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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL O PROCESSO DO CONHECIMENTO HISTORIOGRÁFICO OU QUANDO PENSAR SE TORNA UM DELITO: ANÁLISE DE CASO. [Epistemologias e sistemas de avaliação] GUILHERME CANTIERI BORDONAL LONDRINA, FEVEREIRO, 2010

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE ...O que chamou nossa atenção não foi o simples fato da reprovação na disciplina, mas, depois de realizar a leitura do parecer produzido

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

O PROCESSO DO CONHECIMENTO HISTORIOGRÁFICO OU QUANDO

PENSAR SE TORNA UM DELITO: ANÁLISE DE CASO. [Epistemologias e sistemas

de avaliação]

GUILHERME CANTIERI BORDONAL

LONDRINA, FEVEREIRO, 2010

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O PROCESSO DO CONHECIMENTO HISTORIOGRÁFICO OU QUANDO

PENSAR SE TORNA UM DELITO: ANÁLISE DE CASO [Epistemologias e Sistemas

de avaliação]

GUILHERME CANTIERI BORDONAL

ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR GABRIEL GIANNATTASIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História,

do Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina –

UEL, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em História,

Área de Concentração em História Social – Culturas, representações e religiosidades.

LONDRINA, FEVEREIRO, 2010

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Guilherme Cantieri Bordonal

Avaliado em ____________________ com conceito_________________________.

Banca examinadora da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Professor doutor Gabriel Giannattasio

Orientador

Professor doutor José Fernandes Weber

Examinador externo

Professor doutor César Augusto de Carvalho

Examinador externo

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo, pela sua misericórdia e por

conceder-me a cada dia o espanto de participar da sua inteligência.

À Santíssima Virgem, que rogou por mim nos momentos de aflição.

Aos meus pais, Sérgio e Rosivani, pelo apoio, pela formação moral e exemplo de

dignidade durante todos esses anos.

Ao meu orientador Gabriel Giannattasio, pela coragem de enfrentar comigo este árduo

caminho e pelos significativos apontamentos que contribuíram para este trabalho.

Aos professores José Fernandes Weber e César Augusto de Carvalho, por aceitarem

participar deste trabalho e pelas significativas contribuições para composição deste

texto.

Ao professor doutor Rogério Ivano, pela leitura e indicações sugeridas.

À professora Alice, pois discordando do que Luis Coelho fez, contribuiu para o

desenvolvimento desta dissertação.

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................06

Capítulo 1: Intenções pós-modernas................................................................................16

Capítulo 2: Irritar e provocar...........................................................................................40

Capítulo 3: Quando pensar se torna um delito................................................................63

Consideração finais.........................................................................................................84

Anexo I............................................................................................................................88

Anexo II...........................................................................................................................89

Anexo III..........................................................................................................................90

Referências Bibliográficas.............................................................................................. 92

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INTRODUÇÃO

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7

§

Pensar o ofício do historiador. Reconhecermo-nos como historiadores. Numa

área, a história, tão pobre de reflexões teóricas, articular os temas epistemologias e

sistemas de avaliação se apresenta como um desafio inaugural. Acreditamos ser esse o

principal mérito deste trabalho... ele é destinado àqueles que possuem a coragem de

estar diante do espelho...

§

“Minha vida inteira enquanto existência outra coisa não é do que uma vontade

constante de perturbar e irritar1” (BERNHARD, 1999). Não posso negar que a primeira

vez que li essa frase de Thomas Bernhard senti certa familiaridade com ela. Em poucas

palavras temos a confissão de uma existência. Seu conteúdo é simples, mas suas

consequências são incalculáveis. Não podemos negar que ela afirma uma constante.

Contudo, é a constante do movimento. O que atrai nessa proposição não é o efeito que

esta ação pode causar no outro, mas a manifestação de uma intencionalidade em

provocar movimentos, em desestabilizar o que é tido como certo e fixo. Dela

conseguimos construir imagens de pluralidades, interpretações e modificações. Provocar

pertubações e irritações pode ser prazeroso. Mais do que isso, talvez essa seja a nossa

condição e por não suportarmos seu peso, ainda não nos demos conta dela.

Esta dissertação é uma dessas cenas. Ela nasceu de uma vontade de perturbar e

irritar. Contudo, isso não é praticado com ressentimento, mas com o intuito de se

afirmar determinadas perspectivas, ou melhor, apontar para suas multiplicidades de

movimento, desejar contribuir com o jogo das vontades e busca de legitimidades. Se

ainda não suportei totalmente o peso da afirmação de Bernhard e não fiz dela o sentido

de minha existência, não posso negar, porém, que esta dissertação é um momento em

que a perturbação e a irritação ganharam destaque. Mas não é uma pertubação e uma

irritação gratuita. Há uma intencionalidade.

1 Esta citação está na contracapa do livro “Perturbação” de Thomas Bernhard publicado no Brasil pela

editora Racco.

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§

Antes de ingressar no programa de mestrado em História Social da Universidade

Estadual de Londrina, em 2007, cursei, na mesma universidade, a graduação em

História. No último ano do curso algo de especial aconteceu. Na disciplina de

metodologia em História, com o professor doutor Gabriel Giannattasio, tomei contato

com leituras que buscavam analisar os limites epistemológicos da história. Até então,

durante o curso, este assunto não havia recebido a atenção merecida.

Na disciplina estudamos autores que questionavam algumas ferramentas

utlizadas pelos historiadores que, até aquele momento, pareciam muito precisas e não

apresentavam problemas. No entanto, no decorrer daquele último ano da graduação,

novos horizontes começaram a surgir. Esses caminhos foram tão significativos que boa

parte dos problemas tratados nesta dissertação nasceram de discussões fomentadas na

graduação.

Felizmente elas não pararam por ali. Ao ingressar no mestrado, intensificamos

ainda mais esse debate em outra disciplina oferecida pelo professor Gabriel. Neste

segundo momento, as discussões ganharam contornos mais relevantes. Ao mesmo

tempo em que esses temas eram instigantes, exigiam drásticas mudanças naquilo que

fazíamos e entendíamos por “história”. Não era mais possível praticar o nosso ofício

com a mesma ingenuidade que nos caracterizava.

No momento, minha atenção estava voltada para o conceito de cultura no livro

Assim Falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche. A princípio, este projeto nasceu de

discussões realizadas com meu orientador, Gabriel Giannattasio, que ao tomar contato

com as primeiras impressões construídas, mostrou-se disposto a orientar-me. Conforme

ia cumprindo os créditos exigidos pelo mestrado, participava de congressos e de

reuniões permanentes com meu orientador, nas quais era possível amadurecer o destino

que aquela dissertação teria. A redação da dissertação avançava, o contato com novos

comentadores nietzscheanos, que fui descobrindo, e as reflexões sobre o texto poético

de Zaratustra davam os contornos finais às propostas que havíamos lançado.

Contudo, alguns imprevistos indicaram a possibilidade de trilhar um novo

caminho. A vontade de abandonar tudo que havia feito até aquele momento passou a ser

muito grande. Não havia nenhum problema na pesquisa acerca do conceito de cultura

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em Zaratustra, mas seguindo um ensinamento que o próprio Zaratustra me dava,

abandoná-lo naquele momento era a atitude mais perspicaz:

Depois que disse essas palavras, Zaratustra calou-se como quem ainda

não disse a última palavra. Segurou o bastão por muito tempo num ar

perplexo. Afinal, falou assim, e sua voz se havia transformado:

- Agora, meus discípulos, vou sozinho! Segui vós sozinhos também.

Quero-o assim.

De todo coração vos dou este conselho: Afastai-vos de mim e

precavei-vos de Zaratustra! E melhor ainda: Envergonhai-vos dele!

Talvez vos tenha enganado.

O homem do conhecimento não só deve saber amar a seus inimigos,

mas também a odiar os seus amigos.

Mal corresponde ao mestre o que não passa nunca de discípulo. E por

que não quereis arrancar minha coroa?

Vós me venerais; mas, que ocorreria se um dia tombasse por terra a

vossa veneração? Cuidai-vos de que não vos esmague uma estátua!

Dizeis que acreditais em Zaratustra? Mas, que importa Zaratustra?

Vós sois meus crentes; mas, que importam todos os crentes!

Vós não vos havíeis buscado ainda; então me encontrastes. Assim

fazem todos os crentes: por isso é a fé tão pouca coisa.

Agora vos mando que me percais e que encontreis a vós mesmos; e só

quando todos me tenham renegado, voltarei para vós (NIETZSCHE,

2007, p. 111 e 112).

Acredito que seja de grande importância essa citação do texto de Zaratustra, pois

estive com ele por muito tempo, e mesmo deixando-o neste momento, ainda sou capaz

de reconhecer as marcas que ele imprime no novo projeto escolhido. Do mesmo modo

que Zaratustra ordenou a seus discípulos que o abandonassem para encontrarem-se e

tornarem-se aquilo que eles eram, era necessário abandonar também o projeto que havia

iniciado.

Nietzsche dizia que quando fôssemos escrever algo, que escrevêssemos com as

nossas próprias víceras, com o nosso próprio sangue. Dizia também, que um

pensamento só era digno quando fosse possível sentir seus elementos. Portanto,

seguindo estes preceitos, entendi que era chegada a hora de voltar meus olhos para outro

combate.

Mudar de projeto, iniciar um novo tema e deixar para trás tudo que já havia sido

feito não era uma decisão fácil de tomar. Se, por um lado, a nova experiência que surgia

era instigante e provocadora, por outro, exigia um preço a se pagar para que ela se

realizasse.

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§

Pois foi, justamente, quando dávamos os últimos contornos ao projeto da cultura

em Zaratustra que tivemos conhecimento do caso de Luis Coelho2. A descoberta desse

caso foi tão imporatante que achamos conveniente mudar nossos rumos. Conforme

íamos coletando os elementos que compuseram este caso, notávamos que ele

exemplificava boa parte das discusões epistemológias que havíamos feito na gradudação

e no mestrado3.

A história do nosso personagem começa assim: Luis Coelho era um estudante de

história que cursava o mestrado na Universidade de Gulag. Durante o período que

cursou o mestrado, foi orientado pelo doutor Kirk. Para realizar a avaliação da

disciplina “Campos de concentração da linguagem”, ofertada em 2008 pelo programa de

mestrado, a professora Alice pediu aos alunos que produzissem um texto partindo de

algum assunto estudado na disciplina. Sendo assim, Luis Coelho apresentou o texto “Da

circularidade à linearidade revolucionária: o cretino intelectual”. Aqui começaram a

surgir alguns problemas. Luis Coelho foi reprovado pela professora Alice em sua

disciplina.

O que chamou nossa atenção não foi o simples fato da reprovação na disciplina,

mas, depois de realizar a leitura do parecer produzido pela professora Alice, no qual ela

argumentou sobre os motivos da reprovação de Luis Coelho naquela disciplina, foi

possível observarmos a exemplaridade do caso, pois ele reúne um riquíssimo exemplo

do embate entre as concepções modernas e pós-modernas4 na historiografia.

2 Agradeçemos Luis Coelho por nos ter cedido e, também, por nos ter dado a liberdade de uso da

documentação que compoem o seu caso, chamado de “dossie Luis Coelho”. As citações que fazemos de

Luis Coelho foram extraídas dos documentos escritos – a que tivemos acesso – e da entrevista que ele

concedeu a Guilherme Cantieri Bordonal. Infelizmente não temos o áudio desta entrevista, pois o

depoente danificou a mídia ao final da sessão, o que restou dela foi tão somente alguns apontamentos

anotados durante a entrevista. Os trechos dessa entrevista que estão citados nesta dissertação aparecem

como “Apontamentos”. 3 Os nomes dos personagens que compuseram o caso, assim como o nome dado à universidade e ao

departamento de mestrado são fictícios. Queremos com esta narrativa chamar a atenção do leitor para o

embate epistemológico que o caso nos oferece, visto que, foi para isso que o usamos. 4 No momento em que tomamos contato com este caso, buscamos elementos que pudessem dar riqueza ao

debate modernidade/pós-modernidade. Sendo assim, o jovem Luis Coelho sugeriu às várias instâncias do

programa de mestrado, que fosse aberta uma discussão sobre o caso. Ele divulgou e apresentou o caso

para os demais professores do Departamento de História na forma de um dossiê, mas, infelizmente, a

discussão não foi aberta. No processo de vista de prova, a professora Alice, antes mesmo de ler seu

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Ao cumprir a disciplina ministrada pela profesora Alice, começaram a surgir os

problemas que resultaram nas atitudes drásticas que Luis Coelho viria a tomar. Durante

toda a disciplina os alunos leram textos sobre movimentos sociais brasileiros que

lutavam contra a ditadura, pela reforma agrária, embate entre progressistas e

conservadores e a avaliação da revolução socialista que não havia acontecido no Brasil.

Sempre que possível relacionava-se esses acontecimentos com problemas da atualidade

brasileira, como algum ato ou atitude presidencial tomada naquela semana, algum

discurso de ministro, embates entre a oposição e o governo.

Devemos ressaltar que a História do Brasil nunca tinha sido objeto específico

das pesquisas de Luis Coelho, mas, mesmo assim, ele possuía a leitura feita na

graduação, na especialização e em jornais e revistas que fazia diariamente. Diante disso,

Luis Coelho confessou-nos algo que o incomodava constantemente na disciplina:

Nada do que se discutia ali, levava em consideração as ações do

Foro de São Paulo. Nem por parte da professora nem por parte

dos alunos. A ação da maior organização política que já existiu

na América Latica não era discutida para se entender o contexto

político brasileiro (Apontamentos).

Segundo Luis Coelho, os textos que ali eram lidos também, como de costume,

mantinham a fiel ignorância diante desses fatos. Isso produzia análises parciais,

vinculadas e comprometidas com uma dada ideologia, o que de resto é inevitável. No

entanto, Luis Coelho percebia que se as análises sob os movimentos sociais no Brasil

Republicano levassem em consideração a documentação produzida pelo Foro de São

Paulo, poderíamos ver o fenômeno sob outra ótica.

No contexto das aulas, Luis Coelho observou que não seria possível discutir as

táticas e estratégias usadas pelos movimentos revolucionários no Brasil contemporâneo,

já que isso demandaria tanto tempo que seria necessário ocupar toda carga horária da

disciplina para desenvolver o problema. Numa entrevista concedida a mim, Luis Coelho

disse:

Tópicos como o Foro de São Paulo, a revolução gramsciana e a

servidão da mídia brasileira à revolução cultural não podem ser

parecer e de escutar quais eram as reinvidicações de Luis Coelho, reafirmou seu posicionamento,

explicitando sua indisposição para avaliar o caso sob outra perspectiva.

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explicitados em meio a outros assuntos, pois exigem uma

atenção especial (Apontamentos).

Sendo assim, ele procurou propor o tema do Foro de São Paulo para ser

discutido no texto final de avaliação da disciplina. Porém, num texto com essas

características não era possível se alongar sobre este assunto, pois os alunos estavam

limitados a somente vinte páginas para a produção do texto. Mesmo assim, Luis Coelho

entendeu ser pertinente apontar as principais caraterísticas desta organização que tinha

sido esquecida por boa parte dos historiadores.

O texto era uma denúncia e ao mesmo tempo uma provocação diante da

precariedade ou conivência de parte dos historiadores brasileiros para com o Foro de

São Paulo. Contudo, essa provocação não era destinada somente aos envolvidos naquela

disciplina, mas era colocada aos historiadores de uma maneira geral. Luis Coelho se

sentia incomodado, pois, durante toda graduação, o Foro de São Paulo não foi sequer

citado por algum professor, mencionado por algum aluno ou tido como referência em

algum texto lido. Nos congressos que participou, regionais, nacionais e internacionais,

isso nunca foi motivo de discussão.

A primeira vez que ele ouviu algo sobre o Foro de São Paulo foi numa entrevista

concedida pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. Ao entrar em seu site, o jovem

Luis Coelho teve contato com uma série de denúncias baseadas em documentos

primários em que os próprios executores das estratégias revolucionárias confessavam

manifestamente seus atos. Diante disso, decidiu tomar contato com mais elementos que

compunham aquele assunto. Ele se espantava, pois começou a perceber a enorme

estrutura revolucionária que havia sido montada nas últimas duas décadas em toda

América Latina sem que pesquisadores, jornalistas ou curiosos tomassem nota dos fatos.

Na entrevista, Luis Coelho disse:

Comecei a ler tudo sobre o Foro de São Paulo. Quanto mais

estudava este tema, mais eu percebia a importância do trabalho

realizado pelo Olavo de Carvalho. A minha formação se deve,

hoje, em boa parte a ele (Apontamentos).

Sendo assim, ele produziu o texto “Da circularidade à linearidade

revolucionária: o cretino intelectual”, em que apresentava Lula, o criador e presidente

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do Foro de São Paulo por mais de dez anos, confessando que as estratégias traçadas

pelo Foro de São Paulo haviam sido concretizadas.

Pois bem, Luis Coelho entregou o texto produzido dentro do prazo exigido e

aguardou o resultado. Quando recebeu a nota que lhe foi conferida ficou perplexo.

Havia sido reprovado na disciplina com nota 4,0. Os campos de concentração da

linguagem se estreitavam ainda mais. No entanto, ao ler as anotações feitas na sua prova

e o parecer final redigido pela professora Alice, Luis Coelho encontrou tantos juízos

questionáveis, tantas contradições conceituais e exigências que extrapolavam as

circunstâncias de um texto final de disciplina que resolveu recorrer daquele resultado.

Mesmo seguindo todos os procedimentos cabíveis oferecidos pelas instâncias da

Universidade de Gulag para contestar aquela avaliação não foi possível obter outro

resultado.

Paulatinamente, quanto mais estudávamos este processo, fomos percebendo o

tesouro que havia caído em nossas mãos. Passamos, então, a observar esse caso, não

somente pelo fato da reprovação, mas que ali, havia o embate de diferentes perspectivas

epistemológicas, historiográficas e de parâmetros avaliativos. Ou seja, o problema

central presente era algo que vínhamos discutindo desde a graduação: o choque entre a

modernidade e a pós-modernidade.

Foi então que Luis Coelho resolveu tomar uma atitude inesperada. Cansado do

ambiente acadêmico, do debate epistemológico que não acontecia, mas que se impunha

pela força, ele resolveu começar um novo projeto em sua vida: tornar-se aquilo que ele

era. Ele desistiu do embate acadêmico e decidiu travar uma batalha ontológica. Depois

de longas conversas com seu orientador, doutor Kirk, Luis Coelho abandonou o

programa de mestrado da Universidade de Gulag e desconsiderou o fato da reprovação

na disciplina “Campos de concentração da linguagem”. Passou a entender que a

Universidade de Gulag não era um bom lugar para seus projetos.

Mesmo tendo abandonado seu próprio caso, assim como a universidade na qual

estudava, sabedores das restrições indicadas pelo próprio Luis Coelho – em dar

continuidade nesse debate – contrariamos suas vontades em função da importância

analítica que o caso oferecia.

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§

Esta dissertação de mestrado analisa uma das modalidades do processo do

conhecimento historiográfico contemporâneo. Basicamente entendemos que esse

processo pode ser realizado em dois campos historiográficos, sendo, um moderno e

outro pós-moderno.

Estruturalmente esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro

capítulo, “Intenções pós-modernas”, apresentamos algumas características do embate

teórico entre modernidade e pós-modernidade enfocando três pontos de tensionamento:

verdade, linguagem e transcendência do método de avaliação. Assumimos, desde já, que

esses três pontos selecionados não esgotam todos os aspectos dessas divergências. Eles

foram escolhidos para dar suporte à análise de caso que será feita no terceiro capítulo.

Para colaborar com essas perspectivas fazemos uso de quatro autores: Friedrich

Nietzsche, Keith Jenkins, Clement Rosset e Franklin Rudolf Ankersmit. Com eles,

entendemos quais são as críticas que a pós-modernidade lança à modernidade e de como

é possível produzir uma historiografia no terreno do perspectivismo. Não se trata,

portanto, da defesa do “vale-tudo na história”, mas do apontamento de fragilidades

metodológicas modernas e da afirmação de novos procedimentos epistemológicos e

novos parâmetros avaliativos. Além de tecer suas críticas à modernidade, a pós-

modernidade criou um leque de possibilidades para o historiador desenvolver seu ofício.

No segundo capítulo, “Irritar e provocar”, expomos o texto produzido pelo

jovem Luis Coelho, “Da circularidade à linearidade revolucionária: o cretino

intelectual”. No texto entregue à disciplina “Campos de concentração da linguagem”,

ministrada pela professora Alice, Luis Coelho demonstrou uma intencionalidade de

provocar a historiografia a pensar determinados movimentos da história do Brasil por

um viés que, até agora, não foram contemplados com grande atenção pela Universidade

de Gulag. Ao questionar, principalmente, a prática historiográfica, ele tentou colocar um

peso no outro lado da balança. Se o lado esquerdo da balança buscava legitimidade, ele

procurou afirmar que aqueles problemas também poderiam ser analisados pelo lado

direito da balança. Sendo assim, ele quis provocar um embate entre diferentes forças.

Partiu do pressuposto que o lado esquerdo da balança oferecia suas perspectivas e,

portanto, o lado direito poderia apresentar seus argumentos também. Para promover

esse tensionamento, trabalhou com a perspectiva de que para entendermos as ações

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políticas contemporâneas no Brasil, deveríamos analisar as ações do chamado “Foro de

São Paulo” 5.

No entanto, o trabalho de Luis Coelho foi reprovado na disciplina. O parecer

produzido pela professora Alice manifestava uma série de exigências baseadas na

concepção moderna de historiografia. Logo, seu texto não foi interpretado como uma

possibilidade de resposta àqueles problemas, mas como uma aberração dentro do debate

acadêmico da Universidade de Gulag. O lado esquerdo da balança desejava se tornar

soberano, universal e totalitário. Sendo assim, após realizar a leitura do texto produzido

por Luis Coelho e o parecer redigido pela professora Alice, observaremos que esse caso

apresenta vários aspectos do embate moderno e pós-moderno.

No terceiro capítulo, “Quando pensar se torna um delito”, fazemos a análise do

caso e dos embates teóricos destacados no primeiro capítulo, na medida em que estes

últimos adquiriram visibilidade historiográfica, a saber: da verdade, da linguagem e da

transcendência do método avaliativo.

5 O Foro de São Paulo é um movimento, um encontro, um grupo estratégico, criado e presidido por mais

de quinze anos por Luíz Inácio Lula da Silva. Após a crise dos países socialisas do leste euopeu, no final

da década de 80, foi preciso, segundo Lula, traçar novas perspectivas estratégicas para os movimentos

socias na América Latina. O Foro de São Paulo, portanto, é uma tentativa de reorganização das forças

revolucionárias, procurando amenizar suas diferenças para conectá-las num objetivo maior: a expansão

internacional do socialismo. O Foro de São Paulo é a maior organização política que existe na América

Latina, contando com a participação de líderes políticos, partidos políticos, movimentos sociais e grupos

que adotaram a estratégia da luta armada.

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INTENÇÕES PÓS-MODERNAS

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As considerações apresentadas nesta dissertação de mestrado partem da

compreensão de que hoje a historiografia pode ser tomada a partir de dois grandes

troncos historiográficos. Eles são divididos em moderno e pós-moderno6. Neste

primeiro capítulo, desenvolveremos alguns pontos de conflito que a pós-modernidade

lança sobre a modernidade7. O critério para a escolha dos pontos que serão explanados

pautou-se pela necessidade que os assuntos do terceiro capítulo exigiram. Ou seja, os

elementos teóricos deste capítulo estão diretamente ligados com a discussão que

acontece no terceiro capítulo. Neste momento, queremos indicar de que lugar estamos

falando para que se compreenda melhor o embate da modernidade com a pós-

modernidade.

Primeiramente, é importante que façamos algumas distinções das características

modernas e pós-modernas no campo da historiografia. Nossa concepção adota uma

estratégia de análise, em que se agrupa boa parte da historiografia dos séculos XIX e

XX num mesmo tronco teórico. Sendo assim, não seria estranho apresentar as

afinidades, muito próximas, entre as concepções da escola metódica – Langlois e

Seignobos - e do que se convencionou chamar de marxismo – Marx, Hobsbawn,

Thompson e Ginzburg. Da mesma forma, uma historiografia rankeana – Leopold von

Ranke - e outra braudeliana – Fernand Braudel. Elas pertencem a um só tronco

historiográfico moderno, visto que, mesmo divergindo em aspectos importantes,

mantém a mesma intencionalidade em basicamente três pontos:

1- busca pela verdade; mesmo não acreditando que somos capazes de produzir

um “história total”, em que se descreveria todos os aspectos da experiência

vivida, os modernos trabalham na perspectiva de que aquilo que é escrito

pelo historiador deve ser um relato fidedigno do que se passou. Pautando-se

no uso de documentos, a história deve ser fiel ao passado, na intenção de

representá-lo.

2- acreditam que a linguagem é capaz de expressar a experiência vivida; não há

uma separação entre as palavras e as coisas, sendo assim, é necessário

6 Alguns autores preferem usar os termos “modernismo” e “pós-modernismo”. Portanto, se eles

aparecerem em algumas citações ou no próprio corpo deste texto, deve-se adotar o mesmo significado

para os termos “modernidade” e “pós-modernidade” ou “moderno” e “pós-moderno”. 7 Este capítulo se inspira, em muito, no artigo produzido conjuntamente por BORDONAL, Guilherme

Cantieri; e, GIANNATTASIO, Gabriel, intitulado e no aguardo de sua publicação, Uma pós-modernidade

trágica: a historiografia para além da verdade e da mentira.

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elaborar modelos narrativos que privilegiam o emprego de estruturas

explicativas e definitivas. A linguagem é usada como uma ferramenta de

descrição do objeto. Adotam-se divisões de períodos históricos fixos e

articulados por relações de causa e efeito. Desse modo, é possível criar uma

continuidade na história, como se, portanto, os sentidos não fossem

construídos pelo historiador, mas dados pelo objeto.

3- criam padrões metodológicos avaliativos transcendentes à pesquisa; a

construção desses métodos exteriores ao objeto sempre almejam a

universalidade. Nessa concepção o método impõe sua força ao objeto. Aqui,

tem-se a tendência de buscar, por mais diferentes que sejam os objetos de

estudo, os elementos dos quais o método necessita para que ele se torne

praticável.

Consideramos que esses pontos de contato das correntes historiográficas

modernas não eliminam suas divergências. Sendo assim, na interpretação que fazemos,

salientamos as afinidades de suas premissas e, portanto, nada impede que outro

pesquisador valorize as diferenças que há entre elas. Esses são os elementos que nos

permitem colocá-las num mesmo plano de discursividade.

Mesmo com a predominância dessas correntes metodológicas no século XIX e

XX, foi justamente neles que começaram a surgir posicionamentos que criticavam esses

padrões metodológicos empregados. Reconhece-se que o século XIX imprimiu uma

série de mudanças na prática historiográfica, possibilitando o surgimento daquilo que se

convencionou chamar de uma moderna historiografia. Mesmo com o debate promovido

pela pós-modernidade, alguns historiadores consideram que a modernidade não foi

superada e que, mesmo à revelia, a historiografia contemporânea carrega fortes

influências do período moderno.

A pós-modernidade responde a essas três proposições expostas acima com um

argumento muito simples e direto. Eles podem ser considerados legítimos, desde que

sejam entendidos como possibilidades de interpretação, como partes de um jogo de

discursividades e estejam prontos para admitir que existem outras possibilidades

interpretativas que pertencem ao mesmo plano de discursividade8. Eles não estão acima

8 Dentro de tal perspectiva pós-moderna pode-se formular uma questão: se a pós-modernidade iguala as

discursividades num mesmo plano epistemológico, como separá-la do “vale-tudo na história”?

Respondemos essa questão afirmando que a pós-modernidade aceita posicionamentos contrários às suas

considerações. No entanto, não os considera como verdades, mas como interpretações. Portanto, mesmo

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de outras possibilidades interpretativas e possuem a mesma força dos discursos que os

contrapõem9.

Dentro dessa concepção, para a pós-modernidade, quando os modernos

procuram excluir aquilo que não lhes é igual, tornam-se inflexíveis, desejando

implementar a transcendêcia do método e criar estruturas fixas e inabaláveis. Assim,

eles extrapolam a capacidade do debate historiográfico, visto que, procuram fundar

verdades ao invés de se aterem ao terreno das interpretações. Pensando dessa maneira,

podemos considerar que a pós-modernidade engloba a modernidade, mas não a trata da

maneira pela qual ela exige ser tratada. Seus procedimentos são tidos como

possibilidades de interpretação. Apenas isso!

Neste mesmo entendimento, podemos citar o historiador Ankersmit que salienta

o “círculo vicioso” da modernidade, referida aqui como historiografia científica:

O pós-moderno não rejeita a historiografia científica, mas somente

chama a atenção para o círculo vicioso modernista, que gostaria de

nos fazer crer que nada existe fora dele. Fora dele, porém, estão todos

os domínios do significado e propósitos históricos (ANKERSMIT,

2001, p. 133).

Podemos observar que na perspectiva de Ankersmit as premissas modernas não

são tidas como insuperáveis. Além delas existem os “domínios do significado” – eles

aceitando outras epistemologias, a pós-modernidade também é seletiva. Os discursos produzidos pela

pós-modernidade nascem de escolhas feitas pelo historiador, e essas escolhas sempre serão limites para

outras formas de discurso. A pós-modernidade também é seletiva. Mas o que diferencia a pós-

modernidade das demais correntes historiográficas? A pós-moderniade tem a consciência de que seus

discursos não vão além deles mesmos, não fundam verdades, que sua linguagem nasce num território de

disputa de valores. Ela reconhece seus limites, e por exercer tal reconhecimento, admite a existência de

outros limites. Portanto, ela não nega a existência de valores, de busca por legitimidade e de afirmação de

suas premissas. Mas ela está consciente de que é uma construção cultural, e por isso, se limita ao território

da linguagem. Sendo assim, por ter sido construída pelas necessidades humanas, outras necessidades

podem surgir, outros entendimentos podem surgir. Neste sentido, Keith Jenkins contribui salientando:

“No nível da teoria, gostaria de apresentar dois argumentos. O primeiro (que esboço neste parágrafo e

desenvolvo em seguida) é que a história constitui um dentre uma série de discursos a respeito do mundo.

Embora esses discursos não criem o mundo (aquela coisa física na qual aparentemente vivemos), eles se

apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que ele têm” (JENKINS, 2004, p. 23). Na tentativa

de criar significados para o mundo, a pós-modernidade tem a consciência de que seu discurso é

constituído de valores. Ao saber também, que outros valores podem ser construídos, ela admite, portanto,

que outros discursos sejam produzidos.

Dizemos, por fim, em resposta à pergunta incial, que o domínio que exercemos sob a nossa

linguagem é o que permite distinguir os juízos acerca da história. “Do começo ao fim, o objetivo é ajudá-

lo a desenvolver sua própria reflexão sobre a história e a ter controle de seu próprio discurso” (Jenkins,

2004, p. 17). 9 Referímo-nos à força de um discurso na dimensão própria da discursividade, ou seja, enquanto

fenômeno linguístico.

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nos remetem às interpretações que o historiador constroe sobre seu objeto de pesquisa -

e os “propósitos históricos” – aquilo que o historiador deseja legitimar com seu

discurso.

Contudo, os modernos não entendem esse embate da mesma forma. Na

introdução de Relações de força: história, retórica e prova, Carlo Ginzburg teceu uma

série de apontamentos signifiativos para descrever parte dos embates teóricos da

historiografia na contemporaneidade. Neste texto, ele transitou por diferentes períodos

históricos para demonstrar que a pós-modernidade retomou alguns elementos da antiga

Hélade para compor parte de seu referencial teórico. “As teses cépticas baseadas na

redução da historiografia à sua dimensão narrativa ou retórica circulam já há alguns

decênios, ainda que as suas raízes sejam, como se verá, mais antigas” (GINZBURG,

2002, p. 13). Segundo ele, a perspectiva pós-moderna, da qual o discurso historiográfico

opera no nível retórico, encontra-se pautado nos antecessores de Sócrates. Ao falar das

“teses cépticas”, Ginzburg se refere à crítica pós-moderna de que a história não

estabelece verdades, mas simplesmente interpretações.

Desenvolvendo suas considerações, apontou Ginzburg num tom preocupante,

que nunca se havia chegado a tal radicalidade cética. “Raramente a distância entre

reflexão metodológica e prática historiográfica efetiva foi tão grande quanto nos últimos

decênios” (GINZBURG, 2002, p. 14). Além de detectar esse quadro, Ginzburg apontou

um momento que considerou como início de todo este movimento pós-moderno. Essa

mudança, segundo ele, começou em 1873, com Nietzsche, ao escrever Sobre verdade e

mentira no sentido extra moral. Mesmo reconhecendo que Gustav Gerber o havia

influenciado, Ginzburg considerou que com Nietzsche esses novos parâmetros eram

mais afirmativos.

Neste texto, Nietzsche ironizou e se contrapôs a vários referenciais modernos.

Num momento, destacado por Ginzburg, Nietzsche questionou o que era o conceito de

verdade e se propos a responder:

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas,

metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações

humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas,

enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas,

canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se

esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força

sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em

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consideração como metal, não mais como moedas (NIETZSCHE,

1978, p. 48).

Nesse trecho, fica claro que Nietzsche não nega a existência da verdade. Porém,

pontuou enfaticamente que ela existe como uma construção humana e cultural. A

verdade nasceu do hábito em se afirmar determinadas posições e que depois de

esquecidas que eram apenas posições, ganharam uma força que não lhes eram

intrínsecas, mas simplesmente construídas. Ao entender a verdade nesta perspectiva, foi

quase inevitável, para Nietzsche, a proposição de uma questão: se a verdade é uma

construção, por qual motivo não podemos criar outras verdades? Ou melhor: se a

verdade é uma interpretação do mundo, por qual motivo não interpretar o mundo de

outras maneiras? É no terreno desses questionamentos que a pós-modernidade se

circunscreve!

Isso proporcionou para a historiografia uma série de repercussões teóricas que

foram promovidas pela pós-modernidade. A partir de então, foi possível compor o

quadro referencial pós-moderno. Nele, pode-se afirmar que toda história,

necessariamente, se dedica ao passado. O historiador transita entre o presente – que

elabora problemas, indagações e métodos – e o passado – seu „objeto‟ de estudo. Mas a

história estuda o passado todo? Ela consegue “dar conta” de representar o passado? Para

a pós-modernidade, todo passado pode ser estudado pela história, no entanto, a história

não é capaz de dar conta do que passou.

Portanto, não se nega a existência das categorias das quais a modernidade

também faz uso – tempo, passado, presente, documentos, sentido, etc – no entanto, na

pós-modernidade tem-se uma mudança na relação do historiador com esses elementos.

Na modernidade eles eram tidos como dados e prontos para serem descobertos,

desvendados e capazes de nos fornecer suas verdades. Na pós-modernidade eles são

construídos pelo historiador, limitando-os ao terreno das interpretações.

Logo, o historiador pós-moderno tem consciência que devido a uma necessidade

intrínseca ao método historiográfico, deve-se delimitar o que vai se estudar, definir a

temporalidade e localizar este objeto. Para tal tarefa, faz-se necessário a opção por

vários recortes que trazem algumas preocupações à tona e encobrem outras, as quais são

consideradas de menor importância. Ao estar ciente disso, sabe-se que em qualquer

análise historiográfica os silêncios serão inevitáveis. Mesmo assim, a decisão do recorte

dos elementos que compõe a pesquisa cabe unicamente ao historiador.

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Entende-se, portanto, que ao executar suas escolhas, o historiador age de

maneira parcial na relação dos assuntos que são abordados. Ele executa um trabalho

limitado, arbitrário e inacabado. Diante da totalidade, pressuposta, mas, inapreensível

do passado, o historiador toma seu primeiro passo: constrói seu objeto.

Ao fazer isso, o historiador lança questões – que partem do presente – a esse

objeto. Contudo, as respostas não estão contidas no objeto, prontas para serem

desvendadas, descobertas ou decifradas. Na perspectiva pós-moderna, as respostas

encontram-se na construção discursiva feita pelo historiador. Ao compreender desse

modo o trabalho historiográfico, a pós-modernidade considera impossível o historiador

manter um distanciamento do seu objeto. É interessante salientarmos isso, pois para a

modernidade é fundamental que o historiador mantenha um distanciamento do seu

objeto de estudo. Segundo eles, ao fazer isso, o historiador não transporta para sua

pesquisa suas opiniões, impressões, sentimentos, que por sua vez não deveriam pautar

uma pesquisa científica. No entanto, para a pós-modernidade, este distanciamento é

simplesmente impossível de ser atingido, visto que, na própria eleição e constituição do

objeto, o historiador já faz uma série de escolhas em que não se pode estar distante do

objeto. A construção do objeto já é um produto da interpretação.

Ao dizer isso, pode-se entender com maior clareza a importância de Nietzsche

para a pós-modernidade, pois como vimos, ao questionar o valor da verdade, pode-se

construir a perspectiva de que o historiador transita no terreno das interpretações e não

no da descoberta de verdades, como acreditavam e ainda acreditam os modernos.

Portanto, no terreno das interpretações não se pode obter uma verdade, mas somente

possuir uma vontade de verdade, que é política e não epistêmica.

Sendo assim, a historiografia não é capaz de reconstituir, representar e resgatar o

passado, mas cria uma discursividade sobre uma temporalidade com a ajuda de

documentos e métodos – que são construídos no presente – e, lança questões e respostas

para um passado que é inacessível na sua totalidade ou parcialidade. Entende-se,

portanto, que a história fornece ferramentas que auxiliam a construção de discursos10

.

10

“(...) uso o termo „discurso‟ (por exemplo, „ter controle de seu próprio discurso‟ e „o discurso da

história‟) no sentido de que ele relaciona a interesses e a poderes as idéias das pessoas sobre história.

Assim, você estar no controle de seu próprio discurso significa ter poder sobre o que você quer que a

história seja, em vez de aceitar o que outras pessoas dizem que ela é;” (JENKINS: 2004, p. 109). No

universo da modernidade, a legitimidade de um discurso se dá, muito mais, pelo recurso à autoridade – a

do professor, do mestre, do doutor, da banca examinadora, por exemplo – conferida pelo título e, muitas

vezes, pelo número, pelo grupo, pelo cânone – em termos modernos, pela “legitimidade democrática”.

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Esse seria o campo de atuação do ofício historiográfico, no qual se permanece atrelado

ao nível retórico da discursividade.

Em A história repensada, Keith Jenkins procurou realizar um balanço da

historiografia na contemporaneidade. Partindo de concepções muito próximas às

considerações de Nietzsche, ele indicou para a impossibilidade da verdade em apreender

o mundo dos fenômenos. Segundo ele, a verdade não conseguia ir além dela mesma.

Em outras palavras, não conseguia extrapolar o terreno das interpretações:

“A verdade é uma figura de retórica cujo quadro de referências não

vai além de si mesma, incapaz de apreender o mundo dos fenômenos:

a palavra e o mundo, a palavra e o objeto, continuam separados”

(JENKINS: 2004, p. 57).

Pode-se notar facilmente que Keith Jenkins aborda o conceito de verdade

partindo de concepções que foram desenvolvidas por Nietzsche. Sendo assim, na

interpretação pós-moderna, não há a possibilidade de se estabelecer verdades com a

história, mas, simplesmente, criar interpretações que possam dialogar e pensar sobre os

assuntos tratados. A verdade não consegue ir além dela mesma. A linguagem não

consegue ir além dela mesma. O discurso historiográfico não consegue ir além dele

mesmo. Mas se a história é o terreno das interpretações, cabe-nos perguntar como as

verdades são construídas? Partindo de elementos trazidos por Michel Foucault, Jenkins

nos ofereceu uma resposta:

Esses argumentos são imediatamente aplicáveis à história. Este é um

discurso, um jogo de linguagem; nela, a “verdade” e as expressões

similares são expedientes para iniciar, regular e findar interpretações.

A verdade age como um censor: estabelecendo limites. Sabemos que

tais verdades não passam de “ficções úteis” que estão no discurso

graças ao poder (alguém precisa pô-las e mantê-las ali) e que o poder

usa o termo “verdade” para exercer controle; daí o regime da verdade.

A verdade evita a desordem, e é esse medo da desordem (dos

desordeiros), ou, para nos expressarmos de maneira positiva, é esse

medo da liberdade (o medo de dar a liberdade a quem não a tem), o

que vincula funcionalmente a verdade aos interesses materiais

(JENKINS, 2004, p. 59).

Mas isso não as tornam capazes de constituírem verdades! Para a pós-modernidade, elas são partes

integrantes dos jogos de força da linguagem.

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É interessante que se note na citação acima a relação apontada entre a verdade e

o poder. Para a pós-modernidade esses dois elementos estão diretamente ligados, ou

seja, determinados poderes impõem certas verdades. Desse modo, a pós-modernidade

aponta para a possibilidade do surgimento de novas formas de “verdade”. Se a verdade

é entendida apenas como uma interpretação, mas que em certo momento ganhou

destaque, promovida pela força de quem a impunha, não se pode descartar a

possibilidade de se criar outras interpretações para fomentar o jogo de disputas das

interpretações.

Desse modo, temos um trecho de Ankersmit em que ele expõe claramente a

diferença nas concepções modernas e pós-modernas com relação ao uso que os dois

troncos fazem do passado:

Para o modernista, dentro de sua noção científica de mundo, dentro da

visão de história que inicialmente todos aceitamos, evidências são

essencialmente evidência de que algo aconteceu no passado. O

historiador modernista seguia uma linha de raciocínio que parte de

suas fontes e evidências até a descoberta de uma realidade histórica

escondida por trás destas fontes. De outra forma, sob o olhar pós-

modernista, as evidências não apontam para o passado, mas sim para

interpretações do passado; pois é para tanto que de fato usamos essas

evidências. Para expressar essa idéia por meio de imagens: para o

modernista, a evidência é um ajulezo que ele levanta para ver o que

está por baixo; para o pós-modernista, ela é um azulejo sobre o qual

ele pisa para chegar a outros azulejos; horizontalmente em vez de

verticalmente (ANKERSMIT, 2001, p. 124).

Mais uma vez, conseguimos observar que na modernidade, a evidência indica

um passado e que ao descobrí-lo o historiador torna-se apto a desvendar a realidade

histórica. A pós-modernidade chama a atenção para o fato que de as evidências, as

realidades históricas e a compreensão que a historiografia faz disso não passam de

simples interpretações. Para sustentar seu posicionamento, Ankersmit se utilizou,

inteligentemente, dos recursos proporcionados pela metáfora. Assim, ele pôde

caracterizar a modernidade como a verticalidade, representando um discurso que se

impõe, que corta, separa, exclui e exerce sua força para com aquilo que não lhe é igual.

A modernidade é fixa. Por outro lado, apresenta a pós-modernidade como uma

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horizontalidade em que as discursividades apresentam o mesmo nível conceitual. A pós-

modernidade é móvel.

Ao tentar criticar o posicionamento de Ankersmit, o historiador Perez Zagorin

salientou que mesmo tecendo suas críticas à modernidade, Ankersmit utilizava-se das

ferramentas proporcionadas pela modernidade para exercê-las:

Desde o início, porém, é importante, por motivos de clareza, sublinhar

várias características normalmente associadas à teoria ou idéia do pós-

modernismo. Em primeiro lugar, é mister reconhecer que se trata de

uma concepção essencialmente historicista. Os que anunciam a

chegada do pós-moderno o vêem como um estágio inevitável da

cultura de hoje em dia e também de uma ruptura com o passado, a

qual, dadas as condições da sociedade atual, não pode ser detida.

Portanto, um forte sentido de fatalidade e de irresistibilidade paira

sobre este conceito (ZAGORIN, 2001, p. 138).

Parte da análise de Zagorin descreve com exatidão o processo empreendido pela

pós-modernidade. Realmente conseguimos observar uma fatalidade, um senso

historicista e irresistibilidade na análise pós-moderna feita por Ankersmit. O único

problema da análise de Zagorin é que ele se esqueceu que para a pós-modernidade esses

elementos não são apresentados como os únicos possíveis, pois compõem o campo das

interpretações. Sendo assim, ao utilizar elementos modernos, não os consideramos

fixos, mas simples possibilidades interpretativas. Não se nega as perspectivas modernas,

apenas as englobamos no território das discursividades.

O impacto desses questionamentos acerca da verdade iniciados com Nietzsche e

desenvolvidos pela pós-modernidade foram tão fortes que receberam o destaque de

Ginzburg. Após citar uma parte de Sobre verdade e mentira no sentido extra moral, em

que Nietzsche procurou questionar o conceito de verdade, Ginzburg concluiu que:

Nos últimos decênios, essa passagem acabou por se transformar no

resumo da nova interpretação de Nietzsche, visto como aquele que,

pela primeira vez, enfrentou “a tarefa filosófica de uma reflexão

radical sobre a linguagem” (GINZBURG, 2002, p. 25).

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Nessa reflexão de Ginzburg há três palavras que merecem nossa análise. A

primeira é “interpretação”. Há que se observar o cuidado de Ginzburg para tratar o

posicionamento de Nietzsche como uma interpretação. De certa forma, isto mostra que

Ginzburg, mesmo não nutrindo muito apreço, tem plena consciência de qual lugar

Nietzsche estava falando. Logo em seguida, ao se referir à linguagem, ele afirmou que

esta foi a “primeira vez”. Na concepção de Ginzburg, a origem, o marco inicial, o

nascimento de um movimento são elementos importantíssimos. O mesmo não se pode

dizer de Nietzsche, pois ao lermos Sobre verdade e mentira no sentido extra moral, em

que ele ironicamente procurou apontar o “início” dos asssuntos que seriam tratados, nos

deparamos com uma fábula despretensiosa, em que se preocupou muito mais com as

impressões do que com as descrições. A terceira palavra de destaque é a “linguagem”.

Mesmo sendo este texto um momento importante para os questionamentos de Nietzsche

sobre a linguagem, não é aqui que temos essa experiência levada às últimas

consequências. Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche retomou esses questionamentos

sobre a linguagem e ao fazer isso procurou empreender uma nova maneira de se

construir um pensamento. Fugindo de encadeamentos lógicos, tão caros aos modernos,

Nietzsche transitou pelo campo poético, pois entendeu que ali poderia expressar com

maior impacto o que iria transmitir.

Ao avaliar os impactos promovidos por Sobre verdade e mentira no sentido

extra moral, Ginzburg salientou:

O eco de Acerca da verdade e da mentira se prolongou também fora

do âmbito estritamente filosófico. Nos anos 70 do século passado,

aquele fragmento se tornou uma dos textos fundadores do

Desconstrucionismo, graças sobretudo à argutíssima leitura feita por

Paul de Man num ensaio inicialmente apresentado num congresso

sobre Nietzsche organizado pela revista Symposium (GINZBURG,

2002, p. 32).

Ou seja, para Ginzburg, Nietzsche não abalou somente o terreno filosófico, mas

conseguiu ir além disso, pois serviu de base para o Desconstrutivismo que, em sua

prática, questionou muitas concepções modernas para a construção do pensamento.

Sendo assim, concordamos com Ginzburg que o pensamento de Nietzsche foi

um divisor de águas. No entanto, ao invés de causar preocupação e nutrir um

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posicionamento contrário, entendemos que o terreno proporcionado por Nietzsche

tornou-se confortável e adequado para a proposição de uma série de questionamentos

que a pós-modernidade dirige à modernidade. Portanto, é desse território teórico que

lançaremos nossas interpretações.

Temos a oportunidade de pensarmos alguns embates sobre a linguagem partindo

do Zaratustra de Nietzsche. Mas por que escolher Zaratustra? Porque para compor seu

universo paradoxal, Zaratustra se utiliza de estruturas de linguagem capazes de

expressar a densidade de seu pensamento. Neste momento, a busca por novas maneiras

de expressão linguística atingiu o ápice no pensamento de Nietzsche. Essas estruturas

são tão peculiares que, em Ecce Homo, ao fazer sua auto-crítica, Nietzsche salientou o

aspecto musical da linguagem de Zaratustra11

.

Aparentemente, Assim falou Zaratustra, é um livro que narra algumas passagens

de Zaratustra, as quais não mantêm conexões próximas entre si se analisadas com

displicência, entretanto, quando vistas do alto com um olhar mais apurado, pode-se

observar a construção de alguns caminhos percorridos pelas mudanças de Zaratustra.

Essas significativas mudanças são desafios ontológicos pelos quais Zaratustra passa.

São as descrições desses caminhos que se deve ter atenção.

Contudo, não há nenhuma trama no decorrer da descrição dos fatos e não há

nenhum problema a ser resolvido pelos personagens. Não é uma história baseada na

tensão e na resolução. Ele simplesmente caminha e nas suas andanças encontra

personagens que dialogam das mais variadas formas, acusando-o, admirando-o,

zombando-o ou venerando-o. Mesmo não possuindo uma trama narrativa envolvente,

Zaratustra tem um objetivo: levar ao homem a mensagem do além do homem. Para

percorrer este caminho é necessário provocar um embate ontológico12

.

Este é o primeiro impulso que o leva a descer da solidão de sua montanha para

discursar aos homens. Sendo assim, pode-se afirmar que ao descer da montanha,

Zaratustra já possuía definidos os contornos do projeto do além do homem a ser

apresentado aos homens; o que muda durante a narrativa é a maneira pela qual ele

11

“Se volvo a vista alguns meses atrás daquele dia, encontro, como sinal precursor, mutação abrupta e

profundamente significativa dos meus gostos, sobretudo em matéria de música. Talvez, o meu Zaratustra

deve ser considerado musical; certamente a regeneração da arte de ouvir não é uma premissa necessária”

(NIETZSCHE, 2000, p. 94 e 95). 12

Os embates e os desafios de Zaratustra se justificam como ontológicos na medida em que apresentam

como tensão essencial o modo de ser do homem no mundo. Desse modo, não podemos negar que o caso

de Luis Coelho também possuiu um tensionamento ontológico, na medida em que ele buscou uma nova

formação que não poderia ser dada pelos moldes acadêmicos.

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explicitará seu pensamento e para quem o diálogo será relevante, mas o projeto em si

permanece intacto.

Não há um tempo definido em que ocorrem essas experiências de Zaratustra.

Não se pode afirmar nenhuma data específica, nenhum período histórico, nenhum ano e

nem em quantos dias se passa essa história. Não há também a descrição de um espaço

definido, uma cidade, um país ou região, apenas tem-se a citação de lugares muito

pouco esclarecedores geograficamente como a montanha, a praça do mercado, a cidade

da vaca malhada, a floresta. Essas coordenadas podem não possuir uma importância

geográfica reconhecida, no entanto, metaforicamente, estabelecem um diálogo com o

desenvolvimento do pensamento do Ocidente, tanto com a filosofia grega quanto com a

tradição judaico-cristã.

Desde já, deve-se estar consciente que a mensagem trazida por Zaratustra

imprime um tensionamento com essas duas correntes tão caras à cultura ocidental.

Mesmo assim, Zaratustra é o personagem de tempo algum e lugar nenhum. É o porta-

voz de um projeto para todos e para ninguém, que para afirmar sua singularidade,

propõe um tensionamento capaz de voltar-se contra si mesma e que, quando encontra

alguns ouvintes, logo em seguida pede para eles o abandonar.

Os aspectos estruturais da narrativa de Assim falou Zaratustra são peculiares.

Composto em linguagem mito-poética, não se tem o apreço pela as exposições lógicas e

descritivas. O texto é carregado de metáforas, cânticos e máximas que expõe um

pensamento preocupado em se consolidar e ao mesmo tempo voltar-se contra si mesmo.

Isso não se dá por uma autoflagelação, mas por trabalhar-se na concepção do

perspectivismo, em que os aspectos tidos como verdadeiros para a modernidade são

tratados aqui como possibilidades de interpretação. Para salientar ainda mais esse

posicionamento, Nietzsche procurou aproximar o conteúdo do que dizia com a maneira

em que dizia. Por isso, com relação ao estilo nietzscheano, pode-se verificar certa

continuidade entre Sobre verdade e mentira no sentido extra moral e Assim falou

Zaratustra. O estilo poético que apareceu em alguns momentos de Sobre verdade e

mentira no sentido extra moral, ganhou uma relevância estrutural em Assim falou

Zaratustra.

Essa mudança empreendida por Nietzsche foi de grande importância para a pós-

modernidade, pois neste território, o estilo não é considerado apenas um requinte, um

enfeite, um adorno, mas está diretamente ligado ao conteúdo do que está sendo

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expresso. Num trecho sucinto, Ankersmit conseguiu expor a mudança no trato com a

linguagem proporcionada pela pós-modernidade. Neste trecho, ele traça um pararelo das

duas correntes divergentes:

Este esteticismo também harmoniza-se com os insights recentemente

adquiridos sobre a natureza da historiografia – isto é, o

reconhecimento da dimensão estilística no texto histórico. Para os

modernistas, o estilo era anátema ou, na melhor das hipóteses,

irrelevante. Citando uma palestra recente de C.P. Bertels: o “texto

refinado, a demonstração de estilo literário, não acrescenta um átimo

de verdade nem à pesquisa histórica nem a qualquer outra pesquisa

histórica”. O que importa é o conteúdo; a maneira, o estilo com que

este é expresso, é irrelevante. Porém, a partir de Quine e de Goodman,

esta agradável distinção entre forma, ou estilo, e conteúdo não pode

mais ser considerada como dada. A argumentação destes pode ser

resumida da seguinte forma: se vários historiadores debruçam-se sobre

vários aspectos do mesmo objeto de pesquisa, as subsequentes

diferenças de conteúdo podem ser descritas como diferenças de estilo

ao tratar-se desse objeto de pesquisa. “O que é dito (...) pode ser uma

maneira de falar sobre outra coisa; por exemplo, escrever sobre as

batalhas renascentistas ou sobre as artes renascentistas são maneiras

diferentes de falar sobre a Renascença”. Ou, nas palavras de Gay,

“maneira”, estilo, implica também uma decisão quanto ao conteúdo,

“material”. E quando se pode distinguir entre estilo e conteúdo,

podemos até mesmo atribuir ao estilo prioridade sobre o conteúdo,

pois graças ao fato dos pontos de vista historiográficos serem

incomensuráveis – isto é, que a natureza das diferenças de opinião em

história não podem ser satisfatoriamente definidas em termos de

objetos de estudo – nada podemos fazer além de concentrarmo-nos no

estilo incorporado a cada ponto de vista histórico ou olhar sobre o

passado, se quisermos garantir um progresso significativo do debate

na História. O estilo, se não o conteúdo, é o tema de tais debates. O

conteúdo é derivado do estilo (ANKERSMIT, 2001, p. 122).

Portanto, podemos perceber que na pós-modernidade, o estilo ou amplamente

falando, os aspectos da linguagem, ganham nova importância. A partir do momento, em

que se passou a entender o ofício do historiador como uma construção de

discursividades, a linguagem ganhou um destaque especial, pois se passou a entendê-la

como uma ferramenta do trabalho historiográfico. Sendo assim, o historiador deveria

estar consciente de que ele não consegueria produzir conhecimentos que ultrapassassem

esses limites.

Diante dessas implicações teóricas, a questão do estilo e da narrativa são

elementos que preocupam o historiador, ainda que marginalmente na

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30

contemporaneidade13

. Muitos, ainda, não compreenderam que a narrativa e o estilo

revelam a teoria, o uso e a episteme que se tem da história. Nesse aspecto negligenciado

pelos modernos, podemos observar qual a resposta à pergunta “o que é história?”, que o

historiador nos oferece. Até então, a modernidade, como vimos com Ankersmit, pensou

o estilo e a narrativa como fenômenos „naturais‟, no sentido de que não cabe ao

historiador se preocupar com estes assuntos.

Dentre as várias acepções da palavra estilo, trata-se aqui do estilo literário: “o

manejo das frases, o emprego de recursos retóricos, o ritmo da narração” (GAY, 1990,

p.21). O estilo é a forma, uma espécie de moldura que torna a aridez científica sedutora,

entretanto, o estilo não é ornamento. O estilo representa na discursividade uma

aplicação da retórica ao objeto estudado. Não se trata, diz Gay, de aplicar modelos

narrativos ao objeto tratado. O estilo não é a roupagem do pensamento, mas sim a parte

fundamental dele. O estilo é forma e conteúdo. O estilo molda e é moldado pelo

conteúdo14

.

Ainda, para Peter Gay, o problema da verdade é o que distingue a literatura

ficcional da pesquisa histórica. Se a verdade é a meta para esta última, o espaço de

liberdade é muito maior na ficção. O estilo na narrativa histórica é a expressão do

esforço em proporcionar prazer sem comprometer a verdade, conclui Gay.

Como vimos com Ankersmit, o debate se dá, segundo Gay, entre os “defensores

da beleza com verdade e os defensores da verdade sem beleza” (GAY, 1990, p.69). O

que nos coloca no interior de um estreitíssimo dilema, sem maiores escolhas, ou se é

moderno ou se é moderno. A questão aqui é, ou se é moderno com estilo ou sem estilo.

“A história é uma arte durante boa parte do tempo”, afirma o historiador alemão ou,

dizem os pós-modernos, a história é arte em tempo integral, só que uma péssima arte

quando se narra sem ter consciência de ser artista.

Por isso, quando olhamos Zaratustra, vemos que ele está totalmente consciente

desses aspectos. A maneira pela qual Zaratustra se utiliza da linguagem para expor seu

13

Diz-se, marginalmente, visto que, muitos são aqueles que ainda tomam a narrativa como um elemento

dado, oferecido ao historiador de fora para dentro, como se ela ainda fosse objeto de reflexão circunscrito

às outras disciplinas, cabendo ao historiador tomá-la como fenômeno dado e aplicá-la ao discurso

histórico. Boa parte das ferramentas que dispomos para realizar esta abordagem historiográfica utiliza-se

de elementos da filosofia da linguagem, da literatura ou da psicologia. 14

É claro que, ainda que Peter Gay reconheça a importância do problema do estilo, ele trata a questão a

partir do tronco historiográfico que designamos de moderno. Na perspectiva pós-moderna, se a narrativa

histórica não é capaz de transcender a linguagem – ir além dela – e, desta forma, traduzir o mundo, o

estilo deixa de ser a metade do problema, para tornar-se todo o problema.

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pensamento é determinante para o entendimento da sua proposta. A linguagem mito-

poética de Zaratustra não é um simples requinte estilístico, visto que, sua aplicação é

parte constituinte de um pensamento que só pode ser expresso dessa maneira. Sendo

assim, há um momento no início da segunda parte, no qual após um sonho, Zaratustra

toma consciência da importância da linguagem para o seu pensamento.

No capítulo “O menino com o espelho”, Zaratustra retorna à sua caverna depois

de ter discursado pela cidade, na praça pública para todo o tipo de gente, “como o

semeador que lançou a semente” (NIETZSCHE, 1998, p. 97). Nietzsche cria uma cena,

na qual Zaratustra, indo para a solidão da sua montanha tem um sonho e se espanta. Ele

teria sonhado com um menino que se aproxima portando um espelho. “Ó Zaratustra –

falou-me o menino – olha-te no espelho!” (NIETZSCHE, 1998, 97).

Nesse trecho aparecem dois elementos fundamentais para a simbologia de

Zaratustra: o menino e o espelho. O menino é a última fase do projeto nietzscheano. Ele

é capaz de criar para si novos valores e portar uma inocência dotada de leveza e

suportabilidade diante da vida. O espelho é o símbolo de um pensamento, no qual a

reflexão sobre si mesmo, o ato de voltar os olhos para o seu interior, o olhar-se de

frente, o pensar contra si mesmo são fundamentais. Por isso, até mesmo Zaratustra é

provocado a olhar para suas debilidades e ao fazer isso, sentiu-se incomodado. Quando

lançou seu olhar ao espelho, Zaratustra ficou assombrado, pois não encontrou o reflexo

de seu rosto, mas a imagem de um demônio. Depois de acordar e se levantar, ele põe-se

a pensar no sonho que teve e fala sobre a preocupação em estabelecer uma nova

linguagem que expresse seu pensamento:

“Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga: como todos

os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu

espírito, caminhar com solas gastas. Lento demais, para mim,

correm todos os discursos: vou pular para o teu carro, furacão! E,

mesmo a ti, quero fustigar-te com a minha maldade”

(NIETZSCHE, 1998, p. 98).

Na busca pela singularidade, Zaratustra segue novos caminhos. Ao fazer isso,

tem uma nova fala como força motriz de seu pensamento. Ele já está cansado das velhas

línguas, portanto, é preciso criar para si uma nova linguagem. É para o furacão que

Zaratustra quer partir, pois não lhe apraz mais a calmaria confiante do discurso racional.

Mas por que essa preocupação com a linguagem que tanto assustou Zaratustra se dá no

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sonho? Ora, pois se a intenção de Nietzsche é fugir das formas gastas do sistema

racional, o espaço do sonho oferece possibilidades infinitas, não mensuráveis, fora das

balizas temporais e espaciais, capazes de apreender um pensamento não sistemático.

Na terceira parte, no capítulo “O convalescente”, Zaratustra dialoga com seus

animais e aborda novamente essa questão da linguagem. Esse capítulo é dividido em

dois momentos. No primeiro, Zaratustra se levante e profere um discurso invocando seu

pensamento e no segundo momento, põe-se a dialogar com seus animais. Este diálogo

acontece no sétimo dia que Zaratustra se encontrava por ali:

Não fales mais, tornaram a responder-lhe seus animais; é

melhor, convalescente, que prepares, primeiro, uma lira para ti,

uma nova lira!

Porque, vê, Zaratustra! Para os teus novos cantos, precisas de

novas liras.

Canta e transborda, ó Zaratustra, cura a tua alma com novos

cantos; para que possas carregar com teu grande destino, que

ainda não foi destino de nenhum ser humano! (NIETZSCHE,

2006, p. 262).

O conhecimento adquirido por Zaratustra estava transbordando, mas a emissão

desse conhecimento não poderia se efetivar nas “solas gastas” da linguagem tradicional.

Ou seja, para expressar novas formas de pensamento, é preciso criar para si novas

formas de linguagem. No início de “O convalescente”, Zaratustra encontrava-se deitado

em sua caverna. Ao levantar-se certa manhã, põe-se a invocar seu pensamento e

reportou novamente para a importância que a linguagem tem na sua expressão:

Ó meus animais, respondeu Zaratustra, continuai a tagarelar

assim e deixai que vos escute. Traz-me tamanho conforto,

ouvir-vos tagarelar; onde se tagarela, já o mundo é ali, para

mim, como um jardim.

Como é agradável que existam palavras e sons; não são,

palavras e sons, arco-íris e falsas pontes entre coisas

eternamente separadas?

Toda alma tem o seu mundo, diferente dos outros; para toda

alma, qualquer outra alma é transmundo.

É entre as mais semelhantes que mente melhor a aparência; pois

a brecha menor é a mais difícil de se transpor.

Para mim – como haveria algo exterior a mim? Não existe o

exterior! Mas esquecemos isto a cada palavra; como é

agradável que o esqueçamos!

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Não foram as coisas presenteadas com nomes e sons, para que o

homem se recreie com elas? Falar é uma bela doidice: com ela

o homem dança sobre todas as coisas (NIETZSCHE, 2006, p.

259).

Diante da transitoriedade dos elementos que compõe a realidade, as palavras não

passam de simples simulacros criados pelo homem que tentam singularizar a

diversidade inapreensível da realidade. Em sentido metafórico, Nietzsche compara as

palavras e os sons com os arco-íris, pois por mais reais que eles possam parecer para os

olhos, não passam de reflexos. Portanto, eles são falsas pontes entre o real e aquilo que

se pode apreender dele. Por isso, para ele, as palavras e sons não passam de tagarelices e

doidices. Palavras e realidade são coisas separadas na epistemologia de Nietzsche.

Mesmo assim, isso traz conforto aos homens, pois ao esquecerem essa divisão entre

palavra e realidade, constroem um sentimento de aprensibilidade da realidade. Partindo

das mesmas concepções nietzscheanas, Ankersmit salienta:

No olhar pós-moderno, o foco não está mais no passado em si, mas na

incongruência entre passado e presente, entre a linguagem que usamos

para falar do passado e o passado em si (ANKERSMIT, 2001, p. 132).

Desse modo, com relação à produção da verdade e do uso da linguagem, é desse

terreno que a pós-modernidade construiu suas perpectivas15

. Deve-se salientar que esta

mesma separação entre linguagem e passado deve ser aplicada entre o real e a

linguagem. Parte-se do pressuposto que em um dado momento – do qual não se

consegue precisar – algo que hoje se supõe que seja o real, passou a existir. Não se

pretende com este trabalho marcar tal ponto16

. A debilidade desta pretensiosa suposição

15

Destacamos a expressão “passado em si” utilizada por Ankersmit. Entendemos que ela, neste contexto,

foi utilizada tomando o passado como um pressuposto. Do mesmo modo, em O princípio de crueldade,

Clement Rosset se refere ao real quando diz que ele é vivenciado, mas não pode ser conhecido. Quando

Keith Jenkins, em A História Repensada, faz uso dos termos “mundo”, “real” ou “passado” encontramos

a mesma concepção metodológica. Portanto, entendemos que Ankersmit afirmou que o passado foi

experimentado, mas não pode ser conhecido, o que justifica a incongruência entre o uso que fazemos da

linguagem ao referirmo-nos ao passado e o que foi vivido no passado. 16

“A idéia de origem como lugar do eterno, do atemporal, do incondicional, valoração metafísica

sustentada pela crença em um princípio ordenador, pressupõe a origem como lugar da verdade. (...) a

crença de que a verdade se encontra na origem, e de que a partir da busca da origem podemos atingir a

verdade, está fundada na tradição religiosa” (MOSÈ, 2005, p. 31).

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tenta abrigar toda realidade objetiva em uma unidade discursiva afirmando: “Isto é o

real”.

Não há como provar a existência do que se entende como real. A existência

objetiva do real é pressuposta pela racionalidade do homem. O real não se dá a

conhecer17

. A tentativa de apreender o passado pelo conhecimento denota um ato de

violência, visto que, ao tentar conhecer o real, produz-se um efeito ou uma ilusão

daquilo que ele já não é mais. A experiência vivida é uma incessante ruptura, na medida

em que o real é inapreensível. Experimenta-se o real e não o conhece. A única via de

acesso que o homem possui para conhecer o real é a linguagem, mas ao construir uma

cadeia lógica de sinais que tentam se referir ao real, nesse dado momento, ele não se faz

mais presente. É por ser inapreensível que o real é um pressuposto. Este pressuposto só

é possível pela construção da linguagem. Colaborando com esta interpretação, Clément

Rosset salienta:

Considerar unicamente a realidade equivaleria portanto a examinar um

avesso de que se ignorará sempre o direito, ou um duplo de que se

ignorará sempre o original do qual é cópia. De tal modo que a filosofia

tropeça habitualmente no real, não em razão de sua inesgotável

riqueza, mas, ao contrário, de sua pobreza em razões de ser que faz da

realidade uma matéria ao mesmo tempo ampla demais e escassa

demais: demasiado ampla para ser percorrida, demasiado escassa para

ser compreendida. Com efeito, não há nada no real, por mais infinito e

incognoscível que ele seja, que possa contribuir para a sua própria

inteligibilidade (...) (ROSSET, 2002, p. 14).

Deve-se pontuar a distância desta interpretação para com o racionalismo

cartesiano. Na concepção epistemológica deste trabalho, todo conhecimento é

produzido por níveis de linguagem e, diferentemente do método cartesiano, não há a

possibilidade de se atingir a verdade ou a essência das coisas, mas construir uma

linguagem sobre elas, sem, contudo, acreditar que esta linguagem produzida mantém

laços de fidelidade com a realidade.

Contribuindo com o mesmo viés interpretativo, Nietzsche chama a atenção, em

seu texto Sobre Verdade e Mentira no sentido extra-moral, para a distância em que a

17

“Em outras palavras, e repetindo: a realidade, se ultrapassa a faculdade humana de compreensão, tem

como outro e principal apanágio „exceder‟, e isto em todos os sentidos do termo, a faculdade humana de

tolerância” (ROSSET, 2002, p. 20).

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linguagem se encontra do real. Há o mundo, ou seja, o real. A primeira apreensão que se

tem do real é feita pelos sentidos. Neste momento, é possível perceber que algo existe,

mas implica em um equívoco pensar que aquilo que está sendo sentido mantém uma

equidade com o objeto apreendido. Essa é a primeira distância que se tem do real. A

imagem criada pelo sentido marca a segunda distância do real. Essa imagem colabora

para a construção de um som emitido pelo homem. Esse som primário pode ser o efeito

de uma infinidade de sensações que o homem faz da apreensão imagética do real. Com

a união de fragmentos sonoros o homem é capaz de formar uma palavra que indique

algo existente no real. Esse momento é marcado por uma abstração muito grande, pois

aqui, o homem é capaz de criar um som que é produzido fisicamente, e marcar uma

relação do que foi produzido com o que é percebido. Ao fazer isso, o homem dá seu

último passo ao pressuposto da existência do real: ele une um universo de palavras que

dispostas logicamente definem – no nível da linguagem – conceitualmente, algo que se

tenta compreender. A palavra indica o que é único e o conceito indica o que é geral. O

conceito constitui, portanto, a igualação do não igual, pois não há na natureza nenhuma

forma que se repita. O processo da formação de um conceito deve aparar, legislar,

tornar homogêneo e, por fim, abolir a multiplicidade das diferenças, tornando uno o

próprio conceito. Em termos nietzscheanos, pode-se afirmar que o conceito é sempre a

vontade de igualarmos aquilo que não é igual.

Deve-se marcar, por conseguinte, que há uma distância entre aquilo que se

pensa, que se define e que se compreende, para com aquilo que se pressupõe existir.

Pensar a apreensibilidade objetiva do real através da linguagem é um mero consenso.

No entanto, não se afirma em nenhum momento, a não existência do real, mas a

condição de não conhecê-lo18

. Para marcar tal posicionamento Nietzsche salienta:

Em todo caso, portanto, não é logicamente que ocorre a gênese da

linguagem, e o material inteiro, no qual e com o qual mais tarde o

homem da verdade, o pesquisador, o filósofo, trabalha e constrói,

provém, se não de Cucolândia das Nuvens, em todo caso não da

essência das coisas (NIETZSCHE, 1978, p. 48).

18

“Não que sejam impertinentes; pois é inegável que a realidade, não podendo ser explicada por ela

mesma, é de certo modo para sempre ininteligível – mas ser ininteligível não equivale a ser irreal (...)”

(ROSSET, 2002, p. 16).

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O que caracteriza a relação entre o real e o conhecimento é a distância. Estes

movimentos contemporâneos estão conectados com o pensamento antinatural.

Nietzsche está preocupado em romper os laços de relação do homem com a natureza.

Não há uma natureza dada e nem um homem capaz de decifrar estes dados. Entendendo

que o conhecimento é uma invenção, na perspectiva de Nietzsche, não se é capaz de

produzir verdades com o discurso historiográfico, logo não se narra aquilo que

aconteceu, pois ao narrar algo, marca-se a ausência do ocorrido. É parte integrante do

conhecimento adequar, deformar, ajustar o objeto. Por isso, as fontes documentais não

são um ato de conhecimento do passado, pois já o deformaram. No entanto, o sentido do

conhecimento é dado pelo acordo social, pelo consenso, pela convenção social. A

linguagem produzida não modifica o real, o passado ou a natureza, simplesmente cria

novos valores, novas interpretações atribuídas a ele.

Assim, atribuir legitimidade ao discurso produzido pela história, como a

historiografia moderna faz, intensifica o que Platão quis evitar: acreditar que a

representação que o conceito faz do real corresponde àquilo que ele é. Desse modo, o

discurso científico do século XIX opõe-se a poética artística, a qual priorizando o

múltiplo dá a possibilidade multidirecional. Entretanto, para Nietzsche, tanto a

linguagem poética quanto à científica, são linguagens. Se for linguagem, é social, logo,

foi construída. Posto isto, deve estar consciente de seus limites.

Mas as divergências dos dois grandes troncos historiográficos não param por

aqui. Além das divergências nos usos em que se pode fazer da verdade e da linguagem,

há também o problema da transcendência do método de avaliação. Ela pode ser definida

como a adoção de parâmetros avaliativos que transcendem os elementos enunciados e

desenvolvidos pelo trabalho avaliado.

Talvez, a divergência dessa proposição seja a mais usada pelos modernos para

criticar os pós-modernos, visto que, num debate ela pode funcionar como uma

ferramenta eficaz quando se deseja desqualificar o lado oposto. O problema se dá no

momento em que, partindo de parâmetros adotados pelos modernos, passa-se a exigir

dos pós-modernos os mesmos procedimentos. Isso pode acontecer com relação aos

objetos selecionados, ao tipo de linguagem utilizada e à relação do historiador com seu

objeto.

O problema suscitado por tal divergência é que ao avaliarem um trabalho, os

modernos não consideram os elementos implícitos nas pesquisas, mas passam a exigir

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elementos e comportamentos por parte do historiador que não são encontrados na

pesquisa. Desse modo, o moderno parte de uma estrutura de avaliação que antecede o

objeto e a pesquisa. Mesmo que se mude de objeto, as exigências modernas mostram-se

pouco flexíveis e quando não encontram as respostas almejadas, passam a avaliar com

estranheza o que não lhe é igual19

.

Dessa proposição nascem questionamentos e objeções modernas do tipo: “mas

por que seu trabalho não abordou tal aspecto do objeto?”, “por que não realizou tal

recorte temporal?”, “era melhor ter feito isso...”, “sua linguagem não está condizente

com as normas do canone”, “é preciso ser imparcial”, “seja politicamente correto”.

Os pós-modernos refutam essas objeções afirmando ser necessário, ao avaliar

um trabalho, considerar as intenções enunciadas por ele. Não é possível que um trabalho

esgote todas as possibilidades de um objeto, sendo assim, que ele seja, então, avaliado

pelos caminhos que ele mesmo indicou. Os critérios da avaliação estão dados no

trabalho, que lança uma proposta e deseja percorrê-la. Partindo das próprias premissas

contidas no trabalho é que se pode ter uma referência para saber se o trabalho obteve

êxito ou fracasso. Quando se considera essas intenções enunciadas, os caminhos

indicados e as premissas desenvolvidas ao avaliar um trabalho, praticamos o que a pós-

modernidade chama de imanência do método avaliativo.

Contudo, se a perspectiva moderna for adotada, abre-se a possibilidade de se

realizar exigências externas à pesquisa, portanto, deve-se ter consciência que no

contexto da historiografia contemporânea torna-se impossível saciar o apetite de um

avaliador moderno, pois a qualquer momento ele poderá exigir a incorporação de novos

elementos a uma pesquisa. Sobre esse problema, Ankersmit teceu uma consideração

extremamente relevante:

Meu ponto de partida neste artigo é a atual superprodução dentro de

nossa disciplina. Estamos familiarizados com a idéia de que, dentro de

qualquer área de historiografia que possamos imaginar, em qualquer

especialização, uma quantidade superabundante de artigos e livros é

produzida anualmente, tornado conhecê-los todos tarefa impossível.

Isto é válido até mesmo para as diferentes áreas dentro de uma só

especialização. A título de ilustração, darei um exemplo na área de

19

Chamo a atenção deste parágrafo, pois ele contém um elemento fundamental para se compreender a

avaliação realizada no texto “Da circularidade à linearidade revolucionária: o cretino intelectual”.

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teoria política, com a qual sou bem familiarizado. Quem quisesse

adentrar a filosofia política de Hobbes, uns vinte anos atrás, precisava

apenas de dois comentários importantes sobre sua obra: os estudos de

Watkins e de Warrender. É claro que havia outras obras, mas após a

leitura destes dois livros poder-se-ia estar razoavelmente bem

“situado”. Porém, qualquer um que, em 1989, tenha a coragem de

tentar dizer algo significativo a respeito de Hobbes terá de ter lido

uma pilha de vinte a vinte cinco estudos tão cuidadosamente escritos

quanto abrangentes; lhes pouparei enumerá-los. Ainda mais, estes

estudos são via de regra de tão alta qualidade que não podemos nos

dar ao luxo de não lê-los (ANKERSMIT, 2001, p. 113).

Ou seja, se se considerar válido a transcendência do método de avaliação,

sempre poderá existir uma cobrança acerca do trabalho, afirmando que ele não

contemplou tal ou qual aspecto do objeto. Poderá dizer que o trabalho pecou por não

contemplar algum comentador que o avaliador pensa ser interessante e que, muitas

vezes, pode realmente contribuir para o desenvolvimento da análise em questão. Desse

modo, não se questiona a validade das grandes quantidades de pesquisas realizadas pela

história. Entretanto, faz-se necessário apontar que exigir de um trabalho que ele esteja

conectado com este vasto campo interpretativo ou depreciá-lo por não conter algum

comentador que se considera relevante, pode, na atual circunstância de produção

intelectual, inviabilizar qualquer prática historiográfica. Para fomentar ainda mais o

debate sobre o que dissemos, salientamos mais um trecho de Ankersmit:

A questão crucial agora é que atitude tomar quanto a essa

superprodução de literatura histórica que está se espalhando qual um

câncer por todas as suas áreas. O desejo reacionário pelo comportado

ambiente da história de cinquanta anos atrás é tão sem sentido quanto

uma resignação desalentada. Temos de compreender que não há

retorno. Já foi calculado que hoje em dia há mais historiadores

debruçados sobre o passado do que a quantidade total de historiadores

desde Heródoto até 1960. Não é preciso dizer que é impossível proibir

todos esses estudiosos de hoje em dia de produzir novos livros e

artigos. Tampouco ajudam reclamações sobre a perda de um elo direto

com o passado. Porém, o que realmente ajuda e tem sentido é

definirmos um novo e diferente elo com o passado, baseado em um

reconhecimento total e honesto da posição em que nos encontramos

com historiadores (ANKERSMIT, 2001, p. 115).

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Se concordarmos com as considerações feitas por Ankersmit ao realizar uma

descrição do cenário atual da produção historiográfica, entendemos que se faz

necessário responder uma questão: qual postura adotar diante desse novo quadro que se

formou na historiografia contemporânea em que se tornou impossível a assimilação da

gigantesca quantidade de pesquisas historiográficas? A historiografia pós-moderna

apresenta uma proposta: avaliar o trabalho por aquilo que ele indica, adotando a

imanência do método de avaliação. Junto dessa resposta, a pos-modernidade também

aponta para um fato: se ela não for adotada, em qualquer relação entre avaliador e

avaliado, ocorrerá uma desigualdade, pois, ao não adotar como referência avaliativa as

premissas que o trabalho desejou desenvolver, o avaliador contará com a possibilidade

de exigir elementos externos às propostas a que o trabalho se dedicou. No entanto,

como vimos com Ankersmit, tornou-se impossível a assimilição do que se produz pela

historiografia. Desse modo, o avaliador sempre poderá desqualificar um trabalho

exigindo algo que ele não possui. O avaliado sempre estará em desvantagem, pois está,

como qualquer outro historiador, incapaz de assimilar toda produção, mas poderá,

dependendo dos caprichos do avaliador, ter de responder por ela e não por aquilo que

desejou desenvolver.

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PERTURBAR E IRRITAR

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Uma das coisas que mais irritava Luis Coelho na Universidade de Gulag era o

atraso no inicío das aulas do mestrado. Sem sucesso, comentava com os demais alunos a

necessidade de realizarem uma reclamação mais contundente para resolver esse

problema. Era comum, antes das aulas, escutá-lo no corredor dizendo: “Estamos

atrasados, pessoal, vamos lá”! Essa irritação, talvez, era fomentada pelo cuidado que

tinha com o relógio de bolso que herdou do avô. Era um modelo antigo, mas de

mecânica intacta. A todo o momento ele consultava o velho relógio.

Sabíamos desta preocupação de Luis Coelho com atrasos, portanto, no dia da

entrevista, procurei chegar no horário combinado. Encontramo-nos num bar perto da

sua residência. Perguntei se poderia gravar nossa conversa. Ele pensou um pouco, deu

uma pequena risada e disse que não haveria problema. Depois dessa resposta afirmativa,

não poderia imaginar o que aconteceria no final da entrevista.

Apesar de parecer um pouco irritado ao falar do caso ocorrido na Universidade

de Gulag, ele se mostrou um sujeito bem humorado. Fez alguns trocadilhos com o meu

sobrenome e, em alguns momentos, debochou da professora Alice, da Universidade de

Gulag e dos colegas do mestrado. Porém, ao falar do doutor Kirk, a situação era

diferente:

Ele soube respeitar as decisões que tomei, aliás, me apoiava em

tudo, mesmo quando parecia loucura abandonar o mestrado, ele

estava do meu lado (Apontamentos).

Quando disse a ele que seu caso nos interessava e que talvez pudesse ser objeto

da minha dissertação de mestrado ele pôs-se a rir. Ele não via mais importância nesse

caso e procurava deixar claro que não queria mais saber da academia. Mesmo assim,

forneceu toda documentação que possuía e nos desejou boa sorte. Quando dávamos os

cumprimentos de despedida, ele pediu para ver meu gravador usado na entrevista. Ao

tomá-lo em suas mãos, arremessou-o violentamente para o lado de fora do bar em que

estávamos. Não disse mais nenhuma palavra e saiu rindo. Fui correndo até a rua para

avaliar a situação do aparelho. Estava todo danificado. Do que conversamos na

entrevista, restaram apenas meus apontamentos desordenados numa folha de papel.

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Contudo, mesmo diante desta hostilidade, somos gratos, pois é com a

autorização de Luis Coelho que apresentamos seu texto20

.

§

Da circularidade à linearidade revolucionária: o cretino intelectual21

20

Que o leitor não se assuste com a estratégia discursiva empregada no texto que segue, “Da circularidade

à linearidade revolucionária: o cretino intelectual”. Ainda que Luis Coelho não tenha consciência disso, a

estratégia discursiva por ele adotada colocava uma perspectiva historiográfica moderna diante do espelho.

Tal qual o menino que, no Assim falou Zaratustra, aparece no sonho do protagonista apresentando-lhe um

espelho, também seu discurso poderia ter esse efeito, permitir que a linguagem se refletisse sobre si

mesma. Opondo a lógica de uma verdade à lógica de seu oposto, permitindo assim, que uma dada vontade

de verdade se espantasse consigo mesma.

21 Este artigo é dedicado ao mestre Olavo de Carvalho.

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QUANDO PENSAR SE TORNA UM DELITO

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Transcrevemos na íntegra o texto apresentado por Luis Coelho para a disciplina

“Campos de concentração da Linguagem”. Para este trabalho foi atribuído a nota 40, o

que acarretou na reprovação do aluno na disciplina. Ao ser informado de sua nota, ele

procurou tomar todas as medidas cabíveis pelos regulamentos da Universidade de

Gulag, visto que, não concordava com a avaliação que lhe foi conferida. O primeiro

passo dado foi o pedido de vista de prova. Neste procedimento, o professor responsável

pela disciplina e o aluno marcam um encontro formalizado em que o professor entrega a

prova corrigida para o aluno e tece suas considerações acerca da nota que lhe foi

conferida. Logo após a explanação do professor o aluno pode se manisfestar.

Luis Coelho nos disse que como o pedido de vista de prova era um

procedimento inédito no Mestrado em História, contou-se com a participação de outros

professores do departamento, a fim de garantir a integridade legal para as partes

envolvidas. Mesmo com o pedido de vista de prova, a professora Alice manteve-se

irredutível quanto a alteração da nota. Apesar de Luis Coelho não obter êxito neste

procedimento e abandonar o caso para buscar outro tipo de formação fora da academia,

nós entendemos que ele foi fundamental para a constituição de alguns problemas

centrais do debate modernidade/pós-modernidade, pois como veremos, naquele

episódio, a professora Alice conseguiu expressar com mais desenvoltura os critérios que

utilizou para realizar a correção do texto do aluno.

Se por um lado, a professora Alice não estava aberta ao diálogo e não

demonstrava interesse pelo debate, por outro, Luis Coelho, apoiado pelo doutor Kirk,

não via mais razão para prosseguir esse debate. O confronto entre as diferenças, de uma

perspectiva moderna com uma pós-moderna, eram muito visíveis nesse caso. Havia um

choque de duas forças contrárias. Por isso, foi importante que no primeiro capítulo nós

expuséssemos aqueles referenciais teóricos para que pudéssemos compreender melhor

quais são os desdobramentos historiográficos neste último capítulo.

Desse modo, neste momento, analisaremos a correção e o parecer sobre a

avaliação feito pela professora Alice, tecendo algumas considerações sobre os embates

historiográficos que são encontrados ali.

Gostaríamos de salientar que este caso possuiu a discussão de um ponto muito

importante no ambiente acadêmico: a liberdade de pensamento22

. Não queremos, ao

22

Com a perda da liberdade de pensamento caímos necessariamente numa espécie de criminalização do

pensamento. Quando o pensamento não segue o convencional, não se submete ao poder do cânone ou

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analisar o caso, que se concorde com as premissas apresentadas pelo aluno no texto “Da

circularidade à linearidade revolucionária: o cretino intelectual”. Contudo, entendemos

que o espaço acadêmico deve garantir as condições necessárias para que um aluno

apresente suas interpretações históricas sem ser penalizado pelo fato do cânone não

endossar seu discurso. Não se trata de concordar ou discordar de Luis Coelho, mas sim

de permitir que ele construa suas perspectivas e não seja excluído por isso.

Sendo assim, após realizar a correção do texto, a professora Alice enviou um e-

mail ao doutor Kirk comunicando-o da reprovação de seu orientando. Quanto a isto,

também não vemos nenhum problema, pois a reprovação de um aluno numa disciplina é

um procedimento cabível num espaço acadêmico. No entanto, em um dado momento do

e-mail, a professora Alice diz:

(Anexo III).

Ao dizer isso, podemos observar que a professora Alice justificou a reprovação

do aluno, pois não concordava com o que ele “anda escrevendo” e sugeria uma

mudança em seus “rumos acadêmicos”. Diante disso, concluímos que na perspectiva da

professora Alice, Luis Coelho foi reprovado por cometer um crime de pensamento. Ao

produzir determinados discursos e adotar determinados rumos acadêmicos, a professora

entendia ser pertinente reprovar o aluno, pois ele não estava apto a cumprir os créditos

da disciplina “Campos de concentração da linguagem”. Mais uma vez, não se trata de

aprovar ou reprovar o aluno, mas de entender que ele foi avaliado e reprovado por

defender posicionamentos com os quais a professora discordava.

Diante disso, a pós-modernidade lança duras críticas ao pensamento moderno,

visto que, ele não admite a convivência das divergência. Trata-se, portanto, de sugerir

aos modernos uma mudança epistemológica em que se torna possível a presença, ainda

que incômoda, da diferença. Se isto não ocorre, partimos do pressuposto de que para

toda pergunta legítima só pode existir uma única resposta verdadeira. Essa é uma

característica marcante, uma divisa muito antiga, segundo Isaiah Berlin (1995), de nossa

modernidade. Nesta lógica, se eu tenho a posse da resposta verdadeira e outra pessoa

busca encontrar nele mesmo seus próprios referenciais há uma tendência moderna para a exclusão. O caso

de Luis Coelho permite pensar esta questão, por isso, oferecemos a perspectiva pós-moderna como uma

possibilidade de resposta ao problema.

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tem uma resposta diferente da minha, concluo que a resposta deste outro é falsa. Este

princípio, ainda de acordo com Berlin, funda as mais variadas formas de campos de

exclusão - gulags, auschwitz, manicômios e guerras. Ao não se concordar com o que foi

dito por Luis Coelho, achou-se melhor excluir sua forma de discursividade.

Se é possível imaginar que a linguagem é capaz de expressar meu mundo

consciente e também limitá-lo - podemos compreender que a morte induzida, em

particular, a humana – é, antes de qualquer outra dimensão, um problema da linguagem.

As palavras, ou melhor, os signos linguísticos organizados numa estrutura semântica,

produzem vítimas, excluídos, terror, ressentimento e ódio. É na minha cultura que se

processa as primeiras vítimas da linguagem: há vidas decentes ou indecentes, gloriosas

ou perdidas, progressistas ou reacionárias, de direita ou de esquerda, há rumos certos ou

rumos errados. Mas, o que me permite passar da fórmula linguística „e‟ para o uso do

„ou‟? Exemplificando, „ou eu ou você‟? Entendemos que o que permite essa mudança é

a crença na verdade. É isso que funda a intolerância discursiva de minha visão de

mundo, que, paulatinamente, deixa de ser minha e passa a ser nossa.

É este fenômeno, é este trabalho de reconfiguração de mundo, é esta nova

cartografia do mundo, por meio da linguagem, que se processou na passagem do mundo

antigo para o moderno. É dessa história, dos antigos trágicos aos pós-modernos que

somos os testemunhos contemporâneos.

E aqui, em particular, estamos diante desta ordem de fenômenos – numa escala

molecular -, uma visão de mundo reprova outra. Afirmo, „eu estou certo‟, como no meu

mundo „se um está certo, o outro só pode estar errado‟, então, o pensamento que não é o

meu está reprovado, ele cometeu um „delito‟ de pensamento. Acreditamos que se a

linguagem se torna mais arejada, se oxigena, se vitaliza, também as relações humanas

podem ampliar e expandir seus territórios de convivência23

.

Uma consideração muito importante feita por Keith Jenkins em A história

repensada, aborda justamente um problema central no caso da reprovação da disciplina:

Meu argumento é diferente. Para mim, o que em última análise

determina a interpretação está para além do método e das provas –

está na ideologia. (...) O fato de que a história propriamente dita seja

um constructo ideológico significa que ela está sendo constantemente

23

Trata-se daquilo que Viviane Mosè chamou de „grande política da linguagem‟.

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retrabalhada e reordenada por todos aqueles que, em diferentes graus,

são afetados pelas relações de poder – pois os dominados, tanto

quanto os dominantes, têm suas próprias versões do passado para

legitimar suas respectivas práticas, versões que precisam ser tachadas

de impróprias e assim excluídas de qualquer posição no projeto do

discurso dominante (JENKINS, 2004, p. 36 e 40).

Podemos utilizar essa citação de Jenkins para contribuir como uma via de

argumentação que não compactua com as práticas da professora Alice. Primeiramente,

porque ele parte do pressuposto de que existem divergências ideológicas entre os

diferentes discursos historiográficos. Essas divergências são tão importantes que,

segundo ele, se sobressaem diante do método e das provas. Ou seja, a vontade do

historiador de legitimar seus argumentos é o ponto central nas relações de poder. Para

impor sua vontade de verdade é comum separar, cortar e se opor aos discursos que

divergem do discurso dominante. Nesta perspectiva, a linguagem é capaz de criar

campos de exclusão. O problema surge quando não se tem consciência desta

consideração e passa-se a acreditar que a verdade foi realmente encontrada e que, por

conseguinte, deve-se afastar o que não lhe é igual, pois se trata de uma imperfeição ou

falsidade. Exerce-se, assim, a força do dominante sobre o dominado, como força de

exclusão.

Devemos salientar, portanto, que o caso sob análise carrega um forte embate

entre posições ideológicas diferentes. Ao entender que a história dos movimentos

sociais no Brasil era contada pela via metodológica apreciada pelos militantes

socialistas, o jovem Luis Coelho procurou produzir um texto que dava voz ao

posicionamento conservador. Contudo, mesmo trabalhando em outro território

ideológico, entendemos que a perspectiva do aluno era somente mais uma possibilidade

de interpretação, e que como tal, também desejava se legitimar. Ele não pretendia

dominar o debate, mas colocar alguns pesos no outro lado da balança.

Desse modo, a pós-modernidade não exige da professora Alice uma mudança na

sua prática historiográfica, mas lança uma provocação com o intuito de conscientizá-la

de que: admitir outras formas de discurso é diferente de adotar essas formas de discurso.

Por isso, não queremos que ela adote as práticas discursivas de Luis Coelho, mas que,

simplesmente, não as exclua do terreno das interpretações, a saber, o único possível no

debate historiográfico.

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Sendo assim, não se compactua com a perspectiva do distanciamento do

historiador diante do objeto. Ao contrário, entende-se que cada perspectiva produzida

traz consigo, inevitavelmente, uma ideologia e que ela faz parte de um jogo de forças,

de disputas e diferentes interpretações que formam o debate historiográfico

contemporâneo. Não se deseja eliminar as perspectivas modernas, mas colocá-las no

nível ao qual sempre pertenceram: no terreno das interpretações. Não se trata de colocar

para fora do debate os posicionamentos revolucionários, mas tratá-los, simplesmente,

como jogos de interpretação.

Diante disso, podemos afirmar que o discurso pós-moderno reconhece que está

fundamentado em valores, e chega até a excluir discursos (como por exemplo, os que

buscam na verdade sua legitimidade) e busca dar sentido às suas práticas. A diferença é

que a pós-modernidade tem consciência de que está fundamentada em valores

construídos, e por ter esta consciência é capaz de admitir a existência do diferente. Isto

não quer dizer que ela adota a prática do diferente, mas é capaz de conceber sua

existência24

.

Mesmo assim, esta dança das diferenças apresenta seus descompassos. No

embate de diferentes forças, utiliza-se, muitas vezes, de argumentações contraditórias.

Neste jogo, elas devem ser expostas. Uma delas é a afirmação feita pela professora na

vista de prova. Vejamos o que nos disse Luis Coelho em seu depoimento:

Naquela oportunidade, ela disse não ter levado em consideração,

ao avaliar meu texto, o conteúdo do mesmo (Apontamentos).

Devemos lembrar que ao realizar uma avaliação, necessariamente, o avaliador

também nos apresenta os limites do seu discurso. Sendo assim, a afirmação citada acima

é muito importante, pois no texto que foi dado pela própria professora aos alunos em

sala de aula, no qual estavam expressos os requisitos que deveriam seguir para compor

o texto, não estava explicitado que o conteúdo do que fariam não seria levado em

consideração. Portanto, ao lançar-se na correção dos textos sem levar em consideração o

24

Não se trata, portanto, de exigir que o historiador pós-moderno seja judeu, direitista, cristão, comunista,

islâmico, hindu e ateu ao mesmo tempo, sem poder separar aquilo que lhe convém. Mas trata-se de ter a

consciência que qualquer posicionamento adotado é constituído de escolhas e que outras escolhas também

podem ser feitas.

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conteúdo do que nele estava escrito, realizou uma avaliação externa aos elementos do

debate historiográfico que o aluno estava propondo.

É importante salientarmos que mesmo com todas as inovações do campo

historiográfico pós-moderno, não se descarta a relevância do conteúdo do que se

escreve. Muito pelo contrário, deve-se notar que em muitos matizes do tronco pós-

moderno o conteúdo do discurso é de grande relevância, visto que, é através dele que se

pode analisar se o historiador contemplou as premissas das quais ele se propôs a

desenvolver. Partindo do pressuposto de que a verdade é uma construção, o historiador

limita-se ao terreno das interpretações. Por isso, deveríamos avaliar o discurso

produzido pelo historiador para observar se ele contemplou os objetivos manifestados

no seu trabalho.

Desse modo, os parâmetros avaliativos num tronco pós-moderno são retirados

das próprias propostas que o trabalho procurou abordar, „adotando padrões contingentes

ou implícitos nas atividades bem sucedidas‟, segundo a fórmula de Alan Chalmers.

(CHALMERS, 1994). Como na pós-modernidade não é possível atingir a verdade –

mesmo assim, admiti-se a possibilidade de existir uma vontade de verdade – não há

elementos externos à linguagem do historiador para serem avaliados. Sendo assim, na

pós-modernidade a linguagem ganha destaque, pois se toma como pressuposto que ela é

a ferramenta básica para o ofício do historiador. Logo, desconsiderar o conteúdo do que

se escreve, caracteriza o abandono das propostas contidas no texto para priorizar

parâmetros exteriores a ele. Afinal, se não consideramos o texto na sua imanência, o que

será avaliado?25

Entendemos que o que deve ser avaliado são os limites do discurso, ou seja, ao

construir um enunciado, o historiador deve ter a capaciade de sustentar seu discurso, ou

melhor, deve ter o domínio daquilo que é dito por ele. Devemos salientar que ao mesmo

tempo em que os limites da minha linguagem são avaliados, a linguagem de quem

avalia também se denuncia. Dizemos, os limites da minha linguagem indicam os

confins do humano, seus limites do humano e do humano que a cada qual pertence. Essa

nossa morada, a linguagem na qual acreditávamos nos sentir em território do mais

25

Mesmo considerando estes argumentos pós-modernos poderíamos afirmar: “mas a disciplina e as

práticas da professora Alice são modernas, portanto, ela está coerente com suas convicções”. Reconhece-

se, desde já, a incompatibilidade da modernidade com a pós-modernidade sempre que o que deveria ser

uma vontade de verdade se arvora a própria verdade. O que incomoda neste caso é o fato de excluir um

discurso por possuir caraterísticas diferentes das que agradam o avaliador.

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íntimo conforto, repentinamente nos surpreende. Conhecemos para nos surpreender ou

para, casualmente, surpreender Alice. O que, em certos casos, pode dar no mesmo.

Esse é um problema nevrálgico na historiografia moderna, pois ela adota

padrões avaliativos exteriores ao discurso e abre, assim, a possibilidade de não se

encontrar no trabalho em questão aquilo que se desejava. Quando isso acontece, a

modernidade tende a desabilitar ou desqualificar a produção, pois, nos seus paradigmas,

analisa-se com estranhesa a falta dos elementos que o avaliador deseja encontrar.

Portanto, ao afirmar que o texto foi corrigido desconsiderando o conteúdo desenvolvido,

fica claro que ele foi analisado por parâmetros exteriores ao proposto.

Ao tomar tal atitude em sua correção, algo muito estranho aconteceu, visto que,

para compor o trabalho que deveria ser entregue, foi exigido que usassem no mínimo

três autores que foram trabalhados em sua disciplina26

. Sendo assim, cabe perguntar:

como utilizar esses autores sem levar em consideração o conteúdo do que eles

escreveram e o conteúdo do que escreveriam? Por qual motivo o conteúdo do que se

escreve não pode ser levado em consideração? Ao lermos um livro, artigos de

periódicos, jornais ou revistas, é comum desconsiderarmos o conteúdo do que está

sendo dito?

Já que nas indicações para escrever aquele trabalho e na tradição historiográfica

não é comum produzir um texto sem considerar seu conteúdo, Luis Coelho escreveu seu

texto sem imaginar que seu conteúdo seria insignificante para a avaliação na disciplina.

Ele cometeu o equívoco de produzir um texto em que nele há um conteúdo expresso.

Mesmo assim, a professora, escreveu em seu parecer que ele não atingiu os critérios dos

“moldes acadêmicos” exigidos27

. Possivelmente, Luis Coelho ficaria satisfeito em saber

que tipo de critério acadêmico a professora costuma utilizar, pois desconhecemos no

âmbito acadêmico o desprezo pelo conteúdo dos textos.

A idéia de se ler um trabalho acadêmico e não avaliar seu conteúdo expressa

uma perspectiva epistêmica da mais radical pós-modernidade ou do mais rasteiro

oportunismo. Alan Chalmers indica no seu livro A fabricação da ciência (1994) que

esta é uma das perspectivas da história da ciência contemporânea, identificada, por ele,

numa corrente anarco-epistemológica e cujo maior expoente é Paul Feyerabend em sua

obra Contra o método (1993). Nela, segundo Chalmers, o autor não vê diferenças entre

26

(ANEXO II). 27

(ANEXO II).

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o conhecimento científico, o vodu, a arte, a magia e as crenças religiosas. Não há,

segundo tal perspectiva, como avaliar um trabalho, o que significa anunciar o mais

profundo desprezo pelo que se diz nele, ou seja, pelo seu conteúdo.

Se seguirmos o raciocínio que foi adotado para a correção do texto, podemos

considerar que se se produzisse um texto sobre conteúdos que estivessem

completamente fora do contexto da disciplina, não haveria problema, já que o conteúdo

não foi levado em conta. No texto, Luis Coelho abordou um assunto que ele acredita ser

relevante para a história dos movimentos sociais no Brasil Republicano. Em

depoimento, Luis Coelho disse:

O Foro de São Paulo é, afinal de contas, um grande centro de

debates dos principais movimentos sociais da América Latina

(Apontamentos).

Podemos encontrar isso em algumas passagens do texto de Luis Coelho, nas

quais Lula salientou a importância das conquistas obtidas pelas estratégias traçadas pelo

Foro de São Paulo. Entretanto, Luis Coelho apresentou outras perspectivas e vários

documentos primários, assim chamados, que colaboravam para a composição dos seus

argumentos e das interpretações que construiu sobre o caso.

Ao ler as considerações produzidas pela professora Alice, Luis Coelho, como

um bom moderno que é, se revoltou:

Mas, como? Queria ter escrito muito mais, as vinte páginas

limites eram pouco para dizer o que gostaria de dizer. E agora, a

professora me diz que se eu tivesse escrito uma ou duzentas

páginas, não faria a mínima diferença. Ao ingressar num

programa de mestrado me parecia inconcebível exercer o papel

de reprodutor dos discursos feitos ou de simples resenhista,

atividade pelo qual tenho grande apreço, mas queria construir

meus próprios caminhos, minhas próprias escolhas

historiográficas, queria ir além, o que significa dizer,

constranger os autores canônicos do momento (Apontamentos).

Contudo, a despreocupação da professora com o conteúdo do texto do aluno

parece não ter aparecido desde o início de sua avaliação. Luis Coelho disse:

... claramente, houve uma mudança de estratégia do argumento

dela a partir da vista de prova (Apontamentos).

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Ressaltamos um e-mail (ANEXO III) que foi enviado pela professora Alice ao

orientador, doutor Kirk, no qual afirma:

(ANEXO III).

Ao entregar o texto de Luis Coelho com sua avaliação e o seu parecer, a

professora Alice não entregou também os “critérios estabelecidos” para que doutor Kirk

pudesse lê-lo dentro dos padrões exigidos e, só assim, poderia então fazer uma

avaliação sem levar em consideração o conteúdo do que foi escrito. Como isso não foi

feito, doutor Kirk só poderia ler o texto observando o conteúdo escrito. Como ele

mandaria por escrito suas opiniões se não lhe foram dados os critérios estabelecidos?

Digo isto, porque Alice, ao escrever ao orientador, se dizia preocupada com o futuro

acadêmico, com o que Luis Coelho escreveu e que ele deveria mudar seus rumos

acadêmicos “pouco promissores”. A professora se mostra, portanto, preocupada com o

conteúdo das idéias. Afinal, diante do conteúdo de seu e-mail e do que foi dito por ela

em alto e bom som na vista de prova, segundo Luis Coelho, há uma contradição ou ela

mudou os critérios no transcurso dos dias que se passaram entre a correção do texto, ao

dia da vista de prova.

Devemos lembrar que se o conteúdo do que se produz não tem relevância, os

resultados da pesquisa também não têm. Está nos moldes acadêmicos de algum

pesquisador, excetuando como já dissemos os mais extremados pós-modernistas, não

levar em conta o resultado do que pesquisou? Pois Alice afirmou isto na vista de prova.

Se o desprezo pelo conteúdo é o novo “molde acadêmico”, entendo que Luis Coelho é

um aluno incapaz de produzir um texto que contemple tal exigência.

Salientamos que se a transcendência do método avaliativo é tomada como

premissa, abre-se a possibilidade de incorrer neste tipo de postura, a partir da qual, a

cada momento muda-se de posicionamento conforme a conveniência. Na tentativa de

legitimação dos discursos e nas disputas de poder, a transcendência do método

avaliativo tem a capacidade de desqualificar seu opositor. Adotando tal estratégia, o

avaliador contará com a oportunidade de exigir do trabalho os elementos dos quais ele

não possui.

Partindo dessas indisposições à pós-modernidade, os modernos constroem seus

ataques em várias direções e recorrem a múltiplos argumentos, afirmando: 1- os pós-

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modernos recusam uma dimensão do real; 2- eles creem que o passado é uma ilusão; 3-

são contrários a qualquer método de avaliação do conhecimento. Contudo, ao tomarmos

contato com autores pós-modernos, inclusive intérpretes citados nesta dissertação,

vemos que eles não autorizam semelhantes afirmações28

.

Afirma-se que para os pós-modernos trata-se de uma espécie de vale-tudo no

conhecimento, a tal ponto que os próprios critérios de quantificação utilizados nos

sistemas de avaliação e de controle da produção acadêmica, seriam um desdobramento

do pensamento pós-moderno (WATERS, 2006). Eis a idéia: como não há mais a

possibilidade de avaliar o conhecimento, ele só poderia ser mensurado a partir de

instrumentos não qualitativos, mas sim, quantitativos. Toma-se, desta forma, os pós-

modernos como contrários a qualquer tipo de possibilidade de avaliação, enfim, a

qualquer tipo de diálogo possível em torno da produção do conhecimento. Desta

maneira, os pós-modernos são apresentados como a expressão mais acabada da

“preguiça epistemológica”.

Ao observarmos essa argumentação da “preguiça epistemológica” podemos

notar mais um ataque exagerado, fazendo uso, portanto, das ferramentas da arte retótica

de argumentação. As críticas pós-modernas nascem, em boa parte, da tentativa de

compreender como surge o conhecimento da história, como ela construiu seus métodos

e quais resultados ela busca. Como, ao se obter uma resposta e colocá-la no debate

epistemológico historiográfico, recebe-se a acusação de “preguiça epsitemológica”? O

mínimo que os pós-modernos poderiam fazer seria lançar a pergunta aos modernos:

“como podemos ser acusados de preguiçosos se nossas críticas são resultados

justamente de esforços para compreender a atividade historiográfica? Nosso território de

debate é a epistemologia e ao realizarmos nossas proposições somos acusados de

preguiça?”

Outro problema surge, quando se exige, ao estudar determinado documento, que

se tenha uma base metodológica externa ao documento. Vejamos: se eu conseguisse ler

28

Sabe-se que o esforço de conduzir ao limite o ponto de vista apresentado por um dado pensamento é

uma antiga estratégia da retórica. E, muitas vezes, este é o artifício empregado. Para contribuir com esta

afirmação, trazemos uma citação de Arthur Schopenhauer, na qual fica exposto didaticamente como

proceder desta maneira num debate: “1 (Ampliação indevida) Ampliação. Levar a afirmação do

adversário para além de seus limites naturais, interpretá-la do modo mais geral possível, tomá-la no

sentido mais amplo possível e exagerá-la. Restringir, em contrapartida, a própria afirmação ao sentido

estrito e ao limite mais estreito possíveis. Pois quanto mais geral uma afirmação se torna, tanto mais

ataques se podem dirigir a ela. O antídoto é a exposição precisa dos puncti (os pontos que se debatem ou

status controversiae, a maneira de apresentar a controvérsia)” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 124).

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e entender um texto sem me utilizar de outro texto, o que acredito que qualquer pessoa

consciente consiga, não precisaria de outro texto para me ajudar na leitura que faço. No

entanto, se levarmos em consideração o posicionamento que foi cobrado de Luis

Coelho, de que para se estudar um documento é preciso termos outra referência, porque

sozinhos não conseguimos interpretá-lo, deveríamos perguntar: "como, então, se eu não

consigo ler e entender o que diz meu documento, como conseguirei entender o que a

minha fonte metodológica afirma?” Seria necessário outra fonte metodológica para

auxiliar na interpretação da fonte metodológica que adotei, que por sua vez, me pediria

outra referência, e mais outra e mais outra infinitamente. Logicamente, esse tipo de

cobrança não se sustenta. Dizer que se precisa de outra referência para ler um texto me

coloca a dúvida de como vou ler a referência sem me utilizar de outro texto, e de outro e

de outro e de outro...

Um ponto fundamental que merece destaque na correção da professora Alice,

aparece na segunda página do texto de Luis Coelho. Há um momento em que ele

escreveu:

Antes de analisar o texto escolhido é interessante observar em que

contexto ele foi publicado e por quem ele foi escrito. O livro que

contém o artigo foi publicado em 2007, portanto, posterior a muitos

acontecimentos relevantes que serão demonstrados no decorrer do

texto. Este empreendimento foi feito pela editora Civilização

Brasileira que é uma grande publicadora de escritos esquerdistas no

Brasil, embora agrupada com a editora Record em 2000. Entre as suas

publicações encontra-se obras de Noam Chomsky, Karl Marx,

Antonio Gramsci, Touraine e outros tantos autores de esquerda

(ANEXO I).

Nesse trecho, ele utilizou dois conceitos, “esquerdistas” e “esquerda”. No canto

direito da prova, a professora escreveu “Necessitas definir o conceito!” (ANEXO I). No

ítem 3 do parecer feito por ela e que também consta nos anexos temos a seguinte

proposição:

(ANEXO II)

Portanto, em dois momentos na sua avaliação aparece a preocupação com a

definição dos conceitos utilizados no texto. O jovem Luis foi cobrado de não ter feito

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uma discussão de determinados termos utilizados, como “direitista”, “esquerdista” e

“revolução”. Concordamos com a observação feita na correção de que estes termos são

amplamente discutidos na academia. No entanto, seria um problema para o aluno entrar

na análise de cada um desses conceitos. Exigir isto de um trabalho final de disciplina

caracteriza uma cobrança exagerada.

Como salientamos no primeiro capítulo, utilizando as colaborações de

Ankersmit, a quantidade de produção historiográfica contemporânea atingiu níveis que

são completamente impossíveis de serem apreendidos. Luis Coelho tinha consciência,

ao produzir seu texto, da complexidade daqueles termos, mas não poderia utilizar

outros, pois entendeu que eles eram apropriados para abordar o assunto analisado. Por

mais que ele discutisse cada termo utilizado, haveria a possibilidade da cobrança de uma

nova abordagem que não foi contemplada. Nesse caso, o problema não está na falta de

definição dos termos, mas na transcendência dos parâmetros avaliativos adotados pela

avaliadora. Como os parâmetros de avaliação são exteriores ao discurso e o

posicionamento ideológico é contrário ao da avaliadora, abre-se a possibilidade de

qualificar o texto como “uma predisposição ao juízo elementar de valor29

”, “única visão

das fontes30

”, “não apresentando aprofundamento teórico-metodológico que embasasse

sua leitura” e “recortes analíticos simplistas dos autores apresentados”.

Essas cobranças geraram outra contradição facilmente percebida. Em seu parecer

a professora escreveu que não houve a discussão de termos como “revolução”,

“direitista” e “esquerdista”. Sabemos que esses termos são vastamente usados nas

Ciências Humanas e que Luis Coelho não é o inventor deles. Desse modo, num texto

em que foi estabelecido um limite máximo de vinte páginas, é impossível traçar uma

discussão acerca do desdobramento de cada termo empregado. E, além disso, se o

conteúdo não foi levado em consideração, por que a professora fez a cobrança da

discussão dos termos utilizados para compor o texto? Essa discussão, necessariamente,

se refere ao conteúdo, portanto, há mais uma contradição por parte da professora, entre

o que ela disse em seu parecer e o que ela disse na vista de prova.

29

Como se fosse possível nos distanciarmos do objeto ao ponto de não possuírmos nenhum juízo de

valor. 30

Ele possuía uma visão, Luis quis expor a dele.

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O mais interessante, ainda, é que ela sugere no final do seu parecer a leitura de

alguns autores que, segundo ela, tem mais tempo de estudo do que Luis Coelho31

.

Diante disso, ele nos disse:

Mas ela não tinha conhecimento suficiente da minha formação

intelectual e, mesmo assim, deduziu o que eu li ou deixei de ler.

E o mais surpreendentemente, é que várias obras sugeridas

fizeram parte das leituras da minha graduação (Apontamentos).

Ele conhecia boa parte destas obras e era capaz de entender perfeitamente o que

estava escrito nelas, portanto, lembrou-se de um fragmento da introdução do livro de

Thompson, Costumes em comum, em que o autor diz:

Critiquei antes o termo “cultura”, por tender a nos empurrar no

sentido de uma noção holística ou ultraconsensual. Contudo, fui

levado a retomar uma descrição da “cultura plebéia” que pode

estar sujeita às mesmas críticas. O que não terá grande

importância, se usarmos a palavra “cultura” como um termo

descritivo vago. Afinal de contas, há outros termos descritivos

que são moeda comum, tais como “sociedade”, “política” e

“economia”. Não há dúvida de que eles merecem um escrutínio

minucioso de tempos em tempos, mas se tivéssemos que fazer

um exercício rigoroso de definição cada vez que quiséssemos

usá-los, o discurso do conhecimento se tornaria bastante

complicado (THOMPSON, 2002, p. 22).

Não é surpreendente? Thompson confere ao aluno o direito de escrever sem

discutir todos os termos utilizados, pois isso complicaria bastante a produção do

conhecimento. No parecer há uma indicação da professora Alice para que ele faça pelo

menos uma leitura superficial dos textos sugeridos. Num dado momento da entrevista

ele comentou:

Acontece que eu não adotei como prática a leitura superficial de

textos no exercício intelectual. Eu lia com o intuito de

compreender questões que me interessavam e não simplesmente

obter as superficialidades dos temas tratados, como a professora

sugeria. Agora, também, eu estou em outra... não fico mais atrás

31

(ANEXO II).

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de leitura para me formar, a minha formação não se preocupa

mais com isso.

Eu achava que o trabalho historiográfico deveria nutrir apreço

por diferentes perspectivas ao abordar um tema, mas ao tomar

contato com a lista de autores, segundo os quais, de acordo com

a professora, estavam mais habilitados do que eu... eu dei

risada...

Eles afirmavam as minhas práticas e negavam os

posicionamentos da professora. (...)

Quer saber? Eu devo pedir desculpas à professora, pois, não

seguirei seu conselho... detesto leituras superficiais!

(Apontamentos).

Talvez a professora Alice esteja acostumada com a prática da leitura superficial,

o que lamentamos muito, e que tenha lido sem profundida o texto e tirado conclusões

precipitadas. Conclusões estas que, ora considera o conteúdo escrito, ora se esquece

dele, de acordo com suas necessidades de momento. A superficialidade neste caso

esteve a serviço da reprovação do aluno, não importando qual método seja utilizado.

Além disso, o tempo em que se estuda determinado assunto não pode ser critério sobre a

validade do que se produz.

Como vimos, a exigência feita de que Luis Coelho deveria discutir determinados

termos em seu texto, é contraposta com o que Thompson afirma. A professora lhe cobra

determinados parâmetros no texto e indica autores que lhe autorizam a fazer uso de

alguns termos sem discuti-los, pois, caso contrário a pesquisa se tornaria inviável. Desse

modo, podemos ver que a cobrança da professora não condiz com o autor sugerido.

É interessante observar a ligação dessa exigência feita com a terceira proposição

na qual descrevemos o tronco moderno no primeiro capítulo. A terceira proposição

versou sobre a transcendência do método e a universalidade dos parâmetros de

avaliação realizados pelos modernos. Com certa sagacidade, os pós-modernos realizam

uma crítica a este posicionamento, pois entendem que a exigência de elementos

externos ao trabalho descaracteriza os objetivos expressos que o trabalho busca atingir.

Afinal, quando não podemos ir além da linguagem, quando a linguagem encerra um

universo em si mesma, como proceder? A reprovação de Luis Coelho não foi feita pelas

indicações presentes em sua produção, mas por critérios externos que extrapolavam as

condições daquele momento.

O texto que resultou na sua reprova, não se preocupava em discutir os termos

“direita”, “esquerda” e “revolução”, mas apontar os movimentos realizados pelo Foro

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de São Paulo na América Latina. Logo, exigir do texto elementos que não pertencem às

estratégias discursivas, na perspectiva pós-moderna, configura uma perda de foco.

Neste caso, não é preciso discutir a concepção dos modernos para a avaliação

com base em parâmetros universais, já que a correção do trabalho está abaixo disso,

pois os parâmetros utilizados eram momentâneos. Portanto, a pós-modernidade que

tantas vezes é acusada de defender o “vale-tudo na história”, chama a atenção da

modernidade para o “vale-tudo” na tentativa de impor seus posicionamentos nos jogos

de poder.

Com relação ao título do trabalho, foi exigido que houvesse clareza e

objetividade com relação à temática32

. Isso está contido no título do texto de Luis

Coelho! O título atribuído foi: “Da circularidade à linearidade revolucionária: o cretino

intelectual”. Fazendo uma breve análise do título é possível estabelecer três momentos:

1- a circularidade. Nesse momento, apresenta-se a perspectiva sobre o período pós-64

em que ele observava uma circularidade na qual dois grupos distintos haviam chegado

ao poder no Brasil; 2- o segundo elemento apresentado no título remeteu à linearidade

revolucionária. Nesse momento do texto, há a contraposição da perspectiva circular.

Para isto, utilizou-se de documentos que apontavam para a linearidade estratégica que

existia no Brasil desde o período militar e que não contemplava uma circularidade, pois

ainda possuíam desejos revolucionários a serem conquistados. Para colaborar com esta

perspectiva, Luis utilizou-se de fontes primárias em que os próprios agentes

revolucionários manifestavam claramente quais foram suas estratégias, o que haviam

conquistado até o momento e o que ainda restava a fazer; 3- o termo “cretino

intelectual”, por sua vez, descreve a condição precária da análise feita. No entendimento

de Luis Coelho, ele realizou uma leitura superficial da história política do Brasil.

É comum, portanto, na prática intelectual, adequarmos o conteúdo e o tom do

discurso. Logo, é preciso adotar, também, determinados usos de linguagem. Como

vimos no primeiro capítulo, Nietzsche optou pelo discurso poético para transmitir os

ensinamentos de Zaratustra. Salientamos, também com Ankersmit e Peter Gay, que a

linguagem não é um mero requinte, mas é parte constituinte do conteúdo do que se

escreve. Partindo dessa concepção, Luis Coelho adotou uma linguagem de ataque ao

produzir o texto para a disciplina. Entendia que o assunto permitia o uso desse estilo,

32

(ANEXO II).

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59

pois tratava de um silêncio que se arrastava por muitos anos na academia. O objetivo do

texto era provocar e irritar, ou seja, motivar a academia a pensar sobre o Foro de São

Paulo. Para isto, era preciso um grito, um sussurro não bastava.

O tom politicamente incorreto usado no texto prevaleceu na avaliação sobre o

conteúdo do que foi escrito. O cerne da produção intelectual do aluno não foi

contestado. Seu texto aponta para a maior revolução do continente utilizando-se de

fontes primárias que fundamentam suas perspectivas e isso não foi considerado. Ele

trouxe, para o universo da academia, um assunto que permanece, ainda hoje, silenciado

em boa parte da mídia brasileira e nos círculos acadêmicos:

Além disso, “imbecil”, “cretino”, “débil”, não são xingamentos

como foi dito na correção. Se procurarmos o significado dessas

palavras no dicionário veremos que elas se remetem apenas a

uma deficiência em determinada ação. Não vejo nada de errado,

constatar essa deficiência e apontá-la. Assim como existe o

conceito de “ciência”, necessariamente é preciso existir o

conceito de “charlatanice”, para que se consiga diferenciar as

duas práticas. O conceito de “sagacidade”, “inteligência”,

“destreza”, implica na existência de seus opostos, dos quais o

aluno fez uso. Do mesmo modo, pensadores modernos

transformaram ofensas em conceitos (Apontamentos).

Vejamos, agora, qual é o tom do discurso de alguns autores lidos na academia na

contemporaneidade. Começaremos com Nietzsche:

Muito bem, só esses são os meus leitores, os meus verdadeiros

leitores, os meus leitores predestinados: que importa o resto? O resto é

somente a humanidade. É necessário ser superior à humanidade em

força, em grandeza de alma – e em desprezo (NIETZSCHE, 2001, p.

37).

Ainda com Nietzsche, encontramos tal afirmação na crítica dirigida a Wagner:

O artista da décadence – eis a palavra. E aqui começa a minha

seriedade. Estou longe de olhar passivamente, enquanto esse décadent

nos estraga a saúde – e a música, além disso! Wagner é realmente um

ser humano? Não seria antes uma doença? Ele torna doente aquilo em

que toca – ele tornou a música doente –

Um típico décadent, que se sente necessário com seu gosto

corrompido, que o reivindica como um gosto superior, que sabe pôr

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em relevo sua corrupção, como lei, como progresso, como relização

(NIETZSCHE, 1999, p. 18).

Vejamos como Marx e Engels realizaram uma explícita afirmação do uso da

violência para tomada do poder:

Os comunistas recusam-se a ocultar suas opiniões e suas intenções.

Declaram abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados

com a derrubada violenta de toda a ordem social até aqui existente.

Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução

comunista. Os proletários nada têm a perder nela a não ser suas

cadeias. Têm um mundo a ganhar!

Proletários de todos os países, uni-vos! (MARX; ENGELS, 2002, p.

82).

Devemos observar que essa exigência do politicamente correto é muito perigosa.

Se a tomarmos como premissa, poderemos fundamentar que Nietzsche, Schopenhauer, a

Bíblia, o Corão, Marx, não poderão ser passíveis de estudos acadêmicos porque são

muito grosseiros em suas críticas. Nós conhecemos as obras de Marx e sabemos qual o

tom de seu discurso. Ele acusa, xinga, condena a burguesia, diagnostica a alienação

humana e mesmo assim é aplaudido em alguns meios acadêmicos. O critério escolhido

para ler o texto de Luis Coelho não foi o mesmo que o adotado para lermos outros

autores.

No parecer produzido pela professora, há uma indicação de que o aluno não

contemplou nenhum item exigido33

. No e-mail enviado ao doutor Kirk, podemos

encontrar a mesma indicação. Mas, se em seu texto não se contemplou nenhum

elemento solicitado pelo roteiro de elaboração, por que ele recebeu nota 4,0? Se a

afirmativa da professora de que não nenhum item solicitado foi contemplado estivesse

correta, o mais sensato era receber nota zero. Já que os parâmetros solicitados serviram

como método transcendente de análise e ele não os contemplou na perspectiva da

professora, qual foi o critério para receber a nota 4,0?

Sobre isso, desenvolvemos duas proposições: ou ela abandonou os critérios de

avaliação do roteiro ao corrigir o texto, pautando-se, assim, em elementos que não

foram explicitados de antemão; ou o aluno conseguiu contemplar alguns aspectos do

33

(ANEXO II).

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roteiro, o que desabona a consideração realizada em seu parecer de que não contemplou

nenhum item solicitado. Seria interessante a resolução desse tensionamento, pois ao

utilizar a palavra “nenhum” e concomitantemente atribuir nota 4,0, ela promoveu uma

contradição explícita que não pode ser resolvida em uma terceira proposição. A palavra

“nenhum” remete ao absoluto, a nota 4,0 remete aos elementos relativamente

significativos de um processo de avaliação.

Se questionou na correção como foi possível a realização de encontros secretos

por parte dos organizadores do Foro de São Paulo se as atas oficias estavam

disponibilizadas na internet? Na entrevista concedida, Luis Coelho tocou neste tema:

O problema é que o Foro de São Paulo iniciou suas atividades

em 1990 e suas atas foram disponibilizadas somente 15 anos

depois por Olavo de Carvalho no site “Midia Sem Máscara”.

Essa divulgação aconteceu depois que as principais bases

políticas estavam dominadas pelas estratégias revolucionárias do

Foro de São Paulo. Além disso, quem afirmou que essas

reuniões eram secretas e que por isso eles conseguiram

manipular resultados políticos e conversar sem que ninguém

percebesse foi o próprio Lula, em seu discurso de celebração de

15 anos do Foro, como citei no meu texto (Apontamentos).

Para a pós-modernidade, o uso que a modernidade faz da verdade, da linguagem

e da transcendência do método, não passa de meros artifícios criados para separar aquilo

que não lhe é igual. A modernidade criou determinados padrões e passou a excluir do

seu círculo aquilo que não se enquadrava nos seus moldes.

Ou seja, quando se deseja legitimar um campo de linguagem e excluir as

discursividades que a contrapoem, criam-se conceitos que possuem força e poder de

exclusão. Sendo assim, um lado da balança ganhou características de “estritamente

acadêmicos”, “contemplando as exigências metodológicas”, “campo da ciência

historiográfica”, “normas de apresentação de trabalhos científicos”. Mas, e o outro lado

da balança? Para eles, esse é apenas o outro lado da balança. O outro é aquilo que está

fora e, por estar fora, deve ser excluído. No entanto, com a discussão que propusemos

no primeiro e no terceiro capítulo desta dissertação, interpretamos, com a ajuda de

autores pós-modernos, que esses termos e exigências modernos estão em crise e

passíveis de crítica. Além disso, como afirmamos anteriormente, a pós-modernidade

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não exclui a prática discursiva moderna. Ela é incorporada e interpretada como uma

possibilidade de resposta aos problemas.

Mesmo assim, a força de exclusão do discurso moderno é tão presente que ao

avaliar o texto de Luis Coelho – que inegavelmente, utilizou-se de conceitos

amplamente discutidos na historiografia – Alice utilizou-se, também, de conceitos

discutidos amplamente e questionados pela modernidade e pela pós-modernidade.

Sendo assim, os “conceitos de Luis Coelho” são excluídos do debate, já os “conceitos

de Alice” são os “moldes acadêmicos estritamente científicos”.

Contudo, nem na correção e nem no parecer da professora, nós encontramos

qualquer indicação do que seriam os chamados “moldes acadêmicos”. Ou seja, o

mínimo que devemos exigir é que se faça uma construção do que se entende por “molde

acadêmico” e que depois disso se exclua aquilo que não lhe é igual. Mas neste caso,

nem isso tivemos. O discurso do aluno foi excluído do debate acadêmico sem que se

indicassem os elementos pelos quais ele estava se constrastando. Logo, tem-se a

vontade de imprimir a força do dominante sobre o dominado. Como salienta Jenkins,

elas são relações de forças que buscam legitimar seu poder.

Mas, afinal, o que nos habilita a caracterizar as práticas de Alice com uma dada

perspectiva moderna? 1- a crença de que alguns autores, por possuírem mais tempo de

estudo que Luis Coelho, estão mais habilitados ao debate. 2- esta crença nutriu a ideia

de que alguns autores estão mais próximos da verdade do que outros. 3- exigir uma

mudança do estilo de linguagem adotado por Luis Coelho e, ao fazer isto, interpretar

seus conceitos como xingamentos. 4- adotar parâmetros avaliativos externos às

propostas desenvolvidas pelo aluno.

Finalmente o leitor poderá se perguntar por que o autor diante de duas

perspectivas historiográficas modernas – a de Alice e a de Luis Coelho - e sabedor de

que nenhuma das duas é a sua, tende a sair em defesa da de Luis Coelho? Essa

tendência poderia indicar vestígios de seu cristianismo através da solidariedade aos mais

fracos? Laços de simpatia que já se revelam na tenra infância quando a criança se

identifica com o oprimido da história?

Esses questionamentos são cabíveis, mas gostaríamos de lembrar Nietzsche,

ainda uma vez, quando numa passagem de sua obra, denuncia a força adquirida pelos

fracos organizados em rebanho.

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É preciso proteger os fortes dos fracos, paradoxo maior de nossa moderna

cultura, proteger o animal de rapina do homem gregário. Ainda que Luis Coelho não

seja nenhum exemplar de um animal de rapina – lembremos que apesar de ter

abandonado Zaratustra declara-se um admirador de Olavo de Carvalho – ele revela –

como a imagem invertida no espelho – determinadas tendências nocivas e perigosas da

cultura contemporânea.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Nossas últimas considerações neste trabalho apontam para a necessidade da

continuação por parte da historiografia das discussões que procuramos levantar com o

nosso trabalho. Se tomarmos como pressuposto o nascimento do discurso

historiográfico na antiga Hélade, podemos entender que o debate entre modernidade e

pós-modernidade é ainda muito recente e devido a sua importância, pela série de

propostas que possui, deve ser aprofundado.

Como todo recorte historiográfico, nossas perspectivas sobre as diferenças entre

a modernidade e a pós-modernidade apresentam suas limitações. Procuramos concentrar

nossas discussão em três pontos: a verdade, a linguagem e a transcendência do método

avaliativo. Apontamos as críticas construídas pela pós-modernidade à modernidade e

quais eram as propostas metodológicas apresentadas para conduzir uma pesquisa

historiográfica.

Desse modo, vimos que para a pós-modernidade o discurso historiográfico não é

capaz de fundar verdades. O que ocorre, é que possuímos uma vontade de verdade e ao

adotar determinados comportamentos, práticas discursivas e recortes momentâneos,

esquecemos de que eles são meras construções e passam a ganhar um fundamento

absoluto. Logo, deve-se tomar consciência de que a história trabalha com discursos.

Eles não foram dados; eles são construídos. Portanto, deve-se admitir a possibilidade de

discursos contrários.

Sendo assim, o que forma o terreno historiográfico é o conjunto de diferentes

formas de interpretação. Essas interpretações são formadas, como vimos com Jenkins,

por entendimentos ideológicos que fazemos do mundo. Necessariamente, essas

ideologias são construídas pela linguagem e, por isso, certas formas de ideologias se

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enquadram melhor em determinadas formas de linguagem. Na perspectiva de Luis

Coelho, boa parte da historiografia da disciplina “Campos de concentração da

linguagem” possuía uma ideologia que privilegiava práticas esquerdistas, ele quis

expressar a sua ideologia na linguagem que acreditou adequada.

O debate sobre a transcendência do método de avaliação nos alertou sobre o

problema da possibilidade de se criticar um discurso pelos elementos que ele não

possui. Vimos com Ankersmit que é impossível absorvermos toda produção

historiográfica contemporânea, portanto, se não avaliamos um trabalho pelos caminhos

que ele indica, sempre teremos a possibilidade de avaliá-lo por aquilo que ele não fez e

não por aquilo que ele fez. No momento em que o avaliado adota parâmetros

divergentes do avaliador, ele estará sempre em desvantagem, pois não saberá de

antemão o que o avaliador desejará.

Entendemos, por conseguinte, que o caso do jovem Luis Coelho pode fomentar e

exemplificar nosso embate teórico. Por isso, enfatizamos estes pontos:

1- não queremos que o leitor compactue ou condene os posicionamentos de Luis

Coelho, mas que atente para o fato extremamente significativo da sua

reprovação ser justificada por não se concordar com o conteúdo do que ele

escreveu. Na perspectiva moderna da professora Alice, o aluno cometeu um

“delito”, ou seja, pensou o que não deveria pensar. Ao cometer um crime de

pensamento, Luis Coelho não encontrou motivação para continuar sua formação

na Universidade de Gulag.

2- Devemos salientar que embates calorosos no meio intelectual são episódios

recorrentes. Recentemente tivemos conhecimento de parte de um intenso debate

entre os filósofos Peter Sloterdijk e Jügen Habermas34

. Esse debate ganhou

páginas de jornais e teve repercussão internacional devido a importância desses

dois filósofos. No momento em que esse caso ganhou destaque, pudemos

observar que o tom polêmico das discussões podem, muitas vezes, contribuir

para o desenvolvimento do bom debate. No Brasil, isto aconteceu até mesmo

entre católicos como Olavo de Carvalho e Orlando Fedelli. Nesse caso, ao

34

Neste texto “Sobre as Regras para o parque humano de Peter Sloterdijk”, de José Oscar de Almeida

Marques, podemos ter acesso a trechos do debate entre os dois filósofos. Notamos que o tom de ataque de

ambas as partes não constituiu um problema para o bom debabte, pelo contrário, talvez tenha dado um

certo „tempero‟ que, muitas vezes, não encontramos nos debates que priorizam a polidez exigida na

academia.

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discutirem as características do gnosticismo, adotaram um tom polêmico em

seus textos, nos quais não pouparam críticas que em certos momentos

enveredaram para os ataques pessoais. Portanto, entendemos que podemos

colher bons frutos desses atritos e lamentamos não poder testemunhar com

maior frequência na academia divergências epistemológicas como a dos

personagens Luis Coelho e Alice. Por isso, ao usarmos o caso de Luis Coelho,

procuramos observar o tom provocativo de suas ações e na maneira em que ele

escrevia, pois acreditamos que o tom polêmico de um discurso também possuiu

um viés sedutor.

A Universidade de Gulag nos parece indicar uma espécie de traço da cultura

acadêmica e historiográfica contemporânea, que desconhece ou disfarça, uma das mais

vibrantes heranças da contra cultura dos anos 60 - a que reivindica „a imaginação no

poder‟. Tema, por sinal, nada novo, pois esteve presente em autores como Sade e Lewis

Carol - o lógico e o libertino nos limites da imaginação.

Enfim, que o caso de Luis Coelho sirva-nos de exemplo. Que o espelho do sonho de

Zaratustra nos espante, nos mostre nossa cara de demônio, mostre aquilo que somos.

Desejamos que ele pertube e provoque cada historiador, moderno ou pós-moderno, a

pensar em suas práticas e esteja pronto para assumir diante de si mesmo aquilo que se é.

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ANEXO I

TEXTO “DA CIRCULARIDADE À LINEARIDADE REVOLUCIONÁRIA: O

CRETINO INTELECTUAL”, ENTREGE À DISCIPLINA “CAMPOS DE

CONCENTRAÇÃO DA LINGUAGEM”, COM A CORREÇÃO DA PROFESSORA

ALICE.

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ANEXO II

PARECER FEITO PELA PROFESSORA ALICE E ENTREGUE JUNTO COM A

CORREÇÃO DO TEXTO

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ANEXO III

E-MAIL DA PROFESSORA ALICE AO DOUTOR KIRK

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