Upload
trinhkiet
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO
MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
APARECIDA GARCIA DOS SANTOS
ATENDIMENTO E TRATAMENTO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE A PARTIR DO GRUPO DE APOIO NO MUNICPIO DE PONTA
GROSSA PR
PONTA GROSSA 2016
APARECIDA GARCIA DOS SANTOS
ATENDIMENTO E TRATAMENTO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE A PARTIR DO GRUPO DE APOIO NO MUNICPIO DE PONTA
GROSSA PR
Dissertao apresentada para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias Sociais Aplicadas, vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa. rea de Concentrao: Cidadania e Polticas Pblicas Linha de Pesquisa: Estado, Direitos e Polticas Pblicas. Orientadora: Prof. Dr. Lenir Aparecida Mainardes da Silva
PONTA GROSSA 2016
Ficha CatalogrficaElaborada pelo Setor de Tratamento da Informao BICEN/UEPG
S237Santos, Aparecida Garcia dos Atendimento e tratamento s pessoas queforam atingidas pela Hansenase a partirdo grupo de apoio no municpio de PontaGrossa PR/ Aparecida Garcia dos Santos.Ponta Grossa, 2016. 185f
Dissertao (Mestrado em CinciasSociais Aplicadas - rea de Concentrao:Cidadania e Polticas Pblicas),Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientadora: Prof Dr Lenir AparecidaMainardes da Silva.
1.Hansenase. 2.Grupo de apoio.3.Polticas de Sade. I.Silva, LenirAparecida Mainardes da. II. UniversidadeEstadual de Ponta Grossa. Mestrado emCincias Sociais Aplicadas. III. T.
CDD: 614.2
Dedico este trabalho ao meu querido esposo Edson, pelo inestimvel apoio nos estudos e por ser a minha grande fortaleza nos momentos difceis.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me proporcionar foras, amparo e inspirao na conquista
desse meu objetivo.
Aos meus filhos pelo apoio e entendimento a respeito das minhas ausncias
e pela nsia que demonstravam em ver concluda esta etapa.
minha querida orientadora Prof. Dr. Lenir Aparecida Mainardes da Silva,
por me transmitir calma e segurana, esclarecendo minhas dvidas, fazendo as
correes com profissionalismo e contribuindo com sugestes importantes para o
desenvolvimento e finalizao desta pesquisa.
Prof. Dr. Jussara Ayres Bourguignon pelo imprescindvel incentivo para
seguir em frente.
Ao Prof. Dr. Jos Augusto Leandro pelas contribuies, consideraes e
pelos importantes apontamentos na minha pesquisa.
Ao Prof. Dr. Antnio Carlos Frasson, caro amigo, pela parceria na
elaborao de artigos publicados em preparao para o mestrado e pelos sbios
conselhos na construo do meu projeto de pesquisa.
Ao Prof. Dr. Alfredo Cesar Antunes e Prof. Dr. Emerson Lus Velozo que,
gentilmente, aceitaram o convite para participar das minhas bancas de qualificao e
defesa, e pelas valiosas contribuies apontadas para a finalizao desse trabalho.
A todos os Professores que contriburam com seus conhecimentos,
indicando referncias nas disciplinas do mestrado, fortalecendo as ideias para que o
projeto fosse incorporado na dissertao. Minha gratido a todos os meus
Professores do Mestrado.
minha amiga de todas as horas Bruna Alves Lopes, pelo incentivo na
elaborao desta dissertao que aborda a Histria da Hansenase, bem como pela
enorme contribuio em minha trajetria do mestrado. Pela presena constante nos
momentos difceis, trazendo calma e discernimento. Sou grata por voc existir!
Aos integrantes do GAPHAN pela pronta participao nessa pesquisa e pelo
amistoso acolhimento.
Aos Profissionais do SAE pelo carinho e dedicao que dispensam s
pessoas com hansenase, e pela grande contribuio para a pesquisa, bem como a
todos os colaboradores que visam o fortalecimento do grupo.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)
pela concesso da bolsa de estudos.
UEPG / Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais Aplicadas pela
oportunidade de cursar o mestrado.
E, a todos os colegas da turma de mestrado que, de alguma forma,
contriburam para o meu aprendizado.
Acolher diante do sorriso ou lgrima, mas sempre acolher. A realidade do outro no est
naquilo que no pode revelar. Portanto, se voc quiser compreend-lo, escute no o que ele diz,
mas o que ele no diz.
Kalil Gibran
RESUMO
A hansenase uma doena milenar, que desde os tempos bblicos vem sendo foco de vrias discusses. Por muito tempo, a pessoa doente era isolada da sociedade, excluda, bem como, nomeadas de termos como: leproso, imundo, sujo, pecador. Nesse sentido, a hansenase tornou-se uma doena marcada por estigma e discriminao, os quais so vivenciados por aqueles que por ela so alcanados. A pesquisa objetiva compreender a estrutura do Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase (GAPHAN) enquanto ao de grupo para dar suporte s polticas pblicas de sade voltadas aos hansenianos no processo de atendimento. Desenvolvida no Municpio de Ponta Grossa PR, no Servio de Assistncia Especializada (SAE), com profissionais e participantes do GAPHAN. Trata-se de pesquisa descritiva e exploratria. Utilizou-se a pesquisa qualitativa, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, com depoimentos orais e observao no participante, junto aos participantes da pesquisa. Fundamentou-se em pesquisa bibliogrfica e documental. Os resultados evidenciam que o grupo de apoio enquanto ao no SAE fortalece o atendimento e tratamento voltado hansenase, no Municpio de estudo. Esse estudo possibilitou compreender o universo de significados dos acometidos pela hansenase, o qual ficou evidenciado o estigma, que explicado por Goffman. As atividades e encontros ocorridos no GAPHAN auxiliam no atendimento e na deteco precoce dos casos de hansenase dos familiares. A convivncia grupal auxilia na elevao da autoestima, no desenvolvimento cognitivo, no autocuidado e contribui para a reintegrao do hanseniano a sociedade, e d suporte poltica pblica de sade voltada hansenase. Nesse sentido, o grupo torna-se um apoio para o programa de controle e eliminao da hansenase no municpio de Ponta Grossa PR.
Palavras-chave: Hansenase. Grupo de Apoio. Polticas de Sade.
ABSTRACT
Leprosy is a sickness that has been around for thousands of years, and since the biblical times has always been a focus of various discussions. For a long time, a person infected with leprosy was isolated from society, excluded, as well as called leper, unclean, dirty, and a sinner. In this sense, Leprosy became a sickness marked with stigma and discrimination, and those inflicted suffered from such. The objective study is to comprehend the structure of the Support Group of Patients with Leprosy (GAPHAN) while group action gives support to the public politics of health for lepers in the process of being attended. Developed in the City of Ponta Grossa PR, in the Specialized Assistance Service (SAE), with professionals and participants of GAPHAN. This research is a descriptive and explorative work. Quality study was utilized, accomplished through semi-structured interviews with oral testimonies and non-participant observation, together with the participants of the research. The research was founded in bibliographical and documental study. The results of this research give evidence that the action of the support group strengthen the attendance and treatment of those with leprosy, in the city of study. This study made possible the understanding of the universe of meanings understood by the word leper, and gave evidence of the stigma, as explained by Goffman. The activities and happenings of GAPHAN aid in the attendance and precocious detection of leprous cases of relatives. Group co-living aids in the elevation of self-confidence, cognitive development, self-care and contributes to the reintegration of lepers into society, giving support to the public politics of health for lepers. In this sense, the group becomes a support for the control program and elimination of leprosy in the city of Ponta Grossa PR.
Key Words: Leprosy. Support Group. Health Politics.
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURA 1 INTERAO E INTERSECO ENTRE OS CONCEITOS................. 65 FIGURA 2 DISPOSIO DOS ESFREGAOS EM LMINA DE VIDRO.............. 72 FIGURA 3 DISPOSIO DOS ESFREGAOS EM LMINA DE VIDRO.............. 73 FIGURA 4 GUIA DE APOIO PARA GRUPOS DE AUTOCUIDADO EM HANSENASE.............................................................................. 105 FIGURA 5 ATIVIDADES DE AUTOCUIDADO..................................................... 106 FIGURA 6 DICAS DO MANUAL PARA O COORDENADOR DO GRUPO.......... 107 FIGURA 7 DISCUSSES E TOMADAS DE DECISES EM GRUPO................ 107 GRFICO 1 PERCENTUAL DE GRAU II DE INCAPACIDADE NO DIAGNSTICO DE CASOS NOVOS. ESTADOS E BRASIL, 2014 ............................ 68 QUADRO 1 LEPROSRIOS NO BRASIL.............................................................. 41 QUADRO 2 TERMINOLOGIAS PARA O TERMO LEPRA A PARTIR DA LEI 9.010/95....................................................................................... 48 QUADRO 3 CRITRIOS DE AVALIAO DO GRAU DE INCAPACIDADE E DA FUNO NEURAL............................................................................. 67 QUADRO 4 APRESENTAO DAS CARTELAS.................................................. 74 QUADRO 5 ESQUEMA TERAPUTICO PARA CASOS PAUCIBACILARES....... 74 QUADRO 6 ESQUEMA TERAPUTICO PARA CASOS MULTIBACILARES....... 75 QUADRO 7 PERODO DE INSTITUIO DAS AES DE ELIMINAO DA HANSENASE NO ESTADO DO PARAN.............................................................. 83 QUADRO 8 CASOS CADASTRADOS DE HANSENASE NO ESTADO DO PARAN ENTRE O PERODO DE JANEIRO DE 2000 A JANEIRO DE 2006.............................................................................................. 84 QUADRO 9 IDENTIFICAO DOS PROFISSIONAIS ENTREVISTADOS........... 91 QUADRO 10 SITUAO PREVIDENCIRIA DOS PARTICIPANTES DO GAPHAN.......................................................................................... 136 QUADRO 11 PRINCIPAIS PORTARIAS QUE SUBSIDIAM A HANSENASE.... 183
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 DISTINO SEMNTICA ENTRE CONCEITOS................................. 66 TABELA 2 CRITRIOS DE DISTINO ENTRE RECIDIVA E REAO HANSNICA......................................................................................... 76 TABELA 3 PERFIL SOCIOECONMICO DOS ENTREVISTADOS DO GAPHAN............................................................................................ 119
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a. C. Antes de Cristo AIDS Acquired Immune Deficiency Syndrome (sndrome da
imunodeficincia adquirida SIDA) APAC Autorizao de Procedimento de Alta Complexidade CDERM Centro de Referncia Nacional em Dermatologia Sanitria
Dona Libnia CESCAGE Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais CREDESH/HC/UFU Centro de Referncia Nacional em Dermatologia Sanitria e
Hansenase do Hospital de Clnicas da Universidade Federal de Uberlndia
CONASEMS Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade CONASS Conselho Nacional dos Secretrios de Sade DOU Dirio Oficial da Unio DST Doena Sexualmente Transmissvel FIOCRUZ Fundao Instituto Oswaldo Cruz FUAM Fundao Alfredo da Matta GAPHAN Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase GM/MS Gabinete do Ministro/Ministrio da Sade HDSPR Hospital de Dermatologia Sanitria do Paran HIV Human Immunodefiency Vrus (Vrus da Imunodeficincia
Humana) ILEP International Federation of Anti-Leprosy Associations
(Federao Internacional das Associaes Anti-Hansenase) INSS Instituto Nacional de Seguro Social IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ILSL Instituto Lauro de Souza Lima MORHAN Movimento de Reintegrao das Pessoas Atingidas pela
Hansenase NOB Norma Operacional Bsica NOAS Norma Operacional da Assistncia Sade OMS Organizao Mundial da Sade ONGs Organizao no Governamental OPAS Organizao Pan-Americana da Sade PAB Piso da Ateno Bsica PACS Programa Agentes Comunitrios de Sade PQT Poliquimioterapia PR Paran PSF Programa de Sade da Famlia RHC Registros Hospitalares de Cncer RJ Rio de Janeiro RS Regional de Sade SAE Servio de Assistncia Especializada SAE/CTA Servio de Assistncia Especializada/Centro de Testagem e Aconselhamento SBH Sociedade Brasileira de Hansenologia SIA/SUS Sistema de Informaes Ambulatoriais/Sistema nico de
Sade
SINAN Sistema de Informao de Agravos de Notificao SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Sade SUS Sistema nico de Sade TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCU Tribunal de Contas da Unio UBS Unidade Bsica de Sade UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro UESF Unidade e Estratgia de Sade da Famlia
SUMRIO
INTRODUO....................................................................................... 15 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS.............................................. 17 CAPTULO 1 AS POLTICAS PBLICAS DE SADE VOLTADAS
AOS HANSENIANOS NO BRASIL....................................................... 21
1.1 CONTEXTO HISTRICO DA HANSENASE........................................ 21 1.2 A LEPRA NO MUNDO........................................................................... 21 1.3 A LEPRA/HANSENASE NO BRASIL................................................... 33 CAPTULO 2 A POLTICA PBLICA DE SADE NO SUS
VOLTADAS HANSENASE E DESCENTRALIZAO DOS SERVIOS DE SADE.........................................................................
52
2.1 O SISTEMA NICO DE SADE E A DESCENTRALIZAO.............. 52 2.2 O SISTEMA NICO DE SADE E A HANSENASE............................ 62 2.2.1 Aes do Programa de Controle da Hansenase.................................. 64 2.2.1.1 Diagnstico da Hansenase................................................................... 72 2.2.1.2 Tratamento para Hansenase................................................................ 73 2.2.1.3 Educao em Sade.............................................................................. 77 2.3 AES DE CONTROLE E ELIMINAO DA HANSENASE NO
ESTADO DO PARAN.......................................................................... 79
CAPTULO 3 ATENDIMENTO E TRATAMENTO DO GRUPO DE
APOIO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA HANSENASE........................................................................................
89
3.1 O MUNICPIO DE PONTA GROSSA PR............................................ 89 3.1.1 Servio de Assistncia Especializada no Grupo de Apoio a Pacientes
com Hansenase.................................................................................... 91
3.1.1.1 Tratamento............................................................................................. 98 3.2 GRUPO DE APOIO S PESSOAS QUE FORAM ATINGIDAS PELA
HANSENASE........................................................................................ 100
3.2.1 Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase em Ponta Grossa.......... 108 3.2.1.1 Estrutura e funcionamento do Grupo de Apoio a Pacientes com
Hansenase em Ponta Grossa............................................................... 113
3.2.2 Dos Participantes................................................................................... 119 3.2.2.1 Sentimentos ao receber o diagnstico................................................... 121 3.2.3 Manifestaes da hansenase................................................................ 127 3.2.4 Do comprometimento das relaes familiares e da rotina de vida no
trabalho................................................................................................... 132
3.2.5 A hansenase associada a outras doenas............................................ 138 3.2.5.1 Polticas de Sade voltadas hansenase: a viso dos
entrevistados.......................................................................................... 139
3.2.6 Convivncia em Grupo........................................................................... 141 CONSIDERAES FINAIS................................................................... 147 REFERNCIAS...................................................................................... 152
BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS....................................................... 170 APNDICES........................................................................................... 172 APNDICE A Roteiro de entrevista com funcionrios do SAE..... 172 APNDICE B Roteiro de entrevista com participantes do
GAPHAN................................................................................................ 175
APNDICE C Roteiro de observao de campo............................. 177 ANEXOS................................................................................................. 178 ANEXO A Termo de consentimento livre e esclarecido................ 178 ANEXO B Autorizao para Realizao da Pesquisa Prefeitura
Municipal de Ponta Grossa/Secretaria Municipal de Sade............ 179
ANEXO C Carta escrita pelo primeiro presidente do GAPHAN em 2009.................................................................................................
180
ANEXO D Ficha de notificao e investigao de casos de doenas e agravos...............................................................................
181
ANEXO E Grupos de autocuidado Paran, 2013............................ 182 ANEXO F Quadro 11 Principais portarias que subsidiam a
hansenase............................................................................................ 183
15
INTRODUO
A hansenase uma doena que afeta vrios aspectos do cotidiano de quem
atingido por ela. Devido ao estigma que causa, a pessoa pode se sentir excluda
do contexto ao qual pertence, sendo ento prejudicada no seu dia a dia, como por
exemplo, no trabalho, no convvio familiar, no relacionamento social. Nesse sentido,
a doena envolve preocupaes fsicas, psicolgicas e sociais.
Ao longo de sua histria, mostrou-se uma temtica ampla a ser discutida,
que envolve uma variedade de aspectos, pois esteve, em vrios momentos,
permeada por valores socioculturais estigmatizantes.
Mais do que a patologia em si instalada, a conceituao estabelecida por
diferentes segmentos sociais e populaes, interfere na maneira como pensam,
sentem e agem a respeito dela. Sabemos que, durante muito tempo, a hansenase,
trouxe consigo marcas sociais e culturais indelveis at os dias atuais (EIDT, 2004).
A Hansenase, no passado chamada de Lepra, historicamente conhecida
como uma das doenas mais antigas da humanidade. Nos tempos bblicos, era
mencionada como centro de toda histria do castigo divino, como posio abraada
pela religiosidade do mundo judaico cristo. Os leprosos no eram curados, mas
sim lavados, limpos, pois eram tidos como imundos. A noo de impureza bem
retratada na Bblia Sagrada: a doena era vista como um sinal de desobedincia ao
mandamento divino, evidenciando o pecado, quase sempre em forma visvel
(MONTEIRO, 2010).
Nesse sentido, o sujo, limpo e o impuro so entendidos simbolicamente
alm da questo sanitria, de higiene, as regras de pureza, mas tambm por
mentalidade religiosa de determinados grupos sociais. Assim, A reflexo sobre a
impureza implica uma relao sobre a relao entre a ordem e a desordem; ento,
a sujeira a desordem, e as coisas impuras vinculam-se a essa desordem, e
qualquer tipo de ambiguidade contrrio ordem, dessa forma, a sujeira e a
impureza devem ser afastadas, se quiser manter um padro, por que estes smbolos
ambguos so ligados aos rituais e s atividades sagradas dos povos primitivos
(DOUGLAS, 1976, p. 9).
No Brasil, nas primeiras dcadas do sculo XX, a lepra tornou-se um grande
problema de sade pblica, passando ento a ser controlada pelo Estado. Nesse
momento, foram tomadas medidas de internamento compulsrio dos doentes, em
16
leprosrios. Isso visava conter a propagao da doena, mas para tal, essas
pessoas eram segregadas da sociedade, vivendo apartadas de seus familiares
(SCHNEIDER; WADI, 2009).
Com o internamento compulsrio desses leprosos, esperava-se ter a doena
sob controle. Por um lado, protegia a mo de obra da classe trabalhadora, mas por
outro, essa excluso gerava o estigma e o preconceito. Para Costa (1987, p. 22)
esses servios de sade no foram criados para manter a sade comum dos
habitantes, mas para intervir, objetivamente, sobre a proteo dos grupos sociais
cuja capacidade de trabalho era fundamental preservar.
De acordo com Silva (2011, p. 6), A lepra, enquanto problema mdico social
mantinha-se envolta em supersties, ignorncia e forte preconceito.
Goffman (1988) se posiciona de forma a definir o estigma como sendo um
atributo profundamente depreciativo, e aos olhos da sociedade, serve para
realmente desacreditar a pessoa que o possui, e o indivduo estigmatizado visto
como uma pessoa que possui uma diferena indesejvel.
Embora - com a descoberta dos medicamentos para o tratamento e cura da
lepra e, com isso, o fim do isolamento do leproso - o estigma e o preconceito
permaneceram enraizados em nossa cultura, dificultando o enfrentamento da
doena por parte dos indivduos, trazendo-lhes srias repercusses em sua vida
pessoal, social e profissional (BAIALARDI, 2007). Para Goffman (1988, p. 23), O
indivduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relao maneira
como os normais o identificaro e o recebero.
A hansenase, alm de afetar a pessoa fisicamente com leses causadas
pela doena, influencia em outros fatores. Dessa forma, [...] a doena envolve uma
complexa interao entre os aspectos fsicos, psicolgicos, sociais e ambientais da
condio humana e de atribuio de significados (MINAYO, 2000, p. 15).
Diante disso, o objetivo geral desta pesquisa est em compreender a
estrutura do Grupo de Apoio a Pacientes com Hansenase (GAPHAN), enquanto
ao de grupo, para dar suporte s polticas pblicas de sade voltadas aos
hansenianos no processo de atendimento.
Os objetivos especficos desta pesquisa so:
Compreender as polticas pblicas de sade voltadas aos hansenianos no
Brasil;
17
Compreender como a sade pblica de Ponta Grossa estrutura o
atendimento ao hanseniano;
Identificar como o GAPHAN, enquanto ao no SAE, se estrutura para
atender as necessidades que a doena hansenase acarreta;
Descrever a atuao do GAPHAN no processo de atendimento ao
hanseniano.
Compreender o universo de significados que a hansenase produz para os
participantes do GAPHAN.
Essa pesquisa se deu com os integrantes do GAPHAN, situado no Municpio
de Ponta Grossa, em um Servio de Assistncia Especializada (SAE), que
desenvolve aes especficas para a Hansenase, bem como outras doenas
infectocontagiosas. Nesse estabelecimento, uma vez por ms, ocorrem as reunies
do grupo.
PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
Compreendendo que a escolha do objeto de pesquisa parte integrante da
metodologia de estudo, apresentamos aqui a sua descrio1.
Para a realizao desse trabalho, utilizou-se a pesquisa bibliogrfica que,
segundo Gil (2002, p. 44) [...], desenvolvida com base em material j elaborado,
constitudo, principalmente, de livros e artigos cientficos. Para Fonseca (2002, p.
32), qualquer trabalho cientfico inicia-se com uma pesquisa bibliogrfica, que
permite ao pesquisador conhecer o que j se estudou sobre o assunto e, para isso,
algumas literaturas foram essenciais como: Costa (2007); Maciel (2007); Oliveira
(2012) e Cunha (2005) e como fonte, o Ministrio da Sade.
A natureza da pesquisa de carter descritiva e exploratria, devido ao
carter recente de estudos relacionados ao grupo de apoio a pacientes com
hansenase. Tambm se utilizou a pesquisa documental, constituda por meio de
portarias, resolues, diversas legislaes, Constituio Brasileira de 1988, que
regulamentam a poltica de sade no Brasil, no que se refere ao atendimento
1 O projeto de pesquisa foi reformulado e enviado ao Comit de tica em Pesquisa, e recebeu aprovao, com parecer N 1.357.464, bem como a aprovao da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, na figura da Secretaria de Sade do Municpio.
18
hansenase. Gil (2002) explica as semelhanas e diferenas entre a pesquisa
documental e a bibliogrfica, para o autor:
A pesquisa documental assemelha-se muito pesquisa bibliogrfica. A diferena essencial entre ambas est na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliogrfica se utiliza fundamentalmente das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que no receberam ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2002, p. 45).
Fez-se uso, tambm, da observao no participante, para entender o
funcionamento do grupo, sendo que ocorreram no momento do desenvolvimento das
atividades grupais do GAPHAN, na reunio mensal do grupo, realizada durante dois
encontros ocorridos entre os meses de fevereiro e maro de 2016. Para tal, utilizou-
se a tcnica de observao no participante, fazendo uso de um roteiro de
observao de campo (Apndice C), e as informaes foram sistematizadas em um
Dirio de campo.
A observao uma tcnica de coleta de dados para conseguir informaes e utiliza os sentidos na obteno de determinados aspectos da realidade. No consiste apenas em ver e ouvir, mas tambm, em examinar fatos ou fenmenos que se desejam estudar (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 190).
Ainda, utilizou-se da entrevista semiestruturada, com roteiro previamente
estabelecido, partindo de pressupostos apoiados no referencial terico. A realizao
da entrevista oportunizou coletar dados que possibilitaram compreender algumas
situaes relatadas pelos hansenianos.
Nesse sentido, as entrevistas:
[...] parte de certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessam pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo surgindo medida que se recebem as respostas do informante (TRIVIOS, 2008, p. 146).
Toda entrevista, por sua vez, foi gravada em udio, mantendo o anonimato
dos sujeitos, em acordo com a Resoluo 466/2012, onde foram considerados os
estabelecidos eticamente nas normas de pesquisa com seres humanos. Para isso,
utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo A).
Os participantes do GAPHAN e os profissionais tiveram a liberdade e
autonomia para aceitar ou recusar participar da pesquisa, estando assegurado aos
19
mesmos o direito de interromper a entrevista a qualquer fase do andamento da
pesquisa, caso desejassem.
O critrio utilizado como escolha dos participantes se deu da seguinte forma:
ter sido atingido pela hansenase e ser integrante do GAPHAN. Nesse universo,
temos 24 integrantes, todos maiores de idade. Desses, 20 concordaram em
participar da pesquisa, e 04 foram impossibilitados devido ao estado de sade.
Porm, antecedendo pesquisa com os participantes do GAPHAN, realizou-se a
entrevista com os funcionrios do SAE, uma vez que esta pesquisa teve como
objetivo conhecer o funcionamento do SAE, bem como sua estrutura de atendimento
ao hanseniano no municpio de Ponta Grossa, e sua participao no GAPHAN.
Esses profissionais trabalham envolvidos com as polticas pblicas de sade. Nesse
sentido, entrevistaram-se os seguintes profissionais: uma tcnica em enfermagem,
um fisioterapeuta e um mdico dermatologista e infectologista.
As entrevistas com os funcionrios foram agendadas previamente,
individualmente com cada profissional, conforme sua disponibilidade. A entrevista
com o fisioterapeuta ocorreu no dia 18/02/2016, com o mdico dermatologista e
infectologista, no dia 23/02/2016 e, com a Tcnica em Enfermagem, no dia
23/02/2016.
O agendamento para conversar com os integrantes do GAPHAN e assim
definir-se as datas das entrevistas com os mesmos, ocorreu com a ajuda do
fisioterapeuta, que sugeriu o dia 29/02/2016. Assim, foi explicado ao grupo sobre a
pesquisa, seus objetivos, e realizado o convite para que todos participassem. Todos
concordaram, porm, com uma ressalva: que essas entrevistas fossem realizadas
aps o trmino da sesso de fisioterapia que realizam no SAE, conforme
agendamento de cada participante, em dias e horrios diferenciados, e assim no
precisassem dispor de vale transporte para as entrevistas. Dessa forma, com a
ajuda do fisioterapeuta, foi possvel ter acesso aos agendamentos fisioterpicos de
todos os sujeitos participantes da pesquisa. As entrevistas ocorreram entre o
perodo de fevereiro e maro de 2016.
As entrevistas foram gravadas em udio e armazenadas em mdias e o local
para as entrevistas com os integrantes do grupo, foi o SAE. Aps as explicaes
referentes pesquisa, bem como a leitura do TCLE e explicaes ticas sobre a o
trabalho, conforme exigidos pela tica em pesquisa com seres humanos, depois de
20
esclarecidas suas dvidas e o convidado assinado o TCLE, concordando em
participar da pesquisa, que eram iniciadas as gravaes das entrevistas.
Nesse sentido, essa pesquisa teve carter qualitativo, embasado em
pesquisa documental, bibliogrfica, observao de campo e entrevista, que permitiu
entender questes relacionadas aos participantes do GAPHAN.
Conforme Minayo explica:
A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares. Ela se preocupa, nas cincias sociais, com um nvel de realidade que no pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis (1993, p. 21).
No que se refere anlise dos resultados, utilizou-se o depoimento oral para
descrever as experincias dos participantes do GAPHAN e dos profissionais do
SAE.
O depoimento oral uma tcnica, que [...] se constitui em um relato da
experincia individual que revela as aes do indivduo como agente humano e
como um participante da vida social (KOSMINSKI, 1986, p. 32).
No primeiro captulo, abordou-se sobre o contexto histrico da hansenase, e
como a doena, ao longo dos tempos, foi sendo vista pela sociedade,
contextualizando o processo da doena e suas implicaes socioculturais, no
cotidiano do hanseniano, evidenciando como eram estruturados os leprosrios
naquela poca, bem como entre os anos de 1924 e1962.
Em relao ao segundo captulo, teve seu desdobrar nas polticas pblicas
de sade voltadas hansenase e descentralizao dos servios de sade para os
municpios, bem como a forma como foram estruturados esses servios, no que
tange ao controle e acompanhamento da hansenase. A regionalizao para o
controle epidemiolgico da doena foi discutida, demonstrando como ocorre esse
processo descentralizador.
No que tange ao terceiro captulo, a abordagem voltou-se ao Grupo de apoio
a pacientes que foram atingidos pela hansenase, fazendo uma distino entre grupo
de apoio, grupo de autocuidado e grupo de autoajuda, pois esses so grupos muitas
vezes confundidos, no entanto so distintos. E, por fim, abordou-se sobre o grupo de
apoio a pacientes com hansenase, situado no Municpio de Ponta Grossa, nosso
objeto de pesquisa, bem como a apresentao e anlise do resultado da pesquisa.
21
CAPTULO 1 AS POLTICAS PBLICAS DE SADE VOLTADAS AOS HANSENIANOS NO
BRASIL
O objetivo desse captulo est em compreender as polticas pblicas de
sade voltadas aos hansenianos no Brasil, entretanto, necessria se faz a
contextualizao histrica da hansenase em seus diversos momentos, bem como
descrever esses perodos que, em cada poca, eram entendidos de forma diferente,
mas que se relacionam entre si. Isso nos proporcionar entendermos como a
doena foi sendo vista social e culturalmente e aps sua descoberta no campo da
cientificidade.
1.1 CONTEXTO HISTRICO DA HANSENASE
A hansenase uma doena milenar que sempre esteve permeada de
valores socioculturais. Nos tempos bblicos, s pessoas que contraiam a doena era
atribuda uma carga simblica, a qual remetia a algum pecado que a pessoa tivesse
cometido ou que a pessoa tivesse sido desobediente a Deus. Naquela poca, eles
acreditavam que a pessoa tinha recebido um castigo divino devido a sua iniquidade.
Este doente era excludo da sociedade e rotulado como imundo, sujo, pecador.
Ao final da dcada de 1800, a lepra no mundo comeou a ganhar espao no
campo cientfico e alguns estudiosos tomavam frente s discusses sobre a doena
no mundo. Em 1897, ocorre a 1 Conferncia Internacional de Lepra e, aps essa,
outras foram acontecendo, cujo assunto da discusso era a contaminao, sua
disseminao e as tentativas de controle da doena.
1.2 A LEPRA NO MUNDO
Disse o SENHOR a Moiss: Esta ser a lei do leproso no dia da sua purificao: ser levado ao sacerdote; e este sair fora do arraial e o
examinar. Se a praga da lepra do leproso est curada... (BBLIA, LEVTICO, 1983, 14:1-3, p. 133, grifos do autor).
Em termos biolgicos, podemos descrever a hansenase como uma doena
crnica, infectocontagiosa, cujo agente etiolgico o Mycobacterium leprae. [...]
22
essa doena atinge pele e nervos perifricos, podendo levar a srias incapacidades
fsicas e, tambm, considerada uma das doenas mais antigas do mundo
(BRASIL, 2014a, p. 1).
Milenarmente conhecida, tal doena foi, durante muito tempo, denominada
como Lepra2. Arraigada a seu nome, est uma carga simblica permeada de
excluso, de estigma, de preconceito e de discriminao daqueles que a
desenvolveram; mas, a maneira de se olhar para essa doena no a mesma ao
longo da histria. No perodo conhecido como Idade Mdia, a enfermidade foi
identificada, segundo Rosen, como:
A grande praga, e o medo de todas as outras doenas, juntas, dificilmente se pode comparar ao terror da lepra. Nem mesmo a Peste Negra, no sculo XIV, ou o aparecimento da sfilis, ao final do sculo XV, produziram tamanho pavor (1994, p. 59).
Os mdicos medievais consideravam a lepra, simultaneamente, uma
doena contagiosa e hereditria, ou oriunda de uma relao sexual consumada
durante a menstruao (PINTO, 1995, p. 134). Nesse sentido, a lepra estava
associada, no imaginrio coletivo, com impureza e pecado.
Essa associao estava relacionada com a viso religiosa que permeava
toda a vida social naquele momento. Em vrias passagens bblicas, assim como
citado na epgrafe, h referncia ao leproso cuja interpretao justificava a maneira
como o doente era tratado socialmente.
Era comum, na Idade Mdia, que a excluso do doente se realizasse atravs de um cerimonial sacralizado, sendo que a partir desse cerimonial que o indivduo tornava-se oficialmente reconhecido como tal. Para isso, havia uma missa especial: a missa dos mortos, denominada Separatio Leprosarum. Esta funcionava como uma espcie de rito de passagem significando a morte social da pessoa e a consequente perda da identidade anterior, que seria substituda pela sua nova condio: a de "leproso". Uma vez encerrada a cerimnia, o doente seria acompanhado at os limites da cidade, de onde no mais poderia retornar, ou internado num "leprosrio". Aos poucos foi se estruturando um controle institucional sobre a vida quotidiana dos doentes, em especial, atravs de seu isolamento em estabelecimentos asilares. Paulatinamente, as medidas ditas preventivas foram abrangendo, tambm, a sociedade como um todo, atravs da caa aos suspeitos e aos comunicantes (MONTEIRO, 1993, p. 135).
2 Usaremos o termo lepra e leproso como forma de referir-se hansenase como doena e ao hanseniano, por se tratar de um perodo em que assim era denominado. No entanto, entendemos o estigma e preconceito que o emprego dessa palavra causa. Porm, mais adiante nesse trabalho, passaremos a fazer uso da terminologia hansenase, adotada pelo Ministrio da Sade.
23
Corroborando com Monteiro (1993), Mattos (2002) explica que para essa
cerimnia de expulso do leproso do corpo social, o padre e a igreja se
paramentavam para participar do ritual com o leproso. Sobre a pessoa com lepra era
colocado um vu preto e posto terra sobre sua cabea para representar sua morte e,
aps isso, era levado a um cemitrio onde era colocado em uma cova por alguns
minutos. Enquanto isso, o sacerdote lhe passava todas as regras, que a partir
daquele momento, o leproso tinha que seguir. Feito isto, o doente era levado a um
leprosrio ou precisava ser expulso da cidade.
Como se pode observar, havia todo um ritual para realizar a passagem
dessa vida para a morte simblica do leproso. Ser uma pessoa com o diagnstico de
lepra era um atestado de morte social. O leproso passava a no mais existir para
o grupo social ao qual pertencia.
Interessante a abordagem em relao aos leprosrios feita por Bniac
(1985) em que demonstra as diferenas existentes na organizao de cada
leprosrio. Como exemplo, o autor menciona que nas provncias francesas onde
existiam muitos leprosos cada um definia como seria o funcionamento da
instituio. Nesse caso, a parquia nas cidades mais poderosas, e que haviam
conseguido controlar seu leprosrio, reservava lugares para uma minoria da
populao composta pelos burgueses. J em Bruxelas, para serem internados, era
necessrio pagar uma alta taxa para admisso no leprosrio.
A partir dos anos de 1300-1350, a maior parte dos estabelecimentos, em
Frana pelo menos, organizam-se de outro modo: cada doente recebe uma quantia
e vive a seu modo, servido eventualmente por uma criada assalariada (BNIAC,
1985, p. 143). O autor ainda explica que no leprosrio de Saint-Quentin, em 1362,
cada leproso recebe todos os dias po branco e po escuro, vinho, carne ou peixe,
ovos e queijo ao domingo, com lenha para cozinhar e tudo (idem, p. 143).
No entanto, Bniac argumenta que havia leprosrios que funcionavam de
forma precria, fazendo com que muitos leprosos praticassem a mendicncia, como
uma maneira de subsistncia.
Certos estabelecimentos mantm um pouco da vida comunitria passada. Dois a quinze doentes de Maulens, perto de Arras, dispem em conjunto no seu espao de habitao de um poo, de um forno, de um jardim, e partilham as esmolas que os que podem vo mendigar. Isto permite aos entrevados subsistir. Os mais vlidos fazem tambm pequenos trabalhos no exterior e guardam para si os salrios. Os leprosos das pequenas
24
localidades, isolados no stio em que vivem, esperam tudo da caridade paroquial (BNIAC, 1985, p. 143).
Aqueles que podiam sair dos leprosrios deveriam seguir uma srie de
regras impostas pelo sacerdote. Essas regras contribuam para que todos
soubessem que a pessoa era leprosa.
Entre essas regras, Pinto (1995, p. 139) esclarece em relao aos leprosos,
que os mesmos s poderiam sair dos leprosrios vestindo longas capas, nas quais
eram pregados rabos de raposas durante o carnaval. Alm disso, tinham que usar
luvas e um grande chapu pontudo e agitar uma matraca. Isso contribua para
distinguir o leproso do restante da populao e para avis-los quando um leproso se
aproximava.
Contudo, na Idade Moderna, o entendimento sobre a doena alterado,
visto que a explicao para isso era que as doenas eram causadas por agentes
externos ao corpo humano [...]. Desse modo, a suposio de que a sade do
homem resulta do frgil equilbrio e equacionamento dos humores corporais
(QUARESMA, 2011, p. 4).
E com isso, tambm, houve mudanas no mtodo de se diagnosticar uma
pessoa com lepra, Opromolla explica que:
O diagnstico era realizado por quatro pessoas: um mdico, um cirurgio e dois barbeiros3 e consistia na deposio de uma amostra de sangue em um recipiente contendo sal. Se houvesse decomposio do sangue a pessoa no estava doente. Em outro mtodo, sangue e gua eram misturados e se no houvesse mistura dos dois lquidos tratava-se de doente de lepra (1981, p. 5).
Por volta de 1870, a doena havia praticamente desaparecido no continente,
e esse declnio teve como causa principal as melhorias das condies
socioeconmicas das Idades Moderna e Contempornea (OPROMOLLA, 1981, p.
5).
Somente no final do sculo XIX e, sobretudo, no incio do sculo XX, a molstia passou a despertar maior interesse na agenda mdica. Foi nesse contexto que a lepra passou a ter maior visibilidade nos crculos cientficos, o que pode ser observado pela produo de teses acadmicas da rea de medicina sobre a enfermidade e, tambm, em artigos assinados por
3 Os barbeiros eram considerados os precursores dos cirurgies. Tinham habilidades para manusear objetos de corte, como: navalha, lmina, espada, tesoura e lanceta, e com seus instrumentos intervia, tanto para realizar cirurgias em leses, como para cortar cabelos e fazer barbas. Eles tambm usavam sanguessugas ou ventosas, sendo aplicadas no local da leso, para sugar o sangue, para dar alvio das dores do doente (FIGUEIREDO, 1999).
25
esculpios publicados em jornais de ambos os pases. Essa visibilidade refletia um determinado momento na histria do conhecimento cientfico sobre a doena, em que certos aspectos etiolgicos da molstia passavam a ser mais bem compreendidos (LEANDRO, 2013, p. 914).
Durante o sculo XIX iniciou-se o processo de produo dos primeiros
conhecimentos com base cientfica sobre a lepra.
O primeiro marco do conhecimento moderno sobre a lepra foi o tratado ilustrado Om Spedalsked (Um estudo da Lepra), publicado em 1847. Neste trabalho, os noruegues Daniel C. Danielssen e C. W. Boeck estabeleceram as bases clnicas da lepra e tornaram-na uma doena clinicamente distinguvel. Admitida como uma doena contagiosa durante toda a Antiguidade e Idade Mdia, a teoria da hereditariedade da lepra tornar-se-ia preponderante aps o trabalho dos dermatologistas noruegueses, sobrepondo-se s muitas outras hipteses, que tentavam explicar a causa da doena. As investigaes de Danielssen e Boeck sobre a lepra seriam acompanhadas por novas descobertas: em 1863, Rudolf Virchow descreveu a histopatologia da lepra lepromatosa; a descrio completa do bacilo se deu com Hansen, em 1874 e, em 1879, o alemo Albert Neisser comprovou a presena do bacilo em material leproso (COSTA, 2007, p. 24).
Esses estudos atriburam novo sentido lepra, retirando-a do mbito
religioso para inserir a lepra no campo cientfico.
Um dos fatores que colaboraram para o estudo cientfico da lepra foi o
imperialismo do sculo XIX, que tornava a lepra um desafio poltico e econmico.
Como se no bastasse essas dificuldades no mbito cientfico, a lepra tambm representava um srio problema poltico no sculo XIX. O fenmeno que o historiador britnico Eric Hobsbawn chamou de A era dos imprios, oferece subsdios para que se interprete esse momento cientfico do estudo leprolgico como momento imperial, ou colonial da lepra. As principais naes europeias se preocupavam sobremaneira com a expanso comercial e econmica de suas divisas ao longo do sculo XIX e, coincidentemente, em quase todas as regies que foram objeto desse Imperialismo, a lepra era um srio problema endmico (EDMOND, 2006 apud BECHLER, 2011, p. 61).
A ideia da realizao da Primeira Conferncia Internacional para tratar de
medidas profilticas da lepra surgiu em 1895:
[...] quando o mdico francs Jules Goldschmidt e o ingls Albert Ashmead, propuseram-na a Amaur Hansen. Goldschmidt e Ashmead partilhavam da crena na hiptese contagionista da lepra, para eles este congresso teria como objetivo determinar as medidas a serem tomadas para conter a lepra endmica e prevenir sua exportao aos pases livres de tal problema. Segundo esta proposta, tal congresso seria composto apenas de delegados oficiais e no haveria espao para discusses cientficas sobre a bacteriologia, a patologia e o tratamento de lepra. Nesta proposta, a questo da cura da doena era apenas secundria. Por outro lado, o dermatologista dinamarqus Edvard Ehlers, igualmente adepto da teoria contagionista, buscava a formao de uma liga internacional contra a lepra,
26
e propunha [...] discutir todos os aspectos da lepra, tanto as questes cientficas, quanto as administrativas. Ehlers obteve no s o apoio de dermatologistas alemes, como tambm, o patrocnio do governo alemo imperial para a realizao de uma Conferncia em Berlim (PANDYA, 2003 apud COSTA, 2007, p. 74).
Em concordncia com Ehlers, em 1897 ocorre a 1 Conferncia
Internacional de Lepra, em Berlim. Essa Conferncia contou com a participao de
vrios mdicos Leprlogos4 e representantes originados de diversos pases, com o
intuito de:
[...] compreender a extenso do problema que voltava tona, como tambm de apresentar solues plausveis para combater a doena. Era sabido, porm, que a cura ainda era uma utopia, e que as discusses deveriam ser por conta da melhor maneira de se realizar o isolamento dos doentes, nica alternativa vivel para o no alastramento do mal (BECHLER, 2009, p. 190).
Essa Conferncia em Berlim foi organizada para discutir sobre a profilaxia a
ser tomada mundialmente em relao situao de alastramento da doena, e o
medo de que a lepra tomasse propores que se apresentassem em nveis
pandmicos5. As discusses feitas nessa Conferncia, pode ser vista em seus anais:
Os anais da conferncia so divididos em dois tomos que totalizam 1392 pginas, originalmente publicados em alemo. No primeiro, existem artigos previamente escritos pelos participantes do encontro, como tambm, os discursos literais proferidos na abertura e no encerramento do mesmo por alguns dos mais importantes desses leprlogos. E, no segundo tomo, existe um resumo das discusses dirias dos quatro dias da conferncia (BECHLER, 2009, p. 190).
E diante de tantos debates sobre conter a propagao da doena, os
mdicos em comum acordo decidiram acatar os conselhos de Amauer Hansen em
relao profilaxia da lepra, bem como compreendendo a necessidade de
interveno, para evitar a disseminao decide que, em todos os pases onde a
lepra forma foco, ou toma grande extenso, o isolamento o melhor meio de impedir
a propagao da doena (BRASIL, 1964, p. 244).
De fato, a cura da lepra ainda no existia, mas os mdicos presentes na
Conferncia concluram que o isolamento das pessoas acometidas pela doena era
a melhor escolha, pois o doente era considerado uma ameaa coletividade. Vale
4 Hoje chamado de Hansenlogos ou Hansenologistas. 5 Uma pandemia ocorre quando uma doena infecciosa atinge, de forma rpida e incontrolvel, uma grande proporo geogrfica, podendo ser um pas, continente ou, at mesmo um planeta inteiro (FELIPE, 2009, p. 1).
27
lembrar que [...] foi o material simblico resultante da experincia medieval da
Europa com a lepra, atualizado pelo significado social que a doena adquire no
mundo colonial, que conferiu a esta enfermidade o status de ameaa sanitria
(COSTA, 2007, p. 73).
Neste contexto, questes como racismo, xenofobia e civilizao atualizaro
o conceito da doena, produzindo uma rede simblica que redefinir no apenas seu
significado, mas o lugar da doena e a percepo de seu perigo em cada sociedade
(COSTA, 2007, p. 73).
De acordo com Costa (2007), entre 1890 e 1891 a lepra havia se alastrado
de forma to intensa, que essa questo ganhara domnio pblico, havendo
necessidade de interveno para conter a propagao da doena. Entretanto, as
medidas tomadas at aquele momento foram consideradas insatisfatrias. Porm,
na Noruega, a lepra como problema de sade foi acompanhada por meio de
polticas de combate doena, sendo adotadas medidas de controle populao
rural. Para tal, o governo noruegus produziu o recenseamento nacional dos
leprosos, em diferentes ocasies, os quais foram acompanhados pelos hospitais da
poca, para tratamento e estudos sobre estados clnicos.
Em 1895, houve o fechamento de diversos hospitais, o que possibilitou
novamente o alastramento da lepra. J no Hawai, as medidas adotadas quanto ao
isolamento compulsrio dos doentes foram fortemente criticadas, devido violncia
imposta aos leprosos. No com a inteno de excluir o doente da sociedade, mas
para evitar o contgio de pessoas que vinham de outros pases, especialmente
europeus, para negociaes, visando expanso comercial e econmica, podendo
assim se contaminar, levando a lepra para a Europa.
Segundo Costa (2007, p. 70), O isolamento dos leprosos no Hawai
assumira o carter de proteger a mo de obra local, a populao branca, e evitar
qualquer restrio econmica regio. Havia um debate intenso em torno da lepra,
principalmente por ter sido considerada uma doena que afetava mais algumas
raas do que outras. Na poca, eram consideradas provveis causas da
predominncia da doena os seguintes fatores: casas defeituosas e superlotadas, o
hbito de andar descalo, promiscuidade sexual, ausncia total de medo dos
leprosos, o clima quente e mido aliado a um baixo grau de civilizao e costumes
reprovveis (ROGERS; MUIR, 1937 apud COSTA, 2007).
28
Se por um lado havia grupos que no tinham medo do contgio da lepra, por
outro lado, no podemos desconsiderar a existncia de uma leprofobia no decorrer
do sculo XIX.
Na anlise incisiva da leprofobia que se instalou no sculo XIX na Amrica branca, Gussow e Tracy discutem que sua inspirao seria o racismo. Em um pas que estava sofrendo uma transformao demogrfica pela imigrao, a mo de obra concorrente foi temida e estigmatizada por americanos brancos. Certas raas e povos, notadamente os chineses e indianos, foram identificados como populaes em que a lepra era prevalente. No caso dos chineses a identificaao com a lepra foi de tal forma que, a partir de 1882, foram proibidos de imigrar para os Estados Unidos (GUSSOW; TRACY, 1970, p. 116 apud COSTA, 2007, p. 71, grifos do autor).
A partir das discusses ocorridas na Primeira Conferncia Internacional de
Lepra, a doena passa por um processo de reformulao de significado, pois de
acordo com Costa esse evento:
[...] nos oferece um momento mpar de anlise deste processo de formulao de novos contedos e significados para a doena. Este evento foi o pice de uma conjuntura que conferiu visibilidade lepra, mas tambm, imps um redirecionamento da medicina e da sociedade frente doena (COSTA, 2007, p. 73).
Essa Conferncia6 veio trazer uma nova significao da molstia (que antes
era atribuda ao pecado, impureza ou a algum mal que a pessoa possa ter
cometido, sendo ento castigada). At ento, a Igreja exercia domnio sobre as
discusses que permeavam a doena, entretanto, a realizao da Conferncia
marcou um novo processo, o da cientificidade da lepra, com a comprovao da
existncia do bacilo de Hansen. A prioridade do isolamento do doente, conforme
defendido na Conferncia, levava em conta princpios cientficos (a no
contaminao de outros indivduos no doentes) e no mais o isolamento de uma
pessoa suja, impura, pecadora, das pessoas limpas do pecado.
6 Neste momento, a descoberta do bacilo gerou uma disputa acadmica entre os mdicos cientistas daquela poca, principalmente entre Hansen, Koch e Neisser. Apesar dos trs desenvolverem estudos bacteriolgicos sobre o bacilo da lepra, a influncia de Hansen no meio acadmico possibilitou que seu nome prevalecesse, em detrimento aos outros, como o grande descobridor do bacilo da lepra. Porm, os trabalhos histricos sobre a lepra, demonstram que Hansen teve dificuldades na colorao do bacilo para identificao e confirmao de sua pesquisa, chegando a pedir ajuda a Koch em relao ao tempo que deveria deixar para corar o bacilo. No entanto, Neisser tambm estudioso da lepra, j havia feito a confirmao da presena do bacilo em material leproso. Essas disputas colaboraram para que Koch no comparecesse ao evento em Berlim, alegando estar na frica desenvolvendo um trabalho de instituio de leprosrios para o isolamento (BECHLER, 2008; BECHLER, 2009).
29
Doze anos depois, em 1909 ocorre a Segunda Conferncia Internacional de
Lepra, realizada em Bergen, na Noruega, que rene diversos estudiosos da poca,
como Albert Neisser, Daniel Danielsen, Robert Koch e Amauer Hansen (esse ltimo
presidiu tal evento). Essa Conferncia contou com o apoio da Alemanha, pois esse
[...] pas era um fundamental centro cientfico do perodo, bem como, [...] fazendo
do idioma alemo, por consequncia, condio fundamental para divulgao
cientfica (BECHLER, 2008, p. 25).
Alm da Alemanha, participaram da Conferncia a Irlanda, a Sucia e a
Noruega. A regio escandinava preocupava-se com o retorno da lepra Europa e,
com suas possveis consequncias polticas e econmicas, principalmente
relacionadas expanso comercial e, com isso, decidiu investir em pesquisa
cientfica financiando mdicos com o intuito de estudar e apresentar propostas que
visassem resoluo do problema (BECHLER, 2008). E, nessa segunda
Conferncia, mais uma vez o isolamento priorizado, devido ao bom resultado que
vrios pases obtiveram com este mtodo, porm novas ideias surgiram.
De acordo com Oliveira:
Tal isolamento deveria ser humanitrio e em local que o acesso dos familiares fosse facilitado. A Conferncia de Bergen tambm recomendou o exame peridico dos comunicantes, ou seja, dos familiares e demais pessoas que tiveram contato ntimo e prolongado com qualquer doente de lepra, alm da separao imediata dos filhos sadios de seus pais leprosos. Nesta segunda Conferncia, chegou-se concluso, aps a apresentao de estudos clnicos sobre a doena, de que a lepra no era uma doena incurvel, contradizendo a pessimista opinio da Conferncia anterior, que infligia aos doentes a certeza da incurabilidade e da morte lenta. Apesar da ausncia de um medicamento especfico no combate lepra, havia a esperana de que a cura mdica poderia ser alcanada (OLIVEIRA, 2012, p.36)
Como relata Maciel, aps essas duas Conferncias:
Deveriam ser amplamente incentivadas as pesquisas que visassem esclarecer sobre a possvel transmissibilidade atravs dos insetos, a elucidao de teorias de propagao e contgio da doena ou a continuidade pela busca de um medicamento que apresentasse resultados favorveis (MACIEL, 2007, p. 206).
O que se pode destacar, em relao s duas primeiras conferncias, a
questo da cura (ressaltada na segunda Conferncia como possvel). Dois anos
antes do evento, os cientistas j estavam realizando experimentos no sentido de
30
testar um medicamento para a lepra, o que levava os cientistas a pensar na
possibilidade de cura dos doentes de lepra, um exemplo disso foi que:
Desde 1907, na cidade de Hamburgo, o cientista chamado Deycke fazia experimentos com um componente qumico denominado Nastina, derivado de culturas de streptothrix leproides. Era obtida uma espcie de pomada que aplicada na pele, poderia agir contra o bacilo, mas sua eficcia era bastante controversa (MACIEL, 2007, p. 207, grifos do autor).
Ento a cura da lepra foi colocada como uma possibilidade, porm
necessitava de mais estudos sobre o assunto e o isolamento permaneceria como
forma de evitar a propagao da doena entre os povos. Desta forma, pensou-se em
um novo modelo de isolamento dos doentes, ainda a ser moldado, porm
organizado e considerado como o modelo de trip da lepra, para sua profilaxia, e
essa estrutura se deu do seguinte modo:
[...] formado pelo leprosrio responsvel pelo isolamento dos leprosos; do dispensrio destinado ao controle dos comunicantes, especialmente familiares que mantiveram contato prolongado com o doente, com o objetivo de estabelecer diagnsticos precoces da doena; e o preventrio, que deveria abrigar os filhos sadios dos doentes de lepra (OLIVEIRA, 2012, p. 37).
Doze anos depois, em 1923, ocorre a Terceira Conferncia Internacional de
Lepra, em Strasburg, na Frana e, desta vez, presidida pelo mdico Dermatologista
Francs Edouard Jeanselme, que realizava estudos sobre a lepra e a sfilis.
Na poca:
Tal conferncia ratificou as medidas acertadas nas reunies anteriores, trazendo como novas recomendaes, a criao de leis de combate doena que obedecessem as especificidades de cada pas, alm de recomendar que todos os pases representados na Conferncia, proibissem a entrada de leprosos estrangeiros em seu territrio, como uma forma de conter a propagao da doena (OLIVEIRA, 2012, p. 36).
Com tantas recomendaes para evitar a disseminao da doena, medidas
profilticas foram acordadas entre os participantes do evento (na maioria mdicos e
representantes de pases). No entanto, Diniz (1960) relata que muitas pessoas ainda
tinham dvidas sobre a transmissibilidade da doena, at mesmo a classe mdica
se dividia, sendo que alguns decidiram acreditar que a doena era mesmo
contagiosa, enquanto outros optaram por acreditar na hereditariedade.
Todavia, mesmo com tanta divergncia de opinio, Maciel (2007) confirma
que teve um aumento significativo de participantes nessa Conferncia, e atribui isso
31
ao crescente nmero de especialistas que tinham interesse no campo da lepra, em
diversos pases, naquela poca. Ressalta a importncia das polticas pblicas pelo
governo e na educao em sade para as populaes que ainda acreditavam na
ideia da hereditariedade da doena e no no contgio. Destaca o caso do Brasil, que
em 1923, j estava em funcionamento a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas
Venreas, o qual havia sido criada em 1920. Nessa Conferncia o Diretor da
Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas Venreas, o Dr. Eduardo Rabello
participou do evento como representante do Brasil.
Considerando as discusses nessa Conferncia, e levando em conta que a
populao contava com pessoas leigas, no que se refere transmisso da lepra,
que foi considerada importante a educao em sade e [...] em suas resolues
finais, chamou a ateno para a necessidade dos mdicos educarem a populao
sobre os aspectos referentes transmisso da lepra e suas diferentes formas de
contgio (MACIEL, 2007, p. 209).
Em 1938, acontece a Quarta Conferncia Internacional de Lepra, desta vez
ocorrida na cidade do Cairo, no Egito, e foi presidida por Victor Heiser. Novamente o
isolamento mantido como forma de conter a disseminao da doena, contudo:
[...] este deveria ser aplicado de forma especfica para cada caso da doena: os chamados casos abertos e casos fechados. Os casos abertos seriam os chamados lepromatosos, malignos, de alta contagiosidade, logo, representariam maior perigo sade pblica. Neste caso, recomendava-se o isolamento compulsrio em leprosrios, em domiclio (considerado ineficaz pelos mdicos), ou em vilas (uma alternativa aos leprosrios, considerados onerosos). Os casos fechados representariam o tipo tuberculoide, benigno, menos contagiante. Para estes, o isolamento no seria compulsrio, mas os doentes deveriam ser submetidos vigilncia e ao tratamento mdico (OLIVEIRA, 2012, p. 38-39).
De acordo com Oliveira (2012, p. 39), um dos principais pontos discutidos
nessa Conferncia foi a questo da classificao da lepra. Este assunto j estava
sendo estudado anteriormente, pelos cientistas e, medida que a lepra se
espalhava, as formas clnicas da doena eram questionadas, e isso era fundamental
para decidir se o doente era isolado ou no.
Neste sentido, leprologistas sul-americanos, especialmente os brasileiros representados por Eduardo Rabello e seu filho, Francisco Eduardo Acioli Rabello, propuseram que, classificao antiga que dividia os casos em lepromatosos (maligno) e tuberculoides (benigno) fosse acrescido o tipo indeterminado, uma forma inicial da doena, que poderia evoluir tanto para o tipo tuberculoide, quanto para o tipo lepromatoso. [...] Porm, a nova
32
classificao no foi aceita no Congresso do Cairo, sendo mantidas apenas, as formas lepromatosas e tuberculoides (OLIVEIRA, 2012, p. 39).
As primeiras Conferncias de Lepra foram as que mais impactaram nos
estudos referentes descoberta do bacilo e incio do isolamento do doente. No
entanto, existiram outras Conferncias e eventos, que seguiram na discusso da
classificao quanto s formas clnicas da hansenase, no qual destacamos: a II
Conferncia Pan-Americana de Lepra, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1946; O V
Congresso Internacional de Lepra, em Havana no ano de 1948; O VI Congresso
Internacional de Lepra, em Madri, no ano de 1953 e O VII Congresso Internacional
de Lepra, em Tquio, no ano de 1958 (MACIEL, 2007).
A Organizao Mundial de Sade, em 1982, simplificou de vez a
classificao da hansenase com a introduo da poliquimioterapia, em paucibacilar
e multibacilar (OPROMOLLA, 1981). Isso se deu pelo nmero de leses cutneas,
sendo indeterminada a Tuberculoide considerada como Paucibacilar7 (PB) casos
com at 05 leses de pele e Virchowiana e Dimorfa considerada como Um
ltibacilar8 (MB) casos com mais de 05 leses de pele (BRASIL, 2014b, p. 1).
Essas formas clnicas so apresentadas da seguinte forma:
Hansenase Indeterminada: na forma inicial, evolui espontaneamente para a cura. Na maioria dos casos, encontra-se apenas uma leso, de cor mais clara que a pele normal, com distrbio da sensibilidade, ou reas circunscritas de pele com aspecto normal e com distrbio de sensibilidade. Hansenase Tuberculoide: forma mais benigna e localizada, ocorre em pessoas com alta resistncia ao bacilo. As leses so poucas (ou nica), de limites bem definidos e um pouco elevados e com ausncia de sensibilidade (dormncia). Ocorre comprometimento simtrico de troncos nervosos, podendo causar dor, fraqueza e atrofia muscular. Hansenase Virchowiana: nestes casos, a imunidade celular nula e o bacilo se multiplica muito, levando a um quadro mais grave, com anestesia dos ps e mos que favorecem os traumatismos e feridas que podem causar deformidades, atrofia muscular, inchao das pernas e surgimento de leses elevadas na pele (ndulos). Pode ainda ocorrer acometimento da laringe, com quadro de rouquido e de rgos internos (fgado, bao, suprarrenais e testculos). Ocorre comprometimento de maior nmero de troncos nervosos de forma simtrica. Hansenase Dimorfa: forma intermediria que resultado de uma imunidade tambm intermediria, com caractersticas clnicas e laboratoriais que podem se aproximar do polo tuberculoide ou virchowiana. O nmero de leses cutneas maior e apresentam-se como placas, ndulos
7 Abrigam um pequeno nmero de bacilos no organismo, insuficiente para infectar outras pessoas. Os casos paucibacilares, portanto, no so considerados importantes fatores de transmisso da doena devido sua baixa carga bacilar (BRASIL, 2002a). 8 Um nmero menor de pessoas no apresenta resistncia ao bacilo, que se multiplica no seu organismo passando a ser eliminado para o meio exterior, podendo infectar outras pessoas. Estas pessoas constituem os casos multibacilares, que so a fonte de infeco e manuteno da cadeia epidemiolgica da doena (BRASIL, 2002a).
33
eritematosos acastanhados, em grande nmero. O acometimento dos nervos mais extenso, podendo ocorrer neurites agudas de grave prognstico (BRASIL, 2014b, p. 1, grifos do autor).
A transmisso da doena se d [...] principalmente pelas vias respiratrias
superiores de pacientes multibacilares no tratados (virchowiano e dimorfo), [...] bem
como pelo contato ntimo e prolongado com os pacientes que apresentam as formas
multibacilares da doena (FONTES, 2011, p. 2), e [...] embora acometa ambos os
sexos, observa-se predominncia do sexo masculino (BRASIL, 2014a, p. 1; LANA
et al., 2000).
O predomnio da doena no sexo masculino poderia traduzir uma maior
oportunidade de contato social entre os homens (LOMBARDI; SUAREZ, 1997 apud
LIMA; PRATA; MOREIRA 2008, p. 168). Alm do que, existe a possibilidade de o
homem no procurar os servios de sade com tanta frequncia como as mulheres.
O Ministrio da Sade aponta que o homem alega que o funcionamento dos
servios de sade coincide com o horrio de seu trabalho, e atribui a no procura
sua posio de provedor do sustento da famlia. Nesse sentido, refora o papel do
homem, de responsvel por manter as necessidades econmicas dos integrantes da
casa, e ao que, historicamente, fora atribudo como responsabilidade do homem
(BRASIL, 2008a).
1.3 A LEPRA/HANSENASE NO BRASIL
No Brasil, a doena ainda no se fazia presente entre os indgenas
brasileiros. A introduo da lepra no Brasil se deu, principalmente, pelo contato dos
povos indgenas que habitavam o litoral com os primeiros colonizadores
portugueses, principalmente aorianos (TERRA, 1995; MONTEIRO, 1987;
MARTINS, 2009; SOUZA-ARAJO, 1946).
Para Souza-Arajo (1946), autor bastante citado na produo acadmica
referente histria da lepra, a introduo da lepra no Brasil ocorreu seguindo a
seguinte trajetria: chegou ao Brasil em 1500 atravs dos portugueses, depois entre
1580 e 1640 pelos espanhis (pois muitos vieram e se fixaram no Brasil durante o
domnio espanhol); mais tarde, pelos holandeses no perodo entre 1624 e 1654
(introduziram-se pelo nordeste do Brasil, no entanto sendo o foco endmico menor
que o dos africanos) e dos franceses no perodo de 1757 a 1758 chegando no Rio
34
de Janeiro. Independentemente se essas datas so questionveis ou no, o que
importante ressaltar que a lepra era desconhecida dos povos indgenas.
As migraes para as colnias [...] foi um movimento intenso e anrquico,
em que se procura fazer o expurgo da metrpole dos elementos perniciosos ao seu
progresso (TERRA, 1995, p. iii-iv). Entre os indivduos indesejados e que eram
enviados para as colnias estavam os leprosos.
Nesse perodo em que ocorreu a colonizao do Brasil, muitos africanos
foram trazidos ao pas contra sua vontade e, desta forma, obrigados a desenvolver
trabalho escravo. Terra (1995, p. iii-iv) defende a ideia de que os africanos no
trouxeram a lepra ao Brasil. Em sua narrativa ele afirma que por ser um [...]
instrumento precioso de trabalho, e sua aquisio era feita aps exame minucioso
de seu corpo [...].
No entanto, Souza-Arajo faz um contraponto quando relata que a lepra j
existia na frica em 1350 a.C., no Sudo e no Egito e, em 300 a.C., j era endmica.
Os escravos procediam predominantemente da Guin, Ilha de So Tom, Congo,
Dongo, Matamba, Moambique, Costa da Mina, Ajuda, Bissau, Calabar e Repblica
dos Camares. O autor aponta que o trfico dos escravos somente foi sistematizado
em 1538, porm, [...] os primeiros africanos cativos chegados a Portugal foram
levados do Rio do Ouro, em 1441 por ANTO GONALVES e doados ao Infante D.
HENRIQUE. Em 1443 chegavam outros 235 [...] (SOUZA-ARAJO, 1946, p. 9,
grifos do autor).
O elo de concordncia entre os autores que a condio de vida e de
trabalho dos escravos contribuiu para a disseminao da doena.
Maurano afirma que os negros eram:
Submetidos a duras contingncias e trabalhos, de se crer que esse fato permitisse maiores facilidades de alastramento do mal. Ou, ento, possvel que a observao sobre a extenso da lepra entre eles, no passasse de mera impresso. Em verdade, verificada a molstia, os negros escravos eram abandonados sua sorte, pois aos amos, no convinha to perigosos serviais. No lhes restava nada mais do que recorrer esmola, dando assim a impresso de que a molstia era comum entre eles (MAURANO, 1950, p. 20)
Nesse sentido, Curi vem contribuir com as discusses realizadas pelos
autores argumentando que:
[...] Primeiro, dadas s condies peculiares da hansenase, isto , longo perodo de incubao, possvel que algum escravo j infectado e que
35
ainda no apresentasse sintomas inconfundveis da doena no fosse barrado pelos exames ento realizados. A doena em estgio inicial no seria to facilmente diagnosticada na poca, permitindo assim, o ingresso de escravos com hansenase no pas. Segundo, atribuir unicamente aos africanos a responsabilidade pela disseminao do mal no Brasil uma atitude insensata. Sabe-se que a frica do norte regio endmica desde a Antiguidade, mas os africanos trazidos para o Brasil com o objetivo de aqui constiturem mo de obra escrava no vieram para Amrica por livre e espontnea vontade, no sendo, inclusive, convidados. Assim, mesmo que cada um dos bacilos de hansen, mycobacterium leprae, aportados no Brasil fossem de origem africana, aos europeus ainda deve-se continuar atribuindo a responsabilidade pela chegada da doena no pas, pois, neste caso, haveria sido fruto de exames pouco rigorosos e inadequados, alm da incompetncia [...] dos [...] senhores que no entenderiam muito de lepra (CURI, 2002, p. 68, grifos do autor).
Essa afirmao de Curi nos transmite a ideia de que, se os exames
corpreos nos escravos fossem muito bem feitos, de forma rigorosa, especialmente
por pessoas competentes, a lepra no teria adentrado o Brasil. Da forma como Curi
discute esse assunto, nos d a entender que o problema no teria acontecido com a
entrada dos escravos, mas sim a entrada da doena. No entanto, a forma como
abordada pelo autor, instiga-nos a pensar que a doena s entrou no pas devido
falha na vistoria dos escravos. O fato que os responsveis pela chegada da lepra
no pas foram os europeus, em virtude de terem promovido a escravido e no,
apenas, pela questo da negligncia na inspeo dos escravos.
Uma vez que a doena se espalhava na colnia, [...] j no sculo XVII se
registram as primeiras reclamaes, pedidos de providncia e fundao de
instituies direcionadas aos leprosos (NERIS, 2008, p. 3).
Uma das instituies pioneiras para o acolhimento de pessoas com lepra na
poca foi estruturada como o Campo de Lzaros, j existente em Salvador desde
1640. Esse local se caracterizava como um lugarejo destinado a receber os
morphticos, sem nenhuma estrutura e mantido por particulares atravs da
caridade [...] (CURI, 2002, p. 68). No demorou para que a molstia se
disseminasse entre a populao, causando um grande problema sanitrio e de
ordem social. Curi aponta que:
At 1883, o Brasil j enumerava 12 cidades que possuam asilo/hospital para os leprosos, so elas: Salvador (1640/1787); Recife (1714/1798); Rio de Janeiro (1741/1763); Santa Brbara/MG (1771); So Paulo (1802); Itu (1806); Belm (1815); Cuiab (1816); So Lus (1833); Campinas (1863); Piracicaba (1880) e Sabar (1883). Pode-se verificar atravs da fundao destas instituies como a endemia se difundiu no pas at final do sculo XIX (2002, p. 74).
36
A disseminao da doena se dava de forma to intensa para os padres da
poca, que causava medo e pavor nas pessoas. Isso ocorria em virtude da falta de
esclarecimentos sobre o que seria a lepra, fazendo com que muitas pessoas que
no tivessem essa enfermidade fossem consideradas como leprosos.
Nascimento aborda que:
Em meio a uma populao pouco esclarecida, insegura e envolvida pelo medo do contgio, inmeras pessoas, que eram portadoras de outros males (muitas vezes no contagiosos e curveis), foram tomadas como leprosas e acabaram sofrendo os traumas do abandono, da rejeio, da segregao social, do isolamento e at da morte, em instituies destinadas para esse fim (2001, p. 49).
Entre os sculos XVIII, XIX e XX as doenas de pele eram confundidas,
gerando grande confuso entre a lepra e outras doenas cutneas como, por
exemplo, a sfilis, a filariose e outras doenas de pele, provocando sentimentos de
asco e rejeio. Devido a essa situao, nos hospitais de isolamento eram
encontradas pessoas que no tinham a lepra, mas que pelo contato com pessoas
doentes tornavam-se sujeitas contaminao. Nesse sentido, era considerado
morftico um grupo amplo da populao; sendo eles, pessoas com diversas
patologias de pele a, simplesmente, pessoas que tiveram contato com leprosos
(SANTOS FILHO, 1991).
As ideias de Hansen comeam a predominar no Brasil, a partir das
discusses ocorridas no final do sculo XIX, na Primeira Conferncia Internacional
de Lepra em Berlim, como explicado anteriormente. Na tal Conferncia chegou-se
concluso que a melhor medida profiltica a ser tomada, naquele momento, era o
isolamento da pessoa infectada com a lepra, evitando assim, a disseminao da
doena entre as demais pessoas do convvio social.
Hansen, aps a descoberta do bacilo causador da hansenase, se
preocupava com a questo do controle da doena, por meio do isolamento dos
doentes, pois sabia que era transmissvel de uma pessoa para a outra, e a ideia dele
era que isso ocorresse em todos os pases. Nesse sentido, mdicos de diversos
lugares se empenhavam no campo da cincia para a descoberta de um
medicamento que equacionasse a doena, no campo da cura.
Porm, naquela poca a cura no havia sido descoberta, no entanto a ideia
de isolamento divulgada por Hansen na Conferncia era a melhor escolha. Ento,
37
nesse momento, no Brasil, polticas pblicas de isolamento dos leprosos foram
criadas, vrios leprosrios foram construdos.
O Brasil no teve nenhum representante nessa Primeira Conferncia
Internacional, porm, Souza-Arajo relata que foi enviado um comunicado escrito
pelo mdico Azevedo Lima, contendo informaes decorrentes de como estava
sendo feita a profilaxia da lepra no pas:
A lepra endmica entre ns e vai atingir propores considerveis, portanto, as medidas profilticas devem apoiar-se na separao dos doentes. Esta separao pode dar-se de trs modos: primeiro, em hospitais para leprosos, gafarias; segundo, em colnias de leprosos, contanto que fiquem isolados dos sos; e, terceiro, em domiclio particular, mas em condies particulares preestabelecidas (SOUZA-ARAJO, 1956, p. 67).
Para que a medida do isolamento, tal como recomendado na Conferncia
acontecesse, fazia-se necessrio o apoio dos governantes.
Dessa forma Schneider e Wadi discorrem que:
Nas primeiras dcadas do sculo XX a lepra tornou-se um problema de ordem social, passando a ser controlada pelo Estado, que se apoiava nos discursos mdicos para normatizar a doena e os doentes. Com isso, diversos hospitais destinados aos leprosos foram construdos nesse momento no Brasil, apoiados na ideia que a separao dos doentes dos demais, sanaria a questo da lepra. Esses hospitais foram construdos como se fossem pequenas cidades, contando com mercado, prefeitura, casas, cinema, quadra de esportes, entre outros. Ou seja, o hospital possua uma estrutura que garantia que os doentes, uma vez ali internados, no precisariam mais deixar o local. O poder pblico se apoiava no discurso que enfatizava essas grandes estruturas, falando que havia a preocupao com o bem-estar desses doentes, e isso era visvel, atravs das construes destinadas a eles (SCHNEIDER; WADI, 2009, p. 2168).
A partir do conhecimento cientfico, medidas sanitrias e de isolamento dos
leprosos foram adotadas, porm, a luta dos mdicos para a implementao das
ideias de Hansen no Brasil no foi fcil, pois ainda soava muito forte a questo do
carter hereditrio e no contagioso da lepra.
Em 1903, Oswaldo Cruz assume a Diretoria de Sade Pblica no Brasil
(BENCHIMOL; S, 2004), que segundo Marcondes (2005, p. 134) [...] cargo que
corresponde atualmente ao de ministro da Sade. Neste momento, a lepra era
disseminada e o nmero de pessoas contaminadas estava aumentando, sendo
ento que o isolamento era visto como necessrio para conter a propagao da
doena (ORNELLAS, 1997).
38
Foi ento, que em 1904, Oswaldo enviou um relatrio ao Ministro da Justia
e dos Negcios Interiores, dando cincia da situao e mencionando sobre a
adequao para o internamento dos doentes em colnias [...] sua sequestrao da
sociedade deve ser feita no num hospital, mas em estabelecimentos adequados,
colnias de leprosos (ORNELLAS, 1997, p. 76).
Os governantes brasileiros defendiam a construo de hospitais para o
isolamento dos doentes de lepra, mas a classe mdica defendia que deveriam
construir um leprosrio especfico para pessoas com a doena e no juntos com
outras patologias. Porm, at meados da dcada de 1920, o isolamento dos
leprosos no era compulsrio. Estes iam at os hospitais voluntariamente,
principalmente, porque no tinham meios de sobreviver (SCHNEIDER; WADI, 2009,
p. 2169).
Em 1904, com a primeira grande reforma sanitria9 no pas efetuada pelo cientista Oswaldo Cruz, a doena passou a ter notificao compulsria. Nesse mesmo perodo, conceitos como o de microrganismo e de contgio passaram a vigorar no pensamento mdico brasileiro. Dessa forma, os hospitais se tornaram inadequados para o tratamento da doena e, o projeto de confinar os pacientes hansenianos num espao fechado foi logo patrocinado por mdicos e cientistas famosos como Oswaldo Cruz (DAMASCO, 2005, p. 15-16).
Nesse contexto, as divergncias entre mdicos e o poder pblico se
seguiram e as aes de controle da doena comeam a ser priorizadas nos estados
endmicos.
No Brasil, Emlio Ribas, Oswaldo Cruz e Alfredo da Matta foram os principais nomes que, ao denunciar o descaso do combate endemia pelas autoridades sanitrias, trouxeram o reconhecimento do problema e medidas legais para implementar o isolamento compulsrio dos doentes. As aes de controle de ento, priorizavam a construo de leprosrios em todos os estados endmicos [...] (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 33). Novas ideias foram se organizando no interior deste modelo, tendo em vista novos problemas com que a Sade Pblica se deparava, tais como a sade de crianas e de trabalhadores urbanos, entre outros. Estas ideias desembocaram, na dcada de 1910, na formao de um movimento na Sade Pblica que ficou conhecido como "mdico-sanitrio" [...]. A medicina e a Sade Pblica eram entendidas, neste esquema, como campos distintos, aquela para curar atravs da clnica, patologia e teraputica, e esta para prevenir doenas, prolongar e promover sade atravs da higiene e educao sanitria (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 26-27).
9 O movimento sanitarista da Primeira Repblica transformou a sade em questo social e poltica [...] (LIMA et al., 2005, p. 35). O processo se iniciou em meados dos anos 70 e teve como liderana intelectual e poltica, o autodenominado movimento sanitrio. Tratava-se de um grupo restrito de intelectuais, mdicos e lideranas polticas do setor sade (SILVA, 2013, p. 26).
39
Sendo assim, em 02 de janeiro de 1920, foi criado o Departamento Nacional
de Sade Pblica, por meio do Decreto n 3.987, ocorrendo assim, uma Reforma
Sanitria no pas (DAMASCO, 2005; LIMA, Z. 2007). E, para completar essas aes
Pelo Decreto n 14, foi instituda a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas
Venreas (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p.33) passando assim, a ser controlada pelo
estado, e considerada como um problema de ordem social (SCHNEIDER; WADI,
2009, p. 2168), o qual apontava por interveno do governo, e que fossem
desenvolvidas e implantadas polticas pblicas que dessem conta do controle de
propagao da doena que se fazia to necessrio no pas, naquela poca:
Dessa forma, pode-se perceber que a Comisso de Profilaxia da Lepra estava perfeitamente de acordo com os debates do movimento sanitarista, que demandavam uma efetiva ao do governo da Unio no campo da sade pblica, apontando para a necessidade de uma reforma sanitria que, na realidade, demandava mudanas polticas, atravs de uma ampliao do poder pblico, em detrimento dos poderes regionais das oligarquias (MACIEL, 2007, p. 30).
Nesse sentido, fizeram-se necessrias diversas mudanas na questo
sanitria do pas e, com isso, as seguintes medidas foram implementadas pela lei:
notificao compulsria e levantamento do censo de leprosos; fundao de asilos-colnias, nos quais seriam confinados os leprosos pobres; isolamento domiciliar aos que se sujeitassem vigilncia mdica e tivessem os recursos suficientes para a eficaz aplicao dos preceitos de higiene; vigilncia sanitria dos comunicantes e suspeitos de lepra; isolamento pronto dos recm-nascidos, filhos de leprosos, para local convenientemente adaptado e onde seriam criados livres das fontes de contgio; proibio da importao de casos de lepra do estrangeiro; notificao de mudanas de residncia de leprosos e de sua famlia; desinfeco pessoal dos doentes, dos seus cmodos, roupas e de todos os objetos de uso; as suas excrees deveriam ser recebidas em vasos cobertos contendo uma soluo desinfetante e levadas ao esgoto; rigoroso asseio das casas ocupadas por doentes e de suas dependncias; proibio ao doente de lepra de exercer profisses ou atividades que pudessem ser perigosas coletividade ou exercer qualquer profisso que o colocasse em contato direto com pessoas, como tambm, ser ama-de-leite, frequentar igrejas, teatros e casas de divertimentos ou lugares pblicos como jardins e viajar em veculos sem o prvio consentimento da autoridade competente (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 33-34).
Foi ento que, as discusses ocorridas na Segunda Conferncia
Internacional de Lepra, em Bergen, tiveram influncia na construo de hospitais
colnias no Brasil, apoiados na ideia que a separao dos doentes dos demais
40
sanaria a questo da lepra (SCHNEIDER; WADI, 2009, p. 2168). Essas construes
se seguiram durante a dcada de 1920, 1930 e 1940.
No final da dcada de 1920, e na dcada de 1930, no pas, foi implantado o
tratamento na forma de isolamento dos leprosos que, de acordo com Maciel (2007,
p. 18): na literatura mdica especialista da poca, era chamado de modelo trip
(leprosrio, dispensrio e preventrio). Entre 1924 e 1962 vigorou no pas a lei de
internamento compulsrio.
Maciel resumiu esse modelo da seguinte forma:
[...] era amparado no funcionamento conjunto de trs instituies que procuravam cercear a doena, o doente e os que com ele se relacionavam: o leprosrio que visava isolar e tratar o doente; o dispensrio que tratava dos comunicantes, normalmente familiares e os que com o doente haviam mantido contato; e, por fim o preventrio, que separava desde o nascimento se possvel, os filhos dos pacientes isolados (MACIEL, 2007, p. 18).
O tratamento disponibilizado na poca com O leo de chaulmoogra10 foi
conhecido por muito tempo no Oriente como remdio para a lepra [...], sendo sua
forma de administrao o [...] uso interno e externo, provocando reaes fortes nos
pacientes, tais como gastralgia, vmitos e diarreia. Porm, mesmo tendo sido [...]
universalmente aceito como benfico ao tratamento, no h nenhum indcio de que
realmente ele possa ter sido eficaz (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 32).
Como explicam Santos; Souza e Siani (2008), muitos mdicos e
pesquisadores daquela poca acreditavam que os derivados de chaulmoogra
embora proporcionassem a cura das leses na pele, no eliminavam o agente
causal da doena e, de acordo com o conhecimento bacteriolgico que at ento
vigorava, apenas com a eliminao do bacilo causador, por meio de um tratamento
especfico que se poderia falar na cura da lepra.
Em 1934, com a nomeao de Gustavo Capanema para Ministro da
Educao e Sade, Foram firmados convnios com os Estados para repasse de
verbas a serem utilizadas na construo ou reforma de leprosrios (MACIEL, 2007,
p. 90). Embora o modelo trip estivesse sendo implementado no pas como
instituio, em 1935, com o Governo de Getlio Vargas, foi elaborado um plano para
10 As plantas considerada