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- UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTER MESTRADO PROFISSIONAL Marcelo Oliveira Rocha Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia: inovação e conservadorismo político FEIRA DE SANTANA Novembro, 2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado Rocha, Marcelo Oliveira R574p Política de desenvolvimento territorial

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTER

MESTRADO PROFISSIONAL

Marcelo Oliveira Rocha

Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia: inovação e conservadorismo político

FEIRA DE SANTANA Novembro, 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTER

MESTRADO PROFISSIONAL

Marcelo Oliveira Rocha

Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia: inovação e conservadorismo político

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial – Mestrado Profissional, da Universidade Estadual de Feira de Santana como requisito para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial. Orientadora: Profª. Drª. Acácia Batista Dias

FEIRA DE SANTANA Novembro, 2015

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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Rocha, Marcelo Oliveira

R574p Política de desenvolvimento territorial na Bahia : inovação e conservadorismo político / Marcelo Oliveira Rocha. – Feira de Santana, 2015.

187 f. : il.

Orientador: Acácia Batista Dias. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, 2015.

1. I. Território – Políticas públicas. 2. Desenvolvimento territorial – Bahia. I. Dias, Acácia Batista, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 711:304(814.2)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha grande família, farol que me alumia, em especial minha mãe e minha filha.

A Adilson, amado, disciplinador, parceiro. Com vocês sou mais feliz! Agradeço à minha

Orientadora, Acácia Batista Dias pela paciência e sincera dedicação a contribuir para este

resultado. A Jocimara Lobão, por todo incentivo e confiança. Aos colegas de curso por

momentos de diversão e construção coletivas. Aos membros da Banca Avaliadora, Tatiana

Velloso e Valdir Roque Dallabrida.

Aos meus inspiradores e dedicados construtores dos territórios de identidade da Bahia: Edson

Valadares (gratidão especial), Jerônimo Rodrigues, Ivan Leite, Wilson Dias, Ildes Ferreira,

Marília Mattos, Benito Juncal, Angela Andrade, Mary Cláudia e Thiago Xavier. Ao nosso

arquiteto territorial Humberto Oliveira. Em especial, agradeço a Ubiramar Bispo, Mazinho,

um homem de verdade, superior, o maior guerreiro pacífico desta construção. À Coordenação

Estadual dos Territórios da Bahia. A Walter Pinheiro, Zezéu Ribeiro e José Sérgio Gabrielli,

com quem trabalhei e aprendi. À Maria Teresa (Teka), mestra do compromisso pedagógico na

política. A João Alberto, Ronaldo Rodrigues e Vanduy Cordeiro, meu pai e irmãos de

caminhada. À Vasco Zugno, amado. À Cris Zomzom.

Agradeço à equipe DPT por esta longa jornada, gratidão pela companhia. Aos sempre

indispensáveis e amorosos incentivadores Zilton Rocha e Normélia Monteiro. Ao meu amado

sobrinho Gabriel Rocha pelo apoio incondicional. Ao corpo docente deste Mestrado.

À Vida, ao Aqui e Agora, ao O Que É!

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RESUMO

A presente dissertação analisa a experiência da Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia, implementada pelo Governo Jaques Wagner, no período de 2007 a 2013. Foca o aspecto da participação social e os mecanismos utilizados para a realização da mesma, com vistas a analisar os resultados desse processo, ainda em construção. A participação social aqui estudada foi construída a partir do processo de territorialização do Estado da Bahia, quando o Governo criou os Territórios de Identidade e os definiu como unidades de planejamento e execução das políticas públicas. Criou-se um arcabouço institucional para operar a participação social, com base nos referidos territórios, e reproduziu-se a escuta social quando da renovação do mandato do governo, em 2011, realizando alterações no processo de escuta inicial, visando qualificá-la. A partir desta situação dada, optou-se por uma pesquisa qualitativa, através do estudo de caso, tendo na análise documental a principal fonte de pesquisa. Segundo a crítica aqui apresentada, aponta-se que, a despeito de avanços verificáveis na democratização e na descentralização da gestão pública, com a criação de um conjunto de espaços e instrumentos institucionais de escuta social e de governança territoriais, os mesmos operam de maneira superficial e estão esvaziados de poder, com baixo aproveitamento dos mecanismos institucionais criados.

Palavras-chave: Territórios. Participação Social. Política Pública. Desenvolvimento

Territorial. Governança.

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ABSTRACT

This dissertation analyzes the experience of Bahia Territorial Development Policy, implemented by the Government Jaques Wagner, from 2007 to 2013. The focus is the aspect of social participation and the mechanisms used to perform it, in order to analyze the results of this process, still in construction. The social participation here studied was built from the process of territorialization of the State of Bahia, when the government created the Identity Territories and defined them as planning units and execution of public policies. It was created an institutional framework to operate social participation, based on those territories, and it was reproduced to social listening during the renewing of government mandate in 2011, making changes to the initial listening process aiming to qualify it. From this situation, it was decided to use a qualitative research based on case study, using document analysis as the main source of data to this research. However, despite progress achieved on democratization and decentralization of public administration with the creation of a set of social listening spaces and territorial governance, among others, it is observed that these spaces operate superficially and are drained of power, with low utilization of the created institutional mechanisms, according to reviews presented here.

Key words: Territory. Social Participation. Public Policy. Territorial Development.

Governance.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABONG Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais ADT Agente de Desenvolvimento Territorial BID Banco Interamericano para o Desenvolvimento BIRD Banco Mundial BNDS Banco Nacional de Desenvolvimento Social BNH Banco Nacional de Habitação CAPPA Conselho de Acompanhamento do PPA (2008 – 2011) CAR Companhia de Desenvolvimento Regional CDERS Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CEALNOR Centro de Associações do Litoral Norte CEDETER Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial CEDRS Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CEPAL Comissão Especial para a América Latina CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CETA Coordenação Estadual dos Trabalhadores, Assentados, Acampados e

Quilombolas da Bahia CET Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia CETEP Centro Territorial de Educação Profissional CMDS Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica COAS Coordenação de Articulação Social CODES Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável CODETER Colegiado de Desenvolvimento Territorial CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CONSAD Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração COREDES Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável CPT Comissão Pastoral da Terra CRA Centro de Recurso Ambiental CUT Central Única dos Trabalhadores DEM Democratas DIREC Diretorias Regionais de Educação DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca DPT Diretoria de Planejamento Territorial EFA Escola Família Agrícola EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EUA Estados Unidos da América FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura FASE Federação de Órgãos para Assistência Social FETAG Federação Estadual dos Trabalhadores Agrícolas FETRAF Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura

Familiar FIDA Fundo Internacional de Desenvolvimento para a Agricultura FMI Fundo Monetário Internacional FUNDIFRAN Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco GT Grupo de Trabalho IDE Investimento Direto Estrangeiro

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IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura IFBA Instituto Federal da Bahia INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IRPAA Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada LOA Lei Orçamentária Anual MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MLT Movimento de Luta pela Terra MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MOC Movimento de Organizações Comunitárias MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas OP Orçamento Participativo PAC Plano de Aceleração do Crescimento PC do B Partido Comunista do Brasil PFL Partido da Frente Liberal PGP Plano de Governo Participativo PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PPA Plano Plurianual PPA-P Plano Plurianual Participativo PPS Partido Popular Social PROINF Projeto de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais PRONAT Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios

Rurais PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Médio e Emprego PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido Social Democrático Brasileiro PST Prestação de Serviço Temporário PT Partido dos Trabalhadores PTC Programa Território da Cidadania PTDRS Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável PTDS Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável PV Partido Verde REDA Regime Especial de Direito Administrativo SAEB Secretaria de Administração da Bahia SAF Secretaria de Agricultura Familiar SDR Secretaria de Desenvolvimento Rural SDT Secretaria de Desenvolvimento Territorial SECOMP Secretaria de Combate à Pobreza SECULT Secretaria de Cultura da Bahia SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais SEMA Secretaria do Meio Ambiente da Bahia SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia SERIN Secretaria de Relações Institucionais do Estado da Bahia SGA Superintendência de Gestão e Avaliação SIPLAN Sistema Integrado de Planejamento e Execução do Estado da Bahia SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TCE Tribunal de Contas do Estado

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TI Território de Identidade UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana UNEB Universidade do Estado da Bahia UNICAMP Universidade Estadual de Campinas ZEE Zoneamento Ecológico Econômico

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Agentes e estruturas territoriais na Bahia 2015 150

Quadro2 Catalogação primária para sistematização dos documentos pesquisados 183

Quadro 3 Sistematização heurística dos documentos pesquisados 184

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa dos Territórios de Identidade da Bahia 14

Figura 2 Mapa Estratégico para a gestão do Governo do Estado 2008-2011 185

Figura 3 Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Eixo 3) 186

Figura 4 Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Núcleos Temáticos) 187

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO I 21

Considerações acerca da pesquisa e da metodologia

Plano de análise da política de desenvolvimento territorial da Bahia 30

(2007 a 2013)

CAPÍTULO II 32

Embasamento teórico-conceitual

2.1 Território/Territorialidades 33

2.2 Território e Identidade 39

2.3 Território e Sustentabilidade 42

2.4 Governança territorial: gestão e concertação 44

2.5 Desenvolvimento: entre o mito e a necessidade 53

2.5.1 A teoria neoliberal e o consenso de Washington 56

2.5.2 A visão dos estruturalistas da CEPAL 61

2.5.3 A atualização do debate teórico sobre desenvolvimento 66

2.5.4 Desenvolvimento Territorial 75

CAPÍTULO III

3.1 A Abordagem Territorial do Desenvolvimento no MDA e na SEPLAN-BA 85

CAPÍTULO IV 90

Do plano das ideias ao exercício do poder de Estado

4.1 Evolução do quadro político nacional: de Fernando Henrique Cardoso 90

a Luís Inácio Lula da Silva

4.2 Contexto da sucessão política do Estado nas eleições de 2006 e 94

o Plano de Governo da Coligação Bahia de Todos Nós

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4.3 A definição do modelo de regionalização e participação social através 96

da implementação do Plano Plurianual Participativo 2008-2011

4.4 O contexto e as mudanças no processo de participação na construção 104

do PPA 2012-2015

4.5 A pactuação do PPA Participativo de 2011: avanços e frustrações 108

CAPÍTULO V 114

O exercício da Política de Desenvolvimento Territorial.

5.1 A ocorrência do CAPPA e sua real efetivação no bojo da 114

Política de Desenvolvimento Territorial

5.2 O fim do CAPPA – mutilação ou integração do corpo da política territorial? 124

5.3 Os Colegiados Territoriais: as bases invisíveis do corpo 132

5.4 O CEDETER e a formação de um corpo visível para a 140

Política Territorial - entre o planejamento e a execução de políticas públicas

5.5 A CET e o dilema da Governança: 155

Participação social versus institucionalização

CONCLUSÃO 160

REFERÊNCIAS 175

ANEXOS 183

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1 INTRODUÇÃO

A Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia refere-se a uma estratégia de

desenvolvimento com participação social. Institucionalizada a partir de 2007, com o Governo

Jaques Wagner, tem sido implementada pela Secretaria do Planejamento, objetivando a

inclusão política do conjunto do território do estado e a democratização das políticas públicas.

Como estratégia, destaca-se entre uma série de iniciativas do Estado voltadas para

inclusão e desenvolvimento sociais, com participação cidadã, dentre as quais se pode citar: as

conferências temáticas, as escutas públicas, as salas de situação, os conselhos estaduais, os

comitês de bacias hidrográficas, entre outros instrumentos democráticos, nos quais a

sociedade é convocada a participar e influenciar nos rumos das decisões do Estado.

A divisão inicial dos Territórios de Identidade da Bahia contava com 26 territórios,

sendo criado o 27° em 2010, com a subdivisão do Território Extremo Sul e o surgimento do

Território Costa do Descobrimento (vide Figura 1).

Figura 1 – Mapa dos Territórios de Identidade da Bahia

Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN, 2010)

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Em termos conceituais, a Política de Desenvolvimento Territorial conforma uma nova

institucionalidade, uma vez que oficializa territórios de identidade como espaços

administrativos e de diálogo social. Espaços, portanto, de poder. Estes, como unidades de

planejamento, são o locus para a ocorrência da maioria das políticas públicas, servindo-lhes,

ainda, como espaço definidor de orçamento e de execução, ou, ao menos deveria servir-lhes.

Assim, as mediações existentes entre o Estado e o que se define por territórios de identidade

ocorrem entre o Governo e as representações políticas daqueles, requeridas, por sua vez,

como uma composição democrática das suas diversidades.

À medida que se instituiu os territórios de identidade, a partir da Lei do Plano

Plurianual de 2008 (Lei nº 10.705, de 14/11/2007), os mesmos passaram a ser uma realidade

diferenciada da tradição administrativa do Estado e se tornaram um desafio político para o

avanço democrático proposto pelo próprio governo. Isto porque os territórios não são mais

apenas os municípios, nem outro ente federativo. Os territórios representam novos sujeitos

políticos que emergem dentro de um arcabouço ideológico e de uma concepção de Estado, a

qual requer maior abertura política à participação social nos rumos das políticas públicas,

menos verticalidades e novas relações de poder.

Pautados pela ideia de democracia participativa, as representações dos territórios – os

Colegiados de Desenvolvimento Territorial - CODETER, reivindicam seu lugar na arena do

jogo político do Estado; buscam ser reconhecidos como lugar de concertação e passam a

discutir e reivindicar o exercício da governança social – no qual, conceitualmente, poder

público, sociedade civil organizada e poder econômico exercitam democraticamente a

construção estratégica do desenvolvimento; se esforçam para encontrar pactuações possíveis,

tendo o governo como mais um participante e, dentro do arcabouço institucional vigente no

país, como o sujeito final que deve operar as decisões, mantendo, porém, o poder

discricionário, inclusive, de não cumpri-las.

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Neste diapasão entre o poder discricionário e a prática da governança, restam muitos

espaços de atuação específicos do Estado, que são os caminhos tradicionais ou novos (des)

arranjos da democracia representativa, capazes de esvaziar a governança. Assim, percebe-se

que a Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia, ao longo dos últimos sete anos, se

constitui em uma experiência rica para a observação dos avanços e dos conservadorismos

políticos, típicos do exercício do poder de Estado, levado à frente, neste contexto, pela

composição partidária liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), desde a tomada de posse

de Jaques Wagner no posto de governador da Bahia, em 2007.

A abordagem territorial do desenvolvimento iniciou-se na esfera federal, logo no

primeiro mandato do presidente Lula, com a nova condução do Ministério de

Desenvolvimento Agrário (MDA) e a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial –

SDT, oficializada em 2004, mas em ação desde 2003. A partir daí, o Brasil iniciou a

implementação desta estratégia no campo do desenvolvimento agrário, em todo território

nacional, com a criação dos Territórios Rurais.

A Bahia, a partir de 2007, em consonância com esta tendência, implanta a abordagem

territorial do desenvolvimento e aporta para dentro do Estado parte dos conceitos daquele

Ministério. Contudo, propõe uma inovação no cenário nacional com a instituição, não mais de

territórios rurais, aos moldes da SDT, mas de territórios de identidade. Na Bahia, estes

inferem um conceito mais complexo e integrado, apontam para um planejamento estratégico e

sistêmico do desenvolvimento, a partir de “unidades” integrando as dimensões espaciais,

culturais, econômicas e sociais. Assim, conceitualmente, no mesmo espaço integra-se a

dimensão urbana e supera o específico do rural, pelo holístico da identidade. Portanto, os

territórios rurais da Bahia são tomados como de Identidade para o Governo baiano, mas

continuam como territórios rurais ou de cidadania (quando incluídos no programa Territórios

da Cidadania) para o MDA.

Na Bahia, ainda, a política de desenvolvimento territorial é gestada a partir de uma

secretaria sistêmica, do núcleo central do poder do Estado: a Secretaria de Planejamento –

SEPLAN. Esta Secretaria vem elaborando um conjunto de instrumentos jurídico-

institucionais que conformam a estrutura oficial da política de desenvolvimento territorial.

Esta construção acontece sempre com a participação da Coordenação Estadual dos Territórios

– CET, a qual se constituiu na Bahia a partir da implantação dos territórios rurais, pela SDT e

passou a ser a porta voz dos territórios de identidade, no sentido de os representarem

politicamente junto ao governo. A CET foi quem negociou a territorialização do Estado, sem

ela não se teria conformado o que veio a se constituir como a política de desenvolvimento

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado Rocha, Marcelo Oliveira R574p Política de desenvolvimento territorial

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territorial baiana. A sua ocorrência e atuação também são uma inovação no contexto nacional,

sendo ela a primeira rede estadual de territórios do país e a inspiradora da Rede Nacional de

Colegiados Territoriais.

Note-se que o arcabouço institucional que conforma a política de desenvolvimento

territorial apresenta-se, por um lado, como conquistas sociais e, por outro, como limites

burocráticos aos anseios mais “radicais” da sociedade civil; uma vez que emerge de um

processo de mediação e governança. Sua ocorrência se estabelece dentro de uma ordem

possível (de um federalismo dado historicamente), a partir de novas institucionalidades, de

acordo com os limites jurídicos e políticos de um Estado de tradição conservadora.

Portanto, o objeto central nesta dissertação é a governança, entendida como o espaço e

o exercício da concertação política e da mediação dos interesses dos poderes públicos, da

sociedade civil e do setor econômico, visando o desenvolvimento. Dentro do contexto da

política de desenvolvimento, na Bahia, a governança ganha o caráter ou a dimensão territorial,

pois implica o espaço dos territórios e os sujeitos territoriais aí incluídos. Trata-se, portanto,

de uma governança territorial, que se inicia com a instituição dos territórios de identidade,

passa pelo Plano Plurianual Participativo (PPA-P), notadamente, do seu processo de escuta

social; pelo Conselho de Acompanhamento do PPA (CAPPA); pelo Conselho Estadual de

Desenvolvimento Territorial (CEDETER) e por aqueles que se constituem como a base deste

arcabouço institucional – os Colegiados de Desenvolvimento Territorial Sustentável

(CODETER). Estes últimos são as representações políticas dos territórios de identidade, a

expressão de sua organização enquanto território, a representação de sua diversidade. Todos

juntos compões os espaços institucionais da governança territorial.

Analisou-se, pois, tais espaços institucionais de participação social e sua efetividade

na experiência da Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia. Focou-se na apuração da

coerência dos processos implantados e seus resultados, com relação aos pressupostos

definidos nos documentos oficiais da política territorial do Estado baiano e nos discursos do

Governo e da CET. Para este propósito, buscou-se um embasamento nas formulações teóricas

encontradas na literatura acadêmica sobre abordagem territorial para o desenvolvimento

sustentável, com foco nos aspectos da descentralização e da participação social na gestão

pública.

Como referência teórica para avaliar a experiência em curso, adotou-se o conceito de

rede socioterritorial de governança e sua importância para assegurar a efetividade de uma

democracia participativa, com base em territórios.

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A riqueza da experiência da abordagem territorial e seus instrumentos institucionais

são reconhecidos. Contudo, pretendeu-se demonstrar os limites da ocorrência política do

modelo baiano.

A análise percorreu o modus operandi da política de desenvolvimento territorial do

Estado da Bahia, a fim de evidenciar os modos como se realiza o exercício da governança

territorial. Ao fim, almejou-se um panorama global da experiência, de seus avanços,

potencialidades e problemas, tendo em vista sua natureza ainda incompleta, em pleno

processo de realização. Para isso, fez-se necessário:

a) analisar os aspectos históricos e conjunturais que engendraram a política territorial

da Bahia, a partir de 2007;

b) analisar os instrumentos institucionais da Política Territorial da Bahia, a partir de

2007;

c) analisar as contradições políticas e ideológicas inerentes ao processo de

implementação da política territorial do Governo da Bahia, a partir dos estudos

sobre as ações de governo e os posicionamentos políticos dos seguimentos sociais

inseridos neste contexto, entre 2007 e 2013, a fim de apurar os elementos políticos

que dificultam o avanço desta experiência;

No primeiro capítulo aborda-se a pesquisa e sua metodologia, precedida de uma

discussão teórica sobre ambas, a partir da definição tomada pelo autor sobre o tipo de

pesquisa e de metodologia utilizadas. O segundo capítulo apresenta o apanhado teórico

conceitual das categorias utilizadas para análise do fenômeno estudado; tais categorias, por

sua vez, emergem da própria experiência estudada, de seus elementos constitutivos, que

precisam ser conceituados. Investigou-se, no contexto estudado, a conformação teórica de

território e, a partir daí, a conjunção de território com seus pares conceituais vinculados, quais

sejam: territorialidade, identidade, sustentabilidade e governança. Destaca-se a abordagem

sobre desenvolvimento, na qual se buscou estender a análise, a partir de duas bases

conceituais e ideológicas distintas: a neoliberal e a desenvolvimentista. Esta última tomada

como premissa para a abordagem territorial.

Os modelos de desenvolvimento territorial do MDA e da SEPLAN são abordados,

portanto, após este campo teórico, para se ter uma visão mais clara de suas bases conceituais e

ideológicas.

A partir do terceiro capítulo, investiga-se as origens da política territorial na Bahia e

sua relação intrínseca com a participação social no processo de elaboração e monitoramento

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de políticas públicas. Este capítulo foi dividido em 5 partes: a primeira, trata do cenário

nacional no contexto do governo Fernando Henrique Cardoso e a sua sucessão para o governo

Luís Inácio Lula da Silva, destacando os aspectos ideológicos e as bases de suas políticas

sociais, com o propósito de registrar as diferenças entre ambos, e encontrar no segundo

governo as origens da política territorial, no MDA. A segunda parte investiga o contexto da

sucessão política na condução do Estado da Bahia, em 2006, as premissas ideológicas e os

compromissos do Governo com tais pressupostos, a partir do estudo dos dois planos de

governo das duas campanhas eleitorais do então candidato; a terceira parte aborda o processo

de implementação da descentralização em territórios de identidade, a partir da implementação

do primeiro Plano Plurianual Participativo 2008 – 2011. Revela-se como se definiu e se

implementou os territórios de identidade e como, a partir dos mesmos, instituiu-se a

participação social territorial; a quarta parte introduz o segundo PPA Participativo e visa

revelar sua nova forma de ocorrência, as mudanças operadas e seus sentidos, além de uma

abordagem crítica sobre seus alcances e procedimentos; e, na quinta parte, aborda-se sobre a

pactuação ocorrida no contexto do segundo PPA Participativo, seus elementos constitutivos e

o processo de seu abandono por parte do Estado e as consequências para a política territorial.

O quarto capítulo analisa o exercício dos três espaços de governança instituídos no

arcabouço da política de desenvolvimento territorial: o Conselho de Acompanhamento do

PPA (CAPPA), os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (CODETER) e o Conselho

Estadual de Desenvolvimento Territorial (CEDETER). Observou-se a ocorrência e a vida do

Conselho de Acompanhamento do PPA–CAPPA, buscando, a partir da análise de suas atas,

demonstrar como se deu seu exercício e revelar os pontos de tensão entre suas partes

constituintes: o fórum da sociedade civil e o Governo, além de suas questões centrais e as

contradições de seu posicionamento. Buscou-se aferir a eficiência do seu exercício, através da

comparação avaliativa de sua atividade efetiva com os seus objetivos, definidos em seu

Decreto de criação, além de analisar a relação política entre o CAPPA e o Governo e vice-

versa.

Discorre-se, ainda, sobre a extinção do CAPPA e os elementos envolvidos neste ato,

bem como os conflitos de posição entre Governo e Sociedade Civil. Em seguida, analisa-se

os Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER, as bases políticas dos territórios

de identidade; questionou-se como se constituem, qual o seu papel no arcabouço institucional

vigente, suas posições e sua forma de inserção no contexto geral da política territorial. Inferiu-

se sobre o grau de importância dos mesmos no bojo da política territorial e suas fragilidades

frente sua representação e conformação social e política. Neste ponto, tratou-se do caráter

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político da Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, suas

posições, sua forma de ocorrência e o seu grau de organização. A partir deste conjunto de

situações, buscou-se encontrar os acertos e incongruências da política territorial, com base no

posicionamento político e ideológico do Governo e da sociedade.

Por fim, mas ainda nesse capítulo, investiga-se o Conselho Estadual de

Desenvolvimento Territorial – CEDETER: surgimento, importância e exercício de sua gestão.

Analisou-se a eficiência do seu poder, seu papel no contexto geral da política territorial e suas

divergências internas, entre governo e sociedade civil. A partir disto, as incongruências da

política territorial, os motivos ou situações determinantes foram pontuados.

Na conclusão, almeja-se uma análise crítica da situação em curso, em relação ao que

realmente se efetiva e não se efetiva no bojo do exercício de participação social na abordagem

territorial do desenvolvimento, a partir da análise dos preceitos institucionais e dos discursos

de ambas as partes: governo e sociedade. Sugestões e reflexões a respeito do futuro da política

de desenvolvimento territorial foram apresentadas, notadamente quanto à sua governança.

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CAPÍTULO I

Considerações acerca da pesquisa e da metodologia

A política de desenvolvimento territorial da Bahia se constituiu no objeto desta

pesquisa, compreendendo-a como um caso específico de política de desenvolvimento, ainda

em curso, com uma abordagem territorial democrático-participativa, desenvolvida pelo

governo da Bahia, dentro de um período determinado: 2007 - 2013. Para tanto, optou-se por

uma metodologia qualitativa e uma estratégia de estudo de caso, e adotou-se o procedimento

de análise bibliográfica e documental. Vale ressaltar que o autor é sujeito da própria pesquisa,

pois ocupa um cargo na Coordenação de Gestão Territorial da Secretaria de Planejamento da

Bahia – SEPLAN.

Os procedimentos qualitativos no campo das Ciências Sociais datam do século XIX.

Sabe-se, por exemplo, sobre os estudos do sociólogo Le Play (1806-1882) publicado ainda em

1855, no qual discorria sobre as condições de vida de classes trabalhadoras na Europa,

utilizando-se de uma metodologia mais descritiva e indutiva, a partir de observações diretas

da realidade. (GODOY, 1995).

Importante contribuição foi dada pela Escola de Chicago, principalmente entre 1910 e

1940, a qual colaborou para definir metodologias e produziu obras de alcance internacionais,

utilizando observações e estudos intensivos de grupos e comunidades específicas, através de

um olhar holístico.

No século XX, os trabalhos pioneiros de observação direta, com permanência dos

pesquisadores durante longo período nas comunidades pesquisadas estabeleceram novas bases

para a metodologia, que mais tarde veio a se definir por interacionista, naturalista ou

qualitativa. Foram os casos dos antropólogos Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw

Malinovsky (1884-1942), entre outros. Ambos abordavam as culturas de maneira a perceber

suas expressões naturais, diretamente, indutivamente, a partir do ponto de vista dos seus

membros. (GODOY, 1995).

Enquanto a antropologia caminhava a largos passos nesta direção metodológica, a

sociologia ainda resistia, sobretudo, influenciada pelas bases quantitativistas de sua formação.

Para Godoy (1995): Sob a denominação ‘pesquisa qualitativa’ encontram-se variados tipos de investigação, apoiados em diferentes quadros de orientação teórica e metodológica, tais como o interacionismo simbólico, a etnometodologia, o materialismo dialético e a fenomenologia. (GODOY, 1995, p. 58).

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Tais matrizes epistemológicas variadas não ofuscam sua demarcação conceitual e sua

forma específica de proceder, mas gera um cabedal rico e variado de abordagem dos

fenômenos. O amplo debate que se trava no meio científico sobre a validação da pesquisa

qualitativa e sua comparação com a pesquisa quantitativa é conhecido por todos que queiram

se lançar a produzir um produto acadêmico. Mas, atualmente este debate caminha de maneira

menos conflitiva e mais convergente, saindo de dicotomismos estreitos ou oposições

excludentes entre os tipos de pesquisa. Entende-se que ambos os métodos são importantes e

cada um tem melhor aplicação, a depender do objeto e da meta definidos em uma dada

pesquisa.

Concorda-se com Minayo e Sanches (1993), quando afirmam que: O conhecimento científico é sempre uma busca de articulação entre uma teoria e a realidade empírica. O método tem, pois, uma função fundamental: além do seu papel instrumental, é a “própria alma do conteúdo”, como dizia Lenin (1965), e significa o próprio “caminho do pensamento”, conforme expressão de Habermas (1987) (MINAYO e SANCHES, 1993, p. 240).

Uma pesquisa qualitativa, por sua natureza mais flexível e menos cartesiana, está mais

exposta às exigências metodológicas e a critérios objetivos para a sua realização. A pesquisa

quantitativa consagrou o método científico, através de suas abordagens causais e estatísticas,

utilizando de hipóteses dadas e buscando caminhos racionais e matemáticos para se chegar às

comprovações fundamentadas em cortes estatísticos, incidências e tendências dominantes e

quantificáveis, dentro de uma linha positivista. A pesquisa qualitativa segue outra direção,

exigida pela natureza complexa e subjetiva das ocorrências sociais e humanas.

Contrapondo a pesquisa qualitativa à quantitativa, a questão de partida para a

legitimidade científica da primeira, diz respeito à, segundo Minayo e Sanches (1993, p. 243):

“plausibilidade de se tratar de uma realidade na qual, tanto investigadores quanto investigados

são agentes: esta ordem de conhecimento não escaparia radicalmente a toda possibilidade de

objetivação?”. Em torno desta suspeita, a teoria sobre a pesquisa qualitativa vem produzindo

um conjunto variável de metodologias que asseguram objetividade no processo de pesquisa,

sem reproduzir caminhos quantitativos, mas assegurando caminhos consistentes de

legitimação de seus resultados indutivos. Dentre estes, a literatura especializada aponta

algumas posturas e procedimentos que devem ser garantidos para o aproveitamento científico

dos resultados.

Segundo Godoy (1995), existe características universais em uma pesquisa qualitativa,

que a definem e são típicas desta estratégia metodológica: 1) o ambiente natural como fonte direta de dados; 2) o caráter descritivo da pesquisa; 3) o significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida como

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preocupação essencial do investigado; 4) pesquisadores utilizam o enfoque indutivo na análise de seus dados (GODOY, 1995, p. 62).

É vasta a literatura tratando das características da pesquisa qualitativa e muitas obras

são elaboradas para justificá-la ou explicá-la, revelando que, apesar de seu longo percurso

histórico e de muitos de seus resultados terem sido e ainda o são de grande valor para a

Ciência Social, ela ainda se insere no contexto científico de maneira a se justificar. Ainda que,

a cada dia, se torne mais comum e mais aplicada, inclusive com junção às pesquisas

quantitativas.

Portanto, trata-se de uma metodologia não-positivista, posição assumida por muitas

das correntes teóricas sobre a produção do conhecimento social, que rompe com o modelo

cartesiano. Os autores que promovem tal rompimento defendem uma visão aberta em relação

às hipóteses e uma construção de baixo para cima das mesmas. A pesquisa deve ser conduzida

de maneira direta e abordar os sujeitos e seus processos, através de observações, análises de

documentos, da linguagem, vendo o objeto de maneira holística e em movimento, sem

classificar as variáveis em úteis e dispensáveis.

Em artigo bem fundamentado sobre o debate: pesquisa qualitativa versus quantitativa,

Günther (2006) demonstra que muitas das classificações que tentam delimitar determinadas

categorias de procedimentos e de coleta, transcrição e análise de dados e do ato de pesquisar

em geral, não procedem, pois, na maioria das vezes, segundo o autor, tais procedimentos e

métodos são comuns às duas formas de pesquisa.

A chamada triangulação, processos que utilizam procedimentos e métodos diversos

quantitativos e qualitativos, tem sido largamente utilizada, na qual, por exemplo, pesquisas

exploratórias são qualitativas e embasam pesquisas descritivas e causais. Ou ainda, é muito

comum se perceber a utilização de questões inicialmente qualitativas em estratégias de coleta

de dados quantitativos e a (re)tradução dos resultados qualitativos para uma resposta

quantitativa (GÜNTHER, 2006). Entende-se, pois, que uma pesquisa qualitativa bem

conduzida deve se ater ao rigor metodológico e não dispensar, quando for necessário, os

procedimentos quantitativos, buscando o que toda pesquisa séria e de cunho científico almeja,

seja ela qualitativa ou quantitativa: um resultado confiável, útil ao bem-estar da sociedade e

reconhecida publicamente por sua coerência com uma postura científica.

Nesta investigação, optou-se por um a estratégia de pesquisa do tipo estudo de caso,

por entender que a mesma cumpre o modelo adequado para o objeto pesquisado. O estudo de

caso insere-se no debate acadêmico-científico no mesmo bojo das investigações

metodológicas da pesquisa qualitativa, sendo muito debatida sua validade como produto

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científico, capaz de permitir generalizações. O mesmo é tomado, na literatura especializada,

ora como uma metodologia, ora como um objeto de estudo, ora como um delineamento de

pesquisa, ou mesmo como um tipo próprio de pesquisa. Aqui, o estudo de caso é abordado

como a estratégia para se chegar a uma análise crítico-descritiva-avaliativa do objeto em tela.

A fim de delinear melhor a sua utilização na dissertação, esclarece-se sobre pontos

fundamentais que são tidos pelos especialistas como indispensáveis para o alcance de uma

pesquisa. A primeira questão se coloca em torno daquilo que caracteriza um estudo de caso, o

que o fundamenta e lhe dá sentido. A analogia a um caso já indica muito de sua natureza, pois

remete à unicidade de uma experiência que deve ser estudada. O estudo de caso se caracteriza

por implicar uma abordagem exploratória e descritiva, reduzida ao fenômeno específico de

uma ocorrência bem demarcada e contemporânea, que se volta para uma densa descrição do

seu processo constitutivo e dinâmico, cujo objetivo intrínseco é a compreensão de uma

ocorrência significativa, complexa e bem definida no seu modo de ser.

De acordo com os preceitos científicos, estudo de caso é uma estratégia que:

“investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real, especialmente

quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

(CALIXTO, 2009, p. 93). A relação com a pesquisa qualitativa neste contexto é imediata,

tratando-se de um fenômeno em curso, através de observação direta. O rigor científico exige

do pesquisador que responda a questão: todo estudo de uma unidade ou ocorrência particular

é um estudo de caso? A fim de estabelecer um limite que possa distinguir um “clássico”

estudo de caso, de iniciativas de estudos sobre determinadas ocorrências, que não consideram

um conjunto de princípios, procedimentos e métodos, os autores especialistas conformam

alguns elementos indispensáveis. Para Mazzotti (2006): O maior problema de grande parte dos trabalhos apresentados como estudo de caso é que eles não se caracterizam como tal. Refletindo uma visão equivocada sobre a natureza desse tipo de pesquisa, esses estudos são assim chamados por seus autores pelo simples fato de serem desenvolvidos em apenas um número muito reduzido de sujeitos [...]. (MAZZOTTI, 2006, p. 639).

Segundo Mazzotti (2006), ocorrem pesquisas deste tipo, nas quais, os pesquisadores,

por exemplo, tomam uma escola para estudar, mas sem definir os motivos de ter sido esta e

não outra, parecendo que poderia ser qualquer escola. E sem estabelecer um diálogo

acadêmico metodológico que insira a pesquisa e seus resultados no contexto das discussões

científicas, para servir de elemento cumulativo na construção do conhecimento mais amplo.

Para Calixto (2009), o pesquisador que se utiliza de estudo de caso deve garantir a

testabilidade, a validação empírica e a relação com evidências como premissas indispensáveis

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de seu objeto de estudo. As críticas mais comuns aos estudos de caso apontam a falta de rigor

na condução da pesquisa e os resultados limitados ao objeto estudado, sem possibilidade de

generalizações. De acordo com Joia (2004, p. 129): “Estudo de caso não pode ser classificado

como uma metodologia de pesquisa qualitativa. Um mixer de evidências qualitativas e

quantitativas usualmente é necessário para fundamentar o estudo de caso”.

Concorda-se com a sociologia compreensiva (MINAYO; SANCHES, 1993), que

reivindica para as ciências sociais sua autonomia em relação ao rigor metodológico das

ciências duras e o reconhecimento da subjetividade, do sentido e da motivação; em outras

palavras, do significado que move as ações sociais. O rigor do estudo de caso não deve ser seu

esforço para se tornar um estudo referente e conceitual, para generalizações e quantificações

exteriores, a partir de leis observáveis em experiências conduzidas por critérios de

distanciamento das suas variáveis motivacionais. Mas a coerência com um estudo bem

conduzido, sustentado em uma conclusão baseada em fortes evidências, com uma narrativa

consistente e atraente, capaz de convencer o leitor, revelar aspectos relevantes e definidores

do fenômeno em relação ao contexto.

Estas características apontam para outra condição da pesquisa qualitativa e do estudo

de caso, qual seja, seu caráter contextual. Caminho que segue o pesquisador em seu processo

de coleta de dados e descrições das ocorrências, incluindo as ocorrências exógenas e

endógenas da pesquisa. Tal situação requer um processo de reflexão permanente sobre os

dados e os fatos no contexto, inclusive sobre a relação mesma do pesquisador com o seu

objeto, implicando reconhecer, “a influência de crenças e valores sobre o arcabouço teórico

utilizado, sobre a escolha de tópicos de pesquisa, sobre o método e sobre a interpretação de

resultados”. (GÜNTHER, 2006, p. 203).

A possibilidade de uma relação íntima do pesquisador com seu objeto de estudo, a

partir de uma intervenção direta de observação participativa, como se configura a realidade

desta dissertação, requer uma clareza quanto à dimensão dialética da produção do

conhecimento sociológico. Requer um posicionamento bem definido no campo teórico e no

debate acadêmico. Portanto, diferentemente da pesquisa quantitativa, que se utiliza de

amostras representativas, resultantes de inserção estatística, de variedades aleatórias, causal

ou randômica, processadas, por sua vez, por um conjunto de procedimentos lógicos que

constitui a teoria da probabilidade (MINAYO; SANCHES, 1993), a pesquisa qualitativa tem

como “quantificável” fundamentalmente o seu estudo de caso e suas variáveis descritivas e

analisadas subjetivamente.

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Assim, os instrumentos devem estar adequados aos objetos de pesquisa e de acordo

com os objetivos buscados pelo pesquisador. Para uma abordagem de estudo de caso, a

análise de documentos é uma opção irrefutável, pois ele é a fonte mais acessível e segura para

sua realização. Concorda-se com Sá-Silva et al. (2009) ao concluírem: Quando um pesquisador utiliza documentos objetivando extrair dele informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para o seu manuseio e análise; segue etapas e procedimentos; organiza informações a serem categorizadas e posteriormente analisadas; por fim, elabora sínteses [...] (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 4).

O documento como fonte de pesquisa científica foi consagrado a partir do século XIX,

com a História, quando esta reclamou para si o status de ciência. Para se firmar como tal, a

História buscou se inserir no rol das ciências já consolidadas, por sustentarem métodos

cartesianos de resultados comprobatórios de teorias e hipóteses. Para isso, definiu que o fato

histórico reconhecido como real e comprovado deveria ser aquele registrado em documentos.

Ao longo de mais de um século esta verdade se firmou como incontestável. Mas a evolução

dos tempos modernos, com a veiculação de informações e registros de ocorrências em novos

meios, como a fotografia, o cinema, o rádio, mais tarde a televisão e o que veio depois na era

digital, esta premissa caiu por terra.

Junto à canonização do documento procedia-se uma leitura acrítica ou tendenciosa do

mesmo, tomando-o como uma verdade objetiva, pelo que a fonte apresentava em seu texto

denotativo, sem se preocupar com a sua subjetividade implícita e com as condições externas à

sua confecção: o contexto social e político, a origem social de seu autor, a ideologia de quem

redigiu, as condições morais e de liberdade em que foi escrito etc. Além disso, os documentos

utilizados pelos historiadores positivistas, geralmente, eram oficiais, militares, políticos,

administrativos, deixando à margem, outros de origem popular ou produzidos em outros

espaços sociais.

Esta tendência foi fortemente contraposta a outra, mais crítica e aberta a inovações,

trazida pela Escola dos Analles, a escola moderna francesa de História, que criticou o elitismo

das fontes, seu caráter ideológico, sua verdade limitada e incompleta, sua visão deformada da

realidade histórica, que só registrava o olhar das classes dominantes e dirigentes. A partir daí,

abriu-se um vasto campo para a pesquisa documental, valorizando registros das mais diversas

naturezas, considerando documento uma gama muito mais complexa e ampla de fontes:

áudios, audiovisuais, fotografias, filmes, vídeos, cartas, manifestos, declarações, regimentos,

estatutos etc. (SÁ-SILVA et al., 2009).

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Depreende-se daí que o mais importante é definir a idoneidade do documento, sua

origem, legitimidade e originalidade, a fim de se fazer uma leitura de algo que realmente

representa uma ocorrência real, seja ela em que tempo, situação ou condição tenha ocorrido.

A capacidade de se escolher as fontes e dela melhor fazer uso implica reconhecer os

procedimentos técnicos e as premissas teóricas envolvidas no ato da pesquisa. Para evitar

“armadilhas” que possam estar dentro dos documentos, situações que podem levar a enganos

e interpretações equivocadas, é preciso atenção por parte do pesquisador, que deve analisar o

texto de maneira criteriosa, lendo o aparente e o latente. Sobre isso, encontra-se em Sá-Silva

et al., (2009), o seguinte destaque: O autor do documento conseguiu reportar fielmente os fatos? Ou ele exprime mais as percepções de uma fração particular da população? Por outro lado o investigador deve compreender adequadamente o sentido da mensagem e contentar-se com o que tiver na mão: eventuais fragmentos, passagens difíceis de interpretar e repletas de termos e conceitos que lhe são estranhos e foram redigidos por um desconhecido. É impossível transformar um documento; é preciso aceita-lo tal como ele se apresenta, às vezes, tão incompleto, parcial ou impreciso (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 8).

Neste ponto, reforça-se a necessidade indispensável ao pesquisador de conhecer a

conjuntura social, econômica, política e cultural em que o documento foi produzido, ou

buscar uma maior aproximação destas informações, e quando elas forem de difícil acesso,

tomar, portanto, como um desafio a ser enfrentado. Do mesmo modo, há de ficar atento às

tentações e deslizes de se aplicar interpretações pessoais, ideológicas ou contemporâneas a

documentos, mas tentar retirar deles, o que eles podem trazer em si, objetiva e

subjetivamente, denotativa e conotativamente. O uso de documentos traz a historicidade dos

fatos e imprime a dimensão tempo para a compreensão social, o que permite uma visão

processual e evolutiva de instituições, indivíduos, práticas, mentalidades, comportamentos

etc. Além de oferecer uma informação duradoura, um registro, um índice ou incidência, que

pode ser analisada de maneira objetiva.

Alguns pontos a serem considerados na avaliação prévia dos documentos foram

elencados. Primeiro, o contexto histórico da produção do documento, quem o produziu, sob

quais circunstâncias, a partir de que posição social e econômica, para quem se dirigiu e qual a

condição social dos seus destinatários? O ponto de partida é o autor e dele se destrincha o

universo ao qual ele está(va) inserido. Segundo, a autenticidade e a confiabilidade do

documento, sua procedência, as condições de sua produção ou reprodução e se o autor foi

testemunha, ou não dos fatos, qual o grau de intermediação entre o fato e a escrita do mesmo.

Terceiro, os conceitos-chave e a lógica interna do texto, delimitar os sentidos das palavras e

dos conceitos, jargões e gírias, ou nomenclaturas muito específicas. Quarto, a análise

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documental, o momento da interpretação, onde reelabora o conhecimento, produz teoria,

gerando uma interpretação própria. Portanto, os fatos devem estar sendo sempre citados e

mantidos como base das argumentações. (SÁ-SILVA et al., 2009).

Sá-Silva et al. (2009, p. 10) afirmam que: “os documentos não existem isoladamente,

mas precisam ser situados numa estrutura teórica para que seu conteúdo seja entendido”.

Depois da análise documental, procede-se à análise dos dados, parte-se para esmiuçar o texto

e debulhar suas partes, a fim de aplicar todos os itens mencionados, tendo presente a temática

ou o questionamento inicial, a fim de produzir uma interpretação consistente e coerente.

A mensagem de um documento pode ser a mais diversa e se expressar dos mais

diversos ângulos, que, por sua vez, o pesquisador deverá estar atento e conduzir a análise de

conteúdo de maneira qualitativa, buscando ler além do óbvio, nas entrelinhas, os símbolos por

detrás das letras. Trata-se de um método de investigação do conteúdo simbólico.

Cabe, neste ponto, distinguir a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. No

campo documental, a pesquisa se debruça sobre produtos diversos, fontes ainda não avaliadas,

elementos a serem ainda discutidos e validados, impressões originais e direta das ocorrências.

Já a pesquisa bibliográfica volta-se para a produção acadêmica: livros, textos, dissertações e

teses, artigos científicos, uma gama de produtos que já compõem o chamado estado da arte do

conhecimento.

Os conteúdos bibliográficos são produtos que já passaram por um crivo avaliativo e se

manifestam como conhecimento sistematizado. Muitos deles apresentam resultados de

manipulação de fontes primárias, a fim de oferecer ao meio social a acumulação resultante de

um esforço sozinho. Ambas trabalham com documentos, só que de natureza distintas. A

pesquisa bibliográfica permite uma abordagem muito mais ampla sobre o tema, que o

pesquisador em campo não seria capaz de acessar, além de colocar quem pesquisa em contato

com o vasto material existente sobre um conjunto de pontos implicados nos processos de

produção de conhecimento. Assim, o caminho metodológico estruturado para esta dissertação

implica uma opção conceitual e epistemológica, opção que assegura um fio condutor ao

trabalho e lhe dá uma ordem intrínseca e um posicionamento extrínseco, no seio da academia.

Dadas a definição do tipo de pesquisa a ser adotado, as suas premissas conceituais, a

apresentação do arcabouço metodológico a ser seguido e o instrumental a ser utilizado, passa-

se a justificar as escolhas já declaradas para a construção desta dissertação. A natureza do

objeto pesquisado implicou a escolha de uma pesquisa do tipo qualitativa, porque o seu objeto

é um processo ainda em curso e refere-se a relações sociais e políticas, com uma dinâmica

subjetiva muito intensa nas interações entre os atores estudados - o Estado da Bahia, parte da

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Sociedade Civil e, dentro deles, um conjunto de sujeitos e instituições diferenciados entre si.

Dado que se trata de uma ocorrência ainda pouco estudada e com raros materiais acadêmicos

disponíveis, implica uma abertura para uma pesquisa exploratória e descritiva. O fato de não

se estar focando um ou outro programa ou uma ou outra política pública de cunho territorial,

mas a própria estrutura e dinâmica da política territorial no Estado da Bahia, sua natureza

política e o aspecto da governança no seu seio, requer uma investigação processual.

Investigação de um fenômeno em construção e eivado de vieses e contradições, que devem

ser analisados com vistas a uma avaliação parcial e uma descrição apurada de suas nuances,

para se revelar um modelo baiano, algo ainda não dado nem definido teoricamente.

Há entendimento sobre os limites e os problemas que uma pesquisa desta natureza

impõe, visto que se debruça sobre um objeto amplo, cujos conteúdos são por demais

subjetivos, simbólicos e de difícil categorização. Mas, registra-se que não se pretende um

resultado como parâmetro, capaz de ser tomado como ponto de partida para qualquer

generalização sobre o fenômeno abordado. Objetivou-se apenas, de acordo ainda com as

limitações do pesquisador, apreender o que está ocorrendo nos últimos sete anos no campo de

uma política de desenvolvimento territorial implementada pelo governo da Bahia,

notadamente quanto aos aspectos da participação social nos meandros desta política pública.

As condições peculiares em que o pesquisador atua no bojo da pesquisa devem ser

declaradas. Primeiro, o mesmo é membro do governo em estudo; segundo, trabalha

diretamente com o tema tratado. Trata-se, pois, de um observador participante, que se esforça

para manter o distanciamento necessário ao ato metodológico de pesquisa científica.

Reconhece-se a riqueza que uma abordagem utilizando-se, também, de entrevistas poderia

trazer a este projeto, mas optou-se por abrir mão deste instrumento, justamente por entender

que os resultados poderiam ser deformados e comprometer a pesquisa, uma vez que os

entrevistados reconheceriam o seu interlocutor como um sujeito situado dentro do contexto do

governo, ou seja, exercendo um papel ativo e posicionado em um lugar específico: a

Coordenação Estadual de Gestão Territorial da Diretoria de Planejamento Territorial, da

SEPLAN.

Desta maneira, metodologicamente, optou-se por uma pesquisa documental e

bibliográfica, para um ajuste mais adequado às condições estabelecidas. A possibilidade de

acesso a um conjunto de documentos tidos como importantes para a “leitura” do fenômeno, o

olhar mais de perto do processo em sua ocorrência cotidiana, o conhecimento de todos os

sujeitos envolvidos e o acompanhamento das ocorrências desde 2008, permite ao pesquisador

vantagens óbvias. Ainda que, pelos mesmos motivos, ofereça-lhe dificuldades importantes

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para uma pesquisa equilibrada, posicionada de maneira a registrar e, mais importante,

interpretar os fatos de maneira técnica, acadêmica. Tal risco é aqui admitido e declarado, da

mesma forma que o compromisso com os preceitos da ciência.

Assim, o objeto de estudo é uma experiência política e social a um só tempo, uma vez

que se trata de aspectos de política pública com participação social e de organização social

para intervenções políticas no bojo das políticas públicas. Esta característica exige uma

análise holística dos atores sociais e do Estado/Governo, de suas relações no bojo da

implementação, do desenvolvimento e da condução da política pública. A despeito de outras

poucas experiências deste tipo, em outros estados brasileiros, não há, no conjunto deles, um

padrão universal de execução e gestão, ao contrário, ocorre uma variedade significativa. A

situação encontrada na Bahia é inovadora para a realidade local e diferenciada no contexto

nacional por suas partes constitutivas, apresentando elementos pioneiros e uma dinâmica

bastante específica.

O plano de análise, dentro de uma pesquisa qualitativa como esta, implica uma

abordagem do objeto para além do meramente descritivo, ainda que a descrição seja, neste

caso, uma parte fundamental da dissertação, uma vez que se propõe descrever o modelo da

política de desenvolvimento territorial na Bahia, revelar o seu “modelo” e seu modus

operandi no campo da governança - nela dada como parte integrante e indissociável da ideia

de desenvolvimento proposto pelo Estado em foco.

Plano de análise da política de desenvolvimento territorial da Bahia (2007 a 2013)

Para uma melhor organização das fontes, optou-se por construir dois quadros de

análise. O Quadro 3 (Anexo 1) procura estabelecer uma organização ampla e geral das fontes,

mais de acordo com sua catalogação e localização para a manipulação dos textos. O Quadro 4

(Anexo 2), mais específico, busca organizar cada um dos documentos e estruturar seus dados

e informações para serem utilizados como reflexão, citação e para possíveis digressões

analíticas.

Para examinar o modelo de desenvolvimento territorial adotado na Bahia, a análise

documental se baseou nos seguintes itens:

a) planos de Governo apresentados nas Campanhas Eleitorais de 2006 e 2010 - a fim de

elucidar os aspectos apontados sobre o modelo de gestão administrativa. Nestes planos

encontra-se a divisão administrativa do estado, as premissas conceituais, os princípios

políticos, o entendimento sobre desenvolvimento sustentável e territorial, a

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importância da dimensão local do espaço e da participação social no processo de

gestão pública;

b) metodologia e registros institucionais da construção dos Planos Plurianuais (PPA) de

2008-2011 e 2012-2015, com o propósito de verificar a aplicação das propostas

expostas nas campanhas eleitorais e registradas nos dois respectivos Planos de

Governo apresentados nas eleições;

c) leis dos PPA de 2008-2011 e 2012-2015, com objetivo de apurar os aspectos da

participação social em suas construções, os níveis de sua coerência com a lógica de

desenvolvimento territorial e com as premissas ideológicas apontadas nos Planos de

Governo das duas campanhas;

d) decretos institucionais do Governo, instituídos ao longo do período, para a

regimentação da Política Territorial, com vistas a pesquisar os espaços de efetivação

desta política suas atribuições e estruturas de composição;

e) atas e documentos oficiais do Conselho de Acompanhamento do PPA 2008-2012 -

CAPPA, a fim de pesquisar a efetividade de suas atribuições, a partir do decreto de

criação e regimento e o que se observa em seu exercício;

f) atas, documentos oficiais e Resoluções do Conselho Estadual de Desenvolvimento

Territorial – CEDETER, no período proposto para pesquisa, a fim de pesquisar a

efetividade de suas atribuições;

g) documentos políticos emitidos pelo Fórum da Sociedade Civil no CAPPA e pela

Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, a fim de levantar

e analisar os posicionamentos políticos da sociedade civil quanto à condução e à

efetividade da política de desenvolvimento territorial e seus espaços de concertação e

pactuação.

A partir do estudo documental e bibliográfico, o conjunto das categorias apresentadas

foi analisado e comentários críticos e avaliativos inseridos para compor um conjunto de

reflexões e sugestões ao modelo baiano, estudado entre 2007 a 1013.

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CAPÍTULO II

Debate teórico-conceitual.

A apreensão teórica do objeto em estudo envolveu um conjunto de elementos

diversos que constituem a Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia. Entendeu-se que

o conceito base e ponto aglutinador dos demais conceitos, para o entendimento da realidade

estudada, é o de território: elemento definidor da abordagem do desenvolvimento adotada

pelo Estado. O território como locus da ocorrência da vida política, da interação social e

ambiental do homem, da dinâmica histórica e cultural, onde se conformam as relações de

poder.

Por isso, o necessário desdobramento em outros conceitos, para explicar o exercício da

política de desenvolvimento territorial. Assim, discute-se a relação entre território e

identidade, elemento utilizado como referência para a conformação dos territórios rurais e de

identidade, no Brasil e na Bahia, respectivamente. Dado ser o território o recorte político e

administrativo do desenvolvimento, sua dimensão, porém, abrange as relações do Estado com

os sujeitos políticos em seu interior. Daí a estratégia territorial implicar na participação social

e na constante mediação entre poderes públicos e organizações sociais e econômicas. o que

exige uma teorização com vistas a uma análise do significado e da forma que se dá esta

participação. A sua condição dialógica resulta na governança e na concertação, que se

completam com a pactuação e o monitoramento em torno das políticas públicas voltadas para

o desenvolvimento. Um feixe, pois, de conceitos que precisam ser tratados para embasar o

estudo da realidade dada.

O desenvolvimento, por sua vez, também implica visões diversas e conceitos que

precisam ser evidenciados. Pretende-se levantar uma parte do debate teórico em torno deste

tema, entendendo-o, no contexto do objeto estudado, como processo de engendramento

civilizatório e racional, no qual a democracia é tomada como princípio e premissa.

Democracia no sentido político e econômico, abarcando as ideias de descentralização política

e desconcentração de poder, numa perspectiva de diminuir as diferenças sociais e territoriais,

com vistas à sustentabilidade. Desenvolvimento, portanto, que se exprime para além do

crescimento econômico.

Nesta dissertação, reforça-se, optou-se por tomar o exercício da governança territorial

como foco de análise. Ela ocorre, ou deixa de ocorrer, nos espaços concretos de participação

social da política de desenvolvimento territorial. Este exercício é o maior desafio colocado

para se chegar aos objetivos almejados pelo modelo, uma vez que a governança territorial é, a

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um só tempo, o método adotado pelo Estado para o fomento ao desenvolvimento e o exercício

mesmo da estratégia deste mesmo desenvolvimento com participação social.

A governança territorial, por sua vez, prescinde do capital social como fundamental ao

modelo, uma vez que, em termos conceituais, o território é tomado como um sujeito político e

o desenvolvimento como um movimento de baixo para cima, e a partir das condições locais,

ou seja, a partir dos atores locais. Portanto, o desenvolvimento é tomado como um fim que se

almeja e como construção processual. Para isso, entretanto, se faz necessário certo nível de

organização institucional e compreensão cultural por parte dos atores territoriais para

empreender as ações territoriais autônomas e absorver, de maneira protagonista, as iniciativas

do Estado.

Com efeito, o que garantirá a transformação positiva do nível civilizatório de um

território será a capacidade de seus atores institucionais, públicos e privados, de se articularem

em torno de uma ideia de desenvolvimento. Dito de outra forma, o processo de transformação

de um nível de organização, mediação e pactuação de interesses individuais em outro nível,

de interesses territoriais, é a própria estratégia do desenvolvimento. Neste sentido, a

governança é o caminho para o amadurecimento do modelo baiano e para a própria

territorialidade, por isso seu exercício aparece como elemento síntese desta análise.

Nestas premissas teóricas, a governança é tratada como mais um elemento da política

de desenvolvimento territorial a ser conceituado, mas como elemento central desta dissertação

a mesma deve ser apreendida no conjunto do texto, a partir da descrição e análise dos aspectos

concretos de seu exercício1.

2.1 Território/Territorialidades

Para efeito desta dissertação, dentre muitas perspectivas conceituais de território,

optou-se por centrar em seus aspectos políticos e de gestão, de acordo com o objeto em

análise.

Território é um conceito geográfico que vem se atualizando com o tempo, e passa a ser

usado em diversas outras ciências sociais, exatamente por ser útil e amplo suficiente para

contribuir na tentativa de compreender uma realidade cada vez mais complexa e dinâmica. O

termo território, inicialmente, foi utilizado para tratar de um espaço delimitado e possuído,

fixado num ponto, mais adequado ao conceito de território nação ou território nacional

1 Esse tema será mais aprofundado no Capítulo IV.

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(HAESBAERT, 2012). A geograficidade humana, definida na geografia descritiva e

empirista, estabelecia uma visão mais voltada para o que era fixo do que fluxo

(HAESBAERT, 2012). O território surge na tradicional Geografia Política, como o espaço concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente construídos), que é apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupação do território é vista como algo gerador de raízes e identidade: um grupo não pode mais ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico, “paisagem”). (SOUZA, 2014, p. 84).

Tendeu-se, nesta tradição, a confundir território com espaço, uma vez que aquele se

constituía no processo mesmo de pertencimento de longo prazo de um grupo social á este. A

Geografia Política, de posse deste conceito, o utilizou para construir a ideia de Estado-Nação,

estabelecendo um caráter ideológico ao termo, criando as condições intelectuais para a

afirmação do poder central e de sua hegemonia sobre as diferenças e diversidades políticas no

território. Durante longo tempo, a expressão território esteve vinculada à ideia de território

nacional. (SOUZA, 2014).

A visão da Geografia Regional, lablacheana, seguia tal premissa epistemológica, de

vinculação inexorável do homem ao espaço, estabelecendo a concepção de região, tomada

como: “um espaço com limites claros de fronteiras bem definidas, onde os indivíduos e

grupos sociais estariam bastante enraizados”. (HAESBAERT, 2012, p. 117). Uma ligação

dada pelo pertencimento a um meio físico. O território nacional seria, assim, “[...] um

mosaico orgânico e harmônico de “regiões” singulares.” (SOUZA, 2014, p. 84). Assim, em

1952, Eric Dardel ainda grafava a seguinte frase: “Amor à terra natal ou busca do

desenraizamento, uma relação concreta se trava entre o homem e a terra, uma geograficidade

do homem como modo de sua existência e do seu destino” (DARDEL, 1952, apud

HAESBAERT, 2012, p. 117).

Ao longo do tempo, o conceito de território foi se tornando sempre mais complexo,

esforçando-se para explicar uma presença humana no espaço, marcada por elementos fixos e

outros, crescentemente, fluxos, traço de uma modernização em curso, que abarca, de maneira

direta ou indireta, o espaço global total. Portanto, do território zona, contíguo e unificado, a

ideia de território avançou para uma realidade em mutação, interativa, com dinâmicas internas

integradoras e fragmentárias, em relação com elementos externos e marcada pela diversidade

material, física, subjetiva e institucional. Para Milton Santos, tido como inspirador do modelo

baiano, segundo o discurso oficial, o que o território tem de permanente é: “ser nosso quadro

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de vida” (SANTOS, 2005, p. 34). No mesmo texto, o autor afirma: “o território usado são

objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado” (SANTOS, 2005, p. 34). [...] o território e a territorialidade como multidimensionais e inerentes à vida na natureza e na sociedade. Na natureza o homem vive relações. Na sociedade, o homem vive relações. [...] construindo um mundo objetivo e subjetivo, material e imaterial. [...] relações sociais, construção do território, interações e relações de poder [...]. (SAQUET, 2013, p. 49).

Portanto, território é o espaço vivo, composto por um conjunto de presenças humanas

e ações culturais, marcado pela alternância de convergências e divergências horizontais e pelo

conflito dos interesses locais com as “forças exógenas ou verticais, que atuam no seu interior”

(SANTOS, 2012, p. 36). Estas categorias “verticais” e “horizontais” definem,

respectivamente, forças exógenas com poderes para conformar territórios de fora para dentro

(verticais) e endógenas, que representam as relações de pertencimento ao local, capazes de

estabelecer equidade entre si, mais interativas e niveladas (horizontais). Em tempos de

globalização, como os de hoje, tais verticalidades se apresentam como “macroagentes”

(SANTOS, 2012), que agem de maneira reticular, descontínua, mas hegemônica,

representando as economias dominantes do atual momento histórico: As verticalidades podem ser definidas, num território, como um conjunto de pontos formando um espaço de fluxos. [...] Esse espaço de fluxos seria, na realidade, um subsistema dentro da totalidade-espaço, já que para os efeitos dos respectivos atores o que conta é, sobretudo, esse conjunto de pontos adequados às tarefas produtivas hegemônicas, características das atividades econômicas que comandam este período histórico. (SANTOS, 2012, p. 105-106).

A horizontalidade se definiria, por sua vez, por um espaço contíguo, aquele das

presenças físicas e das relações proximais. Um espaço banal, de todas as presenças e suas

diversidades. Espaços que sustentam produções localizadas. “Todos os agentes são, de uma

forma ou de outra, implicados, e os respectivos tempos, mais rápidos ou mais vagarosos, são

imbricados. [...] a partir do espaço geográfico cria-se uma solidariedade orgânica [...]”

(SANTOS, 2012, p. 109). As atividades, independentes do nível de cada uma, surgem e se

nutrem do meio geográfico local. O nível da integração horizontal e suas configurações -

muito ou pouco cooperativas; com maior ou menor nível de organização e sinergia entre os

atores econômicos, sociais e políticos; com institucionalidade territorial bem ou ainda

fragilmente construída - dependerá de um processo histórico. Este pode ser acelerado, caso

uma força política e social emerja em determinado tempo, como um bloco socioterritorial

protagonista e comprometa-se com tais situações, visando o desenvolvimento

(DALLABRIDA, 2007a).

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Assim, o território será sempre, no processo de constituição e reprodução da divisão

do trabalho, no mundo capitalista, espaço de interação e confronto entre forças exógenas e

endógenas. As verticalidades atuariam por meio de pontos articulados reticularmente, em

redes de conexão produtiva, movidos pela lógica de uma velocidade e fluidez, cada vez

maiores (SANTOS, 2012). Em um desenvolvimento territorial, subordinado aos imperativos

de um mercado sequioso de lucros, o território estaria susceptível a riscos e ameaças

constantes de isolamento, exclusão ou mesmo anulação em relação ao processo de geração de

riquezas e sua distribuição social (BRANDÃO, 2007). Na atual cena globalizada, a força dos

agentes verticalizados é sem limites, subordinando Estados e Ciência, controlando a técnica e

a tecnologia, que se renovam constantemente, gerando mais poder de comando aos sistemas

integrados do capital. Para Santos (2012): Por intermédio dos mencionados pontos do espaço de fluxos, as macroempresas acabam por ganhar um papel de regulação do conjunto do espaço. Junte-se a esse controle a ação explícita ou dissimulada do Estado, em todos os seus níveis territoriais. Trata-se de uma regulação frequentemente subordinada porque, em grande número de casos, destinada a favorecer os atores hegemônicos (SANTOS, 2012, p. 106).

Com o avanço da modernização e das tecnologias de transporte e comunicação, da

informática e da internet, desde meados do século XX, geógrafos e outros cientistas sociais,

têm se posicionado no sentido de reconhecer uma desterritorialização humana, fruto do

desenraizamento e do processo hegemônico de fluidez da vida contemporânea. O conceito de território é retomado, nos anos 1970, em abordagens que procuram explicar a dominação social, a constituição e expansão do poderio do Estado-Nação, a geopolítica, a reprodução do capital, a problemática do desenvolvimento desigual, a importância de signos e símbolos como formas de controle na vida cotidiana e as próprias bases epistemológicas do pensamento geográfico (SAQUET, 2010, p. 53).

Vertentes marxistas e neomarxistas, psicanalíticas, subjetivistas, racionalistas, entre

outras, buscam, a partir de seus axiomas, usar o conceito de território para explicar a

territorialidade humana ou da sociedade moderna capitalista. A chegada rápida e ofensiva de

um “admirável mundo novo”, marcado por instantaneidades e telepresenças, velocidades e

desenraizamentos, redes e virtualização das relações conduziu muitos pensadores a

conclusões drásticas, apontando para uma perda total do que fosse local, tradicional,

específico ou arcaico diante das forças dominantes de uma globalização carreada pelo capital

financeiro e produtivo. Esta visão de desterritorialização pode ser entendida de maneiras

distintas e, geralmente complementares, a depender da abordagem do autor. De acordo com

Haesbaert (2012), apresenta-se uma síntese destas vertentes.

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Numa perspectiva economicista, a desterritorialização seria deslocalização do capital

financeiro e das indústrias, através da abertura dos mercados e desregulamentações, num

movimento globalizado. Na visão de pensadores da velocidade, como Paul Virilio (1996), a

abordagem se detém na natureza do espaço, sendo esmagado pela velocidade, em uma

superação do espaço pelo tempo, em cujo centro estaria, então, a velocidade, como elemento

decisivo para a desterritorialização. Partindo destas mesmas premissas, teóricos do espaço

pensam o oposto, que a desterritorialização seria resultado de uma simultaneidade, em tempo

real, sobre a sucessão temporal. Ocorreria então uma superabundância de espaço, pois agora

se pode conectar toda a superfície da terra em tempo on line. A esta linha de pensamento,

soma-se a visão sociológica da imaterialidade das relações e dos processos, suportados por

redes digitais e telepresenças, conformando o fim do espaço para dar lugar ao ciberespaço

(LEVY, 2001).

Uma abordagem mais política entende a desterritorialização como o fim das fronteiras,

mais fixada nos Estados Nacionais, que estariam perdendo seu poder para a força

desregulamentadora do capital, que exige e impõe a livre circulação (FIORI, 1998). Outra

perspectiva sociológica, baseada em tudo isso, é a que formula a ideia de território como

elemento identitário, simbólico e, por conta desta desterritorialização, desta “liquidez”

(BAUMAN, 2005) da atualidade, estaria ocorrendo uma perda de identidade e de relação

simbólica com os lugares, ocorrendo a emergência de “não-lugares”. Portanto, a

desterritorialização deve ser entendida, no bojo do pensamento acadêmico contemporâneo, a

fim de identificar em que sentido se refere à mesma. Haesbaert (2012) sintetiza: Na verdade, parece claro, são processos concomitantes: a economia se multilocaliza, tentando superar o entrave distância, na medida em que se difundem conexões instantâneas que relativizam o controle físico das fronteiras políticas, promovendo, assim, um certo desenraizamento das pessoas em relação aos seus espaços imediatos de vida (HAESBAERT, 2012, p. 132).

Para vários autores, a globalização é um processo dialético, que produz

desterritorializações e novas territorializações, ou o recrudescimento de antigas. Para fugir

dos reducionismos, importante é manter uma visão aberta e dialética, na qual se pode perceber

os fenômenos dentro de uma perspectiva mais ampla e em movimento. Haesbaert (2012)

propõe uma des-re-territorialização, expressão, segundo o autor, mais adequada para o

movimento dialético da realidade contemporânea.

Frente aos elementos fluxos e diluidores de fronteiras, da velocidade desintegradora e

do rompimento permanente com as tradições, o território, portanto, permanece e, em muitos

casos, se recrudesce . A ideia de desterritorialização e a visão empírica da liquidez da

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modernidade, levou à utilização do termo “rede” como recurso conceitual para tratar das

realidades marcadas pela fluidez e não-territorialidade das relações e interações permitidas

pelas tecnologias. Manuel Castells (2008) anuncia o tempo de uma nova sociabilidade,

conformada pelas redes e definidas por suas inter-relações. “As novas tecnologias da

informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação

mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais” (CASTELLS,

2008, p. 57). As redes conformam territórios, contínuos ou descontínuos, às vezes

contribuindo para uma desterritorialização específica, outras, para a conformação e

fortalecimento de territorialização. Para Haesbaert (2012): Assim como devemos distinguir entre redes desterritorializantes e (re) territorializantes, devemos distinguir entre aquelas “funcionais” ou instrumentais, voltadas para a eficácia do sistema econômico capitalista e aquelas mais simbólicas ou de solidariedade, voltadas para as territorialidades mais alternativas ao sistema dominante (de caráter comunitário, por exemplo). (HAESBERT, 2012, p. 123).

A contemporaneidade expressa uma percepção de território complexa e, muitas vezes,

conflitantes, ou suplementares. Mas observa-se a o predomínio da compreensão de que o

território é produto histórico, resultante de interações da sociedade com o espaço, conformado

por elementos fixos e fluxos. Ter-se-ia, assim, uma múltipla territorialidade, definida

historicamente, que, em seu movimento no tempo: [...] o configura a fim de reorganizá-lo espaço temporalmente, conforme as novas relações de poder e as novas formas e objetos materializados no tempo (em que predomina o instantâneo) e no espaço (em que interagem as esferas locais e globais). (ABRÃO et al., 2013, p. 76).

A dimensão tempo, por sua vez, traduz-se em termos materiais e simbólicos, de

maneira integrada, na medida em que os objetos, as técnicas e os sistemas materiais de

suporte da linguagem, dos hábitos e da produção, conformam novas mentalidades e são, em

simbiótico processo, influenciados por estas (ABRÃO et al., 2013). A configuração do

presente globalizado não pode ser pensada sem levar em conta as tecnologias da informação.

Tal estrutura material e seu exponencial desenvolvimento contemporâneo conformariam as

bases de uma sociedade informacional, constituindo um sistema, definido por Castells (2008),

como informacionalismo. Seria um marco de uma nova era civilizatória, assim como foi a

sociedade industrial e o industrialismo.

Para este autor, que escreve sobre a atual cena da globalização e suas expressões

comportamentais, tais como: interações sem fronteiras; hiperespaço de trocas simbólicas e

materiais; fluidez acentuada dos processos, virtualização generalizada das relações, a

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identidade aparece como elemento destacado para o entendimento das manifestações culturais

humanas.

A opção, portanto, do MDA e do Governo da Bahia em utilizarem-se do conceito de

identidade para conformar os seus territórios parece estar inserida neste contexto. A despeito

dos territórios rurais serem, também, aqueles de maiores entraves ao desenvolvimento, eles

não estão excluídos desta modernização tecnológica e de suas expressões comportamentais.

Estão submetidos aos movimentos hegemônicos da economia globalizada e das políticas

nacionais e estaduais a eles subordinados ou associados, sofrendo ganhos e perdas de toda

natureza. Da mesma forma, a predominante realidade dos territórios de identidade baianos é

rural, mesmo considerando as sedes municipais, pouco urbanizadas.

Portanto, ambos estão, possivelmente, mergulhados em contradições e complexas

relações, marcados por contrastes entre o arcaico e o moderno. Entretanto, parece que, ao

buscar consolidar territórios, as duas esferas federativas estariam, assim, matizando uma

territorialidade mais política, definida por padrões econômicos, sociais e institucionais. O

fator identitário, reconheceria, outrossim, o caráter dinâmico e mutável dos territórios. A

definição destes como locus do exercício das relações de poder, por sua vez, requereria uma

territorialidade cidadã, capaz de perceber o que seja fixo e identitário e o que seja fluxo e

transformador, com capacidade potencial para fomentar o que melhor ou mais positivamente

deve ser buscado e sustentado para promover o desenvolvimento sustentável.

2.2 Território e Identidade

A identidade é um fenômeno existencial relativamente objetivo, misto de

pertencimento espacial e cultural, mas aberto em termos processuais a permeabilidades

mútuas, das quais se amalgamam características específicas e híbridas num mesmo sujeito em

relação com o mundo. De uma conceituação fixa, a identidade, portanto, passou a ser

entendida como algo em movimento, contendo elementos residuais de fixidez histórica e

fluxos de interação com o devir e o presente que se move, o que acarreta se pensar em termos

de “identidades”, ou seja, um indivíduo não deve ser reduzido em termos identitários a um ou

outro elemento definidor, tomando estes como superiores a outros tantos que o conforma

como tal (SEN, 2015). Este movimento da identidade, tanto em seu aspecto de fixidez, quanto

de fluidez, está, em relação ao espaço, conformando territorialidades diversas, pertencimentos

variados – ao espaço, à cultura, a grupos, crenças, gerações, etc. Assim, há uma relação

próxima entre território e identidade, que parece ser tomada pelo Estado da Bahia e que lhe é

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útil, quando se trata de pensar a conformação de territórios, voltada para o desenvolvimento, a

partir de interesses coletivos, públicos e institucionais. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex. uma rua) à internacional (p. ex., a área [...] dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN); [...] dentro de escalas temporais às mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias, [...] podem ter um caráter permanente, mas também [...] uma existência periódica, cíclica. (SOUZA, 2014, p. 81).

Deste ponto de vista, o território, conformado por territorialidades das mais diversas,

em escalas espaço-temporal variáveis, aponta para sua relação com a identidade, uma vez que

esta é a expressão cultural do indivíduo, por um lado, e da coletividade, por outro, inseridos

no contexto histórico de um território demarcado por estas. Concorda-se, pois, com Castells

(2008), sobre o conceito de identidade: “[...] processo pelo qual um ator social se reconhece e

constrói significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de

atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”

(CASTELLS, 2008, p. 57-58). A afirmação de identidade, entretanto, não quer dizer a

negação necessária do outro ou incapacidade de relacionamento com o diferente. As relações

entre identidades distintas constituem uma expressão da vida social e parte da riqueza da

existência.

Para efeito da concepção de território levada à frente pelo MDA e o Governo da

Bahia, a identidade é declarada por ambos como condição imprescindível para a adoção do

território como sujeito político. Isto porque o aspecto identitário aporta o sentido de cidadania,

quando considerado numa perspectiva de intervenção territorial num contexto político e

econômico, em que a inserção local ou territorial é uma construção política. Nesta abordagem,

sem uma identidade coletiva não se tem a territorialidade implicada no cenário político que

determina o desenvolvimento. Neste sentido, a identidade pode ser compreendida “como

produto histórico, relacional, e condição para o desenvolvimento”. (SAQUET 2013, p. 59).

Cabe indagar, porém: quando se busca o recorte identitário como fator de coesão e

amálgama da unidade territorial e sua ação política, estar-se-ia tratando, como querem criticar

alguns autores, de uma “utopia” territorial? As palavras do primeiro secretário nacional de

desenvolvimento territorial do MDA refletem, em parte, tais preocupações: Identidade é também um tema relativamente polêmico. Por vezes, é citado como um ponto frágil de uma utopia denominada território, aspecto irrelevante, ou mesmo inexistente no contexto do rural brasileiro. [...] Um aspecto chama a atenção: reivindica-se fortemente a própria identidade quando se percebe alguma tentativa de negá-la ou desqualifica-la (OLIVEIRA, 2009, p. 16, grifo do autor).

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As identidades são consideradas, tanto pelo Governo Federal/MDA, quanto pelo

Governo da Bahia/SEPLAN, como ponto de partida para a conformação dos territórios rurais

e de identidade, respectivamente. Elas são utilizadas como elementos definidores do recorte

dos territórios, antes de outros atributos. Mas, além de descrever e caracterizar o território: “o

mais importante é que a identidade orienta e ordena as estratégias de desenvolvimento ao

definir e dar suporte ao caráter das forças motoras que possibilitam avançar na conquista do

bem-estar”. (PERICO, 2009, p. 26). Por intermédio da identidade, alguns aspectos da estratégia territorial podem ser enfatizados: possibilidade de maior aderência de políticas públicas aos princípios de participação, autonomia e gestão social; fundamentação do pertencimento, solidariedade, coesão e ação conjunta; conciliação de interesses, mediação de conflitos e formulação de estratégias territoriais (OLIVEIRA, 2009, p. 16, grifo do autor).

Portanto, a identidade se reveste de importância política e organizacional, para a

ocorrência de uma cidadania propositiva, de caráter territorial e se constitui em presença

indispensável à construção de estratégias de desenvolvimento. Cabe ressaltar, todavia, que

uma identidade territorial não se faz por decreto, ou surge diante de problemas, ainda que

cruciais, só porque um governo, ou um projeto qualquer de fomento ao desenvolvimento,

necessita dela para estabelecer uma relação de concertação e controle social a fim de superá-

los. Sua construção é histórica, de acordo com uma constância e uma resiliência em torno de

uma dinâmica sócio-espacial dada. Mesmo aquelas identidades mais fluidas e suas

territorialidades mais alternadas, como em certos espaços urbanos das metrópoles (SOUZA,

2014), os territórios se conformam como dinâmicas de vida, de movimento sócio-interativo

com o espaço. Um projeto político de desenvolvimento territorial só pode, assim, reconhecer

tais territórios e com eles, gestar algum projeto de desenvolvimento, se for estabelecido a

partir de um dado momento político favorável à territorialização. Neste sentido, aqui,

identidade deve ser entendida de maneira restrita, uma vez que se trata de um substantivo

aplicável a muitas situações distintas e, muitas vezes, acompanhado de outros tantos adjetivos.

No contexto do desenvolvimento territorial proposto pela política de desenvolvimento

territorial do MDA, a mesma: [...] restringe-se [...] à sua natureza espacial, não sendo possível desconhecer que a identidade abrange (e é aplicada) a outras dimensões e expressões não-espaciais, a exemplo das características diferenciadas nas preferências religiosas, políticas, estéticas, sexuais, que também são características de identidade, mas nem sempre se manifestam restritas a um espaço. (PERICO, 2009, p.25).

Assim, todas as nuances sobre o conceito de território se ascendem e geram muitas

visões distintas. Quando se trata do aspecto do desenvolvimento territorial, certas

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características lhe são inseparáveis, como a dimensão identitária da noção de coletividade

consciente de seu pertencimento local, elementos que engendram, por sua vez, uma ética

vinculada ao lugar, ao ambiente de pertencimento e à sua construção histórica e em

perspectiva. Neste ponto, restaria indagar sobre qual, então, deveria ser a abordagem

territorial para a inserção de territórios de economias deprimidas e de baixa tradição em

organização coletiva, como o são boa parte dos que compõem os territórios rurais no Brasil,

ou os de identidade na Bahia, no disputado mundo globalizado da economia competitiva e

sem pátria? E como tratar território numa perspectiva inclusiva, mas sem perder de vistas a

sustentabilidade?

Parece evidente, pois, que uma política pública de desenvolvimento territorial - para

territórios de pouca expressão econômica e de baixa organização social - deve ser considerada

dentro do escopo de um projeto emancipatório e voltado para a justiça social, no qual o

desenvolvimento se expressa pelo conjunto de iniciativas focadas na melhoria real de vida das

pessoas e no compromisso com as futuras gerações. Deve ter em sua conformação um forte

conteúdo político, que considere as relações horizontais e as riquezas locais, como fatores

imprescindíveis ao desenvolvimento, tais situações são elementos de conformação identitária

de útil valor à formação de um capital social.

2.3 Território e Sustentabilidade

Cabe ainda refletir sobre o aspecto sustentável do desenvolvimento territorial. Este é

um tema bem polêmico, sobretudo quando tratado do ponto de vista do desenvolvimento

econômico. Importa considerar que a territorialização é quem constrói o território. As diversas

territorialidades, ao longo do tempo, vão se apropriando do território e nele imprimindo sua

marca, uma marca humana, cultural, comportamental, que, nos moldes da história moderna,

tem gerado crises ambientais crescentes. Para Flores e Medeiros (2013): Não se trata de desconsiderar a questão ambiental, tampouco de negligenciar temáticas tão relevantes como a preservação da biodiversidade. Todavia, essa perspectiva leva em conta que a sustentabilidade – ou mesmo a falta dela – acaba por não ser restrita à soluções técnicas, ficando diretamente vinculada à maneira como as sociedades se relacionam com a natureza, ou seja, se configurando em uma questão de territorialidades (FLORES ; MEDEIROS, 2013, p. 139).

A sustentabilidade é, por natureza, multidisciplinar, envolve um conjunto de

seguimentos, campos vastos de conhecimentos, atores e ações diversos. O território, por sua

vez, pode ser um caminho para uma apreensão de conjunto mais adequada; para uma

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integração dos sujeitos e instituições e uma abordagem mais sistemática e de longo prazo.

Concordando com Flores e Medeiros (2013), um ecossistema será estável e equilibrado se

conseguir assegurar sua resiliência ativa, garantidora de sua reprodução, daí se pensar em

termos de autosustentabilidade. A resiliência implica em considerar ação antrópica de

exploração, preservação e recuperação, integradas numa dinâmica social, política e

economicamente consciente, ou seja, em termos de territorialidade.

Assim, equacionar aspectos decorrentes das desigualdades promovidas pela

globalização; do passivo cultural de passados residuais que conformam mentalidades pouco

coletivistas e quase nada cooperativistas; das relações sociais autoritárias e exploradoras; da

degradação do ambiente, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento, é algo de grande

monta para qualquer Estado. A abordagem territorial como caminho de gestão política e

administrativa para o desenvolvimento integral das sociedades locais, e como estratégia

nacional de superação de mazelas e misérias sociais é um projeto que exige muita vontade

política e conhecimento local da realidade por parte dos agentes públicos e de suas políticas.

A despeito, porém, de se tratar de desafio que remonta a esforços municipais,

estaduais e federais, superando a visão muito restritiva de uma endogenia utópica ou

neoliberal, deve-se ter em conta que a sustentabilidade na perspectiva territorial passa por

tomar as realidades distintas dos territórios, e a elas se aplicar medidas diferenciadas, trilhar

caminhos muito específicos, de acordo com a diversidade dos territórios e das diversas

territorialidades.

Outro aspecto a se ressaltar é o fato de as políticas territoriais, hoje aplicadas no Brasil

e na Bahia, terem filiação com um projeto político desenvolvimentista. E o

desenvolvimentismo esteve voltado ao crescimento e modernização econômicos, pela via

industrial, tecnológica, dentro dos marcos do sistema capitalista (CARNEIRO, 2012). No que

pese se ter hoje, muito mais do que antes, uma compreensão mais clara dos perigos

ambientais e dos riscos planetários gerados pelos mesmos, os governos são sujeitos de ações

mais imediatistas e pautados por disputas de poder, que precisam se embasar em soluções de

curto prazo. Isso compromete em substancial os compromissos com o ambiente e as gerações

futuras. Apesar do que expressam muitos dos discursos desenvolvimentistas, continua-se apegando à fragmentação da realidade, onde a natureza segue sendo uma fonte de recursos para um desenvolvimento antropocêntrico, com estratégias que separam a economia do restante das dimensões da vida, alcançando extremos alucinantes como aquele, igualmente dominante, a apregoar: o que polui é o que paga. As propostas de integração multidimensional que caracterizam o enfoque territorial se alimentam dessa necessidade de contar com visões que partam das interdependências entre as dimensões ambientais, econômicas e políticas (PERICO, 2009, p. 33).

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Para Ignacy Sachs (2007), o desenvolvimento sustentável se assenta no tripé composto

por três adjetivos: ambientalmente sustentável; socialmente includente e economicamente

sustentado, que representam as dimensões básicas da sociedade. Nesta perspectiva, o

desenvolvimento é tido como compromisso ético e social, não meramente de crescimento

econômico. Uma ética solidária com a geração presente (sincrônica) e futura (diacrônica),

preservando o ambiente. De outro lado, o aspecto econômico é indissociável do fazer

acontecer as coisas necessárias a este desenvolvimento e elas precisam ser viáveis deste ponto

de vista; porém “O econômico não é um objetivo em si, é apenas o instrumental com o qual

se pode avançar a caminho do desenvolvimento includente e sustentável” (SACHS, 2007, p.

23). Daí ter-se sempre, antes de qualquer ação voltada ao crescimento ou ao desenvolvimento,

que indagar se a mesma diminuirá ou aumentará a pobreza, a degradação ambiental, o

emprego; se qualquer movimento destes três itens for para cima, o caminho é de perversão

ética (SACHS, 2007).

Isso implica em se pensar em termos de distribuição primária de renda, como faz hoje

o Brasil, minimamente, mas não só isso. É necessário se buscar e consolidar um ambiente

econômico baseado no “trabalho decente”, em que a proporção do rendimento trabalho seja

maior no sistema como um todo (SACHS, 2007). Este caminho, necessariamente requer

instituições democráticas fortes e uma sociedade responsável com a gestão pública, ou seja,

comprometida em assegurar e fazer valer os espaços de controle social.

O desenvolvimento territorial sustentável sugere níveis de pactuações, do local ao

nacional, integrando-os, com metas e projetos bem estruturados de crescimento econômico,

associado aos potenciais locais e a preservação dos bens naturais. Esta condição implica em

ter uma regra do jogo bem definida, com transparência para todos os atores envolvidos, e esta

mediação ética e civilizatória é tarefa objetiva do Estado, mas indiretamente de toda

sociedade também. Referindo-se ao estado da arte sobre como deveria ser estruturado o

campo do desenvolvimento e da preservação ambiental na Amazônia, Bertha Becker assim se

pronuncia: “O Estado de direito são as regras do jogo claras e o cumprimento das regras, o

zoneamento ecológico econômico é a marcação das regras do jogo no território” (BECKER,

2007, p. 70). Portanto, sustentabilidade e território se encontrariam no ponto exato da

territorialidade cidadã, participativa e consolidada em regras institucionalizadas.

2.4 Governança territorial: gestão e concertação

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Governança é um termo originário da literatura empresarial, referindo-se à

mecanismos corporativos de firmas para conduzir coordenações eficientes e conformação de

contratos e terceirizações. (DALLABRIDA et. al., 2013). Ao longo das últimas quatro

décadas, o termo tem sido empregado de diversas formas, em disciplinas diferentes. Refere-

se, de maneira geral, a processos de gestão para obtenção de resultados satisfatórios para as

partes componentes dos mesmos. A partir da crise do Estado de Bem Estar Social, segunda

metade da década de 1970 em diante, passou-se a analisar a natureza da crise dos Estados,

apontando para uma discrepância entre o crescimento da demanda e a falta de recurso para

atendê-la, e também a incapacidade de gestão dos modelos estatais do chamado primeiro

mundo. (DALLABRIDA et. al., 2013).

O conceito, então, passou a versar na literatura das ciências humanas e entrou para o

roll dos constructos teóricos para definição de formas democráticas de condução do

desenvolvimento local, territorial ou regional. Trata-se de um conceito ainda em processo de

apuração, de um substantivo prenhe da ideia de participação social, interação de atores,

definindo um exercício de governar, no qual relações horizontais e formas descentralizadas e

compartilhadas de exercer algum nível de poder são realizadas. Neste sentido, pode-se falar

em termos de governança territorial, já que a ideia de território, como demonstrado, envolve

os campos social e político, o empoderamento local e a participação social. Governança

territorial, por sua vez, ganha novos preceitos e se diferencia, em parte, do termo genérico.

A gestão social, por sua vez, é um constructo mais solido, com um arco significativo

de estudos e teorizações. No Brasil, principalmente, é onde tal área ganha maior visibilidade,

com centros de pesquisa, revistas especializadas e expansão das pesquisas (DALLABRIDA et

al., 2013). Porém, também é um campo teórico em construção, com dissenso entre os autores,

mas com avanços importantes (DALLABRIDA et al., 2013). Traz em sua trajetória uma

ampla discussão sobre a institucionalização do termo, uma vez que o mesmo prescinde de

uma natureza dinâmica, contextual e de acordo com as experiências concretas. O conceito

envolve gestão enquanto colaboração e competição de sujeitos posicionados de maneira a

gerir uma situação social, que, por interesses individuais e coletivos, movem-se para um

campo de relações políticas, buscando se posicionar de maneira clara, e aberto à pactuações

para se alcançar objetivos estratégicos e importantes ao bem estar (DALLABRIDA et. al.,

2013). Trata-se de garantir: “[...] tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na

inteligibilidade e transparência, buscando o entendimento e não a negociação”.

(DALLABRIDA et. al., 2013, p. 10). Este processo, porém, não tem fim, é sempre aberto,

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acompanhando o movimento do real, devendo, sobretudo, haver autonomia dos sujeitos,

ausência de coerção e graus reconhecidos de confiança entre os mesmos.

A governança territorial, por sua vez, tem por fim precípuo: “[...] a territorialização do

desenvolvimento”. (DALLABRIDA, et. al., p. p. 336-37). Isso implica em relações políticas,

exigindo uma governação dos processos geradores de desenvolvimento, o que aproxima do

sentido da gestão social. A governança territorial é uma espécie de gestão social da escala

território, quando a mesma envolve uma conformação de redes protagonistas que conformam

a territorialidade num dado espaço e momento histórico e estas agem com autonomia,

movidas por interesses estratégicos territoriais.

O território, tomado como unidade de planejamento, como os da Bahia e do MDA, são

espaços de aplicação de políticas públicas. A sua conformação, em ambas as esferas

federativas, foi estabelecida, exatamente, para convergir e integrar a administração de

diversas políticas voltadas ao desenvolvimento. Nesse sentido, concorda-se com Brandão

(2011) ao anunciar que: O território deve cumprir o papel de catalisador da articulação sistêmica e da integração multissetorial dos investimentos, e locus da elaboração e implementação da ação pública abrangente e estruturante. O desafio da construção da referência do/no território – ponto de partida (e de chegada) das políticas públicas – deve fazer convergir ao território ex ante as estratégias estruturantes, pois ex post poderá ser mais difícil e ineficaz (BRANDÃO, 2011, p. 133).

A abordagem territorial do desenvolvimento implica se pensar em termos de

democratização do poder. Este, tomado em todos os possíveis aspectos incluídos nos

processos de formulação, aplicação e monitoramento de políticas públicas, uma perspectiva

abrangente da ideia de democracia, envolvendo no seu escopo: descentralização,

desconcentração, participação direta, transparência da gestão, diálogo como método de

relação entre Estado e sociedade, entre outros. No Brasil, desde a Constituição de 1988, a

República vem ampliando sua descentralização e desconcentração de poderes, a partir de um

amplo movimento de reivindicações e pressões sociais e políticas, pactos e ajustes

institucionais, promovendo uma territorialização mais eficaz do exercício federativo.

Uma rica malha de experiências democratizantes emergiu a partir dos anos 1980 e

alcançou conquistas importantes, como os Conselhos Constitucionais dos diversos setores –

educação, meio ambiente, desenvolvimento, segurança alimentar, etc. O Brasil tem diversos

espaços de exercício de poder formulativo e de acompanhamento e monitoramento das

políticas públicas, incluindo aqueles que não são obrigatórios por Lei, como as experiências

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de orçamento e planejamento participativos, que ocorreram e ocorrem no país, desde a

pioneira experiência de Porto Alegre, a partir dos anos 1990.

Neste contexto sócio-político, envolvendo as lutas e os avanços democráticos, emergiu

a questão da gestão social como contra face da descentralização. Com efeito, a sociedade

brasileira reivindicava, junto com o empoderamento dos entes federados, também um

aprofundamento democrático nas relações entre poder público e sociedade civil. Isto implicou

em se pensar em termos de democracia participativa ou direta. A busca por uma democracia

mais sólida, com uma cultura participativa estava, já, presente na Constituição de 1988 e os

importantes espaços de participação criados por esta Carta Magna estão em processo de

consolidação no país. A despeito de um conjunto de avanços registrados e empiricamente

observados, o Brasil ainda se apresenta como uma jovem democracia, aprendendo a ser uma

República. [...] o estado da arte decisória no Brasil ainda carece de hábitos que estimulem o agir democratizante, de uma sociedade deliberativa. Mesmo porque a prática da democracia representativa por meio do voto ainda está em processo de aperfeiçoamento, vide a necessidade de uma “ficha limpa”. (TENÓRIO, 2011, p. 73).

Deve-se notificar, porém, que existem diversas maneiras de se pensar gestão social e,

ratifica-se, esta se opõe ao modelo neoliberal de gestão pública, pois dentro deste campo

ideológico, as iniciativas voltadas para a participação social seriam mais assistencialistas, na

condução de certas políticas públicas transferidas pelo Estado ao terceiro setor –

Organizações Não-Governamentais (ONG). O sentido aqui postulado, de acordo com a ideia

de desenvolvimento territorial apresentada, seria o da participação social nos rumos das

políticas públicas; da articulação coletiva para a solução de problemas comuns, através de

processos decisórios coletivos, em espaços de governança, envolvendo atores sociais e

poderes públicos. Seria um ato de participação e controle sociais de espaços públicos,

compreendido como “[...] gerência [...] de arranjos institucionais participativos, projetados

para promover uma matriz social de todos os concernidos a uma determinada situação-

problema-público, uma visão sociocêntrica do mundo”. (TENÓRIO, 2011, p. 74).

Portanto, a gestão social seria um componente prático da democracia participativa. O

conceito de território, por sua vez, implica a participação como elemento inseparável da

territorialidade. Esta, tomada nos processos deliberativos e administrativos da vida pública, é

o exercício participativo cidadão de uma coletividade que deve representar o território e agir

em sintonia com os espaços de concertação do mesmo. Concertação como exercício de

harmonização, convergência de diferentes, como num concerto musical. Em termos políticos,

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portanto, refere-se a pactuar interesses de diferentes agentes sociais e públicos. Para

Dallabrida (2007b), concertação social é: [...] o processo em que representantes das diferentes redes de poder sócio-territorial, através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de forma descentralizada. É fundamental que sejam através de processos de concertação social que a sociedade [...], democraticamente, se proponha a construir consensos mínimos que representam as decisões acordadas naquele momento histórico, no que se refere à superação de seus desafios. (DALLABRIDA, 2007b, p. 48).

Mormente, tanto em descentralização, quanto em gestão social, o elemento substancial

é a cidadania ativa e positiva, capaz de inserir-se no contexto das decisões públicas. “Assim,

descentralização e gestão social seriam conceitos convergentes na medida em que ambos

propõem a democratização, por meio de processos decisórios, das relações político-

administrativas” (TENÓRIO, 2011, p. 73). Estes são os fundamentos de uma democracia

participativa. Este exercício intersubjetivo de intervenção coletiva promove uma percepção

mais ampla da realidade e se dirige para o que seja social, de bem comum, afastando-se da

“especificidade costumeira à liberdade negativa, às individualidades, à competição, ou aos

princípios do liberalismo econômico e/ou político” (TENÓRIO, 2011, p. 73).

A gestão social se traduz em ações concretas, envolvendo diversos atores em

processos decisórios públicos. Estes processos são, assim, dialógicos, pautados por mediações

e horizontalidades, com práticas de negociação, pactuação e produção de resultados possíveis,

conformados por um exercício democrático da convivência entre as diferenças. A

compreensão deste conceito: [...] implica entender a necessidade de uma organização racional por meio de arranjos institucionais que promovam o bem comum republicano. Bem comum que implica a busca pela deliberação consensual entre os diferentes agentes/atores do processo decisório e que, aliado à descentralização, promove o controle social da sociedade em relação ao Estado, democratizando, portanto, as relações sociedade-Estado. (TENÓRIO, 2011, p. 76).

A abordagem territorial do desenvolvimento é uma construção histórica, apoiada numa

perspectiva de território como sujeito político, espaço de planejamento e execução de políticas

públicas, exercício de governança e concertação, locus de vida de cidadãos. Portanto, exige-se

uma gestão em sintonia com a descentralização, a desconcentração e a cidadania, convergindo

a tríade para uma participação forte na vida pública. Os esforços em curso, de gestões

municipais e estaduais, em abrir o Estado para uma participação direta dos cidadãos - além da

indireta, pelo voto na representação política oficial - através de orçamentos e planos

plurianuais participativos são medidas direcionadas, ainda que de maneira tímida, para essa

maturidade democrática. A opção por uma estratégia territorial, por sua vez, requer assumir

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um cotidiano participativo, uma gestão aberta à contribuição social, através de espaços

permanentes de governança. Esta seria, com efeito, a prática constante da gestão social das

políticas de desenvolvimento territorial.

O maior desafio de implementar processos de participação na gestão do

desenvolvimento e, possivelmente, em outras esferas de gestão pública, é a garantia da

permanência dos espaços e das práticas participativas, como algo engendrado social e

culturalmente, e no Estado em suas relações com a sociedade. A governança é, mormente,

esta prática cotidiana que deve se estabelecer no seio da sociedade.

Para uma melhor apreensão do significado e dos fins da governança na política

territorial implementada na Bahia, a partir de 2007, recorre-se ao conceito de governança

territorial apresentado por Dallabrida (2007b), o qual é definido como: [...] conjunto de iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais, como fonte sinergizadora do processo de gestão do desenvolvimento territorial. (DALLABRIDA, 2007b, p. 45).

Note-se que a governança territorial é uma situação historicamente construída, em

permanente reconstrução, a partir da dinâmica da confluência entre as três esferas de

interesse, cujos conflitos devem ser processual e dialeticamente dirimidos ou reduzidos por

pactos em torno das opções estratégicas para o desenvolvimento geral do território. Para esse

autor, os atores desta governança só o são de fato se contarem “com recurso de poder

suficiente para impedir ou perturbar o funcionamento das regras ou procedimentos de tomada

de decisão e de solução de conflitos coletivos” (DALLABRIDA, 2007a, p. 4).

A sociedade aqui deve ser tomada, então, como um sistema em rede, uma vez que, em

nível de território de identidade, na Bahia, deve-se inserir o elemento escala, que se torna,

nestes termos, ampliada, necessitando o território de uma existência articulada para se

apresentar como sujeito organizado e coeso em torno de objetivos comuns. Tais estruturas em

rede são, para este autor, ocorrências “através das quais os atores/agentes e

organizações/instituições territoriais atuam no planejamento e consecução das ações voltadas

à gestão territorial” (DALLABRIDA, 2007a, p. 5). O autor avança na conceituação, propondo

a utilização do termo “bloco socioterritorial”, que seria: [...] o conjunto de atores localizados histórica e trerritorialmente que, pela liderança que exercem localmente, assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território, por meio de processos de concertação público-privada que contemplem o caráter democrático-participativo. (DALLABRIDA, 2007a, p. 6).

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Nestes termos, há de se investigar o nível de organização e existência política dos

territórios de identidade na Bahia e averiguar o grau de sua efetividade enquanto um bloco

socioterritorial, além de averiguar sua coesão e consistência social para sustentar sua condição

de unidade política, ou de ocorrência social, elementos que permitem, de fato, a governança

territorial. Parece claro que uma territorialidade como a oficializada pelo Governo da Bahia só

terá êxito se os territórios forem protagonistas da ocupação do espaço político instituído

legalmente, se tiverem uma rede socioterritorial em funcionamento e um bloco socioterritorial

conformado.

Experiências mais antigas no Brasil, de descentralização e participação social em

políticas públicas, como os Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDES, no Rio

Grande do Sul, oficialmente existentes desde 1994, também apresentam limitações no

momento de efetivarem a gestão social (DALLABRIDA, 2011). Para este autor: Poderia se dizer que a dimensão de fóruns de discussão e definição de estratégias de desenvolvimento regional, com os Coredes, tem sido devidamente contemplada. No entanto, não tem sido muitos os avanços na dimensão operacional do processo de gestão do desenvolvimento (DALLABRIDA, 2011, p. 348-349).

A governança territorial como prática efetiva de gestão compartilhada e concertação

permanente e como forma de relação Estado–Sociedade exige um nível geral de

amadurecimento civilizatório quanto aos valores e práticas democráticos. Territórios

desenvolvidos são aqueles de maior evidência do nível de maturidade geral das

institucionalidades nele presentes. Quanto a isso, Furtado (1961) já chamava atenção,

afirmando que o desenvolvimento é uma condição cultural. Os níveis de subdesenvolvimento

de determinados territórios estão, em boa medida, relacionados com sua capacidade racional e

política de se fazer presente na arena das decisões políticas. E na capacidade de

autocompreensão de seus limites e de suas potencialidades. Mas a posse de tais

conhecimentos, se ficar reduzida apenas a um corpo técnico ou burocrático, também pode não

resultar em transformações, ou influenciar a gestão para o desenvolvimento. Aqui se pode

fazer uma relação com as concepções de Putnam (1996) sobre a Itália moderna, quando o

mesmo destaca as condições culturais de uma população local e sua cultura como elementos

indispensáveis ao sucesso econômico.

Assim, uma velha questão sobressai: qual seria o papel do Estado frente a uma

situação desfavorável ao desenvolvimento? Para autores liberais e neoliberais, o Estado

deveria se ausentar e apenas gerar oportunidades ao mercado e este, sim, seria o agente

“modernizador” do território. Para outros, apenas localmente dever-se-ia implementar certas

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medidas localistas a fim de gerar condições voltadas ao arranque territorial rumo à sua

inserção na arena global dos fluxos econômicos de importância. A crítica de Brandão (2012) a

tais posições e aos entusiastas de uma “endogenia exagerada” aponta que tais formuladores

não levam em consideração que o local não está imune às macropolíticas em escalas maiores,

como a do Estado ou da União, e que as dificuldades de se movimentar um território é muito

grande, havendo necessidade de se integrar as diversas escalas. É o que Costa (2011) também

defende: [...] o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo em grande medida expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual os interesses individuais ou externos acabam prevalecendo. Desta forma, a sua superação só pode ser concebida no quadro de um projeto político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de decisão válido, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses regionais e nacionais coletivos buscados a médio e longo prazo através do planejamento do desenvolvimento [...]. (COSTA, 2011, p. 399).

Portanto, a governança é uma condição para um verdadeiro desenvolvimento do tipo

button up. Diante disso, importa pensar como o Estado deve agir, por um lado, para não se

tornar autoritário e dirigista, burocrático e elitista e, por outro, não se tornar leviano e

irresponsável, deixando o local exposto aos ventos suaves ou tempestivos dos mercados. As

experiências brasileiras vêm refletindo todos esses aspectos e pode evoluir na direção de uma

maturidade maior. Mas esta é apenas uma possibilidade, a reação conservadora da classe

política a tais preceitos está viva e forte no Congresso Nacional e na direção da maior parte

dos estados e municípios brasileiros.

Um bloco sócio territorial histórico se constitui, sem embargo, a partir da vivência

coletiva, mas a ação de um Estado convencido de tais valores pode acelerar esta vivência e

fomentar a cultura democrática no seio da sociedade. Esta parece ser a compreensão dos

formuladores do desenvolvimento territorial, no Brasil e na Bahia. Redes sócioterritoriais

estão dadas, mais, ou menos organizadas; elas são imanentes, até o momento oportuno de

suas manifestações. Um país como o Brasil, de complexidade cultural e econômica, tem em

estado latente a possibilidade de fazer emergir ou fortalecer tais estruturas onde as mesmas

não se constituíram ainda ou estão fragilmente presentes. Para isso, um projeto político deve

ser catalizador e protagonista, e o Estado, junto com as instituições sociais são quem devem

assumi-lo. Este parece ser o desenho conceitual do MDA e, com menos clareza, o da

SEPLAN, na Bahia.

A esse respeito, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do

Desenvolvimento Agrário – SDT/MDA tem reconhecido a fragilidade de um de seus mais

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definidos instrumentos para o desenvolvimento territorial: os Planos Territoriais de

Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS. Estes são fomentados e apoiados pela SDT

como ferramentas necessárias aos territórios, para a construção de suas estratégias de

desenvolvimento, assegurando uma visão “de dentro”, e uma participação da diversidade local

em sua construção. Portanto, como premissa para o exercício da governança territorial. Os

PTDRS seriam ferramentas fomentadas pelo e com a participação do MDA. Ocorre que a

SDT reconhece que os mesmos se tornam obsoletos e sem utilidade real, na medida em que os

Estados não os incorporam em seus planejamentos de longo, nem de curto prazo. As

iniciativas atuais do MDA - em conjunto com o Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão – MPOG e mais a Casa Civil do Governo Federal – buscam efetivar planejamentos

territoriais, articulando o nível federal, com os estaduais através de Planos Plurianuais

Territoriais. Esta é uma tentativa de vinculação da escala territorial com as outras. Registre-se,

porém, que a fragilidade dos territórios e de suas representações sociais – os Colegiados

Territoriais, na escala nacional, tenha levado o Governo a fazer tal articulação pelos

Consórcios Públicos Municipais.

Fazendo uma junção sintética da dimensão da gestão social do desenvolvimento

territorial em Dallabrida (2007b), têm-se as seguintes instâncias e condições: i) histórica (o

desenvolvimento territorial resulta da ação organizada de determinados atores sociais que se

constituem em cada momento histórico); ii) ocorrência de um bloco sócio-territorial

(conformando este conjunto ativo da sociedade, com toda a sua diversidade, atuando em

diversas redes, em conflito ou em sinergia, que têm poder de hegemonizar ideologicamente

o processo de desenvolvimento territorial); iii) exercício da governança territorial

(capacidade de ação resultantes da organização dos atores conformantes do bloco sócio-

territorial, visando gestar os assuntos públicos de interesse do território); iv) realização de

pacto sócio-territorial ou concertação social (pactuações entre os projetos distintos no seio

do bloco territorial, na conformação de planos de desenvolvimento territoriais). [...] entende-se que processos de concertação social podem levar à constituição de pactos sócio-territoriais, ou seja, acordos ou ajustes entre os diferentes representantes de uma sociedade organizada territorialmente, na busca da definição de seu projeto de desenvolvimento futuro. Os aqui chamados de pactos sócio-territoriais, como acordos pactuados territorialmente, são constituintes dos planos de desenvolvimento local/regional/territorial de um determinado território ou região, construídos nos diferentes momentos de sua história. (DALLABRIDA, 2007b, p. 45).

Entende-se que estas categorias deste autor, baseadas em Gramsci, servem como

modelos teóricos para a proposição de um entendimento mais adequado da realidade

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dinâmica dos territórios e das ações envolvidas no desenvolvimento/subdesenvolvimento

dos mesmos, ao tempo em que podem ser utilizados para a organização de uma teoria do

desenvolvimento territorial. A governança territorial resulta de um conjunto de fatores

objetivos, históricos, envolvendo várias dimensões da realidade.

Dallabrida (2007b) formula questões referentes a tais processos de gestão do

desenvolvimento territorial, que parecem ser úteis à experiência baiana: “Qual a

possibilidade de operacionalização desta concepção teórica? Que estruturas de poder

precisam estar à disposição da sociedade para a sua operacionalização?” (DALLABRIDA,

2007b, p. 45). A última questão formulada pelo autor remete à experiência dos Coredes, no

Rio Grande do Sul, mas pode ser reformulada em termos da experiência na Bahia,

substituindo o sujeito COREDES por CODETER: “A estrutura legal e a prática” dos

Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER/BA “oportunizam condições para

a operacionalização desta concepção teórica?” (DALLABRIDA, 2007b, p. 45). A questão só

poderá ser respondida com maior precisão, a partir de um estudo de caso, utilizando-se das

categorias apresentada pelo autor.

Pode-se, no entanto, utilizá-los para uma análise parcial das condições baianas da

ocorrência da abordagem territorial do desenvolvimento, é o que se exercita nesta

dissertação, ao longo da análise dos espaços institucionais baianos e, ao final, com o balanço

crítico da experiência.

2.5 Desenvolvimento: entre o mito e a necessidade

A Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia é considerada uma abordagem

para o desenvolvimento do estado. Tal premissa requer, portanto, a problematização do

campo teórico sobre desenvolvimento, erigido, por sua vez, no bojo do capitalismo e de sua

leitura científica, notadamente pela Economia e pela Sociologia Política.

O tema acompanha a própria gênese da Ciência Econômica, desde os clássicos do

século XVIII, visto que os autores buscavam explicar a origem da riqueza das nações, como

elas se formam, se expandem ou crescem. Dos pensadores clássicos (Adam Smith, David

Ricardo, Stuart Mill) até os anos 1950, a ideia perseguida era a do crescimento econômico. As

indagações versavam sobre como as nações se tornavam ricas; através de análises que se

fechavam nos processos históricos das nações centrais do sistema, tratando de averiguar as

etapas e os processos nacionais do crescimento econômico.

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Somente a partir da grande crise dos anos 1930 e do pós-Segunda Guerra Mundial, o

termo desenvolvimento ganha primazia teórica, conjuntura em que a Guerra Fria impunha às

potências um compromisso relativo com o progresso econômico de suas áreas estratégicas no

globo. E, também, por conta do alto e profundo desenvolvimento ocorrido nos países

cêntricos do sistema, na chamada “era de ouro do capitalismo” (1950 - 1970). A partir desta

conjuntura global, a qual incluía, ainda, a emancipação das colônias asiáticas e africanas e as

novas bases de dominação do centro sobre a periferia do sistema, surge uma reviravolta no

pensamento econômico, gerada dentro do núcleo imperialista, os Estados Unidos da América

(EUA) (Fiori, 1998). Trata-se da chamada revolução keynesiana causada pelas ideias de John

Maynard Keynes (1883 - 1946).

Após a II Guerra Mundial, o núcleo do sistema capitalista buscava articular as nações

ao seu domínio, através de novos mecanismos, combinando apoio econômico e subordinação

política, sem a ostensividade do colonialismo clássico moderno. Neste contexto, o império

buscava garantir as fronteiras capitalistas contra o socialismo soviético. Esta nova perspectiva

rompia com a ideia clássica do liberalismo econômico de equilíbrio global, desde Ricardo, e

adotava a compreensão do sistema capitalista como um sistema cíclico, de crises e de natureza

instável (Fiori, 1998). Esta possibilidade no campo teórico favoreceu a vontade de se estudar

e apresentar propostas estratégicas de indução ao desenvolvimento econômico, e de se pensar

em termos de políticas públicas anticíclicas. Para Fiori (1998), legitimou-se a preocupação

das diversas nações com os seus próprios desenvolvimentos, visto na época, segundo o autor,

como: Um processo possível de ser induzido ou acelerado politicamente e, portanto, diferente, na teoria econômica, da ideia de simples crescimento. É algo que implicaria transformações de tipo institucional, estrutural e uma aceleração do processo de crescimento, da acumulação capitalista, além da média internacional histórica anterior. (FIORI, 1998, p. 69).

Deste caldo conceitual e dessas condições históricas, portanto, se conforma uma

ideologia, que, ao mesmo tempo reconhece a natureza desigual das nações e a legitima

(FIORI, 1998). Em termos mais amplos, o conceito de desenvolvimento pode ser associado ao

impulso orgânico da modernidade de racionalizar o tempo, o espaço e as ocorrências humanas

para a obtenção de progresso material e social; para o domínio das adversidades e a afirmação

do homem sobre a natureza. Representa também uma face do antropocentrismo iluminista,

quando expressa a crença de que o homem pode ter controle e direção da história, para fazê-la

ocorrer de acordo com as suas razões, através da utilização da inteligência, da tecnologia e da

organização política, em uma palavra: da razão instrumental.

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As abordagens teóricas sobre desenvolvimento são tão vastas quanto sua elasticidade

conceitual. Para efeito deste texto, focar-se-á, primeiro, em duas correntes de entendimento do

desenvolvimento, para, então, analisar o conceito de “desenvolvimento territorial”. As duas

correntes conceituais são distanciadas entre si por visões distintas sobre desenvolvimento,

notadamente quanto ao seu sentido, suas formas e sua composição ideológica, Tal opção

metodológica decorre do fato da política de desenvolvimento territorial da Bahia está inserida

na conjuntura histórica de alternância de um modelo de gestão tipicamente neoliberal para

outro que lhe é uma variável, com significativas distinções, apontando para uma plataforma

de cunho mais social, no Brasil e na Bahia.

A primeira corrente, portanto, é a visão liberal clássica, mais recentemente

transmutada em “neoliberal”, cuja abordagem se define por uma crença no desenvolvimento

enquanto movimento “natural” do capitalismo. Desenvolvimento tomado como resultado

inexorável da marcha da modernidade, a ser potencialmente atingido em todo o globo, a partir

de certas etapas de condições políticas e econômicas, cujo agente promotor é a economia

capitalista, o mercado e as liberdades ou liberalismos a ele atinentes e necessários.2 A segunda

é a visão crítica ao liberalismo, formulada a partir da negação da “naturalidade” do

desenvolvimento e de sua reprodução, no sentido de replicar na periferia do sistema os

modelos do centro. Em outras palavras, a crítica à ideia de que se pode alcançar os mesmos

níveis de desenvolvimento dos países cêntricos, na periferia do sistema, a partir do

movimento de expansão dessas economias e seus modelos para dentro dos países periféricos,

através de etapas lineares. Esta vertente será tratada a partir da Comissão Econômica para a

América Latina (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (ONU), através de dois dos

mais destacados de seus formuladores: Raul Prebisch e Celso Furtado, ambos posicionados no

campo teórico do estruturalismo.

Antes de discorrer sobre as duas correntes conceituais, faz-se uma introdução, a fim de

contextualizar o cenário mais geral do debate teórico sobre o tema, com base nas referidas

linhas de pensamento.

Desde a gênese da teoria econômica e sua consolidação como ciência social, um

conjunto substancial de obras foi escrito para revelar as causas e motivações da expansão

econômica. Vivia-se um momento histórico de transição do modo de produção, quando o

capitalismo industrial iniciava sua consolidação como sistema econômico. Não por acaso, o

2 A respeito do etapismo, consultar a obra seminal sobre esta teoria, de W. W. Rostow (1959). Etapas do

desenvolvimento econômico, na qual o autor estabelece cinco etapas distintas do desenvolvimento econômico dos países, as quais seriam inexoráveis para o alcance do estágio de um país desenvolvido.

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pensamento clássico, em sua origem, estava plenamente de acordo com a ideologia burguesa,

servindo-lhe de instrumento cultural/ideológico para alimentar as transformações políticas

necessárias à plena hegemonia do capital e da burguesia na condução da vida moderna.

Segundo Furtado (1961): A teoria do desenvolvimento econômico trata de explicar, numa perspectiva macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento persistente da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social (FURTADO, 1961, p. 19).

Este autor considera que a explicativa do desenvolvimento, na Ciência Econômica,

segue dois planos. O primeiro é o campo da análise dos mecanismos intrínsecos do

desenvolvimento, ou seja, abstrações com variáveis estáveis e quantificáveis. Refere-se à

análise, a partir de formulações abstratas, com base em modelos simplificados dos sistemas

econômicos existentes. O segundo é o campo histórico, donde se averigua a eficácia da teoria,

confrontando-a com uma realidade histórica dada.

O desenvolvimentismo, de acordo com o seu caráter ideológico dominante,

estabeleceu as bases para o conjunto hegemônico de autores se posicionarem quanto às

possibilidades de evolução positiva das civilizações. Ao longo das últimas sete décadas, os

jargões teóricos se tornaram linguagem popular, conteúdo de currículo escolar e material para

amplos debates teóricos e ideológicos. Assim, expressões como: “países desenvolvidos e

subdesenvolvidos”; “países de primeiro, segundo e terceiro mundo”; “países ricos e países

pobres”, “países em desenvolvimento ou países emergentes”, tornaram-se corriqueiras e

dominaram o ambiente do debate, do discurso político, social e cultural. Neste contexto

conceitual e ideológico se fundamentam a teoria liberal e neoliberal e a crítica à visão liberal

de desenvolvimento.

2.5.1 A teoria neoliberal e o Consenso de Washington

O liberalismo foi a primeira base teórica do sistema capitalista industrial, nasceu junto

com sua fase de industrialização na Inglaterra do século XVIII. Seus autores clássicos são

estudados e citados até os dias atuais porque estabeleceram leituras e leis universais sobre o

processo de surgimento, reprodução e expansão do capital dentro da dinâmica de mercado

livre. Desde Adam Smith, em seu clássico texto “A Riqueza das Nações”, de 1776, que a

teoria econômica liberal considera a economia como um espaço desvinculado do Estado e este

como corpo estranho à sua dinâmica mais pura e original.

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As forças produtivas de uma sociedade – o conjunto de agentes individuais, movido

por seus desejos e interesses particulares de ganho e realização - agem egoisticamente, dentro

de um espaço de competições, no qual as competências e habilidades individuais determinam

quem ganha e quem perde no jogo da acumulação da riqueza. Mas, para os clássicos, ao final,

esta “mão invisível”, que é o mercado, acabaria por gerar uma riqueza coletiva sempre

crescente e dinâmica, resultando em riqueza social. O Estado, segundo o Liberalismo, deveria

cuidar da vida social e política e atuar pontualmente na regulação jurídica e dos interesses

nacionais, quando da competição com outras nações. Mas a mão “visível” do Estado deveria

ser menor do que a mão “invisível” do mercado.

Ao longo da história moderna estes preceitos foram aplicados com rigor, mas também

relativizados sem parcimônia pela burguesia capitalista, a depender das conjunturas,

pendulando entre o liberalismo e o intervencionismo. Muitas foram as vezes em que os

capitalistas, ou “os mercados”, recorreram a protecionismos e intervencionismos do Estado

para defender seus interesses econômicos. E ainda o faz, mesmo nas nações mais liberais,

como os EUA, sobretudo para garantir os interesses financistas e industriais contra

concorrências estrangeiras e novas reivindicações sociais que possam ameaçar suas taxas de

lucro (FIORI, 1998).

Para efeito de contextualizar o desenvolvimento territorial atual, em análise neste

texto, importa tratar da versão contemporânea do liberalismo, o neoliberalismo, que se inicia

com a crise do petróleo na década de 1970, e se torna hegemônica no comando das nações

poderosas do Ocidente nos anos de 1980. Estas são as bases que antecedem à implementação

das políticas territoriais em nível federal e estadual no Brasil, e servem como contraponto às

premissas conceituais e ideológicas de tais políticas. Como ofensiva teórica, as ideias

neoliberais aparecem ainda durante a Segunda Guerra, através da obra de Friedrich Hayek, de

1944, intitulada “O Caminho da Servidão”. Nela, o autor promove uma aberta luta contra as

ideias sociais democráticas, ao igualitarismo e ao papel do Estado como guardião do

solidarismo (ANDERSON, 1996).

Hayek chega a pronunciar em seu livro: “Apesar de suas boas intenções, a social-

democracia inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão

moderna” (HAYEK, 2010, p. 9). Aquele ano era de eleições na Inglaterra e este autor

promovia uma campanha contra o Partido Trabalhista Inglês e seu programa social-

democrata. Hayek veio a criar um clube de pensadores conservadores e ultraliberais para

formularem e combaterem as teorias keynesianas e sociais democratas, denominado de

“Sociedade de Mont Pélerin” (ANDERSON, 1996). As ofensivas neoliberais, ao longo de 20

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anos não receberam eco da política, uma vez que o sistema capitalista vivia sua fase de ouro,

crescendo à altas taxas, em meio ao Estado de Bem-Estar Social. Porém, com a crise do

Petróleo e das dívidas, no final dos anos 1970, com a queda global das taxas de lucro, as

forças conservadoras foram ganhando espaço e chegaram ao comando dos principais Estados

ocidentais, levando à mudança da agenda econômica e da ideologia dominante no meio dos

capitalistas e dos governos.

As ideias neoliberais foram tratadas de maneira a se tornar um corolário econômico

para as nações capitalistas a partir de 1990, e foram traduzidas pelo economista John

Williamson no chamado Consenso de Washington. Segundo Williamson (1990 apud

SOARES, 2003), as políticas neoliberais se definem por: [...] um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizadas aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes. (WILLIAMSON apud SOARES, 2003, p. 19).

O contexto de ascensão do neoliberalismo foi marcado, na década de 1980, pelas

ascensões de Margareth Thatcher e Ronald Reagan ao poder de suas nações, respectivamente,

na Inglaterra e nos Estados Unidos. A partir daí, este corolário passou a ser aprofundado e

imposto às agências financiadoras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional

(FMI) e o Banco Mundial (BIRD). As reformas, então propostas aos países cêntricos e

periféricos, notadamente a estes últimos, era para a promoção de verdadeiros ajustes e

reformas, incluindo nas Constituições nacionais, a fim de atender aos interesses do capital.

Para Soares (2003) essas reformas promoviam a desregulamentação dos mercados, o

escancaramento da abertura comercial e financeira, a privatização do setor público e a

redução do Estado. Para esta autora: O ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de uma redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais. Passa a existir outro projeto de reintegração social, com parâmetros distintos com àqueles que entraram em crise a partir do final da década de 1970. (SOARES, 2003, p. 19).

Como o neoliberalismo se assenta na conjuntura de início da globalização e da

chamada “terceira revolução tecnológica”, há estreita relações entre estas três situações, mas

não se pode dizer que as políticas neoliberais são uma decorrência vinculada das novas

tecnologias, seu desdobramento “natural” e inexorável. Segundo Fiori (2001 apud SOARES,

2003) houve uma: [...] transformação social gigantesca, mas que não foi o resultado natural, muito menos benéfico, das novas tecnologias informacionais. Foi, em grande medida, o resultado de uma reestruturação política e conservadora do capital, em resposta à

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perda de rentabilidade e governabilidade que enfrentou durante a década de 1970. (FIORI 2001 apud SOARES, 2003, p.20)

Como modelo social de acumulação capitalista, o neoliberalismo advoga, por

definição, a informalidade do trabalho, o desemprego, o subemprego, a desproteção

trabalhista e uma nova pobreza. Portanto, a degradação social de grande parte da população

do mundo não atrapalharia a reprodução do sistema capitalista, nem deveria ser vista como

uma “aberração”, mas como realidade natural de uma luta pela vida, na qual “o mais forte e

mais apto vence e o mais fraco e menos competente sucumbe” (SOARES, 2003). Em termos

de globalização, pode-se afirmar que esta traz consigo, de maneira hegemônica, os preceitos

contidos no neoliberalismo. Ela se configura ao tempo mesmo que enfraquece os Estados

Nacionais, impondo-lhes uma política de abertura comercial e suspensão dos protecionismos

guardadores de seguimentos estratégicos para o desenvolvimento nacional. Mas os

formuladores de tal preceito acreditam numa utopia universalizante de que a prosperidade e o

desenvolvimento virão para todos os países, desde que se insiram na arena global da

competição.

Segundo Carneiro (2012), o Consenso de Washington apresentou 10 pontos centrais

para a agenda econômica dos países: redefinição das despesas públicas (leia-se redução dos

investimentos sociais e enxugamento da máquina estatal); rigor fiscal; reforma tributária;

taxas de juros livres; câmbio competitivo; abertura do mercado nacional, privatizações,

desregulação, garantia do direito de propriedade (leia-se controle das tecnologias nas mãos

das transnacionais), liberalização do Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Para Rivero

(2002): Esta convicção, que contém aspectos utópicos, apresenta a globalização como um processo irrefreável, fora do alcance da vontade humana, como se fosse a lei de gravitação universal, de cujo efeito não podem escapar pessoas, empresas e nações. O que não se diz é que, caso vigorasse esse tipo de globalização, é pouco provável que tivessem desenvolvido os Estados Unidos, a Europa e o Japão, que protegeram e promoveram suas indústrias e copiaram mutuamente suas tecnologias. (RIVERO, 2002, p. 14).

Sobre a dimensão fiscal, o neoliberalismo professava a necessidade de se evitar um

crowding out, o que somente uma disciplina fiscal poderia garantir, com a eliminação dos

déficits públicos. O Consenso não trata explicitamente em cortes de investimentos sociais, ou

do abandono da sustentação do crescimento ou sobre melhoria da renda, apenas dos déficits

(CARNEIRO, 2012). Mas a sua aplicação resultou no Estado mínimo, no qual as políticas

sociais foram restritas às parcelas dos muito pobres, e de maneira pouco eficiente. A

liberalização das taxas de juros e uma taxa competitiva de câmbio, à maneira como praticada

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na maioria dos países, resultaram em crises de balanço de pagamento e financeira

(denominadas crises gêmeas). Para Carneiro (2012), os formuladores das medidas chegaram a

reconhecer problemas nestes dois pontos, mas a questão para a ocorrência das crises foi o fato

de tais medidas estarem sendo propostas aos países periféricos num contexto de globalização,

de alta competitividade. Segundo Carneiro (2012, p. 766), para que os países periféricos:

“conseguissem lidar com as mudanças de padrão e levassem adiante reformas exitosas [...]

teria sido necessário um grau de intervencionismo muito maior do que o admitido (pelo

consenso)”.

As medidas de abertura comercial e liberalização do IDE só seriam eficientes, ou seja,

favoreceriam a ampliação da inserção produtiva do Brasil, se fossem comandadas por uma

forte política industrial, o que não ocorreu. Para ampliar a concorrência, o consenso propunha

reduzir o papel do Estado na formação dos preços, através das privatizações das estatais e da

desregulação: redução de barreiras para favorecer a livre entrada e saída de produtos. E o

direito à propriedade, entenda-se a propriedade intelectual, impunha que as tecnologias

avançadas que entravam no país não poderiam ser copiadas, ou apropriadas pelo capitalismo

nacional. Em seu balanço crítico, Carneiro (2012, p. 767) conclui que “[...] as privatizações

significaram, mormente em países de maior complexidade econômica como o Brasil, a perda

de um importante elemento de coordenação e indução do investimento privado”.

A desregulação, por sua vez, permitiu aumentar a concorrência em alguns segmentos,

juntamente com as privatizações, que forçaram à racionalização e à modernização de algumas

empresas. Porém, não geraram o que se anunciava: desconcentração e quebra de

monopolização da economia, tomada de maneira abrangente.

As medidas neoliberais para o desenvolvimento dos países periféricos resultaram,

praticamente, em um verdadeiro retrocesso social, com preços humanos gigantescos

(SOARES, 2003). O Brasil ficou menos fortalecido em sua base industrial e em sua

autonomia. A despeito, porém, de se ter colocado um fim na ciranda da inflação que corroía

os salários e promovia uma orgia financeira. Mas as altas taxas de juros, a ausência de

investimento social, o engessamento dos salários, o aumento da dívida pública, acabou por

favorecer a um capitalismo financista especulativo e rentista, no qual, o trabalho e a produção

se submetem aos seus interesses. Esta situação, em toda América Latina, com fortes crises e a

falência de alguns países, como a Argentina, levou a uma reação geral dos povos latinos

americanos contra estes governos aliados ao Consenso, inclusive no Brasil. Para Carneiro

(2012):

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Nos anos 2000, na América Latina e no Brasil, assistiu-se à retomada do crescimento econômico, associado à melhoria da distribuição de renda, resultantes não só de um contexto internacional benigno, mas de outras práticas de políticas econômicas progressivamente mais distantes do neoliberalismo e do Consenso, dando suporte ao ressurgimento do pensamento desenvolvimentista em alguns países, como o Brasil (CARNEIRO, 2012, p.767).

2.5.2 A visão dos estruturalistas da CEPAL.

A Comissão Econômica para a América Latina foi criada pela ONU em 25 de

fevereiro de 1948, em meio às disputas políticas da Guerra Fria. A CEPAL cumpriu um

destacado papel na teorização do desenvolvimento no contexto em que a própria ONU

buscava organizar a discussão sobre o mesmo, a partir da estratégia política do centro

imperialista americano.

Segundo Fiori (1998, p. 73), “[...] o desenvolvimento dos anos 50, do ponto de vista da

sua tentativa de teorização e formulação, é originário da potência central e faz parte do projeto

imperial de hegemonia americana nesse período”. A posição teórica que alimentava a ONU

acreditava que os processos vividos pelos países avançados poderiam ser seguidos pelos

países “atrasados”, perseguindo as etapas dos primeiros.

Porém, alguns autores cepalinos acabaram por se distanciar destas premissas e

construíram uma teoria própria para explicar a situação do “atraso” dos países periféricos. E a

partir destas novas bases conceituais, substituíram o termo “atrasado” e “avançado”, por

“subdesenvolvido” e “desenvolvido”, evitando a terminologia anterior, que imprime uma

ideia de desenvolvimento por evolução de etapas. Segundo eles, a visão etapista era linear,

marcada por uma percepção positivista do mundo, a qual desconsiderava a historicidade dos

processos de formação e desenvolvimento das nações. Premissa indispensável ao

entendimento da realidade econômica dos países subdesenvolvidos, uma vez que estes foram

resultados das relações internacionais instauradas pelo sistema em seu movimento de

expansão a partir do centro. Portanto, criticava-se a visão limitada da teoria etapista clássica

desta teoria, que buscava explicar o desenvolvimento com base apenas nos aspectos internos

de cada país, e somente os países do centro, avançando para análises históricas sobre a

composição estrutural dos países periféricos, daí serem denominados de “estruturalistas”.

Desta maneira, Celso Furtado e Raul Prebisch demonstraram que o desenvolvimento

do sistema capitalista se dava na mesma medida em que se projetava o subdesenvolvimento.

As relações estabelecidas historicamente promoveram a divisão internacional do trabalho,

desde um centro que passou acumular capital, a partir de uma industrialização com utilização

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de tecnologias aplicadas à produção e ao comércio, que resultou no aumento extraordinário da

produtividade do trabalho. Esta condição permitiu a estes países a expansão colonialista, a

qual passou a inserir as regiões periféricas a este centro e a este sistema de mercado

capitalista, de maneira subordinada. Como explica Lisboa (2007, p. 75) sobre a visão destes

cepalinos: “Subdesenvolvimento, como especificidade histórica, era a própria forma tomada

na experiência do capital nos novos países e, se as relações centro-periferia não mudassem, o

subdesenvolvimento se eternizaria”.

As formulações dos autores estruturalistas da CEPAL e o ativismo intelectual e

político dos mesmos se concentraram ente 1949 e 1977. As obras seminais de Prebisch (1949)

e da CEPAL (1949), na qual Prebisch, Furtado e outros colaboradores apresentam um estudo

inovador sobre o desenvolvimento econômico, se constituem como referência ao tema até os

dias atuais, no que pese estes autores terem lançados outras obras, inclusive atualizando seus

pontos de vistas e adicionando novos elementos. Prebisch (1964) critica a visão liberal

clássica tradicional que era adotada como verdade no meio internacional, a qual afirmava que

o desenvolvimento dos países periféricos ao sistema seria alcançado por meio de vantagens

comparativas (Carneiro, 2012). Estas seriam advindas da inserção destes na divisão

internacional do trabalho, imposta pelo sistema capitalista, na qual participavam produzindo e

vendendo bens primários, enquanto os países cêntricos inseriam-se produzindo bens

industrializados. O texto estruturasalista demonstra em vários momentos que a incorporação

das diversas nações à divisão internacional de trabalho se dá em ondas históricas sequenciais,

mas sempre de maneira distinta e assimétrica, nunca criando condições de nivelamento com

as nações cêntricas. Segundo Carneiro (2012): A desigualdade ou assimetria ocorre porque as economias incorporadas de maneira retardatária o são de maneira peculiar como periferia. Há um centro constituído historicamente, do qual se irradia a dinâmica e ao qual são incorporadas de modo parcial, como fornecedoras de matérias-primas e alimentos, as diversas economias periféricas. (CARNEIRO, 2012, p.750).

As análises de Prebisch e da CEPAL demonstram que “os ganhos de produtividade

foram substancialmente maiores na indústria ante a atividade primária” (CARNEIRO, 2012,

p. 751). As vantagens comparativas nunca seriam vantagens de fato. Com efeito, o polo de

exportação primária permanecia limitado em sua capacidade de diversificação de produtos e,

por tabela, de mão de obra, além de demandar muito menos investimento em tecnologia.

Enquanto o centro era dinamizado constantemente pela lógica industrial da concorrência,

através de novos produtos e novas tecnologias, o que implica na qualificação e variação

também do mercado de trabalho (FURTADO, 1974). As convicções destes autores sobre a

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inviabilidade do desenvolvimento por vantagem comparativa decorria do fato de que, segundo

explica Carneiro (2012): [...] ao contrário do que sugeria a teoria das vantagens comparativas, isso não se traduziu em uma queda de preços relativos dos bens industriais ante os agrícolas, indicando um bloqueio na propagação do progresso técnico, conduzindo à deterioração dos termos de troca entre os dois grupos de países. Tal deterioração terminava por agudizar, por meio da redução da capacidade para importar, aquela que seria a maior restrição ao desenvolvimento periférico: a restrição das divisas ou, mais propriamente, a restrição externa (CARNEIRO, 2012, p. 751)

Prebisch (1949) tratou da flexibilização/rigidez da força de trabalho nos dois grupos de

países, chamando atenção para o fato de que os preços dos produtos industrializados

tenderiam ser mais constantes, por conta da rigidez salarial. Ou seja, os salários nos países

industrializados do centro tendem a permanecer por conta do menor estoque de mão de obra,

de certas transferências de lucratividade em fases de expansão e pelo maior nível de

organização política dos assalariados. Enquanto o inverso ocorreria nos países de exportação

primária, que apresentavam maior flexibilidade salarial, sobretudo pelo amplo excedente de

mão de obra disponível e do baixo nível de organização. Para Carneiro (2012), na obra de

Prebisch (1949), a tese é a da: [...] impossibilidade de alcançar o desenvolvimento por meio do padrão hacia fuera baseado na exportação de bens primários e cuja variável dinâmica é a demanda externa. A todo momento, contrapõe a ele um outro paradigma, o dos países centrais, baseado na indústria, no progresso técnico e na capacidade de ambos de dinamizarem a demanda. (CARNEIRO, 2012, p. 752, grifo do autor).

Em Furtado (1961, 1974), encontra-se o aprofundamento das teorias estruturalistas, ao

demonstrar que, mesmo quando países periféricos do sistema capitalista alcançam a

industrialização, no bojo da divisão internacional do trabalho, ou seja, quando adentram o

estágio do desenvolvimento hacia dentro por meio da industrialização por substituição,

continuam subdesenvolvidos. Furtado (1974) esclarece sobre o mito do desenvolvimento

econômico, pormenorizando os aspectos da permanência do subdesenvolvimento, através da

industrialização por substituição.

Primeiro, Furtado (1974) esclarece as três fases históricas da expansão do sistema; a

primeira, das vantagens comparativas, indica que a produção de um excedente foi um fato,

mas seu desdobramento não significou o desenvolvimento para os países periféricos. Porque,

segundo ele: “O que cria a diferença fundamental e dá origem à linha divisória entre

desenvolvimento e subdesenvolvimento é a orientação dada à utilização do excedente

engendrado pelo incremento de produtividade” (FURTADO, 1974, p. 24). A segunda fase

corresponde à industrialização por substituição, que foi uma reação intuitiva dos países

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periféricos, aproveitando-se dos resultados da crise de 1929 e das limitações externas geradas

pela Segunda Guerra, para produzir eles mesmos os produtos industrializados, por

substituição aos importados. A esta industrialização buscou suprir nacionalmente esta

demanda. Para Fiori (1998): Este projeto nasce e se viabiliza, na América Latina, legitimado por uma vontade política que permitiu o exercício do protecionismo e o intervencionismo estatal dos nossos países, porque vivemos entre 1950 e 1980 uma era de desenvolvimento consentido pela potência central. [...] o Estado tinha margem de liberdade para tratar da renda, da distribuição, de incentivos à demanda e ao crescimento, mantendo as regras internacionais, graças à soltura da política monetária norte-americana. (FIORI, 1998, p. 76).

A partir deste momento, para a América Latina, os investimentos seriam indiretos.

“Estava dado o pontapé inicial, e Juscelino [Kubistchek] soube compreender o espírito da

época e remanejou a estratégia. Não teve Plano Marshall, então tem Volkswagen, Ford etc.”

(FIORI, 1998, p. 79). Mas, como o centro está sempre à frente da periferia, as empresas

transnacionais engoliram as nacionais e passaram a ser as fornecedoras destes produtos, ou

desta modernização, que vem do centro, e de maneira mais barata, pois detêm o controle do

conhecimento técnico.

Furtado (1974) discorre sobre a impossibilidade de desenvolvimento ocorrer nos

países periféricos, considerando o fato de estar sempre no centro a dinamização do sistema,

revelando que a cada nível de acumulação e expansão deste, resulta uma modelação no

conjunto, donde a periferia apenas reproduz em miniatura o que ocorre no centro. Mas

registra também que as firmas destes países compõem o conjunto do sistema e lhe são

fundamentais. Estes mercados são fonte de mão de obra barata, insumos e consumo

necessário. Já nesta obra chama a atenção para a perda relativa de controle das transações das

multinacionais pelos Estados, revelando uma fragilidade destes, o que veio a ser reforçada nos

últimos anos, com o neoliberalismo e a globalização. Porém, registra a necessidade destes

mesmos Estados para as garantias necessárias ao capital: “O crescimento do aparelho estatal é

inevitável, e a necessidade de aperfeiçoamento de seus quadros superiores passa a ser uma

exigência das grandes empresas que investem no país” (FURTADO, 1974, p. 76).

Portanto, a dependência se dá de maneira sistêmica. No processo mesmo de

engendramento do desenvolvimento parcial dos países periféricos vai-se estabelecendo as

condições de manutenção de seu subdesenvolvimento, comparado com os países cêntricos.

Inclusive do ponto de vista da produção e da circulação dos bens, como esclarece o autor: “As

elites locais estiveram, assim, habilitadas para seguir de perto os padrões de consumo do

centro, a ponto de perderem contato com as fontes culturais dos (seus) respectivos países”.

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(FURTADO, 1974, p. 80). A este comportamento o autor denomina “modernização”. Mas ele

deve ser entendido como uma contradição, uma vez que ocorre “sem o correspondente

processo de acumulação de capital e progresso nos métodos produtivos” (FURTADO, 1974,

p. 81). Portanto, quanto maior for a modernização, maior intensidade terá a pressão para

aumentar o excedente das exportações, da taxa de exploração do trabalho e dos meios

naturais.

Para Furtado, a importância da modernização para a modelação das economias dos

países periféricos fica evidente no momento em que estes penetram na fase da industrialização

por substituição. Quando deixam de produzir apenas produtos de massa e passam a produzir

para os grupos sociais modernizados. Ressalta-se que as tecnologias incorporadas às

importações não estão relacionadas com o nível de acumulação de capital presente no país

periférico, mas com o tipo da demanda das elites modernizadas. É, portanto, desta falta de

vínculo entre o progresso técnico e o nível de acumulação anteriormente alcançado que

desdobra o subdesenvolvimento na fase de plena industrialização (FURTADO, 1974). Esta

orientação, que impõe métodos produtivos de alta densidade de capital, fomenta o aumento da

taxa de exploração do trabalho. Desta constatação, Furtado (1974) deduz que: O comportamento dos grupos que se apropriam dos excedentes, condicionado que é pela situação de dependência cultural em que se encontram, tendem a agravar as desigualdades sociais, em função do avanço na acumulação. Assim, a reprodução das formas sociais, que identificamos com o subdesenvolvimento está ligada à formas de comportamento condicionadas pela dependência. (FURTADO, 1974, p. 82).

O diferencial entre esta fase e a fase anterior da vantagem comparativa é que, nesta, a

modernização era financiada pelo excedente do comércio exterior. Agora, após a

industrialização interna destes países, as disparidades ou desigualdades sociais, portanto

assimetrias dos níveis de consumo das minorias modernizadas e das massas, “deverá(ão)

incorporar-se à estrutura do aparelho produtivo” (FURTADO, 1974, p. 87). E sua

continuidade natural levará sempre a manter a relação entre o avanço do processo de

industrialização e o aumento da taxa de exploração, o que em outras palavras se traduz em

concentração de renda.

Portanto, a evolução da modernização dos grupos dominantes dos países

subdesenvolvidos produz constantemente a pressão para obtenção de progresso técnico sobre

a forma de produtos e equipamentos para produzi-los. Assim, as empresas transnacionais

passaram a ser as fornecedoras destes produtos, ou desta modernização, que vem do centro, e

de maneira mais barata, pois detêm o controle do conhecimento técnico. A aquisição das

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tecnologias pelas empresas nacionais sairia muito caro e reduziriam o nível e a intensidade do

acesso aos bens de ponta, pelas elites locais.

Assim, os países periféricos passam a solicitar a cooperação destas empresas, uma vez

que, para o seu processo retardado de industrialização e seu desejo de manter-se em nível

técnico similar ao que prevalece nos países cêntricos, essas empresas são mais adequadas.

Elas resistem melhor aos obstáculos típicos deste tipo de economia subdesenvolvida:

pequenez do mercado, falta de economias externas e outros. Assim, resulta que as empresas

internacionais assumem o comando da economia industrial nos países subdesenvolvidos,

pautando o padrão de consumo, e dominando a cultura local (FURTADO, 1974). Daí, a

conclusão de Furtado de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento,

mas uma forma diversa do mesmo capitalismo cêntrico se engendrar e se desenvolver a partir

da inclusão dos espaços da sua periferia. Diz o autor: [...] a experiência tem demostrado que os grupos locais (privados ou públicos) que participam da apropriação do excedente, no quadro de dependência, dificilmente se afastam da visão do desenvolvimento como processo mimético de padrões culturais importados. (FURTADO, 1974, p. 90).

Para concluir o pensamento cepalino de Furtado, recorre-se aqui a Carneiro (2012): Conforme explicitado em Furtado (1969), tais restrições ao processo de desenvolvimento agravar-se-iam à medida que a substituição de importações avançava na internalização da produção de bens de maior valor unitário, os duráveis, nos quais a demanda já era, de partida, mais restrita. O resultado seria uma tendência à estagnação das economias com as citadas características. (CARNEIRO, 2012, p.754).

2.5.3 A atualização do debate teórico sobre desenvolvimento

No que pese a grande contribuição da CEPAL, o pensamento econômico brasileiro

avançou revisando as obras destes autores e recolocando as questões sobre as causas e

condições para o desenvolvimento, a partir da ótica de um país “subdesenvolvido”. A

transição da forma clássica cepalina para outras abordagens diferenciadas ocorreu, segundo

Carneiro (2012), com a obra de Tavares e Serra (1970)3. Estes discordaram da conclusão de

Furtado sobre a estagnação como fator inexorável, indicando que este autor teria confundido

uma estagnação cíclica na economia brasileira e na América Latina, com uma tendência

inescapável de estagnação estrutural.

A crise, segundo estes autores, era resultado de um boom de investimentos do Plano de

Metas da era Juscelino Kubistchek, que promovera nos anos 1960 uma ociosidade expressiva 3 TAVARES, M. C.; SERRA, J. Além da estagnação. In: TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao

capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 159-167.

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na indústria. Mas a possibilidade dessa ocupação da ociosidade poderia ser retomada,

ampliando o mercado consumidor que, até ali, estivera restrito e por nova capacidade de

investimento, como viria a fazer mais tarde a ditadura militar, aproveitando-se do grau de

desenvolvimento do capitalismo brasileiro e da expansão do mercado interno. Porém, este foi

um processo, não de justiça social, mas uma reconcentração das rendas pessoal e funcional. A

primeira gerou demanda de consumo e a segunda o autofinanciamento parcial do

investimento. Os autores discordam também sobre o peso da variável tecnologia no processo

de crescimento, informando que esta não é a verdadeira motivação do investimento.

Neste ponto, ressalta-se outra vertente do pensamento sobre o desenvolvimento, a

teoria da dependência. Esta foi formulada, segundo seus críticos, a partir de um revisionismo

superficial dos pensadores marxistas, e aproveitando-se do pensamento dos estruturalistas da

CEPAL. Os marxistas, naquele momento, teorizavam fortemente sobre o processo

imperialista de expansão colonialista no século XIX, e apontavam para a lógica de um

desenvolvimento capitalista que é desigual e combinado. E também da perspectiva instaurada

por Tavares e Serra (1970), que apontavam, diferente de Furtado, a possibilidade de o

capitalismo brasileiro avançar no seu desenvolvimento. Desta linha de argumentação, destaca-

se aqui a obra de Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso (1984)4. Estes autores buscam

sintetizar toda a discussão cepalina e pós-cepalina, dada até o momento em que escrevem suas

teses, com as teorias marxistas sobre o imperialismo, e inserem uma visão sociológica sobre o

processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento, desde um olhar visto de dentro dos países

periféricos (FIORI, 1998). Advinda, portanto, desse caldo cultural, esta tese, entretanto,

“arranca de uma visão pessimista sobre as possibilidades de desenvolvimento na periferia

capitalista” (FIORI, 1998, p. 77).

A teoria da dependência, da forma que foi teorizada é uma tentativa de se misturar um

conjunto de perspectivas, a partir de um recorte sociológico, o que, para o autor: [...] trata-se de uma obra inconsistente e, do ponto de vista político, inconsequente. Em particular na versão de Cardoso [...] esta contribuição [...] acabou se misturando de forma eclética com a visão cepalina e produzindo uma verdadeira geleia teórica repleta de boas intuições (FIORI, 1988, P. 77).

Para Fiori (1998), a teoria da dependência de Cardoso e Faletto contribuiu na medida

em que, do ponto de vista metodológico, situa as implicações sociológicas, políticas e de

classe, de um capitalismo tardio, periférico, e dentro de um campo de influência imediata de

uma potência mundial, os EUA. Estas análises trouxeram novamente para o centro do debate

4 CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na Ámerica Latina: ensaio de

interpretação sociológica. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984. 208p.

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a questão da teoria sobre a revolução burguesa brasileira, num contexto de um capitalismo,

que os autores caracterizaram como dependente e associado. Segundo Fiori (1998): Para eles, a especificidade latino-americana não estava apenas na existência de uma burguesia anêmica, atrofiada, pouco revolucionária, [...] mas de uma burguesia cujos interesses de grupos, classes e coalizões de poder derivavam de uma peculiar forma de inserção num processo de desenvolvimento movido pela acelerada internacionalização do seu mercado interno (FIORI, 1998, p. 78).

É fato que o modelo brasileiro que se firmou de Juscelino Kubistchek, até os anos

1980, com variações conjunturais, foi o modelo associado, cuja estratégia se definiu pelo

tripé: associação entre o capital nacional, o internacional e o Estado. Esta peculiar situação

gerou um capitalismo muito específico, sobretudo no Brasil, que veio a alcançar o nível mais

elevado de industrialização na América Latina. Para Fiori (1998): De tal maneira que, completado aquele ciclo da industrialização, aproximadamente 40% do nosso produto industrial já era produzido pelas grandes corporações multinacionais que lideravam a produção de quase todos os setores mais dinâmicos da economia brasileira (FIORI, 1998, p.78).

Ademais, a história do país ensina que o projeto de desenvolvimento, para as suas

elites políticas e econômicas, nunca passou por uma concepção de potência nacional, mas

sempre de aproveitamento das condições hierarquicamente impostas pelo centro do sistema.

A teoria da dependência de Cardoso aponta para esta realidade: o Brasil não tem, portanto,

outra maneira de assegurar seu desenvolvimento capitalista, a não ser pela associação com

capital central do sistema. A aplicação do neoliberalismo durante seus dois governos, na

década de 1990, no Brasil, não se distanciou, portanto, dos seus escritos anteriores. Cardoso

veio, outrossim, radicalizar o efeito, negligenciando o aspecto nacional, abrindo o país, sem

reservas, para os interesses do centro.

Para Sallum Jr. (2013), a transição que o Brasil percorreu da saída da ditadura militar,

até a chegada de Fernando Henrique Cardoso foi marcada por disputas ideológicas e políticas

em torno do papel do Estado e sua relação com a sociedade e a economia, uma vez que a

Constituição de 1988, apesar de grandes avanços democráticos, não possibilitou uma

estabilidade ao país. Para este sociólogo, tal estabilidade só veio se firmar a partir de 1994,

com o Governo Fernando Henrique Cardoso e, sobretudo, com o Governo do PT, que

assumiu plenamente a pauta liberal daquele, promovendo, entretanto, o alargamento das

políticas sociais e a distribuição de renda. Para Sallum Jr (2013) o que predominava no país

era um nacional-desenvolvimentismo, advindo desde o tempo do populismo varguista,

passando pela Ditadura Militar e chegando fragilizado na conjuntura dos anos 1980, por conta

da crise da dívida e da recessão econômica. Para ele, nesta conjuntura:

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O velho nacional-desenvolvimentismo não encontrou, de fato, defensores no plano político. As forças políticas de esquerda (PT, PD do B, PCB etc.) e uma parte da centro-esquerda nacionalista (existente no PMDB e PDT) propugnavam, não por sua continuidade, mas por sua renovação com inflexão à esquerda [...] podia significar a “desprivatização do Estado”, com o rompimento das articulações “espúrias” entre empresas estatais e empresas privadas; e/ou reorientação das políticas de Estado para a distribuição de renda. [,,,] De qualquer forma, mantinha-se a ênfase no crescimento baseado no mercado interno. Este ideário se pode denominar “desenvolvimentismo estatista e distributivo” (SALLUM Jr., 2013, p. 62).

Na oposição a tal modelo, posicionavam-se os liberais, que no contexto da ascensão

do neoliberalismo, alinhava-se a este corolário, que priorizava o combate a inflação, através

de políticas monetaristas e de um conjunto de medidas, anteriormente apresentadas, que

propugnavam a supremacia do mercado sobre o Estado. SALLUM JR., (2013) indica outra

corrente política no contexto, que também disputava os rumos da política brasileira, e

defendia uma inserção do país no mercado internacional de maneira menos passivado que os

neoliberais, a qual chamavam de “integração competitiva”. Esta tendência tem em comum

com o neoliberalismo a redução da função empresarial do Estado e a abertura do mercado

nacional para o capital externo, porém, diferentemente, de maneira cautelosa, através da

reestruturação do sistema produtivo brasileiro, tendo em vista “tornar a indústria brasileira

competitiva no plano internacional” (SALLUM JR., 2013, p.64), a mesma é conhecida pela

alcunha de neodesenvolvimentista ou liberal-desenvolvimentista, SALLUM JR., (2013).

Alguns autores desta linha consideram-se neokeynesianos, aproximando-se dos

autores internacionais com visões similares, como K. Polanyi e J. Stiglitz. Um dos maiores

expoentes atuais desta visão é Luiz Carlos Bresser Pereira, para o qual desenvolvimentismo

não pode ser confundido com populismo, como fazem, segundo ele, os ortodoxos neoliberais.

E defende que no Brasil houve sim um projeto desenvolvimentista, e que este se desdobrou

entre 1930 e 1980: “Um período de enorme crescimento e transformação da economia

brasileira” (BRESSER-PEREIRA, 2004, p. 1).

Buscando estabelecer as diferenças entre o antigo e o novo desenvolvimentismo e

entre este e a “ortodoxia convencional”, Bresser-Pereira (2004) aponta um conjunto de pontos

divergentes, reconhecendo que, a despeito do acerto do primeiro desenvolvimentismo, o país

precisaria de um novo, para acompanhar a nova realidade contemporânea da situação global e

nacional do estágio capitalista.

O antigo desenvolvimentismo estava baseado, como vimos acima, na substituição de

importações, o que decorria na proteção da conta comercial do país, além de apresentar uma

forte intervenção do Estado na composição do quadro da indústria nacional, notadamente no

setor mais estratégico e da indústria pesada, como a petroquímica e a siderúrgica. (BRESSER-

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PEREIRA, 2004). O novo-desenvolvimentismo defende abrir a conta comercial do país,

porém sem subserviência, de maneira negociada, e a garantir suas exportações. Entende,

ainda, que, hoje, o Brasil já tem um parque industrial instalado com uma infraestrutura

econômica razoável, não teria mais necessidade de o Estado ser dono de grandes indústrias,

este deve, porém, cuidar da estabilidade macroeconômica, sobretudo por causa da realidade

globalizada de intensos fluxos de capitais. Hoje, com um Estado e um setor privado mais

robustos, a preocupação seria com o favorecimento da competição das empresas nacionais no

mercado globalizado, portanto, a adoção de planejamento mais oportunista (BRESSER-

PEREIRA, 2004).

Em síntese, a avaliação de Bresser-Pereira é a de que a lógica de desenvolvimento da

ortodoxia pela via da poupança externa é errada, uma vez que promove déficit crônico na

conta corrente, que gera, por sua vez, fragilidade financeira internacional e crises constantes

na balança de pagamento. Os resultados disso é um câmbio apreciado, que desdobra em

aumento artificial dos salários, que gera aumento do consumo, que leva à queda da poupança

interna. O autor conclui: “A partir dessa crítica, o novo-desenvolvimentismo afirma que o

desenvolvimento se financia com os próprios recursos de cada nação. O capital se faz em

casa”. (BRESSER-PEREIRA, 2004 p. 4).

Neste contexto de crítica ao velho nacional-desenvolvimentismo e ao neoliberalismo,

outra corrente de pensadores, notadamente ligados ao Instituto de Economia da Universidade

Estadual de Campinas – UNICAMP, tem posições mais críticas, aproximando da linha dos

pensadores, apontada por Sallum Jr., do desenvolvimentismo estatista e distributivo, também

denominados de desenvolvimentistas críticos. O corpo de pensadores desta linha se destaca no

cenário nacional, com nomes como Maria da Conceição Tavares, Wilson Cano, Luiz Gonzaga

Belluzo, Carlos Brandão, Luciano Coutinho, J. M. Cardozo de Mello, entre outros. Pode-se

dizer que esta escola é a principal herdeira da CEPAL, porém, apresenta críticas às suas

“limitações” e ensejam uma aproximação maior com o marxismo.

Tais autores focam a análise nas “forças produtivas capitalistas” e perseguem as

causas e condições que permitem tais forças alcançarem o que chamam de “industrialização

pesada”, a etapa superior do sistema de produção capitalista, de acordo com a fase

monopolista atual. Este conceito envolve, não apenas a indústria de base, e geradora de meios

de produção, mas todo salto tecnológico e engendrante de novos encadeamentos de produção

e circulação, novas escalas de consumo e capacidade de autodeterminação e independência do

fator externo. O foco, portanto, das análises destes autores são as condicionantes históricas

que permitem alcançá-lo ou não.

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Ao longo das três últimas décadas este grupo de intelectuais vem promovendo um

forte debate a respeito das políticas macroeconômicas do Brasil, abrindo uma crítica

sistemática ao chamado modelo neoliberal e ao Consenso de Washington. Assim, escreve

Cano (2012): O neoliberalismo causou uma forte imobilidade da política de desenvolvimento, e isso, infelizmente, tem tido larga aceitação passiva [...] da burocracia e da classe política, ao deleite das elites, majoritariamente convertidas em rentiers da dívida pública. (CANO, 2012, p. 25, grifo do autor).

O desenvolvimento, como resultado de um capitalismo amadurecido, capaz de instituir

um forte mercado interno e se tornar autônomo em sua condução estratégica nacional, como

projetado pela escola da UNICAMP, segundo seus autores, está longe de ser atingido no

Brasil, sobretudo a partir dos anos 1990. Segundo explica Carneiro (2012), a partir da

posição de Maria da Conceição Tavares (1985)5, a industrialização pesada garantiria ao país

autodeterminação do desenvolvimento, “o que teria como contraparte a autonomia completa

ante a demanda do exterior e, inclusive, a superação da restrição externa, entendida como o

limite ao crescimento imposto pela limitação na capacidade para importar” (CARNEIRO,

2012, p. 756). Para atingir tal ponto, o país precisaria implementar um vigoroso setor produtor

de meios de produção e o investimento autônomo deveria se tornar o principal elemento

dinamizador do crescimento.

O que teria ocorrido no Brasil e na América Latina é que o capitalismo “pesado” não

se instituiu a partir do desdobramento do conjunto instalado da indústria local, mas através de

investimentos estrangeiros e da intervenção maciça do Estado. O empresariado nacional

permaneceu nas esferas da economia de menor investimento e de maior lucratividade, de

baixa tecnologia, ficando e setor “pesado” com o capital externo ou com o Estado. E a forma

de implementação de tais estruturas “pesadas” se deu de forma descontínua e concentrada.

A questão que se destaca é o fato das tecnologias – e seu processo contínuo de

renovação e abertura de novas demandas e escalas de produção, ficarem sob o controle das

multinacionais que, hierarquicamente, estão no topo do sistema, remetendo, inclusive, boa

parte dos lucros para suas matrizes e controlando a dinâmica interna do capital produtivo

local. O Instituto de Economia da UNICAMP vem, portanto, perseguindo as razões de

(sub)desenvolvimento aplicado ao caso do Brasil, acompanhando as mudanças conjunturais,

sem perder de vista as bases estruturais da dependência.

5 TAVARES, M.C.A. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp,

1985.

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As ocorrências mais recentes, notadamente com a hegemonização do neoliberalismo,

aprofundaram os óbices ao desenvolvimento nacional, na medida em que as políticas de ajuste

e reestruturação propostas pelo chamado Consenso de Washington reduziram ainda mais a

autonomia do capital nacional, fragilizou a produção em detrimento do empoderamento

financista, abriu os mercados e retirou-se as proteções setoriais, privatizou empresas estatais e

aprofundou a dependência do controle tecnológico nas mãos das empresas transnacionais.

Wilson Cano, no prefácio do livro de Brandão (2012), esclarece: Na década de 1980 sofríamos a dura crise da dívida externa, que iniciou o debilitamento fiscal e financeiro do Estado, bem como destruiu sua base para gestão de política e planejamento econômico, que foram rapidamente substituídos pelo conjunturalismo. O resultado do decênio foi um medíocre crescimento do PIB, piora das condições sociais de todo o país e uma perda de prioridade da questão regional na Agenda do Estado. (CANO, 2012, p.24).

Na sequência desta conjuntura de “década perdida” dos anos 1980, seguiu-se o

mergulho do Estado e da economia brasileira no neoliberalismo, sobretudo a partir do

Governo do presidente Fernando Collor, 1990. E com Fernando Henrique Cardoso, o país

realizou a rigor a agenda do Consenso de Washington. A partir daqui, os economistas teóricos

do desenvolvimento brasileiro passa a formular críticas sistemáticas a esta agenda da

economia política, apontando a mesma como um grave erro para os interesses nacionais. Para

Cano (2012): [...] o cerne da política econômica foi a manutenção da elevada taxa de juros, restrição interna ao crédito, constrangimento orçamentário para preservar o pagamento de juros da dívida pública, e reformas que dilapidaram o patrimônio público, escancararam nossas defesas econômicas e retiraram direitos dos trabalhadores. Ainda mais: a debilidade fiscal do governo federal atingiu também os entes subnacionais – regionais, estaduais e municipais -, constrangendo, nos três entes, o gasto público e principalmente o investimento público [...]. (CANO, 2012, p. 25).

Não por acaso, o Banco Mundial, já em 1991, apresentava documento às nações

periféricas apoiadas por suas iniciativas, trazendo as recomendações neoliberais, criticando as

intervenções dos Estados em suas economias, através de protecionismos. Para Carneiro (2012,

p. 765): “A principal objeção do documento é a estratégia do desenvolvimento [...] com

proteção à indústria nascente e financiada por taxação, implícita ou explícita, do setor

primário”. A ideia era de fomentar a livre concorrência dos capitais e dos mercados, condição

para se atingir o que se defendia como bom funcionamento do sistema de preços. O BIRD não

descartava ali a intervenção do Estado, mas apenas como complementar ao mercado, como

garantidor dos mercados livres.

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O aprofundamento da crise social, a estagnação produtiva industrial, a crise fiscal,

crescimento exponencial da dívida pública revelaram que o modelo neoliberal era incapaz de

garantir processos de desenvolvimento duradouros, levando ao desgaste político dos grupos

de colisão que o sustentavam, e a uma reação generalizada nos países da América Latina,

inclusive no Brasil. A partir do ano 2000, inicia-se a ascensão política de partidos com

agendas críticas ao modelo então hegemônico, e a eleição de presidentes de maior vínculo

com as populações mais carentes. Neste contexto, após duas décadas de “pensamento único”

neoliberal, as ideias desenvolvimentistas voltam a versar no continente.

No Brasil, a partir dos Governos do presidente Lula (2003-2006/2007-2010),

implementou-se uma linha desenvolvimentista, reconhecida por “estatista-distributivista”.

Apesar de fazer oposição ao neoliberalismo num contexto mais amplo, manteve as bases

macroeconômicas neoliberais, garantindo o rentismo, os juros altos e os compromissos com

os credores internacionais, associados com políticas de distribuição de renda e fomento à

formação de um amplo mercado consumidor interno. O Brasil manteve-se institucionalmente

ainda limitado para assegurar um republicanismo liberal mais avançado. Para SALLUM JR.

(2011): Não se avançou, porém, no plano institucional; praticamente foi estancado o processo de privatização e pouco se fez na superação de gargalos conhecidos, como o previdenciário e o tributário. Embora no período Lula se acentuasse a retórica desenvolvimentista e, no seu segundo governo, tenha crescido exponencialmente o apoio do BNDES ao setor produtivo, a ênfase foi distributiva. Ênfase, é claro, na medida em que o permitiu a política macroeconômica ortodoxa, de inspiração liberal. (SALLUM JR, 2011, p. 6)

O desenvolvimento do país, segundo este autor, ainda ficou fragilizado, pois, apesar

do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, lançado pelo Governo Lula, o mesmo não

foi suficiente para promover a competitividade do capital e da indústria nacionais, apesar de

melhorar a performance dos mesmos. Ocorre que a política de juros altos e o cambio

sistematicamente valorizado jogavam contra aos resultados do PAC e dos investimentos do

BNDES no setor privado. Ora, em relação ao PIB, o investimento público ficou um pouco acima de 2% em 2009 e 2010, o que coloca o Brasil em 123º lugar entre 128 países (dados FMI). Apenas para dimensionar um pouco melhor o que isso significa, o investimento público em 26 países de perfil semelhante ao brasileiro (incluindo China, Índia, México, África do Sul, Rússia etc.) foi 6,2% em relação ao PIB entre 2000 e 2010. Quer dizer, cerca de 3 vezes maior que os do Estado brasileiro. (SALLUM JR., 2016, p. 6)

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Porém, o período foi compensado pela alta das commodities no mercado internacional,

sobretudo pelo crescimento exponencial da economia chinesa, permitindo ao Brasil manter

suas exportações em alta. A linha de favorecimento ao consumo de massa, pela redução do

IPI de produtos industrializados, como eletrodomésticos e carros, favoreceu também o

crescimento da economia. Não por acaso, pois para esta linha de desenvolvimentismo estatal

distributivo, também denominado por alguns autores de social desenvolvimentismo, a

estratégia de crescimento econômico estaria centrada na ampliação e generalização do

consumo de massa.

Assim, no contexto das discussões em curso e das políticas sociais implementadas

pelos sucessivos governos do PT, no comando do poder executivo federal brasileiro, pode-se

sintetizar os seguintes pontos básicos da política social-desenvolvimentista em curso no Brasil

de hoje (CARNEIRO, 2012): avanço na melhoria da distribuição de renda; ampliação da

infraestrutura econômica e social; reindustrialização (relativa) via adensamento de cadeias;

expansão do setor baseado em recursos naturais. Consta, porém, que tal estratégia mantém

sensível a restrição externa do Brasil. As realizações deste modelo, até aqui, não sofreram

maiores impactos externos devido à simultânea elevação dos preços das commodities.

Mormente, ainda é preciso alcançar aquilo que a Escola da UNICAMP, os novo-

desenvolvimentistas e os social-desenvolvimentistas entendem como imprescindível para a

autonomia e constância do desenvolvimento brasileiro: a transição do atual modelo para sua

sustentação prioritária no investimento autônomo.

Afere-se, portanto, que a concepção de autores de países periféricos do sistema

capitalista sobre desenvolvimento, segundo a literatura econômica em acordo com uma ética

universal humana e crítica ao fundamentalismo liberal, parece concordar em alguns pontos

básicos. Esta concordância tem como ponto de partida o entendimento de desenvolvimento

como algo maior do que crescimento econômico. Desenvolvimento enquanto a elevação das

condições garantidoras da qualidade de vida para o conjunto da sociedade e soberania

nacional.

Para Carneiro (2012), para isso, deve-se considerar, primeiro, um forte

posicionamento nacionalista, com a presença consciente do Estado na coordenação da

economia política, subordinando o mercado ao social; segundo, a industrialização madura

(endogenamente constituída, com largo lastro tecnológico e capacidade de inovação

constante) como ponto focal do crescimento e autonomia econômicos; terceiro, formação e

ampliação do mercado consumidor interno, com a inclusão das massas e superação das

extremas heterogeneidades sociais; quarto, competitividade internacional, com formação de

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rede de empresas nacionais em escala mundial; quinto, intensificação do setor com base em

recursos naturais; sexto, taxas de juro em níveis baixos; sétimo, controle das finanças e dos

fluxos de capitais de acordo com os interesses produtivos do país; oitavo, investimento em

educação e ciência e tecnologia. E nono, como pano de fundo para todos os outros, a ampla

garantia das liberdades individuais e coletivas, para a sustentação das oportunidades geradoras

de desenvolvimento. (CARNEIRO, 2012)

Resta refletir sobre o sentido das políticas desenvolvimentistas num país como o

Brasil. A manutenção das bases do Plano Real, desde 1995, beneficia o capital dinheiro e

rentista, mas também favorece as maiorias trabalhadoras. Por outro lado, a política

distributivista tende a ser um capital eleitoral de votos de uma massa de pobres, que ainda não

se organizaram socialmente. (SALLUM, 2013). A inclusão pelo consumo favorece milhões

de famílias, mas vai gerando no país, da forma como vem sendo feita, uma cultura

despolitizada, baixo nível de cidadania e uma alienação crescente, reforçada pelos mass

media. O que favorece a lógica partidária do país, de transformar as estratégias

desenvolvimentistas em novos fisiologismos e clientelismos. Para SALLUM Jr. (2016): Em suma, políticas desenvolvimentistas são mais complicadas de sustentar politicamente. As correntes desenvolvimentistas não conseguira desde o final dos anos 1980, fazer da expansão do investimento produtivo, da competitividade e do crescimento econômico acelerado valores centrais para a política econômica. Centrais no sentido de que a efetivação desses valores fosse considerada alavanca para a distribuição e para a estabilidade a longo prazo. (SALLUM JR., 2016, p. 9).

A abordagem territorial, por sua vez, se exprime como uma ideia de desenvolvimento

centrada no aprofundamento da democracia, em seu sentido amplo, exatamente na direção

oposta do fisiologismo Tal modelo prescinde de um capital social caracterizado por gozar de

liberdades e possuir direitos garantidos, com um amplo grau de confiança mútua, na qual os

poderes públicos participam com papel central de favorecer as condições para a articulação

territorial do desenvolvimento, contribuindo com aspectos disciplinares e institucionais

sólidos. Este é um traço característico das teorias institucionalistas que, em boa parte,

propugna pela abordagem territorial para o desenvolvimento, mas que não podem ser tratadas

sem se relacionar com o campo mais amplo acima apresentado.

2.5.4 Desenvolvimento Territorial

A dimensão espacial do desenvolvimento sempre esteve presente nas formulações dos

autores que se dedicaram a explicar as causas e os motivos do crescimento econômico e do

desenvolvimento social. Crescimento econômico e desenvolvimento se distinguem na

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literatura especializada, sendo o primeiro termo anterior ao segundo, ora tomado como o

processo de acumulação quantitativa das economias nacionais ou regionais; ora como

sinônimo de desenvolvimento. Modernamente, a formulação em torno da ideia de

desenvolvimento, por sua vez, implica incluir os aspectos quantitativos e os qualitativos de

um avanço civilizatório de uma nação ou região, tendo como horizonte a melhoria da

qualidade de vida da população como um todo. Neste sentido, o crescimento econômico é

uma parte do processo, pensada como indispensável ao desenvolvimento, mas não seu fator

exclusivo.

Foi, sobretudo, a partir do final dos anos 1970 que as pesquisas e as teorizações

referentes à endogenia do desenvolvimento passaram a ganhar destaque no contexto mundial.

Isso decorreu por conta da crise do modo de produção fordista – de produção em larga escala,

com estoques grandes e padronização dos produtos. Este fator foi acompanhado de outros

dois: a nova base tecnológica advinda pela informática, que revolucionou os meios de

processamento, fabricação, logística, gerência, transporte e comunicação e crescente

globalização dos mercados. Junto a tudo isto, uma nova ordem econômica promoveu a

abertura dos mercados nacionais e desregulamentou o protecionismo tradicional, favorecendo

uma maior circulação de bens e capitais e dando força exponencial à concorrência dos

mercados (FILHO, 2001).

Este processo possibilitou a crise e o declínio de territórios industriais e a emergência

de outros, que sobressaíram com base em novas institucionalidades e formas de organização,

que permitiram o desenvolvimento destes territórios e sua inserção competitiva no mercado

global. Trata-se da denominada reestruturação produtiva, com flexibilização e

descentralização nos processos produtivos e organizacionais, dentro e fora das empresas e da

globalização, com a abertura dos mercados, perda relativa de poder por parte dos Estados

Nacionais e aceleração dos ritmos e das trocas comerciais e financeiras. Se, por um lado, a

exteriorização das empresas e nações ocorreu, por outro, fez com que forças políticas e

econômicas de variados territórios subnacionais ganhassem espaço econômico. (FILHO,

2001). A produção de estudos e teorias sobre este fenômeno condensou a literatura sobre as

condições e motivos do desenvolvimento local, regional ou territorial, envolvendo diversas

disciplinas das ciências sociais, com destaque para a geografia e a economia (SAQUET,

2010).

Importante destacar que este debate varia quanto aos espaços em análise, que podem

ser continentes, nações, regiões, territórios e/ou locais específicos. Dentro do escopo dos

estudos sobre desenvolvimento, assumido como fenômeno recortado em um dado espaço; três

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categorias são utilizadas pela literatura especializada: local, regional e territorial. Para efeito

desta dissertação, adota-se, naturalmente, a dimensão territorial, de acordo com o objeto

estudado.

Dito isso, ressalta-se que muitas vezes estas categorias se imbricam; notadamente as

de local e territorial. Dallabrida (2011) chama atenção para as nuances de suas diferenças,

tomando a dimensão local do desenvolvimento, a partir de Buarque (2006), como “um

processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e assentamentos humanos

capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população”.

(DALLABRIDA, 2011, p. 111).

Já a dimensão territorial é apresentada pelo mesmo autor como sendo um processo

engendrado por uma determinada sociedade, organizada territorialmente, visando uma

mudança estrutural localizada, implicando dinamização econômica e qualidade de vida da sua

população. (DALLABRIDA, 2011). O localismo seria, assim, abordagens focadas em

aspectos de arranjos produtivos locais, distritos industriais, com escalas espaciais menores, e

centradas nas capacidades sociais para a inserção competitiva do local específico no contexto

globalizado dos mercados.

A abordagem territorial, por sua vez, centra-se em escalas variadas, conformando um

conjunto de municípios, até um conjunto de espaços interestaduais, passando por dimensões

bem menores ou subjetivas, em composição contínua ou reticular, dentro de uma perspectiva

mais abrangente das dimensões humanas para o desenvolvimento, tomando a sociedade como

um todo, e focando, além dos aspectos institucionais, também os históricos, culturais,

políticos e da participação cidadã em espaços de governança e concertação sociais para o

desenvolvimento. Em perspectiva, a dimensão territorial engloba dimensões locais ou

regionais de solução e condução de estratégias de superação aos entraves do

subdesenvolvimento. Em certa medida, pode-se entender o conceito territorial como local e

vice-versa, a depender do aceitamento da escala definida como uma ou outra. Segundo

Dallabrida (2011): Existem elementos comuns aos três conceitos: (1) refere-se a um processo de mudança estrutural localizado; (2) remete a uma responsabilidade fundamental à sociedade regional; (3) inclui a dinamização socioeconômica associada à melhoria da qualidade de vida de sua população. (DALLABRIDA, 2011, p.111).

Ainda segundo Dallabrida (2011), quatro são as principais vertentes teóricas que

articulam o pensamento sobre o desenvolvimento a partir de uma dimensão espacial local,

regional ou territorial: a que trabalha com a ideia de distrito industrial marshalliano; a

abordagem regulacionista; a de influência neoschumpeteriana de evolucionismo por etapa e as

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institucionalistas. Todas as quatro vertentes enquadram-se, por sua vez, no campo da “Nova

Ortodoxia” ou do “Novo Regionalismo”, conformado a partir dos anos 1980 nas Ciências

Econômicas. E têm em comum o fato de levarem em conta como premissas as formulações

sobre a acumulação flexível6. Dessas, a linha que tem hegemonizado o debate conceitual

sobre o desenvolvimento territorial, é a última, a institucionalista.

Na abordagem institucionalista, é evidente a dimensão política, a qual não pode ser

separada do recorte teórico territorial. Tal desenvolvimento seria, pois, um processo integrado

do movimento do real, no qual se busca superar a abordagem setorial por outra que tome a

dinâmica geral espacial presente, a qual conforma uma territorialidade, envolvendo diversos

aspectos e atores. Nas diversas correntes de pensamento sobre o tema, é possível identificar

elementos comuns a todas elas: envolve participação social; vai além de uma abordagem

econômica, implica aspectos sociais, ambientais, culturais e institucionais e tem como

objetivo um bem-estar social geral, e a preservação ambiental (DALLABRIDA, 2011).

Portanto, trata-se também de desenvolvimento sustentável:

A abordagem territorial do processo de desenvolvimento ganha ímpeto a partir do início dos anos 1980 com base na literatura neo-marshalliana que soube identificar nos laços diretos entre atores sociais uma das razões para a formação de sistemas produtivos localizados, tão importantes para a industrialização difusa. (ABRAMOVAY, 2000, p. 1).

Para Abramovay (2000), por exemplo, referindo-se sobre os resultados das pesquisas

dedicadas a estudar os motivos pelos quais certos territórios rurais são dinâmicos e outros

permanecem em declínio, os resultados das mesmas são incertos, mas parecem convergir para

alguns aspectos importantes: os territórios dinâmicos “caracterizam-se por uma densa rede de

relações entre serviços e organizações públicas, iniciativas empresariais urbanas e rurais,

agrícolas e não agrícolas” (ABROMOVAY, 2000, p. 1). Estas constatações estão presentes

em diversas pesquisas e nos documentos das principais agências internacionais de

financiamento do desenvolvimento rural (FAVARETO, 2007), ao considerarem aspectos

institucionais, culturais, simbólicos e endógenos como definidores do desenvolvimento. Para

Abromovay (2000), por este olhar, as vantagens comparativas: setoriais ou de localização,

seriam menos importante do que: [...] o fenômeno da proximidade social que permite uma forma de coordenação entre os atores capaz de valorizar o conjunto do ambiente em que atuam e, portanto, de convertê-lo em base para empreendimentos inovadores. (ABROMOVAY, 2000, p. 1).

6 Vide a obra referencial sobre acumulação flexível, de M. Piore e C. Sabel, intitulada La Segunda Ruptura

Industrial (1993).

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Esta perspectiva, necessariamente, remete aos aspectos sociais do lugar em que se

promove, ou não, o desenvolvimento, aos atributos da coletividade e de suas características

relacionais, tanto do ponto de vista econômico, quanto cultural. A vertente teórica que se

debruça a evidenciar tais aspectos endógenos do desenvolvimento varia quanto às correntes

paradigmáticas que utilizam para suas conclusões, mas em todas elas, há uma crença de que

os elementos históricos da formação dos laços sociais de determinado território, quando

resultam em relações de confiança e cooperação, através de instituições e práticas

colaborativas, ocorre o desenvolvimento. Dentro deste espectro conceitual se firma a

concepção de capital social. Este aspecto das habilidades sociais em promover o

desenvolvimento local/territorial vem sendo tratado amplamente, notadamente a partir dos

anos 1970, quando estudiosos italianos formularam explicações para o desenvolvimento

alcançado pela chamada terceira Itália, região centro-norte daquele país, que apresenta

características específicas de cooperação, pactuação, visão estratégica e competição

colaborativa entre as empresas, destacando entre estas a participação das pequenas e médias

firmas7.

Neste viés, mais tarde, a obra de Robert Putnam, de 1993, “Comunidade e Democracia

– A experiência da Itália Moderna” ganhou ampla aceitação e vem sofrendo também críticas

importantes. O autor se refere aos aspectos conformativos do tipo de sociedade presente na

experiência italiana e busca universalizar, a partir dela, uma teoria institucionalista sobre as

condições para o desenvolvimento.

Atualmente a abordagem territorial do desenvolvimento tem sido utilizada em diversos

países como base para a aplicação de programas e políticas públicas para o desenvolvimento

(ABRAMOVAY, 2006). As virtudes desta estratégia são reconhecidas e debatidas em

produções intelectuais. Sinteticamente, enumera-se as seguintes virtudes, com base em

Abramovay (2006): i) abandono do enfoque meramente setorial, por outro integrado, baseado

em redes de relações e interações do rural e urbano; esta perspectiva se prende às formas de

relações sociais estabelecidas; ii) percepção de crescimento econômico diferente de

desenvolvimento – para aferir causas e identificar fatores de óbices do e ao desenvolvimento,

não se restringe apenas aos aspectos econômicos e de mercado, toma-se os elementos

institucionais e históricos que estão por trás de realidades deprimidas social e

economicamente; iii) o estudo territorial passa a entender os atores e suas organizações,

empiricamente e as políticas públicas promovem a organização e cooperação dos atores; iv)

7 A respeito encontram-se as obras de A. Bagnasco (1977) e G. Becatinni (2009), precursores dos estudos

territoriais sobre a Terceira Itália.

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relação entre sistemas sociais e ecológicos; territórios são relações sociais e, dentro delas,

ocorrem as relações de produção, que envolvem, por sua vez, relações com os sistemas

naturais que apoiam sua reprodução.

Assim, a produção e a produtividade não são elementos isolados de um amplo

contexto social, definido historicamente e conformado por uma cultura resultante das

interações sociais e ambientais humanas. A abordagem territorial do desenvolvimento é a

versão mais atualizada das iniciativas voltadas para a promoção do desenvolvimento rural em

nível mundial, denominada nos meios acadêmicos e financiadores de “nova visão.

(FAVARETO, 2007). É a partir das formulações geradas no âmbito das ciências, das agências

internacionais de fomento e das esferas de governo que se consubstancia as tendências

hegemônicas que orientam o desenvolvimento. Neste âmbito ocorre a legitimação de

conceitos, leituras, estratégias e políticas públicas. Assim tem sido desde o pós-Segunda

Guerra, variando no tempo os modelos hegemônicos adotados. (FAVARETO, 2007).

Dado o arco de elementos implicados no desenvolvimento e a inclusão dos aspectos

sociais e políticos, tem-se que a “nova visão” de abordagem territorial é tomada como uma

vertente institucionalista. Os aspectos definidores do desenvolvimento estariam dados a partir

da capacidade institucional das sociedades em articularem os atores, as iniciativas, as

oportunidades e os recursos disponíveis para gerar as condições necessárias ao

desenvolvimento. Entende-se que a abordagem institucionalista requer um grau de

complexidade grande, e a superação de modelos calcados em localismos restringentes de

ações tópicas e seletivas, focos setoriais. Ou seja, requer superar os modelos até então

vigentes em países como o Brasil.

No que pese toda uma produção científica e institucional, por parte de agências como

o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), a

Organização das Nações Unidas (ONU) através de sua Organização para Alimentação e

Agricultura (FAO) e da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), o Fundo

Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Instituto Interamericano de

Cooperação para a Agricultura (IICA), apontando para a dimensão territorial, tem-se que a

passagem da “nova visão” à ação continua sofrendo grandes óbices. (FAVARETO, 2007).

Isto porque: Embora o discurso sobre desenvolvimento territorial tenha entrado definitivamente para o discurso acadêmico e governamental na presente década (2000), até o momento trata-se de uma incorporação “por adição” dos novos temas, sem a devida mudança institucional capaz de sustentar a inovação que ela deveria significar. (FAVARETO, 2007, p. 162).

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Para este autor, os corolários das grandes agências e a produção acadêmica têm

determinado um conjunto de políticas públicas territoriais para o desenvolvimento rural na

América Latina, mas, apesar de um discurso coerente com a nova abordagem, as estratégias

propostas ainda são fortemente setorizadas, com focos restritivos, notadamente no combate à

pobreza rural. Esta situação corrobora para a manutenção de uma partitura de ações viciadas

em práticas muito setorizadas, sustentadas, por sua vez, por uma mentalidade tradicional, que

resiste à mudanças, absorvendo a estratégia territorial de maneira superficial, “por adição”, ao

conjunto hegemônico de práticas conservadoras.

A abordagem territorial requer, portanto, a superação de instituições e práticas

restritivas, e uma intervenção articulada e coordenada territorialmente, abarcando a

diversidade das instituições e suas ações. Para Favareto (2007) e Abromovay (2006), a

produção acadêmica sobre o tema deve ir além de meras normatizações, a partir de objetos

específicos estudados, e aprofundar a investigação sobre a diversidade do real, notadamente

ao que tange à origem e comportamento das instituições presentes nos territórios. Além disso,

Favareto (2007) chama atenção para o fato de as políticas públicas implementadas estarem

ainda vinculadas a uma concepção do rural como locus específico do agrário, lugar de

pobreza e atraso tecnológico. Na medida em que se promove políticas de combate à pobreza e

de apoio à agricultura familiar, sem uma perspectiva territorial, ou seja, sem uma ampla

articulação de outras frentes, inclusive urbanas, tender-se-ia para manter o isolamento do rural

e sua acepção como lugar apenas de atividade agropecuária. Sobre isso, Favareto (2007)

observa: Num aparente paradoxo, é curioso observar como várias vertentes das teorias institucionalistas estão presentes na formulação da “nova visão” do desenvolvimento rural pelos organismos internacionais. E, no entanto, a principal falha na implementação da “nova visão”, via políticas e programas governamentais, esbarra, justamente, na dificuldade da mudança institucional (FAVARETO, 2007, p. 162)

Dadas tais premissas sobre as condições institucionais e a formação de um capital

social, como base para o desenvolvimento territorial, infere-se a seguir sobre outro aspecto

imprescindível à abordagem territorial, qual seja o processo de descentralização do Estado.

Este ocorreu, no Brasil, durante a retomada da democracia, após a ditadura militar e teve

como cenário privilegiado a formulação da Constituição de 1988. Discorre-se a seguir sobre

tal processo, a fim de demonstrar algumas das condições históricas recentes que estão na base

das dificuldades institucionais para a implementação efetiva da abordagem territorial do

desenvolvimento.

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A dinâmica geral da sociedade que promoveu o fim da Ditadura trazia em seu bojo

fortes anseios por uma descentralização, tomada como parte do processo de redemocratização

do país. Assim, tanto forças empresariais, vinculadas às elites políticas, quanto o movimento

social geral que reivindicava o aprofundamento da justiça social, a distribuição da renda e

ampliação dos direitos, defendiam maior descentralização do arranjo federativo brasileiro.

Segundo Fonseca et al. (2013), os movimentos pró-inovação institucional buscavam um novo

pacto federativo que fortalecessem os municípios. E esta bandeira era tanto de partidos de

direita quanto de esquerda, com argumentos diferenciados e objetivos distintos.

Ao se referir a um período de demarcação mais clara e em que a linguagem dicotômica

de classificação “direita” e “esquerda” era comum e hegemonicamente aceitável, Fonseca et

al. (2013) mantém tal categoria, a qual se reproduz aqui para melhor entendimento. A direita

enfatizava os aspectos liberais, focando a dimensão econômica, tomando os municípios como

localizações capazes de empreenderem suas alavancagens econômicas. Ou seja, os municípios

deveriam deixar de ser meramente executores e se tornarem empreendedores de suas gestões.

Isso, de acordo com os interesses dos mercados, quando os municípios poderiam se tornar

mais “livres” para comporem com os objetivos dos capitais de investimento. Como avalia

Fonseca et al. (2013): Nesse caso, a emergência do município, do local, como uma escala apta a dar conta da globalização competitiva diante de um estado “moribundo”, era fundamental, mesmo sabendo da possibilidade da geração de localismos verticalizados, predatórios e fragmentadores, que ampliam as desigualdades sociais e espaciais (FONSECA et al., 2013, p. 167).

Na visão da esquerda, a descentralização ganhava o sentido da democratização, pois

possibilitaria a maior participação social nos processos de elaboração e execução de políticas

públicas, com maior controle social sobre os governos locais. Esses partidários associavam a

participação política às reivindicações de políticas mais inclusivas e descentralizadas

(FONSECA et al., 2013). Esta visão estava de acordo com uma ideia mais geral de uma

federação solidária, convergente para a sua elevação a uma nação desenvolvida e mais justa.

O desdobramento: “dessa ‘aliança esquerda-direita’ no Brasil foi uma virada

descentralizadora a favor do município a partir de 1988 e um processo gradativo de

reformulação a partir dos anos 1990” (FONSECA et al., 2013, p. 167).

Fonseca et al. (2013) trabalha com a ideia de descentralização presente e

descentralização ausente. As inovações institucionais, resultantes da junção de interesses da

direita e da esquerda partidárias no processo constituinte de 1988, resultaram em uma maior

autonomia dos municípios, que, por sua vez, passaram a ter mais responsabilidades e

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atribuições federativas. Esta situação é o que se trata por descentralização presente. Ao que se

refere, porém, à cooperação e articulação, financiamento e colaboração federativa para

instalação de políticas públicas e, também: “[...] à ampliação da frágil base econômica da

maior parte dos municípios e à instalação de infraestrutura técnica, geraram uma

descentralização ausente” (FONSECA et al., 2013, p. 167).

Destaca-se, em conformidade com Fonseca et al. (2013), que o processo de

descentralização ocorrido no Brasil, a partir dos anos 1980, veio a fundir-se com uma tradição

local, municipalista, de oligarquias fisiologistas e clientelistas, e por relações político-

partidárias de domínio e troca de favores. Esta situação permanece, resultando em unidades

municipais precárias, tanto econômica quanto politicamente, com níveis ainda frágeis de

organização social. Isso, a despeito, inclusive, dos instrumentos de participação e controle

social legados pela Constituição de 1988, como os conselhos temáticos.

Assim, a dimensão de territórios rurais, de cidadania ou de identidade, ou mesmo a

composição de consórcios públicos municipais que estão se difundindo pelo país, dentro dos

estados federados, são alternativas ou estratégias federativas de coesão para o

desenvolvimento, diante da fragilidade dos municípios enquanto unidades administrativas.

Mas, apesar de uma real e importante inovação, tais estruturas são permeadas, ainda e em

parte, por posturas e práticas políticas, tanto de municípios, quanto de Estados, e também de

seguimentos sociais, conservadoras. [...] fatores como: [...] o municipalismo paroquial, baixa capacidade de arrecadação fiscal, falta de qualificação profissional dos servidores e falta de estruturas administrativas mais eficientes, não só interferem diretamente no processo de descentralização no Brasil, como também no conteúdo dos localismos, cooperativos ou fragmentadores. (FONSECA et al., 2013, p. 168).

A partir do final dos anos 1980, no bojo do neoliberalismo, seguiu-se uma tendência

fomentada pela globalização capitalista - de abandono das políticas de integração e construção

nacionais, com o local sendo acionado diretamente pelo global, sem a intermediação de outra

escala, a nacional (BRANDÃO, 2012). Como o Estado deveria ser “mínimo”, o mercado é

quem deveria definir, por seus caprichos e interesses, a disposição de suas estruturas

produtivas, buscando escolher os locais que melhor lhe oferecessem condições de vantagem

para a instalação de suas plantas produtivas ou de serviços. Em países que adotaram o

corolário neoliberal de maneira ampla, como o Brasil e, em geral, a América Latina como um

todo, o resultado foi o de um desmonte do projeto de desenvolvimento nacional, diluído em

uma “guerra fiscal, que passou a patrocinar verdadeiros leilões de localização de

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investimentos, subsidiando, escandalosamente, o capital, e aceitando passivamente a piora das

condições sociais da nação e suas várias regiões”. (CANO, 2012, p. 24).

A questão é que o poder não é dividido e disseminado e em sua organização política,

ele estabelece coesões orgânicas extralocalizadas (BRANDÃO, 2012), que não se afeta,

necessariamente, pelos arranjos locais de poder. A visão da “endogenia exagerada” estaria

cega a estes pressupostos, e tende a depositar “na vontade dos atores sociais de um

determinado recorte territorial, todos os requisitos de superação do desenvolvimento”

(BRANDÃO, 2012, p. 50). Estas abordagens neoliberais, portanto, tenderia, a desconsiderar a

diversidade de um país como o Brasil, com desigualdades sociais e regionais gritantes, níveis

específicos de expressão cultural e organizacional, com enormes diferenças entre regiões e

estados.

Para autores críticos ao neoliberalismo, fica claro que o recorte epistemológico para a

análise da dimensão espacial do desenvolvimento deva ser dado a partir da divisão

internacional do trabalho, “posto que permeia todos seus processos, em todas as escalas”

(BRANDÃO, 2012, p. 69). Ou seja, não se pode tratar dos aspectos de desenvolvimento

territorial, sem se considerar que a reprodução do capital se faz dentro de uma lógica

historicamente construída pelo sistema, na qual, a constituição de novos territórios ou a

inserção de novas áreas, países ou regiões no bojo das relações capitalistas de produção se dão

por processos de reprodução de suas bases estruturantes e que seguem padrões de exploração

e domínio que lhe são inerentes. Esta vertente teórica entende que a expansão do sistema se dá

de maneira diferente e combinada, em que o centro produz sua reprodução econômica em

novos espaços periféricos, a partir de relações de dependência e dominação. Isto está posto,

tanto para uma escala internacional, quanto para outra, territorial, dentro de um mesmo país.

Note-se, pois, que a construção do desenvolvimento territorial é a assimilação do jogo

de poder numa espacialidade dada, que não pode ser ignorado, mas, ao contrário, é o insumo

indispensável do território e, portanto, de sua presença política no bojo da estratégia do

desenvolvimento pretendido. A abordagem institucionalista parte de tal compreensão,

incorporando a dinâmica viva da vida social na conformação do espaço, implicando uma

territorialidade, ou territorialidades, assumindo as diferentes escalas de relação presentes, os

fluxos verticais e horizontais, os elementos fixos, os sujeitos públicos e privados. O

desenvolvimento territorial requer uma coordenação territorial das ações, capaz de convergir

os movimentos de uma coletividade para um propósito estratégico, buscando sinergias e

cooperações. Para isso, os espaços de governança e concertação são tidos como

imprescindíveis para as pactuações necessárias dos diversos interesses em jogo.

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CAPÍTULO III

3.1 A Abordagem Territorial do Desenvolvimento no MDA e na SEPLAN

A abordagem territorial do desenvolvimento, contida nas estratégias do Ministério do

Desenvolvimento Agrário – MDA e do Governo da Bahia está colocada historicamente, a

partir do que foi descrito anteriormente. São políticas públicas de descentralização e

integração, ao mesmo tempo, e estão de acordo com a conjuntura de arrefecimento do

neoliberalismo na América Latina e, notadamente do Brasil. A criação da Secretaria de

Desenvolvimento Territorial - SDT, do MDA, em 2004, representou uma mudança de

perspectiva das políticas de desenvolvimento local, instituindo, por seu curso, uma abordagem

diferenciada, com foco no conceito de território. Como se trata de uma estrutura para o

desenvolvimento rural, a SDT tem como finalidade promover o desenvolvimento de regiões

onde predominam agricultores familiares e beneficiários de reforma e ordenamento agrários. As iniciativas da SDT buscam incentivar as capacidades humanas e da autogestão dos territórios rurais, contribuindo, desse modo, para a redução das desigualdades regionais e sociais, além da integração dos territórios rurais ao processo de desenvolvimento nacional. (BRASIL, 2015, p. 1).

Portanto, a abordagem territorial da SDT faz parte de uma política de desenvolvimento

nacional, articulada com outras iniciativas, em outros órgãos. A abordagem territorial, por sua

vez, implica um modelo de gestão participativo e esta é a marca mais distintiva da SDT.

Encontra-se neste caso um diferencial importante em relação às políticas tipicamente

neoliberais, pois se trata de uma política inserida em um contexto mais amplo de

desenvolvimento, que tem diretriz nacional e uma abordagem integrativa das políticas

públicas, além de participação social como um elemento indispensável. Para Perico (2009),

esta é uma opção política, que parte, inclusive, da constatação de que o país mudou e as

sociedades rurais não são mais as mesmas. São, agora, mais cientes de si, mais integradas à

modernidade e com maior nível de organização e consumo. Suas tensões em torno de maior

independência e autonomia são renovadas por novas categorias sociais, com maior: [...] capacidade de discernir, participar, pressionar, reivindicar. Evidencia-se que essas tensões não são exclusivas, como antes, e do interesse de poucos (os grandes proprietários rurais, caracterizados por visões e propostas políticas retrógadas e defensoras de privilégios). Emergem e ganham espaço os interesses das comunidades, dos pequenos proprietários e das sociedades locais e rurais com discursos progressistas e democratizantes. (PERICO, 2009, p. 27).

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A abordagem territorial para o fomento ao desenvolvimento, segundo a SDT, se

articula em quatro aspectos: 1) o rural é mais do que somente a sua dimensão econômica –

agropecuária e ocupa espaços de menor densidade e de maior importância em recursos

naturais; 2) o município restringe-se numa escala muito pequena para o planejamento e a

organização das iniciativas para o desenvolvimento; 3) a escala estadual, por sua vez, é muito

ampla para dar conta das especificidades e heterogeneidades; 4) o território é a dimensão na

qual mais se evidencia os laços de proximidade entre pessoas e grupos sociais, instituições e

entes federados, que podem ser mobilizados para a condução de uma agenda voltada ao

desenvolvimento (PERICO, 2009).

Trata-se de uma estratégia para articular políticas públicas em um espaço que seja

possível o planejamento de uma ação pública capaz de integrar atores, recursos,

oportunidades, conhecimento, poderes e processos coletivos de decisão. Para isso, a SDT

definiu os territórios rurais do Brasil, a partir de tipologias estabelecidas por estudos de

indicadores diversos, e levando em conta a historicidade de tais espaços. Além da aplicação

de uma metodologia estatística, com base em dados secundários disponíveis nos órgãos afins,

e de outros levantados por estudos promovidos pela própria SDT e pelas universidades e

centros de pesquisa.

Com isso, o Ministério vem tipificando territórios no Brasil e definindo políticas

públicas de acordo com as realidades objetivas desses espaços. Esta maior precisão, por sua

vez, é reforçada através da rede de atores mobilizados dos colegiados territoriais, que é ouvida

em parte dos processos de implementação e gestão de suas políticas públicas.

Portanto, a definição de território rural adotada pela SDT “[...] foi concebida como

uma estratégia de gestão pública de programas de desenvolvimento rural sustentável”

(OLIVEIRA, 2009, p.15). Trata-se de uma abordagem inovadora, que insere em sua operação

a participação social, a partir de um recorte multifacetado – físico, cultural, econômico, social,

histórico e dinâmico. Esta dimensão diversa do objeto é o que caracteriza o território, e se

constitui nas premissas indispensáveis para o planejamento do desenvolvimento. O território

se estabelece, pois, como uma escala mais adequada para a conjunção dos elementos que

devem ser levados em consideração no plano do desenvolvimento. Assim, o MDA: Reconhece ainda o acentuado movimento de descentralização das políticas públicas e assume o território na condição de unidade mais adequada para criar e desenvolver os laços de aproximação entre as pessoas, os grupos sociais e as instituições. (PERICO, 2009, p. 75).

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Portanto, esta abordagem estaria de acordo com uma visão de desenvolvimento em

termos de horizontalidades e o local, aqui tomado como território, assume uma perspectiva

diferenciada do tipo daquela neoliberal, definida por Brandão (2012) como “endogenia

exagerada”. Estaria também mais relacionada com a ideia de liberdade e garantia de direitos,

em que o progresso material resultaria das condições culturais e políticas garantidoras de

oportunidades para os cidadãos progredirem e fazerem a economia desdobrar em crescimento

e qualidade de vida (SEN, 2010).

Para o Governo da Bahia, a perspectiva do desenvolvimento parece se assentar nas

mesmas bases. A instituição dos territórios de identidade veio a atender uma demanda social

já colocada no seio de seguimentos sociais ligados às lutas pela terra e da agricultura familiar,

envolvidas na discussão e implementação do desenvolvimento territorial junto ao MDA, no

estado, desde 2004. E também às próprias premissas políticas já apresentadas no Plano de

Governo nas eleições de 2006. Afirma-se em publicação da SEPLAN, onde se registram as

duas experiências dos Planos Plurianuais Participativos (PPA-P): O governo Wagner, durante a transição, definiu algumas questões essenciais ao planejamento estratégico da Bahia. Entendeu que ele tinha que ser sistêmico e, portanto, transetorial, sustentável, integrando o social com o econômico e com o ecológico. Definiu também que o processo tinha de ser participativo e, para isso, nos primeiros 60 dias da gestão, definiu os Territórios de Identidade como regionalização adequada para territorializar o planejamento e a gestão estratégica da Bahia. (BAHIA, 2012, p. 12).

A abordagem territorial foi concebida no processo mesmo de construção do Plano

Plurianual – PPA 2008-2011, e a escuta social para o mesmo já se deu em termos territoriais.

Na perspectiva do planejamento, os programas de governo foram, em parte, elaborados em

acordo com a territorialidade estabelecida. Do ponto de vista da concepção, a territorialização

da gestão pública estadual estaria, portanto, de acordo com concepções políticas, vinculadas

às tendências democratizantes de participação e controle social. Em sintonia com a ideia de

desenvolvimento “de baixo para cima”: Em 2007, o PPA Participativo foi o primeiro passo do Governo da Bahia em direção à abertura de canais efetivos de diálogo com a sociedade, princípio fundamental para a construção da democracia cidadã. A realização das plenárias nos 26 territórios de Identidade – espaços privilegiados para a discussão das políticas públicas em nosso estado, com a presença de diversos seguimentos da sociedade. (BAHIA, 2015, p. 1).

O desenvolvimento concebido como processo de emancipação social e compromisso

com uma ética universal, na qual o crescimento econômico só tem sentido se estiver integrado

com a qualidade de vida do conjunto da sociedade (SEN, 2010), é o que se pode ter como

uma visão em oposição àquela tipicamente liberal. Sobretudo se comprometido com a

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melhoria da vida dos mais excluídos e a partir das liberdades fundamentais garantidas.

“Quatro principais gramáticas definem as relações Estado versus sociedade no Brasil:

clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos”

(NUNES, 2003, p. 21). Uma política de desenvolvimento territorial, levando-se à cabo seus

princípios democráticos tenderia a desfavorecer a herança histórica fisiológica e clientelista da

tradição política brasileira, contribuindo, assim, para a consolidação de uma cultura

democrática.

O desenvolvimento nestes termos é a soma de um conjunto de aspectos, desde os

burocráticos, como a necessidade de se instituir novas institucionalidades, passando pelas

peças formais de operação do Governo e do Estado, como os planos plurianuais, até aspectos

sociais e políticos, como a criação e sustentação de espaços de governança e concertação, e os

de formação e organização dos territórios e dos sujeitos atuantes em torno das políticas

públicas. Assim, admite o governo da Bahia quanto a importância das duas experiências de

plano plurianual participativo: Com efeito, o Plano Plurianual Participativo privilegiou, por um lado, a participação de camadas excluídas do processo de decisões políticas e da definição da alocação de parte dos recursos orçamentários disponíveis, e, por outro, criou novos mecanismos de prestação de contas e de controle social sobre os governos e seus aparatos burocráticos. (BAHIA, 2012, p. 57).

O governo da Bahia, em 2009, lançou o projeto “Pensar a Bahia 2023, construindo o

futuro”. Tratou-se de um conjunto de seminários envolvendo gestores públicos, empresários,

academia e movimentos sociais para pensar os grandes desafios colocados à Bahia para o

desenvolvimento, com vistas a chegar em 2023 como um estado mais desenvolvido e justo.

As diversas mesas dos seminários debateram os principais temas envolvidos com o

desenvolvimento, desde educação, saúde e segurança, passando por tecnologias, logística,

indústria e comércio, incluindo ainda agricultura, turismo, serviços, desenvolvimento

municipal e territórios.8 A ideia era a de gerar o ponto de partida para a construção de um

plano estratégico de longo prazo. Todas as temáticas foram abordadas de maneira sistêmica,

pensando-se nos entraves e nas soluções possíveis aos mesmos. O Pensar a Bahia constitui parte do esforço de retomada, pelo Governo, do exercício do planejamento de longo prazo no âmbito do Estado, iniciativa com a qual se pretende incorporar diversas visões e enfoques dos palestrantes, bem como dos debates que tiveram lugar ao longo dos seminários. (BAHIA, 2010a, p. 9).

8 O evento ocorreu entre dezembro de 2009 a março de 2010 em Salvador, Bahia, realizando-se em quatro

módulos, abordando todos os temas tomados como estratégicos para o desenvolvimento do estado.

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A ideia era, dando sequência ao modelo de participação já instituído no PPA 2008-

2011, estabelecer um plano de longo prazo também com escuta social. Um Grupo de Trabalho

fora instituído pelas Portarias nº 180/2009 e 181/2009 da SEPLAN, para dar conta de

transformar o projeto Pensar a Bahia 2023 num plano efetivo. Projetava-se em termos de

longo, médio e curto prazos, articulando estas dimensões dentro de um plano de ações

encadeadas pelos três PPA sequenciados entre 2012 e 2023. [...] no planejamento estratégico [...] estão contidos a visão de futuro, os macro-objetivos, os eixos de desenvolvimento e as diretrizes estratégicas. Estas últimas fazem a interface entre o plano de longo prazo e os de médio prazo, que é o Plano Plurianual (PPA) no qual se trabalha no horizonte de quatro anos. As diretrizes estratégicas incluem, também, os programas e ações. São as ações que fazem a interface entre o planejamento de médio prazo e de curto prazo, representado pelo Orçamento Anual. (BAHIA, 2010a, p. 12).

Buscava-se um plano integrado, que fosse capaz de pensar o conjunto do estado e de

cada território e macrorregião, a fim de promover as iniciativas de maneira adequada às

particularidades de cada um e, ao mesmo tempo, integrá-los a partir da logística, do

aproveitamento das particularidades e de suas articulações produtivas, comerciais, de

circulação e mobilidade. O Governo defendia ali a construção da Ferrovia Oeste-Leste como

ação de desconcentração regional e integração de territórios de identidade. Vê-se aqui que a

concepção da SEPLAN era a de fomentar a abordagem territorial, mas sem perder de vista a

visão de conjunto, de uma dimensão estadual, no sentido de que o Estado da Bahia, do ponto

de vista do planejamento, é mais do que a soma dos territórios de identidade. Visão, como a

do MDA, que leva em consideração o local, mas também sua integração de um plano macro

do planejamento.

Pode-se observar também a questão ambiental no projeto Pensar a Bahia 2023. O

governo associa o desenvolvimento à sustentabilidade nos seus documentos referentes.

Afirma-se que, para atender uma condição com desenvolvimento sustentável, é importante ter

as questões ambiental e social como prioridades (BAHIA, 2010a). Reconhece, ainda, a

necessidade de se conhecer o contexto histórico das experiências construídas nos territórios de

identidade, a fim de inseri-las na estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar. Ou

seja, a concepção de planejamento do desenvolvimento projetada pela SEPLAN não se

distancia do modelo daquela aplicada na SDT/MDA, guardadas suas particularidades e

escalas. E se apresenta teoricamente, como algo em sintonia com as tendências de

descentralização e integração.

A territorialidade seria, neste modelo, a dimensão de uma dada realidade social,

econômica e cultural, expressa em termos de situações que precisam ser consideradas pelas

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políticas públicas de fomento ao desenvolvimento, desde os entraves ao crescimento

econômico, passando pelas dificuldades de organização de cadeias produtivas e do

escoamento de seus produtos, até a baixa capacidade de intervenção política da população

local e do seu grau de associação para superação de dificuldades ao desenvolvimento.

CAPÍTULO IV

Do plano das ideias ao exercício do poder de Estado

4.1 Evolução do Quadro Político Nacional na sua Perspectiva Democrática – De Fernando

Henrique Cardoso a Luís Inácio Lula da Silva

Do ponto de vista histórico do avanço democrático brasileiro, as garantias

constitucionais de responsabilidade política do Estado só ganham importância efetiva a partir

dos anos 1930, quando da instalação do populismo varguista na República. A partir daí, uma

primeira geração de políticas públicas e um modelo de seguridade social se definem, de

maneira tímida e autoritária, abarcando, basicamente, os trabalhadores urbanos da economia

formal. Até os anos 1980, com poucas variações no seu arcabouço ideológico e estrutural, o

Estado brasileiro permaneceu contendo direitos e atuando como protetor para parcelas

minoritárias da população nacional. A ditadura militar levou à frente as mesmas bases do

modelo populista, que era paternalista, autoritário e corporativista, voltado para a

manipulação das massas trabalhadoras. O Regime ditatorial, mesmo quando ampliou o

número de atendidos e criou um sistema estatista-privatista de seguridade social, com o Banco

Nacional de Habitação – BNH e o Fundo Nacional de Segurança Social, não promoveu a

democratização dos direitos fundamentais dos cidadãos, mantendo a tendência de

aprofundamento da desigualdade social no país.

A despeito desta modéstia democrática, o país estruturou um sistema de segurança

social, apoiado em fundos sociais potentes, que beneficiaram abertamente o capital e

restritamente os trabalhadores. [...] nosso Estado desenvolvimentista teve bastante êxito em dar impulso à industrialização e promover a transformação capitalista da estrutura social, mas o fez, como se sabe, em base a processos sociais extremamente violentos - recorde-se a selvagem modernização do campo, a rapidez da urbanização – e de um modo pouco “moderno”, nada inclusivo de incorporação social dos setores populares, pouco referido a direitos e à expansão da cidadania, limitado, na prática, aos assalariados urbanos do mercado formal de trabalho e, no plano das políticas, à regulação das relações trabalhistas e aos benefícios previdenciários. (DRAIBE, 2002, p. 68).

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O contexto pós-ditadura militar apresentou um processo de afirmação da cidadania na

sociedade brasileira, considerada como a consciência política da participação dos cidadãos

nos processos políticos da nação. A partir dos anos 1980, a agenda reformista da Nova

República era a da democratização. Para Draibe (2002) este primeiro ciclo democratizante e

reformista encerra-se com a Constituição de 1988. Até este momento, a sociedade brasileira

entendia a necessidade de ampliar o acesso aos direitos sociais e melhorar a qualidade dos

serviços públicos. Segundo esta autora: O acerto de contas com o autoritarismo supunha um dado reordenamento das políticas sociais, o qual respondesse às demandas da sociedade por maior eqüidade e pelo alargamento da democracia social. Também a melhora da eficácia das políticas. (DRAIBE, 2002, p. 69).

Esta ordem de reformas estabeleceu as bases para uma democracia mais sólida e criou

condições objetivas para o exercício da cidadania, a despeito, porém, de não ter garantido um

patamar mínimo universal e digno para o cidadão brasileiro, como almejavam os movimentos

sociais e alguns partidos de esquerda, notadamente, o PT que, neste contexto, representou de

maneira mais ampla os anseios populares na esfera partidária. A década de 1980 foi marcada

pela ascensão dos movimentos sociais, do sindicalismo classista, pela ampla mobilização e o

“despertar” dos segmentos sociais em situação de opressão e exclusão, de forte articulação

entre as pautas corporativas e específicas com as agendas mais universais da política nacional.

Estes, através das mais diversas formas, e dos diversos seguimentos sociais, atuaram no

sentido de reivindicar e propor ao Estado medidas de democratização e de garantias de

direitos sociais.

Notadamente a partir da Constituição de 1988, um processo de construção de um

Estado Democrático parece se consolidar no país. Fundamentos jurídicos mais sólidos para a

constituição de espaços de participação política foram introduzidos, de maneira a favorecer a

chamada democracia participativa, notadamente os conselhos de políticas setoriais.

O país precisava ajustar seu aparato institucional democrático e estabelecer as bases

institucionais para a reparação da dívida social gigantesca que sua história política, autoritária

e elitista havia promovido. A Constituição de 1988 foi o resultado prático e possível deste

processo, marcando um ponto de confluência de conquistas democráticas importantes para a

nação brasileira. Os anos 1990 seguiram acolhendo exemplos importantes deste trânsito da

sociedade civil para o Estado, agora, no sentido de consolidar os espaços constitucionais de

participação social e regularização de políticas constitucionais, além de inovação de

experiências de orçamentos participativos.

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A condução hegemônica do país, contudo, pertencia aos setores mais conservadores,

saídos do processo de abertura política do final da ditadura militar e decorreu em meio à crise

inflacionária do período. Para Sader e Gentili (1996): A crise da dívida não poupou o Brasil, porque a continuidade de seu crescimento, ao longo dos anos 70 e 80, se deu à base de empréstimos externos a juros flutuantes, assim como a encomendas do Estado. A bomba do tempo teria de explodir, como efetivamente ocorreu. Ao longo dos anos 80, a economia brasileira viveu processos de acomodamento, com a imposição da hegemonia do capital financeiro, que finalmente desembocou no neoliberalismo, iniciado no final da década, ainda no governo Sarney. (SADER e GENTILI, 1996, p. 35-36).

As medidas tomadas pelo governo de José Sarney (1982-1988) foram recessivas e

circunstanciais, com a aplicação de planos de controle inflacionário e tentativas de fomentar o

desenvolvimento, que fracassaram, aprofundando os graves problemas sociais. O primeiro

presidente eleito depois do regime de ferro foi Fernando Collor de Mello, no seu governo

iniciou-se um alinhamento mais estreito com a nova agenda política neoliberal que se iniciara

na Europa, em 1979, com a eleição de Margareth Thatcher e se tornou hegemônica nos anos

80, estabelecendo-se nos Estados Unidos, com a eleição de Ronald Reagan, em 1982. Estes

preceitos antikeynesianos e ultraliberais já versavam na América Latina, na ditadura militar

chilena, de Augusto Pinochet e, a partir de 1988, no México. Tal corolário partia dos países de

capitalismo avançado e estava voltado para recuperar as taxas de lucro do capital e combater

ideológica e concretamente o chamado Estado de Bem Estar Social, construído no pós

Segunda Guerra e em vigência até os anos 1980 nos países de capitalismo avançado. Este

havia protagonizado a chamada era de ouro do sistema capitalista, com crescimento

econômico, pleno emprego, bem estar, segurança social e liberdades políticas, comandados

pela social democracia na Europa e pelo fluxo ideológico do New Deal, nos Estados Unidos.

Esta ofensiva contra o Estado de Bem Estar Social, cujas bases se encontravam no

pensamento liberal radical anglo-saxão, acusava a social democracia e o New Deal de

responsáveis pela queda dos lucros e de promoverem o arrefecimento da competição, das

desigualdades sociais, da baixa produção e da inflação. Defendia-se abertamente o combate

aos sindicatos trabalhistas, aos gastos sociais do estado de bem estar, a estatização econômica,

o pleno emprego etc. Esta ofensiva, inaugurada com mãos de ferro por Margareth Thatcher,

na Inglaterra, acabou por solapar os governos progressistas e submeter o conjunto das nações

do Ocidente aos seus preceitos. Definido por neoliberalismo, tal modelo político se

sedimentou de tal maneira na cultura política do Ocidente que, a despeito de fracasso de suas

conquistas quanto ao almejado crescimento e retomada das altas taxas de lucro do capital

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produtivo, continuou forte e ainda dá as diretrizes para as medidas de enfrentamento da crise

sistêmica que ele mesmo produziu e está em vigor atualmente.

O combate à inflação, a abertura dos mercados, a desregulamentação financeira, o

controle do câmbio, associados à repressão sindical, aos cortes dos gastos sociais e à

privatização das empresas estatais formaram um ideário cego, que foi aplicado nos diversos

países com enormes consequências sociais. No Brasil, o presidente Fernando Henrique

Cardoso, a partir de seus dois governos sequenciados, de 1995 a 2002, aplicou o receituário

neoliberal sem flexibilizações, levando à frente todas as receitas apontadas pelos preceitos

conservadores. Neste contexto neoliberal, ocorre o segundo ciclo de reformas constitucionais,

e políticas públicas sociais, contudo em um contexto diferente dos anos 1980.

No arcabouço ideológico neoliberal, a participação e a responsabilidade política para

resolução de problemas sociais foram tomadas como aspecto de parceria entre o Estado e a

Sociedade Civil, através, sobretudo, do chamado terceiro setor, constituído por organizações

sociais não governamentais. Enquanto se praticava o Estado Mínimo, reduzindo os

investimentos sociais, transferia-se para as Organizações Não Governamentais – ONGs,

recursos para o desenvolvimento de ações sociais pontuais. Ao final, reduzia-se a função do

Estado de gestar os interesses sociais. As estruturas de gestão públicas do Brasil se tornaram

fortemente influenciadas por esta visão política. Para Dagnino (2004, p. 100): A redefinição da noção de sociedade civil e do que ela designa talvez tenha constituído o deslocamento mais visível produzido no âmbito da hegemonia do projeto neoliberal... O crescimento acelerado e o novo papel desempenhado pelas Organizações Não-Governamentais; a emergência do chamado terceiro setor e das Fundações Empresariais, com forte ênfase numa filantropia redefinida... e a marginalização dos movimentos sociais, evidenciam esse movimento de redefinição. O resultado tem sido uma crescente identificação entre “sociedade civil” e ONG. (DAGNINO, 2004, p. 100).

Tem-se, pois, que a chegada do PT à Presidência da República, a partir de 2003,

através da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, representou, a depender da ótica e das leituras

hoje manifestas na mídia e na literatura política e sociológica, uma alternância ou uma

variável ao projeto político anterior, de cunho declaradamente neoliberal. Mas até que ponto

se diferencia daquele, é preciso profundar em momento mais oportuno, o que este texto não

poderá fazê-lo. É fato que durante os governos anteriores a maior parte dos movimentos

sociais se posicionou de forma contrária, com amplos confrontos nas ruas, mas a partir da

gestão do PT, passou a se sentir representada no poder e convergiu para uma postura de

negociação e construção conjunta do projeto político. Muitas lideranças sociais passaram,

inclusive, a ocupar cargos públicos, inserindo-se nos quadros da burocracia estatal e

assumindo posição de Governo. Neste cenário, os espaços de diálogo e negociações são tidos

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como privilegiados para o alcance das metas reivindicadas. A partir daí, ocorre um

arrefecimento das lutas sociais com o Estado e certa perda de rumo destes movimentos,

quando são cooptados pelo governo ou não o enfrentam com maior ofensiva, buscando

preservá-lo contra os ataques da oposição.

Este Governo buscou consolidar um desenvolvimentismo, no qual se persegue o

crescimento econômico acelerado, com a participação do estado no jogo econômico, atuando

como um dos seus pilares de fomento, e com certa distribuição de renda e inclusão social,

através de políticas públicas. O aumento real do salário mínimo anualmente, a transferência

direta de renda à população mais pobre, o microcrédito e as demandas estatais para a pequena

agropecuária, os programas de financiamento de casa própria para populações de baixa renda,

programas de reparação social e combate ao racismo, ampliação do número de escolas

técnicas e universidades federais, somados ao Plano de Aceleração do Crescimento – PAC,

com obras de infraestrutura, são medidas concretas deste novo projeto político que favoreceu

a ampliação do mercado consumidor interno e a inclusão de milhões de brasileiros.

Isto foi realizado sem, contudo, ameaçar os interesses mais substanciais do grande

capital financeiro, nem abalar a ordem do latifúndio, mas favorecendo ao grande capital

nacional e à própria lógica fisiológica do sistema partidário e do Congresso Nacional

brasileiros. Este modelo foi realizado através de um amplo movimento de alianças políticas

no Congresso Nacional e por medidas que beneficiaram tanto o capital especulativo,

mantendo as altas taxas de lucro e não mexendo na legislação financeira, quanto o capital

produtivo, com políticas de incentivo à indústria.

A partir de 2007, este mesmo projeto político é assumido pela direção do Estado, na

Bahia, e sua gestão, no plano geral, ocorre nas mesmas bases da esfera federal, encerrando

contradições similares, porém com particularidades evidentes.

4.2 Contexto da sucessão política do Estado nas eleições de 2006 e o Plano de Governo da

Coligação Bahia de Todos Nós

A Bahia, nas eleições estaduais de 2006, vivenciou uma campanha política de nítida

polarização ideológica, com a disputa pelo Governo do Estado acirrada por dois projetos

distintos. De um lado, o Partido da Frente Liberal – PFL, atual Democratas (DEM), liderado

pelo então Senador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães e seu candidato à reeleição, Paulo

Souto; do outro, a frente de esquerda, liderada pelo PT, com a candidatura do então deputado

federal pelo PT, Jaques Wagner. A oposição elegeu como slogan de campanha: “Por uma

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Bahia de Todos Nós”, fazendo alusão à necessidade de alterar o modelo político em vigência,

que, segundo seus mentores, era centralista, concentrador de riqueza e voltado para os

interesses de poucos. O candidato da oposição se apoiava no primeiro governo do Presidente

da República, Luís Inácio Lula da Silva, que realizara um mandato com grande apoio das

massas sociais mais humildes, através de programas sociais e iniciativas inovadoras na gestão

das políticas públicas e sua diversificação, com foco nas camadas mais pobres da população

do país.

No Plano de Governo, registrado pela Coligação Bahia de Todos Nós, composta pelo

PT, PSB, PC do B, PMDB, PV e PPS9, encontra-se a seguinte crítica ao então Governo da

situação: Não basta crescer, é preciso observar a qualidade desse crescimento, sua capacidade de melhorar a vida da população, de se transformar em desenvolvimento social. Na Bahia, sob o governo do PFL, o crescimento econômico sempre esteve dissociado do desenvolvimento social. A economia baiana cresceu, mas os benefícios desse crescimento não foram socializados. (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 4).

Naquele cenário, o candidato de oposição era impulsionado pela fragilidade do seu

grupo político opositor, naturalmente desgastado por longos anos de hegemonia e domínio

das máquinas do Estado e da maioria das prefeituras e pela alteridade que ocorreu no cenário

nacional, levando a população mais humilde e certa parcela da população esclarecida a

rejeitar o modelo liberal conservador do PFL e do Partido Social Democrata Brasileiro

(PSDB). A campanha política ocorreu com forte apelo de mudança e renovação, de

democratização e inclusão social, levando à frente velhas bandeiras da esquerda, de

participação social e democracia participativa.

A Coligação Bahia de Todos Nós era fortemente hegemonizada pelo PT e o conteúdo

da plataforma política do candidato a governador trazia, majoritariamente, as premissas

ideológicas e as experiências políticas deste partido. O Brasil é um dos países pioneiros na

América Latina na implementação de instrumentos participativos de gestão pública. E o PT

foi o primeiro partido, quando no poder, a colocar em prática esta experiência. A cidade de

Porto Alegre tornou-se um marco de Orçamento Participativo e depois o próprio estado do

Rio Grande do Sul, sob o governo do PT. Até hoje, este estado é referência em organização

participativa para a gestão social das políticas públicas. A este respeito, o mesmo Plano de

Governo anunciava: A democratização da gestão governamental, acumulada no Brasil em diferentes experiências, tanto no âmbito municipal quanto estadual, confirma a possibilidade

9 Partido dos Trabalhadores, Partido Socialista do Brasil, Partido Comunista do Brasil, Partido do Movimento

Democrático Brasileiro, Partido Verde e Partido Popular Social, respectivamente.

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de garantir eficiência e eficácia na gestão orçamentária com a democracia participativa. Esse novo modelo de gestão pública combinará a realização do Orçamento Participativo (OP) com outros mecanismos de participação popular como as Conferências e os Conselhos Estaduais. (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 5).

O Plano de Governo se comprometia em cumprir tais compromissos e apresentava

mecanismos para esta participação: “A elaboração do orçamento obedecerá à consecução de

objetivos coletivamente construídos, a partir da organização de plenárias por regiões da Bahia

e de plenárias setoriais” (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 7). Apontava-se ali a escuta popular

através de plenárias e da regionalização do estado. Declarava-se a necessidade de

descentralizar e regionalizar o desenvolvimento e a participação, mas o modelo desta

regionalização não estava de todo pronto, indicava para um diálogo social, a fim de definir o

mesmo: [...] A nova divisão das regiões será discutida com o movimento popular e com a sociedade civil organizada. Nela será considerada a realidade social e econômica, um diagnóstico das vocações produtivas existentes, a dimensão ambiental, as tradições culturais e a formulação de pertencimento do povo. Tanto o planejamento público e econômico, como as Conferências, os Conselhos e as Assembleias do OP, levarão em conta essas mesmas referências regionais (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 7).

Fica evidente, portanto, que o grupo político que almejava ao poder do Estado tinha

uma ideia de democratização do mesmo, através da implementação de mecanismos de gestão

social e de descentralização do território baiano. No conjunto desta peça de campanha,

inúmeros compromissos com novas atitudes e ações voltadas para a transparência da máquina

pública e para a inclusão social, a partir do reconhecimento da diversidade e das

desigualdades sociais e regionais foram observados.

Desde, pois, o seu Plano de Governo, o grupo político que ascendeu ao poder do

Estado da Bahia, em 2007, já apontava para um alinhamento com as concepções

contemporâneas de democracia participativa, gestão social, governança e concertação sociais,

de maneira que suas realizações implementadas na condução do Estado, como política

pública, estão, parcialmente, de acordo com estas premissas.

4.3 A definição do modelo de regionalização e participação social através da implementação

do Plano Plurianual Participativo 2008 – 2011

Já na transição de Governo, no final de 2006, a equipe do grupo vitorioso nas eleições,

responsável pela coordenação do processo transitório, deu início ao diálogo social com

representações da sociedade civil. Tais representações eram vinculadas à agricultura familiar,

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e vinham implementando, desde 2003, o recorte territorial do Governo Lula, com o Ministério

do Desenvolvimento Agrário – MDA, através de políticas territoriais implantadas pela

Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT. Este grupo possuía pessoas vinculadas ao

Partido dos Trabalhadores, atuantes junto às representações políticas que haviam ocupado

cargos na transição e que, em seguida, vieram a ocupar cargos executivos no governo baiano.

Neste momento, a opção por adotar uma nova divisão administrativa, de acordo com o

enunciado no Plano de Governo estava presente em seguimentos petistas que se aproximaram

do planejamento e, imediatamente, vinculou-se a construção de uma nova divisão

administrativa à noção de território, trazida pelos segmentos do campo, embasados pelo

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A experiência deste segmento com a

dimensão territorial e seus conceitos era significativa, visto ter sido o processo de revelação

dos territórios rurais, bastante intenso, com amplas discussões, consultas sociais e parâmetros

técnicos para efetivar os recortes dos ditos territórios na Bahia, levada à frente pelo MDA. O

Governo declarou esta contribuição no PPA 2008-2011: “O conceito de Território de

Identidade surgiu a partir dos movimentos sociais ligados à agricultura familiar e à reforma

agrária [...]” (BAHIA, 2007, p. 58).

Até aquele momento, as articulações da Secretaria do Desenvolvimento Territorial

(SDT), do MDA, com a Bahia se faziam diretamente com os órgãos federais e com as

organizações sociais, visto que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável-

CEDRS, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado, não apoiava tais iniciativas,

mantendo-se distante deste processo (DIAS et al., 2006).

O MDA, através da Secretaria do Desenvolvimento Territorial – SDT, instituiu o

Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais – PRONAT, com

o objetivo de “promover o planejamento, a implementação e a autogestão do processo de

desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento e dinamização de sua

economia” (BRASIL, 2006). Neste contexto, foram revelados na Bahia, a princípio, cinco

territórios: Sisal, Chapada Diamantina, Litoral Sul, Velho Chico e Irecê, que, ao final,

receberam aprovação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, em 2003.

Em síntese, o PRONAT promove o apoio institucional ao território, ofertando assistência

técnica ao seu processo de articulação e organização do espaço de representação política,

definido pelo MDA por Colegiado Territorial; além do apoio para a construção de seu Plano

Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS e investimentos nas cadeias

produtivas e infraestrutura rural, através do Programa de Apoio a Infraestrutura dos

Territórios Rurais – PROINF.

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A implementação do PRONAT na Bahia foi marcada por intenso debate, segundo os

participantes do processo10. Houve um debate inicial quanto ao número de territórios para a

Bahia, considerado, naquele momento, insuficiente, pelos representantes baianos.

Para dar conta desta tarefa de revelação dos territórios, o MDA realizou oficinas e, na

primeira delas, em julho de 2003, foi criado um Grupo de Trabalho (GT), com a finalidade de

coordenar o processo. Inicialmente composto por órgãos públicos federais (MDA/SDT e o

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), órgãos estaduais (Secretaria

de Combate à Pobreza – SECOMP e o Centro de Recursos Ambientais – CRA) e

organizações sociais (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais –

ABONG, Pastoral Rural, Movimento de Organização Comunitária – MOC, a Central de

Associações do Litoral Norte – CEALNOR, o Movimento Estadual de Trabalhadores

Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia – CETA e o Fórum de Entidades). Este GT

tinha como finalidade, segundo Dias et al. (2006, p. 9): “montar uma proposta que, de um

lado, mapeasse todos os territórios do estado e, de outro, criassem critérios para a

incorporação de novos territórios”.

Os trabalhos decorreram ao longo do segundo semestre de 2003 e no mês de

novembro, realizou-se uma segunda oficina, na qual se delineava, já, 24 territórios. O GT

trabalhou com o cruzamento de diversos mapas, dentre os quais destacam-se: os de atuação

dos Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração – CONSAD, regiões

econômicas da Bahia, polos sindicais da Federação Estadual dos Trabalhadores Agrícolas –

FETAG, regionalização administrativa da Secretaria Estadual de Educação, idem da

Secretaria Estadual da Saúde e da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário, das dioceses

da Igreja Católica. Além dos municípios de atuação das principais ONGs do estado, das

bacias hidrográficas da Bahia, das concentrações de assentamentos rurais e acampamentos de

famílias sem terra, territórios consolidados, emergentes e prioritários da pesquisa

SEI/IICA/SAF 2002/2003. (DIAS et al., 2006).

A partir daí, passou-se à consulta junto aos municípios, para confirmação ou não dos

mesmos nos respectivos territórios traçados. Havia municípios que estavam indicados em

mais de dois territórios e somente a consulta poderia definir e, todos, inclusive, poderiam

negar ou requerer outro posicionamento. A terceira oficina teve caráter deliberativo, e foi

composta por dois representantes por território, eleitos em sessões plenárias dos mesmos.

10 Descrito na publicação: “Territórios de Identidade, um caminho para o desenvolvimento rural sustentável na

Bahia”, do MDA, em parceria com o Movimento de Organização Comunitária – MOC e a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, de novembro de 2006.

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Estes traziam o posicionamento local dos vários municípios sobre qual território deveria

pertencer. Segundo Dias e colaboradores (2006, p. 11): “Daí surgiu, então, o primeiro mapa;

modificado apenas em 2006, com o aparecimento do Território de Itaparica”.

Destaca-se, neste processo o surgimento da Coordenação Estadual dos Territórios de

Identidade da Bahia – CET, durante a terceira oficina realizada: A CET constituiu-se informalmente como uma instância política de representação do desenvolvimento de territórios rurais para o estado da Bahia, inclusive reconhecida pela SDT/MDA. A CET passou então a concentrar uma participação mais ampliada de representantes dos movimentos sociais em torno das categorias como agricultores familiares e assentados de reforma agrária. (DIAS et al., 2006, p. 11).

Esta Coordenação nascera para conduzir o processo dali para frente e se tornou o

principal interlocutor da Bahia junto ao MDA, para as políticas territoriais. Sua composição

era mista, com presenças do Governo Federal: SDT, INCRA, Departamento Nacional de

Obras Contra a Seca – DNOCS, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco –

CODEVASF, Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC e Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Do Governo Estadual: SEPLAN,

Secretaria de Combate à Pobreza – SECOMP, Centro de Recursos Ambientais – CRA e a

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais – SEI; dos Movimentos Sociais –

Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG, Federação Nacional dos

Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF, Movimento dos Sem

Terra – MST, Movimento de Luta pela Terra – MLT, Coordenação Estadual de Trabalhadores

Assentados – CETA e Central Única dos Trabalhadores – CUT. Das Organizações Não-

Governamentais: Associação Brasileira de Organizações não Governamentais – ABONG,

Movimento de Organização Comunitária – MOC, Serviço de Assessoria a Organizações

Populares Rurais – SASOP, Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco –

FUNDIFRAN, Central de Associações do Litoral Norte – CEALNOR, Federação de Órgãos

para Assistência Social e Educacional – FASE, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Terra

Viva e o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA.

Na evolução do processo, com a consolidação do apoio do Estado da Bahia à política

de desenvolvimento territorial, a articulação que deu origem à CET foi-se esmaecendo, até a

mesma se tornar, na prática, uma representação da sociedade civil dos territórios. A despeito

desta situação, a CET passou a ser a representação política do conjunto dos territórios,

tornando-se a porta voz dos interesses coletivos dos mesmos e a sua ferramenta de operação

para a consolidação da lógica territorial, junto ao Governo.

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Como demonstrado, a partir de 2007, o Governo baiano reconheceu a legitimidade da

divisão territorial que fora conformada e a adotou como unidade de planejamento das políticas

públicas do Estado. Mas, pelo fato de estar sendo tratada no nível do planejamento, dentro de

uma ótica mais sistêmica, a divisão do estado da Bahia foi tomada como uma estratégia de

desenvolvimento integrado. Segundo Pomponet (2012): Um conjunto de motivos foi apresentado para justificar a opção do Governo do Estado pelos Territórios de Identidade. O mais evidente deles é de natureza política: integrante do mesmo partido do presidente da República reeleito, o governador Jaques Wagner (PT) optou por vincular a estratégia de desenvolvimento das diversas regiões baianas aos programas tocados pelo Governo Federal [...]. (POMPONET, 2012, p. 58).

Do ponto de vista da gestão do Estado, portanto, a abordagem territorial seria a forma

de sintonizar as suas políticas públicas com aquelas da União, como se pode constatar no PPA

2008-2011: A utilização do conceito de Território de Identidade facilitará a articulação entre as ações desenvolvidas pelo Governo do Estado e os programas federais, com rebatimento no território baiano, bem como a diretriz de integração entre governo e sociedade (BAHIA, 2007, p. 53-55).

A compreensão da SEPLAN na ocasião estava pautada também no diagnóstico,

apresentado no próprio PPA 2008-2011, sobre o grau de concentração econômica e política

do estado e no compromisso assumido desde o Plano de Governo, em 2006, de favorecer a

democratização dos investimentos e das oportunidades. As razões para a adoção da

territorialização, portanto, iam além de oportunidades e interesses meramente políticos.

Segundo Pomponet (2012): No âmbito econômico, partiu-se do diagnóstico que a extrema concentração na produção de riquezas na Bahia gerou um cenário em que a Região Metropolitana de Salvador, que corresponde a apenas 0,48% do território baiano, respondia por 43% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual em 2004 [...]. Essa imensa desigualdade exigia a adoção da dimensão territorial como elemento da estratégia de desenvolvimento, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento territorial (POMPONET, 2012, p. 60)

A equipe do Governo resolveu ampliar o conceito de território, já nas negociações

para a sua implementação administrativa, retirando o elemento restritivo do “Rural”, e

inserindo outro, que respondesse, segundo os atores envolvidos nesta concertação, por toda a

realidade dos territórios, e indicasse seu caráter humano e cultural, além dos aspectos urbanos

e estratégicos (BAHIA, 2007). Assim, ficou pactuado ali a definição destas unidades

administrativas como sendo Territórios de Identidades. O conceito dos mesmos é revelado,

em parte, na publicação do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011:

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O território é um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial. (BAHIA, 2007, p. 37).

Esclarece-se que o conceito de Território de Identidade também é a premissa para a

conformação dos territórios rurais do MDA. Porém, neste Ministério, a identidade é tomada

para a conformação de ruralidades diversas ou territorialidades relacionadas ao rural.

Importante destacar ainda que a institucionalização dos Territórios de Identidade não

significou outra territorialização em relação aos Territórios Rurais. Na Bahia, há apenas uma

divisão territorial: os Territórios de Identidade, que são tomados pelo MDA como territórios

rurais, quando da aplicação de suas políticas, com exceção, apenas, do Território

Metropolitano de Salvador. E nove deles – Litoral Sul, Chapada Diamantina, Irecê, Sisal,

Baixo Sul, Itaparica, Semiárido Nordeste II, Sertão São Francisco, são incluídos no Programa

Territórios da Cidadania (PTC), conhecidos comumente como “territórios de cidadania”.

Destaca-se que o processo que se deu na Bahia para a revelação dos Territórios de

Identidade, é um tanto questionado por intelectuais acadêmicos, notadamente das áreas de

geografia e sociologia. As indagações referem-se ao processo de conformação dos mesmos,

discordando quanto às suas identidades, uma vez que este critério exigiria um processo muito

mais longo e mais participativo para se encontrar os territórios conformados por identidades

historicamente constituídas. Aqui, concorda-se, em parte, com tais posições, uma vez que um

território para ser definido como de identidade, requereria uma averiguação muito mais

complexa de seus processos constitutivos, que resultasse de interações dinâmicas de redes

socioterritoriais e se conformassem com base em um amplo e histórico campo de interações

de interesses e conflitos, cujo desdobramento revelasse um lhame convergente de ações

voltadas para o desenvolvimento daquele espaço e daquela territorialidade.

A despeito de tais considerações, é fato que o Governo do Estado implementou os

Territórios de Identidade, com apoio de setores sociais e institucionais vinculados àquele

processo de construção territorial acima descrito, não sendo um ato meramente discricionário

e impositivo. Aliás, o termo mais utilizado pelos Governos em suas publicações, tanto a

União, quanto o Estado, é “revelação”. Assim, o trabalho desenvolvido teria sido para revelar

territórios potencialmente dados. Parte da Academia, entretanto, considera-os, no caso da

Bahia, como unidades administrativas, instituídas por interesse e demanda técnica do Estado.

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O Governo estava ciente do significado político que o modelo territorial implicaria em

longo prazo: ao inserir os territórios de identidade, aportava-se para dentro da gestão pública

uma relação permanente de concertação, cujos atores seriam os Colegiados de

Desenvolvimento Territorial. Estes estavam em processo de conformação no estado, alguns já

consolidados e outros ainda por se constituírem. Tal situação é descrita no PPA 2008-2011,

quando o Governo afirma o seu apoio para garantir a estruturação dos mesmos.

O Plano Plurianual 2008 – 2011, instituído pela Lei nº 10.705 de 14 de novembro de

2007, foi construído nessas bases e deu início ao arcabouço jurídico-institucional que veio em

sequência para constituir este modelo territorial. Em 2007, o Governo estreante tinha por

obrigação legal proceder à execução do Plano Plurianual 2008 – 2011, que a Secretaria do

Planejamento tem o know how para fazer, com técnicos versados no ofício e com as condições

necessárias. Mas o compromisso político do novo Governo implicava mudanças de forma. A

metodologia visava criar o PPA Participativo – PPA-P, ou seja, a escuta social para a

elaboração do Plano Plurianual. Cinco etapas foram estruturadas para isso, as quais são a

seguir descritas (BAHIA, 2012, p. 32-33):

a) Adoção de um Mapa Estratégico de Governo, que deveria ser tomado como referência

e premissa para o Plano Plurianual e para a escuta social (vide Figura 1, p. 16). O

PPA-P utilizou-se dos dois eixos estruturantes do mapa e de suas linhas de ação, para

captar as propostas populares, que deveriam, por sua vez, ser integradas nos eixos

específicos, a partir de subtemas. Eixo de Desenvolvimento 1: Desenvolvimento com

Inclusão Social e Equidade – Prioridade para Educação e Saúde; Eixo de

Desenvolvimento 2: Produzir e Crescer Repartindo – Crescimento Econômico

Sustentável com Geração de Emprego e Distribuição de Renda. Ver Mapa Estratégico

na sessão Anexos (Figura 2, p. 185);

b) enfoque Territorial dos Processos de Planejamento resultou na divisão do estado em

26 Territórios de Identidade, tomados como unidade de planejamento. A intenção era

promover a territorialização da programação orçamentária e sua execução;

c) envolvimento das Secretarias de Estado na implementação do PPA-P, visava envolver

todas as secretarias no processo de construção da consulta social, distribuindo entre

elas o financiamento e o apoio logístico para a realização das plenárias territoriais de

consulta;

d) qualificação dos Servidores Estaduais para Moderação das Plenárias Territoriais, 50

servidores foram capacitados em facilitação de grupos para moderarem as plenárias.

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Depois, foi publicado o Decreto nº 11.729, de 25 de setembro de 2009 da Bahia,

transformando este grupo no Núcleo de Moderadores do Estado da Bahia;

e) transparência, criação do Conselho de Acompanhamento do PPA - CAPPA, a partir de

quatro representantes, por cada território, eleitos nas plenárias territoriais do PPA-P. O

CAPPA, de natureza consultiva e propositiva, teria a função de acompanhar a

execução do PPA e sua territorialização.

Entretanto, a metodologia adotada pelo Governo, apesar de pensada em etapas, não

favoreceu a uma ampla preparação anterior dos Territórios de Identidade para contribuírem

com o PPA. O ineditismo da experiência e o curto espaço de tempo que dispunha o Governo

para realizar a escuta e o PPA não permitiu um amadurecimento no seio da sociedade civil e

nem mesmo dos agentes públicos estaduais. Como contribuir com peças orçamentárias

públicas, e sua natureza técnica, com especificidades de linguagem e funcionamento, sem

uma preparação dos colaboradores antecipadamente? Esta questão ficou sem respostas na

escuta social do PPA, em 2007. Feito em ritmo acelerado, sem nenhum antecedente igual e

com uma equipe, que parte dos gestores iniciava sua primeira experiência à frente da máquina

pública, o PPA Participativo de 2007 realizou 17 Plenárias, abarcando os 26 territórios de

identidade: As plenárias do PPA Participativo ocorreram entre os dias 11 de maio e 17 de junho com pessoas dos 26 Territórios de Identidade que compõem o novo mapa do desenvolvimento do Estado. Somando-se as dezenas de reuniões prévias, seminários e debates em vários municípios com os 12. 343 representantes dos segmentos sociais credenciados nas plenárias do PPA Participativo, cerca de 40 mil pessoas foram envolvidas diretamente neste processo de diálogo territorial. (BAHIA, 2007, p. 63).

Destaca-se a participação de autoridades municipais e estaduais – 17% do total. Este

público, nas plenárias de escuta, formou os Grupos Institucionais, que também apresentaram

suas propostas. Ao final, concluída a jornada de escuta, somaram-se 8.343 propostas,

advindas de indivíduos e organizações sociais, gestores públicos municipais, estaduais e

federais. Este volume impressionante de propostas continha, entretanto, uma enorme parcela

delas sem aplicabilidade ao instrumento PPA. Todas foram registradas e lançadas num portal,

por território e por eixo estratégico do PPA, para consulta social posterior. A SEPLAN fez

uma validação das mais adequadas e as consolidou como válidas.

A gestão da governança do PPA Participativo ficou para o Conselho de

Acompanhamento do PPA – CAPPA. Eleito no bojo das plenárias territoriais de escuta social,

este Conselho foi instituído por Decreto e se apresentou no cenário nacional como uma

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inovação política no campo do controle social de políticas públicas. O exercício do CAPPA e

os resultados alcançados serão tratados no capítulo V.

4.4 O contexto e as mudanças no processo de participação na construção do PPA 2012 – 2015

No PPA 2012 – 2015, elaborado a partir de 2011, último ano de vigência do PPA

anterior, o Governo, reeleito em 2010, buscou adequar a escuta social a uma versão mais

sóbria e construída com mais premissas antes das plenárias territoriais. Em sintonia com as

iniciativas da União, o Governo da Bahia pretendeu alinhar o novo PPA ao modelo federal.

Buscou-se transformar o PPA em um plano estratégico, retirando dele o excesso de ações e

programas e os detalhes de execução por ação. No PPA 2012, lê-se: Alinhados aos conceitos formulados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, compreendemos os temas como áreas do conhecimento relevantes e estratégicos para a atuação governamental. Organizado em temas, o planejamento incorpora a lógica intersetorial e transversal das políticas públicas, permitindo uma maior articulação entre os níveis estratégico, tático e operacional. (BAHIA, 2011, p. 38).

Um esforço foi feito para alinhar as secretarias ao novo modelo, com salas temáticas e

amplas discussões daquilo que deveria ser mais importante a ser considerado como entrega

das políticas públicas. Ou seja, como transformar o PPA em um instrumento de planejamento

efetivo, com produtos objetivos a serem medidos na hora da avaliação e como vincular tais

produtos ao Orçamento, à Lei Orçamentária Anual – LOA. A autocrítica quanto às falhas do

PPA 2008-2011 foram evidenciadas pelo Governo, como se pode conferir abaixo na

publicação da SEPLAN sobre a realização dos dois PPA Participativos: Não dialoga com a dimensão estratégica; não cumpre o papel da dimensão tática, mas sim da operacional;resulta da consolidação de programas setoriais; dificulta a compreensão da extensão da Política Pública; dificulta a gestão e mensuração dos resultados alcançados; programas são organizados em função de problemas; não esclarece os desafios para a implementação das políticas, de forma articulada com os resultados. (BAHIA, 2012, p.40).

Do ponto de vista técnico-administrativo, o PPA 2012–2015 dava um passo à frente,

para se tornar um instrumento capaz de gerar maior eficiência da gestão pública, notadamente,

para sua utilização como plano estratégico, objetivo e voltado para os resultados sociais. Ou

seja, os resultados que devem contar na hora de uma avaliação da eficiência das políticas

públicas: sua capacidade de transformar a realidade sócio-econômica-ambiental no sentido

positivo, para a melhoria de vida dos cidadãos. Ao menos essa era a meta da reformulação,

que pode ser conferida abaixo:

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No âmbito das suas competências institucionais, os órgãos setoriais inscrevem nos programas temáticos os seus compromissos detalhando objetivos e metas a serem cumpridos ao longo do quadriênio, relacionando entregas ou iniciativas a serem desenvolvidas, que [...] refletem o elo de integração com os orçamentos. (BAHIA, 2011, p. 39).

Com uma estrutura mais ajustada e revisada a partir do aprendizado do PPA anterior, o

Governo elaborou o PPA 2011-2015 num amplo movimento interno de alinhamento

conceitual e operativo. A segunda versão do PPA Participativo (PPA-P) também foi aprovada.

Agora, a nova versão da escuta social e seu desdobramento ganharia uma feição modificada.

O resultado deveria estar de acordo com o aprendizado da experiência em curso, a partir das

críticas do CAPPA, e de acordo com o espírito mais parcimonioso dos gestores frente às

ambições de um PPA-P, após realizada a primeira experiência. No Governo, internamente, a

SEPLAN, a Secretaria de Relações Institucionais (SERIN) e a Casa Civil concordaram quanto

à necessidade de reduzir a participação nas plenárias a 200 participantes e qualificá-los

previamente para atuação nas mesmas (BAHIA, 2012). O critério adotado foi o da

representatividade, ou seja, para participar, a pessoa deveria representar uma entidade jurídica

social, ou um seguimento econômico, ou ainda ser representante de algum órgão público

federal, estadual ou municipal e não falar de per si. A questão, então, era definir como mediar

esta seleção nos territórios de identidade. Segundo se lê em impresso oficial do Estado: “Este

acordo foi debatido com a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia –

CET, com o CAPPA e com os Colegiados Territoriais, tendo logrado êxito” (BAHIA, 2012,

p. 39).

Aqui, pode-se aferir um processo mais coerente com aquilo que se define por uma

governança territorial, segundo a literatura especializada disponível. A metodologia aplicada

seguiu o princípio do diálogo, constante em todas as fases de elaboração do Plano. Primeiro,

realizou-se um grande seminário interno de Governo, com as diversas secretarias, onde se

apresentou a metodologia do PPA, associada à do PPA-P, que ficou assim desenhada:

a) formação dos Grupos de Trabalho Territoriais (GTT), compostos por “nove

integrantes: cinco da sociedade civil, inclusive dois membros do CAPPA, e quatro

representantes de órgãos públicos” (BAHIA, 2011, p. 33);

b) seminário e Oficina de capacitação dos GTT, a fim de prepará-los para mobilizar as

bases sociais, econômicas e públicas dos territórios e conferir qualificação ao processo

de escolha das propostas. Estas emergiriam de uma discussão prévia nos territórios,

através de pré-plenárias intermunicipais, nas quais se deveriam discutir, antes de

aprovar as propostas, a adequação das mesmas ao instrumento PPA e à dimensão

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territorial. Para isso, na oficina dos GTT, três características a serem perseguidas nas

propostas foram consolidadas. As mesmas deveriam ter: 1- Foco no desenvolvimento

Territorial (evitando particularismos, municipalismos, e pautando-se pelo bem do

território); 2- Foco no Caráter Estratégico das Proposições (impactos no

desenvolvimento do território e análise dos pontos de alavancagem sobre os quais

deveriam atuar); 3- Foco na Inclusão da Diversidade de Interesses e segmentos, o que

implicaria na própria mobilização para a participação da plenária territorial;

c) pré-plenárias intermunicipais, que deveriam mobilizar ampla participação das

representações municipais, apreciar os Planos Territoriais de Desenvolvimento

Sustentável (PTDS) de cada território que os tivessem, a fim de vincular as propostas

aos mesmos e eleger a representação municipal para a plenária territorial;

d) plenária territorial, composta de 200 participantes, aptos a apresentarem as propostas,

com representatividade e legitimidade, a partir de uma dinâmica criada para isso;

e) utilização do Núcleo de Moderadores do Estado para mediar os Grupos de Trabalho

das plenárias, através de uma metodologia específica, criada para este fim pela

Universidade Corporativa do Servidor, Coordenação da Secretaria de Administração

do Estado da Bahia – SAEB;

f) utilização da Matriz Temática para a captação das propostas. A Matriz foi

confeccionada pela SEPLAN e substituiu o Mapa Estratégico, utilizado no PPA-P

anterior. Esta era composta de três Eixos Estruturantes Centrais: 1- Inclusão Social e

Afirmação de Direitos; 2- Desenvolvimento Sustentável e Infraestrutura para o

Desenvolvimento; 3- Gestão Democrática do Estado. Cada eixo, por sua vez, foi

composto pelos seus Núcleos Temáticos, o primeiro e o terceiro tinham seis cada um,

o segundo tinha oito. Os Núcleos foram subdivididos em subtemas e as propostas

encaixadas nos subtemas. A título de exemplo tem-se: Eixo: Inclusão Social e

Afirmação de Direito – Núcleo: Educação – Subtema: Educação do Campo (vide

Figuras 3 e 4 em Anexos);

g) sistematização e validação das propostas. A SEPLAN analisaria as mesmas, as

validaria, excluindo aquelas repetidas e/ou inadequadas ao instrumento. Depois as

digitariam e devolvê-las-iam aos territórios em mídia digital;

h) PPA-P NET. Um site aberto a contribuições permanentemente durante o período de

escuta, para os cidadãos escolherem os temas e subtemas prioritários para os seus

territórios.

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Como se observa, houve uma qualificação geral do processo de escuta social, na

medida em que conferiu aos territórios de identidade maior presença no processo de

elaboração da metodologia, criou-se grupos de trabalho compostos por representações civis e

públicas, realizou-se oficinas e seminários municipais e fomentou-se uma articulação das

propostas com os PTDS. A decisão de reduzir o número de participantes na plenária territorial

implicou redução das contribuições que, por outro lado, deveriam ser mais qualificadas e

aproveitáveis para o Plano.

A participação do CAPPA e dos Colegiados Territoriais em todas as etapas foi um

exercício concreto de Governança e concertação sociais, uma vez que se dialogavam em torno

de todos os produtos e procedimentos. Neste momento, o Governo utilizou de seu

instrumental institucional para firmar uma política de democracia participativa, a partir de

uma reflexão crítica da experiência anterior, indo além. Se, em 2007, houve participação da sociedade civil somente na etapa de consulta, indicação de prioridades temáticas e eleição dos membros do Conselho de Acompanhamento do PPA (CAPPA) [...] essa participação se ampliou, com o envolvimento da sociedade em todas as etapas de construção do plano. (BAHIA, 2011, p.33).

A devolução das proposições colhidas em cada plenária para as lideranças sociais dos

territórios, a fim de servir para monitoramento e acompanhamento das mesmas representou

mais um compromisso claro com a gestão social. A Coordenação Estadual dos Territórios de

Identidade da Bahia – CET reconheceu o êxito do PPA Participativo 2012-2015: Na nossa avaliação, as Conferências Territoriais realizadas até o momento estão acontecendo de forma satisfatória, com ampla participação dos Colegiados Territoriais, organizações populares, instituições públicas, que têm apresentado proposições bastante objetivas para o PPA (COORDENAÇÃO..., 2011, p. 1).

Entretanto, em meio à realização das Plenárias da escuta, o debate sobre uma

pactuação objetiva para a execução das demandas estava ocorrendo e no mesmo ofício

dirigido ao Gabinete da SEPLAN, a CET também solicitava: [...] temos de reconhecer que a tarefa não termina com a realização das Conferências Territoriais. Igualmente importante é a tarefa de sistematização das propostas e a utilização destas como base fundamental, pelas Secretarias Estaduais e outros órgãos de governo, para elaboração e sistematização final do PPA. (...) Desejamos com isso fazer o acompanhamento futuro do PPA, juntamente com o CAPPA, e garantir que o rico processo de escuta da população baiana se faça no futuro (na LDO e LOA). (COORDENAÇÃO..., 2011a, p. 1).

A CET e o CAPPA vinham amadurecendo uma convicção de que o processo de

governança territorial estaria sempre mutilado, caso não se chegasse ao nível de uma

pactuação. Nos marcos da Bahia, esta deveria se dar em termos da execução orçamentária das

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propostas da sociedade para o PPA. O pacto seria para “[...] que possamos acordar e pactuar a

estratégia de acompanhamento sistemático por parte da CET e CAPPA de todo o processo de

sistematização final do PPA e recepção/utilização por parte das Secretarias de Estado”

(COORDENAÇÃO..., 2011a, p. 2). Neste momento, o desenho de um Pacto ainda não estava

pronto, o que veio a ser elaborado mais tarde. Mas já estava anunciado pela CET a

necessidade de se chegar até o orçamento. Para esta Coordenação, a participação social na

elaboração do PPA só teria sentido se a mesma se revertesse objetivamente em execução no

orçamento, o que está descrito em suas reivindicações como “utilização por parte das

Secretarias do Estado”.

4.5 A pactuação do PPA Participativo 2012-2015: avanços e frustrações

Uma negociação ocorreu entre a SEPLAN, a CET e o CAPPA, durante o período que

antecedeu, decorreu e procedeu às plenárias de escuta do PPA, e no qual estava à frente da

SEPLAN o Secretário Zezéu Ribeiro11. Este processo se deu no seio do CAPPA e do

Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial – CEDETER, com ampla discussão sobre

o caráter e o conteúdo de um pacto entre o Estado e a sociedade civil em torno da execução

orçamentária de parte das demandas das plenárias do PPA Participativo. A experiência do

PPA Participativo anterior apontava para a necessidade de se criar um instrumento que

obrigasse o conjunto das secretarias de Estado a se comprometer em executar nos respectivos

territórios parte das demandas advindas das suas bases. Outras tentativas de vincular as

demandas sociais do PPA ao orçamento haviam sido tentadas anteriormente, sem resultados –

este ponto será tratado no capítulo V, na sessão sobre o CAPPA.

O Governo assumiu o discurso de realizar ao final da construção do PPA o Pacto do

PPA-P, assegurando que um avanço concreto em relação ao PPA-P anterior deveria ser

realizado, através de um pacto que garantisse o cumprimento de parte das reivindicações das

plenárias. Este pacto do PPA-P seria constituído por prioridades territoriais, eleitas a partir do

ponto de vista da sociedade e das condições objetivas do Governo e deveria ser consolidado a

cada ano, na LOA, a partir de concertações a serem feitas entre os Colegiados Territoriais e as

Secretarias de Estado, através de salas de concertação. Nele constaria as bases para a garantia

de cumprimento de parte das proposições retiradas das plenárias territoriais. Dessa forma, um 11 A SEPLAN esteve sob comando dos Secretários Walter Pinheiro de 18/03/2009 a 01/04/2010, Antonio

Valença de 01/04/2010 a 18/01/2011, Zezéu Ribeiro de 18/01/2011 a 09/03/2012 e José Sérgio Gabrielli entre 09/03/2012 e 01/01/2015. Atualmente está sob coordenação do Secretário João Leão, empossado no dia 01/01/2015.

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conjunto de prioridades seriam definidas para cada território, escolhidas dentre o conjunto

apresentado em cada uma das plenárias territoriais de escuta do PPA. Os atores escolhidos

para fazer tal seleção deveriam ser os 27 Colegiados Territoriais.

Através de um documento protocolado oficialmente na SEPLAN, em 09 de junho de

2011, pela CET e pelo CAPPA, estas duas instâncias apresentaram um texto contendo as

bases detalhadas do Pacto, com uma proposta efetiva para o modelo de operação da pactuação

do PPA Participativo 2012-2019, o que foi acatado pela SEPLAN. Neste Documento, os

protagonistas esclarecem que as propostas ali apresentadas visavam garantir a realização

orçamentária e financeira de parte das demandas advindas das escutas sociais, além: [...] da incorporação das manifestações públicas do Senhor secretário, durante as Plenárias Territoriais, onde afirmou o necessário caráter participativo na definição do PPA e o reconhecimento da necessidade de se realizar uma pactuação entre Governo do Estado e a Sociedade para efetivar este princípio. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 1).

Este documento, após ser debatido, foi levado ao CEDETER, que o aprovou com

pequenas ressalvas, e assinado também pelo Gabinete da SEPLAN. Nele, o CAPPA e a CET

apresentam críticas ao andamento da PPA e apresenta o conteúdo que deveria compor a

pactuação. Destaca-se: A pactuação, portanto, será o resultado de um entendimento do que seja mais estratégico, somado ao que seja mais de acordo com os anseios da população. Cada Território de Identidade possui dinâmicas econômicas, potencialidades latentes, suas condições sociais e políticas, articulado com a dinâmica geral do Estado da Bahia e busca pactuar as propostas mais efetivas e estruturantes para a garantia de seu desenvolvimento sustentável, rumo ao que se apresenta ao Bahia 2023. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p.3).

A sociedade civil buscava pactuar os interesses estratégicos do Estado com os mais

imediatos dos Territórios de Identidade, a fim de criar uma sinergia entre as duas dimensões.

A SEPLAN e o CEDETER estavam de acordo e entendiam que as 20 (vinte) prioridades

retiradas pelos Colegiados Territoriais poderiam ser negociadas ao longo das salas de

concertação. Isso significaria que parte dessas prioridades poderiam não ser viáveis, mas se

poderia “trocá-las” por outras da lista da escuta do PPA, em cada território.

A CET e o CAPPA tinham clareza do processo e propunham ao governo, primeiro, um

acerto interno, entre as Secretarias de Estado, para depois se proceder ao pacto com os

Colegiados Territoriais. É o que fica evidente no documento da pactuação, elaborado por estas

duas instâncias: Neste sentido, acreditamos que o centro do Governo deve apontar quais das propostas apresentadas pela sociedade estão mais de acordo com o que se aponta no Bahia 2023 e pactuar isso com o conjunto das Secretarias e órgãos de governo para

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montagem final do PPA-P 2012-2015. Após esta pactuação interna, a SEPLAN, Casa Civil, SEFAZ e a SERIN devem, igualmente, pactuar com os Colegiados Territoriais a partir de uma mediação entre as escolhas do Governo e as dos Colegiados Territoriais, os compromissos e as entregas dos programas (estas definidas por cada LOA) por Território. Desta pactuação deve sair ainda um modelo de monitoramento e controle social para o PPA-P e, mais especificamente, para os produtos do Pacto. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 3).

Dentre os itens pactuados, constam os seguintes: Instalação e funcionamento da Mesa de Pactuação, composta por SEPLAN, SERIN, SEFAZ, CASA CIVIL, CET e CAPPA (até 20/07/2011); As entregas dos programas devem ser apresentadas de forma territorializada; A pactuação deve ser dividida por LOA, distribuindo-se previamente as ações [...] por ano orçamentário; O pactuado deve ter a chancela do governador e a ratificação de todos os secretários envolvidos. (BAHIA, 2012, p.53).

Tomando-se este documento como exercício da governança e da concertação sociais, é

possível reconhecer no mesmo um momento de maturidade e avanço de posição de ambas as

partes – governo e sociedade. Os aspectos requeridos para se reconhecer um objeto como

elemento de gestão social e governança territorial, nos moldes da moderna teoria da política

de gestão pública, estão presentes. Pois o Governo pactuou diretamente com as bases

territoriais, através das duas representações específicas dos territórios – CAPPA e Colegiados

Territoriais (através da CET), e após as plenárias territoriais de um PPA Participativo,

territorializado.

Ademais, com as salas de concertação do Pacto, ter-se-ia uma permanência da

concertação e da gestão social do PPA, até o seu final. E se desdobraria a participação social,

partindo do PPA, até o Orçamento e a execução propriamente, firmando um ciclo de

participação, desde a elaboração das políticas públicas, sua aplicação e seu monitoramento e

avaliação. Este Pacto, uma vez consolidado, contribuiria decididamente para afirmar os

Colegiados Territoriais como redes socioterritoriais, nos moldes que Dallabrida (2007) se

refere. Isto porque, estes espaços passariam a ter um exercício de poder objetivo, tornando-se,

assim, de interesse para os diversos grupos e redes presentes nos territórios e fomentando a

sua inserção na disputa e pactuação de políticas públicas.

O pacto é um instrumento imprescindível aos processos participativos no âmbito das

políticas de desenvolvimento sustentável. No modelo de Territórios de Identidade,

implementado pelo Governo da Bahia, a pactuação ganha contornos indispensáveis, uma vez

que os 27 territórios têm representações políticas admitidas oficialmente, através do Decreto

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12.354, de 25 de agosto de 2010, denominadas de Colegiados Territoriais12. Cada Colegiado,

representando um território com muitas especificidades e distinções em relação aos outros,

tem um pacto a fazer a cada período, a fim de articular as políticas públicas para o seu

desenvolvimento. Além do que, as plenárias do PPA-P foram territorializadas exatamente

para atender a estas diferenças e planejá-las. Mas o ciclo da governança só se fecha com a

pactuação, senão fica-se com o processo de concertação em aberto. Dallabrida (2007a),

refere-se à expressão pacto socioterritorial, como: [...] acordos ou ajustes decorrentes de processos de concertação social [...] relacionados à definição de seu projeto de desenvolvimento futuro [...] protagonizados pelos representantes das chamadas redes de poder socioterritorial. (DALLABRIDA, 2007a, p. 9).

A pactuação seria o salto de qualidade que faltava ao modelo baiano de participação

social territorial, segundo a CET e o CAPPA. Após terem vivenciado o longo processo de

tentativa de gestão social do PPA Participativo 2008-2011, e a partir de constantes debates

sobre as dificuldades de se fazer cumprir a territorialização do PPA e de sua execução, bem

como sobre o monitoramento e avaliação desta mesma execução, a representação civil dos

territórios queria um ponto de ancoragem e confiança para iniciar um novo ciclo. É o que se

pode constatar em outro trecho do documento da pactuação: Para nós, estas são as condições de manter confiabilidade no PPA-P 2012-2015, buscando, inclusive, uma forma de superar as frustrações com o PPA-P 2008-2011 e consolidarmos uma parceria entre Governo e Sociedade mais efetiva, indo além das escutas públicas e efetivando o discurso da democracia participativa. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 3).

Porém, no que pese os avanços ocorridos no PPA Participativo 2012-2015 em relação

ao PPA-Participativo 2008-2011, o Governo não logrou garantias para aquilo que fora

planejado e pactuado. Em seguida à pactuação, no início de 2012, ocorreu a saída do

Secretário Zezéu Ribeiro da SEPLAN e, com ela, o abandono do Pacto. Na sequência da

exoneração de Zezéu Ribeiro, que havia pessoalmente e publicamente se comprometido em

efetivar a pactuação, houve mudança de alguns postos estratégicos na SEPLAN, e o novo

Gabinete, de José Sérgio Gabrielli, que veio a tomar posse em março de 2012, entendeu que o

PPA pronto era, em si, o Pacto, uma vez que fora feito com as contribuições sociais e

apresentava metas territorializadas em parte de seus Programas, devendo o Governo promover

um balanço de sua execução por território e uma prestação de contas aos mesmos.

12 A partir de dezembro de 2014, este Marco Legal foi substituído pela Lei Estadual 13. 214/2014. A mesma

regulamenta a política de desenvolvimento territorial e sua base participativa.

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Esta decisão foi encaminhada, sem haver uma discussão com as bases sociais dos

territórios, notadamente o CAPPA e a CET. O primeiro fora extinto com o fim do PPA 2008-

2011, e a segunda não teve espaço para reverter a decisão ou mesmo negociar em outras bases

o Pacto. O espaço primordial que podia ser o palco de tal negociação – o Conselho Estadual

de Desenvolvimento Territorial – CEDETER, ficou inativo por um ano e meio. A CET

buscou garantir a ocorrência das reuniões do CEDETER, pois tinha pontos inadiáveis a se

tratar no mesmo, como a Pactuação do PPA Participativo, a imediata execução do Convênio

da SEPLAN com o MDA, amarrado no processo burocrático há meses, a retomada do

CAPPA, entre outros. A pressão da sociedade civil para consolidar o Pacto do PPA

Participativo foi constante. Em junho de 2011, um ofício encaminhando os termos do mesmo

à deputados da base do Governo declarava: Tendo em vista a urgência do tempo que estamos trabalhando para garantir o que cabe à Sociedade Civil na construção do Pacto do PPA-P 2012-2015, de acordo com o documento protocolado na SEPLAN, em anexo, solicitamos o apoio de V. Srª para garantir a territorialização do Orçamento, com base, também, e muito prioritariamente, nas propostas apresentadas pela Sociedade Civil nas Plenárias do PPA-Participativo, realizada pelo Governo do Estado, em parceria com as organizações sociais. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 1).

Em setembro de 2012, dirigindo-se à SEPLAN, a CET informa a esta Secretaria que a

mesma tem papel estratégico para garantir a implementação das ações necessárias à Política

de Desenvolvimento Territorial. E cita em primeiro plano na lista delas: “Executar a

Pactuação do PPA-P 2012-2015” (COORDENAÇÃO..., 2012, p. 2). Em outras

oportunidades, a mesma cobrança ao Governo se fez presente, como na “Nota Pública da

Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia Sobre os “Diálogos Territoriais”

do Governo do Estado”, divulgada na mídia em abril de 2013. No texto, que fora escrito no

contexto da suspensão das reuniões do CEDETER e diante da dificuldade inicial de um

entendimento com o novo secretário da SEPLAN – José Sérgio Gabrielli, a Coordenação

reconhece os avanços promovidos pelo Governo, recordando que este: “[...] assinou um

documento intitulado ‘Pacto do PPA-P’, no qual se comprometia no atendimento de vinte

prioridades definidas participativamente nos Colegiados Territoriais” (COORDENAÇÃO...,

2013a, p. 1).

Mais adiante, na mesma nota pública, depois de elencar as iniciativas representativas

dos avanços, denuncia que: “O Governo da Bahia vem esvaziando todas as suas iniciativas e

descumpre todos os acordos e compromissos com os Colegiados Territoriais”

(COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). E nos exemplos que se elencam para demonstrar tais

descompromissos estatais, o primeiro que abre a lista é, justamente, sobre o Pacto: “Não

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cumpriu os termos do Pacto do PPA-P” (COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). No final deste

mesmo mês, em ofício de nº 027/2013, dirigido ao Governador Jaques Wagner, com uma

“Pauta estratégica para a consolidação da Abordagem Territorial na Bahia”, notifica ao Chefe

do Executivo a necessidade de: “Efetividade do Pacto assinado em 2011 (com instalação

imediata das mesas de negociação e monitoramento entre os Colegiados Territoriais e as

Secretarias envolvidas)” (COORDENAÇÃO..., 2013b, p. 1).

Na SEPLAN, um dispositivo tecnológico havia sido desenvolvido pela

Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA para aperfeiçoar o Sistema de Planejamento e

Gestão do Governo – SIPLAN, a fim de permitir a visualização das demandas da sociedade

advindas da escuta do PPA Participativo dentro do mesmo. Isto porque no PPA anterior não

se tinha tal mecanismo. Agora, uma vez lançadas no sistema, as demandas sociais poderiam

ser visualizadas pelas secretarias e sua eventual execução orçamentária seria também

identificada pela SEPLAN, que poderia tirar facilmente um relatório de prestação de contas

aos Territórios/Colegiados.

Mas o mecanismo final para este procedimento chegar até o fim também foi

abandonado, e as demandas sociais ficaram sem monitoramento objetivo, pois a operação

final do mecanismo de monitoramento, que permitiria a SEPLAN averiguar, no próprio

sistema, o acolhimento ou não acolhimento das prioridades pelas Secretarias, não foi

concluída. Fato que impediu também a geração de relatórios precisos. Nestes termos, o

conjunto das demandas ficou armazenado em arquivo oficial, cada território de identidade

recebeu o seu conjunto e tudo foi disponibilizado no site da SEPLAN.

Mais tarde, entre abril e junho de 2013, estas prioridades foram tratadas nos encontros

do Segundo Diálogos Territoriais, quando a SEPLAN voltou aos territórios para prestar

contas e fazer um balanço da execução do Governo nos dois anos de vigência do PPA 2012-

2015. Mas a devolutiva foi parcial, porque não se tinha uma visão clara do que fora executado

das demandas do PPA Participativo, nem mesmo das 20 prioridades; a equipe da DPT buscou

na imensa lista de realizações, encontrar aquelas que aproximavam das demandas da

sociedade. O resultado final foi pouco útil ao sentido da pactuação, pois não se pôde apurar

detalhadamente o quanto foi ou não realizado das prioridades territoriais. E, claro, não se

instituiu as salas de concertação, nem se definiu por uma revisão do PPA, que poderia abrir

oportunidade para os territórios negociarem suas prioridades.

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CAPÍTULO V

O exercício da Política de Desenvolvimento Territorial.

5.1 A ocorrência do CAPPA e sua real efetivação no bojo da Política de Desenvolvimento

Territorial

A eleição do Conselho de Acompanhamento do Plano Plurianual 2008 – 2011 – CAPPA,

realizada durante as plenárias da escuta social do referido PPA, ao longo dos meses de maio e

junho de 2007, foi uma inovação destacada no cenário nacional. Além de realizar a escuta

social para a construção do PPA, o Governo criou um Conselho popular estadual vinculado à

sua execução, a fim de exercer o controle social do PPA. Sua eleição, realizada no bojo das

acaloradas plenárias territoriais do PPA Participativo, ocorreu sem maiores critérios quanto ao

perfil mais adequado para a função de conselheiro – estar presente na plenária e ser maior de

16 anos, e para apurar o nível e a qualidade da representação dos candidatos e suas

legitimidades frente à tarefa de conduzirem um objetivo pioneiro e importante. Segundo

Pomponet (2012): Nas primeiras plenárias, no entanto, foi definido como critério para eleição a participação do candidato em alguma entidade da sociedade civil, a exemplo de associações, sindicatos, organizações não-governamentais ou outras entidades da sociedade. O objetivo [...] era assegurar a representatividade do fórum, evitando que servidores públicos sem vínculos com entidades da sociedade civil (não houve restrições a dirigentes de sindicatos de servidores públicos), agentes políticos no exercício de mandato ou ocupantes de cargos de confiança fossem candidatos. A medida foi justificada pela necessidade de manter a representatividade do fórum, assegurando a condição de conselheiros aos representantes da sociedade e reduzindo a influência de agentes com vínculos com o Estado (POMPONET, 2012, p. 71).

Assim, a despeito da forma apressada e sem maiores aprofundamentos, a escuta de

2007 caracterizou-se como uma grande manifestação popular de apoio à democratização do

Estado, à democracia participativa e promoveu grandes expectativas sociais, na perspectiva de

ver seus pleitos atendidos.

Recebido com grande entusiasmo, o CAPPA foi instituído pelo Decreto nº 11.123, de

30 junho de 2007 e tomou posse em 27 de fevereiro de 2008. Com quatro (04) representantes

de cada um dos 26 Territórios de Identidade, o CAPPA era composto por 104 conselheiros,

que formavam o Fórum da Sociedade Civil, sendo metade deles de suplentes, e pelos

secretários do Planejamento e de Relações Institucionais (BAHIA, 2008a). A Portaria

conjunta da SEPLAN e da SERIN, Portaria nº 001, de 08 de julho de 2008, nomeou

oficialmente os conselheiros eleitos. Uma rubrica específica do orçamento público foi

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instituída na Superintendência de Gestão e Avaliação da SEPLAN para custear as reuniões do

Conselho. A constituição deste Conselho de Acompanhamento deveria cumprir o papel mais

concreto de viabilizar o controle social do PPA, como fica claro no primeiro artigo do referido

Decreto: Art. 1º - Fica criado o Conselho de Acompanhamento do Plano Plurianual – PPA 2008-2011, com a finalidade de subsidiar e aconselhar o Governo do Estado da Bahia quanto à execução do PPA 2008-2011 e propor às instâncias governamentais competentes a adoção de medidas e ajustes necessários para a implementação do PPA (BAHIA, 2008, p. 1).

Note-se que não se tratava de Conselho meramente consultivo, mas com um papel

também propositivo. Destaca-se, ainda, que o Conselho é uma instância de caráter temporal

circunscrito à vigência do PPA 2008-2011, devendo findar-se ao término deste plano. O

CAPPA ficou vinculado à Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA, da SEPLAN. Não

foi encontrado na literatura referente, até 2007, nenhuma estrutura igual ao CAPPA. Seu

ineditismo contribuiu para a indefinição de seu papel e do seu modo de operar, questões que

estão presentes ao longo de sua ocorrência, registradas em diversas atas de suas reuniões

(POMPONET, 2012).

No seu Decreto de criação, é reconhecido o Fórum, destacando-o do Conselho

propriamente dito, que só se conformava quando havia a presença das duas secretarias de

Estado. Entretanto, o Decreto não se refere ao papel do Fórum, apenas normatiza o papel dos

conselheiros: Art. 8º - Caberá aos representantes da sociedade civil no Conselho de Acompanhamento do PPA 2008-2011 as seguintes atribuições:

I - organizar reuniões em cada Território de Identidade, para fins de acompanhamento das ações correspondentes aos mesmos;

II - reproduzir junto aos Territórios as diretrizes estabelecidas pelo Conselho. (BAHIA, 2008a, p. 2).

Da mesma forma, o Regimento Interno, instituído pela Portaria Conjunta da SEPLAN

e da SERIN, nº 02, de 18 de Julho de 2008, não se refere ao Fórum. Este fato deixou o

coletivo da sociedade civil sem papel efetivo. Na prática, o Fórum era o corpo da sociedade

civil na função do controle social, através da intervenção dos conselheiros em seus

respectivos territórios. Como coletivo, independente das duas secretarias, se reunia sempre

antes das Plenárias do Conselho, para articular seus interesses, amadurecer e articular

posições. Já a instância da Coordenação do CAPPA, composta pelos dois secretários (da

SEPLAN e da SERIN), tinha ampla responsabilidade, desde o planejamento, a convocação e a

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coordenação das reuniões, passando pela divulgação, zelo de conduta dos conselheiros,

promoção de materiais de subsídio ao trabalho dos conselheiros, até a representação do

Conselho nas diversas instâncias. Ocorre que os secretários nunca assumiram, eles mesmos,

este trabalho, ficando o mesmo a cargo, basicamente, da Secretaria Executiva do CAPPA –

que pertencia à SEPLAN, da equipe da Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA,

também da SEPLAN, e com apoio da Coordenação de Articulação Social, da SERIN

(COAS).

A instância da Comissão Executiva, por sua vez, deveria ser composta por cinco (05)

titulares e cinco (05) suplentes entre os membros do Conselho. Contudo, na prática, foi

composta durante todo o mandato do CAPPA, somente pela sociedade civil, assessorada pela

Secretaria do Conselho. O Regimento deixa transparecer o otimismo presente na época de sua

elaboração, quando prevê para a Comissão Executiva um mandato de um (01) ano, sem

direito a reeleição dos titulares. Esta situação indica uma crença na farta disponibilização de

conselheiros com perfis adequados a esta função ou na possibilidade de uma formação

constante deles para a função, sem prejuízo de continuidade e eficiência. Havia ainda um

critério de rotatividade entre os territórios para assumirem tais cargos.

Dentre as funções da Comissão Executiva estava a disposta na alínea b, do Artigo 13:

“b) Articular, apoiar e acompanhar as atividades dos(as) conselheiros(as) nos territórios.” Esta

função foi normatizada, sem qualquer garantia aos seus membros de fornecer a infraestrutura

para a mesma. O mesmo problema se refletiu no momento em que os conselheiros se

depararam com suas tarefas institucionais. Este fato foi, repetidas vezes, tratado pelos

Conselheiros ao longo da existência do CAPPA. Já na sua primeira reunião ordinária, registra-

se proposições dos conselheiros quanto ao tema: “Garantir logística mínima para execução do

processo de acompanhamento [do PPA]” (ATA..., 2008a, p. 3). Na segunda reunião ordinária,

realizada nos dias 19 e 20 de dezembro de 2008, registra-se na Ata: “Durante o debate, a

garantia de espaço institucional em eventos oficiais e a necessidade de infraestrutura e de

capacitação dos representantes dos territórios dominaram as falas dos conselheiros” (ATA...,

2008b, p. 1).

Além da ausência da infraestrutura necessária ao cumprimento do papel dos

conselheiros, a dúvida ou pouca clareza quanto ao papel dos conselheiros é registrada ao

longo de toda a existência do CAPPA, desde a primeira reunião ordinária do conselho, até o

seu último semestre de vigência (POMPONET, 2012). Pomponet debruçou com profundidade

nas atas do Conselho e acompanhou presencialmente diversas reuniões do mesmo:

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Dois anos depois, já em 2011, quando o mandato do conselho estava expirando, ainda se discutia a questão do papel do conselheiro. Em oficina realizada em reunião ordinária no dia 05 de agosto, um trabalho coletivo apontou para alguns entraves existentes, entre os quais a pouca clareza em relação ao papel do CAPPA. (POMPONET, 2012, p. 110).

A SEPLAN, por sua vez, buscou criar condições para o exercício do acompanhamento

do PPA, pelos conselheiros. Na primeira reunião ordinária, no dia 07 de junho de 2008, a

Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA) realizou uma oficina com os conselheiros, na

qual: O processo de concepção, implementação, acompanhamento, monitoramento, avaliação e retroalimentação do PPA 2008-2011 foi apresentado, tanto nos seus aspectos conceituais e operacionais, como no seu rebatimento nos territórios. A programação anual territorializada foi discutida a partir das especificidades dos territórios e para cada território foi disponibilizado um Relatório da Programação anual Territorializada. (ATA..., 2008a, p. 6).

Nesta oficina ficava claro outra dificuldade do Estado para o cumprimento de sua

própria estratégia de desenvolvimento territorial, pois foi demonstrado que: Com base nas informações disponibilizadas, que podem ser alteradas pelas modificações orçamentárias, a programação do PPA para 2008 envolve R$ 4,6 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões foram programados na categoria Estado e portanto não serão territorializados. (ATA..., 2008a, p. 6).

A baixa territorialização do PPA reduzia o escopo das ações que eram prioritárias para

o CAPPA acompanhar, o que não significa, entretanto, que eram poucas as territorializadas.

Além de serem reduzidas, as ações orçamentárias não eram relacionadas diretamente às

demandas dos territórios, mesmo quando eventualmente estas estavam sendo atendidas.

Pomponet chama atenção sobre o volume das ações orçamentárias no PPA 2008-2011 e a

dificuldade de um monitoramento por parte da sociedade civil: O fato de não ter sido desenvolvida uma metodologia para o acompanhamento do plano dificultou a atuação dos conselheiros, o que também foi apontado em reunião. O problema torna-se maior principalmente quando se considera que o PPA foi composto por 105 programas finalísticos e mais de duas mil ações orçamentárias. Essa amplitude e complexidade tornam o acompanhamento mais difícil, sobretudo quando não se dispõe de uma metodologia adequada. (POMPONET, 2012, p. 114).

Some-se a isso, o fato de as propostas advindas das escutas sociais dos territórios não

terem sido inseridas em um sistema integrado de planejamento, ficando aportadas na

SEPLAN, mas sem vínculo objetivo com os Programas e Ações das Secretarias. A SEPLAN

trabalhou com uma lógica de bifurcação da construção do PPA 2012-2015. De um lado,

processou a montagem do Plano, através de seu aporte técnico, do Mapa Estratégico que já

tinha desenhado, das orientações do Governo Federal quanto às novas definições para o PPA

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da União, envolvendo o conjunto das secretarias do Estado, definindo os conceitos e as bases

dos programas e do orçamento, qualificando o modelo em relação ao PPA anterior. Por outro,

iniciou a escuta social, para a construção do PPA Participativo, em paralelo, sem se preocupar

com a necessidade de se ter em mãos, primeiro, as demandas sociais, para depois se construir

os Programas. Assim, a escuta social foi tomada como o PPA Participativo, dando-se um

tratamento a este como se o mesmo fosse à parte do PPA propriamente dito. O resultado das

escutas territoriais, portanto, ficou “de fora” da confecção das Diretrizes, dos Programas e das

Metas do PPA. Assim, as inserções das propostas sociais deveriam ser atendidas

indiretamente, ou serem absorvidas por vontade política dos secretários em suas respectivas

pastas.

Quando ocorria de atender tais demandas, a apuração do cumprimento deste

atendimento não era claramente evidente. Pois nenhum dispositivo foi implementado para

informar, no sistema de informação do Estado (SIPLAN), quais e quando as propostas sociais

foram adotadas pelas secretarias específicas; e nem houve uma condução centralizada para

fazer as secretarias cumprirem os pleitos da população, ou mesmo um estudo de viabilidade e

adequação dos mesmos; ou, ainda, uma seleção mais criteriosa e com o fito de reduzi-los a

um operacional possível de aproveitamento dos mesmos. Com milhares de propostas, a

sociedade, por sua vez, não priorizou nem pactuou uma base mínima de execução, para ser

negociada com objetividade ao longo dos quatro anos.

Resta ainda analisar o fato de que os territórios ainda não tinham seus Planos

Territoriais de Desenvolvimento Sustentável, parte deles estava em processo de construção.

Assim, o ponto de aterrissagem das políticas públicas no território não fora criado antes, nem

depois, ficando soltas as propostas, frouxos os compromissos, precários os instrumentos de

planejamento e confusos os instrumentos de monitoramento, que desse ao CAPPA condições

mínimas de acompanhar a execução. O Sistema Integrado de Planejamento e Execução do

Estado – SIPLAN não tinha uma linguagem e uma operacionalidade acessíveis aos

conselheiros. Somada esta situação com a inexperiência dos conselheiros, seu baixo nível de

articulação com os Colegiados, o ineditismo da experiência, e a insuficiente organização

política da sociedade no campo do monitoramento das contas públicas, o resultado efetivo da

gestão social do PPA 2008-2011 ficou prejudicado.

A análise das Atas do CAPPA revela um Conselho em atuação permanente, mas com

uma produção efetiva de sua tarefa, quase nula. Consumido por ausências de instrumentos

adequados e informações pouco objetivas ao seu trabalho, por debates e iniciativas que

giravam em torno de sua legitimidade, do seu valor ou da sua desvalorização e pouco

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reconhecimento por parte do conjunto do governo, o CAPPA tentou ocupar um espaço

político que não tinha e nem era capaz de realizar, uma vez que sua atuação ficou

desvinculada, na maioria das vezes, dos Colegiados Territoriais e do conjunto da política

territorial. Parte de seus representantes não tinha uma vivência territorial, nem participava da

militância das esferas do controle social. Todas as reivindicações do amplo arco da política

territorial passavam por ele, mas sem diretrizes e embasamento de organização social para

realizar suas estratégias.

A alta rotatividade e a baixa participação nas reuniões e seminários de formações de

boa parte dos conselheiros não ajudou a elevar a performance do Conselho (POMPONET,

2012). Ademais, esta realidade revela a precipitação da montagem de um conselho desta

natureza no bojo das plenárias territoriais, quando se iniciava o processo participativo

territorial. A CET se colocou, inclusive, contrária a este método, e propunha à época eleger os

conselheiros nos Colegiados, em outro momento, com mais critério, o que o Governo não

acatou.

Não se tinha uma maturação social instalada nos territórios, que estivesse dada no

momento das plenárias e organizada para assumir o cargo de conselheiro do CAPPA. Esta

tarefa poderia ter sido construída com maior cautela e dentro de um processo mais discursivo

e com critérios. Dallabrida (2007) teoriza sobre o aspecto da capacidade social para a

condução de seus interesses hegemônicos, ao formular o conceito de “redes de poder sócio-

territorial”. Este conceito tem como hipótese o fato dos indivíduos terem motivações

diferentes, induzidas por desejos e necessidades individuais, mas os mesmos vivem em

grupos, se relacionam e conformam interesses coletivos e passam a se articular no entorno

destes, formando as redes. Assim, segundo Dallabrida (2007a): Criam-se, então, as condições de exercício do poder, podendo direcionar suas demandas comuns às instâncias onde são tomadas as decisões. Assim, nos diferentes processos de concertação social, constitui-se um conjunto de lideranças possuidoras de posição hegemônica localmente, que passam a formar o chamado bloco sócio-territorial. (DALLABRIDA, 2007a, p. 8).

O CAPPA não chegou a ser uma expressão de um nível de organização sócio-

territorial. As redes presentes nos territórios de identidade na ocasião não estiveram em

condições de se organizarem para ocupar este espaço. Assim, o Conselho foi constituído em

bases precárias, com pouca capacidade de intervenção. A pulverização da representação e a

falta de uma articulação das redes representadas no Conselho, a partir de uma base territorial,

esvaziou o Conselho do poder necessário que precisava ter para ser um instrumento real de

pressão política

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A despeito desta situação, parte dos conselheiros se esforçou para cumprir a sua tarefa

e fiz seu papel na medida das condições objetivas disponibilizadas. Muitos deles tinham

clareza da situação e cobravam enfaticamente do governo as posições necessárias para o

complemento do modelo. O trabalho de Pomponet (2012), com base em análise minuciosa

das atas do CAPPA aponta um conjunto destas cobranças e críticas dos conselheiros, como a

destacada abaixo: As primeiras dificuldades, no entanto, foram percebidas ainda na primeira reunião ordinária, realizada em junho de 2008. Um dos grupos da oficina de trabalho solicitou “Definir com clareza as ações dos órgãos de governo para os territórios” e também “Definir com clareza o orçamento estadual por secretaria para os municípios e territórios”. (POMPONET, 2012, p. 86).

A regionalização das ações do Estado não foi devidamente programada e a estrutura

regional instalada não sofreu nenhuma adaptação ao novo recorte territorial. Segundo

Pomponet (2012), no PPA 2008 - 2011: [...] cerca de três quartos dos recursos estimados para a execução do plano, ao longo de quatro anos, estão alocadas no item “Estado”. A Constituição Federal de 1988 determina que todos os recursos alocados no PPA devem estar regionalizados. Ocorre, porém, que a alocação no item “Estado” é considerada regionalização. Na prática, isso significa que somente investimentos em obras costumam estar devidamente regionalizados. A aquisição de produtos diversos e os recursos aplicados no pagamento de pessoal encarregado com atividades finalísticas nem sempre são regionalizados, o que gera distorções no acompanhamento. Apenas 25% dos recursos estão distribuídos entre os 26 Territórios de Identidade, excetuando-se o item “Estado”. (POMPONET, 2012, p. 80).

Por sua vez, o Plano Plurianual é um instrumento de planejamento e não obriga,

necessariamente, a execução financeira e orçamentária do que traz no seu bojo. Em geral, no

Brasil, o orçamento, quando materializado na Lei Orçamentária Anual – LOA, geralmente,

não está de pleno acordo com o planejado no PPA, nem em conteúdo, nem em metas. Com o

foco no PPA, o controle social ficou reduzido e não chegou a controlar o nível de coerência

entre um instrumento e outro.

Na gestão de Walter Pinheiro à frente da SEPLAN houve um esforço para uma

intervenção do CAPPA no Orçamento, através da inclusão de propostas na LOA de 2009.

Registra-se a fala deste Secretário na ata da reunião ordinária do CAPPA, realizada em 10 de

julho de 2009: [...] o orçamento não deve funcionar como uma caixa fechada, o que implica a necessidade de maior participação da sociedade [...] não adianta a participação da sociedade no Plano Plurianual, sem que o processo tenha continuidade quando são elaboradas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Com base nessa constatação, o Secretário orientou os conselheiros do CAPPA a promover plenárias nos respectivos territórios com o objetivo de colher sugestões para a LOA 2010. (ATA..., 2009a, p. 1).

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O Secretário do Planejamento estava ciente das distorções entre o PPA e o Orçamento,

e buscava agir para corrigir tais procedimentos. E cobrou dos conselheiros este compromisso:

“Walter Pinheiro disse que a crise torna ainda mais necessário incluir no orçamento apenas o

que está previsto no PPA” (ATA..., 2009a, p. 1). Os conselheiros foram solicitados a

escolherem três ações prioritárias a serem inseridas diretamente na LOA, com base numa

eleição a ser realizada em plenárias territoriais. Estas ações deveriam, como exposto pelo

Secretário do Planejamento, ser retiradas das proposições já apresentadas nas plenárias da

escuta territorial do PPA Participativo. Mas o pouco tempo e as dificuldades de se reunir

alguns colegiados para tal pleito foi tratado pela Comissão Executiva do CAPPA, em sua

reunião de 24 de julho de 2009: [...] fala da escassez do tempo para a realização de grandes assembleias nos Territórios e que no Sertão do São Francisco, por exemplo, não se tem como reunir nem mesmo o Colegiado antes do dia 13 de agosto. Diz que a Executiva precisa deliberar sobre qual será o fórum que irá deliberar sobre as prioridades dos territórios, para evitar confusão. (ATA..., 2009b, p. 2).

Novamente, o CAPPA apresentava-se com dificuldades para realizar a gestão que lhe

cabia. O prazo para entrega oficial do PPA à Assembleia Legislativa era 30 de agosto de

2009. O tempo era curto e muitos conselheiros não tinham influência, nível de comunicação

ou habilidade para reunir uma plenária territorial, ou mesmo a plenária do Colegiado

Territorial. A Comissão Executiva resolveu agir com pragmatismo. Na mesma reunião,

registra-se: “Fica deliberado, por consenso, que o fórum deliberativo é o Colegiado e, na sua

ausência, a sua coordenação executiva” (ATA..., 2009b, p. 2-3). Assim, a forma como muitas

das prioridades foram escolhidas foi questionável, registrando-se alguns casos de escolha feita

pelo próprio conselheiro.

Em nova reunião extraordinária da plenária do Conselho, realizada no dia 08 de agosto

de 2009, os conselheiros trouxeram as prioridades dos seus respectivos territórios,

registrando-se a ausência de três territórios. Neste momento ocorre uma reflexão do papel do

Conselho novamente. Entregar as prioridades à SEPLAN estaria cumprida a responsabilidade

do CAPPA? Um conselheiro provoca a reflexão com o seguinte argumento: “Os trabalhos não

podem se encerrar somente com a listagem das prioridades, pois é inadmissível os

conselheiros viajarem, se hospedarem, gerando um custo elevado para o Estado, só para trazer

suas prioridades” (ATA..., 2009c, p. 3). Outro conselheiro chega a perguntar: “o que é preciso

fazer a mais que as prioridades?” (ATA..., 2009c, p. 3). Esta passagem deixa evidente a pouca

compreensão do Conselho quanto ao seu papel, mesmo diante da oportunidade de se inserir

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diretamente na LOA prioridades dos territórios. A resposta veio a seguir, pelo mesmo

conselheiro que havia provocado a discussão: “[...] é preciso saber em que momento serão

tratadas estas prioridades e se as secretarias viabilizarão a recepção das mesmas. Em caso de

mediação [...] acompanhar as discussões e ter retorno sobre o andamento, sugerir alternativas”

(ATA..., 2009c, p. 3).

As propostas foram todas sistematizadas pela SEPLAN, distribuídas por território e

por secretaria, inclusive por programa do PPA, tudo foi planilhado e entregue às Secretarias

Setoriais, um tanto intempestivamente, com pouco tempo para processar. O mesmo foi

entregue aos Colegiados Territoriais para acompanharem. Porém, o mais importante a

destacar é que, não houve, mais uma vez, uma centralização que obrigasse as secretarias a

cumprí-las e o processo de sua inclusão foi pouco efetivo, resultando em baixa realização.

Diante destas frustrações, o CAPPA chegou a propor ao Governo que definisse um percentual

orçamentário por território e por secretaria, que devesse ser executado, a partir da negociação

setorizada com cada território e secretaria, mas o Governo entendeu este caminho como

inviável.

O CAPPA pleiteava uma reunião com o Governador do Estado da Bahia para colocar-

lhe os problemas enfrentados no exercício de seu mandato e as questões mais gerais referentes

à política de desenvolvimento territorial. Na reunião de 10 de julho de 2009, o então

Secretário de Relações Institucionais, Rui Costa, garantiu aos conselheiros esta agenda: “[...] a

palavra foi franqueada novamente para o Secretário Rui Costa, que prometeu uma reunião

entre o governador e a Executiva do CAPPA para agosto” (ATA..., 2009a, p. 2).

O encontro com o Governador foi agendado para o dia 25 de agosto de 2009, das

18:00h às 19:30h, com a confirmação também dos dois Secretários membros do Conselho. A

Comissão Executiva se reuniu antes, pela manhã, para definir como deveria encaminhar a

reunião com o Governador, e depois, para avaliar a mesma. No Conselho, a discussão da

estratégia para o encontro com o chefe do Executivo baiano havia indicado a articulação da

Comissão Executiva com a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia –

CET, entendendo que a mesma também deveria participar da reunião, articulando ambos os

interesses que, entendia-se, eram os mesmos. Mas a CET não priorizou este encontro, apenas

um de seus membros compareceu à reunião da Comissão, para a qual havia sido convidada,

nem se fez presente na reunião com o Governador. Este fato retirou desta importante

oportunidade seu conteúdo mais politizado e mais abrangente, uma vez que a CET tinha

maior habilidade para tratar com as autoridades e maior domínio sobre a perspectiva mais

ampla da política de desenvolvimento territorial.

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Este momento representou o ponto mais alto da relação institucional do CAPPA. Estar

em diálogo específico com o Governador e dois dos seus secretários, por uma hora e meia era

uma oportunidade ímpar. A discussão na reunião de preparação, da Comissão Executiva,

perpassou pelos temas rotineiros no Conselho e estes foram consolidados numa pauta

acanhada. Registra-se abaixo algumas falas desta reunião, que demonstram a perspectiva da

Comissão Executiva para o momento: [...] diz que este Governo desejou este modelo de Territórios, mas quem está no Governo parece que desconhece o CAPPA. [...] disse que as iniciativas em relação à infraestrutura é o ponto de maior importância [...] questiona o fato de o CAPPA não ter acesso às informações prévias sobre as obras e ações do Governo nos Territórios, nem dos eventos políticos, envolvendo o Governador em suas visitas locais, diz que reivindicará ao Governador o direito de participação do CAPPA e da CET nas mesas, com direito à fala. [...] por que os deputados de oposição têm direito de falar nos eventos e o CAPPA não? [...] o CAPPA é tratado com importância política nos discursos [...] mas a maioria das secretarias não sabe, sequer, que ele existe. (ATA..., 2009d, p. 2).

Depois de amadurecerem seus pontos de vista, a Comissão Executiva definiu pelos

seguintes itens a serem tratados: i) Política de Desenvolvimento Territorial – envolvendo na

discussão a necessidade de reconhecimento do CAPPA pelas autoridades do Estado e pelas

Secretarias; Participação do CAPPA nos eventos oficiais com reconhecimento público do

papel dos conselheiros; Comando do Governador para as secretarias trabalharem com a lógica

territorial; ii) estrutura e condição material para o trabalho do CAPPA – sala de trabalho,

transporte, diárias; iii) participação do Governador na reunião ordinária do CAPPA no final

do ano de 2009; iv) posição contrária do CAPPA aos regimes de contratação especial pelo

Estado – Prestação de Serviço Temporário (PST) e Regime Especial de Direito

Administrativo (REDA); v) assegurar o cumprimento do PPA e vi) política de informação ao

CAPPA.

O Governador reconheceu as dificuldades do Governo, como um todo, entender a

lógica territorial e relacionar com os espaços e atores envolvidos nela e na participação social,

refletindo que este é um problema de mudança de mentalidade, que se processa com certo

tempo. E ainda: “reconhece que não tem chegado a si maiores informações de quais são as

obras do PPA [participativo] e afirma ser muito importante esta informação, para fazer jus às

demandas populares, no momento da inauguração das obras” (ATA..., 2009d, p. 2).

O Governador se comprometeu, ainda, em incluir os membros do CAPPA na

programação dos eventos públicos nos territórios, e também se declara aberto a rever o apoio

aos trabalhos dos agentes territoriais, que “deve ser visto com cuidado necessário para não

infligir a Lei, mas o que for possível ser feito, o Governo entende que será bom para a

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organização social” (ATA..., 2009d, p. 2). Seguindo os pontos da discussão, o Governador se

dispôs a participar da reunião do CAPPA e explicou porque o Estado ainda continua adotando

regime especial de contratação de funcionários: “[...] pessoalmente também é contra ao PST e

ao REDA, mas como gestor tem de submeter às condições concretas da máquina pública, mas

que seu Governo tem feito esforço para utilizar o mínimo de tais instrumentos” (ATA...,

2009d, p. 2).

Na reunião de avaliação, a Comissão Executiva ponderou que o resultado foi

satisfatório, que todos se posicionaram com “temperança e firmeza”. Concordaram que as

respostas do Governador, em parte, foram genéricas, mas de concreto, segundo avaliaram,

firmaram duas das reivindicações: “a primeira foi a inclusão do CAPPA nos eventos oficiais

nos Territórios, a segunda foi o pedido de agendamento junto à sua secretária para a sua

participação na reunião ordinária do CAPPA, em dezembro de 2009” (ATA..., 2009e, p. 1).

Entretanto, os pontos mais de acordo com a função restrita do CAPPA não foram

amadurecidos na Comissão, nem com o Governador. Para Pomponet (2012): Na reunião com o governador Jaques Wagner, por exemplo, os membros do conselho não conseguiram elaborar uma pauta prévia que se relacionasse às atividades de acompanhamento do plano. Foi-se, então, com uma pauta genérica que não se traduziu em resultados concretos. Isso apesar dos vários meses solicitando uma audiência com o Chefe do Executivo. (POMPONET, 2012, p. 103).

O CAPPA poderia ter apresentado uma proposta objetiva de um pacto orçamentário

em torno dos territórios de identidade com um processo de monitoramento mais eficiente,

como veio a propor, conjuntamente com a CET, mais tarde. Mas a Comissão Executiva do

CAPPA não tinha as condições necessárias para construir tal proposta. Quando veio a ocorrer

esta articulação, o CAPPA já estava em seu último semestre de vida legal, caminhando para o

seu encerramento institucional.

Assim, o PPA 2008-2011 transcorreu seus quatro anos de vigência sem revisão, ou

ajuste para uma territorialização mais efetiva. Sem, também, um monitoramento eficiente,

nem uma avaliação consistente de seus resultados. Programas novos foram criados ao longo

da gestão Wagner, sem estarem previstos no PPA, surgidos a partir da dinâmica sociopolítica,

como foi o caso dos Programas Saúde nas Estradas e o Pacto pela Vida, dentre outros, mas

sem inserir o tão debatido recorte territorial. No que pese as inúmeras reuniões ordinárias e

extraordinárias do CAPPA, de um conjunto de capacitação oferecido pela SEPLAN a este

Conselho, o mesmo, a despeito de sua rica experiência, não alcançou o êxito previsto na sua

criação.

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5.2 O fim do CAPPA – mutilação ou integração do corpo da política territorial?

Durante a gestão de Zezéu Ribeiro à frente da SEPLAN, em 2011, ocorreu a

realização do segundo Plano Plurianual Participativo 2012-2015 – PPA-P e, a partir dele, se

configurou as bases para uma pactuação entre o Governo e os Colegiados Territoriais,

articulada pelo CAPPA e pela CET, envolvendo a SEPLAN e o CEDETER. Neste período,

no bojo da pactuação, ainda no final da gestão deste secretário, o Governo também assumiu o

compromisso de manter o CAPPA funcionando e apontou para a confecção de um projeto de

Lei que instituísse um sistema de participação social no Estado, criando, assim, um marco

legal mais sólido e sistêmico para a participação social, nele incluída a política territorial.

Várias minutas de um instrumento legal foram desenhadas neste período, buscando conferir

um caráter sistêmico aos processos de participação. Depois, concluiu-se que não havia

condições políticas objetivas para um sistema de participação, que incluísse o regime de todas

as conferências temáticas, os diversos conselhos, fóruns e outros espaços de participação.

Reduziu-se, então, a delinear um instrumento jurídico que normatizasse apenas a dimensão

territorial da participação social e do desenvolvimento sustentável, em conjunto.

A primeira e única vez que houve uma articulação concreta em torno de um objetivo

claro, através de uma ação definida, entre o CAPPA e a CET foi no momento de construção

do Pacto do PPA Participativo. Na escuta social do PPA Participativo 2012-2015, ocorrida em

2011, o CAPPA conquistou um lugar destacado nas plenárias, a partir dos consensos antes

estabelecidos entre este Conselho, a CET e o Governo. Sua fala foi garantida em todas as

plenárias. Quatro representações foram definidas como permanentes nas aberturas oficiais das

plenárias da escuta social do PPA Participativo 2012-2015: da SEPLAN, da CET, do

Colegiado Territorial e do CAPPA.

Antes deste momento, o CAPPA havia tido espaço formal em evento público estadual

somente em 2007, quando acompanhou o Governador na entrega do PPA 2008-2011 à

Assembleia Legislativa e durante o primeiro Diálogos Territoriais - plenárias territoriais em

que o Governo retornou aos territórios para prestar contas da execução do PPA, ocorridos

entre abril e junho de 2010. Porém, mesmo nestes momentos, as falas dos conselheiros, com

poucas exceções, foram pouco politizadas, sem uma articulação construída em torno de uma

meta coletiva, sem se atentar para a própria pactuação que estava, naquela altura, sendo

discutida com a SEPLAN.

Nesta altura da pactuação, discutia-se também o destino do CAPPA. O Governo abrira

a discussão sobre a inadequação da existência de dois conselhos para uma mesma política de

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desenvolvimento territorial: o CAPPA e o CEDETER. O argumento era de que o CEDETER

era o espaço de concertação geral da política, o locus do planejamento e ajustamentos

estratégicos, bem como da macrogestão social da política e que, portanto, a gestão do PPA

deveria ocorrer em seu interior. Além do que, o reconhecimento dos Colegiados de

Desenvolvimento Territorial – CODETER, e sua homologação pelo CEDETER – ação

política que estava em curso, fortalecia este argumento. Os CODETER poderiam ser a ponta

da articulação entre o Governo e a sociedade nos territórios, devendo eles mesmos assumirem

a gestão local do PPA, e tratarem dos seus eventuais ajustes junto ao CEDETER, composto,

por sua vez, pelas representações dos próprios CODETER e das Secretarias de Estado. Para

isso, propunha o Governo, o CAPPA deveria ser transformado numa Câmara Técnica

permanente do CEDETER, com o mesmo papel de fazer a gestão social e controle público do

PPA.

Esta proposta, apresentada oficialmente ao CAPPA, foi rebatida de pronto pelos

conselheiros. Argumentava-se que acabar com um conselho de 104 representantes da

sociedade civil e substituí-lo por uma simples câmara técnica dentro de outro conselho, era

um retrocesso. O Governo argumentava em contrário, afirmando que seria mais empoderado,

pois estaria se relacionando diretamente com oito secretarias de Estado, dentro de um

conselho paritário. Os conselheiros do CAPPA e a CET se articularam para defender sua

posição e se organizaram para isso. Apresentaram propostas de instrumentos legais para

assegurar a permanência do CAPPA, até uma definição mais clara de como estruturá-lo.

Depois, buscaram compor uma proposta do referido sistema de participação social, e ainda

outro, tratando da sua preservação específica, independente das outras instâncias. Todo

esforço foi feito a fim de garantir a virada do ano de 2011 com a permanência do CAPPA. Os

conselheiros temiam pelo fim deste Conselho, a partir do que estava posto pelo Governo,

como fica claro na preocupação de um conselheiro, registrada em ata da reunião do Conselho: [...] manifestou preocupação com a evolução recente do conselho e opinou que o Governo não quer a continuidade do CAPPA, porque existe certa frieza e distanciamento. Ele observou que surgem comentários que o conselho será extinto e não há um posicionamento oficial sobre a questão e ressaltou que não foi convocado para discutir nenhuma proposta até então. Ele defendeu a construção de um modelo de conselho que favoreça a participação, a mobilização e a ação e apontou a necessidade do atual conselho elaborar um relatório sobre os quatro anos de atividades. (ATA..., 2011a, p. 1).

Nos diversos momentos que ocorreram no segundo semestre de 2011, em que o

CAPPA e a CET sentaram juntos com a SEPLAN para buscar um consenso, a sociedade civil

ali representada não abriu mão do Conselho. As duas instâncias chegaram a colocar em

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discussão um texto, apresentando argumentos em favor da manutenção dos dois conselhos e

reconhecendo suas especificidades, intitulado: “Argumentos a favor de um Sistema Unificado

de Participação Política e Controle Social Territorial, a partir da Existência de Dois

Conselhos”. Nesta altura, o foco estava somente na dimensão territorial da participação,

depois de desistir de criar um sistema geral de participação. Neste documento, o CAPPA e a

CET buscavam convencer o Governo de que os dois conselhos eram de natureza distinta e

complementares, devendo se manter a coexistência de ambos a partir de 2012 Destaca-se no

documento, primeiro, o reconhecimento dos avanços democráticos do Governo até ali: A decisão do primeiro Governo Jaques Wagner em implementar o PPA Participativo e, junto com ele, os Territórios de Identidade e o Conselho de Acompanhamento do PPA – CAPPA, bem como a abertura que vem sendo sustentada para o diálogo com os colegiados Territoriais e a Coordenação Estadual dos Territórios – CET é uma demonstração pratica e corajosa de uma postura democrática, inversa ao que se tinha na tradição política do estado [...] Em nenhum estado da federação se tem uma aparato institucional territorial mais expressivo e efetivo do que na Bahia. Esta conquista é de todos nós, Sociedade Civil e Governo. E representa a principal vitória política desta geração que combateu o autoritarismo elitista e chegou ao comando do Estado pela vontade popular. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 1).

Na sequência, o documento destaca os riscos de se perder as conquistas democráticas,

e alerta para a natureza rotativa do poder do Estado, que poderá retornar às mãos de grupos

hegemônicos conservadores e, principalmente, levar ao esfacelamento das conquistas: “[...]

conjunturas podem evaporar no ar e mudar completamente o quadro situacional das forças

políticas e dos humores do eleitorado, temos de [...] trabalhar para consolidar princípios e

estruturas que os assegurem” (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 1). O

documento ainda critica o Governo por não assumir a política de desenvolvimento territorial

como um projeto estratégico, engendrado na máquina do Estado, permanecendo restrita a

espaços específicos.

Para os autores do texto, a forma dada com dois conselhos era corajosa e avançada,

porém representava: “menos uma decisão racional de estruturação de uma estratégia

articulada dentro do projeto político do grupo hegemônico do Estado, e mais um arranjo

levado a frente por alguns de seus membros, notadamente dentro da SEPLAN”

(COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).

O documento parece combater a ideia de um CAPPA merecedor de ser extinto por

conta de sua incapacidade de cumprir seu papel, tal incapacidade, denunciavam, era mais por

conta das posturas do próprio Governo: “não se mexeu na estrutura da SGA/SEPLAN, nem

nos procedimentos da SPO, a fim de este Conselho cumprir sua tarefa [...] funcionou como

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um espaço de denuncia e cobranças daquilo que o próprio Governo não cumpria”

(COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).

Quanto às naturezas diferenciadas dos dois conselhos, o documento apresenta um

conjunto de características de ambos, nas quais o CEDETER se enquadra como o espaço da

estratégia territorial e o CAPPA como o espaço do controle social (COORDENAÇÃO... e

CONSELHO..., 2011b): O CAPPA é um Conselho, basicamente, composto pela sociedade civil, como deve sê-lo, por conta de sua natureza de controle social. E encerra o maior número relativo de representantes da sociedade civil numa estrutura institucional. Uma conquista histórica para a Bahia. Seu papel é o de manter vigília na execução das políticas públicas, de garantir aos territórios o direito de pressionar pelos compromissos do PPA-P [...] A sua separação do CEDETER é mais do que lógica, e necessária. Ele é um Conselho da esfera da fiscalização das contas públicas, vinculado à política orçamentária e dedicado à sua correção e condução ética. [...] O CEDETER [...]tem o papel de promover a reflexão estratégica da política territorial, bem como as concertações necessárias à mesma e o fomento de novas iniciativas e de políticas públicas. Localiza-se, portanto, no campo estratégico e de planejamento e seus certames políticos dizem respeito a dinâmica do jogo de forças políticas e de interesses divergentes em torno das decisões de investimento e de formas de desenvolvimento da política territorial. Seu campo de atuação é mais vasto do que o do CAPPA, mas não mais importante, apenas diferente, ainda que seu espectro de atuação seja maior (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).

Note-se que a intervenção social na perspectiva de assegurar o CAPPA foi

significativa. Ao final das discussões, o Governo, através da SEPLAN, declarou que manteria

o CAPPA enquanto conselho. A minuta de um Decreto foi elaborada, tratando,

provisoriamente apenas do CAPPA. Projetava-se em 2012 elaborar e aprovar uma Lei

envolvendo toda a dimensão territorial, na qual se regulasse o CAPPA, o CEDETER, os

CODETER e a CET.

Entretanto, o ano de 2011 chegou ao fim, realizando a previsão mais pessimista dos

conselheiros quanto ao destino do Conselho: 31 de dezembro de 2011 foi também o fim do

CAPPA. O mesmo ocorreu de maneira abrupta, sem justificativa oficial, sem prestar-lhe

agradecimento pelo seu exercício, sem um discurso oficial em sua despedida. O Conselho

findou-se, achando os conselheiros que o mesmo iria continuar. Com a minuta do Decreto de

sua continuidade no prelo para ser publicada no Diário Oficial do Estado, após ter sido

pactuada com a SEPLAN e o Secretário Zezéu Ribeiro, o CAPPA foi extinto abruptamente,

por ordens alheias à SEPLAN.

Posteriormente, o Secretário José Sérgio Gabrielli veio a garantir a promulgação da

Lei 13.214, de 2014, estabelecendo o Marco Legal da Política de Desenvolvimento

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Territorial, e, nela, a presença do CAPPA como Comitê de Acompanhamento do Plano

Plurianual do CEDETER. Seus membros passaram a ser os representantes da sociedade civil

titulares do próprio CEDETER.

A instância de participação é uma premissa da democracia participativa. As formas

diversas que tais instâncias podem tomar são resultado dos processos históricos de cada

território, das experiências políticas emanadas de suas territorialidades. Na Bahia, a

experiência de uma territorialização da gestão pública do desenvolvimento, implementada por

um Estado, dirigido por forças políticas progressistas e conservadoras, a partir da

institucionalização de espaços de governança, participação e controle social, tendo por base a

divisão do estado em 27 territórios de identidade, é uma ocorrência de valor histórico,

importante para o estudo no campo do desenvolvimento.

Primeiro, porque se trata de um dos maiores estados da nação, com uma grande

diversidade, marcado por desigualdades sociais e regionais profundas, por culturas também

heterogêneas. Segundo, porque a tradição política baiana sempre foi marcadamente

autoritária, patrimonialista e clientelista. E a gestão pública, tradicionalmente, estabeleceu um

modelo centralizador, concentrador e voltado ao litoral e à capital. Desta forma, instituir uma

nova cultura da relação Estado-sociedade, institucionalmente pautada em diálogo e voltada

para a inclusão da diversidade, para a descentralização e a desconcentração econômica e

política, considerando a dialética daí decorrente, com todos os vieses e com toadas as

contradições que possam ser encontrados, implica numa experiência a ser, no mínimo,

descrita e observada.

Portanto, a partir de 2007, o PPA Participativo, juntamente com um conjunto de outros

espaços e processos de diálogo direto entre o Estado e a sociedade, na Bahia, inauguraram

uma experiência política nova no estado, uma vez que encerram contradições reveladoras do

estado da arte da cultura política vigente e das condições materiais e institucionais para o

engendramento de uma modernização democrática. Mais do que julgar ou reduzir a análise

aos aspectos ideológicos, deve-se buscar analisar as condições históricas dadas, a partir de um

olhar multe escalar e interdisciplinar dos fenômenos.

É substancial aos estudos das dinâmicas territoriais do exercício do poder político

perceber a forma dialética como se engendra tais processos de modernização. No caso aqui

em análise, tem-se um Governo de alternância da tradição política do estado, que implementa

um conjunto de ações na direção da democratização do mesmo, na perspectiva da democracia

participativa, através de uma estratégia territorial. Tal estratégia, destaca-se, sendo, ela

mesma, algo pouco experimentado no país, conceitualmente ainda em construção intelectual e

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técnica, normativamente ainda verde e sem marcos legais consolidados. Não se trata apenas

de uma versão liberal de promover uma escuta social isolada para uma ação específica do

Estado. O Governo baiano exercita, com todas as dificuldades dadas, limitações e

contradições, um modelo de democracia participativa, ora com um vanguardismo

incontestável – sobretudo no campo da normatização e do estabelecimento dos espaços de

governança; ora com incapacidade de compreender a própria obra, ou de assumi-la, por conta

de falta de visão estratégica ou conservadorismo político.

A criação do CAPPA, no bojo da implementação dos territórios de identidade e de um

PPA Participativo, foi, ao mesmo tempo, uma inovação política considerável e um

pioneirismo institucional que apontava para a transformação do modelo político tradicional.

Sua gestão, porém, não acompanhou o intento de sua criação. O ideal, naturalmente, voa,

enquanto o material, também naturalmente, “marcha em terreno pedregoso”. O CAPPA

pareceu uma criação sem paternidade por parte da sociedade, e sem maiores cuidados por

parte do Estado. Atuou dentro dos espaços institucionais criados para o seu trabalho,

promoveu, pois, gastos públicos para o seu funcionamento, envolveu trabalho de diversos

órgãos e pessoas, o esforço pessoal e coletivo dos conselheiros, gerou documentos e registros

oficiais, traçou uma trajetória, fez história.

Cabe, entretanto, perguntar: o que ficou desta experiência para a sociedade e o

Governo? Que importância efetiva teve ao longo de sua breve existência? Sua ocorrência

promoveu maior transparência no exercício dos recursos públicos? Gerou estofo político para

os territórios no campo do controle social? As respostas a tais perguntas ainda precisarão ser

construídas, a partir de estudos dedicados às institucionalidades presentes na sociedade, para

entender de que maneira e em que nível se organizam e são capazes de intervir

territorialmente na dinâmica do poder político, nos rumos das políticas públicas. Abromovay

(2006) ao tratar da contribuição marshalliana para a compreensão do desenvolvimento, chama

atenção para o fato de que: A abordagem territorial, além disso, exige a análise das instituições em torno das quais se organiza a interação social localizada [...]. Se é assim, o estudo empírico dos atores e de suas organizações torna-se absolutamente crucial para compreender situações localizadas. É claro que estes atores provêem de vários setores econômicos e possuem origens políticas e culturais diversificadas [...]. (ABROMOVAY, 2006, p.2, grifo do autor).

Numa plenária ampla e irrestrita como foram as do PPA Participativo 2008-2011, sem

um amadurecimento prévio sobre o objeto a ser tratado, sem uma estratégia anterior às

mesmas para construir a ideia do CAPPA e aprofundar seu papel e sua importância e,

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sobretudo, com uma territorialidade que estava, junto com o próprio PPA Participativo,

apenas iniciando, não se podia esperar constituir um conselho sólido em sua representação

social, nem em sua capacidade operativa. Por sua vez, a tradição política não permitia uma

condição melhor do que a que veio a ter o Conselho, não com o modelo e metodologia

utilizados para sua constituição.

Os gestores que o conceberam talvez esperassem que as capacitações e o avanço da

lógica territorial fossem suprir tais limitações. Era tudo inicial, e feito no tempo do Estado e

suas obrigações legais. A CET ainda tentou adiar o momento e encontrar outra forma de

eleger o CAPPA, talvez esperasse que os Colegiados estivessem em melhores condições para

fazê-lo. Mas estes estavam institucionalmente e como representantes dos territórios, reduzidos

a seguimentos rurais, pouco diversificados e verdes no campo do controle social dos recursos

públicos e assim ainda permanecem. O edifício territorial institucional lançava suas bases,

mas elas refletiam mais a real situação de fragilidade institucional dos territórios e do próprio

governo do que as projeções conceituais e técnicas deste último.

Assim, a gestão social e a democracia participativa foram apenas parcialmente

exercitadas nesta experiência baiana, que construiu um pioneiro instrumento de controle

social, com base em uma estratégia territorial de desenvolvimento. O CAPPA deve ser visto,

não apenas como o espaço do controle social do PPA, ele era uma peça do arcabouço da

política de desenvolvimento territorial da Bahia, uma face do mesmo, aquela em que os

territórios exerceriam o controle social sobre o planejamento do Estado, notadamente daquilo

que rebatesse na esfera dos territórios.

Sua extinção deixou o corpo do arcabouço da política de desenvolvimento territorial

faltando um pedaço importante e necessário. O período que transcorreu entre o seu fim, até a

aprovação da Lei 13.214, de 29 de dezembro de 2014, que o retomou na forma de Comitê do

CEDETER, decorreram exatos três anos. De 108 representantes territoriais destinados a

cumprir a função específica de conselheiros do PPA, o Estado da Bahia terá, agora, onze

conselheiros que tratarão das questões estratégicas da política de desenvolvimento territorial e

também do monitoramento do PPA. Porém, o comitê não será mais, como fora o CAPPA,

restrito ao exercício de um PPA específico, sua existência é contínua. O aspecto estratégico e

o pragmático estão unidos, agora, num mesmo corpo institucional, sob a responsabilidade de

um mesmo organismo de concertação social e participação política territoriais – o CEDETER.

Outro aspecto relevante é o fato de que o PPA Participativo é o exercício da

participação social na esfera do planejamento do Estado, não na própria execução; ou seja,

não se trata de orçamento participativo. Este fato muito objetivo gerou uma dificuldade

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permanente no exercício do CAPPA, uma vez que os territórios eram chamados a

contribuírem com sugestões e demandas para um plano e não se definiu claramente se o

compromisso do Governo chegaria a uma espécie de pactuação orçamentária em torno das

demandas sociais.

Este hiato consumiu a relação do CAPPA com o Governo e determinou todos os

conflitos, as confusões e os desgastes ocorridos no seio do Conselho e em sua relação com o

Governo. Eleito como um conselho de acompanhamento de um planejamento público, o

CAPPA buscou agir como um Conselho de acompanhamento de um orçamento público.

Neste desencontro, nem o CAPPA, nem o Governo acertaram o passo e o resultado foi que

nem o PPA, nem as Leis Orçamentárias Anuais foram de fato monitoradas e aconselhadas

como pretendiam o Governo e o CAPPA, respectivamente. Neste sentido, a reflexão de Rover

e Mussoi (2011) pode ajudar a entender os resultados desta experiência baiana: Chamar os atores sociais para uma maior participação na decisão sobre as políticas públicas sem construir condições efetivas de que esta participação tenha algum poder de decisão sobre as peças orçamentárias que são destinadas a cada território local, pode resultar numa deslegitimação dos novos espaços de gestão social. (ROVER e MUSSOI, 2011, p. 76).

5.3 Os Colegiados Territoriais – As bases invisíveis do corpo

Na Bahia, uma leitura da institucionalidade estatal da política de desenvolvimento

territorial parece apontar que os Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER são

coletivos políticos que representam a diversidade social, política e cultural dos Territórios de

Identidade, e configuram as estruturas centrais do arcabouço da Política de Desenvolvimento

Territorial. Legalmente e teoricamente compostos por representações civis e dos poderes

públicos de cada Território de Identidade, os CODETER constituem, no arcabouço jurídico, o

corpo representativo dos interesses da diversidade dos territórios e atuam para fomentar,

articular, conquistar e defender políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento

sustentável dos territórios. Fundamentados a partir dos princípios de diversidade,

representatividade e legitimidade, estas estruturas colegiadas são dinâmicas e móveis,

pensadas para acompanhar a evolução da organização e das mudanças na sociedade dos

territórios.

Do ponto de vista da concepção do modelo baiano, os CODETER são compostos por

representantes dos seguimentos sociais, assim como dos poderes públicos municipais,

estadual e federal que estejam presentes nos territórios. São as sínteses institucionais da

existência da Política Territorial; sem eles não se pode afirmar que haja territórios, uma vez

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que representam o compromisso político e social com a afirmação destes espaços e a

existência oficial dos mesmos.

Mas há que se avaliar até que ponto tais premissas estão sendo cumpridas e de que

maneira funciona o conjunto da política de desenvolvimento territorial, sobretudo no que

tange ao exercício da governança, elemento chave para o sentido dos CODETER. As

articulações e organizações coletivas, em parte dos territórios de identidade, já estavam em

processo de efetivação, antes do Governo instituí-los. Esta realidade se apresentava nos locais

de maior presença de instituições de classe, de seguimentos produtivos rurais, de cooperativas

e associações produtivas locais ou regionais. Quando da implementação dos territórios rurais

do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, os grupos mais organizados e

participantes do processo de revelação dos mesmos se puseram a dialogar com o Governo

Federal e participar ativamente da revelação dos territórios.

Surgiram os Conselhos de Desenvolvimento Sustentável (CODES), tipicamente rurais,

mas com o intuito de se firmarem como redes de governança territoriais, ou seja, espaços de

convergência territorial dos diversos seguimentos econômicos, sociais, culturais,

institucionais. A partir daí, em um primeiro momento, um forte movimento se organizou para

a estruturação dos territórios e de suas redes. Uma rede estadual foi constituída, em forma de

Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, para coordenar no

estado o processo de implementação dos territórios, envolvendo organizações sociais, poderes

públicos estadual, federal e municipal. Em seguida, a partir de 2007, com a institucionalização

dos territórios de identidade, oficialmente são denominados de Colegiados de

Desenvolvimento Territorial, notadamente a partir do Decreto 12.354 de 25 de agosto de

2010, que instituiu o Programa Território de Identidade, o Conselho Estadual de

Desenvolvimento Territorial – CEDETER, e os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento

Sustentável – CODETER: São Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs os fóruns consultivos de discussão local das ações e projetos de desenvolvimento territorial, compostos paritariamente por representantes dos poderes públicos estadual e municipal, e pela sociedade civil organizada, presentes na esfera de cada território. (BAHIA, 2013, p. 29).

De acordo com esta norma, os CODETER são reconhecidos institucionalmente e

passam a ter a prerrogativa de serem os espaços privilegiados para a concertação territorial.

No mesmo documento, consta a definição de dois critérios para o reconhecimento dos

CODETER junto ao CEDETER, ou seja, para o reconhecimento legal da representação

política dos territórios:

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I - diversidade dos seus membros, assim entendida a pluralidade da participação do conjunto dos atores públicos e privados pertencentes aos territórios de identidade; II - representatividade da sua composição, que deve reunir segmentos regionalmente organizados (BAHIA, 2013, p. 29).

As premissas da diversidade e da representatividade como condição para o

reconhecimento legal é um ato coerente com os conceitos oficiais de território de identidade e

indica uma coerência interna no arcabouço legal, para a afirmação de um modelo novo de

democracia participativa. O Estado não interfere no processo de constituição dos CODETER,

não o conduz, e participa do mesmo, a partir de uma ampla negociação local para a sua

composição – paritária, ou não, e diversa. Ao se analisar o conjunto das premissas

institucionais da política de desenvolvimento territorial da Bahia, observa-se um arcabouço

legal instituído intencionalmente para promover o desenvolvimento territorial e um processo

de governança das políticas públicas de desenvolvimento sustentável e inclusão sócio

produtiva. O Decreto Nº 12.354 decreta a instituição do referido programa Territórios de

Identidade com o propósito de “colaborar para a promoção do desenvolvimento econômico e

social dos Territórios de Identidade” (BAHIA, 2013, p. 28).

Segundo a Secretaria de Planejamento da Bahia, a adoção dos territórios de identidade

objetiva: “Identificar oportunidades de investimento e prioridades temáticas definidas a partir

da realidade local de cada território, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e

sustentável entre regiões [...]” (BAHIA, 2008d). Território aqui não se restringe a espaços

meramente físicos, mas unidades definidas a partir de uma suposta identidade das populações

e de seu protagonismo coletivo, cujo sujeito político, para o Estado, é o território e sua

representação legítima, os colegiados territoriais. Esta parece ser a questão definidora do

modelo baiano, uma vez que se insere no cenário político e institucional novos atores, cujos

interesses se pautam dentro de uma nova agenda política, qual seja, a do desenvolvimento

sustentável territorial. Este novo sujeito político requer espaços de poder e institui uma

gramática política nova, ao tratar de territorialidade e não de município, ou região,

potencialmente alterando a dinâmica das conquistas e barganhas de obras e investimentos,

tradicionalmente à cargo de prefeitos e deputados.

Em conformidade com a lógica interna do arcabouço da política de desenvolvimento

territorial, os CODETER seriam tomados como fóruns privilegiados de governança, nos

moldes tratados por Dallabrida (2007). Isso porque, a instituição dos mesmos, por

ordenamento jurídico estatal, como corpo representativo das bases do planejamento e

execução das políticas públicas, requer protagonismo e mediação constantes e de acordo com

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os projetos de desenvolvimento do Estado, não somente com os processos internos e

espontâneos de cada território. Neste desenho, o poder público deveria levar as grandes

questões determinantes para o desenvolvimento sustentável, tratando-as nos espaços dos

CODETER, com o conjunto da diversidade representativa, sem foro privilegiado para nenhum

dos seguimentos. E acolheria as proposições coletivas, pactuadas e aprovadas pela diversidade

representativa, a fim de balizar seus planos e suas políticas públicas.

Esta condição está sendo considerada até aqui de maneira superficial, por parte do

Estado. O Governo tem praticado apenas a escuta social territorializada do PPA. Em tese, o

PPA representa o compromisso do Governo para com o conjunto da sociedade, sem

discriminações ou hierarquias. As escutas sociais foram feitas em plenárias ampliadas, que

não se reduziam aos Colegiados. Apenas ao remeter aos CODETER a escolha das 20

prioridades para a pactuação do PPA Participativo 2012-2015, o Governo assumiu, na prática,

estes espaços como fóruns privilegiados de concertação. Ocorre, porém, que, as escutas não

foram de fato pactuadas, não se preocupou em definir critérios, respeitando a paridade das

propostas entre os diversos seguimentos, entre o rural e o urbano. Também não se permite

apreciar com profundidade os grandes projetos de logística, mobilidade, infraestrutura,

energia e transporte nos espaços dos CODETER. Estes projetos são tratados à parte, em

esferas fechadas de decisão e, quando ocorre escuta, a mesma se dá em forma de audiências

públicas, através da mediação do Ministério Público, como fica evidente na construção do

Porto Sul, em Ilhéus.

No que pese esta situação, um cotidiano transcorre e alimenta os CODETER. Diversas

demandas pontuais do Governo são levadas aos atores que estão à frente dos mesmos, tais

como mobilizações diversas de pessoas e organizações para participarem de eventos oficiais,

ou para compor um público alvo de certa política pública, ou ainda, para dá legitimidade a

processos de participação social, ou ajudarem na massificação de um procedimento que

precisa ser amplamente introjetado na sociedade. São essas lideranças, ainda, em sua maioria,

que compõem o corpo de militância da base social do Governo. As políticas públicas que

mais são introjetadas pelos CODETER, discutidas e acompanhadas são aquelas referentes à

agricultura familiar. Isto por conta do público presente nos mesmos serem hegemonicamente

ligados às causas rurais e as políticas participativas advirem do MDA.

O Estado acredita, porém, na parceria com os CODETER e os territórios. Inclusive

quando da construção do PPA Participativo 2012-2015, a estratégia envolvendo o CAPPA, os

CODETER e servidores estaduais, nos Grupos de Trabalho Territoriais, que se constituíram

para mobilizar, realizar reuniões locais, divulgar o PPA e sua metodologia, articular os atores

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e ajudar na realização das plenárias da escuta, foi tida como bem sucedida para o

aprofundamento da relação de governança territorial e aproximação entre Estado e sociedade

civil: Nesse processo, os integrantes do Conselho de Acompanhamento do PPA e os colegiados territoriais desempenharam papel fundamental, seja na articulação do processo, na mobilização social e na discussão das propostas elaboradas. Essa participação mais ampla converge com o propósito do Governo do Estado de fortalecer a parceria com a sociedade, o que constitui uma tendência na gestão das sociedades democráticas modernas, favorecendo a implementação do controle social e o exercício da cidadania (BAHIA, 2012, p. 36).

O reconhecimento público do Colegiado como sendo o sujeito coletivo oficialmente

autorizado pelo Estado para mediar o desenvolvimento do Território é a condição necessária

para dar corpo institucional e político, de fato, aos territórios, ou então não o dará

efetivamente. Pois, se o Estado tratar cada seguimento dentro do Território, de maneira a

situá-los numa dimensão territorial, mas atendê-los predominantemente de maneira

segmentada, não corroborará para a coesão e consolidação do território. Fato que ocorre

ordinariamente, quando, por exemplo, se estabelece mesas de negociação com os diversos

movimentos sociais ligados à reforma agrária e à agricultura familiar, estabelecendo agendas

oficiais para atender as suas pautas específicas. Nestes momentos, os movimentos não tratam

de questões estratégicas e territoriais, mas tão somente das suas demandas mais imediatas.

Esta prática, inclusive, vem levando os movimentos a se retirarem dos Colegiados

Territoriais, pois estes não são espaços efetivos de deliberação e definição orçamentária por

parte do Governo.

Ademais, como ficou evidente na reunião do CAPPA com o Governador em 2010, o

Governo não estabeleceu uma relação com os Colegiados de maneira a fortalecê-los dentro da

arena política. Boa parte das ações realizadas pelo Governo, quando advinham das escutas,

nem mesmo o Governador era informado (RELATÓRIO..., 2010a), nem se publicizava este

fato. O próprio Governo, portanto, não reconhecia nem capitalizava tal fato, o que abria

espaço para os parlamentares e prefeitos fazê-lo: A principal queixa apresentada pelos membros da comissão que compõe o Colegiado é que não existe reconhecimento pelas demandas apresentadas pelo fórum quando são executadas. Conforme reclamação corrente, deputados estaduais e federais se fazem presentes às solenidades de inauguração, capitalizam as realizações para os respectivos mandatos e não se reconhece o trabalho de discussão e reivindicação dos Colegiados (RELATÓRIO..., 2010a, p. 1).

Este fato permanece e configura a fragilidade dos Colegiados. A despeito de o

Governador ter assumido junto ao CAPPA que passaria a registrar as origens das obras

quando estas fossem advindas das escutas sociais e de incluir a representação territorial nos

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atos oficiais, mas isso não correu. Nos Diálogos Territoriais de 2010, registra-se em relatório:

“Outro problema apontado é que as iniciativas propostas pelo Colegiado, quando executadas,

não são atribuídas à mobilização do órgão ou às suas sugestões, o que dificulta a consolidação

do Colegiado junto à sociedade, assim como sua maior legitimidade” (RELATÓRIO...,

2010b, p. 1).

Já em 30 de abril de 2013, a CET encaminhava ofício ao Governador e à SEPLAN,

agradecendo a confirmação da presença do mesmo na reunião do CEDETER, agendada para o

dia 08 de maio de 2013, na qual seriam apresentados dois documentos:

A Pauta Estratégica para a consolidação da Abordagem Territorial na Bahia e [...] a Nota Pública da Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia, recentemente publicada nos jornais de grande circulação e na Rede Nacional de Colegiados Territoriais (COORDENAÇÃO..., 2013b, p. 1).

Na Nota Pública, denunciava-se que o Governo não apresentava firmeza na decisão

estratégica de: “[...] fortalecer o controle social das ações governamentais, confiando

unicamente nas relações federativas e partidárias, estabelecidas a duras penas e com grande

comprometimento ideológico” (COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 1). Aqui, a CET se remetia à

pouca atenção do Governo para com as demandas sociais, os espaços e as representações da

governança territorial. A Nota ainda segue denunciando: “Não cumpriu os termos do ‘Pacto

do PPA-P’; O CAPPA foi sumariamente extinto sem qualquer discussão; O CEDETER está

vergonhosamente, congelado, sem se saber os motivos técnicos ou políticos para isso”

(COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). Abromovay (2006), ao refletir sobre a necessidade de

tomar o rural brasileiro enquanto territorialidade, para avançar na compreensão de suas

potencialidades enquanto lugar de vida e economia, conclui: “Constituir novas instituições

propícias ao desenvolvimento rural consiste, antes de tudo, em fortalecer o capital social dos

territórios, muito mais do que promover o crescimento desta ou daquela atividade econômica”

(ABROMOVAY, 2006, p. 16).

Parece evidente que a reunião com o Governador, e, antes dela, com a SEPLAN,

ocorreu por força da repercussão na mídia da referida Nota Pública. A CET ainda não havia

levado à arena midiática uma ofensiva ao Governo até ali. Esta atitude de maior confronto se

deu no contexto da inatividade do CEDETER e na iminência de realização dos Segundo

Diálogos Territoriais, previsto para ocorrer entre março e junho de 2013, sem diálogo com a

CET. Assim, os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – CODETER têm, a

despeito de sua fragilidade representativa e de seu pouco poder político, marcando posição

constantemente, através da CET. É fato também que, apesar das limitações do Governo em

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absorver a política de desenvolvimento territorial e assumir os seus espaços de concertação e

governança territoriais, também não a abandona.

Entre a elaboração do PPA 2008-2011 e o ano de 2013, houve avanços significativos,

com uma maior territorialização dos Programas e das entregas do PPA 2012-2015. Criou-se o

CEDETER; revelou-se o 27º território de identidade – Costa do Descobrimento, operou-se um

convênio da SEPLAN com o então Instituto das Águas – INGÁ no valor de R$ 3. 417.326,00

para apoiar a organização dos Colegiados Territoriais e os Comitês de Bacia (este convênio

foi interrompido quando se havia investido a metade dos recursos). Reconheceu-se os

CODETER como os sujeitos prioritários de interlocução com os territórios de identidade;

deu-se início a homologação dos CODETER junto ao CEDETER; o Plano de Longo Prazo

Bahia 2023 dedicou uma parte somente para a política de desenvolvimento territorial; criou-se

uma diretoria de territorialização das ações na Superintendência da Agricultura Familiar; a

Superintendência de Ensino Profissionalizante estabeleceu os Centros Territoriais de

Educação Profissional, a Secretaria da Cultura instituiu-se fundamentada na territorialidade

dada; foram realizados dois Diálogos Territoriais – abril a junho de 2010 e abril a junho de

2013. E, já em dezembro de 2014, um Marco Legal foi promulgado, garantindo-se todo o

arcabouço que estava em voga e ampliando o controle social do CAPPA (enquanto Comitê do

CEDETER) para além do PPA, chegando até a Lei de Diretrizes do Orçamento – LDO e a Lei

Orçamentária Anual – LOA.

Portanto, a situação referente aos aspectos políticos é bastante complexa e

contraditória, não se pode tomar a experiência apressadamente como uma ocorrência muito

avançada e dentro de uma ideia, como afirmava o Governo da Bahia, de “Revolução

Democrática”. Mas também não se deve tomá-la como uma farsa ou uma política meramente

populista e de fachada, como querem alguns críticos do Governo. É fato que a

implementação de uma lógica territorial no planejamento do Estado implica algum nível de

compromisso com o rompimento do fisiologismo político e do particularismo, comuns nos

processos tradicionais de implementação das políticas públicas. E, como ocorre, mesmo não

assumindo até as últimas consequências a lógica do modelo, o Governo sustenta uma

experiência rica, apoiada e compartilhada por parte da sociedade civil, que pode estar

contribuindo para uma nova relação Estado-sociedade e para o amadurecimento de uma

consciência social participativa no território da Bahia como um todo e nos territórios de

identidade, em particular.

Estas contradições, explicam o fato de, hoje, os Colegiados serem, ainda, pouco

diversificados, com pouca capacidade de intervenção local, em seu conjunto, e indica a

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necessidade de o Governo agir no sentido de seu fortalecimento, o que implica reconhecer seu

papel representativo e forçar situações de deliberação do investimento público no âmbito

territorial. Isto, naturalmente, forçará um movimento para dentro dos Colegiados. Quem tem o

poder para isso é o Governo e não os sujeitos sociais simplesmente, muitas vezes enviesados

que estão de seus atarefamentos corporativos, fisiologismos, corporativismos e egoísmos. Há,

portanto, uma decisão estratégica de construção contra hegemônica, que está nas mãos do

Governo. Em outras palavras, a pauta territorial é o compromisso efetivo com a plataforma

progressista contemporânea e ela prescinde de uma opção clara de rompimento, ao menos

relativo, com os processos de “troca de favores eleitorais”. É uma estratégia de consolidação

de bases sociais organizadas e protagonistas, para além de uma gestão de governo.

Este novo amálgama é substancial para a construção estratégica contra hegemônica,

visando elevar o estado da arte das gestões estadual e municipal dentro da Bahia para uma

qualidade superior em termos da efetividade das políticas públicas. Em termos de resultados

de curto e longo prazos para o desenvolvimento sustentável e a descentralização da riqueza e

das oportunidades. Afinal, ao se colocar em um Plano Territorial de Governo as diretrizes do

PPA, vinculadas ás demandas sociais, e ao fomentar que os Territórios sentem-se, discutam e

elaborem seus Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – PTDS, é de se esperar

que o desdobramento natural seja um tratamento convergente das questões centrais, num

movimento governamental sólido e articulado para implementar o “caminho do meio”,

definido como o bom senso, o pacto mínimo para o bem geral daquele território

Portanto, o que se deve ter como premissa elementar para o funcionamento do

arcabouço territorial da política de desenvolvimento na Bahia é a realidade da composição

social dos 27 CODETER. Esta tem sido a questão de fundo para a definição de muitos pontos

que estão fragilizados no contexto desta política. Sendo os CODETER as bases do edifício

territorial, as questões que lhe dizem respeito afetam todo o conjunto.

A dialética observada é a seguinte: o Governo não assume politicamente os espaços de

concertação territorial para além da escuta do PPA, e não pactua no orçamento a realização de

qualquer parte destas escutas – nenhum programa até 2013 efetivamente foi submetido à

qualquer nível de deliberação nos CODETER; não se considera os Planos Territoriais de

Desenvolvimento Sustentável – PTDS como parte do Planejamento da SEPLAN; não se faz

propaganda institucional sobre os territórios e sua lógica democrática; mas exige-se dos

mesmos CODETER que sejam representativos, contenham a diversidade social e produtiva do

território, atuem com visão estratégica, capacidade técnica e habilidade política.

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Sem aporte de poder deliberativo, os CODETER permanecem como espaços pouco

valorizados pelo conjunto social e, sem representação social adequada ao modelo. Não são

tomados na prática, pelo Governo, como espaços com força política suficiente para mediarem

ou concertarem as políticas públicas. Por isso, o Governo não os tem como atores de barganha

efetiva. Por conta desse conjunto de situações a homologação dos mesmos junto ao

CEDETER vai sendo prorrogada, na espera da solução do problema. Desde o Decreto de

criação do CEDETER, que indica a homologação dos CODETER, publicada em 26 de agosto

de 2010, até o momento, nenhum Colegiado Territorial foi ainda homologado: “A primeira

homologação dos CODETER deverá ser realizada pelo CEDETER no prazo máximo de 01

(um) ano, a partir da data de publicação deste Decreto [...]” (BAHIA, 2010b, p. 28).

A despeito de situações como esta, Rover e Mussoi (2011) afirmam:

A cultura política nacional ainda existente, com vícios históricos, como o patrimonialismo e os procedimentos clientelistas no trato da coisa pública, potencializa as forças tradicionais dominantes dos territórios. Estes vícios serão, ainda algum tempo, fatores limitantes de processos que realmente levam a uma gestão pública mais democrática e integrada. (ROVER e MUSSOI, 2011, p. 77).

5.4 O CEDETER e a formação de um corpo visível para a Política Territorial - entre o

planejamento e a execução de políticas públicas

A criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial, a partir do Decreto

de número 12.354, de 25 de agosto de 2010, foi um desdobramento intrínseco do movimento

geral da criação da política de desenvolvimento territorial na Bahia. A primeira peça

institucional a efetivar os territórios foi a Lei 10.705, de 14 de novembro de 2007, que

instituiu o Plano Plurianual 2008-2011. A primeira aparição institucional do termo “ território

de identidade” está grafada na apresentação da mesma, assinada pelo Governador Jaques

Wagner: As plenárias do PPA Participativo foram realizadas nos 26 territórios de identidade que compões o novo mapa do desenvolvimento do Estado e foram delimitados a partir do sentimento de pertença da população e da teia de relações sociais e econômicas a partir daí estabelecidas, o que permite o planejamento e a execução de políticas condizentes com as necessidades e potencialidades locais. (BAHIA, 2007 p. 12).

Depois, surpreendentemente, no corpo da Lei, o termo território não aprece. Quando se refere a especialização dos investimentos, utiliza-se o termo “região”:

Art. 4º - O Poder Executivo encaminhará ao Poder Legislativo Relatório Anual da avaliação para apreciação da execução do plano plurianual com o objetivo de apresentar os resultados alcançados com a execução do plano, comparando com a

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proposta inicial, com destaque para os atributos: valores, produtos região e município. (BAHIA, 2007, p. 18)

Os territórios estavam dados, o CAPPA havia já sido eleito, e toda a argumentação do

Governo era em torno da descentralização administrativa e da desconcentração do

desenvolvimento, para o qual foram criados os territórios de identidade. Mas a Lei não

registra o locus geográfico do investimento como sendo estes; região é uma expressão, neste

contexto, vago. O que fica mais desencontrado ainda quando no corpo da peça do PPA, o

texto técnico referente à “Estratégia de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Bahia”

(BAHIA, 2007, p. 45), se discorre sobre as “Diretrizes Estratégicas” e, dentre elas, figuram as

“Diretrizes Estratégicas Territoriais”. De saída, o texto reconhece: “Para a formulação e

implementação das ações do Governo, adotou-se a priori o conceito de Território de

Identidade utilizado pela Coordenação dos Territórios e Movimento da Agricultura Familiar e

MDA” (BAHIA, 2007, p. 53). Mais à frente, esclarece sobre a diferença entre o conceito

baiano e o do MDA e da necessidade de se engendrá-lo no Estado:

Como esses territórios foram originalmente delineados para atender a um programa específico do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) cujo foco era a Agricultura Familiar, para que se defina e utilize os Territórios de Identidade como unidade de planejamento e de intervenção de políticas públicas é fundamental que se amplie e se aprofunde com as populações envolvidas a diversidade e a dinâmica econômica dos espaços rurais e urbanos. (BAHIA, 2007, p. 55).

O texto aponta sutilmente para um continuum do processo de implementação dos

Territórios e da necessidade de uma construção dialógica, que perpasse pelo engendramento

das bases conceituais e integre o urbano e o rural. Mas a visão estratégica fica demonstrada no

parágrafo seguinte, revelando uma compreensão articulada por parte do Governo quanto aos

motivos de se adotar a abordagem territorial para o desenvolvimento: Uma das prioridades do atual governo da Bahia é a redução das disparidades socioeconômicas e da pobreza que atinge de forma e com intensidade diferenciadas os diversos territórios do Estado. Daí a necessidade de se incorporar na formulação e na implementação do Plano de Governo uma estratégia de desenvolvimento que inclua a dimensão territorial, na qual a ação multi-setorial precisa acontecer de forma coordenada. Assim, os 26 territórios de identidade baianos requerem estratégias diferenciadas de intervenção, que respondam adequadamente aos seus problemas, necessidades e potencialidades. (BAHIA, 2007, p. 55)

Note-se que território é um conceito que implica um aperfeiçoamento da gestão,

através da integração das políticas públicas, alcançada por uma coordenação planejada das

mesmas, em cujos territórios de identidade, elas se materializem. Esta estratégia serve, pois,

para aproximar as ações de Estado junto às realidades locais e suas especificidades,

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diminuindo a distância entre o real e o planejado. Além dos aspectos da desconcentração dos

investimentos e da democratização das políticas, o Governo entendia a estratégia territorial

também como modelo de participação social permanente: Um dos objetivos específicos da estratégia do Governo visa estabelecer o debate permanente e participativo entre o poder público e os vários seguimentos da sociedade (organizada) acerca de suas reais necessidades, assim como das perspectivas do planejamento e desenvolvimento territorial e do Estado. (BAHIA, 2007, p. 55).

Mais uma vez, o discurso do Governo aponta para um regime institucional que garanta

a co-gestão pública através da sociedade civil organizada, e da gestão social do planejamento

territorial. Neste ponto, a necessidade de criação de espaços de diálogos estratégicos fica

clara. Assim, depois da Lei do PPA 2008-2011, o próximo instrumento institucional do

arcabouço territorial veio a ser o Decreto 11. 123, de 30 de junho de 2008, que criou o

CAPPA. Neste, reconhece-se os territórios novamente, quando trata da representação da

sociedade civil no Conselho: o Fórum de Acompanhamento do PPA 2008-2011 composto por

2 representantes de cada um dos, até então, 26 Territórios de Identidade eleitos nas audiências

públicas de elaboração do PPA 2008-2011, e seus respectivos suplentes. Em 2010, ocorreu

uma divisão do Territórios Extremos Sul, ficando sua porção norte denominada de Território

Costa do Descobrimento.

Mas não há neste Decreto nada que vincule os conselheiros ou os subordine aos

Colegiados Territoriais. Estes, até aquele momento sequer são citados nos instrumentos

legais, ainda que o diálogo entre eles e o Governo esteja se dando cotidianamente, desde a

transição de governo, no final de 2006. Por sua vez, ficava a cargo dos conselheiros fazer as

reuniões nos territórios para fins de acompanhamento do PPA e repassar as diretrizes do

CAPPA. O Governo ainda não havia se atentado, ao que parece, para o fato de, ao reconhecer

os territórios de identidade, se reconhecia novos entes políticos, pois que dentro do conceito

territorial, território implica relação política e de poder. Estes deveriam ser tratados como

agentes políticos de fato, o que implicava reconhecer-lhes uma representação política. A

eleição do CAPPA não representou este reconhecimento, pois fora feita nas plenárias abertas

da escuta do PPA 2008-2012, nas quais, os Colegiados Territoriais estavam diluídos no bojo

da participação irrestrita das plenárias.

Em seguida, o próximo instrumento normativo do arcabouço territorial foi a Portaria

Conjunta da SEPLAN e da SERIN, de número 001, de 08 de julho de 2008, que nomeou os

conselheiros eleitos nas plenárias. Ali, com apenas dois artigos, nomeia-se os cidadãos que

irão monitorar a execução do PPA. O Governo resolve: “Art. 1º - Designar os representantes

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dos Territórios de Identidade eleitos nas audiências públicas de elaboração do PPA 2008-

2011” (BAHIA, 2008b). Também se cala sobre os Colegiados Territoriais. As relações com

os territórios passavam pela intermediação da Coordenação Estadual dos Territórios de

Identidade da Bahia – CET, e pontualmente com representantes de Colegiados específicos

para assuntos também pontuais de Governo ou trazidos pelos territórios. Relações não

normatizadas por instrumentos legais.

A CET estava, desde o primeiro momento, ciente da necessidade de criação de um

espaço estadual de concertação territorial. E entendia que este deveria ser um conselho

estadual. As discussões se estenderam durante os dois primeiros anos da primeira gestão

Wagner, e mais oito meses, até que foi publicado o Decreto nº 12.354 de 25 de agosto de

2010, que instituiu o Programa Território de Identidade e, dentro dele, dois elementos

fundamentais ao arcabouço do modelo territorial de desenvolvimento: a criação do

CEDETER e o reconhecimento oficial dos CODETER. O corpo da política territorial ficou,

assim, de pé, com as partes constituintes necessárias ao seu funcionamento explicitadas aos

olhos jurídicos do Estado: Art. 3º - Fica instituído o Conselho Estadual de desenvolvimento Sustentável – Cedeter, fórum permanente de caráter consultivo, com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas e estratégias integrantes do programa Território de Identidade. [...] Art. 10º - São colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – Codeters os fóruns consultivos de discussão local das ações e projetos de desenvolvimento territorial, compostos paritariamente por representantes dos poderes públicos estadual e municipal e pela sociedade civil organizada, presente na esfera da cada Território (BAHIA, 2012, p. 66-67).

Agora, os Territórios de identidade passavam a ter uma representação política de fato e

de direito. Este reconhecimento, entende-se, é a base estrutural do arcabouço da política de

desenvolvimento territorial, uma vez que, sem ele, a divisão do estado seria mera repartição

geográfica do espaço baiano, sem um significado político-social.

Depois disso, no Decreto do PPA Participativo 2012-2015, de n° 12.578, de 08 de

fevereiro de 2011, passa, então, a aparecer a referência aos Colegiados Territoriais: [...] O PPA–P deverá considerar em toda a sua execução [...] O território de Identidade como o espaço de representação para a contribuição social, levando em conta as propostas dos Colegiados Territoriais referentes às políticas públicas de interesse comum dos territórios de identidade (BAHIA, 2012, p. 69).

A despeito de o CEDETER ter sido implementado, e os Colegiados Territoriais,

reconhecidos, através da criação de um Programa de Governo – o Programa Territórios de

Identidade, o restante deste nunca foi executado como tal. Os seus pressupostos decretados

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foram sumariamente ignorados, ficando as estruturas de participação funcionando à revelia do

Programa, tendo seus custos sendo bancados, no caso do CEDETER, pela SEPLAN, como

previsto no Decreto, e dos CODETER, através de convênios da SEPLAN com o MDA, de

outras fontes do MDA. Até a promulgação da Lei 13.214, de dezembro de 2014, os

CODETER não constavam institucionalmente no orçamento público estadual, no PPA.

O Programa Territórios de Identidade, note-se, não era do corpo do PPA, nem foi

incorporado por este após revisão, porque, inclusive, esta não veio a ocorrer. Em 30 de abril

de 2013, a CET encaminhava ao Governador e à SEPLAN a já referida “Pauta Estratégica

para a Consolidação da Abordagem Territorial”, e, entre os 11 pontos reivindicados, constava:

“Execução do orçamento do Programa Territórios de Identidade (SEPLAN)”

(COORDENAÇÃO..., 2013b, p.2). Portanto, no que pese a SEPLAN vir mantendo o apoio

aos CODETER e ao CEDETER, o Programa Territórios de Identidade não foi tomado pelo

conjunto do Estado como tarefa sua, nem mesmo pela SEPLAN, ou a SEDIR, à frente do

CEDETER, da maneira que poderia sê-lo, pois não houve apostes financeiros em nenhuma

iniciativa sistêmica e integrada aos territórios, a não ser através de Convênio firmado pela

SEPLAN com o MDA.

O CEDETER tornou-se o espaço estadual da concertação territorial e sua principal

autoridade estratégica. O conselho passou a ter a seguinte composição: representação paritária

entre Secretarias de Governo e representantes dos CODETER, sendo oito (08) representantes

de cada. E mais um representante do MDA (o Delegado do Desenvolvimento Agrário) e um

do Ministério da Integração Nacional. Este último nunca foi indicado, mantendo a sua vaga

garantida até a promulgação da Lei 13.214, de 2014, quando foi retirada.

O Conselho, segundo seu Decreto de criação, tem nove grandes competências a

desempenhar, dentre elas se destacam: propor diretrizes e estratégias para o Programa

Territórios de Identidade; definir critérios para a conformação de possíveis novos territórios e

para a admissão de eventuais mudanças de território por interesse dos municípios; criar

procedimentos para homologação dos CODETER; promover apoio institucional para atração

de investimentos; analisar propostas dos CODETER referentes ao seus desenvolvimentos.

Como se ver, um conjunto importante de atribuições, cujas decisões finais cabem ao

Governador. A SEPLAN preside o CEDETER e mantém a sua Secretaria Executiva, e a

Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional – SEDIR ocupa a vice-presidência.

Depois da Lei 13.214, de 2014, a SEDIR veio a ser extinta e se criou a Secretaria de

Desenvolvimento Rural (SDR), que passou a ocupar a vice-presidência, e a composição ficou

com onze secretarias e onze representantes dos territórios.

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Este instrumento também é pioneiro no cenário nacional, destacando-se seu caráter

paritário e propositivo, envolvendo-se com as dimensões estratégicas e com a divisão

administrativa do Estado. Quanto à ocorrência dos CODETER, o Decreto os normatizam de

forma bastante genérica e garantindo amplas autonomias aos mesmos, normatizando apenas

que os seus membros não serão remunerados e, no Artigo 10, § 2° determina: Caberá aos Codeters elaborar e aprovar, em plenária especialmente convocada para este fim, através do voto da maioria simples de seus membros constitutivos, seus regimentos internos, a serem homologados pelo CEDETER, nos quais constarão os deveres e atribuições dos seus componentes, a organização e a forma de seu funcionamento. (BAHIA, 2012, p. 67-68).

A normativa mais detalhada para a homologação dos CODETER ficou a cargo da

Resolução n° 002, de 25 de fevereiro de 2011, do CEDETER. Nesta, aproveitou-se, então,

para normatizar com maior detalhamento a existência dos CODETER, sua forma de

organização e seu papel no arcabouço da política de desenvolvimento territorial. Define-se o

que são os CODETER, quais as suas atribuições, as condições para sua normatização, os

critérios para sua composição e o seu funcionamento, o modelo genérico de sua forma de

organização e, finalmente, os passos para sua homologação. Destaca-se nas considerações

introdutórias da Resolução 002: “A necessidade de consolidação, de forma democrática, dos

Colegiados Territoriais enquanto espaços de decisões estratégicas do desenvolvimento”

(BAHIA, 2011. p. 1). A Resolução considera, ainda, “a necessidade de normatização dos

CODETER, visando a qualificação e inovação do planejamento e gestão das políticas

públicas” (BAHIA, 2011, p. 45).

O Estado reconheceu de maneira ampla o papel dos Colegiados Territoriais, definindo

seu espectro de atuações de maneira a torná-los os protagonistas da política territorial em

nível local, além de representantes oficiais dos territórios. Destaca-se das atribuições dos

mesmos: articular e coordenar os sujeitos territoriais; articular, acompanhar os arranjos

institucionais para implantação de projetos, programas e políticas no território; estruturar e

apoiar redes territoriais de caráter econômico, social e cultural; representar o território perante

entes públicos e privados, articulando ações federativas para o desenvolvimento (BAHIA,

2011). Quanto ao funcionamento, destaca-se pela importância: Art. 9°- Os CODETER deverão buscar a ampliação e o aprofundamento de temas que perpassem pelo planejamento e gestão, trazendo para debate questões estratégicas para o desenvolvimento sustentável, não se restringindo à operacionalização de programas e políticas públicas. (BAHIA, 2011, p.47).

Ocorre que o Governo não tem, até este momento, seus próprios planos territoriais,

nem tem acatado os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável (PTDS), fomentados

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pelo MDA e, até aqui, somente na agenda de ações futuras do Estado baiano. Isso ficou

registrado na primeira reunião do CEDETER com o Secretário José Sérgio Gabrielli, quando

interrogado por uma conselheira da sociedade civil sobre o que pensava da Política de

Desenvolvimento Territorial, entre suas respostas consta: O secretário José Sérgio Gabrielli afirmou que o Governo do Estado avançou na governança da política territorial, criando mecanismos para ouvir a sociedade, refletindo-se em um avanço democrático, afirmando também que falta o segundo passo, que é, a partir dos recursos existentes, sistematizar a política territorial para cada território. Isso o Governo do Estado ainda não tem, considerando-se que cada Território de Identidade é uma realidade com suas peculiaridades. [...] apesar dessa precariedade, os Diálogos Territoriais II, que estão sendo realizados em todos os 27 territórios de identidade, poderão contribuir para a construção dessas políticas territoriais. [...] o Território de Identidade não é só agricultura familiar. Faltam o comércio, serviços, o diálogo com as prefeituras municipais, com os consórcios públicos, dentre outros segmentos. (ATA..., 2013a, p. 2).

A definição de questões estratégicas de planejamento e gestão são aquelas que

definem a natureza da articulação territorial do desenvolvimento, e lhes dão sentido. De

acordo com a visão do Governo e da CET, reproduzida nos discursos do CEDETER, os

territórios são tomados como locus do planejamento estratégico e espaço de execução de

políticas públicas, devendo estes estarem de acordo com as realidades específicas dos

territórios e voltados para a solução dos óbices ao desenvolvimento, através do diálogo e da

cooperação entre governo e sociedade civil. Como a necessidade do território é exatamente

evitar o municipalismo dos investimentos e sair das armadilhas dos fisiologismos localistas,

para uma esfera estratégica, seu sentido é o de articular as políticas públicas e os atores a elas

relacionados, promover a cooperação dos entes federados, colaborar na definição das

prioridades territoriais, informar sobre as nuances do território e suas necessidades e

características mais importantes, tomando o conjunto dos municípios e das situações a serem

enfrentadas para a melhoria da vida no território.

Para este fim coletivista e de caráter integrativo, a Resolução 002 recomenda ao funcionamento dos CODETER:

[...] deverão empreender dinâmicas de trabalho e funcionamento, traduzidos por uma capacidade institucional adequada aos desafios inerentes à proposição, monitoramento e gestão de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento territorial sustentável, tendo, para isso, que implementar processos democráticos de coordenação e decisão, de modo a consolidá-los como espaços afetivos de gestão social dos Territórios de Identidade da Bahia. (BAHIA, 2011, p. 47).

Eis aqui um dos mais importantes problemas da política de desenvolvimento territorial

na Bahia. A composição dos CODETER deve se adequar a tal tarefa. A “capacidade

institucional adequada aos desafios” a que se refere a Resolução 002, remete a um nível de

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maturidade social que não está dado na realidade baiana, na maioria, senão na totalidade dos

territórios. Ademais, esta é a questão de fundo a ser resolvida no arcabouço desta política de

desenvolvimento territorial. Concorda-se com Abromovay (2000) quando define territórios: [...] não são entidades dadas de uma vez por todas por qualquer tipo de mão mágica ou de dotação natural. Eles são o resultado de formas específicas de interação social, da capacidade dos indivíduos, das empresas e das organizações locais em promover ligações dinâmicas, capazes de valorizar seus conhecimentos, suas tradições e a confiança que foram capazes, historicamente, de construir. (ABROMOVAY, 2000, p. 7).

Portanto, não se resolve tal fragilidade dos CODETER por decretos, ou mesmo por

políticas pontuais de algum seguimento ou setor da economia ou da sociedade. A

homologação dos CODETER, estabelecida dentro de prazos restritos, acabou sendo adiada

por várias vezes, pois os Colegiados Territoriais não conseguem se superar a contento para

conterem uma diversidade, representatividade e legitimamente constituídas, que dêm conta do

conjunto amplo das variações sociais, econômicas e culturais do território. O prazo está aberto

para a homologação, ainda em 2015.

Em 2015, O CEDETER consensuou em homologar os CODETER que cumprissem as

normativas estabelecidas pelo Conselho e que apresentassem uma composição “minimamente

aceitável”. Mas com o compromisso de promover políticas para superar esta fragilidade

representativa. Esta decisão, até o momento, garantiu a homologação da maioria dos

CODETER.

Ao discutir o problema das instituições, em seu livro seminal sobre desenvolvimento

rural: Paradigmas do Desenvolvimento Rural em Questão (2007), Arilson Favareto aponta

que as teorias institucionalistas e culturalistas, hoje, são a base para as novas ofensivas das

agências internacionais para o desenvolvimento rural e o combate à pobreza. O chamado

“novo rural”, termo comumente utilizado por tais atores, intelectuais e gestores públicos, deve

ser apreendido agora – notadamente dos anos 1980 para cá, a partir de uma abordagem

territorial.

As institucionalidades presentes nos Territórios de Identidade não são todas

conhecidas, nem delas se processou um estudo sistemático para apurar o estado da arte

institucional dos territórios. O Governo da Bahia não tem um estudo dedicado a conformar

um mapeamento integrado dos territórios de identidade, para obter uma visão mais complexa

dos mesmos. A Superintendência de Estudos e Informação (SEI), da SEPLAN, possui estudos

setorizados, e muito poucos possui dados territorializados. Com efeito, parece não priorizar

tais estudos.

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Destas instituições, muitas são reconhecidas e mapeadas, e outras tantas se relacionam

diretamente com o Governo, no bojo de políticas públicas específicas, ou para encaminhar

interesses particulares. Mas não se tem uma apreensão de conjunto com dados e informações

capazes de nortear as ações públicas de maneira consistente. De maneira a se ter o que

Abromovay (2000) e Favareto (2007) apontam: estudos consistentes sobre o comportamento e

a realidade institucional dos territórios.

O fato é que os CODETER estão fragilizados em sua representação da diversidade

social e de institucionalidades diversas. Estão, atualmente, basicamente compostos de

organizações da agricultura familiar, de comunidades tradicionais, movimento negro, órgãos

estaduais vinculados ao desenvolvimento rural e em menor escala à educação, prefeituras,

associações de mulheres, algumas ONGs e uma variedade de outras categorias em menor

presença (RELATÓRIO..., 2013a).

O CEDETER vem tomando boa parte do seu tempo em tentar resolver a questão da

homologação, mas sempre acaba por encaminhar tentativas de solução por dentro dos

Colegiados, ou seja, impondo-lhes prazos, pressionando as lideranças e os agentes de

desenvolvimento territorial – ADT, da própria SEPLAN, a trabalharem com maior esforço

para ampliarem o espectro da representação nos CODETER. Mas os resultados não têm

mudado.

Mais recentemente, em 2014, após o Programa financiado pelo Banco Mundial de

apoio ao desenvolvimento rural, denominado Bahia Produtiva, ter definido que os Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) e os CODETER são os espaços de

chancela dos projetos a serem financiados e executados pela Companhia de Ação Regional

(CAR), a SEPLAN defendeu no CEDETER, e este acatou, que os CODETER que não forem

homologados não terão direito à chancela.

Ao agir desta maneira, o CEDETER busca acelerar o processo de homologação e

pressionar determinados grupos que se posicionam de maneira a hegemonizar alguns

CODETER e resistir a mudanças, ou desconfiam de certos atores e instituições, consideradas

por eles como ameaçadoras, notadamente aquelas de cunho empresarial ou universidades e

institutos tecnológicos. Tal situação remete a se pensar em como fomentar o desenvolvimento

institucional dos territórios, de que maneira atuar para favorecer uma apropriação do

desenvolvimento por parte da sociedade? A reflexão de Favareto (2007) novamente é útil para

se pensar em respostas: Os agentes da inércia ou da mudança institucional são motivados por interesses, e para fazê-los prevalecer jogam com recursos acumulados em diferentes esferas da vida social em uma luta incessante. A mudança pode, assim, ocorrer tanto em

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decorrência de longo processo incremental como pode, a depender do êxito nas estratégias dos agentes nestas lutas pela imposição de seus interesses, ser motivada por rupturas ou transições mais aceleradas. (FAVARETO, 2007, p. 163).

A constatação de que ambientes os quais já têm determinadas morfologias sociais

locais, com um histórico de maior divisão dos diversos capitais – humano, cultural,

econômico, simbólico - são mais aderentes à mudanças institucionais, no sentido de

abertura à maior interação e dinamização da vida, (FAVARETO, 2007) demonstra que

fazer avançar um capital social “ali onde ele não existe” (ABROMOVAY, 2006) é muito

mais complexo e difícil. Caso da maior parte dos territórios de identidade na Bahia, hoje.

Favareto (2007) aponta duas lições aprendidas pela experiência de fomento ao

desenvolvimento levada à frente nas duas últimas décadas: a primeira diz respeito ao

fomento de formas descentralizadas de produção e à diversificação das economias locais.

A segunda é que: Mudança institucional pode até ser induzida, mas somente através de mecanismos cuja repercussão só se manifesta em termos de médio e longo prazo, seja pela via do aprendizado, seja pela via do acúmulo e conversão dos recursos mobilizados na direção da mudança. (FAVARETO, 2007, p. 163).

Para Favareto (2007) a questão central a que as iniciativas institucionalistas acabam se

esbarrando é o fato de as mudanças institucionais pela via da lógica territorial por elas

pretendidas serem “marcadas pelos limites de uma incorporação ‘por adição’ [...] e não como

um sinal de mudança institucional” (FAVARETO, 2007, p. 165). Abromovay (2006), por sua

vez conclui que a falta de estudos sistemáticos que gerem avaliações e estabeleçam certas

tipologias sobre o alcance e os limites da atuação das organizações de desenvolvimento rural

é: “um sério obstáculo para o avanço da reflexão a respeito” (ABROMOVAY, 2006, p. 12).

A preocupação de Abromovay pode ser estendida para a dimensão territorial dos

territórios de identidade na Bahia. As organizações sociais nestes espaços estão em estado

ainda pouco capaz de protagonizar uma articulação de interesses e conformar redes produtivas

que gerem lhames territoriais para uma intervenção mais empoderada.

Redes sócio-territoriais, com pactos territoriais e gestão territorial, a partir de uma

governança, tal qual formula Dallabrida (2007), dentro da realidade da política de

desenvolvimento territorial da Bahia, é algo colocado como possibilidade de futuro, como

projeto de seguimentos sociais e políticos não hegemônicos. Porém, a base institucional e a

definição dos espaços para a governança estão dados, e, em certa medida, funcionando. Sua

conformação legal é, destacadamente, avançada para a realidade brasileira.

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O que se observa é um exercício de escuta social constante e intenso nestes espaços, O

CEDETER, a despeito do tempo que ficou congelado, retornou à sua frequência normativa de

reuniões a cada três meses; todos os atuais 27 territórios de identidade têm, de uma maneira

mais organizada e consistente, ou de maneira ainda frágil, um embrião de CODETER. O

Contrato de Repasse entre o MDA e a SEPLAN, em execução, tem previstos 208 eventos,

envolvendo reuniões, oficinas, cursos, encontros estaduais, contemplando os 27 territórios..

Além deste, outros repasses do MDA com ONGs, também em curso, garantem mais recursos

e agentes espalhados pelos territórios.

A Bahia foi o Estado que nos últimos oito anos mais realizou Conferências Temáticas

Territoriais, o Estado tem, hoje, em ação ou já em previsão de atuar, a soma de 202 agentes

territoriais colocados em campo para articular políticas públicas, apoiar os CODETER, fazer

gestão social e de inclusão produtiva dos territórios, promover a cultura e as questões de

gênero, pesquisar e diagnosticar a realidade dos mesmos, entre outras ações.

Quadro 1 - Agentes e estruturas territoriais na Bahia 2015

Cargo/Órgão/Núcleos Secretaria

responsável Territórios que

atuam Situação atual

27 Agentes Desenvolvimento Territorial (ADT)

SEPLAN 27 Defasagem de 5

27 Representante Territorial de Cultura (RTC)

SECULT 27 Quadro completo

Assistentes Territoriais do Projeto Bahia Produtiva (AT)

SDR/CAR 27 Quadro completo, dando

início às atividades

14 Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial

(NEDETE) com 2 componentes em média cada um

MDA/CNPQ 19

Compostos de equipes com 4 ou 5

componentes, sendo o coordenador vinculado a

instituição de Ensino Superior, dando início às

atividades Projeto Margaridas (27 agentes

territoriais de promoção da mulher rural)

Secretaria de Promoção da

Mulher (SPM) 27

Previstas no Projeto, mas ainda não funcionando

Serviço Territorial de Apoio à Agricultura Familiar (SETAF) SDR 27

Em processo de implementação

Centros Territoriais de Educação Profissional

Secretaria de Educação-

31

Em pleno funcionamento com diversos cursos, de

acordo com as vocações econômicas do território

sede Fonte: ROCHA, 2015

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Destaca-se entre estes agentes, os 27 ADT da SEPLAN e os 27 representantes

territoriais de cultura da Secretaria de Cultura (SECULT), que são funcionários públicos,

contratados para cargos especificamente territoriais, vinculados, por sua vez a uma

Superintendência de Territorialização da Cultura. A presença destes atores cumpre um papel

importante para assegurar a presença mais constante e de maneira mais próxima do Estado

nos territórios, uma vez que eles residem nos seus respectivos territórios de trabalho. Os ADT

são solicitados por diversas secretarias e agem como um articulador geral dos sujeitos

territoriais e entre o Estado e os CODETER. Há uma reivindicação destes, assumida também

pela CET, de realização de concurso público para este cargo, uma vez que são contratados em

Regime de Dedicação Especial – REDA, com validade de dois anos, renovável por mais dois.

No momento de finalização deste texto, a CAR contratou mais 27 funcionários, a

partir de seleção pública, para exercerem o papel de Assistente Territorial, um em cada um

dos 27 territórios.

Mas é certo que, sem uma definição estratégica de conformar os territórios de

identidade, utilizando-se da influência mais efetiva do Estado para mobilizar os sujeitos

territoriais e oferecê-los oportunidades de governança real sobre conteúdos concretos, com

impacto orçamentário, dificilmente os territórios serão mais do que são. As iniciativas para

construir Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável vêm ocorrendo, sem as

presenças efetivas do Estado. Por outro lado, o MDA, que os financia, não tem empenhado

esforço político suficiente para torná-los objeto de negociação federativa. Na Bahia, 11

territórios têm seus PTDS reconhecidos pelo MDA: Irecê, Sisal, Chapada Diamantina, Litoral

Sul, Sertão do São Francisco, Velho Chico, Baixo Sul, Itaparica, Sertão Produtivo, Bacia do

Rio Corrente, Bacia do Jacuípe, mas estão defasados ou necessitando de ampla qualificação.

Uma experiência recente apontou para a possibilidade de construção de um desses

planos, envolvendo o Governo, o grande empresariado e o CODETER. Isto ocorreu no

Extremo Sul, território relativamente organizado, com conflitos marcados em torno dos temas

sociais e ecológicos, e com a presença de grandes multinacionais de celulose. O Conselho de

Desenvolvimento Sustentável do Estado (CODES-BA) negociara, em separado com a

empresa de celulose FIBRIA, sem a participação da SEPLAN e do CODETER, um Plano de

Desenvolvimento denominado de Plano de Desenvolvimento Sustentável da Costa das

Baleias, em 2013, abrangendo os municípios que a empresa tem presença. Quando, então, ao

tomar conhecimento, o CODETER provocou o Governo e disse não aceitar um Plano, por

mais que tivesse sendo feito com base em assessoria qualificada, que não ouvira o Colegiado,

nem considerou todo o acúmulo do mesmo até ali. Isso fez o Governo retroceder e incluir o

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CODETER no bojo da construção. O resultado foi, pela primeira vez, a construção de um

PTDS com a participação do grande capital e dos seguimentos sociais da pequena agricultura,

movimentos ecológicos, sindicatos, organizações não governamentais, representados pelo

CODETER. Portanto um fato político e administrativo novo e de grande valor para a

estratégia de desenvolvimento territorial.

O CODES-BA ficou de montar o modelo de governança do Plano. Mas este processo

está parado, sob pressão do CODETER para que a SERIN monte o Comitê de Governança do

Plano. Aqui, chama-se atenção para o fato da exclusão da SEPLAN do processo, algo que

revela a pouca coesão interna do Governo em relação à política de desenvolvimento

territorial. Esta é uma oportunidade de construir um piloto para uma governança em bases

mais objetivas, haja vista que no acordo com o Governo, um recurso de R$ 4,5 milhões já está

pactuado. A depender de como funcione este modelo e seu resultado, pode-se tomá-lo como

um modelo a ser adaptado em outros territórios.

O Governo tem em mãos uma boa oportunidade, uma vez que, no processo de

construção do plano, com participação do CODETER, houve uma aproximação mais

qualificada dos atores envolvidos. Pôde-se dizer o que cada um pensa; a empresa ouviu os

protestos ecológicos e os ecologistas pôde ouvir a empresa de maneira direta e com base em

uma abertura para se pactuar soluções para o desenvolvimento sustentável. Para Dallabrida

(2007b): É fundamental que seja através de processos de concertação social que a sociedade de uma determinada região organizada em suas redes de poder sócio-territorial, democraticamente, se proponha a construir consensos mínimos que representem as decisões acordadas naquele momento histórico, no que se refere à superação dos seus desafios. Isso implica na participação cidadã dos diferentes atores sociais, econômicos e institucionais, como protagonistas do processo (DALLABRIDA, 2007b, p. 48).

A postergação da esfera de gestão do Plano, de maneira, inclusive, descuidada, sem

explicações ou elementos claros que a justifiquem, demonstra a ausência de interesse, ou falta

de percepção para um processo rico e que envolveu dezenas de atores e um esforço coletivo

grande, no qual o próprio Governo fora o mediador. Até aqui, portanto, a execução das

políticas de desenvolvimento permanece diluída no PPA, sem base técnica e estudos mais

aprofundados e sem planos territoriais complementares ou suplementares ao PPA. Este, por

conta de sua dimensão participativa e territorial tem sido tomado pelo Estado como o plano

geral da política territorial. Esta situação ficou clara na fala do secretário José Sérgio

Gabrielli, ao responder o que entende quando o Estado afirma serem os Territórios de

Identidade locais de planejamento e execução de políticas públicas, em reunião do

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CEDETER, realizada em 18 de março de 2013: “Considerar o Território de Identidade como

unidade de planejamento, quer dizer um planejamento de PPA, cíclico. Nesse momento a fase

é de executar. Nessa fase o papel do CEDETER é diferente, pois o PPA está consolidado”

(ATA..., 2013a, p. 4).

Nos registros da relatoria do “Seminário de Consolidação da Política de

Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia”, realizado entre os dias 06 e 07 de maio de

2013, a fala do referido Secretário, ocorrida no dia 07, discorre sobre a Política de

Desenvolvimento Territorial e as confusões que existem - tanto por parte de algumas equipes

de Governo, quanto dos Colegiados e da CET, sobre sua forma de operação. Gabrielli chamou

atenção para o seguinte: “A execução da Política Territorial não é responsabilidade do

Conselho [CODETER], mas sim de órgãos como a Empresa Baiana de Agropecuária

(EBDA), CAR, Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), etc.” (RELATÓRIO..., 2013, p.2).

Enquanto outro membro do Governo entende que os CODETER são: “Conselhos criados pelo

Estado para fortalecer a democracia participativa, os conselhos fazem parte da estrutura de

gestão do Estado, não administrativa direta, mas de gestão das políticas públicas”

(RELATÓRIO..., 2013, p.3). Um representante da sociedade civil formula a mesma questão

de outro modo; para ele os CODETER são: “locais de encontro das demandas da sociedade

com as ofertas de atuação governamental, auxilia na administração das ações do Estado”

(RELATÓRIO, 2013, p.3).

Percebe-se, pois, a natureza ainda confusa dos entendimentos de mútuas as partes sobre a

gestão territorial do desenvolvimento. Não por acaso, registra-se no relatório que o objetivo do

mesmo era, exatamente: “Ajudar no alinhamento conceitual dos integrantes de CODETER,

CEDETER, gestores públicos [...]” (RELATÓRIO, 2013, p.1). Neste seminário, a CET buscava

apurar os conceitos e os entendimentos, para sua posterior e já agendada reunião com o

Governador. Registra-se: “O que é estratégico deve ser trazido para a reunião com o Governador,

a questão é como legitimar a Política Territorial, através de uma Lei ou não” (RELATÓRIO,

2013, p.4). No mesmo seminário, parece ficar consensuado que a questão central a ser tratada

com o Governador é: “buscar a legitimação política” (RELATÓRIO, 2013, p.4). Outro

participante explica com maior clareza: Deve-se pensar em instrumentos legais, leis, políticas, ao invés de Programa Estadual de Desenvolvimento Territorial, pois novos governantes geralmente tendem a criar seus próprios programas e abandonar os programas anteriores existentes. (RELATÓRIO, 2013, p. 4).

A questão mais evidente é a divergência entre o Estado e os CODETER quanto suas

matrizes genéticas. Para o Estado, CEDETER e CODETER são estruturas de Estado,

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submetidas aos trâmites legais e vinculadas à sua autoridade, atuando como espaços de

concertação e mediação, monitoramento e controle de políticas públicas, mas estabelecendo

um vínculo institucional, tal qual os Conselhos Temáticos Constitucionais. A diferença estaria

em sua maior autonomia, uma vez que o Estado não impõe critérios para suas composições, a

não ser os princípios da diversidade, legitimidade e representatividade, de maneira genérica.

Para os CODETER e a CET, os Colegiados são autônomos em sua vida política;

pertencem aos territórios; são livres para qualquer posicionamento político, estabelecendo,

porém, uma relação institucional com o Estado, submetendo esta relação a uma regra

institucional necessária a este. Por outro lado, o que mais reclamam do Estado é que este lhes

financie suas despesas de custeio, apoie seus quadros representativos, garanta seus

funcionamentos. Mas, no que pese as diferenças, para o Governo, o fato de pertencerem à sua

jurisdição não quer dizer sua total absorção pelo Estado. O Secretário José Sérgio Gabrielli,

assim se posiciona: “O CODETER não pode se tornar um aparelho do Estado. O CODETER

e o CEDETER são organizações do Estado nos quais a sociedade participa. Um conselho é

um objeto de interação do Estado com a sociedade” (RELATÓRIO..., 2013, p. 2).

É nítido o aspecto inacabado do arcabouço geral da política de desenvolvimento

territorial na Bahia e a conformação de um campo político ainda em construção, marcado por

vieses e contradições e, sobretudo, por algumas indefinições institucionais e políticas por

parte do Estado e de clareza e homogeneidade da situação entre os CODETER e a CET. Hoje,

portanto, o modelo da Política Territorial da Bahia articula as instâncias representativas da

sociedade civil, as representações das esferas públicas e os espaços institucionais de

planejamento e gestão do Estado, caracterizando uma estrutura de democracia participativa e

de controle social de políticas públicas com potenciais nada desprezíveis para vir a ser uma

estratégia de contra-hegemonia ao conservadorismo hegemônico que ainda persiste na cultura

política do estado.

Entretanto, o Governo não está utilizando estes instrumentos e seu potencial

transformador como precisa e pode ser utilizado. A base desta Política Territorial – os

CODETER apresentam-se, no conjunto, com grande fragilidade representativa e

organizacional, carecendo de maior capacidade técnica e conhecimentos práticos de gestão. A

máquina do Estado planeja superficialmente com base nos territórios e o nível de execução

orçamentária territorial do PPA segue a mesma tendência. A maioria das secretarias, sequer

compreende a lógica e a estratégia dos territórios. Na sua já referida “Pauta Estratégica para a

Consolidação da Abordagem Territorial na Bahia”, a CET pontua, no tópico “Compromisso

governamental”, os seguintes itens para serem resolvidos:

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Recomendação direta do Governador aos dirigentes para incorporação da abordagem territorial nas secretarias e órgãos públicos; incluir os Colegiados Territoriais nos processos de concepção e execução das políticas públicas; territorialização dos órgãos públicos (EBDA, ADAB, DIREC, DIRES, CAR, outros) (COORDENAÇÃO..., 2013, p. 2).

Este espectro de pendências permanece de maneira relativa no seio do CEDETER,

compondo seu pano de fundo, à frente do qual se encena os avanços e os conservadorismos da

política de desenvolvimento territorial da Bahia. O processo de territorialização dos órgãos

públicos ficou congelado até a gestão Rui Costa, a partir de 2015, realizar a reforma

administrativa, mas o fez de maneira parcial. Quanto ao esperado “comando central” do

Governo para que as setoriais obriguem-se a operar dentro da lógica territorial, o que implica

participarem ativamente dos CODETER e estabelecer concertações permanentes com os

mesmos, além de planejarem e executarem com base nos territórios, este continua sendo

reivindicado. A despeito de possuir oito secretarias em sua composição13, o CEDETER ainda

não ocupou o espaço político que precisa, para engendrar uma estratégia de desenvolvimento

territorial que vá além da realização do PPA.

5.5 A CET e o dilema da Governança: participação social versus institucionalização

A Coordenação dos Territórios de Identidade da Bahia (CET) vem desempenhando

importante papel na construção da política de desenvolvimento territorial, desde seu

surgimento em 2003. Atuou, inicialmente, como uma rede de governança, no processo de

implementação dos territórios de identidade, conjugando as percepções e os interesses dos

seus componentes, resultando na configuração do mapa dos 26 territórios de identidade.

Depois, num processo de baixo para cima, um movimento surgido no território Extremo Sul,

levou à divisão deste e ao surgimento do 27° território de identidade, denominado de

Território Costa do Descobrimento, que veio a ser oficializado pelo CEDETER em 04 de

maio de 2011e incluído no PPA 2012-2015: O plenário deliberou pela aprovação do pleito, conforme consenso para publicação de Resolução que: aprova o pleito de constituição do território autodenominado “Costa do Descobrimento”, composto inicialmente pelos seguintes municípios: Belmonte, Eunápolis, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro (ATA..., 2011b, p. 2).

A CET é o principal interlocutor territorial com o Estado e sua atuação tem ajudado a

definir o conjunto do arcabouço da estrutura institucional e parte dos rumos da política de 13 Com a Lei 13.214 de dezembro de 2014, passaram a ser 11 Secretarias de Estado e 11 representantes de

CODETER na composição do CEDETER.

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desenvolvimento do Estado. Esta coordenação não tem identidade jurídica, funcionando como

uma rede de articulação, mobilização, organização e representação dos Colegiados

Territoriais (CODETER). Neste aspecto da representação se encerra, hoje, algumas

contradições ou incongruências na vida política da CET. Ao longo dos últimos oito anos, a

relação do Estado com a CET foi-se adaptando às circunstâncias objetivas. Era clara sua

feição de rede de governança no seu início. Mas ao longo do tempo, o esvaziamento dos

órgãos públicos federais e estaduais, e a redução da participação das prefeituras em seu seio,

tem fragilizado esta forma de rede de governança. Porém, a CET não abre mão de afirmar que

seja uma rede.

No momento de criação do CEDETER, o debate sobre sua natureza foi apresentado

pelo Estado, pois a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial parecia

cumprir o papel da rede de governança, uma vez que se tratava de um espaço de composição

paritária entre Estado e CODETER e ainda com a presença do Governo Federal. Quem

representaria os Colegiados nesta estrutura? A CET foi considerada, então, a representação da

Sociedade Civil no CEDETER, e acabou por aceitar esta situação, mas mantendo a

contradição presente, pois não mudou seu regimento nem o seu discurso de rede de

governança. No regimento está grafado: Art. 1° - A Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia (CET) será composta por Organizações Populares, Movimentos Sociais, Entidades e Instituições não-governamentais e governamentais que tenham trabalhos pautados em desenvolvimento sustentável nos Territórios, nas seguintes categorias: a) Representantes dos Colegiados Territoriais (membros de entidades da sociedade civil ou poder público); b) Representantes de entidades, movimentos ou organizações da sociedade civil de caráter estadual/nacional e instituições públicas de caráter estadual/federal, na proporção de 70% e 30%, respectivamente (COORDENAÇÃO..., 2011c, p. 1).

Este caráter de rede, sobretudo com a participação de órgãos estaduais, implica uma

certa contradição, uma vez que, como representante da sociedade civil no CEDETER e em

geral em face a seus posicionamentos, muitas vezes de pressão sobre o Governo, com

posições divergentes, a CET toma posição em favor dos CODETER. E ao tomar tal posição, o

faz em nome dos territórios. Mas, um membro do Estado que possa estar ocupando lugar na

CET, não pode se posicionar em contrário a este, uma vez que é um servidor e não pode

prescindir de sua condição corporativa de membro do Estado, que, inclusive, é submetido a

hierarquias claras.

Tudo estaria dirimido se a governança fosse dentro de uma lógica meramente formal,

ou baseada em regime corporativista, do tipo totalitário ou populista/varguista. Mas não o é.

Outra incongruência é a sua condição de liderança política dos CODETER – que são as redes

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de cada território, composta por sociedade civil e poderes públicos, na hora de mediar com o

Governo Estadual os interesses da sociedade civil. Não fica muito claro quando se deve

separar sociedade civil de rede de governança. Ora a CET é uma representação de uma

governança geral e dada em todas as esferas do edifício territorial, ora é apenas porta-voz da

sociedade civil. Para um de seus membros esta situação dupla não compromete a CET: O conselheiro Ubiramar Bispo, Mazinho questiona: qual o papel da CET? E afirma que os representantes da CET no Cedeter são da sociedade civil e que a CET representa a governança do poder público e da sociedade civil, apresentando-se como uma Rede de Governança (ATA..., 2013b, p. 4, grifo nosso).

Outro fato que precisa ser melhor definido é a sua natureza política. Sem Cadastro

Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), a CET existe como uma livre associação dos CODETER

e dos órgãos públicos que queiram a ela se filiar. Em tese, ela não tem uma existência legal, a

qual possa permitir uma relação mais jurídica com o Estado. Esta dificuldade ficou patente no

processo de discussão sobre o Marco Legal da política territorial, em 2014. O Estado defendia

que a eleição dos conselheiros do CEDETER advindos dos CODETER fosse feita em uma

Conferência Territorial Estadual, convocada pelo Governador, a fim de legitimar tal processo

e inseri-lo na institucionalidade necessária à suas relações.

A CET defendia que se deixasse como já era, a eleição dos conselheiros dos

CODETER deveria se dar numa plenária da sua base. Ao final, o Estado acabou prevalecendo

e a Lei 13.214/2014 estabelece que a eleição dos ditos conselheiros se dará em conferência

convocada pelo Governador. Este fato institucionaliza ainda mais a relação do Estado com os

CODETER e retira da CET certo poder, ainda que, nos quadros de hoje, pode-se afirmar que

uma conferência de CODETER seguirá os mesmos padrões políticos atuais, tendo as

lideranças da CET à frente da condução da mesma e mantendo a liderança política desta

Coordenação.

A CET inspirou a criação da Rede Nacional de Colegiados Territoriais, que

conformou-se no Brasil, articulando todos os Colegiados do país, representantes dos

territórios rurais do MDA. Uma das lideranças mais atuantes para a criação da Rede Nacional

foi Ubiramar Bispo dos Santos, mais conhecido por Mazinho, um dos criadores da CET que

atua ainda em sua Coordenação Executiva, como uma das maiores lideranças deste processo

baiano. A Rede Nacional também é reconhecida pela Secretaria de Desenvolvimento

Territorial (SDT/MDA) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura

Familiar – CONDRAF, estabelecendo diálogos permanentes e praticando uma governança

ativa frente aos rumos das políticas públicas desta secretaria.

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A SDT também dialoga diretamente com a CET, visto ter sido esta estabelecida nos

primórdios da criação dos territórios rurais na Bahia, assumindo o papel, inclusive, de

interlocutora local com o MDA. A CET está dentro do arcabouço da governança territorial na

Bahia, tanto para os interesses rurais da SDT, quanto para os interesses globais do Estado

baiano. Sua presença foi e tem sido até o momento marcante para a determinação de tudo que

vem sendo construído neste campo e suas posições têm sido demarcadas com clareza tanto na

esfera federal quanto na estadual. Como rede, ou como representação da sociedade civil dos

Colegiados, a CET é a maior expressão da capacidade institucional dos territórios baianos,

isso mesmo considerando suas fragilidades enquanto coordenação. É, ainda, um ator novo no

cenário político, porque totalmente constituída da territorialidade estabelecida pelos territórios

de identidade e rurais. Quanto as capacidades institucionais e novas institucionalidades,

Tatiana Velloso (2012) esclarece: Os recursos organizacionais ou institucionais é o que se denomina de governança territorial. Trata-se de um conjunto de ações que expressam a capacidade das instituições de maneira cooperativa de praticarem a gestão social pública. Essas experiências de descentralização marcam a política de gestão dos territórios rurais, como uma nova institucionalização orientada por diferentes arranjos institucionais na formação de espaços de governança paritários entre as representações do Estado e das organizações da sociedade civil. (VELLOSO, 2013, p. 209).

A fragilidade dos CODETER enquanto redes territoriais é fato e já foi tratada, mas não

se pode duvidar da força política que a institucionalização da CET vem cumprindo no cenário

do desenvolvimento territorial na Bahia. E isto decorre de decisão destes Colegiados de se

manterem coesos em torno de uma articulação política, sem CNPJ, mas que tem uma

existência quanto se tivesse e, talvez por isso mesmo, não sofreu até agora disputas acirradas

por seu controle e nem, em decorrência, rupturas ou divisões. Esta situação permite à CET

uma legitimidade sem abalos, cuja força tem servido para construir o edifício territorial e seus

meandros.

Quanto ao seu aparente sombreamento com o CEDETER, pode ser identificado alguns

objetivos que lhe são regimentais com aqueles do Conselho. São, exatamente, aqueles que lhe

conferem papel de formulação estratégica e de espaço de governança. Destaca-se abaixo

alguns desses objetivos: I - propor políticas e diretrizes para o desenvolvimento sustentável e solidário dos territórios de identidade da Bahia; [...] III - funcionar como facilitador para a captação de recursos para o desenvolvimento dos territórios; [...]

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VI - otimizar a operacionalização e a integração de políticas e ações entre os diferentes órgãos e instituições relacionadas à promoção do desenvolvimento sustentável; [...] X - ordenar o processo de organização e composição dos territórios de identidade e funcionamento dos Colegiados Territoriais (COORDENAÇÃO..., 2011c, p. 2-3).

A CET, portanto, tem um caráter representativo, e uma feição de rede. Sua absorção

no CEDETER como sociedade civil organizada, limita sua condição, tornando-a, na prática da

governança, menor do que deseja ser. A despeito disso, porém, prossegue articulando os

Colegiados integralmente, e não somente suas populações civis, confirmando sua natureza de

rede, negando-se a ter CNPJ, representando CODETER com ou sem CNPJ. As representações

territoriais em suas plenárias, geralmente, são quatro por território e geralmente vêm

representantes do poder público e da sociedade civil. Esta situação indefinida se remete

também ao Estado que, depois de promulgar a Lei 13.214/2014, em tese, estabelece uma

relação orgânica com os CODETER, tratando-os como estruturas de Estado. Como, então,

sendo integrantes do Estado, um CODETER pode ter um CNPJ próprio?

Questões como estas estão sem soluções definitivas ainda, mas em plena discussão no

seio da política de desenvolvimento territorial. Ao que parece, mantendo-se a mesma, o tempo

é quem escreverá sobre o resultado a longo prazo desta experiência. Uma nova

institucionalidade e suas implicações desdobram-se em mudanças processuais e cumulativas,

na esfera da gestão, do poder, das relações e dos aspectos subjetivos e simbólicos envolvidos.

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6. CONCLUSÃO

Os termos em que se dá uma gestão política é algo complexo, com muitas variáveis e

nuances. A apreensão de sua totalidade, por um estudo ou pesquisa que busque decifrá-la,

torna-se improvável. Entretanto, os contornos que delineiam o seu trajeto podem ser

percebidos, ainda que de maneiras distintas, a depender de como e de quem olha, ou de que

ângulo são observadas as situações. O que aqui se apresentou é apenas um dos muitos

ângulos. O olhar de dentro, de quem coordena a política de desenvolvimento territorial, sobre

este mesmo campo onde se trabalha, é apenas um possível, não, necessariamente, o melhor,

portanto, tem se aqui um trabalho, cujo ângulo de observação pode ser muito particular. Mas,

acredita-se, serve ao propósito de abrir algumas janelas no vasto salão dos fatos.

O desenvolvimento, por sua vez, define-se por meio da gestão política e da economia,

ao mesmo tempo. E implica resultados sociais. Portanto, um vasto fenômeno a ser

investigado, com muitas variedades. Esta dimensão da vida civilizada está presente em todos

os tempos, de maneira consciente e teorizada, ou simplesmente ocorrendo, sem que a

sociedade expresse uma formulação teórica sobre o fato. Toda civilização desenvolve,

estabelece um sistema social e econômico, evolui a partir de seu movimento sistêmico, atinge

apogeu e declina. Assim tem sido há milênios.

Nos tempos modernos, o desenvolvimento passou a ser o próprio sentido das

sociedades existirem. A crença no progresso como algo imprescindível à felicidade e ao senso

de autorealização de um povo; como um ethos fundante de uma civilização, tornou-se os

fundamentos da humanidade tomada em seu conjunto hegemônico. No esteio desta crença,

um conjunto de esforços intelectual, físico e tecnológico é colocado a trabalhar para que a

vida social supere, a cada dia, o passado. E se alimente de um futuro totalizante, que dá

sentido a esta marcha, impelida, por sua vez, a consumi-lo cada dia mais rápido, e a cada dia

mais freneticamente.

Nesta trajetória da modernidade, o motor gerador de todos os motores que fazem a

vida social acelerar cada vez mais rápido, é o capital e sua reprodução. Cada vez mais célere,

o progresso segue sumindo com florestas, rios, animais, solos férteis, diversidades de vidas, ar

puro, silêncio, etnias, culturas ancestrais e outros atributos da vida do planeta. Matiza-se um

ambiente asfáltico, englobado por circuitos e vias, logísticas e infraestruturas que promovem

uma artificialização permanente do modo de viver. Paul Virilio (1996) alerta em sua filosofia

da catástrofe sobre a natureza contraditória das tecnologias: suas conquistas positivas trazem

sempre embutida uma catástrofe associada. A ideia de desenvolvimento sustentável parte

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desta premissa, mas encerra em si contradições, muitas delas, ainda sem soluções claras. O

desenvolvimento territorial nasce dentro deste ciclo, cumpre o papel histórico de apresentar

inovações, e busca se firmar como alternativa às visões clássicas e liberais de crescimento

econômico.

A gestão política dos Estados, por sua vez, encerra-se em curtos espaços de tempo e

resulta, por sua vez, de grupos políticos que assumem o poder para, no fluxo do rio do

progresso, administrar soluções e desastres, sempre em curto prazo. Para assegurar o fluxo do

que é e para inovar com o que não é, ainda. Mas a gestão política está contida no mesmo

motor do capitalismo, é parte do sistema humano, e, como espaço de poder, constitui-se em

força útil ao sistema e à sua possível alteridade. Esta é a dialética política, o Estado como

espaço de poder, da ordem e da conservação, também possui forças antissistema, ou, ao

menos, alternadas, que podem tender a mudar sua lógica hegemônica de conduta. Mudar,

portanto, o rumo do desenvolvimento.

É neste sentido que o desenvolvimento se torna crucial para a contemporaneidade e

para o futuro das sociedades, ou do planeta. Gestar o Estado é inserir-se num dos centros

motores do sistema, aquele centro que direciona o movimento político do progresso e sua

qualidade. Mudar a direção do movimento operador do sistema, ainda que em um ângulo

muito fechado, num grau pouco expressivo, é algo complexo, que não se faz por decreto, ou

apenas por vontade política. Requer projeto, força, sustentação e legitimidade. Ainda assim,

com todos esses recursos, a mudança pode ser frustrante.

Isso porque, o que foge inteiramente à corrupção do poder são apenas as ideias que se

faz dele. O seu exercício concreto, porém, será sempre, em graus que podem se diferenciar, a

própria contradição entre o discurso e a prática política do exercício de poder do Estado. Esta

é a eterna arena onde se confrontam os princípios e os interesses, os projetos e sua execução,

os discursos e o exercício mesmo do poder. Esta contradição é insuperável enquanto o poder

político existir. Ele requer aceitação, força, adesão, cumplicidades, escolhas, condições,

favorecimentos, trocas de favores, predomínio de interesses, mandos e hierarquias. Por isso,

inclui também resistência, reação, oposição, revolução, golpes, sucessão, alternância. Não há

como exercitá-lo sem vivenciar estes meios, ainda que a causa de quem chegue no comando

possa ser nobre ou teoricamente universalista. Resta a real política, o exercício mesmo do

poder, o jogo, a estratégia, o relativismo, as alianças, as perdas e os ganhos, sempre limitados

no arco do círculo do seu exercício.

A perspectiva de mudança, entretanto, caminha junto com o tempo. Ela se assenta na

dialética da transformação, naquilo que muda constantemente, com momentos mais intensos e

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resultados mais largos, ou com momento de permanência de resultados estreitos, mas que

informa mudanças. Assim, gerações se debatem em torno do poder de Estado, da política

partidária, das diversas verdades dos seguimentos sociais ou das corporações, das ideologias e

dos sonhos. A obra que vai sendo construída não tem fim, faz-se, desfaz-se, refaz-se. A cada

conjuntura, novos abalos, novas saídas, velhas frustrações, esperanças renovadas. E mais

crise. O que se está construindo parece ser, para quem está no comando da construção em

dado momento, o possível ou o ideal. A política de desenvolvimento territorial aqui analisada

está dentro deste movimento, é, a um só tempo, utópica e pragmática. Tida por uns como

alternativa ao modelo hegemônico de dominação e controle políticos vigente, para outros

como mero enquadramento administrativo e outros, ainda, como mero mise em scéne

populista.

Historicamente, a abordagem territorial surge no seio da gestão pública no Brasil,

como alternativa aos modelos de desenvolvimento rural até então implementados pelos órgãos

públicos e as agências financiadoras, em parceria com organismos internacionais de fomento

e pesquisa. E se configura, desde 2007, como alteridade ideológica e prática do modo de

promover o desenvolvimento. De lá para cá, a SDT estabeleceu as bases teóricas, as

estratégias governamentais e as políticas públicas da abordagem territorial.

Na Bahia, este estudo aponta que, a partir de 2007, a abordagem territorial também

passou a ser tomada como uma estratégia para o desenvolvimento; uma base para o

planejamento e a execução de políticas públicas, representando também uma alteridade de

forma e conteúdo ideológico.

A inserção da mesma na SEPLAN esteve de acordo com as premissas expostas nos

planos de governo das duas candidaturas vitoriosas lideradas pelo PT, na medida em que ali, a

concepção de território estava coerente com uma abordagem sistêmica do modelo. Portanto,

para ser uma política sistêmica do Estado, no corpo do planejamento e do ciclo orçamentário.

A compreensão apresentada nos documentos de governo pesquisados, indica que a Bahia

inovou no cenário nacional, realizando aquilo que, na esfera federal se discute até hoje: uma

abordagem territorial desta natureza não pode ficar insulada numa repartição finalística

menor. A opção por se instituir territórios de identidade e não rurais expressou esta clareza

por parte dos operadores do planejamento no Governo baiano naquela altura.

O caminho percorrido de 2007, até 2013, período aqui analisado, demonstra uma

construção ainda em curso, que ainda não chegou à sua maturidade e enfrenta muitas

dificuldades, de diversos níveis e natureza. Demonstra, ainda, que a construção é

contraditória e cheia de vieses. A territorialidade, como se evidenciou aqui, não é um projeto

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político claro do grupo que a leva à frente, não é uma estratégia claramente definida no seio

do stabilichment do Estado baiano, mas apenas por sujeitos e repartições isoladas dentro do

Governo. Ela parece ser resultado de um conjunto de fatores que a determinam, por um lado,

como um avanço significativo no quadro da política do Estado e, por outro, como uma

demonstração da incapacidade do mesmo grupo político que a viabilizou de levá-la à termo,

de levar seus princípios e diretrizes ao nível de uma política forte, definida pelo centro do

poder, compreendida e estabelecida para se chegar a um fim.

Note-se que o fim ao qual se quer chegar nunca foi esclarecido. O Governo não tem

nada escrito sobre isso. Não tem um porta-voz de peso político que saiba tratá-la, defendê-la e

colocá-la no centro do debate político. A CET também não consegue formular teórica e

politicamente seu projeto, apesar de fazer importantes inserções neste campo e defender com

persistência os princípios da democracia participativa. Poder-se-ia dizer que muitas outras

políticas importantes também sofrem do mesmo problema. E é verdade. Mas a política de

desenvolvimento territorial envolve uma contradição maior, pois ela só tem sentido real se for

tomada como um plano geral para as outras políticas se encaixarem. A abordagem territorial é

uma estratégia, e como tal, não se reduz ao imediato, ao setorial, nem ao restrito, ela é, de

fato, a negação de tudo isso, seu oposto. Porém, são exatamente estes atributos que lhe faltam

na prática, ainda que com consideráveis nuances em contrário, sobretudo ao se considerar os

aspectos legais e institucionais.

Entretanto, não houve um estudo prévio, de base técnica, que apontassem os

territórios a serem constituídos, segundo uma ampla revisão da regionalidade dada até então, e

de relatórios consistentes com dados mais densos, ou mesmo um Zoneamento Ecológico

Econômico (ZEE), ou, ainda, um Plano de Desenvolvimento Social do estado. Mormente, tais

peças vieram a ser encomendadas a posteriori.

Neste sentido, a aferição do grau de maturidade dos capitais sociais nos territórios de

identidade também não foi levada à cabo no momento de sua implementação. Ainda que se

reconheça em alguns dos Territórios de Identidade uma presença mais evidente de certo grau

de organização institucional, através de instituições e movimentos de trabalhadores e

pequenos produtores, articulados em torno de projetos produtivos locais, com aspectos de

sociabilização, como se pode averiguar no território do Sisal, por exemplo.

A maior evidência da contradição entre o institucionalmente dado e a prática efetiva

desta mesma institucionalidade é o PPA Participativo. A escuta social/territorial efetivada aí,

não se desdobra em governança nem mesmo em compromisso assumido pelas Secretarias de

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Estado. Compromisso entendido como orçamento e execução de proposições apresentadas

pela sociedade.

Chama atenção, entretanto, a despeito do embasamento da territorialidade nas peças

orçamentárias do Estado, o fato de que os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável

(PTDS) dos territórios de identidade não terem sido, ainda, utilizados como peças

componentes do planejamento mais amplo. Estes se encontram, outrossim, presentes como

projetos a serem ainda consolidados. Atualmente, enquanto se escreve esta conclusão, os

mesmos estão para serem financiados pelo Banco Mundial, e no Programa Bahia Produtiva,

da Companhia de Desenvolvimento Regional – CAR. Fato é que, em mais de sete anos de

política de desenvolvimento territorial, o governo não absorveu estas peças e seu significado

político para dentro de sua governança territorial.

Resta, pois, que os elementos do planejamento do desenvolvimento, até o momento,

na Bahia, estão circunscritos aos PPA participativos, e a dinâmica da governança deste

desenvolvimento tem-se reduzido aos dilemas referentes às suas escutas sociais - dos seus

resultados objetivos, ou a ausência deles, na execução orçamentária por território. Neste

sentido, restaria se pensar em termos de uma pactuação territorial, com base nas escutas e no

PPA propriamente dito, como fórmula de fazer a concertação mais ampla, aportando no

orçamento aquelas propostas levantadas nas escutas do PPA. Este pacto para o

desenvolvimento local, entretanto, nunca foi materializado. A despeito disso, porém, uma

parte das demandas sociais foi executada, mas sem uma demonstração clara ao público e ao

próprio governo, pois faltam instrumentos adequados para apuração e gestão destas

informações. Destaca-se que, no momento da escrita deste texto, o Governo baiano, através da

SEPLAN, está construindo um processo de monitoramento e avaliação dos programas do

PPA e concebendo o novo PPA (2016-2019), tomando iniciativas para se resolver esta

questão, vinculando, no momento da formulação das metas e compromissos dos programas,

as demandas sociais, territorializadas.

Portanto, o desenvolvimento territorial é menos destacado, na Bahia, do que a

democracia participativa territorial. Os elementos de participação são mais sólidos e louvados,

na prática e no discurso do governo baiano, do que os de gestão efetiva dos territórios. Não

existe, para além do PPA, nenhum outro instrumento de planificação das ações globais

territorializadas, no Estado. Existe, outrossim, um conjunto de planos temáticos, em diversas

áreas e secretarias, mas sem uma costura sintética por território. O governo contratou o ZEE

junto com a elaboração dos Planos Mestres, que seriam definidos em escalas menores,

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incorporando a territorialidade dos territórios de identidade, mas mudou-se o contrato e estes

planos foram suspensos.

A inexistência de discursos midiáticos e campanhas institucionais sobre os territórios e

sua democracia participativa são também reveladoras desta contradição. O Governo apenas

publicou quatro materiais sobre o tema até o momento. Um impresso sobre as realizações do

PPA 2008-2011, quando da realização do Primeiro Diálogo Territorial; um vídeo institucional

sobre os dois conselhos territoriais – CAPPA e CEDETER; dois folderes sobre os espaços de

participação territorial, mas a lógica da abordagem nunca foi debatida publicamente através

de material institucional. Não se publicou formulações no âmbito da SEPLAN, nem da SEI,

nem de qualquer outro órgão estadual sobre o conceito, a lógica e a metodologia territorial

para o desenvolvimento, muito menos sobre seus fins e metas.

Os materiais publicados versam sobre os territórios e seus espaços de participação

democrática e governança. E são materiais mais de divulgação e mobilização do que de

fundamentação. A única publicação que deu alguma visibilidade a isso foi da SEPLAN,

referente apenas aos PPA de 2008-2011 e 2012-2015, descrevendo os seus processos de

elaboração e destacando o aspecto da participação.

Uma apreensão mais apurada do fenômeno, contudo, ao ser analisado criticamente,

demonstra avanços importantes em seu arcabouço institucional e na construção de espaços

concretos de participação e concertação sociais, com inovação de formas e processos. O

planejamento de políticas públicas está, assim, segundo os instrumentos institucionais do

Estado, aberto à participação ativa dos cidadãos dos territórios de identidade, organizados em

torno de sua representação social, os colegiados territoriais. O próprio CEDETER está

composto sob esta premissa, pois é constituído em bases paritárias, com representações do

Estado e dos Colegiados.

Estas bases políticas apontam para uma compreensão da territorialidade baiana como

um modelo de gestão participativa, ao menos no contexto dos espaços oficiais e na esfera da

institucionalidade. Esta realidade está, em parte, de acordo com a ideia de território enquanto

localidade política, ou seja, enquanto locus de poder, de protagonismo social e político das

localidades. Dialogando com este fato, ao tratar das novas institucionalidades que representam

a abordagem territorial do desenvolvimento rural brasileiro, a professora Tatiana Velloso

(2014), escreve: Na abordagem territorial foi construída estratégias de inserção de participação representativa nos espaços de governança para formulação e implementação de políticas públicas e de programas governamentais em um ambiente que tenta confrontar a limitação municipal e setorial. Entretanto, esse confronto se depara com

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aspectos institucionais que possibilitam ou não a operacionalização das políticas de caráter intermunicipal e multidimensional. (VELLOSO, 2013, p. 104).

Na Bahia, a observação direta da experiência também revela um baixo grau de

efetividade desta mesma concertação e do monitoramento social pretendidos, com insuficiente

aproveitamento das contribuições sociais nos dois âmbitos, pois os mecanismos de

governança e concertação sociais operam de maneira superficial e estão esvaziados de poder.

Esta contradição leva ao comprometimento do modelo e sua capacidade de consolidar as

pretendidas descentralização e democratização da gestão pública por via da territorialização

do estado da Bahia.

Levá-la à cabo, como prescrito nos próprios instrumentos legais do Estado baiano, é

assumir os CODETER como sujeitos políticos. Afinal, a intermunicipalidade só pode agir

politicamente, se houver um espaço instituído para tal. Na política territorial, este espaço não

pode ser simplesmente os consórcios públicos intermunicipais, ainda que sejam importantes

para a territorialização do desenvolvimento. Os consórcios públicos desta natureza cumprem

papel de executores de políticas, sob o comando dos gabinetes dos prefeitos. Apesar dos

mesmos serem conformados de acordo com a lei dos consórcios, que indica a necessidade de

se ter um conselho civil para garantir-lhes controle social, até o momento não são espaços de

concertação nem de pactuação civil/públicos.

A gestão pública apontada pelo governo definia em seu discurso institucional a

transformação política da Bahia numa “terra de todos nós” e a condução do desenvolvimento

territorial por ela proposta afirmava incorporar esta dimensão. Contudo, ao se analisar os

processos e procedimentos adotados, conclui-se que, para tal, esta política ainda prescinde de

um compromisso forte com os princípios de uma democracia participativa, na qual a

representação territorial seja tomada de fato e de direito como os novos sujeitos políticos na

arena das formulações e deliberações das políticas públicas. Novos sujeitos políticos, na

medida em que se institucionalizaram os territórios de identidade enquanto novas esferas de

planejamento e execução de políticas públicas e reconheceu-se a sua representação política,

através da institucionalização dos Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER,

desde a publicação do Decreto nº 12.354, de 25 de agosto de 2010.

A premissa aqui defendida foi a de que ocorrem contradições importantes entre o

programa de Governo apresentado e, de maneira mais ampla, entre a plataforma política do

Partido dos Trabalhadores e a efetividade aferida nos processos de governança territorial, ou

da democracia participativa, através do modelo territorial baiano. Portanto, as incongruências

apresentadas no modelo de desenvolvimento do Governo da Bahia, parecem se manifestar

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mais claramente no campo político, revelando contradições em relação aos preceitos

ideológicos, através da confluência entre elementos da democracia participativa e evidentes

elementos tradicionais, fisiológicos. Tais contradições são mais visíveis quando se considera

os procedimentos efetivos do Governo na aplicação do modelo territorial, por ele mesmo

definido como meio para a renovação da cultura política e a sua inversão para um estágio

mais maduro, moderno e atualizado; como a ruptura com a mentalidade autoritária e elitista

em prol de uma democrática e participativa. O Governo pratica uma relação utilitarista com os

Colegiados Territoriais e não aporta nos mesmos um mínimo de empoderamento político,

para além da escuta do PPA. Mantem-se no conservadorismo ao não pensar a abordagem

territorial numa perspectiva contra-hegemônica.

Portanto, esta participação se apresenta de maneira ambígua. Encontra se no bojo deste

cenário político por que passa a Bahia e o Brasil, no qual confluem no mesmo fluxo histórico

forças progressistas (democrático-desenvolvimentistas) e conservadoras (fisiológicas e

neoliberais), de “esquerda e de direta”, dentro de um mesmo Governo. Mas esta é apenas

uma aparência mais óbvia da realidade. É fato que o próprio Partido dos Trabalhadores

enquanto partido, também ignora solenemente a lógica territorial e pouco age no sentido de

fazê-la avançar. Apenas seguimentos petistas na gestão pública é que garantem um discurso e

uma prática territoriais de fato.

Por sua vez, a rede de governança territorial – CET vem passando por um

esvaziamento significativo de órgãos públicos em sua representação e há em seu seio certa

confusão quanto à sua natureza. Representa a sociedade civil no CEDETER, mas reclama

para si o status de uma rede territorial de governança, composta, também, por representações

de poderes públicos. O Governo, por sua vez, se posiciona de maneira a entender que o

CEDETER seria este espaço de governança e que a CET seria a instância de articulação,

reconhecida oficialmente, dos interesses da sociedade civil, no âmbito dos territórios, dentro e

fora do CEDETER. Tal situação gera constantes debates e cria dificuldades de se definir qual

posição deve ficar a CET em relação ao apoio institucional, inclusive financeiro, para esta

Coordenação. É visível a necessidade de maturação da experiência nos dois lados envolvidos

na mesma: governo e sociedade.

A situação baiana, rica em contradições, favorece à formulações de perguntas, dentre

elas: quais as possibilidades de avançar na institucionalização da política territorial? Como

favorecer à conformação de blocos socioterritoriais? Em que medida deve se dar a

intervenção do Estado para o fortalecimento do capital social dos territórios de identidade?

Quais as condições gerais para a sobrevivência desta política para além deste governo?

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Perguntas que precisam ser respondidas com mais estudos, focados, por sua vez, em

possibilidades de respostas. Aqui, o esforço foi o de clarear o objeto, definir melhor suas

nuances. O conceito de bloco socioterritorial de Dallabrida (2007) nos parece um bom

caminho para se pensar em termos daquilo que mais fragiliza o modelo baiano: a inexistência

de capital social territorial capaz de disputar e influenciar nos rumos das políticas públicas

para o desenvolvimento. Capaz, inclusive de forçar uma posição mais avançada do Governo.

Comparativamente, a experiência do Rio Grande do Sul é mais antiga, com maior

densidade política – já atravessou décadas, e sobreviveu a alteridades de partidos e governos

distintos. Lá, diferente da Bahia, a tradição da gestão territorial para o desenvolvimento está

vinculada ao orçamento participativo, enquanto aqui, se dá através do Plano Plurianual

Participativo. Na experiência gaúcha, há vinculação dos Conselhos Regionais de

Desenvolvimento (COREDE) com universidades regionais, além de uma legislação restritiva

quanto à suas composições, definindo quais e quantos são os componentes dos COREDE, a

solidez da representação e sua diversidade são mais fortes e, naturalmente, mais enraizadas no

seio da sociedade. Além do que, nasceram em outra conjuntura nacional, não estando

vinculados às políticas de desenvolvimento rurais imprimidas pelo MDA, como é o caso da

Bahia.

Mas do ponto de vista da gestão territorial do desenvolvimento e daquilo que importa

ser pensado em termos de governança territorial, parece haver correspondência na proposição

do autor sobre as possibilidades de uma gestão territorial embasada na participação social e na

abordagem territorial, tanto em relação à experiência do Estado sulino quanto do Estado

baiano. Nesta parte dedicada à conclusão, não se tratará de revisitar o longo processo histórico

de conformação teórica sobre as possibilidades e condições para um desenvolvimento

recortado ao local, regional ou territorial. Parte dele já foi aqui apresentado nesta dissertação.

Mas esforça-se no sentido de se fazer uma síntese crítica da experiência baiana.

Em seu introdutório, Dallabrida (2007a) traz à relevo diversas visões teóricas sobre

aspectos referentes ao exercício da democracia deliberativa e da gestão social, a fim de

levantar premissas indispensáveis para se pensar a governança territorial. A democracia, para

além de um regime, é uma relação entre Estado e cidadãos que, em sua versão

contemporânea, avança para a garantia de direitos de cidadania, além dos direitos políticos

(DALLABRIDA, 2007a). Isso implica na modernização dos espaços de participação cidadã

nos processos políticos da gestão pública que, por sua vez, devem garantir livre expressão

entre os diferentes, igualdade de oportunidade e mecanismos de impedimento às

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possibilidades de domínio e hegemonização de tais espaços por forças políticas

economicamente mais fortes.

Os teóricos, segundo Dalalbrida (2007a), que formulam sobre uma nova relação entre

Estado e sociedade, parecem apontar para uma necessária reestruturação da dinâmica política

do Estado de Direito, na qual se consolidem espaços abertos, plurais e capazes de administrar

conflitos. Este modelo deve reconhecer e incorporar uma segunda esfera pública, composta

por uma miríade de organizações de caráter comunitário e de auto-organização social, que

atuam no sentido de promover a organização local, setorial, de seguimento social ou

produtivo, cultural etc. Para autores progressistas, esta reestruturação do Estado deve se

identificar claramente com as lutas pela hegemonia do campo popular, com vista à

conformação de um novo bloco no poder. (DALLABRIDA (2007a).

A consolidação de espaços de participação social nos rumos das políticas públicas, nos

processos decisórios e formulativos do Estado requerem, portanto, uma construção cuidadosa,

que zele por princípios e mecanismos que garantam ao máximo possível a independência de

tais espaços em relação aos mandatários de cargos políticos e às relações hierárquicas

definidas pelas condições econômicas e sociais dos integrantes dos mesmos. O exercício é,

exatamente, o de inverter a tendência atualmente hegemônica de as decisões políticas da

esfera do Estado ser capturadas pelos mais poderosos economicamente.

Do ponto de vista de uma política de desenvolvimento voltada para o aprofundamento

da participação social nos processos políticos, com vistas ao aprofundamento da democracia,

a governança seria a conjunção deliberada de atores sociais e públicos, a fim de resolver

problemas e criar oportunidades (DALLABRIDA, 2007a). Assim, ela é um resultado do nível

de envolvimento social nas questões públicas e do compromisso do poder público para com o

controle social do poder de Estado.

A realidade baiana, de acordo com os documentos analisados e a observação das

práticas envolvidas na estratégia territorial, demonstra um arcabouço legal avançado e

garantidor de tais preceitos, mas uma efetividade baixa dos mesmos. Esta contradição é de

ordem, sobretudo, política, uma vez que a compreensão da importância do modelo para o

avanço das relações entre Estado e sociedade está presente nos textos institucionais e nas

próprias peças do ciclo orçamentário. Falta, entretanto, diretividade política e comando forte

do centro do poder do Estado para se consubstanciar uma experiência transformadora da

condução política do Estado e da participação política da sociedade. Esta ausência é de cunho

ideológico e pragmático. O Governo não estabelece uma fronteira clara entre suas alianças

conservadoras e seu projeto transformador da sociedade, ao menos como escrito em seus

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textos políticos partidários. É evidente a falta de um projeto mais definido de transformação,

social e do aprofundamento de uma prática política diferenciada do fisiologismo partidarista

da velha tradição brasileira. A abordagem territorial assim o requer, mas se consome nos

meandros menores, por falta de uma posição mais avançada entre os dirigentes maiores do

Estado.

A governança territorial baiana, de acordo com os seus próprios preceitos, exige uma

mudança profunda no modo de se fazer a gestão pública, requerendo uma posição política

radicalmente democrática, pois ela deve exprimir uma forma e um conteúdo globais, que

envolvam o conjunto do poder público e suas relações com a sociedade civil. Em termos de

desenvolvimento territorial, a governança ocupa o espaço necessário ao exercício da

territorialidade política, ou seja, da intervenção dos agentes presentes no território e sua

capacidade de articulação, proposição, pactuação e gestão social. Esta radicalidade não

ocorreu até aqui e os resultados concretos são, ainda, de baixa intensidade para a

transformação que se anunciou pretender alcançar com o governo do PT na Bahia.

Vê-se, pois, que, nesta linha de análise, não se pode pensar em termos de governança

territorial, sem se pensar, antes, em capital social territorial ou bloco socioterritorial

(DALLABRIDA, 2007b). Afere-se, a partir dos estudos realizados, que o grau de organização

social nos territórios de identidade, em torno de suas esferas de participação política e

representação local é ainda pouco expressivo. Os CODETER são experiências em construção,

e requerem, para o seu pleno exercício territorial, de amplos investimentos políticos e

culturais. Tanto por parte do Estado, quanto por parte da sociedade civil. A experiência do

CAPPA é reveladora quanto a isso, pois nem mesmo em torno de uma situação concreta como

a de formular proposições para o PPA e monitorar sua execução ou exclusão no orçamento foi

realizado a contento. Mais importante ainda é o fato de o baixo e, muitas vezes, inexistente,

cumprimento dos compromissos do Governo nas esferas participativas, não acarretar uma

ofensiva organizada dos territórios, capaz de gerar um fato político importante.

Os territórios de identidade enquanto sujeitos políticos são constituídos ainda por

poucos seguimentos sociais e, dentre eles, a maior parte é vinculada à base política do

governo que os instituiu. Este fato define, em parte, a pouca ressonância dos conflitos aí

existentes. O governo vem sustentando-os como expressões de sua plataforma

democratizadora do estado baiano, porém, mais como retórica do que exercício efetivo de um

novo modelo de relação Estado-sociedade. Este parece ser o maior óbice para se instituir o

processo de gestão territorial, ou a governança territorial de fato. O sentido de “bloco” aqui

faz alusão a uma hegemonia de concepções e ideias que se afirma na medida em que a

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sociedade, ou a maior parte dela, ou a parte dela que tem o poder de formar opiniões, absorve

e reproduz uma ideia comum em termos de visão política. Assim, a construção do bloco

socioterritorial é algo que se dá em movimento histórico, e, dentro do que representa a política

de desenvolvimento territorial para a tradição fisiológica e patrimonialista da cultura política

da Bahia, representaria um processo de contra-hegemonia no momento político que se vive no

país hoje. Não há, portanto, bloco socioterritorial na Bahia. Ele pode estar em gestação.

Ocorre que, sem conteúdos significativos para uma governança territorial, os

CODETER permanecem esvaziados de uma diversidade e representatividade social

expressiva, sem os atores capazes de realmente interferirem nos rumos das decisões da

política estadual. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) vem produzindo relatórios sobre esta

situação e apresentando os resultados para o Governo, chamando atenção para a necessidade

de se materializar mecanismos de governança e o cumprimento da execução orçamentária

daquilo que foi escutado nos PPA.

A própria experiência do Rio Grande do Sul, como algo rico e já bastante

experimentado, ainda não se tornou uma realidade hegemônica, capaz de promover a lógica

da governança global à condição da gramática política hegemônica. Na Bahia, a experiência

da política de desenvolvimento territorial está nesta mesma condição, com menos tempo de

experiência e, ainda, vinculada a um único governo, ou frente partidária que sustenta a

mesma. Seu destino dependerá muito das sucessões do comando do Estado daqui para frente.

Mas é fato que as contradições presentes na experiência baiana são típicas de uma

situação de modernização conservadora, bem ao jeito do Brasil. Resultante de transições por

composição partidária, que se dá de maneira clássica no caso brasileiro, por oportunismos

eleitorais e sem maiores zelos pela agenda política e o plano de governo defendidos nas

eleições. Disso decorre uma gestão pública difusa ideologicamente, sem um projeto central

forte, nem uma diretriz clara e ideologicamente marcada na esfera estatal.

Não é por acaso que a política de desenvolvimento territorial na Bahia fica sem um

lastro político forte nos governos que a vem realizando. E acaba ocorrendo de maneira

contraditória, ora demonstrando avanços inquestionáveis, como no caso das regras legais; ora

vivendo reveses conservadores, como no exercício prático da governança no seio dos

CODETER. A radicalidade necessária à consolidação de uma governança territorial não foi

alcançada. Ela requer do governo mais determinação e foco na gestão da política territorial. O

fato de a mesma estar na SEPLAN é um ponto afirmativo neste sentido, mas o problema é que

a SEPLAN não tem sido um espaço realmente determinante no núcleo duro do poder, na

Bahia.

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O espaço de gestão direta da política de desenvolvimento territorial, na SEPLAN,

permanece o mesmo desde o início da gestão Wagner: uma simples diretoria, composta de

duas coordenações e um corpo técnico pífio para o tamanho do desafio que tem de enfrentar,

eis aqui um sintoma claro desta incapacidade do Governo. A proposta de transformar a DPT

em uma superintendência vem sendo discutida desde o início e foi colocada para a gestão Rui

Costa (que se iniciou em janeiro de 2015), no bojo de sua reforma administrativa, mas não foi

absorvida.

Resta se pensar em termos do projeto do próprio Partido dos Trabalhadores (PT), que

historicamente defende e já praticou orçamentos participativos. O Partido não tem, hoje,

qualquer interferência nos rumos desta política, no Estado. Somente na última eleição do

diretório estadual, realizada em 2014, que se criou uma coordenação territorial. Mas esta até o

momento não realizou nenhuma articulação política, ou eventos e debates que evidenciem a

importância desta estratégia e seu potencial contra-hegemônico. Nem no alto escalão do

Governo, nem do Partido a abordagem territorial faz eco. Estes operam predominantemente

na lógica fisiológica e ainda muito clientelista, mantendo a relação bancária da velha

gramática política brasileira.

Ainda que se se considere necessário o exercício da velha gramática política, para

assegurar governabilidade e ganhos eleitorais, a possibilidade de um projeto de governo que

fortaleça as bases sociais e sua autonomia, que caminhe seguramente para afirmar uma nova

cultura política, expressada pela prática e as regras da governança, poderia ser operada com

mais determinação e resultados. A abordagem territorial aponta para este fim, mas isso não é

feito. O conjunto da máquina do Estado permanece alheio à lógica territorial, absorvendo sua

face meramente administrativa, quando muito, ao territorializar parte das iniciativas e metas

do PPA. Mas nenhum secretário de Estado se obriga, ou é obrigado, a realizar governança

territorial das políticas públicas de suas pastas. O Partido dos Trabalhadores, ao se

burocratizar e assumir a condição de Governo, vem se afastando destes princípios de

fortalecimento de uma base crítica e empoderada, o que a longo prazo poderá lhe trazer

grandes prejuízos, uma vez que sua identidade ideológica foi aí construída e tendo em vista

que o controle do poder do Estado não é perene.

Ao tempo de redação desta conclusão, a SEPLAN está finalizando a composição do

PPA Participativo 2016-2019. Neste, um claro esforço está sendo feito no sentido de

territorializar as metas dos programas e levar as Secretarias a associarem as demandas da

escuta social realizadas às suas ações orçamentárias. A média de adesão à territorialização é

de 46% do total do PPA (BAHIA, 2015). Nestas metas territortializadas, a maior parte não

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está, necessariamente, aderente aos pedidos das escutas. O Governo atual não possui, como

também o anterior, um plano estratégico de longo prazo. O planejamento centra-se no plano

de médio prazo, que é o PPA. Não existe um banco de dados geral sobre os territórios nem

um modelo de monitoramento e avaliação do PPA que tome os territórios como as unidades

de planejamento e execução de políticas públicas. Há uma discussão e uma construção em

torno desta necessidade na SEPLAN, no momento em que se escreve esta conclusão.

Entre 2007 e 2013, por sua vez, os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável

(PTDS) não foram concluídos e os que foram confeccionados não serviram para o

planejamento estratégico do Estado. As escutas sociais do PPA poderiam ser estes mesmos

planos, uma vez que os mesmos, caso fossem feitos com apoio do Estado e em parceria com a

sociedade civil, seriam uma fonte mais tecnicamente qualificada para o PPA. As escutas

sociais poderiam se dar em torno deles. Mas estes estão, em sua maioria, defasados e

fragilizados tecnicamente. A maior parte dos CODETER que os possuem (apenas 11), não se

apropriam dos mesmos com a necessária profundidade.

A sociedade civil segue reduzida e restrita nas representações dos CODETER. O

esforço que vem sendo realizado pela DPT/SEPLAN para homologar os CODETER no

CEDETER não consegue superar tais limitações. Esta é a questão central para os rumos da

política de desenvolvimento territorial. Sem um capital social maduro e capaz de se expressar

como um bloco socioterritorial, a governança territorial fica fragilizada. Somando-se este fato

com a já tratada incapacidade de o Governo estabelecer a abordagem territorial como uma

política forte, a situação fica como está. Os avanços vêm ocorrendo graças, sobretudo, à

existência da CET e da presença de alguns sujeitos localizados no Governo, que atuam

insistentemente para isso.

A performance política da CET, entretanto, é pouco expressiva, seus quadros são

pouco preparados para fazerem frente às disputas no Governo e na sociedade. As poucas

lideranças assumem diversas outras tarefas além da condução da Coordenação, e são poucas.

Nos territórios, os CODETER são estimulados pelo Estado a buscarem diversificar suas

composições, atraírem novos seguimentos sociais, as prefeituras e os empresários. Mas as

condições objetivas para isso não são criadas. Nenhum programa de governo foi levado aos

CODETER para se submeter à governança territorial; somente agora, em 2015, com a

implementação do Projeto Bahia Produtiva, da SDR, que se tem oficialmente a

obrigatoriedade de submeter os projetos a serem financiados à chancela dos CODETER. Por

sua vez, os deputados e prefeitos são atendidos e negociam seus interesses particularistas

junto às secretarias e órgãos do Estado, ignorando a lógica territorial. Não há um plano de

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formação instituído com a finalidade de engendrar a lógica territorial no seio da sociedade e

do próprio Estado.

Sem campanhas institucionais, sem discursos das autoridades maiores em sua defesa,

sem formação, sem o que governar em suas instâncias de concertação, os CODETER vivem

das pequenas ações do MDA e da agitação em torno dos PPA Participativos. A cada PPA

Participativo se renovam esperanças e o governo promete avançar. A pactuação do PPA, que

fora defendida pela CET e o CAPPA para o PPA que está findando este ano (2015) teria sido

um passo decidido na direção da consolidação da governança territorial. Porém, sua anulação

inviabilizou esta conquista e isso sequer resultou em um desgaste político para o Governo.

Como não é prejuízo também todo o ruído dos CODETER em torno das negligências do

Governo para com os mesmos. Sem uma apropriação social da causa do desenvolvimento e da

governança territoriais, capaz de formar uma intervenção empoderada de concepção e metas

territoriais, não se terá um avanço historicamente novo e realmente diferenciado na cultura

política da Bahia.

O que se tem até aqui é um exercício dos mais importantes nesta direção. Ele não está

parado, nem se deve abandoná-lo. Suas potencialidades são muitas e o que já vivenciou até

aqui gerou um caso específico e uma experiência que serve como espelho ao MDA e aos

outros estados. As condições para o seu amadurecimento estão dadas. O tempo de

engendramento de algo novo e desafiante como a política de desenvolvimento territorial é de

largo prazo, sobretudo em sociedades como a baiana, de longa tradição autoritária e

fisiológica. Mas é fato também que os governos que a gestam pode fazer muito mais na

direção de sua consolidação. O conservadorismo, inclusive, não é só do governo, está presente

também na sociedade civil.

A possibilidade de permanência da experiência será um desafio associado à

capacidade de avançar o estado da arte. Este avanço, por sua vez, será fruto da apropriação do

sentido político e estratégico desta abordagem, do quanto governo e sociedade serão capazes

de se comprometer com ele e inovar em sua construção. Esta possibilidade é um caminho de

contra hegemonia política, uma construção de combate ao fisiologismo e ao patrimonialismo

da velha tradição brasileira. Todo risco, porém, está dado. A própria construção da abordagem

territorial é ameaçada diariamente por posturas e oportunismos de parte dos atores políticos

que a constrói, de suas contradições ideológicas e do pragmatismo de quem aposta todas as

fichas no controle do poder de Estado, na arena institucional da disputa de projeto de

sociedade. A abordagem territorial do desenvolvimento é o processo mesmo de experimentar

dividir o poder e criar e sustentar mecanismos para isso.

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ANEXOS

Quadro 2 – Catalogação primária dos documentos para sistematização (exemplo)

Natureza documento Tipo documento Origem documento Data documento Destinatário documento

INSTITUCIONAL Atas

CAPPA CEDETER

CET SEPLAN

Resoluções CEDETER

Portarias SEPLAN

Publicações Governo Bahia

Governo Federal/MGA CONDRAF

Decretos Governadoria

Leis Governadoria

Publicações Oficiais Caderno do PPA SEPLAN 12/2012 Público em geral

Reivindicatório Carta Aberta ao Governo da

Bahia CET 10/2011

Governo da Bahia e público em geral

Imprensa Propostas dos candidatos a

governador para os territórios de identidade

Jornal A Tarde 09/2010 Público em Geral

Fonte: ROCHA, 2015

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Quadro 3 – Sistematização heurística dos documentos (exemplo)

Documento Data Objeto Contexto Relevância para

dissertação Recorte citação Local de

inserção na dissertação

Conotação na política territorial

Ata CAPPA 6 e 7 de junho de

2008

Instalação do CAPPA,

apresentação do planejamento

geral do Estado; Primeiras

indagações dos conselheiros

Início da gestão Wagner, início da experiência

do CAPPA

Informação sobre os pontos de vistas originários do Governo e da

Sociedade Civil no início da experiência

“Em seguida passou a palavra para o Secretário do planejamento do Estado,

Dr. Ronald Lobato, que discursou sobre o foco do conselho de acompanhamento

do PPA. Informou ainda sobre a proposta de discussões em forma de

conferências”.

Capítulo II (sobre o CAPPA)

Níveis de compromissos de governo com o

modelo adotado e desenho inicial do

modelo

Ofícios do CAPPA

Diversas (localizar)

Comunicado ao gabinete da SEPLAN

Diálogos territoriais

Posição do CAPPA sobre o nível de

execução das prioridades territoriais

Trecho sobre o baixo nível de atendimento das demandas no orçamento

Capítulo V da

dissertação

Conflito entre expectativas dos

territórios e atuação no governo

Decreto de Criação do

CAPPA 30/06/2007 Criação do

CAPPA

Início da implementação

da política territorial

Registro institucional

Aconselhar o Governo da Bahia quanto à execução do PPA 2008-2011 e propor as instâncias governamentais a adoção de

medidas

Capítulo V da

dissertação

Empoderamento da sociedade civil

(...)

Fonte: ROCHA, 2015

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Figura 2 – Mapa Estratégico para a gestão do Governo do Estado 2008-2011

Fonte: SEPLAN, Bahia, 2007

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Figura 3 – Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Eixo 3)

Fonte: SEPLAN, Bahia, 2011

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Figura 4 – Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Núcleos Temáticos)

Fonte: SEPLAN, Bahia, 2011