede, é... quer seja, teste ergométrico, é...

ecocardiograma, é, é... holter.”

É possível verificar no recorte 3, o sentido de uma mudança em termos

da possibilidade de solicitar exames, até então permitida apenas ao

especialista.

A palavra “franqueado” tem como sinônimos: alívio, conceder isenção,

ruptura, brecha, permeabilidade, incisão, abrir, desabrochar, entre outros. No

recorte acima, é possível perceber que o sentido estabilizado foi de abrir, de

desimpedir, de permeabilidade. O médico passou a poder solicitar exames, o

que até então não era permitido na Atenção Básica.

Há uma contradição no fato de que o Município estabelece a interdição

da solicitação de certos tipos de exames pelo clínico da unidade básica de

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saúde, enquanto que o telessaúde permite. A possibilidade de solicitação de

exames pode ser associada a outros sentidos: fazer uma avaliação mais

ampla, com maior agilidade e com maior facilidade para paciente e médico,

como identificadas nos recortes seguintes:

R4- “... a gente passou talvez, muito certamente, desafogar na

cardiologia na medida em que os encaminhamentos eles

começaram a ficar extremamente restritos, eles praticamente

aconteciam depois de realizados esses exames...”.

R5- “... Tinha caso lá, por exemplo, de paciente que não tinha uma

queixa cardíaca especifica e coisa e tal, mas sabia que era uma

paciente de risco, tinha dois irmãos que tinha infartado, ela era

diabética, ai você fala “pô”, esse paciente aqui é legal ele ter uma

avaliação um pouco mais ampla então tem que fazer um teste de

esforço para ele.”.

R6- “... e ali a gente conseguia fazer isso. Não demorava um ano, mas

que demorasse 4 a 5 meses, mas você conseguia fazer isso daqui

com o paciente. Então certamente têm pacientes ali que, que, que

fizeram exames, que eles conseguiram fazer alguma coisa e a gente

conseguiu colocar a disposição deles alguma coisa a mais.”.

O telessaúde está legitimando o papel do médico da atenção básica e

devolvendo a ele a possibilidade de exercer sua profissão sem restrições que

foram criadas e impostas pelo sistema, referentes à solicitação de exames.

Estabelece uma contradição que é benéfica, as mudanças permitem

outro funcionamento do sistema. Sendo sistema, feito dentro do SUS, abre a

brecha, a contradição de um poder dizer e um poder fazer.

Essa legitimação proporciona certo grau de autonomia, ainda que esteja

descrita nesse recorte apenas a solicitação do exame no impresso e anotação

que o caso foi discutido com o especialista e, a partir disso, ter o exame

agendado. Quantos anos ele ficou sem preencher essa solicitação? Isso tem

caráter positivo, pois o médico se sente reconhecido e o reconhecimento é um

fator vital para todo trabalhador. A legitimação é embasada no conhecimento e

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esse conhecimento, dá poder e controle. O projeto para esse profissional

reafirma o poder médico frente ao paciente?

O projeto exacerba a rivalidade, o tensionamento que envolve relação de

poder entre médicos? Entre clínicos e especialistas?

Atento para o fato que o entrevistado é um profissional que trabalhou por

mais de vinte anos na lógica de encaminhar os pacientes ao especialista,

quando necessário, mas se dispôs a experimentar uma nova forma de trabalho,

de cuidado. No processo de discussão do telessaúde, o médico da atenção

básica provoca o especialista na implicação de casos que poderiam demorar

muito tempo para passar com o especialista ou nunca chegariam a ser

encaminhados. O clínico é quem está definindo o paciente de risco, ele tem a

anamnese completa do paciente.

Observamos recorrências da expressão “a gente” nos seguintes

recortes:

R7- “... a gente começou a fazer a telessaúde”.

R8- “Foi estabelecido que a gente ia fazer pelo menos na área, a

princípio de cardiologia”.

R9- “... a gente não sabia como que isso ia acontecer”.

R10- “... e a gente acabou canalizando para algumas coisas do ponto de

vista de, ah, facilitar...”.

R11- “É, a gente apresentava os casos”.

Nos recortes acima, o pronome “a gente” 6 é várias vezes utilizado, o

que demonstra que o sujeito que enuncia – o sujeito do discurso - produz uma

inclusão de si nas ações descritas. No entanto, é importante observar que a

referência discursiva daqueles que estão incluídos em “a gente” não é a

mesma neste conjunto de recortes.

6De acordo com a nomenclatura oficial, dentre os pronomes pessoais, aplica-se apenas às formas que se assinalam o conjunto de indivíduos em que o “eu” se inclui – primeira pessoa do plural (nós/ a gente) (pág. 175 da Gramática Houaiss).

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O pronome “a gente” (eu e mais alguém) marca uma relação de grupo.

As presenças de “começou” (R7), “não sabia” (R9), “acabou” (R10) e

“apresentava” (R11), acompanhadas do pronome “a gente”, indicam que o

sujeito do discurso fala de dentro do telessaúde.

No entanto, as presenças de “foi estabelecido que” (R8) e “ia fazer” (R8)

articuladas a este mesmo pronome “a gente”, indicam, contraditoriamente, que

há uma exterioridade do sujeito que não está incluído no pronome “a gente”

anterior, que regula e normatiza o projeto telessaúde. Esta contradição entre

estar incluído e não estar incluído no projeto telessaúde é de fundamental

importância para nossa compreensão mais geral dos processos de

significação em jogo. Ainda quanto a esta contradição, observamos os

seguintes recortes:

R8- “Foi estabelecido que a gente ia fazer pelo menos na área, a

princípio de cardiologia”.

R12- E foi o que foi sendo feito...

R13-... foi feito com o mesmo profissional, é...da parte da, do, nível

central era com Dr.X...

De um lado temos a presença, nos recortes R8 e R12, da

indeterminação do sujeito em “foi estabelecido que” (não se sabe quem

estabeleceu) e em “foi o que foi sendo feito” (fala-se de uma terceira pessoa,

sem especificação envolvida na ação, sem uma relação direta com o eu que

enuncia). Por outro lado, temos a presença do equívoco “nível central” (R13)

referindo-se á Policlínica. Aquilo que seria considerado um erro lógico em

termos de organização da saúde, isto é, a Policlínica não é do nível central e

sim da atenção especializada, discursivamente indica um processo de

significação sustentado pelas relações de força entre aqueles que podem

definir as politicas e aqueles que as exercem, A Policlínica representa nessa

discursividade, o nível central. É o imaginário funcionando, colocando o

especialista num patamar maior. É uma forma material do equivoco: a

especialidade não é nível central, mas, na prática, é como se fosse.

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No recorte a seguir, o entrevistado evidencia a importância do encontro

dele com o especialista, através da discussão de casos.

R14- “... Tinha dia que eu ficava pescando caso. Tinha dia que eu rezava

tanto que chegava terça feira de manhã aparecia um caso e eu

graças a Deus! Faz um eletro de emergência aqui, pro caboclo aqui,

porque eu vou ter que discutir, vou ter o que discutir hoje...”.

De certa forma, para ele, a discussão de um caso qualquer garantia a

continuidade do telessaúde e o respaldo de sua prática para os casos de

cardiologia da unidade. GAGNON ET AL (2007) relata como principal condição

para facilitar a adoção ao Telessaúde, o atendimento às necessidades dos

profissionais de saúde.

Aqui também encontramos uma contradição diante da situação que se

apresenta: enquanto percebemos uma realidade de baixa adesão ao

telessaúde, o médico evidencia o telessaúde como oportunidade de garantir

para si mesmo um aprendizado em prática. O termo de “emergência” levanta o

questionamento se o eletrocardiograma deveria mesmo ser realizado. Ou se o

médico aproveitou a demanda para ter algo ou alguém para discutir. A

discussão do caso trouxe benefícios para o usuário ou para o profissional

solicitante?

R 15 – “então na medida em que a gente conseguia controlar uma

condição né, basicamente na área da cardiologia, em que o paciente

estava controlado com o respaldo do cardiologista, esse paciente

deixava de ser encaminhado. Então isso, eu acho que melhorou a

qualificação da unidade, que a gente tinha o respaldo de

cardiologia, é...”.

A leitura do recorte leva a um questionamento quanto à qualificação.

Qualifica em que? As palavras: qualifica, respaldo e controle se contradizem,

logo o usuário não é encaminhado e fica na unidade básica de saúde porque

tem retaguarda da cardiologia para acompanhar o paciente.

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A utilização do vocábulo respaldo constitui a materialização de um

processo que não está sendo construído com autonomia; o controle da

situação do paciente está atrelado também a outro profissional, não

exclusivamente ao clínico.

O profissional se contradiz quando usa o termo qualificação e ao mesmo

tempo tem o profissional da cardiologia como respaldo.

Por outro lado, podemos entender que os verbos associados a essas

palavras: qualifica, respaldo e controle, têm seu sujeito e objeto. Foram ditos

pelo médico e ele se identifica nesses verbos, cada um deles com o seu objeto.

No caso de qualifica: qualificar o que? Quem qualifica o que? Qualifica para

quem? Controle: quem controla o que? Respaldo: quem respalda o que e para

quem?

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo nos permitiu compreender que o sentido estabilizado no

discurso do profissional aponta para o biomédico, entretanto, o telessaúde faz

parte das suas condições de produção e permitiu criar, para ele, outro sentido

no atendimento prestado ao paciente. Este, respaldado pelo especialista, com

possibilidade de aprofundar uma investigação, independente dos protocolos

vigentes na rede, proporcionando uma autonomia parcial.

O sentido de integralidade é estabilizado em diferentes direções,

configurando-a tanto como a relação entre o médico clínico com o especialista;

quanto a relação entre o médico clínico e o paciente; como ainda a relação

entre a atenção básica e a especialidade assim como com o sistema de saúde.

Favorece a integralidade da atenção, pois é capaz de potencializar a

qualidade da assistência prestada no Sistema Único de Saúde estimulando e

qualificando os profissionais em seus processos de trabalho, promovendo a

micro regulação dos casos nas unidades e na rede de saúde, além de

proporcionar ações educativas.

.

.

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8. RECOMENDAÇÕES

A utilização de recursos de telessaúde na rede pública de Campinas

ainda é incipiente.

É uma nova ferramenta, um dispositivo assistencial, disponível para as

equipes de saúde da família e para os especialistas e, para sua plena

utilização, o processo de implantação e utilização deve ser bem estruturado e

também deve haver uma aproximação entre os gestores de todos os níveis e

os usuários do telessaúde.

A especialidade de cardiologia não está contemplada na tabela de

profissionais de saúde que podem ser cadastrados no Ministério da Saúde –

Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde/Código Brasileiro de

Ocupações, para participar do Programa Telessáude Brasil Redes. A inclusão

dessa categoria médica seria importante para o município, pois permite

estruturar o Telessaúde na perspectiva de dotar a rede de saúde de

mecanismos de tecnologia de informática, capazes de potencializar a qualidade

da assistência prestada e de reduzir custos.

Finalmente, a incorporação de outras profissões ao telessaúde, poderia

ampliar a oferta assistencial aos usuários, a exemplo da enfermagem no

cuidado aos pacientes portadores de doenças crônicas, evitando internações e

promovendo o empoderando ao autocuidado.

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