187
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS APARECIDA GARCIA DOS SANTOS ATENDIMENTO E TRATAMENTO ÀS PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENÍASE A PARTIR DO GRUPO DE APOIO NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA PR PONTA GROSSA 2016

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PRÓ …tede2.uepg.br/jspui/bitstream/prefix/249/1/Aparecida Garcia dos... · FIGURA 6 – DICAS DO MANUAL PARA O COORDENADOR DO GRUPO..... 107

Embed Size (px)

Citation preview

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    APARECIDA GARCIA DOS SANTOS

    ATENDIMENTO E TRATAMENTO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE A PARTIR DO GRUPO DE APOIO NO MUNICPIO DE PONTA

    GROSSA PR

    PONTA GROSSA 2016

  • APARECIDA GARCIA DOS SANTOS

    ATENDIMENTO E TRATAMENTO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE A PARTIR DO GRUPO DE APOIO NO MUNICPIO DE PONTA

    GROSSA PR

    Dissertao apresentada para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias Sociais Aplicadas, vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa. rea de Concentrao: Cidadania e Polticas Pblicas Linha de Pesquisa: Estado, Direitos e Polticas Pblicas. Orientadora: Prof. Dr. Lenir Aparecida Mainardes da Silva

    PONTA GROSSA 2016

  • Ficha CatalogrficaElaborada pelo Setor de Tratamento da Informao BICEN/UEPG

    S237Santos, Aparecida Garcia dos Atendimento e tratamento s pessoas queforam atingidas pela Hansenase a partirdo grupo de apoio no municpio de PontaGrossa PR/ Aparecida Garcia dos Santos.Ponta Grossa, 2016. 185f

    Dissertao (Mestrado em CinciasSociais Aplicadas - rea de Concentrao:Cidadania e Polticas Pblicas),Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientadora: Prof Dr Lenir AparecidaMainardes da Silva.

    1.Hansenase. 2.Grupo de apoio.3.Polticas de Sade. I.Silva, LenirAparecida Mainardes da. II. UniversidadeEstadual de Ponta Grossa. Mestrado emCincias Sociais Aplicadas. III. T.

    CDD: 614.2

  • Dedico este trabalho ao meu querido esposo Edson, pelo inestimvel apoio nos estudos e por ser a minha grande fortaleza nos momentos difceis.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, por me proporcionar foras, amparo e inspirao na conquista

    desse meu objetivo.

    Aos meus filhos pelo apoio e entendimento a respeito das minhas ausncias

    e pela nsia que demonstravam em ver concluda esta etapa.

    minha querida orientadora Prof. Dr. Lenir Aparecida Mainardes da Silva,

    por me transmitir calma e segurana, esclarecendo minhas dvidas, fazendo as

    correes com profissionalismo e contribuindo com sugestes importantes para o

    desenvolvimento e finalizao desta pesquisa.

    Prof. Dr. Jussara Ayres Bourguignon pelo imprescindvel incentivo para

    seguir em frente.

    Ao Prof. Dr. Jos Augusto Leandro pelas contribuies, consideraes e

    pelos importantes apontamentos na minha pesquisa.

    Ao Prof. Dr. Antnio Carlos Frasson, caro amigo, pela parceria na

    elaborao de artigos publicados em preparao para o mestrado e pelos sbios

    conselhos na construo do meu projeto de pesquisa.

    Ao Prof. Dr. Alfredo Cesar Antunes e Prof. Dr. Emerson Lus Velozo que,

    gentilmente, aceitaram o convite para participar das minhas bancas de qualificao e

    defesa, e pelas valiosas contribuies apontadas para a finalizao desse trabalho.

    A todos os Professores que contriburam com seus conhecimentos,

    indicando referncias nas disciplinas do mestrado, fortalecendo as ideias para que o

    projeto fosse incorporado na dissertao. Minha gratido a todos os meus

    Professores do Mestrado.

    minha amiga de todas as horas Bruna Alves Lopes, pelo incentivo na

    elaborao desta dissertao que aborda a Histria da Hansenase, bem como pela

    enorme contribuio em minha trajetria do mestrado. Pela presena constante nos

    momentos difceis, trazendo calma e discernimento. Sou grata por voc existir!

    Aos integrantes do GAPHAN pela pronta participao nessa pesquisa e pelo

    amistoso acolhimento.

    Aos Profissionais do SAE pelo carinho e dedicao que dispensam s

    pessoas com hansenase, e pela grande contribuio para a pesquisa, bem como a

    todos os colaboradores que visam o fortalecimento do grupo.

  • Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)

    pela concesso da bolsa de estudos.

    UEPG / Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais Aplicadas pela

    oportunidade de cursar o mestrado.

    E, a todos os colegas da turma de mestrado que, de alguma forma,

    contriburam para o meu aprendizado.

  • Acolher diante do sorriso ou lgrima, mas sempre acolher. A realidade do outro no est

    naquilo que no pode revelar. Portanto, se voc quiser compreend-lo, escute no o que ele diz,

    mas o que ele no diz.

    Kalil Gibran

  • RESUMO

    A hansenase uma doena milenar, que desde os tempos bblicos vem sendo foco de vrias discusses. Por muito tempo, a pessoa doente era isolada da sociedade, excluda, bem como, nomeadas de termos como: leproso, imundo, sujo, pecador. Nesse sentido, a hansenase tornou-se uma doena marcada por estigma e discriminao, os quais so vivenciados por aqueles que por ela so alcanados. A pesquisa objetiva compreender a estrutura do Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase (GAPHAN) enquanto ao de grupo para dar suporte s polticas pblicas de sade voltadas aos hansenianos no processo de atendimento. Desenvolvida no Municpio de Ponta Grossa PR, no Servio de Assistncia Especializada (SAE), com profissionais e participantes do GAPHAN. Trata-se de pesquisa descritiva e exploratria. Utilizou-se a pesquisa qualitativa, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, com depoimentos orais e observao no participante, junto aos participantes da pesquisa. Fundamentou-se em pesquisa bibliogrfica e documental. Os resultados evidenciam que o grupo de apoio enquanto ao no SAE fortalece o atendimento e tratamento voltado hansenase, no Municpio de estudo. Esse estudo possibilitou compreender o universo de significados dos acometidos pela hansenase, o qual ficou evidenciado o estigma, que explicado por Goffman. As atividades e encontros ocorridos no GAPHAN auxiliam no atendimento e na deteco precoce dos casos de hansenase dos familiares. A convivncia grupal auxilia na elevao da autoestima, no desenvolvimento cognitivo, no autocuidado e contribui para a reintegrao do hanseniano a sociedade, e d suporte poltica pblica de sade voltada hansenase. Nesse sentido, o grupo torna-se um apoio para o programa de controle e eliminao da hansenase no municpio de Ponta Grossa PR.

    Palavras-chave: Hansenase. Grupo de Apoio. Polticas de Sade.

  • ABSTRACT

    Leprosy is a sickness that has been around for thousands of years, and since the biblical times has always been a focus of various discussions. For a long time, a person infected with leprosy was isolated from society, excluded, as well as called leper, unclean, dirty, and a sinner. In this sense, Leprosy became a sickness marked with stigma and discrimination, and those inflicted suffered from such. The objective study is to comprehend the structure of the Support Group of Patients with Leprosy (GAPHAN) while group action gives support to the public politics of health for lepers in the process of being attended. Developed in the City of Ponta Grossa PR, in the Specialized Assistance Service (SAE), with professionals and participants of GAPHAN. This research is a descriptive and explorative work. Quality study was utilized, accomplished through semi-structured interviews with oral testimonies and non-participant observation, together with the participants of the research. The research was founded in bibliographical and documental study. The results of this research give evidence that the action of the support group strengthen the attendance and treatment of those with leprosy, in the city of study. This study made possible the understanding of the universe of meanings understood by the word leper, and gave evidence of the stigma, as explained by Goffman. The activities and happenings of GAPHAN aid in the attendance and precocious detection of leprous cases of relatives. Group co-living aids in the elevation of self-confidence, cognitive development, self-care and contributes to the reintegration of lepers into society, giving support to the public politics of health for lepers. In this sense, the group becomes a support for the control program and elimination of leprosy in the city of Ponta Grossa PR.

    Key Words: Leprosy. Support Group. Health Politics.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    FIGURA 1 INTERAO E INTERSECO ENTRE OS CONCEITOS................. 65 FIGURA 2 DISPOSIO DOS ESFREGAOS EM LMINA DE VIDRO.............. 72 FIGURA 3 DISPOSIO DOS ESFREGAOS EM LMINA DE VIDRO.............. 73 FIGURA 4 GUIA DE APOIO PARA GRUPOS DE AUTOCUIDADO EM HANSENASE.............................................................................. 105 FIGURA 5 ATIVIDADES DE AUTOCUIDADO..................................................... 106 FIGURA 6 DICAS DO MANUAL PARA O COORDENADOR DO GRUPO.......... 107 FIGURA 7 DISCUSSES E TOMADAS DE DECISES EM GRUPO................ 107 GRFICO 1 PERCENTUAL DE GRAU II DE INCAPACIDADE NO DIAGNSTICO DE CASOS NOVOS. ESTADOS E BRASIL, 2014 ............................ 68 QUADRO 1 LEPROSRIOS NO BRASIL.............................................................. 41 QUADRO 2 TERMINOLOGIAS PARA O TERMO LEPRA A PARTIR DA LEI 9.010/95....................................................................................... 48 QUADRO 3 CRITRIOS DE AVALIAO DO GRAU DE INCAPACIDADE E DA FUNO NEURAL............................................................................. 67 QUADRO 4 APRESENTAO DAS CARTELAS.................................................. 74 QUADRO 5 ESQUEMA TERAPUTICO PARA CASOS PAUCIBACILARES....... 74 QUADRO 6 ESQUEMA TERAPUTICO PARA CASOS MULTIBACILARES....... 75 QUADRO 7 PERODO DE INSTITUIO DAS AES DE ELIMINAO DA HANSENASE NO ESTADO DO PARAN.............................................................. 83 QUADRO 8 CASOS CADASTRADOS DE HANSENASE NO ESTADO DO PARAN ENTRE O PERODO DE JANEIRO DE 2000 A JANEIRO DE 2006.............................................................................................. 84 QUADRO 9 IDENTIFICAO DOS PROFISSIONAIS ENTREVISTADOS........... 91 QUADRO 10 SITUAO PREVIDENCIRIA DOS PARTICIPANTES DO GAPHAN.......................................................................................... 136 QUADRO 11 PRINCIPAIS PORTARIAS QUE SUBSIDIAM A HANSENASE.... 183

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 DISTINO SEMNTICA ENTRE CONCEITOS................................. 66 TABELA 2 CRITRIOS DE DISTINO ENTRE RECIDIVA E REAO HANSNICA......................................................................................... 76 TABELA 3 PERFIL SOCIOECONMICO DOS ENTREVISTADOS DO GAPHAN............................................................................................ 119

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    a. C. Antes de Cristo AIDS Acquired Immune Deficiency Syndrome (sndrome da

    imunodeficincia adquirida SIDA) APAC Autorizao de Procedimento de Alta Complexidade CDERM Centro de Referncia Nacional em Dermatologia Sanitria

    Dona Libnia CESCAGE Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais CREDESH/HC/UFU Centro de Referncia Nacional em Dermatologia Sanitria e

    Hansenase do Hospital de Clnicas da Universidade Federal de Uberlndia

    CONASEMS Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade CONASS Conselho Nacional dos Secretrios de Sade DOU Dirio Oficial da Unio DST Doena Sexualmente Transmissvel FIOCRUZ Fundao Instituto Oswaldo Cruz FUAM Fundao Alfredo da Matta GAPHAN Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase GM/MS Gabinete do Ministro/Ministrio da Sade HDSPR Hospital de Dermatologia Sanitria do Paran HIV Human Immunodefiency Vrus (Vrus da Imunodeficincia

    Humana) ILEP International Federation of Anti-Leprosy Associations

    (Federao Internacional das Associaes Anti-Hansenase) INSS Instituto Nacional de Seguro Social IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ILSL Instituto Lauro de Souza Lima MORHAN Movimento de Reintegrao das Pessoas Atingidas pela

    Hansenase NOB Norma Operacional Bsica NOAS Norma Operacional da Assistncia Sade OMS Organizao Mundial da Sade ONGs Organizao no Governamental OPAS Organizao Pan-Americana da Sade PAB Piso da Ateno Bsica PACS Programa Agentes Comunitrios de Sade PQT Poliquimioterapia PR Paran PSF Programa de Sade da Famlia RHC Registros Hospitalares de Cncer RJ Rio de Janeiro RS Regional de Sade SAE Servio de Assistncia Especializada SAE/CTA Servio de Assistncia Especializada/Centro de Testagem e Aconselhamento SBH Sociedade Brasileira de Hansenologia SIA/SUS Sistema de Informaes Ambulatoriais/Sistema nico de

    Sade

  • SINAN Sistema de Informao de Agravos de Notificao SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Sade SUS Sistema nico de Sade TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCU Tribunal de Contas da Unio UBS Unidade Bsica de Sade UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro UESF Unidade e Estratgia de Sade da Famlia

  • SUMRIO

    INTRODUO....................................................................................... 15 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS.............................................. 17 CAPTULO 1 AS POLTICAS PBLICAS DE SADE VOLTADAS

    AOS HANSENIANOS NO BRASIL....................................................... 21

    1.1 CONTEXTO HISTRICO DA HANSENASE........................................ 21 1.2 A LEPRA NO MUNDO........................................................................... 21 1.3 A LEPRA/HANSENASE NO BRASIL................................................... 33 CAPTULO 2 A POLTICA PBLICA DE SADE NO SUS

    VOLTADAS HANSENASE E DESCENTRALIZAO DOS SERVIOS DE SADE.........................................................................

    52

    2.1 O SISTEMA NICO DE SADE E A DESCENTRALIZAO.............. 52 2.2 O SISTEMA NICO DE SADE E A HANSENASE............................ 62 2.2.1 Aes do Programa de Controle da Hansenase.................................. 64 2.2.1.1 Diagnstico da Hansenase................................................................... 72 2.2.1.2 Tratamento para Hansenase................................................................ 73 2.2.1.3 Educao em Sade.............................................................................. 77 2.3 AES DE CONTROLE E ELIMINAO DA HANSENASE NO

    ESTADO DO PARAN.......................................................................... 79

    CAPTULO 3 ATENDIMENTO E TRATAMENTO DO GRUPO DE

    APOIO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE........................................................................................

    89

    3.1 O MUNICPIO DE PONTA GROSSA PR............................................ 89 3.1.1 Servio de Assistncia Especializada no Grupo de Apoio a Pacientes

    com Hansenase.................................................................................... 91

    3.1.1.1 Tratamento............................................................................................. 98 3.2 GRUPO DE APOIO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA

    HANSENASE........................................................................................ 100

    3.2.1 Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase em Ponta Grossa.......... 108 3.2.1.1 Estrutura e funcionamento do Grupo de Apoio a Pacientes com

    Hansenase em Ponta Grossa............................................................... 113

    3.2.2 Dos Participantes................................................................................... 119 3.2.2.1 Sentimentos ao receber o diagnstico................................................... 121 3.2.3 Manifestaes da hansenase................................................................ 127 3.2.4 Do comprometimento das relaes familiares e da rotina de vida no

    trabalho................................................................................................... 132

    3.2.5 A hansenase associada a outras doenas............................................ 138 3.2.5.1 Polticas de Sade voltadas hansenase: a viso dos

    entrevistados.......................................................................................... 139

    3.2.6 Convivncia em Grupo........................................................................... 141 CONSIDERAES FINAIS................................................................... 147 REFERNCIAS...................................................................................... 152

  • BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS....................................................... 170 APNDICES........................................................................................... 172 APNDICE A Roteiro de entrevista com funcionrios do SAE..... 172 APNDICE B Roteiro de entrevista com participantes do

    GAPHAN................................................................................................ 175

    APNDICE C Roteiro de observao de campo............................. 177 ANEXOS................................................................................................. 178 ANEXO A Termo de consentimento livre e esclarecido................ 178 ANEXO B Autorizao para Realizao da Pesquisa Prefeitura

    Municipal de Ponta Grossa/Secretaria Municipal de Sade............ 179

    ANEXO C Carta escrita pelo primeiro presidente do GAPHAN em 2009.................................................................................................

    180

    ANEXO D Ficha de notificao e investigao de casos de doenas e agravos...............................................................................

    181

    ANEXO E Grupos de autocuidado Paran, 2013............................ 182 ANEXO F Quadro 11 Principais portarias que subsidiam a

    hansenase............................................................................................ 183

  • 15

    INTRODUO

    A hansenase uma doena que afeta vrios aspectos do cotidiano de quem

    atingido por ela. Devido ao estigma que causa, a pessoa pode se sentir excluda

    do contexto ao qual pertence, sendo ento prejudicada no seu dia a dia, como por

    exemplo, no trabalho, no convvio familiar, no relacionamento social. Nesse sentido,

    a doena envolve preocupaes fsicas, psicolgicas e sociais.

    Ao longo de sua histria, mostrou-se uma temtica ampla a ser discutida,

    que envolve uma variedade de aspectos, pois esteve, em vrios momentos,

    permeada por valores socioculturais estigmatizantes.

    Mais do que a patologia em si instalada, a conceituao estabelecida por

    diferentes segmentos sociais e populaes, interfere na maneira como pensam,

    sentem e agem a respeito dela. Sabemos que, durante muito tempo, a hansenase,

    trouxe consigo marcas sociais e culturais indelveis at os dias atuais (EIDT, 2004).

    A Hansenase, no passado chamada de Lepra, historicamente conhecida

    como uma das doenas mais antigas da humanidade. Nos tempos bblicos, era

    mencionada como centro de toda histria do castigo divino, como posio abraada

    pela religiosidade do mundo judaico cristo. Os leprosos no eram curados, mas

    sim lavados, limpos, pois eram tidos como imundos. A noo de impureza bem

    retratada na Bblia Sagrada: a doena era vista como um sinal de desobedincia ao

    mandamento divino, evidenciando o pecado, quase sempre em forma visvel

    (MONTEIRO, 2010).

    Nesse sentido, o sujo, limpo e o impuro so entendidos simbolicamente

    alm da questo sanitria, de higiene, as regras de pureza, mas tambm por

    mentalidade religiosa de determinados grupos sociais. Assim, A reflexo sobre a

    impureza implica uma relao sobre a relao entre a ordem e a desordem; ento,

    a sujeira a desordem, e as coisas impuras vinculam-se a essa desordem, e

    qualquer tipo de ambiguidade contrrio ordem, dessa forma, a sujeira e a

    impureza devem ser afastadas, se quiser manter um padro, por que estes smbolos

    ambguos so ligados aos rituais e s atividades sagradas dos povos primitivos

    (DOUGLAS, 1976, p. 9).

    No Brasil, nas primeiras dcadas do sculo XX, a lepra tornou-se um grande

    problema de sade pblica, passando ento a ser controlada pelo Estado. Nesse

    momento, foram tomadas medidas de internamento compulsrio dos doentes, em

  • 16

    leprosrios. Isso visava conter a propagao da doena, mas para tal, essas

    pessoas eram segregadas da sociedade, vivendo apartadas de seus familiares

    (SCHNEIDER; WADI, 2009).

    Com o internamento compulsrio desses leprosos, esperava-se ter a doena

    sob controle. Por um lado, protegia a mo de obra da classe trabalhadora, mas por

    outro, essa excluso gerava o estigma e o preconceito. Para Costa (1987, p. 22)

    esses servios de sade no foram criados para manter a sade comum dos

    habitantes, mas para intervir, objetivamente, sobre a proteo dos grupos sociais

    cuja capacidade de trabalho era fundamental preservar.

    De acordo com Silva (2011, p. 6), A lepra, enquanto problema mdico social

    mantinha-se envolta em supersties, ignorncia e forte preconceito.

    Goffman (1988) se posiciona de forma a definir o estigma como sendo um

    atributo profundamente depreciativo, e aos olhos da sociedade, serve para

    realmente desacreditar a pessoa que o possui, e o indivduo estigmatizado visto

    como uma pessoa que possui uma diferena indesejvel.

    Embora - com a descoberta dos medicamentos para o tratamento e cura da

    lepra e, com isso, o fim do isolamento do leproso - o estigma e o preconceito

    permaneceram enraizados em nossa cultura, dificultando o enfrentamento da

    doena por parte dos indivduos, trazendo-lhes srias repercusses em sua vida

    pessoal, social e profissional (BAIALARDI, 2007). Para Goffman (1988, p. 23), O

    indivduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relao maneira

    como os normais o identificaro e o recebero.

    A hansenase, alm de afetar a pessoa fisicamente com leses causadas

    pela doena, influencia em outros fatores. Dessa forma, [...] a doena envolve uma

    complexa interao entre os aspectos fsicos, psicolgicos, sociais e ambientais da

    condio humana e de atribuio de significados (MINAYO, 2000, p. 15).

    Diante disso, o objetivo geral desta pesquisa est em compreender a

    estrutura do Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase (GAPHAN), enquanto

    ao de grupo, para dar suporte s polticas pblicas de sade voltadas aos

    hansenianos no processo de atendimento.

    Os objetivos especficos desta pesquisa so:

    Compreender as polticas pblicas de sade voltadas aos hansenianos no

    Brasil;

  • 17

    Compreender como a sade pblica de Ponta Grossa estrutura o

    atendimento ao hanseniano;

    Identificar como o GAPHAN, enquanto ao no SAE, se estrutura para

    atender as necessidades que a doena hansenase acarreta;

    Descrever a atuao do GAPHAN no processo de atendimento ao

    hanseniano.

    Compreender o universo de significados que a hansenase produz para os

    participantes do GAPHAN.

    Essa pesquisa se deu com os integrantes do GAPHAN, situado no Municpio

    de Ponta Grossa, em um Servio de Assistncia Especializada (SAE), que

    desenvolve aes especficas para a Hansenase, bem como outras doenas

    infectocontagiosas. Nesse estabelecimento, uma vez por ms, ocorrem as reunies

    do grupo.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    Compreendendo que a escolha do objeto de pesquisa parte integrante da

    metodologia de estudo, apresentamos aqui a sua descrio1.

    Para a realizao desse trabalho, utilizou-se a pesquisa bibliogrfica que,

    segundo Gil (2002, p. 44) [...], desenvolvida com base em material j elaborado,

    constitudo, principalmente, de livros e artigos cientficos. Para Fonseca (2002, p.

    32), qualquer trabalho cientfico inicia-se com uma pesquisa bibliogrfica, que

    permite ao pesquisador conhecer o que j se estudou sobre o assunto e, para isso,

    algumas literaturas foram essenciais como: Costa (2007); Maciel (2007); Oliveira

    (2012) e Cunha (2005) e como fonte, o Ministrio da Sade.

    A natureza da pesquisa de carter descritiva e exploratria, devido ao

    carter recente de estudos relacionados ao grupo de apoio a pacientes com

    hansenase. Tambm se utilizou a pesquisa documental, constituda por meio de

    portarias, resolues, diversas legislaes, Constituio Brasileira de 1988, que

    regulamentam a poltica de sade no Brasil, no que se refere ao atendimento

    1 O projeto de pesquisa foi reformulado e enviado ao Comit de tica em Pesquisa, e recebeu aprovao, com parecer N 1.357.464, bem como a aprovao da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, na figura da Secretaria de Sade do Municpio.

  • 18

    hansenase. Gil (2002) explica as semelhanas e diferenas entre a pesquisa

    documental e a bibliogrfica, para o autor:

    A pesquisa documental assemelha-se muito pesquisa bibliogrfica. A diferena essencial entre ambas est na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliogrfica se utiliza fundamentalmente das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que no receberam ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2002, p. 45).

    Fez-se uso, tambm, da observao no participante, para entender o

    funcionamento do grupo, sendo que ocorreram no momento do desenvolvimento das

    atividades grupais do GAPHAN, na reunio mensal do grupo, realizada durante dois

    encontros ocorridos entre os meses de fevereiro e maro de 2016. Para tal, utilizou-

    se a tcnica de observao no participante, fazendo uso de um roteiro de

    observao de campo (Apndice C), e as informaes foram sistematizadas em um

    Dirio de campo.

    A observao uma tcnica de coleta de dados para conseguir informaes e utiliza os sentidos na obteno de determinados aspectos da realidade. No consiste apenas em ver e ouvir, mas tambm, em examinar fatos ou fenmenos que se desejam estudar (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 190).

    Ainda, utilizou-se da entrevista semiestruturada, com roteiro previamente

    estabelecido, partindo de pressupostos apoiados no referencial terico. A realizao

    da entrevista oportunizou coletar dados que possibilitaram compreender algumas

    situaes relatadas pelos hansenianos.

    Nesse sentido, as entrevistas:

    [...] parte de certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessam pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo surgindo medida que se recebem as respostas do informante (TRIVIOS, 2008, p. 146).

    Toda entrevista, por sua vez, foi gravada em udio, mantendo o anonimato

    dos sujeitos, em acordo com a Resoluo 466/2012, onde foram considerados os

    estabelecidos eticamente nas normas de pesquisa com seres humanos. Para isso,

    utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo A).

    Os participantes do GAPHAN e os profissionais tiveram a liberdade e

    autonomia para aceitar ou recusar participar da pesquisa, estando assegurado aos

  • 19

    mesmos o direito de interromper a entrevista a qualquer fase do andamento da

    pesquisa, caso desejassem.

    O critrio utilizado como escolha dos participantes se deu da seguinte forma:

    ter sido atingido pela hansenase e ser integrante do GAPHAN. Nesse universo,

    temos 24 integrantes, todos maiores de idade. Desses, 20 concordaram em

    participar da pesquisa, e 04 foram impossibilitados devido ao estado de sade.

    Porm, antecedendo pesquisa com os participantes do GAPHAN, realizou-se a

    entrevista com os funcionrios do SAE, uma vez que esta pesquisa teve como

    objetivo conhecer o funcionamento do SAE, bem como sua estrutura de atendimento

    ao hanseniano no municpio de Ponta Grossa, e sua participao no GAPHAN.

    Esses profissionais trabalham envolvidos com as polticas pblicas de sade. Nesse

    sentido, entrevistaram-se os seguintes profissionais: uma tcnica em enfermagem,

    um fisioterapeuta e um mdico dermatologista e infectologista.

    As entrevistas com os funcionrios foram agendadas previamente,

    individualmente com cada profissional, conforme sua disponibilidade. A entrevista

    com o fisioterapeuta ocorreu no dia 18/02/2016, com o mdico dermatologista e

    infectologista, no dia 23/02/2016 e, com a Tcnica em Enfermagem, no dia

    23/02/2016.

    O agendamento para conversar com os integrantes do GAPHAN e assim

    definir-se as datas das entrevistas com os mesmos, ocorreu com a ajuda do

    fisioterapeuta, que sugeriu o dia 29/02/2016. Assim, foi explicado ao grupo sobre a

    pesquisa, seus objetivos, e realizado o convite para que todos participassem. Todos

    concordaram, porm, com uma ressalva: que essas entrevistas fossem realizadas

    aps o trmino da sesso de fisioterapia que realizam no SAE, conforme

    agendamento de cada participante, em dias e horrios diferenciados, e assim no

    precisassem dispor de vale transporte para as entrevistas. Dessa forma, com a

    ajuda do fisioterapeuta, foi possvel ter acesso aos agendamentos fisioterpicos de

    todos os sujeitos participantes da pesquisa. As entrevistas ocorreram entre o

    perodo de fevereiro e maro de 2016.

    As entrevistas foram gravadas em udio e armazenadas em mdias e o local

    para as entrevistas com os integrantes do grupo, foi o SAE. Aps as explicaes

    referentes pesquisa, bem como a leitura do TCLE e explicaes ticas sobre a o

    trabalho, conforme exigidos pela tica em pesquisa com seres humanos, depois de

  • 20

    esclarecidas suas dvidas e o convidado assinado o TCLE, concordando em

    participar da pesquisa, que eram iniciadas as gravaes das entrevistas.

    Nesse sentido, essa pesquisa teve carter qualitativo, embasado em

    pesquisa documental, bibliogrfica, observao de campo e entrevista, que permitiu

    entender questes relacionadas aos participantes do GAPHAN.

    Conforme Minayo explica:

    A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares. Ela se preocupa, nas cincias sociais, com um nvel de realidade que no pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis (1993, p. 21).

    No que se refere anlise dos resultados, utilizou-se o depoimento oral para

    descrever as experincias dos participantes do GAPHAN e dos profissionais do

    SAE.

    O depoimento oral uma tcnica, que [...] se constitui em um relato da

    experincia individual que revela as aes do indivduo como agente humano e

    como um participante da vida social (KOSMINSKI, 1986, p. 32).

    No primeiro captulo, abordou-se sobre o contexto histrico da hansenase, e

    como a doena, ao longo dos tempos, foi sendo vista pela sociedade,

    contextualizando o processo da doena e suas implicaes socioculturais, no

    cotidiano do hanseniano, evidenciando como eram estruturados os leprosrios

    naquela poca, bem como entre os anos de 1924 e1962.

    Em relao ao segundo captulo, teve seu desdobrar nas polticas pblicas

    de sade voltadas hansenase e descentralizao dos servios de sade para os

    municpios, bem como a forma como foram estruturados esses servios, no que

    tange ao controle e acompanhamento da hansenase. A regionalizao para o

    controle epidemiolgico da doena foi discutida, demonstrando como ocorre esse

    processo descentralizador.

    No que tange ao terceiro captulo, a abordagem voltou-se ao Grupo de apoio

    a pacientes que foram atingidos pela hansenase, fazendo uma distino entre grupo

    de apoio, grupo de autocuidado e grupo de autoajuda, pois esses so grupos muitas

    vezes confundidos, no entanto so distintos. E, por fim, abordou-se sobre o grupo de

    apoio a pacientes com hansenase, situado no Municpio de Ponta Grossa, nosso

    objeto de pesquisa, bem como a apresentao e anlise do resultado da pesquisa.

  • 21

    CAPTULO 1 AS POLTICAS PBLICAS DE SADE VOLTADAS AOS HANSENIANOS NO

    BRASIL

    O objetivo desse captulo est em compreender as polticas pblicas de

    sade voltadas aos hansenianos no Brasil, entretanto, necessria se faz a

    contextualizao histrica da hansenase em seus diversos momentos, bem como

    descrever esses perodos que, em cada poca, eram entendidos de forma diferente,

    mas que se relacionam entre si. Isso nos proporcionar entendermos como a

    doena foi sendo vista social e culturalmente e aps sua descoberta no campo da

    cientificidade.

    1.1 CONTEXTO HISTRICO DA HANSENASE

    A hansenase uma doena milenar que sempre esteve permeada de

    valores socioculturais. Nos tempos bblicos, s pessoas que contraiam a doena era

    atribuda uma carga simblica, a qual remetia a algum pecado que a pessoa tivesse

    cometido ou que a pessoa tivesse sido desobediente a Deus. Naquela poca, eles

    acreditavam que a pessoa tinha recebido um castigo divino devido a sua iniquidade.

    Este doente era excludo da sociedade e rotulado como imundo, sujo, pecador.

    Ao final da dcada de 1800, a lepra no mundo comeou a ganhar espao no

    campo cientfico e alguns estudiosos tomavam frente s discusses sobre a doena

    no mundo. Em 1897, ocorre a 1 Conferncia Internacional de Lepra e, aps essa,

    outras foram acontecendo, cujo assunto da discusso era a contaminao, sua

    disseminao e as tentativas de controle da doena.

    1.2 A LEPRA NO MUNDO

    Disse o SENHOR a Moiss: Esta ser a lei do leproso no dia da sua purificao: ser levado ao sacerdote; e este sair fora do arraial e o

    examinar. Se a praga da lepra do leproso est curada... (BBLIA, LEVTICO, 1983, 14:1-3, p. 133, grifos do autor).

    Em termos biolgicos, podemos descrever a hansenase como uma doena

    crnica, infectocontagiosa, cujo agente etiolgico o Mycobacterium leprae. [...]

  • 22

    essa doena atinge pele e nervos perifricos, podendo levar a srias incapacidades

    fsicas e, tambm, considerada uma das doenas mais antigas do mundo

    (BRASIL, 2014a, p. 1).

    Milenarmente conhecida, tal doena foi, durante muito tempo, denominada

    como Lepra2. Arraigada a seu nome, est uma carga simblica permeada de

    excluso, de estigma, de preconceito e de discriminao daqueles que a

    desenvolveram; mas, a maneira de se olhar para essa doena no a mesma ao

    longo da histria. No perodo conhecido como Idade Mdia, a enfermidade foi

    identificada, segundo Rosen, como:

    A grande praga, e o medo de todas as outras doenas, juntas, dificilmente se pode comparar ao terror da lepra. Nem mesmo a Peste Negra, no sculo XIV, ou o aparecimento da sfilis, ao final do sculo XV, produziram tamanho pavor (1994, p. 59).

    Os mdicos medievais consideravam a lepra, simultaneamente, uma

    doena contagiosa e hereditria, ou oriunda de uma relao sexual consumada

    durante a menstruao (PINTO, 1995, p. 134). Nesse sentido, a lepra estava

    associada, no imaginrio coletivo, com impureza e pecado.

    Essa associao estava relacionada com a viso religiosa que permeava

    toda a vida social naquele momento. Em vrias passagens bblicas, assim como

    citado na epgrafe, h referncia ao leproso cuja interpretao justificava a maneira

    como o doente era tratado socialmente.

    Era comum, na Idade Mdia, que a excluso do doente se realizasse atravs de um cerimonial sacralizado, sendo que a partir desse cerimonial que o indivduo tornava-se oficialmente reconhecido como tal. Para isso, havia uma missa especial: a missa dos mortos, denominada Separatio Leprosarum. Esta funcionava como uma espcie de rito de passagem significando a morte social da pessoa e a consequente perda da identidade anterior, que seria substituda pela sua nova condio: a de "leproso". Uma vez encerrada a cerimnia, o doente seria acompanhado at os limites da cidade, de onde no mais poderia retornar, ou internado num "leprosrio". Aos poucos foi se estruturando um controle institucional sobre a vida quotidiana dos doentes, em especial, atravs de seu isolamento em estabelecimentos asilares. Paulatinamente, as medidas ditas preventivas foram abrangendo, tambm, a sociedade como um todo, atravs da caa aos suspeitos e aos comunicantes (MONTEIRO, 1993, p. 135).

    2 Usaremos o termo lepra e leproso como forma de referir-se hansenase como doena e ao hanseniano, por se tratar de um perodo em que assim era denominado. No entanto, entendemos o estigma e preconceito que o emprego dessa palavra causa. Porm, mais adiante nesse trabalho, passaremos a fazer uso da terminologia hansenase, adotada pelo Ministrio da Sade.

  • 23

    Corroborando com Monteiro (1993), Mattos (2002) explica que para essa

    cerimnia de expulso do leproso do corpo social, o padre e a igreja se

    paramentavam para participar do ritual com o leproso. Sobre a pessoa com lepra era

    colocado um vu preto e posto terra sobre sua cabea para representar sua morte e,

    aps isso, era levado a um cemitrio onde era colocado em uma cova por alguns

    minutos. Enquanto isso, o sacerdote lhe passava todas as regras, que a partir

    daquele momento, o leproso tinha que seguir. Feito isto, o doente era levado a um

    leprosrio ou precisava ser expulso da cidade.

    Como se pode observar, havia todo um ritual para realizar a passagem

    dessa vida para a morte simblica do leproso. Ser uma pessoa com o diagnstico de

    lepra era um atestado de morte social. O leproso passava a no mais existir para

    o grupo social ao qual pertencia.

    Interessante a abordagem em relao aos leprosrios feita por Bniac

    (1985) em que demonstra as diferenas existentes na organizao de cada

    leprosrio. Como exemplo, o autor menciona que nas provncias francesas onde

    existiam muitos leprosos cada um definia como seria o funcionamento da

    instituio. Nesse caso, a parquia nas cidades mais poderosas, e que haviam

    conseguido controlar seu leprosrio, reservava lugares para uma minoria da

    populao composta pelos burgueses. J em Bruxelas, para serem internados, era

    necessrio pagar uma alta taxa para admisso no leprosrio.

    A partir dos anos de 1300-1350, a maior parte dos estabelecimentos, em

    Frana pelo menos, organizam-se de outro modo: cada doente recebe uma quantia

    e vive a seu modo, servido eventualmente por uma criada assalariada (BNIAC,

    1985, p. 143). O autor ainda explica que no leprosrio de Saint-Quentin, em 1362,

    cada leproso recebe todos os dias po branco e po escuro, vinho, carne ou peixe,

    ovos e queijo ao domingo, com lenha para cozinhar e tudo (idem, p. 143).

    No entanto, Bniac argumenta que havia leprosrios que funcionavam de

    forma precria, fazendo com que muitos leprosos praticassem a mendicncia, como

    uma maneira de subsistncia.

    Certos estabelecimentos mantm um pouco da vida comunitria passada. Dois a quinze doentes de Maulens, perto de Arras, dispem em conjunto no seu espao de habitao de um poo, de um forno, de um jardim, e partilham as esmolas que os que podem vo mendigar. Isto permite aos entrevados subsistir. Os mais vlidos fazem tambm pequenos trabalhos no exterior e guardam para si os salrios. Os leprosos das pequenas

  • 24

    localidades, isolados no stio em que vivem, esperam tudo da caridade paroquial (BNIAC, 1985, p. 143).

    Aqueles que podiam sair dos leprosrios deveriam seguir uma srie de

    regras impostas pelo sacerdote. Essas regras contribuam para que todos

    soubessem que a pessoa era leprosa.

    Entre essas regras, Pinto (1995, p. 139) esclarece em relao aos leprosos,

    que os mesmos s poderiam sair dos leprosrios vestindo longas capas, nas quais

    eram pregados rabos de raposas durante o carnaval. Alm disso, tinham que usar

    luvas e um grande chapu pontudo e agitar uma matraca. Isso contribua para

    distinguir o leproso do restante da populao e para avis-los quando um leproso se

    aproximava.

    Contudo, na Idade Moderna, o entendimento sobre a doena alterado,

    visto que a explicao para isso era que as doenas eram causadas por agentes

    externos ao corpo humano [...]. Desse modo, a suposio de que a sade do

    homem resulta do frgil equilbrio e equacionamento dos humores corporais

    (QUARESMA, 2011, p. 4).

    E com isso, tambm, houve mudanas no mtodo de se diagnosticar uma

    pessoa com lepra, Opromolla explica que:

    O diagnstico era realizado por quatro pessoas: um mdico, um cirurgio e dois barbeiros3 e consistia na deposio de uma amostra de sangue em um recipiente contendo sal. Se houvesse decomposio do sangue a pessoa no estava doente. Em outro mtodo, sangue e gua eram misturados e se no houvesse mistura dos dois lquidos tratava-se de doente de lepra (1981, p. 5).

    Por volta de 1870, a doena havia praticamente desaparecido no continente,

    e esse declnio teve como causa principal as melhorias das condies

    socioeconmicas das Idades Moderna e Contempornea (OPROMOLLA, 1981, p.

    5).

    Somente no final do sculo XIX e, sobretudo, no incio do sculo XX, a molstia passou a despertar maior interesse na agenda mdica. Foi nesse contexto que a lepra passou a ter maior visibilidade nos crculos cientficos, o que pode ser observado pela produo de teses acadmicas da rea de medicina sobre a enfermidade e, tambm, em artigos assinados por

    3 Os barbeiros eram considerados os precursores dos cirurgies. Tinham habilidades para manusear objetos de corte, como: navalha, lmina, espada, tesoura e lanceta, e com seus instrumentos intervia, tanto para realizar cirurgias em leses, como para cortar cabelos e fazer barbas. Eles tambm usavam sanguessugas ou ventosas, sendo aplicadas no local da leso, para sugar o sangue, para dar alvio das dores do doente (FIGUEIREDO, 1999).

  • 25

    esculpios publicados em jornais de ambos os pases. Essa visibilidade refletia um determinado momento na histria do conhecimento cientfico sobre a doena, em que certos aspectos etiolgicos da molstia passavam a ser mais bem compreendidos (LEANDRO, 2013, p. 914).

    Durante o sculo XIX iniciou-se o processo de produo dos primeiros

    conhecimentos com base cientfica sobre a lepra.

    O primeiro marco do conhecimento moderno sobre a lepra foi o tratado ilustrado Om Spedalsked (Um estudo da Lepra), publicado em 1847. Neste trabalho, os noruegues Daniel C. Danielssen e C. W. Boeck estabeleceram as bases clnicas da lepra e tornaram-na uma doena clinicamente distinguvel. Admitida como uma doena contagiosa durante toda a Antiguidade e Idade Mdia, a teoria da hereditariedade da lepra tornar-se-ia preponderante aps o trabalho dos dermatologistas noruegueses, sobrepondo-se s muitas outras hipteses, que tentavam explicar a causa da doena. As investigaes de Danielssen e Boeck sobre a lepra seriam acompanhadas por novas descobertas: em 1863, Rudolf Virchow descreveu a histopatologia da lepra lepromatosa; a descrio completa do bacilo se deu com Hansen, em 1874 e, em 1879, o alemo Albert Neisser comprovou a presena do bacilo em material leproso (COSTA, 2007, p. 24).

    Esses estudos atriburam novo sentido lepra, retirando-a do mbito

    religioso para inserir a lepra no campo cientfico.

    Um dos fatores que colaboraram para o estudo cientfico da lepra foi o

    imperialismo do sculo XIX, que tornava a lepra um desafio poltico e econmico.

    Como se no bastasse essas dificuldades no mbito cientfico, a lepra tambm representava um srio problema poltico no sculo XIX. O fenmeno que o historiador britnico Eric Hobsbawn chamou de A era dos imprios, oferece subsdios para que se interprete esse momento cientfico do estudo leprolgico como momento imperial, ou colonial da lepra. As principais naes europeias se preocupavam sobremaneira com a expanso comercial e econmica de suas divisas ao longo do sculo XIX e, coincidentemente, em quase todas as regies que foram objeto desse Imperialismo, a lepra era um srio problema endmico (EDMOND, 2006 apud BECHLER, 2011, p. 61).

    A ideia da realizao da Primeira Conferncia Internacional para tratar de

    medidas profilticas da lepra surgiu em 1895:

    [...] quando o mdico francs Jules Goldschmidt e o ingls Albert Ashmead, propuseram-na a Amaur Hansen. Goldschmidt e Ashmead partilhavam da crena na hiptese contagionista da lepra, para eles este congresso teria como objetivo determinar as medidas a serem tomadas para conter a lepra endmica e prevenir sua exportao aos pases livres de tal problema. Segundo esta proposta, tal congresso seria composto apenas de delegados oficiais e no haveria espao para discusses cientficas sobre a bacteriologia, a patologia e o tratamento de lepra. Nesta proposta, a questo da cura da doena era apenas secundria. Por outro lado, o dermatologista dinamarqus Edvard Ehlers, igualmente adepto da teoria contagionista, buscava a formao de uma liga internacional contra a lepra,

  • 26

    e propunha [...] discutir todos os aspectos da lepra, tanto as questes cientficas, quanto as administrativas. Ehlers obteve no s o apoio de dermatologistas alemes, como tambm, o patrocnio do governo alemo imperial para a realizao de uma Conferncia em Berlim (PANDYA, 2003 apud COSTA, 2007, p. 74).

    Em concordncia com Ehlers, em 1897 ocorre a 1 Conferncia

    Internacional de Lepra, em Berlim. Essa Conferncia contou com a participao de

    vrios mdicos Leprlogos4 e representantes originados de diversos pases, com o

    intuito de:

    [...] compreender a extenso do problema que voltava tona, como tambm de apresentar solues plausveis para combater a doena. Era sabido, porm, que a cura ainda era uma utopia, e que as discusses deveriam ser por conta da melhor maneira de se realizar o isolamento dos doentes, nica alternativa vivel para o no alastramento do mal (BECHLER, 2009, p. 190).

    Essa Conferncia em Berlim foi organizada para discutir sobre a profilaxia a

    ser tomada mundialmente em relao situao de alastramento da doena, e o

    medo de que a lepra tomasse propores que se apresentassem em nveis

    pandmicos5. As discusses feitas nessa Conferncia, pode ser vista em seus anais:

    Os anais da conferncia so divididos em dois tomos que totalizam 1392 pginas, originalmente publicados em alemo. No primeiro, existem artigos previamente escritos pelos participantes do encontro, como tambm, os discursos literais proferidos na abertura e no encerramento do mesmo por alguns dos mais importantes desses leprlogos. E, no segundo tomo, existe um resumo das discusses dirias dos quatro dias da conferncia (BECHLER, 2009, p. 190).

    E diante de tantos debates sobre conter a propagao da doena, os

    mdicos em comum acordo decidiram acatar os conselhos de Amauer Hansen em

    relao profilaxia da lepra, bem como compreendendo a necessidade de

    interveno, para evitar a disseminao decide que, em todos os pases onde a

    lepra forma foco, ou toma grande extenso, o isolamento o melhor meio de impedir

    a propagao da doena (BRASIL, 1964, p. 244).

    De fato, a cura da lepra ainda no existia, mas os mdicos presentes na

    Conferncia concluram que o isolamento das pessoas acometidas pela doena era

    a melhor escolha, pois o doente era considerado uma ameaa coletividade. Vale

    4 Hoje chamado de Hansenlogos ou Hansenologistas. 5 Uma pandemia ocorre quando uma doena infecciosa atinge, de forma rpida e incontrolvel, uma grande proporo geogrfica, podendo ser um pas, continente ou, at mesmo um planeta inteiro (FELIPE, 2009, p. 1).

  • 27

    lembrar que [...] foi o material simblico resultante da experincia medieval da

    Europa com a lepra, atualizado pelo significado social que a doena adquire no

    mundo colonial, que conferiu a esta enfermidade o status de ameaa sanitria

    (COSTA, 2007, p. 73).

    Neste contexto, questes como racismo, xenofobia e civilizao atualizaro

    o conceito da doena, produzindo uma rede simblica que redefinir no apenas seu

    significado, mas o lugar da doena e a percepo de seu perigo em cada sociedade

    (COSTA, 2007, p. 73).

    De acordo com Costa (2007), entre 1890 e 1891 a lepra havia se alastrado

    de forma to intensa, que essa questo ganhara domnio pblico, havendo

    necessidade de interveno para conter a propagao da doena. Entretanto, as

    medidas tomadas at aquele momento foram consideradas insatisfatrias. Porm,

    na Noruega, a lepra como problema de sade foi acompanhada por meio de

    polticas de combate doena, sendo adotadas medidas de controle populao

    rural. Para tal, o governo noruegus produziu o recenseamento nacional dos

    leprosos, em diferentes ocasies, os quais foram acompanhados pelos hospitais da

    poca, para tratamento e estudos sobre estados clnicos.

    Em 1895, houve o fechamento de diversos hospitais, o que possibilitou

    novamente o alastramento da lepra. J no Hawai, as medidas adotadas quanto ao

    isolamento compulsrio dos doentes foram fortemente criticadas, devido violncia

    imposta aos leprosos. No com a inteno de excluir o doente da sociedade, mas

    para evitar o contgio de pessoas que vinham de outros pases, especialmente

    europeus, para negociaes, visando expanso comercial e econmica, podendo

    assim se contaminar, levando a lepra para a Europa.

    Segundo Costa (2007, p. 70), O isolamento dos leprosos no Hawai

    assumira o carter de proteger a mo de obra local, a populao branca, e evitar

    qualquer restrio econmica regio. Havia um debate intenso em torno da lepra,

    principalmente por ter sido considerada uma doena que afetava mais algumas

    raas do que outras. Na poca, eram consideradas provveis causas da

    predominncia da doena os seguintes fatores: casas defeituosas e superlotadas, o

    hbito de andar descalo, promiscuidade sexual, ausncia total de medo dos

    leprosos, o clima quente e mido aliado a um baixo grau de civilizao e costumes

    reprovveis (ROGERS; MUIR, 1937 apud COSTA, 2007).

  • 28

    Se por um lado havia grupos que no tinham medo do contgio da lepra, por

    outro lado, no podemos desconsiderar a existncia de uma leprofobia no decorrer

    do sculo XIX.

    Na anlise incisiva da leprofobia que se instalou no sculo XIX na Amrica branca, Gussow e Tracy discutem que sua inspirao seria o racismo. Em um pas que estava sofrendo uma transformao demogrfica pela imigrao, a mo de obra concorrente foi temida e estigmatizada por americanos brancos. Certas raas e povos, notadamente os chineses e indianos, foram identificados como populaes em que a lepra era prevalente. No caso dos chineses a identificaao com a lepra foi de tal forma que, a partir de 1882, foram proibidos de imigrar para os Estados Unidos (GUSSOW; TRACY, 1970, p. 116 apud COSTA, 2007, p. 71, grifos do autor).

    A partir das discusses ocorridas na Primeira Conferncia Internacional de

    Lepra, a doena passa por um processo de reformulao de significado, pois de

    acordo com Costa esse evento:

    [...] nos oferece um momento mpar de anlise deste processo de formulao de novos contedos e significados para a doena. Este evento foi o pice de uma conjuntura que conferiu visibilidade lepra, mas tambm, imps um redirecionamento da medicina e da sociedade frente doena (COSTA, 2007, p. 73).

    Essa Conferncia6 veio trazer uma nova significao da molstia (que antes

    era atribuda ao pecado, impureza ou a algum mal que a pessoa possa ter

    cometido, sendo ento castigada). At ento, a Igreja exercia domnio sobre as

    discusses que permeavam a doena, entretanto, a realizao da Conferncia

    marcou um novo processo, o da cientificidade da lepra, com a comprovao da

    existncia do bacilo de Hansen. A prioridade do isolamento do doente, conforme

    defendido na Conferncia, levava em conta princpios cientficos (a no

    contaminao de outros indivduos no doentes) e no mais o isolamento de uma

    pessoa suja, impura, pecadora, das pessoas limpas do pecado.

    6 Neste momento, a descoberta do bacilo gerou uma disputa acadmica entre os mdicos cientistas daquela poca, principalmente entre Hansen, Koch e Neisser. Apesar dos trs desenvolverem estudos bacteriolgicos sobre o bacilo da lepra, a influncia de Hansen no meio acadmico possibilitou que seu nome prevalecesse, em detrimento aos outros, como o grande descobridor do bacilo da lepra. Porm, os trabalhos histricos sobre a lepra, demonstram que Hansen teve dificuldades na colorao do bacilo para identificao e confirmao de sua pesquisa, chegando a pedir ajuda a Koch em relao ao tempo que deveria deixar para corar o bacilo. No entanto, Neisser tambm estudioso da lepra, j havia feito a confirmao da presena do bacilo em material leproso. Essas disputas colaboraram para que Koch no comparecesse ao evento em Berlim, alegando estar na frica desenvolvendo um trabalho de instituio de leprosrios para o isolamento (BECHLER, 2008; BECHLER, 2009).

  • 29

    Doze anos depois, em 1909 ocorre a Segunda Conferncia Internacional de

    Lepra, realizada em Bergen, na Noruega, que rene diversos estudiosos da poca,

    como Albert Neisser, Daniel Danielsen, Robert Koch e Amauer Hansen (esse ltimo

    presidiu tal evento). Essa Conferncia contou com o apoio da Alemanha, pois esse

    [...] pas era um fundamental centro cientfico do perodo, bem como, [...] fazendo

    do idioma alemo, por consequncia, condio fundamental para divulgao

    cientfica (BECHLER, 2008, p. 25).

    Alm da Alemanha, participaram da Conferncia a Irlanda, a Sucia e a

    Noruega. A regio escandinava preocupava-se com o retorno da lepra Europa e,

    com suas possveis consequncias polticas e econmicas, principalmente

    relacionadas expanso comercial e, com isso, decidiu investir em pesquisa

    cientfica financiando mdicos com o intuito de estudar e apresentar propostas que

    visassem resoluo do problema (BECHLER, 2008). E, nessa segunda

    Conferncia, mais uma vez o isolamento priorizado, devido ao bom resultado que

    vrios pases obtiveram com este mtodo, porm novas ideias surgiram.

    De acordo com Oliveira:

    Tal isolamento deveria ser humanitrio e em local que o acesso dos familiares fosse facilitado. A Conferncia de Bergen tambm recomendou o exame peridico dos comunicantes, ou seja, dos familiares e demais pessoas que tiveram contato ntimo e prolongado com qualquer doente de lepra, alm da separao imediata dos filhos sadios de seus pais leprosos. Nesta segunda Conferncia, chegou-se concluso, aps a apresentao de estudos clnicos sobre a doena, de que a lepra no era uma doena incurvel, contradizendo a pessimista opinio da Conferncia anterior, que infligia aos doentes a certeza da incurabilidade e da morte lenta. Apesar da ausncia de um medicamento especfico no combate lepra, havia a esperana de que a cura mdica poderia ser alcanada (OLIVEIRA, 2012, p.36)

    Como relata Maciel, aps essas duas Conferncias:

    Deveriam ser amplamente incentivadas as pesquisas que visassem esclarecer sobre a possvel transmissibilidade atravs dos insetos, a elucidao de teorias de propagao e contgio da doena ou a continuidade pela busca de um medicamento que apresentasse resultados favorveis (MACIEL, 2007, p. 206).

    O que se pode destacar, em relao s duas primeiras conferncias, a

    questo da cura (ressaltada na segunda Conferncia como possvel). Dois anos

    antes do evento, os cientistas j estavam realizando experimentos no sentido de

  • 30

    testar um medicamento para a lepra, o que levava os cientistas a pensar na

    possibilidade de cura dos doentes de lepra, um exemplo disso foi que:

    Desde 1907, na cidade de Hamburgo, o cientista chamado Deycke fazia experimentos com um componente qumico denominado Nastina, derivado de culturas de streptothrix leproides. Era obtida uma espcie de pomada que aplicada na pele, poderia agir contra o bacilo, mas sua eficcia era bastante controversa (MACIEL, 2007, p. 207, grifos do autor).

    Ento a cura da lepra foi colocada como uma possibilidade, porm

    necessitava de mais estudos sobre o assunto e o isolamento permaneceria como

    forma de evitar a propagao da doena entre os povos. Desta forma, pensou-se em

    um novo modelo de isolamento dos doentes, ainda a ser moldado, porm

    organizado e considerado como o modelo de trip da lepra, para sua profilaxia, e

    essa estrutura se deu do seguinte modo:

    [...] formado pelo leprosrio responsvel pelo isolamento dos leprosos; do dispensrio destinado ao controle dos comunicantes, especialmente familiares que mantiveram contato prolongado com o doente, com o objetivo de estabelecer diagnsticos precoces da doena; e o preventrio, que deveria abrigar os filhos sadios dos doentes de lepra (OLIVEIRA, 2012, p. 37).

    Doze anos depois, em 1923, ocorre a Terceira Conferncia Internacional de

    Lepra, em Strasburg, na Frana e, desta vez, presidida pelo mdico Dermatologista

    Francs Edouard Jeanselme, que realizava estudos sobre a lepra e a sfilis.

    Na poca:

    Tal conferncia ratificou as medidas acertadas nas reunies anteriores, trazendo como novas recomendaes, a criao de leis de combate doena que obedecessem as especificidades de cada pas, alm de recomendar que todos os pases representados na Conferncia, proibissem a entrada de leprosos estrangeiros em seu territrio, como uma forma de conter a propagao da doena (OLIVEIRA, 2012, p. 36).

    Com tantas recomendaes para evitar a disseminao da doena, medidas

    profilticas foram acordadas entre os participantes do evento (na maioria mdicos e

    representantes de pases). No entanto, Diniz (1960) relata que muitas pessoas ainda

    tinham dvidas sobre a transmissibilidade da doena, at mesmo a classe mdica

    se dividia, sendo que alguns decidiram acreditar que a doena era mesmo

    contagiosa, enquanto outros optaram por acreditar na hereditariedade.

    Todavia, mesmo com tanta divergncia de opinio, Maciel (2007) confirma

    que teve um aumento significativo de participantes nessa Conferncia, e atribui isso

  • 31

    ao crescente nmero de especialistas que tinham interesse no campo da lepra, em

    diversos pases, naquela poca. Ressalta a importncia das polticas pblicas pelo

    governo e na educao em sade para as populaes que ainda acreditavam na

    ideia da hereditariedade da doena e no no contgio. Destaca o caso do Brasil, que

    em 1923, j estava em funcionamento a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas

    Venreas, o qual havia sido criada em 1920. Nessa Conferncia o Diretor da

    Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas Venreas, o Dr. Eduardo Rabello

    participou do evento como representante do Brasil.

    Considerando as discusses nessa Conferncia, e levando em conta que a

    populao contava com pessoas leigas, no que se refere transmisso da lepra,

    que foi considerada importante a educao em sade e [...] em suas resolues

    finais, chamou a ateno para a necessidade dos mdicos educarem a populao

    sobre os aspectos referentes transmisso da lepra e suas diferentes formas de

    contgio (MACIEL, 2007, p. 209).

    Em 1938, acontece a Quarta Conferncia Internacional de Lepra, desta vez

    ocorrida na cidade do Cairo, no Egito, e foi presidida por Victor Heiser. Novamente o

    isolamento mantido como forma de conter a disseminao da doena, contudo:

    [...] este deveria ser aplicado de forma especfica para cada caso da doena: os chamados casos abertos e casos fechados. Os casos abertos seriam os chamados lepromatosos, malignos, de alta contagiosidade, logo, representariam maior perigo sade pblica. Neste caso, recomendava-se o isolamento compulsrio em leprosrios, em domiclio (considerado ineficaz pelos mdicos), ou em vilas (uma alternativa aos leprosrios, considerados onerosos). Os casos fechados representariam o tipo tuberculoide, benigno, menos contagiante. Para estes, o isolamento no seria compulsrio, mas os doentes deveriam ser submetidos vigilncia e ao tratamento mdico (OLIVEIRA, 2012, p. 38-39).

    De acordo com Oliveira (2012, p. 39), um dos principais pontos discutidos

    nessa Conferncia foi a questo da classificao da lepra. Este assunto j estava

    sendo estudado anteriormente, pelos cientistas e, medida que a lepra se

    espalhava, as formas clnicas da doena eram questionadas, e isso era fundamental

    para decidir se o doente era isolado ou no.

    Neste sentido, leprologistas sul-americanos, especialmente os brasileiros representados por Eduardo Rabello e seu filho, Francisco Eduardo Acioli Rabello, propuseram que, classificao antiga que dividia os casos em lepromatosos (maligno) e tuberculoides (benigno) fosse acrescido o tipo indeterminado, uma forma inicial da doena, que poderia evoluir tanto para o tipo tuberculoide, quanto para o tipo lepromatoso. [...] Porm, a nova

  • 32

    classificao no foi aceita no Congresso do Cairo, sendo mantidas apenas, as formas lepromatosas e tuberculoides (OLIVEIRA, 2012, p. 39).

    As primeiras Conferncias de Lepra foram as que mais impactaram nos

    estudos referentes descoberta do bacilo e incio do isolamento do doente. No

    entanto, existiram outras Conferncias e eventos, que seguiram na discusso da

    classificao quanto s formas clnicas da hansenase, no qual destacamos: a II

    Conferncia Pan-Americana de Lepra, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1946; O V

    Congresso Internacional de Lepra, em Havana no ano de 1948; O VI Congresso

    Internacional de Lepra, em Madri, no ano de 1953 e O VII Congresso Internacional

    de Lepra, em Tquio, no ano de 1958 (MACIEL, 2007).

    A Organizao Mundial de Sade, em 1982, simplificou de vez a

    classificao da hansenase com a introduo da poliquimioterapia, em paucibacilar

    e multibacilar (OPROMOLLA, 1981). Isso se deu pelo nmero de leses cutneas,

    sendo indeterminada a Tuberculoide considerada como Paucibacilar7 (PB) casos

    com at 05 leses de pele e Virchowiana e Dimorfa considerada como Um

    ltibacilar8 (MB) casos com mais de 05 leses de pele (BRASIL, 2014b, p. 1).

    Essas formas clnicas so apresentadas da seguinte forma:

    Hansenase Indeterminada: na forma inicial, evolui espontaneamente para a cura. Na maioria dos casos, encontra-se apenas uma leso, de cor mais clara que a pele normal, com distrbio da sensibilidade, ou reas circunscritas de pele com aspecto normal e com distrbio de sensibilidade. Hansenase Tuberculoide: forma mais benigna e localizada, ocorre em pessoas com alta resistncia ao bacilo. As leses so poucas (ou nica), de limites bem definidos e um pouco elevados e com ausncia de sensibilidade (dormncia). Ocorre comprometimento simtrico de troncos nervosos, podendo causar dor, fraqueza e atrofia muscular. Hansenase Virchowiana: nestes casos, a imunidade celular nula e o bacilo se multiplica muito, levando a um quadro mais grave, com anestesia dos ps e mos que favorecem os traumatismos e feridas que podem causar deformidades, atrofia muscular, inchao das pernas e surgimento de leses elevadas na pele (ndulos). Pode ainda ocorrer acometimento da laringe, com quadro de rouquido e de rgos internos (fgado, bao, suprarrenais e testculos). Ocorre comprometimento de maior nmero de troncos nervosos de forma simtrica. Hansenase Dimorfa: forma intermediria que resultado de uma imunidade tambm intermediria, com caractersticas clnicas e laboratoriais que podem se aproximar do polo tuberculoide ou virchowiana. O nmero de leses cutneas maior e apresentam-se como placas, ndulos

    7 Abrigam um pequeno nmero de bacilos no organismo, insuficiente para infectar outras pessoas. Os casos paucibacilares, portanto, no so considerados importantes fatores de transmisso da doena devido sua baixa carga bacilar (BRASIL, 2002a). 8 Um nmero menor de pessoas no apresenta resistncia ao bacilo, que se multiplica no seu organismo passando a ser eliminado para o meio exterior, podendo infectar outras pessoas. Estas pessoas constituem os casos multibacilares, que so a fonte de infeco e manuteno da cadeia epidemiolgica da doena (BRASIL, 2002a).

  • 33

    eritematosos acastanhados, em grande nmero. O acometimento dos nervos mais extenso, podendo ocorrer neurites agudas de grave prognstico (BRASIL, 2014b, p. 1, grifos do autor).

    A transmisso da doena se d [...] principalmente pelas vias respiratrias

    superiores de pacientes multibacilares no tratados (virchowiano e dimorfo), [...] bem

    como pelo contato ntimo e prolongado com os pacientes que apresentam as formas

    multibacilares da doena (FONTES, 2011, p. 2), e [...] embora acometa ambos os

    sexos, observa-se predominncia do sexo masculino (BRASIL, 2014a, p. 1; LANA

    et al., 2000).

    O predomnio da doena no sexo masculino poderia traduzir uma maior

    oportunidade de contato social entre os homens (LOMBARDI; SUAREZ, 1997 apud

    LIMA; PRATA; MOREIRA 2008, p. 168). Alm do que, existe a possibilidade de o

    homem no procurar os servios de sade com tanta frequncia como as mulheres.

    O Ministrio da Sade aponta que o homem alega que o funcionamento dos

    servios de sade coincide com o horrio de seu trabalho, e atribui a no procura

    sua posio de provedor do sustento da famlia. Nesse sentido, refora o papel do

    homem, de responsvel por manter as necessidades econmicas dos integrantes da

    casa, e ao que, historicamente, fora atribudo como responsabilidade do homem

    (BRASIL, 2008a).

    1.3 A LEPRA/HANSENASE NO BRASIL

    No Brasil, a doena ainda no se fazia presente entre os indgenas

    brasileiros. A introduo da lepra no Brasil se deu, principalmente, pelo contato dos

    povos indgenas que habitavam o litoral com os primeiros colonizadores

    portugueses, principalmente aorianos (TERRA, 1995; MONTEIRO, 1987;

    MARTINS, 2009; SOUZA-ARAJO, 1946).

    Para Souza-Arajo (1946), autor bastante citado na produo acadmica

    referente histria da lepra, a introduo da lepra no Brasil ocorreu seguindo a

    seguinte trajetria: chegou ao Brasil em 1500 atravs dos portugueses, depois entre

    1580 e 1640 pelos espanhis (pois muitos vieram e se fixaram no Brasil durante o

    domnio espanhol); mais tarde, pelos holandeses no perodo entre 1624 e 1654

    (introduziram-se pelo nordeste do Brasil, no entanto sendo o foco endmico menor

    que o dos africanos) e dos franceses no perodo de 1757 a 1758 chegando no Rio

  • 34

    de Janeiro. Independentemente se essas datas so questionveis ou no, o que

    importante ressaltar que a lepra era desconhecida dos povos indgenas.

    As migraes para as colnias [...] foi um movimento intenso e anrquico,

    em que se procura fazer o expurgo da metrpole dos elementos perniciosos ao seu

    progresso (TERRA, 1995, p. iii-iv). Entre os indivduos indesejados e que eram

    enviados para as colnias estavam os leprosos.

    Nesse perodo em que ocorreu a colonizao do Brasil, muitos africanos

    foram trazidos ao pas contra sua vontade e, desta forma, obrigados a desenvolver

    trabalho escravo. Terra (1995, p. iii-iv) defende a ideia de que os africanos no

    trouxeram a lepra ao Brasil. Em sua narrativa ele afirma que por ser um [...]

    instrumento precioso de trabalho, e sua aquisio era feita aps exame minucioso

    de seu corpo [...].

    No entanto, Souza-Arajo faz um contraponto quando relata que a lepra j

    existia na frica em 1350 a.C., no Sudo e no Egito e, em 300 a.C., j era endmica.

    Os escravos procediam predominantemente da Guin, Ilha de So Tom, Congo,

    Dongo, Matamba, Moambique, Costa da Mina, Ajuda, Bissau, Calabar e Repblica

    dos Camares. O autor aponta que o trfico dos escravos somente foi sistematizado

    em 1538, porm, [...] os primeiros africanos cativos chegados a Portugal foram

    levados do Rio do Ouro, em 1441 por ANTO GONALVES e doados ao Infante D.

    HENRIQUE. Em 1443 chegavam outros 235 [...] (SOUZA-ARAJO, 1946, p. 9,

    grifos do autor).

    O elo de concordncia entre os autores que a condio de vida e de

    trabalho dos escravos contribuiu para a disseminao da doena.

    Maurano afirma que os negros eram:

    Submetidos a duras contingncias e trabalhos, de se crer que esse fato permitisse maiores facilidades de alastramento do mal. Ou, ento, possvel que a observao sobre a extenso da lepra entre eles, no passasse de mera impresso. Em verdade, verificada a molstia, os negros escravos eram abandonados sua sorte, pois aos amos, no convinha to perigosos serviais. No lhes restava nada mais do que recorrer esmola, dando assim a impresso de que a molstia era comum entre eles (MAURANO, 1950, p. 20)

    Nesse sentido, Curi vem contribuir com as discusses realizadas pelos

    autores argumentando que:

    [...] Primeiro, dadas s condies peculiares da hansenase, isto , longo perodo de incubao, possvel que algum escravo j infectado e que

  • 35

    ainda no apresentasse sintomas inconfundveis da doena no fosse barrado pelos exames ento realizados. A doena em estgio inicial no seria to facilmente diagnosticada na poca, permitindo assim, o ingresso de escravos com hansenase no pas. Segundo, atribuir unicamente aos africanos a responsabilidade pela disseminao do mal no Brasil uma atitude insensata. Sabe-se que a frica do norte regio endmica desde a Antiguidade, mas os africanos trazidos para o Brasil com o objetivo de aqui constiturem mo de obra escrava no vieram para Amrica por livre e espontnea vontade, no sendo, inclusive, convidados. Assim, mesmo que cada um dos bacilos de hansen, mycobacterium leprae, aportados no Brasil fossem de origem africana, aos europeus ainda deve-se continuar atribuindo a responsabilidade pela chegada da doena no pas, pois, neste caso, haveria sido fruto de exames pouco rigorosos e inadequados, alm da incompetncia [...] dos [...] senhores que no entenderiam muito de lepra (CURI, 2002, p. 68, grifos do autor).

    Essa afirmao de Curi nos transmite a ideia de que, se os exames

    corpreos nos escravos fossem muito bem feitos, de forma rigorosa, especialmente

    por pessoas competentes, a lepra no teria adentrado o Brasil. Da forma como Curi

    discute esse assunto, nos d a entender que o problema no teria acontecido com a

    entrada dos escravos, mas sim a entrada da doena. No entanto, a forma como

    abordada pelo autor, instiga-nos a pensar que a doena s entrou no pas devido

    falha na vistoria dos escravos. O fato que os responsveis pela chegada da lepra

    no pas foram os europeus, em virtude de terem promovido a escravido e no,

    apenas, pela questo da negligncia na inspeo dos escravos.

    Uma vez que a doena se espalhava na colnia, [...] j no sculo XVII se

    registram as primeiras reclamaes, pedidos de providncia e fundao de

    instituies direcionadas aos leprosos (NERIS, 2008, p. 3).

    Uma das instituies pioneiras para o acolhimento de pessoas com lepra na

    poca foi estruturada como o Campo de Lzaros, j existente em Salvador desde

    1640. Esse local se caracterizava como um lugarejo destinado a receber os

    morphticos, sem nenhuma estrutura e mantido por particulares atravs da

    caridade [...] (CURI, 2002, p. 68). No demorou para que a molstia se

    disseminasse entre a populao, causando um grande problema sanitrio e de

    ordem social. Curi aponta que:

    At 1883, o Brasil j enumerava 12 cidades que possuam asilo/hospital para os leprosos, so elas: Salvador (1640/1787); Recife (1714/1798); Rio de Janeiro (1741/1763); Santa Brbara/MG (1771); So Paulo (1802); Itu (1806); Belm (1815); Cuiab (1816); So Lus (1833); Campinas (1863); Piracicaba (1880) e Sabar (1883). Pode-se verificar atravs da fundao destas instituies como a endemia se difundiu no pas at final do sculo XIX (2002, p. 74).

  • 36

    A disseminao da doena se dava de forma to intensa para os padres da

    poca, que causava medo e pavor nas pessoas. Isso ocorria em virtude da falta de

    esclarecimentos sobre o que seria a lepra, fazendo com que muitas pessoas que

    no tivessem essa enfermidade fossem consideradas como leprosos.

    Nascimento aborda que:

    Em meio a uma populao pouco esclarecida, insegura e envolvida pelo medo do contgio, inmeras pessoas, que eram portadoras de outros males (muitas vezes no contagiosos e curveis), foram tomadas como leprosas e acabaram sofrendo os traumas do abandono, da rejeio, da segregao social, do isolamento e at da morte, em instituies destinadas para esse fim (2001, p. 49).

    Entre os sculos XVIII, XIX e XX as doenas de pele eram confundidas,

    gerando grande confuso entre a lepra e outras doenas cutneas como, por

    exemplo, a sfilis, a filariose e outras doenas de pele, provocando sentimentos de

    asco e rejeio. Devido a essa situao, nos hospitais de isolamento eram

    encontradas pessoas que no tinham a lepra, mas que pelo contato com pessoas

    doentes tornavam-se sujeitas contaminao. Nesse sentido, era considerado

    morftico um grupo amplo da populao; sendo eles, pessoas com diversas

    patologias de pele a, simplesmente, pessoas que tiveram contato com leprosos

    (SANTOS FILHO, 1991).

    As ideias de Hansen comeam a predominar no Brasil, a partir das

    discusses ocorridas no final do sculo XIX, na Primeira Conferncia Internacional

    de Lepra em Berlim, como explicado anteriormente. Na tal Conferncia chegou-se

    concluso que a melhor medida profiltica a ser tomada, naquele momento, era o

    isolamento da pessoa infectada com a lepra, evitando assim, a disseminao da

    doena entre as demais pessoas do convvio social.

    Hansen, aps a descoberta do bacilo causador da hansenase, se

    preocupava com a questo do controle da doena, por meio do isolamento dos

    doentes, pois sabia que era transmissvel de uma pessoa para a outra, e a ideia dele

    era que isso ocorresse em todos os pases. Nesse sentido, mdicos de diversos

    lugares se empenhavam no campo da cincia para a descoberta de um

    medicamento que equacionasse a doena, no campo da cura.

    Porm, naquela poca a cura no havia sido descoberta, no entanto a ideia

    de isolamento divulgada por Hansen na Conferncia era a melhor escolha. Ento,

  • 37

    nesse momento, no Brasil, polticas pblicas de isolamento dos leprosos foram

    criadas, vrios leprosrios foram construdos.

    O Brasil no teve nenhum representante nessa Primeira Conferncia

    Internacional, porm, Souza-Arajo relata que foi enviado um comunicado escrito

    pelo mdico Azevedo Lima, contendo informaes decorrentes de como estava

    sendo feita a profilaxia da lepra no pas:

    A lepra endmica entre ns e vai atingir propores considerveis, portanto, as medidas profilticas devem apoiar-se na separao dos doentes. Esta separao pode dar-se de trs modos: primeiro, em hospitais para leprosos, gafarias; segundo, em colnias de leprosos, contanto que fiquem isolados dos sos; e, terceiro, em domiclio particular, mas em condies particulares preestabelecidas (SOUZA-ARAJO, 1956, p. 67).

    Para que a medida do isolamento, tal como recomendado na Conferncia

    acontecesse, fazia-se necessrio o apoio dos governantes.

    Dessa forma Schneider e Wadi discorrem que:

    Nas primeiras dcadas do sculo XX a lepra tornou-se um problema de ordem social, passando a ser controlada pelo Estado, que se apoiava nos discursos mdicos para normatizar a doena e os doentes. Com isso, diversos hospitais destinados aos leprosos foram construdos nesse momento no Brasil, apoiados na ideia que a separao dos doentes dos demais, sanaria a questo da lepra. Esses hospitais foram construdos como se fossem pequenas cidades, contando com mercado, prefeitura, casas, cinema, quadra de esportes, entre outros. Ou seja, o hospital possua uma estrutura que garantia que os doentes, uma vez ali internados, no precisariam mais deixar o local. O poder pblico se apoiava no discurso que enfatizava essas grandes estruturas, falando que havia a preocupao com o bem-estar desses doentes, e isso era visvel, atravs das construes destinadas a eles (SCHNEIDER; WADI, 2009, p. 2168).

    A partir do conhecimento cientfico, medidas sanitrias e de isolamento dos

    leprosos foram adotadas, porm, a luta dos mdicos para a implementao das

    ideias de Hansen no Brasil no foi fcil, pois ainda soava muito forte a questo do

    carter hereditrio e no contagioso da lepra.

    Em 1903, Oswaldo Cruz assume a Diretoria de Sade Pblica no Brasil

    (BENCHIMOL; S, 2004), que segundo Marcondes (2005, p. 134) [...] cargo que

    corresponde atualmente ao de ministro da Sade. Neste momento, a lepra era

    disseminada e o nmero de pessoas contaminadas estava aumentando, sendo

    ento que o isolamento era visto como necessrio para conter a propagao da

    doena (ORNELLAS, 1997).

  • 38

    Foi ento, que em 1904, Oswaldo enviou um relatrio ao Ministro da Justia

    e dos Negcios Interiores, dando cincia da situao e mencionando sobre a

    adequao para o internamento dos doentes em colnias [...] sua sequestrao da

    sociedade deve ser feita no num hospital, mas em estabelecimentos adequados,

    colnias de leprosos (ORNELLAS, 1997, p. 76).

    Os governantes brasileiros defendiam a construo de hospitais para o

    isolamento dos doentes de lepra, mas a classe mdica defendia que deveriam

    construir um leprosrio especfico para pessoas com a doena e no juntos com

    outras patologias. Porm, at meados da dcada de 1920, o isolamento dos

    leprosos no era compulsrio. Estes iam at os hospitais voluntariamente,

    principalmente, porque no tinham meios de sobreviver (SCHNEIDER; WADI, 2009,

    p. 2169).

    Em 1904, com a primeira grande reforma sanitria9 no pas efetuada pelo cientista Oswaldo Cruz, a doena passou a ter notificao compulsria. Nesse mesmo perodo, conceitos como o de microrganismo e de contgio passaram a vigorar no pensamento mdico brasileiro. Dessa forma, os hospitais se tornaram inadequados para o tratamento da doena e, o projeto de confinar os pacientes hansenianos num espao fechado foi logo patrocinado por mdicos e cientistas famosos como Oswaldo Cruz (DAMASCO, 2005, p. 15-16).

    Nesse contexto, as divergncias entre mdicos e o poder pblico se

    seguiram e as aes de controle da doena comeam a ser priorizadas nos estados

    endmicos.

    No Brasil, Emlio Ribas, Oswaldo Cruz e Alfredo da Matta foram os principais nomes que, ao denunciar o descaso do combate endemia pelas autoridades sanitrias, trouxeram o reconhecimento do problema e medidas legais para implementar o isolamento compulsrio dos doentes. As aes de controle de ento, priorizavam a construo de leprosrios em todos os estados endmicos [...] (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 33). Novas ideias foram se organizando no interior deste modelo, tendo em vista novos problemas com que a Sade Pblica se deparava, tais como a sade de crianas e de trabalhadores urbanos, entre outros. Estas ideias desembocaram, na dcada de 1910, na formao de um movimento na Sade Pblica que ficou conhecido como "mdico-sanitrio" [...]. A medicina e a Sade Pblica eram entendidas, neste esquema, como campos distintos, aquela para curar atravs da clnica, patologia e teraputica, e esta para prevenir doenas, prolongar e promover sade atravs da higiene e educao sanitria (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 26-27).

    9 O movimento sanitarista da Primeira Repblica transformou a sade em questo social e poltica [...] (LIMA et al., 2005, p. 35). O processo se iniciou em meados dos anos 70 e teve como liderana intelectual e poltica, o autodenominado movimento sanitrio. Tratava-se de um grupo restrito de intelectuais, mdicos e lideranas polticas do setor sade (SILVA, 2013, p. 26).

  • 39

    Sendo assim, em 02 de janeiro de 1920, foi criado o Departamento Nacional

    de Sade Pblica, por meio do Decreto n 3.987, ocorrendo assim, uma Reforma

    Sanitria no pas (DAMASCO, 2005; LIMA, Z. 2007). E, para completar essas aes

    Pelo Decreto n 14, foi instituda a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas

    Venreas (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p.33) passando assim, a ser controlada pelo

    estado, e considerada como um problema de ordem social (SCHNEIDER; WADI,

    2009, p. 2168), o qual apontava por interveno do governo, e que fossem

    desenvolvidas e implantadas polticas pblicas que dessem conta do controle de

    propagao da doena que se fazia to necessrio no pas, naquela poca:

    Dessa forma, pode-se perceber que a Comisso de Profilaxia da Lepra estava perfeitamente de acordo com os debates do movimento sanitarista, que demandavam uma efetiva ao do governo da Unio no campo da sade pblica, apontando para a necessidade de uma reforma sanitria que, na realidade, demandava mudanas polticas, atravs de uma ampliao do poder pblico, em detrimento dos poderes regionais das oligarquias (MACIEL, 2007, p. 30).

    Nesse sentido, fizeram-se necessrias diversas mudanas na questo

    sanitria do pas e, com isso, as seguintes medidas foram implementadas pela lei:

    notificao compulsria e levantamento do censo de leprosos; fundao de asilos-colnias, nos quais seriam confinados os leprosos pobres; isolamento domiciliar aos que se sujeitassem vigilncia mdica e tivessem os recursos suficientes para a eficaz aplicao dos preceitos de higiene; vigilncia sanitria dos comunicantes e suspeitos de lepra; isolamento pronto dos recm-nascidos, filhos de leprosos, para local convenientemente adaptado e onde seriam criados livres das fontes de contgio; proibio da importao de casos de lepra do estrangeiro; notificao de mudanas de residncia de leprosos e de sua famlia; desinfeco pessoal dos doentes, dos seus cmodos, roupas e de todos os objetos de uso; as suas excrees deveriam ser recebidas em vasos cobertos contendo uma soluo desinfetante e levadas ao esgoto; rigoroso asseio das casas ocupadas por doentes e de suas dependncias; proibio ao doente de lepra de exercer profisses ou atividades que pudessem ser perigosas coletividade ou exercer qualquer profisso que o colocasse em contato direto com pessoas, como tambm, ser ama-de-leite, frequentar igrejas, teatros e casas de divertimentos ou lugares pblicos como jardins e viajar em veculos sem o prvio consentimento da autoridade competente (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 33-34).

    Foi ento que, as discusses ocorridas na Segunda Conferncia

    Internacional de Lepra, em Bergen, tiveram influncia na construo de hospitais

    colnias no Brasil, apoiados na ideia que a separao dos doentes dos demais

  • 40

    sanaria a questo da lepra (SCHNEIDER; WADI, 2009, p. 2168). Essas construes

    se seguiram durante a dcada de 1920, 1930 e 1940.

    No final da dcada de 1920, e na dcada de 1930, no pas, foi implantado o

    tratamento na forma de isolamento dos leprosos que, de acordo com Maciel (2007,

    p. 18): na literatura mdica especialista da poca, era chamado de modelo trip

    (leprosrio, dispensrio e preventrio). Entre 1924 e 1962 vigorou no pas a lei de

    internamento compulsrio.

    Maciel resumiu esse modelo da seguinte forma:

    [...] era amparado no funcionamento conjunto de trs instituies que procuravam cercear a doena, o doente e os que com ele se relacionavam: o leprosrio que visava isolar e tratar o doente; o dispensrio que tratava dos comunicantes, normalmente familiares e os que com o doente haviam mantido contato; e, por fim o preventrio, que separava desde o nascimento se possvel, os filhos dos pacientes isolados (MACIEL, 2007, p. 18).

    O tratamento disponibilizado na poca com O leo de chaulmoogra10 foi

    conhecido por muito tempo no Oriente como remdio para a lepra [...], sendo sua

    forma de administrao o [...] uso interno e externo, provocando reaes fortes nos

    pacientes, tais como gastralgia, vmitos e diarreia. Porm, mesmo tendo sido [...]

    universalmente aceito como benfico ao tratamento, no h nenhum indcio de que

    realmente ele possa ter sido eficaz (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 32).

    Como explicam Santos; Souza e Siani (2008), muitos mdicos e

    pesquisadores daquela poca acreditavam que os derivados de chaulmoogra

    embora proporcionassem a cura das leses na pele, no eliminavam o agente

    causal da doena e, de acordo com o conhecimento bacteriolgico que at ento

    vigorava, apenas com a eliminao do bacilo causador, por meio de um tratamento

    especfico que se poderia falar na cura da lepra.

    Em 1934, com a nomeao de Gustavo Capanema para Ministro da

    Educao e Sade, Foram firmados convnios com os Estados para repasse de

    verbas a serem utilizadas na construo ou reforma de leprosrios (MACIEL, 2007,

    p. 90). Embora o modelo trip estivesse sendo implementado no pas como

    instituio, em 1935, com o Governo de Getlio Vargas, foi elaborado um plano para

    10 As plantas considerada