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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA
NÁDIA NOGUEIRA GOMES
AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS EM
UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA EM FORTALEZA-CE
FORTALEZA – CEARÁ
2014
1
NÁDIA NOGUEIRA GOMES
AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS EM
UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA EM FORTALEZA-CE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Orientadora: Profª. Dra. Maria Marlene Marques Ávila
Fortaleza - Ceará
2014
0
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Bibliotecário responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3/919
G633a Gomes, Nádia Nogueira
Avaliação da formação de profissionais médicos em uma universidade pública em Fortaleza-CE / Nádia Nogueira Gomes . -- 2014.
CD-ROM. 112 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro
de Ciências da Saúde, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Saúde Coletiva. Orientação: Prof.ª Dr.ª Maria Marlene Marques Ávila. 1. Educação médica. 2. Atenção primária à saúde. 3. Sistema Único
de Saúde. I. Título.
CDD: 614.0981
1
2
Dedico a Deus o esforço e os momentos de
renúncia que resultaram neste trabalho. Só Ele
sabe plenamente o pesar de cada angústia, a
satisfação de cada passo dado e o significado de
mais essa vitória em minha vida.
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, que me deu a oportunidade de fazer
esse curso, a força necessária para lutar durante essa caminhada e
o discernimento para poder concluir essa dissertação.
À minha família, que me apoiou e entendeu minha ausência
durante o tempo em que me dediquei ao Mestrado, me dando o
amor e o carinho que acalmaram meu coração nos momentos em
que mais precisei.
À minha orientadora Maria Marlene Marques Ávila, pessoa
maravilhosa e excelente profissional, que acrescentou tantos bons
ensinamentos à minha formação, me ajudou de forma tão
construtiva e que compreendeu minhas fragilidades nesta
caminhada.
À Professora Maria das Graças Barbosa, que teve
participação imprescindível na coleta de dados desta pesquisa e foi
tão prestativa e acolhedora.
À Professora Lucia Conde, pessoa que me deu o incentivo
inicial para que eu conhecesse o Mestrado em Saúde Pública
(assim denominado à época em que nele ingressei) e que
acompanhou minha trajetória nesse curso.
À Professora Izabel Maria Sabino de Farias, pelas excelentes
contribuições dadas ao meu trabalho e pela atenção e
disponibilidade em participar das minhas bancas de qualificação e
defesa.
Ao grupo PPSUS coordenado pela professora Marlene, em
especial à professora Socorro, pela preocupação em me dar dicas e
sugestões para o meu trabalho, e ao membro Victor Portto, amigo
4
que me deu apoio psicológico durante o período em que
participamos juntos do grupo.
Aos professores do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva,
em especial ao professor Maia Pinto, que me ofereceu não apenas
o acesso a importantíssimos conhecimentos, mas também um
espaço em suas preciosas orações, na intenção de que eu
alcançasse meus objetivos.
Aos colegas do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva, os
quais, juntamente com alguns professores, são preciosos legados
que o curso me proporcionou, afinal, tornaram-se amigos para a
vida toda: Amanda Ferreira, Berenice Temoteo, Breitner Gomes,
Cyntia Motta, Edina Costa, Edney Taunay, Janaína Norões, Leandro
Carvalho, Selma Nunes.
Ao meu amigo e irmão do coração Ranniere Gurgel, sempre
um anjo da guarda para mim, me ajudando em cada passo certo
que dou em minha vida.
Aos funcionários do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva
da UECE: Patrícia, Maria e Fátima, e à ex-funcionária Claudia
Regina, por todo apoio dado a mim e aos meus colegas.
À FUNCAP, órgão responsável pelo investimento financeiro
nesta pesquisa.
À UECE, por oferecer esse curso e contribuir a expansão das
fronteiras da Ciência e das perspectivas da Saúde Coletiva no
Ceará.
5
RESUMO
Ao Sistema Único de Saúde (SUS) cabe ordenar a formação dos recursos humanos em saúde e estabelecer políticas de articulação entre o trabalho e a educação em saúde, e isso implica contribuir para a formação do perfil profissional requerido para melhor atender às necessidades de saúde da população brasileira. Neste sentido, algumas iniciativas têm buscado impulsionar mudanças no ensino na área da saúde, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-SAÚDE). A formação de profissionais mais bem preparados para atuar no SUS, entretanto, ainda é um desafio. Nesse contexto, este trabalho objetivou avaliar a formação oferecida pelo curso de Medicina de uma universidade pública de Fortaleza-CE, enfatizando a preparação para a atuação na Atenção Primária em Saúde (APS). O estudo foi feito por meio de abordagem qualitativa, com análise documental das DCN para o Curso de Medicina, do Projeto Político Pedagógico (PPP), dos planos de ensino do curso e de dados obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com 29 estudantes dos internatos II e IV, correspondentes ao período final da graduação. A análise teve como parâmetros as DCN do curso de medicina, a política de reorientação da formação dos profissionais de saúde e a proposta do quadrilátero da saúde, que envolve as dimensões ensino, gestão, atenção e controle social. Observou-se que o PPP do curso está em conformidade com as DCN, que orientam a formação generalista e humanista, porém deixa a desejar na formação crítica e reflexiva, pelo predominante uso de metodologias de ensino tradicionais. As disciplinas que abordam a APS têm uma carga horária de menos de 20% do total. Observou-se pouca afinidade dos alunos com tais disciplinas, bem como nas atividades complementares relacionadas à APS, o que certamente concorre para a desvalorização da atuação neste nível de atenção. Quanto aos cenários de práticas, propostos no Pró-Saúde, o curso oferece vivências em todos os níveis de atenção; em relação à orientação pedagógica, predominam as metodologias tradicionais. Na perspectiva da formação relacionada aos aspectos de gestão e controle social no SUS, o curso apresenta fragilidades. Conclui-se que o curso analisado segue, de maneira geral, as DCN, mas que a concretização do processo formativo sofre diversas influências e tem vários fatores que dificultam a formação de profissionais comprometidos com a consolidação do SUS, os quais, ao longo do processo formativo, constroem um pré-julgamento negativo em relação à atuação na APS. Palavras-chave: Educação Médica; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde
6
ABSTRACT
It is one of the functions of the Unified Health System (SUS) to organize the training of human resources for health services and establish policies articulation between work and education, in health. This implies contribute to the formation of determining the professional profile required to best meet the health needs of the population. Therefore, some initiatives have sought to promote changes in education in healthcare, as the National Curriculum Guidelines and the National Programme of Reorientation of Vocational Training in Health. Training professionals better prepared to act in the SUS, however, is still a challenge. In this context, this work aimed to evaluate the training offered by the medical school of a public university in Fortaleza-CE, emphasizing preparation for work in Primary Care in Health. The study was done through a qualitative approach with documented analysis of DCN to medical school, of Political Project (PPP) and the syllabus of the course, and of data collected through semi-structured interviews with students from boarding schools II and IV, with a sample of 29 students. The analysis took as parameters the DCN of medical school, the policy reorientation training for health professionals and the Quad health’s proposal, involving the dimensions teaching, management, care and social control. It was observed that the PPP is in accordance with the DCN, which guide the general and humanistic education, but falls short in critical and reflective training, because of the prevalent use of traditional teaching methodologies. The disciplines which address the APS have a workload of less than 20% of the total. There was little affinity for students with such disciplines as well as other complementary activities related to APS, which certainly contributes to the devaluation of performance in primary health care. As for the practical scenarios, the proposed Pro-Health, the course offers experiences in all levels of care; regarding pedagogical orientation, are predominant traditional methodologies. With regard to the aspects of management and social control in SUS, the course introduces weaknesses. We conclude that the analyzed course follows, in general, the DCN, but that the realization of the educational process undergoes various influences and has several factors that complicate the formation of professionals committed to the consolidation of SUS, which, throughout the formative process construct a negative pretrial in relation to performance in the APS.
Keywords: Medical Education, Primary Health Care, SUS
7
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Disciplinas que abordam competências e habilidades gerais
preconizadas nas DCN do Curso de Graduação em Medicina. Curso de
Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________________p.38
Quadro 2: Disciplinas que abordam conteúdos diretamente relacionados a APS.
Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________p.42
Quadro 3: Disciplinas que abordam de forma biopsicossocial o processo saúde-
doença. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013__________________p.60
Quadro 4: Disciplinas que prevêem atividades práticas nos serviços de saúde.
Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________________p.69
Quadro 5: Metodologias de ensino adotadas nas disciplinas do Curso de
Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013_________________p.83
Quadro 6: Disciplinas que se relacionam aos aspectos gerenciais do SUS, suas
cargas horárias e ementas. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013___p.88
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF: Constituição Federal
CSF: Centro de Saúde da Família
DCN: Diretrizes Curriculares Nacionais
ESF: Estratégia Saúde da Família
IES: Instituições de Ensino Superior
MEC: Ministério da Educação
MS: Ministério da Saúde
OPAS: Organização Pan-Americana de Saúde
OMS: Organização Mundial da Saúde
PET: Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde
PPSUS: Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em Saúde
Pró-Saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em
Saúde
RH: Recursos Humanos
SESA: Secretaria da Saúde do Estado do Ceará
SESu: Secretaria de Educação Superior
SGTES: Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SUS: Sistema Único de Saúde
UECE: Universidade Estadual do Ceará
UFC: Universidade Federal do Ceará
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................10 1. 1 A escolha do tema .................................................................................. 10 1.2 A formação profissional em Saúde e o SUS ..........................................13 1.3 A DCN..........................................................................................................16 1.4 A DCN para o curso de Medicina..............................................................21 1.5 O Projeto Pedagógico...............................................................................23 1.6 O Pró-Saúde...............................................................................................24 1.7 O Curso de Medicina da UECE.................................................................27 2 METODOLOGIA.............................................................................................30 2.1 Tipo de estudo...........................................................................................30 2.2 Sujeitos, cenário e período.......................................................................30 2.3 Coleta e Registro dos dados....................................................................31 2.4 Análise dos dados.....................................................................................33 2.5 Aspectos Éticos.........................................................................................33 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................34 3.1 As DCN e o curso de Medicina.................................................................34 3.1.1 Perfil do formando..................................................................................34 3.1.2 Competências e habilidades..................................................................38 3.1.3 Estrutura curricular e os conteúdos curriculares do Curso de Medicina............................................................................................................46 3.1.4 Organização do Curso............................................................................47 3.1.5 Estágios e Atividades Complementares...............................................54 3.1.6 Acompanhamento e avaliação...............................................................57 3.2 O processo formativo do curso de medicina e o referencial do Pro-Saúde................................................................................................................57 3.2.1 Orientação Teórica..................................................................................57 3.2.2 Cenários de prática.................................................................................65 3.2.3 Orientação Pedagógica..........................................................................75 3.3 A formação médica oferecida pela UECE e o Quadrilátero da formação para a área da Saúde.......................................................................................86 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................91 REFERÊNCIAS ................................................................................................94 APÊNDICES ANEXOS
10
1 INTRODUÇÃO
1. 1 A escolha do tema
O tema desta dissertação, que é a formação oferecida pelo Curso de
Graduação em Medicina de uma universidade pública de Fortaleza-CE, foi
eleito a partir de dois contextos que se interligaram, dando impulso à
construção do estudo.
O primeiro deles foi a minha aproximação com o grupo de pesquisa
coordenado pela professora Maria Marlene Marques Ávila, minha orientadora.
A equipe, composta por membros das Universidades Estadual e Federal do
Ceará (UECE e UFC) - alunos de graduação de diversos cursos da área de
saúde (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Psicologia, Educação Física, Serviço
Social, Odontologia e Farmácia), professores de Universidades, além de
discentes de programas de Mestrado e Doutorado – foi formada no intuito de
propor uma pesquisa multicêntrica de avaliação dos cursos de graduação da
área de saúde nas universidades públicas de Fortaleza-CE, com ênfase na
formação para atuação na atenção primária. A proposta foi elaborada para
participar do Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em Saúde
(PPSUS).
Esse programa insere-se entre as iniciativas do Ministério da Saúde que
visam ao fortalecimento da pesquisa em saúde no Brasil, servindo como
ferramenta potencialmente indutora para que os principais problemas de saúde
da população figurem entre as linhas prioritárias de investigação dos
pesquisadores brasileiros, tendo a relevância sociossanitária como critério
norteador para a escolha de seu objeto de estudo. Visa também ao incremento
científico e tecnológico em saúde no País e à contribuição para a redução das
desigualdades inter-regionais nesse campo, afinal, infelizmente, no Brasil, os
investimentos em pesquisa em saúde ainda são insuficientes, embora o setor
saúde responda por mais de 1/3 da produção científica nacional. Esse
investimento, entretanto, é bastante mal distribuído: cerca de 80% dele é
direcionado às atividades de pesquisa desenvolvidas nos estados das regiões
Sudeste e Sul (BRASIL, 2010).
11
O direcionamento do foco das pesquisas em saúde para as principais
demandas de saúde da população é um segundo desafio, pois, dentre os
quatro segmentos em que é dividida a pesquisa em saúde – segmento clínico,
biomédico, tecnológico e de saúde pública -, observa-se que quase metade dos
esforços brasileiros em pesquisa em saúde são dedicados ao segmento da
clínica. Em contrapartida, as pesquisas em Saúde Pública, por exemplo,
representam apenas 13,2% do total. Essa realidade evidencia a necessidade
de incentivos aos estudos em outras áreas além da clínica (GUIMARÃES,
2006).
Nesse contexto, um dos cursos a ser estudado pelo grupo de pesquisa
do qual participo é a graduação em Medicina, sendo esta a segunda motivação
para a eleição deste tema: a admiração que tenho pela profissão médica, na
qual pretendo me formar daqui a alguns anos, apesar de já ser graduada em
Fisioterapia.
Além disso, vale ressaltar que algumas de minhas vivências como
profissional da área de saúde foram importantes nessa escolha, em especial
minha experiência com a coordenação pedagógica de cursos para profissionais
do SUS na Escola de Saúde Pública.
O contato com diversos profissionais de saúde e a observação de
algumas de suas expressões de conhecimentos, habilidades e atitudes me
trouxeram muitos questionamentos referentes à formação que essas pessoas
estavam recebendo em sua graduação.
Essa mistura de motivações me conduziu à construção deste estudo,
com o imprescindível auxílio do grupo de pesquisa e de minha orientadora.
Além disso, justifica-se a realização do estudo em virtude da
necessidade de que se formem profissionais aptos a trabalharem na Atenção
Primária em Saúde, seguindo os princípios e diretrizes do SUS, o qual tem
assumido papel ativo na reorientação das estratégias e modos de cuidar, tratar
e acompanhar a saúde individual e coletiva, porém ainda apresenta
deficiências quanto aos modos de fazer formação (CECCIM e
FEUERWERKER, 2004).
Essa formação, por sua vez, precisa ser estudada detalhadamente, de
forma que um estudo como este é relevante pelas contribuições dadas à
12
sociedade a partir das informações obtidas e conclusões alcançadas, pois
estas podem auxiliar na transformação dos processos formativos, no sentido de
formar profissionais mais bem preparados e, consequentemente, oferecer
melhores serviços de saúde à população.
O objeto desta pesquisa é, portanto, a formação dos profissionais
médicos oferecida pelo Curso de Graduação em Medicina da Universidade
Estadual do Ceará. O objetivo geral foi avaliar o processo formativo com ênfase
na formação para atuação na atenção primária. Foram objetivos
específicos:analisar os conteúdos propostos no projeto político pedagógico, à
luz das diretrizes curriculares dos cursos da área de saúde; identificar os
métodos de ensino-aprendizagem utilizados na formação dos profissionais;
identificar como o curso investe na formação do profissional para a atenção
primária, evidenciando os cenários de prática e a integração ensino/serviço;
identificar, na concepção dos sujeitos, quais disciplinas se alinham com a
formação para a atenção primária.
Nas seções a seguir, serão abordadas as categorias temáticas tomadas
como referenciais teóricos, depois será explanada a metodologia, seguida dos
resultados e discussão, finalizando-se com as considerações finais da
pesquisa.
13
1.2 A formação profissional em Saúde e o SUS
Desde o reconhecimento da saúde como direito universal a ser
assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na Constituição Federal (CF)
de 1988, o Brasil tem enfrentado vários desafios no caminho dessa conquista,
fruto do movimento pela Reforma Sanitária. Entre estes se destacam a
descentralização, o financiamento, o controle social e os recursos humanos.
Para cada obstáculo, é necessário que sejam reconhecidos os
segmentos envolvidos para sua superação e o papel a ser desempenhado por
eles. Especificamente na questão dos recursos humanos (RH), queremos focar
na formação, por entendermos ter o ensino na área de saúde papel
preponderante no avanço da Reforma Sanitária e na construção do SUS,
essencialidade reconhecida pela CF ao determinar a competência do SUS para
ordenar a formação do RH na área da saúde (BRASIL, 1988). Também está
previsto, na lei maior, a participação de trabalhadores e gestores na articulação
da política de recursos humanos.
Em relação à formação dos profissionais de nível superior, segundo
Ceccim e Feuerwerker (2004), muitas têm sido as iniciativas de estímulo à
realização de mudanças, no entanto, têm se perpetuado nas instituições
formadoras modelos “essencialmente conservadores”. Conforme estes autores,
o SUS tem sido efetivo ao reconhecer a necessidade de mudanças no modelo
formador, de reorientar a formação profissional no amplo reconhecimento da
relação formação dos profissionais de saúde/qualidade da atenção, apontando
para a necessidade premente de formar profissionais de saúde com novos
perfis, reorientando a formação para o SUS, para a qualificação da gestão e do
controle social, mas isto não tem se traduzido na mudança efetiva dos
processos formativos.
Para tentar mudar esse cenário, estão sendo desenvolvidas iniciativas
do Ministério da Saúde (MS), juntamente com a Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), em parceria com o Ministério da
Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) e apoio da Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS), dentre as quais se destaca o Programa Nacional de Reorientação da
14
Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), criado em 2005, que tem como
objetivo integrar ensino-serviço, reorientando a formação profissional por meio
de uma abordagem integral do processo saúde-doença, enfatizando a atenção
primária.
Para participar do Pró-Saúde, é condição necessária que o projeto de
reorientação da formação integre a Instituição de Ensino Superior (IES) e o
serviço de saúde e que seja estruturado a partir de três eixos de
transformação: Orientação teórica, Cenários de prática e Orientação
pedagógica (BRASIL, 2007a).
Nesse contexto, o Pró-Saúde é um exemplo de política de inclusão
social executada pelo Governo Federal nas áreas de Educação e Saúde e
representa um sólido esforço para a substituição do modelo tradicional de
organização do cuidado em saúde, historicamente focado na doença e no
atendimento hospitalar. Para isso, diversas estratégias de fomento à mudança
das práticas hegemônicas em saúde foram disparadas com o objetivo de
canalizar transformações, como a mudança do modelo técnico-assistencial
(BRASIL, 2009a).
Outro componente das bases defensoras das transformações na
formação em saúde é o Quadrilátero da Formação em Saúde, proposto por
Ceccim e Feuerwerker (2004), que consiste em quatro eixos: ensino, gestão,
atenção e controle social. Segundo tal conceito, a qualidade da formação
passa a resultar da apreciação de critérios de relevância para o
desenvolvimento tecnoprofissional, o ordenamento da rede de atenção e a
alteridade com os usuários.
Além disso, pretende situar a formação dos profissionais de saúde de
forma que o processo educativo extrapole a educação para o mero domínio
técnico-científico da profissão e se amplie, estendendo-se pelos aspectos
estruturantes de relações e de práticas em todos os componentes de
relevância ou interesse social que contribuam à elevação da qualidade de
saúde da população, tanto no enfrentamento dos aspectos epidemiológicos do
processo saúde-doença, quanto nos aspectos de organização da gestão
setorial e estruturação do cuidado à saúde (CECCIM e FEUERWERKER,
2004).
15
Esse embasamento será utilizado neste trabalho, motivado pela
necessidade de mudanças na formação médica. Segundo Nogueira (2009), há
mais de 50 anos, o ensino médico vem sido alvo de críticas no mundo inteiro e,
aqui no Brasil, principalmente nas últimas décadas, vem passado por análises
e sendo assunto de debates, feitos pelos profissionais da área e pela
sociedade em geral. Assim, de certa forma, existe um consenso quanto à
necessidade de reformulação de determinados aspectos da formação médica,
no intuito de satisfazer as atuais demandas de saúde da população.
16
1.3 AS DCN
As propostas de adequação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
os Cursos de Graduação (DCN) configuram-se como uma contribuição para a
mudança da formação profissional na área da saúde. As DCN têm, como
referência, a Reforma Sanitária, a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica
do Sistema Único de Saúde (nº 8.080 de 19/9/1990) e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20/12/1996), entre outros
marcos legais (SANTANA et al., 2005).
Identificam-se nas DCN a necessidade de ampliação dos compromissos
gerenciais, éticos, assistenciais e humanísticos da formação profissional,
ressaltando-se o papel das instituições de ensino na busca das soluções dos
problemas identificados na realidade local e com a construção do SUS. As
DCN têm como meta dar às IES maior autonomia na definição dos currículos e
dessa forma, demonstram as competências e habilidades que devem ser
desenvolvidas, bem como o modelo pedagógico que propicie tal realização,
que seja capaz de adaptar-se à dinâmica das demandas sociais, considerando
ser, a graduação, uma etapa inicial de formação no processo de educação
permanente. É importante ressaltar que as DCN não são fórmulas prontas, mas
consideram a realidade de cada IES em seu contexto sócio, político e cultural,
exigindo destas, criatividade e inovação no processo formativo, considerando
as dimensões do saber, fazer e ser (BRASIL, 2004).
O currículo sempre foi alvo de atenção de todos os que buscavam
entender e organizar o processo educativo. Moreira e Silva (1994) informaram,
porém, que, há muito tempo, o currículo deixou de ser apenas uma técnica
voltada aos procedimentos e, embora esta ainda seja importante, só adquire
sentido dentro de uma perspectiva que considere questões que perguntem pelo
“porquê” das formas de organizações.
Como anota Vasconcellos (2009), o currículo é uma produção humana,
portanto, marcado histórica e culturalmente. É esta perspectiva que nos faz
compreender que o autor tem razão quando acentua que, desde a década de
1980, houve acelerada intercomunicação e interdependência das economias.
Esta globalização dos países desenvolvidos obriga a serem revistos e
17
modificados os processos de produção e comercialização. Quando foi dada
importância ao trabalho em equipe, as instituições passaram a ter maiores
possibilidades de realizar processos descentralizados e aumentar a
flexibilidade dos módulos organizativos, sem chegar a perder o controle e a
direção. Neste âmbito, às instituições de educação e, especialmente, à
formação profissional muito tem sido questionado.
Perrenoud (1999) traz entre estes questionamentos o dilema:
desenvolver competências é função das instituições escolares ou elas devem
se limitar a transmitir conhecimento? Podemos acrescentar, ainda, a pergunta
de quais seriam esses conhecimentos e competências. Morin (2000)
acrescenta, questionando: cabeças bem-cheias ou cabeças bem-feitas?
Santomé (1998) retoma a forma de organização curricular e lembra que ela
pode ser por disciplina, como costuma ser feita, ou por núcleos que
ultrapassem os limites das disciplinas, centrados em temas, problemas,
tópicos, entre outros. Assim, o autor defende a ideia de que o currículo
globalizado e interdisciplinar converte-se em um dos sinais da defesa do
currículo fragmentado.
A trajetória do Brasil não foi diferente. No início da década de 1950, no
século XX, publicações da indução ao estudo do currículo da escola primária
foram realizadas por Roberto Moreira. Pedra (1997), em seus estudos sobre
Currículo, Conhecimento e suas Representações, afirma que, nesta
publicação, Moreira defende currículo como um conjunto organizado das
atividades de aprender e ensinar, que se processam na escola. Entre 1970 e
1980, o currículo brasileiro deixa de estar confiado a alguns poucos
especialistas e passa para o domínio público. A Lei Nº 5.692/71 introduz no seu
texto Currículo Pleno, Plano Curricular e Currículo e Programa e, na década de
80 do mesmo século, foi criado o Grupo de Trabalho – GT de currículo,
vinculado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
- ANPEd; em 1984 houve o I Seminário de Tendência e Prioridades de
Currículo na Realidade Brasileira, e em 1996, a Lei Nº 9.394/96, nos artigos 26,
27 e 36, fala de currículo para os diversos graus de ensino, de uma base
comum e de diretrizes.
18
Diretrizes são compreendidas como orientações para a elaboração dos
currículos e, segundo o Parecer do Conselho de Educação Superior/ Conselho
Nacional de Educação CES/CNE 1.133/2001, devem ser adotadas por todas as
instituições de ensino superior. Para assegurar a flexibilidade, a diversidade e a
formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular o abandono
das concepções antigas e herméticas das grades (prisões) curriculares, por
atuarem, muitas vezes, como meros instrumentos de transmissão de
conhecimento e informações. Ao abandonar estas concepções, as instituições
devem garantir uma sólida formação básica, preparando o futuro graduando
para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do
mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.
Com base nesta compreensão de diretrizes, a Comissão da Câmara de
Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, em junho de 2001,
tendo como referência vários documentos da saúde e da educação, entre eles
a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde Nº 8.080 de 19/9/1990; a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394 de 20/12/1996; a
Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, da Conferência
Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998; Documentos da
Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, Organização Mundial da
Saúde - OMS e Rede UNIDA; e o Plano Nacional de Graduação do ForGRAD
de maio/1999, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para
cursos na área de saúde. Após análise das propostas elaboradas pelas
Comissões de Especialistas de Ensino e encaminhadas pela SESU/MEC ao
Conselho, foi apresentada, em audiência pública, a versão revisada, que
contém as diretrizes em vigor para os cursos de graduação em Enfermagem,
Medicina e Nutrição (BRASIL, MEC, 2001).
Direcionando-se os olhares para o Curso de Medicina, vale ressaltar que
as DCN, que atualmente constituem os princípios gerais para a formação
médica, propõem a formação de médicos competentes, éticos e
comprometidos com as necessidades de saúde da população, além de
instigarem uma interação ativa entre estudantes, professores, profissionais de
saúde e usuários. Para que haja uma reorientação efetiva da educação
médica, são necessárias mudanças profundas que implicam transformação de
19
concepções de saúde, de práticas clínicas e de relações de poder, dentro das
universidades, dos serviços de saúde e do espaço social (NOGUEIRA, 2009).
Segundo Souza (2011) antes das atuais Diretrizes Curriculares
Nacionais - DCN, o conceito de currículo se confundia com uma lista de
conteúdo baseado em disciplina, uma grade que aprisionava alguns conteúdos,
formando um sistema fechado e linear. A adoção das DCN permitiu a abertura
desse sistema, oferecendo às instituições de ensino superior amplas
possibilidades de mudanças e a visão de currículo integrado decorrente da
necessidade de combater a fragmentação do ensino. Roegirs e Ketele (2004),
refletindo sobre o sentido pedagógico do conceito de integração, lembram: a
articulação da formação teórica e da formação prática entre os pontos de
fixação que dão sentido às novas aprendizagens; a transformação em rede de
diferentes aquisições cognitivas em ações combinadas entre formadores; e a
mobilização de capacidades em disciplinas diferentes, visando a garantir um
domínio mais amplo e profundo de tais capacidades, compõem o que eles
chamam de transdisciplinaridade ou transversalidade.
Entre os princípios, as DCN alertam também para que o currículo
fortaleça a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, os estágios e a participação em atividades de extensão.
São considerados como princípios fundamentais a inclusão de avaliações
periódicas e a utilização de instrumentos variados para explicitar às
instituições, aos docentes e discentes acerca do desenvolvimento das
atividades do processo ensino-aprendizagem. Além disso, foi reforçada a
importância da articulação entre a educação superior e a saúde e o conceito de
saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), como
elementos fundamentais nesta articulação.
Para assegurar a integralidade da atenção, a qualidade e a
humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades,
os objetivos das diretrizes, englobando o aprender a ser, fazer, conhecer e
conviver, estão em sintonia com as ideias defendidas por Morin (2000), que
acrescenta: aprender a ser hoje implica necessariamente uma posição crítica
diante dessa cultura massificada, vulgarizada, banalizada; aprender a fazer
20
aprende-se captando o lado ético de todo agir humano, e aprender a viver
juntos implica na capacidade de estabelecer diálogo.
Freire (1986; 1987), ensina que a dialogicidade é a essência da
educação, pois é pelo diálogo que o relacionamento entre os sujeitos acontece
em um encontro humano para a tarefa comum do saber agir. Neste lugar, não
há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens e mulheres em
comunhão buscando saber mais, aprendendo a conhecer e a pensar e
modificar sua atitude diante das coisas. Assim, ao se modificar, modifica
também o mundo.
Libâneo (1984, p.45), ao tratar da democratização da escola pública,
coloca:
Tradicionalmente a formação [...] vem abrangendo três dimensões da prática docente – o saber, o saber ser e o saber fazer -, privilegiando-se uma ou outra, de acordo com a concepção filosófica do processo educativo que se adote. Raramente essas dimensões andaram juntas: a escola renovada, por exemplo, durante muito tempo, acentuou o saber fazer em prejuízo do saber, ao contrário da escola conservadora, que acentuou exatamente o inverso. Com muita frequência, também o deslocamento da ênfase para o saber ser.
Nesta perspectiva, além do perfil profissional do egresso, as diretrizes
trazem, como proposta, as competências e habilidades, divididas em
Competências Gerais, em que os profissionais de saúde, no seu âmbito
profissional, devem estar aptos. Estas competências estão organizadas em
seis temáticas: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança,
administração e gerenciamento, educação permanente; e em competências e
habilidades especificas de cada curso.
Para que isto aconteça, os Curso de Graduação devem elaborar o
Projeto Pedagógico coletivamente (BRASIL, 2001), considerando a
aprendizagem como um caminho que possibilite ao sujeito social transformar-
se e transformar seu contexto, cuidar da própria saúde física e mental e buscar
seu bem-estar como cidadão e médico, promovendo estilos de vida saudáveis.
Nesta perspectiva, a metodologia deverá usar a ação-reflexão-ação,
segundo Freire (1987), como unidade que não deve ser dicotomizada para
poder levar em conta o conteúdo da forma histórica de ser do homem, fazendo-
o redescobrir-se refazedor permanente do mundo.
21
As diretrizes apontam para o papel do professor na resolução de
situações problemas; para a articulação entre ensino e pesquisa,
extensão/assistência e a investigação como eixo integrador, retroalimentando a
formação acadêmica e a prática médica; para a participação ativa do aluno na
elaboração do crescimento; para a utilização de diferentes cenários de ensino-
aprendizagem; para a permissão dada ao aluno de conhecer e vivenciar
situações variadas de vida; para a organização da prática e do trabalho em
equipe multiprofissional; e para inserção do aluno precocemente em atividades
práticas relevantes. Estas propostas rompem com as práticas “bancárias”
imobilistas, porque, segundo Freire (1987, p.72).
[...] a concepção problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada.
Souza (2011), refletindo sobre o cenário de ensino, acrescenta que o
problema não está no ensino centrado neste ou naquele cenário, mas está no
ensino que prioriza excessivamente determinado ambiente. Infelizmente, diz
ele, a maioria dos modelos destaca o hospital terciário como contexto
fundamental do ensino médico. Mesmo que as diretrizes já tenham mais de dez
anos, elas não estão plenamente implantadas, pois a integração do ensino com
os serviços locais e a participação das organizações comunitárias /popular,
está ainda ausente do discurso do profissional iniciante. Isto nos parece indicar
que temos ainda muito que caminhar, inclusive em busca de um pensamento
complexo que ligue o que está separado, o diverso e ao mesmo tempo,
reconheça o uno, tente discernir as interdependências, como ensina Edgar
Morin.
1.4 AS DCN para o curso de Medicina
O acúmulo na discussão sobre a transformação da formação médica
oferecida pelas IES na década de noventa estimulou a instituição, em outubro
de 2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Medicina pelo Conselho Nacional de Educação. Essas DCN representaram
22
enorme avanço na continuidade do processo de mudança da educação
médica, pois, houve uma elevação de seu status: não é apenas uma
necessidade sentida de alguns atores envolvidos com a formação médica, mas
uma obrigação legal, que será avaliada pelos diversos mecanismos avaliativos
do Ministério da Educação – MEC (CREMEC, 2009).
A resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Medicina, a serem observadas na organização curricular das
Instituições do Sistema de Educação Superior do País, e definem os princípios,
fundamentos, condições e procedimentos da formação de médicos,
estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de
Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização,
desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de
Graduação em Medicina das Instituições do Sistema de Ensino Superior
(BRASIL, 2001).
Organizada em catorze artigos, a resolução versa sobre os seguintes
itens: perfil do formando/egresso profissional; competências e habilidades
gerais e específicas cujo exercício requer conhecimentos dos quais os
profissionais devem ser dotados; conteúdos curriculares, que devem guardar
estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes referidas pela
comunidade e identificadas pelo setor saúde; organização do curso; estágios e
atividades complementares, acompanhamento e avaliação da implantação e
desenvolvimento das diretrizes curriculares de medicina, que devem ser
acompanhados e permanentemente avaliados, a fim de permitir os ajustes que
se fizerem necessários a sua contextualização e aperfeiçoamento (BRASIL,
2001).
Contudo, conforme Almeida (2007), considerando que apenas a
aprovação e a publicação das DCN não garantem sua implementação, é
necessário que seja analisada a formação oferecida pelas IES.
Uma parte deste trabalho, portanto, é a análise do Projeto Político
Pedagógico do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará, descrita
em um dos capítulos dos resultados e discussões, onde mais detalhes das
DCN em questão serão apresentadas com mais detalhes.
23
1.5 O Projeto Pedagógico
O sentido etimológico da palavra projeto – projetar – é de algo que se
lança para frente, que avança, que pressupõe antecipação imaginária do futuro
e suas possibilidades, que se configura como ação planejada, com vistas ao
futuro, e dá o sentido, a direção (VEIGA, 2007).
Segundo Gadotti apud Veiga (2001, p. 18):
Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.
O projeto educativo ou pedagógico define as ações educativas e as
características necessárias ao cumprimento dos propósitos e intencionalidades
do curso, tendo a ver, portanto, com a organização do curso como um todo,
com a organização do trabalho pedagógico na sua globalidade, e ainda é um
Projeto Político Pedagógico porque estabelece e dá sentido ao compromisso
com a formação do cidadão e da pessoa humana, para um tipo de sociedade, e
porque revela a intencionalidade da formação e os compromissos deste
profissional com um tipo de sociedade (VEIGA, 2007).
É extrapolada, contudo, a simples confecção de um documento.
Conforme Veiga (2007), o projeto pedagógico objetiva a definição da identidade
institucional e é orientador de suas ações, configurando-se como importante
instrumento teórico-metodológico, que define as políticas para a organização
administrativa e pedagógica das instituições de ensino, norteando as ações
voltadas para a consecução de sua missão e de seus objetivos. Seus eixos
norteadores constituem elementos de caráter político e filosófico que definem
as condições de homem e de sociedade almejados e estabelecem o conjunto
de valores que a instituição assume. Inclui os elementos da arquitetura
pedagógica, ou seja, a explicitação de pressupostos e de diretrizes
pedagógicas gerais, a definição das bases para o desenho da organização
curricular, o estabelecimento de princípios de organização do processo de
24
ensino-aprendizagem – metodologia e recursos, e a definição de princípios e
critérios da avaliação da aprendizagem.
1.6 O Pró-Saúde
O Pró-Saúde foi criado por meio de uma Portaria Interministerial entre o
Ministério da Saúde e da Educação – a Portaria MS/MEC nº 2.101, de 03 de
novembro de 2005. Primeiramente, os cursos de graduação envolvidos no
programa eram apenas os que participam da Estratégia Saúde da Família:
Odontologia, Enfermagem e Medicina (BRASIL, 2005). Posteriormente, outros
cursos da área da Saúde foram inclusos, com a publicação da Portaria
Interministerial MS/MEC º 3.019, de 27 de novembro de 2007 (BRASIL, 2007b).
O programa tem como objetivo geral a integração ensino-serviço, para
que se reoriente a formação profissional, assegurando uma abordagem integral
do processo saúde-doença, com ênfase na atenção básica, promovendo
transformações nos processos de ensino e aprendizagem, de prestação de
serviços à população e de geração de conhecimentos.
O Pró-Saúde também tem objetivos específicos, dentre os quais está a
mudança na formação em saúde, para que os profissionais tornem-se
habilitados a atender às demandas da sociedade e do Sistema Único de
Saúde. Além disso, por meio da tentativa de cooperação entre as escolas e os
gestores de saúde, busca-se aprimorar a atenção ao usuário e a integração
dos serviços do SUS. Objetiva-se também incorporar, na formação em saúde, a
integralidade, a promoção da saúde e a abordagem dos sistemas de referência
e contra-referência, assim como a ampliação das práticas na atenção básica,
integrando os serviços clínicos da academia no contexto do SUS (BRASIL,
2009a).
Assim, a essência do programa é que a academia se aproxime cada vez
mais dos serviços públicos de saúde, já que isso é essencial para que o
aprendizado seja transformado e baseie-se nas necessidades e no contexto
sanitário e socioeconômico do país.
25
Todas essas mudanças foram pensadas, em virtude do fato de que os
cursos da área de saúde são, comumente, ainda dotados de uma visão
curativa, com foco na doença, hospitalocêntrica, e desarticulada do SUS.
Nesses casos, o ensino acaba abordando de forma insuficiente a promoção da
saúde e a prevenção de agravos, sendo fragmentado e dissociado do contexto
social. O ideal, contudo, é que sejam feitas ações preventivas e curativas,
interligadas com uma abordagem interdisciplinar, todas em diferentes cenários
– clínicas de ensino, hospitais, comunidade, ambulatório.
Para nortear o programa, foram propostos três eixos que propõem
mudanças curriculares que reorientem a formação dos profissionais de saúde.
Mesmo correndo o risco de que sejam promovidas simplificações, optou-se por
esse formato por causa da necessidade de dar uma direção e esse processo.
Esses eixos são a orientação teórica, os cenários de prática e a orientação
pedagógica, pensados de maneira que seja fortalecida a integração entre o
serviço público de saúde e as instituições de ensino (BRASIL, 2011a).
Cada um dos eixos decompõe-se em três vetores, que orientam os
parâmetros que norteiam o eixo e que podem ser hierarquizados em outros três
estágios em cada Escola. Os estágios servem como uma escala, sendo
primeiro referente a uma situação de maior tradicionalismo, e o terceiro
referente aos objetivos almejados pelo programa.
O Eixo A é o da Orientação Teórica, por meio do qual defende-se
que os cursos da área de saúde devem ser oferecidos de acordo com as
necessidades da população, e não segundo lógicas internas das instituições e
de grupos de poder. Deve-se também trabalhar aspectos gerenciais do SUS e
os determinantes de saúde de acordo com o contexto biológico-social,
baseando-se em pesquisas clínico-epidemiológicas, para que haja evidências
que possibilitem uma avaliação crítica do processo saúde-doença (BRASIL,
2009a).
Em síntese, deseja-se articular o ensino com necessidades assistenciais
e, para tanto, o eixo é dividido em três vetores: determinantes de saúde e
doença; pesquisa ajustada à realidade local; e educação permanente.
26
O Eixo B, por sua vez, é o de Cenários de Práticas, que defende a
diversificação dos ambientes onde as práticas dos futuros profissionais da
saúde acontecem, o que atualmente aponta para a desinstitucionalização. A
interação do acadêmico com a comunidade é algo muito enriquecedor, já que
possibilita uma aproximação maior com a realidade. Os vetores desse eixo são
a integração ensino-serviço, a utilização dos diversos níveis de atenção e a
integração dos serviços próprios das Instituições de Ensino Superior - IES com
os serviços de saúde.
O Eixo C é denominado Orientação Pedagógica, e, a partir dele, é
discutido o uso de metodologias de ensino-aprendizagem adequadas ao
público dos cursos de graduação: não mais crianças, e sim adultos, que
apresentam uma lógica própria no que se refere ao aprender. O aprendiz deve
colocar-se como sujeito de seu aprendizado, sabendo ter sobre este um olhar
crítico e contando com o professor não como transmissor de conhecimento,
mas sim como facilitador e orientador.
Nesse eixo, ressalta-se a importância do aprender fazendo,
considerando a sequência ação-reflexão-ação e integrando-se os ciclos básico
e profissional. Dessa forma, tanto a abordagem clínica como a da saúde
coletiva são beneficiadas, pois conhecimentos, habilidades e atitudes são mais
bem trabalhados, quando parte-se desse olhar problematizador.
Consequentemente, os três vetores do Eixo C são denominados: integração
básico-clínica, análise crítica dos serviços e aprendizagem ativa (BRASIL,
2009a).
As IES públicas ou privadas sem fins lucrativos, em parceria com
secretarias municipais ou estaduais de saúde, cientes das referidas
características do programa, elaboram projetos que serão submetidos a uma
seleção. Os 14 cursos de graduação na área de saúde - Biomedicina, Ciências
Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,
Psicologia, Serviço Social, e Terapia Ocupacional podem participar (BRASIL,
2011a).
27
Aos projetos selecionados são oferecidos três anos de apoio financeiro.
Eles são selecionados e acompanhados por uma comissão gestora local,
composta por gestores municipais de saúde, discentes e membros dos
conselhos locais e representantes dos docentes. O Ministério da Saúde,
representado por um grupo de assessores composto por técnicos do MS, da
OPAS e de entidades externas, com experiência em formação nas áreas
envolvidas, também acompanha esse processo (BRASIL, 2009a).
1.7 O Curso de Medicina da UECE
A criação da Faculdade de Medicina da UECE foi respaldada, do ponto
de vista legal, pela Portaria nº641, de 13 de maio de 1997. Entretanto, um
longo período de maturação foi necessário para que se chegasse à
concretização desse projeto (SILVA, 2009).
Por meio da Portaria n° 1571, de 26 de setembro de 2000, foi criada,
pela reitoria da UECE, uma comissão técnica para proceder aos trabalhos de
elaboração do projeto do Curso de Medicina da UECE, composta por médicos
professores da universidade (UECE, 2012).
Apenas em junho de 2002, a comissão responsável pela elaboração de
tal projeto deu por concluído o documento, que foi encaminhado à
Universidade e, em seguida, apresentado à sociedade, o que gerou opiniões
favoráveis e outras contrárias. As primeiras se referiam à visualização da
vantagem trazida pelo criação do curso de formar bons médicos para melhor
servir à população cearense, em virtude do desequilíbrio entre a necessidade
de médicos, na Estratégia Saúde da Família, no estado e a quantidade de
profissionais em exercício (SILVA, 2009).
Os argumentos contrários, por sua vez, eram de caráter corporativo,
financeiro, político e ideológico. Os que emergiam das corporações se referiam
a alegações, como a possibilidade de a maior oferta de médicos no mercado
minimizaria os rendimentos da categoria. Já as instituições formadoras de
recursos humanos em saúde assumiram uma posição de defesa de mercado.
Essa preocupação não condizia com a realidade cearense, pois, o Ceará
28
formava somente cerca de 50% de sua necessidade de profissionais médicos,
espelhada na existência de 500 equipes de saúde da família sem médico, e o
déficit estimado para 2010, sem novos cursos, seria de 1.400 médicos. (SILVA,
2009; UECE, 2012).
Outra ideia contrária era a viabilidade financeira, questionada por seus
defensores com o argumento de que os custos para a formação médica são
exorbitantes e que, se o Ceará assumisse o patrocínio do curso de medicina da
UECE, sofreria relevante acréscimo em sua rubrica de pessoal, gerando a
possibilidade do não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (SILVA,
2009).
Os argumentos políticos se referiam ao questionamento de que a
existência de um Curso de Medicina da UECE prejudicaria a continuação do
apoio estadual ao Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará -
UFC e aos campus da UFC no interior. Já os argumentos ideológicos
consistiam na ideia de que o poder público estadual não deveria mais assumir
cursos superiores gratuitos, sobretudo os bacharelados clássicos. Entretanto,
saúde é, por princípio, qualidade de vida e dever do Estado (UECE, 2009).
Essas ideias opostas, contudo, foram sendo vencidas, como afirma
Carneiro (2003), em um artigo que discorre sobre a importância da Faculdade
de Medicina do Estado do Ceará, onde ele diz que leu e aprovou os
“argumentos irrefutáveis a propósito da viabilidade financeira do curso de
Medicina da UECE” e que considerou “por demais viável a Faculdade de
Medicina na UECE”, sendo necessário “colocar o ensino médico público, que
não é mercadoria, acima dos interesses individuais e privados”.
Entretanto, como não havia impedimento técnico ou legal para a
criação do curso, e, considerando-se diversos fatos que davam respaldo à
UECE para a concretização do projeto – o excelente desempenho dos seus
demais cursos da área de saúde, como Enfermagem, Ciências Biológicas,
Nutrição e Medicina Veterinária; a reconhecida qualificação do corpo docente
da universidade; a prévia existência de praticamente todos os laboratórios que
seriam necessários ao curso de Medicina; e a produção intelectual de
reconhecimento nacional da universidade; dentre outros -, a decisão final para
tal empreendimento foi positiva (SILVA, 2009).
29
O projeto original foi então aprovado pelo Conselho Estadual de
Educação do Ceará - CEC, pelo Parecer Nº 0616/2008, de 30 de dezembro de
2008, e apresentou, como missão, formar Bacharel em Medicina para o
exercício da Medicina Geral, com ênfase na Medicina Comunitária e de
Família, sem prejuízo das possibilidades de especialização.
A formação oferecida por esse curso de graduação será então estudada
nesta pesquisa, cujos objetivos serão apresentados no item a seguir.
30
2 METODOLOGIA
2.1 Tipo de estudo
O presente estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, de caráter
multicêntrico, que visa à avaliação dos cursos da área da saúde na
Universidade Estadual do Ceará (UECE) e na Universidade Federal do Ceará
(UFC).
O objeto deste recorte é a formação realizada pelo Curso de Graduação
em Medicina ofertado pela UECE, sendo, portanto, caracterizado como um
estudo de caso.
Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma investigação empírica dos
fenômenos contemporâneos, um método que abrange tudo - planejamento,
técnicas de coleta de dados e análise dos mesmos. É considerado como
importante estratégia metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois
permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno
estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”. Além
disso, o estudo de caso favorece uma visão holística sobre os acontecimentos
da vida real (YIN, 2005).
Partindo de uma perspectiva qualitativa, a preocupação do estudo de
caso se dá "menos com a generalização e mais com o aprofundamento e
abrangência da compreensão" (MINAYO,1992, p. 102).
2.2 Sujeitos, cenário e período
Conforme Minayo (1999), a busca qualitativa se preocupa menos com a
generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão.
Dessa forma, o número adequado de sujeitos é aquele capaz de refletir a
totalidade das dimensões do problema, sendo a quantidade considerada
suficiente quando for permitida uma reincidência de informações, porém sem
desprezar informações ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado
em conta.
31
Mediante tal fundamentação, foram incluídos como sujeitos da pesquisa
os estudantes matriculados na disciplina Estágio curricular do curso de
Medicina da UECE. Esta escolha decorreu do fato de estes sujeitos se
encontrarem no período final de seu processo formativo na graduação, o que
possibilita a maior compreensão e visão crítica sobre este processo.
O critério de exclusão adotado foi a não realização da disciplina Estágio
curricular, embora constando a matrícula.
Segundo o critério de inclusão, ao iniciar o estudo, havia 80 alunos no
curso de Medicina na UECE, sendo 40 matriculados na disciplina de Internato II
(S10) e 40 no Internato IV (S12). Participaram do estudo 29 sujeitos, dentre
alunos de ambas as turmas. A saturação teórica foi o critério de delimitação do
número de informantes.
A coleta de dados ocorreu de agosto a novembro de 2013, durante o
qual não existiram turmas de Internato I e III, pois o ingresso de alunos no
Curso de Medicina da UECE acontece da seguinte forma: a Universidade
realiza dois vestibulares por ano, entretanto, apenas o processo seletivo
realizado no final do ano oferece vagas (quarenta) para o Curso de Medicina;
assim, na primeira metade de cada ano, existem apenas turmas matriculadas
em períodos ímpares (semestre 1 - S1, semestre 3 - S3, semestre 5 - S5...); da
mesma forma, na segunda metade de cada ano, só existem turmas
matriculadas em períodos pares (S2, S4, S6...). Como os sujeitos desta
pesquisa foram alunos do internato, cujos períodos são S9, S10, S11 e S12, e
como os dados foram coletados na segunda metade do ano, só havia turmas
de semestres pares, no caso, S10 e S12.
2.3 Coleta e Registro dos dados
Antes da entrada em campo, como atividade da pesquisa mais ampla,
ocorreram três oficinas de capacitação dos pesquisadores com os seguintes
temas: 1.Embasamento conceitual nos eixos e perspectivas propostos para
avaliação do processo formativo; 2. Construção dos indicadores que ajudaram
na aproximação e compreensão dos fatores que evidenciam a
32
mudança/evolução dos aspectos avaliados; 3. Oficina com representantes dos
segmentos docentes, discente e profissionais para expor e debater a proposta
da pesquisa.
Para a inserção no campo da pesquisa, inicialmente foi solicitada à
coordenação do curso de Medicina uma pauta na reunião mensal do colegiado
para apresentação da proposta. A seguir, foi solicitado à coordenação o acesso
ao Projeto Político Pedagógico do curso, constituindo-se a análise deste
documento passo essencial para a fase das entrevistas realizadas a seguir.
As entrevistas foram realizadas individualmente por meio de um roteiro
semi-estruturado (Apêndice 1). O registro foi por meio de gravação de voz e os
depoimentos dos discentes são identificados na apresentação dos resultados
pelo número da entrevista e pelo semestre ao qual pertence o estudante. Por
exemplo, para a primeira da lista de entrevistas realizadas, feita com um aluno
do décimo segundo semestre (internato II), utilizou-se “A1S12”.
Algumas dificuldades para a realização das entrevistas foram
decorrentes da grande carga horária semanal no período do internato. Como
forma de contornar tal obstáculo, não previsto no desenho do estudo, além das
entrevistas presenciais, foram necessárias também entrevistas por telefone,
conforme a disponibilidade dos sujeitos. Assim 15 sujeitos foram entrevistados
pessoalmente e 14 por telefone.
Os alunos foram contatados inicialmente por meio de telefonemas, após
a disponibilização, pela Coordenação do Curso de Medicina, de seus números
de telefone. Neste contato inicial, os discentes foram informados sobre o teor
da pesquisa, e foi solicitada sua participação. As entrevistas eram então
marcadas conforme sua disponibilidade.
Além das entrevistas, também foram fontes de dados as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, o Projeto Político
Pedagógico e os Planos de Ensino do Curso de Medicina da Universidade
Estadual do Ceará.
33
2.4 Análise dos dados
Após a realização da entrevista semi-estruturada e da pesquisa
documental, com o apoio do referencial teórico desta pesquisa, buscou-se
promover o diálogo entre os dados coletados, por meio da triangulação dos
métodos, como referido por Souza et al. (2005), e que se constitui em um dos
pontos que garantem a confiabilidade da pesquisa qualitativa, considerando a
possibilidade de contradições existentes entre os fenômenos quando visto
sobre ângulos diferentes (GASKELL, BAUER, 2002).
Nesta perspectiva, inicialmente se confrontaram as recomendações
contidas nas DCN da graduação em Medicina e os conteúdos do PPP e dos
Planos de Ensino do curso de Medicina da UECE, observando-se as
aproximações e distanciamentos existentes entre as duas propostas.
Avançando na análise, buscou-se identificar se as propostas do PPP e
dos Planos de Ensino e a percepção do curso que emergiu das entrevistas são
coerentes e ainda se estão de acordo com o preconizado pelo Pró-Saúde em
seus três eixos: Orientação Teórica, Cenários de Prática e Orientação
Pedagógica, que serviram de categorias temáticas para essa parte da análise.
Por fim, buscou-se identificar as aproximações e distanciamentos entre
estes achados e os conceitos teorizados por Ceccim e Feuerwerker (2004)
como o quadrilátero da formação para a área da saúde: Ensino, Gestão,
Atenção e Controle Social (conceitos estes que foram utilizados, nessa parte
da análise, como categorias temáticas). Tal escolha justifica-se pela
identificação do quadrilátero com um perfil profissional alinhado com as
diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde.
2.5 Aspectos Éticos
O projeto de pesquisa cumpriu todas as normas da Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UECE, sob o parecer No. 388.536.
Todas as informações coletadas por meio das entrevistas tiveram a
garantia de confiabilidade de modo a não permitir a identificação e garantir a
segurança dos sujeitos. A adesão como informante foi expressa mediante a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 2).
34
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 As DCN e o curso de Medicina
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, conforme
a Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001, são organizadas nos
seguintes tópicos: Perfil do Formando Egresso/Profissional, Competências e
Habilidades, Conteúdos Curriculares, Estágios e Atividades Complementares,
Organização do Curso e Acompanhamento e Avaliação.
Para efeitos de análise, os referidos tópicos, neste trabalho, se
constituíram em categorias analíticas a nortear, sobretudo, a análise do PPP.
3.1.1 Perfil do formando
O PPP do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará traz,
em seu texto, a informação de que foi construído de forma a definir uma
identidade formativa nas dimensões humana, científica e profissional, por meio
de um desenho curricular voltado para a produção de conhecimento que
busque responder às reais necessidades da sociedade e que seja capaz de
formar profissionais com uma sólida formação geral, com capacitação técnica,
ética e humana (UECE, 2012).
Todos esses aspectos, segundo o PPP, foram selecionados e
organizados conforme as recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais
do Conselho Nacional de Educação, dispostas na Resolução CNE/CES Nº 4,
de 7 de novembro de 2001, com direcionamento especialmente voltado ao
perfil do formando egresso/profissional, nas suas competências e habilidades,
nos conteúdos curriculares e na organização do curso propriamente dita
(UECE, 2012).
Ressalte-se que a descrição do perfil do formando/egresso profissional,
no PPP repete literalmente a que está contida nas DCN (BRASIL, 2001, p. 1):
[...]formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, seguindo princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001, p. 1).
35
Conforme Piancastelli (2011), essa formação chamada generalista foi,
historicamente, pouco valorizada. No caso da profissão médica, o fato de, nos
últimos anos, inúmeras especialidades da Medicina terem se desenvolvido
bastante, provocou um impacto devastador na organização de sua prática, com
a fragmentação do cuidado à saúde.
O fenômeno do taylorismo ou fordismo que levou à especialização
crescente na mão de obra de diversas áreas atingiu diversas profissões, dentre
as quais a medicina. Assim, o médico passou a se especializar e
subespecializar cada vez mais, na intenção de ser capaz de manipular as
novas tecnologias em evidência no mercado (OLIVEIRA et al., 2011).
Esse problema se inicia na graduação, durante a qual foram
incorporadas muitas especialidades aos currículos, multiplicando-se disciplinas,
conteúdos e tempos. O conhecimento generalista das ações em saúde foi
comprometido, e o subjetivismo da relação médico-paciente teve seu espaço
disputado pelo objetivismo tecnológico dos exames complementares de
diagnóstico (PIANCASTELLI, 2001).
Essa formação generalista foi relatada nos depoimentos de alguns
alunos. Embora grande parte deles tenha afirmado não ter conhecimento pleno
sobre as propostas do PPP, os poucos que afirmaram conhecê-lo afirmaram
que “estão sendo seguidas as normas para uma formação mais generalista”.
Quanto à dimensão humanística, o PPP refere como características do
futuro profissional:
[...] visão humanística [...] no atendimento com qualidade ao indivíduo e à coletividade, tratando com lhaneza os pacientes e os grupos populacionais, respeitando os seus direitos, lidando adequadamente com a diversidade de comportamentos, crenças e ideias (UECE, 2012, p.29).
O PPP considera o humanismo como um dos valores do curso: o
“humanismo, definido como a capacidade de compreensão à vida, ao outro e à
diversidade com empatia” e o “amor, definido como o cuidado e zelo pelo ser
humano como algo precioso e único” (UECE, 2012).
36
A humanização na formação médica é um assunto cada vez mais
presente e preocupante para os educadores, na academia, e para os gestores,
nos serviços de saúde. Conforme Blasco (2010, p. 358), humanizar a Medicina
é reinserir a Ciência Médica nas suas verdadeiras origens, é uma obrigação
educacional e uma condição de sucesso para o profissional da saúde.
Pelo menos uma estratégia de estimulara dimensão humanística na
formação dos futuros médicos foi referida pelos estudantes:
[...] participei do projeto Humanartes, lá da Universidade, que é Humanização com artes na saúde. Nesse projeto, a gente ia nos hospitais, se vestia de palhaço. A gente ia aos hospitais pra tentar levar um pouquinho de alegria para as crianças (Aluno A6S12).
Conforme consta no PPP, o Humanartes é um projeto de Humanização
com Arte na Saúde, realizado em hospitais de Fortaleza (UECE, 2012). A
participação dos alunos entrevistados foi maciça em tal projeto.
Quanto à dimensão crítica-reflexiva, o PPP expressa que os conteúdos
programáticos do curso contemplam o desenvolvimento de capacidade
reflexiva nos estudantes e que devem ser utilizadas metodologias de ensino-
aprendizagem que estimulem “a capacidade crítica e analítica e o poder criativo
do educando” (UECE, 2012, p. 34), além de propor como aptidão necessária
ao futuro profissional a capacidade de “assimilar e integralizar conhecimentos
teóricos mediante raciocínio reflexivo e crítico e ser capaz de aplicá-los na
tomada de decisões para a resolução dos problemas de saúde, no exercício da
prática médica” (UECE, 2012, p.29).
De acordo com Ferreira, Fiorini e Crivelaro (2010), a academia,
enquanto instituição formadora, deve contribuir para a formação de
profissionais cujo perfil de competência lhes permita intervir no seu contexto de
trabalho de forma crítica, coletiva e integradora.
Segundo Freire (1986), nesta perspectiva, aprender se torna, para o
futuro profissional, uma aventura criadora, algo que vai além da mera repetição
da lição dada. Neste sentido, aprender é construir, (re)construir, constatar, para
poder intervir e mudar. Isto ajuda a desenvolver, no formando, o sujeito crítico,
epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento partindo da
problematização do objeto de estudo e participando ativamente de sua
37
construção. Conforme o mesmo autor, trata-se da "capacidade de aprender,
não apenas para nos adaptarmos à realidade, mas, sobretudo, para
transformar, para nela intervir, recriando-a" (FREIRE, 1986, p.77).
Nesse contexto, o professor/formador tem a responsabilidade de ajudar
o formando a desenvolver, de maneira gradativa, a capacidade de transformar
a informação em conhecimento que estimule a ação sábia. Além disso, essa
formação de natureza crítico-reflexiva deve ser sustentada numa perspectiva
de construção do conhecimento com base na problematização da realidade, ou
seja, na articulação da teoria com a prática e na participação ativa do futuro
profissional (FERREIRA, FIORINI e CRIVELARO, 2010).
Os depoimentos dos alunos, contudo, mostraram que, no curso de
medicina da UECE, predominam metodologias de ensino-aprendizagem
tradicionais, em detrimento de metodologias ativas que possibilitam essa
proposta de formação crítica-reflexiva:
“O que mais acontece são as aulas teóricas mesmo, com apresentação de slides e discussão da teoria” (Aluno A4S10).
Esse assunto será mais discutido, adiante, no item Orientação Teórica.
3.1.2 Competências e habilidades
Quanto às competências e habilidades requeridas do médico em
formação, as DCN destacam a atenção à saúde, a tomada de decisões, a
comunicação, a liderança, a administração e gerenciamento e a educação
permanente (BRASIL, 2001).
As disciplinas que, segundo o PPP, se propõem a abordar aspectos
relacionados a essas competências e habilidades estão dispostas no Quadro 1.
O quadro é organizado de forma a apresentar as disciplinas que trabalham, no
mínimo, uma das competências e habilidades, com suas respectivas ementas e
carga horária.
38
Quadro 1 - Disciplinas que abordam competências e habilidades gerais preconizadas nas DCN do Curso de Graduação em Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013
Competências e Habilidades Gerais contempladas
Atenção à saúde
Tomada de decisões
Comunicação
Liderança
Admin./Gerenciamento
Educação Perm
anente
Disciplina e Carga horária
Ementa
Saúde Coletiva (68h)
A disciplina tem o propósito de apresentar e discutir aspectos históricos e conceitos básicos da Saúde Coletiva, distinguindo os paradigmas que orientam os modelos de medicina Preventiva, Medicina Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva; compreender a evolução histórica da prática médica, o processo saúde doença e os modelos explicativos; conhecer a história das políticas de saúde no Brasil discutindo a fundamentação legal de criação e implementação do SUS; compreender a concepção e os fundamentos que embasam os modelos de atenção à saúde, estratégia de organização de sistema, atenção primária à saúde e seu papel como centro da política sanitária enfocando a estratégia saúde da família como modelo de atenção primária à saúde no Brasil.
X X X X
Educação em Saúde (68h)
Analisa a inter-relação educação, saúde e política. Fornece subsídios sobre conceitos, métodos e técnicas para intervenções de educação em saúde junto ao usuário, família e comunidade. Apresenta os paradigmas norteadores da educação e do ensino médico. Promove e apresenta atividades relacionadas à educação em saúde contribuindo para reflexividade e a postura investigativa.
X X X
Estatísticas de Saúde (68h)
Metodologia estatística descritiva e investigação em saúde. Amostragem. Apresentação tabular e gráfica. Medidas estatísticas de tendência central, de variabilidade, de separação de associação e de correlação. Fontes de dados vitais. Registros públicos. Recenseamento e estimativas populacionais. Indicadores de saúde. Indicadores hospitalares. Aplicações nas Ciências Médicas.
X X
Ciências Sociais e
Saúde (68h)
Apresenta e estuda as bases sociológicas e antropológicas que apóiam o campo da Saúde Coletiva, tanto na vertente das políticas e da oferta de sistemas, serviços, programas e técnicas, como na vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida. As palavras chaves são Sociologia da Saúde, Antropologia da Saúde e História da Saúde
X X
Epidemiologia
(68h)
Conceitos básicos em Epidemiologia, tais como: histórico, objetivos, áreas de aplicação. Epidemiologia descritiva. Quantificação em epidemiologia, indicadores epidemiológicos e de saúde. História natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas e sua aplicação no planejamento, execução e avaliação de ações de saúde. Vigilância epidemiológica e Vigilância à saúde. Diferença entre o método epidemiológico e o método científico. Metodologia epidemiológica, epidemiologia analítica e epidemiologia experimental. Epidemiologia de agravos e doenças não-transmissíveis. Epidemiologia ambiental e ocupacional.
X
Inglês Médico (68h)
Visa despertar o interesse do aluno pela informação em língua inglesa e capacitá-lo para a leitura e compreensão de textos autênticos de cunho jornalístico e acadêmico. Uso de textos versando tanto sobre assuntos de interesse geral, quanto de assuntos específicos do curso médico.
X
Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente
(102h)
Fundamentos psicológicos da relação médico-paciente: as condições psicossociais do estudante de medicina, expectativas, idealizações, questionamentos e receios, ansiedades frente às atividades de contato com os pacientes. Relações interpessoais e seus aspectos facilitadores e complicadores. Conceitos básicos sobre a semiótica física e funcional dos órgãos, e sistemas; conhecimentos teóricos e práticos sobre os diversos sinais e sintomas dos distúrbios mais freqüentes desses órgãos e sistemas, o processo evolutivo das principais doenças e os meios auxiliares para o seu diagnóstico. Habilidade no desenvolvimento de um raciocínio clínico e diagnóstico adequado. Atividades desenvolvidas em sala de aula e nas enfermarias.
X X X
39
Quadro 1 (continuação)
Competências e Habilidades Gerais contempladas
Atenção à saúde
Tomad
a de decisões
Com
unicação
Lide
rança
Adm
e Gerenciam
ento
Educação Permanente
Disciplina e Carga Horária
Ementa
Políticas Públicas de
Saúde
(68h)
Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.
X X X
Planejamento e Organização de Serviços de
Saúde
(68h)
Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados
X X X X
Informação e Avaliação em
Saúde
(68h)
A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o
processamento e a análise dos dados e informações visando à avaliação
dinâmica de sistemas, serviços e tecnologias de saúde, assim como a sua
utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e analisa a importância de
processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de
problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de
tomada de decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da
avaliação, discute-se conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de
avaliação em saúde; enfoca uma visão geral das diferentes abordagens que
podem ser utilizadas na avaliação; compreende o movimento institucional de
introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.
X X
Saúde da Família e
Comunidade
(68h)
Apresenta e estuda a dinâmica e a história da família e dos grupos sociais ligados por parentesco, vizinhança, trabalho ou crenças, objetivando apoiar a aplicação de teorias, procedimentos e técnicas para o desenvolvimento de ações de promoção de saúde e prevenção de transtornos, agravos e doenças, em famílias e comunidades, na perspectiva da Atenção Primária à Saúde e da educação popular em saúde. Apresenta os ciclos de vida e seus principais problemas relacionados à Medicina de Família e Comunidade.
X X X
Ambulatório de Atenção Básica
(68h)
Estuda e desenvolve métodos e técnicas de abordagem clínica e ambulatorial com ênfase na relação médico-paciente e no manejo adequado dos problemas e necessidades de saúde mais comuns nos serviços de Atenção Básica de Saúde.
X X X X
40
No que se refere à atenção à saúde, as DCN destacam a necessidade
de formar profissionais aptos a realizar um atendimento integral com “ações de
prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível
individual quanto coletivo”, considerando ainda a execução desses serviços
“dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética”
(BRASIL, 2001, p.19).
Nesse contexto, observou-se que o PPP foi construído com base em
alguns objetivos, dentre os quais “incentivar o graduado a atuar nos diferentes
níveis de atenção à saúde, com ênfase no primário e secundário” (UECE,
2012, p. 19).
As entrevistas com os alunos revelaram que práticas em todos os níveis
de atenção são realizadas, entretanto, de acordo com o PPP, a carga horária
de internato é organizada da seguinte forma: dos vinte e quatro meses de
internato, dois são de férias; dos vinte restantes, apenas quatro são destinados
à Medicina de Família e Comunidade - MFC (UECE, 2012).
Uma vez que a formação médica voltada para a Atenção Primária em
Saúde é o foco desse estudo, vale ressaltar que, além de uma fração do
internato destinada às atividades relacionadas à APS, o PPP e os planos de
ensino propõem outras disciplinas que trabalhem o assunto (UECE, 2011;
UECE, 2012).
Os estudantes referiram que “até o oitavo semestre tem cadeiras
‘sociais’, [...] uma ou duas por semestre”, o que expressa uma longitudinalidade
na trabalho da temática da APS ao longo do curso de Medicina.
Isso se mostra de acordo com as considerações de Demarzo et al.
(2011), em um documento da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e
Comunidade (SBMFC), que afirma que a inserção da APS nas grades
curriculares de Medicina deve ser longitudinal e com continuidade ao longo do
curso. O envolvimento dos alunos com essas disciplinas, entretanto, é algo a
ser discutido mais adiante, no item Orientação Teórica.
Quanto ao item “tomada de decisões”, as DCN realçam a necessidade
de o trabalho profissional ser sempre baseado na capacidade para a tomada
de decisões “[...] visando ao uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da
41
força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de
práticas” (BRASIL, 2001, p. 2).
Nesse sentido, o PPP ressalta a necessidade de o aluno desenvolver
habilidades e atitudes que permitam “assimilar e integralizar conhecimentos
teóricos mediante raciocínio reflexivo e crítico e ser capaz de aplicá-los na
tomada de decisões para a resolução dos problemas de saúde, no exercício da
prática médica” e “considerar a relação custo-benefício nas decisões médicas,
levando em conta as reais necessidades da população e priorizando a
qualidade dos serviços” (UECE, 2012, p.29).
Sobre o desenvolvimento dessa habilidade, os alunos revelaram que os
momentos de prática são “os mais importantes”, e que “as vivências
aproximam mais da realidade”, porém, identificam as metodologias de ensino-
aprendizagem utilizadas ao longo do curso como predominantemente
tradicionais:
A UECE tem um método muito tradicional de ensino. Na prática, quando a gente entre no internato, o que a gente mais vê são os próprios casos [clínicos]. A UECE deixa a desejar nesse sentido, porque a gente vê muita teoria. A gente também vê a prática, mas [...] eu acho que a gente poderia aproveitar melhor. Quando a gente entrasse no internato a gente estaria mais bem preparado pra isso. É uma desvantagem desse método a dificuldade de aplicar os conhecimentos da teoria na prática (Aluno A25S12).
Neste sentido, questiona-se se a aproximação com os problemas do
cotidiano da profissão, de forma a possibilitar a reflexão sobre a realidade dos
serviços de saúde, está se realizando de maneira a formar o sujeito crítico-
reflexivo proposto no PPP. Demarzo et al. (2011) ressalta que as metodologias
dialógicas e ativas de ensino-aprendizagem devem ser referência no ensino na
APS.
Quanto à competência e habilidade para se comunicar, as DCN
defendem que os profissionais devem ser acessíveis e manter o sigilo das
informações a eles confiadas, tanto na relação com o paciente quanto com os
demais profissionais. Isso deve ser feito, incluindo-se habilidades de
comunicação verbal e não verbal, de escrita e de leitura, além do domínio de
tecnologias de comunicação e informação e de, no mínimo, uma língua
estrangeira (BRASIL, 2001).
42
Nesse aspecto, o PPP contempla algumas disciplinas e atividades que
favorecem o seu desenvolvimento. Os planos de ensino trazem disciplinas que
fomentam o desenvolvimento dessas habilidades de comunicação, como a
disciplina de Ciências Sociais e Saúde, que tem, como um de seus objetivos,
desenvolver habilidades de comunicação com os pacientes (UECE, 2012).
Essas habilidades requerem o uso de técnicas específicas imprescindíveis para
que se possa ter a compreensão necessária entre médico e paciente, para o
esclarecimento dos objetivos desse ato clínico e para adequar a natureza da
relação às diferenças culturais e sociais dos sujeitos envolvidos (SUCUPIRA,
2007).
Outra disciplina relacionada à comunicação é Informação e Avaliação
em Saúde, em que se estudam “a sistematização, o processamento e a análise
dos dados e informações, visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços
e tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática
clínica” (UECE, 2011).
Além delas, segundo os planos de ensino, são ofertadas as disciplinas
de Estatísticas de Saúde, que proporciona práticas em laboratórios de
informática; Ambulatório de Atenção Básica, que trabalha a informática na
APS; e Inglês médico, que “visa despertar o interesse do aluno pela informação
em língua inglesa e capacitá-lo para a leitura e compreensão de textos
autênticos de cunho jornalístico e acadêmico” (UECE, 2011, p. 56).
Ademais, o PPP ressalta a importância de que o futuro profissional deve
saber “comunicar-se adequadamente com colegas de trabalho, pacientes e
seus familiares” (UECE, 2012, p.27).
Caprara e Rodrigues (2004) ressaltam a crescente necessidade de
desenvolver uma melhor comunicação entre o médico e o paciente, no intuito
de incrementar a qualidade da relação entre estes. Isso pode diminuir o
sofrimento do paciente e aumentar o seu grau de satisfação.
Nesse sentido, afirmaram os alunos que as aulas práticas facilitam o
desenvolvimento dessa habilidade de comunicação, conforme mostra o
depoimento a seguir:
Outra questão importante que eu acho da vivência é o lidar com o público. O médico em si ele vai ser um profissional que vai lidar com outras pessoas, né, então por meio dessa vivência com o público,
43
seja com os colegas apresentando seminários, seja nas unidades de saúde, conversando com os profissionais, os usuários, você consegue uma certa desinibição para falar em público. Você consegue, aos poucos, desenvolver a capacidade de conseguir fazer as pessoas lhe entenderem. Porque, quando você vai passar um medicamento, embora você escreva na receita, mas você tem que criar a capacidade de fazer com que o paciente entenda como é que vai tomar aquele remédio, conseguir falar com as palavras que o paciente entenda (Aluno A23S10).
Observa-se, neste depoimento, que vários aspectos da comunicação
foram considerados importantes: comunicar-se com os colegas de trabalho,
com os usuários e com o público em geral.
Quanto às competências de liderança, administração e gerenciamento,
as DCN trazem a necessidade de que os futuros médicos sejam capazes de
assumir posições de liderança, fazer o gerenciamento e a administração da
força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, e de
assumir cargos de gestores, empregadores ou líderes nas equipes de saúde
(BRASIL, 2001).
Nesse sentido, o PPP considera importante a participação dos
acadêmicos nas “atividades de gestão da atenção primária, incluídas, desde a
interação com os conselhos locais de saúde, até a vivência administrativa da
rotina da Estratégia Saúde da Família - ESF nos Centro de Saúde da Família -
CSF” (UECE, 2012, p.42).
Por sua vez, os planos de ensino trazem algumas disciplinas que
abordam temas relacionados à gestão, dentre as quais: Saúde Coletiva, cujo
rol de objetivos inclui “compreender e discutir o modelo assistencial de saúde e
as estratégias de organização de atenção primária, secundária e terciária no
Estado”, e Políticas Públicas de Saúde, cujo conteúdo programático contempla
temas como “pacto pela saúde nas suas três dimensões, Pacto de Gestão, [...]
Financiamento do SUS, Os colegiados de gestão do SUS; [...]
interdisciplinaridade e equipe multiprofissional no trabalho em saúde” (UECE,
2011, p. 66).
Há ainda a disciplina de Planejamento e Organização de Serviços de
Saúde, que apresenta, entre seus objetivos, “discutir os conceitos
fundamentais referentes ao processo de planejamento estratégico”, “conhecer
o Sistema de Planejamento do SUS – PlanejaSUS como atuação contínua,
44
articulada, integrada e solidária das áreas de planejamento das três esferas de
gestão do SUS”, e “compreender e utilizar as técnicas de planejamento como
instrumento de mudança nos serviços de saúde” (UECE, 2011). Esses
aspectos também se relacionam com a competência “tomada de decisões”.
Essa presença dos aspectos relativos à gestão no ensino médico é de
extrema importância, conforme afirmam Carvalho; Campos e Oliveira (2009),
quando consideram a inseparabilidade da gestão e da prática clínica no
fazer/pensar saúde, tendo em vista as características contemporâneas do
trabalho em saúde, que é marcado pelo caráter interdisciplinar da prática e pela
existência de uma complexa rede de cuidado em saúde.
No entanto, de forma geral as entrevistas realizadas com os discentes
não evidenciaram essa aproximação dos alunos com as habilidades e
competências de liderança, administração e gerenciamento.
O depoimento de um estudante, contudo, merece destaque. Ele afirmou
que:
Hoje em dia o médico, assim, ainda tem muito prestígio na sociedade. Não é incomum você chegar a ser nomeado pra poder ser ou diretor de um hospital, ou ser gestor de algum município, secretário, ou alguma coisa voltada pra saúde. Então é um dos campos de atuação do médico a parte da gestão, e não só a clínica (Aluno A22S10).
Em seu depoimento sobre como isso é trabalhado no curso de Medicina
da UECE, o aluno afirmou:
[...] uma coisa importante que a gente vê nessa disciplina de Políticas Públicas de Saúde é não só conhecer essas políticas, mas também saber aplicá-las na prática [...] tem uma parte teórica bem consistente, mas também tem uma parte prática, em que a gente vai ao posto de saúde, cria situações ou então procura saber quais as situações de problemas que estão sendo enfrentadas, e a gente, junto com aqueles profissionais de saúde, vai lá e tenta elaborar propostas pra poder resolver aqueles problemas [...] essa disciplina dá a oportunidade de você, no futuro, se for trabalhar como gestor, ter um aporte teórico e vai ter trabalhado na parte prática (Aluno A22S10).
Esse depoimento evidenciou que são proporcionados aos estudantes
atividades que trabalhem essas competências de liderança, administração e
gerenciamento. Vale ressaltar que aqui também se encaixam as competências
de tomadas de decisão.
45
Entretanto, como já mencionado, esses depoimentos não foram
recorrentes. Provavelmente a explicação para isto é a falta de afinidade dos
estudantes pelas disciplinas ditas “sociais”, revelada num trecho posterior da
entrevista:
“[...] as atividades das disciplinas sociais o pessoal não gosta, geralmente, né? [...] A questão é que poucos se vêem fazendo isso no futuro, e daí é que vem o desprezo. Muitas vezes o pessoal acha ruim essas atividades e quer que acabe o mais rápido possível, ‘bora logo, pra acabar logo’[...]. O pessoal não valoriza muito (A22S10).
A última competência geral proposta pelas DCN do Curso de Graduação
em Medicina é a Educação Permanente, segundo a qual:
os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, não apenas transmitindo conhecimentos, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços” (BRASIL, 2001, p. 2).
A Educação Permanente foi instituída, no Brasil, como política – a
Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, e considera ampla
intimidade entre formação, gestão, atenção e participação nessa área de
saberes e de práticas, mediante as intercessões promovidas pela educação na
saúde. Segundo Ceccim (2005, p. 976), “a educação intercede pela saúde,
ofertando suas tecnologias construtivistas e de ensino-aprendizagem”.
Merhy (2005, p. 982) destaca que a política em questão
reivindica “produção do cuidado em saúde e sua micropolítica constituídos de
práticas pedagógicas”, reconhecimento esse tomado como uma necessidade
para a ação.
Assim, essa política representa o esforço de cumprir uma das mais
nobres metas formuladas pela saúde coletiva no Brasil: tornar a rede pública de
saúde uma rede de ensino-aprendizagem no exercício do trabalho (CECCIM,
2005).
Nesse contexto, observa-se que, apesar de o PPP não mencionar
diretamente a “Educação Permanente”, ele explicita que os alunos do curso de
Medicina devem passar por experiências nos serviços de saúde, situação em
46
que, conforme Ceccim (2005), o cotidiano de trabalho em saúde se torna fonte
de aprendizado.
Concretamente, isto ocorre principalmente no internato, cujos objetivos
incluem a articulação de “conhecimentos e técnicas adquiridas na fase
doutrinária dos estudos curriculares com a execução dos cuidados globais de
saúde individual e coletiva, em reais situações de exercício profissional”
(UECE, 2012, p. 35).
Sobre a importância do internato, afirmam os alunos:
a parte mais importante da faculdade é a prática, pra gente realmente aprender a lidar com outra pessoa, pra gente que não tem experiência, que nunca trabalhou, nada... Saber como lidar, saber como se comportar, saber o que pode falar e o que não pode. Realmente é a parte mais importante da faculdade. É o que a gente faz nos últimos dois anos que são o internato.
Ainda quanto às competências preconizadas pelas DCN do curso de
graduação em medicina, além das já citadas competências gerais, são
propostos conhecimentos, competências e habilidades específicas, o que é
repetido ipsis litteris no PPP.
Como exemplos, podemos citar o incentivo a “utilizar adequadamente
recursos semiológicos e terapêuticos, validados cientificamente,
contemporâneos, hierarquizados para atenção integral à saúde, no primeiro,
segundo e terceiro níveis de atenção”, a “ter visão do papel social do médico e
disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde; e
a “atuar em equipe multiprofissional”, dentre outros (BRASIL, 2001, p.3; UECE,
2012, p.28).
3.1.3 Estrutura curricular e os conteúdos curriculares do Curso de
Medicina
Quanto aos conteúdos curriculares relacionados à APS, as DCN referem
que “os conteúdos essenciais do curso de graduação em medicina devem
guardar estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes
referidas pela comunidade e identificadas pelo setor saúde” (BRASIL, 2001,
p.3).
Devem contemplar também a “compreensão dos múltiplos
determinantes do processo saúde-doença e sua abordagem em nível individual
47
e coletivo”, além da compreensão e domínio da propedêutica médica e da boa
relação médico paciente, e do aspecto da promoção da saúde (BRASIL, 2001).
O Quadro 2 relaciona as disciplinas que apresentaram aspectos
relacionados a esses temas, com suas ementas e cargas horárias, objetivos e
conteúdos programáticos.
Vale ressaltar que a carga horária dessas disciplinas totaliza 884 horas,
e a carga horária total do curso é de 9.588 horas, das quais 5100 horas são
cumpridas no internato, ou seja, a carga horária destinada aos conteúdos
disciplinares é 4.488 horas. Assim, as 884 horas das disciplinas diretamente
relacionadas a atuação profissional na APS representam menos de 20% da
carga horária disciplinar do curso de Medicina da UECE.
Dentre essas, as disciplinas Saúde Coletiva, Educação em Saúde e
Planejamento e Organização dos Serviços de Saúde prevêem estágios de
observação em seus planos de ensino; aulas práticas são previstas nas
disciplinas de Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente e
Informação e Avaliação em Saúde. Para a disciplina de Políticas Públicas de
Saúde não estão previstas aulas práticas, contudo, um aluno afirmou que
vivenciou, durante essa disciplina, aula prática no serviço de saúde.
3.1.4 Organização do Curso
Quanto à “Organização do Curso”, as DCN preconizam que o “curso de
graduação em medicina deve ter um projeto pedagógico, construído
coletivamente”, que deverá “buscar a formação integral e adequada do
estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a
extensão/assistência” (BRASIL, 2001, p. 5).
Observa-se que o PPP do curso de Medicina da UECE tenta articular
ensino, pesquisa e extensão por meio da ampliação dos horizontes dos
acadêmicos para além do aprendizado da sala de aula, promovendo, para
tanto, a inclusão da pesquisa na estrutura curricular do curso, da oferta de
atividades complementares e da inserção do estudante em atividades nos
cenários de assistência (UECE, 2012). Esse assunto será discutido no tópico
de estágios e atividades complementares.
48
Quadro 2: Disciplinas que abordam conteúdos diretamente relacionados a APS. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013
Disciplina e Carga Horária
Ementa Aspectos Principais
Saúde Coletiva (68h)
A disciplina tem o propósito de apresentar e discutir aspectos históricos e conceitos básicos da Saúde Coletiva, distinguindo os paradigmas que orientam os modelos de medicina Preventiva, Medicina Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva; compreender a evolução histórica da prática médica, o processo saúde doença e os modelos explicativos; conhecer a história das políticas de saúde no Brasil discutindo a fundamentação legal de criação e implementação do SUS; compreender a concepção e os fundamentos que embasam os modelos de atenção à saúde, estratégia de organização de sistema, atenção primária à saúde e seu papel como centro da política sanitária enfocando a estratégia saúde da família como modelo de atenção primária à saúde no Brasil.
Tem como objetivos: “Conhecer as ações desenvolvidas nas unidades de saúde da SER IV e V do município de Fortaleza, bem como o trabalho da ESF no seu território”; “Identificar possíveis modelos de explicação dos processos de saúde – doença.” Inclui em seu conteúdo: “o processo saúde-doença: fatores da vida, adoecimento e morte das pessoas; apreciação histórica e cultural do processo saúde-doença e das práticas de saúde correspondentes”
Educação em Saúde (68h)
Analisa a inter-relação educação, saúde e política. Fornece subsídios sobre conceitos, métodos e técnicas para intervenções de educação em saúde junto ao usuário, família e comunidade. Apresenta os paradigmas norteadores da educação e do ensino médico. Promove e apresenta atividades relacionadas à educação em saúde contribuindo para reflexividade e a postura investigativa
Inclui, em seu conteúdo programático: “Estratégias de planejamento de atividades de Educação em Saúde: tendências pedagógicas; Prevenção e promoção em saúde; Métodos e técnicas de abordagem com a comunidade.”
Políticas Públicas de Saúde (68h)
Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.
Inclui, em seu conteúdo programático: a política, conceito e sua expressão na saúde das pessoas e da comunidade; Tipos de políticas e as políticas sociais; Evolução das Políticas de Saúde no Brasil; Política Nacional de Atenção Básica; O Sistema Único de Saúde – SUS - no contexto atual; A compreensão dos princípios do SUS e sua aplicação prática; Pacto pela saúde nas suas três dimensões; pacto de gestão; Financiamento do SUS; O Sistema Privado de Saúde no Brasil - Saúde suplementar; Participação Social e a representação por conselhos; Os colegiados de gestão do SUS; A carta dos Direitos dos Usuários; Transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e equipe multiprofissional no trabalho em saúde.
Planejamento e
Organização de Serviços de Saúde (68h)
Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir
Inclui, em seu conteúdo programático: a importância do planejamento como ferramenta de gestão; aspectos conceituais, paradigma normativo X estratégico; O enfoque estratégico situacional: conceitos, momentos (explicativos, normativo, estratégico e tático – operacional); Planejamento municipal em saúde; Planejamento no âmbito do SUS e enfoques teórico-metodológicos: análise de experiências; Plano estratégico de uma organização de saúde – componentes básicos; Sistema de Planejamento do SUS – PlanejaSUS: organização e funcionamento;
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de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados.
instrumentos básicos. Planejamento e Programação Local em Saúde – PPLS
Ciências Sociais e
Saúde (68h)
Apresenta e estuda as bases sociológicas e antropológicas que apóiam o campo da Saúde Coletiva, tanto na vertente das políticas e da oferta de sistemas, serviços, programas e técnicas, como na vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida. As palavras chaves são Sociologia da Saúde, Antropologia da Saúde e História da Saúde.
Tem como objetivos:Adquirir conhecimentos e práticas sobre a relação entre cultura, saúde e doença; Desenvolver habilidades de comunicação com os pacientes; Desenvolver capacidade de escuta e compreensão em relação às queixas e necessidades do paciente;Desenvolver capacidade de orientar o paciente com linguagem adequada considerando fatores como idade e nível cultural; Adquirir conhecimentos e práticas sobre a humanização do cuidado em saúde; Adquirir conhecimentos sobre clínica ampliada e cuidados em saúde.
Epidemiologia (68h)
Conceitos básicos em Epidemiologia, tais como: histórico, objetivos, áreas de aplicação. Epidemiologia descritiva. Quantificação em epidemiologia, indicadores epidemiológicos e de saúde. História natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas e sua aplicação no planejamento, execução e avaliação de ações de saúde. Vigilância epidemiológica e Vigilância à saúde. Diferença entre o método epidemiológico e o método científico. Metodologia epidemiológica, epidemiologia analítica e epidemiologia experimental. Epidemiologia de agravos e doenças não-transmissíveis. Epidemiologia ambiental e ocupacional.
Tem como objetivos “Desenvolver uma compreensão básica acerca do método científico, além de outros métodos, na abordagem distribuição dos determinantes da saúde da população; Identificar o perfil epidemiológico de uma população, utilizando indicadores de saúde para a prevenção, controle e/ou erradicação de doenças e agravos;
Psicologia médica (68h)
A disciplina sistematiza para o estudante de Medicina os principais conteúdos da Psicologia aplicados às práticas de saúde, em geral, com ênfase no relacionamento entre equipe de saúde, inclusive o médico, e os usuários. Categorias da Psicologia Social, tais como socialização, estereótipo, preconceito, representação social e papel social, são enfocados, como também categorias da Psicopatologia, tais como função mental, sensopercepção, orientação, memória, atividade, afetividade, razão, imaginação, inteligência e consciência. Apresentam-se as questões técnicas, éticas e de humanização do cuidado na relação dos profissionais com o processo de adoecimento. Outrossim, serão destacados os desafios da bioética e da biopolítica em relação às vulnerabilidades: consciência da incurabilidade e da finitude, obstinação terapêutica e tratamentos fúteis, reabilitações de manejo complexo, a problemática de adesão ao tratamento, manejo psicológico de situações de casos crônicos e prognóstico reservado. Saúde Mental e Trabalho Médico.
Inclui, em seus conteúdos: “PSICOLOGIA SOCIAL E PROCESSO SAÚDE/DOENÇA – Conceitos em Psicologia Social. Psicologia social norteamericana e seus impactos nas práticas de educação em Saúde. Noção de papel social e as configurações do papel social do médico e do paciente. Entendendo o comportamento de estar saudável e doente em suas determinações psicossociais. Entendendo formas de adoecimento social com as categorias Estigma e Preconceito Representações Sociais da Saúde e da Doença; RELAÇÃO MÉDICO-EQUIPE-USUÁRIO – Definições psicológicas de vínculo e relacionamento. Panorâmica sobre os estudos clássicos do relacionamento entre médico, equipe e usuário. Análise crítica das tipologias de relacionamento entre médico, equipe e paciente. Impactos desta relação nos processos de adesão aos tratamentos. Afetivação X Caracteropatia nas condutas psicológicas dos profissionais de medicina.
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Informação e Avaliação em Saúde (68h)
A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o processamento e a análise dos dados e informações visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços e tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e analisa a importância de processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de tomada de decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da avaliação, discute-se conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de avaliação em saúde; enfoca uma visão geral das diferentes abordagens que podem ser utilizadas na avaliação; compreende o movimento institucional de introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.
Inclui, em seu conteúdo programático, Conceitos Básicos em sistemas de informação; Sistemas de informação da saúde; componente do SIS; Indicadores de Saúde da atenção básica; Sistema de informação hospitalar; Sistema de suporte à tomada de decisão clínica; Importância da avaliação nos serviços de saúde como ferramenta de gestão; Avaliação – conceitos, usos, objetos e classificação da avaliação; Etapas da concepção da avaliação; Avaliação como estratégia de mudança na Atenção Básica.
Epidemiologia Clínica (34h)
Fornecer os conhecimentos fundamentais referentes ao método epidemiológico e sua aplicação na pesquisa clínica e, ao mesmo tempo, desenvolver a capacidade crítica para análise da literatura.
Tem como objetivos: Desenvolver atitude crítica e independente frente às questões científicas da Clínica, utilizando o método epidemiológico; Formular uma questão clínica concisa, achar e avaliar evidências e aplicar a informação ao cuidado do paciente; Identificar o melhor tipo de estudo para responder questões clínicas. Inclui, em seus conteúdos Introdução à Epidemiologia Clinica; Questão clínica; Estudo de Associações Etiológicas; Estudo de Associações em Prognóstico; Estudos Terapêuticos; Estudos Diagnósticos.
Psiquiatria (68h)
A disciplina sistematiza para o estudante de Medicina os principais conteúdos da Psiquiatria Clínica e de suas interfaces fundamentais com outras Clínicas e com a Saúde Coletiva. Apresentam-se os elementos conceituais e históricos da Psicopatologia, da Semiologia, da Semiotécnica, dos transtornos e síndromes mais freqüentes, das propostas terapêuticas biofarmacológicas e psicossociais, da epidemiologia e das políticas de saúde mental. Outrossim, apresentam-se a intersetorialidade, a interdisciplinaridade e as polêmicas sobre a Psiquiatria como especialidade médica, como interconsulta transversal a todas as clínicas médicas e como Medicina Especial.
Inclui em seus conteúdos a “DIMENSÃO COLETIVA DA PSIQUIATRIA – Psiquiatria e Saúde Mental. Saúde Mental e Saúde Coletiva. Política e Planejamento em Saúde Mental. Psiquiatria e os Níveis de Atenção (Primário, Secundário, Terciário). Epidemiologia dos Transtornos Mentais. Promoção em Saúde Mental e Qualidade de Vida. Prevenção dos Transtornos Mentais e Ideologia (Preconceito, Estigma).”
Saúde da Família e
Comunidade (68h)
Apresenta e estuda a dinâmica e a história da família e dos grupos sociais ligados por parentesco, vizinhança, trabalho ou crenças, objetivando apoiar a aplicação de teorias, procedimentos e técnicas para o desenvolvimento de ações de promoção de saúde e prevenção de transtornos, agravos e doenças, em famílias e comunidades, na perspectiva da Atenção Primária à Saúde e da educação popular em saúde. Apresenta os
Inclui como conteúdo programático seminários com os temas : Medicina de Família e Comunidade, Territorização; atribuições do médico de família e comunidade e da equipe para cada etapa do ciclo vital; e estudo de família.
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ciclos de vida e seus principais problemas relacionados à Medicina de Família e Comunidade.
Iniciação ao exame clínico e relação médico-paciente (102h)
Fundamentos psicológicos da relação médico-paciente: as condições psicossociais do estudante de medicina, expectativas, idealizações, questionamentos e receios, ansiedades frente às atividades de contato com os pacientes. Relações interpessoais e seus aspectos facilitadores e complicadores. Conceitos básicos sobre a semiótica física e funcional dos órgãos, e sistemas; conhecimentos teóricos e práticos sobre os diversos sinais e sintomas dos distúrbios mais freqüentes desses órgãos e sistemas, o processo evolutivo das principais doenças e os meios auxiliares para o seu diagnóstico. Habilidade no desenvolvimento de um raciocínio clínico e diagnóstico adequado. Atividades desenvolvidas em sala de aula e nas enfermarias.
Inclui, em seu conteúdo programático, a “Relação médico-paciente” e, em seus objetivos “colocar o estudante em contato direto com o paciente, observando nesta interação suas atitudes, seus compromissos e responsabilidades com o doente – objetivo maior da profissão; e conduzir a uma boa prática da relação médico-paciente;”
Ambulatório de Atenção Básica (68h)
Estuda e desenvolve métodos e técnicas de abordagem clínica e ambulatorial com ênfase na relação médico-paciente e no manejo adequado dos problemas e necessidades de saúde mais comuns nos serviços de Atenção Básica de Saúde.
Inclui, em seu conteúdo programático, a prática da atenção primária à saúde A relação médico-paciente; Princípios da prevenção das doenças em atenção primária à saúde; O diagnóstico diferencial em atenção primária à saúde; O raciocínio diagnóstico em atenção primária à saúde
Ainda quanto à estrutura do curso, as DCN ditam que esta deve ser
definida pelo colegiado do curso (BRASIL, 2001). A graduação em Medicina da
UECE é organizada em 9.588 horas e créditos disciplinares desenvolvidos em
períodos letivos de 17 semanas com, no mínimo, 100 dias de atividades
acadêmicas. Os programas da fase teórica, compreendendo os estudos
básicos, os estudos propedêuticos, os estudos clínicos e do campo da saúde
coletiva, como anteriormente citado, abrangem 4.488 equivalentes a 264
créditos, a serem realizados em oito semestres (UECE, 2012).
Segundo o PPP, o currículo está estruturado em “conjuntos de
disciplinas que apresentem objetivos comuns do ponto de vista científico ou
técnico-profissional e configurem uma nítida fase de integralização curricular”
(UECE, 2012, p. 55).
As DCN ditam também que é necessário inserir o aluno precocemente
em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional (BRASIL,
2001). O PPP, por sua vez, propõe como um de seus princípios, que o aluno
tenha o “início de atividades práticas, compatíveis com sua competência, desde
o primeiro semestre letivo” (UECE, 2012, p.24). Os depoimentos dos alunos
52
revelaram, entretanto, que as atividades práticas em serviço só começam no
quarto semestre letivo da faculdade, conforme o depoimento a seguir:
Práticas a gente vê pouco no começo da faculdade. O primeiro um ano e meio basicamente é só aula (teórica), a parte prática que a gente tem é no laboratório da universidade, né, como Anatomia, Histologia... Mas o contato com hospital mesmo a gente só tem a partir do quarto semestre (Aluno A13S12).
Outro aspecto requerido pelas DCN é que o curso deve usar diversos
“cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar
situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe
multiprofissional” (BRASIL, 2001). Nesse sentido, o PPP coloca como um de
seus princípios gerais a “ampliação e fortalecimento da inserção dos alunos em
diferentes cenários de prática em todos os níveis de atenção, com ênfase no
componente da Atenção Primária” (UECE, 2012, p. 24).
As entrevistas confirmam a utilização de cenários de práticas em todos
os níveis de atenção:
tem uma parte teórica bem consistente, mas também tem uma parte prática, em que a gente vai ao posto de saúde (A22S10)
no oitavo semestre tem uma disciplina voltada para o funcionamento do posto de saúde(A21S10)
participei de um projeto de pesquisa na atenção secundária (A11S12) A parte prática se dá no ambulatório e, depois, no setor avançado(A20S10) contato com hospital mesmo a gente só tem contato a partir do quarto semestre (A26S12)
Entretanto, segundo o PPP (UECE, 2012), as práticas direcionadas à
Medicina da Família e Comunidade são realizadas em apenas quatro dos vinte
e dois meses destinados ao internato.
Há ainda, um requisito relacionado às metodologias de ensino, que
exige a adoção de “metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno
na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de
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estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência”
(BRASIL, 2001, p.5). Esse trecho das DCN é trazido, pelo PPP, como
pretensão do Curso, de forma ipsis litteris (UECE, 2012).
Sobre este item, entretanto, os planos de ensino revelam que, apesar de
haver a proposta de metodologias ativas no processo ensino/aprendizagem, há
predominância de aulas teóricas expositivas, informação confirmada pelos
alunos durante as entrevistas:
De maneira geral, a metodologia de ensino da universidade é aquela metodologia clássica, né, você não tem aqueles meios de ensino como a análise de problemas (A15S12).
A realização de estágios e atividades complementares está assim
contemplada nas DCN:
A formação médica incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, e sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade, com duração mínima de 2700 horas (BRASIL, 2001, p 4).
Cumprindo este requisito, o PPP contempla a atividade de estágio
curricular obrigatório com treinamento no serviço, em regime de internato, por
um período de dois anos, com carga horária de 5.100h, correspondendo a 53%
da carga horária total do curso (UECE, 2012).
A operacionalização ocorre em 24 meses sequenciais, sendo 22 de
estágios, em sistema de rodízio. Seu início acontece no nono semestre da
graduação com a seguinte composição e duração: Clínica Médica (cinco
meses); Clínica Cirúrgica (quatro meses); Pediatria (quatro meses); Medicina
da Família e da Comunidade (quatro meses); Ginecologia e Obstetrícia (três
meses); Emergências Médicas (um mês); Estágio Eletivo (1 mês) e um mês de
férias a cada dois semestres. (UECE, 2012). Essa proposta atende aos
requisitos das DCN que ditam que o curso “incluirá necessariamente aspectos
essenciais nas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia,
Pediatria e Saúde Coletiva” (BRASIL, 2001, p.4).
O PPP também está de acordo com a exigência das DCN de que os
estágios devem incluir atividades no primeiro, segundo e terceiro níveis de
54
atenção em cada área, uma vez que o internato é desenvolvido nos hospitais,
serviços especializados e Centros de Saúde da Família da Rede de Atenção à
Saúde Estadual e Municipal (UECE, 2012).
3.1.5 Estágios e Atividades Complementares
Quanto às atividades complementares, as DCN ressaltam que “deverão
ser incrementadas durante todo o Curso de Graduação em Medicina e que as
IES deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos,
adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas” (BRASIL, 2001, p.5).
Nesse sentido, o PPP traz várias opções de atividades complementares:
monitoria (mínimo de uma monitoria por um semestre sem interrupção); estágio
curricular não obrigatório concursado (mínimo de 144h); estágio curricular não
obrigatório voluntário (mínimo de 144h), bolsa de Iniciação Científica (mínimo
de 120h/semestre); PET-Saúde (participação mínima de um ano); participação
na Semana Universitária da UECE – 20h por ano de participação; participação
em Congressos, Jornadas, Seminários, Encontros (mínimo de 20h/evento);
participação em atividade dos Grupos de Pesquisa, Ligas Acadêmicas e
sessões clínicas.
As entrevistas com os alunos revelaram maciça participação dos
discentes em atividades complementares. Todos eles afirmaram participar ou
ter participado, durante o curso de Medicina, de, no mínimo, uma atividade de
extensão e/ou pesquisa, principalmente PET Saúde, monitorias, ligas:
“Fiz parte do grupo de Saúde Mental, fiz parte do grupo do Humanartes [...], fiz parte de um projeto de bolsa de pesquisa com o Instituto do Câncer [...] e fiz também parte de luas ligas de extensão, a de neurociências e de cirurgia (A17S12);
“Participei do projeto Humanartes [...], do grupo de pesquisa do Prof. Caprara [...] sobre a dengue, [...] liga de pediatria e neonatologia, cirurgia e neuroanatomia, [...] e fui monitora de métodos de estudoe informática médica” (A14S12); “Participei do estágio da Secretaria de Saúde e já fui do PET também, por dois anos” (A20S10).
55
Em relação à monitoria, as entrevistas revelaram a preferência dos
estudantes em realizar esta atividade nas áreas da Clínica médica, Cirurgia e
Anatomia, em detrimento das áreas de Ciências Sociais e Saúde Coletiva,
apenas mencionadas por um aluno: “[...] Participei da monitoria de Saúde
coletiva, planejamento em saúde, avaliação em saúde e políticas públicas de
saúde [...]” (A21S10), a qual, segundo o entrevistado, consistia numa só
monitoria que atendia a mais de uma turma pertencentes a semestres
diferentes.
Da mesma forma, entre as ligas acadêmicas predominaram as Ligas de
Cirurgia e Anatomia, de Neurociências e de Trauma, como exemplificam os
seguintes depoimentos: “[...] participei de três ligas acadêmicas: de neurologia,
emergência e dermatologia” (A16S12); “[...] participei também da liga de
cirurgia e de neuro” (A10S12), enquanto a Liga de Saúde da Família foi
mencionada por apenas um aluno: “Eu participei do PET, Liga de Saúde da
Família e participei de um projeto de iniciação científica” (A18S12). A
participação nessa liga pode ser bastante enriquecedora para a formação
desses alunos, uma vez que
Vale ressaltar que o PPP não menciona a existência dessa liga apesar
de se referir às seguintes: Liga Acadêmica de Clínica Médica; Neurociências;
Dermatologia; Anestesiologia; Cardiologia; Pediatria; Liga de Cirurgia e
Anatomia; Liga de Psiquiatria; Liga de Gastroenterologia; Liga de Emergência;
Liga do Trauma; Liga de Cirurgia Plástica; e Liga de Oncologia.
Os alunos expressaram que a UECE, juntamente com os próprios
alunos do curso de Medicina, principalmente os participantes de ligas
acadêmicas, divulgam bastante os eventos científicos, sendo a Semana
Universitária da UECE o evento ao qual se referiram quase todos os
entrevistados: “Tem a semana científica, que é a Semana Universitária da
UECE, que acontece todos os semestres”, “o próprio evento da Universidade a
Semana universitária da UECE”.
A participação dos alunos em eventos científicos relacionados à APS
deu-se principalmente em nível local, e isso pode estar relacionado à
dificuldade de obtenção de apoio financeiro oriundo da universidade para que
os estudantes participem de eventos em outras cidades e estados. Quando
56
questionados sobre esse apoio financeiro, predominaram respostas que
indicavam que a UECE não oferece, entretanto, um dos alunos esclareceu:
Assim, em algumas situações, pra questão de congressos fora e tudo, a universidade diz que dá uma ajuda de custo, mas eu tentei fazer uma vez, não deu certo, tentei outra vez, não deu certo, aí também não fui mais atrás. Tem muitos entraves burocráticos, mas, teoricamente, a universidade daria uma ajuda de custo para você participar de um congresso fora durante o ano letivo (A15S12).
Conforme Martins (2007), a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão
é considerada fundamento metodológico do ensino superior, e tais atividades
devem estar contempladas nos PPP. Isso determina uma formação
interdisciplinar pautada na superação das fragmentações gestadas pelo
pensamento cartesiano.
Vale ressaltar o “horário Interativo do Curso de Medicina (HICMED)”, no
turno de sexta-feira à tarde. O horário é destinado a atividades como a
realização das “Sessões Clínicas MedUECE” e ao desenvolvimento de projetos
de monitoria e de pesquisa, o que facilita a participação dos estudantes em tais
atividades.
3.1.6 Acompanhamento e avaliação
Por fim, em relação à avaliação do processo de aprendizagem, o PPP
repete literalmente a preconização das DCN: “as avaliações somativa e
formativa do aluno deverão basear-se nas competências, habilidades e
conteúdos curriculares” (BRASIL, 2001).
Quanto à assiduidade, o PPP normatiza que o aluno não poderá
termais de 25% de ausência nas atividades desenvolvidas na disciplina, faltas
acima desse percentual implica em reprovação, sendo vedado o abono de falta
quando não previsto em lei ou norma acadêmica. Prevê também a realização
de duas avaliações parciais de conhecimento no decorrer da disciplina (UECE,
2012).
Observa-se que, nos planos de ensino, predominam as avaliações sob
o formato de provas teóricas, enquanto poucas disciplinas consideram como
critério avaliativo aspectos relacionados ao desempenho geral do aluno, tais
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como assiduidade, pontualidade, participação, compromisso, comportamento e
relacionamento interpessoal (UECE, 2011).
Isso corrobora com o que afirma a ABEM (2012), que critica o cenário
atual da educação médica brasileira, o qual, ainda que heterogêneo, permite
caracterizar o predomínio de uma cultura avaliativa relativamente pobre, que
privilegia os aspectos cognitivos e os procedimentos somativos. Raramente
são abordadas as características pessoais dos estudantes, bem como seu
progresso no domínio de competências cognitivas, habilidades e atitudes
indispensáveis ao exercício da profissão e seu desenvolvimento contínuo.
3.2 O processo formativo do curso de medicina e o referencial do Pro-
Saúde
Tomando como referenciais de análise os eixos do Pró-Saúde,
buscamos analisar o processo formativo, a partir das categorias analíticas:
Orientação Teórica, Cenários de Prática e Orientação Pedagógica.
3.2.1 Orientação Teórica
Esse eixo aborda aspectos relativos aos determinantes de saúde e à
determinação biológico-social da doença; à avaliação crítica do processo
saúde-doença, baseada em evidências científicas; aos componentes gerenciais
do SUS e à oferta de educação permanente. Ele é subdividido em três vetores:
determinantes de saúde e doença, pesquisa ajustada à realidade local e
educação permanente (BRASIL, 2007).
O vetor educação permanente não será aqui abordado, por não estar
compreendido na delimitação do objeto da pesquisa.
No vetor “determinantes de saúde” é defendida a ideia de que as
instituições de ensino formadoras de profissionais da saúde devem dedicar
importância equivalente aos determinantes de saúde e de doença, buscando
manter adequada articulação biológico-social na teoria e na prática (BRASIL,
2007).
Segundo Gil (2005), todos os profissionais da área de saúde, em tese,
deveriam ser capazes de compreender e de agir sobre os diversos
58
determinantes do processo saúde/doença, o que implicaria realizar uma
síntese de saberes a serem utilizados na definição dos cuidados individuais e
coletivos. As práticas profissionais baseadas no modelo flexneriano, contudo,
não valorizam tal percepção,limitando o cuidado às práticas pontuais e
curativas.
Campos et al. (2001), por sua vez, ressaltam que o processo formativo
deve visar à formação de profissionais que levem em consideração as
dimensões sociais, econômicas e culturais dos pacientes, como forma de
preparação para o enfrentamento dos problemas do processo saúde/doença da
população.
Nesse sentido, observa-se que o PPP tem como intuito oferecer esse
olhar amplo sobre o processo saúde e doença, já que, segundo o documento,
seu conteúdo programático inclui a “compreensão dos determinantes sociais,
culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis
individual e coletivo, do processo saúde-doença” e considera como um dos
pontos fortes do curso as “disciplinas do campo da Saúde Coletiva ao longo do
curso, permitindo uma reflexão critica acerca do processo saúde doença”
(UECE, 2012, p. 90).
Além disso, o PPP refere o intuito de incentivar o futuro médico a atuar
na prevenção de transtornos, agravos e doenças, na promoção da saúde, na
recuperação da saúde e na habilitação biopsicossocial, estimulando estilos de
vida saudáveis e reconhecendo a saúde como direito da cidadania e também
como conjunto articulado e contínuo de ações e serviços, preventivos e
curativos, nos âmbitos individuais e coletivos (UECE, 2012).
O PPP refere ainda, a necessidade de que se faça uma intervenção no
processo formativo, com relação à matriz curricular, de forma a deslocar “o
atual eixo da formação, centrado na atenção individual, prestada em unidades
especializadas, por um processo focado nas necessidades sociais, levando em
conta as dimensões históricas, econômicas e culturais da população” (UECE,
2012, p.25).
É também relatado que a formação médica pretendida deve capacitar os
estudantes a ver os pacientes “dentro de um contexto de saúde integral, em
uma realidade biopsicossocial”, a ter a habilidade de “promover um estilo de
59
vida saudável, conciliando as necessidades tanto dos usuários/pacientes
quanto da comunidade e atuando como agente de transformação social”, e a
dominar “os conhecimentos científicos básicos da natureza bio-psicosocio-
ambiental subjacentes à prática médica” (UECE, 2012, p.27).
Ressalte-se que o Pró-Saúde considera como evidência de que esse
vetor esteja sendo seguido a “articulação com igual prioridade dos aspectos
relativos à promoção, prevenção, cura e reabilitação nas práticas de ensino-
aprendizagem” (BRASIL, 2007).
Aproximando-se desse vetor, o processo formativo inclui como
competência esperada dos futuros médicos: a capacidade de atuação “na
proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no
tratamento e reabilitação dos problemas de saúde” (UECE, 2012).
O PPP também ressalta que o médico deve ter facilidade de expressão
e manutenção do equilíbrio emocional e da compreensão empática do
sofrimento no relacionamento com os indivíduos, seus familiares e seu entorno
(UECE, 2012).
Para tal, o egresso deve estar apto a realizar programas de melhoria da
qualidade de vida individual e coletiva, bem como de orientação a indivíduos e
a grupos submetidos a condições de risco na promoção e proteção da saúde e
prevenção de doenças físicas e mentais, contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida e para o bem estar da comunidade em que atuar,
respeitando suas tradições sócioeconômicas e culturais (UECE, 2012).
Esses conteúdos e estratégias são importantes na compreensão dos
determinantes de saúde e doença, uma vez que, segundo Ferreira, Silva e
Aguer (2007), a percepção da realidade das pessoas, suas condições de vida,
cultura e costumes permite ao estudante construir uma concepção do processo
saúde-doença na qual compreendem os determinantes e as relações das
doenças com o modo de vida e trabalho das pessoas. Essa concepção
possibilita uma mudança no cuidado à saúde das pessoas, família e
comunidade, o qual passa a ser mais voltado para as ações de vigilância à
saúde, o que leva à integralidade no cuidado do paciente.
Nesse sentido, é estabelecida, no PPP, como parte do conteúdo
programático, a “compreensão dos determinantes sociais, culturais,
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comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual
e coletivo, do processo saúde-doença”, a ser alcançada a partir de um
processo de ensino-aprendizagem estruturado de acordo com princípios e
estratégias, como “asseverar importância aos determinantes de saúde e de
doença, procurando, tanto na abordagem do conhecimento teórico como em
sua aplicação assistencial, manter adequada articulação biológico-social”
(UECE, 2012, p.34).
A proposta das disciplinas sobre essa abordagem ampla do processo
saúde-doença encontra-se demonstrada no Quadro 3.
Observa-se a existência de disciplinas que se propõem a abordagem
integral dos determinantes de saúde e doença. Entretanto, chama-se atenção
para o percentual de carga horária dessas disciplinas em relação às demais:
elas somam apenas 552 horas, cerca de 12% de um total de 4.488 horas
(carga horária que não inclui o internato).
Além disso, observa-se certa desvalorização por parte dos alunos
entrevistados quanto as disciplinas que abordam esses aspectos e a Atenção
Primária em Saúde – por eles denominadas “disciplinas sociais”:
A questão é porque [...] poucos se vêem fazendo isso [trabalhos relacionados à APS] no futuro, e daí é que vem o desprezo. Muitas vezes o pessoal acha ruim essas atividades e quer que acabe o mais rápido possível, ‘bora logo, pra acabar logo’. Fica essa questão assim, né, que o pessoal não valoriza muito (A22S10).
Quadro 3: Disciplinas que abordam de forma biopsicossocial o processo saúde-doença. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013
Disciplina e Carga Horária
Aspectos relacionados aos determinantes de saúde e doença
Saúde Coletiva (68h)
Um de seus objetivos é: “compreender o processo saúde-doença, ou seja, os conceitos de vida-adoecimento-morte das pessoas”. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: O processo saúde – doença: fatores da vida, adoecimento e morte das pessoas; Apreciação histórica e cultural do processo saúde – doença e das práticas de saúde correspondentes; Modelos de explicação do processo – doença.
Educação em Saúde (68h)
Possui em sua ementa a proposta de análise da inter-relação educação, saúde e política. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: prevenção e promoção em saúde e métodos e técnicas de abordagem com a comunidade.
Ciências Sociais e Saúde (68h)
Possui em sua ementa a proposta de aprendizagem que valorize a“vertente da determinação histórica do processo saúde/doença e da organização das demandas sociais por saúde e qualidade de vida.” Um de seus objetivos é:“adquirir conhecimentos e práticas sobre a relação entre cultura, saúde e doença”. Componentes do Conteúdo Programático relacionados: Cultura, saúde e doença; A experiência da doença; Integralidade: o enfoque integral do cuidado em saúde.
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Epidemiologia (68h)
Possui em sua ementa a proposta de estudo da “história natural das doenças e os níveis de aplicação de prevenção, bem como os modelos explicativos do processo saúde-doença nas coletividades humanas”. Inclui em seu conteúdo programático as propriedades dos agentes etiológicos (físico, químico, biológico e social).
Psicologia Médica (68h)
Possui em sua ementa a proposta de estudo das questões técnicas, éticas e de humanização do cuidado na relação dos profissionais com o processo de adoecimento. Um de seus objetivos é discutir os aspectos teóricos que estimulem o acadêmico a buscar concepções e práticas que ultrapassem os limites do saber biomédico tradicional, para o entendimento das expressões psicológicas do processo saúde-doença.
Saúde da Família e Comunidade
(68h)
Propõe, como objetivo, que se percebam e compreendam o caráter social e coletivo do processo saúde-doença através da análise do perfil epidemiológico de grupos populacionais e de seus determinantes.
Clínica Médica II (144h)
Tem com um de seus objetivos “introduzir a compreensão de práticas de hábitos e estilos de vida saudáveis com vista à melhor qualidade de vida”. Inclui em seu conteúdo programático o estudo das diferentes dimensões da vida; vida longa, saudável e com qualidade; programas de promoção da saúde e de melhoria da qualidade de vida; as dimensões da qualidade de vida e sua avaliação; assistência integral à saúde do idoso.
Oliveira et.al (2011, p. 403) reconhecem a complexidade do processo
formativo quanto a este aspecto:
[...] embora o entendimento da complexa estrutura bionatural do homem necessite de disciplinas específicas com seus conceitos e metodologias, tais disciplinas são insuficientes para compreender as condições sociais que envolvem o processo saúde-doença.
Quando questionados sobre as disciplinas que abordam a APS, os
alunos responderam predominantemente as disciplina de Educação em Saúde
e Saúde Coletiva. Outras mencionadas foram Políticas Públicas de Saúde,
Ambulatório de Atenção básica, Ciências Sociais em Saúde, Planejamento e
Organização de Serviços de Saúde, Saúde da Família e da Comunidade, e
Informação e Avaliação em saúde. Os discentes afirmaram que, em todos os
semestres antes do internato, há, no mínimo, uma disciplina que aborda APS.
Entretanto, apesar da evidente importância de tais disciplinas, os alunos
entrevistados, no geral, manifestaram a opinião de que usavam muito de seu
tempo se dedicando a elas, em detrimento das demais. Afirmaram que os
conteúdos nelas abordados são muito repetitivos. Além disso, afirmam os
alunos que a carga horária de tais disciplinas poderia ser reduzida, em prol de
incrementos na carga horária de disciplinas voltadas para clínica e para cirurgia
– ainda que tenha sido aqui detectado que a quantidade de horas destinadas a
essas disciplinas seja bem menor do que às direcionadas aos demais
assuntos.
62
Muitos assuntos [nas disciplinas] de atenção primária se repetem. Você acaba vendo coisas com um volume maior de informações numa carga horária pequena e coisas que se repetem numa carga horária grande. Poderia ser enxugado (A28S10).
Em relação à uece a gente não tem nada o que reclamar da UECE sobre saúde coletiva...a gente vê exaustivamente o conteúdo. A gente vê a mesma matéria todo semestre [...] isso consome tempo. A gente tem a impressão que vê sempre o mesmo conteúdo todo semestre (A02S10)
Alves et al. (2013) identificaram que entre estudantes de medicina há,
resistência à atuação na comunidade. Essa resistência perdura após a
formatura, conforme os achados de Vasconcelos e Zaniboni (2011), que
encontraram, entre médicos, mesmo entre os que atuam na ESF, pouca
vinculação com esta, além do fato de que o não ingresso imediato na
residência médica parece ser a motivação para o trabalho na APS.
Diante disto, é válido o questionamento sobre o reconhecimento, por
parte dos alunos quanto à importância para sua formação, das disciplinas que
abordam os conteúdos referentes à APS. Nesse contexto, alguns depoimentos
singulares captados nas entrevistas merecem destaque:
A gente vê uma importância sim nessas disciplinas [de APS], mas o pessoal, né, não gosta tanto. A maioria não gosta [...]. Já no primeiro semestre, quando vêm os veteranos e entram na sala, eles vem dizendo [...]: ‘Pessoal, aqui, primeiro semestre, segundo semestre, é só anatomia, bioquímica e fisiologia. Saúde coletiva, métodos de pesquisa, vocês pegam, juntam tudo num liquidificador, bate e não dá um copo. Joguem onde vocês quiserem’. E, às vezes, a gente escuta isso dos próprios monitores das disciplinas (A22S10).
A gente no primeiro semestre já entra com aquela idéia preconceituosa dessas disciplinas, que são disciplinas que vão tomar nosso tempo de estudo pra outra prova, que vão ser disciplinas chatas, que você não vai aplicar na sua vida, num sei o que... E quando você chega a ver a matéria de clínica médica e clínica cirúrgica, os próprios professores dessas disciplinas são contra [as disciplinas ditas sociais]. Já chegam dizendo: “Pessoal, pra quê vocês vão estudar um negócio desse aí ou coisa do tipo, isso não serve pra nada.” Aí o tempo é tão mal aproveitado, que quando é no final [do semestre], eles querem marcar aula extra. Eles querem que tirem [tempo] dessas outras [disciplinas]: “Pessoal, essas matérias que vocês tão vendo aí de medicina social, num tem nenhuma aula dessas que vocês possam tirar e colocar uma minha não? [...] Ah, isso aí, vocês num vão aplicar não... Peçam lá, falem com o professor, pra ver se ele deixa eu dar aula no lugar (A21S10)
63
Esses depoimentos são reveladores de como se dá a construção,
durante o processo formativo, da percepção dos alunos quanto às disciplinas
voltadas para a saúde coletiva, se constituírem em disciplinas dispensáveis ou
de menos importância.
Os professores são espelhos para os futuros profissionais, suas
posturas e opiniões influenciam na formação dos estudantes. O fato de parte
destas disciplinas serem ministradas por outros profissionais de saúde,
também se revela como importante fator na formação da percepção negativa
dos estudantes quanto a essas disciplinas conforme revela o depoimento a
seguir:
Você não encontra médicos dando essas disciplinas [ditas sociais]. Porque na disciplina de medicina e família e comunidade, que você vê no oitavo semestre, que vem o médico de família dar essa disciplina, você vê que a sala é cheia [...]. Você tem um médico que ta lá atuando, então o pessoal vê como uma possibilidade de atuar ali. [...] Pelo menos os três primeiros semestres da UECE não tem um médico dando essas matérias. Então você vê assim ‘ah, isso aí não é pra mim não, é outro profissional de saúde que tem que se interessar por essa área’ (A22S10).
Como o aprendizado envolve aspectos relacionais, este é prejudicado
pela falta de interesse pela área de estudo, pois, segundo Rogers apud Zimring
(2010), a aprendizagem mais duradoura e profunda é aquela espontânea, que
envolve o intelecto e os sentimentos.
Ainda sobre o eixo de orientação teórica, prosseguiremos a análise
abordando o vetor “Pesquisa ajustada à realidade local/ Produção de
conhecimentos segundo as necessidades do SUS”.
Neste vetor, defende-se que a instituição de ensino deve apresentar um
equilíbrio na produção de conhecimento sobre as necessidades da população e
sobre os aspectos biomédicos/tecnológicos (BRASIL, 2007).
Nesse contexto, segundo o PPP, é definida a identidade formativa dos
futuros egressos médicos da UECE “nas dimensões humana, científica e
profissional, por meio de um desenho curricular voltado para a produção de
conhecimento que responda às reais necessidades da sociedade” (UECE,
2012, p.12).
64
Esse aspecto é também referido na missão da Universidade, que, entre
outros tópicos, menciona: “produzir e disseminar conhecimentos e formar
profissionais, visando à promoção do desenvolvimento sustentável e da
qualidade de vida da região nordeste” (UECE, 2012, p.14).
Para se alcançar tais objetivos, é definida, como estratégia de ação, no
PPP o direcionamento “dos programas e projetos nas áreas de ensino,
pesquisa e extensão para as ações diretamente relacionadas com o processo
de desenvolvimento social, econômico, político, cultural e ambiental do Estado
do Ceará” (UECE, 2012, p. 15).
Além disso, o PPP relaciona, como valores a serem cultivados, a
responsabilidade social, definida como o compromisso institucional de oferecer
o retorno à sociedade dos recursos que lhes foram alocados (UECE, 2012).
Sobre o vetor em questão, são consideradas, pelo Pró-Saúde,
evidências de que ele esteja sendo seguido a “existência de investigação
significativa e equilibrada, realizada no ciclo básico, relacionada à clínica e aos
aspectos sociais de saúde e suas necessidades”, a “proporção significativa de
pesquisas orientadas à atenção básica, e interação com os serviços de saúde
e suas necessidades” e a “existência de proporção significativa de bolsistas de
iniciação científica abordando temas que envolvem aspectos sociais,
epidemiológicos, clínicos e de organização dos serviços de saúde” (BRASIL,
2007, p. 19).
Investigações científicas com esses direcionamentos são identificadas,
no PPP, no item “Inserção da pesquisa na estrutura curricular do curso”, onde
são apresentados os grupos de pesquisa coordenados por professores do
Colegiado do Curso de Medicina, todos cadastrados no Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e no Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão (CEPE) da Universidade (UECE, 2012).
Cinco de um total de doze grupos são mais voltadas para os aspectos
biomédicos/tecnológicos:Fisio-farmacologia da Inflamação; Eletrofisiologia dos
Tecidos Excitáveis; Produtos Naturais de Origem Vegetal; Metabolismo dos
Peptídeos Biologicamente Ativos; e Toxinologia de Produtos Naturais.Os
demais são mais voltados às necessidades da população e aos aspectos
sociais de saúde: Cultura, Saberes e Práticas em Saúde; Transplantes (este
65
não é voltado para a parte cirúrgica do transplante, mas para, levar ao
conhecimento da população a importância da doação de órgão); Vida e
Trabalho; Economia da Saúde; Indicadores de Saúde; Saúde Mental, Família,
Práticas de Saúde e Enfermagem e Educação e Saúde Coletiva (UECE, 2012).
Além dos grupos de pesquisa, o PPP relaciona os projetos de pesquisa
coordenados por professores do curso de medicina à época da publicação do
PPP, dos quais destacamos: “Empoderamento das comunidades para o
controle de dengue: uma análise da dengue ambiental e uma abordagem
integral em Fortaleza, Brasil”; “Processo de formação em saúde como
estratégia de melhoria do cuidado interdisciplinar e integral para o SUS”; e
“Atividades lúdicas realizadas por meio do projeto de Humanização com Arte
na Saúde (HUMANARTES) em um hospital infantil do município de Fortaleza-
CE: percepção dos pais e funcionários” (UECE, 2012).
Esse direcionamento do foco das pesquisas em saúde para as principais
demandas de saúde da população, para a atenção básica e também para os
aspectos sociais de saúde é um grande desafio, pois, dentre os quatro
segmentos em que é dividida a pesquisa em saúde – segmento clínico,
biomédico, tecnológico e de saúde pública -, observa-se que quase metade dos
esforços brasileiros em pesquisa em saúde são dedicados ao segmento da
clínica, com cerca de 8.586 linhas de pesquisa, representando cerca de 46,8%
do total (GUIMARÃES, 2006).
Em contrapartida, as pesquisas em Saúde Pública, por exemplo,
representam apenas 13,2% do total, contando com 2.431 linhas de pesquisa
Essa realidade evidencia a necessidade de incentivos aos estudos em outras
áreas além da clínica (GUIMARÃES, 2006).
3.2.2 Cenários de prática
Nesse eixo, discute-se a desinstitucionalização dos cenários de prática,
uma tendência que vem se intensificando, de forma oposta à tradicional
realização das atividades de aprendizado em ambientes sofisticados e de cara
utilização. Assim, a comunidade, os ambulatórios e domicílios, por exemplo,
tornam-se potenciais ambientes de práticas assistenciais, alimentando a ideia
66
de que os cenários em que se desenvolve o aprendizado prático durante a
formação profissional, devem, portanto, ser diversificados, sendo agregados ao
processo não apenas equipamentos de saúde, mas também equipamentos
educacionais e comunitários. Além disso, desde o início do processo de
formação, deve ocorrer a interação ativa do aluno com a população e com os
profissionais de saúde, de forma a oferecer ao aluno a oportunidade de
trabalhar sobre problemas reais, assumindo, como agente prestador de
cuidados, responsabilidades crescentes (BRASIL, 2007).
Essa preferência pela utilização da realidade como fonte de aprendizado
justifica-se pelo fato de as práticas de simulação só conseguirem, no máximo,
imitar a realidade, porém não reproduzem a dimensão complexa da
integralidade humana (BRASIL, 2007).
Esse eixo inclui os vetores: Integração ensino-serviço, Utilização dos
diversos níveis de atenção/ diversificação dos cenários do processo de
aprendizagem e Integração dos serviços próprios das IES com os serviços de
saúde/ Articulação dos Serviços Universitários com o SUS.
Quanto ao vetor Integração ensino-serviço, o Pró-Saúde propõe que a
escola deve, durante todo o processo de ensino-aprendizagem, integrar a
orientação teórica com a prática nos serviços públicos de saúde, em nível
individual e coletivo, com participação de todas as áreas disciplinares (BRASIL,
2007).
Nesse contexto, observou-se, no PPP o intuito de incentivar o graduado
a “atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com ênfase no nível primário
e secundário” e a proposta de consolidação da integração entre o ensino e o
serviço, tendo como parâmetros, o envolvimento da comunidade como espaço
social participativo e o foco nas necessidades de saúde da população (UECE,
2012), ambos em conformidade com o Pró-Saúde (BRASIL, 2007).
Foi também proposta, no PPP, uma integralização curricular do curso,
por meios que ultrapassassem a simples composição de uma matriz curricular
composta de disciplinas dispostas sequencialmente e hierarquizadas mediante
pré-requisitos, buscando-se processos de ensino-aprendizagem estruturados
de acordo com princípios e estratégias que incluem a “inserção precoce dos
estudantes em Serviços de Saúde, em situações reais de atendimento ao
67
indivíduo e à coletividade, prioritariamente em nível de atenção primária e
secundária de saúde” (UECE, 2012, p. 34).
Essa inserção precoce dos estudantes nos serviços é questionável, pois
as entrevistas com os discentes revelaram que essa integração da orientação
teórica com a prática nos serviços públicos de saúde é realizada principalmente
a partir do quarto semestre – antes desse período, as práticas ocorrem mais
em laboratórios -, conforme o depoimento dos estudantes: “[...] a partir do
quarto semestre a gente tem aulas práticas nos próprios serviços de saúde:
nos hospitais, nas unidades básicas de saúde [...] (A12S12)”.
Analisando-se os planos de ensino, observou-se que os momentos
direcionados às práticas não estão presentes em todas as disciplinas (Quadro
4).
Com relação às disciplinas que abordam APS, observa-se que, no
primeiro e no segundo semestre, as práticas previstas requerem uma
participação do aluno muito limitada, já que consistem em visitas.
Critica-se também a disciplina Ambulatório de Atenção Básica, que não
prevê aulas práticas em sua metodologia, prevendo apenas as seguintes
atividades: “aulas teóricas expositivas, podendo ser utilizado recursos
estratégicos, como projeção de slides. transparências e vídeo;Leitura individual
e orientada dos textos;Estudo e discussão de textos em grupos” (UECE, 2011,
p. 142).
Essa integração é extremamente importante, pois, conforme afirma
Albuquerque et al. (2008), é impossível falar em mudança na formação dos
profissionais de saúde sem que seja feita a discussão sobre a articulação
ensino-serviço, considerando-a um espaço privilegiado para uma reflexão
acerca da a realidade da produção de cuidados e a sobre a necessidade de
transformação do modelo assistencial vigente em um modelo que considere
como objetivo central as necessidades da população.
Prosseguindo na análise, o próximo vetor do eixo “Cenários de Prática” é
Utilização dos diversos níveis de atenção/ diversificação dos cenários do
processo de aprendizagem.
Esse vetor ressalta a importância de se realizarem atividades clínicas
em unidades de atenção básica da rede do SUS, Unidades Básicas de Saúde,
68
Unidades da ESF, com prioridade ambulatorial, ou em serviços próprios da IES
que subordinam suas centrais de marcação de consulta às necessidades locais
do SUS. Além disso, propõe que os internatos ou equivalentes sejam
desenvolvidos em sua totalidade na rede do SUS (BRASIL, 2007).
69
Quadro 4. Disciplinas que prevêem atividades práticas nos serviços de saúde. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013 Semestre Disciplina Atividade prevista
S1 Saúde Coletiva (68h) Visita/estágio de observação aos serviços de saúde das SER IV e V do Município de Fortaleza
S1 Educação em Saúde (68h) Visitas a instituições governamentais e não-governamentais
S2 Genética Médica (68h) Aulas laboratoriais e práticas clínicas de atendimento ao paciente com realização de aconselhamento genético), dentro e fora da sala de aula, no laboratório e em hospitais.
S4
Iniciação ao Exame Clínico e Relação Médico-Paciente
(102h)
Aulas teórico-práticas, ministradas à beira do leito do paciente, para grupos de 07 alunos no máximo; Atividade prática individual na enfermaria, junto ao leito, previamente designado para cada aluno, orientado por um monitor.
S4 Planejamento e Organização de
Serviços de Saúde (68h)
Visitas aos serviços de saúde e à comunidade.
S5 Clínica Médica I (272h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Escola referenciados
S5 Clínica Cirúrgica I (272h) Acompanhamento de ambulatórios de clínica cirúrgica em pequenos grupos
S5 Informação e Avaliação em
Saúde (68h)
Realização e apresentação de estudo de caso realizado nos municípios de Fortaleza e Sobral – CE; Aplicações do instrumento de AMQ (Avaliação para Melhoria de Qualidade da Estratégia Saúde da Família)
S6 Clínica Médica II (144h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais-Escola referenciados;
S6 Clínica Cirúrgica II (204h) Aulas práticas nos serviços especializados
S6 Pediatria I (136h) Aulas práticas realizadas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Infantil Albert Sabin, referência em pediatria no Estado.
S7 Pediatria II (136h) Aulas práticas realizadas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais Infantil Albert Sabin, referência em pediatria no Estado.
S7 Saúde da Família e Comunidade (68h)
Atividades Práticas: os alunos se dividirão em 08 grupos, sendo distribuídos em unidades de atenção primária à saúde do município de Fortaleza
S7 Clínica Cirúrgica III (136h) Aulas práticas nos ambulatórios e enfermarias dos Hospitais da rede
S8 Emergências Médicas (204h) Aulas práticas no Setor de Emergência e Terapia intensiva dos Hospitais Escola referenciados (Hospital Geral de Fortaleza, Centro de Assistência Toxicológica do Ceará (CEATOX), Instituto José Frota e Hospital de Messejana);
S8 Psiquiatria (68h) Campo de estágio na atenção terciária (Hospital de Saúde Mental de Messejana). Campo de estágio na atenção secundária (Centros de Atenção Psicossocial, gerais, das SER I, II, IV e V).
S8 Ginecologia e Obstetrícia (216h) Atendimento ambulatorial de pacientes sob supervisão
Nesse contexto, o PPP considera como princípios gerais da organização
da matriz curricular a “ampliação e o fortalecimento da inserção dos alunos em
70
diferentes cenários de prática em todos os níveis de atenção, com ênfase no
componente da Atenção Primária” (UECE, 2012, p. 24).
Essa diversificação dos cenários de ensino-aprendizagem, segundo
Costa et al. (2012), figura como eixo educacional de uma medicina mais
próxima da sociedade e mais influente no panorama regional.
Assim, propõe-se, no PPP, que o profissional egresso do curso seja
capaz de “utilizar adequadamente recursos semiológicos e terapêuticos,
validados cientificamente, contemporâneos, hierarquizados para atenção
integral à saúde, no primeiro, segundo e terceiro nível de atenção”, além de
atuar “no sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos
e éticos de referência e contra-referência” (UECE, 2012, p.28).
Nesse sentido, algumas disciplinas do curso, em suas ementas,
ressaltam aspectos relacionados a esse vetor, trazendo proposições de
práticas nos três níveis de atenção, dos quais focaremos os relacionados à
APS.
Conforme o Quadro 4, as disciplinas que prevêem atividades práticas
(incluindo-se as visitas de observação) em serviços de saúde são: Saúde
Coletiva, Educação em Saúde, Planejamento e Organização dos Serviços de
Saúde, Informação e Avaliação em Saúde, Saúde da Família e Comunidade.
Além disso, há o internato, que prevê 4 meses de prática em Medicina da
Família e Comunidade (UECE, 2011).
Blank (2006, p. 29) ressalta-se a importância da proximidade do aluno
com a comunidade:
[...] se o que queremos é formar médicos (médicos clinicam na comunidade) e se as diretrizes vigentes requerem a sua capacitação [...] na comunidade em que clinicam), imaginar o cenário da prática educativa afastado da prática clínica seria um erro fatal de concepção.
Os estudantes, em seus depoimentos, confirmaram a realização de
práticas em cenários dos três níveis de atenção à saúde - Unidades Básicas de
Saúde, ambulatórios, hospitais, e também em locais diversos como visitas ao
Projeto 4 varas, localizado no bairro Pirambu, em Fortaleza, que serve como
sede de encontros semanais comunitários e de oficinas, que o tornaram um
modelo de atenção primária em saúde mental (CAMAROTTI, 2012).
71
As entrevistas, entretanto, revelaram que a eleição dos locais de prática
nem sempre atende às necessidades de aprendizado dos alunos, conforme o
depoimento a seguir:
Alguns serviços realmente foram bastante úteis pra nossa aprendizagem e cultura. Mas tem outros serviços que eu acredito que são realmente desnecessários e bastante específicos até mesmo pra área (A22S10).
Em contraste a essa situação, ressalta-se a já expressa necessidade de
uma formação generalista para capacitar os profissionais para o SUS.
Com relação aos locais onde se realizam o internato, contudo, observou-
se um aspecto positivo: o Pró-Saúde considera como imagem objetivo desse
vetor a realização do internato em sua totalidade na Rede SUS (BRASIL,
2007), e o PPP informa que este “é desenvolvido na Rede de Atenção à Saúde
Estadual e Municipal (Hospitais, serviços especializados e Centros de Saúde
da Família)”, sendo um mês de internato destinado à inserção do estudante em
no município de Pacoti no interior do Ceará (UECE, 2012).
Outro ponto a ser destacado é o fato de os alunos perceberem de forma
positiva a sua inserção na comunidade durante a graduação, conforme o
seguinte depoimento:
A gente inserido na comunidade já facilita nossa vivência com certeza, é muito mais fácil pra quando a gente se formar a gente já saber como lidar com a população, e não ser aquela coisa só a teoria (A17S12).
Conforme Costa (2012), a APS pode representar, para a educação
médica, muito mais do que um cenário vivo. Talvez seja “a própria vida em
forma de diferentes cenários, indispensáveis, embora muitas vezes
desconfortáveis.” Esse “desconforto” referido pelo autor foi também expresso
por alguns alunos, que afirmaram o incômodo de participar das práticas na
comunidade em virtude do acesso muitas vezes difícil a esta, além do receio
provocado nos estudantes em virtude da insegurança desses locais:
As desvantagens é que, às vezes, a gente tem que se deslocar pra comunidades mais distantes, é... lugares, que, às vezes que são perigosos... Eu lembro que teve um dos semestres que eu tinha que ir pra um posto que era na quarta etapa do Conjunto Ceará, era uma
72
coisa que, de certa forma, me desagradava, porque eu achava perigosíssimo, eu ia sozinha de carro (A14S12).
O vetor Integração dos serviços próprios das IES com os serviços de
saúde/ Articulação dos Serviços Universitários com o SUS, por sua vez,
defende que os serviços próprios das instituições de ensino, nos quais os
alunos atuam, sejam completamente integrados ao SUS, sem que haja uma
central de marcação de consultas ou de internações próprias das instituições
acadêmicas, de forma que sejam desenvolvidos mecanismos institucionais de
referência e contra-referência com a rede do SUS (BRASIL, 2007)
Sobre essa articulação, ressaltam Ceccim e Feuerwerker (2004) que a
ordenação da formação para a área da saúde como política pública afirma a
perspectiva da construção de espaços locais, microrregionais e regionais que
sejam capazes de desenvolver não só educação das equipes de saúde e de
agentes sociais, mas também de parceiros intersetoriais. Entre essas parcerias
está a estabelecida com as universidades, o que vai influenciar no alcance de
uma saúde de melhor qualidade.
Nesse contexto, o PPP ressalta que é uma pretensão do curso de
Medicina da UECE “propiciar a interação ativa do aluno com usuários e
profissionais de saúde, desde o início de sua formação, [...] que se consolida
com o internato” (UECE, 2012, p.35).
A parte do internato destinada ao aprendizado em Medicina de Família e
Comunidade (MFC) tem duração de 4 meses, compostos por 2 meses em
Unidades Básicas de Saúde do município de Fortaleza, um mês no internato
Rural e um mês denominado de eletivo em MFC (UECE, 2012).
O Internato eletivo em MFC, por sua vez, conforme o PPP, deve ser
realizado nos Centros de Especialidades Dona Libânia, Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH),
ambulatório de tuberculose do Hospital de Messejana ou em outras unidades
de saúde, até mesmo fora do Estado, na condição de que haja atuação em
MFC (UECE, 2012).
A realização do internato e das demais práticas no curso de Medicina no
serviços do SUS é extremamente importante, pois, conforme Ceccim e
73
Feuerwerker (2004), somente a prática inserida no sistema de saúde é capaz
de possibilitar ao aluno um aprendizado em níveis crescentes de
complexidade, voltado para as necessidades de saúde da comunidade
Além das atividades previstas no currículo do curso, existem as
chamadas atividades complementares, que incluem os estágios
extracurriculares, considerados relevantes para o enriquecimento do processo
de ensino-aprendizagem do Curso, uma vez que
[...] possibilitam ao estagiário o aperfeiçoamento técnico-científico e de relacionamento humano, bem como condições de vivenciar e adquirir experiência prática em situações reais de trabalho nas mais diversas áreas do campo da Saúde. (UECE, 2012).
Isso é facilitado pelos hospitais conveniados com a UECE, que são
Hospitais de Ensino e costumam oferecer estágios extracurriculares (UECE,
2012).
Também facilitam esse processo instituições governamentais como a
SESA, que oferece oportunidades como a vivenciada por um dos alunos
entrevistados: o Programa Bolsa de Incentivo à Educação na Rede SESA, o
PROENSINO SESA, que direciona bolsas a alunos de diversos cursos, para
que eles atuem junto às Coordenadorias, Núcleos, Unidades Hospitalares e
Ambulatoriais da Rede SESA, desenvolvendo atividades inerentes à sua
formação acadêmica, voltadas para os objetivos das instituições envolvidas
(CEARÁ, 2012).
Ademais, o PPP lista, como cenários de aprendizagem oferecidos aos
alunos do curso de medicina, as seguintes instituições: no campus da UECE, o
Instituto de Ciências Biomédicas (salas de aula e laboratórios), o Laboratório
de Anatomia e Patologia Geral, o CSF Policlínica Nascente, e a Biblioteca
Central do Campus; na Rede SUS municipal - SMS Fortaleza, os territórios das
SER IV e V, sendo os Centros de Saúde da Família e Centro de Atenção Psico-
Social (CAPS) para atenção primária, e o Instituto Dr. José Frota para a
Atenção Secundária e Terciária; na rede estadual – SESA, o Hospital Geral Dr.
César Cals, o Hospital Geral de Fortaleza; o Hospital Infantil Albert Sabin, o
Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (Hospital do Coração
74
de Messejana), o Hospital Mental de Messejana; o Hospital São José, o
Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara, o Centro Dermatológico Dona
Libânia e o Instituto Médico Legal(UECE, 2012).
Algumas fragilidades, entretanto, foram observadas nessa integração
entre a IES e os serviços de saúde. Uma delas se refere aos professores que
recebem os alunos nos serviços, os quais, segundo os alunos, não são, em
sua totalidade, vinculados à UECE, o que traz dificuldades ao processo de
ensino-aprendizado:
[...] tem uma carência muito grande de professores, aí foram criados aqueles professores de práticas, né, que não são professores da UECE, que não são concursados, mas recebem só uma bolsa pra estar recebendo os alunos. Seria mais ou menos como se fosse preceptores (A15S12).
Segundo o PPP, desde a concepção do Curso de Medicina da UECE,
houve restrição de contratação de novos servidores na IES, portanto foi feito
um aproveitamento de médicos atuantes em preceptoria de programas de
residência médica, lotados na rede hospitalar de referência do Estado. A Lei Nº
14.358, sancionada em 2009, instituiu a Gratificação de Ensino de Práticas
Médicas. Criou-se, então, a legalidade para uma gratificação que tem como
objetivo remunerar o esforço, a habilidade e a atividade de ensino de práticas
médicas exercido por médicos servidores estaduais habilitados e selecionados
no acompanhamento de alunos do Curso de Medicina da UECE. O profissional
médico selecionado, em quantidade máxima de 35 por período letivo, dedica
até 40 horas mensais para o ensino de práticas médicas por um período
máximo de 4 meses e não tem responsabilidade de regência das disciplinas,
que fica sob o encargo de docentes do quadro permanente da UECE,
Esse fator foi considerado, no geral, pelos alunos, como negativo, sendo
sua existência causa de empecilhos no cotidiano das práticas, como é
observado no depoimento a seguir:
[...] A gente vem pro hospital, a gente chega oito e meia, nove horas, aí quando é dez e quarenta o professor libera. Uma aula prática que, no currículo, que é pra ser ‘ABCD’, na verdade, começa oito e meia e antes de dez e meia o professor libera a gente, vai embora, porque tem que atender no ambulatório, tem que ir não sei aonde, e vai embora (A21S10).
75
Essa falta de vínculo do professor à instituição de ensino pode
comprometer o processo, no sentido de que, caso estivesse com dedicação
exclusiva, o problema supracitado poderia não acontecer. Conforme afirma
Silva (2001), “é sabido que as universidades públicas que atingiram altos
padrões de ensino e pesquisa foram aquelas que optaram pela valorização da
dedicação exclusiva [de seus professores]”.
Além disso, Bosi (2007) aponta uma crescente precarização do trabalho
docente nas universidades, ressaltando que, do total de docentes cadastrados
pelo INEP (2004), apenas 16,9% trabalham em regime de dedicação exclusiva.
Vale ressaltar, com relação à integração dos serviços da IES com os do
SUS, é que a UECE não possui hospital universitário, assunto que vem sendo
discutido entre representantes da UECE e governantes de um hospital
universitário (CEARÁ, 2013). Isso pode ser benéfico no sentido de que os
estudantes aprendam em serviços abertos ao público, diminuindo as chances
do clientelismo, abominável prática que se estabelece, com frequência, nos
hospitais universitários.
3.2.3 Orientação Pedagógica
Esse eixo do Pró-Saúde destaca características inerentes ao processo
de educação de adultos, o qual pressupõe que sejam utilizadas metodologias
de ensino-aprendizagem que proponham concretamente desafios a serem
superados pelos estudantes, que lhes possibilitem ocupar o lugar de sujeitos
na construção do conhecimento, participando da análise do próprio processo
assistencial em que estão inseridos e que, diferentemente dos métodos
educacionais tradicionais, coloquem o professor na condição de facilitador e
orientador desse processo (BRASIL, 2007).
No modelo pedagógico em questão, um dos pontos chave é o aprender
fazendo, que pressupõe a inversão da clássica sequência teoria-prática na
produção do conhecimento, assumindo que isso acontece de forma dinâmica,
por meio da ação-reflexão-ação. Assim, pretende-se a integração entre os
ciclos básico e clínico, além da busca do conhecimento e habilidades que
76
respaldem as intervenções, do ponto de vista da clínica e da saúde coletiva, à
luz da problematização (BRASIL, 2007).
Além disso, busca-se o aprender a aprender. Isso requer o
desenvolvimento de habilidades na procura, seleção e avaliação crítica de
dados e informações em livros, periódicos, bases de dados locais e remotas,
além da utilização do próprio conhecimento prévio do indivíduo.
O eixo é subdividido em três vetores: integração básico-clínica, análise
crítica dos serviços e aprendizagem ativa.
No vetor de integração básico-clínica, defende-se um ensino que integre
o ciclo básico com o profissional ao longo de todo o curso, orientado por
métodos específicos, como a problematização (BRASIL, 2007).
O método da problematização não é o predominante nos processos de
ensino-aprendizagem, conforme será visto no eixo a seguir, entretanto, o PPP
propõe, como princípio geral de sua organização da matriz curricular do curso,
que se faça uma “integração entre as disciplinas, buscando reduzir a
fragmentação e a repetição de conteúdos” (UECE, 2012, p.24).
Além disso, é proposta pelo PPP uma qualificação da integração dos
ciclos básico e clínico, direcionado para a “busca do conhecimento e
habilidades que respaldem as intervenções para trabalhar as questões
apresentadas, tanto do ponto de vista da clínica quanto da saúde coletiva” e,
para isso, propõe-se que o início de atividades práticas ocorra no primeiro
semestre letivo (BRASIL, 2011, p.24).
Vale ressaltar que, conforme apresentado em tópico anterior, as
entrevistas com os alunos revelaram que existem atividades práticas desde o
início do curso, porém as práticas de atuação serviço só começam
efetivamente a partir do quarto semestre.
Ademais, é proposta, no PPP, a “qualificação da organização dos
conteúdos, de forma a facilitar os processos de interdisciplinaridade e
integralização de conhecimentos”, e a “promoção da interdisciplinaridade e da
intersetorialidade, por meio da articulação de conteúdos em grupos temáticos”
(UECE, 2012, p.34).
Essas pretensões vão de encontro ao proposto pelo Pró-Saúde, que
considera como evidência de que o vetor está sendo seguido a facilitação dos
77
processos de interdisciplinaridade e integralização de conhecimentos (BRASIL,
2007).
Essa interdisciplinaridade e intersetorialidade podem ser facilitadas pelo
caráter multiprofissional do corpo docente disponível no quadro atual do Curso
de Medicina da UECE. Segundo o PPP (UECE, 2012), Há sete distintas
graduações nos currículos dos 59 professores: médicos - 43 (71%);
enfermeiros - 5 (9%); farmacêuticos - 5 (9%); biólogos - 3 (5%); odontólogos –
1 (2%); psicólogo - 1 (2%);e estatístico - 1 (2%).
Tal interdisciplinaridade, entretanto, como visto anteriormente, nem
sempre é bem aproveitada pelos alunos, uma vez que, quando a disciplina é
ministrada por um professor não médico, o que ocorre principalmente nas
disciplinas de APS, os alunos não se apropriam plenamente do assunto por
não se imaginarem realizando a atividade trabalhada em seu futuro
profissional.
Isso prejudica bastante a formação dos futuros profissionais do SUS,
uma vez que a aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido
pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos (ZIMRING,
2010).
Segundo os alunos, algumas disciplinas relacionadas à APS:
[...] não são dadas por médicos. São dadas geralmente por enfermeiros, ou então assim, outros profissionais de saúde, que se especializaram, né, fizeram mestrado em outras áreas, e que aí vêm ensinar no curso né. Aí isso daí contribui também pra aumentar a imagem daqueles alunos de que aquilo ali não serve pro médico (A22S10).
Indo de encontro a essas percepções, Feuerwerker (2004) ressalta que
a abordagem multiprofissional e interdisciplinar é essencial no cuidado em
saúde e pressupõe interações e rupturas de fronteiras habitualmente presentes
no ensino médico, mudanças de poder concentrado em disciplinas ou
departamentos e a implantação de acordos coletivos em prol de um projeto
pedagógico orientado pelas necessidades de saúde da comunidade e pelo
processo de construção ativa do conhecimento pelo estudante.
Além disso, é referido pelos alunos que algumas disciplinas ministradas
no início do curso têm seus assuntos deixados em segundo plano por algum
78
tempo, o que acaba causando uma dificuldade de utilizá-los posteriormente,
em virtude de tal desconexão, conforme o depoimento a seguir:
[...] disciplinas como bioestatística ou anatomia a gente vê nos primeiros semestres e no final do curso, são exigidos esses conhecimentos, é... fica até difícil de tentar relembrar os conteúdos passados porque é um acúmulo de informações, então você acaba selecionando mais o que é mais prático. São coisas que você sabe que são importantes, [...], mas aí fica, de certa forma, assim, uma deficiência, vamos dizer assim entre aspas, porque a disciplina já foi dada há três, quatro anos atrás, então, realmente fica complicado (A22S10).
A integração de conteúdos contribui para uma construção de caminhos
no ensino médico com uma maior presença da interdisciplinaridade (BATISTA,
2006). Entretanto, vale lembrar que os desafios de concretizar projetos
inovadores da educação médica não se reduzem a meros arranjos de
conteúdos e/ou atividades, mas sim propostas que representem
potencialidades de configuração de novas teias institucionais tanto no contexto
da formação como nas práticas de atenção à saúde (ALMEIDA, 2007).
Nesse sentido, é importante destacar o Teste do Progresso, realizado
pela Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM, que avalia
individualmente se a aquisição de conhecimento por parte do estudante de
Medicina está sendo contínuo e progressivo, e como o conhecimento está
sendo elaborado e consolidado nas áreas básicas e clínicas, importantes para
não só para o aproveitamento do internato como também do desenvolvimento
final do profissional (ABEM, 2012).
Nesse tipo de avaliação é valorizada a adoção, por parte dos
estudantes, de um estilo de aprendizagem longitudinal para que, até o final da
formação, os conhecimento elaborados estejam estar consolidados para o bom
exercício da profissão (ABEM, 2012).
O vetor Análise Crítica da Atenção Básica, por sua vez, propõe que o
processo de ensino-aprendizagem tome como eixo, na etapa clínica, a análise
crítica da totalidade da experiência da atenção à saúde, enfatizando-se o
componente de Atenção Básica (BRASIL, 2007).
Nesse contexto, é proposto pelo PPP que o início de atividades práticas
a serem vivenciadas pelos estudantes aconteça desde o primeiro semestre
79
letivo, respeitando-se os limites de suas competências.Fomenta-se também a
ampliação e o fortalecimento das atividades extracurriculares e a inserção
precoce do aluno em diferentes cenários de prática, permitindo que ele
conheça e vivencie situações variadas de vida, da organização da prática e do
trabalho em equipe multiprofissional (UECE, 2012).
Os depoimentos dos alunos, entretanto, revelaram que existe uma
lacuna entre o que é trabalhado pelas “disciplinas sociais” e o que é vivenciado
durante o internato, conforme o discurso a seguir:
E quando você chega no internato, praticamente essas matérias [de Saúde Coletiva] são abolidas, fica tudo muito concentrado em clínica, cirurgia e pediatria. A medicina de família e comunidade que você vê é muito mais voltada pra tratar doenças, como hipertensão, diabetes, agravos, e é focada em doenças e não mais na parte de políticas, então nos dois últimos anos do curso fica meio que esquecido isso aí, essa proposta da Atenção Primária. Você trabalha, você fica os quatro meses na Medicina de Família e Comunidade no internato, mas na verdade é voltado pra doença, né... (A22S10).
Revela-se portanto, uma fragilidade quanto ao que é proposto no que se
refere às vivências e aprendizados sobre APS no internato.Além disso, mesmo
diante da importância de formar profissionais que não sejam alheios ao sistema
de saúde vigente, ou seja, com concreta apropriação dos princípios e diretrizes
do SUS, conforme defendem Ceccim e Feuerwerker (2004), observou-se que
há um distanciamento entre os alunos do internato e as discussões acerca da
temática:
É raro aquele dia em que você vai focar ou debater o SUS, né, num tem. Então, assim, essas idéias de atenção primária, no próprio internato vão sendo, assim, combatidas. Depois que você vê, você sai, você se forma, aí você sai com aquela sensação ‘rapaz, aquelas matérias não valeram de nada. Eu vou tratar a doença no paciente, pra que eu preciso saber os princípios do SUS, pra que eu preciso saber o que essa política diz? (A21S10).
No vetor Aprendizagem ativa/ mudança metodológica, defende-se que o
ensino seja baseado, principalmente, na problematização em pequenos
grupos, ocorrendo em ambientes diversificados, com atividades estruturadas a
partir das necessidades de saúde da população (BRASIL, 2007).
80
Nesse sentido, o PPP traz como um dos princípios gerais de sua
construção a “ampliação e o fortalecimento de estratégias pedagógicas que
favoreçam a auto-aprendizagem”, considerando que a orientação pedagógica
possibilitará aos estudantes serem sujeitos da busca de seu aprendizado, com
o auxílio do professor que atua como facilitador do processo e incentiva o
aprender fazendo (UECE, 2012, p.24).
Além desse, outro princípio geral da organização da matriz curricular é a
ênfase no
aprendizado prático, no qual o estudante, com participação dos profissionais dos serviços e dos professores, adquire responsabilidade progressiva e crescente, na perspectiva da permanente melhoria do atendimento à população (UECE, 2012, p.25).
Além disso, a UECE estabelece, como um de seus valores, a auto-
aprendizagem, definida como habilidade para o desenvolvimento ativo e com
senso crítico do conhecimento, fortalecida pela integralização curricular que
propõe metodologias de ensino-aprendizagem que visem a despertar a
motivação, a capacidade crítica e analítica e o poder criativo do educando e ao
estímulo de raciocínio e trabalho em grupo e em equipes interdisciplinares
(UECE, 2012).
Nos planos de ensino, contudo, percebe-se a frequente utilização de
estratégias pedagógicas tradicionais, que não estimulam tanto a participação
do aluno. Analisando-se todas as disciplinas do curso, a estratégia
metodológica predominante são as aulas teóricas expositivas, e isso foi
confirmado pelo depoimento dos alunos:
De maneira geral, a metodologia de ensino da universidade é aquela metodologia clássica, né, você não tem aqueles meios de ensino como a análise de problemas, [...] é a passagem mais catedrática, vamos dizer assim. É exposto uma aula, que mostra um conteúdo, e nós estudamos esse conteúdo (A15S12).
O Quadro 5 mostra as disciplinas e suas metodologias de ensino, entre
as quais predomina a aula teórica expositiva, corroborando com o exposto
pelos discentes entrevistados.
Sobre as aulas teóricas expositivas, os alunos afirmaram que elas
constituem num método que, apesar de ser benéfico por disponibilizar muitas
81
informações, o que é apreciado principalmente quando a aula é ministrada por
especialistas no assunto a ser trabalhado, é, contudo, bastante cansativo, e,
com o passar do tempo, durante a aula, o aluno acaba se dispersando, sendo
difícil manter a atenção voltada o tempo inteiro para o professor: “Às vezes, a
aula é muito longa, e, com isso, não [se] prende muito [a] atenção [do aluno]”.
Esses achados corroboram com Pereira et al. (2013), que afirmam ser a
aula expositiva uma modalidade didática importante para introduzir um assunto
e representa uma comunicação fundamental, porém exige muita concentração
dos alunos durante a aula, sendo bastante criticado por existir pouca interação
entre professor/aluno.
Além disso, os discentes afirmaram que a monotonia das aulas
expositivas causa a evasão dos alunos e que, durante essas aulas, não se
abre muito espaço para discussão.
Essa informação foi expressa, por um dos estudantes, de forma bastante
peculiar: ele se referiu às aulas expositivas com o trocadilho “aulas
impositivas”. A pouca participação dos alunos, durante as aulas expositivas foi
expressa pelos estudantes, nas entrevistas como algo negativo:
A gente aprende de forma muito passiva, a gente só escuta e aí tem que dar um jeito de aprender aquilo depois. A gente não participa do aprendizado, que é o que acontece no estudo de caso, no PBL, que é o que realmente a gente sente um pouco de falta (A13S12).
O uso de metodologias tradicionais é criticado pelo Pró-Saúde, que
considera o “ensino centrado no professor, realizado fundamentalmente por
meio de aulas expositivas para grandes grupos de estudantes”, predominante
no Curso de Medicina da UECE, a situação que configura o estágio mais
inferior de cumprimento do vetor “Mudança Metodológica” (BRASIL, 2007)
Mitre et al. (2008), afirma que o processo ensino-aprendizagem, na
formação em saúde, tem se restringido, muitas vezes, à reprodução do
conhecimento, no qual o docente assume um papel de transmissor de
conteúdos, ao passo que, ao discente, cabe a retenção e repetição dos
mesmos - em uma atitude passiva e receptiva (ou reprodutora) - tornando-se
mero expectador, sem as necessárias crítica e reflexão.
82
Os estudantes disseram que “o modelo clássico de aula expositiva já é
um pouco ultrapassado; o aluno não consegue absorver depois de uma aula
muito longa. Aprendi muito mais com as práticas”.
83
Quadro 5. Metodologias de ensino adotadas nas disciplinas do Curso de Medicina. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013
Disciplina X Metodologias
Aula Teórica
Expositiva
Aula prática
Visitas ao
serviço
Exibição e
debates de
filmes
Sem
inário
Roda de
conversa
Painel
Integrad
o
Dinâmica em
grupo
Estud
o dirigido
Trabalho em
grupo
Trabalho/
Leitura
individual
Discussão em
grupo
Biologia Celular E Molecular x x x x X
Ciências Morfológicas x x
X x
Métodos De Estudo E De Pesquisa x
x x X x X
Saúde Coletiva x
x x X x X x x x
Educação Em Saúde x
x
x x
Ciências Fisiológicas x x
X
Anatomia Aplicada x x
X
x
Estatística De Saúde x
X
x x
Genética Médica x x
x X
x
Ciências FisiológicasII x
X
x
x
Mecanismos De Agressão E Defesa x x
Ciências Sociais E Saúde x
X
x x
x
Epidemiologia x
X
X
x
x x
Famacologia Geral x
X
x x
x
Diagnóstico Por Imagem x x
X
x
x x
Inglês Médico x
x x x
Psicologia Médica x
X
x
Iniciação Ao Exame Clínico E Relação Médico-Paciente
x x
X
x
Políticas Públicas De Saúde x
X x
x
Clínica Médica I x x
X
x x
Bioética E Etica Médica x
X
x x
x x
Clínica Cirúrgica I x X
x x
Planejamento E Organização De Serviços De Saúde
x
x x X
x
Farmacologia Clinica x
X
x
x x
Informação E Avaliação Em Saúde x X
X
X
Medicina Legal E Deontologia x
x
x x
84
Quadro 5 – Continuação
Disciplina X Metodologias
Aula Teórica
Expositiva
Aula prática
Visitas ao
serviço
Exibição e
debates de
filmes
Sem
inário
Roda de
conversa
Painel
Integrad
o
Dinâmica em
grupo
Estud
o dirigido
Trabalho em
grupo
Trabalho/
Leitura
individual
Discussão em
grupo
Clínica Médica II x x
X
x x x x
Clínica Cirúrgica II x x
X
x
Pediatria I x x
Pediatria II x x
Saúde Da Família e Da Comunidade x x
X
Clínica Médica III x x
x x
Clínica Cirúrgica III x x
X
x
x x
Emergências Médicas x x
x
Psiquiatria x x
Epidemiologia Clínica x
x x
Trabalho De Conclusão De Curso x
x
Gineco-Obstetrícia x x
X
x
x
Ambulatório De Atenção Básica x
x x
Contudo, o uso de aulas práticas foi também expresso como um dos
mais utilizados, o que é bastante positivo para a formação dos futuros
médicos.Os alunos afirmaram que as vivências proporcionadas pelas aulas
práticas os aproximam da realidade, muito mais do que momentos de
atividades teóricas.
Segundo Rogers apud Zimring (2010), a verdadeira aprendizagem
ocorre em grande parte através da ação e que o ato de aprender é facilitado
quando o aluno participa do processo.
Outro método muito utilizado, conforme os alunos e confirmado no Quadro 5,
são os seminários, vistos pelos alunos com a vantagem de incentivar o aluno a
estudar com profundidade o assunto, “pelo fato de [o aluno] se preparar para
dar uma aula e dar oportunidade de desenvolver a didática”, porém com a
desvantagem de o aluno focar o aprendizado no tema que vai apresentar, em
85
detrimento dos demais temas a serem trabalhados e apresentados por seus
colegas.
As dinâmicas de grupo, método que exige uma participação mais ativa
dos alunos, foi mencionado como um dos que ocorre com menos frequência,
porém, vale ressaltar que elas foram associadas, pelos discentes, às
disciplinas sociais, e que tais vivências foram bem marcantes, dentre as
ocorridas durante o processo de aprendizado. Segundo os estudantes, elas
aconteciam:
principalmente no começo da faculdade, principalmente nas cadeiras que a gente chama de 'sociais', né?! Saúde coletiva, educação em saúde. [...] Eu gosto. É engraçado que a gente leva isso até o fim da faculdade, a gente tá terminando agora e a gente lembra, tipo assim, de práticas que foram feitas no primeiro semestre na cadeira de Educação em Saúde, entendeu?! [...] Eu acho que vale a pena, eu acho que é uma didática diferente, entendeu?! (A12S12)
Apesar da disciplina de Educação em Saúde, prevê “trabalhos de grupo”
e não “dinâmicas de grupo”, e os alunos se referiram às atividades marcantes
dessa disciplina dessa forma.
Assim, é válido que se utilizem métodos que exijam maior envolvimento
dos alunos, pois, conforme afirma Mitre (2008), o processo ensino-
aprendizagem é complexo, apresenta um caráter dinâmico e não acontece de
forma linear, como uma somatória de conteúdos acrescidos aos anteriormente
estabelecidos, mas exige ações direcionadas para que o discente aprofunde e
amplie os significados elaborados mediante sua participação. O estudante
precisa assumir um papel cada vez mais ativo, descondicionando-se da atitude
de mero receptor de conteúdos, buscando efetivamente conhecimentos
relevantes aos problemas e aos objetivos da aprendizagem. Ceccim e
Feuerwerker (2004) consideram o uso dessas metodologias ativas de ensino-
aprendizagem um importante passo para que sejam alcançadas mudanças na
formação para o SUS.
86
3.3 A formação médica oferecida pela UECE e o Quadrilátero da formação
para a área da Saúde.
O Quadrilátero da Formação para a área de saúde, proposto por Ceccim
e Feuerwerker (2004) serve como ferramenta que permite uma análise crítica
da educação que tem sido ofertada, no setor de saúde, aos estudantes e,
consequentemente, dos produtos dessa educação que repercutem na
população. A imagem do quadrilátero da formação serve à construção e
organização de uma gestão da educação na saúde integrante da gestão do
sistema de saúde, redimensionando a imagem dos serviços como gestão e
atenção em saúde e valorizando o controle social.
Ceccim e Feuerwerker (2004) destacam que gestão setorial e
estruturação do cuidado à saúde se incorporam ao aprender e ao ensinar, de
maneira que sejam formados mais que profissionais para a área da saúde:
prima-se pela formação para o SUS.
A formação não pode tomar como referência apenas a busca eficiente
de evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e
profilaxia das doenças e agravos. Deve buscar desenvolver condições de
atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações, da
gestão setorial e do controle social em saúde (CECCIM e FEUERWERKER,
2004).
Quanto à formação oferecida pelo curso de graduação em Medicina pela
UECE, observa-se a preocupação em incluir no currículo disciplinas que
envolvam os assuntos de APS e Saúde Coletiva ao longo de todo o curso,
conforme apresentado nas seções anteriores, especialmente no Quadro 2.
Entretanto, a carga horária das disciplinas voltadas para outros níveis de
atenção supera as de atenção primária, além do fato de que, no internato, a
fração de tempo direcionada à APS é menor do que a direcionada às demais
atividades.
Assim, quanto ao atendimento às demandas de gestão setorial, Ceccim
e Feuerwerker (2004) ressaltam que o componente serviço não pode se
restringir à noção de práticas de atenção, devendo ir além, revelando uma
87
estrutura de condução das políticas, a gerência do sistema e organização de
conhecimentos do setor.
Vale ressaltar que, conforme apresentado quando abordamos as
habilidades e competências de liderança, administração e gerenciamento
preconizadas pelas DCN, a atuação do médico em atividades de gestão foi
abordada por um dos alunos, que afirmou que “é um dos campos de atuação
do médico a parte da gestão, e não só a clínica” e que a disciplina de Políticas
Públicas de Saúde “dá a oportunidade de você, no futuro, se for trabalhar como
gestor, ter um aporte teórico e vai ter trabalhado na parte prática”.
Entretanto, a já comentada falta de afinidade dos alunos com as
“disciplinas sociais”, as quais podem aproximá-los da realidade do SUS, e o
fato de que as cargas horárias destas são menores que a das disciplinas
voltadas para a clínica podem ser grandes empecilhos no aprendizado sobre
os aspectos de gestão.
As disciplinas que mais se relacionam a este aspecto são as
relacionadas no Quadro 6. Elas somam uma carga horária de 204 horas, ou
seja, de um total de 4.488 horas disciplinares (não incluem as horas do
internato), apenas 4,5% direcionam à abordagem direta da temática de gestão
do SUS.
Além disso, entre as atividades complementares constantes do PPP,
conforme se viu anteriormente, nenhuma se relaciona diretamente a aspectos
de gestão em saúde para o SUS.
Em virtude da inseparabilidade da gestão e da prática clínica no
fazer/pensar saúde defendida por Campos e Oliveira (2009), questiona-se,
portanto, se os alunos do curso de Medicina da UECE estão tendo
oportunidades suficientes de acesso a aprendizados que o preparem para as
diversas necessidades SUS,aí incluídas as atividades inerentes à gestão,.
considerando-se que o trabalho em saúde requer profissionais de amplo
espectro de habilidades e competências.
88
Quadro 6. Disciplinas que se relacionam aos aspectos gerenciais do SUS, suas cargas horárias e ementas. Curso de Medicina, UECE, setembro, 2013
Disciplina Carga Horária e Ementa
Políticas Públicas de Saúde
68h. Apresenta e estuda a formação histórica, o desenvolvimento conceitual e as características das políticas de saúde, em suas relações com as políticas sociais e as políticas econômicas, de municípios, estados e países, identificando, no caso do Brasil, as lógicas de financiamento, tanto quanto princípios, diretrizes e estratégias do Sistema Único de Saúde - SUS, dos Sistemas Locais de Saúdes-SILO, da legislação em saúde, Conferências em saúde e processos de descentralização (orçamento participativo, conselhos de saúde, colegiados bi e tripartites). As palavras-chave são Política, Estado, Organização Social, Participação Social, Democracia, Cidadania, Universalidade, Equidade.
Planejamento e Organização de
Serviços de Saúde
68h. Analisa a importância do planejamento para a gestão dos serviços de saúde; discute sua evolução na América Latina e no Brasil e sua adequação ao momento político atual enquanto um processo social complexo numa perspectiva estratégica, comunicativa e participativa; compreende o planejamento estratégico como busca de superação das propostas tradicionais do planejamento normativo; utiliza métodos e técnicas de planejamento como instrumento de mudança nos serviços de saúde buscando a universalidade, a equidade e a integralidade das ações e pensando modelo assistencial a partir de uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados
Informação e Avaliação em Saúde
A disciplina de Informação – Avaliação em Saúde estuda a sistematização, o processamento e a
análise dos dados e informações visando à avaliação dinâmica de sistemas, serviços e
tecnologias de saúde, assim como a sua utilização no cotidiano da prática clínica. Discute-se e
analisa a importância de processar, analisar e transmitir informações necessárias à definição de
problemas e riscos para a saúde, além de enfatizar a importância do processo de tomada de
decisões no sistema de saúde. Aborda-se a evolução conceitual da avaliação, discute-se
conceitos, princípios, usos, classificações e objetivos de avaliação em saúde; enfoca uma visão
geral das diferentes abordagens que podem ser utilizadas na avaliação; compreende o
movimento institucional de introduzir uma cultura avaliativa no âmbito do SUS. Estuda-se a avaliação no contexto das práticas sociais, materializada em políticas, programas e serviços de saúde. Aspectos históricos da constituição do campo da avaliação em saúde. Aspectos conceituais e vertentes metodológicas da Avaliação. Análise de situações concretas de utilização da avaliação na APS.
Ceccim e Feuerwerker (2004) defendem que o componente
“comunidade”, o qual deve constar na formação do profissional de saúde, é
algo que deve ir além da interação com a população, pela introdução da noção
de relevância e responsabilidade social do ensino. Na verdade, a formação
deve englobar aspectos de produção de subjetividade, produção de habilidades
técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento do SUS.
A restrita carga horária direcionada ao estudo do SUS, como visto
anteriormente, é também assim percebida por alguns estudantes:
[...] é raro aquele dia em que você vai focar ou debater o SUS, né, num tem (.....)
O componente “controle social”também é discutido no Quadrilátero da
formação. Conforme Ceccim e Feuerwerker (2004), sendo a formação uma
tarefa socialmente necessária, ela deve guardar para com a sociedade
89
compromissos políticos e éticos. A formação não pode se fixar aos valores
tradicionais e deve dar atenção ao movimento de transformações na
sociedade, e ser capaz de sofisticada escuta aos valores em mutação. Assim,
as instituições formadoras devem buscar sempre atender a interesses coletivos
e à construção de novidade em saberes e em práticas.Nesse contexto, controle
social pode ser definido como a capacidade que a sociedade civil tem de
interferir na gestão pública, na direção dos interesses da coletividade, o que
inclui toda ação controladora da sociedade sobre o estado, objetivando as
políticas de saúde. Abrange também a produção de necessidades da vida por
seus próprios protagonistas, uma verdadeira partilha de poder. Envolve ainda a
construção de um processo político pedagógico de conquista da cidadania e
fortalecimento da sociedade civil (ARANTES, 2007).
Outro ponto a ser destacado é que Ceccim e Feuerwerker (2004)
consideram que a educação em serviço reconhece os municípios como fonte
de vivências, autorias e desafios, lugar de inscrição das populações, das
instituições formadoras, dos projetos político pedagógicos e dos estágios para
estudantes, o que concorda com o preconizado pelo Pró-Saúde.
Compreende-se, portanto, a APS, como um lócus preferencial em que
profissionais de saúde podem contribuir para o incentivo à participação dos
usuários do SUS, cumprindo o princípio da participação e controle social. Por
sua vez, a responsabilidade das IES com a sociedade relaciona-se diretamente
à formação por elas ofertadas: uma formação que seja direcionada às reais
necessidades da população. Portanto, uma vez que se afirma que, na APS,
deveriam ser resolvidos 80% dos problemas de saúde da população (OMS,
1978), a formação dos profissionais de saúde deveria atender diretamente a
essas demandas, compreendendo-se que o atendimento de tais demandas
ultrapassam o setor saúde, necessitando de políticas intersetoriais, as quais
por sua vez devem ser demandadas pela sociedade, sendo o profissional de
saúde importante ator na formação dessa conscientização.Neste cenário, uma
formação consistente em APS – questionada, no caso da graduação em
Medicina oferecida pela UECE - seria importante contribuição.
Neste ponto, questiona-se alguns itens já citados anteriormente como
principais nós críticos: o início de atividades práticas no quarto semestre, a
90
ausência de atividades práticas na disciplina de Ambulatório de Atenção Básica
e a previsão de apenas quatro meses (dos vinte e dois) de internato para as
atividades de MFC.
No entanto, para que os futuros profissionais de saúde desempenhem
tal papel, o processo formativo há que priorizar a formação de profissionais-
cidadãos, não apenas por meio de conteúdos teóricos mas aliando a estes a
vivência política e social, a partir do próprio ambiente acadêmico e estendendo
para os cenários de prática. . Entretanto,o termo “controle social”, sequer é
mencionado pelo PPP, merecendo destaque apenas um trecho que traz um
dos princípios gerais de sua construção:
Consolidação da integração entre o ensino e o serviço. O esforço de integração ensino-serviço segue os seguintes parâmetros: envolve a comunidade como espaço social participativo e centra-se nas necessidades de saúde da população (UECE, 2012, p. 25).
Os planos de ensino, por sua vez, fazem uma breve menção à
participação social na ementa da disciplina Políticas Públicas de Saúde
(Quadro 6), além de ter, como um dos tópicos de seus conteúdos
programáticos a participação social e a representação por conselhos. Assim,
questiona-se a falta de oportunidade dos estudantes aprenderem e vivenciarem
processos que os tornem aptos ao incentivo da participação e do controle
social, além de sua própria participação.
Nesse contexto, vale ressaltar a importância de reorientar o processo de
formação dos profissionais da saúde, de modo a oferecer à sociedade
profissionais habilitados para responder às necessidades da população
brasileira e à operacionalização do SUS. Cabe, então, ao SUS e às instituições
formadoras coletar, sistematizar, analisar e interpretar permanentemente
informações da realidade, problematizar o trabalho e as organizações de saúde
e de ensino, e construir significados e práticas com orientação social.
91
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados obtidos e discussões realizadas, infere-se que o
curso de bacharelado em Medicina oferecido pela UECE tem um projeto
pedagógico que segue o preconizado pelas DCN, quanto ao perfil do formando
egresso/profissional, no quesito formação generalista e humanista, porém
deixa a desejar no item formação crítica e reflexiva, pela predominância, no
curso, de metodologias de ensino tradicionais.
Quanto às competências e habilidades gerais requeridas pelas DCN dos
futuros profissionais, ressalta-se se que todas são trabalhadas por, no mínimo,
uma disciplina, sendo, contudo, observado que as competências de liderança,
administração e gerenciamento deixam a desejar, tanto em termos de carga
horária como de conteúdos.
Essa carência coloca em risco o preparo dos futuros profissionais para a
atuação no Sistema Único de Saúde, uma vez que é possível que muitos deles
trabalhem na Rede SUS como gestores. Esse despreparo é muito prejudicial
para a condução da organização desse sistema e reflete na qualidade dos
serviços de saúde oferecidos.
No que se refere aos conteúdos curriculares, foi encontrada uma
considerável fragilidade, pois as disciplinas que abordam a APS somaram uma
carga horária pequena em relação às demais temáticas (menos de 20%), o que
pode comprometer bastante a formação desses profissionais para a atuação no
SUS.
Diante do compromisso que as IES têm com a sociedade de formar
profissionais para servi-las, o ideal seria formar para o SUS, afinal, esse é o
sistema público vigente em nosso país e que deve abranger o cuidado à saúde
de toda a população. Se não se formam recursos humanos aptos a essa
atuação, todo o investimento feito nesse sentido - dinheiro, esforços, estudos -
corre o risco de ser desperdiçado, o que é inadmissível.
Em relação à organização do curso, uma fragilidade identificada foi que,
apesar de haver uma longitudinalidade no trabalho da temática da APS ao
longo do curso de Medicina, o início das aulas práticas em serviço só ocorre
92
depois do quarto semestre letivo, embora se defenda a inserção precoce dos
alunos nessas atividades.
No tocante às atividades complementares, é ofertada aos alunos uma
grande variedade. Estes, por sua vez, aderiram à pesquisa e extensão de
forma maciça, participando de monitorias, ligas, PET e eventos científicos,
porém a participação em atividades relacionadas à APS é irrisória.
Sobre o item acompanhamento e avaliação, observou-se que
predominam as avaliações sob o formato de provas teóricas, em detrimento da
realização de avaliações mais amplas, que considerem o desempenho geral do
aluno e melhor se adequam ao preconizado pelas DCN.
Voltando-se a análise para o Pró-Saúde, os resultados demonstraram
que as disciplinas que abordam APS mais citadas pelos alunos foram
Educação em Saúde, Saúde Coletiva, Políticas Públicas de Saúde, Ambulatório
de Atenção básica, Ciências Sociais em Saúde, Planejamento e Organização
de Serviços de Saúde, Saúde da Família e da Comunidade, e Informação e
Avaliação em saúde. Entretanto, foi observado que a afinidade dos alunos com
disciplinas como essas é bem escassa, aumentando as chances de que esse
futuro profissional não trabalhe na APS.
Os resultados apontaram que algumas posturas dos docentes
contribuem para os discentes formarem um pré-julgamento negativo sobre a
atuação profissional na APS, tido como de menor importância no contexto da
formação. Tal resultado é por demais preocupante pela importância da
categoria médica na consolidação do SUS, para a qual é essencial a
excelência da atenção primária, porta de entrada preferencial do usuário no
sistema. Nesse sentido, sugere-se a realização de seminários com o corpo
docente e discente para a apresentação dos resultados obtidos como forma de
disparar a discussão sobre o perfil profissional desejável e apropriado para o
SUS e sobre qual o perfil proposto pelo curso.
Sobre o item “Cenários de prática”, ressalta-se que os alunos têm
oportunidade de vivências em todos os níveis de atenção e uma boa aceitação
das aulas práticas, o que poderia ser mais explorado para fortalecer a
formação para o SUS.
93
Quanto à orientação pedagógica, a maior fragilidade encontrada foi a
predominância de metodologias de ensino tradicionais, sendo a aula teórica
expositiva a mais freqüente. Criticamos essa escolha e sugerimos que a UECE
opte por metodologias ativas de ensino aprendizado, em lugar das
metodologias tradicionais atualmente utilizadas, em virtude das evidências de
sua pertinência na formação de profissionais da área de saúde.
Sob a perspectiva de uma formação baseada no Quadrilátero da
Formação em Saúde, o curso de medicina da UECE apresenta carências,
principalmente quanto aos aspectos de gestão e controle social. Ressalte-se
também o necessário envolvimento dos estudantes na temática do controle
social, de forma a possibilitar que em sua atuação profissional possam ser
capazes de incentivar e promover a participação da população, ajudando a
cumprir esta importante diretriz para o adequado funcionamento do SUS.
Como formar profissionais sem considerar as especificidades do sistema
de saúde onde ele atuará? Não se pode desvincular da formação oferecida
pelas IES a obrigação de preparar trabalhadores qualificados para atender as
necessidades de saúde da população, no contexto dos princípios e diretrizes
do sistema de saúde. Dessa forma, conclui-se que a UECE oferece um Curso
de Graduação em Medicina, cujo PPP no geral, segue as DCN, mas que a
concretização do processo formativo sofre diversas influências e tem vários
fatores que dificultam a formação de profissionais comprometidos com a
consolidação do SUS e dotados da opinião de que a atuação na APS é
realmente importante.
Por fim, é necessário esclarecer que o projeto mais amplo do qual esse
estudo se constituiu em um recorte inclui na avaliação dos cursos de saúde, a
escuta dos segmentos discentes, docentes e egressos, além da análise
documental. Portanto os resultados aqui apresentados, referentes ao segmento
discentes e à análise documental, serão somados aos os resultados dos
segmentos docentes e egressos, ainda em andamento, para compor a
avaliação geral do Curso de Medicina.
Sugere-se que, no desenvolvimento da pesquisa de campo com os
demais segmentos, sejam contemplados aspectos que possam ajudar a
compreender os resultados aqui apresentados.
94
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ZIMRING, Fred. Carl Rogers. Tradução e organização: Marco Antônio Lorieri. Coleção Educadores, MEC. Recife, PE: Editora Massangana, 2010
100
APÊNDICES
101
APÊNDICE I
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Campo 1. Identificação
1.2 Instituição: ( ) UECE ( ) UFC Curso:_____________________________________________
Duração do curso:___________Semestre em curso:__________________________________
Forma de Ingresso: ( ) Vestibular ( ) Transferência de outro curso - Especifique:_____________
( ) Transferência de outra instituição – Especifique: ________________________________
( ) Outros - Especifique:_________________________________________________________
Estado de origem:_____________________________________________________________
1.2 Idade:______Sexo ( ) Masc. ( ) Fem. Etnia:______________Estado civil:_________________
Campo 2. Atividades acadêmicas
2.1 Você poderia relacionar disciplinas do seu curso que abordam a Atenção Primária em
Saúde?_______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.2 Você participa de atividades de Extensão e Pesquisa? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, em que modalidade: ( ) bolsista de iniciação científica ( ) bolsista de extensão ( )
voluntário ( ) Monitoria ( ) Bolsista PET
Cite algumas dessas atividades das quais participa/
participou:____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
2.3 Em seu curso são divulgados / promovidos eventos científicos? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, quais?_____________________________________________
Você já participou de algum evento relacionado à temática da Atenção primária?
Se Sim, que tipo de Eventos? ( ) nacionais ( ) estaduais ( ) locais
2.4 Na Universidade você conta com apoio financeiro para a participação em eventos
científicos?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei responder
102
Campo 3. Conhecimentos sobre o Curso
3.1 Você conhece o projeto pedagógico do seu curso? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, Até que ponto o processo de desenvolvimento do curso está de conformidade com o
projeto pedagógico?
3.2 Quais metodologias de ensino são praticadas pelos professores do curso?
( ) Expositiva ( ) Seminário ( )Dinâmicas de grupo ( )Aula prática ( )Estudo de caso
( )Outros – Especifique: ___________________
Pode apontar algumas vantagens e desvantagens das metodologias utilizadas?
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Até o semestre em curso, você fez todas as disciplinas? ( )Sim ( )Não
Se não, quantas disciplinas estão pendentes? ___________________________________
103
APÊNDICE II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisa:Avaliação da formação de profissionais de saúde de nível
superior pelas universidades públicas em Fortaleza-CE.
Convidamos o Sr (a) para participar da pesquisa “Avaliação da
formação de profissionais de saúde de nível superior pelas universidades
públicas em Fortaleza-CE”que tem como objetivo avaliar os cursos de
graduação da área de saúde na universidades públicas de Fortaleza-CE, com
ênfase na formação para atuação na atenção primária.
Esta pesquisa será realizada por um grupo de pesquisadores da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), da Universidade Federal do Ceará
(UFC), da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará e da Secretaria Municipal
de Saúde/Sistema Municipal de Saúde Escola.
Participarão do estudo os cursos Medicina, Enfermagem, Nutrição,
Psicologia, Educação Física, Serviço Social, Odontologia e Farmácia da UECE
e UFC, além de envolver profissionais da Rede de Atenção Primária e os
gestores do setor saúde em Fortaleza-Ceará. Os resultados serão divulgados
primeiramente nas instituições e por meio de publicações nos periódicos
científicos. Nossa expectativa é contribuir no aperfeiçoamento dos processos
formativos dos cursos de graduação da área de saúde. Sua participação se
dará por meio de uma entrevista e sua contribuição é essencial para
conhecermos melhor o processo de formação em saúde ofertado pelas
universidades públicas em Fortaleza. A participação na pesquisa envolve risco
mínimo, uma vez que não prevê nenhum procedimento invasivo. O possível
risco está relacionado à exposição e discussão de suas opiniões e
conhecimentos perante seus pares; Enquanto o benefício do estudo diz
respeito ao que sua contribuição pode dar para a formação profissional, uma
vez que as experiências e vivências relatadas subsidiarão a reflexão teórica na
busca do aperfeiçoamento da formação proporcionada pelos cursos de saúde.
104
Sua adesão como informante da pesquisa será declarada por meio da
assinatura deste Termo de Consentimento assinado em duas vias, uma das
quais ficará com o Sr. (a) e a outra com a pesquisadora responsável. Se optar
por participar, e depois mudar de ideia, poderá desistir a qualquer momento
sem que isto implique em qualquer tipo de consequência para
você.Esclarecemos que a participação será totalmente voluntária e caso
escolha participar como informante da pesquisa, sua identidade será mantida
em sigilo.
Esta pesquisa recebeu o aval do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual do Ceará, cujo telefone é (85) 31019890.
_______________________________________________________________
Maria Marlene Marques Ávila: (85) 3260-1493 / 3101-9644
Pesquisadora responsável
_______________________________________________________________
Após receber estas informações, declaro que entendi os objetivos da
participação na pesquisa “Avaliação da formação de profissionais de saúde
de nível superior pelas universidades públicas em Fortaleza-CE.” e
declaro minha participação como informante voluntário.
Nome:__________________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________________
Fone: _______________
Fortaleza, ____de________2013
105
ANEXOS
106
ANEXO 1 - Desenho curricular do Curso de Medicina da UECE
1º
Semestre 32 créditos
2º Semestre 32 créditos
3º Semestre 32 créditos
4º Semestre 28 créditos
Biologia Celular e Molecular 4 cr. (68h)
Ciências Fisiológicas 16 cr. (272h)
Mecanismos de Agressão e Defesa
16 cr. (272h)
Farmacologia Geral 4 cr. (136h)
Ciências Morfológicas 16 cr. (272h)
Anatomia Aplicada 8 cr. (136h)
Ciências Fisiológicas II 8 cr. (136h)
Diagnóstico por Imagem 6 cr. (102h)
Métodos de Estudo e Pesquisa 4 cr. (68h)
Estatística de Saúde 4 cr. (68h)
Psicologia Médica 4 cr. (68h)
Planej. Org. Serviços de Saúde
4 cr. (68h)
Saúde Coletiva 4 cr. (68h)
Genética Médica 4 cr. (68h)
Epidemiologia 4 cr. (68h)
Ciências Sociais e Saúde 4 cr. (68h)
Educação em Saúde 4 cr. (68h)
Inic. ao Exame Clín. e Rel. Médico-Paciente
6 cr. (102h) Políticas Públicas de
Saúde 4cr. (68h)
5º Semestre 32 créditos
6º Semestre 32 créditos
7º Semestre 36 créditos
8º Semestre 36 créditos
Clínica Médica I 12 cr. (204h)
Pediatria I 8 cr. (136h)
Pediatria II 8 cr. (136h)
Emergências Médicas 12 cr. (204h)
Informação e Avaliação em Saúde 4 cr. (68h)
Medicina Legal e Deontologia 4 cr. (68h)
Saúde da Família e da Comunidade 4 cr. (68h)
Psiquiatria 4 cr. (68h)
Clínica Cirúrgica I 08 cr. (136h)
Clínica Médica II 8 cr. (136h)
Clínica Médica III 16 cr. (172h)
Bioética e Ética Médica 4 cr. (68h)
Epidemiologia Clínica 2 cr. (34h)
Clínica Cirúrgica II 12 cr. (204h)
Clínica Cirúrgica III 8 cr. (136h)
Ambulatório de Atenção Básica
4 cr. (68h) Trabalho de Conclusão
de Curso 2 cr. (34h)
Ginecologia-Obstetrícia
12 cr. (204h) Farmacologia Clínica
4 cr. (68h)
9º Semestre 75 créditos
10º Semestre 75 créditos
11º Semestre 75 créditos
12º Semestre 75 créditos
Internato I 75 cr. (1.275 h)
Internato II 75 cr. (1.275 h)
Internato III 75 cr. (1.275 h)
Internato IV 75 cr. (1.275 h)
Fonte: Coordenação do Curso de Medicina, UECE, julho, 2012
107
ANEXO 2 – RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO(*) CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina.
O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de
Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CES 1.133, de 7 de agosto de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 1º de outubro de 2001,
RESOLVE: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Medicina definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de médicos, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Medicina das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/profissional o médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. Art. 4º A formação do médico tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: I - Atenção à saúde : os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus _______________________
(*)CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 4/2001. Diário Oficial da União,Brasília, 9 de novembro de 2001. Seção 1, p. 38.
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serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho quanto dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais. Art. 5º A formação do médico tem por objetivo dotar o profissional dos conhe cimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas: I – promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos seus clientes/pacientes quanto às de sua comunidade, atuando como agente de transformação social; II - atuar nos diferentes níveis de atendimento à saúde, com ênfase nos atendimentos primário e secundário; III - comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho, os pacientes e seus familiares;
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IV - informar e educar seus pacientes, familiares e comunidade em relação à promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação das doenças, usando técnicas apropriadas de comunicação; V - realizar com proficiência a anamnese e a conseqüente construção da história clínica, bem como dominar a arte e a técnica do exame físico; VI - dominar os conhecimentos científicos básicos da natureza biopsicosocio-ambiental subjacentes à prática médica e ter raciocínio crítico na interpretação dos dados, na identificação da natureza dos problemas da prática médica e na sua resolução; VII - diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças do ser humano em todas as fases do ciclo biológico, tendo como critérios a prevalência e o potencial mórbido das doenças, bem como a eficácia da ação médica; VIII - reconhecer suas limitações e encaminhar, adequadamente, pacientes portadores de problemas que fujam ao alcance da sua formação geral; IX - otimizar o uso dos recursos propedêuticos, valorizando o método clínico em todos seus aspectos; X - exercer a medicina utilizando procedimentos diagnósticos e terapêuticos com base em evidências científicas; XI - utilizar adequadamente recursos semiológicos e terapêuticos, validados cientificamente, contemporâneos, hierarquizados para atenção integral à saúde, no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção; XII - reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência entendida como conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; XIII - atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde e acompanhamento do processo de morte; XIV - realizar procedimentos clínicos e cirúrgicos indispensáveis para o atendimento ambulatorial e para o atendimento inicial das urgências e emergências em todas as fases do ciclo biológico; XV - conhecer os princípios da metodologia científica, possibilitando-lhe a leitura crítica de artigos técnico-científicos e a participação na produção de conhecimentos; XVI - lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e com as políticas de saúde; XVII - atuar no sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos e éticos de referência e contra-referência; XVIII - cuidar da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar como cidadão e como médico; XIX - considerar a relação custo-benefício nas decisões médicas, levando em conta as reais necessidades da população; XX - ter visão do papel social do médico e disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde; XXI - atuar em equipe multiprofissional; e XXII - manter-se atualizado com a legislação pertinente à saúde. Parágrafo Único. Com base nestas competências, a formação do médico deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.
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Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Medicina devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em medicina. Devem contemplar: I - conhecimento das bases moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados aos problemas de sua prática e na forma como o médico o utiliza; II - compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença; III - abordagem do processo saúde-doença do indivíduo e da população, em seus múltiplos aspectos de determinação, ocorrência e intervenção; IV - compreensão e domínio da propedêutica médica – capacidade de realizar história clínica, exame físico, conhecimento fisiopatológico dos sinais e sintomas; capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e humanística da relação médico-paciente; V - diagnóstico, prognóstico e conduta terapêutica nas doenças que acometem o ser humano em todas as fases do ciclo biológico, considerando-se os critérios da prevalência, letalidade, potencial de prevenção e importância pedagógica; e VI - promoção da saúde e compreensão dos processos fisiológicos dos seres humanos – gestação, nascimento, crescimento e desenvolvimento, envelhecimento e do processo de morte, atividades físicas, desportivas e as relacionadas ao meio social e ambiental. Art. 7º A formação do médico incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, e sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade. A carga horária mínima do estágio curricular deverá atingir 35% (trinta e cinco por cento) da carga horária total do Curso de Graduação em Medicina proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. § 1º O estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço incluirá necessariamente aspectos essenciais nas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia, Pediatria e Saúde Coletiva, devendo incluir atividades no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção em cada área. Estas atividades devem ser eminentemente práticas e sua carga horária teórica não poderá ser superior a 20% (vinte por cento) do total por estágio. § 2º O Colegiado do Curso de Graduação em Medicina poderá autorizar, no máximo 25% (vinte e cinco por cento) da carga horária total estabelecida para este estágio, a realização de treinamento supervisionado fora da unidade federativa, preferencialmente nos serviços do Sistema Único de Saúde, bem como em Instituição conveniada que mantenha programas de Residência credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica e/ou outros programas de qualidade equivalente em nível internacional. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Medicina deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, mediante estudos e práticas independentes, presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e
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estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Medicina deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante por meio de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Medicina para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Medicina deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Medicina poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região. Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Medicina deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. A estrutura do Curso de Graduação em Medicina deve: I - Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo setor saúde; II - utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência; III - incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania; IV - promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; V - inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional; VI - utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional; VII - propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como agente prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia, que se consolida na graduação com o internato; e VIII - vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS.
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Art. 13. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Medicina que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos, tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Medicina deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 14. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Arthur Roquete de Macedo Presidente da Câmara de Educação Superior