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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS JOÃO AURELIO SOARES VIANA EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL: ELEMENTOS EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

JOÃO AURELIO SOARES VIANA

EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL: ELEMENTOS

EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO

CAMPINAS

2017

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JOÃO AURELIO SOARES VIANA

EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL: ELEMENTOS

EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE

GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR

EM POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORIENTADORA: PROF(A). DR(A). MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO JOÃO AURELIO

SOARES VIANA E ORIENTADA PELA PROF(A). DR(A).

MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI

CAMPINAS

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9036-5593

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geociências

Marta dos Santos - CRB 8/5892

Viana, João Aurelio Soares, 1951-V654e ViaExtensão rural e inovação agrícola no Brasil : elementos evolucionários

para um olhar prospectivo / João Aurelio Soares Viana. – Campinas, SP : [s.n.],2017.

ViaOrientador: Maria Beatriz Machado Bonacelli.ViaTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto deGeociências.

Via1. Agricultura - Assistência técnica. 2. Tecnologia agrícola. 3. Políticaagrícola. I. Bonacelli, Maria Beatriz Machado, 1962-. II. Universidade Estadualde Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Rural extension and agricultural innovation in Brazil: : evolutionary elements for a prospective outlookPalavras-chave em inglês:Agricultural assistanceAgricultural technologyAgricultural policiesÁrea de concentração: Política Científica e TecnológicaTitulação: Doutor em Política Científica e TecnológicaBanca examinadora:Maria Beatriz Machado Bonacelli [Orientador]Antônio Márcio BuainainJosé Roberto VicenteLeda Maria Caira GitahyMarcos Paulo FuckData de defesa: 10-10-2017Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: João Aurelio Soares Viana

EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL:

ELEMENTOS EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Beatriz Machado Bonacelli

Aprovado em: 10 / 10 / 2017

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Maria Beatriz Machado Bonacelli - Presidente

Prof. Dr. Antonio Marcio Buainain

Profa. Dra. Leda Maria Caira Gitahy

Prof. Dr. José Roberto Vicente

Prof. Dr. Marcos Paulo Fuck

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,

consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas, 10 de outubro de 2017.

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DEDICATÓRIA

A Deus.

À memória de meus pais Antônio e Maria,

Té e Placídia.

À minha esposa, Zenira, aos filhos, João e Tomás.

À minha família cearense.

À minha família baiana, uma feliz e definitiva adoção.

À Professora Maria Beatriz Machado Bonacelli.

DEDICO

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AGRADECIMENTO

Nesta tese, este é um dos capítulos mais importantes, talvez por isso seja o primeiro de

todos, mesmo sem numeração e sem referências. Ele expõe um sentimento genuinamente

particular, ao tornar pública a mais profunda gratidão àqueles que desprendidamente

emprestaram a sua contribuição para que se pudesse chegar até aqui.

Muito embora apareça um único autor, essa não é uma caminhada de um só individuo,

ela é tão grandiosa que necessariamente envolve muitas pessoas. Entretanto, este capítulo se

assemelha aos demais ao carregar algum risco, nesse caso, o da ingratidão do esquecimento;

portanto, de início, peço ainda mais compreensão para que tolerem esses eventuais e

imperdoáveis deslizes.

A porta da minha trajetória rumo ao doutorado foi aberta pela Professora Maria

Beatriz Machado Bonacelli. À Professora Bia devo muito. Muito mais que uma orientadora,

uma coexecutora de sonhos, às vezes prestes a serem tão apenas sonhos. Uma conselheira

firme e afável. Agradeço o privilégio da sua orientação e da sua amizade.

Registro o meu agradecimento à Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola-

EBDA, por ter proporcionado todas as condições para que eu realizasse esse curso, nas

pessoas dos seus Presidentes, Dr. Emerson José Osório Pimentel Leal e Dr. Elionaldo de Faro

Teles. O primeiro, dotado de generosidade incomum, que não hesitou em apoiar a iniciativa,

sempre guiado pelas perspectivas dos benefícios futuros que a sua decisão traria para a

empresa. O segundo, por ter mantido e assegurado todas as condições iniciais para uma

satisfatória e tranquila conclusão de curso.

De igual gratidão à Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade

Federal da Bahia, por ter facultado as condições necessárias para o meu afastamento, sem o

qual o curso não teria sido realizado. Nesse caso, particularizo os meus agradecimentos aos

colegas do outrora Departamento de Produção Animal, na pessoa do seu Chefe, Prof. Dr.

Adelmo Ferreira de Santana, e na pessoa do Sr. Diretor da Escola, Prof. Dr. José Vasconcelos

Lima de Oliveira, especialistas na remoção de obstáculos.

Ao Instituto de Geociências, ao qual está vinculado o Departamento de Política

Científica e Tecnológica, da UNICAMP, promotor do curso, abrigo de notáveis mestres e

núcleo do estímulo à busca incessante do melhor e do mais útil conhecimento para a

sociedade, ambiente alicerçado pela valorização das pessoas nas suas mais distintas

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dimensões. Nesse ambiente, destaco o meu agradecimento a todos aqueles que fazem a

administração do Instituto andar com eficiência e extrema simplicidade, nas pessoas das

senhoras Gorete Bernardelli e Valdirene Pinotti, a Val, sempre com respostas e orientação

para infindáveis dúvidas, as âncoras de todos de nós.

Agradeço de forma muito especial aos professores que compuseram a banca do Exame

de Qualificação, Antônio Márcio Buainain e Marcos Paulo Fuck, sem a contribuição talentosa

e a paciência de cada um a “insegurança do rumo” poderia ter assumido proporções

indesejáveis.

Do mesmo modo, presto minha sincera gratidão aos professores que compuseram a

banca de defesa do trabalho de tese: Antônio Márcio Buainain, José Roberto Vicente, Leda

Maria Caira Gitahy, Marcos Paulo Fuck e Maria Beatriz Machado Bonacelli, pela acuidade e

desvelo em contribuir para melhorar. Se erros e imprecisões persistem é porque não fui hábil

em captar as suas mensagens.

Aos meus colegas de curso no DPCT, a cada aula, a cada debate, a cada seminário, a

cada encontro, tudo me fez crescer. Os nomes e o bem que me fizeram são indeléveis.

Desejo agradecer de modo particular à assistência técnica e extensão rural da Bahia

(Ancarba, Emcerba, Ematerba e EBDA), berço e ancoradouro das mais legítimas e nobres

contribuições à agricultura baiana, ambiente em que tive o privilégio de conviver com pessoas

especiais, movidas pelo incansável desejo de construir uma história inapagável e digna de ser

valorizada por muitas gerações.

Por último e primeiro, devo a Deus tudo feito até agora, aqui e fora daqui. Da Sua

infinita misericórdia recebi forças para superar o mais temível dos desafios, o desafio da mais

temível das doenças, interposto na caminhada deste curso. Uma gratidão que não se mensura

com palavras, mas com o profundo desejo de comunicar a todos a extraordinária experiência

de se sentir filho, amparado por Ele, sobretudo naqueles momentos em que tudo parece fugir

do controle e do conhecimento dos homens e da ciência.

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EPÍGRAFE

Ya seamos de la opinión del sociólogo Marcuse o de la novelista

Simone de Beauvoir, que consideram la tecnologia sobre todo como

un medio de esclavitud y destrucción humana, o dela de Adam Smith,

que ante todo la juzga uma força prometeica libertadora, todos

estamos implicados em su desarrollo. Por mucho que lo deseeamos,

no podemos eludir su impacto sobre nuestras vidas cotidianas, ni los

dilemas morales, sociales y económicos que nos plantea. Podremos

maldercirla o bendecirla, pero no podremos ignorarla.

FREEMAN, Christopher (1975, p. 19).

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RESUMO

A agricultura é um dos setores da economia brasileira que mais se modernizou nas últimas décadas.

Na média do período 1993 a 2013, o Brasil se posicionou entre os três maiores produtores mundiais de

soja, suco de laranja, cana de açúcar, milho, café e carnes. Seus produtos penetraram em mais de 180

países e a participação do Brasil, segundo o MAPA, no comércio mundial de produtos agropecuários

cresceu de 5,8%, em 2004, para 7,6%, em 2013, demonstrando competitividade, mesmo com a crise

mundial. No ano de 2016, as exportações do agronegócio representaram 46% do total das exportações

Brasileiras. O talento dos produtores agropecuários é um dos grandes responsáveis por essas

conquistas, associado à infraestrutura de produtos e serviços e aos instrumentos de política agrícola,

como a pesquisa agrícola e o crédito, dentre outros. Esta tese discute um desses instrumentos, a

"Assistência Técnica e Extensão Rural"(ATER) governamental, em face da sua responsabilidade com

os produtores participantes dessa história de sucesso, mas, sobretudo, com aqueles que não vêm

participando e que são a grande maioria. Recorrentemente, é atribuída à ATER governamental a

responsabilidade principal pela precária tecnificação da grande parte desses produtores, equívoco que

não diminui sua responsabilidade com esse monumental desafio. Por tal razão, esta tese tem como

pergunta orientadora: a ATER brasileira está estruturada para responder às questões que permeiam a

agricultura brasileira hoje e num futuro próximo? Considerando que a estrutura institucional da ATER

é fundamentada pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura

Familiar e Reforma Agrária (Pnater), a hipótese aqui testada é a de que a Pnater não tem considerado

aspectos essenciais do contexto de mudança na forma da organização e da difusão do conhecimento, a

evolução e introdução das novas tecnologias (especialmente as TICs) no ambiente agrícola brasileiro.

Assim referenciado, este estudo tem como objetivo explorar os elementos que configuram a

estruturação da ATER governamental, à luz dos aspectos que envolvem os desafios impostos à

agricultura (segurança alimentar com mudanças climáticas, sustentabilidade, multifuncionalidade e

novas tecnologias) e à luz da evolução do contexto de geração, desenvolvimento e difusão do

conhecimento (que invocam um sistema de pesquisa e inova-ção, com inúmeros atores, públicos e

privados). O respaldo teórico-metodológico utilizado para lastrear essas discussões é dado pela teoria

evolucionária, especificamente pela abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA) e

pelo exame das experiências dos serviços de ATER da África do Sul, Argentina, França e Estados

Unidos. As conclusões indicam que a ATER governamental, por integrar o SNIA, não deve ser

responsabilizada individualmente pelos êxitos ou fracassos da adoção de inovações na agricultura.

Além disso, a Pnater não beneficiou a ATER governamental, pelo contrário, aprofundou suas

fragilidades diante de grandes desafios como a segurança alimentar e a redução da pobreza, num

cenário de mudanças climáticas. Outras conclusões apontam debilidades que marcam a ATER

governamental, como a dificuldade de integração orgânica com a pesquisa e com o sistema de ensino,

além da permanência de atuação sob inspiração do modelo linear de inovação.

Palavras-chave: agricultura-assistência técnica; tecnologia agrícola; política agrícola

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ABSTRACT

In the last two decades, agriculture was one of the most modernized sectors of Brazilian economy.

During the period 1993 to 2013, Brazil has consolidated among the three largest soy producers, orange

juice, sugar cane, corn, coffee and meat, on average. According to Ministry of Agriculture, Livestock,

and Food Supply, Brazilian goods have been exported for more than 180 countries and the

participation of Brazil in global market of farming products has increased from 5,8%, in 2004, to

7,6%, in 2013, which means competitiveness, despite the world crisis. In the year 2016, agribusiness

represented 46% of total Brazilian exportations. One of the great responsible for these achievements

was the talent of agricultural producers linked with services and goods infrastructure, agricultural

policy instruments, as research, funding and others. This dissertation discusses one of these

instruments: governmental Agricultural Extension (AE), in the light of its responsibility with not only

all the rural producers of this history of success, but also with those who do not participate, which are

the vast majority. It is common to attribute governmental AE the main responsibility for the precarious

situation of these rural producers, considering technical aspects. This misunderstanding point of view

do not decreases the responsibility to face this great challenge. For this reason, the following is the

dissertation's leading question: is Brazilian Agricultural Extension (ATER) well founded in order to

answer the questions implied into Brazilian agriculture today or in the next future? Considering that

ATER institutional structure is supported by National Policy of Agricultural Extension for Family

Farming and Land Reform (Pnater), the hypothesis tested here is Pnater has not considered essential

aspects of the changing context in the organization and knowledge diffusion, the evolution and new

technologies (specially ICTs) in brazilian agricultural sector. According to mentioned, this study has

the objective of explore the elements that build governmental Agricultural Extension (AE) in the light

of aspects that involves agriculture's challenges (food safety in climate chang-ing, sustainability, multi

functionality and new technologies). In addition, this dissertation intent to analyze the context of

knowledge diffusion, considering aspects of generation and development (which requires a research

and innovation system, counting with many actors in private and public sectors). The theoretical and

methodological background, used to found these discussions, is given by the evolutionary theory,

specifically according to National System for Agricultural Innovation (SNIA) and by the study of

agricultural advisory system's experience in South Africa, Argentina, France and United States.

Conclusions indicate that governmental AE, as a part of SNIA, cannot be the only responsible for the

success or defeats of the innovation process in agriculture. Beyond that, the Pnater had not benefit

governmental AE service, but did increase and deepened his weakness to face great challenges, such

as food safety and poverty reduction in climate changing scenario. Additional conclusions revealed

problems in governmental AE service, such as the difficulty of organic integration and systemic

integration with research and educational system and the maintenance influence of linear innovation

model.

Keywords: Agricultural assistance; Agricultural technology; Agricultural policies

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICOS

Gráfico 1 - Participação (%) do PIB Agrícola no PIB Total dos países selecionados, 2000 a

2013 ........................................................................................................................................ 104

Gráfico 2 - Proporção feminina da PEA dedicada à agricultura nos países selecionados e no

mundo, 1980, 1995 e 2010 (%) .............................................................................................. 238

BOX

BOX 1- A Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola-CREA .... 131

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – As Revoluções Tecnológicas ou “ondas de inovação," as transformações na

agricultura e a evolução conceitual e institucional da Extensão Rural no mundo e no Brasil, no

período de 1700 a 2016 ............................................................................................................ 49

Quadro 2 – Características do National Agricultural Research Systems (NARS), Agricultural

Knowledge Systems (AKS), Agricultural Knowledge and Information Systems (AKIS),

Agricultural Innovation Systems (AIS) e National Agricultural Innovation Systems (NAIS) 90

Quadro 3 – Competências da Anater (Decreto nº 8.252/2014, de 26/05/2014) ..................... 189

Quadro 4 – Atores do SNIA do Brasil sob a perspectiva da ATER ....................................... 200

Quadro 5 – Formatos jurídicos dos órgãos públicos estaduais de “Pesquisa Agrícola”,

“ATER” e “Pesquisa & ATER” no Brasil (2016) .................................................................. 270

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Superfície, População, Área total colhida com cereais, proporção da área total

colhida com cereais na superfície total do país e IDH dos países selecionados ..................... 103

Tabela 2 - PIB Total, PIB Agrícola e participação do PIB Agrícola no PIB Total no mundo e

nos países selecionados (em US$ correntes) .......................................................................... 104

Tabela 3 – Orçamento do Agricultural Research Council (ARC) – 2012-2013 .................... 117

Tabela 4 - Dimensão da Pesquisa, Extensão e Educação no NIFA, Ano Fiscal 2015 ........... 141

Tabela 5 - Fontes de financiamento da ATER governamental no Brasil, 2010. .................... 183

Tabela 6 - Unidades Descentralizadas e Escritórios da Embrapa e das Instituições públicas

federal e estaduais executoras das políticas de “Pesquisa”, “Extensão Rural” e “Pesquisa +

Extensão” no Brasil, por Grandes Regiões, 2016 ................................................................... 197

Tabela 7 - Brasil -Cursos de Nível Superior em Ciências Agrícolas, por estado e Grande

Região (07/2014) .................................................................................................................... 203

Tabela 8 - Brasil - Estabelecimentos agropecuários de até 10 ha de área total e oferta de

cursos de Ciências Agrárias no Brasil, por Grandes Regiões ................................................ 204

Tabela 9 - Cursos selecionados de Ensino superior agrícola oferecidos no Brasil por

instituições de ensino superior públicas (federais ou estaduais ou municipais) e por

instituições privadas de ensino superior com e sem fins lucrativos (julho, 2014) ................. 205

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACAR-MG Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais

ACTA Association de Coordenation Technique Agricole

ACTIA Association de Coordination Technique pour l'Industrie

Agroalimentaire

AGRAER/MS Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural

AKIS Agricultural Knowledge and Information Systems

ANATER Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

ANR Agence Nationale de la Recherche

APTA Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios

ARC Agricultural Research Council

ASBRAER Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência

Técnica e Extensão Rural

ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

BANCEN Banco Central do Brasil

CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação

CEMAGREF/IRSTEA Institut National de Recherche en Sciences et Technologies pour

l'Environnement et l'Agriculture

CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira

CETA Centres d’Études Techniques Agricoles

CIRARD Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique

pour le Développement

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNRS Centre National de La Recherche Scientifique

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CREA Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão

Agrícola

CTI Centres Techniques Industriels

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DATER/RR Departamento de ATER de Roraima

EMATER-AC Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Acre

EMATER-PA Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará

EMATER-RO Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Rondônia

EMATERs Empresas Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMBRATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMEPA Empresa de Pesquisa Agropecuária da Paraíba

EMPARN Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio Grande do

Norte

ESITPA Ecole d'Ingénieurs en Agriculture

FASER Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da

Assistência Técnica e Extensão Rural e do Setor Público Agrícola

do Brasil

FASFIL Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos

FEPAGRO Fund. Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FUNDEAGRO Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão

IAP Investigación Acción Participativa

IAPAR Instituto Agronômico do Paraná

IDAM/AM Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Floresta

Sustentável do Estado do Amazonas

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INFREMER Institut Français de Recherche pour l'exploitation de la Mer

INMET Instituto Nacional de Meteorologia

INRA Institut National de La Recherche Agronomique

INSA Instituto Nacional do Semiárido

INTA Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria

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IRD Institut de Recherche pour le Développement

ISAAA International Service for the Acquisition of Agri-biotech

Applications

JICA Japan International Cooperation Agency

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MPA Ministério da Pesca e da Aquicultura

MST Movimento dos Trabalhadores sem Terra

NAIS National Agricultural Innovation System

NARS National Agricultural Research Systems

OEPAS Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária

P&ER&I Sistema Nacional de Pesquisa, de Extensão Rural e de Inovação

Agrícola no Brasil

PEA População Economicamente Ativa

PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a

Agricultura Familiar e Reforma Agrária

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONATER Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na

Agricultura Familiar e na Reforma Agrária

RURALTINS/TO Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins

RURAP Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá

SAF Secretaria Nacional de Agricultura Familiar

SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural

SNPA Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária

SPInA Sistema Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação Agrícola

STR Sindicatos de Trabalhadores Rurais

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 19

1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES .. 31

1.1. Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica .............. 31

1.2. As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na

evolução conceitual da ater: perspectiva teórico-institucional ....................................... 44

1.3. A ATER e a sua inserção no (novo) desenvolvimento rural .................................... 55

1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o

papel da pesquisa e da extensão ......................................................................................... 58

1.4.1. O papel da agricultura e os desafios postos à ATER .............................................. 58

1.4.2. Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios ............. 68

1.4.3. Inclusão competitiva: um desafio do tamanho do Brasil ........................................ 71

2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

DESAFIOS .............................................................................................................................. 76

2.1. O modelo linear e o modelo dinâmico de inovações ................................................. 77

2.2. O sistema nacional de inovação e a agricultura: uma abordagem conceitual ....... 80

2.3. Coordenação e governança ......................................................................................... 94

2.4. Condicionantes da ação da ATER e o ônus pela proximidade ao produtor rural . 96

3. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA E O PAPEL DA ATER E

PESQUISA AGRÍCOLA EM PAÍSES SELECIONADOS .............................................. 101

3.1. Premissas da escolha, os países selecionados e uma caracterização geral ............ 101

3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e

configuração recente ......................................................................................................... 106

3.2.1 África do Sul .......................................................................................................... 106

3.2.2. Argentina ............................................................................................................... 119

3.2.3. Estados Unidos ...................................................................................................... 134

3.2.4. França .................................................................................................................... 146

3.3. Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ATER ................ 159

4. ATER NO BRASIL: PASSADO DE CONTRIBUIÇÕES, FUTURO DE

INCERTEZAS ...................................................................................................................... 163

4.1. A evolução dos serviços públicos de pesquisa e de ATER no Brasil ..................... 163

4.1.1. As origens da pesquisa e da ATER ....................................................................... 164

4.1.2. A trajetória da ATER no Brasil ............................................................................. 167

4.1.3. A coordenação Nacional da ATER ....................................................................... 171

4.1.4. Pnater e Pronater ................................................................................................... 176

4.1.5. Anater, a nova coordenação nacional de ATER ................................................... 187

4.1.6. A evolução do sistema governamental de geração e difusão de tecnologia no Brasil

......................................................................................................................................... 190

4.2. A configuração do SNIA sob a ótica da ATER do Brasil ....................................... 199

4.2.2. Domínio das "Instituições ponte" .......................................................................... 207

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4.2.3. Domínio dos Negócios e das Empresas ................................................................ 213

4.2.4. Domínio Governamental e órgãos colegiados ...................................................... 216

4.2.5. Domínio Institucional ............................................................................................ 224

4.3. Contribuições da abordagem do SNIA à discussão sobre a sustentabilidade dos

serviços de pesquisa agrícola e de ATER no Brasil ....................................................... 225

5. ATER E PESQUISA AGRÍCOLA NO BRASIL E NOS PAÍSES SELECIONADOS:

SIMETRIAS, ASSIMETRIAS E OS CONDICIONANTES PARA UMA MAIOR

EFETIVIDADE .................................................................................................................... 230

5.1. Traços de simetrias, assimetrias e perspectivas de aprendizado entre a pesquisa e

a ATER nos países selecionados e no Brasil ................................................................... 230

5.1.1. Mudanças climáticas e ambiente agrícola ............................................................. 231

5.1.2. Base científica e tecnológica da ATER e da pesquisa - o papel do Ensino .......... 233

5.1.3. A agricultura familiar e reforma agrária ............................................................... 234

5.1.4. Novas demandas e novos conteúdos para a pesquisa e ATER ............................. 236

5.1.5. Articulação internacional ...................................................................................... 241

5.1.6. Organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores ..... 242

5.1.7. Financiamento da Pesquisa e da ATER ................................................................ 244

5.2. Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil .................................... 245

5.2.1. ATER governamental e o atraso da modernização da agricultura familiar: de onde

vem essa relação? ............................................................................................................ 245

5.2.2. O papel da ATER e o perfil do extensionista: debate para o futuro que já começou

......................................................................................................................................... 249

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 253

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 284

APÊNDICE A – Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”, “ATER” e

“ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016. ........................... 309

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INTRODUÇÃO

Esta tese tem como tema central o papel da Assistência Técnica e Extensão Rural

(ATER) na modernização da agricultura brasileira, percebido à luz das mudanças atualmente

enfrentadas pela agricultura e à luz do processo de geração, difusão e adoção do

conhecimento.

Forjando tais mudanças, encontram-se os desafios presentes e futuros que demandarão

da agricultura brasileira: produzir alimentos para sua população e para outras populações do

resto do mundo; ser competitiva interna e internacionalmente; constituir-se num espaço de

oportunidade de trabalho e de sobrevivência dignos não apenas para agricultores, quanto para

os outros segmentos da cadeia mais tecnificados e envolvidos com mercados mais dinâmicos;

e internalizar as mudanças institucionais, políticas, técnico-científicas e ambientais,

relacionadas ao contexto agrícola.

A tradução desses desafios significa a promoção das condições para o produtor viver

do seu trabalho, significa a modernização da agricultura do país, que conta com quase quatro

milhões de estabelecimentos que estão à margem desse processo, significa atenção para as

pressões de várias ordens e de vários segmentos para a estabilidade da produção agrícola.

Significa, ainda, responder às questões como a segurança alimentar num ambiente de

mudanças climáticas, a sustentabilidade, a incorporação das novas tecnologias no campo e o

novo contexto da geração, da organização e da difusão de inovações, num cenário

crescentemente complexo, no qual o fenômeno da multifuncionalidade da agricultura é cada

vez mais presente.

A segurança alimentar tem-se constituído historicamente num dos principais

desafios da agricultura mundial. Todavia, esse desafio vem tendo a sua dimensão

ampliada face às restrições que são crescentemente colocadas à atividade agrícola, como

os necessários cuidados ambientais e, por último, a mais grave restrição que são as

mudanças climáticas. Acrescente-se a tais restrições um persistente e injustificado

número elevado de pessoas que ainda passam fome no mundo – segundo a FAO, cerca de

795 milhões, em 2015, em que pesem os avanços recentes (FAO, 2015, p. 4).

A rigor, o desafio da segurança alimentar tem sido algo permanente ao longo da

história da agricultura, o fato novo é associá-lo às mudanças climáticas, elemento de

repercussão direta na atividade agrícola e de um potencial de dano devastador.

Os ditames da segurança alimentar, por outro lado, vêm crescentemente colocando

novos padrões e novas exigências à produção agrícola, o que significa um desafio

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monumental para todos os atores do ambiente agrícola. Esse fato tem indicado a necessidade

de se atentar para elementos antes não considerados na dinâmica da agricultura convencional,

como: uso excessivo de agroquímicos (defensivos, herbicidas, fertilizantes, antibióticos,

hormônios etc.), necessidade de rastreabilidade da produção agrícola e animal, e atenção aos

princípios de bem-estar animal. No campo da sustentabilidade, incluem-se a parcimônia na

utilização da água, a observância às leis e regulações relativas ao trabalho agrícola, à

preservação e à conservação da natureza, os princípios da equidade social e os de cunho

econômico, dentre outros.

As novas tecnologias sempre permearam a evolução humana e atualmente os desafios

quanto ao seu uso e à introdução na agricultura não poderiam ser diferentes. A velocidade

crescente da sua penetração no meio agrícola é algo irreversível, destacando-se nesse caso o

advento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como um dos marcos da

sociedade atual e com repercussão profunda em todo o setor agrícola.

Segundo Mendes (2015), as tecnologias da informação possuem parcela importante

nas transformações dos modelos de produção e acumulação até então vigentes e

compreendem desde as tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware),

internet, gerenciamento de bancos de dados, sistemas de informação, de telecomunicação,

redes de computadores, até software e portais para o agronegócio, dispositivos eletrônicos

para o armazenamento de informações sanitárias, nutricionais e genéticas, canais de televisão

etc. (MENDES, 2015).

Dadas as suas variadas aplicações, o papel das TICs no trabalho da ATER ganha um

significado especial face a sua velocidade e capilaridade no meio rural, elementos cruciais

para um bom desempenho da ATER. Contudo, no caso da agricultura brasileira, Mendes

(2015) afirma que o país sofre de uma "indigência tecnológica", em relação ao uso das TICs

na agricultura, quando os indicadores são uso de internet e acesso a computadores no campo.1

Segundo a mesma autora, um dos grandes obstáculos para a ampliação do uso dessas

tecnologias é a necessidade de expansão da infraestrutura, que pode se configurar com um

vetor inicial de disseminação das TICs no espaço rural (MENDES, 2015, p. 121). Essa

constatação, ao invés de desestímulo, deve ser considerada como mais um desafio para

ATER, no sentido de não apenas ampliar o uso das TICs na sua prática de trabalho, como

também, atuar na sua difusão e adoção junto aos produtores rurais. Essa afirmação tem

embasamento em Espíndola (2015), ao olhar para a América Latina e assegurar: “En los

1 Segundo o Censo Agropecuário do Brasil de 2006, apenas 4,54% dos estabelecimentos rurais possuíam

computador e 1,87% tinham acesso à internet.

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territorios rurales hay una situación de brecha digital amplia al mismo tiempo que es

observable que se va reduciendo día a día y eso crea mejores condiciones para la utilización

de TIC en la extensión rural”.

Além desses aspectos de inegável relevância, juntam-se as mudanças no contexto da

geração, organização e difusão da pesquisa, da tecnologia e da inovação, em geral e na

agricultura em particular. De um modelo linear, passou-se para uma organização sistêmica,

dado o próprio entendimento da dinâmica do progresso técnico e da sua relação com o

processo inovativo. Com isso, a evolução do conhecimento técnico-científico ficou mais

realista, mas, também, mais complexa, dada a percepção da necessidade de se envolver desde

os primeiros movimentos em torno de uma nova tecnologia/conhecimento, diferentes atores,

com diferentes lógicas e naturezas, o que exige diferentes políticas públicas e estratégias dos

segmentos/atores envolvidos.

Tal contexto impacta fortemente as atividades de ATER, no mundo e no Brasil. As

atividades de ATER vêm de longa data e se aprimoraram com o decorrer do tempo,

procurando justamente incorporar novas concepções e definições da relação homem –

agricultura – natureza – conhecimento. Isso significa, especialmente no caso brasileiro,

considerar as ações das empresas privadas – tanto na geração como na difusão do

conhecimento, ou seja, estreitando o espaço por muito tempo ocupado por instituições

públicas de pesquisa e de ATER e alargando os velhos e criando novos espaços para entidades

privadas e do terceiro setor. Entretanto, a transformação do entendimento de tantas mudanças

em políticas públicas, em política agrícola, em política de pesquisa agrícola e em política de

ATER nunca foi óbvia em várias partes do mundo e especialmente no Brasil. E o país tem-se

ressentido fortemente disso.

No caso da ATER brasileira, ator central desta tese, o marco legal que lhe dá

conformação institucional é a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para

a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater), sancionada pela Presidência da República

em 11 janeiro de 2010, pela Lei Nº 12.188. Nessa Lei, Assistência Técnica e Extensão

Rural – ATER é definida como um

serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove

processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e

dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades

agroextrativistas, florestais e artesanais.2

2 No Capítulo 2, a evolução conceitual da ATER será melhor aprofundada, ao se tratar de “Extensão Rural" e de

"Assistência Técnica" como elementos com diferenciações conceituais, porém de conteúdos indissociáveis na

prática do trabalho extensionista.

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Um dos pilares para a execução da Pnater no país é o conjunto das organizações

governamentais de ATER, distribuídas em todos os estados e no Distrito Federal. Em alguns

estados, os serviços públicos de ATER e de pesquisa agrícola estão reunidos numa única

organização.3 Sobre essas organizações, a Lei estabelece no seu Artigo 1º-Parágrafo único que

"Na destinação dos recursos financeiros da Pnater, será priorizado o apoio às entidades e aos

órgãos públicos e oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER".

Uma inovação da Lei foi estabelecer que a execução da Pnater será realizada

pelo conjunto de organizações públicas somado ao grupo das organizações não

governamentais, estas, inclusive, com acesso a recursos públicos, conforme determina a

Pnater, no seu Artigo 11.4

Em maio de 2014, face à inexistência de uma coordenação para a ATER no Brasil,

papel exercido pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater),

extinta em 1990, o governo federal criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Anater). Esta entidade está caracterizada como pessoa jurídica de direito

privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública. Dentre suas

competências, duas são aqui destacadas:

I - promover, estimular, coordenar e implementar programas de assistência técnica e

extensão rural, visando à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos

científicos de natureza técnica, econômica, ambiental e social; II - promover a integração do sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de

assistência técnica e extensão rural, fomentar o aperfeiçoamento e a geração de

novas tecnologias e a sua adoção pelos produtores.5

Somente em junho de 2015, a Anater teve a sua diretoria nomeada. Em 10 de maio de

2016, tomaram posse os membros do Conselho Assessor Nacional e do Conselho Fiscal da

Anater; em 12 de maio de 2016, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), ministério

que exercia a supervisão da Anater e cujo ministro presidia o seu Conselho de Administração,

foi incorporado ao novo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, por força da

Medida Provisória Nº 726, de 12 de maio de 2016. Esses fatos, em resumo, significam que a

Agência demorou a entrar na plenitude do seu funcionamento tornando ainda mais agudos os

problemas já existentes no sistema. Há, porém, uma expectativa positiva quanto ao seu papel

3 A Lei de ATER, como também é chamada, institui no seu Art.6º o Programa Nacional de Assistência Técnica e

Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (Pronater), como o principal instrumento de

implementação da Pnater. 4 O Art. 11 da Lei de ATER estabelece: "As Entidades Executoras do Pronater compreendem as instituições ou

organizações públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, previamente credenciadas na forma desta Lei, e

que preencham os requisitos previstos no art. 15 desta Lei". 5 Criação da Anater: Decreto Nº 8.252, de 26 de maio de 2014.

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na liderança da modernização da ATER pública no Brasil, minimizando a fragilidade e as

recorrentes crises verificadas em todo o sistema de ATER.6 Todavia, a demora na efetiva

operação da Anater acrescenta mais um ingrediente importante às "recorrentes crises na

ATER pública do Brasil", ou seja, paradoxalmente, a solução vem se transformando em

problema. A constatação da fragilidade e das crises recorrentes também pode ser percebida a

partir de menções de Peixoto (2014), nas quais é possível pressupor os danos na credibilidade

da ATER pública no Brasil. A primeira delas data de 1980:

(...) as restrições fiscais e a diminuição da participação do crédito rural na

determinação do ritmo da adoção de inovações agrícolas agravaram ainda mais a

crise da extensão pública, cuja capacidade de atuação, alcance e resultados já

vinham sendo duramente questionados. (PEIXOTO, 2014, p. 910)

Em seguida, na década de1990, por força da extinção da Embrater, ocorrida nesse

mesmo ano, outro comentário do mesmo autor retrata uma das causas de uma outra crise na

ATER brasileira, que, como se percebe, avança numa segunda década.

Apesar de, na Constituição Federal de 1988, a assistência técnica e a extensão rural

terem sido previstas entre as prioridades da política agrícola, a Embrater foi extinta

em 1990, acarretando a desarticulação do Sibrater na década seguinte, uma vez que

as entidades estaduais, em sua maioria, dependiam fortemente de verbas federais

(em alguns casos, até 90% de seus orçamentos). (PEIXOTO, 2014, p. 911)

Esse fato provocou em cada Unidade da Federação uma onda de autonomia, gerando,

a princípio, um sentimento de orfandade do governo federal, acompanhado de drásticas

restrições orçamentárias. Mas, em seguida, constata-se um dano maior que é a quebra da

unidade do sistema, levando cada estado a adequar a sua organização ao modelo que melhor

se ajustasse às suas condições não apenas financeiras, mas também políticas. Ou seja, houve

uns poucos estados em que a ATER foi fortalecida, caso da Bahia, em outros muitos foi

negligenciada. Por tal razão, atualmente, é possível verificar uma grande diversidade de

estruturas organizacionais, modelos e estratégias nos vários serviços governamentais de

ATER no Brasil.

6 O "sistema" mencionado foi denominado de "Sibrater" pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Embrater), empresa criada em 1975 (Decreto Nº 75.373, de 14 de fevereiro de 1975), que o

coordenava. À época, o Sibrater era integrado pela Embrater, Ematers e pelas Associações de Assistência

Técnica e Extensão Rural- Aster (Territórios). Além disso, eram credenciados pela Embrater e se integravam ao

Sibrater, 913 escritórios privados de assistência técnica à agropecuária (EMBRATER s/d). Em 2005, o antigo

MDA reestruturou o Sibrater, dando-lhe a seguinte definição: "o Sistema Brasileiro Descentralizado de

Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater) tem como objetivo organizar a prestação de serviços públicos de

Ater, sob a orientação da Política Nacional de Ater (Pnater)”.

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Sobre esse momento, anos 1990, o mesmo autor afirmava:

(...) o Sistema, que continuou em crise, sobretudo por desinteresse político ou

incapacidade econômica dos governos estaduais em investir nos serviços oficiais. Os

resultados foram o sucateamento das estruturas, a defasagem dos salários e os

extensionistas desestimulados. (PEIXOTO, 2014, p. 911)

Em 2013, o Tribunal de Contas da União, auditando um dos programas de ATER

executado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) à época, concluiu:

De acordo com o relatório, o MDA tem conseguido avanços na coordenação dos

serviços de Ater, mas ainda enfrenta desafios significativos para o aperfeiçoamento

das atividades. As entidades contratadas para prestar a assistência, por exemplo,

apresentam dificuldades para manter a continuidade dos serviços devido ao curto

prazo dos contratos. (PEIXOTO, 2014 p. 912)

Nesse último caso, a expressão "dificuldades para manter a continuidade dos

serviços" significa a precariedade na oferta ou até mesmo falta do serviço de ATER, ou

seja, o ápice da crise. Nesta mesma direção, outro exemplo de igual gravidade é dado

pelo estado da Bahia, que extinguiu, em 2015, a Empresa Baiana de Desenvolvimento

Agrícola (EBDA), responsável no estado pelas políticas governamentais de pesquisa

agrícola e de ATER desde 1954. Não muito distante daqui, o serviço de Extensão dos

Estados Unidos completou um século de existência em 2014.

A partir dessas motivações, as atenções centrais deste estudo estão voltadas para as

discussões sobre o papel e perspectivas da ATER pública brasileira na modernização da

agricultura, ancoradas por dois referenciais analíticos: de um lado, os grandes desafios postos

à agricultura e à ATER e, de outro, a conformação política, técnica e institucional da própria

ATER para o enfrentamento desses desafios.

Do ponto de vista metodológico, cabe assinalar que em todo este estudo foram

utilizados dados obtidos de fontes documentais disponíveis, de obtenção direta ou

apresentados por meio de processo de sistematização. Inicialmente, partiu-se da análise dos

principais desafios colocados à agricultura e à ATER, refletindo-se, em seguida, sobre a sua

evolução conceitual, no mundo e em especial no Brasil, avaliando suas principais influências,

natureza do seu trabalho e modelos de atuação. O objetivo é o de compreender, do ponto de

vista histórico e conceitual, a inteireza do objeto estudado, à luz das grandes transformações

tecnológicas e à luz dos desafios postos.

Dados esses passos iniciais, buscou-se na abordagem dos Sistemas Nacionais de

Inovação Agrícola (SNIA) o respaldo teórico capaz de ajudar a interpretar a complexa

dinâmica da inovação na agricultura, na sua dimensão evolucionária e sistêmica. Essa

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abordagem tem a virtude de se constituir num avanço para a compreensão do processo

inovativo, até então visto sob a perspectiva do modo linear, largamente utilizada em inúmeros

estudos com as mesmas características deste.

Na perspectiva linear, a pesquisa científica é o principal driver da inovação,

concebendo novos conhecimentos e tecnologias que podem ser transferidos e/ou adaptados a

diferentes situações. Já a perspectiva do "sistema nacional de inovação" reconhece a inovação

como um processo interativo, que envolve indivíduos e organizações que dispõem de

diferentes tipos de conhecimento em um dado contexto econômico, político e institucional

(WORLD BANK, 2006, p. 11).

A abordagem SNIA, que tem como fundamento teórico o conceito de Sistema

Nacional de Inovação, a ser aprofundado mais adiante, trata de uma evolução no pensamento

dos modelos conceituais sobre o conhecimento agrícola. Essa evolução é iniciada a partir do

modelo conceitual denominado por National Agricultural Research Systems (NARS),

concebido nos anos 1970, de inspiração neoclássica, que tinha foco nos sistemas de pesquisa

agrícola dos países desenvolvidos7 (SPIELMAN e BIRNER, 2008).

A ideia subjacente que justifica a utilização da abordagem SNIA é a de que o

comportamento de qualquer ator envolvido no processo de inovação na agricultura não deve

ser explicado na sua plenitude a partir do comportamento/performance individual daquele

ator, mas, sim, a partir das relações e articulações que se estabelecem no interior do sistema

de inovação, que integra não apenas os ofertantes de conhecimento. Esse raciocínio torna-se

aqui particularmente útil, haja vista a sua aderência direta com os sistemas de ATER mais

modernos (WORLD BANK, 2006).

No sentido de se empreender uma análise de conteúdo mais globalizado, foi

também útil recorrer a experiências de sistemas de ATER e, em muitos casos, de pesquisa

agrícola localizadas em outros países, com o propósito de incorporar elementos novos à

discussão brasileira. Nesse caso, contou-se com as experiências da África do Sul, da

Argentina, da França e dos Estados Unidos. De cada uma delas foram destacados

aspectos relevantes, denominados de "elementos de síntese", que se constituíram mais à

7 Refere-se à teoria econômica Neoclássica, cujas premissas mais importantes são: (i) A firma é vista como uma

“caixa-preta”, que combina fatores de produção disponíveis no mercado para produzir produtos

comercializáveis. (ii) O mercado, embora possa apresentar situações transitórias de desequilíbrio, tende a

estabelecer condições de concorrência e informações perfeitas. A firma também se depara com um tamanho

“ótimo” de equilíbrio. (iii) As possibilidades tecnológicas são usualmente representadas pela função de

produção, que especifica a produção correspondente a cada combinação possível de fatores. As tecnologias estão

disponíveis no mercado, seja através de bens de capital ou no conhecimento incorporado pelos trabalhadores.

(iv) É assumida a racionalidade perfeita dos agentes, diante de objetivos da firma de maximização de lucros”

(TIGRE, 1998, p. 70).

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frente em "pontos de contato" para uma reflexão ampliada vis-à-vis os "elementos de

síntese" recolhidos da experiência brasileira.

Na análise da experiência brasileira de ATER, expandiu-se a discussão para

envolver a evolução das trajetórias da pesquisa agrícola e da ATER governamentais e o

aparato institucional envolvido no desenvolvimento rural e agrícola, com ênfase nos

sistemas de pesquisa, de ATER e de ensino agrícola. Procedeu-se também uma incursão

nas organizações do terceiro setor voltadas ao setor agrícola, com destaque para o

sistema cooperativista.

A reflexão sobre o conjunto dos elementos recolhidos das experiências

brasileiras e dos países selecionados foi sistematizada a partir de sete núcleos temáticos:

mudanças climáticas; ensino agrícola; agricultura familiar e reforma agrária; novas

demandas e novos conteúdos; articulação internacional; organização da produção e

empoderamento (empowerment) dos produtores; e financiamento da pesquisa e da

ATER.

Essa reflexão permitiu a estruturação de um rico quadro de simetrias, assimetrias e de

ensinamentos úteis para iluminar o debate sobre a contribuição do sistema de ATER na

melhoria da competitividade da agricultura brasileira, especialmente da fração de produtores

agrícolas com baixo ou nenhum grau de tecnificação.8

Esse tipo de produtor rural, geralmente também com baixo grau de instrução, possui

historicamente uma grande identidade com o trabalho de ATER no Brasil, condição que fez

da ATER o ator do SNIA com mais proximidade ao produtor. Tal proximidade se deve ao

fato de caber ao extensionista, por dever funcional, a necessidade de conhecer in loco toda a

propriedade, suas características de clima, solo, oferta hídrica, ambiente, socioeconomia,

infraestrutura, mercado etc., sob pena de comprometer a qualidade do seu trabalho de propor

melhorias no sistema de produção. Além dessa característica, compete ainda ao extensionista

8 Para Fajzylber (1988), no plano internacional, “competitividade é a capacidade de um país para sustentar e

expandir a sua participação no mercado internacional, e aumentar, simultaneamente, o padrão de vida de sua

população. Isto requer um aumento da produtividade e, por conseguinte, a incorporação de progresso técnico”

(FAJZYLBER, 1988, p. 13). Para Jank e Nassar (2000), competividade é a “Capacidade sustentável de

sobreviver e, de preferência, crescer nos mercados correntes ou em novos mercados.” (JANK e NASSAR, 2000,

p. 140).Alves e Souza (2014), com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006, estimam a existência de 2

milhões de estabelecimentos rurais marginalizados da modernização agrícola, considerados como "muito pobres"

aqueles que conseguiram em 2006 remunerar os fatores de produção e situados numa faixa de área de zero a 100

hectares, incluídos os assentados da reforma agrária. Mesmo considerando que não há recursos disponíveis para

atendimento às demandas deste quantitativo, os autores consideram como o público potencial prioritário para a

assistência do sistema de ATER do Brasil. Esses 2 milhões de estabelecimentos também são considerados de

baixa tecnificação (ALVES e SOUZA, 2014).

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viabilizar o acesso dos produtores a outras políticas agrícolas, promover a sua capacitação e a

articulação institucional.9

A mencionada proximidade, decorrente das naturais atribuições do seu ofício, confere

ao trabalho de ATER uma responsabilidade diferenciada dentre os demais atores, não apenas

aqueles voltados à inovação, mas também ao desenvolvimento rural. A maior proximidade da

ATER ao produtor agrícola não significa maior importância nem a liderança do processo, mas

significa maior vínculo com o produtor e famílias rurais. Essa circunstância torna o agente de

extensão um conselheiro quase que permanente da comunidade rural, criando-lhe,

naturalmente, uma atribuição de articulação entre o produtor e demais atores, condição que

diferencia o papel da ATER dos outros atores do SNIA.

Entretanto, as crises recorrentes da ATER governamental brasileira obrigaram outros

atores a desempenhar as funções da ATER para não verem seu esforço inovativo

descontinuado; este é o caso da Embrapa, que incorporou e intensificou o uso de diversas

estratégias de difusão, como dias de campo eletrônicos, programa de rádio, dentre outras, no

conjunto de suas práticas de trabalho.

Embora louvável, a iniciativa da Embrapa é limitada a algumas circunstâncias, como:

perfil do pesquisador, natureza local da própria inovação e pela dimensão do seu quadro de

pessoal em relação às dimensões continentais do Brasil. Nesse sentido, Mendes (2015) traz

observação pertinente:

Um condicionante inibidor da transferência de tecnologia é que a “Embrapa está

praticamente sozinha na rede nacional de pesquisa agrícola. Tem as universidades

federais, mas sua atuação é local. A rede nacional de pesquisa e de transferência está

na mão da Embrapa e não é sua missão fazer extensão rural. Então, quando se olha a

cadeia de produção do conhecimento e a cadeia de produção agrícola, nota-se que há

um hiato pelo caminho que é de uma década ou mais que gera um problema. Não

vai dar certo gerar conhecimento num lugar e incorporar conhecimento em outro

sem contar com a assistência técnica e a extensão rural”. (Grifo no original)

(MENDES, 2015, p. 195).

Assim, é plausível imaginar que a ATER, por sua maior proximidade ao produtor

rural, pode ser mais impactada no seu desempenho no caso da inexistência das condições

mínimas de funcionamento do sistema. Essa condição talvez explique o fato de a ATER ser

9 Tais como crédito rural, seguro, insumos, programa de alimentos, além de elaborar projetos técnicos, laudos e

pareceres. É também atribuição do agente de extensão executar treinamentos, promover a articulação junto a

entidades de pesquisa agrícola e de outras políticas de governo, como classificação de produtos, defesa animal e

vegetal. Por último, e não menos importante, a função de compartilhar inovações, agrícolas, ambientais,

gerenciais, sociais, dentre as quais aquelas relativas à organização da produção.

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recorrentemente responsabilizada, conforme analisam Alves e Pastore (2013), por grande

parte do atraso tecnológico de milhões de estabelecimentos rurais de base familiar no Brasil.

A partir dessas circunstâncias contextuais e introdutórias, têm-se elementos analíticos

que possibilitam formular a seguinte pergunta de pesquisa que esta tese busca responder: a

ATER governamental está preparada ou estruturada para dar conta das questões que

permeiam a agricultura do país hoje e num futuro próximo?

A hipótese da tese é que a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) não tem considerado aspectos

essenciais do contexto de mudança na forma da organização e da difusão do conhecimento, a

evolução e a introdução das novas tecnologias (especialmente as TICs) no ambiente da

agricultura brasileira – o que exige um outro perfil de profissional de extensão rural, como

também outros tipos de ferramentas de trabalho – além de fatores centrais que passaram a

fazer parte do rol das atividades agrícolas mais ativamente – segurança alimentar,

sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas, a entrada da iniciativa privada nos

trabalhos de pesquisa e de difusão agrícola, tornando mais complexas a modernização e a

efetividade das ações de assistência técnica e extensão rural no país.

Decorrente desta preocupação e sob uma perspectiva teórica de matriz

neoschumpeteriana, o objetivo central da tese é explorar analiticamente os elementos que

configuram a estruturação da ATER no Brasil à luz dos aspectos que envolvem os desafios

impostos à agricultura (segurança alimentar com mudanças climáticas, sustentabilidade,

multifuncionalidade e novas tecnologias) e à luz da evolução do contexto de geração,

desenvolvimento e difusão do conhecimento (que invocam um sistema de pesquisa e

inovação, com inúmeros atores, públicos e privados).10

10

Matriz neo-schumpeteriana deriva da escola do pensamento econômico inaugurada por Joseph Alois

Schumpeter, nascido em 1883, segundo a qual “a atividade inovativa passou a ser concebida como elemento

endógeno à dinâmica econômica, constituindo artefato essencial à determinação dos movimentos cíclicos que

caracterizam a dinâmica capitalista e aspecto que possibilita a própria reprodução e evolução do capitalismo”.

No mesmo sentido e “utilizando-se do conceito de destruição criadora, Schumpeter afirmou que o capitalismo

constitui um espaço para o enfrentamento de capitais de agentes econômicos distintos, no qual se busca a

valorização de seus investimentos, através da inovação em produtos e processos... Depreende-se da visão

schumpeteriana a ideia de que a economia não viveria em uma posição de equilíbrio, mas justamente o contrário:

a busca por desequilíbrios, obtidos através da inovação, caracterizava a lógica natural de funcionamento do

sistema econômico” (VALLE, BONACELLI e SALLES-FILHO, 2002, p. 10). As ideias originais de

Schumpeter motivaram estudiosos a aprofundá-las e a ampliarem seu alcance. Dentre esses estudiosos,

denominados de neoschumpeterianos, destacam-se: Christopher Freeman, Richard Nelson, Sidney Winter,

David Mowery, Natan Rosenberg, Luc Soete, Giovanni Dosi, Franco Malerba, Lundvall B.A, entre outros.

Segundo Possas (2008), “Há muito a economia vem flertando com as ideias de evolução e seleção natural, com o

darwinismo e com a biologia evolucionária, mas até recentemente sem maiores compromissos”. Ele completa,

afirmando que: “O marco principal na incorporação efetiva de argumentos evolucionários no campo da teoria

econômica foi o trabalho de Nelson & Winter (1982), que inaugurou um novo terreno fértil para a expansão do

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De modo específico, a tese perseguirá os seguintes objetivos secundários:

1. Apresentar a evolução conceitual de ATER, também como elemento de

contribuição ao entendimento da “evolução” institucional de ATER;

2. Identificar e discutir o contexto de desenvolvimento da ATER em países

selecionados e indicar elementos que possam ser úteis para reestruturação da ATER no Brasil;

3. Analisar o ambiente da difusão do conhecimento agrícola, a partir da

identificação, caracterização e qualificação dos seus principais modelos e das organizações

atuantes nesse segmento no Brasil, frente aos principais desafios e transformações impostos à

agricultura;

4. Refletir sobre as semelhanças e assimetrias entre os principais modelos

públicos de ATER atuantes no Brasil e outros modelos em âmbito internacional;

5. Analisar a aderência da abordagem dos Sistemas Nacionais de Inovações

Agrícolas para a interpretação dos fatores que condicionam o desempenho do serviço de

ATER governamental do Brasil, frente às transformações e desafios a serem enfrentados pela

agricultura.

A expectativa é a de que, como resultado desse estudo, a partir das generalizações

analíticas obtidas, possam surgir contribuições que enriqueçam a discussão sobre o

aperfeiçoamento dos modelos de ATER governamental no Brasil, ensejando avanços

qualitativos no processo de modernização da agricultura brasileira, no desempenho das

instituições e no uso dos recursos públicos.

Esta tese está estruturada em sete capítulos, incluídas esta introdução e uma última

reflexão denominada de conclusões. O segundo capítulo apresenta reflexões sobre a evolução

conceitual de ATER, de modo a suscitar elementos que facilitem a compreensão do processo

da evolução institucional da ATER no mundo e no Brasil. No terceiro, aprofunda-se a

abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola, que oferece o respaldo teórico para a

compreensão do quadro analítico discutido neste estudo. No quarto capítulo, desenha-se um

quadro geral descrevendo a evolução da agricultura e a conformação da pesquisa e da

extensão agrícolas em países selecionados. Já o quinto capítulo trata da evolução da ATER

governamental no Brasil e a sua inserção no Sistema Nacional de Inovação Agrícola,

dedicando um olhar especial sobre o ambiente da difusão do conhecimento agrícola; o sexto

escopo e das ferramentas para uma análise da dinâmica evolutiva em economia”. Possas (2008) conclui que: “a

ênfase dos autores na mudança estrutural centrada nas inovações como princípio dinâmico essencial, por sua vez,

remete – de novo explicitamente – a Schumpeter, justificando tratar a abordagem ali iniciada como

"evolucionária neo-schumpeteriana" (POSSAS, 2008, p. 281).

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capítulo está reservado para duas reflexões relacionadas: a primeira, a análise e discussão das

mais relevantes simetrias, assimetrias e aprendizados extraídos das reflexões sobre a ATER

do Brasil e dos países selecionados; e a segunda reflexão, sobre os fatores que condicionam e

são condicionados pela ATER governamental.

Por fim, o estudo apresenta um conjunto de conclusões que representa uma síntese das

análises e discussões sobre os mais relevantes desafios a serem enfrentados pela ATER

governamental brasileira. Tais desafios, integrados em nove categorias temáticas, se

devidamente interpretados e internalizados, podem, ao mesmo tempo, se constituir em

insumos estratégicos para a construção de uma "ATER moderna", de modo a estruturá-la e

estimulá-la a oferecer um padrão de contribuição à modernização da agricultura brasileira

superior ao padrão oferecido atualmente.

O primeiro elemento desse conjunto entende que a grande maioria da ATER

governamental brasileira não está estruturada para enfrentar os desafios impostos pela

necessidade de contribuir para a segurança alimentar, para a redução da pobreza, que envolve

a gigantesca tarefa de contribuir com a inclusão competitiva de 3,9 milhões de

estabelecimentos rurais que estão à margem do processo de modernização, desafios

circunscritos num cenário de uma agricultura cada vez mais multifuncional e num cenário de

mudanças climáticas apontadas como dramáticas.

Os principais fatores que indicam a fragilidade da ATER governamental para enfrentar

tais desafios foram identificados como de natureza exógena e endógena à ATER. Os de

natureza exógena estão localizados na ausência de prioridade objetiva à agricultura na política

de desenvolvimento do país, que deveria estar articulada estrategicamente com a política de

Ciência, Tecnologia e Inovação. Como decorrência, são identificados outros fatores, tais

como as dificuldades de coordenação e governança do SNIA, ou seja, fatores inerentes à

dinâmica do processo de inovação, no qual estão incluídas a persistência do modelo

linear/ofertista e a desarticulação entre Sistema Educacional, de Pesquisa e de Extensão.

De natureza endógena, verificou-se, até então, a incapacidade da Pnater e da Anater

de contribuírem com a reestruturação e revitalização da ATER governamental do país,

modernizando a sua gestão institucional e organizacional, promovendo, por exemplo, um

maior protagonismo dos produtores rurais nas decisões estratégicas dos sistemas de ATER

governamental. Por último, o estudo aponta para as “curvas de aprendizado”, incorporadas e

internalizadas, ao longo da história, na cultura da ATER governamental, algo que pode ser

considerado um elemento diferenciado e útil num eventual processo de reorganização e

revitalização da ATER governamental em todo o país.

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1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

Este capítulo tem a pretensão de responder a um objetivo central: aprofundar reflexões

sobre o desenvolvimento conceitual e institucional de ATER. Para tanto, as análises a serem

desenvolvidas se pautarão por duas perspectivas distintas, embora complementares: a

primeira, uma reflexão sobre a evolução conceitual da ATER no mundo e no Brasil, sob uma

perspectiva histórica; a segunda, uma análise da trajetória da ATER, à luz das transformações

na agricultura e na dinâmica da inovação, porém, sob uma perspectiva teórico-institucional.

Nessa última perspectiva, o caminho percorrido será iniciado pela discussão sobre a

evolução conceitual da ATER, com ênfase em registros históricos indicativos, desde os

primeiros sinais, daquilo que seria a atividade extensionista. Em seguida, busca-se extrair

possíveis relações entre as grandes revoluções tecnológicas e institucionais vivenciadas no

mundo e na agricultura e os seus eventuais impactos sobre a ATER.

A partir de então, o passo seguinte é o de se avaliar a inserção da ATER no (novo)

desenvolvimento rural, à luz das expectativas do papel da agricultura num ambiente em fortes

transformações, extraindo-se e qualificando-se os principais desafios postos à ATER no

Brasil.

Com base nesse substrato analítico, a discussão colocará em evidência dois elementos

basilares para o desenvolvimento de todas as reflexões seguintes: o primeiro, os fundamentos

que colocam a inovação no centro da estratégia para o enfrentamento dos desafios

identificados; e o segundo, a necessidade da compreensão do papel da ATER e da sua

dimensão nesse processo de superação dos desafios identificados.

1.1. Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica

Um dos primeiros registros de orientações sobre práticas agrícolas é abordado por

Swanson et al. (1997), dando conta que no ano de 1800 a.C. arqueólogos descobriram na

Mesopotâmia algumas tabuletas contendo inscrições que orientavam cuidados com a irrigação

de culturas e a forma de combate a ratos, que prejudicavam seriamente as colheitas

(SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Pode-se considerar como um outro registro, igualmente importante, sobre algo

parecido ao que se concebe hoje como "assistência técnica e extensão rural", a passagem

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bíblica, transcrita a seguir, mais especificamente em Isaías, Capítulo 28, versículos de 24 a

29:11

Quando o agricultor ara a terra para o plantio, só faz isso o tempo todo? Só fica

abrindo sulcos e gradeando o solo? Depois de nivelado o solo, ele não semeia o

endro e não espalha as sementes do cominho? Não planta o trigo no lugar certo, a

cevada no terreno próprio e o trigo duro nas bordas? O seu Deus o instrui e lhe

ensina o caminho. Não se debulha o endro com trilhadeira, e sobre o cominho não se

faz passar roda de carro; tira-se o endro com vara, e o cominho com um pedaço de

pau. É preciso moer o cereal para fazer pão; por isso ninguém o fica trilhando para

sempre. Fazem passar as rodas da trilhadeira sobre o trigo, mas os seus cavalos não

o trituram (BÍBLIA, ISAÍAS, 28:24-29).

Parece implícita no texto do profeta Isaías a também presença da “pesquisa”, na

medida em que as orientações e instruções dadas parecem ser consequência de observações e

de, possivelmente, algumas experimentações, como as do tipo "tentativas de acerto-erro".

Daquele período até hoje, o desenvolvimento da História produziu contribuições de muitos

estudiosos sobre o tema, aperfeiçoando e ampliando a sua base conceitual.

Para Swanson et al. (1997), o trabalho de extensão no mundo, embora respeitável, tem

pouco registro histórico. Para eles, o trabalho de extensão significa uma importante inovação

social, uma força importante nas transformações agrícolas, que tem sido criado e recriado,

desenvolvido e adaptado ao longo dos séculos, algo como quatro mil anos, embora sua

evolução mais intensa e moderna tenha ocorrido nos dois últimos séculos (SWANSON;

BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Para Ban e Hawkins (1996), na origem da extensão rural está o termo "extensão

universitária" ou "extensão da universidade", que teve seu uso iniciado na Inglaterra em 1840,

sendo ampliado a diversas universidades, chegando-se a 1880 com a denominação de

"movimentos de extensão", que se caracterizavam como a "saída" da universidade dos seus

intramuros para levar serviços a comunidades no seu entorno (BAN; HAWKINS, 1996, p. 8).

No entanto, o uso ampliado da noção de "estender" a informação relevante e útil para a

população adulta em geral é anterior ao movimento de extensão universitária. No início do

século XIX, um político britânico, Lord Henry Brougham, um defensor influente da educação

formal para os pobres e da educação de adultos em massa, fundou a Sociedade para a Difusão

do Conhecimento Útil (Society for the Diffusion of Useful Knowledge) em 1826. Seu objetivo

era “transmitir informações úteis para todas as classes da comunidade, especialmente para os

que não têm capacidade de estudar com professores experientes e que preferem aprender por

11

O profeta Isaías viveu por volta de 700 anos a.C. Acredita-se que seus escritos foram atualizados e

complementados por outros profetas da "escola Isaíana" e depois recolhidos por volta do final do século 4º a. C.

(Bíblia Sagrada, tradução da CNBB, com introdução e notas, 2ªedição, Edições Loyola, São Paulo, 2002).

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si mesmos”. A sociedade tentou fazer isso, em grande parte, através da produção de

publicações de baixo preço e estabeleceu comitês locais em todo o país “para estender o

objetivo da Sociedade” (Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil, 1827).

Durante seus vinte anos de existência, os temas agrícolas foram bem cobertos em

publicações da Sociedade. Outras associações semelhantes, mas com curta duração, também

foram estabelecidas antes de 1840 em vários outros países europeus, além de Índia, China

Malásia e Estados Unidos (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Avançando-se um pouco mais na História, é instrutivo o que afirmam Swanson et al.

(1997), ao destacarem que, para o surgimento do trabalho formal de extensão agrícola,

algumas condições recorrentes têm sido observadas em várias circunstâncias. A primeira

condição é que a informação exista de forma sistematizada e que esteja disponibilizada por

intermédio de boas práticas agrícolas, inovadoras ou adaptadas a um ambiente particular,

baseadas no acúmulo de experiências ou em resultados de pesquisa, por mais simples que

sejam. Em segundo lugar, é importante destacar que essa informação ou prática seja utilizada,

dentre outras coisas, para educar os agricultores profissionais, que ainda podem adaptá-la ou

aperfeiçoá-la, transformando-se em seus novos promotores e multiplicadores. Em terceiro

lugar, é necessário que exista uma estrutura administrativa ou organizacional adequada, pelas

quais possam ser concebidas, definidas e executadas as ações de extensão. Em quarto lugar, é

necessário que haja um suporte institucional e legal que demonstre que o trabalho de extensão

agrícola é desejável e deve ocorrer. Em quinto lugar, há, invariavelmente, uma variedade de

antecedentes que têm suscitado iniciativas de organizações voltadas para prover a informação

agrícola, o aconselhamento ou o assessoramento. Além disso, a incidência de situações

críticas, como a fome, a perda de safra, o esgotamento do solo, condições econômicas

precárias, podem se constituir em razões imediatas para justificar a organização do trabalho

de extensão. Este conjunto ou várias dessas condições estão presentes no surgimento e na

evolução das formas modernas de extensão agrícola (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO,

1997).

A propósito da primeira condição, a existência do novo conhecimento, cabe lembrar

que, na Europa da década de 1840, a ciência agrícola estava evoluindo rapidamente, com

avanços notáveis sendo feitos na Alemanha, por Justus von Liebig, em Giessen, no campo da

química agrícola, e com o estabelecimento de experimentos agrícolas em Rothamsted, na

Inglaterra, por John Bennet Lawes e Henry Gilbert.

As sociedades agrícolas e seus programas agrícolas estavam florescendo e havia a

produção de numerosas publicações e periódicos que tinham agricultores como público alvo.

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Escolas agrícolas tinham se estabelecido na maioria dos países europeus. Adicionalmente,

uma pequena minoria de fazendeiros e agricultores mais jovens tinha recebido uma educação

formal em práticas agrícolas que, ao lado de outros agricultores treinados para prestarem

serviços agrícolas, estavam disponíveis para serem contratados como assessores, conselheiros

ou professores. Muitos dos proprietários de terra mais progressistas contratavam tais

assessores para viajar às suas propriedades e implantar os métodos aperfeiçoados junto aos

seus trabalhadores ou arrendatários. Com a "existência do conhecimento," estava dado o

principal elemento necessário para a criação dos serviços de extensão agrícola, elemento

importante já presente na França, Alemanha e Estados Unidos naquela época.

Outro exemplo clássico de condição necessária ao surgimento do serviço de extensão é

dado pelas circunstâncias de criação do primeiro serviço de extensão da época moderna, que

foi o da Irlanda. A criação desse serviço foi motivada pela ocorrência de uma praga na cultura

da batata, principal alimento da dieta de uma população majoritariamente agrícola. A praga

atingiu toda a Europa em 1845, sendo mais grave na Irlanda. A "fome da batata", como ficou

conhecida, persistiu até 1851. A iniciativa de criação do serviço teve também a decisiva

participação do novo vice-rei britânico nomeado para a Irlanda em 1847, o conde de

Clarendon, que, logo após sua chegada em Dublin, escreveu uma carta ao presidente da Royal

Society of Agricultural Improvement Ireland (fundada em 1841), que atuava como sociedade

central de numerosas sociedades agrícolas locais. Esta carta se constituiu numa diretriz

oficial, conclamando a sociedade a nomear professores itinerantes que percorressem os

bairros com mais dificuldades com o objetivo de informar e mostrar aos pequenos

agricultores, em termos simples, a forma de melhorar o seu cultivo e como progredir sem o

cultivo da batata.

"Instrutores práticos do Senhor Clarendon", como ficaram conhecidos, foram

nomeados, pagos e disponibilizados semanalmente para a sociedade em Dublin. Ao longo dos

quatro anos de sua existência, o esquema foi financiado em sua metade por proprietários de

terras e doações de caridade e o restante vindo de fundos controlados pelo governo

(SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Em 1879, a França foi o primeiro país a criar um serviço de extensão agrícola totalmente

financiado pelo Estado. O trabalho que havia sido iniciado anteriormente a essa data feito por

agricultores itinerantes passa agora a ser feito por professores das ciências agrícolas também

itinerantes (professeur departamental d'agriculture). Uma das funções de cada professor

agrícola, que se movimentava dentro do município, era a de preparar professores do ensino

primário e, principalmente, de:

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“(...) manter os agricultores informados sobre as modernas descoberta se as novas

invenções que poderiam ser aplicados economicamente e com vantagem”; “para ser

um popularizador (vulgarisateur) de progresso”; “para iluminar o coração da zona

rural”. O número desses extensionistas cresceu rapidamente até o final da década de

1880 toda a França estava sendo servida (JONES; GARFORTH, 1997; tradução

nossa)

Desse modo, percebe-se na iniciativa francesa a presença dos elementos conceituais

relevantes que fariam parte de outras experiências que viriam a ser espalhadas pelo mundo,

como: o caráter educativo do trabalho, na medida em que realizado por professores e que

contribuía na formação de novos professores; a promoção da difusão de inovações agrícolas

competitivas; a harmonia do novo conhecimento e as características locais; e a motivação dos

produtores agrícolas e comunidades rurais.

Um pouco mais adiante, o termo "extensão agrária" ganha musculatura institucional e

avança nos Estados Unidos, não sendo pretensioso afirmar que uma das conceituações

pioneiras e formais da história da extensão agrária/agrícola no mundo está na Lei Smith

Lever, de 1914, que criou o Serviço Cooperativo de Extensão Rural dos Estados Unidos. Este,

seguramente, influenciou a criação de inúmeros serviços semelhantes em muitos outros

países, inclusive o do Brasil. A Lei mencionada estabelecia conceitualmente que:

O trabalho cooperativo de extensão agrícola consistirá no desenvolvimento de

aplicações práticas dos conhecimentos de pesquisa, em ações de orientação e

demonstrações práticas de tecnologias ou práticas existentes ou melhoradas na

agricultura, na utilização de energia solar, no que diz respeito à agricultura,

economia doméstica e energia rural. (SMITH LEVER ACT; tradução nossa)12

Por essa Lei, a "extensão agrícola" era considerada um órgão legal de educação, ligada

ao Ministério da Agricultura, sob a forma de um sistema nacional mantido e assessorado pelos

governos federal, estaduais e municipais, de modo cooperativo, envolvendo: ensino, pesquisa,

empresas privadas, representação de produtores, entre outros (OLINGER, 1996, p. 18).

Como se observa, o termo "assistência técnica" não está explicitamente presente nesse

fragmento da Lei; por outro lado, é destacado de modo absolutamente claro e direto o papel

da pesquisa e dos meios e métodos de comunicação para tornar o trabalho de difusão, com

ênfase no efeito demonstrativo, algo prático e acessível a qualquer tipo de público.

Para Olinger (1996), o extensionismo como instituição pública nasceu nos Estados

Unidos para conciliar uma oportunidade de desenvolvimento que apresentava, de um lado,

12

Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>. Acesso em 10 mar. 2014.

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oferta abundante de terras agricultáveis a preços baixos e, do outro, a escassez de recursos

humanos qualificados, capazes de proporcionar produção agrícola rentável. Assim, surge

A extensão como instrumento de ensino e educação informais, fora dos moldes

da escola clássica, precisamente para que agricultores, donas de casa e jovens

rurais tivessem a oportunidade de aprender sem prejudicar as lides rurais ou

domésticas... (OLINGER, 1996, p. 12).

Para o mesmo autor e dito de outro modo, o serviço de extensão rural dos Estados

Unidos tinha como objetivo: ajudar a difundir entre as famílias rurais, informações úteis e

práticas sobre assuntos relacionados com agricultura e economia doméstica e encorajar a

aplicação das mesmas (OLINGER, 1996, p. 23).

Um vasto panorama do termo "extensão", usado em vários países no mundo, é traçado

por Ban e Hawkins (1996). Nesse panorama, é possível perceber o real significado atribuído à

atividade de extensão a partir da etimologia da palavra empregada para designá-la. Na

Holanda, por exemplo, é usada a palavra voorlichting, significando “iluminar o caminho à

frente para ajudar as pessoas a encontrar o seu próprio caminho”. Ingleses e alemães utilizam

a expressão Beratung, que pode ser traduzida como “assessorar”; já a Espanha utiliza o

significado de “capacitação”.

Numa tentativa de síntese, os dois autores buscaram formular um conceito que

incorporasse todas as nuances desses vários significados, chegando à seguinte

definição: “extensão envolve o uso deliberado da comunicação e da informação para

ajudar as pessoas a formar opiniões racionais e a tomar decisões acertadas” (tradução

nossa). A análise dos inúmeros conceitos levou também os dois estudiosos a uma outra

conclusão importante: a de que não está bem definida a linha que separa a “extensão”

da educação de adultos (BAN; HAWKINS, 1996, p. 12).13

Ban e Hawkins (1996) também chamam atenção para aqueles agentes de extensão que

executam tarefas de orientação quanto ao controle de pragas e doenças, ou quanto ao uso de

13

Segundo Vogt e Alves (2005), “na acepção que se tem na atualidade, a educação de adultos teve seu início no

século XIX, na Europa, em um momento marcado pelas mudanças sociais decorrentes da industrialização e

urbanização, gerando necessidade aos poderes públicos de criarem meios de instrução, como capacitação ao

trabalho o que, naquele momento, significava um progresso e avanço social”. A 5ª Conferência Internacional

sobre Educação de Adultos, realizada em Hamburgo, Alemanha e promovida pela UNESCO, em 1997, definiu

que: “Por educação de adultos se entende o conjunto dos processos de aprendizagem, formal ou não, graças ao

qual, as pessoas, cujo entorno social as considera adultas, podem desenvolver suas capacidades, enriquecer seus

conhecimentos e melhorar as suas competências técnicas ou profissionais ou orientar-se para atender suas

próprias necessidades e da sociedade. A educação de adultos abrange a educação formal e a educação

permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes

numa sociedade educativa multicultural, em que são reconhecidas as abordagens teóricas e baseadas na prática”

(UNESCO, 1997, p. 7; tradução nossa).

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insumos diversos, tais como fertilizantes, ou ainda quanto ao cumprimento de normas e

padrões, trabalho ao qual eles classificaram de "assessoramento" ou "aconselhamento", algo

distinto, quando executado isolado do trabalho de extensão (BAN; HAWKINS, 1996, p. 13).

Dessa diferenciação, parece então surgir a ideia embrionária do conteúdo conhecido

atualmente como "assistência técnica", conteúdo invariavelmente inserido na tarefa de

extensão, justificando-se assim a expressão "assistência técnica e extensão rural" (ATER),

empregada especialmente no Brasil, mas também em outros países.

Ainda na tentativa de formular uma síntese conceitual para o trabalho de extensão

rural, é oportuno destacar uma definição relevante surgida no âmbito de dirigentes de

organismos de extensão rural no mundo, reunidos em Tegucigalpa (Honduras) em 1984,

quando acordaram que:

A Extensão Rural é um processo de educação e capacitação de caráter permanente,

que se caracteriza pela relação e comunicação recíproca e constante dos técnicos

com os produtores, suas famílias e suas organizações. O propósito desse trabalho é

alcançar, por meios participativos, a análise da problemática da agropecuária, tanto

das propriedades em particular, como das comunidades, zonas e regiões agrícolas

onde os agricultores se desenvolvem; a definição e a caracterização dos problemas

mais prementes; a seleção das melhores soluções para esses problemas, com ênfase

na utilização dos recursos disponíveis no próprio meio; a realização de programas de

capacitação que surjam dessa análise e a avaliação permanente do processo

(EMBRATER, 1987, p. 5).

No Brasil, em 1948, ocorreu a primeira iniciativa formal de extensão rural com a

criação da Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (ACAR-MG). A

essência do surgimento da ACAR-MG está na concepção de que o "crédito" somado à

"assistência técnica", realizada por meio do processo educativo, possibilitaria elevar o nível

de vida das famílias rurais de Minas Gerais (OLINGER, 1996, p. 48). De acordo com a

Embrater (1986a), o modelo conceituado extensão rural em Minas Gerais foi inspirado no

modelo Farm Security Administration, dos Estados Unidos, estando assim estruturado

conceitualmente:

A Associação de Crédito e Assistência Rural - ACAR, fundada em 1948, foi a

primeira experiência brasileira direcionada para a introdução de novas técnicas de

agricultura e economia doméstica, de incentivo à organização e de aproximação do

conhecimento gerado nos centros de ensino e de pesquisa aos produtores rurais.14

14

Disponível em:< http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas2&id=2#.

U8mjksi5dac>. Acesso em18 jul. 2014

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Do exemplo da ACAR-MG derivam várias outras instituições semelhantes em outros

estados brasileiros, em todas utilizando-se o termo “Assistência Rural”. A expansão do

modelo de extensão de Minas Gerais para quase todo o Brasil ocorreu sob o patrocínio técnico

e financeiro das instituições norte-americanas American International Association (AIA) e

Escritório Técnico de Agricultura (ETA), dos governos federal, estaduais e municipais e

agroindústrias, assim como dos produtores. A participação das instituições norte-americanas

revela a reprodução do modelo conceitual de Minas Gerais nos outros estados e territórios

brasileiros (EMBRATER, 1986a).

Mesmo sob inspiração do serviço de extensão dos Estados Unidos, apenas a partir de

1952 o termo “extensão” ganhou uso cotidiano na ACAR, motivação ocorrida por intermédio

de um curso havido na Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV), Minas Gerais

(OLINGER, 1996, p. 44).

Em 1956, o modelo ACAR alcança a dimensão de Sistema, com a criação da

Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar), uma associação nacional, sem

fins lucrativos e de direito privado, que tinha a função de coordenar o serviço de extensão no

Brasil, tendo em vista que a participação do ETA, que vinha desenvolvendo esse papel, era

respaldada por um convênio com prazo de extinção (OLINGER, 1996; EMBRATER, 1986a).

Para a Abcar, o conceito de ATER que orientava as ações de suas associadas em todo

o Brasil, tinha o seguinte conteúdo:

Extensão Rural é, em essência, um processo de ação educativa, envolvendo os

agricultores e suas famílias e as próprias comunidades, orientado de modo a induzir

mudanças quanto ao comportamento individual e coletivo, por via de novos

conhecimentos, atitudes, hábitos e habilidades, em face dos problemas de produção,

comercialização e administração da propriedade e do lar, saúde e outros que

obstaculizam o progresso da agricultura. Elevação dos níveis de renda do agricultor

e a melhoria das condições de vida das populações rurais. (ABCAR, 1965, p. 5)

A partir de 1964, o modelo conceitual da Abcar passa por mudanças importantes ao

incorporar as diretrizes do governo federal, estabelecidas no Plano Quinquenal (1961-1965),

segundo as quais o crédito subsidiado se constituiria no elemento viabilizador da tecnificação

da agricultura para a produção de excedentes exportáveis. O público prioritário da extensão

seria constituído por médios e grandes produtores, considerados como aqueles que dariam

melhores e mais rápidas respostas à proposta de tecnificação, fenômeno denominado a seguir

como "modernização conservadora" da agricultura brasileira (EMBRATER, 1986a).

As consequências de tais transformações conceituais tiveram repercussão imediata na

ênfase ao trabalho de atendimento individualizado a produtores rurais, especialmente

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relacionado à concessão de crédito rural e orientações técnicas, em detrimento ao trabalho

com grupos de produtores de cunho mais participativo e organizativo. Há registros atestando

que “o trabalho com as famílias rurais foi questionado e arrefecido” (EMBRATER, 1986a, p.

10).

Ainda de acordo com a mesma fonte, verificava-se no ano de 1969 a redução da

influência norte-americana, com o encerramento do convênio com a AIA, deixando esta de

participar da junta governativa da Abcar. Este espaço que foi ocupado integralmente pelo

Ministro da Agricultura, como presidente daquela Associação e pelos secretários estaduais de

agricultura como presidentes das juntas governativas das entidades estaduais (ACAR); esse

fato guarda relevância com os contornos conceituais da extensão rural no país a partir de

então.

Como consequência da mudança e do amadurecimento do Sistema, já se observava

nas suas programações de 1972 e 73 um destaque à priorização do enfoque regional e o

retorno do trabalho com os pequenos produtores.15

Nessa fase, as estratégias privilegiavam a

difusão de tecnologia agropecuária, o fortalecimento da empresa agropecuária, a

comercialização da produção e o desenvolvimento de recursos humanos (EMBRATER,

1986a).

Em 1974, é criada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

(Embrater) e estimulada a transformação das associações estaduais (ACAR) em também

empresas estaduais (Emater), compondo assim o Sistema Embrater. Do ponto de vista

conceitual, o novo sistema passa a: (i) priorizar a difusão da “moderna” tecnologia

agropecuária e gerencial, por produto, para médios e grandes produtores; e (ii) para os

pequenos produtores, o novo sistema cria o Projeto de Promoção de Produtores de Baixa

Renda, com o apoio financeiro do Banco Mundial (EMBRATER, 1986a).

Ainda com o objetivo de compreender o sentido evolutivo do conceito de

extensão rural, vale destacar que, em 1980, sob a coordenação da Embrater, o

Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater) afastou da sua

denominação jurídica a menção ao “crédito” e incorporou a expressão “assistência

técnica e extensão rural”" na maioria das suas associadas públicas.16

Ademais, o Sibrater deixava explícitos, no seu documento “Objetivos e

Diretrizes para o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural - período

15

Por exemplo, com a participação nos programas de colonização da região Norte, do programa de acesso à terra

no Nordeste e no programa dos corredores de exportação da região Sul. 16

O Sibrater era composto por 10.428 técnicos da rede pública e 7.000 técnicos da rede privada.

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programático 1980-1985,” aspectos da maior relevância que ajudam a compreender a

sua evolução conceitual, tais como: (i) os programas de ATER no Brasil teriam como

objetivo difundir conhecimentos científicos, de natureza técnica, econômica e social,

necessários ao desenvolvimento do setor rural, compatíveis com as prioridades

nacionais à época (combate à inflação, redução da dívida externa, produção de energia e

melhor distribuição da renda nacional); (ii) à rede pública caberia o trabalho de ATER e

à rede privada o trabalho de assistência técnica; e (iii) o Sibrater adotaria como público

prioritário os pequenos e médios produtores rurais, com o objetivo de intensificar a

produção de alimentos básicos.17

Ao se buscar mais contribuições no sentido de ter mais clara a trajetória conceitual que

a extensão rural governamental experimentou ao longo do período aqui relatado, é possível

verificar que, na essência, o conceito de extensão apresentou variações importantes desde as

suas primeiras formulações. Entretanto, a forma e o método de abordagem ao produtor, o

perfil do produtor alvo, as características da tecnologia, a participação do produtor em todo o

processo de modernização e a compreensão do caráter dinâmico das etapas de geração,

difusão e adoção de tecnologia foram, seguramente, os elementos que mais impactos

causaram nos conteúdos trabalhados pela extensão rural do seu início no Brasil até hoje.

De forma sintética, além da conceituação trazida pela Lei Smith Lever que

fundamentou o trabalho de extensão nos Estados Unidos, depois multiplicado em vários

outros países, acrescente-se aquela proclamada pelos dirigentes de extensão em Honduras em

1984, mencionada anteriormente, além de outras interpretações que foram dadas ao trabalho

de extensão.

Essas definições, no seu conjunto, permitem construir um pouco dessa trajetória,

fortemente influenciada pelas transformações ocorridas na agricultura e no ambiente que a

envolve. Uma dessas contribuições é de Olinger (1996), segundo a qual:

Extensão é um processo educativo com e em favor das famílias rurais, com

repercussão benéfica aos consumidores de produtos agropecuários, em geral. O

sujeito de sua ação é o ser humano, e o modo principal é a produção e a

comercialização das safras, com o mínimo possível de dano ao meio

ambiente (OLINGER, 1996, p. 25).

17

De acordo com o mesmo documento de “Objetivos e Diretrizes”, em 1979 existiam no Brasil 5 milhões de

estabelecimentos agrícolas, dos quais 4 milhões com área inferior a 50 ha, estando a maioria classificada como

médios e pequenos produtores, responsáveis por mais de 70% da produção de alimentos básicos, além de

participarem com 90% das exportações de carnes de aves e suínos e com 80% das exportações de soja do país

(EMBRATER, s/d).

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41

A visão de Lopes (1967), outro importante ex-dirigente da Embrater, não difere da

conceituação de Olinger (1996), embora adicione-lhe alguns novos elementos: “processo

educacional que visa a induzir o povo a interpretar e responder, de maneira apropriada, às

mensagens de mudanças para a promoção do desenvolvimento socioeconômico do meio rural,

através da integração das forças vivas da comunidade” (LOPES, 1967, p. 14).

O elemento comum nas duas conceituações anteriores está em caracterizar a extensão

como um “processo de educação”. Todavia, o educador Paulo Freire, ao estudar o trabalho de

extensão no Chile, apresenta em seu livro “Extensão ou Comunicação?”, publicado

inicialmente em 1969, uma crítica clássica e contundente ao trabalho extensionista, enquanto

perspectiva de processo educacional.

Em sua crítica, Paulo Freire argumenta a contradição presente no conceito e na prática

da extensão. Para ele, o trabalho do extensionista é persuadir o produtor a adotar, de modo

autoritário, tecnologias, ignorando toda a experiência acumulada pelo produtor, e impondo-

lhe receitas técnicas que, em tese, beneficiam muito mais as companhias que tiram proveito

do uso das tecnologias do que o produtor. Segundo o mesmo autor, de sujeito, que de fato

deveria ser, o produtor, é transformado pelo extensionista num mero objeto, depositário

passivo de tecnologias nem sempre as mais adequadas para aquela realidade. Ou seja, o

produtor se torna um "escravo" do extensionista, o dono do saber, quando, de fato, se o

trabalho do extensionista fosse de cunho educativo, ele teria a função de “libertar” o produtor,

conscientizando-o a tornar-se o senhor do seu próprio destino e não escravo da extensão, das

tecnologias e da “propaganda”. Essa crítica ainda hoje provoca repercussão no seio da

extensão e em outros ambientes, a exemplo do meio acadêmico.18

"Extensão Educativa"- a expressão só tem sentido se toma a educação como prática

de "domesticação”. Educar e educar-se na prática da liberdade não é estender algo

desde a "sede do saber" até a "sede da ignorância" para "salvar" com este saber, os

que habitam nesta (FREIRE, 1983, p. 15).

Em 1998, motivado pelo vigor dos conceitos da Agroecologia, que preconiza uma

agricultura mais harmonizada com homem e com a natureza, assim como por uma ATER

menos dependente de "insumos modernos" e menos dependente dos métodos difusionistas

18

Herrera, Amilcar (1981), embora não se referindo especificamente à extensão rural, já alertava para a

importância da “participação local” das pessoas das áreas rurais em programas de desenvolvimento, cujos

beneficiários seriam elas próprias. Essa participação não ocorreria por uma simples posição ideológica, mas sim,

por um direito a elas assegurado, sendo a negação dessa participação a razão do insucesso de muitos programas

de desenvolvimento voltados para estas populações.

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tradicionais, Caporal (1998) propôs uma "extensão agroecológica" que poderia ser

conceituada como:

La extensión rural agroecológica podría ser definida como un proceso de

intervención de carácter educativo y transformador, basado en metodologías de

investigación-acción participante que permitan el desarrollo de una práctica social

mediante la cual los sujetos del proceso buscan la construcción y sistematización de

conocimientos que os lleve a incidir conscientemente sobre la realidad, con el

objeto de alcanzar un modelo de desarrollo socialmente equitativo y

ambientalmente sostenible, adoptando los principios teóricos de la Agroecología

como criterio para el desarrollo y selección de las soluciones más adecuadas y

compatibles con las condiciones específicas de cada agroecosistema y del sistema

cultural de las personas implicadas en su manejo. (CAPORAL,1998, p. 446)

Em sentido contrário ao que pensa Caporal (1998), Abramovay (2007), ao ser

instado sobre uma proposta de política para a extensão rural no Brasil, advoga que dentre

os pressupostos para um moderno serviço de extensão, a agroecologia não poderia ser

imposta aos produtores beneficiados pela extensão como uma doutrina oficial do Estado,

do mesmo modo que a homeopatia não pode ser imposta aos clientes dos sistemas de

saúde (ABRAMOVAY, 2007).

No que diz respeito à diferenciação conceitual entre "Assistência Técnica" e "Extensão

Rural", a posição de Bicca (1992) permite delimitar bem esses espaços. Para ele, "Assistência

Técnica" pode ser definida como:

Conjunto de ações integradas, objetivando dar condições ao usuário de adotar e

utilizar técnicas recomendadas para o êxito do seu empreendimento. Essas ações

abrangem: elaboração de estudos, de planejamento e de projetos; direção, execução

e fiscalização de obras e serviços técnicos; avaliações, análises, vistorias, perícias,

pareceres e divulgação técnica, consultoria e orientações no emprego de técnicas ou

insumos. A assistência técnica tem a vantagem de resolver problemas técnicos de

forma imediata, com resultados observáveis no curto prazo. Na maioria dos casos é

acessível mediante pagamento. (BICCA, 1992, p. 55)

Assim, a percepção atual é que o trabalho exclusivo de "assistência técnica" é,

tradicionalmente, desenvolvido por organizações prestadoras de serviço, empresas

comercializadoras de insumos ou de produtos agrícolas ou as empresas integradoras. Já as

cooperativas, fundações, ONG e instituições governamentais normalmente operam as duas

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vertentes, a assistência técnica e a extensão rural. Desse modo, podem ser consideradas

organizações que operam a ATER, ou seja, operam os dois conteúdos de forma indissociável.

Em resumo, e analisando-se o conjunto da maioria das contribuições que tratam da

evolução conceitual da ATER no Brasil, percebe-se como traço comum a todas elas a

identificação conceitual da ATER como um sistema educativo rural, não formal, tendo como

objetivo o desenvolvimento rural, exceção feita à crítica clássica de Freire (1983).19

Relativamente ao conceito do tipo de educação realizada pela ATER, presente na Lei

Nº 12.188, assim como no parágrafo acima, “sistema educativo rural não formal”, cabe um

breve esclarecimento, sobre os termos “educação formal, educação não-formal e educação

informal”.

Segundo Bianconi e Caruso (2005),

a educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino

escolar institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado,

e a informal como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula

conhecimentos, através de experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A

educação não-formal, porém, define-se como qualquer tentativa educacional

organizada e sistemática que, normalmente, se realiza fora dos quadros do sistema

formal de ensino (BIANCONI; CARUSO, 2005, p. 20).

Em aprofundamento, Gohn (2006), acrescenta:

A educação não-formal designa um processo com várias dimensões, tais como: a

aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação

dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ ou

desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e o exercício de práticas que

capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para

a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que

possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de

compreensão do que se passa ao seu redor. (GOHN, 2006)

Assim, por todas as características reunidas no trabalho de ATER, o termo “educação

não formal” parece ser aquele que mais se harmoniza à prática extensionista e por tal razão é

adotado em todo o curso desta tese.

Outro dado importante que tem merecido destaque na trajetória conceitual é o do

caráter vital e necessário de intercomplementariedade das ações de ATER e dos demais

instrumentos de política agrícola, destacando-se a pesquisa agrícola, dentre esses.

Em síntese, e considerando a diversidade de ângulos sob os quais o trabalho de ATER

pode ser observado, é cabível concordar com o que afirmam Oakley e Garforth (1985):

19

Para detalhes sobre os fatores que caracterizam o processo de desenvolvimento rural, ver Kageyama (2008, p.

84).

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44

Extensão é um termo que está aberto a variadas interpretações. Cada agente de

extensão ou extensionista, provavelmente, tem a sua compreensão própria do que

seja extensão. Esta compreensão está baseada nas experiências pretéritas e no tipo

particular do serviço de extensão no qual aquele agente atua ou atuou. Em outras

palavras, não há uma única definição de extensão que seja aceita universalmente ou

que seja aplicada em todas as situações. Além disso, extensão é um conceito

dinâmico, no sentido de que sua interpretação reflete o ambiente que está sempre em

movimento. Extensão, portanto, não é um termo que possa ser definido

precisamente, mas, aquele que descreve um contínuo processo de mudança no meio

rural.

Numa perspectiva de futuro para a ATER, Jones e Garforth (1997), em documento

publicado pela FAO, afirmam que:

A necessidade de informação agrícola e rural e de serviços de consultoria deve se

intensificar no futuro próximo. Em grande parte do mundo, a agricultura enfrenta o

desafio de manter o ritmo de produção, dado o rápido aumento da população e as

poucas reservas de terras potencialmente cultiváveis. Os agricultores terão de se

tornar mais eficientes e especializados.

Do ponto de vista dos impactos conceituais, assim como nas metodologias e nas

estratégias de trabalho, os mesmos autores acreditam que em quaisquer cenários os

serviços de ATER continuarão importantes, independente dos movimentos de

privatização. Contudo, para prestarem um serviço de qualidade deverão incorporar nas

suas agendas de trabalho novos conteúdos inerentes aos desafios atuais. Ao se referirem

aos “desafios atuais”, os autores estão, certamente, fazendo alusão aos “novos atores”,

aos “novos conceitos”, à “nova institucionalidade”, enfim, à “nova agricultura”, desafios

que serão objeto de debate mais à frente.

1.2. As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na evolução

conceitual da ater: perspectiva teórico-institucional

Nesta seção, pretende-se investigar as influências dos grandes avanços do

conhecimento técnico-científico e das transformações institucionais, em geral, e na agricultura

em particular, sobre a evolução conceitual e institucional da ATER. Essa investigação será

desenvolvida sob uma outra perspectiva, a teórico-institucional, complementar à anterior, de

cunho predominantemente histórico.

A ideia a ser perseguida supõe que a evolução conceitual da ATER também sofreu

influência da forma e da natureza dos modelos com os quais as instituições se organizam e

interagem no âmbito do processo de inovação, cujo entendimento também passou por uma

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forte mudança nos últimos 50 anos. Dito de outro modo, esta seção busca identificar e

compreender possíveis relações entre as grandes revoluções tecnológicas ocorridas no mundo,

em especial na agricultura, e a evolução conceitual e institucional da ATER.

Uma primeira "revolução" de impacto inquestionável sobre a forma de se fazer

agricultura no mundo foi a Revolução Agrícola Inglesa, ocorrida entre 1700 a 1750. No

entendimento de Hayami e Ruttan (1988, p. 51), essa revolução pode ser assim caracterizada:

A revolução agrícola inglesa consistiu na evolução de um sistema intensivo,

integrado, de técnicas de lavoura e zootecnia. No processo, o sistema de rotação de

culturas de Norfolk substituiu o sistema de três campos abertos, no qual a terra

arável era alocada entre cultivos permanentes e pastagens permanentes. Isto

envolveu a introdução e uso mais intensivo de novas culturas forrageiras e de

adubação verde e um aumento na disponibilidade e no uso de adubos de origem

animal. Estas novas técnicas culturais permitiram a intensificação da produção de

culturas agrícolas e da criação de gado, através da reciclagem de nutrientes vegetais,

sob a forma de adubos animais com o objetivo de manter a fertilidade do solo. Os

progressos na tecnologia foram acompanhados pela consolidação e pelo fechamento

das propriedades rurais com cercas e por investimentos no desenvolvimento de

terras. O efeito final foi um crescimento substancial, tanto na produção agrícola total

como na produção por hectare.

Para os mesmos autores, o sistema que deu base à revolução agrícola inglesa se

desenvolveu por vários séculos, sendo popularizado no final do século XVIII e início do

século seguinte, sendo a sua difusão responsável pela base técnica da desenvolvida agricultura

inglesa, a partir do período 1850/1870 (HAYAMI; RUTTAN, 1988).

Os dois estudiosos afirmam que em sociedades pré-industriais eram factíveis taxas

sustentadas de crescimento agrícola na casa de 1,0% ao ano. “Com o advento da

industrialização, os potenciais para o crescimento da produção agrícola deslocaram-se de

1,5% a 2,5% ao ano” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 47). Eles acrescentam:

Após a Revolução Industrial, taxas de crescimento dessa ordem ocorreram, durante

períodos relativamente longos, na Europa Ocidental, América do Norte e Japão.

Desde a metade do século 20, o potencial de crescimento da produção agrícola,

aparentemente, elevou-se novamente para taxas anuais de crescimento superiores a

4%. Taxas sustentadas de crescimento dessa ordem foram observadas,

principalmente, em economias que começaram a se desenvolver recentemente, como

México, Brasil, Formosa e Israel (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p 47).

Ainda segundo os mesmos autores, a revolução agrícola inglesa criou as bases para a

Revolução Industrial, que teve no ano de 1771, como “ano inaugural”, segundo Perez

(2009), que a denomina de “Revolução Tecnológica” ou “primeira onda de inovação”. Para

Perez (2009, p. 8; tradução nossa), “Revoluções Tecnológicas” são definidas como “(..) um

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conjunto de descobertas radicais interligadas, formando uma grande constelação de

tecnologias interdependentes; um cluster de clusters ou de um sistema de sistemas”.

O advento da Revolução Industrial, por sua vez, realimentou e aprofundou as

transformações na agricultura, especialmente no vigoroso aumento da produtividade do

trabalho e da terra, dada a introdução contínua de máquinas e equipamentos.

Para Perez (2009), a "Era do Vapor", considerada a "segunda onda de inovação", vem

acompanhada de inúmeros avanços com impactos diretos sobre a atividade agrícola. Por

exemplo, os avanços alcançados na química agrícola pela Europa, simultâneos à profusão de

experimentos agrícolas, ocorridos por volta de 1840, que produziram, por um lado, a geração

de novos conhecimentos e, por outro, o estímulo à difusão desses resultados.

Como exemplo, nessa época, última metade do século XIX, o Império Britânico

organizava o trabalho de descoberta e exploração de plantas por intermédio de um sistema de

"jardins botânicos", que foi "desenvolvido para facilitar a transferência, o teste e a introdução

de materiais vegetais", ou seja, o embrião de uma estratégia de geração e difusão de inovações

agrícolas. Essa estratégia não diminuía uma outra que consistia na observação empírica e no

aprendizado sobre as diferenças substanciais na produtividade da terra ou da mão de obra

entre fazendeiros e entre regiões (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 58).

Na sequência, tendo 1875 como "ano do big bang" ou "ano inaugural" da revolução,

presenciava-se a "Era do Aço" ou a "terceira onda", marcada pelas conquistas nas

engenharias pesada, elétrica, química, civil e naval. Logo em seguida,1879, surge o primeiro

serviço de extensão rural público da Europa, localizado na França, cujo objetivo era o de

transmitir o conhecimento gerado nas academias de ciência agrícola aos agricultores.

Acompanhando tais movimentos, os principais modelos de atuação da ATER

caracterizavam-se essencialmente como difusionistas e transmissores de informações

técnicas úteis aos produtores rurais. Três e meia décadas adiante, 1914, surge um dos

serviços de extensão agrícola melhor estruturados no mundo, o serviço de extensão

agrícola dos Estados Unidos.

Para Fonseca (1985), a criação do Serviço Cooperativo de Extensão Rural nos Estados

Unidos (1914) pode ser considerada como fruto de um desejo do governo americano de

introduzir na sociedade rural “conhecimentos úteis e práticos relacionados à agricultura, à

pecuária e à economia doméstica para a adoção de métodos mais eficientes na administração

da propriedade rural e do lar”.

Ainda segundo Fonseca (1985), a concepção teórica do modelo adotado pela Extensão

Rural dos Estados Unidos tinha o caráter difusionista clássico e objetivava a elevação no

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nível de conhecimento da população rural e consequentemente o “desenvolvimento de novas

habilidades em suas atividades produtivas” (FONSECA,1985, p. 39). No modelo difusionista

clássico,

o conhecimento é transmitido das fontes de origem ao povo rural. No contexto da

Extensão, a comunicação é o meio pelo qual o povo rural estabelece contato com a

nova tecnologia, advindo, em consequência, uma mudança tecnológica permanente.

Portanto, o propósito básico da Extensão dentro do contexto do modelo clássico é o

de transmitir conhecimento ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de

pesquisa. (FONSECA, 1985, p. 40)

No caso da América Latina e, em particular, na implantação do serviço de Extensão

Rural no Brasil, 1948 a 1962, o arcabouço teórico do modelo de extensão rural (ou agrícola)

adotado foi denominado de “Difusionista Inovador”, ou “Humanista Assistencialista”. Para a

mesma autora, essa concepção deveu-se ao Professor Everett M. Rogers ao compatibilizar: (i)

estudos e pesquisas realizadas por antropólogos em regiões colonizadas por países europeus,

que geraram novas teorias, dentre as quais o “difusionismo”, cuja essência indicava que o

desenvolvimento dessas colônias se originava de estímulo externo e (ii) a Teoria dos Sistemas

Sociais de Talcott Parsons.

O modelo apresentado e seguido pelos serviços de extensão rural de vários países,

inclusive o do Brasil, como se pode deduzir da discussão anterior, inspirava-se claramente na

abordagem linear, refutada pela teoria evolucionária, como será discutido adiante. O modelo,

além de receber de Fonseca (1985) e de outros estudiosos críticas contundentes, foi

considerando “alienante e descompromissado com os interesses reais e imediatos das

populações rurais latino-americanas” (FONSECA, 1985, p. 52).

No caso brasileiro, a base institucional embora considerasse a integração entre a

pesquisa agrícola e a extensão rural uma diretriz sempre presente, os serviços operavam de

forma individualizada, diferentemente, portanto, do modelo dos Estados Unidos, que uniu a

pesquisa, a extensão e o ensino em uma única instituição que era a universidade.

Para Hayami e Ruttan (1988, p. 59), o modelo difusionista exerceu influência direta na

base conceitual em que se apoiavam a pesquisa e a extensão: “O modelo de difusão do

desenvolvimento agrícola forneceu a base intelectual mais importante para uma grande parte

do trabalho de pesquisa e extensão em uso nas propriedades rurais e na economia de produção

(...).”

Entretanto, Hayami e Ruttan (1988) também reconhecem que o modelo difusionista

possuía limitações para o planejamento do desenvolvimento agrícola, pois os programas de

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assistência técnica e desenvolvimento neles baseados não tecnificaram as fazendas

tradicionais nem aumentaram a taxa de crescimento da produção agrícola.

Em síntese, a natureza da crítica de Hayami e Ruttan (1988) difere da crítica de

Fonseca (1985). Para os dois autores, a transferência de uma tecnologia de uma região para

outra apenas terá chances de sucesso se as condições agroclimáticas e de apoio técnico forem

próximas. Eles exemplificam que a transferência da tecnologia do milho híbrido dos Estados

Unidos para a Europa Ocidental foi exitosa porque as condições de clima eram semelhantes e

porque havia capital humano na Europa Ocidental (cientistas agrícolas e técnicos agrícolas)

capaz de promover a pesquisa de validação e adaptação. Ou seja, uma situação privilegiada e

rara, quando comparada à transferência que ocorre entre regiões ou países de graus de

desenvolvimento distintos.

Segundo Rodrigues (1997), no Brasil, o modelo praticado quando da implantação da

ATER no país, denominado “Humanista Assistencialista”, tinha como características:

privilegiar a categoria dos pequenos agricultores; ter como unidade de trabalho a família rural;

oferecer uma orientação pedagógica pautada no lema “ensinar a fazer, fazendo”; e o

extensionista desempenhava o papel de “indutor de mudanças no comportamento”. A

tecnologia assumia nesse modelo um papel “apenas subjacente, enquanto instrumento para

melhorar as condições de vida da família rural” (RODRIGUES, 1997, p. 122).

O Quadro 1, a seguir, tem a pretensão de sistematizar esse conjunto de eventos

disruptivos no campo da Ciência, da Tecnologia e da Inovação, ocorridos no mundo e

discutidos nos parágrafos anteriores, além de buscar possíveis relações de influência destes

com as transformações na agricultura e com a ATER.

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Quadro 1 – As Revoluções Tecnológicas ou “ondas de inovação," as transformações na

agricultura e a evolução conceitual e institucional da Extensão Rural no mundo e no

Brasil, no período de 1700 a 2016

Fontes: (1) Corazza e Bonacelli (2014) e Perez (2009); (2) Rodrigues (1997, p. 122); (3) A expressão foi usada pela primeira

vez por William Gaud em 1968, para referir-se à tecnologia de novas cultivares de cereais de alta produtividade (HAYAMI;

RUTTAN, 1988, p. 86); (4) Conceito de Ecodesenvolvimento, por Ignacy Sachs, em 1980; ver em Buarque, S.C.,(1996, p.

6); (5) para Perez (2009), ano no qual ocorreu um evento inicial, uma espécie de evento inaugural da Revolução; (6) Hayami

e Ruttan (1988,p. 51); (7) MAPA (Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/folder_agricultura_F02.pdf>. (8)

Kageyama (1987); (9) Barros (2014).(10) Guimarães, A,P (1979).

EVENTOS

PERÍODO

REVOLUÇÕES

TECNOLÓGICAS

OU "ONDAS DE

INOVAÇÃO"(1)

TRANSFORMAÇÕES NA

AGRICULTURA

EVENTOS DE DESTAQUE

NA EXTENSÃO RURAL

MUNDIAL E BRASILEIRA

MODELOS DE ATER

1700-

1800

Revolução Agrícola

Inglesa. (1700-1750)

Mecanização da indústria Têxtil; Crescimento da taxa da produção

agrícola de 1,5% para 2,5% a.a (6). Avanços tecnológicos na

agricultura inglesa: preparo e

correção dos solos; sementes

selecionadas, abandono do sistema de “afolhamento”

(pousio); introdução de rotação

de culturas, plantio de forragem

(sistema Norfolk); drenagem e

irrigação de pântanos.

Na Inglaterra-

Organização de

propriedades-modelo; realização de eventos de

difusão de tecnologia,

inventos mecânicos, publicações técnicas,

com destaque para o

livro de difusão de tecnologia agrícola,

escrito pelo “cientista” e

agricultor, Jetrho Tull (1731).(10)

1ª Onda-"Revolução Industrial"; (máquinas,

fábricas, canais);

(Inglaterra). "Big bang

inicial da

revolução":1771

1800-

1850

2ª Onda- "Era do

Vapor"; (carvão, ferro, ferrovias, telégrafo...);

(Inglaterra).

"Big bang inicial da Revolução":1829.

Doutrina do esgotamento do

solo por Liebig (2º quarto do séc. 19).(6).

Avanços na Química Agrícola e

na experimentação agrícola; alimentos conservados

IRLANDA- Criação do 1º serviço de extensão da época

moderna (1845). Motivação:

praga na cultura da batata (fome da batata –perdurando

até 1851)

Difusionista- modelo

baseado na utilização professores intinerantes.

1850-

1900

3ª Onda- "Era do Aço";

Engenharia pesada", química, elétrica e

naval; (USA, Inglaterra

e Alemanha). "Big bang inicial da

revolução":1875

Avanços na mecanização e na criação de Fertilizantes e

Defensivos.

Alimentos refrigerados e congelados

Criação do

1º serviço público de Extensão Rural no mundo

(França 1879)

Difusionista

1900-

1950

4ª Onda-'"Era do

Automóvel”; (Petróleo, petroquímicos,

produção em massa...);

(Estados Unidos). "Big bang inicial da

revolução”; 1908

Mudança da base técnica da

produção agrícola iniciada depois da II Guerra Mundial

(maior utilização de

equipamentos e insumos, aumentando a produtividade dos

fatores).(8)

Criação do Serviço

Cooperativo de

Extensão Rural nos Estados Unidos, 1914.

Difusionista clássico; Base

institucional: integração

Pesquisa-Extensão-Ensino

1950-

2000

5ª Onda-

"Era da Tecnologia da Informação e

Comunicação" (internet,

fibra ótica, satélite...); (Estados Unidos).

"Big bang inicial da

revolução":1971

Revolução Verde

(década de 1960/70) (3)

Criação da Associação Brasileira de Crédito e

Assistência Rural- ABCAR-

1956

Difusionista-inovador ou Humanista

assistencialista (1948-

1962); Brasil. (

Desenvolvimento

Sustentável (1980) (4)

Desestruturação do

Sibrater (1992) (Brasil);

Surgimento do Pronaf (1995) (Brasil)

Modernização Agrícola

Difusionismo

Produtivista (1963 - 1984) (2);

Base institucional:

Pesquisa e Extensão individualizadas; Brasil.

Agricultura de precisão. No Brasil introduzida no início da

década de 1990 (7)

Criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário

(1995); (Brasil)

Embrião do trabalho

com a agricultura

familiar; Brasil (1995 a 2002)

2000-

2016

Possível 6ª Onda- "Era da biotecnologia,

bioeletrônica e

nanotecnologia"

Consolidação do segmento

“agronegócio”, na economia

brasileira, que tem no progresso técnico, o centro de seu modelo

de negócios (Brasil). (9)

Ênfase na agricultura familiar

e Reforma Agrária; (Brasil)

Exclusividade na

assistência à agricultura familiar. Modelo

baseado no

Desenvolvimento Rural Sustentável e na

Extensão Rural

Agroecológica (2003-2014)

Criação e

Institucionalização da Pnater (2003 e 2010)

Criação da Anater

(2013); (Brasil)

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50

O objetivo é analisar eventuais nexos que possam explicar ou justificar as

transformações ocorridas na ATER e, mais que isso, que possam substantivar a sua evolução

conceitual e institucional, como também, indicar sinais de transformações futuras no ambiente

da ATER.

O Quadro traz as cinco revoluções tecnológicas descritas por Perez (2009) e uma

sexta, em formação, também admitida por Corazza e Bonacelli (2014). Para cada uma das

cinco primeiras, Perez (2009) identifica um ano de “inauguração” da revolução

(respectivamente, 1771, 1829, 1875, 1908 e 1971), denominando-o de “Big bang inicial da

revolução”. Corazza e Bonacelli (2014) apontam períodos de aproximadamente cinco décadas

como períodos de consolidação de uma “onda”, indicação aqui também utilizada para a

periodização estabelecida (CORAZZA; BONACELLI, 2014; PEREZ, 2009). Exceção feita

apenas para o primeiro período (1700-1880), cujo propósito foi destacar a Revolução Agrícola

da Inglaterra como evento de importância capital na história da evolução tecnológica da

agricultura no mundo.

A tentativa da busca de influências identifica também possíveis repercussões na

agricultura, a exemplo da repercussão da “primeira onda”, “Revolução Industrial”, sobre a

mecanização da cadeia do algodão, o que gerou aumento dos padrões de produção e

produtividade, potencializando os efeitos da revolução agrícola inglesa.

Percebe-se também os efeitos da terceira (química, grandes pontes e túneis etc.) e

quarta (petroquímicos, tratores, etc.) "ondas de inovação", desdobrando-se especialmente nos

avanços na química agrícola, fertilizantes, defensivos e na ampliação das experimentações

agrícolas.

Mais à frente, década de 1960, constata-se o surgimento da "Revolução Verde", que

significou um modelo de produção que incorporava de forma integrada grande parte desses

avanços anteriores, gerando níveis de produtividade nunca vistos antes (ROMEIRO, 2014).

Tais avanços, não por acaso, repercutiram na ATER brasileira, por exemplo,

traduzidos pela utilização dos modelos de atuação denominados “difusionista produtivista”.

Nesse momento, meados da década de 1970, o modelo “difusionista produtivista” passa a ser

operado por uma base institucional e organizacional renovada e fortalecida, representada pela

criação de duas empresas públicas, a Embrapa e a Embrater. Estas organizações passam a

configurar uma base institucional ampliada, em relação ao modelo anterior, e que incorpora o

crédito rural como elemento central na viabilização e na velocidade do processo de adoção

das inovações agrícolas.

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51

Em seguida, década de 1980, constata-se o surgimento do movimento pelo

“desenvolvimento sustentável”, inspirado na necessidade de se diminuir o ritmo frenético dos

padrões de consumo e de produção, sobretudo dos países desenvolvidos. Esse movimento

apontava para a urgência de preservação dos recursos naturais, face os danos graves

ambientais e na qualidade de vida da geração atual, além do risco de esgotamento dos

recursos naturais para as gerações futuras. Essa evidência, conjugada a outras circunstâncias,

repercutiu na ATER, indicando a necessidade de se valorizar modelos de difusão menos

agressivos à natureza, além da preocupação com aqueles produtores que ficaram à margem da

tecnificação, na sua grande maioria, denominados de agricultores familiares (EMBRATER,

1990).

No caso brasileiro, o modelo “Difusionista Produtivista” caracterizava-se por adotar os

grandes e médios produtores como público preferencial; a unidade de trabalho deslocou-se

para o produtor, ao invés da família rural; a elaboração de planos de crédito se constituiu no

grande papel do extensionista como mecanismo essencial na viabilização da difusão da

tecnologia, incumbida de promover aumentos nos níveis de produtividade da terra e do

trabalho.

Com o decorrer do tempo, a aplicação do modelo ao caso brasileiro foi apontada como

contribuidora para a exclusão do processo de tecnificação de milhares produtores familiares.

Nesse sentido, registra a Embrater (1990) que o processo de modernização da agricultura

brasileira prevalecente nas décadas de 1970 e de 1980 produziu aumentos "progressivos e

significativos" nos níveis de produção e produtividade agropecuárias, todavia, contribuiu

também para outros efeitos como:

A ocupação desordenada do espaço rural, com nítidos e indesejáveis prejuízos

ecológicos; Uma alteração profunda da base tecnológica da produção agrícola, da

composição das culturas e dos processos de produção de forma concentrada,

marginalizando a maioria dos agricultores; Uma concentração da propriedade da

terra, afetando sensivelmente as relações de trabalho no campo; Um forte êxodo

rural, o crescente assalariamento da força de trabalho agrícola e a alta sazonalização

do emprego rural; Alterações quantitativas e qualitativas no processo de

urbanização... (EMBRATER, 1990, p. 11).

Soma-se ao registro da Embrater (1990) uma outra constatação já apontada

anteriormente por Hayami e Ruttan (1988) sobre os resultados, nos anos 1960, da aplicação

do mesmo modelo noutros países:

As limitações do modelo de difusão para o planejamento do desenvolvimento

agrícola tornaram-se cada vez mais evidentes. Isto se deu porque os programas de

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assistência técnica e de desenvolvimento comunitário, baseados explícita ou

implicitamente no modelo de difusão, foram incapazes de modernizar as fazendas

tradicionais ou acelerar as taxas de crescimento do produto agrícola. (HAYAMI;

RUTTAN, 1988, p. 60)20

De modo geral, a crítica mais contundente feita à ATER brasileira era a de que o

modelo do difusionismo produtivista além de ter contribuído com a exclusão de milhares de

pequenos produtores do processo de modernização agrícola, aprofundou ainda mais as

desigualdades no meio rural.

Com relação à natureza dessa crítica, de se atribuir à ATER governamental a

responsabilidade pelo atraso da modernização da agricultura familiar brasileira, esta tese

voltará ao tema no sentido do seu aprofundamento.

Todo esse cenário serviu de motivação para o surgimento de um novo modelo de

extensão, inserido também num novo momento político de redemocratização do Brasil,

denominado de “Humanismo Crítico”.

A liderança da implementação deste novo modelo coube a Romeu Padilha de

Figueiredo que, ao tomar posse na presidência da Embrater em 1985, destacou como

justificativa para a adoção do modelo “Humanismo Crítico”: “a prioridade aos pobres, no

contexto brasileiro, é uma exigência não só ética como também econômica, social e

política” (EMBRATER, 1986b, p. 8).

Assim, o novo modelo vigente, de 1985 a 1989, priorizou os pequenos produtores,

arrendatários, parceiros, posseiros, boias-frias, assentados da reforma agrária e assalariados,

assim como a organização dos produtores como estratégia central para o trabalho de extensão

(EMBRATER, 1986b, p. 8 e 12).

Ao se retornar ao passado da ATER no Brasil (1948), percebe-se que o “Humanismo

Crítico” voltou a valorizar os pequenos e médios produtores como no período do início da

atuação da ATER no país; a unidade de trabalho retornou o seu núcleo para a família rural; a

orientação pedagógica assumiu a concepção “dialógico-problematizadora”, concebida pelo

educador Paulo Freire; e, nesse modelo, coube ao extensionista o papel de um agente

“catalisador de processos sociais”. A tecnologia, nessa nova etapa, era considerada essencial

ao trabalho da ATER, embora circunscrita aos padrões de equilíbrio ecológico, energético e

20

Numa abordagem mundial, afirmam Feder et al. (1999) que: “Nos anos 1960, ainda no início da Revolução

Verde, os serviços de extensão rural no mundo se caracterizavam pelo uso dos princípios da transferência de

tecnologia, da comunicação interpessoal e do desenvolvimento de comunidades. Nos anos 1970, as

características principais do serviço de Extensão incluíam a abordagem do desenvolvimento rural integrado

(DRI), o surgimento do sistema de Treinamento e Visita (T&V) e a substituição do modelo de difusão de

inovações pelo de oferta de pacotes de serviços integrados” (FEDER; WILLETT; ZIPJ, 1999, p. 4); (tradução

nossa). Dentre esses serviços, estariam a pesquisa agrícola, o crédito rural, a extensão rural, etc., como

instrumentos redutores das limitações à adoção de tecnologias.

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social (MASCARENHAS, 1997, p. 122). Esse movimento produziu um intenso processo de

capacitação dos extensionistas em todo o país, face a sua concepção inovadora e distinta

daquelas até então trabalhadas pela ATER brasileira. Todavia, o modelo do “Humanismo-

Crítico” teve pouco tempo para a sua plena implementação perdendo força com a extinção da

Embrater em 1990.

O Quadro 1 indica também uma maior ênfase, no início da década de 1980, da

temática do desenvolvimento sustentável, com repercussão direta sobre a agricultura, nas

suas dimensões econômica, social e ambiental.

Decorrido algum tempo, durante o qual a economia brasileira passou por sucessivas

crises, surge na política agrícola brasileira um movimento de valorização da agricultura

familiar, em meados da década de 1990; a emergência da temática do desenvolvimento

sustentável exerce influência sobre essa valorização. O sinal mais forte dessa valorização é

traduzido pela criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(Pronaf) pelo governo federal.21

O Pronaf, para sua implementação, requeria um serviço de

ATER atuante e ativo, características ausentes na ATER pública do Brasil naquele momento,

haja vista a crise que se abatera sobre a ATER governamental brasileira, após a extinção da

Embrater.

Efetivamente, o Pronaf provoca um novo ânimo na ATER pública, que abraça o

programa em todo o país, tornando-se o seu mais importante executor.22

Esse fato

também contribuiu, mais à frente, (2003) para a criação e institucionalização da Política

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma

Agrária (Pnater), em sua primeira versão, que estabeleceu, como seu primeiro princípio, a

promoção do “desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada

dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente”.23

21

A propósito, vale registrar que em 1994 havia sido criado pelo governo federal o Programa de Valorização da

Pequena Produção Rural (PROVAP), operando com crédito do BNDES, basicamente. Para detalhes ver em

Belik, Walter. Avaliação da Operacionalização do Programa Pronaf. Disponível em:<http://www.eco.unicamp.

br/artigos/artigo175.htm>. Acesso em 11 nov.2014. 22

Um elemento relevante no "ressurgimento" da ATER foi a iniciativa do governo federal, entidades

representantes dos trabalhadores rurais, dos extensionistas e FAO ao elaborarem a proposta: "Uma nova

Assistência Técnica e Extensão Rural centrada na agricultura familiar", que estabelecia diretrizes dessa "nova

ATER", abrindo o diálogo e orientando os novos caminhos a seguir, sendo a criação do Pronaf o grande

instrumento desse novo momento. Para detalhes sobre a proposta, ver: ASBRAER, CONTAG, FASER,

MA/SDR/Dater, PNUD. Uma nova Assistência Técnica e Extensão Rural centrada na agricultura familiar,

PNUD/Projeto BRA 92/020, Brasília-DF, Brasil, 1997. 23

Pnater, disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm>.Acesso

em 8 fev.2015.

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A criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater),

também indicada no Quadro 1, caminha na mesma direção de incorporar os sinais dados pelas

grandes transformações analisadas. Esses dois eventos, Pnater e Anater, pelo menos no plano

das intenções, podem ser considerados os dois eventos mais importantes ocorridos na história

da ATER brasileira no período 2003 a 2014. Infelizmente, a Anater apesar de criada

formalmente em maio de 2014, apenas teve sua diretoria nomeada em junho de 2015.

Em resumo, o objetivo desta seção, como dito no início, foi o de se refletir sobre

os conteúdos teórico institucionais que têm fundamentado os modelos/abordagens

utilizados pela ATER, em especial no Brasil. Busca-se também identificar uma eventual

relação de tais conteúdos com as grandes “revoluções tecnológicas” e com as

transformações na agricultura, ocorridas no mundo desde os anos 1700 aos dias atuais e

que produziram substantivos impactos em toda a sociedade.

O que se pode extrair dessas reflexões é que os modelos utilizados pela ATER

governamental, sobretudo no Brasil, sofreram influência direta de grandes revoluções

tecnológicas, mesmo considerando importantes defasagens de tempo entre a sua emergência e

a correspondente inserção na cultura da ATER (caso das TICs que ainda hoje não penetraram

massivamente na ATER governamental brasileira).

Simultaneamente, os modelos de ATER também foram influenciados pelo ambiente

político vivenciado pelo país em cada momento destacado. Assim, percebe-se, uma

conjugação de forças que impulsionaram a mudança. Forças tais com atuação não apenas no

plano tecnológico ou de concepção teórica, mas, também, forças atuantes no campo político e

institucional que, como resultante, conformaram a ATER dos dias atuais. No caso do Brasil, a

Pnater e Anater refletem essas tendências ao estabelecerem nos seus princípios preocupações

com as políticas de desenvolvimento sustentável, agroecologia, de gênero, raça, etnia, de

soberania e segurança alimentar e nutricional.

Considerando o dinamismo no ambiente político, característica quase que permanente

no contexto brasileiro, tal qual ocorreu com a mudança ocorrida na cúpula do governo federal

em 2015, é provável que as novas diretrizes emanadas do novo governo venham, mais uma

vez, a produzir reflexos importantes na política nacional de ATER.

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55

1.3. A ATER e a sua inserção no (novo) desenvolvimento rural

Aqui, torna-se relevante uma breve incursão no ambiente no qual se desenvolve o

trabalho de ATER e, o mais importante, uma incursão sobre as consequências produzidas pelo

seu esforço. Assim, para que se tenha uma caracterização da ATER naquilo que se relaciona

com o seu alcance, enquanto instrumento de política agrícola, é adequado que se discuta o seu

papel no processo de desenvolvimento rural, desaguadouro natural das ações da ATER.

Segundo Kageyama (2008), o "desenvolvimento rural não é identificado com

crescimento econômico, mas visto como um processo que envolve múltiplas dimensões:

econômica, sociocultural, político-institucional e ambiental" (KAGEYAMA, 2008, p. 52). Ou

seja, em sua trajetória evolutiva mais recente, vertentes como desenvolvimento humano e

sustentabilidade ambiental passaram a integrar o conceito de desenvolvimento rural. Essa

evolução incorpora não mais e tão somente a visão de desenvolvimento, medido apenas pelo

crescimento do produto, mas avança em perceber o desenvolvimento como progressos nos

campos do bem-estar e ambiental.

Nesse sentido, ao se cotejar a estrutura conceitual da ATER, discutida até aqui, com as

quatro dimensões do (novo) desenvolvimento rural, mencionadas no parágrafo anterior,

percebe-se que o trabalho de ATER, em maior ou menor grau, expressa um relevante

potencial de contribuição a todas elas.

Kageyama (2008), ao relacionar bem-estar e desenvolvimento, faz referência às

ideias de Amartya Sen, segundo as quais o padrão ou a qualidade de vida não se mede

pela posse de um conjunto de bens, nem pela utilidade deles decorrente, mas está

presente nas capacidades (capabilities) de que os indivíduos possuem para mobilizar os

bens e deles obterem satisfação ou felicidade.24

Também sob o enfoque das capacidades, parece aceitável imaginar uma importante

contribuição potencial da ATER para o desenvolvimento rural sustentável, no sentido da

possibilidade de, por intermédio de um processo educativo, despertar e aprimorar as

capacidades presentes nos indivíduos (produtores rurais e comunidades) de modo que eles

próprios possam assumir o protagonismo do seu desenvolvimento.

Implícito está o papel educativo da ATER, referido anteriormente, assim como o papel

de "difusão de inovações", este mais relacionado às dimensões econômica e ambiental.

24

Ideias contidas no clássico "Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation", 1982, de Amartya

Sen.

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56

Assim, a contribuição potencial da ATER estaria presente na consecução do objetivo

do processo de desenvolvimento, que seria viabilizado pela expansão e aprimoramento das

capacidades humanas, assim como pelo crescimento econômico, sendo este menos

importante, embora necessário para o alcance daquele.

No plano objetivo, as transformações por que passa o conceito de desenvolvimento

rural, algo apontado por Vander Ploeg et al (2000), já eram perceptíveis na Europa por volta

dos anos 2000 e já presentes nos dias atuais noutros países, inclusive no Brasil.

De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a agricultura continuará no núcleo do

desenvolvimento rural, entretanto, o paradigma da modernização agrícola como elemento

central para o aumento da renda no meio rural cedeu lugar para a produção de outros produtos

e serviços, que configuram um novo modelo para o desenvolvimento rural.

A nova base desse novo modelo não privilegia as economias de escala e a

verticalização da produção, opta, sim, por mais flexibilidade da organização da produção e

por valorizar a pluriatividade do núcleo familiar (Van der Ploeg et al., 2000, p. 393).

O novo modelo surgiu na Europa como se fora uma resposta às consequências do

modelo anterior, que suscitou no mesmo estudo o seguinte comentário:

O êxodo rural, a diminuição do número de fazendas e uma queda acentuada nas

oportunidades de emprego eram vistos como o resultado inevitável deste modelo.

Além disso, aumentaram as disparidades regionais e cresceram as tensões entre a

agricultura, por um lado, e paisagem, natureza, meio ambiente e qualidade de

produtos, por outro. (Van der Ploeg et al., 2000, p. 392; tradução nossa)

Nessa nova configuração, está presente, por exemplo, a produção de bens públicos

como a "gestão da natureza" (paisagem), onde sinergias e articulações são construídas e

geridas não mais apenas no plano de uma propriedade rural, mas na perspectiva de um

ecossistema, envolvendo muito mais atores. Surgem, também, outras oportunidades de

negócio como o turismo rural, o artesanato rural, os produtos orgânicos, o aproveitamento da

pluriatividade familiar e da multifuncionalidade da agricultura, dentre outras.

Enfim, essa nova base do desenvolvimento rural, um processo que envolve várias

instâncias, vários e novos atores, e inúmeras feições, cria novos produtos e serviços

associados a novos mercados, privilegia os recursos internos às fazendas e à região ou

território e valoriza a "redução de custos, a partir de novas trajetórias tecnológicas"

(VANDER PLOEG et al., 2000, pp. 391-6).

Acrescente-se que, sob a influência desse movimento, pode-se pressupor o surgimento

de um rico ambiente de inovações e de aprendizagem, que produzirá outros avanços

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decorrentes, inclusive nos padrões de formação e desenvolvimento de pessoas, como

explicam Corazza e Bonacelli (2014):

A inovação envolve a interação de agentes distintos, que aprendem com essa

dimensão interativa. A aprendizagem está socialmente imersa.... Ela é um processo e

envolve cumulatividade e path dependence (existem trajetórias ou vias de

progressão que se delineiam em função das capacidades cognitivas dos agentes

envolvidos, por exemplo). (CORAZZA; BONACELLI, 2014, p. 106)

Por último, e como consequência imediata e direta dessas transformações em

curso no processo de desenvolvimento rural, é possível imaginar que, no caso do Brasil,

deve emergir a necessidade do aprimoramento dos perfis profissionais voltados para

lidar com esses novos serviços, produtos e negócios, especialmente no que se relaciona

ao assessoramento aos novos empreendedores e a toda a cadeia que passa a se

estabelecer a partir dessa nova configuração.

Do conjunto dos profissionais envolvidos, tanto na esfera pública quanto privada, os

profissionais de ATER seguramente estarão entre aqueles com maior afinidade aos novos

padrões de aprimoramento da sua formação profissional, tendo em vista os seus vínculos com

a realidade rural e o background acumulado ao longo do tempo, elementos facilitadores de

sua atuação mesmo em novos cenários.

Dessa constatação, deriva uma outra que diz respeito aos formadores dos

profissionais envolvidos com o novo desenvolvimento rural, em especial, os agentes de

ATER. Ou seja, a nova feição do desenvolvimento rural demandará dos profissionais do

ensino um novo projeto de formação profissional, haja vista serem eles responsáveis

por interpretar a situação atual, projetar os cenários futuros, aperfeiçoar os perfis dos

profissionais atuais e formar os novos profissionais que deverão estar habilitados atuar

no novo desenvolvimento rural.

Nesse sentido, duas perguntas parecem pertinentes: estarão os serviços de ATER

governamental no Brasil estruturados com profissionais de perfil compatível com as novas

demandas e os novos desafios do novo desenvolvimento rural? E a segunda: estará o

sistema de ensino preparado para (re)formar esses "novos" profissionais?

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1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o papel

da pesquisa e da extensão

A importância da inovação na agricultura constitui-se no epicentro das discussões que

são desenvolvidas neste trabalho. Para tanto, os esforços analíticos se debruçam sobre uma

complexa rede de elementos e de relações que envolvem o tema, dedicando uma atenção

especial ao papel desempenhado no processo de inovação na agricultura pelos serviços de

ATER e de pesquisa agrícola frente aos principais desafios postos à agricultura.

De modo mais específico, o desenho da discussão que se pretende aqui empreender é

dado, de um lado, pela identificação de um cenário em que são explicitados os principais

desafios postos à agricultura mundial e brasileira e, de outro lado, pela contribuição esperada

dos serviços de ATER na superação desses desafios.

1.4.1. O papel da agricultura e os desafios postos à ATER

Tratar de inovação na agricultura significa preocupar-se com segurança alimentar, com

a produção de energia limpa, com a redução da pobreza e com o desenvolvimento sustentável,

pois são essas as principais expectativas do papel da agricultura no mundo, além da produção

de alimentos e da valorização do capital.

Por decorrência, ao atribuir à agricultura essas expectativas, tem-se também a

dimensão da contribuição da ATER para o alcance dessa missão. Dito de outro modo: a partir

das grandes expectativas que se colocam à agricultura, o interesse da discussão desta sessão é

refletir sobre os principais desafios que são postos à ATER, constituindo-se assim numa das

mais importantes referências analíticas para o desenvolvimento deste estudo.

Para se mensurar a dimensão desses desafios, apenas para o caso da segurança

alimentar, a FAO e WWC (2015) estimam que, em 2050, a população mundial, mesmo

em crescimento desacelerado, alcance a ordem de 9 a 10 bilhões de pessoas, trazendo

como consequência natural para as próximas quatro décadas a necessidade de duplicação

da demanda por alimentos, rações, fibras e outras matérias-primas.25

Mesmo assim, os

dois organismos afirmam que a insegurança alimentar e nutricional persistirá em muitas

regiões. Por tal razão, o mesmo estudo considera inevitável a necessidade de

investimentos públicos em pesquisa agrícola e ATER (FAO; WWC, 2015).

25

A FAO trabalha com a perspectiva para um consumo médio de alimentos de 3.130 kcal/pessoa/dia, para

2050(FAO, 2011, p. 272).

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59

Estima ainda a FAO que a quase totalidade desse aumento populacional estará

localizada nos países em desenvolvimento, produzindo um grau de urbanização por volta de

70%, bem acima dos 49% atuais. Ou seja, em 2050, para alimentar essa população maior,

mais urbanizada e com melhores níveis de renda, a produção de alimentos, excluída a parte

destinada aos biocombustíveis, deverá crescer 70%. A produção anual de cereais necessitará

atingir 3 bilhões de toneladas e a de carne 470 milhões de toneladas, respectivamente, 1

bilhão de toneladas adicionais de cereais e 200 milhões de toneladas adicionais de carne, em

relação à produção de 2005/2007 (FAO, 2011).

Imbricada nesse primeiro desafio, há uma questão de igual importância que a ATER

haverá de enfrentar, que é o de contribuir com a segurança alimentar, de modo harmonizado

com as melhores práticas ambientais e de segurança na qualidade dos alimentos. Segurança às

pessoas, quer trabalhadoras na agricultura, quer consumidoras. Isso significa um modo de

produção diferenciado, consentâneo como os ditames do desenvolvimento sustentável.

Nessa direção, impõe-se à agricultura um novo padrão de desenvolvimento, diferente

daquele que marcou por longos períodos a história agrícola de muitos países, que pautavam o

seu crescimento em função exclusivamente do aumento da área cultivada e aumento dos

rebanhos. Esse novo padrão está exigindo a elevação dos níveis de competitividade,

traduzidos pela sustentabilidade econômica, produtividade física, qualidade dos produtos,

manejo digno dos animais, total respeito às condições de trabalho e de absoluta intolerância às

agressões ambientais. Caracteriza-se, desse modo, o compromisso da atividade de produção

agrícola aliada a sua função social, materializando-se, assim, a dimensão multifuncional da

agricultura (LABARTHE, 2009).

Além desses elementos, a FAO também constata e alerta que muitos países estão

desprovidos de políticas articuladas que os preparem para: (i) eventuais crises nos mercados

globais de alimentos, (ii) possíveis reformas nas regras do comércio internacional, (iii) criação

de sistemas de apoio financeiro às populações afetadas por novas subidas inesperadas dos

preços dos alimentos e (iv) eventuais desastres localizados.

A preparação dos países para fazer face a essas eventuais ameaças deve, seguramente,

incluir a ATER no conjunto de instrumentos de política capazes de ajudar as populações

rurais a enfrentar tais ameaças, tarefa que se constitui num grande desafio para a ATER e que

exige uma formação profissional e organizacional distinta da atual.

Quanto ao papel da agricultura na redução da pobreza, este talvez seja o desafio mais

relevante para a ATER. Estudo da FAO (2009) indica que o crescimento oriundo da

agricultura, em particular da agricultura familiar, é pelo menos duas vezes mais eficaz em

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beneficiar os mais pobres do que o crescimento oriundo dos setores não agrícolas. Acrescenta,

contudo, que o crescimento econômico não é por si só suficiente para reduzir a pobreza, são

necessárias outras políticas complementares, tais como: assistência alimentar e nutricional,

saúde e saneamento, educação e treinamento, dentre outras (FAO, 2009, p. 3, tradução

nossa).26

Coloca-se desse modo evidente, sobretudo para a ATER, que para superar esses

desafios, a tecnologia agrícola exerce um papel ainda mais crucial para os avanços que a

agricultura requer, que é o de estar alicerçada em padrões contemporâneos de sustentabilidade

e de competitividade. Reforça esse argumento a assertiva da FAO, segundo a qual 90% do

aumento da produção de alimentos previsto para 2050 será oriundo da elevação dos níveis de

produtividade física e intensidade de cultivos, cabendo o valor remanescente ao aumento da

área cultivada (FAO, 2011).

Nesse cenário de elevação dos níveis de produtividade e de intensidade de cultivo, a

tecnologia da agricultura irrigada desponta como uma alternativa importante para contribuir

com a superação dos desafios a serem vivenciados pela agricultura mundial até 2050.

Contudo, trata-se de uma alternativa que não está disponível em todos os espaços onde as

necessidades de produção se façam sentir de modo mais agudo, além de se constituir na

atualidade num recurso cada vez mais valorizado, face às evidências e perspectiva de escassez

de água em vários cantos do planeta.

É assim que a FAO (2011) projeta para 2050, nos países em desenvolvimento, um

crescimento das áreas com infraestrutura de irrigação em uso para 32 milhões de hectares, ou

seja, um acréscimo de 11%, em relação aos níveis do período 2005/2007.27

Porém, o dado que

chama atenção é que o aumento projetado da área (32 milhões de ha) é inferior em quase um

quarto ao aumento ocorrido nos 44 anos precedentes (145 milhões de ha), significando uma

queda na taxa de crescimento de 1,7% para 0,24% por ano.

O mesmo estudo atribui essa queda ao menor ritmo de crescimento da produção

agrícola, combinada com a escassez de áreas disponíveis e adequadas para irrigação e dos

recursos hídricos, assim como dos elevados custos da agricultura irrigada. Além disso, atribui-

26

“Growth originating in agriculture, in particular the smallholder sector, is at least twice as effective in

benefiting the poorest as growth from non-agriculture sectors” (FAO, 2009, p. 2). 27

A FAO (2011) faz uma distinção entre áreas com infraestrutura de irrigação (aquelas em manutenção ou até

fora de operação) e áreas em uso. Nos países desenvolvidos, a FAO projeta um crescimento apenas marginal das

áreas com infraestrutura de irrigação. Para os países em desenvolvimento, que liderarão as projeções de

crescimento da área irrigada, a relação entre as duas categorias de áreas projetadas para 2050 é 88%. Ou seja,

para 2050 projeta-se 222 milhões de ha de irrigação em uso e 251 milhões de ha equipados com infraestrutura de

irrigação (FAO, 2011, p. 254).

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se à agricultura, com 70% do consumo de água, a principal responsável pela escassez de água

do planeta (FAO, 2011). Muito embora a FAO reconheça que, de modo geral, os países em

desenvolvimento não terão escassez de água para irrigação até 2050, salvo raras exceções.

Todos esses elementos conduzem à percepção de que se torna urgente a

necessidade de melhor qualificar as práticas da agricultura irrigada, melhorando sua

eficiência, não apenas com relação à minimização dos seus impactos negativos sobre os

recursos naturais, em especial sobre os solos, mas, sobretudo, antecipando-se a uma

situação de incompatibilidade entre a saudável prática da agricultura irrigada e os

padrões de sustentabilidade.28

Para a FAO (2011), uma conclusão que se pode antecipar é que os aumentos previstos

na ampliação da produção de alimentos nas áreas de sequeiro e nas áreas irrigadas não virão

de forma espontânea, impulsionados apenas pelas forças do mercado, esse novo esforço vai

exigir grandes intervenções e investimentos públicos, particularmente na pesquisa agrícola,

na prevenção e mitigação de danos ambientais, assim, como, na ATER, orientando e

capacitando produtores nas tecnologias da agricultura irrigada. Ou seja, a intervenção pública

continuará a ser necessária para desenvolver a agricultura e adaptá-la às circunstâncias locais

e estabelecer redes de segurança social (FAO, 2011).

Novamente aqui, percebe-se que a melhoria das práticas da agricultura irrigada, no

sentido da redução de custos, eficiência no uso e impactos sobre o ambiente, etc., reserva à

ATER mais um papel importante na superação desse desafio.

No entanto, a própria FAO chama atenção para o fato de que as inovações

tecnológicas terão um desafio adicional: os ganhos de produtividade global dos principais

cereais, que cresceram à taxa média anual de 3,2% no ano de 1960, declinaram para 1,5% no

ano de 2000. De onde se conclui que, se os aumentos da produtividade forem lineares e

contínuos, seguindo os padrões alcançados nas últimas cinco décadas, a produção agrícola

não será suficiente para suprir as necessidades de alimentos projetadas para 2050 (FAO, 2009,

p. 2).

O desafio de reverter essa tendência de declínio da velocidade de crescimento da

produtividade, a ser superado pela adoção de inovações tecnológicas, é condicionado

fortemente pelos investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), variável que deve

ser observada cuidadosamente na perspectiva de médio e longo prazo. O fato de os

28

A rigor, o uso eficiente da água é definido como a relação entre o consumo estimado de água para irrigação e a

água captada para irrigação. Em média, a partir de dados 2005/2007, para o mundo, essa relação foi estimada em

44%, variando de 22% para países com abundância de água, exemplo da África subsaariana, a 54% para países

com escassez, caso dos países do Sul da Ásia (FAO, 2011, p. 259).

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investimentos em P&D apresentarem elevadas taxas de retorno, em torno de 30% a 75%,

muitos países têm negligenciado sua importância, especialmente aqueles considerados “low

income”29

.

No caso dos países em desenvolvimento, para o Banco Mundial representados

pelo conjunto dos países considerados “low income” e “middle income”, as ações de

P&D agrícola em sua grande extensão estão (ainda) sob domínio do setor público, o que

significa serem as fontes de recursos oriundas dos orçamentos governamentais,

portanto, sujeitas à instabilidade.

O avanço dos investimentos da iniciativa privada nas ações da P&D agrícola nesses

países, ainda segundo a FAO, depende da resolução de questões relativas aos direitos de

propriedade intelectual, fato que se relaciona com a necessidade de garantia de acesso dos

produtores rurais familiares às novas tecnologias (FAO, 2009). A propósito da expressão

“produtor familiar”, há na literatura inúmeras definições e caracterizações; aqui, nesta tese, se

fará uso daquela constante da Lei N º 11.326, de 24 de julho de 2006, tendo em vista

constituir-se na referência legal para acesso aos serviços públicos de ATER e outras

políticas.30

Sobre a tendência dos investimentos em P&D agrícola, Pardey e Alston (2012)

destacam que:31

Em décadas recentes, assistimos na maioria dos países um abrandamento da taxa do

crescimento nos gastos em P&D agrícola, especialmente o segmento de P&D

orientado para melhorar a produtividade agrícola. Essa tendência é perceptível em

países mais ricos do mundo, na sua maioria aqueles que foram no passado os

29

Para finalidades analíticas e operacionais, o Banco Mundial (World Bank), com base no indicador Gross

National Income (GNI) per capita, classifica as economias dos países em 3 grandes categorias: low income,

middle income (subdividida em lower middle and upper middle), e high income. Brasil, Argentina e África do

Sul, por exemplo, estão classificados como upper middle; enquanto França e Estados Unidos estão classificados

como high income. (Disponível em:< http://data.worldbank.org/about/country-classifications>. Acesso em 10

jun.2013. 30

Neste trabalho e para o caso brasileiro, “agricultor familiar” será aquele produtor que: (i) não detenha, a

qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; (ii) utilize predominantemente mão de obra da própria

família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento (iii) tenha percentual mínimo da

renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma

definida pelo Poder Executivo; (iv) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. Conceito

estabelecido na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, Artigo 3º, Lei que estabelece as diretrizes para a

formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm>, retificado pela Lei nº 12. 512 de 14

de outubro de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2011/Lei/L12512.htm#art39>. 31

Os mesmos autores registram que nas últimas décadas, o crescimento da produtividade agrícola tem sido o

principal elemento de contribuição para o crescimento da oferta de alimentos e fibras. Ao longo da última

metade do século, a taxa média de longo prazo do crescimento da produtividade agrícola tem oscilado em torno

de 1% a 2% ao ano, mais rápido do que o crescimento da produtividade no resto da economia (PARDEY;

ALSTON, 2012, p. 21).

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principais impulsionadores da ciência agrícola global e inovação. Isso tem

acontecido apesar de evidências convincentes sobre os grandes retornos para os

investimentos públicos em P & D agrícola. Junto com a desaceleração nos

investimentos de pesquisa, temos assistido a um abrandamento do crescimento da

produtividade agrícola na maioria dos países - China e Brasil são exceções notáveis.

Estas tendências têm implicações potencialmente significativas para a política

mundial de segurança alimentar, a menos que mudanças na política sejam

implementadas no sentido de, em breve, recompor os investimentos para

rapidamente revigorar a ciência agrícola e inovação, tendo em vista especialmente

as longas defasagens temporais entre a realização do investimentos em P & D e a

obtenção dos resultados nos campos dos agricultores. (PARDEY; ALSTON, 2012,

p. 20; tradução nossa)32

Em suma, o comportamento dos investimentos e o vigor dos fundos de financiamento

da P&D agrícola refletem-se diretamente no crescimento da produtividade, que deverá ser

suficiente para atender ao crescimento da demanda por produtos agrícolas. Portanto, um baixo

nível de investimento em P&D agrícola, aliado a outros fatores, pode produzir efeitos

dramáticos na segurança alimentar global, com danos ainda maiores sobre os países mais

pobres (PARDEY; ALSTON, 2012, p. 19).33

Adicionalmente, os mesmos autores mostram que, em média, ao longo das últimas três

décadas, a relação entre os investimentos (público e privado) realizados em P&D agrícola e

alimentos versus os investimentos totais em ciência situaram-se, pelo menos, em torno de 5%

para os países "high-income", dos anos 1980 até o ano 2006.

Para os países "low- and middle-income", a mesma relação situou-se nos 20% na

década de 1980, decrescendo acentuadamente a partir de meados dos anos 1990, até

aproximar-se dos 10% nos anos 2000. Embora a tendência de declínio desse último conjunto

de países seja um sinal de negativas repercussões futuras sobre a segurança alimentar e sobre

a fome no mundo, os mesmos autores afirmam que a tendência do comportamento da

dinâmica dessa relação é de contínua mudança nos próximos anos (PARDEY; ALSTON,

2012, p. 25).

Para confirmar a tendência de “contínua mudança” apontada pelos dois autores, dados

do ASTI/IFPRI/CGIAR (2016), relativos ao crescimento dos gastos em P&D agrícola na

32

Como reforço ao argumento da preocupação com a queda de produtividade agrícola no mundo, constata-se

que até mesmo nos Estados Unidos as taxas de crescimento médio da produtividade agrícola, medidas pelo

Agricultural multifactor productivity apontam uma queda substancial para todos os produtos em todas as regiões,

a partir de 1990 até 2007, da ordem de 1,18% a.a. No período anterior (1949-1990), essa taxa situava-se em

torno de 2,02% a.a (PARDEY; ALSTON, 2012, p. 22). 33

Pardey e Alston (2012) apontam como principais elementos que explicam a queda de produtividade: as

mudanças do clima ou climáticas, a degradação dos solos, a exploração ou ampliação de áreas de cultivos

agrícolas em ambientes desfavoráveis, a reação dos produtores à escassez de recursos, elevados preços de

insumos, mudanças nas instituições públicas, maior impacto das pragas e doenças, dentre as mais importantes

(PARDEY; ALSTON, 2012, p. 24).

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América Latina e Caribe, apontam que, no período 2009-2012/2013, tais gastos cresceram

10%, em média. De todos os 17 países, apenas cinco, México, Chile, Panamá, Costa Rica e

Peru tiveram crescimento negativo nos seus gastos com P&D agrícola no período.34

Em resumo, pode-se afirmar que, mesmo sendo complexa a identificação de uma

tendência do comportamento dos dispêndios em P&D agrícola, uma vez que varia de país a

país, portanto, variando de acordo com a conjuntura política e econômica, algo cíclico

sobretudo nos países considerados "low- and middle-income", trata-se de variável de extrema

relevância para a política de segurança alimentar tanto no plano global, quanto no plano de

cada país ou região individualmente. O acesso a mercados é outro grande obstáculo com o

qual se defrontarão muitos países, que ainda dependerão do mercado internacional para

garantir a sua política de segurança alimentar. Também nesse caso, o papel da ATER é

relevante, no sentido da sua contribuição à organização dos produtores e da produção.

A FAO estima que, em 2050, os países em desenvolvimento, importadores líquidos de

cereais, terão que mais que duplicar as suas importações de cereais para assegurar a oferta

interna de alimentos, algo como 300 milhões de toneladas, quando comparadas às 135

milhões importadas em 2008/2009.

Nesse caso, a FAO advoga que a dimensão desses números e a sensibilidade para a

natureza do tema (segurança alimentar), aliadas às distorções de um mercado, que precisa ser

mais competitivo e justo, requerem a integração de políticas especiais de apoio aos produtores

agrícolas dos países em desenvolvimento. Em assim sendo, esses produtores poderiam ter

acesso aos grandes mercados internacionais de alimentos, em condições de igualdade com

produtores de outros países, por um lado e, por outro, estaria sendo criada a possibilidade

dotar-se esse mercado de um maior grau de confiabilidade e segurança (FAO, 2009, p. 3).

Um outro papel importante colocado historicamente à agricultura é a sua contribuição

à produção de energia limpa. Nos tempos presentes, esse papel torna-se ainda mais

relevante face às responsabilidades ambientais de cada agente de desenvolvimento, como

também face às crescentes restrições ambientais.

Nesse campo da produção de energia limpa, a ênfase dada por vários países à

produção e uso do “Biodiesel” merece um destaque especial, como esclarecem Sampaio e

Bonacelli (2016):

Esse biocombustível passou a fazer parte da matriz energética no segmento de

transportes, amplamente dominado pelos derivados de petróleo. As consequências

do padrão fóssil, poluição, aquecimento global e insegurança energética, motivam a

34

Disponível em: <http://www.asti.cgiar.org/benchmarking/lac#>. Acesso em: 17 out. 2016.

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busca por novas alternativas sustentáveis alicerçadas em políticas públicas. (...)

Nessas condições a produção mundial vem crescendo, sendo Europa, Estados

Unidos e América do Sul, os principais produtores. Na Europa, Alemanha, França,

Itália e Espanha se destacam com seus programas alinhados às Diretivas da União

Europeia e como o mercado de maior potencial para países exportadores de

biodiesel. (SAMPAIO; BONACELLI, 2016, p. 1)

Essa tendência que se consolida em escala global impõe à agricultura uma

responsabilidade adicional que é a de harmonizar todas as suas grandes missões (produção de

alimentos, produção de energia, redução da pobreza, preservação ambiental, dentre outras) de

modo a continuar sendo compreendida como um dos mais importantes vetores de

sustentabilidade para a humanidade. Como decorrência imediata, o papel das inovações na

superação desse desafio ganha relevo ainda maior, impondo à pesquisa agrícola e à extensão

rural, atores do interesse desta tese, a assunção de compromissos de igual relevância.

As mudanças climáticas e os seus impactos sobre a produção agrícola se constituem

no principal desafio que a ATER e a pesquisa agrícola haverão de enfrentar, pois se colocam

como riscos importantes à segurança alimentar no longo prazo.

Estudo Coppe/UFRJ (2008) em conjunto com a Embaixada do Reino Unido,

analisando o impacto das mudanças climáticas sobre o sistema energético brasileiro, alerta

para os graves impactos na produção de energia, como também na agricultura, em especial na

região nordeste do Brasil, caso se confirmem as previsões dadas:

O sistema brasileiro de energia é vulnerável às mudanças climáticas. Os resultados

obtidos revelam uma tendência à perda de capacidade de geração de energia de todas

as fontes estudadas, salvo a cana-de-açúcar, e em todas as regiões. O impacto da

mudança do clima global será mais intenso no Nordeste. Caso se confirmem as

projeções de alterações climáticas para o Brasil no período 2071–2100, a região terá

reduções importantes na capacidade de geração de energia hidráulica, eólica e de

biodiesel. A produção de energia das usinas hidrelétricas da bacia do rio São

Francisco pode cair em até 7,7%. O potencial de energia eólica se concentraria na

costa, reduzindo-se no interior e afetando o total nacional, que pode cair em até

60%. A produção de biodiesel no Nordeste também seria prejudicada,

principalmente por causa dos impactos sobre os cultivos de soja e mamona, o que

afetaria o programa governamental de incentivo à agricultura familiar para produção

de biocombustíveis. (COPPE/UFRJ, 2008, p. 31)

Zullo Junior (2012), pesquisador do Cepagri/Unicamp também adverte para o impacto

das mudanças climáticas na agricultura brasileira, embora ressalvando a capacidade que o

setor agrícola dispõe de mitigar os efeitos das mudanças, chama a atenção da necessidade do

desenvolvimento de um trabalho de geração e de difusão de tecnologia e do risco do

despreparo de o país enfrentar o problema:

É interessante observar que, embora a agricultura e a pecuária sejam vulneráveis às

mudanças climáticas, nas avaliações feitas até agora, elas também parecem ter uma

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capacidade de adaptação muita maior que outros setores, tais como a indústria e as

áreas urbanas. Para tanto, é preciso continuar avaliando os impactos das possíveis

mudanças climáticas na agricultura e pecuária e, também, desenvolver técnicas de

adaptação e redução de impactos ambientais. Afinal de contas, um setor tão

importante para o país e para o mundo, já que o Brasil é um grande exportador de

produtos agrícolas, não pode ficar despreparado face ao risco cada vez maior de

mudanças das condições climáticas atuais. (ZULLO JUNIOR, 2012)

Numa perspectiva distinta, Speranza et al (2010), avaliando os efeitos de longo prazo

das mudanças climáticas globais sobre a agricultura brasileira, encontraram evidências do

impacto das mudanças sobre o preço da terra, variando de acordo com o bioma e de acordo

com o tamanho do estabelecimentos, demonstrando a profundidade do impacto e a

necessidade da adoção de mais estudos que possam subsidiar adoção de políticas de

minimização dos efeitos negativos sobre a economia como um todo (SPERANZA et al,

2010).

Um dos mais recentes estudos sobre mudanças climáticas no Brasil, liderado pelo

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Brasil, 2016), adverte que:

há uma forte tendência de aumento de frequência de dias com temperaturas

superiores a 34°C nos próximos anos. Tais fatos já estão sendo verificados nas

últimas décadas. Os impactos desses eventos extremos são abortamento de flores de

café, feijão, morte em frangos, abortamentos em porcas e redução da produção de

leite. Uma das soluções para a redução dos efeitos na produção vegetal e a busca por

cultivares tolerantes as altas temperaturas e, consequentemente, ao déficit hídrico.

No caso dos animais, deve-se buscar ampliar cada vez mais os estudos sobre

ambiência animal.

Os impactos na produção vegetal, caso não se busque soluções de manejo e

adaptação, podem atingir mais de 90% de redução na produção de milho safrinha e

80% na produção de soja. Diversos caminhos de adaptação e de busca por novos

sistemas de produção estão sendo testados para reduzir os impactos estimados nos

cenários estudados. (BRASIL, 2016, p. 184)

As conclusões do estudo sinalizam de forma implícita para a necessidade de um

esforço importante, principalmente da pesquisa agrícola e da ATER, no sentido de viabilizar

as proposições técnicas prescritas, além de outras estratégias próprias ao cenário desenhado.

Considerando que os resultados dos projetos de pesquisa demandam um tempo relativamente

largo para sua validação e difusão, torna-se essencial um planejamento de médio e longo

prazo das organizações de pesquisa e de ATER, em especial, para fazer frente a este desafio,

talvez o mais importante dentre todos aqui mencionados.

Para os países em desenvolvimento, as mudanças climáticas devem afetar a todos, mas

tendem a incidir de modo mais forte sobre os segmentos mais vulneráveis. Assim, a adoção de

estratégias, em se configurando os cenários mais dramáticos, devem levar em conta duas

dimensões: a dimensão das iniciativas de proteção aos mais pobres, especialmente com

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relação à saúde e à qualidade nutricional e, a segunda, no que tange à adoção de iniciativas

que orientem o aumento da produtividade da agricultura como um todo, e, em especial, da

agricultura familiar, que se constitui em algo ainda mais desafiador, em se tratando de um

cenário de mudanças climáticas.

No conjunto, as estratégias de intervenção sugeridas, ao promoverem investimentos no

setor agrícola, trariam, adicionalmente, pelo menos três importantes benefícios: promover

investimentos mais substantivos em P&D agrícola (dado um elemento novo na agenda da

pesquisa), minimizar os efeitos deletérios de décadas do comércio agrícola global e, por

último, imprimir uma maior consistência de política para o setor agrícola (FAO, 2011, p. 89).

Não bastassem os desafios postos à ATER e à pesquisa mencionados anteriormente

nesta seção, outros estudos adicionam novos elementos à análise das dificuldades na adoção

de inovações e na modernização da agricultura. Por exemplo, os serviços de ATER, cuja

missão seria o de apoiar as mudanças, frequentemente, reagem às mudanças de forma lenta.

Algumas vezes, essas instituições continuam a prover serviços e orientações dirigidos a

necessidades obsoletas e, portanto, alheios às novas demandas dos produtores e da sociedade,

tornando ainda mais demorado o processo de adoção (KNICKEL et al., 2008, p. 891).

Solórzano (2012), por outro lado, acredita que o mercado pode ser considerado o

principal estímulo para as mudanças na agricultura. Pondera, no entanto, que o mercado ao

impulsionar, por um lado, o desenvolvimento agrícola, por outro, face à rapidez da sua

própria dinâmica, produz dificuldades de interpretação da natureza e a dimensão das

mudanças, por parte de modelos de interpretação desses fenômenos como é o caso do

"Agricultural Knowledge Systems" (AKS) retardando a adoção das alternativas de solução

(SOLÓRZANO, 2012, p. 92).

Ou seja, tais dificuldades possuem elevado potencial de repercussão negativa no

planejamento de médio e longo prazo e no desempenho da maioria dos atores envolvidos nas

cadeias agrícolas de valor e, em especial, no ambiente dos serviços de educação, geração,

difusão e adoção de inovações.

Uma das dificuldades na capacidade de interpretação pode estar relacionada à

distribuição do impacto das inovações sobre distintos grupos de público-alvo objeto da ação.

Importante estudo conduzido por Ávila, Salles-Filho e Alonso (2010), ao avaliar o impacto do

investimento público em P&D&I agrícola no Peru, precisamente a experiência do Projeto

INCAGRO, confirma essa característica da distribuição diferenciada do impacto da inovação

e acrescenta que os benefícios trazidos pela inovação podem também ser influenciados por

"inovações complementares":

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La efectividad de los impactos de la innovación tecnológica es directamente

proporcional a una presencia de innovaciones complementarias, como por ejemplo

de logística, de comercio, distribución, etc. Muchas veces los productores han

cambiado la base técnica de producción, pero esto no siempre resulto en impactos

económicos precisamente porque el valor creado en la producción no fue apropiado

en la realización de la producción. (AVILA et al., 2010, p. 116)

Ainda decorrente do mesmo estudo, uma segunda conclusão emerge trazendo consigo

um desafio importante que seguramente também se coloca à agricultura brasileira: "Los

productores con más experiencia, escolaridad y con propiedad de la tierra, de regiones mas

desarrolladas, son los que presentaran impactos más profundos" (AVILA et al., 2010, p.

116).

No caso brasileiro, conforme já apontado por Buainain (2007), igualmente ao peruano,

grande parte dos produtores familiares que reúne, dentre outras, essas quatro características,

encontra-se à margem do processo de modernização. Assim, impõe-se a todos os agentes dos

setores público e privado, e de modo particular, aos serviços de pesquisa agrícola e de ATER

a tarefa gigantesca de promover a sua inclusão competitiva no processo de desenvolvimento

agrícola do país (BUAINAIN, 2007, p. 97).

Em resumo, ao se interpretar as evidências objetivas, percebe-se que a agricultura

mundial atravessa importantes transformações, que trazem impactos diretos e impõem à

ATER e à pesquisa, desafios permanente e evolutivamente sofisticados.

Assim e de modo geral, a ATER será desafiada a oferecer contribuições cada vez mais

adequadas à redução da pobreza, à segurança alimentar, à produção de energia limpa,

num cenário de mudanças climáticas e de multifuncionalidade da agricultura. Para tanto,

deverá utilizar como instrumento estratégico a difusão dialógica de inovações, promotoras

da inclusão competitiva daquelas unidades produtivas que ainda se encontram à margem do

processo de modernização, contribuindo, em última instância, para o desenvolvimento

sustentável.

1.4.2. Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios

Nesse complexo e diversificado ambiente, atribui-se aos sistemas de pesquisa agrícola

e de ATER um papel de relevância crescente, não apenas por suas históricas

responsabilidades institucionais, mas, sobretudo, por se esperar deles um comportamento e

um perfil de atuação compatíveis e harmonizados com a natureza das mudanças e dos

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desafios a serem enfrentados, sob pena de terem os seus espaços de atuação questionados e

talvez até ameaçados.

No campo interno aos sistemas de P&D agrícola e de ATER, a busca pelo crescimento

da produtividade com competitividade continuará sendo um dos principais pontos da agenda,

contudo, sob um novo enfoque estratégico.

Esse novo enfoque deverá ser orientado pela abordagem dinâmica que envolve o

processo de inovação e que demanda essencialmente articulação e cooperação entre todos os

atores (SOLÓRZANO, 2012, p. 93).35

Esta perspectiva é também compartilhada por outros

estudiosos, dentre os quais Knickel e outros (2008), que destacam a obsolescência do modelo

linear como instrumento utilizado por muito tempo para interpretar o processo de inovação, a

ser detalhado no próximo capítulo (KNICKEL et al., 2008, p. 886).

Para demonstrar o quão complexa é a tarefa de desenhar um cenário para o futuro da

agricultura basta uma consulta à literatura sobre o tema para se verificar a existência de

distintas tendências de pensamento, todavia, dentre essas, ganha destaque o tema da

sustentabilidade.

BRUNORI et al. (2008), por exemplo, analisando um melhor modelo conceitual para

os processos de inovação na agricultura e para o desenvolvimento rural, advogam que, em

virtude dos cenários desenhados para agricultura do futuro, o aumento da produtividade pode

não se configurar como o principal objetivo de política de inovação a ser contemplado na

agenda da P&D agrícola. Esse grupo acredita que tal objetivo pode ser substituído por outro

denominado “competitividade por intermédio da sustentabilidade”. Ou seja, mesmo

classificando esses objetivos como de “interesse público” ou de “interesse privado”, o grupo

entende que a busca da “competitividade por intermédio da sustentabilidade” seria um

objetivo de interesse privado, fazendo parte de um “paradigma alternativo”.36

Em certo

sentido, o grupo insere sua análise num novo momento histórico denominado de sociedade

pós-produtivismo ou pós-produtivista (BRUNORI et al., 2008, p. 885).

Subjacente ao conjunto de mudanças e de desafios que se coloca aos serviços de

pesquisa agrícola e de ATER, encontra-se uma outra revolução caracterizada pelo dinamismo

e pela capacidade de inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).

35

De modo específico, o estudo se refere à abordagem Agricultural Innovation Systems, que contribui de modo

central para o desenvolvimento da agricultura, promovendo a articulação e a interação entre diversos atores

envolvidos, destacando dentre os quais: produtores, governos municipais, estaduais e federais, instituições de

pesquisa e educacionais e o setor privado (indústria, comércio, etc.). 36

A título de complementação do raciocínio, um outro objetivo da política, “crescimento e produtividade”,

estaria classificado também como de “interesse privado", inserido, no entanto, no campo do “paradigma

existente”, uma espécie de contraponto ao paradigma alternativo, de caráter moderno.

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70

O papel exercido pela rede mundial de computadores, os fóruns promovidos pelas

redes sociais, a disseminação extraordinária da telefonia móvel e outros inúmeros

instrumentos de colaboração online têm provocado mudanças substantivas no acesso, nos

benefícios produzidos pelo processo de conhecimento e na produção de novos conhecimentos.

Essas ferramentas não podem ser ignoradas por qualquer sistema que atue no campo da

inovação, como é o caso dos serviços de pesquisa e de extensão rural.

Perez, Marin e Alemán (2013) argumentam que a revolução provocada pelas TICs em

todos os setores da economia é muito mais profunda do que apenas aquela simbolizada pelo

uso de ferramentas de gestão. Os autores preveem a ampliação de transformações ainda

maiores, inclusive nas trajetórias de inovação.

La revolución de las TICs ha transformado de forma radical el espacio de

oportunidad desde la década de 1980. La globalización, las organizaciones de

redes, la subcontratación, la deslocalización, la segmentación de mercados así

como otros cambios en la estructura y estrategias de las empresas generaron un

contexto completamente distinto, al igual que un conjunto de posibilidades

diferentes. El acenso de Asia y la incorporación al sistema de mercado del entonces

denominado segundo mundo, han acelerado el ritmo de crecimiento de la demanda

de energía, alimentos y materias primas al punto de acercarse a los límites de los

recursos, generando expectativas de un alza de precios. Las amenazas del

calentamiento global y de otras limitaciones ambientales han modificado los

requerimientos tanto de los productores como de los consumidores finales, y es

posible que lleven a una reglamentación e impuestos que cambiarán aún más las

especificaciones de la demanda, e influirán en las trayectorias de innovación. Todas

estas transformaciones han tenido un profundo impacto en las posibilidades

abiertas para los productores de recursos naturales. (PEREZ; MARIN; ALEMÁN.

2013, p. 31)

No aprofundamento dos impactos das TICs, o estudo prevê oportunidades relevantes

para o setor agrícola, em especial na América Latina, por sua dotação favorável nos setores

relacionados com o uso de recursos naturais, destacando-se os produtos destinados a nichos

de mercados, muito valorizados, caso dos cultivos orgânicos, entre outros vários segmentos.

Na tentativa de uma resposta-síntese para esse profundo e diversificado conjunto de

transformações e de desafios, Knickel et al. (2008) desenvolveram um modelo conceitual

sobre a inovação na agricultura. Para os autores, o primeiro sinal a ser interpretado reside

sobre o fato de que o papel tradicional da propriedade agrícola apenas como espaço de

produção de alimentos vem sofrendo mudanças expressivas, a partir da compreensão factual

do papel multifuncional da agricultura e das áreas rurais. De acordo com o estudo, em

muitas regiões, os produtores podem ter suas rendas ampliadas, a partir de novas modalidades

de empreendimentos rurais, explorando novos produtos e serviços e novos mercados, dentre

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71

outras oportunidades. Contudo, frequentemente, há um hiato entre essas novas possibilidades

e a capacidade de inovação das agências de apoio em prestarem suporte aos produtores.

Diante dessa constatação, segundo o modelo, o processo atual de inovação,

desenvolvido pelas instituições de pesquisa, de ATER e de outros apoios aos produtores rurais

deve ter seus princípios, estratégias e execução reestruturados, de modo a adaptar-se às

transformações em curso, sob pena de essas instituições se constituírem em verdadeiros

obstáculos ao desenvolvimento dos produtores rurais (KNICKEL et al., 2008, p. 883).

Portanto, parece ser inegável que todas essas transformações e desafios enfrentados

pela agricultura e que haverá de enfrentar nas próximas décadas exercerão uma repercussão

forte e direta sobre os modelos de pesquisa agrícola e de ATER. De modo especial naqueles

países em que a agricultura detém importância crítica no seu processo de desenvolvimento. E,

nestes países, não seria distante supor que a ATER e a pesquisa governamentais, na medida

em que não derem respostas adequadas aos desafios colocados, tenham seus espaços de

trabalho ameaçados por outros atores capazes de prover respostas mais ágeis e apropriadas às

expectativas da sociedade.

1.4.3. Inclusão competitiva: um desafio do tamanho do Brasil

Atualmente, o agronegócio se posiciona como um dos setores mais dinâmicos da

economia nacional, contribuindo, em números aproximados, em 2015, com 21,5% do PIB,

20% do emprego total e com 46% (US$ 89 bilhões) das exportações totais do país,

apresentando um saldo da balança comercial do agronegócio superior a US$ 75 bilhões em

2015.37

As estimativas da produção agrícola de grãos para a safra 2016/2017 indicam para

uma safra de 232 milhões de toneladas, ocupando uma área de 60,36 milhões de hectares

(Conab, 2017).38

A despeito dessa performance, a agricultura brasileira ainda conta com um expressivo

e majoritário quantitativo de estabelecimentos rurais à margem do processo de tecnificação.

Essas duas caraterísticas antagônicas suscitam uma motivação singular para o estudo do papel

de ATER e da pesquisa, no enfrentamento desse que significa o grande desafio do

37

Disponível em: http://cepea.esalq.usp. br/macro/ e http://cepea.esalq.usp. br/macro/. Acesso em: 17 out.2016 38

Para detalhes, ver Conab, disponível em: < http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos

/17_05_12_10_37_57_boletim_graos_maio_2017.pdf >. Acesso em: 02 jun. out.2017.

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agronegócio brasileiro, que é o da inclusão competitiva desse enorme contingente de

produtores rurais.39

A expressão “inclusão competitiva” aqui utilizada tem inspiração nos estudos de

Fernandez-Stark et al. (2012), que propõem metodologia que objetiva a inclusão de pequenos

e médios produtores rurais latino-americanos em cadeias agrícolas de alto valor (globais,

nacionais ou regionais), por intermédio do aumento da competitividade. O modelo proposto

nos estudos está alicerçado em limitações comuns que esses produtores enfrentam para

competir nos mercados nacionais e internacionais: acesso a mercados; acesso à assistência

técnica; coordenação e colaboração, entre atores; e acesso a financiamentos.

Para o caso específico dos agricultores familiares brasileiros, esta tese optou por

acrescentar, às limitações apontadas nos estudos, parte do conjunto dos “condicionantes de

desempenho e da adoção de tecnologias pelos agricultores familiares”, proposto por Buainain

(2007), dada a sua relevância para o aumento da competitividade e aderência ao caso

brasileiro.

Cabe registar o uso da mesma expressão, “inclusão competitiva” por Silva e Leitão

(2009), que, conceitualmente, restringem-na à condição de “sobrevivência” dos produtos da

agricultura familiar no mercado (SILVA; LEITÃO, 2009, p. 18).

Assim, no entendimento desta tese, a “inclusão competitiva”, por envolver atributos

como produtividade, qualidade, preço, sustentabilidade, dentre outros, se constitui num

aprofundamento da condição da “inclusão produtiva”, ensejando não apenas participação,

mas, também a ampliação da participação dos produtos da agricultura familiar nos mercados.

Para compreender um pouco do início desse processo de modernização da agricultura

brasileira, Buainain et al. (2013) afirmam que as "as raízes mais promissoras da moderna

agricultura brasileira" foram fincadas na década de 1960, seguindo um modelo de inspiração

norte-americana, cujos alicerces eram constituídos por uma política de crédito rural

subsidiado, extensão rural e pesquisa agrícola públicas. Os autores atestam que o desempenho

desse modelo foi positivo, embora reconheçam que o modelo produziu, por outro lado, um

“processo discriminatório quanto às regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos

beneficiários” (BUAINAIN et al., 2013, p. 108).

39

O termo “agronegócio” será aqui empregado na sua concepção mais ampla, tal a definição original cunhada

por John Davis e Ray Goldberg, em 1957: “a soma total das operações de produção e distribuição de

suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e

distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles” (Tradução nossa) (DAVIS, J. H., e

GOLDBERG, R. A, 1957). No conceito, portanto, não há nenhuma menção à agricultura empresarial ou à

agricultura familiar, estando ambas contempladas, embora constate-se que, no Brasil, popularizou-se o conceito

de “agronegócio” como contraposição ao de “agricultura familiar”.

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O processo discriminatório a que se referem Buainain et al. (2013) é abordado por

Alves, Souza e Rocha (2013), ao analisarem dados do Censo Agropecuário de 2006, segundo

os quais, 500 mil estabelecimentos rurais, de um total de 4,4 milhões, geraram 87% da renda

bruta, cabendo a 3,9 milhões de estabelecimentos uma contribuição de 13%. Destes, 2,9

milhões participaram com 3,27% da renda bruta gerada. A conclusão dos autores é que a

tecnologia explicou a maior parte (68,1%) das desigualdades da renda bruta no Brasil e nas

regiões; a terra explicou apenas 9,6% e o trabalho explicou 22, 3% do crescimento da renda

bruta. Noutras palavras, “a tecnologia explica a dispersão da renda bruta, ou seja, as

desigualdades na ótica da renda bruta e sua concentração” (ALVES; SOUZA; ROCHA, 2013,

p. 74). Adicionalmente, os autores chamam atenção para fato da perda de hegemonia do fator

terra, o que os leva a admitir a possibilidade de fracasso dos programas de assentamentos de

agricultores, caso a geração de tecnologia não seja privilegiada, ao lado da extensão rural e

das políticas de mercado.

O estudo de Alves et al. (2013) associa-se às conclusões de Gasques et al. (2012)

que apontam o rendimento como sendo a variável que explicou a quase totalidade do

aumento da produção agrícola no Brasil, ao analisarem as contribuições entre área

explorada e rendimento. Assim, Alves et al. (2013) concluem que existe um grande desafio

para a sociedade que é o de incluir 3,9 milhões de estabelecimentos que ficaram à

margem do processo de modernização da agricultura brasileira, possibilitando-lhes, por

intermédio de políticas públicas de pesquisa e de ATER, em especial, o acesso à tecnologia

e à remoção das imperfeições do mercado40

(ALVES et al., 2013, p. 75).

De modo complementar ao estudo de Alves et al. (2013), cabe alusão ao estudo da

OCDE (2012), que analisa os níveis de proteção ao setor agrícola nos países associados, assim

como de países emergentes, entre os quais o Brasil. O estudo faz referência a dois

indicadores: (i) “Producer Support Estimate (PSE)”, para os períodos 1995-97 e 2008-10,

apresentado como um percentual da receita agrícola bruta; (ii) o segundo, “Total Support

Estimate (TSE)”, também para os mesmos períodos, 1995-97 e 2008-10, apresentado como

um percentual do PIB. No primeiro indicador, o nível de proteção ao setor agrícola do Brasil,

medido pelo PSE, para o período mais recente, 2008- 2010, só foi maior do que o índice da

África do Sul, ficando atrás da Rússia, China e Ucrânia. Para o segundo indicador, TSE, a

situação é idêntica à do primeiro havendo apenas uma alteração na ordem daqueles países que

40

Os autores sublinham uma distinção conceitual: "Distingue-se concentração da renda bruta de desigualdade da

renda bruta. Se a concentração está presente, significa que uma minoria de estabelecimentos gera porcentagem

elevada da renda bruta e a grande maioria contribui pouco para produção" (ALVES et al., 2013, p. 68).

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74

estão à frente do Brasil: China, Ucrânia e Rússia, para o período 2008- 2010 (OCDE, 2012, p.

33).

O estudo da OCDE ratifica a necessidade de o Brasil aperfeiçoar suas políticas de

proteção e de apoio ao setor agrícola, sobretudo ao segmento mais excluído dessas políticas,

algo já apontado por Brandão (2013), que defende um redirecionamento dos recursos para as

áreas de treinamento, educação e extensão rural, com menos ênfase no crédito subsidiado.

Sobre o papel do crédito, o autor pondera que muitas propriedades rurais não

utilizam tecnologia, dadas as severas restrições de acesso ao uso do crédito rural. Os

bancos comerciais, em geral, devido ao elevado risco associado aos empréstimos à

agricultura, têm uma participação muito pequena na oferta de crédito, limitando assim, a

oferta de crédito correspondente aos recursos alocados pelo Tesouro Nacional. Registre-

se a prática de algumas grandes empresas fornecedoras de insumos ou empresas que

compram produtos agrícolas que ofertam crédito para os produtores; todavia, essa prática

não contempla a grande maioria dos produtores (BRANDÃO, 2013, p. 48).

Até mesmo no caso bem-sucedido da pesquisa agrícola no Brasil, cabem mais

ressalvas dignas de reflexão. Salles-Filho et al (2011) apontam que, apesar de a pesquisa e

produção agrícolas estarem muito próximas, os caminhos por onde ocorre essa aproximação

são às vezes “tortuosos e de baixa eficiência”. Segundo o mesmo estudo, essa relação precisa

ser melhorada antes que o modelo atual se esgote, devido, sobretudo, à redução de

determinados investimentos em pesquisa.

Em comparação com a agricultura dos Estados Unidos, umas das mais modernas do

mundo, estudo de Fornazier e Vieira Filho (2013), ao examinar a heterogeneidade estrutural

no setor agropecuário nos Estados Unidos e no Brasil verificou que a Produtividade Total do

Fatores (PTF) tem crescido nos dois países, em grande medida devido à adoção de tecnologias

poupadoras de mão de obra e do mais racional uso de insumos. No entanto, "o Brasil, mesmo

diminuindo a diferença, não está próximo do índice de produtividade dos Estados Unidos",

muito embora estejam presentes importantes questões particulares que marcam o processo de

modernização dos dois países (FORNAZIER; VIEIRA FILHO, 2013, p. 5).

Em resumo, o que se pode perceber de toda discussão empreendida até aqui pode ser

sintetizada com as seguintes constatações: (i) que a agricultura continuará importante para

toda a sociedade nas próximas quatro ou cinco décadas, tanto quanto o foi no passado; (ii)

que os desafios (segurança alimentar, pobreza, mudanças climáticas, produção de energia

limpa, inclusão competitiva, multifuncionalidade etc.) enfrentados e a enfrentar pela

agricultura no mundo e no Brasil são igualmente proporcionais à sua importância e possuem

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75

um potencial importante de desestabilizar o processo de desenvolvimento em muitas regiões

do mundo; (iii) que o processo de inovação na agricultura é vital para o enfrentamento dos

desafios e essencial para dar concretude às transformações exigidas; (iv) que os

transbordamentos que o processo de inovação vier a irradiar deverão contemplar todos os

atores envolvidos no sistema;41

e (v) que nesse quadro de transformações, cabe às instituições

de pesquisa agrícola, de extensão rural e de educação um papel determinante para o êxito das

transformações.

Dito de outro modo: para que a agricultura possa dar à sociedade a resposta que ela

espera com a qualidade desejada e no prazo adequado, o caminho mais curto e contemporâneo

será o de incorporar à sua própria dinâmica, nela incluídos todos os atores do sistema, um

comportamento permanentemente inovativo. Esse é, portanto, o grande desafio que se

coloca especialmente para a ATER e para a pesquisa agrícola, assim como, para o interesse

analítico desta tese.

Dados os argumentos já postos e considerando os cenários e desafios discutidos, além

do estoque de conhecimento acumulado pela ATER brasileira, esta tese compreende o

significado do termo Assistência Técnica e Extensão Rural como um processo educativo

não formal, de natureza dialógica, que incorpora no seu quadro conceitual: (i) as demandas

dos produtores rurais e os desafios de uma agricultura permanentemente mais competitiva,

como ponto de partida para suas ações; (ii) a implementação compartilhada (produtores,

extensionistas, pesquisadores, educadores e outros atores relacionados) de projetos

viabilizadores de inovações técnicas, sociais e organizativas;42

e (iii) a contribuição à

melhoria de vida dos produtores, famílias e comunidades e ao desenvolvimento sustentável,

como ponto de chegada do trabalho extensionista.

41

Aqui compreendido conceitualmente como um sistema setorial de inovação, que tende a ser cada vez mais

diversificado e completo e que terá sua discussão aprofundada no capítulo seguinte (FAPESP, 2011, p. 10-13). 42

Essa categorização de inovações é citada por Freeman e Louçã (2004, p. 154), atribuindo a sua concepção à

Carlota Perez; de todo modo, tal categorização não conflita com aquela contida na 3ª edição do Manual de Oslo,

segunda a qual as inovações podem ser de quatro tipos: Inovação de Produto; Inovação de Processo; Inovação

Organizacional; e Inovação de Mercado (OECD, 2013, p. 10).

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2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

DESAFIOS

Embora a literatura seja farta no tratamento analítico do ambiente que cerca os

processos de geração, difusão e adoção de inovações na agricultura, o papel do conhecimento

nesse ambiente ganha relevo crescente, avançando na direção do melhor entendimento sobre

as relações que envolvem, por um lado, ciência, tecnologia e inovação e, por outro, as

estratégias de promoção do desenvolvimento agrícola sustentável.

Nesse caminho, uma contribuição importante para o entendimento mais completo de

todas as interações que permeiam esse ambiente é dada pela abordagem dos sistemas

nacionais de inovação, segundo a qual o comportamento inovativo de um país, região ou setor

não pode ser mensurado levando-se em conta tão somente o desempenho das empresas, haja

vista que o processo de inovação é resultante de articulação e influências entre distintos atores

de variadas esferas institucionais.43

Para Freeman e Soete (2008), o ambiente nacional pode facilitar, retardar ou impedir

as atividades inovativas das instituições e organizações que dele participam. Na abordagem de

sistema nacional de inovação reside a base teórica sobre a qual repousarão as análises,

discussões e inferências presentes, de modo específico, neste capítulo, e de modo geral, ao

longo da tese.

Este capítulo tem o objetivo de oferecer o substrato teórico sobre o qual se

assentarão as discussões e reflexões desta tese e está dividido em quatro seções: a

primeira trata das relações entre o modelo linear e o modelo dinâmico de inovação; a

segunda expõe os fundamentos teóricos que respaldam a abordagem do Sistema Nacional

de Inovação e sua vertente agrícola. A terceira seção destaca o papel essencial da

coordenação e da governança na dinâmica dos sistemas de inovação; a última seção

discorre sobre os elementos que condicionam a atuação da ATER no Brasil e que são

condicionados por ela, assim como sobre a necessidade de se debater a atualização de um

novo perfil extensionista, frente às transformações e desafios postos à agricultura.

43

Para uma visão completa, ver Freeman e Soete (2008), Lundwall (1992) e Nelson (1993).

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2.1. O modelo linear e o modelo dinâmico de inovações

Com a atenção voltada para as mudanças e desafios do setor agrícola, mas também

com a atenção dirigida aos enfoques sobre a estrutura de apoio à inovação na agricultura, que

prevaleceram em passado recente, pode-se constatar que até a primeira década dos anos 1990

tais enfoques depositavam suas bases teóricas inspiradas no modelo ofertista ou linear de

tecnologia.

A visão linear é um modelo interpretativo da relação ciência, tecnologia e

inovação, surgido a partir da Segunda Guerra Mundial, que pressupõe na pesquisa

científica a origem de todo o processo de inovação. Segundo o modelo, numa etapa

seguinte, as descobertas da pesquisa científica seriam trabalhadas, aperfeiçoadas,

configuradas, ou seja, passariam por uma segunda fase, a de “desenvolvimento”. A fase

seguinte seria a de produção da inovação que, em sequência, seria levada ao mercado,

numa quarta fase, para a sua difusão e adoção (KLINE; ROSENBERG, 1986, p. 285).

Ainda para Kline e Rosenberg (1986), o modelo linear apresenta inúmeros espaços de

questionamentos, destacando-se entre eles:

grande parte das inovações tecnológicas ocorre sem a participação da pesquisa

científica, originando-se em iniciativas das empresas privadas, que desejam atender demandas

do mercado. No outro extremo, existem inovações tecnicamente perfeitas, mas que não foram

bem recebidas pelo mercado, caso do supersônico Concorde, dentre inúmeras outras,

indicando que existem outros elementos, além daqueles originados na pesquisa, definidores

do grau de adoção da inovação; em suma, para os autores, o centro do processo de inovação

não é a ciência, mas a concepção da inovação;

o caráter estático e linear do modelo desconhece o feedback como elemento

essencial ao aperfeiçoamento do processo inovativo, tendo em vista serem os inputs, por

definição, uma prerrogativa da pesquisa científica. Kline e Rosenberg (1986) argumentam que

tanto a inovação radical, quanto a incremental prosperam melhor quando alimentadas por

múltiplas fontes de insumos informais. Ou seja, no modelo linear, o potencial usuário da

inovação só teria contato com a inovação na última etapa do processo, quando da sua difusão

no mercado;

a estruturação do modelo linear pressupõe o processo de inovação como algo

plano, regular, uniforme e bem-comportado, o que contrasta com o movimento das forças

sociais envolvidas no processo, dando-lhe, assim, um caráter dinâmico e, portanto, em

constante movimento;

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78

para o modelo linear, o conhecimento científico e tecnológico em “estoque” é

aquele que é gerado permanentemente, tem caráter público e pode ser apropriado livremente.

Na realidade objetiva, a apropriação desses conhecimentos, na imensa maioria dos casos,

requer expressivos dispêndios em recursos humanos e financeiros, o que, por si só, restringe

consideravelmente a sua apropriação.

Ponderam, ainda, os dois estudiosos, que o mais curioso é que, embora contendo

imensas lacunas na sua base de fundamentação, o modelo linear é largamente utilizado. Para

Thomas Kuhn, citado por Kline e Rosenberg (1986), a explicação mais razoável para esse

fenômeno reside no fato do elevado grau de complexidade dos novos modelos, o que dificulta

a plena substituição do modelo linear, de muito mais fácil entendimento (KLINE;

ROSENBERG, 1986, p. 287).

Antevendo o ciclo das grandes transformações nos modelos de interpretações teóricas,

Thomas Kuhn (2007) ensina que o processo pelo qual um novo candidato a paradigma

substitui o seu antecessor é semelhante a qualquer nova interpretação da natureza, seja ela

uma descoberta ou uma teoria, ela aparece na mente de um ou mais indivíduos, são eles os

primeiros a aprender a ver a ciência e o mundo de nova maneira.

Sua habilidade para fazer essa transição é facilitada por duas circunstâncias

estranhas à maioria dos membros da sua profissão: invariavelmente tiveram sua

atenção concentrada sobre problemas que provocam crises. Além disso, são

habitualmente tão jovens ou tão novos na área que em crise que a prática científica

os comprometeu menos profundamente que os seus contemporâneos à concepção de

mundo e às regras estabelecidas pelo velho paradigma. (KUHN, 2007, p. 185)

Todas essas evidências não fizeram o modelo linear ser afastado totalmente das

análises sobre o comportamento do processo inovativo, como bem ilustra a citação de Stokes

(2005):

Nas palavras de Nathan Rosenbeg, “todos sabem que o modelo linear de inovação

está morto”, mesmo que ele ainda sobreviva em partes da comunidade científica e de

políticas e entre o público em geral. Ele sofreu ferimentos mortais causados pela

percepção disseminada do quanto são múltiplas, complexas e desigualmente

percorridas as trajetórias entre o progresso científico e tecnológico; de quão

frequentemente a tecnologia serve de inspiração à ciência, em vez de ocorrer o

contrário; e de quantas melhorias da tecnologia nem sequer esperam pela ciência.

(STOKES, 2005, p. 133)

O surgimento de um novo modo de interpretar o progresso técnico, que supera

as lacunas do modelo linear, denominado de “evolucionário’, de inspiração

neoschumpeteriana, fundamentou Furtado e Freitas (2004) a ponderarem, conforme a

citação a seguir, sobre os dois modos de interpretar o progresso técnico. Sobre este, a

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79

corrente evolucionista, representada por Nelson e Winter (1982), Dosi et al. (1988),

Freeman (1974) e Rosenberg (1979), enfatiza que as formas de relacionamento entre

pesquisa e atividade econômica são múltiplas e o processo de inovação é interativo e

multidirecional. Assim, Furtado e Freitas (2004) entendem que:

(...) a tecnologia não requer necessariamente o avanço da ciência. Muitas vezes o

avanço da ciência anda a reboque da tecnologia. O que é mais, muita inovação é

feita lançando mão de conhecimento tecnológico existente... A sequência linear

entre C,T&I é apenas umas das possibilidades de inovação. (FURTADO; FREITAS,

2004, p. 61)

Para o caso específico da agricultura, Salles-Filho (1993), assim como Possas,

Salles-Filho e Silveira (1994) chamavam a atenção para as fontes geradoras do processo

de inovação na agricultura que, por sua própria natureza, configuravam a complexidade e

o caráter dinâmico das interações presentes, difíceis de serem capturadas por modelos de

traço linear. Para tornar mais precisas as ideias dos autores, cabe mencionar as fontes

sobre as quais eles estavam se referindo: fontes privadas de organização empresarial

industrial; fontes institucionais públicas (universidades, instituições de pesquisa agrícola,

nacionais ou locais de pesquisa, órgãos de transferência de tecnologia ou de assistência

técnica e extensão rural); fontes privadas relacionadas às agroindústrias verticalizadas ou

às integrações e semi-integrações agroindustriais; fontes privadas, mas de organizações

coletivas sem fins lucrativos (cooperativas e associações de produtores agrícolas e/ou

agroindustriais); fontes privadas relacionadas à oferta de serviços técnicos especializados;

a unidade agrícola de produção (SALLES-FILHO, 1993; POSSAS; SALLES-FILHO;

SILVEIRA, 1994).

Indo na mesma direção, a partir da metade da primeira década dos anos 2000,

surgem estudos importantes, apontando para uma nova perspectiva analítica, agora à luz

da abordagem de Sistemas de Inovação, também de matriz neoschumpeteriana, na busca

da melhor compreensão das relações que se desenvolvem no ambiente da inovação na

agricultura. Entre esses estudos estão os de Spielman (2005; 2006), que manifestava suas

convicções teóricas sobre o modelo linear e a abordagem evolucionária afirmando que a

abordagem sobre o Sistema de Inovação era um divisor de águas entre a abordagem

linear convencional e a interpretação dinâmica da pesquisa e do desenvolvimento, por

proporcionar um modelo teórico que explora as complexas relações entre agentes

heterogêneos e entre instituições econômicas e sociais. Além disso, para ele, a nova

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abordagem determina, endogenamente, as oportunidades tecnológicas e institucionais

(SPIELMAN, 2005).44

Três anos mais tarde da publicação desse artigo, Spielman & Birner (2008) reafirmam

a necessidade de modelos analíticos mais atuais para se compreender melhor a natureza das

transformações na agricultura (WORLD BANK, 2006), constatando o crescente

reconhecimento que a inovação agrícola é muito mais complexa e menos linear do que se

acreditava anteriormente. Desse fato, segundo eles, decorria a necessidade de se redefinir os

mecanismos conceituais e analíticos usados para identificar como as políticas e os

investimentos podem melhor promover o comportamento e as práticas inovativas no setor

agrícola, contribuindo, portanto, com a redução da pobreza e com a melhoria sustentável das

condições de vida da população rural pobre (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 1).45

Na raiz de todo esse desenvolvimento teórico está a criação do conceito de

Sistema Nacional de Inovação (SNI), que foi desenvolvido simultaneamente nos Estados

Unidos e em diferentes partes da Europa, nos anos 1980. Atribui-se à colaboração entre

Christopher Freeman e o grupo IKE da Universidade de Aalborg, no início dos anos

1980, como decisiva na formulação das primeiras versões do conceito: Freeman em 1982

e Lundvall em 1985 (LUNDVALL, 2005).

2.2. O sistema nacional de inovação e a agricultura: uma abordagem conceitual

Ainda segundo Lundvall (2005), as ideias fundadoras do conceito surgem com C.

Freeman a partir do seu profundo conhecimento do processo de inovação e visão histórica,

percebendo, por um lado, a ligação entre o papel do Estado e os processos de catching up, e

por outro, inspirando-se também nas ideias de estudiosos franceses sobre "sistemas nacionais

de produção" e de "complexos agroindustriais", nos quais a interação vertical se mostrava

crucial para o desempenho e concepção do processo (LUNDVALL, 2005, p. 3).

Com base nesses pressupostos que deram forma ao conceito dos Sistemas Nacionais

de Inovação pode-se refletir sobre os vínculos conceituais presentes na formulação de C.

Freeman e nas referências anteriores aqui elaboradas, que tratavam as fontes de inovação da

44

"The innovation systems literature represents a significant change from the conventional, linear approach to

research and development by providing an analytical framework that explores complex relationships among

heterogeneous agents, social and economic institutions, and endogenously determined technological and

institutional opportunities" (SPIELMAN, 2005, p. ii). 45

Disponível em:<http://siteresources.worldbank.org/INTARD/Resources/InnovationIndicatorsWeb.pdf>.

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81

agricultura, o que demonstra um encadeamento importante entre a lógica do SNI e a temática

agrícola.

O conceito de Sistema Nacional de Inovação ganhou, inicialmente, divulgação

ampla por intermédio da obra de Freeman (1987) e Freeman e Lundvall (1988), sendo

seguidas por importantes estudos posteriormente. Para Lundvall (1992), “um sistema de

inovação é constituído por elementos e relações que interagem na produção, difusão e no

uso de novos conhecimentos, economicamente úteis” (LUNDVALL, 1992, p. 2). Ainda

para o mesmo autor, o conceito de Sistema Nacional de Inovação pressupõe a existência

de um Estado-nação, que apresenta duas dimensões: uma nacional-cultural e outra

político-estatal. O Estado-nação, abstrato, é o local onde essas duas dimensões

coincidem, isto é, o local onde todos os indivíduos, pertencentes a uma nação, são

definidos como tal por apresentarem identidades cultural, étnica e linguística, estão

reunidos em um único espaço geográfico e controlados por uma autoridade estatal central

(LUNDVALL, 1992)

Para Nelson (1993), o Sistema Nacional de Inovação é representado por um conjunto

de instituições cujas interações influenciam o comportamento da inovação das empresas

nacionais. O mesmo autor afirma não partir da pressuposição de que o “sistema” foi

conscientemente planejado ou mesmo que o conjunto das instituições envolvidas trabalha

junto, harmônica e coerentemente.46

Do mesmo modo, a amplitude do conceito de

“inovação,” adotado pelo autor, conduz a um significado que vai além da ação de atores

apenas realizando pesquisa e desenvolvimento.47

Por último, Nelson (1993) relativiza o termo

“nacional”, também de grande amplitude, ao ponderar que os sistemas de apoio à inovação

localizam-se em vários campos do conhecimento, que, às vezes, se sobrepõem. Além desse

fato, constata-se, atualmente, a atuação crescentemente transnacional de muitas empresas, o

que deixa a dúvida sobre o real sentido do termo “nacional”. Para os governos nacionais, o

termo faz todo o sentido, todavia, presunção e realidade podem não estar no mesmo

alinhamento (NELSON, 1993).48

Na mesma direção e como a mesma base teórica, Albuquerque (1996) ressalta que um

sistema nacional de inovação é

46

O autor faz referência aos conceitos restrito e amplo. O restrito define inovação como a introdução de um

produto ou processo substancialmente novo no mercado. O conceito amplo, adotado pelo autor, como sendo a

introdução de algo que é novo para a firma (NELSON, 2006, p. 433). 47

A amplitude do conceito de inovação cria espaço para uma outra discussão sobre o que está incluído no

sistema de inovação e o que está fora dele (NELSON, p. 5, 1993). 48

A esse respeito ver também Nelson, 2006, p. 458.

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uma construção institucional, produto de uma ação planejada e consciente ou um

somatório de um conjunto de ações não planejadas e desarticuladas que

impulsionam o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas.

(ALBUQUERQUE, 1996, p. 57)

Ele argumenta que os arranjos institucionais que conformam os Sistemas Nacionais de

Inovação (SNI), envolvem firmas, redes de interação entre empresas, órgãos governamentais,

universidades, institutos de pesquisa, laboratórios de empresas, atividades de cientistas e

engenheiros. Ainda de acordo com ele, são “...arranjos institucionais que se articulam com o

sistema educacional, com o setor industrial e empresarial e também com as instituições

financeiras, completando o circuito dos agentes que são responsáveis pela geração,

implementação e difusão das inovações” (ALBUQUERQUE 1996, p. 57).

A propósito, no entendimento de Nelson (2006), a íntima relação entre a ciência e a

tecnologia, ocorrida há mais de um século, levou ao surgimento dos laboratórios de pesquisa

industrial como o principal local da inovação tecnológica, inicialmente na indústria química,

depois na elétrica, em seguida nas demais (NELSON, 2006, p. 432).

No caso da agricultura, estão dedicados ao progresso tecnológico, além dos

laboratórios, as fazendas experimentais, públicas ou privadas. Semelhante ao modo

industrial, na agricultura, participam desse esforço inovativo cientistas, engenheiros,

técnicos das ciências agrárias, econômicas, sociais, biológicas, dentre outras. Embora

todos os atores sejam importantes, Nelson (2006) chama atenção para dois deles que

exercem influência marcante no processo inovativo: as estruturas científicas e técnicas,

onde se localizam as universidades e os governos e suas políticas (NELSON, 2006).49

Acrescenta Lundvall (1992) que o conceito de Sistemas Nacionais de Inovação pode

ser útil quando ele inspira políticas públicas nos níveis nacional e internacional, indicando,

assim, o que o governo pode fazer na direção de promover a inovação (LUNDVALL, 1992).

Nessa mesma linha de raciocínio, Nelson (2006) afirma que a performance

inovadora não pode ser claramente separada da performance econômica e da

competitividade, em suas expressões mais abrangentes. Por essa razão, o exame das

políticas governamentais voltadas à inovação não pode abstrair a abordagem às políticas

monetárias e de comércio exterior, por exemplo (NELSON, 2006).

Assim, a perspectiva dos sistemas consegue, por exemplo, explicar melhor muitas das

novas mudanças ocorridas na realidade inovativa da agricultura de muitos países em

49

Importantes tanto na formação dos quadros técnicos que vão operar as inovações, quanto na execução de

pesquisas tecnológicas, embora haja diferenciação do caso agrícola para o industrial (NELSON, 2006, p. 434).

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83

desenvolvimento, outrora “explicadas” pelos modelos / sistemas de conhecimento agrícola

ou de apoio à inovação na agricultura, como aqueles denominados de National Agricultural

Research Systems (NARS) e Agricultural Knowledge Innovation Systems (AKIS).50

Nessas

abordagens, o foco principal da análise era dirigido para o papel da educação, da pesquisa

agrícola, da extensão rural na oferta de novos conhecimentos e tecnologias para o produtor

(SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 1).

Os dois modelos, NARS e AKIS, compõem um conjunto de sistemas conceituais

dedicados a caracterizar e orientar a trajetória dos sistemas de conhecimento agrícola, como

também de guiar os investimentos no sentido do fortalecimento do desenvolvimento agrícola

em países ou regiões (WORLD BANK, 2006).

De acordo com a OCDE (2012a), o conjunto completo é composto por: Agricultural

Khowledge System (AKS), National Agricultural Research Systems (NARS), Agricultural

Khowledge and Information System (AKIS), Agricultural Innovation System (AIS) e o

National Agricultural Innovation System (NAIS) (OCDE, 2012a, p. 95).

Cada um desses sistemas ou modelos possui uma orientação diferente, podendo

concentrar-se na geração e transferência de tecnologia ou na disseminação do conhecimento e

da tecnologia, ou em inovação institucional e inovação tecnológica (WORLD BANK, 2006).

Agricultural Khowledge Systems (AKS)

Para a OCDE (2012a), o AKS é representado por um conjunto de atores, tais como

pesquisadores, assessores e educadores, que trabalham principalmente em institutos de

conhecimento agrícola. A ênfase está nesses atores e na capacidade de produção de

conhecimento formal dos sistemas nacionais de pesquisa agrícola. Este conhecimento é

então transferido para o setor agrícola por meio de serviços de extensão agrícola e educação".

O surgimento do sistema AKS ocorreu na década de 1960 como resultado de novas políticas

agrícolas que tinham dois objetivos específicos: primeiro, o AKS seria o responsável por

coordenar a inovação através da transferência de conhecimento. Em segundo lugar, trabalhar

com os ministérios da agricultura na tentativa de implementar uma estrutura de serviços

públicos de pesquisa, ensino e extensão rural a nível nacional. O objetivo principal foi o de

acelerar a modernização agrícola, especialmente nos países do terceiro mundo (OCDE, 2012a,

p. 96).

50

Também denominados de Modelos de Conhecimento Agrícola (World Bank, 2006) ou de Modelos de Apoio à

Pesquisa Agrícola (OCDE, 2012a)

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84

National Agricultural Research Systems (NARS)

O modelo “NARS”, desenvolvido na década de 1970, apoia-se na economia

neoclássica, destacando as falhas de mercado para justificar a performance da pesquisa a

agrícola nos países em desenvolvimento. Esse sistema é representado por um conjunto de

organizações, cujo principal objetivo é promover pesquisa e desenvolvimento agrícola dentro

de um país; a sua base teórica deriva do modelo linear e têm sido utilizados por mais 40 anos.

A ideia geral consiste no desenvolvimento de pesquisas agrícolas, cujos resultados são

difundidos, objetivando a sua adoção e o consequente aumento da produtividade. O modelo

NARS atribui ênfase no desenvolvimento do sistema de pesquisa e geralmente tem sido

ineficiente nas etapas de transferência de tecnologia (difusão) e adoção de tecnologia (OCDE,

2012a).

Para Spielman e Birner (2008), muito embora inúmeros estudos demonstrem

empiricamente as altas taxas de retorno geradas pela pesquisa agrícola nos países em

desenvolvimento, os benefícios privados foram frequentemente limitados pela precária

estrutura de mercado e pelo pequeno poder de compra de produtores rurais, requerendo

invariavelmente investimentos públicos no sentido de suprir o crônico desabastecimento

verificado nessas regiões. Assim, o modelo “NARS” enfatizava a otimização dos

investimentos públicos em organizações de pesquisa agrícola e, mais tarde, em universidades

públicas e nos serviços de extensão rural, como forma de desenvolver e difundir tecnologias

para promover a transformação agrícola e o desenvolvimento.

Agricultural Knowledge Innovation Systems (AKIS)

Sistema originalmente denominado de Agricultural Knowledge and Information

Systems foi introduzido na década de 1970 pela OCDE e FAO, conceituado como:

a set of agricultural organizations and persons and the links and the interactions

between them engaged in the generation, transformation, transmission, storage,

retrieval, integration, diffusion and utilization of knowledge and information, with

the purpose of working synergistically to support decision making, problem solving

and innovation in agriculture. (OCDE, 2012a, p. 96)51

51

Conjunto de organizações agrícolas e/ou de pessoas e as articulações e interações entre eles, envolvidos em

cada processo, tais como a geração, transformação, transmissão, armazenamento, recuperação, integração,

difusão e utilização do conhecimento e da informação, com o propósito de promover um trabalho sinérgico que

possa apoiar a tomada de decisão, a resolução de problema e inovação na agricultura (OCDE, 2012a, p. 96,

tradução nossa).

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85

Posteriormente sua denominação foi alterada de "sistemas de informação" para referir-

se aos "sistemas de inovação", principalmente para considerar “a influência e a complexidade

dos sistemas de inovação e de conhecimento nos espaços rurais". Este conceito amplia a

noção de Sistemas de Conhecimento Agrícola, considerando que inclui atores que estão fora

dos ambientes do ensino e da pesquisa agrícola. Além disso, o AKIS passa a se relacionar

fortemente com o conceito de inovação com ênfase na transferência e criação de

conhecimento através da inovação.

Ainda para Spielman e Birner (2008), o modelo “AKIS”, apesar da definição

ampla, foi principalmente aplicado num sentido mais restrito, pois preconizava o estudo

da mudança tecnológica, a partir da disseminação e difusão do conhecimento e da

informação, com destaque específico para os fluxos de informação e conhecimento

entre pesquisadores, agentes de extensão rural, educadores e produtores rurais, que

eram o coração do triângulo do conhecimento".52

Agricultural Innovation Systems (AIS)

No final dos anos 1990, e alicerçada na perspectiva evolucionária, surge a abordagem

denominada Agricultural Innovation System (AIS), cuja proposta, segundo Spielman e

Birner (2008), é a de interpretar a dinâmica do setor agrícola sob o olhar da abordagem

evolucionária.

Para o World Bank (2006), o conceito de Sistema Nacional de Inovação Agrícola

valoriza as capacidades e processos enfatizados nos marcos conceituais do NARS e AKIS,

incluindo os canais que proporcionam aos agricultores o acesso, com recursos adequados, à

informação atualizada e às organizações de pesquisa científica e de capacitação. Este conceito

de sistema de inovação identifica a interação de um amplo conjunto de atores e disciplinas ou

setores envolvidos no processo de inovação, particularmente o setor privado em suas mais

diferentes formas ao longo da cadeia de valor.

No mesmo estudo, o World Bank admite que a abordagem do sistema de inovação

reconhece que a criação de um ambiente facilitador que apoie a utilização do conhecimento

é tão importante quanto disponibilizar esse conhecimento por intermédio dos mecanismos

de pesquisa e difusão. Ademais, a inclusão de processos de adaptação criativa e de

52

World Bank (2006) esquematicamente caracteriza o AKIS como se fora o "triângulo do conhecimento", onde

em cada ângulo estariam a pesquisa agrícola, a extensão rural e a educação e, no centro, o produtor rural. Na

versão original: “Farmers are at the heart of this knowledge triangle” (WORLD BANK, 2006, p. 5).

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86

financiamento à inovação, por exemplo, significa que a ampliação do conjunto de atores e

organizações participantes possibilita, em primeiro lugar, a inserção de elementos mais

qualificados na promoção da inovação. Em segundo lugar, significa incluir um conjunto

ampliado de atores e contextos, o que permite também adequar o potencial inovativo do

sistema às permanentes mudanças presentes nos mercados e nos ambientes da tecnologia,

assim como, às condições sociais e políticas vivenciadas pela agricultura.

O mesmo texto esclarece que a abordagem de sistemas de inovação, largamente

aplicada e comprovadamente útil para análise do setor industrial, é extremamente fiel e

positiva ao proporcionar uma visão holística que fortalece a capacidade do setor para criar,

difundir e utilizar o conhecimento. Todavia, para o World Bank (2006), a abordagem dos

sistemas de inovação carece de uma aplicação prática no setor agrícola, haja vista a

dificuldade de se diagnosticar as interações e as dimensões institucionais da capacidade de

inovação face à inadequação dos dados estatísticos disponíveis (WORLD BANK, 2006, p.

26).

Nesse âmbito, pode-se afirmar que a abordagem Agricultural Innovation Systems

(AIS) significa um avanço e uma crítica à visão linear de interpretação do processo de

inovação, segundo a qual a inovação configura-se como uma sequência natural da ação da

pesquisa, do desenvolvimento e da difusão, para uma visão que reconhece a inovação como

uma complexa rede de relações entre indivíduos e organizações, notadamente aquelas de

cunho privado e de ação coletiva, todas contribuindo de alguma forma para a adoção do

novo conhecimento ou da nova informação ou daqueles já existentes. Para Spielman e

Birner (2008), essa perspectiva introduz novas questões, como:

a capacidade de indivíduos e das organizações para aprender, mudar e inovar; a

natureza interativa e o processo interativo de aprendizagem entre os agentes da

inovação; e os tipos de intervenções que fortalecem tanto capacidades quanto

processos. (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 2)

Segundo Larsen, Kim e Theus (2009), a abordagem AIS inova ao incorporar no seu

quadro analítico os principais agentes do sistema, como as universidades, as empresas e outras

organizações que podem acessar o crescente estoque de conhecimento global, além de

assimilar e adaptar o conhecimento às necessidades locais e gerar novas tecnologias e novos

produtos.53

Os mesmos autores acrescentam que o AIS, ao se fundamentar no substrato

53

Spielman e Birner (2008) denominam a abordagem Agricultural Innovation System (AIS), ao introduzir

elementos essenciais do sistema nacional de inovação, de National Agricultural Innovation System (NAIS)

(SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 6).

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teórico mais geral da perspectiva dos Sistemas de Inovação, reconhece que muitos tipos de

inovação (tecnológica, organizacional, de processo, produto ou de mercado) podem ocorrer

em qualquer tempo em diferentes lugares, no interior do sistema mais geral. Eles também

chamam atenção para uma característica importante contida no AIS, que é o papel

desempenhado pela integração de instituições fortes e dos atores presentes no sistema.

A integração se constitui em elemento essencial na promoção do processo

inovativo na agricultura, mas requer um apoio coordenado para a pesquisa agrícola,

extensão rural e o setor educacional, estimulando-os na formação de parcerias e

vínculos facilitadores da inovação, ao longo e além das cadeias agrícolas de valor e na

criação de um ambiente propício para o desenvolvimento agrícola. Ou seja, para os

autores, a abordagem AIS é capaz de capturar as transformações que vêm ocorrendo na

agricultura, quanto à crescente complexidade dos mercados agrícolas, quanto ao

fortalecimento da redes de conhecimento, quanto à presença de vantagens competitivas

cada vez mais associadas às capacidades de aplicação de conhecimento, transformações

que criam uma “nova agricultura” que demanda instituições mais bem qualificadas,

coordenação e aperfeiçoamento da integração entre os principais atores do sistema de

inovação.54

Nessa perspectiva, a abordagem Agricultural Innovation Systems (AIS)

dirige sua atenção para a totalidade e para o conjunto dos atores e fatores necessários à

inovação, assumindo, assim, que a inovação deriva de um processo interativo e

dinâmico que crescentemente acredita na ação coletiva e nas múltiplas fontes de

conhecimento em suas diversas escalas. Os mesmos autores argumentam que o AIS está

construído sob a premissa de que as interações dentro de um setor são mais inclusivas,

devido ao fato de viabilizarem recursos coletivos de atores distintos, que incluem o

setor privado, a sociedade civil, e as representações de produtores rurais (LARSEN;

KIM; THEUS, 2009 p. 6).

Em resumo, o conceito AIS foi desenvolvido para melhorar a compreensão de

como sistemas de conhecimento agrícola podem fazer melhor uso dos novos

conhecimentos e mudanças econômicas. A abordagem AIS também envolve

intervenções alternativas que vão além de investimentos em pesquisa, reconhecendo

diferentes atores, disciplinas e setores envolvidos na inovação, especialmente o setor

privado. A premissa que justifica essa estratégia está alicerçada no fato de que

promover inovações na agricultura requer um apoio coordenado da pesquisa agrícola,

54

Para detalhes sobre “nova agricultura” ver WORLD BANK, 2006, p. 8.

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extensão rural e educação, de modo a viabilizar parcerias para a inovação, criando,

assim, um ambiente favorável para o desenvolvimento agrícola (OCDE, 2012a).

National Agricultural Innovation Systems (NAIS)

No contexto de um país, o NAIS é definido como um conjunto de atores

(organizações agrícolas; ofertantes de insumos; empresas de processamento de

produtos e comercialização; instituições de pesquisa, de educação, de crédito, de

extensão rural e de informação; empresas privadas de consultoria, agências

internacionais de desenvolvimento e de governos) que contribui para o

desenvolvimento, difusão e uso de novas tecnologias agrícolas e inovações

institucionais que influenciam, direta e/ou indiretamente, o processo de conhecimento

da agricultura, aprendizagem e mudança em nível nacional. Nessa abordagem, como

indicado anteriormente, a inovação é utilizada e gerida a nível nacional. Essa

abordagem compreende um conjunto mais amplo de relações em que os atores

econômicos gerem e utilizam o conhecimento. Esses atores são também promotores da

interação entre a pesquisa e as atividades econômicas conexas, assim como

viabilizadores da criação de um ambiente propício que incentive a interação e que ajude

a dar ao conhecimento um uso social e economicamente produtivo. Ao final, as relações

entre atores e setores devem promover as capacidades de inovação daquele país

(OECD,2012a).

O Quadro 2, a seguir, sistematiza as principais características dos cinco

sistemas/abordagens mencionados na discussão anterior, destacando as principais

diferenciações entre cada um deles, tendo como referências as contribuições do World Bank

(2006) e aperfeiçoamentos da OCDE (2012a), para os casos do AKS e NAIS.

Da análise do Quadro 2 é possível destacar que alguns modelos como NARS, AKS e

AKIS, caracterizados por terem como base teórica o modelo linear, portanto superados

quando comparados ao AIS e NAIS, que adotam a perspectiva evolucionária; mesmo assim,

aqueles modelos de base linear ainda são praticados em muitos países ou regiões.

Outra característica marcante nos cinco modelos é a aquela relacionada ao "grau de

integração dos mercados": nos modelos NARS, AKS e AKIS, o processo de inovação não

contempla ou contempla em baixa intensidade a integração com os mercados. Diferentemente

dos sistemas AIS e NAIS que introduzem no seu corpo teórico "alto grau de integração com

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89

os mercados", algo coerente com a perspectiva evolucionária, na medida em que o mercado se

constitui em referência relevante como orientador do processo de inovação (OCDE, 2012a).

Um dado importante é trazido pelo modelo NARS no que refere aos “resultados”

esperados, ao qualificá-los como “invenção tecnológica e transferência de tecnologia”. Nesse

caso, torna-se adequado recorrer ao World Bank (2006) para compreender que a invenção

culmina com a criação da oferta de conhecimento. Já a inovação envolve os fatores que

afetam a demanda e o uso de conhecimento em formas novas e úteis. A noção de novidade é

fundamental para a invenção, mas a noção de processo de criação de mudança local, algo

novo para o usuário, é fundamental para a inovação. Esta, de modo específico, significa o

processo através do qual as organizações dominam e implementam a concepção e a produção

de bens e serviços que são novos para elas, independentemente de o serem para seus

concorrentes, seu país e para o mundo (WORLD BANK, 2006, p. 15).

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90

Quadro 2 – Características do National Agricultural Research Systems (NARS),

Agricultural Knowledge Systems (AKS), Agricultural Knowledge and Information Systems

(AKIS), Agricultural Innovation Systems (AIS) e National Agricultural Innovation

Systems (NAIS)

Fonte: elaboração própria a partir de World Bank (2006) e OECD (2012a).

CARACTERÍSTICAS

DO MODELO NARS AKS AKIS AIS NAIS

Objetivo

Planejar a

capacidade da

pesquisa agrícola, do

desenvolvimento da

tecnologia e da transferência da

tecnologia

Acelerar a

modernização

agrícola, principalmente

nos países do 3º

mundo, via transferência de

tecnologia.

Fortalecer a oferta

dos serviços de

comunicação e de conhecimento para a

população rural

Fortalecer a capacidade de

inovação ao longo

dos sistemas de produção agrícola e

dos mercados

agrícolas

Contribuir para o desenvolvimento,

difusão e uso de

novas tecnologias agrícolas e

institucionais, no

nível nacional.

Atores

Organizações

nacionais de

pesquisa agrícola,

instituições de

ensino agrícola (universidades ou

faculdades),

serviços de extensão rural e

produtores rurais

Pesquisadores,

consultores e

educadores de instituições de

educação

agrícola, sob a coordenação do

Ministério da

Agricultura

Organizações nacionais de

pesquisa agrícola,

instituições de

ensino agrícola

(universidades ou

faculdades), serviços de extensão

rural, produtores

rurais, Organizações Não

Governamentais e

empresas atuantes nas áreas rurais

Todos os atores

potenciais dos

setores públicos e

privados, envolvidos

com a criação,

difusão, adaptação e uso de todos os tipos

de conhecimento

relevante para a produção agrícola e

para o mercado

Atores econômicos

que produzem e usam

conhecimento.

Resultados

Invenção

tecnológica e

transferência de tecnologia

Tecnologia incorporada em

produtos

Adoção e inovação de tecnologia na

produção agrícola

Combinação de

inovações técnicas e institucionais,

inseridas na

produção, no mercado, na política

de pesquisa e no

contexto empresarial

Diferentes tipos de

inovação.

Princípio Organizador

do sistema

Uso da ciência para

criar novas tecnologias

Difusão de conhecimento e

novas

habilidades

Acesso ao

conhecimento agrícola

Descoberta de novos

usos do

conhecimento para a mudança social e

econômica

Utilização e gestão

da inovação em âmbito nacional.

Mecanismo de

inovação

Transferência de tecnologia

Transferência de conhecimento

através da Extensão e

Educação

Agrícolas

Aprendizado interativo

Aprendizado interativo

Aprendizado interativo

Grau da integração dos

mercados Nulo Baixo Baixo Alto Alto

O Papel da Política

Pública

Na alocação de

recursos e

estabelecimento de prioridades

Na difusão de

conhecimento

para o aumento da produtividade

Na criação de

ambiente facilitador

Na integração de setores e ambiente

facilitador

Na aceleração da cooperação entre

atores e na criação

de um modelo favorável à

inovação

Recursos financeiros

viabilizadores das

prioridades

Infraestrutura

científica e de recursos humanos

Infraestrutura científica e de

recursos

humanos

Meios de

comunicação

Plataformas de

interação

Plataformas de

interação baseadas no conhecimento

Natureza estratégica da

atuação do sistema

Fortalecimento e

desenvolvimento de

recursos humanos e de infraestrutura

Fortalecimento do processo

educacional dos

produtores na adoção novas

habilidades

Fortalecimento da

comunicação entre

os atores do setor rural

Fortalecimento das

interações entre

atores; desenvolvimento

institucional e apoio

à interação, ao aprendizado e à

inovação; e criação

de ambiente favorável.

Fortalecimento das

interações entre todos os atores

econômicos no

plano nacional

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No Brasil, dentre os modelos mencionados, a ATER parece ainda atuar essencialmente

nos modelos de característica linear, herança trazida desde a sua implantação no país por volta

da década de 1950.

Outra constatação, à luz dos modelos mencionados, é a de que a interpretação

oferecida pelos modelos mais modernos como AIS ou NAIS demonstra os desafios com os

quais se defronta a parte expressiva da agricultura familiar brasileira, devido

fundamentalmente às dificuldades infraestruturais, de integração e articulação entre os

principais atores do sistema, fato que, provavelmente, deve contribuir para o enorme gap

tecnológico presente em quase 4 milhões de estabelecimentos rurais.

No caso da agricultura empresarial, essa dificuldade parece superada, considerando-se

a agilidade do setor privado em criar ambientes favoráveis à inovação, relativamente

independentes do setor público, a exemplo da assistência técnica e pesquisa agrícola,

comprovação percebida pelo elevado grau de competitividade alcançado pela agricultura

empresarial brasileira, representada por aproximadamente 500 mil estabelecimentos rurais.55

De acordo com Spielman e Birner (2008), no âmbito nacional, os elementos

essenciais constituidores do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (National Agricultural

Innovation Systems), descritos na Figura 1, a seguir, possibilitam uma visão ampliada da

concepção e do fluxo operacional do sistema, permitindo ainda uma incursão importante no

seu conteúdo conceitual.

55

Como exemplo, pode-se recorrer a Furtado, Scandiffio e Cortez (2011), que, ao estudarem o sistema de

inovação da cana-de-açúcar para o Brasil, concluíram que a constituição de um sistema setorial de inovação teve

papel central no sucesso da política de etanol para o país. O estudo também revela a importância do sistema na

mobilização e articulação institucional para o enfrentamento dos principais desafios tecnológicos econômicos,

sociais, no momento em que o etanol se transformou numa oportunidade real frente aos combustíveis fósseis e

no momento em que o estado de São Paulo perdia a liderança da produção de cana para a região nordeste do

país. Outra constatação importante no uso desse referencial teórico, em outro estudo dos mesmos autores, foi a

de que, mesmo com a crise do modelo do setor, instalada a partir da extinção, em 1990, do Instituto do Açúcar e

do Álcool (IAA), não se verificou a desarticulação do sistema. Pelo contrário, o sistema respondeu prontamente

com o aumento da participação do setor privado, especialmente quanto ao financiamento e à execução da P&D e

quanto ao aumento da interatividade no sistema de inovação (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p.

165; 2008, p. 20).

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Figura 1 – Diagrama conceitual do Sistema Nacional de Inovação Agrícola

(National Agricultural Innovation System)

Fonte: Spielman e Birner (2008)

Incursão que pode ser iniciada afirmando-se que esses elementos essenciais

abrangem três domínios centrais: (i) o domínio do conhecimento e da educação; (ii) o

domínio dos negócios e das empresas; e (iii) o domínio das “Instituições-ponte”,

responsáveis pelas articulações entre os dois primeiros domínios.

O primeiro domínio, “do conhecimento e da educação”, representado no lado esquerdo

do diagrama, é constituído pela pesquisa agrícola e pelo sistema educacional formal. O

domínio “dos negócios e das empresas”, do lado direito do diagrama, compreende o conjunto

de atores presentes nas cadeias produtivas (ou cadeias de valor) e organizações afins, assim

como as atividades que utilizam tanto os produtos oriundos do domínio do “conhecimento e

da educação”, como aqueles oriundos de ações inovativas independentes.56

56

Cadeias de Valor, aqui também denominadas de Cadeias Produtivas, podem ser definidas como: “Conjunto de

atividades interligadas, geradoras de valor, conduzidas por uma empresa ou grupo de empresas para desenvolver,

produzir e oferecer e manter um produto ou serviço. A partir da perspectiva das ‘cadeias de valor’, o desafio

fundamental é ligar a oferta à demanda do modo mais efetivo, assim como o compartilhamento de informações

no sentido de estabelecer possíveis vínculos entre produtores e consumidores” (World Bank, 2006, p. 21).

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93

Entre esses dois domínios estão as chamadas “Instituições-ponte”, representadas pelos

canais políticos, pelo conjunto de “stakeholders”, pelos serviços de extensão rural (vinculados

aos setores público ou privado ou de outra natureza), assim como pelas organizações/instituições

próprias para promover a integração entre as cadeias de valor; enfim, as “Instituições-ponte”

seriam aquelas responsáveis por facilitar e operar os fluxos de conhecimento e informações entre

os domínios.

O sistema contempla ainda referências ao conjunto de condições que facilitam ou

inibem as inovações, tais como as políticas públicas de inovação para a agricultura; as

instituições informais que estabelecem as regras, normas e atributos culturais da sociedade; e

os comportamentos, práticas e atitudes que condicionam as formas pelas quais os indivíduos e

as organizações, dentro de cada domínio, agem e interagem.

O sistema também pressupõe a presença dos produtores rurais, tanto sob a forma de

consumidores e produtores de conhecimento e de informação, sob a forma de consumidores

de produtos e serviços agrícolas, quanto sob a forma elementos de ligação entre as instituições

e como atores das cadeias de valor.

Nas “fronteiras” do sistema, parte inferior do diagrama, estão importantes elementos

que exercem influência direta sobre a sua dinâmica, descritos como: “as articulações com

outros setores da economia”, a exemplo dos bens manufaturados e dos serviços; “as

articulações com a política de ciência e tecnologia”; os atores internacionais, dentre os quais

as fontes de conhecimento e os mercados; e o "sistema político", todos produzindo

repercussões em todo o sistema a todo tempo.

Em síntese, o Sistema Nacional de Inovação Agrícola pode ser definido como uma

rede de organizações, empresas e indivíduos determinados em promover novos produtos,

novos processos e novas formas de organização de uso econômico da agricultura, atuando em

conjunto com instituições e políticas que influenciam o comportamento e o desempenho do

sistema.

Salles-Filho et al. (2011), por sua vez, restringem e aprofundam um pouco mais o

"corte" setorial agrícola, dirigindo seus esforços analíticos para a caracterização e análise do

sistema paulista de ciência, tecnologia e inovação agrícola (SPInA), em sua evolução recente,

os seus principais atores e relações. O estudo introduz uma reflexão sobre o agronegócio

paulista e brasileiro, amplia as análises para o ambiente internacional, discute o conjunto dos

principais insumos do SPInA, destacando os dispêndios públicos e privados, assim como a

formação de recursos humanos para a CT&I. Nesse mergulho, o estudo avança na discussão

sobre os resultados e impactos do sistema à luz da produção científica e tecnológica, e sobre a

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formação de competências gerada pelo SPInA. As perspectivas futuras do sistema são

analisadas ao final do estudo.

No caso específico desta tese, o interesse recairá sobre o contexto nacional do

ambiente organizacional e institucional, privilegiando os arranjos dedicados à extensão rural

em especial e à pesquisa agrícola de modo complementar.

Assim, o propósito é o de incorporar as contribuições do modelo apresentado por

Spielman e Birner (2008), bem como, do modelo SPInA, no sentido de sistematizar e refletir

sobre os principais elementos que configuram o Sistema Nacional de Inovação Agrícola no

Brasil.

A partir dessas contribuições, acredita-se que, por um lado, as análises e discussões

que serão desenvolvidas não se afastarão da referência do ambiente integral e, por outro,

aprofundar-se-ão no domínio da assistência técnica e extensão rural brasileira (ATER), foco

central das atenções deste estudo. Entende-se, também, que este domínio deve ser partilhado

em alguns momentos pelas análises da pesquisa agrícola, tendo em vista a

intercomplementariedade de atuação desses dois atores no processo de inovação agrícola.

2.3. Coordenação e governança

Do ponto de vista conceitual e operacional, a coordenação do sistema, dada a sua

relevância para a funcionalidade do próprio sistema, merece um comentário especial. Para o

World Bank (2012), a capacidade de coordenação e de integração entre os diversos atores são

fundamentais para que a utilização prática da abordagem do Sistema Nacional de Inovação

Agrícola possa produzir aperfeiçoamentos nos processos de concepção, execução e avaliação

de políticas agrícolas em todo o setor agrícola. A negligência desses dois elementos no

comportamento dos diversos atores atuantes no Sistema tem trazido prejuízos à ação coletiva

essencial ao alcance dos resultados pretendidos (WORLD BANK, 2012, p. 15).

O mesmo estudo acredita que as dificuldades de integração e de coordenação têm as

mesmas causas que inviabilizam as ações de natureza coletiva, como: o comportamento

oportunista; a falta de confiança, de incentivos e de capacidade; e as dificuldades no

cumprimento e no estabelecimento de regras. No caso dos países em desenvolvimento, as

dificuldades de integração e de coordenação nos seus sistemas de inovação têm sido

alimentadas pela fragmentação dos mercados, pelos diferentes regimes tecnológicos, pela

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ausência de uma cultura colaboracionista, por incentivos inadequados, pelos frágeis canais de

comunicação e pelas insuficientes capacidades de inovação (WORLD BANK, 2012, p. 15).57

Na visão da OCDE (2012a), a governança do Sistema Nacional de Inovação Agrícola

(SNIA) pode ser melhorada, tanto com uma melhor integração na estratégia da política

nacional de inovação, quanto com uma maior coordenação entre os vários atores do SNIA e

as políticas afins. Para tanto, torna-se particularmente importante definir claramente os papéis

dos setores público e privado, assim como as áreas de interesse mútuo e de cooperação

possível.

Esse aspecto reforça a ideia de que outro aspecto fundamental, também abordado pela

OCDE (2012a), para melhorar o desempenho do SNIA é a necessidade de se buscar

coerência das políticas ao nível nacional. Em particular, os objetivos devem ser definidos

claramente para aperfeiçoar, por exemplo, o design de produtos nacionais, a política

comercial e o marco regulatório, elementos que podem impactar a inovação agrícola. Um

outro ponto diz respeito à cooperação internacional, que também pode contribuir

significativamente para melhorar a relação custo-benefício do SNIA, com o compartilhamento

de recursos e de resultados e ainda permitindo alguma especialização. Além disso, os esforços

coordenados são cada vez mais necessários para enfrentar os desafios globais e questões

relativas aos países fronteiriços.

Em estudo recente, Bonacelli, Fuck e Castro (2015) concluem que o Sistema de

Inovação Agrícola (SIA) do Brasil, embora relacionado a um dos segmentos mais

exitosos da economia brasileira, apresenta fragilidades, destacando entre elas a baixa

capacidade de diálogo entre setores e atores:

A evolução do SIA Brasil evidencia ainda uma baixa capacidade de organização

sistêmica entre seus principais atores: de um lado, o ensino e a pesquisa nas

universidades; de outro, os institutos de pesquisa, com pouca conexão entre si e com

os demais atores. (BONACELLI; FUCK; CASTRO, 2015, p. 105).

Em que pesem essas questões, a OCDE (2013) considera que os Sistemas Nacionais

de Inovação Agrícola (SNIA) são fundamentais para melhorar o desempenho econômico,

ambiental e social do setor agrícola. A prova disso é que nas duas últimas décadas, muitos

países estão trabalhando em reformas para melhorar a eficiência econômica e a capacidade de

57

A definição utilizada no estudo para “Innovation capabilities” significa a presença de habilidades para

construir, integrar e articular os recursos internos e externos e para lidar com problemas ou aproveitar

oportunidades (WORLD BANK, 2012, p. 16).

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96

resposta às necessidades sociais dos seus Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola (OCDE,

2013, p. 5).

Nesse sentido, o foco das reformas tem se voltado para reforçar a coordenação e a

governança, desenvolver interações dentro do sistema e com outros campos da inovação,

melhorar a cooperação entre países e fortalecer os mecanismos de difusão da inovação

(OCDE, 2013, p. 7).

Ainda para OCDE (2013), os SNIA se deparam com muitos desafios: restrições

orçamentárias, conflitos de informação sobre as prioridades da pesquisa agrícola, duração

longa de tempo entre pesquisa, adoção e resultados. Mas, por outro lado, esses mesmos

Sistemas apresentam também muitas oportunidades: mercados de commodities fortalecidos,

incremento dos investimentos em agricultura e uma reorientação internacional dirigida para a

necessidade de se combater a insegurança alimentar global de forma sustentável.

Para o mesmo estudo, os SNIA também podem se beneficiar de outras circunstâncias

existentes em muitos países, como é o caso da presença predominante de políticas agrícolas.

Estas são particularmente importantes para o processo de inovação agrícola, na medida em

que podem promover a remoção das distorções nos mercados de produtos e insumos, assim

como estimular medidas que facilitem o investimento, incluindo a proteção dos direitos de

propriedade, ou ainda removendo ou simplificando regulações onde possível.

Adicionalmente, as políticas agrícolas nacionais podem também acelerar o processo de

inovação na agricultura atuando na melhoria da infraestrutura rural, de comercialização e na

prestação de serviços no meio rural. O mesmo estudo da OCDE destaca ainda que, como a

maioria das inovações é criada fora das unidades produtivas, atenção especial deve ser dada à

educação e à extensão agrícola, considerando o papel que desempenham na viabilização da

adoção oportuna de inovação por parte dos agricultores (OCDE, 2013, p. 5).

2.4. Condicionantes da ação da ater e o ônus pela proximidade ao produtor rural

No interior do SNIA, de acordo com Spielman e Birner (2008), a ATER é considerada

uma "instituição-ponte”, por se constituir numa das instituições responsáveis pela articulação

com o conjunto de outros atores, representantes do núcleo "pesquisa agrícola e sistema

educacional", de um lado, e com os "atores das cadeias de valor e organizações afins", do

outro).

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97

Convém deixar ainda mais explícito que o instrumento que materializa essas

articulações é a inovação, que é considerada por Buainain et al. (2008) "o vetor do

desenvolvimento presente e futuro em todas as suas dimensões" e o objetivo dessa articulação

é a promoção do aumento da competitividade daquele empreendimento (BUAINAIN et al.,

2008, p. 58).58

Assim, é possível perceber que a ação da ATER não se completa com a

simples difusão da inovação, é necessário que a inovação seja incorporada ao sistema de

produção e produza os resultados esperados.

Um dado relevante a enfatizar é que, dentre todos os atores, a ATER é aquele que está,

pela natureza do seu próprio trabalho, mais próximo ao produtor. Assim, a ATER é um ator

privilegiado por atuar com a inovação junto ao produtor, e demais atores relacionados,

podendo identificar quase que imediatamente o sucesso ou fracasso da adoção de uma

inovação. Esse fracasso pode ocorrer principalmente de duas formas: (i) a não adoção da

inovação; (ii) ou mesmo adotada, a inovação não produzir os efeitos esperados, como por

exemplo, melhoria da renda, ou das condições de vida, ou ainda das condições ambientais.59

No caso brasileiro, acredita-se que decorrente dessa circunstância, a proximidade da

ATER ao produtor e o seu papel na difusão da inovação e de articulação com os demais

atores, é recorrentemente atribuída à ATER governamental a responsabilidade pelo eventual

insucesso do processo inovativo.60

Uma das inúmeras evidências dessa afirmação está no

estudo de Alves et al., 2012) ao concluir que:

1. Constatou-se grande concentração do valor da produção, ou seja, um número

pequeno de estabelecimentos produziu a maior parte do valor da produção e a

grande maioria deles contribuiu com muito pouco;

2. A área do estabelecimento tem pequeno poder de explicar a concentração. Nesta

explicação, a maior responsabilidade é da tecnologia.

Sendo assim, existe no Brasil um problema grave de difusão de tecnologia, qual seja

criar condições para que os que produziram pouco se modernizem também, e eles

são milhões. (ALVES et al., 2012, p. 20; grifo nosso)

58

Competitividade agrícola no mesmo sentido utilizado por Fuck e Bonacelli (2009, p. 9). 59

Como exemplo recente, tem-se o caso da incidência de praga nas lavouras da região oeste da Bahia, provocada

pela lagarta "Helicoverpa armigera", causando prejuízos relevantes à economia agrícola do estado. A principal

estratégia adotada pelos produtores da região foi a adoção das variedades (DP 1228 e a DP 1231) de algodão,

resistentes à lagarta, já na safra 2013/2014. As variedades resistentes adotadas, detentoras da tecnologia Bt2,

apesar de mostrarem-se realmente resistentes à praga, demonstraram redução do rendimento de fibra do algodão

de 40% para 36%, situação que também trouxe prejuízos aos produtores. Isso motivou questionamento dos

produtores junto à empresa detentora das variedades, ensejando uma negociação para reparação dos danos aos

produtores. Esse fato revela que a adoção de uma inovação, mesmo eficiente num sentido, pode produzir efeitos

indesejáveis, às vezes capazes de reduzir ou até anular os benefícios de adoção daquela inovação, trazendo

possíveis consequências negativas para o trabalho da assistência técnica, uma das responsáveis pela difusão das

variedades. Disponível em:<http://www.seagri.ba.gov.br/noticias/ 2014/10/09/monsanto-ter%C3%A1-que-

indenizar-produtor-de-algod%C3%A3o-da-bahia>. Acesso em: 16 nov.2014. 60

A respeito da responsabilidade da ATER na modernização das propriedades agrícolas no Brasil, ver Alves e

Pastore (2013).

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Observando-se de forma integrada, tal qual enseja a abordagem do SNIA, nessa

possibilidade do insucesso do processo inovativo é possível visualizar um conjunto de

variáveis que pode determinar o fracasso do processo de adoção. De forma ampla, essas

variáveis ou condicionantes podem acelerar, retardar ou até impedir o processo de

modernização da agricultura e podem estar associadas aos distintos atores, inclusive

associadas à própria ATER.

Dito de outra forma: algumas dessas variáveis/condicionantes podem ser inerentes à

própria inovação (acesso, adequação, Direitos de Propriedade Intelectual, etc.); ou inerentes

ao perfil do produtor rural (escolaridade, aversão ao risco, etc.); ou às condições de

infraestrutura da propriedade agrícola (qualidade de solos, disponibilidade de energia, oferta

hídrica, estradas, armazenamento, etc.); ou ainda às condições dos outros instrumentos de

política (acesso e adequação do crédito rural, da política de preços, da política de seguro, da

política de acesso à terra, etc.); ou às condições da posse da terra (arrendatário, posseiro,

assentado da reforma agrária, etc.); ou às condições dos regulamentos legais (licenciamento

ambiental, código florestal, defesa sanitária animal e vegetal, tributação, etc.), ou às condições

de mercado (acesso, concorrência, oferta de insumos, estruturas de intermediação, preços,

etc.); e, por último, inerentes às condições do próprio serviço de assistência técnica e

extensão rural (acesso, qualidade, disponibilidade, etc.).

Um outro aspecto a ser considerado é que o conjunto dessas variáveis/condicionantes

mencionado acima que atua favorecendo, retardando ou até impedindo o progresso técnico da

propriedade rural tem um impacto diferenciado a depender do perfil do produtor. Este último

aspecto foi qualificado por Mendes, Buainain e Fasiaben (2015) como heterogeneidade

produtiva, de infraestrutura e socioeconômica. Nesse propósito, é esclarecedora a discussão

trazida pelos três estudiosos ao elencar entre os principais condicionantes do processo de

adoção de inovações na agricultura brasileira, exógenos à Embrapa:

(...) a fragilidade da extensão rural e da assistência técnica; a criação da Agência

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e o risco de confusão de

papéis de pesquisa e extensão; a existência de dois Ministérios (da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário) que atuam no espaço

rural; a heterogeneidade produtiva, de infraestrutura e socioeconômica dos

agricultores; a elevada taxa de analfabetismo no meio rural; a dicotomia entre

agricultura familiar e agricultura empresarial como sendo um falso dilema; e a

hierarquia de comando nas cadeias produtivas agrícolas, que interfere na decisão da

tecnologia a ser adotada. (MENDES; BUAINAIN; FASIABEN, 2015, p. 167)

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Ou seja, dentre os demais condicionantes, pode-se destacar que quanto mais acentuada

for a heterogeneidade produtiva, infraestrutural e socioeconômica do produtor, maior será o

impacto sobre o processo de modernização daquela propriedade ou daquela comunidade.

Para o caso dos produtores com grau de heterogeneidade mais próximo à pobreza, o

desafio de promover a adoção de tecnologias de responsabilidade do serviço de extensão

rural, um dos poucos instrumentos de política ao qual essa categoria de produtor ainda tem

acesso, pode ser considerado uma tarefa das mais complexas. Esse fato concorre para que a

ATER torne-se um dos atores mais questionados sobre a sua responsabilidade na ausência de

modernização das propriedades rurais, sobretudo no Brasil. Aqui, o curioso é que, de acordo

com o Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, cerca de 78% dos estabelecimentos

rurais brasileiros não receberam nenhum tipo de orientação técnica naquele ano. Nesse caso, a

quem deve ser atribuída a responsabilidade pelo atraso tecnológico?

Em síntese, pode-se perceber que embora o modelo do SNIA apresente a ATER como

um ator de atuação semelhante a todos os demais, em algumas situações particulares, como no

caso do Brasil, a ATER possui características específicas, relacionadas principalmente à

natureza do seu trabalho, o que implica numa maior proximidade ao produtor rural,

característica que a torna um ator com alguma diferenciação em relação aos demais.

De fato, essa proximidade da ATER junto ao produtor traz consigo um grau de

responsabilidade importante, do qual a ATER não pode se eximir, especialmente quando se

constitui num verdadeiro primeiro "filtro" daquelas inovações que a ATER julga inadequadas

e que, às vezes, nem são difundidas a um determinado produtor.

Mesmo assim, detentora dessa responsabilidade, por exercer, dentre outras, a condição

de maior proximidade, natural do papel de assessoramento ao produtor rural, a ATER não

pode, contudo, responsabilizar-se unicamente pelo atraso tecnológico do conjunto das

propriedades por ela assistido, quiçá, talvez, apenas naqueles casos onde o "filtro" possa ter

falhado. Ou seja, embora uma constatação óbvia, por tratar-se de um sistema constituído por

vários atores, torna-se aqui justificável face à recorrência da crítica que individualiza a

responsabilidade na ATER.

Das discussões empreendidas neste capítulo, é possível destacar alguns elementos que

se constituem em referências teóricas para a compreensão da complexidade do processo

inovativo na agricultura, no sentido mais amplo, assim como sobre o papel da ATER nesse

mesmo processo.

O primeiro desses elementos diz respeito à escolha do referencial teórico apoiado na

abordagem dos Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola (SNIA), concebida como a

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referência mais adequada para abranger e qualificar um conjunto de múltiplas relações que se

verifica no interior do ambiente inovativo, envolvendo outro conjunto diversificado de atores,

seja do setor governamental ou não, e que produz repercussões nas esferas econômica, social,

científica, ambiental e político-institucional.

Um outro elemento de destaque é aquele relacionado com a importância das instâncias

de coordenação e de governança elementos essenciais à fluidez dos sistemas nacionais de

inovação agrícola. Nesse caso, torna-se particularmente crítica a necessidade de uma melhor

integração na estratégia da política nacional de inovação com as demais políticas a nível

nacional, em especial as políticas agrícolas, o que leva a necessidade de clareza de papéis e

funções de cada ator envolvido.

Novamente, ao se olhar para o caso brasileiro, no qual a agricultura é responsabilidade

de dois ministérios, torna-se nítido identificar o potencial de ampliação das dificuldades de

coordenação e governança, fato que por certo se refletirá nas dinâmicas dos SNIA.61

O último elemento a se destacar está relacionado com o papel da ATER no SNIA. A

partir da trajetória dos sistemas de "conhecimento agrícola" nos quais o papel da ATER ganha

importância gradativamente, desde o papel de difusão simples, até um protagonismo maior na

construção social da inovação. Essa evolução teórica, entretanto, não eximiu a ATER, por

força da natureza do seu próprio trabalho de se constituir no ator mais próximo ao produtor

rural, atribuindo-lhe uma responsabilidade a mais no plano operacional do processo de

inovação.

Em escala global, segundo o World Bank (2012), esse fato é acrescido por um

conjunto variado de problemas vivenciados histórica e constantemente pela ATER

governamental, tais como: insuficiência de financiamento, tecnologias inadequadas, precária

qualificação das equipes técnicas, frágil integração com a pesquisa agrícola e limitada

participação dos produtores. É inegável que este conjunto de problemas exerce repercussão

direta e negativa na credibilidade da ATER, sendo mais aguda quanto maiores forem a sua

proximidade ao produtor rural e a sua responsabilidade funcional no SNIA.

61

Os dois ministérios eram o da Agricultura (MAPA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A

partir da reforma administrativa de 2016, com o novo governo, as funções do MDA foram transferidas para a

Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), agora vinculada a outro

ministério, Ministério da Casa Civil da Presidência da República.

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101

3. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA E O PAPEL DA ATER E

PESQUISA AGRÍCOLA EM PAÍSES SELECIONADOS

O objetivo deste capítulo é o de proporcionar uma caraterização ampla e evolutiva dos

principais serviços de extensão rural e, complementarmente, da pesquisa agrícola, em países

selecionados, de forma articulada com o ambiente agrícola que os circunda.

O interesse central dessa caracterização é que sejam identificados elementos analíticos

que possibilitem o estabelecimento de referências conceituais e funcionais, que possam

permitir uma adequada compreensão entre o perfil institucional, organizacional e operacional

desses serviços, em comparação com os seus congêneres no Brasil.

O capítulo é desenvolvido a partir da discussão sobre as razões que nortearam a

seleção dos países e pela análise do ambiente agrícola nos quais se inserem os serviços de

pesquisa agrícola e extensão rural, com ênfase especial para a relação desses serviços com os

respectivos Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola.

Em seguida, descreve-se a evolução dos serviços de extensão rural e de pesquisa

agrícola nos países selecionados, com o intuito de se identificar elementos de diferenciação

analítica na trajetória de cada um deles, que possam explicar ou conformar traços de

sustentabilidade institucional nessas trajetórias.

As referências mais importantes aqui obtidas para cada país e apresentadas sob a

forma de “elementos de síntese” são, ao final, destacadas e ordenadas na "Síntese dos

Elementos", devendo constituir-se em insumos indicativos que contribuam para o debate de

um novo perfil da ATER e do extensionista brasileiros.

3.1. Premissas da escolha, os países selecionados e uma caracterização geral

Considerando a impossibilidade de o estudo contemplar o exame dos principais

serviços de extensão rural e de pesquisa agrícola existentes num grande número de países, em

face também da existência de fortes assimetrias entre eles, o que produziria um volume

considerável de informações, números e análises, entre outros, optou-se por trabalhar com

uma amostra de cinco países, incluindo-se o Brasil (tema do Capítulo 5).

Para tanto, referenciou-se a escolha à aderência de cada país a um conjunto de

premissas que refletisse a importância da agricultura para o desenvolvimento de cada um

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102

deles, assim como de elementos constituidores de um sistema de apoio à inovação agrícola,

com destaque para o serviço de ATER.

A primeira das premissas considerada na seleção da amostra dos países está ligada à

presença de um setor agrícola com importância econômica e/ou estratégica, caracterizado

como um vetor relevante para o processo de desenvolvimento daquele país. A segunda

premissa considerou o grau de integração da agricultura na economia, expresso pela presença

de cadeias de valor, denotando encadeamentos da produção agrícola com o setor

agroindustrial, demonstração de uma certa maturidade e robustez da economia agrícola. A

terceira premissa privilegiou a ocorrência de serviços de pesquisa agrícola e de assistência

técnica e extensão rural com algum grau de tradição e maturidade. Uma quarta premissa

identificou como relevante a presença de elementos relacionados diretamente ao perfil do

setor agrícola de cada país que guardassem alguma articulação com a concepção teórica dos

Sistemas Nacionais de Inovação, aspecto essencial para os objetivos deste estudo. A quinta

premissa entendeu adequado considerar importante a presença do segmento caracterizado

como agricultura de base familiar, articulado ou não com segmentos de agricultura

empresarial, na realidade agrícola do país selecionado. A sexta e última premissa, a rigor, uma

recomendação, sugeriu que a localização espacial dos países, observadas as recomendações

anteriores, fosse a mais diversificada possível, buscando-se, assim, capturar eventuais

elementos positivos oriundos das distintas realidades socioambientais e econômicas.

Desse modo, seguindo as orientações estabelecidas no conjunto das premissas

discutidas anteriormente e compatibilizadas com os propósitos deste estudo, os países

selecionados foram Argentina, Estados Unidos, França e África do Sul.

Uma breve caracterização geral dos países selecionados demonstra que os Estados

Unidos se colocam como o país de maior superfície total e também de maior área colhida com

cereais em 2013, sendo seguidos, em ambas as situações, por Brasil, Argentina, África do Sul

e França. Cabe destacar que a área colhida com cereais nos Estados Unidos em 2013 foi

superior em mais de 14 milhões de hectares à soma das áreas colhidas dos demais países.

Quanto à população, os Estados Unidos também despontam como o país mais

populoso dentre aqueles selecionados, com mais de 316 milhões de habitantes, ficando a

Argentina em último lugar com mais de 41 milhões de pessoas (Tabela 1). O importante dessa

informação é notar que os Estados Unidos, embora possuam a maior população dos países

aqui selecionados, é também o país que possui, proporcionalmente, a menor participação da

PEA-Agrícola na PEA Total (FAO, 2013).

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103

Tabela 1- Superfície, População, Área total colhida com cereais, proporção da área total

colhida com cereais na superfície total do país e IDH dos países selecionados

MACRO INDICADORES ARGENTINA BRASIL FRANÇA ÁFRICA DO

SUL

ESTADOS

UNIDOS

Superfície do país em 1000 ha. (1) 278.040 851.577 54.909,1 121.909 983.151

População em 1000 hab. (2) 41.446,2 200.361,9 65.939,8 53.157,4 316.128,8

Taxa alfabetização adultos /Pop.

Total (3) 97,91 91,33 - 93,72 -

Área total colhida c/ cereais em

1000 ha. (4) 10.962 20.906,1 9.544,1 3.992,8 59.472,6

Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) (5) 0,808 0,744 0,884 0,658 0,914

Fontes: (1)(2) World Bank (2013); (3) World Bank (2012); (4) FAOSTAT. 2013; e (5) Pnud /ONU- 2013 (Disponível

em:<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2013.aspx.FAOSTAT).

Outra informação relevante, para os propósitos desta tese, trazida pela Tabela 1 diz

respeito à taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais, indicador no qual o Brasil

aparece, em 2012, como o país de menor taxa dentre os países selecionados. Admitindo-se

que essa situação é ainda mais grave no meio rural, tem-se, assim, a presença de um elemento

condicionante importante da adoção de inovações na especialmente na agricultura brasileira.62

Uma tentativa da aferição da qualidade de vida nos países selecionados é mensurada

pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), índice que demonstra o posicionamento

líder dos Estados Unidos, seguidos pela França, Argentina, Brasil e África do Sul (Tabela 1).

Visto por outro ângulo, é curioso notar que os três últimos países na escala do IDH,

Argentina, Brasil e África do Sul, são exatamente aqueles nos quais a agricultura tem o maior

peso da economia, ao se analisar a relação PIB agrícola / PIB total (Tabela 2).

Quanto à relevância da economia agrícola, os quatro países selecionados, acrescidos

ao Brasil, possuem um peso expressivo no cenário da agricultura global, representando, em

2013, aproximadamente 20% do PIB agrícola mundial (Tabela 2).

62

Segundo dados do Censo 2010, a taxa de analfabetismo alcançou 28% nos municípios com até 50 mil

habitantes na região do Nordeste brasileiro. (Disponível em:< http://www.censo2010.ibge.gov.br/pt/noticias-

censo?view=noticia&id=3&idnoticia=2019&busca=1&t=indicadoressociais-municipais-2010-incidencia-

pobreza-maior-municipios-porte-medio>.Acesso em: 31 maio 2015.

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104

Tabela 2 - PIB Total, PIB Agrícola e participação do PIB Agrícola no PIB Total no

mundo e nos países selecionados (em US$ correntes)

PAÍSES

PIB Total

(US$ bilhão)

2013

PIB-A (¹) / PIB Total

(%)

(2010-2013) (²)

PIB-A

(US$ bilhão)

2013

Argentina 609,89 7,5 45,74

Brasil 2.245,67 5,4 121,27

França 2.806,43 1,8 50,52

África do Sul 366,06 2,5 9,15

E. Unidos 16.768,10 1,3 217,99

MUNDO 75.621,86 3,1 2.344,28

(¹) PIB -A = PIB Agrícola;

(²) Para os E. Unidos e Mundo, considerou-se média do período:2010-2012

Fonte: World Bank e estimativas do autor.

Embora constate-se que a participação do PIB agrícola no PIB total dos países

selecionados apresente contribuição bem inferior, relativamente aos seus respectivos

setores industrial e de serviços, além de comportamento levemente decrescente no

período de 2000 a 2013 (Gráfico 1), a FAO (2013) estima que um terço da população do

mundo obtenha sua sobrevivência da atividade agrícola.63

Gráfico 1 - Participação (%) do PIB Agrícola no PIB Total dos países selecionados, 2000

a 2013

Fonte: World Bank (2015).

63

Utilizando-se o conceito de "Agronegócio", cunhado por Davis e Goldberg (1957) e Goldberg (1968), o PIB

do agronegócio do Brasil, por exemplo, participou com 22% do PIB total, em 2013, valor bem superior aos 5,4%

da Tabela 2. Dados sobre o agronegócio brasileiro, disponíveis em: <http://cepea.esalq.usp. br/pib>. Acesso em:

31 mai. 2015.

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105

Ainda no plano interno aos países selecionados, na média 2010-2013, a

Argentina é o país cuja contribuição da agricultura na formação do PIB tem sido bem

superior à dos demais, sendo quase 40% superior à contribuição do Brasil, que é o

segundo colocado. Os Estados Unidos, embora tenham apresentado no período 2010-

2013 a menor contribuição relativa média, é aquele em que a estimativa do valor

absoluto do PIB agrícola foi a mais destacada para 2013, representando quase que a

soma do PIB agrícola dos demais países selecionados.

Ademais, não se pode deixar de considerar que esses números do PIB agrícola e

PIB total possuem uma relação direta com o grau de desenvolvimento dos setores

industrial e de serviços do país. Em certo sentido, os Estados Unidos e a França, países

tradicionalmente mais desenvolvidos, possuem economias mais modernas e

diversificadas, nas quais o setor agrícola, contabilizado apenas como o setor primário, é

um dos grandes indutores da dinâmica econômica, produzindo ligações e articulações a

montante e a jusante com os demais setores, dando a falsa impressão de ser um setor de

pequena dimensão e gerador de poucos empregos.

Um outro movimento importante constatado ao se observar a caracterização

geral da agricultura dos países selecionados é o crescimento da participação relativa

feminina na PEA agrícola na Argentina, no Brasil e nos Estados Unidos.64

Saliente-se

que, embora a França e a África do Sul não apresentem as mesmas tendências de

crescimento dos outros três países, a participação feminina desses dois países na PEA

agrícola é a mais expressiva entre todos os selecionados ao longo das mesmas três

últimas décadas. Tendências dessa natureza devem, seguramente, fazer parte das novas

estratégias dos serviços de extensão e de pesquisa, outrora marcadas pela presença

masculina majoritária.

Nesse quadro geral e introdutório, é possível perceber em países como Brasil,

Argentina e África do Sul, a presença marcante de uma agricultura de dupla face: uma

avançada, competitiva e uma outra, pouco tecnificada e de base familiar, constituída por um

contingente expressivo de pessoas e de estabelecimentos agropecuários, cujo atendimento da

demanda por serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural de qualidade, dentre outros,

parece urgente e estratégico.

64

Fonte: FAO-El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2010-11.

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106

3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e configuração

recente

A partir da caracterização de natureza introdutória elaborada na seção anterior,

acredita-se melhor sedimentado o terreno para a discussão que é feita nesta seção sobre a

evolução e a configuração recente dos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural, em

cada um dos países selecionados.

3.2.1 África do Sul

A opção analítica pelos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural da África do

Sul foi fundamentada em argumentos contextuais mais recentes, respeitado o conjunto de

premissas. O primeiro argumento é oriundo da United Nations Commission for África ao

afirmar que a África é o continente no qual a maioria dos países tem na agricultura o seu

principal vetor de crescimento, 70% das pessoas vivem em áreas rurais e 90% da população

rural tem na agricultura a sua principal fonte de renda (LARSEN; KIM; THEUS, 2009, p. 3).

Mais recentemente, o Africa Progress Panel no seu Relatório de Progresso de 2015, alerta

que:

“Grande parte da agricultura africana está bloqueada num círculo vicioso de produtividade

baixa, pobreza e degradação ambiental. Entre 2000 e 2010, perderam-se cerca de 2 milhões de

hectares de floresta por ano” (AFRICA PROGRESS PANEL, 2015, p. 22; tradução nossa).65

Em contrapartida, a FAO apontava para uma transformação importante nesse cenário:

a África subsaariana pode estar revertendo esta situação, haja vista os resultados positivos da

produção de alimentos, aliados a outras mudanças que ocorrem no continente, como a redução

do número de conflitos armados, a melhoria da capacidade de instituições regionais e sub-

regionais e os avanços realizados em prol do desenvolvimento do ambiente de negócios,

eventos que criam uma atmosfera otimista para a agricultura africana (FAO, 2010, p. 2).

Uma demonstração dessa nova realidade foi a adoção, em 2003, pelos governos

africanos do Comprehensive Africa Agriculture Development Program (CAADP), uma

iniciativa africana sob o patrocínio da New Partnership for African Development

65

“Land use should be a focal point for strategies aimed at unlocking these benefits. Much of African

agriculture is locked in a vicious circle of low productivity, poverty and environmental degradation. Around 2

million hectares of forest were lost annually between 2000 and 2010” (AFRICA PROGRESS PANEL, 2015, p.

21).

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107

(NEPAD), que objetiva a eliminação da fome e a redução da pobreza, por meio do

crescimento sustentável da agricultura. O programa é fundamentado em quatro pilares,

sendo um deles o trabalho intensivo em pesquisa agrícola e extensão e estabelece

como meta o crescimento da produção agrícola em 6% anuais, nos próximos 20 anos. O

programa também prevê o compromisso de os governos investirem um mínimo de 10%

na agricultura dos seus orçamentos anuais. Deve-se registrar que o Programa tem

apresentado alguns problemas na sua implementação, como a falta de envolvimento do

setor privado, mas, por outro lado, tem revelado o apoio de alguns governos em

investimentos superiores ao que preconiza o programa (UNITED NATIONS, 2013, p.

106).66

Dentre os países que mais têm-se destacado nesse ambiente de transformação do setor

agrícola africano está a África do Sul, cuja ênfase ao papel da ciência, tecnologia e inovação

tem impulsionado o país a alcançar novos padrões de desenvolvimento agrícola, priorizando a

competitividade e a sustentabilidade, conforme atesta o seu Plano estratégico 2011/2012 a

2014/2015 (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2011).

O segundo e mais importante argumento que justifica a opção pela África do Sul está

relacionado ao fato de o país apresentar uma agricultura com características muito próximas

às da agricultura brasileira, com a presença de uma agricultura empresarial e outra de base

familiar, tal como se observa no Brasil.67

Ainda numa visão macro, a África do Sul possui a maior economia e a maior

superfície dos países do continente africano, todavia, possui, também elevado grau de

desigualdade, em ambos os aspectos. Segundo Lariff (2007), nenhum país africano sofreu

maior expropriação de terras, inicialmente indígenas, do que a África do Sul. A ação de

colonizadores holandeses e britânicos foi iniciada cedo, 1650, e durou por muito tempo, cerca

de 300 anos.68

66

Embora louvável a iniciativa, o World Bank (2016) emitiu recentemente o seguinte alerta: “O crescimento da

produtividade agrícola na África está aquém do registado noutras regiões. Enquanto os aumentos da produção

noutras regiões do mundo foram impulsionados pelo melhor uso dos fatores de produção e por melhorias em

tecnologias de produção, na África eles resultaram sobretudo da expansão da área de cultivo” (World Bank,

2016). Disponível em:< http://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2016/09/29/africas-economic-growth-

continues-to-falter-yet-some-countries-show-signs-of-resilience>. Acesso em 29 abr.2017. 67

Aqui não se ignora a possibilidade da existência de “subtipos” dentro dessas categorias, conforme esclarecem,

por exemplo, Barril e Almada (2007, p. 1), aprofundamento que será tratado mais adiante. 68

No período imediatamente anterior à transição democrática, o país apresentava um perfil distributivo da terra

com grandes distorções: cerca de 82 milhões de hectares da agricultura comercial (equivalentes a 86% das terras

agricultáveis e 68% da área total), eram de propriedade da minoria branca, quase 11% da população, área

distribuída em, aproximadamente, 60 mil unidades produtivas. Com o fim do regime do Apartheid, a questão

fundiária se constituiu em elemento fundamental no contexto das políticas de reparação, sendo, portanto, objeto

de inclusão na carta constitucional, por intermédio das políticas de reforma agrária (KAHN, 2007, p. 3).

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108

Extensão rural na África do Sul

A primeira atividade agrícola de contornos comerciais que se tem notícia na África do

Sul se refere à implantação de áreas de cana-de-açúcar, localizadas na Província de Kwa-

Zulu-Natal, no ano de 1848.

Quase 150 anos depois, a queda do regime do “apartheid”, ocorrida em 1994,

provocou também no mesmo ano mudanças importantes na indústria açucareira do país,

dentre as quais a transferência da responsabilidade pelo financiamento dos serviços de

extensão para os produtores de cana. O argumento das usinas era o de que o serviço de

extensão era voltado principalmente para o atendimento direto aos produtores e não para a

indústria. Mesmo assim, os usineiros decidiram contribuir com o financiamento do serviço de

extensão, através de uma taxa adicional, calculada sobre uma unidade de referência

denominada de “tonelada básica”.

De fato, há registros que a South Africa Sugar Association (SASA)69

não dispunha

de recursos suficientes para prover um serviço de extensão eficiente para os pequenos

produtores emergentes de Kwa Zulu-Natal. Em contrapartida, disponibilizou a sua

infraestrutura de pesquisa para todos os produtores, além de instituir uma representação

dos pequenos produtores no Comitê Gestor das estações experimentais. Ao lado dessa

providência, a direção da Estação Experimental propôs ao Ministério da Agricultura a

formação de uma parceria com o objetivo de oferecer um serviço de extensão rural aos 46

mil pequenos produtores de cana da província, superando as dificuldades individuais de

cada instituição na prestação desse importante serviço. Desse modo, em 1995, fruto da

parceria iniciativa privada e governo, foi firmado um acordo, criando o programa de

extensão, para o qual a SASA disponibilizava quatro equipes de especialistas na cultura de

cana e produção de açúcar, enquanto o órgão do governo colocava 36 técnicos com a

função de agentes de extensão à disposição do programa (RIVERA; ALEX, 2004b, p.

43). Esta parceria incluía inúmeros parceiros informais que, em certo sentido,

conformavam a cadeia produtiva da cana na região; dentre os parceiros informais,

estavam: agentes das usinas, comerciantes, produtores de médio porte, Comitê de

69

Organização privada, sem fins lucrativos, mantida por produtores e usineiros de cana-de-açúcar.

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109

Usineiros de Cana, organizações de produtores, fornecedores de insumos, outros

fornecedores, autoridades tribais e representantes municipais.70

Abstraindo-se a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, o serviço de extensão rural no

resto do país não era diferente. Podia ser considerado como um dos responsáveis pelas

dificuldades enfrentadas pelos produtores de cana mencionadas anteriormente, ou seja,

atendimento precário às principais necessidades dos demais produtores rurais, sobretudo

aqueles de menor porte.

No propósito de superar esse quadro, o Ministério da Agricultura encomendou um

estudo, que apontasse para um novo modelo de ATER para o país.71

Esse estudo, que contou

com a participação de atores-chaves oriundos das nove províncias, e não se limitou a apontar

um modelo, mas identificou importantes princípios balizadores do modelo de uma nova

ATER para o país, recomendando, por fim, a implementação da “Participatory Programmed

Extension Approach” (PPEA). Com base nesse estudo, o Ministério da Agricultura aprovou,

em 2005, um estudo denominado de “Norms and Standards” sobre o qual deveriam se

estruturar os serviços de extensão rural e assistência técnica do país. A expectativa gerada por

essa iniciativa pode ser traduzida pela seguinte afirmação:

Norms and standards for extension and advisory services in agriculture came about

as a response to the gaps prevalent in the extension and advisory services in South

Africa. The lack of a national framework for extension and advisory services created

confusion with regard to the roles and responsibilities of different stakeholders on

service delivery. (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. V)72

Nesse mesmo estudo, “extensão” é definida como: um sistemático processo de

trabalho com produtores ou comunidades no sentido de ajudá-los a adotar conhecimentos

agrícolas úteis e relevantes, possibilitando-lhes competência para aumentar a produtividade

agrícola. Para os serviços de “assistência técnica ou consultoria”, o estudo os define como

“um serviço técnico prestado aos produtores por especialistas, organizações privadas ou por

empresas prestadoras de serviços comerciais” (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1).

70

Para os autores do estudo, os parceiros envolvidos nos programa, formais ou informais, estavam convencidos e

motivados de que o aumento da produção de cana conduziria ao desenvolvimento regional, sendo esse o “fio

condutor” que balizava a iniciativa do conjunto dos atores envolvidos (RIVERA & ALEX, 2004b, p. 43). 71

Estudo que teve o patrocínio financeiro do Governo da Holanda (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p.

1). 72

“A abordagem sobre as Normas e Padrões para extensão e serviços de consultoria na agricultura surgiu como

uma resposta às lacunas prevalecentes na extensão e nos serviços de consultoria na África do Sul. A falta de uma

referência regulatória nacional para extensão e serviços de consultoria criou confusão no que diz respeito aos

papéis e responsabilidades dos diferentes atores na prestação de serviços” (Tradução nossa).

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110

As transformações pretendidas para os serviços de extensão e de assistência técnica ou

de consultoria, contidas no documento “Norms and Standards”, perseguiam três objetivos de

grande alcance: (i) melhorar a eficiência, a relevância e a eficácia do custo do financiamento

público dos serviços de extensão rural e de consultoria; (ii) promover uma abordagem

participativa para extensão agrícola e para os serviços de consultoria; e, por último, (iii)

promover e implementar a abordagem de cadeia de valor para garantir um serviço de apoio

mais integrado e articulado (REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL, 2009, p. 1).

Ainda no mencionado documento, de forma complementar aos objetivos e com o

intuito de tornar mais claros os limites sobre os quais esses mesmos objetivos deveriam se

situar, foram instituídas seis funções básicas, denominadas de “áreas-foco”, que indicavam,

com especificidade, a natureza qualitativa desejada para a modernização dos serviços de

extensão e de assistência técnica/consultoria do país:

(1) Facilitar o acesso aos serviços de extensão e de consultoria, que levam à

geração sustentável de renda pelos clientes; (2) proporcionar e facilitar o acesso à

informação agrícola para uma melhor planificação e tomada de decisão; (3) facilitar

o acesso à tecnologia e, se possível, fornecer tais tecnologias;(4) Proporcionar e

facilitar o acesso ao assessoramento sobre produção agrícola sustentável; (5)

Proporcionar e facilitar assessoramento sobre o desenvolvimento de competências

na agricultura; (6) Fortalecer as parcerias para a prestação eficaz dos serviços.

(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1; tradução nossa)73

No contexto dessas transformações, outra iniciativa complementar importante foi

tomada pelo Ministério da Agricultura ao encomendar outro estudo, cujo objetivo foi o de

avaliar o perfil do pessoal da extensão existente. O perfil existente verificado seria então

confrontado com o perfil ideal preconizado pelo estudo “Norms and Standards”, e inspirado

à luz das novas atribuições a serem requeridas pelos “novos” serviços de extensão e de

assistência técnica do país. De posse desses elementos, o propósito do trabalho apresentado ao

Encontro de Ministros em 2007 seria o de eliminar as diferenças existentes entre os dois

perfis.74

Ou seja, estabelecia-se no seio do governo a convicção de que o perfil do

extensionista seria crucial para o sucesso do modelo da nova extensão.

73

“(i)Facilitate access to extension and advisory services that lead to sustainable income generation by clients.

(ii) Provide and facilitate access to agricultural information for improved planning and decision making.(iii)

Facilitate access to technology and where possible, provide such technologies.(iv) Provide and facilitate access

to advice on sustainable agricultural production.(v)Provide and facilitate advice on skills development in

agriculture.(vi)Strengthen partnerships for the effective delivery of services” (REPUBLIC OF SOUTH

AFRICA, 2009, p. 1). 74

Departmental Executive Committee (DEXCO) e Intergovernmental Technical Committee on Agriculture and

Land Affairs (ITCAL).

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111

De acordo com as recomendações aprovadas e contidas no documento Republic of

South Africa (2005), todos os prestadores de serviços de extensão rural e de assistência

técnica (“advisory services”) para responderem aos objetivos da “nova extensão” deviam

possuir um perfil profissional que contemplasse o domínio das seguintes áreas: (i) orientação

ao cliente e foco no cliente (significa prestar serviço com excelência de qualidade, para a qual

as boas relações interpessoais são uma exigência); (ii) comunicação (partilhar informações e

ideias de forma clara e concisa apropriadas ao público-alvo, a fim de explicar, persuadir,

convencer e influenciar, no sentido de alcançar os resultados desejados); (iii) gerenciamento

de projetos (competência e habilidade para planejar, gerenciar, monitorar e avaliar atividades

específicas); (iv) gestão do conhecimento (capacidade para promover a geração e a partilha de

conhecimentos e aprendizagens, a fim de aumentar a produtividade do (s) agricultor (es),

incluindo a competência num determinado campo de especialização, como produção

agrícola, pecuária, horticultura, negócios agrícolas, ordenamento territorial, entre outros)

(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2005, p. 7; tradução nossa).

A partir da publicação dos documentos “Norms and Standards” e do relatório sobre o

perfil dos serviços de extensão e de assistência técnica/consultoria, tomou-se a decisão de

responsabilizar o Deparment of Agriculture (DoA) de organizar, em março de 2008, uma

conferência sobre os serviços, denominada “Extension Indaba”, que teria, dentre outros

objetivos, aquele de propor novas abordagens para o serviços de extensão e de assistência

técnica/consultoria, de modo a torná-los mais visíveis e transparentes para seus clientes, os

produtores rurais.75

Fechando o ciclo do planejamento traçado para a estruturação das bases sobre as

quais deveriam se posicionar as transformações requeridas pelos serviços de extensão e

de assistência técnica/consultoria, a Conferência “Extension Indaba” estabeleceu oito

recomendações principais, que revelavam, por consequência, as fragilidades do serviço

de ATER e que deveriam ser superadas, assim como os avanços que deveriam ser

buscados. Nessas recomendações, todas importantes, dado o interesse deste estudo,

chama-se a atenção para duas delas, que enfatizam: a necessidade de serem “reforçados

os acordos de cooperação com instituições de pesquisa, ensino e extensão"; a segunda

que enfatizava que "cada província deveria definir uma política de TICs, na qual estariam

75 Para detalhes sobre os outros objetivos da conferência, ver Republic of South Africa (2009, p. 2).

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112

contempladas as necessidades do pessoal do serviço de extensão e de assistência

técnica/consultoria.76

A partir de então, 2008/2009, o Ministério da Agricultura, na condição de

coordenador nacional dos serviços de extensão rural e assistência técnica, em conjunto

com as suas representações regionais (Provincial Departamentos of Agriculture-PDAs),

passou a implementar a execução do “National Extension Recovery Plan”, em todo o país

(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. V).

National Extension Recovery Plan

O National Extension Recovery Plan ou o Plano Nacional de Recuperação da

Extensão foi definido como sendo a "estratégia utilizada pelo Ministério da Agricultura da

África do Sul para promover a imagem do serviço de extensão rural no país".77

Em síntese,

este Plano pode ser considerado como produto das conclusões do Relatório sobre o “perfil”

dos serviços de extensão e de assistência técnica, do documento “Norms and Standards” e dos

resultados obtidos a partir da conferência “Extension Indaba”.

A partir da trajetória e dos fundamentos descritos até então, o “National Extension

Recovery Plan” foi estruturado em cinco eixos básicos:

i) Assegurar que o serviço de extensão seja dotado dos princípios da visibilidade e

“accountability”;

76

As oito recomendações principais: (i) que todas as nove províncias (Eastern Cape, Free State, Gauteng,

KwaZulu-Natal, Limpopo, Mpumalanga, Northern Cape, North West e Western Cape) desenvolveriam e

implementariam um Plano de Extensão, que deveria: (a) incorporar as diretrizes contidas nos documentos

“Norms and Standards”, “perfil do pessoal de extensão” e “Extension Indaba”; (b) estar compatível com as

condições de financiamento estabelecidas na “Division of Revenue Act”- DORA e previstas no “Medium Term

Expenditure Framework”-MTEF; e (c) definir metas/produtos, sistemas de comunicação e relatórios; (ii) o

documento “Norms and Standards”, deveria ser revisado e ampliado, de modo a propiciar os elementos

necessários à construção de um consistente ambiente regulatório para os serviços; (iii) todas as províncias

deveriam adotar, para os agentes de extensão e de assistência técnica/consultoria contratados, um termo de

compromisso de metas de desempenho, que deveria fazer parte do planejamento das atividades; (iv) cada

província deveria definir uma política de TICs, na qual estariam contempladas as necessidades do pessoal do

serviço de extensão e de assistência técnica/consultoria, no que se refere a equipamentos e demais ferramentas

necessárias ao trabalho a ser desenvolvido, assim como as responsabilidades desse pessoal com o contínuo

aprimoramento da política; (v) os serviços de extensão e de assistência técnica/consultoria deveriam criar

estruturas de acompanhamento/monitoramento sistemático da implementação do Plano de Recuperação da

Extensão; (vi) deveriam ser reforçados acordos de cooperação com instituições de pesquisa, ensino e extensão;

(vii) um plano nacional de coordenação do processo de treinamento e empoderamento do pessoal atual de

extensão deveria ser viabilizado de imediato; (viii) um sistema de reconhecimento e premiação por desempenho

deveria ser colocado em prática dentro de cada serviço de extensão e de assistência técnica/consultoria

(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 2, tradução nossa). 77

De acordo com o mesmo estudo, “Extension Recovery Plan- ERP”: “A strategy used by the DoA to improve

the image of extension services in the country” (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1, tradução nossa)

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ii) Promover o profissionalismo e a melhoria da imagem do serviço de extensão;

iii) Promover a requalificação e a reorientação da extensão;

iv) Prover a infraestrutura de Tecnologia de Informação e outros recursos;

v) Recrutar 1000 profissionais para a extensão, conforme estabelece o MTEF.78

Ultrapassada a fase de planejamento, os serviços de extensão rural público e o de

consultoria técnica passaram à fase de execução do Plano, na expectativa de alcançar a

“recuperação” da sua credibilidade junto à comunidade rural e ao próprio governo, cujos

principais resultados serão analisados a seguir.

Com base em relatórios anuais de desempenho do Plano, primeiro ano de execução

(2008/2009) e a versão relativa ao ano 2010/2011, constata-se que o Plano seguiu o

planejamento estabelecido e avançou em seus diversos “eixos”.79

Tais avanços dizem

respeito, principalmente, ao atingimento de metas de natureza administrativa, como a

contratação e capacitação de pessoal ou a aquisição de equipamentos, dentre outros.

Coincidentemente, estes indicadores são também muito comuns nos relatórios de atividades

do serviço de ATER do Brasil, que invariavelmente privilegiam os meios em detrimento dos

fins.80

Para se investigar sobre o desempenho qualitativo da ATER, buscou-se o Plano

Estratégico DAFF 2013/2014 a 2017 /2018 que, ao se referir à extensão rural, afirma que

o National Extension Recovery Plan apesar de ter méritos, especialmente quanto a maior

presença de extensionistas no campo, o serviço ainda não atende às necessidades dos

produtores. Este fato que está conduzindo o Ministério da Agricultura a liderar a criação

de uma política nacional de extensão e serviços de consultoria. Dentre outros objetivos, a

nova política deve propor o uso de metodologias de extensão alternativas, possíveis

novos arranjos institucionais para a prestação de serviços de extensão, incluindo as

“parcerias público-privadas”, assim como a criação de um grupo de especialistas para

assessorar os profissionais da extensão (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2013, p. 4).

Existem, no entanto, outras expectativas sobre papel do serviço de extensão

rural no país, sobretudo quando diante de desafios relevantes a serem enfrentados

pelo setor agrícola nacional, como é o caso das mudanças climáticas. A esse

78

Medium Term Expenditure Framework (MTEF). 79

Fonte: Annual Report Performance of the Extension Recovery Plan 2010/2011. Disponível em:<

http://www.nda.agric.za/doaDev/sideMenu/NationalExtensionSup Annual report Performance of the Extension

Recovery Plan 2010/201port/docs/anual%20rep_extension%20recoery%20plan%282%29.pdf>. Acesso em: 21

set. 2015. 80

Quanto ao conteúdo dos relatórios do serviço extensão rural no Brasil, ver, por exemplo, em Peixoto (2008, p.

22).

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propósito, Findlanter (2013) lembra que a África do Sul por ser considerado um país

de clima semiárido, com média de precipitação na casa dos 450 mm anuais, deve

ampliar as preocupações com relação às estratégias de enfrentamento das mudanças

climáticas.81

O mesmo autor afirma que as mudanças climáticas deverão repercutir

sobre as temperaturas e as chuvas e, por decorrência, sobre agricultura do país,

aumentando a incidência de pragas e doenças e perdas de ecosystem services, como o

processo de polinização. Essas mudanças vão exigir aperfeiçoamentos nos sistemas

de produção, objetivando assegurar a estabilidade produtiva e segurança alimentar,

sobretudo dos pequenos produtores, os mais vulneráveis e público preferencial da

extensão rural.82

Todavia, com relação ao serviço de extensão, Bhorat, Westhuizen e Jacobs

(2011) reconhecem que permanece uma grande a distância entre a tecnologia disponível

e a sua adoção por parte dos produtores rurais, sobretudo aqueles ditos pequenos

produtores emergentes que são os mais carentes de assistência. Nesse sentido,

acreditam os autores que o desafio principal a ser enfrentado pelo serviço de extensão é

a precária formação técnica específica dos extensionistas. Essa deficiência é apontada

pelos próprios produtores que percebem a falta de competências e habilidades no

domínio dos conteúdos técnicos exigidos numa produção agrícola mais moderna,

dificuldade tão importante quanto àquelas inerentes à insuficiência de financiamento

agrícola (BHORAT; WESTHUIZEN; JACOBS, 2011, p. 32). Esta preocupação tem

correspondência com um dos compromissos indicados para a política de extensão e

serviços de consultoria mencionada nesta seção (“criação de um grupo de especialistas

para assessorar os profissionais da extensão”).

81

Para efeito comparativo, o Semiárido brasileiro possui uma área de 982,6 mil km², muito próxima à área total

da África do Sul (1,2 milhão de km²), abrange 1.133 municípios de nove estados do Brasil, nos quais vivem 22

milhões de pessoas, 11,8% da população brasileira. A Região Semiárida foi delimitada com base na isoieta de

800 mm, no Índice de Aridez de Thorntwaite de 1941 (municípios com índice de até 0,50) e no Risco de Seca

(superior a 60%).Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/semiarido.shtm?c=4>.

Acesso em: 26 set.2015; e em: < http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=5106593d-

2ac0-477e-a539-632c1b5967e6&groupId=10157>.Acesso em 17 nov. 2013. 82

Os pequenos produtores ou de subsistência são particularmente importantes para o país no contexto das

políticas de reparação pós- Apartheid (FINDLATER, 2013, p. 2).

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Pesquisa agrícola e desenvolvimento

Para Liebenberg, Pardey e Kahn (2010), a estrutura de P&D voltada ao setor agrícola

da África do Sul experimentou mudanças expressivas por todo o século XX, fruto importantes

mudanças no perfil do setor agrícola sul-africano, tais como o crescimento da área média das

fazendas, paralelamente à redução do seu número (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010,

p. 40).

Do ponto de vista do setor público, há mais de um século o governo tem sido o maior

patrocinador da pesquisa agrícola na África do Sul. É também ao longo de quase um século

que se constata uma vigorosa transformação na estrutura de pesquisa agrícola no país, com

substantivos aumentos de mais de 10 vezes no número de cientistas e nos dispêndios com

pesquisa agrícola, por exemplo (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 41).83

A partir de 1970, as agências nacionais passaram a executar aproximadamente 60% da

pesquisa pública agrícola da África do Sul, as agências regionais 23% e as universidades

17%. Na primeira metade do século XX, as mesmas participações eram de 48%, 42% e 10%,

respectivamente. Nos anos recentes, a participação da indústria no financiamento de pesquisa

executada por agências públicas tem se situado ao redor de 20% dos dispêndios totais, fluindo

por intermédio do Agricultural Research Council-ARC (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN,

2010, p. 42).

Visto numa perspectiva de longo prazo, os autores do estudo acreditam que os

desenvolvimentos obtidos no âmbito da P&D agrícola são positivos, pois demonstram que, de

um início tímido no século passado, o país aumentou sua capacidade de formar cientistas

agrícolas, desenvolveu um razoável aparato institucional, além de criar estratégias de

autofinanciar-se, elementos essenciais para construir e manter uma forte estrutura de P&D

(LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 42).

O aparato institucional de pesquisa agrícola é liderado pelo Agricultural Research

Council (ARC) que é a principal instituição de pesquisa agrícola na África do Sul, criada em

1990, por intermédio da Agricultural Research Act 86. Tem caráter público e a missão de

liderar o processo de pesquisa e desenvolvimento agrícola no país, envolvendo a geração e a

transferência de tecnologia e de informação.

Com o apoio da Tabela 3, busca-se ilustrar a magnitude e a natureza do orçamento

com o qual trabalhou o ARC no exercício 2012/2013. Neste, constata-se que quase 70% das

83

Os cientistas que eram 120 no ano de 1911, chegaram a 1279, em 2007 (LIEBENBERG et al., 2010, p. 41).

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receitas obtidas são de origem pública. O restante da receita é obtido de outras fontes, esforço

que se busca ampliar a cada ano. A proporção das receitas que é destinada ao pagamento de

despesas com pessoal (2.322 funcionários permanentes84

) situa-se um pouco além da metade

do total das receitas da instituição. Neste mesmo Relatório, o ARC destaca uma nova

estratégia de atuação que é a busca por equilíbrio no esforço de P&D entre as demandas da

agricultura comercial e a pequena agricultura de base familiar ou emergente (ARC, 2013, p. 4;

13).

84

Do total de 2322 funcionários: 835 desempenham as funções de pesquisador, destes, 173 com Ph.D., 248, com

Sc. e 24 Veterinários e Engenheiros. Do total de funcionários: 60% homens e 40% mulheres (ARC, 2013, p.

.81).

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117

Tabela 3 – Orçamento do Agricultural Research Council (ARC) – 2012-2013

NATUREZA 2012 /2013

(Milhões-RANDE) US$¹ %

Receitas Públicas 747 70.403,90 68

Receitas Externas 333 31.384,88 30

Outras Receitas 23 2.167,72 2

Total das Receitas 1104 103.956,5 100

Despesas com Pessoal 612 57.680,32 55

¹Data cotação utilizada: 31/12/2013; Taxa85

: 1 Dólar dos EUA = 10,6102034 Rande/Africa Sul.

Fonte: ARC (2013).

Numa visão de curto prazo, Liebenberg, Pardey e Kahn, (2010) advertem que as

perspectivas são menos otimistas, haja vista que os valores reais de financiamento público

para a P&D não têm crescido desde 1992, os investimentos em P&D agrícola também estão

estagnados e, o mais grave, o país tem perdido um número substancial de cientistas agrícolas

bem treinados e experientes (LIEBENBERG; PARDEY; e KAHN, 2010, p. 42).

No âmbito do governo, a consciência clara sobre a importância do setor agrícola

motivou a elaboração e aprovação de um Plano Estratégico de médio prazo, 2011/12–

2014/15. Neste plano, seis objetivos fundamentais se destacam, apontando para o futuro da

atividade agrícola desejado pelo país, reservando um papel de relevância para os serviços de

pesquisa agrícola, assistência técnica e extensão rural.86

O grande resultado esperado é o atendimento à demanda da produção de alimentos,

garantindo, de modo sustentável, a segurança alimentar e contribuindo para a redução da

pobreza. O Plano também objetiva a melhoria da competitividade do setor agrícola, da renda

das pessoas e das indústrias de base agrícola, propósitos ameaçados pelas ponderações

expostas anteriormente especialmente por Liebenberg, Pardey e Kahn (2010) (REPUBLIC OF

SOUTH AFRICA, 2011a, p. 54).

85

Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>.

Acesso em:19 nov.2014. 86

Objetivos do Plano Estratégico: (i) Gerar, desenvolver e aplicar novos conhecimentos, ciência e tecnologia

agrícolas para atender à demanda da produção de alimentos, aumentar a segurança alimentar e contribuir com a

redução da pobreza; ii) Promover o uso sustentável e a gestão dos recursos naturais para garantir a

competitividade do setor agrícola e aumentar a riqueza para as pessoas e indústrias dependentes de recursos

naturais com base na agricultura; iii) Melhorar a nutrição e a segurança alimentar, aperfeiçoando os sistemas de

produção agrícola e animal, incluindo a segurança das sementes; iv) Ofertar informações e soluções técnicas que

permitam ao setor agrícola gerenciar e minimizar os riscos e ameaças à prática agrícola; v) Difundir informação

e transferir tecnologia oriundas da P&D; vi) Promover o crescimento e a sustentabilidade organizacionais.

Disponível em: <http://www.info.gov.za/view/DownloadFileAction?id=146747>. Acesso em 18 jul. 2011;

tradução nossa).

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Elementos de síntese

Em essência, da experiência do modelo utilizado pela África do Sul para abordar o

setor agrícola e, em especial, os serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural, é possível

extrair importantes elementos de elevado potencial analítico e úteis para a reflexão neste

trabalho. Dentre eles, merecem relevo os seguintes:

i. A queda do regime de apartheid incorpora insumos particulares na história

recente da sociedade sul-africana como um todo, incluindo-se também nesse quadro a

organização do setor agrícola do país, portanto uma experiência singular e específica, de

difícil sentido de extrapolação. Mesmo assim, é louvável a capacidade de planejamento que o

país está estruturando, no sentido de superar os desafios postos.

ii. É forçoso reconhecer que a energia gasta na reestruturação do setor agrícola até

então deve ser entendida como uma primeira fase, própria da complexa transição. Contudo, a

urgência dos desafios indica que é preciso ir além das intenções contidas nos vários planos,

programas e projetos e atuar de modo efetivo a reverter as limitações mais sérias que estão

impactando o setor agrícola sul-africano. Uma dessas limitações é o fato constatado por

Liebenberg, Pardey e Kahn (2010), segundo o qual o aumento da produção agrícola verificado

ao longo das últimas décadas é, em grande parte, estimulado pelo elevado valor das

commodities agrícolas. Esse fato coloca um desafio importante para a P&D agrícola que é o

de fundamentar o estímulo ao aumento da produção em avanços tecnológicos, perspectiva

confirmada pelo World Bank (2016) conforme mencionado no início dessa seção

(LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 40).

iii. Um ponto vital para o vigor da P&D é a formação, manutenção e renovação do

quadro de cientistas agrícolas no país, incluem-se aí os agentes de extensão. A experiência da

África do Sul, de acordo com o relato de Liebenberg, Pardey e Kahn (2010) tem se dirigido

no sentido contrário dessa assertiva. Ou seja, o país tem perdido cientistas agrícolas, embora o

governo tenha anunciado uma estratégia de reversão desse movimento, atitude que o

confirma. Esse fato que deve preocupar os policy makers, tendo em vista que o tempo de

formação de um cientista, aliado ao tempo de maturação do trabalho de geração e adoção de

tecnologias, considerado médio prazo, pode trazer danos irreparáveis à competitividade da

agricultura do país (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 42).

iv. A estagnação dos volumes de financiamento público destinado à P&D, mesmo

considerando-se uma participação razoável do setor privado, em torno de 20% do total,

associada à perda de cientistas agrícolas, remete a uma preocupação com o futuro da P&D,

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que está diretamente relacionada com a competitividade do setor agrícola no médio e longo

prazo. A lição que se pode extrair é a necessidade de se estabelecer novas estratégias de

elevação dos volumes de financiamento à P&D agrícola, pública e/ou privada.

v. A ausência de abordagem sistêmica para a análise do setor agrícola sul-africano e o

papel preponderante do governo na atividade agrícola é outra lição que a experiência da

África do Sul oferece aos demais serviços de pesquisa agrícola e de ATER. A importância da

presença da abordagem dinâmica está relacionada com a necessidade de se pensar os dois

serviços sob a ótica da abordagem do SNIA. A partir dessa perspectiva teórica é possível

perceber a complexidade das relações que se estabelecem no interior do Sistema,

demonstrando a ineficácia de atitudes isoladas, que desconhecem a dinâmica de articulação,

de influências e de repercussão nele presentes.

vi. As preocupações e iniciativas demonstradas pelo país, relacionadas aos impactos

eventuais a serem causados pelas mudanças climáticas na agricultura sul-africana, por si só

vulnerável por suas condições agroclimáticas, se constituem numa lição a ser considerada

pelos serviços de pesquisa e ATER brasileiros, essencialmente àqueles com atuação na região

nordeste do Brasil.

vii. Por último, chama-se atenção para o fato da mudança de diretriz do serviço público

de pesquisa agrícola sul-africano ao reconhecer a necessidade de se harmonizar os esforços

públicos de P&D no sentido de atender de forma equilibrada às demandas tanto da agricultura

familiar como as da agricultura comercial, ignorando o inútil conflito entre as "duas"

agriculturas, muito comum no Brasil.87

3.2.2. Argentina

Para Reca (2006), uma síntese da história da economia agrícola argentina entre 1875 e

2005, vista sob o ângulo da evolução do PIB e do Valor Agregado Agropecuário, demonstra

que ao longo desses 130 anos a taxa de crescimento da economia foi sempre superior à taxa

de crescimento da produção agropecuária.

87

Embora o processo de reforma agrária na África do Sul não tenha sido objeto de discussão nesta tese, vale

registrar que aquele país possui a maior economia e a maior superfície dos países do continente africano, todavia,

possui também elevado grau de desigualdade, em ambos os aspectos. Segundo Lariff (2007), nenhum país

africano sofreu maior expropriação de terras, inicialmente indígenas, do que a África do Sul. A ação de

colonizadores holandeses e britânicos foi iniciada cedo, 1650, e durou por muito tempo, cerca de 300 anos.

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Na visão do autor, isso significa que o setor agrícola propiciou um componente de

estabilidade ao conjunto da economia, mesmo com a constatação de que a participação do

setor na formação do PIB tenha se mostrado declinante ao longo desse mesmo período. Ainda

assim, ressalta o autor o fato de o setor agropecuário vir apresentando, nos últimos anos da

série analisada, taxas de crescimento semelhantes às mais altas verificadas na história da

agricultura argentina (RECA, 2006, p. 7).

Do ponto de vista geográfico, a agropecuária argentina se desenvolve em dois

ambientes claramente definidos: a região “dos pampas ou pampeana” e a região “não-

pampeana”. A região “pampeana” se localiza no centro e no leste do país, sendo caracterizada

por ser a maior produtora de grãos, sementes oleaginosas, gado e leite. Já a região “não-

pampeana”, corresponde ao restante do território argentino, tendo a diversidade da produção

agrícola como a sua grande marca. Lá se produz desde as uvas e outras frutas irrigadas na

porção oeste; no Noroeste, açúcar, citros e o fumo; no Nordeste, o algodão e o chá-mate; até

as ovelhas na Patagônia, ao sul. A região “pampeana” é a mais dinâmica das duas regiões,

sendo líder tanto na produção, quanto na exportação de produtos agrícolas.

No seu conjunto, em 2014, a soja contribuiu com 46% do valor bruto da produção

argentina e foi o principal produto da pauta agrícola, seguida pela pecuária bovina, vindos a

seguir milho, leite, trigo e uva, os quatro últimos participaram com 13,2%, 11,6%, 5,6% e 3,1

%, respectivamente (FAOSTAT).

No plano do desenvolvimento tecnológico, a escolha do “caso argentino” também é

motivada muito mais por semelhanças do que por diferenças com a agricultura brasileira. Por

exemplo, a Argentina foi um dos primeiros países no mundo a introduzir variedades agrícolas

geneticamente modificadas, já por volta de 1993 (FUCK, 2009, p. 81). No Brasil, a

comercialização de OGM foi proibida em 1998, por força de uma ação do Instituto de Defesa

do Consumidor (IDEC), apenas sendo suspensa em 2003. Mas, por outro lado, há outros

elementos que expressam semelhanças importantes, como é o caso da matriz produtiva da

agricultura dos dois países, na qual, dos 10 principais produtos argentinos produzidos em

2014, seis deles também participavam da pauta dos 10 principais produtos brasileiros, naquele

mesmo ano, segundo a FAO.88

A seleção do “caso argentino” que, ao lado do Brasil, representa um segundo país

dentro da América do Sul, significa também a possibilidade de se tentar minimizar o eventual

88

Os seis produtos comuns aos “top 10” da Argentina e Brasil são: soja, carne bovina, leite, milho, algodão e

cana-de-açúcar. Disponível em: <http://faostat.fao.org/DesktopDefault.aspx?pageid=339&country=9&lang=es>.

Acesso em 02/06/2017.

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viés das comparações com outros países, especialmente a França (e europeus ocidentais de

forma geral). Para estes, por exemplo, a política de apoio ao processo de modernização

agrícola e rural apresentou uma abundância de recursos públicos e privados em infraestrutura

social e produtiva no meio rural bem diferente daquilo que ocorreu na América Latina, fatos

que podem distorcer eventuais análises comparativas (KAGEYAMA, 2008, p. 75).

Além de todas essas características presentes na agricultura argentina, há uma outra de

grande importância que passou a ser melhor qualificada a partir do Censo Agropecuário de

2002, que é a dimensão da sua agricultura familiar. Para a Argentina, como unidade de

exploração agropecuária familiar entenda-se aquela unidade na qual se verificam o trabalho

direto do produtor e o trabalho da família, aceitando-se a possibilidade da incorporação de até

dois trabalhadores assalariados permanentes. Quanto à área da unidade, ela não é considerada

um critério de enquadramento para a condição de unidade familiar, porém, foi estabelecido

um limite superior de área e de capital.89 Do conceito, também foram excluídas aquelas

unidades de produção juridicamente caracterizadas como sociedades anônimas ou sociedades

por ações.90

O estudo Obschatko (2009), com base no último Censo Agropecuário 2002, revelou a

existência de 251.116 unidades familiares de produção agropecuárias, significando 75,5% do

total das unidades de produção agropecuária de todo o país. Ainda de acordo com o mesmo

estudo, as unidades familiares de exploração agropecuárias ocupavam 30,9 milhões de

hectares, ou seja, 17,7% da área total explorada pelas atividades agropecuárias na Argentina.

Ao pressupor produtividades médias, o estudo estima que as unidades familiares de

produção contribuíram no ano do Censo com 27% do total do valor da produção agropecuária

do país. No total, as unidades agropecuárias familiares abrigavam, por ocasião do censo de

2002, mais de 823 mil pessoas, representando cerca de 67% da população das unidades de

produção agropecuárias. Dessas mais de 823 mil pessoas, 21% eram produtores, 65% eram

familiares e 14% eram compostos de não familiares e outros. Do total de residentes, 44%

eram mulheres e 28% eram de jovens com idade inferior a 14 anos.

Do ponto de vista mais amplo, a população residente nas unidades de produção

agropecuárias familiares possui, na média, um razoável grau de instrução, sendo este um

89

Ver Obschatko (2009, p. 10). 90

Segundo Ramilo e Prividera (2013), a agricultura familiar é uma forma de vida e uma questão cultural que tem

como principal objetivo a “reprodução social da família em condições dignas. A gestão da unidade produtiva e

as inversões nelas realizadas são feitas por indivíduos que mantêm entre si laços de família”, a maior parte do

trabalho é aportada pelos membros da família; a propriedade dos meios de produção (nem sempre a terra)

pertencem à família e é no seu interior que se realiza a transmissão de valores, práticas e experiências

(RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 5; tradução nossa).

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relevante fator de sensibilidade à adoção de inovações: 72% de toda a população residente

possui nível primário; 18% possuem o nível secundário e 7% possuem o nível terciário

(superior), em todos os casos, completo ou incompleto (OBSCHATKO, 2009, p. 61).

Uma outra característica relacionada ao padrão tecnológico diz respeito à utilização de

mecanização agrícola pelas unidades familiares, que representa 25% de toda a área contratada

por todas as unidades agropecuárias. Esse dado tem repercussão direta sobre a produtividade

do trabalho, assim como indica a incorporação "indireta" de mão de obra na unidade familiar.

No caso da utilização de insumos agroquímicos, a agricultura familiar argentina tem

padrões muito semelhantes à agricultura empresarial ou não familiar: 81% da área cultivada

recebeu aplicação de herbicidas, 52% de inseticidas e 14% de fungicidas. Os fertilizantes

foram aplicados em 28% da área cultivada pelas unidades familiares. O plantio convencional

foi predominante entre os produtores familiares, contudo, já à época do Censo, cerca de 40

mil produtores realizaram cultivo mínimo e plantio direto, com o plantio direto cobrindo três

milhões de hectares.

No que concerne à gestão das unidades produtivas, 19% elaboram registros de

produção e contábeis; 5 a 6% elaboram cálculos econômicos e apenas 2,7% utilizam

computadores na administração e na contabilidade. Com relação à capacidade associativa, o

cooperativismo é a modalidade predominante, contemplando 14% das unidades familiares.

Seguem-se outras formas e práticas associativas, como pool agrícola-pecuário, a União

Transitória de Empresas (UTE) e a integração com agroindústrias, que embora apresentando

uma pequena participação relativa, significam uma presença importante por sua diversificação

e buscar responder a uma questão crucial para a agricultura familiar que é a obtenção de

escala de produção (OBSCHATKO, 2009, p. 12).

Por último, recorre-se ao trabalho de Ramilo e Providero (2013) que, em 12 estudos de

casos abrangendo diversas regiões do país, revela ser a extensão rural um segmento

considerado importante e muito valorizado pela agricultura familiar argentina; no entanto,

revela também a percepção de alguns produtores familiares, digna de registro, segundo a qual,

“parece haver uma expectativa de que se exige um modelo de extensão que comece a partir

das necessidades e preocupações do produtor e não das prioridades dos profissionais ou

instituições das quais eles fazem parte” (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 275).

De acordo com os mesmos autores, e na mesma linha da expectativa sobre a extensão

rural, já existem iniciativas no campo da pesquisa agrícola que direcionam sua atenção para

enfoques metodológicos de natureza mais participativa, como é o caso das experiências com

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Investigación Acción Participativa-IAP (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 242). Essa

experiência, que envolveu um conjunto de organizações e instituições públicas e privadas

comprometidas com o desenvolvimento rural e educacional na Província de Corrientes,

parece apontar caminhos para a pesquisa, a exemplo da ATER, diferentes dos caminhos

atuais, ou seja, apontando para uma ação mais crítica e reflexiva e de natureza bottom-up.

Pesquisa e extensão rural

Para o melhor entendimento do momento atual, faz-se necessário um breve recuo no

tempo. De 1850 a 1930, coube ao estado argentino fomentar a produção agrícola, tendo como

estratégia o processo de colonização. Nesse período, atribui-se à Sociedade Rural Argentina

(SRA) representante do setor privado, ocupar-se do papel de modernização do setor,

difundindo técnicas agropecuárias aos seus associados (THORNTON; CIMADEVILLA,

2008, p. 59).

Até meados do século XX, a produção agrícola argentina demonstrava estagnação,

fruto de grandes períodos de insuficiência na incorporação de novas tecnologias (INTA, 2004,

p. 2). Mais à frente, a derrota do regime peronista em setembro de 1955 reforça o ambiente

propício à liberalização e à ruralização da economia argentina. A adoção do Plano Prebish

consolida as medidas favoráveis à modernização da agropecuária no período pós-peronista

(GIRBAL-BLACHA, 2010, p. 5). Em 1956, à frente da Comissão Econômica para América

Latina (CEPAL), o economista Raúl Prebisch apresentou ao novo governo argentino uma

proposta com recomendações para enfrentar a situação econômica, que tinha como ponto de

partida a superação do atraso tecnológico no campo. Para tanto, o Plano Prebish, como foi

chamado, enfatizava a atenção ao desenvolvimento da ciência e tecnologia na agropecuária e

recomendava o estabelecimento de um programa de tecnificação do campo, centrado da

criação de um instituto público de pesquisa agrícola e de difusão tecnológica, que seria

incumbido de promover as inovações desenvolvidas no país e no exterior (OEI, 2012).

Nesse caminho, o Ministério da Agricultura promoveu algumas iniciativas no âmbito

da difusão de tecnologia e em dezembro de 1956 foi criado o Instituto Nacional de Tecnología

Agropecuaria (INTA), com o objetivo de tirar o país do retrocesso produtivo.91

Do ponto de

91

Uma dessas iniciativas do Ministério da Agricultura foi criar a Direción de Agronomías Regionales (57

unidades regionais e 220 locais) e a sua função era a difusão de conhecimentos, objetivando a melhoria

econômica, cultural e social da população rural. Nesse período, são iniciadas as primeiras experiências-piloto de

extensão rural, que não prosperam e a produção agrícola fica estagnada por outras razões contextuais

(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

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vista formal, o INTA foi concebido como um organismo nacional com a “finalidade de

impulsionar, vitalizar e coordenar o desenvolvimento da pesquisa e extensão agropecuárias e

acelerar, com os benefícios dessas funções fundamentais, a tecnificação e o melhoramento da

empresa agrária e da vida rural” (INTA, 2011).92

A estratégia adotada pelo INTA seguiu o padrão difusionista do modelo extensionista

americano, propondo-se à difusão de inovações que proporcionassem o aumento da produção

e das exportações.93

O público beneficiário era constituído pela família rural, todavia, as

mulheres e os jovens eram trabalhados de forma separada e o propósito era o da melhoria de

vida e a redução dos níveis de migração (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

Duas visões distintas, porém, coincidentes na busca do desenvolvimento rural, formam

o marco teórico que fundamentou o nascimento da ATER no INTA. A primeira, de ordem

técnica, relacionada diretamente com objetivos econômicos e com as condições de produção e

exploração racional dos recursos. A segunda, de ordem educacional, que enfatizava a

mudança de mentalidade do homem rural, no sentido de torná-lo apto a uma vida moderna.

Ou seja, o objetivo do trabalho de ATER seria o de alcançar melhores níveis de produtividade

agrícola, que proporcionariam melhores níveis de vida no campo, por meio de um processo

educativo da família rural. Assim, pode-se dizer que a ATER é criada no INTA com a

perspectiva de “levar o Ministério da Agricultura ao campo”, o que lhe facilitou consolidar

uma ampla cobertura territorial, através das Agências de Extensão Rural (AER), promovendo

um contato direto com a população rural e a implementação das suas propostas de trabalho

(ALEMANY, 2003, p. 143).

De modo sucinto, é possível assegurar-se que da década de 1960 até parte da década

de 1970, o INTA desempenhou um importante papel nas funções de geração e difusão de

tecnologia, que em muito contribuiu com as mudanças ocorridas no setor agropecuário

argentino, sendo nessa época um ator quase que único na missão de modernizar a

agropecuária do país (INTA, 2012).

No período compreendido entre os anos de 1970 e 1980, ocorre na Argentina um

episódio denominado por alguns estudiosos como “quiebre institucional”, no qual o

Estado se enfraquece, abrindo mão de seus papéis.94

No caso argentino, havia escassez de

92

O INTA foi criado por meio do Decreto-lei 21.680/56. Disponível em:<http://inta.gob.ar/sobre-el-

inta/historia>. 93

Também conhecido como “transferencismo”, componentes do modelo também conhecido como Rogeriano

(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60). 94

Durante a década compreendida entre 1973-1983 o crescimento mundial é freado, há expressiva alta nos

preços dos combustíveis e nos níveis de inflação. Com a crise mundial, o PIB da Argentina se retrai, entre 1973-

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recursos, inexistência de políticas, de coordenação e de implementação. Nessa fase,

verifica-se no INTA, um alargamento da distância entre pesquisa e a ATER. Como

resultante de todos esses fatores, o serviço de extensão sofre duras consequências, perde

muitos dos seus funcionários, e sua presença no meio rural é bastante reduzida. Como

decorrência imediata, surgem organizações não governamentais (ONGs), ocupando o

espaço deixado e priorizando a atuação com pequenos produtores minifundiários

(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60). Aliam-se a esses fatos, os cortes

permanentes nos orçamentos do INTA, associados a intensos debates em favor da

privatização do órgão (INTA, 2004, p. 3)

É justamente nesse cenário que, a partir da metade dos anos 1980, o setor agropecuário

passou a ser impactado por importantes mudanças estruturais que produziram desaceleração

relativa nos índices de produtividade agrícola e transformações nos mercados de produtos

primários, levando o INTA a operar um profundo redesenho organizacional que se ajustasse

ao novo cenário do setor, com destaque para as medidas no campo da participação, da

descentralização e integração.

Para dar consequência aos princípios da participação e descentralização, o Instituto

tomou a decisão de constituir 15 Conselhos de Centros Regionais e 3Conselhos de Centros de

Pesquisa, com autonomia para definir prioridades e alocar recursos. Os Conselhos eram

constituídos por associações de produtores, representantes dos governos provinciais,

comunidade científica e universidades. O princípio da integração se materializou a partir das

formas conjuntas de atuação com a iniciativa privada, tendo como instrumento principal os

convênios de vinculação tecnológica. No âmbito público, a nova postura possibilitou a

execução, por exemplo, de dois importantes programas governamentais: o Programa Federal

de Reconversão Produtiva (Câmbio Rural), destinado a médios e pequenos produtores e o

Prouvera, implementado para fomentar a produção de alimentos para populações carentes

(INTA, 2012).95

Thornton e Cimadevilla (2008), referindo-se aos últimos anos, registram que os

programas estavam passando por mudanças estruturais importantes e até traumáticas,

estimulados por uma política institucional renovada, indicando a necessidade de se fortalecer

76; fábricas são fechadas, instituições bancárias são inauguradas, o volume das exportações declina 21,3% e o

poder de compra das exportações cai em quase 46%. Na década de 1980, a economia agrária argentina deve ser

analisada à luz da crise mundial e da política financeira ortodoxa, que produziu o Processo de Reorganização

Nacional (GIRBAL-BLACHA, 2010, p 6). 95

A experiência anterior do INTA em programas com essas características parece positiva, tendo em vista os

bons resultados obtidos com o apoio a diversos setores produtivos, ação que atenuou processo de exclusão social

e migração rural. (INTA, 2004, p. 43).

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a ATER quanto aos seus enfoques, procedimentos e estruturas. Na opinião dos autores, essa

etapa demandaria “uma extensão rural comprometida com a sustentabilidade e com uma

prática baseada no enfoque territorial” (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60).

Em resumo, o primeiro projeto institucional da ATER no INTA pode ser descrito

como concebido sob o “paradigma educacional”, que perdurou ao longo dos primeiros vinte

anos do Instituto, de 1956 a 1976, e que fincou as bases de importantes transformações que

deram origem ao segundo projeto institucional, denominado de “transferencista”, já

mencionado anteriormente. Este segundo projeto prevaleceu até o início dos anos 1990,

momento a partir do qual iniciaram-se as mudanças com o foco dirigido para a privatização

ATER, assim como no desenvolvimento de novas formas de intervenção no meio rural.

Ao final da década de 1990, tem origem no INTA um outro debate, que propõe uma

nova orientação para o trabalho de ATER e, consequentemente com repercussão no trabalho

da pesquisa, orientação que estaria voltada para responder às importantes demandas sociais,

ambientais e tecnológicas impostas pelas circunstâncias atuais96

(INTA, 2003, p. 141). A

capacidade de mudança e de adaptação às diferentes visões do processo de desenvolvimento

explicam a continuidade institucional alcançada pelo INTA nesse percurso. O INTA pode ser

considerado a única organização latino-americana de desenvolvimento rural que alcançou um

elevado grau de longevidade nesse complexo panorama agrícola da região, elemento

diferencial que se soma à conjunção da pesquisa agrícola e extensão rural, numa única

instituição (INTA, 2003, p. 140).97

Na história da ATER do INTA há uma singular constatação que a torna muito

semelhante à história inicial da ATER no Brasil, muito embora existam diferenças na

formatação institucional adotada pelos dois países. No relato do estudo do INTA (2003)

registra-se que as equipes de extensionistas argentinos conseguiram desenvolver uma

verdadeira “cultura extensionista” e uma "mística" que transcendiam à esfera profissional. O

convencimento da missão educativa que os extensionistas desempenhavam e o caráter social

que imprimiam à sua tarefa levaram a extensão rural a ocupar um lugar de destaque junto às

populações rurais. Naquela época, o extensionista do INTA sentia-se muito mais que um

empregado público, pois percebia que a sociedade valorizava o seu papel social, assim como a

importância do seu trabalho (INTA, 2003, p. 143).98

96

O Plano Estratégico do INTA para o período 2005-2015 trata com detalhes sobre o futuro desenhado para a

Pesquisa Agrícola e ATER no país, tema que será tratado mais à frente. 97

A partir de 1993, o INTA constituiu a Fundação ArgenINTA e a INTEA S.A, compondo o Grupo INTA. Para

mais detalhes, acessar <http://inta.gob.ar/sobre-el-inta/grupo-inta>. 98

Para o caso brasileiro, consultar OLINGER (1996, p. 281).

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Ainda com relação à difusão de tecnologia, a contribuição específica dada pelo

trabalho da ATER desenvolvido pelo INTA, principalmente nos Programas Câmbio Rural e

Minifúndios, é também considerada de grande importância nos avanços na modernização do

setor agrícola, contudo não se pode desconhecer a contribuição dada pelo setor privado nesse

processo, essencialmente quando se trata da adoção de práticas como a ampliação da

utilização da mecanização, agroquímicos e sementes melhoradas, oferta de insumos e

comercialização da produção (INTA, 2000, p. 7).99

Entretanto, em contraposição aos elementos positivos anteriores, a visão de Bisang

(2008) sobre a modernização da agropecuária argentina é crítica ao afirmar que todos os

avanços alcançados são oriundos do processo desencadeado pela “Revolução Verde” e que

foram incorporados pela agropecuária argentina de forma tardia, por décadas. Todavia, como

que amenizando a crítica, ele afirma que o país se mostra na vanguarda quanto à sua inserção

no bojo de uma nova revolução em curso que é a da “biotecnologia”. Para ele, as

modificações substantivas na própria tecnologia, induzindo mudanças nas formas de

organização, na reconfiguração dos agentes econômicos, nos sistemas de relações e até nos

marcos institucionais, indicam mudanças na direção do surgimento de um novo paradigma

tecnológico. Nesse ambiente, convivem novos e velhos modelos de funcionamento e

organização, nos limites de uma atividade agrícola muito dinâmica que aprofunda suas bases

na inserção externa da agroindústria (BISANG, 2008, p. 9).

A soja é o principal exemplo, em face da ampliação da área cultivada e no uso de

insumos, movimentos que têm provocado debates sobre os seus efeitos na

sustentabilidade ambiental, algo também verificado na utilização de terras consideradas

frágeis na região não-pampeana, com relação à ampliação dos cultivos irrigados. A

concentração das atividades econômicas em algumas regiões e províncias, decorrente da

dinâmica agropecuária, mereceu também destaque no Plano Estratégico 2005-2015,

concentração que, associada às questões de sustentabilidade ambiental, constituem-se em

desafios para a pesquisa agrícola e extensão rural públicas (INTA, 2004, p. 14).

99

Um bom exemplo do papel desempenhado pela iniciativa privada é a Associação Argentina de Consócios

Regionais de Extensão Agrícola - CREA. Segundo o estudo de Thornton e Cimadevilla, (2008), esse movimento

surge na década de 1950, com os mesmos objetivos do INTA, porém de natureza privada; movimento que será

melhor discutido adiante (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

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O futuro da pesquisa e da extensão

A partir das discussões anteriores, cabe agora refletir sobre a configuração futura

idealizada para os serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural na Argentina, tomando-se

como uma das referências a visão do INTA, face a sua importância no cenário da

agropecuária do país.

Para tanto, recorreu-se ao Plano Estratégico Institucional do INTA proposto para o

período 2005-2015 que, mesmo já tendo seu prazo oficial finalizado, significa um dos

instrumentos adequados para os propósitos da discussão que aqui se deseja empreender. O

foco central da estratégia definida pelo Plano é a inovação tecnológica. Segundo a concepção

do documento, para o caso de numa economia globalizada, que articula espaços regionais e

locais com mercados mundiais, a inovação tecnológica, deve apoiar-se em quatro

componentes estratégicos: “Pesquisa e Desenvolvimento” (P&D), "Transferência de

Tecnologia e Extensão", "Relações Institucionais" e "Vinculação Tecnológica" (INTA, 2004,

p. 38). No caso do componente “Transferência de Tecnologia e Extensão”, a diretriz é que

sejam adaptados e incorporados conhecimentos e tecnologias aos processos de

desenvolvimento territorial e local, assegurando formas de inserção nos mercados e produção

de excedentes (INTA, 2004, p. 38).

Ainda nesse mesmo componente, o tema de importância estratégica está relacionado

com a capacidade de inovação tecnológica e organizativa dos produtores, que prevê

participação ativa das organizações locais no seu processo de desenvolvimento rural. Como

resultado, espera-se a produção de capacidades regionais, com o desenvolvimento de equipes

de ATER, que farão o papel de articuladores dos diversos atores e demandantes das cadeias

de valor do território.

Nesse desenho, as exigências de um novo perfil do agente de ATER se tornam ainda

mais evidentes frente ao caráter diversificado dos clientes e atores presentes na agenda do

trabalho participativo do serviço de extensão, destacando-se dentre eles: empresas grandes e

médias; empresas pequenas e médias (PyMES); pequenos produtores, minifundiários e

produtores familiares; e setores excluídos e mais vulneráveis da sociedade (INTA, 2004, p.

45). Ao considerar todas as categorias de público como beneficiárias da sua ação, a ATER do

INTA se diferencia da Pnater brasileira que não prioriza grandes e médios produtores.

Ainda no plano dos objetivos, o INTA assume o compromisso de aumentar de modo

expressivo até 2020 a produção dos grãos, carnes e frutas, assim como aprofundar a

integração entre a pesquisa e a extensão em seis áreas prioritárias: agroenergia, mudança

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climática, tecnologia de alimentos, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs),

biotecnologia e nanotecnologia. No mesmo sentido, o Instituto pretende vincular as

capacidades institucionais com os processos de intercâmbio comercial e tecnológico, além de

institucionalizar a vinculação com o Sistema Internacional de Ciência e Tecnologia (INTA,

2011b).

Sobre os resultados alcançados pela implementação do Plano, recorreu-se ao estudo de

Benitez e Leitão (2012), que tem como foco avaliar o desempenho da estratégia do

desenvolvimento territorial, prevista no Plano, mas que traz outras importantes contribuições

sobre o desempenho da ATER e da pesquisa no INTA. Dentre essas contribuições, destacam-

se as seguintes: (i) quanto à territorialização, o estudo analisou a participação de

extensionistas do INTA, "instituição historicamente centralizadora", na proposta de

desenvolvimento dos territórios levada adiante pela Regional La Pampa – San Luís, concluiu

que o Plano não trouxe nenhuma mudança na metodologia de avaliação dos projetos em

relação à metodologia anterior100;

(ii) o processo de avaliação, elemento fundamental para o

redirecionamento dos caminhos do projeto e da instituição, é pouco participativo, "não

havendo possibilidades de uma participação dialogada" para os extensionistas envolvidos nos

projetos institucionais que buscam o desenvolvimento dos territórios; (iii) os elementos

extraídos até então revelam uma estreita relação dos métodos de trabalho como um modelo de

extensão "muito mais voltado para o sentido da transferência”; (iv) o exercício da nova

proposta de gestão trazida pelo Plano, em grande parte, não flexibiliza o poder de decisão da

instituição. O estudo admite que

ante uma Instituição com características históricas de verticalização nas tomadas de

decisão, compreende-se que parte das ações adotadas na formulação da proposta se

encontra estreitamente vinculada com procedimentos que ainda persistem e que são

próprios de antigos modelos de extensão. (BENITEZ; LEITÃO, 2012, p. 33)

No item (v), o estudo conclui que apesar da razoável participação inicial de atores

externos na discussão e formulação dos projetos a serem trabalhados pelo INTA, o retorno

dessa participação, uma espécie de "prestação de contas" da efetiva contribuição de cada ator

100

Para Benitez e Leitão (2012), a premissa para a adoção da abordagem territorial reside no fato de que o

aprofundamento do modelo no país baseado no livre mercado, cujo apogeu se deu durante a década de 1990,

contribuiu para o surgimento da crise socioeconômica que atravessou a República Argentina no princípio do

século XXI, impactando notavelmente sobre o conjunto da sociedade civil e sobre os rumos adotados pelas

políticas do Estado, possibilitando assim, a viabilização de propostas alternativas de desenvolvimento, como é o

caso do paradigma do Desenvolvimento Territorial. O INTA ingressou nessa nova época adequando seus

objetivos e metodologias de intervenção. Nesta nova etapa são reorientados os objetivos gerais do INTA,

incorporando os territórios como novo âmbito de intervenção, sem deixar de lados os tradicionais

agroecossistemas e cadeias produtivas (BENITEZ; LEITÃO, 2012, p. 5).

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externo, não ocorreu de forma plena, "colocando em dúvida os princípios de uma

participação verdadeiramente democrática para a construção de uma mudança" (BENITEZ e

LEITÃO, 2012, p. 38). Apesar dessa crítica, na apresentação do documento INTA (2010), que

trazia ao debate referências teóricas sobre participação e desenvolvimento, o presidente do

INTA à época assegurava que:

En ese marco, la Extensión Rural ha ocupado un lugar cada vez más protagónico.

Para ello, una de sus principales banderas fue promover la participación como

plataforma comunicacional democrática. Pero sostener ese principio implica

compromisso. (INTA, 2010, p. 23)101

O Box 1, a seguir, destaca um exemplo marcante de outros formatos consolidados de

organização dos produtores e da produção na agricultura argentina que é o caso da

Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola (CREA). Neste

exemplo, as funções de pesquisa e de assistência técnica são desenvolvidas no âmbito da

Associação, cujo financiamento é de responsabilidade dos produtores associados.

101

“Neste contexto, a Extensão Rural tem ocupado um lugar de protagonismo cada vez maior. Para fazer isso,

uma de suas principais bandeiras era promover a participação democrática como uma plataforma de

comunicações. Mas sustentar esse princípio implica em compromisso” (INTA, 2010, p. 23; tradução nossa).

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131

BOX 1- A Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola-CREA102

Apesar da sua importância na modernização do setor agrícola argentino, o INTA não é a única

organização a desempenhar as funções de pesquisa e de ATER no país, existindo outras, algumas com igual

tradição. Dentre estas, está a Associação Argentina de Consorcios Regionales de Experimentación Agrícola

(CREA). Trata-se de uma associação civil argentina, sem fins lucrativos, que integra os Consórcios Regionais de

Experimentação Agrícola, conhecidos na Argentina e Uruguai como “Grupos CREA”. São grupos de produtores

rurais, cujo objetivo é promover o desenvolvimento tecnológico da agropecuária e coordenar de forma mais

eficiente o trabalho agrícola. Os grupos de produtores mantêm vínculos de cooperação com o INTA,

universidades e outras organizações com interesses comuns.103

A CREA, fundada em 1960, a partir de projeto concebido em 1957 pelo arquiteto e seu primeiro

presidente, Pablo Hary, que afirmava ter se inspirado na informação de um amigo, Enrico Capele. Este teria lido

numa revista francesa uma curiosa experiência sobre alguns agricultores daquele país, em número de 10 a 12,

que se reuniam sistematicamente para compartilhar conhecimentos, experiências e informações sobre as

novidades tecnológicas do setor. Estes grupos de agricultores formavam os Centres d’Études Techniques

Agricoles (CETA), que tinham obtido como principais resultados a multiplicação da adoção de inovações e a

redução ou a divisão de custos. Com base nesse modelo, foi concebida a CREA. Os primeiros objetivos do

Consórcio argentino foram a redução da erosão dos solos, o controle de plantas daninhas, a identificação de

culturas apropriadas à rotação e o dimensionamento das cargas de pastoreio para evitar a deterioração do solo.

Assim, a CREA até hoje atua com grupos de 10 a 12 produtores, que são assistidos por um técnico especializado,

majoritariamente agrônomo ou veterinário, que além de responsabilizar-se pela coordenação do grupo, tem a

tarefa de buscar soluções às questões locais, utilizando-se de projetos de capacitação, de validação e

transferência de tecnologia, levando sempre em consideração as experiências dos produtores.

Atualmente, na Argentina, 1950 empresas agropecuárias estão associadas ao “Movimento CREA”,

proprietários ou administradores de mais de 4,5 milhões de hectares. São 224 Grupos CREA, distribuídos em 18

regiões, atendidos por mais 300 assessores/consultores técnicos atuam na Associação nas suas 18 unidades

regionais de forma individualizada ou nos grupos de produtores (CREA, 2016).104

O núcleo decisório da CREA

é composto por um presidente, produtor rural, com mandato de dois anos, e por um Conselho formado por um

representante da CREA regional. Cada membro da CREA paga uma taxa anual, que varia de acordo com a área

cultivada pelo associado. As fontes de receita da CREA são as taxas cobradas de cada associado, os contratos

com o setor privado, a publicidade em eventos e revistas, e, em menor escala, financiamentos oriundos de

agências de fomento à ciência (ORLOVE et al., 2011, p. 124).

102

Atualmente, o movimento passou a utilizar a marca CREA, em substituição a anterior AACREA. 103

Disponível em:<http://es.wikipedia.org/wiki/Asociaci%C3%B3n_Argentina_de_Consorcios_Regionales_de_

Experimentaci%C3%B3n_Agr%C3%ADcola 104

Fonte: Reporte Anual CREA 2015-2016. Disponível em:< http://www.aacrea.org.ar/index.php/reporte-anual-

crea>. Acesso em 01mai.2017. De acordo com essa mesma fonte, o Movimento CREA, em 2016, teve forte

presença nas redes sociais: Facebook (20.500 fãs); Twiter (18.500 seguidores) e You tube (211.000

reproduções).

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132

Elementos de síntese

O primeiro elemento diz respeito à configuração e à longevidade dos serviços de

ATER e pesquisa agrícola na Argentina. Os dois serviços nasceram numa única organização

pública, o INTA, que os abriga até hoje, mais de 60 anos decorridos, que continua sendo a

principal estrutura pública a prestar os serviços de pesquisa agrícola e ATER, apesar da

presença de outras importantes organizações, como a CREA e as não governamentais, dentre

outras.

O segundo elemento está relacionado com o fato de a Argentina demonstrar

explicitamente uma da preocupação crescente com o segmento denominado de “agricultura

familiar”, ou seja, um conjunto expressivo de pequenos produtores rurais que ficou à margem

do processo de desenvolvimento, detentores ou não da posse da terra, que demanda políticas

públicas específicas e integradas, nestas incluídas a pesquisa agrícola e ATER.105

O terceiro elemento é um indicador do distanciamento ou "impotência" progressiva da

pesquisa agrícola e da ATER públicas em relação a alguns segmentos da cadeia agrícola de

valor mais avançados tecnologicamente e de maior demanda por parte de médios e grandes

produtores, como é o caso do setor de sementes, na Argentina. O comentário de Fuck (2009) é

exemplificador desse fato:

Isso posto, percebe-se que, sobretudo no caso da soja e do milho, a participação do

INTA na pesquisa e no mercado de sementes dessas culturas vem retrocedendo nas

últimas décadas. O avanço na utilização de variedades transgênicas de soja

evidenciou uma situação de impotência do setor público frente às novas opções

tecnológicas. Os trabalhos que vêm sendo realizados pelo INTA em relação a essa

questão estão mais próximos à extensão rural do que propriamente à pesquisa.

(FUCK, 2009, p. 138)

Outro indicador desse distanciamento é o fato de o trabalho da CREA, entidade não

governamental, ter origem e progredido na região pampeana, região mais próspera da

agricultura argentina, tendo seus associados uma área média superior a 2.200 hectares por

unidade produtiva, distante, portanto, dos 107 hectares de área média dos agricultores

familiares FONAF (2008, p. 6).106

Tais fatos parecem indicar que nesses segmentos típicos de

médio e grande produtores, os serviços públicos de pesquisa agrícola e ATER estariam

gradativamente cedendo espaço para o setor privado, concentrando seus esforços na área de

regulação e em estratos de produtores menos capitalizados, caso da agricultura familiar.

105

Linha de pensamento também defendida por Girbal-Blacha (2010, p. 9). 106

Quino (2014), disponível em <http://www.crea.org.ar>. Acesso em: 24 jun. 2015.

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133

Como exemplo está a criação da Secretaria Federal da Agricultura Familiar em 2005, criação

que indica de fato essa prioridade para o setor público.107

O quarto elemento trata-se de um fator-chave na sustentabilidade institucional da

pesquisa agrícola e ATER que é a integração entre os dois serviços. No caso do INTA, essa

preocupação parece assumir uma dimensão de maior importância por duas razões: a primeira

pelo fato de os dois serviços se localizarem fisicamente numa única organização; e a segunda,

paradoxalmente, pela recorrência de manifestações sobre a “necessidade de intensificação da

integração” expressas em diversas ocasiões nos documentos oficiais aqui analisados.108

Essa

questão produz repercussão direta sobre os modelos organizacionais adotados pelos inúmeros

serviços de extensão e de pesquisa existentes, quer aqueles públicos que estão abrigados numa

mesma organização, quer aqueles que estão em distintas organizações. Ou seja, não é

suficiente estarem a pesquisa e ATER juntas numa mesma organização para que esteja

assegurada a integração. Todavia, o fato de estarem em organizações distintas deve criar uma

dificuldade adicional para a integração.

Um quinto elemento que sobressai do caso argentino é o fato da presença de uma

conjunção de políticas públicas convergindo no sentido do desenvolvimento regional. Nesse

caso, novamente, a região pampeana é o cenário nítido dessa convergência, onde não apenas a

existência de recursos naturais de qualidade e a presença dos serviços de pesquisa agrícola e

de ATER foram suficientes para promoverem o processo de desenvolvimento ostentado pela

região.

A propósito, Barksky e Gelman (2001) esclarecem que o desenvolvimento da região

pampeana se deveu a fatores e condições de natureza nacional e internacional, como a

revolução ocorrida nos transportes terrestres e marítimos, a injeção de capitais e a massiva

onda de migração. Esses fatores tornaram factível a organização da região em uma economia

agroexportadora, movida por uma profunda reconversão técnica e produtiva das unidades

pecuárias, em função das demandas do setor frigorífico e do desenvolvimento da produção de

grãos.

A esse conjunto de fatores e condições se somam a reestruturação dos sistemas de

comercialização e transportes, assim como a difusão de tecnologias de produção, as

107

Empresas grandes e médias; empresas pequenas e médias (PyMES); pequenos produtores, minifundiários e

produtores familiares; e setores excluídos e mais vulneráveis da sociedade (INTA, 2004, p. 45). 108

A exemplo da menção no Plano Estratégico ao se referir aos mecanismos integração a serem adotados pelos

serviços de pesquisa e extensão e de que modo intentam abordar os seus clientes, produtores ou não; assim como

a preocupação com as estratégias a serem adotadas pelos dois serviços para enfrentarem os obstáculos que

surgirão no caminho das transformações pretendidas” (INTA, 2004, p. 32).

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134

mudanças no regime de propriedade e posse da terra e outras políticas agrícolas que

conformaram uma das maiores transformações estruturais da história econômica e social

da Argentina.109

O mesmo estudo esclarece ainda que na região se estabeleceu um quadro

de relações complexas e diversas no setor agrícola, onde coexistem produtores de várias

categorias, produtores agrícolas e pecuaristas, proprietários e não proprietários, unidades

produtivas de distintos tamanhos, porém um quadro diferente da visão tradicional e

dominante noutras outras regiões, onde se contrapõem latifúndios de pecuária de um lado

e pobres “chacareiros” arrendatários, do outro (BARKSKY; GELMAN, 2001).

Este quinto elemento será particularmente útil para o presente estudo por demonstrar

que a apropriação da abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola pode possibilitar

uma visão mais ampla e integrada do conjunto das relações e transformações vivenciadas pela

região, oferecendo, assim, elementos de maior consistência analítica.

3.2.3. Estados Unidos

Para Morrison (2012), antes mesmo de se tornar oficialmente uma nação, percebia-se

nos Estados Unidos um sentimento manifesto de se utilizar a ciência no progresso da

agricultura, sentimento trazido por imigrantes britânicos e europeus que se mudaram para o

país. A diversidade de solos e culturas obrigou os produtores instalados, por meio de

tentativas de “acerto e erro”, a buscarem respostas, desde muito cedo, para tornar produtivas

as terras ocupadas. A sensibilidade e a convicção quanto à importância da ciência para a

modernização da agricultura eram compartilhadas não apenas por agricultores profissionais,

com também por vários líderes da Revolução Americana (MORRISON, 2012).

A evolução da agricultura e o surgimento do modelo Land Grant College

A abolição da escravatura, dentre outros episódios, como o Homestead Act e a criação

do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, ambos em 1862, dá início a uma

mudança importante na essência da modernização da agricultura dos Estados Unidos. A

109

Se um dos indicadores dessa afirmação for o avanço da biotecnologia na agricultura, constata-se que o país

teve a sua área cultivada com variedades transgênicas, passando de 37 mil hectares em 1996 para 16,3 milhões

de hectares em 2005, chegando a 2014 com uma área cultivada superior a 24 milhões de hectares, com soja,

milho e algodão, o que coloca o país entre os três países líderes no uso dessa tecnologia em todo o mundo

(International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications – ISAAA).

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135

abolição concorre para a escassez relativa de mão de obra e estimula a geração e difusão de

novas tecnologias, inicialmente mecânicas, que deveriam ser capazes de promover o aumento

da produtividade do trabalho e, mais que isso, que dessem conta também da ampliação das

áreas cultivadas110

(HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 242).

A transformação de uma agricultura escravista para uma de modo capitalista ensejou,

dentre outros produtos, o surgimento de movimentos organizativos de, principalmente,

médios e pequenos produtores, buscando sensibilizar o governo para apoiá-los na adoção de

tecnologias que pudessem capacitá-los na competição com a agricultura mais capitalizada e

tecnificada.

Na segunda metade do século XIX, e caminhando na direção do atendimento às

reivindicações dos pequenos e médios produtores, o governo americano, por intermédio do

“Morril Act”, de 1862, doou aos estados terras destinadas à construção das escolas

"superiores de ensino agrícola e artes mecânicas" (Land-grant colleges111

), que deveriam

contemplar áreas para a instalação de estações experimentais, responsáveis pela geração de

tecnologias agrícolas (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 244).

Assim, esses dois atos da autoridade federal, criação do Departamento de Agricultura

e a doação de terras para a criação das estações experimentais por parte dos estados, podem

ser considerados como os primeiros pilares sobre os quais se desenvolveria o sistema nacional

de pesquisa agrícola nos Estados Unidos. Esse modelo tinha inspiração da tradição alemã de

apoio a laboratórios de pesquisa e às estações experimentais agrícolas (HAYAMI; RUTTAN,

1988, p. 244).

Como apenas poucos estados criaram suas estações experimentais, o governo institui a Lei

Hatch, de 2 de março de 1887, que previa a alocação de recursos, inicialmente da ordem de

US$ 15,000.00, por ano, para cada estação experimental.112

A Lei Hatch concedia recursos

contínuos na aplicação em ciência e tecnologia agrícola, tendo como objetivos: “promover

110

O progresso na tecnologia mecânica foi impressionante durante a última metade do século dezenove

(HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 242). 111

A denominação decorre do fato de, inicialmente, essas instituições terem sido financiadas com recursos

oriundos das vendas de terras governamentais (GUSTAFSON, 1997, p. 45). 112

A primeira estação experimental estadual, a Estação Agrícola Experimental do Estado de Connecticut,

(Connecticut State Agricultural Experiment Station) somente foi estabelecida em 1877 (HAYAMI; RUTTAN,

1988, p. 245). Treze outros estados seguiram Connecticut na década anterior à Lei Hatch, provendo fundos para

apoiar as estações experimentais. Por ordem, Califórnia, Carolina do Norte, Massachusetts, Nova Iorque, Nova

Jersey, Ohio, Tennessee, Alabama, Wisconsin, Louisiana, Maine, Kentucky e Vermont. Em Louisiana, o

Legislativo autorizou a criação de uma estação experimental em 1884, mas não chegou a colocar a unidade em

operação até 1886.Talvez por essa razão, um grupo de produtores de açúcar estabeleceu a sua própria estação

privada de açúcar em 1885, localizada em uma fazenda perto de Kenner, cidade da Lousiana. No total, em 1887,

quatorze estados tinham criado suas estações experimentais agrícolas (MORISSON, 2012).

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136

investigação científica e experiências, respeitando os princípios e aplicações da ciência

agrícola, (...) articulando-se com a indústria agrícola dos Estados Unidos, (...) levando em

conta as diferentes condições e necessidades dos respectivos estados” (MORISSON, 2012).

Mesmo assim, o fato é que as expectativas criadas com a implantação das estações

experimentais não estavam sendo correspondidas, na medida em que os produtores alegavam

que as tecnologias geradas nas estações não chegavam até eles. Isso motiva o seguinte

comentário de Hayami e Ruttan (1988): “Ao revisar a história da pesquisa agrícola, entre

1880 e 1890, a questão mais interessante não é: com que o sistema contribuiu para o

crescimento da produção e produtividade? Em vez disso, a pergunta mais apropriada é: por

que contribuiu tão pouco?” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 245).

Os mesmos autores esclarecem que as respostas são várias, todavia deixam a entender

que uma delas está relacionada com a inexistência de um mecanismo que aproximasse as

tecnologias geradas, nas estações experimentais públicas e em outras fontes, dos produtores,

sobretudo os médios e pequenos. De forma mais direta, eles apontam que: “Antes de 1914, as

estações experimentais e as escolas superiores estaduais de agricultura, juntamente com as

revistas agrícolas, tinham executado a maior parte do trabalho de extensão, durante muitos

anos de forma desorganizada...” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 290).

Essa constatação também é apontada por Morisson (2012), ao observar que nos anos

que se seguem à criação dos Land-grant, os agricultores começaram a exigir resultados

objetivos, de acordo com as expectativas e compromissos assumidos pelas novas faculdades

para a modernização da agricultura. Ele acrescenta que uma dificuldade adicional para a

difusão de resultados que atendessem às demandas dos agricultores estava relacionada ao

“restrito estoque” de conhecimento com base científica por parte dos professores agrícolas. As

demonstrações práticas e as fazendas-modelo passaram a se constituir nas estratégias

principais de trabalho, dando origem, em seguida, aos primeiros trabalhos de pesquisa

agrícola.

Daniel Gustafon (1997) também argumenta que à época, universidades tradicionais

como Harvard e Princeton eram vistas como elitistas, sem muitas preocupações com a solução

dos problemas objetivos da população e sem “trabalhos práticos”. Assim, a missão de

expandir conhecimentos e de resolver problemas práticos da agricultura e das “artes

mecânicas”, atribuída aos Land-grant colleges, permeou a sua trajetória de ensino e pesquisa,

gerando a criação de cursos para agricultores e outras iniciativas na área de extensão, como

por exemplo, até 1910, a criação 35 departamentos de extensão rural em escolas de ensino

agrícola dos Estados Unidos (GUSTAFSON, 1997, p. 45).

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137

A criação do Serviço Cooperativo de Extensão e o sistema “ensino-pesquisa-

extensão”

Quase que como consequência natural dessa sequência de eventos, em 1914, Hoke

Smith, senador pela Geórgia, e o deputado Asbury Lever, da Carolina do Sul, propuseram a

criação do Serviço Cooperativo de Extensão, que atuaria como um braço educacional do

Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A Lei de criação do Serviço

Cooperativo de Extensão Rural, Smith-Lever Act, como foi denominada em alusão aos seus

criadores, foi assinada pelo presidente Wilson em 8 de maio de 1914, estabelecendo o Serviço

Cooperativo de Extensão como uma parceria entre o USDA e as Universidades, as State land-

grant universities (USDA113

).

Assim, por meio do “Smith Lever Act” foi criado o Serviço, que se auto instituía

cooperativo pelo fato de a Lei prever uma participação dos governos federal e estadual em

proporções iguais, por meio do “Plano 50/50”, estabelecendo que para cada dólar do governo

federal, investido no serviço de extensão rural, caberia aos governos estaduais igual valor

(HAYAMI & RUTTAN, 1988, p. 290). Atualmente, a forma de alocação dos recursos para

cada estado guarda relação direta com o peso relativo da população.

O “Smith-Lever Act” atribuiu ao serviço público de extensão rural função e modo de

atuação bastante claros, estabelecendo que o serviço de extensão deveria ser parte integrante

da universidade, um serviço educativo e transmissor de informação aos fazendeiros, por

meio de preleções, ilustrações, demonstrações, excursões, etc.114

Segundo o National Institute

of Food and Agriculture (NIFA), órgão vinculado ao USDA, o “coração” do trabalho de

extensão, de acordo com o Smith Lever Act, poderia ser sumarizado como o “desenvolvimento

de aplicações práticas da pesquisa agrícola e a oferta de educação e demonstrações práticas de

processos ou tecnologias agrícolas existentes ou aperfeiçoadas” (tradução nossa)115

. Em

síntese, pode-se afirmar que apesar dos avanços, as Land-grant colleges apresentavam

algumas limitações na sua capacidade de produção de novos conhecimentos científicos e

técnicos para o desenvolvimento agrícola, limitações ainda maiores do que aquelas

apresentadas pelo Departamento de Agricultura.

113

Disponível em<http://http://www.nifa.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>.Acesso em: 07 mar.

2012. 114

Disponível em:<http://http://www.nifa.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>. Acesso em: 07 mar.

2012. 115

Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/qlinks/extension.html#yesterday>. Acesso em: 07 mar. 2012.

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138

Somente em 1914, com a aprovação da Lei Smith-Lever, criando o Serviço

Cooperativo de Extensão Rural, o país criou uma base institucional firme de pesquisa, ensino

e extensão, quando então as "novas estações experimentais puderam ser consideradas como

fontes produtivas de novo conhecimento ou promotoras decisivas para o crescimento da

produtividade na agricultura americana” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p.245).

Para Cruzado (2012), a história do serviço de pesquisa e extensão nos Estados Unidos

não deve deixar de registrar que a concepção e inspiração de todo esse complexo sistema

criado nos Estados Unidos, que alcança todo o país, devem ser atribuídas, em grande parte, a

Seaman Asahel Knapp, conhecido como The Father of Extension. Para ele, o sistema de

difusão das inovações só poderia funcionar se houvesse a presença de alguém que, de forma

prática, objetiva e presencial, na fazenda e junto ao agricultor, fizesse o papel de uma ponte

que superasse as diferenças geográficas e culturais. Assim, surgia a figura do extensionista,

respaldada pelo ensinamento de Seaman Knapp, segundo o qual, “o fazendeiro deve resolver

o problema em sua própria fazenda e com as próprias mãos ... O que um homem ouve, ele

pode duvidar, o que ele vê, ele também pode duvidar, mas o que ele faz, ele não pode

duvidar” (CRUZADO, 2012, p. 6; tradução nossa).

O primeiro grande teste para medir o desempenho do serviço de extensão rural nos

Estados Unidos ocorreu por ocasião da Primeira Guerra Mundial, quando, ao final da qual, no

período de 1913 a 1919, os resultados foram considerados muito positivos: aumento da área

cultivada de trigo de 47 para 74 milhões de acres; apoio ao Ministério da Agricultura na sua

missão institucional de estimular o aumento da produção agrícola, as práticas de

comercialização da produção e de conservação de alimentos perecíveis; e equacionamento da

escassez de mão de obra motivada pela guerra, especialmente nos momentos de colheita, por

intermédio da organização das mulheres e dos jovens, movimentos denominados Women's

Land Army e The Boys' Working Reserve (NIFA).116

No período da Grande Depressão, o papel da extensão rural também foi

reconhecido como de grande importância para a sociedade dos EUA. Naquela ocasião, os

trabalhos de extensão priorizavam práticas educativas grupais, como a comercialização

coletiva de produtos, incentivando, por exemplo, o cooperativismo. Em paralelo, junto às

mulheres rurais, eram estimuladas outras práticas na área da economia doméstica,

relativas à produção, qualidade e conservação de alimentos e incentivo à novas

116

Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/qlinks/extension.html>. Acesso em 29 out. 2013.

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139

habilidades, ações que no seu conjunto minimizavam os efeitos da crise, ajudando muitas

famílias a superarem um dos períodos mais dramáticos da vida econômica daquele país.

Por ocasião da Segunda Guerra Mundial, o objetivo era assegurar aumentos na

produção agrícola essenciais ao esforço da guerra. O resultado também foi expressivo: a

produção de alimentos de 1944 representou um aumento de 38% na média da produção obtida

no período 1935-1939. Uma das estratégias operadas pelo serviço de extensão foi a

implementação do "The Victory Garden Program", que se constituía no estímulo ao uso de

sementes, fertilizantes e de ferramentas simples para o cultivo de hortícolas e outros vegetais

para consumo "in natura". Como resultado, no ano de 1942, por volta de 15 milhões de

famílias implantaram as hortas do Programa, sendo este número superado em 1943, iniciativa

considerada como uma das mais importantes na história da extensão rural dos E. Unidos

(NIFA).

À rica história da pesquisa e extensão dos Estados Unidos, acrescente-se o fato de

a agricultura estadunidense ter registrado um expressivo decréscimo da população atuante

na agricultura. Do final do século XIX até 2010, a PEA agrícola saiu de 60% para 1,6%,

respectivamente. Esse fato revela quão intensas foram as transformações ocorridas no

meio rural dos Estados Unidos, movimento que produziu e está produzindo repercussões

importantes em toda política agrícola daquele país e, em especial, nos serviços de

pesquisa agrícola e de extensão rural (FAO, 2011).

O momento atual

A institucionalização dos serviços públicos de pesquisa agrícola e de extensão rural

dos Estados Unidos, ocorrida entre 1860 e 1920, pode ser considerada como evento positivo

para a agricultura americana por duas razões: primeira, pelo fato de os dois serviços terem

sido capazes de, entre 1920 a 1960, alavancar recursos de forma bastante ágil; e, segunda, de

terem apresentado resultados expressivos de crescimento rápido do novo conhecimento

técnico e científico (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 246).117

117

Em 1989, por ocasião do 75º aniversário de criação do Smith-Lever Act, o Presidente George Bush assim se

manifestou, em reconhecimento ao serviço de Extensão (Proclamation 5969): “O Sistema Cooperativo de

Extensão tem feito muito para garantir que adultos e jovens, urbanos e rurais, tenham as melhores oportunidades

para desenvolverem todo o seu potencial. O Sistema tem sido construído sob o espírito e a tradição de seus

fundadores, adaptando-se com sucesso às novas mudanças e desafios ao longo dos anos, enquanto assistindo a

família rural americana, no sentido da obtenção de produções eficientes e a oferta confiável de alimentos e fibras

para consumidores do nosso país e do mundo afora. Os empregados do Sistema e três milhões de voluntários que

habilmente assistem e ajudam a produtores individuais, famílias e comunidades a aplicarem conhecimentos

gerados pela pesquisa e técnicas de liderança para enfrentar os problemas que ocorrem na agricultura americana

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140

Atualmente, a agricultura americana é considerada uma das maiores do mundo, não

apenas pelos volumes produzidos, mas, também por seu perfil tecnológico, cuja contribuição

do trabalho da pesquisa agrícola e da extensão rural pode ser considerada de grande

relevância.118

Das mudanças mais expressivas ocorridas na agricultura americana está o fato

de que, em 1914, quando foi criado o Serviço Cooperativo de Extensão Rural, mais de 50%

da população morava na zona rural. Hoje, decorrido mais de um século, apenas 17% da

população mora nas zonas rurais. O número de propriedades agrícolas, entre 1950 e 2012,

decresceu de 5,4 milhões para 2,1 milhões, segundo o Censo Agropecuário de 2012

(USDA/NIFA).119

Do ponto de vista organizacional, na base do serviço de extensão rural americano

estão mais de 100 Land-grant colleges e universidades.120

O sistema tem, portanto, a tripla

função de ensino, pesquisa e extensão. Em síntese, o Sistema Cooperativo de Extensão é

uma rede educacional de abrangência nacional. Cada estado ou território possui um escritório

articulado com uma “universidade land-grant” e a uma rede de escritórios regionais. Esses

escritórios estão apoiados por um ou mais especialistas, que atuam com informações úteis e

práticas, baseadas em pesquisa agrícola, tendo como clientes produtores agrícolas, pequenos

empresários, jovens, consumidores e outros atores das áreas rurais e comunidades diversas.121

Os programas de extensão rural são administrados por, aproximadamente, 3.000 Conselhos de

Extensão e escritórios regionais.

Do lado governamental, o NIFA, uma espécie de coordenador do sistema, é o

responsável pelo apoio às universidades, aos escritórios locais de extensão rural e pela

representação da parceria federal junto ao Cooperative Extension System (CES), cuja missão é

levar o trabalho de extensão rural diretamente aos produtores rurais americanos. O NIFA tem

a missão de aportar, anualmente, os recursos federais, aprovados pelo Congresso, para apoiar

todos os dias”. (Tradução nossa). Disponível em: < http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=23504>. Acesso

em 07 mar. 2017. 118

Não é sem razão que, de acordo com o USDA/NIFA, em 1945, eram necessárias 14 horas de trabalho para

produzir 100 bushels de milho, em 2 acres de terra; em 1987, foram necessárias 3 horas, para produzir os

mesmos 100 bushels de milho, em apenas 1 acre; e em 2002, os mesmos 100 bushels foram produzidos em

menos de 1 acre de terra. Outro dado importante é aquele que demonstra que, em 1950, um produtor produzia

alimentos para 15,5 pessoas; em 1990 para 100 pessoas; e em 1997 para quase 140 pessoas (USDA/NIFA). 119

Em 2012, eram 3,2 milhões de agricultores, operando 2,1 milhões de fazendas em 914.5 milhões de acres de

terras agrícolas. Disponível em:<http://www.agcensus.usda.gov/Newsroom/2014/05_02_2014.php>.Acesso em:

01 mai. 2017. 120

Disponível em: <www.csrees.usda.gov/qlinks/partners/partners>. Acesso em: 07 nov. 2016. 121

Disponível em: <http://www.csrees.usda.gov/Extension/USA-text.html>.Acesso em: 07 nov. 2016.

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141

estados e Conselhos, obedecidas as prioridades estratégias nacionais.122

Em síntese, o NIFA

representa a estrutura federal líder na criação e difusão do conhecimento nos domínios das

ciências biológicas, físicas e sociais, relacionados à pesquisa agrícola, análise econômica,

estatística, extensão e ensino superior. Os principais temas a serem apoiados pela Agência, em

2015, estavam voltados para a "segurança alimentar e fome", "mudanças climáticas",

"sustentabilidade energética", "pequenos negócios" "obesidade","disponibilidade de água" e

"qualidade dos alimentos", dentre outros.123

A Tabela 4 demonstra a dimensão da agência de coordenação nacional do sistema de

Pesquisa, Extensão e Educação nos E. Unidos. A estrutura de pessoal na função de

coordenação é relativamente compacta, em relação à magnitude da tarefa desempenhada pela

agência. Os recursos totais orçados para o Ano Fiscal de 2015 reservavam a sua maior parte,

55%, para a promoção da Pesquisa e Educação, cabendo 33% ao apoio à Extensão. Um dos

dados mais relevantes diz respeito ao envolvimento sistemático de mais de uma centena das

Land-grant universities, compondo a solidez do sistema quanto à valorização da base de

conhecimento.

Tabela 4 - Dimensão da Pesquisa, Extensão e Educação no NIFA, Ano Fiscal 2015

Dimensão Quantitativos

1. Funcionários 350

2. Orçamento total (em US$ de 2015) 1,435.013.000

2.1. Pesquisa e Educação 791,959.000

2.2. Extensão 471,691.000

2.3. Integração 30,900.000

2.4. Execução Obrigatória 140,463.000

3. Número de Land-grant Universities parceiras 112

Fonte: <http://www.nifa.usda.gov/about/pdfs/factsheet.pdf>.

É curioso notar que os avanços nos índices dos rendimentos da agricultura americana,

assim como o reconhecimento da importância do papel dos extensionistas nesses avanços ao

longo dos anos caminharam juntos com o decréscimo do número de escritórios de extensão

rural de forma progressiva, resultando, atualmente, em cerca de 2900 escritórios de extensão

122

Recursos previstos para o ano fiscal de 2015, “formula grants annually,” se aproximavam de US$ 1,5 bilhão. 123

Disponível em: < http://www.nifa.usda.gov/about/pdfs/factsheet.pdf >Acesso em: 02 out. 2016.

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142

em todo o país (USDA/NIFA). Quanto aos recursos recebidos pelo serviço de extensão rural

americano, a expressão oficial contida no site do NIFA é esclarecedora por si só:

“increasingly, extension serves a growing, increasingly diverse constituency with fewer and

fewer resources.”124

A evolução da extensão rural ao longo da sua história tem mostrado facetas

importantes e diferenciadas. O início da formação do serviço cooperativo de extensão nos

Estados Unidos coincide com o processo de industrialização do país, com o início do grande

movimento migratório rural-urbano e com a capitalização da agricultura familiar.

No que concerne aos papéis institucionais e financiamento, com algumas variações

entre os estados, o serviço de extensão funciona até hoje como concebido em 1914, no âmbito

das universidades e com o controle parcial dos três níveis de governo (GUSTAFSON, 1997,

p. 45). O sistema Cooperativo de Extensão é ainda hoje financiando exclusivamente pelos

governos federal, estaduais e locais. Quanto aos conteúdos técnicos, às estratégias e

articulações, às formas de abordagem e aos avanços das ciências, é inegável que o serviço de

extensão acompanhou as grandes transformações vivenciadas pela sociedade e pela

agricultura dos Estados Unidos, modernizando-se e trabalhando em programas demandados

pelas novas realidades (GUSTAFSON, 1997, p. 48).

De modo geral e institucional, segundo o NIFA (2017), o serviço de extensão rural dos

Estados Unidos está incumbido dos seguintes papéis: transformar conhecimentos teóricos em

aplicação prática; identificar questões de pesquisa emergente; encontrar respostas e incentivar

a aplicação da ciência e tecnologia para melhorar as condições agrícolas, econômicas e

sociais; preparar as pessoas para romperem o ciclo da pobreza, incentivar estilos de vida

saudáveis; preparar os jovens para a vida adulta responsável; dar uma resposta rápida sobre

desastres e emergências; conectar as pessoas à informação e à assistência disponível online

(NIFA)125

.

O sistema também teve a capacidade de, ao longo da sua história, atrair milhares de

voluntários que compartilham tempo e experiência.

124

Disponível em: <http://www.stateconservation.org/maine/article/Cooperative-Extension-Service/181>.

Acesso em 01 mai. 2017. 125

“Translate science for practical application; Identify emerging research questions, find answers and

encourage application of science and technology to improve agricultural, economic, and social conditions;

Prepare people to break the cycle of poverty, encourage healthful lifestyles, and prepare youth for responsible

adulthood; Provide rapid response regarding disasters and emergencies; Connect people to information and

assistance available online”. Disponível em:< https://nifa.usda.gov/extension#>. Acesso em: 02 mai. 2017;

tradução nossa).

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143

Umas dessas novas realidades é o uso da rede mundial de computadores como

elemento de comunicação e de trabalho entre extensionistas e comunidades. O “The eXtension

Web” trata-se de um mecanismo de informação coordenada, no qual os clientes têm acesso em

tempo integral à informação personalizada e especializada em ampla variedade de temas,

questões de interesse específico, eventos e fóruns de discussão. O suporte técnico e científico

dessa estratégia é dado pelas equipes das Land-grant colleges, incluindo artigos técnicos,

perguntas e respostas e outras plataformas educativas, dentre as quais, as Communities of

Practice – COP (NIFA).126

Acrescente-se que o Censo Agropecuário de 2012 revelou redução no número das

fazendas, em relação ao último Censo de 2007, o aumento da área média de cada

estabelecimento, assim como a constatação de que 75% das fazendas geraram receita anual

inferior a US$ 50 mil, representando 3% do total da renda bruta do setor. Do outro lado, 4%

das propriedades agrícolas geraram receita superior a US$ 1 milhão, contribuindo com 66%

da receita bruta total do setor. Esse fato indica sinais do aumento da concentração de renda

(por categoria de propriedade e geograficamente) no campo, o que deve se constituir em mais

um desafio para os serviços de pesquisa e extensão rural daquele país.127

Quanto ao perfil do extensionista dos Estados Unidos, é possível constatar que no

início de sua formação, a extensão enfatizava a assistência técnica, ou a chamada difusão de

tecnologia; todavia, o fortalecimento do setor privado na agricultura fez com que essa ênfase

se deslocasse para uma ação mais típica da extensão rural que foi a atenção às necessidades

mais amplas das famílias, quanto ao processo de tomada de decisão, ao empreendedorismo, à

gestão da produção e à organização comunitária.

Na tentativa de se caracterizar um perfil para esse profissional, pode-se afirmar que o

extensionista dos Estados Unidos vem desempenhando um o papel cada vez mais de

educador junto a indivíduos e grupos, utilizando-se para tanto da gestão inteligente das

informações disponíveis, quer sejam de fontes públicas ou privadas. Há, contudo, temas que

vem obtendo maior atenção e atuação dos extensionistas, considerando sua relevância para os

produtores, que são: preservação ambiental, prospecção de novos mercados e apoio às

comunidades na atração de novos empreendimentos geradores de novos empregos. Ou seja, o

papel da assistência técnica é, em grande medida, cumprido pelo setor privado, enquanto o

126

Disponível em: < https://extension.org/>. Acesso em 02 mai. 2017. 127

De acordo com o último Censo Agropecuário dos Estados Unidos, cinco estados concentraram quase 40% da

receita agrícola em 2012 (California: 42,6; Iowa :30,8; Texas:25,4; Nebraska:23,1; e Minnesota:21,3 bilhões

dólares). Disponível em:< http://www.agcensus.usda.gov/Newsroom/2014/05_02_2014.php>. Acesso m: 20 jun.

2015.

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144

setor público se incumbe da extensão rural, que ainda é vista como integrante da extensão

universitária, e, portanto, de caráter público.

Elementos de síntese

O primeiro elemento a destacar está circunscrito à longevidade e à estabilidade do

Sistema Cooperativo de Extensão, que sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, com

mais de 100 anos de existência, completados em 2014, uma marca singular, respaldada por

um desempenho aprovado pela sociedade dos Estados Unidos.

O segundo elemento pode ser traduzido pelo destaque à concepção de visão sistêmica

que fundamentou a criação do Sistema Cooperativo, desde a sua origem. Naquela ocasião, a

base formal residia sobre a pesquisa agrícola, o ensino e a extensão, no entanto, incluía outros

instrumentos de política agrícola/agrária, como com foi o caso da ocupação da fronteira do

Oeste, além ao estimular, por exemplo, o uso dos sistemas de patentes, que fornecia a

proteção suficiente para induzir inventores e fabricantes a assumirem os custos da pesquisa e

do desenvolvimento. Ou seja, custos necessários para introduzir um fluxo contínuo de

insumos industriais novos, planejados para cultivar mais terra e reduzir exigências de mão de

obra por unidade de área (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 243).

O terceiro elemento enfatiza o caráter institucionalizado de divisão de

responsabilidades entre os atores do sistema, presentes no modelo do Sistema

Cooperativo de Extensão, na medida em que estimula a participação organizada de

produtores, por meio de cooperativas, por exemplo, ou estimulando a participação da

iniciativa privada nos espaços onde o Estado se mostra menos preparado, como é o caso

da oferta de assistência técnica mais especializada, modalidade em franco crescimento

no modelo cooperativo dos Estados Unidos. Essa divisão de responsabilidade tem

também a prerrogativa de tornar o sistema ainda mais transparente, com uma qualidade

adicional que é o poder de decisão exercido pelas instâncias locais, como esclarece

Gustafson (1997, p. 47):

(...) o nível federal estabelece a política nacional e o sistema funciona sob a tutela do

USDA (...). Independentemente na variação que existe na responsabilidade da

administração local em financiar os serviços como a extensão rural, no nível local há

conselhos, ou de agricultura ou de extensão, que influenciam ou determinam os

recursos locais para a extensão, aprovam os planos anuais de trabalho e avaliam o

trabalho dos extensionistas. Podem decidir não dar prioridade à extensão e até optar

por não ter um escritório local.

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145

O quarto elemento a ser destacado como fator de sustentabilidade do Sistema

Cooperativo é a estabilidade na provisão de recursos financeiros, assegurando a

implementação de programas e projetos sem os sobressaltos da descontinuidade, tão nocivos

em todos os campos de atividade, mas, sobretudo danosos às atividades de pesquisa, que

trabalham com escala temporal de médio e longo prazo. A exceção ocorreu apenas no

governo Reagan, mas que não compromete o restante de toda a série histórica.

(GUSTAFSON, 1997, p. 49).

Um quinto elemento que estabelece traço especial no modelo dos Estados Unidos é a

ligação umbilical do sistema de extensão à universidade e à pesquisa. A articulação com a

Universidade possibilitou uma maior estabilidade institucional e uma maior aceitação política

à extensão rural. Do ponto de vista interno, é razoável presumir que essa vinculação sistêmica

assegurou uma maior consistência dos conteúdos técnicos trabalhados tanto pelos

extensionistas, quanto pelos pesquisadores na formulação dos seus projetos de pesquisa, por

um lado, assim como no aperfeiçoamento do processo de formação de profissionais para atuar

na área de extensão, por outro.

O sexto elemento diferenciador é o elevado nível educacional e o sofisticado perfil

tecnológico dos produtores rurais, características que fazem deles usuários frequentes das

mais variadas fontes de informação, quer públicas ou privadas, além de dotar esse público de

considerável poder de influência e exigência na defesa de seus interesses e ideias. Essas

características, em outro sentido, influenciam positivamente a qualidade do trabalho de

extensionistas e pesquisadores, assim como, o comportamento das suas instituições

(GUSTAFSON, 1997, p. 51).

Um sétimo elemento grandemente responsável pela sustentabilidade do Sistema

Cooperativo de Extensão Rural dos Estados Unidos está na premissa de atender com

qualidade às necessidades do seu público beneficiário. Para Gustafson (1997), o

atendimento às demandas dos clientes da extensão tem sido fator de sustentabilidade mais

importante do que a estabilidade de financiamento do Sistema. Ou seja, para ele, se o Sistema

for impulsionado pelas necessidades dos clientes (“demand-driven”) terá muito mais

oportunidades de financiamento e respaldo político (GUSTAFSON, 1997, p. 52).

Como oitavo elemento, marcante na diferenciação do Sistema Cooperativo de

Extensão, está aquele relacionado ao padrão de governança e coordenação alcançado pelo

Sistema. Ou seja, enquanto a agricultura dos Estados Unidos atinge os mais elevados índices

de produtividade no cenário mundial, a extensão pública encolhe, deixando espaço para o

setor privado ocupar-se daquilo em que está melhor habilitado, cabendo à extensão outras

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146

tarefas não menos nobres e mais relacionadas com o perfil público. Em síntese, há um

movimento de competitividade nas duas esferas: pública (mais eficácia da máquina pública) e

privado (setor agrícola mais competitivo e abertura de novas oportunidades de atuação

qualificada para o setor privado) trazendo em última instância, ganhos consideráveis para a

sociedade como um todo, razão de ser do próprio setor público.

3.2.4. França

No caso da França, a principal razão da sua escolha como referência de análise se

deveu ao fato de o seu modelo de pesquisa agrícola e extensão rural (vulgarisation agricole)

possuir um forte conteúdo estatal, porém, com uma característica especial, que é a

participação importante das representações de produtores rurais no âmbito das altas decisões

desses dois serviços públicos, sobretudo no de extensão.128

Essa característica do modelo

adotado pelos serviços franceses de pesquisa agrícola e de extensão rural desperta a atenção

em face de sua singularidade institucional, enquanto elemento diferenciador dos modelos dos

demais países selecionados.

Uma outra razão da escolha do “caso francês” está relacionada à evidência de ter sido

a França o país da Europa que menos implementou mudanças radicais nos seus serviços de

pesquisa agrícola e de extensão rural, destacando-se nestas mudanças, a comercialização e a

privatização, movimentos que estiveram presentes em muitos países europeus. Mesmo assim,

para Labarthe (2009), os serviços de pesquisa e de extensão rural franceses podem ser

considerados como serviços de formato público-privado (LABARTHE, 2009, p. S198).

Além dessas razões, cabe considerar que o serviço de extensão rural francês foi

fundado em 1879, totalmente financiado pelo Estado, podendo, assim, ser considerado

como um dos mais antigos do mundo.129

Ao lado da extensão, a França possui o mais

antigo organismo de pesquisa agronômica da Europa, o Institut National de La Recherche

Agronomique (INRA), criado em 1946.130

Para os objetivos e metodologia deste estudo, todas essas evidências reunidas

possuem um significado especial, tendo em vista a possibilidade de reflexão que elas ensejam,

pois são decorrentes do conjunto das inúmeras e ricas mudanças sofridas pelo setor agrícola,

128

Ver LABARTHE, 2009, p. S196. 129

Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/w5830e/w5830e03.htm>. Acesso em 20 jun.2015. 130

Fonte: http://www.inra.fr/60ans/histoire.

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147

francês, em particular, e europeu, num sentido mais amplo, impactando, inevitavelmente,

todos os serviços de apoio à atividade agrícola.131

A agricultura da França é constituída, como na maioria dos países do oeste europeu,

por pequenas unidades familiares de produção, apresentando elevados custos de produção.132

Enquanto a atividade econômica se concentra num pequeno número de grandes empresas, a

agricultura continua a ser feita por pequenas empresas de carácter predominantemente

familiar. Na maioria das explorações agrícolas francesas, o proprietário da exploração

trabalha sozinho, contando com a ajuda ocasional de outros trabalhadores ou membros da

família (CHAMBRES D’AGRICULTURE, 2012).133

Neste ambiente, o serviço de extensão rural, responsável historicamente por atuar com

difusão e validação de inovações tecnológicas, encontra dificuldades de sucesso, face às

características das próprias unidades produtivas (LABARTHE, 2009, p. S196). Essas

características que condicionam, em grande medida, a sobrevivência e o crescimento das

pequenas propriedades agrícolas foram objeto de estudo no qual Perrier-Cornet & Aubert

(2009) argumentam que a concentração da produção agrícola entre poucas empresas cresce

continuamente, sendo este o perfil da agricultura avançada.134

Essa característica também se

constitui em um dos elementos diferenciadores entre a agricultura dos países desenvolvidos e

daqueles em desenvolvimento.135

Ou seja, é o modelo de produção adotado que assegura a

eficiência das grandes empresas, sejam familiares ou semi assalariadas nos países avançados,

que se fundamenta no crescimento do tamanho da unidade de produção agrícola e no

crescimento econômico continuado da empresa.

O mesmo estudo aponta que na França, de 2000 a 2007, a média da área das unidades

agrícolas “profissionais” cresceu de 64,5 para 78 hectares, numa velocidade de dois hectares

por ano, dinâmica que os autores consideram de particular importância para a consolidação do

monopólio da terra no país. (PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2). Ratificando o

estudo mencionado, por ocasião do recenseamento agrícola de 2010, constatou-se a existência

131

Para citar apenas uma dessas transformações, a França possui, ao lado dos Estados Unidos, uma das menores

participações da PEA agrícola na PEA total, no mundo e dentre os países aqui selecionados. 132

Pelo lado do contribuinte europeu, nesses custos devem ser incluídos os custos com os subsídios patrocinados

pela União Europeia nos programas de apoio à agricultura, a exemplo da Common Agricultural Policy (CAP),

que tem se revelado, inclusive no caso da França, como de resultado negativo em relação à melhoria na evolução

da eficiência técnica das unidades de produção agropecuária (DESJEUX; LATRUFFE, 2010, p. 2 e 4). 133

Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/fileadmin/user_upload/National/002_inst-site-

chambres/pages/infos_eco/FicheAgri_Portugais.pdf>. Acesso em 13 nov. 2016. 134

A escala de produção também pode ser considerada um condicionante do desempenho da extensão rural. 135

Nesse estudo, a França foi o país analisado.

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de 515 mil unidades de exploração agrícola na França (continente e territórios ultra

periféricos), enquanto que no ano 2000 este número era de 665 mil, uma redução importante

de quase 30%. Atualmente, mantém-se esta tendência demográfica de longo prazo e não

deverá parar nos próximos tempos (CHAMBRES D’AGRICULTURE,2012).

O estudo conclui afirmando que, por um lado, não existem mais terras sem

exploração ou terras de reserva para serem incorporadas ao processo produtivo, por outro,

a rígida estrutura de propriedade limita o acesso das terras em produção. Desse modo, os

autores afirmam que o acesso à terra se constitui em um dos problemas determinantes

para se compreender as dificuldades enfrentadas pela pequena produção agrícola francesa

(PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2).

As câmaras de agricultura e a extensão rural (vulgarisation agricole)

Por ocasião do período pós-Segunda Guerra Mundial e na tentativa de superar as

dificuldades enfrentadas pela pequena produção, surgiu uma ideia, dentre outras, de estimular

o processo de modernização agrícola do país, a partir de esforços na injeção de investimentos

na produção de novos conhecimentos, sendo o serviço de extensão rural um dos protagonistas

e, ao mesmo tempo, um dos beneficiários dessa política (LABARTHE, 2009, p. S196).

A gênese do serviço de extensão francês, segundo Rolland (1984), foi inspirada na

criação, em 1879, do cargo de professor de agricultura em cada município, cuja missão era

oferecer curso completo de agricultura nas escolas normais primárias, além de proferir

palestras em todo o país sobre técnicas agrícolas modernas. Essa iniciativa teve papel

preponderante na formação das organizações de produtores rurais (associações, cooperativas,

sindicatos, etc.). Depois de 1919, a instituição dos “conselhos de desenvolvimento” em cada

município (departamento) passou a ampliar os serviços de extensão. Estes conselhos, embora

desativados em 1935, deixaram suas raízes, produzindo, pós 1945, inúmeras atividades

extensionistas de bons resultados, movimento que veio a causar conflitos entre grupos de

interesse que buscavam o controle da atividade extensionista (ROLLAND, 1984, p. 11).

Nessa direção, cabe sublinhar que uma primeira iniciativa, sob a forma de lei federal,

abriu caminho para a transferência da administração da extensão rural da esfera

governamental para o âmbito privado ou até profissional. Essa primeira Lei de abril de 1959

estabeleceu um texto-compromisso, uma espécie de “estatuto” da extensão, definindo-a como

“a difusão de conhecimentos técnicos, econômicos e sociais, necessários aos agricultores”. O

mesmo texto reconheceu a possibilidade de a atividade de extensão desenvolver-se na esfera

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149

da iniciativa pública ou privada ou ainda profissional. Previa também que a coordenação da

extensão fosse exercida por um Conselho Nacional, nomeado pelo Ministro da Agricultura e,

no plano municipal, por um “comitê departamental da extensão para o progresso agrícola”, a

ser presidido pelo prefeito municipal (ROLLAND, 1984, p. 15).

O acirramento das disputas pelo controle da extensão rural levou as autoridades

responsáveis pelo trabalho oficial de extensão a implementar uma reformulação no Ministério

da Agricultura, que culminou com o Decreto de 4 de outubro de 1966, decidindo por conceder

às organizações dos produtores a liderança do controle das atividades de extensão rural

(ROLLAND, 1984, p. 11). A organização escolhida foram as Câmaras de Agricultura que

são o centro da representação política dos produtores rurais na França, representação

constituída a partir de eleições nos sindicatos da categoria. A transferência da

responsabilidade dos serviços de extensão pode ser analisada como um arranjo institucional

que permitiu nesse período o domínio da representação dos produtores que passaram a ter um

papel importante no Sistema de Conhecimento Francês (French Knowledge System).

A entidade selecionada representava principalmente um determinado grupo social de

produtores, os dos “produtores profissionais”. A consequência imediata e previsível foi a de

que esses “produtores profissionais” foram os beneficiários prioritários do trabalho de

extensão no país. Por outro lado, eles se constituíam na principal base produtiva do setor

agrícola, assim como, nos maiores contribuintes para os investimentos em extensão,

investimentos derivados de taxas que eram impostas à atividade agrícola (LABARTHE, 2009,

p. S198).

Assim, atualmente, um dos principais ofertantes dos serviços de extensão rural na

França é a Câmara de Agricultura, que faz parte de um sistema liderado pelo Ministério da

Agricultura, do qual participam, ainda, o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA),

as escolas de engenharia agrícola e o segmento de Educação Agrícola136

. Este sistema conta

ainda com a participação da Federação Nacional dos Produtores-FNSEA, da Associação

Nacional para o Desenvolvimento Agrícola- ANDA e dos institutos de pesquisa aplicada,

colocando-se numa instância intermediária entre o INRA e as Câmaras de Agricultura

(LABARTHE, 2009, p. S196).

A entidade “Câmaras de Agricultura” é uma organização dos produtores rurais, criada

na década de 1924 com a missão de viabilizar a interlocução entre o setor público e os

produtores rurais. Dados de 2016 apontam que a organização possui uma forte estrutura, com

136

INRA (Institut National de La Recherche Agronomique).

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111 unidades públicas, distribuída em todo o território nacional, composta por: 89 câmaras de

representação municipal (Câmaras departamentais e interdepartamentais), 19 câmaras de

representação regional e 1 estrutura no nível nacional, representada pela Assembleia

Permanente das Câmaras da Agricultura (ACA). Conta nos seus quadros com

aproximadamente 8.010 colaboradores, incluindo 6.055 engenheiros e técnicos.

Em 2016, seu orçamento foi de US$ 966,7 milhões ($ 702 milhões de Euros),

oriundos das seguintes fontes137

: 42% oriundos de impostos e taxas; 27% de rendas por

serviços prestados a agricultores, empresas, etc.; 25% oriundos de contratos e acordos

com governo, autoridades locais, União Europeia, etc.; e 6% de outras fontes. A entidade

“Câmaras de Agricultura” elegeu na última eleição 4.200 representantes, escolhidos num

universo de três milhões de eleitores. A entidade conta ainda com uma instituição de

ensino superior e de pesquisa, a Esitpa, com a missão de "formar atores e tomadores de

decisão para o futuro da agricultura", objetivando a promoção da produção de bens e

serviços agrícolas voltados à alimentação mundial138

. Em 2013, a Espipa havia formado

6.000 profissionais, e abrigava 500 alunos em formação (CHAMBRES

D’AGRICULTURE)139

.

Do ponto de vista de diretriz de atuação, a extensão rural e a pesquisa agrícola

seguiram a política agrícola nacional da Europa, que teve como objetivo central, no período

dos pós Segunda Guerra (1945-1990), a garantia da segurança alimentar, buscada por

intermédio do aumento da produção e da produtividade agrícolas. As estratégias para o

alcance desse objetivo eram concretizadas em investimentos tangíveis e intangíveis. A

implantação do serviço de extensão rural fez parte desse conjunto de investimentos,

localizando-se no nível nacional e financiada a partir de investimentos públicos140

. Na França,

esses investimentos foram crescentes até a década de 1980, fato parcialmente refletido pela

evolução do número disponível de extensionista por produtores, que variou de 1: 900, em

137

Data cotação utilizada: 31/12/2013. Taxa: 1,3771 Dólar dos-EUA = 1 Euro. Fonte:

<http://www4.bcb.gov.br>. 138

Escola criada em, Paris, 1919, como l'ITPA (Institut technique de pratique agricole). Em 1964: a instituição

foi autorizada para oferecer o curso de engenharia na agricultura; em 1967 a ESITPA / ITPA passa a atuar sob a

égide de 23 Câmaras de Agricultura; em 1981, integra-se à estrutura da Assembleia Permanente das Câmaras de

Agricultura. A partir de então, a Escola constitui-se num serviço da Assembléia Permanente das Câmaras de

Agricultura, tornado-se reconhecida como uma das instituições públicas de educação agrícola superior que se

dedicam à missão da educação agrícola, atuando sob concessão governamental. Em 2007, passa a chamar-se

Ecole d'ingénieurs en agriculture. Fonte: <http://www.esitpa.org/l-esitpa/historique/>. Acesso em 03 jan.2014. 139

Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/chambres-dagriculture/nous-connaitre/dates-et-chiffres-

cles-du-reseau/>. Acesso em 13 mar.2016. 140

O termo “vulgarisation” foi cunhado como central para significar o papel do novo serviço, sugerindo a

popularização do conhecimento técnico.

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1949, para 1: 560, em 1967; e para 1:145, em 1982. O termo “parcialmente” foi empregado

devido ao fato de que o número de produtores rurais também sofreu importante decréscimo no

mesmo período, naquele país, embora numa taxa menor do que a taxa da relação

extensionista/produtores (LABARTHE, 2009, p. S195).

No plano das articulações institucionais, a relação entre o serviço de extensão e

os institutos de pesquisa aplicada, que também foram constituídos no nível nacional,

com estrutura que refletia em seus departamentos o perfil da agricultura do país, pode

ser considerada como vetor importante no processo de inovação na agricultura francesa

(LABARTHE, 2009, p. S196).

Aparentemente, o modelo adotado pela França revela, a princípio, o caráter linear da

sua atuação, entretanto, estudo citado por Labarthe (2009) argui que os avanços tecnológicos

na agricultura francesa eram resultados de uma coprodução de conhecimento, proporcionada

pelas articulações de diversos atores, tais como: produtores, extensionistas, organizações de

produtores, institutos de pesquisa aplicada, dentre outros141

(LABARTHE, 2009, p. 196).

Já no plano das articulações entre pesquisa agrícola, extensão rural e produtores, os

movimentos de troca de experiências e debates, como os grupos de produtores, clubes de

estudo ou grupos atuantes nos Centros de Análise de Técnicas Agrícolas (CETA),

desempenhavam importante papel na implementação da pesquisa agronômica, embora se

reconheça que a participação de produtores mais tradicionais e pobres nesses movimentos seja

cada vez mais escassa. Ainda, com relação às ações de pesquisa agrícola e sua relação com a

extensão, cabe um breve complemento. Diferentemente do Brasil, a tarefa de conceber,

elaborar e implementar a política nacional de pesquisa e inovação é da responsabilidade do

Ministério da Educação Superior e Pesquisa em colaboração com o Ministério da Agricultura

e Pesca.

Quanto aos recursos financeiros, os principais responsáveis pelo financiamento do

sistema de pesquisa na França são os Ministérios, da Agricultura & Pesca e da Educação

Superior & Pesquisa, por intermédio da Agência Nacional de Pesquisa (Agence Nationale

de la Recherche-ANR), criada em 2005, com a missão principal de financiar grandes

programas de pesquisa científica e tecnológica. Fora do âmbito do governo, são também

141

O estudo citado é o de Leewis e Van den Ban (2004). A coprodução de conhecimento pode ser exemplificada

pelo papel desempenhado pelas estações experimentais e as redes de fazendas experimentais que contribuíam

para a validação de tecnologias, através de inúmeros experimentos e diversidade de inovações. Noutro exemplo

estão o Ministério da Agricultura e as organizações de produtores que eram responsáveis pelo financiamento das

estações e das fazendas experimentais. Acrescente-se ainda a intensa produção de literatura coeditada pelos

diversos atores (LABARTHE, 2009, p. S196).

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152

financiadores a União Europeia, as empresas, as organizações públicas territoriais e

regionais, as associações e fundações (ARIMNET, 2010, p. 4).142

Feito esse panorama geral, resta esclarecer como e onde ocorre a integração da

pesquisa agrícola com o serviço de extensão. O modelo concebido para o sistema de

pesquisa conta com um espaço de “transferência de conhecimento agrícola”, no qual

estão presentes 20 universidades de ensino superior, que empregam 2.500

funcionários, atendendo a 14.000 estudantes. No caso do ensino superior relacionado

especificamente à agricultura, os trabalhos de desenvolvimento e extensão são

executados por meio de 60 “centros tecnológicos”, 122 agências dos distritos

agrícolas, beneficiando 600.000 produtores e 4.000 pequenas e médias empresas

agroindustriais. Os centros tecnológicos são organizações “semi públicas”,

articulados em três redes, lideradas pela ACTA (Association de Coordenation

Technique Agricole), pela ACTIA (Association de Coordination Technique pour

l'industrie Agroalimentaire) e pelos CTI (Centres Techniques Industriels), que atuam

de modo federativo, com pesquisa aplicada e transferência de tecnologia sob

demanda dos usuários (ARIMNET, 2010, p. 37).

Em outro estudo, Compagnone, Petit e Lémery (2008) concluem que o novo papel a

ser desempenhado pelas Câmaras trata-se de um papel de mediação que, embora exercido

com competência ao longo dos anos, na relação com inúmeros e diversos atores e na liderança

de programas e projetos, tem se caracterizado com um papel ambíguo, especialmente pelo

fato de restar às Câmaras pequeno grau de autonomia, no mérito dessas novas questões, que

possuem impacto direto sobre a atuação da extensão rural, especialmente em suas estratégias

de atuação e na formação do seu quadro técnico (COMPAGNONE; PETIT; LÉMERY; 2008,

p. 875).

Privatização e comercialização na extensão rural no contexto da multifuncionalidade

Desde 1990, o formato institucional dos serviços de extensão rural em muitos

países europeus tem sofrido ajustes consideráveis, os principais deles dizem respeito aos

142

Segundo dados da ARIMNET, os principais atores do sistema público de pesquisa agrícola da França (INRA,

CIRARD, CNRS, INFREMER e IRD) empregavam em 2008 um total de 14.000 pessoas, dos quais 3.556

pesquisadores, com orçamento anual de 1,180 bilhão de Euros (US$ 1,625 bilhão-Taxa de câmbio calculada pelo

Banco Central do Brasil, em 31/12/2013, 1 EURO = 1,3771 Dólar dos EUA). Disponível em:

http://www.arimnet.net/ARIMNet%20country%20report_FRANCE1010%20MDMO%20final4.pdf. Acesso em

03 mai. 2017.

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153

movimentos de sua privatização e comercialização.143

A privatização tem ocorrido como

mecanismo de substituição dos atores públicos por um novo ator privado, os consultores

privados, sobretudo os especializados em complexos agroindustriais. Como exemplo

trazido por Labarthe (2009), está o caso da Holanda, que privatizou os serviços de

extensão rural e o sistema de produção de conhecimento, no período 1999/ 2000144

. A

França, nesse sentido, é o único país europeu que tem operado menos mudanças no

serviço de extensão rural. Por outro lado, tem sido aguda a crise que envolve o sistema de

cogestão do serviço de extensão francês, particularmente no que se refere ao desmonte da

ANDA. Quanto à modalidade conhecida como comercialização, ela tem significado que

os produtores agrícolas, cada vez mais, têm sido cobrados pelos serviços que lhe são

prestados. Nessa direção, alguns estudos têm apontado que a diversidade da economia

agrícola de muitos países industrializados no pós-Segunda Guerra tem suscitado a

possibilidade de os serviços de extensão serem substituídos pelo modelo de consultoria

privada, face à sua obsolescência145

(LABARTHE, 2009, p. S194).

A perspectiva trazida pelos movimentos privativistas do serviço de extensão rural

impõe à França importantes desafios para o sistema nacional de inovações agrícolas, no

contexto da abordagem multifuncional da agricultura. Assim, é possível afirmar que os

principais desafios que os serviços de extensão rural e de pesquisa agrícola vêm se

defrontando na França dizem respeito às expectativas colocadas pelo padrão multifuncional

da agricultura, como a necessidade de novos conhecimentos que possam levar em

consideração a integração das várias e importantes funções da unidade agrícola: produção

primária, proteção ambiental e segurança alimentar.

Sobre a multifuncionalidade da agricultura na França, que exerce influência direta

sobre o perfil dos agentes de extensão rural, cabe um comentário breve baseado em Laurent

(2013). A multifuncionalidade na agricultura francesa ganhou expressão e apoio das

estratégias governamentais por muitos anos por reconceituar competitividade, a partir da

inserção de novas atividades derivadas da agricultura, contribuindo para o desenvolvimento

local/territorial. Essas atividades, de modo integrado e articulado, proporcionam no seu

conjunto um novo padrão de desenvolvimento local que se contrapõe à falta de

143

A redução dos investimentos públicos em extensão rural tem sido drástica nesse período, mais na Holanda do

que na França. Na Holanda, a redução entre 1999 e 2000 chegou a 90% (LABARTHE, 2009, p. S198). 144

Labarthe (2009, p. S200) a privatização dos serviços de extensão tem promovido a desconstrução das ligações

e articulações dentro do sistema agrícola de produção de conhecimento o que poderá acarretar graves danos ao

sistema. 145

Estudos como os de Knutson & Outlaw, (1994) e Rivera, (2000), citados por Labarthe (2009).

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competitividade internacional vista pelos olhos da tradição econômica até então. Ou seja, a

multifuncionalidade corresponde às inúmeras e articuladas contribuições da agricultura para o

desenvolvimento social, econômico e ambiental e político. A multifuncionalidade criou na

agricultura da França mediterrânea, por exemplo, cenários do que seria a expressão objetiva

do desenvolvimento rural sustentável, no que se refere à promoção do emprego local, à

redução da pobreza, à oferta e qualidade de produtos e serviços, dentre outros benefícios,

como o surgimento de uma agricultura periurbana de pequena escala, agroturismo, etc.

(LAURENT, 2013, p. 2).

Ao lado desse movimento, tem surgido outro de significado também relevante

para os segmentos de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural que é o

crescimento vigoroso e contínuo da agricultura orgânica em todo o país. Riffiod (2012)

demonstra que o mercado para esse tipo de agricultura quadruplicou no período 1999 a

2011, estimando-se aproximar-se dos US$ 5,5 bilhões.146

Para a mesma autora, no final

de 2011 o país já contava com mais de 23 mil propriedades consideradas como unidades

de produção orgânica, significando 4,6% do total das propriedades do país, com uma área

de 950 mil hectares manejados organicamente. No mesmo ano, o setor de orgânicos

contava com 12 mil unidades de processamento e de distribuição de produtos.

Em 2017, o delegado-geral da Federação Nacional de Agricultura Orgânica na França,

Julien Adda, informou que o mercado de orgânicos cresce de 10 a 15% ao ano e o número de

produtores, que já alcançou 30 mil, aumenta em 20% também por ano, sendo a França o país

que lidera a conversão da agricultura tradicional pela orgânica em toda a Europa.147

Na base desse mercado em franca ascensão, especialmente a partir de 2008, está a

constatação de que 40% consumidores franceses consomem produtos orgânicos regularmente,

atribuindo à melhoria da saúde e do meio ambiente a principal justificativa para o seu

consumo (RIFFIOD, 2012).

De modo mais específico, os desafios tratados até então tomam dimensões mais

complexas para o serviço de extensão rural, com reflexos diretos sobre o perfil dos

extensionistas, haja vista a necessidade de dispor de respostas para os novos objetivos das

unidades produtivas, alguns vinculados aos desafios da multifuncionalidade e outros ligados à

organização global dos segmentos de P&D agrícola.

146

Riffiod (2012) estima que o mercado de orgânicos movimentou em 2011, aproximadamente a US$

5,5milhões (4 bilhões de Euros), convertidos em 31/12/2013, a uma taxa de 1 Euro=1,3771Dólardos EUA.

(Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. 147

Disponível em:< http://www.canalrural.com.br/noticias/rural-noticias/producao-organicos-franca-cresce-ate-

ano-64142>. Acesso em 03 mai. 2017.

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155

Essa dimensão de desafio é igualmente válida para a pesquisa. O próprio INRA,

segundo maior instituto público de pesquisa na França, coloca como um dos seus grandes

objetivos contribuir com a sociedade na direção da disponibilidade e da segurança alimentar

no mundo até o ano 2050, atuando no campo da redução da emissão de gases e efeito estufa,

oriundos da atividade agrícola, e na promoção de práticas agrícolas e florestais alternativas

que possam minimizar e reverter as mudanças climáticas. Numa escala mais específica, a

pesquisa agrícola da França busca também novas formas de produção de energia e de

materiais de origem agrícola, além de inovações que possam limitar os impactos ambientais

globais (INRA, 2014).148

Novas demandas e um novo perfil extensionista

Acrescentam-se aos desafios mencionados na seção anterior, outros deles decorrentes

tão complexos quanto e de caráter ainda mais urgente, que se colocam igualmente importantes

nas agendas da pesquisa e da extensão rural na França, assim como em outros países da

comunidade europeia. Trata-se do conjunto de normas e padrões oriundos de toda

comunidade que diz respeito às questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade

alimentar e de saúde do trabalho, dentre outras, conjunto de normas e padrões ao qual os

produtores têm que se adaptar e seguir. Para tanto, pesquisadores e técnicos ligados à

assistência técnica terão que conhecer as novas demandas impostas e construir novos

conhecimentos e inovações para serem discutidos, validados e integrados aos vários sistemas

de produção existentes e aos vários públicos a que se destinam: pequenos e grandes

produtores, produtores “part-time” e “full-time”, produtores de produtos orgânicos e

convencionais, jovens e mulheres produtoras, enfim, para cada público ou cada sistema de

produção há necessidade de um planejamento e uma estratégia específicos.

Nesse quadro, há ainda de se compreender os papéis distintos que devem desempenhar

as instituições de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural públicas e privadas. Em

resumo, isso significa um extraordinário ambiente de mudanças em permanente movimento

no campo das inovações e da criação de competências técnicas, com repercussão direta não

apenas na pesquisa e na assistência técnica, mas também no ambiente das instituições de

ensino, exigindo que todos sejam capazes de apresentar e/ou construir respostas para as

demandas dos variados sistemas de produção e dos distintos públicos produtor e consumidor,

148

INRA, disponível em:< http://institut.inra.fr/en>. Acesso em 10 jan. 2014

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156

tudo convergindo para o aperfeiçoamento de novas competências e habilidades de formação

profissional.

O novo perfil para agentes da extensão rural e da pesquisa que passa a ser requerido

tem origem, segundo Labarthe e Laurent (2013a), também nas novas exigências impostas

pelos novos padrões e regulação, originados nos estados nacionais. Essas exigências

“aumentam a complexidade da gestão de sistemas de produção e geram novas necessidades de

conhecimento agronômico e inovação”149

(LABARTHE; LAURENT, p. 21, 2013a).

O conjunto das novas exigências suscita, por outro lado, a discussão sobre a

necessidade de melhoria dos serviços de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural na

União Europeia para o atendimento das demandas dos produtores rurais. Como consequência

inevitável, ressurge, então, a necessidade de se aprofundar a discussão sobre o processo de

privatização desses serviços, iniciado na década de 1980-1990.150

Ainda para os mesmos autores, o processo de privatização enfraqueceu seriamente os

organismos que são responsáveis por viabilizar a interlocução entre as demandas dos

produtores e a oferta de serviços de P&D agrícola. Os autores acreditam que a evolução dos

serviços de consultoria técnica tende a priorizar o atendimento às médias e grandes

propriedades, marginalizando as pequenas propriedades, tanto na modalidade front-office

quanto back-office, com o agravante de esta última requerer um volume maior de

investimento e assim deslocar sua atenção para relações de melhor custo-benefício, não sendo

o caso das pequenas propriedades. Em se tornando realidade essa perspectiva, há de se

considerar que os investimentos em atividades do tipo back-office tornam-se um aspecto

relevante para a formulação da política de inovação agrícola (LABARTHE; LAURENT, p.

25, 2013b).

Em suma, o novo perfil especialmente dos agentes de assistência técnica e extensão

rural pressupõe o desenvolvimento de capacidades no campo da multifuncionalidade, que

envolve ações e práticas de atividades e serviços agrícolas e não agrícolas, assim como em

outros campos da atividade produtiva. Por exemplo, no campo das novas exigências

149

Como decorrência dessas exigências os países da União Europeia (UE) passam a ter a obrigação de criar

Farm Advisory Systems (FAS), com o objetivo de garantir que cada agricultor possa se beneficiar do

conhecimento adequado para cumprir com os diferentes padrões criados pela U.E. relativos às questões:

ambiental, social e sanitária. 150

Front-office: trabalho realizado na presença do beneficiário e permite a elaboração conjunta da demanda e/ou

a coprodução da solução. Back-office; significa o trabalho que é realizado sem a presença dos beneficiários na

formulação da oferta do produto ou serviço. Como exemplo estão as atividades como o

monitoramento/avaliação/validação de tecnologia, treinamento de consultores técnicos na construção de bases de

dados e até mesmo a produção de conhecimento original, por meio de experimentação e P&D (LABARTHE;

LAURENT, 2013a, p. 21).

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157

regulatórias, que envolve o conjunto de normas e padrões oriundos de toda comunidade e que

diz respeito às questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de

saúde do trabalho; no campo das práticas de enfrentamento das mudanças climáticas, além

daquelas competências tradicionais inerentes ao campo da produção vegetal e animal, quer

convencional ou agroecológica. Embora novas e contemporâneas demandas, em nada

conflitam com o que determinava a primeira Lei de abril de 1959, o “estatuto” da extensão,

definindo-a como “La vulgarisation est la diffusion des connaissances techniques,

économiques et sociales nécessaires aux agriculteurs” (ROLLAND, 1984, p. 15; grifo

nosso).151

Elementos de síntese

O primeiro elemento a ser destacado é o papel desempenhado pela representação dos

produtores rurais franceses na liderança da administração dos serviços de extensão rural

prestados no país, algo diferenciador dos demais modelos debatidos até então. O fato de a

França ser o país europeu que menos mudanças tenha operado no seu serviço de extensão

rural, no sentido da privatização ou movimentos afins, pode ter sua explicação relacionada

com a sua forma de administração, liderada pelos produtores, nas Câmaras de Agricultura.

Adicionalmente, essa característica parece também indicar que o serviço de extensão inserido

nesse modelo ganha maior autonomia e espaço político, devido ao fato de caber aos

produtores a defesa desses interesses junto ao poder público, principalmente. Ou seja, noutros

modelos, essas reivindicações são lideradas recorrentemente pelos próprios extensionistas,

ficando os principais usuários do serviço, os produtores rurais, num segundo plano, subtraindo

em alguma medida a densidade política das reivindicações.

Um segundo elemento está relacionado à articulação entre o serviço de extensão,

o “sistema de pesquisa agrícola” e as Universidades. No “sistema”, o espaço reservado

para articulação e integração está dirigido para a atuação junto aos institutos técnicos ou

centros tecnológicos, cuja missão principal é o trabalho com pesquisa aplicada. Essa

feição do modelo que parece, a princípio, distanciar os centros de concepção e produção

do conhecimento da extensão rural, aproximando-o da tecnologia pronta para a difusão,

suscita a suspeição de um modelo com característica ofertista ou linear, embora essa ideia

seja contestada, como mencionado anteriormente (LABARTHE, 2009, p. S196).

151

“A extensão é a difusão de conhecimentos técnicos, econômicos e sociais necessários aos agricultores”

(ROLLAND, 1984, p. 15; tradução nossa).

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158

Reforça essa suspeição a diretriz contida no documento de orientação do INRA para

atuação no período 2010-2020 (INRA, 2010), no qual é explicitado que a maioria dos atores

consultados para a feitura do documento manifestou expectativas e propostas sobre a postura

da pesquisa e sobre os seus métodos de trabalho e parcerias. Destacando-se, dentre esses, um

pedido ”unânime” para uma melhor difusão dos resultados da pesquisa, transmissão de

conhecimentos e de processos ou instrumentos, por intermédio da extensão, para que possam

ser adaptados e implementados em uma situação real. Acrescentam-se outras manifestações

dos parceiros e da sociedade para que possam participar mais diretamente dos programas, das

avaliações, dos trabalhos de campo, propondo, assim, uma postura de coparticipação e de

visão multidisciplinar na produção do conhecimento (INRA, 2010, p. 54).

Um terceiro elemento, de estreita relação com o segundo, reside nos desafios

impostos pela emergência de respostas ao padrão multifuncional que vem assumindo

a agricultura, não apenas na França, circundada pela nova abordagem territorial. Esse

desafio, dada à sua complexidade, desperta uma repercussão ampla nos serviços de

pesquisa agrícola e extensão rural.

Assim, é crível acreditar que a postura dos organismos de pesquisa e extensão deve

internalizar novos conteúdos e estratégias que possam tornar essas organizações mais

habilitadas a dialogar com os novos desafios. Uma dessas possíveis mudanças de postura na

matriz das organizações de pesquisa e de extensão pode estar dirigida para o próprio novo

perfil profissional a ser demandado, que certamente exigirá, por exemplo, um forte conteúdo

transdisciplinar, o que exigirá mais atenção do Ensino no aperfeiçoamento dos currículos para

formação de pesquisadores e extensionistas, dentre outros.

Um quarto elemento a ser destacado na experiência da extensão francesa, diz respeito

a presença no modelo liderado pelas Câmaras de Agricultura de uma unidade de ensino

superior agrícola e de pesquisa, a Esitpa. A importância desta unidade parece não estar

restrita à formação de quadros técnicos para o próprio sistema ou para outros, mas, também

por se constituir em um núcleo de pensamento importante do sistema, articulando-se,

apoiando e influenciando a política de pesquisa, extensão e de inovação de uma representação

política da agricultura das mais relevantes do país e do continente.

Um quinto elemento está ligado à dinâmica criada a partir das exigências da

União Europeia relacionadas a padrões e normas, no plano ambiental, da segurança

e dos aspectos laborais, que demandam esforço intensivo na produção e difusão de

novos conhecimentos, tanto dos serviços de pesquisa, assistência técnica e extensão

rural, quanto do ensino superior e técnico. Embora essa questão diga respeito à

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realidade específica daquela região, ou seja, dos países de maior padrão de

agroindustrialização, esse fato pode ser traduzido como de importância para aqueles

países em processo de agroindustrialização, no sentido de adotarem, em suas agendas

de planejamento, ações e estratégias que incorporem cenários futuros tais como os

vivenciados hoje pela União Europeia. Em situação análoga está o crescimento da

agricultura orgânica, que também se configura como um desafio e que deve

suscitar reflexões dos vários atores da pesquisa, da assistência técnica e extensão

rural e do ensino, no sentido de contribuírem na construção de respostas e soluções

para as inúmeras demandas que este novo e promissor segmento deverá exigir num

futuro que já parece ter chegado.

Um sexto e último elemento a ser realçado diz respeito aos movimentos de

privatização e de comercialização de serviços de assistência técnica e extensão tão

comuns e antigos na comunidade europeia e também presentes em menor grau na

experiência francesa. O que se pode extrair para uma reflexão contextualizada para os

demais países selecionados é o fato de que, à medida que um setor agrícola se

moderniza, suas demandas por conhecimento se aprofundam, se especializam e

ganham volume, exigindo respostas cada vez mais rápidas e elaboradas, nem sempre

passíveis de atendimento pelo setor público.

A lição francesa aponta para uma questão dessa trajetória que parece ser

inexorável, que é a necessidade do atendimento às demandas das propriedades de

pequenas escalas, aquelas marginalizadas do processo de modernização da

agricultura em muitos países da comunidade europeia, impossibilitadas que foram de

pagar pelos serviços de suporte à modernização.

3.3. Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ater

O objetivo desta seção é extrair da narrativa dos países selecionados, ordenada nos

"Elementos de Síntese”, o que há de mais relevante nas experiências visitadas, ou seja,

formular uma síntese dos "elementos de síntese". Com esta, busca-se destacar daqueles temas

tidos como relevantes, aqueles essenciais, na medida em que possam se constituir em insumos

para a discussão de um novo perfil para a ATER e para o extensionista do Brasil.

A primeira consideração, à luz das experiências dos países selecionados, diz

respeito à demarcação conceitual entre a agricultura empresarial, mesmo de pequeno

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porte, e a agricultura familiar, dependente da ação governamental direta, que inclui as

áreas de reforma agrária. Para o primeiro caso, "agricultura empresarial", todos os países

visitados dispõem, cada vez mais, de serviços de assistência técnica (também

denominados de consultoria, aconselhamento ou assessoria) prestados por empresas

privadas ou por profissionais autônomos ou prestados pelas organizações dos próprios

produtores, portanto de algum modo, financiados pelos produtores, serviços que vêm

crescendo e adequadamente atendendo à demanda. No caso da agricultura familiar,

incluídas as áreas de reforma agrária, caso específico da África do Sul e da Argentina e

do Brasil, o serviço de ATER é, na maioria dos casos, oferecido diretamente pelo

governo, ou financiado por este e executado por intermédio de organizações não

governamentais. Nesse caso, o papel do governo tem sido de presença permanente,

embora com crescentes dificuldades de financiamento e operacionais, o que se desdobra

em casos de recorrente precariedade. Assim, os elementos a serem destacados aqui,

embora tratem da ATER como um todo, devem levar em conta essa demarcação

conceitual, que reflete em maior ou menor grau o fenômeno da heterogeneidade

estrutural presente na agricultura, destacadamente na África do Sul, porém comum em

outros países, como é o caso do Brasil.

Feitas essas considerações iniciais, o primeiro elemento essencial, recolhido da

“visita” aos países selecionados, que pode contribuir para a configuração de um novo perfil

para a ATER, diz respeito à necessidade da presença diretiva de um “Sistema Nacional de

Inovação Agrícola”, no qual se insira o serviço de ATER e que integre os demais atores, todos

responsáveis pelo processo inovativo. Portanto, em um novo perfil da ATER, não há espaço

para a abordagem linear, mesmo que ainda presente em muitas realidades.

O segundo elemento está relacionado com um traço comum nas experiências exitosas

visitadas que é a presença orgânica do “Ensino” na base do conhecimento agrícola que

alimenta continuadamente a Pesquisa e a ATER em todas as dimensões da sua atividade, não

apenas junto aos produtores, com também junto aos mercados. No mesmo caminho da

integração de serviços, cabe destacar as experiências dos Estados Unidos, em cujo modelo a

universidade congrega a pesquisa e a extensão rural, assim como o modelo argentino, no qual

Pesquisa e Extensão estão juntas no INTA, experiências que demonstram a longevidade como

uma característica relevante da sua atuação. Esse modelo, embora não assegure, tende a

produzir canais de articulação e integração de conteúdos mais ágeis e mais próximos da

realidade do produtor, do que o modelo com instituições individualizadas.

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O terceiro elemento essencial identificado com a conformação de um “novo perfil

para a ATER” se relaciona com o conjunto das novas demandas impostas à agricultura e que

exigem da ATER e do profissional de ATER e da pesquisa uma postura técnica compatível e

sintonizada com esses novos desafios que demandam novos conhecimentos, habilidades e

competências. Um novo perfil que incorpora também o modelo das privatizações, que recebeu

críticas, pelo menos na Europa, onde marginalizou da modernização aqueles produtores que

não tinham condições de pagar pelos serviços de consultoria ou de apoio técnico.

Nesse conjunto, estão as “mudanças climáticas” que já estão a exigir uma

completa reformulação dos conceitos, dos espaços e dos sistemas de produção sob pena

de comprometer o objetivo central da segurança alimentar. Não menos importante, a

“multifuncionalidade da agricultura” se constitui numa outra demanda presente nas

experiências selecionadas que inevitavelmente provocará mais mudanças no perfil atual

dos agentes de pesquisa e de ATER.

Além das características específicas de cada realidade rural, moldando a ação do

agente de ATER, como aquelas relativas ao assessoramento aos novos “negócios de base

agrícola” e à “atração de investimentos”, questões comuns na experiência dos Estados

Unidos, mas absolutamente urgentes noutras realidades, dentre as quais a brasileira.

De igual importância, adicione-se aquela trazida pela exigência de “novas normas e

padrões”, relacionados às questões ambientais, qualidade dos alimentos e de saúde do

trabalho, comuns na França e Europa e, por certo, em breve noutros países. Somam-se a essas

novas demandas aquela relativa às “novas formas de organizações” dos produtores (clusters,

rede, pool, etc.) e a crescente “participação feminina” na atividade agrícola, movimentos para

os quais a ATER e a pesquisa terão necessariamente de se capacitar para promover mais

fluidez no diálogo. A prática da “agricultura de base agroecológica”, com destaque para a

agricultura orgânica é outra imposição dos novos tempos na realidade dos países selecionados

e de muitos outros. Essa forma diferenciada de fazer agricultura impõe uma reformulação

expressiva de conceitos e de currículos e do modo de atuação de pesquisadores, extensionistas

e educadores, produzindo, seguramente “novos perfis” profissionais institucionais e

curriculares.

As experiências dos Estados Unidos (Conselhos) e França (Câmaras de Agricultura)

quanto ao papel da organização dos produtores, influenciando diretamente os destinos da

política agrícola do país, da ATER e da pesquisa, revelam a diretriz de estimulo ao

protagonismo dos produtores nas decisões em âmbito nacional, significando também, um

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162

antídoto eficaz contra as interferências políticas nefastas à boa gestão da pesquisa e da ATER,

principalmente, e ainda presentes entre nós.

Um último elemento está vinculado à “emergência da TICs” nas atividades agrícolas,

constituindo-se em instrumento de transformação profunda das práticas de todos os atores do

SNIA. Embora a inserção das TICs na realidade rural de países como Brasil, Argentina e

África do Sul ainda seja tímida, esse é um movimento irreversível e que provocará mudanças

substantivas na relação produtor/extensionista/ pesquisador.

Por fim, do conjunto dos elementos mais relevantes recolhidos da “visita” aos quatro

países selecionados é razoável perceber que agricultura, no seu sentido mais completo, vem

operando transformações importantes na busca da superação dos desafios que lhe são

impostos, atuais e futuros. Essas transformações repercutem em todo o mercado e, de modo

especial, repercutem também no SNIA.

O resultado final é que atividade agrícola vai assumindo novas feições, sem, contudo,

abandonar as suas principais responsabilidades históricas com a segurança alimentar e com a

redução da pobreza. No entanto, as novas feições exigem mais competitividade com

sustentabilidade, uma equação de resolução complexa que demanda um novo aparato de

conhecimento e de apoio técnico e institucional.

Nesse caso, insere-se o extensionista/consultor técnico, instado a contribuir com os

novos padrões da agricultura, o que lhe exige novos atributos, que abrangem, dentre outras

áreas: o domínio sobre a abordagem do desenvolvimento territorial; a sensibilidade para a

descoberta e atração de novos negócios de base agrícola; a habilidade para o estímulo ao

empreendedorismo; a capacidade de atuar numa agricultura multifuncional; o conhecimento

de normas relativas a questões ambientais, de qualidade dos alimentos e de saúde do trabalho;

desenvoltura na articulação com organizações/representações de produtores; competência no

trato das questões de mercado e de marketing; competência técnica no manejo de questões

ligadas às mudanças climáticas; habilidade para lidar com a emergência da liderança feminina

nos negócios agrícolas; habilidade no uso de novas ferramentas de trabalho disponibilizadas

pelas TICs, etc. O novo perfil extensionista que vem sendo desenhado impõe, por outro lado,

uma reformulação profunda também nas estruturas de ensino de formação profissional,

localizadas não apenas nas universidades, assim como, nas estruturas institucionais de

concepção e formulação de políticas agrícolas e de ciência, tecnologia e inovação.

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4. ATER NO BRASIL: PASSADO DE CONTRIBUIÇÕES, FUTURO DE

INCERTEZAS

Este capítulo, referenciado pela discussão dos desafios impostos à agricultura mundial

e brasileira, pelas reflexões sobre os segmentos de difusão e de geração de tecnologia

agropecuária dos países selecionados e pelo suporte teórico dado pela abordagem Sistema

Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), pretende alcançar três objetivos. O primeiro deles,

contextualizar a evolução recente da ATER no Brasil. Para atender a esse objetivo, o ponto de

partida da discussão é a análise da evolução do perfil institucional do sistema público de

geração e difusão de tecnologia no Brasil, destacando-se aquilo que de mais relevante

contribuiu para o processo de modernização da agricultura brasileira.

Um segundo objetivo, decorrente do primeiro, é extrair elementos analíticos

relevantes da experiência extensionista brasileira, que possam se constituir em subsídios

que inspirem a configuração de um sistema de nacional de inovação agrícola, visto sob a

perspectiva da ATER. Esta configuração se constituirá no terceiro objetivo deste capítulo.

Em última instância, o que se pretende como grande objetivo é que todos esses elementos

sistematizados e integrados possam oferecer substrato analítico, que suscite e estimule o

debate sobre o aperfeiçoamento dos modelos de ATER governamental no Brasil, a partir

de uma concepção sistêmica do processo.

4.1. A evolução dos serviços públicos de pesquisa e de ATER no Brasil

Em decorrência dos objetivos do capítulo mencionados acima, esta seção tem o

propósito de desenvolver uma análise crítica da trajetória do serviço público de ATER no

Brasil e, de modo complementar, do serviço público de pesquisa agrícola, naqueles aspectos

nos quais possua relação direta com a ATER. O contexto da trajetória percorrerá seis

momentos, iniciando-se com o detalhamento das origens, passando pelas especificidades da

instância da coordenação nacional de ATER, pela criação da Pnater e Anater, chegando-se até

a evolução atual do perfil institucional do sistema público de geração e de difusão de

tecnologia agrícola brasileiro.

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4.1.1. As origens da pesquisa e da ATER

É bastante rica a experiência do Brasil na execução de programas públicos de geração

e difusão de tecnologia agrícola, concebidos para apoiar o processo de desenvolvimento do

país e que aqui serão tratados de modo integrado.152

Seguindo a ordem cronológica dos

acontecimentos, a origem da pesquisa agropecuária no Brasil está intimamente ligada ao

ensino agrícola no país. De acordo com Capdeville (1991), o ensino agrícola teve seu início

em 15 de fevereiro de 1877 com a inauguração da Imperial Escola Agrícola da Bahia, no

Engenho de São Bento das Lajes, hoje município de Cruz das Almas no Estado da Bahia.

Importante destacar desse fato e da relação pesquisa e ensino que, de acordo com

Tourinho (s/d), a criação da Imperial Escola foi uma tentativa de se resolver a grave crise pela

qual passava a lavoura canavieira à época: preços do açúcar deprimidos, pragas e doenças,

carência de mão de obra especializada, obsolescência de equipamentos, atraso tecnológico,

enfim, falta de competitividade.153

A citação a seguir sintetiza as circunstâncias de criação da

Imperial Escola, a primeira da América Latina: “Ã mingua de capitaes, de braços, de

instrução e de instrumentos aratorios, a nossa lavoura luta contra um mal que a corroe como

ferrugem ao ferro, a rotina.” (Fala do Presidente da Província de 1863) (TOURINHO, s/d).

Praticamente em paralelo com as primeiras iniciativas na área do ensino, surgem

também os primeiros trabalhos no campo da pesquisa agrícola, cabendo ao estado de São de

Paulo merecer os primeiros registros, dado o seu pioneirismo com a criação da primeira

estação experimental no território nacional. Assim é que no caso da geração de tecnologia,

esta experiência remonta ao século XIX, precisamente no ano de 1887, com a fundação da

Imperial Estação Agronômica de Campinas, hoje, o Instituto Agronômico (IAC), instituição

de pesquisa agrícola vinculada ao Governo do Estado de São Paulo.154

Considerando os laços do ensino com a pesquisa, torna-se útil mencionar que a

evolução do ensino das ciências agrárias no Brasil seguiu em 1891 com a criação da Escola

Superior de Agricultura Eliseu Maciel, em Pelotas, Rio Grande do Sul; em 1901 da Escola

152

Aqui, o termo “difusão” será considerado sinônimo de assistência técnica e extensão rural e “geração” como

sinônimo de pesquisa agrícola. 153

Deve-se ao Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, criado em 1859 por personalidades ligadas à

agroindústria açucareira com a pretensão de “salvar do aniquilamento a lavoura nacional”, por intermédio da

criação e a manutenção da Eschola Agrícola da Bahia (TOURINHO, s/d). 154

Nesse âmbito, embora com funções distintas, deve-se registrar a criação do primeiro jardim botânico do

Brasil, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, fundado em 1808, atualmente denominado Instituto de Pesquisas

Jardim Botânico do Rio de Janeiro, nome que recebeu em 1995. Trata-se de um órgão federal vinculado ao

Ministério do Meio Ambiente e constitui-se como um dos mais importantes centros de pesquisa mundiais nas

áreas de botânica e conservação da biodiversidade.

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165

Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), em Piracicaba (SP); e em 1908 da Escola

Superior de Agricultura de Lavras (MG). Do início na Bahia, em 1877, até 1910 - ano da

primeira regulamentação oficial, funcionaram oito cursos de Agronomia. Já a primeira escola

superior de Medicina Veterinária do Brasil foi inaugurada em 1913, na Universidade Federal

Rural do Rio de Janeiro. Até 1929 já existiam 20 escolas de Agricultura e Veterinária no

Brasil.

Em janeiro de 1990, eram 72 os cursos de Agronomia; os de Veterinária, 43; os de

Engenharia Florestal, 14; os de Zootecnia, 16; e os de Engenharia Agrícola, 8. Em

março de 1961, foi inaugurado, na então Universidade Rural do Estado de Minas

Gerais, hoje Universidade Federal de Viçosa, o primeiro curso de pós-graduação, no

Brasil, no modelo norte-americano do Master of Science ou Magister Scientia. Em

janeiro de 1990, havia 108 cursos de mestrado e 28 de doutorado em Ciências

Agrárias, no Brasil. (CAPDEVILLE,1991)

Segundo Azevedo (1994), por um razoável período de tempo a liderança da pesquisa

agropecuária no Brasil coube às escolas de agronomia e de veterinária. No período

compreendido entre 1940 e 1960 foram surgindo outras instituições de pesquisa, caso dos

institutos estaduais, vinculados principalmente às secretarias de estaduais de agricultura e ao

próprio Ministério da Agricultura.

No começo do século, 1905, o estado de São Paulo sai à frente dos demais com a

criação do Posto Zootécnico Central, hoje Instituto de Zootecnia, dedicado a pesquisas

científicas nas áreas de produção animal e pastagens, dentre outras155

. Em 1919, o estado do

Rio Grande do Sul inaugura trabalhos de pesquisa agrícola com a criação da Estação de

Seleção de Sementes de Alfredo Chaves, hoje Veranópolis, trajetória que se ampliou e

transformou-se atualmente na Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Ainda

no âmbito estatal, registre-se a criação, em 1927, do Instituto Biológico em São Paulo,

inicialmente destinado prioritariamente ao estudo da broca do café, Hypothenemus hampei,

praga de enorme importância para a economia cafeeira, encontrada em Campinas (SP) pela

primeira vez no Brasil, em 1913 (AZEVEDO, 1994).

Nesse horizonte temporal, a presença na iniciativa privada pode ser considerada tímida

no campo da pesquisa agrícola no Brasil, apesar de algumas iniciativas importantes de criação

de centros de pesquisa por produto, como é o exemplo, também em São Paulo, da Copersucar,

em 1959, com cultura da cana-de-açúcar.156

155

Disponível em: < http://www.iz.sp. gov.br/pagina.php?id=20>. Acesso em: 18 fev. 2014. 156

Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, inicialmente

Cooperativa Central, à época congregava dez unidades produtoras paulistas e duas cooperativas regionais, a

Coopira e a Coopereste.

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166

Como iniciativas públicas mais recentes estão os casos do Instituto Agronômico do

Paraná (Iapar) e da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA), criados em

1972 e 1973, respectivamente. A Embrapa, criada no ambiente do Ministério da Agricultura,

absorveu em grande parte a rede das instituições de pesquisa pertencentes ao próprio

Ministério da Agricultura e hoje, pode ser considerada uma referência mundial em pesquisa

agrícola, e que merecerá um detalhamento maior a seguir.

Já o segmento de ATER possui uma história mais recente no Brasil. Embora haja

registros de experiências anteriores, oficialmente ele foi instituído em 1948, com a criação da

Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (Acar-MG), uma iniciativa da

entidade privada American International Association for Economic and Social Development

(AIA) com o governo de Minas Gerais.

Sobre as origens do serviço de extensão rural no Brasil, há visões distintas para o

mesmo evento, importantes de registro, pois vão às raízes das “circunstâncias da criação da

extensão rural no Brasil”, entre elas, destacam-se duas:

A primeira experiência de campo válida, ocorrida no Brasil, teve lugar em Santa

Rita do Passa Quatro-SP, a partir de outubro de 1948. Por influência do professor

John B. Greefing, diretor da Escola de Agronomia de Viçosa e ex-dirigente da

American International Association for Economic and Social Development (AIA),

uma instituição filantrópica, presidida pelo Sr. Nelson Rockfeller, contratou o Eng.

Agrônomo Marcos C. Pereira para implantar um trabalho cooperativo entre os

agricultores, prefeitura, firmas locais e o governo do Estado, através das Secretarias

de Agricultura e Saúde, no município paulista de Santa Rita do Passa Quatro. O

serviço abrangia assuntos de agropecuária e economia doméstica e tinha por objetivo

aumentar a produção, a produtividade e a renda das famílias rurais, garantindo-lhes

um melhor nível de vida...A ideia repercutia, favoravelmente, no Estado de Minas

Gerais, na época governado pelo ilustre jurista brasileiro Milton Campos.

(OLINGER, 1996, pp. 46-7)

A segunda visão, de conteúdo mais abrangente, enxergava a criação da ATER no

Brasil, da seguinte forma:

As visitas do Sr. Rockfeller, e consequentemente a fundação da Acar-MG,

entretanto só podem ser compreendidas no contexto dos acontecimentos pós-30 que

marcaram importantes mudanças no cenário da política interna brasileira, como

também no cenário da política externa, principalmente no que diz respeito às

relações com os Estados Unidos da América do Norte. (FONSECA, 1985, p. 60)157

157

Com relação ao “pós-30”, a autora estava se referindo à revolução de 1930. Além disso, ela recorria a

Weffort, F. (1978) para esclarecer, acrescentando: “Com efeito, a revolução de 30 é o ponto de partida de uma

nova fase da história brasileira, em que se assiste a um completo desenvolvimento histórico político, cujos

traços dominantes são as tendências do Estado Oligárquico, alicerçado em uma estrutura agrária voltada para o

mercado externo e a formação de um Estado Democrático apoiado principalmente nas massas populares urbanas

e nos setores sociais ligados à industrialização" (FONSECA, 1985, p. 60).

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167

Diferentemente de outros países, como nos Estados Unidos, onde a pesquisa agrícola e

a assistência técnica e extensão rural públicas nasceram e se desenvolverem na universidade,

portanto, em um único ambiente institucional, no Brasil, esses serviços ganham um contorno

heterogêneo, assumindo formas híbridas em todo o país, que foram se aprofundando ao longo

de inúmeras transformações ocorridas na sua história.

Assim, no Brasil, os serviços públicos de geração e de difusão de tecnologia agrícola

nasceram de forma individualizada, embora a grande maioria das abordagens teóricas sobre o

assunto aponte para o caráter de complementaridade que os envolve, qualificando-os, desse

modo, como partes de um único processo, o de modernização da agricultura.

4.1.2. A trajetória da ATER no Brasil

De forma pioneira, a Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais-

Acar-MG, fundada em 1948, foi a primeira experiência brasileira destinada à introdução de

novas técnicas de agricultura, pecuária e economia doméstica, de incentivo à organização dos

produtores e da produção e de aproximação do conhecimento gerado nos centros de ensino e

de pesquisa aos produtores rurais.

A atuação inovadora e de relativo sucesso da Acar-MG provocou o interesse de vários

estados brasileiros em criar o seu próprio serviço de extensão rural. No caso da região

Nordeste, o surgimento do Banco do Nordeste, em 1954, reforçou a criação no mesmo ano da

Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (Ancar), sociedade civil, sem fins

lucrativos com sede em Recife (Pernambuco), e com atuação, através de Programas Estaduais,

em todos os estados nordestinos, exceto Maranhão.158

Os estados do Sul e Sudeste seguiram o mesmo caminho e, de 1957 a 1967, o serviço

de Extensão Rural já estava presente em todo o país. Para coordenar o sistema brasileiro de

extensão rural, que se estruturou naquele período, foi instituída, em 1956, no Rio de Janeiro, a

Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar).

Já em meados da década de 1970, segundo Peixoto (2009), uma das consequências

do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) foi a estatização do Sibrater, através

da Lei nº 6.126, de 06 de novembro de 1974. Esta Lei autorizou o Poder Executivo a

instituir a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater),

empresa pública, vinculada ao Ministério da Agricultura, com personalidade jurídica de

158

Programas Estaduais que foram transformados posteriormente em associações de crédito e assistência rural,

(ANCAR’s) sociedades civis, sem fins lucrativos.

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direito privado e patrimônio próprio, cuja função era a de coordenar o "novo" sistema de

ATER, que se estruturara à época (PEIXOTO, 2009).

A mesma Lei, além de estabelecer os objetivos, as fontes de recursos da Embrater,

promovia a sua integração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),

autorizando-as a dar apoio financeiro às instituições estaduais oficiais que atuassem em

ATER e pesquisa agropecuária (PEIXOTO, 2009). Sobre a criação da Embrapa, ocorrida em

26 de abril de 1973, com o papel de coordenar e executar a política de pesquisa agropecuária

do país, vale mencionar um dado importante, registrado no site da própria Embrapa, que trata

sobre as circunstâncias da sua criação, relacionadas à ATER:159

No âmbito do Ministério da Agricultura, um grupo debatia a importância do

conhecimento científico para apoiar o desenvolvimento agrícola. Nesse momento, os

profissionais da extensão rural começaram a levantar a questão da falta de

conhecimentos técnicos, gerados no País, para repasse aos agricultores.

(EMBRAPA; grifo nosso)160

Do ponto de vista da sua estruturação, o segmento público de geração se caracterizava

por um sistema de amplitude nacional, congregando as organizações públicas estaduais de

pesquisa, coordenado pela Embrapa.161

Quanto ao segmento de difusão, a sua estruturação nacional ocorreu de forma análoga

ao segmento de geração, com apenas uma diferença: as organizações públicas estaduais de

difusão existentes à época, que aderissem ao novo sistema - Sistema Brasileiro de Assistência

Técnica e Extensão Rural (Sibrater), liderado por uma empresa federal, a Embrater, deveriam

transformar-se em empresas estaduais de assistência técnica e extensão rural (EMATERs),

medida que contou com a adesão de quase todos os estados da federação.162

Assim, ficaram constituídos os "novos" sistemas públicos de geração e difusão de

tecnologia agrícola, de forma individualizada, coordenados nacionalmente por duas

empresas federais estatais, vinculadas diretamente ao poder executivo federal, mais

precisamente ao Ministério da Agricultura.

159

Criada a EMBRAPA, por intermédio da Lei nº 5.851, sancionada em 7/12/1972, pelo então presidente da

República, Emílio Garrastazu Médici, que autorizava o Poder Executivo a instituir a empresa pública, vinculada

ao Ministério da Agricultura. A sua primeira diretoria tomou posse em 26/04/ 1973, no Ministério da

Agricultura. Fonte: <http://hotsites.sct.Embrapa.br/pme/historia-da-Embrapa>. 160

Disponível, em: <http://hotsites.sct.Embrapa.br/pme/historia-da-Embrapa>. Acesso em 21 mar. 2012. 161

Atualmente, tais organizações são denominadas de OEPAs, Organizações Estaduais de Pesquisa

Agropecuária. 162

Essas organizações, na maioria dos estados brasileiros, eram associações, entidades sem fins lucrativos,

denominadas Associações de Crédito e Assistência Rural (ANCAR ou ACAR ou ASCAR).

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169

Não é difícil perceber que nessa ocasião, década de 1970, o modelo de

desenvolvimento agrícola guardava forte inspiração na “revolução verde” e privilegiava a

estratégia da difusão de pacotes tecnológicos, de concepção liderada pela Embrapa. O

público-alvo da extensão passa ser preferencialmente os grandes e médios produtores e o

principal objetivo passa a ser o aumento da produção e produtividade, contando com o forte

apoio de uma abundante oferta de crédito rural, sistema criado em 1965 (PEIXOTO, 2009, p.

12). Como decorrência dessa nova postura, os trabalhos iniciais da ATER de apoio aos

aspectos educacionais não agrícolas, componentes do ambiente da família rural, como por

exemplo, aqueles materializados pela ação do trabalho da economia doméstica foram

relegados a um segundo plano, considerando que as prioridades da política agrícola buscavam

a modernização, via aumento de produtividade.

Para Fonseca Júnior e outros (2009), a modernização da agricultura brasileira foi

fundada sob três pilares básicos: a criação de um sistema nacional de pesquisa

agropecuária, liderado pela Embrapa, de um sistema nacional de difusão de tecnologias,

coordenado pela Embrater, e por um programa de crédito rural, oferecido aos produtores

para que adotassem as tecnologias agropecuárias preconizadas (FONSECA JÚNIOR et

al., 2009, p. 80). Assim, o modelo fundante da modernização agrícola do país àquela

época, marcadamente difusionista e linear, pressupunha a geração da tecnologia pelo

agente da pesquisa, a sua transferência para o extensionista e deste para o produtor rural,

a quem caberia a decisão de adotar ou rejeitar a tecnologia. Do ponto de vista teórico,

apesar de pouco explorado na prática, havia espaço no modelo para que os produtores

reivindicassem soluções para os seus problemas tecnológicos, que poderiam ser objeto de

projetos de pesquisa.

No âmbito da pesquisa agrícola, no início dos anos 1970, o modelo difusionista passou

a sofrer críticas agudas nos Estados Unidos, como aquela que indicava um caráter

excessivamente institucionalizado, em que técnicos e burocratas definiam os objetos de

pesquisa e a prioridade dos assuntos a serem pesquisados. Uma outra crítica apontava que o

sistema de pesquisa estava estruturado para favorecer às grandes corporações e às

agroindústrias e não a maioria dos agricultores (FONSECA JÚNIOR et al., 2009, p. 81).

Críticas que também atingiram a extensão rural brasileira, traduzindo-a como um

“projeto educativo para o capital” (FONSECA, 1985, p. 183). Assim, na opinião desses e de

outros críticos, os sistemas nacionais públicos de geração e difusão de tecnologia agrícola,

coordenados, tanto pela Embrapa, quanto pela Embrater, se constituíram em instrumentos

importantes dessas transformações pelas quais passou a agricultura brasileira.

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Oliveira (1999), ao elaborar uma síntese equilibrada sobre as visões, umas puristas

outras críticas, relativas à significação da “extensão rural como projeto educativo para o

capital”, esclarece que as abordagens não são completas, na medida em que esquecem outros

projetos, até mais abrangentes do que a extensão, que seriam bem mais funcionais ao

capitalismo, como é caso ..."das escolas formais e informais, as universidades e os seus

serviços de extensão universitária, o rádio, a televisão, os serviços de pesquisa, etc. etc.,etc.”

(OLIVEIRA, 1999, p. 131). Na percepção do autor, a visão de um projeto educativo para o

capital não deixa de ser correta, porém, mais que isso, é óbvia, pelas razões expostas na sua

citação anterior. Para ele, o mais apropriado seria afirmar que a extensão rural brasileira

trocou de capitalismo: abandonando “a vertente democrática, criadora de oportunidades, pela

patrimonialista, excludente e concentradora" (OLIVEIRA, 1999, p. 132).

No outro extremo, há aqueles que advogam que os inegáveis ganhos de produtividade

alcançados pela agricultura brasileira, contribuindo, dentre outros aspectos, para a redução das

estatísticas de desmatamento, tão nocivo à prática de desenvolvimento sustentável, devem ser

creditados, em grande medida, aos sistemas Embrater e Embrapa.

De algum modo, parece que essas críticas sensibilizaram o governo, que buscou apoio

do Banco Mundial, que à época liderava programas de desenvolvimento rural integrado, com

foco em produtores de "baixa renda"; portanto, um encontro de interesses recíprocos.163

Nessa

direção, foram contratados programas junto ao Banco Mundial e outras instituições similares,

que lideravam iniciativas dessa natureza, priorizando “produtores de baixa renda”, no

contexto da filosofia de Programas de Desenvolvimento Rural Integrado, os PDRIs,

programas que posteriormente foram implementados especialmente na região nordeste do

país. Do ponto de vista conceitual, os PDRIs estruturavam-se na ideia de desenvolvimento

integrado, que contemplava não apenas ações no plano da pesquisa, da extensão e do crédito,

mas integrava também ações de educação, de saúde, de organização comunitária e de

infraestrutura, ou seja, obedecia um enfoque sistêmico e integrado. A partir de 1980, e com

forte apoio nos PDRIs, a Embrater redireciona sua ação, no sentido de conceder prioridade

aos pequenos e médios produtores, transferindo o atendimento aos grandes, sobretudo aquele

relativo ao crédito rural, para que fosse realizado pelos escritórios privados de planejamento

de assistência técnica à agropecuária.

O período compreendido entre 1985 a 1989, conhecido como o período da

redemocratização, traz consigo conflitos importantes para o país e, por decorrência, para a

163

Refere-se ao período de gestão de Robert McNamara, analisado por Pereira (2011).

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extensão rural. Enquanto o serviço de extensão se preparava para uma nova forma de atuar,

pautada na prioridade àqueles produtores e famílias excluídos da modernização,

principalmente, na última década, o país passa a apresentar índices inflacionários fora de

controle, levando a uma completa desordem no sistema econômico, apesar das inúmeras

tentativas de organização da política econômica, por intermédio de seguidas e frustradas

edições de “planos econômicos”.

Nesse contexto de crise, em 1988, o governo federal propõe ao Congresso Nacional

uma reforma administrativa, objetivando racionalizar a máquina pública federal, nesta

reforma está presente a extinção da Embrater. Uma grande mobilização do serviço de

extensão rural de todo país, consciente de que a extinção da Embrater produziria o

desmantelamento ou, pelo menos, a desorganização, do sistema em todo o país, num

verdadeiro “efeito dominó”, conseguiu sensibilizar o Congresso e este rejeitou, em 1989, a

proposta do Governo Sarney de extinção da Embrater. Esta década, denominada de “a década

perdida”, deixou também sequelas profundas na organização e no desempenho da ATER em

todo o país, trazendo apenas como contrapartida o mérito do aprendizado da luta pela

sobrevivência do sistema.

Paradoxalmente, torna-se oportuno lembrar que no ano de 1988 havia sido promulgada

uma nova Constituição Federal e, com ela, no seu artigo 187, o reconhecimento da ATER

como importante instrumento de política agrícola, agora consagrado na Carta Magna do

Brasil.164

4.1.3. A coordenação Nacional da ATER

Os anos 1990 iniciam-se com um novo Governo, “Governo do presidente Collor” que,

no bojo de medidas radicais, propõe, novamente, a extinção da Embrater, desta vez, aceita

pelo Congresso Nacional.165 Nove meses depois de extinta, ainda em 1990, o mesmo governo

164

Art. 187. "A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor

de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de

armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I - os instrumentos creditícios e fiscais; II -

os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à

tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V – o seguro agrícola; VI - o cooperativismo; VII - a

eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação para o trabalhador rural". Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 fev. 2014. 165

A reforma do novo Governo também atingiu outros órgãos do “precário” aparato agrícola governamental: a

Comissão de Financiamento da Produção (CFP), a CIBRAZEM e a COBAL foram fundidas na Companhia

Nacional de Abastecimento. Foram extintos o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), o Instituto Brasileiro do

Café (IBC) e o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) (SILVA, 1998, p. 136).

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delibera que a Embrapa assuma a coordenação nacional do serviço de extensão rural.166

Essa

função de coordenação nacional da extensão rural pela Embrapa produziu inúmeros conflitos

internos de rejeição e de apoio, tendo uma vida, infelizmente, breve, para aqueles que

almejavam uma experiência unificada e orgânica.

Do ponto de vista conceitual, a assunção da coordenação nacional de ATER pela

Embrapa “coincidia “com o pressuposto teórico de que a geração e a difusão e tecnologia

agropecuária são partes de um mesmo processo, ou seja, Embrapa e Embrater numa única

organização poderia ser considerado algo positivo. Entretanto, parte da comunidade da

Embrapa não compreendia dessa forma. Grupos internos à Embrapa demonstravam

insatisfação com a presença da coordenação do sistema de ATER naquela instituição,

manifestação afirmada em documento apócrifo, de grande repercussão.

O citado documento, por outro lado, recebeu crítica de outros cientistas da Embrapa, a

exemplo de Silva (1993), que questiona: "Por que, diante de questão tão relevante quanto a

localização institucional da coordenação do SIBRATER, o MAARA aceitou um documento

apócrifo como referência inicial para discutir e decidir sobre o tema?" (SILVA, 1993, p. 3).

As crises no Governo Federal prosseguem. Afastado do poder, por intermédio de um

processo de “impeachment”, em 1993, o Governo do presidente Collor dá lugar ao Governo

do presidente Itamar Franco que, insatisfeito com a localização da coordenação nacional do

serviço público de Extensão Rural na Embrapa, assina Decreto transferindo-a para o

Ministério da Agricultura, onde é criado, em 1994, o Departamento de Assistência Técnica e

Extensão Rural (DATER). Desse modo, a ATER, sob a coordenação da Embrapa, durou

pouco tempo, quase três anos, de 17 de outubro de 1990, quando foi transferida para o

Ministério da Agricultura, em setembro de 1993. Assim, a tese do documento apócrifo

pareceu prevalecer. Essa decisão parece reiterar a opção pelo modelo linear, mesmo sabendo-

se que o formato institucional não seria suficiente para determiná-lo.

Em síntese, a década de 1990 para a extensão rural brasileira pode ser caracterizada

como um período de grandes dificuldades, face à redução drástica dos recursos federais para

os estados. Estes, agora por estarem mantendo praticamente sozinhos os serviços públicos

estaduais de extensão, passaram a ter uma crescente autonomia, desobrigados então de

cumprirem alguns padrões de comportamento estabelecidos pela Embrater.167

Esse fato

166

Por intermédio do Decreto Nº 99.616, de 17 out. 1990. 167

Por exemplo, cabia à Embrater indicar/sugerir aos governos estaduais o nome de um diretor para compor a

diretoria dos órgãos de extensão.

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173

provocou, dentre outras repercussões, uma interferência mais acentuada e negativa da política

partidária estadual nos órgãos locais de extensão rural pública.

A partir de então, os serviços estaduais de pesquisa agrícola, mas, principalmente os

de extensão, passaram a experimentar novas formas, padrões, modelos e estratégias de

atuação, decisão tomada sob a ótica e capacidade de financiamento do gestor público do

momento. Ou seja, ao seu arbítrio, o gestor público adotava o modelo que ele julgasse o mais

adequado para enfrentar os desafios da redução dos recursos federais, conciliando-os com as

conveniências políticas do momento. Assim, a ausência/fragilidade de uma coordenação

nacional de ATER e a redução dos recursos federais produziram inúmeros modelos

institucionais públicos de geração e difusão espalhados pelo país afora, como será detalhado a

seguir.

Como discutido na seção anterior, as mudanças havidas nos segmentos públicos de

geração e difusão de tecnologia não se restringiram ao Brasil. Muitos outros países, além de

também sofrerem com a crise do petróleo foram, também, “tocados” pela “onda do Estado

mínimo”, tendência que, certamente, contribuiu para a criação de um razoável número de

modelos alternativos de geração e difusão de tecnologias fora do Brasil (LABARTHE, 2009,

p. S198). Na América do Sul, para países como Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile os

governos passaram a estimular, dentre outras formas, as organizações dos produtores a

contratarem seus próprios serviços de extensão rural, a partir de subvenções recebidas,

principalmente, do próprio governo, pelo menos, num primeiro momento (THORNTON;

CIMADEVILLA, 2006, p. 66).

No Brasil, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi uma das

instituições públicas pioneiras a delegar às organizações dos produtores nos diversos

assentamentos de Reforma Agrária a decisão sobre a escolha da contratação do serviço de

ATER que melhor conviesse aos assentados.168

Essa iniciativa do Incra, em muitos estados,

ignorou por completo os serviços públicos estaduais de ATER ali presentes.169

De positivo, a crise promoveu o surgimento de duas entidades voltadas para a

defesa dos interesses da extensão rural pública, mesmo em campos de atuação distintos: a

Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Assistência Técnica e

Extensão Rural e do Setor Público Agrícola do Brasil (Faser), entidade representativa dos

168

A esse modelo o Incra denominou de “Projeto Lumiar”. 169

No estado da Bahia, por exemplo, o INCRA, insatisfeito, deixou o modelo de ATER executado por

organizações não governamentais voltando, em 2008, a contratar a ATER governamental para atendimento aos

seus mais de 500 assentamentos, envolvendo uma área superior a um milhão de hectares e 35 mil famílias.

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174

funcionários e a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Asbraer), representando os dirigentes dos serviços governamentais de

extensão estaduais, organizações atuantes até hoje.

A instabilidade política do país vivenciada à época também acrescentou elementos

negativos ao quadro já fragilizado, produzindo repercussões ainda mais agudas na extensão

rural brasileira. Como por exemplo, no caso da gestão federal da agricultura onde em apenas

em um período de Governo (“período Collor - Itamar”) passaram pelo Ministério da

Agricultura nada mais que sete ministros da Agricultura, numa média, de quase um ministro

por semestre, o que se há de convir que não é positivo para a consistência da política agrícola

do país.170

No governo seguinte, do presidente Fernando Henrique Cardoso, 1995, o surgimento e

a implementação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf,

que pressupunha como seu principal executor o serviço de ATER, restituem à extensão rural

uma importante responsabilidade, retirando esse serviço de um certo ostracismo que os

eventos anteriores lhe impuseram. Ainda no mesmo governo, a coordenação do Pronaf, o

mais importante programa destinado à agricultura familiar, é transferida do Ministério da

Agricultura (MAPA) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).171

Neste

momento, a agricultura familiar passa a se constituir num elemento-chave de atenção da

política social do governo, associada a outros elementos de proteção social no âmbito urbano,

esboçando-se, assim, uma ação governamental de apoio a segmentos mais vulneráveis da

sociedade.

Em 2003, já no Governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, é transferida, mais

uma vez, a “coordenação nacional “do serviço de extensão rural para o MDA/Secretaria

Nacional de Agricultura Familiar (SAF), onde já estava o Pronaf, posicionando a extensão

rural próxima ao programa e, mais ainda, colocando sob um único comando dois dos mais

relevantes instrumentos de política agrícola do governo172

. Em complementação a essas

medidas, o Governo cria o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER)

no âmbito da SAF, e institui a Política Nacional de ATER. Apesar do caráter positivo dessas

iniciativas, o que se constata é o posicionamento da coordenação nacional de ATER e do

170

Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ministerio/historia/galeria-de-ministros>. Acesso em 13 fev.

2014. 171

A agricultura familiar brasileira se tornou no principal cliente da extensão rural pública. Os recursos de

crédito rural aplicados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf- evoluíram:

de R$ 2,2 bilhões, em 2000, para R$ 28,9 bilhões, em 2015. Disponível m em: <http://www.mda.gov.br/. Acesso

em 30 jun. 2015. 172

Através do Decreto Nº 4.739 – de 13 de junho de 2003 – DOU DE 16 de junho de 2003.

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175

Pronaf, em um ministério, no MDA, e a pesquisa agrícola pública, a Embrapa, posicionada no

outro ministério, o MAPA; ou seja, uma decisão que tornou ainda mais distante a já tênue

articulação/integração pesquisa e extensão.

Em 2008, a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Asbraer) defendeu, no Fórum “60 Anos de Extensão Rural no Brasil,” duas

reivindicações importantes: a criação de uma Lei Geral de Assistência Técnica e Extensão

Rural – ATER (transformação da Política de ATER em Lei) e a criação dos Fundos Nacional

e Estaduais para a extensão rural. Segundo a própria Asbraer (2009), o objetivo maior da

criação dos Fundos e da Lei Geral seria o de possibilitar aos serviços de ATER a

sustentabilidade institucional e financeira tão necessárias para garantir estabilidade política e

oferta adequada de recursos financeiros, compatíveis com a dinâmica dos seus serviços.173

Do ponto de vista da sustentação financeira, a Asbraer (2014) informava que, em

2010, de um orçamento total de US$ 725,7 milhões (R$ 1,7 bilhão) os Estados participavam

com 79,2% do orçamento da extensão rural no Brasil, o Governo Federal com 7,5%, os

governos municipais com 5,2%, a prestação de serviços contribuía com 4%, os convênios

internacionais com 0,5% e os restantes 3,5% eram oriundos de outras fontes (ASBRAER,

2014, p. 22)174

.

Em 2015, segundo liderança da frente parlamentar da ATER do Brasil, a situação

financeira da ATER governamental não se alterou em relação ao ano de 2010, como

apresentado pela Asbraer (2014). Os governos dos estados continuam assumindo a quase

totalidade das responsabilidades financeiras, com quase 85% do orçamento da ATER (US$

853,75 milhões ou R$ 2 bilhões).175

A expectativa dessas lideranças era a de que a nova

Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), criada pelo governo

federal em 2014 para coordenar e articular a ATER no país, viesse a aportar o mesmo valor

que os governos estaduais aportavam, o que possibilitaria avanços na estrutura da ATER

governamental. Contudo, como a Anater não funcionou em 2014, o seu orçamento foi

remanejado para a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Para 2015, o orçamento foi de

RS 1,1 bilhão (US$ 469,56 milhões), número que não atendeu às expectativas das lideranças

173

Disponível em:<http://www.agrosoft.org.br/agropag/103324.htm>. 174

Conversão de acordo com Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real BRASIL, calculada em 31/12/2013. 175

Fonte ASBRAER. Disponível em:<http://www.asbraer.org.br/noticias,em-cerimonia-de-anuncio-do-plano-

safra-presidenta-anuncia-presidente-da-anater,88502>. Acesso em 29 set. 2015. Conversão de acordo com

Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real Brasil, calculada em 31/12/2013.

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176

da Asbraer, assim como do presidente da Anater.176

4.1.4. Pnater e Pronater

Do ponto de vista institucional, a Pnater e a criação da Anater foram as grandes

mudanças potenciais ocorridas na extensão rural brasileira na presente década até agora,

portanto, as discussões sobre esse tema irão demandar um pouco mais de tempo e paciência

do leitor.

Antes de recorrer à análise sobre a Política Nacional de Assistência Técnica e

Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) em vigor, cabe um

esclarecimento inicial da história recente dessa política no país. De 2004 a 2015, a extensão

rural brasileira atou sob a égide de duas versões da Pnater: a primeira versão de 2004,

instituída no âmbito do antigo MDA e a segunda, uma versão aprimorada da primeira,

mantidos os princípios básicos presentes na versão anterior, que foi aprovada pelo Congresso

Nacional e sancionada pela Presidência da República em janeiro de 2010, também conhecida

como Lei Geral de ATER.

Na versão de 2004, e mantido na Lei de 2010, um aspecto importante destacado por

Peixoto (2008a), relativo à organização do Sistema Nacional Descentralizado de ATER

Pública e seus organismos executores merece a atenção e o interesse desta tese:

Ela incorpora a visão inovadora de que os serviços de ATER devem ser

caracterizados por uma pluralidade de formas institucionais. Entre as

inovações da Pnater está a definição de que a nova ATER deverá organizar-se

na forma de um Sistema Nacional Descentralizado de ATER Pública, do qual

participem entidades estatais e não estatais.... Estão compreendidas como

entidades, instituições ou organizações que podem participar do Sistema

Nacional Descentralizado de ATER Pública: as instituições públicas estatais

de ATER (municipais, estaduais e federais); as empresas de ATER

vinculadas ou conveniadas com o setor público; os serviços de Extensão

Pesqueira; as organizações dos agricultores familiares que atuam em ATER;

as organizações não governamentais que atuam em ATER; as cooperativas de

técnicos e de agricultores que executam atividades de ATER;

estabelecimentos de ensino que executem atividades de ATER na sua área

educacional; as CFR (Casas Familiares Rurais), EFA (Escolas Família

Agrícola) e outras entidades que atuem com a Pedagogia da Alternância e que

executem atividades de ATER; redes e consórcios que tenham atividades de

176

Disponível em:< http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Economia-e-Negocios/noticia/2015/07/anater-

busca-triplicar-orcamento-para-garantir-extensao-rural-no-pais.html>.Acesso em: 29 set. 2015. Conversão de

acordo com Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real BRASIL, calculada em 31/12/2013.

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177

ATER; outras, que atuem dentro dos princípios e diretrizes desta Política.

(PEIXOTO, 2008a, p. 19)177

A “segunda” versão, a Lei nº 12.188 sancionada pela Presidência da República, em 11

de janeiro de 2010, instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para

a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) e o Programa Nacional de Assistência

Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater.

Embora tenha recebido contribuições importantes no Congresso, na sua essência,

pouco foi modificado, em relação à versão original enviada pelo Poder Executivo.178

Considerando a importância dessa Lei para o futuro da extensão rural brasileira, dando-lhe

conteúdo e forma mais duradouros, cabe aqui destacar alguns dos seus eixos principais.

No seu Artigo terceiro, o Projeto de Lei aprovado estabelece como “Princípios” da

Pnater: o desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos

recursos e com a preservação do meio ambiente; a gratuidade, qualidade e acessibilidade aos

serviços de assistência técnica e extensão rural; a adoção de metodologia participativa, com

enfoque multidisciplinar e interdisciplinar buscando a construção da cidadania e a

democratização da gestão da política pública; a equidade nas relações de gênero, geração, raça

e etnia; e a contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional.

Os doze “Objetivos” da Lei aprovada contemplam a promoção do

desenvolvimento rural sustentável; o apoio às iniciativas econômicas que promovam as

potencialidades e vocações regionais e locais; o aumento da produção, a qualidade e a

produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agro

extrativistas, florestais e artesanais; a promoção da melhoria da qualidade de vida de seus

beneficiários; a promoção do desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas

e organizativas, adequadas ao público beneficiário; a integração da ATER com a

pesquisa, aproximando a produção agrícola e o meio rural do conhecimento científico;

aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor à sua produção, dentre outros.

Os “beneficiários” da Pnater são: “os assentados da reforma agrária, povos indígenas,

remanescentes de quilombos e demais povos e comunidades tradicionais; os agricultores

familiares ou empreendimentos familiares rurais, silvicultores, aquicultores, extrativistas e

pescadores, bem como os beneficiários de programas de colonização e irrigação”,

177

Cabe mencionar que a Pnater 2004 estabelecia que tais entidades para fazerem parte do Sistema deveriam

credenciar-se junto ao Fórum Nacional de Gestão da Ater Pública ou nos Conselhos Estaduais de

Desenvolvimento Rural Sustentável. 178

Lei nº 12.188, sancionada em 11 de janeiro de 2010. Disponível:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm>. Acesso em 26 fev. de 2014.

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178

enquadrados nos limites Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, Lei que estabelece as

diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais.

No conjunto dessa nova ordem institucional criada para a extensão rural brasileira está

o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na

Reforma Agrária (Pronater). O Pronater constitui-se no principal instrumento programático

de implementação da Pnater e tem como objetivo a organização e a execução dos serviços de

ATER ao público beneficiário e sendo implementado pelo Ministério do Desenvolvimento

Agrário e pelo Incra, em parceria com os conselhos estaduais e distrital de desenvolvimento

rural sustentável ou similares.

Os órgãos executores do Pronater são as instituições ou organizações públicas ou

privadas, com ou sem fins lucrativos, previamente credenciadas na forma da Lei, detalhados

na citação de Peixoto (2008a) acima e que preencham os requisitos previstos na Lei, podendo

ser dispensado o processo licitatório (Art. 27).

Em 2006, numa primeira avaliação sobre os resultados da Pnater (primeira versão)

obtidos até aquela data, o MDA atestava que a implementação dos novos e fundamentais

princípios que balizavam a política não estava acontecendo como o previsto, apesar do apoio

oficial oferecido:

Apesar dos esforços do DATER para executar um sub programa de formação de agentes

de ATER e do apoio financeiro direto e continuado que tem oferecido às entidades de

Assistência Técnica e Extensão Rural, ainda se observa uma enorme força de inércia que

faz com que os serviços sigam pautados por velhas práticas difusionistas, usando as

obsoletas metodologias de extensão que, se foram úteis para a etapa de introdução da

“modernização conservadora,” mostram-se ineficientes e inadequadas quando se

preconiza a necessidade de uma nova Extensão Rural, baseada no enfoque

agroecológico. (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 5)

Mais à frente, o mesmo estudo concluiu que a nova Pnater embora tenha produzido

uma mudança no discurso oficial, "essa mudança não se materializa na prática da gestão, nem

na ação dos agentes de ATER junto aos agricultores" e conclui observando uma provável

explicação para a não implementação da nova política:

(...) em razão de um crescimento da demanda de trabalho, os profissionais de ATER

acabam envolvendo-se em serviços de vacinação, de distribuição de sementes, etc. e,

com isso, acabam negligenciando as ações planejadas ou previamente acordadas

com as famílias e comunidades com as quais trabalham (ou deveriam trabalhar).

(CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 21)

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179

Dado o caráter inovador da nova política, apoiada de forma massiva e bem estruturada

pelo MDA, a justificativa para a sua não implementação como imaginado parece

simplificadora por desconhecer a complexidade que envolve o ambiente da ATER frente à

mudança proposta.

Sobre a Pnater, em sua “segunda” versão, aprovada em 2010, em que pese ser não ser

considerada uma iniciativa nova, esta versão veio revestida como política de Estado e não

mais como política de governo, o que é positivo, embora outros aspectos devam ser

considerados:179

i) O primeiro aspecto a ser observado está relacionado com a dimensão arrojada

de alguns dos objetivos da Lei, a exemplo de: "(I) promover o desenvolvimento rural

sustentável" e de "(IV) promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários".

Ora, responsabilizar a ATER pelo alcance de objetivos tão ambiciosos no âmbito da

agricultura familiar é desconhecer a existência de um sistema maior e mais complexo, como

também desconhecer o que ensina Buainain (2007) ao analisar os principais "Condicionantes

de Desempenho e da Adoção de Tecnologias pelos Agricultores Familiares".

Do conjunto, percebe-se que dos 13 condicionantes apontados pelo estudo, ainda

muito atual, os serviços de ATER se constituem em apenas uns deles, embora seja inegável a

sua importância180

(BUAINAIN, 2007). Assim, não é razoável criar expectativas que a nova

Lei seja suficiente para operar ou garantir as transformações estruturais no perfil da

agricultura familiar brasileira.

Para se buscar uma eficácia maior da nova Lei, o adequado seria a implementação

simultânea de outras políticas, no sentido de se influenciar o conjunto de condicionantes

apontados, sob pena de tornar a Lei inócua ou a ela debitar responsabilidades que ela de

fato não as tem.

Ademais, os condicionantes referidos no estudo, em grande medida, espelham os

179

A primeira versão da Pnater seguiu a determinação dada em 2003 ao antigo MDA, que passou a ser

responsável pelas atividades de ATER, como estabelece o Decreto Nº 4.739, de 13/06/2003. Coube à Secretaria

da Agricultura Familiar – SAF, coordenar a elaboração da nova política, para tanto foram promovidos

audiências, encontros e seminários, envolvendo representações dos agricultores familiares, de movimentos

sociais e de prestadoras de serviços de ATER governamentais e não governamentais. "Este processo,

democrático e participativo que envolveu mais de 100 entidades e mais de 500 pessoas, levou à construção de

alguns consensos e a um conjunto de acordos e redundou no documento que sintetiza a Política Nacional de

Assistência Técnica e Extensão Rural" (CAPORAL, 2005, p. 1). 180

Os condicionantes apontados pelo estudo são: características socioeconômicas do produtor e sua família; grau

de organização dos agricultores familiares; disponibilidade e acesso à informação; risco; características da

produção e sistemas produtivos; características das propriedades: tamanho e localização; disponibilidade de mão

de obra; características físico–ambientais da propriedade; condição fundiária do produtor; fatores sistêmicos;

contexto macroeconômico, institucional e políticas públicas; serviços de assistência técnica e extensão rural; e

direitos de propriedade (BUAINAIN, 2007, p. 95) .

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180

elementos presentes no arcabouço teórico mais moderno e atual da abordagem do Sistema

Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), discutida no Capítulo 2, abordagem que avança em

relação à abordagem linear, contribuindo para que se tenha uma compreensão integrada do

complexo agrícola, que vai além da agricultura familiar.

ii) Um aspecto relevante da Lei é que ela possibilitou a contratação de forma

mais ágil de entidades prestadoras de serviços de ATER, criando as condições para o

aumento do número beneficiários a ser alcançado pelos serviços, governamentais e não

governamentais de ATER. Nesse sentido, a Pnater trouxe uma novidade quanto à

aplicação da Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da

Administração Pública, ao flexibilizar a contratação de entidades prestadoras de serviços

de ATER sem licitação, adotando o modelo de "chamadas públicas". A exceção criada na

Lei 8.666 pela Pnater está demonstrada pela citação do Art. 24 - XXX, a seguir:

Art. 24. É dispensável a licitação:

XXX - na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem

fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no

âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na

Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal (Incluído pela

Lei nº 12.188 de 2010).

O novo procedimento, se por um lado, torna mais ágil o processo de contratação, sob

os argumentos das especificidades do período agrícola e da complexidade burocrática dos

processos licitatórios, por outro lado, torna mais vulneráveis tais processos, podendo criar

ainda mais desgastes na qualidade e na imagem dos serviços de ATER.

A propósito da necessidade de se ampliar o número de beneficiários da ATER, o

Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, contabilizou um universo de 4.367.902

estabelecimentos familiares. De acordo com o mesmo Censo, a rede de ATER governamental

atendeu a 491.607 estabelecimentos rurais, ou seja, 11% dos estabelecimentos familiares

contabilizados naquele ano.181

Concluindo-se que há uma grande demanda de agricultores

familiares a serem atendidos, demanda que supera em muito a capacidade atual da ATER

governamental, em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal).

Dados do antigo MDA demonstram que a Pnater, ao flexibilizar a Lei nº 8.666, dando

mais agilidade à contratação de entidades prestadoras de serviços de ATER, já apresentou os

181

O Censo Agropecuário de 2006 também contabilizou 10,1 milhões de pessoas com 14 anos e mais ocupadas

nos estabelecimentos familiares naquele ano. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_2006/familia_censoa

gro2006.pdf>. Acesso em 20 ago. 2015. De acordo com dados mais recentes da Asbraer (2014), a ATER

governamental atendeu, em 2010, a 2,3 milhões de beneficiários, por intermédio de 16 mil extensionistas,

atuando em 96% dos municípios das 27 unidades da federação.

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181

seus primeiros resultados em 2009/2010, quando as entidades credenciadas junto ao MDA

totalizavam 449, incluídas 37 entidades governamentais (empresas públicas, prefeituras,

secretarias de agricultura)182

. Em março de 2012 o número de entidades credenciadas para

prestar serviços de ATER já alcançava 670 entidades, incluídas aí as entidades públicas, um

aumento de quase 50%, em aproximadamente um ano de aprovação da Lei.

Em resumo, a diretriz de ampliar o número de beneficiários da ATER é positiva, no

entanto, o questionamento da Asbraer é que a Pnater tem buscado ampliar esse número por

meio da contratação de entidades não governamentais, em detrimento das instituições

governamentais (Asbraer, 2014), tendo em vista as dificuldades (limitação de recursos,

burocracia, impedimentos legais, etc.) da ATER governamental em acessar recursos das

"chamadas públicas"183

.

iii) Um terceiro aspecto da maior relevância diz respeito à oportunidade perdida pela

nova Lei de influenciar a criação da possibilidade de reestruturação do serviço

governamental de ATER. Considerando que este serviço, apesar de todas as críticas, ainda se

constitui na mais próxima e habilitada estrutura de apoio à agricultura familiar, o Projeto de

Lei aprovado não aponta nenhum mecanismo de apoio diferenciado, no sentido de atenuar os

graves problemas da ATER governamental, como: falta de ampliação dos serviços, quase

nenhuma renovação, inexistência de políticas de valorização de pessoal, baixos salários e a

drástica redução da política de qualificação profissional.

Além desses problemas, a Pnater pareceu ignorar a existência de outros tão graves

quanto aqueles já mencionados, como a prática das ingerências políticas em todos os níveis e

a existência de numerosos e vultosos passivos judiciais, principalmente trabalhistas.

Todos esses elementos, em conjunto e interagindo entre si, têm produzido crises de

variada natureza, tais como: desmotivação, baixa atratividade de novos profissionais, precário

padrão credibilidade e ameaça à sobrevivência institucional futura, tudo convergindo para a

182

Lei nº 8666 que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. 183

Além das críticas da Asbraer, o Tribunal de Contas da União (TCU) em Relatório de auditoria realizada no

ATER, no âmbito do Programa Brasil sem Miséria, em 2012, concluiu que: “Sobre as atividades de Ater

desenvolvidas junto aos agricultores familiares, as análises realizadas evidenciaram que o formato de contratação

realizado por meio de chamadas públicas representa avanço em relação ao modelo anterior de celebração de

convênios. No entanto, o modelo ainda apresenta limitações que afetam o alcance dos resultados esperados no

sentido de provocar mudanças efetivas nas condições de vida das famílias assistidas. Fatores que prejudicam a

qualidade da prestação do serviço de Ater estão relacionados à descontinuidade desses serviços, ao tamanho dos

lotes, ao pouco aproveitamento da ATER para promoção do acesso a programas sociais, ao formato das

atividades propostas nas chamadas públicas e à sistemática de diagnóstico e da avaliação de resultados.

Disponível em:

<http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9286605

53D87>. Acesso em 03 mai. 2017.

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182

prestação de um serviço de qualidade questionável à agricultura brasileira na grande maioria

dos estados da federação e, portanto, agindo em sentido contrário à Pnater.

iv) A nova Pnater não se preocupou em criar estímulos à modernização dos

modelos de atuação, aos métodos de abordagem e à modernização da gestão.

A Pnater também frustrou a expectativa de que a nova Lei de ATER fosse também um

instrumento de aproximação definitiva da ATER governamental a novos parceiros. Parceiros

que dariam sentido na criação de bases mais duradouras de aprofundamento dos conteúdos

técnicos e de qualificação continuada de pessoal e de gestão, como seria o caso da parceira

com o “Ensino”. No formato atual, a parceria com o segmento de Educação apenas se

verifica de forma ocasional ou episódica. Ou seja, a nova Lei poderia ter caminhado na

direção de criar as bases do estímulo largo e definitivo na promoção de vínculos mais

estreitos, permanentes e continuados do serviço de ATER com o “Ensino”, aproveitando-se as

boas lições de outras realidades mundo afora, algumas discutidas aqui no caso dos países

selecionados.

v) Uma questão relevante, tida como grande expectativa pela nova Pnater é aquela

que se relaciona com os recursos financeiros do sistema de ATER. Segundo a Asbraer (2014),

os governos estaduais arcavam com 79,2 % dos gastos totais com seus serviços estaduais de

ATER, enquanto, o apoio federal, que à época, 2010, era de apenas 7,5% desses gastos,

embora importante, porém insuficiente frente à magnitude das necessidades estaduais (Tabela

5).

A Asbraer, ao reivindicar a institucionalização de uma Lei Geral, quando da comemoração

dos 60 anos do Serviço Público de Extensão Rural no Brasil, reivindicou também a criação de

Fundos Estaduais e Federal, como forma de garantir a sustentabilidade financeira dos

serviços. Todavia, a Lei aprovada se restringiu a reformatar o modelo de transferências

federais atuais, pautado na celebração de convênios, para o modelo de “chamada pública”.

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183

Tabela 5 - Fontes de financiamento da ATER governamental no Brasil, 2010.184

Fonte: Asbraer (2014)

vi) Cabe assinalar que Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional pelo

antigo MDA, ao diagnosticar e eleger, quase que exclusivamente, a exigência da Lei nº 8.666

como o grande entrave à eficácia e à eficiência da execução da política de ATER no Brasil,

demonstrou pouca preocupação com a qualidade dos serviços que serão prestados aos

beneficiários. Isso pode ser percebido pelo fato de o Projeto original exigir apenas um ano de

constituição legal de entidades candidatas à prestação de serviços de ATER, prazo corrigido,

felizmente, pelo Congresso para cinco anos, quando da Lei aprovada em seu texto final.185

vii) A Pnater também inovou quanto à “orientação técnica” ao definir como

princípio a "adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque

preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis", portanto uma

versão mais branda do aquela inserida na versão da Pnater 2003/4, que estabelecia a adoção:

"de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da agroecologia”.186

Esse

abrandamento do princípio talvez tenha se dado devido às críticas de alguns estudiosos,

dentre os quais Abromovay (2007) ao destacar que a agroecologia não poderia ser adotada

como uma "doutrina oficial de Estado", argumentando:

184

Orçamento da ATER governamental no Brasil, em 2010, foi de R$1,7bilhão ou US$ 725,7 milhões (Asbraer,

2014). Conversão em 31/12/2013, de acordo com o Bancen, a uma taxa de 1 Real Brasil = 0,4268761 Dólar dos

EUA. 185

Projeto de Lei 219, de 2009, no seu Artigo 15, inciso II. 186

Disponível em:

<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A

%2F%2Fjararaca.ufsm.br%2Fwebsites%2Fdeaer%2Fdownload%2FVIVIEN%2FTexto02%2FPnaterVersao2004

.doc&ei=EnqWVc3zOoudgwTv2K_QAw&usg=AFQjCNFAL3WSYLOhPicMR4hcx6S_0_MURg&sig2=QZD

K4X1NbECrJ2ZAlf1N9A&bvm=bv.96952980,d.eXY>. Acesso em 03 jul. 2015.

Fontes Participação (%)

Governo Estadual 79,2

Governo Federal 7,5

Governo Municipal 5,2

Prestação de serviços 4,0

Outras receitas 3,5

Convênios internacionais 0,5

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184

O que caracteriza a agronomia como ciência – e a distingue da religião – é que

possui diversas correntes de pensamento, diferentes tradições intelectuais na

tentativa de conhecer os dilemas ligados a este grande desafio e propor-lhe soluções.

A ideia de que exista uma doutrina superior a outras é contrária ao conceito de

crítica em que se apoia a própria atividade científica. (ABRAMOVAY, 2007, p. 7)

viii) Um aspecto de crucial relevância, embora ausente no projeto original, mas

corrigido pelo Congresso Nacional na versão aprovada, diz respeito à importância da

"integração/articulação pesquisa e extensão". Os elementos discutidos até aqui que tratam

do SNIA fazem crer que este aspecto que não poderia ter sido esquecido no projeto original,

pois, em pelo menos 11 estados da federação, as organizações governamentais de ATER

estavam à época integradas institucionalmente ao segmento de pesquisa agropecuária; em

outros nove existem organizações de pesquisa independentes, além do papel que a Embrapa

pode desempenhar nesse ambiente, dada a sua história de sucesso e imensa credibilidade.

Felizmente, também, na versão final da Pnater esse aspecto da integração foi corrigido pelo

Congresso Nacional.

É fato que a força da Lei individualmente não é capaz de realizar a tão sonhada e

decantada “integração”, mas não se pode negar que a Lei aprovada é um instrumento

poderosíssimo para motivar decisões políticas que transformem o objetivo XI “da

integração” em realidade. A participação mais destacada da Embrapa no núcleo decisório

da Anater (uma inovação na estrutura da Anater a ser discutida à frente) parece tratar-se

de uma iniciativa no sentido corrigir essa dificuldade.

Um último aspecto da Lei a ser discutido aqui é relacionado com a geração de

tecnologia e a agricultura familiar, elementos de destaque na Pnater, portanto do pleno

interesse desta tese.

Sousa (2006), contrariando a afirmação de que a Embrapa não dedica atenção à

agricultura familiar, faz alusão ao estudo "Agricultura Familiar na Dinâmica da Pesquisa

Agropecuária", que surge como um contraponto às críticas, reconhecendo a importância da

agricultura familiar para o Brasil e apontando de maneira robusta inúmeras tecnologias

geradas, adaptadas ou validadas pela empresa para a agricultura familiar em todos os

ecossistemas do país.187

187

Dentre as menções sobre a falta de prioridade da Embrapa à agricultura familiar, está a publicação da Fapesp

(2003) alusiva aos 30 anos da Embrapa, na qual há a constatação da necessidade de equilíbrio programático entre

agricultura familiar e empresarial. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp. br/wp-

content/uploads/2003/03/76_agropecu%C3%A1ria.pdf?f95b2d. Acesso em 04 mai. 2017. Ver também

pronunciamento do presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento

Agropecuário (Sinpaf), Vicente Almeida. Disponível em: >

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185

O documento discorre ainda sobre “mitos” que envolvem a agricultura familiar, que se

melhor conhecidos, ensejariam questionamentos mais consistentes. Um desses mitos diz

respeito ao equívoco frequente de se reconhecer a agricultura familiar como homogênea. A

partir da compreensão imprecisa, esclarece o documento, equivoca-se quem propugna

soluções tecnológicas ou institucionais únicas.

Outra ponderação importante feita pelo documento é sobre o “caráter transversal das

tecnologias agropecuárias”. Ou seja, esse caráter, para o estudo, imprime na tecnologia uma

dimensão que ultrapassa as fronteiras geográficas e de tipologia de produtor, podendo

“beneficiar um número ampliado de atores sociais, econômicos, políticos e institucionais em

distintas regiões”, podendo até, a depender das circunstâncias objetivas, beneficiar diferentes

categorias de produtores (SOUZA; SILVA, 2006, p. 34).

Um terceiro mito, de muita pertinência quanto à oportunidade de abordagem do SNIA

destacada nesta tese, está relacionado àqueles que acreditam que a “tecnologia isolada” é a

solução para todos os problemas, enganam-se esses pois, “... De fato, a agricultura não se

resume ao seu momento produtivo. Trata-se de um sistema sociotécnico complexo com

múltiplas dimensões, cujas necessidades vão além das necessidades tecnológicas”

(CRESTANA; SOUZA, 2006, p. 19).

Na mesma linha, além de mencionar o volume importante de recursos investidos em

2005 em projetos e programas de pesquisa voltados para a agricultura familiar, a Embrapa

reafirma que “acima de qualquer modismo, a preocupação da Embrapa com a agricultura

familiar tem suas raízes fincadas no nascedouro da própria empresa” (CRESTANA; SOUZA,

2006, p. 22).

Hoffmann (2014) também alerta para um outro “mito” que têm ganho espaço em

vários ambientes que é o de se afirmar que a “agricultura familiar produz 70% dos alimentos

consumidos no Brasil”. Para o estudioso, a “afirmativa é falsa”, tendo em vista que o “valor

monetário de toda a produção da agricultura familiar corresponde a menos de 25% do total

das despesas das famílias Brasileiras com alimentos”. Após destacar outros argumentos que

apontam para a inconsistência da afirmação, ele conclui: “ ‘A agricultura familiar produz 70%

dos alimentos consumidos no Brasil’ não tem base e, pior, não tem sentido. O reconhecimento

da importância da agricultura familiar no Brasil não precisa de dados fictícios”

(HOFFMANN, 2014, p. 420).

Um outro mito é colocar a agricultura familiar em “antagonismo ao agronegócio”,

http://www.agroecologia.org.br/2012/08/31/embrapa-investe-4-do-orcamento-em-agricultura-familiar/>. Acesso

em 03 mai 2107.

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186

situação que já parece consolidada equivocadamente em grande parte dos espaços que tratam

do tema. Como ressalta Zylbersztajn (2014), o termo agribusiness criado por Davis e

Goldberg (1957) “em nenhum momento se limitou à produção em larga escala, muito embora,

no Brasil, o termo tenha sido adotado como significado de grande escala e capital intensivo”.

Para o mesmo autor, o antagonismo só tem sentido se o argumento for a tese que advoga a

existência de uma agricultura não baseada no mercado, caracterizada como “agro-não-

negócio”, que seria “mantida por meio de políticas públicas de transferência de renda, cuja

viabilidade a longo prazo seria questionável” (ZYLBERSZTAJN, 2014, p. 279).

O que se pode avaliar de todas essas referências é que todas estão bem posicionadas

consistente e tecnicamente. Entretanto, segundo Alves e outros (2013), o fato objetivo é que

há ainda no país um monumental número de estabelecimentos rurais, 3,9 milhões, à margem

do processo de modernização da agricultura brasileira e que a grande maioria destes é

tipificada na categoria de agricultura familiar. Assim, não seria demasiado afirmar a

necessidade de se ampliar esse esforço de geração e de difusão de tecnologia, no sentido de se

multiplicar os efeitos da modernização sobre os grupos de produtores ainda não beneficiados

e historicamente desprestigiados de políticas públicas de geração e difusão de tecnologia no

Brasil. A segunda inferência que se obtém dessa discussão diz respeito à importância da

natureza da tecnologia em si como elemento condicionante da sua adoção nos sistemas de

produção.

A grande expectativa da nova Lei, traduzida pela força do seu ineditismo e pela forte

demanda social própria da agricultura familiar, era de que ela pudesse atuar sobre os graves

problemas presentes na ATER governamental na maioria dos estados brasileiros. Ou seja,

diante do quadro de precariedades da ATER governamental seria sensato imaginar que a nova

Pnater poderia ter induzido ou estimulado a adoção pelos órgãos governamentais de ATER de

mecanismos modernização institucional. Dentre estes, por exemplo, promover estímulos para

a profissionalização dos quadros técnicos, induzindo a promoção de um processo massivo e

continuado de qualificação e de desenvolvimento de pessoas, ambiente hoje repleto de

terceirizações e escasso em concursos públicos.

A justificativa de se imaginar a Pnater, com a sua força de Lei Federal, estimulando ou

induzindo melhorias nos serviços estaduais governamentais de ATER seria a de que tais

serviços são ainda são necessários, embora não suficientes, para o êxito da Pnater. A

estratégia adotada pelo antigo MDA para contribuir para a melhoria da ATER governamental

foi a de estimular a concorrência com a ATER não governamental, por intermédio das

"chamadas públicas". Nesse quadro, segundo a Asbraer (2014), o governo federal continuava

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187

aportando os “mesmos escassos recursos” na ATER governamental em relação àqueles

disponibilizados antes da nova Pnater188

(ASBRAER, 2014). Consequência dessa estratégia

do MDA: com menos recursos, já que algumas organizações governamentais devido a

problemas fiscais sequer conseguiam acessar os recursos federais, a ATER governamental

teve seus problemas agravados.

Mesmo assim, a Pnater tem o mérito de buscar promover um sistema de ATER melhor

estruturado, de discutir a universalização do serviço, de conceder atenção à reforma agrária e

a grupos minoritários do setor agrícola, como indígenas, quilombolas e de ampliar

consideravelmente a participação de organizações não governamentais na execução da ATER

no país. Contudo, pecou ao não dedicar uma atenção maior aos médios produtores, de não

conseguir atuar como efetivo instrumento de melhoria na estruturação do serviço

governamental de ATER nos estados brasileiros e de não promover uma verdadeira e orgânica

integração da ATER com o ensino e com a pesquisa agrícola.

4.1.5. Anater, a nova coordenação nacional de ATER

Desde a extinção da Embrater, em 1990, o sistema público de ATER operou na

ausência de uma coordenação nacional, apesar de algumas iniciativas bem-intencionadas,

porém quase todas sem o respaldo institucional correspondente ao tamanho da

responsabilidade e, portanto, de desempenho frequentemente instável com os estados, onde,

de fato, a ATER é executada.

Uma das iniciativas mais recentes foi traduzida pela transferência, em 2003, do

Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER) do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para o âmbito do antigo Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA). Ficando este último com a missão de coordenar a política

nacional de ATER para a agricultura familiar, iniciativa que não se mostrou suficiente para

promover a reorganização do sistema de ATER no país.189

No sentido de superar essa situação de fragilidade organizacional do sistema, com

reflexos graves no desempenho da política de geração e difusão de tecnologia agrícola, além

de contabilizar expressivo desgaste institucional, em 18 de dezembro de 2013, por meio da

Lei Nº 12.897, a Presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei de criação da

188

Convém lembrar que, de modo geral, as ONGs possuem estrutura e encargos administrativos menos onerosos

do que as organizações estatais tradicionais. 189

Através do Decreto nº 4.739, de 13 de junho de 2003.

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188

Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).190

A Anater foi

constituída como:

Serviço Social Autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de

interesse coletivo e de utilidade pública, com a finalidade de promover a execução

de políticas de desenvolvimento da assistência técnica e extensão rural,

especialmente as que contribuam para a elevação da produção, da produtividade e da

qualidade dos produtos e serviços rurais, para a melhoria das condições de renda, da

qualidade de vida e para a promoção social e de desenvolvimento sustentável no

meio rural.191

A expectativa é que a nova agência venha a estabelecer um novo ciclo na história da

coordenação do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural, ciclo que sucede

o anterior, que durou 23 anos, desde a extinção da Embrater em 1990 até final de 2013.

Em 26 de maio de 2014, dando consequência à Lei Nº 12.897, foi publicado o Decreto

Nº 8.252/2014 (Decreto do Executivo) instituindo a Anater, cujas competências estão no

Quadro 3, a seguir:

190

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12897.htm>.Acesso em 18

fev. 2013. 191

Todavia, a criação da Anater não foi bem recebida por alguns movimentos sociais, como foi o caso dos 170

participantes do I Seminário Nacional de Educação em Agroecologia, reunidos nos dias 3, 4 e 5 de julho de

2013, em Paulista, Pernambuco, que oficializaram uma moção de contestação afirmando que: "Reconhecem a

importância da assistência técnica e extensão rural comprometida com a sustentabilidade e fundamentada nos

princípios da Agroecologia. Contestam a explícita tentativa de retorno ao difusionismo e à centralidade da

produção científica na inovação tecnológica, aparentemente apolítica, gerada em gabinetes e sem a devida

interlocução com o saber popular. Finalmente repudiam a tentativa de uso de recursos públicos para financiar e

difundir inovações tecnológicas para o fortalecimento do agronegócio responsável pela degradação sócio

ambiental". Disponível em: <http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/noticias-para-o-boletim/495-

mocao-Anater-agencia-nacional-de-assistencia-tecnica-e-extensao-rural>. Acesso em 13 mai. 2014.

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189

Quadro 3 – Competências da Anater (Decreto nº 8.252/2014, de 26/05/2014)

Dentre as competências da Anater, chama-se atenção para o destaque dado, logo no

item I do Art. 2, ao papel central da “inovação” na missão da agência. De forma

complementar, o segundo destaque é dado para a “integração” com a Embrapa, como

estratégia relevante para promover a geração, o aperfeiçoamento e a adoção de tecnologias

pelos produtores.

Outra novidade importante trazida pela Anater trata da participação mais destacada da

Embrapa no núcleo decisório da agência, por intermédio da presença de dois representantes:

um dos três Diretores Executivos e um dos 11 membros do Conselho de Administração, sendo

um diretor vinculado à área de transferência de Tecnologia e o Presidente da Embrapa,

respectivamente. Trata-se de uma tentativa de assegurar a integração (pesquisa & ATER) e a

inserção da “inovação” no contexto operacional da agência.

Além dessa importante iniciativa, a Anater também incluiu os médios produtores

rurais como público beneficiário das suas ações, corrigindo a lacuna deixada pela Pnater.

Art. 2º COMPETÊNCIAS DA ANATER (Decreto do Executivo nº 8.252/2014)

I

Promover, estimular, coordenar e implementar programas de assistência técnica e extensão

rural, visando à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos científicos de

natureza técnica, econômica, ambiental e social;

II

Promover a integração do sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de assistência

técnica e extensão rural, fomentar o aperfeiçoamento e a geração de novas tecnologias e a

sua adoção pelos produtores;

III Apoiar a utilização de tecnologias sociais e os saberes tradicionais utilizados pelos

produtores rurais;

IV Credenciar e acreditar entidades públicas e privadas prestadoras de serviços de assistência

técnica e extensão rural;

V Promover programas e ações de caráter continuado, para a qualificação dos profissionais de

assistência técnica e extensão rural que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável

VI Contratar serviços de assistência técnica e extensão rural, conforme disposto no regulamento

de que trata o inciso II do caput do art. 19 da Lei nº 12.897, de 2013;

VII Articular-se com os órgãos públicos e entidades privadas para o cumprimento de seus

objetivos;

VIII

Colaborar com as unidades da Federação na criação, implantação e operação de mecanismo

com objetivos afins aos da Anater, por meio de instrumento específico estabelecido no

Regulamento a que se refere o inciso II do caput do art. 19 da Lei nº 12.897, de 2013;

IX Monitorar e avaliar os resultados dos prestadores de serviços de assistência técnica e

extensão rural com que mantenha contratos ou convênios;

X Promover a universalização dos serviços de assistência técnica e extensão rural para os

agricultores familiares e os médios produtores rurais; e

XI

Promover a articulação prioritária com os órgãos públicos estaduais de extensão rural

visando a compatibilizar a atuação em cada unidade federada e ampliar a cobertura da

prestação de serviços aos beneficiários.

Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8252.htm>

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190

Noutro sentido, reiterando dispositivo da Pnater, a nova agência valorizará o uso de

tecnologias sociais e os saberes tradicionais utilizados pelos produtores rurais.

Um outro importante avanço espelhado nas competências da Anater está na disposição

de "Promover programas e ações de caráter continuado, para a qualificação dos profissionais

de ATER", sendo esta uma contribuição de inegável valor na reestruturação, principalmente,

dos serviços governamentais dos estados, aspecto vital negligenciado pela Pnater.

No mais, o aspecto negativo que enfraquece a expectativa positiva criada em torno da

Anater reside no fato de que, apenas no dia 23 de junho de 2015, foi anunciado o nome do

primeiro do seu presidente, portanto, depois de 18 meses de promulgada a Lei de criação da

agência. Este fato deixou a agência inoperante por muito tempo, o que também impossibilita

aqui uma análise do seu desempenho objetivo.192

4.1.6. A evolução do sistema governamental de geração e difusão de tecnologia no Brasil

Ao analisar o que ocorreu com os serviços públicos de pesquisa e de ATER nos

estados brasileiros ao longo dos últimos 25 anos (da extinção da Embrater, em 1990, até

2016), percebe-se que, de uma forma ou de outra, poucos foram os estados que não realizaram

alterações na estrutura organizacional desses serviços. O ambiente estadual parece ser um

aspecto relevante, pois são os estados que, de fato, executam junto aos produtores os serviços

de ATER e parcialmente os de pesquisa agrícola

Considerando que o Brasil conta com serviços governamentais de ATER em todos os

estados da federação, a análise de todos eles se tornaria demasiado longa e inapropriada para

este espaço. Por tal razão, optou-se por trabalhar com uma amostra, para a qual foram

escolhidos cinco estados: São Paulo, Sergipe, Goiás, Pará e Bahia, que representam 19% do

universo da ATER governamental no Brasil, amostra que tenta reproduzir o comportamento

médio das transformações havidas no país. Uma particularidade a ser registrada refere-se ao

192

A imprensa atribui a divergências político-partidárias a demora na escolha do presidente da Anater, tais

divergências se tornaram públicas na disputa entre os dois ministros que tratam da agricultura, MDA e MAPA

(Jornal Valor Econômico, edição de 2,3 e 4 de maio de 2015, p. A10). Sobre o estágio atual do desenvolvimento

das ações da Anater- após um período de um ano sem diretoria nomeada e, em seguida, com a mudança do

governo federal, apenas agora, no mês de abril de 2017, o Conselho Administrativo da Anater reuniu-se para

discutir e aprovar dois documentos importantes para o funcionamento da agência: o regulamento de licitação,

contratos, convênios e instrumentos congêneres da Anater e o regulamento da agência para credenciamento de

entidades executoras de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Ou seja, a Agência está adotando as

providências iniciais e básicas para o começo de seu trabalho Disponível

em:http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/conselho-administrativo-da-anater-discute-e-aprova-regulamentos.

Acesso em 5 mai. 2017.

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191

estado do Pará que possui um serviço de ATER governamental que sofreu poucas

transformações institucionais nos últimos 50 anos, situação semelhante ocorrida com o

serviço de ATER de outros 13 estados brasileiros, como se verá adiante. Diferentemente do

Estado da Bahia, no qual as funções de ATER, pesquisa agrícola e classificação de produtos

de origem vegetal que eram desenvolvidas por uma única organização, a EBDA, foi extinta

em dezembro de 2014.

O objetivo é que a amostra seja diversificada espacialmente, diversificada quanto à

dimensão da economia agrícola e que represente um relevante grau de transformações

institucionais ocorridas na ATER governamental do país no período.

São Paulo, localizado na região Sudeste, estado de economia mais vigorosa, o

mais importante estado da federação, vanguarda em tecnologia agrícola e detentor de

serviços públicos de ATER e de pesquisa agrícola de elevada qualidade e de razoável

longevidade. O Estado conta com a CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica

Integral), criada em 1967, sendo responsável, até hoje, pelos serviços de ATER, e por

outros serviços de apoio à agropecuária paulista.193

A rede dos serviços de ATER é

distribuída por meio dos seus mais de 40 Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs),

localizados nas várias regiões do estado, que englobam as 594 “Casas de Agricultura

municipais”, presentes em todos os municípios do estado, além dos seus 21 núcleos de

produção de semente ou mudas.194

Por outro lado, estão os serviços de pesquisa

agropecuária e de outros ramos de investigação de responsabilidade do estado,

representados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto de Zootecnia (IZ),

Instituto de Tecnologia dos Alimentos (ITAL), Instituto de Pesca (IP), Instituto Biológico

(IB) e pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA). Muito embora esses serviços

continuem, desde a sua criação, operando de forma individualizada, em 11 de maio de

2000, o governo paulista constituiu a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios

(APTA) com a finalidade de integrar esses serviços, dando-lhes um sentido harmônico e

orgânico, referenciados, a partir de então, por diretrizes que refletiam uma visão de 193

Embora criada em 1967, a história da assistência à agricultura em São Paulo começa bem antes da CATI, que

herdou um pouco dessa estrutura, como esclarece a Revista Casa da Lavoura (2017), em sua Edição Especial:

“No período de 1927 até 1942 acontece a consolidação da organização da assistência técnica oficial à agricultura

paulista, de caráter fomentista, articulada com a pesquisa). 1942 – O Departamento de Fomento da Produção

Vegetal é incorporado pelo Instituto Agronômico. Por meio dessa fusão, nasce o Departamento da Produção

Vegetal (PDV). A função de fomento agrícola passa à Divisão de Fomento Agrícola (DFA). São criadas as

Casas da Lavoura, que constituíram a base de todo o trabalho de assistência técnica aos agricultores e difusão

de tecnologias” (CATI. Revista Casa da Agricultura. Ano 20- Nº 1. Edição Especial. 2017, p. 17. Disponível em:

<http://www.cati.sp. gov.br/revistacasadaagricultura/28/RevistaCasadaAgricultuta_Especial_50_anos.pdf.>.

Acesso em 14 nov 2017). 194

Disponível em:<http://www.cati.sp. gov.br/new/index.php>. Acesso em 14 fev. 2014.

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192

conjunto para todo o setor agrícola, embrião de um "subsistema" de inovação agrícola, de

âmbito estatal.195

Esta configuração institucional é a marca diferenciadora do Estado de

São Paulo dos demais estados, além de o Estado contar com melhor padrão de ensino

superior agrícola do país.

Já Sergipe, o menor estado do país, localizado na região Nordeste, implantou, em

abril de 1962, o seu serviço de assistência e extensão rural, denominado de Associação

Nordestina de Crédito e Assistência Rural de Sergipe, a Ancar-SE. Em outubro de 1973,

transformou a Ancar-SE em Emater-SE, Empresa de Assistência e Extensão Rural de Sergipe,

ainda com a função principal de prestar serviços de ATER. Todavia, em setembro de 1991, o

governo do estado cria a Emdagro – Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe,

responsabilizando-se pelas ações de ATER, e absorvendo as ações das extintas Fundase

(Fundação de Assuntos Fundiários do Estado de Sergipe), Sudap (Superintendência da

Agricultura e Produção), Empease (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Sergipe) e Ceasa

(Centrais de Abastecimento de Sergipe S.A.).

Por fim, em agosto de 2004, é criado o Departamento Estadual de Desenvolvimento

Agropecuário de Sergipe (Deagro/SE), com a finalidade de executar as políticas de

desenvolvimento agropecuário, da pesca, compreendendo as atividades inerentes à ATER, à

pesquisa agropecuária, ao fomento, à sanidade vegetal e animal, à organização agrária e rural,

aos serviços de apoio à comercialização e ao abastecimento, em todo o Estado de Sergipe. Em

continuação ao “dinâmico processo de transformações”, em dezembro de 2007, foi aprovado

na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe o Projeto de Lei que extinguiu as autarquias

criadas no governo anterior, retornando às empresas. Entre elas, o Departamento de

Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Deagro), que volta a ser empresa, Empresa de

Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe, Emdagro196

. Sergipe constitui-se num dos estados

em que mais ocorreram mudanças no formato organizacional da ATER em todo o Brasil.

No caso do Estado de Goiás, na região Centro-Oeste, uma das mais dinâmicas

agriculturas na atualidade brasileira, as mudanças institucionais também foram prolíferas, por

isso merecem a menção aqui como forma de demonstrar a amplitude dessas transformações.

Em março de 1959, é fundada a Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado de

195

Ver Decretos do Governo do Estado de São Paulo: nº 44.885, de 11 de maio de 2000 e nº 46.488 de

08/01/2002. 196

A Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), empresa pública estadual vinculada à

Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, dotada de personalidade jurídica de direito

privado com patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, constituída nos termos das Leis n. º

2.960, de 9 de abril de 1991, e 2.986, de 23 de maio de 1991, alterada ex vi da Lei n.º 3.310, de 23 de março de

1993, e da Lei nº 4.749, de 17 de janeiro de 2003, e pela Lei nº 6.333, de 02 de janeiro de 2008.

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193

Goiás (Acar-Goiás) uma sociedade civil, sem fins lucrativos, criada para executar a política de

extensão rural no Estado, que contemplava a promoção do crédito rural educativo. Pouco mais

de quinze anos mais tarde, em outubro de 1975, é criada a Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural do Estado de Goiás (Emater-GO), fruto da unificação da Acar-Goiás com a

Coordenadoria de Assistência Técnica, da Secretaria da Agricultura.

Duas décadas depois, dezembro de 1995, foi promovida a incorporação da Empresa

Goiana de Pesquisa Agropecuária (Emgopa) à Empresa de Assistência Técnica e Extensão

Rural de Goiás (Emater-GO) incorporando-se também à Emater-GO os serviços de

classificação de origem vegetal, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Continuando o

ciclo de mudanças, já em novembro de 1999, cria-se a Agência Goiana de Desenvolvimento

Rural e Fundiário (Agenciarural), autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, que absorve as atividades da Emater-GO, sendo esta, em conjunto

com os demais órgãos, extintos no mesmo momento, e colocada em processo de liquidação.197

Em dezembro de 2003, mais uma mudança: é criada a Agência Goiana de Defesa

Agropecuária (Agrodefesa), deslocando-se para esta as atividades de defesa agropecuária,

anteriormente de responsabilidade da Agenciarural. Em maio de 2008, é extinta a

Agenciarural, transferindo suas atividades institucionais e quadro de pessoal para a Secretaria

de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seagro). Em abril de 2010, a Emater-GO é

retirada do processo de liquidação e reativada, retomando o seu vínculo com a Secretaria de

Agricultura, assim como as suas atividades originais de pesquisa, ATER e classificação de

produtos de origem vegetal e de certificação de produtos de origem animal, estabelecendo a

agricultura familiar como seu público prioritário. Menos de um ano após, em janeiro de 2011,

cria-se a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária

(Emater) uma autarquia estadual, dotada de personalidade jurídica de direito público interno,

com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com as mesmas responsabilidades da

sua antecessora, a Emater- GO, que agora é recolocada em liquidação.

Um quarto caso refere-se ao Estado do Pará, representante da região Norte do país.

Neste estado, o órgão responsável pelo serviço público de ATER, há mais de 50, anos é a

Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará, fundada com o nome de

Acar-Pará, em dezembro de 1965, por determinação do Governo do Estado do Pará; por força

do decreto de nº 9.958, de 29 de dezembro de 1976, tornou-se a Empresa de Assistência

197

A Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário desenvolvia, além das atividades de assistência

técnica, social e gerencial aos produtores rurais e de pesquisa agropecuária era também responsável pela

promoção da política estadual de regularização fundiária, assentamentos e reforma agrária, foi criada pela Lei

nº13. 550, de 11 de novembro de 1999.

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194

Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA), empresa pública de direito

privado.198

O exemplo do Estado do Pará, onde as atividades de ATER permaneceram numa

única instituição, apesar da mudança de denominação foi, até hoje, seguido pelos estados do

Acre, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Piauí, Roraima, Rio Grande do Norte, Rio

Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Distrito Federal e pelo Estado de São Paulo. Ou

seja, a escolha do Estado do Pará tenta refletir as transformações nesses 13 outros estados.

Um caso diferenciado daqueles tratados anteriormente é o caso do serviço de ATER

do Estado da Bahia, localizado na região Nordeste. Neste estado, a origem do serviço de

Extensão Rural ocorre em 1954, ainda sob a forma de Programas Estaduais, motivados pelo

surgimento do Banco do Nordeste do Brasil, em 1952, que pretendia viabilizar o crédito rural

supervisionado. Assim, é criada a Associação Nordestina de Assistência Rural (Ancar), uma

sociedade sem fins lucrativos, com sede e foro em Recife, Estado de Pernambuco, abrangendo

oito estados da região, exceção apenas para o Estado do Maranhão. De início, as atividades de

ATER contemplaram Pernambuco, Ceará e Bahia. A ação de ATER na Bahia abrangeu

inicialmente poucos municípios do estado. Em novembro de 1963, o Programa Estadual foi

transformado na Associação Nordestina de Assistência Rural da Bahia (Ancarba), com sede e

foro no Estado da Bahia, procedimento seguido pelos demais estados.

Na região cacaueira, entretanto, o trabalho de ATER era de responsabilidade da

Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), órgão vinculado ao

Ministério da Agricultura, criado em 1957. O trabalho efetivo de ATER da Ceplac iniciou-se

em 1962, com a criação do Centro de Pesquisa do Cacau (CEPEC), uma estrutura interna da

CEPLAC, que criou as bases de geração de tecnologia para a atuação do Departamento de

Crédito e Extensão (DECEX), que foi estruturado seguindo as diretrizes do Sibrater

(RANGEL, 1982, p. 65). Este registro se faz importante pelo fato de demonstrar que, no

mesmo Estado da Bahia, existiam duas organizações de assistência à agricultura, criadas na

mesma década, operando com distintos modelos de ATER. A CEPLAC contava, e conta até

hoje, na sua estrutura organizacional com os segmentos de pesquisa e de extensão. Quanto às

unidades de ensino de nível médio foram transferidas desde 2013 para o Ministério da

Educação, compondo a estrutura dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Registre-se que o modelo CEPLAC era inspirado no modelo dos Estados Unidos, como visto

no capítulo anterior, que reunia numa única organização a pesquisa, o ensino e a extensão

rural, daí o interesse deste estudo em inserir a Ceplac nas análises.

198

Disponível em:< http://www.emAter.pa.gov.br/PortalEmAter/pgHistorico. jsp>. Acesso em: 14 fev.2014.

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195

Em 1974, é criada a Empresa de Crédito e Extensão Rural da Bahia (Emcerba),

vinculada à Secretaria Estadual da Agricultura, que incorpora a Ancarba e o Instituto Baiano

de Crédito Rural (IBCR), um órgão da mesma secretaria, incumbido de operar assistência

técnica e crédito rural. Para atender a ajustes impostos pelas características institucionais e a

legislação da Embrater, ainda em 1974, é criada a Empresa de Assistência e Extensão Rural

da Bahia (Ematerba), uma empresa pública de direito privado criada com a missão de

executar a política de ATER no Estado da Bahia, que sucede à Emcerba (NOGUEIRA, 1990).

Em 1991, é criada a Empresa de Desenvolvimento Rural da Bahia (EBDA), abrigando a

Ematerba, a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia (Epaba) e o Instituto Biológico da

Bahia (IBB), este último responsável pela execução da política de defesa agropecuária do

estado.199

Portanto, uma iniciativa pioneira na região nordeste do país, no sentido de integrar a

pesquisa e a ATER em uma única organização. O Estado de Pernambuco veio a tomar igual

atitude em 2003, com o IPA incorporando a ATER.

No meado da década de 1990, o governo percebeu que as funções de ATER não eram

compatíveis com as ações de fiscalização e de sanções próprias da defesa agropecuária, para

serem realizadas pela mesma organização, assim, resolveu transferir da EBDA as funções de

defesa agropecuária para Secretaria da Agricultura, que, posteriormente, em 1999, criou um

órgão específico, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), em atuação até o

momento.200

Desse modo, a EBDA estabeleceu sua presença em quase todos os municípios do

estado, por intermédio de uma rede de ATER, de pesquisa agrícola, de classificação de

produtos agrícolas, capacitando produtores, viabilizando crédito e outras políticas públicas,

numa existência de quase 60 anos. O caso do Estado da Bahia, no qual as funções de ATER,

pesquisa agrícola e, eventualmente, de outros serviços são desenvolvidas por uma única

organização, a EBDA, é semelhante à situação de outros oito estados: Alagoas, Espírito

Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Santa Catarina e Sergipe.

Todavia, as transformações na EBDA continuarem céleres até o ano de 2014, quando

o Governo do Estado, em um dos últimos atos do seu mandato, solicitou autorização à

Assembleia Legislativa para extinguir a EBDA, vinculada à Secretaria da Agricultura. Tal

medida fez parte de uma reforma administrativa implementada pelo novo governo estadual,

iniciada em janeiro de 2015, estando fundamentada na Lei nº13.204 de 11 de dezembro de

2015. Essa reforma propôs a criação da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e

Extensão Rural (BAHIATER), um órgão em Regime Especial de Administração Direta, 199

Por intermédio da Lei Nº 6.074 de 22 de maio de 1991.

200

Criação da ADAB: Lei Nº 7.439 de 18 de janeiro de 1999.

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196

vinculado a uma nova Secretaria de Desenvolvimento Rural, que tem por finalidade:

promover a execução de políticas de desenvolvimento da assistência técnica e

extensão rural, especialmente as que contribuam para a elevação da produção, da

produtividade e da qualidade dos produtos e serviços rurais, para a melhoria das condições de renda, da qualidade de vida e para a promoção social e o desenvolvimento

sustentável no meio rural baiano.201

A Bahiater tem na sua estrutura organizacional quatro diretorias: uma de Assistência

Técnica e Extensão Rural, uma de Inovação e Sustentabilidade, uma outra Operacional, além

da Administrativa e Financeira.202

A nova organização, a Bahiater, não executará diretamente as ações de ATER, isso

será feito por intermédio de organizações não governamentais, utilizando-se a modalidade de

"chamadas públicas". O papel da Bahiater, pelo que foi revelado pelas autoridades

responsáveis, será o de contratar, acompanhar e avaliar os serviços a serem prestados.203

A

função de pesquisa agrícola está atribuída à diretoria de "Inovação e Sustentabilidade",

considerando-se o que se pode extrair da Lei Nº 13.204 de 11 de dezembro de 2014:

§ 4º - A Diretoria de Inovação e Sustentabilidade tem por finalidade planejar,

articular e executar atividades de inovação tecnológica e sustentabilidade, voltadas

para o fortalecimento da agricultura familiar e suas organizações, em consonância

com os pilares estratégicos estabelecidos para o desenvolvimento sustentável da

Bahia.

Além de não deixar claro como se desenvolverá a função “pesquisa agrícola", o

que é preocupante, a Lei também não explicita qual será o destino da estrutura física,

fazendas experimentais, laboratórios e centros de treinamentos de produtores, estrutura

distribuída em todo o estado. Na prática, todo esse patrimônio está sendo doado a

diversas instituições federais, estaduais e municipais. A maioria das Estações

experimentais está ocupada por movimentos sociais e uma pequena parte dos animais

oriundos dessas estações foi doada à Escola de Medicina Veterinária da UFBA, que

pretende dar continuidade às pesquisas desenvolvidas pela EBDA. A Lei também não

201

Diário Oficial do Estado da Bahia, edição de 12/12/2014, disponível em:

<http://www.egba.ba.gov.br/diário/DO12/DO_frm0.htm>. 202

A Diretoria de Assistência Técnica e Extensão Rural tem por finalidade executar as atividades de

planejamento, gestão, monitoramento e avaliação das ações de assistência técnica e extensão rural, bem como

formação de técnicos, agricultores familiares e demais segmentos, captação de recursos, acompanhamento,

supervisão de contratos e convênios de assistência técnica e extensão rural, desenvolvimento de projetos

estratégicos e de apoio às cadeias produtivas e articulação de políticas públicas relacionadas à assistência técnica

e extensão rural. 203

Ver programa Globo Rural, edição de 13 de março de 2016. Disponível em:

http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2016/03/assistencia-tecnica-rural-esta-em-crise-na-

bahia.html>. Acesso em 03 mar. 2017.

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197

orientou sobre o destino dos 1.130 funcionários (pesquisadores, extensionistas e

administrativos) da EBDA que foram demitidos, mesmo detentores privilegiados de parte

importante da memória da agricultura baiana, algo provavelmente útil no aprendizado da

nova organização.204

Esse modelo de ATER é inédito entre os estados da federação,

apesar de já praticado pelo antigo MDA, no plano federal.

Embora a análise desta tese tenha contemplado apenas uma amostra de cinco estados,

é possível pressupor que o produto de todo esse conjunto de transformações ocorridas no

domínio dos serviços públicos de pesquisa e de ATER do país tenha atingido a maioria dos

estados, gerando perfis institucionais, modelos e estratégias com características diversas e

múltiplas, como será demonstrado mais à frente.

De modo mais específico, para o país com um todo, a situação das instituições

públicas que executam as políticas de geração e de difusão de tecnologia agropecuária,

visualizada na Tabela 6, diferencia-se em três categorias: (1) as instituições públicas que

atuam somente com geração de tecnologia agropecuária, incluindo-se nesta situação a

Embrapa; (2) as instituições públicas que atuam somente com difusão de tecnologia

agropecuária; e (3) as instituições públicas que atuam com geração e difusão de tecnologia

agropecuária, onde se inclui a Ceplac, a única instituição federal a atuar com Pesquisa e

ATER.

Tabela 6 - Unidades Descentralizadas e Escritórios da Embrapa e das Instituições públicas

federal e estaduais executoras das políticas de “Pesquisa”, “Extensão Rural” e “Pesquisa +

Extensão” no Brasil, por Grandes Regiões, 2016

Fonte: elaboração do autor, com base no Apêndice A.

204

Por força de decisão judicial, um total de 348 ex-funcionários da EBDA foram aproveitados pela Bahiater,

por intermédio de contratos temporários de trabalho (Fonte: Sintagri- Disponível em:

<http://sintagri.blogspot.com.br/>. Acesso em 22 mar. 2017. Para outros detalhes, ver também Decreto Nº

17.037, de 23 de setembro de 2016, que trata sobre o processo de liquidação da EBDA. Disponível em:

<http://www.portaldoservidor.ba.gov.br/sites/default/files/Nomea%C3%A7%C3%A3o%20sem%20efeito_2.pdf

>. Acesso em: 22 mar. 2017.

GRANDES REGIÕES/

(Número de Estados) Embrapa

Instituições Públicas Estaduais e Federal (Ceplac)

Pesquisa Extensão Pesquisa +

Extensão

Região Norte (7) 8 0 7 3

Região Nordeste (9) 11 2 4 6

Região Centro-Oeste (4) 17 0 2 3

Região Sudeste (4) 14 9 3 2

Região Sul (3) 12 2 2 1

Nº unidades 62 13 18 15

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198

Ainda pelo exame da Tabela 6, percebe-se que as regiões Norte (exceção para o

Estado do Tocantins/Unitins) e Centro-Oeste são as únicas que não possuem unidades

estaduais específicas de pesquisa agrícola, embora contem com a presença de unidades da

Embrapa nos seus territórios. Por outo lado, as regiões Centro-Oeste e Sudeste, compostas de

oito estados, são as melhores dotadas de unidades de pesquisa, com 31 unidades apenas da

Embrapa, ao lado de 19 unidades estaduais de “Pesquisa” e “Pesquisa & ATER”. É

importante esclarecer, neste caso, que apenas o Distrito Federal (Centro-Oeste) conta com

nove unidades da Embrapa, sendo oito “Unidades Descentralizadas" e um ”Escritório de

Negócios”, podendo todos serem compreendidos como de abrangência nacional,

extrapolando, pois, aos limites regionais.205

Em síntese, a Tabela registra que:

(a) quanto à difusão - o sistema está constituído por 18 instituições estaduais de ATER

e 15 instituições de “pesquisa + ATER”, incluindo-se, neste grupo, 6 unidades da Ceplac,

instituição vinculada ao MAPA (Apêndice A).

(b) Quanto à geração - compõem o sistema 14 instituições estaduais de pesquisa, além

de 15 outras em conjunto com a ATER, incluída a Ceplac, de natureza federal, como já

mencionado. O sistema é também integrado pela estrutura da Embrapa, composta por 46

Unidades Descentralizadas e 16 Escritórios de Negócio, estando presente em quase todos os

Estados da Federação (Apêndice A). Além dessas unidades no Brasil, a empresa desenvolve

projetos e negócios no exterior, por meio de quatro estratégias operacionais: Cooperação

Científica, Cooperação Técnica, Políticas Globais e Negócios Tecnológicos, que se

desdobram em vários programas e projetos. A empresa está presente em todos os continentes,

com parcerias com algumas das principais instituições e redes de pesquisa do mundo, esforço

coordenado pela Secretaria de Relações Internacionais.206

A Embrapa exerce, ainda, a coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa

Agropecuária (SNPA)207

. Como síntese de toda a discussão desenvolvida nesta seção, pode-se

afirmar que, apesar das dimensões continentais do Brasil, a rede existente de Pesquisa e

ATER no país apresenta uma razoável cobertura espacial. Todavia, em recente publicação, a

205

A estruturação programática da Embrapa é composta por Unidades Descentralizadas e Escritórios de

Negócios. As Unidades Descentralizadas contemplam: Unidades de Pesquisa de Produto, Unidades de Pesquisa

de Temas básicos e Unidades de Pesquisa ecorregional e Unidades de Serviço. (Fonte: Embrapa. Disponível em

<https://www.embrapa.br/embrapa-no-Brasil>. Acesso em 22 mar. 2017 206

Fonte: Embrapa. Disponível em:< https://www.embrapa.br/atuacao-internacional>. Acesso em 22 mar. 2017. 207

Formado por instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas privadas e fundações, que, de

forma cooperada, executam pesquisas nas diferentes áreas geográficas e campos do conhecimento científico.

Disponível em: < http://www.Embrapa.br/a_Embrapa/missao_e_atuacao>. Acesso em 23 nov. 2016.

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199

Asbraer (2014), ao consultar todas as suas 27 associadas, concluiu por constatar como "pontos

fracos" as dificuldades e até inexistência de integração/articulação sistêmica entre a

pesquisa pública e a ATER governamental.

Sobre os modelos, o que se pode perceber é que embora as organizações estaduais que

atuam com Pesquisa e ATER num único ambiente recebam críticas quanto às dificuldades de

integração, acredita-se que as outras organizações que atuam com pesquisa ou ATER de

forma isolada devam sofrer ainda maiores dificuldades quanto à integração. Sobretudo, em

face de ausência de uma programação de trabalho única, de eventos periódicos conjuntos, do

tratamento conjunto de demandas dos setores produtivos e da sociedade civil, dentre outros

momentos que suscitam articulação e interação. Deve restar claro que, embora importante, o

modelo organizacional constitui-se em apenas um aspecto no complexo quadro de variáveis

determinantes de um bom desempenho das instituições de pesquisa e de ATER no país.

4.2. A configuração do SNIA sob a ótica da ATER do Brasil

Com o respaldo do quadro teórico institucional debatido até aqui, é possível dar início

à discussão sobre a configuração de um Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), sob a

perspectiva da ATER no Brasil. Assim, o objetivo buscado nesta seção é o de aproximar a

concepção teórica do SNIA, discutida no capítulo 2, à realidade da agricultura brasileira,

aproximação elaborada sob o olhar da ATER.

Apesar de a perspectiva analítica ter como centro a ATER, aqui, novamente, depara-se

com a dificuldade de isolar-se a ATER da pesquisa agrícola e estas do ensino, mesmo que

para efeito de decodificação analítica. Desse modo, e coerente com os princípios da teoria

evolucionária, a ATER, a pesquisa e o ensino serão tratados numa relação de totalidade, não

impedindo, porém, que em alguns momentos, as especificidades sejam abordadas de modo

individualizado.

O passo inicial no sentido da "aproximação" pretendida será dado na direção da

seleção dos atores mais importantes que compõem o SNIA, concomitante a uma breve

descrição do seu espaço de atuação, reiterando-se que a seleção e a descrição são justificadas

sob o angulo de atuação da ATER. A seleção e o posicionamento dos atores selecionados

estão inspirados no modelo conceitual apresentado por Spielman e Birner (2008), com

adaptações ao caso brasileiro e aos objetivos desta tese (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 6).

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200

Em síntese, a configuração do SNIA sob a ótica da ATER está apresentada em cinco

grandes áreas, aqui denominadas de: “domínio do conhecimento”, “domínio das Instituições-

ponte", “domínio dos negócios e das empresas”, “domínio governamental e órgãos

colegiados” e “domínio institucional”. Todos os atores ou arranjos presentes nessa

configuração do SNIA possuem relação direta com a ATER, ou seja, é possível que algum

ator relevante do sistema não esteja citado, devido a opção meramente didática de não

apresentar relação direta com a ATER (Quadro 4).

Quadro 4 – Atores do SNIA do Brasil sob a perspectiva da ATER

DOMÍNIO DO

CONHECIMENTO

DOMÍNIO DAS

"INSTITUIÇÕES-

PONTE"

DOMÍNIO DOS

NEGÓCIOS E

DAS

EMPRESAS

DOMÍNIO

GOVERNAMENTAL E

ÓRGÃOS

COLEGIADOS

DOMÍNIO

INSTITUCIONA

L (1)

Instituições de Ensino

Agropecuário (Técnico

e Superior)

Organizações

Executoras de

ATER

Órgãos

governamentais de

ATER (ou ATER

e pesquisa)

ONGs/OSCIPs de

ATER

Empresas privadas

prestadoras de

Assistência

Técnica

Empresas privadas

agroindustriais

integradoras

Cooperativas

SENAR

Sebrae

Empresas

Agropecuárias e

agroindustriais

Organizações

governamentais de

coordenação/

governança/regulação

e de apoio à

agricultura

MAPA

SEAD

MCTIC

MMA

ANATER

Pnater

Pronater

Organizações

executoras de pesquisa

agrícola

Embrapa

Órgãos

governamentais de

Pesquisa agrícola (ou

pesquisa e ATER)

ONGs/OSCIPs de

pesquisa agrícola

Empresas privadas

de pesquisa agrícola

Fundações privadas

de Pesquisa agrícola

Instituto Nacional do

Semiárido (INSA)

Produtores rurais

individuais Programa Nacional

de Reforma

Agrária.

Empresas de

Serviços à

Agricultura

Agências de

financiamento à

agricultura

Bancos

públicos

operadores de

crédito rural

Bancos

privados

operadores de

crédito rural

Cooperativas

de Crédito

Pronaf

Fundos Setoriais Órgãos colegiados

Condraf

Sibrater

SNPA

Consepa

Asbraer

Lei de Proteção de

Cultivares

Instituições

internacionais de

cooperação para a

agricultura

Lei que regula

direitos e

obrigações relativos

à propriedade

industrial.

Entidades de

representação

dos produtores

CNA

CONTAG

OCB

MST

FETRAF

Constituições

Federal e Estaduais

Outros Outros Outros Outros Outros

Obs.: (1). Refere-se: (i) às leis, regulamentos, normas, regras e afins, relacionados com o setor agrícola nacional;

(ii) às políticas /programas/ projetos e fundos, de âmbito nacional, de apoio à agricultura, pecuária, pesca e

aquicultura e à ciência, tecnologia e inovação; e (iii) às instituições informais que determinam padrões culturais,

comportamentos, etc.

Fonte: Autor, adaptado de Spielman e Birner (2008, p. 6).

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201

4.2.1. Domínio do Conhecimento

Esse domínio contempla, para os objetivos dessa seção, as instituições de ensino

agropecuário (técnico e superior), com destaque para o ensino superior e as organizações

executoras de pesquisa agrícola.

Ensino agropecuário

Esse ator, dada a sua importância inequívoca para o funcionamento e para

competitividade de todo o sistema e, em especial, para os segmentos de ATER e de pesquisa

agrícola, não requererá aqui maiores detalhamentos, exceção feita para a sua dimensão e

distribuição no território nacional.

As instituições do "domínio do conhecimento" estão caracterizadas como aquelas

instituições de ensino agropecuário de nível superior ou técnico, responsáveis pela formação

de recursos humanos atuantes nos sistemas de pesquisa e de ATER no Brasil. Essas

instituições podem ser classificadas em: Instituição pública federal, estadual ou municipal, e

Instituição privada com e sem fins lucrativos. Para efeito apenas de ilustração e de

dimensionamento, obedecida a classificação acima, apresentam-se aqui dados sobre a oferta

de cursos de nível superior nas áreas das Ciências Agrárias, representadas pelos cursos de

Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Florestal e Agroecologia.

O ensino tem-se colocado como elemento estratégico na conformação atual e futura

dos principais serviços de ATER dos países selecionados. No Brasil, o sistema de ensino

superior agrícola e a ATER não possuem vínculos orgânicos, como ocorre nos Estados

Unidos e, em menor grau, na França. Esta parece ser uma diferença importante em relação a

uma das fragilidades da ATER brasileira, também considerada pela Asbraer (2014) como um

"ponto fraco" do sistema nacional de ATER (ASBRAER, 2014).

A relação ATER-Ensino aqui referida não se restringe aos eventos de capacitação

comuns ao serviço de ATER. Refere-se, sim, a um trabalho mais aprofundado de formação

continuada que seria proporcionado, por exemplo, pela relação ATER-Universidade,

organizada de forma contínua e permanente, que acompanharia a dinâmica da agricultura,

desafiando a ATER e a própria universidade, enriquecendo e alimentando os dois serviços

cotidianamente, infelizmente elo não presente na experiência brasileira.

Ao se analisar o vetor ensino, com o auxílio da Tabela 7, constata-se que o ensino

agrícola no Brasil é distribuído em todas as regiões do Brasil, sendo que as regiões Sul e

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202

Sudeste oferecem mais de 54% de todos os cursos em Ciências Agrícolas oferecidos no país,

sejam eles natureza privada ou pública: federais, estaduais ou municipais. Em contraposição,

as regiões Norte e Nordeste suprem as necessidades desses profissionais em quase 32% do

total da oferta nacional. Esses números guardam relação direta com o padrão de

desenvolvimento tecnológico das suas respectivas agriculturas, ou seja, as regiões Sul e

Sudeste possuem a maior oferta de cursos, apresentando também uma agricultura considerada

de elevado nível tecnológico, quando comparada em padrões médios com a agricultura

praticada nas regiões norte e nordeste.

Por outro lado, o Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, demonstrou que

4.030.587 estabelecimentos agropecuários (78% do total) não receberam qualquer tipo de

"Orientação Técnica" naquele ano. Dentre estes, os estabelecimentos no estrato de área

variando de zero até 10 hectares de área total foram aqueles, proporcionalmente, mais

impactados pela ausência de orientação técnica. Ou seja, 2.122.569 estabelecimentos (53%)

na faixa de até 10 hectares de área total não receberam qualquer tipo de assistência técnica em

2006.

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203

Tabela 7 - Brasil -Cursos de Nível Superior em Ciências Agrícolas, por estado e Grande

Região (07/2014)

Grandes Regiões /

Estados

Cursos de Nível Superior

Ag

roeco

log

ia

Ag

ron

om

ia

En

g.

Ag

ron

ôm

ica

En

g.

Ag

ríc

ola

/

Am

bie

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l

En

g.

Flo

rest

al

En

g.

Pesc

a/a

qu

ic.

Med

. V

et.

Zoo

tecn

ia

To

tal

Su

bto

tal

%

1. Acre 2 0 2

2

1 1 8

2. Amazonas 3 3

1 2 3 4 2 18

3. Amapá

1

2 1

4

4. Pará 1 12

10 4 4 6 37

5. Rondônia

6

2 2 4 5 19

6. Roraima 1 3

1

1 1 7

7. Tocantins

4 1

1

2 2 10

NORTE 103 12,99

8. Alagoas 1 2

2 1 2 3 11

9. Bahia 2 11 4 1 3 3 9 4 37

10. Ceará

4

1

1 3 4 13

11. Paraíba 6 2

1 1

3 1 14

12. Pernambuco 2 6 1 1 1 2 5 4 22

13. Piauí

0 7

1 1 2 3 14

14. Sergipe 1 0 1 1 1 1 2 1 8

15. Maranhão

5

1 1 2 2 6 17

16. Rio G. do Norte 1 2

3 2 2 2 2 14

NORDESTE 150 18,92

17. Distrito Federal

3

1

4 2 10

18. Goiás

18

3 4 1 9 8 43

19. Mato G. do Sul 1 9

2 1 5 4 22

20. Mato Grosso

20

2 4

4 6 36

CENTRO-OESTE 111 14,00

21. Minas Gerais 1 36 9 4 8

29 16 103

22. São Paulo 1 32 13 1 5 2 45 10 109

23. Espírito Santo

5

1 3 6 2 17

24. Rio de Janeiro

2

2 1

15 2 22

SUDESTE 251 31,65

25. Santa Catarina

16 1

5 2 14 3 41

26. Rio G.e do Sul 2 24

7 3 1 15 7 59

27. Paraná 2 27 3 3 7 4 25 7 78

SUL 178 22,45

TOTAL 27 253 42 32 73 37 217 112 793 793 100

Fonte: Elaboração própria a partir de <http://emec.mec.gov.br/>. Nota: A tabela refere-se aos cursos de nível superior em atividade,

presenciais, aqui denominados de cursos em Ciências Agrícolas, do interesse deste estudo. Estão contabilizados os cursos de: Agroecologia, Eng. Agronômica, Agronomia, Eng. Agrícola e Ambiental, Eng. Florestal, Eng. de Pesca/Aquicultura, Medicina Veterinária e Zootecnia.

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204

Ao se projetar a dimensão do estrato de até 10 hectares para o ano 2014, com base nos

dados censitários, percebe-se com o auxílio da Tabela 8 que a oferta de cursos de Ciências

Agrárias encontra-se proporcionalmente bastante favorável em relação à presença deste tipo

de estrato em todas as Grandes Regiões do país, exceto para região nordeste. Ou seja, esta

região conta com 26,4% dos estabelecimentos agropecuários na faixa de área de até 10

hectares e com apenas 19% da oferta de cursos de Ciências Agrárias do Brasil. A expectativa

ideal seria a de que a oferta de cursos de Ciências Agrárias, enquanto instrumento importante

de desenvolvimento agrícola, fosse, pelo menos, proporcional à presença desse estrato de

estabelecimento, a exemplo do que se verifica nas demais regiões.

Tabela 8 - Brasil - Estabelecimentos agropecuários de até 10 ha de área total e oferta de

cursos de Ciências Agrárias no Brasil, por Grandes Regiões

Grande Região

Participação dos Estabelecimentos Agropecuários

de até 10 ha no total do Brasil (%)

Oferta de

Cursos³ (%)

1996¹ 2006¹ 2014² 2014

Norte 2,8 2,4 2,2 13,0

Nordeste 32,3 29,0 26,4 18,9

Sudeste 5,9 7,6 9,3 31,7

Sul 7,8 7,9 7,9 22,5

Centro-Oeste 0,7 1,0 1,4 14,0

Brasil 49,4 47,9 47,2 100,0

Fontes: Elaboração própria, com base em: (1) Censos Agropecuários; (2) Estimativas do autor a partir dos

Censos Agropecuários; e (3) Tabela 7.

Embora a oferta adequada de cursos e de profissionais de ciências agrícolas não seja o

único fator determinante do grau de competitividade da agricultura, esse elemento possui peso

expressivo na difusão de inovações e na implementação das políticas públicas agrícolas,

sobretudo para os segmentos pouco modernizados. Nesse contexto, torna-se relevante o que

asseguram Salles-Filho et al. (2011):208

“Seja em centros públicos e privados de pesquisa, seja

em universidades, as Ciências agrárias no país têm sido particularmente importantes, tanto

para a produção de conhecimento quanto para a incorporação deste à produção” (SALLES-

FILHO et al., 2011, pp. 10-11).

208

Competitividade agrícola empregada no mesmo sentido utilizado por Fuck e Bonacelli (2009).

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205

Tabela 9 - Cursos selecionados de Ensino superior agrícola oferecidos no Brasil por

instituições de ensino superior públicas (federais ou estaduais ou municipais) e por

instituições privadas de ensino superior com e sem fins lucrativos (julho, 2014)

Cursos de nível Superior em Ciências Agrícolas

Áreas temáticas Número Participação (%)

Agroecologia 27 3,40

Agronomia 253 31,90

Eng. de pesca e aquicultura 37 4,67

Eng. florestal 73 9,21

Eng. Agrícola e ambiental 32 4,04

Eng. Agronômica 42 5,30

Medicina Veterinária 217 27,36

Zootecnia 112 14,12

Total 793 100,00

Fonte: elaboração própria com base em dados disponíveis em:<. http://emec.mec.gov.br/>.

Quanto aos cursos, os de Engenharia Agronômica/Agronomia, Eng. Agrícola e

Ambiental, Zootecnia e de Medicina Veterinária são aqueles que possuem a maior oferta no

país, participando com mais de 82% da oferta total, alcançando quase o número dos 800

cursos, dados de julho de 2014. Um dado curioso revelado pela mesma Tabela 9 é que os

cursos de Agroecologia, recentemente criados, já se aproximam da oferta dos cursos de

Engenharia de Pesca e Aquicultura, lembrando-se serem estes últimos mais antigos, de maior

tradição, além de apresentarem quantitativamente uma expressão muito aquém do imenso

potencial do país nesse segmento produtivo.

Organizações executoras de pesquisa agrícola

Constituem-se em um dos atores mais importantes do SNIA, aqui representados pelos

institutos públicos de pesquisa (IPP), as empresas privadas de pesquisa agrícola, as fundações

mantidas por produtores e as ONGs/ OSCIP, entre as principais organizações executoras de

pesquisa agrícola no país.

No caso da pesquisa agrícola brasileira, os IPP são liderados pela Embrapa, que

coordena um sistema nacional, do qual participam organizações governamentais estaduais de

pesquisa, dispersas na maioria das unidades da federação, estruturadas de forma singular ou

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206

em conjunto com as organizações de ATER.209

Nesse grupo, estão incluídos a CEPLAC, que

conta com um departamento de pesquisa, e o Instituto Nacional de Pesquisa do Semiárido (INSA),

que é uma unidade de pesquisa integrante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e

Comunicações (MCTIC), com enfoque no semiárido brasileiro. O INSA, embora possa ser

considerada uma unidade ainda jovem, pois seu primeiro concurso público para a composição de

parte do seu quadro técnico-científico e administrativo ocorreu em agosto de 2008, possui a

responsabilidade relevante de estabelecer como pressuposto de trabalho "a busca de ações

articuladas entre as unidades de pesquisa, bem como as demais instituições de ensino, pesquisa e

extensão atuantes em regiões áridas e semiáridas", diretriz ajustada à Estratégia Nacional de

Ciência, Tecnologia e Inovação (Encti 2016-2019).210

As organizações privadas de pesquisa agrícola têm assumido um papel cada vez mais

relevante no mundo, algo já visualizado por Fuck e Bonacelli (2007), indicando a crescente

tendência da presença do setor privado na área de biotecnologia. Mais recentemente, o mesmo

fato merece de Salles-Filho e Bin (2014, p. 432), a afirmação: “A assunção da pesquisa

privada nas chamadas ciências de vida aplicadas à agricultura e pecuária, especialmente em

melhoramento, geração de variedades, atropelou, sem a menor cerimônia, mais de um século

de tradição da pesquisa pública”.

Ainda segundo Salles-Filho et al. (2011), a pesquisa agrícola privada associada aos

atores públicos do Estado de São Paulo tem tido influência crescente em outros estados do

Brasil, ou por intermédio de parcerias, ou na realização de pesquisas em laboratórios e

campos experimentais internos. Nesse campo da pesquisa agrícola privada, ganham espaço as

fundações, associações e cooperativas (Salles-Filho et al., 2011, pp. 10-20).

As fundações de pesquisa são entidades sem fins lucrativos, mantidas ou apoiadas por

produtores rurais, contam com apoio de universidades e de instituições governamentais e têm

sido no Brasil um outro modelo em expansão e com bons resultados. Esse modelo não deixa

de ser uma decorrência do avanço da ação privada na execução das atividades de pesquisa

agrícola, porém, na maioria dos casos, possui uma ação mais regionalizada. São exemplos a

209

A Embrapa, a maior organização de pesquisa pública do Brasil, contou em 2015 com um orçamento de US$

1,28 bilhão (R$ 3 bilhões), atuando com 9.704 empregados: 2.463 pesquisadores; 2.546 analistas; 1.715

técnicos; e 2.980 assistentes. (Data da cotação Bancen 31/12/2013- 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real Brasil).

Disponível em: <https://www.embrapa.br/quem-somos>. Acesso em: 21 mai. 2017. 210

Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2016-2019). Disponível em:

<http://www.mcti.gov.br/documents/10179/1712401/Estrat%C3%A9gia+Nacional+de+Ci%C3%AAncia%2C%

20Tecnologia+e+Inova%C3%A7%C3%A3o+2016-2019/0cfb61e1-1b84-4323-b136-8c3a5f2a4bb7>. Acesso em

20 mai. 2017

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207

Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), a Fundação de

Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste Baiano (Fundação Bahia), dentre outras.

Com relação a algumas áreas específicas, como a da produção de sementes, a

iniciativa privada tem o domínio desse segmento. A pesquisa privada em sementes, por

exemplo, é concentrada nos laboratórios das principais empresas do ramo, como Monsoy e

Agroceres, do grupo Monsanto; Bayer CropScience/Aventis; Syngenta e Pioneer, que aliam a

pesquisa de melhoramento genético com biotecnologia aos insumos relacionados com as

sementes (SALLES-FILHO et al., 2011, p. 17).

Ainda no campo privado, as empresas dedicadas a biociências no Brasil têm

apresentado um desempenho vigoroso. Segundo a Biominas (2011), o país saltou, em 2007,

de 70 empresas na área de biotecnologia para 143, em 2011. Do total das empresas de

biociências existentes no Brasil, em 2011, cerca de 272 empresas, 31% estão dedicadas ao

agronegócio, apesar da forte concentração dessas empresas nas regiões Sul e Sudeste, em

quase 90%. Para Salles-Filho e Bin (2014), o avanço do setor privado na pesquisa agrícola no

Brasil ocorreu materializando-se no ingresso de grandes empresas transnacionais nas áreas de

insumos químicos; insumos mecânicos (implementos, equipamentos elétricos e eletrônicos);

insumos biológicos (genética e melhoramento vegetal e animal); práticas agrícolas( forma de

produção agrícola); tecnologias transversais baseadas no acesso e uso de informação, voltadas

principalmente para a gestão da produção, da comercialização e logística.

De modo geral, o desempenho da pesquisa agrícola pública e privada no Brasil pode

ser considerado de boa qualidade, usando nessa afirmação não apenas o desempenho de per

si, mas sobretudo, quando se percebe o grau de adoção das inovações nos sistemas de

produção, o que ressalta o papel do sistema e não apenas de um único ator. Nesse sentido,

Salles-Filho et al. (2011) formulam um quadro fiel sobre a pesquisa agrícola no Brasil:

A pesquisa agrícola no Brasil refere-se a um dos segmentos mais bem-sucedidos em capacitação interna

e desenvolvimento tecnológico nacional. É também nas áreas do conhecimento ligadas ao setor agrícola que se

encontram mais recursos humanos qualificados e maior volume de produção de pesquisa (SALLES-FILHO et

al., 2011, p. 10-11).

4.2.2. Domínio das "Instituições ponte"

Neste segundo domínio, estão contemplados os principais organismos responsáveis

diretos pela execução das políticas de ATER no país, dentre estes podem ser destacados:

organizações governamentais de ATER (de formato organizacional individualizado ou em

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208

conjunto com a pesquisa), atuantes no âmbito estadual, distrital ou municipal, organizações já

tratadas nos capítulos anteriores. Cada unidade federativa e o Distrito Federal possuem, pelo

menos, uma organização governamental estadual de ATER. No caso dos estados do

Amazonas, Pará, Espírito Santo, Bahia, Rondônia e Mato Grosso, além do órgão estadual há

também a presença do órgão governamental federal de ATER e pesquisa voltado à cultura do

cacau, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).

A ATER não governamental

Compõem o conjunto das organizações não governamentais executoras das políticas

de ATER no Brasil: as organizações não governamentais (ONG); as empresas privadas

prestadoras de assistência técnica211

; as cooperativas; o Serviço Nacional de Aprendizagem

Rural (Senar), e o Serviço de apoio à pequena e média empresa (Sebrae), como os mais

importantes.

De acordo com a Pnater, o antigo MDA, hoje Sead, conta com a prerrogativa de

contratar serviços de ATER com organizações governamentais e não governamentais para

operar a política de ATER no Brasil, dirigida à agricultura familiar. Para tanto, a

flexibilização da "Lei de Licitações" (Lei Nº 8.666) foi a estratégia adotada, por intermédio do

sistema de "Chamadas Públicas", para conceder mais agilidade à contratação de serviços de

ATER exclusivos para a agricultura familiar. Essa estratégia se contrapôs à modalidade de

"convênios", tida como um dos fatores de dificuldade na universalização da prestação de

serviços de ATER de qualidade no Brasil, iniciativa que estimulou o crescimento das

organizações não governamentais na prestação de serviços de ATER no país.

O Censo Agropecuário 2006 tratou a "Orientação Técnica" não governamental como

aquele serviço prestado por cooperativas, empresas agroindustriais integradoras, empresas

privadas de planejamento, organizações não governamentais (ONG), consultores privados

(pessoas físicas contratadas pelo produtor). Além destes, o IBGE também considerou aquela

orientação prestada pelo próprio produtor, este quando profissional habilitado nas áreas das

ciências agrárias a prestar assistência às atividades desenvolvidas no estabelecimento, como

as principais formas de orientação técnica à agricultura no Brasil. Nesse mesmo Censo, a

"orientação técnica" não governamental foi responsável por aproximadamente 60% de toda a

211

Nessa categoria não se aplica a expressão "extensão rural", conforme esclarecem Bicca (1992) e Peixoto

(2008a).

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209

orientação técnica prestada aos estabelecimentos rurais brasileiros naquele ano, cabendo à

ATER governamental os restantes 40%.212

Segundo Peixoto (2008a), o movimento crescente da participação das ONGs na

prestação de serviços de ATER e outros serviços, vem ocorrendo no Brasil desde a década de

1980, com a redemocratização do país. Em seguida, década de 2000, ganha ainda mais força

com a implementação de políticas públicas, a exemplo da Pnater, contando com o forte apoio

do governo federal, todos respaldados pela Constituição de 1988. Para Weid (2012), por

exemplo, essa decisão governamental foi importante também pelo fato de as instituições não

governamentais estarem sofrendo gradativa redução dos recursos oriundos de cooperação

internacional com os quais uma grande parcela dessas entidades atuava. Ele apresenta uma

explicação para a "relativa superioridade" no acesso dos recursos federais por parte das

ONGs, afirmando que: "talvez possa ser explicada pelo fato de que estas entidades estavam

mais focadas nas prioridades da Pnater, com mais experiência do que as Ematers na prática da

promoção do desenvolvimento agroecológico". Sem discutir o mérito da declaração, o fato é

que vinda de uma liderança importante, ela revela a condição inferior de acesso aos recursos

federais por parte da ATER governamental. Reforçando a declaração anterior, segundo a qual

Weid (2012) fazia referência ao maior acesso aos recursos federais por parte das ONGs em

relação à ATER governamental, outra justificativa para essa preferência, ainda na visão de

Weid (2012), era a de que o trabalho de ATER na última década encontrou dificuldades em

operar a principal diretriz da Pnater que é a de promover a conversão dos conteúdos

tradicionais de ATER para aqueles de matriz agroecológica.213

Essas considerações são úteis para demonstrar a crescente presença das organizações

não governamentais na prestação de serviços de ATER, contratadas, principalmente, pelo

governo federal, desde a promulgação da Pnater que preconizava a pluralidade na oferta da

ATER pública na busca da universalização. A outra constatação é a de que a presença das

212

Brito (2012), ex-Presidente da Asbraer, afirma que, em 2012, o orçamento do MDA para as ações de ATER

em todo o país, incluindo os recursos do Incra, foi, em números aproximados, de R$ 500 milhões ou US$ 213,43

milhões. Quando somados aos recursos de outras fontes federais (outros ministérios e órgãos), estes valores

ultrapassaram a R$ 1 bilhão ou US$ 426,87 milhões. Esses recursos, segundo Brito (2102), contemplaram

repasses para parte das mais de 700 organizações não governamentais de ATER e de serviços existentes no

Brasil, como Senar, Sescoop, Sebrae, sistema OCB, que prestam serviços de ATER em praticamente todos os

municípios brasileiros. (Cotação de acordo com o BANCEN, em 31/12/2013. Taxa: 1 Dólar dos EUA =

2,3426001 Reais do Brasil. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. Acesso em:

21 jul. 2015). 213

Weid (2012) afirma o crescimento da dependência dos agricultores familiares dos insumos químicos, das

sementes produzidas por grandes empresas e do crédito do Pronaf, gerando endividamento e inadimplência,

iniciativas que contaram com a participação da ATER governamental, com o apoio dos gerentes de instituições

financeiras, que consideravam essas tecnologias mais seguras e de baixo risco e ainda contavam com o respaldo

da demanda de muitos produtores.

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210

ONGs, enquanto instrumento de ampliação da oferta de serviços de ATER, passou a se

constituir em elemento de concorrência dos recursos públicos escassos em relação às

organizações de ATER governamentais, que passaram a contar com menos recursos públicos

do que anteriormente, com efeito na redução dos serviços prestados.

Cooperativas: instrumento para superar muitos desafios

O cooperativismo, movimento de larga tradição histórica no Brasil, surgido com a

primeira cooperativa de consumo em Ouro Preto (MG) em 1889, possui uma perfeita

compatibilidade com as principais necessidades da agricultura brasileira, seja ela familiar ou

empresarial. Isso se deve ao fato de poder contar no seu portfólio trabalho com instrumentos

de política da maior importância para agricultura, tais como: ATER, pesquisa agrícola,

crédito, seguro agrícola, educação agrícola, armazenamento, agroindustrialização,

comercialização, transporte, marketing, além de possuir a capacidade de promover escala no

processo produtivo, tudo reunido numa única instituição, tal como se fosse um “subsistema”

de inovação, em escala reduzida. Assim, muito embora a ATER funcione dentro de uma

cooperativa como um dentre os demais serviços prestados, nesse caso há uma diferença

fundamental, tendo em vista que os extensionistas são funcionários da cooperativa. Portanto,

são considerados um elo vital entre os produtores, a tecnologia e a própria cooperativa,

entendida como a sua direção e os demais serviços prestados por ela. Desse modo, o elo

representado pela ATER atua também potencializando e otimizando o desempenho dos

produtores e, por decorrência, da cooperativa. O outro ramo são as cooperativas de trabalho,

ou seja, especializadas, por exemplo, em prestar serviços de assistência técnica. São as

cooperativas de trabalho formadas por técnicos habilitados em prestar assistência técnica e/ou

extensão rural aos produtores por elas contratados, constituindo-se em um serviço de natureza

privada.

No primeiro caso, cooperativas agropecuárias, é fácil constatar que o trabalho de

ATER por elas promovido ou a elas associado ganha potencialmente um padrão de eficácia

diferenciado quando realizado na ausência desse instrumento de organização social da

produção agrícola Infelizmente, no Brasil, o avanço qualitativo do cooperativismo não é

homogêneo em todas as regiões do país.214

Dados da OCB, relativos a 2015, revelam que são

214

A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), representação maior do cooperativismo no Brasil, além

de congregar o sistema cooperativista em todo o país, está presente em 32 diversos e importantes colegiados

nacionais, sendo assim um participante ativo do pensamento e da formulação de políticas públicas em diversos

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211

1.597 cooperativas do ramo agropecuário, possuindo mais de um milhão de produtores

associados e gerando 164 mil empregos diretos.215

A grande maioria atua no desenvolvimento

e na disseminação de novas tecnologias aos produtores, no fornecimento de insumos, na

comercialização, na agroindustrialização, entre outros serviços (OCB, 2013).

Com relação à inovação, cabe assinalar que o Sistema OCB estabeleceu parceria

formal com a Embrapa desde 2012, tendo assinado um Protocolo de Intenções com o

objetivo de "conjugarem esforços para a realização de projetos de interesse do

cooperativismo, com destaque para estudos e pesquisas, e ações de formação para

assistência técnica e inovação tecnológica". O suporte técnico dessa iniciativa é dado pelo

Serviço Nacional e Aprendizagem do Cooperativismo-Sescoop (OCB, 2015). O Sescoop é

responsável pelo processo de capacitação, aperfeiçoamento e monitoramento das

cooperativas em todo o território nacional, instrumento vital para longevidade produtiva de

uma instituição que lida em um ambiente de mudanças permanentes (CHADDAD,

2013).216

Outro segmento de grande importância para o desenvolvimento da agricultura,

aliado importante no processo de adoção de inovações, é o ramo das cooperativas de

crédito, com 1.034 unidades no Brasil, em 2013, apesar de que nem todas se referirem ao

ramo agrícola, no entanto, não se pode negar o seu peso preponderante no conjunto. É útil

destacar que a maioria das operações de crédito está associada à presença da “assistência

técnica”, como elemento indutor de competitividade e de redução do risco da operação.

Ademais, as cooperativas de crédito do ramo agropecuário possuem papel relevante no

apoio a todos os cooperados, mas, de modo particular, àquela expressiva parcela de 67% de

seus associados que são produtores com áreas inferiores a 50 hectares. Isso significa que o

setores da vida do país. Dentre eles, destacam-se: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES),

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca

(Conape), Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA), Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES),

Conselho do Agronegócio (Consagro), Fórum Permanente do Seguro Rural, Programa de Desenvolvimento da

Aquicultura do Semiárido, Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul (FCES) e Instituto para o

Agronegócio Responsável (Ares). A presença destacada da representação das cooperativas do Brasil nos

colegiados mencionados permite dimensionar a relevância que o segmento possui na política agrícola do país

(OCB, 2015). 215

Dados da Agenda Institucional do Cooperativismo 2015 da OCB. Disponível em:

<http://www.Brasilcooperativo.coop.

br/GERENCIADOR/ba/arquivos/agenda_institucional_do_cooperativismo_2015.pdf >. Acesso em: 21 mai.

2017. 216

Sescoop foi criado pela Medida Provisória nº 1.715, de 3 de setembro de 1998, e suas reedições,

regulamentado pelo Decreto nº 3.017, de 6 de abril de 1999.

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212

sistema cooperativista se constitui em ator qualificado para o aumento da competitividade e

para a inserção da agricultura familiar nos mercados (CHADDAD, 2013a, p. 27).217

Em resumo, muitos estudiosos comungam do mesmo princípio, de acordo com o qual

o cooperativismo é instrumento poderoso não apenas para a geração e difusão de tecnologia,

mas, em especial, por se constituir na melhor opção para promover a “igualdade de

oportunidade” entre grandes e pequenos produtores (ALVES; SOUZA; e ROCHA, 2013, p.

74).218

Buainain (2006), de modo mais ampliado, acredita que o caminho é o mesmo, ou seja,

o “fortalecimento das associações produtivas dos agricultores é a única alternativa para

superar a desvantagem imposta pela escala de produção” (BUAINAIN, 2006, p. 125). Embora

a prática cooperativista esteja sendo fortemente disseminada por todo o Brasil, com

crescimento de quase 88% no número de cooperados, contra 12% de crescimento da

população brasileira, entre 2004 e 2013, sua presença mais forte e consolidada está nas

regiões Sul e Sudeste, berço do seu surgimento, e regiões de agricultura mais tecnificada,

mais organizada e de maior densidade de produção (OCB, 2015).

Por último, nesse “domínio das instituições ponte” estão o Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (Senar), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(Sebrae) e as instituições internacionais de cooperação para a agricultura. O Senar, criado

em 1991, é uma entidade de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural,

vinculada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e administrada

por um Conselho Deliberativo tripartite. Seu objetivo é promover ações de formação

profissional rural, atividades de promoção social, ensino técnico de nível médio, presencial e

à distância, e “produção assistida”. A execução do trabalho de formação, qualificação e de

assistência àqueles produtores que não têm acesso a outras modalidades de apoio é realizado

pelas 27 administrações estaduais, beneficiando, em média, 2 milhões de pessoas por ano.219

O Sebrae é uma organização privada, de abrangência nacional, criada em 1972, que

assessora empreendimentos também na área agrícola, classificados como de micro e pequeno

porte – cujo limite de faturamento bruto anual de até US$ 1,5 milhão (R$ 3,6 milhões).220

O

foco do Sebrae está voltado para o fortalecimento do empreendedorismo e aceleração do

217

Disponível em: http://www.Brasilcooperativo.coop.

br/site/servicos/noticias_detalhes.asp?CodNoticia=12218. Acesso em 16 ago. 2013. 218

Para detalhes, disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/>. 219

Disponível em: <http://www.senar.org.br/quem-somos>. Acesso em: 07 ago. 2015. 220

Um Dólar dos EUA = 2,3426001 Reais do Brasil. Cotação Bancen em: 31/12/2013. Disponível

em:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. Acesso em 15 ago. 2015.

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213

processo de formalização da economia por meio de parcerias com os setores público e

privado, programas de capacitação, acesso ao crédito e à inovação, estímulo ao

associativismo, feiras e rodadas de negócios. Embora numa escala reduzida, o Sebrae presta

assistência técnica a empreendedores rurais, notadamente no ramo agroindustrial.

Nas instituições internacionais de cooperação para a agricultura estão incluídos

organismos de atuação global ou regionais prestadores apoio técnico e/ou financeiro e de

relação direta, principalmente, com os serviços de ATER e pesquisa agrícola, tais como FAO

/ FIDA, World Bank, JICA, dentre outros.

4.2.3. Domínio dos Negócios e das Empresas

Esse domínio pertence às empresas agropecuárias e agroindustriais, aos produtores

rurais individuais de quaisquer categorias, às empresas de prestação de serviços à agricultura,

as agências de financiamento à atividade agrícola em todas as suas etapas. Participam,

também, as mais importantes entidades representativas dos produtores rurais do país. Nesse

domínio, também estariam presentes as entidades representativas de todos os elos das cadeias

de valor, todavia, o destaque feito aqui se justifica àquelas entidades com relação mais direta

com a ATER.

Agências de financiamento à agricultura

Dentre as agências operadoras de linhas do crédito rural, estão o Banco do Brasil, o de

maior tradição e de maior atuação no crédito; o Banco do Nordeste, com atuação restrita à

região de atuação da Sudene, operando com exclusividade um fundo constitucional mais

importante da região que é o Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste - FNE,

que é alimentado por recursos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e do Imposto

de Renda-IR, os mais relevantes impostos federais. Além desses, o país conta com o Banco de

Desenvolvimento da Amazônia (Basa), que também opera com o Fundo Constitucional de

Desenvolvimento da Amazônia (FDA). Um quarto banco público a apoiar empreendimentos

agrícolas é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atuando

diretamente em empreendimentos de médio e grande porte e como repassador a agentes

financeiros no caso do Pronaf. Ao lado desses, estão os bancos comerciais privados com

atuação tímida no crédito rural, ficando no penúltimo lugar em volume de aplicações, à frente

apenas dos bancos oficiais estaduais, e atrás das cooperativas de crédito e bancos oficiais

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214

federais, respectivamente, como ocorreu de 2010 a 2012, segundo dados dos Anuários

Estatísticos do Banco Central do Brasil. No caso do crédito subsidiado, a presença do tesouro

nacional é cada mais reduzida, exceção para o Pronaf, no entanto, para as demais categorias

de produtores, outras fontes foram mobilizadas o que não provocou nenhum estrangulamento

no sistema de crédito rural no país após a retirada dos subsídios pelo Tesouro Nacional

(BUAINAIN, 2013; CONTI; ROITMAN, 2011).

Entidades representativas dos produtores

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é responsável por

congregar associações e lideranças políticas e rurais em todo o País. Na sua estrutura estão os

sindicatos rurais, congregados em federações estaduais que estão representadas por uma

Confederação Nacional, a CNA. Sua missão é atuar na defesa dos interesses dos produtores

rurais brasileiros junto ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e aos tribunais superiores

do poder Judiciário. O sistema CNA é formado pelo Senar e pelo Instituto CNA. Destes, o

Senar é aquele que possui estreita relação com o trabalho de ATER, como já abordado no

conjunto das organizações executoras de ATER, nesta seção. A Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (Contag), fundada em 22 de dezembro de 1963, reúne as 27

Federações de Trabalhadores na Agricultura (Fetags) e mais de 4 mil Sindicatos de

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) filiados, compondo o Movimento Sindical de

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), atuando na defesa de um público estimado

de 15,7 milhões de pessoas, incluindo-se agricultores familiares, acampados e assentados da

reforma agrária, assalariados rurais, meeiros, comodatários, extrativistas, quilombolas,

pescadores artesanais e ribeirinhos.221

Segundo informação do antigo MDA, algumas

federações atuam executando atividades de ATER, patrocinadas e financiadas pelo governo

federal.

A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) constitui-se no principal

organismo de representação do cooperativismo no Brasil. Essa organização congrega 11,5

milhões de cooperados e, por ter sido abordado anteriormente, dispensa maiores comentários.

O Movimento Sem Terra (MST), fundado em 1984, em Cascavel, Paraná, surgiu

como um movimento camponês nacional, com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar

pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país. O MST está organizado em 24

221

Disponível em: <http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=227&nw=1>.

Acesso em 07 ago. 2015.

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215

estados da federação, nas cinco regiões do país e afirma que tem como filiadas cerca de 350

mil famílias que tiveram acesso à terra, por meio das suas estratégias de atuação.222

Do ponto

de vista organizacional, as famílias presentes nos assentamentos e nos acampamentos

organizam-se em núcleos e destes são escolhidos os coordenadores do assentamento ou do

acampamento, estrutura que se reproduz em nível regional, estadual e nacional. Os

Congressos realizados, em média a cada 5 anos, são os principais espaços de tomada de

decisão do Movimento. Com relação à ATER prestada ao público objeto das ações do MST,

principalmente os assentados da reforma agrária, ela é patrocinada pelo Incra, que a contrata

ou por intermédio da modalidade de "chamadas públicas", executada por ONGs, ou por

intermédio de convênios com os órgãos de ATER dos governos estaduais.

A Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura

Familiar (Fetraf-Brasil/CUT) nasceu em julho de 2004 e hoje está organizada em 18

Estados, com mais de 600 sindicatos e associações sindicais em mais de 1.000 municípios em

todo o Brasil, com aproximadamente 500 mil agricultores associados.223

Assim, ao lado da

Contag, a Fetraf constitui-se em movimento de base sindical rural sendo a agricultura familiar

o seu espaço de atuação.

Do conjunto de entidades de representação dos produtores rurais reunidas nessa seção,

o que se pode compreender é que tais entidades representam, na sua expressão maior a

dualidade da agricultura brasileira, traduzida entre agricultura familiar e agricultura

empresarial, exceção feita ao cooperativismo que na maioria dos casos contempla os dois

segmentos. De comum a todas as representações dos produtores aqui mencionadas está a

importância que todas conferem à assistência técnica, constituindo-se, por um lado, em

reivindicação permanente em suas pautas de trabalho ou de oferta do serviço por outro.

Apresentados os quatro domínios iniciais, parece adequado recorrer-se a Buainain et

al. (2013), que chamam atenção para a ampliação do papel da iniciativa privada em vários

espaços das cadeias de valor e não apenas na oferta de assistência técnica mencionada

anteriormente ou na pesquisa agrícola. A vigorosa ampliação da participação privada tem

ocorrido simultaneamente ao processo de encolhimento do Estado brasileiro no desempenho

de alguns desses papéis, como: no fornecimento do crédito, na oferta de insumos, na

aquisição da produção, no processamento, na comercialização, nos serviços de apoio à

produção e à comercialização (a exemplo de informações meteorológicas, assessoramento nas

222

Disponível em: <http://www.mst.org.br/quem-somos/ >. Acesso em 07 ago. 2015. 223

Disponível em: <http://www.fetraf.org.br/conteudo/1/quem-somos>. Acesso em 07 ago. 2015.

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216

operações em bolsas de mercadorias, etc.) na logística do pós-colheita (BUAINAIN et al.,

2013).

Mendes (2015), em sequência aos argumentos de Buainain et al. (2013) sobre o

“encolhimento” do Estado brasileiro, afirma que tal movimento tem alcançado também a

dinâmica da pesquisa agrícola no processo de difusão ou de transferência de tecnologia,

esclarecendo que, para algumas cadeias de valor:

(...) o papel de vetor da inovação se desloca, claramente, dos IPP para as empresas

privadas, que passam a ser as interlocutoras dos IPP, em substituição aos produtores,

que tradicionalmente eram o foco das ações de TT.

Outra transformação refere-se aos reflexos da desestruturação da extensão rural no

Brasil, ocorrida nas últimas décadas, que impôs aos institutos públicos de pesquisa a

busca por novas estratégias para transferência de suas tecnologias geradas.

(MENDES, 2015, p. 9)

O que se pode constatar é uma mudança importante na ampliação da presença do setor

privado, suscitando alterações profundas no papel do Estado brasileiro na sua forma de apoiar

a agricultura. Considerando-se o conflito na execução de alguns de papeis, a lentidão e a

inadequação no processo decisório, tem-se a nítida impressão que tais alterações ainda não

foram percebidas em toda a sua extensão pelos policy makers governamentais,

principalmente.

4.2.4. Domínio Governamental e órgãos colegiados

O "Domínio Governamental e órgãos colegiados" aqui representado detêm uma

importância marcante na concepção e execução das políticas inerentes ao setor agrícola e,

portanto, com repercussão imediata e direta sobre o desempenho do setor e naturalmente

sobre todos os atores presentes no SNIA. Apresentam-se aqui dois conjuntos de atores no

âmbito governamental. O primeiro, denominado de "organizações governamentais de

formulação de política, coordenação e governança/regulação”, destacando-se: Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Secretaria Especial de Agricultura

Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), vinculada à Casa Civil da Presidência da

República, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o

Mnistério do Meio Ambiente (MMA) e a Agência Nacional de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Anater).

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217

No segundo conjunto, entre os organismos colegiados mais importantes que exercem

influência direta nas políticas nacionais de ATER e de pesquisa agrícola, estão: o Conselho de

Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária

(SNPA), o Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural

(Sibrater), o Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Consepa),

e a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural

(Asbraer).

Aqui, com propósito contextual, será desenvolvida uma descrição das principais

instituições, seus objetivos, políticas, programas, projetos e sua estrutura organizacional, na

tentativa de permitir uma visão geral do papel da instituição no sistema. Por outro lado, busca-

se refletir sobre a correspondência entre os objetivos da instituição e sua prática, mesmo que,

neste primeiro momento, à luz apenas do formalismo dos seus documentos constituidores.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-Mapa224

Cabe ao MAPA a gestão das políticas públicas de apoio à agropecuária, o fomento ao

agronegócio e a liderança da regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. O

agronegócio, apoiado pelo ministério, contempla a atenção ao pequeno, médio e grande

produtor rural. O objetivo do MAPA é o de garantir a segurança alimentar da população

brasileira e a produção de excedentes para exportação, fortalecendo o setor produtivo nacional

e favorecendo a inserção do Brasil no mercado internacional. A estrutura operativa do MAPA

é constituída por cinco secretarias (de Defesa Agropecuária, SDA; de Relações Internacionais

do Agronegócio, SRI; de Mobilidade Social, do Produtor Rural e do Cooperativismo-SMC; e

de Política Agrícola, SPA), 27 superintendências estaduais e suas respectivas unidades, uma

rede de seis laboratórios, além de duas instituições vinculadas, o Instituto Nacional de

Meteorologia (Inmet) e a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).225

O MAPA conta ainda duas empresas públicas: a Embrapa e a Companhia

Nacional de Abastecimento (Conab), além organizações descentralizadas, organizadas

sobre a forma de sociedades de economia mista. A atuação do Ministério se efetiva por

intermédio da coordenação de ações e políticas voltadas para atender à dinâmica de 26

Câmaras Setoriais e seis Câmaras Temáticas relacionadas aos diversos setores produtivos

224

Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ministerio>. 225

Toda essa estrutura conta com o concurso de aproximadamente 11 mil servidores, distribuídos por todo

território nacional.

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218

do agronegócio brasileiro. No elenco das atribuições das cinco Secretarias Nacionais que

compõem a estrutura do Ministério, para os propósitos deste estudo, destacam-se as

seguintes responsabilidades: adoção de práticas sustentáveis no agronegócio brasileiro;

esforços para estímulo ao cooperativismo; práticas de agricultura sustentável;

desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e proteção intelectual; a regulação e

estímulo a práticas de agropecuária sustentáveis, que preservem o ambiente e os recursos,

por intermédio de políticas de estímulo à produção de alimentos orgânicos

(Agroecologia), Sistemas de Produção Integrada para rastreabilidade e qualificação da

produção e Sistemas de Conservação de Solos e Águas, este último relativo à manutenção

e recuperação de áreas degradadas, etc. Cabe registrar que na estrutura organizacional do

MAPA não há nenhuma menção a políticas de ATER, embora haja citação explícita a

essa função no Decreto Nº 8.852, de 20/09/2016, que trata das competências do

Ministério. Para evitar generalizações imprecisas, há, todavia, no site do MAPA um

único e singelo registro de ação de ATER, que afirma: “o MAPA viabilizou ações de

levantamento de dados em parceria com as entidades estaduais de ATER, com objetivo

de identificar, mapear e qualificar a demanda de assistência técnica e extensão rural do

médio produtor rural”(s/d; grifo nosso).

No caso da pesquisa agrícola, as responsabilidades pertinentes estão localizadas na

estrutura da Embrapa.

Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário

(Sead)/Casa Civil Presidência da República 226

A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead),

outrora Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é vinculada à Casa Civil da

Presidência da República e tem sob suas responsabilidades institucionais os seguintes temas:

(i) reforma agrária; (ii) promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural

constituído pelos agricultores familiares; e (iii) identificação, reconhecimento, delimitação,

demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos

quilombos. Em caráter extraordinário, a Sead atuará nas responsabilidades relativas à

regularização fundiária na Amazônia Legal. Na sua estrutura organizacional, a Sead tem a

responsabilidade de operar os seguintes temas: Reordenamento Agrário, Crédito Fundiário;

226

Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/institucional/Estrutura_do_MDA>.

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219

Financiamento e Proteção da Produção, Desenvolvimento Territorial, e Assistência Técnica e

Extensão Rural, destacando-se as seguintes atribuições:

contribuir para a formulação da política agrícola, no que se refere à

assistência técnica e extensão rural;

formular, coordenar e implementar as políticas de assistência técnica

e extensão rural, capacitação e profissionalização de agricultores familiares;

supervisionar a execução e promover a avaliação de programas e

ações no que diz respeito à assistência técnica e extensão rural;

fomentar a inovação tecnológica na agricultura familiar;

implementar ações, elaborar, promover e avaliar a execução de

programas e projetos de fomento específicos no que diz respeito à assistência técnica

e extensão rural;

promover a integração entre os processos de geração e transferência

de tecnologias adequadas à preservação e recuperação dos recursos naturais;

coordenar o serviço de assistência técnica e extensão rural; e

promover a compatibilidade das programações de pesquisa

agropecuária e de assistência técnica e extensão rural. (BRASIL-MDA, 2013)

A Sead dispõe ainda na sua estrutura: Delegacias Federais de Desenvolvimento

Agrário, presentes nas unidades da federação e uma entidade vinculada, o Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Como se percebe no plano do governo federal, a parte das competências de caráter

nacional sobre a ATER está concentrada na Sead/ Casa Civil, o que a associa ao segmento da

agricultura familiar. Do mesmo modo, a ATER é mencionada no Decreto Nº 8.852, que

disciplina a estrutura do MAPA. Dito de outro modo, resta incongruente perceber que as

atividades do Governo Federal de apoio à agricultura, em todos os seus aspectos, mesmo

depois da reforma administrativa de 2016, continuam dispersas entre dois ministérios, Sead /

Casa Civil e MAPA.

Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC227

A gestão e execução dos principais programas e ações do MCTIC são efetivadas por

intermédio de quatro secretarias, dentre estas, aquela de maior relação com a ATER é a

Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (SECIS), que tem a finalidade de

realizar a articulação com outros órgãos públicos de políticas que viabilizem o

desenvolvimento econômico, social e regional, especialmente da Amazônia e do Nordeste, e

a difusão de conhecimentos e tecnologias apropriadas em comunidades carentes no meio

rural e urbano. No conjunto dos mecanismos de financiamento das ações de CT&I utilizados

227

Disponível em: < http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/105.html?execview= >.

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220

pelo Ministério está o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(FNDCT), que também conta com recursos dos Fundos Setoriais. Os executores dos Fundos

Setoriais são a Finep e o CNPq. Chama-se a atenção aqui para o Fundo Setorial de

Agronegócio, cujo objetivo guarda estreita relação com a ATER e a pesquisa agrícola,

aspectos centrais dessa discussão.228

Ministério do Meio Ambiente - MMA229

O MMA tem a missão de “promover a adoção de princípios e estratégias para o

conhecimento, a proteção e a recuperação do meio ambiente, o uso sustentável dos recursos

naturais, a valorização dos serviços ambientais e a inserção do desenvolvimento sustentável

na formulação e na implementação de políticas públicas, de forma transversal e

compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis e instâncias de governo e

sociedade”. Os recursos naturais, objeto central da existência do MMA, se constituem num

dos elementos vitais do trabalho da ATER e da pesquisa agrícola. Portanto, a presença do

MMA na composição do conjunto dos atores que configura um sistema de geração e difusão

de inovação para agricultura é perfeitamente justificada, considerando, sobretudo, o trecho da

sua missão ao se referir à inserção do “desenvolvimento sustentável na formulação e na

implementação de políticas públicas, de forma transversal e compartilhada, ... em todos os

níveis e instâncias de governo e sociedade”.

Ademais, nas competências que são atribuídas ao MMA, três destas, pelo menos,

indicam a relação direta da ação ministerial com as políticas e práticas desenvolvidas pela da

ATER e da pesquisa agrícola: (i) política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos;

(ii) políticas para a integração do meio ambiente e produção; e (iii) zoneamento ecológico

econômico. Como uma decorrência natural, com relação à estrutura organizacional do MMA,

composta por cinco órgãos, todos eles em maior ou menor grau, desenvolvem conteúdos

transversais com aqueles conteúdos objeto do trabalho da pesquisa e da ATER, são eles: a

Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

228

“Estimular a capacitação científica e tecnológica nas áreas de agronomia, veterinária, biotecnologia,

economia e sociologia agrícola, promover a atualização tecnológica da indústria agropecuária, com introdução

de novas variedades a fim de reduzir doenças do rebanho e o aumento da competitividade do setor; estimular à

ampliação de investimentos na área de biotecnologia agrícola tropical e de novas tecnologias.” (Disponível em:

<http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/105.html?execview= > Acesso 12 mai. 2016). 229

Disponível em:<http://www.mma.gov.br/ >. Acesso em 19 ago. 2016.

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221

(ICMBIO), o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e o Serviço

Florestal Brasileiro (SFB). Com relação a este último, o próprio MMA prevê um trabalho de

ATER florestal, seguindo os princípios da Pnater.230

Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater)

Ja descrita anteriormente.

Órgãos colegiados com influência direta nas políticas nacionais de ATER e de

pesquisa agrícola

O Condraf é um órgão colegiado integrante da estrutura da Sead, que tem “por

finalidade propor diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas

estruturantes, constituindo-se em espaço de concertação e de articulação entre os diferentes

níveis de governo e as organizações da sociedade civil, para o desenvolvimento rural

sustentável, a reforma agrária e a agricultura familiar”. É integrado por 46 (quarenta seis)

membros, sendo 18 representantes governamentais e 28 representantes da sociedade civil,

com direito a voz e voto nas deliberações do Colegiado.231

Neste colegiado, foi constituído

um órgão assessor, denominado de Comitê de ATER, que é um dos componentes do

Sibrater, formado pelos Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável

(CEDRS), suas Câmaras de ATER, representantes das Redes de ATER, organizações da

agricultura familiar e do governo.

O Sibrater, em sua versão mais recente, foi institucionalizado pelo antigo MDA em

outubro de 2005, com o objetivo "organizar a prestação de serviços públicos de ATER, sob a

orientação da Política Nacional de ATER (Pnater)", sendo atualmente coordenado pela Sead.

230

“A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com ênfase em atividades florestais, é fundamental para o

sucesso do manejo florestal comunitário e familiar. Trata-se da prestação de serviço de educação não formal no

meio rural de forma contínua, que aprimora processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das

atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, incluindo atividades agroextrativistas, florestais e

artesanais. Esta modalidade de ATER refere-se não apenas à solução de problemas técnicos produtivos ou de

transmitir novidades e informações técnicas, mas também a facilitar, orientar e assessorar os processos de

transformação das propriedades e das comunidades para adequarem-se às exigências de legalidade e mercado. Dada

a diversidade de contextos do meio rural, as ações de assistência devem ser adaptadas à realidade local.” (Disponível

em: <http://www.florestal.gov.br/extensao-e-fomento-florestal/assistencia-tecnica-e-extensao-florestal/assistencia-

tecnica-e-extensao-florestal>. Acesso em 05 jul. 2015). 231

O CONDRAF foi criado em 1999 com a denominação de Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural

Sustentável (CNDRS). Em 2003, teve sua designação alterada, inorporando à sigla as iniciais das principais

políticas à época, “Reforma Agrária” e “Agricultura Familiar”. Trata-se de um espaço para concertação e

articulação entre governo e sociedade civil. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/condraf/arquivos/

view/1360614252.pdf>. Acesso em 08 ago. 2016.

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222

O SNPA, criado em 1992, por ato do Ministério da Agricultura, é guiado por 10

objetivos, sendo o mais importante aquele que reflete a razão do sistema: “Compatibilizar as

diretrizes e estratégias de pesquisa agropecuária com as políticas de desenvolvimento,

definidas para o País, como um todo, e para cada região, em particular”.232

O SNPA é formado pela Embrapa, que o coordena, e suas Unidades de Pesquisa e de

Serviços, pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), por universidades

e institutos de pesquisa de âmbito federal ou estadual, bem como por outras organizações,

públicas e privadas, direta ou indiretamente vinculadas à atividade de pesquisa agropecuária.

O conjunto de objetivos norteadores das ações do SNPA não explicita nenhuma ação de

cunho específico com o sistema de extensão rural. A ausência de menção à ATER enseja

imaginar-se a desimportância ou a falta de prioridade estratégica à ATER, embora a

possibilidade de articulação com outros sistemas possa estar prevista, genericamente, noutro

objetivo. A falta de menção explícita à articulação com a ATER nos objetivos do SNPA é

curiosamente contraditória ao se constatar que, das 17 Oepas que compõem o SNPA, 9 delas

(53%) também são responsáveis pela política de ATER nos seus respectivos estados.233

As Oepas existentes no País possuem cerca de 11 mil funcionários, sendo 2.032

pesquisadores, dos quais 408 graduados, 706 mestres e 918 doutores, atuando em 250

unidades, fazendas e estações experimentais. O conjunto das Oepas conta com 230

laboratórios e desenvolve, em média, de 2.000 projetos de inovação e pesquisa tecnológica.234

Quanto à dimensão do SNPA no conjunto das políticas de desenvolvimento, e de

acordo com o que pensam Beintema, Ávila e Fachinni (2010), é possível afirmar que o Brasil

tem um dos mais bem desenvolvidos e bem financiados sistemas de pesquisa agrícola entre os

países em desenvolvimento, ocupando o terceiro lugar em investimentos para pesquisa

agrícola e desenvolvimento (P&D), depois da China e da Índia (BEINTEMA; ÁVILA;

FACHINNI, 2010).

O Consepa, criado em 1993, trata-se de uma associação civil, de direito privado, sem

fins lucrativos é constituído pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária

(OEPAs), representadas pelos seus respectivos dirigentes máximos ou representantes legais

232

SNPA criado através da Portaria nº 193, de 7 de agosto de 1992, do Ministério da Agricultura, autorizado pela

Lei Agrícola (Lei nº 8.171, de 17/1/1991). 233

Oepas que são também responsáveis pela política de Ater nos seus estados: Epagri (SC), Emdagro (SE),

Incaper (ES), IPA (PE), Emater (AL), Apta (SP), Emater (GO), Empaer (MT) e Agraer (MS). 234

Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/418880-

REPRESENTANTES-DAS-OEPAS-PEDEM-GARANTIA-DE-RECURSOS.html>. Acesso em 07 jul. 2015.

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223

por eles indicados. O Consepa é responsável pelo fortalecimento institucional dessas

Organizações e, ao lado da pesquisa realizada pela Embrapa e pelas universidades, é

considerado a retaguarda do desenvolvimento do agronegócio brasileiro.

Por último, nesse conjunto de organizações estão a Asbraer, representando os

dirigentes dos serviços governamentais estaduais de ATER, e a fazer, entidade

representativa dos funcionários da ATER em todo o país. As duas instituições têm

assento em importantes fóruns nacionais e regionais.

Agências públicas de apoio à pesquisa agrícola

Caracterizam-se como aquelas organizações, principalmente, públicas que aportam

suporte técnico e financeiro às instituições de pesquisa, financiando projetos e programas de

pesquisa, notadamente por meio de “chamadas públicas”. Esse apoio tem ampliado a

infraestrutura do sistema de pesquisa nacional de pesquisa agrícola, além de contribuir para o

aperfeiçoamento dos recursos humanos locais e para a integração e articulação com as várias

redes de pesquisa no país e fora dele. Essa modalidade de financiamento tem substituído

crescentemente a escassez de recursos dos próprios orçamentos dos IPP.

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) exerce a função de Secretaria Executiva

do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) um dos

principais instrumentos destinado a financiar a expansão do sistema de C&T no país.235

A

Finep tem a missão de “promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por meio

do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos

tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas”, com atuação em toda a cadeia da

inovação. No seu currículo, a Finep demonstra papel importante ao apoiar a diversos projetos

da Embrapa e de universidades, importantes para o desenvolvimento tecnológico da

agricultura brasileira. No Brasil, além da Finep, destacam-se como agências de apoio

financeiro à inovação o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

por intermédio do Funtec (Fundo Tecnológico) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico CNPq, órgãos vinculados ao Governo Federal, atuando sob a forma

de subvenção, financiamento, venture capital (capital empreendedor) ou de concessão de

bolsas de pesquisa.

235

“O FNDCT se tornou o principal instrumento de fomento às atividades de C&T na década de 70 e na primeira

metade dos anos 80.” (VALLE; BONACELLI; SALLES-FILHO, 2002, p. 9)

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224

As principais unidades da federação contam também com agências de financiamento

das atividades de CT&I, extrapolando o âmbito da atividade agrícola, com destaque para a

Fapesp do Estado de São Paulo, uma das mais qualificadas e mais importante do país em

volume de recursos disponibilizados.

4.2.5. Domínio Institucional

Esse domínio, como indicado no modelo conceitual Spielman e Birner (2008), é

caracterizado por conter o conjunto de regras, normas, leis, políticas, programas,

projetos, que dão suporte institucional à execução dos mandatos dos vários atores

participantes do SNIA. No caso presente, a menção completa ao conjunto da

institucionalidade relativa ao ambiente da ATER e da pesquisa agrícola se tornaria algo

demasiado longo, optando-se por registrar aqueles de maior significado, a título tão

somente ilustrativo atendendo aos propósitos desta discussão.

Entre os elementos exemplificadores do domínio institucional estão: a Política

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), o Programa Nacional de

Reforma Agrária, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(Pronaf), os diversos Fundos Setoriais, a Lei de Proteção de Cultivares (Lei Nº 9.456,

de 25/04/1997), Lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial

(Lei Nº 9.279, de 14/05/1996), dentre outras.

Tão importantes quanto essas, adicione-se o caso da Constituição Federal de

1988, naqueles artigos relacionados à ATER e à pesquisa, exemplo do Artigo 187, que

trata sobre a política agrícola, assegurando menção especial à ATER e à pesquisa. No

plano das constituições estaduais, há situações que determinam ao Estado a oferta

gratuita dos serviços de ATER a pequenos produtores.236

Na seção seguinte, os elementos de maior relevância extraídos dessa

"aproximação" entre o modelo conceitual do SNIA, discutidos no Capítulo 2 e a

realidade agrícola, com foco na ATER brasileira serão decodificados, no sentido se

avançar no entendimento do papel da ATER no sistema, em um ambiente de mudanças

permanentes.

236

Ver Constituição do Estado da Bahia, Artigo 191- IV - "a oferta, pelo Poder Público, de assistência técnica e

extensão rural gratuita, com exclusividade de atendimento a pequenos produtores rurais e suas diversas formas

associativas, bem como aos beneficiários de projetos de reforma agrária”. (Grifo nosso)

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225

4.3. Contribuições da abordagem do SNIA à discussão sobre a sustentabilidade dos serviços

de pesquisa agrícola e de ATER no Brasil

Esta seção tem o propósito de extrair da discussão anterior sobre a aproximação do

modelo conceitual do SNIA à realidade da ATER brasileira elementos que ofereçam a esta

avanços na compreensão da sua inserção no SNIA, objetivando contribuir na melhoria do seu

desempenho. Os principais elementos são os seguintes:

i) Dada a complexidade de papéis e de funções do SNIA, a diversidade dos

atores e a dimensão dos objetivos a serem alcançados, a análise do conjunto dos atores aqui

apresentados não identificou a presença de uma estratégia que promova a unidade do

planejamento desejado, sobretudo no âmbito do setor público. Ou seja, não se identificou no

sistema uma diretriz de planejamento que oriente o desenvolvimento do setor agrícola em um

único rumo para o qual convirjam todos os esforços. A ausência sentida estaria no âmbito de

um plano de desenvolvimento estratégico para o país, no qual inovação seria o fio condutor da

competitividade na agricultura. A esse respeito, Mendes (2015) percebe a mesma lacuna ao

analisar a Embrapa:

No entanto, a ausência de definição e valorização da ciência como motor de

desenvolvimento para o Brasil é o caminho contrário ao percorrido por países que

buscaram diminuir o hiato tecnológico em relação aos países líderes após a Segunda

Guerra Mundial, a exemplo da Coreia do Sul e Taiwan. (MENDES, 2015, p. 313)

ii) A abordagem SNIA, a partir dos elementos aqui analisados e discutidos, reflete

com precisão a realidade da agricultura brasileira naquilo que lhe é mais perceptível e

desafiador que é o fenômeno da "heterogeneidade estrutural", mencionado por Buainain et al.

(2013). Para os autores, o que produz e caracteriza a "heterogeneidade estrutural" na

agricultura brasileira são as distintas dinâmicas agrícolas, determinadas não apenas por

padrões tecnológicos "supostamente excludentes", mas, também, pela conjunção de outros

inúmeros fatores e situações.

Estes ainda precisam ser estudados para compreender por que, por exemplo, o mapa

do Mato Grosso, um polo de dinamismo da produção de grãos, está manchado de

regiões dinâmicas ao lado de outras fortemente atrasadas, embora ambas tenham

recursos naturais semelhantes. (BUAINAIN et al., 2013, p. 1166)

iii) A abordagem SNIA também permite capturar a visão institucional pública

brasileira para lidar com o fenômeno da “heterogeneidade estrutural”, que é a de tratá-lo como

se fora a existência de duas agriculturas caracterizadas por padrões tecnológicos e escala de

produção distintos e, por tal razão, sob a ótica do governo, abrigadas por duas diferentes

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estruturas governamentais (MAPA e Sead). Esta solução adotada, por vezes, não tem

facilitado a comunicação e os fluxos institucionais e, por conseguinte, a articulação entre as

duas estruturas de governo. O exemplo mais recente desses desencontros foi a interminável

discussão sobre qual dos dois ministérios à época (MAPA e MDA) exerceria o “poder de

supervisão” sobre a nova agência, a Anater.237

Ainda a propósito desse tema, Buainain (2006,

p. 48), ressalta que:

Polemizar com as visões que equiparam a agricultura alternativa e convencional

como o bem e o mal, assim como fazem com a agricultura familiar e o agronegócio,

não é o mote. Há muitas evidências de práticas sustentáveis e virtuosas no âmbito da

agricultura convencional e do agronegócio e que não deveriam ser condenadas, pelo

menos para fins de políticas públicas, por razões ideológicas, até porque respeitam

os princípios e são consistentes com os objetivos mais amplos do desenvolvimento

sustentável.

iv) A complexidade percebida na quantidade de atores, nas funções e papéis de cada

um deles, discutida anteriormente, espelha também uma espécie de “gigantismo" tal no SNIA

que, mesmo com as simplificações aqui introduzidas, torna-se evidente perceber que gera

dificuldades de coordenação e governança, principalmente no âmbito do setor governamental.

Ao “gigantismo”, acrescentam-se as áreas sombreadas relativas às competências, repercutindo

negativamente na divisão de trabalho e nas atribuições individuais de cada ator.

Adicionalmente, com reflexos também negativos no setor privado, a exemplo das frequentes

críticas do setor privado ao processo de licenciamento ambiental liderado pelo setor público.

v) Esse gigantismo ficou evidenciado ao se constatar, por exemplo: dois ministérios

para a agricultura, caso do MAPA e o antigo MDA; um ministério para cuidar da pesca e da

aquicultura, caso do também antigo MPA238

; uma agência criada para coordenar um sistema,

ficando mais de um ano inoperante, devido a não nomeação de cargos diretivos, face a

divergências político-partidárias, caso Anater; um instituto de pesquisa federal com foco no

semiárido, ao lado de uma unidade de pesquisa também federal dedicada a mesma tarefa e

localizada no epicentro da região semiárida, caso do IASA e da Embrapa semiárido; atores de

ATER governamental federal e estaduais atuando nos mesmos espaços rurais, caso da Ceplac

e Emater, enquanto milhões de estabelecimentos sem nenhuma assistência. Tais casos servem

apenas para ilustrar a suspeita sobre a dificuldade de diálogo entre os atores do SNIA e entre

237

De acordo com o Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1976, no seu Art.19: “Todo e qualquer órgão da Administração

Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os

órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República”. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>. Acesso em 17 ago. 2013. 238

Em 5 de outubro de 2015, em reforma ministerial, o governo anunciou a incorporação das funções de "pesca

e aquicultura" ao MAPA.

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227

os produtores rurais e demais atores. A sobreposição e as lacunas presentes ao mesmo tempo,

gerando custos de transação, diferentemente do que ocorre num sistema “sadio”,

fundamentam o ensinamento de Bonacelli, Fuck e Castro (2015, p. 92):

São diversas e diferentes instituições, com várias concepções, naturezas e papéis, e

que deveriam, em sua grande maioria, trabalhar de forma a sustentar um processo

virtuoso de uma atividade econômica não apenas das mais antigas do país, mas das

mais importantes econômica e socialmente. Entretanto, tal riqueza não se apresenta

desta forma e a efetividade não é um dos aspectos mais marcantes do SIA do país.

vi) A declinante capacidade de financiamento do setor público para manter e

aperfeiçoar todo o seu aparato de ATER, de pesquisa e de serviços à agricultura, mesmo

naquelas áreas de imprescindível presença, caso da agricultura familiar, defesa agropecuária,

dos grandes programas nacionais, como o de reforma agrária, entre outros, vem

gradativamente reduzindo a capacidade de o setor público atuar em projetos estruturantes e

longo alcance. Desnecessário afirmar que os reflexos desse quadro produzem prejuízos

dramáticos na expectativa de melhoria da competitividade da agricultura, ainda dependente da

ação governamental direta.

vii) A respeito das últimas observações, o comentário de Buainain et al. (2013, p.

117) é modelar:

Apesar da citada perda relativa de importância orçamentária, o número de políticas e

ações de diversos ministérios e suas agências não para de crescer. Mas são, na

maioria, iniciativas fragmentadas, improvisadas e sem nítidos objetivos estratégicos.

É situação que parece confirmar a hipótese acerca do “autismo” do Estado em

relação às mudanças estruturais das últimas décadas. Suscita, portanto, a pergunta: o

que realmente quer o Estado do mundo rural brasileiro? Se os interesses rurais no

âmbito das instituições políticas decisórias permitiram a “fuga do Estado” no

período, sem contrapartidas de aportes em áreas estratégicas, é inescapável concluir

que tais instituições políticas são setores que também parecem desconhecer as

tendências do desenvolvimento agrário no Brasil.

viii) A relevância da abordagem SNIA, enquanto instrumento de promoção e

valorização do processo de inovação na agricultura, ganha significado ainda mais expressivo

partir da constatação da emergência de um novo padrão de desenvolvimento da agricultura

brasileira, segundo o qual a terra deixa de ser a “principal fonte de formação e apropriação de

riqueza”. Esse papel preponderante da terra vem dando lugar ao capital “em todas as suas

modalidades”, sob a forma de investimentos em infraestrutura, máquinas, tecnologia, na

qualidade da própria terra, recursos ambientais e no treinamento do capital humano.239

Nesse

239

Não é sem razão que a prática do "arrendamento", onde a liquidez e flexibilidade dos investimentos podem

ser preservadas e ampliadas, vem sendo cada vez mais utilizada nas cadeias de grãos, sucroalcoleira e de

celulose e papel, dentre outras (BUAINAIM et al., 2013, p. 110).

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228

novo padrão, as inovações ganham espaço destacado, como elementos centrais nos ganhos de

produtividade e de competitividade das cadeias (ALVES; SOUZA; ROCHA, 2013, p. 74;

BUAINAIN et al., 2013, p. 110).

ix) De modo específico quanto à pesquisa agrícola, mas em adição às

constatações anteriores, é oportuno reiterar algo já apontado por Fuck, Bonacelli e Carvalho

(2007) de que não se trata de um antagonismo entre setor público e o setor privado na gestão

da pesquisa agrícola, mas, sim, da necessidade de se promover a racionalidade das dinâmicas

técnicas concorrenciais dos setores envolvidos.

Em resumo, o conjunto de todas essas evidências permite concluir pela dificuldade

que enfrenta o aparelho estatal na prestação de serviços de qualidade à agricultura, incluindo

aí a de assistência técnica e extensão rural, face a sua quase incapacidade de acompanhar a

dinâmica das transformações em curso no espaço rural e da redução do seu poder de

interferência.

Portanto, é também possível aferir, dentre outros aspectos, que o atraso tecnológico de

3,9 milhões estabelecimentos rurais no Brasil, além de ser incorreto atribuí-lo

primordialmente à ATER, terá imensas dificuldades de ser superado, pelo menos no curto e

médio prazos, tendendo, pelo contrário, a agravar-se.

Esse aparente pessimismo se justifica pelo fato de que a superação desse desafio não é

responsabilidade de um único ator, mas de um sistema, portador de fragilidades já apontadas.

Instituir políticas, programas, instituições, leis ... não basta. Tal voluntarismo tem pautado a

agenda de inúmeras políticas no país – vide a de inovação – e já está mais do que evidente que

sem uma clareza dos propósitos, governança, avaliação, correção de rumos, definição de

estratégias e “uso” (no sentido positivo) das competências dos atores envolvidos, não há

milagres, não se vai a lugar nenhum. Para tanto, o sistema deve ter a capacidade de se

reinventar, no sentido de integrar interesses públicos e privados na direção de um objetivo

maior, a elevação da competitividade da agricultura brasileira, com a inclusão de uma parcela

significativa e valiosa de agricultores, os quais podem contribuir com muito mais produção

agrícola, caso tenham oportunidade, caso o descaso saia de cena e entre a promoção de uma

agenda séria em relação a uma das mais importantes atividades do país – a agricultura. A

ATER brasileira tem muito a contribuir pra isso, caso a ela também seja dada a oportunidade

de se mostrar verdadeira em seus princípios – os quais não precisam de um emaranhado de

instituições, de programas e de iniciativas que somente vêm servindo para obscurecer seu

relevante papel de inclusão social e produtiva e transformação do perfil daqueles que se

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dedicam à terra – dando-lhes dignidade e respeito – como demonstram os casos dos países

estudados nesta tese, dentre outros exemplos positivos no próprio país.

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5. ATER E PESQUISA AGRÍCOLA NO BRASIL E NOS PAÍSES SELECIONADOS:

SIMETRIAS, ASSIMETRIAS E OS CONDICIONANTES PARA UMA MAIOR

EFETIVIDADE

Este capítulo tem a pretensão de buscar uma síntese das discussões promovidas nos

capítulos anteriores, identificando e enfatizando os pontos de maior importância encontrados

nas práticas dos serviços de ATER e de pesquisa agrícola dos países visitados vis-à-vis a

situação brasileira e apontando elementos para uma maior efetividade de suas ações para dar

conta dos desafios da agricultura brasileira.

Além desse propósito, e com o respaldo do substrato analítico dos capítulos anteriores,

o capítulo também aprofunda a discussão sobre as características mais específicas que

envolvem o trabalho da ATER, quando relacionadas às dos demais atores, nas suas missões

de contribuir com o desenvolvimento rural sustentável.

Nessa direção, este capítulo está estruturado em duas seções para atender aos dois

objetivos principais: o primeiro, sistematizar e refletir os elementos de relevância

identificados nas experiências dos países selecionados e do Brasil; e o segundo, identificar e

analisar os condicionantes da ação da ATER e a necessidade do debate sobre as repercussões

das mudanças na dinâmica da agricultura e do desenvolvimento rural sobre o perfil do

extensionista.

5.1. Traços de simetrias, assimetrias e perspectivas de aprendizado entre a pesquisa e a

ATER nos países selecionados e no Brasil

Esta seção será desenvolvida no sentido de atender ao primeiro objetivo que é o de

refletir analítica e sinteticamente os elementos mais relevantes obtidos das experiências da

pesquisa e da ATER nos países selecionados, incluindo-se o Brasil. Estas experiências estão

referenciadas pelos seus Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola, de modo a identificar

características qualitativas que tenham o potencial de conferir sustentabilidade aos modelos de

pesquisa e de ATER no Brasil. A reflexão aqui desenvolvida tem como insumo fundamental

as discussões formuladas nos dois capítulos iniciais, sendo sistematizadas a partir de sete

temas-base de convergência, quais sejam: mudanças climáticas; papel do ensino; agricultura

familiar e reforma agrária; novas demandas e novos conteúdos; articulação internacional;

organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores; e financiamento,

tratados a seguir.

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5.1.1. Mudanças climáticas e ambiente agrícola

Em todas as experiências aqui discutidas, a importância da agricultura no processo de

desenvolvimento parece inquestionável, às vezes nem tanto na sua contribuição à formação do

PIB total de cada país, mas, sobretudo, por ser um vetor estratégico no desenvolvimento de

cada realidade visitada. Sua importância pode ser avaliada sob inúmeros ângulos, muitos já

mencionados, mas, em primeiro lugar, está cada vez mais presente a questão da segurança

alimentar, no seu espectro mais amplo, que toca todas as sociedades, suscitando-lhes

atenção, cuidado e atitude proativa.

Ademais, apesar da redução histórica do pessoal ocupado na agricultura, esta atividade

detém, intrinsecamente, uma capacidade relevante de criação competitiva e de

descentralização espacial das oportunidades de desenvolvimento, problema comum e aflitivo

em muitos países. Em países como a África do Sul e Brasil, em que pese a heterogeneidade

dos sistemas agrícolas, o papel da agricultura no processo de desenvolvimento ganha um

caráter ainda mais relevante que é o desafio de contribuir com a redução da pobreza,

incorporando ao processo de modernização milhões de estabelecimentos rurais que se

encontram à margem desse processo.

A Embrapa reconhece que esse desafio possui uma dimensão tecnológica e outra não

tecnológica. Nesta última, o sucesso do empreendimento estaria ligado à organização do seu

entorno, condição que independe da escala do empreendimento; para tanto, a prática do

associativismo reúne todas as condições para uma “inclusão produtiva” exitosa.

Na dimensão tecnológica, o mesmo estudo elenca sete estratégias que contribuiriam

enormemente para a superação do desafio da inclusão desses estabelecimentos

marginalizados, categorizados como de base familiar, mesmo admitindo a larga

heterogeneidade existente entre eles, acrescida aos desafios das mudanças climáticas: (i)

Fortalecer o manejo sustentável dos recursos da agrobiodiversidade, visando ao

desenvolvimento e à validação de sistemas de produção; (ii) Desenvolver métodos adequados

para prospecção, avaliação e validação de tecnologias para a Agricultura Familiar, incluindo

produção orgânica e agroecológica; (iii) Desenvolver modelos de soluções viáveis para

agroindústrias familiares, priorizando as cadeias curtas de comercialização; (iv) Desenvolver

e promover o acesso de máquinas e equipamentos adequados para a Agricultura Familiar; (v)

Desenvolver e validar sistemas de produção agroecológico e orgânico; (vi) Desenvolver

metodologias para potencializar o uso de recursos genéticos próprios, especialmente as

sementes (convencionais e crioulas), visando à segurança alimentar e nutricional; (vii)

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232

Desenvolver e validar tecnologias sociais para e com a Agricultura Familiar e produção

orgânica e agroecológica (EMBRAPA, 2014, p. 126).

Em resumo, as estratégias propostas podem ser compreendidas como parte importante

das condições sob as quais o desafio pode ser enfrentado no front da inovação. Uma

característica presente em todas as estratégias preconizadas pela Embrapa, é que a sua

materialidade objetiva não se constitui em responsabilidade exclusiva da pesquisa agrícola,

mas, sim, de vários atores do SNIA, dentre estes, de forma destacada, a ATER.

No momento atual, torna-se irreal e incompleto discutir o papel da agricultura no

desenvolvimento sem associá-la a um cenário de mudanças climáticas, situação que desperta

inúmeras inquietações. O tema "mudanças climáticas" tem recebido uma atenção toda

especial de organismos técnicos em todo o mundo, mas, requer mais do isso, requer uma

atitude vigorosa e estratégica dos governos. De modo especial, requer extrema dedicação dos

seus instrumentos de pesquisa, ensino e ATER, face às ameaças de impactos severos sobre as

temperaturas na direção de regiões de maiores latitudes, casos dos hemisférios norte e sul.

Desse modo, deposita nos serviços de pesquisa e de ATER dessas regiões uma

responsabilidade adicional, na análise, dentre outros planos, de estratégias racionais de

manejo do solo e da água, no sentido de evitar/minimizar eventuais comprometimentos na

produção de alimentos. Este tema tem recebido manifestações recorrentes de preocupação e

de planejamento dos serviços de pesquisa e ATER da maioria dos países selecionados,

devendo ocupar lugar prioritário na agenda de todos, sem exceção. Portanto, o desafio da

segurança alimentar toma uma dimensão ainda mais complexa que é a segurança alimentar

num cenário de mudança climática.

Nesse cenário, as diretrizes que devem orientar as plataformas da pesquisa e da ATER

no Brasil devem indicar a direção da geração e da difusão de tecnologias que priorizem a

conservação dos recursos naturais. Nesse caminho, a redução do desmatamento, que é uma

exigência global, deverá ser encarada como a condição prioritária para o crescimento da

produção agrícola. Ou seja, as estratégias a serem estimuladas pela pesquisa e pela ATER

para o aumento da produção deverão enfatizar a intensificação das áreas já cultivadas, pela via

da diversificação de cultivos e do aumento da produtividade da terra.

A Embrapa (2014) aponta para um cenário de necessidade de avanços tecnológicos

ainda mais rápidos do que foram até então, o que impõe à ATER um comportamento também

mais qualificado e ágil no processo de difusão; de modo mais específico, a empresa de

pesquisa prevê:

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233

O aumento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia exigirá sofisticação

tecnológica que permita o uso mais eficiente dos recursos naturais (água, solo,

biodiversidade, etc.), e dos serviços ambientais (reciclagem de resíduos, suprimento

de água, qualidade da atmosfera, etc.) necessários à produção agropecuária e

florestal (EMBRAPA, 2014, p. 60).

A sofisticação tecnológica implica numa melhor qualificação dos atores do SNIA,

assim como no aprimoramento das condições de governança e coordenação.

Embora a questão do ensino seja tratada adiante, cabe destacar aqui que ao ensino

agropecuário é também reservado um papel de extrema importância, no sentido da

identificação, localização e dimensionamento dos impactos das mudanças climáticas.

Importância que deve ser atribuída não apenas na proposição de projetos de mitigação dos

efeitos sobre a produção agrícola, mas igualmente útil na formação de técnicos que serão

pesquisadores e agentes de difusão de tecnologias e de políticas.

Os impactos das mudanças climáticas seguramente não são nem serão distribuídos

homogeneamente em todos os espaços agrícolas, sendo assim, exigirão estratégias distintas da

pesquisa e da ATER, principalmente. Para ilustrar, é possível recolher da experiência da

África do Sul as preocupações com os possíveis impactos a serem causados pelas mudanças

climáticas na agricultura do país, de reconhecida vulnerabilidade em face das suas condições

agroclimáticas, haja vista que grande parte do território é considerada de clima semiárido. As

preocupações sul-africanas são de extrema utilidade para o Brasil, que detém imensa área da

sua região nordeste também marcada pelo clima semiárido.

A região semiárida do nordeste brasileiro, que também não pode ser considerada um

todo homogêneo, abriga 1,7 milhão de estabelecimentos agropecuários, sendo a previsão dos

impactos das mudanças climáticas sobre a atividade agrícola das mais inquietadoras, situação

que exigirá, especialmente, da pesquisa, da ATER e do ensino uma postura de esforços mais

intensos e sinérgicos, dado que os avanços obtidos por cada um desses atores individualmente

foram insuficientes até então para transformar a realidade regional na sua maior porção.

5.1.2. Base científica e tecnológica da ATER e da pesquisa - o papel do Ensino

Vem da experiência dos Estados Unidos, e em menor grau da França, o componente

que parece ser o principal diferenciador da robustez qualitativa da base científica que alimenta

os serviços de pesquisa e de ATER, que é a associação seminal, institucional e orgânica destes

com o ensino superior.

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234

Embora deva ser reconhecida a contribuição relevante da pesquisa privada no sucesso

da agricultura dos Estados Unidos, deve também ser reconhecida a excelência do ensino

atingido por aquele país, o que se reflete diretamente na formação de pesquisadores e

extensionistas ou consultores, quaisquer que sejam as suas funções, se públicas ou privadas. O

sistema, como dito anteriormente, desempenha a tripla função de pesquisa, ensino e extensão.

No caso da ATER, uma rede de uma centena de Land Grant Colleges dá suporte às ações

extensionistas em cada estado ou território. Por outro lado, a articulação estreita entre

pesquisa, ensino e extensão contribui para aproximar as demandas dos produtores da agenda

do mundo acadêmico, fato que, além de fortalecer a atividade agrícola, valoriza o produtor,

aumenta a credibilidade do ensino/pesquisa e eleva as competências e habilidades do

extensionista.

No caso brasileiro, o serviço de ATER pública padece da ausência de um sistema

qualificado, sistêmico e permanente de seleção e formação continuada de seus profissionais,

não tendo a tradição dos Estados Unidos que, paradoxalmente, serviu de inspiração para a

criação da ATER no Brasil. A superação dessa lacuna, já que historicamente o ensino e ATER

governamentais estão distanciados, se daria mediante uma aproximação institucional e

orgânica da ATER e o ensino superior. Tal aproximação promoveria um processo de

formação continuada de extensionistas por um lado, e alimentaria o ambiente acadêmico das

demandas do setor agrícola, desafiando-o permanentemente, por outro. A Asbraer (2014)

chegou a cogitar o modelo da universidade corporativa virtual como alternativa de solução.

5.1.3. A agricultura familiar e reforma agrária

As evidências obtidas da África do Sul, Argentina, França e Brasil não deixam

dúvidas da necessidade de se conceder uma importância especial a esse segmento da

agricultura, dada a sua expressão não apenas econômica e social, mas, especialmente por se

constituir em vetor de relevância para o sucesso de um processo de desenvolvimento

sustentável.240

O papel de apoio da pesquisa e da ATER na modernização da agricultura

familiar, além de representar uma responsabilidade social importante, principalmente no caso

240

No Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, a Agricultura Familiar compreende 4,3 milhões

de unidades produtivas (84% do total), distribuídas em 80,2 milhões de hectares (24% da área total dos

estabelecimentos), conta com 14 milhões de pessoas ocupadas, algo em torno de 74% das ocupações no campo.

Tem participação importante na produção de alimentos essenciais, na preservação da agrobiodiversidade e na

geração de emprego rural no Brasil.

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235

do setor público, significa também um desafio considerável face à complexidade da sua

dinâmica e da sua própria natureza.

Em todas as experiências, mas em especial evidência no caso brasileiro, a primeira

característica da agricultura familiar é a sua heterogeneidade. Em segundo lugar, ainda

considerando o contexto brasileiro, existem na agricultura familiar fatores denominados por

Buainain (2007) de “sistêmicos”, que atuam “fora da porteira” e que condicionam a adoção de

inovações e, por decorrência, o desempenho dos empreendimentos familiares (BUAINAIN,

2007, p. 109). Noutras palavras, o que se pode extrair das experiências dos países

selecionados no ambiente da agricultura familiar é que a pesquisa e a ATER, embora sejam

essenciais para a modernização das unidades familiares, são insuficientes para assegurar a

modernização, entendida como garantidora da melhoria da renda líquida e de vida do produtor

familiar.

No caso da agricultura familiar, as experiências demonstram ser essencialmente dos

governos a responsabilidade de prover os serviços de pesquisa e de ATER, direta ou

indiretamente, em articulação com os demais instrumentos de política condicionantes da

modernização das unidades familiares. No caso específico da reforma agrária, este é um tema

de especial interesse apontado pelas experiências da África do Sul e do Brasil. Apesar de não

estar na pauta agrícola dos demais países selecionados, a sua menção aqui se deve à

importância histórica e política nas realidades recentes dos dois países. O público objeto dos

programas de reforma agrária na África do Sul e no Brasil é também considerado como de

base familiar, portanto, ainda com mais razão, portador de uma maior responsabilidade social

dos governos e, por conseguinte, dos serviços de pesquisa e de ATER. Para efeito contextual,

cabe registrar que no caso da África do Sul o programa ainda carece de uma definição do

modelo a seguir, face às dificuldades vivenciadas com os modelos já experimentados. No caso

brasileiro, a área destinada à reforma agrária ultrapassava, em abril de 2017, os 88 milhões de

hectares, com 9.368 assentamentos criados, onde vivem 977.039 famílias assentadas, uma

população estimada pelo Incra em mais de 5 milhões de pessoas (INCRA, 2017)241

.

Avaliações realizadas até então demonstram que a simples doação da terra não tem

sido suficiente para garantir modernização tecnológica e muito menos melhoria de vida das

populações assentadas242

. Também nesse caso, os “fatores sistêmicos” parecem explicar a

241

Disponível em: < http://www.incra.gov.br/tree/info/file/11933>. Acesso em 21 mai. 2017. 242

De acordo com o Incra, disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao-

agraria/numeros-da-reforma-agraria/file/1817-area-incorporada-ao-programa-de-reforma-agraria>. Acesso em 3

de mar. 2014. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a área total dos 5.175.636 estabelecimentos

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dificuldade da adoção de inovações nos assentamentos de reforma agrária (BUAINAIN, 2007,

p. 113). A falta de uma visão atualizada sobre a dinâmica da agricultura, da sua promoção,

dos seus mercados, de suas necessidades e da forma de inclusão de grande parte dos

agricultores no circuito produtivo, impede que os resultados da chamada “reforma

agrária/colonização agrária” realizada no país há mais de 50 anos sejam efetivos e tenham

reflexos positivos na economia do país e na vida das famílias assentadas.

Sobre o desempenho da ATER no programa de reforma agrária brasileiro, o Censo

Agropecuário de 2006 informava que aproximadamente 70% daqueles estabelecimentos

agropecuários classificados como “Assentado sem titulação definitiva” não receberam

orientação técnica no ano do Censo. Apenas 19% receberam orientação técnica

“ocasionalmente” e 11% receberam-na “regularmente” (IBGE, Censo Agropecuário, 2006)243

.

A ausência de orientação técnica na grande maioria dos quase 10 mil assentamentos aliada a

outros problemas na execução do programa de reforma agrária brasileiro, como a falta de

tradição agrícola no perfil de grande parte dos assentados, são alguns dos elementos que

permitem dimensionar a magnitude do desafio. Ao lado dessa situação do programa em

execução, o fenômeno da concentração de terra no Brasil permanece agudo, indicando a

incapacidade de o Estado brasileiro liderar um processo, não apenas de democratização da

posse da terra, mas de transformação produtiva, traduzida por melhoria da qualidade de vida

dos assentados e vetor de desenvolvimento regional.244

5.1.4. Novas demandas e novos conteúdos para a pesquisa e ATER

A dinâmica inovativa da agricultura e do SNIA impõe a todos os atores envolvidos um

trabalho permanente de criação de competências e habilidades para lidar com novas demandas

e novos conteúdos. Nessa direção, o ensino, a pesquisa agrícola e a ATER são, talvez, os

segmentos mais exigidos dentro dessa dinâmica da inovação da atividade agrícola.

As experiências visitadas nesta tese são ricas em demonstrar o quão complexo é

manter-se competitivo nesse sistema. A França, por exemplo, destaca a característica cada vez

mais acentuada da multifuncionalidade da agricultura, fato que é acrescido do intenso

agropecuários totalizava 333.680.037 ha. Nesta superfície, incluem as áreas com "lavouras","matas e florestas “e

"pastagens". 243

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/>. Acesso

em 03 mar. 2014. 244

A permanência da desigualdade pode ser mensurada pela estabilidade do índice de Gini em 0,856, quando da

comparação entre os Censos de 1996 e 2006 (HOFFMANN; NEY, 2010, p. 7).

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237

movimento de aperfeiçoamento dos sistemas de segurança ambiental, segurança laboral e de

qualidade de alimentos. Destes, derivam os novos padrões e normas preconizados pelos

órgãos reguladores que exigem dos produtores o novo conhecimento e uma nova postura

adaptativa. Ainda no caso da França, torna-se inescapável destacar o avanço da agricultura

orgânica, fenômeno que ganha corpo em outras realidades, fundamentada pelo avanço da

agroecologia, ciência de rápida inserção em muitas grades curriculares e nas agendas de

diversos movimentos sociais.

Dos Estados Unidos, a leitura que se faz é que os clientes da pesquisa, do ensino e da

ATER demandam de seus pesquisadores, professores e conselheiros orientações seguras sobre

a prospecção de novos mercados e sobre estratégias para a atração de novos “agro-

investimentos”, enfim, recorrem a novas oportunidades e novos negócios que fortaleçam o

desenvolvimento agroindustrial da local, regional e, por decorrência, do país.

A experiência da Argentina destaca avanços consideráveis no emprego da

biotecnologia na agricultura, com o país já exercendo uma liderança no cenário mundial. Esta

condição, inevitavelmente, acarreta uma responsabilidade relevante para a pesquisa agrícola e

outros atores locais, no que tange à manutenção e ampliação dos padrões de competitividade,

assim como, da questão da segurança nos campos ambiental, do consumidor e do trabalhador.

Neste caso argentino, é relevante a observação de Fuck e Bonacelli (2009, p. 9): "a Argentina

adotou uma política liberalizante, apostando nos transgênicos como forma de ampliação de

sua competitividade agrícola".

Uma outra demanda de igual relevância que vem se impondo de modo vigorosamente

crescente à ATER, à pesquisa e às políticas públicas nas experiências visitadas são as

influências de gênero no ambiente agrícola. O que se pode constatar é que, embora dados da

FAO demonstrem o declínio da participação da mulher na PEA dedicada à agricultura, tanto

no mundo quanto nos países selecionados nesta tese (Gráfico 2), a situação de inferioridade da

mulher nos vários campos das relações sociais tem proporcionado movimentos importantes de

reversão ou de, pelo menos, redução desse quadro de profunda desigualdade.

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238

Gráfico 2 - Proporção feminina da PEA dedicada à agricultura nos países selecionados e

no mundo, 1980, 1995 e 2010 (%)

Fonte: FAO (2011). Disponível em:< http://www.fao.org/docrep/013/i2050s/i2050s08.pdf>.

Um desses movimentos foi a pactuação entre os 191 estados membros das Nações

Unidas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, surgida a partir da Declaração do

Milênio. Esse grande acordo surge como um esforço para consolidar diversos acordos

internacionais sobre meio ambiente, desenvolvimento e direito das mulheres. Tal iniciativa

estimulou inúmeras outras pelo mundo, com destaque para aquelas surgidas no âmbito da

agricultura. Iniciativas que vão ao encontro do que declara a FAO (2011, p. vi):

Las mujeres aportan contribuciones fundamentales a las empresas agrícolas y rurales

en todas las regiones de los países en desarrollo, en calidad de agricultoras,

trabajadoras y empresarias. Sus funciones varían según las regiones, pero en todas

partes las mujeres tienen limitaciones propias de su género que reducen su

productividad y limitan sus contribuciones a la producción agrícola, el crecimiento

económico y el bienestar de sus familias, comunidades y países. Las mujeres se

enfrentan a una importante brecha de género en el acceso a los recursos productivos.

Controlan menos tierras que los hombres, las que controlan suelen ser de peor

calidad y carecen de seguridad sobre su tenencia. Las mujeres poseen menos

animales de trabajo necesarios para la agricultura que los hombres. A menudo

tampoco controlan los ingresos generados por los normalmente pequeños animales

que gestionan. Las agricultoras son menos susceptibles que los hombres de utilizar

insumos modernos, tales como semillas mejoradas, fertilizantes, medidas de control

de plagas y herramientas mecánicas. Asimismo, utilizan menos crédito y no suelen

controlarlo cuando lo obtienen. Por último, las mujeres tienen un nivel inferior de

educación y un menor acceso a los servicios de extensión, por lo que les resulta más

difícil acceder a algunos de los otros recursos, como la tierra, el crédito y los

África do Sul Argentina BrasilEstadosUnidos

França Mundo

1980 15,8 3,1 26,3 1,6 7,4 53,5

1995 8,1 2,6 11,2 1,2 3,4 48,7

2010 4,2 1,9 6,1 0,9 1,4 42

15,8

3,1

26,3

1,6

7,4

53,5

8,1

2,6

11,2

1,2 3,4

48,7

4,2 1,9

6,1

0,9 1,4

42

0

10

20

30

40

50

60

1980

1995

2010

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239

fertilizantes, así como utilizarlos. Estos factores también impiden a las mujeres

adoptar nuevas tecnologías con la misma facilidad que los hombres. ... Dichos

obstáculos implican que las mujeres agricultoras obtienen rendimientos inferiores a

los de sus homólogos masculinos. Sin embargo, las mujeres agricultoras son tan

eficaces en su trabajo como los hombres. Datos empíricos sólidos muestran que si

las agricultoras utilizaran la misma cantidad de recursos que los hombres en las

tierras que cultivan, obtendrían los mismos rendimientos que ellos.

Em muitos países, notadamente o Brasil, um conjunto de políticas públicas foi

concebido como contribuição à proposta global, fato que vem abrindo novos espaços para as

mulheres, que demonstram ser possuidoras de inúmeras competências, mas colocam, por

outro lado um grande desafio para os extensionistas, acostumados que foram a atuar quase

que exclusivamente com homens no papel de únicos tomadores de decisão de suas unidades

de produção agrícola e de suas comunidades..

No caso do Programa de Apoio ao Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf),

no qual o segmento de crédito rural é considerado um dos mais importantes instrumentos de

apoio à agricultura familiar, a participação das mulheres como tomadoras do crédito vem

crescendo a cada plano safra, ocupando gradativamente uma posição quase que hegemônica

dos homens.245

A criação de uma linha de crédito específica para as mulheres, “Pronaf

Mulher”, vem ao encontro dessa tendência. Tendência que é reforçada pelo índice de

mulheres titulares de lotes da reforma agrária, que aumentou de 24,1%, em 2003, para 55,8%

em 2007, e pelo crescimento do número total de mulheres chefes de família em relação ao

total de beneficiários que cresceu de 13,6% para 23% no mesmo período.246

Seguramente, esses fatos e tendências indicam aos serviços de pesquisa agrícola e de

ATER uma necessidade de adequar suas estratégias de trabalho à nova realidade imposta pela

presença feminina mais acentuada na gestão das unidades produtivas, que obedece a padrões

diferenciados em relação aos padrões masculinos, trabalhados tradicionalmente pelos dois

serviços.

Uma última e relevante referência aos “novos conteúdos” diz respeito ao emprego das

Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pela ATER, em especial. A afirmação de

Espindola (2015) reflete o poder de disseminação das TICs em todos os setores e espaços da

sociedade, e a ATER não poderia ser exceção: “Todo esto en el marco del vertiginoso

desarrollo de la Sociedad de la Información y Comunicación, de la sociedad digital, del

245

De acordo com o antigo MDA (Disponível em:<http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/mulheres-batem-

recorde-de-acesso-ao-pronaf-na-safra-20142015>. Acesso em 24 ago. 2015. 246

Fonte: Sead. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/dpmr-org/sobre-o-programa>.

Acesso em 21 mai. 2017.

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240

mundo globalizado. Las TIC cada día están más presentes en todas las áreas de la economía,

de la cultura, de la política, de la sociedad, de la producción” (ESPÍNDOLA, 2015).

O mesmo estudioso observa que nos espaços rurais ainda há grande falta de

infraestrutura digital, mas, simultaneamente, essa lacuna vai se reduzindo dia a dia, surgindo,

assim, melhores condições para o uso das TICs pela ATER.

No Brasil, segundo Mendes (2015), o meio rural ainda sofre um verdadeiro processo

de marginalização digital, no qual, dados de 2012, revelavam que 84% dos domicílios rurais

não possuíam computador e 90% não tinham acesso à internet. Se os dados forem os do

Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, a situação das regiões norte e nordeste é

ainda mais grave, em relação às demais regiões do Brasil. De qualquer modo, a presença das

TICs é irreversível e só tende a crescer, o que indica a necessidade de a ATER se preparar o

quanto antes para tornar mais ágeis seus processos de trabalho, admitindo a existência de

alguns obstáculos, que a instituição deverá se defrontar. Sobre esses obstáculos, Espíndola

(2015) argumenta que, para o ingresso pleno no universo das TICs, a ATER deverá enfrentar

alguns fatores críticos, perfeitamente aplicáveis ao caso brasileiro:

i) a falta de uma cultura digital nas instituições e entre os extensionistas: a ideia é

que as TICs sejam internalizadas como ferramenta prioritária de apoio à informação, à

comunicação e à gestão, principalmente.

ii) as escassas competências nessa nova linguagem no conjunto do pessoal técnico

e administrativo, além de uma certa resistência ao uso das TICs.

iii) o fato de o desenho de ferramentas, espaços e serviços serem concebidos muito

mais a partir da "oferta da informação" e muito menos a partir das "demandas dos produtores

e da população rural".

iv) o baixo nível de investimento, alfabetização e empoderamento digital das

populações rurais.

v) a utilização majoritária de ferramentas e softwares não concebidos

especificamente para os propósitos da ATER.

De fato, a ATER brasileira precisa implantar uma cultura digital, que alcance todas as

suas unidades, essencialmente as mais longínquas, e que nas quais não apenas os seus

processos de gestão sejam modernizados, mas, sobretudo, que a qualidade de seu trabalho

junto ao produtor seja dinamizada.

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241

5.1.5. Articulação internacional

A articulação internacional pode ser considerada uma outra característica relevante

verificada em muitos dos países selecionados, especialmente para o caso da pesquisa agrícola.

A abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola ao contemplar com ênfase, no seu

modelo conceitual, as relações e articulações de âmbito local, regional e nacional preconiza

também articulações com atores internacionais, tais como as fontes de conhecimento.

Articulações entendidas não apenas episódicas, mas de caráter sistêmico, como analisado no

Capítulo 2, conforme preconizam Spielman e Birner (2008, p. 7; tradução nossa) ao se

referirem ao Diagrama Conceitual do “Agricultural Innovation System”: “Além das fronteiras

do sistema, fatores importantes exercem influência e se articulam com outros setores da

economia (manufatura e serviços); com a Política geral de ciência e tecnologia; com atores

internacionais, fontes de conhecimento e mercados; e com o sistema político.”247

No caso brasileiro, a empresa pública de pesquisa agropecuária, Embrapa, exercita

com denodo essa articulação internacional, possuindo projetos internacionais de cooperação

que dispõem de bases físicas e pessoal no exterior, que aproximam a Embrapa das fontes de

conhecimento, no âmbito das “políticas de inovação agrícola e de investimento”. No caso da

ATER brasileira, é curioso constatar que já a Embrater em 1989, por intermédio do seu

presidente à época, propunha como diretriz a intensificação das relações internacionais da

instituição.

Incentivo às atividades de reciclagem profissional dos Extensionistas Rurais, para

que lhes seja possível atender às atuais demandas dos agricultores com o máximo de

eficiência. A formação dos recursos humanos tem sido uma constante do Sistema

Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural-Sibrater. Desde sua formação,

em 1975, o Sistema vem se preocupando de modo efetivo com seus técnicos,

enviando-os ao exterior para aperfeiçoamento em cursos de mestrado, de doutorado

e de especialização, além de outras iniciativas em âmbito nacional. (LOPES, 1989,

p. 27)

Reiterando a preocupação com a articulação internacional do Sibrater, a Embrater

(1989), ao propor uma Política de Assistência Técnica e Extensão Rural para o novo Governo

247 Em referência ao diagrama conceitual discutido no capítulo 2, Spielman e Birner (2008, p. 7) esclarecem:

“Beyond the borders of the system, though nonetheless important, are influencing factors such as linkages to

other sectors of the economy (manufacturing and services); general science and technology policy; international

actors, sources of knowledge, and markets; and the political system”.

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242

Federal que se instalaria no ano de 1990, consignou nas suas Linhas de Atuação a “Promoção

de intercâmbio técnico-científico pelo Sistema, a nível nacional e a nível internacional”

(EMBRATER, 1989, p. 15). A curiosidade se deve ao fato de que após 27 anos, em pleno

processo de globalização, a Anater e muito menos a Pnater tenham mencionado esse tema

(articulação internacional) nos seus principais documentos constituidores.248

A quebra do

isolacionismo da cena internacional, seguramente colocaria a ATER brasileira em sintonia

permanente com as mais atualizadas discussões e fóruns sobre o ambiente das inovações na

agricultura, criando oportunidades relevantes e continuadas para a participação do debate

global, alimentando aprendizados e, certamente, antecipando pautas para a agenda da ATER

no Brasil.

5.1.6. Organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores

A experiência dos Estados Unidos, com o sistema cooperativo de extensão rural, o

caso da França com a Câmara de Agricultura, o exemplo argentino da CREA e o caso

brasileiro com as cooperativas, ou empresas integradoras do Sul e do Sudeste e as fundações

de pesquisa, permitem concluir que essa estratégia tem sido empregada com sucesso, na

medida que minimiza os “fatores sistêmicos” negativos.

Ocorre que, principalmente no caso dos agricultores familiares das regiões norte e do

nordeste brasileiro, onde a sua concentração é a maior do Brasil (as duas regiões reúnem

quase 51% do total de estabelecimentos familiares), o cooperativismo/associativismo não tem

sido explorado com a ênfase devida, fato que tem deixado esse público fora do alcance da

maioria das políticas agrícolas, às vezes, simplesmente por falta de informação. Uma das

razões históricas e compreensíveis da dificuldade de o cooperativismo do norte e nordeste não

expressar a mesma pujança do Sul e do Sudeste é explicitada por Cechin (2014), confirmando

a mesma conclusão a que chegara BURSZTYN (1984), concluindo que:

248

Para não se cometer injustiças sobre o isolacionismo pleno da ATER brasileira dos fóruns internacionais,

cabe registrar a participação recente da Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento

Agrário (Sead) na Rede Latino-americana de Serviços de Extensão Rural (RELASER). Esta Rede foi criada em

outubro de 2010, em Santiago do Chile, ocasião em que um conjunto de instituições públicas e privadas de

Extensão Rural, sob a liderança internacional do Fórum Global para Serviços de Consultoria Rural (GFRAS),

decidiu criar um espaço para discussão sobre o status e evolução atual dos sistemas de extensão rural na América

Latina, no sentido de atuar para a sua melhoria. A missão da Rede é “apoiar a consolidação dos sistemas público

e privado de extensão na América Latina, compreendidos como parte dos sistemas de inovação, contribuindo

para a promoção do desenvolvimento sustentável...”. Fonte: RELASER. Disponível em: <

http://www.relaser.org/index.php/pt/quem-somos/o-que-e-relaser.>. Acesso em 24 mai. 2017.

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243

Os movimentos cooperativos do Norte e Nordeste estão mais distantes do ideal

europeu que originou o cooperativismo. As cooperativas no Nordeste apresentam

fragilidades que se devem, principalmente, a um modelo de prática coronelista e

elitista, em que os cargos mais elevados sempre são ocupados pelos grandes

proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, com objetivo de controle

social e político. (CECHIN, 2014, p. 498)

Mesmo assim, a tendência dada pelo amadurecimento do processo democrático

brasileiro aliado ao crescimento de cooperados em relação às taxas de crescimento da

população indicam que esses obstáculos devem ser superados, em face do valor estratégico do

cooperativismo/associativismo para o desenvolvimento regional, sendo este um instrumento

importante que não pode ser ignorado no conjunto dos elementos facilitadores do processo de

modernização da agricultura brasileira. A organização da produção destacada acima possui

uma relação direta com o grau de organização dos produtores, devendo ser tratada sempre que

possível de forma integrada, considerando o seu caráter estratégico para o desenvolvimento

sustentável.

Não é sem razão que um fato bastante perceptível e relevante nos modelos públicos de

pesquisa agrícola e de ATER adotados na França e nos Estados Unidos é que, ao inserirem a

representação dos produtores nos seus núcleos decisórios, assumiram, por um lado, um

compromisso de elevado grau de responsabilidade, mas, por outro, encontraram uma

estratégia de triplo efeito positivo na gestão dos dois serviços: (i) assumiram um compromisso

permanente e prioritário com as demandas dos produtores; (ii) atraíram um aliado de

expressiva densidade política para viabilizar seus pleitos junto aos governos e à sociedade,

principalmente de àqueles relacionados a financiamento; e (iii) atraíram um forte aliado para

se contrapor às ingerências políticas consideradas negativas na gestão das instituições. No

caso dos Estados Unidos, a presença dos mais de 3.000 Conselhos Locais traduz o

empoderamento da sociedade nos destinos da instituição pública na instância mais próxima da

execução e, portanto, exerce um poder de avaliação e monitoramento das ações de modo

privilegiado e imediato.

A ATER brasileira, como já debatido anteriormente, padece dos mesmos problemas

que deram origem à "estratégia de triplo efeito" mencionada acima, no entanto, vem adotando

a "estratégia da convivência" com esses perigosos tumores que nada mais são do que uma

ameaça à sobrevivência institucional.

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244

5.1.7. Financiamento da Pesquisa e da ATER

Revelou-se comum em todas as experiências analisadas que o financiamento das

atividades de pesquisa e de extensão se constitui em uma permanente dificuldade até mesmo

para as economias mais estruturadas, casos da França e dos Estados Unidos. Nestes casos, os

orçamentos públicos ainda são imprescindíveis, porém convivem com atividades não públicas

ou sob regime de comercialização de serviços.

Dos Estados Unidos vem a constatação de que ao lado dos avanços da agricultura,

uma referência mundial, a extensão rural tem diminuído de tamanho, cedendo espaço para a

atuação dos consultores privados naquelas tarefas nas quais a capacidade do estado é limitada.

Grosso modo, é como se, crescentemente, a atividade de assistência técnica fosse sendo

desenvolvida pela iniciativa privada, enquanto ao setor público caberiam as atividades de

extensão rural, mais voltadas para as questões do desenvolvimento das comunidades, tais

como a atração de novos negócios, preservação ambiental, prospecção de novos mercados,

etc. Da África do Sul vem a constatação de que os recursos públicos destinados à pesquisa

estão estagnados há algum tempo, embora a participação da iniciativa privada no

financiamento da pesquisa pública seja de 20%, o que pode ser considerado uma contribuição

expressiva.

No Brasil, a pesquisa agrícola em sua maior parte é financiada com recursos de origem

pública federal. Do mesmo modo, a ATER governamental, dirigida à agricultura familiar, é

quase que exclusivamente custeada por recursos públicos estaduais (80%); o governo federal

participa, em média, com apenas com 8%, e os governos municipais com aproximadamente

5%, o restante vem de outras fontes (Asbraer, 2014). Neste caso, esclarece Buainain (2007), o

baixo padrão de capitalização de expressiva parcela de agricultores familiares brasileiros não

lhes faculta a capacidade de assumir os custos de ATER. Esse fato tipicamente brasileiro,

aliado a outras características da agricultura familiar, caso do baixo grau de instrução dos

produtores, o que torna ainda mais difícil o processo de adoção de tecnologia, produz uma

diferença importante com relação à ATER nos Estados Unidos quanto ao crescimento da

assistência técnica privada em substituição à ATER pública.

Em resumo, a lição extraída é de que as fontes de financiamento da Pesquisa e da

ATER devem ter como busca estratégica a diversificação, sob pena de que outras demandas

sociais mais urgentes e, cada vez mais presentes, sejam prioritárias na obtenção dos recursos

públicos, cada vez mais escassos. O estímulo à atuação em redes e a formação de consórcios

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245

de pesquisa, dentre muitos outras, são também estratégias para se ganhar eficácia na gestão e

na obtenção de resultados.

Enfim, todos esses elementos e outros aqui não destacados, aliados à sua crescente

natureza transdisciplinar, constituem-se em insumos que vêm produzindo diariamente um

conjunto de novas demandas, novos conteúdos e novas disciplinas sobre os serviços de

ATER, pesquisa e ensino. O que se pode perceber é que todo esse movimento observado nas

experiências aqui visitadas, já parece produzir reconfigurações nos modelos de pesquisa, de

ensino e, sobretudo, de ATER, na medida em que impulsiona ou pelo menos inspira a

concepção articulada de uma nova formação de talentos humanos, novos modelos e

estratégias. É muito provável que os reflexos dessa dinâmica já estejam incidindo sobre a

ATER brasileira, que ainda não os percebeu.

5.2. Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil

Esta seção tem o objetivo de, em aprofundando análise sobre a ATER brasileira

empreendida nos capítulos anteriores, compreender melhor a dinâmica da sua atuação recente,

identificando seus principais condicionantes e a dinâmica da sua relação com os demais atores

no Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA). Para o alcance desse objetivo, a discussão

se dá a partir da tentativa de responder à questão: por que se atribui, recorrentemente, à ATER

governamental o atraso da modernização da agricultura familiar brasileira?

5.2.1. ATER governamental e o atraso da modernização da agricultura familiar: de

onde vem essa relação?

Sobre os fatores condicionantes ou determinantes para a adoção de inovações na

agricultura, há no Brasil uma farta literatura de qualidade já disponível. Uma das mais

importantes, desenvolvida por Buainain (2007), relaciona 13 condicionantes do desempenho

econômico e da adoção de tecnologia na agricultura familiar.

Na sua grande maioria, a literatura inclui a ATER como um condicionante importante,

mas, a coloca com as mesmas responsabilidades dos demais. O curioso é que frequentemente

à ATER é atribuída a responsabilidade maior sobre a não modernização da agricultura

familiar no Brasil, exigindo-se dela atribuições além das suas possibilidades e competências,

conforme demonstram Alves e Pastore (2013): “Muitos atribuem esse atraso à precariedade

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246

dos serviços de extensão rural que até hoje não souberam levar aos pequenos agricultores a

modernidade das novas técnicas de plantar e colher”.

Uma das razões que pode explicar a exigência de uma responsabilidade maior recair

sobre a ATER parece ser o fato da sua proximidade ao produtor rural, sendo aquele ator que

mantém um relacionamento mais estreito e de contato mais permanente em relação aos

demais atores. Uma outra razão, derivada da primeira, pode ser explicada a partir das próprias

funções desempenhadas pelo extensionista junto ao agricultor familiar. Dentre essas funções,

quatro mais relevantes parecem aquelas que mais emprestam sentido à "responsabilidade

maior" da ATER no progresso técnico da agricultura familiar no Brasil, são elas: (i) difusão

de tecnologia (agropecuária, social, gerencial, ambiental); (ii) assessoramento na seleção,

implantação e acompanhamento dos melhores projetos/ atividades econômicas; (iii)

capacitação técnica de agricultores para a adoção das inovações e execução dos projetos; e

(iv) viabilização do acesso dos produtores familiares aos instrumentos de política agrícola

(cadastramento, planos de crédito, seguro, preços, obtenção de insumos, etc.).

De fato, essas funções denotam não apenas maior proximidade da ATER ao produtor,

mas, carregam consigo um padrão de compromisso mais intenso da ATER, em relação aos

demais atores. Por outro lado, o conjunto dessas funções pode se constituir numa explicação

razoável para a correlação indevida que é feita entre a modernização da agricultura familiar e

o desempenho da ATER no Brasil. A partir desse contexto inicial, torna-se importante

perceber que na presente análise, a ATER se constitui no ponto central sobre o qual será

observada a dinâmica do processo de modernização agrícola. Assim, ao desempenhar essas

funções, a ATER está lidando diretamente com a possibilidade:

• de a inovação ser apropriada ou não àquela situação específica (e cada

propriedade rural se caracteriza como uma situação específica);

• de trabalhar com um produtor não escolarizado ou não organizado;

• de trabalhar com um produtor com quantidade de terra insuficiente, ou de má

qualidade, ou localizada em regiões inóspitas, ou distante dos mercados, ou com deficiente

infraestrutura de energia, estradas, armazenamento, comunicação e de oferta hídrica;

• de os instrumentos de política agrícola não serem acessíveis ou inadequados;

• de se defrontar com uma oferta insuficiente ou inadequada de insumos e de

mão de obra;

• de trabalhar com uma agricultura cada vez mais multifuncional e famílias cada

vez mais pluriativas.

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247

Portanto, não é difícil chegar à conclusão de que estes elementos com os quais a

ATER lida diretamente e fazem parte da sua dinâmica de trabalho possam condicionar ou

serem condicionados pela ação da própria ATER, produzindo efeitos imediatos sobre o

sucesso ou o fracasso da adoção da inovação. Na hipótese de que os elementos mencionados

(no todo ou em parte) não sejam adequados ao projeto de modernização daquela propriedade

rural ou região, o desempenho da ATER será condicionado pelas restrições dos elementos,

frustrando a modernização. Por outro lado, se os elementos mencionados forem adequados,

mas se a qualidade do serviço de ATER oferecida for inadequada ao projeto de modernização,

a ATER estará condicionando negativamente o desempenho dos atores responsáveis por tais

elementos.249

Na perspectiva do produtor, a ausência da ATER ou a inadequação dos elementos

citados acima podem ser encaradas como determinantes para o atraso tecnológico da sua

propriedade ou da sua comunidade ou região. O Censo Agropecuário de 2006 aponta que

quase 76% dos estabelecimentos rurais no Brasil, em 2006, não receberam nenhum tipo de

assistência técnica, isso significou 3,93 milhões de estabelecimentos. A ATER governamental

(federal, estadual e municipal) beneficiou a 9,5% do total dos estabelecimentos.

Assim, é razoável presumir que uma das estratégias para tornar o processo inovativo

bem-sucedido deve contemplar articulações e interações cada vez mais intensas entre

produtores, extensionistas, pesquisadores, educadores, iniciativa privada e policy

makers, no sentido de inibir as restrições dos fatores condicionantes e tornar as inovações

cada vez mais próximas das necessidades dos produtores, dos mercados e harmonizadas com

os sistemas de produção e com os padrões de sustentabilidade. Isso requer coordenação e

governança no sistema. Ou seja, ao se examinar de modo mais específico cada elemento

condicionante individualmente, pode-se afirmar, por exemplo, que a inovação ou o conjunto

de inovações a ser trabalhado pela ATER deve apresentar uma precisa compatibilidade com a

realidade agroecológica, social e econômica daquela unidade produtiva ou daquela

comunidade, sob pena de comprometer os resultados finais esperados. Em caso de frustação, é

inevitável não atribuir parcela dessa responsabilidade à ATER, haja vista ser a difusão

daquela inovação um elemento central na sua agenda de trabalho.

Por todos esses argumentos, a responsabilização maior à ATER, embora imprecisa,

parece compreensível e inevitável, em virtude dessa proximidade ao produtor, que é inerente

249

A qualidade do serviço governamental de ATER pode ser influenciada por condições endógenas (modelo de

atuação, gestão, qualidade dos recursos humanos, etc.) e/ou exógenas (prioridade da política agrícola ou da

política de desenvolvimento, etc.) à própria ATER.

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248

aos deveres do seu próprio ofício, como por exemplo: dominar conhecimentos técnicos sobre

a realidade daquela propriedade, comunidade ou região, conhecimentos que são obtidos in

loco na maioria das situações, em contato permanente e direto com o produtor e/ou

comunidade.

Com os avanços das TICs e de outras tecnologias, é possível imaginar que a presença

física de um agente técnico qualquer possa ficar gradativamente menos necessária em uma

propriedade ou comunidade rural. Entretanto, em determinadas situações, como o diagnóstico

de uma doença em uma lavoura ou em um animal, a identificação, a localização e a

construção de uma prática conservacionista, o treinamento de produtores para o uso de um

equipamento, ou a promoção de estratégias objetivando a organização da produção e dos

produtores, por exemplo, dificilmente prescindirão da presença de um técnico, extensionista

ou não. Ademais, o trabalho de extensão rural, muito mais do que o trabalho de assistência

técnica, pressupõe uma ênfase na relação presencial, como fundamento central do diálogo

educativo, característica vital da prática extensionista.

Por tais razões, ao longo do tempo, a participação do extensionista na vida cotidiana

do produtor ou da comunidade o tornou um dos agentes técnicos mais presentes e mais

identificados com a realidade rural. É crível prever que, na medida em que o padrão

educacional da população rural brasileira avance, junto com a dinâmica da economia agrícola

e da infraestrutura rural, as demandas do produtor e da comunidade passem a exigir um outro

perfil de apoio técnico distinto daquele vigente até hoje. Essa dinâmica, por outro lado, exige

de todos os atores do SNIA e, em especial, do extensionista e do pesquisador, um trabalho

permanente de atualização e de aperfeiçoamento contínuo, condição que justifica a

necessidade da relação continuada e orgânica com o “ensino”, abordada anteriormente.

Alves e Pastore (2013) ao aprofundarem o debate sobre a existência de outros fatores

que dificultam ou inibem a modernização da agricultura familiar no Brasil e que possuem

relação direta com a performance da ATER, esclarecem que:

1. Entre os pequenos produtores, o baixo nível de educação constitui sério

empecilho para a adoção de novas tecnologias, o que também limita o acesso às

políticas públicas, em especial ao crédito subsidiado.

2. As políticas de garantia de preços e de compra antecipada da safra pouco chegam

aos pequenos produtores. A seleção é perversa: quem menos precisa é que mais se

beneficia.

3. Os regulamentos das políticas agrícolas são bastante rigorosos e afastam grande

parte dos que não dispõem de um título adequado de posse da terra, que não têm

condições para obedecer às regras do Código Florestal ou para apresentar projetos

detalhados da produção pretendida. Afinal, os bancos emprestam a quem tem bons

cadastros e o costume de pagar.

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249

4. Os pequenos produtores vendem sua produção por preço bem menor que os

grandes produtores e compram os insumos por preços mais elevados. Como as

despesas superam os ganhos, as tecnologias se tornam não lucrativas. Sem lucro,

não há nada que faça o agricultor se modernizar.

Para concluir, os mesmos autores argumentam o equívoco que é atribuir

principalmente à ATER o atraso tecnológico a que estão submetidos milhões de agricultores

familiares no Brasil. Esta conclusão remete à pergunta: por que atribuir recorrentemente à

ATER a responsabilidade maior pelo atraso, dada a existência de vários e importantes outros

atores e condicionantes? A resposta a esta indagação reforça a tese de a que proximidade do

agente de ATER ao produtor possa explicar essa responsabilização demasiada pelo atraso

tecnológico, haja vista ser a ATER o verdadeiro “porta voz” das políticas agrícolas e

inovações - e se essas são incoerentes, lacunares, descontínuas, repletas de insegurança, não

será outro o resultado que se alcança do trabalho da ATER no Brasil.

A conjugação dessas forças adversas explica em grande parte a concentração da

produção agrícola e o baixo desempenho dos pequenos produtores no Brasil. Nem a

melhor extensão do mundo é capaz de reverter a perversidade do quadro atual. O

Pronaf busca atenuar o seu impacto. Mas não está livre de uma seleção perversa: as

regiões Sul e Sudeste, já modernizadas, se apropriam da maior parte dos recursos,

quando comparados com o que vai para o Nordeste, que concentra mais de 60% da

pobreza rural. (ALVES e PASTORE, 2013)

Assim, dada a complexidade que envolve o atraso tecnológico de milhões de

propriedades de base familiar no Brasil parece simplismo atribuir a responsabilidade principal

a esse ou aquele ator ou a esse ou aquele elemento condicionante. O que parece mais

adequado é perceber que não apenas o concurso de vários elementos negativos, mas, também,

a interação de vários deles atuando ao longo do tempo produzem e consolidam o atraso. A

razão da responsabilização da ATER governamental ocorre apenas em face da sua

proximidade ao produtor e por seu papel de instituição-ponte, como preconizado no modelo

conceitual do SNIA.

5.2.2. O papel da ATER e o perfil do extensionista: debate para o futuro que já começou

Esta seção, “Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil”, completa o seu

propósito discutindo características que poderiam ser incorporadas ao papel da extensão rural

e da assistência técnica e ao perfil do extensionista ou consultor técnico diante dos desafios e

transformações postos à agricultura brasileira.

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250

Para o desenvolvimento das discussões propostas, foram utilizados os insumos

produzidos nos capítulos anteriores, especialmente àqueles relacionados aos “países

selecionados”.

Preliminarmente, é relevante assinalar que o sentido basal das discussões sobre as

características sobre o papel da ATER e sobre o perfil do extensionista deve ser dado pelo

estabelecimento “ex ante” da natureza e dimensão do desafio a ser enfrentado.

Das discussões anteriores o que se constata é que, no caso brasileiro, um dos grandes

desafios nacionais é a necessidade de modernização de 3,9 milhões de estabelecimentos

rurais, promovendo a sua inclusão competitiva no mercado. Acrescente-se à complexidade

intrínseca do próprio desafio, a circunstância de que ele deverá ser enfrentado num ambiente

de incertezas quanto às alterações do clima e seu impacto na agricultura, de uma nova

dinâmica da modernização agrícola e de uma agricultura crescentemente multifuncional,

dentre outros fatores.

Extraiu-se também das lições anteriores que o desafio da modernização pretendida,

compõe um quadro de responsabilidades que envolve a articulação e a integração de um

conjunto de atores formadores do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), no qual

está aquele que se constitui no foco principal da atenção deste estudo, a ATER.

Na configuração do papel a ser desempenhado pelas organizações de ATER é

relevante resgatar a caracterização de organizações governamentais e não governamentais de

ATER. Nas primeiras, localizam-se aquelas entidades executoras, mantidas e operadas

diretamente pelos governos, a exemplo das organizações estaduais (Ematers e Oepas),

municipais ou federais (universidade, Ceplac, etc.). A grande maioria dessas organizações tem

como público preferencial a agricultura de base familiar.

No conjunto das organizações não-governamentais estão aquelas apoiadas ou não pelo

governo e que tem como público-alvo a agricultura familiar ou empresarial. Nesse caso, estão

as ONGs, as cooperativas, o SENAR, o SEBRAE, as representações de produtores

(federações, movimentos sociais, etc.).

Também no grupo das organizações não governamentais, estão as organizações que

prestam serviços de consultoria ou aconselhamento aos agricultores, sendo consideradas como

organizações prestadoras de serviços de “assistência técnica”. Nesse grupo, das não

governamentais, encontram-se também as agroindústrias, agroindústrias integradoras, os

escritórios de planejamento e assistência técnica, etc. Normalmente, os produtores pagam por

esses serviços.

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251

Assim, reforça-se a caracterização preliminar de que é razoável entender o papel da

ATER dividido em duas grandes vertentes: (i) assistência técnica e extensão rural e (ii)

assistência técnica. No caso da assistência técnica, o público que demanda esse serviço é

aquele cuja preocupação primeira é a elevação da competitividade do seu negócio,

independente do porte. Para essa vertente, o perfil do consultor técnico deve contemplar uma

visão do negócio agrícola, ou seja, pressupõe conhecimento na dimensão completa da cadeia

de valor (“antes”, “dentro” e “depois” da unidade produtiva). Na tentativa de agregar outras

características ao perfil desse consultor técnico, cabe reler as experiências dos países aqui

selecionados, pois permitem imaginar que é possível que a assistência técnica à agricultura do

Brasil venha a se deparar no futuro com o mesmo tipo de demanda ocorrida naqueles países.

O caso da França é exemplar. A necessidade crescente de competências relativas ao

conjunto de normas e padrões oriundos de toda comunidade europeia que diz respeito às

questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de saúde do

trabalho, dentre outras, conjunto ao qual os produtores têm que se adaptar e cumprir, impôs

um novo perfil aos consultores técnicos daquele continente.

O domínio por parte do consultor técnico de competências sobre a prospecção de

novos negócios, produtos ou serviços, assim como atração de novos empreendimentos

relacionados às cadeias agrícolas, características demonstradas pela experiência dos Estados

Unidos, aponta para a análise da possibilidade de um padrão semelhante de exigência no

perfil de um agente da assistência técnica do Brasil.

No caso da assistência técnica e extensão rural governamental ou não, entende-se

que a sua atividade prioritária é dirigida à agricultura de base familiar e o seu papel é, no caso

brasileiro, incluir de forma competitiva a grande maioria dos estabelecimentos familiares no

mercado.

Da experiência dos Estados Unidos origina-se a lição de que a extensão rural passou a

dedicar maior atenção às “necessidades mais amplas das famílias, quanto ao processo de

tomada de decisão, ao empreendedorismo, à gestão da produção e à organização

comunitária”, ou seja, uma postura essencialmente educativa, ampla e integrada. Da

experiência da França, além do controle da representação dos agricultores sobre a oferta dos

serviços de “vulgarisation agricole”, despontam a multifuncionalidade da agricultura e a

agricultura de base ecológica, aliadas a uma nova abordagem sobre desenvolvimento rural,

como elementos indutores de um novo perfil para o extensionista rural.

No Brasil, ao se considerar as experiências dos Estados Unidos, da França e a

dinâmica que envolve os desafios e as transformações presentes na agricultura, tudo isso

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observado numa perspectiva de demandas potenciais para a ATER, é inescapável pensar em

novas características para o perfil do extensionista brasileiro. Nessa linha de raciocínio, o

perfil “atualizado” do extensionista brasileiro exigirá deste profissional conhecimento e

iniciativa para, a exemplo da assistência técnica, prospectar, orientar e atrair novos negócios

ancorados nas possibilidades abertas pela multifuncionalidade da agricultura, pela agricultura

de base ecológica e pela pluriatividade das famílias e comunidades.

Todo o ambiente de transformações e desafios que permeia a atividade agrícola suscita

também a necessidade de se buscar no perfil dos extensionistas atributos até então pouco

debatidos, tais como: a habilidade para o estímulo ao empreendedorismo; desenvoltura na

articulação com organizações/representações de produtores; competência no trato das

questões de mercado e de marketing; competência técnica no manejo de questões ligadas às

mudanças climáticas e preservação ambiental; habilidade para lidar com a emergência da

liderança feminina nos negócios agrícolas; aptidão para o trato da abordagem territorial;

preparo técnico no conhecimento operacional de políticas agrícolas; familiaridade no uso de

novas ferramentas de trabalho disponibilizadas pelas TICs, como o monitoramento climático

por satélite para o auxílio do gerenciamento da crise hídrica, dentre outras aptidões.

De modo comum, tanto à ATER quanto à assistência técnica, o alerta da Embrapa

(2014) é especialmente atual e oportuno de referência ao se tratar de perfil técnico. Ou seja, a

crescente demanda por produtos agrícolas, inexoravelmente exigirá tecnologias mais

aperfeiçoadas para o uso racional dos recursos naturais, que irão ser submetidos a

regulamentos cada vez mais restritivos, circunstâncias que imporão ao técnico e ao ensino a

necessidade de formação mais sofisticada e atualizada permanentemente.

Elementos, portanto, elegíveis de fazerem parte da agenda de discussão das

organizações de pesquisa, ensino e de extensão rural, compondo, assim, o quadro de

características passíveis de incorporação no perfil de extensionistas e consultores técnicos.

Por último, não parece pretensioso afirmar que o debate sobre as características passíveis de

incorporação a um novo perfil do extensionista ou do consultor técnico aqui tratadas, dada a

sua complexidade, deve envolver o concurso de outros atores, especialmente daqueles do

domínio da “Pesquisa agrícola e Sistema educacional”, incumbidos de conceber a agenda de

pesquisa e o conteúdo dos currículos profissionais, discutidos no interior da abordagem dos

SNIA, no capítulo 2.

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253

CONCLUSÃO

O conjunto dos argumentos aqui apresentados envolveu a análise do ambiente no qual

interagem o ator central das preocupações deste estudo, a ATER, e os demais atores

responsáveis pelo processo de modernização da agricultura, com destaque especial à pesquisa

agrícola, identificando-se as principais transformações em curso e os desafios mais

importantes que esse ambiente impõe aos atores aqui eleitos.

A conjunção de todos esses elementos permitiu elaborar um conjunto de conclusões, a

seguir detalhadas, que não têm a pretensão de serem definitivas, mas de criarem outros

espaços de reflexão para o futuro da ATER governamental no Brasil.

Inicialmente, é importante reconhecer, à luz do conjunto de elementos aqui discutidos,

que ATER do Brasil sofreu críticas de diferentes matizes ao longo de sua história de quase 70

anos de existência. As críticas caminhavam desde o “assistencialismo alienador”, passando

pelo “produtivismo funcional ao capital”, pelo “descompromisso com os segmentos mais

vulneráveis da agricultura”, pelo “apoio cético e instrumental à Revolução Verde” e a

“contribuição à degradação ambiental”, sendo até apontada como um dos principais

responsáveis pelo “atraso tecnológico” da agricultura familiar brasileira.

A propósito do atraso tecnológico, Buainan (2014) ressalta que suas causas vão além

da questão tecnológica, sendo este apenas um risco a que está submetida a atividade

agropecuária, para ele a razão maior está na própria dinâmica da inovação. Os demais riscos

(político-institucional, financeiro, sanitário, associado à logistica e sociais) estão associados a

essa dinâmica e ao próprio SNIA, na medida em que:

(...) enfrentar tantos riscos não é tarefa de uma instituição isolada; ela exige a

participação de muitos outros atores, que operam ou deveriam operar um verdadeiro

sistema nacional de inovação em um pais como o Brasil. O setor privado tem tido

um papel tão estratégico quanto a Embrapa, mas nem sempre reconhecido, e as

vezes até desestimulado. Universidades e institutos estaduais de pesquisa são

também atores relevantes, mas trabalham separadamente, sem maiores articulações

entre si, mesmo quando respondem diretamente a demanda dos próprios produtores.

Finalmente, a heterogeneidade da agricultura brasileira está a cobrar mecanismos

mais eficazes de transferência de tecnologia e de promoção da inovação para os

milhões de retardatários. (BUAINAIN, 2014, p. 206)

A compreensão da dinâmica da inovação na agricultura (seja tecnológica,

organizacional ou institucional), observada sob a perspectiva da abordagem do Sistema

Nacional de Inovação Agrícola desenvolvida no capítulo 2, aliada aos elementos recolhidos

das experiências dos países visitados, capítulo 4, permitem identificar que, de fato, a ATER

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governamental no Brasil atravessou e atravessa persistentes crises. Estas, grande parte de

origem externa e outras de âmbito interno ou doméstico, tiveram e continuam tendo a

capacidade de fragilizar a ATER governamental de modo agudo, na maioria das unidades da

federação.

Mas, por outro lado, esse mesmo respaldo teórico do SNIA possibilita concluir que a

ATER governamental brasileira, embora desfrute de uma responsabilidade diferenciada dos

demais atores do SNIA, derivada das suas funções e papéis, características de uma

“instituição-ponte”, não é capaz de, individualmente, produzir todos esses resultados

inspiradores das críticas que lhe são atribuídas.250

Isso porque a plenitude da ação da ATER apenas ocorre a partir do concurso de outros

atores. Esse fato não exime a ATER governamental das suas responsabilidades institucionais

e funcionais, as quais, ao não serem bem executadas ou ausentes, também comprometem o

desempenho não apenas daqueles atores envolvidos diretamente com a ATER (crédito,

pesquisa, governança...), mas, também, produzem efeitos negativos em todo o processo de

modernização da agricultura.251

Para se evitar generalizações imprecisas, é importante registar que o raciocínio acima

não se aplica a uma parte da agricultura familiar brasileira, que é beneficiada pelos serviços

de assistência técnica privada, prestados por cooperativas ou por organizações privadas, a

exemplo dos complexos agroindustriais de aves ou suínos. Estes complexos mantêm sob o seu

comando e controle outras variáveis determinantes do sucesso do negócio, como por exemplo:

insumos, crédito, processamento, logística de transporte, sistema de produção,

comercialização e a própria assistência técnica. O domínio do complexo sobre tais variáveis,

minimiza sensivelmente as dificuldades de governança e coordenação tão presentes em outras

cadeias produtivas. Trata-se, portanto, de uma modalidade de assistência técnica distinta da

ATER governamental, centro da atenção principal desta tese.

Ao se considerar o expressivo contingente de estabelecimentos agropecuários

brasileiros que está à margem do processo de modernização agrícola é razoável concluir, de

início, que o conjunto dos atores do SNIA não cumpriu adequadamente o seu papel, inclusive

a ATER. Se, como visto, uma expressiva maioria desses estabelecimentos não teve acesso aos

serviços governamentais de ATER, como esperar resultados positivos dos outros instrumentos

250

Principais funções de uma “instituição-ponte": operar a difusão de inovação; capacitar e mobilizar produtores;

viabilizar importantes instrumentos de política pública (não apenas agrícola), articular atores públicos e privados,

dentre outras. 251

Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, 76% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil não

receberam orientação técnica de qualquer natureza, pública ou privada.

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255

de política se o agente responsável por viabilizar/articular esse acesso não estava disponível

para a grande maioria dos estabelecimentos rurais familiares?

Em essência, a ideia aqui desenvolvida parte das constatações teóricas e daquelas

recolhidas das experiências visitadas nos países selecionados, segundo as quais um sistema de

geração e difusão de inovações tecnológicas para a agricultura para ser efetivo deve estar

organicamente inserido na política de desenvolvimento do país e, por decorrência, na sua

política de ciência, tecnologia e inovação. Desse modo, a ausência de ATER governamental e

de outros instrumentos de política agrícola para um contingente expressivo e majoritário de

estabelecimentos agropecuários pode significar a falta de prioridade de tais políticas à

agricultura familiar.

No Brasil, a inexistência de uma política de desenvolvimento rural, harmonizada com

os objetivos de uma política de CT&I que dialogue com o SNIA, concorreria para reduzir os

resultados daquilo que se poderia denominar de “contradições da política agrícola”. Ou seja,

de um lado, a disponibilidade dos serviços de geração de conhecimento, de assistência

técnica, de crédito rural, de políticas de reforma agrária, de preços de garantia da produção, de

aquisição de produtos e insumos agrícolas, de zoneamento e de seguros etc.; e, do outro lado,

a existência de 3,9 milhões de estabelecimentos rurais excluídos do processo de modernização

tecnológica.

Reforçando esse mesmo sentido, Furtado (1987, p. 242), ao analisar a formação

econômica do Brasil, antevia que:

O processo de integração econômica dos próximos decênios, se por um lado exigirá

a ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas regiões, por

outro requererá uma visão de conjunto do aproveitamento dos recursos e fatores no

país. A oferta crescente de alimentos nas zonas urbanas, exigida pela

industrialização, a incorporação de novas terras e os traslados inter-regionais de mão

de obra, são aspectos de um mesmo problema de redistribuição geográfica de

fatores.

Na compreensão deste estudo, o autor se referia aos desafios de longo prazo a serem

exigidos pelo processo de desenvolvimento, ao mencionar o “processo de integração

econômica”, que exigiria a necessidade de uma “visão de conjunto” do país. Em seguida, ao

destacar a necessidade de “ruptura das formas arcaicas de aproveitamento dos recursos”,

indicava a estratégia a ser seguida pelo modelo de desenvolvimento, que significava

valorização da política de ciência e tecnologia ou, no plano mais específico, a introdução do

progresso técnico na agricultura, por exemplo. Portanto, ambas as visões são convergentes ao

entender que a prioridade à CT&I deriva de uma decisão política mais ampla sobre os rumos

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256

do processo de desenvolvimento desejado pelos países e, nesta prioridade, para o caso da

agricultura, está necessariamente presente a valorização da pesquisa agrícola e da extensão

rural, como pressupostos para progresso técnico da agricultura.

Spielman & Birner (2008), ao descreverem a sua concepção de Sistema Nacional de

Inovação Agrícola, atribuem à “Articulação com a Política de Ciência, Tecnologia e

Inovação” o mesmo nível de importância às “Articulações com outros setores econômicos” e

às “Articulações com atores internacionais”. Ainda de acordo com a abordagem, essas três

categorias de articulações exercem uma influência direta sobre as “Políticas de Inovação e de

Investimentos”, repercutindo suas decisões e atitudes, num movimento recíproco de

relacionamento sobre os “domínios do conhecimento e da educação”, nos quais se localiza a

pesquisa agrícola, e sobre o “domínio das instituições-ponte”, no qual se verifica a presença

dos sistemas de extensão agrícola, quer sejam públicos, privados ou de outra natureza.

No Brasil agrícola, duas situações antagônicas – uma de extrema modernização (500

mil estabelecimentos rurais) e outra de marginalização tecnológica (3,9 milhões de

estabelecimentos) – revelam uma política de desenvolvimento incapaz de integrar a grande

maioria dos seus estabelecimentos rurais na dinâmica do desenvolvimento agrícola ou

rural.252

Desse paradoxo, o que de se pode concluir é que o sistema não vem operando como

um verdadeiro sistema, inexistindo, dentre outros atributos, articulação, governança e

harmonia entre as políticas de desenvolvimento, de CT&I e de ATER, alvo do interesse desta

tese. Para confirmar essa assertiva, Mendes et al. (2015) ao analisarem a performance recente

do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), coordenado pela Embrapa, concluem

que: “a consequência é a pouca governança efetiva e a execução de um trabalho desarticulado,

pelos agentes do SNPA” (MENDES et al., 2015, p. 176). Esse desempenho exerce

repercussão direta sobre as ações de ATER, por exemplo.

Decorre daí que, dadas as responsabilidades da ATER e a sua proximidade ao produtor

rural, mais que outro ator, o que se pode deduzir é que as fragilidades do sistema apontadas

impactam de modo mais forte a ATER do que os demais atores do SNIA, o que pode

justificar a frequente responsabilização da ATER governamental pelo atraso da agricultura de

base familiar, seu público preferencial de atuação.

252

Reitera-se aqui a afirmação de Buainain et al. (2013), segundo a qual o desempenho da agricultura brasileira

foi positivo, embora reconheçam que o modelo produziu, por outro lado, um “processo discriminatório quanto às

regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos beneficiários” (BUAINAIN et al., 2013, p. 108).

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257

No plano interno ou doméstico da ATER, a reflexão a ser feita a seguir leva em

consideração as discussões anteriores e confronta o conjunto dos desafios com a capacidade

de a ATER incorporá-los como elementos estratégicos de atuação. Ou seja, as reflexões a

seguir buscam resposta à seguinte indagação: à luz dos desafios eleitos e analisados ao longo

desta tese, como se posiciona a ATER governamental do Brasil? Está estruturada para superá-

los? Pode ser considerada uma ATER moderna?

Como preliminar, entende-se que a ATER será moderna hoje na medida em que

possa contribuir efetivamente para a redução da pobreza, para a segurança alimentar, para a

preservação do meio ambiente, para responder a novas demandas (como as relativas aos

biocombustíveis – especialmente a produção de biodiesel, para dar apenas um exemplo),

considerando um cenário de incertezas climáticas. Como resultado, e com o concurso de

outras políticas e de uma orgânica integração com a pesquisa agrícola e com o ensino, espera-

se da ATER moderna uma contribuição eficaz para a inclusão competitiva daquelas unidades

produtivas que se encontram à margem do processo de desenvolvimento agrícola. Como

estratégia central, a ATER moderna deverá privilegiar a difusão dialógica de inovações,

utilizando como ferramentas prioritárias as Tecnologias da Informação e Comunicação na sua

aplicação mais abrangente.

Em sequência, no sentido de se refletir sobre a indagação relativa à estruturação da

ATER governamental brasileira, elabora-se o encontro analítico do conjunto dos oito

principais desafios identificados com a capacidade de a ATER governamental vir a superá-

los. Para tanto, julgam-se pertinentes as seguintes considerações, relacionadas a cada um dos

principais desafios eleitos.

Os impactos das mudanças climáticas sobre a pobreza, a segurança alimentar e a

ATER

As mudanças climáticas e os seus impactos sobre a agricultura e, por decorrência,

sobre a contribuição na redução da pobreza e na promoção da segurança alimentar parecem

ser um dos grandes desafios a ser considerado nas políticas de pesquisa agrícola e ATER

desde “ontem”, como já fazem alguns dos países selecionados.

A possibilidade de mudanças drásticas na disponibilidade e distribuição de água e de

redução das colheitas colocam elementos de extrema importância nas estratégias dos dois

serviços em todo o mundo. No caso do Brasil, há a perspectiva de o aquecimento ampliar-se a

áreas de altas latitudes, incluindo-se aí os hemisférios norte e sul, exigindo novos padrões de

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258

agricultura compatíveis com as novas temperaturas, além dos novos padrões de umidade e de

stress de água. A possibilidade de impactos sobre as regiões semiáridas do planeta adiciona

um elemento de preocupação ainda maior para o Brasil, que se localiza na região semiárida do

nordeste brasileiro. Sobre esse tema, é absolutamente claro e grave o que descreve o estudo de

Marengo et al (2011, p. 415):

Mudanças climáticas no Brasil ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à

água. A combinação das alterações do clima na forma de ausência ou escassez de

chuva acompanhada de altas temperaturas e altas taxas de evaporação e com

competição por recursos hídricos pode levar a uma crise potencialmente catastrófica,

sendo os mais vulneráveis a população mais carente, como os agricultores do

semiárido.

Embora o semiárido brasileiro não seja homogêneo, abrigando situações

agroclimáticas diferenciadas, é nesta região onde se concentra um elevado número de

estabelecimentos rurais. No total, mais de 1,7 de milhão de estabelecimentos agropecuários,

quase 33% em relação ao total no país, e mais de 6,3 milhões de pessoas ocupadas na

agropecuária, 38,3% do total do país, segundo o Censo Agropecuário de 2006. Estes, em sua

imensa maioria, estabelecimentos de base familiar, que estão à margem do processo de

tecnificação agrícola. Ou seja, hoje, esse grupo de estabelecimentos já se constitui em um

desafio monumental, que acrescido da perspectiva dos impactos das mudanças climáticas

torna-se um desafio dramático para toda a sociedade, em especial para a pesquisa e ATER

públicas.

De modo mais específico, o estudo de Marengo et al. (2011, p. 414) apresenta

prováveis impactos das mudanças climáticas no nordeste semiárido, em dois cenários, um

otimista e outro pessimista, identificados a partir dos resultados do Relatório de Clima do

INPE:

- aumento de 3 ºC ou mais na temperatura média e reduções nas chuvas de até 3 a 4

mm dia (20 a 50%) deixariam bem mais secos os locais que hoje têm déficit hídrico

agravando ainda mais a seca no semiárido;

- uma frequência maior de dias secos consecutivos e de ondas de calor decorrente do

aumento na frequência de veranicos;

- alto potencial para evaporação no Nordeste, combinado com o aumento de

temperatura, causaria diminuição da água nos lagos, açudes e reservatórios e nas

vazões dos rios, levando a uma redução da produção de energia elétrica nas usinas

do rio São Francisco;

- a área atualmente ocupada pelo semiárido poderia estender-se geograficamente no

futuro, de forma particular na região que compreende o norte da Bahia, o leste do

Piauí e o oeste de Pernambuco;

- o semiárido nordestino ficaria vulnerável a chuvas torrenciais e concentradas em

curto espaço de tempo, resultando em enchentes e graves impactos sócio ambientais;

- a produção agrícola de subsistência de grandes áreas pode tornar-se inviável,

colocando em risco a própria sobrevivência da população;

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259

- a caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com

predominância de cactáceas; e

- as mudanças climáticas podem ter impactos sociais e econômicos graves, como

aumento do desemprego, especialmente no setor agrícola, problemas de saúde e

aumento de migração para áreas urbanas da região ou para outras regiões.

Em importante relatório, o Banco Mundial (2014) produziu o mais grave alerta acerca

das mudanças climáticas e seus efeitos sobre a agricultura mundial, de modo particular sobre

o Brasil. Em face da sua contundência, o seu teor também merece o destaque da citação a

seguir:

Os riscos de redução da produtividade agrícola e perdas de produção crescem

rapidamente com um aquecimento acima de 1,5°C a 2°C. Nas regiões do Oriente

Médio e África Setentrional e da América Latina e Caribe, caso não haja novas

adaptações, devem ocorrer fortes reduções do potencial produtivo em um cenário

com aquecimento em torno de 2°C. Por exemplo, uma queda de 30% a 70% na

produtividade da soja e um recuo de até 50% no caso do trigo no Brasil, uma

diminuição de 50% do trigo na América Central e Caribe e uma redução de 10% a

50% dessa mesma cultura na Tunísia. (WORLD BANK, 2014, p. 3).

As projeções indicam que a maioria das regiões áridas ficará ainda mais seca, e

maioria das regiões úmidas ficará mais úmida. As reduções na precipitação chegam

a até 20% a 40% no Caribe, América Central, região central do Brasil e Patagônia na

hipótese de 4°C de aquecimento. As condições de secura devem aumentar em mais

de 20%. Se o aquecimento foi limitado a 2°C, as projeções apontam para uma

redução significativa do risco de secas: para um aumento de 1% dos dias com

condições de secura no Caribe e um aumento de 9% no caso da América do Sul. Ao

mesmo tempo, um aumento da frequência e intensidade das ocorrências de extremos

de precipitação é projetado especialmente para o litoral tropical e subtropical do

Pacífico e para o sul do Brasil. (WORLD BANK, 2014, p. 6)

Um exemplo é o declínio da produtividade do trigo na América Central e Caribe,

que pode chegar a até quase 70%. Isso implica que a mudança climática ameaça não

apenas os pequenos produtores e as comunidades rurais e indígenas, mas também os

produtores de commodities (soja, milho) em larga escala, os fazendeiros e o

agronegócio, com repercussões negativas para a segurança alimentar e os preços dos

alimentos na região e fora dela. (WORLD BANK, 2014, p. 9)

Considerando as dificuldades estruturais com que se depara a ATER governamental

aqui analisadas, não se percebe no ATER um movimento nacional forte de estruturação e de

planejamento de médio e longo prazos para enfrentar esse desafio que já apresenta mostras

de estar presente na realidade brasileira: “a seca que assolou a região semiárida nordestina nos

anos 2011 a 2013 foi considerada a mais drástica dos últimos 50 anos, conforme a ONU”. 253

Em harmonia com o que pensa a FAO (2013), esse é um desafio extraordinário para a política

253

Essa mesma fonte adverte que a previsão das Nações Unidas é de que até 2030 quase metade da população

mundial estará vivendo em áreas com grande escassez de água. “Já identificamos a tendência de que as

temperaturas se elevam no mundo acima do normal. Em novembro de 2012 tivemos o mês de número trezentos e

trinta e três em que as temperaturas subiram, seguidamente, acima do normal no século” (ONU). Disponível em:

<http://www.onu.org.br/pior-seca-dos-ultimos-50-anos-no-nordeste-brasileiro-confirma-estatisticas-da-onu-

sobre-escassez/ >. Acesso em: 20 mai. 2014.

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260

de CT&I, para os governos e para a sociedade; para os serviços de pesquisa e de extensão

rural uma responsabilidade vital para as próximas décadas.

A relevância do desafio da segurança alimentar e da redução da pobreza num cenário

de mudança climática, dada a sua urgência e possibilidade de impactos dramáticos, instiga a

todos em pensar e contribuir nas melhores estratégias para o seu enfrentamento. A propósito,

em recente relatório patrocinado pelo Word Bank, Hallegatte et al. (2017) afirmam que a

América Latina e o Caribe são uma das regiões do mundo mais prejudicadas pelas inundações

e secas severas provocadas pelas mudanças climáticas. Em média, as perdas causadas por

esses fenômenos chegam a 84 bilhões de dólares por ano. O fenômeno é agravado para os

pobres, tendo em vista que os desastres naturais produzem elevação nos preços dos alimentos,

produtos que por consomem a maior parte da renda dessas pessoas.

Nessa perspectiva, os elementos aqui reunidos devem ser percebidos como uma

contribuição ao debate para a superação do desafio. Ou seja, uma sinalização aos serviços de

ATER governamental que, ao formularem suas estratégias de enfrentamento, não devem

deixar de levar em conta: em primeiro lugar, entender que esse desafio se coloca no âmbito

das políticas nacionais, e não no âmbito setorial de um ou de outro ator. Em segundo lugar,

mesmo sob o comando de uma política nacional que estabeleça prioridade absoluta ao

enfrentamento do desafio, o esforço de todos não admite individualizações; no caso

específico, pesquisa, ATER, ensino e iniciativa privada convém caminharem de forma

articulada, mesmo com objetivos e metas correspondentes à ação de cada ator. Em terceiro

lugar, a organização dos produtores, em cooperativas, associações, condomínios, ou qualquer

outra forma associativa, parece ser a estratégia central que deve anteceder às demais,

permitindo ganhos de escala das iniciativas, racionalidade e agilidade na prestação de serviços

e garantir o protagonismo do público beneficiário. Em quarto lugar, a decodificação de

planos de trabalho conjuntos, porém com responsabilidades individuais, que estabeleçam

áreas e público prioritários de atuação (seguramente não haverá recursos para todos),

monitoramento permanente de experiências nacionais e internacionais relacionadas, criação

de núcleo de inteligência estratégica e criação de um sistema de avaliação e reprogramação

em tempo real. No entanto, antecede à ação operativa a reestruturação institucional dos

atores governamentais, em especial a ATER, no sentido do estabelecimento das condições

funcionais de trabalho adequadas à dimensão do desafio, relativas à qualificação de pessoal,

equipamentos, gestão e recursos financeiros, dentre os centrais.

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261

A multifuncionalidade da agricultura e a capacidade da ATER para enfrentar os

desafios decorrentes

Nos países selecionados, acrescidos do Brasil, o que se vislumbra até então são

transformações profundas por que passam a agricultura e o processo de desenvolvimento rural

que, naturalmente, produzem (ou deveriam produzir) impactos consideráveis nos serviços de

pesquisa, de extensão rural e no sistema de ensino. Tais impactos, em última instância,

também se transformam em grandes desafios a serem enfrentados.

O primeiro desses desafios, uma espécie de antevisão que vem dos países

selecionados, trata-se do padrão multifuncional que vem assumindo a agricultura não apenas

na França, mas em toda a Europa. Esse fenômeno vem acompanhado de uma abordagem

denominada de uma “nova ruralidade”, que emerge da crise do modelo produtivista de

modernização agrícola e das transformações recentes do meio rural dos países avançados

(KAGEYAMA, 2008, p. 21).254

Embora sendo um fenômeno de caráter europeu, que tem

exigido novos conteúdos e estratégias da pesquisa e da extensão, já há sinais de sua presença

na realidade brasileira. Os principais elementos que caracterizam a “nova ruralidade”,

recolhidos por Kageyama (2008) da obra de Maria Nazaré Wanderley255

são: (i)

diversificação social- o rural passa a ser atrativo para categorias sociais urbanas, com fins

produtivos, residenciais ou preservacionistas; (ii) relações de complementaridade com o

urbano, ao invés de antagonismo; (iii) crescimento demográfico pela redução da migração

para a cidade e pelos fluxos de atração; (iv) modernização rural - pela elevação das rendas e

pelo acesso às facilidades e conforto de produtos e serviços outrora exclusivos das cidades;

(v) valorização dos patrimônios natural e cultural, que passam a ser fontes de emprego e renda

para a população local (desenvolvimento); (vi) novos papéis aos agricultores que passam a ser

“agricultores territoriais”. Dado o interesse desta pesquisa por “esses novos papéis”, além

daqueles já citados, pois vão demandar estratégias diferenciadas dos serviços de pesquisa e

extensão e do sistema de ensino, vale a citação na íntegra:

Entre as novas exigências do desenvolvimento rural estão a oferta de empregos para

a população rural, a segurança alimentar e a garantia da qualidade de produtos, bem

como a proteção ambiental. Os agricultores deverão contribuir ainda para a

construção e fixação das paisagens rurais e para a guarda e reprodução das tradições

culturais rurais, estendendo suas atividades profissionais para além do núcleo

254

“O conceito de multifuncionalidade responde à ideia de que a atividade agrícola assegura simultaneamente

‘funções’ econômicas, sociais, espaciais e ambientais” (KAGEYAMA, 2004, p. 386). 255

Trata-se do estudo “A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas, ‘o rural’

como espaço singular e ator coletivo”, publicado no ano 2000.

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262

produtivo agrícola, tornando-se polivalentes e pluriativos. (KAGEYAMA, 2008, p.

21)

Para o caso brasileiro, Kageyama (2008), utilizando dados da PNAD/2005, apresenta

“Indicadores de Pluriatividade no meio rural para o Brasil e Unidades da Federação”, segundo

os quais, o Brasil possuía 18,4% de domicílios pluriativos, 28% de ocupações não agrícolas e

44,7% dos rendimentos oriundos do trabalho não agrícola. O conjunto de dados trabalhados

levou a autora a concluir que:

A pluriatividade, considerada como uma forma avançada de desenvolvimento

rural e decisiva na redução da pobreza nos países desenvolvidos, não parece

atualmente uma rota promissora para a superação dos problemas enfrentados pelo

desenvolvimento rural da maioria das regiões Brasileiras, apesar do crescimento da

população não agrícola no meio rural nas duas últimas décadas. (KAGEYAMA,

2008, p. 197; grifo nosso)

Adiciona-se à conclusão da autora, o seu argumento de que a atividade agropecuária

ocupa a grande maioria da população rural brasileira, 71% do total de ocupados, embora os

empregos rurais não agrícolas sejam de baixa qualidade, na maioria das regiões, mesmo

assim, os indicadores de pluriatividade já são visíveis no Estados do Rio de Janeiro e São

Paulo (KAGEYAMA, 2008, p. 201).

A crise pela qual ainda passa a Europa deve ter repercutido ainda mais nos padrões

desse novo desenvolvimento rural. As políticas de desenvolvimento, de CT&I e, por

decorrência, de pesquisa e de ATER devem também ter assumido estratégias diferentes para

inserir nos seus cenários a crise recente e que ainda persiste, embora em menor grau.256 Esta é

uma lição importante para a reflexão das políticas de desenvolvimento do Brasil.

Nessa direção, aqui no Brasil, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

(PNPB) iniciado em 2004, que tinha como objetivo “a implementação de forma sustentável,

tanto técnica, como econômica, da produção e uso do biodiesel, com enfoque na inclusão

social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda”, parece se constituir

no exemplo mais didático para necessidade de se refletir sobre as políticas de desevolvimento

e suas eventuais contradições.

256

Em comunicado recente, maio de 2015, a Comissão do Parlamento Europeu e outros órgãos informaram que

embora a situação de crise mais grave esteja desaparecendo, mesmo assim a União Européia ainda enfrenta

deficiências subjacentes, como resultado da crise e as tendências de crescimento de longo prazo ainda são

baixas. A situação do emprego está melhorarando gradualmente, devido às reformas implementadas em vários

Estados-Membros nos últimos anos, mas a taxa de desemprego ainda é intoleravelmente alta (9,6%),

adicionalmente, a pobreza e marginalização aumentaram. (Fonte: Communication from the Commission to the

European Parliament, the Council, the European Central Bank, the European Economic and Social Committee,

the Committee of the Regions and the European Investment Bank- Brussels, 13/05/2015, disponível em:

<http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/csr2015/eccom2015_en.pdf>. Acesso em 31 ago. 2015).

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263

Duas das principais diretrizes do PNPB eram: (i) a garantia de preços competitivos,

qualidade e suprimento; e (ii) a produção de biodiesel a partir de diferentes fontes oleaginosas

fortalecendo as potencialidades regionais para a produção de matéria prima. A expectativa

inicial gerada foi a de que os produtores familiares de mamona da região nordeste, por

exemplo, (maior produtora nacional) seriam grandes beneficiados pelo Programa, atendendo,

assim, aos objetivos de inclusão social e de redução das desigualdades regionais.

No entanto, segundo Sampaio e Bonacelli (2016, p. 12) o que se pode verificar com o

desenvolvimento do Programa é um distanciamento crescente dos seus objetivos iniciais,

apesar do aumento da produção de biodiesel no país257

:

A soja responde por cerca de 75% da produção brasileira de biodiesel, seguida do

sebo bovino com 20% e o restante fica com o algodão e outros materiais graxos.

Essa composição determina a distribuição da produção com destaque para os estados

importantes na produção de soja, como Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás,

frustrando as expectativas iniciais do programa. (SAMPAIO; BONACELLI, 2016,

p. 12)

Para as mesmas autoras, esse quadro revela a necessidade da construção de condições

tecnológicas e econômicas para a diversificação das matérias-primas na produção de

biodiesel, o que ratifica o desafio permanente que se coloca para a pesquisa agrícola, extensão

e o ensino, além da necessidade de maior organização dos produtores familiares, no sentido

de reivindicar os compromissos dos demais instrumentos de política preconizados pelo

programa.

O exemplo do PNPB reforça a ideia da necessidade de o Brasil conceber políticas

agrícolas e de desenvolvimento consentâneas com os grandes desafios globais (aquecimento

global) e ajustadas aos desafios nacionais (inclusão competitiva da agricultura familiar e

redução das desigualdades regionais). Essa decisão política, por decorrência, promoveu

alterações no planejamento interno da pesquisa e da ATER, no sentido de ajustar-se às

políticas. Mas, por outro lado, o exemplo do PNPB, também evidencia que a concepção e a

execução de políticas contemporâneas não asseguram o alcance pleno dos objetivos

propostos, frustrando, de algum modo, o esforço da pesquisa e minando a credibilidade da

ATER, na medida em que esta assumiu o papel “porta voz” do programa junto aos

agricultores familiares das regiões deprimidas.

257

No Brasil, a produção de biodiesel passou de 69 mil m³ (2006) para 3,9 milhões m³ (2015). Em 2015, as

regiões Centro Oeste (44,4%) e a Sudeste (38,4%) contribuíram com mais de 82% da produção nacional. (Fonte:

ANP. Disponível em:< http://www.anp. gov.br/wwwanp/publicacoes/anuario-estatistico/2441-anuario-

estatistico-2016#Seção 4 ¿ Biocombustíveis>. Acesso em 26 mai. 2017).

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264

O conjunto de elementos abordado acima poderia se constituir em um dos caminhos

estratégicos para se lidar com os novos desafios da multifuncionalidade, da agricultura

familiar inclusiva, da presença da mulher na liderança das decisões da unidade produtiva, da

presença das novas disciplinas como aquelas de base ecológica, da questão ambiental, e da

biossegurança, dentre outras, tanto no âmbito privado quanto público.

Ainda com relação ao plano interno, e continuando-se no cotejamento da capacidade

endógena de a ATER governamental enfrentar os desafios postos, cabe a ela um esforço

relevante no sentido de superar antigos obstáculos a uma prática mais moderna, mas que

parecem consolidados na cultura da ATER brasileira. Dentre esses "obstáculos consolidados",

os mais relevantes são analisados a seguir.

A desarticulação entre os Sistemas Educacional, de Pesquisa e de Extensão

De acordo com abordagem do SNIA, o conjunto dos atores que caracteriza o “domínio

do conhecimento”, no qual estão presentes a Pesquisa Agrícola e o Sistema Educacional

(ensino fundamental e técnico), articula-se, numa dimensão dentre várias outras, com os

atores do “domínio dos negócios e das empresas”, por intermédio das “Instituições-ponte”,

caracterizadas como sendo os “canais políticos”, a “plataforma de stakeholders”, as “cadeias

de valor” e o “sistema de extensão”.

No diagrama conceitual proposto por Spielman & Birner (2008) para o SNIA, cabe às

“Instituições-ponte” manter e ampliar fluidez dos movimentos entre o “domínio do

conhecimento” e o “domínio dos negócios e das empresas”. O mesmo diagrama possibilita

visualizar e compreender as articulações que se fazem entre organizações constituídas

individualmente, sendo necessária, portanto, a presença de atores que estabeleçam as “pontes”

entre os dois domínios, daí a razão das “Instituições-ponte”. Assim, fica evidente que o

modelo discutido pelos dois autores é aquele que retrata a grande maioria dos modelos de

sistemas educacionais, dos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural existentes no

mundo, constituídos em organizações individualizadas. Compreende-se, assim, que as

eventuais dificuldades de integração face ao modelo individualizado são superadas por

intermédio da atuação das "Instituições-ponte".

Entretanto, a literatura é abundante ao identificar casos em que as articulações entre

os três atores (Sistema Educacional, a Pesquisa e a Extensão) são precárias e frágeis,

quando não existentes. No presente estudo, são exemplos dessa afirmação os casos da

Argentina, África do Sul e Brasil, além da existência de casos generalizados de falta de

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265

integração constatados nos 89 projetos de desenvolvimento agrícola, liderados pelo Banco

Mundial em 34 países (PURCEL; ANDERSON, 1997, pp. 19-24).

Dos países selecionados, chama-se atenção para o modelo cooperativo de extensão

rural adotado pelos Estados Unidos, criado desde a sua origem sobre o fundamento da

articulação orgânica entre Ensino, Pesquisa e Extensão, cuja matriz do modelo residiu nas

instituições Land-grant colleges. Ao longo dos seus mais de 100 anos de existência, o modelo

dos Estados Unidos, com já mencionado aqui, mostrou-se sólido, estável técnica e

financeiramente. Além disso, o modelo apresentou uma das mais importantes características

de sustentabilidade institucional que é a flexibilidade para compreender e adotar princípios,

objetivos e estratégias renovados, frente aos novos desafios que foram colocados para a

agricultura estadunidense no curso desse mais de um século de existência do serviço

cooperativo de extensão. Mesmo com razões sobejamente positivas, não se cogita aqui propor

a reprodução do modelo dos Estados Unidos a todos os demais países, pois cada contexto é

permeado de particularidades de replicação improvável, mas, por outro lado, não se pode

deixar de constatar que o modelo dos Estados Unidos, que integra sob um mesmo marco

conceitual e institucional o ensino, a pesquisa e a extensão tem dado demonstração de

longevidade, superação e eficácia. Considerando-se, é claro, o contexto histórico, econômico,

social, cultural e político no qual cresceu e se desenvolveu.

Uma outra vertente dessa mesma dimensão que trata da articulação orgânica entre o

sistema educacional, a pesquisa e a extensão pode ser observada nos casos da Argentina e do

Brasil. No caso da Argentina, o INTA é a organização federal que coordena e abriga os

serviços públicos de pesquisa agrícola e de extensão, em todo o país, desde a sua origem.

Sistema que tem presença física em todo o território, por intermédio de estações

experimentais e unidades locais ou regionais. Mesmo abrigando os dois serviços em única

organização, as preocupações e recomendações com a integração entre ambos são

permanentes em todas as fontes oficiais consultadas, ou seja, mesmo constituindo-se numa

única organização, essa condição não garante a tão almejada integração orgânica entre

pesquisa agrícola e extensão.258

Aqui pode ser relembrada a experiência da China, que, de

acordo com o relato de Helene Dillard, à extensão rural caberia beneficiar 900 milhões de

produtores rurais, que representam 70% da população total do país. A reforma, financiada e

liderada pelo governo, priorizou a integração da pesquisa agrícola, da extensão e da educação,

nucleadas em 11 universidades rurais. Como resultados imediatos da reforma tem-se o

258 Disponível em: <http://webiica.iica.ac.cr/bibliotecas/repiica/B2007e/B2007e.pdf>. Acesso em 09 mai. 2017.

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266

aumento das práticas de demonstrações de novas tecnologias para produtores em estações

experimentais, o aumento de escolas agrícolas e de centros de treinamento, o incremento do

uso das tecnologias de comunicação para beneficiar produtores com dificuldades de acesso,

dentre outras (DILLARD, 2009, p. 29).

Na Europa, o constante movimento por que passa a agricultura exige também uma

dinâmica de respostas também imediatas, especialmente da assistência técnica, da pesquisa e

do ensino. Ou seja, a articulação desses três atores é cada vez mais exigida e necessária, caso

contrário serão superados por outros atores capazes de prover respostas mais rápidas, de

qualidade e de menor custo. A exemplo do surgimento de inúmeras organizações privadas ou

não governamentais que ocupam lugares outrora ocupados por entes públicos, tais como as

cooperativas, os serviços privados de ATER ou aqueles prestados por ONGs, etc.

pesquisadores e técnicos ligados à assistência técnica terão que conhecer as novas

demandas impostas e construir novos conhecimentos e inovações para serem

discutidos, validados e integrados aos vários sistemas de produção existentes e aos

vários públicos a que se destinam: pequenos e grandes produtores, produtores "part-

time" e "full-time", produtores de produtos orgânicos e convencionais, jovens e

mulheres produtores, enfim, para cada público ou cada sistema de produção há

necessidade de um planejamento e uma estratégia específicos. Em resumo, isso

significa um extraordinário ambiente de mudanças em permanente movimento no

campo das inovações e da criação de competências técnicas, com repercussão direta

não apenas na pesquisa e na assistência técnica, mas também no ambiente das

instituições de ensino, exigindo que todos sejam capazes de apresentar e/ou construir

respostas para as demandas dos variados sistemas de produção e dos distintos

públicos produtor e consumidor (LABARTHE; LAURENT, 2013a, p. 21; tradução

nossa).

Ainda para Labarthe e Laurent (2013a), as novas exigências colocadas pela imposição

de novos padrões e regulação, que também têm origem nos estados nacionais, “aumentam a

complexidade da gestão de sistemas de produção e geram novas necessidades de

conhecimento agronômico e inovação” (LABARTHE; LAURENT, 2013a, p. 21). 259

No caso do Brasil, esse quadro de falta de competências e habilidades é provável que

também venha a ocorrer nos serviços de ATER governamental em muitos estados, tendo em

vista duas razões principais: (i) a inexistência de um processo de formação e aperfeiçoamento

profissional de qualidade e continuado; e (ii) a incidência de inúmeros casos de profissionais

contratados por intermédio da prática das “terceirizações” ou dos regimes de contratação

temporária. Essas duas modalidades são ainda mais deficientes em relação à qualificação

259

Como decorrência dessas exigências, os países da União Europeia (U.E.) passam a ter a obrigação de criar

Farm Advisory Systems (FAS), com o objetivo de garantir que cada agricultor possa se beneficiar do

conhecimento adequado para cumprir com os diferentes padrões criados pela U.E. relativos às questões

ambiental, social e sanitária.

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267

profissional dos profissionais efetivos, em face de uma estrutura das organizações

terceirizadas, no geral, ainda em formação, influenciadas severamente pela variabilidade

temporal dos contratos, nunca superior a um período de governo, quatro anos. É oportuno

constatar que, em levantamento realizado pelo autor junto às organizações governamentais de

ATER, das 27 unidades da federação, no período 2014 a 2017 (abril), verificou-se a

realização de apenas cinco concursos para cargos efetivos de extensionistas de nível médio e

superior, totalizando 300 e 507 vagas respectivamente, num universo de 16.000 extensionistas

em todo o país.260

Assim, conclui-se que, se o objetivo a ser perseguido é a competitividade da

agricultura nacional, os sistemas governamentais de pesquisa agrícola e de ATER devem se

posicionar em espaços organizacionais nos quais as articulações que facilitem ou acelerem o

alcance desse objetivo possam ser desenvolvidas. Em resumo, a necessidade de uma relação

sistêmica e orgânica entre Ensino, Pesquisa e Extensão, no sentido mais amplo é uma questão

a ser enfrentada de imediato, sobretudo pela ATER governamental, em face, principalmente,

dos questionados resultados obtidos até agora pelo modelo atual.

Persistência do modelo linear/ofertista

Dos modelos adotados pelos serviços de pesquisa agrícola e de extensão aqui

analisados, registre-se que apenas nos casos dos Estados Unidos e da França não se percebeu

a presença do modelo linear/ofertista. No caso brasileiro, o caráter linear/ofertista do processo

de modernização agrícola, segundo o qual a pesquisa gera, a extensão rural difunde e o

produtor adota/rejeita a tecnologia, ainda prevalece hoje na esmagadora maioria dos modelos

públicos de geração e difusão em uso nos estados brasileiros e, portanto, no país.

As raízes desse modelo estão de há muito fincadas na economia brasileira, como

lembra Bonacelli (2013): “A política de C&T no Brasil entre os anos 50 e 90 do século XX

foi fortemente baseada na concepção linear do processo de inovação, permeada pelos ideais

desenvolvimentistas dos anos 1950 e dos anos 1970”.

Em que pesem as várias críticas, algumas já referidas em capítulos anteriores, como as

de Castro (1984), faz-se justo assinalar que, nos anos 1970, o modelo linear, liderado pela

260

Os cinco estados que realizaram concurso para extensionista de cargo efetivo foram: Acre (2014; 170 vagas);

Mato Grosso (2014; 225 vagas); Paraná (2014; 400 vagas); Rio Grande do Sul (2014; 11 vagas); Distrito Federal

(2016; 1 vaga).

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268

Embrapa e Embrater, apoiado no crédito rural e usando como estratégia a difusão dos

“pacotes tecnológicos”, contribuiu para resultados expressivos para a agricultura brasileira. A

produção de grãos, entre 1965 e 1980, partiu de 25,1 para 49,9 milhões de toneladas, com

destaque para a soja, que, de uma produção quase inexistente em 1965, passa para 112,85

milhões de toneladas, na safra 2016/2017, ficando atrás apenas dos Estados Unidos com

117,21 milhões de toneladas, na mesma safra.261

Sousa (1993), com base em dados obtidos de ampla pesquisa que objetivava

compreender melhor as origens definidoras de um problema de pesquisa, caso da pesquisa

pública agropecuária no Brasil, admitia que: "é muito provável que a maioria das instituições

de C&T agropecuária ainda esteja exercitando o modelo centrado na sua capacidade de ofertar

tecnologia e informação agropecuária” (SOUSA, 1993, p. 186)262

. Para Castro (2005, p. 35), o

sucesso do modelo linear residia muito mais na oferta abundante do crédito, alimentado por

significativos subsídios, do que na eficiência do próprio modelo. Nessa mesma linha de

raciocínio, Scholottfeldt, em 1991, já advertia que:

O grande subsídio creditício viabilizou a adoção desses pacotes por segmento de

produtores que tinham acesso ao crédito, independentemente do retorno econômico

”real” que pudessem ter em condições normais de produção e mercado. Este fato

proporcionou uma certa legitimidade ao modelo “linear” de geração e transferência

de tecnologia, em que a pesquisa “gerava”, a extensão “transferia” e produtor

“adotava”, nessa ordem, um determinado pacote tecnológico. Este, por sua vez, era

desenhado para substituir inteiramente o sistema de produção em uso, o que só era

possível, evidentemente por força do subsídio, exceto em alguns casos

especialíssimos.

Poucos notavam na época, a artificialidade socioeconômica desse sistema de

mudança tecnológica nas condições do País e a sua perigosa e crescente dependência

das finanças públicas, que, no final, foram fatores decisivos para sua falência aqui e

em outras partes do mundo. (SCHLOTTFEDT, 1991, p. 102)

A persistência do modelo linear/ofertista também já havia sido apontada como

elemento de retardamento do processo de inovação em pesquisa mais ampla liderada pelo

Banco Mundial sobre o desempenho de sistemas nacionais de pesquisa agrícola e de extensão

rural em países em desenvolvimento, fundamentado numa amostra de 89 projetos, executados

261

Na safra 2016/2017, os Estados Unidos cultivaram uma área de 33,48 milhões de hectares, obtendo uma

produtividade de 3.532 kg/ha, enquanto o Brasil, na mesma safra, cultivou 33,92 milhões de ha e obteve 3.327

kg/ha. Disponível em: <ftp://ftp.p.

iibge.gov.br/Producao_Agricola/Levantamento_Sistematico_da_Producao_Agricola_[mensal]/Fasciculo/lspa_20

1704.pdf > e <https://apps.fas.usda.gov/psdonline/circulars/production.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2017. 262

O universo dessa pesquisa, formulada em 1985, abrangeu 5598 pesquisadores do setor público agropecuário

do Brasil, de diferentes especialidades, vinculados aos governos federal e estaduais e universidades. A amostra

dos pesquisadores respondentes à pesquisa foi de 1091 questionários (SOUSA, 1993, p 77).

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269

em 34 países, durante a década de 1980 e início dos anos 1990.263

A contribuição de Stokes

(2005) parece extremamente elucidativa ao considerar que no âmago dessa questão está a

relação entre a ciência, a tecnologia e a inovação. Para ele, na raiz do problema ainda está o

modelo linear vinculado ao paradigma do pós-guerra. A passagem da forma de pensar do

paradigma estático para o dinâmico reside no fato de se perceber que: “Embora o modelo

linear considerasse os avanços da ciência como determinando integralmente o

desenvolvimento da tecnologia, vimos que o relacionamento entre ambos é muito mais

interativo, com a tecnologia exercendo às vezes uma poderosa influência sobre a ciência”

(STOKES, 2005, p. 137).

A interpretação e uso do modo linear parecem, portanto, explicar também a razão das

dificuldades “ocultas” em se operar modelos mais interativos entre a pesquisa agrícola e a

extensão rural governamentais, simbolicamente aqui traduzidas como as instâncias da ciência

básica e da inovação tecnológica, respectivamente.

Em síntese, e por todas as evidências aqui analisadas, não parece demasiado concluir

que o modelo linear ainda é aquele prevalecente na grande maioria dos modelos

governamentais de ATER no Brasil (por razões já mencionadas no capítulo 2), o que contribui

para a falta de integração, algo de reconhecimento quase unânime.

Gestão institucional e organizacional da ATER: outra lacuna

Ainda no âmbito interno, um ponto a ser considerado nesse quadro de reflexões que

busca repercutir o questionamento central desta tese se relaciona à gestão institucional e

organizacional da ATER governamental no Brasil. Para atender a esse propósito, a discussão

se desenvolverá em duas instâncias analíticas: do modelo de gestão e da localização da

coordenação nacional de ATER.

Gestão institucional e organizacional é aqui compreendida sob os mesmos

pressupostos colocados por Salles-Filho e Bonacelli (2007) para se referirem ao modelo

gerencial, relacionando-o: à forma de se fazer pesquisa e extensão, à forma de a pesquisa e

extensão se articularem com os demais atores presentes no SNIA, à forma de se comunicarem

com a sociedade e à forma de exercerem influência na concepção das políticas que lhe dizem

respeito. Nesse propósito, é elucidativo e ainda atual o estudo promovido pelo Centro de

Gestão e Estudos Estratégicos-CGEE (de 2006), destinado a analisar a possibilidade de

263

Os países estudados localizavam-se nos cinco continentes, com representação menor na Ásia Oriental e

Central, exceto a Turquia.

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270

ampliar o esforço do Brasil na pesquisa agropecuária, que partiu da constatação de que uma

parcela significativa da pesquisa agropecuária pública estadual se encontrava

institucionalmente muito debilitada, especialmente aquela parte que estava atuando junto com

a ATER em uma única organização:

(...) a junção da pesquisa a outras atividades relacionadas a diferentes culturas

institucionais, diferentes temporalidades e visualização de retornos e diferentes

percepções de substituibilidade, como a da pesquisa estadual, percebida como

substituível pela de Centros da EMBRAPA, produz resultados fortemente negativos

à atividade de pesquisa no âmbito da organização estadual. Os estados, entretanto,

são livres para fazer suas escolhas, sendo recomendado que: onde houver

multifuncionalidade, seja a pesquisa tratada com equidade. (CONSEPA, 2006, p.

16)

Outra conclusão importante trazida pelo mesmo estudo do Consepa (2006) diz respeito

à maneira como as Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuárias (OEPAs) estão

organizadas: “as formas jurídicas, por exemplo, segundo as quais estão constituídas,

espraiam-se entre quase todo o conjunto de formas possíveis existentes na legislação

brasileira”, esta situação se aplica também aos modelos de ATER, conforme demonstra o

Quadro 5, que atualizou para 2016 os dados oferecidos pelo Consepa em 2006 (CONSEPA,

2006, p. 119).

Quadro 5 – Formatos jurídicos dos órgãos públicos estaduais de “Pesquisa Agrícola”,

“ATER” e “Pesquisa & ATER” no Brasil (2016)

Formatos Jurídicos Número de organizações nas

unidades da Federação

Empresas públicas de direito privado 15

Autarquias 16

Fundação pública 01

Órgãos da administração direta 02

Agências 03

Associação 01

TOTAL 38

Fontes: Elaboração própria, com base em Asbraer (2016) e sites dos governos estaduais (2016)

Os formatos jurídicos, como aponta o Quadro 5, contemplam a maioria da variedade

prevista na legislação brasileira, com uma leve predominância das "autarquias" de direito

privado, sobre as “empresas públicas” que são o segundo formato mais prevalente, os dois

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271

formatos totalizam quase 80% do universo. Em seguida estão as “agências” e “órgãos da

administração direta”, e por último, uma “fundação” e uma “associação”.264

Quanto à articulação entre pesquisa e ATER, no interior das organizações que abrigam

os dois serviços, o estudo é ainda mais direto e revelador:265

“A reunião de pesquisa e ATER

na mesma entidade não tem assegurado a sua integração, porquanto as duas áreas, o mais das

vezes, se mantêm desarticuladas, com diretorias que, na prática, não se comunicam. Quase

sempre resulta em prejuízo para área de pesquisa” (CONSEPA, 2006, p. 119).

No capítulo das recomendações, o estudo do Consepa afirma que as Oepas deverão:

“intensificar a cooperação entre pesquisa e extensão rural, com foco na alimentação de

informação à pesquisa e na disseminação das tecnologias por elas desenvolvidas”

(CONSEPA, 2006, p. 15).266

Tal recomendação, por um lado, soa curioso especialmente para

as Oepas que abrigam a ATER numa única estrutura, por tratar-se de algo redundante, por

outro, pressupõe um ambiente no qual predomina o modelo linear, o que reforça a conclusão

anterior.

Adicionalmente, o mesmo estudo reconhece que a crise das Oepas não era recente,

tendo sido objeto, em 1998, de avaliação coordenada por Albuquerque e Salles-Filho (1998),

solicitada pela Embrapa, que apontava caminhos para impulsionar a integração dentro do

"sistema Oepas", recomendações que não foram seguidas e que mais adiante produziram

ainda mais deterioração (CONSEPA, 2006, p. 22). No caso da ATER governamental, o

diagnóstico da Asbraer, entidade que representa as entidades governamentais estaduais, não é

diferente daquele apontado para a pesquisa como se pode constatar pela afirmação a seguir:

Há entidades em três estágios diferentes: entidades com capacidade de gestão e

trabalho, com quadro de pessoal renovado, passivos judiciais e trabalhistas

resolvidos, e estão investindo na modernização gerencial; entidades que estão se

reestruturando, tendo adotado iniciativas de modernização e dinamização, mas ainda

de forma incipiente; e, entidades que ainda necessitam definir seu papel e sua

situação institucional. Sendo que estas duas últimas são as que necessitam de maior

atenção e apoio. (ASBRAER/ABER, 2010, p. 17)

O que o diagnóstico não detalha é o número de organizações em cada estágio; todavia,

ao se avaliar pelos posicionamentos do próprio MDA à época, já discutidos, não seria

264

A APTA, embora “agência” na designação, trata-se de órgão da administração direta. 265

No caso do estudo, as organizações que abrigavam pesquisa e ATER eram nove unidades. 266

A propósito desta recomendação, registre-se que já em 1982, portanto, 24 anos antes da recomendação do

Consepa, a Embrapa e a Embrater formalizaram conjuntamente um documento importante denominado

“Diretrizes para Articulação Pesquisa-Extensão”, cujo objetivo, claramente identificado pelo título, era o de

instrumentalizar e viabilizar a “integração institucional tão necessária” (EMBRAPA-EMBRATER,1982, p. 3).

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272

demasiado afirmar que a grande maioria das organizações de ATER governamental no Brasil

está atualmente localizada nos dois últimos estágios do estudo da Asbraer/ABER (2010).

Nesse âmbito, o documento Asbraer/ABER (2010) aponta como fragilidades relevantes no

sistema da ATER governamental a necessidade de renovação do quadro de colaboradores, a

abundância de passivos judiciais e trabalhistas e a indefinição de papéis e situação

institucional de algumas das entidades estaduais. A partir dessa constatação da entidade

representante do sistema é possível chegar-se a outra conclusão: que o processo de “revisão

dos modelos “institucionais e gerenciais” proposto por Salles-Filho e Bonacelli (2007) para a

pesquisa pública também possa ser aplicada, ainda hoje, ao caso da ATER pública

governamental.

À questão da gestão institucional se soma uma outra de conteúdo correlato, que

também repercute de forma negativa no desempenho da ATER governamental no Brasil, que

é instabilidade na localização institucional da sua coordenação nacional.

Toda a discussão empreendida até aqui apoiada nas reflexões sobre a história da

ATER no Brasil é repleta de inúmeras e variadas inversões de prioridades, sempre submetidas

ao humor do dirigente da época. Isso demonstra uma certa vulnerabilidade da ATER,

enquanto sistema, que tem na sua essência o processo educativo como valor central e que

requer tempo para um sólido aprofundamento teórico para a sua maturação, transformação e

visualização de resultados. Sem esse tempo adequado, o sistema perde eficácia e se desgasta a

cada mudança inspirada em razões, muitas vezes, conjunturais ou repentinas. As mudanças na

coordenação nacional do serviço público de ATER foram inúmeras ao longo desses quase 70

anos, passando do Ministério da Agricultura em 1990, para a Embrapa, voltando ao

Ministério da Agricultura, daí para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e deste para a

Casa Civil da Presidência da República, em 2017.

É muito provável que essas inúmeras e frequentes mudanças da coordenação da

nacional da ATER contribuíram de modo negativo no desempenho e na credibilidade da

instituição ao longo desses últimos 25 anos. Isso se deve ao fato de que as inúmeras e

frequentes mudanças da coordenação da ATER acarretaram perdas de sinergias,

descontinuidades, interrupção na execução de projetos, incongruências na política de

valorização de pessoal, danos na imagem, efeitos danosos nas unidades da federação, falta de

perspectivas de longo prazo, pouca atratividade no ingresso de novos profissionais, dentre

outros prejuízos. Dentre estes, está aquele que atribui à ATER uma grande parte da

responsabilidade sobre a falta de modernização tecnológica de expressiva quantidade de

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273

estabelecimentos rurais brasileiros, essencialmente aqueles de base familiar. Ou seja, essa

crítica também possui razões oriundas do ambiente interno à ATER.

A instabilidade na localização da coordenação nacional revela também uma falta de

clareza de como o setor público brasileiro percebe a ATER como instrumento útil de política

agrícola, pois tem sistematicamente negligenciado o aproveitamento de todo o seu potencial

de atuação. Por potencial de atuação entenda-se explorar pouco a sua capacidade de

interpretar demandas, de contribuir na validação e adaptação e de difusão de tecnologias, de

interiorizar políticas (crédito rural, preços, insumos, seguro, etc.), de mobilização, de

capacitação e qualificação de produtores rurais, dentre outros importantes atributos. A história

recente da ATER governamental brasileira aqui relatada demonstra a ATER percebida muito

mais como um instrumento de política de governo do que como instrumento de política de

Estado, apesar de todo o seu respaldo constitucional. 267

Atualmente, a coordenação nacional de ATER está localizada na Secretaria Especial

de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), estrutura da Casa Civil da

Presidência da República. A criação da Anater, em 2013, voltou a reabrir o debate, que durou

mais de um ano, sobre a melhor localização da coordenação nacional da ATER: se MAPA ou

o antigo MDA. Neste momento, a Anater está vinculada também à Casa Civil da Presidência

da República.

No âmbito das experiências visitadas, uma chama atenção: nos Estados Unidos, como

já mencionado, os dois serviços públicos (pesquisa e extensão) estão, desde a sua origem,

localizados numa única instituição, que é a Universidade, desde 1914, ou seja, há mais de um

século.

No Brasil, dois ministérios cuidam da agricultura, as coordenações nacionais dos

serviços públicos de extensão rural e de pesquisa agrícola sempre atuaram em organizações

distintas. Entretanto, as mudanças na coordenação da pesquisa foram menos intensas do que

na ATER. A Embrapa, criada em 1973, permanece até hoje vinculada ao Ministério da

Agricultura, apresentando um razoável grau de autonomia técnica e gerencial, política

consistente de valorização e qualificação de pessoal, o que tem produzido junto com outros

fatores, prestígio e credibilidade elevados, tanto dentro quanto fora do país.

Diante dessas sobejas evidências, conclui-se que a instabilidade na localização da

coordenação nacional da ATER no Brasil, além de ter contribuído negativamente com as

267

O intenso uso de terceirizações de serviços finalísticos de ATER por vários estados da federação é um

exemplo dessa afirmação.

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274

dificuldades atuais, sinaliza também no sentido do comprometimento da governança e

coordenação no âmbito do SNIA.

Atualizando o perfil do extensionista

A natureza e a dimensão das transformações e desafios que se colocam à agricultura,

inevitavelmente, exigem uma nova postura dos agentes de ATER. Essa nova postura se

expressa, principalmente, na necessidade de ampliação dos conteúdos técnicos que esses

agentes haverão de dominar. Tais conteúdos, na sua grande maioria, extrapolam áreas do

conhecimento tradicional da produção vegetal ou animal. Eles transitam na área de gestão, na

área negocial, assim como, nas áreas da organização social da produção e da articulação

institucional, dentre outras. A exigência de conteúdos multidisciplinares, por certo, implicará

na composição ou recomposição de equipes extensionistas de perfil também multidisciplinar.

As “visitas” aos países selecionados ajudam a compreender e a antecipar cenários

relativos aos conteúdos técnicos passíveis de serem agregados ao perfil do extensionista

brasileiro. Nesse sentido, um primeiro conteúdo possivelmente útil ao perfil extensionista

será o de atuar de modo integrado e articulado com demais atores do SNIA, como forma de

potencializar o seu trabalho e o trabalho dos demais atores. As circunstâncias postas à

agricultura criam expectativas no produtor de que o extensionista vai orientá-lo quanto à

prospecção e atração de novos negócios, que possam oferecer melhores condições de vida

comunitária. Na nova postura, o extensionista ou a equipe de extensionistas deve desenvolver

uma visão sistêmica de todo o negócio agrícola, ultrapassando a visão tradicional focada

apenas na dinâmica interna da unidade produtiva. É frequente perceber que grande parte dos

obstáculos à modernização de uma propriedade agrícola, não raras vezes, está localizada fora

dela.

Outra exigência que se tornou permanente e que deve compor o perfil extensionista é a

preocupação e ação com a difusão de tecnologias que promovam o uso racional e eficiente

dos recursos naturais: água, solo e biodiversidade. Por outro lado, o perfil extensionista deve

também incorporar conteúdo que promovam o uso mais eficiente dos serviços ambientais

(reciclagem de resíduos, suprimento de água, qualidade da atmosfera etc.). Antecipando o que

vem se exigindo dos agentes de assistência técnica na Comunidade Europeia, não seria

ilusório pensar em proporcionar ao perfil dos agentes de ATER brasileiros o desenvolvimento

de competências relacionadas aos marcos regulatórios pertinentes às questões ambientais,

agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de saúde do trabalho, dentre as mais

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275

centrais. Adicione-se a esses atributos, as competências relativas às modernas práticas do

empreendedorismo e da identificação de novos negócios, tais como aqueles oriundos dos

processos de “identificação geográfica”, dentre muitos outros.268

Os desafios aqui debatidos e as lições extraídas dos países selecionados suscitam

outros importantes atributos que devem ser considerados quando da configuração de um perfil

extensionista: manejo de questões ligadas às mudanças climáticas; emergência da liderança

feminina nos negócios agrícolas; abordagem territorial; conhecimento operacional de políticas

agrícolas; dentre outros atributos. Junte-se a isso o necessário conhecimento e domínio de

novos instrumentos e máquinas, desde os correspondentes às TICs (softwares interativos,

plataformas integradoras de programas e sistemas, entre inúmeros outros), até instrumentos de

precisão agrícola, veículos não tripulados, máquinas autônomas, rastreamento por satélite,

para citar alguns exemplos.

O trabalho em redes é hoje nos ambientes que lidam com ciência quase que uma

exigência funcional. Os pesquisadores já estão mais habituados a essa nova forma de

relacionamento, mas os extensionistas precisam explorá-la mais. Não é sem razão que Salles-

Filho e Bonacelli (2003) já anteviam, com relação à pesquisa e à biotecnologia, que:

O avanço da moderna biotecnologia altera forma e conteúdo do desenvolvimento científico e

tecnológico. Altera a forma de se fazer pesquisa pelos seus requisitos de escala que, sendo crescentes,

exigem a mobilização de conjuntos cada vez maiores de competências - as redes de pesquisa e de

inovação estão no coração da organização da biotecnologia. Altera conteúdo por introduzir um novo

universo de investigação de causas e efeitos na construção da vida. É, ao mesmo tempo, uma

transformação quantitativa e qualitativa.269

Por fim, as discussões sobre a incorporação de novos atributos ao perfil do

extensionista brasileiro devem corresponder a um esforço preliminar das instituições de

Ensino, no sentido de promover as respectivas mudanças curriculares, respaldando e

preparando teoricamente a ação de pesquisadores e extensionistas.

268

“A indicação geográfica (IG), hoje regulamentada no Brasil pela Lei de Propriedade Industrial (BRASIL,

1996), é um instrumento de propriedade intelectual utilizado por diversos países, direcionado à proteção e

valorização de produtos tradicionais vinculados à sua origem de produção” (JUK; FUCK, 2015, p. 187). 269

Disponível em:< http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/agronegocio/15.shtml>. Acesso em 27

mai. 2017.

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276

Os impactos da Pnater e da Anater

A expectativa com o advento da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão

Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) era de que parte das

dificuldades vivenciadas pela ATER fosse enfrentada e removida e que a ATER

governamental fosse beneficiada. Todavia, o que se pode concluir é que criação da Pnater,

embora considerada um marco institucional dos mais relevantes na história recente da ATER

no Brasil, não a exime de ter provocado efeitos adversos importantes na ATER

governamental brasileira.

O primeiro deles foi o fato de ter ignorado a necessidade provocar um processo de

reestruturação vigoroso na ATER governamental, de modo que esta, reestruturada,

contribuísse na grande tarefa da Pnater de se constituir em instrumento eficaz de

desenvolvimento rural sustentável, qualificando e modernizando a ATER, a agricultura

familiar e outros públicos marginalizados do progresso técnico. A necessidade de

reestruturação na ATER governamental na maioria das unidades da federação não era algo

desconhecido do antigo MDA, instância que era responsável pela coordenação da Pnater,

como se observa pela clareza e gravidade expressas no texto MDA/SAF/Dater (2007)

denominado "Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (2007)", a seguir:

A consequência desse processo de afastamento do Estado e diminuição da oferta de

serviços públicos de ATER ao meio rural e à agricultura aparece, hoje, evidenciada

pela comprovada insuficiência destes serviços em atender à demanda da agricultura

familiar e dos demais povos que vivem e exercem atividades produtivas no meio

rural, principalmente nas áreas de maior necessidade, como as regiões Norte e

Nordeste. Com isso, restringem-se as possibilidades de acesso das famílias rurais ao

conhecimento, aos resultados da pesquisa agropecuária e a políticas públicas em

geral, o que contribui para ampliar a diferenciação a exclusão social no campo.270

Diante dessa evidência e com a urgência de beneficiar um maior número produtores

familiares e outros públicos marginalizados do processo de modernização, a Pnater optou por

estimular de forma massiva a inserção de organizações não governamentais para ampliarem a

prestação de serviços de ATER. Esta decisão, apesar de eficiente na ampliação da quantidade

de beneficiários e na execução orçamentária não assegurou, pelo menos de imediato, a

melhoria plena da qualidade da assistência prestada pelas ONGs. Resultado já esperado e algo

natural de ocorrer na medida em que grande parte dessas organizações ainda não havia

270

Disponível em: <http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/Pnater.pdf>. Acesso em 19

mai. 2014.

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277

acumulado as devidas competências e estruturação necessárias para desenvolver tarefa de

relativa complexidade, especialmente quando se refere à vertente educativa.

Por outro lado, o estímulo vigoroso à ampliação da presença da ATER não

governamental ampliou a concorrência pelos recursos federais finitos, tornando-os ainda

mais escassos à ATER pública governamental. O pressuposto parecia ser o de que, ao

competir por importantes recursos com outras organizações não governamentais mais ágeis e

modernas, a ATER governamental, instada a lutar por sua sobrevivência, se tornaria também

mais ágil, moderna e competitiva ou então estaria fora do mercado. Na prática, essa estratégia

não se verificou. Isso porque esta lógica parece não ser a mais apropriada para recuperar uma

instituição com esse tipo de perfil da ATER, no qual a presença do investimento público é

vital. Ou seja, a estratégia de aumentar a concorrência para melhorar a qualidade do serviço

prestado, exitosa nas telecomunicações, serviços bancários, serviços administrativos, por

exemplo, devem compreender a diferenciação e a complexidade do perfil de serviços ligados

à CT&I para se obter resultados semelhantes. Neste caso, para o Brasil, estão a pesquisa

agrícola, a extensão rural e o ensino, onde o aumento da oferta de instituições privadas de

ensino superior não superou de imediato o padrão de qualidade da universidade pública.

Donde se conclui que o perfil de cada serviço deve ser observado com profundidade e à luz da

realidade local, sob pena de a estratégia de simples substituição do governamental pelo não

governamental poder não produzir os resultados esperados.

O segundo impacto adverso produzido pela Pnater na ATER é percebido ao se

verificar que o contexto atual da ATER governamental na maioria dos estados da federação

continuou caracterizado como de baixo índice de renovação de pessoal, elevado número de

funcionários terceirizados, idade média avançada, insuficiência de programas de

desenvolvimento de pessoas (envolvendo qualificação, política salarial, ascensão funcional,

etc.), acúmulo de volumosos passivos trabalhistas, obsolescência de modelos de

relacionamento com ambiente da inovação e de modelos de gestão, além de marcado por um

fluxo de ingerências políticas, geralmente de baixa qualidade, abrangente e perigosamente

crescente. Ou seja, contexto de debilidades importantes, prevalecente antes da instituição da

Pnater. Como decorrência da redução dos investimentos públicos, houve ao longo dos anos

uma deterioração da infraestrutura física (unidades físicas, centros de treinamento para

técnicos e produtores, fazendas experimentais, laboratórios, bibliotecas etc.) e de

equipamentos básicos para a atuação da ATER. Muito mais grave quanto, a deterioração

atingiu, na maioria da ATER governamental, a falta de investimentos na capacitação de

pessoal e na criação e ampliação de uma infraestrutura de suporte às novas tecnologias da

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278

informação e comunicação, infraestrutura vital a qualquer processo de modernização

organizacional.271

O que se pode concluir é que a Pnater, ao ignorar esse cenário, ou pelo

menos em não influenciar na sua reversão, optando por uma estratégia de buscar novos

parceiros, aprofundou a fragilidade da ATER governamental, um ator que, se revitalizado,

poderia contribuir qualitativamente no alcance dos ambiciosos objetivos daquela política.

Ao lado da Pnater, a Anater se constitui no fato mais relevante ocorrido na história

recente da ATER pública. Embora criada em 2013, a nomeação da sua primeira diretoria

executiva só veio a ocorrer em junho de 2015. Por essa razão, a discussão pretendida fica

frustrada, tendo em vista a debilidade de resultados da sua atuação até o presente momento,

haja vista o tempo decorrido para a nomeação da diretoria e, em seguida, a mudança de

governo, o que provocou novas mudanças no quadro diretivo.272

E o protagonismo dos produtores?

Do ponto de vista da reestruturação da ATER, outro elemento diferenciador da

experiência de extensão rural de países como a França, Estados Unidos e Argentina é, sem

sombra de dúvidas, o protagonismo dos produtores nos destinos das instituições. Dentre os

países selecionados, os casos dos Estados Unidos e da França apontam na direção do papel de

protagonismo dos produtores rurais como fator de equilíbrio dos modelos de pesquisa agrícola

e de extensão rural, participando não apenas nas grandes decisões, mas, sobretudo, quando

dos momentos de crise ou de questionamento pelos quais passaram e passam esses dois

serviços em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, em sua própria concepção original

foi estabelecido o caráter cooperativo que deveria marcar o serviço, não apenas dirigido ao

processo de tomada decisão, mas, também, no compartilhamento do financiamento.

Ao se buscar outras experiências no plano mundial, observa-se que a participação dos

produtores e das suas demandas nas agendas, principalmente das organizações de pesquisa

agrícola, foi também estudada por Agbamu (2000) para uma amostra de sete países com

diferentes níveis de desenvolvimento: Indonésia, Japão, México, Nigéria, Coreia do Sul,

Tanzânia e Tailândia. Destes, apenas o modelo de pesquisa e de extensão do Japão foi

271

Curiosamente, ainda hoje há muitas unidades da ATER governamental localizadas no interior do país que não

dispõem de canais de comunicação via web. 272

O novo presidente da Agência Nacional de Assistência Técnica Extensão Rural (Anater), Valmisoney

Moreira Jardim, foi nomeado 16/12/2016, em substituição a Paulo Guilherme Cabral que havia sido nomeado em

junho de 2015 e exonerado em dezembro do mesmo ano. Ou seja, mais uma vez, a Anater permaneceu 6 meses

sem Presidente titular.

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considerado como aquele que proporcionava maiores espaços para a participação dos

produtores nas decisões não apenas da pesquisa, mas também da extensão. As razões para

essa performance, na visão do autor, estão relacionadas ao fato de, no Japão, a pesquisa e a

extensão se encontrarem no mesmo status de importância e estarem juntas numa única

organização, cuja base da maior oferta dos serviços e do processo de tomada de decisão se

localiza nos estados, ou seja, o modelo adotado é do tipo preconizado pela abordagem

“bottom-up”. No mesmo estudo, o autor esclarece que, no geral, as decisões sobre a seleção

dos problemas e demandas dos produtores, como temas anuais de pesquisa, são concluídas ao

nível dos estados, por intermédio de um comitê composto por pesquisadores, administradores,

especialistas, extensionistas, pessoas de notório conhecimento e representação de produtores.

A instância nacional, embora não esteja envolvida diretamente, participa dessas discussões

oferecendo sugestões sobre temas de pesquisa ainda não resolvidos e do interesse do

Ministério da Agricultura (AGBAMU, 2000, p. 6).

No caso da França, a presença da representação dos produtores rurais como

coordenadores do sistema público de extensão rural talvez possa explicar porque aquele

país foi o que menos, em toda a Europa, empreendeu mudanças radicais no serviço de

extensão, mudanças quase sempre na direção da extinção, privatização ou terceirização dentre

outras. Sobre o protagonismo dos produtores no âmbito da pesquisa agrícola, Purcel e

Anderson (1997, p. 32; tradução nossa) assim se posicionavam:

A pesquisa, para ser eficaz, deve ser baseada nas necessidades expressas pelos

clientes e responder a elas. Ao adotar esse conceito, o Banco, invariavelmente,

poderia fazer mais pelos países tomadores de seus empréstimos, no sentido de

orientá-los sobre como envolver os produtores na concepção e avaliação da pesquisa

(...).

No caso do Brasil, o serviço público de pesquisa, liderado pela Embrapa, possui na sua

estrutura organizacional o Conselho Nacional Assessor (CNA), cuja função é assessorar a

empresa na coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA)273

. O CNA

possui na sua composição, de 15 membros, dois representantes dos produtores rurais: um

indicado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e um

indicado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Embora seja um espaço

importante, ainda está distante do protagonismo praticado na França ou nos Estados Unidos.

No caso da ATER, a Sead, substituta do Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA), antigo coordenador deste serviço, conta na sua estrutura com o Conselho de

273

Disponível em: <http://www.Embrapa.br/a_Embrapa/direcao/cons_ass>. Acesso em 11abr.2015.

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280

Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF).274

Neste colegiado, foi constituído um

órgão assessor, denominado de Comitê de ATER, que é um dos componentes do Sibrater,

formado por representantes das Redes de ATER, organizações da agricultura familiar e do

governo. O seu objetivo principal é: “apoiar o Dater na definição de diretrizes, prioridades e

projetos do Programa Nacional de ATER (Pronater), formular e propor estratégias visando a

implementação da Pnater e a qualificação e universalização dos serviços públicos de

assistência técnica e extensão rural (MDA)”.275

O Comitê de ATER, criado em 2004 por meio da Resolução n° 40 do CONDRAF, é

composto por 31 membros, dos quais seis são representantes dos produtores rurais e

pescadores, além de dois representantes da comunidade quilombola e outro dos indígenas. Os

demais, 23 membros, representam o setor público federal ou estadual e entidades não

governamentais e, como no caso da pesquisa agrícola, as representações dos produtores

presentes nos colegiados têm a função principal de assessoramento, distantes, portanto, de

uma posição de maior destaque e influência sobre os destinos das instituições.

Assim, resta concluir que a prática do protagonismo dos principais usuários e

beneficiários, razão de ser das organizações de pesquisa e de ATER, embora possa ser

considerado elemento de sustentabilidade institucional em vários países, no Brasil e

principalmente na ATER, ainda se insere no plano meramente burocrático, particularmente

nos estados da federação, espaço no qual se efetiva a ação da ATER.

As "curvas de aprendizado” do ATER

Sobre o fluxo de conhecimento e de informação que é produzido e acumulado no

interior das organizações de pesquisa e de extensão ao longo dos anos, cabem algumas breves

ponderações, por se considerar um atributo institucional relevante no enfrentamento de cada

desafio anteriormente posto.

A primeira está relacionada a uma possível analogia com a abordagem “do avanço

tecnológico cumulativo” apresentada por Nelson e Winter (2005), segundo a qual “em muitas

histórias de tecnologias, o novo não é apenas o melhor do que o velho; de certa forma, o novo

274

Disponível em:

<http://www.mda.gov.br/portal/condraf/arquivos/view/resolu-es-

condraf/35.%20Regimento%20Interno%20do%20CONDRAF.%20(formato%20pdf).pdf>. Acesso em 11 abr.

2015. 275

Disponível em: <http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/programas/assistenciatecnica/2301269>. Acesso

em 11 abr. 2015.

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281

evolui a partir do velho”. Uma explicação dos autores estaria no fato de que o produto dos

mecanismos de buscas de hoje não é simplesmente uma nova tecnologia, mas, sim, o aumento

do conhecimento que servirá de base para novos avanços amanhã (NELSON; WINTER,

2005, p. 371). Do mesmo modo, os autores asseguram que tanto quanto os produtos, os

processos também evoluem, valem-se, para tanto, do conceito de “curvas de aprendizado” de

W.Z. Hirsch (1952, p. 374), que destacava três tipos de mecanismos pelos quais se dava a

evolução dos processos: “os trabalhadores aprendem a fazer melhor as suas tarefas; a

administração aprende a se organizar com mais eficiência e os engenheiros aprendem a

redesenhar o produto para facilitar as tarefas e para substituir o trabalho, onde for possível e

econômico fazê-lo.”

A segunda consideração diz respeito à possibilidade de que o conhecimento

acumulado ao longo dos anos esteja moldado por determinados limites que norteiam a própria

evolução tecnológica, o que N. Rosenberg denominou de “imperativos tecnológicos”. Nelson

e Winter (2005) caracterizam esses caminhos evolutivos, quando tratam de uma tecnologia

específica, como “trajetórias naturais”; mas quando de caráter mais genérico, os dois autores

cunharam o termo “regime tecnológico”. Eles admitem aproximarem-se do conceito de “meta

função de produção”, utilizado por Hayami e Ruttan, ao tratarem da agricultura, para se

referirem a uma “fronteira de aptidões realizáveis, definida em suas dimensões econômicas

relevantes, limitada por restrições físicas, biológicas e outras, dentro de uma maneira

genericamente definida de fazer as coisas” (NELSON; WINTER, 2005, p. 375).

Em termos mais gerais, Malerba e Orsenigo (1996, 1997) admitem que um regime

tecnológico seja composto por condições de oportunidade e de apropriabilidade, graus de

cumulatividade de conhecimento tecnológico e de características de relevante conhecimento

de base (MALERBA, 2002, p. 252). Ou seja, o conjunto de conhecimentos acumulados,

obtido a partir de processos de interação e aprendizado, mesmo moldado pelos “regimes

tecnológicos” pode ser considerado como ativos intangíveis de grande valor para as

organizações de pesquisa e extensão. Noutras palavras, esse conjunto de conhecimentos

acumulados pode se constituir em elemento de expressivo valor para os avanços da P&D não

apenas no plano tecnológico, mas, também, como elemento de aprimoramento das

articulações e integração entre os atores de um sistema de inovação na agricultura, que

envolvem, por exemplo, as relações com os mercados, com o ambiente das políticas e do

ensino.

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282

Em meados da década de 1990, Possas, Salles-Filho e Silveira (1994) propuseram uma

interpretação do processo de inovação tecnológica na agricultura, respaldando-se em alguns

conceitos dinâmicos da Economia da Inovação, observados pela visão evolucionária,

demonstrando e revelando, assim, um apropriado referencial teórico para a análise da

inovação também no ambiente agrícola. O estudo avança na análise da complexidade do

regime tecnológico, explicada a partir das interpretações relativas às trajetórias tecnológicas,

assim como, na análise das transformações conjunturais do regime e discute a formação de

novas trajetórias no futuro (POSSAS; SALLES-FILHO; SILVEIRA, 1994, p. 9).

A "antecipação" do futuro também parece não se constituir em algo relevante para as

organizações de ATER governamental. O que se pode concluir sobre a frágil capacidade

estratégica de os serviços governamentais de ATER internalizarem nas suas culturas uma

preocupação permanente com os mecanismos de se anteciparem aos desafios, em harmonia

estreita com a política de CT&I, e demais atores do SNIA, criando estratégias de diálogo para

a conversão da preocupação em ação. Na percepção da tese, essa se configura uma outra

lacuna importante no ambiente atual da ATER governamental brasileira. No entanto, não se

pode creditar essa lacuna ao despreparo tão somente da ATER. O que parece ser o maior

desafio é vencer a prática imediatista das políticas governamentais, na maioria das vezes, com

horizontes temporais iguais aos períodos de um governo, prazos incompatíveis com os

calendários para a boa formação de cientistas, especialistas, concepção e execução de bons

projetos de pesquisa e de criação de infraestrutura adequada ao enfrentamento dos desafios.

A partir da reflexão do conjunto de elementos aqui reunidos e na tentativa de uma

resposta à questão central formulada na introdução e que balizou todo o esforço analítico

desta tese, a conclusão síntese que emerge é a de que a ATER governamental brasileira, em

que pese a longa folha de serviços prestados à agricultura do país ao longo de quase 70 anos

de existência formal, parece não estar, no momento atual, devidamente estruturada para

enfrentar os principais desafios atuais e futuros postos à agricultura brasileira.

Esta afirmação é justificada pela presença na cena agrícola de complexos desafios,

como aqueles aqui analisados, de novos atores, novos conteúdos e novas disciplinas, que

não foram devidamente observados e muito menos incorporados na dinâmica da grande parte

da ATER governamental do país, por razões de natureza endógena e exógena, conforme

examinado. Todavia, as competências e habilidades acumuladas ao longo da sua história e,

sobretudo, a sua intimidade com a realidade do produtor rural, possibilitando-lhe incorporar

um conhecimento valoroso da realidade agrícola, se constituem num capital intangível

diferenciado e privilegiado no conhecimento da agricultura brasileira. Esses elementos,

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283

denominados por W.Z. Hirsch como "curvas de aprendizado", não devem ser

negligenciados em qualquer esforço nacional, integrado e moderno, de promoção da

competitividade da agricultura e na inclusão competitiva de segmentos historicamente órfãos

do progresso técnico.

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APÊNDICE A – Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”, “ATER” e

“ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016.

REGIÕES/

ESTADOS PESQUISA ATER ATER + PESQUISA

REGIÃO NORTE

Acre – AC U.D. Embrapa Acre Emp. de Assistência Técnica

Extrativista Rural do Acre (EMATER)

Amapá – AP U.D. Embrapa Amapá Instituto de Desenvolvimento Rural do

Amapá-RURAP

Amazonas – AM U.D. Embrapa Amazônia Ocidental

Escritório Embrapa da Amazônia

Instituto de Desenvolvimento

Agropecuário e Floresta Sustentável do

Estado do Amazonas (IDAM)

Ceplac - Gerência de Desen. da

Região Cacaueira do Amazonas

(GERAM)

Pará – PA U.D. Embrapa Amazônia Oriental Emp. de ATER do Pará

(EMATER-PA)

Ceplac - Superint. de Desen. da

Região Cacaueira do Pará (SUEPA)

Roraima – RR U.D. Embrapa Roraima Departamento de ATER de Roraima

(DATER/RR)

Rondônia-RO U.D. Embrapa Rondônia Emp. de ATER de Rondônia

(EMATER-RO)

Ceplac - Superint. de Desen. da

Região Cacaueira de Rondônia

(SUERO)

Tocantins – TO U.D. Pesca e Aquicultura Instituto de Desenvolvimento Rural do

Tocantins (RURALTINS/TO)

REGIÃO NORDESTE

Alagoas – AL

Instituto de Inovação para o

Desenvolvimento Rural

Sustentável de Alagoas

(Emater - AL)

Pernambuco – PE Escritório Embrapa Petrolina

U.D. Embrapa Semiárido

Instituto Agronômico de

Pernambuco

(IPA/ PE)

Piauí – PI U.D. Embrapa Meio Norte Instituto de Assistência Técnica e

Extensão Rural do Piauí (EMATER)

Bahia – BA U.D. Embrapa Mandioca e Fruticultura

Superintendência Baiana de

Assistência Técnica e Extensão Rural

(Bahiater)

Ceplac-Superintendência de

Desen. da Região Cacaueira da

Bahia (SUEBA)

Ceará – CE

U.D. Embrapa Agroindústria Tropical

U.D. Embrapa Caprinos e Ovino

Emp. de ATER do Ceará (Emater-CE)

Maranhão – MA U.D. Embrapa Cocais

Escritório- Embrapa - de Imperatriz

Agência Estadual de Pesquisa

Agropecuária e Extensão Rural

do Maranhão (AGERP/MA)

Paraíba – PB

Emp. Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba

(Emepa)

U.D. Embrapa Algodão

Escritório Embrapa de Campina Grande

Emp. de ATER da Paraíba (EMATERs

PB)

Rio G. do Norte – RN Emp. Pesquisa Agropecuária do Estado do RN

(EMPARN)

Instituto de ATER do Rio G. do Norte

(EMATER- RN)

Sergipe – SE U.D. Embrapa Tabuleiros Costeiros

Emp. de Desenvolvimento

Agropecuário do Sergipe

(EMDAGRO/SE)

REGIÃO CENTRO-OESTE

Mato Grosso – MT U.D. Embrapa Agrossilvopastoril

Escritório- Embrapa de Rondonópolis

Emp. Mato-Grossense de

Pesquisa, Assistência e Extensão

Rural S/A (EMPAER/MT);

Ceplac-Gerência de Desen. da

Região Cacaueira do Mato

Grosso (GEREM)

Mato Grosso .do Sul –

MS

U.D. Embrapa Agropecuária Oeste

U.D. Embrapa Gado de Corte

U. D. Embrapa Pantanal

Escritório Embrapa de Dourados

Agência de Desenvolvimento

Agrário e Extensão Rural

(AGRAER/MS)

Goiás – GO U.D. Embrapa Arroz e Feijão

Escritório Embrapa de Goiânia

Agência Goiana de Assistência

Técnica, Extensão Rural e

Pesquisa Agropecuária–Emater

Distrito Federal – DF

U.D. Embrapa Agroenergia

U.D. Embrapa Café

U.D. Embrapa Cerrados

U.D. Embrapa Hortaliças

U.D. Embrapa Informação Tecnológica

U.D. Embrapa Produtos e Mercado

U.D. Embrapa Quarentena Vegetal

U.D. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Escritório Embrapa de Brasília

Emp. de ATER do Distrito Federal

(Emater DF)

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APÊNDICE A-(cont.) Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”,

“ATER” e “ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016

Fonte: Autor, a partir de ASBRAER (2016), Embrapa, governos estaduais e Ceplac.

REGIÃO SUDESTE

Espírito Santo – ES

Instituto Capixaba de Pesquisa,

Assistência Técnica e Extensão

Rural (INCAPER);

Ceplac- Gerência de Desen. da

Região Cacaueira do Espírito

Santo (GERES)

Minas Gerais – MG

Emp. de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais

(EPAMIG);

U.D. Embrapa Gado de Leite

U.D. Embrapa Milho e Sorgo

Escritório Embrapa de Sete Lagoas

Escritório Embrapa do Triângulo Mineiro

Empresa de ATER do

Estado de Minas Gerais

(Emater MG)

São Paulo – SP

Agência Paulista de Tecnologia

do Agronegócio (APTA)-Regional

Instituto Agronômico (IAC)

Instituto Biológico (IB)

Instituto de Economia Agrícola (IEA)

Instituto de Pesca (IP)

Instituto de Zootecnia (IZ)

Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital)

U.D. Embrapa Gestão Territorial

U.D. Embrapa Informática Agropecuária

U.D. Embrapa Instrumentação

U.D. Embrapa Meio Ambiente

U.D. Embrapa Monitoramento por Satélite

U.D. Embrapa Pecuária Sudeste

Escritório Embrapa de Campinas

Coordenadoria de

Assistência Técnica

Integral de São Paulo

(CATI/SP)

Rio de Janeiro – RJ

Emp. de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de

Janeiro (PESAGRO-RIO)

U.D. Embrapa Agrobiologia

U.D. Embrapa Agroindústria de Alimentos

U.D. Embrapa Solos

Emp. de ATER do Rio de

Janeiro (Emater RJ)

REGIÃO SUL

Paraná – PR

Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR)

U.D. Embrapa Florestas

U.D. Embrapa Soja

Escritório Embrapa de Londrina

Escritório Embrapa de Ponta Grossa

Instituto Paranaense de

Assistência Técnica e

Extensão Rural –

EMATER

Rio G. do Sul – RS

Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária do

Estado do Rio Grande do Sul (FEPAGRO)

U.D. Embrapa Clima Temperado

U.D. Embrapa Pecuária Sul

U.D. Embrapa Trigo

U.D. Embrapa Uva e Vinho

Escritório Embrapa de Capão do Leão

Escritório Embrapa de Passo Fundo

Associação Riograndense

de Empreendimentos de

Assistência Técnica e

Extensão Rural

(Emater RS)

Santa Catarina – SC U.D. Embrapa Suínos e Aves

Escritório Embrapa de Canoinhas

Emp. de Pesquisa Agropecuária e

Extensão Rural de Santa Catarina

S/A (EPAGRI)