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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS CURSO HISTÓRIA NAIALA PIRES PEREIRA MEDIDAS TRADICIONAIS USADAS EM GOIÁS NO SÉCULO XIX ANÁPOLIS 2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE ... · A Implantação do Sistema Métrico no Brasil e ... esse século é sinônimo apenas de decadência e miséria

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS

CURSO HISTÓRIA

NAIALA PIRES PEREIRA

MEDIDAS TRADICIONAIS USADAS EM GOIÁS NO SÉCULO XIX

ANÁPOLIS

2009

1

NAIALA PIRES PEREIRA

MEDIDAS TRADICIONAIS USADAS EM GOIÁS NO SÉCULO XIX

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do

título de licenciatura plena em História à comissão examinadora da

Universidade Estadual de Goiás, sob a orientação do Prof. Dr.

Eliézer Cardoso de Oliveira.

Anápolis

2009

2

NAIALA PIRES PEREIRA

MEDIDAS TRADICIONAIS USADAS EM GOIÁS NO SÉCULO XIX

Trabalho de Conclusão de Curso, defendido e aprovado em

______ de ________________ de ____________, pela Banca

Examinadora constituía pelos professores.

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço as pessoas que me agüentaram, até o termino desse trabalho,

principalmente a minha mãe a quem chorei todas as minhas duvidas e dificuldades e

que sempre me falou palavras de consolo tentando me animar.

Ao meu filho, que por ele tenho força para buscar sempre algo melhor e com

certeza é uns dos principais motivos de ter concluído minha pesquisa, aos meus

amigos que estiveram ao meu lado, mesmo quando eu mesma não me aturava.

Ao meu orientador Prof.Dr. Eliézer Cardoso de Oliveira, que me ajudou em

toda a elaboração desta pesquisa, procurando sempre indicar os melhores livros,

sempre tentando melhorar na medida do possível o que porventura estava incorreto,

tendo sempre paciência (muita), para que pudéssemos fazer o melhor nessa

pesquisa.

Ao Prof.Paulo Henrique Vasconcelos, por ter aceito o convite de ser meu

argüidor, e pela paciência que sempre demonstrou ter com todos os alunos.

4

‘A medida da vida deveria ser proporcional à intensidade da experiência mais do que

à sua duração.’

Thomas Hardy

RESUMO

5

O objeto desta Monografia é o estudo das medidas tradicionais utilizadas em Goiás no século XIX e, a partir dele, entender um pouco sobre o estilo de vida da população goiana nesse período. Em termos teóricos, os principais conceitos utilizados são os de tradição e modernidade, úteis tanto para a compreensão das medidas tradicionais, como também as mudanças advindas com a implantação do sistema métrico decimal. Este trabalho está dividido em três capítulos: o primeiro denominado “Tradição e Modernidade” analisa esses conceitos para explicar partir deles as medidas tradicionais utilizadas em Goiás e a implantação do sistema métrico advindo com a modernidade; já o segundo, denominado “Medidas Utilizadas em Goiás no século XIX” faz-se referência as medidas antigas utilizadas e ao contexto em que se encontrava Goiás no século XIX; por fim,o terceiro e ultimo capitulo, denominado “A Implantação do Sistema Métrico Decimal”, analisou-se as mudanças ocorridas nos sistemas de medidas, e as conseqüências dele para a população de Goiás, sempre destacando a importância da tradição para as pessoas. Palavras chave: medidas tradicionais, tradição, modernidade, sistema métrico.

ABSTRACT

6

The object of this Monograph is the study of the traditional measures used in Goiaz in the century XIX and, starting from him, to understand a little on the lifestyle of the population goiann in that period. In theoretical terms, the main used concepts are the one of tradition and modernity, useful so much for the understanding of the traditional measures, as well as the changes the has occurred with the implantation of the decimal metric system. This work is divided in three chapters: the denominated first Tradition and modernity analyzes those concepts to explain to leave of them measured them traditional used in Goiaz and the implantation of the metric system occurring with the modernity; already the second, denominated Measures Used in Goiaz in the century XIX is done reference the used old measures and to the context in that he/she was Goiaz in the century XIX; finally, the third party and I finish surrender, denominated the Implantation of the Decimal Metric System, it was analyzed the changes happened in the systems of measures, and the consequences of him for the population of Goiaz, always detaching the importance of the tradition for the people. Key Words: traditional measures, tradition, modernity, system metric.

SÚMARIO

7

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 08

Capítulo I – Tradição e Modernidade ................................................................ 11

1.1. O conceito de tradição e as medidas tradicionais ................................... 11

1.2. O conceito de modernidade e a implantação do sistema métrico

decimal ........................................................................................................... 12

1.3. A persistência da tradição: a sobrevivência das medidas tradicionais na

sociedade goiana contemporânea ................................................................. 14

1.4. Medidas tradicionais................................................................................ 14

1.5. Medidas de área ou superfície ................................................................ 20

1.6. Histórico das balanças ............................................................................ 22

Capítulo II - Medidas utilizadas em Goiás no Século XIX................................ 29

Capítulo III – A Implantação do Sistema Decimal Francês.............................. 37

3.1. A influência Francesa e as Primeiras Idéias de uma Padronização........ 37

3.2. A Implantação do Sistema Métrico no Brasil e em Goiás........................ 39

3.3. As resistências à padronização dos pesos e medidas ............................ 43

CONCLUSÃO....................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 48

INTRODUÇÃO

8

O objetivo desta pesquisa é conhecermos as medidas antigas utilizadas em

Goiás no século XIX, já que são praticamente desconhecidas por muitas pessoas,

apesar da sua grande relevância para as pessoas que utilizam livros desse período.

Aliás, o século XIX em Goiás é uma época de certa forma quase esquecida pelos

historiadores, sendo que, para muitos, esse século é sinônimo apenas de

decadência e miséria. Nesse sentido, com esse estudo pretendemos também

entender, o contexto histórico de Goiás e verificar a coerência dessas medidas com

o estilo de vida da população.

Isso não significa que a abordagem do século XIX será completa. Faremos

apenas uma análise superficial de Goiás nesse século, não se atendo aos detalhes,

vamos apenas relacionar o uso das medidas tradicionais e, conseqüentemente,

entender como era o estilo de vida da população.

A tradição sempre esteve presente na vida de todas as pessoas e, em Goiás,

não era diferente. As medidas antigas foram usadas por séculos e até hoje ainda

podem ser presenciadas em vários lugares de Goiás. Elas são um exemplo claro da

sobrevivência do passado no presente, já que as medidas tradicionais foram

passadas de geração a geração e muitas sobreviveram a padronização das

medidas, implantada no Brasil em 1862, o que demonstra a grande força da tradição

na vida da população de Goiás.

A implantação do sistema métrico decimal é uma das etapas da chegada da

modernidade no Brasil, buscando – segundo a perspectiva do sociólogo Zigmut

Bauman – ordem e padrões universais para dar fim ao suposto caos da

multiplicidade de formas existentes no mundo tradicional. Desse modo, a

implantação do sistema métrico em Goiás (e no Brasil) é um exemplo do embate

entre os valores modernos e tradicionais que marcou (e ainda marca) decisivamente

a nossa constituição histórica e social.

Esse processo ainda não foi concluído. Podemos ver essa busca pela ordem

ainda hoje, como a nova lei promulgada em São Paulo no ano de 2009, que proíbe a

venda das bananas por unidades ou por dúzias, como são tradicionalmente

vendidas nas feiras livres do país, obrigando os comerciantes venderem- nas por

peso. Esse fato é apenas mais uma etapa da modernização dos costumes, marcada

9

pela busca constante por resultados sempre mais precisos e pela busca do universal

que sirva de referência para todos. Por outro lado, a resistência dos feirantes que se

negam ou questionam o uso da balança na venda das bananas demonstra a força

da tradição presente no imaginário popular brasileiro.

A maioria das medidas tradicionais foi criada a partir do corpo humano, eram

de fácil acesso e concretas. As medidas mais utilizadas eram pés, polegadas,

palmos, léguas, oitavas, etc. Os valores dessas medidas poderiam variar,

dependendo do lugar. Como era o caso do alqueire, que mudava seu valor em

Goiás, São Paulo e Bahia, o que deveria trazer confusão na hora de comercializar

entre eles.

Desde tempos antigos, o corpo humano era usado como referência para as

medidas, porem o mundo foi ficando pequeno com a modernidade e a necessidade

de padrões universais e abstratos foi se tornando cada vez maior, o que propiciou a

implantação do sistema métrico em mais de 20 países durante o século XIX,

acarretando uma serie de revoltas pelo Brasil e, talvez, pelo mundo, pois não seria

fácil, mudar tão bruscamente e obrigatoriamente todas as medidas usadas a

centenas de anos.

A lei imperial n°.1.157 de 1862, que determinava a adoção do sistema métrico

decimal e que realmente só entrou em vigor em 1872, causou a Revolta do Quebra

Quilos em Pernambuco, Pará, Alagoas e Rio Grande do Norte. Em Goiás não se

tem documentos históricos de uma revolta, mas parece que houve uma resistência

“branca” ao uso das novas medidas, já que as tradicionais continuaram sendo

usadas, apesar do novo sistema decimal.

Seria muito difícil, para a população deixar de usar as medidas antigas,

mesmo porque elas já faziam parte da vida delas, deixá-las de usar seria a mesma

coisa que tirar uma parte de seu corpo, visto que era a medida de todas as coisas.

Além disso, a população também tinha medo de estar sendo roubada, através do

novo sistema de pesos e medidas, visto que, a maioria ainda não conhecia os novos

valores, implantados de maneira abrupta e autoritária.

As principais fontes históricas utilizadas nesta pesquisa foram: Relatórios de

Presidentes da Província, Documentos históricos diversos, Viajantes.

10

No primeiro capítulo vamos analisar os conceitos de tradição para explicar as

medidas antigas utilizadas, utilizando os conceitos de Giddens e Oliveira, e o

conceito de modernidade, de Bauman, para explicar a implantação do sistema

métrico decimal no Brasil e em Goiás. Esse capítulo tem o objetivo de mostrar a

diferença entre tradição e modernidade através do sistema de medidas, que antes

era utilizado, e o novo sistema que foi promulgado no Brasil a partir de 1862.

No segundo capítulo pretendemos analisar as medidas que eram utilizadas,

conhecer os nomes dessas medidas e saber para que elas eram usadas. Vamos

utilizar citações do livro de Saint-Hilaire, para mostrar algumas dessas medidas e

outras citações para mostrar as medidas que eram derivadas a partir de membros do

corpo humano.

No terceiro capítulo iremos abordar, a implantação do novo sistema métrico

decimal, da sua origem que foi na França até sua chegada no Brasil e em Goiás,

comentar sobre as dificuldades que se teve em adotar esse novo sistema, e também

das conseqüências dele, para a população brasileira que a acarretou uma serie de

revoltas pelo Brasil.

Enfim, a tradição sempre foi importante para a vida de todas as pessoas e

estará sempre presente entre nós, muito mais importante que um palmo de terra, e

muito mais pesado que três oitavas, e pra saber o tamanho dessa importância,

multiplique três pés, três palmos e uns dez côvados, talvez seja pouco ainda para

calcular o valor dessa tradição, então ande umas dez léguas, talvez chegará ao

valor aproximado, mas para saber calcular esses valores, degustem essa pesquisa

ela está na medida correta para aumentar o seu conhecimento.

Capítulo I – Tradição e Modernidade

11

Neste capítulo encontram-se dispostos os conceitos de tradição e

modernidade, para melhor situar as medidas tradicionais e a implantação do sistema

métrico decimal. O capítulo está subdividido em três tópicos: sendo o primeiro – “O

conceito de tradição e as medidas tradicionais”, o segundo – “O conceito de

modernidade e a implantação do sistema métrico decimal”, e, o terceiro – “A

persistência da tradição: a sobrevivência das medidas tradicionais na sociedade

goiana contemporânea”, a seguir expostos.

1.1 O conceito de tradição e as medidas tradicionais

Para compreendermos sociologicamente a multiplicidade dos sistemas de

pesos e medidas existentes em Goiás, no século XIX, precisamos contextualizá-los

a partir do conceito de tradição, mas o que seria essa tradição? Segundo Eliezer

Cardoso de Oliveira (1999), o termo tradição remete a duas idéias:

O termo tradição dá a entender um certo poder de controle do passado sobre as ações do presente. Isso implica em manter as coisas como estão desconfiando das mudanças. Esse tipo de comportamento sempre esteve presente em todas as sociedades humanas, antes do advento da modernidade, que passou a ter a mudança como meta. (Oliveira, 1999: p. 65)

Diante disso, podemos entender que as unidades de medidas antigas usadas

em Goiás faziam parte de um ambiente tradicional em Goiás, uma vez que a

população ainda utilizava essas medidas antigas mesmo depois da lei de 1862.

Além disso, a resistência da população não só de Goiás, mas do Brasil, em utilizar

as medidas francesas, que pode ser explicadas a partir da desconfiança em relação

ao novo, vigente dentro de sociedades tradicionais.

As medidas tradicionais eram coerentes com aquele estilo de vida vigente no

século XIX, uma vez que não havia em Goiás uma economia que requisitasse novos

padrões de medidas, nem havia um desenvolvimento educacional que preparasse

as pessoas para avanços técnico-científicos. As pessoas ainda não estavam

preparadas para uma mudança em seu cotidiano, feitas de maneira abrupta e por

decreto governamental. Não é correto pensar que as sociedades tradicionais sejam

12

extáticas, mas as mudanças ocorrem num ritmo lento, possibilitando serem

incorporadas sem maiores transtornos ao cotidiano da população.

Outra característica muito importante das sociedades tradicionais é sua

circunscrição a um espaço determinado. Nenhuma sociedade tradicional é igual a

outra, embora muitas delas tenham características similares. Segundo Oliveira: “as

tradições são várias, pois cada local por mais pequenino que seja, produz o seu

saber. Ele tem seus próprios provérbios, seus contos anedóticos, sua memória

coletiva, seus rituais, sua especificidade política e histórica” (1999: p. 68).

O sistema de pesos e medidas tradicionais é prova concreta dessa

especificidade do saber tradicional. Como não havia um padrão universal para

referência, as unidades de medidas e pesagem eram baseadas em elementos

“vagos”: braças, pernas, jornadas, dias, etc. De modo geral, era o costume local que

estabelecia e regulava as unidades tradicionais de medidas. Isso explica, por

exemplo, uma mesma medida, ter valores diferentes, como é o caso do alqueire,

que possuía valores diferentes em São Paulo, Goiás e Minas Gerais.

Segundo Giddens (1997), a modernidade não acabou com a tradição, para

ele haveria coexistência entre tradição e modernidade, o que explica, por exemplo,

por que ainda hoje muitas medidas tradicionais ainda são utilizadas pela população

goiana.

1.2. O conceito de modernidade e a implantação do sistema métrico decimal

E é exatamente o conceito de modernidade que vamos utilizar para

entendermos a adoção do sistema métrico decimal. Desse modo, as medidas

antigas são típicas de um ambiente tradicional, enquanto o sistema métrico decimal

é típico da modernidade.

Uma definição importante de modernidade é aquela formulada por Zigmunt

Bauman (1999, p.14), na qual caracteriza a modernidade como a busca pela ordem:

“existência é moderna na medida em que contém a alternativa da ordem e do caos”.

13

Para ele a modernidade veio por ordem em tudo o que estava fora do lugar.

Isso explica, por exemplo, o esforço da elite administrativa do Império em implantar o

sistema métrico decimal no Brasil sob a justificativa ideológica de que as medidas

tradicionais eram um verdadeiro “caos” e geravam prejuízos e desordem na

atividade comercial.

Ainda, segundo Bauman (1999), só há como discernir se estamos ou não em

um mundo moderno, quando se há uma divisão entre ordem e caos.

O horror à mistura reflete como acentua Bauman, a obsessão de separar, pois o arcabouço central tanto da prática quando do intelecto modernos é a oposição, mais precisamente, a dicotomia. Cada esforço de separação produz mais ambivalência, e a ambivalência torna-se o refugo da modernidade. Assim, tanto a ordem como a ambivalência são produtos da prática moderna, uma prática que refuta o estranho, aquele membro indesejado que aporta a ambivalência, que expõe o artifício e a impostura da separação mais vital. O mundo racional e universal da ordem não conheceria ambivalência nem contingência. Ao se pensar como semente da futura universalidade, no entanto, a modernidade gera sempre mais diferença, mais ambivalência. Só que a ambivalência aparece como a única força capaz de conter e isolar o potencial destrutivo da própria modernidade, em sua dualidade oscilante entre liberdade e genocídio, que pode gerar os mais terríveis perigos e os meios mais eficazes de evitá-los, o veneno e o antídoto (o pharmakon, no sentido grego, que contém tanto o remédio quanto o veneno). (BAUMAN apud MATOS, 2007).

Bauman, por meio dessa definição, conseguiu vislumbrar a raiz ideológica da

implantação de medidas autoritárias visando à modernização. A partir do momento

em que as características tradicionais são vistas como situadas num ambiente

caótico, desordenado, irracional; o Estado teria todo o direito de “buscar a ordem”,

implantando medidas autoritárias.

Portanto, deve se entender que não é possível haver modificações em

qualquer contexto, seja ele qual for, se não existir um padrão anterior, conhecido por

nós como costumes ou tradição e uma idéia de mudança em prol da sociedade para

que a mesma seja de fato aceita. Esse contexto todo é que denominamos:

revoluções. Mudanças que aconteceram gradativamente até que chegar a grande

globalização que se instaurou no mundo moderno.

O século XIX foi marcado por uma revolução científica e tecnológica, foi

caracterizado pelo surgimento do aço, da energia elétrica, do petróleo e da indústria

química e pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação e por

diversos outros acontecimentos, o que favoreceu a implantação de um sistema de

14

medidas quase que universal, pois umas das conseqüências da modernidade é

diminuir cada vez mais as distâncias entre os países, e entre as pessoas.

1.3. A persistência da tradição: a sobrevivência das medidas tradicionais na

sociedade goiana contemporânea

Independente dessa modernização, é impressionante notarmos que as

tradições continuam mais fortes e mais implantadas no dia-a-dia das pessoas, não é

difícil ouvir em pleno século XXI, o carro de milho verde passando anunciando, uma

mão de milho, ouvir pessoas de mais idade, falando que demorou léguas para

chegar a algum lugar, ou até mesmo ir a uma costureira e ela medir com o palmo da

mão, para saber quanto precisa cortar. Isso mostra que independente de todas as

tecnologias que temos, haverá sempre algo mais forte do que aquilo que os nossos

próprios olhos vêem que é a nossa tradição.

Na tradição goiana é comum o uso de balanças comerciais para pesagem de

carnes, verduras e outros alimentos (Cf. Modelos de Balanças Comerciais, cap.1).

Hoje, muitos comerciantes utilizam balanças eletrônicas, contudo, há ainda uso de

balanças antigas. Recentemente, algumas mudanças foram implantadas, tais como,

o pão passou a ser vendido por kilograma, que antes era vendida a unidade. A

banana, que antes era vendida por dúzia, passou a ser vendida no peso, e outras

frutas como, a manga, laranja, maça, etc., passaram a ser pesadas, deixando de ser

vendidas por unidades.

Desse modo, como afirma Braga e Almeida:

A modernidade em Goiás é concebida como um contraponto à tradição, e, neste sentido, refere-se à complexidade atingida pela organização social do Estado no seu processo de desenvolvimento. Esta complexidade abarca, sobretudo, um conjunto de mudanças nos costumes, no modo de vida da população (BRAGA; ALMEIDA, 2009, s/p).

1.4. Medidas tradicionais

Nos tempos antigos as medidas eram feitas por meio de recipientes de pedra,

de aço, de bronze e outros materiais. Conforme o Serviço de Documentação da

15

Universidade do Minho Casa de Sarmento - Centro de Estudos do Patrimônio de

2005, as figuras a seguir pertencem a coleção de Etnografia do Museu da

Sociedade Martins Sarmento, apresentam as formas de medição ao longo dos

tempos:

Fig.1. TEIGA. Recipiente de granito, cilíndrico com dois bicos laterais no bordo, com aproximadamente a capacidade de 1 litro. Tem a forma de copo com asa. Existente nas antigas igrejas servia para medir os dízimos devidos ao clero. Porém, pelas suas reduzidas proporções, seria um simples almofariz. Proveniente da Citânia de Briteiros, Guimarães.

Fig.2. ALQUEIRE. Vasilha quadrangular, em bronze, de meia rasa (12,6 litros) com duas asas moldadas e decoradas. Medida padrão, do tempo de D. Sebastião (1575), destinada à aferição legal de medidas de cereais. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães.

Fig.3. MEIO ALQUEIRE. Vasilha quadrangular, em bronze, de um quarto (6,3 litros) com duas asas moldadas e decoradas. Medida padrão, do tempo de D. Sebastião (1575), destinada à aferição legal de medidas de cereais. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães.

Fig.4. QUARTA. Vasilha quadrangular, em bronze, de quarta (1,6 litros) com duas asas moldadas e decoradas. Medida padrão, do tempo de D. Sebastião (1575), destinada à aferição legal de medidas de cereais. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães.

Fig.5. CANADA. Vasilha troncónica, em cobre, de Canada (2 litros) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à C. M. de Guimarães. 1575 [?].

16

Fig.6. MEIA CANADA. Vasilha troncónica, em cobre, de meia canada (1 litro) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães. 1575 [?].

Fig.7. QUARTILHO. Vasilha troncónica, em cobre, de quartilho (0,5 litros) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães. 1575 [?].

Fig.8. MEIO QUARTILHO. Vasilha troncónica, em cobre, de meio quartilho (0,25 litros) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães. 1575 [?].

Fig.9. QUARTEIRÃO. Vasilha troncónica, em cobre, de quarteirão (0,125 litros) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães. 1575 [?].

Fig.10. MEIO QUARTEIRÃO. Vasilha troncónica, em cobre, de meio quarteirão (0,0625 litros) com uma asa lateral. Medida padrão camarária, destinada à medição de líquidos. Pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães. 1575 [?].

Fig.11. UM LITRO. Vasilha, em madeira, com uma asa e um bico, destinada à medição de líquidos. Séc. XIX.

Fig.12. MEIO LITRO. Vasilha, em madeira, com uma asa e um bico, destinada à medição de líquidos. Séc. XIX.

17

Fig.13. DOIS DECILITROS. Vasilha, em madeira, com uma asa e um bico, destinada à medição de líquidos. Séc. XIX.

Fig.14. MEIO DECILITRO. Vasilha, em madeira, com uma asa e um bico, destinada à medição de líquidos. Séc. XIX.

Fig.15. ESTALÃO. Medida padrão em ferro, com uma asa em espiral, destinada à aferição das antigas medidas de comprimento (vara e côvado). Proveniente da Câmara Municipal de Guimarães. Séc. XIX.

Fig.16. VARA. Medida de comprimento (1,10 m), em madeira, com marcas de aferição camarária desde 1822 a 1860. Séc. XIX.

Fig.17. VARA. Medida de comprimento (1,10 m), em madeira, com marcas de aferição camarária desde 1800 a 1856. Séc. XIX.

Fig.18. CÔVADO. Medida de comprimento (0,673 m), em madeira com embutidos de madeira a duas cores, com marcas de aferição camarária desde 1840 a 1859. Séc. XIX.

18

Fig.19. PÉ. Medida de comprimento (33 cm), em madeira, destinada à medição da sola do calçado e com marcas de aferição camarária desde 1811 a 1858. Séc. XIX.

Fig.20. CADEIA DE AGRIMENSOR. Cadeia (1.078 cm), em ferro, com uma argola em cada extremidade, empregue na medição de grandes áreas de terreno. Séc. XIX.

Fig.21. CADEIA DE AGRIMENSOR. Conjunto de seis cadeias, em ferro, de diferentes tamanhos (561 cm; 486 cm; 349,5 cm; 315,5 cm; 192 cm e 87,5 cm), empregue na medição de grandes áreas de terreno. Séc. XIX.

Fig.22. BALANÇA. Balança em ferro, com ganchos nas extremidades destinada à pesagem do linho por fiar. Séc. XIX [?].

Fig.23. PESO DE PEDRA. Peso em granito (1700 gr), com pega em ferro, destinado à pesagem do linho. Séc. XVIII [?].

19

Fig.24. ARROBA. Padrão de peso, em bronze, de uma arroba (15 kg) com uma pega. Séc. XV-XVI.

Fig.25. MEIA ARROBA. Padrão de peso, em bronze, de meia arroba (7,380 kg) com uma pega. Séc. XV-XVI.

Fig.26. OITO ARRÁTEIS. Padrão de peso, em bronze, de oito arráteis (3,700 kg) com uma pega. Séc. XV-XVI.

Fig.27. ARRÁTEL. Padrão de peso, em bronze, de um arrátel (459 gr) com uma pega. Séc. XV-XVI.

Fig.28. UMA ONÇA. Padrão de peso, em bronze, de uma onça (57 gr) com uma pega. Séc. XV-XVI.

20

1.5 Medidas de área ou superfície

A Medida de Área é uma grandeza, a qual existe várias unidades de medida,

sendo a unidade-base para medida de área mais utilizada o metro quadrado (m2), o

qual deriva, por exemplo: 01 hectare = 10.000 m².

Medir é comparar uma quantidade de uma grandeza qualquer com outra –

área é a quantidade de espaço bidimensional, ou seja, de superfície, a tabela 1,

apresenta a conversão para precisão desses valores:

Fig.29. CAIXA. Caixa, em madeira, com uma balança em metal e respectivos pesos. Empregue na pesagem do ouro, prata e diamantes destinados às colônias britânicas, assim como à Turquia, Espanha Oriental e às Índias Ocidentais. Séc. XVIII.

Fig.30. PESO. Peso em ferro (220 gr), com argola, empregue na pesagem do linho por fiar. Séc. XIX. Havia este peso em outros tamanhos.

Fig.31. CAIXA. Pequena caixa, em metal gravada, contendo uma coleção de pesos de forma troncônica encaixados uns nos outros. Séc. XIX [?].

21

TABELA 1 Área

Multiplique o Número de Por Para obter o equivalente em

are 100 metros quadrados

acres 4.047 metros quadrados

acres 0,4047 hectares

hectares 10.000 metros quadrados

alqueires paulistas 2,42 hectares

alqueires mineiros 4,84 hectares

alqueires baianos 9,68 hectares

alqueires do norte 2,72 hectares

Alqueire - unidade de medida de superfície agrária equivalente em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás a 10.000 braças quadradas (4,84 hectares), e em São Paulo a 5.000 braças quadradas (2,42 hectares).

1 alqueire Goiano = 48.400m² = 4,84 ha

1 alqueire Baiano = 96.800m² = 9,68 ha

1 alqueire Paulista = 24.200m² = 2,42 ha

1 alqueirão* = 193.600m² = 19,36 ha - Estado de Cabrália**

1 alqueire do Norte = 27.225m² = 2,72 ha *

1 alqueire Mineiro = 48.400m² = 4,84 ha

1 alqueire Fluminense = 27.225 m² - equivalente a 75 x 75 braças

Hectare = de hect(o) mais are - unidade de medida agrária, equivalente a 100 ares ou 1 hectômetro quadrado. Nomenclatura abreviada: hectare = hec = ha - Em metragem 1 hectare = 10.000m² (medida padrão internacional).

Alqueirão - é a medida utilizada em uma região que compreende o Estado de Cabrália (hipotético). É equivalente a 4 alqueires mineiros tradicionais. Cabrália seria fruto da divisão do extremo sul da Bahia e norte-nordeste de Minas Gerais, uma idéia dos tempos do Império. Nesta região usa-se também a medida de 80 medidas de milho como 1 'alqueirim' equivalente também a 48.400m².

Alqueire pode ainda ser unidade de medida de capacidade para secos, equivalente a 36,27 litros ou a quatro 'quartas'. E também, no Pará, usa-se como medida de capacidade correspondente a dois paneiros ou a cerca de 30 quilos.

Tarefa - medida agrária constituída por terras destinadas à cana de açúcar e que no CE equivale a 3.630m², em AL e em SE a 3.025 m² e na Bahia a 4.356 m².

Braça - do latim brachia - plural de brachin (braço). Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a 10 palmos ou seja 2,2ms (Brasil). Palmo = 8 polegadas = 22 cm. Braça também é unidade de comprimento do sistema Inglês equivalente a cerca de 1,8ms.

22

Braça quadrada (brasileiro) - medida agrária que se usa em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e igual à tarefa, de Alagoas e Sergipe: 3.052m² (1 braça = 2,2 m || 30 braças = 66 ms || 30 x 30 braças =4.356m² = braça quadrada).

Tarefa Baiana: Corresponde a uma área de 30 x 30 braços. Portanto uma tarefa é igual a 4.356m². Recomenda-se cuidado, pois existem outras medidas de tarefas em outros estados. Esta é a usada na Bahia (GUEDES, 2006, s/p).

1.6. Histórico das balanças

De acordo Moreira (2006) as balanças são originárias da antiga civilização

egípcia, no ano 5.000 a.C. Desde os tempos antigos tem destinação de determinar a

massa dos corpos, comumente denominado de pesagem. Existem balanças de

diversos tipos e tamanhos com interesse de pesar pequenas e/ou grandes

quantidades de massa. No Brasil, é usada a balança romana, principalmente no

comércio e por médicos, a qual o autor afirma que:

A balança romana nada mais é do que uma balança de braços desiguais. A medida é realizada, colocando-se a massa desconhecida no prato da balança e deslocando a massa padrão (valor [L3] conhecido) no braço maior até o ponto de equilíbrio. Isso é verificado através de um uma escala na parte inferior, onde se verificará que o fiel está alinhado com a vertical. (MOREIRA, et al., 2006, s/p)

É perceptível sua presença marcante no comércio, inúmeros tipos de

produtos são vendidos por peso. Nos início das civilizações o comércio tinha por

base a troca (escambo), o qual era realizado por meio da balança para trocar as

mercadorias pelo mesmo peso, tendo como condição o equilíbrio da balança

(Ibidem).

Mas, o que é peso? Conforme Guedes (2009):

Peso é uma força. É a força resultante da (ou produzida pela) atração gravitacional exercida pela Terra sobre a massa um corpo. A unidade de peso é o quilograma força, abreviada para kgf. A relação entre peso e massa também é simples: por definição, 1 kgf é a força que, aplicada a um corpo com 1 kg de massa, provoca uma aceleração de 9,80665 m/s2 (que vem a ser a aceleração devida à gravidade, medida ao nível do mar). (GUEDES, 2009, s/p).

Definido peso, vale lembrarmos que, cotidianamente, massa e peso se

confundem. Por exemplo, as pessoas dizem: “meu peso é 56 kilos”, quando devia

23

dizer: “meu peso é 56 quilogramas força”. Portanto, são grandezas totalmente

diferentes. Massa é matéria, é uma grandeza escalar; peso é uma força, é uma

grandeza vetorial (Ibidem).

O peso é usado por vários profissionais que por meio de uma balança

realizam seu trabalho, dentre eles destaca-se:

a) Biomédico - pesa pessoas em clínicas, hospitais etc.;

b) Farmacêutico - pesa medicamentos e fármacos;

c) Alimentício - pesagem de alimentos;

d) Comercial - pesagem pessoas (como em academias de ginástica, em

centros desportivos, etc.) e de bens em pequena escala (tais como, materiais de

construção, alimentos vendidos em mercados, etc.);

e) Industrial - pesagem de bens em maior escala, tais como, veículos e

grandes lotes de madeiras, metais, alimentos enlatados, carregamentos de minério

etc.;

f) Metrológico - verificação de rastreabilidade em massas-padrão e calibração

de balanças menos precisas.

No Brasil, as balanças são regulamentadas pelo Instituto Nacional de

Metrologia – INMETRO, por meio das Portarias 236/94 e 261/02. O instituto

identifica como características das balanças:

a) Sensibilidade – uma miligrama colocada sobre um dos pratos consegue

provocar o desequilíbrio.

b) Fidelidade – obtém-se o mesmo resultado sempre que medir a mesma

massa, sem influência sob a posição do corpo no prato da balança.

c) Justeza - se colocar massas iguais nos dois pratos, e braços forem iguais,

o equilíbrio ocorrerá.

Contudo, as pesagens de precisão são influenciadas por fatores tais como: a

temperatura, a posição da carga sobre o prato, o desnivelamento da balança, dentre

outros.

Conforme informações do INMETRO, quanto ao princípio de funcionamento,

as balanças se classificam em:

24

a) Gravimétricas: comparam a carga com padrões de massa aferidos

(pesos);

b) Dinamométricas: o peso da carga é equilibrado pela força elástica de

molas metálicas ou sistema equivalente (podem ocorrer defeitos, portanto

é condenada no comércio).

De acordo com a Portaria n. 236 de 1994 do INMETRO as balanças se

classificam por classe de exatidão, sendo subdividas em classes I, II, III e IIII. Bem

com, se classificam pela finalidade: comerciais ou de precisão. São estabelecidas as

seguintes classes de exatidão e seus símbolos: a) Exatidão especial, I; b) Exatidão

fina, II; c) Exatidão média, III; d) Exatidão ordinária, IIII. Informa o INMETRO, o valor

de divisão de verificação, para os diferentes tipos de instrumentos, que deve ser

como estabelece a Tabela 2, a seguir:

TABELA 2 DIVISÃO DE VERIFICAÇÃO

Tipo de instrumento Valor de divisão de verificação Graduado sem dispositivo indicador auxiliar e = d Graduado com dispositivo indicador auxiliar e é estabelecido pelo fabricante conforme as

condições da Tabela 3 Não graduado e é estabelecido pelo fabricante conforme as

condições da Tabela 3 Fonte: Portaria INMETRO no 236/94. Disponível em: <http://www.ipem.sp.gov.br/7srv/lei/ port236_94.pdf>. Acessado em: 10 dez. 2009.

De acordo com INMETRO, o valor de divisão de verificação, o número de

valores de divisão de verificação e a carga mínima devem ser como estabelecido na

Tabela 3 em função da classe de exatidão dos instrumentos:

TABELA 3

Número de valores de divisão de verificação (n = Max/e)

Classe de exatidão

Valor de divisão de verificação

(e) Mínimo Máximo

Carga mínima (Min)

(limite inferior) Especial

I 0,001g ≤ e 50000 - 100e

Fina II

0,001g ≤ e ≤ 0,05g

0,1g ≤ e

100

5 000

100 000

100 000

20e

50e Média

III 0,1g ≤ e ≤ 2g

5g ≤ e

100

500

10 000

10 000

20e

20e Ordinária

IIII 5g ≤ e 100 1 000 10e

Fonte: Portaria INMETRO no 236/94. Disponível em: <http://www.ipem.sp.gov.br/7srv/lei/ port236_94.pdf>. Acessado em: 10 dez. 2009.

25

O Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo disponibilizou os

principais modelos de balanças, a seguir ilustrados e comentados:

Fig. 35 – Balança de Precisão Marca: não consta

Época: provavelmente entre 1950/1960

Tipo: de braços iguais - mecânica - leitura

analógica

Carga Máxima: 100g

Características: - são necessários pesos para realizar as

medições;

- protegida de correntes de ar por caixa de

madeira envidraçada.

Utilização: laboratórios, principalmente

farmacêuticos

Dimensões: 35cm de comprimento; 19cm

de largura e 35cm de altura

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=26&vnum=3>. Acessado em: 07 dez.

2009.

Fig. 33 – Balança de Precisão: Marca: não consta

Época: provavelmente entre 1950/1960

Tipo: de braços iguais - mecânica - leitura

analógica

Carga Máxima: 1kg

Características: - são necessários pesos para realizar as

medições;

- fabricada em bronze e montada sobre

base em madeira;

- com dispositivo para nivelamento,

constituído por nível de bolha e pés de

altura regulável.

Utilização: laboratórios

Dimensões: 65cm de comprimento (base)

e 40cm de altura (torre)

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=26&vnum=1>. Acessado em: 07 dez.

2009.

26

Fig. 46 – Balança de Precisão

Marca: Marte

Modelo: A 5000

Número: 172.401

Fabricação: brasileira

Época: 1980/1990

Tipo: eletrônica - leitura digital

Carga Máxima / Amplitude da Escala: 5kg

Menor Divisão: 0,01g

Características: - informa a leitura das pesagens (sem

utilização de pesos) de maneira automática;

- com dispositivo para nivelamento,

constituído por nível de bolha e pés de

altura regulável.

Utilização: laboratórios

Dimensões: 19cm de largura; 14cm de

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=26&vnum=10>. Acessado em: 07 dez.

2009.

Fig. 47 – Balança Comercial

Marca: não consta

Fabricação: brasileira

Época: 1960/1970

Tipo: romana

Carga Máxima / Amplitude da Escala: 10kg

Menor Divisão: 100g

Característica: - leitura analógica, por meio de um cursor

que se desloca sobre uma escala graduada.

Utilização: comércio de produtos a granel.

Comprimento da Escala: 38cm

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=14&vnum=1>. Acessado em: 07 dez.

2009.

Fig. 49 – Balança Comercial

Marca: Filizola

Fabricação: brasileira

Época: 1930/1940

Tipo: de roberval

Carga Máxima: 15kg

Características: - são necessários pesos para realizar a

medição; -- leitura analógica, por meio de

um ponteiro que se desloca sobre escala

tracejada.

Utilização: comércio de produtos a granel.

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=?vnum=3>. Acessado em: 07 dez.

2009.

27

Fig. 51 – Balança Comercial

Marca: Cauduro

Número: 123102

Fabricação: brasileira

Ano: 1993

Tipo: semi-roberval

Carga Máxima: 15kg

Amplitude das Escalas: 1kg e 14kg

Menor Divisão: 10g

Características: - são necessários pesos para realizar a

medição; leitura analógica, pelo equilíbrio

de dois fiéis.

Utilização: comércio de produtos a granel.

Dimensões: 56cm de comprimento e 30cm

de altura.

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=?vnum=6>. Acessado em: 07 dez.

2009.

Fig. 52 – Balança Comercial

Marca: Filizola

Fabricação: brasileira

Época: 1980/1990

Tipo: de inclinação

Carga Máxima: 2kg

Amplitude das Escalas: 200g e 2kg

Menor Divisão: 1g Características: - leitura analógica, por meio de um

ponteiro que se desloca sobre escala

graduada;

- com dispositivo para nivelamento,

constituído por nível de bolha e pés de

altura regulável.

Utilização: comércio de produtos a granel.

Dimensões: 40cm de comprimento da base

e 45cm de altura.

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=?vnum=9>. Acessado em: 07 dez.

2009.

28

Fig. 56 – Balança Especial

Marca: Otto Bender

Número: 8247

Época: provavelmente entre 1930/1940

Tipo: de braços iguais - mecânica - leitura

analógica

Carga Máxima: 15kg

Características: - fabricada em ferro fundido, prescinde de

pesos para realizar a medição e está

instalada em caixa envidraçada para evitar

que correntes de ar dificultem a medição.

Dimensões: 85cm de altura e 70cm de

largura (braços)

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=?vnum=5>. Acessado em: 07 dez.

2009.

Fig. 58 – Balança Especial

Marca: Lucas

Fabricação: brasileira

Época: provavelmente entre 1970/1980

Modelo: P 01

Número: 559.596

Tipo: de braços desiguais ou "de plataforma" -

mecânica - leitura analógica

Carga Máxima: 150kg

Amplitude das Escalas: 1kg e 10kg

Menor Divisão: 10g

Valores representados pelas massas auxiliares: 2/50kg; 1/20kg e 2/10kg

Características: dispõe de massas auxiliares

para medição.

Utilização: no recebimento de produtos

comerciais ou em indústria.

Dimensões: 29cm de largura; 54cm de altura

e 53cm de profundidade.

Fonte: Acervo do Museu de Metrologia do Ipem-SP - Foto de jan/2004, online. Disponível em:

<http://www.ipem.sp.gov.br/5mt/bap/legenda.asp?ate=?vnum=9>. Acessado em: 07 dez. 2009.

29

Capítulo II - Medidas utilizadas em Goiás no Século XIX

A inserção de Goiás no contexto econômico do Brasil, segundo Palacín (1996

p. 14) se dá com dois séculos de atraso, visto que o inicio da povoação portuguesa

em Goiás se deu logo no começo do século XVI, e a inserção da província no

contexto econômico nacional se deu no final do século XIX, devido à falta de

comunicação interna e à centralização da economia no nordeste e no sudeste do

país.

Segundo o mesmo autor, a motivação para a colonização do imenso território

goiano relaciona-se com a escravidão indígena pelas bandeiras e a exploração

aurífera das lavras goianas. Desse modo, os objetivos da colonização eram

pragmáticos, ou seja, explorar ao máximo as riquezas existentes na região e

aumentar as fronteiras de seus domínios, sem pensar no modo de vida população já

existente no espaço goiano.

Segundo BERTRAN (1944), o que predominou em Goiás, após o fim da

mineração, por todo o século dezenove foram a criação de gado e a agricultura de

subsistência, o que demonstra a pertinência das medidas tradicionais para a

atividade econômica vigente no cotidiano da província. A unidade econômica básica

deixou de ser a urbana lavra e passou a ser a sesmaria. Segundo o autor:

As sesmarias que até aqui vimos foram solicitadas pela maior parte, no dizer dos próprios requerentes, para “crear gados vacuns e cavalares”, a mais pragmática das produções rurais, porquanto a si próprio se transporta, até por centenas de quilômetros, em boiadas que chegavam aos mais recônditos mercados. Ingênuo seria pensarmos que fossem exclusivas quanto ao gênero de produção: ao lado do curral, vicejava a roça de alimentos e, às vezes, a grande plantação de cana-de-açúcar com o correspondente engenho, produzindo os alimentos mais consumidos nos Séculos XVIII e XIX: a rapadura, a cachaça e as farinhas de mandioca, de milho e, eventualmente, de trigo, além do feijão, do arroz, da criação de porcos e galinhas, todos produtos alimentares, a exceção do fumo de rolo e do “mamono”, cujo óleo usava-separa a iluminação. (BERTRAN, 1944: 193)

Paulo Bertran analisa a partir do exemplo de Santa Luzia, no começo do

século XIX, a ruralização da economia goiana. Ele faz uso de uma citação de Saint-

Hillaire, para mostrar as precárias condições desse julgado o que de certa forma

retrata toda a situação da província de Goiás:

30

O que vai surgir – se é que antes já não viessem proliferando – são os sítios de subsistência familiar, uma fórmula simples, de dois ou três homens plantando um pequeno trato de terra, que fornecia os alimentos do ano. A economia rural de abastança. Estando em Luziânia em 1819, escreve Saint-Hilaire:... <<Seria pura perda se os colonos plantassem milho, feijão e arroz em quantidade superior à necessária ao sustento da família; porque excetuando-se os anos de carestia, como aquele em que eu viajava, esses gêneros não poderiam encontrar compradores.>> 6 E aduza-se: se não fossem consumidos no ano, apodreciam ou eram devorados por traças e brocas nos antigos estoques, insuceptíveis aos modernos defensivos. (BERTRAN,1944:185)

Segundo Oliveira (2006), com a chegada dos imigrantes, que buscavam o

enriquecimento com as jazidas de ouro existentes, a população residente e natural

de Goiás acaba tendo sua cultura anexada ou corrompida pela nova variedade de

costumes que se instauram na região, passa então a reinar uma miscigenação de

massas culturais reina na província de Goiás nas primeiras décadas do século XIX.

Com o crescimento da atividade mineradora na capitania de Goiás, o

comércio representou para muitos uma tentativa de se tornarem ricos, pois os

mesmos não tiveram o privilégio de receber cartas de exploração das minas. Assim,

a população ficou carente de produtos primários de alimentação, além de

necessidades supérfluas dos nobres. O comércio interno ficou cada vez mais forte.

Toda atividade econômica, seja capitalista ou tradicional, necessita de um

padrão de pesos e medidas próprios ou universais para que conflitos não sejam

freqüentes. Em Goiás, predominava um sistema de peso e medidas diversas,

trazidas de Portugal, mas que sofreram, muitas vezes, adaptações ao serem

utilizados no contexto de Goiás dos séculos XVIII e XIX.

Algumas dessas medidas podem ser vistas no livro de Auguste De Saint-

Hilaire Viagem a Província de Goiás:

Defronte de quase todas as casas dos Caiapós vi grandes pedaços de

troncos de árvores de 2 a 3 pés de comprimento, escavadas nas duas

pontas e terminando com uma borda grossa, de 2 a 3 polegadas de altura.

(Saint-Hilaire, 1975: 71)

Nesse parágrafo Saint-Hilaire faz referência a duas medidas de comprimento,

“Pés” e “Polegadas”, bem comuns no século XIX, mas que dificulta o entendimento

dos leitores e pesquisadores contemporâneos, pois se eles não souberem o que

essas medidas significam e o que elas equivalem hoje, não conseguirão

31

compreender o que o autor está escrevendo, fazendo uma leitura apenas artificial. É

exatamente a compreensão dessas medidas que tentaremos passar nessa

pesquisa. Essas medidas eram baseadas em coisas concretas: os pés e os dedos,

diferente das medidas modernas que são abstratas. E, quanto vale uma polegada?

Os pés?

Na coletânea de documentos sobre Goiás no século XIX Memórias Goianas

vol. 9, há um relatório sobre a indústria fabril Meia Ponte, no qual aparecem várias

unidades de medida tradicionais:

Produção Annual Exportação

20:800 varas de panno grosso 7:500 varas

6:200 varas de panno fino 2:100 varas

810 arrobas de assucar branco 430 arrobas

500 arrobas de mascavo 310 arrobas

372 barriz de água ardente 253 barriz

100 alqueires de farinha 110 alqueires

210 monjolos 110 monjolos

8000 telhas 5467 telhas

260 meios de sola 260 meios de sola

800 pelles 800 pelles

8 ollarias de queijo 7 ollarias de queijo

Fonte: Relatório sobre a indústria fabril Meia Ponte, 1998.

32

É interessante notarmos que, não só as medidas eram diferentes, como

algumas palavras eram escritas diferentes, a palavra panella, escrita com dois “ll”,

annual, escrita com dois “nn”, o que mostra as transformações que a sociedade

sofre com o tempo. Nesse relatório, encontram-se expressas quatro medidas que

eram usadas em Goiás, e podemos até ter uma noção da indústria fabril de Meia

ponte.

Outra medida antiga bastante usada pelos autores dessa época é a légua

como podemos ver no livro Viagem a província de Goiás, de Auguste de Saint-

Hilaire: “depois de ter andado 3 léguas desde que saíra de Vila Boa,desviei-me do

caminho da Aldeia de S. José no lugar chamado Gorgulho, e, após contornar a

extremidade da Serra Dourada,situada do lado oposto as cidade, tomei outra

direção”.

A medida utilizada para se medir farinha, o alqueire, que é hoje conhecido

apenas como unidade de medida de lotes de terras ou de propriedades agrícolas

grandiosas (latifúndios), era usada pra medir a farinha d’agua, comumente usado

naquela época. O alqueire de farinha d’água é o equivalente a 30 quilogramas do

atual sistema métrico decimal vigente no país.

Essas são algumas medidas encontradas nos relatos de viajantes e nos livros

que se refere ao século XIX, o que podemos perceber é que muitas delas têm

origem a partir de membros do corpo humano, como é o caso da polegada, do

palmo, côvado, pés e outras.

Uma das unidades de medidas de comprimento que podemos observar nessa

época é a légua. Unidade de comprimento que equivale hoje a 6.600 metros no

sistema métrico decimal vigente no país. A medida era utilizada devido à facilidade

em se medir distâncias longas entre vilarejos, uma vez que as pessoas comumente

viajavam a pé, e 1 légua era a distância que geralmente era percorrida em 1 dia ou

meio dia, dependendo da urgência da viagem.

Podemos também citar uma crônica de Luiz A. G. Cancello:

A origem das palavras refaz o tempo em que a medida das dimensões do espaço confundia-se com o próprio corpo do homem: as medidas chamavam-se polegadas, palmos, braças, pés. As distâncias maiores eram concebidas com base no corpo andando: quantos passos um ponto

33

distanciava-se da origem, quantas luas se demorava em ir de um lugar ao outro. Mas um dia alguma coisa mudou. Para que as pessoas se entendessem - para que trocassem quantidades equivalentes de mercadoria, diriam os economistas - as polegadas precisavam ser todas iguais. Já não importava mais se alguém tinha o "dedão" mais comprido ou mais curto; passou a haver um "dedão coletivo", sobreposto a todos os outros. Nascia outra polegada, mudando todo o significado do que se entendia por medir. Nesse mesmo dia, paradoxalmente, a lua ficou um pouco mais distante. (CANCELO, 2007: 78)

Apenas com pequenos exemplos, podemos aferir que as unidades de

medidas utilizadas naquela época tinham uma larga gama de possibilidades. Apesar

de unidades de medida ser grandezas exatas, o cotidiano no qual elas são

empregadas diverge muito da sua teoria. Mas o fato que não se deve negar é a sua

influência no cotidiano humano.

Irineu da Silva ressalta um comentário acerca dessa influência:

Não é preciso um conhecimento profundo sobre Metrologia para admitir a importância que os pesos e medidas possuem para o homem. Em qualquer avaliação que se faça sobre eles; em qualquer época, evidencia-se rapidamente a relevância socioeconômica que têm a sociedade. Os pesos e medidas foram, desde as primeiras civilizações, a linguagem básica do comércio e podem ser considerado, sem nenhuma dúvida, um dos principais fatores que sustentaram as sociedades por meio do estabelecimento das relações de troca no comércio, da padronização para medir a produção e do suporte dimensional para as ciências e a tecnologia. (SILVA, 2004: 24)

Vale ressaltarmos também que, para enfatizar a importância das unidades de

medida para a vida humana, algumas delas foram denominadas com nomes de

partes do corpo humano. Isso ficou evidenciado com o Renascimento Cultural do

século XIV, quando Da Vinci afirmou que o homem é a medida de todas as coisas.

Irineu da Silva comenta:

O homem é um microcosmo, um mundo reduzido – minor mundus – ao mesmo tempo estrutural e elementar, ao qual o universo inteiro vem se referir. Sua cabeça, coroada de raios, é redonda como o céu; seus olhos são como as grandes luminárias – o sol e a lua; os sete orifícios dos seus sentidos lembram as sete harmonias celestes; seu peito, de onde vem a respiração e a tosse, reflete o ar onde se agitam os ventos e as tempestades; seu ventre recebe os líquidos como o mar e os rios; seus pés suportam os pesos dos corpos como a terra suporta todas as coisas; seus ossos representam a dureza das pedras; suas unhas crescem como as árvores e seus cabelos são belos como as ervas que cobrem o campo. Ele é o minor mundus, que participa ao mesmo tempo da vida vegetativa das plantas, sente como os animais e pensa como os anjos. Como tal, criado a imagem de Deus, encarregado do domínio sobre os seres vivos, o homem é o padrão universal. Seus dedos, suas mãos, seus pés, seus braços e seu passo são as unidades para se medir todas as coisas. (2004: 61)

34

O corpo humano usado como medida, já podia ser visto na Antiguidade,

quando Vitrúvio faz as seguintes observações:

O planejamento de templos deve ser baseado na proporção e tal conceito os arquitetos devem respeitar sempre. Ele advém do sentido de semelhança, que em grego é denominado analogia. Proporção consiste em fixar módulos tanto para partes do edifício como para o edifício total e é assim que a metodologia da simetria é colocada em prática. Sem simetria e proporcionalidade nenhum edifício terá um plano regular; ou seja, ele deve ser construído similarmente ás proporções dos membros de um corpo humano bem formado. (VITRÚVIO apud CANCELLO, 2007, p. 90)

Com o passar dos anos, o sistema de medidas usando como base o corpo

humano foi entrando em decadência, devido à falta de precisão nas medidas, pois

seres humanos são diferentes e possuem comprimentos de membros diferenciados

uns com os outros. Assim, conflitos foram surgindo e a necessidade de se criar um

padrão exterior ao corpo humano era gritante. Assim começam a nascer no século

XIX medidas que fugiam do padrão humano.

Goiás no início do século XIX passava por um momento de transição, pois

tinha acabado de passar pela crise do ouro, e teria que conseguir novas formas de

sobrevivência, e, como a população visava mais a subsistência, o que seria talvez

um dos principais motivos da continuação do uso das medidas antigas, pois havia

um comércio muito pequeno entre as regiões, as estradas também não ajudavam, e

o meio de transporte era ainda muito precário, ainda não era necessária uma

padronização das medidas.

No início do século XIX Saint-Hilaire, dizia:

A indolência contribuiu bastante para levar os fazendeiros da região a essa situação de penúria. Mas a miséria, que os embrutece e desanima, deve necessariamente, por sua vez, aumentar a sua apatia. E esta chegou a tal ponto, em muito deles, que, dispondo praticamente de toda a terra que lhe convêm, eles não chegam a cultivar o suficiente nem mesmo para o seu próprio sustento. (SAINT-HILAIRE,1975: 27)

O que nos faz perceber, é que, nessa situação, ter medidas padronizadas,

não significaria muita coisa, pois o comércio interno e externo diminuiu bastante com

o declínio da mineração e o predomínio da agricultura de subsistência. É que, a

distância das outras regiões era grande e quase sempre não compensava exportar

mercadorias, pois o transporte encareceria bastante o preço dos produtos.

35

Podemos dizer que Goiás só vai crescer economicamente a partir de 1860,

quando sua agricultura se expande. E há um crescimento no rebanho bovino, o

inicio da fabricação de tecidos de algodão e o aumento da produção de couros

manufaturados. Certamente é nessa época que vai crescer a necessidade maior de

uma padronização das medidas, apesar da grande dificuldade que seriam para as

pessoas de romper com o sistema antigo, pois implicaria uma quebra de valores,

provocando um certo pânico para população.

Um comerciante de Jaraguá que queria vender seu açúcar a um comerciante

na Cidade de Goiás encontraria problemas, pois um vende a sua mercadoria em

arrobas, mas o comprador desconhece as novas medidas. Mais difícil seria o fluxo

comercial entre províncias, como por exemplo, um fazendeiro de Santa Luzia

exportando gado para o Rio de Janeiro.

Nas regiões das minas goianas, era comum que se utilizasse unidades de

medidas como: Ponto (1 mm), Lenha (1,5 mm), Polegada (2,54 cm), Palmo (22 cm),

pé (0,33 m), Côvado (0,66 m), Vara (1,1 m), Braça (2,2 m), dentre outras. Todas

essas unidades, que sofreram fortemente a influência das unidades de medida

relacionadas com o ser humano dos tempos de Leonardo da Vinci, ainda podem ser

observadas nos contextos atuais, quando, por exemplo, quer se comprar uma

televisão onde seu “tamanho”, ainda é medido em polegadas.

O que nos impressiona, é a quantidade de medidas diferentes que havia no

comércio goiano no século XIX: grão (49,8 mg), quilate(200 mg), escrópulo (1,19 g),

oitava (3,5 g), onça (28,6 g), marco (229,47 g), arrátel (459 g), arroba (14,69 kg),

quintal (58,74 kg), tonelada (793 kg), dentre outras. Algumas dessas unidades, como

se pode perceber no comércio do ouro ainda é utilizada, os quilates nunca foram

deixados para trás no que se diz respeito a unidade de aferição de quantidade de

matéria da pedra preciosa.

No campo das medidas de área, as variedades das unidades de medida

ganham força e se instaura aqui a maior parte do grande leque de unidade de

medidas utilizadas em Goiás no século XIX, evidenciando assim a falta de unificação

das medidas. Algumas delas: Braça Quadrada, Hectare, Palmo Sesmaria, Braço de

Sesmaria, Quadra Quadrada (4,84 m²), Alqueire (193 km²), Quadra de Sesmaria

36

(210177 km²), Milhão (484 m²), Data de Campo (2,2 km²), Data de Mato (1,8 km²),

Sesmaria de Mato (785 m²), Légua de Sesmaria (214 km²), Sesmaria de Campo

(1067 km²).

Isso porque o Brasil é um país profundamente ligado a terra, a maioria das

unidades de medida relacionadas com esse bem jurídico ainda se mantém intacto

ou com limítrofes alterações com o decorrer dos anos devido ao costume agregado

a não modernização. E Goiás, é um Estado marcado pela conservação das

tradições que ainda perduram até o presente momento.

Não obstante, e no esforço de compreensão histórica da concepção das

medidas para o povo goiano, este estudo privilegia fontes literárias representativas

da época, documentos oficiais, a descrições dos viajantes no século XIX. Esses

registros mostram que Goiás, apesar da insistente permanência nas tradições

antigas está se modernizando e tem alcançado seu lugar na história do comércio.

Constata-se que a sociedade goiana apresenta fortes definições sociais bem

definidas arraigadas muitas vezes no passado. Comerciantes, fazendeiros, enfim,

em todo comércio ainda prevalecem resquícios do passado, nos mercados

municipais percebe-se a presença de instrumentos antigos de medição, a presença

de embalagens rústicas, enfim, existem poucos traços de modernidade.

Por fim, atentamos para a reflexão de Paixão et al. quando diz que:

Em suma, ao mesmo tempo em que a "quebra" das tradições pelo debate reflexivo gerado pela radicalização da modernidade promove uma maior autonomia do sujeito, a fé cega no homem e na ciência, herdada do iluminismo (racionalidade), trouxe riscos e incertezas ao colocar em cheque a humanidade. Nesses termos, Giddens enfatiza que a vida moderna é caracterizada por várias descontinuidades. (PAIXÃO, et al. 2004, s/p).

A vida moderna é marcada por descontinuidades, tendo em vista que, como

modernos ou pós-modernos, o dilema permanece, pois não existem garantias que

prevaleçam e perdurem, o homem sempre viverá em constante mudança.

37

Capítulo III – A Implantação do Sistema Decimal Francês

O século XIX foi marcado por diversas transformações de âmbito nacional,

das quais Goiás também foi afetado. Dentre elas, destacamos nesse presente

estudo a implantação do sistema métrico decimal oriundo da França. As

conseqüências da implantação foram bem fortes no país e limítrofes em Goiás, visto

que o povo goiano não reagiu de forma agressiva à mudança.

O sistema decimal foi criado na França com o intuito de organização e

padronização das medidas usadas no comércio, uma vez que a classe burguesa

estava em ascensão e a população muitas vezes se sentia lesionada pelos

comerciantes e vice versa, gerando conflitos e até óbitos desnecessários. A sua

propagação pelo mundo se deu de forma gradual e contínua, uma vez que muitos

países utilizam, até os dias de hoje, ainda um padrão de medidas específicos.

Este capítulo está subdividido em tópicos, sendo o primeiro – “A influência

Francesa e as Primeiras Idéias de uma Padronização”, o segundo – “A Implantação

do Sistema Métrico no Brasil e em Goiás”, e o terceiro – “As resistências à

padronização dos pesos e medidas”, a seguir apresentados.

3.1 A influência Francesa e as Primeiras Idéias de uma Padronização

A influência francesa no Brasil data desde a criação da “França Antártica”,

onde os franceses despertados pelo grande lucro que Portugal e Espanha obtinham

com a exploração das colônias americanas e aproveitando de seu bom momento

militar, invadem o Brasil várias vezes durante dois séculos.

Durante o período em que a França estava em território brasileiro, ela criou

uma série de reformas na região que propiciaram certa aceitação popular, o que

possibilitou a difusão de ideais franceses pelo Brasil já desde o século XVI. Não é

necessário irmos longe para saber que existem diversas influências da cultura

38

francesa difundidas no Brasil, uma delas foi o sistema métrico decimal utilizado no

Brasil, em data do século XIX.

No final do século seguinte a preocupação com os conflitos causados pela

falta de padronização nos sistemas de medidas foi levantada pelo governo imperial

do Brasil. Mas as dificuldades em se criar um sistema de medidas próprio do país

eram inúmeras, como a falta de instrumentos de medição, que adivinham da Europa,

um órgão responsável pela administração desse sistema e a regulamentação do

mesmo, e de pessoas com capacidade profissional para executar ou planejar um

sistema eficaz. Todo esse contexto contribuiu para uma agilização no momento da

implantação do sistema de medidas brasileiro.

Em 1830, o deputado Cândido Baptista de Oliveira propôs a utilização do

sistema métrico francês, criado no século XVIII, mas ainda não obrigatório na

França. A proposta foi inicialmente recusada na Câmara, mas foi criada uma

comissão de vários pesquisadores com intuito de iniciar estudos sobre a questão.

O sistema métrico francês foi criado em 1670, na cidade Lyon, pelo

matemático e vigário da igreja de Saint Paul, Gabriel Mouton. Ele foi criado tomando

como padrão-base para aferição o arco de um minuto de longitude da circunferência

terrestre. A partir disso ele criou medidas lineares e decimais. (LIMA, 2006: s/p.).

No século seguinte eclode na França a Revolução Francesa e posteriormente

o governo de Napoleão Bonaparte, que realizou várias reformas administrativas e

jurídicas na França, praticamente sepultando as práticas do Antigo Regime. Dentre

esse conjunto de medidas napoleônicas, destacamosa proposta de unificação do

sistema de medidas defendida, dentre outros, pelo diplomata Charles-Maurice de

Talleyrand que, em 1790, propôs uma nova legislação metrológica.

A academia de ciências da França nomeou uma comissão para estudar e

elaborar uma legislação eficiente para a implementação de um sistema de medidas

único, usando como referência o sistema criado pelo vigário Gabriel Mouton. A

comissão era formada por: Jean-Charles Borda, Joseph Louis de Lagrange, Antonie

Laurent de Lavoisier e Jean Marie Antoine Nicolas de Caritat, Pierre Simon Laplace,

Gaspard Monge, dentro outros. O que é notável nessa comissão é que foi formada

39

por grandes físicos e matemáticos conhecidos até hoje por seus feitos e teoremas, o

que demonstra a importância do assunto para a sociedade francesa da época.

Liderada por Mouton, durante dez anos, a Comissão tentou elaborar uma

unidade que poderia ser usada expressamente como padrão de referência para as

demais, e que fosse simples o suficiente para que todos a pudessem entender, para

que não gerasse confusões. Até que Jean-Baptiste-Joseph Delambre e Pierre-

François-André Méchain, deram o “xeque-mate” na questão e determinaram o

comprimento exato do metro padrão, utilizado até hoje. (LIMA, 2006).

O projeto virou lei no dia 10 de dezembro de 1799 e a novidade rapidamente

ganhou a Europa e se difundiu pelos demais países durante todo o século XIX.

Porém a aceitação do novo sistema não foi tão pacífica como se esperava. Somente

12 departamentos franceses adotaram sem oposição as novas unidades. A

resistência popular se tornou tão aversiva que foi preciso um decreto do imperador

francês para tornar o ensino do sistema métrico décimo obrigatório, a fim de

minimizar os efeitos da reforma. Ainda não obtendo os resultados pretendidos e

receoso por novas revoltas Napoleão tornou facultativo o uso do sistema métrico.

3.2. A Implantação do Sistema Métrico no Brasil e em Goiás

Desde os tempos coloniais a Coroa Portuguesa pensava numa forma de

padronizar o sistema de pesos e medidas utilizados no Brasil. A colônia era

constituída dum território extremamente grande para que a Coroa portuguesa fosse

capaz de manter uma fiscalização rígida e eficaz sob os produtos aqui produzidos.

As dificuldades eram inúmeras, qualquer comerciante poderia utilizar “padrões

locais” de medidas e tirar vantagem disso, sendo prejudicial até para a metrópole.

Porém, foi somente com a vinda da família real para o Brasil que a Coroa

Portuguesa viu a necessidade de criar medidores para fiscalizar principalmente a

região do ouro e estipulasse medidas uniformes para a contabilidade do imposto.

Desse modo, a partir do século XIX há uma preocupação com a falta de

uniformidade no atual sistema de pesos e medidas utilizado no país se alastrou

pelos intelectuais brasileiros. A atividade comercial interna crescia de forma

40

acelerada, a falta de uniformidade passou a ser vista como empecilho para que o

comércio alcançasse âmbito externo. Porém as dificuldades para se elaborar um

sistema métrico próprio eram grandes. O Brasil não contava com universidades

capazes de começar uma pesquisa aprofundada sobre o assunto, ou elaborar

instrumentos capazes de fazer aferições precisas de acordo com um padrão que

ainda não existia. A resistência da população, naturalmente aversiva a tudo que

fosse novo, desestimulava a uma mudança tão radical.

Para muitos integrantes do Governo Imperial, a modernização do país

passava, primeiramente pela implantação do sistema métrico decimal francês. Uma

comissão formada para elaborar o projeto de lei. O deputado Cândido de Oliveira

que havia proposto o sistema métrico francês já em 1830, antes mesmo dele ser

obrigatório na França, agora, finalmente, se faria ouvido. Os intelectuais e os

grandes comerciantes almejavam a unificação das unidades de pesos e medidas

para racionalizar a atividade econômica.

Além do fato de que o consenso em torno da adoção do padrão francês

implica preferências nacionalistas por parte de membros da comissão, quem tinha

um status ou um poder maior dentro da Assembléia poderia fazer valer sua decisão.

Vale ressaltarmos ainda que a padronização de um sistema de pesos e medidas

traria ao Estado uma nova organização política, o que poderia colocar em risco a

monarquia brasileira.

Em meio a tantas discussões foi feito um pedido em nome do presidente da

Associação Visconde de Tocantins, ao Ministro e Secretário de Estado o Visconde

de Rio Branco, pedindo que o mesmo prorrogasse o prazo de implantação da lei,

alegando que o comércio sente-se pouco adaptado as novas mudanças, e os

conflitos que deveriam ter sido extintos, agravaram-se.

Mas todos os problemas agravaram-se devido ao fato de que os

comerciantes, que é o grupo afetado pela nova lei, só foram comunicados da

promulgação da lei em 1872. A necessidade dos comerciantes saberem da lei e

buscarem uma forma suave de repassar à população esses novos costumes se

fazia necessária, pois o dia-a-dia das pessoas não estava habituado com padrões

41

franceses de medidas, sendo que muitas delas nada conheciam além dos limites de

sua casa.

A plena adoção do sistema métrico decimal no Brasil desencadeou uma

questão complexa porque envolvia diversos fatores sociais e afetava todas as

camadas da população. As medidas de pesos e volumes utilizadas até então já

faziam parte da tradição da população e mudar essa crendice não era um fácil

desafio. Por mais de três séculos, a população brasileira acostumou-se com

diversos pesos e medidas, e muitos comerciantes começaram a tirar proveito disso,

e assim ficou por anos e anos.

No Brasil, acompanhou-se, geralmente de forma frouxa, os padrões empregados em Lisboa (...) Na literatura naval do século XV e XVI as unidades mais comumente utilizadas para a mensuração dos comprimentos, velocidades, capacidades e pesos são: palmo de goa (0.256 m), braça (1.83m), milha (marítima), nó (1 milha/hora), canada, martelo (1/16 canada), alqueire, tonel (624 canadas) (LIMA, 2006, s/p).

A lei foi promulgada em 1862, a Lei Imperial nº 1.157 que determinava a

adoção do sistema métrico decimal francês em toda a extensão do Império,

determinando o prazo de aceitação de dez anos para os novos padrões de medidas.

Mas essa mudança nos padrões já estava prevista no início do século XIX, como

ressalta Moreira e Massarani:

A abertura dos portos brasileiros ao comércio com outras nações, que não Portugal, e a independência política, que estabeleceu a necessidade do novo estado ditar as normas comerciais e arrecadar impostos, influenciaram o surgimento das iniciativas de aprimorar o sistema de pesos e medidas até então vigente. A primeira tentativa de vulto ocorreu em 1830, quando o deputado Cândido Batista de Oliveira propôs na Câmara que o sistema métrico decimal francês fosse adotado no Brasil. (...) A proposta foi recusada. (...) Em 1859, em parecer enviado ao ministro da fazenda, Batista Oliveira propôs, mais uma vez, a adoção do sistema métrico decimal no Brasil (1860). Analisando vários impressos ingleses, justifica e propõe a aceitação integral desse sistema e uma estratégia para sua implantação no Brasil. Essa estratégia contém: prazo de dez anos, para que o sistema fosse progressivamente difundido em toda a sociedade, uso gradual do sistema, iniciando pelos órgãos públicos, ensino do novo sistema em todas as escolas primárias, organização e difusão, pelo governo, de tabelas comparativas. Finalmente, em 26 de junho de 1862, inspirada na proposta de Batista de Oliveira e em pareceres e manifestações de outros defensores, a implantação do sistema métrico decimal virou lei (nº1157). (LIMA, 2006, s/p).

Dez anos depois da adoção do novo sistema de pesos e medidas surge na

Associação de Comércio do Rio de Janeiro uma discussão forte sobre a validade e

problemática dessa lei. Viviane Oliveira Lima (2006) salienta essa discussão:

42

No relatório da Associação Comercial do Rio de Janeiro do ano de 1872, antes, porém do término do prazo para a mudança do sistema, há a preocupação com os possíveis inconvenientes que esta, poderia trazer ao comércio e, principalmente, ao seu ramo mais importante, o comércio de exportação. Por conta disso, a direção da Associação nomeou uma comissão, composta de quatro dos seus membros, ‘afim de se entender com os negociantes de café, e estabelecerem um peso fixo para as saccas desse gênero.’ A comissão era formada por quatro membros, são eles: Conde de Estrella, José Pereira Soares, Jonh Hollocombe e Carlos Guilherme Gross. A existência dela nos mostra o quanto a adoção do sistema métrico mexeu com toda a população, tanto pobres quanto abastados. E principalmente os abastados, pois as medidas interferiam diretamente nas transações comerciais desenvolvidas por eles. (LIMA, 2006, s/p).

Entre 1862 a 1874 pouco foi feito para esclarecer a população sobre o novo

sistema, intensificando os problemas que ele tinha proposto resolver. Sobre esse

sentimento de revolta que assolava o povo brasileiro, Maria Verônica Secreto (2003)

redigiu:

As medidas sempre tiveram grande relevância para o homem, porque se relacionam com todo o que é importante para este e com suas coisas mais apreciadas: terra, comida e bebida. As expressões “a um tiro de pedra” ou “a um tiro de arco”, são expressões de medida que indicam longitude e foram utilizadas durante séculos. A utilização destas expressões, e de outras antropométricas como: “Braça”, “polegada”, “pé”, etc. deixaram de ser empregadas no século XIX, mas sua utilização não se extinguiu sem oferecer conflitos e resistências. A passagem da utilização das medidas costumeiras para as padronizações capitalistas têm no Brasil, como em variadas partes do mundo, uma história tumultuosa. O esforço de padronização universal do século XIX abrangeu várias esferas da realidade social; o esperanto, representou o profundo desejo de unificar o mundo no sentido de falar a mesma língua; embora este objetivo não foi atingido, outras tentativas em outras áreas conseguiram sucesso, ao ponto que é preciso historiá-las para desnaturalizá-las. Os fusos horários é um exemplo de padronização do século XIX. A linguagem estatística tornou-se a forma de representar os mais variados elementos da realidade social; junto á estatística surgiu a confiança, quase cega, nos números como reflexo da realidade. O sistema métrico decimal tentou unificar os parâmetros em que se expressariam as medidas das mercadorias. É muito representativo que o congresso Internacional de Estatística tinha-se criado na Exposição Universal de Londres de 1851, como resposta ás necessidades de prever o funcionamento dos mercados de capitais, homens e mercadorias. (SECRETO, 2003, s/p).

No relatório de 1872, o presidente da província de Goiás, Antero Cícero de

Assis descreve que foi decretado pela lei n. 5.320 de 26 de junho de 1872, que foi

prorrogado até 31 de dezembro do mesmo ano o prazo marcado no parágrafo único

do artigo 1° do decreto n° 5.089 de 12 de setembro de 1872 para adoção no Império

do Sistema Métrico Decimal. O que mostra que o sistema teve dificuldade em ser

adotado em todo o Brasil.

43

Segundo ele o sistema foi executado desde 1° de janeiro de 1872, e para ele

não houve obstáculo algum, a não ser a dificuldade que os negociantes tiveram em

relação a detenção dos referidos pesos e medidas. Porem acredita-se que houve

uma resistência velada, mesmo que não tenha alcançado a dimensão daquela

ocorrida em outras províncias, essa resistência silenciosa da população goiana pode

até sido maior, pois praticamente ignorou a lei e o novo sistema de medidas. Sendo

utilizados até meados do século XXI, unidades pertencentes ao antigo sistema de

pesos e medidas.

No relatório da província de Goiás de 1873, o presidente relata que foi

comunicado pelo ministério da agricultura, no dia 3 de maio de 1872, que teria sido

enunciado as ordens necessárias, para que os padrões de pesos e medidas do

sistema métrico decimal chegassem às câmeras municipais da província de Goiás.

Segundo este relatório, foi o tenente coronel Antônio José Caiado, que foi

contratado pelo imperador na corte, para conduzir os volumes contendo os padrões,

para todas as câmaras da província, no dia 31 de maio ele já havia entregado nas

câmaras municipais de Catalão, Bonfim, Meia Ponte, Jaraguá, Santa Luzia e São

José do Tocantins. Entregou a guia destinada a capital, a Rio Verde, Formosa,

Santa Cruz, Pilar, Cavalcante, São Domingos, Palma, Porto Imperial, Natividade e

Boa vista. Com a autorização do presidente da província, foi contratada condução

para a entrega dessas caixas.

Algumas câmaras ainda em novembro, não havia recebido os novos padrões,

são as cidades que ainda faltam: Vila Bela, Curralinho, Pouso Alto, Entre Rios, Forte

e Posse, porém foi solicitado no dia 23 de novembro pelo presidente da província,

segundo ele após dezembro chegavam as que faltavam.

3.3. As resistências à padronização dos pesos e medidas

Em 1872, com a promulgação do Decreto Imperial de 18 de setembro, a lei da

adoção do Sistema métrico francês entra em vigor definitivamente no Brasil,

causando uma revolta em vários setores da sociedade. Eis que Fernando Kitzinger

Dannemann (2006) comenta sobre as conseqüências dessa revolta da população:

44

Em 26 de junho de 1862 foi aprovada no Brasil uma lei determinando que o sistema de pesos e medidas então em uso, seria substituído em todo o Império pelo sistema métrico francês, na parte concernente às medidas lineares de superfície, capacidade e peso. O novo sistema, entretanto, só entrou em vigor em 1872, com a promulgação do Decreto Imperial de 18 de setembro. Mas apesar dessa exigência legal permaneceram em uso no país os sistemas tradicionais de medidas expressas em palmos, jardas, polegadas ou côvados, e o peso das mercadorias calculado em libras e arrobas. Além delas, havia ainda no Brasil, em 1874, uma grande variedade de outros pesos e medidas, tais como a braça, a légua, o feixe, o grão, a onça, o quintal e muitos outros padrões, aos quais a população estava acostumada porque vinham sendo utilizados desde muitas gerações. Por isso mesmo, a tentativa de implantação do novo sistema métrico no país provocou revolta em diversos lugares. No estado da Paraíba, por exemplo, onde tudo começou, João Vieira, o João Carga d’Água, liderou os revoltosos que invadiram Campina Grande num dia de feira, quebraram as "medidas" (caixas de madeira de um e cinco litros de capacidade), fornecidas pelo poder público municipal e usadas pelos feirantes, e atiraram os pesos dentro do Açude Velho. Os revoltosos cresceram em número, e já então sob a liderança de Manuel de Barros Souza, conhecido como Neco de Barros, e Alexandre Viveiros, invadiram a cadeia da cidade e libertaram os presos, incendiaram o cartório local e os arquivos da prefeitura. Da mesma forma, em mais de setenta outras localidades nordestinas o povo se rebelou invadindo as Câmaras e destruindo as medidas e os editais. Diversos motivos determinaram o descontentamento da população. Uma delas foi a cobrança de taxas para o aluguel e aferição dos novos padrões do sistema métrico – balanças, pesos e vasilha de medidas. A lei que os criara proibia a utilização dos antigos padrões, e os seus substitutos deveriam ser alugados ou comprados na Câmara Municipal à razão de 320 réis por carga. Os comerciantes, por sua vez, acrescentavam ao preço das mercadorias o valor do aluguel ou da compra dos padrões, o que encarecia ainda mais os produtos para a população. Outra razão foi a criação do chamado "imposto do chão", cobrado dos feirantes que expunham no chão da feira as mercadorias que pretendiam vender. E uma terceira, o estabelecimento das novas regras de recrutamento, sobre as quais se dizia que não escapariam do "voluntariado" militar nem as pessoas de posses Por todas essas razões o número de revoltosos cresceu de forma acelerada, já que era engrossada por comerciantes, por proprietários de imóveis, por pequenos agricultores cuja receita dependia da venda semanal de sua produção na feira, e também por consumidores que se sentiam diretamente atingidos em virtude da elevação de preços dos produtos que precisavam adquirir. A luta contra a sistemática inovadora se estendeu a muitos outros municípios, e acabou envolvendo também os estados de Pernambuco, Pará, Alagoas e Rio Grande do Norte. Neste estado, das treze vilas rebeladas, cerca de cinco eram da região do Seridó: Acari, Currais Novos, Flores, Jardim e Príncipe. Pela repercussão favorável que encontrou, a revolta dos quebra-quilos preocupou fortemente as autoridades provinciais porque vilas inteiras do Nordeste aderiram à rebelião contra o decreto que impunha a implantação de um novo sistema métrico, com seus habitantes saqueando feiras e destruindo pesos e medidas do comércio. Mas a enérgica repressão promovida pelo governo imperial foi bem sucedida, porque as forças militares conseguiram em pouco tempo pacificar a região, sem necessidade de confrontos mais sérios. Os textos que tratam do assunto explicam que a revolta ocorreu em decorrência do momento e forma como sistema foi implantado, pois a população, penalizada na época por uma crise econômica e social, simplesmente não entendia as novas medidas, e por essa razão “não conseguia conferir as quantidades nem os preços, e desconfiava que estava sendo enganada. Os comerciantes, por outro lado, reclamavam da compra e do aluguel dos padrões, e muitos também ficaram insatisfeitos porque perceberam que seria mais difícil

45

fraudar o peso e a medida das mercadorias, como acontecia anteriormente. (DANNEMANN, 2006, s/p).

O grande problema que circundava entre a população era o medo de serem

enganados pelos comerciantes, uma vez que, o povo não tinha conhecimento das

medidas vigorantes no Brasil, o que provocou no início um declínio no comércio

interno do Império, que levou a adesão dos comerciantes à revolta. Os trechos a

seguir expressam a sensação de insegurança que atingia o povo brasileiro:

No dia 31 de outubro de 1874, nos distrito de Fagundes, no interior da Paraíba, homens e mulheres aproveitaram a feira local para se manifestar. Alvo inicial da ira popular, o arrematador de impostos Francisco Antônio de Sales foi cercado por grande número de indivíduos armados de facas e cacetes, liderados por um popular de nome João Nunes. Após colocar o coletor para correr, começaram gritar “Abaixo os impostos! (...) Outro grupo, desta vez liderada por um sujeito chamado Marcolino de tal, entrou em ação, arrancando das mãos dos comerciantes os novos pesos e medidas do sistema métrico decimal para destruí-los, aos gritos de Quebra os quilos! (LIMA, 2006, s/p).

Vale ressaltarmos, que o governo brasileiro impôs a lei de maneira autoritária,

impondo os padrões franceses para serem utilizados no Brasil. Porém, existem

ainda vários focos de resistência silenciosa, pessoas que ainda utilizam algumas

medidas antigas, mostrando que a tradição está cada vez mais presente na vida

delas. Podemos até fazer uma analogia com a revolta da vacina, que mesmo sendo

algo benéfico para população, as pessoas se revoltaram, não pelo seu uso, mas

pela maneira que foi imposta, pois a vacina era obrigatória, assim como os novos

padrões de pesos e medidas, e todos nós sabemos que tudo que é feito por

obrigação é alvo de contestação, vale ressaltar que, em ambos os casos, a tradição

ainda está presente, na vacina por que as mulheres tinham vergonha e era costume

da época não mostrar o braço, e no novo sistema, pois as pessoas já estavam

acostumadas com as medidas antigas.

Não é difícil de entendermos por que até hoje algumas pessoas ainda utilizam

essas medidas, pois as nossas vidas são regidas não pelo o que esperamos do

futuro, mas pela 'bagagem' que trazemos do passado, e romper com o nosso

passado de forma obrigatória, é o mesmo que tirar uma de nossas mãos que tenha

dois dedos quebrados, e trocar por uma mão novinha, apesar dessa mão ser muito

mais útil pra nossa vida, será muito difícil de acostumar com ela.

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CONCLUSÃO

Uma vez terminada esta pesquisa, esperamos poder entender um pouco

como era a vida cotidiana da população de Goiás, por meio do estudo das medidas

tradicionais.

Por meio das categorias como o de “tradição” e “modernidade”, pudemos

perceber os sistemas de medidas tradicionais e a implantação do sistema métrico

decimal dentro do movimento amplo da modernização, o que implica, ao mesmo

tempo, mudança e permanências de modos de pensar e de agir.

Por meio da análise de documentos de época, como relatos de viajantes,

relatórios de presidentes de província, leis imperiais, procuramos reconstruir a forma

em que muitas dessas medidas tradicionais – algumas bem pouco conhecidas

atualmente – eram utilizadas em Goiás. .

Por meio da leitura de obras clássicas da historiografia goiana, pudemos

perceber que a utilização dessas medidas tradicionais eram coerentes com o

modelo sócio-econômico vigente na sociedade goiana na primeira metade do século

XIX. Uma sociedade ruralizada, com uma atividade comercial bastante reduzida, na

qual a padronização do sistema métrico decimal não era fundamental. Percebemos

também um modo de pensar tradicional da população goiana que, como em vários

locais do Brasil, as pessoas tinham medo pelo novo, por uma brusca ruptura de suas

tradições, que afinal de contas sempre regiam suas vidas.

Pudemos também verificar que a forma como foi implantada o sistema

métrico não favoreceu a aceitação das novas medidas pela população. Foi uma

medida obrigatória e as pessoas que não utilizassem as novas medidas seriam

multadas, isso quer dizer que a população usaria o novo padrão pelo medo e não

por que acreditavam que ela era mais fácil, e que ajudaria no comércio entre as

províncias. O Estado agiu de maneira autoritária, desrespeitando os valores e as

práticas da população brasileira, o que explica a desconfiança da população. Então

era muito mais fácil continuar com os padrões tradicionais, que já faziam parte de

suas vida , do que mudar, pois toda mudança traz desconfiança. Por que “trocar o

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certo pelo duvidoso?”, pergunta que deve ter sido proferida por muitos sábios

anciãos goianos do século XIX, diante do novo sistema de medidas.

Enfim, pudemos “medir” um pouco os valores e as práticas da população

goiana na primeira metade do século XIX.

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