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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES RICARDO HENRIQUE SERRÃO ESTUDOS TERRITÓRIOS DE CRIAÇÃO: O gênero musical Estudo em uma perspectiva histórica e composicional CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

RICARDO HENRIQUE SERRÃO

ESTUDOS – TERRITÓRIOS DE CRIAÇÃO:

O gênero musical Estudo em uma perspectiva histórica e composicional

CAMPINAS

2018

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RICARDO HENRIQUE SERRÃO

ESTUDOS – TERRITÓRIOS DE CRIAÇÃO:

O gênero musical Estudo em uma perspectiva histórica e composicional

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade

Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de Mestre em Música, na área de Música:

Teoria, Criação e Prática.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State

University of Campinas as part of the requisites required to

obtain the title of Master of Music in the area of Music: Theory,

Creation and Practice.

ORIENTADOR: Profa. Dra. Denise Hortência Lopes Garcia

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA

POR RICARDO HENRIQUE SERRÃO E ORIENTADO PELA PROFA. DRA DENISE

HORTÊNCIA LOPES GARCIA

CAMPINAS

2018

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

RICARDO HENRIQUE SERRÃO

ORIENTADOR(A): DENISE HORTÊNCIA LOPES GARCIA

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. DENISE HORTÊNCIA LOPES GARCIA

2. PROF. DR. JOSÉ AUGUSTO MANNIS

3. PROF. DR. DIDIER JEAN GEORGES GUIGUE

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de

Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se

no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 23.08.2018

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Ao meu filho Ian Henrique Ferraz

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Denise Hortência Lopes Garcia por toda atenção, sensibilidade e, por abrir o

universo da composição musical em minha cabeça.

Ivan Simurra, Manu Falleiros, e Stephan Schaub pelas coorientações.

Jônatas Manzolli, José Padovani e Tadeu Tafarello pelas inúmeras constribuições na banca de

qualificação

Paulo Martelli pela oportunidade de estudo e por me orientar na escuta de grande parte do repertório

investigado nesse trabalho

Mauro Stephanies por acreditar e incentivar minhas potencialidades me presentendo com um

instrumento maravilhoso.

Aos amigos e professores que me ajudaram no desenvolvimento dessa pesquisa: José Augusto

Mannis, Danilo Rosseti, Gabriel Rimoldi, Bruno Ishisaki, Vinicius César, Clayton Mamedes, César

Augusto, Fabio Scarduelli, Mario da Silva, Daniel Murray, Maurício Orosco, Luis Carlos Barbieri,

Daniel Vargas, Gilson Antunes, Esdras Rodriguez, Cacá Machado.

Ao NICS e ao CDMC Unicamp por todo suporte em especial, Renata Gobi, Fabiana Benine e

Douglas.

À Unicamp, ao SAE e à Capes pela assistência e fomento determinantes à concretização desta

pesquisa.

À minha querida mãe, Sonia, por todo incentivo, cuidado e luta.

À minha companheira Deborah e ao nosso filho Ian por me trazerem o amor todos os dias.

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RESUMO

Este projeto se constrói na investigação musicológica do gênero musical Estudo pelas perspectivas

musicológicas históricas e composicionais.Para isso, realizamos um esboço historiográfico do gênero

Estudo e uma série de análises musicais sob dois âmbitos complementares: (i) Música ocidental

entre os séculos XVIII e XX; (ii) Estudos brasileiros compostos entre os séculos XX e XXI.

Como parte final, foi realizado a composição de quatro Estudos para violão solo em que usufruímos

do ambiente do gênero Estudo em seus potenciais de reflexão, experimentação e criação de forma a

convergir os campos da composição, análise e performance musicais.

Palavras-chave: Estudos; Musica Poetica; Iluminismo; Chopin; Claude Debussy; Arthur Kampela.

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ABSTRACT

This project is built on the musicological research of the musical genre Study by the historical and

compositional musicological perspectives. For this, we carried out a historiographic sketch of the

genre Study and a series of musical analyzes under two complementary scopes: (i) Western music

between the eighteenth and twentieth centuries; (ii) Brazilian studies composed between the 20th and

21st centuries.

As a final part, the composition of four studies for solo guitar was realized in which we enjoy the

environment of the genre Study in its potential of reflection, experimentation and creation in order to

converge the fields of musical composition, analysis and performance.

Keywords: Studies; Musica Poetica; Iluminism; Chopin; Claude Debussy; Arthur Kampela.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 ..................................................................................................................................... 13

1.1 MÚSICA E LINGUAGEM: UM LEGADO PEDAGÓGICO EM J.S.BACH ....................................................................... 13 1.2 ÉCOLE DE MÉCANISME E O GÊNERO MUSICAL ESTUDO ....................................................................................... 20

CAPÍTULO 2 ..................................................................................................................................... 29

2.1. OS ESTUDOS DE CHOPIN .................................................................................................................................... 29 2.2. OS DOUZE ÉTUDES DE CLAUDE DEBUSSY .......................................................................................................... 45

CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................................... 59

3. PERCUSSION STUDY II DE ARTHUR KAMPELA: CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS ..................................................... 59

CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................................... 72

4.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE QUATRO ESTUDOS ........................................................................................................ 72 4.2. QUATRO ESTUDOS PARA VIOLÃO ...................................................................................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 87

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INTRODUÇÃO

Ainda hoje parece permenecer um certo “senso comum” de que o gênero musical Estudo

consiste, exclusivamente, de peças voltadas ao treinamento mecânico instrumental. Buscamos nessa

pesquisa, investigar e contradizer essa perspectiva no intuito de favorecer um complexo de propostas

que cercam este objeto e que, de alguma maneira, possam contribuir para uma melhor formação dos

músicos.

Nesse sentido, a delimitação de nosso tema se concentra em analisar o gênero musical “Estudo”

sob uma perspectiva histórica e composicional, de forma a favorecer a compreensão do gênero na

música, especialmente, dos séculos XVII ao XXI, que, nesse momento, encontra-se imerso em uma

complexa diversidade de abordagens. Como exemplo, no século XX, o gênero Estudo potencializa-se

por sua diversidade de propostas e, principalmente, por seu suporte como ambiente de experimentação

composicional. É possível, nesse momento, observar abordagens mecânicas instrumentais, estilísticas

e também, outras essencialmente composicionais. Essa diversidade de abordagens presentes no gênero

reflete, inevitavelmente, sua trajetória histórica e, também, as diferentes perspectivas que o título

“Estudo” pode evocar, podendo significar desde o exercício prático por repetições e imitações até o

aprendizado pela compreensão, reflexão e criação. Portanto, torna-se comum, no século XX, que um(a)

compositor(a) investigue uma determinada escrita composicional e não utilize o título “Estudo”, talvez

pela tentativa de sobrepor o foco da tecnicidade pela metáfora. Destacamos a complexidade do termo

“Estudo”, pois, no contato com uma obra escrita nos séculos XX e XXI, é comum nos depararmos

com singularidades composicionais que não serão retomadas em outras obras do mesmo compositor e

inevitavelmenete trarão um ambiente de investigação sem que necessariamente receba o título de

Estudo. Porém, ainda assim, o século XX parece trazer um momento de maior produção de obras

intituladas como “Estudos”.

Nesse sentido, nossa problemática foi construída, primeiramente, a partir de uma imprecisão

que o título “Estudo” pode sugerir a uma composição musical. Consideramos “imprecisão” pelo fato

de que em diferentes momentos da história não somente a práxis musical sofreu mudanças, mas,

também, todo seu contexto social, favorecendo assim novas perspectivas direcionadas às práticas de

ensino, aprendizado e criação.

Dessa forma, utilizamos diversas metodologias com intuito de evidenciar características que

nos fossem importantes para mapear algumas singularidades do gênero Estudo em sua trajetória

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histórica, porém nos atentando em evitar traçar uma linha crononológica de caráter evolucionista, mas,

sim, ampliar as perspectivas de compreensão do gênero e de sua complexidade na música dos séculos

XX e XXI.

No capítulo 1, investigamos antagonismos pedagógicos envolvendo práticas musicais entre os

séculos XVII e XVIII, em especial, as divergências entre a prática da Musica Poetica e a École de

mecanisme. Algumas peças musicais de caráter pedagógico escritas durante a primeira metade do séc.

XVIII nos permitem revisitar uma práxis musical em que a performance e a composição musicais eram

habilidades indissociáveis, por atrelarem a música às perspectivas de um discurso sonoro enquanto

linguagem. Já em finais do século XVIII, antagonismos pedagógicos remodelaram as práticas de

ensino em música no ocidente, estruturando-se nas instituições de ensino uma práxis musical

essencialmente tecnicista e pragmática – consolidava-se então uma “escola do mecanismo”.

Procuramos evidenciar este antagonismo pedagógico e discutir que, apesar das aberturas à crítica

racional e ao pensamento científico fortalecidas pela filosofia iluminista, existiu uma grande influência

na escola do mecanismo das formas de organização do trabalho, em que os conceitos de eficiência e

especialização da mão de obra trabalhadora refletiram-se em práticas pedagógicas pragmáticas.

No capítulo 2, buscamos olhar para o final do século XIX, observando a transição desse perfil

através dos Estudos para piano de Chopin, os quais nos trouxeram diversas críticas à “escola do

mecanismo”, propondo renovações tanto na pedagogia da performance quanto no próprio conceito

composicional de Estudo. Nesse sentido, trouxemos a hipótese de que os Estudos de Chopin podem

apresentar as premissas que seriam amplificadas em Claude Debussy nas propostas de uma escuta

concentrada e da articulação formal das unidades sonoras. Buscamos evidenciar os aspectos de

sonoridade de alguns Estudos de Chopin, de forma a cercar uma de nossas hipóteses: aspectos de

escuta e composição estariam sendo questionados no ambiente dos Estudos românticos e, dessa forma,

influenciando os compositores do início do século XX que de alguma maneira exploraram uma

“prolongação da harmonia no timbre”.

Herold (2011) destaca a importância do performer em se engajar com a perspectiva sonora na

compreeensão da obra de Chopin, problemática que será acentuada na compreensão da sonoridade na

música do século XX. Nesse sentido, dialogamos com as hipóteses de Solomos (2007) e Guigue

(2011), que sugerem ser a sonoridade um paradigma composicional na música do século XX, por

exercer funções de articulação da forma musical ou, nas palavras do autor, de “integrar ao processo de

gestação da obra”. Este trabalho com a sonoridade através da composição de Estudos seria

intensificado na primeira metade do século XX, de forma muito singular.

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No século XX, o gênero Estudo potencializa-se por sua diversidade de propostas e,

principalmente, por seu suporte como ambiente de experimentação composicional. É possível, nesse

momento, observar abordagens mecânicas instrumentais, estilísticas e, também, outras essencialmente

composicionais. No capítulo 3, analisamos o Percussion Studie II, do compositor brasileiro Arthur

Kampela, que nos permitiu observar a complexidade do gênero nos séculos XX e XXI. Tratamos como

“complexidade” não o nível de dificuldade de criação e execução desta obra, mas, sim, de uma gama

de reflexões nos campos da performance e composição que se fundem e acabam por romper – e

resgatar – diversos paradigmas do gênero.

Por fim, no capítulo 4, foram compostos 4 Estudos escritos para Violão solo. Pela extensão

dessa pesquisa, esses Estudos não buscaram realizar uma síntese do conteúdo investigado, mas

apresentar, no campo da criação, obras influenciadas pelas reflexões teóricas dessa pesquisa.

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CAPÍTULO 1

Antagonismo pedagógico entre práxis musicais dos séculos XVIII e XIX: da Musica Poetica à

École de mécanisme

1.1 Música e linguagem: um legado pedagógico em J.S.Bach

A pedagogia musical passa por diversas transformações durante a história e podemos considerar que elas

são influenciadas pelo desenvolvimento do pensamento especulativo, das culturas e das relações sociais em se

conceber a ciência, a tecnologia e as artes. Investigar peças musicais do século XVIII que tenham propósitos

pedagógicos nos sugere considerar esses diversos aspectos em busca de hipóteses que nos ajude a compreender

não apenas as diferentes práticas de ensino em música, mas também as práxis musicais como atividades

complexas. As artes liberais gregas – aquelas dignas apenas aos “homens livres” da Grécia – fizeram parte do

currículo acadêmico medieval e também formaram uma estrutura pedagógica organizada por dois grupos de

estudo: trívíum (gramática, retórica, dialética) e quadrívium (aritmética, geometria, astronomia, música).

Abbagnano (2007: p. 225) destaca que a formação medieval – em diálogo com as artes liberais gregas – estava

interessada na “preparação do homem aos deveres religiosos e para a vida ultraterrena” e não mais como parte na

formação dos guardiões e governantes gregos.

As artes liberais mantiveram sua forma razoavelmente inalterada, no que tange a divisão em

dois grupos de estudo, o quadrivium e o trivium. O quadrivium reunia as disciplinas mais

nobres, pois se relacionavam ao conhecimento de Deus e sua ação na Criação, a saber, a

Astronomia, a Aritmética, a Geometria e a Música. Pode parecer estranha a inclusão da música

nessa categoria, mas tratava-se aqui de sua acepção especulativa, oriunda da tradição

pitagórica aonde ela seria uma projeção da harmonia do próprio universo. O trivium reunia

disciplinas menos importantes, pois se dedicava apenas às relações do homem com outros

homens, através da prática da Gramática, Lógica e Retórica. (TEIXEIRA, 2014: 24-25)

Porém, na renascença musical os estudiosos humanistas favoreceram uma inversão gradativa nas

prioridades pedagógicas. Se as universidades medievais voltaram-se às disciplinas do quadrivium, os humanistas

da renascença interessaram-se na linguagem e nas disciplinas de linguística do trivium permitindo, nesse

momento, uma maior influência dos conceitos retóricos no pensamento musical do período.

A concepção musical da reforma protestante fundamenta-se parcialmente nas idéias propostas

pelos integrantes da camerata fiorentina, músicos e teóricos ligados ao círculo de conde

Giovanni Bardi. Estes pensadores foram os primeiros humanistas a propor uma concepção

musical baseada na Poética aristotélica, obra que se tornou modelar para as artes nos séculos

XVII e XVIII. Entre as principais afirmações deste está a idéia de a música deve imitar a alma

humana movida pelos afetos. Esta imitação não é ditada pela individualidade do compositor,

mas objetivamente determinada. Com isso, estes autores declaram que o músico deve imitar a

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fala tipificada de modelos dramáticos, representando os afetos não em seu estado natural, mas

codificados por manuais como a Ética e a Retórica aristotélicas. Pensadores luteranos do

século XVII absorveram a concepção musical advinda da Camerata, e associaram-na à idéia

medieval de música como Arte Liberal, inserida, junto com a matemática, a astronomia e a

geometria, na categoria de numerus. (LUCAS, 2017: p. 54 Apud DAMMANN, 1995: p. 99)

A Reforma Protestante alemã, encaminhada a partir do séc. XVI por Martinho Lutero, pode ser um objeto

significativo na investigação das práticas de ensino no ocidente. O movimento protestante aproveitou a busca

humanista pelos textos clássicos gregos e hebraicos como forma de obter ferramentas linguísticas – trivium – para

questionar e propor novas interpretações aos textos bíblicos do cristianismo.

Dentre tantas alterações na sociedade, o que causou maiores reflexos, naquele período e

posteriormente, foi o sistema educacional promulgado por Lutero, onde todo cidadão teria de

ser alfabetizado para poder ler e interpretar as Escrituras para si. O braço direito de Lutero,

Philipp Melachthon, além de ter redigido os tratados teológicos mais densos do período, foi o

encarregado de produzir o manual de retórica que seria utilizado na Lateinschulle, pois era

especialista na disciplina. Desse contexto de mudanças filosóficas (no mundo), musicais (na

Itália) e teológicas (na Alemanha), bastou a combinação desses elementos para que se

resultasse um nome: Johann Sebastian Bach. (TEIXEIRA, 2014: p. 26)

Aspectos teóricos da oratória passavam a estruturar uma disciplina de retórica musical que,

consequentemente, tornava-se elemento fundamental aos processos de performance, composição e educação

musicais do século XVII e XVIII.

O humanismo retomou o interesse no estudo das disciplinas de linguística durante a renascença

para aprofundar-se em todos os aspectos acadêmicos e artísticos da Europa. Comum em toda

tradição da música barroca e renascentista da Europa, houve uma crescente ênfase na

expressão do texto musical, de maneira geral se relacionando entre música e retórica. [...] A

tradição da música poética alemã foi esforçar-se em desenvolver sistematicamente uma

disciplina de retórica musical. [...] O ponto de partida para os músicos alemães deste período

era investigar a existência de uma expressão ou forma musical que pudesse ser analisada para

detectar seus componentes, tornando a obra acessível para os propósitos pedagógicos e

artísticos. (BARTEL, 1997, p. 57-58)

Essa aproximação entre música e retórica permitiu o desenvolvimento de uma disciplina direcionada às

singularidades da retórica aplicada à musica criando portanto o conceito de musica poetica.

Alguns teóricos luteranos propuseram uma terceira categoria [música teórica, música prática],

a musica poetica. O antigo princípio cosmológico (e suas abstrações numéricas) foi

gradativamente substituído por este, de caráter antropológico, revelado nos textos de teóricos

da musica poetica. Trata-se de uma mudança no fundamento do pensamento musical

renascentista, a princípio relacionada à matemática do quadrivium, passando e firmando-se no

aspecto linguístico do trivium. (BARTEL, 1997: p. 19-20).

A Musica Poetica barroca adotou, junto à igreja luterana, os conceitos e as terminologias das

figuras retóricas da linguística e, consequentemente, incorporou os princípios de estruturação retórica

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para as necessidades da música vocal e instrumental. Bartel (1997, p. 80) destaca que para o musicus

poeticus toda irracionalidade, indefinição ou conteúdo musical inacessível à compreensão de sua

significância com o texto eram improdutivos.

A segunda metade do século XVIII é geralmente vista como o momento em que a música

instrumental desenvolveu um discurso autônomo em relação à linguagem verbal. Esta época é

marcada pelo surgimento da Estética, que substitui a visão poético-retórica como diretrizes

teóricas da música. Tal mudança de paradigma é frequentemente vista como uma ruptura; no

entanto, é possível constatar que para muitos autores da época, música instrumental e poesia

ainda se combinam, fundamentadas no princípio aristotélico de imitação. Estas idéias tiveram

especial validade no mundo luterano. Para autores reformados, a música, seja vocal ou

instrumental, é uma linguagem sonora, com premissas análogas às da oratória. (LUCAS, 2017:

p. 52)

Apenas a aplicação racional das etapas de estruturação retórica poderiam tornar uma

composição musical capaz de despertar os afetos contidos nos textos, de maneira a sempre glorificar

a Deus e persuadir o ouvinte.

A tradição da musica poetica não tinha o objetivo direto de estabelecer uma nova ordem

musical, como o fizeram na seconda prattica italiana, mas sim convergir o trivium e o

quadrivium - as definições matemáticas e linguísticas - aos conceitos de música sob uma

concepção que serviria especificamente às necessidades da prática litúrgica luterana que

buscava um grande envolvimento congregacional. [...] O Kantor luterano deveria determinar

os caminhos da música barroca alemã, culminando então na obra de J.S. Bach. (ROSEN, 1997,

p. 74)

Sousa (2011) destaca que os esforços em convergir teoria e prática musicais em uma

abordagem pedagógica podem ser encontrados em diversos outros materiais que precederam a obra de

J. S. Bach. As obras pedagógicas compostas por Johann Sebastian Bach (1685-1750) não partem de

tratados, métodos ou ensaios teóricos, mas sim de composições musicais. Segundo Jank (1988, p. 8),

Johann Sebastian Bach representa o fim de uma época. Em sua obra é possível encontrar o

desenvolvimento da polifonia e da harmonia em continuidade às buscas de compositores da renascença

como Eccard (1553-1611) ou Praetorius (1571-1621).

[...] Foi com Gioseffo Zarlino (1517-1590) e sua Le Istituizioni Harmoniche (1558) - a

primeira obra teórica a combinar os gêneros musica practica e musica theorica num único

tratado - que a visão dialética da música passou a prevalecer como base do pensamento

musical, influenciando gerações de teóricos pelos duzentos anos seguintes. [...] o lugar da

musica practica não somente assumiu predominância na vida musical européia, mas também

passou a liderar a filosofia pedagógica de ensino da teoria musical. Como nos exemplifica

Wason (2002): “É através da prática instrumental barroca, particularmente a dos instrumentos

de teclado, que a ascensão do sistema de transposição tonal maior/menor pode ser vista mais

claramente. O sistema tonal então emergente encontra sua mais explícita racionalização e

organização na literatura pedagógica que a acompanha. [...] A partir de então, a teoria musical

registrada em tratados e compêndios passou a seguir um enfoque prático [...] O registro de

uma “ação musical”, de uma práxis, passou a ser a inventio dos documentos musicais, com o

objetivo pedagógico de ensinar a “fazer” música. (SOUSA, 2011: p. 13-14 apud WASON,

2002, apud CHRISTENSEN, 2002: p. 50).

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JANK (1988, p. 13) comenta que, um aprofundamento nas 200 cantatas de J. S. Bach - e dos

símbolos que estas carregam - permite compreender grande parte da concepção musical do compositor.

Porém, é de fato em sua coleção Clavierübung – “Pratica do teclado” em quatro volumes – que o

compositor demonstra uma intenção pedagógica à formação do músico religioso. Williams (2004: p.

14) comenta que as implicações do termo Clavierübung são menos pragmáticas do que podemos supor.

Nos dias de hoje é comum os títulos Studies, Études, Exercises ou essercizi para peças didáticas e até

uma criança, ao se defrontar com estes materias, poderá dizer que “praticar” significa “exercitar-se na

performance musical buscando aprimorar suas habilidades mecânicas”. Porém a primeira publicação

inglesa das Goldberg Variations de J.S. Bach - Clavierübung IV - trouxe o título Lessons for the

Harpsichord, sendo “lesson” um termo sugerido aos músicos para que encontrassem nestas obras

determinadas condições ao desenvolvimento da performance, da instrução de conhecimentos da

retórica musical, da composição e da prática da improvisação.

As obras destes ciclos, pedagógicas por excelência, não são didáticas no sentido comum da

palavra. São exemplos, através dos quais o aluno tem condições de aprender sozinho, usando

sua própria criatividade e experiência no processo de aprendizagem. Isto está ilustrado na

introdução ao “Orgelbuchlein” (Pequeno livro para o aprendizado do órgão – BWV 599 a

644). A introdução diz: “Dem hochsteen gott allein zu ehren / dem nachsten draus sich zu

belehren” (Para a honra de nosso Deus supremo / ao próximo, para que daí faça seu

aprendizado”). A expressão “sich belehren” significa exatamente “ensinar a si mesmo”, que

equivale a pesquisar com autonomia, e retirar do material pesquisado seus próprios

ensinamentos. (JANK, 1988, p. 13)

Vale destacar que a autonomia sugerida aos estudantes estava diretamente relacionada a todo

um complexo de disciplinas que eram oferecidas pelas escolas luteranas – Lateinschule, Gymnasium

ou Gelehrtenschule - e ministradas pelo Kantor. A profissão de Kantor - exercida por J. S. Bach - era

essencialmente protestante, voltada às propostas de formação e doutrinação religiosa de Lutero, que

consistia basicamente em compor música, ensaiar grupos vocais e instrumentais, além de ensinar latim,

catecismo, teoria e retórica musicais.

Nos domínios luteranos, diferentemente do que ocorreu no mundo contrarreformado, a música

tornou-se um importante objeto de estudo prático nas escolas, a partir da reforma do ensino

consolidada em 1528 por Philipp Melanchton. É sabido que as escolas luteranas constituíram

uma relevante via de transmissão do dogma luterano. Elas foram, ao mesmo tempo, importante

veículo de estudos humanistas no mundo reformado. As preceptivas musicais concebidas para

este uso escolar são manuais práticos de solmização e contraponto, cuja finalidade era a de

proporcionar aos alunos o domínio técnico que os habilitasse a prover música prática para os

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serviços religiosos. A concepção, derivada da Poética, do afeto como princípio unificador de

música e palavra fundamenta, nestas obras, o uso de termos advindos de retóricas ciceronianas

para a descrição de procedimentos musicais. (LUCAS, 2017: p. 3)

Outra obra de pequenas peças pedagógicas para teclado de J. S. Bach é o conjunto de Invenções

e Sinfonias para teclado (clavichord) composta para seu filho W. F. Bach e utilizadas como parte de

sua formação musical quando este tinha nove anos de idade. Conferindo o prefácio da coleção,

percebemos que sua abordagem não estava limitada ao estrito aprimoramento de habilidades

mecânicas do teclado, mas em uma abordagem de maior plenitude envolvendo a compreensão e a

expressão de acordo com as perspectivas da musica poetica.

A versão mais antiga das “invenções e sinfonias” de J.S. Bach apareceu no “caderno de estudo

para Wilhelm Friedemann Bach”. Essa coleção de pequenas peças foi uma ferramenta

pedagógica de J.S. Bach para ensinar seu filho mais velho, W. F. Bach. J.S. Bach começou a

compor estas obras em 1720 na cidade de Cothen, quando Wilhelm Friedemann tinha nove

anos de idade. Neste caderno, cada invenção a duas vozes era chamada de Praeambulum e as

invenções a três vozes eram chamadas de fantasia. Na versão, datada em 1723 e a mais

utilizada como base para as edições modernas, as invenções a duas vozes foram chamadas de

Inventions e as invenções a três vozes foram chamadas de sinfonias. [...] O termo invention

está relacionado ao inventio do processo de estruturação retórica, em que a primeira etapa

consiste em inventar um tema para a oratória. [...] O propósito pedagógico destas composições

é descrito no prefácio do manuscrito editado em 1723: “para ensinar a independência das mãos,

a habilidade da performance com música polifônica, a habilidade em tocar como o estilo, de

se cantar e, também, compor suas próprias peças. (KUEHNLE, 2000: p. 2-3)

Buscando os possíveis significados do titulo Inventio - adotado na versão final da obra – Bartel

destaca que o inventio representava a primeira etapa da estruturação retórica – inventio, dispositio e

elocutio – em uma teoria de composição musical. Segundo o autor, Athanasius Kircher descreve que

todas estas três etapas de processo retórico estão relacionadas com a expressão do texto: (i) inventio

relacionava-se a uma espécie de transcrição do conteúdo de texto à estrutura musical, ou seja, um

processo de composição musical em que o discurso das palavras é levado ao discurso dos sons; (ii)

dispositio consistia em uma “apropriação agradável” das palavras para o expressão musical; (iii)

elocutio ornamentava toda a composição através do uso de metáforas e figuras retóricas musicais em

um processo de despertar afetos profundos ou, também, a própria performance.

[em composição musical] A primeira etapa no processo de estruturação retórica é a inventio:

nesta etapa determina-se o tema, ou o sujeito. Athanasius Kircher limitava a aplicação do

inventio para a associação e representação do texto através dos sons. De acordo com Kircher,

o compositor primeiro escolhe o tema ou sujeito cujo material se tornará a base fundamental

para a representação e evocação dos afetos. Em seguida define a tonalidade da composição de

acordo com seu desejo afetivo. Por fim, o compositor escolhe a métrica e o ritmo para a

composição levando sempre em consideração o texto e seu afeto. [...] (BARTEL, 1997: p. 77)

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A Inventio 10 - BWV 781 – de J. S. Bach aborda figuras retóricas musicais que podem

representar “ênfase” através de diversos recursos de repetição e reiteração de um conteúdo. Como

exemplo, a figura retórica musical chamada Epizeuxis representa uma determinada “ênfase” sob o

recurso da repetição. Segundo Bartel (1997, p. 263), na linguagem falada esta figura representa a

repetição imediata de uma palavra, criando reiterações de potencial persuasivo. No exemplo abaixo,

destacamos a repetição imediata de tríades descendentes. O aspecto enfático da repetição é reforçado

em transposições, imitações e defasagens métricas do mesmo motivo triádico.

Figura 1. J.S. Bach - Invenção 10 – Epizeuxis (c.1-3)

A figura retórica musical Paronomasia também pode expressar-se por recursos de repetição. Esta figura

busca conquistar um discurso de ênfase utilizando-se de repetições com variação do perfil inicial, muito comum

na oratória no uso de rimas. No exemplo abaixo, estas pequenas alterações aparecem primeiramente nas vozes

individuais sob diferentes transposições. Em seguida, no registro mais grave, destacamos com quadrados os perfis

melódicos alterados – em forma de bordadura – com relação ao perfil inicial.

Figura 2. J. S. Bach - Invenção 10 – Paronomasia (c.27-28)

A figura retórica musical Anadiplosis também corresponde na persuasão retórica de ênfase

através da repetição. Segundo Bartel (1997, p. 180-181), trata-se de uma figura amplamente utilizada

no discurso retórico em que a última palavra de uma frase ou passagem é repetida no início da próxima.

No exemplo abaixo, destacamos a Anadiplosis nos motivos.

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Figura 3. J. S. Bach - Invenção 10 – Anadiplosis (c.29-30)

Por fim, destacamos um novo aspecto retórico que articula a macroforma da peça. A figura

retórica Antithesis serve como uma oratória de contra argumentação. Suas característas adjacentes à

idéia inicial – trinados por graus conjuntos ao invés de arpejos triádicos –, porém foram construídas

sob os mesmos princípios de ênfase da Epizeuxis em uma espécie de contra argumentação sob

apropriação da expressão afetiva inicial.

Figura 4. J. S. Bach – Invenção 10 - Epizeuxis e Antithesis - (C. 19-25)

O intuito em investigar aspectos pedagógicas nas práticas de ensino barroca – mais

especificamente na formação religiosa luterana em que se encontram as obras de J. S. Bach – não busca

reviver uma prática de ensino “mais completa” nem estabelecer uma solução aos problemas

pedagógicos das instituições de ensino no século XXI. Buscamos refletir sobre abordagens de ensino

que favoreceram uma práxis musical em que se criava aprendendo – e vice versa. Esta convergência

entre áreas diversificadas do conhecimento musical e extra-musical, intimamente ligada ao

pensamento pedagógico protestante e humanista, direcionou-se à compreensão da linguagem musical

enquanto um discurso sonoro de grande potencial em afetar um receptor. Nesse sentido, buscamos

destacar na obra de J. S. Bach a existência de um repertório musical de peças didáticas que viria a

consolidar, no início do século XIX, o gênero musical “Estudo”, nesse momento repleto de novas

singularidades e amplamente dissociado das práticas pedagógicas luteranas.

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1.2 École de Mécanisme e o gênero musical Estudo

O pensamento filosófico iluminista do século XVIII – o “século das luzes” – motivou reformas sociais,

políticas, econômicas e culturais profundas na Europa. Esse pensamento, caracterizou-se pelo empenho em

ampliar a razão como crítica, ou seja, usufruir das facudades da indagação e da investigação para tornar a razão

um guia a todos os campos da experiência humana. Essa atitude crítica dos iluministas buscou romper com

paradigmas do passado em uma espécie de “antitradicionalismo” que, no domínio político e social, se refletiu na

transição do poder monárquico absolutista a um crescente Estado burguês, industrial e liberal. Esse processo

político se consolidou com a Revolução Francesa em 1789, criando a idéia de que o Estado deveria ser o

responsável pela garantia da educação e formação de toda sociedade de maneira igualitária – égalité – e que

homens e mulheres são pessoas livres, sem tradições e centradas ao futuro. Dessa maneira, Abbagnano (2007:

535) comenta que todo o conhecimento – incluindo as crenças – foi submetido à crítica1 e ao empirismo2 a fim

de melhorar a vida privada e social das pessoas3. A indagação racional estendeu-se aos domínios moral, penal,

político e religioso como, por exemplo, no chamado deísmo iluminista, em que se buscou questionar a validade

da religião "nos limites da razão".

De fato, só a atitude empirista garante a abertura do domínio da ciência e, em geral, do

conhecimento, à crítica da razão, pois consiste em admitir que toda verdade pode e deve ser

colocada à prova, eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Isso explica porque o

Iluminismo sempre esteve estritamente unido à atitude empirista. O empirismo é o ponto de

partida e o pressuposto de muitos deístas; é a filosofia defendida por Voltaire, Diderot,

D'Alembert e que, através da obra de Wolff, domina os rumos do Iluminismo alemão até

Immanuel Kant. (ABBAGNANO, 2007: p. 535)

Nesse momento, a classe burguesa estimulou um intenso processo de industrialização na Europa e,

consequentemente, um crescente impulso do ensino profissionalizante fornecido pelo estado às massas sob

propostas de igualdade do direito à educação. A centralização, a uniformização e o monitoramento dos meios de

produção pelo Estado foram refletidos nas práticas de ensino do século XIX e, nesse contexto, a relação entre

organização do trabalho e novos paradigmas pedagógicos se aproximam, primeiramente pelo território europeu.

É nessa busca capitalista por eficiência que se destaca um antagonismo nas práticas de ensino entre os séculos

1 A Crítica, assim entendida, figurava-se a Immanuel Kant (1724-1804) como uma das tarefas de sua época ou, como diz

ele habitualmente, da "Idade Moderna"; de fato, constituía a aspiração fundamental do Iluminismo, que, decidido a

submeter todas as coisas à Crítica da razão, nào se recusava a submeter a própria razão à Crítica, para determinar seus

limites e eliminar de seu âmbito os problemas fictícios (Abbagnano, 2007 :535) 2 Consideramos como aspectos do pensamento empírico a negação do caráter dogmático da verdade assim como, a

necessidade de questioná-la, modificá-la e corrigi-la. 3 Abbagnano (2007 :536) comenta que o pensamento iluminista “vê no conhecimento essencialmente um instrumento de

ação, um meio para agir sobre o mundo e melhorá-lo: o ideal da “vida contemplativa” – vida dedicada exclusivamente ao

conhecimento - parece abandonado e retomado posteriormente no Romantismo.

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XVIII e XIX. Rugiu (1998, p. 148) descreve estes pólos adjacentes como “instrução acelerada” em oposição à

educação tutorial e individualizada comum no período barroco.

Na França, entre a Revolução Francesa e o Império, nasce um sistema educativo moderno e

orgânico, que permanecerá longamente como um exemplo a imitar para a Europa inteira e que

fornecerá os fundamentos para a escola contemporânea, com seu caráter estatal, centralizado,

organicamente articulado, unificado por horários, programas e livros de texto. (CAMBI, 1999:

p. 365).

Além do impacto das relações sociais do trabalho na educação, alguns autores apontam que no campo do

ensino de música houve um crescente interesse das escolas militares em oferecer a formação musical como

estratégia de mobilização militar das massas. Corvisier (1983: 405) aponta que neste período a França buscava

pela especialização de suas potências militares, porém encontrava dificuldades no recrutamento de soldados, pois,

à medida em que foram reforçados os sentimentos nacionais, foi reduzida a quantidade de soldados estrangeiros.

Squeff (1989: p. 14-29) fala sobre a importância do hábito cívico para a consolidação da revolução na França e,

também, sobre as estratégias de recrutamento militar na convocação de festas nacionais como parte essencial da

educação pública e sustentação de uma nação de “pessoas livres”.

Os concertos em praça pública constituem, de qualquer modo, um hábito cívico que

consolidará com a revolução. [...] Em tal ambiente, justifica-se que a um Méhul não parecerá

exagero algum projetar um coral de 300 mil pessoas. [...] Com efeito, a se crer no número de

festas cívicas, no grande aparato sempre musical de toda a revolução, o tema da música se

ampliará enormemente. [...] Música na política? A recíproca também parece ser verdadeira:

Bernard Sarrete, organizador da Escola de Música da Guarda Nacional – na verdade o germe

do que seria mais tarde o Conservatório de Paris –, faz política tão bem quanto zela pela

música. É essa também a grande virtude, quem sabe, não apenas de Rousseau, mas do

iluminismo como tal: a insistência na idéia-força de que todos os homens são capazes de

realizar a grande tarefa da transformação do mundo a partir do saber. E que não resta ao

filósofo, ao pensador, senão um didatismo que, obviamente, no caso da música, irá redundar,

justamente numa produção que a revolução tentará revelar tanto para a França, quanto para o

mundo. Na própria idéia da organização da Enciclopédia, por sinal, há a suposição de que a

vulgarização do saber será o suficiente para o surgimento de uma nova sociedade. (SQUEFF,

1989: p.14-29)

Podemos considerar, de maneira geral, que o ensino tecnicista tornou-se uma estratégia efetiva

à mobilização das massas. No campo da música, a fundação do Conservatório de Paris – Conservatoire

National de Musique et Déclamation – em 1795 ilustra esse contexto e representa um ponto

emblemático sobre novos paradigmas na pedagogia musical. Torrado (2005: p. 61) resume o plano de

curso do conservatório de Paris durante a primeira metade do século XIX sob três principais frentes

disciplinares: (i) decodificação da notação musical por meio de solfejos mecânicos; (ii) virtuosismo

técnico com o instrumento adquirido através da abordagem enfática ao aprimoramento do mecanismo

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instrumental; (iii) preparação de um repertório numeroso buscando a cada nível do curso, acrescentar

peças de maior complexidade mecânica.

De maneira resumida, temos nesse momento uma inversão do “aprender a fazer música”

através de uma práxis complexa para o “aprender a executar” música, neste caso muito mais

pragmático. Os estudantes deveriam tornar-se hábeis suficientes com “todas” as dificuldades

mecânicas que os programas de curso julgavam serem necessárias a seus instrumentos. Para isso,

tornou-se regra de boa conduta nos estudos a prática diária do mecanismo instrumental. Entendemos

como mecanismo os reflexos motores do corpo e como mecanismo instrumental a sistematização dos

principais gestos motores – ou parte desses – que envolvem a emissão sonora de um instrumento ou

da voz humana. Basicamente, uma abordagem pedagógica musical regida sob o conceito do

mecanismo instrumental buscará uniformizar a força e agilidade dos dedos através de padrões de

digitação e articulação aplicados à numerosas repetições de fórmulas fixas de arpejos, escalas, saltos,

acordes, notas repetidas, etc.

A separação entre técnica e arte é um componente fundamental do nosso estudo. Na tradição

de ensino do modelo mestre-aprendiz, arte e técnica são sinônimos, se não dois lados da mesma

moeda (uma herança da origem grega da palavra tékhne, que significava as duas coisas). É a

tradição do artesão, do “artífice”, que, para transmitir sua “arte”, ou “obra”, dispunha de sua

“técnica” e de seu próprio meio material, ou “instrumento”. Com o ensino profissionalizante

do modelo Conservatoire, a formação técnica do instrumento entrou em primeiro plano,

portanto os aspectos “operacionais” puderam ser estudados isoladamente com mais

profundidade e também com certo descompromisso em relação a seus propósitos artísticos.

Assim, chamamos de ensino “metodizado” a forma desenvolvida pelo modelo Conservatoire,

que procurava, intencionalmente, transmitir o conhecimento destituído de hermetismos e

individualismos, ao contrário do modelo mestre-aprendiz. (SOUSA, 2011, p. 56)

Ocorre nesse momento uma valorização acentuada na preparação das habilidades mecânicas

instrumentais do performer. A ênfase no mecanismo se disseminou no ensino dos diversos

instrumentos musicais, assim como em um ensino tecnicista das disciplinas de harmonia, contraponto,

solfejo e composição musicais. Esta maneira pragmática de ensinar música favoreceu uma vasta

produção de métodos progressivos que, pelo viés institucional, fortaleceram uma uniformização na

abordagem pedagógica e consequentemente a formação de músicos profissionais em “linha de

produção” o que mais tarde viria a ser chamado de “escola do mecanismo” – École de mécanisme.

Esses materiais didáticos foram desenvolvendo-se e ganhando interesse de mercado4, suas propostas

4 RUSHTON (1985: p. 11) comenta que a produção de materiais didáticos no período clássico estava alinhada não somente aos novos paradigmas pedagógicos musicais, mas também aos novos desafios na condição social do músico e no crescente mercado de venda de partituras.

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de síntese e progressão didática traziam uma grande quantidade de exercícios e também pequenas

peças musicais.

Figura 1. A. Marmontel - Grand Étude d’introduction , 1867.

É sob essa perspectiva que a escola do mecanismo instrumental passa a propor, em seus

materiais didáticos, uma rotina diária de estudos baseados na repetição de condicionamentos motores

dissociados dos aspectos de criação, improvisação e compreensão da linguagem musical, o que viria

mais tarde a ser criticado por Chopin como uma escola da “ginástica dos dedos”. No exemplo abaixo

Czerny busca, através da repetição, uniformizar os dedos em seu potencial de articular legato e

staccato, ou seja, espera-se, por exemplo, que com inúmeras repetições o dedo 5 conquiste o mesmo

resultado sonoro que o dedo 1 independente de suas diferenças fisiológicas.

Figura 6. Czerny - Nouveaux exercices journaliers – Op .848 – uniformizando articulações legato e staccato

Apesar do uso de pequenas peças musicais de caráter didático já ter sido abarcado durante pelo

menos todo século XVI e XVII, é no contexto do século XIX que se consolida o gênero musical

“Estudo”. Nesse momento, essas peças reconfiguram-se e assimilam as novas perspectivas de ensino

de seu tempo de forma a tornarem-se parte de um material de ensino e, também, de pragmatização das

relações do performer com a linguagem musical.

Já no final do século XVIII e primeira metade do XIX, com o crescente uso do pianoforte,

surge o gênero Estudo, baseado na ideia da repetição mecânica e incansável de fórmulas,

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visando o desenvolvimento de competências que, na época, se pensava caracterizarem a boa

técnica: velocidade, igualdade da força dos dedos e resistência. Os títulos de Czerny, aluno de

Beethoven, professor de Liszt e inventor de uma enorme quantidade de exercícios e estudos,

claramente confirmaram tal visão: Escola da Velocidade; Arte da destreza; Exercícios diários;

Estudos para Mão Esquerda, etc. No prefácio dos Estudos jornaleiros (diários), Czerny

escreve: “Nada é mais importante para o intérprete do que trabalhar incansavelmente as

dificuldades mais habituais um grande número de vezes seguidas para dominá-las à perfeição”.

(GANDELMAN, 1997: p. 21)

Carl Czerny (Viena, 1791-1857) – pianista e compositor – foi autor de uma expressiva produção de

Estudos para piano. Em seu método de composição – Die Schule der Praktischen Tonsetz Kunst, Op. 600

(1848, p. 90) – o autor sugere ser o pianista Johann Baptist Cramer (Inglaterra, 1771-1858) um dos protagonistas

na consolidação dos “Estudos” enquanto um gênero musical. Cramer também foi autor de uma extensa produção

de Estudos, sendo uma das primeiras séries os 84 Estudos para Pianoforte publicados entre os anos de 1804 e 1808

– Studio per il pianoforte, Op. 50. Um fato curioso encontrado acerca da origem do titulo “Estudo” é que muitos

autores comentam o fato de Cramer ter “roubado” a idéia de seu professor Muzio Clementi (Roma, 1752-1832)

sobre publicar uma série de peças didáticas para piano solo intituladas como “Estudos” e, então, Clementi optou

por alterar o nome de sua série para Gradus ad Parnassum – publicada em 1817. No exemplo abaixo, o Estudo

35 da série Gradus ad Parnassum de Clementi, além de sua construção melódica estar essencialmente submetida

à preocupação do mecanismo instrumental – mudança de posição de um dos dedos com repetição e velocidade –

, o autor destaca o que se tornaria uma das principais buscas da escola do mecanismo: a uniformização da força e

agilidade dos dedos – “recomenda-se praticar a peça a seguir pela causa da singularidade dos dedos”.

Figura 5. Muzio Clementi - Gradus ad Parnassum, Estudo 35 – (C.1-3)

Czerny reitera estas preocupações em seu método afirmando que a função principal de um

Estudo é a de desenvolver a força e agilidade dos dedos do performer e, se possível, oferecer um

conteúdo musical interessante a estes propósitos. O autor ainda comenta em seu método de composição

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que o Estudo clássico é “o tipo mais fácil de composição” em que, a partir de uma forma e um caráter

livre, “basta inventar ou colar uma fórmula fixa [arpejo, frase, motivo, etc.] e repeti-la sob diversos

tipos de modulações durante poucas páginas”. No exemplo abaixo podemos verificar uma abordagem

mecânica semelhante ao exemplo anterior de Clementi, porém desta vez com maior abertura muscular

dos dedos da mão direita.

Figura 6. Czerny, The Art of Finger Dexterity, Op.740: Mudança de posição com polegar (1844)

No repertório do violão, os Estudos clássicos constituem uma parte extensa da produção

didática do instrumento. Mauro Giuliani (Itália, 1781-1829) – violonista, cellista e compositor – também

foi autor de diversos materiais didáticos5 sob perspectivas mecanicistas. Em seu primeiro método – Étude

Complette pour la Guitare, Op. 1, Paris: 1812 –, Giuliani estrutura sua abordagem didática em quatro

sessões: (i) exercícios de mecanismo instrumental para mão direita – 120 fórmulas de arpejo em uma

única progressão harmônica (tônica Dó Maior e dominante Sol Maior com sétima); (ii) exercícios de

mecanismo instrumental para mão esquerda – trechos combinados de escalas ascendentes e

descendentes nas tonalidades de Dó, Sol, Lá e Ré maior; (iii) pequenos Estudos abordando digitações

de escalas por campanellas, pausas de mão direita, articulações de staccato e glissandos, ligados como

appoggiaturas, trilos e mordentes; (iv) 12 Estudos progressivos contendo os elementos abordados nas

sessões anteriores. O exemplo abaixo foi extraído da primeira sessão do método de Giuliani e pode

representar a escola clássica do mecanismo por sua insistente repetição motora de fórmulas de arpejos

desconectadas de um discurso musical. As digitações fixas de mão direita e esquerda tornam-se as

preocupações centrais da prática diária do instrumento.

5 Op.1; Op. 47; Op. 48; Op. 51; Op. 59; Op. 74; Op. 98; Op. 100; Op. 139

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Figura 7. M. Giuliani , Étude Complette pour la Guitare, Op. 1: Sessão 1 – Fórmulas de arpejo.

Os 24 Ètudes instructives faciles et agreables, Op. 100 de Mauro Giuliani, são mais uma obra

composta sob a perspectiva mecanicista. A obra contém 24 Estudos que exploram, em linhas gerais,

padrões de digitações e suas transposições nas funções harmônicas de tônica, subdominante e

dominante. No exemplo abaixo, destacamos o primeiro Estudo da obra, que consiste em um persistente

padrão de digitação de mão direta – p i m a m i p – e uma fixação de mão esquerda na primeira posição

do braço do violão – casas 1 a 4.

Figura 8. M. Giuliani - Ètudes instructives faciles et agreables, Op. 100 n.1: Fórmulas fixas de mão direita

Observa-se, portanto, que a formação do músico profissional deste período passa pela aplicação de um

plano de curso não construído a partir das necessidades de compreensão da linguagem musical, mas sim da

necessidade pragmática de munir-se de uma bagagem mecânica instrumental isolada de um discurso musical

pleno, uma espécie de “resposta antes da dúvida”. Apontamos que, apesar das aberturas à crítica e ao pensamento

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científico trazidas pelo pensamento filosófico iluminista, talvez o que tenha influenciado mais diretamente a escola

do mecanismo dos conservatórios de música do período foram as formas de organização do trabalho em que as

buscas por eficiência e especialização da mão de obra trabalhadora refletiram num ensino pragmático. A

perspectiva de um músico essencialmente tecnicista foi refletida portanto na segmentação das diversas áreas do

conhecimento que envolviam a práxis musical ocidental.

Assim, também nas ciências, nas artes e em outras áreas do conhecimento humano, os estudos

foram pouco a pouco direcionados para a especialização. Surgiram especialistas que, se são

muito proficientes em um aspecto, são muito fracos ou nulos em outros. [...] Em decorrência

dessa realidade, passou a existir uma estrutura hierarquizada de domínios de conhecimento no

universo da música, no qual a criação tornou-se domínio do compositor. [...] os compositores

passaram a escrever todas as notas, incluindo as dos instrumentos de teclado (cravo e piano

forte), que antes se incumbiam da “realização da harmonia” indicada por um baixo cifrado.

[...] Os exercícios de mecanismo surgem justamente no momento em que abandona-se a

prática da improvisação e composição de prelúdios, e também o conhecimento da harmonia,

necessários para a improvisação. Eles visam principalmente desenvolver a agilidade de dedos

e de leitura, mas não o entendimento da linguagem, a consciência auditiva e a criatividade.

(CARRASQUEIRA, 2017: p. 32-38)

Nos aproximamos, nesse momento, da problemática da compreensão musical nos modelos pedagógicos

musicais tecnicistas. Segundo Harnoncourt (1984: p. 14-30), o pragmatismo político da revolução francesa acabou

por consolidar não apenas o perfil de um músico essencialmente mecanicista, mas também um ouvinte

impossibilitado de compreender e aprender a linguagem musical de maneira mais profunda. A música nesse

momento deveria “ser uma língua que todos aprendessem sem precisar compreendê-la”.

A velha relação entre mestre e aprendiz foi abandonada e tudo o que tem a ver com elocução

– que requer o entendimento – foi eliminado. Atualmente, estes conservatórios exercitam

técnicas de performance ao invés de ensinar música como linguagem. (LAWSON;

STOWELL, 1999: p. 152)

Por fim, destacamos duas hipóteses relevantes aos capítulos posteriores: (i) a escola do

mecanismo isolou da práxis musical o exercício da compreensão musical enquanto uma linguagem

discursiva a ser compreendida, expressa e constantemente recriada. (ii) é durante o século XIX que se

consolida o gênero musical “Estudo”, essencialmente regido pela escola do mecanismo.

Vários desses trabalhos são extremamente valiosos e possibilitaram a formação de gerações

de excelentes músicos. Frutos das ideias predominantes na época de sua criação, muitos desses

métodos não contemplam, porém, aspectos importantes para a formação de um músico nos

dias de hoje. O primeiro deles é a criatividade. Não há estímulo e espaço para a

experimentação, improvisação ou pesquisa de outras formas de lidar com o material a ser

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estudado. Propõe-se um material engessado, cristalizado e baseado na repetição. [...] [apud

Paulo Freire] “Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um

aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar. [...] Ensinar não é trasferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção.” (CARRASQUEIRA,

2017: p. 53 apud Paulo Freire, 1996, p. 26-52)

Se as escolas luteranas buscaram um plano pedagógico de integração dos âmbitos sacros e

seculares confluindo performance e composição como práxis musicais indissociáveis, a revolução

francesa trouxe uma perspectiva tecnicista intimamente relacionada às organizações do trabalho

industrial e da especialização da mão de obra. Portanto, a designação de obras didáticas pelo título

“Estudo” consolida-se nesse contexto com certa limitação pedagógica quando questionadas as

significações que podem estar contidas nesse título6. As contribuições desse emergente gênero, no que

diz respeito ao “compreender através da reflexão” – um dos significados da palavra “Estudo” –,

demonstram estarem reduzidas pela perspectiva da escola do mecanismo. Repensar o potencial dos

Estudos enquanto peças pedagogicamente mais amplas pode favorecer as relações com a compreensão

da linguagem dos sons numa práxis mais criativa.

6 Estudo: (i) Aplicação, trabalho de espírito para compreender a apreciação ou análise de certa matéria ou assunto especial.

(AURÉLIO, 2006: 906); (ii) Adquirir habilidade e/ou conhecimento; procurar compreender através da reflexão; examinar,

observar atenta e minunciosamente; exercitar; aplicação da inteligência para compreender algo que se desconhece ou de

que se tem pouco conhecimento. (HOUAISS, 2009: 845).

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CAPÍTULO 2

Harmonia e Timbre nos Estudos de F. Chopin e C. Debussy: perspectivas à música do séc. XX

2.1.Os Estudos de Chopin

Podemos considerar que a abordagem pedagógica de Chopin no ensino do piano e na

composição de seus Études é consequência de seu pensamento musical. Além de sua obra

composicional e o rascunho de um método incompleto para piano – Esquisses pour une méthode de

piano –, diversas cartas de seus alunos como Adolf Guttman, Carl Filtsch, Carl Mikuli, Laura Duperré,

Georges Matthias, compartilham informações importantes sobre as práticas de ensino do compositor.

O trabalho de Jean-Jacques Eigeldinger (1986) nos apresenta parte desses escritos e, assim,

encontramos indiretamente, pela obra de Teellefsen, críticas de Chopin à escola do mecanismo, em

especial às abordagens tecnicistas do pianista e compositor Friedrich Kalkbrenner (1785-1849) – um

dos protagonistas desta escola7.

Karol Mikuli – um dos alunos de Chopin –, menciona que Kalkbrenner orientava os

pianistas a lerem um livro qualquer enquanto faziam seus exercícios diários de

mecânismo instrumental ao piano. Isso foi confirmado por Thomas Tellefsen [professor

que assumiu alguns alunos de Chopin após sua morte], em seu tratado baseado no

método de Chopin. Teellefsen diz que a maneira uniformizadora do método de ensino

de Kalkbrenner e suas propostas do exercício do mecanismo eram contrárias ao

conceito de performance de Chopin. (JASIŃSKA, 2011: p. 15-17)

Casarotti (2006: p. 9) destaca que Chopin dizia não acreditar que a prática por períodos de seis

a oito horas, como era comum na abordagem mecanicista, “significasse diligência” mas, pelo contrário,

tratava-se de uma prática desinteligente e desnecessariamente laboriosa. Essa perspectiva pode ser

confirmada nas palavras do próprio compositor:

As pessoas estão experimentando diversos tipos de métodos de aprendizado da

performance em piano, métodos que são tediosos e inúteis e não possuem nenhuma

relação com o estudo do instrumento. Eles não nos ensinam como tocar “música”, e os

níveis de dificuldade que eles abordam não são os mesmos encontrados nas boas

músicas dos grandes compositores. É uma espécie de abstração da dificuldade, um novo

gênero de “acrobacias”. (CHOPIN in Esquisses pour une méthode apud

EINGELDINGER, 1989: 23)

7 Um fato curioso encontrado nas correspondências de Chopin é que Kalkbrenner lhe ofereceu três anos de aula afirmando

que Chopin não poderia construir uma nova escola do piano sem conhecer a escola antiga – escola do mecanismo. Chopin

negou a proposta: “Eu disse a ele que eu não desejo imitá-lo, além do que três anos é muito tempo!”. (Chopin apud Jasińska,

2011: p. 85)

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Segundo Mikuli (apud EINGELDINGER, 1993: p. 55), Chopin sempre dizia que o verdadeiro

exercício não estava na “abstração da dificuldade”, ou seja, na realização de um desafio mecânico por

numerosas repetições impensadas, mas, sim, no exercício da concentração voltado à escuta e à

compreensão da obra. De certa maneira, parte deste pensamento pode ter sido influenciado por Johan

Nepok Hummel (1778-1837), como observamos no prefácio de seu tratado para Piano.

Muitos pianistas, já avançados, acreditam na necessidade de tocar por seis ou sete horas

por dia seus instrumentos para alcançarem seus objetivos; eles estão errados: eu estou

seguro em afirmar que um estudo regular, diário, com alta concentração por não mais

que três horas, é suficiente para estes propósitos. Uma prática para além disso adormece

o espírito, formando um músico mecânico ao invés de expressivo, sendo, portanto,

desvantajosa ao performer. Muito comum nesse modelo mecanicista de formação é

quando um performer é pego de surpresa para tocar qualquer música e não consegue

sem que tenha alguns dias anteriores de estudo. (HUMMEL, 1828: p. 4)

Um dos conceitos de Chopin era o de considerar a heterogeneidade dos dedos, ou seja, existem

dedos mais fortes e dedos mais fracos, mais longos e mais curtos e esses podem ser explorados

musicalmente. Chopin escreveu em seu método incompleto para piano que “Tudo é uma questão de

conhecer uma boa digitação...assim como existem sons diferentes existem dedos diferentes...Hummel

foi um grande conhecedor desse conceito.” Rosen (1995: p. 500-501) afirma que essa noção de um

caráter diferente para cada dedo revela algo da natureza do pensamento musical de Chopin: o interesse

pelas gradações de cor e as inflexões de fraseado. Jasińska (2011: p. 15-17) comenta que de uma

maneira geral, Chopin preocupava-se em estabelecer uma postural natural para a postura das mãos de

maneira a confluir para a melhor qualidade e beleza sonora possível.

De acordo com a experiência de Chopin como performer e professor, transmitida em

alguns fragmentos de seu inacabado Esquisses pour une méthode para piano, o ato de

tocar não pode concentrar-se unicamente nas preocupações mecânicas de forma a

obscurecer a beleza do som. [...] Sobre a digitação, para cada dedo Chopin aplica uma

particular importância, enfatizando a significância de cada um destes. Nas páginas de

Esquisses pour une méthode encontramos: “Assim como cada dedo tem sua formação

diferenciada, recomenda-se não destruir o charme da particularidade de cada toque,

mas, ao contrário, desenvolvê-la. (JASIŃSKA, 2011: p. 15-17)

Em linhas gerais, encontramos no Esquisses pour une méthode de Chopin uma atenção especial

às digitações, ao uso do pedal, ao legato e cantabile sob referência do bel canto e ao aproveitamento

da heterogeneidade dos dedos enquanto potenciais sonoros. Nesse sentido, o compositor criava

rupturas com a perspectiva pedagógica mecanicista, pois não estava exigindo de seus alunos a

repetição insistente de exercícios mecânicos em busca da homogeneidade da força e agilidade entre

todos os dedos, mas chamando atenção para um refinamento da escuta e um controle/relaxamento do

corpo em respeito às suas limitações. A concentração nesses aspectos seria um dos fatores que viria a

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favorecer o ideal sonoro romântico. Eingeldinger (1989: p. 17) comenta que nessa abordagem, Chopin

favorecia que seus alunos rapidamente explorassem uma variedade de cores sonoras.

Podemos dizer que Chopin é um dos principais pianistas-compositores a contribuir em uma

renovação do gênero Estudo. Sua contribuição para o gênero consiste em três coleções de Estudos:

Douze Grandes Études Op. 10 (Leipzig, 1833 à Franz Liszt); Douze Études Op. 25 (Paris, 1837) e

Trois Nouvelles Études (1840).

Chopin compreendeu a vantagem de se basear um Estudo em uma simples dificuldade

técnica: a técnica pianística e o pensamento musical estão, no Estudo, de tal maneira

identificados que esse é o único modo de assegurar a unidade do estilo. Com sua textura

homogênea, em que a figuração dos compassos iniciais são geralmente desenvolvidas

sem cessar até o final, o Estudo é o produto mais surpreendente do revival barroco do

século XIX [...] Os Estudos de Chopin são pesquisas de cor, e as dificuldades técnicas

se referem mais frequentemente à qualidade do toque do que à precisão ou rapidez.

Essa preocupação com a cor concede importância à insistência de Chopin a respeito das

diferentes funções dos diferentes dedos. (ROSEN, 1995: p. 496-594)

Os Estudos de Chopin são constantemente destacados por seu equilíbrio entre expressão

musical e técnica instrumental. Kim (2011) comenta que os Estudos de Chopin, ao contrário dos

Estudos de Liszt ou dos arranjos dos Estudos de Chopin realizados por Godowsky, não buscam tornar

o performer um “servo do mecanismo instrumental”. Chopin renova o gênero submetendo o

mecanismo instrumental à ideia musical e à escuta, de maneira a realizar uma ampla investigação

sonora, através de novas perspectivas de articulação, contraste, densidade, textura, registro, agógica,

etc. Nesse sentido, alguns autores, como por exemplo Kim (2011), buscam destacar o aproveitamento

das peças características – Noturnos, Prelúdios e outras miniaturas –, como um recurso pedagógico de

Chopin em busca do desenvolvimento da escuta e de uma musicalidade expressiva.

Alguns Estudos de Chopin – Op. 10 números 3, 6, 9; Op. 25 número 7 e Trois Nouvelles

Études parecem aproximar-se das peças características do romantismo como Noturnos

e Prelúdios. Eles são estudos de uma expressão emocional com vozes balanceadas em

legato e cantabile. Na primeira página já podemos perceber o quão diferentes são dos

Estudos da escola do mecanismo. O método como Chopin ensina está refletido em seus

Estudos, sua prioridade pedagógica para o desenvolvimento da musicalidade

consequentemente viria a incluir peças características em seus Estudos. (KIM, 2011:

p.38)

O Estudo 7, op. 25 nos surpreende em reduzir sua demanda virtuosística com relação aos

números anteriores da coleção. Essa progressão demonstra um pensamento antagônico com a escola

do mecanismo que buscou sempre avançar progressivamente com a dificuldade mecânica

instrumental. Mas qual poderiam ser as abordagens deste Estudo? Assim como J. S. Bach explorou o

estilo italiano e francês no segundo volume de seu Clavierubung, podemos considerar a investigação

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estilística em Estudos de Chopin como, por exemplo, os aspectos vocais derivados da ópera italiana

em seu Estudo 7 Op. 25.

Há um paradoxo no cerne do estilo de Chopin, em sua inverossímil combinação de uma

rica teia cromática polifônica, baseada em uma profunda experiência de J. S. Bach, com

um sentido melódico e um modo de sustentar a linha vocal diretamente derivados da

ópera italiana. O paradoxo é apenas aparente, e jamais é sentido como tal quando se

escuta sua música. As duas influências estão perfeitamente sintetizadas, e conferem,

uma à outra, uma nova espécie de força. Chopin utilizou a ópera italiana tal como fez

com Bach: discretamente, e, na maioria das vezes, sem ostentação, absorvendo-a em

seu próprio estilo. Há, no entando, poucas referências manifestas: o Estudo em dó

sustenido menor, op. 25, n. 7, chamado de Estudo Cello, provém da scena do terceiro

ato de Norma, de Bellini, com uma melodia originalmente destinada ao violoncelo solo,

mas, então, alterada para o naipe completo deste instrumento. (ROSEN, 2000: p. 470)

Para além do trabalho expressivo sugerido por uma harmonia expandida, o performer pode

deparar-se com um desafio de declamar uma polifonia a duas vozes de modo cantabile e legato - à

maneira do bel canto italiano. Jasińska (2011: p. 15-17) comenta que Chopin, assim como outros

compositores do período, recomendava “cantar” junto com o instrumento, além de ouvir cantoras

famosas. O autor comenta que essa perspectiva poderia ser encontrada em trabalhos de Hummel

Thalberg.

Fig 2. Chopin - Étude 1, op. 25 – Explorando o bel canto italiano

A harmonia da música romântica traz consigo uma renovação sonora. A expansão do campo

harmônico pela intensificação do cromatismo e sua potencialidade de enriquecimento dos recursos de

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modulação são características dessa renovação. Essa expansão pode ser demarcada por diversos

aspectos como: (i) ampliação do espaço diatônico – campo harmônico maior e seu respectivo menor

relativo – pelo espaço cromático através de funções harmônicas dominantes e subdominantes

secundárias; (ii) pelo uso das variantes – acordes de empréstimo modal do campo harmônico

homônimo maior ou menor; (iii) pela alteração cromática dos terceiros e sextos graus do campo

harmônico – incluindo suas variantes – em suas qualidades maior/menor, também chamada de

“correspondências por terças” (MOTTE, 1976: p. 155); (iv) ampliação modulatória pelo intenso uso

dos acordes diminutos e acordes de sexta alterada (germânica, francesa, italiana); e, por fim, de um

modo geral, (v) pela expansão da tríade pela sobreposição de terças – extensões 7, 9, 11 e 13 –, o que

favoreceu o uso dessas extensões em todos os graus do campo harmônico.

Fig 3. Expansão das tríades: sobreposição por terças pelas extensões 7, 9, 11, 13

O Estudo 1, op. 10 aborda fórmulas fixas de arpejos, porém também aborda as questões sonoras

através do colorido harmônico por extensões triádicas. A questão sonora e harmônica está enfatizada

por progressões harmônicas de quartas ascendentes de forma que essas cores se espalhem por todo o

campo harmônico. Entre os compassos 38-40 podemos observar tríades extendidas nas três funções

principais do sistema tonal – Dominante (V) – Tônica (I) – Subdominante (IV) –, portanto nota-se que

as aparentes apojaturas dos acordes dominante e subdominante possuem sua prolongação pelos três

primeiros tempo do compasso, enquanto suas resoluções na terça maior do acorde são realizadas como

“passagens”. Dessa forma, é possível observar uma prolongação das apojaturas enquanto aspecto

sonoro relevante para Chopin, um tratamento para além das relações tensão-relaxamento por

apojaturas.

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Fig. 4. Chopin - Étude 1, op. 10 – Sonoridades a partir da apojatura prolongada. (c. 38-40)

Em seguida, entre os compassos 41-43, prossegue com a progressão harmônica por quartas

ascendentes, utilizando a extensão de sétimas em todas as funções restantes do campo harmônica de

Dó Maior.

Fig. 5. Chopin - Étude 1, op. 10 - Tríades extendidas pelo campo harmônico maior. (c. 41-43)

Estas progressões por quartas são exploradas inicialmente de maneira diatônica e, a partir do

compasso 21, intensificadas cromaticamente, porém ainda por quartas. As extensões neste Estudo são

complementos sonoros, não trazem uma atuação essencialmente modulatória, pois as poucas e breves

polarizações do Estudo não se distanciam do centro tonal de Dó Maior. Se o Estudo 1 favorece o

aprimoramente dos arpejos, ele favorece ainda mais uma investigação sonora do piano a partir de uma

compreensão harmônica e sonora das extensões triádicas.

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Fig. 6. Chopin - Étude 1, op. 10 - Progressões por quartas ascendentes

O Estudo 1, op. 25, de Chopin, pode ser visto também pela perspectiva de uma investigação sonora por

abordar de maneira muito objetiva a questão das camadas texturais8. Estas camadas estão, em partes, expressas na

escritura através de uma notação protagonizada por Chopin: a descrição dos planos sonoros pela escrita de figuras

proporcionais – notas grandes e pequenas – para os diferentes níveis de intensidade dos planos sonoros.

Essa espécie de notação tem sido sempre considerada como um dos triunfos do estilo

de Chopin. De certo, não era inovador pedir que o pianista tocasse a melodia mais forte

que o restante, tal como a escrita sugere: original era embutir a melodia em uma textura

polifônica de tal riqueza, com notas cromáticas de passagem e ritmos quebrados

complexos, e fazer com que ela se destacasse com tanta clareza da massa sombreada

que a envolvia. Essa claro-escuro polifônica foi, talvez, a mais importante conquista de

Chopin no jogo de sonoridades. (ROSEN, 1995: p. 500-501)

Um exemplo da preocupação com os planos sonoros está na escritura dos compassos 17 ao 22. As

duas linhas melódicas que formam uma textura polifônica estão com sua notação maior e sobrepostas

num fundo textural. Esse fundo apresenta-se em forma de arpejos sobrepostos polirritmicamente – três

contra dois – e explora as extensões triádicas. A partir do final da linha polifônica – compassos 21 e

22 – inicia-se um distanciamente do centro tonal de Ab. Nesse momento, a sonoridade é articulada por

8 O pianista e compositor Robert Schumann (apud KIM, 2011: p. 36) comenta: “O primero Estudo em Ab maior é mais

um poema do que um Estudo...”.

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uma considerável redução das extensões triádicas, que passa a evidenciar a coloração singular da nova

tonalida.

Fig. 7. Chopin - Étude 1, op. 25 - Planos sonoros: arpejos e polifonia por movimentos oblíquos e contrários. (c. 17-22)

Com relação aos aspectos de mecanismo instrumental, nota-se na macroforma do Estudo a

pertinência da intensidade piano. Nesse sentido, a figuração de arpejo aproveitou os dedos mais fracos

da mão direita – quatro e cinco – para as notas do plano melódico o que naturalmente favoreceu a

heterogeneidade dos dedos. Nota-se também que existe um desafio de relaxamento na divisão dos

planos sonoros, pois a textura de arpejos possui uma maior densidade de alturas e ritmos, porém devem

estar no plano sonoro de menor intensidade .

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Fig. 8. Chopin - Étude 1, Op. 25 – Singularidade dos dedos na construção dos planos sonoros. (c.1-4)

O Estudo 4, op. 25, de Chopin, permite observar a preocupação com a sonoridade pela

perspectiva da complexidade sonora. O conceito de complexidade sonora é diversificado e, por vezes,

antagônico. Para observar os Estudos de Chopin buscamos dialogar com uma perspectiva mais

“instrumentalizada” – concrète –, que observa a sonoridade em sua escrita e em algumas descrições

espectrais, deixando de lado, portanto, perspectivas complementares mais direcionadas à subjetividade

e à referencialidade abstrata imanentes no processo de escuta. Portanto, Makis Solomos (in Guigue,

2011) comenta que a complexidade sonora desenvolve-se na harmonia tonal, chegando no século XX

como um “prolongamento da harmonia no timbre”. Segundo Didier Guigue (2011: p. 22), a

complexidade sonora pode também ser observada enquanto um fenômeno da escrita composicional e

de sua notação – écriture.

O termo “sonoridade” constitui uma “expressão usada especificamente no sentido de

unidade sonora composta. Formada da combinação e interação de um número variável

de componentes, ela é um momento que não tem limite temporal a priori, pois pode

corresponder a um curto segmento, a um período longo, ou até à obra inteira”. Ainda

que se possa entrever premissas históricas num Rameau, Beethoven ou Berlioz, é

naturalmente no século XX que essa emergência se produz. (Makis Solomos in

GUIGUE, 2011: p. 22)

Portanto, o potencial de complexidade sonora do Estudo 4 de Chopin pode ser analisado por

essa perspectiva. Sua sobreposição – ou contraste – de componentes sonoros tais como articulações,

texturas, desvios métricos, intensidades, densidades e registros constrói, assim, um complexo sonoro

singular.

É difícil apreciar nos dias de hoje o quão radical era essa síntese presente nos Estudos

de Chopin. Os maiores problemas técnicos dessas peças são frequentemente os

relativos ao toque e ao equilíbrio: aumentam a força e flexibilidade da mão, mas

também desenvolvem a escuta do intérprete. A invenção colorística de Chopin encontra

seu apogeu nos Estudos. Sua natureza fundamentalmente contrapontística pode ser

vista como um contraponto de cores, um entrelaçamento de diferentes espécies de

textura. [...] Por essa razão, a coloração de Chopin é tão abstrata quanto a altura ou o

ritmo [...] (ROSEN, 1995: p. 515)

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A sobreposição de componentes sonoros – ou, como citado, “contraponto de cores” – pode ser

observada no Estudo 4. Chopin apresenta uma complexa textura construída a partir da sobreposição

de três camadas distintas: uma linha movimentada de baixos em staccato; uma linha melódica

deslocada metricamente sob registro mais agudo em legato e, por fim, uma movimentação harmônica

a 4 vozes em staccato, a qual deve ser distribuída entre as duas mãos. A diversidade de componentes

sonoros na escrita composicional deste Estudo favorece a exploração de uma sonoridade complexa.

Fig. 9. Chopin – Étude 4, Op. 25 – Três camadas sonoras e sua resultante sonora complexa. (c.9-12)

Como observamos no Estudo 1, op. 10, algumas progressões harmônicas mais simples podem

tornar-se, para Chopin, pesquisas sonoras. O Estudo 11, op. 25, traz em seus compassos iniciais um

contraste sonoro que pode ser observado desde o cuidado com as alturas e tonalidades até, a exploração

do registro e da intensidade. Um tema de caráter “solene” é apresentado na tonalidade de Dó Maior:

andamento lento, intensidades baixas (p, pp), agógica em finais de frase através de fermatas, uso

reduzido do registro médio-grave de amplitude do piano e uma insistente cadência plagal sem o uso

de extensões tríadicas. O que poderia parecer uma exposição temática, termina abruptamente no quarto

compasso com o acorde dominante da tonalidade relativa menor – E7 (V) – e uma barra dupla

segmenta a sessão. Em seguida, destacamos o contraste a partir de uma elevação abrupta de intensidade

sonora que traz consigo, uma diversidade de componentes constrastantes: andamento allegro con brio

e risoluto, intensidade alta (f), raríssimas indicaçõees de agógica, utilização extensa do registro de

amplitude do piano e uma ambígua polarização em Lá menor, com ampla extensão tríadica a partir de

uma escala cromática descendente9.

9 Vale destacar que, para contemplar a escala cromatica completa em uma oitava o compositor utliza a figura rítmica de

sextina. Dessa forma, não somente uma ampla gama de extensões triádicas se contrastam com os compassos inicias mas

também sua uma sobreposição ritmica entre métricas binárias e ternárias – três contra dois.

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Fig 10. Chopin - Étude 11, op. 25 – Contraste: tríades de Dó maior (c. 1-4) e extensões cromáticas de Lá menor. (c. 1-6)

Guigue (2011) descreve este contraste de intensidade como grande oposição, ou seja, todo

contraste de intensidade acima de piano-forte. Além desta oposição de intensidade, é possível observar

contrastes entre os compentes de densidade espectral a partir de um descritor de áudio10.

Fig. 11. Chopin - Étude 11, op. 25 – Grande oposição sonora. (c.1-6; Performer: Murray Perahia)

10 Espectrograma gerado pelo descritor Sonic Visualizer 3.0.3

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Entre os compassos 61 e 66 observamos um desenvolvimento da ideia inicial com relação ao

tratamento da sonoridade. Uma relação entre intensidades e extenções harmônicas conflui em

microformas de contraste sonoro. Observamos uma harmonia estática porém uma sonoridade

dinâmica. O primeiro silêncio abrupto é prosseguido por uma frase em intensidade ff em que uma linha

cromática descende na voz mais aguda extendendo a coloração do dominante, E711, que é reforçado

pela mão esquerda. O segundo silêncio abrupto é prosseguido por uma filtragem dos diversos

componentes da sonoridade: intensidade contrastante para p e redução da ampla gama de extensões a

partir da escala cromática por fragmentos motívicos apenas sobre o acorde de E7(b9).

Fig. 12. Chopin - Étude 11, op. 25 - Contrastes sonoros. (c.61-66)

Guigue (2011: p. 126) comenta que é possível observar outros tipos de contrastes de

sonoridade: (i) Contraste adjacente: sequência de duas unidades sonoras consecutivas que,

independentemente de suas semelhanças ou diferenças em todos os demais componentes, apresentam

uma grande oposição de amplitude; (ii) Sintagma de intensidade: a intensidade é o componente de

11 Vale destacar que a fundamental do acorde de E7 aparece apenas na primeira semicolcheia do compasso 61 sendo evitado

pelo compositor durante o restante dos compassos. Essa observação conflui para evidenciarmos as preocupações sonoras

do trecho tendo em vista que as extenções tríadicas passam a ser mais evidenciadas na sessão.

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oposição – pode ocorrer mesmo quando os objetos sonoros tenham semelhanças entre outros

componentes da sonoridade –; (iii) Contraste progressivo: a intensidade se transforma por processo

contínuo de evolução da amplitude por crescendo ou diminuendo. Essa amplitude deve percorrer entre

piano a forte, pelo menos, para se considerar um contraste.

Essas possibilidades de observação da sonoridade – na écriture ou na interpretação de

transcrições via descritores de áudio – podem tornar-se sugestões complementares à escuta das obras

aqui analisadas. Nesse sentido, seguimos dialogando com as propostas de Guigue (2011), que

destacam as possibilidades de identificarmos assinaturas sonoras dentro de uma composição musical.

Segundo o autor, uma assinatura sonora pode caracterizar-se pela singularidade de componentes

sonoros, formando um objeto sonoro característico. Ao identificarmos uma assinatura sonora, torna-

se possível observar contrastes entre assinaturas sonoras e, assim, repensar seu impacto na elaboração

da forma musical em que estes objetos se encontram. Nesse sentido, o autor considera que a sonoridade

pode demarcar sessões formais, passando a descrevê-la como sonoridade funcional. Como exemplo,

se em uma Sonata de Mozart podemos demarcar sessões formais analisando seu desenvolvimento

harmônico, ao aproximarmos da música do século XX, torna-se possível observamos demarcações

formais pelo desenvolvimento da sonoridade12. Acreditamos que algumas premissas dessa perspectiva

podem ser observadas na linguagem romântica de Chopin, como no caso de seu Estudo 10, op. 25. Sua

macroforma A-B-A é demarcada pela harmonia, mas, também, pelo contraste nos diversos componetes

do complexo sonoro como, por exemplo, nas intensidades, nas densidades e no tempo.

12 Solomos (2007: p. 65-76) destaca que a sonoridade funcional emerge no romantismo tardio na busca pela

“prolongação da harmonia no timbre” por compositores como Richard Wagner, Claude Debussy e Arnold Schoenberg.

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Fig. 13. Chopin – Étude 10, op. 25 – Transição formal A-B, contraste de componentes sonoros

Essa demarcação formal, pela perspectiva sonora, pode ser observada no espectrograma de um

descritor de áudio. Com essa ferramenta, podemos observar a articulação sonora de Chopin. No

exemplo abaixo, é notável o contraste sonoro entre as sessões A e B. Em A, as intensidades e

densidades sonoras são mais elevadas.

Fig. 14. Chopin – Étude 10, op. 25 – Macroforma ABA numa perspectiva sonora

Consideramos que, para além do conteúdo pianístico, Chopin também oferece em seus Estudos

para piano uma abordagem didática direcionada à sonoridade tanto na performance quanto em seu

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desenvolvimento enquanto material composicional. Observar estes Estudos sob as perspectivas de uma

articulação da complexidade sonora pode ampliar o potencial pedagógico destas obras a partir de uma

abordagem que aproxime o estudo da performance com os estudos da escuta e da composição musicais,

aspectos que estiveram indissociáveis na concepção musical e na prática de ensino do compositor.

Portanto, podemos considerar que a “escuta concentrada” evocada por Chopin na linguagem musical

romântica favorece uma renovação pedagógica que repercute no pensamento e na música do séc. XX.

Chopin, pelo contrário, auto-didata (seu único professor de piano foi o violinista

Zywny), distante dos conservatórios de sua época, ofereceu, no lugar de uma

reprodução da visão mecanicista, uma nova concepção artística para o trabalho da

técnica. Evitou uma série de problemas, como a falta de compreensão e criatividade,

derivados da intensa repetição de exercícios mecânicos, propondo uma intensa escuta

concentrada, uma abordagem que viria a refletir no século XX no pensamento e na

performance de pianistas como Karl Leimer e Walter Gieseking. (EINGELDINGER,

1989: p. 16-17)

Destacamos nos Estudos de Chopin uma emergente mudança no perfil do gênero Estudo como

um meio de transmitir características composicionais, estilísticas bem como seus comportamentos

atípicos, para além do foco intenso nos problemas do mecanismo instrumental.

Os compositores do século XX frequentemente utilizaram o gênero Estudo como um

veículo pelo qual eles desenvolveram e propagaram seus estilos individuais. Por

exemplo, os Études de Debussy são essencialmente um microcosmo de sua

contribuição estilístico-musical. Os Estudos de Scriabin encaminham seu estilo pessoal

de composição, começando pela influência de Chopin no nível avançado em que trata

seu material harmônico. (GANZ, 1960: p. 319-324).

Buscamos evidenciar os aspectos de sonoridade de alguns Estudos de Chopin, de forma a cercar

uma de nossas hipóteses: aspectos de escuta e composição estariam sendo questionados no ambiente

dos Estudos românticos e, dessa forma, influenciando os compositores do início do século XX que de

alguma maneira exploraram uma “prolongação da harmonia no timbre”. Herold (2011) destaca a

importância do performer em se engajar com a perspectiva sonora na compreeensão da obra de Chopin,

problemática que será acentuada na compreensão da sonoridade na música do século XX.

Pesquisando a qualidade sonora na música do século XIX, Wilhelm Von Lenz escreve:

“As composições de Chopin abriram uma nova era no domínio do piano mas essas

obras correm o risco de serem incompreendidas se não estiverem engajadas sobre seus

modos de execução, suas intenções, sua concepção do instrumento, porque tudo isso

irá confluir na função e no clima sonoro proposto.” O autor destaca a necessidade de

uma compreensão da sonoridade para a abordagem da música de Chopin, não sendo

suficiente seu registro na notação mas sim na potencialidade sonora pianistica. É

comum pensarmos espontâneamente que a estruturação do timbre se limita ao

repertório orquestral porém o repertório pianistico deste período constitui um corpo de

pesquisa sonora riquíssimo constituindo assim um terreno de experimentação

timbrística sem precedentes. (HEROLD, 2011: p. 30)

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Nesse sentido, dialogamos com as hipóteses de Solomos (2007) e Guigue (2011), que sugerem

ser a sonoridade um paradigma composicional na música do século XX, por exercer funções de

articulação da forma musical ou, em outras palavras, de “integrar ao processo de gestação da obra”.

Este trabalho com a sonoridade através da composição de Estudos será intensificado na primeira

metade do século XX, de forma muito singular.

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2.2.Os Douze Études de Claude Debussy

O gênero musical Estudo desenvolve-se no século XX como também um gênero de investigação

composicional. O compositor pode priorizar aspectos composicionais para além das questões mecânicas

instrumentais, experimentando determinados materiais ou técnicas composicionais numa espécie de laboratório

de criação.

Os Études en forme de canon pour piano à pedalier, op. 56, de Robert Schumann, podem ilustrar esta

crescente perspectiva dos Estudos no século XX. Schumann escreveu estes Estudos explorando as potencialidades

de um piano diferenciado, o piano pedal – piano com pedais similares aos do Órgão – e, também, da polifonia do

canon. Isso denota um emergente interesse no romantismo pela utilização do gênero Estudo enquanto um

ambiente de investigação composicional. Na perspectiva da escola do mecanismo, dificilmente encontraríamos o

arranjo de um Estudo para piano em outro instrumento, pois toda composição estava submetida à lógica gestual,

morfológica e mecânica do instrumento ao qual foi concebida. Essa perspectiva se amplifica quando Claude

Debussy realiza o arranjo desses Estudos de Schumann para dois pianos, de forma a usufruir de seu conteúdo

composicional e estético. Essa nova perspectiva se confirma, ainda mais, nos Douze Études (1915) de Debussy,

obra composta pouco antes de sua morte e dedicada a Chopin Como discutimos anteriormente, Chopin trouxe

críticas à escola do mecanismo propondo através de seus Estudos uma renovação na pedagogia da performance,

em que a escuta concentrada e o respeito às singularidades físicas do performer sobrepuseram diversos paradigmas

pedagógicos no ensino do piano. Esses conceitos prosseguiram-se em Debussy, como podemos observar neste

trecho de carta ao editor Jacques Durand:

Estou certo que você irá concordar comigo que não há necessidade de evidenciar o

mecanismo instrumental apenas para parecer mais comprometido, um toque de charme

não vai machucar ninguém. Chopin provou isso e fez com que essa necessidade se

tornasse arrogante. (Debussy in DURAND, 1927 apud HWANG, 2007: p. 7)

Como exemplo, no prefácio de seus Douze Études, Debussy amplia a reflexão de Chopin sobre

a heterogeneidade mecânica das mãos, propondo um olhar histórico aos cravistas barrocos.

Impor uma digitação não pode logicamente adaptar-se às diferentes conformação da

mão... Nos velhos Mestres – quero dizer "nossos" admiráveis cravistas – nunca

indicaram digitacões, confiando, sem dúvida, na ingeniosidade dos seus

contemporâneos... "Nunca somos tão bem servidos que por nos mesmo". Busquemos

nossas digitações! (DEBUSSY, 1915 in Prefácio dos Douze Études)

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No âmbito da escrita composicional, podemos considerar que a sonoridade romântica de

Chopin, em partes, conquistada pelo esforço de uma verticalização das extensões triádicas, tornou-se

um recurso presente porém ressignificado na música de Debussy. Os compassos finais do Prelúdio 10,

Livro 2, de Debussy, trazem um exemplo sutil dessa perspectiva. Observando a armadura de clave e

as notas da melodia, poderíamos prever um acorde de função dominante – C7.

Fig. 15. Debussy – Prélude 10, livre 2 – Resolução por decaimento de energia. (c. 30-33)

A intensidade pp e a não resolução tonal o “desfuncionaliza” e, portanto, contradiz as

espectativas tonais sugerindo, talvez, uma resolução pelo decaimento energético das dimensões

timbrísticas contidas na ressonância.

Persichetti (2012) comenta sobre a harmonia no século XX considerando sua característica de

convergir diversas concepções harmônicas – perspectiva que pode contribuir como ponto de partida à

compreensão da escrita composicional de Debussy.

A escrita harmônica contemporânea é geralmente um processo misto que pode envolver

procedimentos variados da norma da dissonância, escolha de um único idioma

harmônico ou unificação de vários deles, fusão de tonalidades, simplicidade da

organização sonora ou justaposição de aspectos tonais e atonais. O amálgama de

concepções divergentes de formações tonais é parte de nossa linguagem harmônica. A

aceitação de um procedimento não significa, necessariamente, a exclusão de outros.

(PERSICHETTI, 2012: p. 233)

Um pequeno trecho inicial do Prelúdio 10 de Debussy pode nos elucidar essa escrita harmônica

híbrida em direção ao timbre. Em linhas gerais, observamos nos compassos iniciais da obra a

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coexistência de progressões tríadicas modais (c. 1-4) e de um grande gesto cadencial modulatório para

Sol menor (c. 5-8). Por fim, um terceiro aspecto que nos chama a atenção está na sobreposição do

intervalo de sétima maior sobre o acorde dominante – D7. Consideramos que nesse momento, apesar

do gesto cadencial tonal, Debussy desenvolve a complexidade sonora modelando a ressonância do

acorde D7 a partir de uma camada de inharmonicidades, gerando um contraste sonoro com relação a

seus compassos anteriores.

Fig. 16. Debussy – Prélude X, livre 2. (c.1-8)

A quase inviabilidade em utilizar-se de certas ferramentas analíticas tradicionais à compreensão

desse amálgama sonoro de Debussy chama a atenção de diversos autores para uma perspectiva mais

direcionada ao comportamento da complexidade sonora debussyana na articulação formal de suas

obras.

Esse conjunto de relações estruturais concorre para a definição de uma elaboração

compositiva dedicada à expressão de uma estética muito precisa: uma estética que

busca construir formas a partir da manipulação coordenada de componentes que agem

diretamente sobre a sonoridade. [...] Debussy elaborou uma rede de dimensões

secundárias, sobre a qual a articulação da forma vai se apoiar, e, mais importante ainda,

ele instituiu, entre essas dimensões, relações de natureza variada, de modo a reiventar,

nesse nível, uma dinâmica, a qual ele, ao mesmo tempo, eliminou nos elementos que

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preservou da linguagem tonal. [...] o trabalho integrado entre a organização das

intensidades, dos âmbitos [registro] e das densidades, reveste-se de um caráter

particularmente significativo para expressar a forma e, portanto, para definir o estilo do

compositor. (GUIGUE, 2011: p. 144-145)

Nessa busca, é possível avançar sob a abordagem pragmática em que nos limitamos em

descrever as diversas escalas utilizadas pelo compositor para uma reflexão mais abrangente de como

estes materiais podem tornar-se componentes de uma unidade sonora complexa e dinâmica. Nesse

sentido, buscamos investigar os Douze Études (1915), uma das últimas obras de Debussy, sob a

hipótese de que estes poderiam nos trazer evidências não somente sobre sua concepção pedagógica e

mecânica instrumental do piano, mas, principalmente, sobre sua concepção composicional com a

sonoridade.

Sonoridade foi o principal aspecto abordado nos Estudos de Debussy. David Kopp

comenta que Debussy chamava a atenção para a necessidade de se transcender as

estruturas formais e os limites das convenções harmônicas e assim, de certa maneira,

propôs uma música baseada na cor e beleza do som. (HWANG, 2007: p. 7)

Alguns autores consideram a presença de uma rivalidade entre França e Alemanha na obra de Debussy

pelo contexto das Guerras Napoleônicas e da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) em que a França foi

bombardeada pela Alemanha. Segundo ROSS (2007: 112), a guerra serviu de alerta para que outras nações da

Europa percebessem que o novo império alemão possuia planos de supremacia e isso, em partes, poderia explicar

a saída de Debussy e Satie ao sinfonismo de Beethoven e Wagner. “É preciso encher o ar de nova beleza”, disse

Stravinsky a Debussy quando silenciaram os canhões. SEYFRIED (2017: p. 33-34) comenta que nas

correspondências de Debussy com Robert Godet – e com outras pessoas – o compositor demonstra intenções

nacionalistas em seus Estudos através de uma valorização das tradições francesas de Couperin e Rameau e,

também, do romantismo de Chopin. Essa rivalidade pode ser percebida por uma certa ironia na composição do

Estudo I. Nesse Estudo – Pour les “cinq doigts” – dedicado ao pianista austríaco Carl Czerny –, Debussy cita a

coleção de 24 exercícios, Les Cinq Doigts, Op. 777, de Czerny. Nesses exercícios, o pianista deve exercitar os

cinco dedos da mão direita de maneira exaustiva sobre a progressão harmônica V-I.

Fig. 17. Czerny – 24 exercises, n. 2, op. 777 – exercício de mecanismo instrumental (c. 1-8)

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Debussy utiliza como base esta mesma progressão harmônica, porém direciona uma

considerável atenção ao desenvolvimento da sonoridade, tornando esta um objeto de estudo para além

da digitação de uma escala maior por grau conjuntos. O que nos chama atenção, inicialmente, é um

certo sarcasmo do compositor com a escola do mecanismo e, mais especificamente, a Czerny. Nos

compassos iniciais do Estudo 1, Debussy pede o caráter expressivo “comportado” – sagement –, porém

uma barra dupla divide essa breve passagem e prossegue com quatro compassos de grande contraste.

O caráter é alterado para “animado, movimento de Gigue” – Animé (mouvt de Gigue). Além disso, a

citação sobre Czerny é rapidamente modificada, a ponto de ter seu perfil melódico inicial

completamente alterado no compasso 7.

Fig. 18. Claude Debussy – Étude 1 – Pour les cinq doigts (c.1-15)

Sobre a sátira de Debussy, a pianista Mitsu Ushida (1991) comenta:

Debussy inicia o Estudo 1 satirizando Czerny, pobre Czerny... [toca exemplos de

Czerny] Como é banal isso, como é cansativo e feio, mas enfim, é assim que Debussy

começa... Então o professor diz para o aluno bem comportado: “comportado, toque isso

comportadamente”. [...] Então a criança começa a tocar, ela odeia isso [seu sentimento

se expressa na sobreposição pela nota Ab na mão direita] e conforme o andamento

aumenta ela odeia ainda mais e mais. Estas cinco notas são chatas demais, então a

criança diz, não vou fazer isso nunca mais. Logo inicia-se uma sessão contrastante de

grande fantasia, o início de um mundo de sonhos. (UCHIDA, 1991)

Portanto, considerando também as divergências de Debussy com a própria concepção

pedagógica tradicional do Conservatório de Paris, é possível denotar a crítica de Debussy na mudança

de caráter do trecho em que o performer sagement estaria na verdade adormecido pelo pragmatismo

mecanicista. Se o Estudo das escalas em Czerny prioriza o mecanismo instrumental, Debussy, em seu

Estudo 1, parece explorar as escalas enquanto sua potencialidade sonora e composicional. O campo

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harmônico enriquecido do romantismo permitiu o empréstimo modal das tonalidades homônimas,

assim como a variação cromática das qualidades maior/menor das funções deste campos13. Esse

enriquecimento foi fundamental para a consolidação de novas sonoridades no romantismo, que

tornaram-se parte fundamental de muitas obras de Debussy. Se Chopin explorou a sobreposição de

diferentes texturas e expandiu as relações harmônicas tonais a partir de uma harmonia por terças,

Debussy parece prosseguir com estas perspectivas de maneira singular.

Nos compassos 12 e 14 observamos sobreposição brusquement de uma unidade sonora distinta:

um gesto melódico sobre o material escalar de Fá sustenido Maior, conferindo, assim, uma relação por

semitom com relação à escala de Sol Maior na camada sobreposta. Nesse sentido, observamos a

sobreposição de unidades sonoras distintas em diversos componentes de sua estrutura.

Fig. 19 Claude Debussy – Étude 1 – Pour les cinq doigts (c.11-15)

No Estudo Pour les quartes – assim como nos Estudos Pour les tierces, Pour les sixtes e Pour

les octaves – o intervalo descrito é explorado enquanto material composicional singular. Sua

potencialidade sonora favorece uma reflexão de criação e escuta para além de uma abordagem

essencialmente voltada aos desafios de digitação envolvendo este intervalo. Em carta ao editor Jacques

Durand, Debussy comenta: “Mesmo você ja tendo se acostumado com diversos tipos de sonoridades,

irá encontrar sonoridades que nunca ouviu antes”. Alguns autores sugerem que o uso das escalas

pentatônicas14 e tons inteiros na obra de Debussy podem denotar uma tentativa do compositor em

recriar sonoridades percebidas do gamelão javanês. SEYFRIED (2017: p. 90) comenta que

provavelmente tenha sido na Exposition Universelle de 1889 em Paris que Debussy ouviu pela

primeira vez o gameleão, que, desde então, tornou-se uma das referências musicais do compositor.

Motte (1998: p. 251) e Howat (2009: p. 111) comentam que escalas comuns no gamelão, como por

13 Diether de la Motte (1976) 14 Diversos instrumentos da Etiópia e Indonésia possuem afinações baseadas em escalas pentatônicas.

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exemplo a escala Slendro, foram temperadas e adaptadas diatonicamente pela música ocidental,

experiência que provavelmente impactou as composições de Debussy, incluindo seu Estudo Pour les

quartes.

É importante destacar que a impressão da sonoridade advinda do slendro/pentatônico é

a de uma carência de fundamental, tendo em vista que cada parte instrumental da

orquestra javanesa repousa sobre uma nota diferente da escala pentatônica. [...] A

música do Gamelão não conhece a classificação dos acordes como consonantes e

dissonantes. Dessa maneira encontramos algo muito comum na composição de

Debussy sugerido pela música javanesa: a) cada nota da escala pode soar conjuntamente

com qualquer outra da mesma; não existe resolução dissonante; b) não existe

fundamental alguma neste flutuante mundo sonoro; c) diferentes processos simultâneos

têm a mesma importância, não existindo hierarquias entre melodia e acompanhamento.

(MOTTE, 1998: p. 252)

O Estudo Pour les quartes denota a influência da linguagem musical do Gamelão na escrita

composicional de Debussy. Dois principais aspectos podem ser o uso das escalas pentatônicas e a

construção timbrística de uma sonoridade martelé15, em alusão à sonoridade dos metalofones do

Gamelão. Além disso, as barras duplas contidas no Estudo denotam a relação entre unidades sonoras

distintas, especialmente com relação aos contrastes de intensidade.

Segundo Guigue (2007: p.126), na obra de Debussy não encontramos com grande frequência

o uso de dinâmicas com intensidades elevadas (f, ff, fff). Parte importante de sua obra evoluiu em torno

do pianíssimo (pp, p). Grande parte das obras para piano não saem dessa amplitude (Prelúdes, Images,

Six épigraphes Antiques). Nesse sentido, o autor destaca que os Douze Ètudes (1915) – reconhecidos

como um dos mais significativos legados musicais de Debussy – abrem espaço para um amplo espectro

de intensidades.

Sob esse ângulo, o ordenamento de contrastes abruptos de volumes sonoros entre dois

instantes imediatamente consecutivos adquire notável relevo. Devido ao fato de que

esses contrastes provocam uma ruptura na continuidade sonora vigente, geralmente em

baixos níveis de amplitude, eles se tornam marcadores per se na superfície perceptível,

o que pode constituir um indício do compositor em produzir uma manifestação sonora

na superfície que reflita uma articulação estrutural. (GUIGUE, 2011: p.126)

15 Marguerite Long (1972 apud Seyfried, 2017) destaca que um comentário muito frequente de Debussy era: “Não podemos esquecer que

o piano possui martelos”.

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Um exemplo dessa demarcação pode estar na sonoridade martelé – compasso 7 – da qual o compositor

apresenta componentes sonoros contrastantes aos compassos que o precedem, em especial, as intensidades e

articulações métricas.

Fig. 20. Claude Debussy – Étude 3 – Pour les quartes – unidades sonoras opostas (c. 4-10; pno.: Uchida)

Debussy parece propor uma escuta concentrada para as ressonâncias pentatônicas quartais: uma primeira

utilizando-se exclusivamento do modo Dó pentatônico menor e, em seguida, a repetição do gesto com o acréscimo

do trítono – Ab-D (notas evitadas da pentatônica). Essa recriação timbrística colabora para um processo que será

amplificado durante a música do século XX, a expansão das possibilidades sonoras a partir de investigações sobre

as maneiras de execução e da própria morfologia dos instrumentos.

Fig. 21. Claude Debussy – Pour les quartes. (c. 4-9)

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McAdams (1999 apud SIMURRA, 2017: p. 5) comenta que o “espaço de timbre” pode ser

analisado em suas características espectrais. Essa perspectiva, de certo modo mais “objetiva”, não

responde a diversas questões que envolvem a subjetividade da escuta. O comportameneto sonoro pela

observação espectral pode contribuir como ferramenta complementar aos processos analíticos e

composicionais, além de sugerir novos modos de escuta. Segundo Bullock (2008: p; 33), para uma

análise do timbre, podemos considerar que qualquer som possui suas características, por exemplo, de

frequência e intesidade no tempo, porém também podemos observar características coexistentes na

formação do timbre através de descritores de áudio, como o nível noisiness, ou seja, uma espécie de

“mancha” próxima às frequências mais nítidas de forma a colorir uma sonoridade com os ruídos, ou,

em outras palavras, com frequências transientes bem próximas às de maior definição. A observação

desse perfil pode ser dada pelo comportamento de seu ataque seguido de seu decaimento por

ressonância.

Nesse sentido, observamos que Debussy utilizou do tempo – ressonância – como momento de exploração

timbrística. Entre os compassos 7 e 12 do Estudo Pour les quartes, o compositor explorou a sonore martelé não

somente pela construção de uma unidade sonora, mas também pela preocupação com sua ressonância. Utilizando

um descritor de áudio voltado ao nível de noisiness, observamos primeiramente seu contraste com as unidades

sonoras anteriores e, por fim, a ressonância dessas unidades com a elevação do noisiness pela sobreposição do

trítono no segundo ataque.

Fig. 22. Claude Debussy – Pour les quartes. (c. 7-12 – pno.: Uchida)

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O desenvolvimento sonoro indissociado das intensidades talvez seja o principal aspecto

abordado no Estudo Pour les huit doigts. Isso se confere pela maneira detalhada como este componente

é abordado na escrita e por uma espécie de desenvolvimento harmônico estático. Guigue aponta para

uma “dependência” dos diversos componentes com relação ao desenvolvimento das intensidades.

No nível secundário, as densidades, as modalidades de distribuição dos sons no espaço

e no tempo, o modo de execução são fixados de uma vez por todas, sendo raras e de

pouca envergadura as escapadas. Toda energia cinética do Estudo repousa na dinâmica

de três dimensões, que agem em estreita correlação: a intensidade, o âmbito e a partição.

Em verdade, essas duas últimas são dependentes da primeira, pois é a intensidade, de

fato, que propulsa a música por meio do arquétipo da progressão, limitando-se o âmbito

e a partição em acompanhar a energia do processo. (GUIGUE, 2011: p. 135)

Nesse sentido, observamos pelo descritor loudness parte das características relacionadas às

intensidades e seu comportamento na macroforma do Estudo, a partir da performance do pianista

Thibaudet.

Fig 23. Debussy - Étude pour les huit doigts - Intensidade e macroforma (pno.: Thibaudet)

Nota-se que a representação das intensidades pelo descritor loudness permite-nos observar no

último intervalo do Estudo que o performer, ao invés de seguir a indicação piano, aplicou a intensidade

mais baixa de toda sua performance. Em nosso ponto de vista, essa interpretação colaborou em

amplificar as relações dos níveis de intensidade abordados no Estudo, contrastes que foram

evidenciados pelo compositor na construção macroformal do Estudo e também em aspectos da

microestrutura, como é o exemplo dos últimos compassos do Estudo.

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Fig. 24. Debussy - Étude pour les huit doigts - Intensidade e microforma (c.x-x)

Talvez o Estudo 10 – Pour les sonorites opposées – seja um dos primeiros Estudos a trazer literalmente

em seu título uma preocupação com a articulação formal pelo viés dos contrastes sonoros. Segundo Guigue (1996:

p. 368 apud Narmour, 1990), este Estudo subverte grande parte dos conceitos formais clássicos, em particular, as

regras de coerência e continuidade sonoras, enfraquecendo as espectativas implícitas de realização do sistema

tonal. Em linhas gerais, Debussy utiliza barras duplas de compasso para separar unidades sonoras contrastantes,

sonoridades complexas por sua diversidade de componentes, como articulação, densidade, ataques, intensidades,

tempo de ressonância, sobreposição por camadas, dentre outros. Segundo Guigue, a criação de uma determinada

sonoridade a partir do trabalho com seus diversos componentes pode favorecer a geração de uma “assinatura

sonora”.

Uma assinatura sonora é o conjunto de componentes que formam a característica de um

objeto sonoro e que o torna singular com relação aos outros objetos sonoros da peça.

[...] Quando identificamos uma assinatura sonora, é possível delimitar estruturas

formais a partir delas. Nesse sentido, uma seção da forma pode ser gerada por uma

assinatura sonora. Uma assinatura sonora pode possuir o componente da intensidade de

maneira a contrastar com as intensidades de outras sonoridades da peça. Então teremos

um contraste adjacente como assinatura sonora. (GUIGUE: 2011, p.126-128)

Na primeira oposição descrita por Debussy – barra dupla entre compassos 6-7 - observamos um

detalhamento na notação que demonstra as constribuições da escrita na composição da sonoridade. Isso não indica

que a sonoridade possa ser completamente descrita pela notação, mas, sim, que podemos estimular este complexo

aproveitando-se da escrita – perspectiva que será amplificada na música do século XX.

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Debussy menciona o problema do timbre em si pela primeira vez no Estudo Pour les

sonorites opposées. Esse Estudo requer uma atenção privilegiada do performer aos

aspectos de sonoridade e timbre, até então não tão diretamente abordados na literatura

pianística. O pianista deve conquistar a habilidade de controle às súbitas gradações do

toque e da intensidade assim como projetá-las de forma contrastante nos componentes

de âmbito, textura, intensidade, articulação e densidade. Estes componentes estão

sempre envolvidos em texturas e linhas contrapontísticas, tornando-se desafios ao

performer. Junto ao aproveitamento do pedal, esse Estudo pode produzir uma

complexidade sonora orquestral. (HWANG, 2007: p. 102)

Os diferentes pianos – dolente e expressif et profond – separados pelas barras duplas evocam uma escuta

concentrada pela alteração sutil da intensidade no complexo sonoro, variação que exige também do performer um

aspecto criativo com relação à exploração do timbre.

Fig. 25. Debussy – Pour les sonorites opposées – Diferentes pianos entre sessões A e B (c.1-10)

O contraste sonoro entre os compassos 11 e 20 nos permite observar a alteração de diversos componenetes

sonoros, como suas alturas, densidades, articulações, perfis rítmico e métrico, ressonâncias e intensidades.

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Fig. 26. Debussy – Pour les sonorites opposées – contraste sonoro entre sessões B e C. (c.11-20)

Em uma perspectiva macroformal, observamos oposições no perfil sonoro com relação à percepção de

rugosidade espectral – sharpness. Observando características de rugosidade na sonoridade, nota-se uma quase

alternância direta entre sonoridades que exploram a ressonância – decaimento – e sonoridades mais rugosas, cujos

ataques impedem um pleno decaimento. No exemplo abaixo, temos, portanto, a representação comparativa entre

intensidade (amarelo) e rugosidade (branco), ambas representadas sob os eixos frequência/tempo. Quanto mais

alinhada na horizontal, maior a rugosidade sonora, e quanto mais alta a linha amarela, maior a intensidade. Nesse

sentido, é possível observar que Debussy explora as ressonâncias em suas dinâmicas mais baixas e as rugosidades

por ataques mais contínuos em intensidades mais elevadas.

Fig 27. Debussy – Pour les sonorites opposées – Relações rugosidade-intensidade, sessões A-F

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Parte dos Estudos compostos durante o século XX tornam-se importantes obras pedagógicas

não somente à performance, mas, também, à análise e à composição musicais. Nesse sentido, é possível

observar uma certa desvalorização dessas obras por diversas instituições de ensino, devido ao fato de

ainda tratarem os Estudos como materiais exclusivamente voltados ao treinamento mecanicista na

performance musical. Dessa forma, podemos considerar que os Estudos de Debussy acabam por propor

uma formação musical mais abrangente, favorecendo a compreensão da linguagem musical nos

âmbitos da criação, análise e interpretação musicais.

Debussy, no entanto, estabeleceu um certo número de propostas técnicas, mostrou

caminhos de acesso a um sistema baseado no som, que tem valor de ferramentas, o que

significa poderem ser reutilizadas em múltiplas situações e com total independência do

contexto estilístico que presidiu sua elaboração na origem. (GUIGUE, 2011: p. 144-

145)

A análise dos Estudos de Debussy, partindo da perspectiva de sua influência pela obra de Chopin, buscou

evidenciar um caminho de evolução da abordagem sonora no ambiente dos Estudos. Estes Estudos evocam a

escuta do performer, que, no momento da performance, aproxima-se e participa das investigações sonoras

propostas pelo compositor – perspectiva que acreditamos ter sido compreendida por Debussy.

LONG (1960: p. 34 apud HEROLD) comenta que Debussy cria uma relação entre “timbre e forma” pela

analogia do “sensível e inteligível” ao provocar seu professor de composição do Conservatório de Paris, Ernest

Guiraud: “Ele não tem a teoria suficiente para entender...o prazer é a regra”. Esta provocação parece propor uma

compreensão das obras a partir da sonoridade e de suas relações com a forma. Confrontando “forma” e “timbre”

temos uma analogia com a “regra” e o “prazer”, até então estruturas essencialmente opostas. Porém, não

encontramos aqui uma forma de representar o “prazer” da escuta, retomamos o apontamento de que essa

perspectiva, de certo modo mais “objetiva” em analisar comportamentos sonoros, não responde à diversas

questões que envolvem a subjetividade da escuta. Buscamos nessa abordagem por representações simbólicas –

partitura e espectrograma –, investigar como a sonoridade possivelmente esteve entre uma das preocupações

composicionais – e talvez pedagógicas - dos Estudos compostos entre o final do século XIX e início do século

XX.

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CAPÍTULO 3

Estudos no século XX e XXI

3. Percussion Study II de Arthur Kampela: contribuições pedagógicas

No século XX, o gênero Estudo potencializa-se por sua diversidade de propostas e,

principalmente, por seu suporte como ambiente de experimentação composicional. É possível, nesse

momento, observar abordagens mecânicas instrumentais, estilísticas e também, outras essencialmente

composicionais. Essa diversidade de abordagens presentes no gênero reflete, inevitavelmente, sua

trajetória histórica e, também, as diferentes perspectivas que o título “Estudo” pode evocar, podendo

significar desde o exercício prático por repetições e imitações até o aprendizado pela compreensão,

reflexão e criação. Portanto, torna-se comum, no século XX, que um(a) compositor(a) investigue uma

determinada escrita composicional e não utilize o título “Estudo”, talvez pela tentativa de sobrepor o

foco da tecnicidade pela metáfora. Destacamos a complexidade do termo “Estudo”, pois, no contato

com uma obra escrita nos séculos XX e XXI, é comum nos depararmos com singularidades

composicionais que não serão retomadas em outras obras do mesmo compositor e inevitavelmenete

trarão um ambiente de investigação sem que necessariamente receba o título de Estudo. Porém, ainda

assim, o século XX parece trazer um momento de maior produção de obras intituladas como “Estudos”.

Podemos citar alguns exemplos importantes, como os 50 Studies (1948-1988), de Colon Nancarrow,

escritos para piano mecânico – sem performer – sob uma intensa investigação sobre o tempo e as

dissonâncias temporais; ou então o Studie I (1953), primeira peça eletrônica de Karlheinz Stockhausen

sobre a composição e a transformação do timbre através da manipulação de ondas senoidais

sobrepostas; e os Cinq études de bruits (1948), de Pierre Schaeffer, como obras protagonistas na

emergência de movimentos estéticos musicais na Europa, como a elektronische musik, concrete

musique e a música espectral.

Fig 28. Colon Nancarrow, Estudo 15 – Canon com proporção de andamento ¾ (c. 1-4)

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Neste capitulo, nos concentraremos nos Percussion Studies do compositor brasileiro Arthur

Kampela. Estes Estudos formam um conjunto de sete peças escritas para violão entre os anos de 1990

e 2003, nas quais encontramos uma diversidade de abordagens pedagógicas voltadas à escuta, à

performance e à composição musicais. Nosso objeto será o Percussion Study II (1993) – dedicado ao

compositor Elliott Carter –, em que abordaremos, em linhas gerais, três principais aspectos da obra:

(i) a relação som-ruído e as possíveis influências na obra de Kampela; (ii) temática morfológica e

desfamiliarização instrumental e, por fim, (iii) implicações ergônomicas do gesto na complexidade

rítmica.

Um primeiro aspecto importante na compreensão da obra de Kampela, e também nos antagonismos

pedagógicos que envolvem certos Estudos no século XX, está em uma crítica à “morfologia acabada”, seja essa

na luthieria, na composição ou na performance musicais. Em outras palavras, o compositor passa a questionar a

existência de temáticas morfológicas rígidas que limitam o seu fluxo criativo e, de certa maneira, a própria escuta.

Essa temática morfológica fixa significa que toda a tradição histórica que o instrumento carrega em sua construção

e na maneira de tocá-lo torna-se uma espécie de verdade incontestável de forma a, muitas vezes, determinar a

intérpretes e compositores, desde seu primeiro contato com os instrumentos, em seguirem esta temática como

único ponto de partida.

Essa série das Danças Percussivas ou Percussion Studies, como o nome indica, é um

caminho para estender a gama de sons encontrados no instrumento, incorporando sons

percussivos e efeitos ruidosos idiomáticos. Essa ideia normalmente incomoda os

puristas, que consideram essa inserção inaceitável e indesejável, pois explora

radicalmente limites do que é considerado, via de regra, uma maneira de tocar aceita e

compatível com o instrumento em questão [...]. A própria ideia de instrumento perfeito

é, a meu ver, equivocada. Para mim, nada é definitivo ou terminado ou gratuito. Todas

as coisas estão em um estado de incompletude, independente do grau de funcionalidade

que exibem. (KAMPELA apud MARLON, TITRE, 2009 apud MURRAY, 2013, P.

24).

Nessa proposta de Kampela em favorecer em seus Estudos uma ampliação da gama de sons do violão, o

compositor nos sugere uma série de diferentes abordagens com relação às maneiras de se tocar o instrumento,

como, por exemplo, Tapping Techinque, Extended Techniques e Prepared Guitar – recursos de expansão

timbrística desenvolvidos a partir de instrumentos tradicionais, nesse caso essencialmente construídos junto ao

violão.

Portanto, os Percussion Studies confrontam-se com uma questão para além da

propriamente composicional, mas do instrumento propelir tais pontos de vista por meio

de seus próprios sons, como se mais importante que expor a composição fosse reexpor

o instrumento a fim de despertar a percepção de seu torpor, suas expectativas e suas

repetições. (KAMPELA apud MARLON, Titre, 2009 apud MURRAY, Daniel, 2013).

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Podemos observar que os Percussion Studies de Kampela refletem discussões iniciadas pelos

movimentos da música eletrônica e da música concreta e, posteriormente, pela música concreta

instrumental na segunda metade do século XX. Em linhas gerais, um ponto em comum nesses

movimentos está no interesse pelo timbre enquanto unidade de discurso e um certo rompimento com

as regras de consonância e dissonância, até mesmo com vertentes estruturalistas do atonalismo e do

serialismo. Sua proposta de reexpor o instrumento acabam por favorecer uma classificação das

potencialidades timbrísticas do violão em uma espécie de “família de timbres”, nas palavras de

Kampela. No exemplo abaixo – primeiro compasso do Percussion Study 2 – o performer deve

friccionar uma colher nas cordas metálicas do violão a partir da primeira casa e seguir em movimento

ascendente sob ritmo livre. Essa unidade sonora pode ser compreendida como integrante da família

timbrística de maior ruído dentro do Estudo.

Fig. 29. Kampela, Percussion Study II – Tremolo-glissando com colher sobre as cordas metálicas. (c.1)

Estes recursos timbrísticos confluem não somente na ampliação da diversidade de componentes sonoros,

mas, também, no próprio questionamento sobre a relevância em questionarem-se as morfologias instrumentais

rígidas. De maneira resumida, estes novos timbres são genericamente enquadrados como “técnicas estendidas”,

porém podem ser classificados em subgrupos mais definidos no intuito de compreendermos suas singularidades.

i) Técnica Estendida: hibridização de técnicas tradicionais ou derivação destas, como exemplo, um

Martelatto de mão esquerda é um golpe percussivo em uma determinada casa similar à técnica do

ligado de mão esquerda, porém no martellato o performer busca evidenciar os componentes

transientes assim como o golpe percussivo.

ii) Tapping Technique: transporta gestos de instrumentos de percussão para o violão de forma a percutir

com golpes diversas regiões do corpo e das cordas do instrumento.

iii) Técnica Expandida: não possui sua origem em técnicas tradicionais do instrumento, como exemplo,

friccionar uma colher metálica ou um arco de violino nas cordas do violão.

iv) Violão Preparado: trata-se de fixar objetos no violão, como parafusos, cartões, borrachas,

abafadores, etc., com intuito de produzir alterações timbrísticas na morfologia do instrumento.

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A relação entre som e ruído é apresentada por Kampela na primeira sessão macroformal de Percussion Study

II. Logo nos compassos inicias do Estudo, a unidade sonora ruidosa do tremolo-glissando estendido/expandido é

finalizada no compasso 2 e, então, articula-se o contraste sonoro a partir de uma nova unidade regida por técnicas

tradicionais de execução – campanellas com ligados. No exemplo abaixo, podemos observar, na relação das

unidades sonoras, perfis energéticos distintos entre as intensidades e entre os níveis de ruído/transientes, contrastes

que sugerem uma reflexão da escuta som-ruído para além de seu desafio mecânico instrumental.

Fig. 30. Kampela – P.S.II – Unidades sonoras contrastes – Ruído x Alturas definidas. (c-1-4)

Na segunda unidade sonora, Kampela constrói uma harmonia pela sobreposição dos intervalos de

segundas menores e sétimas maiores que é conduzida por toda sessão – compassos 3 ao 20. Isso permite

observarmos que a sessão A do Percussion Study II traz uma relativa economia de materiais, o que distancia a

abordagem de Kampela de uma estrita “nova complexidade”, mas expõe de forma quase didática as relações som-

ruído à compreensão de uma certa “desfamiliarização instrumental” e à própria expansão da escuta.

Fig. 31. Kampela – P.S. II – Harmonia por segundas utilizada na sessão A sob técnicas tradicionais. (c-3-20)

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O conceito de “desfamiliarização das técnicas instrumentais” é de grande importância na

compreensão da obra de Kampela. Em linhas gerais, ele significa a complementação de novas maneiras

de se tocar, advindas de outros instrumentos ou, então, criadas a partir da fisicalidade de gestos. O

primeiro impacto pedagógico deste conceito está no questionamento sobre a existência de um certo

“dogmatismo” na literatura didática dos instrumentos, que acabaria por limitar o pensamento e a escuta

do(a)s performers, compositore(a)s e consequentemente, do público. Como exemplo, dificilmente

encontramos nos livros de iniciação ao violão propostas para emissão de percussões ou ruídos, mas,

sim, escalas e arpejos, ou seja, a morfologia instrumental está fixa em grande parte da literatura

bibliográfica da pedagogia da performance. Este pensamento encontra ambiente de reflexão em

diversas propostas estéticas musicais do século XX, principalmente sobre aquelas voltadas à

composição pelo timbre e pela síntese do som.

Para mim o instrumento é um objeto achado [found object/object trouvé], que dialoga

com o pensamento de Pierre Schaeffer em que o instrumento serve de ponto de partida

para uma investigação sonora e não como uma morfologia acabada. (KAMPELA,

2011)

No caso da música eletroacústica, observamos um influência relevante na escrita para

instrumentos acústicos, não somente pela ampliação da gama de sons, mas pela ampliação da notação,

do gesto e da escuta, aspectos evidenciados nos Estudos de Kampela.

Essa abordagem concreta possibilitaria tanto o alargamento da paleta sonora

instrumental através da utilização sistemática e radical do ruído – na maior parte das

vezes em trabalhos destinados a formações instrumentais tradicionais, como quarteto

de cordas e grande orquestra – quanto o estreitamento com a noção de fisicalidade –

isto é, a ação corporal dos/as performers em seus instrumentos –, duas características

bastante caras a Lachenmann. De modo complementar, Lachemann passaria também a

repensar questões ligadas à técnica instrumental e à notação musical. É nesse período

então que é possível observar o desenvolvimento de uma notação prescritiva e um

grande aprofundamento na pesquisa de técnicas de execução em diversos instrumentos.

(BONAFÉ, 2016, p. 77)

Um exemplo desta influência pode estar nos reflexos que as investigações sobre morfologia e

síntese sonora na música concreta e eletrônica de Pierre Schaeffer e Stockhausen exerceram na

tendência de uma “música concreta instrumental”, pelo compositor alemão Helmutt Lachenmann.

Ainda que as abordagens de Lachenmann e Pierre Schaeffer sejam bastante distintas,

ambas partem de pressupostos similares, como pode-se perceber já no início de

Klangtypen der Neuen Musik quando Lachenmann declara o envelhecimento de

concepções tonais baseadas em consonância e dissonância e afirma: “Hoje a

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experiência empírico-acústica imediata do som deslocou-se para uma posição

privilegiada da experiência musical” (LACHENMANN, 1996, p. 1). [...] Ela [música

concreta instrumental] significa uma extensa desfamiliarização da técnica instrumental:

o som musical pode ser tocado com arco, pressionado, batido, rasgado, talvez

engasgado, friccionado, perfurado e assim por diante. [...] Tal perspectiva demanda

mudanças na técnica composicional, de modo que os parâmetros-base clássicos, tais

como altura, duração, timbre, volume, e seus derivados mantenham a sua significação

apenas como aspectos subordinados à categoria composicional que lida com a

manifestação da energia. (RYAN, LACHENMANN, 1999, apud BONAFÉ, 2016, p.

77)

No compasso 48 de Percussion Study II, observamos essa perspectiva concreta instrumental

por Kampela, na simulação de efeitos eletrônicos – wa-wa pedal ou eletronic reverb – em uma espécie

de processo tecnomórfico. No exemplo, o performer deve utilizar a parte de trás de uma colher metálica

sobre a corda mais grave do violão em um gestual semelhante ao tremolo tradicional, enquanto a mão

esquerda improvisa com ataques percussivos – martelato – sobre a mesma corda grave.

Fig 32. Kampela – P.S. II – Tecnomorfismo: Wa-Wa effect (c. 48)

Um ponto culminante nas investigações de Kampela com relação a desfamiliarização das

técnicas instrumentais está em Percussion Study V (2007). Se observamos a desfamiliarização

instrumental por tecnomorfismo na última sessão do Percussion Study II, no Percussion Study V

encontramos um completo transporte das técnicas tradicionais, estendidas e expandidas investigadas

no violão para outro instrumento: uma viola de arco. Nesse “insight” de Kampela, o violonista – que

talvez nunca tenha tocado uma viola – passa a tocar a viola e, o violista – que talvez nunca tivesse se

deparado com a desfamiliarização instrumental da viola – se depara com novas famílias timbrísticas e

gestuais para seu instrumento.

O insight desta peça segue a trajetória de "Exoeskeleton", na qual eu exportei a técnica

do violonista, isto é, transportei o violonista para a viola. Esse "curto circuito" desta

vez é prolongado no final da peça, onde permito que o instrumentista continue tocando

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sem o instrumento enquanto o tape continua. O "desaparecimento" final do instrumento

do performer em frente à plateia o ressignifica. A plateia é subitamente confrontada

com um especialista cujo "instrumento desaparecido" o expõe em uma "nudez"

momentânea, como um frágil "cantor" de sua canção interior... Isso é para mim um

insight sobre a própria condição daquele que faz música. Somos entidades sonoras,

seres vibratórios: não somos necessariamente definidos pelos limites de nossos

instrumentos! Em desaparecendo o instrumento ao final da peça, surge em primeiro

plano a condição humana.(KAMPELA, Arthur apud MURRAY, 2013 apud TITRE,

Marlon. 2009)

Dessa maneira, ocorre uma alteração na realidade morfológica, e também social, da viola,

alargando seus limites e, para o violonista, uma expansão de sua performance para outros instrumentos,

o que Kampela irá chamar de malleability of musicianship, ou seja, o performer é desafiado a um novo

meio instrumental.

No Percussion Study V para viola alla chitarra and tape (2007) de Kampela, o papel

do violonista é questionado pela extensão que o faz tocar em outro instrumento que não

seja o seu propriamente dito. Percussion Study V foi escrito para viola para ser tocado

por um violonista usando as tapping techniques criadas no violão. Essa ação subversiva

é um exemplo do que Kampela chama de “malleability of musichianship”, um tema

recorrente em toda sua obra. A performance cria um espaço cênico onde o violonista

está presente, o violão é retirado da cena e a viola passa a ser tocada de uma forma

completamente expandida. (HORNSBY, 2015: p. 34)

As pesquisas de Kampela dentro do território dos Estudos passa a reverberar-se em toda sua obra. Um

exemplo da proposta de uma “musicalidade versátil” - pode ser observada na obra Macunaíma for 20 players

(2009) de Arthur Kampela em que instrumentistas são desafiados por novos meios instrumentais em especial,

musicos não percussionistas tocando instrumentos de percussão. Como exemplo, no compasso 19 observamos o

flautista ser desafiado em tocar e percutir garrafas afinadas microtonalmente.

Fig 33. Kampela, Macunaíma – Malleability of musichianship: flautista 2 deve tocar e percutir com garrafas (c. 19)

O mesmo ocorre, no compasso 3, com o fagotista que deve tocar percussão

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Fig 34.Kampela, Macunaíma – Malleability of musichianship: fagotista deve tocar percussão (c. 4)

A proposta de expansão da musicalidade vai além do multiinstrumentismo buscando também a

teatralidade do performer. O final de Macunaíma traz diversas indicações para que o(a)s performers se levantem,

caminhem pelo palco simulando estarme indo embora, improvisem e voltem a seus lugares de forma a criar uma

expressão cênica na obra.

Fig 35. Kampela, Macunaíma – teatralidade enquanto versatilidade musical (c. 272)

Voltando ao foco do Percussion Study II, destacamos a forma com que expõe as diferentes perspectivas

ritmicas e gestuais a partir de três notações ritmicas distintas. Uma notação mais livre ritmicamente – Open rythmic

form – em que não se estabelece uma métrica bem definida ou uma fórmula de compasso.

Fig. 36. Kampela, P.S.II – Notação em Open rythmic form. (Sessão A - c.3)

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Uma notação mais precisa a partir de modulações métricas e quiálteras de até três níveis – nested rythmns

-. Nessa notação o compositor separa um sistema para as alturas definidas e outro para as tapping techniques.

Fig. 37. Kampela, P.S.II – . Notação com modulações métricas e quiálteras. (Sessão B, c.3)

Por fim, a terceira sessão do Estudo utiliza de uma notação gráfica proporcional em uma espécie de

improvisação guiada.

Fig. 38. Kampela, P.S.II – . Notação com modulações métricas e quiálteras. (Sessão C, c.43)

Um aspecto que nos chama a atenção é que essas notações não estão hibridizadas no desenvolvimento

da peça mas sim, organizadas cada uma dentro de uma sessão formal da macroforma de forma que acabam por

evidenciar as singularidades sonoras, ritmicas e gestuais de maneira quase didática.

Sobre as notações mais complexas, buscamos investigar suas características partindo da influência de

Elliott Carter – compositor do qual o Estudo foi dedicado. Percussion Study II contribui pedagogicamente para o

um aprofundamento no estudo dos aspectos ritmicos e temporais. Parte das influências citadas pelo compositor e

pelos diversos pesquisadores de sua obra são: (i) Cowell – sobreposições temporais a partir pela abordagem

acústica do tempo; (iii) Brian Ferneyhough e a Escola da Nova Complexidade; (ii) Carter e as modulações

métricas. Elliott Carter, compositor do qual Kampela dedicou seu Percussion Study II, trouxe em suas obras um

olhar sobre os aspectos temporais, em especial, ao que chamou de “modulação temporal”.

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O termo “modulação métrica” como o conhecemos é desenvolvido por Elliott Carter

ao ponto de repensa-lo como “temporal modulation”. Este novo termo do qual o

compositor preferiu utilizar traz o objetivo de alterar o tempo para além de variações

métricas. Modulação temporal é um dos procedimentos principais abordados na obra

de Elliott Carter. O compositor cita diversas influências para seu interesse com a

modulação temporal como a música européia do século XIV, os madrigais

elizabethanos, a música tardia de Beethoven, os conceitos ritmicos de Henry Cowell

em seu livro New Musical Resources e os Estudos de Colon Nancarrow. (LOTHSON,

2012, p. 1)

No exemplo abaixo podemos observar – redução da Cello Sonata. por Bernard (1988, p. 169) – um

processo de modulação temporal de 70 colcheias por minutos para 60 através de modulações métricas.

Fig. 39. Elliott Carter, Cello Sonata, III – Modulação temporal (c.6-13)

No caso de Kampela, investigamos o seu interesse em sobrepor camadas de velocidades através do

trabalho composicional com quiálteras. No exemplo abaixo buscamos introduzir o conceito de modulação micro

métrica elaborado pelo compositor partindo do cálculo do andamento resultante das quiálteras com relação ao

andamento pré-estabelecido para o Estudo – 70bpm.

Fig. 40. Kampela, Percussion Study II – Calculando os andamentos sobrepostos pelas quiálteras. (c.1-3)

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Segundo SILVA (2014, p. 7), as quiálteras de dois ou mais níveis, muito recorrentes na escrita de

Kampela, podem ampliar o nível da escuta e, dessa forma, dialogam com a dilatação e a modulação temporal

desenvolvidas por Henry Cowell e Elliott Carter.

Fig. 41. Calculando o andamento da quiáltera de nível 2.

Para calcular o andamento implícito em uma quiáltera de dois níveis podemos utilizar o seguinte

procedimento matemático:

Fig. 42. Calculando andamento implícito na quiáltera de dois níveis

Calculando os andamentos implícitos nas quiálteras de dois níveis chegamos à técnica desenvolvida por

Kampela chamada Micro-Metric Modulation. Trata-se basicamente de uma técnica de modulação temporal a

partir da relação entre determinados tipos de quiálteras de dois níveis – ou mais. Na modulação micro-métrica é

possível suspender o andamento do primeiro nível em detrimento do andamento resultante do segundo nível,

favorecendo pequenas modulações temporais que reformulam a gestualidade do performer.Apesar da sessão B

do Percussion Study II explorar modulações métricas e uma ampla utilização de quiálteras sob até três níveis, não

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encontramos o uso propriamente dito da Micro-Metric Modulation na peça. Alguns autores, como HORNSBY

(2016) e LEDICE (2018), buscam associar a complexidade rítmica e sonora de Kampela com a teatralidade do

performer, ou seja, é possível relacionar a elevação da complexidade rítmica com a elevação da carga de tensão

do gesto cênico.

Podemos observar nas obras de Kampela um recorrente componente estrutural, o qual

o movimento dramático varia segundo o material musical empregado. Assim, nos

momentos de notação rítmica mais estrita, observa-se uma maior tensão sonora e

gestual, e uma teatralidade milimétrica, calcada na ergonomia do jogo instrumental, e

mais focada na coordenação das ações das duas mãos (frequentemente independentes

uma da outra). Por outro lado, a tensão se torna relaxada nos momentos ritmicamente

mais livres, permitindo ao performer uma maior expressividade individual. A

dificuldade técnica que a escrita de Kampela traz, especialmente nas passagens

ritmicamente mais estritas, também é fonte de teatralidade, pois o compositor “não

deseja uma performance “confortável”, mas ao contrario, uma luta teatral entre o

intérprete e o instrumento” (HORNSBY, 2015: 132 apud LEDICE, 2018).

Discordamos que Kampela busca com seus ritmos complexos evocar uma “luta teatral entre o

intérprete e o instrumento” pois, a complexidade foi gerada a partir de uma racionalização dos gestos

enquanto fisicalidades espontâneas, relaxadas e naturalmente irregulares. Os performers costumam

memorizar essas obras e portanto, a tensão poderia estar no primeiro contato com a partitura o que,

naturalmente, pode se desfazer na medida em que esses gestos vão sendo memorizados e encontram

sua familiaridade gestual na realidade do corpo do(a) performer. Portanto, é possível repensar essa

perspectiva, associando a complexidade rítmica como a tentativa de “racionalização” do gesto

enquanto fisicalidade imanente do performer. Nesse sentido, passamos a observar a obra de Kampela

fora da perspectiva escolástica da nova complexidade mas sim, sob a perspectiva das implicações

ergonomicas no tempo.

Segundo Kampela (in Palestra Smetak), existe um irregularidade ritmica imanente no gesto ou, em

outras palavras, nossos gestos cotidianos trazem naturalmente uma irregularidade ritmica, não

pulsamos em colcheias e semínimas. O autor cita como exemplo que, qualquer gravação em áudio de

uma performance considerada muito precisa ritmicamente, quando desacelerada por um software

computacional, pode demonstrar essa irregularidade ritmica imanente do gesto, aspecto que o

compositor passa a lidar como uma questão de composição. Por tanto as implicações ritmicas derivam

das implicações ergônomicas, Kampela nos deixa pistas dessa premissa ao dizer que só compõe para

um instrumento que ele tenha em sua casa e possa compor tocando – “hands on”.

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É evidente que os Percussion Studies de Kampela trazem inúmeras propostas aos performers

porém vale considerar a coexistência de suas contribuições no âmbito composicional tendo em vista

que as investigações de Kampela nos Percussion Studies foram, posteriormente, exploradas em peças

para outros instrumentos16 o que reforçam nossa hipótese do gênero Estudo ser um importante

território de criação na música do século XX. Buscamos evidenciar neste capítulo a ampla perspectiva

de estudo e reflexão abordada sob o território dos Estudos. Acreditamos que os Percussion Studies de

Arthur Kampela são exemplos que nos permitem observar o caráter que historicamente o gênero

Estudo alcançou. Encarar os Estudos de Kampela como um estudo de técnicas estendidas é aborda-lo de maneira

pragmática. A ampliação timbrística é sobretudo uma expansão da escuta e do gesto a partir da desfamiliarização

morfológica, um questionamento das limitações historicamente consolidadas aos performers e compositore(a)s.

Os Estudos de Kampela são, acima de tudo, uma profunda e convergente reflexão sobre linguagem, composição

e performance musicais, um território de grande contribuição pedagógica.

16 Layers for transparente orgasmo for solo horn (1991), Gestures for solo violin (1993); Phalanges for solo Harp

(1995); Bridges for viola (1995); Quimbanda for eletric guitar (1999); Naked singularity for tuba (2003-4); Not I for

solo horn and light (2011); A máquina do mundo for contrabass clarinet (2012).

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CAPÍTULO 4

Como comentamos em nossa introdução, foram compostos quatro Estudos para violão e,

considerando a profundidade do tema de nossa pesquisa, a composição destes Estudos não buscou

realizar uma síntese do conteúdo investigado, mas apresentar, no campo da criação, obras

influenciadas pelas reflexões teóricas que nos permearam.

4.1.Considerações sobre Quatro Estudos

Estudos 1 e 3

Os Estudos 1 e 3 foram compostos durante a fase inicial dessa pesquisa. Naquele momento,

investigávamos a escola do mecanismo – concepção pedagógica musical amplamente difundida

durante a revolução francesa e responsável por consolidar um perfil de Estudos que permanece até a

atualidade em instituições de ensino em música. Busquei, nestes Estudos, descontruir parte das

atenções dadas – por vezes excessivas – ao aprimoramento do mecanismo instrumental de mão direita

através de um direcionamento a desafios de agógica, intensidade e timbre. Nesse sentido, os Estudos

ganharam um aspecto dialético que favoreceu, além do mecanismo instrumental, questões de contraste

em temporalidade e sonoridade.

Estudo 2 (a José Augusto Mannis)

No Estudo 2 abordo o gênero enquanto um estudo composicional. Nele, explorei o serialismo

dodecafônico, buscando modelar sua sonoridade com uma diversidade de articulações, intensidades,

ressonâncias, contrastes e técnicas estendidas. A série é apresentada nos seis compassos iniciais e

espera-se que o performer procure compreender os processos de retrogradação, inversão e

espelhamentos desta e seu potencial sonoro junto à articulação dos componentes da sonoridade.

Estudo 4

O Estudo 4 propõe o estudo de modulações métricas e uma escuta concentrada sobre nuances

modais que ressignificam o timbre aparentemente estático por uma fundamental grave na nota Ré.

Algumas figurações rítmicas foram construídas de forma a considerar a ergonomia tradicional do

violão, assim como aproveitar a ressonância por cordas soltas. Além disso, é fundamental à

performance deste Estudo um direcionamento das intensidades e agógicas de acordo com as

reconstruções sonoras.

4.2.Quatro Estudos para Violão

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Bula

Martelato de Mão Esquerda: Atacar nota apenas com mão esquerda buscando o som da

nota indicada e seus transientes advindos percussivos e harmônicos.

Tambora: Percussão com dedo polegar sobre as cordas próximo ao cavalete de maneira a se

escutar os sons reais do acorde junto ao ataque percussivo no cavalete. Sob o cavalete, obtém-

se maior sonoridade percussiva da caixa; sob as cordas, obtém-se maior sonoridade do

acorde/nota

Módulo de repetição: Repetir elementos dentro do módulo três vezes.

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A José Augusto Mannis

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As peças musicais intituladas “Estudos” demonstram formar um campo aberto à exploração

nas diversas áreas da música. Essa hipótese foi cercada desde nosso primeiro capítulo, considerando,

primeiramente, as Invenções de J.S. Bach como possíveis “embriões” do gênero Estudo e, a partir de

então, observando seu antagonismo pedagógico – e social – com os posteriores Estudos clássicos das

primeiras décadas do século XIX. Destacamos os impactos na práxis musical que gradualmente foram

distanciando as habilidades convergentes entre performance, composição e improvisação, porém

observamos que esse perfil é retomado a partir da segunda metade do século XIX, quando observamos

que Chopin e Debussy compuseram Estudos apenas para o instrumento do qual eram também

performers, o piano.

Uma das problemáticas que nos chama a atenção é que ainda hoje parece permenecer um certo

“senso comum” de que o gênero Estudo consiste, exclusivamente, de peças voltadas ao treinamento

mecânico instrumental, perspectiva que buscamos contradizer em prol de uma formação musical mais

profunda expressivamente e intelectualmente. O pragmatismo da escola do mecanismo se mantém em

diversos programas de curso de instituições de ensino de música na atualidade, de forma a enquadrar

um amplo repertório de Estudos sob uma ótica engessada e mecanicista. Consideramos que os Estudos

de Chopin, Debussy e Arthur Kampela, compositores-performers com significativa produção sobre o

gênero, favoreceram um olhar expandido para a profundidade do gênero, principalmente para sua

contribuição à música dos séculos XX e XXI. Acredito que os programas de curso de música possam

refletir sobre a trajetória histórica do gênero Estudo de forma a aproveitá-lo em seu potencial

interdisciplinar e, por fim, tomarem cuidados com a inconsistência que propostas mecanicistas podem

trazer na formação dos músicos.

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