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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA NÁDIA NOGUEIRA GOMES AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA EM FORTALEZA-CE FORTALEZA – CEARÁ 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA

NÁDIA NOGUEIRA GOMES

AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS EM

UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA EM FORTALEZA-CE

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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NÁDIA NOGUEIRA GOMES

AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS EM

UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA EM FORTALEZA-CE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Orientadora: Profª. Dra. Maria Marlene Marques Ávila

Fortaleza - Ceará

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3/919

G633a Gomes, Nádia Nogueira

Avaliação da formação de profissionais médicos em uma universidade pública em Fortaleza-CE / Nádia Nogueira Gomes . -- 2014.

CD-ROM. 112 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro

de Ciências da Saúde, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Saúde Coletiva. Orientação: Prof.ª Dr.ª Maria Marlene Marques Ávila. 1. Educação médica. 2. Atenção primária à saúde. 3. Sistema Único

de Saúde. I. Título.

CDD: 614.0981

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Dedico a Deus o esforço e os momentos de

renúncia que resultaram neste trabalho. Só Ele

sabe plenamente o pesar de cada angústia, a

satisfação de cada passo dado e o significado de

mais essa vitória em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, que me deu a oportunidade de fazer

esse curso, a força necessária para lutar durante essa caminhada e

o discernimento para poder concluir essa dissertação.

À minha família, que me apoiou e entendeu minha ausência

durante o tempo em que me dediquei ao Mestrado, me dando o

amor e o carinho que acalmaram meu coração nos momentos em

que mais precisei.

À minha orientadora Maria Marlene Marques Ávila, pessoa

maravilhosa e excelente profissional, que acrescentou tantos bons

ensinamentos à minha formação, me ajudou de forma tão

construtiva e que compreendeu minhas fragilidades nesta

caminhada.

À Professora Maria das Graças Barbosa, que teve

participação imprescindível na coleta de dados desta pesquisa e foi

tão prestativa e acolhedora.

À Professora Lucia Conde, pessoa que me deu o incentivo

inicial para que eu conhecesse o Mestrado em Saúde Pública

(assim denominado à época em que nele ingressei) e que

acompanhou minha trajetória nesse curso.

À Professora Izabel Maria Sabino de Farias, pelas excelentes

contribuições dadas ao meu trabalho e pela atenção e

disponibilidade em participar das minhas bancas de qualificação e

defesa.

Ao grupo PPSUS coordenado pela professora Marlene, em

especial à professora Socorro, pela preocupação em me dar dicas e

sugestões para o meu trabalho, e ao membro Victor Portto, amigo

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que me deu apoio psicológico durante o período em que

participamos juntos do grupo.

Aos professores do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva,

em especial ao professor Maia Pinto, que me ofereceu não apenas

o acesso a importantíssimos conhecimentos, mas também um

espaço em suas preciosas orações, na intenção de que eu

alcançasse meus objetivos.

Aos colegas do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva, os

quais, juntamente com alguns professores, são preciosos legados

que o curso me proporcionou, afinal, tornaram-se amigos para a

vida toda: Amanda Ferreira, Berenice Temoteo, Breitner Gomes,

Cyntia Motta, Edina Costa, Edney Taunay, Janaína Norões, Leandro

Carvalho, Selma Nunes.

Ao meu amigo e irmão do coração Ranniere Gurgel, sempre

um anjo da guarda para mim, me ajudando em cada passo certo

que dou em minha vida.

Aos funcionários do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva

da UECE: Patrícia, Maria e Fátima, e à ex-funcionária Claudia

Regina, por todo apoio dado a mim e aos meus colegas.

À FUNCAP, órgão responsável pelo investimento financeiro

nesta pesquisa.

À UECE, por oferecer esse curso e contribuir a expansão das

fronteiras da Ciência e das perspectivas da Saúde Coletiva no

Ceará.

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RESUMO

Ao Sistema Único de Saúde (SUS) cabe ordenar a formação dos recursos humanos em saúde e estabelecer políticas de articulação entre o trabalho e a educação em saúde, e isso implica contribuir para a formação do perfil profissional requerido para melhor atender às necessidades de saúde da população brasileira. Neste sentido, algumas iniciativas têm buscado impulsionar mudanças no ensino na área da saúde, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-SAÚDE). A formação de profissionais mais bem preparados para atuar no SUS, entretanto, ainda é um desafio. Nesse contexto, este trabalho objetivou avaliar a formação oferecida pelo curso de Medicina de uma universidade pública de Fortaleza-CE, enfatizando a preparação para a atuação na Atenção Primária em Saúde (APS). O estudo foi feito por meio de abordagem qualitativa, com análise documental das DCN para o Curso de Medicina, do Projeto Político Pedagógico (PPP), dos planos de ensino do curso e de dados obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com 29 estudantes dos internatos II e IV, correspondentes ao período final da graduação. A análise teve como parâmetros as DCN do curso de medicina, a política de reorientação da formação dos profissionais de saúde e a proposta do quadrilátero da saúde, que envolve as dimensões ensino, gestão, atenção e controle social. Observou-se que o PPP do curso está em conformidade com as DCN, que orientam a formação generalista e humanista, porém deixa a desejar na formação crítica e reflexiva, pelo predominante uso de metodologias de ensino tradicionais. As disciplinas que abordam a APS têm uma carga horária de menos de 20% do total. Observou-se pouca afinidade dos alunos com tais disciplinas, bem como nas atividades complementares relacionadas à APS, o que certamente concorre para a desvalorização da atuação neste nível de atenção. Quanto aos cenários de práticas, propostos no Pró-Saúde, o curso oferece vivências em todos os níveis de atenção; em relação à orientação pedagógica, predominam as metodologias tradicionais. Na perspectiva da formação relacionada aos aspectos de gestão e controle social no SUS, o curso apresenta fragilidades. Conclui-se que o curso analisado segue, de maneira geral, as DCN, mas que a concretização do processo formativo sofre diversas influências e tem vários fatores que dificultam a formação de profissionais comprometidos com a consolidação do SUS, os quais, ao longo do processo formativo, constroem um pré-julgamento negativo em relação à atuação na APS. Palavras-chave: Educação Médica; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde

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ABSTRACT

It is one of the functions of the Unified Health System (SUS) to organize the training of human resources for health services and establish policies articulation between work and education, in health. This implies contribute to the formation of determining the professional profile required to best meet the health needs of the population. Therefore, some initiatives have sought to promote changes in education in healthcare, as the National Curriculum Guidelines and the National Programme of Reorientation of Vocational Training in Health. Training professionals better prepared to act in the SUS, however, is still a challenge. In this context, this work aimed to evaluate the training offered by the medical school of a public university in Fortaleza-CE, emphasizing preparation for work in Primary Care in Health. The study was done through a qualitative approach with documented analysis of DCN to medical school, of Political Project (PPP) and the syllabus of the course, and of data collected through semi-structured interviews with students from boarding schools II and IV, with a sample of 29 students. The analysis took as parameters the DCN of medical school, the policy reorientation training for health professionals and the Quad health’s proposal, involving the dimensions teaching, management, care and social control. It was observed that the PPP is in accordance with the DCN, which guide the general and humanistic education, but falls short in critical and reflective training, because of the prevalent use of traditional teaching methodologies. The disciplines which address the APS have a workload of less than 20% of the total. There was little affinity for students with such disciplines as well as other complementary activities related to APS, which certainly contributes to the devaluation of performance in primary health care. As for the practical scenarios, the proposed Pro-Health, the course offers experiences in all levels of care; regarding pedagogical orientation, are predominant traditional methodologies. With regard to the aspects of management and social control in SUS, the course introduces weaknesses. We conclude that the analyzed course follows, in general, the DCN, but that the realization of the educational process undergoes various influences and has several factors that complicate the formation of professionals committed to the consolidation of SUS, which, throughout the formative process construct a negative pretrial in relation to performance in the APS.

Keywords: Medical Education, Primary Health Care, SUS

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Disciplinas que abordam competências e habilidades gerais

preconizadas nas DCN do Curso de Graduação em Medicina. Curso de

Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________________p.38

Quadro 2: Disciplinas que abordam conteúdos diretamente relacionados a APS.

Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________p.42

Quadro 3: Disciplinas que abordam de forma biopsicossocial o processo saúde-

doença. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013__________________p.60

Quadro 4: Disciplinas que prevêem atividades práticas nos serviços de saúde.

Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________p.69

Quadro 5: Metodologias de ensino adotadas nas disciplinas do Curso de

Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________p.83

Quadro 6: Disciplinas que se relacionam aos aspectos gerenciais do SUS, suas

cargas horárias e ementas. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013___p.88

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF: Constituição Federal

CSF: Centro de Saúde da Família

DCN: Diretrizes Curriculares Nacionais

ESF: Estratégia Saúde da Família

IES: Instituições de Ensino Superior

MEC: Ministério da Educação

MS: Ministério da Saúde

OPAS: Organização Pan-Americana de Saúde

OMS: Organização Mundial da Saúde

PET: Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde

PPSUS: Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em Saúde

Pró-Saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em

Saúde

RH: Recursos Humanos

SESA: Secretaria da Saúde do Estado do Ceará

SESu: Secretaria de Educação Superior

SGTES: Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

SUS: Sistema Único de Saúde

UECE: Universidade Estadual do Ceará

UFC: Universidade Federal do Ceará

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................10 1. 1 A escolha do tema .................................................................................. 10 1.2 A formação profissional em Saúde e o SUS ..........................................13 1.3 A DCN..........................................................................................................16 1.4 A DCN para o curso de Medicina..............................................................21 1.5 O Projeto Pedagógico...............................................................................23 1.6 O Pró-Saúde...............................................................................................24 1.7 O Curso de Medicina da UECE.................................................................27 2 METODOLOGIA.............................................................................................30 2.1 Tipo de estudo...........................................................................................30 2.2 Sujeitos, cenário e período.......................................................................30 2.3 Coleta e Registro dos dados....................................................................31 2.4 Análise dos dados.....................................................................................33 2.5 Aspectos Éticos.........................................................................................33 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................34 3.1 As DCN e o curso de Medicina.................................................................34 3.1.1 Perfil do formando..................................................................................34 3.1.2 Competências e habilidades..................................................................38 3.1.3 Estrutura curricular e os conteúdos curriculares do Curso de Medicina............................................................................................................46 3.1.4 Organização do Curso............................................................................47 3.1.5 Estágios e Atividades Complementares...............................................54 3.1.6 Acompanhamento e avaliação...............................................................57 3.2 O processo formativo do curso de medicina e o referencial do Pro-Saúde................................................................................................................57 3.2.1 Orientação Teórica..................................................................................57 3.2.2 Cenários de prática.................................................................................65 3.2.3 Orientação Pedagógica..........................................................................75 3.3 A formação médica oferecida pela UECE e o Quadrilátero da formação para a área da Saúde.......................................................................................86 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................91 REFERÊNCIAS ................................................................................................94 APÊNDICES ANEXOS

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1 INTRODUÇÃO

1. 1 A escolha do tema

O tema desta dissertação, que é a formação oferecida pelo Curso de

Graduação em Medicina de uma universidade pública de Fortaleza-CE, foi

eleito a partir de dois contextos que se interligaram, dando impulso à

construção do estudo.

O primeiro deles foi a minha aproximação com o grupo de pesquisa

coordenado pela professora Maria Marlene Marques Ávila, minha orientadora.

A equipe, composta por membros das Universidades Estadual e Federal do

Ceará (UECE e UFC) - alunos de graduação de diversos cursos da área de

saúde (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Psicologia, Educação Física, Serviço

Social, Odontologia e Farmácia), professores de Universidades, além de

discentes de programas de Mestrado e Doutorado – foi formada no intuito de

propor uma pesquisa multicêntrica de avaliação dos cursos de graduação da

área de saúde nas universidades públicas de Fortaleza-CE, com ênfase na

formação para atuação na atenção primária. A proposta foi elaborada para

participar do Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em Saúde

(PPSUS).

Esse programa insere-se entre as iniciativas do Ministério da Saúde que

visam ao fortalecimento da pesquisa em saúde no Brasil, servindo como

ferramenta potencialmente indutora para que os principais problemas de saúde

da população figurem entre as linhas prioritárias de investigação dos

pesquisadores brasileiros, tendo a relevância sociossanitária como critério

norteador para a escolha de seu objeto de estudo. Visa também ao incremento

científico e tecnológico em saúde no País e à contribuição para a redução das

desigualdades inter-regionais nesse campo, afinal, infelizmente, no Brasil, os

investimentos em pesquisa em saúde ainda são insuficientes, embora o setor

saúde responda por mais de 1/3 da produção científica nacional. Esse

investimento, entretanto, é bastante mal distribuído: cerca de 80% dele é

direcionado às atividades de pesquisa desenvolvidas nos estados das regiões

Sudeste e Sul (BRASIL, 2010).

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O direcionamento do foco das pesquisas em saúde para as principais

demandas de saúde da população é um segundo desafio, pois, dentre os

quatro segmentos em que é dividida a pesquisa em saúde – segmento clínico,

biomédico, tecnológico e de saúde pública -, observa-se que quase metade dos

esforços brasileiros em pesquisa em saúde são dedicados ao segmento da

clínica. Em contrapartida, as pesquisas em Saúde Pública, por exemplo,

representam apenas 13,2% do total. Essa realidade evidencia a necessidade

de incentivos aos estudos em outras áreas além da clínica (GUIMARÃES,

2006).

Nesse contexto, um dos cursos a ser estudado pelo grupo de pesquisa

do qual participo é a graduação em Medicina, sendo esta a segunda motivação

para a eleição deste tema: a admiração que tenho pela profissão médica, na

qual pretendo me formar daqui a alguns anos, apesar de já ser graduada em

Fisioterapia.

Além disso, vale ressaltar que algumas de minhas vivências como

profissional da área de saúde foram importantes nessa escolha, em especial

minha experiência com a coordenação pedagógica de cursos para profissionais

do SUS na Escola de Saúde Pública.

O contato com diversos profissionais de saúde e a observação de

algumas de suas expressões de conhecimentos, habilidades e atitudes me

trouxeram muitos questionamentos referentes à formação que essas pessoas

estavam recebendo em sua graduação.

Essa mistura de motivações me conduziu à construção deste estudo,

com o imprescindível auxílio do grupo de pesquisa e de minha orientadora.

Além disso, justifica-se a realização do estudo em virtude da

necessidade de que se formem profissionais aptos a trabalharem na Atenção

Primária em Saúde, seguindo os princípios e diretrizes do SUS, o qual tem

assumido papel ativo na reorientação das estratégias e modos de cuidar, tratar

e acompanhar a saúde individual e coletiva, porém ainda apresenta

deficiências quanto aos modos de fazer formação (CECCIM e

FEUERWERKER, 2004).

Essa formação, por sua vez, precisa ser estudada detalhadamente, de

forma que um estudo como este é relevante pelas contribuições dadas à

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sociedade a partir das informações obtidas e conclusões alcançadas, pois

estas podem auxiliar na transformação dos processos formativos, no sentido de

formar profissionais mais bem preparados e, consequentemente, oferecer

melhores serviços de saúde à população.

O objeto desta pesquisa é, portanto, a formação dos profissionais

médicos oferecida pelo Curso de Graduação em Medicina da Universidade

Estadual do Ceará. O objetivo geral foi avaliar o processo formativo com ênfase

na formação para atuação na atenção primária. Foram objetivos

específicos:analisar os conteúdos propostos no projeto político pedagógico, à

luz das diretrizes curriculares dos cursos da área de saúde; identificar os

métodos de ensino-aprendizagem utilizados na formação dos profissionais;

identificar como o curso investe na formação do profissional para a atenção

primária, evidenciando os cenários de prática e a integração ensino/serviço;

identificar, na concepção dos sujeitos, quais disciplinas se alinham com a

formação para a atenção primária.

Nas seções a seguir, serão abordadas as categorias temáticas tomadas

como referenciais teóricos, depois será explanada a metodologia, seguida dos

resultados e discussão, finalizando-se com as considerações finais da

pesquisa.

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1.2 A formação profissional em Saúde e o SUS

Desde o reconhecimento da saúde como direito universal a ser

assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na Constituição Federal (CF)

de 1988, o Brasil tem enfrentado vários desafios no caminho dessa conquista,

fruto do movimento pela Reforma Sanitária. Entre estes se destacam a

descentralização, o financiamento, o controle social e os recursos humanos.

Para cada obstáculo, é necessário que sejam reconhecidos os

segmentos envolvidos para sua superação e o papel a ser desempenhado por

eles. Especificamente na questão dos recursos humanos (RH), queremos focar

na formação, por entendermos ter o ensino na área de saúde papel

preponderante no avanço da Reforma Sanitária e na construção do SUS,

essencialidade reconhecida pela CF ao determinar a competência do SUS para

ordenar a formação do RH na área da saúde (BRASIL, 1988). Também está

previsto, na lei maior, a participação de trabalhadores e gestores na articulação

da política de recursos humanos.

Em relação à formação dos profissionais de nível superior, segundo

Ceccim e Feuerwerker (2004), muitas têm sido as iniciativas de estímulo à

realização de mudanças, no entanto, têm se perpetuado nas instituições

formadoras modelos “essencialmente conservadores”. Conforme estes autores,

o SUS tem sido efetivo ao reconhecer a necessidade de mudanças no modelo

formador, de reorientar a formação profissional no amplo reconhecimento da

relação formação dos profissionais de saúde/qualidade da atenção, apontando

para a necessidade premente de formar profissionais de saúde com novos

perfis, reorientando a formação para o SUS, para a qualificação da gestão e do

controle social, mas isto não tem se traduzido na mudança efetiva dos

processos formativos.

Para tentar mudar esse cenário, estão sendo desenvolvidas iniciativas

do Ministério da Saúde (MS), juntamente com a Secretaria de Gestão do

Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), em parceria com o Ministério da

Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (INEP) e apoio da Organização Pan-Americana de Saúde

(OPAS), dentre as quais se destaca o Programa Nacional de Reorientação da

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Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), criado em 2005, que tem como

objetivo integrar ensino-serviço, reorientando a formação profissional por meio

de uma abordagem integral do processo saúde-doença, enfatizando a atenção

primária.

Para participar do Pró-Saúde, é condição necessária que o projeto de

reorientação da formação integre a Instituição de Ensino Superior (IES) e o

serviço de saúde e que seja estruturado a partir de três eixos de

transformação: Orientação teórica, Cenários de prática e Orientação

pedagógica (BRASIL, 2007a).

Nesse contexto, o Pró-Saúde é um exemplo de política de inclusão

social executada pelo Governo Federal nas áreas de Educação e Saúde e

representa um sólido esforço para a substituição do modelo tradicional de

organização do cuidado em saúde, historicamente focado na doença e no

atendimento hospitalar. Para isso, diversas estratégias de fomento à mudança

das práticas hegemônicas em saúde foram disparadas com o objetivo de

canalizar transformações, como a mudança do modelo técnico-assistencial

(BRASIL, 2009a).

Outro componente das bases defensoras das transformações na

formação em saúde é o Quadrilátero da Formação em Saúde, proposto por

Ceccim e Feuerwerker (2004), que consiste em quatro eixos: ensino, gestão,

atenção e controle social. Segundo tal conceito, a qualidade da formação

passa a resultar da apreciação de critérios de relevância para o

desenvolvimento tecnoprofissional, o ordenamento da rede de atenção e a

alteridade com os usuários.

Além disso, pretende situar a formação dos profissionais de saúde de

forma que o processo educativo extrapole a educação para o mero domínio

técnico-científico da profissão e se amplie, estendendo-se pelos aspectos

estruturantes de relações e de práticas em todos os componentes de

relevância ou interesse social que contribuam à elevação da qualidade de

saúde da população, tanto no enfrentamento dos aspectos epidemiológicos do

processo saúde-doença, quanto nos aspectos de organização da gestão

setorial e estruturação do cuidado à saúde (CECCIM e FEUERWERKER,

2004).

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Esse embasamento será utilizado neste trabalho, motivado pela

necessidade de mudanças na formação médica. Segundo Nogueira (2009), há

mais de 50 anos, o ensino médico vem sido alvo de críticas no mundo inteiro e,

aqui no Brasil, principalmente nas últimas décadas, vem passado por análises

e sendo assunto de debates, feitos pelos profissionais da área e pela

sociedade em geral. Assim, de certa forma, existe um consenso quanto à

necessidade de reformulação de determinados aspectos da formação médica,

no intuito de satisfazer as atuais demandas de saúde da população.

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1.3 AS DCN

As propostas de adequação das Diretrizes Curriculares Nacionais para

os Cursos de Graduação (DCN) configuram-se como uma contribuição para a

mudança da formação profissional na área da saúde. As DCN têm, como

referência, a Reforma Sanitária, a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica

do Sistema Único de Saúde (nº 8.080 de 19/9/1990) e a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20/12/1996), entre outros

marcos legais (SANTANA et al., 2005).

Identificam-se nas DCN a necessidade de ampliação dos compromissos

gerenciais, éticos, assistenciais e humanísticos da formação profissional,

ressaltando-se o papel das instituições de ensino na busca das soluções dos

problemas identificados na realidade local e com a construção do SUS. As

DCN têm como meta dar às IES maior autonomia na definição dos currículos e

dessa forma, demonstram as competências e habilidades que devem ser

desenvolvidas, bem como o modelo pedagógico que propicie tal realização,

que seja capaz de adaptar-se à dinâmica das demandas sociais, considerando

ser, a graduação, uma etapa inicial de formação no processo de educação

permanente. É importante ressaltar que as DCN não são fórmulas prontas, mas

consideram a realidade de cada IES em seu contexto sócio, político e cultural,

exigindo destas, criatividade e inovação no processo formativo, considerando

as dimensões do saber, fazer e ser (BRASIL, 2004).

O currículo sempre foi alvo de atenção de todos os que buscavam

entender e organizar o processo educativo. Moreira e Silva (1994) informaram,

porém, que, há muito tempo, o currículo deixou de ser apenas uma técnica

voltada aos procedimentos e, embora esta ainda seja importante, só adquire

sentido dentro de uma perspectiva que considere questões que perguntem pelo

“porquê” das formas de organizações.

Como anota Vasconcellos (2009), o currículo é uma produção humana,

portanto, marcado histórica e culturalmente. É esta perspectiva que nos faz

compreender que o autor tem razão quando acentua que, desde a década de

1980, houve acelerada intercomunicação e interdependência das economias.

Esta globalização dos países desenvolvidos obriga a serem revistos e

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modificados os processos de produção e comercialização. Quando foi dada

importância ao trabalho em equipe, as instituições passaram a ter maiores

possibilidades de realizar processos descentralizados e aumentar a

flexibilidade dos módulos organizativos, sem chegar a perder o controle e a

direção. Neste âmbito, às instituições de educação e, especialmente, à

formação profissional muito tem sido questionado.

Perrenoud (1999) traz entre estes questionamentos o dilema:

desenvolver competências é função das instituições escolares ou elas devem

se limitar a transmitir conhecimento? Podemos acrescentar, ainda, a pergunta

de quais seriam esses conhecimentos e competências. Morin (2000)

acrescenta, questionando: cabeças bem-cheias ou cabeças bem-feitas?

Santomé (1998) retoma a forma de organização curricular e lembra que ela

pode ser por disciplina, como costuma ser feita, ou por núcleos que

ultrapassem os limites das disciplinas, centrados em temas, problemas,

tópicos, entre outros. Assim, o autor defende a ideia de que o currículo

globalizado e interdisciplinar converte-se em um dos sinais da defesa do

currículo fragmentado.

A trajetória do Brasil não foi diferente. No início da década de 1950, no

século XX, publicações da indução ao estudo do currículo da escola primária

foram realizadas por Roberto Moreira. Pedra (1997), em seus estudos sobre

Currículo, Conhecimento e suas Representações, afirma que, nesta

publicação, Moreira defende currículo como um conjunto organizado das

atividades de aprender e ensinar, que se processam na escola. Entre 1970 e

1980, o currículo brasileiro deixa de estar confiado a alguns poucos

especialistas e passa para o domínio público. A Lei Nº 5.692/71 introduz no seu

texto Currículo Pleno, Plano Curricular e Currículo e Programa e, na década de

80 do mesmo século, foi criado o Grupo de Trabalho – GT de currículo,

vinculado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

- ANPEd; em 1984 houve o I Seminário de Tendência e Prioridades de

Currículo na Realidade Brasileira, e em 1996, a Lei Nº 9.394/96, nos artigos 26,

27 e 36, fala de currículo para os diversos graus de ensino, de uma base

comum e de diretrizes.

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Diretrizes são compreendidas como orientações para a elaboração dos

currículos e, segundo o Parecer do Conselho de Educação Superior/ Conselho

Nacional de Educação CES/CNE 1.133/2001, devem ser adotadas por todas as

instituições de ensino superior. Para assegurar a flexibilidade, a diversidade e a

formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular o abandono

das concepções antigas e herméticas das grades (prisões) curriculares, por

atuarem, muitas vezes, como meros instrumentos de transmissão de

conhecimento e informações. Ao abandonar estas concepções, as instituições

devem garantir uma sólida formação básica, preparando o futuro graduando

para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do

mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.

Com base nesta compreensão de diretrizes, a Comissão da Câmara de

Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, em junho de 2001,

tendo como referência vários documentos da saúde e da educação, entre eles

a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde Nº 8.080 de 19/9/1990; a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394 de 20/12/1996; a

Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, da Conferência

Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998; Documentos da

Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, Organização Mundial da

Saúde - OMS e Rede UNIDA; e o Plano Nacional de Graduação do ForGRAD

de maio/1999, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para

cursos na área de saúde. Após análise das propostas elaboradas pelas

Comissões de Especialistas de Ensino e encaminhadas pela SESU/MEC ao

Conselho, foi apresentada, em audiência pública, a versão revisada, que

contém as diretrizes em vigor para os cursos de graduação em Enfermagem,

Medicina e Nutrição (BRASIL, MEC, 2001).

Direcionando-se os olhares para o Curso de Medicina, vale ressaltar que

as DCN, que atualmente constituem os princípios gerais para a formação

médica, propõem a formação de médicos competentes, éticos e

comprometidos com as necessidades de saúde da população, além de

instigarem uma interação ativa entre estudantes, professores, profissionais de

saúde e usuários. Para que haja uma reorientação efetiva da educação

médica, são necessárias mudanças profundas que implicam transformação de

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concepções de saúde, de práticas clínicas e de relações de poder, dentro das

universidades, dos serviços de saúde e do espaço social (NOGUEIRA, 2009).

Segundo Souza (2011) antes das atuais Diretrizes Curriculares

Nacionais - DCN, o conceito de currículo se confundia com uma lista de

conteúdo baseado em disciplina, uma grade que aprisionava alguns conteúdos,

formando um sistema fechado e linear. A adoção das DCN permitiu a abertura

desse sistema, oferecendo às instituições de ensino superior amplas

possibilidades de mudanças e a visão de currículo integrado decorrente da

necessidade de combater a fragmentação do ensino. Roegirs e Ketele (2004),

refletindo sobre o sentido pedagógico do conceito de integração, lembram: a

articulação da formação teórica e da formação prática entre os pontos de

fixação que dão sentido às novas aprendizagens; a transformação em rede de

diferentes aquisições cognitivas em ações combinadas entre formadores; e a

mobilização de capacidades em disciplinas diferentes, visando a garantir um

domínio mais amplo e profundo de tais capacidades, compõem o que eles

chamam de transdisciplinaridade ou transversalidade.

Entre os princípios, as DCN alertam também para que o currículo

fortaleça a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa

individual e coletiva, os estágios e a participação em atividades de extensão.

São considerados como princípios fundamentais a inclusão de avaliações

periódicas e a utilização de instrumentos variados para explicitar às

instituições, aos docentes e discentes acerca do desenvolvimento das

atividades do processo ensino-aprendizagem. Além disso, foi reforçada a

importância da articulação entre a educação superior e a saúde e o conceito de

saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), como

elementos fundamentais nesta articulação.

Para assegurar a integralidade da atenção, a qualidade e a

humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades,

os objetivos das diretrizes, englobando o aprender a ser, fazer, conhecer e

conviver, estão em sintonia com as ideias defendidas por Morin (2000), que

acrescenta: aprender a ser hoje implica necessariamente uma posição crítica

diante dessa cultura massificada, vulgarizada, banalizada; aprender a fazer

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aprende-se captando o lado ético de todo agir humano, e aprender a viver

juntos implica na capacidade de estabelecer diálogo.

Freire (1986; 1987), ensina que a dialogicidade é a essência da

educação, pois é pelo diálogo que o relacionamento entre os sujeitos acontece

em um encontro humano para a tarefa comum do saber agir. Neste lugar, não

há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens e mulheres em

comunhão buscando saber mais, aprendendo a conhecer e a pensar e

modificar sua atitude diante das coisas. Assim, ao se modificar, modifica

também o mundo.

Libâneo (1984, p.45), ao tratar da democratização da escola pública,

coloca:

Tradicionalmente a formação [...] vem abrangendo três dimensões da prática docente – o saber, o saber ser e o saber fazer -, privilegiando-se uma ou outra, de acordo com a concepção filosófica do processo educativo que se adote. Raramente essas dimensões andaram juntas: a escola renovada, por exemplo, durante muito tempo, acentuou o saber fazer em prejuízo do saber, ao contrário da escola conservadora, que acentuou exatamente o inverso. Com muita frequência, também o deslocamento da ênfase para o saber ser.

Nesta perspectiva, além do perfil profissional do egresso, as diretrizes

trazem, como proposta, as competências e habilidades, divididas em

Competências Gerais, em que os profissionais de saúde, no seu âmbito

profissional, devem estar aptos. Estas competências estão organizadas em

seis temáticas: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança,

administração e gerenciamento, educação permanente; e em competências e

habilidades especificas de cada curso.

Para que isto aconteça, os Curso de Graduação devem elaborar o

Projeto Pedagógico coletivamente (BRASIL, 2001), considerando a

aprendizagem como um caminho que possibilite ao sujeito social transformar-

se e transformar seu contexto, cuidar da própria saúde física e mental e buscar

seu bem-estar como cidadão e médico, promovendo estilos de vida saudáveis.

Nesta perspectiva, a metodologia deverá usar a ação-reflexão-ação,

segundo Freire (1987), como unidade que não deve ser dicotomizada para

poder levar em conta o conteúdo da forma histórica de ser do homem, fazendo-

o redescobrir-se refazedor permanente do mundo.

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As diretrizes apontam para o papel do professor na resolução de

situações problemas; para a articulação entre ensino e pesquisa,

extensão/assistência e a investigação como eixo integrador, retroalimentando a

formação acadêmica e a prática médica; para a participação ativa do aluno na

elaboração do crescimento; para a utilização de diferentes cenários de ensino-

aprendizagem; para a permissão dada ao aluno de conhecer e vivenciar

situações variadas de vida; para a organização da prática e do trabalho em

equipe multiprofissional; e para inserção do aluno precocemente em atividades

práticas relevantes. Estas propostas rompem com as práticas “bancárias”

imobilistas, porque, segundo Freire (1987, p.72).

[...] a concepção problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada.

Souza (2011), refletindo sobre o cenário de ensino, acrescenta que o

problema não está no ensino centrado neste ou naquele cenário, mas está no

ensino que prioriza excessivamente determinado ambiente. Infelizmente, diz

ele, a maioria dos modelos destaca o hospital terciário como contexto

fundamental do ensino médico. Mesmo que as diretrizes já tenham mais de dez

anos, elas não estão plenamente implantadas, pois a integração do ensino com

os serviços locais e a participação das organizações comunitárias /popular,

está ainda ausente do discurso do profissional iniciante. Isto nos parece indicar

que temos ainda muito que caminhar, inclusive em busca de um pensamento

complexo que ligue o que está separado, o diverso e ao mesmo tempo,

reconheça o uno, tente discernir as interdependências, como ensina Edgar

Morin.

1.4 AS DCN para o curso de Medicina

O acúmulo na discussão sobre a transformação da formação médica

oferecida pelas IES na década de noventa estimulou a instituição, em outubro

de 2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Medicina pelo Conselho Nacional de Educação. Essas DCN representaram

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enorme avanço na continuidade do processo de mudança da educação

médica, pois, houve uma elevação de seu status: não é apenas uma

necessidade sentida de alguns atores envolvidos com a formação médica, mas

uma obrigação legal, que será avaliada pelos diversos mecanismos avaliativos

do Ministério da Educação – MEC (CREMEC, 2009).

A resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Medicina, a serem observadas na organização curricular das

Instituições do Sistema de Educação Superior do País, e definem os princípios,

fundamentos, condições e procedimentos da formação de médicos,

estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de

Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização,

desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de

Graduação em Medicina das Instituições do Sistema de Ensino Superior

(BRASIL, 2001).

Organizada em catorze artigos, a resolução versa sobre os seguintes

itens: perfil do formando/egresso profissional; competências e habilidades

gerais e específicas cujo exercício requer conhecimentos dos quais os

profissionais devem ser dotados; conteúdos curriculares, que devem guardar

estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes referidas pela

comunidade e identificadas pelo setor saúde; organização do curso; estágios e

atividades complementares, acompanhamento e avaliação da implantação e

desenvolvimento das diretrizes curriculares de medicina, que devem ser

acompanhados e permanentemente avaliados, a fim de permitir os ajustes que

se fizerem necessários a sua contextualização e aperfeiçoamento (BRASIL,

2001).

Contudo, conforme Almeida (2007), considerando que apenas a

aprovação e a publicação das DCN não garantem sua implementação, é

necessário que seja analisada a formação oferecida pelas IES.

Uma parte deste trabalho, portanto, é a análise do Projeto Político

Pedagógico do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará, descrita

em um dos capítulos dos resultados e discussões, onde mais detalhes das

DCN em questão serão apresentadas com mais detalhes.

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1.5 O Projeto Pedagógico

O sentido etimológico da palavra projeto – projetar – é de algo que se

lança para frente, que avança, que pressupõe antecipação imaginária do futuro

e suas possibilidades, que se configura como ação planejada, com vistas ao

futuro, e dá o sentido, a direção (VEIGA, 2007).

Segundo Gadotti apud Veiga (2001, p. 18):

Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

O projeto educativo ou pedagógico define as ações educativas e as

características necessárias ao cumprimento dos propósitos e intencionalidades

do curso, tendo a ver, portanto, com a organização do curso como um todo,

com a organização do trabalho pedagógico na sua globalidade, e ainda é um

Projeto Político Pedagógico porque estabelece e dá sentido ao compromisso

com a formação do cidadão e da pessoa humana, para um tipo de sociedade, e

porque revela a intencionalidade da formação e os compromissos deste

profissional com um tipo de sociedade (VEIGA, 2007).

É extrapolada, contudo, a simples confecção de um documento.

Conforme Veiga (2007), o projeto pedagógico objetiva a definição da identidade

institucional e é orientador de suas ações, configurando-se como importante

instrumento teórico-metodológico, que define as políticas para a organização

administrativa e pedagógica das instituições de ensino, norteando as ações

voltadas para a consecução de sua missão e de seus objetivos. Seus eixos

norteadores constituem elementos de caráter político e filosófico que definem

as condições de homem e de sociedade almejados e estabelecem o conjunto

de valores que a instituição assume. Inclui os elementos da arquitetura

pedagógica, ou seja, a explicitação de pressupostos e de diretrizes

pedagógicas gerais, a definição das bases para o desenho da organização

curricular, o estabelecimento de princípios de organização do processo de

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ensino-aprendizagem – metodologia e recursos, e a definição de princípios e

critérios da avaliação da aprendizagem.

1.6 O Pró-Saúde

O Pró-Saúde foi criado por meio de uma Portaria Interministerial entre o

Ministério da Saúde e da Educação – a Portaria MS/MEC nº 2.101, de 03 de

novembro de 2005. Primeiramente, os cursos de graduação envolvidos no

programa eram apenas os que participam da Estratégia Saúde da Família:

Odontologia, Enfermagem e Medicina (BRASIL, 2005). Posteriormente, outros

cursos da área da Saúde foram inclusos, com a publicação da Portaria

Interministerial MS/MEC º 3.019, de 27 de novembro de 2007 (BRASIL, 2007b).

O programa tem como objetivo geral a integração ensino-serviço, para

que se reoriente a formação profissional, assegurando uma abordagem integral

do processo saúde-doença, com ênfase na atenção básica, promovendo

transformações nos processos de ensino e aprendizagem, de prestação de

serviços à população e de geração de conhecimentos.

O Pró-Saúde também tem objetivos específicos, dentre os quais está a

mudança na formação em saúde, para que os profissionais tornem-se

habilitados a atender às demandas da sociedade e do Sistema Único de

Saúde. Além disso, por meio da tentativa de cooperação entre as escolas e os

gestores de saúde, busca-se aprimorar a atenção ao usuário e a integração

dos serviços do SUS. Objetiva-se também incorporar, na formação em saúde, a

integralidade, a promoção da saúde e a abordagem dos sistemas de referência

e contra-referência, assim como a ampliação das práticas na atenção básica,

integrando os serviços clínicos da academia no contexto do SUS (BRASIL,

2009a).

Assim, a essência do programa é que a academia se aproxime cada vez

mais dos serviços públicos de saúde, já que isso é essencial para que o

aprendizado seja transformado e baseie-se nas necessidades e no contexto

sanitário e socioeconômico do país.

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Todas essas mudanças foram pensadas, em virtude do fato de que os

cursos da área de saúde são, comumente, ainda dotados de uma visão

curativa, com foco na doença, hospitalocêntrica, e desarticulada do SUS.

Nesses casos, o ensino acaba abordando de forma insuficiente a promoção da

saúde e a prevenção de agravos, sendo fragmentado e dissociado do contexto

social. O ideal, contudo, é que sejam feitas ações preventivas e curativas,

interligadas com uma abordagem interdisciplinar, todas em diferentes cenários

– clínicas de ensino, hospitais, comunidade, ambulatório.

Para nortear o programa, foram propostos três eixos que propõem

mudanças curriculares que reorientem a formação dos profissionais de saúde.

Mesmo correndo o risco de que sejam promovidas simplificações, optou-se por

esse formato por causa da necessidade de dar uma direção e esse processo.

Esses eixos são a orientação teórica, os cenários de prática e a orientação

pedagógica, pensados de maneira que seja fortalecida a integração entre o

serviço público de saúde e as instituições de ensino (BRASIL, 2011a).

Cada um dos eixos decompõe-se em três vetores, que orientam os

parâmetros que norteiam o eixo e que podem ser hierarquizados em outros três

estágios em cada Escola. Os estágios servem como uma escala, sendo

primeiro referente a uma situação de maior tradicionalismo, e o terceiro

referente aos objetivos almejados pelo programa.

O Eixo A é o da Orientação Teórica, por meio do qual defende-se

que os cursos da área de saúde devem ser oferecidos de acordo com as

necessidades da população, e não segundo lógicas internas das instituições e

de grupos de poder. Deve-se também trabalhar aspectos gerenciais do SUS e

os determinantes de saúde de acordo com o contexto biológico-social,

baseando-se em pesquisas clínico-epidemiológicas, para que haja evidências

que possibilitem uma avaliação crítica do processo saúde-doença (BRASIL,

2009a).

Em síntese, deseja-se articular o ensino com necessidades assistenciais

e, para tanto, o eixo é dividido em três vetores: determinantes de saúde e

doença; pesquisa ajustada à realidade local; e educação permanente.

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O Eixo B, por sua vez, é o de Cenários de Práticas, que defende a

diversificação dos ambientes onde as práticas dos futuros profissionais da

saúde acontecem, o que atualmente aponta para a desinstitucionalização. A

interação do acadêmico com a comunidade é algo muito enriquecedor, já que

possibilita uma aproximação maior com a realidade. Os vetores desse eixo são

a integração ensino-serviço, a utilização dos diversos níveis de atenção e a

integração dos serviços próprios das Instituições de Ensino Superior - IES com

os serviços de saúde.

O Eixo C é denominado Orientação Pedagógica, e, a partir dele, é

discutido o uso de metodologias de ensino-aprendizagem adequadas ao

público dos cursos de graduação: não mais crianças, e sim adultos, que

apresentam uma lógica própria no que se refere ao aprender. O aprendiz deve

colocar-se como sujeito de seu aprendizado, sabendo ter sobre este um olhar

crítico e contando com o professor não como transmissor de conhecimento,

mas sim como facilitador e orientador.

Nesse eixo, ressalta-se a importância do aprender fazendo,

considerando a sequência ação-reflexão-ação e integrando-se os ciclos básico

e profissional. Dessa forma, tanto a abordagem clínica como a da saúde

coletiva são beneficiadas, pois conhecimentos, habilidades e atitudes são mais

bem trabalhados, quando parte-se desse olhar problematizador.

Consequentemente, os três vetores do Eixo C são denominados: integração

básico-clínica, análise crítica dos serviços e aprendizagem ativa (BRASIL,

2009a).

As IES públicas ou privadas sem fins lucrativos, em parceria com

secretarias municipais ou estaduais de saúde, cientes das referidas

características do programa, elaboram projetos que serão submetidos a uma

seleção. Os 14 cursos de graduação na área de saúde - Biomedicina, Ciências

Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,

Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,

Psicologia, Serviço Social, e Terapia Ocupacional podem participar (BRASIL,

2011a).

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Aos projetos selecionados são oferecidos três anos de apoio financeiro.

Eles são selecionados e acompanhados por uma comissão gestora local,

composta por gestores municipais de saúde, discentes e membros dos

conselhos locais e representantes dos docentes. O Ministério da Saúde,

representado por um grupo de assessores composto por técnicos do MS, da

OPAS e de entidades externas, com experiência em formação nas áreas

envolvidas, também acompanha esse processo (BRASIL, 2009a).

1.7 O Curso de Medicina da UECE

A criação da Faculdade de Medicina da UECE foi respaldada, do ponto

de vista legal, pela Portaria nº641, de 13 de maio de 1997. Entretanto, um

longo período de maturação foi necessário para que se chegasse à

concretização desse projeto (SILVA, 2009).

Por meio da Portaria n° 1571, de 26 de setembro de 2000, foi criada,

pela reitoria da UECE, uma comissão técnica para proceder aos trabalhos de

elaboração do projeto do Curso de Medicina da UECE, composta por médicos

professores da universidade (UECE, 2012).

Apenas em junho de 2002, a comissão responsável pela elaboração de

tal projeto deu por concluído o documento, que foi encaminhado à

Universidade e, em seguida, apresentado à sociedade, o que gerou opiniões

favoráveis e outras contrárias. As primeiras se referiam à visualização da

vantagem trazida pelo criação do curso de formar bons médicos para melhor

servir à população cearense, em virtude do desequilíbrio entre a necessidade

de médicos, na Estratégia Saúde da Família, no estado e a quantidade de

profissionais em exercício (SILVA, 2009).

Os argumentos contrários, por sua vez, eram de caráter corporativo,

financeiro, político e ideológico. Os que emergiam das corporações se referiam

a alegações, como a possibilidade de a maior oferta de médicos no mercado

minimizaria os rendimentos da categoria. Já as instituições formadoras de

recursos humanos em saúde assumiram uma posição de defesa de mercado.

Essa preocupação não condizia com a realidade cearense, pois, o Ceará

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formava somente cerca de 50% de sua necessidade de profissionais médicos,

espelhada na existência de 500 equipes de saúde da família sem médico, e o

déficit estimado para 2010, sem novos cursos, seria de 1.400 médicos. (SILVA,

2009; UECE, 2012).

Outra ideia contrária era a viabilidade financeira, questionada por seus

defensores com o argumento de que os custos para a formação médica são

exorbitantes e que, se o Ceará assumisse o patrocínio do curso de medicina da

UECE, sofreria relevante acréscimo em sua rubrica de pessoal, gerando a

possibilidade do não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (SILVA,

2009).

Os argumentos políticos se referiam ao questionamento de que a

existência de um Curso de Medicina da UECE prejudicaria a continuação do

apoio estadual ao Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará -

UFC e aos campus da UFC no interior. Já os argumentos ideológicos

consistiam na ideia de que o poder público estadual não deveria mais assumir

cursos superiores gratuitos, sobretudo os bacharelados clássicos. Entretanto,

saúde é, por princípio, qualidade de vida e dever do Estado (UECE, 2009).

Essas ideias opostas, contudo, foram sendo vencidas, como afirma

Carneiro (2003), em um artigo que discorre sobre a importância da Faculdade

de Medicina do Estado do Ceará, onde ele diz que leu e aprovou os

“argumentos irrefutáveis a propósito da viabilidade financeira do curso de

Medicina da UECE” e que considerou “por demais viável a Faculdade de

Medicina na UECE”, sendo necessário “colocar o ensino médico público, que

não é mercadoria, acima dos interesses individuais e privados”.

Entretanto, como não havia impedimento técnico ou legal para a

criação do curso, e, considerando-se diversos fatos que davam respaldo à

UECE para a concretização do projeto – o excelente desempenho dos seus

demais cursos da área de saúde, como Enfermagem, Ciências Biológicas,

Nutrição e Medicina Veterinária; a reconhecida qualificação do corpo docente

da universidade; a prévia existência de praticamente todos os laboratórios que

seriam necessários ao curso de Medicina; e a produção intelectual de

reconhecimento nacional da universidade; dentre outros -, a decisão final para

tal empreendimento foi positiva (SILVA, 2009).

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O projeto original foi então aprovado pelo Conselho Estadual de

Educação do Ceará - CEC, pelo Parecer Nº 0616/2008, de 30 de dezembro de

2008, e apresentou, como missão, formar Bacharel em Medicina para o

exercício da Medicina Geral, com ênfase na Medicina Comunitária e de

Família, sem prejuízo das possibilidades de especialização.

A formação oferecida por esse curso de graduação será então estudada

nesta pesquisa, cujos objetivos serão apresentados no item a seguir.

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2 METODOLOGIA

2.1 Tipo de estudo

O presente estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, de caráter

multicêntrico, que visa à avaliação dos cursos da área da saúde na

Universidade Estadual do Ceará (UECE) e na Universidade Federal do Ceará

(UFC).

O objeto deste recorte é a formação realizada pelo Curso de Graduação

em Medicina ofertado pela UECE, sendo, portanto, caracterizado como um

estudo de caso.

Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma investigação empírica dos

fenômenos contemporâneos, um método que abrange tudo - planejamento,

técnicas de coleta de dados e análise dos mesmos. É considerado como

importante estratégia metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois

permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno

estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”. Além

disso, o estudo de caso favorece uma visão holística sobre os acontecimentos

da vida real (YIN, 2005).

Partindo de uma perspectiva qualitativa, a preocupação do estudo de

caso se dá "menos com a generalização e mais com o aprofundamento e

abrangência da compreensão" (MINAYO,1992, p. 102).

2.2 Sujeitos, cenário e período

Conforme Minayo (1999), a busca qualitativa se preocupa menos com a

generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão.

Dessa forma, o número adequado de sujeitos é aquele capaz de refletir a

totalidade das dimensões do problema, sendo a quantidade considerada

suficiente quando for permitida uma reincidência de informações, porém sem

desprezar informações ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado

em conta.

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Mediante tal fundamentação, foram incluídos como sujeitos da pesquisa

os estudantes matriculados na disciplina Estágio curricular do curso de

Medicina da UECE. Esta escolha decorreu do fato de estes sujeitos se

encontrarem no período final de seu processo formativo na graduação, o que

possibilita a maior compreensão e visão crítica sobre este processo.

O critério de exclusão adotado foi a não realização da disciplina Estágio

curricular, embora constando a matrícula.

Segundo o critério de inclusão, ao iniciar o estudo, havia 80 alunos no

curso de Medicina na UECE, sendo 40 matriculados na disciplina de Internato II

(S10) e 40 no Internato IV (S12). Participaram do estudo 29 sujeitos, dentre

alunos de ambas as turmas. A saturação teórica foi o critério de delimitação do

número de informantes.

A coleta de dados ocorreu de agosto a novembro de 2013, durante o

qual não existiram turmas de Internato I e III, pois o ingresso de alunos no

Curso de Medicina da UECE acontece da seguinte forma: a Universidade

realiza dois vestibulares por ano, entretanto, apenas o processo seletivo

realizado no final do ano oferece vagas (quarenta) para o Curso de Medicina;

assim, na primeira metade de cada ano, existem apenas turmas matriculadas

em períodos ímpares (semestre 1 - S1, semestre 3 - S3, semestre 5 - S5...); da

mesma forma, na segunda metade de cada ano, só existem turmas

matriculadas em períodos pares (S2, S4, S6...). Como os sujeitos desta

pesquisa foram alunos do internato, cujos períodos são S9, S10, S11 e S12, e

como os dados foram coletados na segunda metade do ano, só havia turmas

de semestres pares, no caso, S10 e S12.

2.3 Coleta e Registro dos dados

Antes da entrada em campo, como atividade da pesquisa mais ampla,

ocorreram três oficinas de capacitação dos pesquisadores com os seguintes

temas: 1.Embasamento conceitual nos eixos e perspectivas propostos para

avaliação do processo formativo; 2. Construção dos indicadores que ajudaram

na aproximação e compreensão dos fatores que evidenciam a

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mudança/evolução dos aspectos avaliados; 3. Oficina com representantes dos

segmentos docentes, discente e profissionais para expor e debater a proposta

da pesquisa.

Para a inserção no campo da pesquisa, inicialmente foi solicitada à

coordenação do curso de Medicina uma pauta na reunião mensal do colegiado

para apresentação da proposta. A seguir, foi solicitado à coordenação o acesso

ao Projeto Político Pedagógico do curso, constituindo-se a análise deste

documento passo essencial para a fase das entrevistas realizadas a seguir.

As entrevistas foram realizadas individualmente por meio de um roteiro

semi-estruturado (Apêndice 1). O registro foi por meio de gravação de voz e os

depoimentos dos discentes são identificados na apresentação dos resultados

pelo número da entrevista e pelo semestre ao qual pertence o estudante. Por

exemplo, para a primeira da lista de entrevistas realizadas, feita com um aluno

do décimo segundo semestre (internato II), utilizou-se “A1S12”.

Algumas dificuldades para a realização das entrevistas foram

decorrentes da grande carga horária semanal no período do internato. Como

forma de contornar tal obstáculo, não previsto no desenho do estudo, além das

entrevistas presenciais, foram necessárias também entrevistas por telefone,

conforme a disponibilidade dos sujeitos. Assim 15 sujeitos foram entrevistados

pessoalmente e 14 por telefone.

Os alunos foram contatados inicialmente por meio de telefonemas, após

a disponibilização, pela Coordenação do Curso de Medicina, de seus números

de telefone. Neste contato inicial, os discentes foram informados sobre o teor

da pesquisa, e foi solicitada sua participação. As entrevistas eram então

marcadas conforme sua disponibilidade.

Além das entrevistas, também foram fontes de dados as Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, o Projeto Político

Pedagógico e os Planos de Ensino do Curso de Medicina da Universidade

Estadual do Ceará.

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33

2.4 Análise dos dados

Após a realização da entrevista semi-estruturada e da pesquisa

documental, com o apoio do referencial teórico desta pesquisa, buscou-se

promover o diálogo entre os dados coletados, por meio da triangulação dos

métodos, como referido por Souza et al. (2005), e que se constitui em um dos

pontos que garantem a confiabilidade da pesquisa qualitativa, considerando a

possibilidade de contradições existentes entre os fenômenos quando visto

sobre ângulos diferentes (GASKELL, BAUER, 2002).

Nesta perspectiva, inicialmente se confrontaram as recomendações

contidas nas DCN da graduação em Medicina e os conteúdos do PPP e dos

Planos de Ensino do curso de Medicina da UECE, observando-se as

aproximações e distanciamentos existentes entre as duas propostas.

Avançando na análise, buscou-se identificar se as propostas do PPP e

dos Planos de Ensino e a percepção do curso que emergiu das entrevistas são

coerentes e ainda se estão de acordo com o preconizado pelo Pró-Saúde em

seus três eixos: Orientação Teórica, Cenários de Prática e Orientação

Pedagógica, que serviram de categorias temáticas para essa parte da análise.

Por fim, buscou-se identificar as aproximações e distanciamentos entre

estes achados e os conceitos teorizados por Ceccim e Feuerwerker (2004)

como o quadrilátero da formação para a área da saúde: Ensino, Gestão,

Atenção e Controle Social (conceitos estes que foram utilizados, nessa parte

da análise, como categorias temáticas). Tal escolha justifica-se pela

identificação do quadrilátero com um perfil profissional alinhado com as

diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde.

2.5 Aspectos Éticos

O projeto de pesquisa cumpriu todas as normas da Resolução 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Foi aprovado pelo Comitê de

Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UECE, sob o parecer No. 388.536.

Todas as informações coletadas por meio das entrevistas tiveram a

garantia de confiabilidade de modo a não permitir a identificação e garantir a

segurança dos sujeitos. A adesão como informante foi expressa mediante a

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 2).

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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 As DCN e o curso de Medicina

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, conforme

a Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001, são organizadas nos

seguintes tópicos: Perfil do Formando Egresso/Profissional, Competências e

Habilidades, Conteúdos Curriculares, Estágios e Atividades Complementares,

Organização do Curso e Acompanhamento e Avaliação.

Para efeitos de análise, os referidos tópicos, neste trabalho, se

constituíram em categorias analíticas a nortear, sobretudo, a análise do PPP.

3.1.1 Perfil do formando

O PPP do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará traz,

em seu texto, a informação de que foi construído de forma a definir uma

identidade formativa nas dimensões humana, científica e profissional, por meio

de um desenho curricular voltado para a produção de conhecimento que

busque responder às reais necessidades da sociedade e que seja capaz de

formar profissionais com uma sólida formação geral, com capacitação técnica,

ética e humana (UECE, 2012).

Todos esses aspectos, segundo o PPP, foram selecionados e

organizados conforme as recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais

do Conselho Nacional de Educação, dispostas na Resolução CNE/CES Nº 4,

de 7 de novembro de 2001, com direcionamento especialmente voltado ao

perfil do formando egresso/profissional, nas suas competências e habilidades,

nos conteúdos curriculares e na organização do curso propriamente dita

(UECE, 2012).

Ressalte-se que a descrição do perfil do formando/egresso profissional,

no PPP repete literalmente a que está contida nas DCN (BRASIL, 2001, p. 1):

[...]formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, seguindo princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001, p. 1).

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Conforme Piancastelli (2011), essa formação chamada generalista foi,

historicamente, pouco valorizada. No caso da profissão médica, o fato de, nos

últimos anos, inúmeras especialidades da Medicina terem se desenvolvido

bastante, provocou um impacto devastador na organização de sua prática, com

a fragmentação do cuidado à saúde.

O fenômeno do taylorismo ou fordismo que levou à especialização

crescente na mão de obra de diversas áreas atingiu diversas profissões, dentre

as quais a medicina. Assim, o médico passou a se especializar e

subespecializar cada vez mais, na intenção de ser capaz de manipular as

novas tecnologias em evidência no mercado (OLIVEIRA et al., 2011).

Esse problema se inicia na graduação, durante a qual foram

incorporadas muitas especialidades aos currículos, multiplicando-se disciplinas,

conteúdos e tempos. O conhecimento generalista das ações em saúde foi

comprometido, e o subjetivismo da relação médico-paciente teve seu espaço

disputado pelo objetivismo tecnológico dos exames complementares de

diagnóstico (PIANCASTELLI, 2001).

Essa formação generalista foi relatada nos depoimentos de alguns

alunos. Embora grande parte deles tenha afirmado não ter conhecimento pleno

sobre as propostas do PPP, os poucos que afirmaram conhecê-lo afirmaram

que “estão sendo seguidas as normas para uma formação mais generalista”.

Quanto à dimensão humanística, o PPP refere como características do

futuro profissional:

[...] visão humanística [...] no atendimento com qualidade ao indivíduo e à coletividade, tratando com lhaneza os pacientes e os grupos populacionais, respeitando os seus direitos, lidando adequadamente com a diversidade de comportamentos, crenças e ideias (UECE, 2012, p.29).

O PPP considera o humanismo como um dos valores do curso: o

“humanismo, definido como a capacidade de compreensão à vida, ao outro e à

diversidade com empatia” e o “amor, definido como o cuidado e zelo pelo ser

humano como algo precioso e único” (UECE, 2012).

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A humanização na formação médica é um assunto cada vez mais

presente e preocupante para os educadores, na academia, e para os gestores,

nos serviços de saúde. Conforme Blasco (2010, p. 358), humanizar a Medicina

é reinserir a Ciência Médica nas suas verdadeiras origens, é uma obrigação

educacional e uma condição de sucesso para o profissional da saúde.

Pelo menos uma estratégia de estimulara dimensão humanística na

formação dos futuros médicos foi referida pelos estudantes:

[...] participei do projeto Humanartes, lá da Universidade, que é Humanização com artes na saúde. Nesse projeto, a gente ia nos hospitais, se vestia de palhaço. A gente ia aos hospitais pra tentar levar um pouquinho de alegria para as crianças (Aluno A6S12).

Conforme consta no PPP, o Humanartes é um projeto de Humanização

com Arte na Saúde, realizado em hospitais de Fortaleza (UECE, 2012). A

participação dos alunos entrevistados foi maciça em tal projeto.

Quanto à dimensão crítica-reflexiva, o PPP expressa que os conteúdos

programáticos do curso contemplam o desenvolvimento de capacidade

reflexiva nos estudantes e que devem ser utilizadas metodologias de ensino-

aprendizagem que estimulem “a capacidade crítica e analítica e o poder criativo

do educando” (UECE, 2012, p. 34), além de propor como aptidão necessária

ao futuro profissional a capacidade de “assimilar e integralizar conhecimentos

teóricos mediante raciocínio reflexivo e crítico e ser capaz de aplicá-los na

tomada de decisões para a resolução dos problemas de saúde, no exercício da

prática médica” (UECE, 2012, p.29).

De acordo com Ferreira, Fiorini e Crivelaro (2010), a academia,

enquanto instituição formadora, deve contribuir para a formação de

profissionais cujo perfil de competência lhes permita intervir no seu contexto de

trabalho de forma crítica, coletiva e integradora.

Segundo Freire (1986), nesta perspectiva, aprender se torna, para o

futuro profissional, uma aventura criadora, algo que vai além da mera repetição

da lição dada. Neste sentido, aprender é construir, (re)construir, constatar, para

poder intervir e mudar. Isto ajuda a desenvolver, no formando, o sujeito crítico,

epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento partindo da

problematização do objeto de estudo e participando ativamente de sua

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construção. Conforme o mesmo autor, trata-se da "capacidade de aprender,

não apenas para nos adaptarmos à realidade, mas, sobretudo, para

transformar, para nela intervir, recriando-a" (FREIRE, 1986, p.77).

Nesse contexto, o professor/formador tem a responsabilidade de ajudar

o formando a desenvolver, de maneira gradativa, a capacidade de transformar

a informação em conhecimento que estimule a ação sábia. Além disso, essa

formação de natureza crítico-reflexiva deve ser sustentada numa perspectiva

de construção do conhecimento com base na problematização da realidade, ou

seja, na articulação da teoria com a prática e na participação ativa do futuro

profissional (FERREIRA, FIORINI e CRIVELARO, 2010).

Os depoimentos dos alunos, contudo, mostraram que, no curso de

medicina da UECE, predominam metodologias de ensino-aprendizagem

tradicionais, em detrimento de metodologias ativas que possibilitam essa

proposta de formação crítica-reflexiva:

“O que mais acontece são as aulas teóricas mesmo, com apresentação de slides e discussão da teoria” (Aluno A4S10).

Esse assunto será mais discutido, adiante, no item Orientação Teórica.

3.1.2 Competências e habilidades

Quanto às competências e habilidades requeridas do médico em

formação, as DCN destacam a atenção à saúde, a tomada de decisões, a

comunicação, a liderança, a administração e gerenciamento e a educação

permanente (BRASIL, 2001).

As disciplinas que, segundo o PPP, se propõem a abordar aspectos

relacionados a essas competências e habilidades estão dispostas no Quadro 1.

O quadro é organizado de forma a apresentar as disciplinas que trabalham, no

mínimo, uma das competências e habilidades, com suas respectivas ementas e

carga horária.

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Quadro 1 - Disciplinas que abordam competências e habilidades gerais preconizadas nas DCN do Curso de Graduação em Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013

Competências e Habilidades Gerais contempladas

Atenção à saúde

Tomada de decisões

Comunicação

Liderança

Admin./Gerenciamento

Educação Perm

anente

Disciplina e Carga horária

Ementa

Saúde Coletiva (68h)

A disciplina tem o propósito de apresentar e discutir aspectos históricos e conceitos básicos da Saúde Coletiva, distinguindo os paradigmas que orientam os modelos de medicina Preventiva, Medicina Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva; compreender a evolução histórica da prática médica, o processo saúde doença e os modelos explicativos; conhecer a história das políticas de saúde no Brasil discutindo a fundamentação legal de criação e implementação do SUS; compreender a concepção e os fundamentos que embasam os modelos de atenção à saúde, estratégia de organização de sistema, atenção primária à saúde e seu papel como centro da política sanitária enfocando a estratégia saúde da família como modelo de atenção primária à saúde no Brasil.

X X X X

Educação em Saúde (68h)

Analisa a inter-relação educação, saúde e política. Fornece subsídios sobre conceitos, métodos e técnicas para intervenções de educação em saúde junto ao usuário, família e comunidade. Apresenta os paradigmas norteadores da educação e do ensino médico. Promove e apresenta atividades relacionadas à educação em saúde contribuindo para reflexividade e a postura investigativa.

X X X

Estatísticas de Saúde (68h)

Metodologia estatística descritiva e investigação em saúde. Amostragem. Apresentação tabular e gráfica. Medidas estatísticas de tendência central, de variabilidade, de separação de associação e de correlação. Fontes de dados vitais. Registros públicos. Recenseamento e estimativas populacionais. Indicadores de saúde. Indicadores hospitalares. Aplicações nas Ciências Médicas.

X X

Ciências Sociais e

Saúde (68h)

Apresenta e estuda as bases sociológicas e antropológicas que apóiam o campo da Saúde Coletiva, tanto na vertente das políticas e da oferta de sistemas, serviços, programas e técnicas, como na vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida. As palavras chaves são Sociologia da Saúde, Antropologia da Saúde e História da Saúde

X X

Epidemiologia

(68h)

Conceitos básicos em Epidemiologia, tais como: histórico, objetivos, áreas de aplicação. Epidemiologia descritiva. Quantificação em epidemiologia, indicadores epidemiológicos e de saúde. História natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas e sua aplicação no planejamento, execução e avaliação de ações de saúde. Vigilância epidemiológica e Vigilância à saúde. Diferença entre o método epidemiológico e o método científico. Metodologia epidemiológica, epidemiologia analítica e epidemiologia experimental. Epidemiologia de agravos e doenças não-transmissíveis. Epidemiologia ambiental e ocupacional.

X

Inglês Médico (68h)

Visa despertar o interesse do aluno pela informação em língua inglesa e capacitá-lo para a leitura e compreensão de textos autênticos de cunho jornalístico e acadêmico. Uso de textos versando tanto sobre assuntos de interesse geral, quanto de assuntos específicos do curso médico.

X

Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente

(102h)

Fundamentos psicológicos da relação médico-paciente: as condições psicossociais do estudante de medicina, expectativas, idealizações, questionamentos e receios, ansiedades frente às atividades de contato com os pacientes. Relações interpessoais e seus aspectos facilitadores e complicadores. Conceitos básicos sobre a semiótica física e funcional dos órgãos, e sistemas; conhecimentos teóricos e práticos sobre os diversos sinais e sintomas dos distúrbios mais freqüentes desses órgãos e sistemas, o processo evolutivo das principais doenças e os meios auxiliares para o seu diagnóstico. Habilidade no desenvolvimento de um raciocínio clínico e diagnóstico adequado. Atividades desenvolvidas em sala de aula e nas enfermarias.

X X X

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Quadro 1 (continuação)

Competências e Habilidades Gerais contempladas

Atenção à saúde

Tomad

a de decisões

Com

unicação

Lide

rança

Adm

e Gerenciam

ento

Educação Permanente

Disciplina e Carga Horária

Ementa

Políticas Públicas de

Saúde

(68h)

Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.

X X X

Planejamento e Organização de Serviços de

Saúde

(68h)

Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados

X X X X

Informação e Avaliação em

Saúde

(68h)

A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o

processamento e a análise dos dados e informações visando à avaliação

dinâmica de sistemas, serviços e tecnologias de saúde, assim como a sua

utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e analisa a importância de

processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de

problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de

tomada de decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da

avaliação, discute-se conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de

avaliação em saúde; enfoca uma visão geral das diferentes abordagens que

podem ser utilizadas na avaliação; compreende o movimento institucional de

introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.

X X

Saúde da Família e

Comunidade

(68h)

Apresenta e estuda a dinâmica e a história da família e dos grupos sociais ligados por parentesco, vizinhança, trabalho ou crenças, objetivando apoiar a aplicação de teorias, procedimentos e técnicas para o desenvolvimento de ações de promoção de saúde e prevenção de transtornos, agravos e doenças, em famílias e comunidades, na perspectiva da Atenção Primária à Saúde e da educação popular em saúde. Apresenta os ciclos de vida e seus principais problemas relacionados à Medicina de Família e Comunidade.

X X X

Ambulatório de Atenção Básica

(68h)

Estuda e desenvolve métodos e técnicas de abordagem clínica e ambulatorial com ênfase na relação médico-paciente e no manejo adequado dos problemas e necessidades de saúde mais comuns nos serviços de Atenção Básica de Saúde.

X X X X

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No que se refere à atenção à saúde, as DCN destacam a necessidade

de formar profissionais aptos a realizar um atendimento integral com “ações de

prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível

individual quanto coletivo”, considerando ainda a execução desses serviços

“dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética”

(BRASIL, 2001, p.19).

Nesse contexto, observou-se que o PPP foi construído com base em

alguns objetivos, dentre os quais “incentivar o graduado a atuar nos diferentes

níveis de atenção à saúde, com ênfase no primário e secundário” (UECE,

2012, p. 19).

As entrevistas com os alunos revelaram que práticas em todos os níveis

de atenção são realizadas, entretanto, de acordo com o PPP, a carga horária

de internato é organizada da seguinte forma: dos vinte e quatro meses de

internato, dois são de férias; dos vinte restantes, apenas quatro são destinados

à Medicina de Família e Comunidade - MFC (UECE, 2012).

Uma vez que a formação médica voltada para a Atenção Primária em

Saúde é o foco desse estudo, vale ressaltar que, além de uma fração do

internato destinada às atividades relacionadas à APS, o PPP e os planos de

ensino propõem outras disciplinas que trabalhem o assunto (UECE, 2011;

UECE, 2012).

Os estudantes referiram que “até o oitavo semestre tem cadeiras

‘sociais’, [...] uma ou duas por semestre”, o que expressa uma longitudinalidade

na trabalho da temática da APS ao longo do curso de Medicina.

Isso se mostra de acordo com as considerações de Demarzo et al.

(2011), em um documento da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e

Comunidade (SBMFC), que afirma que a inserção da APS nas grades

curriculares de Medicina deve ser longitudinal e com continuidade ao longo do

curso. O envolvimento dos alunos com essas disciplinas, entretanto, é algo a

ser discutido mais adiante, no item Orientação Teórica.

Quanto ao item “tomada de decisões”, as DCN realçam a necessidade

de o trabalho profissional ser sempre baseado na capacidade para a tomada

de decisões “[...] visando ao uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da

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força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de

práticas” (BRASIL, 2001, p. 2).

Nesse sentido, o PPP ressalta a necessidade de o aluno desenvolver

habilidades e atitudes que permitam “assimilar e integralizar conhecimentos

teóricos mediante raciocínio reflexivo e crítico e ser capaz de aplicá-los na

tomada de decisões para a resolução dos problemas de saúde, no exercício da

prática médica” e “considerar a relação custo-benefício nas decisões médicas,

levando em conta as reais necessidades da população e priorizando a

qualidade dos serviços” (UECE, 2012, p.29).

Sobre o desenvolvimento dessa habilidade, os alunos revelaram que os

momentos de prática são “os mais importantes”, e que “as vivências

aproximam mais da realidade”, porém, identificam as metodologias de ensino-

aprendizagem utilizadas ao longo do curso como predominantemente

tradicionais:

A UECE tem um método muito tradicional de ensino. Na prática, quando a gente entre no internato, o que a gente mais vê são os próprios casos [clínicos]. A UECE deixa a desejar nesse sentido, porque a gente vê muita teoria. A gente também vê a prática, mas [...] eu acho que a gente poderia aproveitar melhor. Quando a gente entrasse no internato a gente estaria mais bem preparado pra isso. É uma desvantagem desse método a dificuldade de aplicar os conhecimentos da teoria na prática (Aluno A25S12).

Neste sentido, questiona-se se a aproximação com os problemas do

cotidiano da profissão, de forma a possibilitar a reflexão sobre a realidade dos

serviços de saúde, está se realizando de maneira a formar o sujeito crítico-

reflexivo proposto no PPP. Demarzo et al. (2011) ressalta que as metodologias

dialógicas e ativas de ensino-aprendizagem devem ser referência no ensino na

APS.

Quanto à competência e habilidade para se comunicar, as DCN

defendem que os profissionais devem ser acessíveis e manter o sigilo das

informações a eles confiadas, tanto na relação com o paciente quanto com os

demais profissionais. Isso deve ser feito, incluindo-se habilidades de

comunicação verbal e não verbal, de escrita e de leitura, além do domínio de

tecnologias de comunicação e informação e de, no mínimo, uma língua

estrangeira (BRASIL, 2001).

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Nesse aspecto, o PPP contempla algumas disciplinas e atividades que

favorecem o seu desenvolvimento. Os planos de ensino trazem disciplinas que

fomentam o desenvolvimento dessas habilidades de comunicação, como a

disciplina de Ciências Sociais e Saúde, que tem, como um de seus objetivos,

desenvolver habilidades de comunicação com os pacientes (UECE, 2012).

Essas habilidades requerem o uso de técnicas específicas imprescindíveis para

que se possa ter a compreensão necessária entre médico e paciente, para o

esclarecimento dos objetivos desse ato clínico e para adequar a natureza da

relação às diferenças culturais e sociais dos sujeitos envolvidos (SUCUPIRA,

2007).

Outra disciplina relacionada à comunicação é Informação e Avaliação

em Saúde, em que se estudam “a sistematização, o processamento e a análise

dos dados e informações, visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços

e tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática

clínica” (UECE, 2011).

Além delas, segundo os planos de ensino, são ofertadas as disciplinas

de Estatísticas de Saúde, que proporciona práticas em laboratórios de

informática; Ambulatório de Atenção Básica, que trabalha a informática na

APS; e Inglês médico, que “visa despertar o interesse do aluno pela informação

em língua inglesa e capacitá-lo para a leitura e compreensão de textos

autênticos de cunho jornalístico e acadêmico” (UECE, 2011, p. 56).

Ademais, o PPP ressalta a importância de que o futuro profissional deve

saber “comunicar-se adequadamente com colegas de trabalho, pacientes e

seus familiares” (UECE, 2012, p.27).

Caprara e Rodrigues (2004) ressaltam a crescente necessidade de

desenvolver uma melhor comunicação entre o médico e o paciente, no intuito

de incrementar a qualidade da relação entre estes. Isso pode diminuir o

sofrimento do paciente e aumentar o seu grau de satisfação.

Nesse sentido, afirmaram os alunos que as aulas práticas facilitam o

desenvolvimento dessa habilidade de comunicação, conforme mostra o

depoimento a seguir:

Outra questão importante que eu acho da vivência é o lidar com o público. O médico em si ele vai ser um profissional que vai lidar com outras pessoas, né, então por meio dessa vivência com o público,

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seja com os colegas apresentando seminários, seja nas unidades de saúde, conversando com os profissionais, os usuários, você consegue uma certa desinibição para falar em público. Você consegue, aos poucos, desenvolver a capacidade de conseguir fazer as pessoas lhe entenderem. Porque, quando você vai passar um medicamento, embora você escreva na receita, mas você tem que criar a capacidade de fazer com que o paciente entenda como é que vai tomar aquele remédio, conseguir falar com as palavras que o paciente entenda (Aluno A23S10).

Observa-se, neste depoimento, que vários aspectos da comunicação

foram considerados importantes: comunicar-se com os colegas de trabalho,

com os usuários e com o público em geral.

Quanto às competências de liderança, administração e gerenciamento,

as DCN trazem a necessidade de que os futuros médicos sejam capazes de

assumir posições de liderança, fazer o gerenciamento e a administração da

força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, e de

assumir cargos de gestores, empregadores ou líderes nas equipes de saúde

(BRASIL, 2001).

Nesse sentido, o PPP considera importante a participação dos

acadêmicos nas “atividades de gestão da atenção primária, incluídas, desde a

interação com os conselhos locais de saúde, até a vivência administrativa da

rotina da Estratégia Saúde da Família - ESF nos Centro de Saúde da Família -

CSF” (UECE, 2012, p.42).

Por sua vez, os planos de ensino trazem algumas disciplinas que

abordam temas relacionados à gestão, dentre as quais: Saúde Coletiva, cujo

rol de objetivos inclui “compreender e discutir o modelo assistencial de saúde e

as estratégias de organização de atenção primária, secundária e terciária no

Estado”, e Políticas Públicas de Saúde, cujo conteúdo programático contempla

temas como “pacto pela saúde nas suas três dimensões, Pacto de Gestão, [...]

Financiamento do SUS, Os colegiados de gestão do SUS; [...]

interdisciplinaridade e equipe multiprofissional no trabalho em saúde” (UECE,

2011, p. 66).

Há ainda a disciplina de Planejamento e Organização de Serviços de

Saúde, que apresenta, entre seus objetivos, “discutir os conceitos

fundamentais referentes ao processo de planejamento estratégico”, “conhecer

o Sistema de Planejamento do SUS – PlanejaSUS como atuação contínua,

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articulada, integrada e solidária das áreas de planejamento das três esferas de

gestão do SUS”, e “compreender e utilizar as técnicas de planejamento como

instrumento de mudança nos serviços de saúde” (UECE, 2011). Esses

aspectos também se relacionam com a competência “tomada de decisões”.

Essa presença dos aspectos relativos à gestão no ensino médico é de

extrema importância, conforme afirmam Carvalho; Campos e Oliveira (2009),

quando consideram a inseparabilidade da gestão e da prática clínica no

fazer/pensar saúde, tendo em vista as características contemporâneas do

trabalho em saúde, que é marcado pelo caráter interdisciplinar da prática e pela

existência de uma complexa rede de cuidado em saúde.

No entanto, de forma geral as entrevistas realizadas com os discentes

não evidenciaram essa aproximação dos alunos com as habilidades e

competências de liderança, administração e gerenciamento.

O depoimento de um estudante, contudo, merece destaque. Ele afirmou

que:

Hoje em dia o médico, assim, ainda tem muito prestígio na sociedade. Não é incomum você chegar a ser nomeado pra poder ser ou diretor de um hospital, ou ser gestor de algum município, secretário, ou alguma coisa voltada pra saúde. Então é um dos campos de atuação do médico a parte da gestão, e não só a clínica (Aluno A22S10).

Em seu depoimento sobre como isso é trabalhado no curso de Medicina

da UECE, o aluno afirmou:

[...] uma coisa importante que a gente vê nessa disciplina de Políticas Públicas de Saúde é não só conhecer essas políticas, mas também saber aplicá-las na prática [...] tem uma parte teórica bem consistente, mas também tem uma parte prática, em que a gente vai ao posto de saúde, cria situações ou então procura saber quais as situações de problemas que estão sendo enfrentadas, e a gente, junto com aqueles profissionais de saúde, vai lá e tenta elaborar propostas pra poder resolver aqueles problemas [...] essa disciplina dá a oportunidade de você, no futuro, se for trabalhar como gestor, ter um aporte teórico e vai ter trabalhado na parte prática (Aluno A22S10).

Esse depoimento evidenciou que são proporcionados aos estudantes

atividades que trabalhem essas competências de liderança, administração e

gerenciamento. Vale ressaltar que aqui também se encaixam as competências

de tomadas de decisão.

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Entretanto, como já mencionado, esses depoimentos não foram

recorrentes. Provavelmente a explicação para isto é a falta de afinidade dos

estudantes pelas disciplinas ditas “sociais”, revelada num trecho posterior da

entrevista:

“[...] as atividades das disciplinas sociais o pessoal não gosta, geralmente, né? [...] A questão é que poucos se vêem fazendo isso no futuro, e daí é que vem o desprezo. Muitas vezes o pessoal acha ruim essas atividades e quer que acabe o mais rápido possível, ‘bora logo, pra acabar logo’[...]. O pessoal não valoriza muito (A22S10).

A última competência geral proposta pelas DCN do Curso de Graduação

em Medicina é a Educação Permanente, segundo a qual:

os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, não apenas transmitindo conhecimentos, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços” (BRASIL, 2001, p. 2).

A Educação Permanente foi instituída, no Brasil, como política – a

Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, e considera ampla

intimidade entre formação, gestão, atenção e participação nessa área de

saberes e de práticas, mediante as intercessões promovidas pela educação na

saúde. Segundo Ceccim (2005, p. 976), “a educação intercede pela saúde,

ofertando suas tecnologias construtivistas e de ensino-aprendizagem”.

Merhy (2005, p. 982) destaca que a política em questão

reivindica “produção do cuidado em saúde e sua micropolítica constituídos de

práticas pedagógicas”, reconhecimento esse tomado como uma necessidade

para a ação.

Assim, essa política representa o esforço de cumprir uma das mais

nobres metas formuladas pela saúde coletiva no Brasil: tornar a rede pública de

saúde uma rede de ensino-aprendizagem no exercício do trabalho (CECCIM,

2005).

Nesse contexto, observa-se que, apesar de o PPP não mencionar

diretamente a “Educação Permanente”, ele explicita que os alunos do curso de

Medicina devem passar por experiências nos serviços de saúde, situação em

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que, conforme Ceccim (2005), o cotidiano de trabalho em saúde se torna fonte

de aprendizado.

Concretamente, isto ocorre principalmente no internato, cujos objetivos

incluem a articulação de “conhecimentos e técnicas adquiridas na fase

doutrinária dos estudos curriculares com a execução dos cuidados globais de

saúde individual e coletiva, em reais situações de exercício profissional”

(UECE, 2012, p. 35).

Sobre a importância do internato, afirmam os alunos:

a parte mais importante da faculdade é a prática, pra gente realmente aprender a lidar com outra pessoa, pra gente que não tem experiência, que nunca trabalhou, nada... Saber como lidar, saber como se comportar, saber o que pode falar e o que não pode. Realmente é a parte mais importante da faculdade. É o que a gente faz nos últimos dois anos que são o internato.

Ainda quanto às competências preconizadas pelas DCN do curso de

graduação em medicina, além das já citadas competências gerais, são

propostos conhecimentos, competências e habilidades específicas, o que é

repetido ipsis litteris no PPP.

Como exemplos, podemos citar o incentivo a “utilizar adequadamente

recursos semiológicos e terapêuticos, validados cientificamente,

contemporâneos, hierarquizados para atenção integral à saúde, no primeiro,

segundo e terceiro níveis de atenção”, a “ter visão do papel social do médico e

disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde; e

a “atuar em equipe multiprofissional”, dentre outros (BRASIL, 2001, p.3; UECE,

2012, p.28).

3.1.3 Estrutura curricular e os conteúdos curriculares do Curso de

Medicina

Quanto aos conteúdos curriculares relacionados à APS, as DCN referem

que “os conteúdos essenciais do curso de graduação em medicina devem

guardar estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes

referidas pela comunidade e identificadas pelo setor saúde” (BRASIL, 2001,

p.3).

Devem contemplar também a “compreensão dos múltiplos

determinantes do processo saúde-doença e sua abordagem em nível individual

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e coletivo”, além da compreensão e domínio da propedêutica médica e da boa

relação médico paciente, e do aspecto da promoção da saúde (BRASIL, 2001).

O Quadro 2 relaciona as disciplinas que apresentaram aspectos

relacionados a esses temas, com suas ementas e cargas horárias, objetivos e

conteúdos programáticos.

Vale ressaltar que a carga horária dessas disciplinas totaliza 884 horas,

e a carga horária total do curso é de 9.588 horas, das quais 5100 horas são

cumpridas no internato, ou seja, a carga horária destinada aos conteúdos

disciplinares é 4.488 horas. Assim, as 884 horas das disciplinas diretamente

relacionadas a atuação profissional na APS representam menos de 20% da

carga horária disciplinar do curso de Medicina da UECE.

Dentre essas, as disciplinas Saúde Coletiva, Educação em Saúde e

Planejamento e Organização dos Serviços de Saúde prevêem estágios de

observação em seus planos de ensino; aulas práticas são previstas nas

disciplinas de Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente e

Informação e Avaliação em Saúde. Para a disciplina de Políticas Públicas de

Saúde não estão previstas aulas práticas, contudo, um aluno afirmou que

vivenciou, durante essa disciplina, aula prática no serviço de saúde.

3.1.4 Organização do Curso

Quanto à “Organização do Curso”, as DCN preconizam que o “curso de

graduação em medicina deve ter um projeto pedagógico, construído

coletivamente”, que deverá “buscar a formação integral e adequada do

estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a

extensão/assistência” (BRASIL, 2001, p. 5).

Observa-se que o PPP do curso de Medicina da UECE tenta articular

ensino, pesquisa e extensão por meio da ampliação dos horizontes dos

acadêmicos para além do aprendizado da sala de aula, promovendo, para

tanto, a inclusão da pesquisa na estrutura curricular do curso, da oferta de

atividades complementares e da inserção do estudante em atividades nos

cenários de assistência (UECE, 2012). Esse assunto será discutido no tópico

de estágios e atividades complementares.

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Quadro 2: Disciplinas que abordam conteúdos diretamente relacionados a APS. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013

Disciplina e Carga Horária

Ementa Aspectos Principais

Saúde Coletiva (68h)

A disciplina tem o propósito de apresentar e discutir aspectos históricos e conceitos básicos da Saúde Coletiva, distinguindo os paradigmas que orientam os modelos de medicina Preventiva, Medicina Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva; compreender a evolução histórica da prática médica, o processo saúde doença e os modelos explicativos; conhecer a história das políticas de saúde no Brasil discutindo a fundamentação legal de criação e implementação do SUS; compreender a concepção e os fundamentos que embasam os modelos de atenção à saúde, estratégia de organização de sistema, atenção primária à saúde e seu papel como centro da política sanitária enfocando a estratégia saúde da família como modelo de atenção primária à saúde no Brasil.

Tem como objetivos: “Conhecer as ações desenvolvidas nas unidades de saúde da SER IV e V do município de Fortaleza, bem como o trabalho da ESF no seu território”; “Identificar possíveis modelos de explicação dos processos de saúde – doença.” Inclui em seu conteúdo: “o processo saúde-doença: fatores da vida, adoecimento e morte das pessoas; apreciação histórica e cultural do processo saúde-doença e das práticas de saúde correspondentes”

Educação em Saúde (68h)

Analisa a inter-relação educação, saúde e política. Fornece subsídios sobre conceitos, métodos e técnicas para intervenções de educação em saúde junto ao usuário, família e comunidade. Apresenta os paradigmas norteadores da educação e do ensino médico. Promove e apresenta atividades relacionadas à educação em saúde contribuindo para reflexividade e a postura investigativa

Inclui, em seu conteúdo programático: “Estratégias de planejamento de atividades de Educação em Saúde: tendências pedagógicas; Prevenção e promoção em saúde; Métodos e técnicas de abordagem com a comunidade.”

Políticas Públicas de Saúde (68h)

Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.

Inclui, em seu conteúdo programático: a política, conceito e sua expressão na saúde das pessoas e da comunidade; Tipos de políticas e as políticas sociais; Evolução das Políticas de Saúde no Brasil; Política Nacional de Atenção Básica; O Sistema Único de Saúde – SUS - no contexto atual; A compreensão dos princípios do SUS e sua aplicação prática; Pacto pela saúde nas suas três dimensões; pacto de gestão; Financiamento do SUS; O Sistema Privado de Saúde no Brasil - Saúde suplementar; Participação Social e a representação por conselhos; Os colegiados de gestão do SUS; A carta dos Direitos dos Usuários; Transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e equipe multiprofissional no trabalho em saúde.

Planejamento e

Organização de Serviços de Saúde (68h)

Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir

Inclui, em seu conteúdo programático: a importância do planejamento como ferramenta de gestão; aspectos conceituais, paradigma normativo X estratégico; O enfoque estratégico situacional: conceitos, momentos (explicativos, normativo, estratégico e tático – operacional); Planejamento municipal em saúde; Planejamento no âmbito do SUS e enfoques teórico-metodológicos: análise de experiências; Plano estratégico de uma organização de saúde – componentes básicos; Sistema de Planejamento do SUS – PlanejaSUS: organização e funcionamento;

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de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados.

instrumentos básicos. Planejamento e Programação Local em Saúde – PPLS

Ciências Sociais e

Saúde (68h)

Apresenta e estuda as bases sociológicas e antropológicas que apóiam o campo da Saúde Coletiva, tanto na vertente das políticas e da oferta de sistemas, serviços, programas e técnicas, como na vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida. As palavras chaves são Sociologia da Saúde, Antropologia da Saúde e História da Saúde.

Tem como objetivos:Adquirir conhecimentos e práticas sobre a relação entre cultura, saúde e doença; Desenvolver habilidades de comunicação com os pacientes; Desenvolver capacidade de escuta e compreensão em relação às queixas e necessidades do paciente;Desenvolver capacidade de orientar o paciente com linguagem adequada considerando fatores como idade e nível cultural; Adquirir conhecimentos e práticas sobre a humanização do cuidado em saúde; Adquirir conhecimentos sobre clínica ampliada e cuidados em saúde.

Epidemiologia (68h)

Conceitos básicos em Epidemiologia, tais como: histórico, objetivos, áreas de aplicação. Epidemiologia descritiva. Quantificação em epidemiologia, indicadores epidemiológicos e de saúde. História natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas e sua aplicação no planejamento, execução e avaliação de ações de saúde. Vigilância epidemiológica e Vigilância à saúde. Diferença entre o método epidemiológico e o método científico. Metodologia epidemiológica, epidemiologia analítica e epidemiologia experimental. Epidemiologia de agravos e doenças não-transmissíveis. Epidemiologia ambiental e ocupacional.

Tem como objetivos “Desenvolver uma compreensão básica acerca do método científico, além de outros métodos, na abordagem distribuição dos determinantes da saúde da população; Identificar o perfil epidemiológico de uma população, utilizando indicadores de saúde para a prevenção, controle e/ou erradicação de doenças e agravos;

Psicologia médica (68h)

A disciplina sistematiza para o estudante de Medicina os principais conteúdos da Psicologia aplicados às práticas de saúde, em geral, com ênfase no relacionamento entre equipe de saúde, inclusive o médico, e os usuários. Categorias da Psicologia Social, tais como socialização, estereótipo, preconceito, representação social e papel social, são enfocados, como também categorias da Psicopatologia, tais como função mental, sensopercepção, orientação, memória, atividade, afetividade, razão, imaginação, inteligência e consciência. Apresentam-se as questões técnicas, éticas e de humanização do cuidado na relação dos profissionais com o processo de adoecimento. Outrossim, serão destacados os desafios da bioética e da biopolítica em relação às vulnerabilidades: consciência da incurabilidade e da finitude, obstinação terapêutica e tratamentos fúteis, reabilitações de manejo complexo, a problemática de adesão ao tratamento, manejo psicológico de situações de casos crônicos e prognóstico reservado. Saúde Mental e Trabalho Médico.

Inclui, em seus conteúdos: “PSICOLOGIA SOCIAL E PROCESSO SAÚDE/DOENÇA – Conceitos em Psicologia Social. Psicologia social norteamericana e seus impactos nas práticas de educação em Saúde. Noção de papel social e as configurações do papel social do médico e do paciente. Entendendo o comportamento de estar saudável e doente em suas determinações psicossociais. Entendendo formas de adoecimento social com as categorias Estigma e Preconceito Representações Sociais da Saúde e da Doença; RELAÇÃO MÉDICO-EQUIPE-USUÁRIO – Definições psicológicas de vínculo e relacionamento. Panorâmica sobre os estudos clássicos do relacionamento entre médico, equipe e usuário. Análise crítica das tipologias de relacionamento entre médico, equipe e paciente. Impactos desta relação nos processos de adesão aos tratamentos. Afetivação X Caracteropatia nas condutas psicológicas dos profissionais de medicina.

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Informação e Avaliação em Saúde (68h)

A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o processamento e a análise dos dados e informações visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços e tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e analisa a importância de processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de tomada de decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da avaliação, discute-se conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de avaliação em saúde; enfoca uma visão geral das diferentes abordagens que podem ser utilizadas na avaliação; compreende o movimento institucional de introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.

Inclui, em seu conteúdo programático, Conceitos Básicos em sistemas de informação; Sistemas de informação da saúde; componente do SIS; Indicadores de Saúde da atenção básica; Sistema de informação hospitalar; Sistema de suporte à tomada de decisão clínica; Importância da avaliação nos serviços de saúde como ferramenta de gestão; Avaliação – conceitos, usos, objetos e classificação da avaliação; Etapas da concepção da avaliação; Avaliação como estratégia de mudança na Atenção Básica.

Epidemiologia Clínica (34h)

Fornecer os conhecimentos fundamentais referentes ao método epidemiológico e sua aplicação na pesquisa clínica e, ao mesmo tempo, desenvolver a capacidade crítica para análise da literatura.

Tem como objetivos: Desenvolver atitude crítica e independente frente às questões científicas da Clínica, utilizando o método epidemiológico; Formular uma questão clínica concisa, achar e avaliar evidências e aplicar a informação ao cuidado do paciente; Identificar o melhor tipo de estudo para responder questões clínicas. Inclui, em seus conteúdos Introdução à Epidemiologia Clinica; Questão clínica; Estudo de Associações Etiológicas; Estudo de Associações em Prognóstico; Estudos Terapêuticos; Estudos Diagnósticos.

Psiquiatria (68h)

A disciplina sistematiza para o estudante de Medicina os principais conteúdos da Psiquiatria Clínica e de suas interfaces fundamentais com outras Clínicas e com a Saúde Coletiva. Apresentam-se os elementos conceituais e históricos da Psicopatologia, da Semiologia, da Semiotécnica, dos transtornos e síndromes mais freqüentes, das propostas terapêuticas biofarmacológicas e psicossociais, da epidemiologia e das políticas de saúde mental. Outrossim, apresentam-se a intersetorialidade, a interdisciplinaridade e as polêmicas sobre a Psiquiatria como especialidade médica, como interconsulta transversal a todas as clínicas médicas e como Medicina Especial.

Inclui em seus conteúdos a “DIMENSÃO COLETIVA DA PSIQUIATRIA – Psiquiatria e Saúde Mental. Saúde Mental e Saúde Coletiva. Política e Planejamento em Saúde Mental. Psiquiatria e os Níveis de Atenção (Primário, Secundário, Terciário). Epidemiologia dos Transtornos Mentais. Promoção em Saúde Mental e Qualidade de Vida. Prevenção dos Transtornos Mentais e Ideologia (Preconceito, Estigma).”

Saúde da Família e

Comunidade (68h)

Apresenta e estuda a dinâmica e a história da família e dos grupos sociais ligados por parentesco, vizinhança, trabalho ou crenças, objetivando apoiar a aplicação de teorias, procedimentos e técnicas para o desenvolvimento de ações de promoção de saúde e prevenção de transtornos, agravos e doenças, em famílias e comunidades, na perspectiva da Atenção Primária à Saúde e da educação popular em saúde. Apresenta os

Inclui como conteúdo programático seminários com os temas : Medicina de Família e Comunidade, Territorização; atribuições do médico de família e comunidade e da equipe para cada etapa do ciclo vital; e estudo de família.

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ciclos de vida e seus principais problemas relacionados à Medicina de Família e Comunidade.

Iniciação ao exame clínico e relação médico-paciente (102h)

Fundamentos psicológicos da relação médico-paciente: as condições psicossociais do estudante de medicina, expectativas, idealizações, questionamentos e receios, ansiedades frente às atividades de contato com os pacientes. Relações interpessoais e seus aspectos facilitadores e complicadores. Conceitos básicos sobre a semiótica física e funcional dos órgãos, e sistemas; conhecimentos teóricos e práticos sobre os diversos sinais e sintomas dos distúrbios mais freqüentes desses órgãos e sistemas, o processo evolutivo das principais doenças e os meios auxiliares para o seu diagnóstico. Habilidade no desenvolvimento de um raciocínio clínico e diagnóstico adequado. Atividades desenvolvidas em sala de aula e nas enfermarias.

Inclui, em seu conteúdo programático, a “Relação médico-paciente” e, em seus objetivos “colocar o estudante em contato direto com o paciente, observando nesta interação suas atitudes, seus compromissos e responsabilidades com o doente – objetivo maior da profissão; e conduzir a uma boa prática da relação médico-paciente;”

Ambulatório de Atenção Básica (68h)

Estuda e desenvolve métodos e técnicas de abordagem clínica e ambulatorial com ênfase na relação médico-paciente e no manejo adequado dos problemas e necessidades de saúde mais comuns nos serviços de Atenção Básica de Saúde.

Inclui, em seu conteúdo programático, a prática da atenção primária à saúde A relação médico-paciente; Princípios da prevenção das doenças em atenção primária à saúde; O diagnóstico diferencial em atenção primária à saúde; O raciocínio diagnóstico em atenção primária à saúde

Ainda quanto à estrutura do curso, as DCN ditam que esta deve ser

definida pelo colegiado do curso (BRASIL, 2001). A graduação em Medicina da

UECE é organizada em 9.588 horas e créditos disciplinares desenvolvidos em

períodos letivos de 17 semanas com, no mínimo, 100 dias de atividades

acadêmicas. Os programas da fase teórica, compreendendo os estudos

básicos, os estudos propedêuticos, os estudos clínicos e do campo da saúde

coletiva, como anteriormente citado, abrangem 4.488 equivalentes a 264

créditos, a serem realizados em oito semestres (UECE, 2012).

Segundo o PPP, o currículo está estruturado em “conjuntos de

disciplinas que apresentem objetivos comuns do ponto de vista científico ou

técnico-profissional e configurem uma nítida fase de integralização curricular”

(UECE, 2012, p. 55).

As DCN ditam também que é necessário inserir o aluno precocemente

em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional (BRASIL,

2001). O PPP, por sua vez, propõe como um de seus princípios, que o aluno

tenha o “início de atividades práticas, compatíveis com sua competência, desde

o primeiro semestre letivo” (UECE, 2012, p.24). Os depoimentos dos alunos

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revelaram, entretanto, que as atividades práticas em serviço só começam no

quarto semestre letivo da faculdade, conforme o depoimento a seguir:

Práticas a gente vê pouco no começo da faculdade. O primeiro um ano e meio basicamente é só aula (teórica), a parte prática que a gente tem é no laboratório da universidade, né, como Anatomia, Histologia... Mas o contato com hospital mesmo a gente só tem a partir do quarto semestre (Aluno A13S12).

Outro aspecto requerido pelas DCN é que o curso deve usar diversos

“cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar

situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe

multiprofissional” (BRASIL, 2001). Nesse sentido, o PPP coloca como um de

seus princípios gerais a “ampliação e fortalecimento da inserção dos alunos em

diferentes cenários de prática em todos os níveis de atenção, com ênfase no

componente da Atenção Primária” (UECE, 2012, p. 24).

As entrevistas confirmam a utilização de cenários de práticas em todos

os níveis de atenção:

tem uma parte teórica bem consistente, mas também tem uma parte prática, em que a gente vai ao posto de saúde (A22S10)

no oitavo semestre tem uma disciplina voltada para o funcionamento do posto de saúde(A21S10)

participei de um projeto de pesquisa na atenção secundária (A11S12) A parte prática se dá no ambulatório e, depois, no setor avançado(A20S10) contato com hospital mesmo a gente só tem contato a partir do quarto semestre (A26S12)

Entretanto, segundo o PPP (UECE, 2012), as práticas direcionadas à

Medicina da Família e Comunidade são realizadas em apenas quatro dos vinte

e dois meses destinados ao internato.

Há ainda, um requisito relacionado às metodologias de ensino, que

exige a adoção de “metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno

na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de

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estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência”

(BRASIL, 2001, p.5). Esse trecho das DCN é trazido, pelo PPP, como

pretensão do Curso, de forma ipsis litteris (UECE, 2012).

Sobre este item, entretanto, os planos de ensino revelam que, apesar de

haver a proposta de metodologias ativas no processo ensino/aprendizagem, há

predominância de aulas teóricas expositivas, informação confirmada pelos

alunos durante as entrevistas:

De maneira geral, a metodologia de ensino da universidade é aquela metodologia clássica, né, você não tem aqueles meios de ensino como a análise de problemas (A15S12).

A realização de estágios e atividades complementares está assim

contemplada nas DCN:

A formação médica incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, e sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade, com duração mínima de 2700 horas (BRASIL, 2001, p 4).

Cumprindo este requisito, o PPP contempla a atividade de estágio

curricular obrigatório com treinamento no serviço, em regime de internato, por

um período de dois anos, com carga horária de 5.100h, correspondendo a 53%

da carga horária total do curso (UECE, 2012).

A operacionalização ocorre em 24 meses sequenciais, sendo 22 de

estágios, em sistema de rodízio. Seu início acontece no nono semestre da

graduação com a seguinte composição e duração: Clínica Médica (cinco

meses); Clínica Cirúrgica (quatro meses); Pediatria (quatro meses); Medicina

da Família e da Comunidade (quatro meses); Ginecologia e Obstetrícia (três

meses); Emergências Médicas (um mês); Estágio Eletivo (1 mês) e um mês de

férias a cada dois semestres. (UECE, 2012). Essa proposta atende aos

requisitos das DCN que ditam que o curso “incluirá necessariamente aspectos

essenciais nas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia,

Pediatria e Saúde Coletiva” (BRASIL, 2001, p.4).

O PPP também está de acordo com a exigência das DCN de que os

estágios devem incluir atividades no primeiro, segundo e terceiro níveis de

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atenção em cada área, uma vez que o internato é desenvolvido nos hospitais,

serviços especializados e Centros de Saúde da Família da Rede de Atenção à

Saúde Estadual e Municipal (UECE, 2012).

3.1.5 Estágios e Atividades Complementares

Quanto às atividades complementares, as DCN ressaltam que “deverão

ser incrementadas durante todo o Curso de Graduação em Medicina e que as

IES deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos,

adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas” (BRASIL, 2001, p.5).

Nesse sentido, o PPP traz várias opções de atividades complementares:

monitoria (mínimo de uma monitoria por um semestre sem interrupção); estágio

curricular não obrigatório concursado (mínimo de 144h); estágio curricular não

obrigatório voluntário (mínimo de 144h), bolsa de Iniciação Científica (mínimo

de 120h/semestre); PET-Saúde (participação mínima de um ano); participação

na Semana Universitária da UECE – 20h por ano de participação; participação

em Congressos, Jornadas, Seminários, Encontros (mínimo de 20h/evento);

participação em atividade dos Grupos de Pesquisa, Ligas Acadêmicas e

sessões clínicas.

As entrevistas com os alunos revelaram maciça participação dos

discentes em atividades complementares. Todos eles afirmaram participar ou

ter participado, durante o curso de Medicina, de, no mínimo, uma atividade de

extensão e/ou pesquisa, principalmente PET Saúde, monitorias, ligas:

“Fiz parte do grupo de Saúde Mental, fiz parte do grupo do Humanartes [...], fiz parte de um projeto de bolsa de pesquisa com o Instituto do Câncer [...] e fiz também parte de luas ligas de extensão, a de neurociências e de cirurgia (A17S12);

“Participei do projeto Humanartes [...], do grupo de pesquisa do Prof. Caprara [...] sobre a dengue, [...] liga de pediatria e neonatologia, cirurgia e neuroanatomia, [...] e fui monitora de métodos de estudoe informática médica” (A14S12); “Participei do estágio da Secretaria de Saúde e já fui do PET também, por dois anos” (A20S10).

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Em relação à monitoria, as entrevistas revelaram a preferência dos

estudantes em realizar esta atividade nas áreas da Clínica médica, Cirurgia e

Anatomia, em detrimento das áreas de Ciências Sociais e Saúde Coletiva,

apenas mencionadas por um aluno: “[...] Participei da monitoria de Saúde

coletiva, planejamento em saúde, avaliação em saúde e políticas públicas de

saúde [...]” (A21S10), a qual, segundo o entrevistado, consistia numa só

monitoria que atendia a mais de uma turma pertencentes a semestres

diferentes.

Da mesma forma, entre as ligas acadêmicas predominaram as Ligas de

Cirurgia e Anatomia, de Neurociências e de Trauma, como exemplificam os

seguintes depoimentos: “[...] participei de três ligas acadêmicas: de neurologia,

emergência e dermatologia” (A16S12); “[...] participei também da liga de

cirurgia e de neuro” (A10S12), enquanto a Liga de Saúde da Família foi

mencionada por apenas um aluno: “Eu participei do PET, Liga de Saúde da

Família e participei de um projeto de iniciação científica” (A18S12). A

participação nessa liga pode ser bastante enriquecedora para a formação

desses alunos, uma vez que

Vale ressaltar que o PPP não menciona a existência dessa liga apesar

de se referir às seguintes: Liga Acadêmica de Clínica Médica; Neurociências;

Dermatologia; Anestesiologia; Cardiologia; Pediatria; Liga de Cirurgia e

Anatomia; Liga de Psiquiatria; Liga de Gastroenterologia; Liga de Emergência;

Liga do Trauma; Liga de Cirurgia Plástica; e Liga de Oncologia.

Os alunos expressaram que a UECE, juntamente com os próprios

alunos do curso de Medicina, principalmente os participantes de ligas

acadêmicas, divulgam bastante os eventos científicos, sendo a Semana

Universitária da UECE o evento ao qual se referiram quase todos os

entrevistados: “Tem a semana científica, que é a Semana Universitária da

UECE, que acontece todos os semestres”, “o próprio evento da Universidade a

Semana universitária da UECE”.

A participação dos alunos em eventos científicos relacionados à APS

deu-se principalmente em nível local, e isso pode estar relacionado à

dificuldade de obtenção de apoio financeiro oriundo da universidade para que

os estudantes participem de eventos em outras cidades e estados. Quando

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questionados sobre esse apoio financeiro, predominaram respostas que

indicavam que a UECE não oferece, entretanto, um dos alunos esclareceu:

Assim, em algumas situações, pra questão de congressos fora e tudo, a universidade diz que dá uma ajuda de custo, mas eu tentei fazer uma vez, não deu certo, tentei outra vez, não deu certo, aí também não fui mais atrás. Tem muitos entraves burocráticos, mas, teoricamente, a universidade daria uma ajuda de custo para você participar de um congresso fora durante o ano letivo (A15S12).

Conforme Martins (2007), a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão

é considerada fundamento metodológico do ensino superior, e tais atividades

devem estar contempladas nos PPP. Isso determina uma formação

interdisciplinar pautada na superação das fragmentações gestadas pelo

pensamento cartesiano.

Vale ressaltar o “horário Interativo do Curso de Medicina (HICMED)”, no

turno de sexta-feira à tarde. O horário é destinado a atividades como a

realização das “Sessões Clínicas MedUECE” e ao desenvolvimento de projetos

de monitoria e de pesquisa, o que facilita a participação dos estudantes em tais

atividades.

3.1.6 Acompanhamento e avaliação

Por fim, em relação à avaliação do processo de aprendizagem, o PPP

repete literalmente a preconização das DCN: “as avaliações somativa e

formativa do aluno deverão basear-se nas competências, habilidades e

conteúdos curriculares” (BRASIL, 2001).

Quanto à assiduidade, o PPP normatiza que o aluno não poderá

termais de 25% de ausência nas atividades desenvolvidas na disciplina, faltas

acima desse percentual implica em reprovação, sendo vedado o abono de falta

quando não previsto em lei ou norma acadêmica. Prevê também a realização

de duas avaliações parciais de conhecimento no decorrer da disciplina (UECE,

2012).

Observa-se que, nos planos de ensino, predominam as avaliações sob

o formato de provas teóricas, enquanto poucas disciplinas consideram como

critério avaliativo aspectos relacionados ao desempenho geral do aluno, tais

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como assiduidade, pontualidade, participação, compromisso, comportamento e

relacionamento interpessoal (UECE, 2011).

Isso corrobora com o que afirma a ABEM (2012), que critica o cenário

atual da educação médica brasileira, o qual, ainda que heterogêneo, permite

caracterizar o predomínio de uma cultura avaliativa relativamente pobre, que

privilegia os aspectos cognitivos e os procedimentos somativos. Raramente

são abordadas as características pessoais dos estudantes, bem como seu

progresso no domínio de competências cognitivas, habilidades e atitudes

indispensáveis ao exercício da profissão e seu desenvolvimento contínuo.

3.2 O processo formativo do curso de medicina e o referencial do Pro-

Saúde

Tomando como referenciais de análise os eixos do Pró-Saúde,

buscamos analisar o processo formativo, a partir das categorias analíticas:

Orientação Teórica, Cenários de Prática e Orientação Pedagógica.

3.2.1 Orientação Teórica

Esse eixo aborda aspectos relativos aos determinantes de saúde e à

determinação biológico-social da doença; à avaliação crítica do processo

saúde-doença, baseada em evidências científicas; aos componentes gerenciais

do SUS e à oferta de educação permanente. Ele é subdividido em três vetores:

determinantes de saúde e doença, pesquisa ajustada à realidade local e

educação permanente (BRASIL, 2007).

O vetor educação permanente não será aqui abordado, por não estar

compreendido na delimitação do objeto da pesquisa.

No vetor “determinantes de saúde” é defendida a ideia de que as

instituições de ensino formadoras de profissionais da saúde devem dedicar

importância equivalente aos determinantes de saúde e de doença, buscando

manter adequada articulação biológico-social na teoria e na prática (BRASIL,

2007).

Segundo Gil (2005), todos os profissionais da área de saúde, em tese,

deveriam ser capazes de compreender e de agir sobre os diversos

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determinantes do processo saúde/doença, o que implicaria realizar uma

síntese de saberes a serem utilizados na definição dos cuidados individuais e

coletivos. As práticas profissionais baseadas no modelo flexneriano, contudo,

não valorizam tal percepção,limitando o cuidado às práticas pontuais e

curativas.

Campos et al. (2001), por sua vez, ressaltam que o processo formativo

deve visar à formação de profissionais que levem em consideração as

dimensões sociais, econômicas e culturais dos pacientes, como forma de

preparação para o enfrentamento dos problemas do processo saúde/doença da

população.

Nesse sentido, observa-se que o PPP tem como intuito oferecer esse

olhar amplo sobre o processo saúde e doença, já que, segundo o documento,

seu conteúdo programático inclui a “compreensão dos determinantes sociais,

culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis

individual e coletivo, do processo saúde-doença” e considera como um dos

pontos fortes do curso as “disciplinas do campo da Saúde Coletiva ao longo do

curso, permitindo uma reflexão critica acerca do processo saúde doença”

(UECE, 2012, p. 90).

Além disso, o PPP refere o intuito de incentivar o futuro médico a atuar

na prevenção de transtornos, agravos e doenças, na promoção da saúde, na

recuperação da saúde e na habilitação biopsicossocial, estimulando estilos de

vida saudáveis e reconhecendo a saúde como direito da cidadania e também

como conjunto articulado e contínuo de ações e serviços, preventivos e

curativos, nos âmbitos individuais e coletivos (UECE, 2012).

O PPP refere ainda, a necessidade de que se faça uma intervenção no

processo formativo, com relação à matriz curricular, de forma a deslocar “o

atual eixo da formação, centrado na atenção individual, prestada em unidades

especializadas, por um processo focado nas necessidades sociais, levando em

conta as dimensões históricas, econômicas e culturais da população” (UECE,

2012, p.25).

É também relatado que a formação médica pretendida deve capacitar os

estudantes a ver os pacientes “dentro de um contexto de saúde integral, em

uma realidade biopsicossocial”, a ter a habilidade de “promover um estilo de

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vida saudável, conciliando as necessidades tanto dos usuários/pacientes

quanto da comunidade e atuando como agente de transformação social”, e a

dominar “os conhecimentos científicos básicos da natureza bio-psicosocio-

ambiental subjacentes à prática médica” (UECE, 2012, p.27).

Ressalte-se que o Pró-Saúde considera como evidência de que esse

vetor esteja sendo seguido a “articulação com igual prioridade dos aspectos

relativos à promoção, prevenção, cura e reabilitação nas práticas de ensino-

aprendizagem” (BRASIL, 2007).

Aproximando-se desse vetor, o processo formativo inclui como

competência esperada dos futuros médicos: a capacidade de atuação “na

proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no

tratamento e reabilitação dos problemas de saúde” (UECE, 2012).

O PPP também ressalta que o médico deve ter facilidade de expressão

e manutenção do equilíbrio emocional e da compreensão empática do

sofrimento no relacionamento com os indivíduos, seus familiares e seu entorno

(UECE, 2012).

Para tal, o egresso deve estar apto a realizar programas de melhoria da

qualidade de vida individual e coletiva, bem como de orientação a indivíduos e

a grupos submetidos a condições de risco na promoção e proteção da saúde e

prevenção de doenças físicas e mentais, contribuindo para a melhoria da

qualidade de vida e para o bem estar da comunidade em que atuar,

respeitando suas tradições sócioeconômicas e culturais (UECE, 2012).

Esses conteúdos e estratégias são importantes na compreensão dos

determinantes de saúde e doença, uma vez que, segundo Ferreira, Silva e

Aguer (2007), a percepção da realidade das pessoas, suas condições de vida,

cultura e costumes permite ao estudante construir uma concepção do processo

saúde-doença na qual compreendem os determinantes e as relações das

doenças com o modo de vida e trabalho das pessoas. Essa concepção

possibilita uma mudança no cuidado à saúde das pessoas, família e

comunidade, o qual passa a ser mais voltado para as ações de vigilância à

saúde, o que leva à integralidade no cuidado do paciente.

Nesse sentido, é estabelecida, no PPP, como parte do conteúdo

programático, a “compreensão dos determinantes sociais, culturais,

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comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual

e coletivo, do processo saúde-doença”, a ser alcançada a partir de um

processo de ensino-aprendizagem estruturado de acordo com princípios e

estratégias, como “asseverar importância aos determinantes de saúde e de

doença, procurando, tanto na abordagem do conhecimento teórico como em

sua aplicação assistencial, manter adequada articulação biológico-social”

(UECE, 2012, p.34).

A proposta das disciplinas sobre essa abordagem ampla do processo

saúde-doença encontra-se demonstrada no Quadro 3.

Observa-se a existência de disciplinas que se propõem a abordagem

integral dos determinantes de saúde e doença. Entretanto, chama-se atenção

para o percentual de carga horária dessas disciplinas em relação às demais:

elas somam apenas 552 horas, cerca de 12% de um total de 4.488 horas

(carga horária que não inclui o internato).

Além disso, observa-se certa desvalorização por parte dos alunos

entrevistados quanto as disciplinas que abordam esses aspectos e a Atenção

Primária em Saúde – por eles denominadas “disciplinas sociais”:

A questão é porque [...] poucos se vêem fazendo isso [trabalhos relacionados à APS] no futuro, e daí é que vem o desprezo. Muitas vezes o pessoal acha ruim essas atividades e quer que acabe o mais rápido possível, ‘bora logo, pra acabar logo’. Fica essa questão assim, né, que o pessoal não valoriza muito (A22S10).

Quadro 3: Disciplinas que abordam de forma biopsicossocial o processo saúde-doença. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013

Disciplina e Carga Horária

Aspectos relacionados aos determinantes de saúde e doença

Saúde Coletiva (68h)

Um de seus objetivos é: “compreender o processo saúde-doença, ou seja, os conceitos de vida-adoecimento-morte das pessoas”. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: O processo saúde – doença: fatores da vida, adoecimento e morte das pessoas; Apreciação histórica e cultural do processo saúde – doença e das práticas de saúde correspondentes; Modelos de explicação do processo – doença.

Educação em Saúde (68h)

Possui em sua ementa a proposta de análise da inter-relação educação, saúde e política. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: prevenção e promoção em saúde e métodos e técnicas de abordagem com a comunidade.

Ciências Sociais e Saúde (68h)

Possui em sua ementa a proposta de aprendizagem que valorize a“vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida.” Um de seus objetivos é:“adquirir conhecimentos e práticas sobre a relação entre cultura, saúde e doença”. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: Cultura, saúde e doença; A experiência da doença; Integralidade: o enfoque integral do cuidado em saúde.

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Epidemiologia (68h)

Possui em sua ementa a proposta de estudo da “história natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas”. Inclui em seu conteúdo programático as propriedades dos agentes etiológicos (físico, químico, biológico e social).

Psicologia Médica (68h)

Possui em sua ementa a proposta de estudo das questões técnicas, éticas e de humanização do cuidado na relação dos profissionais com o processo de adoecimento. Um de seus objetivos é discutir os aspectos teóricos que estimulem o acadêmico a buscar concepções e práticas que ultrapassem os limites do saber biomédico tradicional, para o entendimento das expressões psicológicas do processo saúde-doença.

Saúde da Família e Comunidade

(68h)

Propõe, como objetivo, que se percebam e compreendam o caráter social e coletivo do processo saúde-doença através da análise do perfil epidemiológico de grupos populacionais e de seus determinantes.

Clínica Médica II (144h)

Tem com um de seus objetivos “introduzir a compreensão de práticas de hábitos e estilos de vida saudáveis com vista à melhor qualidade de vida”. Inclui em seu conteúdo programático o estudo das diferentes dimensões da vida; vida longa, saudável e com qualidade; programas de promoção da saúde e de melhoria da qualidade de vida; as dimensões da qualidade de vida e sua avaliação; assistência integral à saúde do idoso.

Oliveira et.al (2011, p. 403) reconhecem a complexidade do processo

formativo quanto a este aspecto:

[...] embora o entendimento da complexa estrutura bionatural do homem necessite de disciplinas específicas com seus conceitos e metodologias, tais disciplinas são insuficientes para compreender as condições sociais que envolvem o processo saúde-doença.

Quando questionados sobre as disciplinas que abordam a APS, os

alunos responderam predominantemente as disciplina de Educação em Saúde

e Saúde Coletiva. Outras mencionadas foram Políticas Públicas de Saúde,

Ambulatório de Atenção básica, Ciências Sociais em Saúde, Planejamento e

Organização de Serviços de Saúde, Saúde da Família e da Comunidade, e

Informação e Avaliação em saúde. Os discentes afirmaram que, em todos os

semestres antes do internato, há, no mínimo, uma disciplina que aborda APS.

Entretanto, apesar da evidente importância de tais disciplinas, os alunos

entrevistados, no geral, manifestaram a opinião de que usavam muito de seu

tempo se dedicando a elas, em detrimento das demais. Afirmaram que os

conteúdos nelas abordados são muito repetitivos. Além disso, afirmam os

alunos que a carga horária de tais disciplinas poderia ser reduzida, em prol de

incrementos na carga horária de disciplinas voltadas para clínica e para cirurgia

– ainda que tenha sido aqui detectado que a quantidade de horas destinadas a

essas disciplinas seja bem menor do que às direcionadas aos demais

assuntos.

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Muitos assuntos [nas disciplinas] de atenção primária se repetem. Você acaba vendo coisas com um volume maior de informações numa carga horária pequena e coisas que se repetem numa carga horária grande. Poderia ser enxugado (A28S10).

Em relação à uece a gente não tem nada o que reclamar da UECE sobre saúde coletiva...a gente vê exaustivamente o conteúdo. A gente vê a mesma matéria todo semestre [...] isso consome tempo. A gente tem a impressão que vê sempre o mesmo conteúdo todo semestre (A02S10)

Alves et al. (2013) identificaram que entre estudantes de medicina há,

resistência à atuação na comunidade. Essa resistência perdura após a

formatura, conforme os achados de Vasconcelos e Zaniboni (2011), que

encontraram, entre médicos, mesmo entre os que atuam na ESF, pouca

vinculação com esta, além do fato de que o não ingresso imediato na

residência médica parece ser a motivação para o trabalho na APS.

Diante disto, é válido o questionamento sobre o reconhecimento, por

parte dos alunos quanto à importância para sua formação, das disciplinas que

abordam os conteúdos referentes à APS. Nesse contexto, alguns depoimentos

singulares captados nas entrevistas merecem destaque:

A gente vê uma importância sim nessas disciplinas [de APS], mas o pessoal, né, não gosta tanto. A maioria não gosta [...]. Já no primeiro semestre, quando vêm os veteranos e entram na sala, eles vem dizendo [...]: ‘Pessoal, aqui, primeiro semestre, segundo semestre, é só anatomia, bioquímica e fisiologia. Saúde coletiva, métodos de pesquisa, vocês pegam, juntam tudo num liquidificador, bate e não dá um copo. Joguem onde vocês quiserem’. E, às vezes, a gente escuta isso dos próprios monitores das disciplinas (A22S10).

A gente no primeiro semestre já entra com aquela idéia preconceituosa dessas disciplinas, que são disciplinas que vão tomar nosso tempo de estudo pra outra prova, que vão ser disciplinas chatas, que você não vai aplicar na sua vida, num sei o que... E quando você chega a ver a matéria de clínica médica e clínica cirúrgica, os próprios professores dessas disciplinas são contra [as disciplinas ditas sociais]. Já chegam dizendo: “Pessoal, pra quê vocês vão estudar um negócio desse aí ou coisa do tipo, isso não serve pra nada.” Aí o tempo é tão mal aproveitado, que quando é no final [do semestre], eles querem marcar aula extra. Eles querem que tirem [tempo] dessas outras [disciplinas]: “Pessoal, essas matérias que vocês tão vendo aí de medicina social, num tem nenhuma aula dessas que vocês possam tirar e colocar uma minha não? [...] Ah, isso aí, vocês num vão aplicar não... Peçam lá, falem com o professor, pra ver se ele deixa eu dar aula no lugar (A21S10)

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Esses depoimentos são reveladores de como se dá a construção,

durante o processo formativo, da percepção dos alunos quanto às disciplinas

voltadas para a saúde coletiva, se constituírem em disciplinas dispensáveis ou

de menos importância.

Os professores são espelhos para os futuros profissionais, suas

posturas e opiniões influenciam na formação dos estudantes. O fato de parte

destas disciplinas serem ministradas por outros profissionais de saúde,

também se revela como importante fator na formação da percepção negativa

dos estudantes quanto a essas disciplinas conforme revela o depoimento a

seguir:

Você não encontra médicos dando essas disciplinas [ditas sociais]. Porque na disciplina de medicina e família e comunidade, que você vê no oitavo semestre, que vem o médico de família dar essa disciplina, você vê que a sala é cheia [...]. Você tem um médico que ta lá atuando, então o pessoal vê como uma possibilidade de atuar ali. [...] Pelo menos os três primeiros semestres da UECE não tem um médico dando essas matérias. Então você vê assim ‘ah, isso aí não é pra mim não, é outro profissional de saúde que tem que se interessar por essa área’ (A22S10).

Como o aprendizado envolve aspectos relacionais, este é prejudicado

pela falta de interesse pela área de estudo, pois, segundo Rogers apud Zimring

(2010), a aprendizagem mais duradoura e profunda é aquela espontânea, que

envolve o intelecto e os sentimentos.

Ainda sobre o eixo de orientação teórica, prosseguiremos a análise

abordando o vetor “Pesquisa ajustada à realidade local/ Produção de

conhecimentos segundo as necessidades do SUS”.

Neste vetor, defende-se que a instituição de ensino deve apresentar um

equilíbrio na produção de conhecimento sobre as necessidades da população e

sobre os aspectos biomédicos/tecnológicos (BRASIL, 2007).

Nesse contexto, segundo o PPP, é definida a identidade formativa dos

futuros egressos médicos da UECE “nas dimensões humana, científica e

profissional, por meio de um desenho curricular voltado para a produção de

conhecimento que responda às reais necessidades da sociedade” (UECE,

2012, p.12).

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Esse aspecto é também referido na missão da Universidade, que, entre

outros tópicos, menciona: “produzir e disseminar conhecimentos e formar

profissionais, visando à promoção do desenvolvimento sustentável e da

qualidade de vida da região nordeste” (UECE, 2012, p.14).

Para se alcançar tais objetivos, é definida, como estratégia de ação, no

PPP o direcionamento “dos programas e projetos nas áreas de ensino,

pesquisa e extensão para as ações diretamente relacionadas com o processo

de desenvolvimento social, econômico, político, cultural e ambiental do Estado

do Ceará” (UECE, 2012, p. 15).

Além disso, o PPP relaciona, como valores a serem cultivados, a

responsabilidade social, definida como o compromisso institucional de oferecer

o retorno à sociedade dos recursos que lhes foram alocados (UECE, 2012).

Sobre o vetor em questão, são consideradas, pelo Pró-Saúde,

evidências de que ele esteja sendo seguido a “existência de investigação

significativa e equilibrada, realizada no ciclo básico, relacionada à clínica e aos

aspectos sociais de saúde e suas necessidades”, a “proporção significativa de

pesquisas orientadas à atenção básica, e interação com os serviços de saúde

e suas necessidades” e a “existência de proporção significativa de bolsistas de

iniciação científica abordando temas que envolvem aspectos sociais,

epidemiológicos, clínicos e de organização dos serviços de saúde” (BRASIL,

2007, p. 19).

Investigações científicas com esses direcionamentos são identificadas,

no PPP, no item “Inserção da pesquisa na estrutura curricular do curso”, onde

são apresentados os grupos de pesquisa coordenados por professores do

Colegiado do Curso de Medicina, todos cadastrados no Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e no Conselho de Ensino,

Pesquisa e Extensão (CEPE) da Universidade (UECE, 2012).

Cinco de um total de doze grupos são mais voltadas para os aspectos

biomédicos/tecnológicos:Fisio-farmacologia da Inflamação; Eletrofisiologia dos

Tecidos Excitáveis; Produtos Naturais de Origem Vegetal; Metabolismo dos

Peptídeos Biologicamente Ativos; e Toxinologia de Produtos Naturais.Os

demais são mais voltados às necessidades da população e aos aspectos

sociais de saúde: Cultura, Saberes e Práticas em Saúde; Transplantes (este

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não é voltado para a parte cirúrgica do transplante, mas para, levar ao

conhecimento da população a importância da doação de órgão); Vida e

Trabalho; Economia da Saúde; Indicadores de Saúde; Saúde Mental, Família,

Práticas de Saúde e Enfermagem e Educação e Saúde Coletiva (UECE, 2012).

Além dos grupos de pesquisa, o PPP relaciona os projetos de pesquisa

coordenados por professores do curso de medicina à época da publicação do

PPP, dos quais destacamos: “Empoderamento das comunidades para o

controle de dengue: uma análise da dengue ambiental e uma abordagem

integral em Fortaleza, Brasil”; “Processo de formação em saúde como

estratégia de melhoria do cuidado interdisciplinar e integral para o SUS”; e

“Atividades lúdicas realizadas por meio do projeto de Humanização com Arte

na Saúde (HUMANARTES) em um hospital infantil do município de Fortaleza-

CE: percepção dos pais e funcionários” (UECE, 2012).

Esse direcionamento do foco das pesquisas em saúde para as principais

demandas de saúde da população, para a atenção básica e também para os

aspectos sociais de saúde é um grande desafio, pois, dentre os quatro

segmentos em que é dividida a pesquisa em saúde – segmento clínico,

biomédico, tecnológico e de saúde pública -, observa-se que quase metade dos

esforços brasileiros em pesquisa em saúde são dedicados ao segmento da

clínica, com cerca de 8.586 linhas de pesquisa, representando cerca de 46,8%

do total (GUIMARÃES, 2006).

Em contrapartida, as pesquisas em Saúde Pública, por exemplo,

representam apenas 13,2% do total, contando com 2.431 linhas de pesquisa

Essa realidade evidencia a necessidade de incentivos aos estudos em outras

áreas além da clínica (GUIMARÃES, 2006).

3.2.2 Cenários de prática

Nesse eixo, discute-se a desinstitucionalização dos cenários de prática,

uma tendência que vem se intensificando, de forma oposta à tradicional

realização das atividades de aprendizado em ambientes sofisticados e de cara

utilização. Assim, a comunidade, os ambulatórios e domicílios, por exemplo,

tornam-se potenciais ambientes de práticas assistenciais, alimentando a ideia

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de que os cenários em que se desenvolve o aprendizado prático durante a

formação profissional, devem, portanto, ser diversificados, sendo agregados ao

processo não apenas equipamentos de saúde, mas também equipamentos

educacionais e comunitários. Além disso, desde o início do processo de

formação, deve ocorrer a interação ativa do aluno com a população e com os

profissionais de saúde, de forma a oferecer ao aluno a oportunidade de

trabalhar sobre problemas reais, assumindo, como agente prestador de

cuidados, responsabilidades crescentes (BRASIL, 2007).

Essa preferência pela utilização da realidade como fonte de aprendizado

justifica-se pelo fato de as práticas de simulação só conseguirem, no máximo,

imitar a realidade, porém não reproduzem a dimensão complexa da

integralidade humana (BRASIL, 2007).

Esse eixo inclui os vetores: Integração ensino-serviço, Utilização dos

diversos níveis de atenção/ diversificação dos cenários do processo de

aprendizagem e Integração dos serviços próprios das IES com os serviços de

saúde/ Articulação dos Serviços Universitários com o SUS.

Quanto ao vetor Integração ensino-serviço, o Pró-Saúde propõe que a

escola deve, durante todo o processo de ensino-aprendizagem, integrar a

orientação teórica com a prática nos serviços públicos de saúde, em nível

individual e coletivo, com participação de todas as áreas disciplinares (BRASIL,

2007).

Nesse contexto, observou-se, no PPP o intuito de incentivar o graduado

a “atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com ênfase no nível primário

e secundário” e a proposta de consolidação da integração entre o ensino e o

serviço, tendo como parâmetros, o envolvimento da comunidade como espaço

social participativo e o foco nas necessidades de saúde da população (UECE,

2012), ambos em conformidade com o Pró-Saúde (BRASIL, 2007).

Foi também proposta, no PPP, uma integralização curricular do curso,

por meios que ultrapassassem a simples composição de uma matriz curricular

composta de disciplinas dispostas sequencialmente e hierarquizadas mediante

pré-requisitos, buscando-se processos de ensino-aprendizagem estruturados

de acordo com princípios e estratégias que incluem a “inserção precoce dos

estudantes em Serviços de Saúde, em situações reais de atendimento ao

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indivíduo e à coletividade, prioritariamente em nível de atenção primária e

secundária de saúde” (UECE, 2012, p. 34).

Essa inserção precoce dos estudantes nos serviços é questionável, pois

as entrevistas com os discentes revelaram que essa integração da orientação

teórica com a prática nos serviços públicos de saúde é realizada principalmente

a partir do quarto semestre – antes desse período, as práticas ocorrem mais

em laboratórios -, conforme o depoimento dos estudantes: “[...] a partir do

quarto semestre a gente tem aulas práticas nos próprios serviços de saúde:

nos hospitais, nas unidades básicas de saúde [...] (A12S12)”.

Analisando-se os planos de ensino, observou-se que os momentos

direcionados às práticas não estão presentes em todas as disciplinas (Quadro

4).

Com relação às disciplinas que abordam APS, observa-se que, no

primeiro e no segundo semestre, as práticas previstas requerem uma

participação do aluno muito limitada, já que consistem em visitas.

Critica-se também a disciplina Ambulatório de Atenção Básica, que não

prevê aulas práticas em sua metodologia, prevendo apenas as seguintes

atividades: “aulas teóricas expositivas, podendo ser utilizado recursos

estratégicos, como projeção de slides. transparências e vídeo;Leitura individual

e orientada dos textos;Estudo e discussão de textos em grupos” (UECE, 2011,

p. 142).

Essa integração é extremamente importante, pois, conforme afirma

Albuquerque et al. (2008), é impossível falar em mudança na formação dos

profissionais de saúde sem que seja feita a discussão sobre a articulação

ensino-serviço, considerando-a um espaço privilegiado para uma reflexão

acerca da a realidade da produção de cuidados e a sobre a necessidade de

transformação do modelo assistencial vigente em um modelo que considere

como objetivo central as necessidades da população.

Prosseguindo na análise, o próximo vetor do eixo “Cenários de Prática” é

Utilização dos diversos níveis de atenção/ diversificação dos cenários do

processo de aprendizagem.

Esse vetor ressalta a importância de se realizarem atividades clínicas

em unidades de atenção básica da rede do SUS, Unidades Básicas de Saúde,

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Unidades da ESF, com prioridade ambulatorial, ou em serviços próprios da IES

que subordinam suas centrais de marcação de consulta às necessidades locais

do SUS. Além disso, propõe que os internatos ou equivalentes sejam

desenvolvidos em sua totalidade na rede do SUS (BRASIL, 2007).

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Quadro 4. Disciplinas que prevêem atividades práticas nos serviços de saúde. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013 Semestre Disciplina Atividade prevista

S1 Saúde Coletiva (68h) Visita/estágio de observação aos serviços de saúde das SER IV e V do Município de Fortaleza

S1 Educação em Saúde (68h) Visitas a instituições governamentais e não-governamentais

S2 Genética Médica (68h) Aulas laboratoriais e práticas clínicas de atendimento ao paciente com realização de aconselhamento genético), dentro e fora da sala de aula, no laboratório e em hospitais.

S4

Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente

(102h)

Aulas teórico-práticas, ministradas à beira do leito do paciente, para grupos de 07 alunos no máximo; Atividade prática individual na enfermaria, junto ao leito, previamente designado para cada aluno, orientado por um monitor.

S4 Planejamento e Organização de

Serviços de Saúde (68h)

Visitas aos serviços de saúde e à comunidade.

S5 Clínica Médica I (272h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Escola referenciados

S5 Clínica Cirúrgica I (272h) Acompanhamento de ambulatórios de clínica cirúrgica em pequenos grupos

S5 Informação e Avaliação em

Saúde (68h)

Realização e apresentação de estudo de caso realizado nos municípios de Fortaleza e Sobral – CE; Aplicações do instrumento de AMQ (Avaliação para Melhoria de Qualidade da Estratégia Saúde da Família)

S6 Clínica Médica II (144h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais-Escola referenciados;

S6 Clínica Cirúrgica II (204h) Aulas práticas nos serviços especializados

S6 Pediatria I (136h) Aulas práticas realizadas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Infantil Albert Sabin, referência em pediatria no Estado.

S7 Pediatria II (136h) Aulas práticas realizadas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Infantil Albert Sabin, referência em pediatria no Estado.

S7 Saúde da Família e Comunidade (68h)

Atividades Práticas: os alunos se dividirão em 08 grupos, sendo distribuídos em unidades de atenção primária à saúde do município de Fortaleza

S7 Clínica Cirúrgica III (136h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais da rede

S8 Emergências Médicas (204h) Aulas práticas no Setor de Emergência e Terapia intensiva dos Hospitais Escola referenciados (Hospital Geral de Fortaleza, Centro de Assistência Toxicológica do Ceará (CEATOX), Instituto José Frota e Hospital de Messejana);

S8 Psiquiatria (68h) Campo de estágio na atenção terciária (Hospital de Saúde Mental de Messejana). Campo de estágio na atenção secundária (Centros de Atenção Psicossocial, gerais, das SER I, II, IV e V).

S8 Ginecologia e Obstetrícia (216h) Atendimento ambulatorial de pacientes sob supervisão

Nesse contexto, o PPP considera como princípios gerais da organização

da matriz curricular a “ampliação e o fortalecimento da inserção dos alunos em

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diferentes cenários de prática em todos os níveis de atenção, com ênfase no

componente da Atenção Primária” (UECE, 2012, p. 24).

Essa diversificação dos cenários de ensino-aprendizagem, segundo

Costa et al. (2012), figura como eixo educacional de uma medicina mais

próxima da sociedade e mais influente no panorama regional.

Assim, propõe-se, no PPP, que o profissional egresso do curso seja

capaz de “utilizar adequadamente recursos semiológicos e terapêuticos,

validados cientificamente, contemporâneos, hierarquizados para atenção

integral à saúde, no primeiro, segundo e terceiro nível de atenção”, além de

atuar “no sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos

e éticos de referência e contra-referência” (UECE, 2012, p.28).

Nesse sentido, algumas disciplinas do curso, em suas ementas,

ressaltam aspectos relacionados a esse vetor, trazendo proposições de

práticas nos três níveis de atenção, dos quais focaremos os relacionados à

APS.

Conforme o Quadro 4, as disciplinas que prevêem atividades práticas

(incluindo-se as visitas de observação) em serviços de saúde são: Saúde

Coletiva, Educação em Saúde, Planejamento e Organização dos Serviços de

Saúde, Informação e Avaliação em Saúde, Saúde da Família e Comunidade.

Além disso, há o internato, que prevê 4 meses de prática em Medicina da

Família e Comunidade (UECE, 2011).

Blank (2006, p. 29) ressalta-se a importância da proximidade do aluno

com a comunidade:

[...] se o que queremos é formar médicos (médicos clinicam na comunidade) e se as diretrizes vigentes requerem a sua capacitação [...] na comunidade em que clinicam), imaginar o cenário da prática educativa afastado da prática clínica seria um erro fatal de concepção.

Os estudantes, em seus depoimentos, confirmaram a realização de

práticas em cenários dos três níveis de atenção à saúde - Unidades Básicas de

Saúde, ambulatórios, hospitais, e também em locais diversos como visitas ao

Projeto 4 varas, localizado no bairro Pirambu, em Fortaleza, que serve como

sede de encontros semanais comunitários e de oficinas, que o tornaram um

modelo de atenção primária em saúde mental (CAMAROTTI, 2012).

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As entrevistas, entretanto, revelaram que a eleição dos locais de prática

nem sempre atende às necessidades de aprendizado dos alunos, conforme o

depoimento a seguir:

Alguns serviços realmente foram bastante úteis pra nossa aprendizagem e cultura. Mas tem outros serviços que eu acredito que são realmente desnecessários e bastante específicos até mesmo pra área (A22S10).

Em contraste a essa situação, ressalta-se a já expressa necessidade de

uma formação generalista para capacitar os profissionais para o SUS.

Com relação aos locais onde se realizam o internato, contudo, observou-

se um aspecto positivo: o Pró-Saúde considera como imagem objetivo desse

vetor a realização do internato em sua totalidade na Rede SUS (BRASIL,

2007), e o PPP informa que este “é desenvolvido na Rede de Atenção à Saúde

Estadual e Municipal (Hospitais, serviços especializados e Centros de Saúde

da Família)”, sendo um mês de internato destinado à inserção do estudante em

no município de Pacoti no interior do Ceará (UECE, 2012).

Outro ponto a ser destacado é o fato de os alunos perceberem de forma

positiva a sua inserção na comunidade durante a graduação, conforme o

seguinte depoimento:

A gente inserido na comunidade já facilita nossa vivência com certeza, é muito mais fácil pra quando a gente se formar a gente já saber como lidar com a população, e não ser aquela coisa só a teoria (A17S12).

Conforme Costa (2012), a APS pode representar, para a educação

médica, muito mais do que um cenário vivo. Talvez seja “a própria vida em

forma de diferentes cenários, indispensáveis, embora muitas vezes

desconfortáveis.” Esse “desconforto” referido pelo autor foi também expresso

por alguns alunos, que afirmaram o incômodo de participar das práticas na

comunidade em virtude do acesso muitas vezes difícil a esta, além do receio

provocado nos estudantes em virtude da insegurança desses locais:

As desvantagens é que, às vezes, a gente tem que se deslocar pra comunidades mais distantes, é... lugares, que, às vezes que são perigosos... Eu lembro que teve um dos semestres que eu tinha que ir pra um posto que era na quarta etapa do Conjunto Ceará, era uma

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coisa que, de certa forma, me desagradava, porque eu achava perigosíssimo, eu ia sozinha de carro (A14S12).

O vetor Integração dos serviços próprios das IES com os serviços de

saúde/ Articulação dos Serviços Universitários com o SUS, por sua vez,

defende que os serviços próprios das instituições de ensino, nos quais os

alunos atuam, sejam completamente integrados ao SUS, sem que haja uma

central de marcação de consultas ou de internações próprias das instituições

acadêmicas, de forma que sejam desenvolvidos mecanismos institucionais de

referência e contra-referência com a rede do SUS (BRASIL, 2007)

Sobre essa articulação, ressaltam Ceccim e Feuerwerker (2004) que a

ordenação da formação para a área da saúde como política pública afirma a

perspectiva da construção de espaços locais, microrregionais e regionais que

sejam capazes de desenvolver não só educação das equipes de saúde e de

agentes sociais, mas também de parceiros intersetoriais. Entre essas parcerias

está a estabelecida com as universidades, o que vai influenciar no alcance de

uma saúde de melhor qualidade.

Nesse contexto, o PPP ressalta que é uma pretensão do curso de

Medicina da UECE “propiciar a interação ativa do aluno com usuários e

profissionais de saúde, desde o início de sua formação, [...] que se consolida

com o internato” (UECE, 2012, p.35).

A parte do internato destinada ao aprendizado em Medicina de Família e

Comunidade (MFC) tem duração de 4 meses, compostos por 2 meses em

Unidades Básicas de Saúde do município de Fortaleza, um mês no internato

Rural e um mês denominado de eletivo em MFC (UECE, 2012).

O Internato eletivo em MFC, por sua vez, conforme o PPP, deve ser

realizado nos Centros de Especialidades Dona Libânia, Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS), Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH),

ambulatório de tuberculose do Hospital de Messejana ou em outras unidades

de saúde, até mesmo fora do Estado, na condição de que haja atuação em

MFC (UECE, 2012).

A realização do internato e das demais práticas no curso de Medicina no

serviços do SUS é extremamente importante, pois, conforme Ceccim e

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Feuerwerker (2004), somente a prática inserida no sistema de saúde é capaz

de possibilitar ao aluno um aprendizado em níveis crescentes de

complexidade, voltado para as necessidades de saúde da comunidade

Além das atividades previstas no currículo do curso, existem as

chamadas atividades complementares, que incluem os estágios

extracurriculares, considerados relevantes para o enriquecimento do processo

de ensino-aprendizagem do Curso, uma vez que

[...] possibilitam ao estagiário o aperfeiçoamento técnico-científico e de relacionamento humano, bem como condições de vivenciar e adquirir experiência prática em situações reais de trabalho nas mais diversas áreas do campo da Saúde. (UECE, 2012).

Isso é facilitado pelos hospitais conveniados com a UECE, que são

Hospitais de Ensino e costumam oferecer estágios extracurriculares (UECE,

2012).

Também facilitam esse processo instituições governamentais como a

SESA, que oferece oportunidades como a vivenciada por um dos alunos

entrevistados: o Programa Bolsa de Incentivo à Educação na Rede SESA, o

PROENSINO SESA, que direciona bolsas a alunos de diversos cursos, para

que eles atuem junto às Coordenadorias, Núcleos, Unidades Hospitalares e

Ambulatoriais da Rede SESA, desenvolvendo atividades inerentes à sua

formação acadêmica, voltadas para os objetivos das instituições envolvidas

(CEARÁ, 2012).

Ademais, o PPP lista, como cenários de aprendizagem oferecidos aos

alunos do curso de medicina, as seguintes instituições: no campus da UECE, o

Instituto de Ciências Biomédicas (salas de aula e laboratórios), o Laboratório

de Anatomia e Patologia Geral, o CSF Policlínica Nascente, e a Biblioteca

Central do Campus; na Rede SUS municipal - SMS Fortaleza, os territórios das

SER IV e V, sendo os Centros de Saúde da Família e Centro de Atenção Psico-

Social (CAPS) para atenção primária, e o Instituto Dr. José Frota para a

Atenção Secundária e Terciária; na rede estadual – SESA, o Hospital Geral Dr.

César Cals, o Hospital Geral de Fortaleza; o Hospital Infantil Albert Sabin, o

Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (Hospital do Coração

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de Messejana), o Hospital Mental de Messejana; o Hospital São José, o

Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara, o Centro Dermatológico Dona

Libânia e o Instituto Médico Legal(UECE, 2012).

Algumas fragilidades, entretanto, foram observadas nessa integração

entre a IES e os serviços de saúde. Uma delas se refere aos professores que

recebem os alunos nos serviços, os quais, segundo os alunos, não são, em

sua totalidade, vinculados à UECE, o que traz dificuldades ao processo de

ensino-aprendizado:

[...] tem uma carência muito grande de professores, aí foram criados aqueles professores de práticas, né, que não são professores da UECE, que não são concursados, mas recebem só uma bolsa pra estar recebendo os alunos. Seria mais ou menos como se fosse preceptores (A15S12).

Segundo o PPP, desde a concepção do Curso de Medicina da UECE,

houve restrição de contratação de novos servidores na IES, portanto foi feito

um aproveitamento de médicos atuantes em preceptoria de programas de

residência médica, lotados na rede hospitalar de referência do Estado. A Lei Nº

14.358, sancionada em 2009, instituiu a Gratificação de Ensino de Práticas

Médicas. Criou-se, então, a legalidade para uma gratificação que tem como

objetivo remunerar o esforço, a habilidade e a atividade de ensino de práticas

médicas exercido por médicos servidores estaduais habilitados e selecionados

no acompanhamento de alunos do Curso de Medicina da UECE. O profissional

médico selecionado, em quantidade máxima de 35 por período letivo, dedica

até 40 horas mensais para o ensino de práticas médicas por um período

máximo de 4 meses e não tem responsabilidade de regência das disciplinas,

que fica sob o encargo de docentes do quadro permanente da UECE,

Esse fator foi considerado, no geral, pelos alunos, como negativo, sendo

sua existência causa de empecilhos no cotidiano das práticas, como é

observado no depoimento a seguir:

[...] A gente vem pro hospital, a gente chega oito e meia, nove horas, aí quando é dez e quarenta o professor libera. Uma aula prática que, no currículo, que é pra ser ‘ABCD’, na verdade, começa oito e meia e antes de dez e meia o professor libera a gente, vai embora, porque tem que atender no ambulatório, tem que ir não sei aonde, e vai embora (A21S10).

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Essa falta de vínculo do professor à instituição de ensino pode

comprometer o processo, no sentido de que, caso estivesse com dedicação

exclusiva, o problema supracitado poderia não acontecer. Conforme afirma

Silva (2001), “é sabido que as universidades públicas que atingiram altos

padrões de ensino e pesquisa foram aquelas que optaram pela valorização da

dedicação exclusiva [de seus professores]”.

Além disso, Bosi (2007) aponta uma crescente precarização do trabalho

docente nas universidades, ressaltando que, do total de docentes cadastrados

pelo INEP (2004), apenas 16,9% trabalham em regime de dedicação exclusiva.

Vale ressaltar, com relação à integração dos serviços da IES com os do

SUS, é que a UECE não possui hospital universitário, assunto que vem sendo

discutido entre representantes da UECE e governantes de um hospital

universitário (CEARÁ, 2013). Isso pode ser benéfico no sentido de que os

estudantes aprendam em serviços abertos ao público, diminuindo as chances

do clientelismo, abominável prática que se estabelece, com frequência, nos

hospitais universitários.

3.2.3 Orientação Pedagógica

Esse eixo do Pró-Saúde destaca características inerentes ao processo

de educação de adultos, o qual pressupõe que sejam utilizadas metodologias

de ensino-aprendizagem que proponham concretamente desafios a serem

superados pelos estudantes, que lhes possibilitem ocupar o lugar de sujeitos

na construção do conhecimento, participando da análise do próprio processo

assistencial em que estão inseridos e que, diferentemente dos métodos

educacionais tradicionais, coloquem o professor na condição de facilitador e

orientador desse processo (BRASIL, 2007).

No modelo pedagógico em questão, um dos pontos chave é o aprender

fazendo, que pressupõe a inversão da clássica sequência teoria-prática na

produção do conhecimento, assumindo que isso acontece de forma dinâmica,

por meio da ação-reflexão-ação. Assim, pretende-se a integração entre os

ciclos básico e clínico, além da busca do conhecimento e habilidades que

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respaldem as intervenções, do ponto de vista da clínica e da saúde coletiva, à

luz da problematização (BRASIL, 2007).

Além disso, busca-se o aprender a aprender. Isso requer o

desenvolvimento de habilidades na procura, seleção e avaliação crítica de

dados e informações em livros, periódicos, bases de dados locais e remotas,

além da utilização do próprio conhecimento prévio do indivíduo.

O eixo é subdividido em três vetores: integração básico-clínica, análise

crítica dos serviços e aprendizagem ativa.

No vetor de integração básico-clínica, defende-se um ensino que integre

o ciclo básico com o profissional ao longo de todo o curso, orientado por

métodos específicos, como a problematização (BRASIL, 2007).

O método da problematização não é o predominante nos processos de

ensino-aprendizagem, conforme será visto no eixo a seguir, entretanto, o PPP

propõe, como princípio geral de sua organização da matriz curricular do curso,

que se faça uma “integração entre as disciplinas, buscando reduzir a

fragmentação e a repetição de conteúdos” (UECE, 2012, p.24).

Além disso, é proposta pelo PPP uma qualificação da integração dos

ciclos básico e clínico, direcionado para a “busca do conhecimento e

habilidades que respaldem as intervenções para trabalhar as questões

apresentadas, tanto do ponto de vista da clínica quanto da saúde coletiva” e,

para isso, propõe-se que o início de atividades práticas ocorra no primeiro

semestre letivo (BRASIL, 2011, p.24).

Vale ressaltar que, conforme apresentado em tópico anterior, as

entrevistas com os alunos revelaram que existem atividades práticas desde o

início do curso, porém as práticas de atuação serviço só começam

efetivamente a partir do quarto semestre.

Ademais, é proposta, no PPP, a “qualificação da organização dos

conteúdos, de forma a facilitar os processos de interdisciplinaridade e

integralização de conhecimentos”, e a “promoção da interdisciplinaridade e da

intersetorialidade, por meio da articulação de conteúdos em grupos temáticos”

(UECE, 2012, p.34).

Essas pretensões vão de encontro ao proposto pelo Pró-Saúde, que

considera como evidência de que o vetor está sendo seguido a facilitação dos

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processos de interdisciplinaridade e integralização de conhecimentos (BRASIL,

2007).

Essa interdisciplinaridade e intersetorialidade podem ser facilitadas pelo

caráter multiprofissional do corpo docente disponível no quadro atual do Curso

de Medicina da UECE. Segundo o PPP (UECE, 2012), Há sete distintas

graduações nos currículos dos 59 professores: médicos - 43 (71%);

enfermeiros - 5 (9%); farmacêuticos - 5 (9%); biólogos - 3 (5%); odontólogos –

1 (2%); psicólogo - 1 (2%);e estatístico - 1 (2%).

Tal interdisciplinaridade, entretanto, como visto anteriormente, nem

sempre é bem aproveitada pelos alunos, uma vez que, quando a disciplina é

ministrada por um professor não médico, o que ocorre principalmente nas

disciplinas de APS, os alunos não se apropriam plenamente do assunto por

não se imaginarem realizando a atividade trabalhada em seu futuro

profissional.

Isso prejudica bastante a formação dos futuros profissionais do SUS,

uma vez que a aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido

pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos (ZIMRING,

2010).

Segundo os alunos, algumas disciplinas relacionadas à APS:

[...] não são dadas por médicos. São dadas geralmente por enfermeiros, ou então assim, outros profissionais de saúde, que se especializaram, né, fizeram mestrado em outras áreas, e que aí vêm ensinar no curso né. Aí isso daí contribui também pra aumentar a imagem daqueles alunos de que aquilo ali não serve pro médico (A22S10).

Indo de encontro a essas percepções, Feuerwerker (2004) ressalta que

a abordagem multiprofissional e interdisciplinar é essencial no cuidado em

saúde e pressupõe interações e rupturas de fronteiras habitualmente presentes

no ensino médico, mudanças de poder concentrado em disciplinas ou

departamentos e a implantação de acordos coletivos em prol de um projeto

pedagógico orientado pelas necessidades de saúde da comunidade e pelo

processo de construção ativa do conhecimento pelo estudante.

Além disso, é referido pelos alunos que algumas disciplinas ministradas

no início do curso têm seus assuntos deixados em segundo plano por algum

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tempo, o que acaba causando uma dificuldade de utilizá-los posteriormente,

em virtude de tal desconexão, conforme o depoimento a seguir:

[...] disciplinas como bioestatística ou anatomia a gente vê nos primeiros semestres e no final do curso, são exigidos esses conhecimentos, é... fica até difícil de tentar relembrar os conteúdos passados porque é um acúmulo de informações, então você acaba selecionando mais o que é mais prático. São coisas que você sabe que são importantes, [...], mas aí fica, de certa forma, assim, uma deficiência, vamos dizer assim entre aspas, porque a disciplina já foi dada há três, quatro anos atrás, então, realmente fica complicado (A22S10).

A integração de conteúdos contribui para uma construção de caminhos

no ensino médico com uma maior presença da interdisciplinaridade (BATISTA,

2006). Entretanto, vale lembrar que os desafios de concretizar projetos

inovadores da educação médica não se reduzem a meros arranjos de

conteúdos e/ou atividades, mas sim propostas que representem

potencialidades de configuração de novas teias institucionais tanto no contexto

da formação como nas práticas de atenção à saúde (ALMEIDA, 2007).

Nesse sentido, é importante destacar o Teste do Progresso, realizado

pela Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM, que avalia

individualmente se a aquisição de conhecimento por parte do estudante de

Medicina está sendo contínuo e progressivo, e como o conhecimento está

sendo elaborado e consolidado nas áreas básicas e clínicas, importantes para

não só para o aproveitamento do internato como também do desenvolvimento

final do profissional (ABEM, 2012).

Nesse tipo de avaliação é valorizada a adoção, por parte dos

estudantes, de um estilo de aprendizagem longitudinal para que, até o final da

formação, os conhecimento elaborados estejam estar consolidados para o bom

exercício da profissão (ABEM, 2012).

O vetor Análise Crítica da Atenção Básica, por sua vez, propõe que o

processo de ensino-aprendizagem tome como eixo, na etapa clínica, a análise

crítica da totalidade da experiência da atenção à saúde, enfatizando-se o

componente de Atenção Básica (BRASIL, 2007).

Nesse contexto, é proposto pelo PPP que o início de atividades práticas

a serem vivenciadas pelos estudantes aconteça desde o primeiro semestre

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letivo, respeitando-se os limites de suas competências.Fomenta-se também a

ampliação e o fortalecimento das atividades extracurriculares e a inserção

precoce do aluno em diferentes cenários de prática, permitindo que ele

conheça e vivencie situações variadas de vida, da organização da prática e do

trabalho em equipe multiprofissional (UECE, 2012).

Os depoimentos dos alunos, entretanto, revelaram que existe uma

lacuna entre o que é trabalhado pelas “disciplinas sociais” e o que é vivenciado

durante o internato, conforme o discurso a seguir:

E quando você chega no internato, praticamente essas matérias [de Saúde Coletiva] são abolidas, fica tudo muito concentrado em clínica, cirurgia e pediatria. A medicina de família e comunidade que você vê é muito mais voltada pra tratar doenças, como hipertensão, diabetes, agravos, e é focada em doenças e não mais na parte de políticas, então nos dois últimos anos do curso fica meio que esquecido isso aí, essa proposta da Atenção Primária. Você trabalha, você fica os quatro meses na Medicina de Família e Comunidade no internato, mas na verdade é voltado pra doença, né... (A22S10).

Revela-se portanto, uma fragilidade quanto ao que é proposto no que se

refere às vivências e aprendizados sobre APS no internato.Além disso, mesmo

diante da importância de formar profissionais que não sejam alheios ao sistema

de saúde vigente, ou seja, com concreta apropriação dos princípios e diretrizes

do SUS, conforme defendem Ceccim e Feuerwerker (2004), observou-se que

há um distanciamento entre os alunos do internato e as discussões acerca da

temática:

É raro aquele dia em que você vai focar ou debater o SUS, né, num tem. Então, assim, essas idéias de atenção primária, no próprio internato vão sendo, assim, combatidas. Depois que você vê, você sai, você se forma, aí você sai com aquela sensação ‘rapaz, aquelas matérias não valeram de nada. Eu vou tratar a doença no paciente, pra que eu preciso saber os princípios do SUS, pra que eu preciso saber o que essa política diz? (A21S10).

No vetor Aprendizagem ativa/ mudança metodológica, defende-se que o

ensino seja baseado, principalmente, na problematização em pequenos

grupos, ocorrendo em ambientes diversificados, com atividades estruturadas a

partir das necessidades de saúde da população (BRASIL, 2007).

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Nesse sentido, o PPP traz como um dos princípios gerais de sua

construção a “ampliação e o fortalecimento de estratégias pedagógicas que

favoreçam a auto-aprendizagem”, considerando que a orientação pedagógica

possibilitará aos estudantes serem sujeitos da busca de seu aprendizado, com

o auxílio do professor que atua como facilitador do processo e incentiva o

aprender fazendo (UECE, 2012, p.24).

Além desse, outro princípio geral da organização da matriz curricular é a

ênfase no

aprendizado prático, no qual o estudante, com participação dos profissionais dos serviços e dos professores, adquire responsabilidade progressiva e crescente, na perspectiva da permanente melhoria do atendimento à população (UECE, 2012, p.25).

Além disso, a UECE estabelece, como um de seus valores, a auto-

aprendizagem, definida como habilidade para o desenvolvimento ativo e com

senso crítico do conhecimento, fortalecida pela integralização curricular que

propõe metodologias de ensino-aprendizagem que visem a despertar a

motivação, a capacidade crítica e analítica e o poder criativo do educando e ao

estímulo de raciocínio e trabalho em grupo e em equipes interdisciplinares

(UECE, 2012).

Nos planos de ensino, contudo, percebe-se a frequente utilização de

estratégias pedagógicas tradicionais, que não estimulam tanto a participação

do aluno. Analisando-se todas as disciplinas do curso, a estratégia

metodológica predominante são as aulas teóricas expositivas, e isso foi

confirmado pelo depoimento dos alunos:

De maneira geral, a metodologia de ensino da universidade é aquela metodologia clássica, né, você não tem aqueles meios de ensino como a análise de problemas, [...] é a passagem mais catedrática, vamos dizer assim. É exposto uma aula, que mostra um conteúdo, e nós estudamos esse conteúdo (A15S12).

O Quadro 5 mostra as disciplinas e suas metodologias de ensino, entre

as quais predomina a aula teórica expositiva, corroborando com o exposto

pelos discentes entrevistados.

Sobre as aulas teóricas expositivas, os alunos afirmaram que elas

constituem num método que, apesar de ser benéfico por disponibilizar muitas

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informações, o que é apreciado principalmente quando a aula é ministrada por

especialistas no assunto a ser trabalhado, é, contudo, bastante cansativo, e,

com o passar do tempo, durante a aula, o aluno acaba se dispersando, sendo

difícil manter a atenção voltada o tempo inteiro para o professor: “Às vezes, a

aula é muito longa, e, com isso, não [se] prende muito [a] atenção [do aluno]”.

Esses achados corroboram com Pereira et al. (2013), que afirmam ser a

aula expositiva uma modalidade didática importante para introduzir um assunto

e representa uma comunicação fundamental, porém exige muita concentração

dos alunos durante a aula, sendo bastante criticado por existir pouca interação

entre professor/aluno.

Além disso, os discentes afirmaram que a monotonia das aulas

expositivas causa a evasão dos alunos e que, durante essas aulas, não se

abre muito espaço para discussão.

Essa informação foi expressa, por um dos estudantes, de forma bastante

peculiar: ele se referiu às aulas expositivas com o trocadilho “aulas

impositivas”. A pouca participação dos alunos, durante as aulas expositivas foi

expressa pelos estudantes, nas entrevistas como algo negativo:

A gente aprende de forma muito passiva, a gente só escuta e aí tem que dar um jeito de aprender aquilo depois. A gente não participa do aprendizado, que é o que acontece no estudo de caso, no PBL, que é o que realmente a gente sente um pouco de falta (A13S12).

O uso de metodologias tradicionais é criticado pelo Pró-Saúde, que

considera o “ensino centrado no professor, realizado fundamentalmente por

meio de aulas expositivas para grandes grupos de estudantes”, predominante

no Curso de Medicina da UECE, a situação que configura o estágio mais

inferior de cumprimento do vetor “Mudança Metodológica” (BRASIL, 2007)

Mitre et al. (2008), afirma que o processo ensino-aprendizagem, na

formação em saúde, tem se restringido, muitas vezes, à reprodução do

conhecimento, no qual o docente assume um papel de transmissor de

conteúdos, ao passo que, ao discente, cabe a retenção e repetição dos

mesmos - em uma atitude passiva e receptiva (ou reprodutora) - tornando-se

mero expectador, sem as necessárias crítica e reflexão.

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Os estudantes disseram que “o modelo clássico de aula expositiva já é

um pouco ultrapassado; o aluno não consegue absorver depois de uma aula

muito longa. Aprendi muito mais com as práticas”.

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Quadro 5. Metodologias de ensino adotadas nas disciplinas do Curso de Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013

Disciplina X Metodologias

Aula Teórica

Expositiva

Aula prática

Visitas ao

serviço

Exibição e

debates de

filmes

Sem

inário

Roda de

conversa

Painel

Integrad

o

Dinâmica em

grupo

Estud

o dirigido

Trabalho em

grupo

Trabalho/

Leitura

individual

Discussão em

grupo

Biologia Celular E Molecular x x x x X

Ciências Morfológicas x x

X x

Métodos De Estudo E De Pesquisa x

x x X x X

Saúde Coletiva x

x x X x X x x x

Educação Em Saúde x

x

x x

Ciências Fisiológicas x x

X

Anatomia Aplicada x x

X

x

Estatística De Saúde x

X

x x

Genética Médica x x

x X

x

Ciências FisiológicasII x

X

x

x

Mecanismos De Agressão E Defesa x x

Ciências Sociais E Saúde x

X

x x

x

Epidemiologia x

X

X

x

x x

Famacologia Geral x

X

x x

x

Diagnóstico Por Imagem x x

X

x

x x

Inglês Médico x

x x x

Psicologia Médica x

X

x

Iniciação Ao Exame Clínico E Relação Médico-Paciente

x x

X

x

Políticas Públicas De Saúde x

X x

x

Clínica Médica I x x

X

x x

Bioética E Etica Médica x

X

x x

x x

Clínica Cirúrgica I x X

x x

Planejamento E Organização De Serviços De Saúde

x

x x X

x

Farmacologia Clinica x

X

x

x x

Informação E Avaliação Em Saúde x X

X

X

Medicina Legal E Deontologia x

x

x x

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Quadro 5 – Continuação

Disciplina X Metodologias

Aula Teórica

Expositiva

Aula prática

Visitas ao

serviço

Exibição e

debates de

filmes

Sem

inário

Roda de

conversa

Painel

Integrad

o

Dinâmica em

grupo

Estud

o dirigido

Trabalho em

grupo

Trabalho/

Leitura

individual

Discussão em

grupo

Clínica Médica II x x

X

x x x x

Clínica Cirúrgica II x x

X

x

Pediatria I x x

Pediatria II x x

Saúde Da Família e Da Comunidade x x

X

Clínica Médica III x x

x x

Clínica Cirúrgica III x x

X

x

x x

Emergências Médicas x x

x

Psiquiatria x x

Epidemiologia Clínica x

x x

Trabalho De Conclusão De Curso x

x

Gineco-Obstetrícia x x

X

x

x

Ambulatório De Atenção Básica x

x x

Contudo, o uso de aulas práticas foi também expresso como um dos

mais utilizados, o que é bastante positivo para a formação dos futuros

médicos.Os alunos afirmaram que as vivências proporcionadas pelas aulas

práticas os aproximam da realidade, muito mais do que momentos de

atividades teóricas.

Segundo Rogers apud Zimring (2010), a verdadeira aprendizagem

ocorre em grande parte através da ação e que o ato de aprender é facilitado

quando o aluno participa do processo.

Outro método muito utilizado, conforme os alunos e confirmado no Quadro 5,

são os seminários, vistos pelos alunos com a vantagem de incentivar o aluno a

estudar com profundidade o assunto, “pelo fato de [o aluno] se preparar para

dar uma aula e dar oportunidade de desenvolver a didática”, porém com a

desvantagem de o aluno focar o aprendizado no tema que vai apresentar, em

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detrimento dos demais temas a serem trabalhados e apresentados por seus

colegas.

As dinâmicas de grupo, método que exige uma participação mais ativa

dos alunos, foi mencionado como um dos que ocorre com menos frequência,

porém, vale ressaltar que elas foram associadas, pelos discentes, às

disciplinas sociais, e que tais vivências foram bem marcantes, dentre as

ocorridas durante o processo de aprendizado. Segundo os estudantes, elas

aconteciam:

principalmente no começo da faculdade, principalmente nas cadeiras que a gente chama de 'sociais', né?! Saúde coletiva, educação em saúde. [...] Eu gosto. É engraçado que a gente leva isso até o fim da faculdade, a gente tá terminando agora e a gente lembra, tipo assim, de práticas que foram feitas no primeiro semestre na cadeira de Educação em Saúde, entendeu?! [...] Eu acho que vale a pena, eu acho que é uma didática diferente, entendeu?! (A12S12)

Apesar da disciplina de Educação em Saúde, prevê “trabalhos de grupo”

e não “dinâmicas de grupo”, e os alunos se referiram às atividades marcantes

dessa disciplina dessa forma.

Assim, é válido que se utilizem métodos que exijam maior envolvimento

dos alunos, pois, conforme afirma Mitre (2008), o processo ensino-

aprendizagem é complexo, apresenta um caráter dinâmico e não acontece de

forma linear, como uma somatória de conteúdos acrescidos aos anteriormente

estabelecidos, mas exige ações direcionadas para que o discente aprofunde e

amplie os significados elaborados mediante sua participação. O estudante

precisa assumir um papel cada vez mais ativo, descondicionando-se da atitude

de mero receptor de conteúdos, buscando efetivamente conhecimentos

relevantes aos problemas e aos objetivos da aprendizagem. Ceccim e

Feuerwerker (2004) consideram o uso dessas metodologias ativas de ensino-

aprendizagem um importante passo para que sejam alcançadas mudanças na

formação para o SUS.

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3.3 A formação médica oferecida pela UECE e o Quadrilátero da formação

para a área da Saúde.

O Quadrilátero da Formação para a área de saúde, proposto por Ceccim

e Feuerwerker (2004) serve como ferramenta que permite uma análise crítica

da educação que tem sido ofertada, no setor de saúde, aos estudantes e,

consequentemente, dos produtos dessa educação que repercutem na

população. A imagem do quadrilátero da formação serve à construção e

organização de uma gestão da educação na saúde integrante da gestão do

sistema de saúde, redimensionando a imagem dos serviços como gestão e

atenção em saúde e valorizando o controle social.

Ceccim e Feuerwerker (2004) destacam que gestão setorial e

estruturação do cuidado à saúde se incorporam ao aprender e ao ensinar, de

maneira que sejam formados mais que profissionais para a área da saúde:

prima-se pela formação para o SUS.

A formação não pode tomar como referência apenas a busca eficiente

de evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e

profilaxia das doenças e agravos. Deve buscar desenvolver condições de

atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações, da

gestão setorial e do controle social em saúde (CECCIM e FEUERWERKER,

2004).

Quanto à formação oferecida pelo curso de graduação em Medicina pela

UECE, observa-se a preocupação em incluir no currículo disciplinas que

envolvam os assuntos de APS e Saúde Coletiva ao longo de todo o curso,

conforme apresentado nas seções anteriores, especialmente no Quadro 2.

Entretanto, a carga horária das disciplinas voltadas para outros níveis de

atenção supera as de atenção primária, além do fato de que, no internato, a

fração de tempo direcionada à APS é menor do que a direcionada às demais

atividades.

Assim, quanto ao atendimento às demandas de gestão setorial, Ceccim

e Feuerwerker (2004) ressaltam que o componente serviço não pode se

restringir à noção de práticas de atenção, devendo ir além, revelando uma

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estrutura de condução das políticas, a gerência do sistema e organização de

conhecimentos do setor.

Vale ressaltar que, conforme apresentado quando abordamos as

habilidades e competências de liderança, administração e gerenciamento

preconizadas pelas DCN, a atuação do médico em atividades de gestão foi

abordada por um dos alunos, que afirmou que “é um dos campos de atuação

do médico a parte da gestão, e não só a clínica” e que a disciplina de Políticas

Públicas de Saúde “dá a oportunidade de você, no futuro, se for trabalhar como

gestor, ter um aporte teórico e vai ter trabalhado na parte prática”.

Entretanto, a já comentada falta de afinidade dos alunos com as

“disciplinas sociais”, as quais podem aproximá-los da realidade do SUS, e o

fato de que as cargas horárias destas são menores que a das disciplinas

voltadas para a clínica podem ser grandes empecilhos no aprendizado sobre

os aspectos de gestão.

As disciplinas que mais se relacionam a este aspecto são as

relacionadas no Quadro 6. Elas somam uma carga horária de 204 horas, ou

seja, de um total de 4.488 horas disciplinares (não incluem as horas do

internato), apenas 4,5% direcionam à abordagem direta da temática de gestão

do SUS.

Além disso, entre as atividades complementares constantes do PPP,

conforme se viu anteriormente, nenhuma se relaciona diretamente a aspectos

de gestão em saúde para o SUS.

Em virtude da inseparabilidade da gestão e da prática clínica no

fazer/pensar saúde defendida por Campos e Oliveira (2009), questiona-se,

portanto, se os alunos do curso de Medicina da UECE estão tendo

oportunidades suficientes de acesso a aprendizados que o preparem para as

diversas necessidades SUS,aí incluídas as atividades inerentes à gestão,.

considerando-se que o trabalho em saúde requer profissionais de amplo

espectro de habilidades e competências.

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Quadro 6. Disciplinas que se relacionam aos aspectos gerenciais do SUS, suas cargas horárias e ementas. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013

Disciplina Carga Horária e Ementa

Políticas Públicas de Saúde

68h. Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.

Planejamento e Organização de

Serviços de Saúde

68h. Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados

Informação e Avaliação em Saúde

A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o processamento e a

análise dos dados e informações visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços e

tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e

analisa a importância de processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de

problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de tomada de

decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da avaliação, discute-se

conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de avaliação em saúde; enfoca uma visão

geral das diferentes abordagens que podem ser utilizadas na avaliação; compreende o

movimento institucional de introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.

Ceccim e Feuerwerker (2004) defendem que o componente

“comunidade”, o qual deve constar na formação do profissional de saúde, é

algo que deve ir além da interação com a população, pela introdução da noção

de relevância e responsabilidade social do ensino. Na verdade, a formação

deve englobar aspectos de produção de subjetividade, produção de habilidades

técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento do SUS.

A restrita carga horária direcionada ao estudo do SUS, como visto

anteriormente, é também assim percebida por alguns estudantes:

[...] é raro aquele dia em que você vai focar ou debater o SUS, né, num tem (.....)

O componente “controle social”também é discutido no Quadrilátero da

formação. Conforme Ceccim e Feuerwerker (2004), sendo a formação uma

tarefa socialmente necessária, ela deve guardar para com a sociedade

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compromissos políticos e éticos. A formação não pode se fixar aos valores

tradicionais e deve dar atenção ao movimento de transformações na

sociedade, e ser capaz de sofisticada escuta aos valores em mutação. Assim,

as instituições formadoras devem buscar sempre atender a interesses coletivos

e à construção de novidade em saberes e em práticas.Nesse contexto, controle

social pode ser definido como a capacidade que a sociedade civil tem de

interferir na gestão pública, na direção dos interesses da coletividade, o que

inclui toda ação controladora da sociedade sobre o estado, objetivando as

políticas de saúde. Abrange também a produção de necessidades da vida por

seus próprios protagonistas, uma verdadeira partilha de poder. Envolve ainda a

construção de um processo político pedagógico de conquista da cidadania e

fortalecimento da sociedade civil (ARANTES, 2007).

Outro ponto a ser destacado é que Ceccim e Feuerwerker (2004)

consideram que a educação em serviço reconhece os municípios como fonte

de vivências, autorias e desafios, lugar de inscrição das populações, das

instituições formadoras, dos projetos político pedagógicos e dos estágios para

estudantes, o que concorda com o preconizado pelo Pró-Saúde.

Compreende-se, portanto, a APS, como um lócus preferencial em que

profissionais de saúde podem contribuir para o incentivo à participação dos

usuários do SUS, cumprindo o princípio da participação e controle social. Por

sua vez, a responsabilidade das IES com a sociedade relaciona-se diretamente

à formação por elas ofertadas: uma formação que seja direcionada às reais

necessidades da população. Portanto, uma vez que se afirma que, na APS,

deveriam ser resolvidos 80% dos problemas de saúde da população (OMS,

1978), a formação dos profissionais de saúde deveria atender diretamente a

essas demandas, compreendendo-se que o atendimento de tais demandas

ultrapassam o setor saúde, necessitando de políticas intersetoriais, as quais

por sua vez devem ser demandadas pela sociedade, sendo o profissional de

saúde importante ator na formação dessa conscientização.Neste cenário, uma

formação consistente em APS – questionada, no caso da graduação em

Medicina oferecida pela UECE - seria importante contribuição.

Neste ponto, questiona-se alguns itens já citados anteriormente como

principais nós críticos: o início de atividades práticas no quarto semestre, a

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ausência de atividades práticas na disciplina de Ambulatório de Atenção Básica

e a previsão de apenas quatro meses (dos vinte e dois) de internato para as

atividades de MFC.

No entanto, para que os futuros profissionais de saúde desempenhem

tal papel, o processo formativo há que priorizar a formação de profissionais-

cidadãos, não apenas por meio de conteúdos teóricos mas aliando a estes a

vivência política e social, a partir do próprio ambiente acadêmico e estendendo

para os cenários de prática. . Entretanto,o termo “controle social”, sequer é

mencionado pelo PPP, merecendo destaque apenas um trecho que traz um

dos princípios gerais de sua construção:

Consolidação da integração entre o ensino e o serviço. O esforço de integração ensino-serviço segue os seguintes parâmetros: envolve a comunidade como espaço social participativo e centra-se nas necessidades de saúde da população (UECE, 2012, p. 25).

Os planos de ensino, por sua vez, fazem uma breve menção à

participação social na ementa da disciplina Políticas Públicas de Saúde

(Quadro 6), além de ter, como um dos tópicos de seus conteúdos

programáticos a participação social e a representação por conselhos. Assim,

questiona-se a falta de oportunidade dos estudantes aprenderem e vivenciarem

processos que os tornem aptos ao incentivo da participação e do controle

social, além de sua própria participação.

Nesse contexto, vale ressaltar a importância de reorientar o processo de

formação dos profissionais da saúde, de modo a oferecer à sociedade

profissionais habilitados para responder às necessidades da população

brasileira e à operacionalização do SUS. Cabe, então, ao SUS e às instituições

formadoras coletar, sistematizar, analisar e interpretar permanentemente

informações da realidade, problematizar o trabalho e as organizações de saúde

e de ensino, e construir significados e práticas com orientação social.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos resultados obtidos e discussões realizadas, infere-se que o

curso de bacharelado em Medicina oferecido pela UECE tem um projeto

pedagógico que segue o preconizado pelas DCN, quanto ao perfil do formando

egresso/profissional, no quesito formação generalista e humanista, porém

deixa a desejar no item formação crítica e reflexiva, pela predominância, no

curso, de metodologias de ensino tradicionais.

Quanto às competências e habilidades gerais requeridas pelas DCN dos

futuros profissionais, ressalta-se se que todas são trabalhadas por, no mínimo,

uma disciplina, sendo, contudo, observado que as competências de liderança,

administração e gerenciamento deixam a desejar, tanto em termos de carga

horária como de conteúdos.

Essa carência coloca em risco o preparo dos futuros profissionais para a

atuação no Sistema Único de Saúde, uma vez que é possível que muitos deles

trabalhem na Rede SUS como gestores. Esse despreparo é muito prejudicial

para a condução da organização desse sistema e reflete na qualidade dos

serviços de saúde oferecidos.

No que se refere aos conteúdos curriculares, foi encontrada uma

considerável fragilidade, pois as disciplinas que abordam a APS somaram uma

carga horária pequena em relação às demais temáticas (menos de 20%), o que

pode comprometer bastante a formação desses profissionais para a atuação no

SUS.

Diante do compromisso que as IES têm com a sociedade de formar

profissionais para servi-las, o ideal seria formar para o SUS, afinal, esse é o

sistema público vigente em nosso país e que deve abranger o cuidado à saúde

de toda a população. Se não se formam recursos humanos aptos a essa

atuação, todo o investimento feito nesse sentido - dinheiro, esforços, estudos -

corre o risco de ser desperdiçado, o que é inadmissível.

Em relação à organização do curso, uma fragilidade identificada foi que,

apesar de haver uma longitudinalidade no trabalho da temática da APS ao

longo do curso de Medicina, o início das aulas práticas em serviço só ocorre

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depois do quarto semestre letivo, embora se defenda a inserção precoce dos

alunos nessas atividades.

No tocante às atividades complementares, é ofertada aos alunos uma

grande variedade. Estes, por sua vez, aderiram à pesquisa e extensão de

forma maciça, participando de monitorias, ligas, PET e eventos científicos,

porém a participação em atividades relacionadas à APS é irrisória.

Sobre o item acompanhamento e avaliação, observou-se que

predominam as avaliações sob o formato de provas teóricas, em detrimento da

realização de avaliações mais amplas, que considerem o desempenho geral do

aluno e melhor se adequam ao preconizado pelas DCN.

Voltando-se a análise para o Pró-Saúde, os resultados demonstraram

que as disciplinas que abordam APS mais citadas pelos alunos foram

Educação em Saúde, Saúde Coletiva, Políticas Públicas de Saúde, Ambulatório

de Atenção básica, Ciências Sociais em Saúde, Planejamento e Organização

de Serviços de Saúde, Saúde da Família e da Comunidade, e Informação e

Avaliação em saúde. Entretanto, foi observado que a afinidade dos alunos com

disciplinas como essas é bem escassa, aumentando as chances de que esse

futuro profissional não trabalhe na APS.

Os resultados apontaram que algumas posturas dos docentes

contribuem para os discentes formarem um pré-julgamento negativo sobre a

atuação profissional na APS, tido como de menor importância no contexto da

formação. Tal resultado é por demais preocupante pela importância da

categoria médica na consolidação do SUS, para a qual é essencial a

excelência da atenção primária, porta de entrada preferencial do usuário no

sistema. Nesse sentido, sugere-se a realização de seminários com o corpo

docente e discente para a apresentação dos resultados obtidos como forma de

disparar a discussão sobre o perfil profissional desejável e apropriado para o

SUS e sobre qual o perfil proposto pelo curso.

Sobre o item “Cenários de prática”, ressalta-se que os alunos têm

oportunidade de vivências em todos os níveis de atenção e uma boa aceitação

das aulas práticas, o que poderia ser mais explorado para fortalecer a

formação para o SUS.

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Quanto à orientação pedagógica, a maior fragilidade encontrada foi a

predominância de metodologias de ensino tradicionais, sendo a aula teórica

expositiva a mais freqüente. Criticamos essa escolha e sugerimos que a UECE

opte por metodologias ativas de ensino aprendizado, em lugar das

metodologias tradicionais atualmente utilizadas, em virtude das evidências de

sua pertinência na formação de profissionais da área de saúde.

Sob a perspectiva de uma formação baseada no Quadrilátero da

Formação em Saúde, o curso de medicina da UECE apresenta carências,

principalmente quanto aos aspectos de gestão e controle social. Ressalte-se

também o necessário envolvimento dos estudantes na temática do controle

social, de forma a possibilitar que em sua atuação profissional possam ser

capazes de incentivar e promover a participação da população, ajudando a

cumprir esta importante diretriz para o adequado funcionamento do SUS.

Como formar profissionais sem considerar as especificidades do sistema

de saúde onde ele atuará? Não se pode desvincular da formação oferecida

pelas IES a obrigação de preparar trabalhadores qualificados para atender as

necessidades de saúde da população, no contexto dos princípios e diretrizes

do sistema de saúde. Dessa forma, conclui-se que a UECE oferece um Curso

de Graduação em Medicina, cujo PPP no geral, segue as DCN, mas que a

concretização do processo formativo sofre diversas influências e tem vários

fatores que dificultam a formação de profissionais comprometidos com a

consolidação do SUS e dotados da opinião de que a atuação na APS é

realmente importante.

Por fim, é necessário esclarecer que o projeto mais amplo do qual esse

estudo se constituiu em um recorte inclui na avaliação dos cursos de saúde, a

escuta dos segmentos discentes, docentes e egressos, além da análise

documental. Portanto os resultados aqui apresentados, referentes ao segmento

discentes e à análise documental, serão somados aos os resultados dos

segmentos docentes e egressos, ainda em andamento, para compor a

avaliação geral do Curso de Medicina.

Sugere-se que, no desenvolvimento da pesquisa de campo com os

demais segmentos, sejam contemplados aspectos que possam ajudar a

compreender os resultados aqui apresentados.

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APÊNDICES

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APÊNDICE I

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

Campo 1. Identificação

1.2 Instituição: ( ) UECE ( ) UFC Curso:_____________________________________________

Duração do curso:___________Semestre em curso:__________________________________

Forma de Ingresso: ( ) Vestibular ( ) Transferência de outro curso - Especifique:_____________

( ) Transferência de outra instituição – Especifique: ________________________________

( ) Outros - Especifique:_________________________________________________________

Estado de origem:_____________________________________________________________

1.2 Idade:______Sexo ( ) Masc. ( ) Fem. Etnia:______________Estado civil:_________________

Campo 2. Atividades acadêmicas

2.1 Você poderia relacionar disciplinas do seu curso que abordam a Atenção Primária em

Saúde?_______________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2.2 Você participa de atividades de Extensão e Pesquisa? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, em que modalidade: ( ) bolsista de iniciação científica ( ) bolsista de extensão ( )

voluntário ( ) Monitoria ( ) Bolsista PET

Cite algumas dessas atividades das quais participa/

participou:____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

2.3 Em seu curso são divulgados / promovidos eventos científicos? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, quais?_____________________________________________

Você já participou de algum evento relacionado à temática da Atenção primária?

Se Sim, que tipo de Eventos? ( ) nacionais ( ) estaduais ( ) locais

2.4 Na Universidade você conta com apoio financeiro para a participação em eventos

científicos?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei responder

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Campo 3. Conhecimentos sobre o Curso

3.1 Você conhece o projeto pedagógico do seu curso? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, Até que ponto o processo de desenvolvimento do curso está de conformidade com o

projeto pedagógico?

3.2 Quais metodologias de ensino são praticadas pelos professores do curso?

( ) Expositiva ( ) Seminário ( )Dinâmicas de grupo ( )Aula prática ( )Estudo de caso

( )Outros – Especifique: ___________________

Pode apontar algumas vantagens e desvantagens das metodologias utilizadas?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

Até o semestre em curso, você fez todas as disciplinas? ( )Sim ( )Não

Se não, quantas disciplinas estão pendentes? ___________________________________

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APÊNDICE II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisa:Avaliação da formação de profissionais de saúde de nível

superior pelas universidades públicas em Fortaleza-CE.

Convidamos o Sr (a) para participar da pesquisa “Avaliação da

formação de profissionais de saúde de nível superior pelas universidades

públicas em Fortaleza-CE”que tem como objetivo avaliar os cursos de

graduação da área de saúde na universidades públicas de Fortaleza-CE, com

ênfase na formação para atuação na atenção primária.

Esta pesquisa será realizada por um grupo de pesquisadores da

Universidade Estadual do Ceará (UECE), da Universidade Federal do Ceará

(UFC), da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará e da Secretaria Municipal

de Saúde/Sistema Municipal de Saúde Escola.

Participarão do estudo os cursos Medicina, Enfermagem, Nutrição,

Psicologia, Educação Física, Serviço Social, Odontologia e Farmácia da UECE

e UFC, além de envolver profissionais da Rede de Atenção Primária e os

gestores do setor saúde em Fortaleza-Ceará. Os resultados serão divulgados

primeiramente nas instituições e por meio de publicações nos periódicos

científicos. Nossa expectativa é contribuir no aperfeiçoamento dos processos

formativos dos cursos de graduação da área de saúde. Sua participação se

dará por meio de uma entrevista e sua contribuição é essencial para

conhecermos melhor o processo de formação em saúde ofertado pelas

universidades públicas em Fortaleza. A participação na pesquisa envolve risco

mínimo, uma vez que não prevê nenhum procedimento invasivo. O possível

risco está relacionado à exposição e discussão de suas opiniões e

conhecimentos perante seus pares; Enquanto o benefício do estudo diz

respeito ao que sua contribuição pode dar para a formação profissional, uma

vez que as experiências e vivências relatadas subsidiarão a reflexão teórica na

busca do aperfeiçoamento da formação proporcionada pelos cursos de saúde.

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Sua adesão como informante da pesquisa será declarada por meio da

assinatura deste Termo de Consentimento assinado em duas vias, uma das

quais ficará com o Sr. (a) e a outra com a pesquisadora responsável. Se optar

por participar, e depois mudar de ideia, poderá desistir a qualquer momento

sem que isto implique em qualquer tipo de consequência para

você.Esclarecemos que a participação será totalmente voluntária e caso

escolha participar como informante da pesquisa, sua identidade será mantida

em sigilo.

Esta pesquisa recebeu o aval do Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Estadual do Ceará, cujo telefone é (85) 31019890.

_______________________________________________________________

Maria Marlene Marques Ávila: (85) 3260-1493 / 3101-9644

Pesquisadora responsável

_______________________________________________________________

Após receber estas informações, declaro que entendi os objetivos da

participação na pesquisa “Avaliação da formação de profissionais de saúde

de nível superior pelas universidades públicas em Fortaleza-CE.” e

declaro minha participação como informante voluntário.

Nome:__________________________________________________________

Assinatura: ______________________________________________________

Fone: _______________

Fortaleza, ____de________2013

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ANEXOS

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ANEXO 1 - Desenho curricular do Curso de Medicina da UECE

Semestre 32 créditos

2º Semestre 32 créditos

3º Semestre 32 créditos

4º Semestre 28 créditos

Biologia Celular e Molecular 4 cr. (68h)

Ciências Fisiológicas 16 cr. (272h)

Mecanismos de Agressão e Defesa

16 cr. (272h)

Farmacologia Geral 4 cr. (136h)

Ciências Morfológicas 16 cr. (272h)

Anatomia Aplicada 8 cr. (136h)

Ciências Fisiológicas II 8 cr. (136h)

Diagnóstico por Imagem 6 cr. (102h)

Métodos de Estudo e Pesquisa 4 cr. (68h)

Estatística de Saúde 4 cr. (68h)

Psicologia Médica 4 cr. (68h)

Planej. Org. Serviços de Saúde

4 cr. (68h)

Saúde Coletiva 4 cr. (68h)

Genética Médica 4 cr. (68h)

Epidemiologia 4 cr. (68h)

Ciências Sociais e Saúde 4 cr. (68h)

Educação em Saúde 4 cr. (68h)

Inic. ao Exame Clín. e Rel. Médico-Paciente

6 cr. (102h) Políticas Públicas de

Saúde 4cr. (68h)

5º Semestre 32 créditos

6º Semestre 32 créditos

7º Semestre 36 créditos

8º Semestre 36 créditos

Clínica Médica I 12 cr. (204h)

Pediatria I 8 cr. (136h)

Pediatria II 8 cr. (136h)

Emergências Médicas 12 cr. (204h)

Informação e Avaliação em Saúde 4 cr. (68h)

Medicina Legal e Deontologia 4 cr. (68h)

Saúde da Família e da Comunidade 4 cr. (68h)

Psiquiatria 4 cr. (68h)

Clínica Cirúrgica I 08 cr. (136h)

Clínica Médica II 8 cr. (136h)

Clínica Médica III 16 cr. (172h)

Bioética e Ética Médica 4 cr. (68h)

Epidemiologia Clínica 2 cr. (34h)

Clínica Cirúrgica II 12 cr. (204h)

Clínica Cirúrgica III 8 cr. (136h)

Ambulatório de Atenção Básica

4 cr. (68h) Trabalho de Conclusão

de Curso 2 cr. (34h)

Ginecologia-Obstetrícia

12 cr. (204h) Farmacologia Clínica

4 cr. (68h)

9º Semestre 75 créditos

10º Semestre 75 créditos

11º Semestre 75 créditos

12º Semestre 75 créditos

Internato I 75 cr. (1.275 h)

Internato II 75 cr. (1.275 h)

Internato III 75 cr. (1.275 h)

Internato IV 75 cr. (1.275 h)

Fonte: Coordenação do Curso de Medicina, UECE, julho, 2012

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ANEXO 2 – RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO(*) CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001.

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de

Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CES 1.133, de 7 de agosto de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 1º de outubro de 2001,

RESOLVE: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Medicina definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de médicos, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Medicina das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/profissional o médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. Art. 4º A formação do médico tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: I - Atenção à saúde : os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus _______________________

(*)CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 4/2001. Diário Oficial da União,Brasília, 9 de novembro de 2001. Seção 1, p. 38.

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serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho quanto dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais. Art. 5º A formação do médico tem por objetivo dotar o profissional dos conhe cimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas: I – promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos seus clientes/pacientes quanto às de sua comunidade, atuando como agente de transformação social; II - atuar nos diferentes níveis de atendimento à saúde, com ênfase nos atendimentos primário e secundário; III - comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho, os pacientes e seus familiares;

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IV - informar e educar seus pacientes, familiares e comunidade em relação à promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação das doenças, usando técnicas apropriadas de comunicação; V - realizar com proficiência a anamnese e a conseqüente construção da história clínica, bem como dominar a arte e a técnica do exame físico; VI - dominar os conhecimentos científicos básicos da natureza biopsicosocio-ambiental subjacentes à prática médica e ter raciocínio crítico na interpretação dos dados, na identificação da natureza dos problemas da prática médica e na sua resolução; VII - diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças do ser humano em todas as fases do ciclo biológico, tendo como critérios a prevalência e o potencial mórbido das doenças, bem como a eficácia da ação médica; VIII - reconhecer suas limitações e encaminhar, adequadamente, pacientes portadores de problemas que fujam ao alcance da sua formação geral; IX - otimizar o uso dos recursos propedêuticos, valorizando o método clínico em todos seus aspectos; X - exercer a medicina utilizando procedimentos diagnósticos e terapêuticos com base em evidências científicas; XI - utilizar adequadamente recursos semiológicos e terapêuticos, validados cientificamente, contemporâneos, hierarquizados para atenção integral à saúde, no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção; XII - reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência entendida como conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; XIII - atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde e acompanhamento do processo de morte; XIV - realizar procedimentos clínicos e cirúrgicos indispensáveis para o atendimento ambulatorial e para o atendimento inicial das urgências e emergências em todas as fases do ciclo biológico; XV - conhecer os princípios da metodologia científica, possibilitando-lhe a leitura crítica de artigos técnico-científicos e a participação na produção de conhecimentos; XVI - lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e com as políticas de saúde; XVII - atuar no sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos e éticos de referência e contra-referência; XVIII - cuidar da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar como cidadão e como médico; XIX - considerar a relação custo-benefício nas decisões médicas, levando em conta as reais necessidades da população; XX - ter visão do papel social do médico e disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde; XXI - atuar em equipe multiprofissional; e XXII - manter-se atualizado com a legislação pertinente à saúde. Parágrafo Único. Com base nestas competências, a formação do médico deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.

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Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Medicina devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em medicina. Devem contemplar: I - conhecimento das bases moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados aos problemas de sua prática e na forma como o médico o utiliza; II - compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença; III - abordagem do processo saúde-doença do indivíduo e da população, em seus múltiplos aspectos de determinação, ocorrência e intervenção; IV - compreensão e domínio da propedêutica médica – capacidade de realizar história clínica, exame físico, conhecimento fisiopatológico dos sinais e sintomas; capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e humanística da relação médico-paciente; V - diagnóstico, prognóstico e conduta terapêutica nas doenças que acometem o ser humano em todas as fases do ciclo biológico, considerando-se os critérios da prevalência, letalidade, potencial de prevenção e importância pedagógica; e VI - promoção da saúde e compreensão dos processos fisiológicos dos seres humanos – gestação, nascimento, crescimento e desenvolvimento, envelhecimento e do processo de morte, atividades físicas, desportivas e as relacionadas ao meio social e ambiental. Art. 7º A formação do médico incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, e sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade. A carga horária mínima do estágio curricular deverá atingir 35% (trinta e cinco por cento) da carga horária total do Curso de Graduação em Medicina proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. § 1º O estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço incluirá necessariamente aspectos essenciais nas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia, Pediatria e Saúde Coletiva, devendo incluir atividades no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção em cada área. Estas atividades devem ser eminentemente práticas e sua carga horária teórica não poderá ser superior a 20% (vinte por cento) do total por estágio. § 2º O Colegiado do Curso de Graduação em Medicina poderá autorizar, no máximo 25% (vinte e cinco por cento) da carga horária total estabelecida para este estágio, a realização de treinamento supervisionado fora da unidade federativa, preferencialmente nos serviços do Sistema Único de Saúde, bem como em Instituição conveniada que mantenha programas de Residência credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica e/ou outros programas de qualidade equivalente em nível internacional. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Medicina deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, mediante estudos e práticas independentes, presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e

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estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Medicina deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante por meio de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Medicina para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Medicina deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Medicina poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região. Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Medicina deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. A estrutura do Curso de Graduação em Medicina deve: I - Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo setor saúde; II - utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência; III - incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania; IV - promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; V - inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional; VI - utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional; VII - propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como agente prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia, que se consolida na graduação com o internato; e VIII - vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS.

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Art. 13. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Medicina que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos, tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Medicina deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 14. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Arthur Roquete de Macedo Presidente da Câmara de Educação Superior