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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
ANA PAULA ALMEIDA DIAS DA SILVA
CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM, NO DOMICÍLIO, À MULHER CARDIOPATA: análise nos fundamentos de
Watson
FORTALEZA – CEARÁ 2011
1
ANA PAULA ALMEIDA DIAS DA SILVA
CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM, NO DOMICÍLIO, À MULHER CARDIOPATA: análise nos fundamentos de Watson
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Cuidados Clínicos em Saúde. Área de Concentração: Cuidados Cínicos em saúde e em Enfermagem.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Virgínia de Melo Fialho.
FORTALEZA – CEARÁ 2011
2
S586c Silva, Ana Paula Almeida Dias da
Cuidado clínico de enfermagem, no domicílio, à mulher cardiopata: análise nos fundamentos de Watson / Ana Paula Almeida Dias da Silva. — Fortaleza, 2011.
88 p. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Virgínia de Melo Fialho. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Cuidados
Clínicos em Saúde) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde. Área de Concentração: Enfermagem.
1. Enfermagem. 2. Cuidados de enfermagem. 3. Assistência Integral à Saúde. 4. Assistência Domiciliar. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde.
CDD: 610.73
3
ANA PAULA ALMEIDA DIAS DA SILVA
CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM, NO DOMICÍLIO, À MULHER CARDIOPATA: análise nos fundamentos de Watson
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Cuidados Clínicos em Saúde. Área de Concentração: Cuidados Cínicos em Saúde e em Enfermagem.
Aprovado em: 04/03/2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Virginia de Melo Fialho (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Zélia Maria de Souza Araújo Santos
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lúcia de Fátima da Silva
Universidade Estadual do Ceará – UECE
___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Ruth Macêdo Monteiro
Universidade Estadual do Ceará – UECE
4
A Deus.
Aos meus amados pais.
Aos meus amados filhos.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu melhor amigo, o verdadeiro amor, rico em bondade e misericórdia, por ter me dado equilíbrio, serenidade, saúde e força para superar todos os obstáculos que apareceram nesta caminhada.
À Maria Santíssima, mãe generosa, que vem ao encontro das mulheres em silêncio e doçura.
Aos meus amados pais: João Batista Parente Dias (in memorian) e Maria Ozélia Almeida Dias, que por amor, investiram na minha vida afetiva e profissional sem limites.
Aos meus amados e preciosos filhos Pedro e Lara, que compreenderam minha ausência e me confortaram com seu amor.
À minha orientadora, Professora Ana Virginia de Melo Fialho, pela paciência, amizade e por todos os novos conhecimentos adquiridos ao longo do caminho.
Às Professoras Dras Ana Ruth Macêdo e Zélia Santos, pelo incentivo, credibilidade e colaboração na minha vida acadêmica e profissional.
Ao meu esposo, Sérgio Murilo, que facilitou e compreendeu a importância dessa etapa.
Aos colegas que, comigo, fazem parte da turma do Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde.
Ao Hospital de Messejana, que sempre acolhe e ensina, especialmente aos profissionais do Programa de Internação Domiciliar do Hospital de Messejana, que me receberam de forma tão acolhedora, contribuindo para a realização deste estudo.
Aos docentes do Mestrado, em especial às coordenadoras profªs. dras. Célia Freitas e Lúcia de Fátima, pela sua garra e determinação.
Às mulheres participantes deste estudo.
À Universidade de Fortaleza, que me disponibilizou momentos de estudo, na pessoa da Profª Mirian Pardo e às amigas que colaboraram com meu crescimento.
À Universidade Estadual do Ceará, que me acolheu desde a graduação, e oportunizou conhecimentos essenciais para minha vida profissional e pessoal.
6
.
"Tudo posso, naquele que me fortalece’’
(Fl 4,13).
7
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo estudo de caso múltiplo, que tem o objetivo de analisar o cuidado clínico de enfermagem domiciliar à mulher cardiopata, à luz da teoria de Watson. Após a aprovação do comitê de ética, a pesquisa foi realizada nos domicílios de seis mulheres cardiopatas assistidas pelo Programa de Internação domiciliar, que aceitaram participar do estudo, o que nos proporcionou a construir seis categorias analíticas. Utilizamos, para a coleta de dados, entrevista semiestruturada e observação, o que nos possibilitou construir do diário de campo, no período de junho à setembro de 2010.Os dados foram analisados permeando os dez fatores de cuidado que compõem uma estrutura básica da teoria Jean Watson. Percebemos que o cuidado de enfermagem não contempla o cuidado integral, priorizando o uso das técnicas em detrimento do cuidado humano. O processo de trabalho do enfermeiro se dá com a utilização das práticas educativas e a disponibilidade da terapêutica farmacológica durante as visitas domiciliares com a equipe. Entendemos a importância do enfermeiro diarista que colaborou para a qualidade do cuidar em enfermagem e para o PID. A família foi considerada um grande apoio e sustentáculo e o cuidador um parceiro que articulava com a equipe do PID ao buscar de estratégias para adquirir melhores condições qualidade de vida para as mulheres cardiopatas. Os dez fatores de Watson consistem em aspectos sustentáveis e desafiam o enfermeiro em sua prática profissional, favorecendo o auto-conhecimento, que o faz refletir sobre suas ações e desenvolver atitudes humanísticas, perceber a riqueza do referencial teórico. Possibilitando um novo modelo de atenção de forma integral, ao colaborar com a implementação do cuidado humanizado,cientifico sendo capaz de perceber a mulher enquanto; corpo, mente e espírito, e vislumbrando o cuidado transpessoal. Descritores: Cuidado. Enfermagem. Domicílio.
8
ABSTRACT
This is a descriptive study of type multiple case study, which aims to analyze the clinical care of nursing home care to women with heart disease in light of Watson's theory. After approval by the ethics committee, the survey was conducted in the homes of six women with heart disease attended by the Home Care Program, who agreed to participate in the study, which provided us to build six analytical categories. We used to collect data, a semistructured interview and observation, which enabled us to build the field diary, from June to September 2010.Os data were analyzed permeating the ten care factors that constitute a basic theory of Jean Watson. We realized that nursing care does not include comprehensive care, and the use of techniques at the expense of human care. The process of nursing work is with the use of educational practices and the availability of drug therapy during home visits with the team. We understand the importance of nurses diarist who contributed to the quality of nursing care and the PID. The family was considered a great bulwark and caregiver support and a partner with the team that articulated the PID to seek strategies to acquire better quality of life for women with heart disease. The ten factors of Watson and sustainable aspects are to challenge nurses in their practice, enabling self-knowledge, which makes their actions reflect and develop humanistic attitudes, realize the richness of the theoretical. Enabling a new model of care to assist with the implementation of humanized care, realizing the woman as body, mind and spirit, and looking to the transpersonal caring.
Keywords: Care. Nursing. Home
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 10
2 OBJETIVO......................................... ............................................................ 16
3 REVISÃO DE LITERATURA............................ ............................................. 17
3.1 CUIDADO DE ENFERMAGEM...................................................................... 17
3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO CUIDADO DOMICILIÁRIO 22
3.3 O CUIDADO CONTINUADO NO PROGRAMA DE INTERNAÇÃO DOMICILIAR E A INTERFACE COM A ESTRATEGIA SAÚDE DA FAMÍLIA..........................................................................................................
24
3.4 A TEORIA DE JEAN WATSON...................................................................... 31
4 PERCURSO METODOLÓGICO.................................................................... 36
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS............................. ........................................ 42
5.1 DESCREVENDO AS EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES COM O PID........ 42
6 REFLETINDO O CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM DOMICI LIAR SEGUNDO OS DEZ FATOTES ESTRUTURAIS DE JEAN WATSON.. ......
52
6.1 A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA DE VALORES HUMANISTA-ALTRUISTA 52
6.2 A INSTILAÇÃO DE FÉ-ESPERANÇA............................................................ 53
6.3 O CULTIVO DA SENSIBILIDADE AO PRÓPRIO EGO E AO DAS DEMAIS PESSOAS......................................................................................................
55
6.4 O DESENVOLVIMENTO DE UMA RELAÇÃO DE AJUDA-CONFIANÇA..... 56
6.5 A PROMOÇÃO E A ACEITAÇÃO DA EXPRESSÃO DE SENTIMENTOS POSITIVOS E NEGATIVOS...........................................................................
58
6.6 O USO SISTEMÁTICO DO MÉTODO CIENTÍFICO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS PARA A TOMADA DE DECISÃO...........................................
59
6.7 A PROMOÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM INTERPESSOAL............... 61
6.8 A PREVISÃO DE UM AMBIENTE DE APOIO, PROTEÇÃO E/OU NEUTRALIZAÇÃO MENTAL, FÍSICA, SÓCIO-CULTURAL E ESPIRITUAL.....
63
6.9 ASSISTÊNCIA COM A GRATIFICAÇÃO DAS NECESSIDADES HUMANAS.. 64
6.10 A PERMISSÃO DE FORÇAS EXISTENCIAIS FENOMENOLÓGICAS......... 65
7 CONSIDERAÇOES FINAIS............................. .............................................. 67
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 71
APÊNDICES................................................................................................... 76
APÊNDICE A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS.......................... 76
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO. 79
ANEXO – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA..................... 80
10
1 INTRODUÇÃO
A promoção do cuidado se dá através do processo de cuidar mediante
uma ação interativa entre o enfermeiro e a pessoa que necessita de cuidados, no
qual o enfermeiro utiliza um conjunto de conhecimentos científicos, habilidades,
intuição, pensamento crítico e criatividade, acompanhadas de comportamentos e
atitudes de cuidar no sentido de promover, manter e/ou recuperar a totalidade e a
dignidade humana.
O desenvolvimento do cuidado ocorre nos mais diversos cenários de
práticas, seja nos hospitais, escolas, indústrias, postos de saúde ou mesmo nos
domicílios, e com diferentes necessidades, uma vez que o cotidiano desgasta a
saúde das pessoas.
A humanidade sobrevive ao estresse do urbanismo através de uma rotina
sedentária, associada à longa jornada de trabalho e remuneração deficiente, fatores
importantes no surgimento das doenças crônicas; essencialmente as
cardiovasculares, que produzem significantes repercussões econômicas, sociais,
emocionais e familiares, resultantes de seus efeitos biológicos, que comprometem a
qualidade de vida das pessoas.
Em 2001, cerca de 7,6 milhões de mortes no mundo foram atribuídas à
elevação dos níveis pressóricos (54% por acidente vascular cerebral – AVC e 47%
por doença isquêmica do coração – DIC), sendo a maioria em países de baixo e
médio desenvolvimento econômico e mais da metade em pessoas entre 45 e 69
anos. No Brasil, as doenças cardiovasculares têm sido a principal causa de morte.
Em 2007, ocorreram 308.466 óbitos por doenças do aparelho circulatório.
Ressalta-se que, no período de 1990 a 2006, observou-se uma tendência lenta e
constante de redução das taxas de mortalidade cardiovascular. Entretanto, a taxa de
mortalidade aumenta progressivamente se relacionada à elevação da pressão
arterial (PA) acima de 115/75 mmHg, de forma linear, contínua e independente
(DBHS, 2010).
Para Klassmann et al. (2008), a cronicidade das doenças pode ocorrer em
qualquer momento do ciclo vital, não é apenas peculiar ao idoso, acarretando um
11
declínio físico e biológico, o qual necessita de um cuidado pontual e assíduo por
longo tempo de forma sistematizada, individual e acima de tudo humanizado
associado ao um tratamento especializado.
A hipertensão arterial sistêmica, idade avançada, sexo, tabagismo,
dislipidemias, Diabetes Mellitus, sedentarismo, obesidade, ingestão de sal e fatores
socioeconômicos são os principais fatores de risco para as doenças cardio
vasculares. (BRASIL, 2010).
Considerando que a presença de um ou mais fatores de risco implica em
maior chance de desenvolver a doença, embora a ausência desse fator não exclua
tal possibilidade, a redução da morbidade e mortalidade por DCV deve estar
direcionada na promoção de atitudes que visem qualidade de vida da população
alvo, para intervir nos fatores de risco modificáveis.
Os fatores de risco podem afetar as mulheres diferentemente em relação
aos homens. A Diabetes Mellitus apresenta um risco maior de DCV e AVC no sexo
feminino, em relação ao sexo masculino. Níveis elevados de triglicérides consistem
em um fator de risco independente e que pode prever as DCV nas mulheres, com
mais probabilidade do que o próprio colesterol-LDL (Low Density Lipoproteins).
(BRASIL, 2010).
A PA eleva-se com a idade, independente do sexo, porém a interação
entre idade e sexo gera diferenças nas taxas de prevalência. A hipertensão arterial
sistêmica (HAS) atinge mais frequentemente o homem até os 65 anos e, após esta
idade, a prevalência na mulher aumenta, possivelmente pela redução da atividade
heterogênica, o que aumenta a morbi-mortalidade por doença cardiovascular.
(DBHA, 2010).
Enfatizamos que as doenças crônicas exigem da pessoa, família e
profissionais de saúde condições especiais de tratamento que, na maioria das
vezes, é demorado e sofrido, visto que não objetiva a cura, mas está diretamente
relacionado à manutenção da qualidade de vida.
O tratamento das pessoas acometidas pelas doenças crônicas
geralmente requer alto custo hospitalar, pois envolve a investigação diagnóstica, a
terapêutica farmacológica, assim como a realização de exames sofisticados e
12
recursos tecnológicos avançados, que podem subsidiar a atuação da equipe
profissional, favorecendo maiores possibilidades terapêuticas que proporcionam a
recuperação do estado de saúde da pessoa.
E esse processo de cuidar geralmente inclui a hospitalização em um
ambiente que inspira, em muitas pessoas, a sensação de uma ameaça real ao
cotidiano de vida, possivelmente em decorrência da vinculação quase imediata às
ideias de doença, sofrimento e morte, que traduzem sentimentos de perda e
separação. (KLASSMANN et al., 2008).
A hospitalização ocasiona separação dos familiares, dos amigos, do
ambiente aconchegante do lar, rompendo com a rotina de vida da pessoa, que
muitas vezes se torna incapaz de compreender esta condição, dada a transformação
drástica do cotidiano. A opção de conduzir o tratamento no ambiente domiciliar, junto
à família, surge muitas vezes como estratégia mais adequada às necessidades
específicas de cada pessoa.
O cuidado domiciliário se apresenta como uma tendência para a recuperação
e a promoção da saúde. Entretanto, há registros do cuidado domiciliar desde o velho
testamento, quando as pessoas doentes eram tratadas em casa, frequentemente por
uma mulher-mãe, familiar ou pessoa da comunidade. (CHAVES, 2006).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) caracteriza a
assistência domiciliar por um conjunto de atividades de caráter ambulatorial,
programadas e continuadas, desenvolvidas no domicílio. É realizada com vistas à
promoção, manutenção e/ou restauração da saúde da pessoa dependente, com o
objetivo de favorecer sua independência e preservar sua autonomia. (BRASIL,
2006).
A assistência domiciliar (home care) é definida por Fabrício et al. (2004) como
um conjunto de procedimentos hospitalares possíveis de serem realizados na casa do
paciente, que abrange ações de saúde desenvolvidas por equipe multiprofissional. López-
Benito e Baydal (2005) definem essa assistência como o conjunto de tratamentos e
cuidados sanitários proporcionados no domicílio, de uma complexidade, intensidade e
duração comparáveis às oferecidas em um hospital convencional.
13
Trata-se de uma assistência que surgiu em resposta à individualização da
assistência prestada; aliada à possibilidade da pessoa dependente/família, para
manter maior controle sobre o processo de tomada de decisões relacionadas ao
cuidado; à consequente diminuição dos custos quando comparados domicílio e
hospital; redução dos riscos de infecção hospitalar; bem como ao maior
envolvimento da família no planejamento e execução dos cuidados necessários,
principalmente em doenças crônicas. (DUARTE; DIOGO, 2000).
Segundo Ceschini (2002), existem três formas de assistência domiciliária:
a preventiva, que busca evitar o adoecimento ou mesmo o agravamento de doenças
já existentes; a terapêutica, quando o tratamento é oferecido até receber alta
médica; e a paliativa, que proporciona tratamento para pessoas com patologias sem
perspectiva de cura, visando à qualidade de vida. Normalmente, a modalidade de
assistência terapêutica é a mais praticada, configurando uma importante estratégia
para que o cuidado no domicílio ocorra de forma confortável, segura e humana.
A assistência domiciliária surge como alternativa que beneficia
especialmente idosos com doenças incapacitantes e dependentes da ajuda de
cuidadores encarregados de seus cuidados básicos por longo tempo. Atualmente,
muitas instituições adotam esta modalidade de atenção à saúde para atender as
necessidades das pessoas em adoecimento crônico, em consonância com a
proposta da assistência domiciliar do tipo terapêutica.
Para tanto, caberá à equipe de saúde viabilizar um preparo adequado,
ainda durante a estadia hospitalar, para que a família possa dar continuidade à
terapêutica iniciada na internação, em seu domicílio, agregando aos procedimentos
técnicos adequadamente executados, todos os benefícios inerentes ao contexto
familiar em que os mesmos seriam realizados. (KLASSMANN et al., 2008).
A ampliação da atenção básica, implementada no Brasil pela Estratégia de
Saúde da Família (ESF), tem permitido aumentar a cobertura e facilitar ao acesso da
população aos serviços básicos de saúde. Essa ampliação exige a redefinição dos
serviços de atenção especializada, da atenção pré-hospitalar, de urgências e de novas
modalidades de atenção, como a domiciliar, assistidos por profissionais habilitados.
14
Encontramos o enfermeiro em todos os níveis de atenção à saúde: e
entendemos que ele tem um papel estratégico na promoção do cuidado à pessoa
com adoecimento cardiovascular, inclusive no domicílio, e por meio da avaliação
clínica diária poderá realizar o levantamento dos vários fenômenos, seja na
aparência externa ou na subjetividade da multidimensionalidade do ser humano.
Optamos pelo estudo do cuidado às mulheres cardiopatas, em seus
domicílios, junto às suas famílias, assistidas por um programa de cuidado
domiciliário institucionalizado, por considerarmos que o enfermeiro é capaz de
compreender a complexidade da mulher, em seus diversos papéis.
As mulheres que assumem dupla jornada de trabalho: nos seus empregos
e nas tarefas de casa, são mais habilidosas ao gerenciar conflitos, sofrem com as
tensões hormonais, se envolvem afetivamente nas relações interpessoais, muitas
vezes não correspondidas, assumem as responsabilidades familiares. Sua inserção
no contexto social, econômico e político exige multiplicidade de funções que
comprometem sua saúde. Essa forma intensiva de viver tem causado, nas mulheres,
o aumento da morbimortalidade. (DBPDCMC, 2008). Considerarmos a mulher como a
principal cuidadora das famílias brasileiras, e quando esta adoece, a família sofre uma
desestruturação em sua dinâmica familiar, refazendo o processo de cuidar
O propósito desta pesquisa foi estabelecer uma linha de estudo que
possibilitasse a análise do cuidado clínico de enfermagem domiciliar prestada pelo
Programa de Internação Domiciliar (PID) à mulher cardiopata, à luz da teoria do
cuidado humano de Jean Watson.
A questão norteadora foi: Como está sendo prestado o cuidado de
enfermagem nos domicílios às mulheres cardiopatas assistidas por um PID?
Justificamos o interesse da investigação pela relevância do estudo, frente à
promoção do cuidar, compreendendo a mulher cardiopata na amplitude de corpo,
mente e espírito, segundo Jean Watson (2008), em seu domicílio.
Missão ousada para o enfermeiro que, ao entrar nos domicílios das
mulheres, invade sua privacidade, e passa a conhecer sua família, seus hábitos e
costumes, podendo até interferir nas relações interpessoais.
15
Esperamos que os resultados deste estudo possam contribuir para o
maior do conhecimento sobre o tema, e para a elaboração de propostas que
viabilizem a implementação e consolidação do cuidado de enfermagem no PID,
promovendo qualidade de vida e bem-estar à mulher cardiopata, e estimulando a
equipe de saúde a embasar as ações de cuidado no referencial teórico, neste caso
de Jean Watson, sobretudo para a implementação do cuidado humanizado.
Entendemos que a utilização de um referencial teórico pelo enfermeiro
possibilitará ou mesmo facilitará a implementação do cuidado clínico de enfermagem
no domicílio. Pois, esta é considerada uma ferramenta da enfermagem para sua
consolidação como ciência que enfatiza o cuidado como a essência de sua prática,
tendo como foco central de seus esforços o resgate do cuidado humano na saúde,
na enfermidade e na morte.
A escolha pela teoria humanística de Jean Watson embasa a proposta do
cuidado clínico no domicílio, transcendendo o foco do adoecimento, nas dimensões
psíquico, emocional e espiritual, percebendo a necessidade de humanização das
ações de cuidado da mulher que passa por um longo período de adoecimento e
tratamento, sem perspectiva de cura.
Segundo Paganini (2000), a Enfermagem vem sendo construída,
especialmente nas três últimas décadas, à luz de uma base humanista de atenção, que
busca significado na existência do ser humano. É por meio do cuidado com a pessoa e
com a vida, sob um enfoque humano, que se dá a verdadeira identificação profissional,
pois a essência da enfermagem se constrói a partir da relação com o outro.
16
2 OBJETIVO
Analisar o cuidado clínico de enfermagem domiciliar à mulher cardiopata,
à luz da teoria de Watson.
17
3 REVISÃO DA LITERATURA
A revisão da literatura constitui quatro momentos: abordagem sobre o
cuidado de enfermagem, os aspectos históricos e conceituais do cuidado
domiciliário; o cuidado continuado no programa de internação domiciliar e a interface
com a Estratégia de Saúde da família e a teoria de Jean Watson.
3.1 CUIDADO DE ENFERMAGEM
A Enfermagem é uma profissão complexa e multifacetada, que se volta
para o cuidado da saúde dos seres humanos. O cuidado de Enfermagem é praticado
nos diversos cenários onde se encontram profissionais de enfermagem e pessoas
por eles cuidadas em situações de promoção, prevenção de doenças e recuperação
da saúde e reabilitação. (GARCIA; NÓBREGA; CARVALHO, 2004).
Florence Nightingale, considerada a fundadora da Enfermagem moderna
em todo o mundo, obteve projeção maior a partir de sua participação como voluntária
na Guerra da Criméia, em 1854, quando com 38 mulheres (irmãs anglicanas e
católicas) organizou um hospital de 4000 soldados internos, baixando a mortalidade
local de 40% para 2%. Recebeu um premio do governo inglês por este trabalho e
fundou a primeira escola de enfermagem no Hospital St. Thomas, em Londres.
Florence faleceu em 13 de agosto de 1910, aos 90 anos de idade, e ao longo deste
século, houve transformações na evolução da enfermagem como ciência. (PADILHA;
MANCIA, 2005).
Ao longo de 100 anos após a morte Florence Nightingale, ela tem sido
reverenciada por suas contribuições para o conhecimento, educação e práticas da
Enfermagem, bem como para as reformas da atenção à saúde. Ela foi pioneira na
aplicação da Epidemiologia e Estatística no campo do cuidado à saúde. No caso da
Estatística, considerava-a essencial para entender os problemas sociais e procurou
introduzir o estudo desse ramo do conhecimento para justificar suas conclusões no
campo da saúde, utilizando a ilustração gráfica para apresentar os resultados de
suas pesquisas (CARRARO, 2004), no sentido de promover melhor cuidado às
pessoas.
18
Segundo Waldow (2004), o cuidado originou-se do interesse,
preocupação e afeto, e é relacionado à enfermagem pela associação da mulher ao
maternar e educar, voltando-se para o crescimento do indivíduo.
O cuidado de enfermagem transcende a realização das técnicas,
justificada nos princípios científicos, compreendendo a pessoa enferma como ser
humano que apresenta necessidades físicas, psíquicas e espirituais; tornando-a
sujeito no processo saúde doença, ao preservá-la na sua singularidade,
integralidade e seu contexto de vida, de forma holística.
Para dar forma a esse modo de ser-agir, retomamos os aspectos
intrínsecos ao ser humano e à enfermagem como a solicitude, a sensibilidade, o
contato, a relação terapêutica, re-criando seus contornos com o traço marcante do
artista que se redescobre. (CRIVARO et al., 2007).
Houve mudanças na enfermagem, bem como nas políticas de saúde
pública. Teixeira e Nitschke (2008) reconhecem os avanços do setor saúde do
Brasil, mas há um grande desafio a enfrentar, ou seja, mudar o modelo de atenção à
saúde, que atualmente se caracteriza pelo predomínio da concepção do processo
saúde/doença, unicamente como fenômeno individual, centrado no corpo do
paciente/indivíduo, fundamentado na visão biomédica, reforçando o valor da doença
e não o doente, como objeto de trabalho dos serviços de saúde.
A enfermagem se depara com a necessidade de confrontar o modelo médico
hegemônico existente nas políticas de saúde, apoiado em novas práticas de cuidar,
novos saberes, a partir do pensamento crítico reflexivo que gera mudança de atitude.
Nova atitude traz mudanças de paradigmas, nova proposta no processo
de cuidar, é o cuidar com excelência. Chaves (2006) destaca ainda que estas
mudanças na qualidade da prestação de serviços exigem novas formas de atuação,
dentro de cada espaço de atenção e de novos processos de trabalho.
No exercício da clínica, o processo de trabalho do enfermeiro é traduzido
em atos de fala, escuta, onde o diagnóstico ganha a dimensão do cuidado. Foi
sendo, ao longo do tempo, substituída pelo ato prescritivo, a relação sumária entre
profissional e usuário. No processo de desenvolvimento e intervenção das ações em
19
saúde deve-se considerar que para a execução do trabalho torna-se necessário um
grau de tecnologia. (FRANCO et al., 2004).
Merhy (1999) definiu tecnologia como o conjunto de conhecimentos e
agires aplicados para a execução do trabalho, classificando as tecnologias existentes
no processo de trabalho em saúde em: leve, leve-duras e duras. As tecnologias duras
são definidas como os equipamentos utilizados para a realização do trabalho em
saúde, tradicionalmente reconhecidas pelos insumos e maquinarias; as leve-duras
são pautadas no conhecimento e no saber de cada sujeito que opera o processo de
trabalho como a comunicação social, epidemiologia, dentre outros; quanto às
tecnologias leves são aquelas relacionadas à interação dos diferentes sujeitos que
executam o trabalho como o acolhimento e o estabelecimento de vínculos.
Franco et al. (2004, p. 38) afirmam que o acolhimento é um atributo de
uma prática clínica realizada por qualquer trabalhador em saúde, e focá-lo
analiticamente é criar a possibilidade de pensar a micropolítica do processo de
trabalho e suas implicações no desenho de determinados modelos de atenção, ao
permitir pensar sobre os processos institucionais por onde “circulam” o trabalho vivo
em saúde, expondo o seu modo privado de agir a um debate público no interior do
coletivo dos trabalhadores, a partir de uma ótica usuário-centrada.
Nesse momento surgem as relações de escuta e responsabilizações
mútuas, o que gera a constituição de vínculos que porventura representariam o
controle do sofrimento, tido aqui como a doença em si e/ou a produção da saúde, a
busca de uma melhor qualidade de vida.
Quanto ao vínculo, Franco et al. (2004) definem como o estabelecimento
de referências dos usuários a uma dada equipe de trabalhadores em saúde, e a
responsabilização destes para com aqueles, no que se refere à produção do
cuidado. A organização dos processos de trabalho surge como a principal questão a
ser enfrentada para a mudança dos serviços de saúde, no sentido de colocá-los
operando de forma centrada no usuário e nas suas necessidades. (MERHY, 1999).
A proposta de mudar o modelo assistencial médico hegemônico, a partir
de uma inversão das tecnologias de cuidado a serem utilizadas na produção da
saúde e utilizar um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves e
20
leve-duras é a condição para que o serviço seja produtor do cuidado. A utilização
das tecnologias leves favorece a proximidade com o paciente, permitindo que a
equipe o conheça e o perceba em sua integralidade.
Para vencer os desafios de ter uma assistência integral à saúde, começa-se
pela reorganização dos processos de trabalho na rede básica e vai somando-se a todas
outras ações assistenciais, seguindo aquilo que nos dizem Cecílio e Merhy (2003, p. 56):
[...] uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa, vão compondo o que entendemos como cuidado em saúde. A maior ou menor integralidade da atenção recebida resulta, em boa medida, da forma como se articulam as práticas dos trabalhadores [...]
A integralidade começa pela organização dos processos de trabalho nos
quais a assistência deve ser multiprofissional e interdisciplinar, operando por meio
de diretrizes como a do acolhimento e vinculação de clientela, onde a equipe se
responsabiliza pelo seu cuidado. Este é exercido a partir dos diversos campos de
saberes e práticas, associados aos da vigilância à saúde e dos cuidados individuais,
procurando-se recuperar o valor que têm os atos assistenciais fundantes da clínica.
(MERHY, 1999).
Neste contexto, o cuidado domiciliar adquire uma importância na adoção
das tecnologias leve e leve-duras aplicadas em um ambiente que tem a
normatização e regulação própria dos serviços de saúde e do processo de trabalho
do enfermeiro.
Para Chaves (2006), é preciso repensar as possíveis estratégias no que
concerne ao cuidar/cuidado no domicílio, como recurso de promoção, prevenção,
tratamento e recuperação da saúde de nossa população.
Quanto às políticas de saúde, elas devem ir além das discussões
teóricas, sendo mais efetivas, levando-se em conta a situação particular de cada
pessoa, sua região e o seu contexto, assumindo uma postura ética, na promoção do
cuidado domiciliar.
As necessidades dos usuários exigem respostas por parte de
equipamentos de saúde que contemplem a oportunidade de conquistar boas
21
condições de vida, acesso às tecnologias que diminuam o sofrimento, prolongue a
vida e reconheçam as necessidades especiais dadas pela singularidade das
pessoas, criação de vínculo, autonomia e responsabilidade por parte de profissionais
e equipes cuidadoras. (CECÍLIO; MERHY, 2003).
Dentro do processo de trabalho do enfermeiro ele utiliza o processo de
enfermagem, que revela a especificidade e pressupõe uma série de ações
dinâmicas e interrelacionadas para sua realização, ou seja, indica a adoção de um
determinado método ou modo de fazer que sistematize a assistência de
enfermagem, fundamentada em um sistema de valores e crenças morais e no
conhecimento técnico-científico da área.
Garcia (2004) define o Processo de Enfermagem como um instrumento
tecnológico que favorece o cuidado, organiza as condições necessárias à realização do
cuidado e pode documentar a prática profissional, ou como um modelo metodológico
que nos possibilita identificar, compreender, descrever, explicar e/ou predizer as
necessidades humanas de indivíduos, famílias e coletividades, em face de eventos do
ciclo vital ou de problemas de saúde, reais ou potenciais, que determinam aspectos
dessas necessidades e exigem uma intervenção profissional de enfermagem.
Segundo Álvaro-Lefevre (2010), o processo de enfermagem é uma forma
sistemática e dinâmica de prestar os cuidados. Essencial a todas as abordagens, o
processo promove cuidado humanizado, dirigido a resultados (orientação dos
resultados) e de baixo custo. Impulsiona os enfermeiros a continuamente
examinarem o que estão fazendo e estudar em como poderiam fazê-lo melhor? Se
apresenta por cinco etapas: a coleta de dados, o diagnóstico de enfermagem, o
planejamento da assistência, a implantação da assistência e a avaliação da
assistência.
A promoção do cuidar, apoiada no processo de enfermagem, é
organizada para alcançar seu propósito e requer do enfermeiro interesse em
conhecer a pessoa, utilizando para isso seus conhecimentos e habilidades, além de
orientação e treinamento da equipe de enfermagem para implementação de ações
sistematizadas. (GARCIA; NÓBREGA, 2004).
22
O cuidado de enfermagem sistematizado utiliza as etapas do processo de
enfermagem e é aplicável em vários ambientes, entre as instituições prestadoras de
serviços de internação hospitalar, serviços ambulatoriais, escolas, associações
comunitárias, fábricas, domicílios, entre outros, sejam em situações clínicas ou
cirúrgicas que exijam a observação das necessidades humanas da clientela, e um
processo de tomada de decisão acerca do cuidado requerido, com avaliação
posterior dos resultados, que se obtém com a ação/intervenção profissional.
(GARCIA, 2004).
Percebemos a riqueza e entendemos a complexidade que é o cuidado de
enfermagem, ao assistir o ser humano, em sua integralidade e cientificidade,
inserido nos diversos cenários de prática.
3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO CUIDADO DOMICILIÁRIO
Historicamente os cuidados dos doentes eram sob responsabilidade das
mulheres, devido sua dedicação, sensibilidade e delicadeza, além a sua maior
permanência diária nos domicílios, realizando os afazeres domésticos. O advento da
revolução industrial contribuiu para rápidas transformações no mundo que culminaram
com a profissionalização do cuidado, nas instituições de saúde. (COSTA et al., 2009).
O pioneiro em cuidar no domicílio foi o Hospital de Boston, em 1780
implantou o home care. Ao longo dos tempos foram incorporadas as outras
profissões de saúde, e a Enfermagem se inseriu no ambiente hospitalar em meados
do século XIX, com as proposições de Florence Nightingale. (FABRÍCIO et al.,
2004).
Em 1863, Florence Nightingale já se referia à saúde como um estilo de
vida, e afirmou crescer a convicção de que em todos os hospitais, por melhor que
fosse a sua administração, perdiam-se vidas que poderiam ser poupadas. Ela
considerava ainda que mesmo as pessoas pobres, que recebessem boa assistência
médica, cirúrgica e de enfermagem, se recuperariam melhor na choça miserável em
que viviam, que no mais refinado ambiente hospitalar. (NIGHTINGALE, 2010).
23
Em 1885, com o aumento de trabalhos nessas perspectivas, houve
estabelecimento da primeira Associação de Enfermeiras Visitadoras (RICE, 2001).
Em 1947, o Hospital de Montefiori, em Nova York, introduziu conceitos de home care
como sendo uma extensão do atendimento hospitalar. (MENDES, 2001). O número
de serviços cresceu após a Segunda Guerra Mundial. Em contrapartida, as visitas
domiciliárias realizadas por médicos começaram a declinar, ressaltando os trabalhos
de enfermeiras visitadoras. (RICE, 2001).
Não há muitos registros formais sobre a história da assistência domiciliar
no Brasil; o que mais se encontra são depoimentos de pessoas que viveram ou
estão vivendo o desenvolvimento dessa modalidade. As primeiras atividades
domiciliárias desenvolvidas no Brasil aconteceram no século XX, mais precisamente
em 1919, com a criação do Serviço de Enfermeiras Visitadoras no Rio de Janeiro.
(MENDES, 2001).
Nos anos 1960, foi observada uma valorização do âmbito familiar e
comunitário, com espaço para atendimento de saúde, tendo ocorrido, no mesmo
ano, a implantação do programa pioneiro de assistência domiciliar do Hospital do
Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPESP). (ALBUQUERQUE, 2001).
A partir de então, foram surgindo outros serviços, privados e públicos, cada
qual se moldando às necessidades de sua clientela. O programa de assistência
domiciliar foi criado para atender basicamente pacientes com doenças crônicas que
pudessem ser acompanhados no domicílio, convalescentes que não necessitassem
de cuidados diários de médicos e enfermeiros, portadores de enfermidades que
exigiam repouso. Até dezembro de 1997, já haviam sido cadastrados, nestes serviços,
11.144 doentes, com predomínio dos diagnósticos de neoplasias, acidente vascular
cerebral, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes mellitus
e hipertensão arterial sistêmica. (MENDES, 2004).
A partir da década de 1990, surgiram várias implantações de serviços de
assistência domiciliar em prefeituras, hospitais públicos e privados, cooperativas
médicas, seguradoras de saúde, medicina de grupo, entre outros. Verifica-se que a
assistência domiciliar está sendo divida em três tipos: visita domiciliar, atendimento
domiciliar e internação domiciliar. (FABRÍCIO et al., 2004).
24
Visita domiciliar pode ser entendida como atendimento realizado por
profissional e/ou equipe de saúde na residência do cliente, com o objetivo de avaliar
as necessidades deste, de seus familiares e do ambiente onde vive, para
estabelecer um plano assistencial voltado à recuperação e/ou reabilitação. As visitas
são realizadas levando-se em consideração a necessidade do cliente e a
disponibilidade do serviço. São realizadas orientações às pessoas responsáveis pela
continuidade do cuidado no domicílio. (FABRÍCIO et al., 2004).
Por atendimento domiciliar, compreendem-se as atividades assistenciais
exercidas por profissionais e/ou equipe de saúde na residência do cliente, para
executar procedimentos mais complexos, que exigem formação técnica para tal.
Também são realizadas orientações aos responsáveis pelo cuidado no domicílio, e a
periodicidade do atendimento é realizada de acordo com a complexidade do cuidado
requerido. Internação domiciliar engloba atividades assistenciais especializadas,
exercidas por profissionais e/ou equipe de saúde na residência do cliente, com oferta
de recursos humanos, equipamentos, materiais e medicamentos, assemelhando-se
ao cuidado oferecido em ambiente hospitalar. (FABRÍCIO et al., 2004).
O cuidado domiciliário de enfermagem requer que o enfermeiro avalie de
modo integral e individual cada paciente, seu contexto familiar e social, bem como
as condições e infraestrutura física do domicílio. Assim pode identificar os problemas
e estabelecer metas, para assim adquirir informações específicas e necessárias
para diagnóstico e planejamento, e facilitar a relação enfermeiro-paciente, criando
uma oportunidade para o diálogo. Além de oferecer ao cliente informações que
auxiliem a determinação de áreas para a investigação específica, durante os outros
componentes do processo de elaboração do plano de cuidados.
3.3 O CUIDADO CONTINUADO NO PROGRAMA DE INTERNAÇÃO DOMICILIAR E
A INTERFACE COM A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
O Programa de Internação Domiciliar (PID), no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS), instituído pela portaria Nº 2.529, de 19 de outubro de 2006, do
Ministério da Saúde, é definido como o conjunto de atividades prestadas no
domicílio a pessoas clinicamente estáveis que exijam intensidade de cuidados acima
25
das modalidades ambulatoriais, mas que possam ser mantidas em casa, por equipe
exclusiva para este fim. (BRASIL, 2006).
Respondendo aos anseios das políticas de saúde públicas, o Programa
de Internação Domiciliar representa uma estratégia na reversão da atenção centrada
em hospital, propicia a construção de nova lógica de atenção, com enfoque na
promoção à saúde e prevenção da doença. Tem como meta a diminuição do grande
número de pacientes nos hospitais terciários e redução de gastos, aliviando a
carência de leitos hospitalares. Além de favorecer a pessoa em seus cuidados no
domicílio, ao conviver com seus familiares, e manter respeito sobre seus hábitos e
costumes, inserido na perspectiva da humanização do atendimento no domicílio.
Há critérios para selecionar os pacientes a serem assistidos no PID. O art.
8 da referida portaria estabelece prioridade de eleição para os seguintes grupos
populacionais: idosos; portadores de doenças crônico-degenerativas agudizadas;
portadores de patologias que necessitem de cuidados paliativos; e portadores de
incapacidade funcional, provisória ou permanente. Contudo, outras prioridades, além
das definidas, poderão ser estabelecidas localmente, segundo as necessidades dos
pacientes, bem como as condições domiciliares e institucionais inseridas no
contexto. (BRASIL, 2006).
O Art. 9 da portaria Nº 2.529/2006 define a exclusão de usuários, dada a
complexidade do modelo proposto com necessidade de ventilação mecânica, de
monitorização contínua, de enfermagem intensiva, com necessidade de
propedêutica complementar com demanda potencial de realização de vários
procedimentos diagnósticos, em sequência com urgência, em uso de medicação
complexa e com efeitos colaterais potencialmente graves, ou de difícil
administração, com necessidade de tratamento cirúrgico em caráter de urgência e
que não tenha cuidador contínuo identificado. (BRASIL, 2006).
A partir da alta hospitalar, torna-se fundamental que haja uma parceria
entre os profissionais dos hospitais, familiares e/ou cuidadores no domicílio,
integrando a atuação nesses dois espaços, de modo a permitir a continuidade da
assistência com maior efetividade das ações, diminuição das reinternações e, por
conseguinte, reduzindo custos na saúde que podem variar conforme o tipo de
26
patologia, tempo de internação hospitalar, gastos anteriores ao atendimento
domiciliário, total de gastos no domicílio, tempo que o paciente permanece no
período após a alta sem reinternações hospitalares, e das necessidades de
utilização de serviços de saúde. (BRASIL, 2006).
A internação domiciliar deve ser uma modalidade assistencial inserida nos
sistemas locais de saúde do SUS. A vinculação simultânea do usuário em hospital
de referência, da equipe de internação domiciliar, da equipe de atenção básica e do
Serviço de Assistência Médica e de Urgência (SAMU), na rede de proteção social,
composta pelos diversos mecanismos de garantia de proteção às pessoas em
situação de vulnerabilidade e risco social, é pertinente para a garantia do fluxo de
referência, para amalgamar esse conjunto de vínculos entre si. (BRASIL, 2006).
A proposta de Internação Domiciliar pode atuar como “costura” entre o
nível hospitalar e a atenção básica, fortalecendo o sistema e, particularmente, a
ESF. Para êxito nessa intenção, faz-se necessário reconhecer os limites das
competências e resolubilidades verificadas na atenção básica, na internação
domiciliar e na atenção hospitalar. Esses limites são estabelecidos pela
complexidade dos casos, da capacitação dos trabalhadores de saúde, de
capacidade de ação multiprofissional, do domínio de tecnologias e das
características dos processos de gestão dos cuidados. (BRASIL, 2006).
O estabelecimento de responsabilidade compartilhada entre níveis
distintos da rede de serviços de saúde torna-se imprescindível, a fim de garantir a
continuidade indispensável ao atendimento das necessidades de grupos
particularmente vulneráveis. Compartilhar responsabilidades entre equipamentos e
equipes faz sentido, por ser elemento constitutivo do conceito de estação na linha de
cuidados. Essa possibilidade ocupada pela internação domiciliar confere
integralidade no âmbito da rede de serviços, referente às pessoas portadoras de
incapacidade funcional em processos de adoecimento.
Portanto, o cuidado domiciliário tem o objetivo de assistir o indivíduo para
potencializar sua autonomia, preservar da dor, do sofrimento, do envelhecimento e
da morte precoce. A pretensão é de interagir, fazendo com que o indivíduo não
apenas supere as deficiências físico-biológicas, mas também que possa ser mais
saudável, compartilhar alegrias, ter disposição para a vida, recuperar e realizar
27
atividades cotidianas, estar com os outros (família, amigos) no sentido de romper o
isolamento social. (BRASIL, 2006).
Nesse eixo, além da dimensão cuidadora, a produção de autonomia para
o usuário tem importância singular, seja na inclusão social e seu reconhecimento
enquanto cidadão, seja sujeito do seu território, nos projetos individuais de ganho de
autonomia que são primordiais para superar um forte risco, relativo à transferência
pura e simples de uma situação semi-asilar do espaço hospitalar para o espaço
domiciliar. (BRASIL, 2006).
Assistência no domicílio pode ser considerada fundamental, pois os
trabalhadores da equipe de saúde encontram, no espaço domiciliar, uma
possibilidade privilegiada para o desenvolvimento do diálogo e a produção de
saberes, salientando que o eixo estruturante dos serviços da atenção básica,
especificamente o Estratégia de Saúde da Família, as ações educativas em saúde,
que podem ser desenvolvidas por meio do conhecimento construído na relação
trabalhadores/usuários dos serviços.
A ESF trabalha em uma nova lógica, com maior capacidade de ação para
atender às necessidades de saúde da população de sua área de abrangência, ao
prestar assistência contínua à comunidade, acompanhando integralmente a saúde
da criança, do adulto, da mulher, dos idosos, enfim, de todas as pessoas que vivem
no território sob sua responsabilidade. Cada ESF é composta, no mínimo, por um
médico generalista (com conhecimento de clínica geral), um enfermeiro, um auxiliar
de enfermagem e cinco agentes comunitários de saúde (BRASIL, 2000), portanto, a
colaboração com a ESF, é importante e necessária para a qualidade de vida da
pessoa que se encontra assistida pelo PID.
O Art. 4 da portaria Nº 2.529/2006, que regulamenta o cuidado domiciliar,
define que uma Equipe Multiprofissional de Internação Domiciliar esteja referida a
uma população mínima de 100.000 (cem mil) habitantes, portanto, o município que
tenha esse número de habitantes pode ser assistido pelo programa a partir da
solicitação do gestor municipal. (BRASIL, 2006).
O núcleo mínimo das equipes poderá ser constituído por médicos,
enfermeiros, auxiliares ou técnicos de enfermagem, que deverão apresentar
28
vinculação exclusiva com o programa. Outros profissionais poderão (e deverão) ser
inseridos da mesma forma ou em caráter de compartilhamento com outros
programas assistenciais, a critério do projeto loco regional. De certa forma, para que
se possa apresentar uma prática segura, faz-se necessário o estabelecimento de
uma equipe matricial de suporte com profissionais de serviço social, fisioterapia,
fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e nutrição. (BRASIL, 2006).
A capacitação da equipe deve considerar o deslocamento do ambiente
protegido (hospital, serviço de saúde) para o domicílio. Isso demanda um
processo especial, já que normalmente as tecnologias necessárias não são
abordadas nas escolas da área da saúde e podem ser desconhecidas pelas
equipes. (FABRÍCIO et al., 2004).
A dependência é a expressão da dificuldade ou incapacidade em realizar
uma atividade específica por causa de um problema de saúde, a existência de uma
incapacidade funcional determina a necessidade de um cuidador. É a pessoa que
oferece cuidados para suprir a incapacidade funcional, temporária ou definitiva.
Pode ser informal ou formal. A figura do cuidador já é assimilada, nos países
desenvolvidos, como um parceiro da equipe de saúde, mas isto não acontece no
Brasil. Na Inglaterra, estima-se que mais de seis milhões de pessoas sejam
cuidadoras de pessoas dependentes, em sua maioria idosos. (NÉRI, 2002).
Segundo Chaves (2006), “o cuidador é quem assume a responsabilidade
de cuidar, dar suporte ou assistir alguma necessidade da pessoa cuidada, visando à
melhoria de sua saúde.”
Portanto, compreende-se que o cuidador é um ator relevante para a
efetivação da atenção domiciliar e deve ser considerado um elemento importante na
articulação e no agenciamento de recursos e esforços para a consecução dos
projetos terapêuticos formulados. O desenho dessas intensidades deverá ser feito
pelos programas locais, guardadas as características e disponibilidades loco –
regionais. (BRASIL, 2006).
A promoção do cuidado se dá por meio do cuidador informal que, apesar
de não possuir formação específica, executa atividades do cuidado. Os quais seriam
os familiares, amigos, vizinhos, membros de igreja, grupo de voluntários ou outros
29
elementos da comunidade. Contudo necessitam de um conhecimento prévio acerca
da técnica ou mesmo das condições existentes da paciente, para promover
melhores condições de vida no adoecimento ou não, que ocorre por meio
contribuição do enfermeiro. (FABRÍCIO et al., 2004).
As condições e oportunidades socioeconômicas influenciam no
desenvolvimento cognitivo das pessoas, bem como na habilidade de apreensão de
novos conhecimentos. No contexto em questão, tal apreensão se dá na medida da
compreensão das orientações realizadas durante a hospitalização e no momento da
alta hospitalar. Mas, para isto, os profissionais de saúde precisam desenvolver
competência cultural para ouvir as narrativas dos clientes, lembrando que a narração
de um fato pode modificar a maneira de encará-lo e agir sobre a situação.
(WALDOW, 2004).
Deste modo, o cuidador domiciliar bem orientado passa a exercer uma
assistência à pessoa, respaldado em conhecimentos que permitem reduzir a sua
ansiedade, executar procedimentos com maior segurança e detectar intercorrências
de modo mais precoce, a fim de evitar agravos previsíveis e reinternações
desnecessárias.
Os conhecimentos importantes são repassados para o cuidador através
de um processo educativo-assistencial, que, segundo Klassmann et al. (2008), tem
como meta contribuir para a construção de uma condição de maior autonomia das
famílias para lidarem com o cuidado na doença crônica, permitindo-se, assim, um
retorno ao lar menos traumático e a continuidade da assistência.
O domicílio é o lugar mais adequado para as pessoas se recuperarem
das doenças com maior rapidez e comodidade, já que eles têm o apoio dos seus
entes queridos que lhes proveem cuidado, carinho e dedicação. (FABRÍCIO et al.,
2004). Portanto, a promoção do cuidado no domicilio não é um recorte da
internação: é delicado, devido o encontro real dos sujeitos em seu lar. Surge um
novo conceito para essa forma de cuidar em seu domicílio, próximo à sua família.
O significado de família pode ser entendido como pessoas aparentadas
que vivem, em geral na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos; grupo
de indivíduos que professam o mesmo credo, têm os mesmos interesses, a mesma
30
profissão, quando não são também do mesmo lugar de origem; grupo formado por
indivíduos que são ou se consideram consanguíneos uns em relação aos outros, ou
que descendem de um tronco ancestral comum ou que sejam ainda estranhos,
admitidos por adoção. (FONSECA, 2006).
O ambiente familiar é um cenário esperado para os pacientes,
principalmente sob o ponto de vista afetivo-social, visto que a família influencia o
processo saúde-doença dos indivíduos. Dessa forma, Gualda e Bergamasco (2004)
descrevem que a família é parte integrante de um ambiente sociocultural, em que
significados, valores, crenças, saberes e práticas são organizados e concebidos, e
ao mesmo tempo são partilhados. Essa abordagem se sobressai quando se tenta
compreender e analisar o processo saúde-doença, em qualquer sociedade;
comportamentos individuais, interações e estrutura social precisam ser colocados
em contexto cultural.
A família possui maneiras próprias de desenvolver o cuidado, pois possui
saberes individuais sobre saúde, doença, enfermidade. Esses saberes possuem
valores e crenças próprias de cada indivíduo ou grupo familiar que se remetem às
peculiaridades do contexto de vida. Associado a esta explicação está o sistema
informal de cuidado, em que a família é parte fundamental.
Pereira (2005) chama atenção sobre desospitalizar a pessoa, e não
hospitalizar a casa e a família do paciente. Os cenários são diferentes, mas o sujeito
é o mesmo, apesar do processo patológico instalado, agora ele está em sua casa. O
cuidado domiciliar envolve compreender que a família, a vida doméstica e a
comunitária não são isoladas, mas inseridas na dinâmica política e econômica da
sociedade como um todo.
Assim, os conflitos também devem ser abordados pelos trabalhadores da
saúde na sua prática ao fortalecer relações familiares, respeitar vínculos afetivos e
redes de solidariedade social específicas de cada local, como é apresentado na
abordagem sistêmica da família.
É importante a construção da cumplicidade entre os sujeitos desse
processo, contanto que cada um assuma seu papel na divisão de responsabilidades.
Essa parceria deve ser realizada utilizando uma comunicação clara, acessível e
31
individual para cada caso, de acordo com suas condições patológicas, psíquicas,
socioeconômicas e culturais.
Parte assim da premissa de que o cuidado deve ser entendido como uma
forma de viver, de ser e de se expressar, enquanto contribuição para o bem-estar e
para a promoção das potencialidades e da dignidade humana. (WALDOW, 2004).
Dessa forma a pessoa sente-se realmente inserida no contexto familiar e social, não
como um fardo, mas como um ente querido, que apresenta certa limitação, mas tem
seu papel enquanto cidadão e membro de sua família.
É essencial reconhecer que o núcleo familiar e o domicílio constituem, em
seu conjunto, o locus ideal à recuperação da saúde da pessoa portadora de uma
doença crônica. (SANTOS et al., 2006).
A família é importante e fundamental para o sucesso do tratamento da
pessoa com enfermidade, ao realizar práticas para o cuidado como banho,
alimentação e mudança de decúbito, dentre outros, sob a orientação do enfermeiro,
que possam viabilizar a alta domiciliar, diminuir a reinternação e o óbito.
3.4 A TEORIA DE JEAN WATSON
A Teoria do Cuidado Humano de Jean Watson está centrada no conceito
de cuidado e em pressupostos fenomenológicos existenciais, que traz o olhar para
além do corpo físico. É a abertura e atenção aos mistérios espirituais e dimensões
existenciais da vida e da morte; cuidado da sua própria alma e do ser que está
sendo cuidado. (WATSON 2007). A busca na interrelação de conceitos, demonstra
uma ciência humana própria da enfermagem, que evolui por meio da interação
enfermeiro e cliente, visando ao cuidado terapêutico.
Segundo Jean Watson, sua teoria, intitulada a ciência do cuidado
humano, pode ser classificada como fenomenológica existencial e espiritual, e tem o
propósito de relatar alguns dos conceitos filosóficos e problemas empíricos que
enfrentam a Enfermagem, almejando que possa auxiliar mais enfermeiros na busca
de investigações e esclarecimentos do processo do cuidado humano,
32
direcionando-os a manter o conceito de pessoa na ciência da Enfermagem. (WIILS,
2009).
Já em 1985, a referida teoria sofreu alterações por sua autora, bem como
na redefinição dos conceitos utilizados como base de seu trabalho, assim como
introduziu o paradigma do cuidado humano transpessoal na ciência do cuidado.
Este paradigma enfoca, segundo ela, o ideal moral, o significado da comunicação e
do contato intersubjetivo mediante a coparticipação do self como um todo.
(WATSON, 2008).
Considera o cuidado humano transpessoal como o contato dos mundos
subjetivos do enfermeiro e do cliente, o qual tem o potencial de ir além do
físico-material ou do mental-emocional, já que entra em contato e toca o mais alto
senso espiritual do self, da alma, do espírito. (FERRERO, 2009).
O cuidado humano transpessoal ocorre numa relação eu-tu, e este
contato é um processo que transforma, gera e potencializa o processo de heling. Os
valores humanos eram enfatizados por meio dos fatores de cuidado, na formação de
um sistema humanista-altruísta, na fé-esperança e no cultivo da sensibilidade ao
self, os quais eram empregados no cotidiano do processo de cuidar e se
estabeleciam nas relações de intersubjetividade. (WATSON, 2008).
O cuidado transpessoal com base na definição utilizada determina uma
atitude de respeito pelo sagrado, que é o outro, estando este ser conectado ao universo
e ao outro, sem divisões de espaço, tempo ou nacionalidades, o que Watson, a partir de
2005, chama em sua teoria de Caritas e Communitas. (WATSON, 2007).
Enquanto formulava suas ideias, Watson começava a estruturar um
arranjo de crenças e conceitos, e a organizar um corpo de conhecimentos e
princípios fundamentais do comportamento humano apresentado na saúde e na
doença. Mediante esse processo, foram formulados dez fatores curativos na
Enfermagem, considerados como centrais para o processo do cuidado que o
enfermeiro pode utilizar, com vistas a ajudar o cliente a conservar e alcançar a sua
saúde, ou mesmo, obter uma morte pacífica. (WATSON, 2008).
33
Watson identificou 10 (dez) fatores estruturais que compõem uma
estrutura básica para se estudar e entender a Enfermagem como a ciência do
cuidado, são eles: 1) A formação de um sistema de valores humanista-altruísta; 2) A
instilação de fé-esperança; 3) O cultivo da sensibilidade ao próprio ego e ao das
demais pessoas; 4) O desenvolvimento de uma relação de ajuda-confiança; 5) A
promoção e a aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos; 6) O
uso sistemático do método científico de solução de problemas para a tomada de
decisão; 7) A promoção do ensino-aprendizagem interpessoal; 8) A previsão de um
ambiente de apoio, proteção e/ou neutralização mental, física, sociocultural e
espiritual; 9) Assistência com a gratificação das necessidades humanas; 10) A
permissão de forças existenciais fenomenológicas. (WATSON, 2008).
É neste contexto de desenvolvimento que os fatores de cuidado,
inicialmente utilizados na teoria em apreço, são substituídos pelos elementos do
processo clinical caritas, e, ao expô-los, a autora amplia seus conceitos, inclui a
sacralidade do ser cuidado, a conexão do ser humano para um plano que extrapola
o concreto e visual, e a proposição do healing como reconsituição do ser.
(FERRERO, 2009).
Entende-se então que o processo clinical caritas aborda o outro com
delicadeza, sensibilidade, dá-lhe atenção especial e exercita uma atenção cuidadosa. É
o que autora diz ao modificar o conceito Carative para Caritas, onde pretendeu fazer
evocação ao amor e cuidado conectados com uma dimensão existencial espiritual e
com as experiências e processos da vida humana. (WATSON, 2007).
Construída sob a influência de Nightingale, esta teoria guia a educação, a
prática e a investigação clínica, baseada no cuidado como um ideal moral, permite o
espiritual, o transcendente, o todo, enquanto atende o ser e o fazer, totalmente
integrados, do humanista Carl Rogers, através da ênfase dada ao cuidado humano,
aos processos interpessoais e transpessoais, além dos conceitos psicológicos e
filosóficos de Goirgi, Johnson, Koch Henderson, Hall, Leininger, Hegel, Kierkegaard
e Gadow. Watson atribui sua ênfase às qualidades interpessoais e transpessoais de
congruência, empatia e emoção. A ênfase espiritual de sua teoria foi influenciada
pelos conceitos de Gadow sobre ideal, moral, intersubjetividade, dignidade humana.
(WIILS, 2009).
34
Segundo Watson (2008), cuidar é visto como ideal moral da enfermagem,
cuja característica fundamental é a preservação da dignidade humana,
compreendendo assim um valor humano que envolve o conhecimento, as ações e
os resultados do cuidado. Ressalta também que o cuidado humano está relacionado
ainda com a interação, com o autoconhecimento, com a resposta humana à saúde-
doença, conhecimento do processo de cuidar, das limitações de poder e transação
de alguém.
Na área da educação, Watson (1985) refere que um currículo direcionado
para o cuidar/cuidado, o qual é fundamentado nos princípios de uma educação
emancipatória ou libertadora na enfermagem, deve ser um compromisso político,
filosófico, ético e moral. Este compromisso envolve o risco de permitir o poder do
cuidado humano no ato educacional no atual sistema, que parece desvalorizar esta
qualidade. Watson chama atenção para o fato das situações educacionais e da
prática de enfermagem, desencorajarem a sensibilidade do enfermeiro, resultando
relações profissionais impessoais.
Para Watson (2008), o cuidado como um valor moral envolve o ensino de
uma ideologia de cuidado. O cuidar se desenvolve entre pessoas através de uma
experiência relacional que engloba responsabilidades, desvinculadas de obrigação.
O referencial teórico inclui um profundo respeito pelas maravilhas e
mistérios da vida, e o reconhecimento de que as dimensões espirituais e éticas são
os principais elementos do processo de cuidado humano. Propõe que o cuidado e o
amor são forças cósmicas, universais e misteriosas que compreendem a energia
psíquica primária e universal. Acredita-se que os profissionais de saúde fazem
contribuições sociais, morais e científicas para a humanidade. (WIILS, 2009).
Para que os enfermeiros possam desenvolver filosofias e sistemas de
valores humanistas, se faz necessário apresentar embasamento sólido em ciências
humanas, as quais lhes oferecerão uma consistente fundamentação à ciência do
cuidado. Desta maneira, os enfermeiros podem ampliar visões e perspectivas de
mundo ampliadas, passando a desenvolver habilidades na formação de
pensamentos críticos, os quais são necessários à ciência do cuidado, que apresenta
seu foco na prevenção e na promoção da saúde e não na cura da doença.
35
É marcante a influência de um sistema humanístico de valores que
sustenta a ciência do cuidado de Watson, tais como: admiração pela vida;
reconhecimento de uma dimensão espiritual e do poder interior; crescimento e
mudança; necessidade de elevada consideração e reverência pelo ser cuidado e
pela vida humana, associados à autonomia humana e a liberdade de escolha,
elevado valor humano das pessoas e do enfermeiro para compreender o processo
saúde doença; ênfase na ajuda para aquisição de autoconhecimento, autocontrole,
autocuidado. Denota-se a valorização do relacionamento enfermeiro-paciente e o
processo de cuidar. (FIALHO; PAGLIUCA; SOARES, 2003).
A enfermagem se caracteriza por cuidar e este é um imperativo ético e
moral justificado por uma relação transpessoal de cuidar, em um sistema de valores
humanísticos-altruísticos, no qual a pessoa/ser humano tem mente e emoções as
quais são as janelas para a alma. O ser humano é um todo e as pessoas necessitam
umas das outras numa relação de cuidado e amor. O corpo é sujeito, tempo e
espaço; a mente e o espírito não. A saúde é mais do que ausência de doença, é
uma experiência subjetiva – refere-se à unidade e harmonia da mente, corpo e
espírito, e é associada ao grau de congruência entre o self percebido e o self
experienciado. As pessoas são capazes de autocura, ou do processo de
autorreparação/restauração que estão inseridas no meio ambiente. (WATSON,
2008).
O contexto social e a subjetividade da pessoa são ferramentas
essenciais para que o enfermeiro compreenda a mulher, para assim traçar
estratégias para melhores condições de cuidar e viver.
36
4 PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo de caso múltiplo que consiste em uma
investigação empírica de um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos. (YIN, 2005). Optamos pelo estudo para melhor traduzir a
realidade vivenciada pelas diversas mulheres frente ao cuidado de enfermagem nos
domicílios.
A pesquisa foi realizada no domicílio das mulheres cardiopatas assistidas
por um PID, compreendendo-o como o lugar estratégico para prestar os cuidados de
enfermagem. Além de nos aproximarmos aos hábitos e costumes da vida desta e a
conhecer em sua essência.
O PID é um programa que se destina a prestar assistência em domicílio a
pacientes portadores de patologias crônicas ou mesmo agudas, em geral com
história de múltiplos internamentos, mas que após a alta hospitalar ainda necessitam
de uma monitorização clínica frequente, até seu possível encaminhamento
ambulatorial, orientando a sua reinserção no meio social e familiar. Contempla as
áreas de pneumologia e cardiologia de forma conjunta e presta um serviço
terceirizado a pacientes que preencham os critérios requeridos para admissão no
referido programa. (PID, 2008).
Criado em maio de 1996, o PID estudado, utiliza como filosofia a melhoria
na qualidade e na humanização do atendimento aos nossos pacientes, além de
apresentar uma interligação de uma equipe multiprofissional com toda uma realidade
social a baixos custos. (PID, 2008).
Sua missão é prestar assistência domiciliar a pacientes portadores de
patologias crônicas cardiológicas ou pneumológicas que preencham com rigor os
critérios de admissão estabelecidos, orientando e reinserindo o paciente no seu
meio familiar e social em estreita consonância com a estrutura de saúde do meio em
que vive. (PID, 2008).
O PID estudado assiste, por mês, cerca de 131 pacientes, destes 72 são
mulheres e 59 são homens. Dentre as mulheres, 51 possuem pneumopatias e 21
37
cardiopatias. Observa-se um incremento de 22,9% de agravos pulmonares, os quais
estão em consonância com a preocupação da Organização Mundial de Saúde – OMS
(2006), que, no Brasil, as estatísticas revelam que a prevalência de mulheres adultas
fumantes atinge onde 17,5% da população feminina maior de 15 anos de idade,
portanto o fumo é um fator de risco para o processo de adoecimento em mulheres.
As seis mulheres eleitas para o estudo apresentavam no mínimo dois
diagnósticos de doenças crônicas, como: hipertensão arterial sistêmica, insuficiência
cardíaca, diabetes mellitus, hipotireoidismo, fibrilação atrial (FA) e depressão. As
mulheres deprimidas utilizam a terapêutica farmacológica como uma das estratégias
da reversão nas situações de angústia, melancolia e tristeza que as mesmas
vivenciaram antes do adoecimento e permanecem até os dias de hoje.
As mulheres eleitas para o estudo, assistidas no Programa de Internação
Domiciliar, residem em domicílios com infraestrutura mínima aprovada pelo serviço
social, a partir de uma visita prévia, realizada durante o período de hospitalização da
paciente. Seus domicílios apresentam condições hidro elétrico-sanitárias básicas para
a promoção dos cuidados domiciliares a saúde das mulheres.
Embora essa visita não tenha um caráter reprovativo, faz-se necessário
conhecer a realidade domiciliar, a fim de traçar estratégias para melhor adaptação da
mulher ao retorno para sua casa, e com o estado de adoecimento, ao utilizar
estratégias de acolhimento e sensibilização da família para esse novo momento de
adaptação, no sentido de garantir condições efetivas de manter a promoção do
cuidado.
A faixa etária das mulheres estava entre 57 e 90 anos, apresentando uma
média etária de 77 anos. De acordo com a OMS, um idoso é uma pessoa com mais
de 60 anos, independentemente do sexo ou do estado de saúde aplicável, portanto
75% das mulheres cardiopatas assistidas pelo PID são idosas, portadoras de
diversas necessidades a serem assistidas por uma equipe interdisciplinar.
A equipe do PID é formada por quatro enfermeiros, quatro médicos; uma
nutricionista; uma fisioterapeuta; uma assistente social, que assume também a
coordenação técnica do serviço; uma psicóloga; dois farmacêuticos; um auxiliar de
laboratório; dois secretários; e três motoristas. Identificamos a ausência do auxiliar
38
ou técnico de enfermagem no programa, portanto a promoção do cuidado de
enfermagem é realizada exclusivamente pelo enfermeiro, o que favorece a
excelência na promoção do cuidar.
Para a promoção do cuidar, a equipe do PID conta com colaboradores; os
cuidadores. 84% das mulheres têm uma pessoa próxima em seu dia a dia com
quem mantém uma relação de confiança e cumplicidade. Apenas uma mulher não
tem cuidadora: cadeirante; ela cozinha, cuida de si e de sua casa.
A pessoa do cuidador é tão importante para a promoção do cuidar que,
semestralmente, o PID realiza um encontro, favorecendo um momento de interação
entre eles e socialização de informações pertinentes à promoção do cuidar, em
otimizar seu tempo e reduzir os custos.
O PID recebeu 30% das pessoas internadas no hospital, obedecendo aos
critérios exigidos pelo programa. Minimizou aproximadamente quatro vezes os
custos hospitalares, disponibilizando maior número de leitos. Além da redução dos
custos para a família, com medicações, transportes constantes para ir ao hospital,
especialmente no caso dos idosos. Apesar do programa não assumir os gastos com
alimentação, esporadicamente há doações de cestas básicas.
Optamos por estudar mulheres, devido às mudanças que as mesmas têm
sofrido durante anos, com o aumento do stress, sua inserção no mercado de
trabalho, assumindo uma dupla jornada; e sob ação dos hormônios naturais ou
artificiais, que interferem no aumento da morbimortalidade por doenças cardíacas
São assistidas pelo PID vinte e uma mulheres cardiopatas. Excluímos as
que tinham diagnóstico de doenças cardiopulmonares, para compreender o
significado para a mulher em ter uma doença cardíaca. Encontradas em um total de
dez (10), permanecendo onze mulheres, destas uma estava hospitalizada e duas
não aceitaram a participar da pesquisa. Outras duas mulheres não foram
selecionadas para participar do estudo por apresentar sequela de AVC, com
comprometimento da dicção e outra por apresentar diagnóstico de Alzheimer.
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A coleta de dados enfocou a aproximação com a equipe, a mulher e sua
família, essencialmente na pessoa do cuidador, buscando o envolvimento para
compreensão do cuidado prestado no domicílio.
Antes de realizar a coleta de dados, fizemos contato com a gestora do
PID para apresentar a proposta do estudo e receber uma autorização prévia, em
seguida encaminhamos o projeto para apreciação do comitê de ética no hospital
vinculado ao programa de internação domiciliar. Após a aprovação do comitê de
ética, iniciamos a coleta de dados no período de junho a setembro de 2010, nos
domicílios das mulheres selecionadas.
A coleta de dados seguiu por duas etapas: a primeira etapa consistiu a
investigação, momento em que conhecemos o PID, a dinâmica do serviço, o
cadastro dos usuários, com seus endereços e patologia; nesse momento pudemos
identificar as mulheres que gostaríamos de estudar. Em seguida acompanhamos a
próxima visita da cardiologista do PID. A segunda etapa da coleta de dados foi
marcada por um novo encontro, sem a equipe do PID, totalizando dois encontros
com cada uma das mulheres selecionadas em seus domicílios.
No primeiro encontro, nos apresentamos acompanhadas da equipe do
PID nas visitas domiciliares, com o objetivo de conhecer as mulheres, a equipe, a
dinâmica realizada pelos profissionais do PID e especialmente como acontecia a
promoção do cuidado. Nessa etapa procedeu a observação, o que possibilitou a
construção do diário de campo, no qual descrevíamos detalhadamente cada passo
da visita domiciliar.
Para a visita domiciliar, com a equipe do PID, encontramos os
prontuários separados pelo secretário do programa, de acordo com as mulheres que
seriam visitadas no dia. A farmacêutica disponibilizou a medicação conforme a
prescrição médica; uma reserva, de acordo com o cardápio do programa; e outros
medicamentos para as possíveis de intercorrências. Fomos ao domicílio das
mulheres com o carro da instituição. A equipe obedece a uma escala de trabalho
mensal e é formada pelo médico e enfermeira.
Ao adentrar nos domicílios das mulheres com a equipe, observávamos
como se procedia a dinâmica das visitas, em seguida nos apresentávamos e
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convidávamos a mulher a participar da pesquisa, caso aceitasse, solicitávamos
autorização por meio de sua assinatura ao termo de consentimento (APÊNDICE B),
esclarecíamos a todas sobre os aspectos éticos. Deixamos agendado o segundo
encontro, para realização da entrevista, conforme o (APÊNDICE A), na ausência da
equipe do PID.
Para esse momento encontramos muitas dificuldades, devido ao difícil
acesso aos domicílios, uma vez que todas as mulheres residiam em localidades na
periferia de Fortaleza, que apresentavam precárias condições de pavimentação e
grande exposição à marginalidade. Para nossa maior segurança contamos com a
colaboração do motorista do programa, que se disponibilizou para nos acompanhar.
Este momento foi para ouvir e conhecer a mulher, sua vida, seus anseios
e necessidades, sua dinâmica familiar e, sobretudo, de como se dava o processo de
cuidar. Também foram abordadas questões relativas à experiência de cuidado de
enfermagem no domicílio, com foco nas dificuldades e nas orientações recebidas
para subsidiar este cuidado.
Para isso, utilizamos um instrumento, contendo o roteiro de entrevista
semiestruturada (APÊNDICE A), composto de questões que permeavam os dez
fatores de cuidado que compõem uma estrutura básica da teoria Jean Watson.
Durante as visitas domiciliares as falas foram gravadas mediante o consentimento
escrito, utilizando um gravador para o registro e posterior transcrição literal.
A organização, interpretação e discussão dos achados foi possível a partir
dos dados obtidos através da observação e da entrevista semiestruturada, os dados
coletados foram organizados em seis categorias analíticas, descrevendo de forma
reflexiva as experiências de cada uma mulheres cardiopatas selecionadas, pelos
nomes fictícios de Lúcia, Cecília, Luiza, Suzana, Maria e Fátima; com o PID.
A teoria de Watson nos auxiliou na medida em que propõe fatores
fundamentais de cuidado que serviram de base para nossa atuação neste propósito.
Este referencial foi vivenciado por meio da aplicabilidade dos pressupostos da Teoria.
Considerando que os resultados dessa experiência não podem ser quantificados devido
a sua complexidade, buscamos transmiti-los com clareza, embora a subjetivação dos
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acontecimentos apreendidos e aqui narrados incluam necessariamente a representação
de uma realidade sobre os sentimentos das mulheres.
Apesar de Watson ter substituído os fatores de cuidado pelo processo
clinical caritas ou caritas processes em seu referencial teórico, optamos em utilizar
os fatores de cuidado para melhor entender e contextualizar o cuidado de
enfermagem na aproximação do cuidado transpessoal no domicílio da mulher
cardiopata, uma vez que estes foram considerados alicerces para reflexão teórica
sobre os achados.
Para melhor compreensão dos achados organizamos a apresentação em
dois momentos: o primeiro resgata os registros das observações do diário de campo
e das entrevistas, organizados em seis casos, que descrevem as vivências das
mulheres no PID, são descrições ricas em informações e sentimentos. No segundo
momento procuramos desenvolver uma análise reflexiva destas vivências permeada
pelos dez fatores estruturais, que compõem uma estrutura básica para se estudar e
entender a Enfermagem como a ciência do cuidado à luz da teoria de Jean Watson.
Esta pesquisa procurou respeitar a condição humana e os requisitos de
autonomia, na maleficência, justiça e equidade, dentre as outras exigências
explícitas na Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. (BRASIL, 1996). As
mulheres participantes foram orientadas sobre seu anonimato, sobre serem
utilizados nomes fictícios, informadas quanto aos critérios norteadores do estudo e
seus objetivos, e o direito de desistência a qualquer momento, mesmo após a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Messejana aprovou a
pesquisa sob o número de protocolo 726/10, possibilitando assim o início da coleta
de dados. A pesquisa foi autofinanciável, portanto todo o ônus financeiro ficou sob a
responsabilidade das pesquisadoras.
42
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Para melhor compreensão dos achados, os organizamos em dois
momentos: o primeiro descreve os registros das observações do diário de campo e
das entrevistas.No sentido de compreender os achados,organizamos em seis
categorias analíticas, descrevendo sobre as experiências das mulheres vivenciadas
no PID e o segundo momento refletimos sobre o cuidado clínico de enfermagem
domiciliar, segundo os dez fatores estruturais de Jean Watson.
Achamos necessário descrever as experiências ricas em informações e
sentimentos, em seguida realizamos a análise reflexiva das experiências vividas,
permeando os dez fatores estruturais que compõem uma estrutura básica para se
estudar e entender a Enfermagem como a ciência do cuidado, à luz da teoria de
Jean Watson.
5.1 DESCREVENDO AS EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES COM O PID
Caso 1 – Lúcia
Lúcia, 88 anos, portadora de Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC),
DM, HAS, casada, tem ensino fundamental completo, Católica, do lar. Mora com o
esposo idoso. Tem um filho divorciado que não se envolve com o tratamento da
mãe; sua filha mora vizinho, é bioquímica e trabalha em um laboratório de
referência, mas pouco se envolve com a condição de sua mãe e da equipe do PID.
É mantida financeiramente pela aposentadoria do esposo, com quem mantém uma
relação de cuidado recíproco. Recebe auxílio de uma cuidadora informal que
também realiza as tarefas caseiras diárias. Evolui com hemodinâmica estável,
obedece o horário da medicação, aceita dieta plena até o almoço; no transcorrer do
dia ingere derivados de leite, como: coalhada, mingau, dentre outros. Apresenta
sinais do envelhecimento, na lentidão da macha e fala. Ela sabe que tem um
problema cardíaco e que seus níveis pressóricos e glicêmicos são altos e suas
eliminações presentes.
“Minha casa é o meu lugar, perto da minha família, com as minhas coisas. Mesmo pobre, eu prefiro a minha casa que o hospital. Era só o que eu pedia a Deus, ir
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para casa, assistir a novela, me deitar na minha cama, comer a comida boa. E aqui com os meus que eu encontro a paz.” (Lúcia).
Encontra, em seu domicílio, a paz ao conviver com seus familiares em
seu habitat. Entendemos que, por mais simples que seja seu domicílio, é um local de
proteção, segurança, é o seu espaço no mundo, portanto, ela demonstra como é,
em sua essência.
É satisfeita com o programa porque recebe a medicação e a visita mensal
do médico, da enfermeira e da assistente social. Relata ter bom relacionamento com
a equipe. Diante das dificuldades e dúvidas com a promoção do cuidado, a
cuidadora telefona para a enfermeira do programa, que a esclarece, segundo as
necessidades de Lúcia.
Percebemos o sentimento de segurança da mesma mediante o apoio dos
profissionais do PID, não só na visita domiciliar, mas por meio da linha telefônica,
meio em que a equipe realiza o agendamento das visitas, a marcação de exames,
as solicitações frente às intercorrências hemodinâmicas e, sobretudo, a utilização
das práticas educativas.
Essa modalidade do PID contempla a proposta da linha do cuidado
proposta por Franco et al. (2004), caracterizando como um grande pacto que deve
ser realizado entre todos atores que controlam serviços e recursos assistenciais.
Neste caso, o trabalho é integrado e não partilhado, reunindo na cadeia produtiva do
cuidado um saber-fazer cada vez mais múltiplo.
Lúcia demonstra gratidão a Deus por fazer parte do PID, informa ser bem
cuidada por toda a equipe, se sente prestigiada e privilegiada ao receber, no seu
domicílio, uma assistência excelente qualidade, sem nenhum ônus, como
percebemos na sua fala a seguir:
“A enfermeira tira a minha pressão, dá meus remédios, as fitas da glicemia, as seringas da insulina, também pergunta se eu como direitinho, se meu intestino está funcionando, marca os meus exames. Eles são ótimos, não deixa faltar nada, me deram até um aparelho para fazer minha glicemia, a hora que eu quiser... é ótimo.’’
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A compreensão de cuidado por Lúcia é relacionada à aplicação de
técnicas, à disponibilização de material médico hospitalar e à terapêutica
medicamentosa. Ela não abordou sobre a necessidade de cuidado emocional e/ou
espiritual.
Nós enfermeiros devemos transcender a postura tecnicista e perceber o
indivíduo cuidado como ser humano enquanto mente, corpo e espírito. Esta atitude,
segundo Watson (2008), condiz com a lógica de aliarmos a competência
humanística à técnico-científica.
“A enfermeira e o doutor dizem pra ter cuidado, não comer com sal e nem açúcar; e o que eu como? Tudo tem sal e açúcar, e o que não tem, não tem gosto. Eu deixo de comer e fazer muitas coisas para viver mais.” (Lúcia).
As práticas educativas são essenciais para a manutenção do conforto e
bem-estar da mulher, até porque o enfermeiro passa a maior parte da visita
estabelecendo uma relação de diálogo de temas que são interessantes para sua vida.
Caso 2 – Cecília
Cecília, 69 anos, sequelada de AVC, ICC, HAS, divorciada, terminou o
ensino médio, católica, funcionária pública aposentada. Mora com sua sobrinha, com
quem possui muita afinidade. Esta assume o papel de cuidadora, é muito
comprometida com a recuperação da tia, oferecendo medicação e dieta nos horários
corretos. Cecília aceita a dieta e suas eliminações são presentes e frequentes.
A compreensão de Cecília sobre o estado atual de sua doença é
explicada na seguinte fala:
“[...] Meu coração é muito cheio de sangue e, por isso, aumentou a minha pressão, e eu tive um AVC, e agora eu estou assim, doente. Me sinto muito mal, fico cansada, dependente dos outros [...]”
Ela classifica o PID como bom, queixa-se de ser apenas uma visita
mensal, pois tem necessidade de ser visitada mais vez por mês, por se sentir
sozinha. Percebemos uma imensa tristeza em seu semblante, não sorri, perdeu a
relação espiritual com Deus, não consegue se envolver com um sistema de valores
humanista-altruísta na promoção do cuidado.
Externou certa mágoa com Deus, e disse ter consciência de que não é
mais a mesma pessoa desde que se separou do esposo. Passou a ser portadora de
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HAS e ICC, posteriormente sofreu um AVC, o que colaborou com sua instabilidade
de humor, tornando-a insegura e sem esperanças quanto a possibilidade de
reabilitação e, sobretudo, de ser feliz.
As experiências de sofrimento vividas por Cecília fizeram com que ela
perdesse a alegria em viver, transformando seu comportamento, tornando-a
introspectiva e receosa mediante as relações interpessoais, dificultando assim a
interação com a equipe do PID. Suas insatisfações e receios podem ser denotados
na fala de Cecília.
“O hospital me mandou para casa porque sai mais barato cuidar de mim em casa que no hospital, mesmo a gente pagando imposto... mandam morrer em casa, viver muito tempo pra que? Se a vida é uma droga [...]”.
A visão de cuidado no PID para Cecília traz a perspectiva abandono e
morte, a mesma associa ao adoecimento. Segundo Watson (2008), é necessário
que a enfermeira compreenda o significado que a pessoa dá à própria vida e/ou que
a auxilie a encontrar sentidos nos acontecimentos penosos. A fim de que isso seja
possível, ela mesma deve voltar-se para seu próprio interior e conhecer suas
indagações existenciais.
“Em minha vida, quando me separei, tudo deu errado, fiquei cada dia pior, até morrer; é só coisa ruim, eu sei que não tenho cura, e não tem quem me dê um coração. Eu estou cada vez pior. Eu tomo o remédio, mas parece que ele não presta, porque eu não melhoro. Tenho que me conformar, não serei mais feliz, tenho que me conformar, mas é tão difícil, fazer o que? Viver [...]”
Portanto, o enfermeiro deve ter um olhar criterioso sobre o estado
psicológico do ser cuidado, no sentido de colaborar com a manutenção e/ou resgate
do seu equilíbrio emocional, uma vez que interfere diretamente no seu estado físico.
“Eles vêm ligeiro, conta os remédios da gente, dá o que falta, quando tem; sempre falta um remédio, e a gente é que tem que comprar; tira a pressão; a gente é como uma doença; pergunta se está tudo bem, mas só por perguntar, não dá tempo ouvir a resposta ele já fala outro assunto.” (Cecília)
Cecília sente necessidade de ser melhor amparada pelo programa, diante
as ações de cuidar que são voltadas para as práticas e atendem parcialmente seus
sinais e sintomas, permitindo lacunas no que se trata das relações interpessoais e a
óptica psíquica-espiritual.
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Caso 3 – Luiza
Luiza, 72 anos, miocardiopatia dilatada (MCPD), insuficiência cardíaca
congestiva (ICC) e cifoescoliose, casada, alfabetizada, aposentada pelo Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), emagrecida, dependente de oxigênio, mãe de
três filhas. Suas filhas mostram-se dedicadas, amáveis e agradecidas e pelo amor e
dedicação materna incondicional pela família. Uma delas é sua cuidadora, bastante
esclarecida, cumpre as recomendações dietéticas e farmacológicas. Suas
eliminações são presentes.
Ela tem consciência que sua doença é crônica, sofreu muito ao enfrentar
meses de hospitalização. Antes de entrar no programa, o uso de oxigênio lhe
causou uma lesão na retina, comprometendo 94% de sua visão, o que lhe faz
permanecer maior tempo em seu domicílio.
Manifesta imensa alegria, gratidão a Deus por ter a oportunidade de estar
em seu domicílio e receber cuidados, tratamento, junto a sua família. Refere ser bem
assistida pelo serviço, uma vez que dispõe de consulta mensal, suprimento de
medicamentos, oxigênio, exames, orientações pelo telefone, destacando a gentileza,
amizade da equipe. Informa que todo mês recebe o médico e a enfermeira, como
expressa em sua fala:
‘’[...] ele passa os remédios e ela conversa das coisas do dia a dia, abraça a gente. Quando o remédio muda, ela ensina pra que serve, diz os horários, trazem o oxigênio... transmitem sentimentos agradáveis de alegria [...]”.
Encontramos em Luiza o perfil de uma mulher resiliente, que apesar de
tantos agravos sofridos, venceu limites estabelecidos e ainda suporta a difícil
convivência com o adoecimento e suas sequelas, mesmo assim demonstra
sentimentos de alegria, amizade e força de vontade em viver.
“Eu preciso da minha família, dos meus amigos do PID, mas eles também precisam de mim, dou conselhos, ensino as meninas (filhas) a resolver os problemas do dia a dia, escolho a mistura, separo as roupas, dou conta da limpeza da casa [...]” (Luiza)
“Na vida é assim: uns felizes, outros tristes, a gente acha melhor as coisas boas, mas também tem as ruins, e amadurece a gente... se tiver uma pessoa para contar fica melhor, a vida é assim mesmo [...]”.
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Percebemos a importância do convívio social para despertar na pessoa,
com adoecimento, uma vitalidade intrínseca. Para Luiza a manutenção de sua vida
se apóia na rede de relacionamentos com sua família, amigos, a equipe do PID e,
sobretudo, suas próprias experiências vivenciadas.
Caso 4 – Suzana
Suzana, 88 anos, sequelada de AVC, portadora de HAS, DM, Infarto
Agudo do Miocárdio (IAM), alfabetizada, do lar, informa não ter religião.
Considera-se ociosa e refere aumento de peso nas últimas consultas. Mora com a
filha, sua cuidadora, com a qual mantém uma relação interpessoal difícil, pois essa
pouco colabora com as práticas educativas repassadas pela equipe do PID.
Sobrevive com a aposentadoria de sua filha e ajuda da família e amigos. Não tem
uma dieta balanceada, relata episódios de constipação, sua medicação é guardada
em um cestinho pouco higienizado, na cozinha, para não se esquecer de tomar.
Acha o PID bom, mas fala com certa indiferença. Responde as perguntas
friamente, testa franzida, com um ar de desconfiança. Percebemos que não há
envolvimento afetivo nas relações com a equipe do PID e nem com sua filha, com a
qual mantém uma relação desgastada e conflituosa, traduzindo para si mesma e
para os outros.
Suzana não valoriza a visita domiciliar mensal e nem os profissionais que
a visitam, apesar de receber atenção dos mesmos e medicamentos necessários
para manutenção de sua hemodinâmica. Contudo ela necessita de compreensão,
respeito, dedicação, sentir-se amada e amar.
A face aborrecida demonstra descontentamento não só com PID, mas
com sua filha, por manifestar insatisfação ao ter que assumir a responsabilidade de
cuidar de sua mãe. Ela também reclama sobre a falta de medicação e diz que as
vezes tem que comprar.
Ela verbaliza uma revolta com Deus frente à situação de adoecimento,
demonstra angústia com a situação de vida atual, marcada de sofrimento e
desilusão com a vida. Sua fala tropeça em soluços e a face em lágrimas dizia:
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“Não posso comer nada com açúcar, não tenho alegria. Minha filha me trata como um nada. Dou despesa, sou uma velha doente que não sirvo para nada, atrapalho a vida dela (filha). Entra dia e noite e a vida piora cada vez mais [...]” (Suzana).
Há necessidade para Suzana de um acompanhamento psicológico, no
sentido de auxiliar a gerenciar esse conflito vivido e sofrido, pois seu estado é
preocupante. No PID, apesar da existência do psicólogo no serviço, não há
seguimento da assistência psicológica, não há psiquiatra no programa e não conta
com a parceria do Centro de Aperfeiçoamento Psico Social (CAPS).
Watson (2008) considera que um EU perturbado pode levar ao
desequilíbrio, e esta desarmonia pode resultar em patologia. O enfermeiro e o
indivíduo desenvolvem uma relação interpessoal, na qual cada um tem funções a
desempenhar. Ao enfermeiro cabe fornecer um ambiente de apoio, proteção, com
tomada de decisão científica. A pessoa enferma, por sua vez, terá suas
necessidades humanas satisfeitas por meio de experiências positivas que levarão às
mudanças no processo de ser saudável.
“Eu não aceito deixar a vida que eu tinha. Comia, passeava, namorava era feliz, agora sou velha, não aceito ficar velha, doente, ser desprezada pela minha filha, não tenho dinheiro [...]” (Suzana).
Percebemos uma lacuna na promoção do cuidado domiciliar ao nos
depararmos com situações de perturbação psicossocial, onde a única estratégia de
reversão é a terapêutica medicamentosa, quando, no entanto, sabemos que há
necessidade das relações de diálogo, companheirismo, solidariedade, sobretudo respeito.
Entendemos que a vivência de Suzana pode estar relacionada ao cuidado
restrito apenas à aplicação de técnicas, implementado por alguns enfermeiros que
perderam a essência de ser humano na promoção do cuidar. Percebemos uma
lacuna na promoção do cuidado domiciliar ao nos depararmos com situações de
perturbação psicossocial, onde a única estratégia de reversão é a terapêutica
medicamentosa. Sabemos que há necessidade das relações de diálogo,
companheirismo, solidariedade, respeito às individualidades e estímulo à formação
de um sistema de apoio social e familiar, podendo ser este o recomeço, no sentido
de reconstruir a nova proposta do processo de cuidar.
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Caso 5 – Maria
Maria, 90 anos, FA, HAS, visivelmente anêmica. Viúva, alfabetizada,
católica, do lar. Aceita dieta rica em ferro com rigor, na perspectiva de corrigir ou
amenizar o quadro anêmico. Encontra-se higienizada e perfumada.
“Dizem (os enfermeiros) que eu sou bonita e cheirosa e eu quero ficar sempre. Assim, eu sempre gostei de me arrumar para ir à missa com meu marido, sentar na calçada, ir visitar a família. Quando fiquei doente e velha pensei que era feio me arrumar, mas eu sou sempre limpa, eu gosto se eles me elogiam [...]” (Maria).
Refere seguir fielmente as orientações da equipe e seu estado é coerente
com sua determinação, evita a ingestão de sal por reconhecer que é prejudicial a
sua saúde. Tem consciência que compromete seu bem-estar, desta forma, colabora
com o processo de cuidar.
“Desde criança que aceito a vontade de Deus na minha vida, ele quer o melhor para mim, mas eu faço a minha parte. Eu não gosto muito de carne, mas a doutora disse que eu tenho que comer três vezes por semana: segunda, quarta e sexta. Sei que estou velha, mas eu não quero morrer, ainda quero ver meu neto se formar, [...] eu tomo meus remédios, e o meu neto que me dá porque eu me atrapalho, ele dá bem certinho.” (Maria)
Prioriza a convivência com sua família, fala pouco, tem marcha lenta,
deambula com auxílio, devido ao envelhecimento. De forma discreta, gerencia a
casa com sabedoria. Sinaliza sua espiritualidade, ao demonstrar seu amor e sua
gratidão por Deus, demonstrando prazer em rezar pela sua família e pelos demais.
“A vida me ensinou a cuidar dos meus e de mim, eu já sofri muito; rancor, e ódio, isso vem de um coração que não tem Deus, eu aprendi ver a Deus, principalmente, rezo pelos que me fazem o bem e para quem me faz mal [...] Todo dia eu rezo pela equipe do PID, eles me ajudam muito, eu confio neles e em Deus. O que eu preciso, eles me ajudam, sou muito agradecida por tudo que eles fazem por mim e pelos outros.” (Maria)
Ela é muito doce, agradável, gentil e educada, apresenta um sorriso
discreto e presente em todos os momentos. Sua maturidade reflete uma face
tranqüila. Apesar dos problemas financeiros que eles enfrentam, ela recebe a
aposentadoria de seu esposo, e sua filha trabalha de modo informal.
Mora com a filha e o neto. Este se dedica, como cuidador, apresenta fácil
diálogo e entendimento em relação às práticas educativas realizadas pelos
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enfermeiros nas visitas domiciliares, é comprometido com o tratamento de sua avó e
seu bem-estar, oferece a medicação nos horários estabelecidos, além de ser bastante
afetuoso.
Classifica o programa como excelente. Externa sua satisfação em fazer
parte do PID.
“Todos são ótimos, muito atenciosos, eles vem na minha casa cuidar de mim [...] mas a enfermeira é tão atensiosa, me trata tão bem, se preocupa comigo e com a minha família, pergunta como eu estou, me abençoa [...]” (Maria)
Sente-se bem cuidada pela equipe, por isso os recebe com alegria.
Afirma ter muita fé em Deus, e relata que se não fosse por Ele não estaria nem viva.
Emociona-se ao associar o PID com um presente de Deus, caso contrário, já teria
falecido devido à dificuldade de caminhar e adquirir remédios caros.
Caso 6 – Fátima
Fátima, 57 anos, MCP isquêmica, portadora de DM e HAS; separada,
completou ensino fundamental, evangélica, aposentada por invalidez. É cadeirante,
devido à amputação do MMII. Não tem cuidador, mora com um filho que trabalha
com eventos, portanto passa muito tempo sozinha. Ela mesmo cozinha, lava e
passa. Revela que o vizinho da casa de frente, que mora nos altos, olha para sua
casa, e quando há necessidade ela lhe telefona e obtém ajuda.
Demonstra e refere ser deprimida frente à situação de abandono de sua
família e do namorado, informa que se sente mal com a exclusão social em que vive.
Assim, perdeu a sensibilidade ao próprio ego, encontra-se emagrecida, desidratada,
cabelos desarrumados, emaranhados, mal presos, usa roupas encardidas, unhas
sujas e grandes, encontra-se mal cuidada, diz esquecer de tomar a medicação.
Apesar de receber e dizer que cumpre as orientações do enfermeiro, ela
informa que sua glicemia é sempre alta. Mesmo sendo orientada passa o dia sem se
alimentar, apenas tomando leite. Percebe-se que Fátima não cumpre as
recomendações prestadas e falta com a veracidade dos fatos, pois não há
recomendações para o uso exclusivo de leite em sua dieta. Queixa-se de profunda
angústia devido à solidão que lhe acompanha. Suas eliminações são normais.
“Eles ajudam, conversam, explicam [...] eu falo eles escutam. Me ensinaram a fazer glicemia, aplicar a insulina. Diz que eu preciso de um cuidador, para fazer
51
uma comidinha diferente, limpar a casa, fazer as coisas para mim [...] mas eu não tenho ninguém [...]” (Fátima).
O contexto domiciliar abrange fatores econômicos, sociais e afetivos da
família; os recursos de que ela dispõe, tanto materiais quanto humanos; a rede social
de apoio; Lacerda, Oliniski e Giacomozzi (2004). O enfermeiro que faz a visita domiciliar
deve intervir no contexto social, no sentido de articular uma estratégia de, com a rede
de apoio social, regatar a psique da pessoa que se encontra em sofrimento.
Fátima tem um sentimento de expiação de pecados e associa seu
adoecimento a um castigo de DEUS, tornando-se mais escrava da situação atual.
Informa que a equipe é legal, e é formada pelo médico e pelo enfermeiro.
Reconhece o programa como muito bom. Relata que a equipe vem uma vez por
mês, traz a medicação e as fitas para realizar glicemia.
“[...] a equipe é ótima... só não saio dessa angústia. Deus tem razão de me castigar, cometi muitos pecados, prejudiquei muitas pessoas e essa doença é um castigo que vai me destruir até morrer.” (Fátima).
Ela ressignificou a doença como uma maldição em sua vida, dessa
forma percebemos que seu estado depressivo perturba sua vida, comprometendo
seu estado físico e afastando as pessoas do seu convívio, o que a torna cada vez
mais isolada, e forma um ciclo opressor.
52
6 REFLETINDO O CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM DOMICI LIAR
SEGUNDO OS DEZ FATOTES ESTRUTURAIS DE JEAN WATSON
Utilizamos os dez fatores estruturais que compõem uma estrutura básica
para se estudar e entender a Enfermagem, segundo Watson (2008), como
referencial teórico para refletir acerca do cuidado de enfermagem prestado nos
domicílios das mulheres cardiopatas do PID, são eles: 1) A formação de um sistema
de valores humanista-altruísta; 2) A instilação de fé-esperança; 3) O cultivo da
sensibilidade ao próprio ego e ao das demais pessoas; 4) O desenvolvimento de
uma relação de ajuda-confiança; 5) A promoção e a aceitação da expressão de
sentimentos positivos e negativos; 6) O uso sistemático do método científico de
solução de problemas para a tomada de decisão; 7) A promoção do
ensino-aprendizagem interpessoal; 8) A previsão de um ambiente de apoio, proteção
e/ou neutralização mental, física, sociocultural e espiritual; 9) A assistência, com a
gratificação das necessidades humanas; 10) A permissão de forças existenciais
fenomenológicas. (WATSON, 2008).
6.1 A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA DE VALORES HUMANISTA-ALTRUÍSTA
A formação de um sistema de valores humanista-altruísta proposto por
Watson é baseado em uma relação de bondade, amizade, respeito, e propõe a
construção do cuidar de forma ampliada, assistindo mente, corpo e espírito.
(WATSON, 2008). Entretanto, ocorreram diferentes percepções das mulheres
referentes a este primeiro fator de cuidado.
Lúcia e Suzana perceberam que a promoção do cuidado de enfermagem
se dá com a valorização, o adoecimento e a aplicação de técnicas, dissociado do
contexto do cuidado humanizado, centrado na pessoa.
A compreensão do cuidado sentido por Lúcia se dá a partir da formação
de um sistema de valores humanista-altruísta, que relaciona a prestação do cuidado
centrado na pessoa dos profissionais de saúde, principalmente do médico. Essa
visão se baseia no modelo médico hegemônico, onde o foco é o adoecimento. Este
modelo se desenvolveu a partir do “Relatório Flexner”, que analisou o ensino médico
53
nos Estados Unidos da América (EUA), em 1910. A clínica flexneriana se tornou
hegemônica, influenciando a modelagem dos serviços de saúde, que passaram a
operar por processos de trabalho centrados no saber e na pessoa do médico.
(FRANCO; MERHY, 1999).
Entendemos que o cuidado de enfermagem deve ser inserido, nesse
contexto, com a valorização do ser humano, e com a utilização de tecnologias leves,
apoiado no acolhimento e no respeito à dignidade humana e uso de tecnologias
leve-duras sustentadas, não por protocolos, nem por normas e rotinas estabelecidas
para o cuidado na internação domiciliar, mas por princípios que orientam os
profissionais, os cuidadores e a família para a atenção na internação domiciliar. As
tecnologias duras também contribuem com a disponibilidade dos recursos
tecnológicos.
Cecília e Fátima não se envolveram com a proposta do cuidado, proposto
pela equipe do PID, enquanto que Luiza valoriza a Deus e sua família como
principais agentes do cuidar, ela demonstra sentimentos de gratidão pelas relações
interpessoais com a equipe do PID e pela promoção do cuidado. Apenas Maria
relatou sobre a afetividade demonstrada com a promoção do cuidar, principalmente
pelo enfermeiro.
Portanto, percebemos que, de acordo com o momento que se está
vivenciando, a compreensão do cuidado é relativa, mas foi o enfermeiro o
profissional citado pelas mulheres do estudo que mais se aproximou da proposta do
cuidado transpessoal de Jean Watson.
O enfermeiro deve entender o estado vivenciado pela mulher, no sentido
de promover um ambiente tranquilo e agradável, que deve o ser fundamentado na
formação de um sistema de valores humanista-altruísta, ao incentivar as relações
afetivas, demonstrando respeito, prazer, compreensão e, sobretudo, colaboração
nos processos de cuidar.
6.2 A INSTILAÇÃO DE FÉ-ESPERANÇA
Quanto ao sistema fé-esperança, Maria informa que sua fé foi construída
desde criança, em sua criação familiar, por sua mãe, e é alimentada por alguns
54
profissionais da equipe do PID. Ela demonstra fé-esperança e diz esperar que Deus lhe
dê muitos anos de vida. Reconhece que já viveu muitos anos, mas não quer morrer. Diz
fazer tudo o que os doutores recomendam, mesmo indo contra seu gosto.
Entendemos que a fé molda esse comportamento altruísta, que pode ser
não só estimulado, mas também sistematizado na autêntica estruturação do
cuidado, referindo-se à enfermeira, que apesar de pouco tempo de visita, tem
sempre uma palavra de conforto, fé e esperança.
Já no caso de Cecília, as vivências de perdas e sofrimento
desenvolveram um sentimento de rejeição, passou a sentir-se excluída por Deus,
perdeu a fé e a esperança do recomeço, está resignada ao sofrimento, aprendeu a
conviver com uma profunda angústia.
Todas as mulheres percebem Deus como um ser dotado de poder. Para
Fátima e Suzana, um juiz. Percebe-se que a proximidade de Deus, torna as demais
confiantes e esperançosas para um novo momento, um momento melhor, consigo
com a equipe e família.
Percebemos que a espiritualidade de cada uma das mulheres reflete
sobre a sua qualidade de vida, consigo, com a equipe do PID e sua família. Pois,
observamos que as mulheres que cultivaram sua fé e mantiveram sua
espiritualidade enfrentaram melhor o seu estado de saúde, seu tratamento,
especialmente o sofrimento sofrido decorrente do adoecimento, passando a
construir relações interpessoais flexíveis, e com a colaboração da família passaram
a aceitar melhor a situação de doença crônica atual.
A instilação de esperança e fé sustentam um sistema de crenças, que
exige um olhar subjetivo do enfermeiro para as mulheres. Percebe-se que só há
estímulo sobre espiritualidade se a mesma sinalizar sua crença, caso contrário, o
enfermeiro do PID não se preocupa com esse lado, mesmo naquelas pessoas que
se encontram em estado depressivo.
O enfermeiro mantém uma postura expectante, reage à espiritualidade
segundo a crença de cada um, não há tomada de iniciativa em associar o espírito
com o corpo e a mente. Ele e outros profissionais da saúde devem valorizar o
55
importante papel da fé-esperança no cuidado e no processo de cura. Para Silva
(2002), os efeitos terapêuticos da fé-esperança têm sido documentados através da
história e têm, tradicionalmente, sido importantes no tratamento para aliviar os
sintomas da doença.
Para Watson (2005), o relacionamento de atendimento transpessoal tem
conotação de uma conexão unitária espírito para espírito, dentro de um momento de
cuidado, honrando o espírito incorporado do profissional e do paciente, dentro de um
campo unitário de conscientização.
Dessa forma, para que o processo de cuidar seja efetivo, se faz
necessário um real envolvimento da mulher com a equipe do PID. Neste caso, do
enfermeiro, utilizam estratégias eficazes, como os momentos de convivência, para
conhecer melhor a necessidade da mulher, seja física, psicológica ou espiritual, com
o objetivo de supri-la em suas necessidades e atenuar seu sofrimento.
6.3 O CULTIVO DA SENSIBILIDADE AO PRÓPRIO EGO E AO DAS DEMAIS
PESSOAS
Para Watson (2008), o eu é o conceito da ciência do cuidado humano é
compreendido como uma Gestalt conceitual organizada, composta de percepções
de características do “eu” e percepções do relacionamento do “eu” com os outros e
vários aspectos da vida.
Maria cultiva a sensibilidade ao próprio ego e ao das demais pessoas, ao
recepcionar a equipe com sorriso inocente, arrumada, sentada em uma cadeira de
balanço com vestidos de algodão, com bordados próprios do Ceará; usa um discreto
batom de cor clara, porém brilhante, cabelos curtos, limpos e penteados, pele
hidratada, com um terço nas mãos, chinelos confortáveis, pés apoiados em um
banquinho para descansar as pernas, esperando a visita agendada pela equipe do
PID, com alegria. Ela colabora o mês inteiro, realizando sua parte para a promoção
do cuidado, para ouvir, que ela está melhor e mais bonita, pois essas palavras
cultivam seu ego e a impulsiona a viver melhor mais um dia.
56
Watson (2008) propõe o cultivo da sensibilidade para com o outro e para
si, torna a cultura de uma de práticas espirituais e transpessoais, indo além ego.
Somente Maria demonstrou a vaidade de ser mulher, entretanto alguns dos
enfermeiros do PID compreendem que, apesar do adoecimento e ou
envelhecimento, elas são humanas e mulheres.
Percebe-se que Luiza, apesar da situação de adoecimento e sequelas,
consegue ir além do cultivo da sensibilidade ao próprio ego e ao das demais
pessoas. Sente-se necessária, bem como demonstra ter necessidade da família,
amigos e da equipe do PID.
Quatro das seis mulheres entrevistadas demonstram o cultivo da
sensibilidade ao próprio ego e ao das demais pessoas, fortalecendo assim uma
relação de ajuda-confiança, Fátima se angustia exatamente por não conseguir cultivar
sensibilidade ao próprio ego e Cecília que não consegue e nem permite a
colaboração de outros para cultivar sensibilidade ao próprio ego e das demais
pessoas.
6.4 O DESENVOLVIMENTO DE UMA RELAÇÃO DE AJUDA-CONFIANÇA
No caso de Cecília, podemos denotar o desconforto da clínica do objeto;
ao externar sua indignação em ser tratada friamente. Apesar do seu
descontentamento, não há mudança no processo de cuidar e não há melhora do seu
estado físico e psicológico, uma vez que estão interligados; se faz necessário
repensar o modelo existente e reconstruir uma nova proposta de cuidar.
Maria agradece a Deus pelo PID, sua família sinaliza o desenvolvimento
de uma relação de ajuda-confiança, colaborando com a melhora do seu estado de
saúde e, consequentemente, a assistência do PID. O desenvolvimento de uma
relação de ajuda-confiança é real na vida de Luiza, dado o forte apoio familiar
vivenciado junto das filhas e do esposo, que sempre estão ao seu lado, seja no seu
estado de saúde ou de doença, facilitando o trabalho da equipe do PID, fortalecendo
a relação de ajuda-confiança que deve ser apoiado nas relações de respeito,
resgate da dignidade do ser humano e essencialmente nas relações de diálogo.
57
As práticas educativas utilizadas pelos enfermeiros do PID, no domicílio,
através das visitas domiciliares ou utilizando a linha telefônica, colabora com a
mulher, o cuidador e a família, proporcionando melhorar a qualidade de vida, a partir
do desenvolvimento de uma relação de ajuda-confiança.
Para Watson (2008), alguns conceitos do meta paradigma fazem parte do
entendimento da ciência do cuidado humano, resgatamos três imprescindíveis
como: compreender o ser humano, como uma pessoa de valor a ser atendida,
respeitada, nutrida, entendida e auxiliada, saúde, sendo unidade e harmonia dentro
da mente, corpo e alma; a saúde que está associada com o grau de congruência
entre o eu percebido; e o eu vivenciado. A enfermagem é compreendida como uma
ciência humana das pessoas e das experiências de saúde/doença que são
mediadas por transações profissionais, pessoais, científicas, estéticas e éticas do
atendimento humano.
As mulheres participantes da pesquisa mantém a relação de ajuda e
confiança em seu cuidador e/ou em sua família, no caso de Fátima, ela confia no
seu vizinho, enquanto que a equipe PID é percebida como um colaborador no
processo de cuidar, uma espécie de provedor que supre a terapêutica
medicamentosa e o material médico hospitalar, demonstrando pouco envolvimento
afetivo espiritual.
O enfermeiro deve interpretar as reações e sentimentos sob a ótica
proposta por Watson, como um fator de cuidado direcionado ao cuidador e ao ser
cuidado, transformando-os em seres únicos, possibilitando uma visão do todo, não
para generalizar uma inovação nas práticas de enfermagem, mas para fortalecer a
humanização das relações em considerá-lo como um ser único e especial.
Jean Watson (2008) sinaliza a empatia, a congruência e o calor humano
como características essenciais para alcançar uma relação de ajuda-confiança. E
para verificar a importância dessas características na qualidade do cuidado, o
enfermeiro do PID deveria manter uma relação apoiada na veracidade dos fatos, no
desenvolvimento de situações favoráveis para alcançar sintonia com a mulher e/ou
cuidadora, por meio da comunicação clara, e da utilização do toque afetivo como
demonstração de carinho e dedicação, utilizando ainda o tom de voz adequado,
58
através de uma conversa informal, explicando de forma clara e compreensível os
procedimentos e condutas a serem realizadas através de uma comunicação clara.
A comunicação é capaz de estabelecer um relacionamento de
ajuda-confiança, e foi apontada por Watson (2008) como um dos melhores
instrumentos utilizados pela enfermeira para garantir uma relação harmônica e
cuidadosa. Portanto, é necessário ouvir para conhecer e depois intervir.
6.5 A PROMOÇÃO E A ACEITAÇÃO DA EXPRESSÃO DE SENTIMENTOS
POSITIVOS E NEGATIVOS
O processo natural da vida intercala o seu percurso em situações
agradáveis e desagradáveis, as quais produzem alegrias e maturidade. Luiza diz
que tem que aceitar sentimentos positivos e negativos, uma vez que é comum a
todo ser humano e faz parte da vida.
Para Maria, há promoção e aceitação de ambos os sentimentos, sua
maturidade humana é decorrente de experiências adquiridas com seus anos vividos
e/ou a docilidade do seu coração. Utiliza estratégias que colaboram diretamente com
seu bem-estar físico e psicológico, com ela e os outros.
No caso de Cecília, não há promoção e a aceitação da expressão de
sentimentos positivos, apenas os negativos, assim como Fátima. Os sentimentos
positivos a motivam para avançar na luta, vencendo os limites causados pela
doença e os negativos estão presentes de forma intensa, em muitos momentos,
causando tristeza, melancolia. Suzana expressava ambiguidade de sentimentos que
demonstram certa instabilidade de humor, bem como sentimentos de medo e
angústia em seu dia a dia.
A gentileza, docilidade, frieza, alegria, depressão, tristeza, dificuldades de
relacionamento com a família foram encontrados nas relações humanas no
ambiente domiciliar. Nenhuma das mulheres demonstrou preocupação com seu
estado, suas preocupações são voltadas sempre aos outros, portanto, o enfermeiro
deve interpretar as reações e sentimentos sob a ótica proposta por Watson, como
um fator de cuidado direcionado também ao cuidador. Suzana demonstra
preocupação com sua filha, apesar de lutar contra seus sentimentos.
59
Watson (1985) propõe a promoção e a aceitação de sentimentos
positivos, e que os negativos sejam exteriorizados como medida terapêutica para o
cuidar, a fim de melhorar a comunicação entre as pessoas. Refere-se à abertura,
com a enfermagem, apoiada no diálogo, no reconhecimento do enfermeiro e da
aceitação desses sentimentos em si e nos outros.
O enfermeiro deveria articular com essas mulheres sobre a aceitação da
expressão de seus sentimentos positivos e negativos, contudo há necessidade de
enfrentá-los, sustentados pela rede de apoio, com Deus, família, a equipe PID,
dentre outros.
6.6 O USO SISTEMÁTICO DO MÉTODO CIENTÍFICO DE SOLUÇÃO DE
PROBLEMAS PARA A TOMADA DE DECISÃO
Para a promoção do cuidado, não há o uso sistemático do método
científico de solução de problemas para a tomada de decisão, pois ao observarmos
os enfermeiros, identificamos que eles utilizam um instrumento para levantamento
de dados, construído com perguntas semiestruturadas que abordam algumas das
necessidades humanas básicas, porém o cuidado de enfermagem se apóia no
referencial teórico de Wanda Horta, que promove o cuidado de acordo com as
necessidades humanas básicas.
Para a solução de problemas, o instrumento utilizado pelo enfermeiro no
PID resgata o estado de saúde das mulheres nas visitas domiciliares mensais, onde
pontua os sinais vitais; as queixas álgicas; as alterações cardio pulmonares; a
aceitação da dieta, sono e repouso; os aspectos emocionais; e os procedimentos de
enfermagem. A partir desses indicadores, surge a tomada de decisão.
O que reafirma a percepção de Suzana sobre a promoção do cuidado de
enfermagem ser fragmentado, apenas como uma aplicação de técnicas, no entanto
deve ser baseada em um processo de resolução de problemas de forma criativa e
atenciosa, embasado nas diversas as formas de conhecimento.
Os enfermeiros dispõem de ferramentas que auxiliam a prática do cuidar,
como: as teorias de enfermagem, o processo de enfermagem dentre outros teóricos
60
filosóficos que alguns colegas trabalham com coerência e excelência. Watson,
desde 1979, reconhece o processo de enfermagem como um abrangente processo
de resolução criativa de problemas.
Percebemos a necessidade de aplicar, no dia a dia, referencial
teórico-filosófico que acompanhe o desenvolvimento das técnicas, tornando
científico o cuidado de enfermagem prestado pela equipe do PID.
A promoção da pesquisa é a solução sistemática de problemas, para
Watson um importante fator para a ciência do cuidado. Watson (1985) acredita que
sem o uso sistemático do método científico de solução de problemas, a prática
eficaz é acidental, na melhor das hipóteses, torna-se fortuita; ou até prejudicial, na
pior das hipóteses. O método científico de solução de problemas é, para a autora, o
único método que permite o controle e a previsão, e isso permite a autocorreção.
Sabe-se que é real a existência do adoecimento físico, contudo o
enfermeiro não pode ignorar o comprometimento do estado psicológico; dessa
forma, a entrevista e o exame físico são ferramentas utilizadas no processo de
enfermagem, segundo Álvaro-Lefevre (2010), e que devem ser utilizadas para
conhecer os problemas das mulheres, traçar os diagnósticos de enfermagem
cabíveis, planejar as ações necessárias, implementá-las, e por último avaliá-las.
Segundo Pessoa, Pagliuca e Damasceno (2006) as teorias contribuem
para uma base fundamentada sobre a prática, pois reúnem proposições para pensar
a assistência, evidenciam propósitos, limites e relações entre profissionais e clientes
que cuidam e são cuidados
No entanto, comumente é encontrada resistência na utilização das teorias
de enfermagem pelos enfermeiros brasileiros, lacuna que pode ser oriunda das
escolas de graduação e de pós-graduação em enfermagem, ou decorrente da
estruturação dos espaços da prática profissional que massificam e precarizam o
processo de trabalho do enfermeiro.
Farevo et al. (2009), mesmo diante de uma política nacional de
humanização do cuidado, preconizam a valorização do homem, a Teoria do Cuidado
Transpessoal e, por consequência, os conceitos utilizados por Jean Watson, não
61
eram conhecidos pelos enfermeiros do PID. Percebemos essa realidade quando
apresentávamos o estudo ao acompanhá-los na visita domiciliar.
Contudo, percebemos a necessidade de adoção de paradigmas
compatíveis com a realidade brasileira, isto é, suas necessidades, ou ainda
afirmações de que os serviços de saúde estão despreparados para a implementação
destes ideais.
Muitos fatores estão inseridos neste contexto como: o tempo reduzido da
visita domiciliar, fruto do grande contingente de pessoas a serem visitadas;
sobrecarga de trabalho, consequência da baixa remuneração do serviço; e,
essencialmente, a desvalorização do cuidado de enfermagem.
6.7 A PROMOÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM INTERPESSOAL
As práticas educativas realizadas pelos enfermeiros do PID, para Luiza,
sempre foram bem-vindas, gerando bem-estar para ela, para o cuidador e para a
família, enquanto no hospital vinculado com o PID, a falta de informações acabou
acarretando a perda de 94% da acuidade visual, causada pela toxidade do oxigênio.
Suzana informa que o enfermeiro ensinou a fazer glicemia e administrar
insulina em um dia de visita, ao aplicá-lo; mas houve outras oportunidades, para
preparar e administrar a medicação que ela observasse, e o mesmo não utilizou
uma outra estratégia de ensino porque estava apressado para visitar outros doentes.
O tempo é um dos principais conceitos da ciência do cuidado humano,
onde o presente é mais real subjetivamente e o passado é mais real objetivamente,
portanto o presente, passado e o futuro se fundem. (WILLS, 2009). Assim, é melhor
que o enfermeiro permaneça maior tempo no domicílio, para garantir a qualidade do
cuidado e a satisfação das mulheres.
Maria se sentiu beneficiada com a promoção do ensino-aprendizagem
interpessoal em relação ao uso de medicamentos, bem como percebeu a
importância de ingerir alimentos ricos em ferro, no sentido de corrigir sua anemia,
conscientização realizada pelo enfermeiro, apoiada no diálogo.
62
Um diálogo pré-estabelecido, padronizado, desqualifica a assistência,
mais do que isso, pode-se observar, nessa ocasião, a necessidade de reavaliar o
modo unidirecional do processo de educação em saúde, bem como os instrumentos
utilizados na prática do cuidar, a fim de alcançar a verdadeira construção da
educação e da saúde, com a participação e autonomia do ser. (WATSON, 2007).
Para conhecer é preciso conviver e o diálogo colabora em aproximar o
enfermeiro da mulher e de sua família. Muitas vezes as falas dessas mulheres não
estão pontuadas no instrumento utilizado pelos enfermeiros na visita domiciliar e
esse achado fica como desvalorizado, contudo se faz necessário a construção de
um instrumento que contemple, não só algumas as necessidades humanas, mas um
leque de informações necessárias para a promoção do cuidado.
Retornar para seu domicílio, após um agravo, é uma difícil readaptação
para a mulher, tornando-se necessário o envolvimento em uma verdadeira experiência
de ensino-aprendizagem, que atenda a unidade do ser. Watson (2008) assinalou que
o processo requer o “uso completo de si mesmo e todos os domínios do
conhecimento, inclusive o conhecimento empírico, estético, intuitivo, afetivo e ético.”
Watson (2008) ressalta os processos utilizados por ambos, o enfermeiro e
o ser cuidado na situação, que são considerados coparticipantes no processo de
aprendizagem; a formação de relacionamentos pessoa a pessoa situa-se em
oposição aos relacionamentos manipulativos.
Como é denotado na fala de Lúcia, ao ser necessário se privar de
alimentos, novas estratégias de ensino devem ser empregadas pelos profissionais
para fazê-la compreender a importância da mudança de atitudes que comprometam
sua saúde no sentido de buscar qualidade de vida.
Segundo Watson (1985), a promoção do ensino-aprendizagem
interpessoal inclui o processo de engajamento das pessoas envolvidas no processo
de cuidado, bem como o fornecimento de informações, considerando a natureza do
aprendizado e do processo interpessoal estabelecido a partir da promoção e da
aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos, como se privar de
alimentos, sentimentos e atitudes que comprometam sua saúde no sentido de
conscientizar para obter melhor qualidade de vida ou mesmo sua sobrevida.
63
A promoção do processo ensino-aprendizagem interpessoal, segundo
Watson, pode: promover expectativas acuradas e reduzir a discrepância do
desconforto entre o grau de estresse esperado e o grau de estresse vivenciado;
aumentar a habilidade de predizer o que acontecerá, proporcionando uma sensação
de controle e redução do medo; criar uma preocupação realista e um ensaio mental
para a aceitação emocional do estresse; mudar crenças e reduzir as fantasias que
podem ser causadas pelo estresse; levar a uma compreensão para lidar com a
doença e sua concepção de uma forma menos estressante; estar intimamente
envolvida na avaliação das situações enquanto ameaça e a avaliação de formas de
reduzir a ameaça.
Percebeu-se que a promoção do ensino-aprendizagem das mulheres do
PID é unicamente direcionada à terapêutica medicamentosa, seguindo a prescrição
médica ou assuntos administrativos relacionados à dinâmica de funcionamento do
PID, demonstrando pouco envolvimento em suas relações interpessoais.
6.8 A PREVISÃO DE UM AMBIENTE DE APOIO, PROTEÇÃO E/OU
NEUTRALIZAÇÃO MENTAL, FÍSICA, SOCIOCULTURAL E ESPIRITUAL
Lúcia disse encontrar no cuidado domiciliar a previsão de um ambiente de
apoio, proteção e/ou neutralização mental, física, sociocultural e espiritual, apesar do
seu estado de adoecimento. Refere ainda que consegue encontrar paz junto com
seu esposo, vizinhos e sua ambiência.
A expressão da sensibilidade pareceu-nos transformar o ambiente e criar
condições para a expressão da empatia, respeito, amor e, assim, estabelecer
relações de ajuda e apoio ao outro.
Para Cecília, embora seu domicílio seja confortável, não há previsão de um
ambiente de apoio, proteção e/ou neutralização mental, física, sociocultural e espiritual.
Ela se refugia em seu domicílio para não ter que enfrentar seus medos e decepções,
ainda assim lhe é hostil, sua ambiência manifesta o aprisionamento que vive sua alma.
A condição de Fátima é bem parecida, embora sua casa não seja confortável.
64
O domicílio de Luiza representa um ambiente de apoio, proteção e/ou
neutralização mental, física, sociocultural e espiritual, conhece os espaços
domiciliares que percorre sem dificuldades, além de sentir-se mais segura e
amparada, por estar próximo a sua família. O domicílio favorece a interação
enfermeiro, cliente e a sua família ao incentivar a mudança de comportamento e
sentimentos que promovem maior bem-estar.
As equipes do PID e a da pesquisa sempre foram bem acolhidas, com
gentileza, atenção e sentimentos recíprocos de colaboração na promoção do
cuidado pelas mulheres e à família em seus domicílios, essas assumem, assim,
importância fundamental para o sucesso de iniciativas desta natureza.
Parte, assim, da premissa de que o cuidado deve ser entendido como
uma forma de viver, de ser e de se expressar, enquanto contribuição para o
bem-estar e para a promoção das potencialidades e da dignidade humana.
6.9 ASSISTÊNCIA COM A GRATIFICAÇÃO DAS NECESSIDADES HUMANAS
As seis mulheres demonstraram, como necessidade de assistência, com
a gratificação das necessidades humanas: de afeto, compreensão, carinho e de
amor; e não só a manutenção das funções orgânicas.
Para Watson (2008), assistência com gratificação das necessidades
humanas, é apresentado com a plenitude e unidade do ser em todos os aspectos da
promoção do cuidado do indivíduo, englobando e valorizando o trinômio
corpo-mente-espírito, capaz de mudar o foco do cuidado, passando do foco da cura
para o da reconstituição e amor.
O fator assistência, com a gratificação das necessidades humanas, no
PID, relaciona-se ao atendimento das necessidades fisiológicas das mulheres. O
momento de interação é na visita domiciliar, que tem o tempo de aproximadamente
vinte minutos, para avaliação médica, de enfermagem e utilização de tecnologias
educativas. Conclui-se que o tempo é insuficiente para o cultivo da sensibilidade ao
próprio ego e ao das demais pessoas.
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Outro fator agravante é a ausência da assistência psicológica na equipe,
que poderia dar suporte aos profissionais para casos em que fossem identificadas
necessidades afetadas de origem emocional ou psicossocial.
A equipe do PID deve estar sensível a respeitar a mulher em suas
particularidades, essencialmente no seu lar, pois o mesmo se mostra em sua
integralidade, e deve trabalhar com uma certa flexibilidade no sentido de favorecer
um ambiente terapêutico e agradável. É importante a construção da relação de
cumplicidade entre o indivíduo, o enfermeiro e, sobretudo, com a família, onde cada
um assuma seu papel na divisão de responsabilidades
Compreende-se que é impossível assistir à mulher com a gratificação das
necessidades humanas em um curto período, uma vez que há necessidade de
conhecer para intervir posteriormente.
6.10 A PERMISSÃO DE FORÇAS EXISTENCIAIS FENOMENOLÓGICAS
Para Watson (2008), é necessário que o enfermeiro compreenda o
significado que a pessoa dá à própria vida e/ou que a auxilie a encontrar sentidos
nos acontecimentos penosos, e para isso ser possível, deve voltar-se para seu
interior e conhecer suas indagações existenciais, possibilitando o conhecimento de
si, para conhecer o outro, ampliando da capacidade de reestruturação.
Observamos que o enfermeiro, ainda, tem uma postura tecnicista,
priorizando a aplicação das técnicas e a existência de forças existenciais
fenomenológicas apenas pontuadas de forma pragmática. Há uma preocupação
com o fazer e não com o ser.
Alguns enfermeiros utilizam de forças existenciais fenomenológicas.
Apesar da formação do enfermeiro ser influenciada com disciplinas na área das
ciências humanas e apoiada na política nacional de humanização, há pouco
envolvimento afetivo e espiritual. É proposto por Watson (2008) buscar a qualidade
da assistência, no cuidado transpessoal.
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O cuidado transpessoal parte do relacionamento subjetivo de ser humano
para ser humano, no qual o enfermeiro afeta e é afetado pelo outro. Ambos estão
totalmente presentes no momento e sentem a união com o outro; compartilham o
campo fenomenal, que se torna parte da história de vida dos dois. (WATSON, 2008).
Watson (2008) propõe a evocação ostensiva da junção do amor e
cuidado, num paradigma expandido, no qual as dimensões espirituais e existenciais
podem se conectar aos processos de experiências humanas de vida. Entretanto,
não é possível associar a promoção do cuidado de enfermagem, sem envolvimento
psico-afetivo-espiritual, traduzido por Watson como ciência sagrada.
A ciência sagrada propõe o amor e o cuidado, são forças cósmicas,
universais e misteriosas que compreendem a energia psíquica primária e universal.
Watson (2008) defende que é essencial para sociedade de hoje sustentar os ideais
do cuidado humano.
Percebemos que o cuidado de enfermagem prestado no PID está distante
do idealizado, há a necessidade de descentralizar a promoção do cuidar, ultrapassar a
aplicabilidade das técnicas e repensar novos valores sobre a prática do cuidar, que se
inicia ao compreender a essência de ser mulher, ser cardiopata do ponto de vista
psico-afetivo-espiritual.
67
7 CONSIDERAÇOES FINAIS
A assistência à saúde, durante todo seu desenvolvimento histórico, social,
econômico e estrutural, sofreu alterações e reformulações para melhor adaptação às
necessidades de saúde das pessoas. No entanto, o modelo da assistência domiciliar
vem ressurgindo como uma forma de personalização e humanização da prática
assistencial à saúde.
Nesta pesquisa constatamos que, no cotidiano das ações de enfermagem
domiciliar, os profissionais parecem ainda não ter compreendido o verdadeiro
significado e abrangência do cuidado humano, que é revelado ao se priorizar o uso
das técnicas em detrimento ao cuidado humano.
Para tanto, torna-se necessário que o enfermeiro esteja aberto para
novas possibilidades, valorizando o ser cuidado, tornando-o como parte essencial do
processo de cuidar, permitindo e respeitando sua participação e autonomia, em
romper com o modelo unidirecional da prestação de serviços de saúde.
Percebemos que os enfermeiros colaboram com o bem-estar das
mulheres cardiopatas assistidas pelo PID, apesar de não priorizar os aspectos
subjetivos da mulher cardiopata. Mesmo assim, percebemos que sua presença é
significativa em seus domicílios, sendo seu papel associado à aplicação das
técnicas de enfermagem, à utilização das práticas educativas e à disponibilidade da
terapêutica farmacológica.
Denotamos que a relação interpessoal se dava de forma superficial e não
havia envolvimento com espiritualidade das mulheres, apesar de respeitar seu
credo. Pudemos observar que o enfermeiro não contempla a mulher como mente,
corpo e espírito, permanecendo lacunas que possam agravar o seu estado
psicológico e comprometer sua hemodinâmica.
Não houve, em nenhum momento, referência à colaboração da Estratégia
de Saúde da Família, junto à promoção do cuidado domiciliar. A política nacional de
atenção básica, através do pacto pela vida, prioriza a saúde da mulher e do idoso. A
ESF deveria ser o alicerce para o desenvolvimento do cuidado domiciliário, visto que
68
é a principal ferramenta de ligação dos três níveis de atenção, daí a magnitude do
sistema de saúde vigente. Desta forma percebemos ausência do cuidado integral à
saúde das famílias, incluindo-se aqui a mulher cardiopata, seu cuidador, e demais
membros da família, que muitas vezes necessitam de cuidados.
Identificamos que as ações do cuidar se apóiam no referencial teórico de
Wanda Horta, ao se reportar às necessidades humanas das mulheres. Percebemos
que o instrumento utilizado pelo enfermeiro na visita domiciliar é incompleto e frágil,
pois atende de forma parcial as suas necessidades. Apesar dos enfermeiros
trabalharem o mesmo instrumento, não há uniformidade em relação às visitas
domiciliares, não encontramos regimento administrativo de enfermagem do PID,
nem registros de indicadores.
Apesar do serviço existir há mais de uma década, somente no ano de
2010 recebeu uma enfermeira diarista, que realiza a busca ativa nas unidades de
internação, acompanha o fluxo dos pacientes assistidos pelo PID, e comparece aos
domicílios de acordo com a necessidade de cuidado individual. Seu ingresso trouxe
grandes benefícios na qualidade do cuidar em enfermagem e consequente melhoria
da qualidade de vida das pessoas assistidas pelo PID.
A família foi considerada um grande apoio e sustentáculo para a mulher
cardiopata assistida no PID, sua a intimidade facilita a promoção do cuidado, assim
como a satisfação afetiva e psicológica de estar sendo cuidada pelos seus, reflete,
para a mulher, sua importância para si, os seus e para a sociedade.
O cuidador aparece como um parceiro, quase todos eram membros da
família e articulavam de forma harmônica com a equipe do PID, ao buscar
estratégias para adquirir melhores condições de vida para as mulheres cardiopatas.
A utilização dos dez fatores de cuidado de Watson no processo de
cuidado pode se mostrar efetiva. Vale ressaltar que esses fatores não são
complicadores para a aplicação do cuidado, mas se constituem em aspectos
sustentáveis e desafiam para a prática profissional, conduzindo o enfermeiro, a
princípio, ao auto-conhecimento, no sentido de refletir suas ações e perceber a
riqueza do referencial teórico, passando posteriormente a colaborar com a
implementação do cuidado humanizado.
69
As experiências vividas nos domicílios foram marcantes, pois a
compreensão dos conceitos da Teoria do Cuidado Humano se constitui em um
referencial inovador e efetivo. Deste modo, o desenvolvimento da capacidade
expressiva do enfermeiro, aqui mais especificamente falando dos valores
humanístico-altruístas, somados ao conhecimento técnico-científico, poderá
contribuir de maneira efetiva para uma melhor expressão do cuidado de
enfermagem, melhorar a qualidade de vida e a qualidade de vida no trabalho.
Por meio do estabelecimento de relações e ações mais humanas,
poderemos enxergar com os olhos do corpo e da alma, entender o não dito, confiar
no vivido, sociabilizar o saber e o fazer, refletir sobre as vivências, buscando o
auto-conhecimento e ações com presteza e sabedoria.
A Enfermagem vem sendo conduzida à promoção do cuidado
humanizado e científico no sentido de romper o paradigma hospitalacêntrico por
meio do cuidado com a pessoa e com a vida, sob um enfoque humano, situação que
favorece a verdadeira identificação profissional, pois a essência da Enfermagem se
constrói a partir da relação com o outro.
Percebemos que é possível desenvolver o cuidado transpessoal com
base na teoria de Jean Watson, que quando utilizada determina uma atitude de
respeito pelo sagrado, que é o outro, estando este ser conectado ao outro, sem
divisões de espaço e tempo, portanto, ultrapassando a postura tecnicista.
Encontramos algumas limitações no transcorrer da pesquisa, como a
dificuldade de acessar aos domicílios das mulheres, bem como a redução do
número de mulheres cardiopatas que se envolveram na pesquisa. O período da
visita dos profissionais do PID é de apenas vinte minutos, o que dificultou a
possibilidade de observar o envolvimento deste com a mulher e sua família.
Percebemos que o serviço depositou no profissional muita
responsabilidade no manejo do cuidar, bem como a promoção da vida, no entanto
se faz necessário compartilhar essa responsabilidade com a própria mulher, a
família e o cuidador, no sentido de gerar sustentabilidade no cuidar.
70
A pesquisa possibilitou o despertar para uma nova dimensão do cuidado,
não copiada, mas construída de acordo com a necessidade de cada mulher,
propondo uma visão ampliada das mulheres e, consequentemente, do cuidar.
Também despertou nos enfermeiros a necessidade de reorganizar o espaço do ser
enfermeiro no PID, gerou inquietações nos mesmos, que passaram a escrever suas
histórias e vivências no PID, e o perfil dos enfermeiros sob a ótica pessoal e não
governamental, ou institucional.
Diante destas inquietações gerou-se uma parceria estabelecida pelos
pesquisadores com os enfermeiros do PID, que levou à proposição de seis
experiências, que foram apresentadas no Congresso Brasileiro de Assistência
Domiciliar. E a elaboração do regimento de enfermagem domiciliar, pontuando as
necessidades das mulheres; físicas, psíquicas e espirituais. Este fato nos deu a
oportunidade de um novo olhar para o serviço e para a gestão, compreendendo que
a pesquisa e assistência se completam.
Surgiu também a necessidade de repensar estratégia de como driblar as
dificuldades encontradas no serviço, como algumas questões financeiras e
incentivar a produção científica, fruto das discussões sobre o cuidado domiciliar
prestado neste serviço.
A pesquisa possibilitou aos enfermeiros um novo enfoque à promoção do
cuidado, contemplando a mulher de forma holística, vislumbrando o cuidado
transpessoal. Sabemos que a colaboração para melhoria da qualidade de vida
depende da tomada de atitude de todos os envolvidos, mas que os achados
revelados na pesquisa geraram inquietações e necessidade e mudanças. E,
sobretudo, gerar o compromisso de promover um cuidado integral, com um perfil
humanizado.
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APÊNDICES
76
APÊNDICE A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Nome: _____________________________________Idade:______ Sexo:________
Endereço:_________________________________________________________
Escolaridade:_________________ Religião:________ Estado civil:_________
Profissão:____________________ Ocupação:__________________________
Naturalidade:___________________
Nacionalidade:__________________
Renda familiar: _____________
Diagnóstico médico: ___________
Tempo do diagnóstico da doença: Início________ Fim______
Terapêutica farmacológica:_____________________________
Nível de instrução:
( ) Não alfabetizada
( ) Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio
( ) Graduação
( ) Pós-Graduação
Quem lhe visita?
___________________________________________________________________
Quando lhe visita?
___________________________________________________________________
Qual é o seu sentimento com o PID?
___________________________________________________________________
Como é cuidado de enfermagem oferecido pelo PID?
___________________________________________________________________
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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, Ana Paula Almeida Dias da Silva, enfermeira, aluna do Curso de Mestrado Acadêmico de Cuidados Clínicos em Saúde na Universidade Estadual do Ceará, estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada, provisoriamente: “CUIDADO DE ENFERMAGEM DOMICILIAR A MULHER CARDIOPATA À LUZ DA TEORIA DO CUIDADO HUMANO DE JEAN WATSON”, sob a orientação da Profª. Dra. Ana Virginia de Melo Fialho. O estudo tem como objetivo geral “Compreender o processo de produção do cuidado do enfermeiro com as mulheres cardiopatas assistidas pelo programa de assistência domiciliar do Hospital de Messejana.” Assim, convido-lhe a participar deste estudo, que será realizado através de entrevista e de observação sistemática das atividades desenvolvidas com as pacientes. Caso concorde, enfatizo que a sua participação neste estudo não lhe acarretará nenhum prejuízo físico, mental ou social. Você terá a liberdade de desistir de participar do estudo em qualquer momento do seu desenvolvimento, sem que isto acarrete prejuízo ao seu tratamento. Este documento constará de duas vias, onde uma é da pesquisadora e outra do participante da pesquisa. Todas as suas informações pessoais adquiridas serão mantidas em sigilo. Contato: Ana Paula Almeida Dias da Silva, Enfermeira Pesquisadora – COREN: 72718. Contato: (85) 31019623. Data: ___ /___ / ______ __________________________________________ Data: ___ /___ / ______ __________________________________________ ___________________________________________________________________ Eu______________________________________________________________ RG nº:___________________, declaro que fui informada acerca dos objetivos do estudo e concordo em participar, voluntariamente, desde que eu tenha assegurado o direito, sem nenhum prejuízo a minha pessoa, de não continuar participando se assim o desejar. Estou ciente de que minha identidade será mantida em sigilo, os depoimentos prestados e os dados obtidos serão utilizados cientificamente. Estou ciente, também, de que NÃO receberei pagamento ou gratificação pela minha participação no estudo. Data: ___ /___ / ______ _________________________________________ Data: ___ /___ / ______ __________________________________________
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ANEXO – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA