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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL FRANCISCO JOSÉ PERALTA MARINGÁ 2005

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ... · como uma mera antecipação ou mesmo uma deterioração do Movimento Modernista, o Art-Déco não

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO

A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL

FRANCISCO JOSÉ PERALTA

MARINGÁ 2005

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)

Peralta, Francisco José

P426a A Arquitetura art-déco no governo Vargas : a construção

de uma identidade nacional / Francisco José Peralta . --

Maringá, 2005.

137 f. : il. figs.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Silvina Rosa.

Dissertação (mestrado) - Universidade Es tadual de

Maringá, Programa de Pós-Graduação em Educação, 200 5.

1. Arquitetura - Art-déco. 2. Processos educacionais -

Período Vargas. 3. Processos civilizatórios - Arte. 4.

Arquitetura moderna brasileira - Século 20 - Histór ia. 5.

Design industrial. 6. Arquitetura Moderna Brasileir a -

Crítica. I. Rosa, Silvina, orient. II. Universidade

Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em E ducação.

III. Título.

CDD 21.ed. 724.6

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO

Fundamentos da Educação

A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL

Dissertação apresentada por FRANCISCO JOSÉ PERALTA, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração: Fundamentos da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra.: SILVINA ROSA

MARINGÁ 2005

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FRANCISCO JOSÉ PERALTA

A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL

BANCA EXAMINADORA

Profª. Dra. Silvina Rosa (Orientador) – UEM Profª. Dra. Lízia Helena Nagel – CESUMAR - Maringá Prof. Dr. Sezinando Luiz Menezes – UEM

Data de Aprovação 06/04/2005

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Para João, João e Nena

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Silvina Rosa, pela paciência e apoio.

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Se adotássemos novamente a rótula, a taipa ou a estilharia de pedra, deveríamos também voltar para a soletração, a palmatória e o decurião.

Arquiteto José Maria da Silva Neves 1936

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PERALTA, Francisco José. A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL . 137 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientador:Silvina Rosa. Maringá, 2005.

RESUMO Considerado no mundo todo, ora como uma variante do estilo Art Nouveau, ora como uma mera antecipação ou mesmo uma deterioração do Movimento Modernista, o Art-Déco não tem merecido, por parte dos estudiosos brasileiros, com algumas exceções, abordagens mais profundas do que a simples reprodução de fotografias “pitorescas” ou rápidos comentários reprovadores da “leviandade estética”. No entanto, esse quase-movimento artístico esteve ligado no Brasil, como, aliás, em todos os lugares onde vicejou, à ascensão da burguesia industrial, porém com uma particularidade: teria recebido incentivo oficial do Estado, principalmente durante o primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas. A introdução do estilo no país acontece concomitantemente com as primeiras manifestações do Movimento Moderno, também ele reivindicante da personificação espacial da sociedade industrial e da oposição ao tradicionalismo. A arquitetura Art-Déco, devido à sua flexibilidade quanto à ornamentação, permite o uso dos elementos nacionais, como os ornamentos de inspiração Marajoara, sem perder seu vínculo com progresso industrial e urbano. Assim, pelas possibilidades de se constituir uma arte simples e, ao mesmo tempo, monumental, é, por um curto espaço de tempo, preferida em relação às manifestações do movimento moderno, em especial na arquitetura. Esta, considerada por demais abstrata e internacionalista, somente a partir dos anos 40, quando se torna Arquitetura Moderna Brasileira, será reconhecida pelo Estado como estilo oficial. Deste modo, a apropriação do Art-Déco pelo Estado na década de 30 pode ter sido facilitada pelas possibilidades do estilo já mencionadas e, direta ou indiretamente relacionada ao processo de industrialização e às novas determinações do mercado mundial. Além disso, parece ter sido objeto de um planejamento político e educacional do governo de Getúlio Vargas, no sentido de fortalecer a identidade nacional. Esse raciocínio é desenvolvido através de quatro capítulos, cuja linha de análise passa por uma discussão teórica sobre o papel social da arte, pela sistematização de algumas idéias sobre a relação entre industrialização, nacionalismo, arquitetura e educação e, por fim, por uma exposição sobre a trajetória do Art-Déco. O objetivo é contribuir para o esclarecimento de mecanismos geradores de escolhas e mudanças comportamentais, já que o homem se educa socialmente e não apenas nos bancos escolares. Palavras-chave: Processos Educacionais. Processos Civilizatórios. Arquitetura. Arte. Art-Déco

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PERALTA, Francisco José. ARCHITECTURE ART-DECO IN VARGAS GOVERNMENT: BUILDING A NATIONAL IDENTITY . 137 f. Dissertation (Master in Education) – State Univercity of Maringá. Supervisor: Silvina Rosa. Maringá, 2005.

ABSTRACT Considerate in the whole world sometimes as a variant of the Art Nouveau style, sometimes as a mere anticipation or deterioration of Modernist Movement, Art-Déco has not been object of deeper approaches by Brazilian scholars, with some exceptions, than the simple reproduction of "picturesque" images or superficial disapproving comments of an "aesthetic frivolity". However, that artistic “quasi-movement” was related, in Brazil, to the ascension of the industrial bourgeoisie, as in fact, in every place it flourished. In this country, with a particularity: it would have received official encouragement of the State, mainly during President Getulio Vargas's first government. The introduction of the style in the country takes place concomitantly with the onset of the Modern Movement. Both were a vindication of the spatial embodiment of industrial society as also opposite movements to traditionalism. The Art-Déco architecture, due to its flexibility of ornamentation, allows the usage of national elements, as the inspired in Marajoara ornaments, without losing its connection with industrial and urban progress. Therefore, by the possibilities to constitute both a simple and monumental art, at the same time, it was, for a short period, preferred in opposition to the manifestations of modern movement, especially in the architecture. Modern movement was considered too much abstract and internationalist. Only by the 1940s, when it is born the so called Brazilian Modern Architecture, it would be recognized by the State as an official style. Thus, the appropriation of Art-Déco's by the State, in the 1930s, may has been facilitated by the mentioned possibilities of such style and, direct or indirectly, related to the industrialization process and the new world market determinations. Moreover, it seems to have been object of a political and educational planning of Getulio Vargas's government, to strengthening the national identity. This argument is developed through four chapters, which analysis line goes by a theoretical discussion on the social paper of the art, and the systemization of some ideas about the relationship among industrialization, nationalism, architecture and education and, finally, for a presentation on Art-Déco’s path. The purpose of this paper is to contribute for the explanation about mechanisms that generates behavioral choices and changes, since the individual is educated socially and not only in the school benches. Keywords: Educational Processes. Civilizing Processes. Architecture. Art. Art-Déco.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1. O PAPEL DA ARTE 17

1.1 – ARTE COMO PRODUTO SOCIAL 17

1.2 – ARTE COMO REPRODUÇÃO DA VIDA OU ARTE PELA ARTE? 20

2. INDUSTRIALIZAÇÃO E NACIONALISMO 26

2.1 – A INDÚSTRIA NO BRASIL E O PAPEL CIVILIZATÓRIO DA

EDUCAÇÃO 26

2.2 – A QUESTÃO NACIONAL E A ARTE MODERNA 41

3. SAMBA CAFÉ E ARQUITETURA 52

4. ART DÉCO: O QUASIMODERNO ECLETISMO 65

4.1 – EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS: AS VITRINES DO CAPITAL 65

4.2 – A EXPOSITION DES ARTS DÉCORATIFS ET INDUSTRIELS

MODERNES DE PARIS: O DÉBUT DO ART DÉCO 75

4.3 – A REPÚBLICA ANTROPOFÁGICA DOS ESTADOS UNIDOS DO

BRASIL 94

5. CONCLUSÃO 127

REFERÊNCIAS 130

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INTRODUÇÃO

Pois o que precisamos não é apenas de um artista criador, mas também de um público compreensivo. Como consegui-lo? O único meio é um poderoso processo educacional que transmita, desde a mais remota infância, uma vivência visual. [...] a participação ativa [...] fortalece o senso de responsabilidade individual que une uma comunidade, mobiliza seu poder de imaginação e desenvolve seu orgulho pelo ambiente que logrou criar.

Walter Gropius

O Art Déco, nascido entre a Primeira e a Segunda Guerra mundiais, como

uma reação ao último dos grandes estilos decorativos dentro da arquitetura, o Art

Nouveau – embora nele se inspirasse – é geralmente considerado um desvio de

curso do Movimento Moderno, especialmente na arquitetura. Em todas as suas

manifestações artísticas, desde cedo exibiu características de imponência,

ostentação e monumentalidade, bem ao gosto da alta burguesia européia. A

composição baseada nos padrões clássicos, a utilização de pó de mica (cujas

partículas, misturadas à argamassa de revestimento refletiam a luz do sol) e o uso

ostensivo do granito, principalmente no embasamento, que tratava de elevar o

edifício, e nas quase infalíveis escadarias de acesso às portarias, sempre

valorizadas com portas de verticalidade realçada, conferiam à construção a

“iconografia” necessária à elaboração da nova imagem buscada pela classe

dominante.

Destaca-se que a verticalidade expressiva e as linhas retas eram marcantes

nas fachadas, de coroamento freqüentemente escalonado vertical ou

horizontalmente, e realçadas pelo uso de uma iluminação cinematográfica que

oferecia espetáculos inimagináveis à luz do sol (SEGAWA, 1998). As camadas

trabalhadas de argamassa, numa mescla de “decorativismo” extraído de outras

culturas (índia, asteca e a egípcia, que entrava na moda com as descobertas das

escavações do túmulo de Tutankhamon), exigiam a presença de artífices,

verdadeiros artistas, cujas mãos estabeleciam a diferença entre a obra de “classe” e

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o edifício comum, caracterizado por apliques florais e grades metálicas pré-

fabricadas e baratas, tão queridas do Art Nouveau. Assim, da concepção geral ao

menor detalhe do mobiliário, menos que satisfazer imposições técnicas, os edifícios

Art Déco tinham a preocupação de oferecer uma “moldura” ao estilo de vida da

classe dominante.

A opção pelo Art Déco como objeto desta dissertação deve-se à necessidade

de explicar o papel formativo da arquitetura, tendo em vista a função social e mesmo

pedagógica da arte e seus vínculos com as necessidades sociais dos diferentes

momentos históricos. Neste caso específico, pretende-se relacionar a adoção do

estilo por Getúlio Vargas com as necessidades do nacionalismo. Evidentemente, um

trabalho que procure estabelecer este tipo de relação entre arquitetura, educação e

nacionalismo na década de 30 ressente-se de algumas dificuldades, tanto no que diz

respeito às fontes como ao próprio campo de análise.

Ao contrário das artes plásticas em geral que, ao menos aparentemente,

possuem farto material analítico, a arquitetura padece, por sua própria natureza

ambígua de ser concreto, mas de significação abstrata, da falta de uma leitura

histórica para além das questões de caráter puramente funcionalista, em especial

quando o estudioso é um arquiteto. Na literatura voltada para esse profissional há a

falta, quando não do material, de uma análise crítica na apresentação da história da

arquitetura brasileira, restringindo-se, certos livros, por exemplo, ao falar sobre o

período de nossas investigações neste trabalho, a era Vargas, a considerações

apologéticas acerca da equipe do Ministro Gustavo Capanema e da construção do

prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Já as abordagens feitas por historiadores da arte sobre os primeiros decênios

do século XX, se têm o mérito de aprofundar estudos sobre o papel da pintura,

escultura, teatro e literatura modernistas, não fazem mais que comentar

superficialmente o papel da arquitetura. Em geral, as referências ao tema proposto

são apenas pontuais.

A historiografia da arquitetura em geral manifesta uma ideologia liberal em

que os autores optam por uma “teoria sociopolítica do equilíbrio e da ordem”. É o

caso do clássico autor Leonardo Benévolo, por exemplo, cujos

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pressupostos acerca da mudança social são os de quebra de um equilíbrio a que a sociedade procura retornar (ou refazer em novas bases) logo que possível. [...]. Há [em suas posições] uma concepção mecânica da mudança social (o crescimento da demanda exigindo a criação da indústria mecanizada ou o crescimento populacional gerando excesso de mão-de-obra e, portanto , a pobreza dos trabalhadores) e uma concepção em que a vontade humana tem força para transformar a história (a ética e a razão de alguns obrigando o Estado a intervir sobre a espontaneidade das leis de mercado). (SZMRECSANYI, 1994, p.147, grifo do autor).

Benévolo (1976), em sua História da Arquitetura Moderna, classifica algumas

poucas obras Art Déco dentro ora do Art Nouveau ora do Neoclassicismo, ora do

Modernismo. Embora isso seja compreensível, já que o termo só seria cunhado na

década de 60 do século XX, é perceptível seu desdém para com as manifestações

que não consegue classificar, atribuindo-lhes um alto grau de irracionalidade por não

se “comportarem” como seria esperado, como se fosse possível que elas não

refletissem a sociedade em que se expressavam. Yves Bruand (1981, p. 94) também

não reconhece qualquer mérito nas obras Art Déco brasileiras, limitando-se a

comentar uma breve incursão de Marcelo Roberto, um dos famosos irmãos

arquitetos do escritório MM Roberto, no campo da decoração, inspirado pelo “estilo

fluido e afetado, posto em prática pela Exposição Internacional de Artes Decorativas

de Paris em 1925”.

Uma referência deve ser feita a uma notável exceção, Hugo Segawa, com

seu livro Arquiteturas do Brasil, que não cai na armadilha da mera exaltação do

Movimento Moderno, mas, antes, faz uma leitura histórica, diferencia os diferentes

estilos produzidos nessa época e percebe suas relações com a emergência da

burguesia industrial. Por esta razão, podem-se destacar as contribuições deste autor

para a consecução dos objetivos que se busca alcançar nesta pesquisa.

O período tratado neste trabalho corresponde, em grande parte, ao do

governo de Getúlio Vargas, que se caracterizou por extrema personalização do

poder e que buscava uma forma de fortalecer a identidade nacional inclusive através

da construção de edifícios públicos. Como os demais líderes totalitários da época,

ele não tolerava a arquitetura moderna por ser por demais internacionalista. Na

Alemanha da época “terminava a ambigüidade dos nazistas em relação às

vanguardas históricas e [...] um neoclassicismo medíocre e pequeno burguês foi

assumido como arte oficial” (MACHADO, 1996, p.153), desprezando

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[...] o fato de que um estabelecimento de vida curta, que começou principalmente como centro de vanguarda política e artística, veio a dar o tom na arquitetura e nas artes aplicadas de duas gerações. Foi a Bauhaus, ou a escola de arte e desenho de Weimar e depois Dessau na Alemanha Central (1919-33), cuja existência coincidiu com a República de Weimar – acabou dissolvida pelos nacional-socialistas pouco depois de Hitler tomar o poder (HOBSBAWM, 1998, p.185).

Isso provocou uma verdadeira diáspora dos artistas modernos, como Walter

Gropius, Paul Klee, Marcel Breuer, etc., pelo mundo. Stalin também adotou

oficialmente o Neoclassicismo em oposição ao Modernismo “degenerado”. Mesmo

Mussolini, que tinha Marinetti a seu lado, adota o neoclassicismo como o estilo

fascista. Na verdade, Marinetti já abandonara os princípios do futurismo para

enfileirar-se com a geração mais jovem que “não se reconhece mais, efetivamente,

nessas fórmulas e volta-se para o passado, onde espera encontrar regras

constantes, valores certos e permanentes” (BENÉVOLO, 1976, p.542).

Gustavo Capanema afirmava que Vargas, porém, sempre procurou uma

proximidade com o modernismo nas artes plásticas e na literatura, conforme sugere

abaixo:

No campo das artes, o século XX vem se caracterizando, todo ele, pelo choque entre tendências tradicionais e renovadoras, estas em crescente e natural expansão. Se o governo não pode, por sua natureza, adotar esta ou aquela concepção estética, assiste-lhe, contudo, o dever de não ficar indiferente à revisão das formas do gosto. Cumpre-lhe antes estimular a pesquisa artística, sem sombra de sectarismo. (SHWARTZMAN, 1983, p.374).

Da parte das artes plásticas em geral, esse aparente desalinhamento em

relação ao espírito totalitário não deve causar nenhum espanto, pois elas tinham, no

Brasil, um caráter altamente nacionalista e com tendência para o monumental, como

no caso de Portinari que “expusera no Rio em 33 e em São Paulo em 1934 e, dono

de uma técnica de virtuoso, captara a inclinação populista do governo de Getúlio

Vargas transpondo para o mural, de forma monumental, o trabalhador brasileiro”

(AMARAL, 1975, pp.315-317).

A busca de Getúlio Vargas de marcar de forma contundente a diferenciação

entre o Brasil anterior, liberal e “viciado” e o novo país que ele propunha entregar à

população, ou a mudança de uma “sociedade rural-oligárquica para uma sociedade

urbano-industrial” (OLIVEIRA, 1982, p.28), passou pela adoção de orientações que

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constituíram processos educacionais, de maior ou menor explicitação, formais ou

não, em virtude da premência do objetivo a ser alcançado e a construção de prédios

públicos compõe o conjunto destes mecanismos.

Podemos dizer que, no confronto com outras nações, a consciência de nação atrasada fornece justificativas para a defesa do papel predominante do Estado. O aumento da capacidade de ação do Estado sobre a sociedade tornaria possível a superação do gap entre o Brasil, país atrasado, e as nações desenvolvidas. Esta modernização, esta aceleração do ritmo histórico deveria ter lugar dentro da ordem (Ibid., p.28).

E, também:

A proposta do “novo” vem associada às condições da realidade nacional. O país teria sido obscurecido pela influência das idéias importadas, quanto da feitura do pacto republicano. O novo regime deveria voltar-se para as nossas origens, para as raízes brasileiras, verdadeira matéria prima nas mãos do novo artesão (Ibid., p.33)

Embora o projeto cultural de Vargas tenha sido objeto de diversas

interpretações, não parece ter recebido atenção suficiente a fetichização das

relações de classe presente nos edifícios desse governo. O papel civilizatório da

educação (entendida como todo processo que objetive uma mudança de

comportamento do homem) parece estar bastante claro nos vários aspectos da vida

cultural brasileira. Falta, porém, obter uma imagem mais nítida do papel da

arquitetura neste processo.

Esse trabalho procura contribuir com parte de um esforço necessário para

começar a preencher essa evidente lacuna nos estudos da história cultural da era

Vargas e, talvez com mais urgência, da história da arquitetura brasileira, do que se

ressentem alunos e professores da área. Essa lacuna se dá, parcialmente, devido à

dificuldade de encontrar fontes bibliográficas referentes ao estilo objeto desse

estudo, o Art Déco, no Brasil, mas, talvez, também pela falta de material iconográfico

reunido e analisado de forma sistematizada. Em outras palavras, essa dissertação

busca responder à necessidade de fornecer os primeiros subsídios necessários a

futuros estudos que contemplem o tema com o mesmo enfoque proposto, uma vez

que se volta para terreno ainda pouco explorado – se desconsiderarmos os

enfoques baseados no mito da genialidade de indivíduos que “mudam o rumo da

história” – os estudos do período em destaque, o segundo quarto do século XX.

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Este, bem como futuros estudos, poderá vir a mostrar como a arquitetura se

inseria no projeto político-ideológico de fortalecimento do Estado no governo de

Getúlio Vargas, como um instrumento de fortalecimento do sentimento nacional. Via

de regra, a monumentalidade própria do estilo tratava de suprir atitudes mais visíveis

na imposição da nova ordem burguesa. Com a ascensão da arquitetura moderna, as

novas construções oficiais passaram a oferecer traços mais simples e ausência de

decoração, mas permaneceu a monumentalidade como forma de assinalar o orgulho

pelo país e a confiança no futuro. Podem vir a mostrar também que havia uma

“profunda necessidade de afirmação por meio de realizações espetaculares,

partilhada por uma clientela ávida de publicidade e por arquitetos felizes em explorar

uma oportunidade dessas para satisfazer sua vocação mais profunda” (BRUAND,

1981, pp.376- 377).

As fontes da pesquisa foram: obras históricas e historiográficas que

contextualizem o período compreendido entre os primeiros anos do século XX até

fins da década de 1940, revistas, teses e dissertações e fotografias constantes do

material bibliográfico.

Os resultados da pesquisa serão apresentados em quatro capítulos. O

primeiro deles é uma discussão sobre o papel da arte, a partir de abordagens

relacionadas ao produto social, à reprodução da vida ou, ainda, à arte pela arte. Sua

função é introduzir a idéia de que a obra arquitetônica tem um caráter pedagógico,

pois, ao mesmo tempo em que representa a sociedade e expressa o que existe de

comum entre os homens de sua época, é também uma arte utilitária. Por todas

essas razões, ela não se consente arte pela arte.

No segundo capítulo, cujo fim é uma contextualização histórica, destaca-se o

processo de industrialização do Brasil, ao qual são inerentes a questão educacional

ou civilizatória e a questão do nacionalismo.

Quase obrigatória, nesse trabalho de contextualização, é a elaboração de um

capítulo destinado ao papel que a arquitetura desempenha, ou que lhe é atribuído,

no processo de modernização do país. A polêmica entre arquitetura eclética e

neocolonial e, posteriormente, entre esta e a moderna expressa o embate entre o

Brasil “arcaico” e o Brasil “moderno”.

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Por fim, o quarto capítulo é dedicado ao estudo do estilo Art Déco,

considerado uma “monstruosidade” por muitos historiadores da arquitetura. Procura-

se, em consonância com tudo o que foi afirmado nos capítulos anteriores, traçar sua

trajetória, desde sua origem, passando pelo lugar ocupado após o esvaziamento das

Exposições Universais até suas manifestações no Brasil.

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1. O PAPEL DA ARTE

tygre! tygre! brilho, brasa / que à furna noturna abrasa,

que olho ou mão armaria / tua feroz symetria?

em que céu se foi forjar / o fogo do teu olhar?

em que asas veio a chama? / que mão colheu essa flama?

que força fez retorcer / em nervos todo o teu ser?

e o som do teu coração / de aço, que cor, que ação?

teu cérebro, quem o malha? / que martelo? que fornalha

o moldou? que mão, que garra / seu temor mortal amarra?

quando as lanças das estrelas / cortaram os céus, ao vê-las,

quem as fez sorriu talvez?

quem fez a ovelha te fez?1

William Blake

1.1 – ARTE COMO PRODUTO SOCIAL

A partir do ponto de vista de alguns comentadores da obra de Karl Marx em

relação à arte, já que este, embora demonstrasse interesse pessoal pelo tema, não

chegou a desenvolver qualquer teoria sistemática a respeito, é possível fazer um

exercício de entendimento do conceito da capacidade criadora do homem,

objetivando explicitar o materialismo histórico como orientação metodológica deste

trabalho.

Na há, de fato, escritos marxianos específicos sobre a produção artística, mas

apenas diversos pequenos comentários reflexivos sobre a natureza do trabalho

criativo espalhados por várias obras, a partir dos quais, outros grandes autores,

1 O Tygre, poema de William Blake, em tradução de Augusto de Campos publicado em : Poesia – 1949-1979. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

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como Walter Benjamim, Theodor Adorno e, principalmente, Georg Lukács,

procuraram construir uma estética especificamente marxista, de caráter humanista,

baseada na “idéia de que todo trabalho não alienado é criativo e, portanto,

intrinsecamente igual ao trabalho artístico” (BOTTOMORE, 1988, p.138). Essa

classificação pode ser percebida, por exemplo, “quando Marx fala, em O Capital (I,

cap. V, 1) sobre o caráter essencialmente humano do trabalho, comparando o

arquiteto e a abelha”, sendo “significativo o fato do arquiteto ser lembrado

simplesmente como exemplo de trabalhador humano e não como uma categoria

privilegiada de artista” (Ibid.).

De qualquer maneira, tais considerações de Marx e Engels limitaram-se

quase que exclusivamente à literatura, raramente referindo-se às artes plásticas,

apesar de Marx ter sido “o primeiro a dar o alarme sobre a alienação artística, em

sua vigorosa análise das condições que envolvem o artista” (MÉSZARÓS, 1981, p.

171) e, mesmo não considerando a arte como “algo a ser atribuído à esfera ociosa

do ‘lazer’ e, portanto, de pouca ou nenhuma importância filosófica”, embora só

apresente “valor na medida em que haja uma necessidade humana que encontre

realização na criação e no gozo de obras de arte” (Ibid., p. 172).

Apesar do acúmulo de estudos acerca da estética e da produção artística,

parece existir, ainda hoje, e mesmo entre autores consagrados, uma “noção

romântica da arte como uma criação de ‘gênio’, que transcende a existência, a

sociedade e a época”, sem perceber que ela é antes “a construção completa de

vários fatores reais, históricos” (WOLFF, 1982, p. 13). O artista não é um ser a-

social, esperando a divina inspiração e alheio às regras normais do intercâmbio

social. Nas palavras de Engels (1989, p. 38),

Somos nós próprios que fazemos a nossa história, mas antes de tudo, com dados e em condições bem determinadas. Entre todas essas condições, as econômicas, são por último, as determinantes. Mas as condições políticas, etc., mesmo a tradição que percorre o cérebro dos homens, representam um papel, embora não decisivo.

A propósito da idéia de “indivíduo excepcional”, em relação ao lugar do artista

na sociedade (BOTTOMORE, 1988, p.18), Marx argumenta em A Ideologia Alemã,

vol. I, III, 3, que:

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A concentração exclusiva do talento artístico em determinados indivíduos e sua supressão correlata entre a massa do povo é uma conseqüência da divisão do trabalho [...]. Na sociedade comunista não há pintores, mas, no máximo, pessoas que, ente outras coisas também pintam.

E, ainda,

na sociedade comunista, onde ninguém tem uma esfera exclusiva de atividade, mas todos podem se tornar completos nos ramos que desejarem, a produção como um todo é regulada pela sociedade, tornando com isso possível fazer uma coisa num dia e outra coisa amanhã, caçar pela manhã, pescar à tarde, cuidar do gado ao entardecer e dedicar-se à crítica depois do jantar, sem que, por isso, o indivíduo deva tornar-se caçador, pescador, pastor ou crítico.

Mesmo se se considerar o texto acima como uma construção utópica, é

forçoso compará-lo com Wolff (1982, p.30) quando afirma que

crescente desumanização do trabalho humano em geral e a erosão do seu aspecto potencialmente criador, sob a divisão do trabalho e, em particular, sob as relações de produção da sociedade capitalista, obscureceu a natureza real do trabalho pela sua forma pervertida. [...] Assim, o trabalho realizado por artistas, músicos e escritores, ainda não integrado pelas relações capitalistas e pelo domínio do mercado, nem por eles afetado, passa a ser visto como uma forma ideal de produção, porque aparece como livre, de uma maneira que outras produções não mais são. A similaridade potencial das duas áreas – arte e trabalho – perdeu-se na medida em que o segundo foi reduzido à sua forma alienada.

Certamente, não é possível ao artista manter-se alheio à alienação que o

avanço do capitalismo vai exigir dele e se hoje ele está livre de patronos não se vê

qualquer possibilidade de sobrevivência a partir desse tipo de trabalho “não

alienante” e acaba por sucumbir às leis gerais da produção capitalista e o resultado

de seu trabalho passa a ser considerado como mercadoria (Ibid., p.31).

Com respeito ao papel que a arte-trabalho passa ter representado na

evolução do homem, Marx chega a teorizar sobre o caráter histórico e social dos

órgãos dos sentidos, estabelecendo, por exemplo, uma relação entre o objeto e o

olho, que se torna humano “quando seu objeto se tornou objeto social humano,

vindo do homem e destinado ao homem” (MARX; ENGELS, 1989, p.48), ou

demonstrando como a mão humana, empenhada em uma atividade criativa prática -

a transformação do ambiente material - atingiu um tão alto grau de especialização,

tornando-se não só um órgão do trabalho, mas também o produto do trabalho.

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Por fim, a tese do trabalho criador pode ser entendida na comparação que

Marx (1989, p. 52) faz, conforme citado na introdução, entre a abelha e o arquiteto:

O nosso ponto de partida é o trabalho sob uma forma que pertence exclusivamente ao homem. Um aranha faz operações semelhantes às de um tecelão e a abelha confunde, pela estrutura das suas células de cera, muitos arquitetos hábeis. Mas o que, logo de início, distingue o pior arquiteto da abelha mais destra é que ele construiu a célula na cabeça antes de a construir na colméia. O resultado a que chega o trabalhador preexiste, idealmente, na imaginação do trabalhador.

Embora possa ter se valido da figura do arquiteto como uma síntese da

capacidade criativa do homem, vale lembrar novamente que Karl Marx aqui não está

falando de arte, e sim da natureza do trabalho humano em geral. Mas, conforme

Vasques (apud WOLFF, 1982, p.29),

a semelhança entre a arte e o trabalho está [...] na sua relação comum com a essência humana, isto é, são ambos atividades criativas por meio das quais o homem produz objetos que o expressam, que falam por ele e sobre ele. Não há, portanto, uma oposição radical entre arte e trabalho.

1.2 – ARTE COMO REPRODUÇÃO DA VIDA OU ARTE PELA ART E?

Quando tudo que se chamava arte se paralisou, o fotógrafo acendeu sua lâmpada de 1.000 velas e, gradualmente, o papel sensível à luz absorveu o negrume de alguns objetos de consumo.

Tristan Tzara2

J. Plekanov coloca o problema da relação da arte com a vida social em dois

sentidos contraditórios: ou se atribui à arte o papel de contribuidora do

2 Apud Walter Benjamin, p. 105.

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desenvolvimento da consciência humana, como apontado no item anterior, e da

melhoria da vida social ou se toma a arte pela arte. Defensores da primeira teoria

conceberiam a arte como parte da superestrutura, “reproduzindo e explicando a vida

e, a miúdo, com um sentido de juízo sobre as manifestações da vida” (PLEKANOV,

1945, p.10), conferindo-lhe, então um caráter utilitário. Para Nikolai Bukharin, por

exemplo, “a arte seria um produto da vida social tanto quanto a ciência ou qualquer

outro reflexo da produção material” só podendo “desenvolver-se quando as forças

de produção alcançam certo nível” (Ibid. p.12).

Mesmo que se aceite a teoria da arte pela arte, é preciso verificar, antes de

tudo, em que condições sociais se fortalece nos artistas tal tendência, assim

expressa por Pushkin, poeta russo do século XIX, a respeito do trabalho de poeta e

em resposta ao povo que exige do artista que melhore com seus cantos os

costumes sociais, citado por Plekanov (Ibid., p. 27):

Não nascemos para as agitações da vida,

nem para o lucro, nem para o combate,

mas para a inspiração,

para os doces sons e orações.

Outro defensor da arte pela arte digno de referência é o escritor francês,

Teófilo Gautier, que advertia com estas palavras os defensores da concepção

utilitarista da arte, novamente em citação de Plekanov (Ibid., p.37):

Não, imbecis; não, cretinos e ignorantes; não se faz com livros sopa de geléia. Uma novela não é um par de sapatos sem costura, nem um soneto, uma seringa; um drama não é uma estrada de ferro, coisas todas civilizadas e que fazem a humanidade trilhar a senda do progresso. Pelas barrigas de todos os papas passados, presentes e futuros, não, e duzentas mil vezes não... Eu, ainda que não agrade a esses senhores, sou dos que acham o supérfluo necessário e apreciam melhor as coisas e pessoas, na razão inversa dos serviços que me prestam.

Para ele, a poesia não demonstraria nem relataria nada dependendo a beleza

do verso apenas de sua musicalidade e do ritmo (Ibid, p.49). Portanto, em oposição

à capacidade e mesmo o dever de emitir um juízo sobre os fenômenos da vida,

existiria uma aparentemente confortável posição de neutralidade e autonomia. Mas

talvez não se deva vislumbrar nesta posição um alheamento às questões da

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sociedade que rodeia o artista: mais adiante Plekanov (Ibid, p.39) de certa forma

suscita a crença na firmeza de caráter de Gautier, quando descreve e interpreta o

grupo de artistas que o cercava:

Os românticos procuravam exprimir seu desacordo à mesura e pontualidade burguesas, não somente em suas obras artísticas, mas até em seu aspecto. Já sabemos através de Gautier que os jovens que tomaram a platéia do teatro francês [...] tinham cabeleira comprida. Quem não ouviu falar do colete vermelho de Gautier, que causava horror às “pessoas decentes”? Os trajes fantásticos, como os cabelos compridos, serviram aos jovens românticos como meio de te: PEREIRA, 1999) A autora salienta que essa arquitetura padronizada com o de expressão. Foi como um protesto à sociedade burguesa.

Parece claro que os românticos estavam em desacordo com a sociedade

burguesa que os rodeava, embora isso não representasse nenhum perigo para as

relações sociais burguesas, mesmo porquê, aos círculos românticos pertenciam

jovens burgueses que nada tinham contra essas relações, mas se indignavam com a

trivialidade da existência numa tal sociedade. Portanto, quanto aos artistas e sua

preocupação exclusiva com a forma denotando um absoluto indiferentismo político

social, sua produção sempre exprime, exatamente, uma determinada e absoluta

dissociação dos seus autores em relação ao ambiente social e essa dissociação

expressa, de uma forma ou de outra, um conteúdo ideológico. Não há, então, obra

artística isenta de conteúdo ideológico e, ao falar sobre a maneira como os homens

são condicionados pelo modo de produção de sua vida material, Marx fornece a

fundamentação para essa afirmação:

A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc. de um povo (MARX; ENGELS, 1989b, p.36)

A forma fragmentária e pouco sistematizada das reflexões de Marx e Engels a

respeito da estética gerou diversas interpretações diferentes e diametralmente

opostas, como se viu, com as conseqüentes controvérsias. Algumas leituras

dogmáticas trouxeram grande prejuízo à arte no mundo todo e, em especial na

antiga União Soviética, onde Stalin e Jadanov impuseram o chamado “realismo

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socialista” como cânone oficial, baseado na idéia de que o proletariado necessitaria

de uma arte realmente dirigida a ele, rejeitando a existente. Essa posição enfrentou

forte resistência de intelectuais como Brecht, Benjamim e Adorno que defendiam o

“modernismo”, em oposição ao que consideravam uma simples transposição do

“realismo burguês” do século XIX, apenas com um novo conteúdo (BOTTOMORE,

p.19). Hobsbawm (1998, p.178) destaca que, por volta dessa época, “praticamente

tudo que se pode chamar de ‘modernismo’ já se achava a postos: cubismo;

expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de

ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com

a tradição na literatura”. O fato de Hitler ter chegado a fechar a Bauhaus, centro de

vanguarda política e artística de Weimar, acusada de subversiva, convida à reflexão

sobre o papel da arte, não só como representação mas, também, de motor da

transformação social.

O caráter utilitário da arquitetura, ou seja, sua produção jamais se destina a

ser experimentada apenas esteticamente, não é suficiente para admitir supor que

esta poderia se manter alheia à discussão do papel da arte na vida social por ser,

aparentemente, óbvio demais. Como exposto anteriormente, a arte é um produto do

trabalho, “a materialização de um pensamento”, portanto uma “expressão material

do sujeito (PULS, 1998, p.229). Ocorre que uma arte que se define como

organizadora do espaço e se exprime através da construção e que, portanto, como

refere Coelho Netto (1993, p.21), apropria-se dos produtos da natureza e lhes dá

“uma forma adequada às necessidades humanas”, não permite considerar aquele

sujeito apenas como um indivíduo. Na arquitetura, como no cinema, no teatro e na

música,

a obra final é o resultado de um trabalho coletivo, e não apenas individual. No entanto, mesmo quando a obra resulta do trabalho individual, o artista não a produz isoladamente. [...] Cada indivíduo integra um grupo social determinado, e sua obra não é apenas a expressão de sua individualidade, mas essencialmente a expressão de sua classe social, de sua sociedade. [...] O sujeito artístico se determina como tal ao expressar objetivamente a subjetividade de um grupo social particular (uma fração de classe, uma classe, uma sociedade): o sujeito artístico é uma coletividade. Senão, a obra não encontraria ressonância social: os contempladores não se reconheceriam nela. O objeto artístico é sempre o espelho do sujeito coletivo (PULS, 1998, p.229).

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Assim, é preciso ultrapassar o puro objeto arquitetônico e reconhecer “os

valores e o mundo que o edifício torna visível” e do qual é devedor. Quando Le

Corbusier propunha a casa como uma “máquina de morar” expressava a admiração

pela era industrial e a sociedade moderna:

Ninguém nega hoje a estética que exala das criações da indústria moderna. Cada vez mais, as construções, as máquinas se afirmam com proporções, jogos de volumes e de matérias tais que muitas dentre elas são verdadeiras obras de arte, porque comportam o número, isto é, a ordem. Ora, os indivíduos da elite que compõem o mundo da indústria e dos negócios e que vivem, em conseqüência, nessa atmosfera viril onde se criam obras inegavelmente belas, se acreditam muito afastados de toda atividade estética. Não têm razão, pois eles estão entre os mais ativos criadores da estética contemporânea. (LE CORBUSIER, 1994, p.59).

E também:

Uma grande época começa.

Um espírito novo existe.

A indústria, exuberante como um rio que rola para seu destino, nos traz os novos instrumentos adaptados a esta época nova animada de espírito novo.

[...]

Os primeiros efeitos da evolução industrial na “construção” manifestam-se através dessa etapa primordial: a substituição dos materiais naturais pelos materiais artificiais, dos materiais heterogêneos e duvidosos pelos materiais artificiais homogêneos e provados por ensaios de laboratórios e produzidos com elementos fixos. O material fixo deve substituir o material natural, variável ao infinito (LE CORBUSIER, 1994, pp.159-165).

Tal profissão de fé nos benefícios e na superioridade da indústria não aparece

apenas em seus escritos, mas também em sua arquitetura. A obra arquitetônica tem

um caráter pedagógico inegável por carregar em si, explicitamente, a representação

da sociedade em que se manifesta e é por isso, e não por se tratar a arquitetura de

uma arte utilitária, que ela não se consente arte pela arte. Talvez se possa comparar

os edifícios modernos, as máquinas de morar, de trabalhar, etc., com outras

máquinas surgidas da aplicação da ciência à tecnologia, produtos da sociedade

industrial, como o telefone, o cinematógrafo, a locomotiva e o barco a vapor.

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Mercadorias destinadas a encantar a humanidade, símbolos do progresso técnico dos “novos tempos”, não eram simples produtos postos à venda, mas corporificavam idéias que buscavam impor-se com a força das certezas: o sistema capitalista trouxera o progresso à humanidade, a máquina era voltada para a satisfação das necessidades humanas, a ordem burguesa instaurava a sociedade do bem-estar, o futuro era previsível, o trabalho disciplinado tinha possibilidades redentoras, a propriedade não era apenas desejável e justa, como era uma meta a ser alcançada por todos, etc., etc. (PENSAVENTO, 1997, p.21).

Nesse sentido, os arquitetos brasileiros que trabalharam em conjunto com

Vargas no esforço de modernização do país, mesmo que o fizessem por ver no

amparo do Estado a oportunidade de fazer arte pela arte, livre das imposições

mercado e com grandes possibilidades de experimentação, produziram uma arte

que cumpriu um papel civilizatório, produzindo uma alegoria do orgulho nacional.

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2. INDUSTRIALIZAÇÃO E NACIONALISMO

Somente com o amadurecimento dos meios de civilização, com a perfeita possibilidade de riqueza, conforto e higiene, é que o homem pode pensar em ser livre [...]. Ora, o que sucede no Brasil? Mal civilizado, mal cristianizado, o Brasil se conservou alheio à grande disciplina social que organizou a nossa civilização ocidental no período pré-industrial. Veio depois a ciência e vem a máquina, e a civilização entrou nas formas novas que somente agora vão se revelando.

Anísio Teixeira3

2.1 – A INDÚSTRIA NO BRASIL E O PAPEL CIVILIZATÓRIO DA

EDUCAÇÃO

Fosse a hora que haver ou a que havia

A mão que ao Occidente o véu rasgou,

Foi a alma a Sciencia e corpo a Ousadia

Da mão que desvendou4

Fernando Pessoa

3 A entrevista, em que elogia o vanguardismo, o nacionalismo e o “bandeirismo intelectual e artístico” de Tarsila do Amaral e dos modernistas brasileiros, foi concedida ao Correio Paulistano de São Paulo e publicada em 28/11/1929. Está transcrita no Livro de Aracy A. Amaral, Tarsila – Sua Obra e seu Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 460 - 463.

4 2º. Verso do poema O Occidente de Fernando Pessoa, publicado em O Eu Profundo e os Outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.56.

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O segundo quarto do século XX e mesmo o primeiro, tem recebido dos

historiadores e intelectuais em geral os mais diversos adjetivos: trágico, terrível,

catastrófico, violento. Nunca tranqüilo. O período entre as duas grandes guerras foi

agitado não só pela maior crise que o capital vivera até então, mas também pela

articulação da classe operária e por uma intensa agitação revolucionária, em

especial na Europa Central, lutas sindicais, a fundação da Terceira Internacional

Socialista (1919), etc. Na realidade, é impossível compartimentar nossa história,

toda ela marcada pela necessidade de produzir para o mercado, ou seja, produzir

valor de troca. Assim, as bases deste cenário já estavam lançadas muito antes deste

período, quando as “atividades econômicas de uma parcela crescente da

humanidade passaram a comportar-se como elementos interdependentes de um

conjunto articulado” com o fortalecimento do sistema de economia mundial baseado

na divisão internacional do trabalho, sob a hegemonia de países em avançado

estágio de capitalização. Além da

criação de uma rede de transmissão do progresso técnico, subsidiária do sistema de divisão internacional do trabalho; essa rede facilita a exportação de capitais e, ao mesmo tempo, promove a difusão dos novos bens finais de consumo que brotam no centro do sistema, à medida que avança a acumulação e a tecnologia (FURTADO, 1976, p. 51-54).

Esse caráter cosmopolita que a classe burguesa imprime à produção e ao

consumo em todos os países é uma condição para sua sobrevivência. “Impelida pela

necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo.

Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em

toda parte” (MARX e ENGELS [1985], p.24-25). Ela não pode “estacionar”! O rápido

aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o constante progresso dos meios

de comunicação terminam por “civilizar” a força todas as nações, obrigando-as a

adotarem o modo burguês de produção.

Nesta época a educação no Brasil, como no resto do mundo e da história,

desempenhou um papel essencial na “preparação” dessa civilização. Houve um

maciço e exaustivo processo educativo iniciado ainda em meados do século XIX,

objetivando nos habituar ao consumo e à produção de mercadorias industrializadas.

A falta de uma classe burguesa organizada no país, essencialmente agrário, fez com

que intelectuais se encarregassem de liderar a criação, através da educação, de um

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ambiente adequado para o surgimento de uma burguesia industrial, pois “enquanto a

burguesia de cada nação conserva ainda interesses nacionais particulares, a grande

indústria criou uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as nações e

em que toda a nacionalidade está já destruída” (MARX; ENGELS, 1989, p. 95).

Foi o caso de Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, conhecido por ter

estabelecido no Rio de Janeiro a Sociedade Propagadora das Bellas Artes, em

1856, com o objetivo de criar uma escola que formasse uma mão-de-obra capaz de

transformar a matéria prima de que o país dispunha em produtos manufaturados.

Segundo o intelectual, essa meta poderia ser atingida através do ensino do

desenho, uma linguagem universal e fácil de ler habilitando o futuro operário fabril a

entender instruções simples ou complexas. Além disso, a intimidade com o desenho

teria a capacidade de refinar atenção do trabalhador, sendo, mesmo, um instrumento

civilizador, assertiva que teve muita força entre os legisladores e educadores

brasileiros que tornaram tal disciplina obrigatória nas escolas a partir da segunda

metade do século XIX. Buscando sustentação teórica às suas proposições,

Francisco Joaquim Bethencourt da Silva se refere a este instrumento, que qualifica

como um “meio poderoso, enérgico e persuasivo de estudar, de conhecer e de

produzir ” (MURASSE, 2001, p.155, grifo nosso), reproduzindo um trecho extraído

dos trabalhos apresentados pela comissão francesa, liderada pelo Barão Carlos

Dupin, durante o maior evento que procurava mostrar para o mundo a riqueza

industrial das nações, a Exposição Universal de 1851 (ver item 4.1 do Capítulo 4),

em Londres, como segue:

...A proporção dos prêmios de primeira ordem conferidos aos povos estrangeiros, era de oito por mil por expositores; para os franceses porem essa proporção se elevava a trinta!! - Os espíritos mais eminentes da comissão real procuraram nas instituições francesas o segredo de uma tão grande desigualdade – e o acharam, (vêde bem, meus senhores) e os acharam, nas nossas Escolas de desenho artístico e geométrico em Lyon, em Nimes e em Paris; nas nossas escolas de artes e officios, que apresentam hoje as mais ricas colleções, e o ensino mais completo das sciencias applicadas às artes úteis (MURASSE, 2001, p.155).

Bethencourt pretendia um liceu de artes e ofícios “em que os nossos

artesãos, operários e mais concidadãos estudem em lições nocturnas o desenho

geométrico, industrial, artistico e architectonico” (MURASSE, 2001, p.156) e, neste

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intento, ao nível mundial não era pioneiro. Muito antes, Adam Smith em seu A

Riqueza das Nações, publicado já em 1776, considerava que, se

[...] os livros com os quais se ensina as crianças a ler fossem um pouco mais instrutivos do que comumente o são, e se, ao invés de um pequeno verniz de latim, que às vezes ali [nas pequenas escolas de caridade da Inglaterra] se ensina aos filhos das pessoas comuns – e que dificilmente poderá ser-lhes de alguma utilidade –, se ensinasse os rudimentos da geometria e da mecânica, a educação literária dessa classe popular talvez fosse a mais completa possível. É raro encontrar uma atividade comum que não ofereça algumas oportunidades para se aplicar nelas os princípios da geometria e da mecânica e que, portanto não exercitem e aprimorem as pessoas comuns nesses princípios que constituem a propedêutica necessária para as ciências mais e levadas e mais úteis (SMITH, 1983, p.215-216).

Em um pequeno trecho de seu discurso, Bethencourt, não irrefletidamente,

deixa entrever o motor de seu propósito:

Não se riam também os ignorantes de todas as côrtes, ante a face de Colombo, quando elle lhes fallava de um novo mundo? Não classificaram de louco ao inventor do vapor, a uma das maiores intelligências que há visto a terra? O próprio Christo não foi vilipendiado pelos impios que não podiam comprehender a grandeza de sua missão? Então porque hesitar? (MURASSE, 2001, P.158).

Aqui é inevitável apontar o encadeamento lógico que Bethencourt estabelece

ao invocar uma tal “tríade” de notáveis: nas palavras de Marx ([1985?], p.23), “a

grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América” e

se, no Velho Mundo, a questão religiosa, por esta época já estava resolvida, pois a

burguesia afogara “os fervores sagrados do êxtase religioso”, ela ainda era pungente

no Brasil. Desta maneira, o orador parece colocar, quase que hierarquicamente nos

seus devidos pódios, os predecessores da revolução industrial, encimando a

alegoria com a figura do próprio filho de Deus.

Embora possa parecer despropositado que indivíduos aparentemente não

diretamente identificados com a classe burguesa e, ainda mais, em um país com um

desenvolvimento industrial incipiente, demonstrem tamanho engajamento, é preciso

analisar de um ponto de vista histórico para entender que as relações de produção

no Brasil, apesar de o estabelecimento do modo de produção capitalista ter se dado

pela via colonial, eram as mesmas da Europa. Para Marx,

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é evidente que a grande indústria não alcança o mesmo grau de desenvolvimento [em todos os países e nem] em todas as localidades de um mesmo país. [...]. Do mesmo modo, os países em que se desenvolve uma grande indústria influem sobre os países mais ou menos não industriais, na medida em que estes últimos são compelidos pelo comércio mundial à luta universal da concorrência (MARX e ENGELS, 1989, p. 95 e 96).5

Michael Löwy (1994, p.101-103) faz uma interessante análise do

entendimento de Marx a respeito de ciência e dos intelectuais que chamam a si a

causa do capital. A burguesia seria “a classe que ‘cria e forma’ as visões sociais de

mundo (‘superestruturas’), mas estas são sistematizadas e desenvolvidas por seus

‘representantes políticos e literários’, isto é, seus ideólogos [...]”. Ainda segundo

Löwy, para Marx, os clássicos, como Ricardo “produziram a ciência por interesse

científico, ainda que tivessem cometido erros; [...]” enquanto que os vulgares, aos

quais atribui má-fé e “os chama por termos carregados de indignação e desprezo:

‘vendidos’, ‘sicofantas’”, “pelo contrário, procuraram ‘acomodar a ciência aos

interesses que lhes eram estranhos e exteriores.’”

Para José Veríssimo (1985, p.36-37) “no fundo das idéias morais há um

elemento social e histórico” e a atividade intelectual teria “um poder superior para

dirigir e transformar os outros gêneros de atividade”, abrindo caminhos à ação,

dirigindo as demais funções sociais. A força do indivíduo seria então determinante

na transformação social:

O homem de gênio é freqüentemente aquele que traduz as aspirações de sua época em idéias: pronuncia a palavra, um povo inteiro o segue. As grandes revoluções morais, religiosas, sociais, realizam-se quando os sentimentos, por muito tempo represados ou apenas conscientes, chegam a formular-se em idéias e palavras: abriu-se o caminho, o fim aparece com os meios, efetua-se a seleção e, a um tempo, todas as vontades se dirigem no mesmo sentido, como uma torrente que achou o ponto pelo qual é possível a passagem (Ibid. , p.36)

É preciso ter em mente que essas iniciativas individuais ou de pequenos

grupos só adquirem força e se tornam movimentos e ganham mais adeptos se

encontram respaldo na sociedade e isso só vai acontecer se as tendências refletirem

5 O texto entre parênteses foi suprimido no manuscrito.

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as necessidades dessa sociedade. Fernando de Azevedo (1964, pp.470-472) chama

a atenção para o declínio que as artes no Brasil sofreram durante o fim do Império

graças, em parte, ao “sistema de proteção individual e de subvenções aos artistas”

que substituiu o antigo costume de contratar missões artísticas e culturais. Dom

Pedro II preferiu mandar, às suas expensas, os artistas aperfeiçoarem seus estudos

“no estrangeiro”, criando

com esse sistema “um movimento artificial e estéril”, pois, na justa observação de Eduardo Prado, “não é enviando à Europa meninos mais ou menos prodígios ou gênios mais ou menos incompreendidos que se conseguirá encorajar a arte brasileira”, cujos progressos estão menos ligados a alguns artistas excepcionais que ao desenvolvimento, por todos os meios, da educação artística do país (Ibid., p. 472).

Para ele, tanto a instrução geral da nação, “que em última análise não

depende senão de sua civilização e de sua riqueza”, quanto a artístico-profissional

não constituíam ainda, e Azevedo escreve no início dos anos quarenta do século

XX, um sistema suficientemente desenvolvido “em altura e extensão para produzir

grandes resultados”. Para o desenvolvimento das artes em geral observava que o

que faltava era o ensino técnico e profissional que se reduzia, no início da

República, a “dois liceus de artes e ofícios, o do Rio de Janeiro, fundado em 1856

por Bethencourt da Silva e o de São Paulo” (Ibid., p.472).

Na Europa, diversos movimentos de configuração semelhante ao que

Bethencourt pretendia aconteciam, quase simultaneamente, e lá os intelectuais

tivessem o apoio dos industriais ou, o que no limite é a mesma coisa, o

financiamento dos conselhos municipais. Foi o que aconteceu na Alemanha, ainda

que só no início do século XX ( portanto muito depois da organização pretendida por

Bethencourt), com a Deutscher Werkbund que redundaria, posteriormente na

Bauhaus, comentada na nota de rodapé 7, uma associação criada por iniciativa de

intelectuais e empresários tendo à frente Hermann Muthesius, que reunia artistas e

artesãos com a indústria com o objetivo específico criar e manter a qualidade da

produção industrial do país. Algo parecido acontece com o movimento Arts and

Crafts inglês, criado por William Morris como reação ao que chamava de mau gosto

dos produtos industrializados até então. Também, são célebres os escritos do

arquiteto Le Corbusier a respeito da estética da máquina, sobre a necessidade-tipo,

“as conseqüências inquietantes das novas técnicas”, a maneira como “a indústria,

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exuberante como um rio que rola para seu destino, nos traz os novos instrumentos

adaptados a esta época nova animada de espírito novo” e suas expressões “é

preciso criar o estado de espírito da série”, referindo à necessidade da

estandardização fabril (LE CORBUSIER, 1981). Apesar da ênfase nas “forças de

organização modernas”, o arquiteto não estava alheio ao mercado em si e,

claramente, tentava formar a mentalidade do consumidor. Ademais, como é possível

depreender do discurso pronunciado por Bethencourt perante os membros

fundadores da Sociedade Propagadora da Bellas-Artes do Rio de Janeiro,

instituições semelhantes espalhavam-se pela Europa, em especial na França,

Inglaterra e Alemanha.

Apesar de não abordado aqui, outro fator – também manifesto no texto

analisado, embora menos claramente – que, sem dúvida, determina essa orientação

dos processos educativos é o uso da educação como instrumento para a

manutenção da ordem social, numa reação da burguesia do período em questão, às

primeiras crises do capital. Na Exposição Universal de Paris de 1855, por exemplo,

foi discutida a educação dos trabalhadores e na de 1867, também em Paris, já havia

um setor reservado para amostra de programas educacionais para operários (ver

item 4.1 do Capítulo 4, nota).

Evidencia-se, dessa maneira, que a educação não é autônoma e, mesmo que

os discursos tentem, o tempo todo, fazer parecer o contrário, ela não conduz a

transformação da sociedade, mas antes, segue atrás e acomoda-se às mudanças

em curso, tendo “como objetivo vital fazer com que uma nova época histórica entre,

de um modo intencional, portanto consciente, nas mentes dos indivíduos”

(FIGUEIRA, 1995, p.13). A educação fez parte – e é inegável que continua fazendo -

do processo de expansão do capital. Sua história é simplesmente a história dos

homens

Apesar dessa atmosfera reformadora que o mundo respirava, Bethencourt,

certamente em função da falta de apoio da classe – já existente, mas não

organizada ainda, como exposto anteriormente –, a quem mais interessaria o projeto

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e também em virtude de o Estado ainda estar mais comprometido com a economia

agrícola6, não logrou pleno êxito em seu objetivo. No Brasil, seu pioneirismo ainda

não havia sido plenamente incorporado ao pensamento nacional, a despeito de já

carregar “a enorme força de expansão das forças produtivas e de implantação do

mercado mundial” que marcaria a virada do século XIX para o XX, com “formulações

de cunho liberal, acirrados debates em torno do progresso nacional, movimentos em

favor da República, críticas à escravidão, proposições em torno da educação

nacional [...]” (TULLIO, p.12). Assim, apesar da acolhida que obteve junto ao

restante dos intelectuais da época, o mesmo não aconteceu junto à nascente classe

burguesa e, assim, as oficinas que seriam imprescindíveis para treinar o estudante-

operário simultaneamente com as aulas teóricas para que, além de adquirir o

conhecimento e destreza manual possibilitassem o conhecimento dos materiais e

dos processos de fabricação, requeridos pela nova organização do trabalho, e que

deveriam funcionar em integração com as indústrias, só viriam a ser criadas em

1911, portanto mais de meio século depois da fundação do liceu de artes e ofícios

vinculado à Sociedade Propagadora das Belas Artes7. Pior era a situação de vários

outros liceus em outras províncias que fecharam por falta de alunos.

6 É interessante notar como havia uma maior preocupação do Estado para com o setor que julgava – e até então não se enganava – ser preponderante. Mesmo os trabalhadores de cada setor recebiam tratamento diferenciado, como acentua Ricardo Antunes (1988, p.65-66). Embora aqui se refira aos anos imediatamente anteriores à revolução de 1930, a prática já era comum antes; apenas não se apresentava de forma tão nítida: “Tratando de forma diferenciada os vários segmentos da classe trabalhadora, o Estado tinha, perante os trabalhadores vinculados às atividades fundamentais para a exportação do café, como ferroviários e portuários, um tipo de relacionamento bastante distinto daquele dispensado aos operários industriais vinculados à burguesia industrial que como se sabe, não constituía uma fração politicamente dominante. Se com relação aos marítimos e portuários havia uma relação integradora e conciliadora, a atenção dispensada aos trabalhadores fabris não foi muito além da conhecida repressão.”

7 É digno de nota que um sistema análogo, se bem que muito mais organizado e fundamentado, que se estabeleceria na Alemanha, em 1919, iria revolucionar completamente a relação arte-técnica. Era a Bauhaus, criada visando superar o método empírico, incapaz de responder às exigências da racionalização industrial. Contava com 12 oficinas que estabeleciam o elo entre a escola e a indústria, integrando “os conhecimentos teóricos dos materiais e do processo produtivo com os conhecimentos técnico-operacionais. [...] Embora sendo uma instituição estatal, jamais recebeu grande apoio financeiro e político e freqüentemente completava o orçamento fornecendo para a indústria, que era seu desaguadouro natural, modelos projetados por docentes e alunos em estreita colaboração” (CARISTI, 2000, p. 229-233).

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Mas a mobilização de forças da elite intelectual do país para consolidar a

educação formal como elemento preponderante no processo de formação do

cidadão trabalhador para a indústria não arrefeceu. Segundo Guaraciaba Aparecida

Tullio (Ano ?), José Veríssimo é um exemplo representativo da consciência que os

homens produzem no início do século XX a respeito daquele período e assim se

expressa acerca do atraso em que se encontrava o país, principalmente em relação

à Europa, que atribuía à educação cívica “pervertida” que recebíamos:

Nunca tivemos vida comercial, porque o comércio esteve sempre e está ainda hoje em mãos estrangeiras; nunca tivemos vida industrial, porque não temos indústrias: nunca tivemos sequer vida agrícola, porque a agricultura eram os escravos que a faziam; [...] e, finalmente, nunca tivemos vida intelectual, porque nunca tivemos movimento científico, movimento literário ou movimento artístico e esses, a um tempo fatores e resultantes da civilização , a Ciência, a Arte, a Literatura foram apenas apanágio de uma limitada minoria antes afastada que intrometida no movimento geral da Nação [...] (VERÍSSIMO, 1985, p. 62, grifo nosso).

Aos poucos começam a aparecer por todo o país escolas que pretendem se

encarregar da educação artística profissionalizante. São empreendimentos da

iniciativa privada, quase sempre visando suprir as deficiências causadas pela

omissão oficial e fornecer a mão de obra necessária à indústria cada vez mais

necessitada de operários especializados:

[...] com a vitória do federalismo, produziu-se, embora lentamente, no domínio das artes, acompanhando o fenômeno da descentralização política, um movimento de irradiação, de que são as primeiras manifestações as novas escolas profissionais artísticas, que vão surgir nos Estados, por iniciativa particular , como a Escola de Desenho e Pintura, de Curitiba, o Instituto de Belas-Artes de Manaus, fundada por Joaquim Franco, a de Belém do Pará (1918), a de Belo Horizonte. O Liceu de artes e Ofícios do Recife e a Escola de Belas-Artes de São Paulo (1925) que já se vinha transformando, desde os fins do século XIX, no maior foco de cultura artística depois do Rio de Janeiro. A Academia de Belas-Artes da Bahia, - instituição particular que procedia do Império (1877), reformada em 1899, tomou então um novo impulso (AZEVEDO, 1964, p.472, grifo nosso).

É somente com o governo do presidente Getúlio Vargas que o Estado

começa a assumir o papel de mediador das demandas da burguesia industrial,

principalmente a partir de 1937 quando imprime novos rumos à política escolar e

inaugura

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A fase mais brilhante e fecunda no domínio da educação profissional, em seus diversos graus e em todas as formas. Os discursos do Presidente Getúlio Vargas mostram com lucidez, em vários trechos incisivos e de um alcance que não é preciso encarecer, essas tendências como a sua própria orientação pessoal, dirigida francamente para a educação técnica e profissional do país. (Ibid., p.739).

Além disso, consagra na própria Constituição de 10 de novembro de 1937, no

artigo 129, a nova orientação educacional, estabelecendo medidas para a

organização do ensino profissional e seu desenvolvimento, tanto na esfera pública

como na privada, para a qual concederá subvenções8. Objetiva, com isso, obter a

cooperação das fábricas – e dos sindicatos – na educação profissional, “pela criação

e manutenção, nos estabelecimentos abris, de escolas para aprendizes e de cursos

de aperfeiçoamento industrial para adultos e menores”. Azevedo (1964, pp.739-740)

ainda observa a importância das “escolas técnicas que tem têm fim a formação do

técnico, elemento intermediário entre o artífice e o engenheiro”. Dessa forma, a

educação se adaptava às mudanças sociais,

decorrentes do desenvolvimento das indústrias, da divisão e racionalização do trabalho, da multiplicação das profissões, da organização dos sindicatos e, portanto, às necessidades novas dos indivíduos. As modificações nas condições industriais, tais como o aperfeiçoamento e a extensão do trabalho da máquina e o emprego de processos de fabricação científicos, alteraram as necessidades profissionais que não podiam ser atendidas com as escolas profissionais de velho tipo, sem articulação estreita com as indústrias (Ibid., p.739).

Mesmo antes da Revolução de 30, Getúlio Vargas já destacava o papel da

educação como preparadora de mão de obra em seus discursos durante a

campanha para as eleições de 1º. de Março de 1930, em que seria derrotado. A

plataforma da Aliança Liberal, coligação que o apoiava, mesmo podendo ser

qualificada segundo Fonseca (1989, pp. 107-123) como um documento vago, “mais

com promessas do que com definições”, e embora traga como centro das

8 Como parte do plano de incentivo ao ensino industrial, “já haviam sido contratados em 1941, na Suíça, 44 especialistas a que se reunirão para completarem o quadro de técnicos estrangeiros, 25 engenheiros ou técnicos, contratados nos Estados Unidos para o fim especial de orientar o ensino industrial, nas próprias indústrias, e dirigir seções ou reger cursos na primeira escoa técnica a ser instalada na capital do país” (AZEVEDO, 1964, pp.740-741).

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preocupações o setor primário, com ênfase na defesa da cafeicultura cuja produção

representaria 70% das exportações brasileiras, não esqueceu a indústria, que

aparece citada de forma diluída em três tópicos diferentes do documento.

Conquanto o autor defenda por isso, que os “aliancistas” não possuíam uma

ideologia industrializante por não atenderem as reivindicações imediatas da

burguesia industrial, admite que a plataforma inclua pontos de longo prazo que a

beneficiariam como classe, como a siderurgia e a educação profissionalizante.

Até então o ensino era meramente teórico e preparador das elites (centrado no estudo das línguas, como português, latim, e francês e de ‘humanidades’, como história e filosofia) e, no nível médio, basicamente o curso clássico. A plataforma postulou que se fizessem alterações tanto no ensino médio como no superior visando a atualizá-los. Pregou-se a necessidade de fomentar cursos de especialização, assim como as ciências econômicas e as disciplinas financeiras e administrativas, entre outras. O ensino deveria ser substituído por outro, mais pragmático e preparador de mão-de-obra. Seria necessário introduzir cursos técnico-profissionais, os quais, preparariam mais ao trabalho que a cultura especulativa. Este ponto atendia aos industriais que reclamavam da inexistência de mão-de-obra especializada, tanto para a produção como para a administração, o que lhes impunha muitas vezes estrangeiros. Iam, portanto, ao ideal de tirar para fora da fábrica parcial ou totalmente o custo de treinamento e especialização; a escola, portanto, deveria acompanhar os novos tempos [...] (FONSECA, 1989, p.124).

Apesar de todo esforço civilizatório anterior à revolução de 1930, o principal

papel do Brasil na rede da divisão internacional do trabalho continuava sendo o de

fornecedor de matéria prima para os países altamente industrializados e, como sua

economia permanecia, por isso, essencialmente baseada na agricultura (embora não

apenas nela, como se verá adiante), a crise de 1929, com sua violenta deterioração

nos preços dos produtos primários no mercado internacional, atingiu dimensões

catastróficas entre nós, já que a América Latina, dentre as regiões subdesenvolvidas

era “uma das que mais se haviam integrado no sistema de divisão internacional do

trabalho” (FURTADO, p.60-63). Nosso principal produto, o café, cujo volume de

exportação correspondia a algo entre dois terços e três quartos do mercado mundial

sofreu uma forte queda de demanda internacional motivando a destruição dos

grandes estoques encalhados. Conforme Eric Hobsbawm (1995, p.97-99), a partir

deste acontecimento o Brasil se tornaria “um símbolo do desperdício do capitalismo

e da seriedade da Depressão, pois seus cafeicultores tentaram em desespero

impedir o colapso dos preços internacionais queimando café em vez de carvão em

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suas locomotivas a vapor”. Diante do desemprego em massa que se alastrou pelo

mundo inteiro e do colapso dos preços agrícolas, sem que houvesse qualquer

possibilidade aparente de solução “dentro do esquema da velha política liberal que

tornou tão dramática a situação dos tomadores de decisões econômicas” ficou

evidente que a Grande Depressão havia conseguido destruir as estruturas do

liberalismo econômico mundialmente, impelindo as políticas de Estado dos governos

ocidentais a priorizar as considerações sociais em detrimento das econômicas,

engendrando mecanismos de abrandamento das pressões sociais, como concessão

de subsídios agrícolas, políticas de pleno emprego, sistemas previdenciários, etc.,

tentando-se evitar com isso os perigos “demasiado ameaçadores” da radicalização –

da esquerda e da direita.

Era preciso agora assegurar as condições para o pleno desenvolvimento da

indústria nacional que não era, em especial a paulista, de modo algum incipiente

“nem irrelevante para o processo econômico e político; muito pelo contrário, traça e

efetiva seu projeto de hegemonia” criando, em 1928, a partir de uma cisão interna da

Associação Comercial, o Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Tais

indústrias foram criadas a partir do capital mercantil-financeiro acumulado com a

exportação do café, inicialmente invertido, não casualmente, para a criação de

indústrias que se vinculavam originariamente à própria produção cafeeira, como as

de sacaria e para a infra-estrutura de serviços – transporte e aparelhamento urbano

(DE DECCA, 1984, passim). Essa indústria inicialmente voltava-se para a produção

de bens de consumo assalariado, que requeria um volume de investimentos menor,

com tecnologia pouco sofisticada e disponível no mercado internacional. Não se

tratava de indústria pesada cujos bens de produção envolviam riscos altíssimos para

o investimento por demandar “uma tecnologia muito mais complexa e não disponível

no mercado internacional, naquele momento de disputas imperialistas” (ANTUNES,

1988, p.41).

Foi a partir de 1920 que se registrou a maior evolução industrial, no Brasil, e particularmente em São Paulo. O que foi o crescimento da produção fabril, neste período de 1919 a 1938, pode-se avaliar pelos seguintes dados estatísticos. A produção industrial em papel-moeda quase quadruplicou no Brasil, quintuplicou em São Paulo. O número de operários, que atingia a 293.673, segundo o recenseamento de 1920, elevou-se em 1940, a 781.185. (AZEVEDO, 1964, p.112).

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No início da década de 30 foram implementadas conquistas sociais dos

operários, como a redução da jornada de trabalho e direitos trabalhistas, e embora

enfrentassem a resistência dos industriais individualmente, De Decca (1981, p. 176)

argumenta que a posição contrária que o CIESP adotava em relação a essas leis

parece ser o que chama de “medida de ocasião”, pois a grande indústria precisava

contemplar em seu discurso a maioria das pequenas e médias indústrias que

poderiam ter suas taxas de lucro comprometidas por medidas como a Lei de Férias

e o Código de Menores. O objetivo era o de unificar a burguesia industrial, formando

um bloco único nas disputas com o proletariado.

Apenas para citar um exemplo, as indústrias de F. Matarazzo possuíam, em 1928, máquinas apropriadas para menores, utilizando essa força de trabalho sob forma intensiva. Evidentemente, essas grandes indústrias, apesar disso, poderiam arcar com os ônus das leis sociais e logo em 1931 já elogiavam através da FIESP essa nova regulamentação estatal, levando com elas toda a massa de pequenos e médios empresários (ibid., p.175).

A necessidade de mecanismos que amenizassem as precárias condições de

vida do trabalhador era destacada desde 1921 por Roberto Simonsen, obstinado

defensor da idéia da indústria como único instrumento capaz de resolver as mazelas

nacionais e introdutor do taylorismo no Brasil com a publicação do livro O Trabalho

Moderno:

Compete, portanto, aos industriais, no seu próprio interesse, evitar que de seus principais colaboradores se forme uma massa hostil buscando remédios para o seu mal-estar em conquistas políticas perturbadoras da produção. Essa evitação seria conseguida pela justa paga do ‘verdadeiro rendimento do trabalho’ – estabelecida de modo a premiar com eqüidade o esforço pessoal e as desigualdades fatais da produtividade de um homem para outro. Teríamos desse modo individualizado o operário, interessando-o diretamente na produção, tornando-o um fator crescente da riqueza e incorporando-o na sociedade por meios econômicos [...] (SIMONSEM, 1921 apud DE DECCA, 1981, p. 176).

Simonsen foi um dos maiores difusores da idéia da industrialização no país,

mas, preocupado com a situação de tensão das relações entre capital e trabalho na

Europa iniciada com as primeiras crises do capital, sempre procurou alertar os

industriais brasileiros para as lutas sociais que por lá se travavam, colocando em

risco a própria sobrevivência da burguesia.

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Segundo [Ortega y Gasset], assistimos nos últimos tempos, nos meios europeus, o espetáculo de uma transbordante maré de multidões, que tudo invade, desde os estabelecimentos de diversões até os recintos sociaes, por sua natureza, reservados a uma minoria da elite. O grande crescimento da população da Europa [...], a democracia liberal, a experimentação scientifica e o industrialismo, produziram o surto extraordinario que teve a civilização no século XIX. [...] O ensino foi se especialisando e tomando um caracter de pratica para se vencer facilmente na vida, com um certo abandono da formação e do aperfeiçoamento da sensibilidade espiritual. Surgiu um typo que Gasset chama de “homem massa” (SIMONSEN, 1933, p. 36).

Alarmado com a possibilidade dessa “massa” com sua, como se refere

Simonsen, “mentalidade perigosa” e “incapaz de submeter-se à dominação de

minorias superiores”, por “erro de orientação” ameaçar a civilização de um

retrocesso, dedicou seus esforços no sentido de alertar a elite industrialista para a

necessidade de conciliar os interesses do capital e do trabalho, não pregando a

igualdade das classes, algo em que não acreditava, mas buscando mecanismos

para conter a indocilidade daquelas massas que não se manifestaria apenas no

terreno político, mas no terreno intelectual e na própria técnica:

Na esphera intellectual subleyam-se quanto á existencia de normas orientadoras e julgadoras; no terreno político reagem contra os processos de acção indirecta da democracia liberal, lançando mão dos meios violentos da acção directa. No campo da thecnica, o excesso de especialização foi constituindo um sêr incpaz de te uma idéa de conjunto sobre quasi todos os problemas que interessam a sua existencia de homem civilisado, enquanto que o proprio avanço da especialisação lhe dá o estimulo de uma pretensão excessiva para lidar com os demais problemas sociaes que não são de sua alçada (Ibid., p. 39).

Certamente já eram conhecidos de nossos intelectuais os alertas emitidos por

Aléxis de Tocqueville (1977, p. 579-582) em seu célebre discurso à Câmara dos

Deputados francesa, em 27 de Janeiro de 1848, manifestando seu “temor em

relação ao futuro”, sentimento que dizia não lhe ser particular, mas, ao contrário, se

espalhava por todo o país “o instinto da instabilidade, esse sentimento precursor de

revoluções, que muitas vezes a anuncia, que às vezes as faz nascer”. Advertia ainda

que entre a população trabalhadora se espalhava a opinião de que a divisão do bens

feita até então era injusta e que a propriedade repousaria em bases desiguais.

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Não vedes que pouco a pouco se propagem em seu seio opiniões, idéias, que de modo nenhum irão apenas derrubar tal lei, tal ministro, mesmo tal governo, mas a sociedade, a abalá-la sobre as bases nas quais hoje repousa? Não ouvis que entre elas se repete constantemente que tudo o que se acha acima delas é indigno de governá-las? (TOCQUEVILLE, 1977, P. 582)

Alerta então que idéias como essas, se se propagassem ente o comum do

povo, penetrando profundamente nas massas certamente acarretariam as mais

temíveis revoluções: “Creio que dormimos, no momento em que estamos, sobre um

vulcão”.

Para que o país atingisse o estágio de desenvolvimento industrial por que se

empenhava Simonsen e grande parte da burguesia nacional sem que isso

implicasse, por outro lado na criação de uma massa revolucionária, seria necessária

a interferência do Estado em todos os níveis. Essa busca do fortalecimento da

organização da burguesia nacional, ao mesmo tempo em que se refreava o

liberalismo, teve na figura do então Presidente da República, Getúlio Vargas, um

enérgico patrocinador. Sempre apresentado como homem de natureza controversa,

característica que demandaria os mais diversos conceitos para sua definição:

“populista, bonapartista, autoritário, fascista, totalitário”, Vargas se mostra bastante

determinado ao se propor a ser o agente mobilizador da necessária “transição da

sociedade tradicional para a moderna (implicando um deslocamento do campo para

a cidade, do agrário para o industrial)”, do modelo agroexportador para o modelo

nacional desenvolvimentista (CAPELATO, [?], p. 185-186), enfim, da consolidação

da burguesia brasileira. Como parte do processo, Vargas começava a atender às

reivindicações pertinentes dos articuladores dos movimentos culturais (portanto,

educacionais) brasileiros, propiciando o alargamento e a ampliação da participação

da classe artística e intelectual e extensão das reformas no ensino, já iniciadas e que

visavam formar o cidadão, o trabalhador, para todo o país como refere Antônio

Cândido (1984, p.27).

Mas o papel de Vargas não se limitou a atitudes conciliatórias. O país já

contava com um proletariado organizado capaz de conquistas sociais e que já

começava a se manifestar no sentido de garanti-las e, segundo Edgar De Decca

(1981, p. 174-176), “apareciam aos olhos da burguesia industrial como uma

demonstração clara de fraqueza do Estado frente à luta de classes”. Como uma

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forma de resposta do Estado é criada, em 1935, a Lei de Segurança Nacional, um

instrumento legal com o objetivo de abafar principalmente as intensas manifestações

do proletariado. “É o Partido Comunista clandestino, são os trotskistas em uma

forma de fração bolchevique, são os anarquistas individualmente ou em sindicatos

que denunciam todo o regime existente” (CARONE, 1978, p. 58). Alguns de seus

artigos manifestam claramente o seu escopo:

São crimes contra a ordem social, além de outros definidos em lei:

Art. 14. Incitar diretamente o ódio entre as classes sociais. [...]

Art. 15. Instigar as classes sociais à luta pela violência. [...]

Art. 17. Incitar ou preparar atentado contra pessoa, ou bens, por motivos doutrinários, políticos ou religiosos. [...]

Art. 18. Instigar ou preparar a paralisação de serviços públicos, ou de abastecimento à população. [...]

Art. 19. Induzir empregadores ou empregados à cessação ou suspensão do trabalho, por motivos estranhos às condições do mesmo.

Art. 20. Promover, organizar ou dirigir sociedade, de qualquer espécie, cuja atividade se exerça no sentido de subverter ou modificar a ordem política ou social por meios não consentidos em lei. [...]

§ 1º. Tais sociedades serão dissolvidas e seus membros impedidos de se reunir para os mesmos fins,

§ 2º. Será punido com metade da pena quem se filiar a qualquer dessas sociedades. (Ibid., p. 61).

2.2 – A QUESTÃO NACIONAL E A ARTE MODERNA

[...]que catedrais tendes no pensamento? Aqui aprendereis a construí-las duas vezes: aprendereis da nova técnica e ajudareis na criação de novos símbolos.

Vilanova Artigas

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O conceito de nação é relativamente novo. Surge na era moderna, quando da

formação dos primeiros Estados, que passam a se chamar Estados Nacionais,

nascidos da reunião de pessoas de diversas origens, “tendo ou não religião comum,

pertencendo ou não a diferentes etnias” que passam a se sentir identificadas com

uma determinada região, sendo que a homogeneidade do povo de cada país

somente depois é construída. É a existência do Estado que agrupa esses indivíduos

“em um povo que se sente um unificado por origens comuns”, passa a falar a

mesma língua e aprender uma história comum, sentindo-se dono de uma herança

comum. Passa a haver uma homogeneização e padronização dos habitantes de

uma nação cujas fronteiras verdadeiras passam a ser a língua nacional, escrita ou

falada, compreensível para a massa. Ao longo do tempo, uma memória nacional é

criada: a bandeira, o hino e os feriados nacionais organizam esses indivíduos

dando-lhes um sentido de pertencimento, de identificação e familiaridade diante de

uma imagem representada (OLIVEIRA, 1998, pp.185-186).

As coisas novas precisam estar relacionadas à experiência anterior para que sejam aceitas como fatos verdadeiros. A veracidade se obtém pela associação do novo com imagens já existentes no arquivo de experiências. O processo de identificação liga experiências novas a experiências antigas, produz familiaridade e/ou estranhamentos e distinções por meio da linguagem oral, escrita, visual. Assim, as identificações são dominadas pela semelhança versus diferença, e pela igualdade versus hierarquia. Nós e eles, igual e superior sintetizam esse processo. A nação é uma das formas de construção de identidade, como o lugar de origem, a família, a religião, a etnia (Ibid., p. 186).

Essa familiaridade afastaria a atitude de manter-se estrangeiro, inspirando a

ordem e a solidariedade. Não à toa, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

(AZEVEDO et al, 1932, pp.2-6) lamentava-se a inexistência no Brasil de uma “cultura

própria” que convencesse os brasileiros da “existência de um problema sobre

objetivos e fins da educação” e propunha a solidariedade e a disciplina como valores

permanentes:

O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes “valores permanentes” que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e calor à vida humana? (Ibid., p.6)

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Segundo Max Weber (1999, p.517), o moderno Estado industrial pressupõe o

nacionalismo e a legitimação do poder desse Estado. “Da aliança forçada entre o

Estado nacional e o capital nasceu a classe burguesa nacional – a burguesia no

sentido moderno da palavra. É, portanto, o Estado nacional que garante ao

capitalismo as possibilidades de sua subsistência e, enquanto não cede lugar a um

império universal, subsistirá também o capitalismo”.

O Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente precedentes, é uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima). Para que ele subsista, as pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas que dominam no momento dado. Quando e por que fazem isso, somente podemos compreender conhecendo os fundamentos justificativos internos e os meios externos nos quais se apóia a dominação ( Ibid., p. 526).

A nação seria, então, portadora de uma missão civilizatória, devendo “gestar

uma ordem social interna e externa que fosse adequada ao pleno desenvolvimento

de sua suposta natureza”. Desse modo afirmaria, “através do Estado os seus

interesses de expansão, justificados pela superioridade racial ou cultural frente a

outros povos”, freqüentemente considerados como ameaçadores ou simplesmente

inferiores, restando-lhes apenas a submissão. Desse modo, glorificava-se a

desigualdade como lei superior da vida social, exercendo-se uma “xenófoba e elitista

exclusão do estrangeiro, do inferior, do mais fraco, assim como dos nacionais que

não aceitavam o modelo de sociedade proposto ou que não se enquadravam dentro

dos critérios definidores do nacional”. Esses mecanismos de exclusão não

necessariamente deveriam ser violentos, estando presentes no Brasil, por exemplo,

nas práticas assimilacionistas aparentemente democráticas que, pregando a

mestiçagem como uma forma de desvanecer a cultura do estrangeiro ou do

diferente, suprimindo-o da paisagem social. Em geral, a nação era vista como

possuidora de vontade e consciência próprias que estaria acima da soma da

vontade da maioria de sues membros. A consciência desse corpo nacional, com

interesses considerados acima do interesse individual, freqüentemente seria

interpretada por um partido único ou por um líder carismático (TEIXEIRA;

MEDEIROS; VIANNA, 1999, p.317).

Uma das justificações internas (Weber considera que existem três em

princípio), isto é, fundamentos da legitimidade de uma dominação é “a autoridade do

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‘eterno ontem’, do costume sagrado por validade imemorável e pela disposição

habitual de respeitá-lo: dominação ‘tradicional’ [...]”. Outra é

a autoridade do dom de graça pessoal, extracotidiano (carisma): a entrega pessoal e a confiança em revelações, heroísmo ou outras qualidades de líder de um indivíduo: dominação ‘carismática’, tal como a exercem o profeta ou – na área política – [...] o grande demagogo e o chefe de um partido político. Por fim, a dominação, em virtude de ‘legalidade’, da crença na validade de estatutos legais e da competência objetiva, fundamentada em regras racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência ao cumprimento de deveres fixados nos estatutos: uma dominação como a exercem o moderno ‘servidor público’ e todos aqueles portadores de poder que com ele se parecem neste aspecto (Ibid., p.526).

Essa centralização política viria, segundo Marx e Engels (1985, p.25), como

conseqüência da supressão cada vez maior pela burguesia da dispersão dos meios

de produção, agora centralizados, da propriedade, que passa a se concentrar em

poucas mãos e da população, que precisa ser aglomerada:

Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária (Ibid., p. 25).

No Brasil, desde o início da Primeira República, os debates sobre a questão

nacional eram acalorados e as posições se dividiam entre dois modelos de

identidade nacional, uma considerando nosso passado colonial e imperial como

positivo, que “acreditava na excelência de nossas tradições, fruto da colonização

portuguesa e da ação da Igreja Católica” e, por isso se negava a aceitar como

modelo a sociedade americana, de colonização inglesa e inspiração protestante e

outra, de forte conteúdo antilusitano, a dos republicanos que “via a República como

a ruptura necessária com o passado português corporificado no regime monárquico”,

pregando o total rompimento com o passado histórico e a integração com o mundo

americano, identificado com a modernidade. A nacionalidade, para os últimos, se

estabeleceria com a “construção de uma nova sociedade organizada pelos nacionais

e na qual as classes empresariais teriam lugar de destaque” (OLIVEIRA, 1998,

p.186-187). Entre os dois modelos havia em comum a necessidade de adequação

ao mercado mundial, buscando, ambos, descobrir quais seriam os caminhos da

modernização, indispensável para o desenvolvimento da produção, seja ela agrícola

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ou industrial. Uma terceira visão nacionalista, talvez apenas uma exacerbação das

anteriores, seria a ufanista que, “em suas formas de ver e interpretar a nação deitou

raízes na cultura brasileira e se fez presente em inúmeras construções simbólicas

que pretenderam marcar a identidade nacional”, e para a qual

a nacionalidade é pensada não como resultado dos regimes político, mas sim como fruto das condições naturais da terra. A natureza prodigiosa e abençoada garantiria um futuro promissor para além e independentemente dos regimes políticos e das querelas partidárias. O ufanismo [...] – juntando às qualidades da terra os valores das três raças originárias – operava assim a paz dos espíritos prometendo dias melhores no futuro, já que a natureza dava fundamentos a tais esperanças (Ibid., p.187).

O tema da miscigenação como forma como forma de exclusão do estrangeiro

e, portanto de fortalecimento da identidade nacional, conforme visto anteriormente,

transparece na descrição de Fernando de Azevedo “dos diversos elementos que

entram na composição do povo brasileiro”, ao notar o enfraquecimento da imigração

branca no país:

A esse fato de grande importância para a formação nacional, de ter permanecido relativamente fraco o número dos estrangeiros em relação ao núcleo primitivo, é preciso acrescentar, para compreender o fenômeno brasileiro, a mobilidade da população, cujo movimento, agindo como instrumento de assimilação, concorreu para a interpenetração e assimilação de raças e culturas diversas (AZEVEDO, 1964, p.73).

E, ao lembrar que o povo brasileiro é um “amálgama de várias raças” sugere

que daí poderia sair um futuro melhor, pois seria certo que

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todos os povos que marcham à frente da civilização, como lembra Jean Finot, possuem o sangue mais rico em elementos heterogêneos, e todos cujas origens foram estudadas, fazem ver a mesma riqueza de elementos étnicos que, entrecruzados, contribuíram para formar a sua unidade nacional”. E, a ser verdadeira a hipótese de Schneider, é sempre 500 a 600 anos depois de um intenso mestiçamento que se produzem os principais surtos culturais [...]. Assim, no Brasil, país novo, em plena fase de crescimento e, por isto mesmo, pelas riquezas e imensidade de seu território, grande foco de atração de imigrantes, esse caldeamento e mistura de raças, desde os albores de sua vida, pode estar preparando o humo biológico para florir uma nova civilização. Por outro lado, [...] se nos faltou a integridade racial dos tipos formadores e nos sobraram as mestiçagens dissolventes (branco e negro), outros elementos físicos e sociais, como os fatores mesológicos, a vitalidade do primitivo núcleo ibérico, a rápida fusão de raças, a comunidade de língua, de costumes e de tradições constituíram, no Brasil, para criar um tipo nacional, essa fôrça empolgante que nos Estados Unidos [...] plasmou e absorveu as correntes adventícias, transformando-as ràpidamente no tipo sui-generis e inconfundível do americano (Ibid., p.73).

Não se deve pensar, no entanto, que Azevedo se encontrava entre os que

Alfredo Bosi, considera como de consciência “encalhada nas ‘leis’ positivistas da

raça e do clima (de onde o peso excessivo dado à mestiçagem e ao trópico)”, mas

sim faria parte daqueles já abertos “à reflexão dos fatores sociais e culturais”. Para

ele, na década de 30

[...] a consideração daqueles últimos fatores iria assumir o devido lugar com o advento de pesquisas antropológicas sistemáticas: uma nova visão do Brasil sairia dos ensaios de Arthur Ramos, Roquette Pinto, Gilberto Freyre, Caio Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo. Persistiria, no entanto, o interêsse de detectar as qualidades e os defeitos do homem brasileiro, ou seja, o caráter nacional, noção cheia de ciladas enquanto projeta estereótipos e os maneja com os instrumentos de uma enferrujada “psicologia dos povos”.

O desencanto com a República que, segundo José Veríssimo (1985, p.41),

apregoava-se capaz de regenerar o país, e logo mostrou sua incapacidade de

modernizá-lo como a sociedade industrial exigia, pode explicar a nova postura,

principalmente entre os intelectuais, sobre a forma de alcançar aqueles objetivos.

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O fato da mudança de forma de governo, maiormente por causas onde não sei se o futuro historiador descobrirá alguma insigne inspiração desinteressadamente patriótica, não é, entretanto, de per si mesmo bastante para facultar-nos uma nova era de regeneração. As formas de governo têm um valor relativo, mesmo porque, conforme o demonstra a História e o ensinam os mais alumiados pensadores, a força progressista das nações atua de baixo para cima e não de cima para baixo. É no povo que reside e é a soma de seus esforços, em qualquer ordem de fenômenos, que produz a Civilização e o Progresso (VERÍSSIMO, 1970, pp.41-42).

Para grande parte dos intelectuais, o Brasil não preparado para se incorporar

à nova ordem econômica mundial passa a ser identificado como o país do atraso, o

Brasil arcaico. Esse questionamento da ordem traduz-se em um movimento de perfil

difuso, o Modernismo, com instâncias ora nacionalistas, ora cosmopolitas. Por um

lado promovia uma ruptura com a rotina acadêmica que isolara o país das

discussões mundiais acerca da arte, e abria o país ao mundo contemporâneo,

reiterando sua condição de país periférico, semicolonial, que buscava na Europa as

chaves para a interpretação de sua própria realidade, do mesmo modo que fizera

antes o Romantismo (BOSI, 1970, pp.232-233). Por outro lado expressava seu amor

pelas “soluções folclóricas, neo-indianistas, neo-românticas” e buscava uma nova

linguagem, pesquisando o folclore e a linguagem do interior.

[...] a mesma corrente que fôra aprender junto à arte ocidental modos novos de expressão refluiu para um conhecimento mais livre e direto do Brasil: o nacionalismo seria o outro lado da práxis modernista.[...] Na sua vontade de acertar o passo com a Europa, sem deixar de ser brasileiro, o intelectual modernista criou como pôde uma nova poesia, um nôvo romance, uma nova arte plástica, uma nova música, uma nova crítica; e a seu tempo se verá o quanto ainda lhe devemos (Ibid., p.233).

Alfredo Bosi, procurando distinguir o perfil do movimento modernista, aponta

para o quadro de ideologias em conflito no país no primeiro quarto doe século XX,

com o tradicionalismo agrário ajustando-se mal “à mente inquieta dos centros

urbanos, permeável aos influxos europeus e norte-americanos na sua faixa

burguesa, e rica de fermentos radicais nas suas camadas média e operária”.

Lembra, porém que isso ocorria em um Brasil plural, “onde os níveis de consciência

se manifestavam em ritmos diversos”.

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Assim os conflitos deram-se em tempos e lugares diferentes, não raro parecendo exprimir tensões meramente locais. Sé para exemplificar, o núcleo jagunço de Canudos, matéria de Os Sertões de Euclides da Cunha [refletiu] a situação crítica de um Nordeste marginalizado e. portanto, aderente a soluções arcaicas. Os movimentos operários em São Paulo, durante a guerra de 1914-18 e logo depois, eram sintoma de uma classe nova que já se debatia em angustiantes problemas de sobrevivência numa cidade em fase de industrialização. [...] Estudados em si, êsses movimentos têm uma história de todo independente; mas, no conjunto, testemunham o estado geral de uma nação que se desenvolvia à custa de graves problemas (ibid., pp.340-341).

Diante desse quadro, o movimento modernista no Brasil será colorido

ideologicamente pelas opções dos intelectuais que “viveram com maior ou menor

dramaticidade uma consciência dividida entre a sedução da ‘cultura ocidental’ e as

exigências de seu povo, múltiplo nas raízes históricas e na dispersão geográfica”

(Ibid., pp.341-343).

[...] a coexistência deu-se de forma dinâmica e progressiva: e se na pressa dos manifestos houve apenas colagem de matéria-prima nacional e módulos europeus, nos frutos maduros do movimento se reconhece a exploração feliz das potencialidades formais da cultura brasileira (Ibid., p.343).

A semana “pretendia captar a vida em movimento, a eletricidade, o cabo

submarino, o automóvel, o aeroplano, o cinema. Na revista Klaxon9 está presente o

debate entre ser ou não futurista” (OLIVEIRA, p.190) o que envolvia a questão da

ruptura ou não com a tradição nacional. No discurso de Menotti Del Picchia na

segunda noite da Semana de 22, há uma negação ao futurismo ortodoxo, para cuja

existência no Brasil o orador não vê razão lógica, pois acreditava que o prestígio do

passado brasileiro não tolheria “a liberdade de sua maneira de ser futura”. E

prossegue:

9 O arquiteto Nestor Goulart Reis Filho (1998, pp. 154-155) lembra que o termo tem origem no francês e significa buzina, e o automóvel, nessa fase era realmente apresentado como um símbolo de modernidade, enfatizando “certas formas de modernização, características da sociedade industrial e do desenvolvimento tecnológico, enfatizados pelo cinema, pela arquitetura e pelas diferentes atividades artísticas”.

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Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte. E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último deus homérico, que ficou anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do jazz-band e do cinema, com a frauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de Helena! (PICCHIA, 1922 apud BOSI, pp.380-381).

“Mas a dado trecho, salienta que o grupo quer fazer nascer ‘uma arte

genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do Homem e do Mistério’” (BOSI,

p.381). Embora o movimento modernista tenha, então, na questão da brasilidade

seu eixo principal, difundindo “a necessidade de identificar a substância do SER

brasileiro”, as estratégias diferem entre os diversos artistas do movimento

(OLIVEIRA, p.191). O Movimento Verde-Amarelo, por exemplo, do qual faz parte

Menotti del Picchia,

tem como proposta abandonar as influências européias, fixar-se na originalidade brasileira, voltar aos mitos fundadores, ao mito tupi, a escolha da Anta como animal totêmico. [...] Aceitam a vida no interior, regional, como a que teria se mantido mais autêntica em oposição ao litoral, visto como a parte falsa e enganadora do Brasil [...] Vários dos verde-amarelos vão participar [em 1932] do Estado Novo no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) (Ibid., p.191).

Outro grupo, representado pelo Movimento Antropofagia, propunha

a apropriação das influências européias pelo canibalismo cultural. A Revista de Antropofagia (o antropófago come a carne de seus inimigos para captar suas energias) exprime essa metáfora em suas seções: Hors d’oeuvre, entrada, aperitivo, cafezinho, e em suas fases: primeira dentição, segunda dentição (Ibid., p.191).

Milton Lahuerta (1998, p.97-105) considera que, tendo a intelectualidade “ido

ao povo”, esperando “encontrar nas manifestações populares uma matéria-prima

pura e dotada de autenticidade, à qual caberia dar forma final mediante um trabalho

de síntese eminentemente cultural”, ou tendo ficado impressionada com o

industrialismo europeu com a ascensão de Getúlio Vargas, em 1930, passa a haver

“uma politização das questões culturais e o tema da modernidade fica integralmente

subsumido ao da construção de um projeto nacional”. Além disso, considera que a

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aceitação, entre os intelectuais, da institucionalização corporativa implantada com o

Estado Novo (1937-45), não é obra do acaso e tampouco fruto de cooptação.

Mesmo apresentando uma face repressiva10, oferecia aos intelectuais uma

perspectiva de realização de suas demandas, “inclusive as éticas, acolhendo-os e

procurando dar sentido à sua atividade, engajando-os na construção de um Estado

ético” e modernizador, dessa forma tirando-os do isolamento e integrando-os à vida

nacional. Além disso, estar sob a tutela do Estado permitiria ao artista, como fez

Lucio Costa, por exemplo, a experimentação, impensável nos limites da iniciativa

privada. É através da mediação do Estado que se consolida, então,

uma cultura política cujo eixo estruturador é um desenvolvimento capitalista excessivamente jurisdicionado, recoberto pela norma do direito e que busca sua legitimidade na realização de fins sociais. A tal ponto isso se dá que “o privado carece de legitimação própria, qualquer interesse dependendo que o Estado lhe confira o estatuto de público” [WERNECK VIANNA, L.,. p.2]. De modo que o capitalismo avança cumprindo o percurso de uma “revolução passiva”, na qual a nação não tem identidade própria, é criatura do Estado, sendo organizada “como um corpo de funcionários a serviço do ideal de expansão da acumulação” [Ibid., p.43]. Portanto, se a “revolução” aprofunda a exigência de renovação, o Estado Corporativo, que se quer Novo, reconhece a necessidade de mudança e de modernização, mas procura domesticar esse impulso transformador, trazer para si essa exigência. É em nome da ordem e até da tradição, e sempre pleiteando o primado do público sobre o privado, que o Estado Novo, realizando expectativas difusas da sociedade civil , se assume como arauto da modernidade [...] (LAHUERTA, 1998, p.101).

Antônio Cândido (1984, p.27-36) também chama a atenção para o vínculo de

dependência do intelectual brasileiro ao Estado afirmando que a Revolução de 1930

trouxe uma atmosfera de fervor, um movimento de unificação no plano da cultura,

projetando na escala nacional fatos antes restritos às diversas regiões:

10 O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda –, por exemplo, não visava apenas censurar, “mas também organizar a produção cultual, imprimindo um sentido moderno e nacionalista”. (LAHUERTA, 1998, p.101)

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A este aspecto integrado é preciso juntar outro, igualmente importante: o surgimento de condições para realizar, difundir e “normalizar” uma série de aspirações, inovações, pressentimentos gerados no decênio de 1920, que tinha sido uma sementeira de grandes e inúmeras mudanças. [...] Isto ocorreu em diversos setores: instrução pública, vida artística e literária, estudos históricos e sociais, meios de difusão cultural como o livro e o rádio (que teve desenvolvimento espetacular). Tudo ligado a uma nova correlação entre, de um lado o intelectual e o artista; do outro, a sociedade e o Estado – devido às novas condições econômico-sociais (Ibid., p.27).

Enfim, a colaboração dos intelectuais parece ter sido fundamental no projeto

de Getúlio Vargas de organização de uma nação comprometida com a modernidade

e, ainda segundo Lahuerta (1998, p.102), embora haja controvérsias sobre o papel

da Revolução de 30 na constituição da ordem burguesa no Brasil, seria certo o seu

caráter de ruptura, de verdadeiro “marco histórico” no processo de constituição não

só do Estado nacional como da própria cultura, ao gerar um movimento de

“unificação cultural”, exacerbando-se, a partir dele, o esforço de construção de uma

identidade nacional.

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3. SAMBA CAFÉ E ARQUITETURA

A história do gosto, individual ou coletivo, é suficiente para desmentir a ilusão segundo a qual objetos tão complexos como as obras de arte, produzidos conforme leis de construção que foram elaboradas no curso de uma história relativamente autônoma, sejam capazes de suscitar preferências naturais apenas pela força de suas propriedades formais.

Pierre Bourdieu

Com uma certa irritação, em 1959, Vilanova Artigas, um dos maiores

arquitetos brasileiros, reagia à maneira como um grande jornal brasileiro definia o

país na manchete com o título acima, durante aula inaugural ministrada na

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, entendendo que nela havia um “intuito malicioso de fazer acreditar, ainda hoje

que o nosso país é uma terra estranha, curiosa e indefinível, desordenada e

injustificável”. Argumentava então que o sucesso da Arquitetura Brasileira seria, na

verdade, o resultado do esforço dos brasileiros de “afirmar a nossa capacidade de

criar uma pátria unida e independente, original em suas manifestações culturais e

artísticas” (ARTIGAS, 1981, p.25). Ele prossegue afirmando, nesse sentido, que:

Um frêmito de progresso que tem raízes profundas em nossa história agita todos os brasileiros e se acrescenta com a força criadora que os imprime o caminhar inexorável do mundo contemporâneo para etapas cada vez mais elevadas do desenvolvimento humano. [...] A luta contra o subdesenvolvimento brasileiro, que empolga a todos, encontra os arquitetos com posições tomadas e com o coração cheio de agradável certeza de terem sentido, com oportunidade, os apelos da pátria (Ibid., pp. 25-26).

O tom absolutamente patriótico do discurso de Artigas expõe o caráter do

envolvimento da Arquitetura Moderna Brasileira (e em seus escritos a expressão

sempre aparece com as iniciais em maiúscula) com o Estado e o papel que

representou no processo civilizatório apresentado no capítulo precedente. Quando

diz que “a Arquitetura é antes de tudo a expressão cultural de um povo; que se serve

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do avanço técnico e da produção industrial, sobre os quais exerce também sua

influência criadora” (Ibid., p.22), parece consentir que não é possível renunciar a tal

envolvimento. O fato de ter pertencido ao Partido Comunista Brasileiro e, ainda

assim, ter produzido para uma sociedade organizada de uma maneira da qual ele

ideologicamente discordava, permite supor seu engajamento, junto com outros

setores da intelectualidade, na estruturação da nação pretendida pelo Estado, ou

pelo menos uma concordância por parte daqueles de “ter no Estado seu agente

privilegiado, seu agente fundamental de institucionalização”, nas palavras de Carlos

Ferreira Martins (1994, p.95) que prossegue: “Não porque os homens de Estado nos

procuraram, mas porque nós estávamos convencidos de que o Estado era o único

canal viável para implantar a arquitetura moderna, a literatura moderna e assim por

diante”.

Porém, se a um determinado tempo, a arquitetura moderna brasileira cumpriu

o papel de integrar o Brasil na contemporaneidade, isso não aconteceu de forma

instantânea, transcorrendo um longo intervalo de tempo entre as primeiras

manifestações do movimento moderno no país e sua aceitação pelo poder como

veículo ideológico11. Como se verá adiante (item 4.3, Capítulo 4), por quase duas

décadas prevalecerá na arquitetura privada nacional o Art Déco, e por quase uma

década ela será apropriada como estilo oficial do Estado. Conforme refere Yves

Bruand (1981, p. 62-81), as primeiras tentativas de introdução da arquitetura

moderna no Brasil tiveram um caráter restrito, quer pelo número de oportunidades e

encomendas particular ou pública, quer pelo caráter temporário dos recursos

11 Antônio Cândido crê mesmo que houve “na arquitetura uma espécie de sanção oficial do modernismo, que correspondia à aceitação progressiva pelo gosto médio [...]. O ‘estilo futurista’ não apenas se difundiria, mas receberia a consagração do mau gosto nas inumeráveis casas quadradas, brilhantes de mica , que se espalharam por todo o país” (1984, p.29, grifo nosso). Por sua descrição, as tais construções mais se identificam com o estilo Art Déco que com uma arquitetura racionalista, em que pese as “formas quadradas”.

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concedidos12, que não possibilitaram ao movimento se afirmar definitivamente.

Mesmo a superestimada Semana de Arte Moderna de 1922, se trouxe algumas

contribuições positivas para a literatura e a pintura, foi inócua quanto à arquitetura:

Os organizadores contavam com um grande número de literatos, quatro pintores (Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e o suíço John Graz), um escultor (Brecheret), um compositor (Villa-Lobos); era também necessário um arquiteto para que a exposição fosse completa. Recorreram então a um espanhol radicado em São Paulo, Antonio Garcia Moya, autor de casas inspiradas na tradição mourisca espanhola, que, em suas horas livres, colocava no papel desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas por sua fisionomia extravagante (Ibid., p. 63).

Mesmo as obras pioneiras de Gregori Wachavichik, que causaram alvoroço e

críticas positivas inclusive dos líderes da Semana de 22, no começo, foram logo

preteridas em função da ausência de traços que referenciassem a tradição e o

nacionalismo, exigências difíceis de serem satisfeitas pelo arquiteto nascido russo e

formado na Itália.

O projeto modernista só foi integrado ao modelo cultural nacionalista depois

de passar por um processo de assimilação que lhe conferiria a condição de uma

arquitetura especificamente brasileira como arquétipo a ser pronta e facilmente

seguido e respeitado:

Originalmente esta arquitetura brasileira é o resultado da importação obviamente de modelos da metrópole [...], mas mais que tudo, ela é o resultado de um processo de lenta decantação desses modelos, de lenta adaptação às condições climáticas, técnicas, sociais, culturais. É essa lenta decantação que permite falar numa arquitetura especificamente brasileira (MARTINS, 1994, pp.93-94).

Nesse lento processo de decantação, no entanto, há um momento de corte

abrupto e decisivo, quando Gustavo Capanema, Ministro da Educação em 1935,

12 Bruand refere-se à rápida passagem do arquiteto Luis Nunes pela chefia de um serviço de arquitetura encarregado dos edifícios públicos do Estado de Pernambuco e dos privados subvencionados, a “Diretoria de Arquitetura e Construção”, criada em Novembro 1934 com o apoio do governador Carlos de Lima Cavalcanti e fechada em Novembro 1935, sob suspeita de atividades subversivas. Reorganizado em 1936, foi novamente fechado em 1937. Enquanto funcionou, Luis Nunes conseguiu montar “uma equipe de técnicos, artistas e artesãos, cuja colaboração iria possibilitar importantes estudos, especialmente no campo da padronização da construção e uma execução de alto nível dos projetos elaborados” (1981, 77).

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escolhe um projeto modernista, num aparente paradoxo em que homens de um

Estado autoritário elegem a arquitetura moderna como sua face oficial. Na verdade,

como se verá (item 4.3, Capítulo 4), quando Capanema instituiu o concurso para o

anteprojeto do edifico do Ministério da Educação e Saúde Pública, as normas

pediam um edifício em estilo marajoara, nome pelo qual ficou conhecido o estilo Art

Déco no Brasil. Isso era uma maneira de afirmar uma nacionalidade ou tradição,

recorrendo a uma linguagem “nacional” em oposição ao “universal”, segundo afirma

Carlos Coutinho (1979, p.22-23), ou o “autêntico” contrastando com o “alienígena”, já

que, conforme mostrado a seguir, não existia uma significativa cultura autóctone

anterior à colonização. Mesmo tentando adotar então uma linguagem indígena que

pudesse conferir uma fisionomia especificamente brasileira ela era pouco mais do

que um amálgama com as matrizes européias.

Esse momento de afirmação cultural, no entanto, pode ser precisamente

definido: a tentativa de construir uma identidade nacional liberta da subordinação

formal européia data dos tempos da Primeira República. Até então, o país não

oferecia quaisquer obstáculos à importação de padrões exógenos. Ninguém que se

proponha a um estudo sério da arte pode dissociar a sua produção do seu contexto

contemporâneo e das relações entre cultura local e cultura universal. Ainda hoje,

apesar do acúmulo de estudos acerca da estética e da produção artística, parece

existir, mesmo entre autores consagrados, uma “noção romântica da arte como uma

criação de ‘gênio’, que transcende a existência, a sociedade e a época”, sem

perceber que ela é antes “a construção completa de vários fatores reais, históricos”.

O artista não é um ser a-social, esperando a divina inspiração e alheio às regras

normais do intercâmbio social.

Por isso, muito mais que determinar fontes e influências é preciso apontar a

maneira como se “articulou a evolução das formações econômico-sociais brasileiras,

de cuja reprodução e transformação a nossa cultura é momento determinado e

determinante, com o desenvolvimento do capitalismo em nível mundial”

(COUTINHO, 1979, p. 19-21).

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[as velhas indústrias nacionais] são suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones, mas sim matérias primas vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material como a produção intelectual . As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas (MARX; ENGELS, [1985?], pp. 24-25, grifo nosso).

Como exposto anteriormente, o objetivo central do colonialismo foi a extorsão

de valores-de-uso da colônia e sua transformação em valor-de-troca no mercado

mundial, pela metrópole, havendo a necessidade, no caso do Brasil, de “criar um

aparelho produtivo que se articulasse diretamente com o mercado mundial”, em

função da falta em nosso território de “uma formação econômico-social que, mesmo

primitiva, fosse capaz de fornecer excedentes de vulto no processo de circulação do

capital mercantil colonialista” (COUTINHO, 1979, pp. 21-22). Isso teve uma

importante conseqüência para a questão cultural brasileira que não colocou

obstáculos à penetração da cultura européia, pelo menos até que o sentimento

nacionalista se exacerbasse.

O momento de consolidação do International Style, especialmente na

arquitetura, coincide com o auge da afirmação da identidade nacional no Brasil.

Somado a isso, uma total e deliberada ausência de representação do real por parte

do modernismo acabou por dificultar, momentaneamente a expansão do movimento

no país:

A tendência modernista de reduzir toda forma à abstração fez disso uma maneira insatisfatória de representar o poder e a ideologia do Estado. Em grande parte, essa inadequação iconográfica explica a sobrevivência de uma abordagem historicista da construção [...] (FRAMPTON, 2000, p. 255).

Como com a Revolução de 1930, ganhou força o propósito de formatar uma

unidade ideológica, uma nova “cara do poder”, que cuidasse de legitimar o poder do

Estado diante das massas, e a arquitetura moderna, pelos motivos explicados

acima, não se prestava a esse papel, pelo menos não até que se integrasse ao

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modelo cultural nacionalista, os ideólogos de Getúlio Vargas lançaram mão do estilo

exposto no capítulo seguinte. Mas antes, essa peculiaridade da arquitetura moderna

ainda obrigaria a adoção de outros modelos, tanto no Brasil como na Europa.

Diante do que Kenneth Frampton (2000, pp. 255-257) chama de incapacidade

de comunicação da forma abstrata, a modalidade pública que na Europa oscilava

entre o neogótico e o neobarroco encontrou seu equivalente no Brasil no

neocolonial, defendido pelo próprio Lúcio Costa sem, porém, resultar numa

expressão arquitetônica convincente e apropriada para “representar a ideologia

progressista de uma sociedade industrialmente avançada, [...] as aspirações

ideológicas de uma sociedade liberal e progressista”.

Em 1908 Ricardo Severo já havia elaborado seus primeiros projetos dentro do que se considerou na época estilo Neocolonial. Essa preocupação de revalorização de uma tradição tinha certamente vinculação direta com o movimento nacionalista [...] (REIS FILHO, 1998, p.156).

Fernando de Azevedo (1964, pp.476-479) chama a atenção para o fato de

que a arquitetura não fez nenhum progresso importante entre o período colonial e a

República, “nem na linha de evolução do espírito colonial, cuja tradição se perdeu,

nem segundo os rumos novos que Grandjean de Montigny pretendeu imprimir-lhe

com suas sóbrias arquiteturas clássicas”. Para ele, o “predomínio da economia

agrícola e as lentas transformações das paisagens urbanas” derrubavam por terra

qualquer intenção de produção de grandes obras – civis, religiosas ou militares –

ainda mais se se considerar que a arquitetura é a arte que mais depende das

condições materiais. Por isso, prossegue, não seria possível se esperar um surto

significativo de obras expressivas onde os operários não atendiam às exigências

técnicas dos grandes artistas estrangeiros como Montigny. Nas primeiras décadas

do século passado o surto de crescimento de cidades como o Rio de Janeiro – que

começava “a se despojar de seu velho aspecto colonial para adquirir a fisionomia

esplêndida de uma grande cidade moderna” – e São Paulo ocorreu em ritmo de

acelerado e fez ver que o problema continuava:

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No ímpeto das construções que se multiplicavam, reclamando por toda parte operários e arquitetos, a falta de mão de obra e de profissionais especializados abre um domínio cada vez mais vasto à improvisação e a toda espécie de aventuras. “Empreiteiros promovidos a arquitetos, na justa expressão de Nereu Sampaio, simples construtores quase analfabetos que se fizeram arquitetos e estrangeiros sem escrúpulos” encontraram o campo livre para uma intensa atividade, sem os freios da opinião pública , num meio social a que faltava educação artística e sem elites profissionais com idéias bastante claras e definidas para orientarem o movimento extraordinário de construções urbanas (AZEVEDO, 1964, p. 479, grifo nosso).

Azevedo se queixava da falta de uma educação estética do povo brasileiro,

algo que dizia não se fazer através de escolas, mas sim “nas ruas, nos jardins e nas

praças públicas, nos museus e pinacotecas”, etc. É interessante chamar a atenção

para a consciência de que a “aplicação, em larga escala, da arte às indústrias” ou,

pelo menos, “uma colaboração mais íntima da arte e das indústrias”, era necessária

para a educação artística da população. Confrontando com a iniciativa anterior de

Bethencourt da Silva, é possível perceber que a educação não tinha por objetivo

apenas adestrar o operário para as tarefas das novas indústrias interessadas na

“produção em série de artefatos marcados pelo selo das artes e acessíveis a um

público cada vez mais vasto” (Ibid. p.491), mas formar o consumidor desses

artefatos.

Em 1914, ao iniciar a Primeira Grande Guerra, Ricardo Severo, engenheiro

português radicado no Brasil poucos anos antes e associado ao maior escritório de

engenharia e arquitetura de São Paulo, o Escritório Técnico Ramos de Azevedo,

realizou em São Paulo suas famosas conferências visando a valorização do

Neocolonial. A primeira, “A Arte Tradicional no Brasil” (SEGAWA, 1998, p.35), foi

proferida na Sociedade de Cultura Artística e pregava a valorização da arte

tradicional, no caso a arte colonial de origem portuguesa, como manifestação de

nacionalidade e como elemento de constituição de uma verdadeira arte brasileira e

seu estudo conduziria à “perfeita cristalização da nacionalidade”. Ao contrário da

mera veneração tradicionalista “diluída em nostálgica poesia do passado” ou puro

saudosismo, o discurso de Severo era uma especulação sobre o presente:

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Com efeito, para criar uma arte que seja nossa e do nosso tempo, cumprirá, qualquer que seja a orientação, que não se pesquisem motivos, origens, fontes de inspiração, para muito longe de nós próprios, do meio em que decorreu nosso passado e no qual terá que prosseguir nosso futuro. Ficará bem explícito que não se intima ao artista de hoje a postura inerte da esfinge, voltada em adoração estática para os mitos do passado, mas sim a atitude viva do caminhante que, olhando o futuro, tem de seguir um caminho demarcado pela experiência e pelo estudo do passado, e cuja única diretriz é o progresso e a glória das artes nacionais (SEVERO, apud SEGAWA, 1998, p.35)

A propagação dessas idéias estava lastreada pelo sentimento de

nacionalismo que se intensificou desde as comemorações do quarto centenário do

descobrimento do Brasil e a conseqüente institucionalização de movimentos

nacionalistas como, por exemplo,

a Liga de Defesa Nacional, criada em 1916 pelo poeta Olavo Bilac (1865-1918 [...] ou recrudescimento de movimentos capitaneados por instituições como a Sociedade Eugênica de S. Paulo ou a Liga Pró-Saneamento do Brasil – críticos do falso ufanismo e a situação médico sanitária no Brasil [...] (SEGAWA, 1998, p.36).

Reis Filho (1998, p. 155-157), aponta para a existência de uma

“modernização conservadora”, expressa numa “relação direta entre dois movimentos

aparentemente contraditórios” que se “evidencia com a realização da Semana de

Arte Moderna de 1922 a poucos dias da comemoração do Centenário da

Independência”. A Exposição Internacional do Centenário da Independência,

realizada no Rio de Janeiro tinha diversos pavilhões em estilo neocolonial, os

principais e mais admirados, encantando principalmente os estrangeiros que viam

neles uma nota de exotismo. A repercussão e os elogios

reforçaram o entusiasmo brasileiro pelo movimento, que a partir de então passou a contar com o apoio oficial declarado. Em 1926, quando o Ministério da Agricultura instituiu um concurso para a escolha do enteprojeto do pavilhão do Brasil na Exposição da Filadélfia, a primeira condição do programa era a adoção do estilo colonial (BRUAND, 1981, p.56)

Isso, juntamente com a orientação francamente internacionalista que as

formas puras, neutras e não referenciadas, do modernismo, em especial na

arquitetura, seguramente ajuda a explicar a posição aparentemente contraditória não

apenas do Brasil, mas de outros Estados totalitários, quase sempre com orientação

nacionalista de direita, de rejeição à arte moderna, ao mesmo tempo em que o

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discurso oficial era o de desvinculação com o passado e o arremessar-se rumo ao

futuro, identificado com o arrojo da máquina, da automação, como nos manifestos

futuristas.

Raffaele Raja (1993, pp.47-50) oferece uma tentativa de demarcação dos

limites do termo “moderno”, contrapondo-o ao termo “contemporâneo” e sugerindo

que, numa interpretação mais abrangente, o primeiro pode implicar tanto uma atitude

positiva, favorável, quanto hostil, no que se refere “às mais recentes aquisições do

progresso, às vezes efêmeras ou provisórias”, mas mais freqüentemente apontaria

para uma

adesão ao espírito do progresso e, por assim dizer, existe dinamicamente, prefigurando a categoria dialética do devir, [enquanto o termo “contemporâneo”denota uma existência estática, isto é, não perturbada pela contínua negação de si ou pela dialética (ou então pelo espírito do progresso). Em outras palavras, se moderno só pode ser algo de ideologicamente vizinho do espírito dos tempos e em linha com o progresso industrial, científico e tecnológico (e social), contemporâneo é também aquilo que está ideologicamente longe deste mito, embora vivo e presente em nossos dias (RAJA, 1993, pp.47-48).

Esclarece em seguida, e essa interpretação será decisiva para este trabalho,

que pode ser contemporâneo, mas não-moderno, aquele que “rejeita a tecnologia, a

ordem social, política e econômica hoje existente” opondo-se “aos esquemas da

civilização industrial ou pós-industrial do mundo ocidental (mas também dos Estados

socialistas), ao consumismo, ao terciário”. Assim aceito, a definição de “Moderno”

implicaria quase que numa instância moral, (Ibid., p.48), não importando se se esteja

falando de arquitetura ou da sociedade em geral e presumiria

Uma dupla referência à contemporaneidade, que deve aparecer dividida de maneira inconciliável entre um ser negativo e um dever ser positivo. O conceito de moderno se esclarece desse modo [...] como programática vontade de atuação do único empenho imperioso na situação histórica determinada. [...] O fato de o termo “moderno” adquirir no século XIX seu valor polêmico definitivo deve-se às enorme mudanças sociais que então se processavam; o progresso incubado pela Revolução Industrial gera os binômios antinômicos cidade-campo [...], indústria-agricultura, progresso-conservação, esquerda-direita, traduzindo-se – em termos ideológicos – em luta de classes e teorização da evolução dialética (Ibid., p.50).

Embora uma particularidade do modernismo nas artes seja o aparecimento de

“grupos de vanguarda dispostos a promover a ruptura cultural, tendo como

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fundamento a idéia do moderno contra o tradicional e o antigo”, surgiu entre 1900 e

1914 na Europa um estilo historicista que se aspirava “modernizado” fazendo com

que os antigos Neobarroco e Neogótico começassem a perder sua definição e

surgisse o que se convencionou chamar de Nova Tradição, cuja luta com o

Movimento Moderno foi travada até na União Soviética, por ocasião do concurso

para o Palácio dos Sovietes (FRAMPTON, 2000, pp.255-256).

Na verdade, o termo “luta” talvez seja um pouco forte para qualificar a

relação, nas palavras de Nestor Goulart (1998, p.156), entre a revalorização do

passado e o projeto de modernização que andaram lado a lado e não apenas no

Brasil, como se costuma interpretar, atribuindo à nossa formação cultural uma

especificidade que na verdade pode ser apenas uma ideologia que pretende

mascarar a realidade da nossa formação fundada na expansão do capital

internacional. As explicações baseadas puramente em uma marca especial do

caráter do homem brasileiro de uma pretensa criatividade inspirada, seja pela graça

divina, seja pela natureza exuberante, seja pela “mistura positiva das raças,

escondem questões mais profundas das relações de produção”.

Essa forma particular de articulação entre tradição e modernidade, que em todos os textos aparece como sendo uma espécie de raiz da originalidade – e o tema da originalidade é um tema recorrente – [não] me parece tão evidente assim. Na verdade, uma arquitetura moderna que não seja de fato tão a-histórica [...], uma arquitetura moderna que esteja preocupada com o resgate, o reengate com a sua tradição, não é uma especificidade, uma originalidade do Brasil. Basta pensar [...] no desenvolvimento da arquitetura moderna na Itália para saber que, se as soluções podem ter sido originais, o problema não era. Pensar a relação tradição-modernidade não era um problema nem exclusivo nem original do Brasil (MARTINS, 1994, p.95).

Por volta de 1920, “época de indecisões de tentativas, mais ou menos

aventureiras”, conforme refere Fernando Azevedo (1964, p.479), é que se inicia o

movimento de renascimento da arquitetura colonial, para ele “a única que fala de

nossas origens históricas e que, trazendo caráter racial bem definido, corresponde,

do ponto de vista das habitações privadas, à natureza do clima”.

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O que com êle se pretendia era que estudássemos a fundo os modelos antigos, não para reproduzi-los, mas “para retomar o fio da tradição e confrontarmos com o novo quadro social o que nossos antepassados, por intuição, acomodaram maravilhosamente à diversa natureza de clima e de materiais”13. Êsse movimento tornou-se tanto mais útil quanto mais, na volta ao tipo brasileiro de habitação, os arquitetos haviam perdido a noção da arquitetura funcional, racional, ou a consciência do valor utilitário dos elementos principais que entravam na sua composição arquitetônica, e que eram empregados, na observação de José Mariano Filho, a título de “meros ornamentos”, quando tinham uma “função” – a de defesa contra o clima – na casa colonial [...] (Ibid., pp.479-480).

José Mariano Filho, a quem Azevedo se referia, foi o historiador da arte que

cunhou o termo neocolonial e com cuja adesão o movimento de valorização da arte

tradicional brasileira ganhou força e cujo ativismo abriu espaço para que uma série

de obras públicas de porte fosse executada seguindo essa concepção. Chegou a

interferir junto ao governo para que, nos editais de concurso para os pavilhões do

Brasil nas Exposições de Filadélfia (1926) e Sevilha (1928) e do projeto para o novo

edifício da Escola Normal (1928), que se tornou a mais importante obra pública no

estilo, constasse a obrigatoriedade do neocolonial como estilo, considerado pelos

seus defensores como portador de um caráter de “progresso” (SEGAWA, 1998,

p.36-37).

O reconhecimento oficial do neocolonial e a construção de importantes edifícios públicos nessa linha vulgarizaram os elementos ornamentais de gosto tradicional a ponto de serem apropriados, em todo o Brasil, em edificações tão distintas quanto habitações populares ou postos de gasolina. A aplicação indiscriminada do neocolonial gerou uma acalorada discussão entre arquitetos e artistas [...] (Ibid., p.37).

13 Trecho da conclusão do inquérito de Azevedo publicado em O Estado de São Paulo, em 29 de abril de 1926, intitulado Arquitetura Colonial VIII.

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Figura 1 Ângelo Bruhns e José Cortez: Escola Norma l. Rio de Janeiro, 1926.

(Fonte: BRUAND, 1981)

O debate culminou em uma série de reportagens de Azevedo para o jornal O

Estado de São Paulo que, em 13 de abril de 1926 publicaria seu artigo “Architectura

Colonial I”, no seguinte tom:

A arquitetura no Brasil está positivamente deslocada das duas correntes adversárias em que se divide, do ponto de vista artístico, a concepção da arquitetura moderna. Não está, de fato, nem com os reformadores revolucionários que procuram na arquitetura um jogo de formas geométricas primárias ordenadas no espaço virtual e de um caráter social marcado; nem com os tradicionalistas que a querem encarada sob uma óptica local, em todos os aspectos que toma ao seu ambiente. Nem se orienta no sentido de uma “arte mundial” em que se apaguem as diferenças regionais e cuja estética resulte da nova técnica de construção e da solução de problemas puramente utilitários; nem tenta vincular a arte às tradições locais e ao espírito da raça. Em uma palavra nem é tradicionalista, nem antitradicionalista. Nem nacional, nem “supranacional”. Definiu-o Monteiro Lobato com essa expressão motejadora: “um jogo internacional de disparates...” (FERNANDO DE AZEVEDO, 1926 apud SEGAWA, 1998, p.41).

O concurso para o Pavilhão do Brasil na Exposição da Filadélfia foi vencido

por um jovem arquiteto que marcou profundamente tanto o movimento neocolonial

quanto, depois, o movimento racionalista que originou a Arquitetura Moderna

Brasileira: Lúcio Costa. Somente seu projeto “resolvia perfeitamente os problemas

de distribuição interna e de circulação, conservando ao mesmo tempo ao mesmo

tempo um grande parentesco formal com a arquitetura da época colonial” (BRUAND,

1981, p.56), enquanto os outros ou se pareciam com residências ou sacrificavam a

funcionalidade em função da necessária monumentalidade. Costa, porém, logo

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percebeu que a adoção de um “estilo” não bastaria para resolver os problemas da

arquitetura e, portanto, não se devia limitar a uma interpretação literal, mas procurar

encontrar o espírito que presidira o nascimento dessa arquitetura colonial.

Ora, seu principal valor era o de ter trazido, principalmente para a construção civil, uma resposta satisfatória aos problemas decorrentes das necessidades da época; portanto não bastava tomar de empréstimo seu vocabulário arquitetônico, era preciso também transpor sua perfeita lógica interna para termos contemporâneos (Ibid., p.58).

Essa compreensão de Lucio Costa terminaria por afastá-lo do movimento

neocolonial, por não ver nele espaço para algo mais que pesquisas puramente

plásticas. A nova sociedade industrial, com seus novos materiais, novos métodos

construtivos e, principalmente, suas novas necessidades, exigia uma nova

abordagem dos problemas da arquitetura, tanto em seus aspectos estéticos quanto

funcionais. Mas, acima de tudo, a nova arquitetura pretendida precisava se

identificar com uma sociedade preocupada em descobrir sua própria identidade.

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4. ART DÉCO: O QUASIMODERNO ECLETISMO

[...] toda a gente pode desligar o rádio e abandonar os concertos, não gostar do cinema e do teatro e não ler um livro, mas ninguém pode fechar os olhos perante as construções que constituem o palco da vida citadina e trazem a marca do homem na paisagem.

Bruno Zevi

4.1 – EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS: AS VITRINES DO CAPITAL

Quando dizemos que um determinado indivíduo considera sua actividade como um escalão necessário na cadeia dos acontecimentos necessários, afirmamos, entre outras coisas, que a falta de livre-arbítrio equivale para ele à total incapacidade de permanecer inactivo e que essa falta de livre-arbítrio se reflecte na sua consciência como forma da impossibilidade de actuar de um modo diferente daquele como actua.

Pleckanov

A metade do século XIX encontrou a Inglaterra mergulhada na mais profunda

onda de otimismo expansivo de toda sua história. A Revolução Industrial, em seu

auge, deixava o país mais rico do que jamais estivera e a próspera burguesia se

encontrava representada pela própria rainha Vitória. A confiança no progresso

industrial, sempre ascendente durante todo o século, e o acentuado

desenvolvimento técnico produziram as condições materiais e o entusiasmo

necessário para o início do que seria o ciclo das Grandes Exposições Universais

(BRUNA, 1983 e PEVSNER, 2002), responsáveis, entre outras coisas, pela

propagação mundial de uma nova forma de pensar a arquitetura.

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Nenhuma outra geração antes desta teria sido capaz de conceber a idéia de organizar uma exposição de matérias primas e produtos técnicos de nações de todo o mundo. O plano, que foi tão gloriosamente realizado em 1851, devia-se em larga medida à energia do príncipe Alberto, que, ao delineá-lo e executá-lo, foi arrastado pela mesma onda de otimismo expansivo que os seus contemporâneos (PEVSNER, 2003, p.27).

Na verdade, as exposições de produtos industriais aconteciam desde o fim do

século XVIII, motivadas pelo fim das corporações – não por coincidência, com o fim

das corporações na França, além da realização da primeira exposição industrial em

1798, são fundados a École Polytechnique em 1795 e o Conservatoire des Arts et

Métiers em 1798 (PEVSNER, 2002, p.32) – e a decorrente nova relação direta que

se estabelece entre produtores, comerciantes e consumidores. Eram, contudo,

realizadas sempre em âmbito nacional nos diversos países, em virtude das rigorosas

leis de restritivas ao livre comércio externo que visavam proteger as nascentes

indústrias locais. A situação muda a partir 1850, a partir de quando as nações

começam a atenuar as barreiras alfandegárias possibilitando o comércio

internacional, e isso se refletiu nas Exposições que se tornam internacionais com

mostras de produtos do mundo todo (BENÉVOLO, 1976, p.129).

Para a Exposição Universal de Londres de 1851, a comissão organizadora

realizou um concurso para a escolha do edifício que a abrigaria. Todos os 245

projetos inscritos foram recusados – embora o prêmio para o primeiro colocado

tenha sido pago – porque a estrutura deveria ser desmontada e reaproveitada após

o evento. Foi então encomendado um projeto às pressas, para o arquiteto-paisagista

(ou engenheiro perito em jardinagem, segundo algumas fontes) Joseph Paxton que,

em apenas oito dias, entregou o desenho de uma espécie de “kit de montagem

altamente versátil”, todo em peças padronizadas de ferro e vidro – por isso chamado

de Palácio de Cristal – de montagem rápida (em apenas quatro meses estava

pronta): um revolucionário “processo de construção tornado manifesto como sistema

total, desde a concepção, a fabricação e o transporte iniciais até a construção e o

desmonte finais” e que ainda pôde ser revisto durante o desenvolvimento para

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acomodar um grupo de árvores adultas14 no local da exposição15 (FRAMPTON,

2000, pp.31-32). O sucesso foi tão grande que um edifício semelhante – também

projeto de Paxton – foi construído para a Exposição de Nova York, em 1853.

O Palácio de Cristal propõe e extingue em si mesmo a problemática da arquitetura entendida como Industrial Design e forneceu a mais completa e indiscutível contribuição de seu tempo, marcando a primeira fuga dos estilos históricos na arquitetura e simultaneamente uma concepção estritamente ligada aos conceitos de produção em massa (BRUNA, 1983, p.40).

As Exposições Universais eram sofisticados catálogos dos processos e

resultados dos procedimentos industriais e manifestavam uma fé inabalável no

progresso ao oferecer grandes panoramas do poder do homem sobre a natureza.

Havia “uma tentativa quase didática de abranger todo o conhecimento humano,

organizá-lo e catalogá-lo”, promovendo uma “comparação entre cultura e

desenvolvimento técnico das nações, reforçando a idéia da evolução embasada nas

novas teorias biológicas e geológicas do século XIX” (BITTAR, 2004). O próprio

recinto da exposição, o Palácio de Cristal foi uma das grandes realizações da

engenharia da época que se fazia notar com suas experiências com coberturas de

grandes vãos e avanços na tecnologia do ferro e do vidro e da profunda e crescente

14 Havia uma persistente oposição da opinião pública à realização da Grande Exposição de 1851 e o motivo principal parece ter sido o problema da preservação desse grupo de árvores no Hyde Park, o local escolhido. Essa grande resistência da população parece justificar a maneira elogiosa com que os manuais de história da arquitetura se referem ao Príncipe Alberto, como o grande responsável pela organização daquele primeiro grande espetáculo tecnológico e, como conseqüência, pela criação das condições favoráveis para o surgimento de uma nova arquitetura. No mínimo, dele foi o papel de um dos mediadores dos “acontecimento necessários” – nas palavras de Pleckanov – para a plena expansão da burguesia.

15.Paxton resolveu o problema introduzindo um transepto central com um altíssimo teto curvo com estrutura em madeira laminada para que as árvores pudessem ser acomodadas, surgindo assim a dupla simetria que caracterizou a forma final. Segundo Bruna (1983, p.42), na verdade, o visitante, quando da inauguração, apreciou muito mais o espaço formado pelo transepto em forma arco do que a longa nave central porque o primeiro apresentava ao grande público uma linguagem familiar.

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relação entre a arquitetura e a indústria16 (BRUNA, 1983). Uma nova era precisava

de uma nova arquitetura. O grande sucesso de público motivou os realizadores e

nações convidadas das exposições posteriores a investir ainda mais na construção

dos pavilhões nacionais, sempre entregues a profissionais de renome nos seus

respectivos países, o que aumentou a importância que tiveram em relação à nova

arquitetura, cuja máxima expressão no uso da tecnologia específica do uso de ferro,

vidro e luz foi a Galeria das Máquinas. Sobre este projeto (Figura 2) do arquiteto

Ferdinand Dutert para a exposição mundial de Paris em 1889, considerada o ápice

da onda de construções de grandes pavilhões e da arquitetura em ferro e vidro

ocorrido na Europa naquela época, a mesma que apresentaria ao mundo a Torre

Eiffel (

Figura 3), projeto e construção de Gustave Eiffel, também responsável pela

estrutura interna de sustentação da Estátua da Liberdade de Bartholdi, Benévolo

(1976, p. 134; 138) apresenta os detalhes:

A Galerie dês Machines, com um vão de 35 metros é sustentada por arcos metálicos; as pressões são eliminadas prolongando-se as pilastras até o exterior, e ligando-as com vigas por cima da abóbada envidraçada. J. B. Krantz, projetista do edifício, encomenda as armações metálicas à oficina que um jovem engenheiro, Gustave Eiffel (1832-1923) acabou de abrir em Lavellois-Perret; Eiffel encarrega-se também dos cálculos e das verificações experimentais.

16 A seguir, exemplos de obras que fizeram uso dessas novas tecnologias: entre 1800 e 1840: criação, em quase todas as grandes cidades européias, de centenas de passagens cobertas ou galerias, construídas com estruturas metálicas e fechamentos de vidro, alcançando no interior desses ambientes um micro-clima controlado (Galeria Panoramas, Galeria D’Olrleans, Galeria Lafayette); 1811: estrutura de ferro para o Mercado de Trigo de Paris (arquiteto Bellange e engenheiro Brunet); 1818-1821: Pavilhão Real de Brighton (Jonh Nash), cuja coluna de ferro fica à vista pela primeira vez; 1824: a nave do mercado de la Madeleine em Paris, toda construída em ferro; 1833: hibernáculo do Museu de História Natural de Paris (Charles Rahault de Fleury) (DELGADO, 2003).

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Figura 2 - Galeria das Máquinas. Exposição de Paris , 1889.

(Fonte: BENÉVOLO, 1976) Primeira estrutura arquitetônica a utilizar o arco triarticulado para vencer grandes vãos (107 metros). Segundo Frampton (2000, p. 32), ela não se limitava a expor as máquinas, mas era ela mesma uma “máquina de exposição” em que plataformas móveis, correndo por trilhos elevados, passavam sobre o espaço da exposição em ambos os lados do eixo central, transportando os visitantes, permitindo assim que eles tivessem um panorama rápido e abrangente de toda a mostra.

Esse impulso na tecnologia das construções se devia a uma adequação às

novas necessidades programáticas criadas pelo extraordinário incremento na

produção e aumento populacional provocado pela exigência de cada vez mais

braços aliada à diminuição da taxa de mortalidade. Além disso, o desenvolvimento

no comércio, se acontecia em nível mundial, também acontecia na escala das

cidades, que cresciam numa velocidade espantosa. Com o aumento no volume e

variedade das mercadorias tornava-se necessária a construção de depósitos,

armazéns e – um novo fenômeno gerado pela criação de novas necessidades de

consumo e pelo aumento no número de consumidores e na variedade de

mercadorias em circulação – as lojas de departamentos ou magazines (DELGADO,

2003). Essas novas construções, juntamente com as das fábricas, traziam novos

problemas como necessidade de mais espaço livre, riscos de incêndio, comuns nas

tecelagens com cobertura em estrutura de madeira, e excesso de peso nos

pavimentos, como quando da introdução, em meados do século XVIII do tear

mecânico, maior e mais pesado que o convencional.

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Foram as novas exigências por melhores transportes, pontes e canais, por edifícios industriais maiores e mais resistentes, por edifícios não combustíveis, por edifícios públicos, como as estações da estradas de ferro, portos e armazéns e os edifícios para as exposições universais, que caracterizaram o fim do século XIX, a solicitar os novos materiais como o ferro fundido e o vidro [...] (BRUNA, 1983, p.32).

Figura 3 - Vista parcial da Exposição Universal de Paris, 1889.

(Fonte: Ciência Hoje Especial República) É interessante observar, neste postal da época da realização da Exposição, o tratamento dedicado pelo artista à iluminação, conferindo à Torre Eiffel um aspecto de grandiosidade ainda maior que a própria estrutura apresentava. A iluminação feérica somada às nuvens que, na pintura, se sobrepõem a ela abaixo da metade de sua altura, dá ao monumento o aspecto de um farol quase místico e comunicando o caráter contundente de sua presença na paisagem parisiense. O espectador estaria diante de um memorial da capacidade do homem moderno.

A procura de respostas às necessidades de acomodação dessas novas

atividades humanas levou ao desenvolvimento das novas tecnologias construtivas e

industriais específicas. Embora o ferro e o vidro já se constituíssem como materiais

de construção havia muitos séculos, o ferro, por exemplo, era utilizado apenas como

“elemento complementar, como reforço, sob a forma de correntes, tirantes ou anéis

de ligação entre as pedras nas construções”, tornando os custos dessas obras muito

elevados em função da baixa capacidade de produção das indústrias siderúrgicas

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(Ibid, p.32). Foram necessárias diversas inovações na metalurgia para que

finalmente o uso do ferro se tornasse habitual:

Em 1713 Abraham Darby fez ferro fundido com carvão (em vez de lenha); cerca de 1740 Benjamin Huntsman inventou o mprocesso de fundir o aço em cadinho; em 1783 Cort introduziu a pudlagem17; fizeram-se em 1810 os aperfeiçoamentos decisivos no alto-forno (Albertot); em 1839 Nasmyth inventou o martelo pilão; e em 1856 Bessemer inventou um método para produzir aço isento de carbono (PEVSNER, 2002, p.32).

Com o aumento da produção e a conseqüente redução dos preços, o ferro

fundido difundiu-se rapidamente e em 1869 é utilizado para a construção do primeiro

grande magazine. O texto abaixo evidencia as vantagens do uso do ferro e vidro

para esse tipo de edifício:

A construção do Bon Marché por Boileau e Eiffel, constituiu a primeira grande loja moderna em ferro e vidro, assegurando livre afluxo de luz natural aos interiores. Esse prédio contrastou com o tipo de prédios comercias da época constituídos por pavimentos superpostos e iluminados artificialmente na maior parte dos seus espaços. Boileau constatou que as paredes maciças não se adaptavam bem ao tipo de espaço conveniente às grandes lojas e a estrutura deveriam ter colunas de pequenos diâmetros. Destaca-se, portanto, no Bon Marché, a ampla superfície envidraçada, os vidros dispostos em série, sem nenhuma interrupção. A marquise, também em vidro, se estende ao longo de toda a fachada da loja, por cima das vitrines, acentuando ainda mais o efeito dos seus grandes vidros (DELGADO, 2003).

Para além de divulgar os novos avanços tecnológicos e seus produtos, no

entanto, as Exposições Universais, depois Feiras Mundiais, objetivavam exaltar a

nova organização do trabalho18 decorrente da Revolução Industrial, conforme se

pode concluir pelas palavras do príncipe consorte Alberto em um dos discursos

17 Processo para a diminuição do teor de carbono do ferro, mediante a ação de escória ou óxidos, transformando a gusa em ferro doce, menos quebradiço.

18 Não por coincidência, com raras exceções, as Exposições Universais eram inauguradas no dia 1º de Maio, dia do trabalho. E, segundo Benévolo (1976, p. 134), a segunda Exposição Universal de Paris, em 1867, organizada no Campo de Marte, foi abrigada em um edifício oval composto por sete galerias concêntricas: a mais externa e maior, para as máquinas, as demais, destinadas às matérias primas, ao vestuário, à mobília, às artes liberais, às belas-artes, a história do trabalho; no centro encontra-se um jardim descoberto, contendo um pavilhão para as moedas, os pesos e as medidas”.

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preparatórios à Exposição de 1851, quando após chamar a atenção para as

características especiais de sua época, um “período de maravilhosa transição, que

tende para a rápida realização da grande finalidade que a história certamente indica,

e que é a unidade do gênero humano”, prossegue celebrando “o grande princípio da

divisão do trabalho, que pode ser considerado a força que faz progredir a civilização”

(PEVSNER, 2002, pp.27-28). Ainda o volume de introdução da The Great Exhibition

of the Works of Industry of All Nations, logo em sua primeira página trazia,

vaidosamente, a afirmação de que “um acontecimento como esta exposição não

poderia ter-se dado em nenhuma outra época, e talvez mesmo em nenhuma outra

nação a não ser a nossa”:

Claro que não; os que escreveram estas linhas conheciam as razões disso e falaram delas com inteira franqueza: “a segurança total da propriedade” e “a liberdade comercial”. Os milhares de visitantes que se apinhavam na exposição sentiram provavelmente o mesmo. A afluência era enorme, assim como o tamanho dos pavilhões e a quantidade dos produtos expostos (PEVSNER, 2002, p.28).

Apesar da aclamação ao trabalho, o trabalhador continuava em segundo

plano com jornadas de até quatorze horas por dia – incluindo crianças de até cinco

anos, cujo horário de trabalho foi reduzido em 1802 para doze horas por dia – em

fábricas cujas portas e janelas eram sempre mantidas fechadas. Após digressar

sobre essas questões vergonhosas, Pevsner parece mais preocupado com a

educação do consumidor:

Os economistas e filósofos foram suficientemente cegos para fornecer aos patrões um fundamento ideológico para sua criminosa atitude. A filosofia ensinava que dar livre curso à energia de cada um era a única maneira natural e sã de conseguir o progresso. O liberalismo dominava tanto na filosofia quanto na indústria, e implicava a completa liberdade do fabricante para produzir todo o gênero de objetos de mau gosto e de má qualidade desde que conseguisse vendê-los. E isto era fácil, pois o consumidor não tinha tradição, nem educação, nem tempo livre , e era, tal como o produtor, uma vítima desse círculo vicioso (PEVSNER, 2002, p.33, grifo nosso).

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O sucesso das Exposições Universais que se multiplicam por todo o mundo

após 187819, porém, associado a diversas outras iniciativas (ver item 2.1 do Capítulo

2) de mediadores das necessidades da burguesia industrial cuidou de educar, por

um lado, o operário, dando-lhe as habilidades necessárias para a nova organização

da produção e, por outro lado, o consumidor, que aos poucos ia se familiarizando,

com a nova “estética da máquina” (Walter Benjamin definiu as ExposiÇões

Universais como locais de peregrinação para o culto da mercadoria). Em ambos os

casos a participação dos arquitetos que pretendiam a renovação da arquitetura foi

fundamental. Depois de exploradas as possibilidades da construção em ferro, nas

duas últimas décadas do século XIX, ganha força rapidamente um novo sistema de

edificação, o concreto armado, que invade o campo da edificação comum, tanto por

sua conveniência econômica, quanto por ter normas oficiais que regulamentavam

seu uso, facilitando a acesso a mais profissionais.

O crescimento extremamente rápido das cidades, especialmente nos países que somente agora se industrializam, como a Alemanha, demanda da indústria de construção um esforço extraordinário que exige uma revisão completa dos métodos de construção antigos (BENÉVOLO,1976, pp.146-148).

Contudo, se as técnicas construtivas tinham evoluído com rapidez, o que fica

patente nos edifícios construídos para as Exposições Universais e nas novas obras

em concreto, o mesmo não se dava com a cultura artística tradicional que entra,

então, em sua crise definitiva, que transparece com o problema do cada vez mais

difícil e preocupante controle arquitetônico:

19 O Brasil também teve o papel de nação anfitriã, conforme visto no Capítulo 3. De acordo com Martins (1997, p.4): “A Exposição Internacional de 1922 foi um marco em sua época. Seu objetivo foi o de comemorar os cem anos de independência do Brasil, mostrar ao mundo e ao próprio país toda a nossa potencialidade, promover o intercâmbio cultural e comercial, valorizar os produtos da terra e trazer as novidades do ramo industrial de outros países para o conhecimento de nossos cidadãos.” Quanto à participação em Exposições em outros países, o Brasil se inseria entre as nações exóticas: as Exposições apareciam também como mostruários antropológicos, cujas atrações eram “povos desconhecidos, matas virgens a serem descobertas” tidos como a visão do paraíso. Ainda segundo Martins, eram eventos que refletiam a lógica da divisão internacional do trabalho com os “colonizadores” demonstrando sua supremacia sobre os “colonizados”. “Estes, como no caso do Brasil, se esforçavam ao máximo para impressionar com suas características exóticas e seus esforços no campo industrial, promovendo seu próprio desenvolvimento”.

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Nos pavilhões franceses [...] a cultura eclética esforça-se de várias maneiras em conferir dignidade e respeitabilidade às estruturas dos engenheiros, sem uma forte convicção e com um crescente senso de estranheza. Não é de maravilhar que a Exposição de 1889 e as discussões levantadas tenham produzido, como reação uma onda extrema de intransigente classicismo [...]. Retorna às revistas a antiga polêmica sobre o uso dos materiais novos e sobre as relações entre arte e ciência (Ibid., p.148).

Os arquitetos conservadores não pareciam prontos para a Era da Máquina.

Coube a um grupo de arquitetos racionalistas franceses a tarefa de obter um decreto

de Napoleão III, em 1863, com o objetivo de reformar a École de Beaux-Arts, tirando

parcialmente o controle de ensino das mãos da academia e conferindo um sentido

mais liberal aos estudos. Embora a discussão fosse no sentido de atenuar a

orientação clássica e outras questões estilísticas, a verdadeira controvérsia era com

relação ao ensino técnico e suas relações com a formação artística: os progressistas

se queixavam que o estudante não tinha o menor contato com os novos materiais e

técnicas construtivas, durante os seis ou oito anos do curso. Como a polêmica foi

grande e a maior parte das reformas caiu por força de outro decreto, Émile Trélat

funda a École Centrale d’Arquiteture, instituição privada destinada a um ensino

rigorosamente técnico para “jovens engenheiros, empresários e a poucos arquitetos”

(Ibid., pp.148-152). No mundo todo, inclusive Brasil (ver item 2.1 do capítulo 2)

diversos grupos de intelectuais de vanguarda prosseguiram fazendo a necessária

mediação para cumprimento das demandas da burguesia industrial.

As Exposições Universais prosseguiram sempre com um grande número de

nações participantes, até o apogeu em 1904, com a Exposição de Saint Louis,

depois da qual veio o desinteresse, em razão dos conflitos e das constantes crises

por que o mundo passava. De qualquer maneira, após a Exposição Universal de

Paris de 1889, por algum tempo a arquitetura não mais conseguiu simbolizar as

conquistas e a capacidade do mundo industrializado, adquirindo apenas um caráter

lúdico ao adotar o neoclassicismo e o ecletismo como ornamentos destinados a

ocultar melancolicamente aquilo de que a burguesia tanto se orgulhava.

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4.2 – A EXPOSITION DES ARTS DÉCORATIFS ET INDUSTRIELS

MODERNES DE PARIS: O DÉBUT DO ART DÉCO

__Vejo por aí que vosmecê condena toda e qualquer aplicação de processos modernos.

__ Entendamo-nos. Condeno a aplicação, louvo a denominação. O mesmo direi de toda a recente terminologia científica; deves decorá-la. Conquanto o rasgo peculiar do medalhão seja uma certa atitude de deus Término, e as ciências sejam obra do movimento humano, como tens de ser medalhão mais tarde, convém tomar as armas do teu tempo.

O Medalhão. Machado de Assis

A realização da Exposição Universal de Paris de 1900 – o ponto culminante

do Art Nouveau – trouxe para a França um grande prejuízo financeiro e, decidida a

não mais sediar as onerosas feiras internacionais – uma exposição nos moldes das

anteriores seria muito fatigante e, principalmente dispendiosa para um país recém

saído de um conflito mundial particularmente arrasador em seu território – opta por

criar uma exposição temática, de caráter nacionalista, mostrando os novos produtos

de suas indústrias. O próprio Governo francês admitia que o país havia perdido sua

superioridade e influência nos valores estéticos mundiais, ao menos nos territórios

da arquitetura e do design, em parte pelo malogro nas reformas na École de Beaux-

Arts que persistiu na contínua cópia de estilos históricos (embora artistas de

vanguarda prosseguissem suas pesquisas sem apoio oficial), em parte graças aos

avanços conquistados pelos países vizinhos que se aclamavam modernos e, por

conseguinte, perfeitamente capazes de responder às exigências do comércio

internacional. Com o objetivo de mudar a própria imagem, tentando mostrar ao

mundo que também era capaz de ser moderna, organiza a Exposition Internationale

des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, cujas discussões começaram de fato no

início dos anos 10 do século XX, mas por falta de fundos a princípio e em seguida a

primeira Grande Guerra tem sua inauguração seguidamente adiada até 1925. A

Exposição pretendia ser a “grande celebração à modernidade” – de qualquer

modernidade – (SEGAWA, 1998, p.54).

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É a partir desse evento que medra uma derivação do Modernismo –

conhecido pelo nome de Art Déco20, derivado da Exposição que o divulgou

mundialmente, mas cunhado apenas na década de 60 do século passado –

desenvolvendo-se paralela à obra dos “verdadeiros” representantes do movimento.

Segundo Dennis Sharp (1972) essa produção, embora refletisse certas

características próprias do International Style, mantinha pouca relação com o

trabalho de seus arquitetos mais radicais.

Este estilo paralelo recibe actualmente los nombres de “Art Déco”, “Moderno” o “Jazz Age Modern”; sus similitudes superficiales con la arquitectura funcional internacional son desconcertantes y ilustrativas a la vez. Aunque los historiadores de la arquitectura prácticamente lo han ignorado por carecer de un programa y un estilo de diseño coherentes, tuvo una vigencia mundial y bastante éxito popular. Utilizaba muchos elementos decorativos que hubieron sido antema para los funcionalistas, incluidos motivos superficiales en zigzag, arcos redondeados y detalles de aristas matadas, complicados adornos “proa de barco” y el empleo de materiales con superficies reflectantes, muchas veces de color negro (SHARP, 1972, p.116, grifo nosso).

Aqui será útil abrir parêntese para uma definição de estilo. É preciso

considerar que os produtos da arte sejam edifícios, objetos industrializados, ou obras

de arte, considerados como artefatos, ou seja, obras humanas, são condicionados

pelos conhecimentos e inspiração de seu autor, orientado pelas forças estéticas

dominantes e respaldado no conhecimento das técnicas de sua época, técnicas

construtivas no caso específico da arquitetura – daí não se produzir, por exemplo, o

gótico no século XIX, mas neogótico. Mesmo que o artista prefira se esquivar do

problema da estética dificilmente conseguirá fugir às exigências técnicas da

construção ou, em nossos dias e no caso de objetos utilitários, da industrialização.

20 Na época, numa demonstração da confusão que o público fazia com outros estilos e movimentos ou, simplesmente, de personalidades e fenômenos coexistentes, ficou também conhecido “como Stile Poiret (do modista Paul Poiret), Style Chanel (de Coco Chanel), Bauhaus (de Gropius), Esprit Nouveau (de Ozenfant e Le Corbusier), Arte Holandesa (de Theo Van Doesburg, J.J.P.Oud e Mondrian), Style Puiforcat (de Jean Puiforcat, prateiro e designer), Jazz Modern Style, Paris 25, Style 1925, La mode 1925 e Arte Funcional, Futurista, Cubista ou Cúbica (no Brasil)”. A exemplo do termo Art Déco, outras denominações só foram criadas recentemente, para identificar o estilo regionalmente, como o Tropical Déco (Miami), Pueblo Déco, (sudoeste dos EUA) e Marajoara Déco (Brasil) (CONDE; ALMADA, 2000, p.11).

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Por tanto, el historiador de la arquitectura, al valorar un edificio por sus méritos, lo relacionará en el tiempo con los edificios precedentes y posteriores, y en el espacio con el contexto cultural del lugar en que ha sido construido. Entonces es posible un análisis amplio que, atravesando las fronteras nacionales, tenga en cuenta el intercambio y la propagación de las ideas. Normalmente recibe el nombre de “estilo” el conjunto de aquellas cualidades más obviamente reconocibles de las obras de arte, de la obra de arquitectos o de un grupo de edificios (SHARP, 1972, p.14).

É, portanto, comum que se encontrem, dentro do movimento moderno,

subdivisões em diversas categorias como International Style, Expressionismo,

Futurismo, Construtivismo, etc., como classificações convenientes para analisar

características e famílias formais. Muitos autores relutam em usar o termo estilo para

identificar o Art Déco, devido à sua característica de promiscuidade plástica,

adotando indistintamente particularidades típicas de diferentes estilos e que, embora

buscasse a linearidade de modo se distinguir do excessivamente sinuoso e

artesanal Art Nouveau21, impróprio para a nova condição do artista preocupado com

a industrialização, não conseguia se libertar totalmente do ecletismo. Neste trabalho,

no entanto, com o propósito de estabelecer as necessárias correspondências

existentes entre os diversos edifícios e circunscrevendo as posturas comuns,

descritas mais adiante, dos diferentes profissionais envolvidos nas manifestações,

foi adotado o conceito mais amplo, sugerido por Meyer Shapiro, para quem estilo

seria

la forma constante – y a veces los elementos, las cualidades y la expresión constantes – que hay en el arte de un grupo o de un individuo (…) y sobre todo, un sistema formal con una calidad y una expresión significativa gracias al cual son visibles la personalidad del artista y las características generales de un grupo (ibid., p.14).

21 Na realidade um e outro tinham em comum a intenção de renegar a herança do repertório decorativo do passado, e procuravam “resolver valores plásticos através de elementos lineares e cromáticos, acentuando a estruturação da forma e fundindo ornamento e objeto”. O Art Nouveau, por seu empenho em criar um vocabulário totalmente novo e defendendo o uso do vidro e do ferro, foi considerado um estilo de transição para o modernismo. E, por significar inovação em todos os lugares onde se manifestou, recebeu nomes que sugerem mesmo essa associação: Modern Style na França, Jugendstil na Alemanha, Stile Liberty, na Itália e Estilo Joven na Espanha. (CASTELNOU, 2002, pp.27-28).

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O estilo presente nos pavilhões, portanto, refletia as influências relacionadas

acima tanto na arquitetura –desta vez com construções muito menores, mas nem

por isso menos monumentais que nas Exposições Universais, pois seu objetivo

ainda era chamar a atenção – quanto nos objetos expostos pelas grandes lojas de

departamentos parisienses presentes na mostra, como a Bon Marché.

Diferentemente das feiras anteriores, estava também representado o trabalho do

artesão, não como curiosidade, mas como produto. A exposição, mais comercial que

industrial, mostrou uma maneira diferente de pensar a arte, não propondo uma volta

ao academicismo, o qual se propunha a superar, mas, o que foi considerado bizarro

pelos modernistas, “vestir” as estruturas da arte moderna com uma ornamentação

de padrões geométricos simples, não comprometida com os estilos históricos.

Numa posição extrema e isolada do conjunto22 da Exposição, segundo Conde

e Almada (2000, p.9), é preciso destacar a presença do grande ícone da arquitetura

moderna, Le Corbusier, expondo, com o apoio do Ministério das Artes, um protótipo

de suas Immeubles-Villas, apartamentos-tipos empilhados formando arranha-céus

que, enfileirados formavam um quarteirão, proposta de uma nova fórmula de

moradia urbana. A unidade foi chamada de Pavillon de l’Espirit Nouveau e pretendia

de fato representar o espírito novo. Exaltando a padronização, mobiliou a unidade

inteiramente com o que chamava de objetos-tipo, numa manifesta apologia à

capacidade da indústria de produzir peças em série que fossem úteis e, ao mesmo

tempo, preenchessem “funções estéticas que se supunha, mesmo em círculos

progressistas, exigissem os serviços de marceneiros”. De fato,

Somente a estrutura foi obra de criação da mente que criou o ambiente; o resto pretendia ser um trabalho de seleção, quase à maneira de Duchamp, dos produtos padronizados, objets-types, já existentes no mercado; a homogeneidade provinha em grande parte da adaptação da estrutura a uma estética derivada de certas classes de objets-types, e à rejeição de quaisquer produtos padronizados que não obedecessem a essa estética (BANHAM, 1979, p.381).

22 Na verdade, nem tão isolada assim, já que, segundo Aracy Amaral (1975, p.303), para essa mesma exposição, Konstantin Melnikov projetara o avançadíssimo pavilhão da União Soviética, o maior edifício construído do movimento construtivista russo.

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Permitir que Le Corbusier mobiliasse o pavilhão segundo o cânone purista

dos objets-types 23– poltronas inglesas do tipo “club”, móveis Thonet (de Michel

Thonet, que se tornaria famoso como representante da cadeira Chaise Longue,

desenho de Le Corbusier) de madeira curvada, estantes de aço em substituição aos

armários com portas, deixando à mostra ainda outros objetos industriais, etc. –

parece ter sido um gesto deliberadamente polêmico por parte do Ministro das Artes

Charles de Monzie de combate ao movimento Art Déco:

[...]sobre todo era un puntapié en el rostro de las llamadas arts décoratifis, por lo que no es extraño que un comité de la exposición impidiera que fuese expuesto al público , aunque recibió después el primer premio del certamen (SHARP, 1972, p.85).

O estilo dos outros pavilhões apresentava uma ornamentação geométrica,

abstrata, de inspiração diferente das curvas de inspiração vegetal do Art Nouveau,

estilo contra o qual buscava reagir, embora tenha sua origem fortemente ligada a

algumas de suas vertentes: alguns de seus maiores representantes como Charles

Rennie Mackintosh, Otto Wagner e Joseph Maria Olbrich, serviram notavelmente de

fonte de inspiração para os artistas Déco. Apesar de ter uma genealogia artística

difusa e pouco clara, além do Art Nouveau, percebem-se influências no plano mais

imediato “do Cubismo, da Bauhaus, do Fauvismo, do Expressionismo e do

Neoplasticismo e, no plano mais remoto, de aspectos da arte egípcia24, maia, asteca

e ameríndia em geral” (CONDE; ALMADA, 2000, p.11). Pode-se perceber também

traços que remetem à arte da África negra que, por ter deixado os museus

empoeirados e aparecer com vitalidade nas Exposições Universais, através de

mostras daquelas culturas, contendo máscaras – muito admiradas pelos cubistas – e

outros artefatos intensamente decorados, despertaram no público o interesse pelas

23 Le Corbusier se considerava ele próprio um homem em consonância com o seu tempo. Sua aparência pessoal era motivo de comentários freqüentes, “pois ele se esforçava por apresentar-se como um homme-type de sua época, com as roupas escuras, chapéu coco, cachimbo e gravata borboleta de um engenheiro” (BANHAM, 1979, pp.381-382)

24 Tambini (apud Castelnou, 2002, p.37) lembra que em 1922 fora descoberto o túmulo e o tesouro de Tutankhamon por Howard Carter e pouco depois já se notavam os padrões egípcios na joalheria e no mobiliário. “Surgiram reproduções de cadeiras, semelhantes a tronos, encontrados no túmulo, e máscaras passaram a ser usadas para dar um toque exótico à decoração de interiores”. Logo a moda repercutiria na Europa especialmente em jóias e edifícios para cinemas e em detalhes como portas de elevadores, além de roupas, mobiliário e design gráfico.

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culturas exóticas25. Outra fonte perceptível de influência – embora sem seu cuidado

projetual – é a obra do arquiteto norte americano Frank Lloyd Wright, com sua

volumetria limpa e cujo repertório ornamental já apresentava motivos da cultura

maia. O vocabulário estilístico desse amálgama de culturas tão diversas foi

reinterpretado a partir dos conceitos do modernismo e incorporado pelos artistas

Déco a toda sorte de produtos e edificações, com sucesso imediato de público,

talvez porque, conquanto adotasse linhas simples não abandonava inteiramente a

ornamentação, amenizando o choque causado pelos dogmas puristas das obras

modernistas.

Figura 4 - Frank Lloyd Wright: Residência Charles Ennis. Los Angeles –CA,1924.

(Fonte: PFEIFFER, 2004)

Afirma Castelnou (2002, pp.36-39) que “nisso residia, sem dúvida o sucesso

do Art Déco: renovava sem provoca desordem”, pois apesar de simplificar as linhas

25 Aracy Amaral (1975, p.88) relata a conferência proferida por Oswald de Andrade na Sorbonne em 1923, em que o escritor faz o reconhecimento da atualidade do exótico na França e declara: “Jamais foi possível sentir-se tão bem, no ambiente de Paris, a presença do tambor negro e do canto do índio. Estas forças étnicas estão em plena modernidade”.

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e planos dos objetos e de suprimir a decoração considerada inútil, mantendo-se

assim atualizado com as discussões modernas (como as de Adolf Loos no livro

Ornamento e Crime), permitia, geralmente “um ornato floral de escasso relevo e de

estilização geométrica”26. Além disso, “a elaboração complexa com técnicas

refinadas e ricos materiais” cuidava de evitar “a sensação de pobreza trazida pela

simplificação das formas”. Apesar disso, não permaneceu um estilo voltado à alta

sociedade, pois a indústria exigia a produção de objetos também acessíveis às

camadas populares e passou a utilizar materiais alternativos como o plástico, o

crômio e a baquelite, por exemplo, uma resina sintética muito utilizada em

brinquedos, ou substituindo a madeira, cara por conta da mão-de-obra especializada

e de modelagem limitada, em gabinetes dos rádios e outros aparelhos e objetos

utilitários domésticos.

Após a realização da Exposição e graças ao seu êxito surpreendente, houve

a evolução do estilo em vários campos da arte. O âmbito preferencial de suas

manifestações, no entanto, foi sempre o dos gêneros artísticos mais associados à

vida cotidiana, daí seu sucesso na arquitetura e nas artes aplicadas:

Embora se possa identificar uma Pintura e Escultura Art Déco é na Arquitetura, Urbanismo, Paisagismo, Arquitetura de Interiores, Design (de mobiliário, serralheria artística, luminárias, objetos decorativos e/ou utilitários, louças, cristais, jóias e produtos industriais como rádios e relógios), Cenografia (de cinema), Publicidade, Artes Gráficas, Caricatura, Moda e Vestuário que se encontram suas expressões mais significativas. [...] Ainda, de especial relevância são os trabalhos de Arquitetura, Decoração e Design naval que atingem o ápice nos interiores dos transatlânticos franceses Atlantique (1931) e Normandie (1935) (CONDE; ALMADA, 2000, pp.10-11).

Um dos ícones Art Déco, aliás, é o clássico cartaz desenhado em 1935 por

Adolphe Mouron Cassandre, premiado artista gráfico conhecido por seus enfoques

26 Os motivos florais, tão caros ao Art Nouveau não desaparecem, como se viu, apenas são simplificados e transformados freqüentemente em cactos e palmeiras ou em “buquês compactos de rosas”. “Outros temas recorrentes na iconografia Art Déco são os cachorros, lebres e cervos, sempre em movimento veloz, os repuxos d’água, trampolins e banhistas, [...] as linhas onduladas e aerodinâmicas , os cabelos ao vento, o sol nascente e os motivos geométricos (círculos, retas, quadrados), todos banhados em luz branca, filtrada por vidros foscos” (CONDE; ALMADA, 2000, p.11).

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em maquinário e velocidade sempre enfatizados pela perspectiva e pela composição

inusitada, para o a luxuosa linha de transatlântico Normandie. Outro nome

conhecido nas artes gráficas n é o de Robert Bonfils que, além de ser um dos

organizadores, desenhou o cartaz para a Exposição de 1925, com formas simples e

cores poucas e chapadas contrapunham-se ao academicismo das Beaux Arts.

Figura 5 - A. M. Cassandre: Poster para o Normandie 1934.

(Fonte: GRAFICA. Revista de Artes Gráficas. Curitiba: Casa de Idéias, n.30, 1991)

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Figura 6 - Robert Bonfils : Exposition Internationale des Arts Décoratifs et In dustriels Modernes

. 1925. (Fonte: http://www.rom.on.ca/exhibits/artdeco/image_ROM2003_794_13.html)

Na arquitetura, em pouco tempo se tornou o estilo favorito das construtoras

em edifícios que, objetos dos novos tempos, não possuíam qualquer tradição

anterior, portanto isentos de qualquer necessidade de reverência para com ao

passado, “tais como garagens, cinemas, terminais de aeroportos, estações de força

e clubes de piscina”. Esses edifícios possuíam programas novos que não cabiam

nas limitações academicistas. Necessariamente aspiravam à

modernidade.Efetivamente, o Art Déco

foi o suporte formal para inúmeras tipologias arquitetônicas que se afirmavam a partir dos anos de 1930. O cinema (e por associação, alguns teatros), a grande novidade entre os espetáculos de massa que mimetizava as fantasias da cultura moderna, desfilava sua tecnologia em deslumbrantes salas [...], verdadeiros monumentos Déco (SEGAWA, 1998, p.61).

Para se avaliar a penetração do estilo e uma certa indistinção com o

movimento moderno, é interessante citar o famoso costureiro parisiense, hoje

identificado como Déco, Paul Poiret. Com seus vestidos compridos e tecidos

“persas”, foi o “pioneiro dos novos estilos livres para mulheres, alterando sua

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silhueta e revolucionando a moda ao libertar o corpo feminino dos espartilhos e

armações que os estrangulavam há quatro séculos”. O estilista era, a exemplo de

seus colegas da Alta Costura, não apenas criador de um estilo, mas um verdadeiro

modelo de um estilo de vida, morando e trabalhando em casas que eram

verdadeiros cenários de um orientalismo indeterminado – depois copiados em filmes

populares – e dando festas deslumbrantes em barcaças (CASTELNOU, 2002, pp.46-

47). A pintora modernista brasileira Tarsila do Amaral se vestia com ele, em uma

atitude de “vanguardismo”, a ponto de Oswald de Andrade, amigo pessoal de Poiret,

defini-la, como a “caipirinha vestida por Poiret”, ressaltando “sua dualidade de moça

de interior altamente civilizada e sofisticada numa personalidade única em sua

suavidade” (AMARAL, 1978, p.29).

Essa imbricação do Art Déco com a arte moderna acompanhou sua trajetória

por muito tempo, sem que isso signifique que era aceita por todos, em especial pelos

modernistas, principalmente por se tratar de um estilo que se limitava,

essencialmente, à superfície dos objetos, sem se preocupar com a estrutura. Em sua

obra Perspectiva da Arquitectura Européia de 1943 Nicolaus Pevsner lastima a

torção que as linhas da arquitetura moderna sofreriam, já por volta de 1925, “para

um expressionismo em alguns aspectos semelhantes à Arte Nova (‘Art Nouveau’)”

(PEVSNER, 1947, pp.351-353) ou, ainda, um “expressionismo cubista”, como

denominou, à falta de melhor classificação na época. Cita, para exemplificar, entre

outros, a Chile Haus, projeto de Fritz Höger para a sede de uma companhia de

navegação em Hamburgo, na Alemanha, cuja esquina apresentava a forma de proa

de barco referida na citação acima, aqui usada como simbolismo evidente (e todas

as características do desenho estão em função desse símbolo). Sua queixa se

assentava na convicção de que o International Style abrigava todos os argumentos

lógicos para se apresentar como legítimo espelho do século XX, “o século das

massas e da Ciência”, porque “em perfeito acordo com a nova situação social e

industrial da arquitectura” e preparado para a árdua tarefa de reconstrução da

Europa do primeiro pós-guerra. Dessa maneira, apenas a Arquitetura Moderna,

através de seus criadores, “homens de grande coragem e determinação e de

admirável imaginação e espírito inventivo”, estava preparada para responder às

novas e urgentes necessidades da produção:

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O novo estilo, com sua recusa em aceitar o trabalho do artífice e as extravagâncias do desenho, é de grande conveniência para uma clientela anônima; e as superfícies lisas e com um mínimo de molduragens tornam-no indicado para a produção industrial de peças. O aço, o vidro e o betão armado não ditaram o novo estilo, mas pertencem-lhe (PEVSNER, 1947, pp. 351-352).

Figura 7 - Fritz Hoeger: Chile Haus , 1923.

(Fonte: SHARP, 1972)

Apesar da exaltação à capacidade daqueles homens determinados e

inventivos, não lhes poupou críticas quando de suas incursões a outros estilos,

citando a “passageira homenagem” de Walter Gropius, verdadeiro baluarte do

Movimento Moderno, ao expressionismo em seu projeto de 1921 para o monumento

em concreto armado aos mortos na Primeira Guerra Mundial em Weimar. Outro alvo

de sua reprovação foi o que chamou de “surpreendente capricho” de Mies van der

Rohe: o seu desenho para o monumento a Rosa Luxemburgo e Karl Liëbknecht em

Berlim, construído em 1926 e destruído posteriormente pelos nazistas. Todo

construído em tijolos, Pevsner o considerava deslocado quando comparado com “o

perfeito racionalismo” de suas outras obras coevas. Lado a lado com essas

iniciativas pouco ortodoxas, graças à propagação dos postulados da nova

arquitetura também surgiam por toda a Europa obras que ostentavam inequívocas

marcas da arquitetura modernista, porém justapostas a estruturas convencionais.

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Figura 8 - Mies van der Rohe: Monumento a Karl Liëb knecht e Rosa Luxemburgo. Berlin, 1926.

(Fonte: SHARP, 1972)

Pevsner ainda chama a atenção para a obra de Erich Mendelsohn, um

arquiteto com enorme influência em sua época, bastante conhecido inicialmente por

seus esboços de arquitetura fantástica, “de intensa agressividade e um vago caráter

simbolista que se enquadra perfeitamente no movimento expressionista

contemporâneo”, segundo Benévolo (1976, p. 438), que prossegue afirmando que

ao contrário de muitos outros que projetavam uma “arquitetura imaginária, às vezes

em manifesto contraste com as possibilidades de realização”, este tem como

objetivo “preparar uma nova linguagem arquitetônica que tenha validade geral”.

Quando consegue transferir para a realidade as “visões súbitas” que dizia ter nas

trincheiras da frente russa, o resultado é extremamente vigoroso. Pevsner, no

entanto, é implacável:

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Mais importante para o futuro [do que o capricho de Mies] foi o expressionismo de Mendelsohn, na sua Torre de Einstein, construída em 1920, em Potsdam, porque, lado a lado com seus muitos projectos de 1914-1924 (que parecem ter sido influenciados por Sant’Elia), deu o tom à corrente que se tornou tão funestamente omnipotente no desenho industrial americano. Também na arquitetura, as horizontais de Mendelsohn, passando impetuosamente por esquinas arredondadas, foram imitadas inúmeras vezes. [...] O estilo de 1914 [o modernismo], temporariamente obliterado pelos fumos do expressionismo ganhou novo impulso e passou em alguns países, a constituir o estilo aceite [...]. Noutros países evoluiu para uma monumentalidade semiclássica, mais aceitável para aqueles que eram demasiados fracos para absorver os aspectos inconformistas ou que se sentiam demasiado desejosos de agradar às massas ainda não afeiçoadas à novidade (PEVSNER, 1943, p.353-355).

Referia-se, em sua crítica “à corrente funestamente onipotente”, à

aerodinâmica “que varreu o design americano de produtos adequados e

inadequados a ela a partir do início da década de 30” (HOBSBAWM, 1998, p.185),

que tinha, na verdade, muito mais afinidade com o futurismo italiano que também

ecoava no design gráfico. Posteriormente tanto este estilo de design gráfico quanto

o que se pode chamar de objetos estáticos com aparência de velocidade seriam

identificados com o Art Déco.

Mais transigente que Pevsner, seu colega historiador da arquitetura Dennis

Sharp (1972) reconhece o espaço conquistado pelo estilo embora também lhe

negue crédito maior que o de uma espécie de “maneirismo sincrônico”:

Esta ambigua variante del modernismo – muy frecuente en los balnearios costeros, en los garajes y los edificios destinados a diversiones populares – forma parte claramente de la arquitectura del siglo XX, tanto como los edificios del movimiento moderno, pero sus repercusiones fueron insignificantes (Ibid., p.116, grifo nosso).

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Figura 9 -Esquerda - Harry W. Weedon e Andrew Mathe r: Cine Odeon , Londres, 1937. Direita –

Andrew Mather: Cine Odeon, Chingford, Essex, 1935. (Fonte: SHARP, 1972)

Figura 10 - Iles, Leathart e Granger: Cine Dreamland . Margate, Kent, 1937

(Fonte: SHARP, 1972)

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Já no início dos anos 1920, Le Corbusier, em um panfleto de sua revista

l’Esprit Nouveau, assim se referia ao estilo:

As “artes decorativas”grassam! Após trinta anos de surdo trabalho, ei-las aqui em apogeu. Comentadores entusiasmados falam de regeneração da arte francesa! Retenhamos desta aventura (que vai acabar mal) que outra coisa nasceu mais que uma regeneração da decoração: uma nova época substitui uma época que morre (LE CORBUSIER, 1994, p.59).

Figura 11 - Pierre Patout. Portão Monumental, Praça da Concórdia, Exposição de Paris de 1925

(Fonte: Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro)

Figura 12 - Vista Geral da Explanada dos Inválidos. Exposição de 1925, Paris.

(Fonte: http://www.retropolis.net/exposition/viewsouth.jpg)

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Figura 13 - Pavilhão da Primavera e o Bon Marché. Exposição de 1925, Paris.

(Fonte: http://www.retropolis.net/exposition/marche.jpg)

Figura 14 - Vista das Galerias Lafayette. Exposição de 1925, Paris.

(Fonte: http://www.retropolis.net/exposition/lafayette2.jpg)

Mesmo tendo sua gênese ligada ao enfraquecimento do predomínio estético

francês e sendo considerado pelos críticos de arte como “fútil”, enfrentando a

resistência dos que se reclamavam “verdadeiros modernos” e tendo uma trajetória

extremamente curta27, o Art Déco rapidamente se espalhou pelo mundo atingindo

culturas tão diferentes como a brasileira, a cubana, a japonesa, a mexicana e a

norte-americana graças, em parte, à facilidade de deslocamento entre os

27 Conde e Almada (2000, p.9) estabelecem quatro períodos para as manifestações do Art Déco: até 1925 deu-se sua formação e manifestções embrionárias. Depois, a partir do lançamento ao público na Exposition des Arts Decoratifs até 1930, a divulgação e expansão mundial. De 1930 a 1940, a consolidação e o apogeu e de 1940 até 1950, as manifestações tardias.

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continentes propiciada pelo avião, à expansão da imprensa, tanto jornalística como

de entretenimento, e ao cinema. Este pode ser duplamente considerado como um

importante divulgador do estilo seja com suporte físico para suas manifestações,

seja por exibir nas telas a cenografia luxuosa de palácios, transatlânticos, etc. Além

disso, o sucesso do Art Déco nos Estados Unidos, com marcante presença em

Chicago, Miami e Nova Iorque, onde estão seus mais célebres edifícios, pode ser

também atribuído à excursão que parte da mostra da Exposition Internationale des

Arts Décoratifs et Industriels Modernes de Paris fez pelo país durante todo o ano de

1926. A produção arquitetônica nos diferentes países, no entanto, sofreu várias

adaptações ou aclimatações a partir de influências locais, das quais

resultaram três linhas de Art Déco: a primeira, mais seca e geometrizada, muito próxima do racionalismo modernista e também conhecida como escalonada ou ziguezague ; a segunda, afrancesada, com resquícios acadêmicos e ênfase decorativa, lembrando o Art Nouveau inglês e o austríaco e, a terceira, sinuosa e aerodinâmica , inspirada no Expressionismo e também denominada streamline. À primeira e terceira tendências pertencem a maior parte da produção latino-americana e brasileira, em especial edifícios de apartamentos e cinemas. A segunda, inspira o pioneiro Art Déco francês, a produção italiana e inúmeras obras nos EUA, entre as quais o Rockfeller Center (1931-39), o Chrysler Buiding (1930), o Radio City Music Hall (1931-32), todos em Nova Iorque, e o Palmolive Building (1929-30) em Chicago. No Brasil, pertencem a essa linhas alguns prédios comerciais e igrejas, assim como certas obras na variante Marajoara do Art Déco (CONDE; ALMADA, 2000, p.12, grifo do autor).

O edifício sede para a Chrysler em Nova Iorque, projeto de Willian van Allen,

de 1930, é considerado um dos maiores monumentos Art Déco no mundo,

expressando seu glamour na decoração interna e em suas formas. “Os pináculos

semi-circulares foram revestidos com metal Nircosta para criar superfícies brancas

brilhantes, que lembrassem platina, o metal preferido da joalheria contemporânea”

(STRINER apud CASTELNOU, 2002, p.40). Esse arranha-céu, juntamente com o

Empire State Building de 1931, o Rockfeller Center de 1935 e os interiores criados

para o Radio City Music Hall, de 1931, fez de Nova Iorque um dos maiores redutos

Art Déco fora da França (CASTELNOU, 2002, pp.39-40) e ajudou a construir sua

imagem de grande metrópole.

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Figura 15 - Willian van Allen: Crhysler Building, N ova Iorque, 1930.

(Fonte: MATTHEWS. 1999)

Em Miami há a maior concentração de construções Déco no mundo, na

variante denominada Tropical Déco, caracterizada por construções em:

Concreto revestido com uma linguagem aerodinâmica associada a detalhes em ziguezague, policromia e ornamentos estilizados orgânicos e abstratos. O branco funcionalista do Art Déco era freqüentemente coberto por um tratamento em cores pastéis, tais como o rosa-flamingo, o verde-mar e o amarelo-canário. Assim, as fachadas dos hotéis de Miami Beach caracterizam-se por planos curvilíneos e ornatos aplicados, cujas estruturas horizontais são coroadas por símbolos futuristas da era da máquina e sinais em néon. [...] Sem usar materiais caros, os arquitetos [...] conseguiram dar uma impressão de elegância par o que na verdade eram modestos hotéis. [...] as janelas geralmente são enfeitadas com flamingos, garças, conchas do mar, palmeiras e principalmente nascer-de-sóis (sic) (Ibid., p.54).

Curioso é que uma liga preservacionista conseguiu o tombamento nos anos

80 do século passado de uma área de 2,5 quilômetros, a primeira do século tendo

os edifícios, entretanto, recebido novas pinturas, desta vez com cores fortes. O fato

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de a população considerar que a intervenção “deixou os edifícios melhores que

nunca” (Ibid., p.55) talvez seja mais uma demonstração da flexibilidade do estilo.

Vale destacar, também o estabelecimento do estilo em Cuba, que ocorre em

condições muito semelhantes às do Brasil, coincidindo com mudanças na sociedade

cubana.

A República de Cuba, em plena etapa neocolonial – devido a suas limitações constitucionais e de todo tipo, impostas pela histórica Emenda Platt –, estava em busca de uma "nova imagem". Por um lado, como símbolo deveria diferenciar-se claramente do que havia significado, até 1º de janeiro de 1899, a capital da colônia espanhola Ilha de Cuba. Por outro lado, era evidente a aspiração da cultura cubana dominante – persistente em sua tradição colonial: elitista, de conhecidos refinamentos europeus, mas em dia com os avanços tecnológicos norte-americanos, e economicamente muito poderosa –, de integrar a seu cabedal novas edificações que se originaram na corrente renovadora "moderna", cujos focos brilhavam deslumbrantemente, tanto vindo de Paris, como desde Nova York (ARUCA, 2001).

Assim, logo após a Exposição de Paris, Cuba importava o estilo rapidamente

aplicado em construções de aspecto monumental, tanto públicas – Hospital

Municipal América Arias e a Biblioteca da Universidade de Havana, como privadas –

Edifício Bacardí, Edifício América, e os cinemas Arenal e Fausto. Em pouco tempo, o

estilo era absorvido pelas camadas populares (Ibid.).

Não obstante o sucesso que o estilo alcançou mundialmente parece não

haver entre os historiadores estudados, oposição ao conceito de que o Art Déco,

com seu otimismo e frivolidade, representava uma diluição libertina dos conceitos da

modernidade de vanguarda da qual se nutria. Antagonizava-se escandalosamente

com o engajamento político ideológico das vanguardas como o futurismo e com as

propostas de eliminação do supérfluo, como os ornamentos das fachadas dos

edifícios, presentes nos programas do neoplasticismo, do construtivismo e da

Bauhaus. Originários de diferentes países, todos estes movimentos de formulação

da modernidade, “nascidos em contextos históricos convulsivos, com assumido

engajamento ideológico e social”, tinham como palavras de ordem o funcionalismo,

utilitarismo e estandardização (SEGAWA, 1998, p.54). O Art Déco dava ares de uma

modernidade de difícil caracterização e a Exposição de 1925 e a posterior

propagação do estilo internacionalmente, evidenciavam “a busca de qualquer

modernidade, a necessidade de exprimir idéias novas, de tentar ser moderno

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mesmo sem que se pudesse esclarecer o que isso significava ou como se chegava à

condição de moderno”.

4.3 – A REPÚBLICA ANTROPOFÁGICA DOS ESTADOS UNIDOS DO

BRASIL

Conforme referido na introdução deste trabalho, poucas historiografias da

arquitetura, em especial brasileiras, identificam o estilo Art Déco, o que dificulta

determinar sua origem no Brasil. Mesmo assim, pode-se considerá-lo como uma

tentativa de manifestar o Movimento Moderno entre nós, rescaldo da onda

modernizadora européia dos anos de 1910 a 1930 que se apresentou por aqui com

as mesmas contradições de lá, com um desvirtuamento quando de sua assimilação

no campo arquitetônico. Segundo Hugo Segawa (1998) formas alternativas de

modernidade, diferentes das radicais e “legítimas”, se manifestaram entre nós muito

antes da Casa Modernista de Warchavchik, em São Paulo, no ano de 1928. E tais

demonstrações de renovação arquitetônica, “qualquer que seja ela – à maneira folle,

mimeticamente, pragmaticamente ou como transformação modernizadora em sua

dimensão perversa” – que hoje recebem o nome de Déco ou, com intenção

depreciadora, de “estilo fascista”, receberam apelidos diversos, alguns igualmente

pejorativos. “São arquiteturas que também foram chamadas de ‘modernas’,

‘cúbicas’, ‘futuristas’, ‘comunistas’, ‘judias’, ‘estilo 1925’, ‘estilo caixa d’água’ e assim

por diante” (SEGAWA, 1998, p.54).

A arquitetura modernista de Warchavchik encontrava dificuldades em libertar-

se do perfil internacionalista que o próprio nome, cunhado posteriormente, mas já

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manifesto, International Style28, lhe impunha. Assim, quando “o estilo Art Déco [...]

domesticou a angularidade e abstração modernistas” (HOBSBAWM, 1998, p.185) e

serviu, num primeiro momento, de ponte entre o modernismo desejado e o

necessário nacionalismo, já que os enfeites de estilo egípcio e grego e as imensas

estátuas de homens musculosos montando guarda às portas dos edifícios-

monumentos, que caracterizavam o estilo na Europa e Estados Unidos, eram

facilmente cambiáveis em ziguezagues Marajoaras e estátuas de índios à entrada

dos prédios. Conde e Almada (2000, pp.10-14) interpretam esse intercâmbio com os

motivos marajoara, no Brasil, como o uma espécie de “aclimatação” do estilo ao

debate cultural em que estava mergulhado o país: ao encontrar a forte corrente

nacionalista dos grupos Nativistas, que se manifestavam em todos os campos da

arte, o Art Déco logo é adaptado a uma linha, com a qual facilmente se identifica, de

inspiração indigenista inventada por Edgar Vianna29, baseada nos motivos

decorativos geométricos e labirínticos da cerâmica dos índios da Ilha de Marajó, no

Pará, cuja cultura era anterior à chegada dos portugueses. Também incorpora

motivos em alto e baixo relevo e, embora mais raramente, estátuas representando o

índio, a flora e a fauna amazônica. Importante também foi o costume de hábito de

batizar os edifícios Déco com nomes indígenas.

Mas o Art Déco pretendia-se também um “estilo industrial, isto é, associado à

sociedade industrial nascente, implícitas aí todas as suas conseqüências, sobretudo

tecnológicas” ou seja, da mesma maneira que o Movimento Moderno, também tinha

sua imagem com tudo que se definia como moderno: arranha-céus, automóveis,

aviões, cinema, rádio, música popular, moda/vestuário e emancipação da mulher.

Era, portanto, um estilo cosmopolita, mas a possibilidade do diálogo com a cultura

28 Segundo Sharp (1972) o termo, bastante significativo, amplo e específico ao mesmo tempo, ganhou repercussão ao ser escolhido como título do livro publicado em 1932 por Henry-Russel Hitchcock e Philip Johnson. Por sua vez, fora tomado da exposição do ano anterior realizada no então recentemente inaugurado Museu de Arte Moderna de New York e denominada “International Style: Architecture from 1922.

29 Segawa (1998, p.61) atribui essa “invenção” ao pintor Theodoro Braga, estudioso dos motivos da cerâmica da Ilha de Marajó, onde nasceu e que, no início da década de 30 do século XX considerava que a saída para a arte brasileira seria mirar-se na experiência de nossos vizinhos latino-americanos que adotavam desenhos pré-hispânicos como ornamentação.

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nacional, expressa na adoção do Marajoara, por exemplo, permitindo que a

modernidade fosse construída pela continuidade e não pela ruptura, pode explicar

seu sucesso num país onde Estado e intelectuais estavam engajados na construção

da identidade nacional.

O caminho que une o Art Déco europeu com as primeiras obras do estilo no

Brasil, no entanto, é de difícil reconstituição. Conde e Almada (2000, p.15-17)

consideram a possibilidade de uma amálgama de influências entre os muitos

arquitetos estrangeiros que imigraram para cá imigraram, principalmente após a

Primeira Guerra Mundial, os profissionais que voltaram ao país após estudar na

Europa e, ainda, as influências indiretas proporcionadas pelo intercâmbio cultural

precário através de revistas de arte e arquitetura que divulgavam as novas idéias

artísticas. Outro componente importante foram as visitas para palestras e

conferências ou a trabalho, de importantes profissionais como os modernistas Le

Corbusier em 1929 e 1936, Frank Lloyd Wright, em 1931, e o urbanista pré-moderno

Alfredo Agache, que esteve no Brasil em 1928 a convite do governo do Distrito

Federal para elaborar um plano para a então capital do país. Embora o plano não

tenha sido executado de imediato, em função da eclosão da Revolução de 1930,

Agache foi o primeiro a introduzir no Brasil as discussões a respeito da cidade

industrial. Esse quadro ocorre justamente no período mais ativo de construções Art

Déco, começando no início dos anos 30, o que pode fazer pensar nas influências

mútuas entre os estilos.

Embora faltem dados em quantidade e qualidade suficiente para conclusões mais sólidas, pode-se perceber que o grosso da produção Art Déco acontece no período 1930-40. Entre os arquitetos autores dos projetos, desde já destacam-se seis com significativo número de obras construídas: Robert Prentice, Henri Sajous, Arnaldo Gladosch, Elisário da Cunha Bahiana, Ricardo Wriedt e Adalberto Szilard, cujas obras completas ainda estão por ser levantadas (CONDE; ALMADA, 2000,p.15).

A difícil genealogia da arquitetura Art Déco no Brasil deve começar, sugerem

Conde e Almada (2000, pp.13-14), no exato ponto entre o que se convencionou

chamar de Ecletismo e o Modernismo. O Ecletismo pode ser compreendido de duas

maneiras diferentes, de um lado designando o período em que convivem ou se

sucedem rapidamente vários estilos concorrentes entre si e de outro lado a mescla

de influências de vários estilos em uma mesma obra, sendo considerada eclética no

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Brasil toda produção que ocorre entre o fim do período barroco até a consolidação

do Modernismo. Segundo o raciocínio destes autores, o Art Déco estaria

classificado, juntamente com o Art Nouveau, tanto entre os estilos ecléticos como

entre o movimento moderno que visava superas as limitações do historicismo. Em

vez de um divisor de águas, o Art Déco se classificaria entre as últimas

manifestações do Ecletismo ao mesmo tempo que se enquadraria entre as primeiras

expressões do Movimento Moderno, o que explicaria seu caráter ambíguo. Seriam

ecléticas:

� Obras estritamente ou livremente referenciadas a um estilo histórico (revivals ou interpretações):-neoclássicas (neogregas, neo-romanas, neo-renascentistas, neobarrocas, etc.); e neogóticas e neo-românicas;

� Obras referenciadas a estilos românticos, nacionais, regionais, vernáculos, pitorescos ou exóticos: chalés e bangalôs “suíços”, “germânicos”, “normandos” e “flamengos”; “mediterrâneas” e em estilo “Missões” californiano; “neocoloniais (luso-brasileiras, hispano-americanas e anglo-americanas); “astecas”e “maias”; e “mouriscas”, “bizantinas”, pagodes “chineses” e “japoneses”;

� Obras referenciadas simultaneamente a diversos estilos (isto é, ecléticas stricto sensu);

� Obras em estilo original: Art Nouveau; e Art Déco e sua vertente Marajoara;

� Obras ditas “utilitárias”, sem filiação estilística acadêmica, em especial: obras em ferro; obras industriais; depósitos e armazéns comerciais ou portuários; e silos e galpões rurais. (Ibid., p.13, grifo do autor).

Inversamente à divergência que caracterizou o Ecletismo até sua

fragmentação final, ainda segundo os mesmos autores, o Modernismo se

caracterizaria pela convergência em seu período de consolidação, por isso

considerado não apenas como um estilo, mas um movimento que “embora

abrigando manifestações distintas, soube articular suas diferenças em prol de um

objetivo comum: a liquidação do Academicismo”. Pertenceriam então ao Movimento

Moderno no Brasil os seguintes tipos de obras, também chamadas de

“protomodernas”:

� Obras ditas “utilitárias”, sem filiação estilística acadêmica, já relacionadas acima;

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� Obras Art Déco e sua variante Marajoara;

� Obras pioneiras isoladas, referenciadas principalmetne à tradição racionalista alemã, entre as quais as casas modernistas de Warchavchik (a partir de 1927), o Albergue da Boa Vontade, de Reidy (1931), o Edifício Morro de Santo Antônio, de Marcelo Roberto (1929), a residência do arquiteto F. Kirchgässner (1930), em Curitiba, e a obra pouco conhecida de Julio de Abreu Junior (após 1927); e

� Obras derivadas das visitas de Le Corbusier ao Brasil, corrente essa que se tornaria hegemônica após 1936, obscurecendo as demais contribuições (Ibid., pp.13-14).

Não se deve imaginar, como ensinam as historiografias, que a transição

aconteceu de forma instantânea: não teria havido, novamente segundo Conde e

Almada (2000, p.14), uma ruptura, mas em vez disso houve uma “mutação lenta e

imperceptível, produzida por protagonistas até hoje quase anônimos”. Assim,

durante muito tempo, houve um conjunto de manifestações arquitetônicas que exibiu

traços em proporções diferentes, tanto da vanguarda européia quanto do ecletismo

nacional, numa pluralidade que caracterizou a produção arquitetônica do período

estudado.

Naquele momento a manifestação de diversas tendências estilísticas permitiu a reinterpretação, por vezes programada, outras diluída, das correntes artísticas racionalistas e modernas do início do século XX, que ambicionavam reafirmar e atender ao esforço progressista da civilização industrial. [...] Estas arquiteturas identificadas com a modernidade podem ser identificadas inclusive em regiões onde arquitetos e engenheiros (nacionais e estrangeiros) incorporaram à sua maneira os debates teóricos e os avanços tecnológicos da época, com certa dose de autodidatismo, adotando uma atitude pragmática. Pragmatismo que reforçaria a tese de que a produção arquitetônica moderna no Brasil de meados do século XX não se resumiu àquela que seria denominada Arquitetura Moderna Brasileira e suas escolas regionais, mas também incluiu manifestações arquitetônicas que, imbuídas de um espírito modernizador, se inseriram na transformação de nossas cidades (BLANCO; CAMPOS NETO, 2003).

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Figura 16 - Roberto Lacombe e Flávio Barbosa. Proje to de Residência Marajoara, 1939. (Fonte: Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro)

A falta de documentação anterior permite o ato arbitrário de identificar a

primeira edificação que tipificava as expressões apresentadas acima. Segundo

Segawa (1998, pp.55-57), no mesmo ano da Semana de Arte Moderna era

inaugurado, na cidade de Santos, então o porto estratégico para o escoamento do

principal produto de exportação brasileiro, o café, um edifício que ganhou

imediatamente repercussão regional, “nem tanto por sua arquitetura, mas por se

tratar da mais luxuosa casa de diversão da cidade. Era o Cassino e Teatro Parque

Balneário”30, que apresentava uma arquitetura formalmente filiada à arquitetura da

Deutscher Werkbund, portanto absolutamente destoante da produzida no país até

então e, embora a organização não apresentasse uma linguagem artística particular,

“por analogia, filiava-se à produção anterior a 1920 de arquitetos ligados [àquele]

movimento como Peter Behrens (1868-1940), Walter Gropius (1883-1969) e Adolf

Meyer (1887-1929)”.

30 Ainda anterior seria a construção, em 1921 do Moinho Chaves, em Porto Alegre, projeto do alemão Theo Wiedersphan. Era, porém um edifício industrial em que a sobriedade do programa refletia-se no tratamento externo, com sua fachada marcada por pilastras que acentuavam sua verticalidade, uma seqüência de janelas repetidas e apenas uma discreta linha de cimalha e desenho de platibanda (SEGAWA, 1998, p.57).

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Lembrando-se que naquele mesmo ano repercutia o sucesso de nosso

neocolonial na exposição internacional do centenário da independência, o fato

ganha mais importância e pode ser atribuído à iniciativa de um homem, bastante

polêmico à época (Ver Capítulo 2). Trata-se do engenheiro civil Roberto Simonsen, à

frente da Companhia Construtora de Santos, a maior empresa de construção civil do

país e cujas obras, a exemplo do cassino, apresentavam formas mais limpas, era um

dos onze brasileiros assinantes da revista L’Esprit Nouveau, publicada por Le

Corbusier entre os anos de 1920 e 1925. Mas se o fazia, parece claro que não era

por diletantismo. Defensor de primeira hora da industrialização e da entrada do

Brasil na Era da Máquina, via na racionalização a forma de conseguir o aumento da

produtividade e essa, por sua vez, a única maneira, de aumentar a renda do

operário brasileiro evitando assim os perigos da rebelião das massas.

Alguns criticos chegam a censurar a racionalisação, como uma das causadoras da crise. Um exame meticuloso do assunto mostrará que o que houve foi exactamente, insufficiencia de racionalisação, porquanto ella não terá alcançado todas as phases do cyclo de producção. A racionalisação deve comprehender o estudo das capacidades dos mercados, para que a producção não as exceda, abrangendo outrosim a criação de novas actividades que absorvam, continuamente, as sobras de mão de obra, decorrentes das industrias que forem sendo racionalisadas. (SIMONSEN, 1933, p.32)

A idéia da racionalização deveria ser aplicada em todas as esferas, desde a

agricultura até a construção civil. E de fato Simonsen aplicou os princípios que

pregava, em sua própria construtora, introduzindo a reorganização científica do

trabalho de base taylorista. Conseguiu, pelo aumento da eficiência do trabalhador e

conseqüente aumento de produtividade, baratear os custos da construção sem que

para isso fosse necessário reduzir salários, resultado que destacava nos discursos

que freqüentemente pronunciava aos operários da construtora.

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Figura 17- Companhia Construtora de Santos: Cassino e Teatro Parque Balneário de Santos, S

P, 1922. (Fonte: SEGAWA, 1998)

A Companhia Construtora de Santos foi a responsável pela imigração para o

Brasil, em 1923, do arquiteto Gregori Warchavchik, um dos outros onze brasileiros a

assinar a revista L’Esprit Nouveau, também ele um defensor da racionalização e da

tecnologia moderna na construção, no mesmo ano da construção do Cassino. O

russo nascido em Odessa, em 1896, e formado em arquitetura pelo Instituto Superior

de Belas Artes de Roma deixou a Itália já contratado pela empresa, onde viria a

trabalhar por cerca de dois anos31 (BRUAND, 1981, p.64).

Uma leitura do manifesto Acerca da Arquitectura Moderna permite perceber a

proximidade do pensamento de Warchavchik e de Roberto Simonsen. Este artigo foi

publicado primeiramente em 14 de junho de 1925, em italiano, língua que o arquiteto

dominava melhor que o português, em um jornal de circulação restrita entre a

comunidade italiana de São Paulo. Percebendo o alcance limitado dessa sua

31 Simonsen também empregou em sua construtora, na mesma época, outros dois pioneiros da arquitetura moderna brasileira: Rino Levi e Jayme da Silva Telles. Para Segawa (1998, p.56), se essa evidências pontuais não são suficientes para comprovar uma coerência de perspectiva arquitetônica, a perspectiva industrialista do empresário dá indícios de “uma possível aliança entre a apologia da indústria na arquitetura racionalista européia e a introdução de elementos inovadores na arquitetura mediante a modernização da construção civil no Brasil das primeiras décadas do século 20”.

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iniciativa, encaminha o artigo para tradução para o português e o envia para o jornal

carioca Correio da Manhã que o publica em 01 de novembro de 1925 “entre uma

coluna sobre moda feminina de Paris e propaganda de automóveis, sapatos e

produtos farmacêuticos” (BRUAND, 1981, p.64), tendo pouca repercussão a mais

que a tentativa anterior. Quando da primeira publicação, os editores do jornal Il

Piccolo, os editores precederam o manifesto Intorno All’Architettura Moderna com

uma pequena introdução intitulada Futurismo?, talvez tendo em vista a maior

familiaridade da população de imigrantes italianos com as idéia do movimento

lançado em 1909, por Marinetti, e também pela proximidade de seus conceitos com

os emitidos pelo jovem arquiteto russo. Após saudar a inteligência do autor e chamar

a atenção para a universalidade das questões colocadas tanto por envolverem a

habitação quanto a cidade, destacando a necessidade de maior racionalismo

construtivo e da limpeza formal das construções, a nota justifica:

Il futurismo é nato del nostro tempo, e ha detto le sciochezze che ha dette, solo perchè il nostro tempo è marcio di cultura e di spirito d'imitazione. E invero, quando si vedono le belle estrade dei quartieri dei ricchi infestate dea una mascherata di casette moderne, vestite in costume, e il barroco di Luigi XV accanto al moresco di Maometto, e il classico de Leone X accanto al gotico di Lutero, come in una incomposta mascherata storica, viene veramente fatto di pensare com raccapriccio, a che cosa diranno di noi e del nostro secolo i nostro posteri (BRUAND, 1981, apêndice, p.379)

O artigo-manifesto chamava a atenção para questões que vinham sendo

discutidas na Europa, havia muito tempo, no campo da arquitetura e artes plásticas

em geral. Mesmo no Brasil os temas abordados por Warchavchik já chamavam a

atenção da elite, intelectuais e empresários, preocupados com a inserção do país na

modernidade sem que, no entanto, a arquitetura fosse mencionada. Basta lembrar

que, quando da organização da Semana de Arte Moderna, na sessão reservada ela,

não havia um nome que representasse a visão da vanguarda brasileira, mas sim

dois profissionais convidados apenas que a exposição ficasse completa: um

arquiteto polonês, Georg Przyrembel, que expôs o projeto de sua própria casa de

praia no padrão da arquitetura tradicional brasileira (SEGAWA, 1998, p.36), e

Antonio Garcia Moya de origem espanhola e que estudou no Liceu de Artes e

Ofícios de São Paulo, projetista de casas em estilo mourisco espanhol, (ver Capítulo

3) e que se manteve produzindo obras de natureza eclética por toda sua vida. Seus

trabalhos expostos, alguns de clara inspiração maia, porém, “captavam a vertente

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‘exótica’ que pairava no ambiente cultural de então” e parecem ser “a mais antiga

proposição conhecida dessa tendência de tomar emprestado motivos pré-

colombianos no Brasil”. Antecederam mesmo o projeto de Flávio de Carvalho para o

concurso do Farol de Colombo em 1928 e parecem ter sido precursores de “um

formalismo que se seguiu ao esgotamento da voga neocolonial” (Ibid., pp. 60-61).

Foi um dos dois participantes da modesta seção de Arquitetura [...], na qual apresentou desenhos que insinuam um desejo de rompimento formal com os estilos acadêmicos e uma aproximação às Avant-Garde, porém sem um projeto estético definido. Moya utiliza nesse momento volumetrias pouco ortodoxas, “cúbicas“ por assim dizer, aliadas a um decorativismo de motivação pré-colombiana. Posteriormente chamado “Estilo Marajoara“ em referência à rica arte geométrica indígena da foz do Rio Amazonas, este estilo é pela primeira vez detectado nesses desenhos de 1922 [...](NEDELYKOV; MOREIRA, 2001).

É de se supor também que Moya tivesse conhecimento da obra do americano

Frank Lloyd Wright, admirador dos motivos maias (ver Capítulo 4.2), posterior a

1916, ainda que fosse apenas no nível formal, sem uma verdadeira digestão de seus

princípios. Essa falta de uma fundamentação teórica restringia sua atuação a

experiências de caráter meramente especulativo – na verdade, para Yves Bruand

(1981, p.63), Moya se restringia a colocar no papel “desenhos de uma arquitetura

visionária que agradava aos futuristas por sua fisionomia extravagante” – tanto na

Semana de 22 quanto posteriormente.

Figura 18 - Antonio Garcia Moya, Projeto para uma residência, 1928.

(Fonte: NEDELYKOV; MOREIRA, 2001). Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq018/arq018_03.asp>

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Figura 19 - Frank Lloyd Wright: Residência Alice Millard . Los Angeles –CA,1924.

(Fonte: PFEIFFER, 2004)

Em razão desta ausência de propostas ou de um projeto estético mais

definido (como se viu, o que Moya expôs no salão consagrado à arquitetura não

eram mais do que esboços) ganha peso o manifesto de Warchavchik. Embora

tivesse uma formação estritamente acadêmica, possuía uma nítida vantagem sobre

seus colegas paulistas, pois além do prestígio da formação de sua formação técnica

no Velho Mundo, o ensino de arquitetura na Europa era mais aberto que na América

Latina. Além disso, os alunos viviam mergulhados na agitação dos debates artísticos

por todo o continente e, mesmo que o ensino nas escolas européias ainda

permanecesse acadêmico,

O espírito clássico não estava voltado para a cópia do passado, nem impedia a pesquisa de uma arquitetura prática e econômica, de volumes e linhas puras, onde os elementos decorativos fossem reduzidos ao mínimo e correspondessem a uma função, sem jamais esconder a estrutura do edifício. A preocupação com a verdade e com a simplicidade e a rejeição do ornamento supérfluo eram uma tendência profunda, de modo algum exclusiva dos mestres da vanguarda francesa, austríacos ou alemães; o neoclassicismo de Piacentini baseava-se nos mesmos princípios (BRUAND, 1981, p.64).

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Aparentemente, Warchavchik tinha então as condições pessoais necessárias

para iniciar o que seria a nova arquitetura brasileira e, eventualmente, o fez. Nesse

primeiro momento, porém diversos problemas surgidos quando da construção de

sua primeira casa moderna, em 1927, um ano após deixar a Companhia Construtora

de Santos, não permitiram que ele expressasse na obra seu próprio discurso

modernizador, impedido pela falta de materiais industrializados e de mão-de-obra

especializada.

Na construção de sua casa da Rua Santa Cruz, Warchavchik teve de contornar as dificuldades: Não tive coragem de construir a casa com cobertura de terraço-jardim32, como o teria desejado. Ainda não existiam na praça os materiais isolantes adequados. Cobri o telhado, embutido entre as paredes, com telhas coloniais. Não pude conseguir nem portas nem janelas lisas. Ninguém as sabia fazer. Ainda não existia madeira compensada. Para suas construções precisou montar oficina própria: “agora já posso empregar portas de madeira compensada fabricadas em minha oficina própria: devo desenhar cada detalhe e mandar fazer tudo: janelas de ferro, grades, maçanetas, caixas luminosas, lustres, móveis e até barras para cortinas. A casa da Rua Santa Cruz está revestida exteriormente com reboco rústico de cimento branco, caolin e mica” (AMARAL, 1975, p.246).

Aqui, um paradoxo: se por um lado a dificuldade de “obtenção de materiais

importados e da mão-de-obra altamente especializada exigida pela arquitetura

eclética”, impunha-lhe “a simplificação estética e a racionalização construtiva:

‘conceitos como funcionalidade, eficiência e economia na arquitetura – termos

próprios da equação racionalista’” (BLANCO; CAMPOS NETO, 2003 ), por outro lado

limitava essa mesma evolução pretendida. Longe do que pregava em seu Manifesto,

Warchavchiki fôra obrigado a concessões que inviabilizava a pretendida busca da

“verdade total”e o abandono de todos os artifícios. Além de ter que, como referido

32 Certamente, Warchavchik pretendia se utilizar dos “cinco pontos da arquitetura moderna”enunciados por Le Corbusier e publicados em 1926. Todos seriam possibilitados pela técnica do concreto armado: os pilotis , que liberariam o terreno sob a construção; os tetos-jardim , cuidariam de manter a temperatura e umidade constante sobre as lajes impedindo trincas e, ao mesmo tempo, tornariam a cobertura mais um local agradável de permanência; a planta livre , que libertaria um andar em relação ao outro com o fim das paredes de sustentação; a “fenetre en longeueur ”, com as janelas correndo de um lado a outro da fachada; a fachada livre , que seria apenas uma membrana de paredes isoladas ou janelas, com o afastamento dos pilares na direção da parte interna da casa (BENÉVOLO, 1976, pp. 431-434).

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acima, renunciar ao teto-jardim, escondendo o telhado com uma platibanda, outras

soluções foram adotadas de forma contraditória com seus princípios:

Parecia tratar de uma construção em concreto armado – que era a idéia original – , mas o edifício foi construído quase que inteiramente de tijolos, ocultados sob um revestimento de cimento branco.

As janelas horizontais de canto davam à obra um toque característico inegável, mas, sob o ponto de vista técnico, não se justificavam numa construção executada com materiais tradicionais, tendo elas acarretado complicados problemas de construção.

A solução, que consistia em dar à ala direita da fachada [...] o mesmo aspecto externo da ala esquerda, quando essa correspondia a uma varanda [...] e não a um interior como a ala oposta, contraria a firmação feita em termos por demais absolutos no manifesto de 1925: “a beleza de uma fachada deve resultar da racionalidade da planta da disposição interna, assim como a forma de uma máquina é determinada pelo mecanismo, que é sua alma” (BRUAND, 1981, p.66).

Pode-se atribuir a essas dificuldades construtivas o fato da arquitetura

moderna no Brasil ter se mostrado “corrompida” a princípio, com o uso de detalhes

decorativos Art Déco sobre plantas funcionalistas. Em geral, havia a utilização de

técnicas construtivas avançadas no arcabouço dos edifícios, como as estruturas em

concreto armado e instalações elétricas e hidráulicas, mas a ornamentação e o

revestimento se mantinham em bases artesanais, com a diferença, em relação à

rebuscada ornamentação acadêmica, que se sobrepunha às fachadas, de que o

novo estilo utilizava os próprios elementos arquitetônicos e construtivos, atribuindo-

lhes valores decorativos, como as “faixas de entrepiso frisadas horizontalmente e

coroamentos diferenciados por acabamentos serrilhados ou escalonados”, sempre

se adequando à escala do volume externo e marcando as linhas principais do

edifício (CONDE; ALMADA, 2000, p.105-106). Mesmo esses detalhes foram sendo

simplificados em prol de uma maior preocupação com a composição volumétrica

posterior.

O forte antagonismo estilístico entre Art Déco e racionalismo – que marcou a produção e o debate arquitetônicos na Europa dos anos 20, sobretudo após o lançamento do livros L’art décoratif d’aujourd’hui, de Le Corbusier, em 1925 – não teve a mesma incidência no Brasil e nos outros países da América Latina, onde predominam contaminações mútuas e contínuas entre as duas correntes: coexistia uma concepção volumétrica estritamente funcionalista com detalhes decorativos de ascendência Déco (SEGRE, 2000, p.14).

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Em pouco tempo era possível perceber na paisagem urbana brasileira um

sem número de edifícios que pareciam empenhados em refletir uma imagem otimista

dos novos tempos e traziam características em comum que os identificavam com a

estética Déco, muitos deles exclusivos de sua manifestação no Brasil. Abaixo,

alguns detalhes que permitem essa identificação:

� Composição de matriz clássica:

-simétrica/axial, com acesso centralizado ou valorizando a esquina (no plano horizontal); e

-tripartida em base, corpo e coroamento escalonado (no plano vertical);

� Tratamento volumétrico das partes constituintes e superfícies, à maneira moderna com:

-predominância de cheios sobre vazios;

-articulação de volumes geometrizados e simplificados (varandas semi-embutidas) ou sucessão de superfícies curvas (aerodinamismo);

-linguagem formal tendente à abstração (contenção expressiva dos ornamentos decorativos, quase sempre em alto e baixo relevo); e

-composição com linhas e planos, verticais e horizontais, fortemente definidos e contrastados;

� Articulação/integração entre Arquitetura, Interiores e Design (mobiliário, luminárias e serralheria artística). Valorização dos acessos e portarias;

� Estruturas em concreto armado, embasamentos revestidos em granito, mármores e materiais nobres, revestimentos altos em pó-de-pedra (mica) e janelas tipo “Copacabana” (persianas de enrolar/basculantes) em madeira ou ferro: mescla de técnicas construtivas industriais/modernas e decorativas artesanais/tradicionais;

� Plantas flexíveis, com acesso por hall, circulação ou galeria (espaço interconector) e compartimentos de uso intercambiável (quartos/salas); e

� Iluminação feérica e cenográfica, intenção esta manifesta desde as perspectivas que acompanham os projetos (talvez uma influência cinematográfica) (CONDE; ALMADA, 2000, p.14).

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Entre as obras precursoras, destaca-se o edifício projetado em 1928, na

Avenida Angélica em São Paulo, por Júlio de Abreu Júnior. O prédio residencial de

seis pavimentos caracterizava-se por não apresentar nenhuma decoração tradicional

– exceto por um ramo floral estilizado encimando o destacado volume vertical que

marcava duas fileiras de janelas – e pela composição assimétrica, com a fachada

“composta apenas pelos vazios dos terraços da sala e pelas paredes lisas de

fechamento dos banheiros, mais alguns vãos de ventilação e iluminação” (SEGAWA,

1998, p.57).

Talvez o mais conhecido arquiteto Déco, até pelo número de obras

significativas nas duas maiores cidades brasileiras, embora nem todas com o

mesmo tratamento formal, seja Elisiário da Cunha Bahiana, formado segundo os

valores das Beaux Arts os quais acabou renegando ao adotar uma linguagem

oposta às normas acadêmicas, em busca de uma arquitetura moderna. Foi

responsável por inúmeras obras de prédios públicos, comerciais e residenciais e até

pelo viaduto do Chá, em São Paulo, entre 1927 e 1943. Em seu currículo

profissional,

uma observação anotando o insucesso numa participação em concurso no Rio de Janeiro é bastante reveladora. Consta o seguinte: “Projeto do Estádio do Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea, e tira o 2º lugar com projeto moderno, gênero Perret (o primeiro lugar foi adjudicado a um projeto clássico)”. Esse concurso foi promovido em 1925: por “clássico”, pode-se entender a adoção de linguagens ornamentais Beaux Arts; por “moderno”, a identificação é eloqüente.

Em 1928, Bahiana novamente obteve um segundo lugar, agora no concurso para a embaixada da Argentina; o vencedor era seu colega de turma, que apresentara um projeto de gosto neocolonial: Lucio Costa (Ibid., p.58).

Outro famoso projeto de Elisiário Bahiana, e considerado um monumento Art

Déco, foi o edifício A Noite, sede do jornal de mesmo nome, com vinte e dois

pavimentos e de cujo terraço de cobertura se via a Baía da Guanabara. Segundo

Conde e Almada (2000, p.29) foi o primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro,

construído em 1929 com a então recentemente introduzida tecnologia do concreto

armado. “É um grande corpo sólido, marcado basicamente pelas aberturas das

janelas que lhe conferem uma feição bastante regular e padronizada”. Uma discreta

ornamentação enfatiza o eixo central do volume e frisos horizontais marcam a

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fachada entre o décimo-quarto e o décimo-sétimo pavimentos. O Déco se prestava

perfeitamente a uma arquitetura integrada à estrutura e, durante as décadas de

1930 e 40, ele predominaria na verticalização das cidades. De fato,

Na década de 1930, a linguagem Art Déco estava associada ao envoltório por excelência das grandes estruturas que romperiam os horizontes urbanos desenhados pelos homens, marcados sobretudo (ou apenas) pela verticalidade das torres sineiras de igrejas ou referências semelhantes. Assim, em São Paulo, o edifício Saldanha Marinho competiria com o seiscentista convento e igreja dos franciscanos; o edifício Oceania em Salvador – a maior construção em todo o Norte e Nordeste na época [...] – faria o contraponto robusto ao esbelto farol da Barra, do século 18 (SEGAWA, 1998, p.64).

Talvez a mais espetacular inserção de uma obra de arquitetura Art Déco em

uma paisagem tradicional seja a do famoso Elevador Lacerda, de 1929, com 73,50

metros de altura, em concreto armado, que faz a ligação entre a parte alta e a baixa

da cidade de Salvador na Bahia (Ibid., p.64). Rivaliza, no caráter monumental, com a

estátua do Cristo Redentor, construída no Morro do Corcovado pela prefeitura do

então Distrito Federal entre os anos de 1926 e 1931. Conde e Almada (2000, p.27)

registram que o gigantesco monumento teria sido concebido como uma “estátua

arquitetural”, cujas dimensões teriam exigido a combinação, quando da construção,

de técnicas avançadas de engenharia “com princípios consagrados de composição

arquitetônico/escultórica”. Projetado para ser apreciado de diferentes distâncias,

adequava-se perfeitamente à estética Déco pela simplificação e redução dos

detalhes à sua expressão mais simples, concentrando-se mais na definição dos

grandes volumes e planos. Em geral, a linguagem do Art Déco quando aplicada à

estatuária de monumentos – muito freqüente durante toda década de 1930 como

parte de um projeto de revalorização dos heróis da pátria – é mais evidente e

expressiva nos pedestais do que nas figuras representadas propriamente ditas,

como no caso do monumento ao Almirante Tamandaré, na praia de Botafogo, de

1937, em que a ênfase é colocada na base de proporções exageradas e não no topo

onde está a estátua de bronze do homenageado. Os altos e baixos relevos, os

dísticos, os ornamentos de volumetria discreta e a estatuária secundária

desenvolvem-se no nível do olho do observador. Uma das raras exceções é a

estátua “Mulher com Ânfora”, de 1934, na Praça Pio X, também no Rio de Janeiro,

em que a forma lânguida da mulher representada, inscrita em um triângulo

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imaginário, revela a estilização no tratamento dos cabelos e do planejamento que a

recobre parcialmente (Ibid., 27-78).

A partir da Revolução de 1930, como reflexo das transformações provocadas

pelas propostas de reformulação na área educacional contidas nos discursos da

Aliança Liberal e levadas avante no governo de Vargas, a elaboração de novos

modelos de edifícios escolares experimenta um notável incremento.

As linhas geometrizantes foram caracterizadoras da arquitetura escolar dessa época. Todavia, não se tratava somente de uma preocupação estética. Isso se depreende do trabalho que a Secretaria da Educação de São Paulo desenvolveu com a Diretoria de Obras públicas do Estado de São Paulo: uma série de tópicos funcionais, programáticos e pedagógicos – orientação do edifício e desenho de janelas, organização do programa mínimo de dependências, acabamentos – foram destacados como elementos determinantes para um novo modelo de prédio escolar (SEGAWA, 1998. pp. 66-67).

O engenheiro-arquiteto José Maria da Silva Neves foi o responsável por

inúmeros desses projetos e para conceituá-los citava arquitetos como Le Corbusier,

Mallet-Stevens e Piacentini:

Fazer arquitetura não é somente construir fachadas. A arquitetura é função dos processos de construção da época. O grande arquiteto de uma época é o seu estado social. Acima das obras, acima dos programas especiais, há o programa dos programas: a civilização de cada século, – a fé ou a incredulidade, a democracia ou a aristocracia, a severidade ou a democratização dos costumes. [...]

Sejamos artistas do nosso tempo e teremos realizado uma nobre missão. Não podemos admitir hoje uma arquitetura que não seja racional, pois, a escola deve aproveitar de todo o conforto das construções modernas, de todas as conquistas da ciência no sentido de realizar a perfeição sob o ponto de vista da higiene pedagógica. [...]

Fazer arquitetura moderna não significa copiar o último figurino de Moscou ou de Paris. A arquitetura racional exige o emprego de materiais da região, atendendo às condições do clima, usos, costumes etc. Obedecendo a esses princípios básicos, criaremos um estilo original para cada povo (NEVES apud SEGAWA, 1998, p.67).

Ainda anterior a essa iniciativa de São Paulo é a reformulação do programa

educacional da cidade do Rio de Janeiro, implementada por Anísio Teixeira, quando

à frente do Departamento de Educação do Distrito Federal, e cujo plano pedagógico

estabelecia uma família de cinco tipos de escolas.

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Impulsionado pela meta de levar a escola elementar gratuita para todos, Anísio Teixeira criou 5 programas básicos de escola de baixo custo que deveriam servir de base às novas construções. Os programas iam da "escola mínima" (com apenas duas salas, para atender a pequenas comunidades) até o "programa completo" (com espaços para serem utilizados por toda a comunidade) e sua principal preocupação era, além do custo, o conforto térmico.

O projeto [da Escola Argentina, de Enéas Silva], de 1935, é um dos pioneiros na tentativa da construção de uma escola para a sociedade "urbano-industrial", proposta pela filosofia de Anísio Teixeira. Considerada proto-moderna, apresenta elementos déco, com destaque para o volume de circulação vertical que, com sua janela escotilha e o guarda-corpo de tombadilho, lembram uma ponte de comando naval. A fachada lisa com básculas e quebra-sóis, no entanto, já representa a imagem da arquitetura moderna que irá prevalecer por muitos anos nas escolas públicas. A compactação do volume, com a substituição do pátio interno pela circulação de corredores e a diminuição da dimensão das salas de aula denunciam a preocupação com a economia e a nova modulação imposta pelo concreto armado. A localização da caixa da escada, ocupando lugar central na composição, não só otimiza a circulação como preconizam a tendência moderna de destacar plasticamente os volumes de circulação vertical, "para o alto e avante", o espaço "otimizado", mínimo, racional, para o qual o próprio navio é paradigma, segundo Le Corbusier.O programa inclui ateliê e um pequeno laboratório, espaço novo nas escolas. A modernidade aqui está presente no ambiente industrial. A dimensão do auditório indica a utilização para grandes eventos abertos à comunidade (DRAGO; PARAIZO, 1999).

Figura 20 - Escola Argentina. Rio de Janeiro, 1935.

(Fonte: DRAGO; PARAIZO, 1999).

Os projetos de Enéas Silva para essas escolas previam construções de Baixo

custo e funcionais, sempre em estrutura em concreto armado com fechamentos em

alvenaria, isentos de qualquer estilo acadêmico ou regional, o que provocou a ira de

José Mariano Filho, o grande defensor do neocolonial na arquitetura escolar, que

acorreu à imprensa em artigos contra as novas propostas:

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Para desgraça do Brasil, as grandes oportunidades arquitetônicas surgiram como que por epidemia, depois da revolução. O momento teria sido propício para se erguerem monumentos de arte, condicionados às nossas peculiares exigências mesológico-sociais. Estabeleceu-se um padrão ínfimo, miserável, a caixa d’água envidraçada que se implantou em cada bairro a guisa de escola municipal. O mesmo padrão pesteou a cidade, infiltrando-se nos ministérios. Sob o argumento muito sedutor de que esse gênero de arquitetura de baixa classe é baratíssimo, os homens do governo não hesitaram em adotá-la. Quando tiver passada essa onda de estupidez, olhando para os mastodontes de cimento onde se alojam a preços de quitanda os nobres edifícios públicos, as gerações futuras poderão em justiça julgar a vulgaridade da época em que estamos vivendo (JOSÉ MARIANO FILHO apud SEGAWA, 1998, p.66).

Figura 21 - Rafaello Alberti, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte , 1935.

(Fonte: ALBERTI, 2000)

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As profundas mudanças provocadas pela Revolução de 30 no país também

se fizeram sentir na esfera da administração pública como parte do esforço de

“reconstrução do país”, com o “reajustamento social e econômico de todos os rumos

até então seguidos”, conforme se podia perceber já no discurso de posse de Vargas,

no qual figurava,

entre outras propostas de reforma, a de fusão dos quadros do funcionalismo. Começou-se por desenhar um novo perfil para o Ministério da Viação e Obras Públicas que levaria à reorganização dos serviços postais e telegráficos [...]. Afinal, pelo Decreto nº 20.859 de 26 de dezembro de 1931, os serviços postais e telegráficos foram reunidos em uma única repartição, o Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) (PEREIRA, 1999, p.99).

Iniciava-se um processo em que o governo federal procurava centralizar as

ações dispersas dos governos estaduais e municipais, que mantinham serviços

telegráficos ou cabos submarinos para uso próprio, mas que acabavam atendendo a

interesses privados, além de operarem sem qualquer controle e registro exato de

seu número e de suas instalações. Com decretos que tornavam exclusividade da

União o serviço interior, foram fechadas todas as estações particulares de telegrafia

e estabelecido o prazo limite de concessão para as que exploravam os serviços de

cabo submarino, além de considerar sem efeito estações telegráficas e postais

regionais e reduzir as tarifas postais e telegráficas. Afirmava também o papel do

governo federal na expansão dos serviços interestaduais e internacionais de

telefonia. As reformas administrativas no campo do serviço postal suprimiram

repartições e cargos, ao mesmo tempo em que criava outros, terminando por fundir,

com o decreto referido na citação acima, os serviços dos Correios e Telégrafos

(Ibid., pp.100-101).

A essa normalização do serviço, que em pouco tempo tornou o espaço físico

das antigas agências pouco funcional ou mesmo insuficiente, correspondeu também

uma normalização arquitetônica sem precedentes, em função da introdução de

inovações essenciais.

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Talvez primeira e mais importante tenha sido a adoção de uma lógica de funcionamento claramente “industrial”, pautada na rigorosa hierarquização das regiões e municípios, que definia o perfil, as dimensões e a categoria de cada agência num sistema operacional mais amplo. [...] A tradução dessa diretriz política de prestação de um serviço e, ao mesmo tempo, de equipamento de cidades e regiões de maneira sistêmica e hierarquizada, gerou, em termos espaciais, arquitetônicos e urbanos, a consolidação de uma verdadeira “arquitetura postal” (Ibid., p.101).

A idéia era introduzir uma arquitetura padronizada, que se tornaria a marca

dos Correios e Telégrafos, estrategicamente localizada no centro de cada capital do

país e seus pólos regionais, de forma a criar, além das questões puramente

funcionais, uma imagem do serviço público colocado a serviço do maior número de

cidadãos. Para isso, a Seção de Edifícios, criada junto com a DCT, elaborou 92

projetos ou estudos de remodelação de agências já existentes, além da

mecanização nas sedes de diretorias regionais. Os prédios eram divididos em tipos,

começando com um básico que sofria ampliações, reduções ou pequenas

simplificações conforme a importância da agência, sendo que em dez anos foram

projetados e construídos mais de 140 edifícios espalhados pelo Brasil, começando

pelo Nordeste, pela urgência da situação da região até então sem atendimento

(Ibid., pp.100-108).

De acordo com Margareth da Silva Pereira (1999, p.106-107), em seu livro Os

Correios e Telégrafos no Brasil, o Art Déco estava presente nesses prédios já no

tratamento que recebiam as muretas que marcavam os terrenos em várias agências.

Outra característica do estilo presente em quase todos essas construções era a

adoção da marquise que conferia imponência e sentido público aos edifícios,

“estruturando a composição axial em torno da qual a planta se organizava

simetricamente, dividindo-se em duas partes: uma para atendimento postal, outra

para atendimento telegráfico”. Em alguns desses edifícios, com o acréscimo de mais

um pavimento, a marquise se transformava em balcão e o corpo central era

destacado em função da sua verticalização acentuada e do uso de réguas verticais,

comuns na composição Déco que também se expressa no aumento no número de

aberturas, principalmente de janelas.

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Figura 22 - Agência Postal dos Correios e Telégrafo s. Quixeramobim, CE, 1932.

(Fonte: PEREIRA, 1999)

As agências sedes das Diretorias Regionais mostravam maior requinte que

nas do interior e introduziam diferenças de concepção e execução, explicitando

ainda mais a referência à geometrização Déco .

Esses tipos de agências iam ganhando, conforme a classe, maior destaque nos pontos focais do edifício: a marcação vertical e o alteamento da platibanda no acesso principal; a introdução, em contraponto, de réguas horizontais, que enfatizam a marquise seguiam marcando na fachada zonas de abertura das esquadrias; os recuos mais pronunciados dos corpos laterais com o fim de também acentuar o acesso; as reminiscências de rusticação nos ângulos da edificação sublinhando os seus limites e, por fim, a introdução, no corpo principal da fachada, de imponentes caracteres em argamassa desenhando o nome: “Correios e Telégrafos” (Ibid., p.110).

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Figura 23 - Diretoria Regional dos Correios e Telég rafos. Curitiba, 1934.

(Fonte: PEREIRA, 1999)

Essa incorporação de caracteres tipográficos à arquitetura era pouco usual

antes da introdução do Art Déco. Conde e Almada (2000, p.106) referem que os

nomes e números de identificação dos prédios passaram a ser aplicados em posição

de destaque nas fachadas, geralmente sobre as portarias dos edifícios. Usualmente

utilizavam-se tipos sem serifa e podiam ser mesclados a motivos da flora e fauna a

que os nomes aludiam. Configuravam-se como um importante elemento de

caracterização, a exemplo da serralheria artística presente em portas e gradis, de

grande parte das edificações no estilo.

Os projetos assinados por novos arquitetos, como Rafael Galvão, para as

agências de algumas capitais introduziam algumas inovações importantes na

concepção arquitetônica que já denotavam o interesse pelas discussões européias

sobre a arquitetura moderna, como a eliminação da simetria a partir de um eixo

central e do tratamento tripartido da fachada no sentido vertical, que subdividia o

edifício em base, corpo e coroamento. Nos programas de “grandes composições”,

isto é, aqueles em que o sentido e a função pública são acentuados, os projetos, já

anteriormente, propunham o “deslocamento do eixo da composição do centro para

os ângulos do edifício, tornando a ‘esquina’ um dos pontos focais do tratamento

decorativo” (PEREIRA, 1999, pp.129-135). Assim, o ponto de interesse deslocava-se

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do centro para o ângulo do edifício, que passava a ser valorizado, recebendo

“torreões, cúpulas, pequenas marquises envidraçadas e escadas cuidadosamente

ornamentadas”.

A tendência à “decomposição” da volumetria do edifício, ao tensionamento da axialidade, acentuando ora ângulos, ora duplas entradas, contrapondo marcações horizontais e volumes verticais, além da proposição de várias possibilidades de leitura do edifício, que os arquitetos começavam a experimentar, mostrava que a arquitetura, nesse agenciamento de volumes regulares e irregulares, voltava a ser entendida como jogo espacial em detrimento da retórica do estilo (Ibid., p.132).

Figura 24 - Rafael Galvão, Diretoria Regional da ECT (antigo DCT), São Luis - MA, 1932.

(Fonte: PEREIRA, 1999)

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A autora salienta que essa arquitetura padronizada com características das

“tendências em voga no campo arquitetônico” tinha a intenção de criar um

paralelismo com a nova estrutura da DCT: “a modernização do país tornava-se

concreta e se confundia com a presença do poder público e com o perfil de cada

agência dos Correios e Telégrafos que ia sendo construída”.

As obras do governo federal, em todos os seus serviços, prosseguem,

sempre que possível com um marcado sentido de monumentalidade evidenciado de

várias maneiras. Por vezes pelo próprio porte do edifício como no projeto do Palácio

Duque de Caxias, sede do Ministério do Exército, de 1935:

Composto pela interseção de dois grandes volumes contrastantes, um horizontal e outro vertical, o edifício marca enfaticamente uma centralidade e domina o espaço ao seu redor. A fachada principal, simétrica, tem no volume vertical o elemento dominante que organiza volumétrica e funcionalmente a composição. Sua subdivisão, de inspiração clássica, é bem definida: embasamento revestido em mármore com acesso em pórtico, corpo em argamassa e torreão de comando com coroamento escalonado (CONDE; ALMADA, 2000, p.28).

Figura 25 - Christiano Stockler das Neves: Ministér io da Guerra, Rio de Janeiro, 1935.

(Fonte: SEGAWA, 1998)

Outras vezes a monumentalidade era garantida pelo uso de materiais nobres

como no Tribunal Regional do Trabalho, no Rio de Janeiro, com seus acessos

enfatizados pelo revestimento em granito negro emoldurando os portões de

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serralheria artística rendilhados ou, ainda, pelo superdimensionamento estrutural

para além das necessidades físicas, como no edifício do Instituto Nacional de

Previdência Social, também no Rio, com suas janelas mínimas e colunas de seção

exagerada e de pé-direito duplo, que conferem à construção “um peso e

monumentalidade que ultrapassa suas reais dimensões, à maneira das usinas

futuristas de Antonio Sant’Elia”. A metáfora da solidez é evidente e justifica-se por se

tratar da sede de um instituto de aposentadoria (Ibid., p.37).

Menos evidente como simbologia, mas não menos freqüente, é a utilização

dos torreões com relógio, como que a marcar o ritmo dos trabalhadores urbanos, um

recurso compositivo introduzido em diversos prédios, públicos e privados, de

arquitetura Art Déco, como o da sede da Diretoria Regional dos Correios e

Telégrafos de Belém, no Pará ou edifício da Polícia Federal, no Rio de Janeiro e o

mais espetacular: a Estação Dom Pedro II – a Central do Brasil – em que a torre do

relógio com seu coroamento escalonado, na esquina, é abraçada pelas alas baixas

e tem sua verticalidade acentuada por descer até o solo (Ibid., p.27).

Mas sua capacidade característica de expressar a monumentalidade não

assegura ao estilo sua sobrevivência. Em 1935 ocorre o que pode ter sido o maior

embate entre a arquitetura Art Déco e modernista “verdadeira”, do qual a primeira sai

derrotada, como antecipado no item 4.2 do Capítulo 4.

[...].o concurso de anteprojetos para o edifício do Ministério da Educação e Saúde, realizado em 1935, foi ganho por Archimedes Memória [...], com um projeto acadêmico em estilo marajoara, ou seja, inspirado na civilização pré-colombiana que se desenvolveu na Ilha de Marajó, conhecida unicamente através de peças de cerâmica. O caráter aberrante dessa idéia evidencia o alcance da vaga nacionalista, que, insatisfeita com o neocolonial, passou a pesquisar fontes puramente decorativas, numa das raras manifestações de arte local, anteriores ao estabelecimento dos portugueses (BRUAND, 1981, p.81).

Coube a uma iniciativa pessoal do Ministro da Educação Gustavo Capanema,

não executar o projeto vencedor, justamente por discordar do “estilo marajoara”

pagando os projetos classificados e, em um ato arbitrário, encoberto por minúcias de

ordem jurídica, convidar o modernista Lúcio Costa, um dos participantes

desclassificados (Ibid., p.82). Essa aparente insurreição de Gustavo Capanema, e é

bom lembrar que ele era assessorado por uma equipe de intelectuais

comprometidos com um projeto modernista, como Manuel Bandeira e Carlos

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Drummond de Andrade, pode ser explicável: “A política supõe a existência de

doutrinas, mas também envolve cálculos imediatos, pragmáticos, que ocasionam

alterações nos próprios princípios doutrinários. Doutrina e regime não têm o mesmo

significado. A doutrina nos diz de como as coisas devem ser e não de como elas

são” (OLIVEIRA, 1982). Além disso, Lúcio Costa já deixava transparecer em sua

arquitetura uma preocupação nacionalista, mesmo tendo abandonado o estilo

neocolonial.

A escolha de Lúcio Costa era lógica e fundamentada: sem dúvida alguma, era ele a figura de maior destaque dentre os adeptos da arquitetura “moderna”, pelo papel que havia desempenhado na reforma da Escola de Belas-Artes33 em 1930-1931 e, a seguir, pelas posições teóricas e práticas assumidas (BRUAND, 1981, p.82).

De qualquer forma, a questão da identidade nacional vem à tona

definitivamente quando o ministro decide erigir no pátio do prédio uma estátua de 12

metros de altura, representando a figura do “Homem Brasileiro”, o que não ocorre

por não se chegar à conclusão de qual seria a imagem adequada ao autêntico “tipo

nacional”.

Procurando definir a imagem de um autêntico tipo nacional, sociólogos, antropólogos, biólogos, são ouvidos. O debate vai do tema da "sub-raça mestiça e crioula" a do "tipo eclético modelado pela nossa ambiência cósmica". Mário de Andrade é convocado a mediar a questão e tenta convencer os melhores escultores, entre eles Victor Brecheret, a colaborarem. Os mais importantes escultores de nosso modernismo contribuem realmente para o acervo de esculturas que prédio ainda abriga, mas a imagem que deveria representar a síntese do "Homem brasileiro" nunca foi realizada (RESENDE, 2000).

Ainda assim, Portinari recebeu a incumbência de “realizar o melhor de sua

arte”, expondo então por inteiro sua inclinação à monumentalidade, influência dos

muralistas mexicanos:

33 Lucio Costa foi convidado a dirigir a reforma em 1930 por Francisco Campos, à frente do então recém criado Ministério da Educação e Saúde, por indicação de Rodrigo Mello Franco de Andrade, também responsável pela criação em 1937 do S.P.H.A.N (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) (BRUAND, 1981, p.72).

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Todo governo forte demanda pintura histórica: Tiradentes, 1ª. Missa, Chegada de D. João VI. Portinari assumia o posto de pintor oficial. Indiscutivelmente, no Ministério da Educação e na Pampulha, em sua melhor fase, bastou ao artista a primeira colaboração com os jovens arquitetos modernos para ser situado como o artista que melhor expressava o seu tempo – no caso, monumentalmente (AMARAL, 1975, pp.315-317).

Hugo Segawa (1998, pp.90-92) explica que a prioridade do Ministério da

Educação e Saúde Pública não era, a princípio, sua sede própria e sim a

implantação de um campus para a Universidade do Brasil. Para isso, Capanema

convidara Marcello Piacentini, arquiteto fascista que projetara a Universidade de

Roma.

Em meados dos anos 1930, o alinhamento político do Brasil era ambíguo em relação ao nazismo e ao fascismo, embora o getulismo correspondesse em linhas gerais às formas de autoritarismo em voga na Alemanha e na Itália. O arquiteto italiano chegou ao Brasil em agosto de 1935, mas o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura advertia o ministro da proibição e contratar profissionais estrangeiros para essa finalidade (Ibid., p.90).

Costa, ao ser consultado pelo ministro, manifestou-se contra o convite a

Piacentini e, como contrapartida, indicou, já com vistas ao projeto do edifício do

ministério, o nome de Le Corbusier, que vem então ao país a pretexto de realizar

conferências que, estas sim, podiam ser remuneradas, burlando a legislação quanto

ao trabalho de arquitetos estrangeiros. O anteprojeto do arquiteto suíço é rejeitado

pela comissão de professores criada para a definição do organograma e

necessidades físicas do campus e o projeto definitivamente entregue a Piacentini. A

estada de Le Corbusier no Brasil, no entanto, serviu para que este desenvolvesse os

primeiros esboços para a sede do ministério, assessorando rejeitando todos os

estudos elaborados pela equipe montada por Lucio Costa (Ibid., p.90).

A contribuição de Le Corbusier para o projeto do edifício do Ministério é inegável. Tem sido afirmada e reafirmada tantas vezes que não vale a pena pormenorizá-la. Cabe-nos, entretanto, constatar que o terreno cultural achava-se como que preparado, dominado por figuras que puderam valorizar e assimilar com lucidez a experiência artística do mestre francês (sic) conformando-a aos ideais nacionalistas e reformadores da revolução de 30. E de tal forma que, na ausência de Le Corbusier, mudadas certas premissas que conduziram os primeiros estudos, o edifício foi sendo construído com a apropriação formal em termos de proporções, colorido, decoração, paisagismo, que fez dele o ponto de partida para uma aproximação cada vez maior de facetas características da memória artística brasileira (ARTIGAS, 1981, p.124).

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Yves Bruand (1981, p.91), por outro lado, prefere diminuir a importância

atribuída por Vilanova Artigas à atuação dos arquitetos brasileiros na valorização dos

elementos nacionais. Para ele foi Le Corbusier o responsável por conciliar as

posições consideradas como antagônicas entre o estilo internacional adequado à

sociedade moderna e as variáveis regionais, abrindo novos horizontes aos

arquitetos brasileiros. Teria sido iniciativa de Le Corbusier, “seduzido pela natureza

tropical”, o aproveitamento da flora nacional como elemento complementar da

arquitetura34, no teto jardim, por exemplo, e, principalmente, o uso da palmeira

imperial no pátio de entrada, pela monumentalidade dos visuais que definia, tendo

incluído-a em todos os seus esboços.

Figura 26 - Le Corbusier: Esboço para o Ministério da Educação e Saúde. Rio d e Janeiro, 1936.

(Fonte: MINDLIN, 1999)

Também teria sido de Le Corbusier a sugestão do uso do granito cinza e rosa,

das montanhas do Rio de Janeiro contrariando a prática usual de importação de

pedras e mármores de mesma qualidade, impulsionando a exploração das jazidas

locais. Evidenciava, assim, “que o emprego exclusivo de materiais artificiais,

enquanto elementos estruturais da nova arquitetura, não excluía um apelo

complementar aos recursos naturais do país” (Ibid., p.91). Talvez sua mais

importante recomendação, no entanto, vital para a evolução da arquitetura

34 O próprio Bruand admite, no entanto, que Mina (Klabin) Warchavichik havia associado o jardim tropical à arquitetura moderna já em 1928 na casa construída pelo marido.

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contemporânea no Brasil, tenha sido a idéia de incorporar o emprego dos azulejos,

típicos da arquitetura colonial. Retomado com o movimento neocolonial, seu uso

havia sido recusado pelos arquitetos modernistas brasileiros que o encaravam como

um mero recurso decorativo comprometido com o passado, esquecendo seu caráter

funcional como proteção às paredes contra a excessiva umidade tropical. A

“genialidade” de Le Corbusier teria mostrado aos arquitetos nacionais essas

vantagens, além das possibilidades de expressão plástica, fazendo-os compreender

que a nova arquitetura não precisava necessariamente ser voltada para a

austeridade e que, quando os recursos do passado conservavam sua razão de ser

adaptavam-se perfeitamente ao espírito das construções modernas.

A pregação de Le Corbusier foi ainda mais significativa, porquanto se identificava com as tendências mais representativas do pensamento brasileiro do século XX. A preocupação co a plasticidade, ou seja, com a riqueza formal e decorativa, correspondia aos desejos de uma sociedade em plena evolução, sensível aos aspectos exteriores e expressivos [...]. Além disso, a valorização dos elementos locais naturais ou históricos, integrava-se perfeitamente no contexto nacionalista [...] (Ibid., p. 91).

Na verdade, importa pouco saber os verdadeiros autores da apropriação

pioneira do repertório tradicional da arquitetura brasileira, se a equipe liderada por

Lucio Costa ou o arquiteto suíço: quem quer que tenha sido, estava inteirado do

debate em torno de qual estilo artístico melhor representaria a nação. Seguramente,

o projeto para uma construção com o porte e o significado da sede do Ministério da

Educação e Saúde Pública, talvez a pedra angular, junto com o Ministério do

Trabalho, do governo Vargas, não seria entregue a uma equipe de aventureiros

descomprometidos com os ideais nacionalistas. Ao mesmo tempo, ainda que

Capanema tenha recusado o projeto “marajoara” vencedor, severas recomendações

quanto ao conteúdo nacionalista da obra devem ter sido encaminhadas à nova

equipe que, não por coincidência era liderado por um arquiteto famoso como um dos

antigos incentivadores do movimento neocolonial, reconhecidamente nacionalista,

mas sem o perfil adequado à sociedade industrial. É lícito, portanto, supor que a Le

Corbusier tivesse também sido expressamente recomendado que explorasse as

potencialidades da terra, aproximando-se o máximo possível das “expressões”

verdadeiramente brasileiras, certamente uma imposição de programa da edificação.

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Graças ao resultado plástico e funcional do novo edifício, criava-se um novo

repertório formal na arquitetura brasileira. Com os mesmos recursos sendo adotados

posteriormente por outros arquitetos brasileiros, a valorização dos elementos

nacionais na arquitetura tornou-se uma prática usual, sendo inclusive reconhecida

internacionalmente. Segawa (1998, p.92) considera que aquela obra é o ponto inicial

de “uma arquitetura moderna de feitio brasileiro”, baseado nos desdobramentos

posteriores que confirmariam a afirmação, sobretudo no plano internacional, com

publicação em revistas da área e a organização de uma exposição fotográfica pelo

Museum of Modern Art (MoMA)de Nova Iorque em 194335 denominada Brazil Builds,

mostrando a nova e a tradicional arquiteturas brasileiras. O edifício sede do M.E.S.

foi fotografado com sua construção completada apenas externamente, mas o vice-

presidente do MoMA, Philip Goodwin já o usava como exemplo ao citar o país como

dono “dos mais belos edifícios do continente americano”(GOODWIN, 1943 apud

SEGAWA, 1998, p.101).

Segawa prossegue informando que a mostra parece ter sido motivada, além

dos motivos de interesse geopolíticos, pelo sucesso do pavilhão brasileiro na Feira

Mundial (título que sucedeu às Exposições Universais) de Nova Iorque de 1939,

projeto de Lucio Costa escolhido em concurso no ano anterior, e executado em

parceria com o concorrente que ficou em segundo lugar, Oscar Niemeyer. A obra de

uso efêmero (seria desmontada logo após a exposição) e que foi considerada um

dos pontos altos da feira, apresentava “alguns dos arquétipos que iriam doravante

povoar a arquitetura brasileira”, com destaque para a curva de inspiração barroca,

presente ostensivamente nas plantas do térreo e do andar superior. (SEGAWA,

1998, pp.95-96).

Diferentemente do concurso para o pavilhão da exposição da Filadélfia de

1926 em que o programa admitia somente o estilo neocolonial, este procurava

35 Ainda segundo Segawa (1998, pp.100-101), a mostra fazia parte da “política de boa vizinhança” do presidente americano Franklin Roosevelt, a mesma que trouxe recursos para o Brasil construir a Siderúrgica de Volta Redonda, que fez Walt Disney criar o Zé Carioca e que “exportou” Carmem Miranda para os EUA, com o objetivo de angariar alianças para a Segunda Guerra Mundial. Até então, o presidente Getúlio Vargas flertava alternadamente com os nazistas e os norte-americanos. O prefácio do catálogo referia-se ao Brasil como “nosso futuro aliado”.

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corresponder ao próprio tema da Exposição de Nova Iorque, que pretendia oferecer

“uma visão do mundo de amanhã”. Assim, ainda que tanto a forma como a técnica

necessariamente devessem se adequar aos princípios modernos, continuava a

permanecer como prioridade a conformidade com o caráter nacional sem que isso

significasse, dessa vez, uma imitação do passado. Bruand (1981, p.105) esclarece

que o próprio programa do concurso recomendava que essa conformidade fosse

obtida através da “pesquisa de ‘uma forma arquitetônica que pudesse traduzir a

expressão do meio brasileiro’”, mas que, preferencialmente, estivesse baseada nas

preocupações atuais para adequar-se ao tema da exposição.

A nova arquitetura brasileira apenas começava a se definir e a libertar-se do estilo internacional, sua fonte de origem; ora, a conciliação dos dois requisitos pelo concurso não podia resultar de geração espontânea, mas de um amadurecimento mais ou menos prolongado. Nestas condições, não surpreende nenhum dos anteprojetos ter sido considerado plenamente satisfatório pela comissão julgadora. A escolha recaiu sobre o de Lucio Costa por ser ele o que apresentava mais forte dose de brasilidade [...] (Ibid., 1981, p.105).

Mesmo com esse programa ambicioso o resultado plástico, embora simples

formalmente, e funcional foi surpreendente, tendo se tornado o marco inicial,

juntamente com o edifício do Ministério da Educação, de uma arquitetura

autenticamente brasileira. Os dois edifícios podem ser lidos como uma metáfora

conciliatória dos acirrados debates culturais iniciados ainda na primeira república

buscando determinar a verdadeira identidade do Brasil como nação. O

reconhecimento internacional da arquitetura brasileira como uma verdadeira corrente

dentro do movimento moderno motivou uma inédita auto-valorização do povo

brasileiro.

Em pleno conflito mundial, firmava-se a arquitetura brasileira como uma

expressão mundial e o Brasil se descobria como nação. Por todo o país, iniciava-se

um período de construções oficiais, municipais, estaduais e federais, explorando a

nova arquitetura que então se tornava oficial, substituindo definitivamente o Art

Déco. O Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, por exemplo, em que Niemeyer

novamente utiliza-se da curva barroca e ganha, mais uma vez, reconhecimento

mundial, mostrava que o país não mais necessitava de seu decorativismo de

inspiração européia ou mesmo americana que os ornatos marajoaras conseguiram

abrandar apenas pelo tempo necessário para a incubação do movimento que se

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pretendia redentora da arte brasileira, finalmente senhora de uma atitude

arquitetônica própria, genuinamente nacional, mas referendada pelo prestígio

internacional. Importava pouco que fosse uma arquitetura com bases no

International Style, desde que fosse reconhecida como brasileira. Estava

equacionada a questão de se reconhecer como nação e, ao mesmo tempo se fazer

conhecer moderno. O Brasil era agora a terra do samba, café e arquitetura.

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5. CONCLUSÃO

Considerando as circunstâncias históricas em que o Art Déco surgiu, pode-se

dizer que esse estilo é reflexo e mesmo protagonista das transformações

deflagradas pelo processo de industrialização, apresentando-se como uma

possibilidade de expressão artística adequada aos novos métodos de produção de

mercadorias, bem como da difusão de seu consumo. Ao renegar os métodos

artesanais de produção dos estilos precedentes, não apropriados aos processos

industriais, sem, no entanto, exibir as características de abstração radicais que os

artistas de vanguarda propunham, oferecia-se como uma das possibilidades e

necessidades da industrialização. É possível concluir, a partir deste quadro, que a

arte não deve ser considerada apenas como uma manifestação pouco importante,

praticamente restrita à esfera ociosa do lazer, e, sim, como uma atividade humana

constituída a partir de fatores históricos aos quais o artista não pode e não consegue

ficar alheio, mesmo que se proclame mero produtor da arte pela arte. A arte

reproduz a vida.

Seu papel como agente transformador pôde ser avaliado, neste trabalho, pela

exposição das ações desenvolvidas por homens como Francisco Joaquim

Bethencourt da Silva, ao estabelecer no Rio de Janeiro a Sociedade Propagadora

das Bellas Artes, não só com o objetivo de preparar mão-de-obra capaz de atender

as necessidades da produção, mas também de formar o consumidor de suas

mercadorias. O texto deixa claro, porém, que as ações desses homens não devem

ser vistas como obras de “gênios iluminados”, mas, antes, como atos de indivíduos

que agiram como mediadores das necessidades da classe burguesa.

Este trabalho possibilitou apreciar a importância que o debate sobre a

identidade nacional assume nesse contexto de expansão industrial e inserção no

mercado mundial. A questão era equacionar as necessidades de modernização do

país com a visão de nação presente desde o início da Primeira República e que

objetivava extinguir os regionalismos, reunindo toda a população em torno de um só

interesse nacional de classe. A busca de uma arte que representasse essa nação

ganha as discussões nos meios intelectuais, e aos arquitetos cabia a difícil tarefa de

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expressar espacialmente essa discussão que passou pela eleição, num primeiro

momento, do estilo neocolonial como o mais apropriado para realizar as expectativas

da sociedade. Ora, ainda que a arquitetura neocolonial conseguisse refletir uma

idéia de Brasil, o fazia ecoando o domínio lusitano, além de não ser adequada aos

novos materiais e processos construtivos. A modernização do país exigia uma

arquitetura moderna, de sua época, mas a que assim se denominava era por demais

abstrata para expressar uma identidade nacional. Nesse caso não pode ser

descartada a importância da arquitetura Art Déco, que toma para si o papel de

modernizadora sem descartar as preocupações nacionalistas, respondendo,

portanto, a uma necessidade específica. Mesmo que o Art Déco não tenha se

firmado como uma solução definitiva para os novos programas, materiais e métodos

construtivos ou mesmo que se opte por aceitá-lo como uma “moda passageira” ou

leitura equivocada das discussões presentes no movimento moderno, não se pode

negar o espaço que ocupou na história da arquitetura e mesmo da sociedade

brasileira. Isso foi demonstrado durante todo este trabalho, numa interpretação

diferente da encontrada na maior parte da bibliografia consultada, que considera o

estilo estudado apenas como um “estilo de fachada”, vazio de conteúdo ideológico e

de propósitos.

Considerando-se que o arquiteto é um homem do seu tempo e que paga seu

tributo às necessidades culturais, sociais, políticas e econômicas, bem como

encontra limites de criação na correlação das forças sociais que atuam nesse

mesmo tempo, talvez seja lícito supor, num paralelo entre o quadro apresentado

neste trabalho e acontecimentos mais recentes, que a ascensão da chamada

arquitetura pós-moderna, com seu resgate do historicismo, principalmente durante

os anos 80 do século passado, também tenha se dado como conseqüência do

desenvolvimento das forças produtivas naquela época, da nova divisão internacional

do trabalho, da estrutura de poder do estado existente naquela época. Neste caso, o

renascimento da Arquitetura Moderna Brasileira, em oposição ao pós-modernismo, a

partir dos anos 90 poderia ser visto como uma simples repetição do mesmo

processo dos anos 30?

A discussão presente nesta dissertação pode também ser ampliada, em um

futuro estudo que se pretende que seja desenvolvido como seqüência ao mestrado,

fazendo uma análise da apropriação da arquitetura Art Déco, nos anos 1930 e 40,

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pela pequena burguesia e mesmo pelas camadas populares, que exibem em suas

moradias e pequenos comércios nas vilas operárias de todo o Brasil, traços

inconfundíveis do estilo. Talvez essa interpretação popular de uma arquitetura que

pretendeu dar ares de modernidade ao país seja um testemunho de seu êxito.

Quando o artista plástico suíço Max Bill esteve no Brasil em 1953 fez

violentas críticas ao edifício do Ministério da Educação e Saúde, em especial ao uso

do azulejo como elemento decorativo, declarando que “a pintura mural jamais tivera

outro sentido que o de educar as massas, tarefa que, em nossa época, havia se

transformando em apanágio dos jornais, das revistas e do cinema” (BRUAND, 1981,

p.93). A falta de conhecimento acerca das discussões internas relativas à construção

da identidade nacional, pode atenuar a impressão causada por uma tal declaração,

mas é incontestável que faltou ao crítico, em primeiro lugar, uma melhor formulação

quanto ao conceito de educação e, em segundo lugar, a consciência do papel que a

arquitetura e a arte em geral desempenham nesse processo. A força da arquitetura

como veículo de transformação social é inegável, até por sua inevitabilidade.

Parafraseando Bruno Zevi, você pode desligar o rádio e abandonar os concertos,

não gostar do cinema e do teatro, não ler um livro e se recusar a freqüentar os

bancos escolares, mas não pode ficar indiferente ao edifício que se ergue à sua

frente, pleno dos valores da sociedade em que se manifesta.

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